U32e 187 Z ■Ví -í:v.í"''. !•.■:í':;;i.-:íx>, '-V;- ■••' V1'!*1 ■>. ■•v; <•'-, : c: C <- «: cc c c:„ c « c: c cr cr" *» f <*i-c c 'C« NLM QQ13M4b4 b c c cC t c < c cC~ < :c«l c c «r r < ir* < c: C C c c CT «ti c < cc CC «C<í C Ct cc «c «C >■' «. c< cc u « ^ -C.< cc_ "'C< Cí • cr C V C< < Ct' JOCT_'C< «Bn<«Ce • "TCCTCCi y c c< ■ n. *r cr • ■ c. • c c « 51 gs rir c c G cc C„c« c* 5->- C C «C< C - " -s: c- < , v «. -n* <• C C C «TC C C < c c «* c C" C C«C.C C c ■ _<"-.ae6_-^~- cc c c C r t «v_ c «SL < l «.c c * < c c cc C r c "CO c c AS LIVRARIAS DE J. B. MARTIN, (JATIUNA E C E VIUVA LEMOS, 181* V WDft L13Z& Todos os direitos reservados. Tjpographia de J. G, Tourrnho. AO Ml. AMIGO E COLLEGA DR. JOirN LIGERTWOOD PATERSON. Pertence de direito ao vosso nome a primeira pagina d'este livro. Sem os vossos conselhos, e sem a vossa animação, eu não teria, talvez, emprehendido colligir os materiaes que lhe servem de base; sem o vosso concurso eu não teria tão cedo um nome, c uma filiação nosologica para a moléstia que tentei descrever nas seguintes paginas. No retira onde descançaes das fadigas da vossa laboriosa carreira medica na Bahia,' acolhei um trabalho que as vossas luzes, e a vossa experiência ajudaram a crear, e que vos levará, sem du- vida, mais de uma recordação d'esta terra da America, onde as vossas eminentes qualidades de homem e de medico foram devi- damente aquilatadas, e vos farão por muito tempo lembrado com saudade. Fechae os olhos aos defeitos do livro, e acceitae-o como significativa expressão da afTectuosa estima, e amisade sincera do Vosso dollcga >u.va Lima. PREFACIO Constitue a matéria principal do presente volume a serie de artigos que publiquei nos três primeiros tomos da Gazeta Medica da Bahia (1866 a 1869), com o titulo de—Contribuição para a historia de uma moléstia que reina actualmente na Bahia, sob a forma epidêmica, e caracterisada por paralysia, edema e fraqueza geral;—o restante, sob o titulo à'appendix, consta do que n'estes últimos annos me tem ensi- nado a experiência própria, e a leitura de alguns es- criptos que sobre o mesmo assumpto foram recen- temente publicados no Brazil. A moléstia, que a principio me parecia limitada á Bahia, foi, mais tarde, observada também, e descripta em outras províncias. O estudo mostrou depois que ella é idêntica ao beriberi da índia. Eis a razão do ti- tulo—0 Beriberi no Brazil—que dei a este pequeno livro, cm substituição ao que tiveram primitivamente aquelies artigos. II PREFACIO. Não era minha intenção, nesse tempo, dar-lhes o desenvolvimento que elles tiveram depois nas pagi- nas d'aquelle periódico; e muito menos reunil-os em volume separado. Instâncias d'alguns amigos, e pe- didos de vários collegas de outras províncias, e do estrangeiro, motivados, não, certamente, pelo inte- resse do escripto em si mesmo, e sim pela novidade e importância do assumpto, decidiram-me a coor- denar o mais methodicamente que pude esses ma- teriaes dispersos, e já difficeis de obter em collecção completa. Ainda que reproduzidos hoje pela imprensa, e sem notáveis alterações, esses materiaes são realmente novos para grande numero de médicos brasileiros a quem é totalmente desconhecida a Gazeta Medica da Bahia. Quando não justifiquem a minha resolução, estes motivos desculpam-n'a, pelo menos; e, com certeza, valerão ao obscuro autor deste livro a benevola indulgência dos collegas que o lerem. Ninguém espere encontrar aqui uma acabada mo- nographia do beriberi, mas apenas o imperfeito es- boço de uma moléstia cujo nome, natureza, e affl- nidades pathologicas me eram desconhecidos no prin- PREFACIO. III cipio, e que fui observando e descrevendo simulta- neamente; a convicção de que essa doença é o beri- beri nasceu lenta e gradualmente da observação clinica de mais de três annos, e robusteceu-se tam- bém com as opiniões authorisadas dos nossos mais distinctos práticos. Com effeito, como verão os leitores, eu não con- sidero as paralysias e anasarcas da Bahia definitiva- mente idênticas ao beriberi senão nos capítulos sup- plementares d'este trabalho, isto é, depois que a se- qüência da observação própria, e o assentirnento da maioria dos clínicos mais eminentes d'esta capital me não podiam deixar a mínima duvida. São por demais numerosos os defeitos deste en- saio, e muitos d'elles não poderiam ser remediados sem se lhe mudar profundamente a primitiva índole e a forma; são d'esse numero a falta de methodo rigo- roso, as repetições, o desenvolvimento desigual de alguns capítulos comparados com outros, etc; mas eu preferi conservar-lhe o seu caracter original, isto é, o de ter sido elaborado pari passu com a obser- vação clinica, sem idéias preconcebidas, sem plano previamente assentado, e, portanto, sem eu saber aonde me levaria o estudo e a apreciação dos factos. IV PREFACIO. Deixo-lhe, pois, a sua primitiva feição, com os de- feitos que lhe são congênitos. Outras causas contribuíram ainda para a sua ma- nifesta imperfeição, e entre estas, sem contar as que se derivam das mingoadas habilitações do autor para commettimento de tal ordem, devo lembrar as lon- gas interrupções a que me obrigavam os árduos de- veres da vida clinica, e, por isso, a indeclinável ne- cessidade de furtar ao descanço alguns momentos de vigília e de reflexão para consagrar ao estudo de gabinete. Não obstante, ficarei satisfeito se este ensaio for benevolamente acolhido pela profissão medica bra- sileira, a cujo esclarecido critério o submetto; e se, na falta de mérito próprio que o recommende, lhe poderem servir de carta de apresentação, e de legi- tima escusa, a importância e o interesse actual do assumpto, que ainda fica á espera de mais compe- tente e mais amestrada penna, para ter, no futuro, o desenvolvimento que merece. Março de 1872. SOBRE O BERIBERI NO BRAZIL. i. CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS. Ha alguns annos que se tem observado n'esta cidade uma moléstia singular, e extremamente grave, • que d'antes não estávamos acostumados a encontrar no nosso quadro nosologico habitual, ou, o que é mais provável, que passava desapercebida dos práti- cos, confundida com outras affecções de causa co- nhecida, e de occurrencia ordinária. Esta epidemia tem grassado insidiosamente, e agora mais que nunca, por todas as classes da população, desde o mísero escravo, e o infeliz habitante das prisões, até aos favorecidos da fortuna, que vivem nas melhores condições hygienicas, e gozam de todas as desejá- veis commodidades da vida. Tendo observado numerosos casos d'esta affecção na minha pratica, e na de outros collegas; vendo a extensão e o caracter grave que o mal vae tomando 2 de dia em dia, resolvi dar publicidade ao que tenho podido estudar acerca d'csta formidável moléstia, utilisando-me também das informações que, sobre tão importante assumpto, me teem benevolamente ministrado alguns dos mais distinctos clinicos d'esta cidade.Procurarei descrevel-a o mais accuradamente que me for possível, e confrontrar as mais salientes feições de sua physiognomia pathologica com as das numerosas affecções endêmicas e epidêmicas até hoje conhecidas que se lhe assimilham por caracteres com- muns, e especialmente com as d'aquellas que se ma- nifestam em condições geographicas e meteorológicas análogas ás nossas. N'este trabalho, destinado á publicação fraccio- nada de jornal, e escripto interrompidamente, segundo m'o permitte o tempo e a occasião, não observarei, provavelmente, o methodo e a ordem que o assumpto requer; o meu fim não é outro senão chamar a attenção dos nossos collegas d'esta e de outras províncias para o estudo de uma moléstia que, se não é nova entre nós, pelo menos não era reconhecida até agora como entidade mórbida á parte, a qual se vae extendendo progressivamente, e é de uma mortalidade assus- tadora. Em fins de 1863, e princípios de 1864, e com poucos mezes de intervallo, tive occasião de observar três casos de paralysia, tão parecidos nos symptomas, na marcha, e até na ordem em que os mesmos symptomas se succederam, que fizeram impressão no 3 meu espirito, e também no dos collegas que commigo viram dous d'elles em conferência. O primeiro foi em novembro de 1863: I.—Em 18 de novembro de 1803 fui chamado a tratar de uma senhora, viuva, de 50 annos de edade, robusta, e sempre sadia d'antes, que habitava no seu engenho no Recôncavo; veio tratar-se á cidade por Ibe terem apparecido dores pelos mem- bros, especialmente inferiores, queella attribuia a rheumatismo. Estas dores eram acompanhadas de fraqueza muscular. Duravam estes symptomas havia mais de vinte dias. Depois da sua vinda para a cidade, sobrevkram-lhe vômitos, tonturas de cabeça, entorpecimento da sensibilidade cutânea; perturbação da me- mória; diplopia e strabismo convergente. Queixava-se também de opressão dolorosa no epigastrio, e constricção em roda da cintura. Dizia que via tudo em duplicata, e que o pavimento da sala lhe parecia utn plano inclinado, que os moveis-esta- vam a cahir, etc. Os vômitos, principalmente, continuaram pertinazes por muitos dias, não lhe consentindo o estômago conservar alimento algum. Appareceram sudaminas em vários pontos da pelle, especialmente no pescoço. Por fim a paralysia das pernas não lhe consentia ter-se em pé, e sobreveio-lhe febre. Não houve edema apreciável em parte alguma do corpo. Cahiu, por fim, em um estado de apathia completa, intermeado de dilirio, e morreu,' em estado comatoso, em 3i de novembro de 1863. O segundo cas*o foi em fins de abril, e principio de maio de 1864: II.—Uma senhora de 28 annos de edade, mãe de 6 filhos, moradora na Matta de S. João, doze dias depois de um parto regular começou a sentir fraqueza nas pernas, com torpor da sensibilidade, a ponto de, em poucos dias, se ver obrigada a ir de novo para a cama. Seu marido resolveu então transportal-a para esta cidade, 4 onde fui encarregado de seu tratamento em 28 de abril. Viram- n'a commigo em conferência o Sr. Dr. Paterson, e o nosso íallecido collega Dr. Alves, que, com o Sr. Dr. Gordilho também havia visto a outra doente. Na occasião da conferência já aquelles symptomas se haviam aggravado; a paralysia das extre- midades inferiores tinha augmentadojhaviam apparecido vômitos, oppressão epigastrica e precordial, sensação de uma cinta aperta- da em roda do tronco, diplopia, strabismo, uma febre de typo remittente, e sudaminas. Havia alguma confusão na memória, que não guardava a ordem dos acontecimentos, e até não conservava alguns dos mais recentes. Em poucos dias mais sobreveio delírio, coma, e a morte em 8 de maio, dez dias depois da minha primeira visita. O terceiro caso foi em julho de 1864: III.—Uma senhora de 55 a 60 annos de edade, de cons- tituição fraca e doentia, moradora na cidade baixa, mandou- me chamar em 30 de junho de 1864. Contou-me que, havia pouco mais de quinze dias, começara a sentir fraqueza nas pernas, a qual foi augmentando de modo que, ao tempo da minha primeira visita, não podia sustentar-se em pé. Tinha alguma febre que augmentava pela tarde, grande prostração de forças, e sudaminas no pescoço. A paralysia foi augmentando, sobrevieram vômitos, diplopia, fraqueza da memória, depois delido e a morte em 12 de julho, 13 dias depois da minha primeira visita, em estado comatoso. Estes três casos, tão similhuntes nos symptomas, na marcha e terminação da moléstia, ainda que n'aquelle tempo fossem considerados como uma forma particular da febre typhica endêmica, que então era muito freqüente, não deixaram de produzir no meu espirito uma certa extranheza, e de deixar-me 5 algumas duvidas quanto á sua verdadeira natureza. Temos visto a febre typhica (que convém não con- fundir com a febre typhoidéa que descrevem os autores francezes) apresentar-se sob formas variadas, ora aífectando, ao menos apparentemente, o orga- nismo inteiro, sem que se possa determinar qual o órgão ou apparelho mais particularmente lesado, ora interessando os órgãos abdominaes (tubo intestinal e fígado); ora determinando graves hyperemias pul- monares; ora, finalmente, revestindo-se de sympto- mas ataxicos significativos de aííecção cerebral gra- ve. Não poucas vezes também se via nessa epocha a febre typhica associar-se a outras moléstias de natureza diversa, complicando-as para o fim. Mas, n'estes três casos, os primeiros symptomas foram as dores, dormencia (1) e fraqueza dos membros infe- riores, e depois a constricção em roda do tronco, symptomas que precederam de muitos dias o appa- recimento da febre e dos signaes de affecção do cérebro, e que denunciavam desordem das funcções da medulla espinhal. Posto que a moléstia, que foi, sem duvida, idêntica nos três casos, mostrasse mais tarde as feições da forma da febre typhica a que o Dr. Alves costumava (1) Dormencia chamam os doentes ao entorpecimento da sensibilidade cutânea que acompanha a moléstia. Como derivado do adjectivo dormente, não hesito em adoptar o termo na lin- guagem medica, embora não o mencionem os nossos lexico- graphos. 6 chamar de forma cerebral, (1) nem por isso os symptomas iniciaesjá bastante graves, deixavam de fazer presumir o desenvolvimento de uma moléstia diversa, cuja sede não se podia suppor em outra parte senão na medulla espinhal, e no cérebro. As minhas suspeitas de que aquelles três casos offereciam uma physiognomia especial augmentaram ainda quando o Dr. Alves, em julho de 1864, me mostrou uma sua doente, senhora de 60 annos, com symptomas idênticos aos das outras três em prin- cipio, isto é, com paralysia completa das pernas, tanto do movimento como da sensibilidade, com dores na mesma região, etc. Não sei, porém, qual foi o resultado. Mas o que mais augmentou as minhas appre- hensões de que algum elemento mórbido novo co- meçara a manifestar-se entre nós, motivado por alguma causa desconhecida» foi um caso muito no- tável da mesma affecção, que observei em agosto de 1865. É o seguinte: IV.—Uma senhora de cerca de 40 annos, bem constituída e sadia, casada, mãi de muitos filhos, teve um parto com feli- cidade em agosto de 1865. Jà muitos dias antes se queixava esta senhora de fortes dores lombares, e nos membros inferiores, fraqueza muscular e dormencia, mas tudo isto foi attrihuido, naturalmente, ao estado de gravidez adiantada. (1) Do mesmo modo que Littré reconhece três fôrmas de febre typhoidéa: abdominal, cerebral e thoracica. 1 Depois do parto aggravaram-se estes symptomas, e os mem- bros inferiores enfraqueceram ainda mais; sobreveio febre com intervallos irregulares de apyrexia. Em 21 de agosto fui chamado para tratal-a, em substituição ao meu estimavcl collega, o Sr. Dr. Ludgero que, por doente, não poude continuara pres- tar-lhe os seus cuidados. A enferma foi peiorando progressi- vamente: a paralysia, que primeiro se limitava ás pernas invadiu as coxas, e a metade inferior do tronco, sendo muito limitados e difficeis os movimentos dos membros inferioros, que se torna- ram edematosos e dormentes; accusava um aperto em roda da cintura, o qual foi gradualmente subindo até o nivel das axil- las, e á proporção que subia esta contricção crescia a anciedade precordial, e a difficuldade de dilatar o thorax; julgou ella, por vezes, que lhe haviam apertado o peito com uma atadura, e pe- dia que Ih'a tirassem. Por fim, também os braços moviam-se dificilmente; a fadiga tornou-se cada vez maior, e a doente fal- leceu axphixiada em 27 de agosto. O tratamento formulado por mim, de accordo com o Sr. Dr. Paterson, que viu a doente commigo, consistiu em purgativos, sulphato de quinina, strychnina, diversos linimentos estimu- lantes e vesicatorios entre as espaduas. De todos os symptomas só a febre pareceu ceder ao tratamento. Por occasião da conferência a esta senhora, o Dr. Paterson conveio em qne a moléstia era perfeitamente similhante, nas suas principaes feições, à dos casos precedentes, e que havia razões para suspeitar que, seellaseram idênticas, o que parecia fora de duvida, eram devidas a alguma causa morbifica também idêntica, porém desconhecida para nós. V.—Em 7 de março de 1866 vi, em conferência com o Dr. Paterson, uma doente sua, exactamente nas mesmas condições daprecedente. Era uma senhora muito débil e doentia, de cerca de 28 annos; logo depois do primeiro parto sobrevieram-lhe symptomas análogos aos das outras, entre os quaessobresahiam 8 a paralysia incompleta dos membros inferiores,a constricção em roda do tronco, e a anciedade. Esta doente falleceu na noite immediataá nossa conferência, na qual nos vieram naturalmente á lembrança os quatro casos precedentes. VT.—Pouco tempo depois (abril de 1866) vi também, em conferência com os Srs. Cons. Drs. Velho e Magalhães, em um convento, e na visinhança dos dous precedentes casos, uma recolhida, de 60 annos, pouco mais ou menos, com a mesma paralysia dos membros inferiores e superiores, que estavam edematosos, e com a mesma sensação de uma cinta apertada em roda do tronco. Esta doente falleceu também, poucos dias depois (3 de maio seguinte). A paralysia tinha sido precedida de diarrhea por quinze dias. Outros collegas observaram também casos simi- lhantes; e actualmente (novembro de 1866) são elles já tantos e tão freqüentes que constituem uma verdadeira epidemia, affectando não só mulheres, especialmente no estado puerperal, como também homens de todas as classes da sociedade, tanto na ca- pital como fora delia. D'estes e de outros casos subseqüentemente obser- vados d'esta moléstia, vê-se que ella não é uniforme nas suas manifestações, nem os symptomas predomi- nantes são sempre os mesmos, sobresahindo umas vezes a paralysia e outras o edema, que chega a extender-se a todo o corpo. Mas é certo que estes dous symptomas coexistem freqüentemente, ou se succedem, principiando a moléstia por um ou por outro, ou por ambos, do que darei exemplos no decurso deste trabalho. 9 II. SYMPTOMAS EM GERAL, E FORMAS DA MOLÉSTIA. A moléstia tem-se apresentado, geralmente, sob três formas principaes, que são: 1 .o aquella em que predo- mina a paralysia; 2.o aquella em que predomina o edema; 3.o a que se pode chamar mixta, isto é, a que apresenta reunidos ambos aquelles symptomas. —Na primeira forma, (paralytica), o doente co- meça por accusar um incommodo indefinido; sente fraqueza geral, inaptidão para qualquer exercicio; o appetite diminue em alguns casos, e ha sensação de plenitude no epigastrio. Vem depois dores vagas pelos membros, nos inferiores principalmente, simu- lando rheumatismo muscular, que não tardam a ser seguidas de dormencia, ou torpor da sensibilidade cutânea. Alguns dias depois, nos casos mais rápidos, o doente sente fraquearem-lhe as pernas sob o peso do corpo; illudindo-se sobre a força de seus músculos cae, por vezes, quando teima em caminhar, até que desiste do intento de levantar-se; em breve a paralysia do movimento, raras vezes completa, apenas lhe permitte dobrar os joelhos, no decubito dorsal, ou movel-os no sentido da adducção e ab- ducção. A paralysia manifesta-se também nos membros 10 superiores, começando por dormencia e formigamento nas extremidades de um ou mais dedos, algumas vezes de todos; pouco depois ha perda do tacto e fraqueza muscular, sendo impossível ao doente comer por sua mão, segurar qualquer objecto, escrever, etc. A compressão sobre os músculos paralysados é muito dolorosa, e tanto mais quanto mais considerável a paralysia d'estes órgãos. Ao mesmo tempo que se manifestam estes sym- ptomas, ou pouco depois, apparece a sensação de uma cinta apertada, á principio em roda da pelve, e gra- dualmente subindo até ao nível das axillas. No epigastrio accusam alguns doentes um sentimento de plenitude e de dureza, como se alli tivessem uma taboa, ou uma barra de ferro, como se exprimiam alguns que eu observei. A' proporção que esta constricção do tronco vae subindo apparece a dyspnéa, que se torna cada vez mais afflictiva;sobrevem, por fim, algum ligeiro edema nas extremidades inferiores e na face, que se torna, assim como a parte superior do tronco, de uma cor pallida azulada, como cyanotica; a dyspnéa augmenta progressivamente; sobrevem, ás vezes, contracções dos músculos; convulsões parciaes, movimentos cho- reicos das mãos e dos braços, mais raramente das pernas, grande anciedade, acceleração e enfraqueci- mento de pulso, diminuição considerável da quanti- dade da urina, que toma uma cor de café, suores frios viscosos, e a morte por asphyxia. M —Na segunda forma da moléstia (edematosa) os primeiros symptomas que chamam a attenção do doente são: canceira da respiração, augmento de volume da parte media das pernas, acompanhado de dor como rheumatica, algum edema e peso dos pés, e fadiga dos músculos, principalmente ao subir escadas ou ladeiras. A compressão um pouco enérgica dos músculos gastro-cnêmeos é mais ou menos dolorosa. Depois vae] apparecendo maior oppressão da res- piração, augmentada pelo exercício; o moral do doente começa então a affectar-se por apprehensões acerca do seu estado, e por uma desesperança de que, ás vezes, é impossivel tiral-o. O edema é duro, e um tanto elástico, de forma que a impressão do dedo desapparece em poucos segundos; e de circumscripto que era, a principio, ás pernas, extende-se á face, ao tronco, aos braços, e, finalmente, a todo o corpo, de sorte que alguns doen- tes parecem ter quasi duplicado de volume. A' pro- porção que o edema cresce, sobrevém difficuldade demover as pernas e os braços, que os doentes ati- ram machinalmente de um para outro lado, e a dys- pnéa vae augmentando. As urinas tornam-se escaças, e o suor é geralmente pouco abundante, salvo para o fim, quando a dyspnéa c considerável. A pelle torna-se descorada desde o principio, e por fim é livida e fria, e guarda por muito tempo a marca 12 branca produzida por uma compressão feita lenta- mente com os dedos. Os pulmões tornam-se congestos, e o fígado muito volumoso e dorido á pressão. Em alguns casos d'esta forma ouvi um ruido de sopro systolico brando atraz do esterno; mas, na maior parte d'elles, e em período adeantado da doença, em vez d'este sopro, ouvi um ruido tríplice, composto do primeiro tempo, e do segundo reduplicado, ou vice-versa. N'estes casos a morte vem também por asphyxia, por congestões visceraes, e ás vezes, como verifiquei em duas autópsias, por embolia da artéria pulmonar, e outras vezes, finalmente, por anuria. —Na terceira forma (ou mixta), a moléstia começa, ora pela paralysia das extremidades inferiores, ora pelo edema sem paralysia, ora, finalmente, por para- lysia e edema simultâneos, continuando umas vezes estes dous symptomas a progredir pari passu, outras augmentando um mais do que outro, tomando então a doença a primeira, ou a segunda forma. Quando o edema e a paralysia são simultâneos no seu apparecimento e na sua marcha, ,o doente sente ao mesmo tempo intumescerem-se-lhe os pés e as pernas, o torpor da sensibilidade cutânea, e a fra- queza muscular, que vae a ponto de lhe impossibilitar a marcha. Estes symptomas extendem-se depois aos braços; o edema invade a face e todo o tronco. A dor á pressão sobre os músculos paralysados é 13 também muito notável n'esta forma. Os doentes sen- tem grande anciedade, e não podem estar senão re- costados. Em um indivíduo affectado d'esta forma da moléstia vi sobrevir a cegueira completa em vinte e quatro horas, cerca de oito dias antes da morte. A asphixia é, de ordinário, o termo d'esta scena d'an- gustias e de martyrios. Estes quadros symptomaticos são transumptos dos casos mais graves, e quasi sempre fataes da doença. Algumas observações clinicas mostrarão melhor, não só as três formas da moléstia, como também a ordem de apparecimento dos principaes symptomas. O seguinte caso pode considerar-se como um exemplo da forma paralytica. VII.—Uma senhora de 37 annos, viuva, tendo gozado sempre excellente saúde, começou a achar-se indisposta no meado d'abril de 18G6. Não podia dar conta de seus padecimentos senão em termos vagos. Queixava-se de fraqueza geral, pouco appetite, displiscencia, e oppressão epigastrica; estes incommodos eram acompanhados de tristeza, e a doente julgava-se sob a influencia de uma moléstia muito grave. No fim d'abnl ajuntaram-se á estes symptomas dores na região lombar e nos membros inferiores, como rheuraaticas, seguidas, poucos dias depois, de dormencia nos pés e nas pernas, e de fraqueza muscular, a ponto que, em meado do mez de maio, já a doente andava com difficuldade, sendo-lhe preciso apoiar-se aos moveis, ou a outra pessoa, para dar alguns passos. Por este tempo appareceu a dormencia também nas mãos, e depois nos braços, de sorte que, no fim de maio, já se não levantava da cama, nem podia fazer uso das mãos senão muito imperfeitamente. O sentimento de peso e oppressão no epigastrio, onde adoente dizia que se lhe figurava 14 ter uma taboa, foi sempre augmentando e extendendo-se circu- larmente, de modo que, quando as pernas e os braços estav?m tolhidos para os movimentos úteis, manifestou-se o sentimento de uma cinta apertada em roda do tronco, a qual ameaçava suffocação, difficultando a livre expanção de thorax. A respira- ção tornou-se embaraçada sempre d'ahi por diante, mas, em algumas occasiões, sobrevinham taes accessos de dyspnéa que pareciam ir terminar em próxima asphyxia. N'estas occasiões a doente não podia estar senão recostada. Em meado de junho appareceu ligeiro edema nos pés e nas pernas, e também nos braços, mas apenas preceptivel na face. A voz tornou-se muito fraca, rouca e quasi extincta; a res- piração inteiramente diaphragmatica. A sensibilidade da pelle era embotada nos membros, mas os sentidos e a intelligcncia conservaram-se perfeitos. Desde o apparecimento da paralysia que a pressão sobre os músculos das pernas e dos anle-braços era muito dolorosa, assim como o era também extraordinaria- mente a acção dos sinapismos applicados sobre aquellas re- giões, e sobre a espinha dorsal, os quaes a doente nunca poude soffrer nem por dous minutos. Nos últimos dias appareceram contracções súbitas dos mús- culos, ora em uma perna, ora em ambas, e também nos braços, conjuncta ou isoladamente, ou em uma perna e um braço, porem nunca na face, senão nos últimos momentos da vida, em que a maxilla inferior se movia convulsivamente para a direita e para a esquerda, e os globos oculares oscillavam. A doente conservou a intelligencia intacta até uma hora antes da morte, que ella reconhecia approximar-se, e que succedeu em 24 de junbo, mais de dois mezes depois do apparecimento dos symp- tomas iniciaes da moléstia. O tratamento n'este caso foi, a principio, quando os sym- ptomas característicos da doença não eram ainda distinctos, um vomitivo de tartaro emetico, e depois iodureto de potássio. 15 Desenhando-se melhor o caracter d'ella, os meios empregados foram: linimentos estimulantes nas extremidades, sinapismos, que não poderam ser supportados, noz-vomica em pílulas com rhuibarbo e ferro; strychnina com sulphato de magnesia e vinho de genciana, e, por ultimo, vesicatorios volantes ao longo da espinha dorsal. Posto que o edema se apresentasse no ultimo período da moléstia n'esta doente, e em pequena escala, julgo poder dar este caso como de forma paralytica, ou, pelo menos, em que a paralysia predominou, e foi a causa da morte. No seguinte caso, porem, que pode ser considerado como typo d'esta forma da doença, o edema não se manifestou em período nenhum da sua duração; e, alem da paralysia, appareceram contracções dos músculos, e movimentos choreicos nas mãos, nos braços e nos pés. VIII.—Julia, africana, escrava, de 28annos, estatura regular, bem constituída, mãe de 6 filhos, entrou para o Hospital da Caridade em 5 de agosto de 4866. O ultimo filho nascera três semanas antes da sua entrada para a enfermaria da Assumpção. Cerca de um mez antes do parto começara a doente a queixar- se de dores nas pernas, principalmente na direita, de modo que não andava senão apoiada a um bastão. O parto foi fácil, e sem accidente algum; quatro dias depois, observou a enferma que não podia suster o filho nos braços, e que tinha difficul- dade em mover as pernas; mas, quando quiz levantar-se da cama, oito dias depois do parto, é que viu que não podia ter-se ern pé. Tinha, alem d'isso, dores nas pernas, que foram attri- buidas a rheumatismo, e tratadas como taes por algum tempo. No dia da sua entrada para o Hospital, o estado da doente era o seguinte: semblante natural, appetite regular, lingua de aspecto normal; não havia magreza notável, nem febre. Havia 16 paralysia incompleta do movimento e dormencia, tanto nos membros inferiores, como nos superiores. Podia dobrar os joelhos estando deitada, tanto em sentido horisontal como vertical; não se podia sentar na cama sem auxilio estranho. Os movimentos que fazia com as pernas e com os braços, assaz limitados, eram desordenados, ecomo dearremeço: que- rendo, por exemplo, levar o dedo indicador a boca, ou á testa, nunca acertava na direcção, nem calculava a força muscular necessária para esse movimento. A dormencia era mais considerável nos pés e nas mãos, sendo nos primeiros acompanhada de formigamento. A pressão, ainda leve, sobre os músculos dos membros era muito dolorosa, porém muito mais sobre os dos antebraços e sobre os das pernas. No dia 9 ajuntaram-se aos symptomas precedentes movi- mentos bruscos nos dedos das mãos, devidos ácontracção súbita dos flexores. Estes movimentos appareciam e desappareciam por inter- vallos mais ou menos consideráveis duraute o dia. A doente queixava-se de dores nas mãos e nos pés. No dia 11 estas dores augmentaram, e extenderam-se aos braços, ás pernas e coxas, e aggravavam-se muito com a mais leve pressão. Os movimentos convulsivos dos dedos extendiam- se ás mãos e aos antebraços, de tal sorte que pareciam os que se manifestam na choréa; o mesmo succedia nos pés, mas em muito menor grau. A pressão sobre os músculos anteriores do tronco era dolorosa, o que não acontecia comprimindo os posteriores. No dia 18 a doente disse estar melhor das dores, e os mo- vimentos choreicos das mãos e dos pés, e as dores foram dimi- nuindo de modo que no dia 28 eram mui pouco sensiveis. A melhoria progrediu de forma que, em 8 de setembro, já a doente podia sentar-se na cama, e segurar o pão para comer, o que 17 nunca fizera desde a sua entrada no Hospital; não podia, porém, servir-se da colher. As melhorias eram progressivas, e tudo me fazia esperar um resultado feliz, quando, no dia 15, sobrevieram vômitos violentos e repetidos, ao principio de líquidos de cor clara, e depois escura, que continuaram por todo o dia. Na manhã seguinte, ás 8 horas, encontrei a doente em collapso, que ter- minou pela morte d'ahi a duas horas, 41 dias depois da sua admissão. No decurso da moléstia nenhumas funcções pareciam alteradas senão a da motilidade e sensibilidade, ao menos até á véspera da morte, que sooreveio inesperadamente depois de uma espécie de cholerina. O tratamento foi em tudo similhante ao do caso precedente, menos os vesicatorios sobre a espinha dorsal; strychnina, ferro, vinho de genciana, laxativos, etc. Pela autópsia, que fiz 24 horas depois da morte, ajudado pelo Sr. Dr. Wucherer, observei o seguinte:—Nenhum principio de putrefacção, o que não é or- dinário n'este clima; injecção considerável das paredes do canal rachidiano e das meninges, mormente na parte inferior da região cervical, e superior da região dorsal, e principalmente no ponto de emergência das raizes dos nervos; a medulla, nestas mesmas regiões, era um tanto menos consistente do que no estado normal. Havia alguns pontos ecchymoticos na mucosa do estômago, e o pyloro estava muito contrahido: no duodeno encontramos alguns vermes da espécie anchylos- tomum duodenale. Os músculos dos membros pareciam um tanto atrophiados, molles e exsangues, contrastando com os posteriores do tronco, nos quaes havia como uma embibição de sangue fluido, estado em que este liquido se achava também nas veias iliacas, e em outras que foram abertas. Uma das cápsulas supra-renaes, que foi examinada pelo Sr. Dr. Wucherer, estava sã. O cérebro não foi examinado. Neste caso a doente não mostrou emaciação alguma até o S. L, .2 18 momento em que lhe sobrevieram os vômitos e o collapso, e em nenhum ponto do corpo appareceu edema appreciavd. Os symptomas capitães foram a paralysia, as dores nos membros paralysados, e os movimentos choreicos. Desta forma da moléstia tenho visto numerosos casos, pela maior parte em mulheres, principalmente •puerperas; em uma destas ultimas, doente do Sr. Dr. Paterson, os movimentos choreicos dos membros eram ainda mais pronunciados do que no caso que acabo de narrar. Para exemplificar a forma edematosa da doença de que me occupo, escolho, entre outros, os dous seguintes casos. IX.—A. J. d'Azevedo, de 28 annos de edade, portuguez, robusto, marinheiro, chegado ha pouco tempo de um dos por- tos do sul do Império, foi visitado por mim a primeira vez em 15 de outubro ultimo. Referiu que, no meado de setembro, começara a reparar que os pés estavam mais grossos do que o natural; esta inchação foi gradualmente augmentando, e era acompanhada de dormencia unicamente na face interna das per- nas e coxas. Quando o vi a primeira vez queixava-se elle de dores á pressão sobre os músculos das coxas e pernas, mais nos que occupam as faces internas destas partes, do que nos outros. O edema era duro, e extendia-se a quasi todo o corpo, mais mar- cado nos membros inleriores, sendo, todavia, pouco considerá- vel em toda a parte; accusava uma sensação particular no baixo ventre; dizia elle que parecia não ter alli apoio aos intestinos, como se estes estivessem prestes a cahir. Accusava dor na co- lnmna vertebral nas regiões dorsal e lombar. Cançava ao me- nor exercício. Podia ter-se bem em pé, e poderia andar se não fosse a 19 canceira. Às secreções e excreções faziam-se regularmente. O suor augmentava quando o doente estava mais affrontado. Teve asthma em pequeno,e attribuiao padecimento actual a uma re- petição d'aquella doença. Todos estes symptomas se foram aggravando progressiva- mente, até que, em 19 de outubro, redobrou a dyspnéa, ap- pareceu grande intumescencia no epigastrio, pequena tosse, saliva grossa e viscosa, e a urina ficou reduzida a pouco mais de 4 onças em 24 horas, de côr escura, e sem albumina. O doente perdeu de todo o appetite, e não se pode deitar; a pelle é de uma côr azulada, mormente no peito, pescoço e face; a phvsiognomia é profundamente alterada. Ainda nesse dia o vi atravessar a sala, mas devagar, por causa da canceira. No dia 20 morreu ás duas horas da tarde quasi repentina- mente, Neste caso não houve paralysia notável dos mem- bros, apenas alguma dormencia limitada á face in- terna das pernas e coxas, e uma semi-paralysia dos músculos abdominaes. Eis aqui outro exemplo da forma edematosa: X.—J. P. Bareellos, de 32 annos, portuguez, bem constituí- do, marinheiro, entrou para o Hospital da Caridade á 12 de no- bro ultimo. Tinha estado 15 dias antes na mesma enfermaria por causa de umas dores rheumaticas, que cederam ao iodureto de potássio. Referiu o doente que, pouco despois da sua sabida do Hospi- tal, começara a inchar, primeiro nos pés e nas pernas, e de- pois nos braços e na face, e que ao mesmo tempo sentira can- ceira, especialmente quando fazia algum exereicio. Estava effe- ctivamente edemaciado, mais ou menos, por todo o corpo, mas especialmente nas pernas e na face. Era de notar que o e de- ma das pernas parecia intermuscular, e affectava pouco a for- ma dos membros, augmentando-lhes apenas o volume. 20 A côr da pelle era trigueira e azulada ao mesmo tempo. Os órgãos respiratórios nada revelavam de anormal, mas a escuta- ção fazia perceber atraz do esterno, e perto do scrobiculus cor- dis, um ruido de sopro systolico. O edema era duro e elástico; havia dôr epigastrica, e o fí- gado era muito volumoso. A urina era muito escaça, córada e sem albumina. No dia 14 manifestou-se dôr á pressão sobre os músculos gastro-cnemeos, dôr que difficultava também a marcha. Do dia 16 para 17 appareceu uma diurese muitíssimo abun- dante, e com ella começon uma melhoria que se manteve sem- pre, voltando o appettite, perdido até então, desapparecendo o edema em todo o corpo, ficando apenas alguma sensibilidade à pressão sobre o tendão d'Achilles na perna esqueida Não hou- ve dormencia nem paralysia do movimento. No dia 26 o doente pediu alta, e sahiu, ao menos apparentemente, curado. O tratamento constou de um largo vesicatorio no epigastrio, purgantes salinos, ferro, noz vomica, vinho de genciana, e sul- phato de quinina. Da forma a que dou o nome de mixta, mas que, algumas vezes, é transitória, passando a moléstia a revestir-se dos caracteres de alguma das outras duas formas já descriptas, darei, em resumo, dous exem- plos occorridos ambos no Hospital da Caridade, en- fermaria de S. Vicente de Paulo (prisão). XI.—José Eleuterio, pardo, de 28 annos de edade, robusto, vindo da Casa de prisão com trabalho, carregado em uma ma- ça, entrou no Hospital em 1 de fevereiro de 1866. Disse que ha muitos dias (não soube dizer quantos) começara a sentir fra- queza nas pernas, acompanhada de inchação nos pés. Não po- de andar, nem ter-se em pé, e sente-se cançado da respiração, ora mais, ora menos. As pernas e coxas estão dormentes, em estado de anesthesia incompleta. 21 Gradualmente íoi-se extendendo o edema a todo o corpo, as- sim como a paralysia do sentimento; o doeute parecia ter quasi duplieado de volume. Houve aquella constricção em roda do tronco similhante á que se observa ordinariamente na forma paralytica da moléstia. Por tal modo se foram extinguindo os movimentos que, por fim, só a cabeça se virava para a direita e para a esquerda, ficando o resto do corpo immovel; o doente queixava-se de forte oppressão epigastrica e precodial, e perdeu completamente a vista oito dias antes da morte, que sobre veio a 19 de fevereiro, 18 dias depois da sua admissão no- Hospital. Neste caso vê-se que a paralysia e o edema ap- pareceram simultaneamente, e foram crescendo pa- ralellamente até o fim, o que se deu também no se- guinte: XII.—Tzaac, africano, escravo, de 40 a 45 annos de edade, muito robusto, veio da Casa de Correcção para o Hospital, para a enfermaria de S. Vicente de Paulo (prisão), em 10 de feve- reiro de 1866. Veio aífectado de dysenteria, com muita febre, e em estado de grande prostração. Esta moléstia cedeu lenta e difficilmente ao tratamento, de sorte qne o doente só em mea- do de março se poude considerar restabelecido. Estando este preto em vésperas de ter alta, começou a quei- xar-se de fraqueza nas pernas, as quaes logo incharam, assim como os pés, e successivamente as coxas, tronco, braços e fa- ce, de tal sorte que no fim de março o pobre enfermo oílere- cia um aspecto medonho, tal era o volume do seu corpo. Os braços e pernas movia-os elle, porem mui difficilmente, sem ordem nem calculo, ou, para bem dizer, arremeçava-os quando queria movel-os. Não podia comer por sua mão, e quei- xava-se de um peso enorme no epigastrio, de grande canceira, que foi gradualmente augmentando, até que este estado de ver- deiro raartvrio terminou pela morte em 12 de abril, 69 dias 22 depois da sua entrada para o Hospital, e 28 depois do ap- parecimento do edema e da paralysia. Sendo os cadáveres dos presos sujeitos a um exa- me policial, não me foi possivel fazer a autópsia nes- tes dous casos. III. SYMPTOMAS EM PARTICULAR. Passarei agora a considerar mais particularmente os symptomas da moléstia, começando pelos mais importantes. A paralysia, como já fica dito em outro logar, é do movimento e do sentimento, e nunca a vi com- pleta, salvo, em um caso, a da sensibilidade especial (amaurose), mencionada na observação XI. Ne forma da moléstia em que este symptoma pre- domina, e que já foi descripta e exemplificada com factos clinicos, é, de ordinário, nas extremidades in- feriores que elle se manifesta primeiro, mormente nos pés, e rara vez simultaneamente nas mãos tam- bém. A paralysia do movimento começa por uma fra- queza muscular nas pernas e coxas, que vae gra- dualmente até á impossibilidade da estação e da marcha. Depois é que sobrevém nas mãos e nos bra- 23 ços a mesma fraqueza, difficuldade e desordem nos movimentos. Quando a moléstia é de longa duração, como suc- cede em um doente que se acha em tratamento na enfermaria de S. Vicente (prisão), no Hospital da Ca- ridade, os músculos tornam-se ílaccidos, diminuem de volume, sem quê deixem, com tudo, de prestar- se a alguns, ainda que irregulares e limitados mo- vimentos. Só uma vez observei a difficuldade na pronuncia- ção de certas palavras e syllabas, e também na de« glutição, em um doente que durante a moléstia sof- frera um attaque epileptiforme. Este doente, um dis- tincto collega já fallecido, não podia engolir líquidos que não estivessem em uma temperatura que nin- guém seria capaz de supportar; o epithelio da mu- cosa da bocca e fauces desapparecera por efteito da bebida quasi a ferver. Entretanto, neste caso, nenhu- ma outra paralysia se manifestou, sendo, além disso, muito considerável o edema dos membros inferiores, Nestes últimos mezes (outubro e novembro de 1866) em que a moléstia tem sido mais freqüente, observei em alguns doentes que ainda podiam an- dar, a impossibilidade de extender um ou mais de- dos das mãos, o que, com tudo, não os impedia de escrever, ainda que com menos perfeição no caracter da lettra. A paralysia algumas vezes succede ao edema, e outras coexiste com elle. 24 A dormencia é também um dos symptomas pre- coces e freqüentes, e quasi inseparável da paralysia muscular, existindo, todavia, algumas vezes sem ella, e associada ao edema. Nunca chega a haver anes- thesia completa; os doentes comparam umas vezes o estado da sensibilidade cutânea com o que pro- duziriam milhares de pequenos espinhos applicados á pelle; outras vezes dizem que, quando se lhes toca na superfície dos membros, lhes parece que é atra- vez de uma meia, ou de uma luva que percebem o contacto; outros, finalmente, dizem que lhes parece terem os pés e as mãos apertadas por uma prensa. Estes phenomenos limitam-se sempre aos membros, e são tanto mais pronunciados quanto mais próximos das extremidades. Já que trato aqui de modificações da sensibili- dade convém não omittir um symptoma a que eu ligo grande importância, e é a dôr. Este symptoma, que é muito mais commum na forma paralytica da moléstia do que nas outras duas, parece ter sua sede nos músculos paralysados. Nos casos da moléstia confirmada os doentes não podem supportar a pressão, principalmente sobre os músculos das pernas e dos ante-braços. É esta de- masiada sensibilidade que concorre também para dif- ficultar-lhes a marcha quando a paralysia dos mús- culos não é ainda considerável. Alguns doentes ac- cusam dores nevrálgicas variáveis na sede, intensi- dade, e duração. Estas são, de ordinário, fugaces. 25 Algumas vezes ha sensibilidade ao longo do rachis, e quasi sempre ha dôr e oppressão no epigastrio e hypomondrio direito, sobre tudo quando existe en- gorgitamento do fígado, com edema das extremida- des inferiores. O sentimento de apperto ou constricção, dando idéia de uma cinta, ou corda atada em roda do tron- co, é mais freqüente na forma paralytica. Começa ás vezes a manifestar-se em torno da bacia, e vae gradualmente subindo até ás axillas; mas, de ordi- nário, conserva-se ao nivel da região epigastrica, ou da base do thorax, dando logar a uma opressão e anciedade que muito mortificam os doentes. Em al- guns casos já referidos era muito notável este sym- ptoma. A paralysia do recto e da bexiga nunca foi por mim observada nesta moléstia, nem tenho noticia de que algum collega a observasse. O edema é freqüente. De ordinário começa pelas extremidades inferiores, e torna-se mais pronunciado ao nivel das massas musculares, invadindo gradual- mente a maior parte do corpo. Os caracteres deste edema são muito notáveis: l.o nem sempre é mais considerável nas partes mais declives, sendo, como fica dito, mais pronunciado ao nivel dos músculos; 2.° é elástico e conserva, por- tanto, a impressão do dedo por muito pouco tempo; 3.o é duro, algumas vezes, a ponto de não se deixar deprimir por mais força que se empregue. 26 A dureza do edema é, muitas vezes, apparente, e depende da sua profundidade entre os planos e as fi- bras musculares; mas quando elle se extende á pelle é, ainda assim, um tanto mais elástico do que o edema commum, ou infiltração do tecido cellular. O edema não se observa só na superfície exter- na. Os órgãos internos também se infiltram, espe- cialmente os pulmões, o que se revela pelos signaes physicos ordinários. A côr da pelle merece também especial menção. Nos pretos a única alteração apreciável no aspecto da pelle é uma differença para menos na intensidade da côr, como succede quando são afectados de ane- mia, e a perda de um certo lustre e brilho que é pecu- liar a algumas variedades da raça ethiopica. Nos brancos nota-se, logo desde o principio, uma certa anemia do tegumento externo, e, mais tarde, quando os embaraços da circulação e respiração se decla- ram, uma côr ligeiramente azulada, ou livida; al- gumas vezes a pelle é maculada de branco e roxo, como o marmoie. Na forma paralytica, entretanto, as mudanças na côr da pelle são menos sensiveis. Não observei nunca espécie alguma de erupção cutânea, á excepção das sudaminas, que não são constantes, mas que, ás vezes, escapam á vista des- armada, e só podem ser divulgadas com o auxilio de uma lente. Os symptomas fornecidos pelo apparelho respira- 27 torio são importantes, e variam, tanto na epocha da sua manifestação, como na sua intensidade, segundo a forma da moléstia. Na forma paralylica a dyspnéa apparece depois que a fraqueza muscular e a dormencia se teem já extendido aos membros inferiores e superiores, e começa por um sentimento de oppressão epigastri- ca, ou de constricção em roda da cintura ou dotho- rax, e varia desde a ligeira anciedade até o mais la- borioso arfar de toda a caixa do peito, que annun- cia a próxima e fatal terminação da doença. Entre- tanto, o mais rigoroso exame, quer pela percus- são, quer pela escutação nada revela de anormal nos órgãos respiratórios, salvo para o fim, quan- do apparecem congestões passivas dos pulmões, ef- feitos antes do que causa da dyspnéa, que parece depender da paralysia mais ou menos extensa dos músculos auxiliares da respiração. Na forma edematosa da doença a difficuldade de respirar é um dos primeiros symptomas, provocada a principio pelo exercicio, e tornando-se mais tarde quasi permanente. Em alguns doentes observei que a dyspnéa era, ás vezes, intermittente, de sorte que respiravam quasi normalmente por alguns minutos, para entrarem de novo em outro período de anciedade, peior do que o precedente. Outros, apezar da visível difficul- dade da respiração, podiam deitar-se e dormir por 28 uma hora ou mais, accordando, porém, mais afflictos que d'antes. As effusões nas pleurás, e as congestões passivas, mais ou menos extensas dos pulmões revelam-se pelos seus symptomas usuaes, e manifestam-se n'a- quellas formas da doença em que a circulação é em- baraçada. A voz ofíerece também alterações notáveis na for- ma paralytica da doença, como no caso da obser- vação VII, e em outros que depois observei no Hos- pital. Além de ser a falia, ás vezes, entrecortada, por effeito da falta do fôlego sufficiente á pronuncia inin- terrupta das syllabas, o som é diminuído de intensi- dade, e o timbre da voz modificado. Observei em alguns doentes a rouquidão, e quasi a aphonia. Não são menos importantes os symptomas deriva- dos do apparelho circulatório; mas é sobre tudo nas formas edematosa e mixta desta affecção que elles ofterecem maior interesse. A turgencia das veias e dos capillares superficiaes revela-se logo á primeira vista pelo augmento de volume d'aquelles vasos, e pela tensão e ligeira li- videz da pelle, semeada, ás vezes, de manchas mar- móreas. O pulso venoso observa-se freqüentemente as- sociado á turgencia do tegumento da face, e ás desor- dens funccionaes do coração. O rhythmo cardíaco é, muitas vezes, perturbado, e por diverso modo, segundo os casos, ou o período 29 da moléstia. Ora ha, para bem dizer, ausência de rhythmo, uma completa desordem na successão e freqüência dos movimentos de systole e dyastole, de modo que é impossível contar as revoluções car- díacas e o pulso, onde nem todas ascontracçõesven- triculares se traduzem na artéria, como no estado nor- mal; ora, e isto é assaz freqüente em períodos adian- tados da doença, manifesta-se a reduplicação do se- gundo ruido, dando origem a três bulhas distinctas, (ruido a que eu, em outro íogar d'este trabalho, dei o nome de tríplice), sendo a primeira a da sys- tole ventrlcular, e, depois de breve intervallo, as duas em que se reduplica o ruido dyastolico, seguidas da grande pausa. Raras vezes vi reduplicar-se o primeiro ruido. Tem-se tamhem observado, em alguns casos, um sopro mais ou menos distincto no primeiro tempo. Mas o que é mais notável em tudo isto é, que nem a reduplicação dos ruídos, nem o sopro no primeiro tempo são phenomenos permanentes; uns e outros se tem visto desapparecer com intervallos mais ou menos curtos; e succedeu-me, em alguns casos, ou- vil-os e deixar de os vir com intervallos de poucos minutos; ou encontral-os em um dia, e não os perceber dias depois. Em um preto que esteve no Hospital observei que tanto a dyspnéa oomo o ruido tríplice eram inter- mittentes, e que se alternavam em curtos intervallos, correspondendo, porem, a maior dyspenéa ao rhythmo 30 normal, e a respiração pausada e natural ao ruido tríplice do coração (reduplicação do segundo), phe- nomeno que observei repetidas vezes, e fiz notar a alguns alumnos de medicina, que examinavam com- migo este doente. O pulso differe também segundo a forma da do- ença: na primeira, ou paralytica, em que, ás vezes, ha febre no principio, elle é freqüente, geralmente acima de 100 pancadas por minuto; no estado apyretico, o mais ordinário, é ainda de uma fre- qüência superior á normal. Na segunda e terceira forma as artérias batem com força e freqüência, e a impulsão cardíaca é forte, pelo menos em quanto se não generalisa o edema, porque, quando este se ex- tende ao longe pelo tecido cellular subcutaneo e in- termuscular, ha uma remissão de todos estes sym- ptomas, e o doente sente uma melhoria temporária. O apparelho digestivo offerecc poucos symptomas importantes: apparecem, ás vezes, vômitos, quando a moléstia é acompanhada de paralysia, ou quando o fígado está muito congesto. Este órgão augmenta consideravelmente de volume, e torna-se muito sen- sível á pressão na forma edema tosa da doença, quan- do a circulação venosa se acha embaraçada; então não éraro sobre vir derramamento seroso no peritoneu, o que ainda mais augmenta a afílicção do doente, dif- flcultando-lhe os movimentos respiratórios, e per- turbando-lhe as funcções do canal intestinal, causan- do-lhe perda do appetite, constipação de ventre etc oi A secreção urinaria é diminuída consideravelmente desde o principio, e muito mais quando ha edema. A urina é muito carregada na côr, mas não tem albumina, e o peso especifico é muito variável. Posto que a quantidade deste liquido varie também muito, é sempre inferior á normal. Em um doente que tratei no Hospital, a quantidade regulava de 400 á 500 centímetros cúbicos em vinte e quatro horas, e em outro doente a urina desceu um dia a 75 cen- tímetros cúbicos no mesmo espaço de tempo. A do primeiro d'estes individuos tinha o peso espe- cifico de 1007, a 79o Farh., e o Sr. Dr. Wucherer examinando-a ao microscópio, encontrou, além de cellulas epitheüaes, cellulas gordurosas em degene- ração, e crystaes de urato de ammoniaco. Mas o mesmo exame feito em urinas de outros doentes na- da poude revelar de anortual. Os órgãos dos sentidos poucas alterações apresen- tam em suas funcções; o strabismo, a diplopia que observei em alguns casos da forma paralytica eram devidos, creio eu, á propagação da affecção da me- dulla espinhal ao cérebro. Um doente que ainda hoje se acha na enfermaria da prisão, no Hospiatal da Caridade, entrou com uma otorrhéa, e surdez que appareceram e curaram-se antes de lhe sobrevir a paralysia geral incompleta de que elle ainda hoje soffre, (janeiro de 1867;) affecções aquelias que po- dem ter precedido o actual padecimento por mera coincidência. 32 O tacto parece ser o sentido mais affectado, mor- mente na forma paralytica, na qual os doentes che- gam a não poder segurar objecto algum com as mãos, nem calçar um chinello sem acompanhar o movimento com a vista, nem tomar rape, escre- ver, etc. Tenho visto casos em que a sensibilidade cutâ- nea dos membros inferiores só pode ser dispertada por fortes beliscões. As faculdades intellectuaes conservam-se geral- mente intactas, ainda mesmo nos casos graves; na for- ma paralytica, porem, e principalmente para o fim, sobrevém, ás vezes, uma perturbação da memória, que leva o doente a perguntar a mesma cousa repetidas vezes, e a narrar o mesmo facto, a accusar os mes- mos symptomas com pequenos intervallos de tem- po, á mesma pessoa, particularmente ao seu medi- co; a perguntar por pessoas já fallecidas, como se ainda vivessem, etc. Este semi-delirio é, ordinariamente, prenuncio de terminação fatal da moléstia. O aspecto dos doentes indica padecimento grave, e o seu moral abate-se consideravelmente de modo que entretém as mais serias apprehensões acerca do êxito da moléstia, o que lhes faz chamar constante- mente a attenção do medico para os symptomas prin- cipaes que os inquietam, como a paralysia, dormen- cia, edema, canceira etc. Tenho visto alguns julgarem-se em estado de pe- 33 rigo, mesmo quando nenhum d'estes phenomenos é ainda bem apparente, dizendo que se sentiam muito doentes, sem saberem porque, e que se agastavam com quem os queria persuadir do contrario. IV. OBSERVAÇÕES CLINICAS. Depois de haver descripto os symptomas da mo- léstia o mais minuciosa e exactamente que me foi possível, passarei agora a referir alguns casos, tanto os de minha própria observação, como alguns que vi em conferência com outros collegas. Não ha n'el- les solecção alguma, nem ordem chronologica: to- mo-os ao accaso de entre muitos de que conservo notas e reminiscencias. XIII.—Manoel Luiz de Souza, pardo, de 18 annos, natural de Santa Catharina, bem constituído, marinheiro, vindo ha pouco de Cannavieiras, entrou para o Hospital da Caridade em 24 de maio de 1866. Tinha sahido, Io ou 20 dias antes, de outra en- fermaria, onde foi tratado de febre intermittente com algum edema nas extremidades inferiores e na face, e sahira curado; mas recahira poucos dias depois, e recolhera-se agora de novo, para a enfermaria de S. José, mas em muito peior estado do que da primeira vez. A inchação de todo o corpo era extraor- dinária; a da face era tal, que apenas lhe permittia abrir a custo os olhos: havia algum derramamento no peritoneu: a respira- ção era difficil, c havia alguma febre que revestiu o typo inter- mittente; accusava algumas dores lombares, e oppressão epi- S. L. ^ 34 gástrica. Nenhum symptoma fazia suspeitar, sequer, moléstia orgânica do coração. A urina era escassa, carregada na côr, e tractada pelo ácido nitrico precipitava grande quantidade de albumina. Depois do uso de sulphato de quinina, purgativos e tinctura de perchlorureto de ferro, este doente melhorou rapi- damente. Em principio de junho pouco restava da anasarca, e a urina continha já mui pouca albumina; ia já muito melhor, e tinha appetite, quando, em 10 de junho, tendo-se exposto á humidade no terrado (o tempo era então muito chuvosoj reca- hiu, e voltou ao seu estado anterior. Principiou-se de novo aquelle mesmo tratamento, accrescentando-se-lhc os banhos de vapor, 6 grãos de pós de Dover todas as noites, ventosas na região lombar, por terem alli reapparecido as dores; a al- bumina era abundante na urina, e a anascara era geral. Todos estes symptomas foram gradualmente desapparecendo; o doente entrou em convalescença, e estava próximo a sabir do Hospital quando lhe sobreveio uma dormencia e fraqueza nos membros inferiores, de sorte que, em poucos dias não poude caminhar nem ter-se em pé, nem mesmo sentar-se na cama. Estes mesmos symptomas extenderam-se ás extremida- des superiores, de modo que lhe era impossível servir-se das mãos, a ponto de ser necessário que outra pessoa lhe levasse os alimentos á bocca. Era muito notável a dôr aguda que lhe despertava a pressão nos muscnlos das pernas, coxas, e ante- braços. Sentia alguma constricção em roda da cintura, mas ti- nha soffrivel appetite, o que não obstou que emagrecesse bas- tante. A voz tornou-se fraca, mas não era rouca. Tal era o estado do doente ern 14 de julho. Por esse tempo sobreveio-lhe de novo algum edema nos pés. Em 4 de agosto podia ter-se de pé, e. andar apegado aos mo- veis, mais com alguma difliculdade. Agosto 6—Desappareceu de todo a dormencia das mãos sal- yo no dedo indicador esquerdo, onde ainda resta algum torpor. 35 Os movimentos dos braços e das mãos são inteiramente livres: Já não é dolorosa a pressão nos músculos do antebraço. 12—Dores ainda nas pernas á pressão, e ligeira, mas visível atrophia dos músculos respectivos. Todos estes symptomas foram gradualmente declinando até que, em 8 de setembro, já o doente accusava pouca sensibili- dade nos músculos das pernas, e podia andar arrimado a um bastão, o qual no dia 18 do mesmo mez já lhe não era neces- sário; mas proseguiram tão lentas as melhorias que só em 16 de novembro é que sahiu curado, 6 mezes depois de sua entrada no Hospital. O tratamento depois do apparecimento da paralysia, constou de revulsivos ao longo da espinha dorsal, fricções com lini- mentos estimulantes nos membros, e, internamente, ferro, noz vomica, strychnina, sulphato de quinina, vinho de genciana, c alguns laxativos de vez em quando. Este caso foi por mim capitulado á principio—fe- bre intermittente complicada de nephrite albumi- nosa—e o tratamento foi de accordo com esta idéa, e seguido de bom resultado. Sobreveio depois a pa- ralysia, que me não pareceu filiar-se aquella molés- tia, e que tinha perfeita similhança com alguns casos que eu já então tinha observado na mesma enfer- maria, e numerosos outros que tinha visto na minha pratica e na de outros collegas. XIV—Dona F. de 28 a 30 annos, casada, sem filhos, bem constituída, robusta, moradora á rua da Lapa, começou a quei- xar-se de dores pelos membros, e ao longo da espinha dorsal em fins de janeiro de 1866. Vi-a pela primeira vez em 2 de fe- vereiro seguinte. Queixava-se de um certo embaraço no cami- nhar, alguma fraqueza e dormencia nas pernas, e dor ao longo do rachis, dôr vaga e mudavel que não augmentava á pressão 36 que por varias vezes exerci em todo o decurso da columna vertebral, com o fim de saber se aquella paralysia era depen- dente de lesão localisada em algum ponto de sua extensão. Eu tinha uma razão particular para insistir nestas pesquizas, e era que o marido soffria de accidentes syphiliticos terciarios desde muito tempo. Prescrevi por alguns dias preparados de iodo e de mercúrio, que nenhum effeito benéfico produziram. A dormencia extendeu-se ás mãos, e, em poucos dias, a doente não podia andar senão apegada aos moveis e ás paredes, nem comer por sua mão, nem coser. Por fim queixava-se também de um certo aperto da cintura, e oppressão epigastrica. Tinha, entretanto, algum appetite, e não vomitava. Não tendo colhido vantagem alguma dos alterantes, recorri aos sinapismos, seguidos de vesicatorios volantes ao longo do rachis, e ástrychnina internamente, fricções estimulantes sobre as regiões correspondentes aos músculos paralysados, e áquel- las em que se manifestava a anesthesia cutânea. Os memhros inferiores tornaram-se edemaciados, e também a face, mas esta ultima ligeiramente. O mais cuidadoso exame não me poude revelar perturbação alguma funccional de nenhum apparelho orgânico, a não ser o da innervação. Quinze dias depois de começado este ultimo tratamento (ao qual addicionei algumas pilulas purgativas) a doente estava con- sideravelmente melhorada em todo sentido, mas ainda cami- nhava com difficuldade, e não podia servir-se das mãos para coser, ou para outros movimentos mais delicados, como es- crever, etc. O edema também diminuiu, mas persistia ainda a constric- ção em roda da cintura; a pressão sobre os músculos das per- nas era dolorosa, não tanto sobre os ante-braços. Nenhma alteração da vista, do olfato, nem do ouvido. Estas melhorias progrediram ainda até o 1.° demarco, em 37 que a vi pela ultima vez, tendo a familia resolvido leval-apara fora da cidade. Soube depois que esta senhora peiorou conside- ravelmente e que estivera por muito tempo no uso de vários tratamentos, sem exceptuar o homceopa- thico, e veio a morrer perto de sete mezes depois do apparecimento dos primeiros symptomas de sua mo- léstia^ Esta doente esteve por muito tempo entregue aos cuidados do Sr. Dr. Pires Caldas. XV—O Sr. M. F., de 50 annos, pouco mais ou menos, forte e sadio, morador na Feira de Santa Anna, onde vivia nas me- lhores condições hygienicas, consultou-me em fins de março ou princípios de abril de 1866, por um padecimento pouco de- finido; cançava um pouco ao andar, tinha más digestões, o fí- gado um pouco mais volumoso do que o natural, e um tanto sensível á pressão; havia ligeiro edema nos pés. Viram-n'o tam* bem por esse tempo osSrs. Drs. Faria e Patterson. Voltou â sua casa a fazer uso de algum tratamento que se lhe prescreveu, mas, no fim de abril, veio de novo para esta cidade, ond4 o visitei no 1.° de maio. O estado do doente havia mudado consideravelmente. Tinha-se-lhe manisfestado paralysia incom- pleta dos membros inferiores, onde elle accusava fraqueza mus- cular e dormencia, o que, entretanto, lhe permittia caminhar arrimado a um bastão, arrastando os pés. Caminhando pela sala não podia mudar de direcção senão fazendo grande rodeio, ao contrario cahia. Nas mãos não sentia senão ligeira dormen- cia nas pontas dos dedos, e paralysia dos músculos extensores do dedo pollegar direito, o que, entretanto, o não impedia dd escrever. Tinha melhorado da dyspepsia, alimentava-se bem, e não se queixava de nenhum outro padecimento se não da* paralysia. Fez uso de purgativos, tônicos, strychnina e frie- 38 ções estimulantes por perto de um mez; depois do que, e no uso de slrychnina e ferro, tomou banhos salgados na Barra, vindo a restabelecer-se lentamente, em cerca de nove mezes de tratamento mais hygienico do que pharmaceutico. Neste caso não havia grande sensibilidade nos mús- culos paralysados, nem o sentimento de constricção em roda do tronco, nem dores no rachis. O edema, também, limitou-se aos pés e ás pernas, e nunca foi muito considerável. Na historia pregressa deste doente nada havia que desse razão desta paralysia, nem os vários exames a que procedi me poderam orientar acerca da sua verdadeira causa. XVI.—J. Boaventura Moreira, pardo, de 43 annos, robusto, outr'ora pintor, e agora escrevente ou copista, entrou para o Hospital da Caridade em 1 de março de 1866, onde já tinha es- tado alguns mezes antes por causa de dores rheumaticas. Era dado ao vicio da embriaguez, e de uma vida irregular, e sem meios seguros de subsistancia. Começara, 15 dias antes da sua entrada, a apparecer-lhe uma inchação nas pernas, com fra- queza, e grande fadiga da respiração ao menor exercício. A' minha visita, no dia 2 de março, a respiração era muito an- ciada; havia grande oppressão, e constricção epigastrica: o ede- ma era geral, extendendo-se á face; os movimentos difficeis: havia impossibilidade de ter-se em pé, dormencia nos membros» anemia acompanhada de uma ligeira côr livida da face e do tron- co. O doente não podia estar deitado um momento; nem podia servir-se das mãos para comer. Nenhum symptoma de affecção orgânica do coração nem dos pulmões, nem derramamento na pleura ou no pericardio. Estes symptomas aggravaram-se cada vez mais, e o doente» 39 que ainda podia estar sentado, cahiu subitamente morto ás 4 horas da tarde do dia 5 de março. Pela autópsia, feita no dia seguinte, encontrei infiltração dote- cido cellular, congestão passiva dos pulmões, especialmente na base, e posteriormente; o coração estava são, mas as cavida- des direitas estavam dilatadas e obstruídas por coalhos sangüí- neos; não havia lesão orgânica d'este órgão. A medulla espi- hal e as respectivas meninges estavam muito injectadas de san- gue, assim como as paredes do canal rachidiano, e os músculos, pelle, e tecido cellular do dorso, o que parecia devido em parte à hypostase cadaverica. N'este caso a marcha da moléstia foi muito rápida: o doente veio para o Hospital por seu pé, e dous dias depois já não podia caminhar. A paralysia e o edema geral marcharam accele- radamente, e com progresso igual. O doente conser- vou a sua intelligencia clara até o fim. XVII—Theodora Maria de Jesus, de 22 annos, natural da Jacobina, entrou para o Hospital da Caridade em 7 de outubro de 1866. Queixou-se de dôr e peso no baixo ventre, dôr que augmentava á pressão, mormente sobre o utero e seus an- nexos; melhorou consideravelmente depois da applicação de 1U sanguesugas ao hypogastrio, seguidas de cataplasmas emollien- tes, uneções mercuriaes, e um purgante d'oleo de ricino. No dia 10 aceusou dores e dormencia nas pernas, e tinha ai" guma difficuldade em andar; a pressão sobre os músculos gas- tro-cnemios era muito dolorosa. No dia 14 não podia estarem pé nem andar senão apoiada aos moveis, e caminhava arrastando os pés. Vesicatorio entre as espaduas. 17—Disse que sentia menos intensas as dores das pernas, e mais firmeza na estação e no andar. Repetiu-se o vesicatorio um pouco mais abaixo. 40 18—Deu alguns passos sem apoio. 24—Sentia-se melhorem tudo, mas as pernas ainda estavam dormentes. 29—A pressão sobre os músculos das pernas já não era dolo- rosa; a doente sentia ardor na pelle, e menos dormencia. 31—Melhor a todos os respeitos; caminha desembaraçada- mente; a dormencia desappareceu quasi de lodo. Novembro 3—Sae do Hospital. Alem dos vesicatorios sobre a espinha dorsal, o tratamento d'esta doente constou, successi- vamente, de pílulas de calomelanos de um grão cada uma, to- mando ellatres por dia; pílulas de calomelanos, extracto de noz vomica,eextracto de quina: pilulis destrychnina, ferro, e quina. Em 12 de novembro a doente veio consultar-me. Sentia ainda uma ligeira dormencia nas pernas, mas caminhava com firmeza, e julgava-se curada. N'este caso a paralysia, alem de incompleta, limi- tou-se aos membros inferiores: a doente nunca se queixou de dores, dormencia, ou fraqueza dos movi- mentos nas mãos e nos braços, nem teve o menor embaraço na respiração, nem o sentimento de peso precordial, de constricção em roda da cintura, etc. Também não appareceu edema em nenhum ponto do corpo, nem diminuição sensivel, ou alteração appre- ciavel das secreções. XVIII—Joaquim, africano liberto, de 50 annos, pouco mais ou menos, robusto e de estatura athletica, morador ao Cami- nho Novo do Taboão, soffreu ha mezes de ophthalmia purulenta, de que lhe resultou a perda da vista do olho esqnerdo, o qual nunca desinflammára de todo, e agora lhe causava grande in- commodo, e dores atrozes que o não deixavam dcscançar um momento. O globo ocular estava mui tenso, deslocado para deante, fortemente inflammado, e havia grande intumescencia 41 de todos os tecidos visinhos, tudo isto acompanhado de alguma febre, insomnia, inappetencia etc. Encontrei-o n'este estado em 10 de setembro de 1866. Suspeitando a existência de um abcesso profundo da orbita, ou phleimão do olho, pedi o con- selho do meu collega e amigo o Sr. Dr. Paterson, que conveio na necessidade de se praclicar a puncção do olho, o que eu excutei no mesmo dia e occasião, fazendo penetrar um bisturi no sentido do grande diâmetro do globo ocular. Esta puncção deu sahida a um liquido sero-purulentn, e a uma massa con- creta, esbranquiçada e friavel. Isto produziu allivio considerável das dores, e a inflammação foi cedendo gradualmente de dia em dia. Além da urgência dos symptomas locaes, e dos soffrimentos que opprimiam o doente, houve uma circumstancia que nos fez ainda apressar esta operação, e foi um edema generalizado por quasi todo o corpo do doente, mormente na face, braços e pernas, edema duro, renitente, que mal se deixava deprimir pela pressão digital. O Dr. Paterson e eu julgávamos ver n'este symptoma um indicio de resorpção purulenta, pois não podia - mos reconhecer nenhuma outra causa a que o attribuir. A observação ulterior, porém, mostrou, não só que não havia abcesso da orbita, nem suppuração franca do olho, e antes uma degeneração das membranas internas, e dos humores d'este ór- gão, mas também que, á proporção que desappareciam as dores, a inflammação e o volume das partes affectadas, até murcharem de todo, e ficar deprimida toda aquella região d'antes tão sali- ente a ponto de constituir verdadeiro exophlhalmos, o edema, pelo contrario, foi sempre em augmento, não só nos pontos já indicados, mas extendeu-se a todo o corpo, de sorte que o doen- te, que já era muito corpulento, chegou a adquirir um volume enorme, que lhe dava um aspecto monstruoso. A febre, que nunca foi intensa, havia cessado inteiramente desde o dia da operação. A' proporção que o edema foi crescendo, o doente sentia 42 progressivamente fraqueza tal nas pernas e nos braços que che- gou a impossibilitar-lhe a estação e a marcha, e o uso das mãos*. Ao mesmo tempo sobreveio-lhe alguma difficuldade da respira- ção, que foi também augmentando, a ponto de o ameaçar, por vezes, de suffocaçãoimminente. Em 24 de setembro appareceram-lhe soluços pertinazes que duraram por muitos dias com pequenos intervallos. As urinas foram sempre escassas. O doente não podia dar aos membros inferiores outros movimentos senão osdeadducção e abducção, e isto na posição supina em que quasi sempre se conservava. Podia levantar os braços com difficuldade, mas para os abai- xar, deixava-os cahir inertemente com todo o seu peso. Nos primeiros dias de outubro cahiu em estado comatoso que durou até o dia 5, em que o doente falleceu. XIX—Geminiano Lázaro, crioulo, de 50 a 55 annos, de pe- quena estatura, e de constituição fraca, entrou para o Hospital da Caridade em 30 de setembro de 1866. Queixava-se, havia algum tempo, de fraqueza muscular nos membros, e dormencia nas mãos, nos pés, braços e pernas, e accusava dôr á pressão sobre os músculos dos ante-braços, e sobre os gastroenemios. Em 4 de outubro sobreveio-lhe febre, e paralysia das mãosv a ponto de não poder servir-se d'ellas, e das pernas á ponto de não poder sustentar-se em pé: tinha muita sede, e a lingua era completamente secca. Em 9 de outubro os symptomas eram os mesmos, aos quaes se associaram ainda difficuldade de engolir, c oppressão epigas- trica. No dia 11 a pelle era fria, o pulso pequeno; havia grande fa-. diga da respiração; nunca houve delino até ás proximidades da morte, que oceorreu ás 8 horas e meia da noite. Autópsia—As únicas lesões notáveis que encontrei foram as seguintes: Forte injecção das meninges rachidianas, mormente nos pontos de emmergencia dos nervos, onde parecia haver peque- 43 nas echymoses. A medulla espinhal estava amollecida na parte inferior da região cervical, e superior da região dorsal. XX—O Sr. P. de 25 a 30 annos, morador no interior da província, veio á esta cidade, onde o vi em conferência com os Srs. Drs. Costa e Gordilho, no dia 29 de agosto de 1866. Referiu o doente que havia perto de um mez que sentia fra- queza e dormencia nas pernas, e depois também nos braços, com alguma canceira, porém nunca deixou de caminhar até á véspera d'aquelle dia, no qual, dando alguns passos pela sala, cahira, por se lhe terem dobrado os joelhos sob o peso do cor- po, e não quiz arriscar-se á dar segunda queda; além d'isso este exercício era-lhe incommodo, e augmentava-lhe a diffi- culdade de respirar. Havia dous ou três dias que o Sr. Dr. Costa o tratava. Por occasião da conferência o doente estava recostado em um sophà, c respirava com difficuldade, mas sem ruido algum anormal. A pelle era, em quasi todo o corpo, de uma côr azulada; havia edema nos membros inferiores; o doente sentia dormen- tes t fracos os membros, e grande peso na região epigastrica acompanhado de constricção em roda da cintura. O mais mi- nucioso exame a que precedemos não demonstrou nenhuma lesão percepetivel do coração nem dos pulmões; apenas pare- cia um tanto engorgitado o fígado. A urina tinha apenas vestí- gios de albumina. Manifestei, por essa occasião, áquelles distin- ctos collegas, a minha opinião de que este era mais um caso de uma moléstia singular, da qual tanto elles como eu havía- mos já observado alguns exemplos. Os meus collegas convie- ram neste parecer, e em que, visto a gravidade dos symptomas que offerecia aquelle doente, pouca ou nenhuma confiança po- deríamos ter em qualquer tratamento empregado com um fim curativo, e que conviria, se houvesse tempo, fazel-o transportar ao seio de sua família, no Recôncavo, o que, infelizmente, não se poude realisar; o doente falleceu asphyxiado na noite desse mesmo dia. u XXI—João Basilio de Freitas, pardo, de 36 annos, entrou para o Hospital da Caridade em 7 de maio de 1866, com para- plegia antiga, incurável (do movimento), e pela qual já esteve neste Hospital por varias vezes. Não tinha, nem teve nunca pa- ralysia do recto nem da bexiga. A todos os mais respeitos era perfeitamente sadio. Prescrevi-lhe alguns medicamentos com o fim de procurar-lhe ao menos algumas melhorias, mas sem nenhum resultado favorável, por cinco mezes, quando, em 7 de outubro, estando em vésperas de sahir, sem esperanças de obter nenhum beneficio das variadas medicações á que o sub- metti, appareceu-lhe edema duro nas extremidades inferiores (sede da paralysia); a pressão sobre os músculos das pernas e coxas era dolorosa, o que nunca dantes acontecera. Pouco depois appareceu-lhe canceira da respiração, que foi augmentando progressivamente, de sorte que lhe era difficil estar deitado. No fim de outubro o edema extendeu-se aos membros supe- riores, ao tronco e á face: os músculos dos ante-braços eram muito sensíveis á pressão; a lingua era saburrosa e o appetite nullo. Havia também dormencia na pelle dos membros. Por este tempo foram-lhe applicados vesicatorios ao longo da espinha dorsal. O ruido respiratório era normal, e nenhum symptoma indi- cava padecimento cardíaco ou hepatico. Este estado continuou z aggravar-se diariamente. No primeiro de novembro o pulso era quasi extineto, impos- sível de contar; a côr da pelle era mais escura, e a inchação de todo o corpo enorme; a lingua livida; a anciedade extrema, e a superfície do corpo fria. A's 7 horas da noite o doente expirou, tendo conservado a intelligencia perfeita quasi até os últimos momentos. Posto que este individuo fosse já doente de para- lysia antiga, não me pareceu que os symptomas que 45 se manifestaram gradualmente, desde 7 de outubro, tivessem relação com o seu antigo padecimento, mas antes que revelavam outra moléstia em tudo simi- lhante á que eu por varias vezes tinha observado no Hospital e fora d'elle, não sendo este o único exemplo de alli terem sido accommettidos d'ella pessoas que se recolheram por motivo de outras, e mui diversas af- fecções. XXII—A. G. Oliveiva, portuguez, de 45 a 50 annos de idade, residente ha muitos annos na Bahia, robusto, de estatura regular, bastante corpulento, de hábitos temperantes, commer- ciante, sempre sadio, veio consultar-me, pela primeira vez, em 18 de outubro de 1866. Disse-me que, por aquelles últimos quinze dias, notara alguma fraqueza, e ligeira inchação nas pernas, c que, subindo sempre d'antes á pé para a cidade alta, onde morava, não o podia agora fazer senão com grande difficul- dade, e parando por muitas vezes no caminho. Tendo chegado a minha casa bastante cançado, e não poden- do eu então dispor de tempo sufficiente para o examinar, pro- metti ir, e, de facto, fui vel-o no seguinte dia. Por mais dili- gencia que fizesse por descobrir a causa d'aquelles symptomas (canceira, edema, e fraqueza das pernas) não o pude conseguir: a respiração era regular: os ruidos respiratórios normaes, as- sim como os cardíacos; as funcções digestivas não offereciam perturbação alguma; apenas um ligeiro augmento de sensibilida- de no hvpochondrio direito fazia suspeitar algum engorgila- mento do fígado, pois, quanto ao volume deste órgão era difficil demarcal-o em uma pessoa corpulenta como era este doente. Nunca tinha havido, nem havia então febre, nem cephalagia, e o appetite era soffrivel. Emfim o único motivo porque o doente me consultava eram aquelles três symptomas, dous dos quaes, a dyspnéa e a fraqueza das pernas, só se manifestavam depois de alguns minutos de marcha; estando em descanço em 46 casa, como n'aquella occasião, parecia nada soffrer; o seu esta- do, porem, inquietava-o muito, e trazia-lhe o espirito em sobre- salto acercado êxito da sua moléstia. Algum tempo depois, no 1.° de novembro, vi este doente em conferência. Estava-o tratando então o Sr. Dr. Paterson; o seu estado tinha-se aggravado consideravelmente: o edema tinha-se generalisado, ou, para melhor me exprimir, o doente havia au- gmentado de volume, não respirava livremente, nem podia an- dar por alguns minutos sem canceira; a escutação revelava um brando ruido de sopro no primeiro tempo na base do cora- ção, e reduplicação do segundo rindo cardíaco. A côr da pelle era mais pallida e térrea, a physionomia denotava desanimo, e as urinas eram, como sempre desde o começo da moléstia, es- cassas. A pressão sobre os gaslrocnemios era dolorosa, ea pel- le dos membros um tanto dormente. Havia sudaminas no pes- coço; o somno era curto e interrompido, e o appetite quasi nullo. Em 16 de novembro vi de novo o doente em conferên- cia com os Srs. Drs. Paterson e Caldas. Todos os symptomas se haviam aggravado, mas o ruido de sopro havia desappare- cido, persistindo, todavia, a reduplicação acima notada, no se- gundo tempo. Dias depois o doente passou a tratar-se com um homoeopatha, mas, aggravando-se o mal de dia em dia, veio a fallecer em 5 dedezembrol entamente asphyxiado. Neste caso a paralysia do movimento e da sensibi- lidade cutânea foi pouco pronunciada, predomi- nando a infiltração do tecido cellular (edema duro) e os engorgitamentos visceraes, a escassez da urina, as perturbações funccionaes do coração etc. Foi notável, n'este doente, e desde o principio, a inquietação de espirito, e a apprehensão pela terminação fatal de sua moléstia. XXIII—A. G. da Costa, portuguez, de 30 annos de idade, pouco mais ou menos, bem constituído, robusto, e sempre sa- 47 dio, morador em Santa Barbara, em uma habitação cujas con- dições hygienicas não eram das melhores. Vi-o pela primeira vez em 7 de novembro de 1866. Refe- riu-me que, dous mezes antes, havia soffrido uma dôr bastante aguda e intensa na região precordial, por espaço de 8 dias. To- mou depois banhos salgí dos; a dor não reappareceu mas so- breveiu-lhe alguma tosse, que também já não existia por occa- sião de minha visita. Depois disto começou o doente a sentir canceira da respiração quando andava mais appressado, ou quando subia escadas, e a sentir fracas as pernas, que estavam inchadas só desde a véspera, assim como a face, o que inquie- tou mais o doente, e o decidiu a consultar o medico. O exame a que procedi, e que foi feito com todo o vagar e tmidado que pude. não me revelou nenhuma lesão apreciável dos pulmões, nem do coração; só o fígado parecia um tanto engor^itado, mas apenas sensível á pressão. Os demais appare- lhos e órgãos, á excepção dos músculos das extremidades in- feriores, pareciam funccionar regularmente. Estes prestavam-se difficilmente á marcha por fracos e doridos, Depois da applicação de um vesicatorio na região precordial e da administração successiva de sulphato de magnesia, deda- leira, scilla, e depois vinho de genciana, ferro, noz vomica, in- fusão de serpentaria com carbonato de ammoniaco, como eva- cuantes, tônicos, e estimulantes, o doente pareceu melhorar progressivamente até o dia 22. No dia 24 o estado do doente era assustador: tinha todo o corpo inchado, mormente os membros inferiores e a face, que era pallida, azulada, assim como a pelle do tronco: anciedade considerável da respiração, o que, entretanto, lhe consentia estar deitado a espaços, e para dormir, mas o somno era interrom- pido por sobresaltos, e accessos de suffocação. O edema era duro, não conservava a impressão do dedo, e nos membros era mais considerável ao nivel das massas musculares, que eram muito sensíveis à presssão. Existia algum torpor da sensibili- 48 dade cutânea, e fraqueza muscular, de sorte que o doente não podia caminhar, nem ter-se em pé. Suores abundantes durante o somno, sobretudo na cabeça e no tronco. Tríplice ruido cardíaco, sendo reduplicado o do segundo tempo. Pulso freqüente e pequeno, sem intermittencia. No dia 25 a dyspnéa tinha augmentado; a côr da pelle era mais pallida, azulada e marmórea, e a temperatura baixa; o corpo tinha crescido em volume quasi por igual, sem que os pés e as mãos estivessem proporcionalmente mais intumesci- dos. Havia sede, insomnia, inappetencia completa. Ouvia-se um ruido de sopro systolico-ventricular, mais intenso abaixo e para dentro do mamillo esquerdo; continuava reduplicado o segundo ruido; pulso a 112. fraco; pulso venoso muito visível nas jugulares externas, as quaes, comprimidas no meio,não des- pejavam o sangue abaixo desse ponto; ambos ospulmões estavam congestos na base. A pressão sobre os músculos das pernas era intolerável, não sendo muito leve; não era sensível nas co- xas nem os braços. O doente queixava-se de dormencia e for- migamentos nas pontas dos dedos de ambas as mãos. Não podia por-se em pé por causa da fraqueza dos músculos das per- nas, e das dores que lhe causava a contracção delles. Tinha por vezes regeitado pelo vomito os medicamentos. Durante este período as urinas foram sempre muito escassas e carregadas na côr, mas, examinadas por varias vezes, nun- ca deram signaes de conter albumina. Para o fim a urina tornou-se ainda mais rara e escura, quasi côr de café. Aggravando-se ainda estes symptomas nos seguintes dias, durante os quaes o doente pareceu delirar a espaços, afa- digado cada vez mais da respiração, na impossibilidade de dormir por um minuto, nem achar posição em que podesse re- pousar um momento, findaram com a morte estes atrozes e prolongados soffrimentos, em 30 de novembro. 49 No decurso d'esta moléstia nunca appareceu febre; para o fim encontrei algumas sudaminas no pescoço. Havia tendência á prisão de ventre, que exigiu o uso fre- qüente dos purgativos salinos. A infusão de parreira brava com acetato de potassa e tinctura de noz vonaica foram também empregados por muito tempo, sem nunca produzirem benefi- cio apreciável. Ao contrario do doente da precedente observa- ção, este não manifestava grande inquietação pelo seu estado, chegando a recusar-se a fazer disposições testamentarias, por não se julgar em perigo de vida, apezar da instância dos amigos. XXIV—Pedro Caetauo de Carvalho, pardo, de 50 annos de idade, bem constituído, preso de justiça, vindo da Casa de prisão com trabalho, em 15 de setembro de 1866, para a enfermaria de S. Vicente de Paulo, no Hospital da Caridade, era homem loquaz, um tanto excêntrico,de quasi nenhuma cultura intellectual, porém sensato no seu procedimento e nos actos ordinários da vida; veio para o Hospital com uma otorrhéa abundantíssima, e surdez com- pleta de ambos os ouvidos. Depois de um tratamento variado, composto de iodureto de potássio e ferro, purgat'vos, e quinino internamente, e de in- jecções adstringentes, vesicatorios repetidos nas apophyses mastoideas e na nuca, poude restabelecer-se completamen- te, recuperando o sentido do ouvir, e ficando de todo livre d7aquella incommoda evacuação que elle não sabia a que po- desse attribuir. Mas ainda mal se julgava este pobre homem livre de uma moléstia, quando lhe sobreveio uma dyssenleria com ligeira íebre, tenesmos, e dejecções sanguinolentas, que se prolongou por uns quinze dias, deixando-o muito abatido. Foi-se resta- belecendo, porém, lentamente; mas, durante a convalescença d/esia ultima aflecção, começou o doente a qeixar-se de fra- queza nas pernas, e dormencia nas pontas dos dedos dos pés. 50 Esta fraque2a chegou a ponto de o expor, em breve, a repeti- das quedas, de sorte que viu-se obrigado a conservar-se na cama. Mais tarde a dormencia extendeu-se ás mãos, e depois aos braços, e também dos pés subiu até os joelhos, de sorte que um beiliscão na pelle, ainda que forte, não lhe era muito sensível em nehuma d'estas partes; dizia elle que sentia ahi o contacto dos corpos estranhos como se fora atravez de luvas, ou de meias. Podia, entretanto, servir-se, ainda que mal, da colher para comer, a qual não poucas vezes lhe cahia das mãos. Tomava rape com muita difficuldade, segurando a caixa appa- rentemente com muita força, mas com pouco geito, e se não es- tivesse olhando para o que fazia, ignorava se tinha ou não a pi- tada entre os dedos. A paralysia muscular foi augmentando progressivamente nos membros, porém nunca foi completa, podendo o doente, na cama, dirigil-os em qualquer sentido, ainda que com algum custo. A paralysia do sentimento limitou-se aos membros infe- riores até os,joelhos, eaos superiores até os cotovellos, etam- bém nunca foi completa. No fim de dous mezes estavam estacionarias as paralysias, e não progrediram nunca, mas os músculos das pernas estavam- se atrophiando visivelmente, e continuaram a diminuir de vo- lume, até que, para o fim, parecia não existir alli mais do que a pelle e os ossos. Desde o principio d'estas paralysias que a pressão sobre os respectivos músculos, mormente os das pernas, era mui dolo- rosa, e mais tarde era intolerável, mesmo quando pareciam res- tar vestígios apenas de músculos nas pernas. A pelle, entre- tanto, belliscada isoladamente n'estas mesmas regiões, era me- nos sensível do que o natural, e, como fica dito, era dormente, como se exprimia o enfermo. Ao longo do rachis nunca se manifestou dor nenhuma, nem espontânea nem á pressão ou á percussão forte. A' excepção 51 do tacto, os órgãos dos sentidos eram perfeitos. Não houve per- turbação alguma dos órgãos thoracicos, nem paralysia da bexi- ga ou do recto. O appetite era caprichoso e inconstante, mas o doente alimentava-se menos mal, e a digestão era regular. As urinas foram sempre escassas e escuras. Manifestou-se ligeiro edema nas extremidades e na face para o fim. A doença conservou-se estacionaria nos mezes de janeiro e fevereiro, (1867), mas nos primeiros dias de março a voz era muito fraca e pausada, Oo movimentos mais limitados, a respi- ração embaraçada; o appetite faltou de todo, a temperatura do corpo foi descendo, e as forças faltando, de sorte que, no dia 8 de março, o doente, exhausto de forças, expirou tranquillamente ás 5 horas da manhã, perto de seis mezes depois da sua entrada no Hospital, e quatro depois do apparecimento da paralysia. O tratamento, neste caso, constou de vesicatorios ao longo do rachis, noz vomica, strychnina, ferro, iodureto de potássio, e varias fricções estimulantes; e tudo sem proveito. Para o fim o doente, já cançado da moléstia, e também do tratamento prolon- gado, obstinou-se em não querer tomar medicamento nenhum interno, e recusava também todos os meios externos que lhe podessem perturbar aquelle triste socego em que elle pedia que o deixassem morrer. XXV—Francisco Adão, pardo escuro, de 25 annos, alto, ro- busto, preso de justiça, vindo da Casa de prisão com trabalho, entrou para a enfermaria de S. Vicente de Paulo, no Hospital da Caridade, em 5 de dezembro de 1866, com febre typhica benigna que durava havia 15 dias, e da qual fora tractado até esta data pelo medico da prisão. No fim de uma semana o doente estava em convalescença, tinha bom appetite, levantava-se, e estava disposto a sahir por aquelles oito dias, quando, na manhã de 13 de dezembro o fui en- contrar deitado, sem poder ter-se em pé, com dormencia nas pernas e nos braços, e algum edema nas extremidades. No dia 52 seguinte o seu estado era ainda peior; era mais considerável o edema, que se tinha extendido ao tronco e á face; a paralysia dos membros ia em augmento; a pressão sobre os músculos era dolorosa nas pernas e nos braços; havia constricção da base do thorax, dyspnéa e anciedade progressivas. A bexiga e o recto não estavam paralysados. Estes symptomas foram-se aggravando rapidamente, sobre- tudo a difficuldade de respirar, sem que para isso houvesse causa conhecida nos pulmões ou no coração; de sorte que, em 18 de dezembro, ás 7 horas da tarde, o doente morreu asphyxiado, é no mesmo leito, (n. 2.) que occupára, em fevereiro antece- dente, o preso José Eleutcrio, da obs. XI. XXVI—Francisco Bibiano, preto, creoulo, de 50 annos de edade, bem constituído, corpulento, jornaleiro, morador na Pe- nha, entrou para o Hospital da Caridade em 15 de outubro de 1866. Havia apenas cinco dias que estava doente, principiando o seu padecimento por canceira, e inchação nas pernas. No dia de sua admissão havia edema generalisado, mais ou menos, por todo o corpo, mais apparente, porem, nas pernas, nos braços e na face, sendo muito para notar que os pés não participavam da anasarca na mesma proporção das pernas; a parte media des- tas era quasi duplicada de volume, sensível á pressão, e muito pouco depressivel quando comprimida pelo dedo. Não havia ruido nenhum cardíaco anormal, mas era muito notável a re- duplicação de um dos normaes, (ruido tríplice) faltando nas mi- nhas notas a designação de qual d'elles. Tendo repetito ulteriormente os meus exames por muitas vezes observei o seguinte; os pulmões congestionaram-se, mor- mente o esquerdo; o edema angmentou e diminuiu por varias vezes, coincidindo a sua diminuição com accrescimo da quanti- dade da urina, a qual nunca mostrou precipitado algum, tra- tada pelo ácido nitrico; a dyspnéa era intermittente, sendo a 53 respiração fácil por alguns minutos, e difflcil por outro maior ou menor espaço de tempo, sendo também desiguaes e irregu- lares estes intervallos; a reduplicação acima notada não era constante; apparecia e desapparecia na mesma ordem em que se succediam as alternativas;da respiração fácil e da canceira, sendo para notar que com esta ultima coincidia o rythmo nor- mal e vice-versa, facto que observei em outros casos similhan- tes; não houve derramamento considerável no peritoneu, mas houve-o na plcura esquerda; as urinas, medidas exactamente por algum tempo, não excederam de 500 centímetros cúbicos, nem desceram de 400 ein 24 horas, e eram ás vezes turvas; nunca houve paralysia sensível do movimento nem do senti- mento. Com alternativas para melhor c para peior o doente foi vi- vendo, sempre atribulado pela dyspnéa, até 3 de janeiro de 1867, em que morreu por axphyxia lenta. Autópsia, dezeseis horas depois da morte. Anasarca, menos nos pés, e nas pernas no seu terço inferior, onde a pelle era dura e coriacea; ainhum incipiente em ambos os dedos míni- mos dos pés (1); algum derramamento na pleura esquerda, pouco na direita, e nenhum no pericardio; pulmões e fígado congestos,; coração um tanto mais volumoso do que o natural, sendo este acerescimo de volume devido ao ventriculo direito que c maior, e de paredes mais espessas do que o esquerdo; o orifício da artéria pulmonar é guarnecido por quatro válvu- las semilunares pequenas, mas iguaes e perfeitamente sãs, pa- recendo ajustarern-se bem deitando-se-lhes água do lado da artéria (2); o sangue era liquido por toda a parte, e corria abun- dantemente dos vasos; alguns poucos coalhos que encontrei (t) Sobre o Ainhum veja-se o-meu artigo publicado nos ns. 13 e lã da Ga- zeta Medica. (i) Encontrei, pela primeira vez, esta anomalia que não é muito rara; tanto estas válvulas como as da aorta se teem visto cm numero menor ou maior do que o normal, e, o que mais é, neste ultimo caso sem detrimento necessário das suas funcções. V. as admiráveis Croonian Leetures sobre a moléstia vat- vular do coração pelo Dr.T, B, Peacoçk, Lond, 1865—pag. 2 • 6. 5} eram negms, e de consistência diminuta; havia pequeno derra- mamento de seroridade no peritoneu. Não foi examinado o cé- rebro nem a meduüa espinhal. Auxiliou-me n'este exame o meu amigo e eolkga o Sr. Dr. Wucherer. Entre os variados meios therapeuticos de que lancei mão neste caso, (revulsivos, diureticos, tônicos, purgalivos, etc.) em- preguei o extracto da fava de Calabar, por conselho de um col- lega a quem eu manifestara a idéia de que o systema nervoso ganglionar poderia ser o principalmente affectado n'este e em outros casos análogos, cm que os symptomas não revelavam claramente lesão material e primaria como causa de tão graves desordens. Além de ligeira contracção das pupillas, e.ste medi- camento nenhum outro eíleito produziu, nem neste, nem n'outro doente, que a esse tempo se aebava na mesma enfermaria, exa- ctamente com os mesmos symptomas, e que falleceu do mes- mo modo 15 dias mais tarde. XXVII—Uila M. da Encarnação, parda, de 2o annos, foi ad- mittida no Hospital da Caridade em 5 de novembro de 1866 15 dias depois de ter dado á luz um feto de 7 mezes. Tem tido, depois do parto, cainibras o dormencia nas pernas. Anda com difficuldade, tem dor epigastrica, augmentada pela pressão, e o fígado é bastante volumoso. No dia 13 havia paralysia incompleta do movimento e do sentimento nas pernas e nos braços, movimentos convulsivos e febre. No dia 14 apparecem numerosas sudaminas, e dor ao longo do rachis; parece que se serve melhor das mãos, que continuam muito durmenles; a anesthesia das pernas é considerável. Este estado, a que se seguiu delírio, continuou até o dia 22, quando sobreveio frio á tarde, e depois augmento da dor epi^as- tiica e do delírio, vindo a doente a fallecer no dia 23. XXVIII—Marta L de Jesus, parda escura, de 40 annos, en- trou para o Hospital da Caridade em 3 de dezembro de 1866. lia 8 dias que começou a sentir dormencia e enfraquecimento das pernas e depois também das mãos e dos braços. Tem o fí- gado muito volumoso edóritlo á pressão; confessa que tem abu- sado das bebidas alcoólicas; a voz é rouca e fraca. A paralysia dos membros foi augmentando, sem nunca che- gar a ser completa; sobreveio difficuldade da respiração, aperto da base do thorax, dôr á pressão sobre os músculos dos mem- bros, e, para o fim, perturbação da memória. Morreu por asphyxia na madrugada do dia 18 de dezembro. XXIX—Maria E. de Jesus, parda, de 24 annos, entrou para o Hospital da Caridade ein 25 de dezembro de 1866; queixava-se de dores no hypogastrio, que augmentavam pela pressão. Os orgãts da bacia pareciam congestos. Começou a faltar-lhe a força muscular e a sensibilidade cu- tânea, primeiro nas pernas, depois no braço direito, em seguida no esquerdo, paralysia que foi augmentando, sem chegar a ser completa; a doente não podia caminhar, nem ter-se em pé; nem servir-se dás mãos. A voz tornou-se cada vez mais fraca e rouca, e a respiração mais difficil; a doente falleceu em 22 de janeiro de 1867. N'estes três casos, muito similhantes, nunca ap- pareceu edema. XXX—José Alexandre do Sacramenio, branco, de 40 annos, preso de justiça, vindo da Casa de prisão com trabalho em 29 de novembro de 1866 para a enfermaria de S. Vicente, no Hos- pital da Caridade, soffrera,. por mais de 15 dias, de febre typhoi- dea com hyperemia pulmonar assaz intensa, acompanhada de tosse, e alguma canceira; a lingua era muito vermelha, e des- pida d'epithelio. Depois da applicação de um largo vesicatorio sobre o lado direito do thorax, e do uso de antimoniaes e ex- pectorantes internamente, o doente melhorou pouco a pouco, mas sem nunca entrar em uma convalescença franca e segura. No fim de um mez recrudesceu a affecção pulmonar, com febre 5(i lenta e tosse, voz fraca e sumida, enfraquecimento progressiva, dormencia nas pernas e nos braços,dores á pressão sobre os mús- culos, difficuldade no uso das mãos, impossibilidade da estação, finalmente uma paralysia incompleta, porem manifesta do mo- vimputo e do sentimento, que acompanhou até o fim a marcha lenta mas progressiva da pleuro-pneumonia chronica, da qual O doente veio a fallecer em 28 de fevereiro de 1867. Este doente occupou sempre o leito n. 1, onde esteve por algum tempo José Eleuterio (obs. n. XI) e visinho d'aquelle em que falleceu Francisco Adão, (obs. n. XXV.) XXXI—Em 30 de outub-o de 1860 fui convidado a assistir ao parto (o sétimo) de uma senhora de cerca de 40 annos, sa- dia. O parlo fez-se naturalmente em pouco mais de três horas, sem outro accidente se não uma hcrnorrhagia que me deu al- gum cuidado, e me obrigou a demorar-me ao pé da paciente por mais de uma hora: esta hemorrhagia, immediata ao parto, íez-me apressar a extracção da placenta, que veio logo após algumas tracções melhodicas sobre o cordão; o sangue, porem, eontinuou ainda a correr cm abundância por alguns minutos, mas, depois de algumas fricções com a mão sobre o hypogas- trio, e sem que fosse mister empregar outro meio, cessou quasi inteiramente; os lochios foram nrestc um pouco mais abun- dantes do que nos precedentes partos; a doente ficou bastante pallida e abatida, e por aquelles quinze dias immediatos teve tumefacção do ventre, com dor á pressão no hypogastrio, e fe- bre, o que motivou applicação repetida de sanguesugas em pe- queno numero sobre o baixo ventre, calaplasmas emollientes, uneções mercuriaes, e, por fim, um vesicatorio. Estes symptomas, indicativos de acção inflammatoria nos ór- gãos pelvianos, e que deram algum cuidado, foram amainando •gradualmente, e sendo substituídos por fraqueza nos movimentos das pernas, dormencia na pelle, tanto nos membros inferiores «orno nas pontas dos dedos, onde a doente accusava uma sen- 57 sação como a que produziria uma multidão de pequenos espi- nhos, ou bicos d'alfinetes. A fraqueza das pernas í-ó foi verda- deiramente conhecida quando a doente se quiz levrinlar, e não o poude conseguir, 20 dias depois do parto. Viu-se obrigada a conservar-se quasi sempre sentada em cadeira de braços, ou deitada, por mais uns 15 dias, atè que começou a dar alguns passos apoiada aos moveis. Com as mãos podia fazer movi- mentos, mas não tinha tacto para os objectos de pequeno volu- me, nem podia escrever. O tratamento dirigido contra este estado de anemia e paraly- sia foi: vinho de genciana, ferro, noz vomica, linimento de tere- benthina, c sinapisinos ao longu da eolumna vertebral, etc. Estes symptomas foram pouco a pouco diminuindo d'intensidade, e a doente só poude considerar-se restabelecida em fins de ja- neiro de 1867. Releva notar-se que esta senhora já nos últimos três mezes da gravidez accusava alguma fraqueza, rigidez, e dormencia nos membros inferiores, e nos dedos das mãos, porem nunca á ponto de a impedirem de entregar-se ás suas oecupações usuaes; e que, depois do parto, durante três dias de cada perío- do menstrual lhe tem apparecido até agora, (abril de 1867), aquelles mesmos symptomas, os quaes se desvanecem depois de passado aquelle período. Diz ella, todavia, que, posto se considere comparativamente em estado de saúde, não se sente, entretanto, a mesma que d'antes era, no que respeita á firmeza e agilidade nos membros inferiores. N'este caso, posto que algumas vezes se manifestasse oppres- são epigastrica, eligeiro aperto da base do thorax, nunca chegou a ser incommoda a fadiga da respiração, nem considerável o ede- ma, o qual se mostrou unicamente nos pés e nas pernas, onde também era dolorosa a pressão exercida sobre os músculos gastro-cnemios. XXXII—F......de 22 annos de idade, casada, bem cons-ti- 58 tuida, consultou-me em 9 de dezembro de 1866. Contou-me que 15 dias antes dera à luz uma creança de tempo (era o seu segundo parto) sem accidente algum, não tendo até então sof- frido senão os incommodos ordinários da gravidez; nem depois occorreram outros phenomenos senão os usuaes do estado puer- peral; que, no quinto dia, tentando levantar-se, achou gran- de difficuldade, não só em caminhar, como em conservasse em pé por muito tempo; os pés e as pernas estavam um pouco ede- matosos e doridos. Insistiu por varias vezes em andar, mas não o podendo conseguir sem apoiar-se aos moveis, e tendo mes- mo cabido, por não poderem as pernas suster o peso do corpo, viu-se obrigada a voltar para a cama, onde a encontrei á mi- nha primeira visita. A pressão sobre os músculos gastro-cne- mios era bastante dolorosa, e a doente sentia dorinentes os membros inferiores até perto dos joelhos. O appetite era bom; não havia febre, nem a doente se queixava de nenhum outro incommodo senão da fraqueza e dormencia das pernas. O tratamento consistiu, suecessivamente, em purgativos, io- dureto de potássio com tinclura de noz vomica, strychnina, e sinapismos diários ao longo do rachis. A doente foi melhorando com bastante presteza, de modo que, no fim de duas semanas de tratamento, já podia andar muito vagarosamente, mas sem apoio. Em 31 de dezembro recusou-se a acceitar a proposta que lhe fiz de substituir os sinapismos por vesicatorios volantes, e resolveu retirar-se para a ilha de Itaparica. Em fevereiro (1867) soube que as melhorias pro- grediram, e que a doente se achava restabelecida. Eu poderia acerescentar a esta serie de observa- ções muitos outros casos similhantes d'esta singular e mortífera moléstia que, no ultimo semestre de 1866, fez numerosas victimasn'esta cidade, e de que agora apparecem, felizmente, mais raros exemplos; 59 julgo, porém, que os que ahi ficam registrados, posto que pathulogicamenle incompletos, porfaltar ao maior numero d'elles oappenso dos estudos necroscopicos, e algumas particularidades de physiologia pathologica exigidas pela observação clinica rigorosa, são, todavia, sufficientes, creio eu, para caracterizar essa iudivi- dualidade mórbida, estranha outr'ora ao quadro no- sologico ordinário d'esta cidade e província, e cuja phvsiognomia eu piocurei copiar do natural o mais fielmente que me foi possível. V. ORIGEM, DESENVOLVIMENTO E EXTENÇÃO GEOGRAPHICA. Onde, quando, e como se originou e desenvolveu a moléstia que procurei descrever nos precedentes capítulos. Disse eu, no principio d'este escripto, que esta af- fecção, se não é nova entre nós, pelo menos não era d'antes reconhecida no Brasil como entidade mór- bida á parte, e que terá, provavelmente, passado desa- percebida por algum tempo, confundida com ou- tras de causa conhecida e de ocurrencia ordinária. Hoje que ella é assignalada por um conjuneto dê symptomas que lhe dão uma feição especial, por ca- racteres que, na máxima parte dos casos, permittem dislinguil-a de outras que teem com ella mais de 60 um ponto de similhança, é que alguns dos nossos mais antigos práticos se recordam de ter observado, em epochas mais ou menos remotas, aqui na Bahia, alguns exemplos de uma affecção idêntica, mas que foi, em uns casos referida ás anasarcas de causa ordinária, e, em outros ás paralysias consecutivas a febres graves, ou á meningite rachidiana, á myelite chronica, etc. Esses casos, porem, erão tão pouco freqüentes, e occorriam a tão longos intervallos de tempo uns dos outros, que, naturalmente, não de- ram motivo a suspeitas de que fossem manifestações isoladas do uma moléstia especial, revestindo formas variadas, e effeito de causa desconhecida. Anasarcas e paralysias observaram-se em todo tempo n estepaiz; mas, juntas ou dispersas, e offerecendo caracteres desusados n'aquellas affecções, quando produzidas por causas ordinárias, e, sobre tudo, revestindo a for- ma epidêmica nunca foram observadas, que eu sai- ba, em epocha anterior a 1866. Percorrendo cuida- dosamente a historia, incompleta na verdade, das endemias e epidemias que em varias epochas, e em diversos logares teem sido observadas no Brasil, não pude encontrar descripção nenhuma de moléstia aná- loga, sequer, á que aqui observamos o anno passa- do (1866). Ainda que me seja impossível determinar em que tempo se observaram os primeiros casos de simi- Ihante aíleeção, é certo que nenhum documento, ou 61 testemunho veio, até agora, demonstrar a sua mani- festação epidêmica antes do referido anno de 1866. Os três casos que observei em novembro de 1863, e abril e julho de 1864, foram, sem duvida, factos análogos aos que outros observadores haviam ja en- contrado anteriormente na sua pratica, como a mim próprio acontecera, mas sem lhes notarmos aquellas feições de família, por assim dizer, que poderiam justificar a sua filiação a uma causa extraordinária e desconhebida. Esses três factos a que me refiro, e que são os das três primeiras observações, fizeram impressão no meu espirito, tanto pela perfeita simi- lhança dos symptomas, marcha, e terminação da moléstia, como pelo curto espaço de tempo que me- diou entre elles, circumstancias que então fiz notar a alguns collegas. Em 1865 appareceram ainda alguns casos da mes- ma affecção, porem raros; mas em 1866, raros tam- bém nos primeiros mezes, foram-se tornando mais freqüentes os exemplos da moléstia no ultimo se- mestre d'esse anno, constituindo uma pequena, mas verdadeira epidemia, que pareceu extinguir-se em meiado de dezembro. Não é possível também determinar a localidade em que primeiro se observou na Bahia esta molés- tia; os primeiros três casos por mim observados eram de pessoas que habitavam três localidades muitas lé- guas distantes umas das outras, sendo uma do Re- côncavo, uma da Matta de S. João, e a terceira d'esta m cidade. Tive depois doentes que vieram de Itaparíca, da Feira de SanfAnna e de Santo Amaro, e vi ou- tros que vieram da Chapada Diamantina, e de outros pontos do interior desta província; mas a grande maio- ria dos casos occorreu em pessoas desde muitos annos residentes n'esta cidade, aonde também a moléstia não mostrou predilecção por nenhum bairro em par- ticular, nem pareceu attacar de preferencia os indi- víduos cercados de peiores condições bygienicas. Voltarei mais especialmente a este assumpto quan- do tratar da etiologia. É, por tanto, incerto o logar e o tempo em que primeiro se manifestou esta moléstia na Bahia, e mais incerto ainda como, e de onde nos veio, ou se foi originada entre nós por um concurso de circum- stancias inteiramente desconhecidas; o que é certo é, que ella não se limitou a esta capital, pois existiu simultaneamente, e existe ainda, em alguns pontos do interior da província; é provável que ella ja tenha entre nós uma residência de muitos annos, como endemia, do mesmo modo que a febre typhica, ape- nas conhecida dos nossos práticos desde 1857, isto é, depois da grande epidemia de cholera asiática, febre então muito freqüente, e que, ainda que desde o principio apellidada de typhoidea pelos médicos familiarisados com a d'este nome na Europa, foi, mais tarde, considerada como de caracter e feições differentes, não só d'esta, como de todas as febres 63 outr'ora conhecidas no paiz com os nomes de mali- gnas, podres, biliosas, etc. Mas se temos provas positivas de que o mal não se limitou a esta cidade, se não que deu signaes de sua existência por diversos e distantes logares da pro- víncia, não é menos certo que elle foi também obser- vado em outros pontos do Império, e particularmente em Matto-Grosso. Na província do Rio de Janeiro consta que alguns casos foram observados, perfeita- mente idênticos aos que eu descrevi, segundo li em uma carta de um illustrado collega alli residente, que promette publical-os e confrontal-os com os meus, o que, a realizar-se, como espero, contribuirá, certamente, para derramar alguma luz sobre a obs- curidade que involve o assumpto de que me oc- cupo. (1) Sobre a existência do mal em Matto-Grosso é que eu não tenho a mínima duvida, e os leitores julga- rão se as provas que vou adduzir são ou não con- cludentes. Foi na infeliz expedição que, ha cerca de dous annos, marchou para aquella província contra os invasores paraguayos, que se manifestou o mal em grande escala. Posto que as noticias que vou reproduzir não se- jam, que eu saiba, e ao que parece, de origem pro- fissional, são por tal modo frisantes no que respeita (1) Este collega é o Sr. Dr. Júlio Rodrigues de Moura, distincio pratico da província do Rio de Janeiro, que fiel à sua promessa publicou na Gazeta Medica da Bahia, tom. 2* p. 13,25,61 e 73, e tom. 3* p. 99 e 256, um trabalho interessante a propósito de alguns casos de uma affecção idêntica observado na sua clinica. 64 aos caracteres distinctivos da moléstia, e tão accor- des as narrativas, que não admitte contestação, creio eu, a identidade das duas aftecções que por lá e por aqui se observaram ao mesmo tempo. l.o A primeira das noticias é extrahida da Revista Commercial de Santos; diz assim: « De uma carta es- cripta por um official, filho d'esta cidade, que se acha nessa província (Matto-Grosso) fazendo parte das forças expedicionárias, datada do accampamento na margem direita do rio Daboéo, a 14 de agosto, co- piamos os seguintes trechos: « É escusado contar-lhe a miséria, doenças, e estado de nudez porque tem passado a nossa brigada. Muitas mortes tem havido com symptomas horríveis nas praças e officiaes. Co- meça por incharem os pés, as pernas se enfraquece- rem, e a morte segue-se logo. Alguns officiaes andam de muletas.» (1) 2.o Em 4 de outubro as forças expedicionárias per- maneciam ainda em Miranda; as noticias particula- res d'essa data referem que—« as condições de sa- lubridado do logar em que estavam eram as peiores: a myelite ceifava muitas vidas, tanto de officiaes como de soldados. Muitos officiaes tinham-se retira- do doentes, e succumbido alguns em caminho. Logo que se apresenta a inchação nas pernas é uma rari- dade escapar. As pessoas que mais resistem são as de côr. » O escriptor accrescenta: « urge sahir quanto antes 11) Jornal da Bahia de 29 de outubro de 186G. 65 de logar tão pestilencial; Nioac passa por saudável, e para elle, ou para outro melhor cumpre remover as forças, quando não, serão muito dizimadas pela peste. » (1) No jornal d'onde transcrevo estas informações vem referidos testemunhos de officiaes, chegados do a- campamento, affirmando que havia alli abundância de viveres, que a carne era de boa qualidade, etc. 3.o Em data de 20 de outubro ultimo, (1866) es- creviam da villa de Miranda: «.......Quando tudo se encaminhava para o fim a que se propozeram as for- ças, novo obstáculo, e talvez invencível, diante d'el- las se antolha. Uma epidemia inteiramente desconhe- cida no Brasil, mais audaz e temerária do que o cholera morbus, rebenta, qual vulcão destruidor, no meio do acampamento.... » « O destino dos que escaparem de tão mortífera epidemia será marchar para Albuquerque e Corum- bá, 25 léguas distante de Miranda, etc. » Diz este documento, ao contrario do precedente— «já não temos farinha para os soldados; os socor- ros que de toda a parte dizem remetter-se para este acampamento estão apenas dentro de officios, e de cartas particulares, etc. » (2) 4.o Uma carta escripta de Miranda a 17 de no- vembro diz que: « Em Miranda continuava a grassar a celebre paralysia que até á ultima data fizera já (1) Diário da Bahia de 2C de janeiro de 1807. (2) Idem de 20 de janeiro de 1*C7. m 30 victimas entre a officialidade que marchara do Coxim. » (1) Outras noticias, e talvez mais extensas e curiosas, terão sido publicadas acerca d'esta singular moléstia que acommetteu aquella expedição, sem que che- gassem ao meu conhecimento, passando desaperce- bidas nos órgãos da imprensa diária, onde casual- mente encontrei as precedentes. Tenho, entretanto, a esperança de que algum dos collegas militares que se acham em serviço na mesma expedição, e que estudaram a moléstia praticamente, nos darão mais amplo conhecimento da sua origem, natureza e des- envolvimento. É certo, entretanto, que ao mesmo tempo que aqui observamos crescido numero de casos de urna affecção caracterisada por edema, paralysia, fraque- za geral, etc, especialmente no ultimo semestre de 1866, cartas de Matto-Grosso annunciavam, no mesmo anno:—em 14 de agosto, uma moléstia acom- panhada de inchação dos pés e fraqueza das pernas, que obrigava alguns doentes a usarem de muletas: —em 4 de outubro, que a myelite fazia muitas victi- mas, e que, seguindo-se-lhe a inchação das pernas, era raro não terminar pela morte;—em 20 de outu- bro faliava-se em uma epidemia nunca vista no Bra- sil, que rebentou como um vulcão destruidor no meio do acampamento;—finalmente em 17 de novembro (!) Diário da Bahia de 8 de fevereiro de 1667. 67 íilludiu-se á celebre paralysia de que já tinham mor- rido 30 officiaes da brigada expedicionária. Se considerar-mos estas noticias de diversas ori- gens como elos da mesma cadeia, e as approximar- mos umas das outras, resulta que as forças expedi- cionárias de Matto-Grosso foram acommettidas por uma epidemia mortífera, cujos principaes symptomas eram: edema, paralysia, e fraqueza, qualificada demye- lite, e ahi temos reproduzidos os caracteres da moléstia que aqui observamos com mais freqüência, exacta- mente nos mesmos mezes, e que, para maior analo- gia, foi por cá também designada—myelite—por alguns collegas. Da mesma sorte que ella foi aqui considerada epidêmica, de mortalidade assustadora, e até então desconhecida entre nós, foi lá designada como uma epidemia inteiramente desconhecida no Brasil, mais audaz e temerária do que a cholera- morbus. Se, pois, admittirmos o testemunho d'estes docu- mentos em que, certamente, não houve o propósito de annunciar desgraças imaginárias, occasionadas por uma epidemia fabulosa; se os que assim descre- viam e interpretavam a seu modo o que se passava ante seus olhos no acampamento de Miranda ex- primiam a verdade dos factos, as duas affecções que, ao memo tempo, se observaram lá e aqui, são, in- questionavelmente, uma e a mesma moléstia. Mas que singular moléstia é essa que aqui, e a centenas de léguas de distancia do littoral se mani- m festa com a mesma phvsiognomia sinistra, e pesa so- bre os míseros que accommette com mais severida- de ainda do que a cholera-morbus, e, mais do que esta ainda, se mostra rebelde aos exforços que lhe pode oppôr a sciencia? É o que nos subsequentes capítulos tentarei averi- guar. (V. appendix A.) VI. AXATOMlA PATHOLOGICA. Quatro autópsias apenas que pude praticar, no Hospital da Caridade, não me habilitam a dar a esta parte do meu estudo aquella importância que ella deveria ter. A este respeito está quasi tudo ainda por fazer, e tarde, provavelmente, se preencherá esta falta, vista a difficuldade com que ainda hoje entre nós se estuda a anatomia pathologica, e o tempo, a paciência, e aptidão especial que taes estudos re- querem. Ha ahi, sem duvida, importantes indagações a fa- zer, e problemas a estudar, cuja solução pode escla- recer a questão da natureza da affecção primaria ou secundaria que se revela por tão singular e variado conjuncto de symptomas, ou, pelo menos, indicar-nos o rasto por onde passou a causa originaria do mal, a m prova material e permanente, emfim, da sua acção sobre os órgãos mais particularmente affectados. Dos quatro casos em que foi feita a autópsia, dous pertencem á forma paralytica da moléstia, um á ede- matosa, e o quarto á mixta, e são os das observa- ções VIII, XVI, XIX e XXVI. Nos dous primeiros casos a minha attenção diri- giu-se particularmeute sobre a medulla espinhal. As lesões encontradas n'este órgão e seus invólucros fo- ram a injecção considerável dos vasos sangüíneos, e algumas echymoses nos pontos de emergência das raizes dos nervos, mormente na parte inferior da re- gião cervical, e superior dorsal, onde a medulla offe- recia menor consistência do que a ordinária. Em um dos casos a medulla estava n'aquelles mesmos pon- tos visivelmente amollecida. A mesma injecção anormal das meninges existia no caso da observação XVI (mixta) e, alem disso, in- filtração geral do tecido cellular, e congestão passi- va da base dos pulmões; as cavidades direitas do co- ração dilatadas e obstruídas por coalhos. No ulti- mo caso (obs. XXVI) em que a duração da moléstia se prolongou por perto de três mezes, havia também infiltração geral do tecido cellular, á excepção do das pernas e dos pés,onde a pelle era secca e dura; e, além disso, derramamento seroso nas pleuras e no pe- ritoneu, congestão pulmonar e hepatica, dilatação do ventriculo direito, coalhos difluentes, etc. Em um d'esses casos de forma paralytica foram. 70 examinados os músculos, por haver alguém sugge- rido a idéa de qne elles contivessem um parasita (a trichina spiralis) cuja presença no organismo huma- no produz alguns symptomas análogos aos desta moléstia; mas o resultado d'este exame foi negativo. Novas, mais numerosas e mais particularisadas in- vestigações necroscopicas são necessárias ainda para poderem prestar-se a inferencias pathogenicas de algum valor, mormente sobre as alterações do sys- tema nervoso, tanto o da vida de relação como o gan- glionar, cuja anatomia pathologiea é tão pouco co- nhecida, quam obscura a interpretação das aftecções dos órgãos que estão sob sua única, ou principal de- pendência. Seria igualmente para desejar um estudo accurado das alterações dos líquidos durante as di- versas phases da moléstia, mormente do sangue e da urina, estudo para o qual nem me chega o tempo, nem disponho das habilitações indispensáveis. Espero, entretanto, que, se no futuro se me ofíere- cer occasião de continuar estes trabalhos disporei então de mais extensos esclarecimentos acerca das lesões cadavericas d'esta singular moléstia, aos quaes terei a vantagem de accrescentar o fructo das inves- tigações de outros collegas que também a estudam com zelo e perseverança. 71 VII. MARCHA E DURAÇÃO. A marcha d'esta affecção é, de ordinário, continua e progressiva; offerece, comtudo, algumas vezes, mormente na forma edematosa, alternativas para melhor e para peior, e isto durante muitos mezes. Tenho notado que n'esta mesma forma a dyspnéa diminue por algum tempo quando apparece infiltra- ção mais ou menos extensa. Tem-se também obser- vado casos de recrudescencia quando o doente se julgava quasi curado. Na forma paralytica a marcha é, ás vezes, lenta mas coutinua quando o caso tende á terminação fatal; são mais raras nesta forma as al- ternativas para melhor e para peior. Quando coexis- tem a paralysia e o edema a doença caminha mais rapidamente ao seu termo quasi inevitavelmente fatal. A duração varia desde alguns dias até muitos me- zes. O caso que observei de marcha mais rápida apenas durou cinco dias, e o mais demorado pro- longou-se por sete mezes. Entre estes dous extre- mos a duração oscilou ora abaixo ora acima do ter- mo médio, porem na maioria dos casos não foi alem de 40 a 60 dias. A difficuldade de fixar bem a data da invasão da 72 moléstia, que começa ás vezes insidiosamente, não me permittiu entrar em investigações mais exactas a este respeito. VIII. MORTALIDADE. Os seguintes quadros estatísticos não comprehen- dem todos os doentes que eu tenho observado affe- ctados d'esta doença, mas unicamente aquelles que eu tratei, ou que vi em conferência, e cujo resulta- do me é conhecido; também não comprehende os ca- sos occorridos no presente anno de 1867, e são igual- mente excluídos aquelles sobre cujo diagnostico me ficaram duvidas. A totalidade dos casos é de 51. A sua destribuição por mezes desde 1863 e 1864, epocha em que se começou a estranhar o quadro symptomatico da mo- léstia, até 31 de dezembro de 1866, assim como a designação dos sexos, e a mortalidade absoluta e re- lativa, é a que representa o mappa seguinte: IO N. 1 Casos Sexo Curados Moi tos H. .... :::: i 2 5 5 7 1 M. 1 1 1 1 H. M. H. M. 18G3 Novembro.... 1 3 4 3 2 í 2 3 6 8 4 1 1864Í Abril........ [ Julho........ 1 1 18G5jOutubro...... 1 1 1 2 2 1 2 2 1 1 1 2 i 3 2 3 23 \ IRfifi Abril......... "i 1 1 1 2 Maio.......... 1 1 1 1 Agosto.,...... Setembro...... 1 3 5 1 20 2 2 2 8 1 2 " i "i 2 2 51 28 18 Totai 51 J 3 2 !8 Como se vê, a mortalidade é excessiva, 38 em 51, ou 74,50 por cento: convém, todavia, notar que não poucos d'estes casos foram vistos em conferência, e, naturalmente, dos mais graves; e também que a mo- léstia no mez de dezembro ultimo não foi tão mortí- fera, como o não tem sido egualmente nos raros ca- sos observados nos primeiros cinco mezes do cor- rente anno. A mortalidade nas mulheres foi um ttfnto maior 74 do que nos homens, sendo naquellas de 78,26 por cento, e 71,42 n'cstes. O seguinte quadro mostra a freqüência e morta- lidade relativas das três formas da moléstia: N. 2 Forma Casos Sexo Curados Mortos H. M. H. M. H. M. Paralytica......... 2Q 11 7 12 9 28 21 2 4 3 1 5 3 9 8 Ifi Edematosa......... Mixta............. 3 51 23 8 5 20 18 Vê-se que a forma paralytica forneceu o maior nu- mero dos casos, numero superior até aos das duas outras formas reunidos; foi, porem, a menos grave das três, pois a mortalidade foi de 67,85 por cento, ao passo que foi de 75 na edematosa, e de 90,90 na mixta, a mais grave de todas. Das 23 mulheres affectadas 10 eram puerperas, e em todas estas, á excepção de 1, se manifestou a doença na forma paralytica. Nas 13 não puerperas mostrou-se também esta forma em 12, como se vè pelo quadro seguinte: 75 N. 3 Puerperas Não puerperas CASOS CURAD.'MORTAS i CASOS CURAD. MORTAS «/Paralytica.. 9 3| 6 12 2 10 s£ 'Mixta . , 1 ...... 1 i 1 1 Total... 10 3| 7 13 2 11 A mortalidade nas mulheres foi na razão de 70 por cento nas puerperas, de 86,92 nas que se não achavam no estado puerperal. É mais que provável que, se fosse possível enume- rar todos os casos occorridos n'esta capital, ainda que unicamente os do anno de 1866, a proporção da mortalidade seria menor; mas, tanto quanto posso julgar sem dados exactos, não seria inferior a 50 por cento. Para concluir o que se refere á parte estatística deste trabalho, da qual me irei opportunamente apro- veitando, resta-me offerecer á attenção dos leitores o seguinte quadro da freqüência e mortalidade da mo- léstia segundo as edades: N. 4. Casos Sexo Curados Mortos Edade H. M. H. M. 4 1 H. 6 4 8 2 M. 15 a 20......... 2 20 10 13 5 1 1 7 5 12 2 1 28 1 13 5 1 3 23 1 1 1 4 1 21 » 30......... 9 31 , 40......... 4 41 » 50......... 1 51 » 60 3 61 » 70......... 1 8 5 20 Total..... 18 A doença foi mais freqüente nas mulheres de 21 a 30 annos, e nos homens de 41 a 50, sendo igual o numero de casos em ambos os sexos de 31 a 40. Nestes dous períodos de mais freqüência a mor- talidade foi proporcionalmente maior no primeiro do que no segundo, a saber, 75 por cento de 21 a 30 annos, e 69,23 de 41 a 50. Não conheço exemplo de ter sido observada a mo- léstia em idade inferior a 15 annos, e superior a 70. (V. o appendix B.) PROPAGAÇÃO DÀ MOLÉSTIA. Sem presumir cousa alguma theoricamente acer- ca deste ponto, isto é, sem sahir do dominio dos fa- 77 ctos, direi que a doença não pareceu diffundir-se por contagio ou infecção, e sim depender de causa morbifica largamente espalhada, de circumstancias ou condições hygienicas geraes desconhecidas. No decurso d'este ensaio mencionei alguns casos em que a moléstia aeomettcu indivíduos affectados de outros padecimentos, e que oceuparam leitos onde outros haviam succumbido aquella mesma affecção algum tempo antes, factos que se deram na enfer- maria de S. Vicente de Paulo, no Hospital da Cari- dade. Conheço dous casos de duas mulheres que fo- ram affectadas da forma paralytica da moléstia, e que morreram, cujos maridos acomettidos, pouco tempo depois, dos mesmos symptomas, posto que mais benignamente, passaram por longo tratamento, e rcstabeleceram-se no fim de alguns mezes. O Sr. Dr. Paterson referiu-me o caso de uma família, da qual foram affectadas quatro pessoas successivamen- te em pouco tempo. Ainda que estes factos estejam muito longe de demonstrar a propagação da doença por contagio ou por infecção, isto é, por meio de uui producto mór- bido resultante da sua evolução pathologica, e que a reproduza como a semente reproduz a planta de onde nascera, julgo que não deviam ser omittidos neste logar, simplesmente como elementos históri- cos que podem ter cabal explicação no futuro, e con- tribuir, com outros já conhecidos, ecom os que estu- dos ulteriorcs possam revelar, para esclarecer a pa- 78 thogenia, obscura ainda, d'esta moléstia singular. (V. o appendix C.) X. DEFINIÇÃO E DIAGNOSTICO. Sendo a definição de uma moléstia ordinariamente provisória, e, a bem dizer, uma enumeração abreviada de suas principaes feições, taes quaes ellas se offerecem á observação clinica; um conjuncto dos caracteres que nãopermittamconfundil-acom qualquer outra, tenta- rei definir do modo seguinte a de que me tenho occü- pado nos precedentes capítulos, sem sahir da orbita dos factos, até que estudos ulteriores a modifiquem ou al- terem, como soe acontecer em assumptos novos na sciencia, ou incompletamente estudados:—Moléstia constitucional, reinando endêmica ou epidemicamente, caracterisada por dormencia das extremidades, torpor da sensibilidade cutânea, fraqueza geral e do movi- mento, com dores á pressão sobre os músculos, acom- panhada muitas vezes de edema duro, anasarca, in- chação da face, anemia, oppressão epigástrica, dys- pepsia, dyspnéa: paralysia ordinariamente gradual, incompleta, de caracter ascendente, acompanhada ás vezes de constricção em roda do tronco, fraqueza ou rouquidão da voz, movimentos choreicos dos membros, e terminando, nos casos fataes, por suffocação, asphy- 79 via, ou extcnuação das forças, e nos favoráveis por uma diurése abundantíssima, e por uma restauração lenta e gradual das forças nervosas, da circulação dos líquidos, e das secreçòes. Julgo que n'esta synopse dos symptomas, pois que outros elementos, por exemplo os derivados da anatomia pathologica, são por ora obscuros ou in- sufficientes, estão comprehendidas as feições capitães da doença, e mesmo alguns dos seus caracteres se- cundários mais freqüentes até agora observados na minha pratica, e na de todos os collegas aquém devo informações acerca da symptomatologia d'esta af- fecção. Não é difficil distinguir esta moléstia de todas aquellas que occorrem usualmente entre nós; é só n'este sentido que consagro estas poucas linhas ao capitulo do diagnostico, reservando para o seguinte confrontal-a com todas as aftecções observadas em outros paizes, e que pareçam ter com ella mais ou menos analogia. A forma paralytica da doença facilmente será re- conhecida todas as vezes que á dormencia e fraqueza muscular progressivas se ajuntar uma sensibilidade muito notável á pressão sobre os músculos, mor- mente nos das pernas e antebraços, symptomas que tendem a propagar-se gradualmente para o tronco: se, além disso, houver difficuldade de andar ou de estar em pé, e de executar com as mãos os movi- mentos ordinários; e, ainda mais, se a estes pheno- 80 menos nervosos succederem a oppressão epigastrica, a constricção em roda do tronco e o edema; e se, de mais a mais, estes phenomenos não forem acom ■ panhados de febre, cephalalgia, dores á pressão ou espontâneas ao longo do rachis, nem de paralysia da bexiga ou do recto, e de urinas ammoniacaes; se, fi- nalmente, aquelles symptomas não poderem ser ex- plicados por nenhuma das causas ordinárias e mani- festas das paralysias, como sejam lesões vitaes ou orgânicas dos centros nervosos, resfriamentos subi- tos, ou alguma intoxicação das que usualmente pro- duzem taes effeitos; e, mormente, se ao mesmo tempo, e na mesma localidade se observarem vários casos similhantes, não pode restar duvida alguma acerca da existência da moléstia especial de que me occupo. Releva lembrar ainda que esta paralysia do sen- timento e do movimento quasi nunca é completa, de sorte que o doente, ainda que tenha imperfeito o tacto, sente sempre mais ou menos a vellicação, e, ao menos na posição horisontal, pode executar mo- vimentos com os membros, e mesmo, ás vezes, le- vantai-os da cama extendidos, ainda que a pequena altura, e por alguns segundos. A forma edematosa revela-se por uma inchação mais ou menos considerável dos membros inferiores, e, logo em breve, da face, do tronco e dos membros thoracicos, inchação dura, não deixando quasi marca á pressão do dedo, precedida e acompanhada de can- ceira da respiração, fraqueza geral e das pernas, sem 81 lesão cardíaca, pulmonar ou hepatica, ou qualquer outra causa manifesta de taes phenomenos, como sejam a albuminuria, a cachexia palustre, a hypoe- mia intertropical, etc, e sem reacção febril appre- ciavel, antes um resfriamento notável da superfície do corpo. Se no decurso da doença sobreviercm ainda a dor- mencia e a paralysia mais ou menos pronunciada das extremidades, a dôr á pressão sobre as massas musculares dos membros, a côr azulada do tegu- mento externo, a reduplicação de um dos ruidos do coração (rhythmo tríplice), com ausência de dores na espinha dorsal, tudo isto acompanhado de grande anciedade precordial e dyspnéa, deve-se dar como completo o diagnostico da moléstia. A forma intermediária, ou mixta participa mais ou menos dos symptomas de uma e outra das for- mas precedentes, desenhando-se, muitas vezes, du- rante a marcha da doença, os caracteres prominen- tes de uma ou de outra. O diagnostico só poderá offerecer difficuldades no principio, ou quando com esta moléstia se asso- ciam outras preexistentes ou intercurrentes, ou al- guma das cachexias acima apontadas. O estado puer- peral, a debilidade geral proveniente de moléstias anteriores, o abatimento moral, os hábitos de intem- perança, a vida sedentária, a reparação insufficiente do sangue, ou as hemorrhagias consideráveis ou fre- qüentes, podem, em tal caso, inclinar o juizo a um 6 82 diagnostico positivo, que a marcha da moléstia não tardará a confirmar. Creio que este resumo symptomatico bastará para evitar a confusão d'esta doença com qualquer outra das que constituem o nosso quadro nosologico ha- bitual, ou com alguma das que periodicamente se teem offerecido á nossa observação, endêmica ou epidemicamente. XI. CARACTERIZAÇÃO NOSOLOGICA E DIAGNOSTICO DIFFERENCIÀL, Anasarca e paralysia são, como já fica dito, os dous phenomenos pathologicos mais constantes da moléstia; phenomenos que umas vezes precedem oü succedem um ao outro, freqüentemente coexistem, e, não raro, se encontram isolados por quasi todo o tempo que dura a doença. Devemos, pois, classificar esta affecção entre as hydropisias, ou entre as para- lysias ? Ou, por outra, nas três formas da moléstia, redu* ctiveis a duas, uma em que predomina a paralysia, e outra em que sobresae o edema, terei eu confundido duas moléstias distinctas, uma que pertence á classe das paralysias, e outra ás hydropisias? A realisar-se esta ultima hypothese, é isto, sem duvida, a primeira e a mais grave objecção a oppôr á minha definição. 83 Mas eu creio què, na realidade, a moléstia é uma só, revestindo duas formas principaes distinctas. Para comprovar esta opinião adduzirei, em logar pró- prio, argumentos derivados do estudo theorico e pra- tico da moléstia; baste por agora fazer as seguintes considerações, que constituem, a bem dizer, a prova clinica da unidade da affecção, embora o predomínio de um ou outro symptoma lhe de uma multiplice apparencia. A primeira consideração é que a forma paralytica e a edematosa manifestaram-se simultaneamente, observando-se logo desde o principio da epidemia de 1866, e promiscuamenle, casos de uma e de outra, e bem assim em todo o decurso d'aquelle anno, como ainda agora se observa nos casos que se encontram na clinica civil, e no Hospital da Caridade. Em segundo logar, pessoas que foram a principio aftectadas da forma edematosa foram depois acom- mettidas de paralysia, e vice-versa; ou, em pequeno numero de casos, estes dous symptomas coexistiram por boa parte da duração da moléstia, vindo depois a predominar ora um ora outro, constituindo a for- ma que eu denominei mixta, a qual foi quasi sem- pre transitória, pois que passava, na maior parte dos casos, a tomar os caracteres distinetivos de uma das outras duas, paralytica ou edematosa. Em terceiro logar, finalmente, a moléstia, em qual- quer das suas formas, atacou de preferencia pessoas que se achavam nas mesmas condições, isto é, enfra- 84 quecidas pbysica e moralmente por moléstias ante- riores, por desgostos, por abuso dos alcoólicos, pelo estado puerperal, na convalescença de outras doen- ças, etc. Mas se esta moléstia não pode entrar na classe das paralysias ordinárias, e conhecidas da maior parte dos práticos, embora de algumas d'ellas tam- bém nos escape ainda a causa productora; se ella não parece constituir uma hydropisia d'aquellas, ao menos, que a sciencia reconhecia outr'ora sob a de- nominação de essenciaes; por ultimo, se estes dous symptomas capitães, a paralysia e o edema não teem podido achar explicação satisfactoria, nem nas per- turbações funccionaes mais ou menos permanentes que de ordinário dão logar aquelles phenomenos pa- thologicos, nem em lesões orgânicas reveladas quer pelo exame physico durante a vida, quer pela anato- mia pathologica nos casos, poucos na verdade, em que eu procurei descobrir a causa material de tão varia- das desordens dos systemas nervoso e circulatório; se, em summa, os conhecimentos limitados a que me tem podido levar o estudo da moléstia me não habi- litarem ainda aassignar-lhe definitivamente no quadro nosologico o logar que lhe compete, seja-me licito, ao menos, comparal-a áquellas aftecções com as quaes ella parece ter maior grau de analogia; d'esta appro- ximação pode resultar alguma, ainda que tibia luz para o esclarecimento de tão obscura questão de nosologia. Se eu não chegar a reduzir o quadro sym- X) ptomatico d'esta singular moléstia a coaptar-se ao do alguma affecção conhecida, conseguirei, ao menos, extremal-a de outras que á primeira vista se pode- riam confundir com ella. Como disse, os symptomas mais constantes da moléstia são a paralysia, o edema, a dôr á pressão sobre os músculos, etc. É, além d'isso, uma affecção apyretica; rara vez se tem observado a febre no de- curso de sua duração, e assim mesmo não consti- tuindo um symptoma que lhe seja próprio, mas sim- plesmente complicando-a, e, ao que me pareceu, devida ao elemento typhoide. A minha confrontação limita-se, portanto, ás aftec- ções nas quaes a paralysia e o edema se observam como phenomenos constantes ou freqüentes, ou que são, além d'isso, susceptíveis de manifestação endê- mica ou epidêmica.. Quaes são, pois, as moléstias endêmicas ou epidê- micas observadas em varias epochas, e em diversos paizes, em cujo quadro symptomatico se encontram como phenomenos constantes ou freqüentes, em pe- ríodos mais ou menos adeantados de sua evolução, o edema e a paralysia dos membros, as dores mus- culares, a dyspnéa, a fraqueza geral, etc? Depois de enumerar as diversas moléstias que pa- recem assimilhar-se á que se tem observado n'esta província e na de Matto-Grosso, passarei á confronta- ção dos seus respectivos caracteres, e a notar os pon- tos de analogia que as approximam, ou as differenças 86 que as separam da doença que faz o objecto d'este ensaio. As moléstias ás quaes ella pode ser comparada são as seguintes: o ergotismo, a myelite, a affecção rheu- matismal conhecida nas Antilhas sob o nome de girafa, a pedionalgia epidêmica, burning of thefeet, trichinose, pellagra, acrodynia, barbiers e beriberi. Todas estas moléstias, acompanhadas de desor- dens nervosas ou de perturbações da circulação, e de outros variados phenomenos, teem sido observadas remando endêmica ou epidemicamente, umas na Eu- ropa, e outras nas índias ürientaes e Occidentaes. A esta lista convém accrescentar as paralysias epidê- micas de Lisboa, observadas recentemente em um asylo de orphãs, e descriptas pelo Sr. professor B. A. Gomes, assim como a que na índia se attribue ao lathyrus salivas. Sobre algumas d'ellas farei apenas ligeiras considerações, pois são taes as differenças que logo á primeira vista as distinguem da moléstia que aqui observamos, que nenhuma utilidade have- ria em mais detida confrontação. l.o No ergotismo, raphania ou mor bus cerealis en- contra-se a dormencia, formigamentos e paralysia dos membros, acompanhada de dores e movimentos espasmodicos nas extremidades, inchação edematosa das mãos e dos pés, e desordens funccionaes do tu- bo digestivo. Mas, além de ter sido reconhecida a causa da mo- léstia nas varias epidemias observadas, principal- 87 mente em França cm 1676, 169i, 1710, enaSuissa- em 1709 e 1716, e em outros paizes da Europa em epocha mais próxima, accresce que ella era acompa- nhada de manchas vermelhas, e de pústulas cheias de sanie fétida e corrosiva, e terminava por gangre- na das extremidades ou por convulsões. (1) A causa especifica d'esta moléstia é um veneno originado em certos cercaes, particularmente no centeio, uma es- pécie de fungo (sphacelia segetum, de Léveillé) en- contrado no esporão, cravagem de centeio, ou centeio espigado. (2) Estes caracteres diffcrenciaes dispensam todos os mais que ainda se poderiam encontrar na symptomatologiarmarcha, e modo de terminação do ergotismo, e exdhiem toda a probabilidade de con-^ fusão entre as duas moléstias. 2.o Posto que a myelite, aguda ou chronica, não venha usualmente nos tratados de pathologia como uma moléstia susceptível de tomar o caracter epi- dêmico, ao menos como affecção primordial e distim- cta, julgo-me, entretanto, authorisado a trazel-a a este paralello pelas razões seguintes: Io porque, nos casos de forma paralytica da moléstia por nós obser^ vada, encontram-se alguns symptomas de myelite chronica, acompanhada ou não de lesão das menim- ges rachidianas; 2.o porque na epidemia de Matto- Grosso, conforme documentos adduzidos em outro O)1 Vid. Ailken, The science nnd prnrlicc nf J/ed. vo'. I. pag. 778 et srq, e Mcnneret et de Ia I5erge Compenãi.um de 31éd. jrat tom, 1 pog 33. (2) Alguns autores duvidrim que o cigotismo íossc devido ;i esta c.-tusa, en- tre elles Trousfeau Traitê de thêrap selima edição vol. 1 pag 848, e Hamil- ton rmclirat observ. relalive to Midvxi[ery,purt. pait. 1/ paij. £6. 88 logar d'este escripto, a moléstia reinante foi deno- minada myelite por algumas pessoas, não sei se pro- fissionaes ou não, mas que, se o não eram, certa- mente a ouviram assim qualificar a facultativos que a observaram, denominação que alguns collegas lhe deram também aqui; 3.o porque em uma memória importante sobre o beriberi (1) os Srs. Fonssagrives e Le-Roy de Méricourt, distinguindo esta moléstia do barbiers, ambas endêmicas na índia, dizem:..... oc nous réservons, au contraire, le mot barbiers, á une forme de myelite particulière a Vinde, et qui re- vêt souvent une marche épidèmiqne». Não conheço o trabalho especial que estes autores no citado escri- pto prometteram publicar acerca do barbiers, e por isso ignoro com que fundamento elles o designam myelite, mas é certo que consideram esta ultima como particular á índia, e, por conseguinte, distin- cta da myelite commum. A respeito da forma de myelite que constitue o barbiers na opinião dos dis- tinctos professores, terei de oecupar-me particular- mente, e mais de espaço, quando comparar ao be- riberi da índia a moléstia obssrvada na Bahia. A inflammação da medulla espinhal, tal como a descrevem os livros clássicos, e como eu a tenho obser- vado varias vezes, ou devida a lesões physicas, ou a ontras causas, tem de commum com aquella molés- tia os seguintes caracteres: 1.° lesão da sensibilida- (1) Mèmoire 'sur Ia caractêrision nosologiqve de Ia malaâie connue vtil- gairemenl dans linde sons le nom de béribéri. Este trabalho é exirahido dos Archives gênérales de Slcdkincúç sciemhro Ue 18Ò1. m de constituindo dormencia, formigamento, sensa- ção de espinhos, dores nevrálgicas e á pressão sobre os músculos; 2.° diminuição gradual e progresrâva da acção muscular, chegando até á paralysia; 3.° spas- mos, caimhras, movimentos choreicos; 4.° constric- ção ou aperto em roda do tronco; 5.o edema das ex- tremidades inferiores. Mas a moléstia que estuda- mos differe da myelite pelos symptomas seguintes: Io ausência quasi constante de dôr espontânea ou á pressão ao longo da columna vertebral; 2.o não existência de paralysia completa, mesmo no período mais adiantado, quer da sensibilidade quer do movi- mento, senão em rarissimos casos; 3o falta de para- lysia do recto e da bexiga e de urinas ammoniacaes; 4o pelo edema geral, c a côr cyanotica da pelle; 5o pelas perturbações funccionaes do coração, derrama- mento nas sorosas, etc. Assim mesmo só a forma paralytica da moléstia se pode comparar á myelite de caracter especial (bar- biers), e particular a certas regiões do globo, como admittem os Srs. Fonssagrives e Le Iloy de Méricourt: mas, n'esse caso, ainda nos faltaria a razão etiologica e anatomo-pathologica, ou outra, de tão notáveis differenças nos symptomas entre a.myelite commum e a forma de myelite especial epidêmica. Em todo caso parece fora de duvida què os práti- cos que julgaram dever dar á epidemia de Matto- Grosso e á da Bahia a denominação de myelite, ti- nham em vista os casos de paralysia; ou então com- 00 prehenderam sob a mesma denominação a forma edematosa, á qual de nenhum modo pode caber aquelle nome; ou, finalmente, consideram as duas formas como duas moléstias distinctas, reinando ao mesmo tempo, nos mesmos logares, e reunindo algumas vezes, ou revestindo alternadamente os mais prominentes symptomas de uma ou de outra, o quo seria anômalo em moléstias endêmicas ou epidêmi- cas distinctas, e originárias de causas especiaes. Não conhecendo eu nenhum trabalho scientifico acerca desta importante matéria, não sei qual destas opi- niões terá prevalecido entre os collegas que teem co- nhecimento pratico da moléstia entre nós. É verdade que nas poucas autópsias a que eu pro1- cedi notei em duas não só a congestão das meninges rachidianas, mas ainda uma diminuição de consis- tência na medulla, que não sei se deva passar como de origem inflamtnatoria; e ainda que o seja não fica provado que fosse myelite ou meningite rachidiana a moléstia primaria, do mesmo modo que nin- guém que encontrasse signaes positivos de inflam- mação do pulmão ou da mucosa intestinal em ca- sos de febre typhoidea, o que não raro succede, cha- maria a esta pneumonia ou enterite, no sentido ge- nuíno que teem estes termos em paihologia. Não creio pois, por ora, pelo que tenho podido co- nhecer da moléstia que me occupa, que lhe possa caber o nome de myelite, nem sequer á forma que denominei paralytica, não só porque os quadros sym- 91 ptomaticos de uma e de outra não se adaptam per- feitamente entre si, mas, principalmente, porque a anatomia pathologica, a ultima instância em litígios d'esta espécie, ainda não pronunciou na questão o seu juizo definitivo. E dado o caso de verificar-se a in- flammação da medulla como causa dos phenomenos de paralysia, restaria ainda saber se esta inflamma- ção é primitiva, ou se é secundai ia e consecutiva, como o são as phlegmasias e outras alterações pa- thologicas de órgãos importantes, sebrevindas no decurso de algumas moléstias zymoticas ou constitu- cionaes. 3.o A moléstia epidêmica observada nas Antilhas, e conhecida alli, segundo as localidades, pelos nomes de girafa, ei colorado, e duegne (dengue'!) é inteira- mente diversa da affecção que nos occupa; n'aquella manifestam-se febre, iuchações dolorosas nas articu- lações, e uma erupção escarlatinosa que parece mar- car o período de sua declinação (I). O Dr. Aiikcn (2) descreve, sob o nome de dengue ou scarlatina rheumatica, uma doença febril epidê- mica, observada na índia, nas Antilhas e nos Estados Unidos, muito simiíhante, senão idêntica á girafa, o que, pela descri pção, parece não ser outra senão a pol/nf, epidemia que grassou na Bahia, e em quasi todo o Brasil em 1847, como precursora da febre amarella de 1849. fl) Monneret ei de Ia Dergo, ob. cit. p. 33, e Dittionnarre cncyclop. des r. Méiicales, vol.l. pag. 6i>2. (2; 0.'.r. dl. vol I. pag. 352. 92 A ser assim, como creio, nenhuma comparação d possível estabelecer entre a girafa e as nossas para- lysias actuaes, visto que aquella moléstia, além dos caracteres ja referidos, é singularmente benigna. 4o A pedionalgia epidêmica observada na Itália em 1762 e 1806, era uma affecção nevrálgica dos pés, sem inchação alguma, e que terminava em poucos dias, ou por um suor geral, ou das pernas, ou por u:ra diurése abundante, e também não era mortal. Faltam-lhe, portanto, os principaes caracteres da affecção que estudamos. 5o Nos annos de 1830, 1831 e 1832manifestou-se nas tropas inglezas em Bengalla nma moléstia singu- lar e dolorosa das extremidades, que foi descripta por Ballingall e por Malcolmson com o nome de ar- dencia das mãos e dos pés, burning of the feet.. Não pude encontrar descripção alguma circumstanciada d'esta affecção; mas o Sr. E. Yidal (1) tem como pro- vável a sua identidade com apedionalgia, como a des- creveram San Marino em 1762, e Santo Nicoletti em 1806. Seja, porem, ou não seja a mesma doença, as denominações que lhe foram dadas na Índia fazem presumir symptomas que também não permittem comparal-a com as paralysias da Bahia. 6o A trichinose, que só n'estes últimos annos to- mou logar nos tratados de pathologia como affecção especial, tem muitos pontos de similhança com a (13 Diction, encyc.des Sc, Vid. tom I. p- 653. 93 moléstia que estudamos, ao menos pelo que diz res- peito á symptomatologia. Ambas ellas, com effeito, offerecem, na maioria dos casos, symptomas gastro-intestinaes, taes como enjôo, peso no estômago, vômitos, diarrhéa, etc; do- res musculares e á pressão, engorgitamento dos mem- bros, edema da face, sentimento de aperto na base do thorax; immobilidade mais ou menos pronuncia- da, como de paralysia; diminuição da sensibilidade cutânea, dormencia, fraqueza e rouquidão da voz, abatimento das forças, canceira da respiração, uri- nas escassas não albuminosas, anasarca. Vê-se, portanto, que não é pequeno o numero de symptomas communs ás duas moléstias, e a idéia de que a observada na Bahia podesse ser a trichinose foi em tempo suggerida por um dos nossos mais dis- tinctos observadores. Não se havendo ainda estuda- do as trichinas no Brasil, nem, sequer, verificado se ellas se encontram, e se podem propagar-se nos ani- maes e transmittir-se ao homem, esta idéa, quer pela sua origem, quer pela notável analogia dos sympto- mas das duas affecções, não era para se desprezar. Antes mesmo de confrontar os quadros sympto- maticos das duas moléstias, onde, como logo se verá, não é difficil notar grandes differenças, tratei logo de pôr esta questão á prova directa, procurando as trichinas nos músculos de indivíduos que succum- biram á moléstia nas suas formas caracterisadas por symptomas irrecusáveis. Não pude, porém, encon- 94 contral-as, nem n'essa epocha nem posteriormente em outras occasiões. 0 Dr. Wucherer, versado como é em trabalhos microscópicos, fez-me o favor de prestar-me o seu valioso auxilio n'esta investigação, e sempre com resultado negativo. Poder-se-ha dizer que estes exames foram pouco numerosos, e que nós poderíamos ter acertado em músculos isemptos do parasita. Mas os symptomas que distinguem uma da outra as duas moléstias são tão notáveis e constantes, que não pode restar a menor duvida de que não é a trichinose a doença que observamos na Bahia. A trichinose é acompanhada de febre intensa, a ponto de já ter sido confundida, em principio, com a febre typhoide (I); acham-se entre os seus sympto- mas a rigidez dos músculos, cujas contracções occa- sionam dores incommodas; por ambos os motivos se conservam os doentes em uma immobilidade que lhes dá a apparencia de paralyticos. Alem d'isso to- das estas desordens teem por causa a ingestão de ali- mentos que levam comsigo o germen da moléstia, e dos quaes partilham ordinariamente grupos de pes- soas, familias inteiras, ou numeroso ajuntamento de indivíduos, d'onde resulta adoecerem ao mesmo tem- po varias pessoas da mesma casa, ou que participa- ram da mesma refeição. A moléstia que nos occupa não se tem assim ge- neralisado, nem nas familias, nem nos habitantes de (1) Aitken ob. cit, c Vallcix Guide ãu llèd Prat, l ed. 95 um mesmo estabelecimento, e rara vez se viu aco- metter mais de uma ou duas pessoas da mesma casa. Occorre ainda que de algumas indagações que fiz resultou que alguns doentes não usavam, havia mui- to tempo, de carne de porco, e sabemos, além disso, que o modo porque habitualmente se prepara este artigo de alimentação entre nós, exclue toda a pos- sibilicade de transmissão dos germens da trichina em estado de se poderem desenvolver no corpo humano. 7o A pellagra, moléstia observada especialmente na Itália, e em outros paizes da Europa offerece tam- bém numerosos pontos de analogia com a affecção que estudamos; marcam-lhe os autores entre os symptomas phenomenos dyspepticos, e vários acci- dentes nervosos, além de uma fraqueza geral muito manifesta, e, ao mesmo tempo, abatimento moral: entre os primeiros notam-se o fastio, os vômitos, eó- licas e diarrhéa, e entre os segundos, a fraqueza muscular, espasmos, e paralysia dos membros infe- riores. Para maior similhança não faltam, em perío- do adiantado da doença, o edema e a hydropisia, e os tremores choreicos. É também uma moléstia chro- nica e grave. Mas, a par de todas estas analogias, que julgo es- cusado particularisar mais, a pellagra diftere muito da affecção observada na Bahia, sendo os seguintes os principaes caracteres distinctivos; 1.° a pellagra é acompanhada de um erythema, sem dor nem incha- 96 .cão, e que se manifesta nas partes do corpo expos- tas ao sol; é tão constante este symptoma que d'elle provem os nomes pellagra, pellis cegra; mal dei so- le, mal de Ia rosa, e que muitos autores a classifi- cam nas moléstias cutâneas, e entre os mais moder- nos o professor Hebra (1); 2.° ó devida, como o er- gotismo, a um envenenamento occasionado por um cereal alterado, o milho, no qual se cria também um fungo parasita (sporisorium maidis); d'ahi tam- bém a razão porque a vemos já classificada nas in- toxicações duvidosas, entre a acrodynia e o ergotis- mo (2); 3.o manifesta-se periodicamente, e recru- desce em certas estações do anno, e, como o ergo- tismo e a trichinose, attaca simultaneamente grupos de pessoas, familias inteiras; 4o é mais freqüente nas mulheres do que nos homens, e limita-se quasi in- teiramente aos habitantes do campo. Julgo desnecessário enumerar outros caracteres de menor importância com o fim de fazer sobresa- hir as differenças que separam as duas moléstias. Os que ficam appontados bastam para nos certificar de que é outra affecção que nos occupa, não obstan- te a notável analogia de alguns de seus symptomas, e a presumpção plausível de que ambas possam por- vir de uma intoxicação, embora occasionada por agentes e por modos diversos. 8o Na acrodyna que reinou epidemicamente em (1) On disease oflhe sliin, Ne\r. Syd. Soe. Vol. \ pag. 3g2—1«66. [2) Lorain, no Guide du Med. pvat. de Vaüeix, ob, cit. tom. 5. pag. 1032. 97 Paris em 1828, ha também notável similhança com as nossas paralysias; nos numerosos autores que a descreveram de visu na sua primeira manifestação, e nos que posteriormente a observaram na Bélgica, e, por ultimo, na Criméa e em Constantinopla, en- contram-se os seguintes symptomas análogos: per- turbações gastro-intestinaes: dormencia, picadas e formigamentos nas extremidades, mais freqüentes nas inferiores; dores aggravadas pela pressão, e suc- cedendo á dormencia; hyperesthesia muscular; sen- sação de espinhos nas plantas dos pés no caminhar; espasmo e sobresaltos dos tendões (movimentos choreicos); impossibilidade de extender e dobrar com- pletamente os dedos, de abotoar a roupa, e de an- dar sem arrastar os pés; paralysia dos membros; edema da face, dos pés e das mãos, e, ás vezes, ana- sarca; edema duro, sem conservar a impressão do dedo; febre muito rara, assim como a albumina nas urinas. Dir-se-hia que copiei todos estes caracteres dos casos referidos no começo d'este ensaio, e que, a desprezar-se ligeiras differenças, e insignificantes modificações dos quadros symptomaticos de ambas as moléstias, quer no modo de manifestação de al- guns symptomas, quer na sua ordem de successão, seria justificável consideral-as, se não idênticas, ao menos muito similhantes. Mas se passarmos a comparar outros phenomenos que são respectivamente peculiares ás duas affec- 7 98 ções, chegamos a estabelecer differenças que não permittem confundil-as. Na acrodynia manifesta-se uma erupção cutânea erythematosa nos pés e nas mãos, e alterações na côr da pelle, que são total- mente desconhecidas na moléstia que nos occupa, sem fallar de outros caracteres differenciaes de me- nor importância, que por brevidade omitto; além d'is- so, a acrodynia é uma moléstia raras vezes fatal, ao passo que a outra o é na máxima parte dos casos. A doença que observamos na Bahia é, mais tarde ou mais cedo, acompanhada de oppressão epigas- trica, dyspnéa, sentimento de constricção em roda do tronco, phenomenos que não figuram no quadro symptomatico da acrodynia. Nem se diga que aquelle erythema é um sympto- ma secundário, ou meramente accidental; é, pelo contrario, tão constante e característico da moléstia, que deu azo a que Alibert a denominasse erythema epidêmico, da mesma sorte queChardon lhe chamou acrodynia, nome derivado de outro symptoma tam- bém constante,—as dores nas extremidades, e que prevaleceu na sciencia. Julgo, portanto, que a doen- ça por nós observada não é a mesma que appareceu em Paris em 1828 com o nome d'acrodynia. 9o Barbiers e beriberi são para uns duas formas da mesma affecção, ao passo que para outros são duas moléstias distinctas, questão de que tratarei mais adeante. Para facilidade da comparação que me proponho fa- 99 zer agora adopto, ao menos provisoriamente, a pri- meira d'estas duas opiniões, sendo já estes dous mo- dos de ver, como logo mostrarei, um ponto d'ana- logia entre aquelles dous estados mórbidos e as duas principaes formas da moléstia de que me occupo, a paralytica e a edematosa; porquanto, não só aquel- las duas moléstias, ou, se quizerem, duas formas da mesma moléstia teem reinado simultaneamente, e nas mesmas localidades na índia, da mesma sorte que aqui se observaram a paralysia e anasarca ao mesmo tempo, mas ainda alguns collegas consideram duas moléstias distinctas o que eu descrevi como formas da mesma affecção. A denominação beriberi não- foi dada por mim á epidemia de 1866, como se crê geralmente. Em ju- nho d'esse anno, quando começavam a repetir-se com mais freqüência os casos de uma affecção des- conhecida, e quando eu e alguns outros collegas nos preocupávamos com a sua natureza e classificação nosologica, disse-me um dia o meu amigo o Sr. Dr. J. Paterson que encontrara casualmente em Copland (Medicai Dictionary, tom. l.o pag. 164), sob o nome pouco usual de beriberi, a descripção de uma molés- tia que tinha a máxima analogia com a que então observávamos, e convidou-me a ler esse escripto, no qual, sem duvida, se encontram, assim como no arti- go barbiers que o precede, os principaes caracteres da estranha moléstia que tão fatal se mostrava en- tre nós, e cuja encadeação de symptomas era de dif- 100 ficil explicação. Tornou-se desde então vulgar aquelle riome, até para o publico extra-profissional, posto que para alguns collegas nossos não pareça justificada aquella denominação, nem alheia ao nosso, quadro nosologico ordinário aquella individualidade mórbi- da, chegando mesmo a opinar que o próprio beribe- ri, sobre cuja natureza e etiologia tanto discordam, na verdade, as opiniões dos observadores, não seja uma moléstia especial, de feições próprias, inva- riáveis. Vejamos, pois, pela seguinte confrontação do be- riberi como o descrevem de visu os mais eminentes observadores que se occupam da pathologia tropical, com a moléstia que procuramos esboçar nos prece- dentes artigos, quaes os caracteres communs que as separam, e, finalmente, se pode ter fundamento so- lido a opinião que as considera idênticas. Para maior facilidade da confrontação, e por amor do methodo, irei successivamcnte apontando os sym- ptomas que em ambas as moléstias revelam pertur- bações funccionaes de vários apparelhos e órgãos. Passarei depois a comparal-as sob outros pontos de vista, como sejam a anatomia pathologica, marcha, etiologia, etc. O seguinte quadro synoptico mostrará melhor as similhanças e as differenças que resultam da compa- ração dos caracteres de ambas as moléstias, para o que me servirei das descripções do beriberi como as traçaram os médicos inglezes que praticaram na In- 101 dia, citados por Copland, Monneret et de Ia Berge, Aitken, Fonssagrives, Le Roy de Mérícourt, e ou- tros; e das Clinicai researches on diseasc in índia pelo Dr. C. Morehead, Londres 1855, tom. 2.o O texto em itálico indica os caracteres differenciaes, ou os que não foram notados pelos autores. As citações são textuaes, tanto quanto me permit- tiu o accommodal-as em pequeno espaço. 102 MOLÉSTIA OBSERVADA NA BAHIA. 1. Principia por incommodos mal definidos, fra- queza geral, inaptidão para qualquer exercício. 2. Dores vagas pelos membros, mormente nos in- feriores, simulando rheumatismo muscular. 3. Dormencia ou torpor da sensibilidade cutânea nos membros, começando ordinariamente pelos in- feriores, de marcha progressiva e ascendente, sem chegar á anesthesia completa: formigamehto nos dedos. 4. Constricção em roda do tronco simulando o aperto de uma cinta. 5. Ás vezes ha contracções musculares, convulsões parciaes, e movimentos choreiformes. 6. Dores á pressão, ás vezes muito vivas, sobre os músculos das pernas e ante-braços; menos freqüentes nas coxas, e nos braços. 7. Fraqueza muscular nos membros, quasi sempre gradual e progressiva, chegando até á paralysia, or- dinariamente incompleta, mas sufficiente para tolher o uso d'estas partes. 103 BERIBERI 1. O doente queixa-se por alguns dias de fraqueza gerai, in- capacidade, ou repugnância para o exercício. (Copland, More- liead e Aitken). 2. Dores com formigamento e fisgadas (formicative pricking pain) nos músculos das extremidades interiores; ambos os mem- bros inferiores são igualmente affectados. Em alguns casos os ante-braços e as mãos são depois igualmente invadidos (Copland.) art. barbiers. Sensação de dormencia e dôr nos membros infe- riores, que constitue um dos phenomenos iniciaes, e precede a anasarca. (Fonssagrives e Méricourt). 3. Dormencia {numbness) dos membros, a ponto de ficarem quasi paralyticos(Morehead); dormencia das extremidades, mor- mente das inferiores; os membros ficam mais tarde privados de toda a sensibilidade (Copland); dormencia, e algumas vezs para- lysia das extremidades inferiores (Aitken). Os membros pelviar- nos mais entorpecidos {engourdis), e mais fracos, parecem quasi inteiramente paralysados. (Monneret e de Ia Berge). 4. Sentimento de dôr e aperto (tiglitness) immediatamente abaixo da extremidade inferior do sterno (Aitken.) Os doentes aceusam um sentimento de peso, fadiga, plenitude, oppressão e constricção na parte inferior do sterno fMonneret e de Ia Ber^e). 5. Tremores; espasmos dos músculos do thorax e abdômen (Copland, Monneret e de Ia Berge); attaques epilep ti formes pa- rece não terem sido observados em caso nenhum. (Fonssagrives e Méricourt); tremores, espasmos e contracções musculares {barbiers) (Monneret e de Ia Berge). 6. Não vem mencionado nos autores este symptoma, e sim as dores espontâneas ou provocadas pelos movimentos. (1). 7. Fraqueza muscular, fraqueza paralytica [paralytic weak- ness); os músculos extensores tornam-se completamente para- lyticos; o doente não pode caminhar com firmeza (barbiers) (Copland); dormencia, paralysia, c edema são os symptomas principaes (Aitken); fraqueza dos membros (Morehead); os mem- bros inferiores entorpecidos e fracos parecem quasi inteira-- mente paralysados (Monneret e de Ia Berge); affecção compli- cada muitas vezes de torpor e enfraquecimento das extremida- des inferiores (Fonssagrives e Méricourt.) (1) O único escripto em que vi mencionada a dôr d pressão sobre os mús- culos paralysados foi uma memória sobre o beriberi publicada em francez pelo Dr. Daumann, medico de marinha liollandeza; este illuslrado collega, em viagem para Java, fez-me a honra de me obsequiar na Bahia com um exemplar do seu trabalho em 1869, e asseverou-rne que a descripção das nossas paralysias, concorda exactamenle com a do beriberi por elle obser- Vtidona Índia. 104 8. Tacto embotado desde o principio; os mais sen- tidos perfeitos quando não sobrevém complicação cerebral. 9. Faculdades intellectuaes intactas nos casos não complicados. 10. Yoz fraca, e ás vezes rouca, no casos em que predomina a paralysia; entrecortada e suspirosa nos de anasarca. 11. Congestão passiva dos pulmões e do fígado, e derramamento no pericardio, pleuras, e peritoneu na forma edematosa. 12. Fadiga precordial, canceira da respiração com o menor exercício, chegando até á dyspnéa. Op- pressão epigastrica, anciedade. 13. Movimentos desordenados do coração,~e ás ve- zes um ruido de sopro systolico inconstante, e rhy- thmo triplice, reduplicando-se ora o primeiro, ora o segundo ruido. 14. Pulso variável nos diversos períodos, nas diffe- rentes formas da moléstia, mas geralmente mais ve- loz do que o natural, e, nos casos de anasarca, irre- gular em força e freqüência, e intermittente. 105 8. Symptomas apontados por todos os autores citados. 9. Funcções intellectuaes habitualmente intactas. (Fonssa- grives e Méricourt.) 10. Inarticulação e rouquidão da voz (barbiers). Copland.) 11. Serosidade derramada sempre na cavidade da pleura, e muito freqüentemente no pericardio; pulmões engorgitados de sangue negro, e mais ou menos cdemalosos; fígado crescido sempre, engorgitado de sangue, e de côr muito escura (carac- teres neroscopicos) (Christie, Bogers, Marshall e Hamilton, ci- tados por Copland). Edema dos pulmões, e derramamentos se- rosos nas pleuras e no pericardio; fígado e baço geralmente mais volumosos e engorgitados de sangue (caracteres necrosco- picos). Fonssagrives e Méricourt.) 12. Respiração opprimida, dyspnéa, grande anciedade, lei- polhymia, oppressão na região precordial, e sentimento de peso e plenitude no scrohiculus cordis (Copland, Aitken); alguma dyspnéa com sentimento de oppressão no epigastrio, que aug- mentam com o progresso da moléstia (Morehead); o embaraço da respiração é, de alguma sorte, o symptoma culminante da moléstia; é um dos primeiros phenomenos que se mani- festam; toma depois os caracteres da orthopnéa, e é acompa- nhado de uma sensação dolorosa de peso na região precor- dial (Fonssagrives e Méricourt, e todos os autores que teem observado a moléstia). 13. Palpitações do coração, ás vezes violentas; o coração di- lata-se, e dá ao ouvido um ruido de folie temporário (Aitken); palpitações freqüentes e irregularidade dos batimentos (Frons- sagrives e Méricourt); pancadas do coração tumultuosas; os phe- nomenos de desfallecimento alternam com as palpitações (Mon- neret e da Ia Bergej. 14. Pulso a principio mais ou menos rápido, pequeno e duro, ou pouco alterado; depois irregular ou intermittente (Co- plandj; pulsações enérgicas [full) nas grandes artérias, ao passo que o pulso pode variar nas extremidades (Aitken); pulso a principio fraco, mas regular, mais tarde pequeno, irregular, intermittente (Fonssagrives e Méricourt); ondulante (fluttering) (Morehead); algumas vezes batimentos cardíacos intensos, e fracos nas artérias (Malcolmson). 10(3 15. Inappetencia, algumas vezes vômitos, e poucas diarrhéa ou dyssenteria. 16. Lingua quasi sempre de aspecto normal a prin- cipio, conspucarda mais tarde, mas sempre humida, salvo nos casos complicados de febre. 17. Urina escassa, de côr carregada, chegando, ás vezes, a ter o aspecto de café fraco, e contendo mui raramente albumina. Ha, em alguns casos, anuria. 18. Edema, ligeiro a principio, mas extendendo-se muitas vezes a todo o corpo; face inchada; o edema é duro, como elástico, mal conservando a impressão do dedo; começa ordinariamente pelas extremidades, e vae gradualmente ganhando todo o corpo. 19. Augmento geral do volume do corpo, sem af- fectar muito a regularidade das formas; parece maior o augmento de volume ao nivel das massas muscu- lares. 107 15. Estômago irritavel (primeira fôrma da moléstia), perda do appetite {segunda fôrma), appetite conservado {terceira for- ma, ou benigna), symptomas dyspepticos com eructações ácidas (Aitken); vômitos freqüentes nos casos graves (Morehead); dôr epigastrica e vômitos muito dolorosos e muito obstinados em períodos adiantados da doença; appetite perdido; constipação or- dinariamente (Fonssagrives, Méricourt, Monneret e de Ia Berge), estômago muitas vezes irritavel especialmeute nos períodos adiantados do mal, e então são regeitados osingestos; constipa- ção (Copland). 16. Os caracteres da lingua não são notados pelos autores, o que não é de estranhar em uma affecção quasi sempre apyretica, e que só secundariamente interfere com os órgãos digestivos. Everard falia apenas da pallidez mortal {deadly pallor) da lin- gua (Aitken). 17. Urina pouco abundante, carregada na côr (high-coloured) e algumas vezes quasi supprimida (Copland e Morehead); dimi- nuída, côr escura, muito quente ao passar pela urelhra, de reaccão ácida quando recente, densidade de 1025 a 1040, e com excesso de uréa (Aitken); urinas raras, mais ou menos turvas, de côr vermelha, com ou sem sedimento, dando ao passar pela urethra uma sensação de queimadura; ausência d'albumina (Fonssagrives, Méricourt, Monneret o dela Berge); com pouca, ou, as mais das vezes, sem albumina (Le Roy de Méricourt) (*); urèa diminuída ao que parece (Monneret e de Ia Berge). 18, Edema geral, inchação balofa da cara [swollen and bloa- ted countenance; (Copland e Aitken). O edema é geral, e não so no tecido connectivo dos músculos, mas também no das visce- ras, etc, edema das extremidades que logo passa a anasarca geral ^Aitken, Morehead): o edema constitue o phenomeno ca- pital do beiiberi; começa quasi sempre pelas extremidades in- feriores, e segue uma marcha ascendente para todo o corpo: a face é, ás vezes, infiltrada desde o principio (Fonssagrives e Méricourt): face inchada e volumosa; intumescencia de toda a superfície do corpo (Monneret e de Ia Berge) Oudenhoven falia de uma forma polysarcica, falsa gordura devida á infiltração de tecidos que conservam a tonicidade normal (Fonssagrives e Mé- ricourt). 19. Aspecto geral inflado e balofo [a general puffed and bloated oppearance) (Morehead). (*) Na 5.» edição de Valleix. Guide duSléd.prat lom.l/pag. 568. 108 20. A pelle é árida e secca na forma paralytica; fria, azulada e marmórea na forma edematosa. 21. A transpiração cutânea é muitas vezes suppri- mida; aspecto geral de um certo grau d'anemia. 22. Apprehensão, tristeza e desanimo. 23. A morte sobrevém ora por asphyxia rápida ou lenta, ora subitamente por embolia, ora por exte- nuação gradual das forças. 24. O restabelecimento é sempre demorado e gra- dual, e é annunciado, ou por uma diminuição pro- gressiva da paralysia, ou, quasi sempre, por um au- gmento considerável da secreção da urina. Os doentes raras vezes voltam ao estado de sua perfeita saúde anterior, ainda que se julguem curados. 25. Observaram-se promiscua e simultaneamente casos das três formas da moléstia, edematosa e mixta (anasarca) e paralytica, e em alguns casos passaram os doentes de um a outro destes estados mórbidos. 109 20. Pelle quente e secca (Aitken); pelle roxa, livida (Monne- ret edela Berge); nos pontos edemaciados e pelle, cuja tempe- ratura é diminuída, como em todas as hydropisias, não offerece côr alguma anormal, salvo havendo coincidência com um estado escorbutico (Fonssagrives e Méricourt). Manchas echymoticas, menos vezes notadas por ser diflicil reconhecel-as na pele tri- gueira dos Indianos (Méricourt); quando sobrevém symptomas asphyxicos, a pelle é violacea e turgida; manifesta-se uma espécie de cyanose geral (Fonssagrives e Méricourt). 21. Anemia (Aitken); os symptomas cardíacos dependem, ou do estado anêmico adiantado, ou de embaraço mecânico por hydropericardio, etc; a pelle é habitualmente pallida e baça á principio (Fonssagrives e Méricourt). 22. Omittidos nos autores citados. 23. Sobrevém palpitações com um sentimento de suffocação, e a morte (Morehead), embaraço crescente da respiração, ten- dência â syncope; morte pelos progressos do estado cachetico, ou por derramamentos sorosos (Fonssagrives e Méricourt); a morte rápida pode ser devida, em alguns casos, a embolia (Ait- ken); o doente morre quasi em um estado de suffocação; toda a energia vital vae-se abatendo, e sobrevém a morte (barbiers) (Copland). 24. Pode haver uma cura temporária, mas são freqüentes as recahidas, c é morosa (lingering) a convalescença; o primeiro attaque deixa sempre alguns phenomenos desagradáveis (Ait- ken); o augmento d'esta secreção (urina) sob a influencia do tratamento é um dos melhores signaes (Fonssagrives e Méri- court). 2o. Freqüentemente se associam uma á outra (hydropisia aguda ou beriberi, e paralysia ou barbiers) sendo qualquer d'el- las a affecção primaria (Coplandi; casos que começam por bar- biers, tomam subitamente a mais fatal e aguda forma de beri- beri, e vice-versa; as duas espécies de casos grassam nos mes- mos logares, nas mesmas estações ecircumstancias, e reclamam o mesmo tratamento (MalcolmsonJ; é constante que o beriberi é freqüentemente acompanhado de perturbações nervosas da motilidade, estranhas á physionomia ordinária das outras hy- dropisias essenciaes, e que o barbiers pode accidentalmente, em período adiantado, acompanhar-se de certo grau d'infil- tração, etc. (Fonssagrives e Méricourt); podem considerar-se como dous graus da mesma moléstia estas duas circuinstancias pathologicas (barbiers e beriberi) que teem certas analogias entre si (Monneret e de Ia Berge). MO Eu poderia ainda levar por diante esta já não pou- co longa confrontação dos caracteres da moléstia ob- servada na Bahia com o barbiers e beriberi da índia, se quizesse comparar todos os phenomenos de me- nor importância que lhes são communs, no que não haveria utilidade correspondente á extensão que se- ria mister dar a este trabalho. Não omittirei, entre- tanto, ainda alguns notáveis pontos de analogia antes de concluir este assumpto. Sem fallar da similhança das lesões anatômicas, pois que são ainda pouco numerosas as autópsias que tenho podido fazer, notarei que ambas as mo- léstias teem uma marcha quasi sempre continua e progressiva, ainda que, muitas vezes, lenta, e que a duração é, na maioria dos casos, prolongada; raras vezes dura menos de duas semanas, e na forma pa- ralytica pode terminar ao cabo de muito mezes. Quanto á forma, também os autores que conside- ram beriberi e barbiers uma só moléstia, dão este ultimo como o beriberi chronico; e o Dr. Oudenho- ven, medico hollandez que escreveu em 1858, que observou o beriberi, e cujo trabalho eu vim a conhe- cer depois de publicados os meus primeiros artigos, admitte três formas d'esta doença, muito similhan- tes ás estabelecidas por mim, a saber: 1 .o paralyti- ca, 2.o hydropica, 3.o polysarcica, denominações que, como se vê, correspondem ás formas paralytica, edematosa, e mixta da moléstia observada na Bahia. O prognostico é grave em ambas; o beriberi é, ■111 segundo Waring, depois da cholera morbus, a mo- léstia mais fatal aos europeus na índia. (1) Todos os autores a consideram mortifera, posto que em pou- cos se achem dados estatísticos que possam esclare- cer-nos acerca da proporção ordinária entre os mortos e os atacados da doença. O Sr. Le Roy de Méricourt (Valleix ob. cit. tom. 1. pag. 569) dá as seguintes informações a este respeito: a bordo do Indien, de 107 casos observados por Guy, morreram 42; no Jacques Cmur, Richaud registrou 14 óbitos em 44 doentes; a bordo do Parmentier foi maior ain- da a mortalidade, a qual, por diversas causas, foi de 68 por cento dos passageiros. Segundo o citado Waring a mortalidade entre os soldados europeus na índia é superior a 26 por cento, e só de 14 entre os naturaes; é, porem, muito maior nas prisões onde chega a 36,5 por cento. Na moléstia que aqui observamos, se ha difFeren- ça na mortalidade é para mais e não para menos, por quanto em 51 casos falleceram 38, ou 74,50 por cento; e não obstante eu ter incluído na minha pe- quena estatística alguns casos que vi em conferência, e, por tanto, dos mais graves, creio que abstrahindo (1) Keilh Johnslon, no seu ramoso Physical altas of natural phenomcna. Londres 1HS6. pag. 118, menciona uma moléstia infllciosa observada em Gurwhal e Kumanun (Ásia) cuja mortalidade é apenas crivei 99 por 100, Co- meça por flores violentas seguidas de inchação de todo o corpo, e é fatal em 24 horas. Tem o nome de maha morrêe (morte eerta). Os míseros qun a con- trahcm são forçados a não sahir de suas aldeas, ou das cabanas, ao con- trario são perseguidos como cães daranados, tal é o horror que inspira 9 molejtia. 112 esta circumstancia, a mortalidade não seria, ainda as- sim, inferior a 50 porcento. Outro ponto importante de analogia é que o beri- beri tem sido observado endêmica e epidemicamen- te nas índias Orientaes, (continente e ilhas), até cer- ca de 20o de latitude ao norte do equador; na Costa de Malabar, golpho de Bengala, Àrchipelago índio, golpho pérsico, e Mar-Vermelho, &.; e para o Sul nas ilhas de Bourbon, Java e Mauricias, dentro do limi- te de 20o de latitude. Ora a moléstia de que nos oc- cupamos tem sido observada até agora na America do Sul, Império do Brasil, nas províncias da Bahia, Rio de Janeiro (1), e Matto Grosso (2) e, segundo toda a probabilidade, na republica do Paraguay tam- bém, isto é, dentro de uma zona de pouco mais de 20o de latitude sul e, por conseguinte, em condições climatericas similhantes. Por ultimo, as duas moléstias «ão efFeito de cau- sa desconhecida até hoje, e ambas teem quasi sem- pre zombado dos mais variados methodos de trata- mento. Escapa-nos a sua pathogenese, e quanto á sua natureza não se tem podido penetrar ainda o denso veu que no-la encobre. Será, pois, o beriberi a mesma doença observa- da epidemicamente na Bahia em 1866, e esporadi- camente em annos anteriores? Sem ousar affirmal-o (1) V. o interessante—Estudo para servir de base a uma classificação noso- logica da epidemia especial de paralysias que reinou na Bahio, pelo Sr. Dr. J. R.deMoura—Gazeta Medica ns. 26 e27. (2) V. Gazela Medica da Bahia n. 21 pag, 244 e 245, 113 desde já positivamente, acho muitíssimo provável que sim, e os leitores julgarão á vista da longa serie de pontos de analogia que resultam desta extensa confrontação dos principaes caracteres das duas mo- léstias. Pelo menos seria difficil estabelecer diffe- renças capitães entre ellas, ou achar outros dous es- tados mórbidos que mais se pareçam. O tempo, e es- tudos ulteriores mais extensos e accurados, (pois re- ceio que, infelizmente, haverá ainda occasião de observar a doença entre nós,) se encarregarão de julgar em ultima instância, e com provas irrecusá- veis, a sua identidade com o beriberi, ou de demons- trar as differenças, ainda desconhecidas, que por ven- tura a separam d'este, para o que temos muito a es- perar da anatomia mórbida, cujos estudos, se ainda são muito imperfeitos no que se refere á moléstia de que tratamos, também estão longe de ser uniformes e completos quanto ao beriberi e ao barbiers. As differenças notadas no quadro comparativo dos caracteres do beriberi, e da doença observada na Ba- hia são, na realidade, de pouca importância, e ver- sam, com effeito, sobre minúcias desprezadas, ou julgadas de pouco valor pelos observadores. N'este caso estão as dores á pressão sobre os músculos dos membros, que, embora freqüentíssimas, não são pri- vativas d'esta moléstia; a voz entrecortada e suspiro- saí a reduplicação dos ruídos cardíacos; o augmento de volume por edema intermuscular; a suppressão de transpiração cutânea, a depressão moral; as man- 8 114 Chás ecchymoticas etc. Quanto á diarrhéa e dyssen- teria, essas figuram antes na etiologia do que entre os phenomenos concomittantes da doença. Em conclusão: se não foi o beriberi e o barbiers a moléstia que temos observado na Bahia, e que outros práticos assignalaram também em outras províncias, é fora de toda a contestação que ella tem com elles a máxima similhança, e que será difficil provar a sua não identidade sem mais profundos conhecimentos da matéria do que aquelles de que actualmente po- demos dispor. Demonstrado que a doença observada na Bahia tem a máxima similhança com o beriberi e barbiers, pareceria, talvez, escusado comparal-a ainda com outras moléstias com as quaes ella offeiece maior ou menor analogia nos symptomas, mas que se dis- tinguem por outros caracteres, por circumstancias que as acompanharam, ou por condições especiaes de sua existência e desenvolvimento. Por tornar ain- da mais saliente aquella similhança, e também por não omittir neste quadro analytico nenhuma das nu- merosas affecções a que se possa, mais ou menos apropriadamente, comparar a moléstia de que me occupo, mencionarei ainda as seguintes em breve resenha, por não dar maior extensão a este trabalho. —As paralysias observadas em Lisboa de 1860 á 1864, em um asylo de orphãs, e magistralmente descriptas pelo Sr. professor Bernardino Antônio Go- mes (V. Gaz. Med, n.s 6, 7, 9 e 10) offerecem vários. 115 pontos de analogia com a forma paralytica da mo- léstia observada na Bahia, como sejam: l.»a forma epidêmica; 2.° a marcha lenta e progressiva; 3.o do- res nevrálgicas começando pelos membros inferiores, seguidas de enfraquecimento gradual e paralysia in- completa, mas a ponto de impossibilitar a marcha e a estação, podendo, entretanto, as doentes executar movimentos com os membros paralysados estando deitadas; a maior ou menor paralysia do sentimento chegando quasi á anesthesia completa; movimentos convulsivos; tristeza e abatimento de espirito; 3.o au- sência de dores na espinha, na maioria dos casos, de paralysia da bexiga e do recto, e de alteração nas urinas; 4.o phenomenos de dyspepsia; 5.° rebeldia ao tratamento pharmaceutico. Não obstante estes caracteres communs, a epide- mia de paralysias de Lisboa differe muito notavel- mente da observada na Bahia; entre outras pelas se- guintes considerações: 1.o não foi vista senão nos asylos de orphãs onde primeiro se manifestara, dando a pen- sar que só alli se achava a causa efficiente da moléstia; 2.o foi em algumas epochas de sua duração acom panha- da de cegueira crepuscular,e de vômitos espasmodicos; 3.°não se lhe notou aquelle aperto em roda do tronco, a modo de cinta, que tão freqüentes vezes foi observado na Bahia: 4o raras vezes passaram os phenomenos de paralysia alem dos membros inferiores, tomando an- tes a fôrma paraplégica; 5.o finalmente, e esta é mister convir que é muito notável differença, as paralysias 110 de Lisboa não causaram a morte em um só caso, entretanto que nos observados entre nós em 1866, considerando sò a forma chamada propriamente pa- ralytica, isto é, em que os phenomenos paralyticos eram os mais prominentes, a mortalidade foi de 19 em 28, ou de 67, 85 por cento! Poder-se-ha dizer, entretanto, que entre as duas moléstias ha apenas uma differença de intensidade; mas as epidemias dos asylos de Lisboa, que se ma- nifestaram por quatro annos successivos, tomaram feições variadas, ora as paralysias do movimento, ora a hemeralopia, ora os vômitos nervosos. Os dis- tinctos observadores que na imprensa e na Socie- dade de Sciencias Médicas discutiram a natureza de tão singulares manifestações mórbidas, consideram- n'as alguns como paralysias reflexas, e outros como phenomenos hystericos, opiniões que, em relação á moléstia observada na Bahia, de nenhum modo po- deriam ser justificadas pelo que d'ella sabemos. As causas de ambas as epidemias não foram, sem duvida, as mesmas; actuaram, talvez, em muitos ca- sos, sobre os mesmos pontos do systema nervoso, e deram, naturalmente, origem a phenomenos aná- logos. Demais, a moléstia entre nós era tão uniforme na sua physionomia, tão grave nas desordens succes- sivas de funcções importantes, tão fatal nos seus re- sultados, que não é possivel consideral-a idêntica á que observaram os nossos collegas de Lisboa, só pela 117 similhança de alguns dos seus mais apparentes symptomas. —A paralysia dos membros inferiores attribuida á ingestão de uma espécie de ervilha, Lalhyrus sativus, observada na índia ingleza por Court e pelo Dr. Ir- ving em varias povoações da margem esquerda do rio Jumna ou Djomnab, coníluente do Ganges, começa por fraqueza nos lombos, rigeza dos joelhos, dôr e debilidade dos músculos das coxas, andar incerto e vacillante, e chega, mais ou menos rapidamente, á paraplegia completa, podendo até ser fatal se a dose do veneno for considerável. Ás vezes apparece a pa- ralysia de um dia para outro. É na farinha de trigo que se tem encontrado esta substancia, e o pão pro- duz os effeitos tóxicos referidos sempre que o La- thyrus sativus entra na sua composição em quanti- dade maior de uma duodecima parte (1). O Lathyrus cicera, e o Ervum ervilia produzem effeitos análogos que foram observados no continente da Europa onde os estudaram alguns hygienistas (2). Além da visível differença entre os symptomas d'esta moléstia, ou, mais propriamente, d'este enve- nenamento, e os das paralysias observadas na Bahia, cabe aqui recordar o que deixei dito em referencia ao ergotismo e á trichinose, isto é, que são estados mórbidos observados em grupos mais ou menos nu- (1) V. Meryon—On paralysis. Lond. 18ô4. Ailken ob. cit. tom. \» pag. 814, e sobre os effeitos de outras espécies de Lalhyrus, Taylor— Onpoisons-Lonã. 1858, pag. 535. (2) Vilmorin, Annales d^kygiène 1847, London e outros. 118 merosos de pessoas que participaram de uma ali- mentação inquinada de substancias nocivas, e já re- conhecidas como aptas a produzir aquelles effeitos. —No morbus Addisonii, ou pelle bronzeada faltam muitos, e dos principaes symptomas da moléstia de que me occupo; os seus caracteres prominentes, como os resume o próprio Dr. Addison (1) na sua importante memória sobre esta affecção singular, são os seguintes: anemia, languidez e debilidade geral; fraqueza notável da acção cardíaca, irritabilidade do estômago, e uma mudança peculiar na côr da pelle, associada a um estado mórbido das cápsulas supra- renaes. Parece, á primeira vista, que não seria possível confundir taes caracteres com os da moléstia obser- vada epidemicamente em 1866: e hoje que os sym- ptomas d'esta ultima são mais conhecidos, e suffi- cientes para dar-lhe umaphysionomia própria, não se- ria muito provável similbante confusão; nem eu tra- ria para este já extenso quadro comparativo a mo- léstia de Addison, se, em epochas anteriores aquelle anno, se não tivessem dado, que eu, saiba, dous ex- emplos de uma moléstia, que hoje admittimos ter si- do idêntica á de 1866, em cujo diagnostico, ou antes para cuja pathogenia se deu como mais que prová- vel a existência da degeneração especifica das cá- psulas supra-renaes. Um foi em agosto de 1868. O (1) On lhe constitutional and local efíeets of ãiseaie of thc supra-renal eapsules. Lond. 1835 p. 4 in foi. 119 doente era homem de 35 a 40 annos, portuguez, de côr muito morena, de vida um tinto desregrada até quatro ou cinno annos antes, (epocha em que se casou) e que abusara sempre dos alcoólicos. O quadro symr ptomatico era exactamente o que offereee aquella for- ma da doença que eu designei pelo nome de mixta. A anemia, a inchação geral, a fraqueza muscular, com impossibilidade da estação, a tez muito morena, e que ainda se tornou mais escura no decurso de mais de dous mezes, (ao cabo dos quaes terminou fatal- mente a moléstia), e, alem d'isso, perturbação notável das funcções digestivas, tudo isto parecia justificar a idéia de doença de Addison apresentada pelo me- dico assistente, e acceita por alguns dos facultati- vos que compareceram a varias conferências, e en- tre os quaes me achava eu. A ausência de lesões manifestas que explicassem aquelle quadro symptOr matico, e a sua notável similhança com o da doença bronzeada levaram-me a associar-me ao diagnostico do meu distincto collega, que reconhece hoje, assim como eu, que o caso era, sem duvida alguma, da singular affecção que reinou em maior escala o anno passado (1866).. O segundo caso era de um homem, também por- tuguez, de 40 a 50 annos, bastante moreno, robusto, residente em Maragogipe. Os symptomas eram muir to análogos aos do primeiro; um estado geral anê- mico acompanhado de côr carregada, escura, quasi negra em alguns pontos da pelle; inchação geral du- 120 ra, fadiga da respiração, paralysia incompleta das pernas, escassez da urina, etc, sem nenhuma lesão visceral manifesta que explicasse tal associação de phenomenos. Neste caso, que foi também fatal em algumas semanas depois da chegada do doente a esta cidade, e cujo tratamento foi dirigido pelo mes- mo collega assistente do primeiro, ventilou-se a mesma questão de diagnostico; mas, d'esta vez, com menos confiança na probabilidade de ser aquella amo- lestia bronzeada. Vi este doente em conferência, e creio hoje, e igualmente o illustrado collega que o tratava, que a doença não era senão a que tivemos depois a combater em maior escala no anno se- guinte. Vemos, pois, que dous caracteres d'aquelles casos não foram tomados na sua verdadeira significação; um foi o bronzeado da pelle em indivíduos muito morenos quando em estado de saúde, circumstancia que atenua o seu valor diagnostico; o outro foi a manifesta paralysia das extremidades inferiores, e não simples fraqueza muscular, como a de que nos faliam os authores que descrevem a moléstia de Ad- dison, e como já foi observada aqui na Bahia em um caso de pelle bronzeada, que não ofierecia a mí- nima duvida, e que pertence á pratica do meu amigo o Sr. Dr. J. Paterson. Ve-se, pois, que a pelle bronzeada em indivíduos de côr clara anteriormente, e a paralysia dos membros inferiores poderão, em muitos casos, servir para auxiliar o diagnostico dif- 121 ferencial, especialmente quando estes symptomas fo- rem bem pronunciados. Accresce ainda, como cara- cter distinctivo, que o mal de Addison nunca foi observado reinando epidemicamente. Alem d'isso, a anatomia pathologica liga a existência d'esta doença á desorganisação das cápsulas supra-renaes, lesão que eu não encontrei em um caso bem manifesto das nossas paralysias, único, é verdade, em que procu- rei verificar o estado d'aquelles ainda hoje mysterio- sos órgãos. Não pareçam, entretanto, escusadas estas breves considerações acerca dos caracteres distinctivos de duas moléstias tão diversas na apparencia; não só os dous casos acima apontados justificam esta compara- ção, mas ainda a circumstancia de se encontrar a moléstia de Addison descripta entre as cachexias, em um moderno e estimado tratado de pathologia, (1) na mesma linha de classificação que o beriberi, affeção, como ja mostrei, muito análoga, senão idêntica á que faz o objecto d'estes estudos. Quando me occupar da pathogenese das paralysias da Bahia, terei que recorrer a alguns factos interes- santes da anatomia pathologica do morbus Addisonii, revelados por investigações recentes, e que podem, se não esclarecer-nos satisfactoriamente acerca de alguns pontos mais obscuros da moléstia que estu- damos, ao menos dirigir as nossas pesquizas, por di- reito caminho, a mais profícuos resultados. Refiro- ['.) Ailkcn, ob. cit. tom. 2." p. T4. 122 me ao exame necroscopico do systema nervoso da vida orgânica. Julgo inútil accrescentar a este já tão longo quadro comparativo a confrontação de algumas outras affec- ções de mais remota, e menos manifesta analogia com a affecção que nos occupa, taes como a cache- xia paludosa, saturnina e outras, o rheumatismo muscular, algumas outras espécies de paralysias ainda não mencionadas, a ataxia da motilidade, etc. etc, não só porque são obvias as differenças que re- sultam da mais simples comparação dos symptomas, como também porque a maior parte d'ellas não é susceptivel de um desenvolvimento endêmico, nem epidêmico. Concluindo esta parte do meu trabalho não tenho a pretenção de haver incontestavelmente provado a identidade do beriberi com a moléstia observada na Bahia; mas ainda quando a demonstração não dê margem á minima duvida, o que temos nós adean- tado com ella? Ficamos apenas sabendo que em outros paizes, ou- tros práticos antes de nós observaram aquella mesma doença, conhecida lá com os nomes de beriberi e barbiers, nomes com os quaes importamos também a obscuridade que ainda reina sobre a affecção, ou affecções que elles designam. Dizer, por tanto, que as paralysias da Bahia não são outra cousa senão o beriberi não é, de certo, ex- plical-as, é antes contrahir a obrigação de redobrar 123 de exforços, de multiplicar as investigações para chegar ao mesmo tempo á verdadeira solução d'este duplicado problema, a saber: se são realmente idên- ticas as duas moléstias, e, no caso affirmativo, qual seja a sua natureza. (V. o appendix D.) XII. PROGNOSTICO. A gravidade d'esla moléstia deduz-se facilmente dos casos que deixei referidos em outra parte d'este escripto, e da estatistica. (1) É uma moléstia seria quando esporádica, e gravíssima quando reina epide- micamente. No primeiro caso é, de ordinário, de marcha lenta e prolongada, fácil de confundir com outros estados pathologicos de symptomas análogos; mas susceptível de modificar-se em sentido favorá- vel, ou pelos esforços da natureza, ou por um trata- mento symptomatico dirigido a corrigir as desordens funccionaes de alguns órgãos, especialmente as dos systemas circulatório, absorvente e secretorio. Foi o que aconteceu em numerosos casos occor- ridos isoladamente n'estes últimos 15 ou 20 annos na clinica particular de alguns collegas, e na minha própria, e sem que ainda então houvesse a menor suspeita de uma endemia especial, ou de uma mo- (1) V. pag. 73 e seguintes, e o appendix B no fim. 124 lestia nova no paiz. Mas, ainda assim, as condições de saúde anterior em que se achava o doente, as con- dições hygienicas a que esteve ou está exposto, o seu modo e hábitos de vida podem modificar o juizo do medico acerca da duração, e do êxito final da mo- léstia. N'este particular, porem, não tenho dados muito positivos, pois apenas disponho de reminiscencias da observação clinica occasional, que não tinha por fim um estudo individualisado de uma affecção especial. Entretanto, na epidemia de 1866, as informações mais exactas, as inferencias derivadas do estudo pra- tico da moléstia, levam a consideral-a como uma das mais graves de quantas jamais foram observadas no Brazil. Com effeito, a estatistica de 51 casos dá uma mor- talidade de 31, ou na proporção de 74,50 por cento, proporção superior á das peiores epidemias de cho- lera-morbus e de febre amarella, os dous mais ter- rives flagellos que teem visitado este paiz. O prognostico varia segundo a forma da doença: assim, segundo a citada estatistica, vemos que a forma paralytica foi a menos grave das três, na qual os ca- sos fataes foram 19 em 28, ou na razão de 67,85 por cento; entretanto que na edematosa foi de 9 em 12, ou na razão de 75 por cento, sendo a mixta a mais grave de todas, pois de 12 doentes só um se curou, offerecendo a proporção de 90, 90 por cento. Com quanto esta estatistica comprebenda um nu- ■125 mero muito limitado de casos, dá, comtudo, uma idéa aproximada da gravidade relativa das três formas da doença. Nos indivíduos que abusam das bebidas alcoólicas, e nos quaes mais freqüentemente se observam as formas edematosa e mixta, a terminação da moléstia é quasi sempre fatal, acerescendo ainda que n'estes, ou porque reincidam no vicio, ou porque a economia deteriorada não offereça tanta resistência como nas condições oppostas, são freqüentíssimas as recahidas, diminuindo assim as já fracas esperanças de cura permanente. Nas mulheres, que são quasi sempre attacadas da forma paralytica, a moléstia é um pouco menos mor- tífera nas puerperas. Os signaes prognósticos principaes derivam-se das perturbações funccionaes dos órgãos da circulação, respiração, e também dos secretorios e dos da in- nervação. Um pulso pequeno, intermittente e accelerado, coincidindo com palpitação, ou movimentos tumul- tuosos do coração, anciedade, dyspnéa, inchação ge- ral, côr livida ou marmórea da pelle, denotam perigo imminente de uma terminação fatal; se n'estas cir- cunstancias sobrevém delírio, ou simples e ligeira perturbação de idéas, com tendência a um somno que é interrompido por accessos de suffocação, deve re- ceiar-se morte próxima; o mesmo se deve também esperar se ha grande escassez, e ainda mais se ha 126 suppressâo da urina, e quando á anasarca se reúne a paralysia mais ou menos pronunciada, ou a dor- mencia das extremidades. Uma diurése abundante, acompanhada de diminuição da dyspnéa e da ana- sarca, é, pelo contrario, presagio favorável, pois nestes casos é sempre com augmento da secreção urinaria que começam as melhorias, quando a mo- léstia vem a terminar pela cura permanente ou tempo- rária. Na forma paralytica da doença o caso é tanto mais grave quanto mais extensa é a paralysia: se esta, que de ordinário começa pelos membros inferiores, se propaga aos superiores também, e se o doente accusa constricção em roda do tronco, e, sobre tudo, se es- tes symptomas tendem a aggravar-se, deve-se sus- peitar um êxito desfavorável; quando á paralysia so- brevém a dyspnéa, com oppressão precordial, a fra- queza e rouquidão da voz, com difficuldade de en- gulir, ou engasgo, como se exprimem alguns doentes, a terminação é quasi inevitavelmente fatal; a pertur- bação da memória é sempre mau signal, assim como os sobresaltos musculares ou convulsões parciaes, e o edema dos membros paralysados, que geralmente apparece em período adeantado da moléstia. O apparecimento súbito da paralysia é também uma circumstancia de mauagouro: todos os casos de que tenho conhecimento, nos quaes os doentes sen- tiram quasi de súbito enfraquecerem-lhes as pernas, e dobrarem-se sob o peso do corpo, sem nenhum 127 outro symptoma dos que costumam preceder a mo- léstia, todos, sem excepção, foram fataes. XIII. ETIOLOGIA. Determinar qual a causa productora da moléstia de que me tenho occupado n'este trabalho, é certa- mente um dos pontos mais difficeis da minha tarefa; os escassos, insufficientes e incompletos dados de que disponho sobre este importante assumpto, não me permittem, infelizmbete, sahir do campo vago das conjecturas; esta obscuridade, quanto á etiologia e pathogenia de tão singular moléstia, é commum ainda hoje a muitas outras affeções, aliás bem estu- dadas e conhecidas a outros respeitos. O que me parece poder-se inferir do modo de de- senvolvimento, e ordem de manifestação dos symp- tomas, das perturbações funccionaes dos apparelhos de sanguificação, secreção e mnervação, da marcha ordinariamente lenta e progressiva, e da terminação tão freqüentes vezes fatal da moléstia, é que a todas estas desordens precede uma intoxicação do sangue. De outra sorte se não poderiam comprehender, não só aquelles phenomenos pathologicos para os quaes a observação clinica e a anatomia mórbida não pode- ram ainda achar causa manifesta, e de outra ordem, que 128 os explique satisfactoriamente, como também se não daria razão do desenvolvimento epidêmico occorrido no ultimo semestre do anno passado. Qual seja porem, o agente d'essa intoxicação previa do sangue, onde e como se produz, é o que se não pode, por em quanto, averiguar. Mas é certo que esse agente, qualquer que elle seja, e que a similhança perfeita dos effeitos nos induz a reputar análogo ao que produz o beriberi, se é que causas e effeitos não são respectivamente idênticos, tem as condições de sua existência e desenvolvimento mais particular- mente na zona intertropical, ou até pouco alem d'ella, e parece depender de circumstancias climatericas especiaes, como acontece com outras moléstias en- dêmicas, susceptíveis ou não de extenderem-se epi- demicamente. Assim, existem no globo reinos de mo- léstias, como existem reinos de plantas e de animaes, e que são determinados principalmente por condições thermometricas, meteorológicas e telluricas análogas, ao norte e ao sul do equador. Os seres vivos, assim como as doenças correspondem-se nos dous hemis- pherios, como se correspondem as condições cli- matericas das varias zonas isothermicas do globo (1). O grande reino das doenças tropicaes, comprehen- dido entre os limites isothermicos de uma tem- peratura media de 77o Fhr. ou 19o Réaumur, conta ao sul e ao norte da equinocial avultado numero de (1) V. a este respeito o jà citado mappa de Keith Johnston p. 25, e Aitken ob. cit. yo1. 2.° p. 013 e seguintes. 129 moléstias peculiares a estas regiões do globo, e que offerecem por toda a parte as mesmas feições cara- cterísticas; seria anomalia não encontrar-mos ao sul do equador, e em latitudes correspondentes, o be- riberi do Malabar e de Ceylão; com effeito, esta doen- ça foi observada nas ilhas de Java e Bourbon; e em um navio sahido de Santa Helena manifestou-se ella abordo poucos dias depois (I); e agora observamos no Brasil, e ainda na área do grande reino das moléstias tropicaes, as nossas paralysias e anasarcas, em tudo análogas, senão idênticas ao barbiers e beriberi. Infelizmente, aqui como na índia, e nas demais re- giões da grande zona intertropical, sabe-se apenas que as condições climatericas favorecem a causa es - pecial d'esta, e de outras doenças que lhe são pecu- liares, sem, comtudc, nos revelarem qual essa causa seja em si mesma. Em quanto a sciencia não devassar esses myste- rios; em quanto o estudo dos effeitos observados, ou algum accaso feliz não romper o veu que nos occulta o agente desconhecido que os produz, contente- mo-nos com investigar quaes as condições que favo- recem, e tornam mais freqüente e mais grave a molés- tia resultante da sua acção. O calor e a humidade parece que tiveram influencia notável sobre o desenvolvimento da moléstia o anno passado, assim como as alternativas nas condições (1) V. Cuy, these de Montpellier, 1861, citadi m Valleix, on. ctt. tom. l.« pg. 5(5S. 9 130 -climatericas e thermometricas em geral; é o mesmo que em relação ao beriberi nos dizem os auto- res que se occupam d'esta, e de outras moléstias dos trópicos. O Dr. Aitken (1) diz que os miasmas palu- dosos, e as mudanças no clima e na temperatura, as águas impuras, etc, são apontadas como favoráveis á evolução do beriberi; que o caracter anêmico da doen- ça tende a fazer crer que converge para o mesmo resul- tado tudo aquillo que conduz á pobreza de sangue. Não só pela minha própria observação, mas prin- cipalmente porque é facto consignado em um do- cumento official de origem insuspeita, occorreram o anno passado circumstancias meteorológicas taes, que não podiam deixar de influir consideravelmente na saúde publica; estas circumstancias precederam por algum tempo, e acompanharam o desenvolvi- mento epidêmico da moléstia de que me occupo. Com effeito, no relatório da Inspectoria dií Saúde, elabo- rado pelo distincto professor da faculdade, o Sr. Dr. Góes Siqueira, encontro a seguinte passagem (2): (( Sob a influencia de uma temperatura assaz ele- vada, sobrevieram trovoadas, acompanhadas de co- piosas chuvas. A despeito d'estas a temperatura não baixou, permaneceu, ao contrario, mormente em todo o decurso dos mezes de março e abril, sempre alta, e com bastante humidade, reinando com mais fre- qüência os ventos do quadrante do norte. » (1) Obr. cit. tom: ü p. 89. (i) v. Gazct. Med. n.' 16 p, 189. 131 « Tão profundas modificações meteorológicas, além da parte que poderiam ter causas meramente locaes, por certo que muito concorriam para crear maior somma de elementos pathogenicos. Foi, em verdade, o que succedeu, etc. » Foi, com effeito, depois d'estas mudanças meteo- rológicas notáveis que a moléstia tomou o caracter epidêmico mais pronunciado, isto é, no segundo se- mestre do anno, sendo o seu máximo de intensidade nos mezes de outubro e novembro, e tendo havido, alem d'isso, e justamente nos mezes indicados pelo nosso collega, isto é, março e abril, um crescimento notável na freqüência dos casos, em relação aos dous precedentes, e aos dous seguintes, como se vê pelo mappa estatístico. Condições análogas se deram igualmente nas localidades onde se observou uma moléstia com os mesmos caracteres, no Recôncavo desta província, nas Lavras diamantinas, em Matto- Grosso, e também no Paraguay, onde os periódicos noticiaram ter havido freqüentes innundações etc. Teriam as emmanações palustres alguma influencia no desenvolvimento da moléstia? É provável que a in- fecção paludosa entre no numero das causas que pre- dispõe á doença empobrecendo o sangue, do mesmo modo porque o fazem outras que deprimem a ener- gia vital, como seja o abuso dos alcoólicos, as he- monhagias profusas, ou repetidas, as affecções mo- raes tristes, muitas moléstias chronicas etc Mas quan- to a reputar o miasma paludoso a causa productora 132 4a moléstia, como parecem propensos a fazel-o al- guns collegas, eu julgo dever offerecer em contrario as seguintes considerações. 1. A cachexia paludosa pode ser produzida algu- ma vez sem que a precedam accessos de febre inter- mittente, mas por excepção devida, ou a não reagir o organismo contra o agente tóxico por tolerân- cia, ou falta de forças, ou por idiosyncrasia ou ha- bito peculiar de cada indivíduo; mas por cada uma d'estas excepções contam-se grande numero de pes- soas que softrem sezões propriamente ditas. Ora aqui na Bahia não observamos o anno passado maior numero de casos de febre intermittente do que nas estações correspondentes de outros annos. 2.» Se alguns doentes tinham habitado localidades pantanosas, como o Engenho da Conceição, alguns subúrbios da capital, e outras mais ou menos sugei- tas a febres intermittentes, residiam outros na Feira de SanVAnna, e a maior parte d'elles aqui no centro da cidade, em logares mais resguardados d'emana- eões palustres. 3.a A moléstia que observamos o anno passado, quando não complicada, foi sempre apyretica e con- tinua, e mostrava feições muito diversas da cachexia paludosa, ou malaria-chlorosis de Vogel, corno or- dinariamente a encontramos na pratica, mormente na do hospital. 4.» O tratamento susceptível de modificar em sen- tido favorável, e até de curar, ás vezes, esta ul- 133 tima affecção, como seja o tônico ferruginoso, com os preparados de quina etc. não pareceu influir na marcha progressiva da moléstia de que me occupo: (V. o appendix E.) O agente morbifico paludoso, portanto, podia,. como todas as causas debilitantes, como um obstá- culo á boa sanguificação^ e ás operações intimas da chimica viva, predispor o organismo á moléstia que reinou entre nós o anno passado, sem, comtudo, ser capaz de a produzir por si só; accresce ainda que o veneno palustre encontra-se produzindo sempre os mesmos effeitos em muito variadas latitudes nos di- versos continentes do globa, e as nossas anasarcas e paralysias teem as suas congêneres, o beriberi e o barbiers, (se não são individualidades mórbidas idên- ticas,) unicamente entre os trópicos, e em condições- elimatericas e thermologicas similhairtes, como jjá precedentemente demonstreL Pelo que respeita ao beriberi, pensam alguns au- tores que elle é producto de um veneno miasmaticOr Fonssagrives e Méricourt inclinam-se a este modo de ver, por ser a moléstia observada,, de ordinário, a curta distancia da beira-mar, (40 a 60 milhas segundo Ha- milton e outros). « La prédilection particuhère du beriberi pour le littoral, dizem elles (1), indique naturellement que son domaine se confond avec celui des affections palustres. » Oudenhoven é da mesma opinião, isto é, que a affecção é de origem miasma- (!)Mém.cU.pag.30, ■134 tica, mas sem determinarem, nem elle, nem aquelles autores, qual o grau de parentesco entre o miasma productor do beriberi, e o miasma palustre, o que dá a entender que não consideram idênticas, nem as moléstias nem as causas que lhes dão origem. Para o nosso caso a razão da pouca distancia do lit- toral não podia ser acceita, pois que a moléstia reinou indubitavelmente em Matto Grosso, a mais de 150 léguas da costa do Atlântico, e a muito maior dis- tancia ainda do Mar Pacifico. Se a doença, pois, consiste em uma intoxicação paludosa, é mister admittir que o miasma que a pro- duz é difterente do que produz as febres intermit- tentes, e a cachexia palustre como nós a conhecemos. Como observa Chiistie, as pessoas de hábitos in- temperantes, e já adiantadas na edade são mais pro- pensas a contrahir o beriberi na ilha de Ceylão; acon- teceu o mesmo aqui com a nossa epidemia do anno passado; bom numero dos indivíduos attacados leva- vam vida desregrada, e principalmente abusavam das bebidas alcoólicas; e nestes prevaleceram as formas edematosa e mixta; e segundo o mappa estatístico n. 4, a maior frequeucia da moléstia foi no período dos 21 aos 41 annos, que é justamente a epocha da vida mais apta aos vícios, e aos abusos e desrega- mentos de toda sorte. Estas circumstancias ainda mais concorrem a approximar o beriberi da moléstia de que me occupo. Alguns doentes que tive a tratar no Hospital vi- 135 nham da Casa de prisão com trabalho, do Asylo de mendicidade, ou eram pessoas indigentes, e, portanto^ cercadas das peiores condições hygienicas; mas este ponto de etiologia perde muito do seu valor consi- derando que na clinica civil tive a tratar, e vi em conferência, doentes que tinham sempre vivido erm bom estado de fortuna, e em bairros e habitações salubres, e eram de hábitos regulares e temperantes. Convém notar que todos os indivíduos affectados foram, ou pessoas nascidas e residentes no paiz, ou aclimatadas n'elle desde muito tempo, circumstancia que marca mais uma analogia etiologica da nossa" moléstia com o beriberi. Passo, porem, agora a outro ponto que parece, ao contrario, estabelecer notável differença entre estas affecções. Dos numerosos autores que pude consultar sobre esta matéria, sem exceptuar aquelles que con- sideram beriberi e barbiers uma só moléstia, só os Srs. Fonssagrives e Méricourt (que aliás as reputam distinctas) faliam da sua freqüência em relação aos sexos, er assim mesmo, n'estas lacônicas palavras: cc Relativementau sexe, les femmesparaissent,comme les enfants, jouir, sous ce rapport, d'une immunité remarquable. » Mas, como se vae ver, esta differença é apparente, e depende do modo porque estes auto- res comprehendem o beriberi e o barbiers. Eu tenho considerado, e mais adeante me esforçarei por justificar esta opinião, os estados mórbidos aná- logos aquelles, observados entre nós, como uma só 130 moléstia manifestada sob três formas differentes, re- ductiveis a duas, a paralytica, ou congênere do bar- biers, a edematosa e a mixta, congêneres do beriberi. Ora, da minha pequena estatistica resulta que de 51 casos 28 occorreram em homens, e 23 em mulheres; e, de mais, que dos 28 homens em 7 se manifestou a forma paralytica, e em 21 as outras duas formas; que das 23 mulheres a forma paralytica foi obser- vada em 21, e a mixta em 2. Vê-se aqui, pois, claramente uma notável immu- nidade das mulheres em relação ás formas edemato- sa e mixta, isto é, aos estados mórbidos congêneres do beriberi. Deixando, porem, de parte o que diz respeito a uma analogia mais que sufficientemente demonstra- da, e que ninguém provavelmente contestará, veja- mos que deducções se podem colher d'estes dados estatisticos em referencia á etiologia. A primeira é que o sexo masculino é particularmente predisposto á forma edematosa, e o feminino á paralytica; mas a mais notável é que o estado puerperal é uma das mais freqüentes predisposições á forma paralytica da doença; com effeito de 21 mulheres affectadas de paralysia 9, ou quasi metade, eram puerperas, ou adoeceram no ultimo período da gravidez. A anemia relativa que este estado, e muito mais o puerperio tra- zem á mulher poderá, até certo ponto, motivar esta predisposição, sem, entretanto, explical-a satisfato- riamente. 137 Vê-se, pois, que a moléstia accommette o homem especialmente no período estacionario do seu vigor physico, e principio da decadência, e a mulher na força da edade fecunda; pois, recorrendo ainda aos dados estatísticos, acha-se que a máxima freqüência no homem é dos 41 aos 50 annos, e na mulher dos 21 aos 30. Posto que eu não tenha feito estudo algum espe- cial sobre a freqüência relativa da moléstia segundo as raças, estou, comtudo, habilitado a affirmar que nenhuma parece isempta do alcance das suas aggres- soes; pois vi soffrerem d'ella brancos e pretos, eu- ropeus e naturaes, africanos e crioulos, mestiços etc notando-se, porem, como ja fiz ver, que todos os es- trangeiros que tratei, ou vi em conferência, eram perfeitamente aclimatados no paiz. Mencionarei, por ultimo, e unicamente por memó- ria, uma causa á qual já ouvi attribuir as nossas pa- ralysias; é a intoxicação das águas que servem para bebida á população da capital, quer pelos encana- mentos de chumbo que as levam ás habitações, quer pelas enormes quantidades de arsênico lançadas an- nualmente á terra para combater o maior inimigo da cultura suburbana, e dos jardins, a formiga. Por este lado, entretanto, creio que podemos estar tranquillos; alem da differença que, logo ao mais ligeiro exame, se nota entre as paralysias observadas o anno pas- sado e as produzidas pela absorpção lenta e conti- nua do chumbo e do arsênico, occorre que a moles- 138 tia preexistiu esporadicamente nesta cidade ao en- canamento das águas do Queimado; e, alem d'isso, a explicação não comprehenderia os casos observados nas Lavras, Feira de Sant'Anna, Matta de S. João, e outros muitos, totalmente fora d'essas condições, e muito menos nos desertos de Matto Grosso e do Pa- raguay, onde a doença tem dizimado as tropas ex- pedicionárias. Tal supposição, portanto, é absolutamente inad- missivel, pois oppoem-se a ella concordemente os fa- ctos e a observação clinica. Resulta do que precede, que a causa productora da moléstia nos é totalmente desconhecida, mas que certas condições climatericas eindividuaes favorecem o seu desenvolvimento, mormente aquellas que levam á anemia, que precede na maioria dos casos, e acom- panha sempre a evolução d'esta singular doença. Ora a anemia é, segundo a authorisada affirmativa de Sir Ranald Martin, (1) e a observação de todos os medi~ cos dos paizes quentes, o estado mais commum dos inválidos, e valetudinarios nas regiões Iropicaes. (\. o appendix E.) (1) Oq disoscascs of tropical cllmaics. 139 XBV. NATUREZA DA MOLÉSTIA; PATHOGEMA. São de tal sorte ligados um ao outro estes dous assumptos, isto é, o modo de comprehender a do- ença e o de explicar a sua producção, que me pa- receu conveniente reunil-os no mesmo capitulo. ílydropisia e paralysia com fraqueza geral, taes são, como já em mais de um logar fica dito, os phe- nomenos mais constantes da moléstia, sendo os dous primeiros, reunidos ou predominando um sobre o outro, os que determinam as suas ires formas. Julgo escusado recordar também ao leitor as ra- zões em que me fundei para considerar a coexis- tência, ou o predomínio da anasarca ou da paralysia, como formas da mesma affecção, e não como enti- dades pathologicas distinctas. Na extensa e minuciosa confrontação que fiz dos ca- racteres da moléstia que observamos na Bahia com os de outras que teem com ella mais ou menos no- tável similhança, vimos que é com o beriberi e bar- biers, ou se encarem como uma só ou como duas af- fecções distinctas, que ella tem taes e tão constantes parecenças, que se não pode quasi duvidar que se- jam estados pathologicos idênticos; opinião para a qual propendo cada vez mais á proporção que vou 140 colhendo informações da existência indubitavel do beriberi em outros paizes intertropicaes, fora do es- treito domínio geographico que lhe assignavam até ha pouco tempo alguns autores. É certo que os mé- dicos da marinha franceza, e mais particularmente ainda os hollandezes a teem estudado nas respectivas colônias, e em viagens marítimas, exactamente com os mesmos caracteres distinctivos que aqui lhe co- nhecemos. Na ilha de Cuba foi observada uma mo- léstia, que no paiz denominam hinchazon de los ne- gros y chinos, que tem perfeita similhança com a que aqui observamos, e com o beriberi, a ponto do Sr. Dr Leroy de Méricourt, uma das mais competen- tes authoridades na matéria, não hesitar em reco- nhecer entre estes três estados pathologicos—uma notável analogia, se não uma identidade completa nos phenomenos principaes (1). Este illustrado collega, e sábio escriptor, em uma communicação que me fez a honra de dirigir, pro- nuncia-se formalmente pela identidade da moléstia que observamos na Bahia com o beriberi. Seja-me permittido citar aqui as suas próprias palavras: « Les notions si nettes, si precises que vous donnez cc ne laissent dans mon esprit aucun doute sur le dia- « gnostic; c'est bien,autant qu'il est permis d'en juger (1) V. Gaz. Med. n.' 38 pag. 164, onde vem a traducção do artigo do Sr. A de Méricourt: O beriberi não é uma moléstia exclusivamente própria da índia; observa-se também nas Antilhas e vo fírnzU— rxicnhldod os Arrh de Mèd. Navale. 141 « á distance, et d'áprès vos tableaux si fidèles, le « Béribéri que vous avez eu à traiter.» A respeito da hinchazon observada em Cardenas (Cu- ba) pelo Sr. H. Dumont, e denominada por este Ade- nopathia leucocythemica, escreve-me o Sr. Leroy de Méricourt: «rvous n'hésiterez pas, je pense, á admettre que c'est Ia même chose que le Béribéri de lTnde, et que 1'épidémie de Bahia.» Com effeito, se a confrontação dos caracteres das duas moléstias não estabelece peremptoriamente que ellas sejam uma e a mesma, será difficil, como em outro logar fica dito, provar a sua não identidade. Beriberi e barbiers, estados pathologicos análogos aos das formas edematosa e paralytica da doença de que me occupo, outr'ora havidos como entidades mór- bidas distinctas por alguns autores, vão sendo agora considerados manifestações de uma só moléstia, e isto por effeito de mais rigorosa observação dos fa- ctos, e de mais extensos e numerosos trabalhos re- centemente publicados. O mesmo eminente escriptor acima citado, em uma excellente memória publicada em 1861 em col- laboração com o Sr. Fonssagrives, e á qual tantas ve- zes me tenho referido, regeitava a identidade entre beriberi e barbiers, reconhecendo, todavia que, mui- tas vezes, o primeiro é acompanhado de perturbações nervosas da motilidade, e que o segundo podeacciden- talmente, em periodo adeantado, offerecer um certo grau d'infiltração, dupla particularidade, accrescen- 142 tam os autores, que explica a facilidade com que uma observação pouco severa, poude levar á reunião des- tas duas moléstias em uma só (pag. 32). O nosso collega, porém, pensa hoje diversamente, e para elle não representam já duas affecções dis- tinctas as que teem tido aquellas denominações. Pe- ço ainda licença para reproduzir os próprios termos com que elle exprime o seu modo de pensar a este respeito, na carta que me fez a honra de dirigir: « L'incertitude qui reste dans votre esprit, et dans (( celui de quelques uns de vos confrères se dissi- « pera quand vous saurez, comme je le proclame cc hautement cette fois, qu'il néxiste pas à cote du « béribéri, une autre entité morbide á laquelle il y 9. 168 go hoje exclusivamente a de Fowler, na proporção de uma oitava para doze onças de água, na dose de uma colher de sopa em um calix d'agua, três ou quatro vezes por dia, pouco depois de cada refeição, guar- dando a possível igualdade de intervallos. O remédio, administrado por este modo, tem sido bem tolerado, sem produzir eólicas, nem vômitos, nem diarrhéa. Não só por isso, como também por via de compara- ção nos effeitos, procuro sempre manter a invaria- bilidade na forma, e, quanto ser possa, na dose do medicamento. Nunca fiz uso da electricidade n'esta fôrma da mo- léstia, nem sei se ella tem sido empregada por ou- tros collegas, nem com que proveito; mas creio que valeria a pena tentar este poderoso agente, ao menos como auxiliar do tratamento pharmaceulico', pare- cendo-me que as correntes continuas, como são re- commendadas na atrophia muscular progressiva, de- veriam ser ensaiadas de preferencia. 2.o Na forma edematosa ou hydropica teem sido empregados freqüentemente os diureticos, os pur- gativos e os sudorificos, com o fim de procurar sa- hida ao liquido contido nas cavidades serosas e nas malhas do tecido cellular, na impossibilidade de re- mover a causa que produziu e entretem estes derra- mamentos, causa sobre a qual ainda nos não é dado ir além do meras conjecturas, mais ou menes plau- síveis. Pelo que respeita aos diureticos não ficou, talvez, 169 nenhum por empregar, ao menos d'aquelles que se reputam de maior efficacia, taes como, d'entre os salinos, o acetato e nitrato de potassa, e d'entre os puramente vegetaes a dedaleira, a scilla, a cainca, a parreira brava, o zimbro etc; mas parecia que quanto mais empenho se mostrava em activar a diurése mais cscasseavam as urinas, as quaes, pelo contrario, af- fluiam outras vezes, como crise salutar, e sempre desejável n'esta forma da doença, sob tratamentos di- versos, ou espontaneamente, e quando menos se es- perava tão auspicioso prenuncio de cura, ou, pelo menos, de allivio considerável da dyspnéa, e da ge- ral oppressão de quasi todas as funcções vitaes. Associados aos purgativos e aos estimulantes pa- receram produzir melhores effeitos os diureticos. Em- preguei com proveito no hospital da Caridade umas piluias que vem no respectivo formulário, e que cons- tam de digitalis, scilla e escamonéa (um grão de cada uma d'estas substancias); vi depois esta mesma for- mula recommendada contra o beriberi pelo Sr. Dr. A. Le-Roy de Méricourt, no seu artigo sobre esta moléstia, inserto na 6.a edição de Valleix (Guide du méd. prat. 1866). Dos purgativos empreguei, ora o sulfato e ei trato de magnesia, ora os resinosos, conforme os casos. Quando era urgente obter largas evacuações serosas escolhia o elaterio; mas este drástico violento não podia ser continuado por muitos dias, não só pela sua tendência a oceasionar vômitos ou náuseas, como 170 pela prostração a que reduzia as forças dos doentes, já debilitados pela própria moléstia. Como succedia com os diureticos, os sudorificos produziam raras vezes o desejado effeito, e pareciam uteis unicamente como estimulantes geraes; os que mais vezes prescrevi foram os preparados d1 ammonia- co, taes como o acetato, carbonato e chlorhydrato, e, de ordinário, associados a poções tônicas ou diureticas. In formado pelo meu amigo o Sr. Dr. Caldas de que o am- moniaco liquido lhe tinha prestado bons serviços, tanto n'uma como noutra forma da moléstia, resolvi em- pregal-o também: não fui tão feliz como o meu collega em relação aos casos da forma paralytica; porem nos de forma edematosa vi este medicamento, verdade é que associado aos diureticos, produzir melhores re- sultados, e mais constantemente do que qualquer outro. A formula de que usei quasi sempre foi a seguinte: R. Ammoniaco liquido. Tinctura de dedaleira — de scilla... Água............. Xarope de quina..... M.e 12 a 16 gottas 2 grammas 8 " » 150 » 30 » D'cste composto mandava administrar ao doente duas colheresde sopa emum calix d'agua; ou, quando era grande a debilidade, em outro tanto de vinho de 171 genciana ou de quina, com intervallos de três a qua- tro horas, e isto por muitos dias, se o remédio era tolerado e os symptomas pareciam diminuir de in- tensidade, e, sobre tudo, se as urinas corriam mais abundantes. Nos casos de congestão local, taes como a do fí- gado e dos pulmões com oppressão precordial e dys- pnéa intensa, empreguei não só os purgativos já mencionados como também o calomelanos em dose alterante, e vesicalorios largos e volantes. Nunca me animei, em taes circumstancias a lançar mão da san- gria geral, posto que, muitas vezes, a dyspnéa, e to- dos os mais evidentes signaes de extensa congestão pulmonar, e de plenitude do systema circulatório pa- recessem reclamar este recurso; preferi usar de meios indirectos de depleção, ou de sanguesugas, roceiando que, após um allivio passageiro, viesse tal prostração de forças que apressasse a terminação fatal. Esta hesitação, entretanto, em recorrer a este meio thera- peutico não quer dizer que eu o condemne abso- lutamente; é possível que, em certos casos, ao me- nos como palliativo, ou como recurso de occasião, elle possa prestar alguns serviços. Também não te- nho noticia de que outros collegas o empregassem, nem me recordo de o ter ouvido propor nas confe- rências em que tomei parte. O vinho do Porto na dose de seis a oito onças por dia, em pequenas porções em horas determinadas, ou associado aos medicamentos estimulantes e diure- 172 ticos pareceu efficaz em muitos casos d'esta forma da moléstia, mormente naquelles doentes que não costumavam abusar de bebidas alcoólicas; mas estes nem sempre se prestavam a tomal-o por muito tempo, apezar da insistência do medico, sendo ás vezes ne- cessário disfaiçí'l-o em diversos compostos pharma- ceuticos. 0 sulphato de quinina ou só, ou associado ao sul- phato de magnesia foi de uso freqüente nos casos de forma edematosa, mas sem mais proveito do que na forma paralytica; foi, talvez, um dos medicamentos em cujo emprego mais se insistiu, e, por isso, dos que mais vezes, e mais positivamente se mostraram impotentes para debellar a moléstia. Do bromureto de potássio não pude tão pouco obter vantagem apreciável, apezar de ter também insistido no seu uso em alguns casos. 3.o Quanto ao tratamento da forma que denomi- nei mixta, isto é, aquella em que os phenomenos de paralysia e de hydropisia se acham reunidos com igual intensidade, tenho a dizer unicamente que os meios therapeuticos consistiram na associação dos hydragogos, diureticos, e dos estimulantes geraes, e especiaes do systema nervoso, fazendo, todavia, pre- dominar de entre estes medicamentos os que aug- mentam a actividade das secreções e das excreções, com vistas de promover a eliminação da causa mor- bifica de que se presumia contaminado o sangue, e com elle todo o organismo. Destes casos poucos fo- 173 ram os que não terminaram pela morte; nem foi pos- sível discriminar a quaes d'esses meios therapeuticos foram devidas as raras e felizes excepções, nem se os esforços naturaes de organisações privilegiadas tive- ram a máxima parte no bom resultado, como algu- mas vezes succede em outras doenças de origem zy- motica. O que eu pude observar foi que aquelles do- entes cuja anasarca cedia lentamente, deixando-lhes unicamente a paralysia, curavam-se ordinariamente com facilidade sob a influencia dos meios já indica- dos contra a primeira forma da moléstia: mas estes foram rarissimos; pois comprehende-se bem que tão graves perturbações da respiração e da circulação ge- ral e capillar, e, por conseqüência, da nutrição, e, so- bre tudo, das secreções, não sejam compatíveis com a vida por tempo sufficiente para que os mais bem combinados planos de tratamento possam remediar tão profundas e tão rápidas desordens nas principaes funcções da economia. N'estas circumstancias não é possivel adoptar-se tratamento algum systematico; o pratico vê-se quasi sempre obrigado pela urgência e gravidade dos symptomas a preencher as indicações da occasião, a occorrer ás necessidades do momento, e, de ordinário, infelizmente, vê baldados os seus es- forços em poucos dias, e até, algumas vezes, em pou- cas horas. Por felicidade é muito menos freqüente esta forma da moléstia, e raros são estes casos de marcha extraordinariamente rápida, e quasi fulmi- nante. 174 4.° Tanto em uma como em outra das formas prin- cipaes da doença tiveram a possivel applicação os preceitos da hvgiene, taes como a mudança de ares, o agazalho da pelle na estação humida, e a alimenta- ção substancial acompanhada do uso do vinho gene- roso do Porto: todos estes meios pareceram de van- tagem, e será útil não os omittir sempre que estejam ao alcance dos doentes, o que, infelizmente, não suc- cede com todos. A mudança para fora da localidade onde o doente adquiriu a doença, sobretudo para a beira mar, e me- lhor ainda para fora da zona intertropical, mormente se é emprehendida em periodo pouco adiantado da moléstia, em tempo de poderem ser ainda reparadas as alterações materiaes e funccionaes occasionadas por ella, produziu quasi sempre excellentes effeitos, e n'isto creio que estão de accordo todos os práticos d'esta capital que mais extensamente observaram as paralysias. Os banhos de mar foram também de grande utili- dade, mas quasi exclusivamente na forma paralytica; na edematosa, pelo contrario, ou não approveitaram, ou foram positivamante prejudiciaes, como tive oc- casião de observar em numerosos exemplos, e no- meadamente em um individuo que não poude sup- portar mais do que três ou quatro banhos; augmen- tou-se-lhe por tal modo a inchação geral e a dyspnéa que voltou logo da Barra para a cidade, onde falleceu poueos dias depois asphyxiado. A minha experien- 1 to cia, portanto, como também a de alguns outros col- legas, é inteiramente contraria ao emprego dos ba- nhos frios, salgados ou não, n'esta forma da moléstia. A mudança de clima conta numerosos exemplos de cura, e em ambas as formas da moléstia, quando emprehendida a tempo; e muitos dos nossos collegas concordam em considerar este meio hygienico um dos mais efficazes; mas, infelizmente, é o de mais difficil applicação, por não estar ao alcance da máxi- ma parte dos doentes. Eu poderia citar muitos casos de pessoas que depois de um tratamento infructifero recobraram a saúde com uma viagem a Portugal, e com alguns mezes de residência n'aquelle paiz; al- gumas lograram até restabelecer-se antes de lá che- garem. Por brevidade mencionarei apenas dous doen- tes que se curaram completamente só por mudarem de clima. O primeiro, porluguez, empregado em uma refinaria d'assucarn'esta cidade, foi accommettido in- tensamente da fôrma edematosa da moléstia; inchou monstruosamente; respirava com grande difficuldade; tinha o fígado e os pulmões muito congestos, e a se- creção da urina reduzida a poucas onças por dia. Não tendo approveitado nada com um tratamento purgativo, diuretico e revulsivo, foi, por unanime conselho do Sr. Dr. Cardoso Silva (seu assistente), do Sr. Dr. Paterson e meu, embarcado para Portugal pelos seus patrões. Na primeira carta que escreveu de Lisboa dizia este homem (que não tomou remédio algum a bordo) que se achava restabelecido; que pelo 176 mar lhe sobreviera grande solturas d'águas (diurése excessiva), e que toda a inchação lhe desapparecera antes de apportar a Lisboa (1). O segundo, portuguez também, empregado no commercio, cahira com febre intermittente quotidia- na depois de ter dormido por algumas noites na vi- sinhança de pântanos. Voltou para o centro da cida- de, onde nem o sulphato de quinina, e nem o arsênico puderam extinguir as sezões. Resolveu recolher-se ao hospital portuguez onde, após a febre intermit- tente, que desappareceu em poucos dias, lhe sobre- veio nos membros paralysia incompleta do movimen- to e da sensibilidade, com edema das extremidades inferiores, exactamente como nos casos de fôrma pa- ralytica da moléstia de que me occupo, e isto poucos dias depois de sahir do hospital. Foi n'este estado para Lishoa, e voltou restabelecido no fim de poucos mezes, tendo começado a melhorar em viagem para lá. Deu-se ainda n'este caso a circumstancia notável de reapparecer a febre intermittente durante a via- gem de regresso, para se extinguir de novo á chega- da a esta cidade; a paralysia, porém, não se repro- duziu. Factos análogos, e igualmente bem succedidos, são ja assaz numerosos para authorisar o facultativo a aconselhar a residência temporária fora dos trópicos aos doentes que possam lançar mão d'este valioso (!) Este indivíduo voltou a Bahia no anno seguinte e morreu pouco de- pois com symptouias de amollecimcnto agudo no cérebro. 177 recurso, principalmente quando a moléstia não tem ainda produzido no organismo alterações irremediá- veis. Aquelles, porém, que se não acharem n'estas circumstancias resta-lhes a mudança para a beira mar que, como fica dito, é proveitosa muitas vezes, e os meios, pouco seguros, de uma therapeutica bas- tante incerta ainda até agora para que nos inspirem muita confiança. 5.o Em relação á prophylaxia pouco ha que dizer. Resume-se tudo em aconselhar os preceitos da boa hygiene em referencia ás causas predisponentes. Alem da boa alimentação, que deve ser variada e sufficiente, convém, nas regiões tropicaes, recommen- dar que haja ao mesmo tempo todo o empenho pos- sível em evitar o abuso dos prazeres da mesa, e par- ticularmente o das bebidas alcoólicas. As aftecções moraes deprimentes, os resfriamentos súbitos da pel- le, assim como a suppressão da transpiração cutânea devem ser igualmente evitados quanto ser possa, ou neutralisados quanto antes os seus effeitos pelos meios appropriados. Também predispõem a contra- hir a moléstia a residência prolongada em logares humidos e pantanosos, o dormir no chão e ao relen- to, e beber águas impuras. Sendo o estado puerperal uma das causas predis- ponentes da fôrma paralytica, mormente quando acompanhado de perdas consideráveis de sangue, cumpre obstar quanto seja possível, quando grassa com mais intensidade a doença, não só ás hemorrha- 12 178 gias muito abundantes nos casos de aborto e de parto, como também a que estes actos sejam dema- siado prolongados, e isto sempre que seja praticavel sem risco ou inconveniente. (V. o appendix G.) APPENÜIX V serie de artigos que publiquei na Gazeta Medica da Bahia, e que constitue a matéria dos precedentes capitulos, foi começada em novembro de 1866, e ter- minada, depois de algumas interrupções, em feve- reiro de 1869. Desde então para cá, não só a existência do beri- beri entre nós, como individualidade mórbida, tem sido acceita pela generalidade dos médicos brasi- leiros d'esta e d'outras províncias do Império, como também foi assumpto de alguns escriptos importan- tes dentro e fora do paiz; uns publicados no perio- do decorrido entre aquellas duas datas, e outros mais recentemente. Desde 1866, quando comecei a prestar mais par- ticular attenção a esta singular moléstia, até agora, não tenho deixado de a observar constantemente n'esta cidade, posto que nunca tão freqüente como n'aquelle anno, o que tem egualmente succedido aos meus collegas de mais extensa pratica. Teudo eu, pois, procurado acompanhar com o maior interesse, tanto o que a respeito do beriberi se temescripto nestes últimos três annos, como a per- manência endêmica d'esta moléstia na Bahia, resolvi 180 consignar, n'estas paginas supplementares, não só as opiniões de alguns practicos que a observaram no Brasil e no Paraguay, como também as rectificações ou additamentos que a experiência de mais alguns annos de observação me tem suggerido, ou ensinado. A existência de uma moléstia especial, revestida dos symptomas descriptos nos precedentes capítulos foi a principio contestada na Bahia por alguns colle- gas, aos quaes repugnava admittir uma nova entida- de mórbida, não obstante a freqüência, a gravidade, e a phvsiognomia estranha com que ella se nos apre- sentava; e ainda mais lhes repugnava acceitar o nome pouco euphonico de beriberi, desconhecido outr'ora entre nós, e que nas índias Orientaes serve para de- signar uma moléstia de idênticos symptomas. De entre estes collegas devo mencionar o illustra- do professor de pathologia geral na Faculdade de Medicina, o Sr. Dr. José de Góes Siqueira, o qual, na qualidade de Inspector da Saúde Publica d'esta pro- víncia, contestou officialmente, e com algum desen- volvimento, a existência do beriberi na Bahia, no seu extenso relatório de 25 de janeiro de 1867. (1) O tempo, entretanto, e a observação clinica de- monstraram, que a approximação era legitimamente deduzida dos factos, embora se não ganhasse com isso muito para o melhor esclarecimento das importantes questões que se ligam ao estudo da moléstia. (1) Relatório acerca do estado sanilario d'esta província durante o anno de 1866, apresentado à Junta Central de bygiene publica. Na Gazeta Mtdica d* Bahia, tom. l.*—pag. 1W. 181 Hoje quasi todos os nossos collegas da Bahia; e alguns de outras províncias, admittem que as paraly- sias e anasarcas, epidêmicas nesta cidade em 1866, e endêmicas desde então, em nada se differençam das que na índia teem o nome de beriberi, e extendem, por conseqüência, aquellas a mesma denominação. A EXTENSÃO GEOGIIAPIIICA (p. 1>Ü.) Quando tratei da extensão da moléstia nesta pro- víncia, mencionei casos occorridos em varias cidades e villas do interior. Algumas relações encontradas nos jornaes d'esse tempo indicavam também a sua presença em Matto-Grosso. Pouco tardou, porém, que um distincto collega, e discreto observador, o Sr. Dr. Júlio Rodrigues de Moura, denunciasse tam- bém a existência de paralysias e anasarcas perfeita- mente similhantes na província do Rio de Janeiro e de Minas, das quaes referiu sete casos. Estas obser- vações deram assumpto para um trabalho interes- sante, ao qual terei ainda de me referir no decurso d'estas reflexões (1). Pelo que respeita á existência do beriberi em Matto-Grosso nas tropas expedicionárias acampadas (1 Estudo para servir de base a uma classificação nosologica da epi- demia de paralysias « Deux ans presqu'entiers s'étaient écoulés depuis le départ de Rio-Janeiro. Nous avions décrit lente- ment un immense circuit de trois cents lieues; un tiers de nos hommes avait péri.)) Pag. XI. (t) La Retraite de Laguna, par Alfred d'Escrngnolte Taunay, offleicr de armée bresilienne.—Rio de Janeiro, 1S71. 183 A essa moléstia epidêmica de nova espécie, e gra- víssima, chama o autor paralysia reflexa, como as narrações contemporâneas a denominavam myelite, inchação, ou simplesmente paralysia, peior do que a cholera morbus, etc. Os nomes technicos eram pro- vavelmente aquelles com que os médicos do corpo expedicionário designavam a moléstia, segundo o seu modo de interpretar os seus symptomas, que eram idênticos aos que na mesma epocha observávamos aqui na Bahia em numerosos casos. O autor refere ainda (pag. 19) que o coronel Car- valho, um dos commandantes enviados da capital da província, attacado da epidemia, retirou-se; e que, depois de acampado o corpo do exercito nas planu- ras de Nioac, desapparecera a moléstia, restabelecen- do-se logo os doentes que a trouxeram de Miranda. «La bénigne influence du plateau que nous avions atteint, fit entièrement disparaitre lepidémie. Les in- dividus affectés se rétablirent promptement; nous ne revimes plus ces terribles engourdissements, signes précurseurs du mal qui nous avait si cruellement persécutés.)) Pag. 23. Mas, o que é ainda mais notável é que a terrível moléstia não attacou só os homens; os cavallos soffre- ram também a sua influencia, e, no dizer do autor, morreram todos. « II a été dit déjà que nous n'avions plus de chevaux; ils avaient tous été enleves, dans le district de Miranda, par une épizootie du genre de Ia paralysie réflexe qui nous avait si cruellement 184 éprouvés nous-mémes. C'est á peine si le service or- dinaire du camp avait conserve quelques mulets.» Pag. 52. O beriberi foi observado, sem duvida alguma, na esquadra e no exercito do Brasil, no rio e nos acam- pamentos do Paraguay, por occasião da recente guerra com esta republica. Não era, porem, designa- do por aquelle nome, e sim pelos de intoxicação, ca- chexia ou infecção paludosa. Um documento official d'esse tempo diz: «Tem-se desenvolvido a bordo do Lima Barros uma moléstia a que dão o nome de intoxicação paludosa: é uma inchação que começa pelos membros inferiores, sobe ao coração e mata em poucos dias.» (1). Quem escre- via isto não era medico; mas quem dava aquelle nome á doença eram, certamente, os facultativos que a tra- tavam na esquadra. Em um escripto recente de um distincto medico da marinha brasileira, o Sr. Dr. Manoel Joaquim Sa- raiva (2), encontro a opinião authorisada de que era, com effeito, o beriberi a moléstia que se manifestou a bordo do encouraçado Lima Barros, onde se achava em serviço este nosso collega. N'este mesmo trabalho allude também o Sr. Dr. Saraiva á manifestação da mesma doença no exercito, e nomeadamente no acampamento de Curuzú. Outros documentos que provam a existência da (1) V Gazeta Medica, vol. 2.', pag. 85. (2) Quaes os melhores meios therapeuticos de combater o beriberi"! Thcse de concurso. Babia 1871, pag. 11 e 12. 185 intoxicação paludosa no exercito em operações contra o Paraguay são duas cartas do Sr. Dr. Macedo Soa- res, publicadas e commentadas pelo Sr. Dr. Júlio de Moura (1). Aquelle collega, porém, não se inclinava a crer que aquella moléstia fosse idêntica á que por descripções verbaes sabia que reinava na Bahia, nem o beriberi, que elle dizia não conhecer senão por tra- dição. Entretanto a descripção que elle faz dos casos que observou, primeiro no Passo da Pátria, e depois em Curuzú e em Tuyuty, é perfeitamente similhante á do beriberi edematoso. Além d'estes, tenho ainda outros testimunhos ver- baes de collegas que estiveram no exercito, e que reconheceram a identidade da infecção palustre que lá observaram, com o beriberi que vieram encon- trar aqui. Em um livro publicado o anno passado pelo Sr. Dr. Carlos Frederico dos Santos Xavier Azevedo (2), distincto cirurgião-mór da Armada Imperial, não se faz menção do beriberi, e sim da cachexia palustre, que vem descripta a paginas 163, nos seguintes ter- mos: « Aos contínuos accessos das febres succedia a cachexia palustre, que era caracterisada por outros accidentes, taes como—anemia, edemacia da face e membros inferiores, dores nevrálgicas dos membros (1) A intoxicação paludosa no exercito em operações contra o Paraguay. Gazeta Medica. Vol. 2 • pMgs. 137, i'*3, iód. 2) Historia Medico-Cirargica da Esquadra BraziUira nas campanhas i<* Uruguayi Paraguay, Rio de Janeirt de 1Í79. 186 e tronco, volume augmentado dobaço e fígado, diffi- culdade na funcção respiratória, derramamentos tho- racicos e abdominaes, vômitos, delírio em alguns casos, e, finalmente, a morte, quando a cachexia já tinha feito grandes progressos. » «Feita a autópsia das praças que succumbiam á cachexia, notavam-se as seguintes alterações: con- gestão do baço e fígado, derramamentos serosos dis- tendendo o pericardio; edema do pulmão; derrama- mento abdominal, e injecção das meninges.)) Na parte relativa ao hospital da Marinha em As- sumpção, e em referencia ao mez de junho de 1869 diz ainda o Sr. Dr. Carlos Frederico, a pag. 440: « A intoxicação paludosa, felizmente entre nós, é mais rara do que poderia ser; é uma moléstia gra- víssima, e ainda mais acompanhada de complicação que augmentava a sua obra de destruição. Os derra- mamentos serosos na caixa thoracica são tão rápidos que matam os indivíduos em poucas horas; assim falleceram duas pessoas n'este hospital.)) (1). No mesmo livro, a pag. 518, encontra-se um offi- cio do Sr. Dr. José Caetano da Costa, l.o cirurgião da Armada, e datado de bordo da fragata Lima Bar- (1) No mappa nosologico dos hospltaes e navios da Esquadra no Paraguay, de fevereiro a dezembro de 1860 ia pag 465', em um total de a.916 doentes» vem notados à conta da cachexia paludosa 4, dos quaes 3 cur.iram-se, e t re- tirou-se para o Brasil; eniret into, sob o lilulo—Intoxicação pala /•>.va—vem nolados55 casos, dos quaes curaram-se 30, m irreram 7, retiraram-se para o Brasil 13, e ficaram em traiam mio 3 Os trechos citados pa recém referir-se & mesma doença, embora em um se lhe dê o nome de cachexia, e no outro in- toxicação paludosa, ao passo que no mappa, figuram como affecções difte- rentes. Houve provavelmente ajguro engano de classificação no uiappa. 187 ros, em Villeta, em 9 de novembro de 1868, no qual se lê o trecho seguinte: « A sua guarnição (da fragata Lima Barros) quasi que epidemicamente em fins do anno passado, apre- sentou um phenomeno extremamente notável, sendo ella, em larga escala, affectada da intoxicação palustre, fazendo-lhe grandes e sensíveis estragos. Entretanto o resto da Esquadra, em pequenas proporções sof- freu d'essa terrível moléstia.» (Pag. 521.) Das passagens citadas parece que devemos inferir: que a terrível moléstia que o Sr. Dr. J. Cândido da Costa chama intoxicação paludosa, e o Sr. Dr. Carlos Frederico cachexia e intoxicação paludosa, é a mesma que o Sr. Dr. Saraiva em sua these julga idêntica ao beriberi, visto que elle observou pessoalmente, a bordo do Lima Barros, a mesma epidemia de intoxi- cação de que falia em seu officio o Sr. Dr. J. Cândido da Costa. Além d'estas provas adduzidas em favor da identi- dade da intoxicação palustre observada na Esquadra no Paraguay com a moléstia que na Bahia foi, e é conhecida com o nome de beriberi, citarei ainda a que se deriva do testimunho, authorisado também, de . um distincto facultativo, o Sr. Dr. José Ribeiro de Almeida, cirurgião d'Esquadra, que observou egual- mente a moléstia durante a recente campanha. (1) Fallando de doentes que occupavam as suas enfer- (l) v. o seu interessante-Eifudo sobre as condições hygienicas dos navios sncouraçadcs, pag. 96 e seguintes. 188 marias, menciona, entre outros, alguns casos de ca- chexias complexas, em que os elementos paludoso, escorbutico e rheumatismal tinham parte, accres- centando que a maioria d'aquelles casos graves vi- nha dos encouraçados. Esta cachexia complexa, que o autor mais de uma vez qualifica de singular e mortífera, descreve-a elle quasi nos mesmos termos do Sr. Dr. Carlos Frederi- co, mencionando, além d'isso, phenomenos de para- lysia em alguns casos, e accessos febris, e accres- centa: « É esta mesma moléstia que tem feito tantas victimas no exercito (e também em Matto-Grosso, segundo penso).» E mais adiante: « É a moléstia a que os médicos da Bahia teem dado o nome de beri- beri, por julgal-a idêntica á moléstia assim denomi- nada na índia.» Se não é licito pôr em duvida que o beriberi foi observado na esquadra e no exercito em operações contra o Paraguay, também não é menos demonstra- do que esta moléstia foi, mais recentemente, reconhe- cida em outras províncias do Império, tanto ao norte como ao sul da Bahia. Os Srs. Drs. Ferreira de Lemos, e Bricio, do Pará, publicaram conjunctamente um caso por elles obser- vado em uma menina de 7 annos, que, depois de al- guns dias de febre, manifestou fraqueza geral, edema e paralysia, com dores á pressão sobre os músculos, formigamentos, etc; caso que foi por elles conside- 189 rado como um exemplo de beriberi, que, todavia, é rarissimo em tão tenra edade. (1) Mas, o que dissipa qualquer duvida acerca da exis- tência, na provincia do Pará, de uma moléstia simi- lhante á que aqui observamos em 1866, e endêmica também, é um notável artigo de um dos dous citados collegas, o Sr. Dr. Ferreira de Lemos, publicado no n. 66 da Gazeta Medica. (2) Diz o distincto pratico paraense, que todos os an- nos, de novembro a dezembro, affluem á capital ne- gociantes de seringa (borracha), habitantes das mar- gens do rio Anajás e seus affluentes, para se tratarem de uma moléstia que alli reina por occasião das primeiras chuvas do verão. Na maior parte d'estes doentes predomina a hydro- pisia do tecido cellular; o edema é duro e doloroso á pressão, mormente nas extremidades inferiores, mas occupa também as superiores, o pescoço e a face. A urina diminue, algumas vezes, até reduzir-se a duas onças nas vinte e quatro horas. Ha grande canceira da respiração, anciedade, etc. Este é o estado mais grave, e sempre fatal da moléstia. Em outros doentes o edema não sobe além do epi* gastrio, mas impede-os de andar; é também duro e, ás vezes, apparece de nm dia para outro; estes geral- mente curani-se depois de um tratamento simples. Em outra classe de doentes, finalmente, e estes (I! Gazeta Medica da Bahia, vol. 3.*-pag. 17. (2) Breves considerações sobre uma moléstia endêmica nas margens ao rio Anajás,provinei* do Pará. Ga%. M»d. tom. J.'—pag. 297. 190 são os menos numerosos, a moléstia manifestava-se por inchação e paralysia ao mesmo tempo, desap- parecendo, muitas vezes, a primeira, e persistindo a segunda, com formigamentos, dormencia, aperto em roda da cintura, dores á pressão sobre os múscu- los, etc. O autor termina a descripção dos symptomas, que, por brevidade, não fiz mais do que enumerar, com a seguinte reflexão: cc Eis, em poucas palavras, o que tenho observado acerca de uma moléstia que me parece similhante á que grassou epidemicamente na Bahia, etc. » Não posso deixar de trancrever aqui os seguintes trechos do interessante artigo do Sr. Dr. Lemos, que nos dá algumas informações sobre a extensão da moléstia no interior da província do Pará, sobre a epocha do seu apparecimento annual, e sohre as causas presumidas do seu desenvolvimento. « Em outros pontos da província tem apparecido alguns casos d'esta moléstia, como também nos lo- gares banhados pelos grandes aftluentes do Amazo- nas; mas, no rio Anajás, e nos igarapés, a moléstia tem-se tornado endêmica, principalmente no igarapé chamado Cunhantam, um dos mais ricos em seringa. Alli, todos os annos, a partir do mez de novembro e dezembro, quando cahem as primeiras chuvas, o primeiro repiquete d'agua, como dizem os habitan- tes, desenvolve-se a moléstia debaixo das formas que descrevi. Os negociantes de seringa, com quem 191 tenho conversado, dizem-me que isto é devido ás águas d'esse igarapé, que fica inteiramente secco du- rante o verão. As primeiras chuvas são sufficientes para enchel-o; e essa primeira água é a que causa sempre a moléstia; porque depois, continuando o in- verno, todos bebem a água do igarapé Cunhantam, e ninguém mais contrahe a enfermidade.» « O que ha de mais notável é que todos os outros igarapés do rio Anajás seccam também durante o ve- rão; porém n'elles não se encontram senão doentes de sezões, inflammação de fígado, e ictericia. » « Alguns habitantes querem attribuir o estado no- civo das primeiras águas do Cunhantan, á existência de arvores a que dão o nome de cachinduba, cujas folhas e fructos cahem no igarapé, e essa arvore passa por venenosa era certa estação. Como quer que seja, o facto é que a moléstia em questão se observa tão somente nas margens de igarapé Cunhan- tam, e sempre com o apparecimento das primeiras chuvas de novembro e dezembro.» Até aqui o nosso illustrado collega do Pará des- creve a moléstia sem lhe dar denominação alguma especial; mas, algum tempo depois (1), publicou uma observação minuciosa e interessante de um caso da mesma affecção, occorrido em um homem que se occupava no commercio da borracha nas margens do rio Anajás: esta observação tem por titulo—-Para- plegia beriberica, curada pelo emprego de nitrato de U) Gaí, Med. vol. 3.--pig, 260. 192 prata internamente; vê-se, portanto, que o Sr. Dr, Lemos chama beriberica a uma doença que elle jul- ga similhante á que se observou na Bahia em 1866. Na Gazeta Medica de 15 de abril de 1870, e sob o titulo de—As paralysias no Maranhão, encontra-se uma breve noticia nos seguintes termos: « Nas ulti- mas noticias d'esta província, publicadas nas gazetas diárias, lemos a seguinte:—Não era bom o estado sa- nitário da capital. Davam-se repetidos e numerosos casos de paralysias, moléstia que ultimamente se ha- via desenvolvido, havendo muitos casos fataes.)) É muito provável que fossem também beribericas estas paralysias, mas faltam documentos de origem profissional que nos esclareçam sobre a natureza d'estas paralysias, cujos casos eram tão numerosos e tão graves. Em uma carta que em data de 9 de junho de 1871 dirigiu do Becife ao mesmo periódico (1) o Sr. Dr. Ignacio Alcibiades Velloso, vem descripta uma moléstia muito similhante ao beriberi observado na Bahia. Esta moléstia era notada ha mais de anno em diversos pontos da cidade, e n'aquella data, e sob a forma epidêmica, na Casa de Detenção, accornmet- tendo grande numero de presos em poucos dias, dos quaes morreram uns, e foram removidos outros para o presidio de Fernando de Noronha. Edemacia mais ou menos generalisada, com febre intermittente ou sem ella, rigidez dos músculos abdominaes, paraly- (1) fíat.Med. vol. 5.*—png. 10, numero de 18 de agosto. 193 sia dos membros inferiores, e ás vezes dos superio- res também, com augmento da sensibilidade da pelle e dos músculos, formigamentos, dyspnéa, etc, taes são os principaes symptomas que o Sr. Dr. Velloso assigna á esta moléstia, que, como se vê, não parece ser outra senão o beriberi. Sobre este mesmo assumpto publicou o Sr. Dr. Cosme de Sá Pereira, de Pernambuco, um interes- sante opusculo (1), no qnal descreve minuciosamente alguns casos da doença observada na Casa de De- tenção, e refere-se a outros análogos observados na clinica civil. Tanto dos symptomas enumerados por este dis tincto collega, como de algumas autópsias escrupu- losamente feitas, concluíram, não só elle individual- mente, como todos os membros (elle e mais seis) de uma commissão nomeada pelo governo provincial para examinar os doentes d'aquella prisão, que a moléstia que alli se manifestava, e também em alguns outros pontos da cidade, era, indubitavelmente, o beriberi. Esta conclusão não deixou, com tudo, de ser con- testada por alguns outros médicos pernambucanos, cujos escriptos me não são conhecidos. Mas, tanto quanto é possível julgar pela minuciosa descripção que nos dão o Dr. Sá Pereira e o Dr. Seve (medico da Casa de Detenção), a moléstia por elles observa- (l) O beriberi em Pernambuco, pelo pr. Cosme de Sà Pereira, Fernambaeo 194 da é perfeitamente similhante á que aqui observamos com análogos symptomas, e, por tanto, ao beriberi da índia. No principio do anno de 1870, reinou epidemica- mente no interior da província de Santa Catharina uma moléstia de symptomas similhantes aos prece- dentes (1). O Sr. Dr. Joaquim dos Bemedios Monteiro foi, por ordem do governo provincial, estudar a mo- léstia e soccorrer os doentes; e no relatório que de- pois dirigiu ao presidente da província diz accredi- tar que ella não era outra senão o beriberi da índia, a mesma que, com análogos symptomas, se observou na Bahia e em Matto-Grosso. Na província de Sergipe tem sido também obser- vada esta moléstia, e eu mesmo tenho tratado alguns doentes vindos do Aracaju e Larangciras, que offere- ciam symptomas irrecusáveis de paralysia beriberica. É possível que em algumas outras províncias se te- nham dado casos idênticos, que passaram desaperce- bidos, ou de que não ha informações até o presente. 18 MORTALIDADE (pag. 72.) Os quadros estatísticos no texto comprehendem os casos da moléstia observados até o fim de 1866. U) Gax. Mtd. Vol. 4.--pag. 156, e vol. 5/-pag. 13. 195 Nos cinco annos decorridos desde então coUeccionei mais 61, distribuídos do seguinte modo: Quadro—A. Sexo Cur.ou melhor. Mortos Casos M. F. M. F. M. F. 1867 8 3 5 2 2 1 3 1868 20 11 9 6 7 5 2 1869 19 11 8 3 6 8 2 1870 7 4 3 1 _ 3 3 1871 7 6 1 3 — 3 1 Total 61 35 26 Io 15 20 11 61 30 3Í Comparando a mortalidade n'estes cinco annos com a dos anteriores vê-se que ella é muito menor no periodo de 1867 a 1871, isto é de 31 sobre 61, ou 50,81 por cento, tendo sido de 1863 a 1866 de 38 sobre 51, ou 74,50 por cento. Esta differença de- pende, em grande parte, do tratamento mais efficaz empregado n'estes últimos cinco annos, e principal- mente das viagens para a Europa, que muitos doentes emprehenderam com proveito. A mortalidade nas mulheres até 1866 foi maior do que nos homens, ao passo que de 1867 a 1871 foi, pelo contrario, maior nos homens do que nas mu- lheres: n'aquelle primeiro periodo a das mulheres foi 78,26 por cento, e a dos homens 71,42; n'este ultimo, 196 porém, a das mulheres foi de 30,20 por cento, e a dos homens 57,14. Da reunião de todos os casos, isto é, 51 até 1866, e 61 de 1867 a 1871, resulta o total de 112, distri- buídos do modo seguinte: Quadro—II* Casos Sexo Cur. ou melhor. Mortos M. F. M. F. M. F. 1863 1 1 1 1864 2 — 2 _ _ _ 2 1865 3 2 1 1 _ 1 1 1866 45 26 19 7 5 19 14 1867 8 3 5 2 2 1 3 1868 20 11 9 6 7 5 2 1869 19 11 8 3 5 8 3 1870 7 ' 4 3 1 — 3 3 1871 7 6 1 3 — 3 1 Total 112 63 49 23 19 40 30 112 42 70 Vê-se do precedente quadro que a mortalidade to- tal foi de 70 sobre 112, isto é, de 62,50 por cento; e em relação aos sexos foi nos homens de 40 sobre 63, isto é, de 63,49 por cento; e nas mulheres de 30 sobre 49, correspondente a 61,22 por cento. Coordenados os 112 casos, segundo as formas da moléstia, resulta o seguinte: 197 Quadro—C. Formas Casos Sexo Cnr. ou melhor. Mortos M. F. BI. F. M. V. Paralytica Edematos. Mixta. . . 66 23 23 22 23 18 44 5 13 5 4 20 8 18 14 25 5 Total 112 63 49 22 20 40 30 112 42 70 Como no quadro que fica a pag. 74, relativo aos 51 casos colligidos até o fim de 1866, vê-se por este, que a forma paralytica foi a mais freqüente das três, excedendo até as outras duas reunidas; foi também a de menor mortalidade, isto é, 50 por cento; entre- tanto que na forma edematosa e mixta ella elevou-se, respectivamente, a 78,26 e 82,60 por cento, e em ambas reunidas sobiu á enorme proporção de 90,29 por cento. Vê-se também por este quadro que a forma para- lytica foi de dobrada freqüência nas mulheres, e mais mortífera do que nos homens; por quanto de 44 mulheres morreram 25, isto é, 56,81 por cento, e de 22 homens morreram 8, isto é, 36,36 por cento. A forma edematosa affectou homens unicamente, e a mixta apenas 5 mulheres sobre 23 casos, que todas falleceram. 198 Dos 112 casos, distribuídos conforme as edades, resulta o seguinte: Quadro—O. Sexo Cur.ou melhor. Mortos Idades Casos M. F. M. F. M. F. .15 a 20 6 5 1 3 2 1 21 a 30 39 13 26 2 13 11 13 31 a 40 28 18 10 5 3 13 7 41 a 50 20 19 1 9 — 10 1 Kl a 60 10 6 4 1 1 5 3 61 a 80 9 5 4 3 2 2 2 112 66 46 23 19 43 27 112 42 70 Comparado este quadro com o que lhe corresponde a paginas 76, vê-se que a moléstia continua a aílectar com mais freqüência as mulheres na edade de 21 a 30 annos; mas nos homens a freqüência é quasi egual de 31 a 40, e de 41 a 50 annos; a máxima freqüên- cia, porém, nos dous sexos leunidos, continua a ser de 21 a 30 annos, seguindo-se immediatamente a de 31 a 40. Nas edades extremas a moléstia é rara, e particularmente na infância. 199 C propagação (pag. 76.) Aos factos mencionados neste capitulo, de doen- tes entrados na enfermaria de S. Vicente de Paulo por motivo de outras moléstias occuparem leitos onde estiveram outros affectados de beriberi, e ad- quirirem esta doença, addicionarei mais um muito notável occorrido na mesma enfermaria o anno pas- sado (1870). Dous pretos, escravos do mesmo senhor, entraram para alli no mesmo dia para serem tratados de affecções cirúrgicas de pequena importância (unha encravada, e uma ulcera); a todos os mais respeitos estavam com saúde regular; foram entregues aos cui- dados do Sr. Dr. Moura, e occuparam leitos de cirur- gia (do lado sul da sala). O menos edoso d'estes escra- vos, que teria uns 20 annos, no fim de 20 dias co- meçou a inchar, primeiro nas pernas, depois nas coxas, e successivamente o edema invadiu o tronco, os braços, e a face. O senhor d'estes dous escravos levou-os ambos para sua casa no fim de 30 dias, mais ou menos, depois de sua entrada no hospital, e encarregou-me do tratamento medico do que sahira affectado de edemacia; reconheci n'elle todos os symptomas do be- riberi mixto, bem como os reconheceu egualmente o 200 Sr. Dr. Cardoso Silva, que viu commigo o doente em conferência. No fim de seis dias este escravo morreu asphyxia- do, tendo sofírido uma dyspnéa horrível desde que sahiu do hospital, acompanhada de dormencia e pa- ralysia do movimento nos membros. Dous ou três dias depois adoeceu também o outro escravo, exacta- mente com os mesmos symptomas do companheiro, e foi tratado pelo Sr. Dr. Cardoso Silva por cerca de oito dias, no fim dos quaes morreu também, asphy- xiado como o outro. D'este facto notável pode-se apenas inferir que estes dous indivíduos adquiriram ambos a moléstia na enfermaria (que é térrea e uma das peiores, se não a peior, do hospital) por se exporem ás mesmas causas d'insalubridade, do mesmo modo que outros, antes delles, a adquiriram alli depois de muitos dias de demora em uma sala doentia por falta de venti- lação, pela immediata visinhança da casa de dissec- ções anatômicas da Faculdade de Medicina, pelo pés- simo systema de latrinas, e pela quasi constante accumulação de indivíduos, geralmente poucos fami- liarisados com os hábitos de aceio, como são os pre- sos, os escravos, e os inválidos e decrépitos pobres. Não me parece que se possa aqui suspeitar um caso de contagio do beriberi na rigorosa accepção do termo, e sim o resultado de causas communs e simultâneas de insalubridade, affectando, como sue- 201 cede com o miasma palustre, os indivíduos que se acham na sua esphera de actividade pathogenica. DIAGNOSTICO DIFFEUENC1AL (pag. 82.) Na confrontação entre os caracteres do beriberi da índia, descripto pelos autores, e as paralysias observadas na Bahia, disse eu que as dores á pres- são, ás vezes muito vivas, sobre os músculos das per- nas e dos ante-braços, não eram mencionadas nos escriptores que consultei, e sim as dores nevrálgicas espontâneas, ou as provocadas pelos movimentos activos. N'esse tempo não me era conhecido um trabalho sobre o beriberi, escripto pelo Sr.Dr. Dammann(l), ci- rurgião da marinha hollandeza, e com quem tive a honra de travar relações por occasião de sua passagem pela Bahia, com destino a Batavia, e a quem devo o obséquio de um exemplar d'aquella publicação. Ahi se encontram, a pag. 7, duas passagens, nas quaes a hyperesthesia muscular vem expressa e claramente mencionada. « Les muscles, diz o Dr. Dammann, surtout les jumeaux, deviennent souvent hypéresthésiés, etc.» E mais adeante: sulphato de quinina, o ferro, 221 e em geral, os tônicos reconstituintes; e, algumas vezes, os purgativos e diureticos, quando predominam as effusões serosas. Os que vêem no beriberi uma affecção rheuma- tica lembram o tratamento mais appropriado para combater o rheumatismo, taes como o iodureto de potássio, a salsaparrilha, o colchico, o sassafraz, os banhos de mar, etc, (Dr. Júlio de Moura); e os que o consideram uma forma particular de escorbuto, (raros), adoptam, naturalmente, meios therapeutieos de accordo com este modo de interpretar a doença. Os tratamentos propostos c adoptados pelos nume- rosos autores que observaram o beriberi nas índias, inglezes, hollandezes e francezes, são por extremo va- riados, conforme as idéias particulares de cada um, em relação ás causas, á patbogenia, e á natureza da moléstia. Abstenho-me de os mencionar aqui, não só por brevidade, mas também porque não tenho expe- riência alguma da maior parte d'elles, e o meu pro- pósito é occupar-me unicamente com a therapeu- tica até agora empregada entre nós. Os collegas que desejarem amplas informações acerca dos diversos modos de tratamento usados na índia e em outras regiões onde foi observado o beriberi, poderão achal- as nas obras, já citadas, de Copland, Aitken, Mon- neret et de Ia Berge, e na recente monographia do Sr. Dr. A. Le Roy de Méricourt (1). Mas, o que é certo é, que as medicações aconse- 'l) Dictioimairç Encyclvpèdiqw dçs Sciencp Medicales. Vol. IX pag. 162. L.)w)ü) lhadas sobre bases theoricas e systematicas não teem produzido na pratica os resultados que se espera- vam; de modo que a multiplicidade dos remédios que constituem a apparente riqueza therapeutica do be- riberi, não faz mais do que encobrir a penúria dos meios curativos realmente efficazes. Sem sahirmos, portanto, do campo da experiên- cia, vejamos o que podemos accrescentar ao que fi- cou dito no capitulo do tratamento (pag. 160). Dos escriptos recentemente publicados sobre o beriberi, por médicos brasileiros, os que mais parti- cularmente se occupam do tratamento são os dos Srs. Drs. Almeida Couto e Saraiva, nas suas theses de concurso, já citadas. O primeiro d'estes collegas tem por mais efficazes: na forma paralytica, a noz vo- mica, a stryehnina e o arsênico, especialmente a so- lução de Fowler, e o arseniato de ferro na dose de Vis a Vs de grão> e mais; e na forma edematosa os diureticos salinos e vegetaes, e os purgativos. Colheu também resultados vantajosos da ergotina, o que suc- cedera egualmente ao Sr. Dr. Pacifico Pereira. O Sr. Dr. Saraiva aconselha e emigração do logar onde foi adquirida a moléstia, o que egualmente re- commenda o Dr. Almeida Couto, e a maior parte dos médicos d'esta cidade. Contra o edema e as effusões serosas nas cavidades o Sr. Dr. Saraiva lembra os purgantes drásticos e salinos, combinados com os diureticos; os linimentos excitantes, ventosas, ve- sicação volante, etc. Se predominam os phenome- 223 nos paralyticos, com depressão de forças, aconselha as moxas, a electricidade porinducção, a ergotina, o arsênico, o nitrato de prata, e a strychnina. De todos os agentes therapeuticos que tenho em- pregado até hoje, os que me teem parecido mais van- tajosos são—o arsênico, o phosphoro, o ferro, e a strychnina; e accessoriamente, conforme as indica- ções particulares, os purgativos, os diureticos, e os revulsivos, já mencionados no capitulo do tratamento. O arsênico é um dos poucos modificadores medi- camentosos que teem adquirido crescente reputação no tratamento do beriberi. Infelizmente não é appli- cavel senão em casos de marcha lenta, e que per- mittem o seu uso prolongado. Quando eu me lembrei de ensaiar o phosphoro, e procurava o mais conveniente modo de o adminis- trar, deparei, por accaso, com uma formula do Dr. Easton (1), na qual se acham combinados os phos- phatos de ferro, quinina e strychnina, sob a forma de xarope, aconselhado e empregado com proveito na anemia, e nas cachexias em geral, e particular- (1) Professor de Matéria Medica na Universidade de Glasgow. Vide Aitken, obra cit. vol. 2* pag. 60. A formula original d'este xarope é a seguinte. R. Sulphato de ferro 5 oitavas Phosphato de soda 6 oitavas Sulphato de quinina 192 grãos Ácido sulphurico diluido q. s. Água d'ammonla q- s- Strychnina 0 8r™s Ácido phosphorico diluido 14 onças Assucar branco 1* onças Dissolva o sulphato de ferro em uma onça d'agua a ferver, e o phosphnto de soda em duas onças d'agua tatnbem a ferver. Misture as soluções, e lave o sulphato de ferro precipitado até que a água da lavagem nao tenha sabor. Com sufflciente quantidade d'acido sulphurico diluido dissolva o sulphato de quinina cm duas ouças dágua, Precipite a quinina cora água d/amtnoula, c 22i mente pelos professores Maclean e Longmore no hospital de Netley, no tratamento dos soldados anê- micos e cacheticos. Reunindo este preparado pharmaceutico quatro dos mais poderosos medicamentos tônicos, reconsti- tuintes e nevrosthenicos, resolvi empregal-o contra o beriberi, o que fiz com proveito em alguns casos, posto que ainda pouco numerosos. O uso do óleo phos- phorado em fricções nos membros entorpecidos, ou paralysados, pareceu favorecer poderosamente a ac- ção d'este xarope. Não vi, entretanto, curar-se nenhum doente em menos de mez emeio de uso d'este remédio; de modo que, como succede com o arsênico, elle é efficaz unicamente nos casos de marcha lenta, isto é, na forma da moléstia em que predomina a paralysia, ou n'aquella em que é diminuto, ou estacionario o edema. Comprehende-se facilmente que nos casos da for- ma edematosa ou mixta, a urgência dos symptomas, e a rapidez da marcha da doença reclamem, de pre- lave-a com cuidado. Dissolva o phosphato de ferro e a quinina assim obtida, assim como a strychnina, no ácido nhosphorico diluido; ajuntc agor.i o assu- car, dissolva tudo, e misture sem calor. Este xarope conlém cerca de 1 gvão de phosphato de ferro, 1 grão de phos- phato de quinina, e \\H de phosphato de strychnina por cada oitava. A dose deve ser, portanto, uma colher de chà Ires vezes por dia. Diz o Dr. Aitken, cm uma nota, que um pouco mais de phosphato de soda, v. g. 1 onça, dá melhor resultado. Para preparar este xarope 6 necessário um certo habito de manipulação pharmaceutica, e na administração das doses deve haver muito cuidado, re- jmlando-as pula proporção da strychnina, o ingrediente mais activo que entra na sua composição. Os Srs. Lima, Irmãos fc C. e Euclldes Caldas preparam-n'o conveniente- mente, e fornecem-n'o em suas pharmacias em ganatinhas de 6 onças, mais ou menos. 225 Ferencia, uma medicação prompta, enérgica, porém menos perigosa na sua acção, como sejam os drásti- cos, os diureticos e os revulsivos. O xarope de Easton é já bastante conhecido n'esta província no tratamento do beriberi, e eu tenho no- ticia de que alguns collegas o teem empregado com vantagem, tanto em uma como em outra forma da moléstia. Mas a experiência da sua applicação não é ainda tão extensa que nos possa dar a medida do seu valor therapeutico na cura de uma moléstia que, na maioria dos casos, se mostra rebelde a todas as medicações, por mais racionaes que pareçam. Mas de todos os meios empregados até hoje na Bahia no tratamento do beriberi, os que recommenda a boa hygiene teem sido incontestavelmente os mais efficazes. Quando empregados no começo da molés- tia, ou quando as perturbações funccionaes ainda não são incompatíveis com a duração da vida, ou são ainda susceptíveis de se modificarem lentamente, até entrarem pouco a pouco na ordem, no consensus or- gânico, a cura é um resultado quasi constante. D'estes meios está em primeira linha a emigra- ção para fora dos trópicos; esta é efficaz em todas as formas da moléstia, e tanto mais efficaz quanto mais cedo emprehendida. Mas a experiência tem mostrado, nestes últi- mos tempos, que se pode obter egual resultado com a mudança para as províncias do sul do Império, e até para o sertão d'esta província. 226 Tenho exemplos authenticos de doentes que se curaram retirando-se (por não poderem ir á Europa), quer para o Rio Grande do Sul, quer para S. Paulo, e isto depois de terem passado aqui por um tratamento im profícuo. Um que foi para Caetité, d'onde é natu- ral, no interior d'esta província, melhorou em via- gem, e curou-se promptamente. Mas, como a grande maioria dos doentes não po- de emprehender viagens dispendiosas, e tendo-me a experiência mostrado, egualmente, que a máxima parte das pessoas affectadas de beriberi pertencem ás classes de vida pouco activa; e que a mudança de localidade influía favoravelmente na marcha da moléstia, comecei a recommendar aos meus doentes, não só o exercício compatível com as suas forças, como, principalmente, as mudanças freqüentes de localidade; e para tornar praticavel este preceito para o maior numero possível de enfermos, tenho acon- selhado passeios diários de algumas horas pelos ca- minhos de ferro urbanos, e isto com uma vantagem superior á minha expectativa. A outros aconselhei, com egual proveito, viagens amiudadas nos vapores que diariamente cruzam a bahia, entre a capital e os portos do Recôncavo, ou de barra fora (Valença), viagens pouco dispendiosas, e, por isso, ao alcance das clases menos abastadas. Aos meios prophylacticos, lembrados no capitulo competente, convém addicionar os que se derivam das precedentes considerações, baseadas na experien- 227 cia; isto é, o exercício ao ar livre, a freqüente mu- dança de localidade e de ambiente, quanto seja compatível com a occupação diária de cada indi- víduo. São estes, em conclusão, os meios que com mais vantagem temos até agora podido oppôr ao beriberi observado na Bahia. São insuffientes ainda, sem du- vida; mas a seria attenção que a classe medica vae agora prestando a esta formidável moléstia no Brazil, permitte-me esperar melhores recursos no futuro. Foi. NOTA BIBLIOGRAPHICA DOS ESCRIPTORES BRASILEIROS CITADOS NO APPENDIX Alfredo d'Eseragno!le Taunay—La retraite de La- guna. Rio de Janeiro—1871. Dr. Carlos Frederico dos Soutos Xavier Azeve- do—Historia Medico-Cirurgica da esquadra brasileira nas campanhas do Uruguay e Paraguay. Rio de Janeiro—1870. Dr. Cosstte de Sá Pereira—O beriberi cm Pernambuco. Recife—1871. Dr. Ignacio Alcibiades Velloso—Appontamentos so- bre uma moléstia reinante em Pernambuco. Gazeta Medica, tomo 5.° Dr. Joaquim dos Remédios Monteiro—Relatório de 25 de Março de 1871. Gazeta Medica, tomo S.° Dr. José Caetano da Costa—Officio inserto no livro do Dr. Carlos Frederico a pag. 521. Dr. José de Góes Siqueira—Relatório acerca do estado sanitário desta província durante o anno de 1866, appresen- tado á Junta Central d'Hygiene Publica. Gazela Medica, tom. l.° pag. 189 e 201. Dr. José Luiz de Almeida Couto—Quaes os melho- res meios therapeuticos de combater o beriberi. These para concurso—1871. CJons. Dr. José Pereira Rego—Esboço histórico das epidemias que têem reinado n'esta corte de 1830 a 1871. Diá- rio Official de 22 de Fevereiro de 1872. 2 NOTA BIBLIOGKAPHICA. Dr. José Ribeiro de Almeida—Estudo sobre as con- dições hygienicas dos navios encouraçados. Rio de Janeiro —1871. Dr. Júlio Rodrigues de Moura—Estudo para servir de base a uma classificação nosologica da epidemia de para- lysias que reinou na Bahia, Gazeta Medica, toms. 2o e 3.° Dr. Luiz Ferreira de Lemos—Breves considerações so- bre uma moléstia endêmica nas margens do Rio Anajás, pro- víncia do Pará, Gazeta Medica tom. 3.° Drs. Luiz Ferreira «le Lem»s, e Jayme Pombo Brieio—Observação de um caso da moléstia caracteiisa- da por fraqueza geral, edema e paralysia. Gazeta Medica, tom. 3.° Dr. Macedo Soares—Cartas dirigidas do Paraguay ao Dr. J. R. de Moura, e commentadas por este. Gazeta Medica, tom. 2.° Dr. Manoel Joaquim Saraiva—Quaes os melhores meios therapeuticos de combater o beriberi. These de con- curso. Bahia—1871. Para a bibliographia geral consulte-se o Dictionnaire Ency- clopédiquc des Sciences Medicales, artigo Béribéri por A. Le Roy de Méricourt. índice dos capítulos Dedicatória. Prefacio.................................... I Considerações históricas....................... i Symptomas em geral, e formas da moléstia........ 9 Symptomas em particular...................... 22 Observações clinicas.......................... 33 Origem, desenvolvimento e extensão geographica... 59,181 Anatomia pathologica......................... 68 Marcha e duração............................ 71 Mortalidade.................................. 72,194 Propagação da moléstia....................... 76, 199 Difinição e diagnostico........................ 78 Caracterisação nosologica, ediagnostico difTerencial. 82,201 Prognostico................................. 123 Etiologia.................................... 127,206 Natureza da moléstia; pathogenia............... 139, 215 Tratamento e prophylaxia...................... 160, 220 Appendix................................... *79 Nota biblíographica dos autores brasileiros. Typographia de J. G. Tourinho. ADVERTEMMA Por descuido não foram mencionados na precedente Nota Bibtiographica os dous seguintes escriptores, citados no ap- pendix: Dr. Antônio Januário de Faria—Algumas considera- ções sobre a moléstia denominada beriberi, a propósito do artigo do Sr. Le-Roy de Méricourt. Gazeta Medica, vol. 3o, pag. 169. Dr. Thcophilo ile Sá—Ârchivo Medico Brasileiro, tomo 3% n. 5, janeiro de 1847, artigo—Chronica Medica, '/ f' /^ 1 ENSAIO no à^ SOBRE O BERIBERI NO BRAZIL DR. J.F. DA SILVA LIMA, O1, f LIVRARIA MARTIN FRACA DE PAIaCIO Gazeta Medica da Bahia: Collecçõcs completas de 4 volumes—cada volume 6^000 Código de Etliiea Medica.. adoptado pela Associação medica Americana—ãüoOO hiblicaròcs recentes do Du. Alvarenga: 1'ivcis de thermometrie clinique................ 3^000 Histoirc de Ia thermomótrie............... 1£000 Thermomètre clinique................ 1$000 Thermopathologie générale........ 1$000 Occlusion du trou ovale....... !$000 Discurso na sessão solemne d'abertura da Eschola de Lisboa............ $1500 Sentimento de livros de Medicina, Cirurgia, Sciencias accessorias, e litteratura medica, etc, etc, dos melhores autores, c mais modernas edições. > ^> ~> ~> -y ^> > ~> > ,3 ✓ >> >> ; '-> ^>? ^> b» - >" ">; ~> > :> ~>' ?. '•"> ':> 3 >> > ^ •--*-. > •> • >> > ^ » > ^> ">» > > >J ■>T .» 3> V .-« -í^ > ^^ ■^,^^% 3LJr > ? ^> v ^ ? ? :> ■ J^ > > 3> -__- > > ^L "> £>.)>-> "^3» ^ > • W • O > > >i 3^» 1 " >_> > >> .<» ' -2*L ■> ► 5> ; :» :>> . a5^ > > > > > > ..3» .2> • ^> ■ > 2 "O ;> J> ►> ^R> ;>•> >S> :> ^> :>£> >.> *3 > ;» >j> » • > ■> #■> > r» J>í> ■> > :> • .•."> o Z> >~9 > "i • ~> > ~> >> > -> >:> o ^> >' >^> >^> *> :> ^ a >:> > > >^> > t> ~> >~> -> ~> >"> ^>"J> 3> _>=> > ^ > > > j» > >--•> t> > >> ^> ^> > J>^> 3 ^ -> > -> ~Z> 3* >^> > > >> :>- :> -*> mm > > . -> > > ^ ' ^m : 3 ^ > 5 ? ) ■^ > • ^ 5 í 5 > 1 ~> > 1 ^ ^ 3 > > >^ -> > 3 = -> > «r> ~1> > > » >->• > > j£»l» "3> , > "3T> > .1 > >í> ~5? > 1 > 3> ' • 3 J>^1- B 3 ^.*vJ& > >^ J> > T> > > )'i > j> > x> > '-» -> > » J> • * > I > 2£> > '3 ■> O J> 2> "> ^> ? » » -> .> » » s> > -. >-> ► J» -> ;» > » -> -yy> "> :> 3s>J» > :> >> 3 >> > S> O 'O í> K> > /> r> í> lT» 5~> ) 3 > :> > t» > > K3i> > > > > T hTririETOD U1N 3NIDIQ3W JO A8V»8n TÇNOUÍN NLM001344646