H y \ ^STa? NLM005547632 3#£ COLLECCÃO DE Observações de Cirurgia PELO Sr. 3oaé ^treira-dSitiinarãta Lente substituto da Escola de Medicina, Membro titular da Imperial Academia de Medicina, Cavalleiro das Ordens do Cruzeiro e Rosa, condecorado com as medalhas do combate naval do Riachuelo, tomada de Currientes e geral da campanha do Paraguay, Cirurgião da Casa de Saúde de Nossa Senhora d'Ajuda, etc, etc. SURiJl: ONíiENíiRA.LS Gi-rlCE NüV2tíl899 RIO DÍT^HílYEIKO/ 7 BROWN & EVARISTO, ED/TORES 53 Rua da Quitanda 53 1876 wo I.' OBSERVAÇÃO ANEURISMA DA CARÓTIDA PRIMITIVA ESQUERDA Applicação da electricidade sobre a superfície externa do tumor. Primeiro e único caso conhecido do emprego deste processo. —Cura. Casimiro, de quarenta annos de idade, pardo, temperamento sangüíneo, constituição forte, de estatura bastante alta, brasileiro e carregador, entra para a Casa de Saúde de Nossa Senhora d'Ajuda, a 5 de Janeiro de 1874. Este doente apresenta, na região cervical lateral esquerda um tumor pulsatil, distando 21/2 centímetros da clavicula, estendendo-se até perto do bordo superior da cartilagem thyroide e situado por baixo do músculo esternonnastoideo, a cujo bordo anterior excede um pouco, em cima. Este tumor é movei e não parece adherir nem ás partes profundas, nem as superficiaes e tem o volume de um pequeno ovo de gallinha. A pelle que o cobre não tem a menor alteração. Elle é algum tanto reductivel e além de pulsações isochronas 4 ANEURISMA DA CARÓTIDA ás pulsações arteriaes, apresenta um verdadeiro movimento de expansão, que se passa em toda a sua extensão. A escuta faz perceber nelleum ruido de sopro diastolico. Dobrando a cabeça do doente, sobre o thorax e inclinando-a um pouco para o lado doente, percebe-se que o tumor faz parte da carótida primitiva, com a qual continua-se, tanto em baixo como em cima. Comprimindo a artéria um pouco abaixo, cessa de pulsar e expandir-se e diminue de volume, ao passo que a compressão acima, o faz augmentar e pulsar mais violentamente. As artérias temporaes do lado doente pulsão i com menos intensidade, do que as do lado são. O doente soffre também de zunido nos ouvidos e vertigens. A escuta, sobre o thorax, não indica lesão do coração ou da aorta. O doente não sabe a que attribuir o apparecimento do tumor, que data de cerca de três mezes e me informa que logo no principio sentio dores fortes, diminuindo estes soffrimentos, um mez depois da existência da moléstia. Não se lembra de ter tido outras moléstias, além de cancros venereos, bubões e blenhor- rhagia. A' vista do que acabo de expor, vê-se que se tratava de um caso de aneurisma da ca- ANEURISMA DA CARÓTIDA 5 rotida primitiva esquerda, diagnostico, com que concordarão os collegas que virão o doente e en- tre elles os Drs. Eiras e Hilário de Gouvêa. Pretendia fazer a ligadura da artéria, entre o tumor e o coração, para o que dispunha do vaso, na extensão de perto de seis centímetros, ; espaço suínciente para poder esperar a formação e persistência do coagulo; e portanto garantia, até certo ponto, contra a hemorrhagia secun- daria. « Nada, porém, me foi possível tentar, porque as pessoas que havião mandado o doente, para a Casa de Saúde, fizeram-n'o retirar, no dia 17 de Janeiro. A 3 de Outubro, desse mesmo anno, voltou de novo para a Casa de Saúde. O tumor tinha eitão tomado proporções assustadoras, estendia-se até abaixo da clavicula e tinha um volume quatro vezes: maior do que em Janeiro. Crescera tão rapidamente, segundo as informações, poucos dias antes de entrar para o Hospital, que o desgraçado receiava morrer em breve. Não era possível tentar a ligadura, era im- prudente fazer uso das injecções coagulantes, contra-indicadas em aneurismas tão volumosos, hesitava em empregar a electro-punctura e a com- pressão directa. Lembrei-me então de um meio, ainda não 6 ANEURISMA DA CARÓTIDA aconselhado, nem tão pouco empregado (que me conste ao menos) : — os choques electricos sobre a superfície externa do tumor. Calculei que tal- vez conseguisse a coagulação e portanto a cura do tumor. Antes, porém, de lançar mão da electricidade comecei a fazer applicar o gelo sobre o aneurisma, o que se fez constantemente até o dia 24, sem que houvesse a menor modificação. No dia 25, appliquei os dois electrodes de uma machina electrica, collocando alternativamente os pólos positivo e negativo, sobre diversos pontos do tumor, ora approximando-os, ora affastando-os. A machina escolhida foi de força semelhante á electro-magnetica de Gaife. Os choques erão dados com a força com que se costuma dar, nos casos de paralysia muscular, elevando-a até o doente poder toleral-os. Sob a acção da corrente, o esterno-mastoideo còntrahindo-se forte e dolorosamente, contribuía, para fazer diminuir o tumor. A applicacão durava dois minutos, sendo interrompida de vez em quando, visto o doente soffrer bastantes dores, as quaes cessavão, porém, logo depois. Depois da primeira sessão, notei que o tumor havia diminuído, se tornara mais duro e pulsava menos. No dia immediato, parecia mesmo um pouco ANEURISMA DA CARÓTIDA 7 menor, mas receiando provocar inflammação, só fiz a segunda sessão, um dia depois (27). Forão seguidas as mesmas regras e observados os mesmos phenomenos. No dia 30 de Outubro, teve lugar a terceira applicacão e a 2 de Novembro a quarta. No dia 3, notava-se que o tumor diminuíra; a pelle, porém, estava rubra, tensa ; havia dôr e um pouco de calor, mas não reacção geral. Foi empregado o gelo com o fim de combater esse estado innammatorio, o qual cedeu no fim de dois dias. Nos dias 6 e 11, houve as duas ultimas sessões de electricidade, no intervallo das quaes reproduzirão-se phenomenos de inflammação, que cederão ao uso do gelo. O tumor foi sempre diminuindo, tomou-se mais duro e pulsava muito lentamente, achando- se no dia 22 reduzido a dous terços de volume. Pretendia esperar, acompanhando a marcha do tumor e só voltar á electricidade, no caso de tender a augmentar outra vez, quando foi exigida a alta do doente. A muito custo e bem contra a vontade, concedi-lh'a, recommendando-lhe o maior repouso possivel. Só dous mezes depois é que tive occasião de vêl-o apparecer^me* e com grande satisfação verifiquei que os meus esforços tinhão sido co^- 8 ANEURISMA DA CARÓTIDA roados do mais brilhante resultado. O tumor estava completamente endurecido, sem o menor batimento e reduzido a quasi metade do volume, que tinha, quando sahio da Casa de Saúde. Informou-me então o doente que o aneurisma fora pouco a pouco diminuindo, cessando de bater inteiramente, um mez depois de ter alta. Recommendei-lhe que me apparecesse de vez em quando e não carregasse fardos. En- contrei-o muitas vezes depois e apesar de sempre carregar pesos (uma vez vi-o com um cesto enorme de pão sobre a cabeça) o tumor foi sempre diminuindo, achando-se em principio deste anno reduzido a um núcleo duro, achatado , mais ou menos circular e do volume de uma pe- quena moeda de nic- kel .Tive então oc- casião de apresentar, á Academia Imperial de Medicina, o doente e a photographia, que o represantava com o aneu- risma, antes deser tratado pela electricidade (Vide a gravura). Meus collegas verificarão que a cura se effectuára completamente. ANEURISMA DA CARÓTIDA 9 Ainda ultimamente o tenho encontrado e a cura persiste, apesar de entregar-se ao ofíicio de carregador e de abusar de bebidas alcoólicas. Eis pois um facto de cura de aneurisma e de aneurisma volumoso, só pelo emprego das correntes electricas, applicadas sobre a parte exterior do tumor. Este facto, authenticado por um grande numero de collegas, que observarão o doente, durante o tempo em que se achou na Casa de Saúde de Nossa Senhora d'Ajuda e depois pelos membros da Academia de Medecina, que reconhe- cerão a cura completa do tumor; é talvez o único, qu.e a sciencia possue. Recorrendo, com effeito, a um grande numero de trabalhos sobre cirurgia, tanto antigos como modernos, não me foi pos- sível encontrar um só, em que a electricidade tivesse sido empregada, ou aconselhada desse modo, havendo mesmo completa omissão a esse respeito. A electricidade, como é sabido, tem sido aconselhada e empregada com mais ou menos êxito, levando-se as correntes ao interior do tumor, por meio de agulhas, que o atravessão de fora para dentro e ás quaes se prendem os reophoros de uma pilha, de correntes continuas constituindo assim o processo da electro-punctura o qual se considera dever a invenção a Pravaz e Guérard, 2 10 ANEURISMA DA CARÓTIDA e a Pétrequin e pouco depois a Ciniselli, de Cremona, os primeiros successos; Pétrequin, em uma aneurisma da temporal e Ciniselli em um da poplitéa. Entre nós é conhecido o facto de cura de aneurisma da carótida, pelo notável cirurgião brasileiro Antônio da Costa. Este processo, para ser seguido de resultado mais seguro, exige a compressão da artéria, acima e abaixo do tumor, afim de que o sangue, durante a operação, não passe pelo tumor, o que impediria até certo ponto, a formação dos coágu- los e os poderia arrastar, quando formados, para algum ponto da arvore circulatória, occasionando assim uma embolia. Em meu doente, era impossível fazer a com- pressão, entre o sacco e coração, e apesar de assim poder tentar a electro-punctura, visto como devia-se fazer alguma cousa, afim de vêr si se conseguia, sinão a cura, ao menos -a diminuição do tumor, lembrei-me de que talvez algum resul- tado conseguisse, empregando, as correntes elec- tricas, do modo já indicado. Não se pôde attribuir aqui a cura, ao gelo, porquanto empregado a principio em nada influiu, sendo sua applicacão posterior, com o fim de combater a inflammação, que por mais de uma vez ameaçou desenvolver-se. E' só á electricidade, que deve ser attribuida. ANEURISMA DA CARÓTIDA 11 Sob sua acção, notava-se sempre que, não só havia diminuição e dureza do tumor, na occasião, como também estas modificações persistião e se pronunciavão mais nos dias seguintes, percebendo- se, porém, que depois das duas primeiras sessões, não se observarão tanto, como depois das outras. Como explicar a acção da electricidade neste caso? Por uma acção coagulante, sem duvida, que deu em resultado a formação de coágulos, a qual deve ter sido auxiliada em parte, pela compressão exercida, pelo esterno-mastoideo, cuja contracção, sob a influencia das correntes, fazia também diminuir o volume do tumor. Os coágulos provocarão provavelmente algum trabalho inflammatorio, no saco, auxiliando sua obliteração. Seja, porém, como fôr, o que é certo é que a cura teve lugar, pela acção das correntes de inducção, que não são consideradas dotadas de poder tão coagulante do sangue, como as cor- rentes continuas, e o que também está fora de duvida é que a electricidade, applicada do modo por que a appliquei, constitue um processo cirúr- gico para a cura dos aneurismas, mais simples e muito mais innocente, do que a electro-punc- tura. Deve evitar mais a gangrena e com cer- teza as hemorrhagias, pelos pontos de penetração das agulhas. 2.a OBSERVAÇÃO ANEURISMA DA ARTÉRIA POPLITÉA DIREITA EM UM INDIVÍDUO MOC0 Cura pela compressão mechanica, indirecta e intermittente da crural, na dobra da verilha A. F. de Paiva, de 26 annos de idade, allemão, solteiro, ferreiro, entrou para a casa de Saúde de Nossa Senhora d'Ajuda, a 3 de Julho de 1875. Este doente, de temperamento sanguineo, constituição regular, apresenta na região popli- téa direita, no ponto occupado pela artéria desse nome, um tumor volumoso, de fôrma ovoide e bastante pulsatil. Esse tumor não tem phenomeno algum que indique um estado de reaccão inflammatoria; seu diâmetro longitudinal é maior do que o trans- verso. O primeiro tem pouco mais ou menos 10 centímetros, e o segundo de 5 a 6, na parte mé- dia. A pelle não adhere ao tumor e escorrega sobre elle, 14 ANEURISMA DA ARTÉRIA Esse tumor apresenta pulsações isochronas com as pulsações arteriaes, e um movimento de expansão, perceptível á vista e á mão collocada sobre elle. Comprimindo a artéria femoral, lia dobra da verilha, cessão as pulsações e os movimentos de expansão, ao mesmo tempo que o tumor diminue um pouco de volume. Assim que cessa a compressão, continuão de novo a se manifestarem as pulsações e ex- pansão. A artéria pediosa e a tibial posterior, examinada atraz do maléolo interno, tem ba- timentos, muito fracos, contrastando com os das artérias do membro opposto, que são bastante pronunciados. Applicando o ouvido, observa-se um duplo ruido de sopro, systolico e diastolico. A circum- ferencia do membro, medida um pouco abaixo da rotula, e no ponto correspondente ao centro do tumor, é de 34 centimetros. Nesse mesmo ponto, a pelle apresenta uma pequena excoriação e echymose, conseqüência de um apparelho, que fora applicado com o fim de produzir a compressão directa do tumor. A perna está um pouco edemaciada. O doente sente algumas dores no tumor, dores que se exacerbão no andar. Quando tenta caminhar, a perna é ata- POPLITÉA DIREITA 15 cada de algum tremor, que cessa logo que se deita. O doente faz datar a moléstia do fim do mez de Maio deste anno. Refere que, correndo, em um dia chuvoso, teve de saltar um fosso, depois do que sentiu um estallo ou choque na curva da perna, acompa- nhado de uma pequena dor, que o fez parar. Estes phenomenos, porém, tiverão a duração de um instante, e elle continuou a correr. Durante 8 dias nada sentiu, até que no fim desse tempo começou a ter dôr e pulsações in- commodas na curva da perna. Durante mais de uma semana continuou a dar-se ao trabalho, que teve de abandonar, não só porque um tumor começou a desenvolver-se e a crescer, mas também porque as dores erão in- supportaveis, quando se conservava de pé por algum tempo, e a perna era atacada, nessa atti- tude, de um tremor nervoso. Consultou alguns médicos, um dos quaes lhe mandou fazer um apparelho, que applicou sobre o tumor, mas crescendo este cada vez mais, e as dores tornando-se intoleráveis, sempre que applicava o tal apparelho, viu-se obrigado a entrar para a casa de Saúde de Nossa Senhora d'Ajuda. As moléstias, que teve anteriormente a esta, forão rheumatismo, cancros venereos e bubões. 16 ANEURISMA DA ARTÉRIA O rheumatismo durou um mez e o affectou, ha 5 annos pouco mais ou menos, os cancros venereos e os bubões se manifestarão, haverá cerca de 2 annos. Á vista do que acabo de expor, vê-se que era uma aneurisma da artéria poplitéa direita. Resolvi tratal-o pela compressão a distancia e intermittente, comprimindo a femural na dobra da verilha. No primeiro dia (25) fez-se a compressão di- gital, durante 2 horas de manhã e 1 */» nora de tarde. Dia 2Q.—Não dispondo de numero suficiente de ajudantes, deliberei fazer a compressão, por meio do torniquete, de Petit. Nesse intuito, fiz collocar trez compressas graduadas sobre a ar- téria femoral, na dobra da verilha ; sobre essas compressas, a pelota com o parafuso, e o laço ou fita do torniquete, passando sobre a espinha illiaca antero-superior do lado opposto e depois sobre a parte posterior da raiz da coxa direita, e por fim á pelota compressora. Ficou d'este modo envolvida toda a bacia. Convém observar que só houve applicacão da pelota com as placas e o parafuso, sobre a artéria. A pelota não foi approximada da artéria POPLITÉA DIREITA 17 muito fortemente, sendo necessário applicar a mão sobre o parafuso do torniquete, e fazer uma pequena pressão sobre elle, para que a artéria cessasse completamente de pulsar. D'este modo podia a compressão fazer-se, com o auxilio do próprio doente e de uma pes- soa mais. Graças a elle e ao Sr. Bernardo, um dos enfermeiros mais distinctos e dedicados que tenho encontrado, poude a compressão fazer-se sem ces- sar durante muitos dias. Recommendei ao doente que sempre que cessasse a compressão, procurasse conservar o mais tempo possível a perna em flexão. Durante oito dias a compressão foi feita cinco horas de manhã e duas á tarde. Dia 27.—Hontem sentiu dores que augmen- tárão um pouco á noute, e que começando no tumor, se estendião ao longo da perna. Não poude conservar a perna muito tempo em flexão porque as dores augmentavão sempre que o fazia. Hoje nada sente na dobra da verilha. A compressão é feita trez horas de manhã e duas á tarde. As dôros forão ainda mais fortes durante a compressão, sentiu muito peso de cabeça e não podia conservar-se muito tempo sentado, por fi- car tonto. 3 18 ANEURISMA DA ARTÉRIA No lugar da compressão apenas sente um pequeno encommodo, durante o tempo cm que está applicado o torniquete. Dia 28.—De manhã, quatro horas de com- pressão ; á tarde trez. As dores ainda se manifestão no tumor, mas são um pouco mais toleráveis. O doente esperi- menta sensações especiaes. Além do pezo de cabeça, diz que durante a compressão, sente correr o sangue pelo corpo e descer pelo membro abdominal esquerdo. Estas sensações persistirão durante muitos dias, até pouco antes do tumor cessar de bater, e a sua razão de ser é completamente explicada pela interrupção da circulação no membro abdo- minal direito e o seu refluxo para outros pontos da arvore circulatória. Dia 29.—Suspendendo-se a compressão, nota- se que o tumor está um pouco mais duro, de- primido no centro, menor e pulsa com pouca força. Trez e meia horas de compressão de manhã; duas e meia á tarde. Dia 30.—As dores tem quasi cessado. A' tarde as pulsações mal se percebem, o tumor está mais duro, e sente-se bater/ sobre a sua parte média e ao longo de seu maior eixo, uma pequena artéria. POPLITÉA DIREITA 19 Cinco horas de compressão, de manhã; trez á tarde. Dia 31.—As 6 horas da manhã nota-se que o tumor cessou de pulsar, está duro e um pouco menor. Quatro e meia horas de compressão de manhã, e duas a tarde. Dias 1 a 22 de Agosto.—Apezar do tumor deixar de pulsar, continuou-se a fazer a com- pressão até o dia 22 de Agosto. Ella teve lugar de oito a doze horas por dia, sendo de manhã algumas e á tarde outras. Durante esse tempo foi o tumor endurecen- do, deprimindo-se no centro e diminuindo cada vez mais. No dia 2 de Agosto, nota-se que, ao passo que a artéria femoral, acima do ponto em que o torniquete tem sido applicado, apresenta uma pulsação muito violenta, abaixo pulsa de um modo imperceptível. Parece que apenas um filete de liquido atravessa o seu interior. Ao longo da coxa, parece ser constituída por uma fita acha- tada. Estes phenomenos continuão a ser obser- vados ainda hoje (22 de Agosto). Para o lado do joelho, o aneurisma está reduzido a um pequeno tumor, que terá quando muito o volume de um pequeno ovo de galli- nha. Esse tumor é duro e não apresenta a me- 20 ANEURISMA DA ARTÉRIA nor pulsação, excepto em sua parte média onde pulsa uma artéria, que está volumosa e parece ser uma das gêmeas. As outras artérias collateraes tem augmen- tado muito de volume, notando-se perfeitamente as duas collateraes interna e externa superiores. Não se percebe ainda pulsações na pediosa e tibial posterior, cujas pulsações tinhão cessado, desde o dia em que o aneurisma parou de bater. A perna, que apresentava algum edema, logo que o doente veio para a casa de saúde, está no estado normal. No dia 15 a circumferencia do membro era de 32 */2 centimentros, De 22 de Agosto até 9 de Setembro.—O tu- mor tem ido diminuindo cada vez mais. Os ramos collateraes que cercão o joelho são muito volumosos, e o que occupa o concavo poplitéo tem adquirido proporções mais conside- ráveis. Na artéria femoral, da dobra da virilha para baixo, ainda continuão a haver pulsações muito fracas, contrastando com as da artéria collocada immediatamente acima, onde sente-se o impulso forte da onda sangüínea. Desde o dia em que foi suspensa a com- pressão permitti ao doente fazer exercícios com POPLITÉA DIREITA 21 o membro, que conservara em repouso durante todo o tempo em que ella foi exercida. Considero a cura definitiva, apezar do que, pretendo conservar o doente no hospital ainda algum tempo. E' mais um facto a registrar de cura de aneurisma pela compressão. E' o primeiro, no Brasil, em que a compressão mecânica foi em- pregada com successo, no tratamento do aneu- risma poplitéo. Entre nós, bem poucas têm sido as tentativas de cura dos aneurismas pela compressão, pre- ferindo-lhe, em geral, os cirurgiões a ligadura, pela presteza, e quiçá pelo brilho do processo operatorio. Os casos em que têm sido empregada, se- gundo as minhas indagações e sobretudo as do Sr. Campello, distincto alumno da Eschola do Rio de Janeiro, o qual escreveu uma dissertação sobre o aneurisma poplitéo, são os seguintes: Os Drs. Otto Wucherer, Paterson e Caldas, na Bahia, em 1859, tentaram a compressão me- cânica da crural, em um doente de aneurisma poplitéo. Houve engorgitamento doloroso, que obri- gou-os á recorrerem á ligadura. Em 1864 foi empregada a compressão me- 22 ANEURISMA DA ARTÉRIA canica pelo Sr. Dr. Pertence, em um doente da casa de Saúde de Nossa Senhora d'Ajuda, sem o menor resultado. O mesmo cirurgião tentou em uma doente de côr preta, a compressão digital. Esta foi feita durante oito dias, conseguindo-se fazer o aneurisma diminuir um pouco e enfraquecer os seus movimentos de expansão. No fim desse tempo foi abandonada, e o Sr. Dr. Pertence empregou a ligadura. Em ambos estes casos tratava-se de aneu- rismas poplitéos. Em 1869, o Dr. Matheus de Andrade obtém a cura de um aneurisma plantar pela, compressão da tibial posterior, exercida pelo próprio doente. Neste mesmo anno, curei um doente, que apresentava um tumor aneurismatico, do ramo frontal, da temporal superficial direita. Foi praticada a compressão directa e con- tinua, por meio de uma pequena moeda de cobre envolvida em panno. Este processso foi por mim empregado, a conselho do distineto e malfadado cirurgião o Dr. Matheus de Andrade. Em 1872 o Dr. Moura, professor de Clinica Cirúrgica da Escola de Medicina da Bahia, obtém a cura de um aneurisma poplitéo, pela compressão digital. POPLITÉA DIREITA 23 Este mesmo cirurgião, em Maio deste anno, curou pela compressão digital um aneurisma da radial, na boceta do anatomista. O Sr. Barão de Itapoam empregou com vantagem a compressão digital em um aneurisma da carótida externa. O resultado não poude ser completo na Bahia, porque o doente retirou-se para Lisboa, aonde insistiram no tratamento iniciado pelo Sr. Barão de Itapoam, effectuando-se a cura. Como se sabe, é aos cirurgiões italianos em primeiro lugar, aos francezes e sobretudo aos irlandezes, que se deve a introducção, e o con- ceito de que goza a compressão, no tratamento dos aneurismas. A compressão pôde ser : digital ou mecânica, total ou parcial, directa ou indirecta, continna ou intermittente. Digital, quando exercida com o auxilio dos dedos. Mecânica, quando o é por meio de instru- mentos (pelotas, torniquetes, pezos de chumbo, etc.) Total, quando interrompe completamente a passagem do sangue para o tumor. Parcial, quando o deixa passar apenas em pequena quantidade. Directa, quando exercida sobre o tumor. Indirecta, quando o é, acima ou abaixo deste. 24 ANEURISMA DA ARTÉRIA Continua, se actúa constantemente até ser suspensa. Intermittente, quando a sua acção é inter- rompida de vez em quando. A compressão digital deve ser preferida, sempre que houver um numero sufficiente de ajudantes bem dispostos. Fora destas circums- tancias, póde-se lançar mão da compressão me- cânica ; uns preferem a compressão total, outros a parcial. Broca emprega primeiro a compressão em dous tempos. A compressão parcial é mantida até o tumor tornar-se firme, irreductivel e pouco pulsatil, sendo justamente este o momento, em que elle deve estar cheio, até a metade, de coágulos. Logo que este resultado é obtido, Broca passa á compressão total, a qual pôde, segundo elle, em algumas horas, e quando muito em dous dias, fazer solidificar completamente o tumor. As razões em que se bazêa Broca, para aconselhar a compressão em dous tempos, parecem valiosas: 1." Com a compressão parcial, empregada a principio, obtem-se a formação dos coágulos a que elle chama activos, o que não succederia com a compressão total, que origina coágulos POPLITÉA DIREITA 25 molles, passivos, que não são tão aptos para obliterar o tumor. 2.4 A pelle habitua-se melhor a pressão, ou compressão parcial, de modo a tolerar mais tarde a compressão total. A compressão ainda pôde ser gradual, dupla ou alternativa. A compressão gradual approxima-se um pouco da compressão total, porque actúa só sobre um ponto, e differe delia, por ir diminuindo pouco a pouco a luz do vaso, até impedir completamente a passagem do sangue. A compressão dupla ou alternativa, aconse- lhada por Belmas, consiste em comprimir o vaso ora sobre um ora sobre outro ponto, afim de evitar os inconvenientes que podem resultar da pressão permanente sobre um mesmo ponto. Não pôde ser applicada aos aneurismas muito próximos do tronco, para os quaes é preferível a compreseão intermittente. A compressão pôde ainda ser feita ou acima ou abaixo do tumor. A primeira é a nnica que deve ser aceita. A segunda, proposta por Vernet, em fins do século XVIII é, no dizer de Follin, um triste recurso, porquanto em quasi todos os casos, em que foi posta em pratica, deu lugar á ruptura do sacco aneurismatico. 4 26 ANEURISMA DA ARTÉRIA De todos estes processos de compressão, o que abrange maior numero de applicações é o da compressão indirecta do tumor. A compressão directa só é bem indicada, para os pequenos aneurismas, principalmente quando elles se assestam em regiões, em que ha planos resistentes, como por exemplo a superfície exterior do craneo. Entre os processos de compressão indirecta vem em primeiro lugar o da compressão digital, e em segundo o da compressão mecânica. Como, porém, o primeiro nem sempre é exequivel, por falta de auxiliares, temos o grande recurso do segundo, que tem dado resultados brilhantes. Sempre que se tratar do emprego da com- pressão indirecta, entendo que se deve em pri- meiro lugar, recorrer á compressão intermittente, que pôde ser feita de manhã e á tarde, dando assim tempo de repouso ao doente. Se a pressão fôr insupportavel em um só ponto, póde-se varial-a mais para baixo, ou para acima. Depois de empregar, por alguns dias, a compressão intermittente, e no caso de não haver resultado, recorrer-se-ha então á compressão con- tinua, segundo os conselhos de Broca. Entendo que esta linha de conducta é a mais razoável, porque a compressão intermittente POPLITÉA DIREITA 27 vae estabelecendo melhor a tolerância do doente; e dado o facto de não conseguir a cura do tumor, tem-se pelo menos feito desenvolver a circulação collateral. Em meu doente foi feita a compressão inter- mittente, sempre no mesmo ponto, mas de modo a haver alternativas de compressão total e parcial, e a coagulação teve lugar em pouco mais de cinco dias. E' um dos casos mais felizes do emprego da compressão mecânica; e entre nós o primeiro, de aneurisma da poplitéa em que a cura foi obtida por este processo. Parecerá talvez exagerado 'o numero de dias, em que continuei ainda a insistir na compressão. Entendi que assim devia proceder por um excesso de precaução. Nunca tinha acompanhado um só caso, em que esse tratamento tivesse sido bem suecedido, além de que o doente nenhum encommodo experimen- tava, que me obrigasse a suspender a compressão. Não é meu fim estabelecer aqui uma compa- ração entre a compressão e a ligadura, porquanto a superioridade da primeira está ha muito decidida. Nem tão pouco possuir-me de um enthusias- mo mal cabido sustentando que a compressão é infallivel e portanto a ligadura deve ser repellida da cirurgia. O que é preciso, porém, tornar bem saliente 28 ANEURISMA DA ARTÉRIA é que a compressão dá resultados melhores do que a ligadura, tem menos perigo do que ella, e deve ser empregada em primeiro lugar. Embora em raros casos a compressão pareça ter feito os aneurismas progredir, todavia mesmo quando não é seguida de cura do tumor, fazendo desenvolver a circulação collateral, facilita o resultado da ligadura, aôastando mais a possi- bilidade da gangrena. A circulação, em meu doente, deve fazer-se á custa da femoral profunda, que como é sabido, origina-se a cinco centímetros do ligamento de Poupart e algumas vezes mesmo pouco abaixo deste ligamento. Aqui ella deve originar-se mais próximo do ligamento de Poupart. As collateraes do joelho e um ramo que segue na direcção do concavo poplitéo, pulsão fortemente e estão muito augmentadas de volume, ao passo que, a crural só pulsa forte e violentamente, ao nivel da arcada crural. No resto de sua extensão esta artéria é sentida, sob a fôrma de uma fita ou cordão achatado, o que parece indicar que coágulos se depositarão ao longo de suas paredes, deixando apenas um pequeno espaço, de permeio, por onde penetra um pequeno fio de sangue. Nada se pôde aventurar de positivo em re- lação ao destino da crural. POPLITÉA DIREITA 29 Obliterar-se-ha ella completamente? Voltará ás dimensões primitivas ou conser- var-se-ha sob a fôrma de um vaso de pequeno calibre ? A vista do tempo, em que se conserva com a pulsação constantemente fraca, acredito que ella, se não obliterar-se, não voltará comtudo ao volume primitivo. (*) (*) Esta observação estava redigida até o dia em que fiz sua lei- tura na Academia Imperial de Medicina, apresentando nessa occasião o doente sobre que ella versa. Hoje não resta o menor vestígio do tumor aneurismatico; a cir- culação não se restabeleceu na artéria crural nem é percebida de modo positivo na tibial posterior e na pediosa. 3.' OBSERVAÇÃO ANEURISMA VOLUMOSO DA PARTE SUPERIOR DA ARTÉRIA FEMORAL ESQUERDA EM UM INDIVÍDUO DE AVANÇADA IDADE Cura expontânea depois de violenta inflammação do sacco e de uma pequena puncção exploradora Frederico, de 50 annos de idade, natural da África, preto, solteiro, de temperamento san- guineo e de constituição regular, entrou para a Casa de Saúde de Nossa Senhora da Ajuda a 5 de Maio de 1875. Este doente apresentava na parte superior e anterior da coxa esquerda, no ponto corres- pondente a região inguino-crural, um volumoso tumor, o qual tinha pulsações isochronas com as pulsações arteriaes, acompanhadas de movi- mentos de expansão. Comprimindo a artéria crural, na dobra da verilha, as pulsações ces- savão e o tumor diminuía de volume. Desde o momento em que a compressão era suspensa, as pulsações reapparecião, sentindo 32 ANEURISMA VOLUMOSO então o doente dores agudas no interior do tumor assim que a circulação era restabelecida. Essas dores erão acompanhadas de movi- mentos convulsivos no membro affectado, movi- mentos que só cessávão no fim de alguns mi- nutos, depois que as dores acalmavão-se. A escuta fazia perceber um ruido de sopro muito intenso durante a diastole. A compressão feita na curva da perna, fazia o tumor augmentar um pouco mais e as pulsa- ções se exagerávão. Seja dito de passagem, o membro affectado era incompleto, tendo o doente soôrido anteriormente uma amputação da perna no terço superior. Os batimentos da artéria poplitéa erão mais enfraquecidos do lado doente do que do lado são. Esse tumor era enorme. Vinha desde a dobra da verilha até um pouco abaixo do limite do quarto superior da coxa. As suas dimensões erão no diâmetro longi- tudinal 11 7S centímetros, no transverso 14 */, centímetros, fazendo-se a medida, na parte média. A circumferencia do membro, no ponto mais alto do tumor era de 45 centímetros. Afora estes phenomenos, a pelle que cobria o tumor estava tensa, lusídia e dolorosa; havia DA ARTÉRIA FEMORAL ESQUERDA 33 muito calor e dores no tumor; pulso cheio, fre- qüente, língua coberta de saburra brandamente amarellada; sede, cephalalgia, e movimentos convulsivos no membro, toda a vez que se tocava no tumor, ou se suspendia a compressão da artéria acima. Os gânglios da verilha e do ventre estavão um pouco augmentados de volume. O exame da caixa thoraxica revelou um estreitamento do orifício aortico e dilatacão da aorta. Este doente disse-nos ter vindo para o Brasil, em uma idade que elle calcula em 12 annos, residindo durante algum tempo na Bahia, e depois desde muito no Rio de Janeiro. Sua profissão tem sido sempre a de carre- gador de café, serviço muito pesado. Ha 30 annos pouco mais ou menos, uma pilha de café cahiu-lhe sobre a perna esquerda, deixando-a em tal estado que foi preciso pra- ticar-se a amputação, a qual, segundo se vê foi pelo methodo circular. Continuou sempre a andar e a trabalhar, ajudando os companheiros a carregar o café, e trazendo sempre a perna em um pilão (perna de páo). Não se lembra de ter tido outra moléstia a não ser essa. 5 34 ANEURISMA VOLUMOSO Ha 6 mezes, porém, ajudando a levantar um sacco de café sentiu uma grande dôr e um estalo ao nivel da verilha, propagando-se a dôr pelos lombos e iliacos. Essas dores durarão poucos dias, no fim dos quaes voltou de novo ao trabalho, conti- nuando a usar da perna de páo. No fim de 15 dias, começou, porém, a notar a formação de um pequeno tumor, que pulsava, e que foi augmentando progressivamente até que, ha cerca de 4 para 6 dias, começou a inflammar e a doer muito. A vista da exposição, que acabo de fazer, vê-se que se tratava de um aneurisma, da parte superior da artéria crural direita, aneurisma que se estendia até quasi a illiaca externa, e se achava em trabalho inflammatorio. Era portanto um caso muito grave, cuja terminação parecia dever ser a mais desagra- dável possível. Fiz consistir o tratamento em combater o estado inflammatorio, decidido a proceder mais energicamente, conforme a marcha da mo- léstia. DA ARTÉRIA FEMORAL ESQUERDA 35 Foi-lhe prescripto o seguinte ; Uso interno : Mistura salina simples................ 300 grammas Acetato de ammonea................. 4 grammas (M. Mde.) Tomar um cálice de hora em hora. Uso externo: Pomada de belladona camphorada (sobre o tumor). Dia 6.—A reação geral tinha diminuído um pouco, o estado local era mais exagerado. Não tendo o doente evacuado foi-lhe pres- cripto : Uso interno: Sulphato de magnesia................ 60 grammas Mistura salina simples................ 360 grammas Uso externo: A mesma pomada e mais cataplasma de linhaça laudanisada en- volvendo toda a parte superior da coxa. Dia 7 a 10.—O estado geral foi sempre me- lhorando, cessando quasi no dia 10 o movimento febril. Quanto ao tumor, augmentou mais, tornan- do-se as dores cada vez mais intensas, e persistindo sempre os batimentos. Uso interno: Água de louro-cerejo............... 10 grammas Xarope de lactucario................ 30 grammas Água distillada de tilia ............ 150 grammas (M. Mde.) Ascolheres de sopa. Dia 11.—As dores locaes erão intoleráveis. O tumor, porém, cessou de bater, esten- deu-se para a parte posterior e lateral da coxa, e apresentava fluctuação muito evidente. 36 ANEURISMA VOLUMOSO A noute as dores continuando intoleráveis, foi- lhe prescripta uma poção com duas grammas de hydrato de chloral, conseguindo então o doente grande allivio. Dias 12 a 15.—O tumor tem continuado a augmentar, notando-se fluctuação cada vez mais manifesta. A pelle na parte média e anterior está tensa. Alguns calafrios, acompanhados de suores tem-se manifestado para a noite. Receio que uma ruptura do sacco não esteja muito longe de effectuar-se, pois ha todas as probabilidades de formação de pús. No dia 15 decido-me a fazer uma puncção exploradora, com um dos pequenos trocarts do apparelho de Potain. Praticada a puncção, nada sahiu pela ca- nula. Introduzo um estilete, o qual penetra no interior do tumor e atravessa uma massa molle que não era outra cousa senão coágulos sangüí- neos. Retirado o estilete, apenas sahiu algum sangue de côr negra, constituído por uma porção liquida, aquosa, tendo de mistura pequenas porções de coágulos muito divididos. O estilete, de novo introduzido, e dirigido em diversas sentidos e a pouca profundidade atra- vessa massas de coágulos. DA ARTÉRIA FEMORAL ESQUERDA 37 E' retirado de novo, dando lugar á sabida de sangue, com os caracteres acima. Tiro a canula do trocart e com um pequena compressa e atadura circular, faço uma compres- são moderada sobre o ponto punccionado O exame mostrou pois que não havia pús, e sim coágulos no interior do tumor. Dias 17 e 18.—No dia immediato ao da puncção, começou o tumor a diminuir, tanto que no dia 18 a mensuracão da circumferencia da coxa era de quarenta e dous centímetros. Dias 19 de Maio á 18 de Julho.—Durante todo este tempo, a coxa foi diminuindo de vo- lume, o tumor se reabsorveu a ponto de se achar reduzido a um pequeno tumor duro, occupando o meio do triângulo de Scarpa, e tendo o volume de um pequeno ovo de gallinha. A circulação que se suspendera completa- mente na artéria poplitéa tinha-se restabelecido, de modo a sentir-se essa artéria pulsar, ainda que muito fracamente. O estado geral é excellente. Dias 19 á 24.—Durante estes dias, o tumor tem desapparecido completamente, a ponto de só se notar um pequeno endurecimento diffuso, ao longo da artéria crural, no triângulo de Scarpa. Do repouso no leito, fiz o doente passar a 38 ANEURISMA VOLUMOSO um exercício moderado, fazendo-o usar de duas moletas, para se apoiar. A 24 de Agosto insiste pela alta, a qual é obtida recommendando-lhe eu, de não fazer o menor serviço e de abandonar a perna de páo, afim de evitar todo e qualquer esforço sobre o membro. A importância desta observação é summa- mente grande. Trata-se de um tumor aneurismatico, occu- pando uma artéria importante, e atacado de uma inflammação, que parecendo querer terminar por suppuração ou por gangrena, curou-se entretanto por coagulação do sangue, e reabsorpção conse- cutiva dos coágulos. Entre os factos de cura de aneurismas in- guinaes ou da parte superior da artéria femoral não consta, segundo Follin, a cura senão por gangrena, e só em casos muito raros, e acom- panhados de maiores accidentes. Follin cita uma observação de M. A. Severino, em que a cura se effoctuou, por esphacelo de todo o tumor, e um de Abernethy, em que ella levou um anno a effectuar-se. Cita ainda casos em que a morte teve lugar. Um de Guattani, em que sobrevindo a gan- DA ARTÉRIA FEMORAL ESQUERDA 39 grena, destacárão-se muitas escháras compostas do sacco e tecidos adjacentes. O doente apenas sobreviveu cinco semanas á destruição da artéria femoral, acima da origem da profunda. A morte teve lugar por exgoto de forcas. Achou-se a artéria illiaca muito contrahida e occupada plenamente por um coagulo consis- tente. Nestes casos a morte sobreveio em geral por adynamia ou hemorrhagia. Em outros aneurismas, póde-se dar a cura por inflammação, com formação de coágulos no interior do tumor, por suppuração entre o tumor e as partes molles ou no interior do tumor e por gangrena. Nos casos de suppuração pôde ter lugar a perfuração do aneurisma, a qual, se não é se- guida da expulsão dos coágulos, que impedem a hemorrhagia, pôde terminar pela cura. Neste caso além da cura fazer-se por in- flammação, teve lugar em um espaço muito curto (dous mezes) e sem acompanhar-se de sympto- mas muito graves. O diagnostico não podia ser senão de um aneurisma em trabalho inflammatorio, convindo aqui notar um symptoma bastante importante que teve lugar: era a dôr excessiva acompanhada de convulsões do membro, toda a vez que ten- 40 ANEURISMA VOLUMOSO do-se comprimido a artéria, e cessando a com- pressão o sangue penetrava no interior do sacco, o qual, inflammado, resentia-se do choque da onda liquida. Notou-se aqui entre as causas, uma que é freqüente na producção destes aneurismas: con- siste em exforços empregados pelo doente para levantar fardos. Houve também a sensação de dôr e de es- talo, por occasião do esforço. A conducta por mim seguida não podia ser mais prudente. Tratava-se de um aneurisma, em trabalho inflammatorio, em um indivíduo velho, e que soffria de uma lesão cardíaca. Deveria eu praticar a ligadura da artéria illiaca externa, única ligadura possivel? Certamente que não. Esperei tanto quanto foi possivel, procu- rando combater o estado local e geral, e desde o momento em que o tumor cessou de bater, foi augmentando progressivamente e teve os signaes prováveis de suppuração, preveni tudo para, no caso de qualquer accidente, intervir de um modo mais enérgico. Vendo, porém, que as cousas se conservavão no mesmo estado, e temendo uma absorpção pútrida, pratiquei uma pequena punção DA ARTÉRIA FEMORAL ESQUERDA 41 a qual demonstrou estar o tumor inteiramente cheio de coágulos. Esta puncção foi muito innocente, parecendo mesmo ter apressado o trabalho de resolução. Neste doente, quer o tumor não se acom- panhasse de trabalho inflammatorio, quer mesmo a gangrena tivesse lugar, eu teria praticado a ligadura da illiaca externa, sem emprego da anesthesia. E' este o facto que entendi communicar á Academia, facto não só notável pela raridade, como também porque é uma manifestação exhu- berante dessa força poderosa da natureza, que em casos em que a vida parece estar condemnada definitivamente, faz verdadeiros milagres. (*) (*) O doente objecto desta observação acha-se completamente restabelecido. 6 V 4.á OBSERVAÇÃO CASO DE ESMAGAMENTO DE DEDOS Feridas contusas e com dilacerações, nos quatro últimos dedos da mão direita.—Abertura da segunda articulação phalangeanado dedo indicador.—Luxação com arrancamento e descolamento da segunda phalange do dedo médio, no ponto correspondente á segunda articulação phalangeana.— Emprego do álcool camphorado e do curativo por oclusão.—Rescisão total da segunda phalange do indi- cador.—Cura. Agostinho, preto, natural d'Africa, de 60 annos de idade, temperamento sangüíneo e cons- tituição forte, entrou para a casa de Saúde de Nossa Senhora d'Ajuda, a 30 de Maio de 1874. Em épocas anteriores, foi atacado de rheu- matismo nodoso nas articulações dos pés e mãos, do que lhe resultou ter algumas das articulações metacarpo-phalangeanas e phalangeanas das mãos algum tanto ankylosadas. Não se lembra de ter tido moléstias venereas. A 26 de Maio, estando em uma falúa, atra- cada a um vapor, em um dos movimentos de afastamento da falúa, produzido pela oscillação das águas, ao collocar a mão direita sobre a borda d'esta, forão as duas embarcações violen- tamente de encontro uma á outra, do que lhe 44 CASO DE ESMAGAMENTO resultou ficar com os quatro últimos dedos muito feridos. Sentiu dôr excessiva e perdeu algum sangue. Retirou-se para a casa, onde limitárão-se a envolver-lhe a mão em um panno. Só no dia seguinte é que veiu consultar-me, aconselhando-lhe eu a entrada para a casa de Saúde. Examinando a mão, encontrei as seguintes desordens: o pequeno dedo, tendo na face ante- rior, pouco abaixo da articulação das duas ulti- mas phalanges, uma solução de continuidade de um e meio centímetro, pouco mais ou menos de extensão, de fôrma curva, com a concavidade voltada para cima, de lábios irregulares, con- tusos, comprehendendo toda a espessura da pelle e formando um pequeno retalho superior. O dedo annular offerecia dous ferimentos: um, na face palmar, consistindo em duas soluções de continuidade, das quaes, uma dirigida obli- quamente para cima, de perto do bordo interno do dedo e abaixo da articulação das duas ultimas phalanges, ia terminar no bordo externo, acima da articulação das duas primeiras phalanges ; a outra, de um e meio centimetro, dirigindo-se obli- quamente para baixo, do bordo externo, ao nível da articulação da phalange e phalangina, ia ca- hir sobre a outra, na união de seus dous terços superiores com o inferior. Da reunião destas DE DEDOS 45 duas soluções de continuidade resultávão dous retalhos de bordos contusos, fortemente arrega- çados e deixando os tendões flexores descobertos. O outro ferimento consistia em uma solução de continuidade sobre a face dorsal, dirigida obli- quamente para cima, do bordo externo, abaixo da ultima articulação phalangeana, ao bordo interno, acima da primeira articulação phalangeana. Os lábios desta ferida erão algum tanto afastados e parecião ter sido feitos por instrumento cortante. Apezar de se acharem tão próximos os feri- mentos das duas faces deste dedo, erão comtudo independentes. O dedo médio apresentava a lesão mais im- portante. Havia uma solução de continuidade, na face dorsal, a qual, partindo do bordo interno, pouco abaixo da primeira articulação phalangeana, se dirigia obliquamente para baixo até o bordo externo, passando dahi a percorrer a face palmar até o bordo interno em direcção oblíqua para baixo, bem no meio do intervallo existente entre a primeira e a segunda articulação phalangeana. Chegada ao bordo interno, seguia, na face palmar, a direcção desse bordo até perto da pri- meira articulação phalangeana. Destas soluções de continuidade resultava, para a face palmar, um retalho de bordos con- tusos e dilacerados. 46 CASO DE ESMAGAMENTO A segunda phalange estava desnudada em quasi toda a extensão e luxada completamente, na articulação inferior, á custa da dilaceração dos laços que a prendião á phalangeta. Encontrava-se ahi algumas pequenas esqui- rolas que havião sido destacadas de sua cabeça. O estado deste dedo era tal que a extremi- dade ficara presa apenas por uma pequena porção de pelle que teria, quando muito, um centí- metro. No dedo indicador havia uma ferida, dirigida obliquamente de fora para dentro, comprehendendo a pelle, os tecidos sub-cutaneos e a segunda arti- culação phalangeana, que se achava inteiramente aberta, ficando a extremidade do dedo presa uni- camente por uma pequena porção de tecidos na parte interna. Em nenhuma destas feridas havia hemorrha- gia, mas sim pequenos coágulos, que forão logo retirados. Ausência completa de reaccão local e pouca reaccão febril. Apezar de receiar a perda da extremidade do dedo médio e talvez do indicador, tentei a con- servação, bazeado nos grandes resultados, a que se chega muitas vezes, com essa linha de con- ducta, nos ferimentos dos dedos. Depois de lavadas as feridas com água DE DEDOS 47 alcoolisaua e extrahidas as esquirolas ósseas, fiz o curativo por occlusão, e receitei. Uso interno: Bebida antiphlogistica, de Stoll. A formula (Tomar ás colhéres). Uso externo : Água vegeto-mineral........... i p . . Álcool camphorado............ j ™íles '§aaes (Em compressas constantemente sobre os dedos e a mão). A reaccão febril cedeu completamente no fim de dous dias, entrando o doente a 30 do mez para a casa de Saúde de Nossa Senhora d'Ajuda. Tudo ia bem; a suppuração era pouco abun- dante, quando a 2 de Junho sobreveiu uma adeno- lymphatite, que se estendeu aos lymphaticos da parte anterior e interna do membro thoracico direito, até a axilla. Esta inflammação foi prece- dida de calafrios, calor e suor que fizerão explo- são no dia 1 de Junho á tarde, durando até á noite. Prescrevi : Uso interno: Sulphato de quinina........... 9 decigrammas (Em duas doses). Item : Continua a bebida de Stoll. Uso externo: Glyceroleo de amido........... 40 grammas Camphora em pó.............. 4 grammas M. e Mde.) fAppliear ás partes afíectadas de lymphatite). 48 CASO DE ESMAGAMENTO Dia 3. —O doente está melhor. Houve ainda hontem um accesso á tarde, que durou apenas meia hora. Continua a mesma medicação, sendo o sul- phato empregado na dose de 8 decigrammas. Dia 4.—O doente passou bem. A lympha- tite tem cedido consideravelmente Sulphato de quinina............... 6 decigrammas As feridas têm caminhado regularmente, com excepção da do dedo indicador, em que formou-se uma pequena eschára, na parte interna, acompa- nhada de descollamento da phalangina, que está inteiramente desnudada e tende a necrosar-se. Ha secreção de bastante pús. Dia 9.—Tendo cedido a lymphatite e vendo a impossibilidade de conservar todo o dedo médio, decidi, em vez de amputal-o, fazer a rescisão total da phalangina. Para conseguir este resultado, segurei o osso com a mão esquerda, e inclinando-o, ora para um ora para outro lado, consegui desarticulal-o. des- collando primeiro com o bistori os tecidos que cercavâo a articulação phalangeana superior, e atacando-a em seguida. Não houve emprego do chloroformio. O doente sentiu alguma dôr; nenhuma artéria foi compro- mettida durante a operação. DE DEDOS 49 O curativo consistiu' em collocar o dedo na direcção normal, envolvendo-o depois em tiras aglutinativas que forão enroladas, imbricando-se desde a sua extremidade até a raiz. Forão applicadas em seguida compressas em- bebidas de álcool [e renovadas constantemente. Foi prescripta a seguinte poção : Água distillada de tilia.............. 120 grammas Xarope de chlorhydrato de morphina 30 grammas Água de louro-cereja................ 8 grammas (M. e Mde.) Tomar uma colher de sopa de hora em hora. Dia 10.—Graças ao álcool e ao tratamento interno não houve reaccão. As feridas continuão a suppurar. A do dedo indicador ainda mostra a articulação aberta, conservando-se, porém, as cartilagens intactas. Continua o mesmo tratamento. Dias 11 a 18.—Tudo tem caminhado favora- velmente. A 18 destacou-se a eschára do dedo médio, a qual teria pouco mais ou menos um e meio centímetro em todos os seus diâmetros, e era de fôrma circular. A ferida deste dedo está quasi toda unida. Durante esses dias forão substituídas algu- mas vezes as tiras aglutinativas, procurando eu sempre corrigir a tendência que tinha o dedo a desviar-se da direcção normal. 50 CASO DE ESMAGAMENTO Dia 26.—Tudo tem ido bem. As feridas estão inteiramente cicatrisadas. Houve alguma inflammação na mão, que cedeu ao uso das cataplasmas de linhaça; rheumatismo sub-agúdo, na articulação do joelho direito, o qual cedeu ao linimento anodyno de Boyer. 29 de Junho a 2 de Julho. — Em razão de ter havido, na noite de 28, um pequeno accesso intermittente, foi administrado o sulphato de qui- nina na dose de 6 decigrammas. Insisti na quinina até o dia 2 de Julho, cessando inteiramente a febre. Neste ultimo dia, fazendo uma leve compres- são ao redor da cicatriz do dedo, sahiu bastante pús liquido, que alli se achava accumulado. Como este dedo tem uma grande tendência a desviar-se, envolvo-o em tiras aglutinativas que prendo á mão, afim de mantel-o convenientemente. 12 de Julho.—Tudo caminhou perfeitamente. Notando, porém, que o dedo médio conservava-se molle e movei no ponto em que faltava o osso, sem poder ser por isso de utilidade alguma, resolvi approximar a terceira da primeira phalange até collocar as suas extremidades em conctato para vêr se conseguia dar firmeza á extremidade di- gital, com a formação de uma ankylose. Uma pequena carapuça de panno, em fôrma de dedo de luva e presa a dois cadarços, foi DE DEDOS 51 enfiada na extremidade do dedo, sendo os ca- darços amarrados a uma atadura applicada ao punho Fui de dia em dia apertando os cadarços, conseguindo assim conservar as duas phalanges approximadas. A 5 de Agosto teve alta o doente. Apre- sentei-o d'ahi a um mez á Academia Imperial de Medicina do Rio de Janeiro. N'essa occasião o dedo apresentava-se curto, com pouca mobilidade entre as duas phalanges, algum tanto grosso nesse ponto, em razão do excesso de partes molles, que para ahi tinhão sido recalcadas, mas dotado de alguma força e de firmeza suficientes para prestar mais serviços sem duvida, do que um coto de amputação. E' provável que com o tempo esse resultado se tivesse tornado mais completo, mas nunca mais tive occasião de vêr o doente. E' mais um facto a juntar aos muitos que a sciencia possue, e que demonstra ainda uma vez mais o quanto o cirurgião pôde conseguir quanto á conservação, nos casos de ferimentos de dedos, por peiores que pareção as condições, em que se achem. Esta observação tem ainda de notável o que suecedeu em relação ao dedo médio, no qual a rescisão da segunda phalange, permittiu a sua conservação, ficando o doente, com um dedo, 52 CASO DE ESMAGAMENTO embora um pouco disforme, dotado no emtanto de uma extremidade normal, susceptível de perce- ber melhor a sensação do tocar, e ao mesmo tempo gozando de certa firmeza e de alguma força. Concorrerão muito para o resultado o em- prego do álcool camphorado e o curativo por occlu- são, não devendo também esquecer os meios empregados, afim de conseguir a ankylose da phalange e da phalangina do médio, os quaes forão coroados de resultado satisfactorio. ^oXK° 5.a OBSERVAÇÃO EMPREGO DO PROCESSO HEMOSTATIGO DE ESMARGH OU DA ISCHEMIA ARTIFICIAL Tumor branco acompanliado de carie dos ossos do tarso, synovile das ailiculações libio-larsiana e (arso-melatarsiana do pé direito. Am- putarão no terço superior da perna—iscliemia. Cura. Antônio Lopes, portuguez, de 26 annos de idade, feitor, solteiro, de constituição forte, tempe- ramento sang*uineo, entrou para a casa de Saúde de Nossa Senhora d'Ajuda a 22 de Fevereiro de 1874. Ha cerca de anuo e meio este doente deu um passo em falso, e torceu o pé direito. Sen- tindo immediatamente dôr intensa e impossibili- dade de andar, recolheu-se ao leito. A articulação tibio-tarsiana e o pé inflam- márão consideravelmente. Esteve alguns dias em repouso, fazendo algumas applicações, com que melhorou; levantou-se experimentando ainda dôr e difficuldade no andar, e assim mesmo en- tregou-se de novo ao trabalho. Nunca mais pôde restabelecer-se, conservando sempre o pé inchado, até que, ha oito mezes, pouco mais ou 54 EMPREGO DO PROCESSO menos, inflammou-se muito o pé e formou-se um abcesso, que abriu-se espontaneamente. A abertura do abcesso nunca mais fechou e continuou sempre a fornecer pús. Dous mezes mais tarde novo abcesso formou-se, o qual se- guiu as mesmas phases do primeiro. Soffrendo cada vez mais, e não conseguindo melhoras com o tratamento que lhe fazião, recolheu-se ao Hospital da Misericórdia, d'onde retirou-se para a casa de Saúde de Nossa Senhora d'Ajuda. Disse-me nunca ter tido outras moléstias senão uma febre, que durara trez dias, e uma blennorrhagia que se curara em dous mezes. Este doente está um pouco abatido ; mas no em tanto apresenta-se ainda bastante forte. A lingua é bôa, o pulso normal. Além dos sorFri- mentos que tem no pé, vive preoccupado com a idéa de ter de soffrer uma mutilação. Examinando o pé o encontro bastante inT flammado. A pelle é um pouco rubra na região tarsiana e descorada ao nivel do metatarso. Ha edema, excessivamente doloroso á pres- são, e duas soluções de continuidade sobre o dorso do pé (região tarsiana), as quaes são co- bertas de granulações fungosas, e fornecem pús liquido e pouco fétido. Introduzindo um esty- lete, ha provocação de dôr excessivamente forte, sahida de sangue e encontra-se a superficie dos HEMOSTATICO DE ESMARCH 55 ossos rugosa e deixando-se penetrar em alguns pontos, ao nivel do astragalo, cuboide e esca- phoide. A articulação tibio-tarsiana está tam- bém augmentada de volume, apresenta um pouco de fluctuação, mas o augmento não é conside- rável e a pelle não está rubra. A pressão, ao nivel dos malléolos, não provoca dôr, nem tão pouco ao longo da perna, mas sim ao nivel do tarso, de um modo excessivo. Expontaneamente também se manifestão dores lancinantes, de uma maneira intermittente, que se exacerbão sobretudo para a noite, dé modo a impedir o somno. O exame dos órgãos thoraxicos e abdomi- naes não revela soffrimento algum. O diagnostico estabelecido é o seguinte: tu- mor branco acompanhado de cárie das articula- ções tarsianas, e synovite, das articulações tibio- tarsianas, e provavelmente das articulações tarso- metatarsianas. Com o fim de modificar um pouco o estado do individuo, e embora não visse outro recurso senão na amputação, prescrevi o tratamento seguinte : Internamente: Iodureto de potássio.................. 5 decigrammas Tintura de cascas de laranjas amargas. 4 grammas Água distillada....................... 60 grammas Externamente: Pomada mercurial (em fricções á articulação tibio-tarsiana) e ca- taplasma de linhaça, ao pé. A dieta consiste em carnes mal assadas e vinho. 56 EMPREGO DO PROCESSO Continuando nessa medicação, vou augmen- tando doses de iodureto até o dia 3 de Março, em que o doente chega a tomar 13 decigram- mas deste sal. Algumas melhoras vão se apresentando até o dia 4. Então, em razão de se manifestar stomatite, devida ao uso do iodureto e também da pomada mercurial, suspendo estas duas applicações, e faço o doente tomar dous cálices de vinho qui- nado por dia. Poucas melhoras se effectuando até o dia 6, continuo o vinho quinado e mais : Internamente: Chlorato de potassa.................. 4 grammas Água distillada...................... 120 grammas Xarope de limão.................... ?>0 grammas (A's colhe res). Externamente: Cosimento de jequitibá............... 400 grammas Chlorato de potassa................. 6 grammas Mel rosado......................... 60 grammas (Em collutorios). Durante este tempo, o estado da boca me- lhorou consideravelmente, mas o pé inflammou- se muito. Um abcesso formou-se, na parte in- terna do tarso, junto afo calcaneo e no dia 7 abriu-se, dando sahida a pús liquido e um pouco fétido. Por esta épocha, as dores que havião diminuído muito tornão-se atrozes, impedindo inteiramente o somno. HEMOSTATICO DE ESMARCH 57 Os soffrimentos continuando a augmentar, no dia 9 decidi-me a praticar a amputação da perna, no terço superior, tendo feito administrar no dia 8 um clyster purgativo, em razão de não ter o doente evacuado havia dous dias. Dia 9 de Maio.—As onze horas da manhã, collocado o doente sobre o leito procede-se á chloroformisaçâo, a qual tem lugar no fim de um quarto de hora, tendo havido a principio muita excitação. Obtida a anesthesia, e depois de envolver o pé em algodão, passo a atadura de borracha, fazendo circulares desde os dedos até o terço inferior da coxa, comprimindo bastante os tecidos. Logo acima do limite superior da atadura, enrolo fortemente um tubo de borracha, dando trez voltas, c o amarro, de modo a fixal-o convenientemente. Retiro então a atadura e pratico a ampu- tação da perna, no lugar de eleição. Depois de esperar cerca de vinte minutos e não havendo hemorrhagia alguma, passei a unir a ferida, empregando cinco pontos de sutura metallica. O doente collocado convenientemente no leito, foi-lhe prescripta a seguinte poção : Água distillada de tilia............... 120 grammas Xarope de chlorhydrato de morphina. 30 grammas Água de louro-cereja................. 4 grammas (Tomar uma colher de hora em hora. Caldos de gallinha). 8 Õc< EMPREGO DO PROCESSO As 5 horas da tarde manifestou-se uma hemorrhagia, que obrigou os internos, os Srs. Carlos Guimarães e Cesario de Freitas a desfa- zerem a sutura. O sangue era fornecido por uma arteriola, que ligaram immediatamente. Approximaram então a ferida, por meio de tiras adhesivas. Á noite, observando o doente, encontrei-o mais calmo. Não havia reaccão febril. Dia 10. —O doente está um pouco abatido. Passou a noite sem dormir, com medo de que alguma hemorrhagia se produzisse. Substituo as peças externas do apparelho, que está um pouco embebido de sangue. Continua a poção e os caldos. Dia 11. — Ha alguma febre, o pulso é cheio, marca 86 pulsações por minuto. Junto á poção, tintura de aconito 24 gottas. A ferida fornece pús louvável e em pequena quan- tidade, ao nivel dos pontos de ligadura. Ha união por primeira intenção, em quasi toda a extensão. Dias 12 e 13.—A febre cessou a 12. A 13, com o fim de tonificar o doente, mando adminis- trar o vinho quinado na dose de um calix por dia; caldos e mingáos. Dia 17.—Tudo vai bem, continua o vinho quinado (dous cálices) e mais vinho do Porto HEMOSTATICO DE ESMARCH 59 e gallinha cozida e assada. O estado geral tende a melhorar. A ferida nada apresenta de particular. Neste dia' cahem duas ligaduras. Dia 18.—O doente sente algumas dores no ventre; não ha, no emtanto, nem prisão de ventre nem diarrhéa. Prescrevo : Internamente: Elixir parcgorico...................... 4 grammas Tintura de noz-vomica................ 10 gottas Água distillada........................ 120 grammas Misture e adoce. (Ás colheres). Externamente: Linimento anti-spasmodico de Selle___ 30 grammas (Para fomentar o ventre). Dia 19.—O doente passa bem. Cahiu uma ligadura. Continua o mesmo tratamento. Dia 20.—Tudo vai bem. Cahe a ultima li- gadura. Continua o mesmo tratamento. Dia 22.—A ferida está quasi toda unida. Carne de vitella, ovos quentes. Dia 23.—O doente tem insomnias. Faço-lhe administrar á noite duas colheres de xarope de lactuario feito com o extracto alcoólico. Dia 25.—O estado do operado é excellente. Tem conseguido dormir placidamente. Dia 30.— A ferida está toda unida, excepto no centro, em que ha um pequeno botão carnudo. Faço cauterisal-o com o nitrato de prata. Dieta: carne de vacca. 60 EMPREGO DO PROCESSO Dia 4 de abril. — Houve hontem um accesso febril de fôrma intermittente. Receito : Sulphato de quinina............... 15 centigrammas Extracto molle de quina............ 5 centigrammas F. S. A. uma pílula. (Tomar quatro). Dia 5.—A febre manifestou-se hontem, du- rando, porém, menos tempo. As gengivas apresentão-so um pouco entu- mecidas e sangrando ao menor contacto O mesmo succede ao botão carnudo da perna. Continuão as pilulas na mesma dose. Externamente: Infusão de quina....................... 400 grammas Mel rosado............................ 30 grammas Chlorato de potassa.................... 4 grammas (Em collutorios). Externamente: Permanganato de potassa.............. "2 decigrammos Água distillada........................ 100 grammas (Para applicar em fios sobre a perna). Dias 15 a 28.—O doente vai melhorando de dia em dia, tendo a febre intermittente cessado desde o dia 5, quando no dia 15 é acommettido de febre remittente simples, que cedeu, graças ao uso de um emeto-cathartico, dos diaphoreticos e do sulphato de quinina. O botão carnudo, que restara da ferida, cica- trizou completamente no dia 19. O doente ficou summamente enfraquecido e foi-se restabelecendo pouco a pouco, até que no dia 18 de Maio teve alta completamente curado. HEMOSTATICO DE ESMARCH 61 0 exame da peça mostrou as alterações se- guintes: Pelle espessada, um pouco edemaciada, trez trajectos fistulosos cobertos de granulações fun- gosas, os quaes sendo atravessados por um esty- lete, se reconhece que este toca superficies ósseas rugosas e deixando-se penetrar em alguns pontos, grande amollecimento dos tecidos, no lugar cor- respondente a esses trajectos fistulosos. As articulações médio-tarsianas estão cheias de pús; a synovial é espessada e coberta de fun- gosidades; o astragalo está despido de cartilagem na cabeça, e corroído em toda a extensão. O escaphoide está também despido de cartilagem em sua faceta concava e corroído. O mesmo succede ao cuboide e calcaneo, nos pontos em que estes ossos se articulam, sendo, porém, as alterações aqui menos extensas. As outras articulações tarsianas e tarso-meta- tarsianas estão cheias de pús amarellado, um pouco liquido, c têm a synovial um pouco rubra e in- tumecida. A articulação tibio-tarsiana não apresenta modificação apreciável na synovial e nos ossos, mas é sede de algum derramamento seroso. A importância desta observação depende, não tanto da lesão e operação reclamada, como de 62 EMPREGO DO PROCESSO ter eu empregado o novo processo da ischemia artificial do professor Esmarch (de Kiel), c é prin- cipalmente esta circumstancia que me leva a dar- lhe publicidade. Os symptomas, a marcha, a causa, e o exame da peça pathologica, justificam o diagnostico es- tabelecido, e não se pôde considerar este caso unicamente como de cárie dos ossos do tarso, pois esta ultima lesão não foi aqui senão a con- seqüência tardia da osteo-synovite fungosa. Quanto á operação, não havia outro meio para salvar a vida do doente, e praticando a am- putação da perna de preferencia ao processo de Pirogoff, foi por encontrar as partes molles do tarso alteradas,' junto ao calcaneo, haver derra- mamento na articulação tibio-tarsiana, e receiar que as lesões fossem mais extensas do que pare- dão : o que realmente reconheci, encontrando depois o calcaneo alterado. Foi no fim do anno passado que, por occa- sião da apresentação do trabalho de Esmarch á Sociedade de Cirurgia de Paris, pelo Sr. Demar- quay, occupou-se esta sociedade (*) do processo, que esse cirurgião punha em pratica, para evitar toda a perda de sangue nas operações. Assim que tive conhecimento dos resultados *) Gasette des Hopitaux.—Í873. HEM0STATICO DE ESMARCH 63 obtidos determinei empregal-o. A primeira occa- sião que tive foi esta e alguns dias depois, em uma amputação de coxa. O resultado foi satis- factorio. Pude operar com toda segurança, e como se o fizesse no cadáver. O Sr. Dr. Pedro Affonso Franco, antes de mim, e o Sr. Dr. Saboia o empregarão também com igual successo. Além da ausência de hemorrhagia, notei, do mesmo modo que os Srs. Demarquay, Rouge, de Lausanne, que as artérias, longe de se retrahirem, se apresentão brancas com a boca aberta e salien- tes na ferida, de modo a serem com facilidado ligadas. O facto de uma pequena artéria dar aqui hemorrhagia, algumas horas depois, em nada pôde ser attribuido ao methodo, pois este accidente pôde sobrcvir praticando-se qualquer operação. E a Esmarch que cabe verdadeira- mente a prioridade na applicacão e vulgarisação da applicacão da ligadura elástica ao redor do membro e de um tubo de borracha enrolado e amarrado immediatamente acima do ponto em que termina a compressão. Antes delle esse pro- cesso só fora praticado por Stromeyer em 1855. (*) Quanto á reclamação feita pelo Sr. Vanzetti, de Padua, em favor do professor Grandesso Sil- (*) Gazette des Hopitanx.—í> de Fevereiro de 1874. 64 EMPREGO DO PROCESSO vestre, revindicando para este a gloria da des- coberta, o Sr. Leon Léfort provou que nenhum direito lhe assistia, por não ter elle applicado senão o tubo elástico, processo que em nada diífere do garrote. Em 87 das operações, da clinica de Kiel, durante o primeiro semestre de 1873, Esmarch empregou o seu processo Entra essas operações havia 6 amputações de coxa, 8 de perna, 1 de- sarticulação de espadua, 8 rescisões, 13 extrac- ções de sequestros, 5 extirpações de tumores. Entre todas houve apenas a morte de 4 operados. Estes resultados tão vantajosos terão sem duvida sido devidos, em parte, ao novo processo hemostatico. Os inconvenientes que se suppõe ter este processo são a plethora e a infecção purulenta e pútrida. A producção de plethora é antes ima- ginaria do que real. Em suas observações Esmarch nunca a viu ter logar. Quanto á infecção pútrida e purulenta é de crer que haja possibilidade de se manifes- tarem, nos casos em que houver suppuraçõcs consideráveis e diffusas. Com efFeito uma com- pressão, que tem força para esgotar o sangue contido em um membro, fazendo-o entrar para a circulação geral, deve também occasionar o re- fluxo de todos os líquidos, dando lugar á sua HEMOSTATICO DE ESMARCH 65 absorpção; ou deslocando um thrombus, originar uma embolia, donde a septicemia e a pyohemia. O próprio Esmarch reconhece o perigo, que poderia haver em fazer-se refluir o pús contido em um membro, com a applicacão da compres- são elástica; todavia a experiência ainda não pronunciou-se a este respeito. Neste caso poder-se-hia pôr em pratica o conselho dado por Guyon (*), o qual consiste em suspender o membro, afim de esgotal-o do sangue venoso, em comprimir temporariamente a artéria, e applicar duas ligaduras ao redor do membro, uma abaixo do logar em que se tenha de amputar e outra acima. Fora desta circumstancia não se deve hesitar em lançar mão do processo de Esmarch. As suas vantagens são enormes. Por meio delle faz-se evacuar todo o sangue contido no membro, conservando-o assim ao doente, opera-se com a maior segurança, pois, além de não haver hemorrhagia arterial, não vem o sangue venoso derramar-se na superficie da ferida, mascarando o theatro da operação; com elle póde-se quasi prescindir do uso da esponja, pois opera-se a seco, dispensa-se o ajudante para a compressão arterial. (*) Gasette des Hopitaux.—Dezembro de 1873. 9 66 EMPREGO DO PROCESSO Os meios necessários, para praticar a ischemia artificial, são um grosso tubo de borracha e uma atadura de gomma elástica, de cerca de trez dedos transversos de largura e comprimento suficiente, para envolver um membro desde a extremidade até a raiz. Em falta destas peças, uma simples atadura de panno e um cordão um pouco grosso poderão servir. O modo de applicar é simples. Tendo en- volvido, se houver solução de continuidade, a parte, com algodão ou um pouco de borracha, enrola-se a atadura, fazendo circulares superpostas a partir da extremidade do membro até á da raiz. É preciso nesta manobra empregar força sufficiente para comprimir, de modo a fazer refluir para o centro o sangue, que se acha contido nas veias e capillares da parte, tornando-a assim exangue. Logo acima do ponto, em que termina a applica- cão da atadura, enrola-se o membro com duas a trez voltas do tubo de borracha e procede-se á operação. Este processo deve ser regularisado, de modo a que nenhum cirurgião deixe de o empregar, não só na clinica civil como também na marinha e no exercito, onde vae ser ura dos mais preciosos recursos. Espero que a publicidade deste facto, que já tive a honra de communicar á Imperial Aca- HEMOSTATICO DE ESMARCH 67 demia de Medicina, na sessão de 15 de Junho deste anno, será seguido da de outros muitos, pertencentes a nossos collegas, mostrando-se assim a aceitação universal de um meio, que veio rea- lizar uma verdadeira revolução na cirurgia. \ 6/ OBSERVAÇÃO HEMATOCELE PERITONEO-YAGINAL-ENKISTADO Cura pela puncção e injecçào iodada Israel, preto, escravo, de 40 annos de idade, temperamento sangüíneo, constituição forte, pe- dreiro, entra a 5 de Janeiro de 1869 para o Hos- pital da Misericórdia, leito n. 13 da 10.* enfer- maria de cirurgia. Apresenta, no lugar occupado pela vaginal e testículo direitos, um tumor bastante volumo- so, de fôrma pyriforme, que communica, por meio de um eólio, de fôrma mais ou menos cy- lindrica, com um outro tumor de fôrma arre- dondada, situado na fossa iliaca interna do mes- mo lado. Estes tumores são indolentes, mesmo a uma pressão mais forte, são livres de adheren- cia com o scrotum, o trajecto inguinal e a cavi- dade abdominal; apresentam uma fluetuação ma- nifesta e mesmo o phenomeno da onda de liquido; e reconhece-se que ha communicação entre am- bos, por meio da pressão, que faz passar o li- quido, alternativamente de um para outro. Am- bos são inteiramente depressiveis, o que é devido 70 HEMAT0C ELE sobre tudo a não serem totalmente cheios, e tanto que comprimindo-se qualquer delles faz-se o outro tornar-se extremamente ienso. O trajecto inguinal está bastante dilatado, proemina para diante, tomando uma fôrma cylindrica, e é em sua parte inferior que se nota uma porção es- treitada, que é o ponto por onde se estabelece a communicação entre os dous sacos. O tumor in- ferior é mais espesso do que o superior, menos na porção deste que é contida no trajecto ingui- nal, que apresenta um espessamento maior. O testiculo pouco augmentado de volume é encon- trado para a parte posterior, interna e média do tumor. Não se encontra signal algum que indi- que a existência de uma hérnia. O doente sente algum encommodo quando caminha, e ao mesmo tempo uma sensação de repuxamento sobre a parede anterior do ventre. Das informações fornecidas por este indivi- duo, dotado de mui pouca intelligencia, pude colligir que não tem estes tumores desde a infância, mas sim ha pouco mais de dous annos ; que eram a principio menores, tendo toma- do ha dous mezes o desenvolvimento que hoje apresentam, depois de uma pancada que recebera sobre o scrotum. Diz que nunca soffreu de hér- nia intestinal e que sua saúde tem sido sempre excellente. PERITONEO-VAGINAL-ENKISTADO 71 A vista do que acabo de expor, e embora não tenha feito exame por meio da luz, vê-se que se trata de um hydrocele, que eu classifico como pcriloneo-raijinal-enkystado, simples ou com- plicado de hematocele. Determino praticar a puncção e depois a injecção iodada, mas antes entendo que convém fazer uma puncção para reconhecer bem o estado do cordão inguinal, cujos elementos estão bastante espessados. A puncção é praticada, e em vez de simples serosidade, sahem 1.100 grammas de um liquido sanguinolento e espesso, porém, sem coágulos. Os tumores ficão totalmente vazios, e examinando então bem os elementos do cordão e o trajecto inguinal, reconheço que não ha complicação herniaria. O resultado da puncção vem portanto mostrar que se trata antes de um hematocele, mas desses hematoceles que, es- tando no limite entre os hydroceles e os hema- toceles propriamente ditos, são por isso sujeitos ao mesmo tratamento e a igual prognostico. O tumor foi enchendo e chegou a tomar o primitivo volume até o dia 21, em que decido praticar a operação, que consistirá na puncção e injecção iodada, embora não tenha grande con- fiança em semelhante meio para o caso presente. Em presença dos Srs. Drs. J. P. de Miranda e Almeida Rogo pratico a puncção que dá pouco 72 HEMATOCELE mais ou menos a mesma quantidade de liquido que dera antes, e faço uma injecção composta de: Água distillada.......................... 5 onças Tintura de iodo.......................... 3 onças Durante o tempo em que foi feita a injecção, o Sr. Dr. Miranda comprimiu o collo do tumor para impedir que alguma porção do liquido cahisse na cavidade abdominal, no caso possivel de existir algum orifício que fizesse communicar o sacco superior com o resto do peritoneo, o que não parecia dar-se. Esta medida de prudência nada podia emba- raçar o resultado, porque no caso de ter lugar a reaccão no sacco inferior ella se transmittiria ao superior. O liquido foi deixado em contacto com a vaginal durante trez minutos. Dia 22.—Os tumores estão um pouco aug- mentados de volume, porém, não ha o menor signal de reaccão local e geral, o que me faz temer que a operação não dê resultado algum. Dia 23.—Os tumores estão um pouco mais tensos e algum tanto quentes. O pulso é quasi normal. Dias 23 a 30. — Durante estes dias os tumores têm ido augmentando progressivamente de volume, porém, de modo quasi indolente até PERITONEO-VAGINAL-ENKISTADO 73 que hoje (30) encontro o doente com uma reaccão geral e local bastante intensa. O scrotum está entumescido, quente e doloroso, o pulso é cheio e muito freqüente, a pelle quente, a lingua saburrosa, ha cephalalgia, etc. Prescrevo : Internamente: Infusão diaphoretica..................... 12 onças Acetato de ammonea..................... 2 oitavas Xarope de flores de larangeira......... 1 onça (Tomar ás colheres;. Dia 31.—A febre cedeu, o tumor está tenso e apresenta alguma fluctuação. Fevereiro 1 a 10.—Durante estes dias toda a reaccão local desapparece e nota-se fluctuação manifesta, tanto num como no outro tumor, o que faz de novo temer a reproducção da mo- léstia. Dia 31.—Tem lugar a sahida de uma grande quantidade de serosidade pela ferida, produzida pelo trocart, dando cm resultado a diminuição de volume dos tumores. Observa-se ao mesmo tempo um tumor emphysematoso, sub-cutaneo, bastante doloroso, e que occupa a porção do scrotum, logo acima do ponto ferido. Dia 16.—Nova abertura da solução de con- tinuidade e sahida de serosidade. Diminuição considerável dos tumores. Dia 18.—Fazendo uma compressão sobre o 10 74 HEMATOCELE tumor emphysematoso, ha sahida de gazes que produzem um ruído sibilante. Os dous tumores estão extremamente diminuídos. Dia 25.---O tumor abdominal tem desappa- recido ; o trajecto inguinal não proemina já para diante e está quasi de volume normal. Dia 27.—No ponto emphysematoso nota-se fluctuação, indicando a existência de pús. A compressão dá-lhe sahida e ao mesmo tempo a algumas bolhas de ar. Março 5.—O sacco inferior já se reduziu completamente de volume. Hoje existe um tumor ovoide. constituído pelo testículo e as suas membranas, e que apresenta muito menores dimensões do que o órgão do lado opposto. O sacco contido no ventre e trajecto inguinal está reduzido a um cordão duro e resistente. Só resta cicatrisar a pequena solução de continuidade. Dia 15.—O doente tem alta completamente curado. A simples leitura desta observação mostra que se trata de um caso extremamente impor- tante, e que é poucas vezes encontrado na pra- tica. E o primeiro que tenho occasião de vêr e elle se assemelha muito ao observado pelo Sr. Fano, em um indivíduo que apresentava dous tumores (hydroceles) que ião até a crista PERITONEO-VAGINAL-ENKISTADO 75 iliaca. Não me consta, porém, que algum .autor' tivesse applicado essa denominação de peritoneo- vaginal-enkystado nem ao hydrocele nern ao hematocele. O modo porque teve lugar a formação desses tumores tem uma explicação, e é a seguinte : O testículo, como ninguém ignora, acha-se contido nos primeiros tempos dentro da cavi^ dade abdominal e só é depois que elle emigra e vai occupar o scrotum. Nessa descida acar- reta uma porção de peritoneo, que o envolve, e e que mais tarde, separando-se da cavidade do resto dessa membrana constitue a túnica va- ginal. No lugar, em que dá-se obliteração, fica um cordão, que faz parte dos elementos do cordão, e que Blandin denomina peritoneo- raginal. Pôde, porém, acontecer que a oblite- ração não tenha lugar, ficando assim a vaginal communicando com o peritoneo, o que dá a producção do chamado hydrocele contjenital, em que póde-se fazer passar todo o liquido da vaginal para o peritoneo. No caso presente, a vaginal em vez de ficar communicando com toda a serosa perito- neal, só o ficou com uma porção que se isolou do resto da membrana, constituindo um verda- deiro kysto. Mais tarde, debaixo da influencia 76 HEMATOCELE de certas causas, um derramamento teve lugar nesses saccos, e então appareceu o hydrocele complicado de hematocele, que faz o assumpto desta observação. Mas, como teve lugar a formação desse kysto peritoneal ? De dous modos poderei explica-lo. Ou a porção de peritoneo, cuja obliteração constitue o cordão pcritoneo-varjinal isolou-se do resto da serosa, ficando, porém, permeável; ou por occa- sião da descida do testículo, uma aza intestinal acompanhando-o e depois retirando-se, deixou o sacco que ella occupava, o qual isolou-se do peritoneo, ficando, porém, em communicação com a vaginal. Isto é tanto mais admissível, quanto é a explicação mais plausível para os hydroceles do cordão em que um sacco communica com a vaginal, e em que ha toda a semelhança com o caso presente. Quanto ao tratamento empregado é extre- mamente importante notar o resultado obtido com a tintura de iodo, que deve ser sempre preferida quando se tiver de empregar as injec- ções, e como tudo quanto diz respeito ao hydro- cele tem perfeito cabimento aqui, visto este caso ser quasi de hydrocele, vou dizer algumas palavras a respeito da superioridade da injecção iodada sobre todas as outras. PERITONEO-VAGIXAL-ENKISTADO 77 Hutin, fazendo a autópsia de diversos indi- víduos do Hospício dos Inválidos, operados e curados de hydrocele, notou o seguinte: que em 15 operados por diversos methodos, antes da invenção da injecção iodada, todos tinhão obli- teração da vaginal; que em 16 que elle operou pelo iodo, 8 tiverão obliteração completa da vaginal, em 4 foi incompleta, e em 4 não houve obliteração. Gosselin notou aléai disso que nos casos em que ha obliteração da va- ginal, o testículo se atrophia e não se encontra spermatosoides. O que concluir de tudo isto, senão que a injecção iodada deve ser a preferida? Não será por ventura de grande impor- tância para um individuo moço e que algumas vezes pôde ter só um testículo são, ou mesmo dous hydroceles, não será de importância, repito, não ficar impotente? Certamente que sim; e creio que todo o pratico sensato deve empre- gar primeiro o iodo antes de qualquer outro meio. Ha notar aqui também a marcha particular com que procedeu a natureza para a cura deste doente. Com quanto a idade pudesse influir de algum modo, não é comtudo este o^modo de proceder da natureza nos casos de idade avan- çada. Assim, e como refere o professor Nélaton, 78 HEMATOCELE nos velhos ha demora na reabsorpçao do engor- gitamento, produzido pela injecção, e de modo que ella começa a ter lugar só no fim do decimo-sexto ou vigésimo dia. Tem havido também casos em que nenhuma reabsorpçao teve lugar durante dous e trez mezes, e no fim desse tempo então ella manifestou-se com extrema rapidez. No caso presente, pois, a marcha da natureza foi inteiramente diversa. 7/ A II.a OBSERVAÇÕES DO EMPREGO DO HIDRATO DE CHLORAL NO TÉTANO TRAIMTICO PRIMEIRA OBSERVAÇÃO Tétano traumático, em uma menina de dezeseis mezes de idade, consecutivamente a uma ferida contusa, em que houve separação do ante-braço esquerdo, na união do terço superior com os dois terços inferiores.—Complicação de phenomenos de dentição. —Cura pelo hydrato de chloral. Maria da Conceição, filha de Casimira Sil- veira, brazileira, de dezeseis mezes de idade, de constituição forte, temperamento lymphatico, en- trou para a casa de saúde de Nossa Senhora d'Ajuda, a 16 de Junho de 1876, á tarde. Estando a brincar sobre os trilhos dos bonds, á rua da Guarda-Velha, um destes carros pas- sou-lhe sobre o ante-braço esquerdo, esmagando-o e separando-o quasi inteiramente, na união do terço superior com os dois terços inferiores; Essa porção de membro estando presa ape- nas por uma pequena porção de pelle, o Sr. Santos, interno da casa de saúde, separou-a por um pequeno golpe de bistori No dia seguinte, pela manhã, foi que tive occasião de vêr a doentinha. O ante-braço, tinha o aspecto de um coto de amputação; a pelle es- 80 EMPREGO DO CHLORAL tava cortada quasi regularmente, numa direcção obliqua de cima para baixo e de dentro para fora e excedia um pouco as partes molles e ósseas; a aponevrose ante-brachial e os músculos pouca dilaceração apresentavão; estavão os ossos corta- dos na mesma direcção obliqua da pelle e das partes molles tendo as suas extremidades o as- pecto de fragmentos de fractura obliqua e sim- ples ; não havia esquirolas ósseas destacadas. Na parte superior e anterior do braço, logo acima da articulação do cotovello existia uma solução de continuidade, comprehendendo a pelle, o fascia superficial e a aponevrose brachial. Esta solução de continuidade, em cujo fundo se vê o tecido muscular intacto é obliqua de baixo para cima e de fora para dentro, tem cinco centímetros pouco mais ou menos de comprimento ; seus lábios são contusos, irregulares e apresen- tão um affastamento de cerca de dois centime- metros. Encontrão-se ainda, em diversos pontos do corpo, pequenas excoriações sem importância. Não havia reaccão geral, nem local, sendo as con- dições da doente favoráveis. Havia também, nos dous últimos dedos da mão esquerda, feridas contusas, tendo diversas direcções e complicadas de fracturas em diversos pontos das phalanges, sendo essas lesões mais salientes no dedo minimo. NO TÉTANO 81 Nunca tinha tido moléstias, a não serem os primeiros phenomenos de dentição, na idade de um anno pouco mais ou menos, tendo-lhe sahido os oito incisivos. Como o antebraço não exigisse nova ampu- tação, porquanto o osso estava perfeitamente re- vestido de partes molles, limitei-me a fazer um curativo simples, procedendo de igual modo para com a ferida do braço. Compressas de água fria forão applicadas constantemente sobre o coto. Cada dedo foi enrolado separadamente em uma tira de sparadrapo, que o envolveu desde a ex- tremidade até a raiz, embricando-se as voltas, de modo a constituir-se um curativo por oclusão, e a dar-lhe a fôrma normal. Appliquei também, em cada dedo, um panno crivado untado de cerôto, fios e por cima uma cruz de Malta e atadura. Para uso interno foi prescripta a seguinte poção : Azotato de potassa............... 8 decigrammas Xarope de tlôres de larangeiras... 15 grammas Água distillada de tilia........... 100 grammas (M. e Mde.) Tome uma pequena colher de hora em hora. Dia 18. — Continuarão as cousas favoravel- mente. Continua a medicação de hontem e mais : Ext.: Álcool camphorado.................... 150 grammas Infusão de matico.................... 300 grammas ;M. e Mde.) Para lavar as feridas do ante-braço e braço. 11 82 EMPREGO DO CHLORAL Dia 19.—Começou a haver alguma reaccão febril. Fiz juntar á poção, tintura de aconito 4 gotas. Dia 20.—A doente vae bem. Insisto nas mesmas applicações. Começou-se então a notar alguma inflammação na pelle que cercava o coto, sendo esse accidente mais pro- nunciado na parte anterior e interna do ante- braço. Dia 23. — Até este dia continuarão as cousas pouco mais ou menos no mesmo estado. Nota-se então mais reaccão febril, e inflam- mação das gengivas, principalmente, no ponto correspondente á emergência dos quatro caninos. Na parte inferior e anterior do ante-braço começa a formar-se um circulo eliminador, comprehendendo uma zona de pelle, de quatro a cinco centímetros de largura e três de com- primento. Continua a poção, elevando-se a dose do aconito a seis gotas. Ext. : Pomada de sulfato de quinina, de Boudin. Em fricções á espinha, virilhas e ventre. (Três vezes por dia). Item: Mel rosado (ás gengivas). Dia 24.— As cousas tem seguido uma marcha mais ou menos idêntica até hoje. NO TÉTANO 83 As gengivas tem-se entumecido sempre, e o circulo eliminador tem-se aprofundado. As feridas do braço e ante-braco secretão pús de boa natureza. Os dedos vão regularmente. São substituídas as tiras aglutinativas. A febre cessou completamente, começando os caninos inferiores a sahirem. Dia 25. — A criança apresenta a face re- puxada obliquamente para cima e para diante ;—as commissuras labiaes estão retrahidas e num verda- deiro estado de contractura (trismus) ; não pôde abrir os olhos senão muito pouco e com muita difnculdade. A cabeça está inclinada para traz, notando-se que os músculos posteriores da região cervical estão tensos e duros. Os braços e as pernas, têm os movimentos livres. O ventre está um pouco tympanico. Não ha a menor du- vida : o tétano está manifestado. Prescrevo a poção seguinte : Int.: Hydrato de chloral.................... 1 gramma Xarope de flores de larangeiras........ 30 grammas Aííua dibtillada........................ 60 grammas (M. e Mde). Tomar uma colher de sopa de hora em hora. Ext. : Clyster purgativo, com um pouco de óleo de ricino. Á quarta colher, a criança dormiu durante mais de duas horas. Sendo continuada a poção, dormiu ainda mais trez horas, 84 EMPREGO DO CHLORAL Repetiu-se o chloral, tomando a menina ainda cerca de metade poção. DIA 29.—O tétano têm-se estendido aos músculos abdominaes. Nota-se, sempre, que o chloral é tomado, um estado de calma, segui- do de um somno, que dura de cinco a seis horas. Hoje a criança recusa tomar o chloral; é-lhe impossível mamar, e a muito custo se lhe faz engulir algum leite, que é levado á boca em uma colher. Foi-lhe prescripto o chloral da seguinte fôrma: Ext.: Chloral............................... 1 gramma Água distillada....................... 160 grammas (M. e Mde.) Para 4 clysteres. Foi tomado o primeiro quarto de clyster e uma hora depois o segundo, havendo então um somno de uma hora. Logo que accordou, repe- tiu-se a dose com o mesmo resultado. A tarde forão de novo empregados dous quartos de clys- ter. Dia 30.—Ha reaccão febril, que attribuo ao trabalho de dentição; estão as gengivas forte- mente inflammadas. Os caninos inferiores rom- perão. Prescrevo uma poção com aconito, que é im- possível fazer tomar á creança. NO TÉTANO 85 Continua o chloral em clyster. No ante-braço começão a destacar-se as es- cháras, sendo este trabalho acompanhado de bas- tante suppuração. 1 a 6 de Julho.—Tudo foi-se pouco a pouco modificando até o dia 6, sendo sempre empregado o chloral e dous clysteres para combater a prisão de ventre e um linimento de Selle para fomen- tal-o, em razão de pequenas eólicas que cessarão no fim de horas. A eschára destacou-se, em parte espontanea- mente e em parte sendo separada pela thesoura, no dia 5. Dessa eliminação resultou uma solução de continuidade que continua com a do coto. Ambas são cobertas de granulações de bôa na- tureza. O tétano foi pouco a pouco cedendo, até o dia 6 em que ha apenas um pouco de trismus. Os dedos vão perfeitamente, apresentando mui pouca deformação. No niinimo ha um pequeno ponto, ao nivel da phalangina, em que se nota alguma suppuração e um trajecto fistu- loso. Em razão do estado de fraqueza da doente, faço-lhe tomar água vinhosa. Dias 8 a 10. — Apresenta-se uma pequena esquirola no pequeno trajecto do dedo minimo, 86 EMPREGO DO CHLORAL a qual é retirada por meio de uma pinça. O chloral é continuado em clyster, na dose de cinco decigrammas, até o dia 10 em que é definitiva- mente suspenso. Dia 13.—A doentinha sente algumas eólicas no ventre. Prescreve-se : Elixir paregorico....... Tintura de noz vomica. Água distillada de tilia (M. e Mde.) A's colheres. Dia 14.—Tudo cedeu. Ha apenas um pouco de diarrhéa, que também cede expontaneamente. A ferida do ante-braço durante esse tempo, cobriu-se de granulações, sendo preciso tocal-a com nitrato de prata ; a do braço está quasi inteira- mente cicatrisada Os dentes caninos superiores rompem, o que incommoda um pouco a doente. Esta continuou na casa de Saúde até o dia 21 de Julho de 1876, em que teve alta, a pedido. Durante este tempo a ferida do braço cica- trisou completamente, succedendo o mesmo aos dedos, os quaes nenhuma deformação apresentão. Quanto á do coto, ainda conservou-a até o dia 7 de Agosto, em que ficou completamente piçatrisada. Purante esse tempo foi-se alimentando con-r 10 gottas 2 gottas 120 grammas NO TÉTANO 87 venientemente. Fez-se mais algumas cauterisações da ferida. A temperatura, como se vê pelo quadro abaixo, oscillou entre 37° e 38°, chegando al- gumas vezes mesmo abaixo de 37°. Quadro da temperatura tomada desde a manifestação até a cessação do telaho DIA MANHA TAKDK 6 37<>,2 37o,4 7 33°,8 37" 8 33<>,8 37o,2 9 37° 37», i 10 37",1 330,8 11 37o 370,2 12 330,6 36 \8 13 3(]o,8 37o 14 36o,8 36o,8 15 36o,6 37o 16 37o 36^,6 SEGUNDA OBSERVAÇÃO Tétano, sobrevindo depois de um esforço considerável para carregar um peso, em um indivíduo de 50 annos de idade.— Emprego do hydrato de chloral. — Cura. João, natural da África, de côr preta, pa- deiro, de 50 annos de idade, temperamento lymphatico, constituição deteriorada, entrou para MEZ DIA MANHà 380,2 Junho 25 » 50 370,8 » 27 37o,6 » 28 37o,6 » 29 37o,6 » 30 37o,4 Julho 1 38o,6 » 2 37o, í » 3 37°,2 » 4 37o » 5 37o 38",8 38",4 38o,2 38o 38o 37o,6 38o,8 37o,6 37o,2 37», í 37o,4 88 EMPREGO DO CHLORAL a casa de Saúde de Nossa Senhora d'Ajuda a 15 de Julho de 1874. Soffria ha muito tempo, de duas enormes ulceras, occupando, uma a parte interna da per- na direita, e a outra a parte externa da esquerda. Dado a excessos alcoólicos, e na triste posição de escravo, pouco ou nenhum tratamento seguia, andava muito e carregava pesos consideráveis. Na manhã do dia 13, ao collocar sobre a cabeça um cesto cheio de pão, sentiu muito peso, accompanhado de sensação de estalo e de muita dôr na nuca; continuou apezar disso no serviço de carregador, até o dia 15, soffrendo muito du- rante esses dias. A medida que o tempo ia decorrendo, notou certa duresa e dificuldade nos movimentos do pescoço, que lhe era impossível voltar para qualquer dos lados. Estes phenomenos forão incrementando-se, de modo a não lhe ser possivel executar com facilidade a flexão da cabeça e abrir completa- mente a bocea ; sentia o ventre duro e tenso e andava com muito difficuldadc, pois sentia prisão nas pernas. Foi então mandado para a casa de saúde, para onde entrou na noute do dia 15. Como a dôr na nuca fosse muito forte, o interno entendeu dever applicar três ventosas escarificadas, a essa região, com o que o doente mostrou sentir algum alivio. NO TÉTANO 89 No dia 16, pela manhã, é que o vi pela pri- meira vez. Tinha todos os symptomas do tétano : —face retrahida ; as commissuras labiaes em esta- do de contractura (trismus); a cabeça em extensão forçada ; difficuldade em abrir a bocca, o que não conseguia completamente ; dysphagia ; quasi im- possibilidade de executar os movimentos de rota- ção e flexão lateral da cabeça, os quaes erão muito limitados ; o tronco em extensão forçada, de modo a apresentar-se bastante concavo n'esse sentido; os músculos do ventre bastante tensos e dolorosos; um certo gráo de tympanismo intestinal; os membros thoracicos dotados de mo- vimentos fáceis, acontecendo o contrario aos abdominaes, em que com difficuldade se podia praticar a extensão e flexão do pé sobre a perna, d'esta sobre a coxa, e da coxa sobre a bacia. A lingua era humida e coberta de saburra um pouco amarellada; o pulso cheio e fre- qüente marcava 110 pulsações; a pelle quente e coberta de algum suor, espesso e visgoso; não havia sede. Prescrevi-lhe : Int. : Bromureto de potássio........ 4 grammas Chlorhydrato de morphina..... 5 centigr. Xarope de cascas de laranjas amargas 30 grammas Água distilada.............100 grammas (M. e Mde.) Tomar em 4 doses com intervallos de 2 horas entre cada uma. 12 90 EMPREGO DO CHLORAL Ext.: Água de Labarraque diluída, para lavar os ulceras. Item : Ceroto simples applicado em fios. Dieta—Caldos. Dias 17 e 18.—Nenhuma melhora tem-se manifestado. Continuo o tratamento, elevando a dose do bromureto a 6 grammas. Dia 19.—O doente está peior; além do estado de contractura permanente, ha de vez em quando convulsões, que fazem-n'o sofírer muito ; o trismus é muito mais considerável; ha diffi- culdade maior na deglutição. Insisto na mesma medicação e receito mais : Int.: Hydrato de chloral...............___ 5 grammas Xarope de flores de larangeira........ 30 grammas Água distillada....................... 60 grammas (M. e Mde.) Tomar em três doses, alternando com a outra poção. Logo depois da segunda dose, o doente dorme durante algumas horas, no fim das quaes despertando, administro-lhe a terceira, que o faz ainda dormir. A poção com bromureto não foi toda tomada, para não interromper o somno. Era o primeiro dia em que se conseguia este resultado. Dia 20. —Embora não se note diminuição NO TÉTANO 91 no estado tetanico, o doente está mais satisfeito e pede algum alimento. Faço-lhe tomar, além dos caldos, um pouco de mingáo. O mesmo tratamento, elevando a dose do chloral a 6 grammas. Dias 21 a 27.—Tem sido sempre seguido o mesmo tratamento. Apenas no dia 22, em razão de haver prisão de ventre, administro a limonada purgativa de citrato de magmesia, que dá lugar a três abundantes evacuações. O tétano em nada tem sido modificado. A 27, indo vêr o doente um pouco mais tarde (11 horas da manhã) acho-o presa de um forte accesso tetanico. Ainda não tinha tomado medicamento algum. Mando elevar a dose do chloral a 7 gram- mas e suspendo desse dia em diante o bromu- reto e a morphina. Tomei essa deliberação, por não vêr vanta- gem alguma em insistir no uso dessas duas substancias, e também porque o doente pediu-me que só lhe desse chloral, dizendo-me que só esse remédio, embora lhe produzisse ardor na gar- ganta, lhe dava alivio, notando que a outra poção, longe de lhe acalmar os accessos, fazia ao contrario augmental-os. Fiz tomar a poção, com chloral em quatro doses. Eu mesmo administrei-lhe a primeira. 92 EMPREGO DO CHLORAL Poucos minutos depois o doente dormia profun- damente. Dias 28 de Julho a 4 de Agosto.—Com o uso do chloral foi o doente melhorando de dia em dia, até 4 de Agosto, em que o trismus era menos pronunciado, podendo o doente abrir melhor a boca e mover mais a cabeça. Tem tido apetite desde o dia 30 de Julho, em que lhe permitti, além dos caldos e mingáos, um pouco de canja de arroz, e no ultimo destes dias, canja de gallinha. Diminuo a dose do chloral, tomando o doente só três quartos da poção. Dias 5 a 6.—As melhoras cada vez se pro- nuncião mais. Já o ventre está mais flacido; pouco trismus existe ; a deglutição se faz com facilidade. Dias 7 a 9.—Em rasão do doente ir me- lhor só toma dous quartos da poção. Dia 11.—Desde hontem não ha o menor phenomeno tetanico. Suspendo definitivamente o chloral. Desse dia em diante ficou inteiramente dis- sipada a moléstia, restando, porém, as duas ulceras que retiverão o doente, no hospital, até 21 de Janeiro de 1875. A temperatura, como se vê pelo quadro abaixo, oscillou entre 37° e 38°, elevando-se ape- nas, em dous dias, a 39°. NO TÉTANO 93 Quadro da temperatura MEZ DIA MANHà TARDE MEZ DIA 29 MANHà TARDE Julho lü 39o 38o Julho 37o,4 37o,4 » 17 37o 37o )) 30 370,3 37o,6 » 18 37o 37o,4 » 31 37»,6 370,8 » 19 37o 37o,4 Agosto 1 38o 37o,4 » 20 37o 37o,2 » 2 37o,6 370,6 » 21 37o,8 • 39o » 3 36o,8 370,2 » 22 38o 38o,4 » 4 37°, 6 37o,8 » 23 37o 37o,2 » 5 37o,8 370,6 » 24 37o 37o,2 » 6 37o,6 370,6 » 25 37o 37o,4 » 7 36o,8 37o,4 » 26 37o,l 37o,2 » 8 37o,2 37o,6 » 27 37o 37o,4 » 9 37o,7 370,6 » 28 37o 37o,2 » 10 37o,6 370,8 TERCEIRA OBSERVAÇÃO Tétano traumático em um indivíduo de 49 annos de idade, depois da introducção de um corpo estranho na esclerotica esquerda. —Hydrato de chloral.—Cura. Bitz Maurício, de 49 annos de idade, Suisso, machinista, de temperamento sangüíneo, constituição forte, entrou para a Casa de Saúde de Nossa Senhora d'Ajuda, a 16 de Outubro de 1874. Estando a trabalhar a 14 desse mez, uma 94 EMPREGO DO CHLORAL pequena partícula de ferro saltou e foi ferir-lhe o olho esquerdo. Sentiu bastante dôr e algum incommodo na vista, deixando por isso de tra- balhar e conservando-se em casa, até o dia 19 em que acordou, com difficuldade de andar e abrir a boca. Entrou então para a casa de saúde. Apresenta todos os signaes de tétano : face retrahida; commissuras labiaes repudiadas para traz e para cima (trismus), difficuldade em abrir a boca e engulir; os músculos posteriores do pescoço contracturados ; movimentos de flexão da cabeça para diante e para os lados difficeis, in- completos e acompanhados de dôr: ventre um pouco tympanico, sem contractura apreciável dos músculos; membros thoracicos livres; abdomi- naes tendo certa difficuldade nos movimentos, quando o doente tenta caminhar, mas nada apre- sentando de apreciável, quando está deitado. Não havia reaccão febril; o olho apresentava um pequeno corpo extranho, metallico, na escle- rotica, em sua parte externa. O Sr. Dr. José Lourenço extrahiu-o. Foi prescripto o seguinte clyster purgativo: Ext.: Cosimento de malvas................ 180 grammas Electuario de sene................ ) Óleo de ricino......................j aa 60 grammas (M. Mde.) Item: Compressas embebidas em água fria, ao olho esquerdo. NO TÉTANO 95 Int.: Água distillada...................... 150 grammas Hydrato de chloral.................. 6 grammas Xarope de flores de larangeira....... 30 grammas ÍM. Mde.) Para tomar em três doses. Logo depois da primeira dose, conseguiu o doente dormir, cerca de uma hora, no fim da qual despertando, foi-lhe administrada a segunda dose, que o fez dormir mais de duas horas. Tomou então alguns caldos, sendo adminis- trada a terceira dose, duas horas depois da se- gunda. Dormiu ainda perto de três horas. Nota-se aqui, como em todos os outros casos, cessação dos phenomenos tetanicos, durante o somno e seu reapparecimento depois, sendo, porém, o despertar acompanhado de um estado de satisfação. Dias 17 a 20.—Continuarão os phenomenos do tétano no mesmo estado, sem augmentarem, nem diminuirem. Neste ultimo dia foi a dose do chloral ele- vada a 8 grammas. São permittidos, além dos caldos, alguns mingáos. Dias 21 a 22.—O doente está animado, con- serva bastantes forças, embora nenhuma modifi- cação apresente o estado tetanico. Elevo a dose do chloral a 10 grammas. Dias 23 a 24.—Tudo no mesmo estado. Hydrato de chloral, na dose de 12 grammas. 96 EMPREGO DO CHLORAL Á noute (26) o interno administrou um pouco de Le-roy, com o que o doente evacuou bastante. Dia 25.—Nota-se alguma melhora. O doente abre a boca com mais facilidade. Não ha mais redobramentos nos músculos. Pôde tomar algum alimento. E-lhe permittida, além dos caldos e mingáus, uma pequena porção de canja de gallinha. Chloral na mesma dose Dias 26 a 27. — O estado tetanico melhorou ainda mais. Hydrato de chloral. Dia 28. — Apresentão-se symptomas de asthma. Além do chloral, prescrevi a seguinte poção : Int.: Xarope de tolú.......................... 30 grammas. Tintura de lobelia inflata................ 4 grammas. Água dislillada.......................... 150 grammas. (M. e Mde.) A's colheres de sopa. A noite, em rasão de haver prisão de ventre, toma o doente óleo de ricino, na dose de 60 grammas, com o que evacua duas vezes. Dias 29 a 7 de Novembro.— O tétano foi diminuindo de dia em dia até o dia 7 em que, apenas existindo um pouco de trismus, foi abai- xada a dose do chloral a 4 grammas. A asthma também cessou quasi completa- mente. Dia 8.— Em rasão de uma visita que incom- modou o doente, acho-o soffrendo mais. A boca, que abria quasi inteiramente já não NO TÉTANO 97 o pôde fazer com tanta facilidade.—Faço tomar 8 grammas de chloral. Dias 9 a 13. —Continuou o chloral, na dose de 8 grammas até o dia 13, em que tendo cessado todos os symptomas tetanicos, foi outra vez a dose abaixada a 4 grammas. Dias 14 a 18. —Apesar de terem cessado os symptomas tetanicos, continuou-se por prudência o medicamento na dose de 4 grammas, até o dia 17, em que só se deu 2 grammas. Dia 21. — O doente pede alta, a qual lhe é concedida. Estava inteiramente restabelecido, tendo sido suspensa toda a medicação, desde o dia 19. Re- commendei-lhe toda a prudência. Um mez depois tive occasião de vêl-o, disse-me que passava perfeitamente bem. A temperatura não foi tomada com regula- ridade. Nos dias em que foi observada, conservou-se entre 37° e 38°, pouco excedendo a este numero. QUARTA OBSERVAÇÃO Tétano, depois de uma ferida contusa, com arregaçamento e descol- lamento da pelle da palma da mão esquerda.—Emprego do hy- drato de chloral.—Morte.—Autópsia feita algumas horas depois. Fortunato, negro, de 45 annos de idade, temperamento sangüíneo, constituição forte, sol- 13 98 EMPREGO do chloral teiro e ganhador, entrou para a Casa de Saúde de Nossa Senhora d'Ajuda, a 2 de Junho de 1876. Apresentava na palma da mão esquerda, uma solução de continuidade, que começando na parte superior de eminência thenar, seguia na direcção do bordo superior da mão, logo abaixo da dobra do punho e depois passava a percorrer o bordo interno, até perto da articulação metacarpo- phalangeana, do quinto dedo. Esta solução de continuidade era de bordos irregulares, contusos e seus lábios apresentavão um afastamento de cerca de dous centímetros. Comprehendia a pelle e os tecidos subcutaneos, até aos músculos das regiões thenar e hypothenar. Observando-a, logo á primeira vista, notava-se que a violência não devia ter actúado perpendi- cularmente, - mas sim obliquamente, visto pro- longar-se por baixo da pelle, de modo a achar-se esta inteiramente descollada em toda a exten- são da palma da mão, até junto dos bordos ex- terno e inferior. Formára-se assim um retalho, que se não estava inteiramente separado e pendente, devia-o á pelle ainda conservar-se intacta, nos pontos acima indicados. Não havia hemorrhagia, fornecida por ne- nhum ramo arterial; apenas um pequeno corri- NO TÉTANO 99 mento sangüíneo. Entre os lábios da solução de continuidade e por baixo do retalho encon- trei terra e pequenos pedaços de pedras. Havia dôr bastante considerável. O ferimento teve lugar algumas horas antes, tendo o doente, ao conduzir um cesto de pedras, escorregado e cabido violentamente com a mão de encontro a ellas, tendo as suas superficies irre- gulares e cobertas de arestas e ângulos agudos e salientes sido a causa da maior intensidade do traumatismo. O curativo consistiu em lavar bem a mão e extrahir os corpos estranhos, - approximar os bordos das soluções de continuidade, por meio de tiras aglutinativas, e envolver a mão em com- pressas, fazendo-as embeber constantemente na seguinte mistura : Ext.: Água vegeto-mineral..............) ãã 200 graramas Álcool camphorado................) Internamente foi-lhe prescripto : Bebida antiphlogistica de Stoll............ a formula (Tomar um calix de hora em hora). Caldos de gallinha. Tudo caminhou regularmente até o dia 6, sendo-lhe permittido um pouco de canja de gal- linha a 4, e a 5 receitado o óleo de ricino, na dose de 50 grammas, para combater a prisão de ventre. 100 EMPREGO DO CHLORAL No dia 6, em rasão de haver cheiro des- agradável e assemelhando-se ao da gangrena, foi levantado o curativo. Notei que havia adhe- rencia completa do retalho, descollamento da epiderme, que foi excisada, e gangrena da pelle, na parte supero-interna, na extensão de um e meio centímetro, de cima para baixo e de dous e meio, de dentro para fora. O curativo foi então feito com álcool carn- phorado puro. No dia 7, foi prescripta a água ingleza, na dose de dous cálices por dia. O circulo elimi- nador, de roda da eschára, começou a aprofun- dar-se mais. Tudo caminhou sem maior novidade até o dia 11, á noite, aprofundando-se cada vez mais o circulo eliminador, diminuindo consideravel- mente o cheiro gangrenoso e a suppuração, e progredindo regularmente a cicatrisação da ferida. Foi substituído então o curativo do álcool pelo cerôto fortemente camphorado. A' noite, segundo referiu-nos o doente, no dia 12, principiaram as primeiras manifestações do tétano. Encontrei-o neste dia com o trismus e contractura dos músculos posteriores do pescoço. Abria a bocca com muita difficuldade, era-lhe impossível executar a flexão da cabeça sobre o NO TÉTANO 101 tronco, mas podia movel-a, ainda que com diffi- culdade, para ambos os lados, tanto no sentido da flexão como no da rotação. Havia um pouco de dysphagia. O thorax, o ventre e os membros não parecião ainda estar affectados. Nenhuma reaccão febril; a lingua humida e revestida de tênue camada de saburra esbranquiçada; a pelle coberta de pequena quantidade de suor. Foi-lhe prescripta a seguinte poção: Int: Hydrato de chloral.................. 6 grammas. Xarope de flores de larangeira....... 30 grammas. Água distillada___................... 100 grammas. (M. e Mde.) Tomar uma colher de sopa de hora em hora. Logo á terceira colher dormiu, acordando uma hora depois. Insistiu-se no uso do medi- camento, conseguindo-se fazel-o dormir ainda algumas horas, sem elevar a dose. Dia 13.—O tétano estendeu-se um pouco ao thorax e ventre, accentuando-se mais para o lado do pescoço, cujos músculos em forte con- tractura já não permittem, quasi movimentos á cabeça. A dose do chloral foi elevada a 8 gram- mas. O doente dormiu muitas horas e teve uma pequena evacuação. Dia 14.—O estado do doente é o mesmo. Os membros thoracicos e abdominaes conservão-se ainda livres. Elevo a dose do chloral a 10 grammas. 102 EMPREGO DO CHLORAL O somno tem lugar muitas vezes, durando uma e mesmo mais de duas horas. Dia 15. — Continua o mesmo estado. O doente sente algum appetite, e consegue tomar dois ovos quentes, além dos caldos e mingáos, de que já usava. Como não evacuasse, nem hontem, nem hoje faço administrar o seguinte clyster, com o qual ha duas evacuações. Ext: Infusão de persicaria................ 200 grammas. Óleo de ricino...................... 50 grammas. Electuario de sene................... 30 grammas. (M. e Mde.) A' noute, o doente passa peior, apparecem os redobramentos nas contracções, que o fazem sofírer muito. Dia 16.—O estado tetanico é mais pronun- ciado. A bocca quasi não se abre; a cabeça está inteiramente inclinada para trás e o tronco fortemente curvado nessa direcção ; os músculos das regiões anterior e lateraes do pescoço, os do thorax e do ventre estão em estado de forte contractura, tensos e endurecidos; os membros thoracicos e abdominaes já começão a ser aftec- tados. As mãos estão em flexão, conseguindo o doente ainda estendel-as, mas já com alguma difficuldade. O mesmo succede quanto aos movi- mentos de flexão e extensão do antebraço sobre NO TÉTANO 103 o braço. Nos membros abdominaes nota-se que quasi não pôde ser effectuada a flexão da coxa sobre a bacia. Os pés estão em extensão sobre a perna e esta sobre a coxa. E difficil fazel-os executar com liberdade os movimentos normaes. A pelle está um pouco quente, e coberta de bastante suor. De vez em quando, as con- tracções apresentão os redobramentos ou convul- sões tão communs no tétano, que fazem dar gritos ao infeliz. Continuo na mesma medicação, conse- guindo sempre o chloral acalmar os accessos, com a producção do somno, o qual assim que cessa é substituido, de novo, pelo mesmo quadro symptomatico. Dia 17.— O corpo do doente não é coberto de suor. O estado tetanico é o mesmo. A intel- ligencia conserva-se ainda clara, como desde o primeiro dia. Ha de vez em quando ameaças de asphyxia, a dysphagia é mais pronunciada, e só com difficuldade se faz tomar pequenas por- ções de caldo. Considero o estado do doente desesperado e espero a morte a todo o momento. Insisto no mesmo tratamento. Dia 18.—Ás 6 */, horas da manhã, a morte teve lugar, devida com certeza á asphyxia, segundo o que me referiu o enfermeiro e a autópsia confirmou. 104 EMPREGO DO CHLORAL O exame cadaverico, feito por mim, com o auxilio do interno o Sr. Santos e do Sr. Bernardo, deu o seguinte resultado : Habito externo.—O corpo, muito inteiriçado, está no decubitus dorsal e conserva inteiramente o aspecto tetanico. Só a muito custo se consegue estender as mãos e executar a flexão dos membros; o ventre é duro, tympanico, tenso e rijo como uma taboa. Incisões praticadas sobre a pelle e camadas musculares, mostrão as veias repletas de sangue negro, e verdadeiras congestões ou antes derra- mamentos de sangue negro, no interior de alguns músculos, principalmente nos dos membros superiores, parecendo terem sido o resultado de ruptura de vasos e de fibras musculares, em conseqüência das fortes contracturas. O exame da mão, mostrou a ferida em trabalho adiantado de cicatrisação, estando o retalho inteiramente adherente. A eschára, quasi destacada, comprehende toda a espessura da pelle. O resto da ferida estava coberta de gra- nulações de bôa natureza. Caixa thoracica.—Pericardio adherindo á pleura, separando-se, não sem difficuldade da parede thoracica, e apresentando três placas leitosas, de fôrma mais ou menos circular, indicando ter essa membrana sido sede, de NO TÉTANO r 105 algum trabalho inflammatorio anterior. No in- terior de sua cavidade encontra-se uma pequena quantidade de serosidade amarellada. O coração nada apresenta de extraordinário. Apenas em seu interior, sobretudo nas cavi- dades direitas, muitos coágulos sangüíneos, de côr preta e enchendo seu interior. As veias cavas e pulmonares muito cheias de sangue negro. As pleuras nada têm de anormal. Em seu interior, ha uma quantidade muito insignificante de serosidade. Os pulmões, repletos de sangue negro, crepitantes, em um verdadeiro estado congesto. Nenhum indicio de tuberculos. Cavidade abdominal.-—Branda injecção do peritoneo, sobre tudo do grande epiploon; o fígado normal, o baço e os outros órgãos em bom estado A bexiga continha apenas uma pequena quantidade de urina. Nenhum derra- mamento na cavidade abdominal. Cavidade craneana.—Nada de anormal na dura-mater; congestão considerável da tela e plexus choroides ; o cérebro esbranquiçado, pom algum pontilhado, depois de cortado; pequeno derramen nas cavidades ventriculares. Canal rachydiano. — Injecção forte da pya- mater; grande congestão das veias rachydianas; nada de anormal, na medulla examinada desde o bulbo até á cauda de cavallo. 14 106 EMPREGO DO CHLORAL O exame do microscópio, sobre cortes da medulla e bulbo, feitos em diversas direcções, nada de anormal demonstrou. A temperatura, como se vê pelo quadro abaixo, oscillou sempre entre 37° e 36°. Quadro da temperatura MEZ DIA MANHà TARDE MEZ DIA MANHà TARDE Julho 12 37o,2 37o,4 Julho 15 37o 37o,4 » 13 36",8 37o » 16 37o,8 37o,6 » 14 36o,6 36o,8. » 17 37",2 36o,6 QUINTA OBSERVAÇÃO Tétano em um menino de 12 annos de idade, consecutivo a ferida, com penetração de corpo extranho na região plantar do pé esquerdo.—Hydrato de chloral.—Morte. João, de 12 annos de idade, temperamento lymphatico, constituição regular, brasileiro, branco e morador á rua Primeiro de Março, é por mim visto, pela primeira vez, a 6 de Ou- tubro do corrente anno (1876). Apresenta todos os phenomenos de tétano : repuchamento com contractura dos músculos da face, para cima e para diante, e dos lábios, para trás e para cima (trismus) ; difficul- dade em abrir a bocca, que conserva quasi fe- chada, deixando os dentes descobertos; dysphagia pouco considerável; contractura dos músculos NO TÉTANO 107 posteriores do pescoço (opisthotonos) ; impossi- bilidade completa dos movimentos de flexão da cabeça, e grande difficuldade nos de rotação e flexão lateral da mesma ; os músculos do ventre estão tensos, em estado de contracção permanente; algum meteorismo intestinal ; os membros supe- riores estão desembaraçados, podendo o doente movêl-os com alguma facilidade; os inferiores estão em contractura ainda incompleta, de modo a serem ainda susceptíveis de movimentos, quasi livres. A pelle não é quente, nem secca, nem tão pouco coberta de suor; o pulso é cheio, mas pouco freqüente; a lingua humida, coberta de uma tênue camada de saburra, apresenta duas pequenas soluções de continuidade, pouco pro- fundas, mas de bordos contusos e dilacerados, as quaes são devidas ao doente têl-a mordido mais de uma vez. Ha bastante sede. Segundo me informarão as pessoas de casa, a moléstia manifestára-se dois dias antes, começando por difficuldade em abrir e fechar a bocca, mani- festando-se depois progressivamente os outros symptomas. Acreditando, a principio que não se tratava senão de uma suppressão de transpi- ração, derão-lhe bebidas quentes e tintura de aconito, com o fim de fazêl-o transpirar, o que foi conseguido. Quatro a cinco dias antes, por occasião de 108 EMPREGO DO CHLORAL levantar-se a cumieira de uma casa, que estão reconstruindo, a cauda de um foguete do ar, que é em geral de madeira leve, implantou-se no pó do menino, e não a podendo tirar, cha- marão um medico, que apenas poude extrahir um pedaço, deixando ainda uma pequena porção que foi retirada três dias depois, graças á sup- puração que se estabeleceu. Pouco cuidado houve com o menino, de modo que elle andava constan- temente sobre o pé, até que a manifestação da moléstia'actual obrigou-o a conservar-se de cama. Procedendo ao exame da solução de con- tinuidade, noto que occupa, pouco mais ou menos, o meio da região plantar do pé esquer- do, quasi junto ao bordo externo ; é de menos de 1 centímetro de extensão, de bordos irre- gulares, inflammados, em suppuração e aflas- tados um pouco. A pressão ao redor da feri- da, produz dôr, e a introducção de um esty- lete mostra que ella tem uma direcção obliqua para cima e para dentro, é de 1 */, centímetro de profundidade e não encerra corpo algum extranho. Lavada a ferida e curada com cerôto opiado prescrevo a poção seguinte: Int.: Hydrato de chloral.................. 7 grammas Xarope de flores de larangeira....... 30 grammas Água distillada de tilia.............. 100 grammas (M. e Mde.) Tomar uma colher de sopa de hora em hora até effeito dormitivo. NO TÉTANO 109 A primeira colher foi tomada ao meio-dia, sendo meia hora depois seguida de somno, do qual dispertou-se o doente, no fim de dez mi- nutos, queixando-se de dores fortes no epigastro, durante cinco minutos, no fim dos quaes tornou a dormir até pouco depois de uma hora da tarde, quando, acordando foi administrada outra colher, que no fim de 10 a 12 minutos, fêl-o dormir até ás 3 horas. Acordou-se então, dizendo-se aliviado de tudo e principalmente do estômago, e sentindo algum apetite. Tomou então duas chicaras de caldo. Ficou socegado até ás 7 horas da noute, em que foi administrada a terceira colher, com a qual conseguiu alguns minutos de somno, no fim dos quaes acordou queixando-se muito. As 7 Yj> quarta colher, com que dormiu logo depois, durando o somno até as 8 horas da noite. Ao acordar, não soffria tanto, tomou um pouco de caldo, voltando a tomar outra colher de remédio ás 9 horas, e ás 10 e ás 11 mais duas, conseguindo dormir então até 1 !/2 hora da manhã. Nova colher a essa hora, seguida de somno até ás 3 horas da manhã. Forão ainda tomadas mais três colheres até ás 8 horas da manhã de 7. Dia 7.—Encontro o doente satisfeito, pe- dindo algum alimento. O tétano não apresenta 110 EMPREGO DO CHLORAL grande modificação, apenas a bocca abre-se com mais facilidade. É com grande difficuldade, porém, que se consegue mudar o menino de posição, pois que sempre que se o faz, ha exacerbações nos sofírimentos. A lingua está mordida em mais pontos, correndo da bocca saliva ensangüentada. Insisto no uso da poção e mais: Ext. : Mel rosado.......................... 30 grammas (Applicar á lingua). Durante este .dia, forão tomadas três quartas partes da poção, dando-se pouco mais ou menos os mesmos phenomenos, que no dia' anterior. Caldos e mingáos. Dia 8.—Os mesmos symptomas de hontem. O menino não faz a menor idéa da gravidade de seu estado. Por occasião da visita, pede para virar-se de bruços, o que por mais de uma vez costuma fazer. A atitude que o corpo ofíerece então é muito incommoda. Apresenta-se intei- riçado, a cabeça em extensão; tem o pescoço voltado para cima e para a diante, a face olha para cima. Continuo tudo, e mais, por causa de alguma prisão de ventre, o seguinte clyster purgativo : Ext.: Infusão de persicaria................ 200 grammas Óleo de ricino...................... 60 grammas Electuario de sene.................. 30 grammas. (M, e Mde.) NO TÉTANO 111 Neste dia a poção foi quasi toda tomada. Dias 9 a 10. —O doente parece apresentar algumas melhoras. Move-se com menos difficul- dade A bocca abre-se com mais facilidade. Ha appetite. Pouca sede. Continuo todo o trata- mento. Dia 10.—Os soffVinientos se exacerbarão durante a noite antecedente. As contraccões tônicas estenderão-se aos membros thoracicos e abdominaes que estão inteiriçados ; o trismus é mais pronunciado, a dysphagia mais forte, dôr considerável no ventre, acompanhada de meteo- rismo e forte contractura dos músculos, sede intensa, corpo quente e coberto de suor abun- dante. De vez em quando, ha convulsões, que se passão em todos os músculos e fazem o doente dar gritos muito agudos. A respiração é muito embaraçada. Ao mesmo tempo que tudo isso tem lugar, a ferida caminha regularmente. A suppuração tem diminuído e a cicatrisação tende a effectuar-se. Continuo o chorai, que é tomado integral- mente na dose de 7 grammas. O estado do menino conservou-se pouco mais ou menos, sempre o mesmo, com alternativas de somno, e de vigilia, até ás 11 da noite, em que falleceu, quasi subitamente. 112 EMPREGO DO CHLORAL A autópsia não foi permittida. A tempera- tura, como se vê abaixo, oscillou entre 37° e 38°, chegando em um dia, acima de 39°. Quadro da temperatura MEZ DIA 6 MANHà TARDE MEZ DIA MANHà TARDE Outubro 37o,7 370.6 Outubro 9 38o,2 380,2 » 7 370,8 38o » 10 39o,2 39o,7 » 8 370,4 37o,8 Pela leitura destas cinco observações, de té- tano traumático, em que o hydrato de chloral foi empregado quasi que exclusivamente, vê-se que em três a cura teve lugar e em duas, a morte. Muitos têm sido os meios aconselhados e empregados para debellar tão terrível affecção, e até hoje quasi se chegou á triste verdade de reconhecer que zomba de todos, cedendo quasi só expontaneamente aos únicos esforços da na- tureza. Passarei a enumerar de um modo succinto e rápido a maior parte d'entre elles, pois meu fim aqui não é fazer a sua historia completa, e sim mostrar as esperanças que fundo no hydrato de chloral. NO TÉTANO 113 A amputação, aconselhada por Larrey, Roux (de Toulon), Hobart e outros, não parece ter dado resultado, senão nos casos de espasmos. No verdadeiro tétano deve ser repellida, pois acredito que, longe de melhorar as condições do doente, pôde antes, juntando um novo trauma- tismo, exacerbar a moléstia. A anesthesia local, usando-se de preferencia o ether, quer em vaporisação, quer em gottas, que se fazem cahir umas após outras sobre a ferida, tem unicamente a vantagem de acalmar um pouco os soffrimentos, sem que pareça con- correr para a cura. A cauterisação, as moxas, os vesicatorios, etc,, também devem ser proscriptos. Apenas po- dia ser permittido o vesicatorio, quando se ti- vesse em vista o emprego de remédios, pelo methodo endermico, Os sudorificos parecem ter dado alguns re- sultados, tanto sob a fôrma de vapores quentes, como sob a de medicação interna. Seria o caso de empregar-se o nosso jabo- randy, tão decantado hoje na Europa, e por tanto tempo despresado e quasi desconhecido por nós. A propósito de medicação sudorifica, cita-se o facto, referido por Ambrosio Pare, do soldado que estando durante muitas horas debaixo de 15 114 EMPREGO DO CHLORAL estéreo, foi atacado de uma forte transpiracão, com a qual jugulou-se a moléstia. Os banhos quentes e frios têm sido aconse- lhados, aproveitando em um ou outro caso. O ópio, a morphina, a belladona, o canabis indica, o bromureto de potássio, o curare, os mercuriaes, o álcool, o ether, o chloroformio, a sangria, o hydrato de chloral, têm sido aponta- dos como meios efficazes. O ópio, a morphina e a belladona são os que mais emprego têm tido. Qualquer destas substancias pôde ser to- mada em doses consideráveis, e é justamente nesta moléstia que se observa patentemente a tolerância mórbida. O ópio merecia, entre nós, a confiança do professor Manoel Feliciano, que associava-o quasi sempre á sangria. Entre os casos de sua clinica, tive occasião de vêr um de cura com esse tratamento, em um operado de trepano no osso frontal, em que se manifestou o tétano. A belladona é também empregada por muitos. O Sr. Dr. Costa Lima tem muita confiança no extracto, usado internamente. O canabis indica (haschisch) tem sido pouco vulgarisado, apezar de ter dado bons resultados, em alguns casos, como sejão entre outros os NO TÉTANO 115 de Béron (de Kasan) de Cock e Wilks e de Skues. O bromureto de potássio, cujo emprego, em therapeutica, degenerou em verdadeira moda, tem também sido bem succedido. Uns empre- gão-n'o só, outros associão-n'o á morphina. No numero dos que seguem esta ultima pratica, está o Sr. professor Dr. Torres-Homem, que se linsongeia muito do uso dessa medicação. O curare empregado interna e externamente, não deu os resultados com que se sonhava, tendo por assim dizer cahido em discredito. Lembrado por Morgan, mas só aconselhado por Hobart, foi usado pela primeira vez, em 1859, por Vella que foi infeliz desta e de mais outra vez, até que pela terceira vez, obteve um successo, em um caso de tétano, que se apresentara com a fôrma benigna e sem os caracteres habituaes da moléstia (Follin). Depois foi empregado muitas vezes, só ha- vendo resultado salutar em mais dous casos, que no dizer do mesmo Follin, erão de tétano chronico. Os mercuriaes, dados até a salivação, o álcool até a embriaguez, têm merecido as honras de bons agentes therapeuticos desta nevrose. O ultimo destes meios, no Brasil e na cam- panha do Paraguay, parece também ter apro- veitado em alguns casos. 116 EMPREGO DO CHLORAL O ether e o chloroformio, produzindo a anesthesia e fazendo cessar as contracções, pa- recião à priori, dever dar os melhores resultados. No entanto, de acção muito menos vantajosa, do que os narcóticos e sudorificos, estão longe de corresponder ás esperanças nelles fundadas. Seu emprego mesmo não é fallivel de in- convenientes, porque o ether, fazendo cessar as funcções respiratórias, poderia provocar e preci- pitar a asphyxia, tão cominum no tétano e o chloroformio, dando lugar á syncope, e em al- guns casos á asphyxia, mesmo em individuos nas melhores condições de saúde, com mais rasão o poderia fazer no tétano, em que as funcções da hematose são muito embaraçadas, pela diffi- culdade mesmo da respiração. Poderia ainda fallar no sulfato de quinina, na therebentina e em mais outros meios, que não têm sido tão empregados como os antece- dentes; como isso levaria longe passarei a occu- par-me só do hydrato de chloral. E este um dos remédios mais em voga hoje, para o tratamento desta e outras nevroses. Sem os inconvenientes do ópio, da belladona e outros narcóticos, do chloroformio e do ether, tem o chloral o poder de produzir o somno, dando lugar assim á cessação da dôr e das con- vulsões. NO TÉTANO 117 Sem me deixar arrastar por um enthusiasmo prematuro, todavia me parece, por emquanto ao menos, o remédio talvez capaz de curar maior numero de tetanicos do que os outros. Como tive occasião de communicar. em ses- são de 23 de Novembro de 1874, á Imperial Academia de Medicina, nunca tivera occasião de curar um único caso de tétano, tendo lançado mão inutilmente do chloroformio, do ópio, da belladona, do bromureto de potássio associado á morphina, etc, quando consegui o primeiro caso de cura. Era um individuo de 20 annos de idade, branco, portuguez, e de constituição deteriorada, que apresentava apenas o trismus, e a contracção tetanica dos músculos do ventre, complicando-se de pneumonia, com hepatisação do pulmão direito. O tétano e a pneumonia forão devidos a algumas contusões e feridas contusas nos pés, e a muita chuva que apanhara, conservando as roupas molhadas sobre o corpo. Era desses casos, que os autores chamão de tétano chronico. O tratamento, dirigido mais para debellar a pneumonia, consistiu no uso do tartaro emetico, do nitrato de potassa, água de louro-cerejo, al- guns xaropes calmantes, e em um largo vesica- torio sobre a parte posterior e lateral direita do 118 EMPREGO DO CHLORAL thorax, o qual foi curado com a pomada de morphina, único remédio empregado, em vista ao estado tetanico. Consigno aqui este facto, simplesmente por ter sido o primeiro de minha clinica, em que vi a cura estabelecer-se, pois além de ter apresen- tado fôrma muito benigna, a moléstia parece ter cedido expontaneamente. É ao hydrato de ohloral, que devo mais três curas em casos, que considero de muita gravi- dade. Fica pois sendo para mim o medicamento de mais confiança, no tratamento do tétano. Em 1874, quando communiquei as minhas primeiras observações á Imperial Academia de Medicina, tive o prazer de encontrar, em uma das actas da Sociedade de Cirurgia, de Pariz, desse mesmo anno, a communicação, feita pelo Sr. Verneuil, de cinco tetanicos, curados por elle, com o hydrato de chloral, acompanhada da de- claração de serem os seus primeiros e únicos successos, nunca tendo até então curado um só doente dessa moléstia, com os outros trata- mentos. Entre nós o chloral também tem sido em- pregado, com vantagem por alguns collegas, havendo algumas observações de meus amigos os Srs. Drs. Carlos Costa e Marinho, no Rio de Ja- NO TÉTANO 119 neiro, e do Sr. Dr. Pacifico Pereira, na Bahia. Este ultimo associa-o a morphina. O hydrato de chloral no tétano, actúando a titulo de hypnotico, faz os doentes tolerarem mais os soffrimentos, e impedindo assim, até certo ponto o esgoto considerável e prompto das forças, dá em resultado a moléstia ter mais longa duração, de modo a tomar a fôrma chronica, o que facilita a cura. De todos os medicamentos empregados para produzir o somno, é justamente aquelle, cujo despertar não é seguido de muito abatimento de forças. Em todos os doentes, notei alivio, e sensação de bem estar, logo que acordavam. Para se conseguir resultado, creio que não se deve, regra geral, dar o medicamento em dose que conserve sempre o doente a dormir, sendo conveniente deixal-o acordado em um ou outro intervallo, não só para graduar melhor a acção do chloral, como também para administrar ali- mentos que entretenhão as forças, para evitar o mais possivel a morte por inanição. Entendo que o chloral deve ser empregado só, sem ser de permeio, com outras medicações, excepto nos casos, em que alguma complicação exija a associação de um ou outro remédio. Deve ser administrado de preferencia pela bocca, e em caso de dysphagia ou de intolerância do estômago, em clysteres ; e se estes forem re- 120 EMPREGO DO CHLORAL geitados, em injecção nas veias, segundo a pratica do Dr. Oré, de Bordeaux. Nestas observações ainda ha a notar, o gráo de temperatura que em geral oscillou entre 37° e 38°, mostrando assim, ainda uma vez mais, que a febre não é complicação freqüente da moléstia. I2.a OBSERVAÇÃO ENCHOPROMA DA PAROTIDA ESQUERDA Extirpação da glândula.—Cura. Feliciana, de côr preta, de 30 annos de idade, constituição regular, temperamento sangüíneo, entrou para a Casa de Saúde de Nossa Senhora da Ajuda, a 22 de Janeiro de 1874. Apresentava, no ponto correspondente á glân- dula parotida esquerda, um tumor que, come- çando abaixo e atrás do lobulo da orelha, excedia em baixo, um pouco, o angulo da mandibula, ia adiante até á face, e atrás até á apophyse mastoide. Este tumor começara, segundo as informações da doente, ha mais de quatro annos, por um pequeno engorgitamento, do volume de um grão de milho, assestado bem no meio da região parotidiana, o qual foi sempre em augmento, até tomar o vo- lume actual. Nem hoje, nem nunca teve occasião de sentir a mais insignificante dôr, na parte affeotada. Passando ao exame do tu-aiQr, notei que tinha uma forma irregularmente oyoide, de extre- midades voltadas para cima e para baixo, e apre- 16 122 ENCHONDROMA sentava na parte média uma proeminencia arre- dondada e não muito saliente. A' pressão e á apalpação sentia-se que o tumor era um pouco duro, apresentando essa sensação de duresa em alguns pontos mais pronunciada, do que em outros, de modo a assemelhar-se á do tecido fibro-cartilaginoso; tinha a superficie coberta de elevações arredondadas e pouco salientes, não obstante o que mostrava ser constituido por um único corpo, e não por grupos de corpusculos reunidos entre si; não tinha fluctuação, nem pulsações, nem expansão; não adheria á pelle, que escorregava sobre elle, e ainda que não apre- sentasse ulceração, nem edema, nem inflammação, tinha comtudo um ponto na parte média, em que havia um tecido esbranquiçado, com os caracteres de uma cicatriz. Esta, cuja existência era real, fora devida, no dizer da doente, á uma ulceração, que resultará da applicacão de uma substancia cáustica. Esse tumor penetrava ainda pelo espaço, occu- pado pela parotida e escorregava sobre as partes profundas, com as quaes não parecia ter a menor adherencia. A parte inferior da orelha era um pouco levantada para cima e para diante, achando-se a extremidade do seu lobulo voltada para cima; mas não havia a menor adherencia entre ella e o tumor. DA PAROTIDA ESQUERDA 123 A circumferencia da face, tomada de um ponto, a partir da depressão do lábio superior e passando pela face e pelo tumor, abaixo do lobulo da orelha, e percorrendo a nuca e depois voltando pela face do lado opposto, e por baixo da orelha e indo encontrar-se no ponto de par- tida, media 46 centímetros. Feita a medida só da metade, correspondente ao lado doente, tinha 24 */, centimetros. Uma linha tirada, da extremidade superior á inferior do tumor, media 8 centimetros, e uma outra partindo de diante para trás e passando pela parte média tinha cerca de 6 centimetros. A doente queixava-se de alguma surdez do lado correspondente ao tumor. A vista não era perturbada, nem tão pouco havia desvio dos lá- bios e dos globos occulares. Os gânglios do pes- coço nenhuma alteração apresentavão. A sede do tumor, o tempo que levou a crescer, sem perturbação do estado geral, a au- sência de adherencia e de ulceração da pelle, a sua dureza cartilaginea, em certos pontos, a ausência de pulsação e movimentos de expansão, :i de alteração dos gânglios circumvisinhos e de (rachexia, o seu escorregamento, no meio dos tecidos em que se assestava, fizerão-me acreditar que se tratava de um enchondroma da parotida. Resolvi praticar a extirpação, baseado prin- 124 ENCHONDROMA cipalmente no facto de me parecer estar o tumor enkystado, o que deveria facilitar a enucleação, sem ser preciso lesar os vasos importantes, que occupâo a região. No dia 3, collocada a doente sobre uma mesa, foi, depois de chloroformisada e em presença dos Srs. Drs. Torres Homem, Feijó Júnior, Al- bino de Alvarenga, Augusto Guimarães, Fortuna e Luiz Alves e muitos estudantes de medicina, sujeita á operação do modo seguinte: Duas incisões curvilineas olhando-se pela concavidade forão feitas, desde a extremidade superior do tumor até a inferior. Em cada um dos pontos em que se reunião, prolonguei-as, por meio de uma incisão simples, qne exce- dia, em cima e embaixo, os limites do tumor. Circunscrevião um estreito retalho de pelle, de fôrma elliptica. Passei a dissecar a pelle, que cobria o tumor, isolando^o tanto nas partes superior e inferior, como nos lados. Assim que ficou descoberto, tratei de destacal-o na parte profunda, servindo-me ora dos dedos, ora do bistouri, tendo sempre o cuidado de não dar um só golpe, sem ter primeiro verificado bem os tecidos, que tinha a cortar. Este tempo da operação deu-me algum tra- balho, por causa de algumas adherencias, que felizmente pude dilacerar, com os dedos. DA PAROTIDA ESQUERDA 125 O nervo facial não me pareceu ter sido cortado, e sim alguns de seus filétes, o que se revelou depois, pela paralysia dos músculos con- tractores da commissura labial correspondente. A hemorhagia foi fornecida unicamente por cinco arteriolas, que forão immediatamente li- gadas. A operação durou cerca de 35 minutos. A ferida resultante delia era enorme e pro- funda. Via-se o feixe posterior do digastrico, o grupo de músculos, que constitue o ramalhête de Riolan, a veia jugular interna e no fundo sen- tia-se pulsar as carótidas externa e interna. Da glândula parotida, não parecia existir o menor vestigio, o que foi verificado pelos collegas que assistião á operação. Depois de convenientemente enxuta e limpa dos coágulos, foi a ferida fechada, applicando aos lábios cinco pontos de sutura metallica, com fio de prata, desde a extremidade superior até uma pequena distancia da inferior, onde deixei-a aberta, afim de dar escoamento aos liquidos, pois era de esperar que uma ferida tão extensa e profunda fornecesse pús. Por cima fez-se um curativo simples. Internamente foi prescripta a seguinte poção, que costumo administrar aos meus operados, sempre com o melhor resultado, pois acalma as 126 ENCHONDROMA dores, e evita ou pelo menos corrige, na maioria dos casos, a intensidade da reaccão febril : Int. Água distillada............:............... 150 grammas Água de louro-cerejo...................... 8 grammas Xarope de morphina...................... 30 grammas (M. e Mde.) Tomar uma colher de sopa de hora em hora. Dia 4.—A doente passou perfeitamente. Não havia reaccão febril. Mudei as peças exteriores do curativo, por estarem embebidas de serosidade sanguinolenta, que tinha-se escoado da ferida. Forão permittidos caldos e alguns mingáos. Continuou a poção de duas em duas horas. Dias 5 a 7.—Tudo ia bem. Corria um pouco de pús pela abertura inferior da ferida, a qual mostrava estar toda unida, por primeira intensão, com excepção da parte inferior. Havia adhesão da pelle ás partes profundas. Fez-se o curativo. Co- meçou-se a alimentar mais a doente, permittin- do-se-lhe as carnes de gallinha e carneiro. Dia 8.—Forão retirados os cinco pontos de sutura, e em seu lugar applicadas tiras aglutina- tivas, com o fim de sustentar a cicatriz, que podia dilacerar-se, pela tracção exercida sobre ella. Dia 9.— Tudo ia bem. Neste dia notei tor- tura oris, para o lado opposto ao da operação, o que me fez reconhecer a existência de paralysia dos músculos, que vão ter á commissura labial esquerda. DA PAROTIDA ESQUERDA 127 Quanto aos da palpebra correspondente nada apresentavão. Dias 10 a 12.—A ferida ia bem. Continuava a suppurar. Nestes dias cahirão quatro ligaduras. Dias 13 a 17.—Tudo ia bem. Neste ultimo dia teve lugar a queda da quinta e ultima liga- dura, a qual sahio á custa de tracções, que exerci sobre ella. Dias 18 a 21.—A ferida estava quasi inteira- mente cicatrisada. Pouco suppurava. Apenas em baixo havia três pequenas granulações, que forão cauterisadas com nitrato de prata. Dias 22 de Fevereiro a 8 de Abril. — A fe- rida acabou a cicatrisação completa, a 24 de Feve- reiro, conservando-se a doente até o dia 8 de Abril, em que teve alta. Durante esse tempo foi submettida ao uso de uma medicação tônica e de choques electricos aos músculos paralysados. A paralysia foi pouco a pouco modificando-se, a ponto de poder a doente mover a commissura esquerda, e de corrigir-se quasi completamente a tortura oris. Quanto á audição nenhuma modi- ficação experimentou. Procedendo ao exame do tumor extirpado, notei que tinha a fôrma de uma pyramide arre- dondada, de base voltada para fora e o apice para dentro. Sua superficie exterior era constituída por 128 ENCHONDROMA bossas arredondadas e pouco salientes. Forrava-o uma cápsula fibrosa, de côr esbranquiçada, que era completa e bem organisada, na maior parte de sua extensão, com excepção, porém, da face profunda em que era antes constituída, por tecido conjunctivo areolar ou intersticial. Praticando cortes sobre o tumor sentia-se elle ranger em certos pontos, produzindo a sen- sação própria do tecido cartilaginoso. A superficie do corte apresentava-se sob a fôrma de um todo continuo, e era constituída por duas ordens de tecidos, um que constituía a parte principal do tumor e outro que se achava de distancia em distancia, como que embutido na espessura do antecedente. O primeiro, de um branco sujo e algum tanto rijo, de zonas concentricas, tinha todos os caracteres do tecido de fibras, de substancia conjunctiva. O segundo, representado por pequenas ilhas, a pequeno intervallo umas das outras, de fôrmas mais ou menos circulares, de côr branca azulada, duro e rangendo sob o escalpello, tinha todos os caracteres do tecido cartilaginoso. Da disposição destes tecidos resultava o as- pecto de um verdadeiro mosaico. Procedendo ao exame no microscópico, reco- nheci que nos pontos, em que havia o aspecto DA PAROTIDA ESQUERDA 129 de cartilagem encontrava-se cellulas grandes de cartilagem, cercadas algumas de sua cápsula própria, no meio de um tecido de fibras conjun- ctivas, as quaes formavão feixes que se crusavão, constituindo assim a substancia fundamental. Na substancia, de côr branco-suja encon- trava-se uma rede de cellulas conjunctivas no meio de trabeculas as quaes formavão anneis concentricos. A operação de extirpaçâo da parótida, que, se entre nós foi feita alguma vez, não chegou com- tudo ao meu conhecimento, tem sido praticada muitas vezes na Europa e na America do Norte. Muito se tem discutido sobre a conveniên- cia de semelhante operação, por causa, sobretudo das relações da glândula com vasos e nervos importantes. A artéria carótida externa e o nervo facial penetrão em geral em seu interior e em certos casos de degeneração cancerosa, a própria caró- tida primitiva pôde ser confundida com o tumor, de modo a exigir a ligadura. Em que condições dever-se-ha praticar a extirpaçâo da parótida? Augusto Bérard, em sua these de concurso (Paris, 1841), reunindo uma coliecção de obser- vações de extirpaçâo da parótida, chegou á con- 17 130 ENCHONDROMA clusão de que se a devia praticar mesmo em casos de cancro. Da mesma opinião são Né- laton, Dénonvilliers e Malgaigne. Os três pri- meiros reconhecem ser de necessidade a lesão do nervo facial e da artéria carótida externa, que, regra geral, penetrão no tumor, ao passo que o ultimo acha possivel a operação sem sacrifício desses Órgãos, v O professor Richet entende que não se deve aceitar completamente nem um nem outro modo de pensar. Collocando a questão no verdadeiro terreno, isto é, no da natureza, volume e dis- posição da lesão, analysa as indicações, nos casos de enchondromas, adenomas, fibromas e cancro. Os primeiros desses tumores vão pouco a pouco modificando a glândula, de uma maneira excêntrica, dirigindo seu crescimento para fora, succedendo mesmo algumas vezes effectuar-se a degeneração á custa da camada exterior da paró- tida,' sendo a parte interna da glândula recalcada para dentro, a ponto de atrophiar-se e mesmo desapparecer. Nestes casos succede muitas vezes, como em minha doente, o tumor enkystar-se. A operação é então perfeitamente indicada e deve ser praticada. Nos de cancro, é preciso que este ainda não se tenha estendido e invadido toda a glândula, DA PARÓTIDA ESQUERDA 131 porque se faria inutilmente correr ao doente ris- cos enormes, por ser impossível extirpar todo o mal, em rasão da degeneração poder já ter com- prometido nervos e vasos importantes, como suc- cedeu em um caso, em que Béclard hesitava em fazer uma extirpaçâo de parótida, e a doente morrendo, reconheceu-se que a massa mórbida enviava um prolongamento ao interior da veia jugular interna, e também um outro, em que Richet também não operou e quando foi fazer a autópsia, simulou a operação no cadáver e en- controu a parótida transformada em uma subs- tancia semi-solida, quasi liquida no centro e de um branco cremoso, sendo conseguida a enuclea- ção completa da loja, á custa de excessivas diffi- culdades. Depois de a ter extirpado, ainda teve de tirar com o cabo do escalpello prolongamentos, que se estendião por baixo do pterygqideo in- terno, entre os músculos stylianos, ao redor da artéria carótida interna e dos nervos pneumo- gastrico e grande sympathico. Richet, cuja opinião é a mais sensata, pare- ce-me comtudo um pouco exagerado, quando nega a possibilidade de poder-se extirpar a parótida, sem lesar o nervo facial e a carótida externa, fundando-se em nunca ter encontrado no cadáver, no que está de acordo o professor Sappey, esses órgãos, senão no interior do tecido parotidiano. 132 ENCH0NDR0MA Não nega todavia as observações de A. Be- rard (*), Nsegelé e Triquet, que encontrarão a caró- tida externa adiante e para dentro da parótida, e as de Nsegelé e Triquet, em que o nervo facial ficou fora da acção do instrumento cortante. Em minha doente não forão lesados nem o facial, nem tão pouco a carótida, e embora no estado normal me pareça dever ser rara a sede desses órgãos, fora do seio da glândula, comtudo nos enchondromas e nos outros tumo- res, em que se eflectúa a degeneração, segundo a marcha tão bem desenhada pelo professor Richet, não será admissível que esses órgãos, achando-se justamente na porção da glândula, não atacada da degeneração e recalcada e impel- lida para dentro, tornem-se livres e indepen- dentes do tumor, de modo a poder ser este extirpado sem que o instrumento os alcance? Me parece o processo muito fácil de conceber e admittir, e provavelmente foi este o mechanismo seguido pela natureza neste caso. Até estes últimos tempos quasi todos os tu- mores da parótida erão considerados cancros. Hoje, porém, graças aos estudos de Velpeau, (•) « Em alguns indivíduos, achei esta artéria contida em uma goteira da face profunda da glândula ; encontrei-a também applicada sobre á face anterior, de sorte que se achava occulta pelo bordo posterior do ramo da mandibula. » (A. Bérard. M.aladies de Ia glande parotide. etc— Paris 1841.) DA PARÓTIDA ESQUERDA 133 A. Berard e Nélaton, entre outros, tem-se reco- nhecido que a maior parte desses tumores são de natureza benigna. Quanto ao processo operatorio deve-se sem- pre, que fôr possivel, seguir a minha linha de conducta neste caso, a qual fui encontrar aconselhada pelo professor Dénonvilliers. Consiste em destacar o tumor de suas inserções profun- das, com o dedo, em vez do bistouri, por ser o meio mais seguro de evitar a hemorrhagia. Roser aconselha que se extirpe a glândula aos pedaços, começando por tirar primeiro um cone na parte mais externa e ir pouco apouco excisan- do-a aos pedaços, tendo porém, sempre a cautela de examinar bem, com os dedos, o que se tiver de cortar, e applicar immediatamente a ligadura, logo que qualquer vaso seja aberto. O resto da opera- ção, se se vir perigo em levar a dissecção adiante, será terminado pelo bistori, mas só depois de ter comprehendido o resto dos tecidos,em uma ligadura. Só em casos muito excepcionaes, se deverá lançar mão dos conselhos de Roser, pois é em geral possivel enuclear a glândula. A ligadura preventiva da carótida primitiva deve ser abandonada, não só por desnecessária, a menos que uma circumstancia de força maior, durante a operação, obrigue a pratical-a, como também porque esta ligadura é seguida de per- 134 ENCHONDROMA turbações taes e tão graves sobre o organismo, que por si sós são sufficientes, para dar lugar á morte. Nesta observação, além da natureza e dis- posição do tumor e do processo operatorio, houve paralysia dos músculos, que animão a comissura labial, a qual sem duvida, devida ao corte de filetes do facial, tinha cedido quasi completa- mente, quando a doente pediu alta, graças ao emprego da electricidade. 13.' OBSERVAÇÃO Ff KB¥©t©H 1TOM Observação rara e talvez única de um pterygion duplo externo com- pleto, e de um pterygion interno incipiente, no olho direito, com a particularidade notável de terem a base para o lado da cornea, e o apice para o angulo do olho. CUKA PELA APPLICACÃO TÓPICA DE SULPHATO DE COBRE. EM SUBSTANCIA Apresentada á Academia Imperial de Medicina do Rio de Janeiro, era 31 de Outubro de 1867 Isidoro da Costa, soldado naval, da provin- cia da Bahia, de 22 annos de idade, de consti- tuição média e de um temperamento sanguineo- nervoso, entrou para a 2.a enfermaria de cirur- gia do hospital de Comentes que estava a meu cargo, a 3 de Maio de 1867. Antes havia es- tado n'uma enfermaria de medicina, onde se curou de uma enterite aguda. Examinados os olhos, nota-se em cada um, uma mancha vermelha, de fôrma triangular, cuja base parte da circumferencia externa da 136 PTERYGION DUPLO cornea e o apice se perde no angulo externo do olho. Cada uma destas manchas é formada por um espessamento da conjunctiva, sua côr ver- melha lembra a da carne viva, seus bordos são perfeitamente limitados e separados bruscamente do resto da conjunctiva, cujo aspecto é normal. Todas as outras membranas do olho estão perfeitas, e a não serem essas manchas, gosaria o doente da saúde mais completa. No olho direito, observa-se outra mancha, de igual natureza, que, da circumferencia in- terna da cornea, vae terminar a alguma distancia do angulo interno do olho. Esta mancha apre- senta a fôrma de um quadrilátero, cujo bordo interno é muito mais curto que o externo. Examinadas essas manchas, com uma lente, nota-se, em alguns pontos, vasos varicosos bas- tantes desenvolvidos no seio de um tecido de aspecto carnudo. Nota-se mais que essas manchas são moveis, e só e unicamente constituidas, pela conjunctiva e tecido çellular sub-conjunctival. O doente diz que essa moléstia lhe appareceu, ha mais de um anno, começando por pequenas manchas que, da cornea, se estenderão ao an- gulo do olho, e que se completarão haverá dois mezes. Refere que a mancha menor, começou por um pequeno ponto, que augmentára progres- PTERYGION DUPJiO 137 sivamente, e lhe apparecêra depois das outras. Nunca soffreu de inflammação de olhos e gozou sempre de excellente saúde. Não ha a menor duvida. É um caso de pterygion duplo externo completo, e de ptery- gion interno incipiente, no olho direito. Sem ter grande confiança nos collyrios c nas medicações perturbadoras, resolvi,, era falta de meios melhores, submettel-o á medicação -se- guinte : Uso int.: Tartaro emetico........................... 4 grãos Água..................................... 6 onças Para tomar uma colher de hora em hora. Usoiext.: Água................................. 30 gramatts Nitrato de prata..................... 10 decigram Applicar sobre os pterygions duas vezes por .dia. O tartaro emetico foi continuado até o dia 5, em que foi suspensa a sua administração. Não houve modificação alguma da moléstia. Dia 6.—Prescrevo : .Uso int.: Pílulas hydragogas e diureticas de Bouchardat. Para tomar de 6 a 10 por dia. Dia 13.—Suspqnojerse o uso das pílulas de Bouchardat. O doente está atacado de tâseor- buto, moléstia que reina em todas as salas do hospital e na esquadra. 18 138 PTERYGION DUPLO Para combatel-o, receito: Uso int.: Infusão de quina.................... 300 grammas Tintura de genciana.................> Dita de quassia...-...................( ãã 4 gram. Uso ext.: Água de Labarraque..................... 1 parte. Água commum.......................... 3 partes. Para lavar freqüentes vezes a bocca. Quanto aos pterygions, não ha a menor modificação. Dia 14.—Suspendo o uso do nitrato de prata, e determino cauterisar as partes aíTectadas do olho, com o sulphato de cobre, em substan- ■ cia.—Faço duas applicações diárias. Dia 17.—Nota-se que as manchas têm em- palledecido mais. Dia 24.—Já não ha a côr vermelha tão pronunciada, mas sim uma côr de um roseo pal- lido. Continuando a applicacão do sulphato de cobre, tive o prazer de, no dia 15 de Junho, vêr a moléstia completamente desapparecer, fi- cando apenas o lugar, com uma côr de um branco amarellado que, em poucos dias se dis- sipou inteiramente. A 23 de Junho o doente sahe do hospital completamente curado. O que mais impressiona e interessa nesta PTERYGION DUPLO 139 observação é essa inversão do apice e base dos pterigions, que costumão ter o apice dirigido para a cornea, estendendo-se algumas vezes sobre ella a ponto de perturbarem a visão. Ainda ha a notar o ponto de partida, que foi da cornea para o angulo do olho, o que não se dá em geral nos pterygions. Haverá, porém, duvida no dia- gnostico feito aqui ? Quanto a mim não a en- contro. A natureza indolente dos tumores, o tempo que levarão a formar-se, a ausência de pheno- menos inflammatorios, e ainda sua fôrma trian- gular não os podem fazer considerar senão como pterygions. E este foi o modo de pensar dos Srs. Drs. Garcia de Mendonça, Villaboim e Caminhoá, a quem tive occasião de apresentar o doente. O tratamento, pelo sulphato de cobre em substancia, assemelha-se muito ao preconisado pelo Dr. Décondé, que consiste em applicar, sobre o Pterygion, uma camada de acetato de chumbo crystallisado em pó, deixal-o alguns segundos, e depois tiral-o com um pincel embe- bido em água. O bom resultado obtido desse sal, deve fa- zel-o empregar, antes de lançar mão dos pro- cessos de Scarpa, de Middlemore, de Riberi, do Sr. Desmarres, de Pagenstecher e outros. Esta observação serve para mostrar o dema- 1401 PTERYGION DUPLO siado exclusivo da opinião do Sr. Rognetta, quanto a considerar o pterygion, como uma transformação5 muscular, uma hypertrophia das expansões fibrosau dos músculos do olho, porque alqui o Modo de evolução dos pterygions parece antes indicar que consistião em um espessa- mento da conjunctiva, e não em uma transfor- mação muscular. Gorrientes 81 def Agosto de 1867. 14/ OBSERVAÇÃO EPITHELIOMA NO LÁBIO INFERIOR Em um doente de 60 annos de idade EXCISÃO DA PORÇÃO DO LÁBIO, EM QUE SE ASSESTAVA O TUMOR E CHEILO- PLASTIA. PELO PROCESSO DE MALGAIGNE, A 1.° DE JANEIRO DE 1871.— CURA SEM DEFORMIDADE.—NENHUMA REPRODUCCÃO DA MOLÉSTIA ATÉ HOJE. Joaquim José Ribeiro, de 60 annos de idade, casado, de temperamento lymphatico, constitui- ção deteriorada, portuguez, veio consultar-me em fins de Dezembro de 1870, com o fim de desem- baraçar-se de uma moléstia, que lhe apparecêra no lábio inferior, havia seis para sete mezes. Observando o lábio, notei que, na parte média e um pouco á direita de seu bordo livre, havia uma producção, de côr roseo-escura, assemelhan- do-se na fôrma a uma couve-flor e excedendo-o cerca de dous centimetros. Sua superfície era coberta de granulações arredondadas, um pouco salientes, cobertas algumas de uma crosta epi- dérmica secca e outras de um liquido pouco es- pesso e pouco abundante, com caracteres de pús seroso e fétido. Entre essas granulações havia 142 EPITHELIOMA depressões ou fendas pouco profundas e cobertas também de secreção, idêntica á das granula- ções. O tumor era algum tanto duro e tocando-se sua superficie, um pouco mais fortemente, com o dedo, sahia algum sangue. A partir da porção superior, adelgaçava-se um pouco mais e formava uma espécie de pediculo, de superficie exterior lisa, e não coberta de gra- nulações, o qual penetrava no lábio superior, com que fazia corpo, na extensão de cerca de três centímetros, de seu bordo superior. D'ahi para baixo, o lábio apresentava-se en- durecido e doloroso á pressão, na extensão de dous centimetros pouco mais ou menos. Havia cheiro desagradável, devido á secreção do tumor e dores lancinantes, que incommoda- vão bastante o doente. As moléstias, de que este se lembrava ter soffrido, forão muitas blenorrhagias, quando moço, e ha seis para sete mezes, febres intermit- tentes, sendo por occasião destas que lhe appa- recerão pequenas ulcerações, das quaes ficou uma, no ponto hoje affectado, que não cicatrisou e co- briu-se de granulações, que forão sempre cres- cendo. Diversos tratamentos forão tentados e ul- timamente procurarão cural-o, cortando o tumor por meio da ligadura, com um fio vegetal e por fim atacando-o, com a massa cáustica, de Rous- NO LÁBIO INFERIOR 143 selot; mas essas applicações, apenas tirando-lhe pequenas porções do tumor, não fizerão mais do que exacerbal-o. A dôr não existia a principio e sim um prurido incommodo, mas nos dous últi- mos mezes, por causa principalmente dos meios empregados, apresentou-se com o caracter lan- cinante. Não existia alteração dos gânglios cervicaes e ainda que o doente estivesse summamente abatido, em rasão de muitas noites de vigília occasionadas pelas dores, e do desespero em que estava, por se vêr atacado de uma moléstia, que, além de o incommodar, era de aspecto repugnante e tendia sempre a progredir. A vista da descri peão, que acabo de fazer não podia diagnosticar-se, senão epithelioma do lábio. Decidi-me a praticar operação, que teve lugar no dia 1.° de Janeiro de 1871, ajudado pelo Sr. Dr. Duarte Silva e mais dous alumnos de medicina. Collocado o doente sobre a mesa, depois de de ter feito raspar os pellos da barba, procedeu- se á chloroformisacão. Conseguida esta, tomei um bisturi, e fazendo distender o lábio inferior, pra- tiquei, a partir do bordo livre deste, duas inci- sões sendo uma á direita e outra á esquerda do ponto de emergência do tumor, e a quatro mil- limetros, pouco mais ou menos, para fora, de 144 EPITHELIOMA modo a interessarem tecidos inteiramente sãos. Estas incisões, cahindo sobre o lábio de diante para traz, e de cima para baixo, forão cortando-o, em toda a espessura, em uma direcção obliqua, de fora para dentro, até encontrarem-se, a trez millimetros, pouco mais ou menos, abaixo do ponto endurecido do lábio, sob a fôrma de um V. Foi assim excisada uma porção do lábio, em que estava a massa mórbida, com a fôrma de triângulo, tendo cerca de quatro centimetros de extensão na base e pouco mais de quatro d'esta ao apice. Houve apenas duas artérias, que fornecerão sangue, as artérias coronarias infe- riores, as quaes forão ligadas, depois de ter eu inutilmente comprimido a ferida, no ponto, cor- respondente a ellas, afim de evitar as ligaduras. Acto continuo, forão os bordos da ferida approximados e unidos, por sete pontos de sutura com fio de prata, comprehendendo toda a espes- sura do lábio. As ligaduras ficarão entre elles e com as pontas para fora. Para evitar a tracção sobre os bordos da fe- rida e portanto a sua divisão pelos fios, o que ameaçava ter lugar, visto estar o lábio muito tenso, tratei de incisar as commissuras la- biaes, fendendo-as na extensão de mais de dous centimetros. Impelli então, de cada lado, o lábio inferior da ferida, para diante, e fazendo-o ex- NO LÁBIO INFERIOR 145 ceder ao superior, na extensão de mais de um centímetro, para dar-lhe mais comprimento, ap- pliquei três pontos da sutura, de modo a unir a ferida do lábio superior com a parte posterior da do lábio inferior. Na porção anterior, deste, que ficou livre, approximei a mucosa da pelle e uni-as com pontos de sutura. Deste modo, ficou o lábio inferior reconstituído, e a sutura da parte mediana, livre de tracção. Pedaços de panno crivado, untado de cerôto opiado, forão collocados sobre as feridas, e uma pequena porção de fios por cima. Int.: Água de louro-cerejo............... 8 grammas Xarope de morphina............... 30 grammas Água distillada...................... 120 grammas Tomar uma colher de sopa de hora em hora. Dia 2.—O doente hontem passou bem du- rante o dia, havendo apenas á noite algum en- tumescimento do lábio inferior e das commissuras; pouca reaccão febril. Continua a poção, á qual faço juntar qua- torze gottas de tintura de aconito. Dia 3.—Continua tudo como hontem. Sahe da bocca saliva espessa e viscosa, em rasão de ter-se manifestado uma estomatite, pouco in- tensa, nas gengivas inferiores. Medicação a mesma. 19 146 EPITHELIOMA Dia 4.—A febre cedeu completamente. O doente sente algum apetite. São-lhe permit- tidos, além dos caldos, mingáos. Dias 5 e 6.—Durante estes dias as duas ligaduras destacárão-se, sendo necessário fazer uma leve tracção sobre ambas. Por essa occa- sião, teve lugar algum corrimento sangüíneo, que cedeu promptamente á applicacão da água fria e foi fornecido, sem duvida, pelos lábios da ferida. Foi suspensa a poção. A salivação tem diminuído consideravelmente. É permittida a canja de gallinha. Dias 7 a 13. — Tudo tem caminhado per- feitamente. Por excesso de precaução, reti- rei os fios metallicos no dia 10, começando por trez da ferida mediana. Nos dias 12 e 13 forão retirados todos os outros. A ferida estava unida por primeira intensão, e a não ser uma linha cicatricial na parte média e uma pequena depressão no bordo livre do lábio, não se po- deria acreditar que o doente tivesse soffrido uma operação. O lábio estava por assim dizer, normal e com o crescimento da barba, ficarião as cicatrizes completamente mascaradas. Sobre a ci- catriz mediana e com o fim de sustental-a, ap- pliquei algumas tiras aglutinativas, dirigidas transversalmente. A 16 de Janeiro foi o doente considerado eu- NO LÁBIO INFERIOR 147 rado. Continuou, porém, sempre a queixar-se de um pequeno ponto, correspondente, pouco mais ou menos, á parte média da cicatriz do lábio, o qual era saliente e tinha a fôrma de uma pe- quena granulação. Receitei glycerina e diversas outras pomadas calmantes e resoiutivas, sem o menor resultado, não obstante o que, esse incom- modo em nada embaraçava o doente, que entre- gava-se a seus affazeres, alimentava-se e dormia perfeitamente. A 21 de Junho, appareceu-me de novo, di- zendo-me que, no ponto endurecido, sentia alguma cousa espetai-o. Lembrei-me então, apezar de estar convencido de ter retirado todos os fios metallicos, de que talvez houvesse ficado um pedaço de um delles. Examinando então com attenção, e deprimindo o ponto affectado com o dedo, não tardei a sentir a ponta de um fio, que consegui extrahir com a pinça. Desde então nunca mais se queixou do lábio. Este anno, pelo mez de Setembro, appare- ceu-me no consultório, queixando se de um tumor que lhe apparecêra no ventre, logo acima da fossa illiaca direita. Esse tumor era doloroso e mostrava ser constituído por um grupo de gân- glios. Receei a principio que fosse alguma de- generação de má natureza, mas graças ao iodu- reto de potássio, internamente e o emplasto de 148 EPITHELIOMA cicuta externamente, tinha cedido quasi comple- tamente, em menos de vinte dias, deixando o doente de me apparecer até 23 deste mez (No- vembro), em que procurou-me de novo. Notei então que, ao passo que o tumor do ventre es- tava muito reduzido, outro com os mesmos ca- racteres, se tinha desenvolvido, por baixo da pelle, que cobre a parte posterior e inferior da região lateral esquerda da base do thorax. Re- commendei-lhe de novo, o uso da medicação anterior, que elle mesmo tinha suspendido. A Academia, (*) verificou que, com exce- pção destas novas manifestações, a cura tem-se mantido, sem haver reproducção da moléstia, e a restauração do lábio é a mais perfeita possivel. Um exame do tumor, feito ao microscópio, mostrou ser elle constituido principalmente por cellulas epidérmicas e papillas. Não é novo uem extraordinário o facto, que acabo de referir, mas em compensação tem bas- tante alcance pratico, pois se trata de um doente, operado ha seis annos de uma lesão, que ten- dendo a estender-se cada vez mais, ainda poude (*) Este doente foi apresentado a Academia Imperial de Medicina em sessão de 27 de Novembro de 1876. NO LÁBIO INFERIOR 149 ser operada, a tempo, de não só impedir-se sua reproducção, durante seis annos, mas também conseguir-se a restauração do lábio, sem deformi- dade apparente. Este modo de proceder tem lugar freqüen- temente nos epitheliomas, que sendo ás vezes de marcha benigna, são comtudo em certos casos, maximè quando ulcerados ou excitados, por appli- cações intempestivas, capazes de invadir rapida- mente os tecidos e dar lugar mesmo, á cachcxia cancerosa. Era aqui o que tudo parecia indicar. Neste doente, ainda uma vez Veio confir- mar-se a regra geral, visto esses tumores esco- lherem de preferencia o sexo masculino, a idade de quarenta a sessenta annos e o lábio inferior. A predilecção para este é provada pela estatística de Heurtaux, que em setenta casos de epithelio- mas de sede determinada, encontrou sessenta e três no lábio inferior e apenas sete no superior. O processo operatorio, foi o mais simples possivel, visto como as lesões ainda não se tinhão estendido a ponto de, exigindo excisões mais largas, reclamar retalhos tirados, á custa das partes lateracs da face ou do pescoço. Quanto aos tumores, existentes na fossa illiaca e no dôrso, me parecem constituídos por simples engorgitamentos de gânglios, tanto assim que o primeiro cedeu quasi completa- 150 EPITHELIOMA mente ao iodureto de potássio e ao emplasto de cicuta e o segundo vai também cedendo. To- davia é bem possivel que estas manifestações sejão precursoras de alguma producção, de má natureza, que não esteja longe de fazer explosão. 15.' OBSERVAÇÃO ENGORGITAMENTO DA PRÓSTATA EM UM MOÇO DE 21 ANNOS DE IDADE Acompanhado de excessivo desenvolvimento da válvula, de Guérin, e dando lugar a symptomas, que simulavão perfeitamente os de um calculo vesical.—Incisão da válvula, com o urethrolomo de Civiale e do engorgilamenlo proslalico, com o urethrolomo de Maisonneuve.— Cura F. M. de Oliveira, de 21 annos de idade, solteiro, temperamento lymphatico, constituição regular, branco, brasileiro, veio consultar-me a 5 de Junho de 1875, por causa de soffrimentos, que experimentava, para o lado do apparelho ourinario. Referiu-me que, na idade de sete annos, depois de tomar um banho quente, resfriára-se. apparecendo-lhe então febre, e adenite na região da virilha direita. Sendo medicado, a moléstia terminou pela cura, mas em seguida manifestou-se nova ade- nite na virilha opposta. Por occasião desta, teve retenção de ourina, sem haver corrimento algum urethral, o que me faz crer, a serem verdadeiras as informações, 152 ENGORGITAMENTO DA PRÓSTATA que o doente tivera prostatite, acompanhada tal- vez de espasmo ou cystite do collo. Nada me fallou, em relação á côr e quan- tidade das ourinas emittidas. Depois de algum tempo, restabeleceu-se, fi- cando, porém, desde então, com o jacto da ourina diminuido (em fôrma de filete), sem apresentar outra novidade, até á idade de quatorze annos, em que nova retenção de ourina sobreveio, a qual cedeu, no fim de doze horas, ao uso dos banhos mornos, Consultando diversos médicos, disserão-lhe que soffria de estreitamento da urethra, e tratado pelas sondas de gomma elástica, nenhum resul- tado obteve. Resolveu então ultimamente vir para o Rio de Janeiro. Foram estas as informações que o doente forneceu-me a principio, só sendo mais tarde que me deu outras muito interessantes, que refirirei adiante. Antes de submettel-o ao exame, pela sonda, prescrevi-lhe, como sempre costumo fazer, antes e durante o tempo, que pratico o catheterismo da urethra, a seguinte poção : Int.: Xarope de cascas de laranjas amargas 201 grammas Bromureto de potássio.............. 24 grammas (M. de Mde.) Tomar duas colheres de sopa por dia No dia seguinte (6) fiz o doente ourinar, e ENGORGITAMENTO DA PRÓSTATA 153 notei que a ourina sahia em jacto fino e não interrompido, deixando a bexiga completamente vazia; o jacto tinha alguma força de projecção e era uniforme ; a ourina não tinha cheiro desagra- dável, nem catarrho ; era, porém, um pouco turva e deixava depositar, pelo repouso, no fim de algu- mas horas, uma tênue camada de muco e de pequenos fiapos esbranquiçados. Não accusava dôr nas regiões renaes, nem tão pouco ao longo dos uretheres, e nem antes, nem depois da micção. Passei a sonda n. 6, de barbatana, terminada em oliva, da escala de Charrière, que penetrou até a bexiga, depois de encontrar um pequeno obstáculo, na porção curva da urethra, em um ponto que devia corresponder á região prostatica. Antes, logo ao entrar na urethra, esbarrara de encontro á válvula, de Guérin, cujo volume era muito considerável e podia ser visto, entreabin- do-se os lábios do meato. Esta exploração, acompanhada do tocar rec- tal, que não reconhecera augmento de volume sensivel da próstata, fez-me acreditar que se tratava de um engorgitamento ou hypertrophia pouco considerável da parte média da glândula, apesar de não se tratar de um individuo de idade avançada. Desde o dia 8 a 23, foi a dilatacão progre- dindo, de modo á poder-se passar as sondas oli- 20 154 ENGORGITAMENTO DA PRÓSTATA vaes ns. 16 e 17 de gomma elástica, da escala Charrière, não obstante o que, o doente apenas apresentava melhoras insignificantes, quanto á grossura do jacto da ourina, mas que não esta- vão em relação, com o calibre das sondas já in- troduzidas. Foi então que me disse ter-se esquecido de mencionar algumas circumstancias, que julgava conveniente eu saber. Affiançou-me então que, desde muito tempo, sentia um prurido na extremidade da urethra, que o incommodava fortemente, e que a ourina, ás vezes, parava de correr, como se algum obstá- culo se interpuzesse; seu curso depois se restabe lecia, accontecendo-lhe então expellir quasi sempre um pouco de sangue, logo depois da micção. Estes phenomenos erão acompanhados de dores mais ou menos fortes. . Indagando se expellira arêas, se tivera eólicas nephriticas ou mesmo algum pequeno calculo, respondeu-me que não. Pensando então que todos esses phenomenos podião depender de algum calculo, determinei explorar a bexiga, mas antes incisei (dia 24), a válvula, de Guérin, com o urethrotomo de Civiale, afim de dilatar o mais possivel o canal. A operação correu sem o menor accidente. No dia immediato ao da operação, introduzi uma sonda de barbatana n. 16 e a 26 a sonda ENGORGITAMENTO DA PRÓSTATA 155 metallica n. 17. Quando esta chegou á entrada da bexiga, senti-a tocar em um corpo rijo, de consistência pétrea, que não me foi mais possivel encontrar, desde que a sonda penetrou na bexiga. A exploração feita, com a sonda de pequena curvatura e com a de cotovello ou angular, não me deu senão resultados negativos, da existência de calculo. O mesmo succedeu com a exploração rectal, quer introduzindo o dedo só ou ao mesmo tempo que a sonda na urethra. Apenas notei que a próstata era dolorosa, mas não apresentava nem augmento, nem duresa, nem deformação. Nos dias 30 de Junho, 2 e 4 de Julho, pro- cedi a novos catheterismos, mas sem poder en- contrar calculo algum, no interior da bexiga. Cheguei, porém, a um resultado c foi o seguinte: Sempre que a sonda estava a entrar na bexiga, havia a sensação de pedra, que logo desappa- recia. Desconfiei que essa sensação se passava na próstata, e era dependente de dureza inflam- matoria ou de algum calculo. Para verifical-o, fiz a sonda entrar vagarosamente, até o ponto em que havia a sensação de pedra; assim que ahi cheguei, parei, e comecei a retiral-a e a intro- duzil-a, de modo a fazel-a executar um movi- mento de vai-vem, sobre essa parte da urethra. Reconheci que o phenomeno se passava exacta- mente ahi, porquanto a sonda, roçando sobre 156 ENGORGITAMENTO DA PRÓSTATA o ponto, dava a sensação de rigesa pétrea, na extensão de cerca de três centimetros, no diâmetro antero-posterior. Ao mesmo tempo que fazia este exame, o dedo introduzido no recto, mostrava que o facto succedia, logo que o bico da sonda penetrava na região prostatica. Con- venci-me então de que se tratava de um endu- recimento pétreo, da parte média da glândula, e não de calculo ou cálculos engajados em sua espessura, pois a superficie affectada era unida, uniforme e continua, e sem a menor rugosidade ou depressão. O engorgitamento prostatico explicava todos os symptomas, pois provocando a contracção do esphyncter vesical, dava lugar á interrupção do curso da ourina. Julguei que o meio a empregar devia ser a incisão do ponto alterado, com o ure- throtomo de Maisonneuve, mas quiz antes ouvir a meu collega e amigo Dr. Pedro Affonso Franco, para o que lhe mandei o doente, informando-o de que eu tinha observado e pensava. Este depois de examinal-o, escreveu-me di- zendo que desconfiava da existência de um cal- culo, mas não o afíirmava, pois achava conve- niente fazer ainda outro exame. Determinámos então examinar o doente juntos, o que teve lugar no dia 12. Depois de injectada água destillada de alça- ENGORGITAMENTO DA PRÓSTATA 157 trão, até encher a bexiga, procedemos á explo- ração do que resultou concordarmos completa- mente, não só quanto ao diagnostico, mas também quanto á operação. Recolheu-se então o doente, no dia 14, á Casa de Saúde de Nossa Senhora d'Ajuda, aonde, no dia seguinte, foi, ás 11 horas da manhã, praticada a operação, sem o auxilio da anesthesia. Collocado em uma cama, sobre o decubitus dorsal, com as pernas affastadas uma da outra e em flexão sobre as coxas e estas sobre a bacia, introduzi facilmente a vela conductora do instru- mento, á qual atarrachei o cateter canelado, que penetrou perfeitamente até á bexiga. Sobre elle fiz correr a lamina do urethotromo que, chegando á região prostatica, começou a cortal-a de trás para diante e vice-versa, o que foi perfeitamente conseguido, embora com alguma difficuldade, porquanto os tecidos difficilmente cedião ao corte do instrumento, e rangião fortemente, como se fossem cartilaginosos. Retirado o instrumento, houve corrimento de algum sangue, que logo cessou. Uma vela de gomma elástica olivar, n. 20, tendo em seu interior uma sonda metallica, re- presentando o papel de mandarim e*com o fim de tapar os olhos da vela elástica, foi levada á bexiga, e retirado o mandarim, ahi foi fixada. 158 ENGORGITAMENTO DA PRÓSTATA Prescrevi o seguinte: Int.: Sulphato de quinina...........___ 15 decigrammas Tomar em duas doses, sendo uma de 1 gramma e outra de 5 decigrammas, com o intervallo de 2 horas entre ambas. Int.: Xarope de morphina................ 30 grammas Ergotina............................ 3 grammas Água destillada...................... 150 grammas (M. de M.) Uma colher de sopa de hora em hora. A tarde o doente ia bem, sem apresentar a minima reaccão febril, nem accidente algum. Dia 16.—Tudo vae bem. Int.: Sulphato de quinina............... 7 decigrammas A poção, na dose de uma colher de 2 em 2 horas. Dia 17.—Retiro a sonda de demora, 48 horas depois de introduzida. Int.: Sulphato de quinina................ 6 decigrammas Continua a poção. A tarde ha um pequeno accesso, o que seja dito de passagem, tenho visto manifestar-se em muitos casos de urethrotomia, depois de retirada a sonda permanente. Faço administrar uma poção com uma gramma de carbonato 'de ammonea e 20 gottas de tintura de aconito e mais uma gramma de sulphato de quinina. ENGORGITAMENTO DA PRÓSTATA 159 Dia 18.—A reaccão febril cede mais. Int.: Sulphato de quinina.............. 12 decigrammas Continua a poção. Dia 19.—Cessou completamente a febre. Sus- pendo a poção. Int.: Sulphato de quinina............... 8 decigrammas. Dia 20.—Em rasão de haver prisão de ven- tre, prescrevo : Int.: Limonada purgativa de citrato de magnesia a formula Continua o sulphato, na dose de seis deci- grammas. Días 21 e 22.—Tudo vai bem. Por precau- ção ainda administro pequenas doses de sulphato (4 decigrammas). Día 28.—Neste dia, isto é, 12 dias depois da operação, voltei ao uso das sondas, com o fim de conservar a dilatacão obtida pela urethro- tomia. Dias 28 de Julho a 12 de Agosto. — Du- rante estes dias foi feita a dilatacão, a principio com as sondas de gomma elástica e depois com as de metal, até que passou perfeitamente a sonda metallica curva n. 20. O doente estava perfeitamente restabelecido. 160 ENGORGITAMENTO DA PRÓSTATA Dei-lhe alta, recommendando-lhe que pas- sasse uma sonda, pelo menos, de 15 em 15 dias, afim de não se reproduzir a moléstia. No fim de dois mezes escreveu-me dizendo que ia perfeitamente bem e ainda no mez de Novembro deste anno mandou-me pedir algumas sondas, assegurando-me nada haver de alterado em sua saúde. A importância desta observação resulta prin- cipalmente da confusão, que se podia fazer, entre o diagnostico de um calculo da bexiga e as lesões da parte profunda da urethra. Entre asqueoccupão este ultimo ponto, são sem duvida os engorgitamentos da próstata, que, além da dôr, no fim da micção, podem algumas vezes, não só dar lugar á interrupção do jacto da ourina, como também ao prurido da glande. Estes symptomas, embora igualmente com- muns aos cálculos, poderião até eerto ponto, affas- tar a idéa de sua existência, se não fossem a sahida do sangue, no fim de algumas micções e a sensação do duresa pétrea, que a sonda fazia perceber, logo ao entrar na bexiga, e que pa- recia devida ao seu choque de encontro a um corpo, que se escapava. A observação, porém, attenta, me veio re- velar que a moléstia consistia em uma endu- 3 ENGORGITAMENTO DA PRÓSTATA 161 ração pétrea, da parte média da próstata, resul- tante de alguma prostatite antiga. Assim forão explicados phenomenos, que po- derião ter induzido em erro. A dôr, no fim das micções, e o prurido da glande são próprios das lesões prostaticas ; a in- terrupção, no curso da urina, explica-se pelo es- pasmo do collo da bexiga, visto como este cor- respondendo também á porção prostatica da ure- thra, era influenciado pela lesão ahi existente, e o sangue, que sahia depois das micções, podia ser explicado por alguma erosão da mucosa, de- vida aos esforços, que o doente fazia para es- vasiar a bexiga, na occasião do espasmo. Quanto á diminuição do jacto da ourina, de que modo a poderiamos explicar? Pelo excessivo desenvolvimento da válvula de Guérin, que tinha mais de um centímetro e que, levantando-se como barreira, na occasião da emissão da urina, estrei- tava o canal? ou antes pelo estreitamento ocea- sionado no ponto correspondente á lesão prosta- tica ? Eis uma questão, á primeira vista difficil de resolver, mas que examinada bem, pôde ser de- cidida perfeitamente. A válvula, de Guérin, podia influir um pouco, tanto que depois de sua incisão, o jacto da ourina tornou-se mais grosso, mas o que devia ter mais 21 162 ENGORGITAMENTO DA PRÓSTATA concorrido para este ser fino, erão as contracções espasmodicas, que necessariamente se manifes- távão, logo que a ourina chegava á porção prostatica, e que a principio incompletas, estrei- tavão o canal, até que por fim desenvolvendo-se o fechávão inteiramente. Nem de outro modo é possivel interpretar a influencia da lesão prostatica, sobre a columna da ourina, pois além de não ser por si só suffi- ciente para estreitar o canal, visto como além do canal ser bastante amplo nesse ponto para deixar passar uma grossa sonda, até hoje, apezar de Léroy (d'Étíoles) e Ricord dizerem ter observado estreitamentos da próstata, elles não são admit- tidos pelos cirurgiões. Thompson affiança mesmo que nos museos de Paris e Londres não se encontra um só facto e que as peças patho- logicas, sob esse titulo, depois de um exame completo e minucioso, feito por elle, mostrarão não ter essa lesão no ponto indicado, mas sim nas regiões membranosa e bulbosa. Quanto á incisão da válvula, de Guérin, para facilitar o catheterismo e á do engorgitamento prostatico com o urethrotomo de Maisonneuve, seguidas da dilatacão, por meio das sondas, forão coroados do mais brilhante resultado. O urethrotomo de Maisonneuve ainda não aconselhado, que me conste ao menos, para as ENGORGITAMENTO DA PRÓSTATA 163 lesões da próstata, me parece dever convir perfei- tamente para estes casos e mesmo para os de hypertrophia da parte média do órgão, como já tive occasião de empregar, era um individuo de idade avançada. No que diz respeito á influencia que, a in- cisão prostatica teve sobre o desapparecimento de todos os accidentes, é a mesma que tem lugar quando se corta os estreitamentos, acompanhados de espasmo, em que este constitúe a principal moléstia, e até nos casos de vaginismo, em que nem ha lesão orgânica. 16/ OBSERVAÇÃO EPITHELIOMA Asseslando-se na metade lateral esquerda do dorso da lingua e no bordo correspondente, a partir de um centímetro atrás da ponta até o meio do órgão. AMPUTAÇÃO PARCIAL, PELO ESMAGADOR DE CHASSAIGXAC. — ANESTHESIA PELO CHLOROFORMIO, NO PRINCIPIO DA OPERAÇÃO, APESAR DA EXIS- TÊNCIA DE UM ANEURISMA DA CROSSA DA AOKTA*. — CURA Maria Rodrigues Pereira, de côr preta, na- tural da África, de constituição forte, tempera- mento sangüíneo, diz ter 60 annos, embora represente menos idade. A 13 de Novembro de 1875, entra para a Casa de Saúde de Nossa Senhora d'Ajuda, afim de tratar-se de uma mo- léstia, que lhe apparecêra na lingua. Examinando este órgão, encontro uma pro- ducção de côr rosoa, constituida por granulações algum tanto duras, reunidas entre si até a super- ficie superior, onde se notão depressões, e sangrando ao menor contacto, mesmo ao da lingua, de en- contro ás paredes dabocca. Esta producção occupa o bordo lateral esquerdo, a partir de um centí- metro da ponta, até o meio, pouco mais ou menos, de sua extensão, prolongando-se sobre o dorso até 166 EPITHELIOMA DA LINGUA pouca distancia, de uma linha, que tirada da ponta até a base, dividisse o órgão em duas metades iguaes. As granulações não representão toda a lesão e sim parte da do bordo e da face superior, sendo o resto delia constituída, por um espessamento, que faz relevo sobre o órgão. A doente sente dores lancinantes, que aug- mentão para a noite, impedindo-a, muitas vezes de dormir. Estas dores também augmentão, quando se approxima do fogo ou lhe exercem pressão sobre o tumor, por pequena que seja. A moléstia começara havia um anno, por um pequeno botão carnoso, que, a principio indo- lente, foi, pouco a pouco, augmentando de vo- lume, adquirindo nos últimos três mezes, um crescimento mais rápido e as dores lancinantes, que existem actualmente. Forão-lhe feitas muitas applicações tanto internas como externas, sem o menor resultado. Juntamente com estes phenomenos, havia cor- rimento de saliva sanguinolenta, e de uma sanie fétida, que a incommodava fortemente, além do volume da lingua, que dizia ella, parecia não lhe caber bem na bocca. Além desta moléstia, soffrêra em criança, de manifestações syphiliticas cutâneas, a que derão o nome de boubas; de rheumatismo, de que ainda soffre ; de variola, e ha alguns annos, de EPITHELIOMA DA LINGUA 167 palpitaçõos de coração. Quanto aos gânglios cervi- caes e maxillares nada apresentão. Embora não podesse restar duvida, de que se tratava, de um epithelioma da lingua, resolvi submetter a doente a um tratamento anti-sy- philitico, consistindo no uso das preparações de chlorureto de ouro e oxydo de sódio, a princi- pio, e depois no do iodureto de mercúrio, até o dia 4, em que suspendi toda a medicação e procedi á operação. Nenhuma modificação houvera. Nesse dia, depois de examinar os órgãos thoracicos, foi por mim reconhecida, assim como por outros collegas, a existência de uma dila- tacão aneurismal da crossa da aorta, o que me fez hesitar na administração do chloroformio ; que no emtanto puz em pratica, com toda a cautela, visto ser o esmagamento uma operação muito dolorosa. A doente teve bastante excitação, e como as artérias carótidas pulsassem violentamente, achei prudente suspender a anesthesia. Três cadeias de esmagador forão passadas do seguinte modo :—Depois de fazer penetrar uma forte agulha enfiada em um fio grosso o dobrado de linha, no freio da lingua, bem na linha mediana, e de diante para trás, fil-a atravessar as inserções do órgão, no assoalho da bocca, por baixo de sua face inferior, até o meio desta. Assim que cheguei a esto ponto, introduzi a agulha, de 168 EPITHELIOMA DA LINGUA baixo para cima, fazendo-a sahir no meio da face dorsal, um pouco atrás da parte lesada. Nas pontas do fio. que ficarão por diante do freio, prendi uma das extremidades da cadeia do esmagador e puchando a ponta que estava sobre o dorso fiz a cadeia atravessar as inserções inferiores do órgão e sahir no dorso. As extremidades da cadeia forão então in- troduzidas no esmagador, ficando assim compre- hendida, na sua alsa, a metade esquerda da porção da lingua, que se estendia desde a ponta até o meio do órgão. Uma segunda cadeia, applicada a partir da perfuração posterior e passando de dentro para fora, comprehendeu, em direcção transversa o li- mite posterior da porção do órgão a extirpar. Uma terceira cadeia um pouco menor e mais fina do que as primeiras, abrangeu as inserções inferiores da lingua. Ficou assim, toda a porção da lingua a am- putar, comprehendida pelos três esmagadores. Confiado cada um a um ajudante, foi-se executando a operação lentamente. As inserções in- feriores da lingua, forão facilmente separadas. O mesmo não succedcu ao resto, porquanto a scisão, que, a principio correu facilmente, no fim custou a completar-se, encontrando-se uma resistência enorme, o que atribui desde logo a qualquer cir- EPITHELIOMA DA LINGUA 169 cumstancia, dependente dos instrumentos. Graças, porém, a pequenas trações sobre estes consegui separar o que faltava. Viu-se então que o obs- táculo dependera de se terem, as duas alsas das cadeias dos esmagadores abraçado uma á outra. Admirou-me mesmo não se terem quebrado pois empregou-se bastantes esforços para terminar a divisão. O sangue, fornecido pela ferida, foi [pouco, excepto na parte anterior, onde, de duas arterio- las, jorrava algum sangue. Para evitar a applicacão de ligaduras, cir- cumscrevi, com dois fios metallicos, levados por meio de agulhas, os pontos, de que emergião os vasos, exercendo uma branda compressão, por meio da torção, exercida sobre as pontas desses fios. A hemorrhagia cessou completamente. Na parte posterior, da ferida, ficara ainda uma porção do tecido endurecido que foi excisada, com um golpe de thesoura, sendo o corte feito no tecido são. Posta a doente a caldos, foi prescripta a se- guinte poção : Int. Hydrolato de alface........................ 150 grammas Xarope de morphina...................... 30 grammas Água de louro-cerejo...................... 8 grammas (M. e Mde.) Para tomar ás colheres de sopa. Á noute passou bem, sentindo apenas um pouco de dôr, e sensação de peso na lingua. 22 170 EPITHELIOMA DA LINGUA Dia 5.—Ha sede; lingua brandamente sa- burrosa ; pulso cheio e um pouco freqüente ( 85 a 86 pulsações por minuto); pelle quente; a lin- gua está um pouco entumescida e dolorosa ; es- côa-se da boca saliva espessa e viscosa. Faço juntar á poção 20 gottas de tintura de aconito. Dia 6. —Retiro os fios da lingua, não se re- produzindo a hemorrhagia. Dia 6.— Continua a reaccão febril. A lingua está mais tumefacta, de modo a vêr-se a doente obrigada a conservar a boca um pouco aberta ; a saliva continua a correr abundantemente. A ferida está coberta de uma camada esbranqui- çada, com aspecto de lympha plástica coagulada. Ha prisão de ventre e tumefacção das glândulas c gânglios sub-maxillares. Continua a poção, elevando-se o aconito a 26 gottas e substuindo-se o xarope de morphina, pelo de flores de larangeira, na mesma dose. Receito mais. Int.: Limonada purgativa a formula. Para tomar primeiro e duas horas depois a poção acima. Ext.: Pommada de belladona................. 30 grammas As glândulas e gânglios submaxillares. Ex.t.: Cosimento de malvas e dormideiras..) -- ,,„ Leite fervido.......................1 aa 150 grammas Para collutorios freqüentes. EPITHELIOMA DA LINGUA 171 Dia 8.—A doente está um pouco melhor. Teve duas abundantes evacuações hontem. Continuou o tratamento. Dia 9.—A febre cessou inteiramente. A lin- gua está menos tumefacta ; cobriu-se de granu- lações de bôa natureza. Faço tomar a poção de duas cm duas horas. Dia 10.—Tudo tem ido bem. Apenas ha dores algum tanto fortes, na ferida, que impe- dem o somno, mas sem o caracter das dores lan- cinantes anteriores. • Supprimo o aconito da poção, e junto-lhe 3 centigrammas de sulphato de morphina. Mando accrescentar também ao collutorio o laudano de Sydenham, na dose de 10 gotas. Dia 12. —Tudo continuou regularmente até este dia. As dores cessarão completamente, de modo que a morphina foi suspensa, bem como toda a poção. Como os gânglios e glândulas se conservassem ainda engorgitados, si bem, que pouco dolorosos, fiz applicar sobre elles o em- plasto de cicuta. Dia 22.—A ferida cicatrisou completamente. Manifestárão-se, porém, sobre o bordo direito, junto á ponta, e sobre a face superior da lingua, mui próximo ao mesmo bordo, muitas ulcerações, pouco profundas de côr rosea. 172 EPITHELIOMA DA LINGUA Fiz applicar sobre ellas o seguinte : Ext.: Mel rosado........................... 30 grammas Alumen calcinado..................... 1 gramma (M. e Mde.) Dia 27.—Tudo tem caminhado sem modifi- cação até hoje, em que encontro a doente com uma inflammação assestada, principalmente, nas gengivas inferiores e acompanhada de tumefac- ção das partes molles, do mento e região supra bypoidéa, e de ptyalismo muito abundante, mas sem reaccão febril. Os gânglios e glândulas estão completamente voltados ao estado normal. Prescrevo. Int.: Água distillada de tilia.............. 150 grammas Xarope de cascas de laranjas amargas 30 grammas Chlorato de potassa.................. 4 grammas (M. e Mde.) Tomar ás colheres de sopa. Ext.: Cataplasma de linhaça ás partes inflammadas. Janeiro 3 de 1876.—Foi tudo cedendo com- pletamente, com excepção das ulcerações da lin- gua. Forão necessárias, para fazer cessar inteira- mente o entumescimento da face, as embrocações com tintura de iodo. Desde o dia 2 de Janeiro tinha sido suspenso o chlorato de potassa. O estado geral era excellente. Neste dia resolvi submetter a doente ao uso da tintura de cundurango, cuja acção, é para mim problemática, porque nunca a vi aproveitar EPITHELIOMA DA LINGUA 173 quasi, pois se a principio parece modificar as lesões cancerosas, depois torna-se sem acção al- guma. Comecei na dose de 12 gottas em 120 gram- mas de água disstillada. Dias 5 a 27.—A tintura de cundurango foi elevada diariamente, na proporção de duas gottas, até 1 gramma, dose em que permaneci até o dia 15. Tive então de suspendel-a, visto a doente queixar-se, havia já dous dias, de dores fortes e ardencia no estômago, assim que a ingeria. Com a suspensão do remédio, cessarão esses incommodos. As ulcerações da lingua tinhão-se modificado em parte. A 27 a doente pede e obtém alta. Desde então sei que passou regularmente até um anno depois, nunca mais tendo noticias delia. O exame da peça não foi feito, porque ten- do-a mandado guardar, em álcool, esquecerão-se de fazel-o. Muitas reflexões suggere a narração deste facto. Bem freqüentes são os epitheliomas da lin- gua, que, na opinião dos cirurgiões e histolo- gistas modernos, constituem a única espécie de cancros, capazes de se manifestarem na lingua, 174 EPITHELIOMA DA LINGUA apesar dos antigos c mesmo de um ou outro mo- derno ainda admittirem a possibilidade de se encontrar nella o cancro scirroso e cncephaloide. Esta opinião não pôde, porém, ser aceita porque nos exemplos, em que o exame histolo- gico veio em auxilio do diagnostico, verificou-se completamente que se tratava de epitheliomas ou cancro ides. Das duas fôrmas destes tumores, a instersticial e a superficial, esta ultima é a mais benigna, sendo justamente a que se offereceu em minha doente. A operação pelo esmagador do Chassaignac, feita a tempo, permittiu a extirpaçâo do tecido alterado, livrando a infeliz de um mal, que não só era um desespero constante, pelas dores, cheiro desagradável e a salivação continua, que havia na boca, como também porque, invadindo promp- tamente partes mais extensas e profundas do órgão, lhe terminaria em breve a vida. E' bem conhecido, o que suecede em re- lação aos epitheliomas da lingua, que mui com- mummente se reproduzem, em um curto lapso de tempo; mas como a vida é uma questão de tempo, alguns mezes ou annos, que se a pro- longue sem soffrimentos, já é um resultado bas- tante saliente, para justificar a operação, além de que pôde dar-se o facto de nunca mais haver EPITHELIOMA DA LINGUA 175 reproducção da degeneração. Minha doente um anno depois de operada, ainda passava bem. E possivel que ainda hoje continue do mesmo modo. Um facto importante, foi o da existência de uma dilatacão aneurismal, da aorta, o que seja dito de passagem, se encontra commmum- mente em individuos, da raça negra, que á pri- meira vista ninguém será capaz de suppôr, aftec- tados de tão grave moléstia, pois dotados de uma robustez e aspecto excellentes, parecem gosar do melhor e mais perfeito exercício das funcções. Mais de uma vez tive occasião de observar este facto, juntamente com meu amigo e collega o Sr. Dr. Martins Costa, por occasião de irmos fazer o exame da caixa thoracica, em individuos, que eu tinha de submetter, a ope- rações com o auxilio dos anesthesicos. Lancei mão aqui, deste meio, com toda a reserva, e suspendi-o logo, por se terem mani- festado phenomenos de excitação forte, que receei pudessem trazer resultados desagradáveis. Não é a primeira vez que emprego a anesthesia nes- tas circumstancias, pois acredito que as lesões do coração e dos grossos vasos, só devem constituir contra-indicações formaes, quando estiverem adian- tadas. A preferencia, dada ao processo do esmaga- mento linear, de Chassaignac, foi devida a tra- 176 EPITHELIOMA DA LINGUA tar-se da ablação de um tumor, assestado em um órgão vascular, como a lingua. Este pro- cesso, ainda que, quando se tenha de apressar a operação, dê lugar a alguma hemorrhagia, toda- via a evita na maior parte dos casos. Quando este accidente sobrevem, temos o re- curso de fazer uma espécie de acupressura, cir- cumscrevendo os tecidos em uma ou mais alsas de fio metallico, só ou juntamente com as agulhas ou alfinetes, o que já uma vez, em uma ampu- tação do penis, tive necessidade de fazer. Deu-se aqui um accidente, o de ficar uma das cadeias do instrumento comprehendida na outra, o que pôde ser perfeitamente evitado, tendo-se o cuidado de atravessar os tecidos com um trocart e de introduzir as cadeias, pela ca- nula deste instrumento, em vez de procurar ca- minho, para sua passagem, atravessando os te- cidos, com agulha munida de fio. Com este meio produz-se menor traumatismo e menos dôr, na verdade, mas em compensação, na ocsasião de sahir a ponta da agulha ella pôde passar para dentro da alsa da cadeia já introduzida, como aqui teve lugar e determinar a introducção da nova cadeia na que já estava, o que, além de embaraçar e demorar a operação, pôde occa- sionar a fractura do instrumento, o que será summamente desagradável. 17.' OBSERVAÇÃO EPITHELIOMA DO PENIS Amputação total pelo esmagador de Chassaignac.—Hemorrhagia dos curpos cavernosos e das artérias dorsaes e cavernosas.—Emprego da íilo-acupressura— Cura. J. A. R., branco, casado, de 46 annos de de idade, constituição fraca, residente no Chiador, entrou para a Casa de Saúde de Nossa Senhora d'Ajuda a 10 de Julho de 1873, para tratar-se de uma affecção do penis. Examinando este órgão, encontramos na sua parte inferior uma solução de continuidade pro- funda, tendo o aspecto de uma verdadeira ca- verna anfractuosa, de fundo escuro, de bordos irre- gulares e formada á custa da destruição de parte da glanfle, sobretudo na porção inferior e esquerda, de parte dos corpos cavernosos, da parede infe- rior da urethra e da pelle correspondente. De sua superficie sae pús ichoroso, e fétido em quantidade algum tanto considerável. Os tecidos que a cercão estão suinmamente espessos e en- durecidos, até pouco menos de um centímetro adiante do escrôto. A ourina não passa pelo 23 178 EPITHELIOMA DO PENIS meato ourinario, e sim pelo fundo da ulceração. O membro está curvado sobre si mesmo, de cima para baixo, em rasão da retracção, que se dá na parte inferior, produzida pela perda de te- cidos. Ha dores lancinantes, que se manifestão sobro tudo para a noite. O doente apresenta a côr amarella seme- lhante á da cachechia palustro o do modo algum ao amarello de palha, próprio da diathese can- cerosa. Questionado vivamente á este respeito, nos assegurou ter essa côr ha muitos annos. Entretanto a localidade em que habita não nos consta ser pantanosa, embora o doente nos diga que em suas terras ha pântanos. Os gânglios lymphaticos não estão augmen- tados de volume. O doente faz datar a primeira manifestação da moléstia de um anno, pouco mais ou monos, desde uma occasião em que, indo á cavallo e conduzindo um porco amarrado sobre o sellim, recebera uma pancada forte de uma das patas do animal, sobre o membro. Sentiu então uma dôr considerável e, ao chegar á casa, notou na parte inferior do órgão uma mancha de sangue (echymose), oecupando uma certa extensão e acompanhada de bastante prurido. No fim de alguns dias, no mesmo ponto, desenvolveu-so uma ulceração, que, diz o doente, cicatrisou. EPITHELIOMA DO PENIS 179 Pouco tempo depois, porém, observou um pe- queno endurecimento no mesmo logar, que era junto á glande, e que comprehendia a pelle da parte inferior do membro. Este endurecimento ulcerou-se ha pouco mais de três mezes, tor- nando-se summamente doloroso, e de dia em dia tem augmentado, até chegar ao estado em que hoje se apresenta. Diversos tratamentos locaes e internos, con- sistindo nas cauterisações e no emprego de de- purativos e preparações de mercúrio, forão inúteis. O doente nega todo e qualquer antecedente syphilitico, dizendo ter tido apenas alguns tu- mores, que suppurárão, e dartros, encontrando-se ainda actualmcnte um eezema dartroso, na re- gião inguinal direita. Á vista dos phenomenos observados e da marcha seguida pela moléstia, não hesitámos em diagnosticar um cancro epithelial do penis, e de- terminámos praticar a amputação total do órgão, como único recurso, lançando mão do processo de Chassaignac. No dia marcado, 14 de Julho ás 11 e */, horas da manhã, dispostos os ajudantes, tentámos á principio introduzir pelo meato ounnario, e depois pela perfuração da uretra, uma sonda de gomma elástica; mas, vendo que não era pos- sivel passar uma sonda de calibro conveniente, 180 EPITHELIOMA DO PENIS decidimos não seguir á risca o processo de Chassaignac, deliberando proceder do mesmo modo que cm outras operações por nós prati- cadas. Entretanto era nossa intenção seguir em todas as suas particularidades esse processo, visto alguns dos ajudantes nol-o terem pedido Chloroformisado o doente, começámos a ope- ração, fazendo uma incisão sobre a pelle do es- crôto, incisão de fôrma curvilinea, de convexi- dade inferior e que, partindo da pelle da parte inferior da face lateral direita dos corpos caver- nosos, ao nivel da raiz do órgão, percorreu o escrôto em sua parte superior, bem próximo do limite posterior do penis, e foi terminar na parto inferior da pelle da face lateral esquerda. Descoberto assim o corpo esponjoso, o canal da urethra e parte dos corpos cavernosos, dividimos o corpo esponjoso e a urethra por um golpe di- rigido de baixo para cima. Por esta occasião tivemos o cuidado de cortar o canal da urethra, de modo á deixar a mucosa excedendo ás outras camadas. Nesse nivel amarrámos então um cordão, que comprehendeu os corpos caver- nosos, a pelle das partes lateraes e da parte su- perior. Apertado bem o cordão, ficou o penis pediculado, e applicámos em seguida a cadeia, que fizemos entrar na canula até ficar só de fora uma aza suficiente, para abranger o pediculo. EPITHELIOMA DO PENIS 181 Começámos então á manobrar o instrumento e levámos oito minutos para fazer a divisão, sendo . necessário cortar com o bistouri uma pequena porção da pelle em cima, que o esmagador não conseguiu separar. A superficie de scisão dos corpos cavernosos fornecia muito sangue e em tal quantidade que, depois de lançar mão inutilmente de uma so- lução concentrada de perclorureto de ferro, en- tendemos ser inconveniente insistir na applicacão desse ou de qualquer outro meio semelhante e sem demora empregámos a filo-acupressura. Nesse intuito munimo-nos de duas agulhas, em cujo fundo introduzimos um fio metallico, cujas pontas forão torcidas sobre si mesmas em toda a extensão. Fizemol-as atravessar, por transfixão, e em direcção transversa, os corpos cavernosos, na distancia de 6 miilimetros uma da outra, e a 2 miilimetros, pouco mais ou menos atraz da superficie cortada. Em seguida, tomando uma aza de fio metallico, passámos o seio delia por baixo da ponta de uma das agulhas; reunindo então as extremidades do fio fizemol-as caminhar por cima da ferida, enro- lando-as depois por baixo da outra extremidade da agulha torcendo-as sobre esta, de modo a ficar comprimida a ferida entre o fio metallico e a agulha. 182 EPITHELIOMA DO PENIS O mesmo procedimento foi seguido em relação á outra agulha. A hemorrhagia cessou inteira- mente. Tivemos do ligar ainda uma pequena artéria, na parte inferior da ferida. Para aproximar os bordos da solução de continuidade forão applicados cinco pontos de su- tura metallica, sendo um acima dos corpos ca- vernosos e quatro abaixo. Esta aproximação dos lábios da ferida foi feita de modo á deixar as agulhas para tora e por diante dos iabios da fe- rida. Dous pontos de sutura, com fio de seda fino e bem encerado, unirão os bordos lateraes da mucosa urethral com os da pcdle. Todo o trabalho relativo á chloroformisacão, á operação e ao curativo durou cerca de uma hora, sendo habilmente coadjuvado pelos internos Siqueira Ramos, Azevedo Macedo o pelos estu- dantes de medicina Peixoto e Carlos Eiras. Foi o doente posto á caldos e lhe prescre- vemos a poção, que temos o habito do dar aos nossos operados : Int. : Água distilada de tilia.................... 120 gram. Xarope de chlorydrato de morphina....... 30 » Água de louro cerejo..................... 8 » Para tomar uma colher (de sopa) de hora em hora. Não foi deixada sonda do demora. As 7 horas da noite o doente sentia ai- EPITHELIOMA DO PENIS 183 guma dôr, para o lado esquerdo da ferida, mas não havia reaccão febril alguma. Dia 15.—O' doente passou bem a noite an- tecedente. Está bastante animado; só ourinou uma vez durante a noite e sem molhar o cura- tivo, por ter havido o cuidado de fazel-o ou- rinar com o ventre para baixo. Apresenta 80 pulsações, e o pulso1 pouco cheio ; ha alguma elevação de temperatura na pelle. Continuão a poção e os caldos. Dia 16. —Ha ainda reaccão febril. Levanta- se o curativo e pouca suppuração se nota Sobre os corpos cavernosos ha uma pequena eschára, superficial, de um cinzento escuro, provocada som duvida pela acção do perchlorureto de ferro. Mandámos continuar a poção, juntando 12 gottas de tintura de aconito. Dia 17. — Cessou a febro. Ás 9 */, horas da manhã, isto é, 60 horas pouco mais ou menos, depois da operação, retirámos as agulhas, pu- xando pelo fio metallico preso ao fundo. Ne- nhuma hemorrhagia se manifestou. Cahe a ulti- ma ligadura. Os lábios da ferida parecem estar unidos em baixo e em cima. Ha secreção de pús espesso, mas um pouco fétido. Continua a poção c para dieta canja de galllinha. Dia 18.—A ferida vai bem, mas em rasão do estado fétido do pús, fizemos laval-a com 184 EPITHELIOMA DO PENIS agua alcoolisada. Ha sensação de dôr nos lábios da ferida, que estão um pouco inflammados, e rubôr na pelle circumvisinha. Dia 19.-São retirados os pontos metallicos. A união tem lugar nos ângulos superior e in- ferior, mas não nos outros pontos. O pús é menos fétido. A eschara começa a destacar-se. O doente pôde conservar-se em pé. Dia 20.—Tudo vai bem. São retirados os pontos de sutura correspondentes ao canal da urethra. Suspendemos a poção e mandamos vir para dieta carne de vacca e vinho. Dias 21 Á 26.—Continua a cicatrisação. Ha ainda bastante pús por causa da eschára, que, quasi destacada, separou-se difinitivamentc por pequenas tracções feitas com uma pinça. Toda a porção da ferida correspondente ao escrôto está cicatrisada. Dias 27 de Junho Ál." de Agosto.—A fe- rida tem cicatrisado de dia em dia. Só resta cicatrizar a porção correspondente ao penis. A ourina sahe perfeitamente. O estado geral é excellente. O doente insiste pela alta, que somos obrigados á dar-lhe. Hoje (16 de Setembro) tivemos noticia de que a ferida estava inteiramente cicatrisada e a micção se fazia perfeitamente. Mandámos aconselhar ao operado a intro- EPITHELIOMA DO PENIS 185 ducção do sondas, com o fim de impedir a pro- ducção de algum estreitamento, que porventura tente manifestar-se. Differentes motivos tornão este caso de summa importância. São elles a natureza da lesão que comprometteu o membro, a operação reclamada c os phenomenos que se apresentarão por essa occasião. A marcha da affecção o os seus symptomas, consistindo om uma ulceração profunda, do bordos e fundo anfractuosos, exhalando cheiro fétido e fornecendo pús ichoroso, acompanhada de dores lancinantes e circumscripta por tecidos espessados e dolorosos, não podem fazer consi- derar este caso, senão como um cancro opithelial. Que affecção poder-se-ha confundir com esta ? A gangrena ? O cancro venereo ? Basta ter a mais simples idéa do que é gangrena, para ser impossível confundil-a com o epitholioma. Quanto ao cancro venereo, nem mesmo n'um caso de phagedenismo podia haver semelhança com o epitheliorna ulcerado. O que se vê no phagedenismo? Uma ulceração, que vai rapidamente augmentando, cujos bordos estão muitas vezes descolla los, inflammados ou antes n'um estado de a;dema inflammatorio, om que ha uma secreção purulenta abundante, fétida, 21 186 EPITHELIOMA DO PENIS sanguinolenta e, o que é mais, contagiosa, cujo fundo apresenta geralmente o mesmo aspecto da podridão de hospital e occasiona ás vezes a gangrena parcial ou total do membro. Uma ul- ceração, repetimos, com taes caracteres, não pódc parecer-se com a do nosso doente. Verificado o diagnostico e reconhecida a in- dicação da operação, vejamos que processo de- vêramos seguir. Quando se trata de operar um órgão tão vascular, como o penis, em que, além de um tecido eroctil, conta-se com certesa com as duas artérias dorsaes e as duas cavernosas e alguns ramos das pudendas internas, não se deve he- sitar em preferir o esmagador de Chassaignac, e foi o que fizemos. Convém notar, porém, que esse instrumento só deve ser empregado para dividir os corpos cavernosos, por causa da sua acção hemostatica. Este modo de pensar bazêa-se nas seguintes con- siderações : 1." Grande difficuldade em completar a di- visão da pelle, que ás vezos apresenta tal re- sistência que, se insistirmos em querer fazel-o, nos arriscaremos á quebrar a cadeia do instru- mento, o que pôde obrigar á lançar mão do bistouri. 2.ü A necessidade de deixar pelo menos EPITI1ELI0MA DO PENIS 187 a mucosa urethral excedendo a superficie cor- tada do canal o dos corpos cavernosos, afim de poder uuil-a por pontos de sutura aos. bordos da pelle, com o intuito de, produzindo a união im- mediata entre as duas membranas, evitar o es- treitamento consecutivo, que em geral se mani- festa, por causa da retracção cicatricial, o que deve succeder com o esmagador, porque elle di- vide inevitavelmente a mucosa, ao mesmo nivel dos outros tecidos. E tal é o perigo do estreita- mento que alguns cirurgiões, como Teale, Lan- gonbeck e Roser, aconselhão que se divida a urethra e a pelle na parede inferior á partir da abertura anterior; o primeiro applica pontos de sutura em cada um dos lábios da ferida, para fazel-os unir separadamente, e o segun- do interpõe um retalho, da pelle da parte inferior do penis, no angulo inferior da ferida urethral e une-o por meio de sutura, para dar logar á cicatrisação isolada de cada um dos bordos lateraes dessa solução de continuidade. Outros, como G. Murray, vão mais longe. Este cirurgião disseca a urethra e a corta meia pole- gada acima dos corpos cavernosos, de modo que ella fique saliente no meio da ferida. Com todas estas cautelas mesmo, ha neces- sidade muitas vezes do introduzir sondas, para permittir ao doente ourinar e evitar e mesmo 188 EPITHELIOMA DO PENIS tratar o estreitamento , que tende á produ- zir-se. Relativamente á possibilidade de hemorrha- gia, pelo corpo esponjoso da urethra, fazendo-se uso do bistouri, diremos que é um perigo mais imaginário do que real, porque em geral não sobrevém, e no caso de assim acon- tecer bastará a compressão digital, por algum tempo e se fôr necessário a filo-acupressura, para o que bastará uma só agulha. Em três casos, em que empregámos o bistouri, nenhuma hemorrhagia se apresentou. Vimos aqui sobre vir este accidente, apesar do emprego do esmagador, não obstante nos de- morarmos oito minutos, tempo que devia ser sufi- ciente, para effectuar convenientemente a divisão. Nunca temos levado mais de cinco á seis em outras oceasiões e com o mais satisfatório re- sultado. Quanto á filo-acupressura, entendemos que deve ser sempre preferida, quando se tratar de hemorrhagia pelos corpos cavernosos e artérias dorsaes e cavernosas, não só pela facilidade da sua applicacão, como também pela diminuição, senão ausência de accidentes. A ligadura das artérias, além de trabalhosa, por não poderem ser isoladas facilmente, da bainha fibrosa do penis, por baixo da qual se EPITHELIOMA DO PENIS 189 achão situadas, é insufficiente. Em seu logar temos que lançar uma ligadura que constrinja os corpos cavernosos e artérias, segundo acon- selha Roser. Além da dôr que deve produzir tal meio, ha possibilidade de effectuar-se uma eschára de alguma espessura, o que está longe de achar-se em relação com o que se deu aqui, porquanto a pequena eschára do que falíamos não foi devida, senão á acção cáustica do perchlorureto de ferro. Relativamente á outros processos hemosta- ticos, como a cauterisação com o ferro em braza, nenhuma necessidade ha até de estabelecer com- parações, porque entendemos que só excepcio- nalmente se pensará nelles. ESTATÍSTICA das amputações por mim praticadas, por occasião do com- bate naval de Riachuelo a 11 de Junho de 1865 OPERAÇÕES PRIMITIVAS 1." Manoel Ferreira do Nascimento Barata, marinheiro, de 30 annos pouco mais ou menos, constituição forte, temperamento sang^uineo. Este individuo, logo no principio do com- bate, estando a carregar uma peça, sobreveio uma explosão que, arremessando violentamente o so- quete, arrancou-lhe a mão esquerda. A pelle parecia ter sido cortada circularmente junto ao punho, e alongava-se em fôrma de manga de modo a simular o resultado de uma amputação regular. Examinando, porém, notei que havia fractura múltipla dos ossos do ante-braço, com ruptura e dilaceração dos músculos, e queima- duras do terceiro gráo na pelle que cercava a articulação do cotovello e o quinto inferior do braço. Determinei praticar a amputação, pelo terço inferior do braço á vista das lesões, e attendendo além disso á maneira, por que se effectuára o traumatismo, que fora causado pela deflagração 192 ESTATÍSTICA de AMPUTAÇÕES de um cartucho de doze libras de pólvora, levado ao fundo da peça, sem os carregadores terem tido o cuidado de introduzirem previamente uma lanada molhada. Tinha antes a peça feito fogo e a borra, que permanecera em estado de ignição. pro- duziu a combustão da pólvora do novo cartucho. Ha por occasião de deflagrações deste gênero uma tal deslocação de ar, que é sufficiente para provocar uma contusão tão profunda dos tecidos, que a gangrena pôde sobrevir, como succedeu no ferido chamado Paulo Maia, que faz parto desta estatistica. A operação foi praticada durante o combato e pouco depois (1 hora) do accidente. O doente foi chloroformisado e depois de operado, foi col- locado em um colchão, com o coto repousando sobre almofadas convenientemente dispostas. Algumas horas depois levantou-se expontanea- mente, e sem que eu o tivesse notado foi sen- tar-se em cima do uma das portinholas, para assistir ao combate, imprudência que lhe salvou a vida, porquanto no mesmo lugar em que se achara collocado cahiu uma bomba que fez explo- são, matando algumas praças, ferindo a outras e contundindo-me na coxa direita. Este doente, apezar de imprudente, curou-se completamente no fim de 36 dias, unindo a fe- rida por segunda intenção. ESTATÍSTICA DE AMPUTAÇÕES 193 O processo seguido foi o de Dupuytren (me- thodo circular). £.a Feliciano, grumete, de 20 annos pouco mais ou menos, constituição forte, temperamento sangüíneo. Fractura comminutiva e exposta do terço inferior do humero direito, com dilaceração da pelle e dos músculos biceps e brachial ante- rior, produzida por um estilhaço de bomba. Em- prego do chloroformio. Amputação no terço inferior do braço direito, pelo methodo circular, processo Dupuytren. Cura em 27 dias. A operação foi praticada ás 8 horas da noite, a bordo da Mearim, o doente apresentando apenas algum abatimento. 3.a Julião Machero, paraguayo, de 26 annos pouco mais ou menos, temperamento biiioso, constituição forte. Apanhado a bordo do Marquez de Olinda, foi recolhido á fragata Amazonas. Fractura comminutiva o exposta dos ossos da perna direita, no torço inferior, com esmaga- mento e dilaceração considerável das partes molles, em conseqüência de um estilhaço de bomba. Não havia reaccão geral nem local. Amputação no torço superior da perna es- querda, logar de eleição, pelo mcthodo circular. Cura em 22 dias. 23 194 ESTATÍSTICA DE AMPUTAÇÕES A operação foi feita no dia 12 ao meio-dia pouco mais ou menos; o ferimento datava do dia 11. 4.a D. Ezequiel Robbles, paraguayo, com- mandante do vapor Marquez de Olinda, de 45 annos de idade pouco mais ou menos, de gênio concentrado, temperamento bilioso, constituição forte ; era um homem athletico. Ferido a 11 e recolhido a 12 de Junho. Tinha dous ferimentos : 1.° Fractura comminutiva do terço médio do braço esquerdo acompanhada de contusão e dila- ceração da pelle e camadas musculares. A de- sordem era tal, que apenas havia integridade completa dos tecidos na parte posterior do braço. 2.° Lesão produzida por uma pequena bala espherica, que, perfurando a pelle que forra a 6." costella esquerda 1 1/i pollegada distante da co- lumna vertebral, percorreu a face externa desse osso, e foi parar adiante, pouco mais ou menos na união dos dois terços posteriores com o terço anterior. Sentia-se o corpo estranho, fazendo relevo debaixo da pelle. Percorrendo com o dedo a pelle interme- diária ao ponto de entrada e de fixação do corpo estranho, sentia-se a crepitação própria do emphysema; não havia dispnéa e a escuta fazia ESTATÍSTICA DE AMPUTAÇÕES 195 perceber algumas bolhas sub-crepitantes humidas, na parte anterior e inferior do pulmão. Não havia reaccão febril. O doente estava sombrio, mas prestou-se á operação. As 3 horas da madrugada do dia 13 de Junho, chloroformisado o ferido, pratiquei a amputação do braço no terço superior, methodo circular, processo Dupuytren. Feito o curativo procedi á extracção do corpo estranho do modo seguinte: fiz primeiramente, sobre a pelle que o cobria, uma incisão parallela á linha mediana; depois extrahi com uma pinça um corpo metallico, achatado, que mostrava não ser outra cousa mais do que uma bala espherica das espingardas antigas, e mais dous pedaços de baeta azul, estando um livre e o outro atra- vessando o quinto intervallo intercostal, que perfurara e no qual representava o papel de uma verdadeira rolha. Não tive a menor duvida sobre a existência de uma perfuração na cavidade pleuritica, e como fosse necessário extrahir esse corpo estranho, mandei approximar os bordos da incisão, deixando apenas espaço suficiente para segurar o panno, afim de evitar a entrada de grande porção de ar. Ao tirar o corpo estranho, um sibillo particular manifestou a entrada de uma pequena porção de ar. Immediatamente appliquei a sutura de pontos 196 ESTATÍSTICA DE AMPUTAÇÕES separados, deixando um pequeno intervallo entre cada um. 0 doente, desesperado pela derrota que sof- frêra, foi atacado de pleuro-pneumonia, acompa- nhada de delírio, reaccão febril intensa, etc. Começou na tardo desse dia a arrancar os apparelhos, que forão mudados seis vozes c a bater com o coto de encontro ao belichc. Sobre- veio gangrena no coto, e a morte no dia 14 ás 8 horas da noite. Este doente deveu principalmente a morte á lesão do thorax, que representou o papel de uma complicação gravíssima; pouco influindo amputação no resultado fatal. Já dei em outro lugar uma explicação para o modo de proceder dessa bala. As observações de Dupuytren sobre o trajectar dos corpos esphc- ricos nas superfícies concavas e convexas o explicão sufficientemente. Aqui o corpo estranho percorreu a costella e foi parar adiante pelas razões seguintes : 1.' Tocou provavelmente o osso em uma direcção obliqua. 2.a Percorreu a superficie convexa e fle- xível de um osso, que sob a acção de um cho- que poude ainda endireitar a curvatura, dando logar a que o corpo que o tocou podesse res- vallar." ESTATÍSTICA DE AMPUTAÇÕES 197 3.a Veio envolvido em pannos que amorte- ceram o choque. 5." José Felix Redy, paraguayo, tempe- ramento lymphatico, de 30 annos de idade pouco mais ou menos. Fractura comminutiva e exposta dos 4.° e 5.° metarcapianos da mão esquerda, acompanhada de dilaceração das partes molles, ao nivel da frac- tura. Ferido a 11 e recolhido a bordo do vapor Mearim. Operado a 12, antes de haver pheno- menos de reaccão febril. Desarticulação carpo-metarcapiana dos dous últimos dedos e metacarpianos da mão esquerda, segundo o methodo ovalar, processo do Scouteten. Este operado, confiado aos cuidados de outro medico, teve inflammação das bainhas synoviaes dos tendões dos músculos ante-brachiaes, oceu- pando a mão e o punho, seguida do gangrena da mão, que não poude ser evitada apesar dos maiores debridamentos, que infelizmente já forão por mim feitos muito tarde. Foi praticada a amputação no terço superior do ante-braço, pelo methodo circular, a 22 de Junho. Morte a 28 em conseqüência de septi- cemia. O,' José Antônio de Faria, de 26 annos 198 ESTATÍSTICA DE AMPUTAÇÕES pouco mais ou menos, temperamento sanguineo, constituição forte. Fractura comminutiva e exposta dos ossos do ante-braço direito na parte inferior, acompa- nhada de ruptura da pelle e contusão profunda das partes molles. Estado geral bom. Nenhuma reaccão febril. Ferido a 11 e operado a 12 de Junho á noite, a bordo da canhoneira Mearim. Amputação no terço superior do ante-braço, pelo methodo de dous retalhos, anterior e poste- rior, processo de Vermale. Cura no fim de 19 dias. í.a Belarmino Francisco Rodrigues, soldado, 30 a 40 annos de idade, temperamento sangui- neo, constituição forte. Ferido no dia 13 a bordo da Mearim, quando o fogo do inimigo era dirigido das barrancas sobre o vapor Jequitinhonha e navios que o pro- tegi ão Fractura comminutiva da parte superior do corpo do humerus direito, com dilaceração do deltoide e da pelle correspondente. Desarticulação escapulo-humeral, feita no mesmo dia á noite. Ainda não havia reaccão. Processo seguido: incisão praticada sobre as inserções do deltoide no acromion ; descoberta ESTATÍSTICA DE AMPUTAÇÕES 199 e em seguida atacada a articulação, fiz luxar a cabeça do osso, passei por trás delia uma faca e cortei um retalho interno, findo o que liguei as artérias. O retalho cobriu perfeitamente a ferida, e a operação correu sem o menor accidente. O doente, que a principio ia passando bem, e dava muitas esperanças de cura, foi atacado de diarrhéa, que o fezsuccumbiral8.de Junho. 8.* João José Corrêa, marinheiro, de 30 annos de idade, pouco mais ou menos, constituição forte, temperamento sangüíneo. Fractura com esmagamento e arrancamento de parte da phalangeta do dedo grande da mão direita. A articulação phalango-phalangeana es- tava intacta e a porção que restava da phalangeta estava desnudada. Este ferimento foi produzido pela explosão, que occasionou o ferimento de Barata, estando Corrêa com a face palmar da extremidade do pollegar, collocada sobre o ouvido da peça. Foi praticada, logo depois do accidente, a desarticulação phalango-phalangeana, pelo pro- cesso de Ravaton, de dous retalhos quadrados, sendo porém, o anterior mais longo do que o posterior. Cura em 18 dias pouco mais ou menos, O.1 Luiz Antônio da Rocha, soldado, de 20 200 ESTATÍSTICA DE AMPUTAÇÕES a 25 annos de idade, temperamento lymphatico, constituição fraca. Fractura, com esmagamento das duas ul- timas phalanges do dedo annular da mãò direita, com dilaceração da pelle, principalmente na parte posterior do dedo. Este ferimento foi produzido por uma pequena metralha. Desarticulação das duas ultimas phalanges polo segundo processo de Lisfranc (retalho pal- mar) , a 12 de Junho, isto é, no dia immediato ao ferimento. Não havia reaccão febril. A cura teve logar ao fim de 16 dias. AMPUTAÇÕES MEDIATAS OU INTERMEDIÁRIAS i.1—Narciso José dos Santos, soldado, do 22 annos de idade, constituição forte, temperamento sangüíneo. Fractura das extremidades articulares do humerus, do cubitus e radius, em diversos frag- mentos, com abertura da articulação do cotovello, na parte posterior. O ferimento teve logar a 11; a amputação do braço no terço inferior, me- thodo circular, foi feita a 13, á noite. —Havia já inflammação da articulação e suppuração ; pouca reaccão febril. O doente ia bom e parecia caminhar para a ESTATÍSTICA DE AMPUTAÇÕES 201 cura, quando no fim de quatorze dias foi atacado de dysenteria, que reinava epidemicamente na esquadra, fallecendo seis dias depois. *.'—João Francisco de Paula Maia, 40 e tantos annos de idade. Este doente estava na canhoeira Iguatemy, e ahi foi victima, no dia 11, de uma explosão de pólvora, que produziu o arrancatnento da mão direita, fractura dos ossos do ante-braço, queima- duras do segundo grau, no membro thoracico e na face e lado correspondentes do thorax. Tinha além disso o olho direito perdido. No dia 13, indo vêl-o, notei que havia gan- grena de todo o ante-braço, estendendo-se até junto ao terço superior do braço, o que se reconhecia pelo torpor do membro, empastamento e insensibilidade completa até o braço. A derma estava desnudada em todo o membro e suppurava. Decidi quanto antes praticar a amputação, que foi feita bem em cima no terço superior do braço, pelo methodo circular. Houve conicidade do coto. Depois de 20 dias pratiquei a rescisão do osso e no fim de 40 pouco mais ou menos, a cura effectuou-se. Estes doentes forão todos operados e tratados nas peiores condições possíveis, 26 202 ESTATÍSTICA DE AMPUTAÇÕES Não havia dietas; foi preciso dar-lhes caldos de arroz, mingàos e finalmente carne seoca, bacalhau e bolacha deteriorada. Estávamos na maior penúria. A maior parte dos navios tinhão partido para o bloqueio do rio Paraná, sem terem uem os mantimentos necessários. Reinavão epidemias de dysenteria e diarrhéa. O áarampão, a varíola e as febres pai uatres tinhão feito e ainda continuavãò a fazer victimas. As guarnições se compunhão principalmente de soldados, que não estavão affeitos á ,vida de bordo, e por isso yivião n'um desgosto profundo. Erão elles que fornecião o maior contingente ás moléstias. - Depois, não havia movimento, os navios estavão parados, esperando a todo o momento uma sorpresa; nem tínhamos elementos sufn- cientes para um combate, pois até havia falta de carvão. Era raro o dia eru que não morrião três e quatro individuos, em uma divisão que se com- punha então de nove navios. Emfim mais de um terço das guarnições estava doente. No dia do combate houve á noite, frio e soprou um vento muito forte. Alguns operados ficarão na coberta, como aconteceu na Belmonte, ESTATÍSTICA de amputações 203 do que eu era cirurgião. Este navio, que, teve de encalhar para não ir a pique, encheu-se d'agua. Env todas estas operações, á excepção da desarticulação phalango-phalangeana do pòllegar, foi empregado o chloroformio. Fui ajudado pelos Srs. Drs. J. da Costa Antunes, Soares Pinto, Saraiva, J. Caetano da Costa, Bettamio e o pharmaceutico Pereira Pimentel, hoje morto, e que nessa occasião prestou um auxilio considerável. Só na amputação de braço praticada a bordo, durante o combate, tive por ajudantes mari- nheiros. O curativo consistiu na applicacão de panno crivado untado de ceroto, fios, e compressas de agiia fria. Do que tenho escripto se vê que fiz nove amputações primitivas e duas mediatas. Nas primeiras, temos seis casos de cura e três de mortes. Amputações Curas Mortes 9 6 3 Nas duas ultimas temos um caso de cura e um de morte. Amputações Cura Morte 2 1 1 Na primeira serie, se eliminarmos dous casos, 204 estatística de amputações o de amputação de dedos e o de braço, acompa- nhado de ferimento penetrante da pleura, teremos seis grandes operações, com quatro curas e duas mortes. Amputações Curas Mortes 6 4 2 ÍNDICE DAS MATÉRIAS CONTIDAS NESTE VOLUME 3 Pags Aneurisma da carótida primitiva esquerda.—Applicacão da electricidade, sobre a superfície externa do tumor. Pri- meiro e único caso conhecido do emprego deste processo. — Cura................................................. 3 Aneurisma da artéria poplitéa direita, em um indivíduo moço.— Cura pela compressão mechanica, indirecta e intermittente da crural, na dobra da verilha.......................... 13 Aneurisma volumoso da parte superior da artéria femoral es- querda, em um indivíduo de avançada idade.—Cura expon- tânea, depois de violenta inflammação do sacco e de uma pequena puncção exploradora........................... 31 Caso de esmagamento de dedos.—Feridas contusas e com dila- cerações, nos quatro últimos dedos da mão direita.—Aber- tura da segunda articulação phalangeana do dedo indi- cador.— Luxação com arrancamento e deslocamento da segunda phalange do dedo médio, no ponto correspondente á segunda articulação phalangeana.—Emprego do álcool camphorado e do curativo por oclusão. —• Rescisão total da segunda phalange do indicador.—Cura.................. 43 Emprego do processo hemostatico de Esmarch ou da ischemia artificial.—Tumor branco acompanhado de carie dos ossos do tarso, synovite das articulações tibio-tarsiana e tarso- metatarsiana do pé direito.—Amputação no terço superior da perna, ischemia.— Cura.............................. 53 Hematocele peritoneo-vaginal-enkistado.—Cura pela puncção e injecção iodada......................................... 69 Do emprego do hydrato de chloral no tétano traumático: Primeira observação. —Tétano traumático, em uma menina de dezeseis mezes de idade, consecutivamenie a uma ferida contusa, em que houve separação do ante-braço esquerdo, na união do terço superior com os dous terços inferiores. — Complicação de phenomenos de dentição.—Cura..... 79 Segunda observação : — Tétano, sobrevindo depois de um esforço considerável para carregar um peso, em um indivíduo de E>0 anãos de idade.— Cura,......................,....... $7 206 ÍNDICE Terceira observação:—Tétano traumático em um indivíduo de 49 annos de idade, depois da introducção de um corpo estranho na esclerotica esquerda.— Cura................. 93 Quarta observação:—Tétano,depois de uma ferida contusa, com arregaçamento e deslocamento da pelle da mão esquerda.— Morte.—Autópsia feita'algumas horas depois.....'..;..... 97 Quinta observação:—Tétano em um menino de 12 annos de idade, consecutivo á ferida, com penetração de corpo estranho na região plantar do pé esquerdo.— Morte.................. 106 Enchondroma da parótida esquerda.—Extirpaçâo da glândula.— Cura................................................... 1?1 Pterygion duplo.—Observação rara e talvez única de um pte- rygion duplo externo completo, e de um pterygion interno incipiente, no olho direito, com a particularidade notável de terem a T>ase para o lado da cornea, e o apice para o angulo dò olho.—Cura pela applicacão tópica de sulphato de cobre, em substancia................................ 135 Epithelioma no lábio inferior, em um doente de 60 annos de idade.—Excisão da porção do lábio, em que se assestava o tumor e cheiloplastia, pelo processo de Malgaignc, a t.° de Janeiro de 1871.—Cura sem deformidade.—Nenhuma reproducção da moléstia até hoje........................ 141 Engorgitamento da próstata em um moço de 21 annos de idade. acompanhado de excessivo desenvolvimento da válvula, , de Guérin, e dando lugar a s.ymptomas, que simulavão perfeitamente os de um calculo vesical.—Incisão da vál- vula, com o urethrotomo de Civiale e do engorgitamento prostatico, com o urethrotomo de Maisonneuve.— Cura... 151 Epithelioma asscstando-se na metade lateral esquerda do dorso da lingua e no bordo correspondente, a partir de um centímetro atrás da ponta até o meio do órgão.— Ampu- tação parcial, pelo esmagador de Chassaígnac—Anesthesia pelo chloroformio, no principio da operação, apesar da "*' existência de um aneurisma da crossa da aorta.— Cura... 165 Epithelioma do penis.— Amputação total pelo esmagador de Chassaígnac. — Hemorrhagia dos corpos cavernosos e das artérias .dorsaes e cavernosas.— Empiego da filo-acupres- sura.— Cura............................................ 177 Estatística das amputações praticadas por occasião do combate .-.- naval de Riachuelo, a 11 de Junho de 1865............. 191 TRABALHOS PRINCIPAES DO MESMO AUTOR: Qual a naturesa e tratamento da moléstia vulgarmente cha- mada ourinas leitosas ou chyluria, e a rasão da sua freqüência nos paizes quentes? These inaugural 1864. Parallelo entre a desarticulação da coxa e a rescisão do femur, na articulação coxo-femoral. Rio de Janeiro 1869. Das operações reclamadas pelas retenções de ourina. These de concurso 1871. Do Ainhum. 1876. uom.ki;càu Observaçües de Cirurgia Sr. Íusp l^frrirn-üíiiiiinirnrs Lente sulu-limin d» K.cula dr Mediciiui. 'Membro titular da Imperai Academia de Medicina, Cavalleiro das Ordens do Cruzeiro e Rosa, condecorado com as medalhas do combate naval do Riachuelo, tomada de Currientes e geral da campanha do Paraguay, Ciriir.|i»u da Cana de Sande de \'os-;i S.nli.ra .rAjuiln. etc , etc í Li BRARY SURCt CW GBCRAL S UriCE N0V2:S!S99 HIOHU^I-VV jtmtA KKOWX fc EVARISTO, ED1TORKS j3 Rua ds Quitanda ;>3 IK77 ■-*, & St NiMONA. . :brí«. OI NLP1 DGSSM7b3 E NLM005547632