s\ U.S Dcporiment oi HeoltK, Educolion. ond Welfare, Public Heolih Service Bethesdo. Md U 5 Deportmem of Heollh, Educolion, ond Welfare. Public Heolih Service Belhesda z o 3 > m *n < r l|oaH » 3!|S"d '3,°)ISM Pu° a: 'uoi(03np3 i|i|oan £ jo luauuijis -< O o z np3 ut|03H a jo iuaiuuodaa jn £ PW 'opsau,iag a- ajiAjas i)i|oaH £ 3!|qnj -ajojia/vx puo £ uouo3np3 "mioaM £ jo iua NLM005549620 ^/l CONFERÊNCIAS DE 4* cr 7~Y /, CLINICA CIRÚRGICA. ,' CONFERÊNCIAS DE CLINICA CIRÚRGICA FEITAS NO HOSPITAL DA CARIDADE Q^ ty DR. DOMINGOS CARLOS DA SÍLVA OPPOSITOR DA FACULDADE DE MEDICINA . RECOLHIDAS E PUBLICADAS PELO ALUMNO—CONSTAMIO PONTUAL. BAHIA Ty pogr»|»liia de J. C Tourinlio 1871 wo AO LEITOR. Dando publicidade ás Conferências de Clinica Cirúrgica, com que o nosso illustrado mestre tornou memorável o curso de Clinica Cirúrgica do presente anno, julgamos realisar o deside- ratum de nossos collegas, rendendo ao mesmo tempo venia ao primeiro ensaio scientifico produsido entre nós. D'ora em diante os alumuos de Clinica externa terão um livro, que os guie no estudo dos factos cirúrgicos, já ensinando-lhes os meios de observal-os, e comprehendel-os sob vistas verda- deiramente scientificas, d'onde as noções exactas do diagnostico; já formulando as indicações, e apreciando a importância dos me- thodos curativos, cuja acção é acompanhada dos detalhes con- cernentes ao manual operatorio. Em suas conferências o autor com a maior felicidade reúne em um só feixe tudo que ha de mais útil e vantajoso no estudo clinico, deixando de parte as questões de ordem puramente es- peculativa, que tantas vezes são capazes de transviar os que co- noeção neste gênero de investigações do caminho, que os pode levar ás verdades praticas. O estudo das diversas aílecções cirúrgicas, consignadas neste volume, é de natureza essencialmente pratica, e consagra-se H AO LEITOR. especialmente á verificação do apparato phenomenal, e sua im- portância clinica, resultante da apreciação e interpretação se- meiologica. A preferencia da contemplação dos factos, que se revelão como verdadeiros exemplos clínicos, sobre o vago e hypolhetico das noções theoricas, assenta-se na opinião de Seneca, quando dizia: Longum iter est per proeccpta, Breve et efficax per exempla. O trabalho, á que nos entregamos, si foi superior ás nossas débeis forças, nos accumülando de fadigas e de vigílias—resta- nos, como agradável compensação, a convicção de que partirá d'elle a iniciativa para outros, que venhão prover mais tarde necessidades ainda mais palpitantes do enshio; porque como o nobre barão Alibert: nous exhumons les exemples les plus glo- rieux pour les ofírir perpetuellement á l'imitation des contem- porains. Constancio Pontual. PREFACIO DO AÜTOJ! A minha designação para Chefe de Clinica Ci- rúrgica, no presente anno lectivo, me offerece a opportunidade de firmar em um estudo doctri- nario as opiniões que tenho em relação a certos factos cirúrgicos. Não é a primeira vez que exerço estas func- ções, e d'ahi resulta certo modo especial de comprehender os phenomenos clinicos, que teem sua origem numa operação do espirito, apôs a meditação á cabeceira do doente. Não vae longe minha pretenção. A instruc- ção que se contém neste livro deriva-se, im- mediata e quasi exclusivamente, das observa- ções que elle encerra. Não procuro cobrir o meu humilde nome com as honras do critério official: meu fim, assim como o único movei que me arrancou do silen- cio tumular em que jazem as letras médicas en- tre nós, foi outro, fora do circulo mesquinho das ambições vulgares. Com a presente publicação respondo ao appêl- lo instante c razoável de uma geração nova — IV PREFACIO DO AUTOR ávida Jo aprendizado nimiaiuentc proveitoso, e pleno de solida instrucção, que se inicia á ca- beceira do doente. ü campo é novo e vasto, as sementes teem sido esparzidas pelos ventos; mas, não obstante, a fertilidade prove o desazo e a negligencia. A seara é abundante para animar a avidez e a co- biça dos novos cultores. Pouco ou nada temos feito até o presente; e ainda assim, em homena- gem somente ao nosso egoísmo. É virgem, pois, o terreno que me proponho á lavrar, e o trilho sem ter receio de ser moles- tado pelas urzes que for encontrando. Meu empenho no tirocinio que tenho levado neste anno lectivo, devo confessar com ingenui- dade—não tem sido ensinar. Presta-se sempre um grande serviço á mcci- dade toda vez que se lhe levanta os estímulos, confortando-lhe o espirito com a lição do exem- plo e da dedicação, por meio da qual somente lhe é dado tocar os fructos da sciencia, amadureci- dos pela observação e pelo estudo. É neste sentido que me tenho esforçado em prol do ensino, communicando-lhe uma feição mais franca e por certo mais accessivel, estu- dando os factos e apreciando-lhes a importância, pondo em relevo seus caracteres e surprehen- dendo-lhes as indicações, em uma verdadeira -conversação simples e quasi familiar. PREFACIO DO AUTOR V üs casos sobre que versão estas conferências pertencem em sua maior parte ao serviço clinico da Faculdade. Isto, porém, não me obsta de avivar as minhas reminiscencias clinicas, submettendo a aprecia- ção dos factos mais interessantes á confrontação de alguns casos colhidos em minha clientela particular. Apraz-me descobrir em muitos dos alum- nos, que tão assiduamente me acompanharão no presente anno escolar, aptidões que muito se recommendão para c futuro. Cabe-me, pois, dirigir-lhes nestas paginas um voto de animação. Ao meu estimavel e intelligente discipulo o Sr. Constando Pontual, que com o mais lou- vável desinteresse e dedicação tomou a si a ta- refa de recolher e publicar estas conferências, devo em retribuição significar o muito apreço em que o tenho. Como um dos mais esperançosos representan- tes desta geração medica, de que dependem os destinos da cirurgia pratica, e o futuro das let- tras médicas em nosso paiz, si o seu talento lhe circumda de sympathias — impõe-lhe igualmen- te o mais serio compromisso para com a Sc.en- cia, que muito tem á esperar de sua admirável perseverança e dedicação aos estudos práticos. CONFERÊNCIAS DE CLINICA CIRÚRGICA. DIAGNOSTICO DA KERATITE. PIIH1EIRA CONFERÊNCIA. SIMM AMO.—Noções geraes sobre o estudo clinico—Importância da sjn- tbese symptomatologica—Condições indispensáveis á preencher-se na observação clinica—Bases do diagnostico cirúrgico—Alterações funccio- naes e anatômicas da keratite—Strnctura da cornea—A nova doutrina da inflammação julgada pelos meios de observação e pelos factos—Diag- nostico anatômico complementar. Meos senhores: O primeiro doente que se apresenta á nossa ob- servação é, como vedes, um rapaz que se queixa de uma affecção do apparelho visual. Acabei de exami- nal-o em vossa presença, e com quanto tenha sido o exame rápido e incompleto, pelas poucas in- formações que nos forão fornecidas comprehendeis que se trata de um coso clinico, que reclama seria attenção, principalmente d'aquelles que ensaião os pri- meiros passos na observação á cabeceira do doente. É um moço de vinte annos de idade, mais ou me- nos, corpo delgado, cabellos castanhos, côr emba- ciada, pelle fina, musculatura tênue, e systema vas- cular pouco desenvolvido. O seo temperamento é, pois, lymphatico-bilioso. Elle refere algumas enfermidades, de que foi 2 PRIMEIRA CONFERÊNCIA acommettido na infância, e em todas ellas transpare- ce o vicio escrophuloso, communicando o seo cunho especial ao organismo inteiro. Este doente, porém, queixa-se actualmente de in- commodos do lado da funcção visual, quasi comple- tamente abolida, e as suas tentativas de accommo- dação são accompanhadas de dores ciliares, que se estendem á região superorbitaria, e causão abundante epiphora. Concentráe toda vossa attenção sobre um assum- pto, aliás tão digno de vosso estudo e de vossa con- templação; sede minuciosos no exame d'este doente; recolhei cuidadosamente todos os phenomenos que impressionarem os vossos sentidos; meditáe um pou- co sobre cada um d'elles; porque ao cabo d'estas suc- cessivas operações do espirito, descobrireis diversas questões se levantarem, instando cada qual por uma explicação adequada e razoável. Si vos convido, e desafio até os vossos esforços, para este primeiro tentamen clinico, não é porque entenda que se trate n'este caso de uma individuali- dade mórbida rara, pouco conhecida e ainda menos estudada, cuja therapeutica se ache ainda envolta nas trevas pela natureza mesma de suas manifesta- ções, difficeis de uma interpretação franca e satis- factoria. Não; apresento-vos simplesmente um specimen clinico, com o qual, eu vos asseguro, encontrar-vos- DIAGNOSTICO DA KERATITE. 3 heis freqüentemente na pratica, exigindo de vossa parte uma certa somma de experiência e de luzes, no intuito de estabelecer um diagnostico bastante preciso, afim que os seos corollarios therapeuticos não sejão em prejuizo do doente, e em desabono de vossa reputação scientifica. Apesar de toda a franqueza de suas manifesta- ções symptomatologicas, por vezes vereis illudidas as vossas previsões prognosticas por esta entidade mórbida, que mal comprehendida á principio zomba depois dos melhores recursos, frustrando os resulta- dos therapeuticos. O doente vos interroga supplicante sobre o êxito de sco tratamento, e ás múltiplas indagações, já em relação ao restabelecimento e o tempo que elle de- mandará, já em relação a natureza das modificações porque houver de passar, e mais do que tudo o gráo de aptidão visual susceptivel de ser conseguida, á todas vós deveis como práticos esclarecidos satis- fazer, revolvendo a bagagem de vossas reminiscen- cias clinicas, e aproveitando as luzes de vossa illus- tração cirúrgica. Quando o homem soffre, é que reconhece o po- der superior da Sciencia, do mesmo modo que, no momento das angustias supremas, é que os espiritos superficiaes e levianos medem toda a extensão das verdades eternas. E então é a mesma Sciencia que o arma do direito de exigir os recursos profissionaes, 4 PRIMEIRA CONFERÊNCIA de que ella dispõe, e palavras ungidas de sabedoria que dissipem os seos temores, ou o premunão para futuros perigos. E o medico reconhece que é elle o fiel depositário de thesouros sem conta, arrancados dos arcanos insondaveis da pratica, à força de pes- quizas audaciosas, e de perseverantes lucubrações. É emfim, senhores, um indivíduo que se aproxi- ma de vós, com o passo lento e vacillante, com os olhos baixos e fitos no solo, a cabeça pendente, a physionomia na immobilidade de uma estatua, e o semblante pallido, e profundamente abatido, após longas noites de dores e de insomnia. Os traços de seo rosto traduzem o desalento do espirito, uma esperança que se váe transformando em desengano, uma idéa fixa da qual recua espavo- rido, e que é toda—afflicção. Tentáe o estudo de um doente semelhante, e após uma longa contemplação dos phenomenos, que se re- velão, vereis que, como em um verdadeiro cortejo, elles passão um por um a travéz da fieira de vossa apreciação, suecedendo-se e filiando-se em uma ad- mirável regularidade;—e o vosso juizo resultará da observação synthetica. Em vossas pesquizas cumpre não haver lacunas, porque estas muitas vezes correspondem á parti- cularidades preciosas, que podem transformar quasi completamente a feição mórbida, e conduzir-vos á erros inevitáveis. Além de tudo c indispensável que DIAGNOSTICO DA KERATITE. 5 o pratico seja methodico na observação symptoma- tica á cabeceira do doente. A moléstia não é somente um funccionalismo mór- bido, e nem tão pouco uma simples anormalidade anatômica. Ella é mais do que isto; por que é ao mesmo tempo uma e outra cousa. O desarranjo da funcção revela-se pelo incom- modo, e disperta a attenção do doente, leva-o á con- sulta do pratico; é um signal subjectivo. As alterações na composição e na structura dos tecidos e dos órgãos, assim como as condições me- tabolicas de seos elementos, explicão as desordens funccionáes, ou tem em relação a ellas uma existên- cia fortuita; em todo caso, porem, é quasi sempre um plienomeno objectivo. Assim, meos senhores, em cada caso mórbido, na ausência de circumstancias, que nos encaminhem ás suas causas próximas, cabe-nos de rigor em primei- ro logar conhecer, por indagações hábeis e adequa- das, o modo porque o elemento mórbido infiuio so- bre as forças dynamicas, e em que consistem os desarranjos funccionáes; em segundo logar, pela ap- plicação paciente e judiciosa dos sentidos, e pela exploração armada de todos os grandes inventos da sciencia moderna, apoderarmo-nos das lesões ma- teriaes dos elementos dos tecidos orgânicos de or- dem local, ou generalisadas na economia por via dos systemas. o PRIMEIRA CONFERÊNCIA Partindo d'esta dupla base de observação, po- deis caminhar, certos de que, ao cabo de longas e fastidiosas pesquizas, vosso juizo diagnostico surgirá repleto de luz. É assim que, em relação ás alterações funccio- náes, nosso doente se queixa de ter soífrido do- res intensas em ambos os olhos, as quaes se fizerão acompanhar logo depois de uma nevoa, que medeia a visão dos objectos, e que á todos communica uma coloração inalterável. Esta nevoa, á medida que a moléstia attingia a sua maior intensidade, tornava-se mais espessa e mais extensa, occupando a final todo o campo visual. Elle sentia photophobia, a sensibilidade da cornea era exaltada, as dores adquirirão notável violência, resultando d'ahi o blepharospasmo, meio instinctivo e de ordem reflexa, em virtude do qual o órgão doente e eminentemente sensivel, graças á pródiga distribuição de ramusculos nervosos que recebe, se furta á acção da luz. Mais tarde haveis de conhecer que este pheno- meno é um dos mais constantes na observação cli- nica, em relação á casos parecidos, que exigem um diagnostico diíferencial, e si n'este doente não se apresenta actualmente de um modo pronunciado, muitas vezes na pratica, principalmente quanto ás crianças, será elle o maior obstáculo que se levante DIAGNOSTICO DA KE11A TI TE. 7 ao diagnostico anatômico, e que impeça as applica- ções therapeuticas. Em minha clientela particular já tive occasião de observar um caso semelhante. Tratava-se de uma criança de 3 annos de idade, mais ou menos, que apresentava uma contracção espasmodica e violenta dos músculos orbiculares das palpebras, a qual frus- trava toda a tentativa empregada com o fim de des- viar as palpebras. Não me foi possível chegar á examinar o estado da cornea, senão depois de ap- plicações externas prolongadas de glicerolado de atropina, do uso de banhos freqüentes de uma solu- ção fracamente laudanisada, e de um tratamento geral tônico. Somente então reconheci que havia uma ke- ratite vascular intensa. A peripheria da cornea era bordada por um circulo perfeito, formado de rami- ficações vasculares finas de nova formação, diri- gidas para o centro da cornea, e todas mais ou me- nos parallelas entre si. Na symptomatologia, que acabamos de esboçar, sobresahem de um modo muito notável, a par da photophobia, as perturbações da visão. O doente não percebe as circumstancias de forma e configuração dos objectos, que se lhe apresenta, estes são vistos em uma verdadeira sombra, a travez de um nevoeiro carregado. É raro que em affecções de natureza intíammatoria estes phenomenos, que podem ter varias e diffe- 8 PRIMEIRA CONFERÊNCIA rentes interpretações, sejão tão notavelmente accu- sados. No exame das alterações anatômicas do appare- lho visual, encontramos as razões d'estas perturba- ções funccionáes nas mudanças intimas de contex- tura,que seaccusão á simples inspecção ocuiar. Cabe, portanto, ao observador empregar o maior cuidado e escrúpulo na apreciação de caracteres, que freqüen- tes vezes bastão para firmar o diagnostico das af- fecções cirúrgicas. Antes de tudo chamo a vossa attenção para as di- mensões da abertura palpebral. O mais rápido reparo descobre a atresia das palpebras, que, attento o esta- do exaltado de sensibilidade ocuiar, é perfeitamente explicada pela tendência instinctiva do doente em fugir da acção da luz intensa. Este phenomeno coincide visivelmente com o es- pasmo tônico do sphincter palpebral, o que em rela- ção a este rapaz é fácil de observar-se; porquanto são numerosas as dobras radiadas da pelle que cir- cumscrevem as palpebras, e tal disposição presup- põe a contracção muscular. Procurando examinar o globo do olho pelo desvio dos bordos ciliares, a cornea acompanha o movi- mento communicado á palpebra superior, esconden- do-se por detraz d'ella. Para poder-se examinar esta membrana ê preciso instar com o doente para nos encarar, e então come- DIAGNOSTICO DA KERATITE. 9 ção a ser descobertos os caracteres da maior impor- tância diagnostica. É assim que a conjunctiva ocuiar se mostra injec- tada em toda sua superfície, sendo que em roda do limbo da cornea esta injecção é muito mais pronun- ciada, e affecta a forma perfeitamente circular, cons- tituindo o que se denomina geralmente circulo pery- keratico, ou circulo radiado pericorneano. Os vasos ahi são mais numerosos, mais ramificados, e para isto contribuem as ramificações, que se entrelaçam em toda a espessura da sclerotica, terminando-se na peripheria da cornea em verdadeiras laçadas. Esta membrana se acha sem o seu brilho normal; ella tem perdido o reflexo com que retrata os ob- jectos que lhe são collocados em frente; não é mais transparente, assemelhando-se assim ao vidro despo- lido.Pela observação lateral, áluz natural ou artificial, sem que seja mister a inspecção ophtalmoscopica, reconhece-se que a superfície epithelial, que reveste esta membrana, tem-se descarnado em alguns pon- tos, descobrindo a camada de tecido connectivo sub- jacente. Isto quer dizer, meos Senhores, que se ha opera- do uma verdadeira queda das cellulas ephiteliaes, as quaes em virtude da acção desagregante, que lhe communica o movimento francamente inflam- matorio, deixão verdadeiras perdas de substancia. A côr da cornea é uciuzcntada, sendo em alguns jQ PRIMEIRA CONFERÊNCIA pontos mais carregada do que em outros, o que de- monstra que as alterações do tecido da cornea tem sua sede nas differentcs lâminas desta mem- brana. Dahiresulta uma certa semelhança, que em urn exame rápido se descobre, d'estas opacidades com o aspecto das nuvens em um horisonte que annuncia tempestades. A abertura pupillar não apresenta modificação sen- sível, e nem ha perturbação no humor aquoso. A pressão do globo ocuiar é muito dolorosa, e não denuncia mudança alguma de consistência e elastici- dade do órgão. Diante de dados tão numerosos, quanto significa- tivos, a primeira conclusão clinica, que se impõe ao vosso espirito, tem relação á sede da moléstia. É ella inquestionavelmente na cornea, por quanto a perda de transparência d'esta membrana basta para explicar as perturbações visuáes, e o desnudamento da camada de Bowman, expondo as immensas rami- ficações á impressão dos agentes exteriores, dá con- ta das dores intensas que o doente accusa, e que o obrigão á evitar a acção da luz sobre elementos tão sensiveis. Depois temos a injecção da conjunctiva á nos en- caminhar para o ponto que soffre. E' assim que se vê a cor d'esta membrana tornar-se gradualmente mais vermelha, á medida que se aproxima do lim- DIAGNOSTICO DA KERA1TTE. li foo da cornea, onde já vimos existir o circulo radia- do que limita o campo vascular, demonstrando ao mesmo tempo que a irritação é communicada á esta membrana por simples irradiação. Sendo assim, é claro que os pontos mais próxi- mos do órgão, que é sede do phenomeno inflammato- rio primitivo, devem ser mais intensamente affecta- dos, revelando este acréscimo de irritação por uma coloração mais fechada. Esta correlação é ainda ma- nifesta na phase regressiva da inflammação, em que vê-se a injecção perykeratica diminuir, e mesmo desapparecer, á medida que as opacidades cornea- nas tornão-se mais tênues, ou que a transparência d'esta membrana é restabelecida. Quando ainda não fossem sufficientes estas consi- derações, bastaria a ausência de qualquer lesão cm ponto differente para que adquiríssemos a certeza, de que em face de alterações funccionáes de um critério diagnostico tão evidente se tratava de uma lesão de natureza inflammatoria da cornea. Já vedes pois, senhores, que não é tão difficii quanto á principio vos deveria afigurar o diagnosti- co da moléstia, que apresenta este doente; trata-se simplesmente de uma keratite. D'est'arte comprehendeis efue para chegarmos ao conhecimento diagnostico de uma aíTecção é ne- cessário fazermos mentalmente uma resenha de suas manifestações symptomaticas, comírontal-as com J2 PRIMEIRA CONFERÊNCIA os traços physionomicos que lhe pertencem; e por meio desta apreciação comparativa, que surgirá a luz em vosso espirito. A ausência destas formulas nem sempre frustra o conhecimento da moléstia. Do mesmo modo que certos indivíduos são reconhecidos -pelo mais insigni- ficante signal, isolado de muitos outros, algumas ve- zes é possível conseguir-se idêntico resultado na pra- tica em relação acertos casos clínicos. Vistes como no facto que á pouco vos apontei, a pro- pósito do symptoma blepharospasmo, foi-me pos- sível descobrir, na ausência da inspecção ocuiar, que se tratava de uma keratite, e não de qualquer ou- tra enfermidade da cornea. É certo que a idade do doente era uma circumstancia importante para o diagnostico, por ser esta moléstia apanágio da tenra idade; muito devião contribuir para esse juizo clinico o lagrimejamento copioso, as dores ciliares intensas; porém mais do que tudo o horror á luz, que deter- minava a contracção espasmodica e violenta dos mús- culos orbiculares. É, entretanto, somente o aspecto especial da cornea que nos dá o diagnostico da variedade. Tentando traduzir os factos anatômicos que carac- terisão a keratite, e que são susceptíveis de sofírer notáveis modificações, segundo a natureza da causa que actuou, e principalmente a configuração que af- íectão, assim como a natureza dos tecidos que tem DIAGNOSTICO DA KERATITE. 13 por sede, encontramos muito naturalmente quatro variedades de keratite, que são susceptíveis de dis- tinguir-se perfeitamente entre si. A primeira variedade comprehende os casos assás numerosos, em que a cor esbranquiçada e a opaci- dade relativa da cornea presuppõem uma actividade prolífica, que pode estender-se á toda superfície desta membrana, ou penetrar a travéz d'ella com- prebendenda muitas de suas lâminas constituintes. Esta variedade poderá ser denominada plástica ou tohcrente, baseando-se na tendência hyperplasica, compatível com a conservação dos movimentos de assimilação e desassimilaçãov mas com vantagem notável do primeiro. A segunda variedade, que é muito commum nos primeiros annos da vida, torna-se notável pelo de- senvolvimento de vasos de nova formação em consi- derável abundância numa membrana, onde elles normalmente não existem; é a keratite vascular. A terceira variedade é conhecida debaixo do nome de panosay quasi sempre precedida de uma alteração de contiguidade, á que deve sua razão de ser. A cau- sa irritante actüa sem cessar, por isso que ella existe no órgão mesmo da visão, ou em seos apparelhos protectores, e dá logar á uma verdadeira hypertro- phia da lamina de tecido connectivo subepithelial. A quarta e ultima variedade, tendo como a pri- meira sua se'de anatômica exclusiva nos elementos 54 PRIMEIRA CONFERÊNCIA cellulares, ditTere entretanto em sua tendência á romper o equilíbrio nutritivo, exagerando o movi- mento de decomposição, em virtude do qual as pro- liferações mórbidas tornão-se incompatíveis com a vitalidade que as rodeia. A eliminação é o pheno- meno physio-pathologico, que se [segue; o resultado clinico é a perda de substancia, que cumpre pre- encher. Esta variedade comprehende todos os casos, em que uma ulceração superficial ou profunda se apre- senta no tecido da cornea, e cabe-lhe por tanto o nome de ulcerosa. Quer ella seja devida á formação de uma simples vesicula ou papula semelhante ao grão de sagú, quer se apresente debaixo da forma de uma phlyc- tena, ou succeda a um verdadeiro abscesso da cor- nea, o que sempre denota uma alteração mais pro- funda d'esta membrana, o phenomeno anatomo-pa- thologico não diversifica, nem as tendências mórbi- das funccionáes que a caracterisão. Segundo a classificação que acabo de offerecer á vossa consideração, como a que me parece melhor explicar as differenças clinicas, que na pratica são susceptíveis de se apresentar, comprehende-se sem maior difficuldade que no caso, que tendes presente, trata-se da primeira variedade, isto é—de uma ke- ratite plástica ou coherente. Isto, porem, não é sufficiente para satisfazer de D1ACN0STIC0 DA KERATITE. 15 um modo preciso ás exigências diagnosticas, que o vosso espirito de observador ambiciona. Para precisar ainda mais o conhecimento anatô- mico da moléstia tornão-se indispensáveis noções mais positivas. É assim que chegareis ao estudo da sede dos phenomenos mórbidos, não já em re- lação ao órgão que é complexo em sua structura, nem em relação ao tecido; porem á respeito das di- versas camadas que entrão na composição da cornea. Para o conhecimento d'esta noção diagnostica complementar são necessárias algumas considera- ções anatômicas, com quanto muito rápidas, no to- cante ao que pode esclarecer os problemas que se levantão á cabeceira do doente, e que não podem ser resolvidos, senão com a precisão anatômica. A cornea, meos senhores, compõe-se de diffe- rentes camadas; a disseção e o estudo microgra- phico descobrem com a maior evidencia quatro planos differentes, cada um de structura especial. Partindo de fora temos a considerar em primeiro logar—a camada epilhelial, que consiste em algumas stratificações descansando sobre uma delgada lami- na de tecido conjunetivo: segundo—uma membrana homogênea e elástica, que é conhecida pelo nome de membrana de Bowman, cujo papei julga-se geral- mente ser o de reproduzir e renovar o epithelio: terceiro—uma lamina própria, mais espessa do que as outras, composta abundantemente de cellulas es- ir» PRIMEIRA CONFERÊNCIA ireliadas mui parecidas com as plasmaticas, e arran- jadas em tão grande numero de stratificações, que Henle assegura ser superior á trezentas: em quarto logar de uma membrana elástica interna, de com- posição análoga á de Bowman, e que é conhecida debaixo do nome de membrana de Demours, ou de Des* cemet. Esta lamina supporta uma camada epithelial, que é banhada pelo humor aquoso. Deduz-se d'esta disposição anatômica, que alias se concilia com os phenomenos clínicos, que das quatro membranas apenas duas são susceptíveis de mani- festar o phenomeno inflammatorio por serem as úni- cas que encerrão os elementos, onde se passão as modificações que o caracterisâo, e são—a delgada ca- mada de tecido conjunctivo sub-epilhelial, e a mem- brana própria da cornea. A explicação d'este modo extranho de compre- hender-se os caracteres anatômicos da keratite contem-se nos trabalhos modernos, de que se ins- pira actualmente o estudo clinico, e que por elle são todos os dias confirmados. Só pode dar-se o pheno- meno inflammatorio onde existem elementos cellu- lares. Até bem pouco tempo julgava-se que a inflam- mação se traduzia pelos quatro synchronos cardiáes— dolor, rubor, calor et tumor. Isto significava sim- plesmente que a luz não se havia ainda feito; por que ella devia sahir clara e brilhante do gabinete DIAGNOSTICO DA KERATITE. 17 dos micrographos. E si não, o que seria a hyperhe- mia mais do que a tradução fiel de tão grosseira apreciação? A duvida, entretanto, teve sua origem nos ar- raiáes clínicos. A exsudação foi um facto que não poude passar desapercebido aos espíritos mais adian- tados. A iniciativa pertencia, portanto, aos estudos anatômicos. O professor Robin acudio ao generoso appêllo, e todos os seos trabalhos consistirão em ligar a maior importância ao papel dos capillares, origem de todo o trabalho exsudativo. Estavão, porém, guardados para uma epocha, que marcará na historia da Sciencia a legitima ascen- dência da philosophia anatonomica, os trabalhos de His e IwanofT, os quaes vierão demonstrar que o caracter anatômico devia ser mais elementar, como ja o previa a clinica. Era justamente a keratite a moléstia, que dava mais corpo á estas previsões pathogenicas. A cornea, geralmente é sabido, não contém vases sangüíneos. Para o desenvolvimento da inflammação, como an- tigamente se considerava, fazia-se mister o affluxo de sangue para aparte, a sua demora e oscillações nas redes capillares, e como complemento característico a exsudação de um blastemo. E como se poderia ex- plicar estes phenomenos na ausência completa do li- 18 PRIMEIRA CONFERÊNCIA quido que o determinava, e dos tecidos em que de- verião ter logar? E, no entanto, jamais se negou o caracter in- flammatorio da moléstia. Isto demonstrava que a verdade era outra, e ella a final appareceo de um modo á não deixar duvida. Depois que se conheceo as funeções das cellulas, cuja perfeição funccional se revela por modifica- ções tão numerosas e notáveis, que fazião lembrar os phenomenos, com quanto mais aperfeiçoados, que tinhão por theatro os órgãos ou os apparelhos, não era mais possível por-se em duvida a sua auto- nomia perante a organisação. Como, pois, se ne- garia o funecionalismo anormal, onde existião at- tributos physiologicos, cujas manifestações devião presuppor alterações de ordem á constituir o casus morbi? Em relação aos phenomenos inflammatorios, a ir- ritação é de ordem nutritiva, e um acréscimo de ac- tividade justifica a multiplicação dos elementos cel- lulares por divisão nuclear, e as formações endo- genas. Façamos agora as applicações clinicas que vem ao caso. Aqui encontráes, ao envéz da vermelhi- dão, a cor acinzentada de uma membrana, cujos elementos cellulares mostrão-se ao mycroscopio tão abundantes, que sua densidade deve ter augmentado DIAGNOSTICO DA KERATITE. 19 sensivelmente pela pressão reciproca dos mesmos elementos, uns contra os outros. Óra, si o núcleo reflécte a luz, e se apresenta á observação debaixo da forma de uma mancha som- breada, comprehende-se que a multiplicação nucle- ar, estendendo a superfície que reflécte os raios lu- minosos, deve dar a razão da perda de transparência da cornea, e da cor característica que ella toma, sem que para isto seja preciso valermo-nos de um facto puramente chimerico, como é a infiltração al- buminosa. Em relação ao volume podeis verificar que não existe cousa alguma parecida com tu- mefacção. Seria, portanto, uma negação absoluta da natureza inflammatoria mesma, tal como era ella concebida, attento o estado da cornea n'este gênero de affecção. Ainda mais; estáes acostumados á ouvir proclamar- se a importância do papel dos capillares no pheno- meno inflammatorio, e aqui á cabeceira do doente encontráes o mais solemne desmentido. Acháes-vos diante de uma verdadeira inflammação, capaz de a- mollecer a cornea, de ulceral-a e, o que é ainda mais significativo, de dar logar a formação de púz; e esta inflammação reside em um órgão, onde não ha capillares; muito ao contrario vê-se a irritação nutritiva determinar a formação de vasos accidentaes. De tudo isto se conclue, senhores, que era já tempo de passar o visto ás doutrinas antigas. A Scien- 2Q PRIMEIRA CONFERÊNCIA cia hodierna, forte pelas conquistas da pathologia experimental, não lhes pode mais prestar o seo apoio. D'ora em diante para vós a inflammação não será mais do que o resultado de uma irritação cellular, manifestada por uma exageração nutritiva, redu- zindo-se tudo á uma simples equação: Inflammação =á proliferação cellular. Devemos agora, senhores, tocar o termo d'esta já tão longa conferência. Não foi debalde que intentei gravar-vos na me- mória a svnopse anatômica da cornea. D'ella á cada passo na pratica cirúrgica precisamos; e é em re- lação ao caso que tendes á vista, que sua máxima importância se levanta em relevo. Não é somente o diagnostico da espécie mórbida a respeito de sua sede determinada, que procuramos ao cabo de nossos estudos clinicos á cabeceira do doente. A Sciencia tem multiplicado, e aperfeiçoado tão admiravelmente os meios de observação clinica, que podemos dizel-o: ha um tal ou qual direito que as- siste ao pratico de attingir uma precisão diagnostica maior. Carecemos da determinação clinica da variedade mórbida, que robusteça osjuizos anteriores; e igual- mente da variedade anatômica, que por si só muitas vezes poderá resolver os problemas difficeis do DIAGNOSTICO DA KERATITE. 21 prognostico, sendo até capaz de modificar as indica- ções curativas, e variar largamente os methodos the- rapeuticos. Mas a variedade anatômica, ligando-se intimamente á structura mórbida, estabelece os seus traços característicos. É somente por meio d'estes, e por uma inducção scientifica, que devemos chegar a distinguir os casos diversos de keratite de qualquer variedade que seja. São dois os modos que nos levão á este resul- tado; o primeiro diz respeito aos caracteres colhi- dos pela simples inspecção ocuiar; o segundo re- fere-se á espessura das lâminas da cornea, em que residem as alterações pathologicas. Em quanto ao primeiro temos a keratite circurm- cripta, que alguns cirurgiões considerão partilha dos indivíduos escrophulosos, e a disseminada ou diffu- sa, muito mais freqüente na pratica, por ser quasi sempre devida á acção phlogogena dos agentes irri- tantes. Estas distincções assentão sobre dados, que são relativos á extensão em que se observa as mo- dificações phlegmasicas. No tocante as differenças de espessura da cornea, compromettida pelo movimento inflammatorio, ha á distinguir-se a keratite superficial e a intersticial ou profunda. Do quanto tendes observado n'este doente, graças ao methodo de apreciação que tenho empregado a respeito dos caracteres clínicos, collocadas todas as 22 PRIMEIRA CONFERÊNCIA manifestações phenomenaes em frente d'estas con- clusões, que se derivão tão lógica e naturalmente dos factos, torna-se fácil conhecer que a keratite do nosso doente, sendo da primeira variedade, é ao mesmo tempo diffusa e intersticial. TRATAMENTO DA KERATITE- SEGUNDA CONFERÊNCIA. StMMARlO—Bases do tratamento racional—Repouso do globo ocuiar e dimi- nuição da pressão interna—Occlusão palpebral, e compressão—Medica- ção empírica—Nitrato de prata e seus inconvenientes—Indicações eau- saes—Classificação da keratite em relação ao tratamento geral—Pres- cripções para combater o estado escrophuloso—Acção do óleo de ligado de bacalháo—Influencia do herpetismo e prescripções therapeuticas—Do uso das pommadas irritantes e dos collyrios puherulentos. Meos senhores: Depois da determinação diagnostica resta-nos re- solver os difficeis problemas, que se ligão ao trata- mento desta aíFecção em geral, e especialmente os que interessão ao doente, de que nos oecupamos em nossa anterior entrevista. Si o estudo da physiologia pathologica, e as tenta- tivas reiteradas e audaciosas á respeito da natureza das moléstias, fazem do medico um sábio, o conheci- mento dos agentes cirúrgicos, e seo emprego artístico e hábil, o recommendão como o homem mais útil á humanidade. O feliz consórcio d'estas duas condições, tão difficeis de se encontrar na pratica quotidiana, deverá ser o vosso maior desideratum, e o melhor de vossos anhélos. Ha, entretanto, ao lado d'estas vantagens profis- 24 SEGUNDA CONFERÊNCIA sionaes outras, que habilitão o pratico á comprehen- der e decifrar os phenomenos, reunil-os confrontan- do e estudando a sua compatibilidade clinica, d'onde tira a sua origem o que se chama, á cabeceira do doente—indicações. Estas merecem ser bem apre- ciadas e discriminadas com precisão; por que sobre ellas é que se assenta o tratamento racional, o único que honra ao cirurgião, e que nobilita a Sciencia, que não se pode contentar com conhecimentos vagos e indeterminados. É assim que si as medicações procurão preencher indicações verdadeiras, o êxito das prescripções deve corresponder-lhes; do mesmo modo que si a thera- peutica foi timida e impotente, ou baseada em dados que offereção uma base vacillante e falsa, tal como uma indicação que não é a legitima expressão dos phenomenos mórbidos—os resultados serão nullos, ou aliás em grave prejuizo do doente. Outra questão por demais séria e importante é a da opportunidade na intervenção cirúrgica, e tão dif- ficil se torna ella em certos casos delicados, que ás vezes nos expomos a erros grosseiros intervindo na phase da moléstia, em que a expectação é imposta pelo caracter da mesma enfermidade em relação ás forças orgânicas, e ás diversas e numerosas circums- tancias, que podem concorrer no fim de modificar as indicações. Quando collocado á cabeceira do doente o cirur- TRATAMENTO DA KERATITE. 25 gião tem o rigoroso dever de apontar as indicações diversas, que transparecem da observação clinica, deduzil-as e coordenal-as na ordem de sua impor- tância relativa, aproveitando depois os recursos de que dispõe a Sciencia, para o que torna-se impres- cindível conhecer, e apoderar-se do melhor meio de empregal-os com o fim de debellar o estado mórbido. Em uma primeira analyse descobre-se duas sortes de indicações, cuja distincção é do maior alcance na pratica; e são as indicações geraes e especiaes. Aquel- las se prendem á um grupo de moléstias reunidas por um symbolo determinado de identidade, já em relação aos seos caracteres anatômicos, já a respeito de sua referencia causai; estas dependem das ten- dências successivas e variáveis da evolução mórbida, e da acção dos modificadores diversos, internos ou externos, capazes de produzir situações mórbidas distinctas. Na ordem que fica assignada a primeira indicação que nos cumpre satisfazer, em relação a este doente, é dar repouso ao órgão que sofFre. Para nós que já conhecemos em que consiste o movimento inflammatorio, e os principaes phenome- nos clínicos que o caracterisão, quando manifestado nos diversos órgãos, é inadmissível a existência de alterações anatômicas e manifestações funccionáes, sem a concomitância de um symptoma constante— a dor. Si este phenomeno, aliás tão notável por sua 26 SEGUNDA CONFERÊNCIA intensidade e por sua pertinácia, como ordinariamente acontece, é explicado durante a acuidade inflamma- toria da cornea pela riquesa nervosa d'esta membrana, a grande mobilidade do órgão adaptando-o ás fun- cções accommodativas realisa as tendências, que são instinctivas no órgão, de se pôr em relação com o mundo exterior, e entretém o estimulo que poderá eternisar a moléstia. Alem d'isto comprehende-se que esta membrana não é indifFerente ás contracções do músculo ciliar, tornando-se mais distendida no exforço da accom- modação. D'esta sorte ao lado do repouso colloca-se uma nova indicação, que é dependente da tensão ocuiar, podendo variar nas diversas condições funccionáes do órgão inflammado. Conseguimos satisfactoriamente preenchel-as ambas mediante instillações da seguinte solução mydriatica, de um emprego quasi quotidiano na pratica ophtalmologica: Sulfato neutro de atropina.... 5 centigrammas. Agoa distillada.............. 15 grammas. d. s. a. Com este collyrio podemos obter o gráo desejado de actividade medicamentosa pela applicação mais ou menos repetida, conforme procuramos uma acção therapeutica mais ou menos pronunciada, e dura- doura. Quando se quer um effeito lento e prolongado TRATAMENTO DA KERATITE. 27 basta aconselhar-se instillações duas vezes ao dia, ordinariamente pela manhan e á noute; no caso de receios de complicações para o lado do iris, e a pro- ducção de synechias, poder-se-ha gottejar o collyrio entre as palpebras de duas em duas horas. A atropina possúe uma acção importante em rela- ção ao músculo ciliar, e ás fibras musculares que constituem o sphincter da pupilla. Este effeito é de ordem puramente local, consistindo na diminuição de centractilidade muscular, a qual volta logo que cessa a medicação, não sendo d'est'arte mais do que uma simples paresia d'estes órgãos. Os resultados do phenomeno são—a dilatação da pupilla, a immo- bilidade e inércia do iris, cfonde a menor actividade secretoria d'este órgão, a qual se localisa no tractus UVeal—a diminuição da pressão interna do olho, effei- to que é ainda garantido pela impossibilidade ás tendências accommodativas—e a ausência do afluxo sangüíneo para o órgão, afluxo que só a accommo- dação pôde determinar nas raias do funccionalismo physiologico. Ainda uma vantagem resalta d'estas mudanças intimas, que achão tão satisfactoria explicação na abo- lição temporária da centractilidade do músculo ciliar, as quaes vem á ser—regularisar a pressão já diminuí- da em virtude da menor actividade secretoria dos humores. Alem d'esta applicação cumpre ao pratico attender 28 SEGUNDA CONFERÊNCIA á outras circumstancias, que muito podem concorrer para apressar o resultado curativo. Certamente o repouso do órgão deixará de ser completo, si o não afastarmos da influencia directa e prejudicial dos agentes exteriores, que dadas certas condições são capazes de desenvolver uma acção ir- ritante bem accentuada, elevando o coeficiente de acuidade inflammatoria, que nos cumpre a todo o transe evitar, ou ao menos prolongando-a indefinida- mente É por isso que no tratamento da keratite é sempre de grande vantagem a occlusão palpebral simples ou acompanhada da compressão, que pode ser realisada por um simples aparelho, para o qual bastará ao cirurgião dispor de uma atadura tendo quatro dedos de largura, e pouco mais de quatro va- ras de extensão. Em certos casos acompanhados de blepharospas- mo, tão intenso que prive ao cirurgião de examinar o globo do olho, em logar das instillações do collyrio de atropina deve-se recorrer á uma pommada, em cuja composição entre esta substancia, podendo-se empre- gar em compressas sobre as palpebras fechadas. O seo effeito não é tão rápido como o do collyrio; porém sendo este de uma applicação difficil, e até impossí- vel, conseguiremos em compensação a mydriáse, preenchendo ao mesmo tempo uma outra indicação, que é proteger o órgão inflammado do contacto do ar ambiente, das moléculas e monadas que nelle se TRATAMENTO DA KERATITE.. 29 achâo em suspensão, e muito principalmente da acção da luz solar. Consegue-se este resultado com a se- guinte prescripção: Glycerolado de amido........30 grammas. Sulfato neutro de atropina.....15 centi grammas. m. s. a. Para ser renovada a applicação duas vezes ao dia. Quando, porém, é medíocre a intensidade do mo- vimento phlegmasico attingireis vantagens praticas idênticas, aconselhando ao doente simplesmente o uso de vidros neutros, e obrigando-o á fugir dos lugares, em que a claridade é muito viva. Nos casos raros em que estas prescripções não são succedidas do resultado desejado, e que contra toda espectativa as dores ciliares não tenderem á desap- parecer, deveis lembrar-vos das loções laudanisadas, empregando-as muitas vezes ao dia, podendo igual- mente prescrever o uso do seguinte collyrio: Cyanureto de potassium....... 1 decigramma. Agoa de louro-cerejas......... 2 grammas. Unto balsamico.............. 30 » m. s. a. Para ser feito em trez ou mais appli- cações diárias. As loções laudanisadas podem ser simples solu^ ções obtidas mediante a prescripção de Agoa commum..............500 grammas. Laudano de Sydenham........ 2 » m. s. a. 30 SEGUNDA CONFERÊNCIA Muitas vezes será de maior vantagem dar-se por vehiculo o cosimento de alface, de tanchagem, ou a infusão de meimendro, conservando a mesma relação na dosagem para com a substancia activa. Para combater o phenomeno, dor, quando elle torna-se persistente e rebelde, aconselha-se também as fricções mercuriaes em roda das palpebras, prin- cipalmente na região supra-orbitaria, e nas proximi- dades das têmporas. A formula da fricção mercurial de que faço ordi- nariamente uso é a seguinte: Unguento napolitano...........24 grammas. Extracto de belladona.......... 8 » m. s. a. Para fazer duas vezes ao dia. Seo uso será suspenso desde que se manifestarem os phenomenos de intoxicação mercurial, que alguns práticos ao envéz procurão obter como condição da cura. Estes meios nem sempre cortão todas as difficul- dades, que são susceptíveis de se apresentar na pra- tica. É assim que casos ha de tamanha intensidade inflammatoria, ameaçando rápidas e promptas irra- diações para as membranas profundas do olho, que obrigão o pratico á recorrer ao emprego de sangue- sugas na região temporal correspondente, ou no tabi- que nasal. De qualquer sorte que seja é esta uma medicação contra a qual deveis estar sempre preve- nidos, aguardando o seo emprego para os casos, feliz- TRATAMENTO DA KERATITE. 31 mente muito raros, em que de concomitância com a inflammação se manifesta um movimento hyperhe- mico. É escusado diser-vos que afim de abater-se o es- timulo local, d'onde tira sua origem a natureza mes- ma da affecção, muitas e variadas applicações são ainda recommendadas, e generalisadas na pratica, cujas vantagens reaes estão muito longe de justificar o enthusiasmo, com que tem sido acolhidas. N'este numero encontramos entre muitos outros meios que devem ser banidos por uma vez da pratica, taes como o vesicatorio, o sedenho, as applicações frias, e os drásticos, que representão ainda na epocha actual o predomínio das idéas humoristicas e empíricas, feliz- mente hoje abatidas diante da luz, que tem derra- mado a therapeutica moderna. O mesmo, entretanto, não se pode dizer á respeito dos laxativos salinos, cuja acção favorece de uma maneira efficáz a retrogradação mórbida, sem pôr em contribuição as forças nutritivas. Eu administro sempre com as mais notáveis van- tagens os agentes d'esta medicação, preferindo entre todos o sulfato de magnesia, cuja acção é mais tole- rada pelo tubo gastro-intestinal, alem de ser mais francamente deprimente do movimento inflammato- rio, quando associado á umvehiculo, cujo effeito sobre as funcções digestivas seja de ordem á levantal-as do abatimento, em que tendem á cahir. N'este sen- 32 SEGUNDA CONFERÊNCIA tido qualquer preparação outra não será por certo mais agradável e útil do que a agoa gazoza. É assim que tenho sempre o habito de começar o tratamento d'esta moléstia pela administração da agoa de Sedlitz, voltando á ella freqüentes veses du- rante a phase aguda da keratite. N'esta preparação a dose do sal de magnesia é susceptível de variar á vontade do pratico: Agoa de Sedlitz (contendo de 30 á 60 grammas de sulfato de magnesia).......---- Uma botelha. M. para tomar aos copos. Entre os meios cuja applicação em certo tempo attingio tão amplas proporções, dos quaes a ignorância e o charlatanismo tanto tem abusado, encontrão-se irritantes de toda a natureza, distinguindo-se em pri- meira ordem pelos seos resultados mais pronuncia- dos, e por ser uma substancia mais conhecida, o ni- trato de prata. Ainda hoje na deficiência de conhe- cimentos especiaes abusa-se das propriedades, e da acção enérgica e violenta d'este medicamento. Entre nós sobretudo, quasi que não ha doente de olhos, para o qual não tenha sido prescripta seme- lhante substancia. Os factos, entretanto, fallão muito alto contra ella em relação ás diversas variedades de keratite. Si em certos individuos pouco excitaveis, nos quaes a moléstia tem seguido uma marcha muito morosa, o uso do nitrato de prata não se faz acompanhar de TRATAMENTO DA KERATITE. 33 phenomenos perturbadores de toda ordem, e até da cegueira, na grande generalidade dos casos os doentes acabão repellindo esta applicação pelo acréscimo de dores, que se manifesta em diametral opposição á seos effeitos abortivos, tão altamente proclamados. Mas não é só isto; não tarda a manifestar-se uma al- teração na funcção visual, que ao pratico parece uma simples mudança de phase na evolução mesma da moléstia; porém que o doente atribúe somente aos resultados infelizes de uma applicação perigosa. Quem sabe que, d'esde o começo da inflammação da cornea, dá-se a descamação do epithelio em mui- tos pontos de sua superfície, conhecendo as expe- riências modernas que convergem para demonstrar a facilidade de penetração dos líquidos a travéz a substancia da cornea, as quaes são tão brilhante- mente exemplificadas no emprego de uma solução de atropina, que cinco minutos depois da instillação é encontrada no humor aquoso, comprehende per- feitamente o modo pelo qual as infiltrações metalli- cas podem ter logar na substancia da cornea, tor- nando-a total e irremediavelmente opaca. Não ha muitos dias que tive occasião de observar um facto, que tem a maior relação com o que acabo de mencionar acerca das desvantagens, á que pode dar logar o nitrato de prata. Fui consultado por um indivíduo que se achava completamente privado da funcção visual, e que 34 SECUNDA CONFERÊNCIA procurava ainda melhoramento para o seo estado em alguma operação. Elle tinha a cornea direita de uma alvura especial, tal como não costuma acontecer após as diversas affecções d'esta membrana, e que só achava semelhança na cor mesma da sclerotica, de que parecia simples continuação. Este homem, que uma disposição tão curiosa apresentava no olho direito, ficou mais tarde privado da visão pelo outro olho em virtude de uma ophtal- mia sympatica, dando logar ás diversas alterações, que esta affecção é capaz de produzir nas differentes membranas e meios do globo ocuiar. O mesmo se pode diser em relação a outros sáes metallicos, taes como os de chumbo e os de cobre, cujo emprego, ao menos no periodo de acuidade in- flammatoria, é muito para receiar pelos seos desas- trados effeitos. Além d'estas primeiras indicações, que se achão mais ou menos attendidas com as prescripções que vos tenho feito conhecer, uma outra existe de má- xima importância, que deve ser de prompto satis- feita; por que diz respeito ao caracter especial, que reveste a affecção e as suas circumstancias patho- genicas. É a indicação causai. Nas investigações acerca das diversas circumstan- cias etiologicas, que justíficão o desenvolvimento da moléstia o espirito verdadeiramente pratico é levado TRATAMENTO DA KERATITE. 35 ú apreciações, que achão mais tarde confirmação nos resultados therapeuticos. E assim que penso poder-se reunir a grande ge- neralidade dos casos de keratite em cinco classes, que serão perfeitamente conhecidas e determinadas á cabeceira do doente, trazendo a maior clareza á observação, e vantagens reaes conducentes á um tratamento mxiis seguro e promettedôr. Na primeira classe se encontrão todos os casos, em que a moléstia é devida á acção traumática, apresentando uma evolução regular, com todos os seus períodos, de crescimento, fastigio e regressão mórbida. Na segunda se achão os casos numerosíssimos, que constituem quasi a totalidade dos que são ob- servados na pratica diária, nos quaes a affecção não é mais que uma simples manifestação symptomatica do vicio escrophtiloso, razão pela qual são quasi sempre encontrados nas crianças descendentes de pães cacheticos, vivendo na miséria, e nos indivíduos que habitão logares baixos e humidos, e se expõem ás intempéries atbmosphericas, usando por um outro lado de uma alimentação insufficiente e escassa de matérias azotadas. A duração da moléstia n'estes casos é variável, e depende tão somente da espécie de tratamento empregado, o qual torna-se então mais medico do que cirúrgico. A terceira classe comprchende os casos, em que ti 36 SECUNDA CONFERÊNCIA precedem á manifestação da moléstia phenomenos, que revelão a diathese herpetica, susceptível de ser conhecida com certa facilidade por uma sorte de erupção papulosa ou vesicular, que se manifesta em roda da orbita, sobre o nariz e na região mentonia- na. Não é raro encontrar-se esta erupção até nos bordos palpebráes, constituindo verdadeiras blepha- rites. Estes casos, tendo uma índole particular, obe- decem á tendência que lhes communica o estado geral, á que se referem como verdadeira manifesta- ção symptomatica que são. A quarta contempla as keratites sijphiliticas, cuja existência, ainda não positivamente determinada na pratica, é comtudo admissível, posto que somente complicando as lesões do íris e da choroide. A quinta classe encerra um certo numero de factos não raras vezes encontrados na clinica quotidiana, principalmente nas estações mais variáveis do anno, os quaes são devidos á acção brusca do ar athmosphe- rico, agitado pelos ventos e contendo certo grào de humidade. Estas keratites devem ser consideradas simplesmente rheumatimáes, e são pela maior parte coherentes ou vasculares, se distinguindo clinicamente pela promptidão da cura, que é feita quasi sempre antes pelos esforços da organisaçâo, do que pelos agentes da therapeutica medico-cirurgica. A distincção d estas variedades, que tem uma im- portância verdadeiramente clinica, se impõe á cabe- TRATAMENTO DA KERATITE. ceira do doente, como uma condição indispensável para o emprego de um tratamento racional. É só pela transgressão d'estes preceitos, que tantas vezes se encontra na pratica individuos que apresentão ke- ratites de longa data, já por muitos médicos consi- deradas incuráveis, ou terminadas por destruição da cornea e tisica do olho. É só attendendo ás indicações causaes, que pode- reis chegar á resultados surprehendentes, de modo á causar admiração ao vosso doente, e á vós mesmos,. obtendo curas rápidas, depois de longas e penosas tentativas, inúteis efatiganles, empregadas por outros. Assim toda vez que encontrarmos esta affecção sob a forma escrophulosa, herpetica ou syphilitica, o tratamento deve ser modificado no sentido de com- batermos a diathese, ou affecção geral que entretém a moléstia. Para os casos de keratite escrophulosa, que como já tive oceasião de dizer são muito freqüentes, eu emprego sempre com as maiores vantagens o óleo de fígado de bacalháo, que incontestavelmente oceu- pa o primeiro logar no longo catalogo dos medica- mentos conhecidos debaixo da denominação deanti- scrophulosos. A razão d'esta superioridade se demonstra na natureza mesma da substancia, e reside no órgão animal em que ella tem sua origem. Não é só o óleo de fígado de bacalháo, que encerra taes propriedades 38 SECUNDA CONFERÊNCIA curativas, os de arraia o do todos os peixes se mos- Irão dotados de iguaes vantagens. O resultado da digestão offerece sempre grande par- te dos princípios nutritivos sob a forma de glóbulos de gordura. Esta substancia soffrc diversas transforma- ções para que venha á servir á nutrição dos órgãos, c- principalmente á actividade pulmonar eompensadora. É incontestavelmente no fígado que as mais importan- tes transmutações se passão; e d'ahi o poder nutritivo extraordinário que deve ter o oíeo do fígado dos animáes. Si á estas considerações ajuntarmos a acção dos princípios choleicos, que indispensavelmente devem achar-se de envolta com o oíeo, chegamos á explicação da digestibilidade do medicamento, máo grado a sua natureza oleosa, que tanto dificulta a reducção globulosa, desafiando a mais viva repug- nância da parte do doente. Depois d'este preparado vem os de quina, entre os quaes sobresáe o vinho quinado, e até o sulfato de quinina, as substancias tônicas e amargas como a genciana, o rheubarbo e a calumba; e emfim as pre- parações ferruginosas, das quaes são mais vantajosa- mente empregados o xarope de iodureto de ferro, e as pílulas de Blancard. Preenche-se efficazmente as vistas praticas com muitas preparações que abundão nos formulários, das quaes vos apontarei algumas, de que costumo mais vezes fazer uso. TRATAMENTO DA KERATITE. 3ÍJ —Elixir amargo de Dubois..... 300 grammas. M. para tomar de duas colheros de chá á duas de soj>a, conforme a idade do doente. —Xarope de rabanos iodado. ... 1 frasco. M. nas mesmas dósos. —Xarope de tolhas de nogueira. 300 grammas. M. j)ara tomar de duas á três colhercs de chá. —Xarope antiscorbulico (Codex). 501) grammas. M. de duas colhercs de chá á duas de sopa nas 24 horas. —Aíioa iodada de Lu sol...... 650 grammas. M. para tomar de um á três copos por dia. —Peroxydo de ouro....... 15 centigrammas. Extracto de cicuta........ 2 grammas. € de folhas de nogueira. 2 j> F. s. a. 30 pílulas. Para tomar de uma á trez por dia. É indispensável dizer-vos que além d'estes meios medicamentosos, muito importa a acção de uma bygiène apropriada. É assim que nós devemos acon- selhar aos doentes a mudança para logares situados á beira-mar; em certos casos convern os banhos salgados, sendo a dieta francamente reconstituinte. D'est'arte devemos recommendar o uso das carnes frias, preparadas co:i} certos condimentos excitantes, pão de boa qualidade, e os vinhos generosos etc. etc. Quando se trata de uma affecção de natureza her- petica, para satisfazer á principal indicação temos o 40 SECUNDA CONFERÊNCIA arsênico e seos diversos preparados, e entre elles principalmente os arseniatos de soda e de potassa, dos quaes já se achão nas pharmacias granulos, que- podem ser administrados na dose de dois a seis por dia. É com razão que se prefere o arseniato de soda,. substancia da maior actividade e confiança, que além dos granulos de que já foliei pode ainda ser emprega- do, como faz Bouchut em xarope, muito mais fácil de se administrar ás crianças: —Arseniato de soda....... 1 deeigramma. Agoa distillada............ 2 grammas. Xarope simples........... 400 » F. dissolver o salnragoa, c m. Para administrar de uma á trez colheres de chá ás crianças, e outras tantas de sopa aos adultos. —Licor ai semeai de Pearson.... 60 grammas. M. para tomar de duas á dez grammas diaria- mente. As preparações de arsenito de potassa, sendo dif- ficeis de dosar, devem ser menos vezes empregadas. A solução de ácido arsenioso, ou Licor deBoudin, offerece vantagens notáveis, sendo empregada de duas á vinte grammas diariamente. As pílulas asiá- ticas também podem ser empregadas na dose de uma á duas por dia; porém é uma preparação de menos confiança do que as antecedentes. É igualmente de grande vantagem nestes casos o TRATAMENTO DA KERATITE. 41 sulfureto de antimonio, cujo uso faço em larga escala debaixo da forma pulverulenta. —Sulfureto de antimonio---- 1 decigramma. Enxofre sublimado.......... 15 centigrammas. Lyrio florentino............ 1 decigramma. m. s. a. para um papel, e como este mais vin- te nove para tomar dois por dia. Ha ainda o enxofre dourado de antimonio, cujos resultados therapeuticos são perfeitamente exempli- ficados n'esta prescripção: —Pílulas de Plummer.......... n.o 24. M. para tomar de uma á trez por dia. Nas crianças administra-se sempre com sa- tisfacção os preparados de enxofre sendo o me- lhor: —Electuario de enxofre........ 120 grammas. M. para tomar de uma á trez colheres de chá diariamente. Esta medicação reúne a vantagem de ser ao mes- mo tempo laxativa. Após estas preparações costuma-se sempre dar á beber aos doentes uma chicara de cosimento de fu- maria, lobelia ou, o que é muito mais vantajoso, de caróba. É esta uma prescripção auxiliar, que muito pode influir para a efficacia do tratamento, consti- tuindo em certos casos por si só uma medicação. As applicações externas consistem em pommadas, taes como as seguintes: 42 SECUNDA CONFERÊNCIA —Calomelanos á vapor....... 2 grammas. Unto balsamico............. ^0 * m. s. a. —Deuto-iodureto de mercúrio. 6 decigrammas. Luto balsamico............. 30 grammas. m. s. a. —Alcatrão.................. 5 grammas. Unto balsamico.............. 30 » m. s. a. Em logar do vehiculo gorduroso podemos usar da glycerina; o :]ue constitúe os glycerolados. Quando a moléstia apresenta-se complicando uma inflammação do iris ou da choroide de natureza sy- philitica, sendo esta sempre um phenomeno de sy- philis secundaria, as preparações mercuriaes iodura- das ou chloruretadas são as indicadas, principalmente as ultimas. Eu costumo dar preferencia ao bichloru- reto de mercúrio, que pode ser empregado na dose diária de um quinto de grão, ás mais das vezes asso- ciado ao extracto de opio, com o fim de modificar as dores quando ellas são muito extensas. Recommen- da-se n'este sentido as pílulas de Dupuytren, cujo emprego quasi sempre basta para dominar a mo- léstia. Temos ainda: —Cosimento de Ziitmann....... 500 grammas. M. para tomar aos cálices nas 24 horas. A medicação neste sentido é susceptível de variar TRATAMENTO DA KERATITE. 43 segundo circumstancias numerosas, que nao tem muito cabimento em relação á uma affecção, cujo caracter syphilitico não se acha bem determinado. O uso externo do sublimado corrosivo é muito menos freqüente, e offerece menos vantagens na pra- tica. N'este modo de applicação o medicamento pode ser assim prescriptoi —Bichlorureto de mercúrio..... 1 gramma» Agoa........................ 1 litro. d. s. a. para banhar os olhos» N'estes casos o iodureto de potássio é de resulta- dos duvidosos, podendo acontecer que na ausência de vantagens reaes elle desperte phenomenos ca- pazes de assustar ao pratico, como alguns factos attestão, em virtude do seo encontro no organismo com a atropina, medicamento cuja applicação é for- çosamente imposta ao cirurgião, qualquer que seja a feição da keratite, e em todas as phases de sua evo- lução. Quando predomina o caracter rheumatismal o tra- tamento propriamente medico é de pequenas vanta- gens, muito mais se deve esperar da Índole mesma da enfermidade, e de boas prescripções hygienicas. Estes casos ficão comprehendidos no numero d'a- quelles, para os quaes bastão ordinariamente as ap- plicações tópicas. Talvez que em semelhantes con- dições sejão de utilidade as compressas embebidas em líquidos quentes, láes como antigamente aconse- 44 SECUNDA CONFERÊNCIA Jhava Mackensie, e nestes últimos tempos o profes- sor de Graefe. Pela minha parte julgo-as de um effeito incerto, incommodas para o doente, podendo não raras vezes aggravar a acuidade inflammatoria. Quando a moléstia reveste a forma ulcerosa, e que a superfície das perdas de substancia da cornea tem uma cor acinzentada, não manifestando tendência de retrogradar, as compressas quentes poderão disper- tar a vitalidade indispensável em semelhante gênero de lesão, afim que appareção vasos de nova forma- ção, os quaes se incumbão da restauração do tecido. Mas todas estas applicações therapeuticas, que aca- bo de mencionar-vos com o fim de preencher indi- cações importantes á cabeceira do doente, que soffre de keratite, mostrão-se insufficientes tanto que so- mente á ellas entregarmos o resultado curativo. Quando o tratamento tem sido dirigido com crité- rio, após estas primeiras prescripções clinicas a mo- léstia não tarda a apresentar modificações profundas em seo apparelho symptomatico, e especialmente em sua intensidade inflammatoria. É assim que as dores ciliares desapparecem, a photophobia cede á ponto de permittir ao doente encarar a claridade do dia, o lagrimejamento diminue guardando a conve- niente proporção, e a final o cirurgião pode examinar com facilidade os olhos do doente, conseguindo d'es- 4'arte aquillo que á principio é tantas vezes difficil de alcançai'. Então reconhece-se que a injecção da TRATAMENTO DA KERATITE. 45 selerotica é menos viva, o circulo perikeralico mais desmaiado, e bem assim os vasos, que se formão accidentalmente na cornea. As alterações anatômicas d'esta membrana são aquellas que se mostrão, senão mais adiantadas em sua extensão e carregadas em sua cor, ao menos em um estado estacionario. É que depois de ter atraves- sado o periodo propriamente proliferante, cessando a irritação que determinou as numerosas formações cellulares, estas acabarão por esgotar toda sua vita- lidade pathologica. Só então é que pode dar-se a regressão mórbida, não em relação ás manifestações symptomaticas, que estas de muito já se achão modificadas; mas no to- cante aos phenomenos anatômicos, que tornão-se a origem da principal indicação, a qual consiste naf transformação e regressão gordurosas das cellulas procreadas. Para preenchel-a temos a nossa disposição uma serie de substancias irritantes, entre as quaes se re- commendão muito especialmente á memória do pra- tico o bi-oxydo de mercúrio anhydro (precipitado ver- melho), ou hydratado (precipitado amarello), e os Ca- lomelanos. Estas substancias são de uma utilidade in- contestável, quando empregadas de um modo racional. Devemos ter muito em mira antes de tudo a in- tensidade inflammatoria, única circumstancia quer deve influir na dosagem d'estes medicamentos.- 46 SEGUNDA CONFERÊNCIA É por isso que não podemos de antemão limitar & proporção d'estas substancias activas em relação ao vehiculo gorduroso, que lhes dá a forma de pommada, justamente aquella sob a qual a sua applicação é feita commummente nas clinicas espe- eiáes. Eu vos mencionarei algumas formulas, nas quaes a dose da substancia não é precisamente indicada, deixando a sua determinação livre ao vosso critério, segundo a natureza dos casos, a mareha e o caracter especial da moléstia. —Precipitado rubro.. de 1 deeigram. á 1 gramma. Champhora......... 15 centigrammas. Unto balsamico..... 8 grammas. m. s. a. para introduzir-se entre as palpebras uma pequena porção correspondente a um grão de milho-alpista. —Precipitado amarello de 1 deeigram. á l gramma. Cold Cream...........2 grammas. Óleo de amêndoas doces. 1 » Unto balsamico.......5 » m. s. a. Para idêntica applicação. —Calomelanos á vapor___..... 2 grammas* M. em um vidro bem acondicionado. Nas duas primeiras formulas é fácil graduar-se a intensidade da acção medicamentosa, aproximando- se da dose mínima ou máxima do medicamento; em relação á ultima a modificação será conseguida com TRATAMENTO DA KERATITE. 47 a addição de um pó inerte, tal como o assucar candi pulverisado. Assim teríamos: —Calomelanos á vapor. 2 grammas. Assucar pulverisado.. de 50 centig. á 3 grammas. m. s. a. Para ser applicado por meio de um pincel apropriado. Estas applicações tópicas nem sempre tem uma indicação bem accusada. Occasiões ha, em que siip- pomos que os phenomenos infllammatorios se achão por uma vez debellados, e no entanto basta a mais insignificante porção do tópico medicamentoso para despertar a sensibilidade da cornea, e em seguida a injecção perikeratica com os demais phenomenos de acuidade mórbida. É que em semelhantes casos o epithelio não se acha renovado, expondo de tal sorte á irritação as radiculas nervosas, que se rematão na membrana de Bowman. Em todo caso á um pratico prudente cabe apalpar convenientemente a sensibi- lidade corneana. Quando se apresentâo os primeiros signaes, que demandão o emprego d'esta medicação, jamais se deve recorrer ás formulas, em que a substancia activa entra em grande proporção; faz-se a primeira appli- cação, recommendando-se ao doente banhar os olhos com agoa fria, tanto que se prolonguem as dores que ella provoca, e fazendo continuar no uso dos mydria- ticos. Si, por ventura, a substancia é tolerada deve- se continuar o seo uso repetindo as applicações de 48 SECUNDA CONFERÊNCIA trez em trez dias, e podendo augmentar gradualmente* a dose do medicamento; no caso contrario suspen- dereis o seo emprego e procurareis combater os phenomenos que se apresentarem, conforme a natu- reza e intensidade d'cllcs. Em táes condições pode- se administrar ao doente ainda a agoa de Sedlitz purgativa,. que não poucas vezes basta para jugular os accidentes, e conduzir a moléstia de novo ás suas tendências regressivas. Nos casos rarissimos, em que a affecção não se simplifica, após o uso d'este laxativo gazoso podereis recorrer ás preparações de proto-chlorureto de mer- cúrio, cujo modo duplo de applicação é representado nestas duas prescripções: —Proto-chlorureto de mercúrio. 12 decigrammas. Divida em seis papeis iguaes, para tomar um de quarto em quarto de hora até effeito purgativo. —Proto-chlorureto de mercúrio. 3 centigrammas. Thridacio............... Extracto de rheubarbo.... F. s. a. uma pílula e como esta mais vinte trez, para tomar duas por dia uma pela manhã e outra á noute. Nestas duas formulas varia a acção medicamen- tosa, que na primeira é puramente purgativa, e por tanto de effeito revulsivo; ao passo que na segunda a acção torna-se alterante, os seos effeitos são mais de- morados, por que são verdadeiramente depurativos- ana o TRATAMENTO DA KERATITE. 49 Felizmente na grande maioria dos casos nenhuma perturbação segue-se ao uso das pommadas irri- tantes, e as opacidadcs de dia para dia diminuem visivelmente, chegando a final á completo desappare- cimento. Este, no entanto, não é tão rápido como muitos o suppõem, algumas vezes consome-se mui- tos mezes, até chegar ao ponto de prescindir-se de toda e qualquer applicação tópica. Em relação ao nosso doente podeis verificar ple- namente a realidade dos resultados, que acabo de mencionar-vos minuciosamente, e a evidencia do juizo que faço acerca da acção das diversas medicações, cuja indicação se levanta no curso tão longo quanto variado da moléstia. Como dissemos em nossa primeira conferência, o doente apresenta diversas manifestações do vicio escrophuloso, declarando-se a keratite, de que se .acha elle em tratamento, logo após de engorgita- mentos ganglionarios da região cervical. A indicação causai será, pois, combater o estado geral em cuja athmosphera nasceo, desenvolveo-se e vive a individualidade mórbida. Para este fim temos prescripto o uso do óleo de fígado de bacalháo, que data do dia mesmo de sua entrada para este hospital; na mesma occasião forão ordenadas as instillações de um collyrio de sulfato neutro de atropina, e applicado um apparelho com- pressivo dos olhos. 50 SEGUNDA CONFERÊNCIA Por diversas vezes, quando se manifestão recru- descencias inflammatorias, elle tem usado da agoa de Sedlitz, e terminará com certeza o seu tratai mento pelo uso de alguma pommada, á principio de precipitado rubro, e mais tarde de precipitado ama- rello, ou emfim do collyrio secco de calomelanos. Com tal medicação a cura será o resultado mais provável, senão certo, apesar das desvantagens hy- gienicas, que dizem respeito ao estabelecimento, onde vem procurar o seu restabelecimento. ANEURISMA DA ARTÉRIA POPUTÉA. TERCEIRA CONFERÊNCIA. SUMMARlO—Caracteres anatômicos e signaes fanecionaes do tumor—Estu- dos tbermicos—Resultados e valor da escutaçâo—Diagnostico diUercii- cial—Ruptura do saco e diltusào do conteúdo—Importância diagnostica da idade e da profissão—Fesquizas pathogenicas—Valor da exploração sphygmograpbica no diagnostico dos aneurismas—Estudo comparativo dos metbodds curativos—Preferencia da ligadura pelo metbodo de Anel —Previsões prognosticas. Meos senhores: Eis aqui um doente, que nos váe mostrar os ca- racteres próprios de uma lesão, com a qual tendes necessidade de familiarizar-vos. Trata-se de uma affecção que tendo sua sede em certos pontos do organismo, ordinariamente os que mais se aproxi- mão do invólucro cutâneo, é considerada cirúrgica, ao passo que constitue uma moléstia medica, quan- do se desenvolve no interior de uma cavidade splan- chnica. Acompanhastes-me nas indagações minuciosas, que acabei de dirigir á este doente, e como factos mais salientes, que lhe podem ter relação, tenho á mencionar a profissão que elle exerce, a sua idade, e as condições de vida, á que se acha sujeito. É elle :S2 TERCEIRA CONFERÊNCIA escravo de uma propriedade de engenho, mestre carreiro e de uma idade superior á 35 annos. Com estes simples dados sereis obrigados a con- tentar-vos na ausência de circumstancias outras, que possão contribuir á esclarecer a observação clinica. Pois bem! meos senhores, vejamos de que se queixa este indivíduo. Seguindo o methodo de observação empregado para com o doente, de que nos occupamos em nossa primeira conferência, procuráe saber quaes são os phenomenos funccionáes, que se apresentão. É assim procedendo que elle vos accusará dor na região po- plitéa, a qual se irradia até o terço médio da região sural, que se faz acompanhar de um sentimento de tensão e calor. A perturbação, de que se queixa na marcha, o h> commoda sobremodo, augmentando os phenomenos já mencionados de um tal acréscimo de inten- sidade, que obriga-o á conservar-se na posição hori- zontal, onde se acha melhor. O doente queixa-se ainda de uma excitaçâo da circulação com acceleração do pulso, acompanhada de uma sensação de calor interno, estado este que justifica por si só as perturbações da funcção diges- tiva, traduzidas pela anorexia. Nisto consiste o que ha de subjectivo, e com quanto represente um qua- dro semeiologico bem acanhado, vos aponta a sede ANEURISMA DA ARTÉRIA POPLITÉA. 53 da affecção; e por tanto encaminha-vos no exame das modificações anatômicas. Vejamos, pois, em que estas consistem. É o pró- prio doente que em sua queixa nos aponta o logar, em que reside o seo soffrimento. Examinando a parte, o que se consegue com faci- lidade, collocando o doente no decubitus abdominal, fere a attençâo do observador, antes de tudo, o aug- mento de volume d'ella, o qual se estende, como vedes, da parte inferior da coxa até a parte media da perna, tornando-se uniforme em toda peripheria do membro. A pelle em toda esta superfície se acha distendida, todas as rugas se teem desenvolvido, e apresenta-se lisa e reluzente. O tumor offerece uma dureza elástica em toda sua extensão, exceptuando apenas alguns pontos mui limitados, que correspondem ás veias supeificiàes, nos quáes se encontra uma fluctuação obscura. A pressão exacerba a dôr, bem como os movimentos. A perna se acha em meia flexão sobre a coxa, e torna-se impossivel dar ao membro a direcção rectU linea; alem da reluctancia do doente, em conseqüên- cia da dor que experimenta, acrescem condições ou- tras que dependem, já propriamente da tumefacção,já do estado da synovial da articulação do joelho, que na ausência de movimentos deve ter notavelmente diminuido sua actividade .secretoria, o que facilita fu* turas ankyloses. 54 TERCEIRA CONFERÊNCIA Não se deve considerar completo o exame da par- te sem um meio de investigação, cujas vantagens mais tarde tereis freqüentes vezes occasião de reco- nhecer. Applieáe toda superfície palmar de vossa mão di- reita em leve contacto com o tumor,, e dois pheno- menos cahirão debaixo de vossa observação—a tem* peratura local, e os movimentos intersticiáes, que se passão na espessura dos tecidos superficial ou profundamente situados. Em relação á este doente o augmento da colorifi- cação do tumor é sensível, porém não extraordiná- rio. A mão, entretanto, parece levemente repellida por um movimento de expansão, que manifesta aos ór- gãos do tacto uma impressão ondulatoria. Este signal nos lembra um meio de observação mais fácil e pre- cioso. A escutação vem em socorro dos nossos senv tidos. Á ella pertence o principal papel; por que é so- mente com o concurso dos phenomenos por este meio revelados, que vos será dado attingir á certeza diag- nostica. Estes resultados são salientes no presente caso. De feito que juizo poder-se-ha fazer da natureza do tumor, que acabo de examinar tão cuidadosamen- te, pelos simples phenomenos que elle apresenta á observação desarmada, e que já forão aqui mencio- ANEURISMA DA ARTÉRIA POPUTFA. 55 nados? Quem conhece a anatomia cirúrgica da região, sobre a qual se assenta o tumor, comprehende que varias podem ser as producções capazes de dar em resultado as perturbações fimccionáes e as alterações anatômicas, que lhe communicão sua physionomia especial. Em primeira linha offerecem-se os abscessos, que podem revestir formas variadas, acompanhando- se de dor intensa, tumefacção que se estende muito ao longe, tensão dos tecidos, e conseguintemente diffi- culdade dos movimentos da parte. Uma reacção geral de acuidade relativa, tal como encontra-se no presente caso, é igualmente justifica- da, por um phleugmão circumscripto, seguido mais tarde de fusão purulenta, impossível de se re- velar exteriormente por uma fluctuação clara, em virtude da espessa e resistente camada de tecidos que lhe sobrepõe. Apresentão-se depois, quasi com iguáes direitos á uma semelhante symptomatologia, os cancros vas- culares, e os tumores denominados aneurismas dos ossos, que á tantos erros clínicos tem dado logar em todos os tempos, e aos mais notáveis práticos; e ain- da os tumores hydatidos, aos quaes pertencendo como caracter mais importante o frêmito, que pela apalpação se communica a mão do observador, pela ausência d'este signal se podião impôs como a ver- dadeira causa de semelhantes manifestações. 50 TERCEIRA CONFERÊNCIA D'ahi a duvida sendo a melhor, e a menos preju- dicial de todas as conseqüências; por que compre- hendeis que de um erro de diagnostico se deriva- uma indicação therapeutica falsa, a qual satisfeita dá logar á um resultado inesperado, quasi sempre n'es- tes casos fatal para o doente. E quantas vezes tem acontecido abrir-se aneurismas por uma supposta semelhança com abscessos? Entre outros figurão os casos tão notáveis de Dupuytren, Boyer, e Roux, cuja experiência clinica tão longa, quanto illustrada, constitue as glorias da cirurgia franceza. Isto vos ensina, senhores, á não despresar cara- cter algum clinico, ou circumstancia semeiologica no estudo dos factos cirúrgicos; muito ao contrario vos aconselhará a não prescindir dos meios de observa- ção, dispostos ao vosso alcance. Assim como não ha nas manifestações differentes^ com que se apresenta uma individualidade mórbida, um symptoma qualquer, que convertido em signal, pos- sa caracterisal-a de um modo certo e preciso, da mes- ma sorte si no quadro symptomatologico quizerdes apa- gar por ventura o mais insignificante dos traços, podereis chegar á conseqüências muito distantes da verdade scientifica. Foi por isto que não prescendi da escutação, antes de dizer-vos o que pensava acer- ca d'este importante caso, e só depois d'ella foi-me possivel julgar da natureza da lesão, que motivou o tumor desenvolvido na perna d'este doente. ANEURISMA DA ARTÉRIA POPLITÉA. 57 Applicando-seo stethoscopio no segmento superior do tumor, que occupa parte da fossa poplitéa, o re- sultado é negativo; mas si examina-se a parte me- dia, em uma extensão mais ou menos notável para a extremidade inferior do mesmo tumor, percebe-se um ruido de sopro áspero, bastante intenso, o qual repercute com certa intensidade á distancia, e com- munica ao ouvido uma sensação vibratória, que fáz conhecer sempre exactamente os casos, em que os batimentos arteriáes são immediatamente communi- cados ao ouvido do observador. Estes signáes são de ordem a esclarecer o diag- nostico, quando existe habito de semelhante gênero de exploração da parte de quem o emprega. D'esde então não é mais licito acreditar-se na existência de um abscesso, nem de cancro vascular ou de um tu- mor hydatido. Si é certo que os batimentos arteriáes podem ser communicados ás produções mórbidas, que se desen- volvem sobre uma artéria calibrosa, é igualmente indubitavel que esta simples disposição anatômica, podendo dar logar ao sopro arterial, não justifica a sua aspereza nos casos, em que como este elle se apresenta de um modo tão notável e manifesto. É por tanto, senhores, de uma outra alteração mórbida que se trata neste indivíduo, a qual diz respeito mui directamente aos canáes arteriáes. Pela anatomia da parte sabeis que esta região e atra- 58 TERCEIRA CONFERÊNCIA vessada por uma volumosa artéria, continuação da artéria femoral, recebendo nesse logar o nome de po- plitéa. Pois bem! meos senhores, é de um aneuris- ma deste vaso que se trata, o qual reclama urgen- temente a intervenção cirúrgica. A sede do tumor, profundamente situado, na face flexôra de uma articulação, onde existe uma artéria tão volumosa que por si só basta para a nutrição da perna, contribue em muito para o conhecimento da espécie mórbida em questão. Este tumor é mui freqüente em semelhante re- gião, e é tal a sua predilecção por ella, que resulta das estatísticas de Hogdson, Lisfranc e Crisp forma- rem os aneurismas poplitéos quasi a quarta parte dos casos de tumores d'esta ordem. A razão de sua freqüência nesta região parece residir, entre outras circumstancias pathogenicas, na sua proximidade de uma articulação, cujos movimentos são tão fácil e promptamente realisados, e em certos individuos tão repetidos que sem difficuldade, em uma extensão brusca e violenta, pôde ter logar a ruptura de uma ou mais membranas, ou simplesmente a distensão uniforme das paredes do vaso. Como vistes o doente não sabe precisar a epocha, em que começarão os seos soffrimentos. Nos acha- mos, pois, em completa ignorância das mudanças que o tempo tem produzido na marcha da moléstia; porém em compensação sabemos que não ha muito ANEURISMA DA ARTÉRIA POPLITÉA. 59 tempo este indivíduo se entregava aos trabalhos de sua profissão. Oito dias, entretanto, antes de sua entrada no hospital, em virtude de um movimento brusco de extensão, sentio uma sensação estranha de tecidos que se rasgavão, e d'esde então foi obrigado a guardar repouso. Assim trata-se aqui de alguma cousa mais do que uma simples dilatação arterial. O doente apresenta um dos accidentes mais freqüentes, que podem apparecer na marcha dos tumores aneu- rismáes. Existia muito provavelmente de data mais remota um anemisma, que passou desapercebido ao doente, o que não é para admirar, attendendo á sua infeliz posição. Este tumor foi a principio espontâneo, por quanto o doente não liga sua origem á uma causa trau- mática. Como vedes a constituição d'este homem é forte, a sua musculatura extraordinariamente desenvolvida, como acontece á todos aquelles que se entregão á trabalhos rudes. O seo systema arterial é saliente, e o torna um bello specimen do temperamento san- güíneo. Isto deixa entrever um certo acréscimo de energia na impulsão cardíaca, com augmento notável da pressão interna dos vasos. A idade d'este indivíduo justifica plenamente esta energia funccional, que é insufficiente na infância e tão reduzida na velhice. Mas si refletirmos por um 9 GO TERCEIRA CONFERÊNCIA momento sobre o seo gênero de vida, e a obri- gação de cumprir muitas vezes trabalhos prolon- gados sempre de pé, fazendo apoio solido e perse- verante sobre uma base instável, como é um carro de bois, facilmente se comprehenderá a tendência ás fluxões sangüíneas das extremidades inferiores, que o sangue demanda, não só pela impulsão do centro circulatório, como também pelo seo próprio peso. Não é ainda tudo; o choque d'estes trens de lavoura não sendo amortecido por mollas, e o nosso terreno sendo accidental e escabroso, exige a cada momen- to um esforço violento dos músculos dos membros inferiores, de ordem a neutralizar os abalos que lhe são communicados. Com o concurso d'estas causas é justificado o desenvolvimento de um aneurisma, principalmente nas condições em que se achava este indivíduo, tendo um callo vicioso e enorme na união do terço superior com o médio da tíbia, conseqüên- cia de uma fractura d'este osso, que notavelmente devia modificar as condições dos vasos circumvizi- nhos, empecendo o accesso completo do sangue ar- terial para os vasos da peripheria. E d'esta sorte uma dilatação da artéria poplitéa se tornaria inevitável, como resultado d'esta differença da impulsão cardíaca, de que se resentia a circula- ção peripherica. Um movimento muscular violento,distendendo esta artéria de um modo brusco e instantâneo, encontrava ANEURISMA DA ARTÉRIA P0PL1TÉA. 61 reunidas todas as condições favoráveis para vencer a elasticidade insufficiente das paredes do vaso, trans- formando-o n um verdadeiro reservatório de sangue em communicação com a arvore arterial. Este estado, é certo, devia ser acompanhado de dores, e tumefacção circumscripta; mas, não obstante, na ausência de alterações compromettedoras, o esta- do geral do paciente podia passar desapercebido. Os phenomenos locáes não tardarão a ceder, e somente depois do exame medico é que a moléstia tornou-se conhecida. Parece natural que táes circumstancias se dessem em relação a este doente. Elle continuou nos trabalhos de sua profissão, não percebendo que o tumor dia á dia augmentava de volume, que no seo interior se formavão coalhos que ainda mais embaraçavão a circulação peripherica, augmentando a tensão das paredes do saco aneu- rismal, e portanto preparando-o para alterações novas. Foi em virtude da acção reiterada d'estas causas* quer predispondo, quer occasionando, que se apre- sentou o accidente formidável, obrigando este doen- te á; procurar os socorros médicos. O tumor distendido muito além da resistência elástica, que oflerecião as suas paredes já tão adel- gaçadas, bastaria um movimento brusco e ines- perado de flexão, do qual resultasse o seo acha.- 62 TERCEIRA CONFERÊNCIA tamento no sentido antero-posterior, ou uma ex- tensão forçada, alongando-o na direcção do eixo do vaso, para que o saco aneurismal se rom- pesse, e derramasse o seo conteúdo nos interstícios dos órgãos. Foi muito provavelmente por um meca- nismo semelhante que sobreveio tão lamentável ac- cidente, o qual rodêa de azares a operação, e pôde modificar os seos resultados curativos. Vejamos si pela observação exterior é possível limitarmos o ponto, em que teve logar a solução de continuidade do saco. A anatomia pathologica nos ensina que nas dila- tações arteriáes, constituindo um typo mórbido tal como o aneurisma, a columna de sangue, que pene- tra na cavidade anormal, tendendo á expellir o seo conteúdo, segue o caminho que lhe traça a resultan- te das forças impulsivas do coração. D'esta impor- tante circumstancia physio-pathologica resulta que nem todo sangue, contido na cavidade do aneuris- ma, participa da mesma quantidade de movimento, havendo quasi completo repouso das camadas peri- phericas. Ora, si o movimento é a condição indis- pensável para que não se precipite a fibrina do san- gue, é claro que a coagulação nos pontos mais ex- cêntricos do tumor é um facto, que não nos é dado evitar. Segue-se d'ahi que a columna sangüínea ca- minhará na direcção do vaso, e o movimento impul- ANEURISMA DA ARTÉRIA POPLITÉA. 63 sivo somente por ella poderá ser communicado ás paredes do saco aneurismal. Não é, pois, difficil concluirmos que o ponto, em que teve logar a ruptura, é no segmento que cor- responde á sua extremidade inferior; e porque a di- recção da artéria femoral comrcunica á onda sangüí- nea a impulsão cardíaca, no sentido de cima para baixo, e de diante para traz, o ponto que deve rece- ber a acção das forças impulsivas occupará a parede posterior e superficial do tumor. Pela solução de continuidade o sangue extrava- sou-se e invadio os tecidos circumvizinhos; mas encontrando em seo trajecto uma superficie rugosa e desigual, desde logo se achou nas mesmas condi- ções da presença de um corpo estranho, que desse logar á sua coagulação. Á esta circumstancia anato- mo-pathologica referem-se com a maior exactidão os phenomenos já mencionados de distensão, dureza do tumor, ausência de fluctuação e circumscripção do espaço, em que são percebidos os batimentos ar- teriáes e suas modificações características. Os limi- tes do tumor são mal definidos e obscuros, e apre- sentão tamanha irregularidade, que não podem ser traçados pela observação. Estas e as demais circumstancias anatômicas, já devidamente apreciadas, dão conta da espécie de aneurisma de que se trata, e revelão que sua integrida- de se acha compromettida. Assim tendes levantado to- 64 TERCEIRA CONFERÊNCIA das as duvidas em relação ao diagnostico; pois que com- prehendeis facilmente, que os casos de ruptura dos aneurismas espontâneos constituem, o que tão im- propriamente se denomina na pratica—diffusos con- secutivos. Deveis ter reparado, talvez por escassez de luz e particularidades instructivas, na simplicidade dos meios de exploração, que tivemos occasião de em- pregar. Para aquelles de vós, que conhecem os pro- gressos realisados neste sentido, parecerá ter havido omissão grave na ausência da apreciação da impul- são arterial, principalmente quando se trata de tu- mores, que se caracterisão por suas relações mais ou menos directas com a torrente circulatória. Está hoje em moda o exame registrador pelo sphyg- mographo. Graças aos trabalhos de Marey o arsenal clinico se augmentou de mais um instrumento, que é susceptível de attingir um certo gráo de sensibili- dade. Infelizmente, porém, não tem o sphygmographo realisado os sonhos de seo notável inventor, e dos numerosos adeptos, que pretendem ver tudo esclare- cido pelo criterium infallivel do instrumento. D'entre os innumeros meios de exploração clinica, que diariamente empregamos na pratica, devo de- clarar-vos que é o mais infiel e mais capaz de nos conduzir ao erro, si lhe quizermos dar maior imporr taneia do que merece. ANEURISMA DA ARTÉRIA POPLITÉA. 65 O que revela, porventura, o sphygmographo? A intensidade da impulsão cardíaca e suas modifica- ções. Si estas dependem da energia contractil do coração pareceria evidente que o registrador de Ma- rey revelasse as menores alterações de structura, que podem influir sobre a força muscular d'este órgão. Deve, entretanto, lembrar-se o observador de que não raras vezes a arvore circulatória é estranha, par- tindo dos mais grossos troncos arteriáes, á maior actividade cardíaca, que é consumida em pura perda. A causa principal provém dos embaraços, que se levantão á projecção da onda sangüínea nos tubos arteriáes. Bastará como um dos exemplos mais communs apontar-vos o caso tão freqüente de um aperto da aorta, contra cujas paredes embate inutilmente a on- da sangüínea, rechaçada vigorosamente para o ven- triculo esquerdo. A hypertrophia compensadora d'es- ta porção do coração é ao mesmo tempo um recurso providencial, e um resultado infallivel. A principio as curvas do traço sphygmographico se mostrão mais elevadas; porém mais tarde, quando o esforço compensador for insufficiente, e o pulso pequeno, quasi miserável, as curvas descerão muito do nivel da normal. Estes resultados, tão differentes na marcha de uma 66 TERCEIRA CONFERÊNCIA mesma enfermidade, são susceptíveis de offerecer ain- da resultados semelhantes na apreciação de factos mórbidos completamente distinctos. Em relação ao tumor, de que nos occupamos, a ex- ploração sphygmographica seria desprovida de qual- quer interesse pratico. Não quererei reproduzir aqui a argumentação e os factos apresentados pelo profes- sor Richet, o distincto successor do sábio Nela?on, os quaes demonstrão que o sphygmographo, em relação aos aneurismas, representa um papel por demais modesto. Para convencer-vos de que nada havia á esperar da exploração sphygmographica no presente caso, bastaria lembrar-vos que o tumor volumoso como é se acha cheio de coalhos, os quaes se prolongão até fora do saco. que a columna sangüínea é estreita e encontra a cada passo embaraços ao seo curso, que abaixo do tumor não se encontra artéria alguma que apresente batimentos apreciáveis. Porém o resultado diagnostico pelo sphygmographo depende exclusiva- mente da comparação dos dois traços, fornecidos pelos vasos congêneres; e como obtêl-os? D'est'arte torna-seaqui nullificada a sua importância diagnostica. O papel, portanto, da sphygmographia em relação aos estudos clínicos, parece-me que deve ser menos despotico do que alguns práticos tem pensado; com- prehendo que elle offereça a maior utilidade clinica em relação a certos casos; porém jamais lhe será ANEURISMA DA ARTÉRIA P0PL1TÉA. 67 conferida a honra de verificar os resultados da es* cutação. Passando, meos senhores, á um gênero de appli- cação, extensiva ainda aos phenomenos que são observados n'este doente, procuremos precisar ante- cipadamente a influencia, que elles podem exercer á respeito do estado mórbido subsequente. A dis- tensão dos tegumentos foi até os possíveis limites, e dá explicação satisfactoria da tensão elástica da par- te, do mesmo que revela a compressão das camadas profundas do membro. Ha, entretanto, uma notável uniformidade dos phe- nomenos em toda a peripheria da perna. Este esta- do, que cáe debaixo de nossos sentidos, annuncia com a maior evidencia as alterações anatômicas, e até certo ponto funccionáes, que se devem passar nas profundezas do membro. A veia poplitéa, repel- lida pelo tumor contra os tecidos distendidos, deve ter restringido muito o transporte do sangue venoso para o coração direito; a saphéna externa será quasi exclusivamente a confluente, que mantém a permea- bilidade do vaso pela menor difficuldade da circu- lação subcutanea. A saphéna interna, devendo ser aquella cuja circulação fosse mais proveitosa ao des- engorgitamento da parte, em virtude d'esta mesma compressão deverá ser defficiente. Em relação a circulação arterial notamos que, apesar de defeituosa, ella ainda se faz na extremi- 10 ÍI8 IKRCFIRA CONFERÊNCIA dade do membro. As articulares devem estar dimi- nuídas de calibre, em virtude da tumefacção que se tem apoderado dos tecidos circumvizinhos, e com quanto a tensão collateral procure forçar uma via mais livre e mais larga por meio de seos ramusculos anastomoticos, eomtudo a dureza tão notável em ro- da da perna, estendendo-se á toda espessura das partes molles d'esta região, levanta-lhe um obstácu- lo mecânico difficil de ser vencido. Não obstante ser o estado geral o mais animador, á despeito do accidente superveniente á marcha do aneurisma, cumpre rodear-nos de todas as pre- cauções, premunir-nos com todos os meios que a experiência nos aconselha, e mais do que tudo, á luz de um juizo seguro, preparar-nos para intervir de üm modo conveniente e prompto. É isto indispensável, tanto mais quanto reconhe- cemos o caracter inflammatorio de que se tem re- vestido o tumor, do qual podem derivar-se duas terminações, cada qual mais desastrada, e ambas de ordem a frustrar os meios operatorios, que se recom- mendão no presente caso. As duas complicações que a inflammação pode desenvolver, modificando a marcha da moléstia, são a suppuração e a gan- grena. A prudência, portanto, nos aconselha á não adiar- mos o tratamento cirúrgico, único susceptível de rea- lisar a cura. Apressando-o, resguarda-se a operação ÁNEURlSMA DA ARTÉRIA POPETTFA. 6ft de certos accidentes graves, de que ella se faz acom- panhar quando retardada; por quanto o restabeleci- mento da circulação collateral pela via anastomotica torna-se cada dia mais difficil, e persistindo o res- friamento da extremidade do membro, sobrevém o esphacélo da parte, que rouba-nos toda a esperança de êxito feliz. Nas condições em que se acha este doente, con- dições que haveis de convir serem excepcionáes, uma única operação pode ser intentada, e consiste na ligadura entre o coração e o tumor, de modo a interromper completamente o curso do sangue no interior do saco aneurismal, e portanto a coagula- ção perfeita, recommendando ás forças absorventes o desapparecimento, ou organisação d'estes coalhos, de modo a desafogar os tecidos, que se achão com- premidos pelo volume excessivo do tumor. O aneurisma tem sua sede na artéria poplitéa; para que fique interrompida a circulação no interior do saco cumpre que a ligadura seja collocada no longo espaço, que medeia o tumor do ligamento de Fallopio. N'esta vasta extensão não é indifferente a escolha do ponto, em que devemos collocal-a; é preciso pou- par os ramos mais volumosos da femoral, que por suas relações anastomoticas possão levar a nutrição ás partes collocadas abaixo. Além d'esta vantagem, em beneficio da nutrição do membro, uma outra de- 70 TERCEIRA CONFERÊNCIA vemos procurar, e tem por fim evitar as hemorrhagias consecutivas, o accidente mais freqüente após a li- gadura, e que pôde muito influir em relação aos re- sultados da operação. Para conseguirmos esse desi- deratum devemos escolher um ponto bastante afas- tado de qualquer ramo collateral, afim que o coa- lho obturador tenha o comprimento necessário para se oppôr á impulsão da onda sangüínea. Para preencher estas condições, a ligadura deve ser collocada abaixo da origem dos ramos arteriáes —grande muscular e femoral profunda, e portanto no ápice do triângulo de Scarpa. N'este ponto encontra o pratico mais vantagens reáes para o processo operatorio; as relações entre os vasos deixão de ser intimas, a artéria occupando um plano mais superficial que a veia, pôde assi n ser separada com grande facilidade, e sem receio de compromettimento para com o outro vaso. O coalho obturador terá uma extensão sufficiente para se oppôr á tensão arterial, tanto mais crescida e enérgica, quanto mais difílcil fôr o restabelecimento da circu- lação collateral. Esta operação, meos senhores, não se fará por muito tempo esperar. Então reconhecereis a facili- dade e rapidez com que pôde ser ella praticada, exi- gindo como principal requisito do cirurgião o conheci- mento pleno da anatomia cirúrgica da parte. Não julgueis pelo pouco que me tenho occupado ANEURTSMA DA ARTÉRIA POPUTÚA. 71 com o tratamento cirúrgico, relativo a este doen- te, que a therapeutica em táes affecções se ache tão destituída de meios efíicazes para combatel-as, offerecendo somente á nossa disposição na pratica a ligadura entre o aneurisma e o coração. Longe d'isto; trata-se de uma enfermidade, para a qual tem con- vergido o mais rigoroso estudo e uma grande som- rna de pesquizas, resultando d'ahi que a cirurgia possúe actualmente meios da maior proficuidade cli- nica, quasi sempre applicados com certeza de resul- tado vantajoso. Si em relação a este doente não procuramos re- volver o vasto arsenal cirúrgico, pertencente a este gênero de lesão, é simplesmente porque nas condi- ções especiáes do tumor, que temos diante de nós, a applicação de certos methodos operatorios geral- mente aconselhados é impossível, á menos que se queira expor o doente á verdadeiros perigos. É assim que repugna em semelhante caso o em- prego da compressão sobre o tumor ou acima d'elle, meio tão enthusiasticamente generalisado pelos ci- rurgiões inglezes mediante apparelhos innumeraveis, que raros proselytos tem feito na França. Além dos accidentes, á que semelhantes apparelhos podem dar logar, táes como dores insupportaveís, que obrigão o doente á implorar instantemente o seo levantamento, as pellotas compressivas, quando prolongada a sua acção, produzem freqüentemente escáras, que po- 72 TERCEIRA CONFERÊNCIA dem ser seguidas dos maiores perigos, expondo os doentes á hemorrhagias rapidamente fatáes, ou em- baraçar a applicação de outros methodos curativos, si empregadas acima do aneurisma, por ser ordina- riamente no ponto, em que a ligadura pôde ser mais tarde de verdadeiras vantagens. O processo moderno da compressão digital, lem- brado pelo professor Vanzetti, de Padua, com quanto represente na cirurgia um verdadeiro progresso, sen- do de importância incontestável, não tem applicação justificada na pratica em relação a casos, como este que aqui vemos. Este precioso meio, que tem sobre o precedente a vantagem de não incommodar o doente, e tão somente fatigar o operador e seos as- sistentes, e nem tornar incompatível a applicação de outro qualquer meio operatorio, é com tudo somente aconselhado nos aneurismas de volume regular, cu- jas paredes offerecem um certo gráo de resistência, podendo-se esperar sem receio de prejudicar a sorte do doente; o que quer dizer que nem sempre é pos- sível o seo emprego na pratica. Táes são os resulta- dos de numerosas pesquizas, que tem como recom- mendação os nomes prestigiosos dos professores Nélaton, Richet e Gosselin. Em táes condições, que no emtanto não se reali- são neste doente, o resultado da compressão digital é dos mais brilhantes e satísfactorios. Depois da ligadura é o que mais se recommenda pela estatis- ANEUR1SMA DA ARTÉRIA POPLITÉA. 73 tíca do professor Broca, que registra sessenta e sete curas em cem casos. Segundo os dados de Malgaigne os casos de cura produzida pela compressão são observados na pro- porção de 57, e para o professor Richet de 61 por 100; ao passo que na ligadura são de 65 por 100, d'onde se collige que em relação aos resultados a com- pressão digital se acha collocada logo depois da li- gadura, offerecendo mui insignificantes differenças. Não é certamente indifferente o meio de fazer a compressão, e ainda menos a natureza do caso em que é ella ensaiada; por quanto nem sempre offere- cem-se na pratica indicações, que justifiquem o seo emprego. Entre nós ella é tida em muito pouca conta, talvez por não se haver assás generalisado os resultados estatísticos dos grandes hospitáes da Eu- ropa, e dos Estados Unidos. Si se tivesse aqui tentado o seo emprego nos ca- sos, em que a sciencia a reconhece como útil, e que fosse a sua applicação mais conveniente e menos tí- mida, não se haveria por certo de citar tantos casos de insuccesso, com os quaes tentão debalde desa- creditar este meio operatorio. Tendes diante de vós um exemplo, á respeito do qual podeis imaginar todo o alcance de um tal erro de apreciação. Quem se lembraria de empregar a compressão digital em um aneurisma nas condições em que este se acha, pretendendo seriamente um 74 TERCEIRA CONFERÊNCIA resultado satisfactorio, sobre o qual se assentem os créditos clínicos do processo operatorio? Seria elle sufficiente para interromper de um modo definitivo o curso do sangue na cavidade do saco aneunsmal, aliás tão desenvolvida? Entretanto só d'esta sorte se realisará a condição indispensável para a cura, isto é, a formação do coalho obturador, a sua organisa- ção, a absorpção intersticial com tendência a trans- formal-o em tecido definitivo. Assim, pois, não havendo mais opportunidade para o ensaio do methodo compressivo, por já se ter de- mais adiantado a marcha da moléstia, novas e diffe- rentes são as indicações que se levantão, cujo pre- enchimento pôde trazer a cura como conseqüência. Ha ainda um meio cirúrgico, tão novo quanto pro- mettedor, o qual parece destinado á certos casos clí- nicos, cuja simplicidade demanda uma applicação igualmente simples; é a flexâo forçada da perna. Quando se trata de um tumor de pequenas dimen- sões, se relacionando com uma articulação da qual occupa a face flexôra, de sorte que em um movimen- to de flexão o tumor seja compremido, e conseguin- temente impedido o accesso do sangue em sua cavi- dade, a tentativa de um tal meio therapeutico é autorisada, antes do emprego de outro qualquer recurso curativo. Infelizmente estas condições são raras na pratica, onde ao contrario abundão os casos, cm que o estado ANEURISMA DA ARTÉRIA POPLITÉA. 75 da moléstia se tem aggravado pela occurrencia de complicações e accidentes, da ordem dos que se observa a respeito d'este doente. Assim são por de- mais limitadas as suas indicações, que se estendem, entretanto, e abrangem a classe dos aneurismas arte- rio-venosos. Ha, porém, circumstancias que frustrão o emprego da flexão forçada, as quaes dependem da posição do membro, com a qual o doente não se acha habitua- do, podendo ser-lhe, além de incommoda e fatigante, não raras vezes dolorosa, á ponto de não ser suppor- tada. E d'esta sorte comprehende-se a inferioridade, que até o presente a estatística nos mostra d'este recurso cirúrgico em relação a compressão digital. É claro, portanto, que não ha indicação para uma tentativa d'esta ordem no caso que tendes em vossa presença. Resta somente ao cirurgião escolher entre os diversos processos da ligadura. É d'entre elles que se deve procurar o mais apro- priado, e então já pouco peso tem na consideração do pratico o volume e duração do tumor, para só attender-se ás vantagens absolutas de cada um. Debaixo d'este ponto de vista apresenta-se em primeira ordem o methodo de Anel, ou a ligadura entre o saco e o coração. Antigamente outra era a maneira de proceder-se em relação aos tumores muito volumosos, e acom- panhados de complicações. Ligava-se a artéria acima 76 TERCEIRA CONFERÊNCIA do tumor, e depois era este aberto por meio de uma incisão, que media todo seo comprimento; extrahia- se os coalhos, e lavava-se a cavidade aneurismal, que ficava assim entregue á suppuração. Este methodo, tão enthusiasticamente recommen- dado em outras eras, diante das particularidades anatômicas preciosas, que a pratica possue em rela- ção a esta moléstia, rarissima vez terá applicação razoável e justa. É assim que esta operação é hoje quasi geralmente abandonada, por causa dos perigos de que se acompanha, os quaes são devi- dos, já á hemorrhagias difficeis de ser dominadas, já á suppurações abundantes e prolongadas, que su- jeitão o doente ás conseqüências e á gravidade de uma amputação, sem que o possão isentar da gangrena, em virtude da mesma impossibilidade do restabele- cimento da circulação peripherica pelas communi- cações collateráes. Em quanto á ligadura abaixo do saco, o seo em- prego apenas pôde ser justíficado nos casos, em que torna-se inpossivel a operação entre o coração e o aneurisma. É assim que ella é ainda empregada, posto que raramente, nos casos de tumores aneuris- máes desenvolvidos perto ou na raiz dos membros, com quanto a estatística demonstre apenas quatro casos de cura affirmados por Brasdor, cuja authenti- cidade tem sido posta em duvida, e nem um se aponte ao menos de Wardrop, que tivesse sido bem ANEURISMA DA ARTÉRIA POPLITÉA. 77 verificado em mais de vinte operações praticadas por este cirurgião. De tudo isto se conclúe que a operação, que este doente reclama, é a ligadura pelo methodo de Anel; d'ella ha tudo á esperar, porque, além de todas as previsões theoricas, a estatística falia por demais alto em seo abono. É certo que sérios receios de- vemos nutrir pelo resultado da operação, em virtude do grande desenvolvimento e das alterações dos va- sos, á que fica confiado o restabelecimento da circu- lação. Isto, porém, não nos priva de recorrer a esta ope- ração, muito ao contrario é razão de mais para apressal-a. Que seja ella praticada; e esperemos com certa confiança e tranqüilidade a ultima palavra dos acontecimentos. Os recursos da cirurgia não ficão esgotados com a ligadura da artéria; ainda depois a intervenção ope- ratoria surgirá útil e poderosa para combater os ac- cidentes. ESTREITAMENTOS ÜRETHRÂES. QUARTA CONFERÊNCIA. SUMMARIO—Estado estacionario dos conhecimentos em relação aos estrei- tamentos— Influencia da descoberta de Maisonneuve —Observação de Ires casos de coarctação urethral —Sua semelhança em appnrencia, e sna di- versidade no fundo—Exploração do canal como meio diagnostico — Clas- sificação dos apertos da uretbra—Como se deve entender os estreita. mentos inflammatorios—Indicações curativas —Da direcção viciosa do ca* nal como a indicação capital—A dilatação erigida em methodo geral no tratamento dos estreitamentos —Importância relativa dos outros metho- dos como simples anxiliares da dilatação—Vantagens surprebendentes do nitrato de prata em um dos doentes. Meos senhores: Devo hoje occupar-vos a attenção com o estudo de uma affecção, que pelo facto de ser muito fre- qüente na pratica, e por demais debatida no terreno theorico, não tem descido de sua importância cli- nica. Muito ao contrario o ardor dos práticos em suas investigações pathogenicas não se ha arrefecido, e todos mirão novas conquistas therapeuticas, mais fieis em sua applicação e menos arriscadas em suas conseqüências. Como uma moléstia muito commum e conhecida na pratica, em todos os paizes e em todos os cli- mas, o seo estudo tinha jus incontestável á maior ESTREITAMENTOS URETIIRAES. 79 adiantamento, do qual resultasse uma instrucção pratica mais luminosa. Longe d'isto, porém, o pro- gresso n'este campo de observação clinica estacou diante de um nome, que importava a descoberta do melhor instrumento até hoje conhecido; e não avan- çou mais um passo. Será escusado dizer-vos, que este nome foi o de Maisonneuve, e que o seo instrumento é o urethro- tomo. Simplificando a operação da urethrotomia, de mo- do á pôl-a ao alcance de todas as mediocridades, e até do próprio doente, alheio á semelhante mister, o celebre cirurgião do Hotel-Dieu de Paris fez o maior mal á Sciencia, atirando ao esquecimento os resultados brilhantes de muitos séculos de investi- gações, e fazendo esquecer todas as noções dos fac- tos, para a final confundil-os em uma só applicação, muito embora seja ella um verdadeiro triumpho pra- tico. Mas infelizmente não forão somente estes os re- sultados que provierão da extrema facilidade, com que se pratica a urethrotomia mediante o instru- mento do Dr. Maisonneuve. Actualmente já não se procura mais satisfazer in- dicações; o estreitamento é um obstáculo orgânico, causa de todos os soffrimentos do doente, por tanto incisado profundamente, a cura deve ser a sua con- seqüência forçada. É assim que presentemente se tem 80 QUARTA CONFERÊNCIA raciocinado, e d'este raciocínio resultou tornar-se a urethrotomia a regra geral, e a dilatação simples- mente uma excepção. Ora é isto inteiramente o contrario do que se pen- sava até bem pouco tempo, e comprehende-se van- tajosamente que não seria a descoberta de mais um urethrotomo, que podesse modificar o juizo da gran- de maioria dos práticos, justificado todos os dias á cabeceira do doente por triumphos duradouros. Assim em logar de ficar subordinado o meio the- rapeutico ás circuinstâncias anatomo-pathologicas, susceptíveis de variar ao infinito, são estas ainda pouco conhecidas, mal discriminadas, e conseguin- temente menospresadas nos problemas relativos ao tratamento, que se váe orientar em dados verdadei- ramjnte empíricos, e de uma importância duvi- dosa. O injusto anathema que se tem lançado sobre os meihodos diversos, de que se compõe o tratamento dos estreitamentos urethraes, deve ser levantado, sob pena de sermos surdos á tudo quanto nos dita a observação dos factos, que diariamente protestão contra as pretensões de exclusivismo therapeutico, que se quer enthronizar na pratica. É para demonstração d'estas verdades clinicas, antes do que para consignar-vos á memória as mi- nudencias relativas á esta affecção, que convergem os três casos de estreitamento de urethra, que ten-* ESTREITAMENTOS URETHRAES. 81 des diante de vós, e que teem sido o assumpto de nosso estudo diário, e de algumas tentativas curati- vas, que parecem coroadas do melhor successo. Deveis lembrar-vos, senhores, que na occasião de sua entrada para o serviço da Faculdade, estes três indivíduos se queixavão de incommodos funccionáes quasi idênticos. Accusavão dores intensas nas occa- siões freqüentes e repetidas da micção, que era difí- cil, interrompida por vezes, e de um jorro muito tênue, que, se repartindo em sua sahida do meato,não podia projectar-se ao longe. Ern um delles a ou- rina cahia gotta á gotta, apesar do esforço supremo que o doente fazia em pura perda. O estado geral d'elles era pouco favorável; a in- somnia lhes havia abatido sensivelmente as forças, tinhão pouco appetite, as funcções digestivas enlan- guecião, o catarrho vesieal contribuía á explicar a fraqueza e o emmagrecimento que apresentavão. Este aspecto phenomenal de simples exteriorida- de, capaz de illudir a quem não tem longo habito da observação á cabeceira do doente, tão semelhan- te n'estes três casos, podia fazer crer em uma iden- tidade de caracteres anatômicos, e por tanto desviar as vistas clinicas do verdadeiro tratamento, o qual devia assentarem uma observação mais aprofundada. É certo que a causa era unic i para os três ty- pos mórbidos, que as manifestações symptomaticas não variavão em apparencia; porém no fundo, com 82 QUARTA CONFERÊNCIA quanto representando uma individualidade mórbida com um logar preciso no quadro nosologico, as alterações mórbidas de que dependião apresentavão traços de visivel desigualdade, d'onde applicações therapeuticas igualmente desiguaes e variadas. É que o diagnostico das coarctações urethráes não pode ser feito sem o auxilio indispensável dos meios de exploração. Alguns práticos recommendão para tal fim as ten- tas de metal, com formas variadas e vantagens es- peciáes, taes como as do professor Roser, de Mar- bourg; outros dão preferencia ás bugias elásticas, terminadas em sua extremidade livre por um botão. Eu emprego ordinariamente estas ultimas, que são denominadas propriamente exploradoras; porém qua- si sempre faço seguir a sua introducção de outras, igualmente de gomma, conicas ou cilíndricas. D'esta praxe colho a vantagem de poder na gran- de maioria dos casos penetrar os estreitamentos, o que deixará de ser obtido muitas vezes por meio das tentas metalhcas, que dilacerão e ensanguentão a urethra, ou pelas bugias exploradoras, cujo botão tão desenvolvido só poderá atravessar os apertos uretháes dilatados. Um pouco de reflexão sobre o assumpto vos fará comprehender bellamente a superioridade dos meios, que aqui vos aponto. A exploração nos faz conhecer: primeiro, o ponto ESTREITAMENTOS CRETIIRAES. 83 do canal da urethra em que se acha a coarctação; segundo, sua consistência e o gráo de elasticidade dos tecidos que a constituem; terceiro, sua pratica- bilidade; quarto, a extensão do estreitamento; quinto emfim, os desvios de direcção do canal da urethra, caracter anatômico que tem passado desapercebido aos cirurgiões, apesar de ser uma circumstancia in- separável da affecção mesma, e o resultado inevitá- vel da evolução mórbida. Si por meio da bugia exploradora se consegue precisar a sede do estreitamento, nem sempre nos dá ella noticia da consistência e elasticidade dos te- cidos que o constituem, e muito menos da sua ex- tensão, por não ser possível na generalidade dos casos a sua penetração atravéz do ponto estrei- tado. A introducção de uma tenta conica nos revela os pormenores, de que se mostra insufficiente o exame anterior. Consegue-se então penetrar com certa facilidade a coarctação; pois que a bugia conica, entrando em for- ma de cunha no estreitamento, nos revela os dados relativos á consistência, elasticidade, e ainda mais o gráo de sensibilidade dos tecidos mórbidos. Retiran- do a bugia da urethra, pela configuração que ella traz do interior do canal, nos instruirá perfeitamente acerca da direcção, que elle tem adquirido anormal- mente. 84 QFARTA CONFERÊNCIA Praticando d'esta sorte, senhores, quasi sempre conseguireis chegar ao diagnostico preciso da molés- tia, e não só á elle como á determinação de circuns- tancias importantes, peculiares a cada caso clinico, que vos farão modificar de um modo notável o tra- tamento, não só em relação ás modificações de processos, mas até a respeito dos methodos cu- rativos. Aproveitemos, pois, estes dados offerecidos pela exploração no que interessa ao estudo d'estes doentes. No primeiro d'elles a bugia exploradora deo a co- nhecer um aperto no canal da urethra, pouco mais ou menos na altura do bôlbo; porém não o poude vencer. Uma sonda conica e fina penetrou, não sem certo custo; e depois de muitas tentativas reconhe- ceo-se que os tecidos do estreitamento não erão elásticos, que tinhão uma dureza especial, e a direc- ção do canal era viciosa. Sendo preciso dar-se á tenta certa posição para poder cavalgar o estreita- mento, sahio ella depois com curvaduras diver- sas, que denotavão uma mudança sensível na direc- ção do canal, e por tanto n'aquella que devia ser communicada ao jorro da ourina. Em relação ao doente immediato,que é um marinhei- ro, a bugia exploradora na mesma altura da porção bulbôsa esbarrou de encontro ao estreitamento, que foi vencido mediante tentativas reiteradas, e com dores mais ou menos intensas. A coarctação era de peque- ESTREITAMENTOS LRETIIRAES. 85 «a extensão, e retirando a bugia reconheceo-se per- feitamente a existência do aperto, pela difficuldade que teve a oliva da tenta em cavalgal-o de detráz para diante. Do exame, porém, resultou a determi- nação da consistência dos tecidos, que erão resisten- tes, e elásticos. A direcção do canal foi depois re- conhecida por uma bugia conica, a qual mostrou igualmente curvaduras especiáes, e por tanto um desvio anormal da urethra. No terceiro doente, que é um dos bravos da cam- panha do Paraguay, a exploração foi completamente frustrada, por quanto desde a fossa navicular a ure- thra se mostrava occupada por um tecido de uma dureza e resistência especiáes, não cedendo nem ás bugias de gomma, de todas as formas e de todas as grossuras, até capillares, e nem ao estylete de prata, por meio do qual numerosas vezes, e durante muitos dias, tentou-se vencer a coarctação. Externa- mente a apalpação do canal nos deixava perceber um cordão endurecido e nodoso, correspondendo ao canal da urethra, o qual se dirigia para a raiz das bolsas, com quanto não chegasse á ser percebido na região perineal. Eu calculei a sua extensão em mais de duas pol- legadas, tanto quanto devia ter o estreitamento no interior do canal. Este doente apresentava um orifí- cio fistuloso no perineo, por onde a ourina se es- coava copiosamente. 80 QFARTA CONFERÊNCIA Antes de seguirmos adiante na apreciação clinica, resolvendo as difficuldades curativas, será preciso conhecermos como ficarão estes três casos classifi- cados na pratica. O professor Nélaton, chefe da escola clinica mais numerosa, estabelece quatro espécies de estrei- tamentos, das quaes apenas uma considera como merecendo o nome de verdadeiros estreitamentos urethraes. Elle distingue: l.o os estreitamentos espas- modicos, 2.o os inflammatorios, 3.« os orgânicos e 4.o os symptomatícos. A conseqüência pratíca desta classificação é somente reconhecer-se na clinica os estreitamentos orgânicos como moléstia, que me- reça um tratamento operatorio e especial. Em relação ás coarctações espasmodicas muitos negão a sua existência; porque não comprehendem donde possa vir o poder muscular da urethra. Vós que sabeis perfeitamente como o systema das fibras lisas é derramado no organismo, e que conheceis os trabalhos hystologicos modernos, não podeis ter a menor duvida á respeito da existência de elementos, que influão no sentido de realisar o phenomeno de contractilidade da urethra. Na pratica os factos não são raros, e em mi- nha clinica já tive occasião de observar um caso, que incontestavelmente era de estreitamento es- pasmodico, o qual tornara-se rebelde á todos os meios. ESTREITAMENTOS FRETIIRAFS. 8 / Foi um moço da villa de Caetité, negociante, que compareceo a minha consulta em novembro do anno passado. Elle queixava-se de uma extrema difficuldade na ourinação, que era longa e custosa. O jorro da ouri- na era interrompido, sahindo ora mais fino e ora mais grosso. Depois de exlincta emissão ainda corrião involuntariamente algumas gottas de ourina. Estes incommodos augmentavão-se com a montaria, e com o uso de comidas picantes, ou de bebidas excitantes. A urethra tinha uma extrema susceptíbilidade, que muito estorvou a penetração da algalia explora- dora pelo seo espasmo, sobretudo nos pontos de sua extensão, em que é ella influenciada pelo mús- culo bulbo-cavernoso. Á muito custo consegui o cathe- terismo, verificando não haver alteração orgânica em virtude de endurecimentos atrophicos ou cicatriciaes, taes como são os que constituem os apertos, consi- derados pelos práticos como verdadeiros estreita- mentos da urethra. O instrumento, no emtanto, era perfeitamente abraçado pelas paredes do canal da urethra, offere- cendo certa difficuldade em ser retirado. O que seria semelhante moléstia, que tanto in- commodava á este pobre moço, senão um estreita- mento espasmodico? Quanto a explicação dos phenomenos, chega-se á ella satisfatoriamente, pondo em jogo somente o 88 QUARTA CONFERÊNCIA músculo bulbo-cavernoso. O aperto do canal, devido á contracção espasmodica deste músculo, presuppõe a compressão das paredes do mesmo canal, que se compõem de camada mucosa e esponjosa. É esta que dá o orgasmo á urethra, deixando passar atravéz de seos espaços reticulares o sangue venoso, que é re- tido na extremidade do penis, e d'ahi o volume da glande, o engorgitamento pathologico, as dores e a difficuldade de expulsão da ourina, tanto maior quan- to mais se irrita a urethra nas tentativas repetidas de catheterismo. Á respeito dos estreitamentos mflammatorios, a observação clinica não tem levado o seo apoio á opinião do celebre cirurgião francez; por quanto pa- rece subtil a distincção, que se tem procurado estabe- lecer, entre esta espécie de estreitamentos, e os ver- dadeiros apertos orgânicos. Em primeiro logar é dif- ficil comprehender-se a existência de um estreita- mento com alterações idiopathicas, sem a precedên- cia inflammatoria, única que pode explicar as modi- ficações mórbidas variadas que o constituem. Depois nós temos freqüentemente á nossa observação factos de coarctações, com os caracteres que são assignados aos estreitamentos inflammatorios, que são de uma longa duração, dando em resultado alterações pro- undas dos tecidos da urethra e incommodos, senão maiores, ao menos muitos parecidos. Onde achar-se a legitima razão, com que se pos- ESTREITAMENTOS URETHRAES. 89 sa negar á semelhantes casos a identidade da molés- tia em questão? Ainda á pouco fallei-vos do nosso bravo voluntário, que apresentava quasi completa obliteração de gran- de porção do canal da urethra, cuja dureza exterior, com quanto podesse fazer crer em um estreita- mento, tal como o professor Nélaton considera or- gânico, com tudo a sua curta duração, a facilidade com que elle ensangüentava ás tentativas de explo- ração, e a possibilidade da micção no meio de ta- manhas desordens, o farião classificar, segundo o mes- mo autor, entre os estreitamentos inflammatorios. Alargando um pouco mais o campo da confronta- ção dos factos, eu penso que no estado actual da sciencia, só poder-se-hia distinguir os estreitamen- tos urethraes em espasmodicos e orgânicos, ou em essenciáes e symptomatícos. Toda a tentativa de classificação, tendente á espe- cialisar mais os casos clínicos, será passível de iguáes censuras; por quanto os caracteres anatômicos que dão a physionomia própria de um caso de estreita- mento, são susceptíveis de variar tanto, que chega á ser quasi impossível a sua distincção em grupos. Que proveitosa instrucção, senhores, resultou do exame d'estes três casos, que á observação superfi- cial vos parecião tão semelhantes! A exploração nos veio fornecer os caracteres es- peciáes de cada um, bem como o gênero de modi- 90 QUARTA CONFERÊNCIA íicações orgânicas, e assim nos ensinar a conducta á seguir, a qual deve ser de natureza á satisfazer as indicações peculiares á cada doente, indicações que repousando sobre a observação dos phenomenos são, por tanto, completamente differentes. Nos estreitamentos urethraes o estudo dos cara- cteres anatômicos, e a apreciação dos phenomenos clínicos, justíficão uma indicação, que é corregir a direcção viciosa do canal, adquirida em virtude das retracções cicatriciaes, ou dos endurecimentos atro- phieos. Outras circnmstancias concorrem á modifi- car o gênero de conducta que escolhermos, e estas dependem da sede do estreitamento, de sua duração, da permeabilidade do canal, e principalmente da natu- reza hystologica da coarctação. Estas indicações me- recem perfeitamente o nome de secundarias. Restabelecer-se a direcção normal do canal da urethra é a questão capital no tratamento dos es- treitamentos. Até hoje não se tem considerado con- venientemente a importância d'esta disposição pa- thologica, no fim de produzir toda a serie de altera- ções e incommodos, que soffrem os doentes de se- melhante enfermidade. A verdade d'este novo modo de encarar os factos se exemplifica brilhantemente na pratica, onde ja- mais encontramos perfeitas relações de proporção entre a diminuição do canal, e a intensidade sympto- matica. ESTREITAMENTOS FRETrlRAES. 91 Casos ha, em que uma algalia de certo calibre pe- netra folgadamente no estreitamento, e entretanto a ourina encontra difficuldades á sua sahida, podendo até fazer-se pelo meato em diminutas gottas, e es- tabelecendo fistulas perineáes, por onde se escoa quasi completamente. Exemplo d'isto temos no 11.0 16, e na pratica quo- tidiana estes casos não são raros. Alguns collegas teem mencionado factos semelhantes, sem que com- tudo tenhão sido ainda levados ás conclusões que eu estabeleço actualmente. N'estes casos a difficuldade da micção é devida ao desvio notável do canal, que pode adquirir formas variadas, bastando uma simples sinuosidade para que o curso da ourina deixe de ser regular. O inverso vemos em certos casos de estreitamen- tos valvulares, que se podem apresentar no curso de uma blemorrhagia aguda, e que são observados em indivíduos que tem um canal estreito. Uma sonda filiforme ás vezes custa á passar; não se encontra mudanças de direcção do canal, e no emtanto, apesar de sua estreiteza accidental, a ourina nem por isso deixa de correr com certa facilidade, e jamais em taes condições tenho reconhecido tendências ás forma- ções fistulosas. È certo que uma retenção de ourina pode dar-se n'estes casos, porém bastará introduzir- se uma sonda, que aliás não encontrará difficuldade e;n penetrar por não achar-se desviado o eanal, para 92 QUARTRA CONFERÊNCIA que o jorro saia com certa força, podendo até ser projectado em grande distancia. Assim na pratica eu procuro estudar convenien- temente o modo, porque o canal se tem desviado de sua direcção normal, precisando o ponto principal do desvio; por quanto do seo conhecimento é que pode depender o resultado prognostico, e mais do que tudo o gênero de applicação, que nos cumpre fazer com o fim de restabelecer a direcção normal da urethra. O conhecimento das outras circuinstân- cias é a base, sobre que se assentão a6 indicações secundarias, e contribúe á modificar o processo ope- ratorio, que tem de ser empregado. Comprehendendo o facto clinico d'este modo, as- sás satisfactorio ao espirito, no meio de todos os methodos até o presente recommendados na sciencia, um só existe capaz de satisfazer ás vistas praticas, o qual constituirá o methodo geral de tratamento para os estreitamentos da urethra. Este methodo é a dilatação. Por meio da bugia de gomma, ou de uma algalia metallica, e pelo catheterismo repetido todos os dias, conservando o instrumento no canal por certo es- paço de tempo, nós conseguiremos chamal-o á sua direcção normal. Este resultado não é uma simples vista do espirito. As vezes basta a primeira introduc- ção de uma bugia filiforme, por espaço de 10 minutos ou um quarto de hora. para que o doente no dia se- ESTREITAMENTOS URETHRAES. 93 guinte, quando volta á consulta, tenha á agradecer- nos o allivio immenso que obteve, e a facilidade de ourinar sem interrupção do jorro, e intercurrencia de dores. Não é de minha intenção mostrar-vos aqui todos os modos de dilatação conhecidos. Seria longa seme- lhante tarefa, e eu vos envio para innumeraveis e importantes trabalhos clássicos, onde este methodo é estudado com as indispensáveis minudencias. Devo dizer-vos, entretanto, o que faço na genera- lidade dos casos. Eu emprego a dilatação gradual e intermittente, forçando o aperto sempre que a susceptíbilidade dos tecidos do estreitamento permittem. Todos os dias passo uma bugia de gomma, tendo o indivíduo de pé, e conseguindo a sua introducção, o faço assentar-se em uma cadeira, onde demora-se um quarto de hora á uma hora. Quando no começo das tentativas se desenvolve uma urethrite superve- niente, a dilatação é interrompida, e mediante o uso dos antiphlogisticos, taes como os banhos emollien- tes repetidos, cataplasmas no perinêo, e até no hy- pogastrio, clystéres emollientes, emissões sangüí- neas locaes e internamente o bromureto de potas- sium, que tem uma acção sedativa especial sobre o apparelho genito-ourinario, consegue-se ordinaria- mente acalmar os phenomenos de acuidade inflam- matoria. 94 QUARTA CONFERÊNCIA . Passados três ou quatro dias volto ao cathetens- mo, começando muitas vezes por uma bugia de nu- mero inferior; porém com facilidade sobe-se na numeração, principalmente si emprega-se de prefe- rencia as bugias conicas. Estas teem a vantagem immensa de dilatar o pon- to estreitado em forma de uma verdadeira cunha, que nelle penetra, facilitando em certas occasiões o alargamento do canal, por meio de um movimento de introducção forçada do instrumento. Tenho sempre reparado que no trabalho da dila- tação, já começado o tratamento, esta pratica é com- pletamente inoffensiva, e capaz de produzir os mais vantajosos resultados. Recordo-me de um doente que soffria de um estreitamento antigo na região do bôl- bo, devido ás degenerações blennorrhagicas, que em nove sessões de dilatação por meio das bugias coni- cas, e de umas quatro ou cinco vezes de dilatação forçada, se achou inteiramente isento de seos in- commodos, e retirou-se muito satisfeito de minha clinica, já introduzindo uma bugia de 6 millimetros de diâmetro, resolvido á continuar o seo uso regular. Effectivamente tenho-me encontrado freqüentes vezes com este moço, que me annuncia alegremente que o resultado conseguido se mantém, apesar de não ser elle dos mais temperantes. Em relação aos nossos três doentes, nos quaes vis- tes-me ensaiar alguns meios curativos, deveis estar ESTREITAMENTOS URETHRAES. 95 convencido dos corollarios práticos, que ficarão esta- belecidos. O primeiro começando com o uso das bugias de gomma, por não colher os desejados resultados, passou ás metalhcas de Reniqué, e com quanto a di- latação se operasse com certa lenteza, não se podia comtudo manter na direcção normal o canal da ure- thra, desviado pela retracção dos tecidos fibrosos e endurecidos do estreitamento. Estas condições locaes de anormalidade orgânica, comprehendeis facilmente, são de ordem accessoria, e nem sempre se offerecem na pratica; por tanto não podem constituir senão indicações secundarias. Para preenchermol-as temos á nossa disposição diversos methodos tão conhecidos na pratica cirúr- gica, quanto numerosos, entre os quaes se vê em primeira ordem a urethrotomia e a cauterisação. Por meio do urethrotomo cortamos na profundi- dade desejada os tecidos do estreitamento, e bem as- sim de todos os pontos do canal mais apertados, tor- nando-o quasi inteiramente novo. É certo que não po- demos somente com esta operação obter a cura; porém, mediante o seo emprego prévio, a sonda que perma- nece durante dous ou mais dias na urethra com o fim de evitar a intoxicação ourinosa, já lhe communica a direcção de normalidade que é para desejar-se,fazen- do-se d'esta maneira a cícatrização no sentido da melhor direcção do canal. É esta uma eircumstancia 96 QUARTA CONFERÊNCIA que nos garante a cura, não obstante as retracções cicatriciaes que seguem ao estreitamento, e que de- vem de algum modo estreitar mais a urethra, do que se achava ella logo depois da operação, por quanto semelhantes cicatrizes tanto podem ser no sentido transversal como no longitudinal, e uma neutraliza*- rá a outra pela continuação da dilatação. Foi com os melhores resultados que vistes empre- gar-se a urethrotomia, e a dilatação em seguida pro- porcionou ao doente os maiores benefícios, de tal sorte que actualmente elle reclama com certa instância a sua alta. Em quanto ao segundo doente a Urethroto- mia não se tornou necessária. As bugias de gomma continuarão á passar sem o menor accidente; algu- mas vezes empregou-se esforços de dilatação força- da, e vemos agora com prazer que a micção é livre e desembaraçada, e a fistula perineal que se acha fechada, ha mais de dez dias, tende á modificar a dureza dos tecidos que a circumscrevem. O nosso ultimo doente apresentou diflficuldades clinicas muito mais serias, e difficeis de ser sobrepu- jadas. O canal se achava quasi obliterado. Nenhum instrumento poude ter accesso na urethra, interrom- pida desde a fossa navicular, e em uma extensão de mais de uma pollegada e meia; o que levantava os maiores embaraços em relação ao seo curativo. VaciUei um momento sobre o êxito favorável, as- ESTREITAMENTOS ÜRETIIRAES. 97 sim eomo sobre o gênero de intervenção cirúrgica em taes conjuncturas, e foi de balde que procurei nos meios mais enthusiasticamente apregoados, e em moda na pratica, um auxilio efficáz para vencer ta- manha difficuldade. Pela impraticalidade da urethra todos os methodos, ordinariamente empregados, se acharão fora de competência, porque em todos elles fora preciso penetrar-se o ponto estreitado. Havia, entretanto, a urethrotomia externa, e devo confessar-vos que pensei seriamente no emprego d'esta operação, julgando-a provavelmente inevitá- vel. Em um momento, porém, assás feliz lembrei-me que todo o endurecimento urethral, em tão larga extensão, poderia ser vantajosamente modificado por um agente da medicação substituitiva. O nitrato de prata se achava em frente, recom- mendando-se como o mais importante de todos estes medicamentos. Resolvi-me, pois, á vencer o estreitamento de diante para traz, com certa demora é verdade, porém com a perseverança e tenacidade de que sou capaz. Deveis recordar-vos da primeira applicação que fiz. Ao calor da chamma de uma vela fundi uma pe- quena quantidade de nitrato de prata sobre a extre- midade de um estylete, tal como pratíca o Dr. Mai- sonneve para a operação do hydrocéle; e levei o es- tylete de encontro aos tecidos do estreitamento. Em 98 QUARTA CONFERÊNCIA menos de dous minutos o nitrato de prata já se ha- via dissolvido na humidade urethral, e eu retirava o instrumento completamente limpo. O doente apenas sentio um leve e moderado ardor, que não tardou muito a passar. No dia immediato, porém, accusou elle uma sen- sação de calor em toda a extensão do estreitamento, algumas gottas de pús se apresentarão no orifício do meato; e não obstante isto o doente ourinou melhor. Ao cabo de 48 horas uma tenta filiforme podia atra- vessar o estreitamento sem grande incommodo da parte do doente. O resto vós já o sabeis perfeitamente. A dilatação foi desde então possível, por quanto o estreitamento tornou-se ao alcance de todos os meios cirúrgicos; e actualmente o canal se acha tão alargado, que pene- tra com facilidade uma sonda de Beniqué n.o 30. O estado de nosso doente é certamente o mais lisongeiro; a fistula perineal se acha fechada, e com mais algumas sessões de dilatação, eu julgo com- pleto o seo tratamento. Assim reconheceis, senhores, que si a dilatação tem direito irrecusável na pratica á ser erigida em methodo geral no tratamento dos apertos urethraes, como methoios capazes de satisfazer indicações se- cundarias, nós não podemos dispensar as excellen- tes vantagens da cauterisação, quando empregada com critério; porque, conforme acabastes de vêr, ella ESTREITAMENTOS URETHRAES. 99 pode em certas occasiões difficeis evitar uma opera- ção, que como a urethrotomia externa é não raras vezes seguida de conseqüências por demais desagra- dáveis. 11 DIAGNOSTICO DA CATARACTA. QUINTA CONFERÊNCIA. SIMMARIO—Diagnostico da cataracta—Exploração do olbo—Resnltados Ja inspecção ocuiar—Arlaramenlo obliquo—Imagens de Purkinje ou de Sansou—Exame ophlalmoscopico pela imagem direita, ou revirada--De- terminação da posição da opacidade, e da consistência e grandeza da ca- taracta—Influencia do clima sobre o soo desenvolvimento —Como o calor elevado em certas profissões pode motival-a—Meios de verificar a inte- gridade dos elementos sensíveis da retina—Exame funccional do profes- sor de Graefe—Valor das pliosphénas—0 qne se deve esperar da ope- ração. Meos senhores: É pela primeira vez que examino este doente, che- gado apenas hontem de Maragogipe para se tratar de uma affecção do apparelho ocuiar, em conse- qüência da qual, ha mais de um anno, se acha con- demnado á cegueira. Acabamos de ouvil-o na narração de seos padeci- mentos, que tem uma duração maior de dez annos, e tem chegado finalmente ao ponto de permittir-lhe somente a noção quantitativa da luz, não distinguin- do mais do que a claridade das trevas, e o dia da noite. Os objectos se apresentão todos ante seos olhos como sombras mal definidas, e sem determi- • DIAGNOSTICO DA CATAUACTA. 101 nação de cor, do que resulta a falta de orientação, e por tanto a impossibilidade de conduzir-se por si só. Este homem tem cataractas nucleares duplas, sen-* do a esquerda já de longa data completa, e o cris- tallino direito em gráo adiantado de opacificação, a qual ainda não attingio as lâminas superficiáes das camadas corlicaes anteriores. Ambas as cataractas são duras e menos volumosas, do que parecem; por quanto o aspecto lactescente da zona peripherica, que tanto se distingue por sua coloração do resto da superficie, indica evidentemente a liquefacção dos elementos que a constitue, ou a sua desagregação, em linguagem modernamente mais apropriada e tal- vez mais exacta. O processo semeiotico empregado, afim que che- gássemos á um diagnostico tão simples em sua na- tureza, mas tão complexo em seos pormenóres, e que nada deixará á desejar, quando verificado após a operação—é mais pratico do que theorico. Diversos são os meios de exploração, de que se dispõe modernamente para o conhecimento exacto d'este gênero de lesão, que era antigamente sujeito á tantas duvidas, pela insufficiencia e nenhum crité- rio da observação clinica. Em primeiro logar se acha o apparato phenomenal, que se revela pela simples inspecção ocuiar, isto é, á vista desarmada. Este exame, como vistes, pode ser feito ou á luz diffusa, 102 QUINTA CONFERÊNCIA ou á claridade de uma flamma mais ou menos in- tensa. No primeiro caso colhemos apenas os resultados de uma observação superficial, e escassa de noções exactas, á medida que se procura investigar atravéz os meios refrangentes do olho, em frente dos quaes se apresenta a substancia mesma da cornea, e o humor aquoso, que nos fazem desde logo comprehender a difficuldade do exame das partes mais profunda- mente situadas, mediante uma exploração tão sim- ples e acanhada. Quando a observação ocuiar é feita com a luz ar- tificial, por meio de uma lente de 2 á 3 pollegadas de distancia focai, se reúne um cone luminoso assás intenso, cujo ápice truncado é dirigido obliquamente sobre a cornea, conseguindo esclarecer mais profun- damente as partes, que constituem o bemispherio anterior do globo do olho. É á isto que se chama exame pela luz oblíqua. As vantagens d'este precioso meio de exploração no diagnostico das affecções oculares são da maior evidencia e precisão,- por quanto penetrados os meios do olho por uma luz intensa, as menores particula- ridades de forma, côr e configuração se patenteião, muitas vezes com um certo augmento de volume apparente. Fazendo applicação destes meios ao nosso doente, vemos que as noções, fornecidas pela inspecção ocu- DIAGNOSTICO DA CATARACTA. 103 lar simples, são de ordem á confirmar o que acabo de dizer acerca de sua importância clinica. Mediante este gênero de exploração nos apodera- mos do conhecimento exacto e preciso do estado, em que se achão os olhos do nosso doente. O apparelho protector nenhuma alteração apre- senta, quer em relação á sua constituição anatômi- ca, quer no tocante á sua integridade funccional. A conjunctiva tem a sua côr normal, a cornea é de completa transparência, permittindo divisar-se atra- véz d'ella o iris, que não dá mostras de alteração alguma, e offerece em seo centro uma pupilla peque- na, perfeitamente limitada e no mesmo plano d'esta membrana. Por detráz da pupilla, e em um plano parallelo ao iris, porém mais aproximado do fundo do olho, se descobre uma roda esbranquiçada, tirando muito sobre o amarello, cujos limites são os mesmos da pupilla, quando se observa de frente. Pela observa- ção á luz oblíqua reconhece-se facilmente, que se- melhante opacidade prolonga-se para a peripheria, não sendo possivel attingir-se os seus limites. Entre a opacidade e o bordo pupillar percebe-se, median- te um certo habito no exame pela luz oblíqua, um intervallo de côr preta, brilhante, assemelhando-se a do fundo do olho normal. Esta zona transparente não é igual em ambos os olhos. Ella torna-se mais estreita, e quasi impercep- 104 QUINTA CONFERÊNCIA tirei, no olho esquerdo, isto é, naquelle em que co- mecei declarando que a cataracta já havia com- pletado as phases diversas de sua evolução mór- bida. Ora esta disposição, que mostrão ao exame as partes, de que se compõe o hemispherio anterior do globo do olho, deixa de ser normal logo que a ob- servação franqueia a abertura pupiilar. Todos vós sabeis que no estado normal o fundo do olho apre- senta-se debaixo da forma de um véo negro, que se tenha collocado por detráz de um vidro mais ou menos espesso. Isto que tão francamente cáe debaixo das vistas de quem tem o habito de observações simplesmen- te curiosas, é igualmente na sciencia um resultado desejável, como mais tarde terei occasião de mos- trar-vos, quando tivermos de praticar esta ope- ração. Si, por tanto, á respeito d'este homem encontra-se o que quer que seja de opaco, que reflécte em meio caminho para a retina os feixes luminosos, os quaes devem reproduzir a imagem sobre esta membrana, parece que n'esta disposição anatômica anormal se- rá encontrada a causa de todas as perturbações vi- suaes, senão a moléstia mesma em sua legitima ex- pressão. É certo que algumas vezes affecções do fundo do olho, taes como a amblyopia por intoxicação alcooli- DIAGNOSTICO DA CATARACTA. 105 •ca, e lesões do humor vitreo, são capazes de illudir o pratico pela côr esbranquiçada, debaixo da qual se apresenta a abertura pupillar, contrastando de um modo accentuádo com a côr do iris. Já tenho observado casos semelhantes, e devo prevenir-vos da facilidade com que se pode enganar o cirurgião, si elle limita-se á um exame super- ficial. Quando o exame á luz diffusa for insufficiente, tornando-se incertos, principalmente em virtude dos reflexos, os pormenores diversos que dizem respeito aos meios collocados por detráz do iris, por meio do aclaramento oblíquo pode-se com segurança e pre- cisão reconhecer a sede das alterações anatômicas, e os caracteres que estas revestem. Para melhor apreciarmos estas alterações, instilla- se no olho algumas gottas de uma solução de sulfato neutro de atropina, que augmenta tão notavelmente o campo de observação. Deveis ter notado que após a mydriase a clareza foi sufficiente para satisfazer á vossa observação, ainda acanhada e pouco penetrante. Então conseguio-se descobrir além da côr branca- amarellada, que traduz a existência de uma opacida- de, e cujos limites, máo grado a enorme dilatação da pupilla, não erão divulgados, estrías radiadas, que em numero de três partem do centro da opacidade, e se perdem atráz da membrana iris, dando em re- 106 QUINTA CONFERÊNCIA sultado três espaços igualmente triangulares. Este aspecto, tão interessante por mais de um motivo, apenas foi observado do lado esquerdo. Em relação ao outro lado alguma cousa brilhante e transparente encobria a opacidade, communicando uma coloração mais uniforme e menos accusada. N'estes dados tão significativos se contem perfei- tamente a determinação da sede da moléstia. Quem conhece, ainda que rudimentarmente, a anatomia do globo ocuiar, deve comprehender que outra não poderia ser a sede de taes alterações, senão a lentilha cristalliniana. A posição d'este órgão em relação ao iris, e ao bor- do pupillar, a sua superficie bombeada e sua struc- tura laminar, cotejadas com a disposição relativa da opacidade, e os seos caracteres tão francamente accu sados á observação, nos levão á um gráo irrecusável de certeza, tal como poucas vezes se pode attingir na pratica. É o caso, meos senhores, em que a interpretação dos phenomenos não é susceptível de duvida, não podendo haver dous modos de comprehender o cor- tejo symptomatico, que a exploração faz desfilar diante de nossos sentidos. Não é, porém, somente á determinação do órgão, em que repousa a lesão mórbida, que somos condu- zidos pela observação á que procedemos. Como tivestes occasião de verificar, mesmo á dis- DIAGNOSTICO DA CATARACTA. 107 tancia, ao exame pelo aclaramento oblíquo, pode-se ainda adquirir a certeza da extensão da opacidade em relação ao numero de lâminas do cristallino compro- mettidas, de modo á distinguir-se os casos em que ainda restão camadas do órgão isentas da alteração, d'aquelles em que se acha elle invadido em toda a sua espessura pela lesão, e totalmente opaco. Para quem estuda esta affecção, debaixo do ponto de vista clinico, é indispensável considerar o cristal- lino dividido em três partes distinctas, das quaes duas, denominadas camadas certicáes, limitão-no por suas faces anterior e posterior, e a terceira colloca- da entre ambas occupa a parte central do órgão, constituindo o núcleo da lentilha. Na pratica teremos occasião de verificar as van- tagens preciosas, que resultão d'esta maneira de con- siderar o órgão anatomicamente. Assim as alterações podem ser sobremodo va- riáveis, quer em relação a sua extensão, quer a res- peito do ponto mesmo do órgão, que tem sido inva- dido pelo processo mórbido. Si taes mudanças se passão na structura do cristallino, constituindo um certo uumero de variedades reconhecidas e capitu- ladas na observação clinica, outras manifestão-se ca- racterisando simplesmente as phases differentes da evolução mórbida, sem que comtudo communiquem á affecção um caracter definitivo. N'este doente podeis facilmente verificar o que 13 Í08 QUINTA CONFERÊNCIA acabo de dizer-vos. Em ambos os olhos d'este ho- mem o cristallino apresenta-se opaco; em ambos a côr é mais ou menos parecida, e isto assignala a va- riedade de cataracta, denotando a sua identidade nosographica; com quanto as pequenas differenças, que se revelão á simples observação, careção de uma explicação razoável. Estas modificações, que se descobre nos caracte- res physicos da opaeidade,nos habilitão a assignar-lhe mais ou menos aproximadamente o tempo de sua duração, e bem assim determinar qual dos dous olhos foi o primeiro a soffrer, e qual d'elles se presta ainda a perceber as differenças quantitativas da luz. Vimos o aspecto, que mostrava a opacidade do olho direito aos meios de observação empregados, e compara- mos a uma lamina de madreperola collocada por de- tráz de um vidro pouco espesso. Já o disse também, e é fácil de observar, que o espaço transparente de uma cor escura, que cir- cunda as opacidades, era d'este lado mais largo, con- trastando visivelmente com a côr da mesma opaci- dade, que por este phenomeno mórbido parecia me- nos espessa, do que a do lado esquerdo. O aspecto radiado tão notável n'esta ultima, não se manifesta do lado direito, onde a superficie da opacidade cris- talliniana se apresenta lisa c de uma coloração uni- forme. Isto demonstra, com a maior precisão e evidencia, DIAGNOSTICO DA CATARACTA. 109' que no olho esquerdo as três camadas do cristallino se achão opacas; ao passo que no direito as camadas corticáes anteriores são ainda transparentes, o que eqüivale na pratica a dizer-se que d'este lado a ca- taracta é incompleta, ou, como mais vulgarmente se diz, não attingio ainda a sua maturidade. Quando se procura igualmente por meio da cham- raa de uma vela examinar os reflexos, que se produzem sobre as superfícies transparentes do globo ocuiar, chega-se a um methodo explorador, que até bem pouco tempo gozou da maior aceitação, e era repu- tado de vantagens exclusivas no diagnostico da ca- taracta. Este methodo consiste na verificação das imagens de Purkinje. Resulta do exame destas imagens, no estado de integridade anatômica dos meios dioptricos, que a chamma de uma vela, collocada em frente ao globo do olho, reflecte-se em três superfícies differentes. produzindo três imagens igualmente distinctas. Os raios luminosos divergentes, encontrando em primeiro logar a cornea, produzem o reflexo que retrata a forma e configuração da chamma, no mes- mo sentido em que ella se acha. Esta imagem se mostra do lado externo da cornea por ter esta membrana uma superficie convexa, e estar em rela- ção de maior proximidade da luz. Os raios luminosos, penetrando a espessura da- cornea e o humor aquoso, encontrão na face anterior 110 QUINTA CONFERÊNCIA do cristallino uma outra superficie convexa, sobre a qual devem igualmente reílectir-se, provindo d'ahi uma outra im^ern, que se colloca ao lado in- terno da primeira. Este reflexo, assim como o an- tecedente, reproduz a chamma na mesma posição em que ella se acha; par tanto a imagem é di- reita. Uma terceira imagem se forma, e vem mostrar-se ao lado da precedente, da qual se afasta mais; e torna-se muito menor, do que primitivamente é, na accommodação do olbo para os objectos aproxi- mados. Esta imagem é revirada, significando de um mo- do positivo por esta disposição, que sua origem é n'uma superficie concava. Com effeito os raios luminosos, attingindo a face posterior do cristallino, ou para melhor dizer a su- perficie anterior do humor vitreo, cuja forma é con- cava, reflectem-se; e a imagem que do phenomeiio resulta não é mais direita, por que d'ella voltarão convergindo para um ponto nodál, d'onde se cru- sando devem então divergir para nos dar a noção da forma da chamma, que será por tanto revi- rada. Assim dispomos de um meio de exploração, me- diante o qual é possível verificar-se o gráo de trans- parência das superfícies dioptricas. Este methodo de investigação pode ser de algu- DIAGNOSTICO DA CATARACTA. \\\ mas vantagens para o diagnostico da calaracta; mas por si só não offerece o gráo de certeza desejável, e nem possue a importância clinica que se tem apre- goado. É ;issim que nos casos de existência de ca- taracta a ausência das duas ultimas imagens, ou de uma só d'ellas, é explicada pela opacidade eristal- liniana, e significa que a sede da moléstia é na len- tilha do cristallino, consistindo em uma alteração de transparência. N'este doente a exploração pelas imagens de Pur- kínje, do mesmo modo que vimos a respeito do nela- ramento obliquo, dá logar á observação de phenome- nos, que não são inteiramente idênticos. No lado direito formão-se as duas imagens da chamma, e ambas são direitas, seguindo-se d'ahi que se achão transparentes as duas superfícies á que ellas correspondem, isto é, a cornea e a face anterior do cristallino. A ausência da outra imagem, que é revi- rada, trahe a existência da opacidade das camadas corticáes posteriores. Em relação ao olho esquerdo apenas uma imagem se revela com todo o seo bri- lho e grandeza, representando o reílexo da cor- nea. Isto confirma plenamente os dados, já colhidos pelos outros meios de investigação, firmado nos quaes vos assegurei que a cataracta d'este lado já era completa. O que temos visto a respeito da observação, leva- 112 QUINTA CONFERÊNCIA da ao globo ocuiar, não é, entretanto, a ultima pala- vra da sciencia e os únicos meios exploradores, que a cirurgia tem á sua disposição. Graças á maravilho- sa descoberta do professor ílelmoltz, de Hcidelberg, não conseguimos somente o exame fácil e completo do fundo do olho; mas também a verificação do es- tado e condições de normalidade anatômica, em re- lação aos diversos órgãos, que se achão no caminho do feixe luminoso que o instrumento reflécte, e que váe esclarecer o interior do globo ocuiar. O emprego d'este methodo explorador pode ser feito de dous modos differentes, segundo a maneira de applicar o instrumento. Este se compondo de um espelho e uma lente, pode-se proceder ao exame ou simplesmente com o espelho, aproximando-o bastante do órgão que se quer observar, ou com o auxilio da lente, que contribue á concentrar os raios luminosos,. e augmentar a grandeza da imagem. Si do primeiro modo cáe de baixo da inspecção a imagem direita do fundo do olho; ao passo que com a lente é ella revirada. Este é o processo de exploração mais commumr e que satisfaz plenamente as vistas diagnosticas,. ainda quando se trata das lesões mais circumscrip- tas e de ditficil apreciação. Em outros casos, porém, o ophtalmoscopio se presta a uma applicação de gênero diverso. Apro- veitar-se então o gráo de claridade que os raios di- DIAGNOSTICO DA CATARACTA. I l3 vergentes, projectados de uma luz artificial, refletin- do-se sobre o espelho do instrumento, e concentran- do-se em um feixe volumoso, levão a todas as membranas c meios, que encontrão em seo caminho até a retina. Estes meios de observação devem ser considera- dos como podendo attingir quasi a infallibilidade cli- nica, com tanto que haja da parte do cirurgião ha- bito do emprego do opbtatmoscopio, e conhecimen- to completo do estado pbysiologieo das partes, sobre as quaes se leva as investigações d'esta ordem, e todas quantas modificações são capazes de se mani- festar na esphéra mesma da normalidade funccio- nal. Máo grado a posição mais accessivel do cristalli- no em relação ao traço luminoso, que o instrumento dirige até os elementos sensíveis do apparelho vi- sual, posição e accessibilidade que o sujeitão a apre- ciação de meios mais grosseiros, a inspecção ophtal- moscopica, sempre que se trata de lesões de seme- lhante órgão, torna-se imprescindível; pois que so- mente por este meio de exploração colhe-se parti- cularidades anatômicas, que se esquivavão até então á apreciação, mediante os methodos de exploração que erão conhecidos. Effectivamente a configuração, forma e relações do órgão são circumstancias, que, uma vez alteradas sob a influencia de uma causa morbigena, se revelão 1 J 4 QUINTA CONFERÊNCIA com a maior clareza c precisão á observação ophtal- moscopiea, qualquer que seja a sorte de applicação levada a effeito. Pelo emorego simplesmente do espelho do instru- mento se confirma todos os dados fornecidos pelos outros meios de exploração, principalmente no que diz respeito a opacidade quanto a sua côr, sede e posição, que nos dão de um modo irrefragavel a no- ção exacta do órgão aifectado, e a natureza especial da lesão que o tem invadido. O circulo avermelhado, que na observação ophtal- moscopica corresponde á abertura da pupilla, e no qual normalmente se apresentão á observação os vasos da retina, a papilla do nervo óptico e a macu- la luetea, sendo devida a sua côr á immensa vaseu- larisação da choroide, é substituído n'este doente por um véo espesso c inpenetravel aos raios lumi- nosos. Pode-se apenas em sua circumferencia, que corresponde ao rebordo da lentilha cristalliniana, perceber uma estreitíssima faxa de um verme- lho desmaiado, que nos indica ainda restos de transparência do órgão em sua peripheria, sem que nos dê, entretanto, noção alguma do estado da re- tina. A conseqüência pratica é fácil de ser comprehen- dida, e torna-se de alcance geral. A impossibilida- de óptica é de ordem simplesmente mecânica, não permittindo o accesso da luz até os elementos sensi- DIAGNOSTICO DA CATARACTA. 115 veis da retina, na qual deve ella imprimir a imagem dos objectos que nos rodeião. É assim que torna-se evidente a determinação diag- nostica da affecção, a qual á seo turno demonstra a grande sensibilidade dos meios de exploração clini- ca, consignados na sciencia. Mas não é tudo que d'elles podemos exigir. O exa- me, a que procedemos n'este doente, nos fornece no- ções ainda mais delicadas, do que a existência da cataracta, a designação das camadas do cristallino que se tornarão opacas, sua marcha e progressão. Por seo intermédio podemos chegar ainda a apre- ciação da consistência da cataracta, e ao diagnos- tico de sua variedade, resultados estes de máxima im- portância quando se trata de resolver os principaes problemas nosologicos, táes como os que se referem ao tratamento da moléstia, fazendo o manual opera- torio experimentar modificações notáveis, que podem constituir até processos especiáes. Conhece-se ordinariamente a variedade da cata- racta pela côr e o aspecto, que ella apresenta. Esta que vimos é de um branco amarellado, colo- ração que se accentúa visivelmente no ponto que corresponde ao núcleo do cristallino, d'onde parece ter começado a alteração mórbida, que deo logar a opacidade. Bastão estes caracteres para sabermos que se trata aqui de uma cataracta dura e lenti- cular. 1G 116 QUINTA CONFERÊNCIA Devo confessar-vos, porém, que se uma precisão diagnostica tamanha é indispensável para o bom êxito operatorio, muitas vezes torna-se immensa- mente difficil attingil-a, principalmente quando da parte do pratico não ha o habito indispensável da observação das affecções oculares. Uma outra eircumstancia importante a considerar- se é o volume real da cataracta. É somente depois que o houvermos assignado de um modo mais ou menos aproximado, que pode- remos saber qual a extensão da incisão necessária, afim que a expulsão do cristallino se faça de uma maneira rápida e fácil, e de modo a evitar accidentes, que muito podem influir sobre as vantagens conse- guidas por meio da operação. Ordinariamente quan- do as cataractas são duras e nucleares o seo volume adquire proporções notáveis; mas isto pouca impor- tância tem no presente caso, em virtude do quanto já vos ponderei em relação a uniformidade da côr, que reveste a opacidade em sua parte central, con- trastando com a alvura que corresponde a sua pe- ripheria. Isto nos induz a acreditar, que nos pontos limitrophes do cristallino as suas camadas excêntri- cas pela liquefação se teem reduzido a uma polpa lac- tescente, sendo por tanto o volume apparente da cataracta diminuido em uma proporção, que não nos c dado determinar de um modo preciso. Offerece-se n'esta oceapião a opportunidade de DIAGNOSTICO DA CATARACTA. 117 fazer algumas considerações sobre circumstancias de ordem etiologica e pathogenica, que, em um verda- deiro contraste a respeito do que se sabe de posi- tivo sobre o diagnostico clinico, não se achão ainda convenientemente resolvidas na sciencia. Tem-se dito, por exemplo, e entre outros o ce- lebre Dr. Sigaud, que a freqüência da cataracta é o apanágio do climas tropicáes. Este modo de comprehender a moléstia nos pon- tos mesmos de sua producção, não é mais do que uma simples concepção do espirito, no intuito por ventura de fazer valer os dados estatísticos em favor da doctrina, que considera a diminuição dos líquidos no organismo como a causa efficiente das opacida- des do cristallino. Mas contra o que se pode esperar, de ordem a esclarecer o juizo clinico, táes dados es- tatísticos não existem na sciencia, parecendo até que um trabalho de tal natureza seria despido de um certo critério desejável, por não poder-se preci- sar de um modo exacto as bases, em que se assen- tasse, e as vistas sob as quaes devera ser dirigido. Entre nós posso assegurar que este gênero de le- são não é tão freqüente, como se pode suppor da asseveração do Dr. Sigaud. Pelo contrario a catarac- ta é uma moléstia que raramente se apresenta, talvez porque longe de dever a sua existeneia á perdas pers- piratorias promovidas pela acção da temperatura, que não é no emtanto tão exagerada, sendo aliás van- 118 QUINTA CONFERÊNCIA tajosamente modificada pelas transições que corres- pondem as diversas estações do anno, pareça ella antes o resultado da acção de uma temperatura por demais elevada, tal como aquella á que se expõem os indivíduos, que se entregão a certas profissões mecânicas, e a todo gênero de trabalho junto a for- nalhas, em que o calor sobe á um gráo exagerado. A acção, portanto, é de ordem directa. Effectivamente as perdas teem logar; porém são ellas em tamanha abundância, que justíficão plena- mente os effeitos observados. Resulta de dados estatísticos colhidos n'este hos- pital, que no decurso dos cinco últimos annos teem entrado 6313 doentes; d'estes 51 soffrião de affec- ções do apparelho visual, e apenas 11 de catarac- tas. D'ahi se conclue que a porporção no total de doentes tratados neste estabelecimento é menor de 2 por mil, e em relação ás demais lesões do globo ocuiar é de pouco mais de 1 por cento. Pelo que nos diz respeito, em 1827 doentes, que teem concorrido a minha consulta n'estes dois últi- mos annos, 122 soffrião de moléstias dos olhos, sendo 26 o numero de indivíduos operados de catarac- tas. É preciso, porém, reflectir-se que estes últimos dados não offerecem a mesma importância estatísti- ca comprobatoria que os primeiros, no sentido de verificar-se a freqüência da moléstia; pois que a meo respeito trata-se de uma clinica especial, para a qual DIAGNOSTICO DA CATARACTA. 119 deve concorrer um maior numero de casos de affec- ções oculares. Assim não repousa sobre base segura, e garantida pela observação, a opinião que fáz depender o de- senvolvimento das opacidades cristallinianas da in- fluencia dos climas, podendo-se crer ao contrario que o pouco adiantamento, em que nos achamos a respeito de certas artes mecânicas, e dos aperfei- çoamentos fabris e manufactureiros, que tanto abun- dão nos centros de população na Europa, tornão a moléstia mais freqüente n'esses logares. A influencia da profissão e do gênero de vida do indivíduo cataractado, todos os dias confirmada pelos dados estatísticos de que se pode dispor, acha-se bellamente exemplificada no doente, que temos de- baixo de nossas vistas. Elle foi por mais de nove annos foguista em um vapor da Companhia Bahiana, e como tal obrigado a supportar por longas horas junto as fornalhas um calor elevadíssimo, que não podia deixar de dar logar á abundante e constante transpiração, constituindo perdas assás copiosas, diante das quaes o organismo jamais seria indiffe- rente, participando o apparelho cristalliniano de uma influencia igual, ou mais accentuada, por sua maior exposição aos raios caloriferos. De feito o nosso doente não accusa a precedên- cia de causas de ordem hereditária, muito ao con- trario declara que a vista começou a anuviar-se pou 120 QUINTA CONFERÊNCIA co depois de ter-se dado á semelhante gênero de- trabalho, sendo coagido á abandonal-o, por ver que pouco e pouco o seo estado se aggravava. Para quem conhece o gráo de freqüência das opa- cidades do cristallino nos indivíduos que soffrem de diabetes assucarada, onde o desenvolvimento da mo- léstia encontra sua explicação na diminuição dos lí- quidos, denunciada pela polydipsia e realisada pelas grandes perdas aquosas da ourinação, torna-se fácil comprehender a razão, em virtude da qual a cata- racta, apesar de rara entre nós, se apresenta de pre- ferencia nas pessoas, que se entregão ás profis- sões, em que supportão a acção de um fogo inten- so e prolongado. O effeito, por tanto, do calor em semelhantes con- dições tradúz-se por uma notável avidez do sangue pela agoa, tal como se observa após as grandes emissões sangüíneas. Em virtude d'esta tendência centripeta dos lí- quidos para o centro da circulação, o cristallino é despojado d'agoa que contem em seos interstícios, as suas lâminas conchegâo-se, as suas fibras estrei- tão-se, e o resultado não pôde ser outro, senão a perda de transparência. O effeito, comprehende-se bellamente, não é, e nem poderia ser momentâneo; as transformações se fazem sentir dia á dia, principiando por um peque- no território cellular, para afinal estender-se á toda DIAGNOSTICO DA CATARACTA. 121 a espessura da lentilha, segundo a índole da affec- ção, e as condições em que se acha o doente. É por este motivo, e tendo apoio na observação dos factos e na contemplação phenomenal, julgada pelo critério da razão, que na cholera-morbus, moléstia á cujo respeito pode-se dizer que quasi toda a parte liquida do sangue extravasa-se, não se tem até o presente encontrado a opacidade do apparelho cris- talliniano. Si a cholera-morbus tivesse uma marcha mais morosa e uma duração mais longa, de maneira que os tecidos tivessem tempo de se acommodar ao novo modo de viver anormal, eu cuido que a moléstia nos casos felizes acabaria por ser a origem de verdadei- ras cataractas. Assim mais do que outros quaesquer se achão expostos á esta affecção ocuiar os padeiros, cosi- nheiros, machinistas, foguistas, ferreiros, latoeiros, não sendo rara a moléstia nos ourives, principal- mente quando elles se dão á trabalhos quotidianos de fundição de metaes. Á respeito d'estes últimos recordo-me de ter vis- to, ha pouco tempo, em minha consulta um indiví- duo que de longa data se dêo á profissão de ourives, na qual consumio toda a sua mocidade. A principio, dedicando-se especialmente aos trabalhos de maça- rico, gozou sempre de um gráo admirável de acui- dade visual. Não faz, porem, muito tempo que este 122 QUINTA CONFERÊNCIA pobre homem na esperança de maiores vantagens, entregou-se á especulação das ligas de metaes. O trabalho á forja tornou-se diário, e no ingrato afan não tardou muito á sentir alguma cousa no co- meço como uma nevoa diaphana, que acabou por impedir a visão binocular. Era uma cataracta, que se havia desenvolvido e completado no olho direito. Este homem somente accusava como causa da mo- léstia os trabalhos de sua profissão, attribuindo todo o damno que ella lhe havia causado á acção cons- tante e aturada de um calor de gráo elevadíssimo, como se faz preciso para a fusão de certos metaes. Aquelle doente, assim como o que serve de as- sumpto á esta palestra clinica, offerecia um notável gráo de magrêza; a pelle era seca e árida. Si estes factos que diariamente se observão na pratica não decidem a questão de um modo summa- rio, estabelecendo a verdadeira doctrina pathogenica da enfermidade na grande maioria dos casos, impri- mem-lhe ao menos um certo cunho de probabilida- de, que demanda dos práticos pesquizas mais con- cludentes e reiteradas. Quanto as previsões prognosticas, que se derivão dos caracteres que a moléstia apresenta, cabe ao ci- rurgião apellar para a evidencia dos seos sentidos, consultando a experiência de todos os dias. Este homem, como já me ouvistes, tem uma ca- taracta no olho esquerdo, que é completa, sendo du- Diagnostico da cataracta. 123 ra, nuclear e rodeada em sua peripheria de cama- das corticaes amollecidas. O estado da choroide, que em certos casos pode modificar em sua essência o prognostico da cataracta, é aqui normal. Nada nos revela a existência de um staphyloma posterior; pois que jamais se derão symptomas de um defeito de refracção. A pupilla é de dimensões normaes, ha contracti- lidade do iris, que é de uma sensibilidade tamanha para a atropina, que com as primeiras gottas de uma fraca solução d'esta substancia se dilatou em extre- mo. Os vasos da sclerotica não offerecem injecção apreciável, a câmara anterior tem as dimensões nor- maes, a consistência do globo ocuiar não mostra modificação de consistência, e tudo nos revela a au- sência de complicações das partes equatoriaes do olho, ou do tractus uveal, de natureza embolica ou glaucomatosa, que possa levantar duvidas em rela- ção ao êxito da operação. Pelo contrario ao exame funccional, como acon- selha o professor de Graefe, se verifica o estado de integridade sensitiva dos elementos nervosos, que se distribuem na retina. Examina-se o gráo de sensibilidade do fundo do olho por meio de uma lâmpada, collocada na distan- cia de 10 á 15 pés do doente. Procura-se saber do doente si elle vê a claridade que se desprende da flamma, o que acontece sempre que não existe lesão J2i OI 1NTA CONI ERENC1A dos elementos sensíveis; verifica-se a exactidão do que elle assevera, interceptando a luz por meio da mão. Elle então vos indicará as occasiões, em que a luz se acha encoberta, ou não, pela alternativa de trevas e de claridade. Este exame é da maior importância, e muito mais fiel do que o das phosphénas ou photopsias, por quan- to o doente pode illudir-se á si próprio, accusando um phenomeno que não tem existência real, e não raras vezes intencionalmente, afim de se fazer operar pelo pratico, que não possue meio de verificar a exactidão do quanto se lhe assevera. Demais as photopsias, como o affirma o Dr. Ga- lézowski, são muitas vezes um phenomeno de certas amblyopias, como as que dependem de uma nevrite óptica, das apoplexias da papilla, e até da atrophia papillar, que complica a ataxia locomotôra. Assim, pois, o valor semeiotico do exame das pho- topsias tem-se reduzido notavelmente, ao passo que o exame pela lâmpada, methodo importante de ex- ploração do sempre lembrado ophtalmologistia de Berlim, ganha todos os dias de importância, e o que é ainda melhor, de exactidão e rigor na determina- ção do estado do fundo do olho. Ha, porém, uma lesão interna do globo ocuiar, que complica algumas vezes as cataractas, e cujo reconhecimento pelos diversos meios de investi- gação, si algumas vezes deixa de sêr impossível, DIAGNOSTICO DA CATARACTA. 125 parece comtudo sempre difficil; é o descollamento da retina. Esta lesão ordinariamente tem logar na metade inferior da membrana, e portanto o campo visual deve mostrar-se estreitado em sua metade superior. Quando o indivíduo distingue a claridade da cham- ma collocada abaixo do plano horizontal, que corres- ponde ao diâmetro transverso do globo ocuiar, e não accusa a percepção luminosa, quando ella se acha acima do mesmo plano, é muito provável que se trate de um descollamento da retina. Um exemplo d'esta ordem tive, ha pouco tempo, occasião de observar, verificando depois por meio da operação, cujos resultados, seria desnecessário dizel-o, forão totalmente frustrados. No mez de abril d'este anno compareceo á minha consulta um indivíduo morador no Mar Grande, ten- do o olho direito completamente tísico, e o esquer- do de tal modo desfigurado, que cuidei que se trata- va de algum acontecimento infeliz. O desgraçado homem me informou que havia per-: dido o olho direito após uma ophtalmia, e uma longa serie de operações e cauterisações, que um collega es- pecialista lhe havia feito, e que quanto ao esquerdo não era o seo estado devido Ímmediatamente á acção traumática, e sim o resultado de uma iridectomia, que o mesmo especialista praticou com o fim pura-i mente óptico. 12(> QUINTA CONFERÊNCIA O doente accusava a precedência de uma contu- são n'este órgão, antes de haver perdido o direito; porem, mais de dous annos depois de havel-a soffrido, ainda se guiava por elle. Em conseqüência á sobredita contusão, se mani- festou uma cataracta, e logo depois da tísica do olho direito sobreveio uma ophtalmia sympatica, que acompanhada de um descollamento da retina torna- va a extracção completamente improficua. Pelo exame funccional o descollamento foi suspei- tado; porém acerca da inflammação sympatica diffi- cil era de ser prevista; por quanto o globo ocuiar não apresentava caracteres, que denunciassem a acuidade inflammatoria. Depois da operação, que apesar da difficuldade de que se rodeou correo com a maior felicidade, foi que vi os depósitos pigmentares do humor vitreo, e as desordens internas do olho. Este facto falia bem alto contra a conservação criminosa de um olho tísico, que mais tarde ou mais cedo vem a comprometer o outro; porém igualmente demonstra que vezes ha, com quanto muito raras, em que alguma lesão pode sorprehender ao opera- dor após a operação, por não ter sido possível a sua determinação antes da intervenção cirúrgica, em todo o caso sempre imposta ao cirurgião, como o mais certo dos meios de exploração. Estas rarissimas sorpresas, quasi sempre neutra- DIAGNOSTICO DA CATARACTA. 127 lizadas pela pericia e habilidade do observador, não vos podeiá impedir na grande maioria dos casos, ou na ausência de uma eircumstancia traumática, ou na conservação de um olho tísico, de annunciar ao doente com um gráo de precisão admirável, o resul- tado favorável, uma vez extrahido o embaraço mecâ- nico, que priva a penetração dos raios luminosos até a retina. É assim, que em relação á este homem, cuja opera- ção farei logo que tenhaes completado o vosso estu- do clinico á respeito, eu vos asseguro, com quasi inteira certeza do resultado, o restabelecimento da visão com um sráo de acuidade assás elevado. OA LIGADURA NO ANEURlSMA POPLITEO, SEXTA COMEllEMU. SUMÍlAItlO--Origens da indicaçã.) curativa que domina o tralauiento do aneurisma—Ligadura da artéria femoral no ápice úo triângulo de Scar- pa—Seo manual operatorio- Preceitos que cumpre observar cuidadosa- mente—Inalterabilidade do estado da perna-Resfriamento da extremi- dade d) membro—Suppuração dos coalhos derramados nos interstícios dos tecidos —Formação do phljctenas -Esphacélo manifesto-Signaes da septicemia —Indicações da amputa.ão da coxa. Meos senhores: Quando me oecupei em uma de nossas ultimas conferências do estudo do tumor, que este doente apresenta na perna direita, muito longe estava de suppôr que adquiriria elle a importância clinica, que vos tem sido de tão útil instrucção. Deveis lembrar-vos de que aqui a cabeceira do doente, analysados e cotejados os seos traços carac- terísticos, ficou estabelecido com todos os visos de certeza, que se tratava de um tumor aneurismal. Chegastes ainda mais a reconhecer, que o aneuris- ma tinha sido espontâneo, era verdadeiro, não datan- do de muito tempo a sua formação; porém que nes- tes últimos tempos o seo estado agravou-se consi- DA LIGADURA NO AKEUUISMA POPLITEO. 129 deravelmente, em virtude de violências exteriores, que actuarão, de modo a determinar a ruptura do saco, a extravasação do sangue e coalhos, assim como sua infiltração nos interstícios cellulares. A ligadura da artéria femoral era a operação indi- cada em semelhante caso, e não sendo possível con- temporisar-se pelos caracteres de tamanha gravida- de que offerecia, foi sem tardança praticada, uma vez adquirida a certeza da natureza e sede da enti- dade mórbida. O methodo escolhido foi o de Anel, e por tanto devia-se procurar um ponto collocado entre o coração e o tumor; porém em taes condições, que nem houvesse possibilidade de se restabelecer o curso do sangue no interior do saco, e nem por outro lado ficasse interceptado, de um modo pouco vantajoso, o accesso do sangue em um território vas- cular demasiado extenso. Procurou-se, portanto, o ápice do triângulo de Scarpa, afim de deixar livre a femoral profunda, que muito pode contribuir para o restabelecimento da circulação peripherica, mantendo a actividade nutri- tiva na extremidade do membro. A operação, que todos vós presenciastes, tornou- se notável por sua extrema simplicidade, e extraor- dinária rapidez. Ella consistio em uma incisão paral- lela ao eixo do membro na direcção da artéria cru- ral, cujos batimentos erão por demais sensiveis, aca- bando por descobrir-se o mesmo vaso. 130 SEXTA CON1 ERENCÍA Não havia, pois, razão para um engano, podendo- se bem dispensar todos quantos preceitos vem men- cionados nessas longas e minuciosas discripções, algumas das quaes se impõem até pela precisão geo- métrica, de um effeito brilhante em theoria, mas quasi sempre dispensáveis na pratica. É que no vivo ha para descobrir-se uma artéria o guia de maior critério, de quantos se conhece nos amphileatros, isto é, os batimentos do vaso. É certo, entretanto, que se deve ter muito cuida- do no modo de fazer a incisão, afim que não se dis- tenda a pelle mais de um lado que do outro, des- truindo-se o seo parallelismo a respeito do órgão que se procura. ' N'essas circumstancias é possivel que o operador encontre serias difficuldades para chegar ao vaso, principalmente si á cada golpe de bisturi não pro- curar com a extremidade do indicador da mão es- querda verificar os batimentos arteriáes, fixando sua sede. Nos casos em que são guardadas as necessá- rias cautelas, nada ha a receiar-se. Depois de corta- da a pelle em toda sua espessura, apresenta-se o tecido cellular subcutaneo, que se pode sem grande prejuizo comprehender em parte na incisão dos te- gumentos. Esta deve ser rectilinea, de bordos lim- pos, coincidindo perfeitamente com a direcção da artéria, e comprehendendo uma camada de tecidos uniforme, tanto quanto possa ser, em toda extensão Da ligadura no aneurisma popliteo. 131 da solução de continuidade. Terminada ella o opera- dor em acto continuo, pois que não ha vantagens nas demoras* começa a dissecção dos planos subja- centes, camada por camada, afim de cortal-os com mais segurança, e sempre sobre o rego da lentacanu- da. Por meio da pinça e a ponta do bisturi, em cada um d'elles pratica-se por esta forma uma pe- quena abertura, por onde penetra o instrumento, tanto para cima como para baixo. Esta abertura po- de ser feita em qualquer ponto da ferida, mas eu prefiro sempre na parte central, sendo d'est'arte para cada plano a incisão em dois tempos, que se devem succeder muito de perto. Logo que se corta a aponevrose, o dedo do opera- dor examina toda a extensão da ferida, procura ex- plorar as pulsações, e por tanto as relações da arté- ria com as diversas camadas de tecidos superpostas. Então o dedo do observador resvala em um rebor- do mais ou menos saliente, que se levanta do lado externo da ferida. É o bordo interno do músculo costureiro, ponto de relação de alguma importância para descobrir-se o vaso. Não direi que somente por elle se possa evitar os parceis da operação; porém é um encontro, que anima sobre modo o operador, mostrando-lhe que trilha caminho plano e seguro. Ora isto não é indifferente, principalmente quando não ha grande pratíca de trabalhos d'esta ordem; pois que a coragem se conforta ao descobrir to- 132 SEXTA CONrERENCIA das as particularidades aprendidas na lição dos mes- tres. Quando se chega a este ponto da operação, deve o cirurgião ter immenso cuidado em não deixar que se percão as relações anatômicas da região. O dedo introduzido na ferida afasta o músculo costureiro paia fora, e se aprofunda um pouco em demanda dos batimentos arteriáes, que então se tornão su- perficiaes. O feixe vasculo-nervoso se aeha por esta forma descoberto, porém envolvido ainda n'uma bai- nha espessa, que convém abrir com certo cuidado, e sempre da mesma maneira pela qual se conduzio a dissecção. A pinça prende em seos dentes uma pe- quena dobra do importante invólucro que protege os vasos, e affastando-o d'elles, com a ponta do bis- turí, pratica-se uma pequena incisão na base da mesma dobra, pela qual a tentacanula deve penetrar, dilatando depois a mesma abertura por pequenos movimentos no sentido da direcção das fibras do canal membranoso, que são separadas em uma ex- tensão tal, que se possa observar os órgãos inclu- sos. Então o primeiro vaso que se observa é a veia crural, a qual se acha para o lado de dentro. Pela sua côr azulada, e pela menor consistência e espessura de suas paredes, se distingue perfeita- mente das partes circumvizinhas. É ainda um ponto de guia de grande importância; por que dos dois- DA LIGADURA NO ANEURISMA POPLTTEO. 133 vasos é o que se offerece primeiro a observação, e o que inspira ao mesmo tempo mais sérios cuidados, pelo receio de comprometêl-o durante o tempo da operação, em que se deve isolai-a da artéria. Reconhecidos os dois vasos, introduz-se a tenta- canula entre um e outro, e por um movimento brando de vaivém se rompe as adherencias que os unem, as quaes ás vezes parecem quasi insuperáveis. Terminado o isolamento pelo lado de dentro, pro- cura-se completal-o em todo o circuito do vaso, o que se consegue mediante um igual mecanismo. Então a tentacanula é levada entre a veia e a arté- ria, impellida com segurança por baixo d'esta, para apparecer sua extremidade do lado opposto, perfu- rando assim lâminas de tecido connectivo, que no isolamento são por ventura poupadas. Todos estes preceitos vistes perfeitamente obser- vados pelo vosso distincto professor, a quem tive o prazer de ajudar, e tão somente á elles deve-se o brilhantismo e rapidez da operação, que foi prati- cada em menos de um quarto de hora, e sem o menor incidente digno de menção. Reconhecida a identidade do vaso pelo desappa- recimento dos batimentos no saco aneurismal, em virtude da compressão do mesmo, e a sua volta, logo que esta se relaxava, passou-se o fio em roda da ar- téria, isolada apenas na extensão que bastava para a passagem do instrumento; e o laço da ligadura foi loi SEXTA CONFERÊNCIA estreitado contra as membranas da artéria, e aper- tado de modo que fossem despedaçadas as membra- nas interna e media do vaso. Semelhante phenome- no muitas vezes se traduz por um pequeno ruido seco, caracterisco, que indica o momento, em que &e deve completar este tempo da operação. Depois de ligado o vaso os batimentos aneuris- maes Ímmediatamente cessarão, e a temperatura não tardou muito que descesse de um modo notável. A extrema reducção da columna de sangue então pe- netrada no vaso, ou a sua impermeabilidade era um facto, cujos resultados, posto que realisados nas pro- fundezas do tumor, não se podião esquivar a vossa apreciação, armada com os recursos maravilhosos da physiologia pathologica. Si vós sabeis que no sangue não ha fibrina livre, mas substancia fibrinogena, ou plasmina, que é sus- ceptível de desprendel-a formando-se um coalho, ora em roda de um corpo estranho, ora em contacto com a túnica interna dos vasos alterada em sua com- posição anatômica, ou emfim pelo repouso do sangue imprimindo transformações á globulina, cuja presen- ça n'este liquido tende á separar d'elle concrecções fibrinosas, que se incrustão sobre as paredes do vaso; não vos será difficil comprehender e explicar as mo- dificações, que se deverião produzir na cavidade do aneurisma, depois de interceptada a circulação pelo fio da ligad ura. DA LIGADURA NO ANEUR1SMA TOPLITEO. j ?/,% Dentro do saco devião haver coalhos numeroscs, que desde então representarão o papel de corpos es tranhos, a columna sangüínea ficou em extremo en- fraquecida, senão totalmente interrompida; e portan- to se realisavão as condições mais favoráveis para a formação de novas incrustaçòes fibrinosas, verda- deiras estratiíicações membranosas, susceptiveis de se organisar em eontacto com as paredes do aneu- risma, obliterando afinal a sua cavidade. Effectivamente dentro em vinte quatro horas o volume do tumor se linha visivelmente diminuído; porém a sua tensão e durezi se conservarão quasi inalteráveis. A coxa se achava sufficientemente aque- cida, e bem assim o joelho e a metade superior da perna, comprehendendo a tumefacção aneurismal. O resto do membro apresentava um verdadeiro con- traste á apalpação, denunciando differença notável na temperatura, que se havia ainda mais abaixado. A reacção febril era nulla. Dois dias depois o tumor não apresentava ainda mudanças apreciáveis em relação aos seos caracte- res, conservando-se estacionario. A temperatura do pé e do terço inferior da perna baixou consideravel- mente, parecendo augmentar em igual proporção na região correspondente ao tumor. O pulso já batia cento e dez pancadas, e o thermometro registrava quarenta gráos de calor na axilla. O doente não se queixava de alteração alguma mais, a suppuração 130 SEXTA CONFERÊNCIA começou a formar-se na ferida, porém em pouca abundância. Passados três dias depois da operação, o numero de pulsações tinha baixado a cem, observadas estas como sempre na hora da vizita, e a temperatura era de 38,4. O resfriamento do pé circumscrevia-se nos mesmos limites; porém era mais notável, não obs- tante a applicação de sacos de areia quente em der- redor da parte resfriada. O volume do tumor per- maneceo inalterável, e bem assim sua tensão e con- sistência, acrescendo somente a sua maior sensibili- dade á apalpação. A ferida praticada para a ligadura, entregue desde a occasião da operação á suppuração, continuava en- tretida pela presença do fio, offerecendo o melhor caracter. D'esta data em diante o aspecto do membro ne- nhuma modificação pareceo revelar á observação diária. A extremidade inferior não recuperou mais a sua temperatura normal, mantendo-se em completo resfriamento. O tumor aneurismal conservou os seos caracteres anatômicos anteriores; o pulso e a tem- peratura todos os dias decrescem de modo a chegar o primeiro a setenta e seis pulsações, e a segunda a 37 gráos de calor. O resultado da operação se acha, portanto, com- prometido, e até a vida do doente exposta aos aza- res de um accidente, cuja natureza devia ser pre- DA LIGADURA NO ANEITUSMA POPLITEO. 137 vista, assim como a gravidade de suas conseqüên- cias. Antes de completar-se a primeira semana depois da operação, algumas phlyctenas já se mostravão na região extero-inferior da perna, sobre a qual o mem- bro repousava. Estas bolhas a principio acuminadas achatarão-se depois, descoílando a epiderme em uma extensão maior, e multiplicando-se notavelmente. A pelle mostrou-se enrugada no resto da superficie, d'onde a vida já se havia ausentado. A sensibilidade foi gradualmente desapparecendo da circumferencia para o centro do membro, até que ao cabo de do- ze dias o esphacélo se tornou completo, e a linha divisória eslabeleceo francamente os limites entre as partes vivas, e a porção do membro mortificada. Acima d'este traço inflammatorio nota-se tume- facção mais ou menos saliente, e o doente accusa uma dôr atroz pela pressão. N'este ponto se perce- be um certo gráo de amollecimento com fluctuação obscura. 0 estado d'este desgraçado tornou-se insupporta- vel, a insomnia e as dores começarão a alordoal-o sem tregoas, a febre mina-lhe o organismo, con- sumindo-o lentamente. A perda do doente é, por- tanto, um facto inevitável e fatal, caso o cirurgião cruze os braços desesperando dos recursos, que pela sciencia lhe forão confiados. Os symptomas são assustadores, toda organisa- 138 SUMA CONFERÊNCIA cão se acha em verdadeiro alarma. Ha Uma septi- cernia manifesta determinada pela penetração dos princípios pútridos na torrente circulatória, e ali- mentada por um foco de infecção, cuja sede é no próprio organismo. Uma indicação, portanto, se le- vanta instando por uma solucção prompta e decisi- va; uma indicação suprema, como supremo deve ser o meio de preenchel-a. É separar da economia o fo- co, cuja presença perante os tecidos vivos constitúe uma ameaça tremenda, e capaz das mais desastradas conseqüências. Cumpre ao pratico voar em soccorro ás forças orgânicas para auxilial-a em sua desespe- rada defesa, separando pelo traumatismo aquillo que a natureza indica pela linha divisória, e pela acção phlegmasica, em cuja lucta d'outra sorte deveria afi- nal succumbir. Semelhante indicação só poderá ser attendidn, com resultados garantidos para a organisação, me- diante a amputação, que é reclamada instantemente por uma situação tão desesperada, onde nãoselobriga ao menos uma pallida esperança de salvação para o doente. A escolha do ponto, em que se deverá praticar a operação, não é mais livre ao cirurgião; a extremi- dade do membro se acha gangrenada, o logar de eleição deve ser a sede de profundas destruições, e somente resta a amputação da coxa como a única possível. DA LIGADURA NO ANEURISMA POPLITEO. 139 È senão examinemos. A extremidade do membro se acha esphacélada, e irremediavelmente perdida. Após muitos dias de al- gidez a pelle começou a enrugar-se. Em breve se- parou-se dos tecidos subjacentes, aniquilados pela mortificação os laços cellulares que a prendião; de modo que pode-se tirar uma verdadeira bota intei- riça, constituida pela pelle da perna e dorso do pé, tendo por base os tegumentos espessos e endureci- dos da região plantar. Por baixo da pelle se filtra üma putrilagem de côr escura meio arruivada, dotada de um cheiro franca- mente gangrenoso. Os tecidos subjacentes mostrão-se de uma côr violacea uniforme, e se limitão com as partes sans por uma ourela bastante saliente de di- recção irregular, apresentando em alguns pontos de sua extensão ângulos reintrantes, que são occupados pelos tecidos mortificados. Estes parecem occupar um plano abaixo do nivel da pelle sã, o que poderia fazer crer em um começo de atrophia da parte. Este engano de óptica é> porem, de um modo fácil evita- do. Bastará examinar-se com certo cuidado os teci- dos, que constituem a linha divisória em suas diver- sas modificações. Si a isto procederdes, ao simples toque será percebida a sensação, que lembra a do ede- ma do tecido cellular subjacente á pelle, e que em cli- nica se conhece debaixo do nome de empastamento. Todos quantos teem observado este doente devem 140 SEXTA CONFERÊNCIA ter chegado aos mesmos resultados, que aqui consig- no. É assim que me causa certo reparo a mudança de consistência dos tecidos, que correspondem atu- mefacção sobredita, os quaes são molles e depres- siveis debaixo dos dedos do observador; porém ja- mais se succedendo a mossa digital, como ordinaria- mente se observa para com o simples edema. Um phenomeno, entretanto, se apresentou, para o qual desde logo altamente chamei a vossa attenção, —foi a dor. O doente nem de leve tolera o contacto do dedo, sem impellir gemidos, accusando dores atrozes, que fora d'estas occasiões são francamente pulsativas. So- bre este ponto principalmente ha um augmento de calor acima da temperatura do resto do membro, poupado pelo esphacélo. O calor diminue gradual e sensivelmente a medi- da que se aproxima da articulação do joelho, acima da qual ha uniformidade de temperatura. Em rela- ção ao tumor o que vistes? Leve diminuição de vo- lume dentro das primeiras vinte quatro horas, e de- pois ainda mais insignificante do oitavo para o nono dia. Foi differença esta que não chegou a diminuir de uma pollegada a circumferencia do membro no ponto correspondente ao tumor, cuja medida tem sido diariamente tomada. O augmento excessivo de calor, contrastando com o frio glacial do pé, alguma cousa devera revelar DA LIGADURA NO ANEI RISMA POPLITEO. 141 além d'este esforço orgânico de natureza phlegmasi- ca, no intuito de extremar as partes gangrenadas dos tecidos que ainda gozão do influxo vivificador, que lhes envião os centros elaboradores da vida. A dôr é igualmente exagerada, para encontrar uma explica- ção completa nesta simples reacção inflammatoria. Tudo, entretanto, nos conduz a uma conclusão, de ordem clinica mais importante;, e que enche perfei- tamente a lacuna, deixada pelo juizo apreciativo, é o phenomeno da suppuração. É certo que a respeito d'este indivíduo os phenomenos não se apresentão á observação com sua costumada evidencia; mas a intensidade de certas manifestações inflammatorias, que são essencialmente geradoras da neoplasia pu- rulenta, junta ao estado de espasmo convulsivo das paredes arteriáes, que se torna tão sensível no pul- so, além dos demais phenomenos observados sem interrupção durante a longa phase da moléstia, com- municão ao diagnostico tanta luz, que não é mais possivel duvidar-se da complicação suppurativa. E deve esta complicação influir notavelmente, não mais em relação a operação da ligadura, que esta fora em pura perda para o doente, porém directa- mente em relação a norma de proceder do pratico no intuito de conjurar os perigos, mediante uma in- tervenção hábil e racional. O que ha, pois, a aproveitar-se no meio d'esta des- truição tão profunda^ que o doente apresenta? 112 SEXTA CONFERÊNCIA Um pé e grande parte da perna correspondente esphacélados, um saco aneurismal dilacerado e der- ramando coalhos por entre os interstícios muscula- res, a parte distendida além do possível e annun- ciando profundas alterações de todos os órgãos sub- jacentes, táes como músculos, vasos e até ossos; e como um tremendo desenlace, phenomenos manifes- tos de uma depressão profunda do organismo, e de uma extrema miséria das forças nutritivas pela pre- sença de princípios pútridos no sangue, o que consti- tue um estado de verdadeira septicemia. Tal é o estado que apresenta actualmente este doente, e que o submette a novos perigos, de certo mais assustadores, do que aquelles que temos pre- senciado até hoje. Em nosso primeiro encontro vos communicarei o que se houver dado em relação á nova operação, porque váe elle passar, a qual, como bem podeis julgar pelo caracter ameaçador que o seo estado apresenta, não poderá ser por mais tem- po addiada. ABSCESSO DA F0S3A IÜACA. SÉTIMA COMEilKXClA. StMMAlUO — Valor do juizo diagnostico no primeiro septenario da moléstia — Importância dos svmptomas locaes—Modo de reconhecer a fluctuação - Como a apreciação dos svmptomas nos leva ao conhecimento exaclo das lesões anatômicas—Da retracção do membro-Influencia causai do vicio escropliuloso e da diathcse tuberculosa—Terminações da enfermidade — Importância da intervenção cirunjica nos abscessos da fossa iliaca—Ma- nual operatorio que meluores resultados pode produzir. Meos senhores: Achamo-nos junto ao leito de um doente, que ha mais de oito dias teve entrada neste hospital, e cuja enfermidade envolvendo questões de certa impor- tância pratica, atrahirá por certo a vossa attenção, tanto que seja conhecida em suas origens pathoge- nicas e em seo habito phenomenal. Trata-se de uma moléstia que tem certo gráo de freqüência em nosso clima, no qual não parece comtudo modelasse ás influencias da temperatura ou das estações. É assim que encontra-se neste doente um dos melhores typos mórbidos nesse gê- nero, e não obstante estamos em pleno inverno, ha muitos annos nunca visto n'esta cidade. Si esta individualidade pathologica não é assás co- 144 SÉTIMA CONTERENCLlí nhecida na pratica, a razão não reside em sua rarida- de clinica; mas na difficuldade de seo diagnostico, ro- deado ordinariamente de duvidas e incertezas, por não se haver ainda convenientemente estudado a moléstia sob o ponto de vista verdadeiramente pra- tico. Este caso offerece-nos uma instrucção completa no tocante á este gênero de lesão, cujas manifesta- ções uma vez bem discriminadas, e comprehendidasr esclarecem por tal forma o juizo diagnostico, que chegamos muitas vezes á fazêl-o ao primeiro olhar. Este rapaz, que apenas conta 21 annos de idade, queixa-se de uma dôr surda e constante na fossa iliaca esquerda, a qual acompanha-o de certo tem- po á esta parte, augmentando de intensidade á apal- pação. O doente chama-nos a attenção para a resis- tência que este symptoma tem apresentado á todos os meios empregados até o presente, entre os quaes se nota as emissões sangüíneas locaes, as fricções resolutivas de toda ordem, o calor humido e até ul- timamente a applicação de um vesicatorio sobre a parte. Máo grado tudo, porém, a dôr tem persistido, ir- radiando-se para o hypogastrio e para a coxa. Coincide com este phenomeno, desde que se fez elle sentir pela primeira vez, um apparelho febril bem accentuado, com verdadeiros paroxysmos á tar- de, caracterisados por calefrios intensos, augmento 'AISSCESSO A FOSSA ILIACA. 145 ■da temperatura e acceleração do pulso, que excede notavelmente o numero de batimentos normáes. Estas revelações symptomaticas, de uma incontes- tável periodicidade, poderião conduzir-nos á crer que se tratava neste doente de uma simples mani- festação palustre, si além de outras muitas conside- rações, que conhecereis mais tarde, não fosse o doente um marinheiro, chegado ha dias n'este porto depois de uma longa travessia, e não faltasse o ter- ceiro estado da febre intermittente, isto é, a exage- ração da transpiração. Ao contrario d'isto vemos que a pelle é seca e co- riacea, jamais orvalhada de suor, deixando este de apresentar-se desde a invasão da moléstia. Demais o tratamento pelo sulfato de quinina tem sido ensaiado sem resultados definitivos. Si á prin- cipio esta medicação pareceo abortar algum accesso, ou modificar-lhe ainda que levemente a sua feição mórbida, acabou afinal por não poder obstar a acui- dade symptomatica; pois que os seos caracteres se apresentão actualmente com a violência primitiva. A anorexia tem acompanhado as manifestações já mencionadas, guardando a mais notável proporção para com ellas. O estado da lingua, que é coberta de um enducto esbranquiçado, as perturbações das funeções digestivas, filiadas Ímmediatamente a reac- -ção febril, e as náuseas que por vezes elle tem sen- tido, indicão a existência de um embaraço gástrico, MG SÉTIMA CONFERBNGU complicação que tantas vezes sobrevem á aftecçõès semelhantes. Com este limitado quadro symptomatologico, de um ensino tão vago* parece assás difficil, senão im- possível, a determinação clinica. Entretanto é tudo que no primeiro septenario da moléstia se pode obter de preciso e exacto, e que concorra para o juizo diagnostico. Dahi deriva-se a facilidade com que n'essa epoeha da doença tem sido ella confundida com uma loca- lisação insidiosa da affecção tuberculosa, e principal- mente com uma febre typhica, quando os phenome- nos locaes se passão na região inguinal direita. É só após uma longa experiência, e um estudo re- flectido dos factos clinicos, que se torna possível desconfiar-se da existência da moléstia. Algumas vezes a dôr passa quasi inteiramente desapercebida, e bem assim o empastamento que á ella correspon- de, o qual dá a sensação de tumores estercoraes, for- mados em virtude da demora na expulsão das fezes, offerecendo assim a maior difficuldade á distinção diagnostica. Em taes condições, onde se poderá encontrar as bases indispensáveis para um juizo seguro? Com o correr dos dias, entretanto, os phenome- nos locaes se accentuão mais, e despertão então a attenção do doente. É por isso que este rapaz não tardou á reconhecer que seos padecimentos tinhão Abscesso da fossa iliaca. 147 ijpior sede a região inguino-abdominal esquerda, onde além da dôr continua, e se exacerbando pela pres- são, descobrio mais tarde a existência de um peque no núcleo endurecido, que constituía o ponto cen- tral d^esta athmosphera dolorosa. A pressão revela- va, á partir d'elle como centro, uma diminuição gra- dual da sensibilidade mórbida, á medida que se ca- minhava para a peripheria> até extinguir-se inteira^- mente nas zonas excêntricas. Além da pressão os movimentos do membro ab- dominal esquerdo, por menos extensos que sejão, augmentão sobremaneira a dôr inguinal, pelo que é obrigado o doente á manter-se em uma posição in- variável, que commummente é o decúbito dorsal. Este indivíduo accusa ainda uma sensação de pe- so na fossa iliaca, phenomeno que torna-se mais incommodo, quando elle se deita sobre o lado di- reito. Com todos estes dados symptomatícos o diagnos- tico da enfermidade se acha tão aclarado, que parece impossível ser ella desconhecida, principalmente com o auxilio de um novo signal, que se colhe da retrac- ção da coxa. Effectivamente, desde o primeiro dia que o vi, este doente apresentava o membro abdomi- nal esquerdo em um verdadeiro zig-zág. A perna se acha dobrada sobre a coxa quasi em angulo recto, e bem assim esta sobre o abdômen. Ha além d'isto constipação de ventre, symptoma 20 '14$ SÉTIMA CONFERÊNCIA que o acompanha, á datar dos seos primeiros sofc mentos, se accentuando mais depois do desenvolva do tumor da fossa iliaca. Ainda hoje, senhores, percebe-se distinctamente todos os phenomenos, que vos tenho aqui mencio- nado, com a simples differença que no doente elles teem uma expressão mais luminosa, para quem os observa no intuito de capitular o facto mórbido. Acabo de notar, entretanto, alguma cousa que nos vem desvendar particularidades do maior interesse pratico. É certo que a região inguino-abdominal, em virtude da retracção dos músculos psôas e iliaco, ou simplesmente d'este ultimo, se esquiva á observa- ção. As partes molles da raiz do membro encobrem^na de certo modo á inspecção ocuiar, que não poderá jamais revelar-nos os conhecimentos positivos da lesão. Na ha mudança de côr na pelle, nem sobresáe muito a proeminencia da parte, sendo comtudo vi- sível o contraste entre as regiões congêneres, pela elevação diffusa que se apresenta acima do ligamen* to de Poupart. Porém só a apalpação nos dá noção positiva e exacta dos caracteres anatômicos do tumor, É assim que verificamos a sua resistência elástica á pressão, cedendo de alguma forma aos dedos que o recalcão, para sobresair logo após de seo levanta- mento, voltando ao volume anterior. ARSCESSO DA FOSSA ILIACA.. 14?) É ainda por meio da apalpação que se consegue circumscrever o tumor, e que nos apoderamos das noções relativas á sua consistência, e á sua disposi- ção anatômica. Tentando limitar com os dedos de nma e outra mão os pontos extremos do tumor, e comprimindo do lado mais resistente e endurecido rápida e vigorosamente, ao passo que na extremida- de opposta conservão-se os dedos em leve contacto com os tecidos, reconhece-se uma ondulação pro- funda, ainda que obscura, que nos leva ao conheci- mento da fluctuação. Estes dados bastarão para que, desde que tive occasião de observal-os, formasse o meo juizo á res- peito d'esta moléstia, declarando-vos que se tratava de um abscesso da fossa iliaca. É pela apreciação ^xacta do quadro symptomatico, que se desenrola á nossos olhos, que chegamos sempre ao diagnostico precisod a enfermidade. A dôr, com quanto obtusa á principio, aggravan- do-se depois pela pressão e até pelos movimentos do corpo, a elevação da parte acima do nivel normal,. e o decúbito dorsal, como a posição mais supporta- vel pelo doente, apontão com a maior evidencia a sede da moléstia. O seo pequeno volume exterior, e a possibilidade de ser repellido para o interior do abdômen, afasta- vão a possibilidade de um tumor formado nas pare- des d'esta cavidade. Os calefrios e a reacção febril, 150 SÉTIMA CONFERÊNCIA com caracter periódico, exacerbando-se por vezes, assim como as perturbações das funcções digestivas, em um estreito conjuncto com os phenomenos lo- caes, revelão a natureza inflammatoria da affecção. A existência do empastamento á principio, e de- pois o desenvolvimento de um núcleo duro, doloroso e circumscripto, e de uma notável fixidade, denotão o engorgitamenlo do tecido cellular sub-aponevro- tico, e por tanto a sua situação abaixo da fascia iliaca. A sensação de peso e a constipacão de ventre nos dão approximadamenle o volume, que o tumor tem attingido. A exasperação do movimento febril n'este últimos dias, assim como a maior intensidade dos phenome- nos locaes, e mais do que tudo a fluctuação, que já se manifesta, nos demonstrão a existência de um foco purulento na sede já reconhecida do mal. Em quanto á retracção do membro, que valor se- meiotico deverá ella assumir na pratica? Procuremos as causas de que depende este symp- toma, estudemol-o em sua natureza mesma; porque só assim poderemos chegar á conhecer a sua impor- tância diagnostica. Podendo acontecer que se attribua á flexão das diversas secções do membro a dôr que existe, ou que o doente suppõe existir no joelho, passei á exa- minar com o maior cuidado esta parte. Sem que ARSCESS0 fik FOSSA ILIACA. 151 communicasse movimento algum á coxa e á bacia consegui com summa facilidade estender a perna so, bre a coxa, e foi então, apoderado de certa sorpresa, que este indivíduo reconheceo nada haver n'esta re- gião, não sendo a dôr mais do que um caracter sym- pathico. Este phenomeno, portanto, terá uma causa diver- sa, que deve residir muito provavelmente nos mús- culos psôas e iliaeo, consistindo na perda de exten- sibilidade da fibra muscular. Estas alterações de te- cido não podem ser explicadas por outra causa, se- não o estado inflammatorio idiopathico (psoítis), ou propagado por vizinhança (phleug rões sub-perito- naes, sub-aponevroticos, e lateraes do pelvis na mu- lher). Como quer que seja, o phenomeno, não é instineti- vo, como julga o professor Nélaton, e nem tão pcuco de- vido ao symptoma dôr, que além de não ser sempre de tamanha intensidade que possa justifical-o, algu- mas vezes é quasi nulla, sendo no emtanto a retrac- ção do membro por demais evidente. Além disto por maior que seja o esforço communicado ao membro não é possível estendêl-o, e isto ainda depois da chlo- roformisação, que já foi por mim ensaiada, apenas conseguindo tornar mais obtuso o angulo da flexão. Em quanto á mim este phenomeno, sempre que existe, reconhece por causa uma lesão phlegmasica, residindo ou no músculo psôas» nos casos raros em 152 SÉTIMA CONFERÊNCIA que se apresenta a suppuração d'este músculo, ow no músculo iíiaco, quer seja elle invadido pelo phleug- mão, ou simplesmente como um effeito de irradiação inflammatoria de órgãos vizinhos. Aqui o facto acha sua explicação natural na in- flammação do tecido cellular, situado abaixo da fas- cia iliaca, e por tanto é muito provável que além de ser o músculo iliaco participante na manifestação mórbida, elle tenha também concorrido para a sup- puração tão abundante, que deve abi haver. Em todos os casos d'esta moléstia, que tenho en- contrado em minha pratica, este phenomeno não tem faltado. Entretanto sobe á quatorze o numero de doentes de abscessos da fossa iliaca, que de mo- mento me posso lembrar, além de dous casos que no tempo de meo tirocinio acadêmico tive occasião de observar na clinica do professor Alves, nos quaes igualmente se apresentava a retracção do membro abdominal. Toda a vez, por tanto, que na pratica reconhecer- des que o doente mantém a coxa dobrada sobre a bacia, e que não pode estendêl-a, máo grado as vos- sas instâncias—o primeiro cuidado, que devereis ter,, será examinar a região inguino-abdominal corres- pondente, e todos os pontos que a limitão, tanto para o lado da região umbelical, como para o da crista iliaca e região lombar. Si ti verdes sempre presente ao espirito este conselho, que é o resultado do ha- ABSCESSO DA FOSSA ILIACA. 153 hito de ver constantemente casos de moléstias, que teem sua sede nestas regiões, rara vez vos transviareis do verdadeiro caminho, que vos conduzirá ao diag- nostico da sede do mal, a qual é sempre no abdô- men, e especialmente na fossa iliaca, onde os tumo- res phleugmonosos são por demais freqüentes. Tereis por certo notado que na enumeração das diversas alterações mórbidas, existentes n'este doen- te, eu não tenha feito menção da erupção dis- seminada, que elle apresenta em toda superficie cu- tânea. Foi muito intencionalmente que aguardei para depois de toda a symptomatologia o estudo e apre- ciação d este phenomeno. Á primeira vista esta erupção parece mostrar a physionomia francamente herpetica, ou parasitaria; porém por um exame mais cuidadoso, e tendo prin- cipalmente em consideração os antecedentes do doen- te, reconhece-se como uma das formas mais fre- qüentes das escrophulides. Esta erupção cutânea de aspecto pruriginoso nos indivíduos escrophulosos, e em certos casos de dia- these tuberculosa, não é rara; eu a tenho observado grande numero de vezes, e ao meo ver ella jamais participa da natureza dartrosa. Quando se trata sim- plesmente do vicio escrophuloso, esta erupção se encontra não tanto nos adultos, como nas crianças descendentes de pães cacheticos ou affectados de tuberculos pulmonares. Pelo que diz respeito aos 154 SÉTIMA CONFERÊNCIA adultos, e este doente parece um optimo exemplo d'isto, a erupção cutânea, tão notável pelo vivo pru- rido de que se acompanha, é mais vezes um signal da diathese ou de manifestações tuberculosas. Um dos vossos maiores cuidados consistirá em subir á fonte hereditária, apreciar o seo cunho es- pecial, e não satisfeitos com as probabilidades que resultão d'esta eircumstancia, procurar a causa na3 affecções anteriores, principalmente da infância, onde sorprehende-se quasi sempre a marcha do vicio ou affecção transmittida. Um dos melhores meios de attingir a verdade, em relação a influencia da hereditariedade, consiste em examinar attentamente os gangliões lymphaticos, principalmente os que oecupão a região cervical, on- de as manifestações escrophulosas são as mais fre- qüentes. N'este doente, por exemplo, reconhecereis a existência d'este engorgitamento genglionario em sua infância, e por mais de uma vez manifestações, cujo caracter e natureza não são passíveis de duvida em virtude da escrophulide pruriginosa, que actual- mente encontramos, coincidindo com o desenvolvi- mento do phleugmão iliaco. Não é, porém, só isto que nos refere este indiví- duo, em relação á esclarecer a etiologia da moléstia. Elle nos diz ainda mais que descende de pães tu- berculosos, e que sua mãe, não ha muito tempo, suecumbio á tísica pulmonar. ABSCESSO DA FOSSA ILIACA. 155 Este facto, que não se acha na pratica sufficiente- mente elucidado, por não terem as vistas clinicas convergido para tal fim, merece ser ventilado de um modo preciso e satisfactorio; porque nelle vae inspi- rar-se a therapeutica da enfermidade. A influencia escrophulosa no desenvolvimento dos abscessos da fossa iliaca, assim como nas suppura- ções em geral, é um facto que, presentemente para mim, se acha comprovado com tamanha evidencia, que não será mais susceptível de duvidas. O celebre professor Grisolle, que em relação á es- ta affecção deixou traços nosographicos de tanta luz, que guiasse os futuros observadores, não explorou esta fonte etiologica, e despresando igualmente as pes- quizas pathogenicas deixou deattingir conclusões cli- nicas, de ordem á instituir as indicações causaes no tratamento da moléstia. Entretanto os casos em que ella reveste o caracter de uma verdadeira e sim- ples manifestação do vicio escrophuloso, entre os que eu tenho tido occasião de observar, são tão nu- merosos que me levão á acreditar, que um estado particular do tecido cellular da fossa iliaca preexiste ao desenvolvimento do phleugmão, bastando somen- te a intervenção de qualquer causa occasionadôra, que incite maior somma de actividade funccional e nutritiva, a qual virá pervertida pela tendência mor- bigena. ; Para demonstração do que vos tenho dito, passa- 21 156 SÉTIMA CONFERÊNCIA rei á apresentar-vos alguns factos clínicos, que na occasião me occorrem á memória. Morava na rua do Alvo um indivíduo, sapateiro, de 45 annos de idade, pouco mais ou menos, que dado sempre á engorgitamentos ganglionarios, prin- cipalmente cervicaes, em junho de 1869 começou á apresentar um estado febril quotidiano, acompanha- do de calefrios, e de caracter periódico. Elle sentia dôr obtusa na fossa iliaca direita, se irradiando para a região umbelical, constipação de ventre, e retrac- ção do membro abdominal correspondente. Desde o começo de sua moléstia este infeliz foi tratado por um dos clinicos de mais fama 4'esta ter- ra, o qual desconheceo redondamente a affecção de que se tratava. Como o doente apresentava o carac- ter escrophuloso bem accentuado, tinha tosse uma ou outra vez, e ao mesmo tempo febre com o caracter hectico, o nosso collega capitulou o padecimento de tísica pulmonar. N'este sentido o doente se medicou até o mez de setembro do mesmo anno, em que fui consultado so- bre seo soffrimento. Como poderia acontecer á qualquer de vós, que me tendes ouvido sobre o diagnostico dos abscessos da fossa iliaca, conduzido pelo preceito que deixei estabelecido no tocante ao exame dos doentes, dian- te de um conjuncto de symptomas tão significativo, • meo primeiro cuidado foi examinar a fossa iliaca. ABSCESSO DA FOSSA ILIACA. 157 A apalpação d'esta região me revelou a existência de uma grande colleção purulenta da mais evidente fluctuação. 0 estado geral do doente era, noemtanto, desani- mador. Havia diarrhéa colliquativa e soluços. Eu julguei conveniente abster-me de qualquer interven- ção num caso como este totalmente perdido, e dis- puz-me á ser mero expectador dos acontecimentos, No dia immediato, ou fosse pelas pressões que exerci na região doente, ou pela marcha mesma da enfer- midade, nas dejecções foi expellida uma grande quantidade de pus. A região inguinal baixou um pouco; porém não tardarão muito em apparecer phe- nomenos de decomposição pútrida, e uma perito- nite, que levou o doente dentro em poucos dias. Para ainda melhor demonstrar-vos a influencia do vicio escrophuloso, e bem assim da diathese tuber- eulosa, eu mencionarei um caso clinico, á respeito do qual não se tem chegado á um accordo sobre o diag- nostico que estabeleci, do qual divergem alguns de meos collegas, aliás muito distinctos. Trata-se de uma doente de 15 para 16 annos de idade, filha de pães tuberculosos, um dos quaes fal- leceo de tísica pulmonar, apenas um anno depois do nascimento delia, e outro teve por algumas vezes abundantes hemoptyses. Esta interessante moça te- ve, ha pouco tempo, a dôr de perder um irmão vic- timado pelos tuberculos pulmonares; o que veio de- 158 SÉTIMA CONFERÊNCIA monstrar de um modo evidente a posse da desdíto- sa herança. Gozando de uma saúde mais ou menos regular, varias vezes foi ella affectada de keratites, que ce- dião á um tratamento tônico, á exposição ao ar livre, á acção do sol, e aos passeios emfim. Pela segunda vez, no mez de janeiro do corrente anno, apresentou-se um notável desenvolvimento dos gangliões cervicaes, que durou por espaço de três mezes, pouco mais ou menos, cedendo a final mediante o uso do iodureto de potassium internamente, e de uma fricção reso- lutiva. Em seguida, e depois de um banho frio, apresen- tou-se uma dôr vaga no quadril direito, acompanha- da de um apparelho febril francamente intermitten- te. A principio julgou-se que era o caso de uma febre palustre ou rheumatismal; e foi-lhe adminis- trada uma dose de 50 centigrammas de sulfato de quinina. Effectivamente o accesso não tornou no dia immediato, porém não deo elle logar á proclamar-se o triumpho da medicação; por quanto dentro das 48 horas seguintes voltou ás mesmas horas, com o mesmo caracter, e ainda com violência maior. A dor não tardou em circumscrever-se á região inguino- abdominal, estendendo-se para o lado da crista ilia- ca e da região lombar. O ponto que corresponde ao centro de maior intensidade da dôr, faz-se conhecer por um augmento de volume, que, com quanto não ABSCESSO DA FOSSA ILIACA. 159 seja muito considerável, nenhuma referencia apre- senta em relação aos gangliões inguinaes. D'estes se mostrão dois mais engorgitados, e occupão a do- bra di virilha. O tumor que superiormente se revela á simples inspecção, e ainda melhor á apalpação, procede da cavidade abdominal, onde tem a sua sede. A retracção da coxa se apresentou de modo á im- possibilitar completamente a extensão do membro. A menstruação não voltou mais, desde que começa- rão os padecimentos da doente; e esta apresenta um notável emmagrecimento. Todas as tardes é assaltada de calefrios intensos e febre ardentissima, que assemelhão-se ao accesso de uma verdadeira perniciosa. Estes phenomenos, porém, não teem longa duração, cessando ao voltar a calma, que se faz acompanhar de um extremo abatimento das forças nutritivas. A existência de um engorgitamento phleugmonoso é para mim de uma evidencia á toda a prova. Pela ul- tima vez que a vi não havia signaes de suppuração, porém inevitavelmente ella se apresentará; porquan- to em casos semelhantes, quando a duração é longa e a intensidade symptomatica extraordinária, como n'essa doente, a formação de pus é a conseqüência necessária do estado inflammatorio. No tocante a sua sede precisa, eu cuido que se trata de um phleug- mão desenvolvido na fossa iliaca, sob a aponevrose 160 SÉTIMA CONFERÊNCIA fascia iliaca, porém mais para a crista iliaca em seo terço anterior. Estes poucos casos são sufficientes para firmar em vosso espirito a convicção, de que o vicio escro- phuloso exerce uma influencia muito pronunciada no desenvolvimento d'estes tumores, explicando assim de um modo plausível a gravidade e a rebeldia, que offerece esta enfermidade aos meios empregados com o fim de debellal-a, ainda quando no começo dos phenomenos mórbidos. A importância d'esta eircumstancia pathogenica é plenamente verificada na pratica, quando se trata de combater certos engorgitamentos phleugmonosos em sua phase inicial, sendo então possivel a reso- lução, si o pratico lança mão da medicação apro- priada, ao envez de se esgotar o catalogo dos anti- phlogisticos, ordinariamente tão estéreis. Não deveis, porém, contar muito com um tal re- sultado. Na grande maioria dos casos, uma vez o engorgi- tamento phleugmonoso declarado, a suppuração e a sua terminação quasi infaflivel, não obstante todos os meios empregados no sentido de a evitar. A serem verdadeiros os resultados, á que tem che- gado ultimamente o Dr. Brouardel, pela analyse do sangue dos variolosos no período de desenvolvimen- to dos abscessos, algumas applicações se poderia fa- zer ao estudo da suppuração em geral, das quaes AR8CESS0 DA FOSSA ILIA6A. 161 resultarião modificações profundas nos conhecimen- tos actuaes. O illustre medico encontrou uma ver- dadeira leucocythose n'estes doentes, vindo assim á contraprovar clinicamente as experiências de Co- nheim, verificadas depois pelo Dr. Yulpian, que ten- dem á demonstrar que o pús se forma á custa dos gló- bulos brancos do sangue, extravasados dos capillares pela dehiscencia d'estes vasos. Os resultados que se derivão d'esta maneira de encarar o facto suppurativo, deitando por terra a doctrina da hypergenese, devem inspirar certos es- crúpulos, por assentarem sobre uma base experi- mental muito acanhada. 0 que parece exacto, entre todas estas considera- ções theoricas, é que se pode nutrir alguma espe- rança da terminação pela resolução, quando existin- do apenas leves suspeitas do mal, reconhece-se ao mesmo tempo o império da affecção escrophulosa, sendo esta combatida pelos meios apropriados. D'ahi se deduz a pouca importância, que devem merecer as emissões sangüíneas locaes, que, contra o que se poderá suppôr, em logar de impedir a suppuração pela diminuição da intensidade inflammatoria local, apressa consideravelmente a formação purulenta. Uma vez elaborado o pús no seio dos tecidos não nos é dado conceder nem a mais curta tregoa, e rele- va intervir habilmente, de modo á conjurar os acci- dentes, que a sua presença é capaz de determinar. 162 SÉTIMA CONFERÊNCIA E de feito, constituído o foco purulento primitivo, os tecidos que lhe são contíguos soffrem a pressão la- teral do pús, gradualmente augmentada por novas producções da fonte pyogenica, contribuindo assim para sua diffusão á distancia, graças á permeabilidade do tecido connectivo, de que tira a sua origem. Quando o foco é subperitoneal o pús pode esten- der-se ao longe; si do lado direito força passagem até a face posterior do ccecum, abraçando-o quasi completamente; si do lado esquerdo, podendo cami- nhar em procura da bexiga, penetra na cavidade pelviana para pôr-se em contacto com o rectum, ou dirige-se para a parede posterior do abdômen, ao encontro do S iliaco, ou do tecido cellular perine- phrico, achando-se sempre em immediatas relações com o peritoneo, que nas suas vizinhanças augmen- ta de espessura e consistência. Na mulher não é raro vêr-se o pús tomar di- recção para o lado da vagina, e isto acontece quan- do o foco é formado nos pontos mais aproximados da linha media. Qualquer d'estes órgãos, com os quaes o pús se relaciona pode ser compromettido em sua integrida- de pelo trabalho ulcerativo. O resultado disto é a extravasação do pús dentro da cavidade com que se põe em contacto, sahindo depois para o exterior pe- las aberturas naturaes. Estes casos são ordinariamente acompanhados de ABSCESSO DA FOSSA ILIACA. 103 accidentes, principalmente quando, em logar de qualquer viscera oca, é o peritoneo que soffre a ero- são; pois que sobrevem Ímmediatamente uma peri- tonite intensa, que dá uma terminação fatal á mo- léstia. Nos casos em que o abscesso se forma abaixo da aponevrose fascia iliaca, o que se vê neste doente, e que o tumor é circumscripto, immovel, e o pús não se pode muito estender em superficie, este faz sa- liência para o exterior, e não raras vezes se apre- senta no canal crural, distendendo e adelgaçando a camada de tecidos que o sobrepõe. Esta tendência de emigrar para a coxa não obsta, porém, que uma nova emigração se dê para a cavidade abdominal. O pús atravessa algumas aberturas da fascia iliaca, e põe-se em contacto com os órgãos encerrados na cavidade abdominal, achando-se nas mesmas condi- ções, que si fosse o abscesso resultado de um phleu- gmão do tecido cellular sub-peritoneal. Desta sorte, senhores, reconheceis que, qualquer que seja a sede da suppuração, a marcha do pús se faz quasi sempre para o lado das vísceras abdominaes. Acompanhando o trajecto deste liquido nos diversos casos de abscessos desta natureza, vemos que elle é" expellido para o exterior espontaneamente pelo coe- eum,rectum, vagina, bexiga, ou atravéz das paredes abdominaes; algumas vezes o foco rompe-se para o lado da pelle, e no intestino ao mesmo tempo. 164 SÉTIMA CONFERÊNCIA Em qualquer destas circumstancias, porém, o re- sultado é sempre mais duvidoso do que nos casos em que, sem esperar a ruptura espontânea, se abre no abdômen um canal espaçoso para a sahida do pús. Com effeito, tendo logar a abertura de um abscesso da fossa iliaca em uma cavidade visceral, ou o orifí- cio de communicação é pequeno, e o foco não se pode esvasiar convenientemente, ou as suas dimensões são mais favoráveis á passagem do pús, e então ao lado desta vantagem colloca-se o enorme inconve- niente da penetração no foco purulento de gazes e líquidos intestinaes, ou outros quaesquer capazes de produzir a sua decomposição. Em semelhantes con- dições um estado francameutesepticemico julga deci- siva e peremptoriamente da terminação da moléstia, cujo desfecho é sempre fatal. Os casos de extravasação do pús por intermédio de uma cavidade visceral mostrão-se ordinariamente isentos destes accidentes, quando a abertura de com- municação se apresenta debaixo da forma valvular, em virtude da qual não é possível a entrada de lí- quidos no interior do foco purulento. Seja, porém, como for, uma vez reconhecida a existência de pús na fossa iliaca, o pratico experimen- tado e consciencioso tem a obrigação de procurar- lhe sahida por uma operação, no sentido de evacual-o pela parede abdominal. Este preceito é tanto mais rigoroso, quando a colleção purulenta é do lado es- ABSCESSO DA FOSSA ILIACA. 165 querdo; porque nestes casos a ruptura é mais difficil de produzir-se, e para que ella tenha logar é mister caminhar muito o pús, descollando e destruindo os tecidos, que se apresentão em sua passagem. A intervenção cirúrgica é ainda mais justificada pela duvida, em que se involve a marcha da moléstia. Assim como o abscesso se rompe para dentro do intestino grosso, quem nos assegura que em um caso dado, entregue aos nossos cuidados, esta ruptura não se faça para a cavidade peritoneal? Mas não é somente n'este caso que a scena mór- bida remata-se por um desfecho fatal. Em eircum- stancia nenhuma poderemos annunciar antecipada- mente qual seja a terminação da moléstia; por quanto, ainda nas melhores condições, vê-se não raras vezes o foco purulento, depois de quasi inteiramente vasio, apoderar-se de um estado inflammatorio insólito, que é capaz de propagar-se ao peritoneo, e produzir con- seguintemente a morte. Este resultado pôde igualmente apresentar-se após a intervenção cirúrgica, porém é elle inquestionavel- mente muito mais raro. Então máo grado todos os meios empregados com o fim de modificar a super- fície interior do abscesso, a suppuração se prolonga de um modo indefinito, as paredes do foco não ten- dem a collar-se, o indivíduo caminha para o maras- mo, e uma profunda perturbação das forças nutriti^ 166 SÉTIMA CONFERÊNCIA vas, em manifesto desequilíbrio, torna o estado do doente inteiramente perdido. Resulta, entretanto, dos dados estatísticos até hoje conhecidos, e de minha própria observação, que os casos de cura d'esta enfermidade são muito mais nu- merosos, quando se recorre á abertura artificial. É o que não acontece nos casos, diante dos quaes o pra- tico cruza os braços, esperando que o organismo, por sua própria iniciativa, mostre ao pús o caminho que deve seguir para o exterior. Então pela resistência inherente aos tecidos vivos não podem estes mais reagir com vantagem certa contra o principio, que ameaça aniquillar-lhe a vitalidade, compromettendo a sua composição intima. Pelo que me diz respeito, apenas me recordo de um caso, em que deu-se o restabelecimento do doente depois da abertura do foco na cavidade do grosso intestino. O abscesso ti- nha sua sede na fossa iliaca direita, e mantinha re- lações tão intimas com o ccecum, que pareceo-me depender muito directamente d'este órgão. Em se- guida á applicações muito triviaes e communs, quan- do me preparava para intervir com os meios cirúr- gicos, na occasião de examinar a parte, não en- contrei mais vestígios da colleção purulenta, affian- cando-me o doente ter expellido em duas dejecções differentes uma certa quantidade de pús, que, em virtude da sede do tumor, somente do coecum pode- ria ter a sua procedência. ABSCESSO DA FOSSA ILIACA. 167 A extrema raridade de casos idênticos leva-me a aconselhar-vos a abertura do foco purulento atravéz das paredes abdominaes, toda vez que adquirirdes plena certeza de sua existência. A praxe não deve variar d'aquillo que se faz em relação aos demais abscessos phleugmonosos. Além das alterações diver- sas, que o liquido purulento depois de sua formação c susceptível de soffrer no foco mesmo, d'onde elle tira a sua origem, pôde accontecer também que se dêem verdadeiras producções embolicas, estendendo ainda mais o campo da suppuração, como já tive oc- casião de observar uma vez em um abscesso do te- cido pulmonar. É a estas tendências que se refere directamente o estado que o professor Chauffard de- nomina febre pyohemica, sob cujo predomínio todos os órgãos parecem somente ter urna tendência ela- boradora, que é em exclusivo proveito da pyogenia. Si algumas vezes este estado precede, e pôde ex- plicar a formação do pús, no maior numero dos casos, que são observados diariamente, é o seo resultado directo e necessário, principalmente quando o cirur- gião não reconhece a epocha, em que a suppuração succede ao infarctus phleugmonoso. ou é tímido quando se trata da intervenção operatoria. Abrindo os abscessos dá-se sahida a uma quantidade de pús, que ordinariamente não é suspeitada pelaapal- pação, excedendo á toda expectativa. Este é espesso, de uma côr amarella esverdeada, quasi sempre inodo- 168 SÉTIMA CONFERÊNCIA ro. O foco mostra então toda sua capacidade, a qual convém ser explorada com o maior cuidado; por quanto n'esta tentativa o dedo do cirurgião, que sempre é o me- lhor exploradora empregar-se, pôde destruir as bridas mais ou menos resistentes, que se projectão de um a outro lado da cavidade do abscesso. Sendo estes liames ordinariamente ramusculos vasculares, pou- pados e isolados no centro da suppuração, o seo despedaçamento contribuo a retardar as adherencias das paredes do foco, e a sua occlusão definitiva. Desde que se faz uma abertura sufficiente para a sahida do pús, esvasiando-se a cavidade do abcesso, impede-se a sua communicação ulterior para os ór- gãos, com que se relacionava. O tumor se circumscre- ve mais, deixando de comprimir os tecidos circumvi- zinhos, que voltão sobre si, cessando rapidamente a constipação do Arentre, quando este phenomeno por ventura existe. Além das vantagens já mencionadas, accresce ainda outra que é da maior importância. Nos casos em que a suppuração se prolonga, em virtude do estado inflammatorio das paredes do foco, é possivel em- pregar-se injecções adstringentes ou detersivas, com o fim de modificar a vitalidade da superficie suppu- rante, imprimindo-lhe modificações tendentes á fa- cilitar e apressar a cícatrização. Para preencher-se estas vistas uma solução de tintura de iodo ao cen- tésimo é por demais sufficiente, e na generalidade ABSCESSO DA FOSSA ILIACA. 169 dos casos basta para mudar completamente as con- dições desfavoráveis, que impedem o restabeleci- mento do doente. Em que deverá, porém, consistir a operação á empregar-se, e qual será o seu manual operatorio ? Não entrando no exame dos differentes processos aconselhados, eu vos direi em poucas palavras, de que modo procederia em relação á este doente, cujo exame nos acaba de revelar a existência de pús, como a terminação do infarctus phleugmonoso. Tratando-se n'este homem de um abscesso desen- volvido abaixo da fascia iliaca, o qual se apresenta por detraz da parede abdominal, com quanto a ad- herencia peritoneal se manifeste como um resultado freqüente da irradiação inflammatoria, comtudo é preciso promovêl-a de modo que o pús não venha á penetrar na cavidade peritoneal. Para este fim em- prega-se um cáustico potencial, ou um vesicatorio, que quanto á mim é de muito preferível. Na intenção de chegar com mais facilidade ao foco, e evitar os accidentes da operação, eu faria uma in- cisão de duas pollegadas pouco mais ou menos, pa- rallela ao ligamento de Poupart, apenas um dedo transverso acima da dobra da virilha. Cortada a pelle e o tecido cellular subcutaneo, convém caminhar em demanda do foco por meio de uma dissecção muito cuidadosa, a qual deve ser ca- mada por camada, como vistes empregada na opera- 170 SÉTIMA CONFERÊNCIA ção da ligadura da artéria femoral, que ha poucos dias foi feita nesta clinica. Quando a parede abdominal tem perdido a sua re- sistência, e que o dedo do operador percebe, em uma proximidade notável, a molleza que corresponde á colleção purulenta, deixa-se de lado o bisturi para ser terminada a operação mediante a tenta-canula. A extremidade do instrumento explora todo o fundo da ferida, e encontrando um ponto que se deixe re- calcar com mais facilidade, procurará abrir caminho, afastando com a ponta do mesmo instrumento as fi- bras do tecido que rodeia o foco, e constitue as suas paredes. Neste empenho não tarda o momento, em que o instrumento foge de súbito da mão do opera- dor, e uma onda de pús, que assoma aos lábios da ferida exterior, envolvendo a tenta-canula, nos vem annunciar que o foco se acha aberto. Alarga-se en- tão a abertura do foco por meio deste mesmo instru- mento, e de um bisturi ou simplesmente de uma the- soura. Á menos que haja algum desazo da parte do ope- rador, não succede á operação hemorrhagia, que seja digna de despertar a attenção do pratico. Algum sangue que corre é devido ao engorgitamento dos te- cidos que constituem o tumor, os quaes tem sido compromettidos no movimento inflamícatorio. Este corrimento, aliás pouco abundante, pára or- ABSCESSO DA FOSSA ILIACA. 171 dinariamente com a introducção de uma mecha de fios, que se leva até a parte central do foco. Mas não é somente isto o que nos cumpre fazer em um caso desta natureza, no qual reconhece-se a tendência do pús em procurar a arcada crural. Com uma simples incisão abdominal a evacuação purulenta é difficil, pela altura do plano que occupa em relação ao fundo do foco. D'abi a difficuldade e demora da cí- catrização de suas paredes, e as alterações diversas, que o pús é susceptível de soffrer quando estagnado. Consegue-se estabelecer uma fácil sahida ao pús no ponto mais declive do abscesso, por meio de uma contra-abertura, que deve ser feita do modo se- guinte: dous ou três dias depois da operação se intro- duz no foco uma tenta-canula levemente encurvada, a qual é levada para baixo, procurando vencer a ar- cada crural; pelo prolongamento do abscesso nesta direcção, não é difficil conseguir a introducção do ins- trumento até o ponto de ser encontrado logo abaixo da dita arcada, e sob a aponevrose femoral. A incisão neste logar com a direcção vertical tor- na-se de uma pratica fácil, sem que possa haver re- ceio de lesar os vasos cruraes, que se achão muito mais profundamente situados, repellidos pela colle- ção purulenta. Esta operação, ao meo vêr, é urgente, e justifica- da pela experiência, que nos casos de expectação nos tem sido tão tristemente eloqüente. Abrir o foco 23 172 SÉTIMA CONFERÊNCIA pela parede abdominal, e communical-o com o exte- rior, é impedir a extravasação do pús em alguma ca- vidade visceral; o que importa a supervenção de acci- dentes os mais incertos e calamitosos. Ora, si destes é que ha tudo a temer, eu não vacil- larei um só instante em intervir neste caso com os recursos cirúrgicos. AMPUTAÇÃO DA COXA RECLAMADA POR UM ACCIDENTE DA LIGADURA DA FEMORAL. OITAVA CONFERÊNCIA. SUMHARIO—Vantagens da espécie clinica compatível com a applicação dos melhores apparelhos orlhopedicos.—Resnltados estatísticos em relação á gravidade da amputação da cosa.—Manual operatorio adoptado.—me- thodo circular e processo de Desault.—Razões de preferencia deste processo.—Da conicidade do coto e suas causas.—Meios de evital-a.— Importância do curativo da ferida depois da amputação.—Exame anato- mo-palhologico.—Circumstancias em que a amputação do membro tor- na-se o único recurso cirúrgico. Meos senhores: Deveis ainda recordar-vos do aspecto e gravidade, que a perna deste doente apresentava por oceasião de nossa penúltima entrevista. Desde então as circumstancias se teem mostrado sobremaneira desfavoráveis á este infeliz, justificando plenamente as indicações já estabelecidas, sobre as quaes devia assentar-se a conducta do cirurgião, no fim de conjurar uma situação tão desesperada. Não lhe foi dado gozar as vantagens preciosas, que ofiV rece a amputação no ponto de eleição sobre a que é praticada em logares, que não se prestão commo- damente á supportar um apparelho orthopedico. Este excellente recurso, entretanto, restitue até certo ponto aos doentes a possibilidade de continuarem nos trabalhos de sua profissão, em que encontrão os meios 174 OITAVA CONFERÊNCIA de subsistência, aliás tão precários, quando apresen- tão-se obstáculos á marcha, quer dependentes da sensibilidade exagerada do coto, quer da imperfeita construcção dos apparelhos por uma má disposição das partes, sobre as quaes tem de adaptar-se. A amputação da coxa na união do seo terço médio com o inferior, podendo offerecer certa segurança de resultados, no sentido de empeeer a marcha fatal da enfermidade, tornou-se ao mesmo tempo a única possível em taes contingências. Esta operação, no emtanto, é de muito maior gra- vidade na pratica, o que é comprovado exhuberan- temente pelos dados estatísticos, que a collocão, neste sentido, logo depois da desarticulação coxo-femoral, e da do joelho, sendo a mais grave de todas as ampu- tações na continuidade do membro. É o que resulta dos trabalhos estatísticos do Dr. Legouest, que a considera capaz de dar uma mortalidade de 74 %, isto é, de mais de dois terços dos indivíduos ope- rados. Esta gravidade resulta de varias circumstancias, entre as quaes offerecem maior importância a grande extensão da superficie traumática, e muito principal- mente a sua proximidade do tronco, dando em resul- tado um abalo notável da circulação, sentido pelo organismo inteiro com a perda de tamanho diverti- culum para a arvore circulatória. D'ahi resulta o maior affluxo de líquidos para a parte, e as tendências hy- AMPUTAÇÃO DA COXA. 175 perhemicas, justificando satisfactoriamente as erysi- pelas, os phleugmões, as suppurações abundantes, e como conseqüência commum a infecção purulenta. A heterogeneidade da ferida, quasi totalmente composta das extremidades seccionadas de massas musculares, tão abundantes nesta região, contribue igualmente a explicar a maior gravidade, que esta operação offerece na pratica. Estas circumstancias impõem ao cirurgião o dever de estudar e cotejar as manifestações mórbidas, con- fortar a sua convicção na apreciação calma e refle- ctida das indicações, antes de votar o doente, con- fiado aos seus cuidados, á uma operação, que é sus- ceptível de ter tantas vezes uma terminação fatal. Apesar de todos estes receios, justificados pela ra- zão e pelo factos, a amputação se impunha de tal sorte á sêr de prompto attendida. De feito a operação foi hontem praticada em vossa presença, e Ímmediatamente depois a dis- secção do membro veio confirmar as previsões, que eu vos havia manifestado em nossa primeira confe- rência acerca deste doente, como deducções legiti- mas dos phenomenos então estudados. O methodo empregado foi o circular, que em re- lação á casos semelhantes deve ser adoptado como regra geral, á menos que se trate de feridas por ar- rancam en to, ou por armas de fogo, nas quaes é pos- sível praticar-se a amputação em maior distancia da 176 OITAVA CONFERÊNCIA raiz do membro, aproveitando as partes sans, que res- tão no campo mesmo das desordens entre os tecidos dilacerados, das quaes se pode talhar um ou mais re- talhos. Nessas circumstancias, que são, entretanto, tão raras na pratica civil e hospitaleira em tempos regulares, o methodo de retalhos é das maiores van- tagens, com quanto deixe após si uma ferida de no- tável extensão, e por tanto mais sujeita á todos os pe- rigos das suppurações abundantes e intermináveis. O processo seguido foi o de Desault, preferível pela rapidez, facilidade e brilhantismo de sua exe- cução aos demais processos conhecidos. Acresce á isto que por seo intermédio evita-se a retracção dos tecidos, permittindo a secção óssea em um ponto assás elevado á respeito da incisão dos tegumentos. Desta maneira encontra-se a final um manguito, constituído em grande parte de tegumen- tos^ dobrado de uma boa camada de músculos e de sufficientes dimensões, para que possa cobrir perfei- tamente a extremidade óssea. D'outra sorte ficaria esta descoberta, exposta á destruição do periosteo, á acção directa do pús, resultando d'ahi um dos mais desfavoráveis accidentes, que é a conicidade do coto. Não obstante os resultados, á que se tem chegado pela dolorosa experiência da guerra empenhada ulti- mamente na Europa, os quaes conduzem á conclu- sões estatísticas favoráveis aos casos, em que este ac- cidente teve logar, eu entendo que não podem elles AMPUTAÇÃO DA COXA. 177 authorisar a pratica, que consistisse em provocal-o como regra e mira do manual operatorio. 0 conhecimento destes dados práticos nos devem, ao contrario, encaminhar á pesquiza da verdadeira causa, que, em taes conjuncturas, desafiando um ac- cidente que não é mortal, impedio a supervenção de outros que podessem determinar a morte dos opera- dos. Si se houvesse convenientemente investigado estas causas, tendo em consideração as circumstan- cias desfavoráveis, quer physicas, quer moraes de um exercito que é perseguido sem tregoas, e sempre derrotado em todos os seos recontros com o inimigo, têr-se-hia deparado com a verdadeira razão do phe- nomeno no gênero de curativo adoptado depois das amputações. As conclusões do profe«-o:-- Sr-diiV-?. a*-» rr.fio vêr, em logar de se referirem au co- nicidade do côto, são a repetição clinica oo quanto se sabe, desde certo tempo, de vantajoso em relação ao curativo das feridas, em que estas ficão constan- temente sob os olhares do operador. Preenchendo esta importante condição, é certo que alguma vez a conicidade se apresentará; poeè'-?. os cuidados do pratico se pode dever a vaníuv ada mais recommendavel de se attingir os re- sultados estatísticos, evitando ao -t um accidente, como é a conicidade do < ; iivel de prolongar indefinitamente os padecimentos do 178 OITAVA CONFERÊNCIA doente, que lhe tornão a vida tão desgraçada quanto inútil. A operação no nosso doente correo sem acciden- tes dignos de menção. O corte da pelle foi feito, como aconselhava Lisfranc, de um só golpe, o que torna sempre rápido e brilhante este primeiro tempo operatorio, com quanto nem sempre dê em resulta- do incisões precisas e limpas. Os tegumentos divi- didos cederão desde logo á retracção, distendendo no quanto foi possível as suas adherencias cellulares com a aponevrose de invólucro do membro. Depois seguio-se a divisão dos músculos, que foi executada em dous tempos differentes. No primeiro, retrahidos os tegumentos pelo esforço regularmente circular das mãos de um ajudante para o lado da raiz do membro, o que neste caso deixou desnudada uma superficie de mais de três dedos transversos da largura, foi cortada em toda a sua circumferencia a camada superficial dos músculos, em um traço cor- respondente ao rebordo dos tegumentos retrahidos. A contracção dos músculos divididos, coadjuvada pelas tracções hábeis exercidas em roda do terço su- perior da coxa, faz descobrir a camada dos músculos profundos, em cujo centro se acha collocado o osso, á respeito do qual esta camada affecta a forma regu- lar de um cone, cuja base é para cima. É sobre esta que o operador leva perpendicular- mente o gume da faca, cortando-a em um movimento AMPLIAÇÃO DA COXA* 179 lárculãr até o osso, cujo periosteo é vigorosamente incisado em toda a sua peripheria por dous ou mais golpes successivos* O resto da operação consistio na secç.ão óssea no ponto mais alto possível, e ao nível das partes molles centraes, que forão cuidadosamente protegi- das mediante uma compressa fendida. Graças á regularidade e certeza de todos os tem- pos, e de todos os golpes, resultou do manual opera- torio uma porção de tecidos, mais do que sufficientes para envolver e abrigar a extremidade, parecendo que por maior que seja a retracção dos músculos não devemos receiar a conicidade do coto. Ao meo vêr, deve ser este o mais importante desi- deratum pratico á attender-se, no correr do manual operatorio, da mesma sorte que é elle uma das maio- res difficuldades, que o cirurgião inexperiente encon- tra no seo tirocinio clinico. 0 habito das amputações no amphitheatro, e a fre- qüência junto aos mestres, podem muitas vezes des- truir semelhantes obstáculos, e inspirar a necessária coragem ao joven pratico. Cumpre em todo caso rematar a operação, fazendo a secção óssea sempre acima do ponto, em que é praticada a incisão dos tegumentos, ou por outra, deve-se dividir a pelle em certa distancia abaixo do ponto, no qual se deseja fazer o corte do osso. A ex- tensão que medeia estes dois pontos deve correspon- 180 OITAVA CONFERÊNCIA der, pouco mais ou menos, ao terço da circnmferen* cia do membro. Tendo presente ao espirito este preceito toda a vez queemprehenderdes semelhante operação, jamais "tereis o desprazer de ver o doente sahir de vossas mãos nas circumstancias lastimáveis, em que se achão tantos infelizes, que percorrem diariamente as ruas da cidade, esmolando o pão por não ser-lhes possível gozar das vantagens de um apparelho orthopedico, em virtude da conicidade do coto, resultando d'ahi a impossibilidade para o trabalho, que lhe ministre os meios de subsistência. Durante a operação, como foi por mim previsto, houve necessidade de applicar-senumerosasligaduras. A hemorrhagia foi copiosa, em virtude da considerá- vel turgencia das ramificações collateraes, acima do tumor, onde a tensão da columna sangüínea tinha su- bido de ponto pela impermeabilidade dos vasos dis- tribuídos na extremidade do membro. Foi um dos tempos mais trabalhosos da operação, e o que mais attrahio a nossa attenção; pois que antes de tudo cumpria-nos evitar grande effusão de sangue, pou- pando dest'arte as forças do doente para o trabalho reparadôr. Graças á estes cuidados, vemos neste momento, isto é, vinte e quatro horas depois da operação, que o estado do doente não se mostra inquietador. 0 |mlso bate cem pancadas por minuto, o calor é de AMPUTAÇÃO DA COXA. 181 38.o, a exsudação sero-sanguinolenta que se filtra pelos bordos da ferida, já um tanto tumefeitos, é pouco abundante. Comtudo não devemos descansar em relação aos resultados da operação. Temos neces- sidade de redobrar de cuidados junto ao doente; porque, como perfeitamente sabeis, trata-se de um indivíduo, que em menos de vinte dias passou por duas importantes operações, tendo experimentado anteriormente perdas nervosas e sangüíneas assás abundantes. A estação em que nos achamos é fria, ha muita humidade na athmosphera, que nos trazem os ventos do sul, actuaimente reinantes. É a epocha em que o tetanos apresenta-se maior numero de vezes, com- plicando as lesões traumáticas. Quanto ao curativo apenas vos direi que foi feito por segunda intenção, sendo os bordos da ferida levemente aproximados por tiras de dyachilão, e toda a extensão dá coxa restante submettida á uma com- pressão mais ou menos enérgica, por meio de uma atadura compressiva, applicada em circulares desde a raiz do membro até a base do coto. Em occasião mais opportuna vos patentearei o que penso em relação á esta parte do tratamento cirúr- gico, da maior importância clinica, e que tem sido sempre o segredo dos grandes práticos. Antes de rematar estas considerações acerca do* doente, eu devo dar-vos uma noticia, ainda que sue- 182 OITAVA CONFERÊNCIA cinta, do exame anatomo-pathologico praticado no membro, e com quanto tenbaes assistido este traba- lho, apresento-vos agora os resultados á que nos le- vou a dissecção. Exame da peça.—O aspecto externo do r embronão diversifica do que era á observação, antes de ser am- putado, e que já ficou dito. A parle esphacelada dis- tingue-se perfeitamente das partes sans, não só pela côr, como pelos caracteres, que apresentão os tegu- mentos. Estes nos pontos compromettidos pela gan- grena se achão deprimidos, rugosos e descollados completamente dos tecidos subjacentes; na parte su- perior da perna apresentão maior volume, sendo mais distendidos e reluzentes. Distingue-se perfeitamente a linha divisória, que se dirige irregularmente em derredór do membro. O der- ma offerece uma côr livida, e é banhado por uma ex- sudação escura, de cheiro francamente gangrenoso. Uma primeira incisão foi dirigida da fossa poplitéa até o ponto de união do terço médio com o inferior da perna. Pela divisão da pelle notou-se infiltração sorosa do tecido cellular subcutaneo. As veias su- perficiaes não mostrão alteração notável, nem de structura, nem de diâmetro, e contém todavia algum sangue. Dissecadas as camadas até as partes lateraes, en- contra-se o plano muscular dos gêmeos, os quaes AMPUTAÇÃO DA COXA. 183 teem uma côr semelhante á do tijollo, levemente marmorisada de branco. Estes músculos se achão muito adelgaçados, pa- recendo á primeira vista identificados solidamente com o tumor, que lhe fica subjacente. Mediante uma dissecção cuidadosa e hábil, consegue-se levantar este plano muscular, e bem assim o músculo solear, profundamente modificado em sua structura, e redu- zido á mesquinhas proporções. Então apresenta-se á observação um grande tu- mor, que tem sua sede sobre a face posterior do li- gamento interosseo, desde a articulação do joelho até a parte media da perna, e que se acha encostado á face posterior da tíbia e do peronêo. Elle offerece uma côr azulada, e é mais ou menos arredondado, tendo a forma ovoide, cuja maior ex- tremidade olha para cima. A sua extensão é de 7 pollegadas, pouco mais ou menos, no sentido vertical, e cinco no transversal. A sua extremidade superior se acha em estado de perfeita integridade; porém na parte inferior e interna encontra-se uma larga abertura de direc- ção parallela ao eixo do membro, atravessada por um coalho negro, que se estendia até as proximida- des da linha divisória, onde se estabeleceo um foco purulento em todo o circuito da parte. O tumor consistia em um saco, cujas paredes pri- mitivas devião ser da maior tenuidade, se achando 181 OITAVA CONFERÊNCIA agora reforçadas de estratificações fibrinosas, de um vermelho amarellado, que se separão com a maior fa- cilidade de seo invólucro. Estas concreções mem- branosas são o resultado da organisação dos coalhos periphericos. Na parte central os coalhos são negros, brilhantes e de formação mais recente. Nem uns nem outros se dissolvem ao jorro d'agoa,, podendo somente ser separados por meio de trac- ções. Isto dá perfeitamente á entender que os pri- meiros destes coalhos são de data anterior á da liga- dura, e os últimos, ainda não organisados, são o re- sultado da interrupção da corrente sangüínea na ca- vidade do saco. A face posterior da tíbia e do peronêo acha-se mais ou menos gasta e carcumida, provavelmente pela acção constante e prolongada dos batimentos do tu- mor, e sua progressão em volume. Em relação aos órgãos circumvizinhos, é principal- mente para notar a alteração dos ramos arteriáes, alguns dos quaes, pela sua proximidade do tumor, se achão transformados em verdadeiros cordões. Taes erão as artérias tibial posterior e peronéa, apenas descobertas na parte inferior, e a tibial anterior de calibre diminuído, e apenas permeável. Os ramos anastomoticos das articulares superiores e inferiores não offerecião, comtudo, maior desenvol- vimento, do que no estado normal, A artéria poplitém AMPUTAÇÃO DA COXA. 185 na fossa deste nome, e por tanto em sua metade su- perior, se achava perfeitamente isolada dos tecidos circumvizinhos, e foi com facilidade reconhecida. Ella não apresentava alterações de sua structura neste ponto, e nem mudanças de forma e configura- ção; o seo calibre era regular. Por sua extremidade inferior identificava-se por tal sorte com o tumor, que foi absolutamente impossível separar-se delle, sem compromettimento da integridade dos tecidos de ambos. Afastado o saco aneurismal de suas numerosas relações com o membro amputado, á que se prendia por laços tão estreitos, se descobrio perfeitamente a communicação deste vaso com o interior do saco. Isto chega á evidencia mediante a introducção de um estylete, que como vedes optimamente na pre- paração que foi conservada, e que agora vos apre- sento, atravessa de um paia outro lado, penetrando assim para a cavidade do tumor pela artéria poplitéa, que foi cortada muito acima do aneurisma, sem de- monstrar a existência de qualquer obstáculo, que se oppuzesse á sua passagem. Aveia poplitéa se mostra volumosa, e se acha col- locada sobre o tumor. A sua direcção se inclina um pouco para fora, apresentando duas nodosidades ecta- sicas, das quaes uma é superior e mais desenvolvida, « outra menor que se acha situada mais abaixo. Por meio do mesmo estylete é reconhecida a sua 180 OITAVA CONFERÊNCIA permeabilidade, e bem assim a sua completa inde- pendência do tumor, cujas relações são de simples contiguidade. A vista destes resultados, que nos fornece o exa- me anatomo-pathologico,comprehende-se sem custo que o tumor era um verdadeiro aneurisma da artéria poplitéa, desenvolvido no terço inferior de sua ex- tensa), como havia sido diagnosticado á cabeceira do doente; á principio circumscripto, e somente mais tarde tendo logar a ruptura de seo invólucro. Os es- tragos das superfícies ósseas justíficão o que pensá- vamos acerca de sua existência, anterior á epocha de- signada pelo doente. As diversas modificações dos coalhos confirmarão plenamente tudo quanto foi aqui previsto, em relação ás tendências organisadoras den- tro do saco, e á terminação suppurativa fora do in- vólucro do aneurisma. É assim que se encontrou nas aproximações da linha divisória um grande foco pu- rulento, o qual encerrava em sua cavidade numerosos coalhos, que se continuavão com os do saco, d'onde tiravão sua origem. Os signaes racionaes e a explo- ração, como vistes, já havião francamente annunciado a suppuração, ficando destarte conhecida para vós esta terminação, tão freqüente, do processo inflam- matorio. De maior instrucção clinica, porém, se mostra este exame em relação ás causas que, impedirão a circulação da extremidade do membro, pela via anas- AMPLIAÇÃO DA COXA. 187 Iomotica. Na primeira conferência que tivemos sobre este doente, eu vos manifestei as serias apprehen- sões que nutria á respeito do resultado da ligadura, em virtude do grande volume do tumor, e dos estragos e alterações que elle devia ter produzido em derredór de si. Infelizmente forão ellas justificadas pela supervenção de um accidente, que frustrou in- teiramente todas as vistas curativas com a conserva- ção do membro, expondo o doente á novos e mais difficeis transes. Ordinariamente não se encontra este resultado na pratica, quando se tem a cautela de deixar livres as origens das maiores collateraes da artéria femoral, que não é raro vêr-se, poucas horas depois, alimentar proficientemente o membro, e não só elle como tam- bém a cavidade aneurismal, que recupera os seus batimentos. Este caso, meos senhores, vos faz conhecer duas indicações differentes para a amputação no tratamen- to dos aneurismas, ambas exemplificadas na clinica, e demonstradas no exame anatomo-pathologico. A primeira deriva-se do volume do tumor, de sua sede n'uma região envolvida por aponevroses resisten- tes, e principalmente as alterações profundas dos te- cidos em roda do aneurisma, taes como lesões ós- seas, arteriáes, e suppurações extensas. A segunda refere-se aos casos em que as disposições anatô- micas favorecem, e a sciencia não pode evitar, a gan- 188 OITAVA CONFERÊNCIA grena da extremidade do membro poi insufficiencía áã circulação anastomotica. Em qualquer das duas hy- potheses a amputação deve ser empregada. Si no se- gundo caso a sua indicação é fácil, eu não vos asseguro o mosmo em relação ás outras condições. Tão difficeis são ellas de apreciação, que quasi sempre a inclinação do pratico é antes para a ligadura da artéria prin- cipal do membro, do que para uma operação, pela qual o doente fica privado de uma parte tão impor- tante do corpo para os misteres da vida. Consumado o facto, aguardei auciosamente o es- tudo anatomo-pathologico, para esclarecer questões tão importantes da historia do doente. E o que de- monstrou elle? A impossibilidade do restabelecimento da circulação na extremidade do membro, pelo estado pouco favorável das ramificações vasculares, que li- rão a sua origem das artérias da perna, as quaes se achavãoinutilisadaseobliteradas, em virtude da com- pressão exercida pelo tumor. O obstáculo, por tanto, era insuperável, e nelle o desenvolvimento da gangrena achou cabal explica- ção, sem que seja mister recorrer á hypotheses, que possão condemnar um meio operatorio, que de tan- tas vantagens tem sido para a humanidade, e tama- nhos triurnphos tem conquistado para a cirurgia. DAS FISTULAS QUüINARIAS. NONA CONFERÊNCIA. SU.HMARIO.—Caracteres clínicos das fistulas—Precedência nlennorrliagica c sua bvstologia especial—Natureza das alterações que se passão no canal —Mtrmiismo da producção das fistulas ourinarias- Das infiltrações de ourina—Formação de abscessos ourinosos—Importância do processo ulceraliTO na pathogenia das fistulas—Modo de explicar a facilidade do cathctcrismo—Dilficuldades que se oppõem á cícatrização—Indicação principal que se levanta no tratamento das fistulas—Da caulerisação o dos meios auloplasticos. Meos senhores: Desde que pareceo fazer-se a luz em relação ao tratamento dos estreitamentos da urethra, o estudo das fistulas ourinarias deixou de merecer as honras do dia. Todos os conhecimentos práticos, fruetos de tan- tas e tão minuciosas pesquizas de subida importân- cia clinica, cederão o passo á apreciação grosseira e acanhada de lesões, cuja determinação está longe de pretender a precisão experimental. É assim que esta manifestação mórbida, que tan- tas vezes tem uma existência nosologica própria, foi ligada estreitamente á preexistência de um em- baraço mecânico, levantado ao curso da ourina. Desta sorte a difficuldade da emissão deste liquido filiou-se á eircumstancia material da estreiteza do 190 NONA CONFERÊNCIA canal, e á formação dos trajectos fistulosos, como conseqüência de ambas. Entretanto, se conhecia bem a disposição anatô- mica especial da mucosa da urethra, e as tendências regressivas das producções phlegmasicas, confirma- das diariamente pela observação clinica. Para elucidação pratíca destas questões temos dous casos importantes nesta enfermaria. O encontro de factos desta ordem não é raro, como poderieis suppor; ao contrario elles se mostrão freqüentemente na pratica, reclamando apenas um exame cuidadoso, com o fim de precisar-se convenientemente as lesões materiaes do canal da urethra, e suas condições de ordem physica. O doente que acabo de examinar é um delles. Soffrendo de longa data de padecimentos do appa- relho ourinario, affirma a possibilidade do cathete- rismo, todas as vezes que era este dirigido conve- nientemente. Uma sonda de5millimetros de diâmetro passava folgadamente na urethra. Apesar disto a difficuldade na emissão da ourina era notável, apresentando-se um certo numero de fistulas no perinêo. Em relação ao doente que occupa o n. 26, a sa- hida da ourina não apresenta tamanha difficuldade, e nem as dores são tão consideráveis, como se poderá suppôr. E entretanto é indubitavel que se trata, se DAS FISTULAS OURINARIAS. !í)l não de um verdadeiro estreitamento urethral, pelo menos de suas ligitimas conseqüências. A emissão da ourina se faz em um tempo não muito ptolongado; porém todo o jorro do liquido se reparte, cahindo em chuva por innumeros orifí- cios da região permeai. Algumas gottas somente percorrem o resto da urethra, e se apresentão no orifício do meato ourinario. A moléstia neste homem tem sido longa, e o tem abatido ao ponto de alterar-lhe profundamente as forças nutritivas. Por vezes apresenta-se uma reten- ção de ourina, que se faz acompanhar de calefrios, um leve apparelho febril, e bem assim de enlangue- cimento das funeções digestivas. Este estado de ir- ritação vesical ditninue de intensidade no fim de poucas horas, sendo suecedido pela expulsão de ourinas muito carregadas de mucosidades. A existência, pois, do catarrho vesical presuppõe perdas freqüentemente repetidas, em que encontra uma explicação cabal e satisfactoria o estado geral do doente. Como, e em que condições tiverão sua origem os padecimentos deste indivíduo? Elle nos refere as mesmas circumstancias e pormenores, que ouvimos diariamente de todos os doentes, que soffrem de igual enfermidade das vias ourinarias. A blennorrhagia é sempre a eircumstancia causai, á que attribuem o desenvolvimento dos phenomenos Í9i NONA CONFERÊNCIA mórbidos, que á principio passão desapercebidos, podendo ser por tanto despresados, para mais tarde por sua maior intensidade, pela multiplicação e per- sistência de suas manifestações, despertarem seria- mente a attenção do doente, que se impressiona diante da physionomia da moléstia, e procura os re- cursos da cirurgia. A blennorrhagia, modificando por um trabalho phlegmasico especial a structura da mucosa urethral, produz desde seo começo as mic- ções dolorosas e difficeis. Algumas vezes as altera- ções se succedem com certa rapidez; a tumefacção da mucosa enche o canal, dobras longitudinaes se apresentão neste estado, que presuppõe a dysu- ria, e o entupimento do canal não tarda a tomar uma feição definitiva pela induração do tecido mucoso. Em outros casos se observa os mesmos caracte- res, que se apresentão na conjunctiva em virtude da ophtalmia blennorrhagica. Elevão-se da superficie da mucosa dobras papillares, que se encontrão e se confundem, podendo estabelecer adliorencias, que muitas vezes cedem diante do instrumento de exploração. Junto ás producções prolíficas de- terminadas pelo movimento inflammatorio, tendo em mente o que se passa á respeito ainda da con- junctivite blennorrhagia, é licito acreditar-se em ver- dadeiras destruições de tecido, taes como a natureza especifica da moléstia nos pôde levar a presumir. A regressão mórbida, em tão desfavoráveis con- DAS FISTULAS O CRI NA RIAS. !93 dicções, não pode restituir ao canal o seo estado anatômico anterior, então modificado, já em relação a sua forma, direcção e diâmetro, já em relação as propriedades dos elementos, que entra o na compo- sição da superficie da membrana, que é a sede do phenomeno mórbido. As retracções atrophicas co- meção a encontrar nesses casos uma exemplificação natural; porém em regra geral aquelles, em que ella determina e explica a situação mórbida, offerecem um caracter de maior chronicidade. Ora, temos diante de nós um caso, em que aprecia- mos os effeitos múltiplos e variados da causa, com quanto remotos, conhecemol-a até em sua essência, e entretanto não podemos precisal-a definidamente. A precedência blennorrhagica presuppõe alterações de certa ordem no canal da urethra, não só em rela- ção á mucosa, que se tumefaz c se amollece, po- dendo até ulcerar-se, como a respeito do seu invó- lucro esponjoso. Este, composto essencialmente de tecido reticular, contém em sua structura elementos dos músculos da vida orgânica, ramificações vascu- lares e nervosas numerosas, que se distribuem no interior dos vacuolos, onde se vão encontrar muitas vezes com o elemento epithelial. Resulta desta disposição a facilidade, com que o processo inflammatorio especifico se estende além da mucosa urethral, para desenvolver a irritação nes- ta camada excêntrica, favorecido pelo impulso ner- 194 NONA CONFERÊNCIA voso, ora produzindo a hypertrophia das fibras mus- culares, ora estabelecendo o movimento hyperhemieo por meio das innumeras ramificações vasculares que se intumescem, ou proliferando abundantemente os elementos cellulares. Como a conseqüência inevitá- vel destes phenomenos Íntimos, que se traduzem to- dos pela maior actividade das composições orgâni- cas, se apresentão o espessamento e o augmento de densidade do tecido esponjoso, dando logar a inter- rupção do sangue no interior dos pequenos vacuo- los da substancia. É por isso que á observação ana- tômica não se mostra, em certos casos de estreita- mentos urethraes, a possibilidade de penetração de uma columna de mercúrio no invólucro esponjoso da urethra, além do ponto em que reside o pheno- meno mórbido. Estas modificações anatorno-pathologicas, previs- tas de alguma sorte pelo espirito investigador do Dr. Alph. Guerin, achão uma explicação natural e lumi- nosa nos trabalhos hystologicos modernos. É por estas razões, perfeitamente accusadas na pratica, que se apresentão tão freqüentemente os apertos urethraes, ainda mesmo na phase aguda da blennorrhagia. Foi um estado semelhante, que muito provavel- mente se apresentou neste indivíduo, impossibili- tando a sahida da ourina, e mais tarde os phenome- das fistulas ourinarias. 195 nos diversos, que actualmente ainda se observa, após um espaço de tempo tão longo. Mas nós sabemos que o embaraço á micção, collo- cado em um ponto do canal da urethra, dá logar a uma dilatação acima do aperto, em conseqüência da acção constante das forças expulsoras, que co- meção por augmentar a columna do liquido na ex- tenção permeável do canal, e portanto o seo diâme- tro respectivo, acabando por uma verdadeira hyper- trophia das paredes da bexiga. A dilatação urethral, porém, collocada quasi nas condições de uma segun- da bexiga, se augmcnta em relação á sua cavidade, devendo perder em resistência na razão inversa da espessura de suas paredes. Chega um momento em que o adelgaçamento é tão notável, que cede á pressão interna do ca- nal, a ruptura é immediata, e a ourina penetra no tecido cellular circumvizinho. Mas abi não parão as conseqüências do desastrado accidente. Este te- cido é por excellencia permeável, de sorte que a pe- netração do liquido é fácil e rápida, produzindo mui- tas vezes infiltrações de um volume considerável, dentro em poucas horas, e distendendo enormemen- te os tecidos. Em certas condições, porém, que são dependentes do ponto em que as paredes da urethra teem sido com- prometlidas, os phenomenos se circumscrevem, e a infiltração occupa um espaço mui limitado. 196 NONA CONFERÊNCIA Algumas vezes o processo mórbido prepara um es- tado especial dos tecidos circumvizinhos, despertan- do um excesso de vitalidade anormal, da qual resul- tão mudanças intimas de structura, que se terminão pelo conchegamento dos tecidos, e a sua condensa- ção, tornando-os impermeáveis á ourina. De qualquer modo ha sempre mortificação de te- cido, com a simples differença de ser mais extensa no primeiro caso, e no segundo localisar-se, reduzindo em extremo suas proporções. O processo gangrenoso termina o quadro das alte- rações mórbidas. A sua causa reside na própria ou- rina, e actua de modo quasi mecânico. Os elementos do tecido cellular, peneirados e distendidos além do possível, comprimem-se reciprocamente. A circulação dos líquidos nutritivos é interrompi- do, a vida da cellula fica limitada por sua membra- na, não ha mais troca de princípios, dá-se uma ver- dadeira asphyxia dos elementos, inundados pelo li- quido ourinario. Mas a ourina encerra princípios ir- ritantes, entre os quaes figurão em primeira linha o carbonato deammoniaco e as transformações diversas da uréa, e é quanto basta para aggravar as condições, em que se collocão os tecidos infiltrados. Comprehende-se com facilidade que a mortifica- ção é a conseqüência indispensável; a eliminação im- porta a luta do organismo para evitar o contacto noscivo de princípios pútridos. Como resultado de- DAS FISTULAS OURINARIAS. 197 fihitivo, apresenta-se no ponto correspondente á es- cára despegada uma chaga tubular, por onde a ou- rina terá livre curso, sem que haja, no emtanto, gra- ve desarranjo no estado geral do doente. Não é neste modo de gênese das fistulas ouri- narias, que achará seo logar o caso que temos á vista. Outro foi o processo mórbido, que deo logar ao des- envolvimento de um tão grande numero de orifícios fistulosos. Em virtude das alterações produzidas no canal da urethra pelo estado blennorrhagico, o ele- mento inflammatorio é susceptível de estender-se acima do ponto estreitado, communicando-lhe todas as tendências, que se contém em sua mesma natu- reza. Então bastará o contacto de uma ourina altera- da, abundante de catarrho, para que o caracter phleu- gmonoso predomine, ao envez da ulceração que vi- mos anteriormente. Assim vários abscessos se apresentão, que em cur- to espaço de tempo abrem sahida ao pús para o ex- terior. E desta maneira se formão outros tantos tra- jectos fistulosos, por onde se evacua quasi exclusi- vamente a ourina, represada na cavidade vesical. Esses abscessos são denominados ourinosos, a sua sede, como se vê perfeitamente neste doente, é variável. É assim que nclle encontráes fistulas no pe- rinêo, no escroto, na região pubiana e até na base do penis. A posição desses abcessos, sua marcha demorada, o endurecimento dos tecidos ambientes, 198 NONA CONFERÊNCIA contrastando com a tendência que tem ordinaria- mente o pús de adelgaçar os tecidos, afastando-lhes as fibras para apresentar-se ao exterior, o estado do canal de urethra, e o que é igualmente importante, a apreciação do histórico da moléstia feito pelo pró- prio doente, e contraprovado pela successão cm que se encadeião os phenomenos,—são dados que nos levaráõ a conhecer os casos, em que se trata de abs- cessos ourinosos, auxiliando ao pratico a distinguil-os dos anthrazes, furunculos e phleugmões idiopathicos, que não são raros nestas regiões. Pôde, entretanto, accontecer que a natureza da coílecção purulenta passe desapercebida, e só se pos- sa reconheeel-a depois de sua ruptura pelo jorro da ourina, que se segue ao de matéria purulenta. Com- prehende-se ainda mais que semelhante phenomeno pode realisar-se, independente de achar sua explica- ção causai em um estreitamento da urethra, sendo entretanto a ruptura determinada após uma perda de substancia, mais ou menos extensa, do meato ou- rinario. Este resultado c, porém, muito raro, e sempre revela um caracter especifico ou suspeito da enferma dade. Estes phenomenos, senhores, cujo estudo é tão difficil de fazer-se á cabeceira do doente, principal- mente nos hospitaes, onde a moléstia se mostra em um gráo já por demais adiantado, são sempre de certo alcance pratico. Quando desde o começo da DAS FISTULAS OURINARIAS. 199 moléstia acompanha se as peripécias de sua marcha, o conhecimento desses processos analomo-patholo- gicos, conduzindo a distinguir os differentes casos, e denunciando a ímminencia de uma infiltração, ou ameaça de um abscesso ourinoso, pôde impedir que iis fistulas se formem, mediante a intervenção, op- portuna e racional do pratico, com os meios que lhe são indicados. Então cumpre levantar as difíiculdades, comba- tendo o estado inflammatorio, quando elle existe, e restabelecendo sempre com a maior promptidão o curso da ourina. Não nos foi dado observar neste doente as diversas phases, que acabo de apontar-vos; no emtanto elle abi nos está a pedir os recursos ci- rúrgicos, a fim de livrar-se de uma enfermidade, que o obriga a arrastar uma vida miserável e completa- mente inútil. Como se effectuou neste homem o processo espe- cial, que deo em resultado as numerosas fistulas que elle apresenta? O diagnostico de taes lesões merece- rá bem a denominação de post-morbum. A sede das fistulas, variada como é, a extensão limitada de seos orifícios, que não denuncião grande perda de sub- stancia, a ausência de vastas cicatrizes escrotaes, e especialmente as informações que elle nos ministra, tudo nos leva a acreditar que aqui se tratou de verda- deiros abscessos ourinosos, cujas aberturas, pela pas- 200 NONA CONFERÊNCIA sagem continua da ourina, perderão toda tendência re- paradora, tornando-se outros tantos canaes fistulosos. Em idênticas circumstancias se apresenta um ou- tro doente que occupa o leito n. 7, o qual mais tar- de será objecto de nossos cuidados. Elle tem o pe- rinêo crivado de numerosos orifícios fistulosos, como si fossem praticados sobre uma chapa espessa e en- durecida, formada por tecido cartilaginoso, a qual se estende, se aprofundando, até a face anterior do re- ctum. A ourina extravasa-se copiosamente por estas aber- turasaccidentaes, e apenas algumas gottas se mostrão* no orifício do meato na occasião da micção. O doente apresenta, como este, catarrho vesical, partilha quasi inevitável dos indivíduos que soffrem de iguaes pa- decimentos, cujo resultado é sempre da maior des- vantagem para o doente pelos disperdicios orgâni- cos, e a actividade reparadora que a economia dis- pensa em favor do órgão, que soffre perdas em sua substancia. O estado geral do doente, em breve o ve- reis, é muito mais desfavorável, o que é devido a mo- léstias anteriores, em cujo numero se nota ahemor- rhagia cerebral com hemiplegia. Afora esta eircums- tancia a identidade é perfeita, e os seos traços ainda mais se accentuão pela exploração da urethra, que revela em ambos os casos a facilidade do cathete- rismo, contra o que poderieis suppôr. Uma bugia penetra folgadamente o canal da ure- DAS FISTULAS OURLNARIaS. 201 thra, apenas precisando ao aproximar-se do ponto, donde partem os trajectos fistulosos, mudar de di- recção para alcançar a cavidade da bexiga. Não foi sem certa admiração que vistes penetrar uma sonda de gomma elástica n« 5, por quanto a extravasação quasi completa da ourina, pelas aberturas íistulosas, vos fazia mui naturalmente acreditar na existência de um aperto do canal da urethra, que impedisse a projecção do jorro do liquido, e a sua livre emissão pelo meato ourinario. Semelhante coarctação effectivamenle não existe; porém então o que poderia dar logar ao desvio do jorro da ourina, obrigando-o á repartir-se por um tão grande numero de fistulas perineáes? Ainda cumpre-nos com as luzes de uma expe- riência, firmada no critério dos factos, indagar a ra- zão de semelhantes phenomenos. Desde que se abrio uma sahida mais fácil á ourina pelo pe- rinêo, os tecidos que constituião o aperto urethral, deixarão de ser irritados pelo contacto prolonga- do e repetido deste liquido, que demorado na cavi- dade vesical era passível de profundas modificações em suas condições physicas, e em sua composição chimica. A passagem a todo momento da ourina, as- sim alterada, entretinha e alimentava a irritação blennorrhagica, de que dependia o estreitamen- to, facilitando ao mesmo tempo as transformações 20ü2 nona conferência atrrrphicas, e por tanto o aperto crescente do canal da urethra. Logo que condições tão desfavoráveis deixarão de convergir, as transformações de tecido perderão a sua razão de ser, a sua vitalidade mórbida decres- ceo, caducando os elementos proliferados; d'onde a mais notável modificação de consistência da coarcta- ção. E, pois, o caso em que as fistulas ourinarias são capazes de fazer desapparecer estreitamentos antigos de natureza fibrosa, produzindo perturbações da or- dem das mesmas fistulas. Triste vantagem é esta que acabamos de verificar, comparada com os estragos extensos e profundos, que ahi encontraes nos tecidos circumvizinhos e ór- gãos adjacentes, que teem sido compromettidos pro- fundamente pelas proximidades dos trajectos fistu- losos, por onde se escoa a ourina incessantemente. É pela filtração lenta deste liquido, que se explica as transformações callosas, que se nota em derredór da urethra, e que a ella se prendem por meio de bri- das resistentes, cuja retracção contribue, quasi ex- clusivamente, para mudar as relações normaes de to- dos os órgãos collocados na proximidade do canal, que adquire nova forma e configuração, e, mais do que tudo, uma direcção viciosa e anormal. Sendo o desvio da urethra o resultado quasi inevi- tável do seo estreitamento, representa este igualmente o principal papel na producção das fistulas ourina- DAS FISTULAS OURINARIAS. 203 rias. Estas conclusões se impõem ao espirito do ôh-> servador, após um estudo reflectido e minucioso dos factos. Sejão exemplos disto os doentes, de que nos occupamos neste momento. Nelles o aperto urethral deveria ter represado a ou- rina acima da sede do estreitamento, que, como já sabeis, occupava a região do bolbo em seos limites com a porção membranosa da urethra. A estagnação do liquido, distendendo as paredes do canal, alterou- lhe completamente a forma e a configuração, dan- do-lhe relações novas, e conseguintemente fora das raias da normalidade anatômica. Mas não é só isto que resulta da impossibilidade do escoamento completo da ourina, e de sua demora acima do ponto coarctado. A força de contracção ve- sical continua a actuar quasi sempre com energia crescente, que lhe é communicada pela irritação que reside no próprio aperto urethral, e pelas qualidades irritantes que adquire a ourina, quando retida em seos reservatórios de excreção. Estas forças, perdidas no sentido de promover a micção, não são totalmen- te empregadas em pura perda; a direcção mesma do canal acima do estreitamento traça-lhe a resultante respectiva, e a vós, que conheceis perfeitamente a forma e direcção da urethra em suas porções mem- branosa e prostatica, torna-se fácil comprebender que esta resultante não poderá mais apresentar a forma curvilinea, cahindo directamente sobre a pa- 20 i NONA CONFERÊNCIA rede postero-inferior da urethra, que corresponde a região perineal. D'ahi resulta que a dilatação urethral deve accom- modar-se a acção das forças centracteis da bexiga, se prolongando, e adelgaçando mais as suas membra- nas para o lado do perinêo. Assim temos chegado ao mecanismo, em virtude do qual o canal da urethra perde a sua direcção normal, além das mudanças que em relação a ella devem ter effectuado os tecidos, que constituem o mesmo estreitamento. De igual modo temos compre- hendido a facilidade e a freqüência das fistulas, que se produzem para o lado da região perineal, e nas vizinhanças da raiz das bolsas. A vista d'estas considerações, qual deverá ser a principal indicação cirúrgica em semelhantes casos, e quaes as vantagens que se derivão de seo preen- chimento? De que meios a Medicina operatoria se acerca para combater os accidentes e realisar a cura? Estas são as principaes, e as mais importantes questões, que suggerem ao espirito do pratico, collo- cado á cabeceira do doente. O tratamento neste caso poderá limitar-se a impe- dir a extravasação da ourina pelas fistulas, ou fechan- do-as pela cauterisação e pelos meios autoplasti- cos, ou augmentando mecanicamente o diâmetro da urethra no ponto estreitado, por todos os metho- dos curativos que se conhece na pratica? Certamen- DAS FISTULAS OURINARIAS. 205 te que não:—dirá o vosso bom senso;—porque si do primeiro modo, por mais bem acabado que seja o processo operatorio, continuando a actuar as causas producloras das fistulas, nem o tecido cicatricial so- brevirá á cauterisação para obliterar o orifício da fiistula, nem as adherencias indispensáveis ao êxito da operação authopiastica se tornarão jamais uma realidade. Si do segundo modo, collocarieis o doente em con- dições de uma micção fácil, si porventura ainda mais fácil não fora o escoamento da ourina pelos trajectos fistulosos, collocados na extremidade das forças mus- culares da bexiga. Estes dois doentes, que se achão aqui expostos á vossa observação, se incumbem de demonstrar-vos de sobra a verdade das considerações, que acabo de transmittir-vos. A urethra de qualquer d'elles recebe uma algalia de gomma elástica de n. 3 tão folgada- mente, que parece ser possível o catetherismo com uma de diâmetro duplo, si por acaso o instrumento não encontrasse certa difficuldade em accommodar- se ao canal anfractuoso, que, para ser alcançado, é mister dar-se certa forma a extremidade da algalia, e fazer-se um movimento de lateralisação, mediante o qual sentimos desapparecer diante do bico da son- da toda sensação de resistência. Por tanto, meos senhores, as vistas praticas se de- vem afastar um pouco do phenomeno material e 200 NONA CONFERÊNCIA puramente mecânico do estreitamento, para uma ou- tra eircumstancia de maior valor cirúrgico, amudan- dança de direcção do canal, que neste caso é ainda grandemente augmentada pela retracção dos tecidos endurecidos em roda da urethra, e depois pelas mu- danças physicas que a idade communica á próstata, a qual se augmenta de volume, tornando mais pro- nuncida a curvadura da urethra em sua extremidade vesical. As minhas conclusões therapeuticas me conduzem a suppòr, que si por um processo qualquer se con- seguisse excisar todos os tecidos exhuberantes para a cavidade urethral, que constituem a coarctação, sem que por um outro meio apropriado se procu- rasse corrigir a direcção do canal, o resultado seria frustrado, e a cura impossivel de realisar-se. Como tive oceasião de dizer-vos em uma de nossas anteriores conferências, os melhores resultados que contamos na pratica são sempre mediante o empre- go da dilatação, por si só, ou auxiliada pelos outros methodos que se recommendão por brilhantes re- sultados, que são capazes de effectuar no sentido de tornar possível ou duradoura a dilatação do canal. Depois vem naturalmente a obliteração dos traje- ctos fistulosos, e quando uma operação é reclama- da, os seos effeitos são então seguros; por quanto a ourina, esgotando-se pela via normal, não pode mais perturbar os trabalhos de reparação dos teci- DAS FISTULAS OURINARIAS. 207 dos. Mas, em relação a estes doentes, nós vimos que as indurações da região perineal erão extensas, que a retracção do canal se fazia por meio de bridas cal- losas, para as quaes a introducção de uma bugia de gomrna ou metallica seria de resultados duvidosos; porque, retirado o instrumento, o canal voltaria á sua direcção viciosa e anormal, obedecendo a retracção das bridas fibrosas. A indicação não é, pois, única; desdobra-se em duas, com o fim de attender á circumstancias locaes. É preciso restabelecer a direcção do canal por meio da dilatação; porém sendo esta sem resultados du- radouros, em virtude da retracção dos trajectos fistu- losos, torna-se indispensável desbridar largamente a urethra, cortando ainda mais profundamente o ponto, em que o canal se desvia de sua direcção normal. É o que consegue-se perfeitamente, e haveis de convencer-vos disto diante dos resultados práticos, por meio da urethrotomia, principalmente praticada segundo o processo do Dr. Maisonneuve. OPERAÇÃO DA CATARACTA DÉCIMA CONFERÊNCIA. SIMMA1UO—Influencia do clima em relação á operação de cataracti— Inutilidade de certos cuidados com que são rodeios os operados-Re- sultados que se derivão do bom sjstema de curativo—Estatística do processo moderno d<- incisão linear combinada—Perigos do methodo de abaixamento— Methodo de extracção; processo de Dcsmarres; processo de Jacobson—Methodo de incisão linear; processo de Liebreich. Processo do professor do Graefe —Seo manual operatorio. Meos senhores: Devo satisfazer-vos na natural e justa anciedade, com que aguardaes o resultado da operação, que pra- tiquei no doente do leito n. 2, acerca do qual en- tretive a vossa attenção em uma de nossas anteriores conversações. Antes de quaesquer outras considerações, e da apresentação mesma do doente, tenho a annunciar- vos que o manual operatorio correo, em todos os seos differentes tempos, do modo que fora para desejar. Em cinco minutos a operação havia sido executada, e pouco mais foi preciso para se fazer a toillete do olho, e a applicação do apparelho curativo, sendo o doente conduzido para o seo leito. Terminado o tempo da extracção da cataracta, o doente divulgou Ímmediatamente, com a maior emo- OPERAÇÃO DA CATARACTA. 209 çãosua ed'aquelles que o cerc-í.vão,diverso- objectos, entre os quaes um annel de pedra escura, que lhe mostrei. O curativo foi sem accidentes, e dentro em oito dias elle já affrontava a luz diurna, sem experi- mentar grande incommodo; por quanto nenhuma reacção inflammatoria se havia manifestado. Hoje, que completão-se quinze dias depois da ope- ração, eu o trago á vossa presença, e, máo grado a intensidade da luz solar, verificareis as vantagens conseguidas. Longe de ser um justo desvanecimento pela perfeição e belleza d'estes resultados, o meo fim principal é demonstrar-vos uma verdade clinica de summa importância, e é que quinze dias depois da operação da cataracta, pela extracção linear com- binada, consegue-se ordinariamente o restabeleci- mento da visão com uma acuidade muito aproxima- da da normal, isto é, da unidade, apesar da susceptí- bilidade extrema dos tecidos compromettidos na operação, e da ausência do cristalino ou aphakia. Mediante um vidro espherico-|-2 i/2, sem mesmo neutralizar o stygmatismo que sempre resulta da operação, vereis o nosso doente ler os mais finos ca- racteres, que lhe offerecerdes á leitura. Diante de um facto de tamanha instrucção pratica para vós, que certamente o observaes pela primeira vez, eu não posso deixar de expor-vos detalhadamente o pro- cesso empregado, e ajusta preferencia que tem con- quistado sobre os outros meios operatorios. 210 DÉCIMA CONFERÊNCIA Não devo, entretanto, neste momento deixar pas- sar a feliz opportunidade de entrar comvosco no es- tudo de certas circumstancias, relativas ao êxito ope- ratorio, que não são ainda vantajosamente conheci- das pelos indivíduos que soffrem desta moléstia, e nem precisamente julgadas pelo critério profissional. Uma das principaes questões tem relação ao clima, que de longa data tem sido accusado de contribuir para os freqüentes e repetidos insuccessos, que se- melhantes operações teem tido entre nós. Ainda me recordo de ter ouvido, por mais de uma vez, ao fallecido professor Alves attribuir o grande numero de operações perdidas, que teve em sua longa pratica, ás influencias desfavoráveis do clima. Como elle, alguns outros cirurgiões pensavão de igual sorte, sem se lembrarem de fazer carga de to- dos os seus desastres ao manual operatorio que se- guião, e ao curativo defeituoso empregado depois da operação. Devo confessar-vos com ingenuidade que a pri- meira operação de cataracta, que fiz nesta cidade, depois de a ter visto praticada nas melhores clinicas da Europa, foi penetrado dos maiores receios, lem> brando-me á cada momento destas lendas transmi- tidas do passado. Procurei cercar-me de todas as cautelas, prepa- rado até de lanceta em punho para a sangria, como tantas vezes vi praticar-se em meos tempos escho- OPERAÇÃO DA CATARACTA. 211 lares, á respeito de casos idênticos; porém contra toda espectativa reconheci desde a minha ;eú >eira opera- ção a facilidade c energia, com que as funcções re- paradoras, auxiíiadas pela benéfica iufluencia de um clima temperado, corrigia proficientemente as lacu- nas e os desazos da pratica operatoria. Em sua gran- de maioria as minhas operações teem sido sem o mais leve accidente; nunca após ellas precisei recorrer ás emissões sangüíneas, e nem, si quer, á um grão de calomelanos. Não obstante isto, jamais tive o despra- zer de registrar um insuccesso. Este admirável resultado, sou o primeiro a decla- rar, devo antes á amenidade do clima deste bello paiz, do que, por ventura, aos meos recursos prá- ticos, que são por certo insufficientes. Nas diversas clinicas que segui em Paris, dirigidas aliás pelos mais celebres ophtalmologistas, mais de uma vez tive oc- casião de observar accidentes graves, que deter- minarão a tísica do olho em alguns casos, e em outros uma diminuição notável da acuidade visual. Aqui, ao contrario, pode-se até ensaiar as mais ar- riscadas operações, sem que no correr do trata- mento se tenha a lamentar desvantagens, que ad- virtão ao pratico de sua imprudência. A natureza é pródiga e previdente, graças á influencia vivifica- dora do clima; e ai de nós, si ella não encobrisse tantas de nossas faltas ! Não obstante vemos que todos os annos a ignoran- 28 212 DÉCIMA CONFERÊNCIA cia, ou a vaidade, conduz um certo numero de doen- tes á Europa para lá se sujeitarem á operações, que teem sido não raras vezes infelizes, ao passo que aqui serião coroadas de resultados os mais seguros e bri- lhantes. Á propósito disto, recordo-me do dito muito espirituoso, e ao mesmo tempo profundamente scien- tifico, do eloqüente professor Yerneuil, quando per- guntado porque não se fazia operar de um lobinho, que tinha no rosto. O celebre clinico respondeo, la- conicamente, que conhecia de sobra o clima e as influencias morbigenas do paiz em que vivia. Effectivamente, nos grandes centros de população, na Europa, os mais simples traumatismos são freqüen- tes vezes assaltados por accidentes formidáveis, po- dendo determinar a morte do doente, não obstante se acharem a seo lado as maiores celebridades cirúr- gicas; ao passo que no nosso sertão o mais ignorante curandeiro faz largas e medonhas mutilações, sem causar ao paciente, si quer, a mais leve dôr de ca- beça. É tempo, por tanto, de corrigirmo-nos destes ridí- culos preconceitos, que, com quanto contribuão a pre- judicar os nossos créditos scientificos, mais seria- mente podem affectar as finanças, senão ávida mesma de certos indivíduos, bastante vaidosos de sua posição e de sua importância, para se julgarem tão subida- mente elevados, que somente aos cirurgiões estran- OPERAÇÃO DA CATARACTA. 213 geiros seja dado tocar-lhes o corpo com a ponta de seo bisturi. A outra questão, attinente igualmente á operação da cataracta, refere-se ás precauções extraordinárias, e receios quasi infantis, que a grande maioria dos práticos tinhão, e ainda continuão a ter, em relação aos doentes operados de cataractas, assim como de muitas outras operações dos olhos. É assim que, logo depois da extração da cataracta, os infelizes opera- dos são encerrados em verdadeiros calabouços, onde não penetra uma restea de luz; porém também onde não é possível renovar-se o ar, para suavisar a tempe- ratura elevada, quasi igual á de uma estufa, pela côr preta dos pannos com que é coberto o leito. Em Paris mesmo o maior cuidado ainda existe em todas as clinicas especiáes, no intuito de evitar a acção da luz diurna. É somente o Dr. R. Liebreich que mostra alguns de seos operados ao cabo de oito dias. Devo, notar, entretanto, ainda que de passagem, que, apesar desta pequena concessão do distincto ophtalmologista allemão, é a clinica em que a esta- tística é mais favorável, e os resultados do curativo mais brilhantes e seductores. Eu ligo insignificante importância á esta tradicio- nal recommendação da velha cirurgia, que deve ser por uma vez condemnada na pratica pelos espíritos, que se guião pelo bom senso e pela razão. Prefiro ter os meos operados em uma peça suffientemente 214 DÉCIMA CONFERÊNCIA ventilada, onde o ar se renove com facilidade, e que seja, por tanto, bastante fresca. Em quanto ao mais, aconselho-lhes que colloquem o seo leito no logar do aposento, em que a claridade fôr mais moderada. Assim não tenho preparativos a fazer para seme- lhantes operações, e nem cautelas a recommendar. Em qualquer logar é possível praticar-se a extracção da cataracta, sem que por isso sejão modificados de qualquer sorte ósseos resultados curativos. Para demonstrar a inutilidade dos preceitos, até o presente observados, com o fim de preservar-se a operação dos accidentes que podem sobrevir, pre- ceitos que, com quanto generalisados na pratica, não passão de vãos receios, que não tem razão de ser,— eu vos referirei o que se deo em relação a um dos factos mais significativos e comprobatorios de minha clinica. Ha dois annos, mais ou menos, pratiquei a extrac- ção da cataracta em dois indivíduos, que habitavão a mesma casa, e vi\Tião na maior miséria. Erão cataractas estacionarias e incompletas, apre- sentando adherencias á cápsula, do que resultarão difíiculdades para o manual operatorio. Releva con- fessar-vos que, depois da operação, retirei-me mui- to receioso da supervenção de accidentes á marcha do curativo, que o podessem seriamente emba- raçar. Lombraiido-me de que os oaixava em um verdadeiro pardieiro, onde ião occupar um escondrijo OPERAÇÃO DA CATARACTA. 215 humido e estreito, cujo ladrilho era antes um foco de infecção, e que, ainda mais, devião dormir na mesma cama, três vezes me arrependi de haver pra- ticado uma operação, que naturalmente deveria ser prejudicada por circumstancias hygienicas tão desfa- voráveis. Em compensação a tamanhos inconvenientes, pro- curei estabelecer uma ventilação fácil, abrindo com- pletamente as portas, não podendo obstar, no emtanto, a claridade que por ellas penetrava, e coava-se atra- véz do tecto, que era de telha vã. É desnecessário dizer-vos, que desde logo julguei- me empenhado em luta desigual com os mais desas- trados accidentes. Mas qual foi, entretanto, a minha admiração ao ver que passados alguns dias os resul- tados se patentearão os mais lisongeiros, sendo am- bas as operações terminadas pela cura? Os commentarios de factos de tal ordem, e tão ex- pressivos, ficão inteiramente ao vosso bom senso, que apreciará a parte que ti verão no êxito feliz as condições climatericas, o gráo de temperatura am- biente e a fácil ventilação do aposento. Além destas, algumas outras circumstaucias igual- mente concorrerão para o successo operatorio. Em primeira ordem se apresenta o systema que preside ao curativo propriamente tal, a natureza da operação empregada, e principalmente a perfeição operatoria, a única de todas as condições, que diz respeito ex- 21G DÉCIMA CONFERÊNCIA clusivamente ao pratico, e que não é dado senão a poucos attingir, denominando-se na pratica pela ex- pressão vaga de felicidade. O apparelho curativo, que é applicado em seguida á operação, é susceptível de variar em relação a sua natureza e aos seos fins, conforme as vistas de cada pratico, desde a tira de sparadrapo de Desmarres até a atadura fenestrada do professor de Graefe. Na França ainda se vota uma certa veneração ao curativo pela simples oeclusão palpebral, havendo alguma resistência ao methodo moderno de curativo, empregado pelos ophtalmologistas allemães. Estes, mediante apparelhos, em cuja applicação torna-se fácil graduar e regularisar a pressão sobre o globo ocuiar, conseguem evitar o maior numero de acci- dentes, que podem comprometter o resultado da ope- ração. Assim é que o emprego da compressão previne a inflammação das membranas vasculares do olho, impedindo para este órgão o affluxo de líquidos, os quaes são attrahidos pelo vácuo deixado, em virtude da extracção do cristallino. Por esta mesma razão comprehende-se, que uma vez extrahido este órgão, os vasos da retina e da choroide, repletos de sangue, em conseqüência do movimento fluxionario favorecido pela diminuição de tensão do olho, podem dar logar á hemorrhagias no humor vitreo, que tenhão por conseqüências a atro- OPERAÇÃO DA CATARACTA. 217 phia da choroide, e principalmente o descollamento da retina. Em qualquer destas circumstancias o resultado operatorio é muito insufficiente, senão completa- mente frustrado, sem restar possibilidade de reme- diar-se um estado tão desfavorável. Estas vantagens, que se derivão Ímmediatamente do gênero de cura- tivo empregado, não estabelecem por si só uma ga- rantia segura de successo. Ao contrario presuppõem a escolha do melhor pro- cesso operatorio, praticado com a completa obser- vância de todos os preceitos, exigidos pela sciencia. Em quanto a mim, julgo de melhores resultados práticos a extracção linear combinada do professor de Graefe. Nas rarissimas occasiões, em que não me é possí- vel empregal-o, recorro, com quasi igualdade de van- tagens, ao processo do Dr. Liebreich. Em relação ao doente de que me occupo na pre- sente conferência, a operação praticada foi a extrac- ção linear modificada do professor de Graefe, ou combinada, como mais apropriadamente denomina o Dr. Wecker. Sendo, como vereis mais adiante, uma operação clássica, podeis facilmente julgar, pelos re- sultados obtidos, suas vantagens sobre todos os ou- tros methodos e processos operatorios conhecidos, sobre tudo quanto a acuidade da visão que volta quasi a normal. Assim é que vos admirareis de ver 218 DÉCIMA CONFERÊNCIA este doente ler finíssimos caracteres, que podem pa- recer-se aos typos n. 1 Va da escala de Jceger. Entre- tanto, fazem apenas quinze dias que a operação foi praticada! É muito de suppor que, passados mezes, pela absorpçâo e regressão dos produetos phlegmasicos, e a completa transparência dos meios do olho, bem como pela influencia benéfica do habito, este indiví- duo consiga tornar-se apto a qualquer mister da vida, em que se queira empregar. Eu me lembro neste momento de uma senhora, de idade aliás avançada, que sofíria, havia vinte annos, de cataractas duplas, e durante todo este tempo passou em completa ceguei- ra. Eu pratiquei a extracção da cataracta do olho es- querdo, e seis mezes depois recebia, como signal de agradecimento delia, um lindo bouquet de flores ar- tificiaes, de um trabalho difficil e caprichoso. Esta of- ferta foi acompanhada da seguinte declaração a qual lhe dava o maior mérito: que aquelle trabalho era obra de suas próprias mãos. Resultados brilhantes, como este, são muito natu- raes, após a operação do celebre ophtalmologista de Berlim, e a recommendão por tal forma que, no mundo medico, raro é o pratico que não a emprega. A operação da extracção linear combinada se tem tornado ainda mais generalisada pela estatística, que chega ao ponto de restringir o numero de olhos per- didos a uma cifra insignificante. OPERAÇÃO DA CATARACTA. 219 Hayman, em trinta e quatro casos de cataractas ope- radas por este methodo, só teve quatro insuccessos con- secutivos, os quaes forão devidos á motivos extranhos ao processo operatorio. Hõring, sobre 117 casos, ape- nas viotres vezes a perda da visão por suppuração, ou panophtalmite, e isto somente no começo de sua pra- tica. Mooren, o illustre operador viajante, em 364 operações, praticadas em diversas cidades da Bélgi- ca, apenas registra 10 insuccessos. Scelberg Wells, em 396 operações pelo methodo deretalho, teve um prejuízo de 12 %; ao passo que, em 186 casos ope- rados pelo processo de Graefe, somente teve 3 % de olhos perdidos. Em 70 á 80 operações de Nagel só uma deixou de ser bem succedida, por ter sido feita em um velho diabético, operado em ambos os olhos. Sobre 1600 operações de cataracta pelo methodo de retalho, o professor de Graefe menciona 7 % de in- successos completos, e 13 % de successos mui pouco vantajosos; ao passo que em um grande numero de casos, em que foi empregado o seu processo, o nu- mero das operações perdidas se tem reduzido ao al- garismo insignificante de 2 a 3 em 100 casos, encon- trando-se neste numero 90, nos quaes a operação res- titue a vista em quasi sua inteira perfeição. Seria hoje na sciencia uma verdadeira loucura comparar-se os resultados, que acabo de expor-vos, com as antigas estatísticas, não só em quanto ás ope- rações por abaixamento, como até á extracção por 220 DÉCIMA CONFERÊNCIA meio de retalho, ainda hoje empregada pelo Dr. Des- marres. Em que consistem, entretanto, as vantagens do processo modernamente adoptado sobre os methodos antigos? Esta é a primeira questão, que se levanta na pratica, e que se recommenda á contraprova dos factos. A operação da cataracta pelo methodo de abaixa- mento, com quanto susceptível de produzir um certo numero de curas, é uma operação ordinariamente de resultados ópticos incertos e insufficientes. Expõe o olho a perigos sem conta, que não raras vezes teem demandado uma nova operação, com o fim de extra- hir a cataracta. É que o cristallino, luxado e desliga- do de todas as suas relações com a cápsula, sendo depois repellido para o humor vitreo, em cujas cel- lulas é retido, representa o papel de um verdadeiro corpo estranho, cuja presença no meio dos tecidos, que o rodeião, deve ser a causa de perturbações no- táveis das funcções nutritivas. Como tal entretém um movimento irritativo nos órgãos que o cercão, e é fácil comprehender-se que tal irritação, persistindo do mesmo modo que persiste a causa d'onde lira a sua origem, tende naturalmente á irradiar-se ás di- versas membranas, das quaes o iris e a choroide são as que mais se resentem, por serem as mais vascu- lares. D'ahi temos, cedo ou tarde? uma irido-choroidite, OPERAÇÃO DA CATARACTA. 221 que explica perfeitamente as dores oculares que en- tão se manifestão, e ao mesmo tempo justíficão as perturbações \Tisuáes, que se terminão pela perda do olho, ou sua comsumpção. E por isso não são para extranhar os casos, em que, algum tempo depois da operação pelo abaixamento, os indivíduos se apresen- tão a consulta, queixando-se de dores no globo ocu- iar, de mediocre intensidade, é certo, porém susce- ptiveis de exacerbação. Algumas vezes são ellas acom- panhadas de cephalalgia, e bem assim de diminuição ou perda total da vista, e ainda mais tarde de perturba- ções visuaes do lado são, em virtude da manifesta- ção do estado mórbido, que se conhece na pratica ophtahnelogica so!) o nome de ophtalmia sympatica. O abaixamento, pois, era passível de resultados, além de prejudiciaes ao olho operado mesmo, capazes de conseqüências desastradas, e até então imprevis- tas, em relação ao outro olho. E' para notar a fre- qüência maior desta complicação depois de seme- lhante operação, do que em relação aos outros casos deirido-choroidite e de consumpção ocuiar. A razão desta differença etiologica encontra-se no fecto mesmo de residir no globo ocuiar a causa, que motivou e entretém a irritação mórbida, que não é sus- ceptível de ser modificada, senão com a ablação com- pleta do órgão, operação lembrada po? Bonnet de Lyon, e hoje generalisada sob o nome de enucleação, Estas graves e tão freqüentes oceurrencias com- 222 DÉCIMA CONFERÊNCIA plicadoras desanimarão profundamente os práticos, que uma vez avisados e compenetrados de semelhan- tes resultados depozerão a funesta agulha, para de então em diante empregarem só e exclusivamente a faca de cataracta. A cirurgia havia dado um passo agigantado no ca- minho do progresso pratico; porque não foi um sim- ples processo que cahio por terra aos golpes da ex- periência e dos factos, mas um methodo que de lon- ga data reinava, quasi despoticamente, na sciencia. Si a conservação da cataracta no globo do olho, deslocada de suas relações de vizinhança, era a causa única, á que se podia attribuir os resultados que ficão mencionados,a operação que devera substituir o abai- xamento outra não seria, senão a extracção, methodo já de longa data conhecido; mas que veio somente go- zar da importância, á que tinha direito na pratica ophtalmologica, desde que forão reconhecidos os ef- feitos perniciosos da emigração da cataracta, e sua demora nos humores do olho. Ao começo pareceo ella difficil e arriscada no acto operatorio mesmo; porém depois, á força de tentati- vas suecessivas e multiplicadas, simplificada por in- fluencia do habito, a extracção tornou-se mais fácil, seo mecanismo menos complicado, mais rápido e poucas vezes exposto á accidentes, de ordem a mo- dificar os resultados esperados da operação. A. extracção teve, entretanto, sua origem como um OPERAÇÃO DA CATARACTA. 223 methodo novo, sem as galas e os atavios, com que se ostenta hoje na pratica. O seo primeiro processo foi, como era de esperar, o mais modesto e na altura dos conhecimentos ana- tômicos tão pouco aprofundados, que podia a epocha comportar. Apesar disto, porém, a facilidade admirá- vel e a belleza operatoria poderão angariar-lhe nu- merosos proselytos. Este processo consistia em uma simples incisão curvilinea, praticada no segmento superior da cornea, atravéz da qual era expellida a cataracta, já livre de suas relações de intimidade com a cápsula, mediante a pressão praticada abaixo da so- lução de continuidade corneana. D'entre os diversos processos do methodo de reta- lho, eu vos descreverei aquelle que mais honras tem gozado na pratíca, graças ao talento e perícia do ce- lebre Dr. Desmarres. O doente é collocado em uma cadeira ordinária, na qual se recosta, apoiando a cabeça sobre o peito de um ajudante, que, com uma das mãos, offerece apoio ao mento, e com os dedos index e médio da outra mão, depois de haver passado levemente em um pouco de pó inerte, suspende a palpebra supe- rior do lado em que deve ser praticada a operação. O cirurgião se colloca em frente do operando, si se trata do olho esquerdo, e por detraz delle si a catara- cta é do outro lado. Neste caso o ajudante se incum- be de manter abaixada a palpebra inferior. Quando 224 DÉCIMA CONFERÊNCIA o operador é ambidextro, esta ultima posição, tanto no que lhe diz respeito como ao seo ajudante, é con> pletamente desnecessária. O primeiro tempo consiste em fixar o globo ocu- iar por meio de uma pinça de dentes na direcção de um meridiano oblíquo, e algumas linhas para dentro» e abaixo, da circumferencia da cornea. Depois, com a faca triangular de Beer, penetra-se a cornea em sua parte externa e superior, sempre em distancia res- peitosa da peripheria desta membrana. Atravessando a espessura da cornea, e já na câ- mara anterior, a faca caminha horizontalmente, tendo o gume para a parte superior, até o ponto em que se julga conveniente fazer-se a contra-puncção, que deve guardar uma certa symetria em relação a peripheria desta membrana. Assim o instrumento pratica duas puncçoes em pontos equidistantes do diâmetro vertir cal da cornea, das quaes a de entrada é mais extensa do que a de sahida. A faca, porém, é promptamente retirada, e o ope^ rador passa a realisar o segundo tempo operatorio, que é constituído pela kystitomia, e pela formação do retalho. Este tempo da operação deve ser rápido e assás seguro, a fim de evitar grande perda de hu- mor aquoso, que pode fazer murchar instantanea- mente a cornea, tornando difficil o resto do manual operatorio. Então o operador serve-se de uma outra faca estreita, terminada pelo lado do dorso em um OPERAÇÃO DA CATARACTA. 225 pequeno gancho aguçado, instrumento que bem me- rece o nome de faca-kystitomo, e penetra pela aber- tura externa da cornea. E depois de haver entrado na câmara anterior, tendo o dorso do instrumento para baixo, e, por tanto, o gancho-kystitomo nesta direcção, communica-lhe um pequeno movimento de bascula, com o fim de rasgar a cápsula do cristallino. Dirige-se d'ahi a extremidade do instrumento em procura da contra-abertura, por onde sahe, a fim de talhar um re- talho de dentro para fora, em pequenos movimentos de serra. Então afrouxa-se a pinça fixadora, e á um tempo operador e ajudante libertão as palpebras, que, por um movimento instinctivo, cobrem o globo ocu- iar, impedindo a sahida espontânea da cataracta, e não raras vezes do humor vitreo. 0 ultimo tempo tem por fim a expulsão da cata- racta. O operador faz o doente desviar brandamente as palpebras, e descobrindo a incisão comprime o globo do olho acima e abaixo delia. Em virtude deste mecanismo os lábios da ferida se entre-abrem, e a cataracta luxada de sua cápsula obedece a acção das forças compressivas, forçando a passagem atravéz da pupilla, para ser expellida fora do globo ocuiar só, ou acompanhada de humor vitreo. Desde logo as palpebras são aproximadas, e manti- das nesta posição por meio de um pedaço de spara- drapo inglez, tendo uma pequena chanfradura no 226 DÉCIMA CONFERÊNCIA ponto que corresponde ao angulo interno do olho, para a sahida fácil dos líquidos. Por esta rápida exposição, comprehendeis sem custo que se trata de uma operação por demais sim- plificada, a qual pôde ser feita com uma notável ra- pidez, sem ser até preciso ao doente guardar a posição horizontal. Porém, meos senhores, serão os resultados obtidos correspondentes á semelhantes vantagens operato* rias? É o que releva verificar para chegar-se a uma ver- dadeira apreciação. Dois meios existem, dos quaes um confirma e explica o outro, e são a estatística e o raciocínio. A primeira demonstra a maior vantagem do methodo de retalho sobre o abaixamento, porém evidente inferioridade em relação aos processos mo- dernos, em que a extracção é combinada á iridecto- mia. O segundo, na apreciação rigorosa e comparativa do manual operatorio, vem dar a razão dos acciden- tes innumeraveis, que complicão esta operação, dando logar, não raras vezes, á suppuração e tísica do olho. É assim que nós vemos a posição do doente favo- recer, do mesmo modo que a disposição central da fe- rida da cornea, a extravasação do humor vitreo. Em relação ao tecido compromettido pelo instrumento cortante, sabe-se que as feridas da cornea são fre- qüentemente acompanhadas de inflammação de seos lábios, dando logar ao phenomeno suppurativo, e OPERAÇÃO DA CAIARACTA. 227 como conseqüência ao hypopvon, isto é, o derramen de pús na câmara anterior, onde váe occupar, em virtude de sua densidade, o segmento inferior desta cavidade. Depois a sahida brusca e violenta da cataracta ma- chuca e dilacera o iris, forçando a abertura pupillar, que é estreita para sua passagem; d'onde inflamma- çõesdo lado da membrana iriana. Ora é esta uma das complicações mais temidas após a operação de catara- cta, não só por suas tendências suppurativas, como por sua propagação á porção anterior da choroide, cons- tituindo as irido-cyclites, o que eqüivale na generali- dade dos casos a perda do olho. É incontestável que as cataractas secundarias são mais freqüentes depois da extracção por meio do re- talho, do que pelos outros methodos operatorios. Isto é naturalmente devido ás relações immediatas de contacto do lado da membrana cristalloide para com o bordo pupillar, e as suas incrustações que a tornão opaca. Temos, emfim, a insufficiencía do curativo, que se inspira em vistas praticas muito triviaes e communs, taes como o aproximamento dos bordos palpebráes, para evitar a acção da luz, e a sahida fácil das lagri- mas, jamais se podendo oppor ás hemorrhagias inter- nas, ás affecções glaucomatosas e aos descollamentos da retina, que concorrem, em tão larga escala, nas ope- ao 228 DÉCIMA CONFERÊNCIA rações pelo methodo de retalho, para os successos in- completos e defeituosos, ou totalmente frustrados. O processo de Jacobson, que consiste em uma in- cisão no segmento inferior da cornea, completando um retalho correspondente ao limbo corneano, e por este igualmente circumscripto, differe notavelmente do an- terior; porque, na grande maioria dos casos, é pra- ticada a excisão do iris. Este tempo, porém, é reali- sado depois da sahida da cataracta. O Dr. Wecker, que até bem pouco tempo empre- gava-o, não obstante as vantagens curativas que lhe attribue, e seus resultados estatísticos, já hoje não o pratica, preferindo assim a extracção linear modificada. Com quanto os accidentes inflammatorios muito se res- trinjão, e se modifiquem, em virtude da excisão do iris, é claro que antes delia terá logar o machuca- mento e a irritação da,membrana iriana, da mesma sorte que vistes em relação ao processo anterior. Demais subsiste o mesmo inconveniente de compre- hender a ferida toda a espessura da cornea, accres- cendo a difficuldade, que existe, em apanhar com a pinça o bordo pupillar, a fim de proceder-se á excisão do iris. Apesar de tudo, a estatística é muito mais favorá- vel ao processo de Jacobson, do que ao de Desmarres. Quanto ao methodo moderno de extracção linear combinada, existem dois processos differentes, dos quaes o primeiro pertence ao Dr. Liebreich, sendo o OPERAÇÃO DA CATARACTA. 229 outro do professor de Graefe, que com tanta justiça quasi que domina absolutamente na pratica. Com quanto não sejão ainda conhecidos os resul- tados estatísticos do Dr. Liebreich, não sendo desta sorte possível estabelecer-se o devido parallelo com os outros, cabe-me em homenagem ao distincto pra- tico declarar que assisti a muitas operações suas, se- guidas dos mais brilhantes resultados, apesar dos in- convenientes, de que se resente o seo processo. Os seos operados são apresentados em sua clinica no fim da primeira semana, e quasi sempre neste prazo de tempo o campo pupillar se acha limpo e bastante negro, o que importa o melhor successo operatorio. O inconveniente que mais se accusa neste processo é a posição do coloboma, que é para baixo, não podendo ser de modo algum encoberto pelas palpebras, o que torna o olho defeituoso, além de prejudicar a percepção visual, dando logar á circu-r los de diffusão e á deslumbramentos, quando se tenta examinar pequenos objectos, principalmente si a luz é muito intensa. Em compensação, porém, a operação do Dr. Lie-! breich é da maior facilidade pratica, e agrada, por tanto, aos principiantes. Isto se collige da descripção do manual operatorio, que passo a fazer-vos, tal qual observei na clinica do illustre pratico. O doente é deitado em uma cama de ferro ordiná- ria, collocada em uma posição que facilite o accesso 230 DÉCIMA CONFERÊNCIA da necessária claridade. O operador trabalha assen- tado ao lado da cama, si se trata do olho esquer- do, atraz do doente, si a cataracta é do lado direito. O Dr. Liebreich usa de seo blepharostato especial, cujos ramos longos se dirigem para a região tempo- ral. O globo ocuiar é mantido em immobilidade por meio de uma pinça, que pouco difíere da de Des- marres. Entre seos ramos toma-se uma dobra da con- junctiva para o lado interno e inferior do globo ocu- iar, o que é feito mediante o emprego da mão es- querda. Immobilisado o olho, por meio de uma delgada e estreita faca, em tudo semelhante á do professor de Graefe, penetra-se á uma linha para fora da circum- ferencia da cornea, e n'um ponto que corresponda á um plano horizontal, collocado abaixo da abertura pupillar. O instrumento entra na câmara anterior com o gume para baixo, atravessa, em uma linha perfeita- mente horizontal, toda a extensão em largura da cavi- dade, até attingir do lado opposto o ponto de sahida para o exterior, que se achará em igual distancia da circumferencia da cornea; e faz-se a ponta do instru- mento apparecer fora do globo ocuiar. Então volta- se o gume para diante, e por movimentos de serra corta-se a cornea de dentro para fora, sendo a ferida mais ou menos rectilinea. Depois disto trata-se da iridectomia, que é feita n'umae noutra commissura da incisão, e que consti- OPERAÇÃO DA CATARACTA. 231 tue o tempo mais difficil deste processo. Já então o globo ocuiar se acha libertado da fixação, que cessa, uma vez terminada a incisão da cornea. O blepharostato é levantado Ímmediatamente, e o doente repousa por alguns momentos, passados os quaes o operador aftásta brandamente os bordos cilia- res, e procede á incisão da cápsula em plena liberda- de do globo do olho. O kystitomo que o Dr. Liebreich emprega, com- municando-lhe a direcção mais apropriada, para attingir o seo fim, é uma simples modificação d'aquelle que, mais tarde, vereis recommendado no processo de extracção linear modificada. Em seguida trata-se da expulsão da cataracta, que é feita mediante pressões cuidadosas, recalcando o bordo inferior da ferida por meio do dorso de uma cureta de Daviel, e comprimindo com o pollegar di- reito o globo do olho, algumas linhas para cima da peripheria da cornea. Esta pressão deverá ser feita mediatamente, tendo de permeio a palpebra superior. Por um tal mecanismo os bordos da ferida cornea- na se entre-abrem, offerecendo a fôrma de um canal, pelo qual se escapa o cristallino, livre de seo invólu- cro capsular. O Dr. Liebreich pretende que o seo processo seja uma simples modificação do que é empregado pelo professor de Graefe; porém, em minha opinião, as differenças são tocantes, principalmente em relação 232 DÉCIMA CONFERÊNCIA ao manual operatorio, que parece de propósito com* binado para aquelles que não podem vencer grandes difficuldades,por sua pouca segurança e destreza ope- ratorias. Já tive occasião de empregal-o em um doente, que apresentava uma completa mutilação do iris, devida a uma iridectomia infeliz, praticada por um especia^ lista muito considerado entre nós. Do iris somente restava um pequeno retalho, cor- respondente ao segmento superior da cornea. Prati- car em taes condições a operação do professor de Berlim fora mais outra calamidade para o desgraçado doente. Poupei, por tanto, o pequeno retalho de iris que havia. Confesso-vos que achei este processo de tama- nha simplicidade, que não duvido recommendal-o aos que comecão na pratica cirúrgica, ou á quem não confie assás em sua pericia para vencer as grandes difficuldades. Estas correspondem ordinariamente aos melhores resultados, jamais ambicionados pelas me- diocridades. O mesmo não se poderá dizer do processo de ex- tracção linear modificadado celebre, e sempre lamen- tado, professor de Berlim. De todos é elle incontesta- velmente o mais engenhoso e o mais difficil, exigindo da parte do pratico o conhecimento anatômico per- feito do globo do olho, o preenchimento cuidadoso e OPERAÇÃO DA CATARACTA. 23íJ completo de todos os preceitos, estabelecidos pelo grande mestre, e uma pericia operatoria á toda prova. Eu penso que o Dr. Wecker expende urna verdade, quando, de encontro a opinião de Waldau e outros, recommenda que nesta operação não seja esquecida a mais insignificante formula, cuja falta, si não é ca- paz de comprometter o resultado operatorio, modifi- ca-o sempre de um modo desvantajoso. Para dar-vos uma idéa completa e clara deste processo, bastará descrever a operação, que pratiquei neste doente, cujos resultados são de natureza a con- vencer-vos das maravilhosas conquistas, que a cirur- gia moderna tem realisado no presente século. 0 nosso doente foi Cüllocado sobre um leito alto, desca:;^ ado a cabeça sobre travesseiros. Tendo de trabalhar no olho esquerdo, colloquei-me em frente á elle, e ao seo lado esquerdo, de modo á poder dominar com certa facilidade o órgão, em que se devia passar o acto operatorio. Nesta posição, além da commodidadede movimen- tos que se torna indispensável ao operador, sobre- sahe ainda a vantagem de um perfeito aclaramento da parte, que deve soffrer a operação. Os instrumen- tos empregados para tal fim, os quaes devem ser en- tregues á um ajudante provecto neste gênero de tra- balhos, são os seguintes: um blepharostato com a spi- ral paia o angulo interno do olho, uma pinça de fixa- ção, uma faca estreita e delgada, uma pinça de iride- 234 DÉCIMA CONFERÊNCIA ctomia, uma thesoura angulosa sobre o lado, um kys- titomo de lamina triangular e em fôrma de dardo, cureta de Daviel, e outra de caoutchouc, e uma pinça simples recurvada sobre o bordo para a toillete do olbo. Com estes instrumentos e mais uma esponja, fios e uma atadura de quatro a cinco varas de compri- mento, é possivel na generalidade dos casos praticar- se a operação em todos os seos tempos. Estes são em numero de cinco, e se succedem invariavelmente e sem interrupção. Realisei o primeiro tempo, desviando as palpebras por meio do blepharostato, prendendo o globo do olho nos dentes do fixador, mediante uma pequena dobra conjunctival, pouco abaixo da extremidade inferior do diâmetro vertical da cornea, e praticando em se- guida a incisão sclerotical. Esta é a parte mais diffi- cil deste tempo, e talvez de toda operação. A faca é sustentada transversalmente pela mão do operador com o gume dirigido para cima, e nesta posição é le- vada contra o globo do olho, penetrando, ao lado exter- no, em um ponto collocado a dois millimetros para fora do limbo da cornea. Este ponto deve corresponder á ex- tremidade de uma linha horizontal, que seja tangente ao circulo corneano. Elle corresponde aos limites da câmara anterior, e por tanto a faca penetra em sua cavidade, dando á mão do operador a sensação de uma resistência vencida. Então o cabo do instrumento é OPERAÇÃO DA CATARACTA. 235 brandamente repellido para o lado da arcada orbita- ria, e a sua ponta caminha em demanda do centro da cornea. Chegando até ahi, abaixa-se o cabo da faca e a ponta descreve um arco de circulo, que se termina quando a lamina do instrumento consegue occupar uma direcção perfeitamente horizontal. É então occasião de fazer sahir a ponta da faca do lado interno do olho, tendo o cuidado de pro- curar conduzil-a para um ponto, igualmente colloca- doá dois millimetros para dentro da circumferencia da cornea. Precisados assim os pontos extremos da in- cisão o operador volta levemente para si o gume do instrumento, e em pequenos movimentos de serra corta os tecidos, que se sobrepõem ao gume da faca de dentro para fora. Estes movimentos são acompa- nhados de extravasação do humor aquoso, o que de- nota a abertura da câmara anterior, e terminados pela formação de um pequeno retalho da conjunctiva, que eu procuro evitar, sempre que posso. Dest'arte comprehendeis perfeitamente que a feri- da é feita sobre a sclerotica, ao menos em metade de sua espessura. A incisão é susceptível de ganhar em dimensões, conforme a grandeza e consistência da cataracta, po- dendo-se augmental-a á vontade; para tal fim torna-se secante a linha que deveria ser tangente á circumfe- rencia da cornea. Em relação a este tempo operatorio devereis sem- 286 DÉCIMA CONFERÊNCIA pre lembrar-vos, como um dos mais importantes pre- ceitos, nunca fazer uma incisão maior nem menor do que precisa a cataracta para ser expellida; porque em qualquer das hypotheses a extravasação do humor vitreo é sempre inevitável. O segundo tempo consiste na excisão do iris, con- dição operatoria, que communica ao processo, de que se trata, as suas principaes vantagens. Por meio desta importante modificação consegue-se evitar accidentes que, mal apreciados pelos antigos, contribuião sempre de um modo notável para explicar osmáos resultados, que se apresentavão depois da extracção da cataracta. Estes accidentes tinhão ordinariamente sua origem na inflammação do iris, quasi sempre devida á dis- tensão e machucamento desta membrana, pela passa- gem da cataracta atravéz da pupilla. Um outro acci- dente, que só modernamente tem sido bem estudado, é o glaucoma, que, sendo explicado pela irritação se- cretoria da uvea, pelo facto da iridectomia é comple- tamente evitado. Após a abertura da câmara anterior, o humor aquoso, precipitando-se para os bordos da ferida, por onde derrama-se em certa quantidade, leva diante de si a porção do iris que corresponde á solução de continuidade, e produz-se uma verdadeira hérnia iriana. Quando da incisão, que constitue o primeiro tempo da operação, resulta um retalho conjunctival, para encontrarmos o prolongamento do iris e excisal-o OPERAÇÃO DA CATARACTA. 237 é preciso, em primeiro logar, passar a pinça de fixa- ção ás mãos de um ajudante intelligente, e depois, por meio da mesma pinça de iridectomiae em um primeiro movimento, abaixar este retalho sobre a cornea, para então prender-se o iris com a mesma pinça, e tiran- do-o para cima cortar-lhe a base com a thesoura. D'outra sorte o prolapso iriano se offerece Ímme- diatamente á vista do operador, e sua excisão é feita em um só movimento. O corte do iris deve ser prati- cado com algum cuidado. Como preceitos eu vos recommendo as duas regras seguintes: primeiro, desdobrar o prolongamento iria- no, tendo-o seguro nos dentes da pinça pelo bordo pupillar, para o que convém empregar-se uma trac- ção conveniente, que nem por violenta produza o des- pedaçamento do iris, nem por insufficiente deixe do desdobrar completamente o prolongamento desta membrana, de modo a formar-se um coloboma defei- tuoso; segundo, excisar o prolapso do iris em dois cortes differentes nos ângulos da ferida sclerotical. Deste ultimo preceito resulta prevenir-se o encra- vamento do iris nas commissuras da ferida, accidente que é uma causa constante de irritação e de dores para o olho, podendo até acontecer que o coloboma torne-se tão circumscripto, que não se preste á func- ção visual. Ordinariamente a hemorrhagia, que procede do 238 DÉCIMA CONFERÊNCIA corte do iris, é diminutíssima, penetrandorarissima vez alguma gotta de sangue na câmara anterior. Para executar-se o terceiro tempo, que consiste na incisão da cápsula do cristallino, o operador toma no- vamente o fixador para dominar os movimentos do olho, e introduzindo o kystitomo brandamente por en- tre os lábios da ferida ocuiar, dirige-o até a face an- terior do cristallino, em cuja altura volta contra elle o dardo do instrumento, e em dois movimentos, de- baixo para cima, corta a cápsula em forma de um V com o ápice inferior. Neste tempo operatorio accidentes de certa ordem podem ter logar, e são elles devidos ou á extrema timidez do cirurgião, que por muito poupar a cápsu- la deixa de a cortar, ou á sua pouca experiência e ignorância dos conhecimentos anatômicos, atraves- sando toda a espessura da cataracta na altura da sua circumferencia, e chegando até a zonula de Zinn. O effeito inevitável de qualquer destas duas circums- tancias é a extravasação do humor vitreo. Retirado o kystitomo com as mesmas precauções com que fora introduzido, isto é, com o pequeno dardo lateral na direcção horizontal e parallelo ao bordo da ferida, por onde tem de sahir, trata-se in- continente da extracção da cataracta. Este tempo operatorio pode ser realisado por meio da cureta de Critchet, mediante o gancho de Graefe, ou final- OPERAÇÃO DA CATARACTA. 239 mente pela manobra conhecida debaixo do nome de escorregam ento. Este ultimo processo é o que eu sigo, sendo ao mesmo tempo aquelle que evita maior numero de vezes a extravasação do humor vitreo, e as inflam- mações subsequentes á operação. Mediante uma cu- reta de caoutchouc, dirigida pela mão direita, tendo sempre segura pela esquerda a pinça de fixação, por meio desta abaixo moderadamente o globo do olho no sentido do meridiano longitudinal, e comprimo com uma força crescente o globo ocuiar, entre a cir- cumferencia da cornea e o ponto que corresponde á fixação do olho. O resultado desta pressão é o des- prendimento da cataracta de seo involtorio capsular, e o seo movimento de descollocamento no sentido do eixo do canal, que se lhe tem aberto pela parte supe- rior. Sendo a ferida sclerotical de dimensões adequa- das a cataracta, esta se intromette em seos lábios, e, quando o seo diâmetro transversal coincide com a solução de continuidade, pode-se sem receio levantar a pressão, offerecendo logo a cavidade da cureta ao cristallino, que nella se precipita. Quando ao contrario a ferida é menor do que o diâmetro da cataracta, não se podendo realisar o parto desta, toda pressão re\rerte contra o humor vitreo; rompe-se então a zonula de Zinn, e a extra- vasação do humor vitreo é o resultado necessário. Nem sempre este tempo da operação, de que nos 240 DÉCIMA CONFERÊNCIA occupamos, se realisa com a facilidade e belleza,, com que acabo de descrever-vos. Occasiões ha, em que, não obstante existirem as melhores condições do lado da incisão ocuiar, a sahida do cristallino tor- na-se difficil por suas pequenas dimensões, graças ás quaes elle é susceptível de fazer movimentos de bascula dentro da câmara anterior, frustrando todas as tentativas empregadas para promover a sua ex- pulsão. Nestes casos torna-se utilissima a coadjuvação de um ajudante, que deve ser de uma habilidade reco- nhecida, no sentido de recalcar para traz o bordo superior da ferida com o dorso de uma curêta de Da- viel. Quando este movimento de depressão do bordo da solução de continuidade é feito por mão segura e intelligente, vemos com prazer abrir-se adiante da cataracta um canal espaçoso, no qual ella se intro- mette Ímmediatamente. Chegando á este ponto do manual operatorio, o globo ocuiar é instantaneamente libertado da fixa- ção, e o blepharostato levantado incontinente. Passa- depois uma esponja molhada em agoa fria para limpai as palpebras, e comprimir levemente o olho. É então que começa o 5.« e ultimo tempo da ope- ração, que consiste em extrahir-se da ferida os coalhos que lhe ficão adherentes, e na expulsão das camadas corticaes, que possão existir na câmara anterior, dan- do mais tarde origem á cataractas secundarias. O pri- OPERAÇÃO DA CATARACTA. 241 meiro cuidado é satisfeito por meio de uma pinça fina, com a qual se extrahe todos os coalhos que ad- herem aos lábios da ferida, podendo até, como já me tem acontecido por mais de uma vêz, extrahir igualmente a cápsula, quando esta se enrola sobre si, e procura as proximidades dos bordos da ferida. Eu penso que esta pratica deve ser aconselhada como uma modificação geral em todos os casos de extracção linear; porque creio na possibilidade de ser ella praticada, senão em todos, ao menos na maioria dos casos. Esvasia-se a câmara das massas corticaes, median- te pressões do globo ocuiar na direcção da ferida sclerotical, as quaes são sempre proveitosas, não só em relação á prevenir as cataractas secundarias, pela expulsão dessas mesmas massas, como pela sahida dos coalhos, que ás vezes se formão na cavidade da câmara anterior, e que pelo humor aquoso são repel- lidos para fora. É para notar a facilidade maravilhosa, com que se reproduz este liquido em semelhantes circumstan- cias. Acontece por vezes que após a extracção da ca- taracta a cornea se achata, e murcha pela quasi com- pleta extravasação do humor aquoso; e, no emtanto, basta cerrar-se as palpebras, e friccionar com as pol- pas digitaes o globo do olho, para que no fim de al- guns segundos se encontre a cornea de novo bom- 242 DÉCIMA CONFERÊNCIA beada, o que importa a plenitude da câmara ante- rior. Não devo, entretanto, levar mais longe as consi- derações cirúrgicas que me assaltão ao espirito, na contemplação deste brilhante facto. Lembrando-vos do processo que acabastes de ouvir, podeis afigurar em vossa imaginação o como as cousas se passarão á respeito deste doente. Ha, porém, em tudo uma dif- ferença, que é descrevêr-se a operação em um tem- po mais longo, do que o preciso para leval-a a effeito. É assim que dentro em 5 minutos ella se achava ultimada, como alguns de vós, que estiverão pre- sentes, testemunharão. Depois seguio- se o curativo. Em relação á esta parte do tratamento muito teria á dizer, si por ven- tura não intencionasse occupar mais tarde a vossa at- tenção com um assumpto da maior importância prati- ca, sempre novo, e sempre na ordem do dia—o curati- vo das feridas depois das operações. Eu não uso da solução mydriatica nestes casos, se não quando ha dores, e receio complicações. Colloco sobre os olhos uma compressa, em cujo centro pratico uma chanfradura para o nariz, e en- cho as cavidades, que correspondem aos olhos, com pequenos chumaços de fios artisticamente dispostos. Depois contenho, e aperto vigorosamente, estas peças de curativo por meio de uma atadura, que se esgote em três ou quatro circulares em roda da cabeça. OPERAÇÃO DA CATARACTA. 243 Desta sorte pode-se graduar á vontade a compres- são sobre os olhos. Este apparelho deve ser levan- tado de vinte quatro á quarenta e oito horas, isto é, desde que se tem realisado a adherencia dos bordos da ferida sclerotical. O curativo dirigido com critério, e sempre de modo a satisfazer as indicações momentosas, reúne todas as condicções favoráveis para coroar com o mais brilhante êxito a operação, que houver sido praticada de um modo regular, e segundo as formu- las e preceitos indispensáveis. O doente que ides examinar, além de um optimo exemplo, é a melhor demonstração destas verdades clinicas. 32 CALCULO VESICAL. UftDEClHA CONFERÊNCIA. SlMM\RlO.—Raridade dos cálculos Tesicaes nesta cidade—Influencia rhen« ttiatiswal no nosso clima—Tendências á superactividade hepatica—Signaes raeionaes dos cálculos vesicaes—Signaes physicos; exploração - Vantagens da sonda-cathetcr de Thompson — Manobras empregadas para o reco- nhecimento da pedra—Diagnostico da naturesa dos cálculos, de seo to« lume e numero—Contra-indicação da lithotricia—Suas desvantagens nas primeiras idades da Tida—Da talha e suas indicações—Preferencia nesti caso da talha prercctal. Meos Senhores: Com quanto este doente não pertença á clinica da Faculdade, o seo interesse pratico é de tal ordem, que não é licito passar elle desapercebido á vossa obser- vação e estudo. As occasiões, que nos proporcionão a contemplação de um facto mórbido de tal natureza, são tão raras entre nós, que releva aproveital-as no exame rigoroso e aprofundado de seos caracteres symptomatícos, em pesquizas minuciosas e penetran- tes sobre suas origens pathogenicas, e principalmen- te nas cogitações clinicas tendentes a resolver os problemas importantes, relativos ao tratamento em geral, e especialmente ao modo de intervenção ci- rúrgica. Esta enfermidade não é freqüente em nosso paiz; ao contrario rarissimamente, em nossas salas de cli- CALCULO VESICAL. 245 nica, ofíerece-se a opportunidade do emprego de qualquer das operações, reclamadas em seo trata- mento. Parece que os climas, como o nosso, não fa- vorecendo o desenvolvimento da diathese urica em razão da suavidade da temperatura, roubão ás for- mações calculosas, que tirão origem do liquido ouri- nario, a sua razão de ser chimica. Contra o que se poderia suppor, as funcções do ap- parelho renal não se elevão nos climas temperados acima de uma mediocre actividade secretoria, que se explica plausivelmente pelo excesso de energia funccional do órgão hepatico. Dahiresulta que mais freqüentemente são encontradas as producgões cal- culosas na cavidade da vesicula felea, ao passo que de envolta com a ourina se apresenta, quasi com a mesma freqüência, o pigmento da bilis, em logar dos depósitos de sáes uricos ou pbosphaticos. Os casos de manifestações mórbidas, que se possão ligar á diathese propriamente urica, são de tamanha raridade, que é permittido duvidar-se de sua exis- tência. A verdadeira gotta, com todo o seo cortejo de alterações artículares, é uma moléstia que ainda não tive occasião de encontrar em minha clinica parti- cular. A influencia do ar humido e das correntes ath- mosphericas, modificando a temperatura, são sus- ceptiveis de produzir estados mórbidos especiáes, ou communicar as moléstias já existentes um cunho 24G UNDECIMA CONFERÊNCIA característico. Ellas nunca são capazes de produzir alterações da ordem dos tophus e producções uricas das articulações. Ordinariamente os seos eífeitos se limitão ás anesthesias cutâneas, nevralgias, retracções e es- pasmos musculares, inflammações dos ligamentos, e quando muito se estendem a synovial, despertan- do uma maior actividade secretoria, que é chamada a explicar a pathogenia das hydrarthroses. Essas di- versas manifestações, susceptiveis de tomar por sede qualquer órgão ou systema, e indistinctamente o nervo ou músculo, do mesmo modo que o ligamen- to e a synovial, são conhecidas na pratica sob o no- me de rheumatismaes. Os tumores brancos, porém, são affecções, que felizmente não registramos neste quadro pathologico, o qual abrange boa parte das af- fecções dominantes nesta cidade. Tudo,por tanto, justifica a raridade dos cálculos ve- sicáes, e se oppõe á acreditar-se que nos poucos ca- sos, que se offerecem na pratica cirúrgica, haja, por ventura, o predomínio de um estado diathesico, o qual preceda e effectue a formação calculosa. Este rapaz, no emtanto, tem urna volumosa pedra na be- xiga, que de longa data o atormenta, impedindo-o de entregar-se aos misteres da vida. Habitando uma localidade miserável, onde a sua condição era a da pobresa exposta á todas as desvantagens de uma alimentação mesquinha e nociva, e ás injurias ath- CALCULO VESICAL. 247 mosphericas, este infeliz estava votado a arrastar uma vida desgraçada sob o peso de uma enfermidade, que somente á estas circumstancias deve a razão de seo desenvolvimento. Quando o vimos pela primeira vez, este doente queixava-se de dores extraordinariamente intensas, que acompanhavão a emissão das ourinas; estas erão expellidas em pequena quantidade, e interrom- pidas por vezes, apesar do esforço enérgico de con- tracção da bexiga. Em virtude da difficuldade da micção, e por um impulso completamente instincti- vo, elle procurava dar ao corpo posturas extrava- gantes, de ordem a deslocar o obstáculo que inter- rompia por sua presença o jorro da ourina. Esta apresentava uma côr escura, era por varias vezes misturada com sangue, principalmente em suas ul- timas gottas, e ofíerecia um cheiro assás repugnante, que denotava uma alteração profunda da mucosa vesical,em cuja presença, e debaixo de sua influencia, se houvesse realisado uma fermentação fortemente ammoniacal. As dores erão constantes, e tantas vezes repetidas, quanto era freqüente a necessidade de ou- rinar, e a intensidade do tenesmo vesical. Coincidia com estes phenomenos o tenesmo re- ctal, o qual se manifestava por uma acção simples- mente sympathica, dando logar á procidencia do ânus. O penis se achava mais ou menos engorgitado, entrando em erecção, nas occasiões em que a emis- 248 UNDECIMA CONFERÊNCIA são da ourina era interrompida pela presença do calculo. Então o doente sentia necessidade de fazer tracções sobre o prepucio, já distendido por manejos idênticos, empregados com o fim de facilitar a sahida da ourina. Além disto experimentava uma viva co- ceira na glande, em roda do orifício do meato ouri- nario, para onde instinctivamente leva a mão, a fim de comprimir á cada momento o tecido da glande, e satisfazer esta necessidade que o afflige, e que se torna incessante. Ao exame se revelão muitas das particularida- des, de que se queixa este doente. Entre os diver- sos phenomenos, que caem á mais superficial obser- vação, mostra-se um que, contra vossa própria von- tade, sois obrigados a apreciar. É o cheiro nausea- bundo e repulsivo da ourina, que demonstra as alte- rações profundas da mucosa vesical. Tendes visto a difficuldade extrema da micção, que se realisa quasr á todo momento. Ella nunca excede de cada vez a meia onça de liquido, para cuja expulsão precisa o doente pôr em contribuição todo seo systema mus- cular. A primeira vista parece nada mais haver do que uma simples dysuria; porém a observação attenta e reflectida descobre, atravéz deste apparato phenome- nal, a existência de uma incontinencia da ourina, de- vida á dilatação do collo da bexiga, á distenção e re- laxamento de suas fibras. CALCULO VESICAL. 249 A posição em que se acha deitado o doente, des- cansando sobre o decubitus lateral, e tendo o penis inclinado sobre um vaso, trahe a sua pouca confian- ça nos esforços voluntários da bexiga. Entretanto, a ourina não gotteja do orifício do meato, do modo por que tem logar nos casos communs de inconti- nencia desse liquido. A razão é que existe aqui uma concreção calcarea, que, por sua presença no baixo- fundo da bexiga, faz o officio de uma verdadeira válvula; permitte somente a emissão da ourina, quando o calculo se desloca, por acaso, da cavidade infundibiliforme, escavada á custa dos tecidos, que circumscrevem o orifício interno do canal da urethra. A ourina, alterada em sua composição chimica, offerece um gráo notável de alcalinidade. Pelo re- pouso este liquido deposita no fundo do vaso, que o contém, um sedimento mucoso, que desprende um cheiro activissimo. As dores que conservão invariavelmente a mesma intensidade, acompanhando as tentativas expulsivas da bexiga, por sua freqüência e duração são de ordem a justificar a insomnia, que o persegue e que lhe tem abatido tão consideravelmente a acção dos cen- tros nervosos. As perdas mucosas e sangüíneas teem produzido este estado de meio marasmo, que se im- põe como a partilha necessária de todos os doentes, que soffrem desta enfermidade. Neste curto espaço de tempo, que temos emprega- 250 UNDECIMA CONFERÊNCIA do no estudo e reflexões acerca deste doente, o te- reis visto por mais de uma vez levar os dedos á ex- tremidade da glande, seguindo-os em toda a exten- são do canal da urethra, em uma leve fricção até a região perineal. Este phenomeno é muito commum nos calculosos, e acha sua explicação em um estado de erectismo especial do tecido esponjoso do canal da urethra, pela presença incessante de um corpo estra- nho, que lhe communica e entretem um certo gráo de irritação. Em todo o caso é um symptoma, que impõe muitas vezes de um modo notável, e sempre que elle existe corre ao cirurgião o dever de insistir habilmente nas pesquizas, apropriadas para o reco- nhecimento da pedra. Esta por vezes é suspeitada pelo próprio doente que accusa a sensação especial de um corpo estranho, e não raramente a expulsão de fragmentos calcareos de mistura com a ourina. Este doente apresenta ainda falsos desejos de de- fecar, que são acompanhados, quando elle intenta sa- tisfazel-os, por um tenesmo prolongado e improficuo. Este symptoma revela a irritação do collo, irradiada por vizinhança ás fibras musculares do rectum; ou então a plenitude deste órgão, quando os cálculos, pelo seo numero ou pelo seo volume, fazem grande saliência na cavidade rectal. Neste doente veritícão- se ambas as hypotheses. O dedo introduzido no re- ctum encontra um tumor, que lhe corresponde pela foce anterior, e situado assás alto para que se faça CALCULO VESICAL. 251 preciso a sua introducção completa. Esta saliência ê resistente, offerece uma superficie irregular e des- igual, tendo sido por mim já deslocada de sua posi- ção ordinária, na distancia de quasi meia pollegada. A exploração da urethra, por meio de uma sonda metallica, encontra em curto espaço a pedra, que lhe dá pelo attrito a sensação especial que a caracterisa, parecendo recuar diante da sonda, que a impelle para cima e para traz. O dedo rectal, conservado para o completo êxito destaspesquizas, recebe o choque que lhecommunica a producção calcarea, e reconhece-lhe mais ou menos a fôrma e a dureza, pelo seu movimento de ascenção vesical. Suppondo existir o calculo na urethra, foi debalde que o nosso estimavel collega, incumbido do serviço, procurou prendel-o entre os ramos de uma pinça de extracção de corpos estranhos. Eu mesmo ten- tei desta sorte apoderar-me das dimensões da pedra, e verifiquei que a sua extracção era uma tarefa im- possível por mais de uma razão. O instrumento tocava a concreção, e máo grado a a sua direcção rectilinea confirmava os signaes phy- sicos de sua existência. Ao desviar, porém, dos ra- mos, o calculo se esquivava á apprehensão, parecendo aprofundar-se na cavidade da bexiga, onde a pinça não o podia acompanhar. Além deste motivo, eu creio ainda que a maior difficuldade, que se apresenta á 252 UNDECIMA CONFERÊNCIA apprehensão pela pinça, provém do exagerado tama- nho da producção calculosa, que é maior do que pensão os que a teem examinado; por quanto a sua extremidade anterior, por certo a menor em diâmetro, é grande de mais para ser apanhada entre os ra- mos da pinça, apesar destes poderem desviar-se na distancia de quasi um centímetro. Foi debalde que tentei reter o calculo por meio do dedo introduzido no rectum, a fim de prendel-o mediante o instrumento, com que se tentava a ex- ploração. A pedra era recalcada para diante, conse- guia-se diminuir consideravelmente a sua mobilida- de; porém os ramos da pinça apenas riscavão a su- perficie da concreção, sem jamais poder attingir as extremidades de qualquer de seos diâmetros, e assim communicar-lhe os movimentos indispensáveis para precisão do juizo diagnostico. Ficou, por tanto, sem a menor duvida reconhecido que a extracção do calculo, mediante um instrumen- to tão frágil e somente apropriado para apanhar pe- quenas concreções urethraes, ou fragmentos encra- vados no canal da urethra, era de uma impossibili- dade absoluta e material. Porém destas tentativas resultou a immensa vantagem de verificarmos a existência da producção calculosa, a sede de seo de- senvolvimento, de alguma sorte o gráo de consistên- cia que apresenta, e mais do que tudo o seo vo- lume» CALCULO VESICAL. 253 Esta ultima eircumstancia é de um valor extraor- dinário, sempre que se trata do estudo clinico desta affecção do apparelho ourinario. Sem a sua determi- nação, mais ou menos positiva, tudo é duvidas quando se trata do grande e importante mister pratico, isto é, a intervenção dos meios cirúrgicos. É para realisar este desideratum que torna-se in- dispensável na pratica, não as pesquizas impertinen- tes, e tão prejudiciáes, de instrumentos impróprios, á dilacerarem os tecidos expondo os doentes á acciden- tes, talvez mais sérios do que os da lithotricia; mas a exploração assisada, que caminha á luz dos dados anatômicos sobre a concreção mórbida, de modo a surprehender-lhe todas as suas circumstancias eca* racteres physicos. Para este fim ha cathéteres apropriados, de uma notável vantagem pela rapidez de sua introducção até a cavidade vesical, e a certeza de suas investiga- ções sobre a pedra, qualquer que seja o logar por ella oecupado. Estes instrumentos, sendo ordinaria- mente rectilineos, teem a sua extremidade brusca- mente recurvada na extensão mais ou menos de uma | pollegada. Esta disposição tem por fim facilitar os movimentos de rotação do instrumento dentro da bexiga, em virtude dos quaes é explorada toda a ca- pacidade e superficie interna deste órgão. Destas pesquizas não se podem esquivar os cálculos que re- sidem no baixo fundo da bexiga, onde a extremida- 254 LNDECIMÀ CONTERENCIA de do catheter, graças a sua curva tão pronunciada, consegue attingil-os, até nos casos em que a posição da bacia não tem podido deslocar o corpo estranho. Tem-se aconselhado para tal fim o uso de uma tenta de Beniqué, cuja curvadura é substituída por esta, que ha pouco mencionei. Na ausência do ins- trumental necessário todos os meios, ainda os me- nos apropriados, podem ser empregados. Este não parece fugir da lei, que a necessidade algumas vezes vos poderá impor. Eu aconselho-vos, entretanto, que para um fim de tanta importância pratica, já em relação ao doen- te, já em relação á reputação do cirurgião, que pode ser abalada por um juizo errôneo sobre a moléstia, sempre empregueis meios exploradores os mais aper- feiçoados e sensíveis, que pela rapidez do exame possa evitar accidentes, e cuja acção não venha á sêr nociva ao doente, embaraçando tentativas ulte- riores. Neste sentido eu vos recommendo muito especial- mente a sonda-catheter de Thompson, cujo emprego é assás generalisado na Inglaterra, offerecendo van- tagens incontestáveis sobre todos os outros, até o presente conhecidos. Este instrumento, como os de- mais, tem uma direcção rectilinea; termina, porém, em uma superficie mais espalmada, a qual representa uma curva curta, no que diftere das antigas sondas exploradoras, hoje de um uso tão limitado, pela diffi- CALCULO VESICAL. 255 culdade de sua introducção na bexiga, e pelos in- commodos que causão ao doente. O explorador de Thompson merece bem o nome que lhe foi dado. Elle é uma verdadeira algalia, apre- sentando um canal perfeito, que mede toda a exten- são do instrumento, terminando-se em sua extremi- dade mais larga pelo lado de sua concavidade. A haste é de calibre mediocre, o que facilita sobremodo as pesquizas para o encontro do calculo, as quaes de- mandão, muitas vezes, movimentos de rotação comple- ta do instrumento nas vias ourinarias. O pavilhão da sonda é provido de uma pequena torneira, que torna possíveis as injecções em qualquer tempo das mano- bras exploradoras. Esta simples descripção do instrumento demons- tra as suas vantagens praticas, e a sua superioridade a respeito dos meios outros, até então empregados. Não é raro, depois de um certo numero de pesqui- zas, e de outras tantas sessões de catheterismo, des- conhecer-se a existência de um calculo, por ser ampla a cavidade vesical, ou difficeis os seos movimentos, em virtude de adherencias que contrahe com a mu- cosa da bexiga. Toda a habilidade do pratico torna- se inteiramente estéril, si elle não dispõe de um ins- trumento, por meio do qual possa tornar a pedra ac- cessivel á exploração. A sonda-catheter preenche satisfactoriamente estas condições diagnosticas. O seo emprego pôde ser feito 256 ENDECIMA CONFERÊNCIA no estado de vacuidade da bexiga, e logo que o bico1 franquêa o collo vesical, em grande numero de casos, verifica-se a presença da concreção calculosa, prin- cipalmente quando ella attinge proporções notáveis. No caso contrario, o instrumento penetra em busca do corpo estranho, de cuja existência os signaes ra- cionaes nos levarão á presumpçâo. Deste modo at- tinge-se o fundo da bexiga, sobre o qual resvala brandamente a curvadura do catheter, que em um leve movimento de descida passa a investigar a parede posterior do órgão e os objectos, com que, por ven- tura, se relacionem. Tendo em consideração a posi- ção, em que se colloca o doente, levantando a bacia em relação ao plano do tronco por meio de coxins apropriados, é claro que a face posterior do órgão torna-se o ponto mais declive de sua cavidade. E assim qualquer producção calculosa, gozando de certa mobilidade, será ordinariamente encontrada por estas simples manobras exploradoras. Quando isto não aconteça pela ausência de liqui- do no reservatório ourinario, ou pela exiguidade da pedra, sem que seja preciso de qualquer sorte des- locar o instrumento das relações adquiridas, faz-se pela canula uma injecção, na abundância indis- pensável para encher até o possivel a cavidade ve- sical, que nos dá a conhecer assim a sua capacidade e tolerância. Então o bico da sonda pôde ser levado em todas as direcções, conforme os movimentos que CALCULO VESICAL. 257 se communica ao seo pavilhão, ou sejão elles de simples lateralisação ou verdadeiramente rotató- rios. Estes facilitão sobremaneira a pesquiza do cal- culo pela mudança de direcção do bico do instru- mento, que põe-se em relação com todo o circuito da cavidade, e com toda a sua extensão, si a elles addi- cionarmos pequenos movimentos alternados de in- troducção e extracção da sonda. Ha casos, porém, em que todas estas manobras são improfícuas, por circumstancias de uma aprecia- ção difficil, e de uma manifestação, por ventura, ca- prichosa. O calculo esquiva-se a todo transe do cho- que do instrumento, que caminha em vão. E qual será então o meio de attrahil-o ao reconhe- cimento da algalia exploradora? Consegue-se este fim, por meio somente do ins- trumento de que vos fallo. A cavidade vesical, por uma meia volta da torneira, é lenta e gradualmente alliviada do peso da injecção. Em virtude de sua de- plecção as suas paredes se conchegão, e com tanto maior rapidez quanto mais grosso é o jorro do liqui- do, que se deixa escoar para fora. O resultado desta tentativa, tendo o instrumento numa posição inva- riável, e sabendo-se dar o gráo indispensável de ra- pidez á sahida do liquido, é, em certo momento, sen- tir-se o choque do calculo que encontra o instrumen- to, produzindo um ruido especial, que se ouve á dis- tancia e pôde ser verificado pelo esthetoscopio, sen- 258 UNDEC1MA CONFERÊNCIA tindo ao mesmo tempo a mão que segura o instru- mento uma vibração característica. Não obstante, porém, toda a perfeição destes meios de exploração dos cálculos vesicaes, algumas vezes torna-se absolutamente impossível reconhecer a sua existência; pois que são frustradas todas as tentativas, ainda as mais habilmente empregadas. Depois é a autópsia que vem confirmar o juizo diagnostico, for- mado pelos signaes racionaes. O pratico é então forçado a guiar-se por estes, podendo, não raras vezes, acontecer que se reco- nheça, após a abertura da bexiga, o seo estado de completa vacuidade. Este resultado em semelhantes condições não é tanto para admirar, como n'aquellas em que a operação tem sido precedida da exploração, que revela a existência de um corpo duro, contra o qual bate o bico do catheter. Casos semelhantes teem acontecido aos mais notáveis cirurgiões, como Paget, Holmes e outros, sendo-me dado observar um na clinica do professor Gosselin, apesar de ser a pe- dra igualmente reconhecida pelo exame doDr. Labbé. Felizmente é assás raro um resultado semelhante, e sempre que elle se apresenta, as causas do erro dependem da maior inclinação, que se dá á algalia ex- ploradora, cuja extremidade interna bate sobre al- guma eminência óssea, tal como o púbis, o angulo sacro-vertebral e principalmente as tuberosidades sciaticas. CALCULO VESICAL. 259 Além da determinação clinica, que a observação dos signaes racionaes, e dos que dependem da ex- ploração do calculo, é capaz de firmar no espirito do pratico, o diagnostico da enfermidade é susceptí- vel ainda de um maior gráo de precisão. É assim que mediante a apreciação das circumstancias, que presidirão o desenvolvimento da producção mór- bida, nós podemos chegar ao conhecimento da na- tureza chimica da concreção calculosa. Em relação ao doente que temos presente, eu entendo que se trata de um calculo phosphatico, que deve ter uma côr mais ou menos esbranquiçada, uma superficie bastante escabrosa, não sendo difficil de ser despe- daçado entre os ramos de qualquer instrumento de apprehensão de certa resistência. O que justificará, por ventura, um diagnostico de tamanha precisão clinica? Vimos a principio que não se pode acreditar, em relação a este rapaz, na influencia causai da diathese urica. Quando, por acaso, o vosso espirito se apode- rasse de duvidas sobre a razão etiologica da natureza da producção calculosa, ahi estaria a ourina com a sua alcalinidade, seo cheiro activo e pútrido, e abun- dantes depósitos de mucosidades, para nos revelar a constituição particular do calculo, que o doente apresenta. Estes caracteres denuncião uma profunda altera- ção da mucosa vesical, que representa em taes con- 260 UNDEC1MA CONFERÊNCIA dições o papel de um verdadeiro fermento, capaz de transformar a uréa em carbonato de ammoniaco. D'ahi procede o gráo de alcalinidade deste liquido, que contendo em certa proporção phosphatos alca- linos, resíduos da nutrição geral, nenhuma acção dissolvente pode ter sobre elles, por quanto para esse fim é indispensável a acidez da ourina normal. Assim estes sáes tendem a depositar-se em der- redór de uma molécula qualquer, dando em resulta- do producções calcareas, que podem attingir as mais notáveis proporções. É possível que se encontre mais de uma pedra; mas nas condições em que foi feita a exploração, e diante dos resultados por ella fornecidos, nós não te- mos o direito de o suppôr. Trata-se de um caso, em que é difficil o reconhe- cimento do tamanho exacto e do numero de cálculos; pois que aquelle que se mostra, logo por detraz do collo da bexiga, se acha de tal sorte fixado em suas relações, que a sonda não pôde franquear com faci- lidade a cavidade vesical, máo grado a distensão pro- duzida pelo liquido injectado. D'outra maneira poderião ser exactamente conhe- cidas as dimensões do calculo, mediante a introduc- ção do litholábo, cujos ramos são susceptiveis de desviar-se, até o ponto de abrangerem a pedra por seo maior diâmetro. Si estas difficuldades podem modificar notável- CALCULO VESICAL. 261 mente o methodo operatorio á empregar-se, tornan- do mais difficil e precária a importante tarefa da ex- tracção, resta por um outro lado a vantagem de co- nhecer-se, que a bexiga conserva uma cavidade de tamanho pouco abaixo do normal. A injecção foi feita com extrema facilidade, e uma porção de liquido, su- perior a sessenta grammas, foi introduzida sem grande incommodo accusado pelo doente. A conveniência e opportunidade da intervenção cirúrgica, no sentido de desembaraçar o doente de sua pedra, e das graves desordens que ella determi- na, são de primeira intuição. Este doente não pode- rá supportar por muito tempo um padecimento, que lhe torna a vida tão pesada, e a existência tão mise- rável. As dores abatem a organisação com um tama- nho desperdício de forças, que algumas vezes são suf- ficientes para determinar uma terminação desfavo- rável, em virtude do esgotamento nervoso. As perdas de outra espécie são ainda mais abundantes; além da exaggeração secretoria dos elementos que cons- tituem a mucosa vesical, esta é susceptível de produ- zir a sepsina que determina, por sua penetração na arvore circulatória, phenomenos de verdadeira into- xicação, revestindo um caracter assustador. Para combater esta affecção o cirurgião tem á sua disposição duas sortes de meios cirúrgicos, os quaes representão dous methodos differentes, que disputão na pratíca a preferencia. O primeiro consiste no des- 262 UNDECIMA CONFERÊNCIA pedaçamento da pedra, e a sua expulsão em peque- nos fragmentos pelas vias naturaes, é a lithotricia; o outro tem por fim a extracção do calculo por um trajecto accidental, é a talha. De qualquer modo, o que constitue a mira do ci- rurgião é roubar o corpo estranho do contacto da mucosa vesical, cujas alterações constituem essen- cialmente a physionomia mórbida. Dos dous methodos curativos a lithotricia, até certo tempo, gozou da maior aceitação da grande maioria dos práticos. Esta operação é rápida e brilhante, de mais sim- plicidade do que a talha, e á primeira vista parece isenta dos accidentes, que se apresentão após o trau- matismo, accidentes, que tanto assustão os inexpe- rientes, e fazem tremer de receios aos timoratos. Entre elles figura principalmente a hemorrhagia, que reclama sérios cuidados do cirurgião, e muitas vezes põe em prova seos recursos profissionaes. Depois, na alternativa das duas operações, a pro- posta do quebramento do calculo, parecendo ser de conseqüências mais favoráveis, é facilmente aceita pelo doente. Este nutre as mais vivas apprehensões, desde que o cirurgião lhe annuncia o emprego de um meio, com o qual, para produzir a cura, precisa abrir uma larga passagem, mediante o instrumento cortante, até o ponto em que se acha o calculo. Cumpre, entretanto, não confiar muito na simpli- CALCULO VESICAL. 263 cidade e innoxiedade apparentes da lithotriíia; por quanto os seus resultados nem sempre correspon- dem á nossa expectativa. Esta operação pode dar lo- gar á accidentes, de ordem a assustar ao pratico e pôr em perigo a vida do doente. Não é raro observar-se uma terminação fatal, quando se a pratíca em indivíduos, que apresentão alterações profundas da mucosa vesical. Os seos re- sultados podem ainda affectar certa gravidade nos casos, em que a mucosa se acha em seo estado de integridade. Os fragmentos encerrados na bexiga, e que por muito grossos não podem ser expellidos pelo canal, em virtude da contracção das paredes vesicaes, são levados de encontro ao collo, offere- cendo contra este as suas arestas cortantes. As le- sões que d'ahi procedem, são sufficientes para pro- vocar a irrupção de phenomenos convulsivos. A lithotricia é hoje reservada para um numero mais limitado de casos. Quando se trata de um cal- culo pequeno, e de dureza não muito notável, de sorte que em duas ou três sessões possa ser com- pletamente destruído, que o doente não tenha uma susceptíbilidade nervosa exaggerada, e o reservatório ourinario conserve o seo forro mucoso em estado nor- mal—esta operação é perfeitamente indicada. Quanto á sua mortalidade, comparada com a da talha, Guersant tem registrado 7 mortes sobre 40 > casos de lithotricia, e apenas 8 em 104 talhas. 264 UNDECIMA CONFERÊNCIA Toda operação sangrenta tem sempre em seo des^ favor uma ponderosa eircumstancia, que é o escrú- pulo que mais ou menos causa á quem a emprega, e receios á quem a assiste; porém (dolorosa realidade!) é a que melhores resultados dá sempre na pratica, quando não seja a única possível na oceasião. É assim que não se pode e nem se deve tentar a lithotricia neste doente. Na idade em que elle se acha, as tentativas deste gênero são por demais dif- ficeis, não só em virtude da forma da bexiga, que é piriforme, e não se presta bem ás manobras dos li- thotritores, como pela posição deste órgão, que está ainda quasi todo na cavidade abdominal. Esta eircumstancia anatômica difficulta sobremodo a apprehensão do calculo, por não achar o instru- mento um ponto de apoio bastante resistente, a fim de realisar o despedaçamento da pedra. A idade do doente nos lembra ainda a maior ener- gia contractil de seo reservatório ourinario. Em virtude deste excesso de contractilidade suas paredes despejão a agoa que se tem previamente in- jectado, e o lithotritor acaba por trabalhar á secco. Os inconvenientes que podem resultar do despeda- çamento do calculo, em taes condições, mui facil- mente podeis calcular, principalmente si vos lem- brardes de que, nesta epocha da vida, as connexões do peritonêo com a bexiga são mais estreitas e ex- tensas, do que na idade adulta. CALCULO VESICAL. 265 Depois a posição que o calculo occupa, as condi- ções especiáes da cavidade da bexiga, e as tentativas, sempre frustradas, de introducção de um catheter além do ponto em que a pedra se acha collocada, tornão a lithotricia de todo inexequivel. Não é, pois, o caso susceptível de escolha: a opera- ção da talha se impõe como o único meio capaz de desembaraçar o doente de um calculo tão volumoso, e nas condições especiáes em que este se acha. Para chegar-se até a cavidade vesical, mediante o traumatismo, que prepara a passagem á pedra, três são os caminhos á seguir no homem. Pode-se ir até lá atravéz do hypogastrio, da parede anterior do rectum, ou pelo perinêo. Dahi tirão origem os três methodos conhecidos de talha hypogastrica, recto-ve- sical e perineal. 0 primeiro destes methodos, actualmente quasi de todo abandonado, graças á descoberta das tenazes de esmagamento, rarissimamente é indicado. Re- commendão-n'o quando o calculo é muito volumoso, e offerece tamanha dureza que não pode ser esma- gado pelos instrumentos apropriados. Estas condi- ções, felizmente, são difficeis de concorrer na pratica. A estatística desta operação é mais desfavorável, do que á respeito das outras espécies de talha. As pesquizas da pedra atravéz a parede anterior do rectum, apesar de toda a belleza do processo do Dr. Maisonneuve, não são boje mais empregadas na 266 UNDEC1MA CONFERÊNCIA pratica cirúrgica. A talha recto-vesical pode não dar logar á incontinencia da ourina; porém facilita o ac- cesso das matérias fecaes até a bexiga, e deixa fis- tulas que ordinariamente perdurão. O methodo seguido pela generalidade dos práticos, em todos os paizes, é a talha perineal. Os resultados são os mais brilhantes e seductores; a estatística tem consideravelmente melhorado com os progressos realisados pela medicina operatoria. As divergências, que ainda subsistem, dizem respeito apenas ao pro- cesso preferido. Quanto a pratica á adoptar-se muito influem as dimensões da pedra, e ainda mais a predilecção e o habito do operador. Parece-me, entretanto, sempre preferíveis os processos, que menos expõem á lesão do rectum e da pudenda. E' certo que estes desgraçados accidentes podem ser, quasi sempre, evitados; mas não serão para des- denhar cautelas, que ponhão o pratico mais á salva- guarda de conseqüências infelizes. Quando a concreção calcarea offerece um volume tão notável, como se verifica neste doente, a talha me- diana não acha mais indicação razoável. A solução de continuidade será pequena para a expulsão do cal- culo, e difficeis as manobras de esmagamento, prin- cipalmente si o calculo, como o deste rapaz, não goza de sufficiente mobilidade. Resultarião d'ahi dif- ficuldades, talvez, insanáveis. Depois, diante da ur- CALCULO VESICAL. 267 genclã de um desbridamento teremos muito á temer a lesão da parede anterior do rectum. Restão então á escolha a talha lateralisada, sem- pre preferida pelos cirurgiões inglezes, e a bilateral, tal como se empregava antigamente, ou com as mo- dificações, que lhe forão communicadas pelo profes- sor Nélaton, dando-lhe a denominação de prevectal. É esta a operação que eu praticaria em tal caso, de preferencia á outra qualquer. Por meio delia o ac- cesso até pedra é mais fácil, as hemorrhagias podem ser mais seguramente evitadas, e bem assim o com- promettimento do rectum, que é perfeitamente disse- cado por sua parede anterior. O tempo mais difficil consiste na dissecção, até o ponto de chegar á bexiga. Esta é sempre attingida sem lesão do bolbo, e sem a precaução, que se aconselha na talha lateralisada, de aprofundar-se a incisão no commissura anterior da ferida. Não se infira do que acabo de dizer, que deixe eu de empregar a talha lateralisada, sempre que con- correrem condições que reputo favoráveis á ella. Quando o volume do calculo não é muito notável, gozando de certa mobilidade na cavidade vesical, eu entendo que a talha lateralisada pode ser vantajosa- mente empregada; ora isto constítue a grande maioria dos casos. Em relação aos resultados da operação neste doen- te, penso que a cura será quasi certa. 33 268 UNDECIMA CONFERÊNCIA A cavidade da bexiga tolera uma certa quantidade de liquido, o que demonstra não haver grande re- tracção e espessamento do órgão; o calculo se offe- rece logo á apprehensão das tenazes, por se achar junto ao collo da bexiga; o doente é muito moço, não soffrede affecção alguma diathesica: eisahi con- dições, que devem muito contribuir para o êxito fe- liz da operação. Devemos, além disto, ter em muita consideração a completa innoxiedade das tentativas empregadas até hoje, já com o fim de verificar o calculo, já no sentido de exlrahil-o, tentativas, que teem sido sempre prolon- gadas e acompanhadas de algum corrimento de san- gue pela urethra. Apesar de tudo não se tem dado a mais leve alteração nos caracteres mórbidos até en- tão observados, nem no estado geral que continua inalterável. Esta resistência á acção dos agentes traumáticos merece ser tida na maior conta, quando se procura julgar dos efíeitos e da gravidade de uma operação, e bem assim das vantagens que é ella susceptível de produzir. Mais tarde terei occasião de annunciar-vos, com os esclarecimentos que nos fornecer o trabalho ope- ratorio, a contraprova clinica do juizo que formo deste caso, e das considerações expendidas em rela- ção á elle. CURATIVO DAS FERIDAS APÓS AS OPERAÇÕES. DCODEC1MA CONFERÊNCIA. SUMMARIO-Influencia do curativo sobre o êxito das operações—Accidentes das feridas, e sua explicação—Dos diversos modos de reunião, e seo valor pratico-Processo curativo que deve ser geralmente adoptado— Da água fria e suas applicações no tratamento das feridas—Curativo pelo álcool -Occlusão das feridas—Aspiração continua—Como tudo se reduz á simples compressão—Uesinfeclantes—Nova doctrina da febre traumática. Meos senhores: É hoje assumpto de nossa conversação um doente que, ha poucos dias, soffreo a amputação da coxa, em conseqüência da gangrena da extremidade do membro. Não ha tempo ainda para emittir o meo juizo defi- nitivo acerca dos resultados de uma operação, que, por mais de um motivo, devia inspirar os maiores receios. Ao lado de sua mesma natureza, que por si já é assás grave, se acha a eircumstancia desfavorá- vel do abatimento profundo do organismo, em vir- tude de perdas continuas e abundantes. Contra a vossa expectativa, porém, reconheceis actualmente que o estado do doente é por demais satisfactorio. Não ha febre, o somno tem substituído ás vigílias, e as funcções digestivas se reanimarão 270 DIOOECIMA CONFERÊNCIA de tal sorte, que, á menos de algum accidente de ordem local e imprevisto, a cura acabará por se impor como uma realidade. Quanto ao caracter da fe- rida, parece que tudo corre parelbas com o que se dá á respeito do estado geral. Não ha dores intensas, o aspecto da solução de continuidade é bom, e a sup- puração se mostra de boa natureza; o pús não é muito abundante, e se escoa com a maior facilidade. O que julgaes, senhores, que tenha promovido condições tão favoráveis para este doente, cujo es- tado nos fizera tanto vacillar sobre o emprego da operação ? A primeira vista, vos parecerá desprovido de todas as pretensões o curativo da ferida resultante da operação, para conferirdes á esta, exclusivamente, as honras provenientes de um tão brilhante resultado, Effectivamente acompanhaes todo o trabalho ope- ratorio, como uma simples curiosidade a satisfazer. Agrada-vos vêr o que ha de imponente e sublime no papel que desempenha o operador; impressiona- vos a ostentação de sangue frio, agilidade e seguran- ça, em que se firmão os créditos do cirurgião; e completos os tempos operatorios, julgaes tudo ter- minado. Então o circulo numeroso de assistentes começa á rarear; o interesse esgota-se com as ultimas tenta- tivas hemostasicas. E porque não será assim, si descendeis de uma CURATIVO DAS FERIDAS. 271 geração medica que acredita em uma unidade physio- logica, á que se chama natureza, dotada de uma pro- digalidade sem limites, com quanto não se saiba o que á ella se deva pedir, e o quanto pode ser fornecido de seo dispensario ? Depois de haver manejado a faca com um certo desembaraço e precisão, julga-se o mais importante mister terminado; o resto é entregue á esta natureza providente, tão habilmente concebida para encobrir a ignorância, á que paga a pobre humanidade um largo tributo. E o operador, rodeado de ovações ge- raes pelo successo cirúrgico, exclama ufano de sua perícia: salvei mais uma vida! Engano, senhores; apenas poderá elle assegurar, sem grande sorpresa vossa, que decepou mais uma perna! Si a cirurgia na execução de seos preceitos e re- gras é difficil e embaraçosa, quando chega o momento, na nobre e elevadíssima missão, em que não se trata mais de regras e preceitos, porém de eonjurar os accidentes que a intervenção cirúrgica provoca, a si- tuação se complica de tal cunho de gravidade, que faz um appello franco ao cabedal de vossa experiência medica, e á conhecimentos profissionaes muito va- riados. O terreno batido e sediço é substituído pelo des- conhecido e insondavel. É preciso ao observador armar-se dos recursos da sciencia para estudar a 272 DUODECIMA CONFERÊNCIA vida intima dos tecidos, e suas successivas modifica- ções, diante das desordens e mutilações que o trau- matismo tem produzido. E depois, cotejando-os com o estado mórbido, im- porta-lhe comprehender o que são os phenomenos, que ordinariamente complicão as feridas, e quaes as modificações orgânicas, que precedem e explicão o phenomeno pathogenico. É só por uma apreciação muita exacta, cujos ele- mentos o cirurgião encontrará nos estudos physio- pathologicos, que se pode racionalmente chegar, não á combater estes accidentes, que é mister menos im- portante, por ser matéria consignada em todos os tratados de pathologia, porém evital-os mediante um curativo, em que não sejão estabelecidas as con- dições, que se tornão indispensáveis para o desen- volvimento das alterações orgânicas, que lhes dão razão de ser. É então que a cirurgia attínge a altura de uma verdadeira sciencia, prenhe de cogitações; porém igualmente de benefícios, que derrama ás mãos cheias á humanidade. Estes, entretanto, varião segundo o gráo de instrucção do operador, não sendo dado ás mediocridades alcançal-os; porque ellas só podem repetir no vivo aquillo que cem vezes fizerão no ca- dáver. A força de habito o manual operatorio acaba por ser um trabalho material, si por ventura as questões CURATIVO DAS FERIDAS. 273 subsidiárias não são estudadas e decididas com a in- dispensável proficiência. No espirito pratico esclarecido encontrará o cirur- gião os recursos precisos para realisar a cura, da qual o facto operatorio não passa de uma condição preliminar. Assim, meos senhores, comprehendeis que a mais difficil tarefa apresentou-se ao juizo clinico, desde que, combatida a hemorrhagia, liverão logar as pri- meiras applicações curativas. Eis aqui uma operação que presta-se perfeita- mente ás apreciações clinicas, tendentes á esclarecer esta parte importantíssima da therapeutica cirúrgica. Temos um membro que cahio aos golpes dos ins- trumentos cirúrgicos, deixando uma superficie trau- mática assás extensa e muito aproximada ao tronco. Separou-se do organismo quasi um membro inteiro, isto é, uma parte ricamente servida de artérias, veias e de capillares sem conta. A somma destes canaes, si por ventura fosse pos- sível reunil-os, representaria uma immensa cavida- de, para onde o sangue seria impellido; diverticulum sangüíneo que é roubado ao organismo. Mas não é só isto, senhores, que transparece ao espirito em uma apreciação attenta e acurada dos factos. O sangue arterial, quando assoma a raiz do mem- bro, traz um certo coeficiente de movimento e velo- 274 DUODECLMA CONFERÊNCIA cidade, communicadospela impressão cardíaca,que se destina a leval-o ás redes capillares. Esta tensão ar- terial e velocidade da columna sanguinea, sendo har- mônicas, são invariáveis, e não podem guardar relação com a massa geral do sangue. D'ahi resulta que este é levado ao membro amputado, com a mesma ener- gia do estado normal. É á esta tensão, jamais decrescente, que se deve um phenomeno muitas vezes observado no correr do curativo das feridas após as operações. Este acci- dente tão temido é a hemorrhagia secundaria. Ao passo que se dá esta invariabilidade de ener- gia circulatória em relação ao membro, deveis com- prehender igualmente que, sendo o mesmo que no estado normal o calibre da artéria principal, a mesma quantidade que deveria repartir-se na extensão im- mensa do membro, ser-lhe-ha ainda levada após a sua enorme mutilação. E esta grande massa sangui- nea, obedecendo ás leis impulsivas do coração, que são invariáveis, será distribuída a esta porção insigni- ficante do membro, principalmente nas circumvizi- nhanças da superficie traumática, onde os tecidos serão quasi afogados no liquido sanguineo. É esta eircumstancia, que dá origem á turgencia proliferante da superficie traumática, ao augmento da colorifica- ção nas primeiras 24 horas que se seguem á operação, e depois ás suppurações abundantes, erysipelas, phleugmões e á infecção purulenta. Curativo das feridas. 275 Este ultimo accidente encontra a occasiáo de seo desenvolvimento em uma condição, que reside no systema venoso. Si a columna sangüínea, depois da amputação, é invariável, dar-se-ha o mesmo em relação á volta do sangue pelas veias? Por certo que não. Estes vasos deverão estar quasi exangues, a actividade centripeta, que impelle o sangue venoso das extremidades para o centro cardíaco, deixando de existir pelo facto mes- mo da mutilação, separa dos troncos a extensa rede de venulas, e a força vis á tergo não pode mais ser em soccorro da ascenção da columna sangüínea. Re- sulta d'ahi que as veias diminuem extraordinaria- mente a sua tensão, o movimento da columna liqui- da enfraquece-se á ponto de extinguir, o que a col- loca nas condições de uma verdadeira estagnação. É esta, porém, a condição indispensável para a coa- gulação, que presto se realisa no interior dos troncos venosos. Eis, por tanto, o organismo exposto á todos os perigos das migrações dos embolos; e é por este processo anatomo-pathologico, como deveis saber, que a eschola moderna explica a infecção porulenta, com todas as suas manifestações irritativas nos paren- chymas principaes. A lesão dos vasos lymphaticos dá em resultado uma serie de modificações, que repercutem até JG 276 DUODECIMA conferência nos gangliões onde desembocão, e a lymphangite é o accidente que d'ahi tira a sua origem. Quanto ao que respeita aos nervos, a sua secção pode dar logar á alterações diversas, desde o sim- ples espasmo traumático, que, sendo o resultado de uma acção simplesmente reflexa da medulla, passa- se no território mesmo em que a lesão tem logar, até a rigidez telanica,\)ondo em contribuição todo o sys- tema muscular, e reconhecendo por causa occasiona- dora um estado de verdadeira intoxicação do sangue. Um outro accidente ainda se manifesta, em virtude da excitação dos músculos compromettidos no corte, os quaes se retrahem ás vezes de tal sorte, que dão logar á conicidade do coto. Emfim, meos senhores, até o próprio osso é sus- ceptível de resentir a influencia do traumatismo. É assim que, por circumstancias que se derivão da ope- ração em si mesma, ou independentes delia, apre- ta-se a osteite, que termina-se de ordinário pela necro- se, ou pela suppuração da medulla, podendo esten- der-se á distancia, e impedir a cícatrização da ferida. Diante desta simples enumeração de tantos acci- dentes, que costumão assaltar os operados durante a marcha do curativo, comprehendeis facilmente o quanto influirá o tratamento da ferida, si por ventura inspira-se elle em princípios práticos, conducentes á evitar as condições, de que taes complicações tirão a sua razão de sêr. CURATIVO DAS FERIDAS. 277 É o estudo destes princípios que tem atrahido a attenção de todos os práticos, e que mais do que nun- ca é assumpto de cogitações, agora que a horrível guerra da Europa acaba de fazer tão numerosas vic- timas, demonstrando que a questão do curativo das feridas não se acha ainda sufficientemente elucidada, de modo á realisar as condições que collocão o trau- matismo á salvo de todos os accidentes. Para satisfazer estas vistas geraes, cumpre antes de tudo resolver-se a importantíssima questão, que se levanta á cabeceira do operado: após a operação de que resulta uma ferida, qual dos modos de reunião se deve em pregar, por primeira intenção ou por sup- puração? Si em algum tempo o espirito do cirurgião alimen- tou duvidas em relação ao modo de proceder para com a superficie traumática, actualmente a questão se acha definitiva e cathegoricamente resolvida. Na pratica domiciliaria, e principalmente no cam- po, a reunião immediata deve ser tentada todas as vezes que a superficie traumática não for muito extensa, que houver um certo gráo de homogenei- dade, a qual se presta facilmente á organisação do tecido cicatricial, e principalmente quando adquirir- mos plena certeza, em face dos antecedentes do doente, de que suas moléstias anteriores não teem re- vestido o caracter inflammatorio, sendo a termina- ção pela suppuração um phenomeno raro. Todas 278 DL0DECD1A CONFERÊNCIA estas condições, á que o pratico deve attender, são da maior importância; porque após o curativo por primeira intenção, sobretudo nos casos em que pre- domina uma diathese orgânica, é muito freqüente ser a marcha do tratamento complicada de pheno- menos mórbidos da ordem das erysipelas, dos phleu- gmões diffusos, da lymphangite e principalmente das suppurações abundantes. A disposição dos lábios da ferida, que de prompto se collão, transforma a superficie traumática em ura verdadeiro foco de abscesso, contendo uma grande quantidade de pús, que, encontrando embaraços á sua sahida, passa por transformações diversas, de que resulta adquirir qualidades nocivas para os tecidos com que se acha em contacto, e para com o organismo inteiro que pode ser minado pelo ve- neno septicemico. D'ahi este estado de intoxicação tão grave e amea- çador, que se conhece na pratica com o nome de in- fecção purulenta, e que é o espantalho dos cirur- giões. Quando semelhantes accidentes são para receiar, por qualquer eircumstancia que possamos sorprehen- der no operado, eu sempre preferirei recorrer, ainda nos casos já mencionados de traumatismo limitado e de boas condições hygienicas, ao gênero de curativo que facilita a observação quotidiana e completa da superfície da ferida, de modo á apoderar-me pela CURATIVO DAS FERIDAS. 279 simples inspecção ocuiar de todas as modificações sobrevindas á marcha da cícatrização, permittindo ao mesmo tempo a applicação dos meios apropria- dos á corrigir os seus effeitos, por ventura, desvanta- josos. Proceder de outra fôrma, aproximando os bordos da ferida em taes circumstancias, é conseguir a cura muitas vezes, é verdade; porém adquirir experiência a custa do doente e da própria reputação, depois de um grande numero de revezes de toda a natureza. Na pratica dos hospitaes, ainda quando nos de menos concurrencia como o nosso, somos aconselha- dos por uma longa experiência á nunca empregar a reunião immediata. Entretanto, estamos sob o be- néfico influxo de um clima agradável, em que quasi não existem variações atmosphericas do dia para a noute, e nem as transições, sempre desvantajosas para a organisação animal, dos gelos do inverno para o calor abafadiço do verão. O emprego da reunião immediata, com quanto pareça realisar uma condição de certa importância para a cícatrização, tal como afastar a superficie trau- mática do contacto do ar, esta vantagem é completa- mente frustrada pelos elementos de uma irritação de certa duração. Neste caso se achão os fios de ligadura, que ás vezes são tão numerosos, os pontos de sutura metallicos ou não, uma certa quantidade de ar que fica encarcerado na ferida, e que por sua presença é 280 DIODECDIA CONFERÊNCIA capaz de produzir a rápida decomposição dos líqui- dos por ella estilados. Estes, separados dos tecidos, perdem todas as con- dições de vitalidade, e em contacto com uma subs- tancia que represente em relação á elles o papel de fermento, soffrem com certa facilidade o pheno- meno da putrefação, que, uma vez realisada, entretem e alimenta a decomposição, principalmente nas con- dições de difficil esgotamento do pús. O aproximamento dos bordos da solução de con- tinuidade colloca-a nas circumstancias mais desfa- voráveis ao doente. A presença dos pontos de sutura, de natureza orgânica ou não, favorece o desenvolvi- mento inflammatorio, como uorpos estranhos que são. Aproximados exactamente os lábios da ferida, apenas se consegue mudar a fôrma e a configuração da su- perficie traumática, com perda de relações muito li- mitada. A membrana de botões carnosos se levanta em relevo, prolongando-se nas anfractuosidades da ferida, e estes botões que propendem para transfor- mação em tecido cicatricial, ainda maior tendência offerecem para o desenvolvimento da neoplasia pu- rulenta, em conseqüência da permanência da irrita- ção que exaggera as formações phlegmasicas, e im- pede a regressão que communica caracteres pecu- liares ao tecido de nova formação. Assim torna-se evidente que a reunião por adhe- são passa a ser por suppuração, ou por segunda in- CURATIVO DAS FERIDAS. 281 tcnção; mas uma segunda intenção com perigos ainda maiores, porque o traumatismo se esconde ás vistas do cirurgião de tal modo, que ver-se-ha elle muitas ve- zes desarmado contra formidáveis accidentes, que po- dem complicar a marcha do curativo. É um erro grosseiro acreditar-se que em uma fe- rida extensa, compromettendo tecidos que não são de natureza homogênea, possa ser evitada a termina- ção suppurativa. Somente nos ferimentos subcuta- neos é possível impedir-se a formação de pús; e quem ignora que estes ferimentos, praticados sem- pre com o fim cirúrgico, além desuperficiaes. são de pequena extensão? Em uma vasta superficie traumática, como a que resultou da amputação da coxa neste homem, tentar-se a reunião immediata fora pretender a adhe- são entre tecidos completamente dessemilhantes. De todos o tecido cutâneo que limita a circumfercncia da ferida, com a camada cellular que o reveste, levado pelo aproximamento dos bordos da solução do conti- nuidade de encontro á tecido idêntico, é o único sus- ceptível de ganhar rápidas e completas adherencias. Descarte vemos ordinariamente os bordos da fe- rida se collarem nas primeiras 24 horas, e se reuni- rem definitivamente no fim de 3 a 5 dias. O que tem logar nas profundezas da superficie traumalica? Dar-se-ha, por ventura, em relação aos demais tecidos a mesma facilidade de reunião? 282 DUODECIMA CONFERÊNCIA Deveis lembrar-vos, tendo presente ao espirito a anatomia da parte, separada do organismo, que na ferida encontrão-se músculos em grandes massas, tendões, bainhas aponevroticas, insterslicios cellu- lares, veias, artérias, nervos, e a final periosteo, e osso com o canal medullar aberto. Por esta sim- ples enumeração comprehendeis que á respeito de tecidos de natureza e composição hystologica tão diversas, o phenomeno physio-pathologico de regene- ração cicatricial será por demais complicado, pare- cendo até impossível que se realise a cura por pri- meira intenção, quaesquer que sejão as condições, em que se ache o doente. A cicalrização, não ponho em du\ida, poderá effectuar-se, aproximados os bor- dos da ferida; o que jamais tenho visto, porém, é que se dê ella sem a precedência da suppuração. Esta eircumstancia torna o processo curativo idêntico ao da reunião por segunda intenção. Os casos, que são assim terminados pela cura, não se apresentão na pratica de um modo tão sim- ples, como se poderia suppôr da descripção que fiz do processo curativo. O pús, que se elabora na su- perficie traumática, pode ser retido, em virtude da disposição irregular da ferida, e pela aproximação de seos bordos, não tendo sahida prompta e fácil. Tudo concorre para este fim, desde a posição do membro até a disposição anatômica da superfície traumática. CURATIVO DAS FERIDAS. 283 O pús demorado na ferida se acha fora da esphera da vitalidade orgânica, e sua putrefação é inevitável. Princípios irritantes e deletérios então se formão; logo depois do traumatismo é a phlegsina, mais tarde será uma verdadeira sepsina. A sua presença entre- tém eaugmenta a suppuração, estraga este intermédio protector, que a organisação offerece nos limites da superficie traumática, o qual antigamente se conhecia pelo nome de membrana pyogenica. A penetração da phlegsina no sangue dará logar á febre traumática, o seo contacto com o tecido cel- lular será origem de phleugmões diffusos, e nos vasos lymphaticos produzirá verdadeiras lymphangites. Ele- vada ao maior coeficente de irritação,e de propriedade tóxica, a sua presença na torrente circulatória é de effeitos mais accusados e violentos, e se mostrão en- tão estas desordens profundas, que constituem a in- fecção purulenta com os seos depósitos embolicos nos principaes parenchymas, e sua terminação quasi constante pela morte. Á vista destas considerações, de ordem exclusiva- mente pratica, eu não devo aconselhar-vos em seme- lhantes casos outro curativo, que não seja por segunda intenção. É da maior vantagem clinica ter-se sempre debaixo dos olhos a superficie da ferida, examinal-a á cada momento, surprehendendo a razão local dos phenomenos, que muitas vezes perturbão a marcha do curativo. 37 284 DU0DEC1MA CONFERÊNCIA Insisto, porém, em que não seja o coto exposto á conicidade. Um resultado destes jamais justificará a perícia e reputação de um operador. Ter tecidos sufficientes para cobrir o osso conve- nientemente, conservar-se durante o curativo a feri- da exposta aos olhares do cirurgião, são duas indica- ções que podem ser satisfeitas simultaneamente, e que não demandão grande habilidade e talento do pratico. Em casos semelhantes realisa-se a segunda destas indicações, e que vos resta ainda á conhecer; por quan- to a primeira já vos é convenientemente conhecida. Cortando rente com a superficie traumática o fio de ligadura, passa-se uma esponja embebida em uma so- lução de álcool sobre a ferida, e a enche-se de bolas de fios seccos até os seos bordos. Estes serão então aproximados mediante tiras agglutinativas. Depois passa-se, com uma atadura longa, circulares com- pressivas em roda do membro, desde a sua raiz até o ponto da amputação, de modo á manter um certo gráo de solidez das massas musculares, que, na falta destes cuidados, se relaxão após a divisão dos tecidos. Este é o methodo que eu adopto, e que tenho constantemente visto coroado dos melhores resul- tados. Já em seo compendium de cirurgia, o professor Denonvilliers o aconselha, porém sem o emprego do álcool, o qual se deve ao Dr. Batailhé, e nem o cara- CURATIVO DAS FERIDAS. 285 cter compressivo, que eu agora vos aconselho, e cuja vantagem, em occasião azada, vos tornarei saliente diante da razão e dos factos. Apesar disto, o Dr. Barbosa, de Lisboa, entende que este methodo curativo lhe pertence, ignorando, talvez, que antes de suas tentativas já era elle vantajo- samente conhecido na pratica, e empregado em al- guns serviços em Paris, onde o illustrado cirurgião de certo o teria encontrado, como pensa o Dr. Du- brueil. Em relação ao meo modo de proceder, ha uma notável differença do que pralição estes cirurgiões. V atadura contentiva do professor Denonvilliers é por mim substituída pelas circulares energicamente compressivas\ As vantagens que eu procuro colher, resumem-se na difficuldade de accesso dos líquidos para a parte, impedindo a grande acuidade inflam- matoria, e negando elementos ás suppurações. Quando, mais tarde, me occupar da compressão cirúrgica, terei occasião de estender-me, tanto quan- to a matéria comporta, á respeito deste importante assumpto, que até hoje não tem sido bem compre- hendido pelos cirurgiões, resultando d'ahi a ausên- cia de applicações proveitosas. Depois destas indicações geraes, que dominão o curativo das feridas, surgem problemas outros, com quanto de alcance mais limitado, que teem servido de 280 DUODECIMA CONFERÊNCIA razão ás modificações do curativo, que se conhece na pratica. Cada cirurgião, julgando ter encontrado a causa dos phenomenos que complicão o curativo das feridas, tem apreciado diversamente as manifestações mórbi- das, e seguindo vistas especiáes do espirito pretende, com o methodo que adopta, evitar as condições que presidem ao desenvolvimento dos accidentes. Antes dos estudos micrographicos e anatômicos, que teem sido uma conquista dos tempos modernos, o tratamento era inteiramente empírico. Era assim que Roux e Boyer usavão por todo o curativo de uma prancheta de fios untada de ceroto. Dupuytren modificou o mecanismo da applicação no intuito de facilitar o esgoto do pús. Elle empregou e conseguio generalisar, por effeito de sua authori- dade scientifica, sem exemplo e sem rival, a com- pressa fenestrada untada de ceroto, e por cima col- locava um largo e espesso chumaço de fios. Esta pratica foi muito applaudida até a epocha, em que na Inglaterra se levantou o primeiro movimento reformador. A água fria foi então muito aconselhada, e graças á curas brilhantes, e reputadas impossíveis pelos outros meios therapeuticos, generalisou-se de um modo rápido na pratica cirúrgica. Citão-se neste sentido, como exemplos, os resultados obtidos no tratamento das fracturas complicadas, e as feridas por armas de fogo, então tão mal conhecidos. CURATIVO DAS FERIDAS. 287 D'ahi nascerão diversos processos curativos, entre os quaes se nota a immersão, a embebição, a faxa e principalmente a irrigação continua, para as quaes temos os apparelhos de Bonnet, de Mathieu e de Robert e Collin. A immersão, meio permanente de ter a ferida mergulhada n'agua, tem sido empregada nestes úl- timos tempos por Langenbeck. O liquido é renovado nos apparelhos duas, três ou mais vezes por dia, segundo a abundância da suppuração e a sua natu- reza. Ella é em Berlim empregada como o primeiro tratamento, e quasi sempre o doente attínge a cura, continuando a parte immersa n'agua, como o fora na occasião mesma do traumatismo. A embebição, que não pode ser feita senão por ap- positos de duração mais ou menos prolongada, é sus- ceptível de favorecer as variações de temperatura da parte, o que é muitas vezes nocivo para o doente. Emprega-se este meio collocando sobre a ferida uma compressa de tarlatana, e sobre esta uma outra commum embebida d'agua, que se denomina absor- vente, e envolve-se tudo com um pedaço de amadou, ou outra substancia que guarde em si os líquidos, a qual toma o nome de humedecente, envolvendo a final o membro em um tecido isolante, que impeça a evaporação. Este gênero de curativo tem sido tentado por muitos práticos, e entre elles pelo Dr. Ciraldes, que o 288 DIODECIMA CONFERÊNCIA empregou na Pitié com resultados, que julga recom- mendaveis. A irrigação contínua, empregada com certa con- fiança em quasi todos os serviços de cirurgia, em uma epocha que não vae longe, tem sido um pouco esquecida nestes últimos tempos. Na Allemanha, no emtanto, nas mãos de Billroth e Roser, apontão-se' resultados realmente admiráveis. Entre nós o profes- sor Alves muitas vezes teve occasião de empregar sem vantagens bem averiguadas, sendo que nas tentati- vas que tenho feito jamais me foi dado observar as pretendidas e apregoadas maravilhas. Em relação ás diversas applicações d'agua fria, quer cirúrgicas, quer simplesmente médicas, eu cuido que o clima deve ser tido na maior conta, e bem assim a in- variabilidade da temperatura d'agua, que diversifica- sobremodo d'aquella que muitas vezes convém ser em- pregada, e que é pelos práticos recommendada. Assim pouco podemos e devemos esperar destas applicações em nosso paiz. A simplicidade e superioridade destes meios sobre o< tratamento antigo, mudou completamente a face da ci- rurgia em relação á este ponto de tamanho alcance pra- tico. Procurando alguma cousa que substituísse o ceroto e a água, de effeitos incertos, o Dr. Batailhé chegou á applicação do álcool, como um agente capaz de preve- nir os accidentes, que podem sobrevir á marcha do eu- CURATIVO DAS FERIDAS. 289 rativo. Uma verdadeira revolução operou-se então na cirurgia, e o campo da observação alargou-se. O ál- cool era realmente o meio desejado, e a observação já muito devia fazer esperar deste precioso agente. Bas- tava lembrar-se que o pús em contacto com esta substancia é profundamente modificado em sua mor- phologia, e até em sua natureza. O facto é evidente, si se examina uma gotta de pús ao microscópio, antes e depois da addição de uma outra gotta de álcool. Por effeito deste agente, os glóbulos de pús se dissocião, a membrana cellular se distende até romper, e dentro em poucos minutos tudo se transforma em finas gra- nulações. O estudo clinico, porém, veio plenamente confirmar o quanto nos fazia prever o microscópio. As estatís- ticas melhorarão sensivelmente, e hoje o seo emprego é tão generalisado, que em toda a França raro é o pratico que não emprega o álcool. A verdade dos efíeitos desta medicação é instinctiva no animo do povo, que para qualquer ferimento pro- cura Ímmediatamente a tintura de arnica, como o re- médio próprio para neutralizar os accidentes. E qual é a parte activa e preciosa desta preparação, senão o álcool? Em relação ás amputações, depois de terminadas ellas, e quando o sangue tem deixado de correr, pas- sa-se sobre a ferida uma esponja embebida de álcool? com a qual se banha toda a superficie traumática. 290 DU0DEC1MA CONFERÊNCIA Nesta occasião corre um pouco de sangue, o que fa- cilmente se explica pela acção excitante diffusiva da substancia. Depois vem a exsudação sero-sanguino- lenta, mais tarde sero-purulenta, e a final francamente de pús. Esta praxe não pode ser por si só um methodo de curativo; porque este é um complexo de meios, com- binados para satisfazer á indicações múltiplas. É uma applicação de muita ultilidade, principalmente quan- do se nutre receios de uma constituição medica, e dos accidentes que ella possa produzir sobre as feri- das, especialmente no serviço dos hospitaes. Com a base alcoólica são muitas as preparações em- pregadas. Entre ellas ha a tintura de arnica, de que o Dr. Maisonneuve faz um uso extenso, o álcool cam- phorado, aconselhado pelo Dr. Barbosa, etc. Este ultimo meio lembra de alguma sorte a pratica dos an- tigos, e funda-se em um principio que indubitavel- mente dominou o velho de Cós, quando empregava o ferro candente e o óleo fervendo, na cura das feridas que fazião receiar accidentes. Com a applicação do álcool camphorado, todos os dias produz-se igualmen- te uma verdadeira queimadura, e, segundo a doctrina de Pasteur, coagula-se também a albumina, que impede a fermentação traumática. Para aquelles que pertencem á eschola puramente clinica, em qual- quer dos dous casos, óleo fervendo de Hyppocrates, e álcool camphorado, forma-se sobre a superfície da vnm.vnvo daí», feridas. 291 ferida uma camada de tecidos mais ou monos 'Ve«r ganisados; mas, em todo caso, ttín.io oLhíera! boccas absorventes, e tornando-se a ferida impene- trável á acção do ar e dos líquidos, que podem trazer princípios nocivos ao organismo. Isto demonstra, senhores, que á força de muitas pesquizas e investigações, quando chegamos á encon- trar uma verdade, não fazemos mais do que muitas vezes arremedarmos praticas, que por velhas teem sido já por nós mesmos condemnadas. Ha outras applicações curativas, que preenchem vistas pathologicas especiáes. Partindo da acção nociva, que pode têr o ar atmos- pherico em contacto com a ferida, tem-se procurado evital-o á todo o transe. É sobre este principio que baseião-se as operações subcutaneas, que ordinaria- mente não são acompanhadas de suppuração, e curão- se por adhesão. Nos grandes traumatismos o Dr. Jules Guerin pretende attingir esses resultados, mediante o seo apparelho de occlusão pneumatica. Para chegar ao mesmo fim o professor Laugier co- bre a ferida com um pedaço de pellica, e passa por cima uma solução espessa de gomma arábica, que, deseccando,dá um gráo notável de consistênciaá peça do curativo. Este processo, já tão conhecido e verifi- cado na pratica, tem sido recommendado até contra as queimaduras, sem vantagens dignas de menção. O professor Verneuil o tem aperfeiçoado, empregando 292 DU0DEC1MA CONFERÊNCIA o collodio elástico em logar da solução de gomma arábica. Eu vi o illustrado pratico empregar este meio curativo, com algumas vantagens, nos casos em que se tratava de pequeno traumatismo. A occlusão por meio de tiras agglutinativas, esten- didas umas sobre as outras, até formar uma verdadeira couraça sobre a superficie da ferida, de modo á im- pedir o contacto do ar, durante o processo curativo, é o methodo do Dr. Chassaignac. Eu já o tenho en- saiado em muitas occasiões, em pequenas feridas re- centes, e só me tenho á louvar do seo emprego. Em relação as vastas superfícies traumáticas é um cura- tivo, além de impotente, perigoso; por quanto rouba- nos da vista a ferida por um certo numero de dias, quando a principal vantagem do curativo, como já vos disse, consiste em poder-se vêr, em qualquer occasião, toda a extensão do traumatismo. D'entre estes diversos modos de curar as feridas, que teem sua razão de ser na protecção, que á ellas se dá contra a acção do ar atmospherico, é digna da maior attenção a occlusão pneumatica do Dr. J. Guerin. D'ella teve origem uma outra espécie de cu- rativo, que, com quanto á primeira vista pareça idên- tico, diversifica comtudo em relação aos fins que procura realisar. Foi de uma verdadeira imitação das peças empregadas para a occlusão pneumatica, que nasceo o curativo por aspiração continua do Dr. Mai- souneuve. Tanto em um como em outro o cirurgião CURATIVO DAS FERIDAS. 293 serve-se de um manguito de caoutchouc, que envolve o coto e parte do membro amputado, communi- cando-se, por um tubo, com um frasco, de cuja rolha tem origem um outro tubo munido de uma torneira. O cirurgião do Hotel-Dieu amassa entre as mãos um gran- de chumaço de fios, que embebe de tintura de arnica, e atira sobre a superficie sangrenta. Por cima do coto passa o manguito de caoutchouc, e por meio de uma bomba de aspiração -na extremidade do tubo, que sae do frasco, produz o vazio dentro do mes- mo. Em virtude disto, os líquidos que se achão na superficie traumática são attrahidos ao frasco. A tin- tura de arnica é a primeira que chega ao reservató- rio; a aspiração não se interrompendo, por effeito do vazio, todos os líquidos derramados na ferida são le- vados igualmente. Assim, entre os dous práticos, que disputão para si a descoberta, somente ha divergência na maneira de comprehender o phenomeno; porque o apparelho é idêntico. Entretanto, senhores, um outro modo de ex- plicar a acção curativa parece mais judicioso, dian- te dos factos de cura realmente admiráveis, que tive occasião de assistir no serviço do Dr. Mai- sonneuve. Ao meo ver, estas notáveis vantagens no sentido de simplificar o curativo, e diminuir conside- ravelmente a suppuração, dependem da compressão enérgica e efficaz,. porém ao mesmo tempo elástica, 294 DUODECIMA CONFEHENCíA que o manguito de caoutchouc exerce no coto, impe- dindo o affluxo de sangue para a parte, e conseguinte- mente os phenomenos congestivos e inflammatorios. Explicada desta forma a acção curativa, que mais tarde vereis achar apoio em casos clínicos numerosos e variados, tão complicado e custoso apparelho será perfeitamente substituído por um rolo de atadura, que comprima o membro sufficientemente, de modo a moderar por simples circulares a tensão arterial, e impedir os phenomenos congestivos e inflammatorios para a superficie da ferida, d'onde tira a sua origem a suppuração, e os mais temidos accidentes.com que se lucta na pratica. Para imitar-se a influencia favorável do clima quente, no sentido de apressar a cícatrização, tem-se utilisado o calor no curativo das feridas, actuando de uma maneira constante. Para este fim dispõe-se um apparelho que envolve completamente a parte, den- tro do qual se desenvolve uma temperatura elevada. Este modo de curativo não encontrou imitadores na Europa, e entre nós não tem razão de ser; por quanto, como já vos disse, não conheço clima em que as ope- rações sejão mais bem succedidas, dispensando com- pletamente a regularidade da temperatura, de que fe- lizmente gozão os nossos operados. Nestes últimos tempos, principalmente depois que ficou bem conhecida a susceptíbilidade da organisa- ção, cm intoxicar-se pelos líquidos pútridos que exis- cirviivo »as ferio vs. 29f» tem em sua superficie, o tratamento pelos desinfectau- tes tem sido de um emprego geral. E assim que hoje não podemos dispensar o auxilio destes meios em todos os casos, que parecem complicar-se de acciden- tes sérios, em virtude de suppurações abundantes. Felizmente estes casos são muito raros; porque ra- rissimas são também as vezes, em que se apresenta, entre nós, a infecção purulenta. Entre os desinfectantes se notão em primeiro lo- gar o ácido phenico, thyrnico, o coaltar, o chlorureto de cal, o perchlorureto de ferro, os hyposulfitos, a creosota, o iodo, o permanganato de potassa, o chlo- rureto de zinco, a glycerina, etc. A acção destes agentes do tratamento cirúrgico não tem sido bem explicada até o presente, de modo á satisfazer todas as duvidas do espirito. A doctrina que tem reinado na sciencia, e que somente, até certo ponto, pode dar conta dos factos é a de Pasteur. Para este observador, na superficie das feridas passa-se uma fermentação, da natureza da fermentação buty- rica, alcoólica ou ammoniacal. Como tal tornão-se in- dispensáveis dous elementos: l.o—uma matéria fer- mentescivel. 2.o—uma substancia que vem de fora, monadas, vibriões, miasmas, o que quer que seja, que se nutre ás dependências de princípios albumi- noides, e de saes ammoniacaes. Toda a vez que coincidem os dous elementos, a 29G DUODECMA CONFERÊNCIA putrefacção tem logar, e os accidentes são suscepti- veis de se manifestar na ferida. Assim teremos desinfectantes,que obrão cedendo di- recta ou indirectamenle ás matérias orgânicas o oxyge- neo, alguns que são capazes de coagular a albumina, outros que roubão toda a água ás matérias albuminoi- des, o resto finalmente que neutraliza vantajosamente a fermentação pútrida, actuando de um modo espe- cial, que não tem sido ainda bem comprehendido. Mas de qualquer sorte, por meio desta theoria, não se adianta um passo, ao menos, além dos phenomenos propriamente chimicos. Carece de demonstração o mais importante do facto anatomo-morbido, que é a maneira por que deve ser comprehendida a febre traumática simples, ou grave, a fim de ficar bem dis- criminada a infecção purulenta. Estas conquistas acabão de ser realisadas pelo professor Verneuil, o qual, em um trabalho que de- monstra a observação mais atilada e perseverante, estabelece de um modo preciso a unidade causai destas complicações. Assim a superficie traumática representa dous pa- peis diametralmente oppostos. Ella se acha ao mesmo tempo na offensiva e deffensiva, em relação ao orga- nismo. Em certas condições é capaz de elaborar a substancia tóxica, que pode envenenar a organisação; e contra a sua penetração atravéz dos tecidos levanta barreiras, muitas vezes insuperáveis, nas prolifera- CURATIVO DAS FERIDAS. 297 ções rápidas e abundantes, que se condensão e impe- dem o transito ao principio nocivo, que convém ser repellido para fora da economia. É na justa apreciação destas circumstancias diver- sas em sua natureza e em seo modo de actuar, que o pratico encontrará o fio, que o deve conduzir ás in- dicações, dignas de ser attendidas no curativo. Entre nós, pouco ha á receiar de accidentesno trata- mento das feridas, depoisdas grandes operações.Tenho visto empregar-se, neste hospital mesmo, toda a sorte de curativos, e a cura é o resultado sempre certo. Como demonstração do que vos afíirmo, appella- rei para a estatística do serviço de clinica da Facul- dade, onde varias operações importantes teem sido feitas este anno, e nenhum resultado fatal temos á registrar até o presente. Entretanto, trata-se de um hospital, em que faltão todas as condições indispen- sáveis para um estabelecimento deste gênero, collo- cado no meio dos quarteirões mais populosos da ci- dade, em uma casa de commodos acanhados e mal ventilada, onde nem as enfermarias são forradas, acontecendo por vezes que, nas chuvas torrenciaes, os doentes sejão molhados em seos próprios leitos. Para neutralizar tamanhas desvantagens, que pas- são desapercebidas aos homens prepostos á semelhan- tes instituições, temos a amenidade de um clima me- dicador, que representa o papel do mais salutar bal- samo para as feridas dos pobres operados. MIO-SARGOMA DO OLHO. MCIMA TERCEIRA COM HRKACIA. 81ÍWUUO—Difficuldade do diagnostico clinieo—O funyus não passa de uma simples apparencia phenomenal—Carateres elinicos do tomor—Ausência dos signaes de carcinoma —Fatuoycnia da producção mórbida— Contra* prova do exame mieroseopieo- Unucleação coino a primeira indicação—A irido-cyclite maligna è uma conseqüência quasi inevitável da expectação— Observação de um caso de ophtalmia sympathiea — Manual operatorio da emicleação do ellio. Meos senhores: Muito resta ainda a fazer-se, na sciencia, em rela- ção ao estudo dos tumores. Não obstante tentativas assíduas dos homens mais competentes, e os traba- lhos tão importantes do professor Virchow, não tem sido possível conciliar-se os caracteres e proprieda- des clinicas das diversas producções mórbidas com os resultados das investigações micrographicas. Segue-se d'ahi a extrema difficuldade, com que na pratica se consegue discriminar as espécies mór- bidas diversas, estabelecendo-lhes o diagnostico dif- ferencial. É assim que á propósito de um caso clinico, o mais simples em apparencia, as opiniões varião de tal sorte a não conseguir-se duas, que dimanem das mesmas vistas, e se firmem no mesmo diagnostico. A pequena doente, que temos diante dos olhos, é MIO-SARCOMA DO OLHO, 299 uma perfeita demonstração destas difficuldades cli- nicas, e da diversidade de opiniões sobre a natureza da moléstia. O tumor que pende-lhe do olho esquerdo, enco- brindo este órgão, e quasi completamente as palpe- bras, tem sido por mais de um collega considerado um cancro, com quanto não offereça o mais leve ca- racter desta terrível enfermidade. Para um certo numero de cirurgiões, que não são familiares com os estudos anatomo-pathologicos, todo tumor que causa dores, e cujo diagnostico tor- na-se difficil de ser attingido, é desde logo denomi- nado canceroso; do mesmo modo que, na clinica me- dica, toda affecção febril, que esconde á observação a lesão de que tira origem, é ímmediatamente capitu- lada de febre typhica. Estes erros de diagnostico derivão-se do limitado curso que teem tido, entre nós, os trabalhos micro- graphicos modernos. O predomínio das idéas antigas estreita o circulo de difficuldades, em que se acha collocado o pratico, que julga ter feito quanto deve, cortando o que lhe parece maligno, e poupando os tecidos innoxios. Toda vez que se apresenta um tumor que amolleee, ulcera, deitando de si um liquido ichoroso, e que a ulcera offerece um aspecto repugnante, com o fundo sujo e os bordos revirados, julga-se ordinariamente tratar-se de uma producção cancerosa. 300 DÉCIMA TERCEIRA CONFERÊNCIA A contraprova deste juizo é a resistência, que offe- rece o padecimento á toda sorte de cáusticos poten- ciaes, que tanto e tão freqüentemente são emprega- dos na pratica dos charlatães. Quanto á esta menina, cuja enfermidade temos dia a dia observado, desde que entrou para este hos- pital, eu insisto ainda no juizo que primeiro emitti, assegurando-vos que o tumor não é de natureza can- cerosa, apesar de seo aspecto especial, da marcha rápida que a moléstia tem adquirido e de suas ten- dências hyperplasicas. Uma das principaes circumstancias, que tendes ouvido apontar-se, no intuito de confirmar o diagnos- tico de cancro, consiste no aspecto fungoso do tumor. Antigamente, é certo, julgava-se que todo fungus revelava a natureza cancerosa. O diagnostico de fun- gus medullar satisfazia perfeitamente a ignorância, que dominava a sciencia, a respeito da pathologia dos tnmores. Actualmente será um diagnostico, que demonstra o mais deplorável atrazo no estudo clinico. A palavra fungus apenas significa a semelhança, que certas producções mórbidas apresentão com o modo de vegetação do cogumello, e não exprime mais do que a palavra polypo, a qual designa sim- plesmente um tumor que pende de um pediculo. Onde, porém, se acha neste modo de ver tão gros- seiro a noção preciosa da natureza do producto mor- M10-SARC0MA DO OLHO. 301 bido? De que tecidos tira, por ventura, elle sua ori- gem, e qual a disposição especial de sua structura ? São estas as questões de maior alcance pratico, e que sempre dominarão a pathologia de semelhantes affecções. A respeito dos polypos não sabeis, entretanto, que entrão em sua composição tecidos tão differentes, taes como o mucoso, o fibroso, o embryoplastico, constituindo os myxomas, os fibromas, e as numero- sas variedades de sarcomas ? Esta denominação, pois, apenas demonstrará a ap- parencia phenomenal da producção mórbida, e nada mais exprime do que uma eircumstancia, inteiramente estranha á Índole mesma da individualidade patho- logica, que deve derivar-se especialmente da structu- ra e composição anatômica do tumor* Si grande numero de vezes verdadeiros cancros affectão esta forma, não é raro encontrar-se outras producções mórbidas, que apresentem-na; e nem por isso a cura deixará de ser uma realidade. Longe de nos guiarmos por estes caracteres tão in- certos, que hoje não podem mais gozar de sua antiga importância, devemos acompanhar e auxiliar as ten- tativas da cirurgia moderna, no afan de classificar anatomicamente as neoplasias; pois que parece que as suas propriedades destruidoras dos tecidos, e no- civas para a economia, dependem da presença de certos elementos, cuja actividade insólita encaminha 302 DÉCIMA TERCEIRA CONFERÊNCIA a cellula para uma evolução precoce, e o seo com- pleto e rápido aniquilamento, n'uma aberração func- cional incompatível com a vida dos tecidos. Como se poderá explicar o reviramento dos bordos da ulcera, este caracter que se tem querido consi- derar a pedra de toque no diagnostico do cancro? O phenomeno presuppõe a existência, no tumor, de um stroma laminar, e de cellulas em certa abun- dância. A tendência hyperplasica é apenas partilhada por estes últimos elementos, que multiplicão-se e augmentão de volume, repellindo para os lados o te- cido fibroso. A cellula se aniquilando, em virtude de seo desenvolvimento exaggerado, o centro da ulcera- ção a pouco e pouco se vae aprofundando, e a peri- pheria, que consiste em tecidos mais resistentes, procura fugir á força de pressão centrifuga do tumor, estendendo-se em superficie. O resultado do phenomeno será o reviramento dos bordos da ulcera para fora. Assim o aspecto fungoso é a conseqüência de duas condições, que podem concorrer em mais de uma es- pécie de tumor: a existência de cellulas, em certa abundância, na trama da producção mórbida, e a violência e actividade das formações hypergeneticas. Estas condições se realisão freqüentemente nos tumores cancerosos; porém são do mesmo modo observadas nos sarcomas, em todas as suas nume- MIO-SARCOMA DO OLHO. 303 rosas variedades e misturas com outros tecidos mór- bidos. Quanto á marcha rápida da moléstia, não é ella também um caracter sufficiente para firmar, á cabe- ceira do doente, o diagnostico do carcinoma. Esta propriedade funccional do tumor nenhuma impor- tância pôde merecer na pratica; porque é o apanágio de todos os tumores, que se compõem em sua maior parte de elementos cellulares, contendo um sueco. Este propaga aos elementos mórbidos, que o avizi- nhão, as tendências que constituem a Índole parti- cular e característica da producção mórbida. Cozão ainda destas prerogativas anatômicas, e bem assim de semelhante caracter clinico, a immen- sa família dos sarcomas, que as vezes são, quasi ex- clusivamente, compostos de cellulas, encerrando em sua trama um sueco, que é notavelmente abundante vinte quatro horas depois da extracção do tumor. Resulta do que deixo dito que hoje, no estudo dos tumores, não nos podemos guiar por nenhuma das escholas exclusivistas. Si não sanecionamos as pre- tenções exaggeradas dos micrographos, muito menos poderemos sugeitar-nos ao domínio grosseiro da ap- preciação das manifestações symptomaticas, reco- nhecendo a infallibilidade clinica. O feliz consórcio dos caracteres anatômicos e func- cionáes da affecção é somente o que deverá servir de base para uma classificação verdadeiramente 304 DÉCIMA TERCEIRA CONFERÊNCIA scientifica das neoplasias, e bem assim os recursos preciosos, mediante os quaes se poderá attingir o diagnostico dos tumores. Fazendo a conveniente applicação destas noções clinicas á nossa doente, importa-nos precisar a espé- cie mórbida, a que pertence o tumor que ella apre- senta. Esta menina apenas conta de doze a treze annos de idade; é moradora nos subúrbios da cidade, e não refere a precedência de enfermidade igual em sua família, sendo ainda vivos seos pães, já em uma idade avançada. Ha um anno, pouco mais ou menos, ella começou a sentir dores no olho esquerdo, que desde logo a- nuviou-se e augmentou de volume, não tardando á sobresahir por entre as palpebras. A producção mórbida, que proeede exclusivamente do globo ocuiar, tem uma base de implantação, que não excede o território corneano. O resto do globo do olho acha-se externamente em estado de completa integridade. O tumor, de uma côr avermelhada e de uma su- perficie mais ou menos lisa, tem augmentado dia a dia de volume, sempre acompanhado de dores. De- pois que attingio certo desenvolvimento, a sua su- perfície exulcerou-se, e os bordos desta ulcera nota- velmente espessos se achão revirados para fora, en- cobrindo completamente as palpebras, que á primeira MIO-SARCOMA DO OLHO. 305 vista parecem comprehendidas na producção mór- bida. Examinando cuidadosamente, reconhecereis com facilidade os caracteres clínicos, que acabo de mencio- nar-vos. Afastando com os dedos o tumor para todos os lados, encontrareis os véos palpebráes inteiramente indemnes, apesar de sua notável proximidade do foco do mal, e do contacto permanente dos líquidos, que tirão sua origem do tumor. Com algum cuidado mais, e vencendo a resistência que a doente oppõe ao exame, em virtude das dores que este desperta, podereis ver ainda a superficie da sclerotica, que nenhuma alteração apresenta em sua structura. Esta apenas offerece os caracteres, que lhe costumão communicar as choroidites chronicas, isto é, a turgencia e tortuosidade dos vasos, que se destacão em relevo sobre um fundo amarello sujo. Quanto ao volume, actualmente tão notável, pare- ce que a producção mórbida já tem esgotado toda seiva indispensável para o seo desenvolvimento, e que já é tempo de limital-o, tornando-se estacionario, ou retrogradando. Ella apresenta o volume e a forma de uma pêra de tamanho regular, tem livre a sua maior extremidade, servindo a outra, menos volu- mosa, de base de implantação sobre o globo ocuiar. O estado geral da doente resente-se algum tanto das perdas, que se fazem pelo tumor, e as dores de- 306 DÉCIMA TERCEIRA CONFERÊNCIA vem ter também contribuído notavelmente para o emmagrecimento que ella já apresenta. Apesar de tudo, porém, o appetite conserva-se, as funcções digestivas se effectuão regularmente, a côr da pelle nenhuma modificação tem experimen- tado. Não ha o mais leve indicio, que nos induza a es- confiar de uma cachexia. Antes de tudo, esta doente está em uma epocha da vida, em que as affecções cancerosas são em ex- tremo raras, pois que estas são o apanágio dos indi- víduos que attingem uma idade avançada, na qual os tecidos tendem a degenerar por um impulso de actividade própria, o que fazia dizer a Peyrilhe que, si a humanidade chegasse a uma extrema velhice, todos acabarião por morrer de cancro. Na infância são mais freqüentes os tumores forma- dos de tecido embryonario, e é por isso que desde os trabalhos de Müller deixou-se de chamar cancro me- dullaraos tumores intra-oculares, que se apresentão nas crianças, os quaes, segundo o professor Virchow, são modernamente considerados glio-sarcomas. Este sábio faz depender a producção mórbida de uma altera- ção do tecido connectivo da retina (nevroglia), com desenvolvimento ulterior de cellulas embryonarias. O tumor desenvolve-se para o interior do globo ocuiar, comprimindo os órgãos inclusos, os quaes re- çuão, adelgação-se e a final se atrophião; e quando MÍO-SARCOMA DO OLHO. 307 chega á câmara anterior fende a cornea, fazendo sua apresentação fora do olho. Nesta marcha poderá al- gumas vezes a sclerotica ceder, e ficar comprehen- dida também na producção mórbida; porém o que se ve mais freqüentemente é a sua conservação, indemne do mal, denunciando apenas as alterações congesti- vas da choroide, A eircumstancia hereditária, que no carcinoma tem um tão grande valor, é ainda negativa nesta doente. Não existem também as dores lancinantes, tão violentas que tornão os doentes insomnes, roubão- lheso somno e compromettem tão profundamente o seo estado geral. Esta menina sente dores, é certo, porém somente na occasião em que, para examinar-se o estado do globo ocuiar, arreda-se o tumor de sua posição ordi- nária por movimentos de lateralisação. Fora destas circumstancias a doente não aceusa incommodo algum. Entre as propriedades do carcinoma sobresáe uma, que é inherente a sua natureza mesma, e indica o gênio da perversão nutritiva da cellula orgânica, é a tendência á apropriar-se dos tecidos circumvizi- nhos, infiltrando-se nelles pelo seo sueco, tanto em extensão com em espessura, e reflectindo o seo cara- cter especifico, e sua intensidade destruidora, nos gan- gliões lymphaticos da vizinhança. Nada de semelhante 308 DÉCIMA TERCEI11A CONFERÊNCIA Be encontra no caso que temos diante dos olhos, que, não obstante todos estes signaes negativos, já foi ca- pitulado de cancro do olho. Os melhores e mais seguros caracteres devião ser esperados do exame microscópico, para o qual desde logo appellei. Tendo razões para suppôr que se tratava de um tumor constituído pela hyperplasia do tecido em- bryonario, o qual preexistia na economia, por não se haver tornado ainda tecido adulto, ou simplesmente por heteroehronia, ao microscópio cabia comprovar a certeza de meo juizo clinico. Nesta doente apresentava-se demais alguma cousa de curioso e de difficil explicação, caso se tratasse de uma verdadeira producção cancerosa. O invólucro do tumor, de uma côr avermelhada, e interrompido apenas na superfície correspondente á ulcera, era dotado de uma certa contractilidade, offerecendo movimentos vermieulares, quelembra- vão a contracção de fibras lisas. Este caracter clinico, Combinado com o facto importante de não haver sido este involuero compromettido pelo phenomeno ulce* rativo, impunha ao espirito do observador a existên- cia de tecido muscular no tumor, devendo ser este considerado um mio-sarcoma. Então fácil seria comprehender o modo, por que se formou e cresceo a producção mórbida. í A affecção teve sua origem da nevroglia da retina, MIO-SARCOMA DO OLHO, 309 que não sendo ainda tecido definitivo, prestou-se fa- cilmente a transformação embryonaria, e d'ahi tirou o tumor o caracter que devia conservar nas phases ulteriores de sua evolução. O tecido mórbido exube- rante no interior do globo ocuiar, e caminhando dia a dia na direcção do hemispherio anterior do olho até a cornea, onde devia fazer a sua irrupção, foi acompanhado em suas tendências hyperplasicas pelo músculo ciliar. Este, tendo a forma de um perfei- to annel, só podia circumscrever a producção sar- comatosa em sua peripheria; representou para com ella o papel de um verdadeiro invólucro, acom- panhando debaixo da forma de simples bainha, a qual, por tanto, não se poderia estender ás extremi- dades anterior e posterior do tumor. Franqueada a passagem á massa mórbida atravéz da cornea, e ad- quirindo ella certas proporções pelo facto de sua ri- queza cellular, a ulceração se devia manifestar em sua extremidade livre, e estender-se em superficie até onde encontrasse elementos cellulares. Porém ao ehegaraté o invólucro muscular, não se prestando este pela natureza de seos elementos ao phenomeno ulce- rativo, a perda de substancia limitou-se, circum- screvendo-se á porção sarcomatosaj O rebordo muscular, sem laços que o prendessem pelo lado central da producção mórbida, obedeceo á acção de sua própria contractilidade, e d'ahi resultou* o reviramento dos bordos da ulcera para fora, á seme- 31Õ DÉCIMA TERCEIRA CONFERÊNCIA lhança do que se passa nos carcinomas. Nestes o phenomeno é devido ao tecido alveolar, que, sendo de structura fibrosa, não se presta do mesmo modo á acção ulcerativa. Este modo de comprebender a origem e evolução do tecido mórbido, sua marcha e tendências, que dão á producção mórbida o caracter de um tumor orga- noide, foi perfeitamente confirmada pelo exame ana- tômico e microscópico. Mediante a observação anatômica, descobre-se neste tumor duas partes distinetas; a primeira ex- terna, servindo-lhe de involtorio, é corada, pouco espessa e de aspecto homogêneo, e se interrompe nas proximidades da ulcera; a segunda, que forma o núcleo da neoplasia, e por tanto o seo tecido prin- cipal, é molle e fácil de reduzir-se á detritus, des- prende de si um liquido que tem um cheiro especial. Não ha abundância de vasos, do que se deprehende a ausência de accidentes hemorrbagicos. Ao microscópio o involtorio do tumor demonstra a existência de fibras-celiulas, sendo o núcleo cons- tituído, quasi exclusivamente, de cellulas embryona- rias e substancia intercellular rara, disposta em lâ- minas. Não se encontra as cellulas gigantescas, que são tão freqüentes nos carcinomas, não ha a trama alveo- lar, que anatomicamente caracterisa estas produc- ções, nem esta diversidade de aspecto dos elementos MIO-SAUCOMA DO OLHO. 311 cellulares em relação á sua forma, configuração e constituição, reputada até certo tempo como cara- cter infallivel do cancro. O diagnostico de affecções semelhantes, releva confessar, nem sempre é fácil. Na pratica o cirurgião deve dispor de conhecimentos completos de hysto- logia mórbida, e de um certo habito de estudar at- tenta e euidadosamente as moléstias, que se apresen- sentão como verdadeiras neoplasias. Algumas vezes permanecemos na ignorância por longo tempo, acompanhando a marcha da enfermidade, á ver qual a sua tendência, á respeito dos tecidos circumvizinhos e da própria economia, e até as conseqüências da operação para julgarmos a sua Índole particular. É nestas circumstancias que o exame microscó- pico interpõe o seo verdictum, e nos vem desvendar particulares anatômicas, que orientão o pratico com tanta luz, que elle se apodera desde logo da natureza da moléstia. Entre os tumores sarcomatosos, nem todos teem o caracter benigno. Alguns ha que podem compromet- ter a economia, repullulando sobre a cicatriz depois da operação, ou em suas vizinhanças, nos gangliões lymphaticos, e a final generalisando-se por meio de neoplasias idênticas, formadas nos órgãos parenchy- matosos. Quanto ao tumor desta menina, não vacillo em assegurar-vos que, sendo extirpado completamente, 312 DÉCIMA TERCEIRA CONFERÊNCIA elle não se reproduzirá, seguindo-se muito de perto a cura. O que, mais do que tudo, me robustece esta con- vicção é o estado de integridade das palpebras, que estão indemnes do mal, e da sclerotica que demons- tra tão satisfatoriamente, que a moléstia se acha en- carcerada em seo interior, e não tem podido apro- priar-se de seo tecido. E assim deve-se ter como certo que o nervo óptico, por seo lado, esteja igualmente em estado normal, de modo que por elle e pela sclerotica a producção mór- bida se acha completamente seqüestrada da eco- nomia. Em tão felizes e vantajosas condições, a extracção do tumor é fácil, e não pode incutir no animo do ci- rurgião o menor receio, de que fiquem em contacto com a ferida resquícios do mal, que possão servir de núcleo para a reproducção mórbida. É este, senhores, um dos raros casos* em que a enucleação do olho é francamente indicada, á propó- sito de tumores desenvolvidos neste órgão, attingin- do proporções tão notáveis. Ainda mais raro é, e causa até admiração, que, quando se trata de uma moléstia de tal aspecto, que á tantos tem lembrado a natureza cancerosa, seja apenas sufficiente para con- seguir a cura a simples extirpação de um órgão, que jamais constituirá uma operação grave. É indispensável, pois, que se faça o mais breve MIO-SARCOMA DO OLHO. 313 nossivel a enucleação do olho desta doente. Achaíno- nos diante de uma affecção, que, com quanto benigna, tem sempre uma marcha mais ou menos rápida, po- dendo adquirir mais tarde um caracter ameaçador* Prolongando-se pelo nervo óptico, ella é susce- ptivel de alterar este órgão profundamente, de modo á obstar que a operação seja coroada do successo que é para esperar. Então, após a intervenção cirúr- gica, que não poude roubar toda inteira a producção mórbida, os elementos alterados que ficão no fundo da orbita proliferão, obedecendo á suas tendências hyperplasicas primitivas, e a repullulação do tumor é uma conseqüência, que não nos é dado mais evitar. Antigamenta esta triste prerogativa era exclusiva- mente outorgada ás producções cancerosas. Hoje sabe-se que o phenomenopodeter logar em qualquer ordem de tumores; por quanto é fácil comprehender- se, que só nos casos em que a extirpação tem corrido com o indispensável cuidado, e que é possível a ex- tracção completa da massa mórbida, é que podemos confiar na membrana de botões carnosos, que a su- perficie traumática prolifera. Fora destas condições, os novos tecidos são eivados do vicio mórbido, e de suas tendências desorganisadoras. Além dos receios que esta moléstia deve inspirar em relação á repullulação, uma outra eircumstancia aceresce, que nos obriga á intervir com a maior ra- pidez. 314 DÉCIMA TERCEIRA CONFERÊNCIA O globo ocuiar se acha cheio de um tecido mór- bido, principalmente em seo hemispherio anterior. O tumor procede da retina e do músculo ciliar, que, influenciado pelo principio mórbido, tem soffrido o phenomeno hyperplastico, constituindo o involtorio da producção pathologica. Em tão estreitas relações de contiguidade, como se acharão o iris e os processos ciliares? Ao meo vêr, devem ter soffrido a compressão da neoplasia, e a sua destruição será a conseqüência natural e es- perada do phenomeno. Ora, eis ahi circumstancias especiáes, em que se deve muito receiar de uma ophtalmia sympathica. As alterações apontadas são ordinariamente as causas desta affecção tão temida pelos ophtalmologis- tas, que nem sempre teem em suas mãos os recursos para debellal-a. Que os tumores intra-oculares são capazes de pro- vocar o accidente, é cousa que hoje não soffre con- testação. Os resultados estatísticos dos trabalhos de Taylor teem sido plenamente confirmados pelos fa- ctos observados porPagenstecher, Berlin e outros. Quando não dispuzessemos destes dados clínicos, conhecendo as causas productoras da irido-cyelite maligna, que costuma accommetter o olho são, em virtude de lesões do seo congênere, deveríamos comprehender que, ainda nos casos mais felizes de M10-SARC0MA DO OLHO. 315 terminação da moléstia sem enucleação, serão para temer desordens ópticas sympathicas. E qual será o meio de evitar-se, ou combater-se esta desastrada conseqüência? Entre muitos que teem sido propostos, um só tem direito de subsistir na pratica, é o que aconselha Pri- chard, e de cujo manual operatorio a sciencia é devedora ao sempre lembrado professor Bonnet, de Lyon. Esta operação tem por fim desprender o globo ocu- iar de todas as suas relações com os órgãos que o rodeião, e, por tanto, fazer desapparecer a causa da irritação, que entretem ou poderá desenvolver a irido- cyclite do outro lado. Assim, meos senhores, com esta operação, que não pode ser addiada sem grave prejuízo para a doente, preenche-se dous fins principaes: o primeiro é extirpar a producção mórbida, livrando os tecidos sãos de seo contacto contaminador; o segundo, evi ta a manifestação da ophtalmia sympathica no olho di- reito, o que eqüivaleria á cegueira completa. Eu devo, porém, lembrar-vos uma terminação da moléstia que não é rara, e que, pelo cheiro especial que se desprende actualmente do tumor, pode vir á ter logar; é a gangrena. Quando a multiplicação dos elementos de um tecido mórbido se faz muito rápida e violentamente, e que os líquidos nutritivos não podem chegar ao órgão na ii 316 DÉCIMA TERCEIRA CONFERÊNCIA abundância indispensável, este excesso de vitalidade torna-se uma condição de mortificação, que ordinaria- mente se manifesta nos pontos, que limitão exter- namente o tumor. Assim vemos a gangrena se apoderar de uma mas- sa mórbida, ás vezes bastante volumosa, e em pou- cos dias ou semanas reduzil-a á proporções mínimas, ou fazel-a de todo desapparecer. Neste caso não confieis muito em semelhante re- sultado para justificar a abstenção cirúrgica* Esta terminação só é proveitosa nos casos de tumores cancerosos; porque então dispensa a operação, que tanto esgota aos pobres doentes, parecendo favore- cer a marcha da moléstia, que caminha mais rápida para uma terminação fatal. Ordinariamente os tumores assim destruídos re- produzem-se, e em breve readquirem suas anteriores proporções, com grande disperdicio de forças para o doente e de tempo para o cirurgião. Demais, no caso vertente, poderemos esperar al- guma vantagem da gangrena do tumor? Si, por ventura, conseguíssemos por tal modo a extineção da producção mórbida, não ficaria um coto para ameaçar o olho são de uma irido-cyclite maligna? São estas as considerações, que se deve ter pre- sentes ao espirito, sempre que se trata das indica- ções operatorias. É o occasio prmceps em cirurgia, MIO-SARCOMA DO OLHO. 317 que releva ser bem considerado, e apreciado com o critério de uma experiência esclarecida, e com o co- nhecimento preciso de todas as conquistas realisadas na sciencia. Ao meo vêr, pois, a terminação pela gangrena, a única que nesta doente poderia justificar a expecta- ção, será mais prejudicial do que útil á ella. St actual- mente a enucleação é trabalhosa em seo começo, pelo grande volume do tumor, o cirurgião tem, em compensação, a certeza de encontrar intacta a scle- rotica, revestindo o hemispherio posterior do globo ocuiar, e então o resto da operação se simplifica, dé um modo que não fará differença dos casos, em que' se trata de uma simples ophtalmia sympathica. Depois de extirpado o globo do olho com a produc- ção mórbida, temos plena convicção de que no fundo da orbita não fica parcella de tecido suspeito, que possarepullülar o tumor.Destruído este pela gangre- na, não é provável que persistao circumstancias tão favoráveis. Ao contrario, deveis comprehender que após a que- da lenta e gradual dos tecidos mortificados, o que restar do globo ocuiar será um botão informe, onde não se poderá distinguir nenhuma das membranas do olho, identificando-se estas com o tecido cellular ambiente. Nos casos freqüentes de reproducção do mal, este não se achará então mais limitado. A enucleação pa- 318 DÉCIMA TERCEIRA CONFERÊNCIA recerá em seo começo fácil; porém depois o cirurgião encontrará as maiores difficuldades de abranger no traumatismo os tecidos mórbidos, e impossibilidade de limitar-se á extracção do globo ocuiar. Cousa notável, senhores, esta operação, com quan- to indicada por casos demediocregravidade,é sempre de urgência. Uma vez estabelecido o diagnostico da moléstia, e comprehendida a necessidade de enuclear o olho, toda demora pode ser prejudicial, quer se tra- te de uma irido-cyclite maligna que ameaça o olho são, quer de um tumor intra-ocular, que pode ad- quirir notáveis proporções, e também prejudicar as funcções do órgão congênere. Ha poucos dias, pratiquei idêntica operação em um indivíduo de Sergipe, que veio á esta cidade para se tratar de uma affecção dos olhos. Este doente já se achava em tratamento, havia um mez, pouco mais ou menos. Elle sentia, depois de algum tempo, uma pertur- bação visual no olho direito, que muito o inquietou por ser o que lhe restava. O olho esquerdo, já de longa data se achava perdido, em virtude de um staphyioma extraordinário, que terminou-se pela completa deformação do iris, e por um augmento de pressão interna, que determinou um glaucoma con- secutivo. Ao sahir de sua casa este homem, via ainda bas- tante para guiar-se por si só, e despedir-se de seus MI0-SA11C0MA DO OLHO. 319 amigos. Chegando á esta capital, elle distinguia a mo- bília da sala em que se achava, e até os caixilhos da casa fronteira. Ouvio á principio a opinião de um collega, que lhe declarou a impossibilidade da cura, por julgar o olho direito irremessivelmente perdido. Não obstante este desengano formal, elle entregou-se aos cuidados de um outro pratico distincto, que lhe alimentou de alguma sorte a esperança, iniciando uma medicação activa. Forão applicados logo dous vesicatorios, um na re- gião mastoidiana direita, e outro na têmpora do mesmo lado; internamente foi-lhe administrada uma prepa- ração de strychnina. Apesar destas enérgicas applicações, desde o co- meço do tratamento a visão foi baixando gradual- mente. A nuvem que o doente sentia, interceptando- lhe o campo da visão, cada dia se condensava mais, de modo á tornar-se o seo estado sensivelmente mais desanimador. Foi então que me consultarão á respeito da enfer- midade deste homem. Ouvi attentamente a longa historia de seos padecimentos; examinei o olho es- querdo, que, havia muito tempo, se achava comple- tamente inutilizado, e mais do que tudo causou-me certo reparo o estado do iris, repartido igualmente em duas porções, e comprimido com os processos ciliares pelo liquido intra-ocular. 320 DÉCIMA TERCEIRA CONFERÊNCIA Desde logo reconheci que não se tratava ahi sim* plesmente de um olho perdido; porém de condições muito favoráveis aos padecimentos do outro olho. Este apresentava o circulo perikeratico bem ac- centuado, a cornea tinha uma leve nevoa, semelhante á que costuma apresentar-se no caso de paralysia dos nervos ciliares, ou de embolias das artérias deste nome. Isto indicava uma lesão de nutrição desta membrana. O iris se achava completamente paralisado, a pu- pilla era rnediocremente dilatada e immovel. Opaci- dades do humor vitreo impedião a observação do fundo do olho pelo exame ophtalmoscopico. O doente nada mais via por este olho do que a luz, e já não podia guiar-se. Tratava-se, pois, de um bello especimen da ophtal- mia sympathica, affecção que tantas vezes surpreheu- de os indivíduos que teem um olho perdido, guardan- do nelle os elementos de uma irritação perenne. É escusado dizer-vos que indiquei com a maior instância a enucleação do olho inutilizado, como o único meio de conservar a percepção da luz, ou mes- mo recuperar a vista em um fraco gráo de acuidade; e no dia immediato pratiquei a operação. Este doente nos primeiros dias não sentio melhoras, porém depois da primeira semana tem melhorado gradualmente, e nutro hoje esperanças de que elle re^ cuperará a vista,, ao menos para se guiar. M10-SARC0MA DO OLHO. 321 Quanto melhor seria que esta operação tivesse sido feita desde o principio de seo tratamento ! Apesar de ser este um caso diverso do desta me- nina, á respeito da funcção visual esta diversidade desapparece. Em ambos a visão foi compromettída e o órgão inutilizado, conservando em si as causas de uma irrita- ção constante. A differença consiste apenas na lesão que motivou a cegueira, a qual, sendo naquelle doente um staphyioma, é aqui um tumor intra-ocular. Cabe-me agora fazer-vos conhecer em que consiste esta importante operação, que é uma das glorias da cirurgia moderna. Todos vós sabeis que os laços, que prendem o globo do olho á cavidade orbitaria, consistem na conjunctiva, que passa por sobre elle para dar um forro aos véos palpebraes, os músculos em numero de seis, cujas inserções oculares são reforçadas pela cápsula de Tenon, vasos e nervos ciliares, tecido con- nectivo frouxo, e, no pólo posterior do globo, o nervo óptico. Seccionadas estas diversas partes, que reteem o ór- gão em sua posição normal, se achará realisada a operação de que me occupo. O doente é deitado, e administra-se-lhe o chio- roformio; pois que as dores são tão intensas, que não se deve dispensar este meio, á menos de contra-indi- cações formaes ao emprego do agente anesthesico* 322 DÉCIMA TERCEIRA CONFERÊNCIA Desvia-se as palpebras por meio do blepharostato de Libreich, que permitte os trabalhos de dissecção, por ter os ramos para o lado da região temporal. Então o operador, com a pinça, toma uma dobra da conjunctiva, em derredor do limbo da cornea, e a corta com uma thesoura apropriada, que não deve ter as pontas muito aceradas. O primeiro tempo da operação se completa, logo que se tem desprendido a conjunctiva em toda a cir- cumferencia da cornea, descollando-a ao mesmo tem- po da sclerotica em golpes curtos e repetidos. Des- cobertas as principaes inserções musculares, passa- se um gancho por baixo de cada músculo, o mais perto possivel de sua inserção ocuiar, e a mesma thesoura corta-o em pequenos golpes, procurando em seguida a cápsula de Tenon, que é incisada em todo o espaço que separa o instrumento do músculo immediato, por baixo do qual passa-se igualmente o gancho, procedendo-se de um modo igual ao an- terior. Divididos os músculos, a thesoura penetra um pouco mais profundamente, descollando o globo ocu- iar das partes que o cercão. O ultimo tempo operatorio consiste na introducção de uma thesoura mais forte,recurvada sobre a lamina e rhomba. Este instrumento penetra pelo angulo in- terno do olho, em procura do nervo óptico, o qual é com facilidade encontrado. Então, desviando-se os M10-SARC0MA DO OLHO. 323 ramos deste instrumento, o cordão nervoso se intro- mette nelles, sendo em seguida vigorosamente cor- tado. Quando a operação tem corrido bem, o globo ocu- iar Ímmediatamente se desprende da orbita, e a the- soura, que dá o golpe final, tral-o sobre a sua conca- vidade. Nos primeiros momentos, que se seguem á opera- ção, corre um pouco de sangue, que é prompta e facilmente parado, mediante uma pequena esponja molhada em água fria, com que se comprime a região orbitaria. Dentro em oito dias a cura é ordinariamente com- pleta, e depois da primeira quinzena o doente já pode supportar um olho artificial. Pelo mecanismo operatorio, deveis comprehender que a peça de esmalte gozará de largos movimentos, porque no coto ficão todos os músculos reunidos em roda do nervo óptico, e ainda enlaçados em parte pela cápsula de Tenon. São vantagens que resultão da perfeição, com que é feita a operação, e que de- vemos sempre procurar. Em relação á esta menina não poderá haver, tal- vez, tanto rigor na execução destes tempos. O tumor é bastante volumoso, e impedirá a dissecção indis- pensável para attingir-se estas vantagens. Para facilitar a tenotomia podia-se dividir a ope- ração em dous tempos principaes, consistindo o pri- 324 DÉCIMA TERCEIRA CONFERÊNCIA meiro na excisão do tumor pelo pediculo corneano, para ser o segundo propriamente a enucleação. Não será isto, porém, tão fácil, como poderieis suppôr pelo que observaes neste momento. Na excisão do tumor se derramará algum san- gue, que tornará difficil, prolongada e talvez impossí- vel a enucleação. Eu prefiro fazer simplesmente esta, ainda que não possa conservar todos os músculos. DA TALHA PRERECTAL DÉCIMA QUARTA CONFERÊNCIA. SEMMMUO—Breve noticia dos resultados da operação—Volume e configura* ção do calculo —Incidentes da anesthesia—Como uma mà chloroformisaçlo pode influir sobre o manual operatorio —Vantagens do processo de inha» iações forçadas, attribuidas ao professor Manoel Feliciano—Sua explica- ção-Dos ajudantes na operação da talha—Arsenal cirúrgico—Tempos da talha prerectal— Innoxiedade das tracções violentas na expulsão do calculo—Do curativo—Da hemorrhagia—Disposição anatomo-pathologiea da cavidade vesical. Meos senhores: Não ha muitos dias que, conversando comvoseo acerca dos padecimentos deste doente, apreciei um por um todos os symptomas que elle apresentava. Manifestei por essa occasião o que pensava á respeito do diagnostico, procurando que elle fosse a expres- são verdadeira do apparato phenomenal. Deveis lembrar-vos bem do que vos disse em re- lação á complexidade deste juizo, sobre o qual so- mente repousa o gênero de intervenção cirúrgica á empregar-se. Não nos contentamos, nem clinicamente nos pode- ríamos sastifazer, com o simples reconhecimento do ealculo e a certeza positiva de sua existência. Á no- ção de outras circumstancias, relativas á producção ealcarea, cumpre ao pratico rigorosamente attinguy 32G DÉCIMA QUARTA CONFERÊNCIA antes dé recorrer aos meios operatorios, que nella muito naturalmente se inspirão. Os instrumentos exploradores não devem ser des- presados, senão quando, depois de iilações bem dedu- zidas, e de uma analyse pensada e judiciosa dos si- gnaes que impressionão os nossos sentidos,apodera- mo-nos do conhecimento da posição e sede do calculo, de seo volume, consistência, configuração e numero, assim como do estado da mucosa vesical, e tolerân- cia do reservatório ourinario ás injecções. Semelhantes dados forão neste doente satisfactoria e precisamente obtidos, de modo á escolher-se a operação mais adequada. Preferindo o processo do professor Nelaton, o meo collegà incumbido deste serviço praticou hontem a talha perineal, a qual deo em resultado a extracção de um calculo phosphatico, que pesava 24 grammas, e tinha o volume de uma pequena noz. A sua forma era irregularmente arredondada, mais ou menos ovoi- de, achatado no sentido do diâmetro antero-posterior, que mede pouco mais de um centímetro. A sua maior extremidade, que era inferior, tem 3 centímetros de diâmetro transversal; a outra extremidade, que poder- se-ha chamar vesical, não excede de dous centímetros e meio. O volume foi, como eu suppunha, considerável, resultando d'ahi difficuldades na extracção da pedra, que, não obstante a ferida sempre obtida, graças ao DA TALHA PRERECTAL. 327 gênero de talha empregado, ficou engasgada no ca- nal traumático, sendo necessário desbridal-o por mais de uma vez. Apesar disto, o ultimo tempo da operação somente poude ser realisado, mediante o ramo de uma forte tenaz, empregada em fôrma de alavanca. A operação, com quanto extraordinariamente re- tardada em sua execução por circumstancias diversas, correo, como é de costume, isenta de accidentes. Apenas um quarto de hora depois, apresentou-se um pequeno corrimento de sangue, que procedia da ca- vidade da bexiga, ou da solução de continuidade do collo vesical. Este phenomeno instou os cuidados do cirurgião, que felizmente ainda se achava presente para remedial-o, Com o emprego de injecções de água fria, e a final da canula de camisa, o accidente foi de promplo combatido. A demora na execução da operação foi em grande parte devida á má chloroformisação, que, pela exag- gerada timidez, tornou-se difficil e incompleta. Entretanto, antes disto, por mais de uma vez, conseguio-se no doente o somno anesthesico, com completa resolução muscular, de um modo admirá- vel pela sua rapidez. Isto demonstra, senhores, que a chloroformisação é uma operação muito importante, que demanda, da parte de quem a emprega, conhecimentos completos 328 DÉCIMA QUARTA CONFERÊNCIA da acção dos agentes anesthesicos, e das modifica- ções, que se operão na economia, em virtude de sua penetração na torrente circulatória. Não basta só isto; cumpre haver larga pratica do emprego destes meios, e até algumas vezes apren- der-se nos transes perigosos e arriscados, em que o chloroformio ameaça de perto a vida do paciente. É meditando diante de casos semelhantes, que o homem da sciencia, sempre sollicito pela vida de seos doentes, porém igualmente dedicado á causa do pro- gresso de sua arte, chega á conhecer o melhor sys- tema de chloroformisação. É com a lição dos casos difficeis que condemnamos o processo de inhalações incompletas e interrompidas, que affligem horrivel- mente o doenter o qual jamais consegue chloroformi- sar-se, e torturão ao operador que, com os instru- mentos em punho, cança-se em vão de esperar por uma promettida anesthesia e pelo momento de intervir. O que disto resulta, e mais de uma vez o tenho presenciado, é aborrecer-se o cirurgião de tamanha demora, e começar o seo trabalho antes de cahir o doente na resolução muscular. Foi justamente o que aconteceo neste caso. A ope- ração começou antes de completa anesthesia. Aos primeiros golpes o doentejá debatia-se vigorosamen- te, mudando de posição por tal sorte, que, sem gran- de temeridade, não se poderia continuar a dissecção. Isto dá-se sempre que se administra o chloroformio DA TALHA PRERECTAL. 329 com medo de seos effeitos, e que, á cada momento, se afasta do nariz do doente a compressa ou a espon- ja embebida do liquido anesthesico. Então não ha tempo de realisar-se a chloroformisação, á menos que tenha o doente uma rara e exquisita susceptí- bilidade para a substancia. O ajudante incumbido deste mister é sempre, den- tre os que cercão o operador, um dos mais hábeis e de confiança, por seos conhecimentos práticos. O ci- rurgião entrega-lhe o êxito de sua operação, e o pa- ciente o penhor de sua vida. Assim, quem se encarrega de semelhante tarefa tem obrigação de sabel-a desempenhar, procurando attingir com promptidão a resolução muscular, que jamais pode causar receios ao pratico, quando este, por uma experiência longa e esclarecida, conhece os prenuncios do perigo, a fim de evital-o, suspendendo a tempo a chloroformisação, ou combatel-o, segundo a natureza dos accidentes pelos quaes se revela. Ha vários modos de empregar-se o chloroformio, já tendo em vista o effeito anesthesico, já no intuito de evitar nos systemas orgânicos perturbações pro- fundas, que lhe possão communicar o caracter tóxico. A principio, com os primeiros casos infelizes, acon- selhou-se medir com a maior precisão pharmaceutí- ca as doses de chloroformio inhaladas. Dahi a intro- ducção na pratica de diversos apparelhos, que multi- 330 DÉCIMA QUARTA CONFERÊNCIA plicarão-se na razão directa do numero de fabrican- tes de instrumentos de cirurgia. Não tardou muito, porém, que a luz se fizesse nesse gênero de pesquizas. O celebre professor Yelpeau veio depois ensinar á não se ter tanto receio da dose do anesthesico, adminislrando-o em um pedaço de es- ponja embebida do liquido empregado, a qual era collocada num cartuxo de papel. Hoje as inhalações são feitas de modo indifferente. Ordinariamente emprega-se uma compressa do- brada, que se ensopa do liquido anesthesico em sua parte central, a qual é collocada em certa proximi- dade das aberturas nasaes, ou, por meio do pollex e do index da mão esquerda, fixando-a por uma de suas pontas na raiz do nariz. Em relação as conseqüências do facto nimiamente importante da anesthesia cirúrgica, tudo isto é ques- tão de nonada. Para evitar o perigo basta que se co- nheça os phenomenos que o annuncião, que o aju- dante não se illuda sobre a causa, que lhe dá origem, dispertando desde logo a attenção do operador, a fim de que este ajude á conjurar os accidentes. Concor- rendo estas circumstancias, nada ha á receiar, salvo nos casos de formal contra-indicação, em que pode tudo ser baldado, e, de qualquer forma que se ad- ministre o chloroformio, os perigosos effeitos de sua presença na torrente circulatória difficilmente serão neutralizados. ■ DA TALHA PRERECTAL. 33í Na campanha do Paraguay eu vi empregar-se um processo de chloroformisação,que muito me agradou pela sua simplicidade e ousadia, chamando-me espe- cialmente a attenção pelos rápidos e brilhantes re- sultados. Era elle empregado por cirurgiões da Es- chola do Hio de Janeiro, e attribuido ao professor Manoel Feliciano. Não vos posso assegurar até que ponto havia justiça nesta presumpção. Embebia-se de chloroformio uma compressa do- brada em quatro, tendo entre as dobras um pequeno chumaço de fios, e estendida sobre a região palmar di- reita do chloroformisador, «ste applicava-a sobre o nariz e boca do paciente, de modo a obrigal-o áres- pirar somente vapores anesthesicos. 0 doente começava então á debater-se com certa energia, á medida que maior quantidade da substan- cia penetrava na arvore bronchica. O ajudante manti- nha invariavelmente a sua compressa, obturando os orifícios. Seguindo este processo muitas vezes obtive a chlo- roformisação em 2 minutos. Torna-se desnecessário declarar que uma vez mergulhado o doente no somno anesthesico, afasta-se a compressa, e permitte-se o livre accesso do ar atmospherico até as vesiculas pulmonares. Esta pratíca vos parecerá estranha e temerária; porém eu vos asseguro que nada disto ella tem. Em 332 DÉCIMA QUARTA CONFERÊNCIA um numero espantoso de chloroformisações, que fo- rão feitas nos hospitaes permanentes do exercito, ja- mais ouvifallar de um só caso de morte devida á chlo- roformisação^ no emtanto este processo era empre- gado na grande generalidade dos casos. Além da sancção pratica que os factos lhe garan- tem, eu penso que elle ainda mais se recommenda por ser eminentemente racional. O chloroformio inhalado penetra com uma incrí- vel rapidez na torrente circulatória, e percorre todo o território orgânico, antes que seja eliminado pelos diversos emonctorios. Esta eliminação, porém, não se faz muito esperar, e quando ella se effectua em certas proporções o somno anesthesico, si por ven- tura existe, tende á cessar. É de suppôr, que a suspensão dos actos da vida animal guarde a devida relação com a dose da sub- stancia anesthesica, de que se satura o sangue em um momento dado. O maximum de saturação, indispensá- vel na pratica das operações, é variável segundo os in- divíduos; mas comprehende-se facilmente que, uma vez attingido, o somno será o resultado infallivel, á menos de circumstancias contra-indicativas, que não vêem agora ao caso. Si conseguirmos, por tanto, introduzir na econo- mia, em um espaço de tempo tão curto que seja im- possível a eliminação, a dose anesthesica máxima, o DA TALHA PRERECTAL. 333 somno se apresentará com tanto maior facilidade e>* certeza, quanto houver de rapidez nas inhalações. Entre todos os processos conhecidos de chlorofor- misação, somente este realisa semelhante deside- ratum. Nos casos de uma applicação interrompida e tími- da, esgotão-se vidros de chloroformio,incommodando aos assistentes, e penetrando na economia em tão pe- quena quantidade e em intervallos tamanhos, que ja- mais se obterá a dose máxima, em virtude da evapora- ção cutânea, que a impede, e faz perder por esta forma as primeiras doses inhaladas. Depois, dentro em pouco, o paciente se achará fatigado, e seo sangue depauperado de oxygeneo pela passagem do chloro- formio, resultando d'ahique, multiplicando afinal as inhalações, é fácil a explicação dos accidentes asphy- xicos que podem sobrevir. É possível também dar-se a syncopa pela anemia cerebral, e a sideração por uma verdadeira aspbyxia nervosa. Eu condemno altamente este processo massante, que o menos que denota é a pusillanimidade do pra- tico, senão a sua inhabilidade cirúrgica. Voltando ao nosso doente, devo declarar-vos que elle não chegou áchloroformisar-se convenientemente, durante todo o tempo consumido na operação. Esta, começada em tão desfavoráveis condições, acabou pela mesma forma, sendo necessário os aju- 334- DÉCIMA QUARTA CONFERÊNCIA dantes conterem os movimentos desordenados do paciente, devidos á dôr do instrumento cortante. D'entre todas as operações sangrentas, a talha é de natureza á não dispensar a chloroformisação, como uma condição indispensável para o bom êxito ope- ratorio, já pela posição forçada em que se colloca o doente, já pela segurança dos golpes, com que o operador abre diante da pedra o canal, por onde deve ser ella extrahida. Releva confessar-vos, entretanto, que a applicação do chloroformio não é sempre innocente, e ao abrigo de perigos, ainda quando se o emprega com as neces- sárias precauções, e procurando attender á todas as contra~indieações. As vezes examina-se cuidadosamente o paeiente, não se lhe encontra eircumstancia alguma, que con- tra-indique a chloroformisação, e no emtanto ás pri- meiras doses da substancia anesthesica elle se apre- senta com a face congesta, de um vermelho escuro^ as veias frontaes turgidas, os olhos parecem repel- lidos para fora das orbitas, em completa immobilida- de. Manifesta-se então um verdadeiro desespero da parte do doente; elle grita e esforça-se energicamen- te para levantar-se, e impedir que prosiga a chloro- formisação. Em taes contingências cabe ao pratico distinguir as occasiões de verdadeiro perigo, d'aquellas que mais ou menos se observão em todos os indivíduos, e que DA TALHA PRERECTAL. 335 constituem simplesmente o tempo de excitação, que precede a anesthesia. Reconhecendo o accidente co- mo denunciando a asphyxia, devem ser suspensas in- continente as inhalações do chloroformio, procuran- do-se descobrir a causa dos phenomenos assustado- res, e o mecanismo de sua producção. Não é raro encontrar-se, como a única razão destas desordens, a occlusão da glotte pela base da lingua, que em certos indivíduos é tão espessa, que torna-se impossível o exame do larynge sem um esforço anti- perystaltico. Então, prendendo a ponta da lingua en- tre os dentes de uma pinça, e tirando-a um pouco para fora das arcadas dentárias, tudo cessa como por encanto. Aconselho-vos, por tanto, sempre quetiverdes de proceder a chloroformisação, examinar attentamente o fundo da boca do paciente, e observar especial- mente o volume da lingua em sua base. Nos casos em que for ella tão volumosa que não permitia ver-se a uvula, pelo simples desvio das maxillas, e menos ainda a cavidade do pharynge, devereis evitar a chlorofor- misação, ou empregal-a com os maiores cuidados, quando ella se torna absolutamente indispensável; porque é bem possível a supervenção da asphyxia. Julgo, pois, esta eircumstancia uma contra-indicação ao emprego do chloroformio. Não se pode, sempre e invariavelmente, ter certeza 336 DÉCIMA QUARTA CONFERÊNCIA de combater estes primeiros phenomenos assustado- res, mediante a tracção da lingua. Esta permittirá, pelo esforço do cirurgião, o acces- so fácil do ar nos tubos bronchicos, e o perigo conti- nuará pela sideração que sobrevém. A posição do operador é então seria e embaraçosa. Ha poucos dias, me vi callocado em tão compro- mettedora conjunctura, e confesso-vos que, apesar de haver completamente triumphado do perigo, deseja- rei não ter mais occasião de colher louros tão diffi- ceis e custosos. Tratava-se de um doente que tinha de passar por uma pequena operação, mas bastante dolorosa para reclamar a chloroformisação. Não sendo a operação de grande apparato, resolvi pratical-a em meo con- sultório. Entreguei a chloroformisação á ura ajudante da maior confiança, e elle não desmentio-a pela manei- ra intelligente por que se houve. As primeiras inhalações o doente sentio-se mal,es- torceo-se, reluctou, a respiração mostrou-se anciosa, o rosto vultuoso, o systema venoso da cabeça e do pescoço notavelmente turgido. Não obstante taes phenomenos, a chloroformisa- ção proseguio com o maior cuidado e a necessária vigilância, da parte de quem a fazia, até obter-se o somno anesthesico, suspendendo-se desde logo as inhalações. DA TALHA PRERECTAL. 337 À operação, que não devia consumir mais de dous minutos, foi começada. No meio da dissecção o aju- dante me declarou, transido de terror, que o pulso es- tava á desapparecer. Com effeito, deixando de lado os instrumentos para acudir ao doente, reconheci que havia difficul- dade na entrada do ar para os pulmões. A tracção da lingua, feita com certa promptidão e energia, jul- gou Ímmediatamente os phenomenos asphvxicos, e o pulso voltou, posto que fraco. Cumprindo desde logo terminar a operação, e re- ceiando ainda o perigo, deixei o ajudante incumbido da pinça que segurava a lingua do doente, e realisei o ultimo tempo operatorio, durante o qual o doente despertou do somno anesthesico. Elle então fallou, declarando que havia sentido a dôr dos últimos golpes. No emtanto o pulso não se levantou mais, e nem havia aptidão para os movimen- tos; não porque se achassem ainda os músculos in- fluenciados pelo agente anesthesico, mas por uma fraqueza inexprimivel que elle assemelhava ao esvae- cimento da vida. Apresentarão-se vômitos, e um suor copioso lhe innundou a fronte pallida e resfriada. Recorri sem demora á inhalações de ammoniaco, administrei-lhe vinho do Porto, e depois infusão forte de café, sem que nenhum destes meios procurasse o menor allivio para o doente, que de minuto á minuto 338 DÉCIMA QUARTA CONFERÊNCIA sentia maior o collapso, infundindo sérios receios aoá assistentes. Diante da inefficacia de todos estes agentes, e da na- tureza do accidente, contra o qual lutava, havia mais de uma hora, lembrei-me de recorrer á electricidade. Effectivamente passei algumas correntes de induc- ção pela base do thorax, sobre a região precordial, e em toda a extensão da espinha. O doente, que pelo desfallecimento muscular não se podia levantar, pôz- se logo de pé. O pulso desenvolveu-se, os phenomenos deside- deração desapparecerão de todo. Estes casos felizmente são raros, e não podem, por tanto, obstar o emprego precioso da chloroformisa- ção, sempre que ella fôr de vantagens reaes para o doente. * Neste calculoso, por exemplo, a anesthesia torna- va-se imprescindível; porque trata-se de uma ope- ração, cujo tempo mais importante e difficil é a dis- secção, e esta jamais correrá á medida dos nossos desejos, e do que deve ser, não se mantendo o pa- ciente em perfeita immobilidade. Apesar de todos os inconvenientes, porém, a ope- ração percorreo todos os seos tempos, com quanto retardadamente; e o seo fim foi conseguido. O doente se achava deitado sobre uma meza, ten- do as nádegas o mais perto possivel da extremidade, sobre a qual havia mais claridade, e em que se achava DA ÍALIÍA PRERECTALé 339 O operador. É esta a posição reclamada põr todas as operações, que são praticadas na região perineal. As pernas devem ser fortemente dobradas sobre as coxas, e estas em angulo recto á respeito do tronco. Des- ta sorte as mãos do doente, estendidos os braços, podem abarcar os calcanhares correspondentes. Quando se conta com uma chloroformisação bem dirigida, ou uma resolução e coragem á toda a prova, da parte do paciente, pode-se deixar de empregar os meios deligatorios. Os ajudantes serão sufficientes para manter o doente na posição, que mais convém ao operador, tendo este a vantagem de poder modifical-a, segundo a sua vontade e as necessidades da dissec- ção. Mas estes requisitos não são facilmente encon- trados na pratica, e por tanto o que cumpre fazer, como uma medida prudente e acertada, é prender cada mão ao pé correspondente, o que se consegue perfeitamente mediante uma simples atadura, que mantenha a face palmar em contacto com a região calcaniana. Assim, não podendo ser o operador embaraçado pelo movimento das pernas do doente, o papel dos ajudantes, destinados á contêl-o, se limita á fixar o pé sobre o bordo da meza com uma mão, e com a outra desviar o joelho da linha media, a fim que a re- gião appareça em toda a sua extensão. A parte será previamente desembaraçada de todos os pellos. É de rigor, algumas horas antes da operação, eva- 340 DÉCIMA QUARTA CONFERÊNCIA cuar-se o rectum. Mediante esta precaução evita-se ordinariamente a lesão deste órgão, que é um dos mais deploráveis accidentes da operação. Elle inuti- liza o doente, e obscurece um pouco, ao operador, o brilho de suas glorias cirúrgicas. Antes de começar a operação cumpre ao pratico ter tudo, que lhe é necessário, em roda de si. Deve-se acompanhar, ao menos, de três ajudantes de sua in- teira confiança, além do que se incumbir do chloro- formio. O primeiro destes manterá o catheter, o se- gundo deve ajudal-o no trabalho de dissecção, enxu- gando a ferida á cada golpe de bisturi, o ultimo lhe dará os instrumentos. A escolha do arsenal cirúrgico deve ser feita, de modo á satisfazer todas as exigências do mister ope- ratorio^ fim que se possa prevenir ou combater os accidentes, que por ventura sobrevenhão. Os instrumentos mais necessários são: bisturis rectose convexos, sendo alguns de lamina mais refor- mada do que os ordinários, catheteres de rego, pin- gas de dissecção e de ligadura, um lithotomo duplo de Dupuytren com a modificação do professor Néla- tcn, um bisturi cystitomo longo, tenazes rectase cur- vas, cruzadas ou não, conductores para as tenazes, tenaz á forceps, canula de camisa etc. Logo que o doente se ache mergulhado no somno anesthesico o operador toma um catheter de diâme- tro aproximado ao da urethra, e fal-o penetrar até DA TALHA PRERECTAL. 341 st bexiga. Ainda uma vez, por meio deste instrumen- to, verifica-se a presença da pedra e a sua posição. Adquirindo noções exactas destas circumstancias, e do caminho que seguio o instrumento, bem como. de suas relações com o calculo, o operador entre- ga-o ao ajudante, que o deve manter com segu- rança, a fim que elle não fuja da cavidade vesical, nem se desvie de sua posição primitiva. Este aju- dante é igualmente incumbido de levantar as bolsas, para tornar-se patente a região, em que se tem de trabalhar. A operação eomeça por uma incisão curvilinea, que eircumscreve o terço anterior da circumferencia do ânus. O centro da ferida corresponde ao ráphe peri- neal, distando pouco mais de um centímetro da mar- gem do ânus. Esta incisão comprehenderá a pelle e o tecido cellular subcutaneo, tão tênue nesta região,. fazendo-se seguir Ímmediatamente da divisão da apo- nevrose perineal. A incisão destas partes deve ser feita em toda a extensão da ferida, para evitar emba- raços no proseguimento e desenlace da operação. Na mesma direcção da incisão externa devem ser divididas as fibras do sphincter. Para o fazer, o ope- rador introduz o indicador da mão esquerda no rec- tum com a face palmar para cima, a fim de evitar a lesão deste órgão. O pollex da mesma mão contribui- rá á distender as fibras musculares, para facilitar a 342 DECJMA QUARTA CONFERÊNCIA dissecção, que deve ser muito cuidadosa e habilmen- te feita. Cortadas as fibras do sphincter a parede anterior do rectum abate-se, a solução de continuidade desen- volve-se, de modo á poder-se vêr e tocar a ponta da próstata, onde se encontrará o catheter. Comprehende-se sem custo que, procedendo por tal forma, o rectum é perfeitamente dissecado pela sua face anterior, e quando chega-se ao ponto de encon- trar o canal da urethra no fundo da ferida, é esta larga bastante para que os tecidos divididos retraião- se convenientemente. Chegando á este ponto da operação, o canal da fe- rida deve ter em todo o comprimento um diâmetro mais ou menos igual. É esta uma das bellezas ope- ratorias, e ao mesmo tempo um resultado, que abona sobremodo a pericia e habilidade do pratico; por quanto a extracção do calculo muito se facilita. De- pois, evita-se por esta forma desbridamentos ulterio- res com o fim de dar sahida á pedra, ou, quando elles sejão indispensáveis, a disposição e regulari- dade da ferida communicão-lhes a maior segurança e precisão. Encontra-se o canal da urethra, logo ao despren- der-se do ligamento de Carcassone, explorando o fundo da ferida para diante e um pouco para cima. Ao mesmo tempo o operador toma ao ajudante o ca- theter, e mediante pequenos movimentos de latera- DA TALHA PRERECTAL. 343 lisação, elevando um pouco o pavilhão do instrumen- to, reconhece-o na superficie traumática, atravéz da parede do meato ourinario. Esta é fixada pela unha do dedo que explora sobre a ranhadura do catheter. Nestas disposições pratica-se uma incisão longitudi- nal sobre a urethra, preferindo-se para tal fim um bisturi longo, de lamina estreita e reforçada. Este instrumento é conduzido pela unha até o rego do ca- theter, e denuncia o seo encontro pelo attrito que produzem as duas superfícies metalhcas. Effectuada a abertura da urethra, e mantida esta em suas relações respectivas, leva-se o lithotomo até o encontro do catheter, servindo de guia a superficie palmar do dedo, que se acha introduzido na ferida, a qual deve ser dirigida para diante e para cima. Antes disto gradua-se o desvio das lâminas, de modo que a incisão da próstata não exceda de certos limites. O lithotomo penetra com as lâminas recolhidas, e com a concavidade para diante. Quando este instrumento alcança a ranhadura do catheter, o dedo e o attrito produzido pelo en- contro dos dous corpos metallicos nos revelão o mo- mento, em que se deve impellir o lithotomo até a cavidade vesical. A sua ponta percorre o sulco do catheter, que lhe serve de conductor, o qual será retirado da urethra, desde que adquirir-se a certeza de ter sido a bexiga franqueada pelo outro instru- mento. 3 Í4 DÉCIMA QUARTA C0NFEREN6IA O operador voltando para diante a convexidade do- lithotomo, e mantendo-o n'uma posição muito aproxi- mada da horizontal, calca sobre o botão, e desvia, conseguintemente, as lâminas cortantes dentro da cavidade vesical. Sem haver a menor modificação na direcção communicada ao instrumento, é este retirado da bexiga em um movimento vigoroso e seguro. A sahida de uma certa porção de ourina, após o litho- tomo, indica que a cavidade da bexiga se acha aberta. Em sua passagem as lâminas tração um canal na espessura da próstata, a qual é dividida em seos dous diâmetros oblíquos inferiores. Quando a ferida exter- na não tem dimensões sufficientes, o lithotomo aug- menta-lhe a extensão, tornando-a igual á ferida pro- funda. D'ahi resulta a grande vantagem que recom- menda o emprego do lithotomo, tão aconselhado pe- los cirurgiões francezes, de preferencia ao bisturi, com que na Inglaterra e na Allemanha é executado este tempo operatorio. A cavidade vesical é então explorada pelo dedo do cirurgião, com o fim de apoderar-se das particulari- dades, que dizem respeito á pedra, e as relações que esta affecta para com as partes que a rodeião. Neste reconhecimento, não é raro que o calculo se offereça ás primeiras tentativas da exploração que o pesquiza. Segue-se depois a extracção da producção calca- rea, que é ordinariamente feita por meio de tenazes apropriadas á forma do canal, e á posição que a ne- DA TALHA PRERECTAL. 345 dra occupa. Pode-se introduzir na bexiga um gorgerete conducto r, ou um botão de crista para guiar os ins- trumentos de apprehensão. Ambos são fáceis de ma- nejar; porém o conductor mais prompto e mais sen- sível é incontestável mente o dedo do pratico. Por sobre a sua face palmar são eonduzidas as te- nazes até o encontro da pedra^ que se procura pren- der entre as suas colheres. Para que seja consegui- do este resultado, tantas vezes frustrado, não obstan- te a perícia do operador, desvia-se bastante os ramos da tenaz, antes de fazel-a eaminhar sobre o calculo. Este, quando convenientemente agarrado, é extrahi- do por tracções lentas, porém enérgicas, acompanha- das de pequenos movimentos de lateralisação. Este tempo da operação, que constitúe o parto da pedra, é algumas vezes assás longo e trabalhoso. Isto resulta, de ordinário, do volume da producção calcu- losa, que sendo maior do que permittem as dimen- sões do canal, torna a sua expulsão impossível. Em taes condições recorre-se á tenaz de esma- gamento (tenaz-forceps de Nélaton), ou ao desbrida- mento da ferida vesical. Si do primeiro modo a pedra é quebrada dentro mesmo da bexiga, e os seos frag- mentos são expellidos em freqüentes injecções; se- guindo o segundo alvitre, augrnenta-se a extensão da solução de continuidade vesical, cortando-se um de seos ângulos por meio de um bisturi abotoado. JXo doente, de que me occupo, a extracção do cal- 346 DÉCIMA QUARTA CONFERÊNCIA culo foi difficil e retardada. A ferida não offerecia sufficientes dimensões para sua passagem. Resultou disto ficar encalhado no começo do trajecto, que ti- nha á percorrer. Foi preciso fazer-se um desbridamento para o lado esquerdo, a fim que podesse sahir a pedra, não com a tenaz, que esta não a poude mais prender, po- rém com o ramo separado de uma pinça de anneis, empregado em forma de alavanca. Já tive occasião de ajudar á um collega, que por motivos idênticos se vio bem embaraçado para levar ao cabo a sua operação. Tratava-se de um doente, que um anno antes sof- frêra a urethrotomia interna. Desta operação resul- tou ficar dentro da bexiga a bugia conductOFa do instrumento do Dr. Maisonneuve, por se haver ella desprendido da canula. Depois deste infeliz acontecimento apresentarão-se os signaes racionaes da affecção calculosa. O doente começou á soffrer tanto, o seo estado tornou-se tão cruel, que dentro em alguns mezes foi obrigado á voltar á esta capital, a fim de passar por um exame, que fizesse conhecer a causa de seos soffrimentos. Foi então que reconheceo-se a existência de uma pe- dra na bexiga, com um prolongamento para o collo, concreção, que se havia depositado em torno da bugia. Na occasião da operação encontrou-se um calculo assás volumoso, que custou bastante á sahir. Não ob- DA TALHA PRERECTAL, 347 slante repetidas ten'ativas de extracção, sempre bal- dadas, nas quaes consumio-se mais de meia hora, tornou-se indispensável o desbridamento para que a expulsão se realisasse. Estas difficuldades são devidas provavelmente á um excesso de precaução contra as feridas do rectum ou das pudendas. Semelhantes receios não achão apoio nos conhecimentos anatômicos. A talha prerectal é a operação para os grandes cálculos; porque ella não ê mais do que uma simples variedade da talha bi-late- ral. O cirurgião, que com o Dr. Giraldes, quizer ins- pirar-se nos conselhos de Cheselden, quando condem- na as grandes incisões, deve, como o illustre pratico do hospital des Enfants malades, preferir a talha late- ralisada. É, no emtanto, para notar a completa innoxiedade das tracções violentas e prolongadas que se empregão. Nenhum dos dous doentes, á que me refiro, apre- sentou a mais leve reacção febril, que parecesse ter como causa semelhante eircumstancia. Aquelle, de que por ultimo fallei, curou-se com uma rapidez e facilidade maravilhosas. Eu tenho para mim que esta trituração dos tecidos divididos pelo traumatismo, effectuada pela passagem forçada das superfícies ásperas do calculo, longe de ser um inconveniente, será de vantagens reaes para o curativo. Si antes da expulsão da pedra a ferida é simples- 348 DÉCIMA QUARTA CONFERÊNCIA mente incisa, pelo facto do attrito do calculo contra a sua superfície, ella torna-se contusa. Desta sorte as embocaduras absorventes são obs- truídas pelo detritus dos tecidos dilacerados, que as privão do contacto dos líquidos que banhão a ferida. Assim a arte levanta uma couraça para defesa da economia, contra a invasão compromettedora dos princípios tóxicos, natural ou accidentalmente desen- volvidos. É este justamente o processo physio-pathologico, que sempre busca a sciencia conseguir para evitar a infiltração e a intoxicação ourinosas, e mais tarde a penetração da sepsina ou do sulphato de sepsina,, quando concorrem na ferida as condições de seo des* envolvimento. Quanto aos cuidados depois da operação, á menos da hemostasia, elles reduzeuMse á muito pouca cousa. Depois da extracção do calculo, reconhecido o es- tado de vacuidade da bexiga, fazem-se algumas injec- ções d'aguafria, a fim de desembaraçarem a cavidade vesical, e a superficie traumática de algum fragmento de pedra, que despresado poderá mais tarde servir de núcleo á uma nova producção calculosa. O curativo, meos senhores, consiste em collocar o operado no decubitus dorsal, para facilitar o corri- rnento da ourina, e dos líquidos que transsudão da Superficie traumática. Sobre esta será mantida uma esponja para rccebel-os, e entreter o aceio das par- DA TALHA PRERECTAL. 340 tes. Para bem preencher este fim, cumpre que ella seja mudada freqüentes vezes. Nos casos raros, em que se apresenta hemorrhagia, este accidente segue de perto o acto operatorio. Na grande maioria dos casos não é de ordem.á deses- perar-se dos resultados, como alguns práticos pensão* Ordinariamente nenhuma ligadura se faz. Quando, porém, sobrevém corrimento mais abun- dante, importa saber si o sangue é venoso ou arterial. No primeiro caso deve-se empregar a canula reves- tida de sua camisa, dentro da qual são introduzidos com certo esforço fios tintados de óleo de terebenthina ou balsamo do commendador. Graças á compressão e á influencia destas substan- cias, a hemorrhagia é sustada. Na segunda hypothese, isto é, quando o sangue provém de algum.ramusculo arterial lesado, o qual procede quasi sempre da pudenda, o melhor e mais prudente alvitre é a ligadura. Com quanto trabalhosa e difficil, não é tarefa impossível. Cabe ao pratico dispor de boa vista, de dedos que não tremão, de re- solução e sangue frio, ou por outra, saber ser cirur- gião. Eis o que penso, meos senhores, em relação ao assumpto. Não fiz uma deserípçâo do que se praticou, e creio que nem isto muito vos interessaria. Meo em- penho consistio em fazer-vos conhecer de perto o pro- cesso do celebre professor da Faculdade de Medicina 350 DÉCIMA QUARTA CONFERÊNCIA de Paris, que com tanta justiça tem sido preferido ás praticas até então conhecidas. Em que differe esta operação da talha bi-lateral de Dupuytren? Reconheceis agora que apenas na belleza, no cuida- do e segurança da dissecção em evitar os inconve- nientes do antigo modo de proceder. Éella laboriosa, e reclama de quem a pratica certa perícia e habilida- de; porém, em compensação, offerece resultados muito satísfactorios. Golpes precisos, seguros e rápidos, que não deixem após si incisões tortuosas, de bordos si- nuosos, ede superficie desigual, guiados pelo conhe- cimento pleno e cabal da região em que se trabalha: eis o que torna brilhante o manual operatorio. Não podem causar embaraços pequenas hemorrha- gias, que são quasi sempre illudidas pelo dedo de um ajudante intelligente, e que não obstão ao opera- dor de proseguir em seo delicado mister, até chegar ao encontro da urethra. Não concluirei estas considerações acerca do doen- te, á cuja cabeceira nos achamos, sem dar-vos conta do que se pode considerar a v-arte propriamente ana- tomo-pathologica do caso Deveis lembrar-vos do que vos disse em relação á mobilidade da pedra neste rapaz. Apesar de se poder mudal-a de sua posição habi- tual, os seos movimentos erão limitados por alguma DA TALHA PRERECTAL. 351 cousa, que se afigurava como paredes de uma cavida- de, exclusivamente destinada para contel-a. A bexiga, no emtanto, podia receber uma injecção demais de 30 grammas de liquido. Isto arredava toda supposição de retracção das paredes do reservatório ourinario sobre a producção calculosa. Depois da extracção do calculo, o dedo explorador reconheceo a existência de dous compartimentos, em que se dividia a cavidade vesical. O superior mais amplo, correspondendo directamente com osuretéres, recebia a ourina, e fazia o papel de verdadeiro reser- vatório deste liquido. O inferior, de dimensões mais reduzidas, encerrava a pedra. A communicação entre as duas cavidades era fácil; o que, porém, não se tornava possível, por sua estrei- teza, era a passagem do calculo para a cavidade su- perior. Esta um pouco inclinada para a esquerda, despejava a ourina no compartimento inferior, col- locado em um plano mais baixo. A direcção do li- quido ourinario era, pois, para baixo, e um tanto para o lado direito do calculo. Desta sorte se explica perfeitamente a razão, por que os instrumentos exploradores passavão sempre por baixo da pedra, denunciando a sua existência para o lado esquerdo. Em relação ao juizo prognostico, que eu emitti em nossa anterior conferência sobre este doente, vejo com prazer que elle parece realisar-se. 352 DÉCIMA QUARTA CONFERÊNCIA A operação correo com felicidade, e nenhuma per- turbação séria indica que a marcha do curativo possa ser estorvada. HÉRNIA INGUINAL ESTRANGULADA. DÉCIMA QUIMA COAFERKACIA. SlUIMAUIO— Influencia de heredilaricdade na producção das hérnias — Acção das causas mecânicas —Das fossetas do pcritonèo, c variedades das hérnias inguinaes-Symptomas do estrangulamento—Taxis aperfei- çoado-Acção do café, como o melhor auxiliar do taxis—Importância em geral dos meios paarinaceulicos -Taxis artificial de ÍHaisonneuve — Compressão de Lannclongue—Aspiração de Dieulafoy—Indicações formaes da herniotomia —Seo manual operatorio -Meios de prevenir e combater a perito'lite. Meos senhores: O doente, que aqui vemos, entrou para o hospital por motivo de uma hérnia inguino-scrotal direita, que freqüentes vezes tem descido, ameaçando sempre es- trangular-se. Não obstante estas tendências, jamais se tem dado um verdadeiro engasgamento dos órgãos herniados. O caso, pois, não comporta commentarios, e nem offerece importância; por quanto não envolve ques- tão, que valha a pena ser aqui apreciada e ainda menos discutida. Como vistes, bastarão o repouso, a posição, o uso de banhos quentes, de fricções belladonadas, e por fim rápidas tentativas de taxis para que a volta intes- tinal herniada se recolhesse á cavidade abdominal, produzindo o ruido especial de gargarejo, por demais 354 DÉCIMA QUINTA CGNFERENCIA conhecido na pratica, e que indica a occasião em que a hérnia tem sido reduzida. Casos semelhantes são de uma simples trivialidade pela sua freqüência, pela natureza dos meios empre- gados, e principalmente pela facilidade com que ce- dem ás manobras do taxis, e muitas vezes até á me- ras contracções intestinaes. Não será, pois, deste indivíduo que eu me occupa- rei por hoje. Elle, no emtanto, me proporciona a opportunidade de entreter-vos a attenção com a historia de um doente de minba clinica particular, que offerece mais de uma eircumstancia de interesse, verdadeiramente pratico, para aquelles que se dedicão aos estudos clínicos, e que procurão engrossar os seos cabedaes scientificos ante a contemplação dos factos. Trata-se, senhores, de uma moléstia de uma fre- qüência espantosa, tão facilmente encontrada na pra- tica, quanto desprezada pelos que a soffrem,. como por aquelles que a observão, A sua procedência hereditária, facto da maior im- portância etiologica, parece plenamente comprovada na pluralidade dos casos. Pretende-se até negar a gênese mórbida, em virtude dos esforços muscu- lares prolongados e enérgicos, reclamados nos diver- sos misteres da vida. Tem-se dito que, em semelhantes condições, as migrações herniarias não são devidas á acção e in- HÉRNIA INGUINAL ESTRANGULADA. 355 tensidade da causa mecânica, que põe em jogo a con tracção e a tensão musculares. As partes estarião modificadas anatomicamente, já á respeito de sua estructura, já quanto á sua resistência; os armeis se terião alargado, aproximando-se um do outro, e se confrontando; emfim o tumor herniario se acharia preparado em todas as suas peças, á espera da mais simples opportunidade. Esta maneira tão engenhosa de comprehender o phenomeno da emigração herniaria, devida ao talento do professor Roser, encontra na pratica serias diffi- culdades na applicação, não podendo ser geralmente admittida. Parece, muito ao contrario, que n'um esforço con- siderável, com o fim de neutralizar um grande peso, superior á energia da contracção muscular, acha-se freqüentemente a razão anatômica da producção desta enfermidade. De feito, os músculos abdominaes tomão a mais importante parte na contracção geral, desafiada pela violência exterior. As suas fibras se conchegão, es- tendendo, até os limites possíveis, as aponevroses á que se inserem; os seos planos se aproximão, e tudo traduz uma actividade contractil, admiravelmente harmônica. A compressão das vísceras abdominaes é a conse- qüência inevitável do facto; porém havendo na cavi- dade splanchnica órgãos de menor e maior fixidade, 356 DÉCIMA QUINTA CONFERÊNCIA estes serão comprimidos sem possibilidade de gran- des deslocações, ao passo que os outros, gozando de uma grande mobilidade, são brusca e energicamente levados contra os differentes pontos da parede abdo- minal. Esta, entretanto, offerecerá resistência des- igual, conforme as regiões em que fôr examinada. Entre todas se apresentão, como as mais accessi- veis á qualquer transmigração mórbida, as que cor- respondem aos canaes inguinal e crural, ao annel umbelical, e á extensão da linha alva. Estas aberturas, sendo circumscriptas por tecido aponevrotico, são susceptiveis de dilatar-se, pelo es- forço mesmo da contracção muscular, que distende as suas fibras albugineas. Si em frente á estas considerações, de ordem ana- tômica, collocarmos o conhecimento da mobilidade notável, quer do intestino, quer do epiploon, teremos attingido a demonstração da influencia, quasi exclu- siva, das causas mecânicas em relação as migrações herniarias. Á respeito da hérnia inguinal, o facto toca á evi- dencia, em virtude da tendência que o canal, atra- vessado pelos órgãos herniados, apresenta á encur- tar-se, aproximando e confrontando os orifícios que o limitão, graças ao esforço exaggerado de contracção dos músculos abdominaes. Só assim poder-se-ha explicar as variedades de HÉRNIA INGUINAL ESTRANGULADA. 357 hérnias, e o seo modo de producção especial atravéz deste canal. Conheceis perfeitamente a disposição que o peri- tonêo affecta nas circumvizinhanças do annel ingui- nal interno. Um exame attento abi encontra três pe- quenas fossetas, separadas por duas elevações, que correspondem a externa á artéria epigastrica, e a interna ao cordão da artéria umbelical. Esta disposição, tão fácil de ser reconhecida na distensão das paredes abdominaes, nos guia ao co- nhecimento do mecanismo, em virtude do qual se effectua o phenomeno da transmigração herniaria. Effectivamente, diante delia não se pode compre- hender, e ainda menos explicar, a penetração de uma volta intestinal, oblíqua ou directamente, no trajecto inguinal, pela simples disposição orgânica e relaxa- mento dos tecidos, sem que preceda para tal fim um esforço de ordem tal, que consiga romper os laços anatômicos que interceptão a passagem ao órgão her- niado, levando diante de si um prolongamento do peritonêo. Entretanto, o phenomeno pode ter logar por qual- quer das fossetas, já mencionadas, o que constitue as variedades mais freqüentes na pratica. É assim que se conhece as hérnias inguinaes externas ou oblí- quas, as internas ou directas e as vesico-pubianas, segundo o intestino se escapa da cavidade abdomi- nal pelas fossetas externa, media ou interna. 358 DÉCIMA QUINTA CONFERÊNCIA Estas noções tornão-se indispensáveis, senhores, a fim que possaes comprehender o facto que exponho ao vosso estudo na presente conferência, e avaliar a importância de certas modificações no tratamento das diversas variedados de hérnias inguinaes. O indivíduo, á que me refiro, apenas conta 24 an- nos de idade. Ha cinco annos, pouco mais ou menos, nos trabalhos de sua profissão, que demanda grandes esforços, adquirio elle uma hérnia inguino-scrotal es- querda. Dando-se ao uso immoderado de bebidas alcoólicas, já por diversas vezes, após libações copio- sas> o intestino tem descido ameaçando estrangular- se. O doente, porém, já muito habituado á estas al- ternativas, sempre acompanhadas de dôr no tumor e no abdômen, e de náuseas ou vômitos, por si mesmo consegue reduzir a volta herniada, e todos os pheno- menos não tardão á desapparecer. Ultimamente a hérnia descêo depois de uma abun- dante refeição, e, não obstante todas as tentativas empregadas no sentido de a recolher, o tumor se mostrou rebelde ás manobras, até então bem succe- didas. O doente começou á sentir dores mais ou menos intensas no abdômen, uma sensação incom- moda de peso na região inguino-scrotal, náuseas, ce- phalalgia, acompanhando a isto um leve apparelho febril, e um embaraço completo ao curso das matérias fecaes. Uma certa inquietação não tardou muito á sobre- HERNLV IN(.FINAL ESTRANGULADA. 359 vir, e bem assim vômitos, á principio de substancias alimentares, e depois francamente biliosos. Dous collegas chamados á cabeceira do paciente, não obstante os mais prolongados esforços de taxis, empregados por diversas vezes, não conseguirão re- sultado positivo. Os phenomenos aggravavão-se progressivamente; o estado do doente já reclamava uma intervenção cirúrgica séria. Foi então que me chamarão para cui- dar deste indivíduo, quando jáhavião passado 24 ho- ras depois do accidente. Ao exame encontrei um tumor volumoso, de for- ma oval, bastante endurecido, o qual se estendia desde o annel externo do canal inguinal até a região escrotal, quasi inteiramente por elle occupada. Além da dureza, havia ao mesmo tempo uma sen- sação de plenitude e distensão do saco herniario. Às tentativas de taxis erão muito dolorosas, pare- cendo até certo ponto infructiferas. Estes caracteres desde logo me fizerão desconfiar da existência de uma entero-epiplocéle, já pela con- sistência do tumor e sua densidade, já pela demora dos accidentes de acuidade mórbida, que são mais rápidos nos casos, em que se trata de um estrangu- lamento simplesmente intestinal. O doente fazia uso, desde o começo do accidente, de banhos quentes repetidos e fricções de pommada de belladona. Horas antes de minha chegada lhe 360 DÉCIMA QUINTA CONFERÊNCIA havião applicado uma compressa de água fria sobrer a parte. Antes de recorrer aos meios traumáticos, ensaiei ainda uma vez a operação do taxis. Com o pollex e index da mão esquerda procurei circumscrever o pediculo do tumor, dispondo os de- dos em forma de um annel quasi completo; a região palmar da outra mão abrangêo quasi completamente toda a superficie do tumor. A pressão foi dirigida para cima e um pouco para fora, em uma direcção mais aproximada da linha media do corpo, do que do eixo do canal inguinal. Esta praxe é inteiramente innocente, e a mais fa- cilmente supportada pelo doente, podendo o cirur- gião prolongal-a por muito tempo, ainda mesmo em seguida á tentativas imprudentes. Depois o effeito é mais certo, por quanto a compressão não se distri- bue em toda a massa herniaria, o que seria em pura perda; mas sobre a extremidade inferior da volta intestinal, que ordinariamente occupa a parte interna e inferior do annel externo e do canal inguinal. Havendo habito no emprego deste gênero de taxisr ao cabo de 5 minutos á um quarto de hora, o tumor parece fugir diante dâ mão, que brandamente o im- pelle na direcção do canal, terminando-se pela sua reducção. Como costumo sempre proceder, tinha-lhe admi- nistrado antes uma chácara de infusão bastante for- HÉRNIA INGUINAL ESTRANGULADA. 361 te de café, para depois começar as manobras de re- ducção do tumor. Apesar do tempo decorrido e das tentativas anteriores de taxis, não tardou muito que mais de metade do prolongamento herniario se re- colhesse á cavidade abdominal, dando o signal tão conhecido na reducção intestinal. A calma se seguio Ímmediatamente, e dentro em pouco o doente fez uma dejecção, cessando desde en- tão os vômitos. Uma pequena parte da hérnia, por tanto, não foi recolhida, e atravéz dos tegumentos era fácil perce- ber-se a sua natureza epiploica. Acostumado á encon- trar na pratica casos de verdadeiras epiplocéles irre- ductiveis, jamais complicados de accidentes de certa gravidade, e reconhecendo a difficuldade da comple- ta reducção do tumor, entendi não dever por mais tempo prolongar as tentativas, e deixei o doente. Este modo de proceder á respeito de casos idênti- cos eu sigo de longa data, e affirmo-vos que nunca tive occasião de arrepender-me delle. Nas hérnias exclusivamente epiploicas, apesar de seo desenvol- vimento e duração, é raro que se apresentem acci- dentes assustadores. Ordinariamente faltão os signaes, que denuncião o estrangulamento intestinal. O saco herniario é so- mente occupado por massas gordurosas. Os caracte- res anatômicos revelão francamente o gênero de le- sões, e o que mais incommoda os doentes em taes 362 DÉCIMA QUINTA CONFERÊNCIA circumstancias é a difficuldade da marcha, e a sen- sação de peso na região escrotal. Lembro-me de haver observado três casos desta espécie, em virtude dos quaes a família se tinha apo- derado dos maiores receios. Um delles pertencia á clinica de um intelligente pratico, meo collega nesta Faculdade; a hérnia era umbelical. Nos dous outros casos, por mim assistidos, tratava-se de hérnias in- guinaes. Em todos elles, as tentativas de taxis forão com- pletamente frustradas, e não sendo possível conse- guir-se resultado algum, os doentes forão remettidos ao repouso, e ás applicações belladonadas, como único tratamento. A marcha da moléstia nestes casos não apresentou a menor variante. O tumor diminuio dia á dia de volume, permittin- do aos doentes, dentro em pouco tempo, voltarem ás suas occupações habituaes. Foi, pois, em condições análogas que ficou o nosso doente, após a reducção da volta intestinal. Retirei- me convencido, de que a pequena porção de epiploon herniada não poderia provocar accidentes, de ordem a obstar a cura, que devia provir do levantamento do embaraço intestinal. A facilidade com que consegui vencer o estrangu- lamento herniario, depois de tantas e tão multiplica- das tentativas empregadas antes de mim, dependêo muito naturalmente da acção especial do café, e par- HÉRNIA INGUINAL ESTRANGULADA. 363 ticularmente da espécie de taxis adcptada, que tem sido em minhas mãos de vantagens reaes, toda a vez que é licito ao pratico reduzir um tumor desta or- dem. Eu vol-o i\ commendo muito, como um meio muitas vezes precioso, e sempre innocente para o doente. A acção do café, á meo modo de ver, revela-se pela excitação contractil do intestino, que estende-se até a volta herniada, e nella se repercute. Em virtude desta superactividade peristaltica, ma- nifesta-se a tendência para as posições de normalida- de orgânica, que constituem a condição primeira do equilíbrio funccional. Resulta dahi que a hérnia se reduz pelo despren- dimento da extremidade inferior da volta intestinal, e não pelos movimentos antiperistalticos, como ge- ralmente se acredita. Os movimentos intestinaes, no sentido de livrar do engasgamento herniario a extre- midade superior do intestino, são empregados em pura perda. Pelo exame anatomo-pathologico verifi- ca-se, que esta parte do tumor herniario offerece re- lações de tamanha intimidade com o annel inguinal, que de ordinário torna-se difficil a sua reducção. Isto parece tanto mais certo, quando vemos que não obstante os esforços extraordinários do vomito, á que se entregão os doentes, uma vez manifestado o estrangulamento, este persiste, si por ventura não se estreita mais. 364 DÉCIMA QUINTA CONFERÊNCIA Produzindo a superactividade peristaltica, o café prepara as condições favoráveis á reducção intestinal# Após o seo emprego, os esforços e manobras do taxis sobre um órgão, animado de certa contractilidade, surtem o melhor e o mais admirável effeito. Quando as massas são inertes, á falta de tonicida- de dos tecidos que entrão em sua estructura, todos os esforços empregados sobre o intestino, a fim de fazel-o caminhar no canal, perdem-se de encontro ao collo herniario. E não se sabe, por ventura, que a expulsão de uma criança viva, e, por tanto, gozando de todos os seos movimentos, é muito mais fácil e rápida do que a de um feto morto? A razão de analogia repousa principalmente no modo de transmissão das forças atravéz do corpo, sobre que ellas actuão. Quando me pronuncio por tal forma em relação ás vantagens do café, como um agente therapeutico capaz de effectuar a reducção herniaria em certos casos, e no maior numero coadjuvar vantajosamente a operação do taxis, faço excepção do estado, em que o estrangulamento é de tal ordem, que os phe- nomenos demortificação são inevitáveis e fataes. Estes casos, felizmente, são tão raros, que apenas se pode comprehender a possibilidade de sua existência. Então o taxis é completamente contra-indicado, e a herniotomia será invariavelmente empregada; por- que ainda mesmo que as tentativas de reducção sor- HÉRNIA INGUINAL ESTRANGULADA. 365 tissem effeito, ignorando o verdadeiro estado do in- testino, poderia acontecer que o recolhêssemos, quan- do já condemnado á mortificação, e susceptível de produzir accidentes inesperados. Fora destas circumstancias excepcionaes, a nutri- ção dos órgãos herniados continua á effectuar-se, a contractilidade é possível, com quanto em limites mais estreitos. Nos casos que ordinariamente se apresentão na pratica, a intensidade dos phenomenos de iléus não corresponde ao gráo de constricção da volta intesti- nal, d'onde resulta poder a moléstia prolongar-se,. isenta de accidentes graves. Os symptomas de perigo não são tantas vezes de- vidos ao estrangulamento em si, como ás transfor- mações que se passão dentro do intestino pelas for- mações valvulares, e em derredor delle pelo edema, exsudações e adherencias. Estas alterações anatomo-pathologicas, compre- hende-se bem, não podem ser uma manifestação rá- pida. Resulta, por tanto, de todas estas considerações, que nas primeiras 24 ou 36 horas depois do acci- dente, é muito possível obter-se a reducção pelos sim- ples esforços do taxis, com tanto que seja elle prati- cado com todo cuidado, e de modo á não augmentar as alterações, para que tendem as partes herniadas. É por falta de observância destes preceitos, que 366 DÉCIMA QUINTA CONFERÊNCIA acontece tantas vezes sermos chamados para cuidar de doentes, cujo estado se tem aggravado pela maça- dura do tumor, contusão dos órgãos herniados e até excoriações dos tegumentos. Este estado das partes colloca o pratico em serias difficuldades, tornando imprudentes, senão impossíveis, novas tentativas de reducção, e incertos os resultados da herniotomia. Enpregando o processo de taxis, que eu vos acon- selho, jamais tereis occasião de vos envergonhar do vosso trabalho, si por ventura tiverdes de apresen- tar o doente á algum collega. Quando vossas tenta- tivas não forem coroadas do resultado desejado, a vossa consciência de pratico repousará tranquillamen- te. Em taes condições nunca vos pesará a responsabi- lidade do êxito da herniotomia; porque esta encontra as partes em condições favoráveis de serem recolhi- das á cavidade abdominal. Eu considero uma grande falta do cirurgião, ter como uma futilidade sicentifica os meios offerecidos para therapeutica propriamente medica. É indispen- sável que vos familiarizeis com o emprego destesagen- tes curativos, que não são, como alguns espíritos le- vianos ou por demais superficiaes entendem, imcom- pativeis com o tratamento cirúrgico, ou com os seos créditos operatorios. E aqui occasião de dizer-vos que o melhor cirur- gião é aquelle que, conhecendo proficientemente a sua profissão, tem igualmente conhecimentos varia- HÉRNIA INGUINAL ESTRANGULADA. 367 dos dos diversos ramos da medicina. Importa-lhe tanto conhecer o uso e a acção das drogas pharma- ceuticas, como os instrumentos, seo mecanismo, ap- plicação e vantagens praticas. Acreditando, pois, com plena e funda convicção na acção e virtudes therapeuticas de muitas substan- cias medicamentosas, não jnstiíicarei nunca a preci- pitação ou a vaidade do pratico, que, sendo chamado á cabeceira do doente, limite-se simplesmente ás ma- nobras cirúrgicas em um caso semelhante. Si nós sabemos que a grande maioria das hérnias se reduzem por um esforço espontâneo, e si este es- forço representa o concurso de circumstancias inhe- rentes á actividade orgânica, é lógico que procure- mos, antes da intervenção directa, pôr em prova os meios capazes de desenvolver a energia contractil do intestino. Estes resultados são dependentes de acções de or- dem physica e anatômica. Quando estas negão a sua interferência providencial, todo esforço contractil é impossível. Resta á nossa escolha então uma longa se- rie de meios, que, começando pela banda elástica do Dr. Maisonneuve, termina pelo emprego do instrumen- to cortante. Dentre todos os que mais se recomendão na pra- tica, pelos brilhantes effeitos que teem produzido, são o taxis artificial do notável cirurgião do Hotel-Dieu de Paris, e a compressão acima do estrangulamento do 368 DÉCIMA QUINTA CONFERÊNCIA Dr. Lannelongue. O primeiro é effetuado por meio de uma atadura de caoutchouc vulcanisado, com que se envolve methodicamente o tumor herniario; o segundo demanda um saco com 3 kilogrammas de chumbo de caça, o qual se colloca, por espaço de 20 minutos, sobre o abdômen, um pouco acima do pedi- culo da hérnia. A reducção pelo taxis, após a com- pressão, é na asseveração de práticos de muita fé de uma rapidez maravilhosa. A posição do doente é o decubitus dorsal, tendo, porém, as nádegas levantadas por um travesseiro um pouco espesso, que se interpõe ao leito. O pratico, mediante tal disposição, consegue elevar a região in- guinal acima do plano do tronco, communicar ao ca- nal uma forte inclinação para a cavidade abdominal, e facilitar, conseguintemente, a entrada dos órgãos herniados por effeito de seo próprio peso. As tentativas do taxis, em circumstancias tão fa- voráveis, serão muitas vezes de um effeito muito bri- lhante e seductor. Ainda que não se trate de meios de plena confian- ça, tendo por si os dados estatísticos, eu não duvido aconselhar-vol-os. Comprehende-se bellamente que em certos occa- siões, raras é certo, elles podem ser da maior vanta- gem, evitando o emprego de outros methodos cura- tivos, que não são tão isentos de accidentes compro- mettedores da terminação da moléstia. HÉRNIA INGUINAL ESTRANGULADA. 369 Nestes últimos tempos, graças ao conhecimento do aspirador do Dr. Dieulafoy, e de suas vantagens em certas affecções das cavidades splanchnicas, tem-se apregoado a aspiração pneumatica, como um optimo preliminar do taxis na reducção do intestino hernia- do. Mergulha-se o delgado instrumento afoutamente no saco da hérnia, distendido pela exsudação sorosa, e na volta intestinal dilatada por gazes, e aspira-se uma e outros, diminuindo desde logo o volume do tumor. Por esta forma as paredes do saco e os ór- gãos herniados voltarão á occupar a sua situação normal, uma vez que deixão de existir as condições locaes e mecânicas, que frustravão todas as tentativas de reducção. Ainda não se me offereceo occasião de recorrer á este meio, por quanto, depois que tenho conheci- mento delle, ainda não encontrei em minha clinica caso que o indicasse, para pôr em prova as suas van- tagens. Proponho-me á empregal-o na primeira oc- casião azada, quando, em virtude do empacho her- niario o taxis tornar-se insufficiente, quer simplesmen- te empregado, quer coadjuvado pela acção do café. Ha, entretanto, circumstancias, e com a pratica as reconhecereis, em que não é licito ao cirurgião re- correr á meio outro, que não seja a intervenção do traumatismo. Quando se presta cuidados á um doente, que já tem passado por muitas mãos, e que depois de toda 370 DÉCIMA QUINTA CONFERÊNCIA sorte de manobras o saco se acha amassado, con- tuso e crepitante, não é mais permittido ao pratico augmentar as desordens; uma vez ellas reconheci- das. Não se pode ter certeza do estado do intestino herniado, após as tentativas reiteradas e violentas do taxis forçado. O mais acertado é abrir o saco her- niario, verificar o estado das partes; o que importa proceder com critério e prudência. Deve-se igualmente recorrer de prompto á her- niotomia, sem mais tentativas dilatorias, nos casos em que o estrangulamento data de alguns dias, e que os phenomenos, offerecidos pelo doente, diaria- mente se aggravão, não havendo mais tempo á espe- rar por sua extrema gravidade. Neste caso se achou o nosso doente, dias depois que eu lhe reduzi o intestino herniado, tornando-se irreductivel a parte epiploica. Na noite em que pratiquei a reducção elle dormio alliviado, e a calma pareceo definitiva. Não o vi nos três dias subsequentes; porque para certos clientes os chamados só valem por uma vez. Passado este tempo, minha presença foi reclamada, e com a maior instância; pois que á datar da madrugada immediata á reducção da hérnia, os phenomenos calamitosos voltarão, em virtude de movimentos intempestivos do doente, que levantou-se do leito sem o apparelho compressivo, e empregou grandes esforços. HÉRNIA INGUINAL ESTRANGULADA. 371 Os vômitos reapparecerão, á principio de matérias esverdinhadas, mais tarde de substancias fecaloides. A sede tornou-se Viva, e provocando a ingestão de grande quantidade de liquido; este entretinha a fre- qüência dos vômitos. Havia inquietação, insomnia completa, e o ventre adquirio em pouco tempo um enorme desenvolvimento. O curso intestinal ficou to- talmente interrompido. Ao exame reconheci que o tumor se achava ainda mais volumoso, do que antes da reducção. Em sua metade superior offerecia ainda alguma resistência ao toque; porém, comprimindo-se abaixo, percebia-se uma crepitação fina, semelhante ao quebramento de bolhas humidas, tal como se nota no emphysema do tecido cellular, que indica o começo das transforma- ções gangrenosas. Diante deste conjuncto de symptomas, que persis- tia, havia três dias, nenhum outro meio era indicado, senão a herniotomia. Em tempo muito mais curto as alterações, que se passão ao redor de uma volta in- testinal herniada, são de natureza á ser vencidas so- mente pelo bisturi. Nos casos felizes encontrão-se as adherencias, a mortificação do epiploon, o que não obsta a reducção do intestino, com quanto congestionado e de uma côr vermelha escura. Em outras occasiões o intestino apresenta-se mar- chetado de placas denegridas, que suecedem á ver- 372 DÉCIMA QUINTA CONFERÊNCIA melhidão congestiva, as quaes denotão o começo de decomposição gangrenosa, senão a mesma gangrena. As suas túnicas, extremamente distendidas por gazes, são friaveis ao ponto de se romperem ás mais leves tentativas de reducção. Em um estado semelhante o único beneficio da operação será estabelecer o ânus artificial. Á vista da gravidade em que se achava o nosso doente, cumpria-me intervir com toda promptidão e energia. Tendo á minha disposição bisturis convexos e re- ctos, um herniotomo de Cooper, tenta-canula, pinça de dissecção, de ligadura, e uma thesoura, passei á praticar a operação. Já se vê, pois, que o instrumen- tal necessário encontra-se, quasi completo, em qual- quer estojo de algibeira, sendo por demais reduzido por consistir o maior trabalho cirúrgico em uma sim- ples dissecção. Comecei por fazer uma incisão longa de 3 pollega- das e meia, parallela ao grande diâmetro do tumor, á partir da união de seo terço médio com o inferior, até um dedo transverso acima do annel inguinal ex- terno. Esta incisão tinha uma direcção obliqua de baixo para cima, e de dentro para fora em relação ao eixo do corpo, com o qual formava um angulo de 35 gráos, pouco mais ou menos. Neste corte comprehendi a pelle, em toda a sua es- pessura, e parte do tecido cellular subcutaneo. HÉRNIA INGUINAL ESTRANGULADA. 373 Depois a dissecção seguiose camada por camada, até descobrir o saco herniario. Em logar do bisturi dei preferencia á thesoura, que, conduzida sobre a ranhadura da tenta-canula, corta com mais precisão e sem receios de comprometter outros tecidos, que não sejão os que se deseja. As diversas camadas de tecidos edematosos e con- tusos, em virtude das tentativas de taxis, forão suc- cessivamente incisadas até o encontro das partes her- niadas. Não houve durante este trabalho necessidade de ligadura; pois que a dissecção correo em seos diver- sos tempos isenta de hemorrhagia. Ao chegar sobre o saco herniario, conhecido por sua côr e seo brilho especiáes, não variei a norma de proceder. Fiz uma pequena casa em sua parte central, por meio da pinça e da ponta do bisturi, e a sahida de um liquido citrino nos avisou da presença de órgãos, que cumpria respeitar. Introduzindo pela pequena abertura do saco a ponta da tenta-canula, foi esta diri- gida para baixo até a commissura inferior da ferida cutânea. Si até este ponto da operação a thesoura prestou os melhores serviços, na incisão do saco foi de uma vantagem sem igual, não dando logar de modo algum ao compromettimento dos órgãos inclusos. O instru- mento caminhava sobre o rego da tenta-canula, em 374 DÉCIMA QUINTA CONFERÊNCIA pequenos golpes curtos e repetidos, até completar-se a incisão pela parte inferior do tumor. Por detraz desta abertura apresentou-se logo a volta intestinal engasgada, e uma porção de epiploon que occupava o fundo do saco. Este tornando-se mais circumscripto pela sahida do liquido, a dobra do intestino distendida por gazes difficultava o comple- mento da incisão, para o lado da commissura supe- rior da solução de continuidade cutânea. Então dei- xei de lado a tenta-canula, para me servir do dedo in- dex da mão esquerda, introduzindo-o até o annel in- guinal externo, com a face palmar dirigida para dian- te, e em contacto com a parede do saco, que se devia cortar. A thesoura, guiada pelo dedo conductor, terminou fácil e rapidamente a abertura do saco até o seo li- mite no annel inguinal, que foi descoberto pela parte superior de sua circumferencia, na altura de um cen^ timetro pouco mais ou menos. Então a volta intestinal achou-se quasi totalmente fora do saco, e sob a inspecção ocuiar. A sua forma era parecida com a de uma ferradura de cavallo, e suas paredes se achavão notavelmente distendidas pela pressão interna dos gazes. Tinha uma côr vermelha-escura, offerecendo em sua superficie manchas disseminadas de uma côr azulada. No resto de sua extensão apresentava-se uma injecção fina e abundante. HÉRNIA INGUINAL ESTRANGULADA. 375 O tecido intestinal era meio amollecido e friavel, e isto reclamava o maior cuidado nas manobras de reducção. Como havia eu previsto por occasião da operação do taxis, tratava-se igualmente da emigração de uma certa porção de epiploon, cujos prolongamentos oc- cupavão a parte antero-inferior do saco. Introduzindo o dedo no canal inguinal, que se achava descoberto, reconheci que o estrangulamento residia no interior do canal, e era devido ao collo do saco. Conservando o index no canal inguinal, por sobre elle passei o herniotomo de Cooper, mediante o qual desbridei os tecidos para cima, como costumo fazer sempre, sem que tenha tido occasião de lamen- tar hemorrhagia da artéria epigastrica. Depois do desbridamento do collo por um esforço do doente, dêo-se a sahida de maior porção de intes- tino. Assim pude verificar o estado de integridade dos órgãos. Destruindo algumas adherencias que havião, e que de alguma sorte limitavão a mobilidade do intestino, consegui reduzil-o, depois, com summa facilidade. Esta manobra exige muito cuidado e perícia da parte de quem a pratica. Si nos casos de estrangulamento recente não é ella susceptível de prejudicar ao doente, em outras occa- siões pode dar logar á accidentes sérios, taes como 376 DÉCIMA QUINTA CONFERÊNCIA a perforação intestinal. O caso de que me occupo se achava em semelhantes circumstancias. Não é indifferente a escolha da extremidade intes- tinal, por onde se deva começar a reducção. Na generalidade dos casos é preferível começar-se á reduzir a extremidade, que corresponde á porção inferior do intestino. Esta encontra-se de ordinário do lado interno e inferior do tumor. Como o prolongamento do epiploon herniado apre- sentasse uma côr suspeita, deixei-o entre os bordos da ferida para ter ulterior eliminação. Por curativo final passei dois pontos de sutura me- tallica nas commissuras da ferida, e por cima uma com- pressa crivada, untada de ceroto, e chumaços de fios. O meo maior cuidado, durante a operação, consis- tiu em manter o possível aceio na superficie traumá- tica. A esponja enxugava á cada momento o sangue derramado da solução de continuidade, o qual podia penetrar com extrema facilidade na cavidade perito- neal, constituindo-se na grande maioria dos casos a causa da peritonite, accidente tão freqüente desta operação. Estes cuidados tornão-se mais necessários depois da abertura do saco, e só se terminão na occasião da sutura e do curativo. Antes de introduzir a volta intestinal na cavidade do peritonêo, a esponja limpa todos os coalhos, sendo embebida de uma solução alcoólica. HÉRNIA INGUINAL ESTRANGULADA. 377 Graças á esta pratica, a cura é um resultado mais freqüente do que geralmente se pensa. As estatísticas conhecidas dão uma mortalidade de 50 % para os doentes operados de herniotomia. Entre nós, estes resultados não parecem ter applicação ra- zoável na pratica. Pelo que me diz respeito, somente observei um resultado fatal, devido ao descuido do operador, que perforou o intestino, e introduzio-o imprudentemente na cavidade do abdômen. É escu- sado dizer que este infeliz foi victima de uma peri- tonite mortal. Quanto ao nosso doente, nas primeiras 24 horas não apparecêo phenomeno notável. Após a adminis- tração de 60 grammas de óleo de ricino, as dejecções forão promptas, abundantes e extremamente fétidas. 0 ventre descêo um pouco de volume; o pulso mar- cou 100 batimentos por minuto, e o thermometro 38° de calor na axilla. A sede diminuio de intensida- de, porém a bocca conservou-se má e a lingua com um enducto dissecado e fétido. As dejecções continuarão com o caracter diarrhei- co, além das 36 horas; as dores abdominaes cederão de alguma forma, e a ferida ao segundo dia se acha- va quasi rasa, graças á exuberante proliferação de tecido, que se elevava entre seos bordos. A exsudação sero-sanguinolenta foi abundante, de sorte que os chumaços de fios, que protegião a feri- 378 DÉCIMA QUINTA CONFERÊNCIA da, embeberão-se completamente dos líquidos extra- vasados. Dois dias depois da operação o estado era ainda mais lisongeiro. O pulso baixou á 90 batimentos por minuto, e o calor á 37°,8 na axilla. Havia pequena tumefacção do ventre, e bem assim ausência completa de dores; a sede era nulla. Apesar do uso de uma poção com extracto de opio, as dejecções contiuuavão, pare- cendo somente dellas depender o abaixamento tão rá- pido do volume do abdômen. O aspecto da ferida não apresentou mudanças notáveis. A sua cavidade con- servou-se inteiramente cheia por tecidos recem-for- mados; sua superficie de uma côr esbranquiçada era lisa, reluzente e igual, continuando á estillar um li- quido sero-purulento. O estado do doente, depois disto, melhorou consi- deravelmente de dia para dia. A suppuração se mos- trou mais tarde com alguma abundância, porém de boa natureza, fazendo-se seguir de uma producção luxuosa de botões carnosos, em substituição ás exsu- dações fibrinosas dos primeiros dias. Os pontos de sutura forão cortados no quinto dia, e d'então em diante o doente começou á alimentar-se regularmente; as dejecções tornarão-se mais espaça- das e normaes. Melhorando dia a dia o estado do doente, dando-se a ausência absoluta de dores e a diminuição de volume HÉRNIA INGUINAL ESTRANGULADA. 379 do abdômen, e continuando o pulso e o calor em com- pleta normalidade, ao cabo de 35 dias a ferida se achou completamente cicatrizada, e o doente foi restituido ás suas occupações, já bastante nutrido. Como vedes, senhores, o resultado da hernioto- mia nem sempre corresponde ao tempo de duração dos phenomenos. Tem-se dito, e é quasi opinião ge- ral entre os práticos, que, depois de 24 horas de es- trangulamento, a operação é indicada, e passando de dois dias, as suas conseqüências são duvidosas. Os casos que sahem fora desta regra não são muito raros. Esta maneira de pensar seria verdadeira, si fosse exacto que, sempre que se dessem os pheno- menos de estrangulamento, a volta intestinal se achas- se estreitada em seo collo por um annel constrictor, semelhante ao da ligadura. Então toda demora seria prejudicial, e o cirurgião devia contar por minutos O tempo que decorresse, disposto á intervir antes de se apresentarem os signaes de mortificação. O que se sabe modernamente de verdadeiro ã este respeito, graças ás pesquizas anatomo-patholo- gieas, é que raramente uma tal constricção se rea- lisa. Ao contrario disto a causa ordinária dos pheno- menos de iléus, que sobrevém ás hérnias, reside no desenvolvimento de válvulas, e adherencias do intes- tino comsigo mesmo ou com o epiploon. No meo doente, a operação foi feita quatro dias depois de se haverem manifestado os svmptomas 380 DÉCIMA QUINTA CONFERÊNCIA de estrangulamento, e não obstante isto o resultado foi dos mais satísfactorios. Assim também o facto clinico, que eu acabo de offerecer á vossa contemplação, demonstra que nos casos de estrangulamento adiantado com abaúlamen- to do ventre, sendo este devido aos líquidos e gazes encalhados, acima do ponto correspondente á cons- tricção intestinal, o uso do óleo de ricino é de muito melhor effeito do que o opio, de um emprego tão ge- neralisado na pratica dos cirurgiões inglezes e alle- mães. Em taes circumstancias, quando se trata de uma vasta solução de continuidade, em plena e fácil com- municação com o peritonêo, é sempre uma boa me- dida de cautela evacuar o intestino dos líquidos pú- tridos, que por ventura contenhão, os quaes retidos podem constituir o foco, onde se alimentem as septi- cemias intercurrentes á marcha da cícatrização. O uso do opio deve ser feito com certa reserva, e so- mente no fim de preencher indicações especiáes, taes como combater a peritonite depois da evacuação intes- tinal. A sua acção neste caso é manter o repouso no intestino, paralysando os movimentos peristalticos. Ora, si nós sabemos que o repouso é a condição primordial e indispensável para a cura das affecções inflammatorias, facilmente conseguiremos explicar as vantagens apregoadas deste medicamento para com- bater os accidentes da herniotomia. ESTREITAMENTO DAS VIAS LACRIMAES. DÉCIMA SEXTA CONFERÊNCIA. SUMMAUIO—Histórico do doente—Exame clinico e seos resultados—Prece- dência da paralysia facial—Meios seguros de chegar-se ao diagnostico dos estreitamentos lacrimaes—Circumstancias rausaes e patkogeuicas— Estados physio-pathologicos—Analogia entre os estreitamentos lacrimaes c urethraes—Direcção anormal do canal—Tratamento—Dilatação como methodo principal—Catheterismo das íias lacrimaes—Processo de Weber c de Dowman—Resultados da operação. Meos senhores: É digno de attrahir a attenção, de quem se dedica ao estudo das affecções do apparelho visual, o pade- cimento que apresenta o doente, cujo exame acaba- mos de proceder. Elle acha-se nesta enfermaria, ha mais de uma semana, e a molestía que motivou a sua entrada é completamente differente e estranha ás alterações, que neste momento despertão as vistas praticas, re- clamando um tratamento apropriado. Este homem servio por largo tempo no exercito em operações contra o Paraguay, e fez boa parte desta gloriosa campanha. De passagem pela cidade deMon- tevidéo experimentou um resfriamento, do qual re- sultou-lhe a paralysia do nervo facial, tornando-se muda e sem expressão a metade esquerda do rosto. 382 DÉCIMA SEXTA CONFERÊNCIA Ainda depois de tantos mezes decorridos, a acção muscular é nulla na região frontal correspondente; porém abaixo do diâmetro transversal do olho apre- sentão-se, bem que muito limitados, movimentos parciaes da palpebra inferior, da face e da commis- sura labial. Que existe uma paralysia facial peripherica, todos os signaes, que tendes observado, concorrem á de- monstrar, principalmente si tiverdes em memória o modo de distribuição dos filetes do nervo do 7o par e os músculos á que são elles destinados. Actualmente, porém, um outro incommodo sobre- veio, affectando o caracter periódico, após a paralysia facial. O doente accusa obscurecimento da vista, a qual se turva em pequenos intervallos. Este phenomeno torna-se notável, quando elle entrega-se á algum tra- balho, que demanda uma attenção mais firme e pro- longada. Dir-se-hia haver simplesmente fraqueza da accom- modação, si outros signaes não concorressem para estabelecer o diagnostico differencial da enfermidade. Este indivíduo queixa-se de dôr obtusa no globo do olho, e uma sensação muito parecida á de um cor- po estranho, que se houvesse introduzido por detraz da palpebra inferior, mantendo-se em pequenas os- cillações até a caruncula. Entre todos os symptomas, impõe-se como o mais ESTREITAMENTO DAS MAS LACRIMAES. 383 saliente a epiphora. Com pequenos intervallos o doen- te experimenta a necessidade de enxugar as lagri- mas, que, se accumulando na cavidade conjunctival, chegão ao ponto de transbordar, escorrendo pelo an- gulo interno do olho. Examinando-se o apparelho da visão, encontra-se uma vermelhidão congestiva da conjunctiva oculo- palpebral. Esta apresenta-se inferiormente tumefeita, com um aspecto granuloso, parecendo que a palpe- bra inferior é revestida internamente de botões car- nosos exuberantes. A sua côr é de um vermelho es- curo, que se destaca perfeitamente sobre um fundo amarello sujo. Os vasos da sclerotica, pouco nume- rosos como são, se achão bastante turgidos, fazem sa- liência por baixo da conjunctiva, e se mostrão muito corados. Revirando-se a palpebra superior, reconhece-se uma certa injecção da conjunctiva que a reveste; po- rém é ella de mediocre intensidade, e não guarda proporção com o estado irritativo, que a mucosa ocu- iar offerece nos pontos mais declives do saco con- junctival. De que gênero de affecção se trata no presente caso? Tendes visto empregada até hoje toda sorte de collyrios, sem o menor allivio para o doente. Elle tem usado internamente dos calomelanos e de algumas 384 DÉCIMA SEXTA CONFERÊNCIA preparações drásticas; e tudo tem sido completa- mente baldado. O lagrimejar continuo, da mesma forma que o esta- do de congestão da conjunctiva, não experimentou a menor modificação. A causa de tantas tentativas mallogradas provém, entretanto, de não se haver feito o verdadeiro diag- nostico da moléstia. Aqui não se trata de uma simples conjunctivite catarrhal ou granulosa. Para uma tal supposição fora preciso que se hou- vesse observado um estado igual da mucosa, tanto na palpebra superior como na inferior. Depois a epiphora não é tão abundante nessas in- flammações oculares, de modo á justificar o derra- mamento das lagrimas, que neste caso se observa. O estado de irritação e proliferação conjunctival, que se nota ao mais rápido exame, junto á abundan- te epiphora, demonstrão á toda luz que as lagrimas se estagnãonos pontos mais declives da cavidade conjun- ctival. O contacto do ar, evaporando mais ou me- nos a parte liquida desta secreção, torna-a mais densa, mais carregada de saes que são susceptiveis, por sua longa estada, de desenvolver um estado de irritação nutritiva, com formações cellulares, sobre a superficie ocuiar da palpebra inferior. X esta irritação deve-se ainda a turgencia dos vasos cilia- res, sobre tudo das veias, onde o sangue encontra certa difficuldade em sua marcha. ESTREITAMENTO DAS VIAS LACRIMAES. 385 Uma vez reconhecida a demora que soffrem as la- grimas, em contacto com o globo do olho e com a mucosa, fácil será encaminharmo-nos ao encontro da verdadeira causa destes phenomenos. A estagnação dos líquidos segregados nos indica positivamente a sua superabundancia, ou um embara- ço levantado ao curso das lagrimas, pelo aperto dos orifícios e canaes de excrecção. Na ausência de dados, que dêem corpo á primeira hypothese, a attenção do pratico volta-se acurada- mente para o exame desses canaes, e de ordinário encontra nelles, ou em seos orifícios, a razão de to- das as desordens. Basta-nos afastar os bordos palpebraes, neste do- ente, para repararmos em um certo desvio dos pon- tos lacrimaes, desvio, que se torna mais sensível no ponto lacrimal inferior. A papilla, á cujo ápice elle corresponde, sobre- sahe notavelmente, e se acha inclinada para dian- te; os seos bordos são endurecidos, e se têem igual- mente revirado para fora, circumscrevendo um pe- queno espaço infundibiliforme, quasi impervio. A causa, por tanto, da affecção ocuiar, que apresen- ta este doente, depende simplesmente de uma mu- dança de direcção dos pontos lacrimaes. Si, ao mesmo tempo que o descobrimos, deparamos com a estreiteza dos canaes lacrimaes, endurecimento e exuberância de seos bordos, tudo pode ser facilmente explicado 386 DÉCIMA SEXTA CONFERÊNCIA pela eircumstancia de não se acharem estes pontos mergulhados nas lagrimas. Estas teem como um de seos usos lubrificar a mucosa dos canaes, e pelo renovamento epithelial obstar que o calibre do vaso se estreite. Quando os pontos lacrimaes se achão fora da in- fluencia das lagrimas, os seos bordos tendem á aug- mentar de volume, em virtude da proliferação epi- thelial, que não encontra na passagem do liquido o vehiculo, que carregue as cellulas caducas. Então reunidas adquirem qualidades especiáes, e passão por modificações, que tornão mais denso o te- cido que constitue a borda do orifício, e mais ele- vada e volumosa a papilla lacrimal. É de tal sorte que deveis considerar o mecanismo mórbido, que dêo origem ao padecimento deste ho- mem. Por elle, sem custo, comprehendeis que debal- de se tem procurado modificar as condições de vita lidade da conjunctiva, mediante cauterisações. Poder- se-ha nos primeiros dias de seo emprego conseguir alguns resultados; porém mais tarde os incommodos se mostrarão d'uma acuidade invariável, e a vermelhi- dão do olho reapparecerá com suas tintas tão vivas como d'antes. Em circumstancias muito semelhantes vi um doen- te octogenário, que abandonara muito descontente a clinica de um especialista, por não ter obtido o me- ESTREITAMENTO DAS VIAS LACRIMAES. 387 nor resultado, depois de um anno de assiduo trata- mento, A sua moléstia foi considerada uma ophtalmia ca- tarrhal chronica, e por meo collega forão empregadas cauterisações diárias com uma solução de nitrato de prata. Nos primeiros dias deste tratamento, com quanto o doente ainda muito lagrimejasse, o estado da mu^ cosa mostrou-se melhor. Elle, que acordava sempre com os bordos ciliares agglutinados por uma secreção muco-purulenta, vio com prazer que este estado ia desapparecendo. A nuvem que lhe encobria a vista, e obstava-lhe a leitura e outros misteres da vida, tor- nou-se rapidamente diaphana; tudo emfim denuncia- va uma melhora animadora. Tamanha satisfacção não chegou infelizmente á completar-se; porque não tardarão muito á reappa- recer todos os incommodos, que antes disto experi- mentava. Entretanto as cauterisações continuarão, e máo grado os resultados negativos de todas as medi- cações empregadas, n'um tão longo espaço de tempo, o meo collega jamais dirigio a attenção para o lado dos pontos lacrimaes. Este erro é muito freqüente na pratica, e exige do cirurgião um certo habito de ver casos semelhantes, para poder convenientemente evital-o. Depois, esta moléstia não se acha sufficientemente estudada e ainda menos conhecida. 388 DÉCIMA SEXTA CONFERÊNCIA Tem-se escripto muito em relação ás affecções das vias lacrimaes; houve tempo em que era moda o dia- gnostico de taes affecções, sem que se as conhecesse praticamente* Entre nós, todos os annos apparece um certo nu- mero de dissertações sobre a fistula lacrimal, e, pelo que leio, parece-me que somente são conhecidos os trabalhos de eras muito atrazadas. Tenho visto confundir-se o tumor e fistula lacri- maes com as coarctações dos canaes e a obliteração dos pontos respectivos. Aconselhão indistinctamente os mesmos meios, e accusa-se ao mesmo tempo ou- tros, em virtude de conhecimentos práticos, tão li- mitados em relação a semelhantes enfermidades. Releva, uma vez por todas, comprehender-se que são moléstias completamente differentes em suas causas e apparato phenomenal, sendo o estreitamento só modernamente bem estudado pelos professores Bowman, Weber e Wecker, Passando a examinar o doente, á que me refiro, verifiquei que a causa de todas as alterações da vi- são era um aperto dos canaes lacrimaes, com desvio dos pontos correspondentes. Tentei introduzir um estylete muito fino no ponto lacrimal inferior; porém foi tarefa mallograda. O mesmo se dá, meos senhores, em relação ao doente, á cuja cabeceira nos achamos. Acabastes de vêr que uma tenta de Bowman n. 1 não poude fran- ESTREITAMENTO DAS VIAS LACRIMAES. 389 quear os orifícios dos canaes lacrimaes, nem inferior e nem superior. Quando não fosse isto bastante, a disposição que affecta a papilla lacrimal, sua saliência notável em re- lação aos bordos ciliares e sua direcção viciosa serião sufficientes para que o vosso espirito se apoderasse de uma justa desconfiança, á respeito da existência de um estreitamento. Mas estes phenomenos não são persistentes; o doente passa algum tempo sem soffrer alterações inflammatorias e congestivas do globo ocu- iar, e quando se julga completamente isento de mo- léstia, eis que se apresentão couceira nas palpebras,. dores na região orbitaria e epiphora, copiosa, tal como agora se observa,, com injecção viva da conjunctiva. Esta periodicidade,, longe de pôr em duvida a exis- tência de um aperto lacrimal, é um caracter que se offerece á observação do pratico, com certa imposição de importância. É um assumpto de etiologia e gênese da moléstia, que não se acha ainda bem estudado na pratica ophtalmologica.. Entretanto a sciencia tem tudo á esperar da reso- lução destes problemas clínicos, que tão grande in- fluencia exercem sobre o tratamento da enfermi- dade. Tem-se procurado descobrir um termo de referen- cia entre a paralysia do nervo facial e o lagrimeja- mento. A anatomia e a physiologia da parte não se 390 DÉCIMA SEXTA CONFERÊNCIA prestâo de fôrma alguma á explicar esta referencia causai. Como poderia, no emtanto, produzir-se o phenome- no em taes circumstancias? As lagrimas segregadas na quantidade normal, por quanto o facial nenhuma influencia directa tem sobre esta secreção, depois de lubrificar o globo ocuiar, pro- cura os pontos mais declives da superficie conjuncti- val, o ultimo dos quaes é o lago. As tendências excretorias se fazem, portanto, para 0 lado dos conductos lacrimaes, cujos orifícios se achão mergulhados nas lagrimas. Nestas condições, que favorecem tanto o curso do líquido, a sua estagnação na betêsga inferior implica a retenção no lago, e esta presuppõe um embaraço qualquer no orifício, ou no trajecto dos conductos e vias lacrimaes. Este estado indica constantemente um desvio na direcção dos pontos ou dos canaes lacrimaes, que não pode deixar de reconhecer como causas as pro- ducções e retracções atrophicas, ou o desequilíbrio das forças musculares, as quaes tendem á manter as relações de normalidade anatômica. Quando dá-se a paralysia do nervo facial, o mús- culo lacrimal anterior, que é por elle influenciado, relaxa-se, ao passo que o posterior, que é animado por um filefe do 5o par, conserva toda a sua acção contractil. ESTREITAMENTO DAS VIAS LACRIMAES. 391 Resulta d'ahi que, ao envez do reviramento para diante que aqui vemos, terá logar o reviramento do conducto lacrimal para dentro. O doente poderá la- grimejar, é verdade, porém o phenomeno se passará de um modo differente, do que se observa aqui. Chega-se, pela apreciação destas circumstancias etiologicas, aos mesmos resultados práticos, que já vimos em relação aos estreitamentos urethraes. A lesão, que constitue o obstáculo ao curso das lagri- mas, não influe directamente, e somente por si, sobre a producção dos phenomenos; a verdadeira causa de todas as alterações importantes da visão é o desvio do canal de excreção. Insisto sobre este modo de comprehender o facto mórbido, até nos casos, em que uma lesão se pas- sa no interior dos canaes, tal como uma inflammação rheumatismal ou catarrhal, granulosa, e o desenvol- vimento valvular. Em qualquer destas hypotheses as transformações atrophicas, inherentes á marcha mesma da alteração da mucosa, são susceptiveis de produzir o desvio dos pontos lacrimaes. As lagrimas passarão depois com grande difficuldade, e esta eir- cumstancia favorecerá a maior estreiteza do canal, de modo qne mais tarde se encontrarão coarctações diffi- ceis de ser vencidas, e até verdadeiras obliterações, onde á principio nada mais havia do que um simples desvio de direcção do canal. As inflammações, que se mostrão do lado da mu- 392 DÉCIMA SEXTA CONFERÊNCIA cosa dos conductos lacrimaes, apresentão o mesmo caracter, que se observa em outras mucosas, e tem uma marcha muito semelhante. Pelo facto da pro- liferação de tecido a mucosa se tumefaz, seos elemen- tos se multíplicão, e o entupimento do canal pelas formações inflammatorias interrompe o curso das lagrimas. Quando os phenomenos de acuidade mórbida co- meçâo á declinar, e que os elementos recem-forma- dos entrão na via regressiva, o calibre do canal tende á restabelecer-se, e as lagrimas continuâo o seo cur- so regular e physiologico, deixando de existir a epi- phora. Algumas vezes, porém, as cousas não se passão por esta forma. A regressão se torna morosa, e limi- ta-se á um pequeno território cellular; ha um ou mais pontos, em que os elementos não se tornão ca- ducos, dando-se a sua transformação em tecido defi- nitivo. As retracções que então se manifestão, pela absorpção dos liquidos, são capazes de determinar o desvio dos canaes ou dos pontos lacrimaes. Effectuado o phenomeno, segue-se a serie de altera- ções, que delle já vimos proceder. A intervenção cirúrgica é neste caso de suprema importância, sempre que é feita de um modo conve- niente; porém em certo numero de casos é ella dis- pensável, porque as modificações ulteriores da mu- cosa tendem á fazer desapparecer todas as producções ESTREITAMENTO DAS VIAS LACRIMAES. 393 novas. Estas consomem-se lenta e vagarosamente, não podendo realisar-se o desvio de direcção do canal, ou sendo elle perfeitamente vencido pelo esforço dos músculos lacrimaes. Neste homem, eu cuido que se trata de uma affecção congenial, á respeito da paralysia da face. A causa tem sido para ambas francamente rheumatismal, A congestão da conjunctiva e o lagrimejamento durão apenas o tempo necessário para que se effec- tue a evolução inflammatoria, que pode ser de curta duração em certos casos, e em outros quasi perpe- tuar-se, si por ventura não são levados em soccorro os meios cirúrgicos. As intlammações granulosas, que podem ser a con- seqüência de uma simples propagação de alteração idêntica da conjunctiva, produzem lesões mais dura- douras, zombando na grande maioria dos casos dos meios empregados, ainda mesmo os mais bem combi- nados. Não é raro que o estreitamento dos canaes lacri- maes seja constituído pela adherencia de válvulas, que se tornão salientes, obstando a passagem das lagri- mas. Algumas vezes a sonda nos indica esta disposi- ção da mucosa, não podendo seguir a diante; porém tendo o pratico certeza de que o instrumento cami- nha dentro do canal, por meio de um pequeno esfor- ço consegue romper as adherencias, penetrando no saco lacrimal. 39Í DÉCIMA SEXTA CONFERÊNCIA Estes casos são, em sua quasi totalidade, suscep- tiveis de ser curados, e podem muitas vezes dispen- sar a dilatação; por quanto em taes circumstancias o desvio é muito limitado, e obedecerá sem maior re- sistência á acção muscular, que tende á aproximar os pontos lacrimaes de sua posição normal. As inflammações especificas não se manifestão com a freqüência que poderieis suppôr, attento o parallelo que estabeleci entre os estreitamentos lacrimaes e os da urethra. A semelhança existe effectivãmente; porém é fácil eomprehender-se quanto a diversidade de constituição anatômica deverá influir para não ser ella completa. A mucosa das vias lacrimaes não apresenta tecido esponjoso como a da urethra. Todas as alterações, que teem por sede a camada epithelial e o substractum mucoso, se repetirão quasi invariavelmente; porém aquellas que se passão quasi exclusivamente no tecido esponjoso, não podem ma- nifestar cousa alguma de análogo em seos effeitos nas vias lacrimaes. A acção do virus blennorrhagico se acha neste caso. É por isto que, depois das ophtalmias blennorrha- gicas, não se observa nos canaes lacrimaes os estrei- tamentos, que são tão freqüentes no canal da urethra, devidos na grande generalidade dos casos á lesões do tecido esponjoso. ELTREITAMENTO DAS VIAS LACRIMAES. 395 Estas differenças anatômicas não prejudicão a ana- logia pathologica, quando muito a poderá restringir. Então não se procura mais investigar a gênese parti- cular da affecção, e o seo mecanismo hystologico; po- rém o principio physio-pathologico, do qual tira di- rectamente sua razão de ser a lesão funccional. Quando a coarctação reside no canal nasal, ou con- siste em alterações que interessão a válvula, que fe- cha inferiormente o saco lacrimal, o phenomeno da epiphora pode se apresentar; porém a scena mórbida passa-se então dentro do saco lacrimal. Em taes cir- cumstancias é para se esperar uma dacryocystite ou algum abcesso peripherico, que se fará succeder pela fistula lacrimal, quer se abra espontaneamente, quer com a intervenção do bisturi. De todas estas considerações parece resultar uma grande verdade clinica, que tende á estabelecer um gráo de freqüência dos estreitamentos dos canaes la- crimaes maior, do que poderieis suppôr. Eu tenho visto innumeros casos desta affecção, que, apesar de antigos, passão completamente des- apercebidos. Estes casos lembrão muitas vezes os ca- racteres de uma ophtalmia, posto que não se possa precisar convenientemente sua natureza. Quando não sobresahem francamente os phenomenos phlegmasi- cos, as queixas do doente nos induzem muitas vezes á acreditar em uma asthenopia da accommodação. Entretanto ensaia-se o exame pelos vidros conve- 396 DÉCIMA SEXTA CONFERÊNCIA xos, para se avaliar o gráo de hypermetropia que acompanha esta affecção ocuiar, e máo grado a pare- sia do músculo ciliar, promovida pela atropina, o re- sultado é completamente negativo. Não é, pois, para admirar que o doente, de que me occupo neste momento, não vos tenha attrahido a attenção, por julgardes que se tratava simplesmente de uma conjunctivite catarrhal, de ordem á ceder por si mesma, depois de haver atravessado os seos diver- sos estádios. Uma igual terminação pode dar-se á respeito dos incommodos deste indivíduo; porém não acrediteis que a cura seja definitiva com o desvanecimento dos phenomenos mórbidos, que actualmente observamos. Enganosa expectativa! O mais leve resfriamento bastará para despertar o estimulo inflammatorio, que reproduzirá na mucosa dos canaes lacrimaes as mesmas alterações. É dever do cirurgião, que conhece as peripécias desta moléstia, procurar os meios de debellal-a por uma vez. Neste homem o tratamento envolve duas indicações principaes. A primeira diz respeito ao estado asthe- nico da economia, tão predisposta ás influencias rheu- matismaes; a segunda refere-se ás alterações locaes, que constituem a causa directa dos phenomenos ma- nifestados do lado do apparelho da visão. Para modificar o estado geral deve-se appellar com ESTREITAMENTO DAS VIAS LACRIMAES. 397 insistência para a medicação tônica, cujas principaes applicações já conheceis, ainda que de um modo ge- ral. É também indispensável para tal fim o auxilio dos meios hygienicos, a habitação em uma localidade saudável, o uso de banhos sulfurosos á principio e depois frios, e uma alimentação nutritiva e repara- dora. Nem sempre estes meios geraes são precisos para a cura. Releva attendermos que se trata aqui de um doente debilitado por uma longa enfermidade, e em eondições de vida extremamente desfavoráveis. De ordinário bastão os meios cirúrgicos para al- cançar os melhores resultados contra a moléstia, que, resistindo á principio com certa pertinácia, aca- ba por ceder completamente o campo* Assim como vimos para o canal da urethra, a dila- tação é o methodo que domina o tratamento dos es- treitamentos lacrimaes. As injecções com a seringa de Anel, máo grado o uso da sonda do Dr. Wecker, não são susceptiveis de produzir effeitos vantajosos. Lembro-me de ter visto na clinica do Dr. Galé- zowski o emprego, quasi diário, das injecções nas vias lacrimaes, e nunca observei resultado que justifi- casse a insistência deste cirurgião no uso de um meio, que tão raras indicações pode ter na pratica. Pelo que me diz respeito, os resultados de minha observação, neste sentido, teem sido negativos. A dilatação, si é tantas vezes difficil em relação 398 DÉCIMA SEXTA CONTEI.ENCIA aos estreitamentos urethraes, não se mostra mais fá- cil, quando praticada nos canaes lacrimaes. As sondas apropriadas para isto são de differentes grossuras, e o professor Bowman, á quem se deve esta preciosa applicação, as tem graduado do n. 1 até o n. 6. Ha occasiões, em que a sonda mais fina não pode penetrar no canal lacrimal. São baldados todos os esforços, ainda os mais habilmente empregados. 0 obstáculo é material, reside na estreiteza do orificio do canal, que demanda uma operação preliminar. Para este fim o professor Weber tem uma faca apropriada, terminada em extremidade abotoada, sendo de diâmetro muito reduzido. A ponta do ins- trumento é curvilinea, o que facilita sobremodo sua introducção no canal lacrimal. Si nos lembrarmos da disposição dos canaes, reco- nheceremos que a faca de Weber, graças á direc- ção de sua extremidade e á estreiteza de sua lamina, presta-se á fazer incisões muito regulares, e na ex- tensão mais conveniente para o uso das tentas dila- tadoras. A intervenção cirúrgica pode ser feita por qual- quer dos dous pontos lacrimaes, conforme o canal que se acha estreitado, e o gráo de aperto que elle apresenta. Nos casos em que um dos pontos lacrimaes se acha obliterado, o que felizmente é raro, ha dous ex- pedientes á tomar: abrir um orificio novo, ou dilatar ESTREITAMENTO DAS VIAS LACRIMAES. 399 largamente o canal, que não se acha compromettido. Este fica então encarregado de dar sahida compensa- dora ás lagrimas. Ha, portanto, dous processos principaes de dilata- ção; ou a sonda penetra pelo ponto lacrimal superior, e temos o processo de Weber, ou pelo ponto infe- rior, o que constitue o processo de Bowman. Este é o mais seguido na pratica, e incontestavelmente o mais seguro e efficaz. Para praticar a incisão do ponto lacrimal infe- rior o operador toma a faca na mão direita, e com o pollex da outra mão abaixa levemente a palpe- bra inferior, repuxando-a um pouco para fora. A pa- pilla lacrimal torna-se então saliente na extremidade interna do bordo ciliar, e a ponta afilada da faca fran- quêa o orificio, ás vezes apenas perceptível, com uma facilidade suprehendente para quem já tem tentado o catheterismo com as mais finas sondas. O cabo do instrumento neste primeiro tempo é dirigido para cima e para fora; á medida que a faca progride no canal, elle á pouco e pouco se abaixa, até chegar á horizontal, direcção que nos dá certeza de havermos attingido o saco lacrimal. Conseguidas estas relações, o operador realisa a in- cisão, que é fácil e de uma rapidez maravilhosa. Com o pollex esquerdo abaixa de novo a palpebra inferior, estendendo e ajustando a mucosa sobre o gume da faca, com a outra, que segura o instrumento, levanta 400 DÉCIMA SEXTA CONFERÊNCIA bruscamente o cabo, fazendo-o descrever um arco de circulo, que termina-se quasi na vertical. O doente impelle um pequeno grito, que nos avi- sa de se achar feita a incisão, e a faca é Ímmediata- mente retirada. Correm, após o corte, algumas gottas de sangue, cujo numero é tão pequeno, que permitte desde logo examinar-se a ferida. Então encontra-se uma incisão linear na mesma direcção do bordo ciliar, e que se es- tende até a commissura interna do olho. O catheterismo do canal vem em seguida; porém não deverá ser á principio mais do que uma simples exploração, a fim de não augmentar as dores ao doente, intimidando-o para as tentativas subsequentes. Uma sonda n. 2 passa livremente pela abertura praticada, e muitas vezes revela logo um ou dous apertos no canal, os quaes podem ser difficeis de vencer. Nestas circumstancias não se levará adiante a exploração, aguardando o catheterismo para o dia seguinte, no qual cumpre dirigir hábil e prudente- mente as tentativas, afim de conseguirmos a penetra- ção da sonda. A abertura do ponto lacrimal superior, para o pro- cesso de Weber, não varia em relação ao manual operatorio, senão quanto á direcção do cabo do ins- trumento, que deve ser levado em sentido contrario. Accresce que na incisão do ponto lacrimal superior a faca deve penetrar bastante, porque ordinariamente, ESTREITAMENTO DAS VIAS LACRIMAES. 401 para que o catheterismo tenha logar, torna-se neces- sário desbridar o ligamento palpebral interno, por de- traz do qual deverá passar a sonda. Este processo não é isento de accidentes, taes como o emphysema das palpebras e a hemorrhagia nasal; porém isto presuppõe sempre pouco cuidado da parte do cirurgião. Para demonstrar-vos a justiça de minhas asser- ções, eu farei a historia de uma doente, moradora á ladeira de Sant'Anna, que soffria, e ainda hoje soffre de um estreitamento das vias lacrimaes do lado esquer- do. Esta doente recorrêo áum especialista para se fazer operar de semelhante enfermidade, que tanto lhe in- commodava, privando-a de dar-se á certos trabalhos domésticos. A operação foi feita segundo o processo de Weber; mas dêo logar á dores tão intensas, que ainda hoje ella estremece ao lembrar-se. O emphysema apresen- tou-se Ímmediatamente depois da incisão, desfigu- rando-a completamente, e uma verdadeira hemorrha- gia se manifestou, abundando para o lado das fossas nasaes. Graças á compressas embebidas d'agua fria o cor^ rimento sanguineo moderou, porém para fazer-se se- guir de incommodos maiores. As palpebras conser- varão-se tumefeitas, as dores continuarão, e manifes- tou-se um certo embaraço na respiração, que a in- quietou sobremaneira. 402 DÉCIMA SEXTA CONFERÊNCIA Em virtude destes accidentes, o meo collega não poude proceder logo ao catheterismo. Dentro em seis dias, continuando sempre a dyspnéa, a doente, em uma bôa occasião, sentio que alguma cousa se precipitava no pharynge, e expellio um grande coa- lho de sangue, que apresentava a fôrma e o tamanho de uma sanguesuga. Este coalho formou-se, mui provavelmente, no pavimento da fossa nasal esquerda, á custa do sangue derramado do canal nasal. É escusado dizer que os incommodos do lado da respiração desapparecerão de súbito, e máo grado todas as explicações do seo assistente, a doente não se satisfez com ellas, negando-se formalmente á con- tinuação do tratamento. Eu sempre tenho empregado com o melhor suc- cesso, e sem causar o menor incommodo aos meos doentes, o processo de Bowman. Por meio delle é mais difficil penetrar-se no canal nasal, é certo; po- rém em compensação colhe-se a preciosa vantagem de não assustar-se o paciente com um emphysema das palpebras, que o põe em alarma, ou uma hemor- rhagia inesperada, quando a operação não tem sido feita com o cuidado e prudência indispensáveis. Não penseis, entretanto, que sempre tenhão logar estes accidentes. Ao contrario, posso assegurar-vos que elles são raros de tal modo, que custa á com- prehender a espécie de modificação, que o meo col- ESTREITAMENTO DAS VIAS LACRIMAES. 403 lega imprimio ao processo do celebre ophtalmologis- ta allemão, para produzir semelhantes desastres. Pode-se fazer a dilatação segundo a escala de Bowman, isto é, começando pela sonda n. 1; porém é muito mais prudente e fácil principiar-se por um numero maior, quando a escolha é possível. As sondas muito finas teem o inconveniente de fa- vorecer a formação de falsos caminhos, podendo até occasionar, do lado da frágil lamina do unguis, alte- rações da ordem da perforação e da carie. O meio de evitar semelhantes accidentes, que sempre depõem dos conhecimentos do cirurgião, é saber fazer o catheterismo das vias lacrimaes. Quando se pratica o processo de Weber, a sonda facilmente se insinua no canal lacrimal. Na mesma direcção que penetra, percorre-o em toda a sua extensão. Para attingir a cavidade do saco bastará inclinar a extremidade da sonda um pouco para traz, empregando uma pressão branda, porém perseverante. No processo do professor Bowman o modo de pro- ceder varia. Segurando a sonda pelo seo pavilhão central, com o pollex esquerdo procura-se tornar pa- tente a pequena abertura do ponto lacrimal inferior. A sonda é introduzida em uma direcção oblíqua para dentro e para cima. Depois de haver percorrido o conducto lacrimal, dá-se ao instrumento uma direcção horizontal, fazen- 404 DÉCIMA SEXTA CONFERÊNCIA do-o caminhar sempre moderada e brandamente, até o encontro de uma superficie resistente, contra a qual esbarra. Em pequenos movimentos de vaivém reconhece-se a dureza óssea. Então o operador dá uma nova direc- ção á sonda, dirigindo-a quasi verticalmente para baixo, sem que se percão as relações adquiridas. Para que ella possa penetrar o canal nasal, deve-se seguir uma linha, que partindo da cabeça do supercilio se termine no dente canino do mesmo lado. Observando-se estes preceitos, consegue-se de ordi- nário o catheterismo sem prejudicar ao doente. Quando se encontra em caminho alguma resistência maior, cumpre estabelecer uma pressão reiterada e crescente contra o ponto coarctado, que se abre a final diante da extremidade da sonda, na occasião em que menos se espera. A repetição destas manobras, diariamente, conse- gue por fim a dilatação dos canaes, recuperando elles a direcção indispensável para o restabelecimento do curso das lagrimas. O tempo, que deve demorar-se a sonda no canal, depende do gráo de sua susceptíbilidade nervosa ou de seo estado inflammatorio. Quando o doente tolera bem a tenta, o que é mais commum na pratíca, a dilatação poderá ser em cada sessão de meia hora. O numero da sonda se augmenta, á medida que o canal se mostra mais alargado. Ordinariamente não ESTREITAMENTO DAS VIAS LACRIMAES. 405 é preciso ir além do n. 4, com o qual se deve dar por terminada a dilatação. A pressão que exerce o instrumento, de dentro para fora, dá logar á atrophia das proliferações mór- bidas, e á uma mudança salutar da mucosa, que recupera suas condições normaes. O tempo necessário para o tratamento varia con- forme o estado do indivíduo. Algumas vezes bastará uma dilatação de poucos dias, para que se veja todos os phenomenos desapparecerem. Na grande maioria dos casos a cura se apresenta somente depois de um mez ou mais de tratamento regular e assíduo. A conjunctiva da betêsga inferior é a primeira á demonstrar os resultados benéficos da dilatação. Ella se torna menos espessa, mais desmaiada, contribuin- do para que o doente não se queixe de coceira nas palpebras. Assim também a nevoa se interrompe por vezes, e isto indica que as lagrimas pequena demora soffrem na superficie conjunctival. A epiphora cada dia diminúe, até que chega uma occasião, em que as lagrimas deixão completamente de entornar-se na face. Ê o signal da cura, e ao mesmo tempo um aviso ao cirurgião de que deve suspender o catheterismo. COMPRESSÃO CIRÚRGICA. DÉCIMA SÉTIMA CONFERÊNCIA. SUMMáRlO—Da compressão como o principio que domina muitas applicações curativas—De seos effeitos nos aneurismas \o curaiivo das feridas — Contra as hemorrhagias traumáticas e no campo de baí.ilha — Vantagem dos meios coinpressivos nas suppurações abundantes -Operação de cata- racta— Fracturas—Pseudarthroses - Fracturas complicadas ecomminutivas —Facto clinico—ainda os mais brilhantes resultados da compressão na dilatação de diversos canaes -Nas bemorriiagias externas - Tumores der- mojdes—Ikrnjas- Varizes—llccras—Bossas sangüíneas--Orchite — \pós a tenotomia no pc-torto—Luxações —Affecções artículares—Depois das resecçães—Nos pbleugmões—Facto clinico. Meos senhores: Muitas vezes, na pratica cirúrgica, o processo cura- tivo nos passa desapercebido, por não o termos pro- curado comprehender do modo mais conveniente e cpnsentaneo á razão. D'ahi resulta um mal, que é o empirismo, á que nos conduz a ignorância, estcrili- sandp as vistas do observador. Maiores desvantagens ainda se derivão para a sciencia, que não pode então aproveitar os benefícios das applicações racionaes e novas, as quaes somente se baseião na interpretação natural e lógica dos fa- ctos. E o que se tem dado á respeito da compressão, que, empregada intencionalmente, ou resultando ás mais das vezes, sem o prevermos, do tratamento prescripto, é o unico meio plausível de explicarmos COMPRESSÃO CIRÚRGICA. 407 as curas brilhantes e maravilhosas, que se realisão á cabeceira do doente. Estas vistas praticas teem passado sem o devido reparo dos cirurgiões, que actualmente multíplicão as applicações compressivas, fazendo dependentes de outras circumstancias os seos successos clinicos. Não é a primeira vez que reclamo toda a vossa at- tenção para este assumpto de tão grande importância pratica. No correr de nossas conferências, eu vos te- nho apontado mais de um caso brilhante, em que se exemplifica a cura, por meio das manobras compres- sivas. Nesta enfermaria existe um doente, á cuja cabe- ceira muito intencionalmente nos achamos, que é o melhor attestado, perante vosso critério e luzes, em favor da compressão. Deveis recordar-vos *àe que este individuo teve um volumoso aneurisma da artéria poplitéa. Não o pode- mos sujeitar á compressão do tumor; porém ouvistes- me julgar as vantagens e a importância, de que goza tão precioso recurso, no tratamento desta affecção. Não limitei-me á enunciar estas vantagens em me- ras asseverações, e é de suppôr que vos lembreis das estatísticas, que aqui vos apresentei, entre as quaes sobresahem as dos professores Richet e Broca. Este doente torna saliente o valor da compressão, pela marcha rápida que teve o curativo. O modo de actuar das circulares compressivas, passadas em der- 408 DÉCIMA SÉTIMA CONFERÊNCIA redor do membro, desde sua raiz até as proximidades do coto, já ficou perfeitamente explicado em uma de nossas anteriores conferências, quando tratei do cu- rativo das feridas após as operações. A marcha do curativo se complicou, no emtanto, de uma hemorrhagia secundaria, por se haver feito uma injecção, suspendendo-se a compressão da coxa. A reapplicação das circulares compressivas bas- tou para conjurar um accidente, que tantas vezes torna-se difficil de ser combatido, podendo até exi- gir a ligadura da artéria principal do membro. Não é isto, senhores, muito para admirar; por quanto, na generalidade dos casos de hemorrhagia, a compressão é o meio que mais vezes consegue impedir a sahida do sangue. Nas feridas da cabeça a sciencia não aconselha outro meio para parar as heufbrrhagias, que não seja a compressão, já usando da atadura nodosa, para as feridas das artérias frontal, temporal e occipital, já por meio de qualquer peça de curativo, e até da mes- ma esponja, com que se banha a ferida. Muitas vezes tenho conseguido sustar hemorrha- gias dentárias rebeldes e assustadoras, comprimindo com o dedo a gengiva de encontro á abertura alveo- lar, que fica desfarte obturada. Em poucos minutos o corrimento cede, surprehendendo á todos e mais ainda ao próprio doente, que se acha aterrado pela grande quantidade de sangue perdido, e pelos resul- COMPRESSÃO CIRÚRGICA 409 todos negativos de todas as applicações empre- gadas. O que seria dos pobres feridos no campo de bata- lha, após ferimentos por arma branca ou de fogo, si não fossem os excellentes recursos de um arrocho ou da atadura compressiva, com que o cirurgião estanca-lhes o sangue, até serem conduzidos aos serviços apropriados, em que devem ser operados? Evitar as suppurações abundantes, conseqüência sempre do maior affluxo de sangue para a ferida: eis uma das mais preciosas prerogativas da com- pressão. Este doente é o exemplo disto. Nelle a marcha tão rápida e favorável da cícatrização deve-se inques- tionavelmente á atadura compressiva. Não será difficil convencer-vos desta verdade. Na segunda semana de curativo, o meo honrado collega, que dirige a clinica, julgou desnecessárias as circulares compressivas, e levantou a atadura. No dia immediato, á visita, o doente queixou-se de ha- ver passado mal a noite, o volume da coxa era maior do que anteriormente, e esta um pouco edematosa. Apesar de tudo a parte continuou livre da com- pressão. Os phenomenos de irritação da ferida não se fizerão esperar. As dores se apresentarão com certa intensidade, o doente accusou uma sensação de peso no coto, ateou- 410 DÉCIMA SÉTIMA CONFERÊNCIA se um leve apparelho febril, e a suppuração tornou- se abundante, deixando o pús de ser louvável. O volume da parte, por seo augmento, já attra- hia notavelmente a attenção. Finalmente, eu e o meo collega nos convencemos de que convinha continuar com a atadura compres- siva, e desde logo passamos circulares bem apertadas em roda do membro, em toda a sua extensão, até as proximidades da superficie traumática. No dia seguinte o estado do doente era lisongeiro; encontramol-o alegre, as dores se havião acalmado, e bem assim a febre e a insomnia. A suppuração tinha diminuído extraordinaria- mente, e o seo caracter era muito melhor. Isto demonstra, senhores, a verdade das conside- rações physio-pathologicas, que em outro logar vos expuz acerca do mecanismo funccional, que se passa no coto, depois da amputação. Destes factos segue-se mui logicamente que, no tratamento dos phleugmões supervenientes á estas feridas, os agentes compressivos devem igualmente influir de um modo muito vantajoso. A explicação de seos excellentes resultados se contém perfeita- mente nos princípios já estabelecidos. No correr de nossos estudos clínicos, este anno, houve um doente que deveo os brilhantes resultados obtidos ao emprego da compressão. Eu vos lem- bro o operado de cataracta, que, não ha mais de COMPRESSÃO CIRÚRGICA. 4H quinze dias, vos apresentei no amphitheatro, cau* sando-vos certa satisfação, pelo gráo de acuidade visual conseguida, Pois bem! meos senhores, eu tenho razões para affiançar-vos que a belleza dos resultados que obtive, a ausência de mflammações complicando o processo curativo, e as vantagens visuaes dependerão, todas, de duas condições principaes: do modus faciendi, e da compressão que estabeleci sobre o globo ocuiar. Conheceis, no emtanto, uma lesão muito freqüente, e que já vistes no presente anno nesta enfermaria— a fractura. Trata-se nesta espécie mórbida de uma ruptura óssea. Em virtude delia falta o apoio ás in- serções musculares, os movimentos tornão-se impos- síveis ou dolorosos, o doente procura como o maior allivio o repouso da parte. A immobilidade do membro presuppõe a compres- são; as suas vantagens importão o triumpho do me- thodo cirúrgico. Mas não é só isto. Cumpre restabe- lecer não só a direcção e as relações normaes do osso, porém, o que é ainda mais essencial e difficil, manter os fragmentos na posição communicada, e mais fa- vorável á regeneração do tecido e á solidez do membro. Para este fim os cirurgiões recorrem sempre aos apparelhos, e sem darem a razão da preferencia em- pregâo os mais sólidos, e que comprimem melhor e mais regularmente os fragmentos. A acção destes 412 DÉCIMA SÉTIMA CONFERÊNCIA meios cirúrgicos, estudada em seo mecanismo, mui- tas vezes tão complicado, re3ume-se simples e exclu- sivamente na compressão. É pOr effeito delia que os fragmentos não se afas- tão, e os movimentos da parte são impedidos, esta- belecendo-se o desejado repouso; é ainda mediante a sua poderosa intervenção que os derramamentos se absorvem, e que o callo se torna definitivo na me- lhor posição para os usos da vida. Supponha-se, porém, que por uma eircumstancia fortuita, ora devida á um estado constitucional do indivíduo, ora á falta de conhecimentos e perícia do pratico, a regeneração do tecido ósseo se tenha estorvado, perdendo o membro a sua solidez. Uma pseudarthrose será o resultado do phenomeno. Este accidente do tratamento das fracturas, em outras epochas da cirurgia, vos faria recorrer á operações muito serias, para fazerem vacillar o ani- mo do operador, sendo tantas vezes sem resultado favorável para o doente. Actualmente se conseguem as mais brilhantes curas de pseudarthroses antigas, graças á compressão, exercida sobre o centro de mobilidade anormal, n'uma extensão de 18 centímetros pouco mais ou menos. Para isto bastará uma simples braçadeira de couro, que envolva toda a circumferencia do membro, podendo-se apertar contra elle, por meio de laços e fivellas. Ao mesmo tempo é aconselhado ao doente o COMPRESSÃO CIRÚRGICA. 413 exercício brando e moderado, usando de uma mo- lêta. Ainda nas fracturas complicadas de ferida, os ef- feitos do methodo compressivo podem ser das maio- res vantagens. Para julgardes estes resultados, e bem assim os do curativo por occlusão, que nelles se conteem, porque exemplifica o mesmo principio therapeutico, vou mencionar-vos um facto, que demonstra a ex- cellencia das applicações compressivas. Um escravo da casa commercial de Santos Moreira & C. recebeo no grande artelho do pé direito uma forte contusão, da qual lhe resultou uma fractura comminutíva da primeira phalange, complicada de duas soluções de continuidade na face dorsal do ar- telho, que derão logar á um corrimento de sangue moderado-. Chamado á dar-lhe os primeiros soccorros, por todo curativo, limitei-me á banhar as feridas com ama solução de álcool, e á fazer a applicação de cir- culares, energicamente compressivas*, em roda do ar- telho com tiras agglutinativas. Resultou dahi ficarem as feridas protegidas por uma resistente couraça, porém igualmente os tecidos comprimidos, e os fragmentos em completa immobi- lidade. Foi somente depois de oito dias que levantei as peças do curativo. As dores, occasionadas pelo trau- 414 DÉCIMA SÉTIMA CONFERÊNCIA matismo, cessarão desde a applicação compressiva; o doente, dentro das primeiras 48 horas, achou-se no melhor estado, de modo que poude entregar-se á um exercício moderado. Na occasião de descobrir as feridas, encontrei-as perfeitamente enxutas. A sua superficie era regular, e nem uma só gotta de pús se apresentou. Á vista disto continuei o mesmo curativo sem alteração, man- tendo um gráo igual de compressão nas circulares passadas em roda do artelho. Hoje, 28 dias depois do acontecimento, o meo doente se acha restituido aos trabalhos do estabe- lecimento, á que pertence, e a consolidação da fra- ctura é uma realidade. Proseguindo na apreciação das vantagens do me- thodo compressivo, encontramos um grande grupo de affecções, consistindo na coarctação de canaes, sus- ceptíveis de ser franqueados por instrumentos cirúr- gicos, taes como a urethra, o rectum, a vagina, o canal cervical, o esophago, os canaes lacrimaes, o nasal e finalmente a trompa de Eustaquio. Ao cabo de pesquizas e investigações tão longas, quanto felizes, a cirurgia tem reconhecido, que a di- latação é o methodo curativo, que deve ser adoptado eomo regra. Os outros meios, até hoje conhecidos, ou são auxiliares muito preciosos da dilatação, ou teem indicações especiáes e raras, como a electrici- dade ultimamente empregada na Europa. COMPRESSÃO CIRÚRGICA. 415 O principio em que se inspira a dilatação, no sen- tido de alargar o calibre do canal nos pontos estreita- dos, outro não poderá ser senão a compressão. Al- guma differença se pode descobrir entre este facto mórbido e os anteriores; mas consiste ella em uma só eircumstancia, e é que neste caso trata-se da com- pressão em sentido inverso, isto é, de dentro para fora. Si os meios compressivos são vantajosos, e muitas vezes os únicos capazes de sustar os corrimentos he- morrhagicos após o traumatismo, o mesmo se nota á respeito das hemorrhagias internas, das quaes algu-, mas são freqüentes, como as que se apresentão do lado da cavidade uterina. Então os agentes pharmaceuticos não passão do centeio esporoado, limitando-se o tratamento aos meios cirúrgicos. Estes se circumscrevem no em- prego do tampão vaginal, e na compressão da aorta, que tem arrancado á uma morte certa grande numero de victimas. Na pratica vulgar encontra-se o uso de moedas de cobre, ou chapas metalhcas, para resolver tu- mores de todas as espécies, desenvolvidos no tecido dermoide, e não é rara a cura destas producções mór- bidas por semelhantes meios. A cirurgia esclarecida se utiliza igualmente deste gênero de tratamento com algum proveito, posto 416 DÉCIMA SÉTIMA CONFERÊNCIA que tendo recurso á meios mais aperfeiçoados e commodos. Quem ignora os resultados felizes, todos os dias repetidos, dos apparelhos compressores no tratamen- to das hérnias, já com o fim de conter as partes herniadas em suas relações normaes, já para evitar que o tumor se complete, obtendo tantas vezes a cura radical, mediante a sua intervenção? Si nos adultos os apparelhos compressores limi- tão-se apenas á impedir a sahida das partes hernia- das, evitando de tal sorte os estrangulamentos, nas crianças são freqüentes os casos, em que, graças á compressão simples, as tendências ás migrações her- niarias são perfeitamente combatidas. Nas affecções do systema venoso, do mesmo modo que vimos para o arterial, a compressão exerce os melhores e mais innocentes resultados. Yemol-a realisada desde a simples applicação compressiva, empregada para favorecer o jorro de sangue na san- gria, até o arrocho com que se impede a penetração na economia de princípios mortíferos de origem ani- mal, quer sob a forma de uma secreção simplesmente tóxica (peçonha de reptis), quer como o producto de uma affecção especial, de natureza virulenta. Na pratica cirúrgica, todos os dias aconselhamos para a cura das varizes as ataduras compressivas, as meias elásticas, e apparelhos diversos, baseando-se todos nos effeitos da compressão. Além destes meios COMPRESSÃO CIRÚRGICA. 417 somente subsiste na sciencia a injecção de perchlo- rureto de ferro, empregada pelos Drs. Voillemier e Maisonneuve; mas ninguém ignora os resultados in- fiéis e até perigosos, que é ella capaz de determinar. Não são raros os casos, em que tão somente com a compressão exercida por uma atadura simples, pelo methodo de Burgrceve (de Gand), ou pela applicação de tiras emplasticas, se consegue a cura de ulceras antigas, que se teem mostrado rebeldes á todos os meios, e á quantos tópicos são conhecidos. As bossas sangüíneas, resultantes da acção dos corpos contundentes, são também lesões, em que os meios compressivos, por si sós, procurão a resolução, impedindo que a suppuração se estabeleça, compli- cação, que prolongaria de um modo notável a sua duração. A orchite, porém, é a affecção, que mais segura, prompta e vantajosamente é combatida por meio deste methodo cirúrgico. Quando o longo catalogo dos antiphlogisticos e resolutivos tem sido esgotado inutilmente, a compressão se mostra soberana, pro- duzindo resultados os mais satísfactorios e surpre- hendentes. Esta moléstia resiste muitas vezes ás emissões sangüíneas locaes, ás applicações narcóti- cas e estupefacientes, sem que cessem as dores e di- minua de intensidade o apparelho febril. Si o pratico recorre á compressão do testículo, mediante tiras de dyachilão, ou de emplastro de Vigo, 418 DÉCIMA SÉTIMA CONFERÊNCIA cobrindo completamente a parte, as dores cedem, como por encanto, e a resolução se faz com uma ad- mirável promptidão. Em minha pratica teem sido muito freqüentes os casos, em que, somente por este meio, semelhante affecção é combatida rápida e quasi instantaneamente. Nos vícios de conformação tão freqüentes nas crianças, constituindo as variedades de pé-torto, a cirurgia moderna tem conseguido os mais brilhantes resultados com os recursos preciosos da tenotomia. Mas a segurança da cura é Ímmediatamente de- pendente do curativo subsequente. Os tendões retra- hidos são cortados, o pé se aproxima de sua posição normal; quem nos garantirá, porém, que elle não vol- te á direcção viciosa, obedecendo á retracção cica- tricial? A compressão, e somente ella, mediante ap- parelhos orthopedicos, que dia á dia caminhão para um maior gráo de perfeição. A intervenção dos agentes compressivos é ainda vantajosa nas luxações, já no fim de obter a redue- ção da deslocação, mediante a combinação hábil de movimentos communicados pelo operador ou por instrumentos apropriados, já após a reducção para consumir os exsudados, que tendem á organisar-se, além de manter em contacto as extremidades artí- culares. Entre os instrumentos, de que, na pratica, o cirur- gião se utiliza para reduzir as luxações, é digno de Compressão cirúrgica. 419 ser conhecido o apparelho reductor deRobert & Col- lin, como o maior aperfeiçoamento de nossos tem- pos, em relação ás affecções desse gênero. Diante da deficiência therapeutica, parece que es- tava destinado á compressão o importantíssimo pa- pel de combater uma grande e numerosa família de alterações mórbidas, que até bem pouco tempo erão consideradas incuráveis. A coxalgia, os tumores brancos, as hydrarthroses, e muitas outras lesões artículares, exigem, como um meio quasi indispensável de attingir a cura, o em- prego dos agentes compressivos. Não contentes com as circulares, energicamente apertadas em roda da articulação, mantendo o mem- bro em completa immobilidade, ultimamente os prá- ticos teem recorrido aos apparelhos de gesso, colhen- do de sua applicação os mais admiráveis resultados. Desta substancia podereis fazer simplesmente talas, por meio de compressas de talagarça, que se embe- bem na mistura de gesso e são depois dobradas, ou preparar apparelhos, destinados á envolver o mem- bro em toda a sua circumfereneia. As talas de gesso de PirogofT são mais commodas e mais vantajosas. Ellas se ajustão bem á fôrma do membro, e são melhor supportadas pelos doentes. Gozando de uma notável solidez, estabelecem ao mesmo tempo uma compressão muito regular. Demais, com ellas é possível dar-se o gráo de 420 DÉCIMA SÉTIMA CONFERÊNCIA aperto desejado á parte, e examinar-se freqüentes vezes o estado dos tegumentos, para á tempo com- baterem-se as excoriações que se manifestão ordina- riamente, em virtude da susceptíbilidade dos tecidos, ou da acção compressiva sobre alguma eminência óssea. São admiráveis os resultados que estes meios offe- recem na pratica. Nos serviços de cirurgia, em Paris, este metho- do é quasi o unico empregado no tratamento das affecções artículares. Elle é ainda perfeitamente in- dicado, quando se trata de operações praticadas so- bre os ossos, principalmente si ha necessidade de penetrar-se dentro de alguma articulação, como se dá muitas vezes nas resecções. Mediante a compressão feita pelas talas de gesso, ou por nm apparelho compressivo habilmente cons* truido, o curativo das feridas simplifica-se de um modo notável, tornando-se sobremaneira favorável a sua terminação. Nas resecções subperiostícas, como tive occasião de vêr na clinica do Dr. L. Labbé, no hospital de de Saint-Antoine, e do professor Yerneuil, no Lari- boisière, a compressão impõe-se como uma condição indispensável para a regeneração do tecido ósseo, á custa do periosteo, que fica na ferida forrando as partes molles. Emfim, meos senhores, muitas e variadas applica- COMPRESSÃO CIRÚRGICA; 421 ções eu poderia ainda apresentar-vos do methodo compressivo, si quizesse especializar mais. Não posso, no emtanto, esquecer-me de apontar- vos o quanto a pratica cirúrgica se utiliza dos meios compressivos no tratamento dos phleugmões, cuja marcha é tantas vezes capaz de illudir as vistas clini- cas, e levantar-lhe embaraços os mais sérios. Os benefícios, que se colhem desta pratica tão pre- ciosa, exemplificão-se bellamente no caso que passo á referir-vos. Trata-se de uma senhora, de 30 annos de idade pouco mais ou menos, de constituição regular e tem- peramento francamente bilioso. Ella é casada, e suas prenhezes teem sido sempre terminadas por partos felizes. De longa data esta doente soffria de erysipelas freqüentes na perna esquerda, que, parecendo ceder algumas vezes, não tardavão em reapparecer passados alguns mezes. A moléstia tornou-se habitual. Nas epochas em que o utero se achava em estado de vacuidade, o seo estado de saúde era regular, e até florescente; logo, porém, que se effectuava a con- cepção, era esta denunciada por um accesso de ery- sipela. Em virtude de sua freqüência, a pelle acabou por sêr a sede de um movimento hypertrophico, e o membro augmentou consideravelmente de volume. 422 DÉCIMA SÉTIMA CONFERÊNCIA Em março deste anno, o estado desta doente era lisongeiro. Havia algum tempo que não lhe apparecia a erysipela, quando em uma tarde sentio calefrios, que se succederão rapidamente, redobrando para a noite. Acompanhou á isto um apparelho febril me- diocre. No dia immediato a lingua apresentou-se pastosa, houve inappetencia e um certo quebrantamento de forças. Uma dôr vaga se fez sentir para a região pos- terior da perna, lembrando-lhe a sua antiga enfer- midade. Espalhada em seo começo, a dôr procurou depois oircumscrevêr-se á fossa poplitéa; tornou-se continua, e 24 horas depois já era bastante intensa para inquie- tar a doente, e obrigal-a á ter o membro em uma posição horizontal. Não tardou muito que a parte adquirisse um au- gmento de volume notável, principalmente nos pon- tos que correspondião á dôr. Esta tumefacção tomou mais tarde proporções extraordinárias, attrahindo a attenção, não tanto pelo augmento da circumferencia do membro, como pela dureza e resistência dos te- cidos. A dôr não lhe deo mais tregoas. Todos os dias, á tarde, apresentava-se regular- mente um accesso febril, annunciado por calefrios. Este estado prolongou-se por alguns dias sem a ap- plicação dos meios convenientes. Sobreveio uma diar- COMPRESSÃO CIRÚRGICA. 423 rhéa sorosa, que muito contribuio á abater as forças da doente; o emmagrecimento era desproporcional á duração da moléstia. Então chamado á sua cabeceira procurei reconhe- cer a fluctuação no tumor; porém os resultados forão negativos, porque a dureza dos tecidos não permittia. O estado geral, no emtanto, denunciava a existên- cia de pús na economia, a sua sede era positivamente indicada pela dôr incessante, e seo caracter pulsativo. A intervenção tornava-se instante e imprescindí- vel. Outro não poderia ser o tumor senão um phleu- gmão profundo da perna, estendendo-se á região poplitéa e á extremidade inferior da coxa. Fiz uma larga incisão, parallela ao eixo do mem- bro, pouco mais ou menos na altura do angulo infe- rior do espaço poplitêo. Com a intervenção da tenta-canula, pratiquei á dis- tancia mais duas outras incisões, correspondendo uma ao bordo externo dos músculos gêmeos, e a outra ao lado interno do biceps femoral, perto de sua inserção inferior. A sahida do pús tornou-se fácil, e a sua quantidade foi abundantíssima. Empreguei a drainage cirúrgica, e descansei na efficacia deste meio; por quanto pareceo-me que, não influindo para o desenvolvimento phleugmonoso uma causa interna ou especifica, uma vêz esgotados os vastos focos e núcleos de suppuração, os phenome- 42 i DÉCIMA SÉTIMA CONFERÊNCIA nos geraes não terião mais razão de ser, e a cícatri- zação não se faria então esperar. Ainda me fortalecia estas esperanças prognosticas o conhecimento das vantagens da applicação dos tu- bos de esgoto do Dr. Chassaignac, de utilidade uni- versalmente reconhecida. Contra toda a expectativa, porém, a suppuração não mostrou a menor differença em sua quantidade* passados os primeiros dias. O caracter do pús nenhu-r ma modificação offereceo, que indicasse as tendências curativas. Investiguei as causas, que entretinhão assim a sup-í puração, e não as encontrei nas condições locaes de retenção do pús, e nem descobri na historia da doente uma eircumstancia qualquer, que levantasse indica- ções especiáes á satisfazer. Empreguei então o sulphato de quinina na dose diária de 50 centigrammas. O accesso febril zombou completamente desta applieaçãO} continuando sem a mais leve modificação. Não devo abusar de vossa attenção com a enume- ração de todos os meios empregados durante a enfer- midade desta senhora. Apenas vos direi que, máo grado o uso repetido de injecções detersivas de tin- tura de iodo e de acido phenico, da administração de tônicos de toda a ordem, do arsênico e até do sublif mado corrosivo, nenhuma melhora poude ella con^ seguir. COMPRESSÃO CIRÚRGICA. 425 A tumefacção não cedeo sensivelmente, a suppura- ção conservou-se abundante e de máo caracter, os calefrios e a febre apparecíão regularmente todas as tardes. Havia inappetencia, um certo estado convul- sivo que se manifestava nos movimentos, e emfim, para augmentarem mais a gravidade de sua posição, diarrhéa e insomnia. Este estado foi complicado de um forte accesso de erysipela sobre a parte, que prolongou-se per quatro dias. A febre dobrou então de intensidade, e os te- gumentos da perna e do pé tornarão-se de uma côr vermelha intensa. O accesso foi combatido pelo uso de tisanas temperantes, e pelas applicações locaes de infusão de flores de sabugueiro, de que se molha- vão grandes compressas, e se envolvia com ollas o membro. O estado primitivo, porém, não diminuio em nada cie sua gravidade, accrescendo ao contrario um i dôr aguda na região do joelho, muito notável pela apal- pação, e apresentando-se a pelle no logar correspon- dente levemente edematosa. Pareceo-me que se tratava de um núcleo inflam- matorio, com tendência á percorrer as diversas pha- ses de sua evolução. Recorri áapplicação de compres- sas embebidas numa solução de acetato de chumbo. Graças á estas applicações a dôr desappareceo, e bem assim a vermelhidão dos tegumentos. Já havião decorrido dous mezes de tratamentp,e 426 DÉCIMA SÉTIMA CONFERÊNCIA diante do caracter pertinaz da enfermidade, e do es- tado marasmatico adiantado, comecei á impacientar- me na luta, nutrindo sérios receios pela terminação da moléstia. No dia 20 de junho o estado da doente tornou-se mais afflictivo, em virtude de uma dôr, que manifes- tou-se no pé correspondente, o qual tornou-se mais volumoso. A dôr era tão intensa, que obrigava a doente a impellir gritos, não havendo posição que lhe agra- dasse. Devo confessar-vos que já me achava fatigado com o tratamento desta pobre senhora, e tanto quanto ella, que já desesperava da cura, ardia eu em desejos de encontrar um meio capaz de debellar um estado tão assustador. Quiz então, antes de recorrer ao emprego de um exutorio, meio extremo que colloca sempre o pa- ciente num estado tão lastimável, ensaiar a compres- são cirúrgica. Não havia melhor occasião de pôr em prova este grande methodo therapeutico. Preparei uma atadura de cinco varas de compri- primento, e quatro dedos transversos de largura. So- bre a sede da dôr foi feita uma fricção belladonada, e desde a extremidade dos artelhos passei espiraes compressivas. Fazendo-as subir na extensão da perna, de todas as aberturas corria pús copiosamente. Appliquei so- COMPRESSÃO CIRÚRGICA. 427 bre estas chumaços de fios seccos, completando a applicação da atadura até o terço inferior da coxa. Ordenei o curativo duas vezes ao dia, as injecçõej forão suspensas, sendo a parte banhada simplesmente com água morna. Dentro em três dias tinha-se operado uma verda- deira maravilha no estado desta doente. Os accessos febris diários desapparecerão, a insomnia cedeo, as dores do pé não se fizerão mais sentir, o volume do membro diminuio notavelmente, o pús era em pe- quena quantidade e de boa natureza. Então tirei os tubos de esgoto, a fim de não obsta- rem as tendências que se mostravão tão francas para a cura. A compressão continuou á sêr empregada com a mesma energia, e arlonselhei á doente ensaiar alguns movimentos no membro, por causa do estado de meia ankylose da articulação do joelho. A cura completa foi obra de poucos dias. A perna, envolvida na atadura, apresentava um volume quasi igual ao do lado opposto. A doente levantou-se do leito depois da primeira semana deste curativo, e sen- tio as maiores difficuldades em dar os primeiros pas- sos pela fraqueza das pernas. Diante de um facto de tal natureza, cuja interpre- tação não pode ser duvidosa, parece que ficarão fir- madas, uma vez por todas, as vantagens das applica- ções compressivas nos casos de phleugmões suppura- dos, quando a fonte suppurativa não tende á seccar. 428 DÉCIMA SÉTIMA CONFERÊNCIA Este estado attinge muitas vezes a maior gravidade, em virtude de accidentes sérios, entre os quaes figura a infecção purulenta. Por effeito da compressão, as proporções dos focos phleugmonosos são sensivelmente limitadas, o affluxo de líquidos para a parte é de alguma sorte impedido. D'ahi resulta a diminuição dasecreção purulenta, a restauração nutritiva dos elementos dos tecidos afle- etados, e a modificação em natureza do liquido mór- bido, cessando a intoxicação do organismo pela se- psina. A compressão, pois, sobre sêr um methodo por demais vantajoso na pratica, é ao mesmo tempo alta- mente racional. Fim. I TABOA BAS MATÉRIAS TRATADAS NESTE VOLUME, Ao leitor................................, #.....> I Prefacio do autor................................ in I Diagnostico da keratite................... ± Bases do diagnostico cirúrgico 5—Alterações funccionáes e anatômicas da keratite 6—Variedades da keratite 12— Structura da cornea 15—Nova doutrina da inflammação 16 —Diagnostico anatômico 21. II Tratamento dn keratite................. ÜS Indicações geraes e especiáes 24—Repouso do órgão 25 Occlusão palpebral e compressão 28—Do emprego do ni- trato de prata 32—Indicações causaes 34—Classificações segundo estas indicações 35—Meios de combater o estado escrophuloso 37—Tratamento antirherpetico 39—Medica- ção anti-syphilitica 42—Tópicos para combater as opaci- dades corneanas 45. III Aneurisma da artéria poplitéa........ 5f Caracteres anatômicos e funccionáes 52—Diagnostico difle- 9 rencial 55—Importância da idade e da profissão 59—Pes- quizas pathogenicas 60—Valor da exploração sphygmogra- phica 64—Estudos dos methodos curativos 71—Vantagens do methodo de Anel 77. IV Estreitamentos urethraes.............. 99 Exploração da urethra, 82—Classificação de Nélaton e sua apreciação 86—Indicação principal no tratamento dos es- treitamentos 90—Do desvio de direcção do canal 91 — Importância da dilatação 92—Urethrotomia e cauterisa- ção 9S. « "2 TA BOA DAS MATÉRIAS. V Diagnostico da cataracta............... IO© Exploração do olho 101—Inspecção ocuiar 102—Aclara- mento oblíquo 105—Exame catoptrico; imagens de Pur- kinje 109—Exame ophtalmoscopico 112—Influencia do clima sobre o desenvolvimento da cataracta 117—Acção pa- Ihogenica do calor 120—Exame funccional de Graefe 123 —Valor diagnostico das phosphénas 124. 'VI Da ligadura no aneurisma poplitêo... f $& Sua preferencia no ápice do triângulo de Scarpa 129—Ma- nual operatorio 130—Processo curativo 134—Estado do mímbro depois da ligadura 135—Indicações da amputação da coxa 138. ¥11 Abscesso da fossa iliaca............ 143 Difficuldades do diagnostico no começo da moléstia 144— Signaes locaes 146—Meios de reconhecer a fluctuação 149 —Retracção da coxa 150—Influencia causai do vicio es- crophuloso e da diathese tuberculosa 155—Terminações da moléstia 161—Importância da intervenção cirúrgica 167 Manual operatorio 169. VIII Amputação da coxa reclamada pela ligadura da femoral................... 193 Gravidade desta operação em relação ás demais amputações 174—Conicidade do coto como meio de obviar os acci- dentes 176—Manual operatorio 178----Curativo da ferida 181—Exame da peça 182—Indicações da amputação no tratamento dos aneurismas 187. IX Fistulas ourinarias.................... 189 Precedência blennorrhagica 191—Producção de fistulas por infiltração das bolsas 195—Por abscessos ourinosos 197j- Facilidade do catheterismo e sua explicação 201—Direcção viciosa do canal 202—Tratamento racional dos estreita- mentos 204. X Operação da cataracta.. ............... 309 Resultados obtidos em relação ao doente 209—Influencia do clima sobre o successo operatorio 210—Cuidados depois da operação 213—Vantagens do curativo racional 215— Estatística da operação de Graefe 218—Do abaixamento da cataracta e de seos perigos 220—Methodo de extracção TABOA DAS MATÉRIAS. 3 222—Processo de Desmarres 223—Seos resultados e in- convenientes 226—Processo de Jacobson 228—Extracção linear; processo de Liebreich 229—Processo de Graefe 232 Seo manual operatorio 233. XI Calculo vesical................... £44 Influencia rheumatismal no nosso clima 24o—Signaes ra- cionaes 247—Phenomenos physicos; exploração 251 — Sonda-catheter de Thompson e suas vantagens 254 —Ma- nobras empregadas para o reconhecimento da pedra 255— Diagnostico da natureza chimica do calculo, de seo volume e numero 259—Contra-indicação da lithotricia 262—Suas desvantagens nas primeiras idades da vida 264—Da talha e seos methodos 265—Preferencia neste caso da talha pre- rectal 266. XII Curativo das feridas após as opera- ções__.............................___ «69 Importância do curativo sobre o êxito operatorio 270— Accidentes das feridas e sua explicação 273—Da reunião e seo valor therapeutico 277—Curativo que merece a pre- ferencia 283—Do emprego d'agua fria 286—Curativo pelo álcool 288—Acclusão das feridas 292—Aspiração continua 293—Desínfectantes e sua theoria 295—Nova doctrina da febre traumática 296. XIII Mio-sarcoma do olho................ 396 . O que vale a palavra fongus 300—Reviramento dos bordos da ulcera e sua explicação 302—Caracteres clínicos do tumor 304—Ausência dos signaes de carcinoma 306—Pa- thogenia da producção mórbida 308—Contraprova do exame microscópico 310—Indicação da enucleação do olho 312— Receios de uma irido-cyclite 314—Terminação possível pela gangrena 315—Observação de um caso de ophtalmia sympathica 318—Manual operatorio da enucleação 321. XIV Da talha prerectal-- ............... *«5 Breve noticia dos resultados da operação 326—Da chloro- formisação 327—Processo attribuido ao professor Manoel Feliciano 331—Accidentes da chloroformisação 334—Da sideração; facto clinico 336—Dos ajudantes na operação da talha 340—Manual operatorio da talha prerectal 341—In- 4 TABOA DAS MATÉRIAS. noxiedade das tracções violentas na extracção do calculo 347—Disposição anatomo-pathologica da cavidade vesical 350. XV Hérnia inguinal estrangulada...... 353 Influencia da hereditariedade na producção das hérnias 354 —Acção das causas mecânicas 355—Variedades dè hér- nias inguinaes 357—Symptomas do estrangulamento 358— Taxis aperfeiçoado 359—Acção auxiliadora do café 363— Taxis pela atadura de Maisonneuve 367—Compressão de Lannelongue 368—Emprego do aspirador de Dieulafoy 369—Indicações da herniotomia 370—Manual operatorio 372—Meios de evitar a peritonite 376—Vantagens do opio * para combater este accidente 380. XVI Estreitamento das vias lacrimaes.... 391 Histórico do doente 382—Exame clinico c seos resultados 383—Meios seguros de chegar ao diagnostico 385—Cir- cumstancias causaes e pathogenicas 389—Analogia dos *- estreitamentos lacrimaes e urethraes 391—Tratamento; suas indicações curativas 396—Injecçõesnas vias lacrimaes 397— Operação de Bowman 339—Processo de Weber 400-j-Ca- theterismo das vias lacrimaes 403. XVII Compressão cirúrgica............... 406 Seos effeitos nos aneurismas 407—Hemorrhagias traumá- ticas 408—Curativo das feridas 409—Operação da cataracta 410—Fracturas 411—Pseudarthroses 412—Fracturas com- plicadas; caso clinico 413—Estreitamentos de canaes 414 —Hemorrhagias internas 415—Compressão de tumores 415—Affecções das veias 416—Ulceras 417—Orchite 417 —Tratamento do pé-torto 418—Luxações 418—Affecções artículares 419—Resecções subperiostieas 420—Phleu- gmões; facto clinico 421. ERRATA. Pagina 9 por ephiteliaes—leia-se—epitheliaes 17 i anatonomica—leia-se—anatômica 27 » centractilidade—leia-se—contractilidade. 31 » encontramos entre muitos outros meios—leia-se —encontramos, entre muitos outros, meios 33 i d'esde—leia-se—desde 42 Recommenda-se—leia-se—Rccommendão-se 46 » Champhora—leia-se—Camphora 73 » não se haver assás generalisado—leia-se—não se haverem assás generalisado 87 » extincta emissão*—leia-se—extincta a emissão, 101 » que a constitue,—leia-se—que a constituem, 107 » certicaes—leia-se—corticaes 118 » 2 por mil,—leia-se—2 por mil para as cataractas, 118 » pouco mais—leia-se—pouco menos 119 » tornão a moléstia mais freqüente n'esses logares —leia-se—torna a moléstia mais freqüente en- tre nós. 209 > stygmatismo—leia-se—astygmatismo 213 » Devo, notar,—leia-se—Devo notar, 218 » Cifra—leia-se—algarismo 240 » Passa depois—leia-se—Passa-se depois 299 » tratar-se—leia-se—tratar v « 390 > lubrificar o globo do olho, procura—leia-se— lubrificarem o globo do olho, procurão Typographia de J. G. Tearinho—1872. \ A s /F\/ NATIONAl IIBRARY OF MEDICINE NATIONAL IIBRARY OF MEDICINE NATIONAl IIBRARY OF MEDICI 3Nnia3w jo Aavaan ivnouvn snidicisw jo Aavaan ivnouvn 3nidiq3w jo Aavaan ivnoii NATIONAL IIBRARY OF MEDICINE NATIONAl LIBRARY OF MEDICINE NATIONAl IIBRARY OF MEDICI 3Nl'AH3aNIB salONA3U NATIONAL LIBRARY OF MEDICINE NATIONAL LIBRARY OF MEDICINE NATIONAL IIBRARY OF MEDlCI' NLM005549620