à:* ~. ? W^r? "%*- ç Sr;..:*' i > ■ - • f'Tf *X A £• -,-.» im^ ' ,X \,'f J4J- "^,í. ?• l sX"\*~ *i ^âTT- ^^^'tv^5' '?^''^^^i,';'^r -k.^■;•,>' & ri* & ,,-^ .(.. -*s NATIONAL LIBRARY OF MEDICINE Bethesda, Maryland SOBRE AS FEBRES DO RIO DE JANEIR >ELU LENTE DE CIMA MEDICA DA FACULDADE DA ACADiÍA IM MEMBRO CORRESPONDENTE DA AüDEMIA REAl DAS SCIENCtÀS DE LISBOA M / Dr. José HermanegiUo Per&ir^ Guimarães , Brosasaea RIO m JANEIRO LIVRARIA CLÁSSICA DE MCOLAO ALVES EDITOR 48, RUA DE GONÇALVES DIAS, 48 1877 B6C 297� i ? Lisboa—Imprensa Nacional í PREFACIO U estudo das febres que apparecem commummente na cidade do Rio de Janeiro constitue a parte mais importante da historia da nosologia nacional. Se ó verdade que as individualidades mórbi- das inodificão-se em sua evolução, marcha, natureza, gravidade e terminação, conforme as variadas condições climatericas da loca- lidade cm que são observadas; se é verdade que as epidemias e cndemias também parlicipão da mesma influencia; não é menos vcidade que é no grupo de moléstias conhecido com o nome de pyrcxias que essas modiíicaçòes se tornão mais pronunciadas e salientes. Cada espécie (Tesse grupo reveste-se de caracteres par- ticulares em cada clima; apresenta uma physionomia svmptoma- lica especial em relação com um certo numero de elementos tellu- ricos e meteorológicos do paiz em que se desenvolve, quer espo- rádica, quer endêmica, quer epidemicamente; em localidades cujo clima parece idêntico, revela-se de um modo differente, reclama uma medicação diversa. Todos os práticos do Rio de Janeiro reconhecem que grande numero de moléstias agudas, incluindo as phlegmasias, e algumas íilíecrões chronicas, apresentão-se entre nós de modo diverso daquellc por que são descriplas pelos palhologistas europeos; no que diz respeito ás febres, não ha um só que não admitta que o IV PKEFAÜIO nosso clima e a nossa topographia lhes imprimem um cunho in- teiramente indígena. Qualquer medico estrangeiro, por mais hábil e inslruido que seja, em presença de um doente acommettido por alguma das nos- sas febres. íicará embaraçado para estabelecer o diagnostico, e errará na escolha dos meios lherapcuticos. Ha casos de febre re- mittente, pseudo-continua, e mesmo continua de fundo essencial- mente paludoso, em que o sulfato de quinina é o único medica- mento que pôde produzir a cura, que no enlrelanlo «qtjesenlão como único symptoma a febre, sem que nos primeiros dias appareção os phenomenos concomitantes que caraclerisáo as moléstias de- vidas ao miasina palustre. A febre remiltenle paludosa I vphoidéa. muito freqüente entre nós. mencionada de passagem pelo professor Griesinger em seo livro sobre—as moléstias infecciosas—. sem duvida alguma será considerada por qualquer pratico estrangeiro como uma verdadeira febre typhoide. como tem sido por alguns médicos brazileiros, aliás muito dislinclos; no entretanto, se a íór- ma exterior de que se reveste a moléstia é muito similhanle á que carecterisa a dothinenteria, o seo fundo é paludoso, sem as pre- parações de quinina ella não pôde ser combalida. Ora, como hoje ninguém mais acredita que os saes de quinina, dados em alia dose, offereção vantagens reaes no tratamento da \erdadeira febre typhoide, no caso que figuro, um erro de diagnostico traz conse- qüências funestas, porque elimina da llierapeulica o único re- médio que pôde curar o doente. Entre nós a febre typhoide começa muitas vezes como uma ver- dadeira febre intermitlente quotidiana ou dupla-lerçà; no tim de Ires ou qnalro accessos, caracterizados pelos três estádios, a febre torna-se remittente com francas exacerbações vespertinas; depois PKEFACIO V o typo passa a ser continuo, e só então a moléstia se manifesta com os seos symptomas característicos; as altas doses de sulfato ^^*£t. sa entre nós; muitas vezes constitue uma complicação em um certo nu- -—^^/--^T mero de moléstias agudas ou chronicas; na pneumonia quasi sempre/ ella se manifesta reclamando uma medicação especial, e os accessos ap- parecem quando o doente vai entrar em convalescença. Não é raro ob- servar-se a febre intermittente complicando a coqueluche na infância e as lesões orgânicas do coração nos adultos e velhos. Os typos mais freqüentes da febre intermittente no Rio de Janeiro são: em primeiro lugar o quotidiano; depois o terção e oduplo-terção; os typos quartão e duplo-quotidiano são muito raros, principalmente quando não ha concomitância de cachexia paludosa. A manifestação dos três estádios, perfeitamente caracterisados e com a duração marcada pelos autores, raras vezes se observa. Quando ha o calafrio inicial do accesso, elle dura pouco tempo, ainda mesmo que o período de calor tenha de prolongar-se muito; na grande maioria dos casos, o doente, em lugar de um violento tremor de frio (rigor) expe- rimenta uma sensação de resfriamento ao longo do rachis, ou fica com as mãos e os pés resfriados, sendo muito pronunciado o abaixamento da temperatura e tornando-se as unhas arroxadas. Outras vezes o indiví- duo accusa apenas algumas horripilações, que apparecem na hora do ac- cesso, e cessão logo depois para reapparecerem mais tarde, até que ve^ iiha o estádio de calor. A observação demonstra entre nós que dos três estádios de um ac- cesso de febre intermittente, qualquer que seja o typo, o primeiro é o que falia com mais freqüência. No hospital da santa casa da mizericor- dia, para onde vão muitos doentes procedentes de localidades pantano- sas, observa-se muitas vezes a ausência do período de frio em um ac- ^7 *->-*^- ^*^>-*^f* . 4 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES cesso intermittente; na clinica civil é isso muito commum, sobretudo em crianças. A febre intermittente que complica uma moléstia aguda ou chronica ordinariamente se apresenta sem o primeiro estádio, e em alguns casos sem o segundo também. O estádio de calor é o que falta mais raramente; em certos doen- tes é o único que se observa, porque falta o primeiro, e o terceiro, ou realmente não existe, ou passa desapercebido. A reacção febril tem uma duração muito variável; geralmente permanece por seis, oito e doze ho- ras ; se a moléstia data de muito tempo, se não tem recebido modifica- ção alguma do emprego dos meios therapeuticos, o período de calor vai gradualmente se prolongando, e ás vezes o typo intermittente da pyre- xia insensivelmente se transforma em typo remittente; ha casos em que essa transformação tem lugar a despeito de altas doses de sulfato de quinina, convenientemente administradas. Acompanhando-se passo a passo a marcha de um accesso regular de febre intermittente, nota-se, por meio do thermometro, algumas par- ticularidades relativas ao calor febril, que servem, em muitos casos de duvida, para o diagnostico, bem como para a therapeutica. Assim, por exemplo, um accesso isolado caracterisa-se por uma elevação rápida (muitas vezes acompanhada de calafrio) a uma grande altura da colum- na thermometrica, e por uma volta igualmente rápida ao estado normal. A temperatura começa a subir muito antes do apparecimento de qual- quer outro symptoma que denuncie o paroxysmo febril. A subida inicial é relativamente lenta, pôde durar algumas horas sem que o calor exce- da a 38°,5 ou 39°; logo que se manifesta o calafrio, que pôde appare- cer em differentes gráos thermicos, a elevação do thermometro torna- se muito mais rápida e chega dentro de uma hora, pouco mais ou me- nos, a 41° ou 41°,5. Esta elevação continua muitas vezes sem interrupção até o apogèo thermico do accesso, O máximo da temperatura se obser- va durante o período de calor mordicante, e ás vezes depois que appa- recem alguns suores parciaes: mantem-se apenas por espaço de alguns minutos. Logo que os suores tornão-se geraes e profusos, a temperatura co- meça a diminuir; na primeira hora, ou mesmo na primeira meia hora, a columna thermometrica desce lentamente, notando-se em alguns casos pequenas fluctuações que perturbão a marcha decrescente do calor; de- DO RIO DE JANEIRO 5 pois a descida faz-se com rapidez sem que o mercúrio do thermometro torne mais a subir. Durante um quarto de hora ou meia hora, a tem- peratura mantem-se no mesmo ponto, depois diminue de l io ou 2/io, pára de novo, torna a diminuir, e assim por diante. Quatro horas pou- co mais ou menos depois d'essa evolução, e quando o calor febril se acha a 40° aproximadamente, o abaixamento da temperatura se effectua com mais velocidade; todavia só no fim de dez ou doze horas é que em alguns casos se observa o calor physiologico. As vezes, durante a apyrexia que succede a um accesso de febre intermittente, a temperatura se conserva um pouco acima do estado normal: quando porém o período apyretico dura mais de um dia, ob- serva-se uma pequena exacerbação vespertina que apenas excede a flu- ctuação quotidiana normal. Tenho observado em alguns casos de febre intermittente, depois do emprego do tartaro emetico, dos calomelanos, e sobretudo do sulfato de quinina, meios estes de acção antipyretica, alguns accessos regulares que não apresentão symptoma algum subjectivo, e só se denuncião pela elevação da columna thermometrica; não são precedidos de calafrios, nem seguidos de abundante suor; os doentes julgão-se em franca con- valescença, não acreditão na existência da febre. N'estes accessos, as- sim modificados, ordinariamente o máximo da temperatura não excede a 39°, e o decrescimento do calor se completa em quatro ou seis horas. Observação I—Um portuguez de 42 annos de idade, residente em S. Matheus, entrou para a enfermaria de Santa Izabel com cachexia paludosa e fe- bre intermittente quotidiana no dia 11 de maio de 1872. Os accessos erão comple- tos, o estádio de calor durava oito horas, o calafrio apparecia ás 3 horas da tarde. Ás 5 horas da tarde, no dia da entrada, o thermometro marcou 41°,2; ás 111/2 ho- ras da noute apparecerão suores abundantes; ás 9 horas da manhã seguinte (12) temperatura a 37°,8. Ventosas sarjadas na região hepatica, bebida emeto-cathar- lica, e depois de seos effeitos, 12 decigrammas de sulfato de quinina. Novo accesso a tarde, tendo começado ás 4 horas; ás 5 horas 40°,9. No dia 13, ás 9 horas da manhã, temperatura a 37°,8; 2 grammas de sulfato de quinina em duas doses (ás 9!/2 e ao meio dia). O thermometro marca ás 5 horas da tarde d'esse dia 38°,2; o doente diz que não teve accesso; no dia 14, ás 9 horas da manhã, temperatura a 37°,2; ainda 2 grammas de sulfato de quinina, dados do mesmo modo que na vés- pera; ás 5 horas da tarde, 38°; no dia 15, 1 gramma de sulfato de quinina ao meio dia; as 5 horas da tarde, 37°,4; no dia 16, 6 decigrammas do sal de quinina; ás 5 horas da tarde, 37°,2. Só no dia 18 foi que a temperatura chegou a 37ü na hora em que apparecião os accessos. O sulfato de quinina foi empregado em doses gra- 6 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES dualmente decrescentes até ao dia 20. Ao terceiro dia de tratamento, não só o doente julgava-se livre completamente da febre intermittente, mas também a ap- plicação da mão em diversas regiões do corpo indicava um calor normal; no en- tretanto o thermometro revelava o augmento de um gráo na temperatura axillar. O estádio de suor raras vezes falta em um verdadeiro accesso de febre intermittente. Ás vezes o doente fica banhado em copiosa transpi- ração, e até as roupas do leito ficão molhadas; em muitos casos, que constituem a maioria, o suor é menos abundante e generalisa-se; em outros elle é parcial, limita-se á fronte, ao pescoço e ao thorax. Não é muito raro observar-se entre nós o terceiro estádio de um paroxysmo febril apenas caracterisado por um estado halituoso da pelle, e passan- do por isso desapercebido ao doente. Também observão-se casos em que o período de suor falta absolutamente. Quando o typo intermitten- te da febre tende a mudar para o remittente, á medida que os accessos se multiplicão, o terceiro estádio vai gradualmente se tornando menos pronunciado, até que desapparece; n'este caso, nas horas em que o doente se julga apyretico, o thermometro revela o augmento de um gráo ou mesmo de mais na temperatura axillar. O período de suor constitue ás vezes no Rio de Janeiro a única ma- nifestação de um accesso de febre intermittente; em certas horas do dia, e principalmente da noute, de ordinário da meia noute para a ma- drugada, um abundante suor se manifesta, ou occupando toda a super- fície da pelle, o que é a regra geral, ou limitando-se a certas regiões. Na febre intermittente que complica certas moléstias agudas ou chroni- cas, ou que sobrevem na convalescença d'estas moléstias, essa fôrma de accesso é freqüente. Chamo para ella a attenção dos práticos brazi- leiros, porque passando ordinariamente desapercebida ao doente e ao medico, muitas vezes é seguida de um accesso pernicioso franco e gra- víssimo. Observei três casos d'esta .ordem, em que os accessos insidio- sos e larvados, apenas constituídos por abundante transpiração, sobre- vierão na convalescença da pneumonia, no decurso de um pleuriz com derramamento e durante a marcha lenta de uma lesão orgânica do co- ração. Em todos estes três casos, o suor appareciaMe noute ou de ma- drugada; em todos manifestou-se depois um accesso pernicioso; em dous o primeiro accesso pernicioso determinou a morte; no outro o empre- go de elevadas doses de sulfato e valerianato de quinina conse^uio re- Febre rolermillenle [Observação I) Bonem, 42 aanos (Enfermaria de Santa Izabél diasàt eç&L da Twflésp, 7 mM l. 2 5 \ 4 3 \ £ \ 7 8 9 \JC ã J» 75 ! 14 \ là 47/ 40° 38° 07." 1 | | ! I ! | \ ■ .-X-\±l- r—i----- --4 - 1 i , i ; i —-- 1 [ \ 1 í i i 1 1 1 1 í -■41 i - i - 1 1 ' ;---' - ----]-}- — 11 i 1 ! ! ! 1H j .;..:? \\.\. a ! I i : i | 1 i ii i \ ^ 4 -- _„4_ _._ - — —i... + — 1 1 li 1 i L -L 1 j — - - .4 j ~^ \ ' l/i \ 1 i — VJ iZ) ' " i \ 1 L_, - j t A <4.i T" " \i) iz \rf r~ i : 1 I) Ventosas sarjadas na região hepatica; bebida emeto-catbartica, e depois de seus ellt-itos, 12 decicrammas de sulfato de quinina. Cl Duas grammas de sulfato de quinina, em duas doses. i3) Duas grammas de sulfato de quinina, em duas doses. (4) Alta. z/~ ^2-v /r ^£^^^ DO RIO DE JANEIRO 1 mover a terrível complicação, e o doente restabeleceo-se. Observei mais dous factos em que os accessos se manifestarão estando os indivíduos no gozo de perfeita saúde: acordavão abatidos, com indisposição para o trabalho, inappetencia e a lingua saburrosa; um d'estes doentes é medi- co, e, suspeitando que se tratava de uma febre intermittente anômala, cujos accessos apparecião-lhe durante o somno, prevenio a família e to- mou precauções. Com eífeito verificou que ás 2 horas da madruga- da se achava banhado em suor, a ponto de ser preciso mudar de roupa; no dia seguinte consultou-me referindo-me o facto, e eu lhe aconselhei que tomasse um purgativo salino e depois algumas doses de sulfato de quinina. Com este tratamento a saúde do collega restabeleceo-se com- pletamente. O outro doente era um menino de 7 para 8 annos de ida- de, forte e bem constituído. Foi a mãi que notou, na occasião em que ia deitar-se (11 horas da noute), que a criança estava tão suada que precisava mudar toda a roupa; depois de ter feito esta observação três noutes consecutivas, ficou inquieta, tanto mais que o filho havia perdido o appetite. Tendo eu sido consultado a respeito da significação d'esse suor, e tendo encontrado o menino com a lingua saburrosa, diagnosti- quei uma febre intermittente larvada, e aconselhei alguns meios n'esse sentido. Em poucos dias a criança ficou curada. Estes factos que acabo de referir me trazem em constante preven- ção a respeito da possibilidade do apparecimento de accessos de febre intermittente, caracterisados unicamente pelo estádio de suor; estes ac- cessos me inspirão tão sérios cuidados, me indicão tanta gravidade, que eu não cesso de interrogar os doentes e as pessoas que os cercão a res- peito de suores nocturnos ou matutinos, quando se trata de uma mo- léstia aguda ou chronica, do numero d'aquellas que ordinariamente se complicão entre nós de febre intermittente. Comprehende-se facilmente que as condições individuaes, os hábitos, a temperatura da estação e do aposento, o gênero de medicação empregada, e outras circumstancias que possão influir na secreção cutânea, serão tidas em linha de conta pelo medico. Cumpre não confundir o suor profuso e generalisado que pôde caracterisar um accesso insidioso e anômalo de febre intermitten- te, com a transpiração copiosa que se nota durante a noute em alguns doentes que têm tomado grandes e repetidas doses de sulfato de qui- nina. A confusão n'este caso é tanto mais possível quanto o suor tam- 8 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES bem é frio e ás vezes viscoso, apresentando os mesmos caracteres phy- sicos. Observação II — Jm pardo escravo, de 38 annos de idade e bem con- stituído, foi acommettido de uma pleuro-pneumonia franca do lado esquerdo. Dez dias depois do calafrio inicial, a resolução da phlegmasia marchava com toda acti- tividade; no fim de dezoito dias o doente entrou em convalescença, sem ter sido necessário o emprego do vesicatorio. Havia appetite, o somno era tranquillo e repa- rador, e a não ser algum abatimento das forças e uma bulha de attrito que se observava no terço inferior da face posterior do lado esquerdo do thorax, nada mais revelava a existência da inflammação pulmonar. Seis dias depois de ter dei- xado de visitar o doente, sou chamado para vel-o ás 10 horas da manhã: encon- tei-o completamente algido, com o pulso íiliforme e quasi imperceptível, banhado em copiòso suor glacial e viscoso, com a respiração estertorosa e perda absoluta dos sentidos; duas horas depois succumbio. Indagando minuciosamente do que se tinha passado nos dias anteriores, disse-me a senhora do escravo que logo ao segundo dia depois que cessei de visitar o doente, este, apezar de não se queixar de soffri- mento algum, suava abundantemente das 8 para as 10 horas da noute, tendo ne- cessidade de mudar de camiza, e que ella attribuia este suor á fraqueza, e por isso não lhe deo a menor importância. Ás 8 horas da manhã do dia em que teve lugar a morte, a pessoa que levou o almoço ao doente encontrou-o no estado em que o tinha visto duas horas depois. Observação III—Morava no Cosme Velho um homem portuguez, de 50 e tantos annos de idade, que soffria de uma insufflciencia mitral, consecutiva a uma endocardite rheumatica antiga. Este homem foi levado ao meo consultório pelo finado dr. Diogo, e por duas vezes lhe prescrevi alguns meios therapeuticos com o fim de attenuar as conseqüências da lesão cardíaca, sobretudo as hydropi- sias e o catarrho broncho-pulmonar, que muito o incommodavão. O doente ia me- lhorando progressivamente, já conseguia dormir em posição horisontal, quando começou a notar que de madrugada acordava banhado em suor, principalmente no peito e nas pernas; julgando que isso era effeito dos remédios que tomava, não consultou a ninguém, nem mesmo ao dr. Diogo, que então morava na vizinhança e o via todos os dias. Em uma manhã, ás 6 horas, esse collega foi chamado para ver o doente que estava em imminente perigo de vida. Depois de prescrever-lhe uma medicação apropriada e enérgica, chamou-me para uma conferência. Só ás 9 horas foi que pude ver o doente, e encontrei-o moribundo, apresentando os mes- mos symptomas que eu tinha observado no pardo da observação antecedente. Observação IV—Entrou para a casa de saúde de Nossa Senhora da Ajuda em agosto de 1870 um moço hespanhol, de 19 annos de idade, relojoeiro de temperamento lymphatico bem pronunciado e com a constituição depauperada por antigos soffrimentos. Este moço tinha um vasto derramamento pleuritico que occupava o lado direito do thorax e datava de mais de três mezes. Com o emprego de dous vesicatorios, um depois do outro, e da medicação purgativa drástica por meio do extracto de elaterio, consegui reduzir a collecção liquida á quarta parte do DO RIO DE .1ANEIRO 9 seo volume. O doente já passeiava em seo quarto, já comia bem, e já me fallava em retirar-se para fora da cidade, quando na visita do dia o de setembro o encon- trei com a face decomposta, difflculdade em responder ás minhas perguntas, ten- dência ao coma, lingua secca, extremidades superiores e inferiores frias, ventre tympanico e doloroso, principalmente na região hepatica. Diagnostiquei uma febre perniciosa, e prescrevi altas doses de sulfato e valerianato de quinina. No dia se- guinte as melhoras erão patentes, e em pouco tempo teve lugar a cura. Facto no- lavel, e que ás vezes se observa em casos análogos, o doente, depois de restabele- cido da febre perniciosa, ficou sem o resto de derramamento que tinha. Perguntando ao enfermeiro, e mais tarde ao próprio doente, pelo que se tinha passado anterior- mente ao accesso pernicioso, pois que eu não linha sido informado do appareci- mento de phenomeno algum estranho á moléstia thoraxica, disserão-me então que nas três noutes antecedentes, das 10 para 11 horas, tinhão apparecido suores pouco abundantes, porém sem precedência de calor nem de calafrio, e que por isso não os julgarão dignos de attencão. Quando a febre intermittente simples se prolonga por muito tempo, quando ella se torna chronica, o typo quotidiano converte-se ordinaria- mente em typo duplo-terção, este em terção, e finalmente este passa para o typo quartão. Na febre intermittente aguda, isto é, n'aquella que data de pouco tempo, este ultimo typo é excessivamente raro no Rio de Janeiro; só observei o typo quartão bem caracterisado em seis ca- sos, e em todos elles a moléstia tinha muitos mezes de duração; em um d'elles os accessos tinhão começado havia quasi um anno, e o doente apresentava todos os symptomas de uma cachexia paludosa profunda. N'estes casos, á medida que o tratamento empregado vai aproveitando, o typo dos accessos vai-se approximando do typo primitivo, e por fim torna-se francamente quotidiano ou terção. I III A infecção paludosa tem notável predilecção para o apparelho di- gestivo e seus annexos; em suas manifestações agudas, alem dos phe-'* nomenos que caracterisão a febre, quando existem, é n'esse apparelho que o medico deve procurar os vestígios de sua existência. Nos casos, não muito raros, em que os accessos febris passão desapercebidos por serem pouco intensos e de curta duração, uma febre intermittente sim- ples denuncia-se pelas modificações que imprime nas funeções do tubo gastro-intestinal e das vísceras que lhe são annexas, nas do fígado so- bretudo. 10 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES Depois de alguns accessos, ás vezes logo depois do primeiro, o doente apresenta a lingua saburrosa, revestida de um enducto esbran- quiçado mais ou menos espesso, como se o órgão tivesse sido caiado. A medida que os accessos se reproduzem, a espessura da camada de sa- burra augmentá. Antes de haver perturbação nas funcções do appare- lho hepato-bilíar, a côr da saburra se conserva branca; porém logo que o fígado se congestiona, mesmo quando não haja ictericia, o enducto saburral torna-se amarellado, e a intensidade da côr amarella vai gra- dualmente se exagerando até assemelhar-se á da gema de ovo. A boca se torna amargosa; apparece prematuramente o fastio; ás vezes ha náu- seas e mesmo vômitos depois das refeições. É muito freqüente obser- var-se, mesmo durante o período de apyrexia, grande desejo de beber água ou uma certa predilecção para as bebidas aciduladas. A região epigastrica torna-se sensível á pressão; o doente experimenta n'esta re- gião uma sensação especial de peso ou de excessiva plenitude; os in- testinos tornão-se preguiçosos, ha constipação de ventre; em certos ca- sos, menos freqüentes, apparece uma pequena diarrhéa muco-biliosa, acompanhada de eólicas. O fígado, depois de alguns accessos, raramente logo depois do primeiro, apresenta-se congestionado, e o lobo epigas- trico é a parte da glândula de preferencia acommettida pela hyperhe- mia. Com quanto todos os pathologistas estrangeiros admittão que a congestão do baço constitue um symptoma quasi infallivel na febre in- termittente, no Rio de Janeiro, quando a moléstia é de data recente, quando ainda não se nota phenomeno algum de cachexia, a congestão splenica não se manifesta; muitas vezes o fígado se acha augmentado de volume, muito doloroso á apalpação, excedendo de modo sensível o rebordo costal direito e invadindo os domínios do estômago, e os meios exploratórios, applicados ao hypochondro esquerdo, não revelão a me- nor alteração nos limites oecupados pelo baço. Nos casos raros de febre intermittente simples sem cachexia, em que se nota hyperhemia sple- nica pouco pronunciada, a hyperhemia hepatica se ostenta de um modo exagerado. O que acabo de dizer é o que tenho constantemente obser- vado nas enfermarias de clinica do hospital da mizericordia, para onde vão muitos doentes affectados de febre intermittente, tendo contraindo a moléstia em localidades evidentemente pantanosas, como Suruhy, Ma- cacú, Iguassú, Estrella, Itaguahy, Belém, Magé, Porto das Caixas e ou- DO RIO DE JANEIRO H tras. Ha sete annos que tenho dirigido com particularidade a minha atten- ção para este ponto, e desde 1868 tenho sempre encontrado a conges- tão do fígado predominando sobre a congestão do baço nos casos de febre intermittente simples. Em 77 doentes, attentamente observados no decurso de cinco annos, o augmento de volume da glândula hepatica nunca faltou; só em treze casos havia também hyperhemia splenica, e esta muito pouco pronunciada relativamente á do fígado. N'estes 13 doentes a moléstia datava de mais de quinze dias; em um o primeiro accesso se tinha manifestado dous mezes antes de sua entrada para o hospital. O volume que toma o fígado na febre intermittente simples varia segundo a intensidade e duração dos accessos, bem como o tempo de que data a moléstia: ora excede os limites inferiores de uma pollegada somente e não vai alem dos limites superiores; ora desce três ou qua- tro dedos transversos e chega ao nivel do quinto ou quarto espaço in- tercostal direito. Quando não ha concomitância de cachexia, a glândula hepatica não attinge maiores proporções. Quando se observa congestão do baço, ordinariamente ella é de pouca monta, salvo se já ha cachexia, se a infecção paludosa é antiga e profunda: a extensão da obscuridade splenica não vai alem de 12 a 15 centímetros. O dr. Duboué, em um excellente livro pratico que publicou (*), nos diz que na cidade de Pau, onde as moléstias palustres são endêmi- cas, o augmento de volume do baço falta muitas vezes na febre inter- mittente, bem como em outras manifestações da infecção paludosa. Ao lado d'essa pouca constância da congestão splenica, notou o distincto medico francez a grande freqüência de um symptoma, que se observa no hypochondro esquerdo e se passa no baço, a que elle dá exagerada importância no diagnostico das moléstias produzidas pelo envenenamento paludoso: é a dor splenica. Esta dor ora é espontânea e exacerba-se pela pressão, ora só apparece quando o medico, por meio do dedo pol- legar ou dos quatro últimos dedos, exerce uma compressão graduada por baixo do rebordo das falsas costellas esquerdas e sobre toda a ex- tensão do hypochondro esquerdo; é uma dor de caracter nevrálgico e que pôde ser ou não acompanhada do augmento de volume do baço. (') De 1'impaludisme, 181,7. 12 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES Depois que li a obra do dr. Duboué, e tive conhecimento do valor que elle liga á dor splenica como signal diagnostico das aífecções de fundo palustre: depois sobretudo que analysei as observações referidas na mesma obra em apoio da opinião sustentada pelo autor, dirigi n'esse sentido a minha attenção, procurando a dor splenica sem congestão do baço nos casos de febres paludosas de typos diversos, benignas e perni- ciosas, francas e larvadas, bem como na cachexia. Em abono da ver- dade, e de accordo com a observação clinica, cumpre declarar que em muitos doentes encontrei o referido symptoma, concorrendo elle de modo indubitavel para o diagnostico diferencial, sobretudo quando, na ausência de commemorativos exactos e fidedignos, uma pyrexia de fundo paludoso revestia a fôrma typhoidéa. Alguns casos de febre inter- mittente se apresentarão na enfermaria de Santa Izabel, acompanhada ou não de cachexia, em que a dor splenica se manifestou, ora espon- tânea, com os caracteres de uma verdadeira splenalgia, ora provocada pela forte pressão exercida por baixo das ultimas falsas costellas esquer- das. Em outros casos, evidentemente de febres paludosas, o symptoma mencionado por Duboué não foi encontrado, apezar de ter sido procu- rado pelos meios que elle aconselha. Dos factos que observei em 1872 e 1873 no hospital da mizericordia e na casa de saúde de Nossa Se- nhora da Ajuda, resulta para mim que a dor splenica existe em alguns casos de febres palustres, porém não em todos; que este symptoma por conseguinte tem grande valor diagnostico quando se manifesta, porém da sua ausência o medico não pôde nem deve inferir que a moléstia que observa não depende do envenenamento paludoso. Alem d'estes symptomas que acabo de referir, e que na grande maioria dos casos são os que se observão na febre intermittente simples e franca, outros podem manifestar-se excepcionalmente para diversos apparelhos orgânicos, acompanhando os primeiros, ou existindo sem muitos d'entre elles. Assim, por exemplo, não é muito raro observar-se entre nós a congestão de um ou de ambos os pulmões, desenvolvendo-se durante um accesso e com elle se dissipando; em alguns casos tenho observado a hyperhemia do encephalo, revelando-se por phenomenos de pouca intensidade, e não podendo por isso dar ao paroxysmo febril o caracter pernicioso. Em um menino de 9 para 10 annos de idade, mo- rador na rua do Rezende, os accessos intermittentes, que apresentavão DO RIO DE JANEIRO jg o typo terção muito regular, erão acompanhados de congestão renal; declarou-se uma albuminuria seguida de anasarca; os outros sympto- mas da moléstia erão pouco pronunciados. Mediante o emprego do sul- fato de quinina e de uma bebida nitrada, tendo sido previamente appli- cadas algumas ventosas sarjadas nas regiões lombares, a cura teve lugar em poucos dias. As nevralgias constituem no Rio de Janeiro symptomas muito fre- • quentes da febre intermittente simples, manifestando-se as dores nevrál- gicas durante os accessos. Em alguns casos, o doente fica livre da dor no período da apyrexia, e ella volta somente por occasião do insulto fe- bril; em outros, porém, a nevralgia apenas diminue de intensidade quando cessa a febre; a dor, que era aguda e terebrante, torna-se surda e obtusa nos intervallos dos accessos, o doente accusa uma sensação in- sólita na região que foi sede da nevralgia; com o novo paroxysmo re- apparecem os soffrimentos com a intensidade prímitiva. As regiões mais commummente acommettidas são a frontal, a facial, a precordial, a lombar e as dos membros, quer superiores, quer inferiores indistincta- mente. As hemorrhagias rarissimas vezes se manifestão durante os accessos de febre intermittente simples e franca; ao passo que constituem uma • das fôrmas mais freqüentes da febre larvada, de que me occuparei em occasião opportuna. Já observei uma hemorrhagia pulmonar fazendo parte dos symptomas de uma febre quotidiana, e cedendo ao emprego do sulfato de quinina sem deixar o menor vestígio. A epistaxis é a he- morrhagia que se observa maior numero de vezes durante os accessos da febre intermittente. Na enfermaria de Nossa Senhora da Conceição do hospital da mizericordia, destinada a receber mulheres, esteve em outubro de 1869 uma moça suissa affectada de cachexia paludosa e fe- bre intermittente de typo terção; por occasião dos três únicos accessos que se manifestarão emquanto a doente foi observada por mim e pelos alumnos da clinica, uma metrorrhagia se apresentava no período de ca- lafrio, persistia durante o período de calor, e cessava completamente logo que começava o período de suor. Depois de repetidas doses de sulfato de quinina associadas ao ópio, os accessos não apparecerão mais, e a hemorrhagia uterina também cessou. Os vômitos e a diarrhéa ás vezes fazem parte dos symptomas de 14 ESTUDO CLINICO SORRE AS FEBRES uma febre intermittente simples, sobrevindo durante os accessos, des- apparecendo com elles, ou persistindo mesmo durante a apyrexia. Um phenomeno mórbido qualquer, tendo por sede este ou aquelle apparelho orgânico, manifesta-se em casos excepcionaes no decurso de uma febre intermittente, sem que por isso soífra o diagnostico, nem tão pouco o tratamento. Um collega, que exerceo a medicina por muito tempo em diversas localidades pantanosas, tendo sido acommettido na corte de accessos de febre intermittente de typo duplo-terção, soffria durante o estádio de calor de uma dysuria rebelde, acompanhada de te- nesmos vesicaes que o afíligião muito. Este soffrimento dissipou-se com- pletamente logo que a febre desappareceo. ÍIV $Cis^^&c*' A tuberculisação pulmonar incipiente é muitas vezes acompanhada, / no Rio de Janeiro, de accessos completos de febre intermittente de typo quotidiano, terção, ou duplo-terção. Em muitos casos os symptomas racionaes da moléstia thoraxica ainda são pouco pronunciados; a per- cussão e a auscultação fornecem dados muito incertos e duvidosos, os quaes podem passar desapercebidos a um exame pouco accurado e mi- nucioso, ou a um medico que não tenha bastante habito e experiência no manejo d'esses meios de exploração; o doente tem apenas uma tosse guttural insignificante, a que não liga a mejior importância e a que cha- ma um pigarro; os únicos phenomenos salientes são os da febre inter- mittente; são estes que despertão a attenção do doente e mais impres- sionão o medico. Nada mais fácil, em taes condições, do que diagnosti- car uma febre intermittente simples e receitar sulfato .de quinina. Apezar d'esta medicação enérgica e longamente empregada; apezar do emprego de outros meios reputados succedaneos do sal de quinina; apezar ás vezes de uma mudança para pontos diversos que distão mui- to da localidade em que o indivíduo adoeceo, a febre não cessa, os ac- cessos reproduzem-se com a mesma regularidade, ou tornão-se irregu- lares quanto ao typo, aos estádios e á duração. Se em alguns casos a febre intermittente desapparece, pouco tempo depois volta, zombando então dos recursos therapeuticos contra ella dirigidos. Facto notável e digno de prender a attenção dos práticos! Os accessos de febre inter- mittente ou remittente, que commummente acompanhão a fusão tubercu- DO RIO DE JANEIRO 15 losa e o processo de excavação pulmonar, modificão-se mais fácil e promptamente mediante algumas doses de sulfato de quinina, do que os accessos que se ligão ás primeiras manifestações da mesma affecção tho- raxica: é isso pelo menos o que a minha observação me tem demon- strado. Quando um ou mais focos cazeosos se desenvolvem no parenchyma do pulmão, ou sejão devidos a uma pneumonia fibrinosa franca, ou a uma pneumonia lobular aguda, ou a um catarrho chronico dos bron- chios, o doente apresenta accessos de febre intermittente; só mais tarde, quando a necrobiose invade o território pulmonar cazeificado, quando se estabelece o período ulcerativo da moléstia, £ que o typo da febre torna-se remittente ou mesmo continuo. É preciso não confundir a febre intermittente essencial, protopa- thica, devida a uma intoxicação miasmatica do organismo, com a febre intermittente symptomatica de uma lesão orgânica do pulmão. Na his- toria circumstanciada do passado do doente; na justa apreciação das cireumstancias que precederão a moléstia e da marcha que esta tem se- guido; no exame escrupuloso feito sobre o apparelho respiratório, en- contrará o medico outras tantas fontes preciosas, onde poderá beber a instrucção necessária para não commetter um erro de diagnostico, que quasi sempre é muito prejudicial ao doente. § V A febre intermittente simples é uma moléstia extremamente beni- o^*^^, gna, nunca termina pela morte. Ha casos, porém, em que os accessos, á^**2*^*^ medida que se vão reproduzindo, gradualmente vão ganhando intensi-7^*^*-^^ dade e gravidade, e por fim tornão-se perniciosos. Um doente pôde apre- sentar accessos simples durante mezes e mesmo annos, sem que lhe appareça em época alguma um accesso pernicioso, vindo a morrer vi- ctima da cachexia, de qualquer moléstia consecutiva ou intercurrente. Outro, depois de um pequeno numero de accessos simples, é acommet- tido de um violento accesso pernicioso que o leva ao túmulo, ou põe a sua vida em perigo imminente. O typo quotidiano é o mais favorável para a cura prompta da febre intermittente no Rio de Janeiro; o typo quartão é o que torna a febre mais rebelde e refractaria aos meios therapeuticos. Este ultimo typo or- 16 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES dinariamente coincide com a cachexia paludosa. Quando a febre inter- mittente se torna chronica, quando ella tende a prolongar-se de um modo indefinido, o seo typo vai-se afastando do quotidiano gradual e progressivamente, de sorte que ás vezes não se pôde assignar á febre um typo conhecido, não só porque o período de apyrexia é de muitos dias, mas também porque a moléstia perde a sua regularidade habitual, e apresenta uma marcha insólita, caprichosa, anômala e indeterminavel. Tenho visto alguns doentes cujos accessos distão um do outro ora doze dias, ora seis, ora vinte, ora três, etc, e isso no mesmo doente. Á pro- porção que o doente vai adquirindo melhoras, o typo da febre vai-se tornando mais regular. A cachexia é ás vezes a terminação de uma febre intermittente an- tiga e rebelde, e n'este caso o doente pôde succumbir em conseqüên- cia dos progressos da dyscrasia sangüínea. Tenho observado no Rio de Janeiro um facto curioso relativamente á influencia da atmosphera paludosa nas manifestações da febre inter- mittente, vem a ser o seguinte: um indivíduo permanece por muito tempo em uma localidade pantanosa, e nunca tem febre intermittente; sai d'esta localidade e vai habitar uma outra inteiramente isenta de pântanos, em excellentes condições hygienicas, e ahi é acommettido de accessos francos, que resistem ordinariamente ao sulfato de quinina por espaço de muitos dias. Como explicar essa anomalia? A saturação mias- matica da atmosphera palustre impedirá a manifestação dos accessos, porque estes são esforços da natureza tendentes a eliminar o miasma que a envenena? Acontecerá n'este caso o mesmo que acontece ao in- divíduo que deixa de suar em uma estufa humida, porque o ambiente circumscripto em que está mergulhado não pôde mais receber o vapor aquoso proveniente do suor? Não sei, porém o facto ahi fica consigna- do para quem quizer verifical-o. Entre outros exemplos que eu pode- ria citar em apoio da minha asserção, referirei um que se tornou notó- rio pela importância e elevada posição social da pessoa a que se refere. O sr. barão da Villa da Rarra, tendo estado por muito tempo em diííe- rentes localidades pantanosas do Paraguay, nunca lá teve febre inter- mittente nem de outro qualquer typo. Depois que chegou ao Rio de Ja- neiro começou a ter accessos francos, que apparecião quotidianamente e desapparecerão depois de repetidas doses de sulfato de quinina. Al- DO RIO DE JANEIRO J7 gum tempo depois volta o sr. barão para o Paraguay, ahi demorou-se muitos mezes, e não soffreo de incommodo algum; regressando de no- vo ao seo paiz por occasião da terminação da guerra, reapparecerão os accessos, os quaes se tornarão mais rebeldes do que da primeira vez. § VI Em épocas anteriores, ha vinte para trinta annos, ao passo que as fe- cs/™**^—^ bres paludosas erão mais freqüentes e mais graves do que actualmente, curavão-se mais prompta e radicalmente mediante algumas doses pouco elevadas de sulfato de quinina. Tenho ouvido de alguns collegas distinctos, que exercem a profis- são no Rio de Janeiro de longa data, que antigamente uma febre inter- mittente simples cedia em poucos dias com o emprego de três ou qua- tro doses do sal de quinina, de 4 a 6 grãos cada uma. De certo tempo para cá, pondo mesmo de parte a falsificação em grande escala que se nota na grande maioria do sulfato de quinina que nos vem da Europa, por mais simples e insignificante que seja uma febre intermittente ou remittente, não cede senão a altas doses do sal de quinina, administra- das durante muitos dias consecutivamente. Em uma das sessões da Imperial Academia de Medicina do Rio de Janeiro em 1872, disse o distincto pratico brazileiro sr. barão de La- vradio, apoiado por outros acadêmicos que exercem a medicina desde longos annos, cjue entrejnós empregava-se outrora o sulfato de quinina na dose de 4'a 5 Vãos, quando muito, nas febres paludosas, e para casos mais sérios e graves 12'grãos, havendo quasi sempre a cura dos doentes, ao passo que hoje, para se conseguir o mesmo resultado, são necessárias ás vezes algumas oitavas no decurso da moléstia. Não ha a menor duvida que em alguns casos o remédio que o doen- te toma está falsificado, encerra, pelo menos na metade, uma substan- cia qualquer inerte que lhe augmenta o peso e diminue a actividade therapeutica; porém em outros casos o medicamento está chimicamen- te puro, e apezar d'isso a febre resiste ás primeiras doses empregadas. Parece pois incontestável que a febre intermittente, assim como as ou- tras pyrexias palustres, exigem actualmente maiores doses de sulfato de quinina do que exigião em épocas anteriores para serem debelladas; a capacidade mórbida da moléstia para o medicamento é muito maior. 2 18 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES Para que o sulfato de quinina seja convenientemente absorvido e possa ser utilisado pelo organismo envenenado pelo miasma paludoso, é mister que o medico favoreça previamente as condições de fácil e prom- pta absorpção do medicamento, removendo as causas que a podem em- baraçar. Este preceito de therapeutica geral, que se applica ao emprego de todas as substancias medicamentosas que devem obrar dynamica- mente, tem uma applicação muito especial aos saes de quinina. Tenho visto dar-se improficuamente o sulfato ou o valerianato de quinina em doses elevadas, em moléstias que indubitavelmente os reclamão, por não se ter attendido a esse preceito: ás vezes em lugar de bem o remédio faz mal; o doente o accusa injustamente, e o medico.o abandona com prejuízo do doente. O embaraço gastro-intestinal, que se denuncia francamente pelo es- tado saburral da lingua; as inílammações e congestões visceraes, a reac- ção febril intensa, com grande elevação do calor e seccura da pelle, são as condições, inherentes ao doente, que ordinariamente embaração a absorpção fácil e prompta do sulfato de quinina. A administração do re- médio debaixo da formula pilular; a sua associação com uma substan- cia purgativa; a coincidência de ser dado em occasião do trabalho di- gestivo do estômago, constituem outros tantos inconvenientes que obrão no mesmo sentido. No tratamento da febre intermittente, bem como de outras febres paludosas, o medico, antes de empregar o sulfato de quinina, deve re- mover os embaraços e evitar os inconvenientes que podem diminuir a actividade de absorpção do remédio. Se a lingua se acha saburrosa, in- dicando catarrho gástrico, um vomitivo deve ser a primeira medicação; se concomitantemente ha constipação de ventre, o que é a regra geral, um emeto-cathartico é de mais utilidade. Se o fígado se acha muito congesto, esta congestão deve ser previamente combatida por meio de ventosas escharificadas no hypochondro direito, sanguexugas ao ânus, purgativos salinos e calomelanos. Se a congestão tem por sede o pul- mão ou o cérebro, antes de dar o sulfato de quinina, convém remo- vel-a; em relação ás inílammações deve-se ter a mesma norma de con- ducta. A formula pilular, que é sem duvida alguma a mais agradável pa- ra o doente tomar uma substancia extremamente amargosa, é a mais DO RIO DE JANEIRO 19 prejudicial á acção therapeutica do remédio. Em primeiro lugar, para que uma boa dose seja administrada, é preciso ingerir muitas pílulas de uma só vez, o que sobrecarrega de mais o estômago já susceptível, e ás vezes predispõe ao vomito; em segundo lugar, se a consistência das pílulas é um pouco mais forte, os suecos digestivos não as atacão, ellas passão intactas atravez do tubo gastro-intestinal, e são eliminadas pelas evacuações, o que tenho tido occasião de observar diversas vezes; em terceiro lugar finalmente, as pílulas exigem do estômago um traba- lho prévio de divisão e depois de dissolução, que em muitos casos se completará em horas, e isso causa perda de tempo, assim como nullifi- ca o calculo que faz o medico a respeito da occasião de dar o medica- mento em relação á época provável do seguinte accesso. Em certos casos, quando se receia que sobrevenha um accesso pernicioso, a ques- tão de tempo e de occasião é de magna importância. Rem sei que o medico é ás vezes obrigado a recorrer á formula pilular, porque de ou- tro modo o doente não toma o medicamento, sobretudo se tem de tra- tar de uma mulher que tem repugnância para tudo quanto é remédio, e cujo estômago está sempre prompto para o vomito. Se a intolerância e indocilidade do doente forem invencíveis; se não houver palpitante urgência em prevenir um accesso próximo; se a intensidade dos acces- sos anteriores não tiver sido exagerada, o sulfato de quinina poderá ser empregado em pílulas sem grande inconveniente. Convém nestes casos dar por excipiente da substancia medicamen- tosa o extracto molle de quina, o qual, augmentando a energia thera- peutica do sulfato de quinina, dá ás pequeninas espheras uma branda resistência, e assim são facilmente atacadas pelos suecos gastro-intesti- naes. Doze decigrammas de extracto molle de quina dão com 2 gram- mas de sulfato de quinina uma massa pilular nas condições requeridas; dividida essa massa em 12 pílulas, temos cada pílula com 25 centigram- mas, contendo .' õ centigrammas do sal de quinina. A melhor maneira de administrar o sulfato de quinina, é conver- l.-l-o em bi-sulfato pela addição de mais um equivalente de ácido sul- furico, e dissolvel-o n'agua adoçada com xarope de cascas de laranjas: é o que se consegue facilmente mandando vir uma limonada sulfiirica com a dose necessária do medicamento; conforme a maneira por que o medico quer dar o sal de quinina, assim varia a quantidade da limonada 20 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES em que elle vem dissohido. O xarope de cascas de laranjas corrige um pouco o amargor exagerado do remédio, por causa de sei > sabor pican- te e de seo aroma agradável e saliente. Todas as vezes que houver ur- gência de administrar uma boa dose de sulfato de quinina, com a qual o medico conta para prevenir um accesso que elle presume que deve ser muito grave, a formula que acabo de mencionar é a preferível; a absorpção do remédio faz-se de um modo prompto e completo. Só em casos excepçionaes é que ella não será empregada. É escusado dizer que o xarope que tem de adoçar a solução de quinina depende da von- tade do facultativo, bem como de alguma indicação secundaria e pouco importante que elle queira preencher. Para os casos em que o doente não possa supportar o amargo da quinina dissolvida, o remédio deverá ser tomado em um pedaço de hóstia previamente humedecido, que o envolva completamente, de modo que o bolo que resultar d'esse processo seja facilmente deglutido, sem deixar o menor sabor. No estômago o invólucro constituído pela hóstia desfaz-se de prompto, e o sulfato de quinina é absorvido em totalidade. É pratica muito commummente seguida no Rio de Janeiro adminis- trar-se o sulfato de quinina em infusão de café, que lhe disfarça o amargo; nas crianças é este o processo sempre seguido, porque de ou- tro modo ellas não tomão o medicamento. Está hoje demonstrado que o sulfato de quinina, dado de mistura com o café, converte-se na sua terça parte em tannato de quinina, cuja actividade therapeutica é muito menor do que a do sulfato. Sempre, pois, que o medico tiver necessi- dade de servir-se da infusão de café como vehiculo do sulfato de qui- nina, deverá dar uma dose maior do que daria se o administrasse por outra fôrma, contando com a conversão em tannato que uma certa por- ção tem de soffrer. Tenho muitas vezes associado o sulfato de quinina ao ópio ou ao mei- mendro, nos casos de febre intermittente rebelde: esta associação, que em alguns doentes é indispensável para que o estômago tolere o sal de quinina, tem ainda a vantagem, já reconhecida por Torti em relação á quina, de tornar mais enérgica a sua acção therapeutica. Quando o sul- fato de quinina determina para o lado do cérebro o apparecimento de symptomas assustadores, hoje attribuidos a uma depressão na innerva- ção cerebral, o ópio tem ainda a immensa utilidade de corrigir ou at- DO RIO DE JANEIRO 21 tenuar a intensidade d'esses symptomas. Tive occasião de observar um doente de febre intermittente perniciosa, que depois de ter tomado grandes doses de sulfato de quinina, e quando já estava livre de perigo, apresentou uma serie de phenomenos cerebraes, que puzerão a família em sobresalto: delírio, hallucinações, convulsões em alguns músculos da face e coma, taes fôrão os phenomenos que se apresentarão, sendo acompanhados de uma verdadeira orthopnéa, que não encontrava expli- cação em soífrimento algum material dos apparelhos respiratório e cir- culatório. Toda esla tempestade aterradora cedeo em doze horas ao vi- nho e ao ópio. Nem sempre é possível empregar o sulfato de quinina pela boca: uma intolerância invencível do estômago, uma gastrite aguda, o estado comatoso, um trismus levado ao mais alto gráo, um embaraço mecânico no tubo pharingo-esophagiano, e muitas outras condições, podem occa- sionar essa impossibilidade. N'estes casos o remédio deve ser dado em clyster, bem dissolvido em pequena quantidade de vehiculo, em dose dupla da que conviria dar pela boca, sendo esse clyster precedido de um grande clyster purgativo, cujo fim é determinar a evacuação dos grossos intestinos, ficando depois a mucosa intestinal em condições fa- voráveis para a absorpção do medicamento. Disse que a quantidade do vehiculo da quinina deve ser pequena, "2'a 3 onças, quando muito, porque do contrario, a excessiva plenitude do recto provoca-lhe con- tracções, e o remédio é logo expellido. Para os casos de grande susce- ptibilidade do intestino, mesmo para uma diminuta porção de liquido injectada em sua cavidade, temos a clara de ovo, que, sendo dissolvida no vehiculo, faz com que o clyster se conserve e o medicamento seja absorvido: o ópio produz o mesmo efleito. O emprego do sulfato de quinina em fricções sobre o tegumento externo, tendo por vehiculo a banha (pomada de Roudin) ou um liquido alcoólico, só tem applicação nas crianças de tenra idade, cuja pelle, ex- tremamente fina e delicada, conserva grande actividade absorvente, e onde uma pequena dose do remédio basta para se conseguir o fim de- sejado. Antes de ser incorporado á banha ou a outro qualquer vehiculo, o sulfato de quinina deve ser previamente dissolvido; sem esta cautela, as fricções não aproveitão mesmo nas crianças. Alguns práticos têm empregado o sulfato de quinina debaixo da fór- 22 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES ma de ether quinico em inhalações pelas vias respiratórias, e referem casos de cura obtida por este meio em indivíduos velhos, acommetti- dos de febres paludosas acompanhadas de coma e paralysia do recto. Nunca empreguei nem vi empregar semelhante processo, e a fallar a verdade elle não me inspira grande confiança. As doses de sulfato de quinina, necessárias para a cura da febre in- termittente simples, varião entre nós, como em toda a parte, conforme a data da moléstia, a intensidade e duração dos accessos e a tenacidade com que resistem ao tratamento adequado. Em um indivíduo adulto, 12, 18^ e 24 grãos, taes são as doses ordinariamente empregadas, co- meçando-se pela primeira e passando-se depois ás outras se a moléstia não cede em poucos dias; a dose de á4 grãos quasi.sempre é dividida em duas doses de 12, dadas com três horas de intervallo entre uma e outra. Em alguns casos excepçionaes, que se observão principalmente na terminação do estio, o medico precisa lançar mão de doses maiores, de meia oitava, por exemplo, e só assim consegue combater os accessos. Em abril de 1873 observei um caso de febre intermittente terça, na enfer- maria de Santa Izabel do hospital da mizericordia (enfermaria do en- sino clinico), em que foi preciso empregar o sulfato de quinina durante quatorze dias consecutivos, em doses altas, para que o doente se restabele- cesse: elle tompu jm começo 18 grãos no dia em que devia apparecer o accesso, e li no dia da apyrexia; passou depois a tomar 24'grãos em lugar de 1$T?8 em lugar de 12; finalmente tomou, durante seis dias, 24 grãos 'nos dias intercalados e meia oitava nos dias em que os accessos tinhão de manifestar-se. Este doente tinha contraindo a molés- tia havia oito dias apenas, não apresentava senão uma congestão de fígado moderada, que foi combatida, e um embaraço gástrico, que foi remo- vido. Não havia phenomeno algum de cachexia, e a nutrirão do orga- nismo era excellente. Depois que os accessos da febre intermittente deixão de apparecer, eu costumo continuar com o sulfato de quinina por espaço de mais seis dias ainda, se a moléstia cedeo promptamente, por mais algum tempo, se ella tornou-se rebelde ao tratamento. Nos dous dias immediatos áquelle em que deixou de vir o accesso, dou a mesma dose do remédio tomada por ultimo, depois vou gradualmente diminuindo essa dose, até chegar a £ grãos: só assim a cura pôde tornar-se definitiva e radical. Sempre DO RIO DE JANEIRO 23 que o medico não proceder (Veste modo, não poderá assegurar que o doente curou-se, porque os accessos podem reapparecer, e com effeito reapparecem muitas vezes, tornando-se então mais difficil a cura. A respeito da occasião em que convém dar o sulfato de quinina, não estão de accordo os médicos do Rio de Janeiro, assim como os dos outros paizes em que são freqüentes e endêmicas as febres paludosas. Ninguém o emprega durante o accesso, nem mesmo quando elle co- meça. Alguns seguem o methodo romano, impropriamente chamado me- thodo de Torti, que consiste em dar o remédio immediatamente antes do accesso; era esta a pratica também seguida por Cullen e os seos dis- cípulos. Estes dous médicos, procedendo do mesmo modo, erão domi- nados por intenção diversa: Torti não queria, como Cullen, actuar com o medicamento sobre o paroxysino antes do qual o empregava; tinha em vista unicamente- empregal-o em uma época muito distante do se- gundo accesso, que era o que devia ser combatido; outros adoptão o methodo de Rretonneau, também chamado methodo francez, que con- siste em dar o sulfato de quinina logo depois do accesso, durante o es tadio de suor. Ha collegas, que exercem a profissão no interior da pru vincia do Rio de Janeiro, onde abundão as febres intermittentes, quasi sempre acompanhadas de cachexia, que abração o procedimento de Sy- denham, que dão o sulfato de quinina como o celebre medico inglez dava a quina pulverisada: dividem memoitava de sal de quinina em seis doses, dão a primeira logo depois do accesso, e as outras de três em três horas, até a occasião do apparecimento do accesso seguinte. O professor Trousseau aconselha em sua obra de clinica medica um methodo que não é seguido entre nós, e que me parece condemnavel, sobretudo nos casos em que a infecção paludosa é profunda, e ha re- ceio que sobrevenha um accesso pernicioso. Elle dá immediatamente depois tio accesso 2 oitavas (8 grammas) de quina calysaia, ou 18 grãos (1 gramma) de sulfato de quinina, em uma ou duas doses, com intervallo de uma ou duas horas. Deixa o doente descansar um dia, e no terceiro dá a mesma dose do medicamento. Deixa depois três dias de in- tervallo, depois quatro, cinco, seis, sete, finalmente oito, e durante um mez ou dous ainda repete a medicação de oito em oito dias, não dimi- nuindo nunca a dose. Julga o mesmo professor que é de primeira ne- cessidade que o remédio seja dado na occasião da comida. zt 24 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES O methodo que sigo na administração do sulfato de quinina no tra- tamento da febre intermittente é muito diverso do que aconselha qual- quer dos médicos que acabo de mencionar, e varia um pouco segundo o typo de que se revestem os accessos. Previamente removidas as cau- sas que podem embaraçar a absorpção do sal de quinina, escolho de prefe- rencia, para empregar este sal, a occasião da apyrexia, quatro a cinco horas antes da hora em que provavelmente tem de vir o accesso. Dou grande importância a esta ultima circumstancia, porque está hoje demonstrado, pelas experiências de Rriquet, que o sulfato de quinina gasta seis horas em percorrer todo o organismo, e no fim d'este tempo é eliminado em totalidade pelas ourinas. Se o accesso, quando tiver de acommetter o organismo, o encontrar debaixo da influencia do medicamento, não se manifestará, e desde que este facto reproduzir-se muitas vezes, a lei do habito, que tanto domina nas moléstias intermittentes, ficará prejudicada, e a moléstia ficará combatida. Dado em uma época muito distante da hora do accesso, o remédio não aproveita, porque a sua acção antago- nista já tem cessado quando se declarão os phenomenos mórbidos que caracterisão o paroxysmo; dado muito próximo, não tem tempo de ser absorvido, entrar na torrente circulatória, e imprimir nos centros ner- vosos a modificação salutar que constitue o seo efíeito therapeutico. ^rjSa febre de typo quotidiano, dou uma dose de sulfato de quinina (Io grãos ordinariamente) quatro a cinco horas antes da hora do accesso, e isso por espaço de muitos dias consecutivos; durante os três primei- ros dias, depois de cessarem os accessos, mantenho a mesma dose ulti- mamente empregada; depois a vou reduzindo gradualmente, e insisto na dose minima de 6'grãos durante três dias seguidos. yJ/^ Se o typo dos accessos é terção, dou quasi sempre 1 escropulo do sal de quinina em duas doses, a primeira cinco horas antes da hora do accesso, a segunda três horas depois da primeira. No dia de intervallo dou 12'grãos na hora em que costuma apparecer o accesso. Se o typo é duplo-terção e regular, procedo como se fosse quoti- diano, regulando-me sempre em cada dia pela hora em que deve vir o paroxysmo. y^,^ Para a febre de typo quartão, emprego 1 escropulo de sulfato de quinina em duas doses no dia do accesso, 12 grãos em cada um dos dous dias intermediários, Se ha concomitância de cachexia, apezar DO RIO DE JANEIRO 25 d'essas doses, o doente toma todos os dias 6 grãos do sal de quinina em três doses, associados ao sulfato de ferro e ao extracto molle de qui- na, em fôrma pilular. Se a febre intermittente é chronica, e os accessos apparecem com irregularidade, sem nenhum dos typos conhecidos, dou o sulfato de qui- nina associado ao extracto molle de quina, em fôrma pilular, na dose de 12 grãos por dia. Se a moléstia se torna rebelde, apezar d'esse trata- mento continuado por muitos dias, por um mez e mesmo mais, associo ao sulfato de quinina o valerianato da mesma base e o ácido arsenioso. A formula que me tem aproveitado n'estes casos é a seguinte: Sulfato de quinina..........) _ « Q Valerianato de quinina........j aa '2 0,tava * * Extracto molle de quina.......2 escropulos - 2,44o Ácido arsenioso...........í/2 grão = o? «if Misture e divida em 24 pílulas Para o doente tomar 4 por dia. O valerianato de quinina, com quanto seja uma preparação enér- gica e vantajosa em certos e determinados casos de envenenamento pa- ludoso, raras vezes é empregado entre nós isoladamente, no tratamento da febre intermittente simples. É pratica muito usual associal-o ao sul- fato quando a moléstia se torna indifferente a este ultimo sal, tendendo a revestir a fôrma chronica. Com efieito, é de observação que em mui- tos casos a febre intermittente não cede ao emprego de altas doses de bom sulfato de quinina, dadas com todas as regras, resiste ao valeria- nato, e desapparece depois que o medico reúne em uma só formula os dous preparados de quinina, sem que tenha necessidade de recorrer a grandes doses. Apezar da opinião muito autorisada de Roudin a respeito das van- tagens do ácido arsenioso no tratamento da febre intermittente, os mé- dicos do Rio de Janeiro ordinariamente o empregam somente nos casos em que os preparados de quinina tém sido mefíicazes, e bem resu- mido é o numero dos factos em que a cura do doente teve lugar de- pois que se recorreo á medicação arsenical. Quando os accessos da febre intermittente continuão a apparecer a despeito do emprego dos saes de quinina, conforme o methodo que já referi, recorro ao ácido arsenioso, e o dou em doses crescentes, até chegar a lfc de grão em vinte e quatro ■0,0* 26 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES horas (1 centigramma); se assim procedo, é por desencargo de con- sciência, não porque tenha confiança no remédio, porque não tive ainda um só facto em minha vida clinica que me autorise a crer na utilidade do ácido arsenioso na febre intermittente idiopathica, essencial, devida ao envenenamento paludoso. No entretanto tenho encontrado muitos ca- sos de phthisica pulmonar, chegada ao ultimo período, em que a febre, intermittente ou remittente, não cedendo ás preparações de quinina, mo- difica-se e mesmo desapparece com a medicação arsenical. A opinião que tenho a respeito da inetficacia do ácido arsenioso no tratamento da febre intermittente é partilhada por muitos collegas distinctos do Rio de Janeiro, entre elles pelo hábil professor de pathologia geral da Fa- culdade de Medicina, o sr. dr. Dias da Cruz. Em junho de 1872 recebi do sr. dr. Felicio dos Santos uma certa porção de um pó escuro e pardacento, por elle denominado cinchonio, ^ -v*u^~~ para empregar na enfermaria de clinica contra as febres paludosas, visto como era um verdadeiro succedaneo do sulfato de quinina. O talentoso collega, em cujo critério deposito inteira confiança, assegurou-me n'essa occasião que no interior da província de Minas Geraes, onde exercia a profissão medica, só empregava aquella substancia no tratamento das di- versas pyrexias palustres, que são lá muito freqüentes, e que tinha com ella obtido um grande numero de triumphos, mesmo nos casos rebel- des aos saes de quinina. Disse-me mais, que empregava o cinchonio as- sociado a um carbonato alcalino, porque este o torna solúvel, e que a dose em que ordinariamente crdava aos doentes de febre intermittente ou remittente simples era de^TS a £4 grãos, preferindo quasi sempre a formula pilular. Decidi-me desde logo a experimentar a nova substancia no primeiro doente da enfermaria de Santa Izabel que se apresentasse com uma febre intermittente simples e benigna. Mandei reduzir toda a substancia que me tinha sido dada a um certo numero de pílulas, cada uma d'ellas composta do seguinte modo: Cinchonio.................3 grãos - e/tf~ Carbonato de soda.............2 grãos ■= « '" Xarope simples..............q. b. Para 1 pílula. Em abono da verdade cumpre-me declarar, que nos dous doentes (observações V e VI) em que empreguei estas pílulas, um dos quaes já DO RIO DE JANEIRO 27 tinha tomado improficuamonte algumas doses de sulfato de quinina, a cura teve lugar em poucos dias. Não prosegui nas minhas observações, porque fiquei privado da substancia, e até hoje ainda não consegui obter uma nova remessa. Observação V—Manuel Martins Palmares, portuguez, de 30 annos de idade, casado, canteiro, entrou para a enfermaria de Santa Izabel no dia 2 de ju- lho de 1872. Ha quinze dias, indo da Corte para a Parahyba do Sul, lugar de sua residência, teve á noule um violento calafrio, cephalalgia, dores na região lombar e nas per- nas; mais tarde subreveio-lhe grande calor em todo o corpo e sede intensa; estes phenomenos forão succedidos por uma copiosa transpirarão, acompanhada de abun- dantes ourinas. Os accessos reproduzirão-se nas noutes subsequentes, apresentando regularmente o typo quotidiano. Tomou alguns purgativos, e não se achando me- lhor, resolveo-se a procurar o hospital. Estado actual—Face animada, olhos brilhantes; lingua saburrosa e humida, algum appetite, .ventre flaccido, porém constipado, alguma dor nos hypochondros, que se exacerba pela pressão, pequeno augmento de volume do fígado e do baço. Pulso a 74, calor a 37°,8. Ourinas descoradas, privadas de albumina. Foi prescripto um emeto-cathartico, que produzio os effeitos desejados, e de- pois o doente tomou 18 grãos de sulfato do quinina em um calix de limonada sul- furica cinco horas antes da hora em que costumava vir o accesso. Ás 6 horas da tarde reappareceo o accesso, com quanto menos intenso. No dia seguinte ainda 18 grãos de sulfato de quinina á 1 hora da tarde. Accesso ás 6 horas. Um escropulo de quinina em duas doses, 12 grãos ao meio dia e 12 ás 3 horas da tarde. Novo accesso ás mesmas horas e com a intensidade primitiva. Na hora da visita, no dia seguinte, o doente ainda está febril; o pulso marca 88 pulsações por minuto, o thermometro indica uma temperatura de 38°,2. Forão prescriptas umas pílulas compostas de sulfato e valerianato de quinina e extracto molle de quina, associandô*se a ellas o uso da água de Inglaterra. Este tratamento, seguido por espaço de seis dias, foi ainda inefficaz; os accessos conti- nuarão a apparecer quotidianamente, tendo havido apenas mudança na hora; vi- nhão ás 3 horas da tarde. Foi n'estas condições que o doente tomou as pílulas de cinchonio, 8 no primeiro dia (24 grãos), sendo 4 ás 9 horas da manhã e 4 ao meio dia. O accesso d'este dia foi muito brando e de curta duração. No dia seguinte o doente tomou 10 pílulas (30 grãos), divididas em duas doses, e dadas do mesmo mo- do. Não appareceo o accesso.No dia seguinte 8pílulas; depois 6; depois 4; finalmente 2, que o doente» tomou ao meio dia durante os dous últimos dias. Logo no segundo dia depois do emprego do cinchonio não apparecerão mais os accessos. O doente conservou-se na enfermaria durante mais seis dias, tomando unicamente água de Inglaterra, e nenhum phenomeno mórbido veio perturbar a sua convalescença. Observação VI—José Gomes da Silva, de 20 annos de idade, de tem- peramento sangüíneo e bem constituído, morador na rua do Humaytá (em Botafo- go), entrou a 10 de julho de 1872 para a enfermaria de Santa Izabel do hospital da mizericordia, e oecupou o leito n.° 7. ESTTDO CLINICO SOBRE AS FEBRES A historia anamnestica do doente e os symptomas apreciados no dia em que elle entrou para a enfermaria, levarão-me a diagnosticar uma febre intermittente paludosa de typo duplo-quotidiano. Os accessos manifestavão-se com os três está- dios ás 6 horas da manhã e ás 6 horas da tarde. Em conseqüência dos phenome- nos indicativos de um embaraço gástrico, foi prescripto um vomitivo de ipecaeua- nha e tartaro stibiado, o qual provocou vômitos e evacuações. No dia 11, ás 4 horas da madrugada, o doente tomou 4 pílulas de cinchonio; ao meio dia outras 4. N'esse dia houve um só accesso, o qual começou ás 8 horas da manhã e terminou ás 11. No dia 12, ás 4 horas da madrugada 5 pílulas, ao meio dia outras 5; um pequeno accesso ás 3 horas da tarde, que terminou ás 7 da noute. No dia 13, 4 pílulas ás 4 horas da madrugada, 4 áí 10 horas do dia, e 4 ás 4 da tarde: não houve accesso; o doente passou muito bem. No dia 14, o mesmo numero de pílulas, em três doses, dadas do mesmo modo; do dia 15 em diante o numero das pílulas co- meçou a ser reduzido gradualmente, e no dia 20 o doente teve alta perfeitamente curado: o tratamento durou por conseguinte oito dias. Estes dous factos, que forão observados por mim e pelos alumnos de clinica interna em 4872, devem servir de incentivo para que o cin- chonio continue a ser experimentado no tratamento das febres paludo- sas. Consta-me que outros factos análogos a estes têm sido observados no Rio de Janeiro pelo dr. João Ribeiro de Almeida, distineto medico do hospital da marinha brazileira, pelo dr. José Lino Pereira Júnior, e sobretudo pelo respeitável pratico dr. José Agostinho Vieira de Mattos, que tem empregado o cinchonio em larga escala como suecedaneo do sulfato de quinina. Foi este collega, que desde longos annos se tem oc- cupado muito seriamente do estudo da matéria medica brazileira, o pri- meiro que' analysou e empregou o cinchonio; e d'ahi vem a razão por que entre nós esta substancia também é conhecida pelo nome de fw&t"i~^)v>ieirina. Se com effeito os médicos do Brazil, por meio de repetidas expe- riências e observações, conseguirem demonstrar que o cinchonio ou t^t^^^3 vieirina_sübsüt\ie completamente o sulfato de quinina no tratamento das moléstias paludosas, grande proveito virá d'ahi para o paiz e para a hu- manidade que soffre; o primeiro terá uma rica fonte de riqueza, po- dendo mesmo exportar o precioso produeto suecedaneo do sulfato de quinina; a segunda não terá mais que sofTrer as funestas conseqüências que resultão da falsificação com que nos mandam da Europa esse sal, que de dia em dia vai-se tornando mais raro e mais caro, por causa da deficiência que hoje se nota na cultura das quinas peruvianas. Não foi o dr. Felicio dos Santos o primeiro medico que empregou DO RIO DE JANEIRO ' 29 o cinchonio contra as febres paludosas; antes d'elle já o dr. Vieira de Mattos o tinha empregado em larga escala, tanto na província de Minas, como na do Rio de Janeiro, e actualmente este ultimo pratico não em- prega mais o sulfato de quinina, nem mesmo nos casos de febre perni- ciosa: é o cinchonio o meio de que se serve invariavelmente, tal é a immensa confiança que deposita n'esse producto, sobre o qual tem feito aprofundados estudos, quer a respeito do processo de sua extracção, suas propriedades physicas, chimicas e organolepticas, quer a respeito de seos effeitos therapeuticos. Aqui transcrevo uma curiosa noticia dada pelo dr. Vieira de Mattos sobre o cinchonio, a qual já foi publicada nas theses inauguraes de dous dos meos mais distinctos discípulos, os drs. Joa- quim Vieira de Andrade, em 1868, e José de Azevedo Monteiro, em 1872. «Alguns ensaios chimicos, que tenho feito sobre as quinas do Bra- «zil, e especialmente do gênero Cinchona como único representante da «quina do Peru, com o fim de reconhecer pela analyse os seos elemen- «tos activos ou alcalóides, derão em resultado um producto de natureza «resinosa, de sabor extremamente amargo, semelhante ao da quinina ou «cinchonina. «A espécie que mais abunda d'esta substancia cresce em profusão «nos chapadões do norte da província de Minas, vertentes dos rios «S. Francisco e Jequitinhonha; foi descripta por A. de Saint-Hilairc sob «o nome de Chinchona ferruginea, e ultimamente classificada com o «nome de Remijia Vellosiana ou Vellosii. Ella encerra tannino e varias «substancias extractivas solúveis n'agua, de gosto amargo e adstrin- «gente, e uma resina sui gencris, de reacção ácida, insoluvel n'agua. «É solida, friavel e mais pesada do que a água, sem cheiro pronuncia- «do, de sabor extremamente amargo: observada em estado pulverulento «e em contacto com o ar, é da côr de tijolo claro, e em massa inter- «namente, ou em fragmentos, é de côr escura carregada. «É insoluvel n'agua, no ether e no óleo essencial de terebinthina; «é pouco solúvel nos óleos graxos, como o de óleo de fígado de baca- «lháo, ao qual eommuniea o gosto amargo, dando-lhe a consistência de «geléa a fogo brando. Dissolve-se facilmente a frio no álcool e no chlo- «roformio; não é inllammavel e funde-se em temperatura elevada, alem «de 120°, perdendo parte da água e convertendo-se em uma substan- 30 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES «cia resinoide, de côr escura e de aspecto de verniz, de gosto amargo, «que mostra ser a resina carbonisada e alterada pelo calor. Goza da «propriedade ácida em presença da potassa, soda, ammonia, ou de seos «sub-saes, que a dissolvem facilmente, sem alteração alguma de suas «propriedades, formando d'este modo saes neutros ouresinatos. É inso- «luvel nos ácidos. Tratada pelo ácido azotico concentrado, em uma tem- «peratura baixa, manifesta-se uma reacção instantânea com desenvolvi- «mento de calor e de gaz ácido azoíoso, e forma-se um novo producto «resinoide, que depois do lavado conserva o gosto amargo, é de côr «amarellada, parecendo ser a mesma resina mais ou menos modifi- «cada. «Para se obter essa substancia, emprega-se em pó grosso a casca da «raiz de preferencia á do caule, por ser esta mais fraca e menos amar- «ga; põe-se em um apparelho de deslocação ou em maceração durante «uma semana com álcool a 38° B; separa-se o liquido com expressão do «resíduo, o qual é submettido a uma segunda operação para esgotar toda «a parte solúvel, e depois de reunidos e filtrados os líquidos, são leva- «dos ao alambique ou a um vaso aberto, ao calor, ao banho-maria, para «reduzir a dissolução alcoólica á consistência de xarope grosso, ao qual «se ajunta água fervente para fazer precipitar a resina em grumos, dissol- «vendo ao mesmo tempo as partes solúveis. Emprega-se segunda lava- «gem com água fervente para purifical-a melhor, e reune-se toda a «massa ainda quente, com a consistência da cera, em um panno; põe-se «essa massa a seccar ao ar livre ou ao calor brando de uma estufa. Por «este processo obtem-se 12 a 14 por cento de resina. «A água das lavagens, evaporada em um banho-maria, dá um ex- «tracto secco, deliquescente, de apparencia crystallina, de côr escura e «de um gosto amargo um pouco adstringente, por causa do tannino. «Presumo que este extracto deve conter alguma substancia alcalóide. «A pequena quantidade que obtive não foi sufficiente para sobre elle se «proceder a um exame mais minucioso. «O sr. Theodoro Peckolt, pharmaceutico e chimico distineto do Rio «de Janeiro, já bem conhecido e apreciado pelos seos interessantes tra- «balhos analyticos sobre as nossas plantas medicinaes, submetteo dire- «ctamente 90 grammas da casca da raiz da Chinchona ferruginea a um «novo processo chimico, e obteve 75 centigrammas de uma substancia DO RIO DE JANEIRO 34 «cryslallisavel em fôrma de agulhas finas, a qual, sendo exposta ao calor, «derrete-se e volatilisa-se sem deixar resíduo: é insoluvel n'agua fria e «pouco solúvel nagua fervente; dissolve-se facilmente em água acidulada «ou no álcool a 36°. Á vista d'estas propriedades, elle presume que essa «substancia seja um alcalóide differente da quinina; aguarda, porém, «occasião mais opportuna para proceder a novas experiências sobre o «objecto. «Espero da província de Minas maior porção d'esta quina a fim de «continuar a fazer sobre ella as minhas investigações, convencido de que «d'ahi provirá grande utilidade para a medicina e para o meo paiz. «Este novo producto, que pôde ter o nome de Vellosina, logo que «o seo emprego se generalise e a sua acção therapeutica fique bem es- «tudada, parece ser destinado a tornar-se o suecedaneo da quinina, a «figurar de um modo vantajoso na matéria medica brazileira pelas suas «propriedades tônicas e antifebrís. Na minha pratica eu o tenho empre- «gado com proveito nos casos de debilidade geral e de febre intermit- «tente simples. «O meo illustrado collega dr. J. Ribeiro de Almeida, medico dis- «tineto do hospital de marinha, communicou-me a observação de um «doente de febre intermittente dupla-terçã muito rebelde, o qual, tendo «tomado muitas preparações de quinina e de arsênico sem resultado al- «gum, curou-se em poucos dias com o emprego da vellosina preparada «em xarope (6 grãos para cada onça), desapparecendo logo todos os sym- «ptomas com a dose de 3 a 4 onças de xarope, isto é, 18 ou 24 grãos «do medicamento. «Emprega-se a resina em pó com assucar para as crianças e em «pílulas para os adultos. Devem ser preferíveis as preparações pharma- «ceuticas solúveis, em fôrma de xarope ou tinetura, dissolvendo-se a «substancia previamente nos alcalis, potassa, soda ou ammonia, para «unil-a depois ao xarope. «Os saes alcalinos, os saes duplos de potassa e ferro ou de ammo- «nia a dissolvem facilmente: póde-se, pois, preparar um xarope em que «entrem a vellosina e os saes de ferro. A sua dose é de 4 a 6 grãos «como tônico, e de 12 a 24 na febre intermittente. «A acção tópica d'este medicamento sobre o apparelho digestivo é «branda e supportavel; nunca tive occasião de observar, depois de 32 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES «administral-o em doses moderadas, os effeitos attribuidos aos remédios «estimulantes.» Nos casos rebeldes de febre intermittente, os médicos brazileiros empregão quasi sempre, e muitas vezes com proveito, dous a três ba- nhos çeraes por dia com a decoccão da casca de uma planta conhecida pelo nome de Páo-Pereira; ou administrão internamente'í2, f8 ou 24 grãos de um alcalóide que essa planta fornece, e que se chama Pe- reirina. O Páo-Pereira, também denominado, em varias localidades do Bra- zil, Páo forquilha, Páo de pente, Gamará de bilro, Gamará do inato, Canudo amargoso, ou Pinguaciba, recebeo do sábio professor Freire Allemão o nome scientifico de Geissospermum Vellosii. Encontra-se nas montanhas da Tijuca e da Estrella (Rio de Janeiro); nas florestas das províncias de Minas, Espirito-Santo e Bahia; é uma arvore de grande altura; casca grossa, profunda e irregularmente gretada na parte tube- rosa; o liber é de côr amarella; tem sabor amargo sem grande adstrin- gencia. Ramos tortuosos, copados, cobertos de um tomento pardo. Fo- lhas alternas, ovaes-lanceoladas, de 2 a 3 pollegadas de comprimento e 1 a 1 l/i de largura. Flores pequenas, de côr parda, sem cheiro. Com- mummente só uma ou duas flores chegão a fructificar, e de cada uma procedem dous fructos carnosos, ovaes, acuminados e divergentes; em quanto verdes achão-se cobertos de pellos cinzentos e lüzidios; depois de maduros são glabros e amarellos. Sementes lenticulares, oblongas ou arredondadas, dispostas em duas fileiras de quatro a cinco de cada lado de falsos septos, sobre os quaes estão applicadas, envolvidas em uma polpa fibrosa e succulenta. A casca da arvore é a única parte que encerra propriedades thera- peuticas febrifugas e antiperiodicas; apresenta-se no commercio debaixo da fôrma de tiras compridas, compostas de lâminas delgadas e sobre- postas, um pouco elásticas, de côr amarellada, e de sabor amargo bem pronunciado. Em 1838 o hábil pharmaceutico Ezequiel Correia dos Santos obte- ve da casca do Páo-Pereira uma substancia com os caracteres dos alca- lóides, que recebeo o nome de Pereirina, a que é devida a virtude therapeutica da planta. Ella tem propriedades básicas; forma com os ácidos saes neutros facilmente solúveis n'agua e no álcool. DO RIO DE JANEIRO 33 O sr. dr. Ezequiel Correia dos Santos, filho do finado pharmaceu- tico, e actualmente professor de pharmacia da faculdade de medicina do Rio de Janeiro, reproduzindo as analyses que havia feito seo pai, en- controu na casca do Páo-Pereira: amido, albumina, gomma, resina, ma- téria corante, principio extractivo amargo, pereirina, lenhoso, sulfatos, hydrochloratos, phosphatos, carbonatos, silica, vestígios de cobre oxyda- do. Bases: potassa, cal, alumina, protoxydo de manganez, magnesia e oxydo de ferro. Em sua these inaugural, esse distincto professor se occupa exten- samente das propriedades medicinaes da casca do Páo-Pereira e da pe- reirina. Ahi também se encontra uma estatística de vinte e um casos de febre intermittente curados por meio d'esta planta brazileira pelo finado dr. Silva, antigo professor de pathologia interna da faculdade de medi- cina do Rio de Janeiro, e o medico que mais impulso deo aos progres- sos da matéria medica nacional, que mais proveito tirou da immensa riqueza da nossa Flora. Não ha pratico algum no Brazil que não tenha obtido alguns suc- cessos com o Páo-Pereira, no tratamento da febre intermittente, mesmo em casos rebeldes aos saes de quinina. Eu tratei de uma senhora, que havia residido durante seis annos no Pilar (lugar muito paludoso), que só conseguio curar-se de uma febre de typo quartão mediante o emprego de um banho geral de cozimento da casca dgPáo-Pereira, tomado to- dos os dias, por espaço de um mez, e 12 grãos de valerianato de pe- reirina, em duas doses, quotidianamente, durante o mesmo período de tempo. Administra-se raras vezes a infusão da casca do Páo-Pereira inter- namente: 2'oftavas ou meia onça para 1 libra de água fervente (8 ou 1G grammas para 500 grammas de água). Ordinariamente os doen- tes tomão banhos geraes, um, dous ou mais, no dia, conforme a gravi- dade e tenacidade da moléstia, com a decoccão concentrada. Prefere-se sempre os períodos de apyrexia completa, ou de remissão, se a febre é remittente, para dar os banhos. A pereirina é empregada nas mesmas doses da quinina, em solução, em café, ou em pílulas. No interior das províncias do Brazil, outras plantas são emprega- das pelos curandeiros contra a febre intermittente, moléstia conhecida pelos nomes de sezões e maleitas. Algumas d'essas plantas gozão de 3 34 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRBS grande reputação como febrifugas, até certo ponto merecida, segundo a opinião de alguns collegas que exercem a profissão nas localidades em que ellas abundão. Na excellente these inaugural do sr. dr. José de Aze- vedo Monteiro ('), encontra-se uma longa lista de medicamentos repu- tados succedaneos das quinas, e que têm sido administrados, entre nós, contra a febre intermittente. A quem desejar conhecer este importante assumpto da matéria medica brazileira, aconselho a leitura de tão pre- cioso trabalho, que fielmente reflecte uma parte da nosologia nacional. Na corte do Rio de Janeiro, só por excepção de regra os médicos lan- ção mão de outros meios therapeuticos, contra a febre intermittente, alem dos que acabo de referir detalhadamente. Quando, apezar de uma medicação enérgica e variada, os accessos continuão a apparecer, o meio de que se servem os práticos para fa- zel-os cessar, é remover o doente para um dos arrabaldes da cidade, on- de, não só o facto da mudança, mas também as melhores condições hy- gienicas relativamente á atmosphera, bastão quasi sempre para que a cura definitiva se opere em poucos dias. Alguns doentes ainda são acommettidos pelo accesso febril no dia em que chegão na nova locali- dade, e mesmo no dia seguinte, e só se restabelecem uma semana de- pois; outros porém, desde que são transportados ficão logo livres da moléstia, e a cura data do dia da remoção. A utilidade das mudanças no tratamento da febre intermittente é tão conhecida da população do Rio de Janeiro, ella confia tanto n'este meio, que os doentes muitas vezes recorrem a elle antes de esperarem os effeitos de uma medicação ra- cional e methodica por meio dos saes de quinina, e ás vezes antes mes- mo de tomarem qualquer medicamento. Em alguns casos pouco freqüentes, o doente de febre intermittente precisa de mais de uma mudança para curar-se; os accessos continuão com a mesma regularidade, ou mudão de typo, mesmo quando o remo- vem para um local elevado, rico de vegetação e muito secco, e só des- apparecem quando uma segunda remoção tem lugar para outro arra- balde em dírecção diametralmente opposta: se o doente foi da cidade para o Andaraby ou a Tijuca, convém removel-o d'ahi para as proximi- dades do jardim botânico, ou para S. Domingos de Nictheroy. Em ou- f) Diagnostico c tratamento das febres paludosas. These inaugural, 1872. DO RIO DE JANEIRO 3o tros casos, mais raros ainda, o doente só se restabelece depois que vai habitar em uma localidade muito elevada, depois que sobe a serra dos Órgãos, ou outra qualquer pertencente á cordilheira oriental. Quando o doente, depois de ter feito uso inutilmente de diversos meios therapeuticos, não consegue curar-se com as mudanças, a sua fe- bre intermittente não é essencial, não depende de uma infecção mias- matica paluslre; tem por origem uma tuberculose pulmonar, e n'este caso o medico deve proceder a um minucioso exame no thorax, ainda mesmo que phenomeno algum racional faça presumir a existência de uma affecção do pulmão. No Rio de Janeiro é muito commum obser- var-se a febre intermittente, ora muito regular, ora sem regularidade alguma, como o primeiro grito de alarma de uma phthisica pulmonar tuberculosa que apenas desponta, e cujos symptomas physicos são tão precários, tão duvidosos, que por elles é muito difílcil chegar ao dia- gnostico. Em 1872 tive occasião de observar um facto, para mim singular, único em seo gênero, que mostrou-me que uma febre intermittente, da maior simplicidade e benignidade, não tendo nunca havido um grande accesso, não tendo nunca o calor do segundo estádio excedido de 39°, pôde resistir a todos os meios medicamentosos e hygienicos conhecidos e aconselhados, e terminar pela morte, no fim de oito mezes de exis- tência, sem que houvesse apparecido um verdadeiro accesso pernicioso, e sem que a febre fosse symptomatica de uma lesão orgânica. O doente a que se refere este facto era um medico muito illustrado e observador; os primeiros accessos lhe apparecerão em uma casa situada na rua dos Ourives, onde elle residia; de thermometro na axilla, elle acompanhava os três estádios dos paroxysmos, que se succedião no período de seis a oito horas. Os saes de quinina, administrados em diíTerentes formulas, diversa- mente combinados com outras substancias, o arsênico, a pereirina, os banhos com o cozimento da casca do Páo-Pereira, a hydrotherapia ra- cional e scientifica, a mudança para os arrabaldes mais recommendaveis pela salubridade, a estada na Tijuca, em Peíropolis, e finalmente cm Nova Frihurgo, tudo isso foi baldado: os accessos reproduzião-se com a mesma regularidade e a mesma moderação; appareceo anorexia, e depois um certo gráo de abatimento moral e de desanimo; finalmente 36 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES o doente, convencido de que não poderia nunca curar-se de sua febre intermittente, vivia constantemente dominado pelo terror de um accesso pernicioso mortal; a nutrição foi pouco a pouco se compromettendo até o marasmo; o emmagrecimento fez rápidos progressos; sobrevierão phenomenos indicativos de uma anemia cerebral, e o infeliz collega suc- cumbio pouco tempo depois de ter ficado comatoso: até a véspera da morte o accesso febril manifestou-se com os mesmos caracteres. Este facto curioso foi observado pelo sr. dr. Pires Ferreira, amigo particular do doente, bem como pelos directores do estabelecimento hydrothera- pico de Friburgo, drs. Eboli e Fortunato de Azevedo, os quaes tiverão a bondade de informar-me minuciosamente sobre a ultima phase da mo- léstia. Em 1870, um collega de Pernambuco enviou-me um doente que tinha uma febre intermittente dupla-terçã, que durante onze mezes ti- nha resistido a diversos methodos de tratamento. Apezar da mudança para o Rio de Janeiro, os accessos continuarão. Aconselhei o uso dos banhos frios de cachoeira, e no fim de uma semana o doente estava cu- rado, tendo regressado para a sua província um mez depois. Como em todo o paiz influenciado pelas emanações paludosas, no Rio de Janeiro os doentes de febre intermittente são muito sujeitos a recaídas e reincidências; ás vezes os accessos voltão porque o tratamen- to foi suspenso muito cedo; outras vezes porque houve abuso de regi- men, resfriamento, ou uma causa moral deprimente; em certos casos a moléstia volta sem que para isso tenha concorrido nenhuma d'estas cau- sas. Á observação dos médicos do Rio de Janeiro, assim como das pes- soas estranhas á medicina, tem demonstrado que o uso do leite, depois de uma febre intermittente, quasi sempre provoca o reapparccimento dos accessos. O povo julga que a mesma influencia exerce a carne de vacca, e por isso abstem-se d'ella durante muito tempo depois de ter desapparecido a moléstia: isso porém não passa de um preconceito que não tem o menor fundamento. i VII 1^^^* ^ A cachexia paludosa, que representa a fôrma chronica da infecção Í4âL~~ eA*^*^^* aos effluvios dos pântanos, com quanto algumas veze£ se mani- feste entre nós sem ser precedida nem acompanhada de accessos inter- mittentes, ordinariamente succede a estes accessos, quando elles datão DO RIO DE JANEIRO 37 de muito tempo. Yestes casos, ou a cachexia se apresenta isoladamen- te, ou simultaneamente apparecem paroxysmos agudos bem regulares, revestindo typos bem determinados; ou então, o que é mais freqüente, a marcha chronica da infecção é de vez em quando interrompida por accessos febris, que se apresentão sem a menor regularidade, separa- dos por longos intervallos de completa apyrexia, por muitos dias de progressivas melhoras nos symptomas da cachexia. A cachexia paludosa succede á febre intermittente contrahida nos grandes focos de infecção, sobretudo quando o doente permanece no lu- gar infeccionado. Eu ainda não vi um só caso de cachexia em um indi- víduo que houvesse contraindo os accessos febris na cidade do Rio de Janeiro: quer na clinica civil, quer sobretudo no hospital da mizericor- dia, onde abundão os cacheticos, os doentes são procedentes do interior da província, especialmente d'aquellas localidades cujo solo é pantanoso em grande extensão e em differentes pontos, como: Suruhy, Macacú, Iguassú, Itaguahy, Magé, Estrella, Belém, etc. Ha cacheticos que só são acommettidos de accessos intermittentes depois que abandonão o lugar infeccionado e se mudão para um lugar salubre; ha outros, e estes são em maior numero, que, tendo constan- temente febre em quanto residem nas proximidades dos pântanos, ficão livres d'ella logo que d'ahi se retirão. A caehexia paludosa é constituída por uma alteração quantitativa e qualitativa do sangue, acompanhada de engorgitamento pronunciado do baço e do fígado. A diminuição considerável de glóbulos vermelhos e a existência de grande quantidade de pigmento ennegrecido, caracterisão essa dupla dyscrasia. A primeira d'estas duas alterações (anemia globu- lar, disglobulia), nos explica a pallidez das mucosas, as desordens da innervação e da circulação, a oppressão e o cansaço. A segunda (mela- nemia' é a causa da côr amarella suja do tegumento externo, das em- bolias capilares que se notão em algumas vísceras, sobretudo no ence- phalo, nos pulmões, nos rins e no fígado, algumas vezes acompanhadas de symptomas agudos muito graves, e que perturbão a marcha chroni- ca da cachexia. Em certos casos, a terminação pela morte, sobrevinda cm poucas horas em um doente cachetico, é devida a uma embolia d'esta ordem. Não são raros entre nós os factos em que se notão perdas de albu- 33 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FERRES mina pelas ourinas (albuminuria) no decurso da cachexia paludosa. Esta albuminuria ás vezes é unicamente devida á dyscrasia sangüínea, sem que haja lesão alguma nos rins; outras vezes depende de uma alteração renal, que n'este caso é constituída ou por uma embolia mclanemica de algumas arteriolas das glândulas secretoras da ourina, ou por uma dege- nerescencia amyloide do tecido d'estas glândulas. Só n'estas condições deve-se admittir a diminuição da albumina do sangue fazendo parte da dyscrasia que caracterisa a intoxicação palustre, como querem alguns pyretologistas notáveis. Independente da albuminuria, as analyses hema- tologicas só têm revelado a existência da disglobulia e da melanemia. Insisto calculadamente sobre este ponto da historia da cachexia paludo- sa, porque ainda não vi no Rio de Janeiro um só caso d'esta moléstia com symptomas hydropicos, em que não houvesse albuminuria, ou uma dilatarão exagerada das cavidades cardíacas, que me explicassem facil- mente a existência das hydropisias. Em 72 casos de cachexia paludosa muito adiantada, observados com todo o cuidado nas enfermarias de clinica da faculdade, no decurso de oito annos (1866 a 1873), só em 18 apresentarão-se as hydropisias; en- tre estes, havia albuminuria em 5, dilatação do coração em 12, alcoo- lismo e cyrrhose do fígado em 1. Muitas vezes tenho chamado a attenção dos meos discípulos para a ausência absoluta de hydropisias nos doentes que entrão para as enfer- marias de clinica em período muito adiantado da cachexia paludosa. Ao lado da côr especial d'estes doentes, de um completo descoramento das mucosas, de um baço e fígado enormemente hypertrophiados, de bulhas anormaes no coração e nas carótidas, de grande oppressão e cansaço, não se nota nem edema malleolar. No entretanto não ha livro algum de pathologia e de clinica, escripto na Europa, que não mencione as hydropisias, mesmo os grandes derramamentos nas cavidades esjilan- chnicas, entre os symptomas freqüentes da moléstia de que me occupo. É este um ponto de observação clinica que tem attrahido particular- mente a minha sollicitude. O dr. Dutroulau, que sem duvida alguma é um grande observador, e cuja obra tanto se recommenda pelo lado pra- tico como pelo lado scientifico (*), diz na pagina 353 que a cachexia (') Traité des maladies des Européens dans les pays chauds, 2e édition, 1868. DO RIO DE JANEIRO ' 39 paludosa é uma verdadeira cachexia serosa; que n'esta moléstia não ha um ponto do tecido cellular, não ha uma só cavidade, em que não exis- ta serosidade. O professor Griesinger, na pagina 53 do seo precioso li- vro (*), descrevendo os symptomas da cachexia paludosa confirmada, menciona o edema da face e das extremidades, bem como a ascite, ao lado da côr terrosa do tegumento externo, da pallidez das mucosas, dos ruidos anormaes do coração e das artérias, da tumefacção do baço e do fígado. Do mesmo modo, pouco mais ou menos, se exprimem outros autores que descrevem as moléstias produzidas pelos effluvios dos pân- tanos. Não é isso, repito, o que tenho observado no Rio de Janeiro: sempre que o cachetico se apresenta hydropico, ha entre a cachexia e as hydropisias uma outra condição mórbida, produzida, é verdade, pela infecção palustre, porém distincta da alteração do sangue que caracte- risa a moléstia principal, que nem sempre se manifesta, e que pôde exis- tir independente do impaludismo; essa condição mórbida, já o disse, ou é uma lesão cardíaca, constituída pela dilatação exagerada das cavidades do coração, com adelgaçamento de suas paredes e enfraquecimento na contracção de suas fibras musculares (asystolia), ou é uma albuminuria, que pôde depender ou não de uma alteração orgânica dos rins. Qual será a causa da diííerença que acabo de consignar entre a ca- chexia paludosa do Rio de Janeiro e a que se desenvolve nos paizes es- trangeiros? As condições climatericas peculiares á capital do Brazil re- presentarão n'este facto um papel importante? Novas observações são necessárias para a resolução d'este problema interessante da nosologia intertropical. As ultimas investigações hematologicas de Becquerel e Rodier, de Léonard e Foley, de Virchow, Meckel e Heschl, deixão fora de duvida que as duas dyscrasias, uma quantitativa e outra qualitativa (disglobu- lia e melanemia), que caracterisão a cachexia paludosa, dependem da destruição dos glóbulos vermelhos do sangue, cuja matéria corante se transforma em pigmento escuro ou negro. Esta transformação se opera, segundo alguns histologistas, em vários órgãos hematopociticos; tem lu- gar exclusivamente no baço, segundo outros. A favor d'esta ultima opi- nião ha um facto muito importante, verificado por tqoos: é no sangue (') Traité des maladies infectueuses. Traduction de Ia 2e édition allemande, 1868, 40 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES da veia porta que se encontra maior quantidade de pigmento; ora esta grande veia recebe directamente o sangue que sái do baço pela veia splenica. Ac cresce ainda, que não ha órgão algum que contenha a enor- me quantidade de corpusculos pigmentarios que se encontra sempre no baço, mesmo no começo da cachexia. Quando a cachexia é muito pronunciada e data de muito tempo, nota-se em muitas vísceras uma côr escura acinzentada, disposta por zo- nas diftusas, de dimensões variáveis, que se distingue logo á primeira vista da côr normal das partes circumvizinhas. O figado, o baço, os pulmões, os rins, as glândulas lymphaticas, o mesenterio e a substan- cia cortical do cérebro, taes são os órgãos que ordinariamente se apre- sentão com a côr própria do pigmento da infecção paludosa inveterada e antiga. Nos casos de cachexia terminados pela morte, nas enfermarias de clinica da faculdade, a autópsia tem sempre demonstrado a existência de núcleos escuros disseminados na superfície externa de alguns órgãos; no figado, nos rins e no encephalo, essa pigmentação quasi nunca falta. Em um caso observado em 1872, cuja observação foi publicada em um jornal redigido por estudantes de medicina ('), o pulmão direito tinha exteriormente a côr negra, muito intensa sobretudo no lobo superior; no esquerdo nada de semelhante se observava. Examinados ambos com muito cuidado, não se encontrou lesão alguma no parenchyma d'estes órgãos, a não ser algum edema na base tanto de um, como do outro. § VIII -* A symptomatologia da cachexia paludosa no Rio de Janeiro resu- ^ me-se no seguinte: côr amarella suja do tegumento externo, que se tor- na bem característica na face; mucosas descoradas, olhar languido, op- pressão e cansaço, que augmentão quando o doente anda apressadamente, sobe um morro ou uma escada; fraqueza muscular, nevralgias múlti- plas, sobretudo intercostaes; tonteiras, vertigens, zumbidos de ouvidos, enfraquecimento da vista; dyspepsia ordinariamente acompanhada de gastralgia; ora constipação de ventre, ora diarrhéa; tumefacção do baço e do fígado; palpitações do coração; ruído de sopro brando e systolico, i1) Revista Medica, setembro 187?. DO RIO DE JANEIRO 41 cujo máximo de intensidade se acha na base da região precordial; bu- lha de sopro nas carótidas, ruido de corropio n'estas mesmas artérias (bruit de diable): ás vezes paraplegia incompleta, acompanhada de hy- peresthesia muscular nos membros inferiores; em alguns casos (8:100) albuminuria; em outros (20:100) grande dilatação das cavidades car- díacas com adelgaçamento de suas paredes. Estes symptomas dependen- tes da fôrma chronica da infecção palustre, ora coexistem, ora não, com os symptomas agudos dos accessos da febre intermittente. Como se vê, á excepção da côr terrosa do tegumento externo, da tumefacção do baço e do figado, os symptomas da cachexia paludosa são os mesmos que se observão na anemia e na chlorose adiantada. § IX As lesões anatomo-pathologicas que caracterisão a cachexia paludo- sa entre nós, encontrão-se sobretudo na cavidade abdominal. O baço; apresenta-se muito desenvolvido, melanemico, quasi sempre endurecido^^ e raras vezes com a sua polpa diffluente, o que aliás é commum nos casos de febres perniciosas. O figado, geralmente muito volumoso, ora apresenta as alterações próprias do primeiro período da cyrrhose, ora se acha gorduroso, ora ennegrecido em diversos pontos, ora congesto, ora verdadeiramente hypertrophiado. Em dous casos terminados pela morte, observados nas enfermarias de clinica, um em 1870, e outro em 1873, encontrei a glândula hepa- thica em suppuração. No primeiro havia um único abcesso, das dimen- sões de uma pequena laranja, occupando a parte superior da face con- vexa do órgão; no segundo existião três collecções purulentas: duas pequenas, do tamanho de uma noz, pouco mais ou menos, no lobo es- querdo, uma, do tamanho de um ovo de gallinha, situada na parte me- dia do lobo direito. Em 1868 observei um exemplo curioso de hydro- pisia da vesicula biliar, em um doente de cachexia paludosa. A proe- minencia e tensão da parte interna do hypochondro direito; a dor exagerada que a apalpação e a percussão provocavão n'esta região; a coincidência de accessos intermittentes irregulares, que não se dissipa- vão mediante o emprego de repetidas doses de sulfato de quinina; e mais que tudo, a evidente fluctuação que percebi mais de uma vez nos pontos dolorosos, induzirão-me a diagnosticar um abcesso do figado. 42 ESTUDO CLINICO SORRE AS FEBRES Uma conferência por mim convocada, da qual fazião parte três distin- ctos cirurgiões, concordou commígo na necessidade de se praticar uma puncção na parte media do tumor por meio de um trocater commum (*). Fez-se a puncção, e pela canula do trocater saio uma enorme quantida- de de um liquido seroso, transparente e esverdinhado. Seis dias depois, o doente, que ia passando regularmente, foi acommettido de uma peri- lonite aguda, precedida em seo desenvolvimento por uma dor muito in- tensa, que subitamente appareceo nas proximidades da cicatriz umbilical. No fim de trinta e seis horas a phlegmasia peritoneal terminou pela mor- te. A autópsia demonstrou que o figado estava muito tumefacto e conges- to; que a vesicula biliar, extraordinariamente desenvolvida, apresenta- va-se dividida em seo interior em dous compartimentos; um, o maior, das dimensões de uma grande laranja, estava completamente vasio, e ti- nha na parede anterior uma perforação triangular, muito provavelmente a que tinha sido praticada com o trocater durante a vida; o outro, muito menor, quasi vasio, contendo ainda cerca de 1 onça de um liqui- do perfeitamente idêntico ao que tinha sido evacuado pela puncção. Na parede lateral esquerda d'esse compartimento, havia uma solução de continuidade, irregular, de bordos franjados, por onde se tinha feito o derramamento no peritoneo, causa da peritonite que levou o doente ao túmulo. Nos rins, a anemia e a degenerescencia amyloide são as alterações geralmente observadas. A ischemia por embolia melanemica é uma lesão pouco freqüente no Rio de Janeiro; ao passo que a pigmentação escura da substancia renal é commum. No tubo gastro-intestinal observão-se, na cachexia paludosa, todas aquellas desordens que são peculiares ás outras anemias. No cérebro só tenho encontrado os signaes de uma anemia pronun- ciada na substancia branca, e ás vezes a pigmentação escura da sub- stancia cortical. Nunca encontrei derramamentos serosos na cavidade da araehnoide, nem no interior dos ventriculos, salvo quando apparecião hydropisias durante a vida, produzidas pelas condições pathogenícas que referi no começo d'este paragrapho. I1) N'essa época ainda não era conhecido o precioso apparelho aspirador de Dieulafoy, que tão assi- gnalados serviços tem prestado ao diagnostico das collecções líquidas, quer no dominio da cirurgia, quer no da medicina, DO RIO DE JANEIRO 43 O coração quasi sempre se apresenta pallido, flaccido, amollecido, muitas vezes gorduroso, especialmente no ventriculo direito; as suas ca- vidades achão-se dilatadas, as paredes adelgaçadas, o endocardo parietal, bem como o vaivular, completamente intactos. A melanemia pulmonar é muito freqüente; ora occupa grandes zo- nas na superfície do órgão; ora é disposta em fôrma de pequenas man- chas, irregularmente arredondadas, de côr escura, quasi preta, cujo nu- mero em geral está na razão inversa do tamanho. Ha uma moléstia no Brazil, freqüente no interior da província do <2^*^--^r Rio de Janeiro, que se assemelha muito á cachexia paludosa, e tem sido^*^^^ -* ^ - com ella confundida por muitos médicos distinctos. Essa moléstia, co-^^^V*"* - nhecida pelo nome de oppilação, ataca quasi exclusivamente a classe ^ í^L^Tt pobre, principalmente os escravos, entre os quaes annualmente faz um-v grande numero de victimas. É uma entidade mórbida pathogenicamente constituída por uma notável diminuição no elemento globular do sangue (disglobulia) e alguma reducção na proporção da albumina. As más condições hygienicas, em que vivem os indivíduos acommet- tidos d'essa moléstia, são as causas que concorrem para o seo desenvol- vimento, sem que o miasma palustre contribua para isso com o menor contingente. Nos lugares elevados, inteiramente isentos de pântanos e águas es- tagnadas, onde não reinão febres intermittentes, nem endêmica, nem epidemicamente, a oppilação ataca a escravatura dos estabelecimentos ruraes e agrícolas, denominados fazendas, bem como a gente livre que vive como esta parte infeliz da nossa população. Uma alimentação insuf- ficiente pela quantidade e pela qualidade, composta de uma pequena porção de carne secca, feijão e farinha de mandioca ou de milho; um ex- cessivo trabalho queacarr.eta perdas orgânicas mal reparadas; a agglome- ração de muitos indivíduos em pequenos aposentos, cuja reunião con- stitue as senzalas, onde dormem expostos á humidade da atmosphera e sobre um solo argilloso e excessivamente humido; os constantes resfria- mentos a que estão expostos pela insuíficiencia das vestes que lhes co- brem as carnes, taes são as influencias nocivas, que, actuando lenta e gradualmente em todo o organismo, vicião a nutrição, depauperão as 44 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES forças, e dão em resultado a dyscrasia sangüínea chamada oppilação, que também recebeo do sr. dr. Jobim o nome de hypoemia inurtropi- cal. A estas causas que obrão unicamente sobre um certo grupo de indivíduos, e que são evitadas por aquelles que gozão de alguns recur- sos pecuniários, associão-se outras, cuja acção estende-se a todos os ha- bitantes do nosso clima, porém que sem o concurso das primeiras são impotentes para produzir o mal: são as condições thermometricas, hy- grometricas e barometricas da atmosphera. O calor e a humidade que quasi sempre reinão no ambiente das zonas intertropicaes, não só dimi- nuem a quantidade de oxygenio de que carece a hematose pulmonar, mas também reduzem ao minimo a exhalação da pelle e dos pulmões; estes dous resultados, que os climas quentes produzem na economia ani- mal, concorrem grandemente para diminuir a plasticidade do sangue, perturbar o processo da sanguínificação, reduzir o numero dos glóbulos vermelhos e augmentar a proporção da água. O sr. dr. Sousa Costa, em uma brilhante memória publicada na Gazeta Medica do Rio de Ja- neiro, em 1862 ('), referindo-se á etiologia da oppilação, exprime-se do seguinte modo: «Considerando a oppilação debaixo do ponto de vista «etiologico, nós lhe reconhecemos duas espécies de causas, obrando de «concerto, que são: 1.°, os agentes meteorológicos próprios dos climas «quentes; 2.°, a natureza da alimentação, gênero de vida, hábitos e in- «fracção de todas as regras hygienicas. É somente admittindo a existen- «cia de taes causas, que podemos dar a razão por que a oppilação é en- «demica no Brazil em tantas localidades onde, por suas condições topo- «graphicas, as febres intermittentes são apenas conhecidas». N'estas phrases singelas e concisas do illustrado professor de hygiene da faculdade do Rio de Janeiro, póde-se apreciar perfeitamente a opinião da maioria dos médicos brazileíros a respeito da differença que ha entre a oppilação e a cachexia paludosa, quanto ás causas que as produzem. Ninguém contesta que a primeira d'estas duas moléstias tenha grande predilecção para a raça preta, e é por isso que alguns escriptores a cha- mão cachexia africana; no entretanto a observação clinica tem demon- strado entre nós que as affecções palustres são muito raras n'essa raça. O sr. dr. Wucherer, medico allemão muito distincto, que exercia a (') Da oppilação considerada como moléstia distincta da cachexia paludosa e completamente inde- pendente do miasma paludoso. DO RIO DE JANEIRO 45 sua profissão em uma das províncias do Brazil (Bahia), tendo encontra- do, pela autópsia de alguns indivíduos mortos de oppilação, grande nu- mero de pequeninos vermes no interior dos intestinos delgados, princi- palmente no duodeno, a que Davaine deo o nome de ankilostimum duo- denale, concluío que a moléstia era de origem verminosa, e como tal devia ser combatida. As observações por elle publicadas na Gazeta Me- dica da Rahia, e divulgadas no Rio de Janeiro, chamarão para este ponto a attenção de alguns práticos distinctos, entre os quaes sobresaem o sr. dr. Teixeira da Rocha, professor de histologia e anatomia patho- logica da faculdade do Rio de Janeiro, e o sr. dr. Júlio de Moura, que exerce a medicina na villa de Theresopolis. Com quanto para estes dous hábeis collegas a questão já esteja deci- dida no sentido aflirmativo, isto é, conforme a opinião do dr. Wuche- rer, eu creio, de accordo com a immensa maioria dos médicos brazi- leíros, que este problema de etiologia não pôde ser satisfactoriamente resolvido sem o auxilio de grande numero de observações, seguidas de necropsia, em que a moléstia, estando ainda em principio, o doente ve- nha a succumbir victima de um outro soffrimento. Do contrario será muito fácil julgar como causa aquillo que não é senão efteito dos pro- gressos do mal. Se da etiologia passarmos aos symptomas da oppilação, veremos que ella ainda se distingue da cachexia palustre. Observão-se, é verdade, todos aquelles phenomenos inherentes a qualquer anemia globular; po- rém os que são produzidos pela melanemia faltão completamente; não ha tumefacção do figado nem do baço; logo no começo manifesta-se edema nas palpebras e no terço inferior das pernas, o que é devido á des- albuminação do sangue. O appetite perverte-se de um modo tal, que ap- parece a pica e a malacia; os doentes são levados a comer barro, tijolo e terra. Este phenomeno é tão freqüente, sobretudo nos pretos, que en- tre a synonimia da moléstia figura o nome de geophagia. A pelle, em lugar da amarellidão especial que se encontra na cachexia paludosa, apresenta uma côr semelhante á da cera velha; as escleroticas revestem- se de um reflexo azulado muito característico. As desordens da iner- vação são muito freqüentes e apparecem prematuramente: as tonteiras e vertigens, as nevralgias externas e visceraes, a dyspepsia gástrica e intestinal, estão n'este caso. As hydropisias marchão rapidamente, gene- oC 46 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES ralisão-se e apressão a terminação pela morte, sem que haja albuminu- ria nem lesão cardíaca que as explique. Pelo exame cadaverico não se encontrão em órgão algum a pigmentação melanemica, nem tão pouco as embolias. A oppilação tem ás vezes uma marcha rápida, e em pouco tempo determina a morte; a cachexia paludosa tem sempre um progresso muito lento. Na primeira d'estas moléstias a cura completa é a excepção da regra; o inverso se dá na segunda. No tratamento d'esta, o emprego dos saes de quinina é indispensá- vel para combater o elemento especifico; no d'aquella estes saes não são indicados. Em conclusão pois direi, que a cachexia paludosa é uma moléstia muito distincta da oppilação, tanto pelas causas que a produzem, os symptomas que as caracterisão e a marcha que seguem, como pelo tra- tamento que reclamão. As duas observações que se seguem, uma de cachexia paludosa e outra de oppilação, ambas colhidas na enfermaria de clinica (Santa Izabel) em 1872, facilitão a comparação entre as duas moléstias. Otoservaçâo VII—José Joaquim Alves, portuguez, de 3o annos de idade, servente de obras, regularmente constituído, está no Brazil ha oito annos, e tem sempre residido no município da Estrella (lugar muito pantanoso). Tem tido por diversas vezes accessos de febre intermittente, ora com o typo quotidiano, ora com o typo terção, e ultimamente com o typo quartão. Tem sem- pre tomado altas doses de sulfato de quinina para combater esses accessos; o seo restabelecimento nunca durou por mais de trinta a quarenta dias; logo que passava algum tempo sem tomar quinina, reapparecia a febre. Ha três mezes, pouco mais ou menos, ficou privado de trabalhar, porque sentia grande cansaço quando andava, palpitaçoes do coração, tonteiras, perturbação na vista, anorexia completa, dor no lado esquerdo do ventre e alguma diarrhéa. Estes soffrimentos forão-se incremen- tando gradualmente, até que- forçarão o doente a recolher-se ao hospital da santa casa da mizericordia, onde occupa o leito n.° 15 da enfermaria de Santa Izabel. Dia 7 de maio de 1812 — (Primeira visita)—Face entumecida (bouffie), côr terrosa do tegumento externo, pallidez extrema das conjunetivas e de toda a mu- cosabocal; ausência absoluta de edema nos membros inferiores. Ha quatro dias que não tem tido accessos de febre. Lingua saburrosa, boca amargosa, inappetencia; peso na região epigastrica, onde a pressão provoca alguma dor. Figado muito vo- lumoso, chega ao nivel da quinta costella e excede o rebordo costal na extensão de 8 centímetros; o baço mede 19 centímetros em seo maior diâmetro e 12 no me- nor ; na região splenica ha dor, que se exacerba muito pela percussão; duas a três evacuações diarrheicas em vinte c quatro horas. Ourinas claras, límpidas e transpa- DO RIO DE JANEIRO 47 rentes; o calor c o ácido azotico não demonstrão a existência de albumina; as ana- lyses para a descoberta do assucar não forão feitas. Calor axillar a 37°,2, pelle sec- ca, pulso a 82, pequeno e molle. Área prccordial um pouco mais extensa do que no estado normal; impulsão do coração augmentada, ruído de sopro systolico na região cardíaca, muito intenso na base; ruído de corropio (bruit de diable) nas carótidas; grande cansaço e oppressão; os movimentos no leito exigidos para o exame pro- vocão muita dyspnéa. Ausência de tosse, diminuição na intensidade do murmúrio respiratório na base de ambos os pulmões, principalmente do direito, onde a sono- ridade da parede thoraxica é menor. Tonteiras e vertigens, zumbidos nos ouvidos, somno pezado e acompanhado de pezadelos. Diagnostico—Cachexia paludosa. Prognostico—Favorável. Prescriprão: Infusão de ipccacuanha...........8 onças (250 grammas) Tome 2 colhéres de sopa de meia em meia hora. —Vômitos abundantes. Dia 8—Lingua boa, appetite, desapparccimenlo da diarrhéa. Prescriprão: Sulfato de ferro..............j Sulfato de quinina.............[ ãa 1 oitava (4 grammas) Extracto molle de quina..........) Divida em 36 pílulas iguaes—Tome 3 por dia. Água de Inglaterra — Tome 2 colhéres de sopa sobre cada pílula Tinctura de iodo pura, para fomentar os bypocondros uma vez no dia. Carne, vinho generoso e café. Este tratamento foi continuado até o dia 12 de junho, apresentando sempre o doente melhoras progressivas. N'esse dia elle queixou-se de dores gastralgicas e constipação de ventre. Foi suspensa a medicação. Prescripção: Magnesia fluida de Murray........ 10 onças (320 grammas) Tinctura de belladona..........) _ Tinctura de noz vomica.........\ aa 10 S°ttaS Tome em quatro porções com três horas de intervallo entre ellas. O doente teve três largas evacuações; as dores do estômago diminuirão muito de intensidade, porém não cessarão completamente. Mesmo tratamento. Tome a poção ás colhéres de sopa de duas em duas horas. Dia n de junho—Restabelecimento completo das funeções digestivas; desap- parecimento da gastralgia. Prescripção.' Lactacto de ferro.......... 6 grãos (3 decigrammas) Magnesia calcinada.........) - n - ,,n _ i „,n„ , , | aa 2 grãos 10 cenügrammas uhuibarbo em po..........) ° Canella em pó........... 1 grão (5 cnitigrammas) Misture bem, faça 1 papel e como este mais 23. Para o doente tomar um ao almoço e outro ao jantar. (juina amarella em pó............1 oitava (í grammas) Tomo em um pouco de café entre as duas refeições. Fricções nos hypochondros com tmetura de iodo diluída—três vezes por semana. Alimentação restauradora. 48 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FERRES Esta medicação produzio excellentes resultados. O doente fez uso delia até o dia 2o de julho, tendo sido suspensas as fomentações iodadas no dia 11. No dia 27 teve alta, conservando ainda um pequeno crescimento do baço. Aconselhei-lhe o uso dos banhos frios e do vinho de quina e ferro de Robiquet. Observação VIII —João da Limeira, portuguez, de 39 annos de idade, hortelão, bem constituído, residente no Brazil ha três annos e dous mezes, occupa-se em cortar e vender capim em uma chácara do Andarahy Grande, onde mora. Passa grande parte do dia com os pés na humidade, no exercício de sua pro- fissão; dorme em um pequeno casebre de sapê com mais três companheiros, mal resguardado da chuva, dos ventos e dos temporaes; alimenta-se ordinariamente de carne secca, feijão, bacalháo e sardinhas; o seo trabalho começa de madrugada; muitas vezes é forçado a sair com chuva, molhando-se, e conservando a roupa molhada no corpo durante o dia. Nunca teve outra moléstia grave senão varíola coníluente na cidade do Porto, ha vinte annos. Começou a notar que os pés inchavão, bem como as palpebras, sobretudo de manhã, quando acordava; ao mesmo tempo sentio cansaço, que gradualmente foi augmentando; perdeo o appetite, e ultimamente, ha um mez, pouco mais ou menos, appareceo-lhe uma dor no estômago, que se exacerba muito depois das refeições. Quando faz qualquer exercício, sente grandes palpitações do coração c tonteiras. Estes soffrimentos chegarão a um ponto tal, que Limeira deixou de trabalhar e procurou o hospital da mizericordia, para onde entrou no dia 21 de junho de 1872, indo oecupar o leito n.° 2 da enfermaria de Santa Izabel. Dia 22 de julho — (Primeira visita)—Face entumecida (boufíie), edema das palpebras, sobretudo das superiores; côr pallida do tegumento externo; descora- mento completo das mucosas; ligeira côr azulada das escleroticas. Edema nos pés e no terço inferior das pernas. Anorexia, desejo imperioso de comer fruetos ácidos, mesmo os que não estão maduros; muita sede; lingua pallida, sem saburra, sul- cada transversalmente em seos bordos, como se ahi os dentes deixassem uma certa impressão. Dor epigastrica, que se exacerba pela pressão, e sobretudo depois da ingestão dos alimentos: esta dor, quando é intensa, irradia-se para os hypochon- dros e para o dorso. Figado e baço normaes; constipação de ventre. Ourinas abun- dantes, descoradas, privadas de albumina e de glycose, pouco ricas de matos e chloruretos. Cansaço, oppressão e dyspnéa; palpitações violentas do coração; arca precordial normal; bulha de sopro systolica bem manifesta na base, estendendo-se para a ponta da região cardíaca; segunda bulha normal muito clara e vibrante. Pulso a 76, calor axillar a 36°,9; bulha de sopro nas carótidas, ausência de bulha de corropio n'estas artérias. Apparelho respiratório normal. Tonteiras e vertigens, principalmente quando o doente se abaixa, ou deixa rapidamente a posição hori- sontal. Diagnostico — Oppilação. Prognostico — Duvidoso. Prescriprão: Mistura purgativa de Le Roy. • ...,... 2 onças (64 grammas) Tome de uma só vez. Quatro largas evacuações. DO RIO DE JANEIRO 49 Dia 23 — Diminuição do edema dos membros inferiores; menor oppressão. Sulfato de ferro........... , ãa 1 oitava (4 grammas) Extracto molle de quina.........) Divida em 24 pílulas. —Tome 2 ao almoço e 2 ao jantar. Vinho de quina e genciana.—Tome um pequeno calix depois das refeições. Carne, vinho e café. Este tratamento durou até o dia 11 de setembro, tendo sido interrompido duas vezes por um dia, para administrar-se ao doente o purgativo de Le Roy na dose de 1 onça (32 çrammas). As melhoras, que até então erão evidentes, porém len- tas, progredirão rapidamente depois que as pílulas de sulfato de ferro e extra- cto de quina forão substituídas pelo xarope de citrato de ferro ammoniacal (uma colher de sopa no começo das refeições). No dia 27 de setembro, o doente, com quanto ainda não estivesse restabelecido, exigio e obteve a sua alta. §XI A cachexia paludosa ordinariamente termina pela cura, como já */£U. c^*^, tive occasião de dizer. Os casos de terminação pela morte que tenho^^^^^r^ encontrado em minha pratica, são todos de indivíduos em que a cache- xia se complicava de lesão orgânica do figado (cyrrhose, steatose, abcesso, degenerescencia amyloide), de lesão cardíaca (dilatação das cavidades com adelgaçamento das paredes) ou de albuminuria dependente de alteração renal (embolia melanemica, steatose, degenerescencia amyloide). A diarrhéa, que raras vezes complica a cachexia paludosa, consti- tue uma grave circumstancia, que influe muito no prognostico. ixn No tratamento da cachexia paludosa, os médicos do Rio de Janeiro J&*~u~<<&ãr attendem sempre a duas indicações principaes: combater a intoxicação especifica, e reconstituir a crase do sangue. Os saes de quinino preen- chem a primeira, os tônicos e ferruginosos preenchem a segunda. Se o doente ainda apresenta accessos intermittentes, administrão-se altas doses de sulphato de quinina, sobretudo nos dias em que deve apparecer a febre (18 a 24 grãos—1 gramma a 1 gramma e 3 decigrammas). Logo que cessão as manifestações agudas da infecção, o sal quinico é asso- ciado ás preparações de ferro na dose de 3 a 6 grãos por dia (15 cen- tigrammas a 3 decigrammas). As obstrucções do figado e do baço, combatem-se por meio de ventosas levemente escarificadas e seccas, fomentações iodadas e resolutivas, vesícatorios e sedenhos. A quina, a 50 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES genciana e outros amargos, a água de Inglaterra, o vinho de quinium de Labarraque, taes são os outros meios therapeuticos que, associados a uma alimentação reparadora, quasi sempre são seguidos entre nós de completo successo no tratamento da moléstia de que se trata. A hy- drotherapia, ora constituída por banhos frios communs, de água doce ou salgada, embrocaç.ões ou duches, ora empregada methodica e scien- tilicamente em um estabelecimento apropriado (em Nova Friburgo) ('), é um recurso destinado aos casos rebeldes, que não cedem á medicação ordinária. Eu costumo quasi sempre principiar o tratamento da cachexia pa- . ludosa por um vomitivo, ou por um purgativo drástico; prefiro o pri- meiro se ha symptomas de embaraço gástrico, lingua saburrosa e in- appetencia; recorro ao segundo se não existem estes symptomas e se não ha diarrhéa, com o fim de promover uma excitação na mu cosa gastro-in- testinal, que a desperte do estado de atonia e languor em que ella or- dinariamente se acha nas cachexias, em todas as moléstias constituídas por uma anemia globular, e em todas aquellas em que a nutrição se apresenta profundamente compromettida. Depois d'esta excitação pro- duzida pelo drástico, a absorpção dos preparados ferruginosos e tônicos é mais prompta, a assimilação da alimentação analeptica mais fácil e mais completa. Tenho conseguido com esta pratica excellentes resultados, mesmo em certos casos que parecem perdidos á primeira vista. Os factos que a abonão são tão numerosos e expressivos, que ella é invariavel- mente seguida pelos médicos que forão meos discípulos, e testemunha- rão a sua utilidade nas enfermarias de clinica da faculdade. A mistura purgativa de Le Roy de 2.° gráo é a formula de que lanço mão n'este caso para o emprego da medicação drástica, porque é uma dissolução na aguardente dos princípios activos da escamonéa e da jalapa; a natu- reza do vehiculo díssolvente auxilia muito a acção que pretendo obter com estes dous purgativos enérgicos. A dose da mistura de Le Roy varia conforme as condições individuaes dos doentes e o gráo de atonia em (') Os drs. Carlos EbolI e Fnrtunato Correia de Azevedo, depois de grandes esforços, conseguirão montar um magnífico estabelecimento hydrotherapico em Nova Friburgo, lugar elevado e montanboso, cuja salubrídade é notória em toda a província do Rio de Janeiro, e onde o clima se assemelha muito ao de alguns paizes do sul da Europa. Para essa localidade pittoresca e amena aílluem todos os annos mui- tos indivíduos aflectados de phthisica pulmonar, sobretudo durante o verão, e actualmente ella é o cen- tro onde reunem-se os doentes que precisão do precioso recurso da hydrolherapia racional e methodica. ^S. ^>-*-ot. -C«=J-,i^r T^^c?C*r*_ DO RIO DE JANEIRO oi que se acha o apparelho digestivo; 1 a 2 onças (32 a 64 grammas) para um adulto, são as doses que geralmente tenho administrado, sem nunca ter observado o menor inconveniente. Na observação VII póde-se ver a maneira por que associo os saes de ferro ao sulfato de quinina, e as proporções d'esta associação; n'ella também se vè que, mesmo não havendo accessos intermittentes, e apezar das pequenas doses de sulfato de quinina anteriormente tomadas, quando suspendi o uso d'este me- dicamento, o substitui por 1 oitava de quina amarella em pó, toma- da todos os dias em suspensão no café; assim procedo na immensa maioria dos casos. Como em todas as moléstias anêmicas, na cachexia palustre ha muitas vezes necessidade de mudar um sal de ferro por outro; de substituir uma preparação solúvel por outra insoluvel, ou o inverso, de variar de formula pharmaceutica, seguindo-se os preceitos pharmacologicos e tharapeuticos que devem presidir ao emprego da medicação marcial, qualquer que seja a moléstia que a reclame. O arsênico, associado ao ferro e á quina, tem sido por mim muitas vezes empregado, na cachexia paludosa inveterada, com muito provei- to ; nos casos em que os doentes accusão nevralgias externas e visceraes, dependentes mesmo da dyscrasia sangüínea, o ácido arsenioso se torna indispensável. Este medicamento tem sido de grande utilidade em Gayen- na e na Guadeloupe, sempre que se trata da fôrma chronica da infecção paludosa, segundo as observações dos drs. Laure e Gonnet. CAPITULO II FEBRE INTERMITTENTE LARVADA §1 A febre intermittente larvada do Rio de Janeiro, ora se apresenta re- vestida da maior simplicidade, ora toma um caracter grave, constituin- do uma verdadeira febre perniciosa. Só me occuparei n'este capitulo da ^" fôrma simples. ^"X*W~*. 52 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FERRES Com quanto em um certo numero de casos, os accessos larvados ve- nhão acompanhados de algum calor febril, sem precedência de calafrios nem terminação por suores, a regra geral é que elles se manifestem sem que haja o mais pequeno augmento de calor que possa indicar a exis- tência de febre. Ás vezes, o phenomeno mórbido que constitue o paro- xysmo é precedido em seo apparecimento por uma sensação de frio que os doentes experimentão nas plantas dos pés, nas extremidades dos de- dos, ou na columna vertebral; outras vezes a cessação d'esse phenome- no coincide com uma transpiração abundante, ou apenas sensível e limi- tada a certas regiões, como a fronte, o pescoço e o tronco. Commummente não se observa symptoma algum que possa ser attribuido a um accesso in- termittente legitimo; e a não ser a periodicidade mais ou menos regu- lar com que se manifesta o phenomeno, ou o grupo de phenomenos de- pendente da infecção miasmatica, o diagnostico se tornaria muito difficil. Em alguns casos, os accessos de uma febre larvada simples são sub- stituídos por accessos francos bem caracterisados, e isso tem lugar es- pontaneamente, ou depois do emprego das primeiras doses de sulfato de quinina. Em outros casos, a febre larvada simples é seguida de um ac- cesso pernicioso formal, extremamente grave, que quasi sempre deter- mina a morte do doente. Ha casos finalmente, em que os paroxysmos larvados reproduzem-se durante muitos dias, e, apezar de não serem reconhecidos em sua natureza e convenientemente combatidos, apresen- tão sempre a mesma benignidade: estes últimos casos constituem a ex- cepção da regra. Não é raro encontrar-se uma febre intermittente larvada em um in- divíduo que, tendo soffrido anteriormente de accessos francos, não foi radicalmente curado: n'este caso, o exame minucioso das vísceras do ventre revela quasi sempre a existência das lesões próprias da intoxica- ção paludosa. Na observação XII acha-se consignado um exemplo d'esta ordem muito importante. Raras vezes a febre larvada coincide com a cachexia palustre, e quando isso se dá, o phenomeno mórbido que representa o accesso só se manifesta depois que o doente tem sido submettido a um tratamento methodico e apropriado, e se acha muito melhor da moléstia chronica: foi o que tive occasião de observar duas vezes no hospital da mizeri- cordia. DO RIO DE JANEIRO 53 O typo quotidiano é o que se observa, na grande maioria dos casos, quando se trata de uma febre intermittente larvada; o typo duplo-terção e o terção apparecem ás vezes; o typo quartão é excessivamente raro entre nós; eu nunca o encontrei em minha pratica. As nevralgias, externas ou visceraes, sobretudo as da face, as con- gestões, as hemorrhagias, sobretudo a hemoptise e a epistaxis, o delírio, as hallucinações, a somnolencia soporosa, a insomnia, os espasmos con- vulsivos, as convulsões parciaes, tônicas ou clonicas, a dyspnéa, a tosse, a rouquidão, a oppressão prccordial, os vômitos e a diarrhéa, taes são os phenomenos mórbidos que ordinariamente se manifestam periodica- mente, produzidos pela infecção paludosa, e constituindo os accessos da febre intermittente larvada. O dr. Duboué (*) refere algumas observações interessantes, em que a incontinencia das ourinas, a conjunctivite e outros estados pathologicos se manifestavão debaixo da influencia do impaludismo, sem que houves- se a menor reacção febril, tendo-se os doentes restabelecido completa- mente depois do emprego do sulfato de quinina. A fôrma nevrálgica dos accessos larvados é sem duvida alguma a que se observa no Rio de Janeiro com mais freqüência; o mesmo acon- tece em outros paizes em que as aíTecções paludosas são communs, se- gundo referem todos os autores estrangeiros. A nevralgia do 5.° par, principalmente dos seus ramos supra-orbi- tario e infra-orbitario, é de todas as nevralgias intermittentes paludosas a que se apresenta mais freqüentemente. Se os accessos larvados sobrevem em um indivíduo que soffre de qualquer moléstia do apparelho respiratório, sobretudo de bronchite chronica ou tuberculisação pulmonar, caracterisão-se por grandes hemo- ptises, que resistem ao tratamento commum, e só cedem ao sulfato de quinina. Basta ás vezes a simples predisposição para a phthisica, herdada ou adquirida, para que as hemorrhagias do pulmão constituão a febre larvada. Estas hemorrhagias periódicas são communs entre nós. Poderíamos aqui referir um grande numero de observações de febre intermittente larvada, uma de cada espécie, para dar uma idéa exacta da variedade immensa de um gênero de moléstia pouco conhecido nos y. (') De 1'iinpaludisme, obra citada, 54 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES paizes da Europa, em que o miasma paludoso não tem grande importân- cia etiologica; isso porém daria a este trabalho uma extensão demasia- da, e o interesse das observações não compensaria esse inconveniente, principalmente depois do que acima fica dito. Todavia julgo de grande vantagem apresentar o resumo de seis observações importantes, das quaes as duas primeiras se referem a casos graves, porque todas ellas offerecem particularidades que são de muito alcance para o medico pra- tico. Observação IX—João Delfim Pereira, de 29 annos de idade, brazi- leiro, caixeiro de cobranças de uma casa commercial importante do Rio de Janeiro, foi no dia 12 de dezembro de 1871 ao município de Iguassú (lugar paludoso) co- brar algumas dividas; ahi demorou-se por espaço de quarenta dias sem experimen- tar o mais pequeno incommodo de saúde. No dia 26 de janeiro de 1872, ás 6 horas da tarde, foi acommettido de uma forte pontada nas vizinhanças do mamelão es- querdo, que lhe impedia de respirar, tossir e executar alguns movimentos com o tron- co. Recorreo a differentes fomentações excitantes, ao sinapismo e ás ventosas sec- cas, sem conseguir grande allivio. No dia 27 de manhã, depois de ter feito uso de uma poção com chlorhydrato de morphina e água de louro-cerejo, prescripta por um facultativo, achou-se muito melhor. Ás 6 horas da tarde d'este dia reappareceo-lhe a mesma dor, porém com tal intensidade, e acompanhada de tão grande dyspnéa, que o medico assistente julgou conveniente ouvir a respeito do caso a opinião de um collega. Ás 10 horas da noute fui eu chamado. Encontrei o doente banhado em abundante suor frio, recostado em uma cadeira, sem poder mover-se para qualquer dos lados, com a face expri- mindo angustia, lutando com uma verdadeira orthopnóa, com o pulso pequeno, concentrado e freqüente, porém completamente apyretico. A dor do lado esquerdo do peito tinha todos os caracteres de uma nevralgia intercostal, com os seos três pontos de exacerbação; a parede thoraxica respectiva conservava-se quasi immo- vel durante os movimentos ins e expiratorios, a respiração era quasi exclusiva- mente diaphragmatica. No pulmão esquerdo notava-se apenas alguma diminuição no murmúrio vesicular; o coração estava accelerado em seos batimentos. A lingua estava revestida de uma tênue camada de saburra branca; havia alguma sede e anorexia absoluta. Depois de ter ouvido a historia do doente, o resultado do exame a que procedi levou-me a diagnosticar uma febre intermittente larvada de fôrma nevrálgica. Pre- screvi um purgativo salino, e meia oitava de sulfato de quinina, para ser dada em três doses, depois das evacuações provocadas pelo purgativo. Na tarde do dia 28, a pontada, que tinha cessado completamente ás HV2 horas da manhã, não se manifestou. O sal de quinina continuou a ser administra- do, em doses decrescentes, nos dias 29, 30 e 31, 1 e 2 de fevereiro; a cura tornou- se radical no dia 3. Observação X—Samuel Chadwich, natural dos Estados Unidos, de 34 annos de idade, relojoeiro, oriundo de mãi tuberculosa, e muito sujeito a con- DO RIO DE JANEIRO 55 trahir bronehitos, teve uma pneumonia em julho de 1869, da qual restabeleceo-se diflicilmente; só em outubro foi que conseguio voltar para a suaoffieina. Em 13 de março de 1870, depois de ter sentido algumas horripilações, teve uma violenta hemoptise ás 8 horas da noute, a qual diminuio muito de intensidade mediante o emprego de ventosas seccas nas costas, sinapismos nas extremidades inferiores e uma poção contendo 1 escropulo de tannino, meia oitava de ergotina e 1 onça de xarope diacodio. Escarrou sangue por diversas vezes durante o dia 14, e ás 11 ho- ras da noute reappareceo com abundância a hemorrhagia, sem que os mesmos meios produzissem resultados vantajosos. As melhoras d'esta vez coincidirão com o uso de duas claras de ovos dissolvidas em um copo d'agua, meio este que foi aconselhado ao doente por um pharmaceutico da vizinhança. No dia 15, ás 7 V2 horas da noute, pouco mais ou menos, novas horripilações, semelhantes á do dia 13, seguidas de uma terceira hemoptise e de hypothimias freqüentes. Tendo eu visto o doente pouco tempo depois do apparecimento do paroxysmo hemorrhagico, e acreditando, pelo que acabo de referir, que se tratava de uma febre larvada de typo duplo-terção, apezar de eneontral-o completamente apyretico, receitei-lhe 1 libra de limonada sulfurica fortemente acidulada, tendo em dissolução 36 grãos (2 grammas) de sulfato de quinina, para ser dada aos cálices de hora em hora. Ás 2 horas da madrugada o doente tomou a ultima dose do remédio, tendo a hemorrhagia cessado completamente uma hora antes. Continuei a dar o sal de quinina, na mesma dose, nos dias 16 e 17, na dose de 24 grãos (1 gramma e 3 decigram- mas) nos dias 18 e 49; 12 grãos (6 decigrammas) nos dias 20,21 e 22. A hemoptise deixou de manifestar-se desde a manhã do dia 16, e o doente conseguio restabele- cer-se completamente, depois de uma longa convalescença, e depois de ter feito uma viagem ao interior da província de Minas. Observação XI—Elisa, criança de 7 annos de idade, lymphatica e muito débil, teve coqueluche, complicada de febre intermittente, durante seis mezes. Tomou muito sulfato de quinina inutilmente, visto como só conseguio curar-se, quer de uma, quer de outra moléstia, depois que a levarão para Theresopolis, onde fez uso de banhos frios. Em agosto de 1871, estando em casa de seos pais, em uma chácara de S.Chris- tovão, foi acommettida pela primeira vez, ás 9 horas da noute, de uma crise ner- vosa, caracterisada do seguinte modo: uma hora depois de ter conciliado o somno acordou subitamente, dominada por grande terror, teve alguns movimentos con- vulsivos dos braços e dos músculos da face, que forão substituídos por um verda- deiro trismus; este estado durou por espaço de meia hora, pouco mais ou menos, e foi gradualmente cedendo á medida que o corpo ficava banhado de suor. Mudou de roupa e dormio tranquillamente até o dia seguinte. Durante vinte e oito dias, e sempre ás mesmas horas, quando a criança dormia, reproduzirão-se regularmente os mesmos phenomenos; em todas as crises manifes- tarão-se os suores copiosos no momento em que ellas terminavão. Considerada a moléstia como dependente da presença de vermes intestinaes, vários medicamentos anthelminthicos forão empregados, porém sem o menor proveito, tendo a menina expellido apenas três ascarides lombricoides. Tendo eu sido consultado pelo collega assistente sobre esta doentinha, diagnos- tiquei uma febre intermittente larvada, e aconselhei o uso de umas pílulas com- 56 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES postas de sulfato e valerianato de quinina, associados ás pequenas doses de extra- cto de meimendro. Com este tratamento a menina restabeleceo-se completamente den- tro de seis dias. Observação XII—Raymundo Ferreira dos Passos, brazileiro, de 42 annos de idade, contrahio febre intermittente na província do Espirito Santo, onde esteve residindo durante cuico annos. Os accessos, que apresentavão-se com typos variáveis, continuarão a apparecer no Rio de Janeiro, e só cessarão depois do em- prego de altas doses de sulfato de quinina, bem como da medicação arsenical, segundo o methodo aconselhado por Roudin. Logo que o doente ficou livre da febre inter- mittente, abandonou os remédios que o seo medico lhe prescrevera e não tomou a menor cautela no seo modo de viver. Um mez depois de julgar-se curado, Raymundo dos Passos foi acommettido, ás 2 horas da madrugada, de uma dor aguda na região sternal, acompanhada da sensação de constricção na região precordial e na epigastrica (angina do peito), op- pressão extrema, dyspnéa, tosse guttural e secca. Este paroxysmo prolongou-se até 6 horas da manhã, tendo sido acompanhado de uma transpiração muito abundante. Quatro paroxysmos semelhantes tinhão tido lugar, á mesma hora, pouco mais ou menos, quando eu fui chamado para ver o doente em conferencia/Dous collegas já o tinhão visto, e acreditavão ambos que se tratava de uma lesão orgânica do cora- ção. O meo exame teve lugar na occasião em que terminava o accesso, e revelou- me o seguinte: Habito externo próprio da cachexia paludosa incipiente; lingua extremamente saburrosa, inappetencia; dor epigastrica, que se incrementava pela apalpação; figado augmentado de volume, baço volumoso, prisão de ventre. Calor axillar normal (37°,2), pulso um pouco concentrado e pequeno, batendo 95 vezes por minuto, pelle coberta de suor viscoso e frio. Área procordial normal; coração accelerado em seos movimentos, com a sua impulsão augmentada; uma bulha de sopro systolica e branda, perceptível em toda a região cardíaca, porém mais intensa na base do órgão. Respiração freqüente (40 movimentos respiratórios por minuto); som normal do thorax, tanto anterior, como posteriormente; algum estertor sibi- lante na face posterior de ambos os lados, ausência completa de estertores humi- dos; pouca tosse, sem expectoração: as ourinas não forão analysadas. Á vista da historia que me referio o doente, completada pelos médicos assis- tentes, e não podendo, depois do exame a que procedi, admittir a existência de uma lesão do coração, nem tão pouco de uma asthma essencial, como parecia crer a família do doente, diagnostiquei um febre intermittente larvada, de fôrma nevrotica, complicando a marcha de uma cachexia paludosa. Este juizo foi plenamente con- firmado pelo feliz resultado obtido com o tratamento que propuz e foi acceito, do qual fazião essencialmente parte os saes de quinina. Observação XIII — Leopoldo, de 13 annos de idade, bem constituído e forte, morador na rua de Catumby, começou a sentir, contra seos hábitos, um so- mno invencível, logo que anoutecia. Dormia profundamente durante toda a noute, e acordava na manhã seguinte muito bem disposto, porém apresentando a lingua levemente saburrosa. Apezar dos exforços que fazia para dominar o desejo que ti- nha de dormir, apezar dos recursos de que lançava mão para ficar acordado e en- tregar-se a seos csiudos, era obrigado a deitar-se, e immediatamente adormecia. 3x s+.'9-*^T ^t^-^z-K^t*^ DO RIO DE JANEIRO 57 Este facto ivproduzio-so durante nove dias consecutivamente, sem que houvesse a menor reacção febril; o menino estava muito contrariado, porque não podia pre- parar as suas lições, c os pais principiavão a inquietar-se, porque o julgavao na imminencia de uma moléstia grave. Tendo eu sido consultado a respeito da significação d'este somno invencível, sempre ás mesmas horas, fora dos hábitos do menino Leopoldo, aconselhei que lhe dessem á 1 hora da tarde 6 grãos de sulfato de quinina, e ás 3 outra dose igual. Na noute d'este dia, a criança não teve a somnolencia dos dous anteriores, porém teve alguma febre, que terminou por abundantes suores ás 11 horas. Durante quatro dias o sulfato de quinina foi dado na dose de 12 grãos, e du- rante os três dias seguintes na dose de 6 grãos. No fim d'este período de tempo (sete dias), o menino tinha voltado ás condições primitivas de saúde; não teve mais somnolencia nem febre. Observação XIV— Uma moça portugueza, débil e lymphatica, sol- teira, de 22 annos de idade, bem regulada e moradora na rua Formosa, foi acommettida ás 9 horas da noute de 27 de agosto de 1873, de fortes accessos de tosse, que durarão por espaço de duas horas, e a prostrarão muito. Durante o resto da noute e durante o dia 28 não tossio senão muito pouco; porém logo que se aproximou a hora de dormir, reapparecerão os accessos da tosse, com a mesma intensidade dos da noute antecedente, como estes sem expcctoraçao, e sem que apparecesse febre. Durante doze dias reproduzio-se a mesma scena, apezar do emprego de alguns meios empíricos aconselhados pela mãi da moça, e ape- zar de algumas poções calmantes e narcóticas prescriptas pelo medico da fa- mília. Houve suspeita de que se tratava de uma tosse hysterica, e o bromu- reto de potássio, associado ao chlorhydrato de morphina, foi empregado por es- paço de seis dias, porém sem a menor vantagem. A doente convenceo-se de que es- tava phlhisica, tornou-se triste e melancólica, perdeo o appetite, e foi acommettida de insomnia: mesmo depois que cessava a tosse, não lhe era possível conciliar o somno, e passava a noute pensando na moléstia e na morte. Foi por esta occasião que o pai a levou ao meo gabinete de consultas, onde a examinei cuidadosamente. A percussão e a auscultação nada revelarão de anormal no apparelho respiratório, a moça estava muito pallida e abatida. Dando a devida importância á historia anamnestica e á ausência de phenomenos significativos que me podessem explicar a tosse freqüente e pertiuaz que acommettia a doente todos os dias, ás mesmas ho- r.is, presumi que se tratava de uma febre intermittente larvada, e aconselhei o uso de pílulas compostas de sulfato e valerianato de quinina e extracto de ópio. Dez dias depois, tendo eu visto novamente a moça no meo gabinete, achei-a perfeita- mente restabelecida do incommodo que tanto a affligia, e soube que a tosse havia de lodo desapparecido logo no quarto dia depois do uso da quinina. Permanecendo ainda o estado anêmico e anorexia, prescrevi-lhe então uma preparação ferruginosa, associada á quina e á genciana. Nem sempre a febre larvada apresenta o typo intermittente. Se na maioria dos casos é isso o que se observa entre nós, em outros, menos raros do que pensão alguns pyretologistas estrangeiros, o phenomeno gg ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES mórbido, que depende do impaludismo, reveste o typo remittente franco, quer haja, quer não, reacção febril. Na fôrma nevrálgica sobretudo, es- se ultimo typo é commum. As desordens do apparelho digestivo, tão freqüentemente produzi- das pelos accessos francos da febre intermittente, manifestão-se muitas vezes no decurso da febre larvada, e servem então de poderoso auxiliar do diagnostico. Em alguns casos, apezar da ausência da febre por occa- sião do paroxysmo, este, depois que passa, deixa como vestígio um em- baraço gástrico, que se denuncia por estado saburral da lingua, inappe- tencia e mau hálito. Outras vezes, é o figado que se apresenta conges- to e doloroso; mais raramente encontra-se o baço augmentado de volu- me. A dor splenica (splenalgia de Duboué), como vestígio de um accesso larvado, não tem sido por mim observada uma só vez. IZZpsU*^ A origem da infecção miasmatica que produz a febre larvada en- contra-se, ora nos pântanos naturaes, ora nos accidentaes, ora no revol- vimento do terreno de algumas ruas da cidade, cxactamente do mesmo modo por que vimos que se desenvolve a febre intermittente franca. Não é raro que os paroxysmos appareção no decurso de uma moléstia aguda, ordinariamente phlegmasica, ou quando esta tem chegado ao seo termo, e o doente vai entrar em convalescença. Ha casos em que o medico observa a manifestação regular e perio- • dica de um phenomeno mórbido, o qual cede ao emprego do sulfato de quinina, sem que nada o autorise a admittir a existência de uma in- fecção miasmatica palustre. N'esses casos o medicamento aproveita pela sua acção anti-periodica, e não pelas suas virtudes especificas. §m ^/c^^^^' Se em muitos casos a historia anamnestica do doente esclarece v muito o diagnostico de uma febre larvada, e o torna fácil mesmo para um medico inexperiente (observações IX e XII), em outros o pratico carece de experiência e sagacidade para chegar com promptidão ao re- conhecimento da natureza da moléstia. A estada do indivíduo em uma localidade pantanosa; a precedência de accessos intermittentes francos e legítimos; a saburra branca ou ama- -«fc^* -t-tai-<^íl. DO RIO DE JANEIRO 59 rellada que cobre a superfície da lingua: o augmento de volume do fi- gado e do baço, acompanhado de dor, espontânea ou provocada pela apalpação e percussão; a marcha que segue o phenomeno pathologico que caracterisa o paroxysmo, e a inefficacia dos meios therapeuticos ge- ralmente aconselhados para combater este phenomeno, taes são os ele- mentos de diagnostico de que nos servimos e nos conduzem quasi sem- pre ao caminho da verdade. Quando a dor splenica for observada, como a observou em alguns casos o dr. Duboué, isto é, independente de congestão do baço e sem a menor alteração do figado, ainda o diagnostico se tornará fácil, visto como a splenalgia, com os caracteres que descrevi, só por excepção de regra existe sem que haja intoxicação paludosa. §IV A febre larvada ordinariamente é seguida de um accesso pernicio- -^^*£>~^ pyrexia simples de typo remittente. A não ser a ausência de um período apyretico, em que o thermometro revela uma temperatura normal, esta espécie nosologica não apresenta a menor differença em «relação á febre intermittente. Em um certo numero de casos, a febre, que era ao prin- cipio intermittente, torna-se remittente, e ordinariamente isso tem lugar quando o doente não é convenientemente medicado, ou abandona a mo- léstia aos únicos recursos da natureza. Outras vezes observa-se o in- verso: a apyrexia começa com o typo remittente, e depois do emprego de algumas doses de sulfato de quinina é que apparecem os paroxysmos francamente periódicos. Não ha nada de particular na febre remittente, em relação á etiolo- gia e aos symptomas, que não seja applicavel á febre intermittente, e que não tenha sido referido no artigo em que me occupei d'esta pyre- xia. Em lugar de uma apyrexia completa, a exploração thermometrica mostra que ha apenas diminuição do calor febril; esta diminuição é quasi sempre de 1 ou 2 gráos, e apparece das 6 horas da manhã ás 3 ou 4 da tarde; coincide ás vezes com a presença de algum suor na fronte e no pescoço; outras vezes, porém, apezar do abaixamento da temperatura, a pelle permanece secca. Não é raro que a declinação da febre tenha lugar de madrugada, e passe por isso desapercebida ao me- dico e ás pessoas que cuidão do doente; se não houver transpiração cutânea que indique a remissão, e se o thermometro não for emprega- do, o pratico poderá ser induzido a erro, sobretudo se não estiver ha^ DO RIO DE JANEIRO 6i bituado a observar as febres do nosso paiz, e se der demasiado valor ás informações fornecidas pelos enfermeiros. § II Para chegar ao diagnostico de uma febre remittente paludosa sim- V*;~^. pies, o medico deverá attender: 1.°, para a ausência de qualquer lesão V visceral que possa explicar a reacção febril que se apresenta; 2.°, para os resultados que fornece a exploração thermometrica, a qual revela uma diminuição na temperatura, de 1 ou 2 gráos, em horas certas e determinadas; 3.°, para o estado saburral da lingua, apresentando-se a face superior d'este órgão como se tivesse sido caiada; 4.°, para a congestão e sensibilidade do figado e do baço; 5.°, finalmente, em al- guns casos, para a dor splenica, a que liga tanta importância o dr. Du- boué. Não preciso mencionar a importância que tem para o diagnostico o conhecimento que a anamnese fornece sobre a procedência do doente, porque este elemento domina toda a historia das pyrexias palustres, e é o primeiro que cala no espirito do medico, mesmo do mais inexpe- riente. § III A febre remittente simples, sendo reconhecida em seo começo e t-^**^" combatida de modo conveniente, termina pela cura em poucos dias. ^j^*^ Depois das primeiras doses de sulfato de quinina, ou a febre cessa desde^^^ logo, sem que appareça um novo accesso, ou o typo da pyrexia muda, " e o doente é acommettido de um ou dous paroxysmos intermittentes an- tes de restabelecer-se. § IV Depois de previamente removido o embaraço gastro-intestinal, que ^w^~- quasi sempre existe, emprega-se o sulfato de quinina, na dose de 18 a, 24 grãos (1 gramma ou 12 decigrammas) na occasião em que diminue o calor febril. Em alguns casos, este período de remissão é tão curto, tão passageiro, que o medico deve estar prevenido com antecedência sobre a hora em que começa a baixar a temperatura, para aproveitar usla opportunidade, e não esperar que a columna thermometrica se apro- xime mais da cifra physiologica. Mesmo depois que cessa a febre, convém insistir no uso da medi- cação especifica, dando-se as doses do sal de quinina na hora em que 62 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES apparecião as remissões, diminuindo-se gradualmente estas doses, de modo a combater radicalmente a infecção miasmatica, e impedir uma nova manifestação de sua existência. As mesmas cautelas que aconselhei para a febre intermittente devem ser seguidas quando o typo da pyre- xia for remittente. Nas duas observações que se seguem encontrão-se dous modelos de febre remittente paludosa simples, não tendo havido a menor difficul- dade em reconhecer a natureza da moléstia. Otosei^vaçito XV—Manoel Suzano, portuguez, de 38 annos de idade, recentemente chegado ao Brazil, servente, habita em um cortiço insalubre da praia Formosa, onde adoeceo na tarde do dia 11 de junho de 1872. Duas horas depois de ter jantado como de costume, foi acommettido de um calafrio pouco intenso, náu- seas e depois vômitos, expellindo os alimentos que tinha ingerido; deitou-se e ap- pareceo-lhe febre intensa, acompanhada de cephalalgia frontal. Tomou duas chicaras de infusão de folhas de louro e de grelos de larangeira, persuadido de que tinha tido uma indigestão, e assim passou toda a noute.. No dia seguinte continuou a febre e a dor de cabeça, appareceo uma dor obtusa no hypochondro direito, e as ourinas tornarão-se muito escassas e avermelhadas. O doente recolheo-se no dia 13, ás 7 horas da manhã, ao hospital da santa casa da mizericordia, e occupou o leito n.° 18 da enfermaria de Santa Izabel (enfermaria de clinica medica). Na hora da visita apresentava os seguintes symptomas: face animada, olhos um pouco injectados, temperatura axillar a 39°,2, pulso a 110 e forte, lingua muito saburrosa, anorexia, muita sede, náuseas de vez em quando, constipação de ventre, sensibilidade epigastrica, figado um pouco crescido e doloroso á pressão e percussão, baço normal, ourinas escassas, muito avermelhadas e sem albumina. Os outros ap- parelhos em estado normal. Á vista da informação que deo o doente dizendo-nos que a sua febre datava das 6 horas da tarde do dia 11, sem o ter nunca abandonado, diagnostiquei uma febre remittente paludosa, recommendei aos internos que tomassem a temperatura á 1 e ás 5 horas da tarde, e fiz as seguintes prescripções: Infusão de ipecacuanha............,.....8 onças Tartaro emetico.....................1 grão Para o doente tomar aos meios cálices de meia em meia hora, e 18 grãos de sulfato de quinina, depois dos effeitos d'esta po- ção vomitiva. Á 1 hora da tarde, achando-se o doente debaixo da acção do vomitivo, o thermometro marcou 38°,6; ás 5 horas, tendo sido dada a dose de quinina dez mi- nutos antes, marcou 39°,5. No dia 14 ás 8 y2 da manhã, 38°,9 (18 grãos de qui- nina); ás 5 da tarde, 39°,2, no dia Io de manhã 38°,2 (12 grãos de quinina ás 8 y2 e 12 ás 11 y2 da manhã); ás 5 da tarde, 38°,4; no dia 16 de manhã, 37°,6 (12 grãos de quinina ás 8y2 horas e 12 grãos ás 11 y2), ás 5' da tarde, 37°,8; no dia 17 de manhã 37°,2 (12 grãos de quinina); ás 5 horas da tarde 37°,2. Esta temperatura manteve-se sempre a mesma até o dia 22, em que o doente teve alta perfeitamente \-Z> ^ Febre remillenle simples (Observarão XV) ^ Hnmem, 38 annos (Enfermaria de Santa Izabel) (') Infusão de ipecai-uanlia cora lartaro stibiado e 1 üraniiiia de sulfato de quinina. (;) Tina gramma de sulfato de quinina. Febre remittente simples iObservação XYIi Homem, 40 annos (Enfermaria de Santa Izabel: Vias de ■m. t. 4 ... .5 6 7 1 8 9 40° 57? i ! i A A i f\ 1 / v \ — I / i i \ i — :. \ i . _l _L.._L. : ., - L_ __ T | i | 1 L- (') Sulfato de quinina 6 decigrammas. Vômitos. (') Poção vomitiva, ventosas sarjadas e 1~ decigram mas de sulfato de quinina. DO ÍIO DE JANEIRO 63 curado, tendo tomado sulfato de quinina até o dia 20 (G grãos nos últimos dous dias) e água de Inglaterra. Observação XVI —Luiz Bouças, hespanhol, de 40 annos de idade, carroceiro, soffria de febres intermittentes, contrahidas no Andarahy pequeno, e não tinha tomado contra ellas senão dous purgantes, um de sal amargo e outro de óleo de ricino. No dia 7 de maio, ás 3 horas da tarde, appareceo-lhe o accesso de costume, começando por calafrio, que durou meia hora. No dia 8, ás 5 horas da manhã, em lugar das melhoras que sentia, Bouças conheceo que ainda estava fe- bril e não podia conduzir para a cidade a sua carroça de capim. Tinha dores pelas pernas, grande pezo de cabeça e ardencia nos olhos. Assim esteve durante todo o dia, tendo apenas tomado uma infusão diaphoretica e um pediluvio, que lhe pro- duzirão algum allivio. No dia 9 de maio de 1873 entrou para o hospital da mize- ricordia, e oecupou o leito n.° 2 da enfermaria de Santa Izabel. Na visita do dia 10 o doente apresentava os seguintes symptomas: reacção fe- bril franca, temperatura a 39°,5, pulso a 98; grande congestão do fígado e do baço; lingua coberta de uma camada espessa de saburra levemente amarellada, muita sede e anorexia, ventre pastoso e indolente. Na tarde antecedente, o interno tinha verificado pelo thermometro uma temperatura de 38°,4> e tinha dado uma dose de 12 grãos de sulfato de quinina, que foi promptamente rejeitada pelo vomito. Recei- tei uma poção vomitiva para de manhã, 24 grãos de quinina em duas doses para de tarde, 6 ventosas sarjadas no .hypochondro direito e 4 no esquerdo. As 5 horas, tendo já sido dada a primeira dose de quinina, o thermometro marcou 38°,6; no dia 11, ás 9 horas da manhã, marcou 38°,9, de tarde 37° (18 grãos de quinina). No dia 15 o doente teve alta, conservando ainda o fígado um pouco crescido, porém com bom appetite e sem a menor perturbação nas funeções do tubo gastro-intesti- nal; tomou sulfato de quinina até o dia 13. Nesta segunda observação, a febre cedeo com mais promptidão ao sal de qui- nina do que na primeira, apezar de ter havido anteriormente uma serie de accessos intermittentes quotidianos, acompanhados de congestão do fígado e do baço. CAPITULO IV FEBRE PSEUDOCONTINUA § I A única differença que ha entre a febre pseudo-continua e a remit- J^^-^f^ tente simples é que na primeira a diminuição da temperatura febril éjT^/^_^^ apenas de alguns décimos de gráo, de meio gráo, raras vezes de maisí^;^~ ^ «_ de sorte que ó muito difficil, e ás vezes impossível, verificar a existencia^-*^^. a^: 64 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES " da remissão. Tenho observado alguns casos, em que o doente se con- serva com muita febre durante dous, três e mais dias, sem que haja uma lesão que explique a reacção febril, e sem que se manifeste nenhum . outro symptoma que faça presumir que se trata de uma febre typhoide, mesmo benigna, no primeiro período. É n'estes casos, que uma dose de sulfato de quinina, dada, depois que se promove uma abundante transpiração por meio dos diaphoreticos, esclarece o diagnostico, tor- nando a pyrexia francamente remittente. O typo pseudo-continuo, nas febres palustres, é muito raro entre nós, e, á medida que a verdadeira febre typhoide vai-se tornando freqüente, elle vai escasseando ainda mais. Cumpre, porém, não perdel-o de. vista, visto como a omissão da therapeutica apropriada, em taes casos, importa a morte do doente den- tro de poucos dias. Eu vi, na casa de saúde de Nossa Senhora da Ajuda, um moço brazileiro, de 24 annos de idade, que tinha febre havia dous dias, e aceusava no hypochondro direito uma dor aguda e muito intensa: julguei que se tratava de uma hepatite aguda, e n'esta conformidade me- diquei o doente, tanto mais que o fígado estava augmentado de volume. Dous dias depois do emprego de sanguexugas á margem do ânus, ven- tosas escarificadas na região hepatica, fomentações de pomada mercurial nesta região, calomelanos e nitro em altas doses, todos os phenomenos locaes desapparecerão, porém a febre continuou sem apresentar remis- são apreciável. Decidi-me então a dar três doses de sulfato de quinina, no decurso do dia, de 12 grãos cada uma (2 grammas), dissolvidas em li- monada sulfurica; depois da terceira dose, a columna thermometrica desceo a 36°,2, e o corpo do doente ficou banhado em copioso suor; mandei dar-lhe duas colherés de água ingleza de hora em hora e bons caldos de carne. No dia seguinte, ás 10 horas e meia da manhã, a tem- peratura estava a 37°; dei 12 grãos de sulfato de quinina; de tarde, das 5 para 6 horas, o moço teve algumas horripilações, sentio dor de cabeça, e a temperatura elevou-se a 38°,7. Não havia a menor duvida, era um caso de infecção paludosa, revelada ao principio por uma febre continua, e depois por um accesso intermittente, graças á influencia da medicação especifica. No dia seguinte, de manhã, o thermometro mar- cou 37°; o doente tomou 18 grãos de sulfato de quinina, não teve mais accessos, e a sua convalescença marchou rapidamente. Para a enfermaria de clinica da faculdade entrou um doente, ainda DO RIO DE JANEIRO 65 moço e de côr parda, que apresentava uma reacção febril muito intensa, com todos os caracteres da febre que precede a manifestação da varíola. Dous dias se passarão, e a febre continuava com a mesma intensidade, sem que apparecesse o exanthema, apezar dos meios therapeuticos para esse fim empregados. A lingua, que no principio se tinha conservado rosada e humida, tornou-se saburrosa e secca. Mandei dar ao doente um purgativo de calomelanos, e depois que elle produzio os seos effei- los, recorri ao sulfato de quinina. Algumas horas depois do emprego da segunda dose d'este medicamento, a temperatura, que até então tinha permanecido a 40°,2, desceo a 38°,6, e n'este ponto conservou-se até ás 9 horas da manhã do dia seguinte; n'esta occasião o doente tomou mais 18 grãos de quinina, e de tarde o thermometro marcou 37°,3. A medicação especifica foi ainda empregada, em escala decrescente, por mais três dias, não porque tivesse apparecido algum accesso, porém com o fim de tornar a cura segura e radical. §11 Em certos casos, a febre pseudo-continua paludosa é acompanhada de congestão de alguma víscera importante, como o cérebro, a medvil- la, o pulmão, etc, e o diagnostico se torna ao principio muito diíficil. A hyperhemia pleuro-pulmonar principalmente induz o medico a pen- sar em uma pneumonia franca, visto como o doente queixa-se de gran- de pontada, tosse, dyspnéa e escarra sangue; se ao lado d'estes sym- ptomas puzermos o calafrio inicial, que quasi nunca falta, e uma tem- peratura de 40° ou 40 e alguns décimos, o erro de diagnostico se tor- nará desculpavel. Ha porém, n'estes casos difficeis e embaraçosos, uma lircumstancia jde grande valor, para a qual o medico deverá sempre altender, porque esclarece muito o seu juizo, ou, pelo menos, o põe de sobre-aviso: vem a ser a auseucia dos phenomenos physicos, sobretudo os que a auscultação fornece, que existem em uma phlegmasia pulmo- nar franca. Não ha crepitação fina, nem mesmo quando o doente tosse; não ha sopro bronchieo, nem bronchophonia; o ouvido explorador ape- nas percebe um rnitlo de attrito muito fino, superficial e circumseripto, devido á seceura da pleura, e enfraquecimento do murmúrio respirató- rio, devido á diminuição de capacidade das vesieulas pulmonares, liga- da á excessiva plenitude dos vasos que trajei* tão em suas paredes. Para 66 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES a casa de saúde de Nossa Senhora da Ajuda entrou um doente exaclamente n'estas condições: tinha tido um calafrio intenso e prolongado; tinha uma dor aguda e pungitiva abaixo do mamelão direito; tinha tosse, dyspnéa e um calor febril exagerado (40°,8). O interno que o recebeo, um dos mais distinctos alumnos do 6.° anno da nossa faculdade, apezar da ausência dos symptomas physicos característicos, diagnosticou uma pleuro-pneumonia, e n'esta conformidade fez as primeiras prescripções. No dia seguinte eu diagnostiquei uma febre pseudo-continua palustre, complicada de congestão pulmonar; prescrevi exclusivamente o sulfato de quinina durante quatro dias, e o doente, que era um preto moço e muito vigoroso, restabeleceo-se promptamente. Em fevereiro de 1873 vi um doente em S. Christovão, que apresentava um quadro de sym- ptomas muito curioso, que cercava o diagnostico de serias diíficuldades. Elle tinha muita febre, que datava de quarenta e oito horas, tinha algum delírio, e apresentava paralysia incompleta dos membros superiores, dos inferiores e da bexiga, acompanhada de hyperesthesia geral; a mais le- ve pressão exercida sobre qualquer parte do corpo, principalmente em "sua metade inferior, despertava ao paciente gritos de dor. Havia peque- na congestão para o figado e para o baço; a lingua estava levemente saburrosa, e o ventre preso. Á primeira vista parecia que se tratava de uma meningo-myelite essencial; porém, a ausência de opisthotonos, o gráo elevado do calor febril (40°,6), a congestão hepato-splenica, e so- bretudo a circumstancia muito valiosa de terem apparecido aquelles phenomenos rapidamente, attingindo em dous dias summa gravidade, íi- zerão-me presumir que se tratava de uma pyrexia palustre, de typo continuo, acompanhada de hyperhemia dos órgãos contidos na cavidade rachidiana. O tratamento que aconselhei, e produzio magníficos resul- tados, foi o seguinte: 12 sanguexugas á margem do ânus, 12 ventosas sarjadas em toda a região medullar, calomelanos em dose purgativa, e depois meia oitava de sulfato de quinina (2 grammas) em solução, dada em três doses. Vinte e quatro horas depois d'esta medicação, o doente estava extraordinariamente melhor; o uso do sal de quinina foi conti- nuado ainda por alguns dias, em doses decrescentes, e a convalescença tor- nou-se franca doze dias depois. § III No tratamento da febre continua paludosa, o sulfato de quinina de- DO RIO DE JANEIRO 67 ve ser dado logo que se estabeleça o diagnostico, mesmo que a reacção febril seja intensa. Cumpre porém que o medico nunca se esqueça que antes de administrar o precioso especifico deve preencher algumas in- dicações previas, condição'ás vezes indispensável para que o medica- mento seja absorvido e aproveite. Combater o embaraço gastro-intesti- nal por meio de um emeto-cathartico; remover uma congestão visceral por meio de uma emissão sangüínea, geral ou local, abundante ou mo- derada, conforme a intensidade e extensão da hyperhemia, a idade, o sexo, o temperamento e outras condições individuaes do doente; confor- me o estado do pulso e a data da moléstia. §IV Ha pyrexias continuas e pseudo-continuas, que se observão no Rio de ^^f' Janeiro, que não são de origem paludosa. As febres denominadas pelos ^^^^ ^ antigos synoca, angiothenica, gástrica e biliosa, também se encontrão/^^,. ^>< " entre nós, produzidas pelas causas morbigenicas geraes. O resfriamen-vè^íw^^^^-Q to, a insolação, a humidade, os desvios de regimen, as indigeslões, etc, /^^^^^^^i dão logar muitas vezes ao apparecimento de uma reacção febril, ordi- *?^:w *' nhada de symptomas muito análogos aos de uma febre typhoide no pri- meiro e segundo septenarío, simulando-a perfeitamente, e dando lugar a erros de diagnostico. Um medico inexperiente, ou um pratico estran- geiro, que não esteja habituado a observar as moléstias do nosso paiz, facilmente se enganará, sobretudo se a historia anamnestica do doente não puder chegar ao seo conhecimento. Antes de 1873 muito raramente eu observava entre nós um caso 72 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES de febre typhoide genuína (ileo-typho), ao passo que encontrava muitos exemplos da espécie pyretologica de ■. ue me occupo, principalmente no hospital da mizericordia. Estes exemplos, que se multiplicavão nas en- fermarias da faculdade e nas outras, bem como na clinica particular, davão-me explicação satisfactoria da opinião de alguns collegas, aliás muito distinctos, que acreditavão que o typho abdominal não era raro, e cedia em poucos dias ao sulfato de quinina. A semelhança dos symptomas é tal entre as duas pyrexias, que, observado o doente pela primeira vez depois do terceiro dia de molés- tia, e privado o medico do auxilio dos commemorativos, só á posteriori, isto é, depois do emprego dos saes de quinina, é que o diagnostico po- derá ser definitivamente estabelecido. Foi sem duvida alguma por ter ■conhecimento dos factos d'esta ordem, que o professor Sée, em uma se- rie de lições clinicas sobre o valor da thermometria no diagnostico das moléstias agudas febris, publicadas na Gazeta dos hospitaes de Paris, exprimio-se do seguinte modo: «Não ha nada mais diíficil do que o dia- gnostico da febre typhoide no começo, sobretudo nos paizes paludosos, e no entretanto ha poucas questões mais importantes para a pratica me- dica». Como demonstrarei d'aqui a pouco, n'estes casos de duvida, o thermometro, consultado nas primeiras quarenta e oito horas, constitue um grande recurso para o diagnostico diíferencial. Quando me occupar da febre typhoide, terei occasião de provar com algumas observações, que no Rio de Janeiro esta pyrexia começa freqüentes vezes por uma febre intermittente franca, contrahida ou não em localidades cercadas de pântanos, a qual gradualmente vai-se tornando remittente, até apresen- tar-se completamente transformada em sua natureza: os commemorati- vos, pois, nem sempre nos devem inspirar confiança; mais de uma vez elles me têm desviado do caminho da verdade. O dr. Griesinger descreve uma fôrma grave da febre remittente (*), que tem muita analogia com a febre remittente paludosa typhoidéa do Rio de Janeiro. Esta denominação, de que costumo servir-me, indica o typo da pyrexia, a sua natureza e a fôrma symptomatica de que ella se reveste; ao passo que o celebre professor de Berlim abrange sob a denominação de fôrmas graves da febre remittente, não só a espécie que (') W. Griesinger, Truitó des maladies infectieuses, traducção do dr. Lemattre, pag. 72, ?.a edição. DO RIO DE JANEIRO 73 conslilue o assumpto d,este capitulo, mas também a febre remittenle bi- liosa dos paizes quentes, ou febre biliosa hemorrhagica, que tem mere- cido de todos os pyretologistas, bem como d'aquelles que se occupão das moléstias dos climas intertropicaes, uma descripção especial e mi- nuciosa. Antigamente observava-se também em larga escala a febre remit- tente paludosa typhoidéa, que se revestia de caracter mais ou menos grave, e recebia o nome de febre perniciosa typhoide. Da leitura da obra do dr. Sigaud (*), bem como da excellente mo- nographia do sr. dr. Pereira Rego (barão de Lavradio) (2), deduz-se facilmente, não só que esta pyrexia era freqüente, mas também que em alguns casos confundia-se perfeitamente com a dothinenteria de Rre- tonneau. § II Na etiologia da espécie nosologíca de que me occupo, a influencia ££?^*f« do miasma paludoso é evidente: a marcha que segue a moléstia, as des- ordens do apparelho digestivo, a congestão do figado e do baço que se manifesta em todos os casos, a prompíidão com que todos os phenome- nos cedem ao sulfato de quinina, demonstrão exuberantemente essa in- fluencia. Porém a fôrma typhoide franca de que se reveste a pyrexia, muito diversa das fôrmas conhecidas e variadas das febres perniciosas; o elemento typhico que domina todo o quadro symptomatico, levão-nos a crer que, alem do miasma palustre, outra causa actua no organismo do doente, uma outra infecção altera-lhe a crase do sangue: essa outra causa não pôde ser senão o miasma de origem animal, que produz a verdadeira febre typhoide e as diversas espécies de typho observadas na pratica medica. Da acção combinada dos dous princípios morbigenicos, origina-se a febre remittente paludosa typhoidéa; assim como também origina-se a febre amarella, se concorrerem certas condições topogra- phicas e meteorológicas especiaes; assim como origina-se a febre typhoide legitima com accessos intermittentes bem caracterisados no começo da moléstia, no meio de sua marcha regular, ou em sua terminação, o que é muito commum no Rio de Janeiro e em outros paizes pantanosos. Se (') Du climat et des rnaladies du Drésil, J. F. X. Sigaud, 18i í. (2) Esboço'histórico das epidemias que lêem grassado na cidade do Rio de Janeiro desde 1830 a 1870, dr. José Pereira Rego, 1872. 74 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES a intoxicação miasmatica mixta (vegeto-animal) produz uma pyrexia de fundo palustre e fôrma typhoide, é porque o miasma paludoso sobre- puja o miasma typhico; no caso contrario, a moléstia que se desenvolve é uma febre de fundo typhoide, tendo apenas a fôrma symptomatica de uma febre intermittente, caracterisada por accessos francos, ordinaria- mente quotidianos, sobrevindos em diversos períodos da aífecção prin- cipal, e não exercendo a menor influencia em sua marcha, nem em sua terminação. Se o doente succumbe, no primeiro caso, quaesquer que sejão os symptomas observados, qualquer que seja a sua gravidade, a autópsia não revela a existência das lesões intestinaes que caracterisão anatomicamente o typho abdominal; nos deixa apenas observar as alte- rações hepaticas e spíenicas que são tão freqüentes na intoxicação palu- dosa aguda; no segundo caso, por mais regulares que tenhão sido os paroxysmos, por mais deficiente que seja a symptomatologia typhoide, a necropsia nos demonstra a verdadeira natureza da moléstia, os pheno- menos anatomo-pathologicos do ileo-typho se patenteião nos intestinos delgados. Em relação á therapeutica, no prjmeiro caso, o doente se restabe- lece em poucos dias, tendo tomado algumas doses de sulfato de quinina (Observações XVII, XVIII e XIX); no segundo caso, apezar do uso me- thodico e prolongado d'este medicamento, apezar da energia com que elle é administrado, os accessos vão-se aproximando, a febre toma o typo continuo, continua em sua marcha progressiva, e os phenomenos que caracterisão a dothinenteria vão-se accentuando de mais a mais, até que não possa existir a menor duvida a respeito do diagnostico (Obser- vações XX e XXI). Em um certo numero de casos, a fôrma typhoide de que se reveste a infecção paludosa, depende das condições de depauperamento e misé- ria em que se acha o organismo do indivíduo que recebe a acção dos effluvios dos pântanos. A alimentação insufficiente, quer pela quantidade, quer pela qualidade, a habitação em um aposento escuro, baixo, mal ventilado e liumido, onde a atmosphera esteja confinada, a fadiga de corpo por excessivo trabalho, o aniquilamento do moral por desgostos profundos e outras paixões deprimentes, taes são as condições que tam- bém favorecem o apparecimento dos symptomas typhicos nas febres pa- lustres, assim como em qualquer outra aífecção aguda e febril DO RIO DE JANEIRO ^ 75 § III Quasi sempre a pyrexia de que me occupo começa com o typo re- <^,^^. mittente, sem precedência de accessos periódicos; só excepcionalmente observão-se esses accessos; e n'estes casos, os doentes não têm feito uso de medicação alguma apropriada; apezar de seos sofrimentos, conti- nuarão no trabalho, expostos á chuva, á humidade, ao sol, sem respei- tarem os preceitos da hygiene: é isso o que se nota nos indivíduos que frequentão as enfermarias do hospital da mizericordia, na immensa maio- ria pobres trabalhadores, ou míseros escravos. Ora com prodromos, que durão vinte e quatro ou trinta e seis horas, ora sem elles, a moléstia ordi- nariamente começa por um calafrio intenso e prolongado, ou por horripila- ções freqüentes que attenuão com a sensação de calor na face (fogachos). Apparece cephalalgia frontal, prostração de forças, dores rheumatoides nos membros inferiores e febre. Logo nas primeiras vinte e quatro horas o ca- lor febril chega a 39°,5 ou mesmo a 40° nas horas das exacerbações ther- micas, para diminuir de meio gráo a 8 décimos durante o período de re- missão ; esta remissão tem lugar quasi sempre das 3 horas da madrugada ás 10 ou 11 horas do dia, e o máximo da exacerbação apparece das 5 ho- ras da tarde á meia noute. O pulso, ordinariamente cheio e forte, acompa- nha em sua freqüência as oscillações thermometricas; com a temperatura máxima bate 110 a 120 vezes por minuto, com a minima 90 a 100. A lin- gua torna-se saburrosa e secca no centro, rubra na ponta e nos bordos; nos casos em que o elemento bilioso se associa ao elemento typhico (febre biliosa typhoide de Griesinger), o enducto saburral apresenta-se com a côr amarella carregada. A seccura da lingua é um phenomeno que se manifesta muito prematuramente (do 2.° para o 3.° dia); sede pouco intensa, anorexia absoluta, prisão de ventre, raras vezes diarrhéa bi- liosa. Grande sensibilidade no epigastro e no hypochondro direito, des- pertada sobretudo pela apalpação e percussão; figado augmentado de volume, sobretudo nos seos limites superiores; nos casos de complica- ção biliosa, nota-se alguma ictericia; baço ordinariamente de dimensões normaes durante os primeiros três dias de moléstia, um pouco crescido do 4.° dia em diante; tympanismo abdominal moderado em alguns ca- sos (nos mais graves), ausência de tympanismo em outros; dor nas re- giões iliacas em um pequeno nuriiero de doentes, limitada exclusiva- 76 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES mente á direita rarissimas vezes; gargarejo nas fossas iliacas em quasi todos, ora só á direita, ora em ambos os lados. Ourinas escassas, ru- bras, concentradas, sem albumina; só em um caso observei albuminu- ria, que era pouco pronunciada, e desappareceo no fim de vinte e qua- tro horas, depois do effeito de um purgativo salino. A estes symptomas, peculiares a muitas espécies de febre paludosa, associão-se outros, que pertencem á febre typhoide. A face do doente toma logo no começo a expressão da estupidez e do indifferentismo; deitado em decubito dorsal, o indivíduo com difíiculdadc se move no leito e responde ás perguntas que lhe são dirigidas; só amparado por duas pessoas pôde assentar-se no leito, porque sente-se em extremo aba- tido. Na superfície cutânea notão-se sudaminas, e ás vezes manchas petechiaes, quando ha tendências hemorrhagicas, o que não é raro; só uma vez encontrei a erupção roseolar typhoide, tão significativa no dia- gnostico da dothinenteria. A epistaxis ás vezes apparece nos primeiros três dias; no apparelho respiratório observão-se os ruidos próprios do catarrho bronchico; uma bronchite capillar, ou mesmo uma pneumonia lobar sobrevem ás vezes, e aggrava a situação do paciente. Logo nos primeiros dias apparece sub-delirio durante a noute, insomnia e agita- ção; se a moléstia vai alem do primeiro septenarío, declarão-se outros symptomas graves para o lado do apparelho da innervação taes como: somnolencia, tremor convulsivo dos membros superiores e da lingua, carphologia e sobresaltos tendinosos. Em três casos observei a ente- rorrhagia; em um d'elles, as perdas hemorrhagicas pelos intestinos erão tão abundantes, que reclamarão o emprego dos adstringentes em pílulas e em clysteres; todos os doentes se restabelecerão apezar de tão grave symptoma. Em um doente, marinheiro de profissão, manifestou-se uma stomatorrhagia rebelde, que só cedeo ao perchlorureto de ferro. Merece menção especial o facto de eu nunca ter observado vomito na febre re- mittente paludosa typhoidéa, nem mesmo quando apparecia a complica- ção biliosa. Tenho archivado 58 observações d'esta espécie nosologíca, colhidas nas enfermarias de clinica, desde 1866 a 1874, e em nenhu- ma d'ellas o vomito é consignado como symptoma. Em um certo numero de casos, principalmente dos que durão mais tempo, desenvolve-se uma parotide na terminação da moléstia, o que constitue uma complicação seria, se a suppuração da glândula não pôde • DO RIO DE JANEIRO 77 ser evitada. Em um doente que se restabeleceo em doze dias, appareceo no começo da convalescença um pblegmão da região glutea direita, o qual terminou por suppuração. % IV Quer comece por accessos intermittentes francos, quer tome desde logo o typo remittente, a moléstia tem uma duração curta: na grande maioria dos casos, ella percorre o seu itinerário em um período de sete a quatorze dias; muitas vezes a convalescença se estabelece logo depois do primeiro septenarío, se o doente é observado desde o principio do mal, e se uma medicação apropriada é logo empregada com a necessária energia. É muito commum observar-se durante a convalescença o ap- parecimento de accessos periódicos com o typo quotidiano; em alguns doentes, estes accessos caraterisão-se por seos três estádios; em outros, em maior numero, falta o calafrio inicial; em outros, finalmente, o pa- roxysmo só se revela por suores, parciaes ou geraes, que se manifestão de noute ou de madrugada, e que são considerados pelos enfermeiros como a expressão do abatimento em que se achão os convalescentes. Quando a febre remittente paludosa typhoidéa termina pela cura, o (jue constitue a regra geral, as remissões tornão-se mais francas, o ca- lor da tarde diminue; os primeiros symptomas que desapparecem de- baixo da acção de uma boa dose de sulfato de quinina, são; o estupor da face, o abatimento geral das forças, a seccura da lingua e o delírio nocturno. Pouco a pouco vão-se dissipando os phenomenos typhicos; de- pois cede a congestão das vísceras abdominaes, e só por fim é que cessa a bronchite, a qual ás vezes acompanha o doente na convalescença, e reclama uma medicação especial. É digna de nota a rapidez com que os doentes adquirem forças e appetitc, o que contrasta com o que se observa na verdadeira febre typhoide, onde a convalescença é muito demorada, durando ás vezes mais tempo do que a própria moléstia. . Nos casos de terminação pela morte, a adynamia progride, o delírio torna-se constante, o ventre se meteorisa, ou o meteorismo augmenta se já existia, a lingua torna-se gretada, muito rubra e ponteaguda, o catarrbo bronchico toma grandes proporções, o pulso se concentra de mais a mais e torna-se mais freqüente, as remissões do calor febril vão- se tornando gradualmente menos salientes; nota-se apenas uma diffe- rença de meio gráo ou de 8 décimos de gráo entre a temperatura da 78 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES manhã e a da tarde; a columna thermometrica sobe a 40°, e mesmo a 41°; mais tarde as extremidades se arrefecem, os batimentos da artéria radial chegão a 140 por minuto ou mais, o calor se concentra, o ther- mometro, applicado na axilla, marca 41° e alguns décimos, sobrcvem o coma, uma transpiração abundante e viscosa banha a superfície cu- tânea, e a agonia, acompanhada de uma respiração anxiosa e offegante ou do estertor tracheal, dura por espaço de algumas horas (observa- ções XXII e XXIII). e*/**^>^~~- Em 58 Joentes de febre remittente paludosa typhoidéa observados /* T^^nas enfermarias de clinica, só 5 fallecerão, e (Ventre estes 1 teve uma parotide suppurada, que o levou ao gráo extremo de marasmo, tendo por fim apparecido uma diarrhéa abundante e rebelde. Em todos os 5 casos, os doentes entraram para o hospital depois do terceiro dia de moléstia; em 2 havia alcoolismo chronico, o que foi confirmado pela autópsia; em 1 havia tuberculisação pulmonar, diagnosticada durante a vida e verificada post mortem. Eis o que a necropsia revelou, n'esses 5 casos fataes: ausência de côr icterica em todos, ausência de rigi- dez cadaverica em 3, presença d'ella em 2. Injecção depia-mater em 4; em 1 sobretudo, os vasos efesta membrana serosa estavam nimia- mente turgidos, e havia também um abundante derramamento sub- arachnoidiano. A massa encephalica estava injectada em 2, um pouco amollecida na substancia branca do hemispherio esquerdo em 1. Con- gestão da base dos pulmões em 3; grande núcleo de hepatisação ver- melha no lobo inferior do pulmão direito em 1; "tuberculisação em período de fusão no lobo superior do pulmão direito em 1; fortes adherencias da pleura costal com a pleura pulmonar em 2: emphysema parcial do pulmão esquerdo em 1; injecção da mucosa bronchica e catarrho diffuso em toda esta mucosa em 4. Derramamento de 60 grammas de seroridade citrina na cavidade do pericardio em 1; pla- cas leitosas na folha visceral do pericardio em 2; degenerescencia gor- durosa do coração, principalmente do ventriculo direito em 2; n'estes mesmos, degenerescencia atheromatosa da aorta, e em 1 d'elles in- crustações das válvulas sygmoides aoríicas. Injecção muito pronunciada da mucosa do estômago em 4; amollecimento da mucosa, a qual des- tacava-se facilmente pela tracção do cabo do escapello em 1; augmento '•.✓^ s-?~& *-*-<^c-^'st <&~*C' DO RIO DE JANEIRO 79 do volume do fígado em todos os 5 casos, degenerencia gordurosa da glândula em 2, sendo total e completa em 1, parcial e circumscri- pla no outro; grande hyperhemia do parenchyma hepatico nos outros 3; vacuidade quasi completa da vesicula biliar em 1; excessiva plenitude da vesicula em 2, apresentando-se a bile muito -compacta e ennegrecida; baço muito crescido em 1, um pouco augmentado de volume em 3, de volume normal em 1, a consistência d'este órgão estava muito dimi- nuída somente em 1 dos 3 casos em que elle estava um pouco cres- cido. Nos intestinos delgados, depois de um exame minucioso, nada en- controu-se de peculiar á dothinenteria; havia alguma injecção na mu- cosa do duodeno, do jejuno e do ileon em 2 casos; o coecum apresen- tou-se normal em todos os 5 casos; só em 1 a válvula de- Bauhin (ileo-coecal) estava um pouco turgida. As glândulas de Peyer, bem como os folliculos isolados, não apresentavão alteração alguma apreciável a olho nú; mesmo aquella infiltração particular que os invade no pri- meiro período da febre typhoide, foi observada nas autópsias praticadas nos casos de febre remittente paludosa typhoidéa. Só em 1 caso os gânglios do mesenterio estavão tumefactos e augmentados de volume; foi no indivíduo que apresentava o pulmão direito com tuberculos em suppuração. Os rins estavão hyperhemiados em 2 casos, gordurosos em 2, e normaes em 1. O rachis não foi aberto em nenhum dos 5 casos (*). Bem sei que o numero de 5 autópsias é muito insignificante para sobre elle tirarmos qualquer deducção relativamente á anatomia patho- logica de uma moléstia; porém do que fica exhibido não podemos dei- xar de concluir, que a febre remittente paludosa typhoidéa é funda- mentalmente diversa da febre typhoide propriamente dita, e que as le- sões que ella determina no organismo são as mesmas que produzem as pyrexias palustres que durão pouco tempo. § VI Como eu já disse, a espécie pyreíologica de que me occupo confun- (') Nas autópsias praticadas na aula de clinica medica, só se faz a abertura do rachis quando se pre- sume que ha alguma lesão nos órgãos contidos na cavidade rachidiana, porque nunca resta tempo para esta parte tão trabalhosa do exame cadaverico. so ESTUDO CLINICO SOBRE AS FERRES de-se com a febre typhoide, sobretudo no começo. Mesmo depois de decorrido o primeira septenarío, se a moléstia foi entregue aos únicos exforços da natureza, ou se a medicação especifica não foi conveniente- mente empregada, a confusão entre as duas entidades mórbidas torna-se inevitável. No entretanto convém firmar o diagnostico logo em principio, para se dar ao doente uma boa dose de sulfato de quinina, depois de bem preparadas as vias de absorpção. Hoje, que todos reconhecem que os saes de quinina são inúteis, e ás vezes nocivos na dothinenteria, a ques- tão do diagnostico differencial entre esta affecção e uma outra de fundo paludoso, e que não cede senão ao emprego d'esses saes em altas doses, é por certo uma questão de magna importância, tanto mais quanto, per- didas as primeiras trinta e seis ou quarenta e oito horas, a moléstia vai-se tornando cada vez mais grave, e a omissão do tratamento especifico em occasião opportuna importa a morte do doente. O medico deve pois ex- forçar-se por bem conhecer a natureza da moléstia, interrogando para isso todas as fontes de instrucção, procedentes dos commemorativos, da apreciação dos symptomas, da marcha que seguem os phenomonos mór- bidos, e dos resultados obtidos com a medicação empregada. A residência do indivíduo em uma localidade pantanosa; a existên- cia anterior de accessos intermittentes; a coincidência de uma cachexia palustre, são circumstancias que devem ser tidas em grande consideração para o diagnostico. O facto de apresentar-se o calor febril acima de 39°,5 nas primeiras vinte e quatro ou trinta e seis horas horas, é de um valor ca- pital a favor de uma febre remittente paludosa typhoidéa, visto como das observações numerosas do professor Wunderlich, verificadas por muitos práticos allemães, francezes e italianos, resulta que toda a moléstia que apresenta no primeiro ou segundo dia uma temperatura de 40° ou mais, não é uma febre typhoide; que também não se trata d'esta moléstia se na tarde do quarto dia a columna thermometrica não chega a 39°,5. Tenho feito o diagnostico de uma febre remittente paludosa typhoidéa, excluindo a dothinenteria, apezar do grande numero de symptomas ty- phicos que os doentes apresentam somente porque no primeiro ou se- gundo dia da moléstia encontro o calor febril a 40° ou mesmo a 39u,6, 39°,8, o que constitue a regra geral. O thermometro constitue pois um grande recurso no diagnostico differencial entre a verdadeira febre ty- phoide e a pyrexia que estou descrevendo, recurso tanto mais precioso DO RIO DE JANEIRO 81 quanlu ás vezes é o único que nos inspira confiança no começo, visto como os dados coinmemorativos nos faltão completamente. Dentre os symptomas do typho abdominal, alguns são muito raros na febre remit- tente paludosa typhoidéa e o tympanismo do ventre, a diarrhéa, as manchas lenticulares e a epistaxis estão n'este caso. Quando digo que estes symptomas são raros, não é minha intenção apresenlal-os como fontes seguras do diagnostico differencial, por quanto a raridade de um phenomeno não importa a sua ausência absoluta; as próprias manchas roseolares, chamadas typhoides, e consideradas por muitos práticos emi- nentes como características da febre typhoide, já se apresentarão uma vez á minha observação em um caso de febre paludosa typhoidéa, e forão vistas e analysadas por meos discípulos, alguns dos quaes, a despeito das indicações positivas do thermometro, abraçarão o diagnostico de dothinenteria, contrario ao que eu tinha estabelecido. A marcha da mo- léstia, e os resultados da therapeutica empregada, mostrarão evidente- mente que eu tinha rasão: dentro do praso de dez dias o doente resta- beleceo-se completamente, tendo tomado altas doses de sulfato de qui- nina. Já se vê pois que os quatro symptomas que apresento como raros na pyrexia de que me occupo neste capitulo, constituem fontes auxi- liares do diagnostico, que se tornão valiosas quando reunidas aos dados commemorativos, aos resultados das investigações thermometricas, e á marcha da moléstia; porém, tomadas isoladamente, não oflerecem senão um valor muito parcial e incompleto. Depois do emprego racional e methodico de uma dose de sulfato de quinina, a situação se esclarece de modo tal, que é raro que possa mais subsistir a menor duvida no espirito do medico a respeito do diagnostico. Quasi sempre, debaixo da acção do sal de quinina, os doentes de febre remittente paludosa typho- déamelhorão muito nas primeiras vinte e quatro horas; o calor febril dimi- nue sensivelmente; a exacerbação vespertina que apparece é apenas de al- guns décimos de gráo, quando muito de um gráo. Finalmente n'esta febre a cura tem lugar no segundo septenarío, e ás vezes no primeiro, ao passo que na dothinenteria, mesmo benigna (typhos levíssimos), a convales- cença só começa muito depois d'esta época. Em conclusão direi, que para o diagnostico da lebre remittente paludosa typhoidéa, o medico deve attender: i.°, á residência habitual do doente e á localidade em que elle se achava quando foi acommettido 6 82 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES da moléstia; 2.°, se elle teve accessos intermitentes, ou se apresenta os symptomas da cachexia paludosa; 3.°, se nas primeiras quarenta e oito ho- ras o calor febril chega a 40°, se excede ou fica abaixo de 39°, 5; 4.,° se no quadro symptomatico da moléstia ha epistaxis, meteorismo abdominal, diarrhéa e manchas lenticulares; 5.°, se depois das primeiras doses de sulfato de quinina, tendo sido bem preparado o doente para a absor- pção d'este medicamento, apparecem melhoras sensíveis e duradouras; 6.°, se dentro do primeiro ou segundo septenarío a convalescença se torna franca. §vn /2tj**+3***> O prognostico da febre remittente paludosa typhoidéa é geralmente (/ favorável. Quanto mais cedo se emprega a medicação apropriada, tanto mais fácil e prompta é a cura. Em 58 doentes, observados nas enfer- marias de clinica no período de 9 annos, só 5 succumbirão, e como já ficou dito, entre estes 5 mortos havia cachexia alcoólica em 2, tuber- culisação pulmonar em 1; em todos estes casos a moléstia datava de mais de três dias quando os doentes se recolherão ao hospital; um entrou depois de passado o primeiro septenarío, tendo sido largamente sangra- do logo que adoeceo. A diarréa abundante é um symptoma muito gra- ve que concorre poderosamente para a terminação fatal; dos 5 falleci- dos, 4 tiverão diarrhéa. O rubor excessivo da lingua também constitue um phenomeno que aggrava o prognostico, não só porque revela grande irritação do apparelho digestivo, mas também porque torna menos apro- veitável o sulfato de quinina. § VIII fcZvZa^rte*^ No tratamento da febre remittente paludosa typhoidéa devemos at- tender simultaneamente ao fundo e á forma da moléstia. Começaremos removendo qualquer embaraço que impeça a prompta absorpção do sulfato de quinina, como seja o embaraço gástrico, a congestão do fi- gado ou de qualquer outro órgão, a grande intensidade da reacção fe- bril, etc. Se a lingua se apresenta saburrosa, porém humida, convém dar um vomitivo, sendo preferível a ipecacuanha, porque o estado de aba- timento em que se acha o doente contraindica o emprego do tartaro stibiado. Se alem de saburrosa, a lingua se acha secca, devemos lançar mão dos saes neutros, em doses fraccionadas e continuadas, até appare- cerem largas dejecções; o sulfato de magnesia é o sal a que dou prefe- DO RIO DE JANEIRO 83 rencia, porque a sua acção purgativa se manifesta mais promptamente. Se a lingua está secca e vermelha na ponta e nos bordos sem apresentar um estado saburral franco, e se ao mesmo tempo ha constipação de ventre, o que é a regra, ou quando ha diarrhéa biliosa, recorro aos ca- lomelanos, na dose de 75 centigrammas; este medicamento é de gran- de utilidade no começo da moléstia, sobretudo quando ha delírio, e quando a congestão hepathica é muito pronunciada. Se o doente apresenta symptomas evidentes de hyperhemia cerebral, como sejão grande tendência ao coma logo no principio da moléstia, injecção das conjunctivas, grande sensibilidade para a luz, cephalalgia intensa, etc, o medico não deve hesitar em recorrer a uma emissão san- güínea, por meio de sanguexugas, ainda que o doente esteja abatido; esta emissão sangüínea deve ser feita na margem do ânus se a moléstia ainda se acha no primeiro septenarío, nas apophyses mastoides se pas- sou d'este período, porque então, sendo bem pronunciada a tendência á adynamia, convém tirar pouco sangue, e evitar qualquer hemorrha- gia, pelas cisuras das sanguexugas; é o que se consegue facilmente, graças ás superfícies ósseas, sobre as quaes se pôde exercer uma com- pressão eíficaz. Para combater a hyperhemia do fígado deve-se applicar um certo numero de ventosas sarjadas no hypochondro direito, proporcional á idade, ao temperamento e outras condições individuaes dos doentes, bem como á data da moléstia. Nunca encontrei indicação para a sangria geral nem mesmo em doentes robustos, por mim observados nas primeiras vinte e quatro horas de moléstia. Quando o calor febril chega ou excede a 40°, e a pelle se apresenta muito secca, não havendo indicação para nenhum dos meios que acabo de apontar, lanço mão de uma poção antithermica e diaphoretica assim com- posta : Água...............100 grammas Tinctura de digitalis. . . ;.....) ~ ^ Tinctura de aconito.........| aa 2 grammas Álcool de veratrina.........8 gottas Xarope..............30 grammas O doente toma esta poção ás colhéres de sopa de hora em hora, e logo que apparece a transpira- ção e o calor diminue, dou a primeira dose de sulfato de quinina (1 gramma). 84 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES No emprego do sulfato de quinina não sigo formulas invariáveis ; ora dou 1 gramma dissolvida, logo que o doente está preparado, e seis horas depois mais 60 centigrammas; ora dou 2 grammas em uma poção em que entra o ópio, debaixo da fôrma de xarope diacodio ou de laudano; ora dou 3 doses de 60 centigrammas com três horas deinter- vallo uma das outras; e no caso de intolerância absoluta do estômago para o remédio, recorro aos clysteres. Só em casos muito especiaes de susceptibilidade da mucosa gástrica e da rectal, é que prescrevo o sal de quinina em pílulas; a pouca confiança que tenho na formula pilular nos casos de abatimento de forças dos doentes, e ainda mais quando ha ainda muito tempo, tendo eu sido chamado por um distincto collega para ver um doente que elle tratava de um febre perniciosa ataxo-ady- namica, tive occasião de encontrar sete pílulas de sulfato de quinina, perfeitamente intactas, nas evacuações provocadas por um clyster pur- gativo. Alem do sulfato de quinina, que constitue a medicação fundamental e ao qual ás vezes associo o valerianato da mesma base, prescrevo aos meos doentes de febre remittente paludosa typhoidéa uma poção antispas- modica e -excitante, a fim de corrigir os phenomenos typhicos que se apresentam. Se ha delírio prefiro a belladona, o meimendro, o almiscar e a água de louro cerejo; se ha grande agitação acompanhada de insom- nia, prescrevo o ópio e o bromureto de potássio; se ha grande advna- mia, se o pulso é pequeno, concentrado e muito freqüente, recorro ás preparações ammoniacaes (o carbonato ou chlorydrato de ammonia), á valeriana, ao ether sulfurico, á quina, á camphora e á canella; a estes últimos medicamentos dados e combinados alternativamente, costumo associar o vinho do Porto generoso. As formulas de que eu me sirvo ordinariamente são as seguintes: Hydrolato de canella........100 grammas Tinctura de valeriana........j Tinctura de quina..........j ãa 2 grammas Ether sulphurieo..........) Xarope de cascas de laranjas.....30 grammas Para o doente tomar 1 colher de sopa de duas em duas horas. Hydrolato de tilia. . Hydrolato de melissa ãa 60 grammas 00 RIO DE JANEIRO Su Carbonato de ammonia........ 1 gramma Extracto molle de quina........ 4 grammas Xarope simples............30 grammas Para o doente tomar 1 colher de sopa de duas em duas horas. Vinho do Porto generoso.......100 grammas Extracto molle de quina........ 4 grammas Tinctura de valeriana......... 2 grammas Para o doente tomar 1 colher de sopa de duas em duas horas. Hydrolato de valeriana........100 grammas Carbonato de ammonia........ 1 gramma Tinctura de camphora......... 2 grammas Xarope de cravo...........30 grammas Para o doente tomar 1 colher de sopa de duas em duas horas. Conforme as indicações especiaes que se apresentão, assim associo os diversos medicamentos excitantes do systema nervoso, proporcionando as doses á intensidade e gravidade dos symptomas que quero combater. Nos casos em que ha delirio ou grande somnolencia, applico vesíca- torios aos jumellos, e prescrevo clysteres excitantes, como meios deri- vativos poderosos. No emprego do sulfato de quinina, na febre remittente paludosa ty- phoidéa, sigo o mesmo methodo que tenho aconselhado no tratamento de outras pyrexias palustres: manter a dose primitiva durante dous ou três dias, diminuir gradualmente as doses subsequentes, permanecer na dose minima por espaço de três dias; nunca suspender bruscamente a medicação, ainda que as melhoras do doente annunciem uma cura pró- xima. Ot>*ei*va.< I \ 1 - "1~ V fc> s» 1 V i \ 1 V _. v s- Tebre rcmillenle typhoidéa (Observação XXII) Domem, 40 annos (Enfermaria de Santa Izabel), J< à 0 7 s 9 10 Jl 12 A Oi 4-1° 4i1c n8° r. \ 7>) A / \ TXT \ ... - \\ 1 V fC 1 (') Vesícatorios aos jumellos; sanguesugas ás apo- physes mastoides; calomelanos; clyster de infusão de camomilla. .(*) Ventosas sarjadas na região hepatica; sulfato de magnesia; 12 decigrammas de sulfato de quinina. (') Quinze decigrammas de sulfato de quinina. (') Uma gramma de sulfato de quinina e água in- gleza. (') Sanguesugas ao ânus; ventosas sarjadas na região he- patica ; calomelanos e óleo de ricino; sulfato de quinina. (*) Sulfato de quinina; tisana diuretica. (3) Dilirio, lingua secca e tremula, evacuações sanguino- lentas involuntárias. Sanguesugas ás apophyses mastoides; clyster com 2 grammas de sulfato de quinina. (4) Morte ás 8 '/2 horas da noute. Febre typhoide (Observação XX) Homem, :]t> annos (Enfermaria de Sanla Izabel] Dias de mdaáa A, ò 6 7 õ Í9 10 11 12 13 J£ 15 10 17 18 19 20 4-/° 40â 53." 1 1 A A / ]_ / \ A n A f\ . / i \ 1 (?) 0J V ! . i iA / \/\ A / v 1 \ i f\ > 1 i V A / \t h ^_ a) V \a <\ y \ A \ \ V > A. A V f\ \/ \ m I1) Sulfato de quinina 2 grammas. (') Poção com 2 grammas de sulfato de quinina. (') Grande abatimento de forças, phenomenos typhicos pronunciados. Poção anti-spasmodica e vinho do Porto. (') Convalescença franca. Pug. 90 Observação XX—João Pedro de Alcântara, pardo, de 35 annos de idade, marceneiro, residente na rua da Ajuda, foi aeommettido de um accesso febril no dia 1.° de maio de 1873, caracterisado por calafrio intenso, calor e abundante suor. Este accesso teve lugar ás 2 horas da tarde e terminou ás 9 da noute. No dia seguinte, o doente nada sentia, á excepcão de fastio e amargo de boca, e foi para a sua officina. Ás 2 horas reappareceo-lhe o accesso, caracterisado como o antecedente, acompanhado de cephalalgia muito intensa, o qual terminou ás 11 »/2 horas da noute. Na manhã seguinte, o doente, com quanto estivesse sem febre (disse elle), sentia peso de cabeça, dores nas pernas e prostração de forças. N'este estado consultou um pharmaceutico, que lhe deo uma dose de sulfato de quinina e uma garrafa de limonada. Apesar d'estes meios, o accesso voltou ao meio dia, e ás 5 horas da tarde o doente recolheo-se ao hospital, e foi occupar o leito n.° 10 da enferma- ria de Santa Izabel. O medico de serviço prescreveo-lhe um purgativo de óleo de ricino e 1 gramma de sulfato de quinina, para ser dada depois das evacuações pro- vocadas pelo óleo. Este accesso terminou por copiosa transpiração ás 6 horas da manhã do dia 4. Foi n'este dia, ás 9 horas da manhã, que vi o doente pela primeira vez. Estado actual—Face desanimada, grande abatimento de forças, tendência ao somno. Temperatura axillar a 38°,2, pulso a 80. Lingua levemente saburrosa na base, vermelha na ponta; pouca sede, anorexia. Ventre um pouco meteorisado e indolente; ausência de gargarejos nas regiões illiacas; fígado augmentado de vo- lume e o baço também; na noute antecedente o doente teve três dejecções, provo- cadas pelo purgativo oleoso. Ourinas avermelhadas, sem albumina. A dose de sulfato de quinina, prescripta pelo medico de serviço, foi dada uma hora antes da visita. Prescripção: Mais 1 gramma de sulfato de quinina em solução, para ser dada em duas doses. Cozimento emolliente com 4 grammas de nitro e 8 grammas de cre- mor solúvel de tartaro. Caldos de gallinha. Dia 5—O doente passou mal durante o dia antecedente; foi aeommettido de outro accesso ás 11 1/2 horas da manhã; ás 5 da tarde o interno o encontrou agitado, com sub-delirio, apresentando uma temperatura de 40°,2 e o pulso mar- cando 112 pancadas por minuto; prescreveo-lhe uma poção com tinctura de aeo- nito, tinctura de belladona e água de louro-cerejo, e mandou-lhe applicar-lhe dous sinapismos aos jumellos. Na hora dá visita encontrei o doente com a face estúpida, muito prostrado, sem poder conservar-se assentado no leito. Temperatura a 39°,6, pulso a 98; intel- ligencia preguiçosa. Lingua secca e vermelha na ponta; ventre tympanico, baço muito volumoso, figado como na véspera, alguma diarrhéa, gargarejo na fossa il- liaca direita. Tosse, dyspnéa, estertores mucosos disseminados em ambos os pul- mões, coníluentes e mais finos na base do pulmão esquerdo. Prescripção: Água acidulada com ácido sulfurico..........100 grammas Sulfato de quinina.................. 2 grammas Laudano de Sydenham................ 12 gottas Xarope de cascas de laranjas............. 30 grammas Tome 1 colher de sopa de hora em hora. 92 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES Limonada vinhosa................. "iOO grammas Como bebida ordinária. Infusão de camomilla............... 300 grammas Tinctura de valeriana...............) Tinctura de almiscar...............[ ãa 4 grammas Tinctura de assafetida..............) Para dous clysteres (dados com seis horas de intervallo) Óleo de camomilla e óleo essencial de terebinthina (partes iguaes) para fomentar o ventre. Dia 6 — O doente passou mal durante o dia antecedente, e sobretudo durante a noute. Ás 5 horas da tarde a temperatura elevou-se a 40°,4, e o pulso marcou 120 batimentos por minuto. Terminou o uso da poção com quinina ás 4 horas da tarde; teve delirio constantemente. Na hora da visita apresenta-se em completo in- differentismo, murmurando phrases inintelligiveis e sem nexo, sem dar a menor attenção ás perguntas que lhe são dirigidas. Grande abatimento de forças; tempe- ratura axillar a 39°,6, pulso a 100. Lingua secca, retrahida e tremula; dentes fulli- ginosos; diarrhéa, ventre muito meteorisado e doloroso á apalpação; na face ex- terna de suas paredes notão-se algumas manchas avermelhadas (em numero de cinco) que desapparecem pela pressão; gargarejo e dor na fossa illiaca direita; figado mais crescido do que na véspera, excedendo dous dedos transversos o rebordo costal, baço marcando em seo maior diâmetro 20 centímetros. Ourinas escassas, avermelhadas o sem albuinina. Tosse humida e freqüente; grande quantidade de estertores mucosose sub-crepitantes em ambos os pulmões, principalmente na base do esquerdo, expectoração difficil, escarros mucosos e arejados. Prescripção: Hydrolato de valeriana.............. 100 grammas Carbonato de ammonia.............. 1 gramma Tinctura de almiscar...............) . „ »,.,,., ; aa 2 grammas Tinctura de meirnendro..............\ c Xarope de cascas de laranjas............ 30 grammas Tome 1 colher de sopa de duas em duas horas. Vinho do Porto generoso............. 180 grammas Tome 2 colhéres de sopa de duas em duas horas, alternando com a poção. Continua o uso dos clysteres e da fomentação. Vesícatorios aos jumellos. Dia 7 — 0 doente acha-se no mesmo estado, pouco mais ou menos. A tempe- ratura elevou-se na tarde antecedente a 40°,2, e na hora da visita está está a 39°,4. O delirio tem diminuído, e o doente dormio tranquillamente por espaço de duas horas durante a noute. O tympanismo do ventre e a fulligem dos dentes augmenta- rão, a diarrhéa persiste no mesmo gráo (três evacuações por dia). Continua o mesmo tratamento. Nos dias 8 e 9 o doente conserva-se nas mesmas condições, tendo apresentado n'este ultimo dia um tremor muito exagerado dos membros superiores. A tempe- ratura se manteve sempre nos mesmos gráos pouco mais ou menos de manhã e de tarde. Üia8...............de mauhã 39°,5 — de tarde 40°,(i Üia9............... » 39°,4— » 400,2 K 7? ^r-a^^^i/ZZ*'^^ j*^*^-^^-^^ s«^^z*4 DO RIO DE JANEIRO 93 Substitua a poção antispasmodica pela seguinte: Hydrolato de melissa............... 100 yrammas Tinctura de canella'................ 4 grammas Tinctura de camphora...............) ~ ., „*.„.. aa 2 graminaá Extracto molle de quina..............) Xarope diacodio.................. 30 grammas Continua o uso do vinho, dos clysteres e da fomentação. Três caldos de carne por dia. Dia 10 — Melhoras sensíveis. Temperatura a 39°, pulso a 98; face menos estú- pida, ausência do tremor e do delirio; respostas lentas, porém acertadas. Lingua um pouco mais humida na ponta, dentes menos fulliginosos; notável diminuição do meteorismo abdominal; a apalpaçao da região illiaca direita não é tão dolorosa como era; ainda ha gargarejo n'essa região. Dcsapparecerao as manchas das paredes do centre; quatro evacuações; ourinas mais abundantes. Tosse mais humida, expe- ktoração fácil, maior abundância de estertores mucosos. O doente prestou-se as- sentado ao exame do thorax, apenas amparado por dous alumnos. f Continua o mesmo tratamento. ' Dia 11—Progridem as melhoras. Physionomia mais expressiva; o doente dor- mio seis horas seguidas na noute antecedente*; a temperatura ás 5 horas da tarde do dia 10 foi^lc 39°,4 e na hora da visita estava a 38°,8, pulso a 92. Lingua secca somente no centro e na base, dentes humidos e sem fulligcm; ventre levemente tympanico e indolente, mesmo na região illiaca direita; figado e baço mais reduzi- dos de volume; ourinas mais claras e abundantes. Expectoração muito fácil, tosse menos freqüente. Prescriprão: Vinho do Porto...................180 grammas Extracto molle de quina............... 8 granunas Tinctura de canella................. 4 grammas Xarope de cascas de laranjas............. 30 grammas Tome 2 colhéres de sopa de duas em duas horas. l'm clyster á noute, de infusão de camomilla. Três caldos de carne, café. As melhoras do doente forão progredindo gradualmente d'este dia em diante, apresentando a temperatura a mesma regularidade, em sua marcha decrescente, que se notou no período ascendente e estacionario. .No dia 19 a convalescença era franca; a temperatura se manteve no estado nor- mal ; no dia 2 de junho Alcântara teve alta. Dia 11..............da manhã 38°,8 — de tarde 39°,2 Dia 12.............. » 38°,7— » 39°,2 Dia 13.............. » 38°,6— » 39° Dia 14.............. » 38°,4— » 39° Dia 15.............. » 38o' — • 38°,5 Dia 10.............. » 38° - » 38°,2 Dia 1/.............. » 37",5— » 38° Dia 18.............. • 37°,2- » 37°,5 Dia li).............. » 37°,2 — » 37",5 Observação XXI—Fernando Lisboa, portuguez, de 20 annos de ida- de, caixeiro, morador na rua de S. Leopoldo (cidade nova), magro e mal constitui- 94 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES do, teve accessos de febre intermittente regulares e quotidianos nos dias 7,8 e 9 de agosto de 1873. Apesar de ter sido examinado por um medico, que lhe deo boas doses de sulfato de quinina, precedidas de um vomitorio, o doente vio com muito desanimo reapparecer o paroxysmo febril no dia 10 ao meio dia, com mais inten- sidade ainda do que os outros, porque veio acompanhado de vômitos e dores de ca- beça muito fortes: foi então que decidio-se a entrar para o hospital; o que fez no dia 11 ás 7 horas da manhã. Estado actual — Face indicando abatimento e desanimo. Temperatura a 38°,2, pulso a 86 e molle. Lingua coberta de uma camada muito espessa de saburra ama- rellada, náuseas, vômitos sempre que toma água em grande quantidade ou caldos, sede, anorexia absoluta; ventre preso e um pouco tympanico, fígado crescido, baço normal. Ourinas avermelhadas e biliosas. Apparelho respiratório bom. Prescripção: Ura vomitivo de ipecacuanha e tartaro. Sulfato de quinina — 1 gramma, para ser dada depois dos efleitos do vomitivo. Dia 12 — 0 doente vomitou muito, porém só evacuou uma vez. Tomou a quinina ás 4 horas da tarde. Ás 6 o interno o encontrou com muita febre, sendo a tempe- ratura de 40°,5 e o pulso a 122. Na hora da visita o doente ainda se apresenta fe- bril (38°,9); está muito abatido e não dormio toda a noute. Lingua ainda muito sa- burrosa e secea na ponta; grande sensibilidade no epigastro, náuseas e muita se- de; figado crescido; ourinas muito carregadas dos princípios corantes da bile. Prescripção: Doze sanguexugas no epigastro. Calomelanos—75 centigrammas (em duas doses). Óleo de ricino—45 grammas (duas horas depois da segunda dose de calomelanos.) Sulfato de quinina—2 grammas, em solução, coml2gottas de lauda- no ; (em três doses, com duas horas de intervallo entre ellas, de- pois das evacuações.) Dia 13—Apesar de ter tido cinco largas evacuações e de ter tomado as três doses de sulfato de quinina, o doente está peior. Ás 5 horas da tarde do dia ante- cedente tinha uma temperatura febril de 40°,8, e á noute teve muito delirio, tendo tentado varias vezes levantar-se do leito sob o pretexto de estar bom e não preci- sar mais conservar-se no hospital. Na hora da visita apresenta-se soporoso, res- pondendo com muita difíiculdade ás perguntas que lhe são dirigidas, mesmo quando lhe fallão em alta voz, tendo em vista a surdez occasionada pelo sal de quinina. Temperatura axillar a 40° pulso a 100 e concentrado. Lingua totalmente secca e ennegrecida, dentes fulliginosos; ainda grande sensibilidade no epigastro; ventre tympanico; dor e gargarejo na fossa illiaca direita; baço crescido, fígado mais re- duzido de volume. Ourinas menos biliosas. Ausência de tosse, estertores subcrepi- tantes na base de ambos os pulmões. Prescripção: Doze sanguexugas em cada apophyse mastoide. Vesícatorios ás coxas. Loções em todo o corpo com vinagre aromatico duas.vezes no dia. DO RIO DE JANEIRO 95 Água acidulada com ácido sülfurico. . 100 grammas Sulfato de quinina.......... 2 grammas e 6 decigrammas Tinctura de almiscar......... 2 grammas Tinctura de belladona........20gottas Xarope de flores de laranjas.....30 grammas Tome 1 colher de sopa de duas em duas horas. Infusão de camomilla . . •.....300 grammas Tinctura de valeriana........ 8 grammas Campbora (previamente dissolvida em álcool)............. 2 grammas Assafetida............. 4 grammas Gemma de ovo...........n.° 1 Para dous clysteres (dados com seis horas de intervallo). Dia 14—O doente passou a noute agitada e com delirio; ás 5 horas da tarde a temperatura axillar está a 41°,2; depois da loção feita pelo interno baixou 2/io somente. Na hora da visita encontra-se o doente em decubito dorsal, com a face es- túpida, os olhos semi-fechados, em sub-delirio. Temperatura a 40°,6, pulso a 130, muito pequeno e concentrado. Lingua semelhante a um pedaço de carne grelhada, dentes fulliginosos; tympanismo abdominal, constipação de ventre, baço augmen- tado de volume, fígado também; dor aguda na fossa illiaca direita, ausência de gargarejo. As ourinas não podem ser examinadas, porque o doente as expelle no leito; continuão os estertores broncho-pulmonares. Prescriprão: Sulfato de magnesia................. 45 grammas Em 6 papeis. Tome 1 de hora em hora. Vinho do Porto generoso...............120 grammas Tome 2 colhéres de hora em hora (depois das evacuações.) Três loções por dia de vinagre aromaüco. Mais dous vesícatorios aos jumellos. Continuão os clysteres. Dias 15, 16 e 17 — O doente tem peiorado progressivamente. A temperatura da tarde chegou no dia 16 a 41°,ò'. Apparecerão outros symptomas ataxicos graves, como carphologia, crucidismo e sobresaltos tendinosos. No dia 15 foi suspenso o uso do sulfato de magnesia e foi prescripta a seguinte medicação: Hydrolato de canella...............; 180 grammas Extracto molle de quina............... 8 grammas Ether sülfurico................... 4 grammas Tinctura de castoreo................ 2 grammas Xarope de cascas de laranjas.............30 grammas Tome 1 colher de sopa de meia em meia hora. Vinho do Porto...................180 grammaj Tome meio calix de duas em duas horas. Cozimento de quina camphorado...........300 grammas Para dous clysteres. Quatro loções com vinagre aromatico durante o dia. Nos dias 18, 19 e 20 o doente não apresenta modificação sensível em seo es- tado. O vinho do Porto foi substituído por 90 grammas de aguardente de canna diluídas na mesma quantidade de água commum. No dia 21 manifestou-se uma 96 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES diarrhéa muito abundante e freqüente, que motivou o emprego de uma bebida gommosa opiada. Dia 22 — Adynamia profunda; sub-delirio, tremor convulsivo dos membros superiores, carphologia, crucidismo. Temperatura a 40°,2, pulso pequeno, concen- trado, a 120. Lingua ennegrecida e extremamente secca; o doente não pôde mo- vel-a; dentes fulliginosos; tympanismo, diarrhéa, baço crescido, figado excedendo dous dedos o rebordo costal. Respiração curta e freqüente, ausência de tosse, es- tertores sibilantes e sub-crepitantes em ambos os pulmões. Ás 6 horas da tarde o interno encontrou o doente comatoso, com as extremi- dades frias, banhado em suor viscoso, com a temperatura axillar a 39°,4 e o pulso tão freqüente, pequeno e concentrado, que foi impossível contar o numero de seos batimentos. Ás 9 horas da noute falleceo. Autópsia praticada ás 10 horas da manhã do dia 23—Regidez cadaverica; signaes de sanguexugas nas apophyses mastoides e no epigastro; signaes de vesí- catorios nas coxas e nos jumellos. Injecção da arachnoide e da polpa encephalica, ausência de derramamento sub-arachnodiano e intraventricular. Congestão da base dos pulmões, catarrho nos bronchios. Coração flaccido e amollecido; um grande coalho na auricula esquerda. Estômago muito distendido por gazes; a sua mem- brana mucosa injectada, com placas avermelhadas e revestida de espessa camada de catarrho. Figado augmentado de volume, hyperhemiado, deixando correr grande quantidade de sangue negro das superfícies cortadas. Vesicula biliar repleta de bile espessa e ennegrecida. Baço muito volumoso, amollecido, rompendo-se facilmente pela pressão. Os intestinos muito distendidos por gazes; a sua mucosa injectada, sobretudo na parte correspondente ao jejuno e ileon. Os folliculos contluentes ou placas de Peyer, bem como os folliculos isolados ou placas de Brunner, apresentão diversos gráos de alteração. Em alguns pontos os folliculos estão turgidos, hyper- trophiados, são duros e resistentes ao tacto; os de Brunner se manifestão como pequenas elevações, ora conicas, ora arredondadas, espalhadas indistinetamente em toda a circumferencia do intestino delgado. Em outros pontos, principalmente na parte superior do jejuno, as placas revestem-se em sua superfície de um pontilhado denegrido, assemelhando-se ao aspecto de uma barba recentemente feita. Na me- tade inferior do ileon notão-se muitas ulcerações, de fôrma e aspecto variáveis; na metade superior d'esta parte do intestino existem somente sete ulcerações, no je- juno uma apenas. Estas ulcerações são ovalares, ellipticas e circulares, segundo a espécie de folliculos ulcerados: umas são de grandes diâmetros, outras muito me- nores. Só em duas o trabalho ulcerativo tinha ido alem da membrana mucosa. A válvula ileo-cecal está turgida, vermelha, endurecida. Os gânglios mesentericos achão-se volumosos, avermelhados e um pouco amollecidos. Os rins nada revelão de anormal, nem a bexiga. Observação XXII — Roberto Garcia, hespanhol, de 40 annos de idade, calafate, residente em uma estalagem da praia da Gamboa, foi aeommettido de febre perniciosa algida em 1870, da qual se tratou na enfermaria de clinica; cm 1872 teve varíola confluente, da qual se tratou no hospício da saúde. D'esta época em diante nunca mais gosou saúde; tinha uma sensação de dor profunda na região precordial, palpitações freqüentes do coração, e quando caminhava mais apressado ou subia uma escada, tinha oppressão e dyspnéa. Em 24 de junho de DO RIO DE JANEIRO 97 1873, apesar de estar indisposto, tomou parte em uma ceia que prepararão alguns amigos; comeo e bebeo de mais. Na madrugada de 25, sentio um forte calafrio e teve vômitos abundantes, expellindo os alimentos que tinha tomado, alguns dos quaes não tinhão soffrido o trabalho da chymificação. De manhã, ás 8 horas, estava muito abatido e tinha muita febre; foi visto por um medico, que attribuio todos os phenomenos a uma indigestão, e receitou ura purgante de óleo de ricino, e uma poção com tinctura de camomilla e de noz vomica, para depois das evacuações. Passou melhor depois que evacuou, porém os seus incommodos se aggravarão para a tarde, e durante a noute não pôde dormir, esteve agitado e com muita febre. O medico que o tratava deo-lhe um sudorifico no dia 26, e prescreveo-lhe umas pí- lulas, que elle tomou na tarde d'este dia, e durante o dia 27, sem conseguir gran- des melhoras. No dia 28 recolheo-se ao hospital da mizericordia, e foi occupar o leito n.° 2 da enfermaria de Santa Izabel. Estado actual—Prostração de forças; temperatura axillar a 39°,5, pulso a 92; lingua saburrosa e secca no centro, sede intensa e anorexia. Figado extremamente crescido, excedendo quatro dedos transversos o rebordo costal; baço volumoso, os hypochondros direito e esquerdo, sobretudo o primeiro, dolorosos á apalpaçao e percussão; algum tympanismo abdominal; constipação de ventre. Ourinas escassas, vermelhas e albuminosas. Apparelho respiratório bom. Prescripção: Doze sanguexugas ao ânus Seis ventosas sarjadas na região hepatica Calomelanos............. 1 gramma (em duas doses) Óleo de ricino.............45 grammas Para tomar três horas depois de ter tomado a segunda dose de calomelanos. Sulfato de quinina —12 decigrammas em solução (em duas doses, com três horas de intervallo) Para tomar depois de ter largas evacuações. Dia 20—0 doente está melhor; evacuou abundantemente; o figado reduzio-se muito de volume; a lingua está humida. A temperatura está a 38°,6, o pulso a 90. As ourinas ainda encerrão albumina, porém em menor quantidade. Surdez qui- nica. Prescripção. Sulfato de quinina —12 decigrammas em solução (em duas doses, com •três horas de intervallo). Cozimento de parietaria e gramma com 4 grammas de nitro c 8 gram- mas de cremor solúvel de tartaro. Oous caldos de gallinha. Dia 30 — 0 doente se apresenta em estado muito grave. Ás 3 horas da tarde do dia antecedente começou a ficar agitado e a ter delirio; ás 5 horas o interno o encontrou delirante, com a lingua muito secca e tremula, marcando o thermome- tro uma temperatura de 40°,8 e o pulso 120 batimentos por minuto. Prescreveo-lhe uma poção com acetato de ammonia, tinctura de aconito e de belladona, mandou applicar-lhe vesícatorios aos jumellos e dar-lhe um clyster com eleetuario de sene, assafetida e tinctura de almiscar. O exame feito na hora da visita revelou o se- 7 98 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES guinte: face estúpida, abolição da intelligencia, sub-delirio; lingua muito secca e tremula, dentes seccos. Figado de novo muito crescido, attingiudo inferiormente os limites que tinha no dia 28, baço também volumoso; tympanismo no ventre, eva- cuações involuntárias, constituídas- por um liquido sanguinolento, de côr escura. Temperatura a 40°,2, pulso a 108. Prescripção: Seis sanguexugas em cada apophyse mastoide \gua acidulada com ácido sülfurico..........I i>i» grammas Sulfato de quinina.................. 2 grauimas Tinctura de almiscar................. 2 grammas Tinctura de meimendro............... 2 grammas Xarope de cascas de laranjas............. 30 grammas Tome 1 colher de sopa de hora em hora. Cozimento de quina.................180 grammas Para dous clysteres. Ás 5 horas da tarde o interno encontrou o doente com as extremidades frias, porém com a temperatura da axilla a 41°,2 e o pulso a 136, pequeno e filiforme; uma transpiração abundante e quente cobria-lhe todo o corpo; um coma profundo, acompanhado de respiração anciosa e offegante, indicava que poucos momentos de vida lhe restavão. Ás 8V2 da noute succumbiu. Autópsia praticada no dia 1.° de julho ás 9 horas da manhã — Rigidez cadave- rica; signaes de sanguexugas nas apophyses mastoides, de ventosas sarjadas no hy- pochondro direito, de vesícatorios nos jumellos.. Grande turgencia dos seios da du- ra-mater; injecção pronunciada da arachnoide, da pia-mater e da substancia branca do cérebro; hyperhemia dos plexos choroides e da tela choroidiana; algum derra- mamento de serosidade sanguinolenta nos ventriculos lateraes. Pulmões sãos; der- ramamento de cerca de 60 grammas de serosidade na cavidade do pericardio; es- pessamento notável d'esta membrana serosa, adherencias de uma parte d'ella com o coração nos pontos correspondentes ao ventriculo esquerdo; três placas leitosas muito espessas na folha visceral da mesma serosa. Hypertrophia excêntrica de am- bos os ventriculos, espessamento das válvulas sygmoides aorticas; espessamento e rugosidades da membrana interna da aorta na porção ascendente, na crossa e na descendente, até uma pollegada abaixo da origem da subclavia esquerda. Figado muito volumoso, turgido de sangue, friavel, despedaçando-se facilmente pela pres- são; baço muito augmentado de volume, também friavel e amollecido. Rins muito congestos. Estômago quasi vasio, contendo 1 colher de um liquido amarellado; al- gum rubor de sua membrana mucosa. Os intestinos, examinados attentamente desde o duodeno até o recto, nada apresentão de notável a não ser alguma injecção dos vasos da membrana mucosa no duodeno, no jejuno e no colon transverso; n'esta parte do grosso intestino encontra-se um liquido escuro, quasi negro, evidente- mente sanguinolento, análogo ao que saio pelas evacuações nas ultimas horas da existência. Otosewaçíio XXIII—Camillo Ferreira dos Santos, pardo, de SO annos de idade, cocheiro da praça, com todos os phenomenos apparentes da ca- chexia alcoólica, entrou para a enfermaria de Santa Izabel no dia 3 de agosto de 1869, e foi occupar o leito n.° 21. DO RIO DE JANEIRO 99 Desde de longa data abusa das bebidas espirituosas, e vive quasi sempre em- briagado. No dia 28 de julho, depois de se ter embriagado, dormio durante grande parte do dia exposto ao sol, no Campo da Acclamaçâo. Foi conduzido para casa ás 3 horas da tarde, e ás 5 teve um forte calafrio, seguido de febre; dormio pro- fundamente toda a noute, e acordou banhado em suor. Tentou trabalhar no dia 29, porém não pôde por sentir-se muito abatido, com dores nas pernas e na cabeça. Ás 11 horas da manhã teve de novo calafrios e depois febre. Continuou sempre fe- bril nos dias 30 e 31, 1 e 2 de agosto, sem tomar remédio algum, a não ser um so- dorifico preparado com alecrim e vinho, um purgante de óleo de ricino e outro de sal amargo. De noute delirava, tornava-se inquieto e turbulento, e na madrugada do dia 3 tentou fugir de casa, suppondo-se ameaçado e perseguido. Estado actual—Fâce entumescida (bouffie), olhos injectados, porém sem ex- pressão; o doente não conhece ninguém, nem mesmo os companheiros que o acom- panharão ao hospital; está em constante sub-delirio. Epistaxis, lingua secca, com grande rubor na ponta e nos bordos; grande sensibilidade no epigastro e no hypo- chondro direito; figado extremamente volumoso e endurecido; ventre meteorisado, gargarejo na fossa illiaca direita, diarrhéa biliosa abundante, baço crescido. Tempe- ratura a 39°,8, pulso a 106, forte impulsão do coração, bulha de sopro rude e sys- toliea em toda a região sternal. Estertores sub-crepitantes na base de ambos os pulmões. Prescriprão: Calomelanos...............60 centigrammas Sulfato de quinina............2 grammas em solução Tome em três dóge?. Limonada sulfurica como bebida ordinária. Vesícatorios aos jumellos. Dia 4 — Indifferença completa, face estúpida; o doente jaz em decubito dorsal, com os olhos semi-abertos, sem responder ás perguntas que lhe são dirigidas; de vez em quando pronuncia algumas palavras sem nexo e toma uma inspiração lar- ga e profunda. Na tarde antecedente o interno o encontrou muito quente (não to- mou a temperatura com o thermometro) e com delirio. Na hora da visita a tempe- ratura se acha a 43°,3 e pulso a 122. A lingua apresenta em sua face superior al- gumas fendas longitudinaes por onde transuda sangue que se coagula; a epistaxis, que tinha cessado, reappareceo, porém em pequena escala. Continuão os outros symptomas. Prescripção: Valerianato de quinina.................1 gramma Tome em três doses, uma de duas em duas horas. Limonada muriatica, para bebida ordinária. Dous clysteros de cozimento de quina com tinctura de camomilla. Longe de melhorar, o doente foi peiorando de dia em dia. No dia 6 apresen- tou-se comatoso, e o coma durou até o dia 7 ás 5 horas da tarde, em que teve lu- gar a morte, precedida de estertor tracheal. Lancei mão do vinho e de uma poção excitante diffusiva nos dous dias últimos de moléstia, sem conseguir resultado al- gum. Autópsia praticada no dia 8 de agosto ás 9 horas da manhã — Signaes de vesi- 100 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES catorios nos jumellos; rigidez cadaverica incompleta. .Notável espessamento da dura-mater e da arachnoide; pallidez anêmica da substancia branca do encephalo, bem como da substancia cinzenta; diminuição de consistência do lobo anterior do hemispherio esquerdo do cérebro. Grande congestão do lobo inferior do pulmão di- reito; dous núcleos hemoptoicos no lobo superior do esquerdo; fortes adherencias pleuriticas de ambos os lados. Derramamento na cavidade do pericardio de cerca de 30 grammas de serosidade sanguinolenla; degenerescencia atheromatosa da aorta; dilatação da porção ascendente d'este vaso; alteração gordurosa do coração, principalmente do ventriculo direito; integridade do apparelho valvular. Estômago distendido por gazes; a sua mucosa. muito espessada e de côr cinzenta, se destaca facilmente da túnica museulosa pela tracção exercida com o cabo do escalpello. Fi- gado muito augmentado de volume; em alguns pontos congesto, em outros ama- rellado, com a côr do enxofre, em outros pigmentado, com a côr da farinha de mos- tarda; vesicula biliar quasi vasia. Baço crescido, amollecido, rompendo-se facil- mente. Rins amarellados, com os caracteres apparentes da steatose. Intestinos sem alteração apreciável. CAPITULO VI FEBRE REMITTENTE BILIOSA DOS PAIZES QUENTES e^ Comquanto a febre biliosa grave dos paizes quentes se apresente algumas vezes com o typo intermittente, sobretudo em seu começo, to- davia o typo remittente ó sem duvida alguma o mais commummente observado no Rio de Janeiro, assim como em outros paizes: por isso escolhi a denominação que constitue o titulo d'este capitulo. A mesma pyrexia é também conhecida pelos nomes de: grande febre endêmica dos climas intertropicaes, febre biliosa hematurica, febre biliosa nephrorrha- gica, febre ictero-hemorrhagica, febre perniciosa icterica, febre ama- rella dos acclimatados (Guadeloupe). Ninguém melhor de que o dr. Dutrouleau deíiniu a espécie pyreto- logica de que me occupo, distinguindo-a de todos os estados mórbidos que com ella podem ser confundidos. Esta definição, que eu adopto em todas as suas partes, é assim concebida: «Deve-se entender por febre «biliosa dos paizes quentes uma pyrexia que, sem consideração do typo «e podendo revestir todos os typos, apresenta por caracter essencial e DO RIO DE JANEIRO 101 «muitas vezes único os symptomas pronunciados e persistentes do es- pado bilioso: ictericia, vômitos, evacuações e ourinas característicos d'este «estado, e por caracteres graves, os phenomenos cerebraes, hemorrha- «gicos e outros, que podem ser attribuidos a uma alteração do sangue «pela bilis (*)». N'esta definição encontra o medico pratico as differen- ças que separão a febre biliosa grave dos paizes quentes da febre inter- mittente ou remittente acompanhada de alguns symptomas biliosos pas- sageiros, da hepatite seguida de febre e ictericia, da ictericia dependente do catarrho dos conductos biliares e complicada de accessos intermit- tentes irregulares, da ictericia grave febril, também conhecida pelo nome de atrophia aguda do figado. § II A febre remittente biliosa dos paizes quentes é uma moléstia fre-^^^^U quente no Rio de Janeiro, principalmente durante o verão; ataca de preferencia os individuos que habitão na cidade, que se expõem aos ar- dores dos raios solares, e commettem abusos de alimentação e bebidas: raras vezes é precedida de febre intermittente simples; quasi nunca so- brevem no decurso da cachexia paludosa. Em 43 casos que tenho obser- ■ vado cuidadosamente, dos quaes 37 pertencem ás enfermarias de clinica da Faculdade, só em um a moléstia appareceo em um homem cachetico, o qual residia no Pilar; em todos os outros casos a pyrexia se manifes- tou quando os individuos estavão no gozo de perfeita saúde. N'esse doente do Pilar, a que acabo de referir-me, a febre biliosa o acommet- teo vinte e quatro horas depois de ter elle chegado á corte, em 12 de . março de 1871. Nos grandes focos endêmicos palustres, que só se encon- trão actualmente fora da cidade, e mais particularmente fora do muni- cípio neutro, a febre remittente biliosa dos paizes quentes é muito rara. Um collega distincto e grande observador, que exerceo a clinica em grande escala no município de Itaguahy durante vinte e dous annos, só encontrou 5 casos d'essa pyrexia, ao passo que as 3 quartas partes dos doentes que tinha visto, soffrião de outras moléstias devidas ao miasma paludoso. Dos 37 doentes observados nas enfermarias de clinica, cujas observações achão-se guardadas nos archivos da Faculdade, e forão por mim extractadas, só 2 vierão directamente de uma localidade notoria- (') Dutrouleau, Traité des maladies des Européens dans les pays chauds, pag. 238. 102 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES mente paludosa para o hospital: um veio de Belém e outro de Villa Nova; ambos não soíTrião de cachexia. Não quero d'ahi concluir que a espécie pyretologica de que me occupo é independente da infecção palustre; pelo contrario, eu acredito que a febre biliosa dos paizes quentes reco- nhece, por causa a influencia reunida de dous elementos mórbidos: o elemento bilioso, que provém da acção lenta que exerce o clima sobre as funcções hepaticas, e que imprime á moléstia um cunho especial, e o elemento paludoso, que se denuncia pela lesão concomittante do baço, e pela indeclinável necessidade que tem o medico de recorrer a altas doses de sulfato de quinina para curar os doentes. Accresce ainda que a influencia do impaludismo se torna patente em muitos casos em que accessos regulares de febre intermittente apparecem no fim da febre bi- liosa, quando os doentes já estão livres da moléstia principal, e quando vão entrar em convalescença, á semelhança do que acontece com as ou- tras manifestações da infecção palustre. §m Muitas vezes a febre biliosa grave dos paizes quentes começa por um calafrio intenso, seguido de grande reacção febril, a qual coincide com os symptomas de uma indigestão; o doente expelle pelo vomito as matérias alimentares contidas no estômago, e algumas horas depois é aeommettido de abundante diarrhéa. Em outros casos não se observa phenomeno algum que indique perturbação nas funcções digestivas du- rante as primeiras vinte e quatro ou quarenta e oito horas; depois do calafrio inicial apparece o calor como em um accesso de febre in- termittente simples; a febre toma o typo remittente mais ou menos franco, e só mais tarde manifestão-se os symptomas próprios do estado bilioso. O calor febril da moléstia de que se trata caracterisa-se no começo pela ascensão rápida da columna thermometrica, a qual sobe a 40° e mesmo a 40 gráos e alguns décimos no fim das primeiras vinte e qua- tro horas. Nos casos mais benignos, a remissão, que ordinariamente tem lugar de manhã, faz descer o thermometro de 1 gráo ou mais; nos ca- sos graves, as oscillações thermicas não vão alem de 5 a 8 décimos de gráo. Não é raro observar-se na hora da exacerbação febril o appareci- mento de algumas horripilações, precedidas ou não de algum suor, que DO RIO DE JANEIRO 103 se manifesta na fronte ou no pescoço, e que coincide com o período da remissão. A observação XXIV nos dá um exemplo d'este facto. No segundo dia de moléstia, raras vezes antes e algumas vezes de- pois, uma côr icterica pouco intensa se manifesta nas conjunctivas ocu- lares, nos regos naso-labiaes, no mento, nas faces lateraes do pescoço e na parte superior do thorax. O pulso ordinariamente acompanha em sua freqüência as oscillações do calor febril; quasi sempre duro e cheio no principio da moléstia, bate 95 a 120 vezes por minuto. Apparece logo a cephalalgia, muitas vezes acompanhada de insomnia e agitação durante a noute. Nos indivíduos do sexo feminino, nas crianças e nos homens exci- taveis, de temperamento nervoso pronunciado, apparece delirio no se- gundo ou terceiro dia; em geral manso e constituído por algumas pa- lavras sem nexo que o doente balbucia expontaneamente, ou quando é interrogado, esse delirio se torna mais sensível para a noute, quando a febre attinge o máximo de sua intensidade. A lingua se apresenta desde o começo coberta de uma camada espessa de saburra amarellada e com tendência a ficar secca. Ha sede muito intenca, anorexia completa, nau-, seas e commummente vômitos. Depois de expellidas as matérias alimentares contidas no estômago este órgão rejeita grande quantidade de bilis sempre que o doente vo- mita; ora de côr amarella, ora de côr esverdinhada, e na maioria dos casos de côr escura, essa bilis vem misturada com os líquidos ingeridos ou com o muco gástrico. Quando na bilis existente no estômago ha grande quantidade de pigmento escuro (cholepyrrina), e ella é lançada para o exterior de mistura com a água que o doente bebe largamente, a ma- téria vomitada, depois de estar por algum tempo depositada em um vaso de amplas dimensões, assemelha-se ao vomito da febre amarella. A cons- tipação de ventre, que se nota habitualmente nas primeiras quarenta e oito horas, é substituída do terceiro dia em diante por diarrhéa biliosa abundante; as evacuações apresentão-se ora tintas apenas de ama- rello, ora exclusivamente constituídas por bilis espessa e viscosa, que tinge as paredes do vaso que as recebe. O ventre torna-se tenso, pas- toso, tympanico e doloroso á pressão, sobretudo na região hepatica. O fígado adquire grandes proporções em todos os seos diâmetros; excede de 4 a <> centímetros o rebordo costal direito e chega ao nivel da quinta 104 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES ou quarta costella do mesmo lado; o hypochondro respectivo fica proe- minente e destaca-se de modo bem sensível das outras regiões do abdô- men. O baço augmenta de volume, e a região splenica, quando compri- mida, é dolorosa. Entre nós, comquanto se observe commummente a hypermegalia splenica, todavia ella se manifesta em gráo muito menor na febre biliosa do que nas outras pyrexias paludosas. As ourinas, es- cassas e avermelhadas, principalmente no começo da moléstia, mais tarde apresentão-se sobrecarregadas de pigmentos biliares, tornam-se franca- mente biliosas, e mais tarde ainda, quando já tem decorrido o primeiro septenarío, encerrão grande quantidade de alumina. No apparelho respiratório ordinariamente não se encontra pheno- meno algum anormal, fornecido pela percussão e auscultação, durante os primeiros dias; no entretanto o doente tem dyspneia, a qual vai pro- gressivamente augmentando á medida que a moléstia percorre a sua evolução natural. Eis-ahi como se denuncia no Rio de Janeiro a febre remittente bi- liosa grave nos primeiros dias. A moléstia caminha, e quer termine pela cura, quer termine pela morte, os symptomas que existião adquirem nova intensidade, alguns experimentão grande modificação em sua na- tureza, e symptomas de outra ordem apparecem revestindo a pyrexia de summa gravidade. A côr icterica, que era pouco salliente e parcial, torna-se muito pro- nunciada e invade toda a superfície cutânea; apparece a adynamia, a physionomia do doente exprime grande abatimento das forças; o sub- delirio é mais continuado, e de vez em quando é interrompido por so- por; notão-se sobresaltos de tendões, carphologia e crucidismo. O pulso perde a força e ganha maior freqüência (125 a 130 pulsações por mi- nuto); o calor febril não oíferece modificações sensíveis, as remissões matutinas são menos apreciáveis. A lingua torna-se tremula e secca, a saburra que a cobre fica denegrida. Os vômitos biliosos continuão com a mesma freqüência ou tornão-se mais raros; a diarrhéa quasi sempre augmenta, e concorre grandemente para incrementar a adynamia. As ourinas adquirem uma côr escura carregada, similhante á da infusão de café. O ventre fica tympanico, o figado cresce ainda mais e o baço tam- bém. N'este período adiantado da moléstia, ordinariamente no fim do pri- ..-fc-«-~C DO RIO DE JANEIRO 105 meiro septenarío, algumas vezes no meio do segundo, algumas homor- rhagias se manifestam, com todos os caracteres das hemorrhagias pas- sivas, em virtude da cholemia que attinge o seu máximo desenvolvimento, A maior freqüência da hematuria que n'estes casos se observa, deo ori- gem a duas denominações por que é conhecida em alguns paizes a mo- léstia de que me occupo (febre biliosa hematurica—febre biliosa ne- phrorrhagica). A epistaxis, que não é rara como hemorrhagia activa nas primeiras quarenta e oito horas, manifesta-se em muitos casos quando se dá o en- venenamento do sangue pela bilis. A gastrorrhagia, com quanto muito rara, tem sido observada algumas vezes entre nós; em dous doentes da enfermaria de Santa Izabel do hospital da mizericordia, este symptoma se manifestou de modo evidente (observações XXV e XXVI); em um d'estes doentes observei também a enterorrhagia. A hematuria, a me- trorrhagia, a epistaxis, a gastrorrhagia e a enterorrhagia, são as únicas hemorrhagias que tenho observado na febre remittente biliosa grave do Rio de Janeiro; a ordem em que as menciono é a mesma da freqüência em que as tenho encontrado. Em uma senhora moradora na rua da Imperatriz (observação XXVII), a metrorrhagia, que sobreveio no sexto dia da moléstia, foi tão abun- dante, que apressou-lhe a morte de algumas horas. Se é verdade que a hematuria é a mais commum das hemorrhagias que se manifestão na febre biliosa grave, mesmo no Rio de Janeiro, não é menos verdade que entre nós o fluxo sangüíneo renal é observado muito mais raras vezes do que em outros paizes. O dr. Dutrouleau diz que as ourinas sanguinolentas revelão-se mesmo nos primeiros dias de moléstia no Senegal; que nas Antilhassobretudo, quasi todos os doentes perdem pela secreção ourinaria grande quan- tidade de sangue logo que a ictericia se torna muito intensa e gene- ralisada. Dos 43 casos que tenho observado, só 5 apresentaram he- maturia; em 2 doentes recolhidos á enfermaria de clinica, a côr es- cura das ourinas me levou a julgar que n'ellas havia sangue; porém a analyse chimica e microscópica do liquido demonstrou que eu me tinha enganado, e que o meu engano provinha da enorme quanti- dade de cholepyrrina que esse liquido continha e o tingia de preto. Entre os 5 casos de hematuria, figura a doente que succumbio logo 106 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES depois de uma abundante hemorrhagia uterina; nos outros 4 casos a nephrorrhagia ora foi ora não acompanhada de outro fluxo hemorrha- gico. As hemorrhagias na febre biliosa grave ordinariamente coincidem com o apparecimento de phenomenos ataxo-adynamicos muito exagera- dos; esta dualidade pathologica reconhece por causa a intoxicação do sangue pelos princípios da bilis. A acção que exerce este sangue pro- fundamente alterado sobre o bulbo rachidiano, nos explica a dyspnéa que apresentão alguns doentes e as convulsões epileptiformes que se encontrão em outros (observações XXVIII e XXIX). A moléstia vai percorrendo o seo itinerário, e gradualmente attinge o seo ultimo período. A adynamia chega ao extremo; o doente, em decubito dorsal, mal pôde executar no leito alguns movimentos parciaes; ora se conserva em lethargia mais ou menos profunda, ora apresenta um sub-delirio conti- nuado, pronunciando em meia voz uma longa serie de phrases incom- prehensiveis e sem nexo (typhomania). Não conhece as pessoas mais íntimas que o cercão, e é indifferente ao que se passa no mundo exterior. O tegumento externo e as conjunctivas oculo-palpebraes são de uma côr amarella carregada ligeiramente esverdinhada; notão.-se em alguns ca- sos manchas ennegrecidas, semelhantes ás eçchymoses, de diâmetros, fôrmas e disposições variáveis, disseminadas nas paredes thoraxicas e abdominaes, bem como nos membros superiores e inferiores. A lingua, secca e retrahida, ora é de côr escura, ora é fendida no sentido-longi- tudinal, e pelas fendas corre sangue negro e diííluente. As gengivas ás vezes também vertem sangue, e os dentes se apresentão fulliginosos. Em conseqüência d'este estado da cavidade boccal, o hálito do doente é fétido e repugnante. Os vômitos, com quanto mais raros n'este ultimo período da molés- tia, por causa da ataxo-adynamia, de vez em quando se manifestão, so- bretudo quando o estômago recebe grande quantidade de líquidos ou algum medicamento de acção tópica irritante; a diarrhéa continua, tor- na-se muito mais abundante e freqüente; não é muito raro observar-se a enterorrhagia; n'este caso, ou o sangue sai muito alterado de mistura com a bilis, ou as evacuações são exclusivamente sanguinolentas. O fi- gado toma grandes proporções e o baço também; a compressão exer- X/. l^*^*.-"^/! ^-^^<^^<-^ s^*-? DO RIO DE JANEIRO 107 cida no hypochondro direito provoca dor ao doente, que a demonstra dando gemidos, ou contrahindo a face. As ourinas, ou apresentão-se sanguinolentas, com a côr vermelha escura do sangue venoso alterado, ou são muito sobrecarregadas de pi- gmentos biliares, e assemelhão-se pelo aspecto á infusão de café muito branda. No meio de desordens tão profundas da innervação e da crase do sangue, o doente de febre remiítente biliosa grave algumas horas antes da agonia ainda apresenta uma temperatura superior a 39°,r>. Só quando apparece o coma que precede a morte de algumas horas, é que o calor diminue rapidamente; o thermometro marca então 30 graus ou menos, o pulso se torna muito veloz, as extremidades ficão glaciaes, a superfí- cie cutânea cobre-se de abundante suor viscoso, e assim succumbe o doente. A descripção que acabo de fazer dos symptomas com que se apre- senta entre nós a febre biliosa grave dos paizes quentes, applica-se á maioria dos casos, porém não a todos. Os phenomenos gastro-hepaticos, a ictericia, a ataxia e a adynamia são constantes; o caracter, a marcha e o typo remittente da febre, quasi nunca diversificão. As hemorrhagias porém não se encontrão em muitos casos, e, excepcão feita da hematuria, que se manifesta em maior nu- mero de doentes, a ausência dos fluxos hemorrhagicos constitue antes a regra do que a excepcão na moléstia de que se trata. A albuminuria, que também acompanha o doente até a morte, e que se observa inde- pendente da hematuria, é um symptoma muito mais constante. A morte, na febre biliosa, sobreveio ordinariamente no fim do oi- tavo ou décimo dia; raras vezes, quando se dá esta terminação, a mo- léstia attinge o termo do segundo septenarío. Quando a cura tem lugar, o que acontece em grande parte dos casos, a convalescença só se torna franca depois do décimo quinto ou vigésimo dia de moléstia. Em um caso observado na enfermaria de clinica (observação XXVIII) só no fim do segundo septenarío foi que desapparecerão os symptomas hemorrhagicos e ataxo-adynamicos; trinta e dous dias depois do calafrio inicial, foi que o doente conseguio retirar-se do hospital, conservando ainda bem patentes os signaes da ictericia. Se a terminação tem de ser favorável, a moléstia fica estacionaria em sua marcha por espaço de três 108 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES a quatro dias: as remissões matutinas do calor febril começão então a ser mais pronunciadas, e as exacerbações vespertinas menos exageradas; de manhã o thermometro marca 38 gráos e poucos décimos e de tarde 39; gradativamente a temperatura vai-se approximando da normal; os pheno- menos nervosos, principiando pelo delirio, cessão; ao mesmo tempo des- apparecem os vômitos e a diarrhéa diminue; a lingua começa a hume- decer-se da ponta para a base; a saburra amarellada que a cobria vai-se destacando no mesmo sentido; o figado e o baço diminuem de volume; as ourinas perdem a intensidade da côr escura que tinhão e tornão-se amarellas (côr de gemma de ovo). As melhoras progridem de dia em dia; todos os symptomas se dissipão, com excepcão de três, que subsis- tem por muitos dias: a ictericia, a anorexia e o abatimento das forças: o primeiro sobretudo acompanha o doente durante a convalescença, e só no fim de muito tempo é que o deixa completamente. Tenho notado em alguns casos o apparecimento de dores musculares e articulares, de caracter rheumatico, durante a convalescença; estas dores se assestão de preferencia nos membros superiores e inferiores. Í IV ^« Dos 37 casos de febre biliosa grave observados nas enferma- rias de clinica no período de dez annos, 13 terminaram pela morte e 24 pela cura. A autópsia, praticada em 9 casos, revelou as lesões se- guintes : Côr icterica muito carregada do tegumento externo do cadáver em todos, rigidez cadaverica completa em 5, flaccidez dos membros em 4. .Manchas ecchymoticas extensas e numerosas em 1; manchas petechiaes muito confluentes em 1; nodoas de sangue na face externa do lábio su- perior em 1. Injecção venosa das meningeas e do encephalo em 7; grande derramamento seroso amarellado nos ventriculos lateraes do cé- rebro em 1; côr amarella dos órgãos contidos na cavidade craneana em todos. Congestão hypostatica da base de ambos os pulmões em 5; em um d'estes casos havia tuberculisação miliar do lobo superior do pulmão direito. Derramamento de algum liquido amarello na cavidade do peri- cardio em 3 casos; amollecimento do tecido do coração em 2; hyper- trophia excêntrica do ventriculo esquerdo em 1: degenerescencia gor- durosa fias paredes ventriculares em 2. Accumulo de liquido bilioso DO RIO DE JANEIRO 109 escuro na cavidade do estômago em 4; de liquido sanguinolento em 1; completa vacuidade d'este órgão em 2; hyperhemia da mucosa gástrica em 7; amollecimento muito pronunciado d'esta membrana em 1; hy- perhemia da mucosa do duodeno em 3, da do jejuno e ileon em 1, da do colou transverso em 2. Figado augmentado de volume em todos, enormemente congesto em 5, amarellado em todo o seu parenchyma em 2; vesicula biliar repleta de bilis espessa e negra em 6, completa- mente vasia em 1, contendo pouco liquido em 2. Baço muito volumoso e amollecido em 2, um pouco desenvolvido e amollecido em 5, de vo- lume e consistência normaes em 2. Rins congestos e volumosos em 4, levemente hyperhemiados em 2, apparentemente normaes em 3. Bexiga contendo ourina em todos, em uns mais e em outros menos; ourina san- guinolenta em 2, albuminosa em 3, sobrecarregada dos princípios coran- tes da bilis em 7. Não encontrei em caso algum os focos hemorrhagicos dos rins de que talião alguns pyretologistas, nem mesmo n'aquelles dous factos em que o liquido da bexiga continha evidentemente sangue, tendo havido hematuria durante a vida. Das autópsias a que procedi resulta que o estômago e o ligado são os dous órgãos que mais freqüente e intensamente se compromettem na febre biliosa grave do Rio de Janeiro; que muita rasão tinham alguns médicos antigos considerando esta moléstia como uma gastro-hepatite com- plicada de ictericia (Stoll—Pinei—Bouilland). Se elles tivessem reco- nhecido e admittido a influencia do miasma paludoso no desenvolvimento d'esta entidade mórbida, concorrendo poderosamente para isso as con- dições peculiares aos climas quentes como causas predisponentes, terião dito a verdade inteira. ÍY Ha apenas duas moléstias que podem confundir-se com a febre bi-^^^ liosa grave dos paizes quentes: a febre amarella e a hepatite parenchy- matosa, também denominada atrophia aguda do fígado, ictericia grave, ictericia hemorrhagica. A primeira é muito freqüente entre nós, tem apparecido por varias vezes debaixo da forma epidêmica, e tem ultima- mente se tornado endêmica; a segunda é muito rara, pertence mais par- ticularmente á nosologia dos climas frios. No capitulo em que me occupo especialmente da febre amarella, 110 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES achão-se consignadas as differenças que separão as duas pyrexias; aqui tratarei somente de distinguir a hepatite parenchymatosa da febre biliosa. A primeira d'estas moléstias não reconhece por causa a intoxicação paludosa; muito mais freqüente na mulher do que no homem, commum- mente observada durante a gravidez, é de ordinário provocada pelos ex- cessos venereos, pelo abuso das bebidas alcoólicas, pelas más condições . hygienicas inherentes á vida debochada e á miséria, pelas paixões de- primentes e pela existência anterior da febre typhoide ou do tvpho. Em alguns casos, ella apparece secundariamente no decurso da pneumonia, da tuberculose miliar aguda, do typho e de outras aífecções graves. Ver- dadeira inflammação parenchymatosa, na restricta accepção da palavra, a atrophia aguda do figado é caracterisada debaixo do ponto de vista anatomo-pathologico por um exsudato que occupa o interior das cellu- las hepaticas, que, sendo por elle distendidas e estranguladas, perdem a actividade funccional e vital que lhes são próprias. Em quasi todos os casos, ha concomittantemente um exsudato in- tersticial, que occupa a peripheria dos lobulos do figado, e comprime as origens dos canaliculos biliares; d'onde resulta uma ictericia precoce por insufficiencia da excreção e reabsorpção do producto secretado (Frerichs). A atrophia das cellulas tem como conseqüência infallivel a suppres- são da funcção; é esta suspensão da funcção hepatica, em relação á secreção biliar (acholia), que constitue todo o perigo da moléstia, e ex- plica o contraste que se nota entre os symptomas da primeira e os da segunda phase do processo mórbido. Emquanto só existe a inflammação inicial, antes de se dar a atrophia, e o estado do doente não tem gravi- dade apparente, nada prenuncia o perigo imminente; manifesta-se porém o período atrophico, e logo apparecem com grande intensidade os sym- ptomas toxemicos e nervosos (ataxia e hemorrhagias). A hepatite diffusa ordinariamente se revela durante os primeiros dias pelos symptomas próprios do catarrho gastro duodenal. N'esta épo- ca nada indica gravidade no estado do doente. A febre, que apparece sem precedência de calafrio, é sempre moderada; a columna thermome- trica nunca sobe além de 38°,6 a 39°; a marcha do calor febril não é segundo o typo remittente franco. Ha casos em que o processo mórbido percorre todos os seos períodos sem que haja verdadeira febre. 00 RIO DE JANEIRO Ul Doze ou quinze dias depois de ter começado a moléstia, é que appa- rece uma ictericia pouco intensa: esta ictericia conserva-se benigna por espaço de muitos dias; torna-se muito pronunciada e grave somente depois que principia o trabalho airophico do figado, quando tem lugar a acholia. Nos casos em que se observa uma temperatura de 40° ou mais, este calor exagerado coincide com o apparecimento dos symptomas ataxi- cos e hemorrhagicos, e liga-se á existência da intoxicação biliar do san- gue. Mesmo quando se dá esta alta temperatura, não se observão as remissões matutinas francas; de manhã a columna thermometrica ape- nas desce dous ou três décimos de gráo (typo continuo). No periodo toxemico da moléstia ha quasi sempre delirio, convulsões e coma; a apalpaçao e a percussão demonstrão que a glândula hepatica acha-se reduzida de volume, e o baço muito crescido; ha constipação rebelde do ventre; as evacuações provocadas pelos purgativos e pelos clysteres são descoradas, privadas de bilis, apresentão uma côr similhante á da argila. Pelos caracteres distinctivos que acabo de referir, não é possível que um medico experimentado possa confundir a febre remittente biliosa dos paizes quentes com a hepatite parenchymatosa atrophica. A etiologia, as condições pathogenícas, a symptomatologia, a marcha dos phenomenos mórbidos, e os resultados obtidos com os saes de quinina, em uma e outra d'estas duas moléstias, esclarecerão suflicientemente o diagnostico. § VI A febre biliosa dos paizes quentes, qualquer que seja o typo com que se apresente, e uma moléstia grave. Esta gravidade, admittida por todos os pyretologistas, e reconhecida por mim no Rio de Janeiro, é devida á combinação dos elementos etiologicos que concorrem para a producção do mal: o elemento palustre exerce sobre o elemento climá- tico uma acção aggravanle, e assim combinados dão lugar á pyrexia complexa de que se trata; a febre biliosa simples, não paludosa, em qualquer clima que se desenvolva, é sempre uma entidade mórbida be- nigna. O typo remittente da febre constitue um elemento desfavorável para o prognostico, e mais desfavorável ainda é o typo continuo; o typo inter- 112 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES mittente franco, o mais raro de todos, é o que torna a moléstia meno> grave. A precocidade dos symptomas ataxicos e das hemorrhagias, e a exis- tência anterior de cachexia paludosa ou de outra qualquer manifestação da infecção palustre, e a falta da medicação especifica durante os pri- meiros dias de moléstia, são circumstancias que aggravão muito o pro- gnostico. Í VII fa££x+^0 As indicações fundamentaes que o medico deve preencher no trata- mento da febre remittente biliosa dos paizes quentes, são as seguintes: l.a, combater os symptomas biliosos do primeiro periodo, facilitando por todos os modos a prompta excreção da bilis, e impedindo que ella se accumule no apparelho hepato-bijiar; 2.a, combater o fundo da mo- léstia, oppondo um antidoto ao envenenamento miasmatico que deter- mina as desordens anatomo-funccionaes n'esse apparelho; 3.*, neutrali- sar os effeitos da toxemia, devidos aos princípios da bilis, e depurar o sangue d'estes princípios nocivos, restituindo-lhe a crase normal. Para conseguir o primeiro desideratum, o medico deve recorrer ás emissões sangüíneas locaes, se ha notável congestão do figado, aos vomi- tivos, sobretudo á ipecacuanha, aos calomelanos em dose purgativa, aos saes neutros, principalmente ao sulfato de magnesia ou sulfato de soda, ás tisanas diureticas, das quaes faça parte o nitrato de potassa, ou o acetato de potassa, ou o cremor solúvel de tartaro. Para preencher a segunda indicação não ha outro meio eíficaz a não ser o sulfato de quinina ou o valerianato de quinina, administrado de modo que seja fácil e promptamente absorvido, modificando-se a sua acção de contacto sobre o estômago com os correctivos conhecidos em therapeutica. Para preencher a terceira indicação deve-se recorrer aos tônicos, aos excitantes diffusivos (contra a adynamia), aos antispasmodicos e aos revulsivos cutâneos (contra a ataxia), aos adstringentes, sobretudo ao perchlorureto de ferro (contra as hemorrhagias), aos ácidos vegetaes, sobretudo ao ácido citrico (contra a diííluencia da íibrina dependente da cholemia). São estes os meios que tenho empregado na febre biliosa grave, va- riando-os, attenuando-os, combinando-os de diflerentes maneiras segundo ^T' sÂ^**^*- -^ ^ c?. DO RIO DE JANEIRO 113 as condições especiaes de cada doente. Em quasi todos os casos obser- vados nas enfermarias de clinica, empreguei ventosas escarificadas na região hepatica; em dois appliquei sanguexugas á margem do ânus, por- que a congestão do figado era enorme, os doentes sentião grande dor no hypochondro direito, e ambos tinhão um calor febril superior a .40 gráos. Nunca recorri á sangria geral, e acho que este meio deve ser reser- vado para certos casos muito excepçionaes, em que uma forte hyperhe- mia das meningeas e do cérebro coincidir com uma grande reacção febril, nos primeiros dias de moléstia. No emprego das emissões san- güíneas locaes, principalmente quando feitas por meio de sanguexugas, o pratico não deve perder de vista a toxemia que tem de manifestar-se mais tarde, revelando-se por symptomas ataxo-adynamicos e ás vezes por hemorrhagias também. Seis a oito ventosas sarjadas na região hepatica, o mesmo numero de sanguexugas á margem do ânus, em alguns casos, tal é o meo procedimento quando julgo necessário descongestionar o íigado tirando sangue; raras vezes vou alem d'estes limites. Se a lingua está muito saburrosa, se ha náuseas e mesmo vômitos logo no começo, o que constitue a regra, lanço mão da ipecacuanha (200 grammas de infusão tendo em suspensão 2 grammas de pó). Depois de obtido o efleito vomitivo, dou 1 gramma de calomelanos em três doses (3 decigrammas de duas em duas horas). Só depois do doente ter vomi- tado e evacuado abundantemente, ê que começo a dar o sulfato de qui- nina, associando-o ao extracto de rhuibarbo ou á tinctura, conforme a formula preferida. Ao mesmo tempo que dou quinina, submetto o doente ao uso de uma bebida diuretica em que entrão 2 grammas de nitro e 8 grammas de cremor solúvel de tartaro. Quando o estômago não tolera o sulfato de quinina, o que acontece muitas vezes, administro este medicamento em clysteres (observa- ções XXV e XXVIII). Este tratamento se prolonga durante o primeiro periodo da moléstia, isto é, emquanto só existem os symptomas biliosos acompanhados de franca reacção febril. Logo que se manifestão os phe- nomenos ataxicos, e que estes phenomenos. dependem da cholemia, lanço mão das poções excitantes e antispasmodicos, e dou ao doente limona- das ácidas em larga escala. A quina, o almiscar, o ether, a valeriana, o carbonato ou hydrochlorato de ammonea e a canella, são os meios que 8 114 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES prefiro, recorrendo ora a uns, ora a outros, cgnforme os eífeitos obti- dos, e attenuando-os quasi sempre com algumas colhéres de vinho ge- neroso. A laranjada, a limonada de limão, a cajuada, a limonada de caju ou de tamarindos, fortemente aciduladãs, e ás vezes geladas, são as bebi- das ácidas a que dou preferencia, segundo os recursos da occasião e a predilecção do doente. Se apparecem hemorrhagias, e são abundantes, recorro aos adstrin- gentes, principalmente ao ácido gallico ou ao perchlorureto de ferro. Se as perdas hemorrhagicas são de pouca monta, o que constitue a regra geral, não dirijo contra ellas medicação alguma especial; insisto nas li- monadas geladas, e applico compressas de água gelada na região cor- respondente ao órgão que fornece o sangue. Se o doente, depois de ficar livre de perigo, ou durante a conva- lescença, apresenta accessos de typo intermittente, volto a dar-lhe o sul- fato de quinina, associando-o á água de Inglaterra ou ao vinho de qui- nium de Labarraque. Não tei minarei este paragrapho sem fazer sentir a necessidade que tem o medico de recorrer o mais cedo possível ao sulfato de quinina, e de dar este medicamento em doses elevadas, procedendo do mesmo modo por que procederia se tivesse de dominar um violento accesso per- nicioso. Se a opportunidade escapa, se a quantidade do remédio é insuffi- ciente para combater o envenenamento miasmatico, mais tarde as con- dições do paciente serão muito mais graves; o seo organismo estará debaixo da influencia perniciosa de duas intoxicações, a cholemica, que sobreveio em conseqüência da entrada no sangue dos princípios da bile; a paludosa, que ainda persiste, porque não foi neutralisada, e continua portanto a produzir as mesmas desordens no apparelho hepato-biliar, ponto de partida da cholemia. Para combater a intoxicação cholemica, a therapeutica fornece muitos recursos, de que o medico pode servir-se sem prejudicar o doente; estes recursos já forão acima mencionados (purgativos, diureticos, limonadas ácidas); para combater a intoxicação paludosa, o único meio seguro é o sulfato de quinina, e este meio é con- traindicado depois que se manifestão os phenomenos ataxo-adynamicos da cholemia, porque os torna mais pronunciados e graves. Cumpre pois -7T ^,,..;~-x ^^-^- <<->,*. yS DO IUO DE JANEIRO 115 não perder tempo, nem fazer tentativas timoratas, quando se tratar do emprego dos saes de quinina na febre biliosa dos paizes quentes. Em- quanto não se desenvolve a cholemia, emquanto só existem symptomas biliosos e febre, o pratico deve dar o sulfato de quinina na dose de 12 decigrammas ou 2 grammas por dia, durante dous dias consecutivos; depois diminuirá gradualmente as doses até chegar a 45 centigrammas. Com este procedimento, ou a intoxicação cholemica será pouco in- tensa, porque a causa primitiva que a produz não teve tempo de actuar durante muitos dias, foi logo neutralisada completamente; ou, no caso que sobrevenha com toda a gravidade, o organismo só lutará com ella; á medida que o sangue se for desembaraçando dos princípios nocivos que alteravão a sua crasej esta crase irá aproximando-se do estado nor- mal, novos princípios tóxicos, da mesma natureza dos que são elimina- dos, não serão levados á torrente circulatória pelas veias e lymphaticos do figado, porque o curso da bilis já foi restabelecido, e a causa que embaraçava este curso já foi removida. Observação 30CIV—José Carrazedo, hespanhol, de 33 annos de idade, temperamento sanguineo-bilioso, caixeiro de uma padaria, residente no Bra- zil ha onze annos, entrou para a enfermaria de Santa Izabel do hospital da mizeri- cordia no dia 7 de maio de 1867, e occupou o leito n.° 20. Soffreo de febre intermittente durante dous mezes em 1866; é sujeito a lym- phatites superfieiaes (vulgo a erysipela branca), e abusa das bebidas espirituosas. 4> Tendo andado muito no dia o, levando pão a diversos freguezes, recolheo-se para a casa indisposto, com dores vagas nas pernas e cephalalgia. Ás 3 horas da tarde jan- tou com pouco appetite, e immediatamente depois tornou a sair para a sua occu- paçao habitual. Ás 8 da noite teve um forte calafrio e vômitos, rejeitando todo o alimento ingerido no jantar; appareceo-lhe febre, e passou muito agitado até a ma- nhã seguinte. Tomou um purgante de óleo de ricino, provocou quatro largas eva- cuações, e conservou-se em dieta absoluta. A febre, que tinha diminuído, augmen- tou durante a tarde e a noute de 6, e no dia seguinte ás 7 horas o doente reco- lheo-se ao hospital. Dia 7 de maio—Estado actual—Face animada, côr sub-ictericanas conjunctivas escleroticaes e em todo o tegumento externo, principalmente no pescoço e no tho- rax. Cephalalgia pouco intensa, ausência de delirio. Pulso a 98 e cheio, calor peri- pherico um pouco augmentado i1); lingua coberta de uma camada espessa de sa- burra amarella, sede, anorexia, náuseas e vômitos depois da ingestão de grande quantidade de água; as matérias vomitadas são constituídas por um liquido esver- dinhado inodoro; diarrhéa pouco abundante. Ventre doloroso á apalpaçao, sobre- ' (') A applicaçSo do thermometro, como meio de exploração clinica, generalisou-se nas enferma- rias a meo cargo de 1870 em diante. 116 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FERRES tudo no epigastro e nos hypochondros. Figado augmentado de volume, baço um pouco mais desenvolvido do que no estado normal. Ourinas muito vermelhas, es- cassas e sem albumina. Integridade completa do apparelho respiratório. Prescripção: Seis ventosas sarjadas na região hepatica. Calomelanos..................... 1 gramma Em 3 doses, com duas horas de intervallo. Oleode ricino....................45 grammas Para tomar duas horas depois da ultima dose de calomelanos. Sulfato de quinina.................. 1 gramma Para tomar logo depois das evacuações, e 60 centigrammas do mesmo medicamento para o dia seguinte de manhã. Dia 8—0 doente está completamente icterico. Supportou bem os calomelanos, porém expellio pelo vomito o óleo de ricino e as duas doses de sulfato de quinina. Teve três evacuações biliosas abundantes; sempre que bebe água, mesmo em pe- quena quantidade, vomita poucos momentos depois. A lingua conserva-se ainda muito saburrosa, a côr amarella da saburra é mais carregada. A temperatura da pelle está acima da normal, ha porém algum suor no pescoço e no thorax; pulso a 96°. O figado, bem como o baço achão-se no mesmo estado; as ourinas encerrão grande quantidade de pigmento biliar. Não houve nem ha phenomeno algum para o lado do systema nervoso, a não ser alguma prostração de forças. Prescripção: Infusão de ipecacuanha..........250 grammas Tartaro emetico.............. 5 centigrammas Para tomar meio calix de meia em meia hora. Laranjada................720 grammas Para tomar á vontade depois da acção do vomitivo. Sulfato de quinina............. 1 gramma em 2 doses Para tomar uma ás 6 horas e outra ás 9 da manhã seguinte. Dia 9—Ictericia mais pronunciada. O vomitivo produzio muito effeito; o doente vomitou onze vezes e teve seis evacuações biliosas. Não ha mais vômitos; as duas doses de quinina, dadas em solução na limonada sulfurica, forão bem toleradas pelo estômago. A lingua está mais limpa. A temperatura ainda está elevada, a pelle está coberta de algum suor na fronte, no pescoço e no tronco; pulso a 96, menos cheio. Na tarde antecedente, o doente teve horripilações, e algumas horas depois sentio-se peior. O interno de serviço encontrou-o ás 5 horas com muita febre, ce- phalalgia intensa e muita sede; mandou reformar a laranjada, e applicar aos ju- mellos dous sinapismos. Figado no mesmo estado, baço mais volumoso; ourinas muito biliosas. Prescripção: Mais 1 gramma de sulfato de quinina em duas doses. Para tomar ao meio dia e outra as 3 horas da tarde. Cozimento de cevada e herva tustão com 2 grammas de nitrato de po- tassa, 8 grammas de cremor solúvel de tartaro e 45 grammas de xarope de pontas de aspargos. Para tomar aos cálices de duas em duas horas. Continua a laranjada. Dia 10—0 doente acha-se no mesmo estado. Não tem vômitos, porém tem tido DO RIO DE JANEIRO H7 diarrhéa; a ictericia é muito intensa e generalisada. A lingua está menos saburrosa, porém muito secca. A temperatura parece menos elevada, porém não é normal: pulso a 92 ; a fronte, o pescoço e o peito estão banhados de suor. Na tarde ante- cedente, das 5 para as 6 horas, apparecerão as mesmas horripilações, seguidas de exacerbação da febre. O figado está menos reduzido de volume, o baço no mesmo estado. As ourinas, alem de pigmento biliar em grande quantidade, eiicerrão albu- mina, o que foi verificado, quer por meio do calor, quer por meio do ácido azotico. Prescripção: Agua.....................120 grammas Bisulfato de quinina............... 2 srammas Extracto gommoso de ópio........... 5 centigrammas Xarope de cascas de laranjas........... 30 erammas Para tomar 1 colher de sopa de hora em hora Suspende-se o cozimento diuretico. Continua o uso da laranjada. Dia 11—0 doente tem pouca febre, está coberto de suor; pulso a 86. Não apparecerão calafrios na tarde antecedente; a exacerbação febril foi pouco sensível, porém durante a noute appareceo sub-delirio. Na hora da visita ainda se percebe alguma perturbaçãd da intelligencia, sobretudo quando se interroga o doente: ha algum tremor nos membros superiores. Ás 7 horas da manhã manifestou-se uma epistaxis pouco abundante, que cessou espontaneamente. As evacuações diminui- rão, porém o ventre está um pouco tympanico; o figado diminuio de volume e o baço também. As ourinas continuarão muito biliosas, e encerrão maior quantidade dfi albumina. O doente está surdo e queixa-se das desordens acústicas que produz a absorpção da quinina. Prescriprão: Suspende-se o uso da quinina. Hydrolato de tilia................. 1Õ0 grammas Carbonato de ammonea.............. 1 gramma Ether sülfurico..................i Tinctura de meimendro..............jaa 2 grammas Xarope diacodio.................. 30 grammas Para tomar 1 colher de sopa de hora em hora. Continua a laranjada. Vesícatorios aos jumellos. Dous caldos de carne. O doente esteve debaixo d'esta medicação até o dia 14 á hora da visita. A fe- bre era moderada de tarde e pouco perceptível de manhã. O delirio continuou a apparecer durante a noute, e depois se manifestou também de dia. A lingua per- sistia secca; as evacuações erão biliosas e em pequeno numero; o pulso oscillou entre 82° e 86°. Prescripção do dia 14: Hydrolato de valeriana.............. 150 grammas Extrato molle de quina..............j Tinctura de almiscar...............> aã 4 grammas Tinctura de canella................> Xarope de cascas de laranjas............ 30 grammas Para tomar 2 colhéres de sopa de duas em duas horas. 118 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES Vinho do Porto generoso............. 120 grammas Tome 2 colhéres de sopa de duas em duas horas, alternamlu com a poção. Continua a laranjada. Infusão de camomilla............... 300 grammas Tinctura de assafetida............... 8 grammas Para dous clysteres (dados com seis horas de intervallo). Caldos de carne. Com este tratamento, seguido regularmente até o dia 19 á noute, o doente foi gradualmente melhorando. O delirio, o tremor dos membros superiores e a seccura da lingua, forão diminuindo; a adynamia, que acompanhava estes symptomas gra- ves, foi também cedendo. Dia 20—0 doente tem a physionomia animada; responde com muito acerto e promptidão ás perguntas que lhe são dirigidas; reconhece que se acha muito me- lhor ; diz que tem appetite, e pede maior dieta. Temperatura peripherica normal; pulso a 80 e fraco. Lingua humida e larga, apenas revestida na base de uma tê- nue camada de saburra amarellada; ventre flaccido e indolente; fígado ainda cres- cido sobretudo em seos limites inferiores, baço um pouco maior do que no estado normal; duas evacuações biliosas em vinte e quatro horas; ourinas muito abun- dantes, sobrecarregadas de pigmento biliar e sem albumina. A côr icterica do te- gumento externo e das conjunctivas escleroticaes permanece no mesmo estado; ha grande prurido em algumas regiões do corpo. Prescripção: Continua o vinho do Porto. Uma garrafa de água deVichy natural por dia. Duas sopas de arroz, um ovo quente. Suspende-se todo o tratamento anterior. No dia 22 o doente teve por dieta canja com frango, e gradualmente lhe foi sendo concedida uma dieta mais restaurante. No dia 30 teve alta, conservando como único vestígio de sua grave moléstia a côr amarella da pelle, própria da ictericia. Em junho de 1868 este doente entrou de novo para a enfermaria de clinica para tratar-se de uma bronchite aguda; não apresentava phenomeno algum que recor- dasse a febre biliosa que o tinha aeommettido um anno antes. Observação XXV- José Luciano Guimarães, portuguez, de 28 an- nos de idade, alfaiate, residente no Brazil ha quatro annos, entrou para a enferma- ria de Santa Izabel do hospital da mizericordia no dia 17 de março de 1870 e oc- cupou o leito n.° 10. Só teve uma única moléstia grave, foi varíola, em 1866, três mezes depois de chegar de sua terra. De então para cá sempre gosou de perfeita saúde, e teve uma vida muito regular. Depois de um passeio ao jardim botânico, onde esteve exposto ao sol durante algumas horas, bebeo um copo de cerveja gelada, estando muito suado e fatigado. Nada sentio durante o resto do dia e durante a noute; porém ao levantar-se na manhã seguinte, conheceo que não estava disposto para o trabalho, tinha peso de cabeça, fraqueza de pernas e amargos de boca; assim mesmo foi de sua casa, na rua dos Inválidos, para a loja, na rua do Hospício; chegou muito can- sado e com dor de cabeça. Não almoçou, e ás 11 horas teve algumas horripilações, seguidas de grande calor para a face. Voltou para o seo aposento em um tilburv DO RIO DE JANEIRO 119 ás 2 horas da tarde; tomou uma bebida sudorifica, que não lhe produzio o menor allivio. De noite teve muita febre e vomitou uma vez. Um medico, que o vio no dia seguinte, prescreveo-lhe uma poção tartarisada, com a qual melhorou muito; porém de tarde tornou a sentir-se muito afflicto, e teve um forte calafrio. Reco- lheo-se ao hospital ás 11 horas da manhã do dia 17, acompanhado por um irmão que com elle mora no mesmo quarto. O medico de serviço mandou dar-lhe 60 grammas de óleo de ricino, e mais tarde, 1 gramma de sulfato de quinina. Dia 18—Estado actual—Ictericia franca generalisada, face estúpida, abati- mento de forças. Houve delirio na tarde e noute antecedentes. O purgante produ- zio muitas evacuações; o sulfato de quinina foi tolerado. Temperatura axillar a 39°,6, pulso a 112, pouco desenvolvido. Lingua com saburra amarella e secca na ponta; ausência de vômitos; figado crescido, baço normal. Ourinas avermelhadas, raras e sem albumina nem pigmento biliar. Respostas difficeis, porém sensatas. Prescripção: Água.......................120 grammas Bisulfato de quinina................. 2 grammas Extracto molle de quina............... 4 grammas Xarope» diacodio..................30 gTammas Para tomar 1 colher de sopa de hora em hora. Cozimento de gramma e parietaria fortemente acidulado com sueco de limão e adoçado com xarope de tamarindos. Para tomar a vontade. Dia 19 — 0 doente apresenta-se em adynamia pronunciada e com delirio. Na tarde antecedente a temperatura axillar chegou a 40°,2 e o pulso a 120. Na hora da visita (9 da manhã) a temperatura é de 38°,8 e o pulso está a 100. Côr icterica muito intensa do tegumento externo e das conjunctivas escleroticaes. Lingua secca, rubra na ponta e coberta de saburra amarella na base; vômitos freqüentes; as matérias vomitadas são de côr verde-escuro; dor aguda no epigastro e na região hepatica; figado augmentado de volume, baço com os diâmetros normaes, diarrhéa biliosa moderada. Ourinas muito biliosas e sem albumina. Prescriprão: Magnesia fluida de Murray — 1 vidro. Para tomar 1 colher de sopa de hora em hora. Limonada de limão gelada. Para bebida ordinária. Água albuminosa..................180 grammas Bisulfato de quinina................. 2 grammas Laudano de Sydenham............... 1 gramma Para três clysteres (um de duas em duas horas). Pomada de belladona camphorada. Para fomentar a região gastro-hepatica. Dia 20 — Continuão os vômitos; ha sub-delirio continuo; os dentes estão ful- liginosos; progride a adynamia. Examinando as matérias expedidas pelo vomito encontrou-se de mistura com bilis uma certa quantidade de sangue negro e alte- rado. O exame microscópico, revelando os caracteres dos glóbulos sangüíneos, con- firmou aquillo que parecia extremamente provável, senão certo, pela simples in- 120 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES specção ocular. Os outros phenomenos permanecem no mesmo estado. Os pheno- menos auditivos do quinismo são patentes. Prescripção: Magnesia de Murray — 1 vidro. Sulfato de morphina...............5 centigrammas Tinctura de noz vomica.............Ifigottas Para tomar 1 colher de sopa de hora em hora. Limonada gelada e pequenos fragmentos de gelo. Um vesicatorio de 10 centímetros quadrados na região epigastrica. Continuão os clysteres de sulfato de quinina. Dia 21 — O doente vomitou duas vezes; da primeira vez o estômago expellio uma pequena quantidade de sangue (cerca de 4 grammas) de mistura com muco e bilis; da segunda vez as matérias vomitadas erão exclusivamente biliosas. Tem- peratura axillar a 38°,2, pulso a 88.°; face mais animada. Lingua saburrosa, porém mais humida e menos rubra; figado menos crescido, hypochondro direito indolente, baço normal; duas evacuações biliosas; ourinas muito ricas de pigmento biliar e sem albumina; ictericia muito pronunciada. Na noute antecedente houve ainda de- lirio ; ás 5 horas da tarde o interno de serviço encontrou a temperatura a 39°,2 e o pulso a 96. Prescripção: Continua a magnesia de Murray com a morphina e noz vomica. Continua a limonada gelada e o gelo. Continuão os clysteres de sulfato de quinina (12 decigrammas para os três clysteres). Dia 22—Ausência completa de vômitos. Estado geral mais satisfactorio; res- postas demoradas, porém acertadas; alguma adynamia. Temperatura a 38°, pulso a 80. Lingua ainda saburrosa, humida e avermelhada na ponta; durante as vin- te e quatro horas o doente não evacuou, o ventre está um pouco meteorisado. Con- tinuão os phenomenos ictericos. Surdez bem manifesta; o doente queixa-se de grande atordoamento nos ouvidos e na cabeça (quinismo). Na tarde antecedente o calor chegou apenas a 38°,6 e o pulso esteve a 92. Prescripção: Cozimento de cevada e herva tustão com 8 grammas de cremor so- lúvel de tartaro e 30 grammas de xarope de tamarindos. Limonada de limão'sem gelo. Caldos de gallinha (três por dia). O doente esteve com esta medicação até o dia 25, apresentando melhoras gra- duaes e progressivas. No dia 26 notava-se ainda um certo gráo de abatimento das forças, grande ictericia generalisada e fastio. Temperatura a 37°,6, pulso a 80. Prescripção: A&ua.......................150 grammas Extracto molle de quina............... 8 grammas Para tomar 2 colhéres de sopa de duas em duas horas: Vinho do Porto generoso..............90 grammas Para tomar 1 colher de sopa de duas em duas horas, alternado com a poção. Uma garrafa de água de Vichy natural. Dous caldos de carne; uma sopa de arroz. . \ *S 6 7 8 S> 10 // 41» 57° _ -- s\ , — -- -- - -- - — 1 LJlL ') Convalescença. Morte ás 9 horas da noute. Febre remittente biliosa dos paizes quentes Homem, so (Observação XXVIII) annos (Enfermaria de Sanla Izabel] D,*s,/, Pt. - V 6 6 7 8 9 10 n 12 13 M- 15 16 4JC -40° — r ^! V \ ^ ^l \ í \ .^L \/ V 4 ^ / 2 \ — / \ W \ ---- - — _._ —■■ A — - UL A V* —- — \i ,%$> V A - V \y A > —i— — - — - r \ w ._. 1 ') Convalescença. Pai/, m DO RIO DE JANEIRO 121 No dia 29, tendo apparecido appetite, mandou-se dar ao doente a dieta de canja com frango e duas sopas. No dia 1.° de abril a convalescença tornou-se franca, o doente teve uma dieta reparadora, e no dia 6 obteve alta conservando-se ainda icterico. Observação XXVI—Manuel Pinheiro da Costa, portuguez, de 56 annos de idade, residente na villa do Pilar ha vinte e dous annos, cachetico e su- jeito a accessos de febre intermittente, entrou para a enfermaria de clinica no dia 14 demarco de 1871./ Tendo vindo á corte no dia 10 para tratar de negócios, apanhou muito sol em Hemfica no dia 11; á noute sentio-se muito fatigado, porém não tinha febre nem cephalalgia. Na madrugada de 12 foi despertado por um intenso calafrio, que du- rou duas horas, e foi seguido de calor febril. Julgando que se tratava de um accesso intermittente, tomou 1 escropulo de sulfato de quinina (12 decigrammas) em 1/2 chicara de café bem quente, como estava habituado a fazer no Pilar. No dia 13 pas- sou muito mal; teve vômitos, ficou muito prostrado, e continuou a ter febre; to- mou outra dose de sulfato de quinina, igual á primeira e da mesma fôrma, sem conseguir melhorar; no dia 14 amanheceu um pouco icterico, e com grande dor na região hepatica; recolheo-se ao hospital da mizericordia ás 2 horas da tarde. O me- dico de serviço prescreveo-lhe: Seis ventosos sarjadas no hypochondro direito. Seis decigrammas de calomelanos. Sessenta grammas de óleo de ricino. Dia 15 de marro—Estado actual—Habito externo da cachexia paludosa e da ictericia; a côr da pelle é de um amarello sujo em alguns pontos, amarello ver- doengo em outros, amarello claro em outros. Temperatura a 39°,6, pulso a 120. Lingua secca e revestida de uma camada muito espessa de saburra amarella; vô- mitos biliosos de vez emquando, náuseas constantes, amargos de boca, anorexia absoluta e muita sede. Ventre tympanico, proeminente e doloroso, sobretudo na região gastro-hepatica; a apalpaçao e percussão, mesmo exercidas com cautela n'esta região, arrancão gemidos ao paciente; figado enormemente desenvolvido, excede de 15 centímetros o rebordo costal direito, invade os limites do hypochondro es- querdo e sobe até ao nivel da quarta costella; baço volumoso; os calomelanos e o óleo de ricino produzirão cinco evacuações biliosas e abundantes; ourinas sobre- carregadas de pigmento biliar e sem albumina. Tosse, dyspnéa, estertores sub-cre- pitantes conlluentes na base de ambos os pulmões. Ruido de sopro intenso na base da região precordial, occupando o primeiro tempo da revolução do coração. Aba- timento de forças, preguiça intellectual, tendência ao sopôr. Prescripção: Infusão de ipecacuanha........250 grammas Tartaro stibiado........... 5 centigrammas Para tomar meio calix de meia em meia bora. Sulfato de quinina.......... 2 grammas (em três doses) Para tomar 1 dose de duas em duas horas em limonada sulfu- rica. Vesicatorios aos jumellos. 122 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES Dia 16— Adynamia muito pronunciada; ictericia, physionomia de desanimo, algum sub-delirio; vômitos bilio-sos freqüentes; as três doses de sulfato de quinina forão rejeitadas; lingua muito secca e mais saburrosa; região hepatica proeminente e dolorosa, figado muito crescido, diarrhéa, ventre tympanico. Temperatura a 39°,8, pulso a 124; na tarde antecedente o calor febril chegou a 40°,4 e o pulso a 128. Ourinas ennegrecidas, sanguinolentas, deixando depor no fundo do vaso uma sub- stancia pulverulenta de côr vermelha escura (hematuria). Os mesmos phenomenos para o lado do apparelho respiratório. Prescripção: Cozimento forte de quina..............150 grammas Tinctura de almiscar................ 2 grammas Tinctura de camomilla................ 2 grammas Ether sülfurico................... 4 grammas Xarope de cascas de laranjas.............30 grammas Para tomar 1 colher de hora em hora. Três pequenos clysteres com 60 centigrammas de sulfato de qui- nina cada um (um clyster de duas em duas horas). Laraajada como bebida ordinária. Mais 6 ventosas sarjadas no hypochondro direito. Dia 17—Sub-delirio alternando com sopôr, carphologia, sobresaltos tendino- sos. Vômitos sanguinolentos, evacuações negras, constituídas por sangue alterado de mistura com biles: língua secca e retrahida, dentes fulliginosos: figado muito doloroso á apalpaçao; hematuria franca; ictericia no máximo de intensidade. Tem- peratura a 40°, pulso a 132°; na tarde antecedente p thermometro marcou 40°,8. Estertores sub-crepitantes em grande extensão de ambos os pulmões. Prescripção: Hydrolato de valeriana...............180 grammas Ergotina...................... 4 grammas Ácido sülfurico...................20 gottas Xarope diacodio..................30 grammas Para tomar 2 colhéres de sopa de meia em meia hora. Cozimento de quina.................250 grammas Para dous clysteres. Ás 4 horas da tarde resfriarão as extremidades superiores e inferiores, e co- brirão-se de um suor viscoso; ás 6 appareceo coma, e a temperatura desceo a 36°,4; ás 9 da noute o doente succumbio. A autópsia não foi praticada, porque reclamarão o cadáver. Observação XXVII—D. F..., brazileira, casada, de 42 annos de idade, ainda bem regulada, tinha chegado de sua fazenda no dia 21 de novembro de 1871 com o fim de consultar um cirurgião oculista a respeito de seos incommo- dos de olhos, e foi morar na rua da Imperatriz em casa de seo genro. No dia 3 de fevereiro de 1872, ás 8 horas da noute, foi acommettida dos symptomas de uma in- digestão formal, o que não lhe causou admiração, porque tinha saído de seos hábi- tos durante o jantar, abusando de alguns alimentos indigestos. Passou a noute agi- tada, sem poder dormir, e amanheceo com febre e cephalalgia muito intensa. Recei- tarão-lhe uma tisana diaphoretica, que produzio pouco effeito, e depois um pur- 00 RIO DE JANEIRO 123 gante de óleo de ricino, que deo lugar a algumas evacuações. Nos dias 5, 6 e 7 tomou algumas doses de sulfato de quinina em pílulas, sendo algumas d'estas pílu- las rejeitadas pelo vomito. No dia 8, ás 11 horas da manhã, examinei pela primeira vez a doente como conferente, tornando-me depois um dos assistentes. Estado actual do dia 8— Ictericia muito pronunciada na parte superior do tronco, no pescoço e nas conjunctivas escleroticaes, pouco intensa no resto do corpo. Adynamia, olhar incerto e desvairado, delirio cora grande inquietação; a doente move constantemente com a cabeça e os braços de um para outro lado. Tempera- tura a 39°,8, pulso a 112. Lingua secca, tremula e revestida de saburra amarel- lada ; a doente não a conserva fura da boca senão muito incompletamente; grande sensibilidade na região hepatica, figado volumoso, baço normal quanto ás suas di- mensões; ventre tympanico, diarrhéa biliosa; ourinas similhantes quanto ao aspe- cto á infusão forte de café evidentemente sangninolentas. Prescriprão: Uma poção antispasmodica em que entrão o almiscar e o carbonato de ammonea ('). Cajuada gelada como bebida ordinária. Dous clysteres antispasmodicos em que entrão a camphora e a assa- fetida. Vesícatorios aos jumellos. Dous caldos de gallinha com vinho generoso. Dia 9 ás 7 horas da manhã — Temperatura a 37°,2, suor viscoso na fronte e no pescoço, pulso pequeno, a 130, e muito concentrado, delirio continuado; a doen- te pronuncia baixo uma serie de phrases incompletas e e incomprehensiveis, que de vez emquando são interrompidas por um profundo suspiro ou por um soluço; conserva os olhos semi-fechados, e não presta a menor attenção ao que se passa ao redor d'ella; não responde ás perguntas que lhe são dirigidas, parece mesmo que as não ouve. Na noute antecedente (8 horas) o thermometro marcou 40°,4. A lin- gua não pôde ser examinada; as ourinas e fezes são expellidas no leito, e deixão sobre os lençoes uma mancha de côr amarella esverdinhada. Ventre muito tympa- nico ; o exame da região hepatica provoca contracções da face que indicão dor. Ausência completa de vômitos. Ás 4 horas da tarde encontrei a doente comatosa e com as extremidades frias; disse-me o marido que ás 11 l/z horas da manhã tinha começado a apparecer um corrimento sangüíneo pelo canal da vagina, o qual ainda continuava com grande abundância; o sangue que saía eca negro e muito diffluente. Duas horas depois da minha visita a doente succumbio. Observação XXVIII—José Bento Maceió, brazileiro, residente era Belém, de 40 annos de idade, tropeiro, entrou para a enfermaria de Santa Izabel no dia 1.° de agosto de 1873, e oecupou o leito n.° 9. Tem tido por diversas vezes febre intermittente; não apresenta porém signaes de cachexia; de 1870 para cá tem gosado de boa saúde. No dia 30 de julho appa- receo-lhe febre, precedida de calafrio e acompanhada de cephalalgia e náuseas. Apezar dos remédios cnseiros que tomou, os seus incommodos continuarão no dia (') Na clinica civil é Impossível tomar nota minuciosa das formulas receitadas. 124 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES 31, e por isso recolheo-se ao hospital. O medico de serviço prescreveo ao doente uma poção vomitiva, e 1 gramma de sulfato de quinina. Dia 2 de agosto — Estado actual — Face animada, cephalalgia muito intensa, olhos injectados e brilhantes. Temperatura a 39°,6 (na tarde antecedente, depois do vomitivo, 39°,2), pulso a 92. Lingua com saburra amarella, anorexia, ausência de vômitos; região hepatica dolorosa, figado e baço crescidos, constipação de ventre; ourinas raras, vermelhas e sem albumina. Apparelhos respiratório e nervoso nor- maes. Prescripção: Dez sanguexugas ao ânus. Seis ventosas sarjadas na região hepatica. Uma gramma de calomelanos em duas doses. Uma gramma de sulfato de quinina (depois doeffeito dos calomelanos). Dia 3—Melhoras quanto ao estado da cabeça; porém apparecerão vômitos logo que o doente tomou a quinina, e a ingestão de qualquer porção de água os pro- voca constantemente. Ligeira côr sub-icterica nas conjunctivas e nos regos naso-la- biaes. Lingua mais saburrosa, porém humida, duas evacuações, figado e baço no mesmo estado. Temperatura a 39°,4 (na tarde antecedente 39°,8), pulso a 92. In- tegridade das faculdades intellectuaes. Prescripção: Magnesia de Murray, ás colhéres. Um clyster purgativo, e depois do seo effeito Três pequenos clysteres de sulfato de quinina, com 1 gramma cada um. Laranjada, como bebida ordinária. Dia 4—Persistência dos vômitos; augmento da ictericia; temperatura a 39°,6 (na tarde antecedente a 40°), pulso a 98; ourinas biliosas. O primeiro clyster de quinina foi logo expellido. Ausência de quinismo. Prescripção: Continuão os clysteres de quinina, ajuntando-se em cada um 8 gottas de laudano (precedidos de um clyster purgativo). Uma poção com 4 grammas de elixir paregorico, 2 de camomilla e 15 gottas de tinctura de noz vomica, Laranjada fortemente acidulada. Um sinapisrno no epigastro. Dia 5—Cessação dos vômitos, apparecimento de alguma diarrhéa. Ictericia mais pronunciada e generalisada. Lingua um pouco secca na ponta e ainda sabur- rosa. Temperatura a 39°,5 (na tarde antecedente a 40°), pulso a 98. Figado e baço crescidos; ourinas muito ricas de pigmento biliar. Ha phenomenos de quinismo, porém pouco intensos. Mesmo tratamento. Dia 6 — Ictericia muito pronunciada; epistaxis; sub-delirio, insomnia; tem- peratura a 40°,2 (na tarde antecedente a 40°,4), pulso a" 120; lingua muito secca, advnamia; ausência de vômitos, desapparecimento da diarrhéa. DO RIO DE JANEIRO 12o Prescripção: Poção com almiscar, meimendro c canella. Clyster com valeriana, assafetida e eleetuario de &cnnc. Laranjada fortemente acidulada. Vesícatorios aos jumellos. Caldos de carne com vinho generoso. Dia 7 — Reapparecimento da epistaxis; continuão os mesmos symptomas ner- vosos; o delirio é mais pronunciado, ha tremor dos membros superiores; duas evacuações; ourinas escuras, porém sem sangue e sem albumina; grande abati- mento de forças. Temperatura a 40°, pulso a 110 (na tarde antecedente tempera- tura a 40°,4). Mesmo tratamento. Dia 8—0 doente, alem dos symptomas do dia anterior, que persistem, apre- senta uma dyspnéa assustadora, que não é explicável por lesão alguma material dos apparelhos respiratório e circulatório. Temperatura a 39°,2 (na tarde antece- dente a 40°); epistaxis menos abundante. Prescriprão: Cozimento forte de quina com ácido sülfurico e xarope de cascas de laranjas, ás colhéres de duas em duas horas. Poção com ether, castoreo e canella, alternando com a outra. Caldos de carne com vinho. Dia 9—Desapparecimento da dyspnéa; epistaxis muito abundante; sub-deli- rio ; ourinas sanguinolentas. Temperatura a 38° (na tarde antecedente a 39°,2), pulso muito concentrado, a 120; adynamia. Prescripção: Poção com solução normal de perchloi u- reto de ferro............. 2 grammas Vinho generoso.............120 grammas, ás colhéres Dous clysteres com assafetida, castoreo e quina. Mistura de tannino e pó de colophana. Para introduzir nas fossas nasaes. Caldos de carne, meia chicara de café. Dia 10 — Cessou completamente a epistaxis, augmentou a hematuria. O doente responde com mais acerto ás perguntas que lhe são dirigidas; ha ainda algum sub- delirio. Lingua humida e saburrosa, dentes levemente fulliginosos -, duas evacuações biliosas; figado crescido, porém pouco doloroso. Temperatura a 38°,2 (na tarde an- tecedente a 38°,6), pulso a 120. Mesmo tratamento. No dia 12 suspendeo-se o uso da mistura adstringente destinada ao interior das fossas nasaes. No dia 13 ainda as ourinas erão um pouco sanguinolentas; já não havia de- lirio. Dia 14 — Face mais animada, grande abatimento de forças, integridade da intel- ligencia, ictericia muito pronunciada, lingua humida, levemente saburrosa, fígado ainda crescido, baço normal, ventre desembaraçado, ourinas muito abundantes, es- pessas, sobrecarregadas de pigmento biliar, sem sangue nem albumina. Tempera- tura a 37°,6, pulso a 108. 126 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES Prescriprão: Água de Inglaterra, meio calix de duas em duas horas. Quina calyssaya em pó, \ grammas em café. Dous caldos de carne com vinho, uma sopa. Este tratamento foi continuado até o dia 29, tendo-se augmentado gradual- mente a dieta. No dia 30 o doente foi conduzido por um irmão para o Rio Comprido, ainda fraco e icterico, porém em convalescença franca e com bom appetite. Observação XXIX (^—Agostinho Ornellas, portuguez, de 49 an- nos de idade, residente em Villa Nova, sujeito ás febres intermittentes, entrou para a casa de saúde de Nossa Senhora da Ajuda em 12 de janeiro de 1872 em estado muito grave. Veio para a corte no dia 23 de dezembro de 1871, e sua moléstia começou na tarde de 5 de janeiro por um calafrio intenso e cephalalgia. Tem tido febre con- stantemente, teve vômitos muito freqüentes e diarrhéa; no dia 8 ficou icterico, e no dia 10 começou a ter delirio. Tem tomado grandes doses de sulfato de quinina; traz na região hepatica uma ferida de vesicatorio. São estas as informações forne- cidas pelo filho do doente, que tem permanecido sempre a seo lado. Estado actual—Dia 12 ás 11 horas da manhã — Adynamia profunda; sub- delirio continuado, ictericia muito intensa e generalisada, carphologia, sobresaltos tendinosos. Grande calor na região frontal e no thorax, diminuição de temperatura nas extremidades; temperatura axillar a 38°,6, pulso a 132, muito pequeno e con- centrado. Lingua tremula, secca e retrahida; grande sensibilidade na região gastro- hepatica; fígado extraordinariamente crescido, attinge inferiormente o nivel da ci- catriz umbilical; baço volumoso, diarrhéa biliosa. Paralysia da bexiga; a ourina, extrahida por meio do catheter, apresenta-se ennegrecida, fétida, muito sobrecar- regada de pigmento biliar e albumina. Dyspnéa muito pronunciada, ausência de tosse, estertores sub-crepitantes finos na base de ambos os pulmões. A medicação excitante diffusiva e antispasmodica, empregada com energia e solicitude, não con- seguio o menor resultado. Ás 7 horas da noite, o doente foi aeommettido de ac- cessos convulsivos epileptiformes, que durarão até ás 8V2; as extremidades ficarão algidas; appareceo o coma ás 10 horas, e a morte teve lugar á meia noite. (') Esta observação, cuja importância consiste apenas na variedade e gravidade dos symptomas nervosos que apparecerão quatro dias depois da ictericia, não llcou completa por falta de autópsia. Nas casas de saúde, é muito ditticil, senão mesmo impossível, recorrer a esta fonte de instrucção e verdade, se o doente é dos quartos particulares. DO RIO DE JANEIRO 127 CAPITULO VII FEBRE PERNICIOSA § I Não é muito fácil dizer o que se entende em medicina pratica por ^, febre perniciosa. Os mais celebres pyretologistas divergem entre si quando se trata da verdadeira significação d'estes dous vocábulos; mui- tos confundem a perniciosidade de uma espécie pyretologica com a ma- lignidade. Gastan, por exemplo, diz, que a febre perniciosa ou accesso maligno é uma febre de quina caracterisada sobretudo pelo perigo immediato que a acompanha (£). Saint-Vel julga que a febre perniciosa comprehencle todos os ac- cessos febris que apresentão uma intensidade exagerada dos phenome- nos da febre intermittente, ou que se complicam de accidentes graves para os principaes órgãos da economia (2). Para Dutroulau, o typo e a fôrma não constituem os caracteres dis- tinctivos da febre perniciosa; o que a caracterisa é o elemento particu- lar de gravidade a que se tem dado o nome de 'perniciosidade. A gra- vidade de febre perniciosa apparece bruscamente e ameaça immediata- mente a vida; no primeiro accesso é muitas vezes mortal, e é muito raro que ella exceda o terceiro paroxysmo. Não é somente a instanta- neidade do perigo que constitue a perniciosidade, é também o gênero de phenomenisação, que se refere a um único symptoma ou a uma or- dem de symptomas independentes da própria febre, e por assim dizer addicionados a ella. Se a febre maligna é um cão que morde sem ladrar, a febre perniciosa é um cão que morde logo que ladra. A perniciosa paludosa é muitas vezes insidiosa, isto é, pode ser perniciosa e maligna ao mesmo tempo (3). A febre perniciosa, segundo o meo modo de pensar, é uma mam- ei Castan, Traité élémentairc des fièvreS) pag. 229. (») O Saint-Vel, Traité des maladies des régions intertropicales, pag. 79. (') Dutrouleau, Traité des maladies des Europêens dam les pays cJiaitds, pag. 211, 128 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES festação. aguda e gravíssima da infecção paludosa; primitiva, constitue a única moléstia que accommette o individuo, sendo precedida ou não de uma pyrexia benigna; secundaria ou consecutiva, intercala-se no curso ou na terminação de uma outra entidade mórbida, e põe em imminente perigo a vida do doente. Quando essa manifestação do impaludismo é acompanhada de reacção febril (febre perniciosa propriamente dita), o typo da febre varia, como nos casos simples: ora é intermittente, ora remittente, ora continuo; quando não ha augmento da temperatura (ac- cesso pernicioso), a moléstia reveste os caracteres da febre larvada. Tanto em um como em outro caso, a perniciosidade pôde ser constituída, ou pela exageração de qualquer dos três estádios de um accesso intermit- tente simples e completo, ou pelo apparecimento de um symptoma ou grupo de symptomas pertencente a um órgão ou a um apparelho or- gânico. § II Apesar da opinião de Morgagni, que faz datar de Hippocrates a pri- meira noção sobre a febre perniciosa, parece fora de duvida que Torti foi o primeiro medico que estudou e descreveo essa espécie pyretolo- gica. Elle divide os symptomas perniciosos em duas classes, correspon- dentes a dous estados bem distinctos da economia animal, o de colliqua- ção e o de coagulação. Grimaud explica estas idéas de Torti accommodando-as a uma outra hypothese; elle considera estes mesmos symptomas perniciosos como dependendo, uns de um estado dominante de condensação ou de es- pasmo (coagulação), outros de um estado de expansão ou de atonia (colliquação). Baldinger considera os phenomenos pelos quaes se exprime a per- niciosidade nas febres, como lesões mais ou menos profundas das prin- cipaes faculdades da força vital. Alibert os attribue a uma lesão mais ou menos profunda do sys- tema nervoso sensitivo e motor. Para o dr. Pidoux, a perniciosidade existe quando ao mesmo tempo que se declarão uma ou muitas desordens funccionaes especiaes, cuja concomittancia no entretanto não é constante e necessária, ha ruptura das synergias nas funcções vitaes communs, propensão á extincção vital directa, ameaça insidiosa de morte. / DO RIO DE JANEIRO 129 O dr. Bonnet, de Bordeaux, exprime-se d'este modo, quanto á per- niciosidade das febres: «Dá-se o nome de febre perniciosa a febres intermittentes cuja in- tensidade é tão grande e a marcha tão rápida, que terminão pela morte «no fim de alguns accessos, se não se tem empregado meio algum para «combatel-os(*).» Todas estas opiniões, eivadas do mais puro vitalismo, tendem mais ou menos a confundir a perniciosidade das febres paludosas com a ma- lignidade, segundo as idéas de Barthez. Tanto em uma como em outra ha ataque directo e profundo na essência da vida, destruição das syner- gias radicaes, imminencia de morte próxima debaixo de apparencias en- ganadoras, em desaccordo com a actualidade do perigo. Esta confusão sobresáe clara e evidentemente nas seguintes palavras de Pidoux: «A perniciosidade depende antes da natureza perniciosa da moléstia «do que das desordens perniciosas que pôde determinar na economia a «affecção de um orgao cuja acção é indispensável á conservação actual da «vida. Em certos casos de affecções gottosas anormaes e intermittentes, «os órgãos que soffreme a que se referem os principaes symptomas são «indubitavelmente centros de vida muito importantes; no entretanto taes «accessos produzem raras vezes a morte, como costumão produzil-a os «accessos de febre remittente perniciosa miasmatica, mesmo que aífectem «órgãos menos indispensáveis ao exercício da vida: taes são o estômago na «perniciosa cardialgica, o grosso intestino na dysenterica, sem fallar da «ardente e da algida, que não atacão a órgão algum em particular. É a «malignidade* isto é, a immensidade insidiosa de uma dissolução pro- «xima, algumas vezes mesmo na ausência de symptomas funestos, que «constituem zperniciosidade, z não a intensidade das perturbações func- «cionaes de tal ou tal órgão em particular. O perigo do organismo está «antes no golpe profundo que soffre a sua resistência vital e a sua uni- «dade, do que na lesão de estructura por que passa este ou aquelle te- «cido.» Ha autores que considerão de modo muito diverso a natureza da per- niciosidade, que não acredilão n'esta luta suprema entre a vida compro- (') Bonnet, de Bordeaux, 7Vat'íé des fièvres i?itermittentes, pag. 51. 9 130 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES mettida em sua intima essência e a causa mórbida. Broussais, por exem- plo, partindo do principio de que as febres intermittentes e remittentes são gastro-enterites periódicas, diz que as perniciosas não diíferem das outras senão pela violência e o perigo das congestões. Segundo Maillot, a febre perniciosa não é senão uma irritação que tem por caracter anatômico uma hyperhemia da matéria nervosa e de seus invólucros, isto é, do eixo cerebro-spinalQ. Elle pensa como Brous- sais, que as febres perniciosas não diíferem das intermittentes simples senão pelo gráo ou violência das congestões, ou pela importância dos órgãos sobre os quaes se operão estas congestões. Eu não creio, diz Ritschel, que a perniciosidade seja um caracter das febres intermittentes levadas ao mais alto gráo: acredito que depende das complicações estranhas á própria febre, formadas ao mesmo tempo ou antes d'ella. Quando se diz febre perniciosa ou sub-continua, indi- ca-se a marcha ou a terminação dos accessos, porém não a causa d'esta marcha e d'esta terminação. Seria preciso dizer febre intermittente cu- jos accessos multiplicarãorse ou aproximarão-se debaixo da influencia da affecção de tal ou tal órgão. Quando o órgão é essencial á vida, quando a cessação de suas funcções acarreta necessária e promptamente a morte, a febre é perniciosa (2). Boudin admittindo gráos diversos na dose do veneno palustre para a manifestação dos diíferentes typos de febres intermittentes, inclina-se a attribuir a perniciosidade das febres á maior quantidade de miasmas absorvida (3). Na cabeceira dos doentes, e na presença das neeropsias, não ha me- dico algum que possa abraçar exclusivamente nenhuma d'estas theorias; ha casos em que os vitalistas parecem triumphar; ha outros em que a victoria está do lado dos organicistas. As idéas exageradamente locali- sadoras de Broussais e seus discípulos não merecem hoje as honras de uma refutação seria. Appellar sempre para um ataque directo e profundo na essência da vida, para a destruição das synergias radicaes do orga- nismo, é desconhecer os numerosos factos em que desordens orgânicas (') Maillot, Traité des fièvres ou irritations cerebro-spinales intermittentes, pag. 326. (') Compendium, tom. v, pag. 328. (*) Boudin, Traité des fièvres intermittentes, remittentes et continues, suivi de rectwrclies sur temploi thérapeutique des préparations arsénicaks, pag. 120 e seguintes. ■71 ' DO BH) W JANEIRO 131 materiaes, apreciáveis durante a vida, e verificadas depois da morte, constituem a perniciosidade de um ou mais accessos, e que por sua ex- tensão, bem como pela importância do órgão compromettido, levão o doente ao túmulo. A opinião de Boudin baqueia completamente na pratica. Como é que as circumstancias da intoxicação sendo as mesmas para todos, em uns se apresentão accessos benignos de febre intermittente, ora com o typo quotidiano, ora terção, ora quartão, etc, em outros se manifesta uma fe- bre larvada; n'estes a febre remittente biliosa, n'aquelles uma febre per- niciosa? Como explicar os diflerentes gráos de violência da moléstia, de modo que aqui o primeiro paroxysmo pernicioso é immediatamente mor- tal, alli, apezar da falta de uma medicação apropriada, sobrevem um se- gundo e um terceiro accesso, e só depois d'este é que o doente morre? No estudo de um facto pathologico, devemos ter sempre em vista dous factores, que não podem ser separados: de um lado a causa mórbida, de outro lado, o doente, ou o terreno sobre o qual elle deve exercer a sua acção. Ora a causa, na questão vertente, fica sempre a mesma, im- mutavel; se parece variar de intensidade em certas circumstancias, é porque o terreno sobre que ella exerceu a sua força lhe foi mais propi- cio, mais favorável. Não nos esqueçamos que cada individualidade phy- siologica traz comsigo as suas aptidões pessoaes, um modo particular de susceptibidade mórbida. O ente humano é dotado de uma espontaneidade e conseguintemente de uma variabilidade de impressão que as causas morbigenicas exteriores não podem explicar. Devemos pois, nos casos de febre perniciosa, procurar nas condições do terreno cuja qualidade é tão differente, e não na quantidade da semente, a rasão que nos ex- plique a gravidade da moléstia. § III A febre perniciosa é muito freqüente no Rio de Janeiro; reveste-se l&T^y*- de numerosas e variadas fôrmas; ora apresenta o typo intermittente franco, ora o typo remittente, ora o typo continuo; manifesta-se como moléstia primitiva, ou sobrevem no decurso ou na terminação de uma outra entidade mórbida, sobretudo das phlegmasias agudas (pneumonia, pieuriz). Em muitos casos o primeiro accesso pernicioso é precedido de accessos simples, bem caracterisados, incompletos ou larvados; em ou- tros casos, o indivíduo é accommettido de um accesso pernicioso estando |32 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES no goso de perfeita saúde. Um accesso pernicioso nem sempre é acom- panhado de reacção febril; algumas vezes coincide com uma apyrexia completa, ou com a diminuição da temperatura orgânica. Não é raro observar-se um accesso de febre perniciosa em um doente de cachexia palustre, quer no maior auge de intensidade d'esta molés- tia, quer na época em que apparecem sensíveis melhoras. No anno de 1872 succumbio na enfermaria de Santa Izabel, victima de um accesso pernicioso sudoral ou diaphoretico, um doente que tinha vindo de Ma- xambomba com uma cachexia muito adiantada (observação XXXVI); em 1875, outro doente cachetico, chegado de Itaguahy, foi accommet- tido de um accesso pernicioso ardente, que o levou ao túmulo, quando estava muito melhor da cachexia, quando tudo annunciava que elle con- seguiria restabelecer-se completamente (observação XXXVIII). As mesmas condições etiologicas que concorrem para o desenvolvi- mento das febres simples, determinão o apparecimento da febre perni- ciosa. Se nos grandes focos paludosos encontrão-se muitos casos de febre perniciosa, no centro da cidade também elles são observados, revestindo as mesmas fôrmas, caracterisando-se do mesmo modo, acompanhados de iguaes perigos, e reclamando do medico igual promptidão e energia no emprego dos meios therapeuticos. Na idade adulta e na infância, no sexo masculino, na estação calmosa, principalmente depois que um sol ardente succede a copiosas chuvas, é que se observão com mais freqüência no Rio de Janeiro os casos de febre perniciosa. §IV &ír~ Quando um accesso pernicioso sobrevem depois de um certo numero .^É^^^^^^e accessos intermittentes simples, ás vezes estes vão-se tornando pro- ^ur tUc*?*'' gressivamente mais graves até apparecer a verdadeira perniciosidade; outras vezes, os paroxysmos, que erão completos e regulares, passão a ser incompletos, anômalos e insidiosos; ha casos em que o accesso per- nicioso faz explosão sem que phenomeno algum anterior o indique, sem que o medico possa prevel-o; ha casos em que a infecção paludosa de- nuncia-se logo por um paroxysmo gravíssimo sem precedência de acces- sos simples; ha casos em que este primeiro paroxysmo é tão violento. que mata o doente em poucas horas. A febre perniciosa não apresenta phenomeno algum digno de nota em relação ao calor febril, apreciado pela escala thermometrica. O ther- mometro n'este grupo de pyrexias não presta ao medico o menor auxilio; apenas indicará, como nos casos benignos, qual o typo da febre. Um dos meos mais notáveis discípulos, escrevendo em 1875 a sua these inaugural sobre o valor da thermometria no diagnostico das febres que grassão no Rio de Janeiro, consignou n'este magnífico e conscien- cioso trabalho o fructo de suas pacientes e minuciosas investigações. Apezar do seo brilhante talento e dos esforços que empregou a fim de DO RIO DE JANEIRO 141 ver se chegava a algum resultado positivo e satisfactorio, exprime-se do seguinte modo: «Sendo as perniciosas pyrexias que mais demandão do medico cli- «nico um diagnostico prompto para o emprego de uma therapeutica «precisa e enérgica, são também aquellas em que o thermometro me- «nos valor possue (*).» Na espécie chamada ardente, admittida por Dutrouleau e outros práticos como uma fôrma distincta, a excessiva elevação da columna thermometrica (410~41°,8-420), servirá para se admittir essa fôrma, no caso de diagnostico prévio de febre paludosa. Foi o que aconteceo com o doente da enfermaria de clinica em 1875, o qual succumbio em conseqüência de um accesso pernicioso ardente, sobrevindo no curso de uma cachexia paludosa. Achava-se este doente muito melhor, já fallava em sahir do hospital, quando o interno de serviço o encontrou ás 8 ho- ras da manhã com uma temperatura de 4Io,2, ao passo que na tarde antecedente estava apyretico e passava bem. Não havendo lesão alguma que explicasse tão violenta reacção febril, não existindo os phenomenos geraes que acompanhão a febre prodromica dos exanthemas, e tratan- do-se de um indivíduo vindo de Itaguahy com cachexia paludosa, não havia difficuldade alguma para o diagnostico de febre perniciosa ardente. Ás 5 horas da tarde o calor chegou a 4Io,8, e ás 2 horas da madru- gada seguinte o doente falleceo. A autópsia demonstrou a existência das lesões visceraes produzidas pelo envenenamento palustre. Na fôrma algida, acompanhada ou não de abundante diaphorese, o thermometro revela uma temperatura próxima da normal, ou um pouco acima, e n'este segundo caso a exploração thermica nos explica a sen- sação interna do calor intenso que experimentão os doentes, e os obriga a conservarem-se descobertos. § VI Na febre perniciosa algida, a mais commummente observada entre nós, ora apresentão-se algumas horripilações no começo do accesso, ora apparece um pequeno calafrio, ora falta completamente o estádio inicial *4**'*- do paroxysmo; os symptomas de algidez, em grande numero de casos, ^^^ sobrevem insidiosamente. A face do doente empallidece, os traços phy- (') Dr. Domingos de Almeida Martins Costa, Do valor das investigações thermometricas no dia- gnostico, prognostico e tratamento das pyrexias que reinão no Rio de Janeiro; these, 1875, pag. 39. 4££ ESTUDO CLDHCO SOBRE AS FEBRES sioijooijcos retrahem-se, as bochechas se deprimem, os olhos afundão-se, o olhar se amortece, as pupilas dilatão-se, os lábios ficão lividos, a voz torna-se fraca, sumida, tremula e sepulchral; a superfície cutânea, prin- cipalmente nas extremidades, vai gradualmente arrefecendo, até tor- nar-se glacial; quando a algidez invade toda a pelle, apparece um suor viscoso que inunda o paciente; é neste caso, que a mão do observador, applicada em qualquer região do corpo algido, principalmente na fronte, no nariz, nas extremidades superiores e inferiores, experimenta uma sensação muito desagradável, igual á que experimentaria se tocasse no mármore ou em um cadáver. O doente queixa-se de um calor ardente que o queima por dentro, tem muita sede, e pede com instância que se lhe dê água; o pulso se concentra muito e adquire grande celeridade (125 a 135 pulsações por minuto); o calor da axilla, tomado com o thermometro, marca 37°,5, 38°,6, 39°, raras vezes 36°,5, quando o accesso está quasi a terminar pela morte. A lingua torna-se fria, retrahida e um pouco tremula; o epigastro e os hypochondros ficão dolorosos, o ventre tympanico, as ou- rinas supprimem-se. A respiração, que no começo do accesso parece natural, mais tarde torna-se difficil, offegante, anciosa, acompanhada de profundos suspiros. No meio de todo este apparato de symptomas, em que a vida está prestes a extinguir-se a cada momento, a intelligencia conserva a sua integridade normal; os doentes, dominados por tristes ap- prehensões, considerão-se perdidos, lastimão a situação em que se achão, mas não delirão. Se o accesso termina pela morte, os symptomas que acabão de ser referidos se incrementão, a diaphorese torna-se profusa, a face do doente torna-se hypocratica, o coração se enfraquece a tal ponto, que mal se percebem os seos batimentos, o pulso fica linear, filiforme e extrema- mente veloz, a voz quasi se extingue, e a vida cessa de repente, porque o centro circulatório deixa de contrahir-se. Se o accesso tem de passar, ainda mesmo que sobrevenha um outro, a circulação se activa, o calor vai pouco a pouco se distribuindo com regularidade em todas as regiões do corpo, o pulso adquire maior força e torna-se menos freqüente e concentrado, a face fica mais animada, o olhar mais expressivo, as ourinas reapparecem com abundância, o ven- tre torna-se flaccido e indolente, e no fim de algumas horas o doente DO WO DE JANEIRO U3 recupera um certo bem estar, apenas interrompido pela sensação de ex- trema fraqueza que elle experimenta, e que dura por muitos dias, mesmo quando a cura radical esteja próxima. Se um segundo paroxysmo tem de sobrevir, o abatimento a que fica reduzido o doente depois do pri- meiro é muito pronunciado, a sua physionomia ainda exprime desanimo e terror, o pulso, comquanto mais amplo, mais forte e menos concen- trado, conserva todavia uma certa freqüência que inspira receio, a lin- gua cobre-se de saburra branca, o figado congesto e doloroso e o baço também. Em um dos casos por mim observados nas enfermarias de cli- nica, apezar das condições lisonjeiras em que se achava o doente depois de um primeiro accesso pernicioso algido, notava-se uma dor intensa no hypochondro esquerdo, sem augmento de volume do baço (splenalgia), que me fez presumir que outro accesso appareceria. Com effeito, apezar da medicação enérgica que foi empregada, as minhas presumpções con- verterão-se em realidade: o segundo paroxysmo appareceo, menos as- sustador e grave do que o primeiro, ó verdade, porém revestido de uma particularidade que me fez desanimar, o doente vomitava tudo quanto ingeria; foi pois impossível dar o sulfato de quinina e outros remédios pelo estômago. Recorri ao methodo endermico, aos clysteres e ás fric- ções, e graças a estes meios de absorpção, consegui salvar o doente. Nas fôrmas cholerica e dysenterica, espécies do g$nero algido, no- tão-se os mesmos phenomenos de algidez, mais ou menos pronunciados, principalmente na primeira; alem d'estes phenomenos, apparecem ou- tros que são idênticos aos da cholera-morbus asiática ou aos da dysen- teria grave. No primeiro caso, ao lado da algidez cholerica, observão-se vômitos e diarrhéa, que se reproduzem com freqüência e abundância; as matérias expellidas pelo estômago e pelos intestinos são riziformes; ha cyanose, a pelle perde a sua elasticidade normal, apparecem caim- bras, a face fica hypocratica, supprimem-se as ourinas, e o infeliz doente fica reduzido em poucas horas ás condições de um moribundo. A identidade entre os symptomas de um accesso pernicioso da fórma cholerica e os da verdadeira cholera-morbus ás vezes é tal, que o dia- gnostico differencial entre as duas moléstias será impossível se tiver por base unicamente a natureza e intensidade d'esses mesmos symptomas. Na historia anamnestica do doente, na marcha seguida pelos phenome- nos mórbidos, na circumstancia muito valiosa da ausência de uma epi- 144 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES demia cholerica, no estado do figado e do baço, é que o medico encon« trará luz bastante que possa esclarecel-o. Na fôrma dysenterica, ora ha abaixamento pronunciado da tempera- tura do corpo, ora ha reacção febril franca, o que é muito commum no principio da moléstia. Com o resfriamento das extremidades, ou com o calor da febre, coincidem os symptomas de uma dysenteria grave. Ha evacuações catarrhaes, sanguinolentas, espumosas e fétidas; estas eva- cuações repetem-se amiudadas vezes, são precedidas e acompanhadas de eólicas violentas e fortes tenesmos; de cada vez que o doente procura o vaso expelle pequena quantidade de liquido, fica extenuado de forças, desanima, e muitas vezes é accommettido de lypothimias, vertigens e mesmo syncopes. N'esta fôrma, o figado ordinariamente adquire grande volume, o hy- pochondro direito fica tenso, proeminente e doloroso. A fôrma dysente- rica da febre perniciosa é muito rara no Rio de Janeiro. Pela estatística que apresento se vê que em dez annos não tive occasião de observar um só caso. A fôrma sudoral ás vezes combina-se com a algida, e d'ella não differe senão porque a diaphorese que. se manifesta durante o accesso é tão copiosa, que as vestes do doente, os travesseiros, as cobertas e os colxões do leito ficão completamente inundados; ha casos em que o suor chega a molhar o assoalho do aposento. Outras vezes a abundante trans- piração não coincide com a algidez; pelo contrario, emquanto o doente transpira de modo excessivo, o thermometro indica augmento de calor, e a peripheria do corpo se conserva quente; o suor, em lugar de frio e glutinoso, como acontece quando ha algidez, também participa da ca- lorificação cutânea. Se o doente, n'estas condições, não mudar as roupas com as devi- das cautelas, se não for resguardado das correntezas de ar, a evapora- ção prompta do suor que lhe banha a pelle, roubando a esta uma grande quantidade de calor, produz uma sensação muito desagradável de frio, e pôde provocar um arrefecimento geral, bem próximo da algidez. Muitos pyretologistas notáveis acreditão que as fôrmas algida e su- doral ou diaphoretica da febre perniciosa são constituídas pela exagera- ção do primeiro e terceiro estádios de um accesso intermittente simples, assim como a fôrma ardente é a exageração do segundo. Á RIO DE JANEffiO lio Ol>sei*va.çfio XXX — Adriano, portuguez, de 32 annos de idade, ser- vente de pedreiro, morador na rua de D. Manuel, entrou para a enfermaria de Santa Izabel no dia 2 de agosto de 1868 e occupou o leito n.° 9. Ha oito dias tem tido quo- tidianamente accessos de febre intermittente, caracterisados pelos três estádios e por uma nevralgia facial, os quaes apparecião regularmente á 1 hora da tarde e ter- minavão ás 7 horas da noute. Um purgativo de óleo de ricino, tomado na noute de 29 de julho, c umas pílulas, provavelmente de sulfato de quinina, prescriptas por um pharmaceutico, forão os únicos meios de que se servio o doente para cu- rar-se. Tendo entrado ás 9 horas da noute, o medico de serviço receitou-lhe uma gramma de sulfato de quinina, uma poção com ether sülfurico e tinctura de vale- riana e sinapismos ás extremidades inferiores. Dia 3—Estado actual — Decubico dorsal, face decomposta, exprimindo an- gustia e terror, voz fraca e velada, algidez bem manifesta em todas as regiões do corpo, excepto no thorax, onde ha algum calor; nas extremidades, quer superiores, quer inferiores, na pyramide nasal, nas orelhas e no mento, nota-se maior resfria- mento do que em outros pontos do tegumento externo. A fronte, o pescoço e os ante- braços estão banhados de suor viscoso e fétido. Pulso pequeno, concentrado, a 120; respiração anxiosa e freqüente (28 movimentos respiratórios por minuto); ausência de qualquer phenomeno physico fornecido pela percussão e auscultação dos appare- Ihos oYganicos contidos na cavidade thoraxica. Sede intensa, lingua fria e sabur- rosa, hálito frio, dor no epigastro e na região hepatica; figado um pouco crescido, baço normal; ventre retrahido, ausência de diarrhéa e de vômitos. Ourinas escas- sas, vermelhas e sedimentosas. Integridade das faculdades intellectuaes. Prescripção: Hydrolato de canella................180 grammas Bisulfato de quinina................. 2 grammas Carbonato de ammonia............... 1 gramma Elixir paregorico.................. 8 grammas Essência de norteia pimenta............. 4 gottas Xarope de gomma.................. 30 grammas Para tomar 2 colhéres de sopa de hora em hora. Dous clysteres de sulfato de quinina com G decigrammas cada um. Sinapismos nas extremidades superiores e inferiores. Dous caldos com vinho generoso. As 5 horas da tarde o doente estava melhor; havia mais calor nas extremida- des, tinha cessado o suor, a face estava mais animada e o pulso mais desenvolvido. Os dous clysteres tinhão sido conservados; e a poção estava terminada. O doente apresentava os symptomas acústicos do quinismo bem pronunciados. Ficou em uso de vinho exclusivamente, uma colher de sopa de 2 em 2 horas, até o dia se- guinte. Dia 4 — Physionomia mais animada, respirarão mais calma; ainda arrefeci- mento das extremidades, principalmente superiores, porém em gráo muito menor em relação ao dia antecedente. Pulso mais desenvolvido, a 112. Pouca sede, lingua mais saburrosa, porém com a temperatura normal; menor sensibilidade na região gastro-hepatica, figado ainda crescido, constipação de ventre; ourinas mais abundantes e ainda sedimentosas. Dor nevrálgica intensa no lado direito da face. 10 146 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES Prescripção: Valerianato de quinina..............2 grammas Extracto de meimendro.............20 centigrammas Extracto thebaico................10 centigrammas Extracto molle de quina.............6 decigrammas - Divida em 12 pílulas—Tome 1 de duas em duas horas, e sobre cada pílula 2 colhéres de água ingleza. Um clyster purgativo, e depois do seo effeito, 2 clysteres de sulfato de quinina com 6 decigrammas cada um. Três caldos com vinho generoso. Dia 5 — Notáveis melhoras. Perfeita distribuição do calor peripherico; pulso a 92 e mais amplo. Appetite. O doente evacuou largamente com o clyster purgativo; conservou os clysteres de quinina, e tomou 8 pílulas até á hora da visita. Surdez quinica muito pronunciada; a dor nevrálgica diminuindo muito de intensidade. Fi- gado mais reduzido; ourinas abundantes e normaes. Prescripção: Quatro pilulas de valerianato de quinina. Água de Inglaterra. Linimento anodyno para fomentar o lado direito da face. Dous caldos com vinho, duas sopas, meia chicara de café. Do dia 6 em diante o doente ficou no uso exclusivo da água de Inglaterra; no dia 12 teve alta perfeitamente restabelecido. Observação XXXI — José Lopes Curvello, portuguez, de 19 annos de idade, aprendiz de torneiro, entrou para o leito n.° 20 da enfermaria de Santa Izabel, no dia 13 de julho de 1875, affectado de uma bronchite intensa. No dia 23, quando se achava quasi curado, e apenas tossia um pouco de ma- drugada, foi accommettido ás 6 horas da manhã de fortes horripilações, e ás 9 ho- ras, por occasião da visita, foi encontrado no seguinte estado. Estado actual — Grande abatimento, respiração offegante, anxiedade, inquieta- ção; algidez das extremidades superiores e inferiores, ausência de transpiração; pulso a 1.10, pequeno e concentrado, temperatura axillar a 38°,6. Lingua fria, e levemente saburrosa na base, dor na parte inferior do hypochondro esquerdo, provocada pela pressão exercida por baixo da falsa costella; figado e baço normaes, constipação de ventre, suppressão de ourinas. Ausência de qualquer symptoma fornecido pela per- cussão e auscultação dos apparelhos respiratório e circulatório. Prescripção: Uma gramma de sulfato de quinina immediatamente. Segunda dose igual dada quatro horas depois. Uma poção excitante diflüsiva em que entrão o ether, a tinctura de valeriana, de canella e de almiscar. Sinapismos nas extremidades superiores e inferiores. Caldos com vinho generoso. De tarde, ás 5 horas, tinhão desapparecido os symptomas graves do accesso algido, o doente tinha ourinado abundantemente ás 3, e as ourinas continhão um pouco de albumina. No dia 24, na hora da visita, apenas se observava maior saburra da lingua e a persistência da constipação de ventre. ~S /ri-^- ti -*■■*- <£-<■ *>-~f.ct- D0 RIO DE JANEIRO 147 Prescriprão: Doze decigrammas de sulfato de quinina em duas doses. Continuação da poção, dada com maiores intervallos. Um clyster purgativo com óleo de ricino e eleetuario de senne. Caldos com vinho, café. As doses de quinina forão diminuidas gradualmente nos dias subsequentes, e o doente obteve alta no dia 29. Observação XXXII —Luiz Gomes Pereira, portuguez, de 28 annos de idade, empregado na fabrica de cerveja da rua da Guarda-Velha, entrou para a enfermaria de Santa Izabel no dia 9 de agosto de 1874, e oecupou o leito n.° 3. Foi accommettido de um accesso febrii no dia 7 de manhã, caracterisado por calafrio intenso, calor e suor, manifestando-se ao mesmo tempo grandes dores nos joelhos sem augmento de volume d'estas articulações. Não tomou remédio algum, e no dia 8 passou bem, conservando apenas amargo de boca e fastio. Na madrugada do dia 9 foi despertado por um segundo calafrio, acompanhado das mesmas dores articulares, de dor aguda na região do figado e de vômitos. Ás 7 horas da manhã, o medico chamado para ver o doente, o considerou muito grave, e lhe aconselhou a entrada para o hospital, onde chegou em uma rede pouco antes das 10 horas. Estado actual—Face hypocratica, profunda adynamia, completo desanimo, voz fraca, semelhante á dos cholericos; algidez geral, profuso suor viscoso banha toda a superfície cutânea; a mão applicada em qualquer parte do corpo experi- menta a mesma sensação que experimentaria se tocasse em um cadáver molhado. Temperatura axillar a 35°,8, pulso a 132 e filiforme. Lingua fria e secca, hálito frio, sede devoradora; o doente queixa-se de uma sensação urente que tem sua sede no epigastro e descobre-se constantemente; dor aguda na região hepatica; a pressão e percussão d'esta região arrancão gemidos ao paciente; ausência de vômitos e diar- rhéa; o doente só vomitou quando teve o calafrio ás 4 horas da madrugada; figado um pouco crescido, baço normal; soluços de vez em quando, suppressão de ourinas desde o começo do accesso, completa vacuidade da bexiga. Respiração freqüente, offe- gante, entrecortada por suspiros profundos. Dor nas articulações dos joelhos, sem tumefacção nem rubor no tegumento externo, despertada principalmente pelos mo- vimentos espontâneos ou communicados das mesmas articulações. Prescripção: Sulfato de quinina.................. 2 grammas Valerianato de quinina............... 1 gramma Misture e divida em três doses iguaes. Para tomar uma de três em três horas em um calix de água de Inglaterra. Hydrolato de norteia pimenta............120 grammas Carbonato de ammonia............... 1 gramma Tinctura de canella................. 4 grammas Elixir paregorico.....•............ 8 grammas , Tinctura etherea de phospnoro............10 gottas Xarope de cascas de laranjas.............30 grammas Para tomar uma colher de sopa de hora em hora. Sinapismos nas coxas, pernas, nos pés, braços e ante-braços. 148 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES Esta medicação enérgica foi seguida regularmente debaixo da fiscalisação de 8 alumnos, que em turmas de 2 visitarão o doente de hora em hora, até ás 3 horas da tarde, em que teve lugar a morte, não tendo havido tempo de dar-se a terceira dose dos saes de quinina. Autópsia praticada dezoito horas depois da morte—Rigidez cadaverica muito pro- nunciada. Injecção da arachnoide, algum pontilhado na substancia branca dos he- mispherios cerebraes. Congestão da base de ambos os pulmões; coração descorado sem lesão apreciável. Algum liquido esverdinhado na cavidade do estômago; hy- peremia da membrana mucosa d'este órgão; figado augmentado de volume, tur- gido de sangue, com uma côr vermelha carregada; baço muito amollecido e com as dimensões naturaes; uma onça de ourina turva no interior da bexiga; rins nor- maes. Observação XXXIII—Júlio Boutty, francez, officialde relojoeiro, de 35 annos de idade, entrou para a casa de saúde de Nossa Senhora d'Ajuda no dia 21 de setembro de 1873. Do dia 17 em diante começou a perder o appetite, a ter cephalalgia e a sentir-se prostrado durante a noute; no dia 20, ás 6 horas da tarde, teve um forte calafrio, seguido de calor e suor; tomou 3 pílulas purgativas de De- haut e conservou-se em dieta. No dia 21, ás 7 horas da noute, teve segundo cala- frio, acompanhado de grande oppressão precordial, e seguido de agitação e máo estar geral indefinivel; aggravando-se muito estes phenomenos ás 10 horas, reco- lheo-se ao hospital. Receitarão-lhe uma poção excitante, 2 grammas de sulfato de quinina em duas doses, sinapismos nas extremidades e um clyster purgativo e antis- pasmodico. Estado actual—Dia 22 ás 11 horas da manhã — Face decomposta e inundada de suor frio e viscoso, grande agitação, o doente move-se constantemente no leito, mu- dando sempre de posição e dando profundos suspiros. Algidez geral, só na fronte é que se nota algum calor; temperatura axillar a 37°, 4, pulso a 110 e pequeno. Lin- gua fria e muito saburrosa, muita sede e anorexia; dor epigastrica, incrementan- do-se pela apalpaçao, vômitos, que apparecerão depois da ingestão da segundo dose de sulfato de quinina, e são provocados sempre que o estômago recebe remédios ou caldos; figado com o seo volume um pouco maior que o normal, baço com os seos limites physiologicos; ventre meteorisado, duas largas evacuções provocadas pelo clyster da véspera; ourinas escassas e avermelhadas, sem albumina. Integri- dade do apparelho respiratório. Prescripção: Magnesia íluida de Murray com elixir paregorico, ether sülfurico e tin- ctura de noz vomica, ás colhéres. Sinapismos no epigastro e nas extremidades. Três clysteres pequenos com 1 gramma de sulfato de quinina cada um dados com três horas de intervallo. Caldos com vinho. Ás 7 horas da noute, os vômitos tinhão cessado completamente, a algidez e a agitação erão menos pronunciadas; o thermometro marca 37°,6, pulso a 110. O in- terno de serviço repetio os dous últimos clysteres, juntando a cada um 15 gottas de laudano de Sydenham, porque os outros forão expellidos logo depois de admi- nistrados. O doente ficou em uso de vinho do Porto. ;^0~ ^t-í-^-t-t '- '<°--*-s~*^r^- / 1)0 RIO DE JANEIRO 149 Dia 23— Ausência de vômitos, restabelecimento do calor em todas as regiões. excepto nas mãos e nos antebraços. Temperatura axillar a 37°,6, pulso a 100. Lin- gua ainda saburrosa, com a temperatura normal. Houve uma larga evacuação ás 6 horas da manhã. Não ha surdez quinica. Prescriprão: Três clysteres pequenos com 6 decigrammas de sulfato de quinina e 10 gottas de laudano cada um (dados com três horas de intervallo). A mesma poção alternando com o vinho. Fricções excitantes feitas com álcool camphorado nos membros supe- riores e inferiores. O doente apresentou grandes melhoras no dia 24, e gradualmente foi-se resta- belecendo, tendo obtido alta no dia 4 de outubro. As doses de quinina forão dimi- nuídas progressivamente até o dia 27 de setembro, em que forão completamente suspensas. Observação XXXIV —Ricardo, pardo escravo, marceneiro, mora- dor na rua do Lavradio, foi conduzido para o hospital da Mizericordia em 7 de ju- lho de 1869, e collocado em um aposento isolado, porque o medico que o tinha visto em casa do senhor, diagnosticara cholera morbus. Estando em exercício a aula de clinica, fui convidado pelo director do serviço sanitário para ver o doente e sobre elle emittir a minha opinião. Transportei-me ao aposento indicado, acompanhado pelos alumnos, e ahi fornecerão-me os seguintes commemorativos : Ricardo era su- jeito a insultos de erysipela, e tem uma perna elephantiaca; tinha soffrído de febre intermittente durante os mezes de fevereiro e março do mesmo anno, contrahida na villa de Estrella. Alguns dias antes de apresentar os graves symptomas que se observavão, perdeo o appetite, foi accommettido de dores rheumatoidas nas pernas, e nas horas de descanso, concedidas aos trabalhadores (do meio dia ás 2 horas), ia deitar-se. No dia 6 de junho, ao meio dia, tomou um purgante de Le Roy que lhe deo um companheiro, e ás 5 horas da tarde comeo duas laranjas. Ás 10 da noute teve um violento calafrio, seguido de vômitos e diarrhéa abundante. Ás 6 horas da manhã seguinte (7), apparecerão-lhe caimbras e soluços. Estado actual — Face decomposta, olhos profundamente situados no interior das orbitas, voz sumida, abafada e cansada. Ausência de elasticidade na pelle, per- sistem as pregas que se lhe imprimem; algidez completa, caimbras muito dolorosas nas pernas; pulso a 120, muito pequeno e concentrado. Lingua saburrosa e fria, sede devoradora, vômitos freqüentes, provocados sempre que o doente bebe água, diarrhéa abundante; o doente chegou ás 9 horas da manhã, e ás 10 já tinha tido duas evacuações; as matérias excrementicios são constituídas por liquido seroso tinto de bilis; não ha evacuações nem vômitos com grumos rhiziformes; figado e baço augmentados de volume; tanto o hypochondro direito como o esquerdo sen- síveis á percussão; ventre retrahido e tenso; ourinas muito escassas, sem albumina. Integridade das faculdades intellectuaes, bem como do apparelho respiratório. Depois de ouvidos os commemorativos e de examinado o doente, diagnosti- quei uma febre perniciosa cholerica. Nomeei 12 alumnos para um por um exami- narem o doente de hora em hora, e encarreguei-me do seo tratamento, a pedido do director do hospital. 150 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES Prescripção: Hydrolato de canella..............90 grammas Bisulfato de quinina............... 2 grammas Extracto gommoso de ópio...........15 centigrammas ■ Essência de hortelã pimenta........... 6 gottas Xarope de ether................ 30 grammas Para tomar 1 colher de sopa de hora em hora. Infusão de sementes de linho..........250 grammas Claras de ovos.................n.° 2 Bisulfato de qninina............... 2 grammas Laudano de Sydenham............. 2 grammas Para quatro clysteres, um de duas em duas horas. Sinapismos nos membros thoraxicos, nos abdominaes e no epigastro. Fricções repetidas em todo o corpo com uma mistura de tinctura de valeriana, tinctura de mostarda e tinctura etherea de phosphoro. Ás 5 horas da tarde encontrei o doente melhor. As evacuações tinhão dimi- nuído muito, os vômitos e as caimbras tinhão cessado; continuava a algidez, porém menos pronunciada no tronco e na face; os phenomenos para o lado da voz e da pelle permanecião no mesmo gráo. Tinha sido administrado pouco antes o ultimo clyster, e a poção ainda não estava esgotada; as fricções tinhão sido feitas quatro vezes pelos alumnos. Para substituir a poção, depois de terminada, mandei vir 120 grammas de vinho do Porto generoso. Dia8—Reapparecimento dos vômitos eaugmento^da diarrhéa; a algidez, mesmo nas extremidades, é menor; sobrevierão soluços freqüentes de madrugada, e ainda persistem na hora da visita (8l/2 da manhã). Os outros symptomas continuão no mesmo estado; pulso a 108. Prescripção: Mesma medicação da véspera. Um pequeno vesicatorio no epigastro. Dia 9 —Sou informado pelos internos e pelos alumnos nomeados para visita- rem de hora a hora o doente, que elle apresentou sensíveis melhoras das 3 horas da tarde em diante. Durante a noute continuou no uso da poção, porém com maio- res intervallos entre as doses. Na hora da visita as melhoras erão mais satisfacto- rias; todos os symptomas tinhão perdido de intensidade; os vômitos, a/diarrhéa e os soluços tinhão desapparecido completamente. Só nas extremidades superiores, que se conservao descobertas, nota-se algum abaixamento da temperatura; pulso a 96; voz mais clara e mais sonora; a pelle recobrou em parte a sua elasticidade normal; lingua ainda saburrosa, pouca sede; figado e baço mais reduzidos de vo- lume, ventre mais flaccido; ourinas mais abundantes e vermelhas, sem albumina. Prescripção: A mesma poção com 1 gramma somente de sulfato de quinina e 5 cen- tigrammas de extracto de ópio. Os mesmos clysteres com 3 decigrammas de sulfato de quinina cada um e 4 gottas de laudano. Duas fricções por dia com a mesma mistura. Dous caldos de carne com vinho do Porto, café bem quente. Dia 10—Progridem as melhoras; a ingestão do segundo caldo provocou vô- mitos, que cessarão espontaneamente. Face mais animada, olhos ainda encovados; Do4l0 DE JANEIRO ' 151 voz mais forte e intelligivel. Temperatura natural, pulso a 92 e mais desenvolvido. Lingua apenas saburrosa na base, pouca sede; ventre flaccido; duas evacuações em 24 horas; figado um pouco crescido, baço normal; extraordinária abundância de ourinas, cuja côr é normal. Surdez quinica. Prescripção: Seis decigrammas de sulfato de quinina em café. Vinho do Porto generoso..............120 grammas Para tomar ás coBiéres de sopa. Duas fricções por dia. Caldos de carne, [café. Do dia 11 em diante cessarão as visitas de hora em hora, feitas pelos alumnos de clinica, porque o doente foi-se restabelecendo progressivamente. Tomou sulfato de quinina até o dia 13 (3 decigrammas nos dous últimos dias). Sahio do hospital no dia 24. Observação XXXV — A sr.a D. M., de 35 annos de idade, casada, mãe de 4 filhos, amamentando o ultimo, que tinha 10 mezes de idade, residente na rua da Floresta, em Catumby, foi accommettida de um violento calafrio duas horas depois de jantar, em março de 1870. Vomitou abundantemente, teve eólicas muito intensas, e sempre que estas eólicas apparecião, ficava com as mãos e os pés frios. Seo irmão, que então era estudante de medicina do 6.° anno, acreditando em uma indigestão, prescreveo-lhe uma poção com tintura de camomilla e de noz-vomica e um clyster purgativo em que entravão o oreo de ricino e o eleetuario de senne. Ás 9 horas da noute, julgando-a muito grave, foi buscar-me para vel-a. Estado aclual — Physionomia indicando grande abatimento e desanimo; a doente está convencida de que morre, e lastima a sua sorte em phrases compun- gentes, porem com voz velada e cansada; caimbras violentas. A algidez completa de todo corpo; pulso tão freqüente, pequeno e concentrado, que me foi impossível contar exactamente o numero de vezes que batia em um minuto. Lingua larga, hu- mida e rosada; sede devoradora, vômitos freqüentes; quer espontâneos, quer so- bretudo provocados pela ingestão de qualquer liquido; ventre indolente em todas as suas regiões, diarrhéa abundante e freqüente; a doente tinha tido em 3 horas sete evacuações, sempre precedidas de eólicas, que cessavão logo que era satisfeito o desejo de evacuar; as duas primeiras evacuações, provocadas pelo clyster pur- gativo, tinhão sido constituídas por fezes, as outras erão exclusivamente serosas. A extrema adynamia em se achava a doente não lhe permittia mais recorrer ao vaso para evacuar, era no próprio leito que se recebia o liquido rejeitado pelos intesti- nos. Não havia congestão de baço nem de figado; as ourinas não foram examina- das, porque a doente tinha ourinado quando teve a primeira dejecção. Sinapismos nas extremidades, botijas com água fervendo cercando o tronco^ fricções excitantes e aromaticas, poções diflusivas com altas doses de opio, pérolas de ether, vinho, clysteres com sulfato de quinina, tinctura de valeriana e de almis- car, taes forão os meios que simultaneamente ou suecessivamente administrei com as minhas próprias mãos até ás 2 horas da madrugada sem conseguir a menor vantagem. Ás 3 menos V* a doente succumbio. O accesso durou 10 horas. 152 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES Observação XXXVI — Antônio Villares, portuguez, de 48 annos de idade, residente em Maxambomba, onde se occupava na lavoura, entrou para a enfermaria de Santa Izabel no dia 1 de junho de 1872 com todos os symptomas da cachexia paludosa e accessos de febre intermittente quotidiana. Apezar das eleva- das doses de sulfato e valerianato de quinina que tomou, os accessos apparecerão regularmente nos dias 2, 3, 4, 5 e 6, caracterisados pelos três estádios e separados por um intervallo de completa apyrexia sempre o mesmo. Estes accessos appare- cião das 3 para as 4 horas da tarde e terminavão pela madrugada do dia seguinte. No dia 7 de junho, na hora da visita, encontrei o doente no seguinte estado: Estado actual—Profundo abatimento, sensível abaixamento de temperatura nos membros thoraxicos e abdominaes; temperatura axillar a 36°,4, pulso a 120. O doente está inundado de copioso suor; as suas vestes, os travesseiros, os lençoes e o colxão estão molhados; pela face, pelo tronco e pelos membros o suor corre em abundância; dir-se-ía que o doente tinha sido mergulhado n'agua. A irmã de caridade informa que esta abundante transpiração data das 4 horas da madrugada, e que as roupas forão mudadas duas vezes. Lingua muito saburrosa, sede intensa; grande congestão de figado e de baço, esta viseera excede de dous dedos o rebordo costal esquerdo, ventre tenso e constipado; ourinas raras e sem albumina. Cora- ção augmentado de volume e fraco; ruido de sopro systolico na base da região pre- cordial, dous ruidos de sopro nas carótidas. Tosse secca e rara, dyspnéa, estertores suberepitantes finos na base do pulmão esquerdo. Diagnostiquei um accesso perni- cioso sudoral ou diaphoretico, e fiz a seguinte: Prescripção: Sulfato de quinina...............) . . 1T ..... . 5 aa 2 grammas Valerianato de quinina.............) ° Extracto gommoso de opio...........45 centigrammas Extracto molle de quina............q. b. F S A 18 pilulas — Para tomar 1 de hora em hora acompanhada de 2 colhéres de sopa de água ingleza Um clyster excitante e purgativo. Sinapismos nas extremidades. O doente ás 3 horas da tarde parecia melhor; porém ás 5 y2 a transpiração readquirio a abundância que apresentara de manhã, e declarou-se uma verdadeira algidez. Ás 8 da noute sobrevierão convulsões epileptiformes, e ás 11 teve lugar a morte, precedida de um curto periodo de coma. Autópsia praticada dez horas depois da morte —Anemia muito pronunciada dos centros encephalicos; a substancia branca e cinzenta do cérebro e do cerebello estavão menos consistentes do que no estado normal; parecia que estes órgãos ti- nhão estado em maceração n'agua por alguns dias; medulla alongada muito des- corada, porém com a consistência physiologica. Pulmões sãos, apenas na base do esquerdo infiltração edematosa. Coração augmentado de volume, descorado, flaccido, rompendo-se com facilidade, deprimindo-se com a mais leve pressão; dilatação da au- ricula esquerda e do ventriculo direito com adelgaçamento de suas paredes; alguma hypertrophia excêntrica do ventriculo esquerdo; válvulas e orifícios normaes. Fi- gado muito volumoso, endurecido, de côr vermelha escura, apresentando no lobo direito algumas zonas de um amarello sujo; as superfícies de secção apresentão-se seccas, a pressão faz correr por ellas um pouco de sangue ennegrecido. Vesicula DO W0 DE JANEIRO 153 biliar com pouca bilis, e esta muita compacta e escura. Raço hypertrophiado, com 18 centímetros em seo maior diâmetro e 6 no diâmetro transverso, muito duro e resistente ao gume do escalpello. Rins pallidos e de volume normal. O tubo gastro- intestinal não foi examinado. v i VII A febre perniciosa ardente caracterisa-se exclusivamente pelo ex- s/í-^. «■»-"—£" cessivo calor que apresenta o doente no segundo estádio do accesso , (40°,8, 41°, 41°,5,41°,8, 42°) e pela duração prolongada d'este estádio (18, 24, 36 e 48 horas). Depois de uma temperatura tão elevada, a columna thermometrica desce rapidamente abaixo de 37°, apparece uma curta agonia, e tem lugar a morte. Esta fôrma da febre perniciosa é rara entre nós, e ordinariamente termina de modo fatal. Em dez annos só observei dous casos, e os doentes succumbirão. Para o diagnostico exa- cto da moléstia são necessários três elementos: saber que o doente está debaixo da iníluencia da infecção paludosa, que não tem nenhuma das moléstias que provocão grande augmento do calor febril (varíola, escar- latina, pneumonia, meningite), e que este calor vai alem de certos li- mites; para este ultimo torna-se indispensável o thermometro. Observação XXXVII—Camillo, pardo liberto, cocheiro de dili- gencias, de 32 annos de idade, muito robusto, morador em Mataporcos, entrou para a enfermaria de Santa Izabel a 28 de julho de 1867. Ha quinze dias que soffre de accessos de febre intermittente quotidiana, acompanhados de nevralgia da face. Quando entrou para o hospital (5 horas da tarde), accusava grande dor na região temporal direita e apresentava um calor febril muito intenso. O medico de serviço prescreveo-lhe uma poção diaphoretica com tinctura de aconito e acetato de ammo- nia, um clyster purgativo e 1 gramma de sulfato de quinina, para ser dada logo que diminua a febre. Dia 29—Estado actual—Face muito animada e vultuosa, olhos brilhantes; temperatura da pelle muito elevada,- pulso a 120, cheio e duro; dor na região fa- cial direita. Lingua coberta de saburra branca muito espessa, muita sede, náuseas, epigastro sensível á pressão, figado volumoso, baço maior do que no estado nor- mal, ventre tenso, duas evacuações provocadas pelo clyster; ourinas raras e muito vermelhas. Os apparelhos nervoso e respiratório em estado normal. Prescriprão: Vinte sanguexugas ao ânus. Seis ventosas- sarjadas na região hepatica. Uma poção vomitiva com ipecacuanha e tartaro. Duas grammas de sulfato de quinina em duas dóscs, depois do efleito da porão vomitiva. Ás 3 horas da tarde, depois das sanguexugas, das ventosas e do vomitorio, o doente apresentou uma larga transpiração e ficou com menos febre; n'esta occa- 154 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES sião foi-lhe administrada 1 gramma de sulfato de quinina em um calix de limonada sulfurica; ás 6 horas, apezar de se achar muito mais quente, tomou a segunda dose do medicamento. Dia 30— Abatimento de forças, pelle muito secca e quente, pulso a 128, me- nos cheio e duro, dyspnéa, ausência da dor da face. Lingua muito saburrosa, maior volume do fígado e do baço, mesma sensibilidade no epigastro, prisão de ventre; ourinas muito vermelhas e escassas. Integridade do apparelho respiratório; ausên- cia de delirio, insomnia. Prescripção: Uma poção com 2 grammas de bisulfato de quinina e igual dose de tinctura de digitalis. Um clyster purgativo. Bebida antiphlogistica de Stoll, á vontade. Ás 5 horas da tarde o doente se achava no mesmo estado; ás 4 da madrugada de 31 ficou comatoso e com as extremidades frias; ás 7 da manhã falleceo. Autópsia praticada nove horas depois da morte — Alguma injecção dos vasos das meningias e do cérebro. Pulmões e coração em estado normal. Grande congestão do figado e do baço; rubor muito intenso da mucosa do estômago e do duodeno; rins hyperhemiados. Observação XXXVIII — Joaquim Soares de Mello, portuguez, de 29 annos de idade, trabalhador de roça, residente em Itaguahy. entrou para a en- fermaria de Santa Izabel a 12 de agosto de 1875 com cachexia paludosa. Com o uso de pilulas compostas de subearbonato de ferro, extracto molle de quina e sulfato de quinina, água de Inglaterra, fricções de tinctura d'iodo nos hypochondros, e uma alimentação reparadora, o doente foi melhorando sensivelmente. No dia 2 de setembro o interno o encontrou, ás 8 horas da manhã, com uma temperatura de 41°,2. Na hora da visita informou-me a irmã de caridade que elle tinha tido um violente calafrio ás 9 horas da noute antecedente. A lingua estava muito saburrosa. Não havia modificação alguma no estado dos outros apparelhos orgânicos; o fígado e o baço, que ainda se conservavão crescidos na véspera, não adquirirão maior volume. Uma poção vomitiva, e 1 gramma de sulfato de quinina depois dos seos effeitos, forão os meios prescriptos n'esse dia. As 5 horas da tarde, apezar de vômitos abundantes e da dose de quinina, que foi bem tolerada, a tem- peratura chegou a 41°,8. O interno prescreveo uma poção com tinctura de digitalis e álcool de veratrina, que não produzio a menor vantagem. Ás 2 horas da madru- gada do dia 3 o doente succumbio. A autópsia não revelou de notável outra cousa mais do que uma hypertrophia do figado e do baço, uma hypertrophia excêntrica do ventriculo esquerdo do coração, e pallidez da substancia branca do encephalo. I VIII A fôrma comatosa, a mais commum depois da algida, caracterisa-se pelo apparecimento súbito do coma ou do carus, sem precedência de delirio ou de outro qualquer phenomeno de excitação cerebral. Desde o simples sopor até o verdadeiro carus apoplectico, observão-se, n'esta DO RÍO DE JANEIRO 155 fôrma de febre perniciosa, os diversos gráos do collapso da innervação do encephalo. Ora a reacção febril é pouco intensa ou mesmo nulla, ora o doente apresenta-se com uma temperatura muito elevada, acompa- nhada ordinariamente de pulso pequeno, concentrado e pouco freqüente, senão mesmo raro. A existência de uma hemiplegia, coincidindo com o estado comatoso, quando este estado depende directamente de um accesso pernicioso, tem sido com razão contestada pelos mais notáveis pyreto- logistas. Em nenhum dos casos por mim observados, o doente apresentou-se hemiplegico. A resolução completa dos membros superiores e inferiores, a relaxação dos sphyncteres do ânus e da bexiga, dando lugar á sabida de fezes e ourina, a perda mais ou menos completa da sensibilidade ge- ral e especial, e a abolição dos movimentos reflexos, taes são os sym- ptomas que acompanhão o coma. A fôrma comatosa é a que mais freqüentemente se encontra nos casos em que um accesso pernicioso não é precedido de accessos inter- mittentes simples. D'ahi vem a razão porque muitas vezes o medico inexperiente se achará embaraçado para fazer um diagnostico exacto, so- bretudo se não attender a um certo numero de circumstancias extranhas á symptomatologia. A hemorrhagia cerebral, a congestão cerebral apoplectiforme e a meningo-encephalite no segundo periodo, são as três moléstias que po- dem ser confundidas com um accesso pernicioso de fôrma comatosa, quando não houver precedência de accessos de febre intermittente sim- ples, francos ou larvados, ou quando ao lado do doente não esti- ver uma pessoa interessada em sua saúde que possa fornecer esclareci- mentos sobre a anamnese. As duas primeiras moléstias, essencialmente apyreticas, só poderão confundir-se com a febre perniciosa quando durante o paroxysmo que convém reconhecer, o doente estiver com a temperatura normal ou abaixo da normal. A terceira, essencialmente fe- bril, só será lida em linha de conta se o thermometro revelar a existên- cia de febre. Na hemorrhagia cerebral, o coma apoplectico ou dura algumas ho- ras e dissipa-se deixando em seo lugar os phenomenos paralyticos, ou tem uma longa duração e é seguido de morte; no primeiro caso, a du- vida sobre o diagnostico é muito passageira; no segundo, a extensão do 156 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES foco hemorrhagico, ou a importância capital da zona encephalica com primida, tornão o quadro symptomatico tão expressivo, que o diagnos- tico d'elle destaca-se de modo bem salliente. A pallidez da face, a pro- jecção das commissuras labiaes durante a expeiração (fumer à Ia pipe), o arrefecimento das extremidades, a excessiva pequenez e concentração do pulso, a inércia absoluta dos membros, a rapidez com que appare- cem estes phenomenos, ou a natureza dos prodromos que os precedem, guião com segurança o medico ao caminho da verdade. Demais, a he- morrhagia do cérebro exige certas condições pathogenícas que podem ser facilmente apreciadas na maioria dos casos. A ruptura dos vasos é provocada: por alterações de suas paredes (arterite deformante, atheroma, degenerescencia gordurosa, aneurysmas miliares); por diminuição de consistência do tecido perivascular (amol- lecimento hemorrhagiparo de Rochoux); por augmento c\e tensão do san- gue (hypertrophia do coração com lesões valvulares, lesões chronicas do apparelho respiratório); por alterações da crase do sangue (pyemia, es- corbuto, chlorose, hemophilia, cholemia, cachexia paludosa). Como ve- remos no paragrapho especialmente consagrado ao diagnostico da febre perniciosa em geral, ha um certo numero de signaes que serve de guia ao medico nos casos embaraçosos, e que tem inteira applicação á fôrma comatosa. Na meningo-encephalite, antes de apparecer o coma, o doente apre- senta symptomas de excitação cerebral, que são muito pronunciados se a inflammação tem por sede a parte superior ou convexa do cérebro, e pouco intensos e passageiros se as regiões da base são de preferencia compromettidas. Estes symptomas de excitação (delirio, convulsões, contracturas) precedem o periodo comatoso, quer este periodo se ligue á compressão exercida pelo exsudato meningiano sobre a substancia ner- vosa (derramamento), quer seja a expressão de um collapso do ence- phalo, que sempre se observa quando a excitabilidade d'este órgão é posta em jogo por muito tempo ou com exagerada intensidade (nevro- lysia cerebral). Na febre perniciosa comatosa, como já disse, não ha pre- cedência de phenomenos de excitação cerebral, o coma é primitivo. Ainda mesmo, por conseguinte, que o doente apresente grande reacção febril, a maneira por que começou a moléstia servirá para excluir do diagnos- tico a meningo-encephalite. DO RIO DE JANEffiO 157 A existência anterior de rheumatismo articular agudo, a coincidên- cia de dores e turgencia nas articulações, são elementos preciosos para distinguir o rheumatismo cerebral de fôrma apoplectica da febre perni- ciosa comatosa. A precedência de delirio ou convulsões, reunida á presença de grande quantidade de albumina nas ourinas, serve para não confundir a ence- phalopathia uremica com a febre perniciosa comatosa. Os phenomenos peculiares ao hysterismo convulsivo, ou próprios do hysterismo anô- malo, servirão para o reconhecimento do coma hysterico. Ot>servação XXXIX—Luiz Poyares, portuguez, de 35 annos de idade, carroceiro, fortemente constituído, residente no Andarahy Grande, entrou para a enfermaria, de Santa Izabel em 17 de agosto de 1874. Soffreo de febre inter- mittente cm fevereiro de 1873, segundo informações de alguns alumnos que o virão na 5.a enfermaria, onde esteve em tratamento durante alguns dias. Tendo entrado comatoso ás 6 horas da tarde, o medico de serviço prescreveo-lhe um clyster exci- tante e purgativo, vesícatorios aos jumellos e seis sanguexugas em cada apophyse mastoide. As pessoas que conduzirão o doente nada mais souberão dizer alem do nome, sua idade, residência e profissão. Dia 18 de agosto — Estado actual — F&ce animada e congesta, coma pouco in- tenso; violentamente sollicitado, o doente abre os olhos e pronuncia algumas pala- vras confusas e incomprehensiveis, caindo logo depois no mesmo sopôr; resolu- ção dos membros superiores, alguns movimentos automáticos dos membros infe- riores ; ausência de paralysia de movimento, embotamento da sensibilidade; pupilas um pouco dilatadas. Calor exagerado na região frontal, temperatura axillar a 39°,6, pulso a 90 e concentrado. Ventre tympanico, região hepatica dolorosa; uma forte pressão exercida n'esta região provoca algumas contracções da face do doente, que indicão dor; o figado excede três dedos transversos o bordo costal direito; baço mais volumoso do que no estado normal; a lingua não pôde ser examinada, apezar dos esforços empregados para este fim; o clyster purgativo da véspera provocou uma larga evacuação; os vesícatorios queimarão bem, e as sanguexugas tirarão pouco sangue. O doente ourinou no leito, e a bexiga está vasia. Prescriprão : Vinte sanguexugas na margem do ânus. Um clyster purgativo, e depois do seo eíleito, um clyster de três em três horas com 1 gramma de sulfato de quinina cada um, até tomar quatro clysteres. Uma gramma de sulfato de quinina sobre a superfície desnudada de cada jumello. Logo que o doente possa abrir a boca e deglutir, tomará 1 gramma de sulfato de quinina em um calix de limonada sulfurica. Ás 5 horas da tarde, o interno e mais dous alumnos, por mim nomeados, en- contrarão o doente muito melhor. Tinhão sido administrados somente dous clyste- res de quinina; as sanguexugas tinhão sangrado bastante, e pelas cisuras de algu- 158 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES mas ainda corria sangue; o clyster purgativo provocou uma evacuação copiosa. O coma se tinha dissipado em grande parte; o doente respondia ás perguntas que lhe erão dirigidas, porém com difficuldade; havia preguiça da intelligencia. Tempe- ratura axillar a 38°,2, pulso a 86. O interno deo com a sua própria mão 1 gramma de sulfato de quinina, que o doente tomou pela boca muito bem, e recommendou que fossem administrados os dous clysteres que restavão. Dia 19—Estado extremamente lisonjeiro. Surdez quinica muito manifesta; au- sência completa de phenomenos cerebraes; intelligencia clara, respostas muito exa- ctas. Temperatura axillar a 37°,4, pulso a 78. Lingua larga, humida e apenas su- burrosa na base; appetite, ventre flaccido, figado ainda crescido, baço também; ou- rinas um pouco carregadas. Prescripção: Uma gramma de sulfato de quinina pela boca. Uma gramma de sulfato de quinina em clyster. Água deVichy natural. Fricções com tinctura de iodo na região hepatica. Duas sopas e um mingáo. As doses de sulfato de quinina forão diminuídas gradualmente até o dia 22, em que forão suspensas. O doente foi obtendo melhor dieta de dia em dia, e sahio com alta no dia 26. Otosei*vação XL-Sabino, pardo livre, de 50 annos de idade presu- míveis, foi conduzido para a enfermaria de Santa Izabel no dia 5 de setembro de 1875, ás 8 horas da manhã, em estado de coma profundo. A pessoa que o acompa- nhou informou que elle no dia 4, ás 2 horas da tarde, teve calafrios, depois febre, que durou até o dia seguinte ao meio dia; passou melhor até ao anoutecer, tendo apenas tomado chá de alecrim e aguardente queimada, que produzirão-lhe abun- dante transpiração. Estado actual— Coma profundo, face vultuosa, resolução dos quatro membros. Temperatura axillar a 39°,8, pulso a 86. Ventre tympanico, figado muito congesto, baço de volume normal. Apparelho respiratório normal. As ourinas não forão exa- minadas. Prescripção: Vinte sanguexugas na margem do ânus e 6 em cada apophyse mas- toide. Vesícatorios aos jumellos. Um clyster purgativo e excitante, e depois do seo efleito, um clyster de três em três horas com 1 gramma de sulfato de quinina cada um, até tomar quatro clysteres. Ás 2 horas da tarde o doente succumbio, tendo tomado apenas o primeiro clys- ter de sulfato de quinina. Autópsia praticada dezenove horas depois da morte — Grande injecção da ara- chnoide, da pia-mater e da substancia cerebral; derramamento sero-sanguinolento nos ventriculos lateraes. Integridade dos órgãos contidos na cavidade thoraxica. Fi- gado muito augmentado de volume, turgido de sangue e de côr vermelha escura; baço levemente crescido, friavel, rompendo-se facilmente quando se exerce uma .1_ DO RIO DE JANEIRO 159 fraca distensão em seo parenchyma. Bexiga retrahida, com a mucosa hyperhemia- da, e contendo cerca de 16 grammas de ourina sem albumina. Estômago e intesti- nos normaes. §LX Na fôrma meningò-encephalica, freqüente nos individuos excitaveis, ^Ty. w*-~^ de temperamento nervoso pronunciado, e na segunda infância, iiotão-se/-"-"-^4'^*'^ algumas anomalias na successão dos symptomas cerebraes, uma certa desordem no grupo de phenomenos nervosos que se manifestão, de modo que o pratico experimentado reconhece logo que não se írata de uma meningo-encephalite franca, primitiva, protopathica e essencial. Quando sobrevem o estádio de calor, apparece o delirio, que quasi sempre é ruidoso e acompanhado de grande agitação. Se o delirio é muito intenso ou muito prolongado, é succedido temporariamente pelo coma, reappa- recendo mais tarde por occasião da exacerbação paroxystica da febre. Nas horas da remissão febril, quando o thermometro marca uma dimi- nuição de um gráo ou mais na temperatura axillar, quer haja ou não transpiração cutânea, o doente fica mais calmo, ou se torna comatoso se a excitação cerebral foi muito exagerada. O estrabismo, as convulsões ge- raes ou parciaes, as contracturas, os sobresaltos tendinosos, a carpholo- gia, o crucidismo, e todos os outros symptomas cerebraes que appare- cem, soffrem notáveis oscillações no decurso de 24 horas, acompanhando de perto as variações thermometricas do calor febril. O figado e o baço, que se conservao incólumes em uma meningo-encephalite idiopathica, augmentão de volume, ficão congestos e dolorosos na febre perniciosa meningò-encephalica. Observação XXjI —Para a casa de saúde de Nossa Senhora da Ajuda entrou em fevereiro de 1872 um menino de 12 annos de idade, caixeiro de arma- rinho, com muita febre (39°,4), pelle secca, cephalalgia, lingua saburrosa, figado um pouco congesto e constipação de ventre. Estes symptomas tinhão sido prece- didos de um forte calafrio na noute antecedente. Na hora da visita (10 horas da manhã), prescrevi-lhe um vomitivo deJpecacuanha e tartaro stibiado, um. clyster purgativo, sinapismos nas extremidades inferiores, e 1 gramma de sulfato de quini- na, para ser dada logo que a febre diminuísse, a pelle ficasse humida e appare- cessem algumas evacuações. O doente vomitou e evacuou abundantemente, ficou livre da cephalalgia, e estava completamente apyretico ás 3 horas da tarde, quando o enfermeiro lhe deu a dose do sal de quinina em um calix de limonada sulfurica. Immediatamente depois de ingerido o medicamento, o estomogo o rejeitou pelo vomi- to. O interno do estabelecimento, intelligente e zeloso, sendo informado do facto, mandou vir a mesma dose de quinina em 4 pílulas, que o menino tomou ás 5 horas 160 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES da tarde, bebendo sobre ellas meio copo de limonada sulfurica fortemente acidulada. Ás 8 horas da noute, reappareceo a cephalalgia e a febre, sem precedência de ca- lafrio, e no dia seguinte encontrei o doente no seguinte estado: Estado actual — Grande agitação e delirio, face animada, olhos brilhantes e injectados; o menino quer levantar-se do leito, porque julga-se ameaçado por cães damnados que existem na sala; grande loquacidade; tremor convulsivo dos mem- bros superiores, estrabismo convergente de ambos os olhos. Calor exagerado da fronte; temperatura axillar a 40-,ã, pulso a 128. Lingua tremula, secca, com uma facha côr de ferrugem no centro. Ventre abaúlado, tympanico e muito sensível á percussão, sobretudo na região hepatica; figado crescido, baço com o volume nor- mal; escassez de ourina. O doente não deixa explorar convenientemente o appare- lho respiratório. Prescripção: Doze sauguexugas na margem do ânus e 6 em cada apophyse mas- toide. Uma poção com 8 grammas de água de louro cerejo, 10 Centigram- mas du extracto de belladona, 2 grammas de bisulfato de quinina e 30 grammas de xarope de meimendro; para se dar ás colhéres de duas em duas horas. l'm clyster purgativo e excitante, e depois do seoefleilo, dois clyste- res de sulfato de quinina, com 6 decigrammas cada um, e quatro horas de intervallo entre o primeiro e o segundo. Vesícatorios aos jumellos. Compressas embebidas em oxycrato sobre o craneo despido de cabel los,e freqüentemente renovadas. De noute, ás 8 horas, visitando o doente pela segunda vez, encontrei-o com paralysia do esophago, somnolencia, interrompida por subdelirio, extremidades in- feriores arrefecidas e ventre muito meteorisado. A temperatura axillar estava a 40",8 e o pulso a 136, muito pequeno e concentrado. Ás 3 horas da madrugada se- guinte falleceo. A autópsia não foi praticada. Observação XLI1- Um menino de 7 annos de idade, gosando sem- pre de boa saúde, foi accommettido de uma febre subcontinua, que resistio durante três dias a diversos meios antipyreticos empregados para debellal-a. O medico as- sistente, presumindo que se tratava de uma pyrexia de fundo paludoso, adminis- trou em plena reacção febril 6 decigrammas de sulfato de quinina. Três horas de- pois a criança ficou banhada em suor, o calor diminuio e o pulso perdeo um pouco de sua freqüência; duas horas depois d'esta remissão provocada pela quinina, a febre incrementou-se, a pelle tornou a ficar secca, o pulso muito freqüente, e appa- receo uma serie de symptomas nervosos muito graves: delirio, movimentos con- vulsivos dos membros thoraxicos e abdoirfinaes, hyperesthesia geral e opisthoto- nos. Trinta e seis horas depois do apparecimento d'estes phenomenos encephalo- rachidianos, fui chamado para vero doentinho, o qual tinha á sua cabeceira três mé- dicos distinctos, seos parentes muilo próximos: os srs. drs. Benjamim RamizGalvão, Sebastião Saldanha da Gama e Oueiroz Carreira. Estado actual — Coma incompleto, delirio quando o doente é despertado do es- tado comatoso; gritos agudos,gemidos,respiração suspirosa,movimentos automáticos dos membros thoraxicos; contractura dos membros abdominaes, hyperesthesia geral, 1)0 RIO DE JANEIRO 161 principalmente nos jumellos, opisthotonos e algum trimus. Lingua secca, difflcul- dade da deglutição; ventre proeminente e tympanico, fígado augmentado de volume baço muito volumoso e sensível á percussão. Calor febril pronunciado, pulso fre- qüente e pequeno. Alguns estertores mucosos disseminados em ambos os pulmões. Prescripção: Uma poção com 2 grammas de bisulfato de quinina, para ser dada ás colhéres de chá de hora em hora. Vesícatorios nas coxas. Um clyster purgativo e antispasmodico. Fomentações no rachis com pomada de belladona e mercurial. Contra a expectativa de todos, o doentinho (conseguio restabelecer-se no fim de vinte dias, fazendo uso constante do sulfato de quinina em doses decrescentes. Elle ficou surdo por espaço de oito dias. §X A fôrma convulsiva é muito commum na primeira infância. A criança, ?f/>. -w. - depois de alguns accessos intermittentes simples, ou no goso de perfeita r«*«^2~-~ saúde, é accommettida de convulsões, que ora se tornão geraes, consti- tuindo um verdadeiro ataque de eclampsia, ora são parciaes, e limitão-se aos músculos da face e aos de um dos membros thoraxicos. Estes acces- sos convulsivos ás vezes são acompanhados desde o começo de reacção febril franca, outras vezes só depois que elles cessão é que apparece a febre. Em geral, as convulsões são attribui3as ao trabalho da dentição, ou á presença de vermes intestinaes, ou a uma perturbação da digestão. A medicação purgativa ordinariamente é empregada, e depois do seo effeito o doentinho faz uso de uma poção antispasmodica. Os movimen- tos convulsivos cessão, a criança readquire a sua vivacidade habitual, e tudo indica que o perigo passou. Mais tarde porém volta o ataque, mais violento e prolongado que o primeiro, deixando como vestígio de sua passagem um estado comatoso de summa gravidade. Se o primeiro pa- roxysmo raras vezes occasiona a morte do doente, o segundo por via de regra é mortal, e só por excepcão, poucas vezes observada, a vida man- tem-se depois do terceiro. Para o diagnostico da fôrma convulsiva da febre perniciosa, o me- dico deve ter em vista os preceitos que se achão adiante formulados, bem como a existência da febre, visto como, em regra geral, as convul- sões reflexas ligadas a uma dentição difficil, a uma indigestão ou á pre- sença de ascarides lombricoides nos intestinos, não são acompanhadas, precedidas, nem seguidas de apparato febril. h 162 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES OTt>sei*vação XLIII — Uma criança, de 3 annos de idade, do sexo feminino, forte e bem constituída, filha de um medico residente em S. Christovão, tornou-se tristonha e perdeo o appetite, procurando deitar-se grande parte do dia em lugar de correr e brincar, como era de costume. Sua mãi notou que do meio dia em diante ella conservava as palmas das mãos muito quentes, e transpirava muito durante a noute. O pai ,deo-lhe um purgativo de óleo de ricino, e prescre- veo-lhe fricções de sulfato de quinina em vinagre aromatico. No dia 12 de junho de 1874, a menina foi accommettida de um ataque violento de convulsões, que durou das 5 horas da tarde até ás 8 da noute. Depois dos mo- vimentos convulsivos, exclusivamente clonicos, appareceo-lhe febre, acompanhada de coma. Quando vi a doentinha, no dia 13 ás 8 horas da manhã, o coma já se tinha dissipado, havia ainda alguma febre, a lingua estava saburrosa, o figado muito crescido e o ventre pastoso. Prescrevi-lhe uma poção tartarisada e sulfato de qui- nina internamente em café, em clysteres e em fricções. A poção produzio vômitos, evacuações e diaphorese abundantes; a menina tomou 6 decigrammas do sal de quinina pela via gástrica, igual dose pela via rectal, e consumio pela pelle 2 gram- mas do mesmo remédio. Ás 6 horas da tarde encontrei-a apyretica e bem disposta, pedindo alimento. Nos dias 14, 15, 16, 17 e 18 "ella continuou no uso do sulfato de quinina, em doses gradualmente diminuídas; ficou completamente restabelecida e readquirio o vigor que lhe era habitual. Observação XLIV — Um menino de 5 annos de idade, louro e lym- phatico, filho de um negociante estrangeiro, morador da rua de S. Clemente, foi re- pentinamente accommettido de convulsões ao entrar da noute de 21 de dezembro de 1873. O medico, chamado para vel-o, acreditou que se tratava de uma indiges- tão, porque a criança tinha comido couve-flor preparada com manteiga no jantar e bananas na sobremeza. Esta opinião parecia incontestável, porque durante os mo- vimentos convulsivos o estômago rejeitou pelo vomito uma parte dos alimentos que tinhão 9ido ingeridos, os quaes estavão em trabalho adiantado de chimificação. Um clyster purgativo, 32 grammas de óleo de ricino, e mais tarde uma poção com tin- ctura de camomilla e de belladona, forão os meios prescriptos durante a noute de 21 e o dia de 22. N'este dia o menino conservou-se muito abatido, com fastio ab- soluto e com insomnia. Quando adormecia um pouco, despertava em sobresaltos chamando pela mãi. Ás 5 horas da tarde apparecerão novas convulsões, ora clonicas, ora tônicas, que se prolongarão até ás 6 horas da manhã seguinte. Eu vi o doente em conferência ás 8 horas da manhã. Encontrei-o com as extremidades, tanto superiores como inferiores, completamente algidas e banhadas de suor viscoso, o pulso extre- mamente freqüente, pequeno e concentrado, o tronco, principalmente o thorax, com a temperatura muito elevada e também coberto de abundante suor, a.respiração offegante e anxiosa, a intelligencia entorpecida, com somnolencia, o ventre tympa- nico, o figado crescido e doloroso á apalpaçao e percussão, baço normal, lingua sa- burrosa e ourinas muito diminuídas. Diagnostiquei uma febre perniciosa convulsiva, considerei o caso perdido, e aconselhei o uso do sulfato de quinina em altas doses, pela boca, em clysteres e em fricções, água de Inglaterra, sinapismos nas extremi- dades, e fomentações ao ventre de óleo de camomilla e óleo essencial de terebin- thina. Fez-se tudo isso, porém debalde: ás 2 horas da tarde o menijno falleceo. i>o ma DE JANEIRO 1C3 8 XI Na fôrma delirante da febre perniciosa o doente apresenta, comosvm- s£~p- «£^'- ptoma dominante durante o accesso, um delirio, cujos caracteres varião.-^-^**^ Ora é um delirio furioso, verdadeira mania aguda: o indivíduo fica muito agitado, grita, vocifera, gesticula, insulta as pessoas que o cercão e procura offendel-as, levanta-se do leito, tenta fugir, julga-se ameaça- do e perseguido por inimigos vingativos, ouve vozes que o injurião, etc. Esta fôrma de delirio, que é a mais freqüentemente observada entre nós, muitas vezes é acompanhada de lebre, outras vezes porém se apre- senta sem a menor reacção febril. Depois de durar por espaço de algu- mas horas, a perturbação intellectual vai pouco a pouco serenando, a razão vai recuperando os seus direitos, e um abundante suor banha toda a superfície cutânea. O doente cae em lethargia, c dorme calma e pro- fundamente. Em outros casos, o delirio não se ostenta com tanta vivacidade: o doente torna-se irascivel, intolerante, inconseqüente e insensato; pratica actos reprovados, em opposição com a sua educação e seos hábitos; exprime-se em uma linguagem que se torna estranhavel aos amigos e parentes; apresenta-se inteiramente diverso do que é nas condições nor- maes. Estes phenomenos insólitos, que ordinariamente passão desper- cebidos no começo, são ás vezes acompanhados de allucinações dos sen- tidos. Eu vi uma criança, de 7 annos de idade, ser accommettida de accessos de febre perniciosa, caracterisados do seguinte modo: ás 10 horas da noute acordava com tremores geraes devidos a um violento calafrio; logo depois começava a grilar dizendo que muitos cães bravios querião mordel-o, e apontava para um canto do quarto onde dizia que estavão estes cães. Assim passava duas horas, cercado dos pais que pro- curavão tranquillisal-o, e depois ficava banhado em suor. Passada a crise dormia tranquillamente, e no dia seguinte se levantava bom, conservan- do apenas inappetencia e alguma tristeza. Teve três' accessos gradual- mente mais graves e prolongados; derão-lhe uma preparação vermifu- ga, porque julgarão que o mal dependia da presença de ascarides lom- bricoides no tubo intestinal. Quando eu fui chamado para ver o doente, elle tinha tido o terceiro accesso, e estava ainda agitado, inquieto e dominado por certo terror. 164 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES O pulso estava freqüente e a temperatura da pelle acima da normal. A lingua se achava coberta de saburra, o ventre estava preso e pastoso, o fígado e o baço conservavão as suas dimensões physiologicas. Prescre- vi-lhe um purgativo de óleo de ricino, e 75 centigrammas de sulfato de quinina em três doses para se dar uma de duas em duas horas, logo de- pois do effeito do purgante. Na noute d'este dia a criança teve um ac- cesso intermittente, caracterisado pelos três estádios, porém não teve de- lirio nem allucinações. O sulfato de quinina foi continuado na mesma dose durante três dias consecutivos, e depois em doses progressivamente menores. No fim de oito dias o menino ficou completamente restabele- cido. Observação XLV- José Gonçalves Tinoco, portuguez, de 37 annos de idade, encarregado da limpeza dos trilhos da companhia de bonds de S. Chris- tovão, morador na rua do Machado Coelho, entrou para a enfermaria de Santa Iza- bel no dia 11 de julho de 1873. Tem tido por diversas vezes accessos de febre in- termittente e apresenta no habito externo os signaes característicos da cachexia paludosa. Não abusa das bebidas alcoólicas. Estado actual—Pallidez amarellada da face e do resto do corpo; conjunctivas descoradas; ausência de hydropisias. Temperatura axillar a 38°,8, pulso a88. Lin- gua saburrosa, inappetencia, náuseas, constipação de ventre; figado e baço au- gmentados de volume; bulhas cardíacas normaes, ruido de sopro nas carótidas. Apparelhos respiratório e ourinario em estado physiologico. Prescripção : Uma poção vomitiva, composta de infusão de ipecacuanha e tartaro stibiado. Uma gramma de sulfato de quinina, depois do effeito da poção. Fricções com tinctura de iodo nos hypochondros direito e esquerdo. Canja de frango, café e vinho. O doente teve um accesso de febre nos dias 13 e 14; o primeiro começou ás 6 horas da tarde e terminou ás 11 horas do dia seguinte. Tomou n'este dia 12 de- cigrammas de sulfato de quinina em duas doses; a primeira dose ao meio dia e a segunda ás 3 horas da tarde. Ás 8 horas da noute appareceo o outro accesso, que terminou ás 2 horas da tarde do dia 15. O doente tomou 1 gramma de sulfato de quinina ás 3 horas da tarde e outra gramma ás 7 da noute. Ás 9 horas sobreveio outro accesso acompanhado de delirio violento, que motivou o emprego da cami- sola de força. No dia seguinte encontrei o doente ainda delirante, banhado em pro- fuso suor, com a temperatura axillar a 39°,2, o pulso a 120, a lingua muito sabur- rosa, o figado mais volumoso ainda do que nos dias anteriores e o baço com as mesmas dimensões até então observadas. DO RIO DE JANEIRO 165 Prescripção: Água.....................100 grammas Bisulfato de quinina......,........ 3 grammas Sulfato de morphina.............. 5 centigrammas Xarope de cascas de laranjas........... 30 grammas Para tomar 1 colher de sopa de hora em hora. Um clyster purgativo e irritante. Vesícatorios aos jumellos. Ás 5 hQras da tarde o interno encontrou o doente calmo, tendo apenas algum subdelirio; tinha dormido tranquillamente durante duas horas; apresentava o corpo banhado em abundante suor, a temperatura axillar a 38°,6, e o pulso a 98. A po- ção ainda não tinha sido esgotada; os vesícatorios ainda não tinhão queimado. Dia 17—Surdez quasi absoluta, é preciso gritar para ser ouvido pelo doente; tonteiras e vertigens; ausência de delirio. Temperatura axillar a38°,2, pulso a 90; grande quantidade de suor embebe as vestes do doente e as cobertas do leito. Lin- gua ainda muito saburrosa, figado muito crescido, porém um pouco menor do que no dia anterior, baço no mesmo estado; duas evacuações biliosas com o clyster. Ourinas diminuídas, biliosas, sem albumina. Integridade do apparelho respiratório; ouve-se pela primeira vez um ruído de sopro brando e systolico na base do cora- ção, propagando-se até á ponta. Prescripção: A mesma poção, reduzindo a 12 decigrammas a dose da quinina. Um clyster purgativo. Cento e vinte grammas de vinho do Porto generoso em três doses. Caldos de gallinha. Dia 18 — O doente queixa-se de grande atordoamento de cabeça, zumbidos nos ouvidos, e difficilmente pode conservar-se assentado no leito, porque tem lypo- thimias (quinismo); continua a surdez, porém em menor escala; ausência de deli- rio, contracção muito exagerada das pupillas, algum tremor dos membros superio- res, somno tranquillo na noute antecedente. Temperatura axillar a 37°,6, pulso a 64, ainda copiosa transpiração. Lingua menos saburrosa, algum appetite, aversão aos caldos, pouca sede, três evacuações biliosas muito abundantes provocadas pelo clys- ter; fígado muito menor e baço também. Ourinas escassas, biliosas, emittidas com dor e difficuldade (dysuria). Persiste a bulha anômala do coração. Prescripção: Hydrolato de canella................ 180 grammas Extracto molle de quina.............. 8 grammas Tinctura de valeriana...............|aã4grammas Ether sülfurico..................S Xarope du cascas de laranjas............ 30 grammas Para tomar 2 colhéres. de sopa de duas em duas horas. Vinho do Porto guneroso.............. 120 grammas Para tomar meio calix de duas em duas horas, alternando com a poção. Um clyster purgativo. Tinctura de iodo em fricção nos liypochondros. Duas sopas de arroz, café. Dia 19— Notáveis melhoras nos symptomas cerebraes devidos ao quinismo; desapparecerão as vertigens,diminuio a surdez, ainda apparecem algumas tonteiras 166 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBUES quando o doente levanta-se do leito para ir á bacia ou tomar remédio; elle con- serva-se recostado,e responde muito bem ás perguntas que lhe são dirigidas; ainda se nota algum tremor nos membros superiores. Temperatura axillar a 37ü,5, pulso a 72, diminuição do suor. Lingua menos saburrosa, figado e baço no mesmo es- tado ; uma evacuação biliosa logo depois do clyster. Ourinas mais abundantes, mais ricas de pigmentos biliares, emittidas com mais facilidade e menos dor. Ainda se ouve o ruido de sopro cardíaco. Prescriprão: A mesma poção e a mesma dose de vinho. Quatro grammas de quina calysaya em pó, em café, ao meio dia. Canja de frango, sopas. Pouco a pouco forão-sc dissipando os phenomenos cerebraes dependentes da acção do sulfato de quinina; o doente foi adquirindo forças, e no dia24 começou a fazer uso de pílulas compostas de 15 centigrammas de sulfato de ferro, 10 centi- grammas de extracto molle de quina e 5 centigrammas de sulfato de quinina (3 pí- lulas por dia), de água de Inglaterra, c de uma alimentação reparadora, constituída por carne, pão, vinho e café. No dia 5 de agosto obteve alta, conservando ainda algum descoramento da face e das mucosas e algum augmento de volume do figado. N'este caso de febre perniciosa delirante, apparecendo o accesso grave em um indivíduo cachetico, que tinha tido accessos simples re- beldes a doses progressivamente elevadas de sulfato de quinina, foi preciso recorrer a este medicamento com muita energia, produzindo no organismo phenomenos de intoxicação medicamentosa para poder sal- val-o da intoxicação miasmatica. Estou convencido que de outro modo era impossível obter o feliz resultado que coroou a therapeutica empre- gada. Os symptomas observados no doente dos dias 17 e 18 de julho dão-nos uma idéa muito exacta da acção que exerce o sulfato de quini- na em alta dose sobre os apparelhos nervoso e ourinario. O receio de aggravar os symptomas preduzidos pelo quinismo, que já tinhão attin- gido 1 gráo elevado de intensidade, me fez suspender o sulfato de qui- nina no dia 18, e o substituir por 4 grammas de quina calysaya do dia 19 em diante. Observação XLVI — Entrou paia a casa de saúde de Nossa Se- nhora d'Ajuda,em marco de 1874, um moço portuguez, de vinte c tantos annos de idade, residente na chácara da Floresta (rua d'Ajuda), que apresentava como úni- cos phenomenos mórbidos um delirio loquaz e uma congestão de figado. O pulso estava a 80 e a temperatura a 37°,6. Erão 10 horas da manhã, e quando eu o vi, meia hora depois, mandei dar-lhe 2 grammas de sulfato de quinina em duas doses, com três horas de intervallo. Ás 6 horas da tarde o delirio tornou-se furioso, a ponto DO RIO DE JANEIRO 167 de reclamar o emprego da camisola de força, o pulso tornou-se muito freqüente e a temperatura chegou a 39°,5. Ás 10 horas da noute sobreveio coma, acompanhado de abundante suor e resfriamento das extremidades, e ás 2 horas da madrugada o doente falleceo. (Jm amigo, que se encarregou do^doente, informou ao interno que o infeliz moço estava doente havia oito dias, que todas as tardes era accommettido de um accesso de febre, sem que tivesse feito uso de medicação alguma. § XII Na fôrma nevrálgica da febre perniciosa, muito freqüente no liio de Janeiro, observão-se nevralgias externas constituindo a perniciosi- dade dos accessos, ou visceralgias. D'entre as primeiras, as mais com- mummente observadas são: a nevralgia do 5.° par (nevralgia facial), a intercostal esquerda, a crural, a lombo-abdominal e a temporo-occipital; d'entre as segundas sobresaem: a gastralgia, a hepatalgia, a splenal- gia, a enteralgia, a ovaralgia e a hysteralgia. Acontece com as nevralgias que acompanhão os accessos perniciosos o mesmo que com os outros phenomenos que caracterisão a perniciosidade: ora existem com febre, ora são inteiramente apyreticas (febres larvadas); ora desapparecem com- pletamente quando os accessos declinão, ora apenas diminuem de inten- sidade, para se tornarem mais tarde extremamente violentas. A nevralgia intercostal esquerda, acompanha-se ás vezes de fortes palpitações do coração, concentração da circulação, pallidez da face, op- pressão e dyspnéa, simulando um ataque de angina do peito; quando se observa este grupo de symptomas, o accesso pernicioso é denomi- nado cnrdialgico. A nevralgia temporo-occipital é ás vezes acompanha- da de tonteiras, zumbidos de ouvidos e photophobia. A gastralgia pôde ser acompanhada de vômitos, a hepatalgia de ictericia, a enteralgia de tympanismo abdominal, a ovaralgia e a hysteralgia de convulsões hyste- riformes. Olisea-vareio XLVII- F... negociante, de 45 annos de idade, por- tuguez, foi ao Porto das Caixas tratar de um negocio. Lá esteve durante dez dias, e quando regressou á côrle apenas sentia-se muito fatigado e com pouco appetite. Dous dias depois de chegado, em um domingo de manhã, sentio-se indisposto de- pois do almoço, vomitou tudo quanto tinha comido, e ao meio dia, pouco mais ou menos, foi accommettido de uma nevralgia facial, acompanhada de febre. Tomou por sua deliberação algumas doses homoeopathicas de tinctura de noz vomica e de tinctura de aconito. Ás 9 horas da noute, a intensidade da dor nevrálgica e da fe- bre, bem como a anxiedade e oppressão que sentia, o obrigarão a chamar um me- dico sectário das doutrinas de Hahnemann. 168 ESTUDO CLINICO SOBKE AS FEBHES No dia seguinte o estado do doente era tão melindroso, que sua família decidio mudar de medicina, chamando para uma conferência o sr. conselheiro Felix Mar- tins, o sr. dr. Paula Costa e eu, que fui indicado para ficar sendo o assistente. En- contrámos o doente no seguinte estado : Face vermelha e animada, olho direito muito injectado, lacrymejante e muito sensível á luz; dor intensa em todo o lado direito da face, da fronte e do craneo. Pulso cheio e freqüente,pelle quente o secca. Lingua coberta de uma espessa camada de saburra branca, tendendo a seccar na ponta, sede insaciável, náuseas constantes, e ás vezes vômitos. Grande sensibilidade no epigastro e no hypochondro direito; figado muito crescido, baço um pouco au- gmentado de volume, constipação de ventre; ourinas escassas e vermelhas. Agi- tação, insomnia,de vez em quando algum delirio, que versa sobre assumptos de ne- gocio. Respiração accelerada e ás vezes suspirosa; ausência de phenomenos physicos fornecidos pela percussão e auscultação dos apparelhos respiratório e circulatório. Prescripção: Doze sanguexugas na margem do ânus. Poção vomitiva com ipecacuanha e tartaro. Poção com 2 grammas de bisulfato de quinina, depois do effeito da poção vomitiva. Pomada de veratrina para fomentar o lado direito da face e da fronte. Um clyster purgativo com assafetida. No dia seguinte encontrei o doente muito melhor. A face estava menos ver- melha, menos dolorosa, e o olho direito menos injectado e lacrymoso. Pulso menos cheio e freqüente; temperatura da pelle menos elevada. Lingua menos saburrosa e mais humida; epigastro indolente á pressão, figado mais reduzido. Os symptomas nervosos diminuirão de intensidade; o doente dormio tranquillamente por espaço de três horas. Respiração menos accelerada. A poção vomitiva produzio vômitos abundantes e quatro evacuações; a poção com quinina, dada ás colhéres de hora em hora, tinha sido repetida ás 8 horas da noute. O doente, na hora de minha vi- sita, tinha tomado 3 grammas de bisulfato de quinina. Prescriprão: A mesma poção, ás colhéres, de duas em duas horas. Groseille como bebida ordinária. Um clyster purgativo sem assafetida. A mesma pomada para a face. As melhoras forão progredindo gradualmente, e a dose de bisulfato de quinina da poção foi de dia em dia menor. Dez dias depois da conferência o sr. F... entrou em convalescença, e mais tarde foi para a Tijuca, d'onde regressou completamente restabelecido. Observação XLVIII—Entrou para a casa de saúde de Nossa Se- nhora d'Ajuda, em fevereiro de 1875, um pardo escravo, de trinta e tantos annos de idade, mal constituído e anêmico, que se queixava de uma dor intensa na re- gião precordial, acompanhada de oppressão e dyspnéa. O interno do estabeleci- mento^ apezar de muito talentoso e instruído, quando o examinou ás 8 horas da manhã, acreditou que se tratava de um pieuriz em começo, e mandou applicar sobre o foco da dor quatro ventosas sarjadas. Duas horas depois, por occasião da minha visita á enfermaria, encontrei o doente no seguinte estado: Recostado no y V^£«S X.4^*- g^t_*£r-^w5<_ ^ DO RIO DE JANEIRO 169 leito, porque o decubito horisontal lhe causava grande anxiedade; extremidades frias, temperatura axillar a 38°,2, pulso freqüente e concentrado. Dor aguda na re- gião precordial, a qual se exacerba pela pressão, pela percussão e pelos movimen- tos respiratórios. Ausência de phenomenos physicos fornecidos pela percussão e aus- cultação; ausência de tosse; grande dyspnéa. Lingua levemente saburrosa, muita sedo, anorexia; figado e baço normaes, prisão de ventre. Ourinas escassas, porém normaes. Apezar de me ler assegurado o doente que a sua moléstia datava da noute an- tecedente, e que até então gosava de boa saúde, diagnostiquei um accesso perni- cioso de fôrma cardialgica, disse que o prognostico era muito grave, e mandei dar-lhe 2 grammas de sulfato de quinina em duas doses, bem como uma poção excitante diffusiva, em que entravâo a tinctura de almiscar, o ether, a valeriana e o opio; so- bre o lugar da dor fiz applicação de compressas embebidas em uma solução con- centrada de cyanureto de potássio. Tudo foi baldado; ás 3 horas da tarde o doente falleceo, tendo ficado completamente algido uma hora antes. Observação XLIX — Um menino de 9 annos de idade, residente na rua da Conceição, muito lymphatico e débil, depois de ter feito um longo passeio em março de 1875, em um dia de excessivo calor, queixou-se de tarde de uma dor na coxa direita, que o não deixava andar livremente. Ás 9 horas da noute teve fe- bre, e assim conservou-se até o dia seguinte, em que foi visto pelo medico da casa, que apenas lhe prescrcveo uma poção diaphoretica e uma fomentação camphorada c opiada. De tarde a dor da coxa augmentou muito de intensidade, a febre exacer- bou-se, e appareceo delirio. Ás 8 horas da manhã seguinte vi o doente em confe- rência. Elle já tinha tomado 6 decigrammas de sulfato de quinina; estava em deli- rio, apresentava alguns movimentos convulsivos no braço esquerdo e nos músculos do mesmo lado da face; tinha muita febre, o pulso era de uma freqüência extraor- dinária; o ligado estava congesto e o ventre tympanico. Um clyster purgativo ean- tispasmodico, 12 decigrammas de sulfato de quinina em duas doses, tomadas em pequenos clysteres, depois do effeito produzido pelo primeiro, vesícatorios nos ju- mellos, e fricções repetidas no rachis, nas axillas e nas verilhas com 90 grammas de vinagre aromatico tendo em solução 8 grammas de sulfato de quinina, taes fo- rão os meios therapeuticos que aconselhei e forão acceitos pelo collega assistente. Á 1 hora da tarde o menino falleceo. Observação L — Paulo Valdez, hespanhol, de 40 annos de idade, cai- xeiro de uma fabrica de charutos na rua dos Ourives, muito magro e pallido, entrou para a enfermaria de Santa Izabel no dia 12 de maio de 1861. Tem tido por diver- sas vezes febre intermittentes, e ha três annos foi accommettido de uma forte he- moptise, da qual tratou-se na mesma enfermaria. Soffre de uma blenorrhagia, que data de um mez, e contra a qual tem empregado diversas injecções. No dia de sua entrada para o hospital, sentio ao meio dia um forte calafrio, seguido de uma dor intensa no epigastro, vômitos, e mais tarde febre. Augmentando os seos eoffrimen- tos para a tarde, decidio-se a ir para o hospital ás 7 horas da noute, tendo pedido para ser tratado pelo eminente professor de clinica medica o sr. conselheiro dr. Val- ladào (barão de Petropolis). O medico de serviço receitou-lhe uma poção com lau- dano, tinctura de camomilla e tinctura de noz vomica. 170 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES Dia 13— Estado actual— Face pallida, emmagrecimento geral, signaes appa- rentes de uma nutrição depauperada. Pulso a 98, pelle com a temperatura um pouco acima do normal. Língua muito saburrosa, vômitos de vez em quando, principal- mente quando ha ingestão de grande quantidade de água, sede muito intensa, dor no epigastro, que diminue pela compressão exercida com o travesseiro, e que ás vezes se exacerba, arrancando gritos ao paciente. Figado um pouco augmentado de vo- lume, baço normal, evacuações normaes, ventre retrahido; ourinas sem albumina. Tosse freqüente á noute, expectoração muco-purulenta, pouca dyspnéa; obscuri- dade de som pela percussão nas regiões infra-clavicular, supra e infra-espinhosas do lado direito; diminuição da sonoridade thoraxica nas outras regiões d'este mesmo lado; sonoridade normal cm todo o lado esquerdo. Estertores suberepitantes muito confluentes e bronchophonia na região infraclavicular direita; gargarejo nos pon- tos correspondentes ao espaço limitado pelo bordo interno do terço superior do omoplata direito ea gotteira vertebral do mesmo lado; estertores suberepitantes na fossa supra-espinhosa; ruido de attrito muito áspero juneto ao angulo inferior do omoplata e na região axillar; respiração pueril no pulmão esquerdo. Coração nor- mal. Prescripção: Ipecacuanha em pó...............12 decigrammas Divida em 4 doses. Para tomar 1 de meia em meia hora. Seis decigrammas de sulfato de quinina, para tomar depois do cifeito vomitivo da ipecacuanha. Infusão de quina e musgo............360 grammas Xarope de Tolú.................30 grammas Para tomar aos cálices de duas em duas horas. O doente vomitou apenas duas vezes; tomou a quinina a 1 hora da tarde; ás 3 foi accommettido de calafrio, e a dor epigastrica se manifestou com extraordiná- ria violência, obrigando-o a rolar pelo chão da enfermaria. Ás 6 horas teve soluços e ficou algido, e ás 9 da noute falleceo. Autópsia praticada 12 horas depois da morte—Nada de notável na cavidade craneana. Fortes adherencias do pulmão direito com a pleura, principalmente na face posterior; tuberculos em diflerentes períodos de desenvolvimento oecupão a tota- lidade do lobo superior do pulmão direito; duas cavernas existem na parte mais culminante do mesmo lobo, uma do tamanho de um ovo de pomba, outra do tama- nho de uma pequena noz; o lobo inferior do mesmo pulmão está compacto, endu- recido e poueo crepitante; no pulmão esquerdo notão-se algumas granulações tu- berculosas disseminadas no lobo superior; na parte inferior d'este lobo encontra-se um nudeo tuberculoso, das dimensões de uma ameixa, orcupado por uma massa caveiforme e friavel, que, sendo destacada com o cabo do escalpello, deixou patente uma cavidade regular, de paredes homogêneas e lisas. Dilatação do ventriculo di- reito do coração com espessamento de suas paredes; duas placas endurecidas na porção horisontal da crossa da aorta. Estômago contendo bilis e catarrho, alguma injecção dos vasos que o percorrem; figado augmentado de volume, congesto, com uma côr vermelha escura; baço com as dimensões normaes, porém com o seo parenchyma muito friavel; nada de apreciável nos intestinos, nos rins e na be- xiga. DO RIO DE JANEIRO Í71 A historia da moléstia de Valdez, a marcha que ella seguio, a ter- minação inesperada que teve, a violência insólita da gastralgia, e a au- sência de lesões anatômicas que podessem explicar a morte rápida que sobreveio, não deixão a menor duvida de que se tratava de uma febre perniciosa gastralgica. O eminente pratico que se encarregou do trata- mento do doente assim pensou, comquanto tivesse ao principio alguma tendência em acreditar na existência de uma peritonite tuberculosa em via de evolução. Na ausência de alguns symptomas importantes d'esta moléstia, recorreo ao sulfato de quinina, dando assim mais uma prova do seo elevado critério medico e de sua prudência. Por occasião d'este fado, o sr. barão de Petropolis referio aos alumnos alguns casos de accesso pernicioso gastralgico por elle observados, fazendo a respeito do diagnostico d'esta espécie nosologica algumas considerações de grande alcance pratico. Observação LI—José, preto escravo, amassador de pão, morador na rua de D. Manuel, de 50 annos de idade presumíveis, entrou para a enfermaria de Santa Izabel no dia 31 de maio de 1874, ás 6 horas da manhã. É dado ás bebi- das alcoólicas, e já soffreo de boubas. Na noute de 30 foi accommettido de uma dor na região hepatica, a principio pouco intensa, porém que se tornou mais tarde tão violenta que o obrigou a gritar e gemer desde meia noute até a hora em que reco- lheo-se ao hospital. O medico interno mandou applicar sobre a região dolorosa uma cataplasma de linhaça bem quente e fortemente laudanisada, que produzio algum allivio immediatamente, porem de pouca duração. Estado actual—Face encrispada, indicando grande soffrimento, o doente con- serva-se no leito sobre o ventre, um pouco inclinado para a direita; abundante suor frio e viscoso banha toda a superfície cutânea. Dor muito aguda na região hepatica a qual parte do meio d'esta região e estende-se adiante para o epigastro, e atraz para o dorso. A pressão e a percussão a exacerbão, bem como os movimentos res- piratórios e a tosse. Pulso a 92, temperatura axillar a 37°,2; lingua larga, huaiida e rosada, vômitos, as dimensões do figado não podem ser bem determinadas porque o doente não permitte que se explore convenientemente o hypochondro direito, au- sência de ictericia, baço normal, ventre meteorisado e preso; ourinas claras e di- minuídas. Ruido de sopro na região sternal, ruído de percussão no ponto corres- pondente ao bordo direito da segunda peça do sterno; juneto ao mamellão esquerdo não seouvedistinetamentea primeira bulha cardíaca. Integridade do apparelho res- piratório. Prescriprão: Valerianato de imiiima............ 2 grammas Extracto de meimendro........... 30 centigrammas Extracto de estramonio......... , aã 20 centi£rammas Extracto de opio............ Divida em 12 pílulas. Para tomar 1 de duas em duas horas. 172 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES Um clyster purgativo. Óleo essencial de terebinthina Óleo de meimendro..... Tinctura de opio....... Chloroformio........ Para fomentar a região hepatica de três em três horas. Contra a expectativa de todos, o doente falleceo pouco depois do meio dia, não tendo tido tempo senão de tomar duas pílulas e usar duas vezes da fomentação. Autópsia praticada 21 horas depois da morte—Na cavidade craneana a única lesão que se nota é a degeneresoencia atheromatosa da artéria basilar. Extensas pla- cas de atheroma na aorta ascendente, na porção horisontal da crossa, e na aorta descendente; dilataçao d'este vaso em uma extensão de 4 centímetros, logo depois da origem do tronco-brachio-cephalico; degenerescencia gordurosa do coração, en- durecimento das válvulas sigmoides aorticas e da válvula mitral. Pulmões normaes, estômago e intestinos normaes, figado crescido, apresentando em sua face externa diversas colorações; em uns pontos a côr amarella escura, em outros a amarella clara, em outros a vermelha carregada, em outros a vermelha semelhante á do mogno. Cortando-se o parenchyma hepatico, nota-se grande corrimento de sangue, as superficeis de secção apresentão as mesmas variantes de côr que a face externa; uma grande parte do lobo direito passou pela degenerescencia adiposa; baço nor- mal ; rins gordurosos. Julgo que não me engano considerando este caso como um exem- plo de accesso pernicioso hepatalgico. Uma hepatalgia simples, com- quanto produza grandes soffrimentos ao doente, não tem a duração que teve a dor do preto José, e não termina pela morte em pouco mais de 12 horas. Teria sido o figado escolhido para a sede local da perni- ciosidade, porque já soffria de lesões chronicas devidas ao alcoolismo? É muito provável, tanto mais quanto é isso o que se observa na grande maioria dos casos, em relação a qualquer outro órgão que sof- fra de uma moléstia chronica quando faz explosão um accesso perni- cioso. § XIII j\flo. ^-k fôrma pneumonica da febre perniciosa é muito freqüente entre st^^Jc**' nós. Ás vezes a inflammação do parenchyma pulmonar se manifesta iso- ladamente, invadindo as camadas mais cenliacs do pulmão, sem que a pleura se comprometia também; outras vezes observa-se uma verdadei- ra pleuro-peri-pneumonia, com forte ponlada e os outros symptomas da moléstia quando ella é primitiva e idiopathica. N'este segundo caso, é muito raro que o diagnostico fique bem estabelecido antes que a mar- cha ulterior da moléstia o venha esclarecer. aã 30 grammas DO RÍ0 DE JANEIRO 173 Durante o apparecimento do accesso, que é sempre acompanhado de muita febre, o pulmão se torna congesto em grande extensão. No começo, isto é, poucas horas depois do calafrio inicial, a lesão não passa do periodo congestivo, e a auscultação apenas revela grande enfranque- cimento do murmúrio respiratório em alguns pontos do pulmão, ester- tor crepitante ou suberepitante em outros. Se o accesso é de pouca du- ração, não se desenvolve o periodo de hepatisação pulmonar; por occa- sião da remissão o parenchyma do órgão readquire em grande parte ou em totalidade a sua permeabilidade physiologica, até que outro paroxysmo o torne de novo impermeável. Se porém o accesso é muito prolongado, ou finando o typo da febre é sub-continuo ou mesmo remittente, a hy- peremia do pulmão é seguida de exsudação extravascular, o exsudato se concreta, c a zona pulmonar em que tem lugar este phenomeno, fica hepatisada; a auscultação denuncia a existência do sopro bronchico, e a percussão da parede toraxica, nos pontos correspondentes á lesão, mostra perda completa de sua sonoridade. Com os meios apropriados, que geralmente aproveitão na pneumonia, a hepatisação vai-se dissipando, porém na occasião em que recrudesce a febre, em que se incrementa o accesso, ou a mesma zona pulmonar, já em via de permeabilidade, fica de novo hepatisada como estava, ou outras zonas se apresentão affecta- das, estendendo-se a pneumonia em superfície e profundidade. Na febre perniciosa pneumonica a dyspnéa é sempre muito pronun- ciada, não está em relação com a extensão da lesão pulmonar; a tosse è muitas vezes secca e rara, e quando ha expectoração os escarros se conservao sanguinolentos durante muitos dias. A marcha do calor febril em um caso de febre perniciosa pneumo- nica é muito diversa da que se nota em uma pneumonia franca e essen- cial, e é esta sem duvida alguma a melhor fonte em que o medico deve buscar os elementos do diagnostico differencial. Na phlegmasia pulmo- nar, a temperatura sobe rapidamente, chega a um gráo elevado, attinge o seo apogêo no curto periodo de algumas horas, ahi se mantém du- rante alguns dias, fazendo pequenas oscillações de 3 a 5 décimos de gráo para menos de manhã e para mais de tarde; do quarto ao oitavo dia de moléstia, entre nós ordinariamente ao quinto dia, a temperatura desce rapidamente, chega ao gráo physiologico, ou mesmo a alguns déci- mos de gráo abaixo, dá-se o que os médicos modernos chamão defer- 17$ ESTUDO ClfWCO SOBRE AS FEBRES vesceneia; ao mesmo tempo que cessa o calor febril, começa a resolução local da pneumonia; os exsudatos começão a liquefazer-se, esta liquefac- ção denuncia-se por estertores suberepitantes (estertor de retorno), que vão pouco a pouco substituindo o sopro bronchico; a expectoração se torna mais fácil e abundante; as ou-rinas augmentão de quantidade, e se tornão extremamente ricas de uratos, phosphatos e chloruretos alcali- nos. Na febre perniciosa pneumonica, o calor febril segue as evoluções dos accessos, ora toma o typo francamente intermittente, ora o typo re- mittente, havendo uma differença de 1 ou 2 gráos entre a temperatura da manhã e a da tarde. Quanto á lesão local, ou ella se mantém nas mesmas condições apezar da cessação ou diminuição sensivel da febre, o que é muito raro, e mesmo assim isso nunca se observa em uma pneu- monia idiopathica.; ou ella decresce sensivelmente persistindo a reacção febril com pequenas remissões, e então devemos procurar outra expli- cação para esta febre; ou ella começa a resolver-se seguindo a declina- ção do accesso, e recrudesce quando se desenvolve outro accesso, e nós sabemos que em caso algum a phlegmasia pulmonar franca tem esta marcha. Assim pois, as anomalias na marcha da temperatura, a deshar- monia entre a intensidade da febre e as condições locaes do pulmão, são circumstancias muito valiosas para o diagnostico da febre perniciosa pneumonica. O valor efestes dous signaes se torna evidente nas duas observações que se seguem. Observação H.II—João Paulo Dias, portuguez, alfaiate, de 32 annos de idade, morador no Pedregulho, entrou para a enfermaria de Santa Izabel em Io de junho de 1872, ás 6 horas da tarde. Nunca soffreo de febre intermittente, porém teve febre amarella com vomito preto em março de 1860, dous mezes depois de ter chegado ao Brazil. É muito sujeito a catarrhos das vias respiratórias, e sempre que se resfria fica rouco durante alguns dias. No dia 14, ao recolher-se para casa, ás 8 horas da noute, apanhou chuva e molhou os pés. Na madrugada do dia 15' teve um forte calafrio, acompanhado de pontada no lado direito e alguma tosse. Mais tarde teve muita febre, a dor do lado tornou-se mais intensa, e apparecerão-lhe alguns escarros de sangue. Foi conduzido ao hospital em um tilbury, e o medico de serviço prescreveo-lhe uma poção com 10 centigrammas de tartaro stibiado e 16 grammas de acetato de ammonia. Dia 16—Estado actual—Estado geral satisfactorio, no habito externo nada indica que a nutrição tenha soffrido. Temperatura axillar a 38°,8, pulso a 90. Dor intensa no lado direito do thorax, 2 centímetros abaixo e para traz do mamellão, que se exacerba pela respiração c sobretudo pela tosse; alguma dyspnéa (28 mo- DO P.ífi DE .UNEIRO 175 vimentos respiratórios por minuto), tosse ?ècca e freqüente; na escarradeira nota-se um escarro viscoso e sanguinolento. Pela percussão se reconhece que a sonoridade da parede thoraxica está diminuída no terço inferior do lado direito, principalmente nas faces anteriores e lateral. A auscultação revela a existência de ruidode attrito na região axillar até os seos limites anteriores, estertor crepitante 4 centímetros abaixo do mamellão e estertores suberepitantes do terço inferior do omoplata para baixo, ausência de sopro bronchieo e de bronchophonia, alguma exageração nas vi- brações thoraxicas produzidas pela voz nos pontos em que ha diminuição da sono- ridade; no lado esquerdo nada se observa de anormal. Lingua muito saburrosa, inappetencia, sede, constipação de ventre; e o baço o figado com os limites normaes; ourinas diminuídas e vermelhas. Prescriprão: Cinco ventosas sarjadas nas laces anterior e lateral do lado direito do thorax em seo terço inferior. Infusão de ipecacuanha com 10 centigrammas de tartaro stibiado. Ás 5 horas da tarde o interno encontrou o doente mais allrviado da dor, porém com mais dyspnéa (32 movimentos respiratórios por minuto), com a temperatura a 40°,2 e o pulso a 120. Na papeleta não forão mencionados os phenomenos physicos fornecidos pela percussão e auscultação do thorax. Dia 17 — Grande dyspnéa (38 movimentos respiratórios por minuto), tosse muito freqüente e secca, dor de lado pouco intensa. Obscuridade de som á percus- são no terço inferior do lado direito do thorax em todas as três faces, exageração das vibrações vocaes n'estes pontos, attrito, sopro bronchieo muito pronunciado e bronehophonica; nada de anormal no lado esquerdo. Temperatura a 39°,5, pulso a 108. Lingua ainda muito saburrosa, fígado um pouco crescido. O doente sentio grande allivio depois da applicação das ventosas; a poção vomitiva produzio vomi- to< abundantes e três largas evacuações. Prescripção: Mais 5 ventosas sarjadas no lado direito do thorax. Infusão de polygala.................3G0 grammas Nitro........................ 4 grammas Acetato de ammonia................ 1G grammas Xarope de Tolú................., . 30 grammas Tome aos cálices de duas em horas. As 5 horas da tarde o interno encontrou o doente com a temperatura a 40°,6-, o pulso a 112, a respiração muito accelerada (38 movimentos respiratórios por mi- nuto) e com algum delirio. Mandou dar-lhe uma poção com 2 grammas de tinctura de digitalis e 8 grammas de água de louro cerejo. Dia i8— Temperatura a 4ü°,2, pulso a 108. Ouve-se sopro tubario em toda a face lateral direita do thorax, na face posterior até o angulo inferior do omoptata, e adiante logo abaixo do mamellão, ha também bronchophonia n'estes pontos, e a percussão dá som completamente obscuro. No lado esquerdo nota-se respiração pueril nos dous terços superiores e estertores suberepitantes no terço inferior. Tosse rara, expectoração nulla, 38 movimentos respiratórios por minuto, cessação com- pleta da dor pleuritica. Lingua coberta de saburra amarella, inappetencia e muita 176 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES sede; figado augmentado de volume ç doloroso, baço normal; ourinas escassas e biliosas. Não ha delirio, nem phenomeno algum para o lado do systema nervoso. Prescripção: Calomelanos inglezes..........1 gramma (em três doses) Para tomar 1 de duas em duas horas. Sulfato de quinina............2 grammas íem três doses) Para tomar 1 de três em três horas em um calix de limonada sulfurica, depois do effeito purgativo dos calomelanos. Um largo veíicatorio na região postero-lateral direita do thorax. Ás 5 horas da tarde o interno encontrou o doente no mesmo estado, com a temperatura a 40°,5, o pulso a 120 e a respiração ainda muito accelerada (36 mo- vimentos respiratórios por minuto). O vesicatorio ainda não tinha queimado, os ca- lomelanos só tinhão produzido uma evacuação; a primeira dose de quinina ainda não tinha sido dada. Dia 19—0 doente evacuou largamente seis vezes durante a noute. Tomou a primeira dose de quinina ás 5 horas da madrugada e a segunda ás 8 da manhã (12 decigrammas). Temperatura a 38°,9, pulso a 100; o doente geme com dores por causa do curativo do vesicatorio, feito uma hora antes, não consente que se explore convenientemente o thorax. O ouvido, applicado muito de leve sobre a parede tho- raxica, percebe distinctamente o sopro tubario. Tosse mais freqüente e mais humida, escarros viscosos, sanguinolentos e amarellados. Lingua menos saburrosa, figado mais reduzido, ourinas biliosas. Prescripção: Sessenta centigrammas de sulfato de quinina já (9 'A da manhã) e mais 60 centigrammas ao meio dia (2 grammas e GO centigrammas em sete horas). Cozimento de althea com 8 grammas de hicarbonato de soda e 12 grammas de acetato de ammonia, adorado com xarope de scilla. Dous caldos de carne. Ás 5 horas da tarde o interno encontrou o doente banhado em copioso suor, com a temperatura a 37°,8 e o pulso a 82. A tosse era freqüente e humida, a ex- pectoração fácil, e os escarros continuarão sanguinolentos. Não examinou o thorax, porque receiou provocar dores. Dia 20—Notáveis melhoras. Apyrexia completa, temperatura a 37°,2,e pulso a 76; 24 movimentos respiratórios por minuto; tosse humida, escarros amarellados, abundantes e alguns sanguinolentos. A percussão não pôde ser praticada por causa da dor devida á ferida do vesicatorio. A auscultação revela a existência de grande quantidade de estertores suberepitantes de mistura com o sopro tubario, principal- mente na região axillar, bronchophonia e tosse bronchica. Lingua mais limpa, al- gum appetite, figado mais reduzido; o doente teve três evacuações; ourinas mais abundantes e muito carregadas. Prescripção: Sessenta centigrammas de sulfato de quinina já (9 horas da manhã) e igual dose ao meio dia. A mesma bebida alcalina. Três caldos de carne. Ás 5 horas da tarde, temperatura a 37°,2, pulso a 68. Tebre perniciosa pneumonica (Observação LU) Homem, 32 annos (Enfermaria de Saota Izabel) Pias Jc mclestta h. 3 -* â 6 7 8 .9 10 41° -40° 39° 37." -— A A / S A —- i A-\ ■r k / \/ 1 V J-l .}.... 7 r '%■ ■ \ i — '• 1 i 1 ... v > (Z) . ,-L , (') Principia o emprego do sulfato de quinina. (') Convalescença. Tebre perniciosa pneumonica (Observação LIII) Homem, 36 annos (Enfermaria de Santa Izabel] Vtítftü moléstia. m. t. 4 õ 6 7 8 $ 10 Al0 39.' 38f 37? IV i \ A \ \ ~\ \ , v Y ^ i 1 \ (') O sulfato de quinina foi empregado desde o dia da entrada para o nospital. (s) Convalescença. DO RIO DE JANEIRO 177 Dia 21 — Progridem as melhoras. Temperatura a 37°,2, pulso a 64, surdez qui- nica, sensação anditiva de uma cachoeira, cujo ruido percebemos á distancia. Tosse muito humida, expectoração fácil, escarros amarellados, e alguns levemente tintos de sangue. Ainda som obscuro pela percussão nos dous terços inferiores de toda a face posterior do lado direito do thorax e na face lateral. Só ao nivel do angulo in- ferior do omoplata e no concavo axillar é que se ouve o supro bronchieo, no resto do pulmão notão-se estertores suberepitantes de grossas bolhas. Lingua larga, hu- mida e rosada; appetite; duas evacuações em vinte e quatro horas, figado quasi nor- mal; ourinas abundantes e menos carregadas. Prescripção: Sulfato de quinina.................. 1 gramma Vinho do Porto generoso...............120 grammas Para tomar meio calix de duas em duas horas. Curar a ferida do vesicatorio com ceroto. Duas sopas, mingáos, café. No dia 23 foi suspenso o uso do sulfato de quinina; o sopro bronchieo tinha desapparecido completamente, os estertores suberepitantes erão constituídos por bolhas grossas e pouco confluentes. O pulso conservou-se raro até o dia 26, o que foi devido sem duvida alguma á acção do sulfato de quinina sobre o apparelho cir- culatório. A única medicação empregada até 5 de julho foi vinho quinado, na dose de 180 grainmas diariamente. N'este dia o doente teve alta perfeitamente restabe- lecido. Ot>sei*va,ção LIII—Felicíssimo, pardo escravo, de 36 annos de idade, marceneiro, bem constituído e robusto, acostumado a abusar das bebidas alcoólicas, entrou para a enfermaria de Santa Izabel do dia 28 de maio de 1874 ás 2 horas da tarde. No dia 26, depois de sair da loja em que trabalhava (rua de S. Pedro), reco- lheo-se para a casa de seo senhor (rua Formosa) sem sentir o menor incommodo. Ceiou abundantemente ás 9 horas da noute c bebeo de mais. Acordou indisposto no dia 27, queixando-se de dor de cabeça. Seo senhor, acreditando que elle se tinha embriagado na véspera (o que lhe era habitual), castigou-o com palmatoadas e obri- gou-o a carregar doze barris de água para o serviço da casa. Ao terminar este ser- viço, que Felicíssimo fez com grande sacrifício, sentio uma pontada no lado esquerdo do thorax e algumas horripilações. Ás 5 horas da tarde teve muita febre, e, depois de tossir um pouco, escarrou sangue. Derão-lhe algumas chicaras de infusão de flores de sabugueiro com tinctura de aconito eum pediluvio; porém no dia 28, não se achando melhor, foi visto por um medico, que lhe prescreveo ventosas sarjadas no foco da dor e uma poção tartarisada. Esta prescripção não foi executada, e o doente foi remettido para o hospital. O medico de serviço fez cumprir o que tinha ordenado o collega. Dia 29—Estado actual—Face muito animada, com uma placa vermelha na região malar esquerda, olhos injectados, lacrymosos, muito sensíveis á luz, cepha- lalgia frontal muito intensa. Temperatura axillar a 40°,5>, pulso a 100, cheio e duro. Dor aguda na face lateral esquerda do thorax, no limite inferior da axilla, que se exacerba com a tosse e os movimentos respiratórios. Tosse secca e freqüente, no- tão-se na escarradeira dous escarros quasi que exclusivamente sangüíneos; dys- 12 178 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FERRES pnéa, sobretudo por causa da pontada (26 movimentos respiratórios por minuto). Pela percussão, alguma diminuição da sonoridade na face lateral do lado esquerdo do thorax; ruido de attrito na região axillar, perceptível sobretudo durante a tosse, é o único symptoma que a auscultação revela; nada de anormal no pulmão direito. Lingua coberta de saburra branca, anorexia e muita sede; ventre pastoso e preso, figado augmentado de volume; ourinas raras e vermelhas. A poção tartarisada pro- duzio vômitos e alguma transpiração. Prescripção: Doze sanguexugas ao ânus. Seis ventosas sarjadas no lado esquerdo do thorax. Calomelanos.............. 1 gramma (em três doses) Óleo de ricino.............60 grammas Para tomar duas horas depois de ter tomado a ultima dose de calomelanos. Sulfato de quinina............ 1 gramma Para tomar depois de ter evacuado abundantemente. Ás o horas da tarde o interno encontrou o doente muito alliviado da dor pleu- ritica, com a temperatura a 39°,2 e o pulso a 90. Ainda não tinha tomado o sul- fato de quinina. Dia 30—Exacerbação da pontada, tosse freqüente, muitos escarros de sangue vermelho rutilante, maior dyspnéa do que na véspera (32 movimentos respirató- rios por minuto); ruido de attrito em toda a região axillar e na parte anterior do lado esquerdo do peito; estertor subcrepitante fino nos mesmos pontos; diminuição mais pronunciada da sonoridade thoraxica. Temperatura a 40°,5, pulso a 108. Lin- gua menos saburrosa, porém um pouco secca na ponta, ventre mais flaccido, figado ainda muito congesto. Ourinas no mesmo estado da véspera. O doente evacuou seis vezes, e tomou o sulfato de quinina ás 7 horas da noute. Prescripção: Poção com 2 grammas de sulfato de quinina e 30 grammas de xaro- pe diacodio. Para tomar em três doses com duas horas de intervallo. Mais 6 ventosos sarjadas no lado esquerdo do peito. Infusão de cipó chumbo com xarope de gomma. Para bebida ordinária. Ás 5 horas da tarde melhoras sensíveis. Dor muito supportavel, ausência de escarros sangüíneos. Temperatura a 38°,6, pulso a 82. Os symptomas sthetoscopicos pouco mais ou menos os mesmos. O interno mandou continuar com a tisana. Dia 31 —])or pleuritica pouco perceptível; dous escarros sangüíneos durante a manhã, tosse mais rara, pouca dyspnéa (22 movimentos respiratórios por minuto). Attrito muito notável durante a inspiração, estertores suberepitantes mais raros e de bolhas mais grossas; ainda diminuição de sonoridade thoraxica pela percussão. Temperatura a 37°,8, pulso a 80; lingua limpa cm grande extensão; ventre flaccido, figado ainda crescido. Ourinas mais abundantes e menos carregadas. Prescripção: Um vesicatorio na face lateral esquerda do thorax, para ser curado com unguento basilicão. A mesma poção com sulfato de quinina. A mesma tisana para bebida ordinária. Caldos de carne. DO RIO DE JANEIRO 179 Dia 1 de junho-^ Nola.-sena papelela a temperatura da véspera de tarde (37°,i), sem nenhuma outra informação; o que indica que o doente passou bem durante o dia. Na hora da visita queixa-se amargamente da dor que lhe causou o curativo do vesieatorio, feito ás 7 horas da manhã, e que ainda o atormenta. Não escarrou sangue, pouco tem tossido; não consente que se faça a menor exploração sobre o lado esquerdo do peito. Temperatura a 37°,2, pulso a 88. Lingua boa, ventre flaccido, uma larga evacuação em vinte e quatro horas, figado pouco crescido. Dysuria; o doente apresenta os phenomenos próprios da cystite cantharidiana. Prescripção: Poção com 1 gramma d* sulfato de quinina. Cozimento emoliente com 4 grammas de nitro. Fomentações na região hypogastrica com pomada de belladona. Duas sopas de arroz, mingáps. Dia 2 de junho—As funcções do apparelho ourinario restabelecerão-se. Na tarde antecedente a temperatura foi de 37°,2. O doente julga-se bom, e pede com instância melhor dieta. Na região do thorax oecupada pelo vesicatorio ouve-se ainda attrito e algumas bolhas de estertor mucoso; pouca tosse, expectoração rara, es- carros mucosos, respiração normal (20 movimentos respiratórios por minuto). Lin- gua larga e humida, appetite, figado quasi normal. Temperatura a 37°,2, pulso a 80. Prescripção: Sulfato de quinina . ..............45 centigrammas Yh7.b,o quinado.................120 grammas Frango com canja, mingáos, café. No dia 3 suspendeo-se o uso da quinina; gradualmente o doente foi tendo me- lhor dieta, e no dia 10 teve alta perfeitamente bom. Nas largas inspirações ouvia-se um pouco,de attrito na parte inferior da axilla esquerda. N'este caso o diagnostico foi logo estabelecido desde o primeiro dia em que o doente foi examinado. A intensidade da febre, o gráo elevado da temperatura, formando contraste com os phenomenos locaes, que apenas indicavão no começo um simples pieuriz; a congestão do fígado, e a marcha inicial da moléstia, concorrerão efficazmente para esse fim. No doente da observação LII era impossível, nos dous primeiros dias de moléstia, reconhecer que se tratava de uma febre perniciosa pneu- monica e não de uma pleufo-pneumonia essencial. A marcha insólita dos phenomenos mórbidos, principalmente do calor febril, o appareci- mento do elemento bilioso, bem como os eífeitos obtidos com as primei- ras doses de sulfato de quinina, esclarecerão muito o diagnostico. 1 XIV Quando um indivíduo tem predisposição para soffrimentos chronicos do apparelho respiratório; quando principalmente soffre de tuberculi- ~~^2£;a*_ *£/>• <£<.- 180 ESTUDO CLÍNICO SOBRE AS FEBRES sação pulmonar, a febre perniciosa que o accommette reveste algumas vezes a fôrma hemoptoica, revela-se por hemoptises abundantes, que compromettem seriamente a vida do doente, e se reproduzem com certa regularidade. Nos intervallos dos accessos, notão-se alguns escarros de sangue innegrecido, em maior ou menor quantidade, que attestão a pre- sença de coágulos nas pequenas ramificações bronchicas. Estes coágu- los, irritando o parenchyma do pulmão, provocão núcleos de pneumonia lobular, cujo exsudato facilmente passa pela degenerescencia caseosa, e assim se prepara um processo phthisicogenico para o futuro. A regularidade com que apparece a hemorrhagia pulmonar a certas horas do dia, e a inefficacia dos meios que ordinariamente aproveitão quando não se trata de uma febre perniciosa, são os elementos de dia- gnostico que muitas vezes nos guião, alem dos outros que se applicão a todas as fôrmas graves da infecção paludosa, de que me occuparei mi- nuciosamente no artigo consagrado ao diagnostico. Observação LIV- José Espinheiro, portuguez, de 23 annos de idade, caixeiro, de temperamento lymphatico, pallido e depauperado, morador em S.Fran- cisco Xavier, entrou para a enfermaria de Santa Izabel em 8 de agosto de 1864, en- tão a cargo do sr. barão de Petropolis. É sujeito a contrahir bronchites e laryngites; tosse habitualmente, e tem tido por mais de uma vez accessos de febre intermitente, que cedem logo ao sulfato de qui- nina. Ás 3 horas da tarde do dia de sua entrada foi accommettido de horripilações, de uma sensação de forte constricção na região sternal, e alguns momentos depois de um violento accesso de tosse seguido de hemoptise muito abundante. O medico de serviço prescreveo-lhe uma poção com nitro, ergotina e tannino, sinapismos nas extremidades inferiores e completo repouso. Dia 9—Estado actual — Face pallida, olhar languido, emmagrecimento geral, claviculas e omoplatas muito salientes. Apyrexia, pulso a 76; coração normal.Tosse, escarros constituídos por pequenos coalhos de sangue escuro, dyspnéa. Diminuição de sonoridade no terço superior do pulmão direito, tanto atraz como adiante; res- piração rude e estertores suberepitantes grossos nos mesmos pontos, estertor sibi- Iante no terço inferior; respiração rude no ápice do pulmão esquerdo adiante, es- tertor mucoso e sibilante na base e atraz. Lingua boa, anorexia, vísceras abdomi- naes em estado normal. O eminente professor diagnosticou tuberculisação pulmonar em primeiro pe- riodo em ambos os pulmões, e hemorrhagia no lobo superior do direito; mandou continuar com a mesma poção e applicar um vesicatorio entre as espaduas. Ás 4 ho- ras da tarde o medico de serviço foi chamado para soccorrer o doente, que de novo foi accommettido de forte hemoptise. Substituio a poção por outra em que entrava a solução de perchlorureto de ferro, e mandou applicar ventosas seccas na parte an- terior do thorax. O interno da faculdade duas horas depois encontrou o doente fe- OU BÍU DE JANEIUO 181 bril, o que foi mencionado na papeleta e communicado, no dia seguinte, ao sr. ba- rão de Petropolis. Dia 10 — Apyrexia, pulso a 78; maior confluência de estertores suberepitantes no pulmão direito; estes estertores são percebidos em maior extensão, escarros de sangue muito abundantes, dyspnéa mais pronunciada; terror pânico, o doente jul- ga-se irremediavelmente perdido. Lingua levemente saburrosa; prisão de ventre, ligado e baço normaes, ourinas normaes. Prescripção: Limonada sulfurica.........360 grammas (1 libra) Sulfato de quinina......... 12 decigrammas (1 escropulo) Para tomar um calix de duas em duas horas. Um clyster purgativo com eleetuario de senne. Ás 6 horas da tarde o interno observou com attenção o doente, e apenas men- cionou na papeleta que os escarros sangüíneos tinhão-se tornado mais numerosos, o pulso mais freqüente (86) e o calor da pelle mais elevado. Dia 11— Apyrexia, pulso a 74; os estertores pulmonares são percebidos em menor extensão e são menos confluentes; o doente diz que se acha muito melhor; das 6 horas da manhã até á hora da visita (9 da manhã) só escarrou sangue uma vez, alguma dyspnéa. O clyster purgativo provocou duas largas evacuações. Mesmo tratamento, menos o clyster. O doente tomou sulfato de quinina até o dia 14, em doses decrescentes. A he- moptise não se reproduzio, cessarão os escarros de sangue, a respiração foi-se res- tabelecendo. No dia 15 foi-lhe prescripto infusão de quina e musgo com xarope de Tolú, para tomar aos cálices durante o dia, uma colher de sopa de óleo de figado de ba- calháo na hora do almoço e do jantar, e uma alimentação reparadora. Este trata- mento continuou até o dia 24, em que o doente exigio e obteve alta. Comquanto em melhores condições, o seo estado geral ainda não era satisfactorio. A percussão não denunciava differença apreciável na sonoridade thoraxica; a auscultação revelava grande rudeza no murmúrio vesicular no ápice de ambos os pulmões, principalmente do direito, onde, alem de mais pronunciado, o phenomeno oecupava maior exten- são. Observação LV- Uma senhora casada, mãi de dous filhos, de 28 an- nos de idade, moradora na rua do Areai, foi accommettida de hemoptise um mez depois de ter sido por mim tratada de uma febre remittente biliosa, que reclamou grandes doses de sulfato de quinina. Muito aterrada, consultou-me, convencida de que estava phthisica. Eu a examinei com todo o cuidado ás 7 horas da manhã, e a hemorrhagia tinha tido lugar ás 10 horas da noute antecedente. Encontrei-a muito desanimada, muito pallida, expellindo aiuda alguns escarros sangüíneos, porém sem febre, Alguns estertores suberepitantes e síbilantes na região scapular esquerda, e um pouco menos de sonoridade n'este ponto, forão os únicos phenomenos mórbi- dos que percebi. O estado geral era bom. Gomo a doente era sujeita a catarrhos das vias respiratórias, como tinha perdido a mãi e uma tia de tuberculos pulmonares, inclinei-me a crer que no ápice do pulmão esquerdo existião granulações tubercu- losas, sobretudo nas camadas mais concentricas do órgão, e que ellas tinhão pro- 182 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBUES vocado a fluxâo hehiorrhagica da véspera. Mandei applicar quatro ventosas sarja- das sobre a espadua esquerda, e dar ás colhéres de duas em duas horas uma poção com 1 gramma de ácido gallico e 2 grammas de ergotina. Ás 3 horas da tarde fui chamado com urgência para ver a doente, e soube que ella tinha tido um forte ca- lafrio, depois febre e segunda hemorrhagia pulmonar, tendo perdido menos sangue do que na primeira vez. Encontrei-a com grande calor febril, com o pulso freqüente e cheio e cephalalgia frontal muito intensa. A auseultação revelava a existência de maior quantidade de estertores suberepitantes no ápice do pulmão esquerdo, e a percussão dava som menos claro na região infra-clavicular. A doente escarrava sangue freqüentemente, em fôrma de coágulos avermelhados. Receei que uma pneu- monia estivesse em via de evolução, e por isso prescrevi uma poção com 15 centi- grammas de tartaro stibiado e 30 grammas de xarope diacodio, e mandei applicar um vesicatorio na face anterior e superior do lado esquerdo no thorax. Grande foi a minha surpreza, quando, no dia seguinte* ás 8 horas da noute, encontrei a doente inteiramente apyretica. Este facto, e mais ainda, o aspecto esbranquiçado da lingua, como se ella tivesse sido caiada, levarão-me a prescrever 12 decigrammas de sul- fato de quinina em duas doses. Á tarde encontrei a doente sem hemoptise e sem febre, mais animada e quasi sem tosse. A auscultação mostrava poucos estertores suberepitantes no pulmão esquerdo, e a sonoridade do peito era mais perfeita. Ha- via muito fastio e prisão de ventre. Mandei dar um purgativo salino, e recommen- dei que no dia seguinte fossem repetidas as duas doses de sulfato de quinina. As melhoras forão progredindo; ainda dei qüfnlha por mais três dias (1 gramma, 6 decigrammas, 1/2 gramma). A respiração restabeleceo-se; porém o murmúrio ve- sieular no ápice do pulmão esquerdo apresentava um certo gráo de rudeza insólito, e a voz n'este ponto retumbava de mais. Estes phenomenos, reunidos ao facto da hemoptise, bem como á historia anamnestica da doente, determinarão-me a aconse- lhar-lhe que se retirasse para Theresopolis, ofide esteve seis mezes, e de onde re- gressou gorda, forte e bem disposta. Talvez haja quem conteste que o caso d'esta observação seja de fe- bre perniciosa hemoptoica, e queira explicar a hemorrhagia pulmonar pela tuberculisação, cuja existência parecia muito provável. Attenden- do-se porém a que a hemoptise continuou apezar do emprego das ven- tosas sarjadas sobre o thorax e de üma poção adstringente; que repro- duzio-se acompanhada de febre e cephalalgia, e precedida de calafrio; que dezeseis horas depois todo o apparato febril tinha cessado comple- tamente e a lingua conservava o aspecto que geralmente entre nós at- testa a passagem de um accesso de febre paludosa; que a doente não perdeo mais uma gotta de sangue depois que tomou sulfato de quinina, julgo que qualquer pratico experimentado concordará commigo. É ver- dade que a círcumstancia da existência de granulações tuberculosas no pulmão esquerdo concorreo poderosa e immediatamente para que os accessos determinassem para este órgão as duas hemorrhagias, o que é DO WD DE .IAXE1K0 l«;j também incontestável em relação ao doente da observação LIV; porém, o que parece fora de duvida é que a tuberculisação representou em am- bos os casos o papel de causa predisponente; sem a influencia directa da infecção miasmatica, que se traduzio por accessos incompletos e in- sidiosos, a pneumorrhagia não se teria manifestado n'aquella occasião. §XV A fôrma asthmatica da febre perniciosa é pouco conhecida dos py- •£/»• *&&. - retologistas estrangeiros, a julgar-se pelo silencio que guardão sobre ^—^*~ ella em suas descripções e divisões. Entre nós ella tem passado des- apercebida á observação de alguns médicos, aliás de grande mérito e experiência esclarecida. A extrema gravidade do accesso, que quasi sem- pre é único e mortal; o facto de só accommetter os individuos sujeitos habitualmente aos insultos paroxysticos da asthma, o que traz grandes diíficuldades ao diagnostico, são as causas que explicão taes omissões. Ha casos de febre perniciosa asthmatica em que o accesso vem acom- panhado de febre; ha outros porém em que o doente não apresenta a menor reacção febril, e então é impossível reconhecer a verdadeira na- tureza da moléstia antes da terminação fatal. O doente, adulto ou criança, oííerece aos olhos do pratico o quadro completo dos symptomas da as- thma, exactamente igual ao que tem sido observado em paroxysmos an- teriores. Os meios que sempre produzião allivio ficão inertes, tornão-se inefficazes; muito antes do periodo habitual da terminação dos accessos, o doente attinge o apogêo da asphyxia, torna-se cyanotico, as extremi- dades ficão glaciaes, o corpo inunda-se de suor, e a morte sobrevem sem que nenhum phenomeno precursor, de ordem diversa, a venha annun- ciar. Foi assim que morreo um notável cirurgião brazileiro, cujas glo- rias forão eclypsadas pelos ouropeis da política, que o deslumbrarão até á borda do túmulo. Poucas horas antes de morrer elle procurou juncto a uma janella aberta o ar que faltava a seos pulmões; recorreo a um charuto, que fumou por alguns minutos, porque mais de uma vez tinha d'este modo minorado os seos soffrimentos; lançou mão dos cigarros de canabis indica; tudo foi baldado; em lugar de melhorar, sentio que o mal attingia uma intensidade a que nunca chegara durante quarenta annos que o perseguia; reconheceo que a vida o ia deixar; pedio que o levas- sem para o leito, e poucos minutos depois era cadáver. 184 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES Observação LVI-Uma menina de 12 annos de idade, lymphatica c débil, era sujeita a repetidos accessos asthmaticos desde a idade de 4 annos. Durante o verão tinha um accesso de dous em dous mezes, que durava de oito a doze horas em sua maior intensidade, e cedia gradualmente a uma poção antispas- módica. Durante o inverno os accessos reproduzião-se com intervallos de quinze e ás vezes de oito dias, tinhão maior duração e intensidade. Em julho de 1874, essa menina foi acommettida de febre intermittente; teve quatro accessos simples, que não cederão ao sulfato de quinina. O pai a levou para o Cosme Velho, na esperança de curar a filha com a mudança de localidade; na tarde em que lá chegou foi acommettida de asthma, sem apresentar reacção febril; derão-lbeos meamos remé- dios do costume, porém sem o menor proveito; ás 2 horas da madrugada seguinte a menina falleceo. §XVI ^ ~ A fôrma rheumatica da febre perniciosa simula um caso de rheu- matismo cerebral. Ha no entretanto entre as duas moléstias caracteres diíferenciaes bem salientes. Na primeira os symptomas cerebraes des- envolvem-se ao mesmo tempo que os symptomas articulares; as articu- lações ficão muito dolorosas, porém pouco entumescidas; muitas arti- culações compromettem-se simultaneamente; a febre precede de alguns dias o apparecimento dos phenomenos nervosos e arthriticos, não é acom- panhada de abundantes suores, nem ha, no decurso da moléstia, o me- nor vestígio de inflammação ou fluxão para as membranas serosas es- planchnicas. Não se notão os symptomas próprios da meningite; não ha delirio ruidoso e turbulento, que reclame o emprego de meios coerci- tivos; o doente tem subdelirio, tremor convulsivo dos membros supe- riores, sobresaltos de tendões, carphologia, crucidismo, e ás vezes dys- phagia. O ventre se torna tympanico, o figado crescido e doloroso, ás ve- zes o baço também; a secreção ourinaria diminue sensivelmente, e al- gumas vezes supprime-se. No rheumatismo cerebral, os phenomenos nervosos se manifestão depois de apparecerem os phenomenos arthriticos; o rheumatismo arti- cular começa em uma ou duas articulações e depois generalisa-se pro- gressivamente. As articulações compromettidas ficão muito volumosas, vermelhas e dolorosas. O delirio que se observa é commummente lo- quaz, obriga o paciente a praticar actos desarrasoados; declara-se fran- camente uma meningo-encephalite; em alguns casos a pleura e o peri- cardio são accommettidos pelo rheumatismo. A febre que acompanha DO RIO DE JANEIRO 185 todo o processo mórbido é acompanhada de copiosa transpiração; o fi- gado e o baço conservão-se incólumes. Ainda não vi um só caso de febre perniciosa rheumatica que não terminasse pela morte. O typo da febre é sempre remittente ou subcon- tinuo. Em novembro de 1875 tive occasião de observar um caso d'esta espécie pyretologica na casa de saúde de Nossa Senhora d'Ajuda. Tra- tava-se de um preto escravo, que tinha vindo de uma fazenda do inte- rior da província do Rio de Janeiro, onde soffrêra de febre intermittente terça durante muito tempo. Chegado á corte foi de novo accommettido da mesma moléstia, e depois do terceiro accesso, apresentou-se com fe- bre continua, dores nas articulações radio-carpianas e carpio-metacar- pianas, entumescencia d'estas articulações, e ao mesmo tempo subdelirio, tremor da lingua e dos membros thoraxicos e dysphagia. O figado es- tava enormemente crescido, o baço também volumoso, o ventre meteo- risado e a lingua secca e retrahida. Mais tarde sobreveio coma, resfriarão as extremidades, e o doente succumbio quarenta e oito horas depois de ter apparecido o accesso. N'este caso, privado como fiquei de recorrer á via gástrica para a admi- nistração dos medicamentos, porque nas ultimas vinte e quatro horas uma gotta de liquido não passava pelo tubo pharyngo-esophagiano, re- corri ás injecções subcutaneas de sulfato de quinina, apezar de insistir no emprego d'esta substancia em clysteres. O interno do estabelecimento, sr. Martins Costa, fez dez injecções com uma solução de sulfato de qui- nina no máximo de saturação na face interna dos braços e das coxas, sem o menor resultado favorável. Observação LVII—O filho mais velho de um dos mais distinctos e antigos práticos do Rio de Janeiro foi aeommettido de uma nevralgia facial, que se apresentava periodicamente, e cedeo depois do emprego do sulfato de quinina. Quando se julgava bom, teve um accesso franco de febre intermittente, acompa- nhado de fortes dores nas articulações femoro-tibiaes e tibio-tarsianas. Seo pai deo-lhe 12 decigrammas de sultato de quinina em duas doses; apezar d'esta medi- cação, manifestou-se um outro accesso, e as articulações compromettidas tornarão- se turgidas, volumosas e avermelhadas na superfície externa. A febre tornou-se sub- continua, sobreveio logo delirio, e mais tarde carphologia. Quando eu vi o.doente em conferência, elle estava comatoso, e seis horas depois falleceo, tendo to- mado em vinte e quatro horas 3 grammas e 3 decigrammas de sulfato de quinina (60 grãos). 186 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES § XVII 7/.f>. j(p+ t^*f> Nas fôrmas syncopal, tetanica, epiléptica e aphasica, notão-se, na 'Z#@L«:c«-, primeira syncopes freqüentes, que se reproduzem sempre que o doente ^tjJZe*, (je|xa Q decubito horisontal; na segunda os symptomas próprios do opis- à^ÍUv<<^ thotonos, com ou sem trismus; na terceira verdadeiras convulsões epile- ptiformes, como acontece na eclampsia puerperal, uremica ou saturnina; no quarta perda quasi total da palavra, uma logoplegia, sem a menor perturbação de movimentos da lingua. Observação LVIII^- João Falleti, de 51 annos de idade, italiano, residente no Mar de Hespanha (Minas Geraes), mascate de jóias, veio ao Rio de Ja- neiro tratar-se de uma congestão chronica do figado e do baço, que lhe tinha fi- cado depois de uma cachexia paludosa mal curada. Hospedado em uma casa com- mercial da rua do Visconde d'Inhaúma, ahi seguio regularmente uma medicação que eu lhe tinha prescripto em meo gabinete de consultas em 11 de abril de 1874. No dia 19 fui eu chamado para vel-o, e encontrei-o deitado, sem querer levantar-se, porque já tinha tido três syncopes, uma das quaes o obrigara a cair, ficando sem sentidos por espaço de dez minutos; o pulso estava freqüente e a temperatura da pelle augmentada; o figado e o baço continuavão augmentados de volume, e a lin- gua estava saburrosa. Em minha presença, o doente levantou-se para ourinar, por- que eu queria examinar-lhe as ourinas, porém foi obrigado logo a deitar-se, em conseqüência de uma vertigem de que foi aeommettido. Dei-lhe um purgativo de óleo de ricino, e depois do seo effeito, 1 gramma de sulfato de quinina. No dia se- guinte, ás 11 horas de manhã, encontrei o doente melhor: só quando se punha em pé é que apparecião-lhe os phenomenos da vertigem. Insisti no sulfato de quinina durante maiâ quatro dias, e João Falleti voltou ao antigo estado, continuando no uso da medicação prescripta contra os scffrimentos chronicos que o levarão a con- sultar-me pela primeira vez. Em 28 de junho regressou para Minas completamente restabelecido. Observação LIX- Raul, moleque de 12 annos de idade, escravo, entrou para a casa de saúde de Nossa Senhora da Ajuda em 26 de outubro de 1874, trazendo dous dias de moléstia. Na tarde de 24 queixou-se de dor de cabeça e teve febre; no dia 25 ainda se conservava febril, c derão-lhe um purgativo de óleo de ricino^ ás 7 horas da noute aceusou difficuldade em abrir a boca e dor na nuca; na manhã do dia 26, o medico chamado para vel-o, encontrou-o com algum opistho- tonos e trismus, e apezar da grande intensidade da reacção febril, diagnosticou té- tano, e aconselhou a remoção do doente para um hospital. Estado actual—Temperatura a 40°,2, pulso a 112, ausência de suores. Alguma contracção espasmodica dos músculos levantadores do maxillar inferior, dando lu- gar a um trismus moderado, que não impede de examinar a lingua nem a ingestão dos líquidos, ausência de dysphagia; contracção tetanica dos músculos cervicaes posteriores, determinando a inclinação forçada da cabeça para traz; alsuma con- DO MO DE JANEIRO 187 tracção dos músculos dorsaes, provocando um ligeiro opisthotonos. Integridade funccional dos músculos dos membros superiores e inferiores. Dor intensa pela pres- são na região cervical da columna, irradiando-se para os lados; ausência de hype- resthesia nos membros, cephalalgia frontal. Lingua muito saburrosa, ventre .flacci- do, figado crescido e sensível á percussão, baço normal; ourinas rermelhas, sem albumina. Coração e pulmões normaes. Prescripção: Doze sanguexugas na região cervical da columna. Poção com 15 centigrammas de tartaro stibiado e 8 grammas fie água de louro -cerejo. Üina gramma de sulfato de quinina depois dos effeitos dá poção. No dia seguinte grande foi a minha surpreza quando vi o doente. Estava apy- retico, sem nenhum dos symptomas tetanicos da véspera, alegre e pedindo comida. Informarão-me os internos, que acompanharão de perto esta interessante obser- vação, que depois das sanguexugas e da poção tarlarisada, a creança ficou com a temperatura a 37°,3 e o pulso a 86; a poção provocou vômitos, evacuações e abun- dante diaphorese; o sulfato de quinina foi dado ás 5 horas da tarde, e igual dose ás 9 horas do dia em que nos achávamos. Lingua menos saburrosa, figado redu- zido e indolente. Temperatura a 37°,2, pulso a 88. Uma forte pressão exercida na região cervical provoca alguma dor. Prescripção: Mais G decigrammas de sulfato de quinina. Para tomar á 1 hora da tarde. Mistura salina simples com 10 gottas de tinctura de belladona. Fomentações com pomada de belladona na região cervical da columna. Caldos de gallinha. O doente tomou sulfato de quinina até o dia 31; a convalescença foi rápida; teve alta no dia 6 de novembro. N'este caso o meo juizo vacillou por um momento entre uma me- ningite rachidiana e uma febre perniciosa tetanica. A falta de desordens da sensibilidade nos membros, quer superiores, quer inferiores, a con- gestão de figado e a marcha seguida pela moléstia, decidirão-me a abra- çar a segunda opinião, alem de que o sulfato de quinina não preju- dicaria de modo algum ao doente se a primeira fosse a verdadeira. A acção hyposthenisante do tartaro, e sobretudo os eífeitos que elle pro- duz no systema muscular, provocando a relação dos músculos, concor- reo poderosamente para a promptidão com que se offereceo a opportu- nidade do sulfato de quinina. Observação LX-Em um menino de 14 annos de idade, de um ta- lento extraordinário e uma appiicação desmedida, morador no largo do Capim, e doente do meo hábil collega dr. Billaç, observei um exemplo de accessos intermil- 188 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES tentes epileptiformes, que forão-se tornando progressivamente mais graves. Quando eu vi o menino em conferência, já elle tinha tomado aitas doses de sulfato de qui- nina. Apezar porém de uma medicação muito racional, ás 10 horas da noute ante- cedente (hora infallivcl dos accessos) elle tinha tido convulsões, precedidas de allu- cinações da visão, e seguidas de somno comatoso. A associação do valerianato de quinina ao sulfato e ao opio, mais tarde a mudança para Santa Thereza, e os ba- nhos frios de embrocação, produzirão a cura do doente em pouco tempo. Em 1867 entrou para a enfermaria de Santa Izabel o único caso de febre perniciosa aphasica que tenho observado. Tratava-se de um italiano, de nome João Victor, cuja observação, minuciosamente tomada pelo sr. dr. Monteiro de Azevedo, então um dos meos mais distinctos discí- pulos, bem como a lição clinica a que ella deo lugar, forão publicadas no primeiro numero da Revista do Atheneo Medico, jornal mensal redi- gido pelos estudantes da faculdade de medicina, que infelizmente teve curta duração. O doente a que me refiro tinha aphasia por logoplegia, residia em um lugar notoriamente pantanoso, e restabeleceo-se comple- tamente em poucos dias, graças a elevadas doses de sulfato de quinina que tomou. i XVIII ^?. *m^*~ Na fôrma indefinida da febre perniciosa, representada na minha es- U^ex**- tatistica por seis casos, não ha um symptoma predominante que cara- cterise a perniciosidade; em um mesmo accesso notão-se phenomenos de ordem variável, ligados a diversos apparelhos orgânicos. Em alguns casos, cada accesso se caracterisa de um modo differente; ha em outros mistura e confusão das fôrmas conhecidas e clássicas. Em um moço, que apenas tinha defendido these em nossa faculdade quando foi roubado á vida, dos seis accessos perniciosos gravíssimos, que forão a causa de sua morte, observados pelo finado dr. Paula Fonseca, seo sogro, pelo dr. Fer- reira de Abreo e por mim, seos médicos assistentes, não se apresenta- rão dous que se assemelhassem. O primeiro foi francamente delirante, o segundo convulsivo, o terceiro delirante e nevrálgico, o quarto deli- rante e hydrophobico, o quinto algido e o sexto comatoso. Eis-ahi um caso, na observação que se segue, que dá uma idéa exacta da fôrma, que eu chamo indefinida. Observação LXI-Manuel Carvalho, portuguez, de 40 annos de ida- de, trabalhador de roça, entrou para a enfermaria de Santa Izabel no dia 1.° de agosto de 1873. Tem tido por diversas vezes febres intermittentes, contrahidas em DO RIO DE JANEIRO 189 Inhaúma, onde tem residido. Ha um mez mudou-se para o Engenho-Novo, e ahi tem andado sempre mais ou menos doente. No dia 28 de julho foi aeommettido de calafrio ás 8 horas da noute, depois teve muita febre e vômitos. Tomou um sudorifico de infusão de grelos de laranjeira e flores de sabugueiro, c no dia 29 tomou um purgante de sal amargo. Continuou a passar mal durante este dia, e á noute teve cephalalgia muito intensa e delirio. O dr. Titára, que o visitou nos dias 30 e 31, mandou applicar-lhe 6 ventosas sarja- das na região do figado, prescreveo-lhe um vomitorio de tartaro, e sulfato de qui- nina. São estas as informações que nos fornece um amigo de Carvalho, que com elle mora na mesma casa e o acompanhou até á enfermaria. Estado actual—Face decomposta, physionomia indicando profundo abatimen- to. Temperatura a 40°,1, pulso a 124. Subdelirio, tremor dos membros superiores, insomnia. Lingua secca, tremula, coberta de saburra amarellada; ventre tympanico, preso, excessivamente doloroso á apalpaçao e percussão; vômitos, soluços de vez em quando; ligado e baço muito crescidos; suppressão de ourinas, o catheterismo não extrahe a menor quantidade d'este liquido. Dyspnéa, diminuição de sonoridade e estertor suberepitante fino no terço inferior de ambos os pulmões na face poste- rior, ausência absoluta de tosse. Prescripção: Valerianato de quinina......... 2 grammas (em seis doses) Tome uma de duas em duas horas acompanhada de meio calix de água de Inglaterra. Hydrolato de canella......... 150 grammas Tinctura de valeriana.........\ Tinctura de almiscar.........> ãa 2 grammas Ether sülfurico............) Xarope de cascas de laranjas...... 30 grammas Para tomar 2 colhéres de sopa de duas em duas horas, alter- nando com as doses de valerianato de quinina. Um clyster purgativo com assafetida. Vesícatorios nos jumellos, 6 decigrammas de sulfato de quinina em cada ferida produzida pelo vesicatorio. Esta medicação enérgica foi seguida regular e exactamente debaixo da fiscali- sação de oito alumnos por mim indigitados, alem dos dous internos. O doente foi de mal a peior; ás 9 horas da noute arrefecerão-lhe as extremidades e sobreveio- Ihe coma; ás 3 horas da madrugada falleceo. Autópsia praticada sete horas depois da morte—Injecção dos seios da dura- mater, dos vasos da arachnoide e da substancia encephalica; algum derramamento sub-arachnoidiano. Grande congestão do lobo inferior de ambos os pulmões, antigas adherencias pleuriticas no direito. Ausência de qualquer phenomeno anormal na serosa peritoneal; figado muito volumoso e turgido de sangue, baço crescido e amollecido; bexiga retrahida, contendo cerca de 8 grammas de ourina turva, sem albumina; rins muito congestos, com a substancia cortical de uma côr vermelha escura muito carregada. N'este caso, que esteve sujeito á observação dos alumnos somente durante algumas horas, não era fácil dizer qual a fôrma revestida pela 190 ESTUDO CUMCÜ SOBRE A8 FEBRES febre perniciosa. Os symptomas nervosos, taes como subdelirio, insom- nia, tremor dos membros superiores e da lingua, auctorisarão uns a admitürem a fôrma ataxica; o tympanismo abdominal, a extrema sensi- bilidade do ventre, os vômitos e soluços, levarão outros a acceitarem a fôrma peritonitica; a congestão de ambos os pulmões, perfeitamente ca- racterisada pela percussão e auscultação, acompanhada de grande dys- pnéa, fez com que alguns partilhassem a idéa de que se tratava da fôrma pneumonica. O que era evidente era a existência de uma manifestação aguda, gravíssima, da intoxicação paludosa, rebelde aos meios empre- gados antes da entrada do doente para o hospital. A autópsia confirmou este juízo. § XIX o.^aí^a ^ mareia &% febre perniciosa, qualquer que seja a sua fôrma, caracte- / ^*^ " >/r' No tratamento da febre perniciosa o medico deve attender simulta- neamente ao fundo e á fôrma da moléstia. Na presença de um accesso, elle deve empregar todos os meios ao seo alcance para prevenir o ac- cesso seguinte, ou modificar a sua gravidade. Cumpre não perder tempo e obrar com energia; da promptidão e energia da medicação depende a vida do doente; a mais pequena demora e uma therapeutica fraca lhe são sempre prejudiciaes. Os únicos meios que podem efíicazmente combater o fundo da mo- léstia são os preparados de quinina, dados sem perda de tempo, e em condições de serem promptamente absorvidos. Ha casos em que o me- dico recua um pouco para avançar mais longe: recorre a certos meios preliminares, que removão as causas notoriamente conhecidas como ob- stáculos á absorpção dos saes quinicos, e depois então emprega estes saes. Para a febre perniciosa tem inteira appiicação o que já ficou dito em relação ás outras pyrexias. Desengorgitar uma viscera muito con- gesta, seja o cérebro, o pulmão ou o figado; desembaraçar as vias di- gestivas muito sobrecarregadas de catarrho, bilis o resíduos alimentí- cios; abater o calor febril exagerado, e promover alguma transpiração cutânea quando a pelle é muito secca e árida, são muitas vezes, senão sempre, indicações que devem ser previamente preenchidas, porque d'ahi depende a efíicacia do tratamento principal, a absorpção prompta dos saes de quinina. Todavia ha casos tão urgentes, tão momentosos, que ameação tão de perto a vida, que em poucas horas podem terminar pela morte, em que não se pôde, nem se deve perder um minuto. Dar o sulfato de quinina em solução; dal-o em doses três vezes maiores do que em uma febre simples; administrar estas doses altas em diversas horas do dia; não esperar apyrexia, nem outra opportunidade depois de preenchidas as indicações preliminares, são preceitos que sigo invariavelmente no tratamento da febre perniciosa, salvo força maior. Nos casos gravíssimos, que ainda ha pouco figurei, convém antes peccar DO RIO DE JANEIRO 199 por pródigo do que por parco nas doses do medicamento, porque nos achámos na impossibilidade de saber qual a dose suíficiente para combater a infecção miasmatica e prevenir o accesso seguinte. Da nossa prodigalidade não pôde provir conseqüência grave; os mais sérios phe- nomenos de quinismo cedem em poucos dias aos alcoólicos, aos exci- tantes diffusivos e ao opio; no entretanto que da nossa parcimônia pôde resultar a morte do doente. É por esta rasão, que sempre que me acho diante de um caso de máxima gravidade, não hesito em saturar o pa- ciente de sulfato de quinina, de envenenal-o mesmo por meio d'esta sub- stancia, para que o envenenamento medicamentoso, que facilmente se pôde curar, substitua no organismo o envenenamento miasmatico, que em poucas horas pôde matar. D'este meo modo de proceder, e das van- tagens que com elle tenho obtido, dão provas muito significativas algu- mas das observações que figurão n'este livro. O doente que teve um accesso pernicioso aphasico, e esteve na enfermaria de clinica em 1867, ao qual já me referi, tomou em cinco dias 198 grãos de sulfato de qui- nina (11 grammas), sem ter tido accidente algum, a não ser alguma surdez, que apenas durou oito dias. Por occasião de occupar-me d'este facto em uma lição, a qual foi publicada, como já disse, referi aos alu- mnos uma observação de minha clinica particular, em que uma menina de 9 para 10 annos de idade, moradora na rua do Bom Jardim, accom- mettida de um segundo accesso pernicioso comatoso, tomou durante oito dias 204 grãos de sulfato de quinina, em doses decrescentes (pouco menos de 12 grammas), resultando-lhe uma surdez que durou dous mezes. No meo Annuario de clinica de 1868 vem consignada a observa- ção de um doente da enfermaria de Santa Izabel, que tendo tido três accessos perniciosos comatosos progressivamente mais graves, tomou em doze horas uma poção com 8 grammas de sulfato de quinina. Estes três doentes que tomarão as maiores doses que tenho dado de sulfato de qui- nina, ficarão completamente restabelecidos; o mesmo aconteceo com o sobrinho dos srs. drs. Sebastião Saldanha da Gama e Benjamim Fran- klin Ramiz Galvão, cuja observação resumida figura n'este trabalho, e deve reunir-se ás três de que acabo de fallar. Costumo dar 2 ou 3 grammas de sulfato de quinina em duas ou três doses, dissolvidas por meio de algumas gottas de ácido sülfurico, 2H(I ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES deixando entre estas doses três horas de intervallo. Algumas vezes dou 1 gramma de remédio logo que o doente está em condições de absor- vel-a, e mando vir uma poção com' 2 grammas, para ser dada ás co- lhéres de hora em hora, de modo que esta poção se esgote dentro do periodo de doze horas. O meu fim é entreter o organismo do doente debaixo da influencia da substancia medicamentosa, mesmo depois de esgotada a acção dynamica da primeira dose. Nos casos de máxima gra- vidade, em que tudo é anarchia na economia animal, em que não pode- mos confiar muito na actividade dos agentes de absorpção, porque todas as funcções orgânicas tendem a aniquilar-se, aproveito todas as vias de administração dos remédios para dar por ellas os saes de quinina. As injecções no recto, as fricções repetidas, o methodo endermico, c mesmo o hypodermico, são por mim aproveitados para saturar o doente de sul- fato de quinina. Só recorro ao valerianato de quinina isoladamente quando se dão duas circumstancias: l.a, quando me convenço de que o sulfato não aproveita; 2.a, quando o accesso vem acompanhado de grande aba- timento de forças, de profunda adynamia, revelada pela pequenez, mol- leza e concentração do pulso, pelo arrefecimento das extremidades, e pela fraqueza da impulsão do coração. Mesmo n'este segundo caso, lanço mão muitas vezes do sulfato de quinina, associando-o aos alcoólicos e aos excitantes geraes diffusivos, ou em uma mesma formula, ou em for- mulas distinctas, dadas alternativamente, com pequenos intervallos. É este o meo procedimento quando a febre perniciosa reveste as fôrmas algida, sudoral, cholerica, syncopal e ataxo-adynamica. Das observações que se encontrão n'este livro constão detalhada- mente as formulas a que dou preferencia n'estes casos. Divirjo da opi- nião d'aquelles que acreditão preferivel, durante um accesso algido, pri- meiramente restabelecer a calorificação, excitar a circulação, e d'este modo promover a reacção, para depois então recorrer aos saes de qui- nina. Quem conhece a gravidade dos accessos algidos, quem tem visto bem de perto o perigo imminente que ameaça o doente durante estes accessos, não pôde pensar d'este modo. Não ha duvida alguma que o sulfato de quinina em alta dose é um grande hyposthenisante, um forte deprimente da innervação; ninguém contesta que entre os phenomenos graves do quinismo figurem o abati- DO RIO DE JANEIRO 201 mento das forças, o resfriamento das extremidades, a diaphorese abun- dante, a pequenez e lentidão do pulso, a fraqueza das contracções car- díacas, as lypothimias, vertigens e mesmo syncopes; porém cumpre attender que nas fôrmas algida, diaphoretica, cholerica e syncopal, os symptomas que as caracterisão são produzidos por um envenenamento miasmatico; que os saes de quinina neutralisão este envenenamento, que obrão n'este caso como antídoto, e removida a causa, os seos effeitos devem desapparecer. E demais, se o sulfato de quinina inspirar receio aos timoratos, recorrão ao valerianato de quinina; as propriedades ex- citantes do ácido valerianico sobre o systema nervoso corrigem a acção deprimente da quinina, que representa o papel de base n'esta combina- ção salina. O próprio sulfato de (miniria, quando reunido ao qjjío, ao ether, á canella, á valeriana, aos preparados ammnnjacap^ ao almiscar e aos alcoólicos, não produz os effeitos hyposthenisantes que costuma produzir, quando é dado isoladamente e em altas doses. Quanto aos meios therapeuticos reclamados pela fôrma da febre per- niciosa, varião muito, como já ficou dito no principio d'este paragrapho. As emissões sangüíneas geraes raras vezes são indicadas; mesmo nos accessos de fôrma comatosa e meningò-encephalica, em que a íluxão para o interior do craneo se torna ás vezes muito patente, a phleboto- mia deve ser empregada com muita reserva e cautela; o medico nunca se deve esquecer da tendência que apresenta o organismo, nos casos de febre perniciosa, para cair em collapso, em verdadeira adynamia. Nas obras antigas, principalmente nas de Andral, Chomel, Rostan e Bouil- land, escriptas debaixo da influencia das doutrinas de Broussais, encon- trão-se muitos factos de febre perniciosa, qualificados então de modo diverso, em que a morte sobreveio sempre pouco depois da primeira ou segunda sangria. Na obra muito recommendavel do sr. Dutrouleau, onde as moléstias paludosas são bem estudadas, figurão alguns casos de febre perniciosa com phenomenos cerebraes muito pronunciados, em que a lanceta deo máos resultados. Em toda a minha vida profissional lenho apenas sangrado dous doen- tes de febre perniciosa, e em ambos os casos com pleno successo: não proscrevo por conseguinte a phlebotomia de um modo absoluto. Ha ca- sos em que a sangria é o único meio de descongestionar promptamente uma víscera importante, o cérebro ou o pulmão, que durante o accesso 202 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES foi sede de uma forte congestão, a qual ameaça immediatamente extin- guir a vida do doente. Se n'este caso que figuro, o indivíduo for moço, forte, bem constituído; se tiver o~pulso cheio, duro e desenvolvido, cer- tamente na lanceta e na quinina é que encontrará a sua salvação; e sem o emprego da primeira, a segunda de nada lhe servirá. Estas condições porém 'poucas vezes se apresentão na pratica, entre nós, e por isso a sangria geral deve ser reservada para casos muito especiaes. Os médi- cos do Rio de Janeiro pensão quasi todos d^ste modo; o sr. barão de Lavradio, cuja longa pratica e illustração o tornão muito auctorisado nas questões de pathologia nacional, declarou em uma sessão da Imperial Academia de Medicina, que tinha muito receio de sangrar um doente de febre perniciosa, mesmo quando se manifestavão para o cérebro si- gnaes evidentes de forte congestão; a mesma opinião foi sustentada e seguida pelo sr. barão de Petropolis nos últimos dez annos em que exerceo o magistério: o professor Dias da Cruz, que dispõe de grande cabedal scientifico e de extensa clientela, pensa da mesma maneira. As emissões sangüíneas locaes. obtidas por meio de sanguexugas e ventosas escarificadas, são pelo contrario freqüentemente indicadas; el- las figurão em algumas das observações que estão publicadas n'este li- vro. Na fôrma comatosa, na meningò-encephalica, na delirante, na ar- dente, na pneumonica, na hemoptoica, muitas vezes o medico tem ne- cessidade de prescrever algumas sanguexugas na margem do ânus, a fim de descongestinar as meningeas, o cérebro e o pulmão; quando o ac- cesso pernicioso, qualquer que seja a sua fôrma, com excepcão do grupo das algidas, vier acompanhado de grande congestão do fígado, as san- guexugas ao ânus e as ventosas escarificadas no hypochondro direito, são de grande utilidade; o numero das sanguexugas e das ventosas de- pende das condições de idade, temperamente, constituição e robustez do doente, da força e plenitude do pulso, da data da moléstia, etc. Te- nho observado alguns casos de febre perniciosa, em que o sulfato de quinina, não tendo aproveitado antes da emissão sangüínea local, depois do emprego de algumas sanguexugas, é promptamente absorvido, e o doente apresenta logo depois sensíveis melhoras. A medicação evacuante, representada-pelos vomitivos c purgativos, na immensa maioria dos casos de febre perniciosa é de reconhecida vantagem. Quando o elemento bilioso se interpõe entre os symptomas IHI HK) DE MNEIRO 20)5 do accesso, um vomitivo de ipecacuanha é muitas vezes a condição in- dispensável para que os saes de quinina aproveitem. No começo de um accesso, quando a reacção febril é franca e a lingua denuncia um emba- raço das primeiras vias digestivas, tenho por costume associar o tartaro stibiado á ipecacuanha, e esta associação me tem dado bons resultados. Os purgativos salinos, em certos casos os calomelanos, na dose de 6 de- cigrammas a 1 gramma, prestão em diversos períodos da moléstia im- portantes serviços. Os calomelanos sobretudo, dados no começo, pro- duzem effeitos salutares muito promptos quando ha hyperemia dos va- sos intracraneanos, como acontece commummente nas fôrmas comatosa, delirante, meningò-encephalica e ardente. Os clysteres purgativos irri- tantes são muito vantajosos, principalmente nos casos em que ha im- possibilidade de administrar os remédios pela boca, ou por causa de um coma profundo e completo (fôrma carotica ou apoplectica), ou por causa de um trismus invencível, ou por causa de dysphagia. Os excitantes diffusivos e os alcoólicos, para combaterem a algidez nos accessos de fôrma algida; os hyposthenisantes cephalicos, como a belladona, o meimendro e a água dejouro cerejo, para deprimirem a excitação cerebral nos accessos de fôrma meningò-encephalica, delirante econvulsiva; os cjdmantfís e antispasmodicos. principalmente o opio e seos alcalóides, o bfomureto de potássio e o chloral, para corrigirem as perturbações nervosas que se notão nos accessos de fôrma nevrálgica, tetanica, epiléptica e asthmatica; os antithermicos, taes como a digita- hs, a tinctura de veratrina, a tinctura de eucalyptus glóbulos, a tinctura de caferana, para abaixarem a temperatura muito elevada no accesso de fôrma ardente, e muitos outros recursos therapeuticos que são indicados pelas differentes fôrmas de que se revestem os accessos, são meios auxi- liares que os médicos do Rio de Janeiro empregão no tratamento da fe- bre perniciosa, e que lhes prestão incontestáveis serviços. Da leitura das observações que figurão n'este capitulo, deduz-se que emprego quasi sempre vesícatorios nas extremidades inferiores, nos casos de febre perniciosa. Com effeito esta pratica, que sigo desde que exerço a profissão medica, me tem dado tão bons resultados, queé pro- vável que eu a não abandone até o fim de minha vida. Nos accessos em que os centros encephalicos se achão compromettidos, o effeito de- rivativo dos vesícatorios. alem de benéfico, faz-se sentir logo que elles 204 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES t são curados. Admiro-me como ha médicos brazileíros, a cujo mérito pra- tico e scientifico todos rendem homenagem, que contestão o valor im- menso d'esse meio therapeutico. As formulas que costumo empregar nos diversos casos de febre per- niciosa, como auxiliares da medicação quinica, constão das observações, onde muitas se achão por extenso; por isso não as reproduzo aqui. Terminando este paragrapho, direi ainda uma vez, a questão do tra- tamento da febre perniciosa é de uma importância transcendente, é uma questão de vida e de morte; o medico, diante de um doente accommet- tido de um accesso grave, não tem tempo a perder, só deve ter em vista corrigir o mais depressa possível a intensidade dos phenomenos que constituem a perniciosidade, e impedir o apparecimento do accesso se- guinte, ou pelo menos modificar a sua gravidade; a medicação deve ser prompta e enérgica; d'essa promptidão e energia, repito, depende es- sencialmente a salvação do paciente confiado aos nossos cuidados. CAPITULO VIII FEBRE AMARELLA //.' • .- § I *• A febre amarella, typho americano, mal de Sião, typho icteroide, é uma moléstia endêmica no Rio de Janeiro, que tem apparecido debaixo da fôrma de epidemias mais ou menos extensas e mortíferas, durante os mezes de verão, de 1850 para cá. Está hoje provado que a febre amarella appareceo pela primeira vez no Brazil em 1686, tendo feito grande mortalidade na província de Per- nambuco. Segundo a opinião do medico portuguez João Ferreira da Rosa, que descreveo esta epidemia com toda a minuciosidade, o flagello foi importado para aquella província por um navio procedente de S. Thomé, que tinha entre o seo carregamento grande quantidade de carne podre. Depois d'esta época remota, só em 1849 foi que a terrível moléstia vi- DO RIO DE JANEIRO 205 sitou de novo o império americano, começando os seos estragos pela província da Bahia, no mez de outubro, e ficando desconhecida dos mé- dicos em seos primeiros assaltos. Dos documentos officiaes consta que para ahi foi ella levada pelo brigue Brazil, procedente do porto de Nova Orleans, onde reinava a febre amarella. Foi no dia 27 de dezembro do mesmo anno que apparecerão os primeiros casos n'esta corte; dous vin- dos na barca americana Navarre, e recolhidos ao hospital da Santa Casa da Mizericordia; quatro encontrados no public-house Frank, situado na rua da Mizericordia, e dous trazidos pelo vapor D. Pedro, que, bem como o outro navio, tinha chegado da Bahia. Em janeiro, fevereiro e março de 1850, a epidemia tomou grande incremento, estendeo-se por toda a cidade, fez n'este ultimo mez 80, 90jMnais victimas po£Jia_açcommetteo a mais de 9:600 pessoasTna ™í°JLPar^^ e só começou a de^ ilinar de abril em diante, extinguindo-se compíetamente em fins de maio. Em 1851 appareceo uma segunda epidemia, que levou á sepultura 475jndivjdL^; em 1852 o numero de mortos foi de Ij943j em 1853 foi de 853. Durante cinco annos apenas observarão-se alguns casos es- porádicos de febre amarella, em marinheiros estrangeiros, recentemente chegados ao nosso porto; porém em 1859 houve uma outra epidemia, que matou 500 pessoas; em 1860 outra que fez 1:249 victimas; em 1861 e 1862 morrerão de febre amarella 259 individuos. D'esta época em diante, até 1873, durante o verão observarão-se casos d'esta moléstia, sempre graves nos estrangeiros não aclimatados, e produzindo sempre um certo numero de mortes. Em dezembro de 1872, janeiro, fevereiro e março do anno seguinte, uma epidemia extensa e mortífera desenvolveo-se ou- tra vez na cidade do Rio de Janeiro, apresentando muitos pontos de si- milhança com a de 1850. Nos primeiros mezes de 1874 foi ainda a população atterrada pelo apparecimento de grande numero de casos de typho americano, apezar de ter sido a epidemia muito limitada em suas devastações. Estas diflerentes epidemias de febre amarella que têem annualmente visitado a cidade do Rio de Janeiro, apresentão entre si muitas analo- gias, não só quanto á marcha que seguirão, mas também quanto aos symptomas que a moléstia apresentou. ^ ESTUDO CLINICO .S*>ÜRK AS FEBRES y ■■ " y. -tf*- /* «• t . - à n As eausas que concorrem para que a febre amarella se tenha tor- nado endêmica entre nós e appareça quasi todos os annos debaixo da fôrma epidêmica, são de duas ordens: l.°,as condições topographicas e climatericas do Rio de Janeiro; %°, o pouco cuidado que nos tem me- recido tudo quanto nos diz respeito á hygiene publica. Estou de perfeito aceordo com o dr. Frederico Thomás, quanto á opinião que elle sustenta em sua importante monographia sobre as condi- ções que concorrem para o desenvolvimento da moléstia em uma loca- lidade qualquer; estas condições são as seguintes: l.a, que essa locali- dade seja intertropical ou esteja nas proximidades dos trópicos; 2.*, que se ache perto do mar oudejnja^gr^de^rioiJi.3, que seja naturalmente humida e sujeita a uma abundante evaporação aquosa, sobretudo du- rante a noute; 4.% que seja pantanosa ou esteja próxima de pântanos; 5.a, que o seo solo contenha grandes depósitos de matérias orgânicas, animaes e vegetaes, sobre as eraaes os raios calorificos do sol determi- na» a fermeirfação pútrida, principalmente na estação calmosa; 6.a, que n'ella existão reunidos muitos jndivjduos não adimaLtados^ vivendo em lugares estreitos, mal ventilados e insalubres, como em certos compar- timentos de um navio, por exemplo, e aetuando sobre elles uma tem- peratura elevada e variável. Quem conhece bem a cidade do Rio de Janeiro sabe que ella reúne todas estas condições referidas pelo distincto medico francez. Ella está quasi sob o trópico de Capricórnio; acha-se dentro dos limites da zona torrida; a sua temperatura media é de 23°,5 centígrados, como ficou dito nas primeiras paginas d'este livro, a máxima de 27o,2, e a minima de 20°; é cercada pelo mar em grande extensão; o seo solo, extrema- mente humicto, é quasi que exclusivamente constituído por argilla e hú- mus, e encerra de mistura com esses princípios grande copia de maté- rias orgânicas; por toda a parte está rodeada de pântanos extensos; recebe annualmente um cres^idojmmerode esjrjmgejro^ que chegãoda Europa, principalmente de Portugal, destituídos de recursos, sendo obri- gados, para não soffrerem os rigores da miséria, a entregar-se a traba- lhos rodes e excessivos que lhes depauperão as forças, vivendo em más condições hygienicas; "alem do demasiado calor, sobretudo em certas bo ük> de JÁNEihu 207 épocas do anno, a sua temperatura é extremamente variável, determi- nando na columna thermometrica constantes e rápidas oseiüações, ás ve- zes mesmo durante vinte e quatro horas. Nada pois nos falta para que a febre amarella aqui se torne endêmica, e as e|>idemias se reproduzão por occasião do estio. jA^ta^con^ições^ que forão dadas pela natureza á bella cidade de S. Sebastião, e que certamente não podem ser removidas, juntão-se ou- tras que procedem ^Hn^uTiá^com que são tratadas entre nós as ques- tões de salubrídade publica pelas altas personagens que nos governão. O estado immundo das nossas ruas, praças e praias; os numerosos fo- cos de infecção que representão os chamados cortiço», verdadeiros an- tros, onde a vida e saúde da classe pobre são sacrificadas á sórdida am- bição dos proprietários, onde em uni estreito cubículo, sem ar nem luz, accumulão-se três, quatro e mais pessoas, que alli dormem, comem, e tudo fazem, sorvendo lentamente em uma atmosphera infecta o veneno que lhes mina o organismo, e enveaenando-se reciprocamente; a liber- dade com que muitas casas de negocio vendem aos miseráveis operários gêneros deteriorados, corrompidos e nocivos á saúde; a maaejra irre- gular e inconveniente por que funccionão os esgotos da companhia City Imjjrovements, privados de água, elemento indispensável para que elles sejão úteis e não prejudiquem a saúde publica; as repetidas excavações, largas e profundas, que se fazem eontkiuadamente, com especialidade durante o verão, nas ruas mais centraes e populosas da cidade; são outras tantas condições que, reunidas ás primeiras,, coocorrenu pode- rosamente para que tenhamos todos os annos a visita d'esse terrível fla- gello dos paizes quentes, que aninhou-se no Rio de Janeiro, afugentando os estrangeiros, difficultando a colonisação de que tanto carecemos, e perturbando a proverbial salubrídade do nosso clima. Antes de 1850 notava-se entre nós um facto muito importante du- rante os mezes de verão, que influía grandemente em algumas das más condições do nosso clima, modificando-as favoravelmente, e que muito contribuía, segundo penso, para que não tivéssemos a visita do typho americano. Nos dias de maior calor, principalmente em janeiro e feve- reiro, apparecião de tarde grandes trovoadas acompanhadas de chuvas torrenciaes, durando a tempestade de três a quatro horas. As descargas electricas, augmentando a quantidade de ozone na atmosphera; a enorme \ 208 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES condensação dos vapores aquosos que abundavão no ambiente; a queda de grandes massas de água lavando as camadas atmosphericas, e fazendo baixar a temperatura, taes erão as modificações salutares que essas tem- pestades imprimião em nossas condições climatericas, das quaes parti- cipava a constituição medica d'aquellas épocas remotas. Com o caminhar progressivo da civilisação, as nossas matas virgens forão sendo destruí- das para darem lugar a bellas estradas de rodagem e aos trilhos da via férrea; os nossos arrabaldes deixarão pouco a pouco o aspecto campes- tre que tinhão, a luxuriante vegetação que os guarnecia foi destruída para em seo lugar edificarem-se opulentos palácios; abrirão-se novas ruas em localidades por onde não tinhão ainda passado as mãos da in- dustria e das artes. Quer fosse devido a isso, quer fosse determinado por outras causas, o que é verdade é que de anno em anno forão des- apparecendo as trovoadas e as chuvas torrenciaes, e com ellas também forão-se extinguindo os seos benéficos resultados. A influencia d'esta causa no apparecimento da febre amarella é tão real, que o distincto me- dico brazileiro, sr. barão de Lavradio, referindo-se ás condições clima- tericas que precederão a grande epidemia de 1850, liga grande impor- tância á excessiva secca que se deo em fins de 1849, ao ardente calor do verão d'este anno, á falta absoluta das trovoadas, á ausência das vi- rações que de tarde costumavão apparecer e refrescavão o ambiente, e á chegada de grandes lotes de aventureiros que se dirigião para a Cali- fórnia. Por occasião da epidemia de 1850, as grandes descargas electricas concorriâo muito para attenuar a intensidade do mal, não só diminuindo o numero dos atacados, mas também tornando os casos menos graves. O finado dr. Paula Cândido, que era então o presidente da junta central de hygiene publica, e um dos mais notáveis professores da fa- culdade de medicina da corte, depois de repetidas investigações ozonos- copicas, chegou a convencer-se de que a marcha da epidemia decrescia na rasão directa da quantidade de ozone que existia na atmosphera de- pois das fortes trovoadas: as suas opiniões sobre este assumpto achão-se sabiamente desenvolvidas no seo relatório de 1851. O illustrado Figuier, no Anno scientifico de 1862, sustenta que a quantidade de ozone na atmosphera está na rasão inversa do gráo de civilisação e adiantamento material de uma cidade. DO RIO DE JANEIRO 209 Ninguém contesta que/a febre amarella seja devida a Um miasma, a^^ — o qual se origina em um foco de infecção mais ou menos extenso e de " '*■ ÍL variável fertilidade. Quanto á natureza d'este miasma reina ainda na ^t£2CT sciencia completa ignorância; os epidemiologistas estão em desaccordo.c^.**^, Tenho sempre sustentado, nas minhas lições de clinica, que esse miasma é mixto e complexo; que para a sua composição concorrem, de um lado, o miasma paludoso e de outro lado ojniasma typhico; que encerra por conseguinte um elemento de origem vegetal e outro de origem animal; que á reunião d'estes dous elementos, predominando ora um, ora outro, vem a influencia maritima imprimir uma certa modificação que lhe dá o cunho especial, produzindo-se então o miasma do typho americano. Bem sei que esta opinião não passa de uma hypothese como qualquer outra; porém esta hypothese tem a seo favor o poderoso auxilio que lhe pres- tão a marcha dos phenomenos mórbidos, a natureza dos symptomas, e a reconhecida vantagem de um certo numero de agentes therapeuti- cos. Tenho-me pronunciado mais de uma vez, em occasiões bem sole- mnes, contra as vantagens que podem resultar de uma discussão relativa- mente ao contagio de uma affecção, travada entre contagionistas e anti- contagionistas. Este meo modo de pensar tem principalmente appiicação á febre amarella. Entre aquelles que melhor e mais têm observado as epidemias d'esta moléstia; uns affirmão que ella é contagiosa, outros sustentão o contrario. Esta divergência de opiniões existe também entre os médicos brazileíros. Tanto de um lado como de outro appellão para os factos, e os factos prestão-se perfeitamente a dar rasão a todos, sem que a boa fé dos antagonistas possa inspirar desconfiança. Na interpre- tação dos factos contrários ha quasi sempre parcialidade de ambos os lados; a discussão pôde prolongar-se indefinidamente, e nunca conse- guem uns convencer os outros. Para mim, a febre amarella não é con- tagiosa ; assim penso desde que comecei a minha carreira medica, e esta opinião adquire de dia em dia em minha consciência raizes mais pro- fundas e inabaláveis. Respeito a opinião dos contagionistas; estou con- vencido de que elles defendem com a rasão e o coração uma idéa que julgão humanitária; porém nem um só facto da minha observação, nem 14 210 ESTUDO 'CLINICO SOBRE ÁS FEBRES um só incidente da minha pratica, apezar de toda a imparcialidade, me autorisão a pensar de modo contrario. Não tem rasão o venerando sr. conselheiro Jobim quando se cons- pira iracuhdo contra os anti-cohtagionistas, exigindo para elles todas as penas do inferno; na idade avançada de tão respeitável varão, em um espirito tão cultivado, similhante intolerância não tem desculpa nem ex- plicação. Quando s. ex.* sübio á tribuna das conferências populares para convencer a todos dè que a febre amarella é contagiosa, e que nas qua- rehtenas e cordões sanitários é que está a salvação do paíz, eu o ouvi com toda attenção, disposto a ácompahhal-o no caso de serem abaladas as minhas convicções. Apezar porém da maior boa vontade, apezar dos immensos recursos do orador, retirei-me do edifício da escola publica da Gloria do mesmo modo por que lá tinha entrado. Bem sei que os contagionistas me hão de fallar na importação da moléstia, em sua propagação fora do foco em que se originou, nas ob- servações de Dutrouleàú, Pugftet, Páriset, Andonard e Gerardin, que demonstrão o contagio; bem sei que o meo distinteto collega o barão de Lavradio sempre pensou e ainda pensa como estes autorisados observa- dores, e a sua opinião é muito valiosa, porque elle têm acompanhado muito de perto a marcha das epidemias que têm apparecido no Rio de Janeiro; nada d'isso me é estranho. A importação e propagação da fe- bre amarella entre nós explica-se perfeitamente £elâs leis da infecção; se esta moléstia fosse Contagiosa, os habitantes de certas localidades ele- vadas e salübres não ficaríão d'ella isentas desde què para lá fossem doentes atacados do mal epidêmico. Ponhamos de parte as autorida- des, porque Miller, Dâlmàs, Valentim, Devèze, f homás, Chervin, Lefort e Rochoux são anti-cohtagionístâs, pensão inteiramente como eu. Posta a questão n'este terreno, a vantagem está do meo lado, porque dos epide- miologístas cujas opiniões conheço e tenho consultado, seis sustentão o contagio e sete sustentão o inverso; não é porém com o pezo de auto- ridades que se deve argumentar, principalmente entre nós, em uma questão que só deVè ser resolvida pela observação e experiência. As duas maiores epidemias de febre amarella que tôm apparecido no Rio de Janeiro, forão a de 1850 e a de 1873. A primeira só conheço por tradição, pelos escriptos dos médicos que a observarão, principalmente pela descripção que d'ella fizerão os srs. barão de Petropolis e barão de DO RIO DE JANEIRO 211 Lavradio (*). A segunda observei em sua origem, em sua marcha e em sua terminação; acompanhei-a em todas as suas phases, e por essa occa- sião estudei ainda uma vez a questão do contagio. O que se passou n'esta epidemia? Tendo começado na parte da cidade mais próxima do litoral, ahi concentrou-se por muito tempo, causando grandes estragos e atacando quasi exclusivamente os estrangeiros não aclimatados. Pouco a pouco foi-se estendendo pelo coração da cidade! depois invadio os pontos mais afastados, e chegou mesmo aos arrabaldes. Facto impor- tante e observado por todos: á medida que a epidemia ia caminhando, á medida que ia-se generalisando, á medida que ia-se afastando do foco em que se originara, ia-se tornando menos mortífera e menos grave; a intensidade com que a moléstia accommettia os individuos estava na ra- são inversa do numero dos atacados. Outro facto também importante e não menos incontestável: no de- curso do mez de março, e mesmo durante a primeira quinzena do mez de abril, ao passo que alguns casos graves se observarão em diversas localidades muito distantes do centro da cidade, e sobretudo das vizi- nhanças das praias, os pontos primitivamente flagellados ficarão livres do mal. Parece fora de duvida que houve um foco de infecção, de onde os miasmas se desprendião para espaíharem-se na atmosphera; emquanto estes miasmas estavão concentrados em uma zona circumscripta, os seos effeitos erão mais perniciosos, e a sua acção limitava-se aos individuos que se expunhão á influencia maléfica cVessa zona envenenada. Durante este primeiro periodo da epidemia, nem um só caso de febre amarella foi observado alem de certos limites, a menos que o doente não fosse buscar o germen do mal em alguma casa ou rua comprehendida na zona de que fallo. Alguns doentes que n'essa epoea forão transportados para os arrabaldes não rransmittirao a moléstia. Em 1850, por occasião da primeira epidemia de febre amerella no Rio de Janeiro, e durante os três primeiros mezes do anno de 1873, muitos estrangeiros abastados não aclimatados retirarão-se para os luga- res elevados, como Tejuca, Petropolis, Therezopolis e Nova-Friburgo, a fim de ficarem fora do alcance do miasma gerador da moléstia epidê- mica ; para alguns d'estes lugares forão alguns doentes de febre amarella [') Relação dos doentes de febre amarella tratados no hospício de Nossa Senhora do Livrameuto. Historia e descripção da febre amarella epidêmica, que grassou no Rio de Janeiro em 1830. 212 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES outros lá adoecerão levando a moléstia da cidade: pois bem, não só não consta que a epidemia alli se desenvolvesse, mas também que houvesse adoecido de febre amarella algum dos habitantes que lá permanecião durante algum tempo. O que prova isso senão que o typho americano é exclusivamente infeccioso e não contagioso ? Para a enfermaria de Santa Izabel do hospital da mizericordia en- trou em 1873, 1874 a 1875 um crescido numero de doentes de febre amarella, muitos excessivamente graves, dos quaes alguns fallecerão; nem um só dos outros doentes da mesma enfermaria, alguns em gráo adiantado de cachexia e muito depauperados, outros em principio de convalescença, contrahio a moléstia. Na casa de saúde de Nossa Senhora d'Ajuda em 1873 tive a meo cargo 139 doentes de febre amarella, e em 1875 mais de 40; muitos estiverão nas mesmas salas em que es- tavão outros individuos acommettidos de diversas moléstias agudas e chronicas: a febre amarella não se manifestou em nenhum d'estes indi- viduos ; todos os casos d'esta moléstia, tratados no estabelecimento, vie- rão de fora. Se o contagio se podesse dar, onde melhor se daria do que nos dous hospitaes, em pessoas extenuadas por antigos soffrimentos, muito aptas por conseguinte para receberem o miasma que proviesse das victimas da epidemia? O depauperamento da economia animal, a fraqueza peculiar ao estado de convalescença, as más condições moraes em que sempre estão os doentes graves, não constituem circumstancias favoráveis ao contagio? Sobre este ponto estão de accordo todos os epi- demiologistas- Todos admittem como causa predisponente poderosa para contrahir a febre amarella o facto de ser um indivíduo recentemente chegado ao lu- gar em que reina uma epidemia d'esla moléstia: é mais um argumento contrario aos contagionistas. Nas epidemias que temos tido, não são so- mente os estrangeiros que aqui chegão que pagão á moléstia epidêmica um pezado tributo; os_ brazileíros que habitão as províncias do sul, es- pecialmente S. Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catharina e Minas Ge- raes, quando chegão á corte, são victimas quasi infalliveis da moléstia, principalmente se vão residir no coração da cidade. Aquelles que tem- porariamente se achão n'estas províncias, e depois de algum tempo re- gressão para o foco de infecção, estão no mesmo caso. As condições climatericas do sul do Brazil, muito diversas das que existem na capi- DO RIO DE JANEUtO 21:1 tal do Império, sobretudo das da corte, e muito análogas ás de alguns paizes da Europa, explicão satisfactoriamente esses factos. Na epidemia de 1873, quando a moléstia atacava os nacionaes acli- matados, preferia as crianças de 2 a 10 annos de idade, tendo ellas for- necido o maior contingente para a mortalidade dos que não erão estran- geiros, nem tinhão chegado do sul: só no mez de fevereiro succumbirão 75 crianças, das quaes duas com menos de 1 anno de idade, e as ou- tras comprehendidas no periodo que acabo de indicar. As indigestões, o abuso dos fructos verdes, a insolação, o resfria- mento e o excessivo trabalho, são as causas que ordinariamente provo- cão entre nós o apparecimento da febre amarella. . ,-. .,■■■ " / ■'*'§ IvV A febre amarella^ apresenta em MÍa marcha naiutal três períodos lf ^^g- distinctos: o 1.°, chamado periodo de reacção, congestivo, inílammato- *Ju £Z* rio e irritativo, em que o doente apresenta symptomas de grande fe- bre, de congestão e inflammações para diversos órgãos; o 2.°, chamado^^^^^^fcc periodo de remissão, periodo de quinina (barão Petropolis), em que es- s^i. tes symptomas achão-se totalmente dissipados, ou mais ou menos dimi- nuidos de intensidade; o 3.°, periodo hemorrhagico, periodo ataxo-ady- namico, em que a moléstia se caracterisa, em que apparecem phenomenos hemorrhagicos, entre os quaes predomina o vomito preto e os pheno- menos ataxo-adynamicos. Raras vezes a febre amarella entre nós apresenta verdadeiros sym- ptomas prodromicos; na immensa maioria dos casos ataca de súbito o indivíduo, sorprehendendo-o no goso de perfeita saúde. Não se pôde todavia negar que em alguns casos excepçionaes apparecem prodromos que precedem de vinte e quatro a trinta e seis horas a explosão do mal; estes prodromos, que consistem em: inappetencia, fraqueza de pernas, fadiga ao menor exercicio, inaptidão para o trabalho, bocejos freqüentes, somno agitado e cephalalgia; ás vezes, antes de apresentar os sympto- mas característicos do primeiro periodo da febre amarella, o doente é aeommettido de um, dous ou mais accessos regulares de febre inter- mittente de typo quotidiano, com os seos três estádios bem distinctos. Nem sempre a febre amarella apresenta os três períodos de que fal- lei; ha casos em que elles deixão de existir; e então, ou os symptomas 214 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES do terceiro periodo substituem rapidamente os do primeiro, sem haver a menor transição; ou os symptomas d'aquelle misturão-se com os d'este, sendo impossível descriminar períodos. Em regra geral, a gravidade da moléstia está na rasão inversa da distincção dos períodos; nos casos gra- víssimos, os phenomenos precipitão-se tão desordenadamente e com tanta rapidez, que em menos de quarenta e oito horas o indivíduo passa do " estado de saúde ás condições de cadáver, como tenho tido occasião de observar algumas vezes. Depois dos phenomenos premonitores, ou sem prodromos, começa a febre amarella por um calafrio de intensidade e duração variáveis, se- guido de cephalalgia supra-orbitaria muito forte, que em alguns casos obriga o doente a gemer. Sobrevem febre intensa, que é logo acompanhada de dores lomba- res, nos membros inferiores, e ás vezes nos superiores. A face torna-se animada, os olhos ficão injectados, lacrymejantes e muito sensíveis á luz; ao lado d'estes phenomenos que se notão na face, principalmente nos olhos, ha no olhar do doente uma certa languidez, um certo indicio de abatimento, que valem de muito para quem tem o habito de ver doen- tes no primeiro periodo da febre amarella. Os tegumentos do tronco, sobretudo no thorax, apresentão-se hyperemiados. O doente move-se com diffieuldade no leito, não só por causa da fraqueza que experimenta, como principalmente porque os movimentos exacerbão-lhe as dores lom- bares e das pernas. A lingua ora se apresenta muito saburrosa, e n'este caso ha vômitos biliosos, ora a saburra é moderada, e ha tão somente náuseas; ora a lingua não offerece outra mudança a não ser algum ru- bor na ponta e nos bordos. Ha dor epigastrica, espontânea, ou provo- cada pela pressão e percussão, o que constitue a regra geral; a sede é intensa e a anorexia absoluta. O figado augmenta de volume muitas ve- zes ; o baço conserva-se normal; ha constipação de ventre; o estado opposto, isto é, a diarrhéa, é tão raro, que eu só o observei uma vez em 112 doentes. As ourinas tornão-se mais raras, como em toda reac- ção febril, mais vermelhas e concentradas, ora dando, ora não um pre- cipitado albuminoso pela addição de algumas gotas de ácido azotico, ou por meio do calor. Uma ou outra vez se observa delirio ou tendência ao coma, porém quasi sempre a intelligencia se mantém perfeita. Nem todos estes symptomas que caracterisão o primeiro periodo da DO RIO DE JANEIRO 2,4o febre amarella merecem a mesma importância; uns, que chamarei ca- pitães, valem muito, outros, que chamarei secundários, têm um valor muito insignificante. Os primeiros são: a cephalalgia supra-orbitaria, o aspecto da face, dos olhos e q> tegumento do thorax, as dores lombares e dos membros inferiores, a albuminuria, quando existe, e a marcha do calor febril: d'estes me occuparei com alguma mjnuciosjdade. Comquanto a côr icterica seja muito rara no primeiro peripdo da febre amarella, todavia, como em alguns casos ella se manifesta de um modo muita pro- nunciado em toda a superfície cutânea, tampem analysarei este, sym- ptoma, e apreciarei o seo mecanismo. A cephalalgia na febre amarella é quasi sempre muito intensa, e oc- cupa de preferencia as ^giões supra-orbifàrias, onde, alem da dor, o doente experimenta uma sensação de grande pezo que lhe difíiculta os movimentos das palpebras superiores. Em alguns casos, menos raros do que ordinariamente se pensa, a cephalalgia so estende ás outras regiões da cabeça, e é acompanhada de delirio ou de sopôr. Não ha a menor duvida de que a dor de cabeça, que nunca falta no primeiro periodo da moléstia, e tanto atormenta o paciente, reconhece por condição patho- genica uma hyperemia das meningeas, mais ou menos pronunciada, cu- jos vestígios a autópsia nos revela com notável freqüência. Esta hypere- mia, quando é intensa e extensa, denuncia-se por um certo numero de phenomenos cerebraes, entre os quaes figurão o delirio e o coma. Em dous casos observados em 1873 na casa de saúde de Nossa Senhora d'Ajuda, os symptomas dependentes da congestão meningò-encephalica tornarão-se tão assustadores, que não hesitei em empregar contra ejles uma medicação directa e enérgica. No primeiro caso tratava-se de um moçp portuguez, no verdor dos annos, que tinha a face vultuosa e um delirio furioso, tendo-mo sido preciso recorrer á camizola de força. Não obstante ser um, caso inequí- voco de febre amarella, appliquei sanguexugas ás apophyses ma,stoides e ás têmporas, e prescrevi alguns meios therapeuUeos tendentes a comr bater a hyperemia cerebral. No segundo caso tratava-se de um hqllfljir dez extremamente robusto, de fôrmas athleticas, que se apresentou mergulhado em profundo coma. Se não fosse a sub-ictericia que se pa- tenteava em toda a pelle e nas escleroticas, eu o teria sangracjo .seryjn- do-me da lanceta; porém mandei apptícar-lhe um grande numero 4e 21(j ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES sanguexugas ás apophyses mastoides e na região occipital: estes dous doentes restabelecerão-se em pouco tempo. Em abril de 1870, entrou para a enfermaria de clinica um doente no primeiro periodo da febre amarella, em estado de verdadeiro carus, com a face turgida e violacea, as conjunctivas escleroticaes amarelladas, as ou- rinas sobrecarregadas de albumina, e o calor febril muito exagerado. Guiando-me pelo pulso, que era cheio, duro e muito desenvolvido, pre- screvi uma sangria de braço de 12 onças e 24 sanguexugas na base do craneo; apezar d'este tratamento antiphlogistico, o estado carotico não diminuio, e o doente falleceo ás 4 horas da tarde do mesmo dia. A autó- psia revelou a existência de uma forte hyperemia dos vasos das menin- geas, sobretudo da arachnoide, e da substancia branca de todo o encephalo. A injecção e o brilho dos olhos, que acompanhão a cephalalgia, e cuja intensidade está na rasâo directa d'este symptoma, dependem igual- mente da congestão infracraneana. Nota-se porém ao lado do rubor das conjunctivas oculo-palpebraes uma côr levemente amarella que lhe serve de fundo, resultando da mistura das duas cores uma côr similhante á da casca da laranja selecta madura; é sobretudo nos ângulos internos dos olhos que essa côr se torna mais patente. A intensidade da dor de cabeça, obrigando o doente a ter as palpebras superiores abaixadas; o quebra- mento de forças e grande abatimento, que desde os primeiros dias são muito pronunciados, dão ao olhar do paciente um aspecto de languor e soffrimento, que, reunido á côr dos olhos e á injecção da face, imprime á physionomia do individuo um cunho particular, de muito valor para o diagnostico: é o olhar que se nota no ebrio que oscilla entre os períodos de excitação e de collapso da embriaguez. No periodo de invasão das febres eruptivas, principalmente da varíola, notão-se a animação da face, o rubor e lacrymejamento dos olhos; porém não se observa o olhar especial da febre amarella, que não deve passar desapercebido á attenção do medico. Em alguns casos, raros no Rio de Janeiro, a intensidade da cepha- lalgia, a animação da face e injecção dos olhos, diminuem grandemente em conseqüência de uma epistaxis que sobrevem, verdadeira hemorrha- gia activa qu fluxionaria, que produz allivio notável ao doente, e cuja significação pathogenica é muito diversa da que se refere á mesma he- morrhagia symptomatica do terceiro periodo. O sangue que sai das fossas nasaes é vermelho, rutilante, plástico, facilmente coagulavel. DO RIO DE JANEIRO 217 O tegumento externo do thorax apresenta-se também hyperemiado no primeiro periodo do typho americano: applicando-se a mão aberta sobre a parede thoraxica anterior, e exercendo sobre ella alguma pres- são, logo que esta cessa, notão-se as impressões dos dedos, representa- das por uma côr pallida, que contrasta com o rubor do resto da região; esta pallidez é devida á retirada do sangue dos capillares comprimidos. Alguns médicos notáveis, que têm observado diversas epidemias de febre amarella, como Chervin, Cornillac e Rochoux, dão grande valor diagnostico ao rubor uniforme e diffuso da parede thoraxica. Este symptoma é tão freqüente entre nós, que eu ainda não deixei de encontral-o. As dores lombares constituem um phenomeno muito constante e significativo no primeiro periodo do typho americano: ora apresentão o caracter do lumbago, e são de moderada intensidade; ora revelão-se como uma verdadeira rachialgia, tendo por ponto de partida as apophyses espinhosas das ultimas vertebras, irradiando-se para ambos os lados, e invadindo a parte superior dos membros pelvianos. N'estes casos, as dores lombares são sempre acompanhadas de dores nas pernas, causão grande soffrimento aos doentes, os obrigão a gritar e gemer, pedindo com grande empenho allivio para seos males. A época do apparecimento d'estas dores, as irradiações que apre- sentão, e os meios que conseguem removel-as ou attenuar-lhes a vio- lência, mostrão evidentemente que ellas se ligão directamente a uma hyperemia das meningeas medullares. Quando esta hyperemia se limita á região dorso-lombar, o que constitue a regra geral, as dores não se observão senão da cintura para baixo; quando porém ella excepcional- mente invade as regiões superiores do eixo rachidiano, o doente accusa também dores de caracter nevrálgico, tanto nos membros thoraxicos, como no pescoço, na nuca e no peito: foi o que tive occasião de obser- var em dous doentes da casa de saúde de Nossa Senhora d'Ajuda em janeiro e fevereiro de 1873. Em um d'elles, que veio a succumbir mais tarde com todos os symptomas do terceiro periodo, notava-se em todo o corpo uma verdadeira [hyperesthesia; o indivíduo parecia aeommet- tido de uma dermalgia geral. Quem consultar o antigo, porém precioso livro de Valentim, onde a febre amarella, que appareceo epidemicamente na Philadelphia, é descripta por mão de mestre, ahi encontrará as dores 2^8 ESTUDO QLJWCO SQBRE AS FEBRES coiatusivas o nevrálgicas, espalhadas em diversas regiões do corpo, fa- ge»ÍP, P3íte do quadro, symptomatico do primeiro periodo da moléstia. Quando a violência das dores lombares reclama uma medicação es- pecial, o meio que mais aproveita é a appiicação de ventosas sarjadas na região dolorosa, o que prova ainda que, essas dores dependem de uma congestão intra-rachidianar A presença de albumina nas ourinas, revelada pela addição de al- gumas gotas do ácido azotico ou pelo emprego do calor, constitue um symptoma de, grande valor diagnostico, quando se apresenta no primeiro periodo da febre amarella. Na epidemia de 1850, segundo nos referem os escriptores que cVella se occupão, a albuminuria se manifestava no principio da moléstia, era um dos phenomenos que se observavão prematuramente. Quando eu estudava clinica em 1857 e 185S, tive occasião de ouvir a opinião do meo sábio mestre, o sr. barão de Petropolis, a este respeito: elle dava tanta importância á presença da albumina nas ourinas dos doentes que entravão com febre para a enfermaria, que muitas vezes, na presença d'este symptoma, com exclusão de alguns outros caracteres da febre amarella, o seo juizo pondia para essa moléstia, e quasi nunca se enga- nava, no entretanto que hesitava em admittir a sua existência quando faltava a albuminuria. Em 1869 entrou para a enfermaria de Santa Izabel um menino por- tuguez, recentemente chegado ao Brazil, com muita febre e em estado comatoso. O exame das ourinas revelou a existência de albumina, e só por isso diagnostiquei febre amarella; este diagnostico confirmou-se mais tarde, porque o doente, depois que ficou livre do coma, teve vo- mito preto e ictericia, vindo a succumbir com a fôrma hemorrhagica do terceiro periodo da moléstia. N'esta mesma época, em que reinava en- tre sós uma pequena epidemia, fui chamado em conferência para ver um moço de 16 annos de idade, chegado havia poucos dias da provín- cia de Minas Geraes, e que fora empregar-se em uma casa de commer- cio 'da rua Direita. Esse moço tinha febre intensa, que datava de três dias, e era acompanhada de delirio constante. Examinando as ourinas com o ácido azotico, obtive um abundante precipitado albuminoso: foi isso bastante, depois de ouvida a historia anamnestica da moléstia, para que eu declarasse ao collega assistente e á familia do doente que se DO RIO DE JANEIRO 219 tratava de um caso gravíssimo de febre amarella. Com effeito., das 7 para as 8 horas da noute, a reacção febril diminuio muito de intensi- dade, porém apparecerão vômitos negros, evacuações da mesma côr e abundante epistaxis; no dia seguinte, ás 11 horas da manhã, o moço falleceo, tendo sempre vomitado uma matéria similhante á tinta de es- crever até a hora da morte. Já se vê pois que nas epidemias que apparecerão no Rio de Janeiro de 1850 até 1869, a albuminuria era muito freqüente no primeiro pe- riodo de febre amarella; o mesmo porém não aconteceo na grande epi- demia de 1873 e na de 1874, que foi limitada. Em 82 doentes entra- dos para a casa de saúde de Nossa Senhora d'Ajuda durante a primeira, e 22 durante a segunda, todos com os symptomas do primeiro periodo da moléstia, a albumina nas ourinas só! foi encontrada quinzo vezes (15 por cento); mesmo n'aquelles casos em que a escassez da secreção ou- rinaria e a côr carregada do liquido excretado fazião presumir que os reactivos chimicos dessem um precipitado albuminoso, nada se obteve, nem por meio do ácido azotico, nem por meio do calor. Igual observa- ção fizerão alguns collegas cuja attenção foi attrahida para este ponto. Na epidemia que invadio a cidade de Lisboa em 1857 o mesmo teve lugar: no primeiro periodo da moléstia as ourinas erão ordinariamente ácidas, avermelhadas, transparentes ou turvas, porém destituídas de al- bumina; em bem poucos casos a existência deste principio patenteou-se ás analyses chimicas (dr. Costa Alvarenga). Alguns epidemiologistas, que fizerão a historia da febre amarella em diversos paizes estrangeiros taes como Thomás, Cornillac, Pariset e Gerardin, tiverão repetidas oc- casiões de observar o mesmo facto. Se a côr amarellada das conjunctivas, sobretudo das que revestem as escleroticas, é um symptoma muito freqüente no primeiro periodo da febre amarella, a côr amarella de toda a superfície cutânea raras vezes se observa n'esse periodo: é mais tarde, no segundo periodo, se a mo- léstia termina pela cura, e principalmente no terceiro, que ella se torna constante e bem manifesta, tendo servido por isso para dar á moléstia o nome pelo qual ella é geralmente conhecida. Parece fora de duvida que a côr amarella da pelle, no primeiro pe- riodo do typho americano, não depende dos princípios corantes da biles que produzem a ictericia commum, mas sim da elaboração que soffre 220 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES o sangue nas redes capillares do derma, para onde se faz uma hypere- mia; a estase sangüínea favorece a alteração dos glóbulos vermelhos do sangue, a hematina contida n'estes glóbulos se decompõe, c fornece o principio corante vermelho amarellado que tinge a superfície cutânea. Para explicar porém a amarellidão intensa e açafroada do terceiro pe- riodo, devemos recorrer também em muitos casos ao apparelho hepato- biliar, onde desordens manifestas se observão, que nos dão conta do phenomeno: é o que me proponho a demonstrar em occasião oppor- tuna. No decurso da epidemia de 1873, convencido de que o thermome- tro devia prestar grande auxilio ao diagnostico e prognostico da febre amarella, iniciei alguns estudos práticos de thermometria na casa de saúde de Nossa Senhora d'Ajuda, efficazmente auxiliado pelos dous la- boriosos alumnos do sexto anno que então occupavão os lugares de in- terno, e são hoje meos collegas (*). Achando-se a faculdade em ferias, e não dando eu a menor importância aos resultados a que poderia che- gar na observação dos doentes da clinica civil, aos quaes muitas vezes era impossível fazer duas visitas diárias, limitei as minhas investigações á casa de saúde, para onde aífluirão muitos casos importantes e graves, e onde a estatística mortuaria offereceo uma cifra extremamente lison- jeira para esse estabelecimento. Foi o resumo d'essas investigações que apresentei a meos discípulos no dia 1 de maio de 1873, por occasião da segunda de uma serie de nove lições que fiz sobre a febre amerella, as quaes forão publicadas no mesmo anno (2). Os resultados a que eu cheguei forão mais tarde verificados, quer na enfermaria de clinica em 1874 e 1875, quer na mesma casa de saúde de Nossa Senhora d'Ajuda, em janeiro, fevereiro e março d'este ultimo anno, em uma serie de observações minuciosas e completas que fez o meo interno sr. dr. Martins Costa, algumas das quaes estão publicadas em sua excellente these inaugural (3). As explorações thermometricas forão feitas nos três períodos da mo- léstia; porém, como acredito que ellas só valem nos dous primeiros, e (') Drs. Caetano Ignacio da Silva e José Bernardo de Loyola. (') Lições de clinica sobre a febre amarella, feitas na faculdade de medicina do Rio de Janeiro, pelo dr.'João Vicente Torres Homem. 1873, 1 vol. com 108 pag. em 8.° ('I Do valor das investigações thermometricas no diagnostico, prognostico c tratamento das py- rexias que reinão no liio de Janeiro. Th^e do dr. Domingos de Almeida Martins Costa. DO RIO DE JANEIRO 221 como no terceiro nâo houve constância nem regularidade nas observa- ções, aqui apresento tão somente os resultados obtidos quando havia franca reacção febril, bem como quando se manifestava o periodo de transição. Se o doente era observado nas primeiras vinte e quatro horas de moléstia, o calor febril excedia ordinariamente a 40°; só em dous casos foi alem de 41°, tendo em um d'elles chegado a 41°,8; nunca ficou áquem de 39°,8: a media do calor n'estas condições foi de 40°,6; é inútil dizer que me refiro aos casos em que não houve emprego de medicação alguma que pudesse perturbar o estado térmico do orga- nismo. Se o doente entrava immediatamente depois da manifestação dos primeiros phenomenos, ou quando apenas existião prodromos; isto é, quando foi possível apreciar gradualmente a marcha ascendente da tem- peratura, vio-se bem que em todos os casos a columna thermometrica subia rápida e continuamente até chegar ao seo apogêo, sem haver re- missões matutinas nem vespertinas; a subida do calor fazia-se exacta- mente como na pneumonia. Attingido o gráo máximo, ahi se conservava a temperatura durante um periodo de tempo variável, conforme a gra- vidade da moléstia, conforme a duração do primeiro periodo, conforme a duração que devia ter o segundo periodo, conforme a marcha mais ou menos rápida que devia ter toda a moléstia, conforme a natureza dos symptomas que tinhão de caracterisar o terceiro periodo. Se a moléstia não era muito grave, sobretudo se tinha de abortar com os meios antipyreticos, o máximo da temperatura durava quando muito de três a seis horas; depois a columna thermometrica descia meio gráo, um gráo mesmo, e um gráo e alguns décimos nos casos benignos; conservava-se n'este ponto durante seis ou doze horas; descia novamente e n'esta segunda descida, ou chegava de súbito a 37°, ou 37° e alguns décimos, o que constituía um signal de prognostico favorável, ou chegava a 38°,5 ou 38°,8 e ahi se mantinha durante um, dous ou mais dias, e então o apparecimento do terceiro periodo era infailivel. Quanto mais prolongado era o tempo em que a temperatura se mantinha n'este gráo, tanto mais graves erão os symptomas hemorrhagicos ou ataxo-adynamicos. Quando o primeiro periodo ia alem de quarenta e oito horas, prin- cipalmente alem de três dias, o que era quasi sempre de máo agouro, 222 ESTUDO CLlWCO SOBRE AS FEBRES a temperatura máxima conservavam estacionaria durante vinte e quatro ou trinta e seis horas, e só depois d'este tempo começava a baixar o calof, seguindo uma marcha lenta em alguns casos, ordinariamente quando devião predominar os phenomenos hemorrhagicos, uma marcha rápida em outros, quando a fôrma ataxo-adynamica tinha de caracterisar o terceiro periodo. Se 0 segundo periodo devia ter uma curta duração, e ser logo se- guido è) terceiro, a columna thermometrica ás vezes caía de 40°,5 a 38° ou 3T,6; no caso contrario, a queda se fazia lenta e gradualmente. Sò em um caso observei a descida rápida da temperatura de 40°,3 a 36°,2; o doente teve um vomito negro abundante, constituído por san- gue pu#0, diffluente e decomposto, ficou algido, e succumbio duas ho- ras dépofe. Tfeste càáo, parece-me fora de duvida, que a queda brusca do «alor foi determinada pela hemorrhagia do estômago. •Quanto mais fcurta era à duração total da moléstia, tanto menos longo 'era o periodo de tempo em que se conservava estacionario o má- ximo da temperatura. Em um moço recentemente chegado do Rio Grande do Sul, író <$uàl a titolestia percorreo os seos períodos e terminou pela morte em sessenta e quatro horas, não tendo havido o periodo de transi- ção, -ou tendo passado desaperee&ido, o calor do primeiro periodo che- gou em'nove horas a 41°,4; n'este gráo máximo conservou-se apenas durante sete horas; logo que principiou a diminuir, appareceo o pri meiro vomito preto acompanhado de abundante epistaxis. ftègirà geral, se os symptomas do terceiro periodo erão constituídos extfraávamèníe por feemorrhagias, terminando a moléstia pela cura, ou appareceildo os phenomenos ataxo-adynamicos só nas proximidades da morte, a temperatura do primeiro periodo mantinha-se em seo apogeo durante doze, dezoito ou mesmo vinte e quatro horas; se, pelo contra- rie, a átaxia e adynamia devião preponderar, manifestando-se apenas um ou outro vomito 'ennegrecido, era muito curto o espaço de tempo em que a cofumna do thermometro se conservava na mais elevada altura a cftíe tinha (chegado. Do <ípie fica dito, póde-se tirar uma seria de conclusões de muito valor para a pratica: l.a O doente que, em uma quadra epidêmica de febre amarella, apresentar um calor febril superior a 40°, sobretudo se esta tempera- DÓ RÍO DE JAÍÍÊffiO 223 tji^ajiyerjcj^a^oajâ] pôtjto rapidamente, dfcVerá ser considerado como affectado da moléstia reinante. 2.a Sejojn^ximo^da temperatura, jendq apenas durado1 de três a seis_horas, for seguido de um abájxjmiento rápido dó cafôr, séitt ifiermo- metro, pelo dr. J. C. Faget. Paris, 1875. 224 ESTUDO CLINICO SOBRE AS, FEBRES .logar de interno com uma dedicação e perecia acima de qualquer elo- gio. Um dos meos discípulos mais distintos que deixarão os h,ancos da faculdade em 1872, o dr. Júlio Mario, da Serra Freire, que exerce hoje a medicina com summa proficiência na capital do Maranhão, em, sua these inaugural (') sustenta, com provas tiradas da observação do alguns factos, que a febre amarella no Rio de Janeiro pôde revestir o typo con- tinuo rápido, o typo continuo lento e o typo quebrado. Esta opinião do talentoso collega tem sido aceita por todos aquelles que se occupão en- tre nós da thermometria clinica. Entre os symptomas secundários do primeiro periodo da febre ama- rella, alguns merecem uma menção especial. O abatimento^das forças, com quanto negada por alguns médicos estrangeirou, tem sido freqüen- temente observada entre nós: logo que apparecem a cephalalgia e a febre, os doentes mal podem conservar-se de pé, alguns nem ac^ão-se. com animo de sentar-se no leito, accusâo um profundo aniquilamento do organismo; raros são aquelles que podem caminhar, dispondo de algum vigor, depois que a reacção febril os acommette. Em um pequeno numero de casos nota-se um symptoma de que pouco fallão os epidemiologistas, as caimbras nos membros inferiores; em|um moço allemão, empregado em uma casa commercial da rua deS.Pe- dro, este symptoma se apresentou em 1873 de modo tão exagerado, que arrancou gemidos, e reclamou o emprego de fricções narcóticas. No mesmo anno vi uma doente, recentemente chegada de S. Paulo, em que as caimbras abrirão a .scena do primeiro periodo da moléstia, e du- rarão trinta e seis horas. A perturbação da intelligencia^ revestindo a fôrma de verdadeiro de- lirio, raras vezes se observa no primeiro periodo, e quando este phe- nomeno excepcionalmente se apresenta, está ligado á intensidade da ce- phalalgia, á do rubor da face e dos olhos, como já tive occasião de dizer. Ordinariamente os doentes se apresentão calmos, ou completamente in- differentes ao seo estado, ou tristes e apprehensivos, dominados pelo terror da morte. Bem raros são os casos em que a lingua se apresenta secca logo no (') Do valor das investigações thermometricas no diagnostico e prognostico das moléstias agu- das febris. These inaugural, 1872. DO RIO DE JANEIRO 22ò primeiro periodo da febre amarella: ora revestida de uma leve camada de saburra, ora coberta de um espesso enducto saburral branco ou ama- rellado, ora vermelha na ponta ejios^bordos, porém quasi sempre hu- mida, taes são as condições em que a língua se apresenta; tanto na epidemia de 1850 como na de 1873, foi isso que observarão os médi- cos do Rio de Janeiro. Em alguns doentes, na proporção de uma quinta parte dos casos, pouco mais ou menos, apparecem vômitos no primeiro periodo; este symptoma porém quasi sempre coincide com a presença de um estado saburral franco da lingua, revelando como este um embaraço gástrico pronunciado, e fornecendo uma preciosa indicação para o emprego dos vomitivos. A constipação de ventre é um symptoma extremamente commum no ríimeirò^periõdo^á^febre amarella, e muitas vezes acompanha a moléstia até as suas ultimas phases. A congestão do figado poucas vezes falta, principalmente vinte e quatro horas depois do apparecimento dos symptomas iniciaes; a corh gestão do baco éjão rara, que eu nunca tive occasião de encontral-a. §V 0 segundo periodo da fejbrj^marella, também denominado periodo ^£^*^a,^ de transição, intermediário, ou periodo de quinina, na phrase muito-a^' *f significativa do sr. barão de Petropolis, é caracterisada pela cessação com-/^*1**^' pleta ou grande diminuição da reacção febril, da cephalalgia, das dores lombares e das pernas, coincidindo ou não estas sensíveis melhoras com o apparecimento de alguma transpiração cutânea e abundante diurese. Quando este periodo se apresenta de um modo completo, o thermo- metro marca 37° ou 37° e poucos décimos; ás vezes a columna ther- mometrica desce abaixo da cifra normal. Comquanto a queda da tem- peratura raras vezes tenha lugar bruscamente, todavia em alguns casos isso acontece, e este facto é de grande importância para a therapeutica. Quanto mais pronunciada é a diminuição do calor febril, quanto mais rapidamente se effectua essa diminuição, tanto mais urgente e imperiosa se torna a indicação do meio therapeutico preventivo do terceiro periodo, tanto mais efficaz é esse meio em seos resultados. Os únicos phenomenos que ás vezes persistem no segundo periodo, 15 oag ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES mesmo quando o doente apresenta notáveis melhoras, são: a injecção dos olhos, da face e do peito, e a amarelüdão das conjunctivas. Ha ca- sos em que esta amarellidão se torna mais intensa, e diffunde-se por toda a superfície cutânea, prolongando-se durante a convalescença; ha também casos, verdadeiras excepçôes da regra geral, em que apparece albuminuria no segundo periodo, não seTtendo ella manifestado no pri- meiro, sem que este novo symptoma em nada influa na terminação fa- vorável da moléstia. N'este segundo periodo da febre amarella o doente sente.-se muito melhor, experimenta um certo bem-estar, que lhe annuncia uma cura prompta; julga-se mesmo restabelecido. Se o thermometro indicar que ha completa apyrexia, o medico pôde nutrir fundadas esperanças de que os terriveis symptomas do terceiro periodo não venhão, comtmto que aproveite a occasião de prevenil-os mediante uma therapeutica ewrgicq, e apropriada. Se o facultativo, partilhando as crenças do doente, con- sideral-o bom ou em começo de convalescença, e deixar por isso de medical-o, passará muitas vezes por uma cruel decepção, vendo appa- recer uma serie de phenomenos hemorrhagicos e ataxo-adyuamiços, cuja violência e gravidade estarão na rasão directa da duração do periodo de transição e do estado lisonjeiro que caracterisou este periodo. ]É este um amargurado tributo que entre nós tôm pago alguns médicos estrangeiros que observão pela primeira vez alguns casos de febre ama- rala. Em 1869 fui chamado para ver em conferência uma mulher franceza recentemente chegada ao Rio de Janeiro e moradora na rua deS. Jas& En- contrei-a moribunda, banhada em seo próprio sangue e com a côr icterica muito intensa. O medico que a tratava era um estrangeiro que pouca experiência tinha das moléstias do Brazil; depois de ter observado o primeiro periodo da moléstia, que lhe pareceo ser uma simples febre angiothenica, considerou a doente em começo de convalescença logo que cessou completamente a reacção febril e com ella o resto do quadro symptomatico; aconselhou o uso da água de Seltz e alguma alimenta-i ção. Dous dias depois de ter deixado de visitar a doente, foi chamado de novo para vel-a, porque ella então se queixava de uma grande anxie- dade epigastrica, acompanhada de oppressão e dyspnéa, que não lhe DO RfO DE JANE«ü 227 deixava repousar um momento no leito, nem conciliar o somno, obri- gando-a a estar em continuada agitação. Desconhecendo a significação si- nistra d'esse phenomeno; encontrando alguma dor na região do estômago quando a apalpou e percutio; sabendo que a doente tinha náuseas e havia vomitado a água do Beltz que bebem, o collega acreditou que se tratava de uma irritação gástrica, sobrevinda em conseqüência de ex- cessiva ingestão de alimentos, e de conformidade com este juizo mandou applicar no epigastro doze sanguexugas. Erão as cisuras d'estas sangue- xugas que se tinham convertido em fontes de sangue, que nunca pude- rão ser estancadas e se conservarão abertas até a hora da morte. Epistaxis, vomito negro, dejecções da mesma côr e metrorrhagia fornecerão ainda um notável contingente para a horrivel situação em que encontrei a doente, a qual poucos Momentos antes tinha sido lambem vista pelo distincto professor de partos da faculdade da corte, sr.dr. Luiz da Cunha Feijó Filho. Um moço portuguez, que residia no Brazil havia mais de dous an- nos, foi accommettido de febre amarella na rua do Hospício, onde es- tava empregado como caixeiro de um armazém de molhados. O primeiro periodo da moléstia marchou muito regularmente e durou quarenta e oito horas: o segundo periodo foi tfí© bem caracterisado, os phenome- nos que o distinguem tornarSo^e tão satóefltes, que o doente, julgan- do-se bom, (raiz levantar-se do leito e alimentar-se á medida dos seos desejos. O medico que dirigia o tratamento, apreciando devidamente as condições lisonjeiras que observava, não cedeo ao pedido do doente, e prescreveo-lhe a meolcaçSo preventiva do terceiro periodo, conveneido de que este não se manifestaria. Apezar de suas repetidas recommendações, essa medicação não foi seguida, os conselhos relativos á dieta forão desprezados. Trinta e seis horas depois apparecerão vômitos bihosos e agitação, a temperatura su- bio de novo, as ourinas diminuirão, mais tarde sobrevierão vômitos ne- gros e phenomenos ataxo-dynamieos, e o doente succumbio oito horas depois que o vi em conferência. Se ê verdade que o thermometro, consultado no segundo periodo do typho americano, e revelando apyrexia completa, constitue um meio explorador muito valioso, porque nos auctorisa a empregar com afou- teza a medicação preventiva do terreiro periodo, e a depositar n'ella 22g ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES toda esperança não é menos verdade que o mesmo precioso instrumento pôde ser causa de um engano funesto, concorrendo para que um me- dico inexperiente acredite que o seo doente está livre de perigo, vai entrar em convalescença, e por isso não precisa mais de remédios acti- vos. Eis ahi a rasão por que alguns epidemiologistas dão ao segundo pe- riodo da febre amarella o nome de periodo enganador, e eu julgo que elle é muito apropriado. Dou grande importância ao segundo periodo da febre amarella, por- que é n'elle que deposito as minhas esperanças; é por elle que ordi- nariamente me guio para formar um juizo sobre o prognostico da mo- léstia ; quando elle se manifesta bem distincto quasi sempre o doente se cura: é finalmente n'este periodo que convém empregar os meios the- rapeuticos que devem impedir o apparecimento dos terriveis symptomas do terceiro periodo. Em muitos casos o segundo periodo da febre amarella se torna in- completo: a febre diminue, porém não cessa de todo; o thermometro marca uma temperatura quasi sempre superior a 38°, havendo para a tarde algumas exacerbações, isto é, augmento de alguns décimos de gráo no calor febril; a cephalalgia perde grande parte de sua intensi- dade, porém não desapparece completamente; o mesmo acontece com as dores lombares e das pernas; as ourinas n'estes casos conservão-se escassas e carregadas; o doente, comquanto sinta-se melhor, experi- menta muitas vezes uma sensação de fadiga muscular e fraqueza, que lhe impede os movimentos, ou os torna incommodativos; tem alguma oppressão, cuja sede elle attribue ao estômago; tem insomnia, inappe- tencia e náuseas. Regra_geral, quanto maisJncompleto^fQr o_segundo periodoA^tanto_ majs_£roy^y^s^Jprnará ajaanifestação^ do^terceiro, tanto mais_graves sejrjfojtè seos symptomas, tanto menos dficaz será pois a therapeutica preventiva. O thermometro é n'estes casos um guia seguro para o juizo do mer dico. Depois de empregados os medicamentos que se destinão a com- bater os phenomenos de congestão e reacção, que caracterisão o pri- meiro periodo, o pratico deve consultar sempre o thermometro: se^ depois de trinta e seis horas, ou çraando muito dous dias, a columna tnermometrica não descer a 37° e alguns décimos; se conservar-se DO RIO DE JANEIRO 229 acima de 38°, elle deve de^confiaxdo^ta^^ que exis- tão sensíveis melhoras para o lado de outros symptomas; espere pelo ter- ceiro periodo, que elle não deixará de apparecer; a gravidade d'este periodo deve ser julgado pelo gráo do calor revelado pelo thermometro, depois do emprego dos meios therapeuticos chamados antithermicos ou antipyreticos. Assim pois, mesmo no segundo periodo da febre amarella, as explorações thermometricas offerecem muitas vantagens ao medico clinico. Ha quatro symptomas que podem apresentar-se no segundo periodo do typho americano, reunidos ou isolados, ou combinados dous a dous, que indicão infallivelmente o apparecimento próximo do terceiro periodo. O primeiro é ajDerjnjmejidada de que acabo de occupar-me de- talhadamente ; o segundo é a albuminuria, que, não tendo apparecido no primeiro periodo, manifesta-se no segundo, e coincide com a perma- nência da febre, ^jijdlmjmnm ejdste_^em_ajuenorj^accão j^rjli^não^xerj^j^^ terminjiÇãodai^ ; jqjiajndo^or^a^diegado^ periodo transitório, nota-se ainda_calor anormal, e apparece albumina nas ourinas, isso não_só ind[ca^roxjmDdade do J^ercejrojiieriodo,_ nms_ também que elle serájmuito grave. " ' Se, em lugar de albuminuria se observa a anuria, quer tenha já existido no primeiro periodo, quer só sobrevenha no segundo, não po- demos de modo algum contar com a medicação preventiva. Como farei ver mais adiante, no Rio de Janeiro a anuria é o symptoma mais grave da febre amarella, e principalmente quando a sua duração vai alem de vinte e quatro horas. Ha um sjmj>tomaj)roprio_do segundo periodo da febre amarella, que indica sempre uma gravidade extrema do^doente, bem como proxi- dade do terceiro periodo, e que pôde coincidir^coniun^apyrexia^com- pleta, ausência de dores lombares e das pernas, e ausência de albumi- nuria, vem a ser a anxiedade epigastrica. O doente experimenta uma sensação indefinivel de angustia, oppressão e dyspnéa; move-se con- stantemente no leito, ora para um lado, ora para outro; de vez em quando toma uma inspiração larga e profunda, um verdadeiro suspiro; parece- lhe que um corpo pesado lhe comprime o estômago e lhe tolhe os mo- vimentos da caixa thoraxica. Este phenomeno, que tem recebido o nome 230 ESTUDO CLINICO SOBRE A8 FEBRES de anxiedade epigastrica, precede muitas vezes de poucos momentos o apparecimento do primeiro vomito negro. Outras vezes, menos pronun- ciado, dura algumas horas, e só mais tarde é que se manifestão os sym- tomas hemorrhagicos ou ataxo-adynamicos. Por mais lisonjeiras que pa- reção ser as condições do indivíduo, eu o considero em imminente perigo de vida sempre que observo esse symptoma que acabo de referir* Entre outros doentes, vi em 1873 um moço belga, de 25 annos de idade, o qual, tendo tido muita febre e cephalalgia durante dous dias, julgava-se muito melhor na occasião em que o visitei por convite de um irmão em cuja casa elle estava. Todos estavão convencidos de que o doente ia em breve entrar em convalescença; o próprio irmão disse-me que me chamara em conferência tão somente para tranquíllidade de sua consciência, por- que os symptomas graves tinhão desaparecido: o collega assistente pen- sava do mesmo modo. Consultando o calor por meio do thermometro, encontrei 37o,8; não havia mais cephalalgia, apenas o doente accusava algum peso de cabeça; as ourinas erão escassas, porém nãO der ao precipitado albuminoso; ha- via appetite e alguma sede. Ao lado d'este quadro symptomafcico apparen- temente benigno, observeij)Jejijyj}lj)hen^^ trica: o moço movia-se constantemente no leito como quem sente falta de ar; a sua respiração era suspiros*; e querendo* exprimir a sensação que experimentava, disse-me: Je me- sens Festomac trop piem; no en- tretanto a percussão não revelo** a existewia de liquido na cavidade es- tomacal; a medicação que estava sendo empregada era uma poção ni- trada com água de k>uro-cerejí> e tmctura de belladona. Não tive a menor duvida de que se tratava de um caso gravíssimo; q»ê"ém pouco tempo appareceria o terceiro periodo .-Esta minha opinião, que manifestei francamente ás pessoas que se interessava© pelo doente, foi recebida com grande surpreza. Eu vi o doente ás 11 horas da manhã do dia 9 de abril; ás 5 da tarde do dia 10 fui de novo convidado para ver o mesmo doente: elle tinha tido vomito negro muitas vezes; estava com a pelle amarellada, tinha o pulso pequeno, freqüente e concentrado, e as suas ourinas continhão muita albumina. Contra a minha expectativa, este moço conseguio restabelecer-se. O .quarto sjrnjitoma que se manifesta no segundo periodo, ás vezes sem ser acompanhadodos outros três, outras vezes acompanhando a DO RIO DE JANEIRO 231 febre moderada ou a anxiedade epigastrica, e que indica que o terceiro periodo não falha, veni a^ser_a insomnia. Ao passo que o doente expe- rimenta melhoras sensíveis, que tem pouca ou nenhuma reacção febril, que está mais animado, queixa-se ao medico de que não pôde dor- mir, que passa a noute em vigília sem que sinta o menor incommodo: attribue á falta de somno a prostração que sente, e diz que nisto con- siste toda a sua moléstia. Nos casos em que a insomnia é signal do apparecimento do terceiro periodo, este periodo se caracterisa por phenomenos de ataxia e adyna- mia, as hemorrhagias limitão-se apenas a um pequeno numero de vômi- tos sangüíneos: foi o que observarão os alumnos de clinica do anno de 1870 em um moço hespanhol que occupou um dos leitos da enferma- ria de Santa Izabel. Durante dous dias e duas noutes em que o doente conservou-se no segundo periodo da febre amarella, em quasi completa apyrexia e nas melhores condições, não conseguio dormir nem um quarto de hora. A febre reappareceo, a lingua tornou-se secca, manifestou-se delirio, depois tremor dos lábios e da lingua, sobresaltos tendinosos e carphologia: só nas proximidades da morte é que sobrevierão dous vô- mitos pretos. Em alguns casos excepçionaes, apparecem no segundo periodo do typho americano dous outros symptomas, que pertencem mais commum- mente ao terceiro, e que não offerecem a mesma significação que aca- bei cie admiltir para os outros quatro; estes dous symptomas são: os vômitos e a amarellidão da pelle. Quer tenhão-se apresentado no primeiro periodo, quer não, os vômi- tos no segundo são de pouca importância para o prognostico: todavia, dependendo quasi sempre de uma excessiva susceptibilidade do estômago, quando não se ligão a um embaraço gástrico que não foi removido, ou a uma gastrite mais ou menos intensa, difficultão sobremodo o emprego da medicação preventiva, visto como esta medicação exerce sobre a mu- cosa do tubo digestivo uma acção de contacto um pouco irritante. As matérias expellidas pelos vômitos do segundo periodo são constituídas, ora por líquidos ingeridos, ora por mucosidades, ora por bilis, cuja côr e abundância varião. Estes vômitos cedem facilmente aos meios thera- peuticos apropriados, para reappareceiem mais tarde, durante o terceiro periodo, revestindo então outros caimteres. 232 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES A côr amarella^qjjgellej que se torna intensa e característica no terceiro periodo, começa ás vezes a manifestar-se no segundo. Ha casos* que forão freqüentes na epidemia de 1873, em que isso se observa de modo bem evidente: a ictericia começa no segundo periodo, e vai-se gradualmente exagerando durante a convalescença, sem que o terceiro periodo se manifeste; de modo que o doente já se acha curado haimui- tos dias, e a amarellidão da pelle ainda se conserva muito intensa, sem ser acompanhada de outro phenomeno anormal. Admittida a theoria da alteração do sangue estagnado nos capillares para explicar a subictericia do primeiro periodo, é racional acreditar-se que o resultado d'essa alte- ração se prolongue em certos casos, principalmente se os dous primei- ros períodos durão muitos dias, de sorte que haja tempo de se dar a imbebição dos tecidos pelo soro do sangue tinto de amarello pela hema- tina alterada. Quando os dous primeiros períodos forem curtos, sendo logo seguidos do terceiro, só durante este periodo, muitas vezes no fim d'elle, ou mesmo depois da morte, é que a ictericia se tornará pronun- ciada. Em muitos casos, sobretudo nos gravíssimos, não se observaj)j*e- gnndo periodo da febre amarella; o primeiro periodo é immediatamente seguido do terceiro, sem que haja phenomeno de transição entre elles; ou então os symptomas d'este misturão-se bruscamente com os d'aquelle, as scenas se precipitão, e a moléstia percorre todo o seo itinerário no curto espaço de dous ou DE ikmiv > 233 festar-se em cinco, dos cpiaes dous apresentavão a fôrma hemorrhagica e três a fôrma ataxo-adynamica. Alem de não ser infallive},jJ3>mjtoj3reto^^ gray^ymptoma da febre amarella, como ainda pensão alguns epidemio- logistas. No Rio de Janeiro, quer durante a epidemia de 1850, segundo a opinião dos srs. barão de Petropolis e barão de Lavradk), quer du- rante a epidemia de 1873, quer durante as pequenas epidemias in- termediárias, o vomito preto tem sido de todos os phenomenos do ter- ceiro periodo aquelle que mais fácil e promptamente cede ao emprego dos meios therapeuticos.- A este respeito a observação de alguns médi- cos estrangeiros está de perfeito aeeordo com a dos médicos brazileíros. Louis observou o vomito preto nos dous terços dos casos de cura, na epidemia de Gibraltar; Valenfcim vio restabelecerem-se muitos doentes que tiverão vomito preto nas diversas epidemias a que assistiu na Ame- rica do Norte. Houve e ainda ha quem negue que a matéria negra do vomito na febre amarella seja constituída por sangue; alguns médicos acredilão que ella é devida a cholepyrrina, ou principio corante escuro da bilis. No entretanto nada é mais fácil do que provar que esta matéria negra não é outra cousa senão um pouco de sangue alterado, contendo gló- bulos vermelhos em diversos períodos dê destruição; contendo a hema- tina que se destaca d'esses glóbulos e tinge o serum, que se mistura com os líquidos do estômago em quantidade variável, resultando d'ahi o aspecto e a côr diflerentes que apresentão as substancias vomitadas. Se tomarmos uma porção d'essa substancia que o estômago expelle, e se ella for homogênea, por meio dos reactivos chimicos e do microscó- pio, facilmente reconheceremos os caracteres do sangue; se ella for com- posta de duas partes, uma liquida, transparente e esverdinhada, outra solida, negra e pulverulenta, separemos esta, e depois de seceal-a com as devidas cautelas, examinemol-a chimicamente, e veremos que em sua composição entrão os elementos que concorrem para a formação dos glóbulos sangüíneos. Á medida que o sangue vai-se extravasando no interior do estô- mago o doente o vai vomitando, ordinariamente sem grande difficuldade, mediante apenas um pequeno esforço, sentindo-se alliviado logo de- pois, apezar da prostração que sobrevem. "Ha casos porém em que, 236 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES apezar do estômago conter uma grande quantidade de hquido, o vomito não se dá facilmente; o doente experimenta uma terrível sensação de angustia epigastrica, fica anciado e afflicto, e só depois de algumas ho- ras de tormento e torturas é que expelle o enorme conteúdo da cavi- dade gástrica, caindo depois em profundo collapso. Quando a grande distenção do estômago é devida unicamente ao sangue extravasado, muitas vezes o doente succumbe logo depois do vomito sangüíneo: a morte é devida n'este caso, ou á abundância da perda hemorrhagica, se o indivíduo já se achava muito extenuado, ou ao desequilíbrio que soffre a innervação pela saída brusca de uma grande quantidade, de liquido que enchia o estômago, ou á asphyxia que produz o sangue caindo nas vias respiratórias. Na casa de saúde de Nossa Senhora d'Ajuda, eu tive occasião de presenciar a morte de um capitão da marinha franceza, al- guns minutos depois de um vomito negro abundante, que innundou-lhe as vestes, que manchou as roupas do leito e a parede do quarto que lhe estava próxima. Até então o pobre moço ainda não tinha vomitado uma só vez; o estômago estava repleto de liquido, o que pude facil- mente verificar pela percussão; havia amarellidão açafroada da pelle e anuria, que datava de vinte e quatro horas. O doente estava em horrí- vel afflicção havia um quarto de hora; procurava levantar-se do leitoy e. a prostração das forças o subjugava; queria sentar-se, e nem mesmo amparado por dous homens robustos podia manter-se; com ambas as mãos applicadas ao epigastro, esforçava-se por provocar o vomito; ges- ticulava desordenadamente, e no entretanto não tinha delirio. De repente, levantou a cabeça do travesseiro, abrio a boca, e por ella saio uma vo- lumosa onda de sangue negro e fétido; caio inertemente sobre o lado direito, e n'esta posição um segundo jorro sangüíneo se fez, porém fra- camente ; parecia antes uma regorgitação do que um verdadeiro vomito; a face, o pescoço e o peito ficarão innundados; o paciente tomou o de- cubito dorsal; teve um periodo de apparente ti anquillidade; teve depois um forte soluço, e com elle extinguio-se a vida. Depois da hemorrhagia de estômago, a esterorrhagia e a epistaxis são as hemorrhagias mais freqüentes no terceiro periodo da febre ama- rella. Ao mesmo tempo que tem vômitos negros, o doente expelle pelas evacuações uma matéria análoga na côr e no aspecto á que é rejeitada pelo estômago. Ha casos em que as evacuações sanguinolentas e enne- DO RIO DE JANEIRO 237 gi ecidas só se manifestão depois que cessão os vômitos. Outras vezes, as perdas hemorrhagicas fazem-se exclusivamente pelos intestinos, sem que o doente tenho tido um só Yomito preto: isso porém constitue uma rara excepcão da regra geral. O doente pôde ter um grande numero de evacuações sangüíneas, havendo ou não vômitos da mesma natureza, ou pôde ter uma única perda de sangue pelo intestino, muito abundante e logo seguida de morte: foi o que tive occasião de observar em dous casos na epidemia de 1873. Em um, pertencente á minha clinica civil, a doente, depois de ter tido vomito negro duas vezes, foi acommettida de phenomenos ataxo-adynamicos muito graves. Quando tudo indicava sensíveis melhoras, não tendo mais apparecido o vomito, ella pedio o vaso para evacuar: depois de ter expellido pelo recto cerca de um litro de sangue muito negro e fétido, cobrio-se de copioso suor frio e viseoso, e falleceo. No outro caso, observado na casa de saúde em março, o doente, que era um moço portuguez, tinha tido vomito preto varias vezes, o qual cedeo ao emprego da ergotina em limonada1 sulfurica, de um vesi- catorio ao epigastro e do gelo; appareceo a côr icterica e algum delirio á noute; as ourinas erão escassas e continhão muita albumina. N'estas condições estava elle, quando sentio uma eólica violenta nas proximida- des da cicatriz umbilical; esta eólica durou um quarto de hora, pouco mais ou menos; quando cessou, o doente teve no próprio leito uma larga dejecção sanguinolenta, e poucos momentos depois succumbio. As evacuações negras na febre amarella, ora dependem de uma ver- dadeira enterorrhagia, isto é, de uma extravasação de sangue que tem lugar no próprio intestino; ora são devidas á passagem do liquido san- guinolento do estômago para a cavidade intestinal. Em alguns casos, as matérias que saem pelas evacuações são constituídas por bilis, fezes e sangue; em outros nota-se somente sangue, mais ou menos alterado e fétido. A epistaxis, no terceiro periodo da febre amarella, ora vem depois do vomito preto, ou juntamente com elle, o que constitue a regra ge- ral entre nós; ora é a primeira hemorrhagia que se manifesta, o que é excepcional. Dilíere essencialmente da que se nota no primeiro periodo, como já disse: o sangue que sai pelas fossas nasaesé escuro e diffluente, longe de causar allivio ao doente, pelo contrario, concorre para abater- lhe as forças. 238 ESTUDO CLWHCtt SOURE AS FEBRES Quando o fluxo hemowfoagico é muito abundante, uma parte do sangue saindo pela abertura posterior das fossas nasaes, pôde ser de- glutida, e mais tarde o estômago a rejeitar pelo vomito. Tenho obser- vado alguns casos em que a epistaxis, tornando-se copiosa e rebelde aos meios hemostaticos, ameaça directamente a vida dos doentes. Vi em con* ferencia, na rua do Príncipe dos Cajueiros, um menino de 14 annos de idade, recentemente chegado da província de S. Paulo, cuja morte foi em grande parte devida a uma hemorrhagia nasal, que, tendo resistido durante trinta e seis horas a um grande numero de agentes therapeu- ticos, só estancou-se depois que se fez o tainponamento das fossas na- saes por meio da sonda de Betloc. A stomatorrhagia é também uma hemorrhagia freqüente no terceiro periodo da febre amarella entre nós. Ás vezes apparece prematuramente, muito antes do primeiro vomito preto; outras vezes porém manifesta-se mais tarde, o que é mais commum. As gengivas, a lingua, a parte in- terna das bochechas, são os pontos que ordinariamente fornecem o san- gue da stomatorrhagia. N'estes casos, o hálito do doente torna-se fétido e asqueroso, por causa da alteração por que passa o sangue extravasado na cavidade bocal. Em um doente da casa de saúde, que apresentou a fôrma hemor* rhagica de um modo muito pronunciado, e que conseguio curar-se, a stomatorrhagia foi a hemorrhagia mais abundante e rebelde; das gen- givas vertia sangue negro, que corria para o exterior manchando o mento, o peseoço e o thorax. Em alguns casas, a stomatorrhagia é muito mode* rada; a pequena quantidade de sangue que corre das gengivas ou da lingua coagulasse logo, e os coalhos cobrem esses órgãos em extensão variável. jL^ejajturja^que é uma hemorrhagia muito freqüente na febre re- mittente biliosa dos paizes quentes, rarasjrezesseobserya na febre ama- rella^entrejiós, Env|823_sÓ3^Ticoji^uma yez^e em 1850, segundo a opinião dos médicos que descreverão a epidemia, esse symptoma se apre^ento^em unijpequeiio_numero de_casos. O mesmo observei em relação á hemoptise; facto singular e digno de nota: não ha um só caso de febre amarella entre nós, terminado pela morte, em que a autópsia não revele a existência de grande congestão pulmonar, e muitas vezes a presença de um ou mais focos hemorrhagicos no pulmão; no entre- 00 RIO W. JANEIRO 299 tanto, a pneumorrhagia, revelada durante a vida por expectoraçao de sangue, é excessivamente rara; ainda não tive oeeasião de observar um só caso d'esta ordem. Sei que ha collegas que observarão alguns doen- tes, em numero muito diminuto, em que appareceo a hemoptise; não contesto, nem posso contestar a exactidão d'estes faotos, que aliás em nada prejudicão a minha asserção. ^hemorrjij^as_si^^ reveladas debaixo da fôrma de man- chas petechiaes e ecchymoticas, jsão muito freqüentes; raras vezes dei- xarão de apparecer na epidemia de 1873L Nos indivíduos de côr muito clara, as numerosas manchas que se manifestavão em toda a superfície cutânea, com fôrmas e dimensões variadas, davão ao exterior do corpo um aspecto marmóreo muito significativo, sobretudo quando não Se apre- sentava ainda a côr icterica. A metrorrhagia muitas vezes é a primeira hemorrhagia que se ma- nifesta logo que a febre amarella chega ao terceiro periodo. Passa ás vezes desapercebida ao medico, porque as doentes coíisiderão a perda sangüínea como a expressão do fluxo catamenial; só quando a hemor- rhagia apparece em uma época muito próxima do ultimo corrimento das regras, é que a mulher chama para elle a attenção do facultativo: foi o que aconteceo com uma doente, moradora na rua do Ouvidor, franceza recentemente chegada, que eu vi em conferência. Muito antes do pri- meiro vomito bilioso, muito antes de se manifestarem os symptomas ata- xicos, que mais tarde se associarão aos hemorrhagicos, a moça, que ha- via sido regularmente mensl puada oito dias antes, ficou surprehendida por ver apparecer-lhe um abundante corrimento de sangue pela vagina. Este corrimento continuou ainda por ires dias, e sd cessou na véspera da morte. Eu ainda não observei um só exemplo de hemorrhagias pelos con- duetos auditivos e pelos ângulos internos dos olhos, de que fallão alguns autores estrangeiros: consta-me porém que em 1873, nas enfermarias estabelecidas no convento de Santo Antônio para receberem os pobres atacados pela epidemia, essas hemorrhagias forão observadas em tpes doentes. Ainda não vi também os suores sanguinolentos, referidos por alguns epidemiologistas, nem collega algum com quem tenho conver- sado a este respeito os observou no Rio de Janeiro, A albuminuria. que i;aras vezes se apresenta no primeiro periodo 240 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES da febre amarella, que* em alguns casos, manifestasse no segundo, con- stitue no terceiro um symptoma muito freqüente, quasi infallivel. Quando a secreção ourinaria diminue de modo sensível, a pequena porção de ourina que sai da bexiga apresenta-se escura, turva e muito saturada de albumina, como tive occasião de observar varias vezes. Se a escassez exagerada da ourina constitue sempre um sn íal muito grave na^ febre 'amarella, porque ordinariamente observa-se este symptoma nos casos que terminão fatalmente, a albuminuria não exerce a menor influencia na marcha ejerminação da moléstia. Tenho observado muitos casos de cura, em que_oi^genjejjerdigo muita albumina pelas ourinas^ e muitos,ca- sos de morte enurae as perdas albuminosas erão moderadas. A anuria é um symptoma freqüente em algumas epidemias de febre amarèTíaTe raro em outras. Na epidemia de 1873 manifestou-se com muita freqüência; é um symptoma gravíssimo, o mais cruel de todos os symptomas, em meo modo de pensar, porque ainda não consegui curar um só doente que o tivesse apresentado. Assim exprimindo-me, refiro- me á suppressão completa e absoluta da secreção ourinaria, que dura mais de vinte e quatro horas. Sei que ha casos de cura em doentes que deixarão de ourinar durante seis e doze horas; tenho também tido d'estes casos. Quando porém as glândulas renaes, em um dia completo, deixão de separar do sangue a uréa que ahi se accumula, em virtude das combustões orgânicas nutri- tivas; quando, alem da profunda dyscrasia sangüínea que caracterisa o fundo da moléstia, sobrevem a intoxicação uremica, é raro, é muito raro que o doente recupere a saúde. Na quadra epidêmica de 1873 tratei de 19 doentes que apresenta- rão a anuria entre os symptomas do terceiro periodo, e todos succum- birão em pouco tempo. Em alguns casos, desde o primeiro periodo no- ta-se grande diminuição da secreção ourinaria; essa diminuição vai-se tornando gradualmente _mais_exagerada, ataque appareçTá^Imuria no terceiro periodo. Emjmtros casos porém_a_ secreção dajõuriná"^essa bruscamente logo que se manifestão os primeiros phenomenos aUxo^" adynamicos. Para o lado do apparelho ourinario observa-se ás vezes um outro phenomeno, ajparaly^dabexig^que impede a saída espontânea evo- luntária da ourina, e reclama o emprego do catheterismo. Para distin- DO RIO DE JANEIRO 241 guir os casos de anuria dos de paralysia da bexiga, temos dous grandes recursos: a percussão e o catheter."Quando ha verdadeira anuria, a per- cussão da parte inferior do hypogastro revela completa vacuidade da bexiga; o catheter, introduzido na cavidade d'este órgão, não extrahe uma gotta de ourina. Quando ha inércia paralytica da túnica musculosa do reservatório ourinario, continuando a effectuar-se a secreção da ou- rina, esse reservatório vai sendo progressivamente distendido pelo liquido que lhe chega pelos ureteres, faz saliência pronunciada na região hy- pogastrica, e fornece a percussão um som obscuro, som humorico, que indica a presença de liquido; pela introducção de uma sonda, consegue-se retirar toda a ourina accumulada. A paralysia da bexiga_é symptoma P°Jí£?^frfigjwnteJiajebre amarella^ só o observei em quatro casos~nãT epidemia de 1873. A côr icterica da pelle ordinariamente se torna intensa e generali- sada na febre amarella, depois que se declara o terceiro periodo; mui- tas vezes é nas proximidades da morte que esse phenomeno se mani- festa com toda a evidencia, e não é raro vel-o apparecer somente depois1 que o doente succumbe. Antes do terceiro periodo nota-se muitas ve- zes alguma amarellidão nas conjunctivas escleroticaes, no tegumento do thorax e das coxas, é verdade, porém quasi nunca essa côr se torna muito carregada e invade toda a superfície do corpo. Se a côr amarella avermelhada que se nota em algumas regiões, no primeiro periodo, pôde ser racionalmente explicada pelas modificações por que passa o sangue estagnado nos capillares, a amarellidão icterica do terceiro periodo não comporta essa única explicação, como farei ver d'aqui a pouco. §VH Os symptomas hemorrhagicos que acabei de descrever, não se obser- /&rc***&;, vão invariavelmente em todos os casos de febre amarella no terceiro pe- .3?,^^^ riodo. Em muitos doentes symptomas diflerentes se apresentão á obser- ' vação do medico, ou completamente independentes das hemorrhagias, ou de mistura com ellas, porém dominando a scena e influindo directa- mente na terminação da moléstia: esses symptomas são fornecidos pela perturbação profunda do systema nervoso; são os symptomas chamados ataxo-adynamicos ou typhoideos. O delirio, as convulsões parciaes, os sobresaltos de tendões, a carphologia, o crucidismo, o tremor da lingua 1G 242 ESTUDO CLLNICO SOBRE AS FEBRES o coma e o soluço, taes são os phenomenos que ordinariamente se ma- nifestão, ou em sua totalidade, o que é muito raro, ou em sua maioria, acompanhados de grande abatimento das forças, de profunda adynamia. Em muitos casos, ao lado d'esses phenomenos, observa-se o vomito preto e a epistaxis; em outros, ha ausência completa de hemorrhagias. Den- tre os symptomas ataxicos que apresentão alguns doentes, ha um que é indicio infallivel jle morte próxima: vem a ser uma o^sordem particular da respiração, uma espécie de dyspnéa, que faz com que o doente ins- pire, aspirando por entre os lábios mal abertos o ar que deve chegar aos pulmões; de sorte que cada inspiração é ruidosa e sibilante, como se o indivíduo estivesse sorvendo a grandes tragos um liquido qualquer. Este symptoma, fornecido pelo apparelho da respiração, denota que as funcções do nervo pneumo-gastrico se achão muito compromettidas. O delirio no terceiro periodo do typho americano é geralmente manso; ha casos porém em que os doentes vociferão, gritão e commet- tem actos de furor. Muitas vezes o delirio consiste em continuadas la- mentações, acompanhadas de grande inquietação: o doente levanta-se do leito e torna a deitar-se; muda constantemente de cabeceira, não con- sente no menor exame, e grita quando é contrariado. Outras vezes está soporoso, e só delira quando o forção a sair do sopro ou do coma. As convulsões, comquanto raras vezes se manifestem, tem sido ob- servadas por alguns práticos entre nós, ora occupando grande numero de músculos, ora parciaes, occupando um certo grupo de músculos, os da face, por exemplo. Eu vi um doente do sr. dr. Freire, menino de 12 annos de idade, que, ao lado de [um coma iprofundo, apresentava movimentos convulsivos bem manifestos no lado direito da face. Tinha tido anteriormente vômitos negros, epistaxis e stomatorrhagia: estes phenomenos hemorrhagicos cederão aos meios therapeuticos empregados, e forão substituídos pelos phenomenos ataxo-adynamicos. Ha seis dias (3 de fevereiro de 1876), entrou para a casa de saúde de Nossa Se- nhora d'Ajuda um menino italiano, de 12 annos de idade, filho do ca- pitão da barca Siffredi, o qual tinha morrido, bem como outro filho, em doze horas, no mesmo hospital, victimas da febre amarella. Esse se- gundo filho, depois de ter tido vomito preto e epistaxis, melhorou sen- sivelmente: apesar de pertencer a um navio, cuja tripulação foi quasi toda ceifada em menos de oito dias; apesar de ter vindo d'esse navio, DO RIO DE JANEIRO 243 cujas condições de insalubridade provocarão vehementes reclamações da imprensa, o menino parecia estar em condições de restabelecer-se. A temperatura tinha descido, a lingua era boa, os vômitos tinhão cessado, a albuminuria era moderada, e não havia delirio nem coma; de repente, duas horas depois da minha visita, elle foi aeommettido de violentas convulsões^epijejitiformes, que durarão mais de meia hora, no fim das quaes teve lugar a morte. O soluço é um symptoma muito commum na fôrma ataxica da fe- bre amarella: dura ordinariamente muitas horas; ás vezes prolonga-se durante todo o terceiro periodo, e então torna-se rebelde aos diversos agentes therapeuticos contra elle dirigidos. Em um doente que eu vi na rua do Cattete, o soluço persistio por espaço de três dias, e era tão es- trepitoso, que as pessoas que habitavão na mesma casa não podião dor- mir durante a noute por causa do ruido por elle produzido. Quando se manifesta a fórnijhemqrrhagica_no terceiro periodo da febre amarella, a moléstia Jermma_em poucos dias^ ou pela cura, ou pela morte; quando porém se declara aJormajUaxoj:aj^ os phe- nomenos ora precipjtãoj^ej^pidamem e o doente suecumbe no fim de vinte e quatro ou trinta e seis horas, quando muito no fim de dous dias, ora marchão lentamente, e a moléstia toma o aspecto e a marcha da febre typhoide: n'este caso, ou_a_morte sobrevem no fim do segundo sepjejnario, ou ^convalescença se decjarjTluvidosa e imperfeita, no fim de vinte e tantos a trinta dias. Todos estes symptomas do terceiro_p^iqo^aJebre^ajn^reila que tenho mencionado, são acompanhados ordinariamente de pouca febre, ou de completa apyrexia, ou mesmo de abaixamento da temperatura. Em alguns casos da fôrma ataxo-adynamica, observa-se o resfriamento das extremidades, pulso pequeno, concentrado e freqüente. A algidez geral é um phenomeno excessivamente raro; só a encontrei, fora da agonia, em um único caso. A lingua apresenta-se de diversos modos no terceiro periodo da fe- bre amarella: ora conserva-se larga e humida, apenas revestida na base de uma leve camada de saburra amarellada; é o que se observa no co- meço d'esse periodo, na maioria dos casos; ora fica secca, rubra e asse- tinada: é o que se dá commummente na fôrma typhoidéa; ora apparece fendida, gretada, coberta de coágulos sangüíneos em alguns pontos, tinta 244 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES de sangue em outros: é o que se encontra muitas vezes na fôrma he- morrhagica franca. A prostração de forças, a angustia ou anciedade epigastrica, a agi- tação, a insomnia, quando não ha coma, abces^pjunultiplQS e parotides, ora diarrhéa, ora prisão de ventre, taes são os outros symptomas que se observão no terceiro periodo da febre amarella no Rio de Janeiro, cuja importância para o diagnostico é muito secundaria, se não inteira- mente nulla. § VIII fa(z4*j*+<^*' Na febre amarella ha uma dyscrasia do sangue, determinada pelo *. amarella é uma pyrexia continua ou remittente, coincidindo ou depen-**4*- tf**™- dendo de uma^s^-enterorhepato-enceplialite, de natureza especial,-"*""*'**' devida a uma intoxicação miasmatica, muito análoga, senão idêntica á do typho europeo, porém modificada por circumstancias climatericas e topographicas. O meo sábio e respeitável mestre, sr. barão de Petropolis, acredita que a febre amarella que reinou epidemicamente no Rio de Janeiro em 1850, apresentou geralmente dous caracteres distinctos: o 1.° foi o das febres remittentes ou intermittentes, benignas ou perniciosas, que entre nós reinão endemicamente, tendo sido mais commummente observado este caracter da epidemia nas pessoas nacionaes e nos estrangeiros ac- climatados: 2.°, em que a moléstia bem merece o nome de typho icte- roide, por causa das analogias que apresenta com o typho da Europa, e muito diverso do primeiro quanto á symptomatologia e gravidade, e foi muito mais freqüentemente observado nos estrangeiros recemchega- dos. 254 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES Admittindo uma distincção entre o typho icteroide e a febre ama- rella da America, o eminente professor não contesta a unidade da con- dição epidêmica. Para elle, o typho icteroide é o mesmo typho europeo modificado por influencias climatericas e locaes, que produzem entre nós as febres intermittentes perniciosas; assim como a febre amarella é a mesma febre perniciosa endêmica no Rio de Janeiro, modificada pelos miasmas typhicos. Para mim, a febre amarella é uma moléstia infecciosa, produzida pela acção de um miasma que procede da decomposição das matérias or- gânicas, vegetaes e animaes; que participa por conseguinte da natureza do miasma que produz as febres paludosas e do miasma que produz o typho. Este miasma mixto, depois de receber da atmosphera marítima um cunho especial, determina na crase do sangue uma profunda altera- ção, a qual, no começo, se revela por phenomenos de reacção, mais tarde por phenomenos hemorrhagicos e ataxo-adynamicos. Em virtude da dyscrasia sangüínea, bem como dos esforços que faz a natureza orgânica para reagir contra ella, alguns órgãos são secun- dariamente compromettidos em suas condições anatomo-physiologicas: oesjomago, os inte^inos^^Jjgado^e o^nc^phato são os que majs^com- mummente se compromettem; todos os outros porém mais ou menos se resentem das alterações progressivas por que passa o sangue, e das desordenj_jr^idasj3u^c^nse^uüy^^ yoso> Na maneira de reagir, o organismo se comporta de modo diverso, conforme predomina no miasma infeccioso o elemento paludoso ou o ty- phico: no primeiro caso, os phenomenos que indicão a reacção asseme- lhão-se aquelles que se observão nas febres paludosas, intermittente ou remittentes,benignas ou perniciosas; no segundo caso, assemelhão-se aos do typho propriamente dito. Como apezar da procedência d'este ou d'a- quelle elemento, um inílue sobre o outro, porque estão reunidos, os symptomas que revelão o elemento predominante são um pouco modi- ficados pelo elemento sobrepujado. Eis-ahi porque, penso eu, ainda mesmo que a marcha da moléstia seja análoga á da febre remittente, en- contrão-se phenomenos typhicos mais ou menos pronunciados no quadro symptomatico, e ainda mesmo que a fôrma typhoide se manifeste fran- camente, observa-se no começo a marcha própria das febres remittentes DO RIO DE JANEIRO 25o palustres. Para o tratamento, esta distincção é de grande importância, como se verá mais adiante. Deduz-se do que acabo de dizer que penso do mesmo modo que os srs. barões de Lavradio e de Petropolis; somente não julgo, como este, que haja duas moléstias produzidas pela mesma condição epidêmica: nem, como aquelle, que haja uma gastro-entero-hepato-encephalite idio- pathica e essencial caracterisando a moléstia. A entidade mórbida é uma só, tendo gráos diversos de intensidade; as lesões que se manifestão para o lado das vísceras são secundarias e variáveis; dependem da in- fecção miasmatica do sangue. §XII A febre amarella pôde confundir-se com a febre remi ttente^ biliosa ^w^*<^2"^ dos paizes^quentes. Esta pyrexia, como já ficou dito, muitas vezes^re- " veste-se de summa gravidade; apresenta em seo quadro symptomatico os vômitos biliosos freqüentes; a bilis que sai do estômago apresenta-se escura, e pôde vir mesmo misturada com um pouco de sangue. Ha doentes, que, ao lado dos symptomas biliosos e nervosos graves, são acommettidos de algumas hemorrhagias, de epistaxis, por exemplo, e so- bretudo de hematuria: alguns autores denominão esta espécie nosologíca de febre biliosa hematurica, febre amarella dos acelimatados. Em alguns casos observa-se também a albuminuria, ainda mesmo que a ourina não seja sanguinolenta; apparecem phenomenos ataxo-adynamicos, e muitas vezes os doentes suecumbem como na febre amarella, apresentando no tegumento externo uma côr icterica açafroada muito intensa e diffusa. A circumstancia de reinar uma epidemia de febre amarella, deve ser tida em muita consideração pelo medico, quando tiver de estabele- rer o diagnostico differencial. A febre remittente biliosa dos paizes quen- tes, mesmo a hematurica, é unia moléstia essencialmente palustre; é uma manifestação aguda e gravíssima da infecção paludosa; devemos por conseqüência encontrar nos doentes notáveis alterações para o lado do figado e do baço, órgãos predilectos efessa infecção. Desde o começo o typo da febre é francamente remittente, notando-se com o thermo- metro exacerbações vespertinas e depressões matutinas no calor febril. As funcções do apparelho hepato-bilíar perturbão-se logo que se mani- festão os primeiros phenomenos mórbidos: d'ahi vem a ictericia precoce que se revela de modo inequívoco e diffuso dentro das primeiras qua- 256 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES renta e oito horas. A moléstia traz em suas primeiras manifestações o cunho da gravidade: por isso apparecem muito cedo o delírio,.a inso- mnia, a agitação e seccura da lingua. As profundas desordens das funcções biliares do figado, são acom- panhadas de grande augmento de volume d'este órgão, algum augmento de volume do baço, de vômitos biliosos desde o principio da moléstia, e commummente de diarrhéa também biliosa. Como em toda a apyrexia pa- lustre grave, antes do primeiro septenarío os symptomas ataxo-adyna- micos entrão em campo. Comquanto em alguns casos observem-se he- morrhagias, estas são muito raras, e a que se manifesta de preferencia é a hematuria; a gastrorrhagia constitue um phenomeno excepcional.O vomito preto não depende ordinariamente da presença do sangue nas matérias expellidas pelo estômago, mas sim da cholepyrrina ou pigmento escuro da bilis, que se mistura com os líquidos da cavidade gástrica, ou ahi existem isoladamente. Quando apparece a albuminuria, a molés- tia tem chegado a um periodo muito adiantado de sua evolução, e está prestes a terminar pela morte. Finalmente, a febre biliosa dos paizes quentes, quando se reveste de perniciosidade, raras vezes termina pela morte antes do segundo septe- narío, e pela cura antes do terceiro. A febre amarella não é uma pyrexia de fundo exclusivamente palu- doso ; não apresenta no numero de seos symptomas iniciaes a congestão de figado e de baço. O typo remittente da febre não apresenta a mesma regularidade que se nota na outra pyrexia. A descida da columna ther- mometrica, que caracterisa o segundo periodo ou periodo de transição, não se dá na febre biliosa. A ictericia franca e diffusa apparece tardia- mente, no decurso ou no fim do terceiro periodo, e ás vezes só depois da morte. Os symptomas nervosos graves só se manifestão no terceiro periodo, especialmente na fôrma ataxo-adynamica; na fôrma hemorrha- gica, muitas vezes o doente succumbe sem apresentar phenomeno al- gum de ataxia. A lingua raras vezes se torna secca, e quando isso se dá, é depois que sobrevem o terceiro periodo, e quasi nunca nos pri- meiros dias de moléstia, como já tive occasião de dizer. Os vômitos biliosos são geralmente precedidos de vômitos aquosos e mucosos, e apparecem do segundo para o terceiro periodo; os vômitos do primeiro periodo coincidem quasi sempre com o estado saburral da DO RH) DE JANEIRO 257 lingua, indicão um embaraço gástrico, e desapparecem depois do em- prego de um vomito. A diarrhéa na febre amarella constitue uma excepcão muito rara, ao passo que na febre biliosa é a regra. O delirio é o único symptoma nervoso que se observa no começo do typho americano, e n'este caso depende da hyperemia das meningeas cerebraes. A hematuria é uma he- hemorrhagia pouco freqüente na febre amarella, e quando se manifesta, é acompanhada de outras hemorrhagias. Na febre biliosa, a stomatorrhagia, a epistaxis, a gastorrhagia e a enterorrhagia quasi nunca se manifes- tão; a hematuria commummente existe isolada. O vomito preto na febre amarella é constituído por sangue; a albu- mina sobrevem, n'esta moléstia, do segundo para o terceiro periodo, e não guarda a menor relação com a sua gravidade, assim como não exerce a menor influencia sobre a sua terminação. A anuria é um sym- ptoma freqüente na febre amarella, e muito raro na febre biliosa. Finalmente, a marcha que segue a primeira destas duas pyre- xias é muito mais rápida do que a seguida pela segunda, quer sobreve- nha a morte, quer tenha lugar a cura. Cada um d'estes elementos de diagnostico differencial, tomado iso- ladamente, não merece por certo a menor confiança; quando porém elles se acharem reunidos, terão muito valor, concorrerão efficazmente para dissipar as duvidas do medico. É forçoso todavia confessar que em uma quadra epidêmica de febre amarella, poderão apresentar-se alguns casos de febre remittente biliosa dos paizes quentes, que se confundirão de tal sorte com a moléstia reinante, recebendo em sua physionomia sym- ptomatica a influencia preponderante da constituição medica, que o dia- gnostico differencial se tornará extremamente difficil, senão mesmo im- possível. Observação 1L.XII —João Maria Feitosa, portuguez, de 26 annos de idade, sem profissão, chegado ao Brazil ha trinta e cinco dias, foi aeommettido de accessos de febre intermittente regulares nos dias 28, 29 e 30 de abril de 1873, lendo tomado para combatel-os altas doses de sulfato de quinina, dadas pelo sr. dr. Godoy Botelho. No dia i.° de maio, apparecendo-lhe de novo a febre, c sendo esta acompa- nhada de cephalalgia muito intensa, resolveo-se a entrar para o hospital da mize- ricordia ás 5 horas da tarde, sendo-lhe destinada a enfermaria de Santa Izabel. O medico de serviço prescreveo-lhe um purgante de calomelanos e sinapismos nas extremidades inferiores. 17 258 LSTUDO CUNlCit SUBRE AS FEBKK> Dia 2 de maio — Estado actual — Face animada, olhos injectados, laciyinejau- tes e sensíveis á luz, côr amarella-alaranjada das conjunctivas palpebraes, olhar languido; forte hyperemia dos capillares da parede anterior do thorax. Cephalal- gia supra-orbitaria muito intensa; dores lombares e das pernas, que difficultão os movimentos do doente no leito. Temperatura axillar a 40°,6, pulso a 122, pelle muito secca e árida. Lingua saburrosa, porém larga e humida; muita sede, anore- xia, ausência de náuseas e de vômitos; alguma sensibilidade no epigastro; figado e baço normaes, ventre flaccido; o purgante produzio três evacuações. Ourinas muito escassas, avermelhadas, ácidas e sem albumina. Alguma dyspnéa; ausência de phenomenos physicos anormaes no apparelho respiratório. Prescripção: Água.......................150 grammas Água de louro cerejo................12 grammas Acetato de ammonia................20 grammas Tinctura de aconito................. 2 grammas Tinctura de belladona................ 15 gottas Xarope de flores de laranjas.............30 grammas Para tomar 1 colher de sopa de hora em hora. Pediluvio sinapisado e sinapismos nas extremidades. Ás 5 horas da tarde o interno encontrou o doente muito abatido, com a tem- peratura a 40°,8, não tendo ourinado desde a hora da visita da manhã. Dia 3 — Sub-ictericia nas conjunctivas, no thorax, no pescoço, nos braços e nas coxas. Abatimento de forças; cephalalgia, dores lombares e das pernas pouco intensas. Temperatura axillar a 39°,8, pulso a 120. Lingua saburrosa e humida; ainda sensibilidade no epigastro, ausência de voniitos; figado e baço de volume normal; ventre tenso, preso e indolente. Suppressão de ourinas. O catheterismo, praticado pelo interno na minha presença, não fez sair uma gotta de ourina. Prescripção: Uma poção com 1 gramma do sulfato de quinina e 10 gottas de lau- dano, para ser dada ás colhéres de hora em hora. Limonada de limão, para bebida ordinária. Um cly.«ter purgativo. Fricções excitantes na região lombar. Ás 5 horas 0 RIO DE J\]SE1F<( 2o9 Prescriprão. Água....... .....1ÕO gmuiüdS Ácido gallico.................... 2 grammas Ergotina...................... 4 grammas Xarope diacodio................... 30 sraruma? Para tomar 1 colher de sopa de hora em hora. I.'m pequeno \esicatorio no epigastro. Limonada gelada. Cm clyster contendo almiscar, camphora, lincturn de valeriana b ele- etuario de senne. As mesmas fricções excitantes nas regiões renaes. Os vômitos pretos continuarão ainda até ás 3 horas da tarde, depois cessarão; a epistaxis continuou até á visita do interno ás 5 horas da tarde. O doente, n'esta hora, perdia muito sangue, não só pelas fossas nasaes, como pelas gengivas; estava profundamente abatido, com as extremidades frias, a temperatura a 36°,8 e o pulso a 136. Conforme a minha recommendação, foi prescripta uma poção com 2 gram- mas da solução normal de perchlorureto de ferro, uma mistura de tannino e pó de colophana para ser introduzida nas fossas nasaes. Ás 11 horas da noute o doente falleceo, tendo havido pouco antes da morte uma larga evacuação de um liquido negro e fétido, contendo em suspensão uma substancia pulverulenta similhante á borra de café. Autópsia praticada onze horas depois da morte — Côr amarella açafroada da superfície externa do cadáver; sobre o lábio superior, sobre a pyramide nasal, nos ângulos da boca e no mento, notão-se manchas de sangue e pequenos coalhos san- güíneos. Alguma hyperemia da pia-mater e da substancia cerebral; a dura-mater e a arachnoide estão tintas de amarello; pequeno derramamento sero-sanguino- lento nos ventriculos laíeraes. Antigas adherencias pleuriticas na base do pulmão direito; congestão bem pronunciada na base de ambos os pulmões. No coração nota-se apenas a existência de um coagulo sangüíneo molle e pouco resistente, occupando o ventriculo esquerdo, e prolongando-se para a aorta; o tecido do myo- cardo está pallido, descorado e um pouco amollecido. A cavidade do estômago en- cerra cerca de 90 grammas de um liquido escuro, contendo em suspensão gruinos negros, que se desfazem facilmente pela pressão dos dedos; a mucosa gástrica, de- pois de uma lavagem em grande quantidade de água, apresenta-se injectada, com algumas manchas ecchymoticas na parte correspondente á grande curvatura do ór- gão. No duodeno e no resto dos intestinos delgados nada de notável existe a não ser alguma hyperemia da mucosa. O figado, um pouco augmentado de volume, apresenta em sua superfície externa três cores distinctas: a côr bronzeada, a ama- rella escura e a vermelha; cortado o seu parenchyma, as superfícies de secção se apresentão com uma côr amarella, ora mais, ora menos carregada, seccas, granu- losas. lm pedaço de figado, tirado do lobo de Spiegel, reduzido a pequeninos fra- gmentos, e postos estes de .mistura com um pouco de ether em um vaso hermeti- eamente fechado, deixou em solução n'este liquido uma certa porção de gordura, bem apreciável depois que o díssolvente se evaporou em uma pequena cápsula. A vesicula biliar está diminuída de volume, contendo pouca bilis, e esta muito con- creta. Nada de notável se observa no baço. Rins volumosos, com uma cor de brin- gella em seo exterior, fornecendo pelo corte um sangue muito preto e diffluente. Bexiga muito retrahida. contendo em sua cavidade 2 oitavas quando muito de um 260 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES liquido turvo, escuro, fétido e muito sobrecarregado de albumina. Ü sangue que corre das partes cortadas é negro e diffluente. Obserração LXIII—Domingos Gonçalves Pereira, portuguez, de 42 annos de idade, servente de uma coeheira de vaccas, chegado ao Brazil ha cinco mezes, entrou para a enfermaria de Santa Izabel no dia 11 de maio de 1873, ás 3 horas da tarde, com muita febre e fastio, tendo tido ao meio dia um forte calafrio. O medico de serviço prescreveo-lhe um purgativo de sulfato de magnesia, e 1 gramma de sulfato de quinina, para ser dada depois das primeiras evacuações. Dia 12 de maio—Estado actual—Estado geral satisfactorio; apyrexia com- pleta, temperatura a 37°,2 e pulso a 78. Lingua coberta de uma espessa camada de saburra amarellada, boca amargosa, anorexia, alguma sede. Alguma sensibili- dade na região hepatica, figado augmentado de volume, baço normal; o purgante produzio quatro evacuações abundantes. Ourinas normaes, um pouco avermelhadas. Prescripção: Um vomitivo de ipecacuanha. Uma gramma de sulfato de quinina depois do effeito do vomitivo. Quatro ventosas sarjadas no hypochondro direito. Ás 2 horas da tarde o doente teve de novo calafrio, seguido de febre. Ás 5 horas da tarde o interno o encontrou com a temperatura a 39°.6 e o pulso a 100; tinha tomado o sulfato de quinina á 1 hora da tarde. Dia 13—Apyrexia completa; temperatura a 37°,3, pulso a 78. Lingua menos saburrosa, figado ainda crescido; cephalalgia frontal. Ourinas avermelhadas. Prescripção: Duas grammas de sulfato de quinina em duas doses; uma dada imme- diatamente (9 horas da manhã), a outra ás 11 horas. Mistura salina simples. Ás 4 horas da tarde novo calafrio; ás 5 temperatura a 40°,2, pulso a 110; ce- phalalgia frontal muito intensa; dores lombares e nas pernas. O interno prescre- veo uma poção com acetato de ammonia e tinctura de belladona, um clyster pur- gativo e sinapismos nas extremidades inferiores. Dia 14—Olhos injectados e lacrymejantes; côr amarella-alaranjada das con- junctivas; cephalalgia muito pronunciada; dores lombares que obrigão o doente a gemer quando se move no leito, e que se irradião para os membros pelvianos. Tem- peratura a 40°,4, pulso a 120 e muito cheio. Lingua saburrosa na base e secca na ponta. Ausência de náuseas e de vômitos; sensibilidade na região gastro-hepatica, fígado crescido, baço normal. Ourinas ligeiramente albuminosas. Prescripção: Uma gramma de calomelanos em duas doses. Óleo de ricino—45 grammas (duas horas depois da segunda dúse de calomelanos). Seis ventosas sarjadas na região lombar. Sinapismos nas extremidades pelviauas. Ás 5 horas da tarde, temperatura a 40°,8, pulso a 124; agitação, angustia epi- gastrica, epistaxis; maior quantidade de albumina nas ourinas. Ó doente evacuou DO RIO DE JANEIRO 261 três vezes, e a medicação purgativa continua a produzir o seo effeito. O interno prescreveo uma poção com 4 grammas de nitro e 2 grammas de tinctura de digitalis. Dia 15 — Sub-ictericia generalisada; oppressão epigastrica, inquietação; epis- taxis moderada; temperatura a 38°,6, pulso a 128. Lingua rubra na ponta e secca no centro; vomito preto desde as 6 horas da manhã; o doente já vomitou cinco vezes; ventre tympanico. Ourinas muito sobrecarregadas de albumina. Intelligen- cia clara. Prescripção: Magnesia de Murray................180 grammas Tinctura de camomilla...............i Tinctura de calumba................jãa2 grammas Tinctura de noz vomica...............12 gottas Para tomar ás colhéres de sopa de meia em meia bora. Limonada de limão gelada, gelo. Vesicatorio no epigastro. üm clyster de cozimento de quina com tincturu de camomilla. Ás o horas da tarde: côr icterica mais pronunciada; temperatura a380,2, pulso a 130. Cessarão os vômitos, cessou a epitaxis; apparecerão soluços e evacuações sanguinolentas, de côr negra; grande anxiedade epigastrica. O interno mandou re- novar a poção, que já tinha terminado, ajuntando-lhe 2 grammas de ether sül- furico. Dia 16—Ictericia franca e generalisada; temperatura a 38°,8, pulso a 128; soluços, stomatorrhagia e enterorrhagia; lingua secca, contendo em sua face supe- rior alguns pequenos coalhos sangüíneos, hálito fétido, dentes tintos de sangue; ausência de vômitos, tympanite epigastrica, ventre deprimido e flaccido; albumi- nuria; sub-delirio. Prescriprão: Água.......................120 grammas Solução normal de perchlorureto de ferro....... 2 grammas Tome 1 colher de sopa de duas em duas horas. Cozimento forte de quina..............150 grammas Ácido sülfurico................... 18 gottas Xarope de cascas de laranjas.............30 grammas Tome 2 colhéres de sopa de duas em duas horas, alternando com a outra poção. Cozimento forte de cascas de jequitibá........500 grammas Alumen...................... 4 gramma? [ Para dous clysteres (dados com quatro horas de intervallo). As ò horas da tarde o interno encontrou o doente agonisante. Apesar da me- dicação prescripta de manhã, e seguida regularmente debaixo da fiscalisação de seis alumnos por mim escolhidos, as hemorrhagias continuarão, o estado adyna- mico tornou-se muito pronunciado, os soluços forão-se tornando mais freqüentes, as extremidades resfriarão-se e o corpo cobrio-se de um suor viscoso e fétido. Ás 8 horas da noute teve lugar a morte. Autópsia praticada quatorze horas depois da morte — Còr açafroada de toda a superfície externa do cadáver; lábios e mento tintos de sangue. Forte hyperemia da arachnoide e dos hemispherios cerebraes, côr amarella da dura-mater; os seios ivdüsos dVsta membrana estão repletos de sangue negro e diflluente. Congestão 2H2 i.SILOO CLlNfCü SOBRE AS FEBRE* da base de ambos os pulmões; algum derramamento de serosidade amarellada na cavidade do pericardio; coração completamente vasio, descorado e gorduroso no ventriculo direito. Estômago contendo apenas cerca de 30 grammas de um liquido escuro e fétido; a mucosa d"esíe órgão está muito injectada, apresenta um ponti- Ihado muito saliente, principalmente nas vizinhanças do pyloro. Grande injecção da mucosa do duodeno e do jejuno; notável quantidade de um liquido negro, evi- dentemente sanguinolento, occupa toda a cavidade do ileon e do coecum; a vál- vula ileo-coecal está turgida, rubra e amollecida; no collon transverso encontra-se um pouco do mesmo liquido sanguinolento. Figado muito volumoso, congesto e vermelho em alguns pontos, amarellado e gorduroso cm outros; baço de volume normal, porém um pouco amollecido. Rins augmentados de volume e gordurosos; bexiga contendo 60 grammas de ourina muito albuminosa e fétida. Observação LXIV-Octavio Tancrier, natural de Bordeaux, de 25 annos de idade, cozinheiro, chegado ha vinte dias em um navio de vela, entrou para a enfermaria de Santa Izabel em 15' de maio de 1873. Na noute antecedente, depois de ter comido e bebido de mais, foi aeommettido de vômitos e fortes dores de estômago. Amanheceo com muita febre, cephalalgia, dores lombares e no epigastro. Foi n'estas condições que recolheo-se ao hospital durante a visita da clinica. Estado actual—Face muito animada, vultuosa, olhos injectados e brilhantes; oephalalgia muito intensa, dores lombares violentas, caimbras nos membros in- feriores. Temperatura a 40°,6, pulso a H8. Lingua saburrosa, muita sede, vômi- tos biliosos, grande sensibilidade no epigastro, figado e baço de volume normal. ventre pastoso e preso. Ourinas avermelhadas e sem albumina. Prescripção: Seis ventosas sarjadas na região lombar. Uma gramma de calomelanos. Sessenta grammas de óleo de ricino. Uma poção com 12 decigrammas de sulfato de quinina e 10 gottas de laudano de Sydenham, para ser dada em três doses com duas ho- ras de intervallo, depois do effeito da medicação purgativa. Ás 5 horas da tarde o interno encontrou o doente muito melhor: a cephalal- gia, as dores lombares, as caimbras e os vômitos tinhão cessado completamente; a temperatura estava a 38°,2 e o pulso a 88; os calomelanos e o óleo de ricino ti- nhão provocado oito evacuações abundantes; já tinha sido administrada a primeira dose de sulfato de quinina; apezar de não terem decorrido ainda duas horas de- pois d'esta dose, o interno deo a segunda com a sua própria mão, recommendando á irmã de caridade que desse a terceira ás 7 V2 horas da noute. Dia 16—Sub-ictericia, estado geral satisfactorio; temperatura a 38°,i, pulso a 90. Lingua ainda saburrosa; o doente vomitou o caldo que lhe foi dado de ma- nhã; ainda sensibilidade epigastrica, porém menor; figado e baço de volume nor- mal; albuminuria. Prescripção: üma poção com 1 gramma de sulfato de quinina e 10 gottas de huda- no, para ser dada em duas doses. Limonada de limão, como bebida ordinária. DO MO DE JANEJBO 263 A segunda dose de quinina foi rejeitada pelo vomito. As 5 horas da tarde o interno encontrou o doente com mais febre, a temperatura a 39° e pulso a 100: tinha tido um vomito escuro ás 4 horas, pouco mais ou menos. Foi-lhe préseripta a magnesia fluida de Murray com tinctura de camomilla, e a appiicação de um si- napismo no epigastro. Dia 17 — Ictericia generalisada e franca, estado geral bom; temperatura a 38°,6, pulso a 92. Lingua vermelha na ponta e nos bordos; ausência de vômitos, ausência de liquido no estômago, demonstrada pela percussão do epigastro; ventre preso; albuminuria muito pronunciada. Prescripção: Continua o uso da magnesia de Murray com tinctura de camomilla, ás colhéres. Limonada de limão, como bebida ordinária. Um clyster ligeiramente purgativo. Dous clysteres pequenos contendo cada um 6 decigrammas de sulfa- to de quinina, dados com três horas de intervallo. Ás 5 horas da tarde, temperatura a 38°,2, pulso a 78; o doente não tem vo- mitado; epistaxis moderada. Dia 18— Ictericia muito intensa; epistaxis; notão-se na parede abdominal algu- mas manchas petechiaes, e na parede thoraxica uma mancha ecchymotica das di mensões de uma pequena moeda de prata de 200 réis. Temperatura a 37°,5, pulso a 68. Lingua menos avermelhada na ponta e nos bordos; ausência de vômitos e de sede. O clyster purgativo produzio uma evacuação biliosa; os dous clysteres de quinina forão tolerados; o doente queixa-se de zoada nos ouvidos e ouve mal; al- buminuria muito pronunciada. Prescripção: \gua.......................12Ü grammas Solução normal de perchlorureto de ferro.......2i gottas Para tomar ás colhéres de duas em duas horas. Cozimento forte dç quina..............200 grammas \cido sülfurico...................18 gottas Tinctura de camomilla................ 2 grammas Xarope de cascas de laranjas............. 30 grammas Para tomar 2 colhéres de sopa de duas em duas horas, alternan do com a poção precedente. Caldos de carne com vinho generoso. Ás 5 horas da tarde o interno encontrou o doente em boas condições; o pulso porém estava muito lento (52 pulsações por minuto); o thermometro marcou 37°,6; a epistaxis tinha cessado; ausência de vômitos. Dia 19— Temperatura a 37°,2, pulso a 52; ictericia; mais uma mancha ecchy- motica, menor do que a primeira : as petechias não augmentarão. Não ha epista- xis nem vômitos. Ourinas muito biliosas e albuminosas. Prescripção . ^ mesma poção com perchlorureto de ferro. Vinho quinado, meio calix de duas em duas horas. Caldos de carne, café. Dias 20, 21 e 22 — 0 doente não apresenta modificação alguma n'estes três dias, a não ser o augmento progressivo do numero de pulsações da artéria radial (60, 68, 75). 264 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES Dia 23—Estado geral muito satisfactorio. Ictericia menos pronunciada. Tem- peratura a 37«,2, pulso a 75. Lingua humida, larga e rosada; appetite. As manchas petechiaes e ecchymoticas estão pallidas, tendem a desapparecer. As ourinas são muito biliosas, apresentão uma côr amarella gemma de ovo, encerrao porém muito pequena quantidade de albumina. O doente conserva-se recostado no leito e con- versa alegremente com os alumnos. Prescripção: Continua somente no uso do vinho quinado. Sopas, canja de frango, dous ovos quentes, cale. No dia 29 de maio, quinze dias depois de ter entrado para o hospital, Octavio Tancrier obtém alta restabelecido, conservando apenas como vestígio da grave mo- léstia que o acommettêra, uma côr icterica pouco intensa, apreciável sobretudo nas conjunctivas escleroticaes. Observação LXV-Archangelo Parisi, italiano, de 37 annos de ida- de, chegado ha quatro mezes ao Brazil, tendo vindo da cidade de Campinas (S.Pau- lo) para a do Rio de Janeiro ha um mez; entrou para a casa de saúde de Nossa Se- nhora d'Ajuda no dia 7 de março de 1873, ás 7 horas da manhã. Estado actual—Face vultuosa, muito rubra, olhos brilhantes, photophobia, ce- phalalgia supra orbitaria muito intensa, dores f achialgicas, que se estendem para os braços e as pernas, delirio, agitação. Temperatura axillar a 40°,8, pulso a 120, cheio e muito desenvolvido. Lingua saburrosa no centro e vermelha na ponta, muita sede; epigastro sensível á apalpaçao e percussão, fígado e baço de volume normal, prisão de ventre, que resistio a 1 libra de limonada purgativa de citrato de magnesia, tomada na véspera; ourinas escassas, muito vermelhas, ligeiramentealbuminosas. Prescripção: Doze sanguexugas em cada apophyse mastoide. Oito ventosas escarificadas na columna vertebral. Uma gramma de calomelanos em uma só dósc. Sessenta grammas de óleo de ricino. Sinapismos nas extremidades inferiores. Recommendei ao interno que desse ao doente 1 gramma de sulfato de quinina de tarde, no caso de descer a temperatura abaixo de 39°, e no caso contrario lhe prescre- vesse uma poção com 6 grammas de nitro elo gottas de tinctura de belladona. Dia 8—A temperatura da véspera apenas desceo 8/io de gráo depois dos ef- feitos das emissões sangüíneas e da medicação purgativa. O interno não deo o sul- fato de quinina. Na hora da minha visita, o doente apresenta-se icterico, com de- lirio constante, temperatura a 39°,6, pulso a 126, lingua secca, retrahida e tremu- la, anxiedade, angustia epigastrica; sensibilidade na região do estômago, som hu- morico n'essa região, fornecido pela percussão; fígado e baço de volume normal, ventre tympanico; ourinas biliosas e sobrecarregadas de albumina. Prescriprão: Poção com extracto de belladona, tinctura de almiscar, e água de lou- ro cerejo. L'm clyster purgativo com assafetida e camphora. Vesícatorios nos jumellos. Compressas embubidas em água gelada sobre o cra.neo. DO RIO DE JANEIRO 265 Ás 6 horas da tarde o pulso tornou-se muito pequeno e freqüente, a temperatura desceo a 37», appareceo carphologia e manifestou-se uma abundante epistaxis. O in terno substituio a poção por outra em que entravão o carbonato de ammonia, a extracto molle de quina e a tinctura de canella, e introduzio nas fossas nasaes do doente pequenos chumaços de fios embebidos em uma mistura de partes iguaes de água e solução normal de perchlorureto do ferro. Dia 9—Pouco antes da minha visita, o doente vomitou uma grande quanti- dade de um liquido similhante á tinta de escrever. Encontrei-o comatoso, com so- bresaltos de tendões, as extremidades frias, a temperatura axillar a 36°,2, o pulso extremamente veloz e filiforme, e a superfície cutânea de uma côr açafroada; as ourinas não forão examinadas. Mandei continuar com a mesma poção receitada pelo interno, alternando-a com algumas colhéres de vinho do Porto. Ás 2 horas da tarde o doente falleceo. Não foi feita a autópsia. Ol>sei-va«?&o LXVI — Salvador Perez, hespanhol, de 40 annos de idade, marinheiro, recentemente chegado á bahia do Rio de Janeiro; entrou para a enfermaria de Santa Izabel no dia 1.° de maio de 1875, ás 9 horas da noute. E>- teve desembarcado durante a tarde de 30 de abril, e voltou para bordo á noute. Confessa ter commettido alguns abusos, já comendo fructas verdes, já bebendo aguardente e cerveja. Amanheceo com dor de cabeça, náuseas e dores nas pernas; não teve calafrio, nem vomitou. Depois do meio dia sentio-se com febre; tomou uma bebida para suar, que lhe ensinou o piloto do navio; porém, longe de melho- rar, pelo contrario, a febre se tornou mais forte, apparccerão-lhe dores lombares, e mal podia mover-se na cama. O medico de serviço no hospital prescreveo-lhe uma poção diaphoretica e sinapismos nas extremidades inferiores. Estado actual—Dia 2 de maio—Olhos injectados, olhar languido, côr alaran- jada das conjunctivas palpebraes; injecção muito manifesta dos capillares da pa- rede thoraxica, o que em parte pôde ser devido á insolação. Cephalalgia supra- orbitaria, dores lombares e nas pernas. Temperatura a 40»,2, pulso a 100. Lingua muito saburrosa, amargo de boca, muita sede, anorexia; sensação de grande ple- nitude no epigastro, figado e baço de volume normal, ventre preso; ourinas aver- melhadas, sem albumina. Prescripção: Um vomitivo de ipecacuanha com 5 centigrammas de tartaro stibiado. Um clyster purgativo. Uma gramma de sulfato de quinina se a temperatura ficar abaixo de 39°; no caso contrario, uma poção com G grammas de nitro e 12 grammas de acetato de ammonia. Depois de ter vomitado e evacuado abundantemente, o doente tinha uma tem- peratura de 38°,2 ás 5 horas da tarde; a pelle estava humida, e as dores lombares e das pernas tinhão desapparecido. O interno mandou dar o sulfato de quinina, que foi bem tolerado. Dia 3—Estado geral satisfactorio, sub-ictericia generalisada; temperatura a 37°,8, pulso a 82; ausência de cephalalgia e de vômitos; o exame das ourinas re- vela a presença de albumina. 266 tSl LDü CLINICO í>UBRE AS FEBRE> Prescripção: Doze decigrammas de sulfato de quinina em duas doses. Limonada de limão, como bebida ordinária. Ás 5 horas da tarde, o interno soube que o doente tinha tido uni vomito preto pouco abundante duas horas antes. A temperatura estava a 37°,4, o pulso a 90; nada indicava gravidade. Dia 4 —Ás 7 horas da manhã segundo vomito preto, mais abundante do que o primeiro; ictericia mais pronunciada; grande quantidade de albumina nas ouri- nas. Temperatura a 37°, pulso a 80. Lingua limpa. Prescripção: Magnesia de Murray com tinctura de camomilla e tinctura de calumba. Um pequeno vesicatorio no epigastro. Limonada de limão. Dous pequenos clysteres contendo cada um 1 gramma de sulfato de quinina e 5 gottas de laudano. Dia 5 — Não se reproduzio o vomito preto; o doente sente-se melhor; icteri- cia e albuminuria. Prescripção: Mesmo tratamento, menos os clysteres de quinina. Vinho quinado, ás colhéres, alternando com a poça". Caldos de carne, café. Dia6— Apparece uma pequena hemorrhagia pela gengiva inferior; continua a ictericia e a albuminuria. Prescripção: A magnesia é substituida por uma poção composta de cozimento de quina, ácido sülfurico e xarope de cascas de laranja. Continua o uso do vinho quinado. Um collutorio de infusão de noz de galha em 8 grammas de alumen e 60 grammas de mel rosado. Dias 7, 8, 9 e 10—O doente tem tido melhoras progressivas quanto ao estado geral; só no dia 10 é que cessou a stomatorrhagia completamente, e que a quan- tidade de albumina nas ourinas diminuio de modo sensível. Até o dia 19 o doente esteve em uso de vinho quinado (meio calix de três em três horas) e de uma ali- mentação progressivamente reparadora e variada. No dia 20 teve alta, conservando a côr icterica bem pronunciada. Observação LXVII —Francisco Sabugal, portuguez, de 14 annos de idade, aprendiz de pedreiro, chegado ao Brazil ha onze mezes, entrou para a enfermaria de Santa Izabel no dia 24 de maio de 1873. Sentio-se incommodado no dia 23 de manhã, e assim mesmo foi trabalhar; ás 2 horas da tarde foi conduzido em um tilbury para a casa de seo pai, onde derão-lhe uma beberagem com aguar- dente, e mais tarde um purgante de óleo de ricino. Dia 24 —Estado actual—Olhos injectados e brilhantes, côr alaranjada das conjunctivas palpebraes, côr sub-icterica do tegumento externo de algumas regiões, do pescoço sobretudo. Cephalalgia frontal, ausência de dores lombares p nas per- Tebre amarella (Observação LXH) Domem , 20 annos (Enfermaria de Santa Izabel] Vias dcm 5 6 7 8 S> 10 4JP 4a.0 59° _g^ *\ ,\ r I T a h \ 37? rm Tebre amarella (Observação LXIII) llomim, 42 annos (Enfermaria de Santa Izabel Vias Jtm Z 5 4 5 6 7 41? 40» se? 58' 579 A / / ?* l ■ \\ ' \ \ \ ,/ r\ > / i , ., \ "f O) l£ \\ % y V Tebre amarella (Observação I.XIV flomem, 25 annos (Enfermaria de Sanla Izabel) Vias ie m 2 3 4- 5 e 7 8 0 41° 4-0." 59? 58? 37' \ -- 1 1 1 1 i A \ r v 1 7 \ V \ \ 1 \ V *\ \ \ Cl Morte as 8 horas da noute. Alta. Febre amarella (Observação LXV) Homem, 37 annos (Casa de Sande da Ajuda) Dias 2 3 4 5' 6 4J" X^° 38" 57." \ \ \ \ — \ 1 \ \ 1 -- l \ \ l \ \ \ 'D Tebre amarella (Observação LXVI) Homem , 40 annos (Enfermaria de Santa Izabel) Vias item 2 3 4 5 G 7 8 41° - \ jZJ 58°-57." _. <\ \ tv 1 i Tebre amarella (Observação LXVII] (') Morte ás 2 horas da tarde, ') Alta. Bomem, 14 annos (Enl de Santa Izabel erc ar a Vias de nu Z Ô 4- 5 6 7 ^2? 4JÍ 4& 3 \ \ 1 1 \ \ \ í ,i ') Morte ás 11 boras da manhã. Pag. 267 HO HlO DE JANEIRO 267 nas. Temperatura a 4K2, pulso a 130 e pequeno. Lingua saburrosa e secca, com uma facha cor de ferrugem no centro, muita sede, vômitos de vez em quando, grande sensibilidade no epigastro, figado augmentado de volume e doloroso á per- cussão, ventre um pouco tympanico; ourinas muito raras e sem albumina. Sub- delirio; o doente está em continuado movimento no leito, ora toma o decubito la- teral direito, ora o esquerdo, ora o dorsal, geme e dá profundos suspiros. Prescriprão: Loções em todo o corpo de tros em tros horas, feitas com uma es- ponja embebida em uma mistura de partes iguaes de água e ál- cool ; para este fim são nomeados seis alumnos, que se encarregão d'essas loções. Ao"a...................... 150 grammas Tinctura de digitalis................j Tinctura de aconito................( ãa 2 grammas Álcool de veratrina................ 8 gottas Xarope de gomma................. 30 grammas Para tomar 1 colher de sopa de hora em hora. Limonada de limão, como bebida ordinária. Vesícatorios aos jumellos. As 5 horas da tardo o interno encontrou o doente com delirio franco e epista- xis; por duas vezes tinha tido vomito preto; a temperatura estava a 40°,8, o pulso a 132. Dia 25—O doente está perdido. Ictericia bem pronunciada; epistaxis, stoma- torrhagia, vomito preto repetidas vezes, enterorrhagia. Temperatura a38°,4, pulso tão freqüente e pequeno que não pode ser bem apreciado no numero de seos ba- timentos. O doente, em estado semi-comatoso, pronuncia constantemente uma serie de phrases incompletas e incomprehensiveis; de vez em quando dá um grito, e é então aeommettido de um forte tremor geral; sobresaltos tendinosos, crucidismo e soluço. Lingua tinta de sangue em alguns pontos, coberta de pequenos coalhos sangüíneos seccos em outros, hálito fétido; suppressão de ourinas; extrema sensi- bilidade do ventre. Prescripção: Poção com 2 grani mas de ácido galhico e xarope diacodio. Vinho do Porto, ás colhéres alternando com a poção. Dous pequenos clysteres. contendo cada um 1 gramma de alumen. Ás 111/2 horas da manhã, tendo apenas tomado 2 colhéres da poção e um clys- ter, o doente falleceo, tendo tido pouco antes alguns movimentos convulsivos nos membros superiores, nos inferiores e na face. Em virtude de uma ordem, partida da administração superior do hospital da mizericordia, os cadáveres de individuos mortos de febre amarella não são conser- vados até o dia seguinte, são enterrados de tarde; por esse motivo não se fez au- tópsia no caso d'esta observação. § XIII No Rk> de Janeiro, bem como em todos os paizes do mundo em &-y**-*£*t que a fphre amarella se h-m desenvolvido epidernicamente. esta moléstia 268 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES é muito mais grave nos estrangeiros recentemente chegados do que nos aclimatados e nos nacionaes; com os filhos das províncias do Sul, sobre- tudo do Rio Grande, de S. Paulo e Minas Geraes, dá-se entre nós o mesmo em relação á gravidade com que são acommettidos do mal epidêmico. A intensidade do calor febril_não indica em absoluto muita gravi- dade, salvo quandojsobe alem de 41 gráos; porém aj)ro^ngada dura- ção do maxímo da temperatura a que chega a febre no primeiro pe- ■ riodo, é quasi sempre um máo^i^MJjn^gnosJifia^Se o maxuno_ther^ micc^4endo_jirjejia^urado dejres_a seis horas, Jor seguido da descida rápida dacolumna thermometrica, devemos fazer um prognosjic^Javora^. velj n'este caso, ordinariamente não apparecem os symptomas do terceiro periodo. Se o máximo do calor febril não modificar-se mediante o em- prego dos meios therapeuticos antipyreticos, o apparecimento do ter- ceiro periodo é certo; este periodo reveste de ordinário a fôrma hemor- rhagica. Quanto mais pronunciada for a apyrexia do_ sej^ndo periodo, tanto mais facilmente se curará_o doejitfi; quanto mais longe da temperatura normal estiver o calor, tanto mais grave será a situação do doente. A angustia epigastrica e a insomnia são os dous symptomas mais graves do segundo periodo. A anuria é de todos os symptomas da febre amarella aquelle que considero mais grave. Bem sei que o dr. Costa Alvarenga conseguio curar a quarta parte dos casos em que havia suppressão da secreção ', ourinaria. Bem sei que Louis não dá a este symptoma o mesmo valor prognos- tico que eu dou. Porém, devendo guiar-me em minhas opiniões pelo que tenho observado em minha pratica, diante de uma anuria completa, datando de mais de vinte e quatro horas, eu desanimo, perco a espe- rança de curar o doente, porque ainda não tive um só caso de cura n'estas condições. Os rins se encarregão de eliminar com a ourina a uréa que resulta da desintegração intersticial nutritiva das substancias azotadas: a uréa é pois um producto excrementicio; representa o papel de cinza da com- bustão orgânica; se não é eliminada, fica retida no sangue em grande quantidade, determina um envenenamento, que se chama uremia. Ora, o envenenamento uremico, qualquer que seja a causa que impeça a eli- DO RIO ÜE JANEIRO 26D minarão da uréa, determina para o lado da innervação uma serie de desordens, entre as quaes figurão as convulsões, o delirio e o coma. Quando ha pois anuria na febre amarella, os effeitos da uremia se asso- cião aos progressos naturaes da moléstia; o systema nervoso torna-se o alvo das mais graves lesões funccionaes, com as quaes a vida se torna incompatível. ^^vp § XIV |^ D'entre as condições favoráveis ao desenvolvimento da febre ama- UrvC&r»**^ rella, quer endêmica, quer epidemicamente, só três jjodem Sjr destruí- das^ a existência dejiantanos, os grandes depósitos de matérias orgâni- cas, e a acjiunmlação_^ej^ chegados, durante o verão. Seccar e aterrar os pântanos; dar fácil curso ás águas pluviaes, impedindo d'este modo que fiquem estagnadas; cuidar seriamente no asseio das praias, ruas e praças, removendo com promptidão os detri- tos orgânicos, antes que entrem em fermentação pútrida; estabelecer um systema de esgoto que permitta a desinfecção completa das matérias fe- caes, e impeça, por meio de grande quantidade d'agua, a obliteração dos tubos que as tenhão de conduzir; estabelecer um plano geral de construcções onde habite a classe pobre, e onde sejão respeitados os mais importantes e indispensáveis preceitos da boa hygiene; onde haja uma lotação previamente estabelecida, e onde o governo, por meio de agentes de sua confiança, possa exercer uma íiscalisação directa e uma vigilância efficaz; insistir e dar maior desenvolvimento á medida, ul- timamente adoptada, de dispersar os estrangeiros recentemente chega- dos para diversos pontos do interior da província do Rio de Janeiro, para as províncias do sul, cujo clima mais se approxima do de alguns pai- zes da Europa, taes são em resumo os recursos de que devem lançar mão os homens que se encarregão da alta administração do nosso paiz. Abracem os conselhos que mais de uma vez lhes tem dado o laborioso e illustrado presidente da junta central de hygiene publica, e talvez que a febre amarella nos deixe em paz, ou pelo menos seja mais rara em suas manifestações epidêmicas. Admittindo para a febre amarella três períodos: o 1.°, de reacção. congestivo ou inflammatorio, em que a [moléstia se assimilha a uma fe- bre angiothenica; o 2.°, de transição, em que ha remissão da febre; o 3.°, hemorrhagico ou ataxo-adynamico, é claro e evidente que para cada 270 liSTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES um d'estes períodos de\p haver um tratamento; que os meios indica- dos em um, não podem convir nos outros. Variando as condições do organismo conforme o periodo da_molestia, a therapeutica também deve variar. iSo primeiro pjmodojia .muita febre, ha wmgejtões^eji)^ magoes; no terceiro ha hemorrhagias,_adynamia^ataxia: as condições do organismo, nestes dous períodos são pois diametralmente oppostas. No primeiro não ha gravidade nos phenomenos, não ha perigo que ameace immediatamente a vida; no terceiro, o doente está •■onslantemente amea- çado de morte; o segundo periodo serve de ponte para a passagem do mal: é ahi que convém empregar os recursos que impeção essa passa- gem; com esses recursos quebra-se a ponte, e o mal não chega ao pe- riodo grave e ameaçador. Durante o primeiro^periododa febre amarella, quando as conges- tões visceraes são muito pronunciadas e ameação de perto a existência do doente, quando sobretudo ha notável hyperemia das meningeas ce- rebraes e do próprio cérebro, não hesito em recorrer ás emissões san- güíneas. Se a moléstia ainda não excedeo de vinte e quatro horas^Iê existência, e se o doente é moço, robusto e de temperamento sangüí- neo; se o seo pulso é forte, cheio e desenvolvido, recorro á lanceta, e tiro pela veia do braço 300 a 400 grammas de sangue. Se não ha in- dicação franca e terminante para a phlebotomia, substituo a lanceta pe- las sanguexugas ou pelas ventosas sarjadas. As regiões mastoideas são os pontos preferidos para o emprego das primeiras, quando ha hypere- mia intracraneana; o rachis e a região lombar para o das segundas, quando ha hyperemia intrarachidiana. Ha médicos no Rio de Janeiro, cujo mérito scientifico e pratico ninguém ousa contestar, que abração as san- grias, mesmo a geral, como methodo invariável de tratamento no primeiro periodo da febre amarella, administrando logo depois da emissão san- güínea uma alta üpsejle sulfato_de_quininaao doente. Eu penso que a este respeito nada ha de absoluto, que nos deva servir de regra: assim como censuro os que proscrevem completamente as sangrias, assim também não posso louvar aquelles que as abração para todos os casos. É preciso pesar com muito critério as indicações e contra-indicações, principalmente quando se tratar da phlebotomia; o medico deve consultar a gravidade dos phenomenos congestivos e inflam- I* > RIO ÜE JANEIRO 271 uiaiorius, o temperamento, a idade e a constituição do duente, •• estado do pulso e a data da moléstia. Fay^reçer^diaphoresee desembaraçar o Jubojigestiyo. são indi- cações que convém desde logo preencher no primeiro periodo da febre amarella, conseguindo-se d'este modo combater a reacção febril, provo- car uma remissão, e preparar o organismo para a medicação que deve prevenir o apparecimento do terceiro periodo. Para promover uma íranspiraç.ão franca, lanço mão dos pediluvios sinapisados, dos banhos de vapor, e de uma poção cm que entrão o acetato de ammonia e a tinctura de aconito em altas doses, reunidos á água de louro cerejo e á tinctura de belladona, que, sendo meios antipyreticos, concorrem alem d'isso para diminuir a hyperemia intracraneana e corrigir a intensidade da cephalalgia. Depois que os doentes têm transpirado copiosamente, recorro aos purgativos, preferindo sempre 05 olomelanoj_jia_4óse_de 1 gramma, seguidos, duas horas depois, de 60 grammas de óleo de ricino. A mi- nha preferencia funda-s..* na acção electiva dos calomenos sobre o appa- relho hepato-biliar, provocando evacuações biliosas, e na promptidão dos effeitos do óleo de ricino, visto como o primeiro medicamento, alem de ser infiel como purgativo, é muito demorado em sua acção. Se o doente apresenta a lingua coberta de uma espessa camada de saburra branca ou amarellada, e indicando embaraço gástrico pronun- ciado, existindo ou não náuseas, e mesmo vômitos, não emprego sudo- rificos, nem os purgativos que acabo de indicar, prescrevo um vomitivo de ipecacuanha em infusão e 5 centigrammas de tartaro stibiado. Com este meio, o doente vomita, evacua e transpira muito, e a remissão de- sejada se manifesta promptamente. Em 1873 lancei mão da medicação vomitiva em vinte e três casos, e em todos elles fui bem succedido. Aos meos distinctos collegas drs. Albino Rodrigues de Alvarenga, João Ri- beiro de Almeida e Theodoro Langgaard, essa medicação, opportuna- mente empregada, também deo bons resultados. Quando o doente, apezar dos meios que tenho referido, conserva-se com febre, sem experimentar sensíveis melhoras, o que é quasi sempre de máo agouro, a minha conducta varia conforme o gráo de intensidade da reacção febril persistente. Se ella é moderada, não tenho o menor receio de empregar a medicação preventiva própria do segundo periodo 272 bSTÜDO CLINICO SOBRE AS FEBRES comquanto ella então me mereça pouca confiança; porém simultanea- mente recorro ao nitro na dose de 4 grammas, com o fim de actuar so- bre o apparelho circulatório, deprimindo-lhe o erethismo, e ao mesmo tempo exagerar a secreção ourinaria, para que sejão facilmente elimi- nados pelo emunctorio renal os productos de desintegração intersticial orgânica, augmentados em sua quantidade pela febre que se prolonga. Se o calor febril mantem-se em gráo elevado, acima de 39°, por exem- plo, lanço mão dasjoções feitas com água alcoolisada ou vinagre aroma- tico, duas ou mais vezes durante o dia, por meio de uma esponja, e dou ao mesmo tempo a digitalis, na dose de 2 grammas da tinctura em 120 grammas de vehiculo, a veratrina, na dose de 6 a 8 gottas da tinctura alcoólica (álcool de veratrina). Estas duas substancias são enérgicos re- presentantes da medicação antithermica ou antipyretica, e por isso são lembradas sempre que convém fazer cessar ou djmimm^ujni^^ inspira receios, ou porque seja muito intensa, ou porque tenha durado lõngõjempõTou, sobretudo, porque apresente estes dous inconvenientes. O fim que tenho em vista com a medicação do primeiro periodo da febre amarella é promover com promptidão o apparecimento do se- gundo periodo, porque n'elle se encerrao todas as minhas esperanças. Se alcanço o fim desejado, aproveito o ensejo com soffreguidão, e pres- crevo a medicação preventiva a que tenho-me referido mais de uma vez, medicação heróica, tão injustamente accusada por alguns práticos emi- nentes e respeitáveis do Rio de Janeiro, e que no entretanto me tem prestado relevantes serviços: essa medicação é constituída pelos saes de quinina. § XV tâJv*- "ulfato de quinina produz muitas ve- zes um certo numero de desordens nervosas, algumas das quaes podem revcstir-se de gravidade e inspirar receios. Porém isso só se observa depois do emprego continuado de grandes doses do medicamento, e em individuos de temperamento nervoso, muito excitaveis, nos quaes a to- lerância para a medicação nevrosthenica é muito limitada. Mesmo n'este caso, os effeitos do sal de quinina sobre a innervação, podem ser effi- cazmente attenuados, ajuntando-se-lhe o opio, e dando-se ao doente si- multaneamente um pouco de vinho ou algumas colhéres de água de In- glaterra. Não é somente na febre amarella que o precioso remédio deter- mina a manifestação de phenomenos nervosos; nas febres paludosas. sobretudo nas perniciosas, o mesmo tem lugar muitas vezes: no entre- tanto, diante de um caso de febre perniciosa ataxica, delirante, convul- siva ou comatosa, ninguém deixará por certo de dar altas doses de sul- fato de quinina, dominado pelo medo de aggravar os symptomas que o doente apresenta. As vantagens dos saes de quinina, no tratamento da febre amarella demonstrão-se com argumentos ! irados da lheoria e da observação cli- nica. \ febre amarella é o resultado de um miasma infeccioso, que en- venena o sangue, e consecutivamente o organismo imeiro; este miasma provém da decomposição de matérias orgânicas, é essencialmente phy- tozoemico. Pois bem, desde que o sulfato de quinina tornou-se conhe- cido no mundo medico; desde que a sua efficacia nos casos de envene- namento palustre tornou-se um axioma em therapeutica, elle tem sido considerado o antídoto por excellencia para todas as moléstias depen- dentes de um veneno miasmatico. Na intoxicação diphtherica, na que pro- duz a cholera-morbus, elle tem sido empregado com notáveis vantagens. Antes de saber-se que a febre typhoide, apezar de ser uma affecção de origem miasmatica, é anatomicamente caracterisada por lesões intesti- 27G ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES naes, que percorrem uma marcha regular, uniforme, invariável e cy- clica, acompanhadas de uma reacção febril que tem evoluções e perío- dos determinados, contra ella também se empregava o sulfato de qui- nina, e ainda hoje ha práticos notáveis entre nós que não o abandona- rão. Na uremia, envenenamento do sangue produzido por uma substan- cia orgânica a uréa, o mesmo medicamento é preconisado como o único capaz de neutralisar os effeitos do veneno. Não vejo rasão para que a febre amarella faça excepcão á regra geral, tanto mais quanto, no miasma que a produz, entra um elemento de procedência paludosa. Em grande numero de casos de typho americano, depm^deuma_ febre de typo remittente, que dura vinte e quatro, trinta _e J^eis ou quarenta e oito horas, oj^jn^rjÊjbrjj^^ ou diminue mrnnDTFpülso torna-se menos cheio e freqüente^ o doente experimenta sensíveis melhoras, e muitas vezes apparece um copioso suor, que ba- nha toda a superfície cutânea. Diante d'esta marcha que segue a molés- tia, quem deixará de reconhecer uma febre remittente paludosa, che- gada á época de sua evolução, que reclama altas doses de sulfato de quinina ? Quem poderá ficar com a consciência tranquilla, deixando passar essa propicia occasião sem administrar ao doente o poderoso especifico. que deve nullificar a acção do miasma infeccioso? A febre amarella é uma moléstia de natureza miasmatica; é con- stituída em seo fundo por um envenenamento do sangue, o qual mais tarde determina desordens graves em quasi todos os órgãos, e sobre- tudo uma profunda alteração na crase sangüínea. Pois bem, desde que pudermos actuar sobre um veneno por meio de um antídoto que o neu- tralise, impedindo a manifestação de seos effeitos perniciosos, devemos fazel-o. Se o veneno pôde ser attingido antes de ter entrado para a eco- nomia, tanto melhor, o triumpho da medicação neutralisante é infalli- vel. Se porém o medico chega tarde, se o corpo maléfico já foi absor- vido, nem por isso elle deve desanimar e perder a esperança; pôde ainda empregar alguns meios, que perdem o nome de antídotos, na ri- gorosa linguagem da toxicologia, porém que se destinão a neutralizar o veneno, não no estômago, ou nos intestinos, porém no sangue, para onde foi levado pela absorpção. Não podemos neutralisar o miasma da febre amarella, antes que elle tenha penetrado no organismo, salvo DO RIO DE JANEIRO 277 quando, por meio de convenientes desinfecções, inutilisámos um foco infeccioso. Determinando o envenenamento miasmatico, devemos procurar neu- tralisal-o o mais promptamente possível, antes que elle produza os seos mortíferos resultados. O agente neutralisante não pôde, nem deve ser outro senão o sulfato de quinina. Dal-o quando ha muita febre, emba- raço gastro-intestinal, congestões visceraes, e erethismo circulatório em toda a economia, é inútil, elle não aproveita, porque não é absorvido; as condições do doente são todas contrarias á absorpção. Removamos pois estas condições desfavoráveis, e logo que este fim tenha sido al- cançado, não percamos tempo, administremos o medicamento preven- tivo, neutralisante ou antídoto, como quizerem chamal-o. Os meios de remover os obstáculos que impedem a absorpção d'esse medicamento, são aquelles que se destinão ao primeiro periodo da mo- léstia, de que me occupei no paragrapho precedente. Na pagina 72 de sua memória sobre a epidemia de febre amarella de 1850, diz o illustrado sr. barão de Lavradio: «Não deixamos de reconhecer que um ponto de analogia mui grande existe entre o miasma productor da febre amarella e o das intermitten- tes, por serem ambos o resultado de effluvios, devidos á decomposição de substancias orgânicas; porém de outro lado não podemos desconhe- cer que outro ponto mui distincto os separa.» Ora, ou o meo respeitável collega ha de confessar que a natureza da febre amarella mudou de 1850 para cá, o que não será fácil demons- trar; Ou ha de commígo concordar que uma moléstia miasmatica, cujo miasma que a produz apresenta muita analogia com os effluvios palus- tres, não pôde dispensar o emprego do sulfato de quinina, senão quando contra-indicações manifestas se apresentão. Peço pois licença ao sr. ba- rão de Lavradio para discordar de sua opinião relativamente á maneira injusta e infundada por que condemna em absoluto os saes de quinina no tratamento do typho americano. Em 1873j^Urarãojiara o meo serviço clinico da casa de saúde de Noss^rsãSoTí^ doentesctefebre amarella, dos quaesJMno; ribundos, que estiverão nas enfermarias por espaço de uma a seis horas. LTosT3|n?sjt£n^^ fallecidos só 8 tomarão sulfato de quinina, porque os outros 15 entrarão em condições 278 LSTÜDO ULINIÜÜ SOBRE \t> t'EBRb> que contra-indicavão o emprego d'esle medicamento. Dos curados só 18 não tomarão sulfato de quinina, por terem entrado já no terceiro pe- ríodo: em 92 elle foi empregado, durante um espaço de tempo nunca menor de quatro dias, tendo sido em muitos casos prolongada a pre- scripção alem de uma semana. Resulta pois d'esta estatística, esc rupulo- samente baseada sobre a mais severa observação, que, de 100 doentes, entrados no primeiro periodo, enos quaes a moléstia chegou ao se- gundo, o sulfato de quinina, tendo sido empregado ívesse segundo pe- • riodo, só uão conseguio impedir o apparecimento do terceiro em 8; em 92 preencheo completamente o íiin com que foi administrado. Yaquel- les casos em que alguns phenomenos hemorrhagicos ou ataxo-adynami- cos se manifestarão a despeito da medicação preventiva, estes phenome- nos, alem de pouco numerosos, forão benignos. Se a reacção febril do primeiro periodo cessa completamente, coin- cidindo com a apyrexia o apparecimento de um suor abundante e ge- neralisado, dou duas doses de sulfato de quinina de 6 decigrammas cada uma, com três horas de intervallo entre uma e outra, tendo o cuidado de associar a cada dose 5 gottas de laudano de Sydenham, a lim de prevenir o vomito. Se não ha completa apyrexia; se o thermometro marca uma tem- peratura superior a 37°,5, prefiro dar uma poção com 12 decigrammas de sulfato de quinina ás colhéres de hora em hora, porque n'esle caso 0 estômago supporta melhor.o remédio em doses fraccionadas. Quando ha manifesta tendência ao vomito, recorro á formula pilular. Sulfato de quinina.........2 grammas Extracto molle de quina......1 gramma Sulfato de morphina........o centigrammas Para 12 pílulas. Tomar 1 de duas em duas horas. Nos casos em que a queda brusca do calor febril vai alem da cifra normal, notando-se abaixamento da temperatura nas extremidades, as- socio ao sulfato o valerianato de quinina. Durante dous dias consecutivos mantenho sempre a mesma dose de quinina, nunca inferior a 1 gramma, se o doente é um adulto: depois v-ou diminuindo gradualmente as doses, como se estivesse tratando de nrn caso d<> febre inlenoittHnte ou remittente paludosa. uu iao DE JANEIRO 279 Emquanio o doente toma os saes de quinina, mando dar-lhe como bebida ordinária a limonada de limão fortemente acidulada: com este meio, na apparencia tão simples, tenho em vista corrigir a tendência que apresenta a fibrina do sangue em tornar-se diffluente na febre ama- rella. predispondo assim o organismo ás hemorrhagias pa^ivas. Xo es- corbuto, nas febres paludosas graves, na febre typhoide, e em outras moléstias dyscrasicas, em que se dá a mesma tendência, o ácido citrico tem prestado importantes serviços. Depois que cessa completamente a medicação preventiva, recorro então aos tônicos, para dar forças ao doente, e preparar-lhe uma con- valescença rápida e franca: quasi sempre dou preferencia á água de In- glaterra ou vinho quinado. Com uma alimentação reparadora e de fácil digestão, obtenho o complemento da cura. Se, apezar do sulfato de quinina, o terceiro periodo da moléstia se manifesta, os meios therapeuticos de que então me sirvo são inteira- mente outros, e varião conforme a natureza dos svmptomas que se apresentão. §XV1 \o terceiro periodo da febre amarella, a medicação que mais aproveita i^*»^^^ é aquella que se diríje jios^yjnjtomas^ combater /^TJ^ os vômitos que apparecem e se tornão freqüentes, deve-se recorrer ás poções anti-emeticas e effervescentes, aos revulsivos no epigastro e ás bebidas ácidas e fortemente geladas. Quando as matérias vomitadas são constituídas por muco, bilis e os liquides inferidos, e r.ada apresentão ainda de característico, emprego com vantagem a seguinte poção: Magnesia fluida de Murray .... 250 grammas Sulfato de morphina ....:.. 3 centigrammas Tinctura de camomilla...... 2 grammas Tinctura de noz vomica......Io gottas Para tomar l colher de sopa de hora em hora. Ao mesmo tempo mando applicar um sinapismo no epigastro. Em muitos casos os vômitos cessão completamente com essa medicação, em outros porém continuão, o que é indicio quasi certo de que em breve apparecerá a matéria u%rra nas substancias vomitadas. N'este caso re- 280 ESTUDO CLÍNICO SOBRE AS FEBRES corro ás bebidas geladas, ap_ jçelo em pequenos fragpqentos^á poção au- ti-emetica de Rivière, ou á seguinte poção: Hydrolato de melissa.........180 grammas Elixir de opio de Mac-Mund...... 12 gottas Tinctura de calumba......... 2 grammas Ether sülfurico............ 2 grammas Xarope de cascas de laranjas ..... 30 grammas Para tomar 1 colher de sopa de hora em hora. O oxalato de cerium, na dose de 30 centigrammas em 180 grammas de água; a tinctura de iodo, na dose de 6 gottas, associada á tinctura de belladona, na dose de 1 gramma, em 120 grammas de água; a limo- nada de limão muito acidulada, dada ás colhéres de sopa, são meios que me tem aproveitado em alguns casos rebeldes, em que os doentes con- tinuão a vomitar com freqüência a despeito da medicação que acabo de referir. Quando o vomito preto é constituído por uma substancia ennegre- cida e pulverulenta, suspensa em um liquido esverdinhado e transpa- rente, insisto nos meios anti-emeticos; se porém do estômago sai um liquido negro e homogêneo, similhante á tinta de escrever, ou sangue com todos os seos caracteres apparentes, escolho a minha therapeutica d'entre os medicamentos anti-hemorrhagicos ou hemostaticos. O pri- meiro de que lanço mão é a ergotina, dando-lhe por vehiculo a limo- nada sulfuricã. Se este medicamento não dá resultado vantajoso, recorro ao ácido galhico, na dose de 2 grammas em poção. Quando ha hemorrhagias diversas, e a vida do doente corre perigo pela abundância das perdas sangüíneas, emprego com muita confiança a solução normal de perchlorureto de ferro, na dose de 2 a 3 gram- mas em 180 grammas de água, alternando esta poção com uma outra composta de: cozimento forte de quina 200 grammas, ácido sülfurico 18 gottas e xarope de cascas de laranjas 30 grammas. O gelo, administrado internamente, e applicado em bexigas de boi sobre o epigastro durante muitas horas seguidas, foi o único meio com que pude fazer desapparecer uma gastrorrhagia copiosa em um moço hespanhol, no qual falharão os outros recursos. O vesicatorio no epigastro tem sido por mim constantemente em- pregado, e com suecesso, nos casos de vomito preto, DO RIO DE JANEIRO 281 As pitadas de um mistura de tannino e colophana, pequenos tam- pões de fios embebidos na solução de perchlorureto de ferro, e intro- duzidos nas fossas nasaes, são os meios de que me tenho servido para fazer cessar a epistaxis. Os collutorios de tannino, alumen, borax e per- chlorureto de ferro, para combater a stomatorrhagia. Os clysteres de cozimento de cascas de jequitibá com alumen, para impedir o progresso de uma enterorrhagia abundante. Ha casos rebeldes, em que o medico tem necessidade de variar constantemente de medicamentos e de formu- las, percorrendo a escala dos adstringentes e hemostaticos, sem que con- siga estancar nem moderar as hemorrhagias, que se fazem com fre- qüência e abundância pelas aberturas naturaes, e que acompanhão os doentes até o momento da morte. Quando o terceiro periodo da febre amarella reveste francamente a fôr- ma ataxo-adynamica, é na classe dos medicamentos excitantes diffusivos, e na dos antispasmodicos, que devemos procurar os recursos therapeuti- cos. O almiscar, a belladona e a água de louro-cerejo em poção, quan- do ha delirio, associados aos clysteres de valeriana, camphora e assafe- tida. O ether, as preparações ammoniacaes, sobretudo o carbonato de ammonia, ainda o almiscar e a valeriana, são os medicamentos que pre- firo para os casos em que apparece o coma. O bromureto de potássio é o meio por excellencia para os phenomenos convulsivos; as prepara- ções opiaceas, principalmente os saes de morphina, e nos casos extre- mos o chloral hydratado, para a insomnia e a agitação. O soluço, que em alguns casos se torna pertinaz, e tortura os doentes, é um symptoma de ataxia que reclama uma medicação directa e especial. Costumo em- pregar n"este caso com muito proveito a seguinte poção: Hydrolato de canella.........150 gramma* Hydrolato de louro-cerejo....... 8 grammas Elixir paregorico........... 8 grammas Licor anodyno de Hoffmann...... 4 grammas Xarope de cascas de laranjas.....30 grammas Para tomar 1 colher de sopa de hora em hora. Em alguns doentes o soluço se torna tão rebelde, que só cede ao bromureto de potássio, na dose de 2 ou 3 grammas. As poções alcoólicas, o vinho do Porto generoso, a água de Ingla- terra e a quina, são os meios que se destinão ao estado adynamico, e 28:: E&1UDU CLINICO 60BWE AS FEBKLf que tem por üm excitar os centros nervosos, levantar as loiças radicaes do organismo. Os vesícatorios nas extremidades inferiores, os sinapismos volantes, e as fricções em toda a extensão da columna vertebral, com uma mis- tura de partes iguaes de vinagre aromatico, tinctura de valeriana e tin- ctura etherea de phosphoro, são recursos auxiliares que me têm pres- tado serviços, na fôrma alaxo-adynamica do terceiro periodo da febre amarella. Para combatera anuria, deve-se empregar a medicação diuretica, se nãoTiÓuver ainda adynamia; se porém o doente estiver adynamico e tiver vômitos freqüentes, essa medicação é contra-indicada; o medico deve recorrer então ás fricções excitantes nas regiões renaes, e nos casos extremos, ás embrocações frias. Agitando com violência todo o systema nervoso, arrancando-o por momentos do lethargo em que jaz, esta acção benéfica e salutar pôde estender-se á innervação re- nal, e as glândulas por ella animadas podem rehaver suas funcções já extinctas. O sr. barão de Petropolis, tendo empregado pela primeira vez u.> embrocações frias nas enfermarias de clinica em 1836, quando para ahi entrarão muitos doentes alfectados de typho nosocomial, que então rei- ^ nava epidemicamente n'esla cidade, e tendo colhido com este meio ex- cellentes resultados, recorreo a elie em 1850, no hospital do Livramen- to, em muitos casos de febre amarella de fôrma ataxica. O numero de doentes em que forão empregadas as embrocações frias, foi de 190; d'estos curarão-So 36. O iv.cj respeitável mestre aííkiaa, no precioso trabalho que escreveo, qua nos mais graves doentes curados ao terceiro periodo, a cura foi devida ás embrocações frias; diz que sentio não ter podido empregal-as em todos os casos, visto como o excesso de reac- ção no primeiro periodo, os suores que sobrevinhão e continuavão mes- mo durante o segundo, a depressão rápida das forças, o estado algido ou syncopal, as contra-indicarão em outros casos. Depois do emprego da embrocação fria, observou o sr. barão de Petropolis que ás vezes o pulso diminuía de freqüência, a pelle torna- va-se humida ou cobria-se de copioso suor, os outros symptomas dimi- nuião de intensidade, e os doentes experimentavão sensíveis melhoras. Outras vezes a primeira embrocação não determinava modificação algu- DO 1UO DE JAAEIRu 28o ma nos phenomenos mórbidos; era preciso lançar mão de uma segunda, ou de uma terceira, com o intervallo de algumas horas. Eu nunca tive occasião de empregar as embrocações frias na febre amarella; porém já as empreguei com pleno successo em um caso de febre typhoide gravíssimo, sendo o doente um menino portuguez, de li an- nos de idade, caixeiro de uma taverna da rua do Senhor dos Passos. É um recurso extremo, que só pôde ser empregado em um hospital, ou em um doente que permitia ao medico inteira liberdade de acção. CAPITULO IX FEBRE TYPHOIDE §1 A febre typhoide, dothinenteria de Bretonneau, typho abdominal w^x^-^-v dos médicos allemães, era uma moléstia rara no Rio de Janeiro até **f~«*>*e, não só depois que ella tem altingido o máximo de seo desenvolvi- mento e percorre regularmente os seos períodos, como principalmente nas primeiras épocas de sua evolução, e quando ella marcha progressi- vamente para o seo apogeo. Como já tive occasião de dizer, não é raro , que a febre typhoide comece como uma febre intermittente regular, de typo quotidiano ou duplo-terção, cujos accessos, longe de modificarem- se por meio do sulfato de quinina, pelo contrario, reproduzem-se com intensidade crescente, durão um periodo cada vez mais prolongado, e deixão entre si um intervallo apyretico progressivamente mais curto: a febre torna-se remittente e depois continua, e só então os phenomenos característicos do typho abdomina se patenteião. Muitos casos d'esta ordem tive eu occasião de observar em 1873, quer nos hospitaes, quer na clinica civil. Será a influencia do impalu- dismo, que domina constantemente a constituição medica do Rio de Janeiro, a causa d'essa anomalia na evolução da febre typhoide? Será a influencia do clima e das condições geographicas da nossa cidade? Não é fácil resolver esta questão: fique porém consignado o facto, e sirva elle de guia aos práticos que entre nós exercem a sua profissão. Em muitos casos a moléstia começa como uma febre sub-continua palustre; durante dous, três, ou quatro dias, o doente tem febre, a qual se exacerba da tarde para a noute, e diminue da madrugada para a manhã: não ha outro symptoma que attráia a attenção do medico, a não ser ás vezes uma pequena congestão do fígado, o que autorisa ainda mais o diagnostico de febre paludosa, e obriga o facultativo a insistir nos saes de quinina, augmentando-lhes as doses. Só mais tarde, no quinto ou sexto dia, é que apparece delirio á noute. e vão apparecendo os outras symptomas que esclarecem o diagnostico. Em alguns doentes, o periodo prodroinico da moléstia dura muitos dias; elles perdem o appetite, lornão-se indolentes, desejão conservar-se em repouso, sentem-se extremamente abatidos, e durante a tarde expe- rimentão uma sensação incommoda de calor intenso, sem que na su- perfície cutânea se note o menor augmento de temperatura: assim pas- são um certo numero de dias, até que appareça a reacção febril, acom- panhada de cephalalgia, e ás vezes de uma ligeira bronchite. Eu ainda não vi um só caso de febre typhoide, em que o começo da moléstia fosse assignalado por um calafrio. 286 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES A iritffe é sem duvida alguma o primeiro symptoma que se põe em campo na febre typhoide. Ha casos em que observa-se na marcha do calor febril aquella regularidade, graphicamente representada por uma linha quebrada em zigs-zags, de que fallão os pyretologistas modernos, e que tanto realce mereceo dos professores Wundeiiich na Allemanha, Sée e Jaccoud na França e Costa Alvarenga em Portugal (Observa- ções LXVIII e LXIX); infelizmente porém ha também casos em que falta essa regularidade completamente, e o thermometro induzirá a erro o medico que confiar em demasia nas observações dos práticos europeos (Observações LXX e LXXI). Regra geral, nos casos muito graves de febre typhoide no Rio de Janeiro, a marcha da temperatura é muito irregular: tenho observado alguns factos, em que o calor febril quasi desapparece durante vinte e quatro horas, em que o doente parece que vai entrar em convalescença; no dia seguinte, sem causa alguma apre- ciável, a febre recrudesce, e manifestão-se phenomenos graves para o lado da innervação. Tenho visto alguns casos em que a differença entre a temperatura da manhã e a da tarde é de mais de um gráo, ás \ezes mesmo de um gráo e alguns décimos; em outros dá-se o inverso: o calor matutino differe apenas de dous ou três décimos de gráo do calor vespertino. Estas anomalias no calor febril do typho abdominal dão-se entre nós independentemente de qualquer complicação, e da influencia de urna medicação enérgica e perturbadora. Durante o primeiro septenarío, os symptomas que ordinariamente se representão na febre typhoide são os seguintes: tiiiiprmnáurri frhril i 40° -de ta*àj|«iP09*0 de manhã, pulso freqüente e cheio (90 a 110), cephalalgia pouco intensa, prostração de forças, estupidez da face, lin- gua saburrosa no centro e avermelhada na ponta e nos bordos, ttée, anorexia, algum meteorismo abdominal, prisão de ventre, ás vezes con- gestão do figado, diminuição na íaa£Çã&ourinaria, alguma t#fc6e> es- tertores catarrhaes disseminados em ambos os pulmões, agitação durante a noute, insomnia, e ás vezes subdelirio. Eis-ahi como se apresenta a febre typhoide nos primeiros dias de seo desenvolvimento, quaesquer que tenham sido os phenomenos prodromicos. A epistaxis, muito freqüente em outros paizes, é rara entre nós; nas crianças é que ella apparece com mais freqüência; a diarrhéa é de uma raridade extrema, no entretanto que a constipação de ventre é DO RIO m JANEIRO 287 quasi infallivel no primeiro septenario: o gargarejo da fossa illiaca di- reita só se manifesta mais tarde: as manchas typhoides só apparecem em casos excepçionaes, e muito tardiamente. A moléstia progride, começa o segundo septenario, e o mal adquire então os seos caracteres distinctivos, os quaes vão-se tornando cada vez mais salientes á medida que se approxima o terceiro septenario. Os tra- ços physfOTiainww se alterão profundamente, o doente conserva-se em decubito dorsal, como se estivesse grudado no leito, não executa o me- nor movimento com o tronco, suas faces tornão-se encovadas, as re- giões malares proeminentes, a boca fica entre-aberta, deixando ver os dentes cobertos de fulligem; as fossas nasaes, ora se apresentão reves- tidas de pequenos coalhos sangüíneos, ora pulverulentas; o olhar tor- na-se fixo, sem expressão, exprimindo indifferença e estupidez. A lingua se apresenta secca, rubra e retrahida; no fim da moléstia assimilha-se a um pedaço de carne assada, fica tremula, e o doente não a pôde retirar da cavidade buccal. O ventre torna-se muito tympanico e doloroso, principalmente nas regiões illiacas. e com particularidade na direita, onde se nota o gargarejo. A diarrhéa, que constitue a regra nos paizes da Europa, sobretudo em França, entre nós é a excepcão; quasi sempre se observa prisão de ventre, salvo nos períodos adiantados da moléstia; o fígado raras vezes deixa de congestionar-se, ao passo que a congestão do baço é pouco pronunciada, e ás vezes falta; a sede, que no começo era intensa, cessa de manifestar-se, o que se explica pelas condições do cérebro, que nullificão as sensações. As ourinas tornão-se avermelhadas, escassas, ás vezes albuminosas, e ficão privadas de phos- phatos e chloruretos alcalinos. O systema nervoso é sede de profundas desordens: no fim do pri- meiro septenario desapparece a cephalalgia, e ella é ás vezes substituída por dores nos membros superiores e inferiores; apparecem perturba- ções da visão e da amücit), assim como vertigens e pesadelo»: o delirio sobrevem logo no começo do segundo septenario, manso e intermittente em suas primeiras manifestações, só se revelando durante a noute; lo- quaz, um pouco turbulento »• continuo, mais tarde, sem adquirir quasi nunca as proporções do delirio furioso, que reclama o emprego do col- lete de força. Ao delirio reunem-se outros symptomas graves, taes como a carphologia, o eracidism»» os sobresaltos de tendões, o tremor dos 288 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES membros superiores, ás vezes verdadeiras convulsões, o soluço e o coma. Para o lado do apparelho respiratório, notão-se os phenomenos de uma bronchite capillar, de uma pneumonia lobular, ou mesmo de uma pneumonia lobar com hepatisação do pulmão. Em muitos casos notão-se na pelle sudaminas muito confluentes; em alguns manchas petechiaes discretas; em outros, mais raramente, a erupção roseolar typhoide, que tanto concorre na Europa para caracte- risar a moléstia. Com a marcha progressiva da moléstia, o pulso torna-se molle, con- centrado, pequeno e muito freqüente; o •calor febril, quer tenha havido, quer não, a marcha cyclica regular, mantem-se em um gráo muito elevado (40°,5, 41°) sem fazer oscillações pronunciadas; o doente fica emmarasma- à&, mergulhado em profunda adynamia, em constante decubito dorsal. tendo as regiões trochanterianas, gluteas e sacra ulceradas e gangrenadas, por causa da compressão que soffrem sobre o leito e da pouca vitalidade dos tecidos. A lingua secca, encarquilhada e ennegrecida, não pôde saú- da cavidade buccal e impede a articulação das palavras; os dentes ful- liginosos e escuros, concorrem para que o doente tenha um hálito la- tido. O ventre torna-se proeminente, tympanico e doloroso; apparece ás vezes no fim uma diarrhéa abundante e freqüente: outras vezes mani- festão-se verdadeiras hemorrhagias intestinaes, e o paciente expelle pe- las evacuações uma enorme quantidade de um liquido escuro, espesso e homogêneo. As ourinas tornão-se raras, e ás vezes albuminosas. A exageração dos phenomenos broncho-pulmonares, reunida á grande dis- tensão do ventre, que impelle o diaphragma para a cavidade thoraxica, produz uma dyspnéa atroz, que muito atormenta o doente nos últimos dias de sua existência. O delirio, constituído pela typhomania, attenua com o estado soporoso; os outros phenomenos ataxicos já referidos in- crementão-se, e a morte sobrevem depois que as extremidades ficão frias e o corpo se cobre de copioso suor viscoso e glacial. Durante o primeiro septenario e os primeiros dias do segundo, os symptomas mais freqüentes da febre typhoide entre nós, são: a estupi- dez da fase. a adynamia, o tympanismo abdominal e o catarrho àm bronchios. Muito commummente, no decurso da moléstia, sobretudo do segundo DO RIO DE JANEIRO 289 para o terceiro septenario, desenvolve-se uma meningo-encephalite, que a aggrava sobremodo, que determina a morte do paciente prematura- mente, e reclama uma medicação especial e directa. O mesmo que eu tenho observado no Rio de Janeiro a este res- peito observou em larga escala o dr. Chédevergne em França. Os mé- dicos europeus, em sua grande maioria, e com especialidade os moder- nos, acreditão que os symptomas cerebraes da febre typhoide não estão em relação com as lesões dos centros nervosos encontradas pelas au- tópsias, e os attribuem exclusivamente á ataxia; e quando observão al- gumas alterações anatômicas, explicão-n'as pelos effeitos da agonia e pela imbibição cadaverica. Tenho encontrado alguns casos em minha pratica em que os doentes apresentão-se com allueinaçôes dos sentidos, delirio agudo e furioso, convulsões geraes ou parciaes, contracturas, estrabismo e cephalalgia muito intensa, e em dous d'entre elles, um da enfermaria de clinica e outro da casa de saúde de Nossa Senhora da Ajuda, esses phenomenos gravíssimos cederão completamente ao em- prego de sanguexugas na base do craneo, capacetes de gelo á cabeça, vesícatorios nas extremidades inferiores, e calomelanos em doses frac- cionadas: ambos ficarão restabelecidos. Em outro doente da enfermaria de clinica, que também apresentou, pouco mais ou menos, os mesmos symptomas, a morte teve lugar, e a autópsia revelou de modo bem pa- tente as alterações anatômicas próprias da meningo-periencephalite (observação LXX). A hemorrhagia intestinal, que parece freqüente na Europa, entre nós é muito mais rara; eu só a encontrei quatro vezes, e, facto notá- vel ! longe de exercer uma influencia perniciosa sobre a terminação da moléstia, apressando a morte, como diz Trousseau em suas lições de cli- nicjk pelo contrario, foi sempre favorável, concorreo para a cura dos ^ f/rvv/*ul doentes; em um d'elles sobretudo, em tratamento na casa de saúde de ?*"- ~f~* ^ - Nossa Senhora d'Ajuda, a resolução dos phenomenos abdominaes gra- <^Züã£Z^^ ves que existião, a diminuição da febre e a cessação do delirio, tiverão 2~^gf2^ lugar três horas depois de uma abundante enterorrhagia, que foi causa ~^> ^ /^^ de uma syncope. Em um menino de 15 annos de idade, morador na i^£ ~^<^e rua do Senado, a hemorrhagia intestinal deo lugar a uma transpiração cutânea copiosa, á diminuição da dor e do meteerismo abdominaes; vinte e quatro horas depois o doente estava sensivelmente melhor. 19 290 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES Um phenomeno muito commum no Rio de Janeiro, de que se têm oe- cupado ultimamente os médicos francezes, principalmente o professor Béhier e o dr. Bouchut, vem a ser OcAfeif que sobrevem depois que o doente fica restabelecido da febre typhoide, o qual se revela por pa- lavras e actos, que denuncião insensatez e perversão da rasão, sem que haja furor; ê uma espécie de demência, devida ao profundo aniquila- mento das faculdades intellectuaes (delirio de inanição, anemia cerebral). O indivíduo parece uma criança de tenra idade, que não sabe o que diz, nem o que faz. O doente da casa de saúde, que melhorou pouco depois de ter tido a enterorrhagia, ficou privado da integridade de sua rasao por espaço de três mezes. Era um moço de 32 annos, bem edu- cado, sócio de uma casa commercial da rua das Violas. Depois de res- tabelecido, foi convalescer na chácara de um amigo que o estimava muito: na presença da família, onde se achava a dona da casa, e na hora do almoço, eu o vi querer ourinar em um copo, sem o menor constran- gimento, como se fosse praticar um acto muito natural; comia com a mão, e passava horas inteiras a brincar com as conchas da aréa do jar- dim; esquecia-se do seo nome por extenso, de sua idade, dos factos mais importantes e capitães relativos ao seo negocio; fazia perguntas dispara- tadas, e raras vezes as suas respostas erão acertadas. Com banhos frios, ferro, quina, vinho e uma alimentação reparadora, esse moço ficou com- pletamente restabelecido. Esta espécie de delirio, já pela maneira por que se manifesta, já pelas condições pathogenícas que presidem ao seo desen- volvimento, differe muito do que apparece no primeiro septenario da mo- léstia, em que ha muitas vezes hyperemia dos vasos das meningias. Na fôrma chamada cerebral da febre typhoide, observão-se entre nós os symptomas de meningo-encephalite de que já fallei. Na fôrma abdominal nem sempre ha diarrhéa, o meteorismo do ventre torna-se muito pronunciado. Na fôrma thoraxica, ou se observão os phenomenos de uma bron- chite capillar dupla, ou os de uma pneumoniaiobar, fibrinosa, com he- patisação de um lobo pulmonar todo inteiro; tanto em um, como em outro caso, não é fácil decidir, durante o primeiro septenario, se trata- se da fôrma thoraxica da febre typhoide, ou de uma pneumonia typhoide, isto é, acompanhada de alguns phenomenos typhicos, ou de uma tuber- culose aguda e generalisada. O RIO DK JANEIRO %${ Na fôrma biliosa, muito commum no Rio de Janeiro, alem dos sym- ptomas peculiares á dothinenteria, apparece ictericia muito intensa, a lingua reveste-se de uma camada de saburra amarellada, o figado fica muito congesto e volumoso, ha diarrhéa e vômitos biliosos, e as ourinas ficão sobrecarregadas de pigmentos biliares. Essa fôrma da febre typhoi- de não é devida, como diz o dr. Jaccoud, â coincidência de om catar- rho das vias de excreção da bilis, consecutivo ao catarrho do duodeno; se assim fosse, o elemento bilioso, que aggrava sobremodo o typho abdo- minal, se dissiparia fácil e promptamente, e não seria acompanhado de profundas desordens anatômicas e mnccionaes no apparelho hepato-bi- liar. No Rio de JaneiFò, a explicação do distincto medico francez não tem appiicação: 1.°, porque antes do elemento bilioso se manifestar, não ha diarrhéa, nem outro phenomeno intestinal que indique catarrho dúo- denal; 2.°, porque as autópsias revelão sempre lesões materiaes do fi- gado, que compromettem a secreção e excreção da bilis. A fôrma bemgna da febre typhoide (typhus levissimus) apresenta-se muitas vezes entre nós na mesma occasião em que apparecem os casos graves, e não é muito raro ver-se um doente com uma febre muco-gas- trica, que representa a fôrma benigna de que fallo, ser aeommettido mais tarde dos phenomenos graves da moléstia, ou porque tenha feito alguma imprudência no começo da convalescença, ou porque uma me- dicação demasiadamente enérgica e extemporânea tenha-lhe aniquilado as forças, ou porque sobrevenha na atmosphera uma forte eommoçSo electrica, ou em conseqüência de causas inapreciaveis. N'essa fôrma benigna, o doente apresenta os symptomas de um em- baraço gástrico, ora com alguma diarriiéa, ora com prisão de ventre; a febre reveste o mesmo typo continuo com depressões matutinas e exacerbações vespertinas, como na fôrma grave, com a differença porém que o máximo do calor febril nunca vai alem de 39°,5, quasi sempre mantem-se em 39°, e as differenças entre a temperatura da manhã e a da tarde são muito salientes, comprehendem commummente mais de meio gráo, em muitos casos são de um gráo, e ás vezes de um gráo e alguns décimos. A face toma o aspecto da indifferença e da estupidez, porém em pequena escala; quasi nunca se observa n'esses casos o fa- cies typhoide typo; ha aéfnOTwa, ás vezes «pistóxis,muitas vezes catar- 292 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES rho bronchieo e tympanismo abdominal. A lingua, que no decurso da moléstia se apresenta coberta de saburra branca, mais ou menos ex- pessa, ás vezes fica um pouco secca na ponta, sobretudo quando se abusa da medicação purgativa. Ha quem negue que a chamada febre mucosa, que acabo de des- crever perfunetoriamente, seja uma fôrma benigna da febre typhoide, e queira que ella constitua uma espécie pyretologica distineta; entre nós esta opinião teve defensores no seio da academia imperial de medicina, sem que uma só rasão de ordem pratica fosse exhibida em seo apoio. Os mais notáveis pathologistas da França e da Allemanha, aquelles que procurão resolver os problemas de clinica á cabeceira dos doentes e com o escalpello na mão diante dos cadáveres, pensão exactamente como eu. Se não bastassem a influencia das causas, a natureza dos symptomas, a marcha da moléstia, as épocas do seo apparecimento, e a medicação que ella reclama, ahi estaria a anatomia pathologica, interpretada por Rokytansky, Griesinger, Béhier, Sée, Jaccoud, Bennett e Murchinson, que nos mostra as lesões intestinaes características da febre typhoide genuína, da dothinenteria de Bretonneau, em casos de febre mucosa ty- phoidéa, quando os doentes suecumbem em conseqüência de alguma complicação ou de uma moléstia grave que appareça durante a conva- lescença. Ahi estão muitos factos consignados na obra monumental do professor Andral, em que as autópsias demonstrão a existência de alte- rações, mais ou menos profundas è extensas, dos folliculos dos intesti- nos delgados, em individuos que suecumbiram victimas da pneumonia, sobrevindo no decurso de uma febre mucosa tão benigna, que Lerminier a denominara febre gástrica. Ahi estão dous factos eloqüentes, referidos no livro de Murchinson sobre as febres, de ruptura intestinal e perito- nite super-aguda, consecutivamente a ulcerações das glândulas de Peyer, em individuos que tinhão tido uma febre mucosa tão benigna, que um d'elles esteve de cama apenas nove dias e o outro seis; em ambos estes doentes o tratamento consistio em um purgativo salino e limonadas. Ahi está finalmente a importante observação publicada no numero de agosto de 1862 da Gazeta Medica, do Rio de Janeiro, da qual eu era um dos redactores, relativa a um doente da 4.a enfermaria do hospital da Mi- zericordia, que ficava então a meo cargo quando se encerrava a aula de clinica, o qual tendo tido uma febre muco-gastrica extremamente beni- t DO RIO DE JANEIRO 293 gna, sem delirio, nem diarrhéa, nem seccura da lingua, foi aeommettido, durante a convalescença, de perfuração intestinal, na occasião em que conversava no jardim com os companheiros: a autópsia mostrou as le- sões anatômicas peculiares ao typho abdominal em diversos períodos de desenvolvimento; ao lado da ulcera do ileon que tinha perfurado esta parte do intestino, se achava outra completamente cicatrizada, sendo a cicatriz de data recente. A perfuração intestinal é uma complicação que se observa algumas vezes no*fim da febre typhoide, ou no meio da convalescença, sobretudo quando o doente, indócil aos conselhos do medico, commette abusos de regimen, ou tomando alimentos de difficil digestão, ou sobrecarregando o tubo digestivo com grande quantidade de massa alimentar. Não tenho encontrado a menor relação entre o terrível accidente da perfuração in- testinal e a gravidade da dothinenteria. Em quatro casos que estão con- signados em minhas notas, dous forão consecutivos á fôrma benigna da febre typhoide, um á fôrma muito grave, e em um a moléstia tinha tido uma gravidade moderada. Nos dous primeiros, os doentes estavão em plena convalescença; no terceiro, os symptomas do periodo ascendente estavão em plena activi- dade, a pyrexia, datava de vinte e quatro dias, havia grande tympanis- mo abdominal e diarrhéa; no quarto, os phenomenos nervosos tinhão cedido, a febre já era moderada, e apenas persistião algum meteorismo do ventre e alguma dor na região iliaca, que se exacerbava muito pela pressão e percussão. Não é raro observar-se no fim da dothinenteria o apparecimento de parotides que suppurão e determinão a morte dos doentes, bem como de vastos abeessos em differentes regiões, que aggravão sobremodo as condições de abatimento em que se acha o organismo, e constituem verdadeiras complicações. A convalescença na febre typhoide é sempre difficil e prolongada; em alguns doentes o couro cabelludo fica despido de cabellos, os mús- culos dos membros atrophião-se, apparecem dores articulares, ha per- turbações freqüentes das funcções digestivas, e o catarrho bronchieo per- siste por muito tempo. É durante a convalescença que se manifestão as desordens intellectuaes de que fallei, revestindo o caracter de verdadeira demência. • 39$ ESTUDO CLÍNICO S0B8E AS FEBRES 4 endocardite typhoide, comquanto rara entre nós, apresenta-se todavia em alguns casos, e quasi sempre passa desapercebida no começo; só mais tarde, no fim de alguns mezes, ou de um a dous annos, é que ella se torna patente, porque modifica o jogo das válvulas do coração, embaraça a circulação no interior d'este órgão, e constitue uma lesão orgânica, apreciável pelos ruídos anômalos que lhe são próprios. 8 IV ç^c^cyU**- ^ marcha da febre typhoide no Rio de Janeiro é por via de regra irregular e insidiosa. N3o ha duvida alguma que alguns casos se apre- sentão em que os phenomenos mórbidos se succedem com muita regu- laridade e harmonia; estes casos porém constituem a minoria, e são ordinariamente benignos. No começo, isto é, durante as primeiras vinte e quatro ou quarenta e oito horas, a moléstia assimilha-se muito á fe- bre remittente ou pseudo-continua palustre; do terceiro dia em diante, é que a physionomia da pyrexia vai-se tornando mais expressiva e ca- racterística, e só depois do primeiro septenario é que os phenomenos mórbidos attingem todo o seo valor diagnostico. Em alguns casos, os doentes apresentão sensíveis melhoras n'essa época, e o medico julga que se trata da fôrma benigna da febre typhoide (typhus levissimus); mais tarde, porém, a reacção febril, que tinha quasi desapparecido, exa- gera-se, apparecem symptomas graves, e a moléstia caminha para uma terminação fatal. Na fôrma conhecida pelo nome de febre lenta nervosa, o doente apresenta por espaço de muitos dias, ás vezes por mais de um mez, uma reacção febril pouco pronunciada, com exacerbações vespertinas (39°, 39°,2) e remissões matutinas (38n, 38°,5), acompanhada de pro- funda adynamia e algum subdelirio; o doente vai pouco a pouco defi- nhando, e succumbe sem que haja outra causa que explique a morte senão o esgotamento nervoso. Não é muito raro entre nós observar-se a meningo-encephalite in- terrompendo a marcha regular da febre typhoide, e determinando a morte do doente em poucos dias, ordinariamente no decurso do segundo septe- nario (observação LXX). Assim como em alguns casos de febre typhoide, a moléstia co- meça por accessos de febre intermittente, assim também em outros, DO RIO DE JANEIRO 29Ô Bstes accessos se apresentão no principio da convalescença, e recla- mão o emprego dos saes de quinina. § V Em dez casos de febre typhoide observados nas enfermarias de cli-< nica, e seguidos de autópsia, encontrarão-se lesões anatômicas constan- tes e variáveis; do numero das primeiras são: as alterações dos follicu- los intestinaes, dos gânglios mesentericos e do baço; as segundas com- prehendem as alterações que se produzem nos diversos apparelhos do organismo, e que dependem da fôrma predominante que apresenta a moléstia. O apparelho folliculoso do intestino apresentou duas ordens de al- terações, correspondentes ás duas espécies de folliculos que o compõem, os folliculos conglomerados, ou placas de Peyer, e os folliculos isolados, ou placas de Brunner; estas alterações variarão segundo a duração da moléstia. Em dous casos, os folliculos estavão apenas hypertrophiados, turgi- dos, e fornecião ao tacto a sensação de dureza e resistência; os follicu- los de Brunner apresentavão-se como pequenas elevações conicas, arre- dondadas, espalhadas indistintamente em toda a circumferencia do intestino. As elevações formadas pelas placas de Peyer occupavão uma superfície maior, e existião principalmente sobre o bordo convexo do intestino; umas erão ovalares e outras arredondadas: tinhão de compri- mento de 3 a 9 centímetros e 2 ou 3 de largura. Estas placas assim al- teradas, em alguns pontos não erão duras e resistentes, a mucosa e o tecido cellular subjacente se achavão amollecidos; cortadas, apresenta- vão no seo interior o aspecto do parenchyma da pêra (placas imlíes de fj)im, placas reticuladas de Chomel); em -outros erão muito duras, o tecido cellular sub-mucoso, em lugar de se achar somente inflammado ou infiltrado, estava transformado em uma matéria homogênea, amarel- lada, friavel, sem vestígios de organisação. Em um caso, as placas apresentavão em sua superfície um ponti- Ihado escuro, cujo aspecto se assímilhava ao da barba recentemente feita; não estavão endurecidas e erão pouco salientes. Em sete casos existião ulcerações mais ou menos extensas e profun- das ; nas placas de Peyer, estas ulcerações erão ovalares ou ellipticas, de 296 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES uma extensão de 3 a 8 centímetros; nos folliculos de Brunner erão cir- culares e muito menores. As alterações encontradas no intestino erão em todos os casos mais extensas e profundas no ileon e no ccecum; a válvula ileo-ccecal apre- sentava-se vermelha, turgida e infiltrada; no jejuno também se notavão as mesmas lesões, porém em escala menor; no colon, poucas e muito limitadas se apresentavão as alterações folliculares; em todos os dez casos, a primeira e ultima porção do tubo intestinal (duodeno e recto) não soffrião outra lesão a não ser alguma hyperemia da membrana mucosa. Em três casos, em que os individuos succumbirão durante o quarto septenario, algumas ulcerações forão encontradas em periodo adiantado de cicatrização. A mucosa do estômago estava muito rubra em quatro casos, amol- lecida em um. Os gânglios mesentericos, correspondentes aos folliculos intestinaes alterados, achavão-se compromettidos em todos os casos; em uns esta- vão apenas mais volumosos, avermelhados, amollecidos e friaveis; em outros apresentavão-se enormementé desenvolvidos, amarellados e infil- trados de pus. O baço tinha mais do dobro de seo volume em nove casos, estava um pouco mais desenvolvido em um; em todos estava amollecido, e rompia-se com facilidade. 0 figado estava augmentado de volume em sete casos, gorduroso em três, apenas levemente congesto em dous. Os rins achavão-se volumosos e congestos em três casos. Em seis casos as meninges e substancia cerebral se apresentarão levemente injectadas; em três nada de notável se observou no centro encephalico; em um a autópsia revelou todos os phenomenos caracterís- ticos de uma meningo-periencephalite (vide observação LXX). Nos pulmões forão encontrados grandes focos congestivos em três casos, uma verdadeira hepatisação rubra em um, granulações tubercu- losas em um, grande hyperemia da mucosa bronchica em oito. O coração foi encontrado pallido e flaccido em dous casos, hyper- trophiado em um, com phenomenos de endocardite generalisada em um, gorduroso em dous, normal em quatro. 7?< ,^/:^Si. DO RIO DE JANEIRO 297 A medulla só foi examinada em um caso, em que o doente accusava caimbras nos membros inferiores: nada se encontrou de apreciável aos meios ordinários de investigação. Observação JLXVIII—Emílio Dupeyrat, francez, de 32 annos de idade, caixeiro de hotel, de temperamento lymphatico e mal constituído, entrou para a enfermaria de Santa Izabel no dia it de maio de 1873, datando a sua mo- léstia de quatro dias. Na madrugada de 7 acordou com dores contusivas nos membros superiores c inferiores, cephalalgia e febre. O medico que o visitou, deu- lhe um diaphoretico, depois um purgativo de óleo de ricino, e no dia seguinte umas pílulas de sulfato de quinina. No dia 9 appareceo-lhe uma epistaxis abundante e alguma diarrhéa, a febre tornou-se mais intensa, e elle ficou muito abatido. Na noute de 10 teve delirio e não pôde dormir. Estado actual—Face estúpida, grande prostração de forças, decubito dorsal, movimentos difliccis. Temperatura a 39°,2, pulso a 98. Lingua muito saburrosa e um pouco secca na ponta, sôde intensa, figado normal, baço um pouco augmentado de volume; ventre tympanico, diarrhéa, dor e gargarejo na fossa illiaca direita; ourinas escassas, sem albumina. Alguma tosse, estertores mucosos disseminados em ambos os pulmões. Alguma somnolencia, pupillas contrahidas, ausência de delirio, respostas demoradas, porém acertadas. Prescripção: Sulfato de magnesia.................45 grammas Em 6 papeis Para tomar 1 de liora em hora. Olco de camomilla e de terebinthina, partes iguaes. Para fomentar o Tentre. Ás 5 horas da tarde a temperatura subio a 409 e o pulso a 106; durante a noute appareceo delirio; o purgativo salino produzio oito evacuações. Dia 12—Maior abatimento, indiíTerença, subdelirio. Temperatura a 39°,6, pulso a 100. Lingua mais secca, ligado augmentado de volume, baço mais crescido, tym- panismo menos pronunciado, diarrhéa, ainda dor e gargarejo na fossa illiaca direi- ta; ourinas escassas, vermelhas, contendo pequena quantidade de chloruretos. Tosse mais freqüente, maior confluência de estertores catarrhaes. Prescripção: Cozimento de raiz de aithea.............500 grammas Acetato de ammonia................16 grammas Xarope de flores de laranjas.............60 grammas Para tomar aos cálices de duas em duas horas. Limonada vinhosa, para bebida ordinária. Um clyster de infusão de camomilla. A mesma fomentacão ao ventre. Dous caldos de gallinha. Ás 5 horas da tarde a temperatura subio a 40°,2, o pulso a 120; appareceo epistaxis e reappareceo o delirio. Dia 13—Profunda adynamia, epistaxis moderada, delirio constante, pupillas 298 ESTUDO CLINICO SOHWS AS FEBRES muito contrahidas. Temperatura a 40°, pulso a 108. Lingua muito secca, escarlatc na ponta e nos bordos, dentes fulliginosos; grande sensibilidade no epigastro, fíga- do e baço crescidos, tympanismo abdominal muito exagerado, diarrhéa, ainda dor e gargarejo na fossa illiaca direita. As ourinas não forão examinadas, porque o doente ourinou no leito. Os mesmos phenomenos para o lado do apparelho respiratório. Prescripção: Uma poção com carbonato de ammonia, tinctura de almiscar e extra- cto de meimendro. Limonada vinhosa. Cataplasma de linhaça sobre o ventre. Caldos de gallinha. Ás 5 horas da tarde o interno encontrou o doente muito agitado, com delirio, querendo sair do leito, e com tremor dos membros superiores. A temperatura es- tava a 40°,8 e o pulso a 124, pequeno e concentrado. Dia 14—Adynamia muito pronunciada, somnolencia, alternando com subde- lirio; ausência de epistaxis; tremor dos membros superiores, sobresaltos tendino- sos. Temperatura a 40°,4, pulso a 112. Lingua muito secca e retrahida, dentes ful- liginosos, tympanismo menor, ausência de gargarejo e de dor na fossa illiaca di- reita, diarrhéa menos freqüente e abundante. O doente ourina e evacua no leito. Os estertores catarrhaes oecupão toda a extensão de ambos os pulmões. Prescripção: A mesma poção antispasmodica. Vinho do Porto generoso..............180 grammas Para o doente tomar ás colhéres, alternando com a poção. Um clyster de infusão de serpentaria da Virgínia com camphora, tin- ctura de valeriana e assafetida. Vesícatorios aos jumellos. Loções com água alcoolisada em toda a superticie do corpo. Caldos de gallinha. Ás 5 horas da tarde o interno encontrou o doente calmo, sem delirio nem so- mnolencia; a temperatura estava a 40°,1 e o pulso a 120. Os vesícatorios ainda não tinhão queimado. Tinhão sido feitas duas loções, a primeira ás 11 horas da manhã e a segunda ás 3 da tarde. Dia 15—0 doente geme por causa das dores causadas pelo curativo dos ve- sícatorios; está muito abatido, porém move-se no leito com mais facilidade. De vez em quando apparece delirio, algumas perguntas são respondidas com acerto. Tem- peratura a 40°, pulso a 112. Lingua secca; tympanismo menor: três evacuações. Os outros symptomas no mesmo estado. Prescripção: Mesmo tratamento. Quatro loções por dia com intervallo de três noras. Ás 5 horas da tarde o interno encontrou o doente delirando; com temperatura a 39°,8 e o pulso a 110. A primeira loção tinha sido feita ás 9 horas da manhã, a segunda ao meio dia, a terceira ás 3 horas da tarde, e a quarta devia ser feita ás 6 horas. Dia 16— Sensíveis melhoras. O aspecto geral do doente é muito mais anima- dor, a face está mais animada, o olhar mais intelligente. as respostas, comquanto 299 acertadas, sâo muito demoradas; ainda se nota algum tremor dos membros supe- riores. Temperatura a 39°,2, pulso a 98, pelle humida. Lingua menos secea, den- tes ainda fulliginosos, tympanismo pouco pronunciado, ausência de dor e gargarejo na fossa illiaca, três evacuações durante vintee quatro horas; as ourinas são ainda muito carregadas e encerrao maior quantidade de chloruretos. Os symptomas bron- chieo? são os mesmos; o doente tosse muito e expectora facilmente. Prescriprão: Mesmo tratamento, excepto o clyster. Duas loções por dia. Caldos de carne, café. Ás o horas da tarde, a única differença que o interno encontrou no doente, foi algum augmento da temperatura (39°,6), pulso a 100. Dia 11—Continuão as melhoras. O doente responde bem ás perguntas que lhe são dirigidas; a irmã de caridade informou que elle delirouum pouco durante parte da noute; ainda ha tremor dos membros superiores. Lingua apenas secca na ponta; fígado c baço ainda crescidos, porém menos do que no dia Io; tympanismo pou<5o pronunciado; duas evacuações em vinte e quatro horas. Temperatura a 38°,6, pulso a 92. O mesmos symptomas bronchicos. Prescripção: Mesmo tratamento. Suspendem-se as loções de água alcoolisada. Caldos de carne—180 grammas de leite. Ás o horas da tarde o interno encontrou o doente dormindo tranquillamente. Temperatura a 39°, pulso a 94. Dias 18,19, 20 e 21— O doente tem melhorado progressivamente. Não se nota mais symptoma algum de ataxia; no apparelho digestivo, nota-se apenas algum rubor da ponta da lingua e alguma diarrhéa (três evacuações líquidas em vinte e quatro horas). Os symptomas de bronchite, comquanto menos pronunciados, ainda persistem. No dia 18 os vesícatorios forão curados com pomada alvissima, no dia 20 foi suspensa a poção antispasmodica e augmentada a quantidade de leite que o doente devia tomar como dieta (360 grammas). No dia 22 o doente começou a fazer uso exclusivamente do vinho quinado, 200 grammas por dia em três doses, e teve por dieta, alem do leite, dous ovos quen- tes e canja de frango. No dia 29 teve alta perfeitamente restabelecido. Ol>sei-vnç»o LXIX - João Quintella, portuguez, de 42 annos de idade, conduetor de carroça de carne, muito robusto e de temperamento sangüíneo, entrou para a enfermaria de Santa Izabel no dia 22 de julho de 1874. Está doente desde o dia 19, e tem sido tratado pelo systema homoeopathico. Depois de ter perdido o appetite e sentir-se muito fatigado durante dous dias, acor- dou com febre e dor de cabeça, não lhe sendo possível entregar-se ao trabalho. Foi em um tilbury, da rua do Aterrado á rua de S. José, consultar o medico nos dias 19 e 20; no dia 21, ao levantar-se da cama, teve uma vertigem que o obrigou a cair, resultando-lhe d'esta queda uma ferida contusa na pyramide nasal. Segundo 1)0 MO Dfc JANEIRO ^ 300 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES informa o próprio doente, febre, cephalalgia e grande abatimento de forças são os seus únicos padecimentos. Dia 22—Estado actual—Face pouco animada, olhos languidos; intelligencia preguiçosa, porém clara. Temperatura a 39°,4, pulso a 100; pelle secca e árida. Lingua muito saburrosa, sede, anorexia, ventre ligeiramente tympanico, figado crescido, baço normal, prisão de ventre; ausência de dor e gargarejo nas regiões illiacas; ourinas vermelhas, escassas, sem albumina. Apparelho respiratório nor- mal. Prescripção: Um vomitivo de ipecacuanha e tartaro stibiado. Duas grammas de sulfato de quinina em duas doses. Para serem dadas depois do effeito do vomitivo. Um clyster purgativo com óleo de ricino. Ás 5 horas da tarde a temperatura elevou-se a 40°, e o pulso tornou-se mais freqüente (120). O doente vomitou e evacuou abundantemente; não tinha tomado ainda a segunda dose de quinina Dia 23—Grande prostração de forças, o doente responde com difficuldade as perguntas que lhe são dirigidas; de vez em quando suspira profundamente. Tem- peratura a 39°,8, pulso a 110. Lingua secca, com uma facha no centro côr de fer- rugem, sensibilidade no epigastro, tympanismo, ausência de dor e gargarejo na fossa illiaca direita, duas evacuações das 6 ás 9 horas da manhã; as ourinas não forão examinadas. Apparelho respiratório bom. Prescripção: Uma poção com 3 grammas de sulfato de quinina, para ser dada ás colhéres de sopa de hora em hora. Vesícatorios aos jumellos. Laranjada como bebida ordinária. Ás 5 horas da tarde, apezar de ter sido tomada toda a poção, a temperatura chegou a 40°,3, pulso a 120. O doente tem subdelirio. Dia 24—Adynamia manifesta, subdelirio e somnolencia, pupillas muito dila- tadas, surdez quinica. Temperatura a 40°, pulso a 100. Lingua muito secca e tre- mula, dentes fulliginosos; grande sensibilidade no epigastro, figado de volume nor- mal, baço volumoso, ventre muito tympanico, manchas roseolares, em numero de seis, nos limites superiores da parede anterior do abdômen; ausência de dor e gar- garejo nas fossas illiacas; diarrhéa moderada; ourinas muito escassas, vermelhas e sem albumina. Apparelho respiratório bom. Prescripção: Magnesia fluida de Murray com '2 grammas de tinctura de camomilla e de tinctura de meimendro. Para tomar 2 colhéres de sopa de duas em duas horas. Vinho com água (partes iguaes), para alternar com a poção. Laranjada. Cataplasma de linhaça ao ventre. Ás 5 horas da tarde o interno encontrou a temperatura a 40°,2, o pulso a 110 e o ventre muito meteorisado; tinha apparecido epistaxis. Foi feita uma loção com água alcoolisada em toda a superfície do corpo. 1)0 RIO DE JANEIRO 301 Dia 25 —Face typhica bpm caracterisada, olhos «emi-abertos, subdelirio, pu- pillas muito dilatadas. Temperatura a 39°.o, pulso a 98. Lingua muito secca, o doente não pôde fazei-a sair fora da boca, dentes fulliginosos; ainda grande sensi- bilidade do epigastro, tympanismo, ausência de evacuações em vinte e quatro ho- ras, baço mais crescido, figado com o seo volume normal; as ourinas foram expel- lidas no leito. O apparelho pulmonar não pôde ser examinado por causa do pro- fundo abatimento em que se acha o doente. Prescriprão: Água commum.................) Vinho do Porto.................j ãa 100 grammas Extracto molle de quina............ 6 grammas Tinctura de almiscar............ > Tinctura de v leriana..............{ 3a2 ^aramas Xarope de cascas de laranjas.......... 30 grammas Para tomar ás colhéres de hora em hora. Um clyster com 200 grammas de cozimento de quinae 4 grammas de tinctura de camomilla. Cataplasma de linhaça ao ventre. Vesícatorios ás coxas, continuando a entreter os dos jumellos com unguento basilicão. Ao meio dia, uma hora depois de ter tomado o clyster, o doente evacuou uma grande quantidade de sangue negro e fétido. Ás 5 horas da tarde o interno o encontrou sem delirio, porém soporoso, com a temperatura a 39".8 e o pulso a 100. O clyster foi repetido ás 6 horas da noute. Dia 26— Epistaxis pouco abundante, adynamia, face estúpida, somnolencia. Temperatura a 39°,2, pulso a 96. Lingua secca, fendida, tinta de sangue em alguns pontos, tremula e retrahida; ventre deprimido, sem meteorismo, indo- lente, mesmo na região epigastrica; duas evacuações, uma levemente sangui- nolenta e a outra biliosa; persistem as manchas lenticulares na parede abdo- minal, baço crescido. Prescriprão: Cozimento forte de quina..............200 grammas Ácido sülfurico................... 18 gottas Xarope de ratanhia................. 30 grammas Para tomar ás colhéres de hora em hora. Vinho generoso...................120 grammas Cataplasma ao ventre. Suspende-se o uso do clyster. Ás 5 horas da tarde o interno encontrou o doente melhor, porém com algum delirio. Não tinhão apparecido mais hemorrhagias, havia alguma sensibilidade no ventre, a temperatura estava a 39°,4, o pulso a 100. Dia 27—Face mais animada, respostas lentas e pouco intelligiveis, tendência ao sopôr. Temperatura a 39°, pulso a 92. Lingua ainda muito secca porém privada de manchas de sangue cm sua superfície, ainda tremula e retrahida, ventre flaccido e um pouco sensível á apalpaçao, ausência de evacuações; as manchas lenticulares são pouco perceptíveis. Pela primeira vez ouve-se o doente tossir; o exame do tho- 302 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES rax, apezar de ser feito com difflculdade, revela a existência de estertor sibilante e subcrepitante em ambos os pulmões, principalmente no direito. Prescripção: Mesmo tratamento. Dous caldos de gallinha Ás 5 horas da tarde : temperatura a 39°,2, pulso a 98, algum subdelirio. Ás 7 horas da noute o doente teve uma larga evacuação biliosa espontaneamente. Dia 28 — Melhoras sensíveis: face mais animada ainda do que na véspera, olhar mais expressivo, respostas mais promptas e claras. Xota-se na região paroti- diana esquerda uma elevação bem pronunciada, dolorosa e resistente, indicio de uma parotide em principio de desenvolvimento. Temperatura a 38°,8, pulso a 90. Lingua ainda secca, porém sem tremor e mais larga; ventre um pouco sensível a apalpaçao, porém flaccido; desapparecerão as manchas roseas lenticulares; ouri- nas mais abundantes, ricas de chloruretos e ligeiramente albuminosas. Estertores síbilantes e suberepitantes em ambos os pulmões, mais pronunciados no direito. Prescripção: Vinho generoso............180 grammas (ás colhéresj Água.................150 grammas Extracto molle de quina......... 8 grammas Xarope de cascas de laranjas....... 30 grammas Para tomar ás colhéres, alternando com o vinho. Emplastro de cicuta e. mercúrio, para applicar sobre o tumor da re- gião parotidiana. Caldos de carne—180 grammas de leite. Dias 29, 30 e 31—Melhoras lentas, porém progressivas. O doente já vai a banca sem o auxilio do enfermeiro. A temperatura oscillou entre 38°,4 de manhã e 38°,8 de tarde. A lingua foi-se tornando mais humida; foi apparecendo appetite. Os symptomas forneeidos pelo apparelho respiratório modificarão-se um pouco. No meio d'este estado lisonjeiro, queixava-se o doente de dores violentas na re- gião parotidiana; o tumor tinha crescido muito e estava duro, sobretudo na base. Prescripção: Cataplasma de linhaça, fortemente laudanisada, com óleo de amên- doas sobre o tumor. Ovos quentes, sopas e leite. No dia 5 de agosto o tumor apresentava todos os phenomenos de um foco pu- rulento, e o sr. dr. Pedro Affonso Franco praticou sobre elle uma incisão, por onde correo grande quantidade de pus louvável. A temperatura, que na tarde do dia 3 tinha-se elevado a 39°, sem duvida alguma por causa do trabalho suppurativo. des- ceo a 37°,2 e ahi conservou-se até o dia 8, em que o thermometro deixou de ser consultado. Por causa da suppuração abundante do tumor, e do enfraquecimento que ella produzio no doente, este só pôde ter alta no dia'26 de agosto, tendo sempre feito uso de vinho, quina e genciana, alem de uma alimentação reparadora, consti- tuída por carne, ovos, leite, pão e mingáos. N'este caso, a moléstia só se caracterisou completamente no dia 24 em diante, quarenta e oito horas depois da entrada do doente para a I>0 RIO DE .lANEIRn 303 enfermaria, cinco dias depois do apparecimento dos primeiros sympto- mas. No dia 22, e mesmo no dia 23, tudo induzia a crer que se tra- lava de uma febre remittente paludosa grave. A ineííicacia das altas doses de sulfato de quinina, e a manifestação de certos phenomenos com- muns na febiv typhoide, me fizerão mudar de opinião quanto ao dia- gnostico. E este um dos doentes a que me referi, quando asseverei que no Kio de Janeiro, a enterorrhagia é um symptoma antes favorável do que pernicioso quando apparece no decurso da febre typhoide. Comquanto ella tivesse apparecido juntamente com outras hemorrhagias, no dia se- guinte ao de seo apparecimento o doente apresentou algumas melhoras, sobretudo para o lado do ventre. Não ha duvida alguma que a paroti- de, sobrevindo do dia 27 para 28, foi um phenomeno crítico, que coincidio com a mudança favorável que se notou no doente. Otosevvaçíio LXX —Filippe, pardo livre, de 28 annos de idade, em- palhador, mal constituído, morador na praia de Santa Luiza, entrou para a enfer- maria de Santa Izabei no dia 17 de junho do 1873, ás 6 horas da tarde. Adoeceu no dia 14 de manhã, e esteve sem tratamento regular até entrar para o hospital. Não forneeeo informação alguma a respeito da marcha que seguio a moléstia du- rante os quatro dias anteriores. O medico de serviço receitou-lhe uma poção com acetato de ammonia e tinctura de belladona. Dia 18—Estado actual—Delirio, agitação, pupillas muito dilatadas, tremor dos membros superiores. Temperatura a 40°, pulso a 120 e pequeno; grande quan- tidade de sudamínas no tronco e no pescoço. Lingua rubra, assetinada, despida de epithelio e secca, sede intensa, ventre muito tympanico, doloroso á apalpaçao e per- cussão e principalmente na região hypogastrica; diarrhéa freqüente e abundante: bexiga repleta de ourina; ha vinte equatro horas que o doente não tem ourinado; o catheterismo extrahe cerca de 500 grammas de um liquido avermelhado, tenso e fétido. Estertores catarrhaes em ambos os pulmões. Prescriprão: Seis sanguexugas em cada apophyse mastoide. *~7- '*■ °' *** Poção com 8 grammas de água de louro-cerejo, 10 centigrammas de £fT^&C&-c . #, /c extracto de belladona, 15 centigrammas de extracto de meimendro ~ ■***■**-*. . _ ^ *f~ e xarope de flores de laranjeira. X//."/*•'-. Je, *+ Laranjada, como bebida ordinária. Dous clysteres de cozimento de malvas com la.udano. Vesícatorios aos jumellos. Cataplasma de linhaça laudanisada ao yentre. Ás 5 horas da tarde o interno encontrou o doente com epistaxis, com a tem- peratura a 40°,8 e o pulso a 120; os outros symptomas no mesmo estado, excepto a diarrhéa. que era muito menos freqüente. 304 ESTUDO CLINICO SORRE AS FEBRES Dia 19 — Delirio continuado, adynamia, carphologia. Temperatura a 41°, pulso a 130 e muito pequeno. Lingua escarlate, secca, assetinadae tremula; tympanismo muito pronunciado, diarrhéa, inércia da bexiga; o catheterismo extrahe cerca de 200 grammas de ourina, a qual se apresenta escura e turva, porém sem albumina. O apparelho respiratório não pôde ser examinado. Prescripção: Mesma poção com 2 grammas de tinctura de almiscar. Os mesmos clysteres laudanisados. Solução de gomma arábica adoçada com xarope de caroços de mar- mellos, para bebida ordinária. Fomentações ao ventre com o linimento de Selle. Três loções durante o dia com vinagre aromatico. Ás 5 horas da tarde o interno encontrou o doente no mesmo estado; a tempe- ratura estava a 39°,4 e o pulso a 128. Dia 20—Delirio, estrabismo convergente duplo, contractura dos membros su- periores, principalmente do direito. Temperatura a 40°,2, pulso incontável e filli- forme. Erupção muito confluente de sudaminas no tronco, pescoço e braços. Não se pôde ver a lingua; epistaxis pouco pronunciada; tympanismo, diarrhéa pouco abundante, inércia da bexiga; o catheterismo extrahe cerca de 90 grammas de ou- rina escura e fétida. Prescripção: Largo vesicatorio na cabeça, occupando a região occipito-frontal Calomelanos inglezes..............10 centigrammas Assucar de leite.................2 grammas Em 12 papeis para tomar 1 de hora em hora. Ás 5 horas da tarde o interno encontrou o doente comatoso, com a tempera- tura a 4l°,2; com muita difficuldade tinha tomado 2 papeis de calomelanos. Ás 6 horas da manhã seguinte falleceo. Autópsia praticada ás 3 horas da tarde — Grande estase sangüínea nas veias meningeanas, hyperemia da pia-mater, esta membrana se acha infiltrada de sero- sidade opalina, e tão adherente á substancia cortical do cérebro, que, sendo desta- cada, arrancou uma camada de substancia cinzenta; esta parte da massa cerebral está sensivelmente amollecida e avermelhada. Estômago com a mucosa muito in- jectada, ecchymosada em alguns pontos, amollecida em grande extensão. Intestinos muito distendidos por gazes; na mucosa do duodeno e jejuno nota-se grande ru- bor uniformemente distribuído; no ileon, no coecum e no colon ascendente, os fol- liculos de Peyer e de Brunner apresentão-se notavelmente hypertrophiados, salien- tes e duros; junto da válvula ileo-eoecal ha duas pequenas ulcerações que interes- são exclusivamente a membrana mucosa; essa válvula está turgida, rubra e dura. Gânglios do mesenterio augmentados de volume, avermelhados e resistentes; baço crescido, fígado com o volume normal; rins apparentemente normaes. Observação LXXI — Ricardo Pamplona, brazileiro, de 19 annos de idade, typographo, de temperamento lymphatico pronunciado, magro e mal coq- stituido, entrou para a enfermaria de Santa Izabel no dia 3 de agosto de 1875. Está no mn nc janeiro aos 'loriile desde o dia. 2(i d»' julho lha nove dias), e tem sido tratado em sua casa, n;i rua Nova do Ouvidor, onde mora em companhia de um irmão, habitando ambos um pequeno quarto, escuro e mal arejado. Tem tido sempre muita febre, ultima- mente delira toda a noute. tem diarrhéa, e tem tomado pílulas de sulfato de qui- nina com água ingleza; taes são as únicas informações que fornece o irmão do doente que o acompanhou até o hospital, para onde foi conduzido em uma rede, por faltarem-lhe os recursos necessários para continuar a tratar-se em casa. Estado actual — Emmagrecimento muito pronunciado de todo o corpo, princi- palmente da face, onde existem todos os caracteres da face hypocratica; adynamia profunda, subdelirio, respostas muito demoradas, ora dadas com acerto, ora dispa- ratadas. Temperatura a 40°,1, pulso a 112. Lingua secca e rubra na ponta, dentes fulliginosos, muita sede; dores vagas em todo o ventre, dor aguda, revelada pela percussão e gargarejo, na fossa illiaca direita; diarrhéa biliosa pouco abundante: figado e baço crescidos; ourinas sem albumina. Estertores síbilantes e suberepi- tantes em ambos os pulmões. Prescriprão: Vinho do Porto generoso..............300 grammas Extracto molle de quina............... 12 grammas Tinctura de canella................. ü grammas Xarope de cascas de laranjas............. ;»0 grammas Para tomar ás colhéres de hora em hora. Caldos de carne —180 grammas de leite. Ás n horas da tarde: delirio mais intenso, temperatura a 39°,2, pulso a 120; os outros symptomas no mesmo estado. Dia 4 — Adynamia profunda, somnolencia; o doente, sendo despertado com forra, abre os olhos, dá um suspiro e torna a cair em sopôr. Temperatura a 38°, pelle banhada em suor viscoso, pulso a 128. A lingua conserva-se no fundo da boca e está muito secca, dentes fulliginosos; ventre muito tympanico, dor e gargarejo na fossa illiaca direita, ausência de evacuações, figado e baço crescidos; ourinas muito escassas. O apparelho pulmonar não pôde ser examinado. Prescriprão : Água commum.................j 5a 100 grammas Aguardente de canna..............j Tinctura de almiscar..............j 3a4í,ranimas Tinctura de canella...............) Xarope de cascas de laranjas........... 30 grammas Para tomar ás colhéres de hora em hora. Caldos de c;irne, cale, leite. Ás 3 horas da tarde o doente ficou profundamente comatoso, e as extremida- des, tanto superiores, como inferiores, ficarão frias. Ás 5 horas o interno o encon- trou moribundo, e a morte teve lugar ás 7 horas da noute. Autópsia praticada ás nove horas da manhã do dia 5 —Algum derramamento seroso subarachnoidiano: injecção da substancia branca do cérebro. Congestão da hase de ambos os pulmões: granulaçòes tuberculosas no lobo superior d'estes or- sãos muito confluentes e mais adiantadas em desenvolvimento no direito. Nada de notável no pericardio e no coração. Estômago muito distendido por gazes, a sua mu- 20 306 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES Ot cosa levemente avermelhada; grande rubor da mucosa das ires partes do intestino delgado e do colon; as placas de Peyer e de Brunner apresentão em sua superfí- cie um ponttlhado escuro, cujo aspecto se assimilha ao da barba recentemente feita. Não ha uma só ulceração. Os gânglios mesentericos estão turgidos e avermelha- dos; o fígado e o baço congestos. §'VI ^ ' x Nos primeiros dias de seo desenvolvimento, a febre typhoide se con- ^^Junde muitas vezes com a febre remittente paludosa (observação LXÍX). O &Cc- iSí /; w-í>- ^ olfiíj***" thermometro n'este caso é um grande auxiliar do diagnostico differencial: ^-y/v^r-^t) durante as vinte e quatro horas que se seguem ao apparecimento da reacção febril, o calor nunca chega a 39°,5 quando se trata da primeira pyrexia, no entretanto que muitas vezes attinge essa cifra, ou a excede mesmo na segunda. Quando a temperatura não segue a marcha regular assignalada por Wunderlich e outros autores europeos, os symptomas da dothinenteria apresentão-se desde logo tão graves, que é fácil reco- nhecel-a, e excluir do diagnostico outra qualquer moléstia. Gomo já disse, a febre remittente paludosa typhoidéa pode confun- dir-se de tal modo com a febre typhoide, que o diagnostico differencial não seja possível sem que o medico consulte os effeitos do sulfato de quinina, ou o gráo da temperatura febril se a moléstia não data de mais de quarenta e oito horas. Sobre este ponto já me pronunciei detalhada- mente, quando tratei da febre remittente paludosa typhoidéa. A tuberculose miliar aguda generalisada e a meningo-encephalite basilar, ás vezes simulão entre nós uma febre typhoide. No primeiro caso, o exame attento e minucioso do doente, e a marcha que seguem os phenomenos mórbidos, dissipão de prompto as duvidas do medico; no segundo caso, a historia anterior da moléstia, o modo por que ella começou, a marcha da temperatura, a ausência de symptomas abdomi- naes, a precocidade do delirio ou do coma, não permittem por muito tempo a hesitação sobre o diagnostico. § VII /sre-*** • A febre typhoide não é ,lão, grave no Rio de Janeiro como em alguns (/ paizes da Europa: a mortàli4ade regula, segundo as melhores estatísticas, de vinte a vinte e cinco por cento. As más condições hygienicas em que ^ &s ^x. Febre lyphoide (Observação LXVIllj nomem, 32 annos (Enfermaria de Santa Izaliel) Febre typhoide (Observação LXX) Homem, d 28 annos (Enfermaria e S.mta Izabel] Jl/as S 6' 7 $ P IO 41?-4-0° 58° I —- * / T / T ' i / ^ _.._ \ / - -'— --- -- r— - \~- --- - -- - 1 (•) Alta. iji Morte ás 6 horas da nianhii. Tebre typhoide (Observação LXC\) Domem, 42 annos (Enfermaria de Santa izabel) Febre typhoide (Observação LXXI) Homem, 19 annos (Enfermaria de Santa Izabel] Dias d*™ Jt,™ // /£ 73 1 4 4/» 4-0? 59? 58? 57c \ "V t T \ . H l" L" I ! i! 1 1 ijt Morte ás 7 horas da noute f < 00 RIO ÜE JANEIRO 307 vivia o doenle, u depauperamento da nutrição, o emprego de uma the- rapctUica perturbadora e inopportuna, concorrem poderosamente para tornar a moléstia mais grave, e favorecem a terminação pela morte. A síiccura da língua nas primeiras vinte e quatro ou trinta e seis horas, o delirio prematuro, o tympanismo exagerado, a grande sensibi- lidade do ventre e a escassez de chloruretos, pliosphatos e uratos na ou- rina, são signaes de summa gravidade. A fôrma cerebral é a mais grave de todas as fôrmas da febre ty- phoide entre nós, o a fôrma abdominal a mais benigna. § VIII O tratamento da febre typhoide tem passado no Rio de Janeiro por <^^~~ phases diversas, similhantemente ao que se tem dado na Europa. A medicação antiphlogistica, purgativa, tônica, expectante e sympto- matica tem sido posta em pratica suçcessivãmente, uma depois da outra, abandonando-se hoje de um modo absoluto a medicação que se abraçava honlem exclusivamente. Em 1859 e 1860, quando comecei a exercer a profissão medica, os meios antiphlogisticos, incluídas as emissões sangüíneas, e os purga- tivos, dominavão a therapeutica da dothinenteria. Mais tarde o methodo expectante, preconisado pelo sábio professor barão de Petropolis, ficou muito em voga. Hoje, póde-se affirmar sem medo de errar, os médicos dividem-se em dous grupos quanto á ma- neira de tratar os doentes de febre typhoide: uns obedecem cegamente ás indicações fornecidas pelos symptomas; outros empregão, desde o co- meço até ao fim da moléstia, os tônicos e corroborantes, e alimentão os doentes. Este ultimo methodo tem sido vulgarisado depois que forão aqui conhecidas as doutrinas e a pratica seguidas pelo dr. Jaccoud no hospital Lariboisière em Paris. Não sigo methodo algum exclusivo no tratamento da febre typhoide, e não posso convencer-me da utilidade do procedimento contrario. Em uma moléstia primitiva e secundariamente infecciosa, anatomicamente caracterisada por uma inflammação intestinal septica, com manifesta- ções sympíomaticas tão numerosas e variadas, revestindo diversas fôr- mas, em cada uma das quaes predominão as lesões de um apparelho 308 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES orgânico, cuja marcha é perturbada por uma serie de episódios mórbi- dos, ás vezes imprevistos, não é racional empregar-se uma medicação invariável, sempre a mesma. Se, durante o primeiro septenario, ha phenomenos congestivos e in- flammatorios francos, não tenho duvida em recorrer ás emissões san- güíneas locaes, nunca empreguei a sangria geral. Applico sangue- xugas ás apophyses mastoides e á base do craneo, na fôrma cerebral, quando se apresentão symptomas evidentes de hyperemia das menin- geas. Applico sanguexugas no ventre, sobretudo na região iliaca direita, na fôrma abdominal, quando a violência da dor, o excessivo rubor da lingua, a freqüência e abundância da diarrhéa, e o gráo muito elevado do calor febril, indicão a existência de uma enterite muito intensa. Ap- plico ventosas sarjadas no thorax, na fôrma thoraxica, quando ha pneu- monia lobar extensa, ou quando um ou ambos os pulmões se conges- tionão. Em quasi todos os casos, senão em todos, começo o tratamento ad- ministrando ao doente um purgativo salino, de preferencia o sulfato de magnesia, na dose de 8 grammas de duas em duas horas, até obter lar- gas evacuações. Se a lingua continua saburrosa, o ventre tympanico e doloroso, e se a moléstia ainda não passou do primeiro septenario, in- sisto na medicação purgativa durante dous dias consecutivos. Se não ha phenomenos nervosos graves e pronunciados, se a bron- chite é moderada, e a febre não vai alem de 39°,5 nas exacerbações vespertinas, mantenho o doente no uso de bebidas ligeiramente ácidas e refrigerantes, e activo a acção da pelle associando a estas bebidas o acetato de ammonia. Se a temperatura é muito elevada, principalmente quando vai alem de 40°, recorro ás loções, duas ou três vezes no dia, feitas com água alcoolisada ou vinagre aromatico; lanço mão da tinctura de digitalis, associada á tinctura de veratrina. Se apparecem, no decurso da febre typhoide, symptomas evidentes de meningo-encephalite, applico sanguexugas nas apophyses mastoides e na base do craneo, dou calomelanos em doses fraccionadas, emprego capacetes de gelo e vesícatorios nas extremidades. Só depois de decorrido o primeiro septenario, ordinariamente du- rante o segundo, quando a artyrjamia se torna preponderante, associada, DO RIO DE JANEIRO 309 como quasi sempre acontece, á ataxia, é que recorro á medicação tô- nica em larga escala, constituída principalmente pelas bebidas alcoólicas, pela quina, a canella, a genciana, etc. Desde que apparecem os phenomenos ataxicos, prescrevo uma po- ção antispasmodica, excitante e diffusiva. As preparações ammoniacaes, o ether, o almiscar, a valeriana, o meimendro, são os meios a que dou preferencia n'este caso. A camphora, a assafetida e o castoreo, em clys- ter, me têm prestado serviços muito importantes. Logo que se manifestão os symptomas cerebraes, quer se trate de uma hyperemia das meningeas, quer se trate simplesmente de ataxia, fixo vesícatorios nas extremidades inferiores. Sei que esta pratica, que tenho sempre seguido com grandes vantagens, não é acceita por alguns collegas notáveis do Rio de Janeiro, os quaes só empregão esse meio quando ha symptomas de meningite, porque não querem, dizem elles, crear no organismo mais pontos de irritação, alem dos que já existem, e em grande escala, na febre typhoide de fôrma ataxo-adynamica. O que a observação clinica me tem demonstrado a esse respeito, é que depois dos effeitos revulsivos dos vesicatorios, o delirio ou o coma, a agitação, a insomnia, o tremor dos membros superiores e outros phe- nomenos ataxicos, diminuem muito de intensidade, e alguns mesmo des- apparecem. Entre outros factos que eu poderia citar em abono d'esta pratica, sobresae um, testemunhado pelos drs. Pedro Aftbnso Franco e Guilherme Affonso. Tratava-se de um caso extremamente grave de fe- bre typhoide, em que apparecerão phenomenos muito pronunciados de ataxia, tendo a moléstia durado mais de quatro septenarios. Depois do emprego dos vesicatorios, o delirio, que era intenso e continuo, perdeo muito de sua intensidade, e o doente, que tinha insomnia completa, con- seguio dormir três horas seguidas. A medicação revulsiva foi empregada n'este caso juntamente com a medicação tônica: e eu estou convencido de que a et ira completa que obtive, foi devida em grande parte á com- binação das duas medicações, bem como aos meios alimentares de que me servi, os quaes impedirão que a adynamia, que se tornou bem pro- nunciada, chegasse ao seo apogeo. Depois de empregada a medicação purgativa; depois de preenchidas as primeiras indicações, que consistem em facilitar a eliminação dos pro- duetos de secreção viciada por parte dos folliculos intestinaes inflammados, 310 ESTUDO CLINICO SOBRE AS FEBRES corrigir as hyperemias que apparecem no começo da moléstia,ora para uni. ora para outro órgão, attenuar a violência do calor febril, tenho ] >or cosi ume alimentar o doente, de accordo com o estado do apparelho digestivo e com as forças do organismo. Começo dando um a dous caldos de gallinha, mais tarde prefiro os caldos de carne, e se a adynamia é pronunciada, dou 180 a 300 grammas de leite cozido em três doses. O tubo gastro- intestinal supporta perfeitamente o leite, a diarrhéa modifica-se de modo favorável, e as forças orgânicas, que tendem a cair, mantem-se em certo gráo de energia. A infusão de café, forte e bem quente, é um meio de que lanço mão quasi sempre, e com muita vantagem. Gomo um exci- tante diffusivo, este meio convém muito no estado ataxo-adynamico; como paralysador das desintegrações intersticiaes nutritivas, isto é, como alimento de poupança, é uma forte carreira opposta á autophagia febril: em uma moléstia, em que a febre é intensa e dura muitas vezes mais de um mez, a combustão dos tecidos, produzida por essa febre, é ex- cessiva : d'ahi o emmagrecimento, o marasmo, o aniquilamento das for- ças, o longo periodo da convalescença, a anemia cerebral com os seos symptomas delirantes, a anemia medullar com os seos symptomas para- plégicos, etc. O café, administrado em pequenas doses e repetidas vezes, é pois um poderoso recurso no tratamento da febre typhoide, depois de de- corrido o primeiro septenario. Se alimento o doente no decurso da moléstia, se nunca o deixo em dieta absoluta, sou muito rigoroso nas concessões que lhe faço, quanto ao regimen dietetico, quando começa a convalescença, e mesmo durante uma parte de sua duração. Attendendo para as condições materiaes do tubo intestinal; attendendo para o facto, mais de uma vez verificado, de persistir uma ulceração do ileon ou do ccecum, apezar de terem des- apparecido todos os outros phenomenos da moléstia; attendendo a que um grande trabalho digestivo da parte do intestino ainda ulcerado pôde occasionar uma perfuração intestinal, e consecutivamente uma peritonite super-aguda promptamente mortal, o que já tem sido observado, não con- sinto que o convalescente faça uso senão de alimentos de fôrma liquida ou semi-liquida, de fácil digestão, e que encerrem em pequena quanti- dade grande copia de principios plásticos: o leite, os ovos quentes, os mingáos de farinha de trigo, as sopas, os caldos concentrados, as geléas 110 RIO DE JANEIRO 311 animaes, o extracto de carne de Lie!»ig, taes são os alimentos a quedou preferencia, associando-lhes o vinho generoso e o café. Sempre que é possivel, a convalescença de um doente de febre ty- phoide passa-se em uma localidade elevada, rica de vegetação e abri- gada das fortes correntezas de vento. A base da serra da Tijuca (fim do Andarahy pequeno), o alto do RioGomprido, o morro de Santa Thereza e a Gávea, são os arrabaldes para onde mando os convalescentes, desde que podem sem perigo supportar a remoção. FIM ÍNDICE Pag. Prefacio . . • . ■*.......III Capitulo I—Febre intermittente sim- ples ............. 1 § I —Etiologia.......... 1 § II—Fôrmas da infecção paludosa 3 Observação I........ 5 Observação II........ 8 Observação III........ 8 Observação IV........ 8 | III—Symptomatologia..... 9 § IV — Diagnostico........14 §jV— Marcha, terminação e pro- gnostico ...........15 § VI — Tratamento........17 Observação V........27 Observação VI........27 § VII — Fôrma chronica da infecção palustre. Cachexia paludosa. . . 36 § VIII — Symptomatologia.....40 § IX—Anatomia pathologica. ... 41 § X—Distincção entre cachexia pa- ludosa e oppilação.......43 Observação Vil.......46 Observação VIII.......48 § XI—Terminação e prognostico. . 49 § XII—Tratamento........ 50 Capitulo II—Febre intermittente lar- vada.............51 g I_ Fôrmas, variedades e sympto- matologia ...........51 Observação IX........54 Observação X........54 Observação XI........55 Observação XII.......56 Observação XIII.......56 Observação XIV.......57 § II—Etiologia.........58 § III—Diagnostico........58 | IV—Marcha e terminação. ... 59 § V—Tratamento........59 Capitulo III—Febre remittente sim- ples .............60 11—Etiologia e symptomatologia. . 61 § II—Diagnostico........61 § III—Marcha, terminação e pro- gnostico ...........61 § IV—Tratamento........61 Observação XV.......62 Observação XVI.......63 Capitulo IV—Febre pseudo-conti- nua..............63 § I—Differença entre a febre pseu- do-contínua e a remittente simples 63 § II — Diagnostico........65 § III—Reflexões.........66 § IV—Pyrexias contínuas e pseu- do-contínuas de origem paludo- sa e não paludosa. Suas differen- ças. . •'...........67 8 V—Tratamento.........68 314 ÍNDICE Pag. Capitulo V—Febre remittente pa- ludosa typhoidéa........71 §1—Fôrmas e variedades.....71 § II —Etiologia......... 73 § III —Symptomatologia.....75 § IV—Duração e terminação. ... 77 § V—Anatomia pathologica .... 78 § VI—Diagnostico........79 § VII—Prognostico........82 § VIII—Tratamento.......83 Observação XVII.......85 Observação XVIII......87 Observação XIX.......88 Observação XX.......91 Observação XXI.......92 Observação XXII.......96 Observação XXIII......97 Capitulo VI—Febre remittente bi- liosa dos paizes quentes.....100 § I—Definição e synonymia. ... 100 § II—Etiologia ...".....101 § III Symptomatologia.......102 § IV—Anatomia pathologica. ... 108 § V—Diagnostico........109 § VI—Prognostico........111 § VII—Tratamento........112 Observação XXIV......115 Observação XXV.......118 Observação XXVI......121 Observação XXVII......122 Observação XXVIII.....123 Observação XXIX......126 Capitulo VII—Febre perniciosa . . 127 § I - Definição..........127 § II—Opiniões sobre a perniciosi- dade.............128 § III—Etiologia.........131 § IV—Fôrmas differentes sob que se apresenta esta pyrexia.....132 § V—Valor do thermometro no dia-. gnostico d'esta doença.....140 § VI—Fôrmas algida, cholerica, dy- senterica e sudoral da febre per- niciosa ............141 Observação XXX......145 Observação XXXI......146 Observação XXXII......147 Observação XXXIII. . . . . . 148 Observação XXXIV......149 Observação XXXV......151 Observação XXXVI.....152 VII — Febre perniciosa ardente. . 153 Observação XXXVII.....153 Observação XXXVIII.....154 VIII—Fôrma comatosa da febre perniciosa...........154 Observação XXXIX.....157 Observação XL.......158 IX— Fôrma meningò-encephalica 159 Observação XL1.......159 Observação XLH.......160 X — Fôrma convulsiva.....161 Observação XLIII......162 Observação XLIV......162 XI—Fôrma delirante......163 Observação XLV. ...... 164 Observação XLVI......166 XII — Fôrma nevrálgica.....167 Observação XLVII. ..... 167 Observação XLVI11......168 Observação XLIX......169 Observação L........169 Observação LI........171 XIII—Fôrma pneumonica. . . .172 Observação LIT.......174 Observação LIII.......177 I XIV—Fôrma hemoptoica . ... 179 Observação LIV.......180 Observação LV.......181 | XV—Fôrma asthmatica.....183 Observação L VI.......184 i XVI — Fôrma rheumatica. . . . 184 Observação LVII.......185 i XVII — Fôrmas syncopal, tetani- ca, epiléptica e aphasica .... 186 Observação LVIII......186 Observação LIX.......186 Observação LX.......187 | XVIII — Fôrma indefinida. ... 188 Observação LXI.......189 índice 315 Pag. Pag. § XIX—Marcha da febre perni- 264 190 Observação LXVI . • .... 265 § XX — Anatomia pathologica. . . 191 266. 26J 194 § XXII — Prognostico....... 197 § XIV—Tratamento........ 269 § XXIII —Tratamento...... 198 § XV—Valor da quina e do sulfato de quinina no tratamento d'esta Capitulo VIII — Febre amarella . . 204 272 204 § XVI—Tratamento privativo do 3.° 206 279 § III—Natureza e opiniões sobre o 209 Capitulo. IX—Febre typhoide . . . 283 § IV — Symptomalogia em geral e § I—Historia, synonymia e fôrmas 283 do 1.° periodo em particular. . . 213 § II — Etiologia......... 284 § V— Symptomas do 2.° periodo . . 225 284 § VI—Symptomas do 3.° periodo. . 232 294 § VII —Variedades durante este pe- § V— Anatomia pathologica. . . . 295 241 297 § VIII —Pathogenia....... 244 299 § IX — Marcha e terminação. . . . 24o 303 §X — Anatomia pathologica. . . . 247 Observação LXXI...... 304 § XI — Natureza da febre amarella 253 § VI—Possibilidade de confundir a § XII —Diagnostico....... 255 febre typhoide no Rio de Janeiro 257 com outras pyrexias...... 306 Observação LXIII...... 260 306 Observação LXIV...... 262 307 â ^ 4 Ka-WM '"Hb?^ W ^ vT T As* T^\> * ÜRi' '**-*%, Jlt/i; ^V> v#«^U £5i.H lie«£