WCK *R343h 1851 UNITED STATES OF AMERICA ft * —£^ ^ . . FOUNDED 1836 WASHINGTON, D. C. B19574 HISTORIA E DBSCRIPÇÍO QUE GRASSOU NO RIO DE JANEIRO EM 1850 /O por o\ NATURAL DO RIO DE JANEIRO Cavalleiro das Ordcns-Imperial da Rosa e de Chrislo, Dr. em fllcdicina pela Escola de Medicina do Rio de Janeiro, formado em Cirurgia pela Aca- demia Medico-Cirurgica, membro titular da Academia Imperial de Medi- cina, honorário do Gymnasio Brasileiro, effeclivo da Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional, e da Amante da Inslrucção, correspondente do Instituto Histórico e Gcographico Brasileiro, &c. RIO DE JANEIRO TYPOGRAPHIA DE F. DE PAULA BRITO Praça da Constituição n. 64 1851. 94 7 WCK ■*343h â CORPORAÇÃO MEDICA ò DO RIO DE JANEIRO. i,® mmi^®ma Partout les cris du sang et les larmes du coeur. Les cites, les Immeaux, les palais, les cabanes, Tons ont leurs morts, leurs pleurs, leurs cercúeills et leurs manes. Delille — L'imagination. anno de 1850, que, para completara serie das cala- midades que nos dous antecedentes pesaram sobre muitos povos pela luta desordenada das paixões políticas, se assi- gnalou em muitos paizes pelo desenvolvimento da peste, companheira inseparável das guerras civis e da miséria pu- blica, foi-nos também fatal pelos estragos causados pela epidemia da febre amarclla que, em seu principio, assolou quasi todo o nosso litoral, e pelas perdas dolorosas que nos fez experimentar, perdas tanto mais sensíveis, quanto ellas vinham também depois de dissenções intestinas, que nos tinham custado sangue, sacrifícios, e vidas preciosas. A utilidade e interesse que podia provir á sciencia, e á historia medica do paiz, assim como para o proceder futuro da autoridade publica, debaixo de cuja guarda está, ou deve estar a saúde publica, do conhecimento de todas as circums- tancias que precederam, e acompanharam o apparecimento desta epidemia, levaram-nos a representar em um quadro histórico, fiel c verdadeiro, e em linguagem clara, simples e chaa, como a verdade deve-o ser, todos os males que tão insidiosa como desoladora nos fez soffier a febre ama- O II AO I.lirOR. rella, esse verdadeiro Prolhèo, que, sob differcntos ca- racteres e formas, zombava do doente, do medico, c da sciencia. Reunir em um só corpo todos os meios de que a scien- cia medica e administrativa lançou mão para combater, e aniquilar tão terrível inimigo, que palmo a palmo nos dis- putava o terreno para roubar-nos as vidas, sem escolha de classes, nem de condições, sexos, ou idades, é o fim a que nos propomos, para não deixar que fiquem olvidadas asolli- citude, vigilância, e paciência, com que a classe medica se houve, já procurando sahar os seus similhantes, expondo-se ámil privações, c barateando muitas vozes sua própria exis- tência, já esforçando-se por desvanecer os horrores que causava a epidemia, c dissipar os prejuízos, que cabeças levianas, sem o pensarem, tinham incutido na população. Horrível e tenebroso foi o quadro, e ainda mais horrível e luetuoso o theatro, em que se representou esse drama de morte, em o qual todos mais ou menos fizeram o seu papel de dôr! ! Traçar o quadro dos desgostos e atribulações porque passamos, e da consternação e terror que se divisava no semblante de todos os habitantes desta capital, é empreza superior á nossas forças: nem é por esse lado que nos va- mos oecupar com a matéria, nem com tal intenção que escrevemos estas toscas linhas. IVosso único fim, neste em- penho, é registrar nas paginas da historia medica brasileira os factos e observações que podem interessar á sciencia, para que o conhecimento desta terrível epidemia nos não fique só por tradicção, como tem acontecido com quasi to- das as que entre nós se tem suecedido. Bem longe está de nós a presumpção de crer que vamos apresentar ao publico urn trabalho bem acabado da historia da epidemia no Rio de Janeiro. Ninguém ha que não possa avaliar as difficuldades com que havíamos de lutar, para que obtivessemos os esclarecimentos precisos, todos os do- AO LEITOR. HI cumentos officiacs, observações clinicas particulares, de hospitaes tanto civis como militares, tratamento em geral e em particular, necropsias; e, o que mais é, a organisação de uma estatística que nos desse o numero mais aproximado e exacto dos atacados da febre, dos curados, edos mortos. Comtudo, si não attingimos, como suppômos, a mela dos nossos desejos, ao menos ousamos afiançar, mui pouca cousa nos falta, e esta mesmo de pequena importância a nosso ver ; pois que fomos incançaveis em procurar, pes- quizar, e consultar tudo quanto podia ter relação com a febre amarella no Rio de Janeiro e nas províncias. Quem já tem organisado trabalho deste gênero, no qual é mister empregar não só material próprio como alheio, para que seja perfeito e completo, como deve ser, poderá aquilatar o nosso afan. Com a mais escrupulosa exactidao indicamos sempre a fonte, onde fomos tirar diversos factos e trechos da nossa obra, c estabelecemos o parallélo entre as opiniões de vá- rios autores, que tem observado e escripto sobre a febre amarella, mormente sobre o assaz combatido e ainda não decidido ponto do contagio ou não contagio delia. Dividimos o nosso trabalho em 11 capítulos: no 1.° tra- támos da maneira como a epidemia aqui se desenvolveu, e das providencias que se tomaram para attenuar seu pro- gresso e intensidade : no 2.° descrevemos a marcha e direc- ção que ella tomou, os pontos que atacou dentro e fora da cidade, as épocas de seu incremento e declinação, con- frontadas com as alterações atmosphcricas marcadas pela escala thermometrica nos mezes decorridos de janeiro a junho de 1850, e com o que a respeito se notou na epi- demia que reinou em Pernambuco de 1686 a 1692, e os principaes symptomas desta ultima: no 3.° procuramos mostrar que a febre, que grassou nesta cidade, foi a ama- rella: no 4.° oecupamo-nos com a questão da importação, dando uma noticia resumida do modo como se desenvolveu IV AO LIITOR. nas províncias quo assaltou: no li.0 tratamos da questão do contagio ou transmissibilidade da moléstia, e das medidas quarenlcnarias: no 6.° occupamo-nos com a natureza da febre amarella: no 7.° com as causas que contribuíram para o desenvolvimento da epidemia, c com a ditleienç 1 entre cila e a cscarlatina para atacar certas classes da nossa sociedade: no 8.° descrevemos os symptomas, mar- cha, formas, e terminação da moléstia entre nos: no 9.° expomos os caracteres anatômicos da enfermidade: no 10.° indicamos o tratamento geralmente seguido pelos mé- dicos do Rio de Janeiro: no ll.° tratamos da mortandade geral, c sua proporção relativa ao numero dos atacados; e indicamos em resumo os tratamentos empregados nos diíTe- rentes hospitaes, assim como o de alguns médicos, que nos enviaram uma noticia dos resultados da sua clinica, ou que os tinham publicado. Assim consignamos os factos pathologicos e históricos da febre amarella; e temos para nós que esta divisão c a mais natural e medica que podíamos seguir. Árdua foi a empreza, audaz quem se abalançou á cila. Fizemos todos os esforços para bem merecer e ser uteis; e sem vaidade nos apresen- tamos a nossos juizes esclarecidos, e innumeras testemu- nhas de tão recentes factos, bem conscios de nossa pouca valia, mas esperançados de ver apparecer á luz, sobre as- sumpto tão importante, trabalhos mais completos, de mais erudição e valor scientifico. Feliz de nós, si por este pequeno testemunho de amor á sciencia merecermos a continuação da estima de nossos col- legas e amigos, e o reconhecimento da humanidade soflre- dora. A nada mais aspiramos pelo nosso penoso trabalho. Rio, 12 de janeiro de 1851. O Autor. HISTORIA E DESCRIPÇÃO DA NO RIO he JAIVEII6». CAPÍTULO I. HISTORIA DA EPIDEMIA. As differenças completas observadas cm nossa constituição climaterica em o anno de 1849, cara- cterisada por uma secca de que não ha exemplo ha muito tempo; pelo calor ardente que nos ílagellou no estio, pela falta de trovoadas na mesma estação, e ausência das viraçóes para a tarde quasi constan- tes no Rio de Janeiro; a chegada de immensos aventureiros que se destinavam á Califórnia, e que aqui desembarcavam e percorriam todas as nossas ruas, sem que medidas algumas sanitárias a seu res- peito se tomassem, não obstante saber-se que vi- nham de paizes em os quaes reinavam moléstias epi- dêmicas gravíssimas; o ingresso de Africanos pela mor parte accommettidos de moléstias graves trazi- dos para o seio da população, eaccumulados em pe- quenos espaços mal arejados e pouco asseiados ; o desembarque de grande numero de estrangeiros, que vinham entre nós estabelecer-se, e conseguiníe- mente a agglomeração e augmento rápido da popu- lação; o predomínio de aífecções gástricas mais ou menos graves durante todo o anno; o apparecimento para os últimos mezes de algumas febres gástricas 1 — 2 — com preponderância de phenomenos ataxicos ety- phoideos no começo do estio, dando lugar á grandes fusões purulentas e a formação mesmo de abscessos enormes junto das articulações: tudo reunido ao abandono em que estava a nossa hygiene pubWca, ao estado deplorável das nossas vallas de despejo e de nossas praias, ao desenvolvimento de incessante emanação de miasmas infectos pelo gráo excessivo de calor no estio, fazia presumir ou antes acreditar no apparecimento para o outono de alguma epide- mia grave mais ou menos mortífera, si por acaso similhantes condições durassem. Na verdade, o homem de sciencia que contempla- va o estado apparenle de salubridade de que gozava- mos (porque força é confessar, o numero de doentes era pequeno) no meio desses elementos de destrui- ção; que experimentava o peso da atmosphera nos últimos mezes do anno; que encarava para a falta de brilhantismo do céo do Rio de Janeiro, toldado por essa myriada de corpusculos devidos á decom- posição das matérias animaes e vegetaes desprendidos dos immensos focos deinfecção entre nós existentes, e dando á atmosphera um aspecto trislonhr^e carre- gado, de certo não podia deixar de maravilhai-se do que observava, e de nào enxergar nesse como torpor ou inação dos elementos de destruição que nos ro- deavam um desfecho tanto mais terrível para a huí manidade, quanto maior fosse sua duração, umavtfz que condições favoráveis viessem pôr em confiai çao os elementos combustíveis lia tanto tempo acu- mulados altendendo a que a reacção d^vida^S. daji&fom- igual 4 força de acçãodJsle7s'quTrmamindhZ. ** f'ZTJlíSe, e°rao equilíbrio apparerUe deVia' ciaflodífrn08/1'-1108 unic«meDle do estudo e apre- ciação das condições em que nos achávamos foram se tornando tanto mais fortes quanto magnos ZT limávamos do outono pelo apparedmento dH" gumas febres graves que le iam manifesTando Files ganharam muito maior vulto ouandn nlin ,», Pernambucana entrado dos íoZ"^^ ZTs — 3 — de dezembro soube-se aqui que havia apparecido na Bahia uma febre, que denominavam vulgarmente polka, consühdnle ou Califórnia, a qual ia fazendo não poucas victimas, sobretudo nos de profissão marí- tima (1). Ganharam ainda maior força, quando vimos entrar a corveta D. João l. procedente da Bahia, e seu di- gno commandante evitar qualquer communicação com a terra por ter havido, durante a viagem, a seu bordo cinco casos de febres que reinavam na Bahia, e haverem-lhe morrido dous homens dos atacados (2), quando finalmente pela chegada do vapor Impera- triz no dia 20 do mesmo mez tivemos occasião de conhecer o parecer do concelho de salubridade pu- blica da Bahia (3), no qual apezar de declarar o mes- (1) Vede Jornal do Commercio de 14 de dezembro. (2) Vede o mesmo jornal de 15 de dezembro. (3j Eis o parecer: Ó concelho de salubridade desta cidn^e, tendo-se reu- nido em virtude do officio do Exm. Sr. Presidente de í do corrente , a fim deapresenlar seu parecer acerca da febre reinante, é da opinião seguinte : 1." que a moléstia que está reinando ne.-ta cidade é uma epidemia das que costumam apparecer nos paizes intertropicaes, mormente quando occorrera mudanças repentinas na atmosphera, ecopiosas chuvas fora de tempo prece- didas e seguidas de excessivo calor, que augmentando a evaporação dos charcos, pântanos, e do >ólo desenvolvem em maior quantidade os miasmas que abundam em todos esies paizes, e procedem da decomposição das muitas matérias animaes e vegetaes que nelles existem: circumstancias estas, que actualmente entre nós se tem realisado pelo trasbordamento dos rios, immun- dicias da cidade, má direcção no encanamento das águas, inhumação nos templos, e absoluta falta de policia medica, accrescendo a tudo isto o terror que sempre cansa á população o apparecimento de uma epidemia , terror que tem sido augmenlado por escriplos imprudentes e inexactos, e de propósito exagerados em alguns jornaes desta cidade. 2. Que a moléstia de que se trata ataca de preferencia os centros nervo- sos, vicia a hematose, e em quasi todos os doentes se manifesta com sym- ptomas de affecção do apparelho digestivo, e mormente nas pessoas de vida irregular; com caracter typhoideo nas que mais se tem exposto ás intempé- ries da quadra, particularmente nos indivíduos que menos estão habituados ás mesmas; e sob a fôrma apopletica nos que pelo temperamento ou idade estão a i^so predispostos. 5.o Que esta epidemia nada tem em si de contagiosa nem de assustadora e que os casos graves e fataes são devidos á predisposição dos doentes, á mo- léstias análogas, ou ao susto de que os doentes se tem deixado apoderar, ou finalmente a tratamentos contrários á razão. í.« Que, como o concelho de salubridade consta de poucos médicos com- parativamente a quantos existem nesta cidade, aconteceria que os dados esta- tísticos que o mesmo concelho apresentasse dariam lugar á conseqüências fal- sas respectivamente ao numero total dos doentes affectados, e á relação real entre os casos graves e funestos, e o grandíssimo numero de benignos ; pare- cendo ao mesmo concelho que o modo de obter-se uma estatistica aproxima- m<> concelho que a moléstia nada linha de contagio»,. e assustadora, e dar a entender que nenhuma espe- cialidade oflerccia, via-se entretanto que ella apre- sentava caracteres de gravidade muito importantes, por isso que atacava de preferencia os centros ner- vosos e viciava a heniatose, como se expressava o mesmo concelho; e se manifestava cm uns ou no maior numero com predomínio de phenomenos gás- tricos ; em outros com o lyphoideo; em alguns com da seria fazer estas indagações per intermédio da policia, ou por aquelles meios que o governo julgar mais convcnionles, visto que por esta maneira1 poder-sc-ha saber de muitos casos que por médicos não tenham sido tratados: obtidos estes dados e remellidos pelo governo ao concelho, tratará este de organiíar um trabalho que híja de satisfazer, como fòr possível, etta exi- gência. 5.<> Que os meios de prevenir esta moléstia consistem da parle de cada in- divíduo : 1 .o em estar seguro de que ella é benigna, havendo-se delia curado grandíssimo numero de pessoas, não se tendo realisado a morte sinão por oxcepçâo em indivíduos já dispostos a adoecer gravemente pelas causas ordi- narins, ou que solíi iam moléstias chronicas.ou exhauslos de força pela idade, ou por excesso de um viver desordenado: 2.o cm ter escolha, parcimônia e sobriedade no uso dos alimentos, preferindo os de fácil digestão aos indi- gestos e pesados, não enchendo demasiado o estômago em cada comida prin- cipalmente de noite: 3.o cm não usar de vinhos ou bebidas espirituosas não estando a ellas habituado, e ainda neste caso tomal-as somente ao jantarem pequena quai.lidade, devendo-se ter como errônea e perigosa a idéa de ser a aguardente tomada em differentes oceasiões do dia um preservativo da mo- léstia, quando muito pelo contrario ao uso delia e de outras bebidas espiri- luosas, assim como a má qualidade e grande quantidade de alimentos éque devem ser allribuidos os casos graves efataes : l." em não expor-se ao rclento, nem ao calor do sol, qnando elle é muito intenso, c evitar o resfriamento do corpo ao ar livre estando suado ou depois de qualquer exercício : 5 ° em fu- gir de habitações baixas, humidas, mal arejadas e visinhaü de lugares im- mundos, procurando residir e dormir em aposentos cm que se dèm condi- ções contrarias: 6.o em guardar muito asseio e limpeza não só no corpo e nos vestidos, mas lambem nas habitações: 7.o evitar o excesso em qualquer dos actos da vida que hajam de enfraquecer o corpo e diminuir a resistên- cia da economia animal aos agentes externos. 6.o Que os meios preventivos que não estão em poder de cada indivíduo, e que pela sua difficuldade e importância dependem das autoridades são: 1.« a cessação dos dobres de sino, que no animo dos doentes incutem idéas de morle que muito aggravam seu estado, e em muitas circumstancias podem por si sós causal-a em indivíduos nervosos :2»a remoção das causas de in- salubrid-ade que se acham espalhadas pelas ruas da cidade e seus contorno*, nos esterquilinios, canos abertos que expõem á acção do ar e do calor solar osproduetos excrementiciosdos auimaes, e as emanações dos cadáveres en- terrados nas igrejas em numero superior ao- das covas e carneiras que ellas possuem: o que tudo agora mais que nunca podo obrar, favorecendo a conti- nuação da epidemia. Bahia em sessão do concelho de salubridade 12 de dezembro de 181!'. — Esta conferme. Dr. Manoel Maurício Reboliças, t.° secretario. Jornal do Commercio de 20 de dezembro de 184''. »< o apoplectico; porém, apezar de tudo isto, apezar de se saber pela chegada do vapor S. Salvador em 5 de janeiro (1) que a epidemia recrudescera de 25 de dezembro em diante, tendo sido milhares de pessoas atacadas, tanto nacionaes como estrangeiros, sobre- tudo a maruja externa, da qual já tinham morrido até as ultimas datas 114 pessoas; apezar emfim da cçmmunicação feita pelo Exm. Presidente da Ba- hia (2), datada de 1." de janeiro, de terem sido ata- cadas para cima de vinte mil pessoas, e terem suc- cumbido mais de cento e sessenta estrangeiros, pela maior parte marinheiros, e de ser opinião de alguns ter ella sido introduzida por um navio chegado de NovaOrleans com doentes abordo, dos quaes tinham succumbido alguns na viagem, apezar de tudo, dize- mos, descuidamo-nos perfeitamente, talvez porque, a par das declarações do progresso e incremento da epidemia, vinham sempre noticias consoladoras de sua benignidade e da esperança de sua próxima ex- tineção, ou porque nunca nos persuadimos que ella nos viesse assaltar; e então nenhumas providencias sanitárias se tomaram relativamente aos navios pro- cedentes dos portos do Norte, para ver si se conseguia evitar a importação da moléstia para o Rio de Ja- neiro, como o exigia a prudência e a segurança da capital. Não tardou porém muito que não pagássemos bem caro as facilidades com que nos dirigimos em todas as nossas cousas, e nos não arrependêssemos de não ter tomado algumas providencias sanitárias acerca dos navios procedentes dos portos do Norte, especial- mente da Bahia, infectados da febre ali reinante, e não tivéssemos de experimentar uma prova terrível para sermos mais acautelados no futuro, já que o não fomos no passado, nem somos do presente, dei- xando pela nossa incúria c deleixo este bello paiz, talvez um dos mais saudáveis do mundo, ser assal- (I) Vide Jornal do Conimercio de 6 de janeiro de 1850. (2) Idemde 9 de janeiro. — 6 — tado por diversas epidemias mais ou menos graves que quasi sempre nos tem sido trazidas de fora. Não é o amor da terra que nos viu nascer que nos cclm para emittirmos uma similbante proposi- ção. Nao. A salubridade do clima do Bio de Janeiro púdc-se tomar como proverbial pela apreciação e exame das próprias epidemias que nclle tem reinado ncslcs últimos tempos, quasi todas importadas; pois vê-se que de ordinário se exlinguem por si mesmas sem deixarem após si grandes estragos, apezar de nenhumas medidas hvgienicas se empregarem para obslar á sua propagação, parecendo que os elemen- tos epidêmicos encontram um antagonismo perfeito ao seu desenvolvimento e incremento em nossa cons- tituição medica. Mas será sufficiente o exemplo que nos deu a epi- demia de que ultimamente fomos viclimas, de todas a maisassoladora que tem chegado ao Bio de Janeiro, para que, não contando sempre com a salubridade do clima, tomemos algumas medidas para evitarmos novas calastrophes similhanles, e livrarmos o paiz de marchar em decadência, como sem duvida acon- tecerá, si taes males se reproduzirem? Custa-nos a crer, pelo menos a julgarmos pelo que se tem pas- sado depois que a epidemia cessou, por quanto tudo se conserva no statu quo em que existia antes delia. Não tardou muito, dizíamos nós, que nos arre- pendêssemos de não termos tomado medidas al- gumas de precaução a respeito dos navios proceden- tes dos portos do Norte; e com efieilo a communica- çâo feita á Academia Imperial de Medicina em sessão extraordinária de 10 de janeiro pelo Snr. Dr. Lalle- mand, medico da enfermaria de estrangeiros da Santa Casa da Mizericordia (1), veiu-nos patentear com toda a evidencia o desenvolvimento de uma fe- bre grave em marinheiros vindos da Bahia, e sua transmissão a outros indivíduos que com elles mo- ravam. >'l I Mc Ântiaes Brrt.vhrnsrsdfí MedtrinaAe ^lembro,vol. .S.",pa; 2*1 — 7 — Relatam-se nessa coinmunicação oito factos, dons dos quaes eram relativos a marinheiros chegados da Bahia em direitura a este porto na barca americana Navarre, os quaes foram recolhidos á Santa Casa no dia 27 do mesmo mez, quatro indivíduos que com elles moravam na taberna de Frank em a rua da Mi- zericordia, na qual adoeceram também a mulher do mesmo, e o.caixeiro allemão Lenschau. A estes fa- ctos accrescentou oSnr. I)r.Sigaud(l) o de um moço francez de nome Eugene Aneeaux, o qual linha che- gado da Bahia havia dez dias, e fora recolhido á casa de saúde, de que era elle medico, onde fallecera; e o Snr. Dr. Feital (2) um outro de um marinheiro do vapor D. Pedro chegado da Bahia, o qual fallecera no hospital de marinha dentro de poucas horas. A exposição destes factos quasi que não deixou duvidas no espirito dos membros presentes da Aca- demia que eram elles da febre amarella da America, tal como a descrevem os autores, que a tem obser- vado nos lugares em que ella reina: porém convinha para formar um juízo mais exacto o conhecimento de maior numero de factos. A Academia então consultada pelo Governo sobre os factos referidos pelo Dr. Lallemand, e que haviam sido levados ao seu conhecimento pela administração da Santa Casa da Mizericordia em data de 628 de de- zembro (3), respondeu pelo órgão de sua commissão nomeada para apresentar um parecer a respeito: « que balda de todos os esclarecimentos sobre a na- tureza e índole da moléstia epidêmica, que grassava na Bahia, não possuindo a descripçáo de seus sym- ptomas, e não tendo conhecimento do resultado das autópsias; desconhecendo o que a seu respeito pen- savam os práticos abalisados, que a tinham presen- ciado e cuidado, não podia ajuizar acertadamente delia e de seu caracter, e menos ainda occupar-se íl) Vede Annaes Brasilienses de Medicina de setembro de 1850, vol. 5.» ("2) ldem, idem. (3) ldem, idem. de sua conlagiosidade para d ahi induzir a p<«^il»ili- dade de sua importação no Rio de Janeiro, que maiores eram ainda as difliculdades para que aílir masse partilhar a moléstia das qualidades da febre amarella: que aguardava porém que o Governo Im- perial se dignasse mandar vir iodos os esclareci- mentos precisos, e fornecesse á Academia os meios de satisfazer a curiosidade publica, e encher esla lacuna da sciencia. » « Que o mesmo acontecia com a moléstia obser- vada na Sauta Casa, e sobre a qual o Governo Impe- rial chamava a attencão da Academia, porque os factos, além de poucos, não tinham os phenomenos que os caraclerísavam a mesma hemogencídade, e que por isso não podia o medico consciencioso e prudente basear uma opinião, e formar um juízo seguro sobre a identidade de seus symptomas e os indicados pelos autores como representando a febre amarella ou lypho icteroide. » « Que seria por tanto pouco scientifico e regular que se pudesse desde já, e sem novos factos e ulte- riores indagações, assignar a classe das moléstias, em que devia ser collocada a de que se tratava, po- dendo-se apenas dizer que havia em geral pheno- menos gastro-entericos inílammatorios, signaes de phlegmasias cardio-arleriaes, e alguns symptomas de aírecção ccphalo-rachidiana. » « Que em todo o caso, passando-se os factos re- feridos em marinheiros e pessoas vindas da Bahia ou que com estes tiveram contado, que nelles se apresentando alguns symptomas que se asseme- lhavam a aquelles que se notam nos accommettidos de febre amarella, era prudente, justo e de conve- niência publica medidas sanitárias e de precaução, com as quaes, si outra vantagem maior não se con- seguisse, pelo menos socegavam-se as famílias, tran- quillisava-se o povo, e acalmavam-se os espíritos já bastante atemorisados e só por isso dispondo os corpos a soílrer. » Então passou ella a apontar áquellas medidas _ 9 — que se costumam a pôr em pratica em todos os paizes para evitar a importação ou progressos de qualquer epidemia, insistindo com especialidade no uso das quarentenas, e na remoção dos accommet- tidos da lebre do meio da população para lugar re- tirado, donde o foco de infecção não pudesse preju- dicar os habitantes da cidade (1). Então não era conhecida ainda entre nós a opi- nião definitiva dos médicos da Bahia sobre a natu- reza das febres que lá reinavam, sabendo-se unica- mente por cartas particulares que uns opinavam pela idéa da febre amarella, no entanto que outros á ella se oppunham, noticia que se confirmou por um trecho do officio do Exm. Presidente publicado na Tolerância de 23 de janeiro (2) no qual dizia elle o seguinte « até hoje a opinião dos facultativos do paiz está em opposiçáo com a de alguns médicos es- trangeiros, querendo estes que seja a febre amarella maligna e contagiosa que reina na actualidade, e grande parte daquelles apenas tem concordado em Ser uma febre epidêmica sem contagio, nem ter um caracter essencial de malignidade, apresentando em muito poucos casos, como excepções, alguns symptomas que autorisam os médicos estrangeiros á classificação que apresentam. » Além disto, os factos conhecidos pela Academia eram ainda mui poucos para que pudesse ella logo dar uma opinião, quer a respeito de sua similhança com a da Bahia, quer a respeito de sua índole es- pecial; por isso julgamos que a Academia, no pa- recer que deu, conduzio-se com a prudência e cir- cumspecção necessáriaá uma corporação scientiíica. Com eííéito, em vista do parecer da Academia e do apparecimcnto de novos factos de febres, o Go- verno Imperial ordenou o estabelecimento das qua- rentenas para os navios procedentes dos portos do Norte, e encarregou ao Exm. Provedor da Santa Ca- (1) Vede o tomo ."> « dos Annaes, pag. 89. (2) Vede Jornal do Commercio de o de fevereiro. 9 - 10 — sa da Mizericordia a creação de um lazareto na ilha do Bom Jesus, para onde fossem remeltiilos os doenles atacados da febre então reinante, e deram- se ainda outras providencias que as circumstancias reclamavam: porém, apezar de tudo isto, a moléstia continuou a progredir.e bem depressa o hospício do Bom Jesus tornou-se insufficientc para conter todos os doentes accommctlidos da febre, de modo que em fevereiro a administração da Sanía Casa vio-se for- çada a crear provisoriamente mais algumas enfer- marias, estabelecendo uma na rua da Mi/.ericordia, outra no Sacco do Alferes c outra na praia Formosa. Então reunio-se de novo a Academia em dias de fevereiro, fez chegar ao conhecimento do Governo por um outro parecer que a moléstia, que reinava, era a verdadeira febre amarella da America, reconhe- cida por todos os seus phenomenos próprios desde o gráo mais simples ou de influencia, até os casos mais graves, caracterisados pelo vomito preto e ou- tros phenomenos próprios; opinião que lambem já era seguida na Bahia pela commissão medica da- quella cidade (1) como se vè do parecer abaixo (1) A febre ora reinante na Bahia é considerada febre amarella porque se manifesta do modo seguinte « Principia por ligeira dôr de cabeça, pelos membros abdominaes, enfraquecimento e incommodidade de toda a economia, elevação de temperatura, prostração de forças, diminuição de faculdades intellectuaes e abatimento de espirito, face espantada, sensação incommoda no epigastrio , que ora alivia pelo apparccimento de alguns vomilos, ora ce- dendo seu lugar a uma gaslralgia ; os pomulos ao começo se tornam rubros, pulso cheio, mas não duro, a pelle árida, a qual aridez, se continua ao ter- ceiro dia, traz o abatimento do pulso, língua branca, saburrosa c larga, os olhos se tornam sensíveis á luz, e as conjunclivas injecladas, algumas hor- ripilaçfMis nos três primeiros dias, e lodo este cortejo de symptomas cedendo eui geral c promptamente aos evacuanles c sudorilicos. Se ao terceiro dia a moléstia não tem cedido, ao quarto vai se tornar mais grave muitas vezes; a epystaxis tem lugar, vômitos biliosos, côr amarella de pelle, principalmente na face e coxas, os vomilos continuam e lornain-se mais freqüentes, e muitas vezes misturados de flocos negros de côr escura, parecendo com borra de vinho, principalmente nos estrangeiros e crianças, augmenta-se rapidamente a amarellidâo de pelle, a suppuração dos que levara \c>icaloiio muda de natureza e còr, urinas raras, eunegrecidas ou amarcl- ladas,algumas ecchymoses sobre o peito e coxas, algumas \ezcs e quasi sem- pre em estrangeiros dejecções negras e sanguinolentas, e estes symptomas uma vezappareccndo duram do quarto ao sétimo dia, e acabam falalmenle. » Ultimamente os nacionaes tem se revestido do caracter rcmillcule, e mui- tas vezes intciaiilleule e pernicioso, mas que vão cedendo secundo as obser- — 11 — transcripto, assim como de alguns médicos da Bahia, d'entre os quaes citaremos o Snr. Egas Muniz Car- neiro de Campos, o qual já em 17 de dezembro de 1849 em o n.° 189 da Tolerância tinha declarado ser a febre amarella a que reinava na Bahia (1). Nestas circumstancias se achavam as cousas quando o Go- verno Imperial, ou porque a Academia não pudesse em seu pensar satisfazer a todos os encargos que so- bre ella pesavam, ou por qualquer outra circum- stancia que não nos é dado attingir, nomeou uma commissão de nove membros sob a direcção do Pre- sidente da Illma. Câmara Municipal, a qual íoi dahi em diante consultada em todas as questões que po- diam interessar a epidemia (2). Com prazer o dize- mos, com relação ás primeiras cautelas ou aquellas a que se referiu a Academia, e sobre que unicamente foi ouvida, a commissão concordou perfeitamente em suas opiniões com as da Academia. Esta commissão, denominada central, reuniu-se pela primeira vez no dia 13 de fevereiro no paço da vações da commissão, dentro e fora dos hospitaes, ao uso do sulphato de quina em alta dose. A commissão crê que o principio deletério que é causa desta enfermidade , inhalado ou inspirado ataca os plexus cardíacos e coronarios e o cérebro, e por isso pervertendo a acção nervosa, decompondo o sangue, trazendo por fim congestões cerebraes e para a peripheria interna e externa da economia dá lugar aos produetos acima mencionados. Esta lebre com tal cortejo de symptomas c ainda mais pelo modo de sua invasão que não é submcltida á regra alguma ataca tanto em repouso como no somno, durante asoccupações ordinárias da vida, e no momento em que muitas vezes se não espera ; e por isso a commissão tem-a classificado como amarella, mas não crô de mode algum em seu contagio segundo as luzes e os últimos escriptos á tal respeito de médicos americanos e europeus de me- lhor nota. Bahia 19 de janeiro de 1850.— Vicente Ferreira de Magalhães, Salustiano Ferreira de Sousa.—Conforme. O secretario Luiz Tilaria Alves Falcão Muniz Barreto. Diário do Rio de 8 de fevereiro de 1850. (1) Yède Jornal do Commercio de _'J de março, e Animes de março de 1850, vol. 5.", pag. 125. (2) Compunha-se a commissão dos Drs. Gandido Borges Monteiro, Presi- dente, Manoel do Valladão IMmcntel, José Pereira R^go, José Maria de Noro- nha Feital, Antônio Felix Martins, Roberto Jorge Ha;!dok Lobo, José Bento da Rosa, J. Sigaud, Luiz Vicente De-Simoni, membros da Academia, e Joa- quim José da Silva, professor da faculdade de medicina. - VI — Illma Câmara Municipal,e um de seus primeiros cui- dados foi moderar o teirore susto que se tinha apode- rado da população,cindicar lhe os primeiros meios a que deveria recorrer no casodeaceommeHiniento da febre. Ella formulou logo nesse dia um trabalho com o titulo—conselhos ás famílias sobre o compor- tamento que devem observar durante a epidemia — e enviou-o ao Governo Imperial, que o fez publicar no dia seguinte em todos os jornaes mais lidos (1). Este trabalho em que a commissão indicava ao povo, em estilo simples e ao alcance de todas as in- telligencias, as regras de hygione que deveria guar- dar no curso da epidemia, assim como os meios cu- rativos a que poderia recorrer na invasão da molés- tia antes de consultar qualquer medico, foi um dos trabalhos que mais ulilisou á população, e mais transtornou o plano do charlatanismo, pelas muitas curas que de sua adopçáo se alcançou nos casos em que a moléstia se revestia de caracteres mui simples. E então este, indignado pelas muitas curas que se operavam, mesmo naquellas casas em que suas pa- lavras eram um evangelho, recorreu ao meio de lazer desviar o povo da adopção dos conselhos ex- pendidos nesse parecer, escrevendo artigos violentos contra o óleo de ricíno, as infusões diaphoreticas, os pediluvios e outros meios similhanles nelle indi- cados, attribuindo-lhes o desenvolvimento e intensi- dade de alguns phenomenos maisgraves. Tanto pôde a razão alienada!!! Mas o povo, apezar de tudo, foi seguindo os preceitos estabelecidos pela commissão, e muitas famílias pobres e faltas de recursos de- veram a elles a sua salvação. Progredindo a epidemia, e tornando-se insufíi- ciente o lazareto do Bom Jesus, foi a commissão consultada pelo Governo Imperial sobre se o estabe- lecimento de enfermarias em alguns lugares da ci- •! Li*de o 3.o lomo dos Annacs, pag. ')"}, Jornal do Commercio, 9 7>v* ri*, d'. h'Jú de 11 de fevereiro d* 1850. - ia — dade para isso mais próprios poderia ainda mais comprometter o estado de salubridade da capital, do que não eslava ; e ella respondeu que não, uma vez que a moléstia já tinha invadido todos os bairros da cidade, mas que convinha entretanto procurar posições elevadas e bastante arejadas. Então, em virtude deste parecer, creou-se no morro do Livra- mento o hospício de N. S. do mesmo nome, sob a direcção do distincto professor o Sr. Dr. Manoel do Valladão Pimentel, e as enfermarias creadas provi- soriamente na rua da Mizericordia, Sacco do Alferes e praia Formosa, foram ainda conservadas por al- gum tempo, em razão do grande numero de doentes que afíluia aos hospitaes, ficando reservado o hos- pício do Bom Jesus para os doentes que já lá es- tavam, assim como para aquelles que eram accom- metlidos nos lugares mais próximos (I). Além destas providencias, crearam-se por proposta da commissão central commissóes médicas cm todas as freguezias da cidade para tratarem dos doentes pobres, e commissóes de policia do porto para exa- minarem o estado de salubridade dos navios anco- rados, e fazerem recolher ás enfermarias os doentes que fossem encontrados a bordo dos navios, de- vendo umas e outras proporem as medidas neces- sárias ao bom andamento e execução dos encargos que lhes eram prescriptos em seus regulamentos for- mulados pela commissão central e mandados exe- cutar pelo governo. Ainda outras providencias se tomaram paraobstar ou pelo menos diminuir a força do mal, e occorrer a todas as eventualidades possíveis, convindo, para sermos justos, confessar que o Governo Imperial mostrou nessa crise terrível o maior interesse e de- dicação em minorar os soífrimentos e males cau- sados por tão grande calamidade, já satisfazendo (1J 0 hospício de N. S. do Livramento foi installado no dia 10 de março, í desse dia á 31 de maio recolheram-se a elle 843 doentes da febre amarella. Estatistiea do Sr. Dr. Valladão de 20 deneYenibro de 1880. — li - rom a promptidáo possível a todas as reclamações feitas pelos seus delegados em beneficio da saúde publica, já minorando os males de muitas famílias pobres com auxílios pecuniários para satisfazer as suas primeiras necessidades, já mandando distri- buir remédios gratuitamente, já finalmente expe- dindo médicos em commissão para todos aquelles pontos do município fora da cidade, onde a epide- mia se foi manifestando, como por exemplo, In- haúma, Paquetá, Ilha do Governador e Irajá. Cumpre ainda, por amor da verdade e em abono da classe medica do Bio de Janeiro, dizer que cila nunca se mostrou mais digna de admiração do que nessa quadra terrível, em que todos, desprezando seu commodo e hem-eslar, e muitas vezes ainda meio sãos e meio doentes da febre, rivalisavam em fazer sacrifícios pela salvação de uma população inteira, que não poucas vezes deixou de mostrar-se ingrata, menosprezando os homens que, abnegando todos os seus commodos c fazendo o sacriíicio de sua saude c vida, só tinham em vista o amor da humanidade; no entanto que acatava o charlata- nismo mais impudente, que só mirava o interesse pecuniário c nunca o da humanidade, porque a sede e ambição do ouro tudo lhe fazia esquecer. Um contraste bem frisante podia ser notado nessa occasião por um observador sincero e despido de prevenções. Em quanto os médicos verdadeiramente philan- tropos mostravam em suas physionomias pintadas as expressões de dor e desgosto, e lastimavam a sorte de tantas victimas ceifadas, de um lado pela gravidade da moléstia, e de outro pelos embustes c estragos do charlatanismo, este percorria satisfeito as ruas desta cidade, ostentando milagres e os lu- cros obtidos pelo sacrifício da vida de seus simi- lhantes, desejando que durasse a calamidade, afim de continuar a locupletar-se, e esligmalisando os meios de tratamento os mais inuocenles aconse- lhados pelos homens profissionaes. — 15 - Cumpre-nos igualmente confessar que a admi- nistração da Santa Casa da Mizericordia sob a di- recçáo de seu digno e incansável Provedor fez nessa época calamitosa os mais relevantes serviços, os quaes jamais serão esquecidos por uma população inteira, que teve occasião de observar o zelo e activi- dade com que o seu digno Provedor procurava des- empenhar tudo quanto lhe era determinado pelo Governo, parecendo até incrível, como em tão pouco tempo podia elle satisfazer a tantos e tão trabalhosos encargos. Chegando a epidemia ao seu maior gráo de inten- sidade, e crescendo todos os dias o numero das vi- climas a ponto de já não haver lugar quasi nos tem- plos para se sepultarem os corpos, ordenou o Gover- no, em virtude de proposta da commissão central, que cessassem os enterramenlos nas igrejas, sendo de en- tão por diante sepultados os cadáveres em cemitérios extra-muros. Com esta providencia, ha muito recla- mada pela sciencia e civilisação, pela qual instavam sempre os homens profissionaes, e que ainda hoje não existiria, si a força da necessidade á isso não obrigasse, não pouco ganhou a cidade do Bio de Ja- neiro debaixo do ponto de vista de sua salubridade. Esta foi uma das mais importantes medidas que nos trouxe o desenvolvimento da epidemia, e é para la- mentar que só tão graves circumstancias, como as em que nos achámos, fossem necessárias para ven- cer prejuízos e usos inveterados que nem a sciencia nem as luzes do século puderam nunca destruir em nosso paiz. Para concluir o que temos a expor a tal respeito, diremos que a commissão central, reconhecendo que a epidemia progredia e ameaçava atacar outros ponlos, e que os resultados das observações aqui feitas poderiam muito aproveitar naquelles lugares, em que a moléstia ainda não tinha chegado, organi- sou um trabalho no qual descreveo os symptomas, marcha, lesões anatômicas e tratamento da moléstia, e enviou-o ao Governo Imperial, que o mandou im- — 16 — primir e remetler, segundo nos constou, exemplares ás câmaras dos diversos municípios A}- CAPITULO II. DESENVOLVIMENTO, MARCHA E PROPAGAÇÃO DA EPIDEMIA. A vista das considerações feitas no capitulo prece- dente, parece fora de duvida que os primeiros fa- ctos, que se observaram na cidade foram os referidos pelo Dr. Lallemant, de que já falíamos, ou fosse por que realmente a moléstia principiasse por elles, ou fosse porque a successão desses factos, a uniformi- dade e insidia dos symptomas observados chamassem a attencão do nosso collega sobre sua Índole e cara- cteres especiaes, e melhor os fizesse apreciar. Porém logo depois alguns outros factos se foram observando não só na rua da Mizericordia, mas ain- da nos lugares circumvisinhos á praia dos Mineiros e do Peixe, assim como para as bandas da Prainha e Saúde, de modo que a moléstia pareceu desenvol- ver-se com pouca diíferença de tempo, por Ires pon- tos diversos, collocadosna parle litoral da cidade. Destes três pontos marchou para o interior delia e seus subúrbios por três direcções ou raios mais ou menos distinctos e bem marcados. Do 1.° ou do da rua da Mizericordia encaminhou-se para o lado do Sul da cidade, subindo pelas ruas de S. José e da Assembléa a ganhar as da Ajuda e Guarda Velha, depois marchou em duas direcções, uma pelos largos da Mái do Bispo, Ajuda e Lapa a ganhar as ruas da il) Lede o 5.° vol. dos Annaes, pag. |i>'>. — 17 — Lapa, Gloria e Catete, donde se foi estendendo aos su- búrbios do lado do Sul, chegando quasi até o come- ço da Lagoa de Bodrigo de Freitas, e a outra pelas ruas dos Barbonos, Arcos, Bezende e Matacavallos a ir encontrar-se em Mala porcos e lugares visinhos com as que marchavam dos outros pontos, seguindo pelo caminho do Engenho Velho, e chegando se- gundo diz oSr. Dr. Lobo, até ás faldas daTijuca l[\ sendo notável que o seu incremento na direcção desta linha fosse muito maior, primeiro nas ruas dos Arcos e Barbonos que não nas da Ajuda e Guarda Velha, que lhe ficam anteriores no trajeclo que se- guia a epidemia, onde em compensação das tregoas que dera em principio aos seus moradores, osalacou depois com maior força e os decimou em muito maior escala. Do 2.° ponto, isto é, da Prainha e suas immedia- çoes ella seguiu a direcção do Norte da cidade, ca- minhando pelas ruas da Prainha e Livramento, ga- nhando as praias da Saúde, Sacco do Alferes e For- mosa; e d'ahi as ruas de S. Christováo, Pedregulho, Bemfica, chegando até Inhaúma e mesmo alguns lugares de Irajá, atacando as povoações mais próxi- mas ao litoral e respeitando as centraes, onde pou- cos foram os casos que se manifestaram, e estes mes- mos quasi que não ultrapassaram os limites corres- pondentes á Praia Pequena, sendo poupado quasi todo odistricto do Engenho Novo, apezar de sua pro- ximidade, assim como as ruas mais centraes do En- genho Velho. Do 3.° ponto ou do central subiu pelas ruas que vao terminar na rua Direita a ganhar o campo de SanfAnna e Cidade Nova, dando em seu trajecto raios que se introduziam pelas ruas transversaes, e que se iam encontrar com aquelles que em sua passagem forneciam as linhas do Norte e Sul, de modo que .tiL^eSul!3(L0 da clinica do Dr- Lol'° na ftíw'C amarella, Annaes de julho ! 1850, vol. 5.o pag. 204. 3 — 18 — para fins de março a cidade estava sob a influencia epidêmica em todos os seus pontos. Nesta ultima a progressão da epidemia foi muito mais lenta que não em qualquer outra, talvez por sua maior distancia [calcris yaribus) do litoral, ou Í)ela estreileza das ruas que oppunha maior obstacu- o ás correntes do elemento epidêmico; porqminto o bairro da Cidade Nova, em o qual sem duvida o de- senvolvimento da moléstia foi com mais probabilida- de devido á transmissão da influencia epidêmica por esta linha, foi um daquelles em que ella se manifes- tou muito mais tarde, mesmo talvez muito depois de ler apparecido em alguns lugares do Engenho Velho, em Mata porcos, por exemplo, e em vários pontos de S. Christovão. Foi também na direcção desta linha que a epide- mia ceifou maior numero de habitantes da cidade, sem duvida por se achar nellacomprehendido maior numero de estrangeiros, em os quaes ella se desen- volveu com maior furor e gravidade. Um fado bem notável observou-se na marcha e propagação da epidemia nesta ultima direcção, fa- rto, que foi igualmente notado nas outras, mas não de um modo tão patenle, e é o seguinte: que nas ruas que crusam a cidade no sentido transversal, como a Direita, da Quitanda, dos Ourives, &c, a moléstia desenvolveu-se mais tarde e com bastante lentidão, e bem assim que em alguns quarteirões, que, seguindo a epidemia uma progressão regular, deveriam ser os primeiros atacados, ella invadiu muito depois, e quando outros que lhe ficavam su- bsequentes eram já assolados em grande escala. Esta circumstancia fez crer á algumas pessoas que a mo- léstia marchava em sentido opposto á aqueüe que lhe indicámos, isto é, do Campo deSantWnna para baixo, quando realmente não era isso o que linha lugar. Dava-se aqui o mesmo caso que aconteceu para com as ruas dAjuda e Guarda Velha: a molés- tia, como que saltando por ellas, foi accommetter os habitantes daquellas que lhe ficavam em seguimento, - 19 — para depois, como por um passo retrogado, vir inva- dil-as com mais intensidade e gravidade. 0 mesmo aconteceu ainda com o bairro de Mataporcos: este foi invadido pela epidemia muito antes da rua do Conde da Cidade Nova que lhe fica anterior e em se- guimento; e, segundo informavam as pessoas do lu- gar, a moléstia tinha ahi se desenvolvido depois da ida para lá do major Marcolino (do corpo de perma- nentes) que fallecera e tinha adoecido na rua dos Arcos. Desenvolvendo-se em principio com muita lenti- dão e com caracter benigno, excepto para os estran- geiros recém-chegados ou que tinham pouco tempo de residência no Brasil, bem como para os mari- nheiros, assim se conservou até quasi os primeiros dias de fevereiro, mantendo-se sempre nos lugares mais próximos ao litoral, e apparecendo apenas aqui e ali em outros pontos; porém bem depressa mudaram-se as scenas: o susto e a consternação apoderaram-se de quasi todos os habitantes da capi- tal pela rapidez e caracter de gravidade com que accommetteu por todos os lados, achando-se quasi toda a cidade submettida á sua influencia destruido- ra em meiado de março, mez em que o numero das victimas crescia todos os dias, chegando no dia 15 a exceder de 90, incluídos os fallecidos nos hospitaes estabelecidos por ordem do Governo nos diversos bairros da cidade para acudir aos enfermos pobres com a promptidão que exigia a gravidade do mal. Desse dia em diante ella declinou felizmente, con- servando-se entretanto em certo gráo de intensidade até meiado de abril, alternando seu accrescimo ou diminuição com a baixa ou a alta da temperatura atmospherica, em virtude das chuvas que principia- vam a cahir com alguma força. Desta ultima época em diante a declinação foi progressivamente a mais, e em fins de julho podia-se dar a epidemia por ter- minada para a cidade. O mesmo não aconteceu porém nos subúrbios del- ia ; seu maior incremento principiou do meio de — 20 — março em diante, e sua declinação quasi cm fin* de maio: e lugares ahi houve, onde ella ceifou não poucos indivíduos, tornando-se sobretudo no- táveis o bairro de Mataporcos e alguns pontos de S. Christovão. Ao mesmo tempo que isto se passava em terra, observava-se que, tendo ella começado no mar pelos marinheiros de bordo dos navios que chegaram dos portos do Norte, se foi estendendo com força e rapi- dez ás tripulações de todos os navios mercantes ou de guerra, sobretudo estrangeiros, que estavam para dentro do ancoradouro da alfândega, fazendo innu- meras victimas entre elles, no entanto que os navios fundeados no poço ou para fora do ancoradouro da alfândega pareciam estar isentos da influencia epidê- mica ; porém a estes mesmos communicou-se depois a moléstia, aindaque tarde, eviu-se suas tripulações ser accommellidas em grande escala e quasi sem ex- cepção de pessoa. Observou-se igualmente que a moléstia, quando no maior gráo de intensidade aqui, desenvolveu-se também em Nictheroy, ou porque fosse para ali transportada por aquellas pessoas que viajavam desta para aquella cidade, ou porque os ventos que sopravam sobre a bahia conduzissem para lá o ele- mento epidêmico. Yè-se por conseguinte do que acabamos de expor que a epidemia, começando nos últimos dias de de- zembro poraccommetter apenas alguns marinheiros chegados dos portos do Norte (Bahia) ou a bordo de seus respectivos navios, ou em terra nos lugares para onde desembarcaram, transmiltiu-se á toda a popu- lação da cidade, ou seja porque elemenlos havia para o desenvolvimento ou propagação da moléstia, ou por se terem desprezado as medidas de hygiene publica epolicia sanitária que as circumstancias re- clamavam; queemfim ella chegou a sua maior in- tensidade de fins de fevereiro a meiado de março; que d'ahi em diante começou a declinar em terra, a ponto de no ultimo de maio fechar-se o hospicio do — 21 — Livramento, única das enfermarias provisórias que ainda existia, exlinguindo-se para o fim de junho ou princípios de julho. No mar entretanto não aconte- ceu o mesmo; ella continuou com mais ou menos força, sobretudo entre os estrangeiros, até fins de agosto ou começo de setembro, ameaçando ás vezes recrudescer com violência quando o calor augmenta- va, sobretudo depois das chuvas, como aconteceu por exemplo em princípios de julho, em que foi necessá- rio de novo mandar abrir o hospício do Livramento, conservando-se aberto até 31 de agosto. Ainda foram tratadas durante este tempo 115 pessoas, das quaes falleceram 39, segundo consta das estatísticas desses mezes, declarando o Sr. Dr. Lallemand no dia 3 de setembro que não havia no hospício mais doentes de febre amarella. Agora si quizermos achar a relação que houve entre a propagação e incremento da epidemia com as alterações da temperatura então observadas, vere- mos que em factos que se podem considerar prova- dos nenhum o é por certo melhor do que o incre- mento e a declinação da epidemia segundo a eleva- ção e abaixamento da temperatura, como se poderá conhecer do quadro das observações thermometricas aqui junto, e pertencente aos seis mezes em que du- rou a moléstia. Na verdade, si compararmos os factos observados na marcha da epidemia com os dados fornecidos pela escala thermometrica, veremos que marchando ella de vagar no mez de janeiro, em que a tempera- tura conservou-se entre 72 gráos do thermometro de Fahrenheit, el8 1/2 do de Beaumur—minimo—e 86 Fou 24 R máximo, principiou a progredir com maior rapidez e a engravescer para fevereiro, em que a escala thermometrica marcou sempre de 74 F , ou 19 R minimo, até 91 f , ou 26 1/2 R máximo, chegando a seu maior auge em meiado de março, occasião em que o thermometro marcou por muitos dias 90 f , ou 25 3/4 R. Observou-se ainda que começou a decrescer em — 22 — abril, mez em que se conservou sempre em certo gráo de intensidade não pequeno, sem duvida por que a temperatura regulou ainda entre 7\ e S7, e entre 19 e 24; que diminuiu notavelmente em maio, em que o calor conservou-se entre 70 c St) * ou 19 e 21 R , e finalmente que se foi extinguindo em ter- ra (porque no mar, sobretudo entre os estrangeiros, ella se conservou até setembro, posto que com pou- ca força (do meiado de junho em diante, em que o calor se conservou entre 11 e 16 R , e 56 e 68 F de manhã e de tarde, e entre 70 F ou 17 R para o meio dia, sendo mui poucos os dias em que excedeu destes gráos eestes só na entrada do mez. Um lado houve também, que não deve ser esque- cido nesta occasião, e vem a ser; que a epidemia di- minuía sempre que havia chuva e abaixamento de temperatura, para recrudescer logo que cessava a chuva ou crescia o gráo de calor. Este faclo não se harmonisa muito com o que nos diz o dislineto me- dico porluguez João Ferreira da Bosa na obra (1) que escrevera sobre a epidemia que reinou em Per- nambuco em os annos de 1686 a 1692, e que matou no Becife para cima de 2000 pessoas (2), porquanto affirma elle em sua obra que a moléstia invadia com muito mais força no inverno que no verão, quando o contrario deveria sueceder, si então, como hoje observamos, o excesso de calor fosse o principal mo- tor de sua propagação e incremento; dependendo esta circumstancia, no pensar do mesmo autor, da condensação dos vapores mephiticos no inverno. Entretanto os symptomas por elle descriptos no seu artigo — Signaes da constituição — são exacta- mente idênticos aquelles que se dão hoje como ca- racterísticos da febre amarella, e constam pouco mais ou menos dos seguintes: (I) Constituição pestelencial de Pernambuco, duvida 1.», pag. 5 e se- guintes. (2) A e#tragos, porque então tudo concorre a dar-lhes desenvolvimento e força: eslas tomam maior intensidade era certos annos, mas se se deve crer em algumas informações que tem vindo da Bahia, falta aqui um elemento, que dizem ter sido a causa da intensidade e do appa- recimento da epidemia que lavra por aquella província ; isto c, a importação cm grande escala de africanos, chegando alguns já accommelüdos por febres que são endêmicas nas coslas d'Africa. Oconcelho sempre sollicito pela salubridade da província, desde que che- gou a noticia da epidemia da Bahia, não se lem descuidado um só instante do que pôde oppor-se ao desenvolvimento do mal, sua propagação e inten- sidade, se infelizmente não for possivel evital-o. A câmara municipal lhe promette sua coadjuvação em tudo que para isso possa concorrer, executan- do as medidas que lhe tem sido lembradas, e o Exm. Sr. Presidente da pro- víncia não deixará de prestar todos os meios necessários; mas isto não c tudo; convém que os facultativos desta cidade coadjuvem também seus es- forços, e por isso o concelho lhes roga que façam chegar á seu conhecimento todas as observações que colherem, lembrando-lhe meios que possam lhe ler escapado. Sala do concelho em sessão extraordinária, 12 de janeiro de 1850.— Dr. Joaquim de Aquino Fonseca, presidente. Jornal do Commercio de 25 de janeiro de 1850. (1) Vide Jornal do Commercio de 3 de fevereiro de 1850. — 31 — a população, e livral-a do flagello que tão de perto a ameaçava (l). No dia 10 faziam constar que a fe- bre continuava a grassar em Pernambuco, masKsem o caracter demalignidade que apresentava na Bahia; porquanto, em t8 dias contados de 7 a 25 de janei- ro, segundo constava de um mappa mandado orga- nisar pelo consulado inglez, tinham sido atacados, de 1243 pessoas pertencentes áequipagem de 119 navios, só 137, das quaes morreram 34, convalece- ram 58, e ficavam em tratamento 45 (2). No dia 26 annunciavam a invasão da febre na província da Pa- rahyba, onde, segundo dizia o periódico—Ordem—, não tinha ainda o caracter de malignidade com que se distinguia em outras províncias, pelo menos em terra: faziam-nos igualmente conhecer que em Per- nambuco continuava a ceifar muita gente no mar, porém pouca em terra, assim como que na Bahia ia em declinação, sendo raros os doentes existentes nos hospitaes nacionaes e estrangeiros (3). Em 7 de março davam a triste noticia do seu ap- parecimento no Pará e sua continuação na Parahyba, só no mar por em quanto (4). No dia 9 transcreviam um ofíicio do presidente das Alagoas ao da Bahia, datado de 27 de fevereiro, communicando-lhe o ap- parecimento da febre naquella provincia, do que aqui já se tinha sciencia por algumas cartas particulares (5). No dia 10 publicavam um artigo do Diário de Pernambuco, annunciando a invasão da febre nos ter- mos do Cabo, Páo d'Alho, Nazareth, Vicloria, e Goianna, porém com caracter benigno (6). No dia 28 declaravam que se havia desvanecido no Pará o receio de ser accommettida a capital da febre, que assolava quasi todo o litoral, assim como que em Pernambuco continuava a fazer estragos, mas parecia irem declina- ção; que na Parahyba já tinha accommettido os habi- tantes de terra, porém sem maior gravidade por ora; (l) Vede Jornal do Commercio de 8 e 9, e Diário do Rio de 8 do mesmo mez. (2) (3) Vede idem de 10 de fevereiro, e de 26 do mesmo. (4; (5) e (6) Vôdc idem de 7, 9, e 12, de março de 1850. - 32 - finalmente que na Bahia tinha perdido muito de sua intensidade, continuando entretanto a fazer estragos no mar, e atacar as pessoas recém-chegadas (1). No dia 16 de abril soube-se que a febre continuava a grassar na Parahyba, ceifando entretanto poucas viclimas, e que na Bahia em razão de se achar quasi extincta a epidemia abrira-se o theatro no dia 7 de abril, que se conservava fechado desde o mez de de- zembro antecedente (2). Em 4 de maio recebemos a noticia de que a febre tinha-se manifestado com muita intensidade no Pará, fazendo numerosas vi- ctimas, e sendo as noticias recebidas desta província datadas de 30 de março (3). Em 18 de maio noti- ciavam o desenvolvimento da febre cm Santos, trans- crevendo um officio do provedor de saúde daquella cidade, pelo qual se mostrava ter havido, de 18 a 28 de abril, vinte e dous casos de febre amarella, e 107 benignos, lendo morrido 8 pessoas das primeiras. Em 30 do mesmo mez fomos seientes do desapparc- cimento da febre na capital de Pernambuco, c seu assalto com extrema violência nas villas e povoações do interior da província (4). Em 11 de junho fomos informados de que cm Santos tinham morrido da febre amarella, de 9 de março a 31 de maio, 35 homens e 5 mulheres, ao todo 40, dos quaes 31 estrangeiros e nove brasilei- ros; mas que felizmente ia em declinação; que pelo contrario em Iguape tinha feito muitos estragos em relação á população, sobretudo nas classes pobres; e que em Lbatuba tinham fallecido no mez de maio mais de 40 pessoas. Em 16 soube-se, pela chegada do vapor Imperatriz, que as febres continuavam com violência no Pará, tendo levado á sepultura, de 20 de abril a 9 de maio, 63 pessoas e entre estas muitas respeitáveis. Soube-se também que na Parahyba ti- nham quasi desapparecido da capital, mas que gras- (I) Vede Jornal do Commercio de 28 de março de 1850 (2) Vede idem de 16 de abril de 1850. (5) Idem, idem de ide maio. (4; Wde idem de 1* e 50 de maio de 1850. — 33 — saram com força em Mamanguape, e outros lugare- jos da província, apezar das chuvas e do rigoroso inverno que havia (1). No dia 18 de julho soubemos, com a entrada do vapor Bahiana procedente dos portos do Norte, que na Bahia a febre tinha de todo desapparecido em terra, mas que no mar ainda alguns casos appare- ciam; que em Pernambuco tinha também cessado tanto cm terra como no mar; que no Pará tinha qua- si de todo desapparecido na capital, mas que se tinha desenvolvido com máo caracter navilla da Vigia (2). Em 5 de agosto recebemos a triste noticia de que a fe- bre amarella, que parecia havercessado no Pará, ti- nha infelizmente reapparecido com tanta violência, sobretudo em Vigia, que inspirava sérios receios aos seus habitantes; que no Maranhão reinavam febres a ponto de quasi não haver casa que não tivesse doentes, mas que eram ei Ias benignas, e não oíferc- ciam caracter algum da febre amarella. No dia 14 de agosto fomos informados de que no Pará a febre amarella continuava a grassar com violência tanto na capital, como na Vigia, eisto pelo vapor Pernam- bucana que vinha com 28 dias de viagem (3). A 15 de setembro tivemos noticia, pela Revista Commcr- cial de Santos, que em Iguape a febre amarella esta- va quasi extineta (4). É isto cm resumo o que nos contavam os extractos do Jornal do Commcrcio com relação ao appareci- mento cprogressão da epidemia nas diflereni.es pro- víncias, que foram por ella visitadas. Passemos agora á exposição do que nos dizem os relatórios dos Presidentes das respectivas províncias que nos chegaram ás mãos, começando sempre pelo da Ba- hia, que constituiu o ponto central ou foco de onde a epidemia irradiou-se para as outras. Sentimos hnp- tante não poder apresentar os esclarecimentos qiTe a (1) Vede Jornal do Commercio de lie IGde junho. (1) ldem idem de 18 de julho de 185(1. (5) ldem idem de 5 e 15 de acosto. i' Idrm idom de 15 de «rlrinbrn. — S\ - Minilhante ropeilo poderiam oflérecer ledos e\U>%, assim como que sobre esle ponto não sejam mais ex- plícitos e minuciosos alguns daquelles cujos extra dos vamos referir para mais bem esclarecida e lora de toda a duvida ficar a questão vertente. Entretanto servir-nos-hemos dos dados que elles nos oflerecem para a solução da questão, fazendo-o como couber em nossas forças. Beferindo-se em seu relatório á epidemia que grassou na Bahia, diz o Proideute o seguinte : « Sou inclinado hoje a acreditar, depois de haver allcnla- mente observado quanto (em oceorrido nesta maté- ria que o flagello, que tanto nos tem feito soffrcr, foi um presente do estrangeiro: e se aponta com probabilidade que viera de Nova Orleans pelo bri- gue americano Brasil, chegado á este porto no dia 30 de setembro do anno passado, a cujo bordo, se- gundo sou informado, e durante a viagem fallece- ram indivíduos tocados da febre amarella, que gras- sava naquelle porto americano, circumstancia que não foi manifestada á visita de saúde, mas que não escapou a um annuncio inserto no Correio Mercantil de 2 de outubro subsequente. Esta opinião ganhou maior força com a morle do cônsul americano Tho- mas Turner, victima de laes febres, e com a do nego- ciante inglez G. S. Sanville, cuja casa freqüentava, e na qual mesmo dormia o capitão daquelle brigue, que fundeando junto a um navio sueco, recentemen- te chegado de Lisboa, parece haver-lhe communica- do o mal que em si continha, ceifando- lhe quasi toda a tripulação, ecommunicando aterrivel enfermidade á todo o ancoradouro, e deste ás freguezias contí- guas, ás do centro, aos subúrbios, ao litoral, efinal- mente á muitas pov »acões 10 e 12 léguas distantes :ianho á sciencia que deve; clas- (li YèMc relatório do Presidente da Flahia apresentado na abertura da as- seuiMea provincial da mesma província em 1850 ou também Annnés de Ur- da ma, vol. 5.o, pag. 130. - 3a — sificar aactual febre reinante, comtudo entendo que, si ella tivesse sido filha do estado da atmosphera, occasionado pela irregularidade do clima, não teria partido de um ponto, o ancoradouro, e feito sua marcha progressiva, ganhando palmo a palmo o ter- reno que conquistava, e até passando da província pela communicação marítima aos portos do Bio de Janeiro, de Maceió e de Pernambuco. No primeiro tem feito por ora somente os seus estragos nas tripu- lações dos navios; no segundo, pelas informações hoje obtidas, oitenta pessoas, em mez e meio, tem succumbido somente na capital; eno terceiro, prin- cipiando seus estragos por mar, hoje afleda a maior parte da população, sem que em taes províncias se desse a irregularidade de estação que ao principio foi nesta indicada como a origem do mal. » « O Presidente do Pará, referindo-se áesle ponto, diz o seguinte: « A terrível epidemia, que geral- mente se presume ser a febre amarella, e que pri- meiramente se desenvolveu entre os infelizes habi- tantes da província da Bahia, eque depois, por con- tagio, passou para outras províncias do Império, lambem aqui appareceu, fez, econtinua afazer mor- tíferos estragos. Foi-nos este fatal presente importa- do pela barca dinamarqueza Pollux, vinda do porto de Pernambuco, e aqui chegada no dia 24 de janeiro do corrente anno. Não valeram as medidas preventi- vas e de policia do porto e quarentena que se ha- viam estabelecido. » « Quando a dita barca chegou, ainda não sabia- mos que o contagio já lavrava em Pernambuco, e o respectivo mestre não só teve a sagacidade de o oc- cultar, mas até a de espalhar a noticia de que o mal estava quasi extincto na Bahia. Por esse mesmo tem- po também chegou de Pernambuco a charrua nacio- nal Pernambucana, mandada pelo Governo para transportar madeiras de consírucção naval. Nada se suspeitando, e estando limpas as cartas de saúde, fo- ram estes dous navios admittidos á livre pratica. Só alguns dias depois, com a chegada do vapor e pelas — 36 - folhas periódicas, soubemos do eslado de Pernam- buco: c Ioííõ no ultimo de janeiro e 1.° de fevereiro se revelaram os dons primeiros casos lunestos de le- bre amarella e vômitos negros, a que suecumbiram no hospital da Mizericordia dous marinheiros da barca Pollux, adoceendo ao mesmo tempo, e quasi subitamente, grande parte da tripulação da charrua Pernambucana. Em vinte e quatro horas fez-se se- guir viagem a barca, e a charrua foi immediatamcn- te mandada para o ancoradouro do lazareto de Ta- tuoca; mas então já era tarde, e a peste estava com- nosco ». Depois de outras considerações, continua o mesmo Presidente: « no correr do mez de fevereiro a epidemia não apresentou caracter assustador; e posto queenlrc a população houvesse grandcnumero de enfermos delia atacados, foram enlão pouco fre- qüentes os casos que terminavam pela morte. Pas- sados os primeiros dias do mez de março, os casos fataes principiaram a tornar-se sensíveis aléque che- gada a época do equinocio do outono, de 20 de março em diante, a intensidade do flagello recru- desceu em ponto excessivo; e, á vista da mortanda- de diária, esta capital apresentou um quadro affli- clivo de constei nação e de dôr; c o terror e o susto foi geral. As Iransacçõcs mercantis pararam ; algu- mas repartições publicas deixaram de funecionar; os navios á carga ficaram sem poder seguir viagem, uns pela perda da maior parte das tripulações, e ou- tros por falta de gêneros, porque os habitantes do interior deixaram de vir á cidade. Nesses dias lu- duosos de amargura e atribulações paralvsou com- pletamente a marcha dos negócios públicos e parti- culares: os cuidados de todos se empregaram exclu- sivamente em sepultar os mortos e acudir aos enfer- mos e agoni-ninles; esse estado de cruel anciedade durou o reslo do mez de março e lodo o mez de abril. » « Em maio principiou a epidemia a declinar suc- cessivamente, em junho já era pouco sensível, e fi- nalmente no mez de julho próximo e adualmente — 37 — eslá ella limitada aos indivíduos recém-chegados, ou de fora da província, ou dos lugares do interior ; e, excepto para estes, pôde para os residentes na ca- pital considerar-se a epidemia extincta. Não é possí- vel precisamente fixar o numero dos enfermos que foram assaltados do flagello; mas geralmente com- puta-sc por estimativa em 12000, que são os três quartos da população da capital. » S. Ex. termina esta parte do seu relatório com um mappa do qual se deduz terem morrido da febre reinante, no tempo decorrido do 1.° de janeiro ao ultimo de julho, 506 pessoas, o que, avaliando em J2000 o numero dos atacados, dá 4 1 [5 por cento para a mortalidade (1). Vejamos agora o que nos diz o Exm. Sr. Presi- dente das Alagoas em relação a este ponto. « Pelo meiado do mez dejaneiro, não obstante as cautelas tomadas com as embarcações que chega- ram, e que mandei pôr em quarentena, começaram algumas pessoas á ser accommettidas de febres, que parecendo antes ser uma doença costumeira da qua- dra não apresentavam os symptomas perniciosos com que se mostraram na Bahia : ao depois tornan- do-se malignas e fazendo alguns estragos, consultei os médicos da capital e tratei de tomar todas as pos- síveis medidas de policia medica, ordenando á câma- ra municipal, que nomeasse dous médicos de parti- do para acudirern á pobreza, e fazerem immediata- mente executar o seu regulamento no tocante á saú- de publica. » Depois de outras considerações, continua elle: « Sendo a villa de S. Miguel uma das povoações em que a febre ia causando horriveis estragos, mandei para lá um dos membros da commissão (2) o Dr. Jacintho Paes Pinto da Silva levando uma peque- (1) Vede o relatório do Exm. Sr. Jcronymo Francisco Coelho, Presidente do Pará entregue no dia 1.» de agosto de 1850 ao Exm. Sr. Augelo Custodio Corrêa, Viee-Presidenle em exercício. (-2) llefere-se a uma commissão de saude orjanisada na capital e composta de cinco médicos. - 38 - na bolica para curar a pobre/a. e expedi » ucula res á todas as câmaras muuicipaes e delegados de policia, para me participarem o estado sanitário de seus distridos, bem como aos vigários, para me re melterem Iodas as semanas as certidões de óbitos, afim de que os membros da commissão de saúde pudessem conhecer as necessidades dos lugares para onde com mais presteza deviam voltar a sua alten- ção. Mandei também preparar no hospital militar úma sala que servisse de lazareto, para serem cura- das as pessoas do mar: permilli aos membros da commissão o ingresso livre no mesmo estabeleci- mento a fim de receitarem á todos os doentes, que a cada hora se iam abi accumulando ; e porque um dos focos mais terríveis das emanações mephiticas eram as igrejas, onde todos os dias se iam enterran- do muitos cadáveres, ordenei á câmara municipal que, de accordo com a commissão medica e a auto- ridade ecclesiaslica, designasse um lugar fora da ci- dade para cemitério publico. Beclamo as vossas at- lenções para objecto tão serio; e espero tomeis em consideração as reflexões e trabalhos encetados a tal respeito, e que farei chegar ao vosso conhecimento. « Pelas communicações vindas dos diversos mu- nicípios, e segundo os mappas fornecidos pela com- missão de saúde publica, vè-se que afebre tornou-se mais cruel na capital e em S. Miguel, em cujos luga- res, d'entre as pessoas atacadas, cerca de 9()0 doen- tes pobres de ambos os sexos foram tratados por conta do Governo, perecendo 50, como se depre- hende dos mappas que acompanharam os últimos relatórios que me enviaram os membros da dita commissão, dos quaes um ainda se acha oecupado no curativo dos indigentes da capital, como já disse, e outro continua a estar em S. Miguel, onde a febre e ainda mortífera. Da estatística dos vigários das duas freguezias consta terem fallecido de janeiro até o fim de abril perto de 280 pessoas. » Na cidade das Alagoas, na do Penedo e no Passo - K lado que, sem cmo ugo de Iodas as providen- cias e quarentenas, a febre invadiu a corte e a pro- víncia do Bio de Janeiro, quasi ao mesmo tempo que invadiu esta ea Parahyba do Norte, c já antes havia apparecido na província das Alagoas (I \ « Informado da invasão nesta capital, institui a l í dejaneiro um lazarcto na ilha do Nogueira, orde- nando que ali fossem tratadas Iodas as pessoas per- tencentes ás guarniçõcs dos navios nacionaes c es- trangeiros que fossem afledadas da febre amarella, o incumbindo a direcção do hospit d c tratamento dos enfermos nelle recolhidos ao Presidente c mais membros do concelho de salubridade. igualmente ordenei que na mesma ilha fossem sepultados os ca- dáveres dos que fallecesscm da mencionada febre. Permilli que os estrangeiros enviados para a referi- da ilha pudessem ser tratados por médicos d*1 sua nação, eos inglezcs principalmente usaram da per- missão. « Eslas medidas não produziram todos os bons eíTeitos que dellas se deviam esperar. Em vez de se- rem remettidos os doentes logo que eram aífcclados íla febre, os capitães dos navios os relinham a bor- do, cm despeito das ordens expedidas a respeito e do convite feito aos cônsules. Os doentes ou falleciam a bordo, ou iam para o laz neto já moribundos. « A medida para o enterramento dos cadáveres na ilha do Nogueira tem sido illudida em parte pela facilidade com que muitos médicos dão ás famílias de pessoas fallecidas de febre amarella attestados de lerem estas fallecido de outras enfermidades. « Em 15 de fevereiro, havendo a febre invadido todos os bairros da cidade, nomeei um facultativo para cada uma das freguezias delia, incumbindo-os de visitarem gratuitamente os doentes pobres, e ini como em documentos importantes obtidos pela dedicação e zelo incansável de Chervin, os quaes destroem ou tornam duvidosos grande parte dos argumeutos que se tem apresentado para sustentar o contagio, não se pôde deduzir a resolução da questão de um modo ddhnlnu, pois que não licam por elles destruídos todos os principia que se podem jpivarutar em contrario. Y' de cap. ".» du obra cilada. - 83 - los infectados da febre amarella, porque a natureza do seu clima, de seu solo, e muitas outras circum- stancias influam para que o seu elemento productor não tenha acção alguma ou muito pouca, acredita- mos todavia que naquelles paizes, em que todas as condições se reunirem para favorecer e atear a pro- pagação de um similhante flagello, cumpre tomar providencias muito enérgicas, e tanto mais quanto mais próximo se estiver dos paizes em que ella pri- meiro se desenvolver, estabelecendo medidas qua- rentenarias rigorosas, não só no interesse dos es- trangeiros nelle residentes, como também dos nacio- naes, muito embora soffram com isso alguma cousa os interesses commerciaes, porque antes de tudo convém attender á salvação publica, e não aos inte- resses desta ou daquella classe. Antes, porém, de irmos mais adiante, digamos em duas palavras o que se entende por moléstia conta- giosa ou de infecção. Chama-se moléstia contagiosa toda aquella que se communica de indivíduo a indi- víduo por um virus fixo ou volátil, susceptível de ser disseminado no ar ambiente; e moléstia de infecção aquella que depende de causas locaes, que não es- tende sua influencia além das localidades onde ap- parece, e que é o resultado de um miasma, substan- cia até hoje desconhecida. Destas poucas considerações já se vô quão de per- to se tocam os princípios do contagio e da infecção, e quanta affinidade, si assim nos podemos exprimir, tem elles entre si; e que por tanto, além de serem mui fáceis de se confundir, torna-se quasi impossí- vel fixar os limites que separam uns dos outros. As- sim conhecido o que se entende por contagio e infec- ção vejamos os argumentos emque se fundam aquel- les que negam o contagio ou transmissibilidade da febre amarella. Um dos primeiros é o facto constan- temente observado nos Estados-Unidos e nas Anti- lhas, de que a febre amarella, que ahi reina epide- micamente e amiudadas vezes, se não afasta do lito- ral, nem penetra nos lugares elevados. Em segundo lugar; que e bastante fugir do lugar de infecção para escapar-lhe. Terceiro; que os doentes fora do foco da infecção não transmittem a moléstia a aquelles que os tratam; no entretanto que a aquelles que de um limar salubre se dirigem ao foco da infecção bastam algumas horas de demora para trazerem o germeu da moléstia e da morte. Quarto; que entre as locali- dades infectadas e não infectadas se não observa, por assim dizer, outra permutação sinão a seguinte : que si o indivíduo se colloca fora da esphera de ac- çáo do foco não tem risco de conlrahir a moléstia, mas, si pelo contrario se põe sob a influencia dessa esphera, subjeita-sea ser por ella atacado; porém que em todo o caso, volte ou não doente, não lem nunca a propriedade de deslocar a acção morbifica, que se exerce de uma maneira funesta no recinto da cidade infectada. Além destes argumentos, que julgam irrecusáveis por serem o rcsuílado das experiências e observa- ções repelidas por innumeras vezes, e que em seu pensar põe fora de duvida que a febre amarella se desenvolve debaixo da influencia de causas locaes, e que não é susceptível de operar fora do foco, fundam- se ainda nas experiências de Lavallé, Cabanellas, Guyon, Parker, e alguns outros, que se tendo inocu- lado por diversas vezes com o suor, o vomito negro e a saliva dos doentes atacados da febre amarella, assim como vestido-sc com as roupas dos febricitan- tes, e deitado-se nas camas de alguns que haviam morrido, e bebido mesmo a matéria do vomito ne- gro, nunca soffreram incommodo algum, subjeitando- se á todas as experiências impunemente. Fundados nestes princípios, afíirmam que a febre amarella se não pôde transmittir por contado me- diato nem immediato; que só tem origem em causas locaes; que éum envenenamento miasmatico depen- dente do calor intenso, da infecção marítima, de al- teração no estado electrico e hygrometrico da atmos- phera, &c. Ainda alguma razão lhe acharíamos si a isso se — 55 - limitassem as conseqüências deduzidas dos princí- pios estabelecidos! Mas é entretanto o que não fazem alguns: afastando-se das conclusões rigorosas que o raciocínio permiltiria tirar da analyse e comparação desses factos em que sebaseam, vão muito mais lon- ge, e mais certamente do que comportam os factos referidos, assim como tantos outros consignados na sciencia, admittíndo que nem mesmo por infecções dependentes de grandes focos se pôde desenvolver a febre amarella, si as condições de localidade não fa- vorecerem o seu apparecimento, sendo mais possí- vel o desenvolvimento da dysenteria, do typho, e outras moléstias similhanles; por isso que na febre amarella não ha virus, não ha matéria transmissível. Por ventura estará demonstrado que no typho, na escarlatina, no cholera, na coqueluche e outras mo- léstias reputadas contagiosas é antes um virus que um miasma que as produz? Conhece-se lambem já a differença essencial que ha entre um miasma e um virus? Cremos que não. Vamos porém áquestão principal, e vejamos si os argumentos apresentados pelos anti-contagionistas são irrespondiveis, ou si a sciencia contém exemplos que possam pôr em duvida as conclusões de sua ar- gumentação, e mostrar a transmissibilidade da febre amarella. São tão numerosos e tão significativos muitos fa- ctos consignados na sciencia e alguns dos que se passaram ultimamente entre nós, que nos parece que nenhuma duvida pôde haver em admittir a trans- missibilidade da febre amarella, a menos que se não queira persistir em um sceplicismo levado ao ultimo extremo, e que não se queira vèr aquillo que se não pódc deixar de vêr. Tem-se mais de uma vez visto, como se lê nos au- tores, um indivíduo entrar na câmara de um doente de febre amarella, e sem tocal-o ser accommettido pela febre ; e entre nós observamos em algumas ca- sas que indivíduos vindo doentes de lugares infecta- dos da epidemia faziam com que outros casos appa- — 5equeno, e depois de tantos dias de sua sahida do ugar onde se desenvolveu a moléstia, e que tão ter- rível foi para aquelles que atacou, victimando quasi metade, se não teria estendido, e levado o estrago e a destruição á muito maior numero de pessoas e á distancias muito maiores? Cremos que ninguém scientificamente o poderá provar. Além disto este facto demonstra exhuberante- mente que um navio, procedente de um porto infe- ctado, pôde levar a moléstia á lugares em que ella não exista, eisto ainda mesmo depois de muitos dias de sua sahida do lugar onde a moléstia apparecera; demonstra igualmente que não é sempre necessário ir ao foco da infecção para conlrahil-a, que basta para isso haver communicação com aquelles que lá foram e a trouxeram. Ora si assim é, porque razão se não ha de admit- tir que ella se pôde transmittir, si não por contado diredo, ao menos pelo indiredo, e que cumpre, so- bretudo nos paizes em que houver condições favorá- veis ao seu desenvolvimento, tomar todas as precau- ções as mais enérgicas para evitar os riscos e perigos de sua transmissão? Sem duvida que nenhuma ra- zão plausível ha que autorise a dispensa dessas pre- cauções; e que antes pelo contrario a prudência e o amor da humanidade as aconselham; porquanto, como mui bem diz um homem, que não é suspeito aos anti-contagionistas, Gilbert (1) «posto que te- (I) Gilbert-historia medica do exercito luiiu /. em S. Domingos. — íVõ — nhamos razoes para crer que a febre amarella mu, tem sua origem de um contagio, comtudo a prudên- cia prescreve medidas sanitárias; a segurança publi- ca as exige, e nossos conhecimentos são ainda muilc imperfeitos, para que os magistrados devam renun- áar a todas as precauções possíveis.» Outros exemplos similhantes e tão fortes em favo: da transmissibilidade da febre amarella, colhidos dos diversos escriplores, poderíamos aqui apresentar: porém delles prescindiremos, aconselhando aos nos- sos leitores que consultem a communicação feita a academia imperial de medicina pelo Sr. Dr. De-Si- moni (1). Ahi acharão uma serie de factos importan- tíssimos, e que esclarecem a questão do contagio ou transmissibilidade da febre amarella. Não podemos porém furtar-nos ao dever de ex- por, aos nossos leitores alguns dos factos que entre nós se passaram; porquanto, sendo elles occorridos debaixo de nossas vistas eao alcance de todos aquel- les que presenciaram a epidemia, servirão para es- clarecer esta questão pelo que nos diz respeito, muito melhor, que não aquelles que se tem passado em outros paizes, os quaes vem ainda em apoio da opinião dos que sustentam a transmissibilidade da moléstia e seu apparecimento fora do foco de infec- ção que lhe deu origem. Si, despidos de toda a prevenção, examinarmos com attencão o que entre nós oceorreu por occasião do apparecimento da epidemia, sem duvida que não deixaremos de acreditar que ella foi importada para a Bahia, segundo o que nos contam as peças of- ficiaes em outros lugares transcriptas, pelo brigue Brasil ali chegado de Nova Orleans, e que tocara em sua passagem para aquella província no porto de Havana. Todavia como os factos em referencia a este ponto não estão inteiramente livres de qualquer contestação, não faremos questão desse exemplo em favor da idéa de transmissão; porém não diremos o (t) Lede o n. 2 do 6.» anno dos Am-aes Brasilieiiscs de SIcditinu. — 61 — mesmo acerca do que occorreu para com o Bio de Janeiro, Pará, e outras províncias. No Bio de Janeiro não existia caso algum de febre amarella reconhecido, ou pelo menos que a fizesse presumir: os primeiros factos foram os que consta- ram da exposição feita á academia pelo Sr. Dr. Lal- lemand; os quaes liveramlugar em marinheiros che- gados na barca americana Navarre vinda da Bahia, e que se achavam residindo em um public-home na rua da Mizericordia. Destes a moléstia passou a ou- tros indivíduos que com elles communicaram, assim como sallou para a casa que ficava fronteira, onde atacou algumas pessoas, e dahi se foi propagando aos moradores circumvisinhos e á toda a rua da Mi- zericordia. Isto prova sem duvida que houve transmissão dos primeiros aos outros, sem o que se não poderia ex- plicar a sua propagação e desenvolvimento por aquelle lugar ao mesmo tempo que principiava a decimar a gente do mar (J). Prova ainda mais que os indivíduos sahidos do foco da infecção podem transmittir a moléstia a outros lugares, e que um ou dous indivíduos bastam para constituir o núcleo de uma infecção capaz de estender seus estragos á uma população mais ou menos avultada, logo que condi- ções haja que favoreçam seu desenvolvimento e pro- pagação. (1) Por esta occasião não podemos deixar de apontar e reparar em um en^ gano que commelteu a este respeito o Sr. Dr. Montes de Oca em uma com- municação datada de 24 de maio, e que se acha impressa na Gacêta Mer- cantil de Buenos Ayres de 13 de novembro intitulada, apantes sobre Ia fie- br.e reinante en el Rio de Janeiro, quando elle affirma que a epidemia gras- sou no mar por quasi um mez antes de apparecerem terra, como se collige do seguinte trecho « tenga-se presente que antes de se desarrolar-se Ia epidemia en esta corte, estuvo el mar casi un mês;que el fondeadéro de los buquês es tanproximo á tierra que muchos eslan ai habla, y tjfa Ias im- mundicias de estos y Ias que arroja el pueblo si amontonan en Ias playas, por maneira que, en Ias arcanias dei mar se respira um aire pestifero y matsano, • pois da communicação feita pelo Sr. Dr. Lallemand vê-se que 01.1 üpjjuieccu em terra nos últimos dias de dezembro e pela do Sr. Dr. Pal- mito feita em 30 de janeiro, e que se acha impressa no terceiro numero dos Annaes Brasilienses—vol. 6.°, se conhece igualmente que só nessa occa- sião os doentes tratados por elle montavam ao numero de 50. - 62 — Ainda mais. O Sr. E. A. da V..... residente no ■morro de Santa Thereza não tinha pessoa alguma de sua família com a moléstia; porém, mandando uma sua criada á cidade, voltou esta doente e succumbiu em poucos dias. Logo após adoeceu uma sua filha e succumbiu igualmente; d'ahi a moléstia passou á outras pessoas, porém felizmente nenhuma mais foi victima (1). O Sr. A... negociante em Iguassú, tratando do seu guarda-livros que tinha vindo á esta corte a ne- gocio de sua casa, e que daqui levara a moléstia da qual foi victima em poucos dias, cahiu logo, após a morte deste, gravemente enfermo, chegando a ter o vomito preto; porém felizmente salvou-se (2). Com a vinda do vapor Marahense procedente de Campos, onde grassava a febre amarella, chegaram 23 recrutas que foram recolhidos ao quartel do corpo de artilharia a que pertenciam, no dia 8 de dezembro de 1850, e no dia 9, uma criada do Sr. coronel Solidonio, morador em uma casa contígua ao quartel, a qual, durante a epidemia que grassou nesta corte, não teve a moléstia por estar fora da ci- dade, foi logo accommettida de uma febre grave que, sendo ella conduzida para a Mizericordia, foi classi- ficada febre amarella pelos Srs. Drs. De-Simoni, Feijó, Lima, José Marianno e Lallemand, pela exis- tência da côr iderica, do vomito negro, e outros symptomas característicos desta moléstia. Então foi enviada para o hospício do Livramento, e lá falleceu no dia 13 do mesmo mez (3). Não provarão todos estes factos que um indivi- (1) Todos sabem que o morro de Santa Thereza é bastante alto, e consli- tue um :<. sítios mais agradáveis desta cidade, no qual nenhumas condições de cerlo ha que possam favorecer a propagação da moléstia; entretanto foi bastante uma pessoa da família do Sr E.. contrahil-a, para que toda ella logo se resentisse de sua influencia perniciosa. (2) Este facto foi-nos communicado pelo nosso collega o Sr. Dr. José Maurício. (5) Lede a Gazeta dos Hospitaes de Io de dezembro de 1850. — 63 — duo fora do foco de infecção pôde transmittir a mo- léstia a indivíduos sãos'? Continuemos.—No Pará não havia febre amarella nem cousa que com ella se parecesse ou a fizesse suspeitar; porém chega a barca dinamarqueza Pol- lux, procedente de Pernambuco, onde ella já reina- va, assim como a charrua Pernambucana: adoecem dous marinheiros da Pollux, e são levados para o hospital de caridade do Pará, por se ignorar ainda que em Pernambuco, de onde elles vinham, reinava a febre amarella, e morrem estes doentes com todos os symptomas da moléstia. Faz-se então sahir a Pol- lux para o seu destino dentro de 24 horas, e manda- se logo afastar a charrua Pernambucana para um lazareto distante da cidade; porém todas as cautelas são inúteis. O germen da enfermidade levado pelos dous ma- rinheiros da Pollux que morreram no hospital, e talvez por alguns de seus companheiros que com- municaram com os habitantes da cidade, lá fica e faz apparecer a epidemia de um modo gravíssimo, e talvez mais mortífera, que em nenhum outro pon- to do Brasil, onde ella appareceu. Ainda neste caso se desconhecerá o poder de tran- missibilidade da febre amarella, e que ella fosse le- vada pelos dous navios apontados? Cremos que não. E se assim não foi, porque razão sua manifestação coincidiu com a chegada desses navios vindos de portos infectados? Porque nenhum outro caso se observou antes delles? Explique o facto por outra forma quem puder, que nós veremos sempre nelle um exemplo muito característico da transmissibili- dade da moléstia. Em Pernambuco nenhumas suspeitas havia do de- senvolvimento de qualquer epidemia, e muito me- nos da febre amarella. Chega porém o brigue francez Alcyon procedente da Bahia, e a moléstia principia a desenvolver-se a bordo dos navios ancorados no porto do Becife, segundo dizem os jornaes : dahi salta ao bairro da Boa-Vista, onde ha uma casa de — 6V — saúde, em que se tratavam alguns ingle/.es accom- metlidos da moléstia, e por ultimo estende-se aos outros pontos da cidade, e ao interior. Não seria pro- vavelmente a febre levada pelo navio Alcyon, e com- municada ás equipagens dos outros navios fundea- dos no llecifc? Quem a levou daqui para a cidade de Nictheroy de nós separada por uma tão extensa bahia, na qual so- pram quasi constantemente ventos que, longe de acarretarem sobre aquella cidade os miasmas daqui desprendidos, devem pelo contrario obrar cm sen- tido opposlo? Não foram talvez os indivíduos que to- dos os dias passam desta para aquella cidade, assim como as tripulações dos pequenos barcos que cons- tantemente crusam a bahia daqui para ali? Parece- nos muito provável. E este facto ganharia muito maior força a ser exacto, como então diziam algu- mas pessoas, que o primeiro caso da febre ali oceor- rido se dera em um italiano, que fugindo da rua da Mizericordia, cahira lá doente em um hotel, cujo dono adoecera logo depois da febre, e morrera, sal- vando-se o italiano, que por elle havia sido tratado. Narrando esta circumstancia não queremos delia fa- zer argumento para apoiar a idéa da importação para Nictheroy, expomos o que ouvimos dizer nessa occa- sião, sem authenticar a veracidade do facto. Quem levou a epidemia ás differentes villas ou ci- dades do Bio de Janeiro, assim como á cidade de Santos, e outros lugares da província de S. Paulo? Sem duvida que se não pôde deixar de admittir que foram as embarcações sabidas do nosso porto para todas essas localidades. E tanto é isto mais provável e admissível, quanto nenhuma epidemia reinava nessas localidades na occasião cm que a moléstia aqui tomava incremento, e quando lá se desenvolve- ram os primeiros casos da febre amarella. Julgamos tanto mais provável este nosso modo de pensar, quanto vemos que em outras províncias, em que poucas ou quasi nenhumas communicações ha com os navi< >s sabidos dos portos infeclados a moléstia — 65 — não appareceu: assim como quando attendcmos ao que se passou para com as províncias do Maranhão e Ceará, em que a moléstia não se desenvolveu, ape- zar de chegar muitos navios dos portos infectados, o que talvez se deva attribuir á execução de medi- das quarentenarias enérgicas. E esta circumstancia é tanto mais digna de atlenção, sobretudo a respeito do Maranhão, quanto, como affirmam os jornaes daquelle tempo, reinava nesta província uma forte epidemia de catarrhaes, na occasião em que a epi- demia estava em seu auge nas outras províncias; e todavia nenhum caso de febre amarella, ou de qual- quer outra que se revestisse de suas fôrmas, ali ap- pareceu (1). Não provarão todos os factos referidos que um na vio pôde se tornar o foco de uma epidemia, e leval-a comsigo á qualquer ponto, para onde se dirigir, as- sim como que é sufficiente o seu pequeno recinto para constituir um foco de infecção marítima? Acre- ditamos que ninguém duvidará. Não nos provam ainda que um foco de infecção muito pequeno póde- se tornar o motor do desenvolvimento de uma epi- demia devastadora, si condições particulares favore- cerem sua propagação e incremento? Suppomos que sim. Não fazem ainda acreditar que um indivíduo atacado ou não da moléstia, vindo de um foco de infecção, pôde transmittil-a fora desse foco a outros, comtanto que no lugar, em o qual se acharem, se dêem condições favoráveis á sua transmissão, origi- nando-se dahi uma epidemia mais ou menos violenta ? Ora si assim é, poder-se-ha sustentar ou affirmar (I) Não podemos deixar ainda aqui de notar a inexactidão de um facto histórico que se encontra no mesmo escripto do Sr. Dr. Montes de Oca, que nas províncias do Pará, Parahyba do Norte c Maranhão a epidemia apresentou um caracter aterrador, como se vc do seguinte período de sua memória. Casi todas Ias províncias do Norte dei Brasil han sido visitadas por este terrible flagello, hoy sus estragos se dejam sentir particu- larmente cn el Pará, Parahyba, y Maranhão de un modo aterrador : nada ha sido bastante a contener sus progressos; Ias cuarentenas, los luzaretos, Ias fumigaciones non han podido neutralisar su funesta in- fluencia, $c, pois que no Maranhão não houve febre amarella. - 66 — sem replica, que ella se não propaga ás vezes por uma sorte de infecção muito similhante ao contagio, ou mesmo por este? Conhecemos nós por ventura o gráo de intensidade dos diversos princípios morbifi- cos, assim como o gráo de susceptibilidadc de certas organisações, para sustentarmos, como principio absoluto *e inconcusso, que a moléstia nunca secom- munica por contagio, sobretudo quando vemos que pequenos focos de infecção levados á grandes distan- cias, e ás vezes muito tempo depois de sahirem dos focos principaes, de onde trouxeram o germen da enfermidade, ainda podem transmiltil-a como aca- bamos de ver? Poderemos nós sempre no meio dos estragos de uma epidemia saber quando a moléstia é contagiosa, ou quando constitucional, sendo os traços que as distinguem totalmente desconhecidos ? Ou antes será sempre possível diflerencar uma moléstia contagiosa de outra puramente constitucional, quando é certo que uma enfermidade pôde parecer contagiosa por atacar muitas pessoas ao mesmo tempo, embora de- penda só e unicamente de causas constitucionaes, assim como outra realmente contagiosa pôde ler toda a apparencia de moléstia constitucional pelo faclo de atacar indivíduos residentes muito longe do lugar onde ella reina, sendo levada pelos diversos vehi- culos do contagio? Não vimos nós Sydenham, o Ilyppocrates Inglez como lhe chamavam, ter sempre a escarlatina por moléstia não contagiosa, e fazer com seu nome esta- belecer essa crença entre os práticos de sua época, por isso que a moléstia nunca se revestiu de cara- cteres que afizessem julgar tal; e entretanto logo após sua morte desenvolver-se uma epidemia de es- carlatina, que fez mudar completamente as opiniões dos médicos inglezes, admittíndo então o contagio, o que talvez acontecesse ao mesmo Sydenham si ainda vivesse? Portanto que muito ha para admirar que hoje as opiniões divirjam acerca do contagio ou não da fe- — 67 — bre amarella? Pois não é possível que alguns autores a tenham observado com caracter contagioso, e ou- tros não, segundo as circumstancias sob a influencia das quaes se tem desenvolvido as differentes epide- mias desta moléstia? Sem duvida que o é; e a expe- riência tem mostrado que certas moléstias reconhe- cidas como contagiosas ora apresentam-se com este caracter, ora não. Além disto sabemos nós já, si o miasma, ou essa substancia desconhecida assim denominada, não é susceptível de soflrer modificações em sua natureza essencial, segundo as circumstancias climatericas e outras á que seja ella submettida, e que alterem sua maneira de impressionar o nosso physico ? Conhece- mos por ventura também sua natureza intima para sustentarmos sua immulabilidade, e reconhecer seu modo constante de obrar sobre o organismo? Não estão elles, quer os consideremos como corpos sim- ples quer compostos, subjeitos ás leis geraes da matéria como todos os seres naturaes, e conseguin- temente ás leis que regulam a adividade e energia de acção, que esses mesmos seres exercem uns so- bre os outros no universo, e que sua maior ou me- nor energia de obrar depende dos obstáculos e em- baraços que lhes podem oppor os agentes capazes de destruir ou enfraquecer seus eífeitos, assim como das distancias que tem de percorrer; e que por isso ora transmittem a moléstia, ora não, segundo a maior ou menor força de acção que conservam? Certo que sim. Logo não podemos sustentar que em ciicumstancias favoráveis não possam elles estabele- cer o contagio. Mas perguntar-se-nos-ha, como, sendo a moléstia transmissível, não se desenvolve naquelles que be- bem a matéria do vomito negro, e nos que se inocu- lam com o suor, a urina e a matéria do vomito dos febricitanles? Este é por certo ornais forte argu- mento apresentado pelos anti-conlagionistas em sus- tentação de seus princípios; mas não é irrespondí- vel. Êm primeiro lugar estas experiências se tem pas- — 6M - >ado em homens que, vivendo no foco da infecçau, não contrahiam a moléstia, circumslancia que ex- plica o nenhum resultado dessas experiências, mos- trando que elles eram refraclarios á acção dos ele- mentos epidêmicos. Em segundo lugar ninguém ha que desconheça que muitos indivíduos parecem ler uma organisação privilegiada, que os põe ao abrigo das influencias epidêmicas, por isso que atravessam toda uma epidemia, expondo-se á todas as suas con- seqüências, sem que nunca soflram o mais pequeno incommodo. Sabe-se também que indivíduos ha que tem um poder refractario para certas moléstias epidêmicas, mesmo das mais contagiosas, que uma só os não accommettc. Por esta occasião oceorre- nos um facto importante acontecido com um nosso amigo a respeito das bexigas. O pai deste moço, re- ceiando-se do apparecimento de bexigas graves, che- gou a mandal-o banhar por muitas vezes em água, em que se tinham lavado doentes de sua família ata- cados de varíola benigna, acreditando que por este modo o livraria de bexigas graves; porém estas nun- ca lhe appareceram, c até hoje, que conta perto de •10 annos, nunca teve bexigas, apezar de ter havido por vezes em sua casa doentes atacados desta molés- tia, e elle nunca esquivar-se de os tratar. Além disto quem não sabe, quantos indivíduos tem sido inocu- lados innumeras vezes pelo virus vaccinico sem re- sultado algum, sobretudo nas oceasiões de reinar uma epidemia de varíola? E por ventura, apezar de tudo isso, já alguém contestou que o virus vaccinico fosse contagioso? De certo que não, por isso que ninguém ignora que para qualquer indivíduo contra- hir uma moléstia 6 necessário que elle, na occasião de submetter-se á influencia de qualquer elemento mórbido, esteja em condições que o tornem apto a contrahir a moléstia. É isto um facto que se verifica quotidianamente. Portanto taes argumentos, ainda que mui fortes, não excluem de um modo absoluto a transmissibilidade da febre amarella em toda e qualquer circumstancia. — 69 — Além disto todos sabem que as febres intermit- tentes são moléstias que dependem de uma infecção. Entretanto alguém já viu que ellas pudessem fazer com que, mesmo reinando epidemicamente, os in- divíduos dellas accommetlidos levassem á pontos que se achem em idênticas circumstancias o elemento de seu desenvolvimento, e as fizessem apparecer? Certo que não. Alguém já viu indivíduos respirarem o ar dos luga- res,em que existem accumulados muitos doentes de febres intermittentes francas e genuínas, ainda mesmo perniciosas serem accommettidos de idênticos padeci- mentos, ou algum medico se lembrar de admittir a sua transmissibilidade? Suppomos que não. Entre- tanto que grande numero de observadores e médicos illustrados o tem sustentado para a febre amarella. Logo é necessário convir que o elemento miasmatico que produz a febre amarella é distincto daquelle que dá em resultado a febre intermiltenle, com a qual alguns observadores a tem querido assemilhar pel o facto de que as epidemias de febre amarella são sem- pre precedidas ou acompanhadas de febres de Índole intermittente, ou remittente mais ou menos bem ca- racterisadas. Já que tocamos nesta questão seria oc- casião de dizer duas palavras sobre a natureza da mo- léstia; porém, para não confundir questões inteira- mente distinctas, occupar-nos-hemos com esta em ou- tro lugar, concluindo este artigo por dizer que, á vista do quanto temos expendido, os argumentos dos anti- contagionistas ou daquelles que negam a transmis- sibilidade da febre amarella, não podem por em quanto abalar, nem destruir os em que se basea a opinião opposta, e que antes, pelo contrario, razoes mais fortes parecem apoiar esta ultima opinião. — 70 - CAPITULO VI. DA NATUREZA DA MOLÉSTIA. E este um ponto ainda liligioso, e sobre o qual não estão de accordo os differentes observadores que tem tratado deste assumpto, como convinha á hu- manidade e á sciencia. Sem duvida, si alguma cousa lia que no estudo de qualquer moléstia deva mais interessar o espirito do verdadeiro medico, é, por certo, o conhecimento de seu lugar nosologico e de sua natureza essencial; pois, si é exado que uma classificação fundada só em diflerenças apparentes, ou em caracteres de identidade pouco reaes, pôde ser e tem sido com effeito muitas vezes prejudicial á humanidade e ao progresso da sciencia, não é menos verídico que uma bôa classificação baseada em dados seguros, recolhidos pela apreciação c analyse rigo- rosa dos factos,e auxiliada por um raciocínio severo, pôde muito esclarecer o espirito do medico a res- peito de seu proceder na escolha e applicação da the- rapeutica conveniente á uma enfermidade dada. « Uma cousa importante, diz com razão Grimaud (1), é procurar as relações que unem as moléstias, e distinguir sua ordem de filiação: este objecto tão im- portante tem quasi inteiramente sido desprezado, porque se tem por toda a parte substituído o arbitrá- rio ao real; e dando-se importância á considerações superficiaes, se tem perdido de vista os caracleres communs das moléstias, e os grandes traços, pelos quaes suas extremidades se tocam e se confundem. » E certamente por se não ter seguido o preceito mui judicioso de Grimaud no estudo da febre amarella, que tantos pensares diversos tem sido emittidos so- bre sua natureza, como vamos ver, ora confundin- (\) Tratado das febres, por Grimaud Hom> « O typho icleroide é,em nossa opinião,o mesmo typho europeu modificado por influencias climateri- cas c locaes que produzem entre nós as febres inter- mittentes perniciosas, assim como a febre amarella é a mesma febre perniciosa endêmica nesta cidade modificada pelos miasmas lyphicos. » Depois mais adiante continua. « A febre amarella apparece sporadicamente, como alguns casos foram observados, mesmo antes da epidemia aclual. Ella reina endemicamente em algumas cidades litoraes da America do Norte, onde se observam lambem condições locaes para a producção de febres inter- mittentes, cuja apparição suecede ou precede a da febre amarella,que em nenhum destes casos offerece o caracter contagioso. Todas as vezes, porém, que ella reinar epidemicamente, e se derem circumstan- cias favoráveis para o desenvolvimento do typho ideroide, o que acontece nas localidades em que a população tem crescido, e acha-se agglomerada, ou por occasião do desembarque de tropas, ou de grande numero de colonos, então nenhuma duvida temos em admittir o contagio, como se não pôde ne- gar para o typho europeu, e talvez com maior adivi- dade em conseqüência da temperatura elevada c ou- tras condições climatericas.» Com quanto muito respeitemos a opinião dos sá- bios ([ue assim julgam, e sobretudo a do nosso dis- tinelo e respeitável mestre, conceda-se-nos todavia não podermos concordar com o seu modo de pensar a respeito, e que digamos que não concebemos mesmo como, reconhecendo a unidade da condição epidêmica, se possa admittir distineções na natureza de unia moléstia pelo simples fado de em um caso atacar com mais freqüência os aclimados que não os outros, quando reconhecemos que ella se desenvolve debaixo de condições geraes e locais idênticas; que marcha com igual força e intensidade; que muda freqüentes vezes de uma forma para a outra; que offerece alterações anatômicas idênticas, e cujos ca- racteres physiologicos mais salientes se confundem perfeitamente, &c. Em nosso pensar, typho ideroide e febre amarella não constituem mais do que uma e a mesma molés- tia; não ha nesta distineçáo mais do que uma ques- tão puramente de nome, fundada simplesmente em certas manifestações symptomaticas, que nos não podem entretanto autorisar a fazer uma distineção nosologica, porque então o mesmo deveríamos fazer com outras muitas moléstias, as febres perniciosas mesmo por exemplo; sobretudo quando nós vemos que os casos mais simples da febre amarella podem, por um simples desvio de regimen, ou qualquer ou- tra cousa similhante, transformar-se logo em um caso gravíssimo, revestindo-se de caracteres intei- ramente distinetos, e acarretar de súbito a morte do indivíduo. Nós mesmo fomos testemunhas, na epidemia que reinou entre nós, de casos mui be- nignos cm apparencia até o 3.° e \.° dia, tomar de repente a forma do typho ideroide, e fazer suecum- bir doentes em pouco tempo, sobre os quaes até então se nutriam as melhores esperanças acerca de uma terminação feliz. Tanto é isto uma queslão de nome que si, abstra- hindo delia, attendermos unicamente as oceurren- cias do momento, veremos que ha na atmosphera um principio miasmatico ou cousa similhante; que um envenenamento opera sobre uma população in- teira; que uma epidemia se desenvolve sob sua in- fluencia; e que portanto forçoso é conceder que to- das as moléstias, então reinantes, se resentem da acção desse agente deletereo; que os gráos diversos de sua intensidade, e as diíferenças de sua manifes- tação dependem de necessidade "dos gráos differen- — 77 — tes de forca com que o miasma opera sobre cada in- divíduo, do gráo de susceptibilidade de cada um, de suas predisposições especiaes, assim como do jogo e importância dos órgãos ou apparelhos, sobre que mais particularmente influe o principio de intoxi- cação. Outros, como Gilbert, Lind, Grimaud, Pringle, Dévése, Tommasini e alguns mais, acreditam que a febre amarella é uma febre biliosa commum levada a alto gráo de intensidade. Elles fundamentam sua opinião: 1.° na identidade dos phenomenos que caracterisam o primeiro pe- ríodo da febre amarella com os das febres remit- tentes biliosas: 2.° em que as lesões anatômicas, as causas e circumstancias que favorecem o desenvolvi- mento da febre amarella são idênticas á aquellas que se dão para a febre biliosa. Tommasini, cuja excellente obra sobre a febre amarella constitue um monumento perduravel de seu saber e erudição, e um dos mais fortes sustenta- dores desta opinião, procura, apoiando-se na auto- ridade de um grande numero de observadores por elle citados, mostrar que a febre amarella é a mesma febre biliosa levada ao maior gráo de intensidade, baseando-se particularmente na identidade de seus symptomas, e na das causas sob cuja influencia ellas se desenvolvem. Elle sustenta que a febre biliosa, do mesmo modo que a amarella, reina em lugares cuja topographia muito se assimelha, bem como quando a um intenso calor se reúne humidade na atmosphera; que ellas diminuem, pelo contrario, e cessam mesmo, quando a temperatura do inverno substitue as vicissitudes do outono; e explica as differenças dos phenomenos que se observa em um e outro caso pela differença das predisposições individuaes, e daquellas que as condições constitucionaes exercem sobre o appare- lho gástro-hepatico dos indivíduos accommettidos da moléstia. Em sua opinião não é necessário recorrer á exis- — 78 — lencia de um miasma para explicar a forma particular da moléstia, mas sim ás influencias constilucionaes, e nesta conformidade assim se exprime. « Esta mo- léstia depende pois da influencia das condições da atmosphera que temos indicado para o que concer- ne a predisposição do systema hepalico aos sympto- mas supra-mencionados. Ora levado, como estou, a crer que a febre amarella tem uma origem constitu- cional e não miasmatica (no que elle ainda enxerga um ponto de idenlidade entre as duas moléstias) eu acho nesta circumstancia uma razão que me confir- ma em meu pensamento; porque esta influencia constitucional unida á liumidade que é capaz de pre- dispor o systema biliario para a moléstia, pôde pro- diml-a completamente quando for mais enérgica ; por isso que unia igual predisposição não é outra cousa mais que um fraco gráo da moléstia ; e con- seguintemente as causas que a produzem podem igualmente determinar a enfermidade, logo que seu elfeito seja mais enérgico. « Eis a gradaçáo de adividade e de effeito que eu acho na impressão do calor unido á liumidade : um ligeiro gráo destas causas produz as primeiras desor- dens do systema gaslro-hepatieo, que se limitam ao que se chama predisposição, ou que constituem o mais fraco gráo da enfermidade ; em um gráo mais elevado produzem a febre biliosa ; no mais alto grau produzem a febre amarella (l). » Não duvidando,e concedendo mesmo que os phe- nomenos do l.° período da febre amarella sejam in- teiramente similhanles aos da biliosa, não entende- mos todavia que d'ahi se possa,e deva concluir para a identidade das duas moléstias; pois que parece muito natural que, soffrendo os mesmos órgãos e apparelhos nos dous casos, as expressões de seus padecimentos se manifestem em principio por cara- (I) Lede a 1.» e5.a parle da obra de Tuininasini traduzir,j. — 81 — e que portanto differentes são os elementos que as produzem. Por todas estas razões não as podemos considerar idênticas em sua origem e natureza, nem constituindo mais do que gráos differentes de uma mesma moléstia. Outros tem-na ainda querido considerar como uma simples modificação da febre typhoide; porém as experiências anatomo-patliologicas, tendo demons- trado evidentemente, que se não encontra a lesão anatômica essencial e característica da febre typhoide, reconhecida e encontrada constantemente pelos ex- perimentos do Sr. Louis c muitos outros sobre esta moléstia, a inflammação e ulceração das glândulas de Peyer, tiram todas as duvidas, que por ventura pudesse haver acerca da differença real entre as duas moléstias. Terminando aqui as considerações que tinhamosa expor sobre este ponto, resta-nos dizer o que pensa- mos acerca da natureza da febre amarella. Em nossa opinião, é ella uma pyrexia continua ou remittente, coincidindo ou dependendo de uma gas- tro-entero-hepato-encephalitis, de natureza especial, devida á uma intoxicaçãomiasmatica, capaz detrans- mitlir-se logo que circumstancias apropriadas favo- reçam sua transmissibilidade, e cuja natureza se aproxima, si não é mesmo idêntica, á do typho eu- ropeu, modificado unicamente por circumstancias climatericas e topographicas. Como porém obra essa intoxicação miasmatica, ou antes qual é a primeira parte do organismo que se resente da influencia desse agente deletério, é o que por ora não podemos determinar com exactidão. Os nossos collegas da Bahia, onde a epidemia ap- pareceu primeiro, acreditam que o principio dele- tério que produz a enfermidade ataca especialmente os centros nervosos; e viciando a hematose dá em resultado alterações pathologicas diversas, segundo as predisposições especiaes a cada indivíduo, e a seu gênero de vida: dahi o apparecimento de symptomas de uma simples aflecção do apparelho digestivo em - 82 — uns, com caracter typhoide em outros, com turma apoplctica em alguns (1). Outros médicos pensam que o elemento produ- etor da moléstia, influindo de uma maneira espe- cial sobre o apparelho biliario, altera suas funcçôes, e dá origem á secreções viciosas, produzindo o vo- mito negro e outros symptomas que caracterisam a moléstia^ Esta opinião aproxima-se perfeitamente da daquelles que julgam a moleslia uma febre biliosa no mais alio gráo de intensidade. Outros acreditam que os miasmas podem influir ora mais sobre o systema sangüíneo, ora sobre o nervoso. Tem-se observado, diz o Sr. Thomas [2], que os moços sangüíneos e vigorosos são mais dis- postos, cirtcris paribus, a contrahir a febre amarella que os de constituição difíerenle e opposta, prova de que os miasmas, que a produzem, obram em geral irritando primeiro os systemas sangüíneo e muscu- lar. Entretanto não podemos deixar de admittir que, em cerlas epidemias, sua acção principal se dirige primeiro sobre o systema nervoso, como o tenho visto em .Nova Orleans em 1837 e 1830, a ponto de, em um relalorio da epidemia de 1837 que dirigi para Paris ao meu finado amigo Chervin, relraclar- me de minhas opiniões emiltidas contra esta influen- cia nervosa primitiva em 1823. » Outros finalmente julgam, que o elemento mias- matico altera profundamente os princípios elemen- tares do sangue; que se effectua um verdadeiro en- venenamento, cuja natureza incógnita é a principal causa da dilficuldade da therapeutica, e do máo exilo de quasi Iodos os meios empregados contra a molés- tia, (juando se patentea com plienomenos graves. Oualqurr destas opiniões pódc-se considerar como mais ou menos provável; porém nós abraçamos de preferencia a ultima, como aquella que melhor sa- tisfaz ao espirito. (I) Ví.I.^ o parecer do concelho de salubridade da Bahia em outro lugar Iranscripto. ("' 1/dr obra citada pg. 21. — 83 — Por ella explica-se perfeitamente os symptomas que caraderisam a moléstia, assim como a falta de crôsta inflammatoria no sangue extraindo pela san- gria, e sua fraca coagulação; explica-se o vomito ne- gro e a diarrhéa da mesma natureza, que não são ou- tra cousa mais do que sangue exudado pela mucosa gastro-intestinal, e misturado a suecos alterados do estômago, e não bile, como alguns querem admittir: por ella, emfim, ainda se explicam as hemorrhagias passivas pelas superfícies mucosas e pelas picadas das sanguesugas, bem como a decomposição prom- pta dos cadáveres, e sua amarcllidão antes e depois da morte, a qual, longe de ser devida á presença da bile, é, pelo contrario, o produeto de uma extrava- sação sangüínea, como nas ecchymoses. CAPITULO VII. CAUSAS DA MOLÉSTIA. Pouco nos demoraremos sobre esta matéria, por- que das considerações aqui expendidas já se poderá pouco mais ou menos ajuizar quaes foram as causas que, em nossa opinião, concorreram para o desen- volvimento da epidemia. Elias se reduzem, de um lado, ao calor ardente que reinou nesta cidade durante os últimos mezes do anuo de 1849, reunido a certo gráo de humidade constante em nosso clima; a falta de virações tão communs entre nós para tarde, e que não pouco contribuem para refrescar a atmosphera, e moderar .os efleilos resultantes do calor ardente, quenosator- menla durante a eslação quente, finalmente as mo- dificações profundas no estado clectrico da atmos- — 84 — phera, moslrando-se o ar constantemente abafado o pesado : de outro lado, o ingresso d'Africanos ataca- dos de moléstias mais ou menos graves e mortíferas, desenvolvidas a bordo, quer em alto mar, quer nas Costas d'África e ali endêmicas; seuamontoamenlono meio da população, accrescentando novos focos de in- fecção aosjá entre nós existentes; o desembarque cons- tante de estrangeiros, vindos de portos em os quaes grassavam moléstias epidêmicas mais ou menos gra- ves; as emanações mcphiticas desenvolvidas, pelo excesso do calor, em grande escala dos paúes, char- cos, vallas, praias immundas, e outros focos de ema- nações deletérias que a cada passo se encontram nesta cidade, bem como desse numero extraordiná- rio de pequenos focos de infecção, constituídos pelas embarcações mercantes carregadas de passageiros, que fundeavam todos os dias no nosso porto, sobre- tudo aquellas que iam com destino á Califórnia, cuja falta de asseio e limpeza era tal, que não somos exa- gerados dizendo que parece incrível que homens pudessem viver no meio de tanta immundicia, como em algumas dellas se encontrava. Porém de todas as causas, aquella que nos parece ter especialmente concorrido para atear o desenvol- vimento da epidemia, e dado-lhe o lypo especial que offereceu. foi por sem duvida a chegada dos navios vindos dos portos infectados da Bahia, e sua admis- são á livre pratica sem primeiro serem submettidos ao preceito das quarentenas, como o exigia a nossa segurança, e o estado pouco propicio de salubridade da capital, á vista das condições climatericas então observadas. E tanto mais nos parece provável este nosso modo de pensar, quanto vimos que foi só depois da molés- tia se desenvolver em alguns marinheiros vindos dos portos da Bahia, que ella começou a manifestar-se entre nós, quando até ahi eram as febres intermit- tentes ou remittenles, benignas ou perniciosas, que appareciam,asquaes são próprias da estação em que nos achávamos, e costumam grassar aqui por esse — 85 — tempo com maior ou menor intensidade, mesmo quando por acaso se dão condições mais ou menos idênticas ás do anno a que nos referimos. São estas em geraL as causas que igualmente to- dos os observadores, que tem visto e estudado a fe- bre amarella, consideram como mais aptas a favore- cer seu desenvolvimento; pois não ha um só que não affirme que o calor excessivo reunido a certo gráo de humidade; a exposição ao ardor do sol; as grandes fadigas corporaes ; â infecção marítima; as emanações paludosas, etc, contribuem fortemente para fazer desenvolver uma similhante enfermidade; porém o calor e humidade a que dão todos tanta im- portância, fazendo representar o mais importante papel na sua producçáo, não podem ser considera- dos mais do que como causas occasionaes, e nunca eomoefficienles. A causa efficiente e especial da moléstia, aquella que se pôde chamar essencial, nos é inteiramente desconhecida, como as de todas as moléstias epidê- micas ou contagiosas, as quaes só se deixam apre- ciar por seus eífeitos sobre o organismo. O que uni- camente podemos dizer atai respeito, é que ella consiste em um principio miasmatico, sui gencris, resultante da decomposição de substancias orgânicas vegetaes e animaes, principio miasmatico para cujo desenvolvimento se exige certo gráo de calor e hu- midade unido á condições especiaes de localidade, como parece demonstrar a observação (1). Sustentando que o calor unido" a certo gráo de humidade, eaté certo ponto as emanações paludosas não são causas efficientes da moléstia, não fazemos mais do que emittir uma opinião fundada no estudo e apreciação dos factos referidos por innumeros es- (1) Os observadores não estão de accordo sobre o gráo de temperatura em que se pode desenvolver a febre amarella. O maior numero admitte que são necessários 26 a 27 gráos centígrados. 0 Sr. Auberl diz tel-a observado, marcando o thermometro 15 gráos contigrados. Arrjula diz tel-a visto cm Cadix, marcando o thermometro 13 gráos só. Todos porém mais ou menos concordam que elle a não produz sem o concurso de humidade c de um foco ie infecção. _ 86 — criplores, que tem estudado a febre amarella e as condições em que ella se manifesta. Na verdade, si examinarmos com um pouco de attencão a historia desta enfermidade nos diflcrenles paizes, c procu- rarmos comparar as condições climatericas e topo- graphicas desses com as de outros, reconheceremos que alguns ha tanto ou mais quentes do que aquel- les em que é ella commum, c que entretanto nunca foram por ella assaltados; assim como que muitos ha tão cheios de paúes e outros focos de emanações deletérias, como os que tem ella assolado cm diver- sos tempos, segundo o testemunho do alguns obser- vadores, nos quaes todavia não tem jamais appa- recido. Um medico americano, John Wilson, observando que ella se desenvolvia a bordo dos navios, longe dos continentes e durante o curso de qualquer via- gem, entendeu que a decomposição das madeiras exercia qualquer influencia sobre isto. Passando, pois, a estudar algumas localidades das índias Occi- dcnlaes notou, diz elle, que os paleUwicrs (espécie de arbusto de mangue do gênero rhizophora) abunda- vam nos lugares em que a febre amarella apparecia, e que estes vegetaes alternativamente cobertos e des- cobertos pelo fluxo e refluxo das águas eram, sob a acção de um sol ardente submettidos á uma decom- posição rápida; acerescentou ainda, que nos Estados- Unidos a febre amarella principiava sempre pelo porto ena direcção dos molhes, onde ha muitas cons- trucçõesde madeiras, e dahi concluiu, que a decom- posição influía poderosamente em seu desenvolvi- mento. Uma tal opinião nos parece muito especiosa e com pouco fundamento; porquanto a ser assim como pensa o autor citado, do mesmo modo que esta de- composição dá similhante resultado nos Eslados- Unidos, Antilhas, Senegal, México e outros paizes, onde freqüentemente grassa a febre amarella, assim também o deveria produzir nas índias Orientaes, no Egypto, Syria e outros lugares, onde o calor não é — 87 — menos intenso que nos paizes precedentemente apon- tados. Entretanto não é isso que se tem observado. Demais é facto reconhecido pelo testemunho de alguns escriptores que os navios, que partem do Cabo da Boa Esperança para as costas do Coroman- del ou Malabar, não são assaltados pela febre ama- rella; no entanto que aquelles que se dirigem de Ja- maica para Havana são freqüentemente por ella ac- commettidos. Tudo isto nos parece provar indubitavelmente que ella não depende só dessas causas; que ha nas localidades em que ella reina alguma cousa de par- ticular, que certamente falta nos outros lugares em os quaes ella não apparece, bem que condições a primeira vista idênticas nelles se observem. Ella atacou os habitantes desta cidade sem dis- tincção de idades nem de condições ; porém foi muito mais freqüente e mais grave dos 15 aos 30 annos, mais nos homens que não nas mulheres, mais nos não aclimados, e que tinham pouco tempo de residência no paiz, que nos aclimados e naturaes, excepto para os que chegavam das províncias do interior; pois nenhum pratico deixou de notar a gra- vidade com que ella accommetlia quasi sempre os filhos de Minas e S. Paulo, dos quaes não poucos foram viclimas. A falta de aclimamento é sem duvida uma das condições que mais influe para a gravidade da mo- léstia, segundo o testemunho de todos os observado- res que tem estudado a febre amarella, e segundo mesmo o que se observou entre nós, em que a mór parte dos indivíduos que se achavam neste caso fo- ram victimas; e isso explica-se facilmente pela falta do habito ás influencias climatericas. Seria muito conveniente no interesse de qualquer paiz, e para o estabelecimento de medidas hygienicas adequadas, determinar o tempo necessário para qualquer se considerar aclimado. É porém o que ainda senão tem feito, nem jamais se poderá alcançar, não só porque o tempo preciso para isso deve variar se- gundo os hábitos e a residência que o indivíduo es- colher no novo paiz para onde for habitar, como também pela maior ou menor identidade do novo clima com o de seu paiz natal.Todavia, com relação ao que entre nós se passou, podemos, guiando-nos pelo trabalho estatisco do illustre professor o Sr Dr. Valladão, estabelecer que o estrangeiro, que entre nós residir ha 5 annos, ofíerece um gráo de aclima- mento igual ao dos naluraes do paiz, e eslá tão apto como estes a conlrahir a moléstia. Quanto, porém, á maior freqüência e gravidade nos homens que não nas mulheres, é por ora um ponto que nos não parece definitivamente resolvido; e quando verdadeiro fosse, não era necessário en- xergar nisso uma maior predilecçáo na moléstia para atacar antes um sexo do que o outro. O phenomeno é explicável pelas próprias influencias, a que se acham submettidos os dous sexos; por quanto o ho- mem, subjeitando-se mais á todas as influencias que contribuem para a intensidade e desenvolvimento do mal, acha-se por isso mesmo apto a ser atacado com mais freqüência e gravidade que não a mulher, cujos hábitos, gênero de vida, e profissões em geral a poupam da exposição ao sol, dos trabalhos activos, das grandes fadigas corporaes, que são as causas que mais favorecem o apparecimento da enfer- midade. O Sr. Thomas (1) referindo-se a este ponto, expri- me-se do modo seguinte: « Quanto ao sexo, é opi- nião geral que os homens são mais predispostos que não as mulheres: não partilho tal opinião sinão até certo ponto, crendo que se tem exagerado a diffe- rença que a este respeito ha entre os dous sexos. Esta modificação em minhas idéas me tem sido sobre- tudo suggerida pela epidemia de 18U, na qual ob- servei que as mulheres, principalmente nas primei- ras semanas, foram mais vidimadas do que os (O V('de obra cilada pg. 21. — 89 — homens, embora depois a moléstia predominasse nestes. » « Não estou, pois, muito longe de pensar, que o grande predomínio dos casos assignalados nestes úl- timos pelos autores depende em parte de que os ho- mens são sempre em maior numero que não as mu- lheres nos lugares em que a febre amarella exerce seus estragos, e em parte de que elles se expõem mais a contrahil-a; porém estou convencido por ex- periência que é ella em geral menos grave no outro sexo que não no nosso, e que o mesmo succede para com as crianças. » No Rio de Janeiro a moléstia, sobretudo em seu começo, foi muito menos freqüente nas crianças que não em qualquer outra idade; mas foi proporcional- mente no auge da epidemia mui grave nellas; e fre- qüentes vezes coincidiu com as convulsões, o vomito negro e outros phenomenos, os quaes davam á enfer- midade uma marcha muito rápida e promptamente funesta. Uma cousa, porém, digna de altender-se nesta epi- demia foi o ter ella atacado quasi geralmente os Afri- canos e crioulos, posto que pela maior parte em gráo pouco intenso, principiando quasi sempre no seio das famílias por elles, especialmente pelos que eram occupados fora de casa, sem duvida por se acharem mais expostos ás influencias epidêmicas. Esta circumstancia é tanto mais essencial e digna de reparo, quanto mostra a predilecção que tem esta moléstia para atacar esta classe da nossa população, o contrario inteiramente do que se tem observado nas epidemias de escarlatina que entre nós tem gras- sado, nas quaes póde-se dizer, sem medo de errar, que a moléstia em geral atacou apenas alguns criou- los de pouca idade, bem como as pretas occupadas no serviço doméstico, e isso mesmo limitando-se as mais das vezes simplesmente á angina. Ella estabelece portanto um ponto de contado entre a epidemia a que nos referimos e a da febre rheumatica que, ha annos, reinou nesta cidade, e — í)0 — ipie foi vulgarmente denominada polka, pela qual elles foram igualmente muito accommellidos. A ana- logia entre as duas moléstias foi tão frisante que, si compararmos os phenomenos de que ella então se revestiu, c cuja descripção se poderá encontrar nas discussões da academia desse lempo, inserlas no seu jornal, com os dos casos benignos da ultima epide- mia, veremos que a única differença que entre ellas houve foi, que naquella observou-se sempre, ou quasi sempre, dores agudas nas pequenas articula- ções dos dedos, e a continuação destas e um senti- mento de debilidade e torpor dos membros por muito tempo, o que de ordinário se não notou na adual, em a qual ainda houve de particular o atacar ella de preferencia os estrangeiros recém-chegados e pouco aclimados, assim como os indivíduos de profissão marítima, e offerecer nelles um gráo de intensidade muito superior a quaesquer outros indivíduos. Portanto, não obstante essas pequenas difteron- ças, quem, comparando os pontos de contado que ligam as duas epidemias, não só por seus sympto- mas, como pelas condições climatericas, sob cuja in- fluencia se desenvolveram, poderá affirmar que, si outras causas, que para esta contribuíram, então se dessem, não se teria desenvolvido a febre amarella? Cremos que ninguém. E não será isso mais uma razão para sustentarmos a idéa da importação? Acreditamos que sim, e que só ella e outras circumstancias estranhas á nossas condições climatericas e topographicas foram que deram á epidemia o typo especial queacaracterisou, influindo-se e modificando-se reciprocamente. E tanto é isto provável e mesmo admissível, que, si nós attcnderuh s para as condições que presidiram á epidemia atrasada, com relação ao que nos diz res- peito, veremos que, como esía, coincidiu com um calor excessivo, com alterações importantes no es- tado eleclrico de nossa atmosphera, com uma secca mais ou menos durável, com escassez das viraçoes, etc, sinão em tão intenso gráo como na epidemia — 91 — de 1849 e 1850, também pouco inferior ao desta. Entretanto uma só vez, mesmo nos casos graves, nau vimos a moléstia revestir-se dos caracteres especiaes á febre amarella. Terminando aqui quanto tínhamos a expor sobre as causas que concorreram para o apparecimento da moléstia nesta corte, passaremos agora ao estudo dos symptomas nos diversos gráos em que ella se manifestou, o que fará objecto do capitulo que se segue. CAPITULO VIII. SYMPTOMAS, MARCHA E TERMINAÇÃO DA MOLÉSTIA (1). A moléstia em geral, como em todos os paizes, annunciou-se quasi sempre subitamente, e sem pre- cedência dos phenomenos especiaes que de ordi- nário caraderisam a invasão de qualquer moléstia aguda. Ella atacou todas as pessoas sem distincção de classes, e em qualquer condição em que se acha- vam; assim sobrevinha, quer estando o indivíduo em repouso e sem esperal-a, quer no meio das occupa- ções ordinárias da vida e durante o somno; porém quasi sempre sem ser precedida por phenomeno al- gum precursor, e accommettendo de preferencia os estrangeiros não aclimados, e excedendo poucas ve- zes do 1.° período nos Africanos e crioulos. (1) Neste capitulo nos cingircmos em tudo, ao que disse a commissão cen- tral na descripção da moléstia, que enviou ao governo imperial em 22 de maio; por quanto, sendo nós um dos membros da dita commissão, que colla- borou nesse escripto, não podemos hoje, nem temos mesmo opiniões differen- Os a respeito. — 9-2 — Algumas vezes, entretanto, phenomenos precur- sores appareciam, caracterisando-se por indisposição geral, torpor ou cançaço nos membros superiores e inferioies, tonteiras, pequena dõr, ou apenas peso de cabeça, as vezes dor nos lombos e na nuca, hor- ripilaçõcs, pouco appelite, língua saburrosa, alguma sede, constipação em uns, diarrhéa fraca em outros, porém em pequeno numero. A estes symptomas, cuja duração, quando existen- tes, era de um a três dias, seguiam-se aquelles que marcavam a invasão da moléstia ou seu 1.° período. Antes, porém, de principiarmos sua exposição, dire- mos que a moléstia offereceu phenomenos tão variá- veis que se pôde, sem temor de errar, affirmar que poucos doentes houve, em que os phenomenos obser- vados f >ssem inteiramente simdhantes, assim como que raras Yezes se podia marcar períodos distinctos em sua marchae successão, sobretudo nos casos gra- ves, e que levaram promptamente os doentes á se- pultura. Não se pôde, entretanto, desconhecer que, nos ca- sos mais regulares, a enfermidade offereceu três pe- ríodos distinctos, caraderisando-se o 1.° por pheno- menos de reacçáo bastante pronunciada; o 2.° pelo predomínio das desordens da innervaçáo; o 3.° pelo aniquilanicnlo desta funcção, e um estado de desor- ganisação geral. PRIMEIRO PERÍODO. De ordinário, fosse a moléstia ou não precedida de svmptomas precursores, manifestava-se de noite, t sobretudo pela manhã, no momento de levanta- rem-se os doentes, para entregarem-se á suas oceu- pações ordinárias; e então os primeiros incommodos que sentiam eram uma forte horripilação ou calafrio, inteiramente similhante ao que annuncia o assalto do paroxysmo de uma febre intermittente ou remit- — 93 — lente, com ou sem dôr de cabeça, náuseas, vômitos oumucosos, ou de alimentos, pulso concentrado, pequeno e freqüente, e extremos frios. A este estado variável em duração e intensidade, segundo disposições individuaes ou quaesquer ou- tras, seguia-se o apparecimento de dôr de cabeça quasi sempre mui intensa, atacando especialmente a região supra-orbilaria, a nuca e têmporas, sobre- tudo os dous primeiros pontos; dores contusivas análogas ás do rheumalismo, e as vezes mesmo ver- dadeiras caimbras nas pernas e coxas, ás quaes an- lecidiam ou succediam dores na região lombar, na columna vertebral, nas regiões iliacas e verilhas, mormente nesta ultima parte. Depois disto manifestava-se o calor febril, em uns de vagar, em outros quasi de repente, e accommet- tendo logo toda a peripheria; o hálito dos doentes era quente, a respiração como opprimida, o pulso as vezes duro, cheio e freqüente, outras vezes só cheio e freqüente. A face tornava-se animada, e como turgida, as conjunctivas injedadas, as artérias temporaes salientes e batendo com força; o calor era as vezes tão intenso, que já de longe incommodava o observador que se aproximava do doente; a cepha- lalgia em alguns augmentava em proporção ao ac- crescimo dos phenomenos de reacção, em outros pelo contrario diminuía; porém o mesmo não acon- tecia para com as dores lombares e das verilhas: es- tas se pronunciavam então quasi sempre mais, e for- çavam o paciente a revolver-se a miúdo no seu leito, para vêr si alcançava uma posição mais supportavel, e que lhe desse algum descanço. A lingua era no principio pallida, larga, humida e tremula; depois tornava-se mais ou menos rubra nas margens, e conspurcada de saburra branca ou amarellada, quasi sempre branca; em alguns doen- tes emfim era secca e com faxa de rubor escuro na linha mediana. Vômitos de matérias mucosas e bi- liosas ora simples, ora misturadas com raios de sangue e flocos trigueiros ou negros appareciam em alguns — 9i — doentes, em outros so náuseas; em outros, mas em numero muito pequeno, o vomito negro mais ou menos coptos >, quer suecedendo, quer antecedendo aos vômitos biliosos. Alguns doentes tinham grande sede, outros pelo contrario nenhuma, e recusavam mesmo qualquer bebida com medo de provocar o vomito, que muito os atormentava. 0 ventre era em geral flexível e pouco sensível em principio; depois tornava-se tenso e sensível pela pressão, ou sem esta, parlicularmcnte no epigaslrio e hvpochondrio direito, o que era notado com espe- cialidade nos casos de vômitos repetidos, aceusando os doentes a sensação como de uma barra, que osop- primia de um a outro hvpochondrio. Notava-se quasi sempre constipação rebelde, e só em casos cx.:epcionaes havia diarrbéa; as urinas eram poucas e carregadas, a pelle secca e urente, so- bretudo no ventre c fronte. Alguns doentes, apezar do intenso calor que se lhes notava, mesmo aquelles em que se elevava a ponto de incommodar as pessoas que á elles se che- gavam, tinham a cautela de se conservarem muito agasalhados, para evitarem o frio desagradável que sentiam, logo que qualquer parte do seu corpo se descobria. Este phenomeno era tanto mais sensível e mais commum, quanto mais grave deveria ser ulterior- mente o estado dos doentes, e quasi sempre denotava que a moléstia se não terminaria no primeiro pe- ríodo; que passaria aos outros, mormente quando se não desenvolvia a transpiração, ou quando, ape- zar desta, os phenomenos febris continuavam com a mesma intensidade depois das primeiras 24 ou 48 horas. Estes symptomas, que em geral caraclerísavam o primeiro período da moléstia, c no qual as vezes ella terminava, nem sempre seguiam a mesma marcha, nem tinham a mesma duração e força. Em alguns doentes, depois de 48 horas, 24, ou mesmo menos, desappareciam, como por um esforço critico caraetc- — 95 — risado por alguma epystaxis, ou por suor mais ou menos abundante, quer espontâneo, quer desafiado por bebidas quentes e diaphoreticas. Em outros, porém, não acontecia o mesmo; a fe- bre cessava com effeito no fim do tempo marcado ; porém os doentes continuavam a sentir-seincommo- dados, experimentando um sentimento de entorpe- cimento ou fraqueza geral, dôr ou peso de cabeça, lingua saburrosa, faslio, constipação, náuseas, ou mesmo vômitos de todas as substancias ingestas, phe- nomenos que duravam dous, três, e quatro dias, sem que o estado dos doentes inspirasse receios, e após os quaes principiava a convalecença, sendo esta pre- cedida de evacuações copiosas de câmaras molles ou líquidas, espontâneas ou provocadas por clysteis e bebidas laxativas. Bem que esta terminação fosse aquella que mais vezes se notou nos casos benignos, todavia outras mais ou menos freqüentes e igualmente felizes, posto que não tão promptas, tinham lugar, e cumpre-nos sobre ellas dizer duas palavras. Em alguns doentes o movimento febril persistia por mais ou menos tempo, porém sem caracter de gravidade; a dôr nos mem- bros, na cabeça, a falta de appetite, uma diarrhéa biliosa fraca, e indisposição geral continuavam a per- seguir os doentes, sem* que entretanto se pudesse considerar grave o seu estado, nem a moléstia fizesse a transição para outros períodos. Em outros a calorificação baixava sensivelmente durante a convalecença, e assim persistia por dias, coincidindo com isto s°uór frio geral, dando ao es- tado dos doentes uma similitude perfeita com o das febres intermittentes algidas. E doentes houve, em que o suor apparecia só de noite, e terminava pela madrugada, ainda mesmo depois de já estarem res- tabelecidos e entregues á suas occupaçõesordinárias. Estas ultimas terminações, si não foram tão fre- qüentes e sufficientes para constituírem um dos ca- racteres essenciaes da resolução da moléstia, foram ainda em grande numero, para que merecessem — 9t; — aqui uma menção especial; por quanto não so tazem reconhecera malignidadeda enfermidade, mas ainda porque era em taes condições que as recahidas eram freqüentes por qualquer abuso commetlido contra os preceitos hygienicos, sobretudo com relação á alimentação. Taes foram as formas mais constantes e a marcha mais commum da febre benigna, que atacou os na- cionaes c estrangeiros aclimados. Entretanto ainda nestes casos notou-se não poucas vezes que, depois do l." accesso, e quando tudo parecia mostrar que o equilíbrio orgânico começava a restabelecer-se, os phenomenos febris rcapparcciam quasi sempre para o 3.° dia pela manhã, começando pela cephalalgia, á qual suecedia-se um novo accesso, que acabava por suor brando ou sem elle, para se reproduzir nos dias seguintes, simulando verdadeiros accessos de febre intermiltente, sem que o estado dos doentes se aggravasse, ou então para annunciar a invasão dos outros períodos da moléstia, que cm muitos casos assim começou. Esta forma como intermittente foi mais vezes en- contrada do fim de março por diante: e nessa occasião notou-se também que a moléstia coincidia mais ve- zes com diarrhéano começo de seu desenvolvimento, e com phenomenos typhoideos, e de remittentes per- niciosas nos casos graves. SECUNDO PERÍODO. Nem sempre a moléstia terminou no periodo que acabamos de descrever, ou porque a crise pelos suo- res e evacuações fosse insufficienle para vencer a acção dos elementos desorganisadores, e operar a resolução do mal, ou por condições pouco favoráveis da parte dos doentes, ou por se não subjeitarem elles com tempo e opportunidade a um tratamento regu- lar e conveniente. — 97 — Então via-se ella passar ao 2." período, princi- piando a desenvolver-se seus phenomenos caracte- rísticos, em geral do 2.° e 3.°dia em diante, seguindo a marcha que vamos expor, e offerecendo formas e manifestações differentes, segundo as disposições es- peciaes a cada indivíduo, e o predomínio dos órgãos ou apparelhos mais lesados, formas e manifestações que muito importam ser notadas pelas modificações therapeuticas que reclamavam. Para evitar, porém, cahir em repetições fastidiosas, e podermos guardar certa ordem e methodo na descripção dos variados e importantes phenomenos que caracterisavam este período, descreveremos em I.° lugar os phenomenos de sua invasão e communs á todas as formas, para depois occuparmo-nos com a exposição especial das formas mais predominantes que se encontraram no correr da epidemia, e que se podem resumir nas seguintes: hemorrhagica, typhoide, delirante, con- vulsiva, syncopal, algida, e comatosa ou apopleti- forme. Em geral os symptomas característicos do 2.° pe- ríodo se manifestavam após uma calma ou remissão apparente, e cuja duração variava de horas a um dia e mais, calma as vezes tão perfeita que não só enga- nava os doentes, que se julgavam curados, mas mesmo ao medico, que a confundia muitas vezes com a resolução dos casos benignos. Outras vezes porém, e era este o facto mais commum, certos phe- nomenos persistiam, e faziam logo presumir, si não mesmo acreditar, como certo o desenvolvimento do 2.° período: taes eram, a insomnia, o desasocego de espirito, indisposição geral, as modorras, a conti- nuação da dôr de cabeça, o olhar triste e languido, a prostração de forças, o decubito em supinação, a oppressão da respiração, a persistência do movi- mento febril, a sede intensa, o tremor e seccura da lingua, a encrustação dos lábios, a expectoração dif- ficil com esforço de vomito, os arrotos amiudados, a injecção das conjunctivas com alguma amarellidão, urinas escassas e carregadas, sentimento de oons- — 98 — Iricçào no esophago, calor intenso no estômago, e sentimento de angustia no mesmo lugar. Em algumas condições, porém mais raras, em vez dos prodromos que havemos exposto, eram os sym- ptomas do 1.° periodo que se reproduziam, simu- lando perfeitamente a marcha de uma febre inter- mittenle grave ou remiltenle com exacerbações no- cturnas; e ao 3.° paroxysmo ordinariamente se pa- tenteavam os symptomas característicos do 2.° pe- riodo. Em qualquer dos casos apontados a marcha dos symptomas era mui variável; umas vezes appare- ciam de um modo súbito, e com toda a gravidade possível, como quasi sempre aconteceu naqueilas con- dições em que a enfermidade offereceu uma marcha rápida e promptamente funesta; ou de vagar e gra- dualmente, comosenotounas condições em que pelo contrario a marcha da moléstia foi de longa dura- ção, como, por exemplo, na forma lyphoidea, em a qual seus principaes symptomas grande analogia offereciam com os da febre typhoide propriamente dita, assim como em alguns casos da forma hemor- rhagica. De ordinário a invasão do 2.° periodo era caraele- risada pelo desapparecimento súbito ou lento do suor da remissão, tornando-se a pelle secca e urcnle, mormente para a lesta, e por desordens importantes nas funcçôes digestivas, da circulação, e innervação. O pulso tornava-se mais freqüente e molle, e pou- cas vezes era cheio e duro, a respiração mais fre- qüente e cançada, a sede intensa, a língua ora rubra nas margens e saburrosa no centro, ora perfeita- mente limpa e no estado quasi natural, ora lisa, secca, contrahida e como gretada; os vômitos volta- vam, ou continuavam si ainda persistiam, consis- tindo então na rejeição, ora de bile amarellada e es- verdinhada, ora de mucosidades mais ou menos es- pessasdemisturacomraiosdesangue,sanguevivo ou negro, ora de um liquido da côr de chá carregado, ou verde escuro quasi negro, que se conhecia entretanto — 99 — ser ainda completamente constituído por matéria bi- liosa, ora finalmente de liquido com o aspecto de chocolate sem espuma, dágua tendo de mistura café moido, borra de vinho, fragmentos de papel quei- mado; emfim em casos menos freqüentes assimelha- va-se perfeitamente a tinta de escrever e a alcatrão. Em todos estes casos os vômitos eram quasi sempre precedidos ou acompanhados de soluços mais ou menos violentos, entretanto algumas vezes estes não existiam, ou não appareciam sinão muito tarde. Os vômitos negros ou escuros podiam ser prece- didos de vômitos biliosos, e era o facto mais geral- mente observado; porém muitas vezes elles se mos- travam taes desde a invasão do 2.° periodo, ou pouco mais tarde, precedendo-lhes quasi sempre grandes ancias, oppressão e sentimento de constricçáo pre- cordial, sensação de bolo incommodo no estômago, e de um soífrer inexprimivel para o orifício cardíaco, ao qual os doentes attribuiam a rejeição dos líquidos ingeridos. Estes dous últimos symptomas consti- tuíam sem duvida um signal de bastante gravidade, e quando desde o começo da enfermidade eram observados, como não poucas vezes acontecia, sobre- tudo nos indivíduos não aclimados, era quasi si- gnal infallivel de terminação fatal mais ou menos prompta e certa. Em alguns doentes, e estes eram por certo os que mais tormentos soffriam, os vômitos se reproduziam a miúdo, com grandes esforços e ancias mortaes, re- jeitando elles todos os líquidos ingeridos, ainda mesmo a água em doses extremamente pequenas, de modo que lhes não era possível mitigar a sede que os devorava, o que augmentava suas afflicções e a gravidade de sua situação. Em outros, pelo contra- rio, se effectuavam com intervallos longos, conser- vando-se só das bebidas ingeridas os remédios, os quaes ao fim de meia hora, uma, e as vezes mais eram rejeitados conjunctamente com a matéria do vomito. A região epigastrica tornava-se mais tensa e dolo- rosa, e a pressão mais insignificante era insupporta- — KMi — vel; o ligado as vezes excedendo as falsas costulías.o resto do ventre ou molle e insensível, ou tenso e me- teorisado, as evacuações ou poucas ou copiosas, bi- liosas.ou da côr da matéria do vomito, com que coin- cidiam, succediam ou precediam, e algumas vezes de um fétido insupportavel; os soluços se exacerba- vam, e tornavam-se incommodos bastante; as urinas diminuíam inscnsivelmenle, ou mesmo se suppri- miam, coincidindo este phenomeno umas vezes com dôr intensa na região hypogaslrica e plenitude sen- sível da bexiga, outras vezes sem nenhum destes phe- nomenos. Então as formas da moléstia se tornavam paten- tes ; e os phenomenos suecessivos de sua marcha of- fereciam alguma diffcrença, segundo a forma que mais predominava. Em uns era a forma hemorrha- gica que se manifestava : então uma exsudaçáo san- güínea apparecia pelas ventas, gengivas e mucosa bo- cal, ou mesmo uma hemorrhagia mais ou menos abundante, e rebelde a todos os meios contra ella em- pregados, acompanhando-a vômitos e evacuações de sangue. Esta hemorrhagia fazia-se igualmente pelas pica- das das sanguesugas, pelos ouvidos, olhos, uretra e vagina ; e este ultimo phenomeno era tão freqüente, que a mór parte das mulheres accommettidas da fe- bre o aceusavam desde o terceiro e quarto dia, e as vezes antes, julgando ser o apparecimento do fluxo menstrual, e isto mesmo nos casos benignos, assim como em todas as formas da moléstia, chegando em algumas a ser o symptoma precursor do desenvolvi- mento da enfermidade. O pulso nestes casos tornava-se mui fraco, pequeno e depressivel, o calor da pelle extremamente dimi- nuído, a respiração de ordinário lenta e tranquilla, as extremidades muito frias, a testa, os lados do pes- coço e as conjunetivas mais ou menos amarelladas, as urinas poucas, coradas, vermelhas ou escuras, ou mesmo de um amarello assafroado, ou emfim sup- primidas. — 101 — Era esta uma das formas da moléstia que apresen- tava o aspecto mais desolador e horrível; e os doen- tes eram em geral indifferentes ao seu estado, con- servando-se tranquillos e socegados quasi sempre até os últimos momentos da existência. Em outras circumstancias era a fôrma delirante que se ostentava. Então os doentes eram inquietos, agitados, gemiam constantemente, gritavam, torna- vam-se irasciveis, recusavam todos os remédios que se lhes dava, custavam a deixar-se examinar; sobre- vinha-lhes o delírio mais ou menos violento, ou o sub-delirio, quer precedendo, quer succedendo ao vomito negro: e doentes mesmo houve em que sym- ptomas hydrophobicos mais ou menos bem caracte- risados se declararam. Em outros doentes, em vez destes phenomenos, foram os tremores geraes, os sobresaltos de tendões, as convulsões parciaes ou geraes, e mesmo espas- mos tetanicos os que predominaram, constituindo a forma convulsiva. Estas convulsões, podendo appa- recer em qualquer occasião, coincidiam quasi sem- pre com os esforços do vomito, e acabavam por um estado como de coma, ou por uma syncope mais ou menos duradoura, como tivemos occasião de obser- var por vezes. Esta ultima forma, convulsiva, era especialmente observada nos indivíduos de uma constituição ner- vosa, nas crianças, e nas pessoas musculosas; e se- gundo nossa observação coincidiu mais vezes com o vomito côr de chocolate, mais commum nas mulhe- res, e nos indivíduos de uma organisação delicada, assim como nos pareceu ser mais freqüente naquel- las pessoas que pouco lançavam, apezar dos repeti- dos esforços do vomito. A estas duas formas succedia freqüentes vezes a comatosa ou apopletiforme, a qual entretanto, sobre- tudo nas pessoas de maior idade, se manifestava bas- tantes vezes desde a invasão do segundo periodo, ou mesmo desde o apparecimento da moléstia, caracte- risando-se por somnolencia ou modorra profunda, — 10*2 — da qual os doentes despertavam com alguma difli- culdade, respondiam com vagar e incoherencia ás questões que se lhes fazia, e cabiam logo no estado comatoso. >'esta forma os vômitos eram pouco freqüentes, e quasi sempre as matérias vomitadas eram lançadas sem esforço e como por regorgitação sobre a cama, travesseiros e cobertas, e sem que os doentes sahis- sem do estado de lethargo em que existiam ; entre- tanto alguns como que despertavam nessa occasião, para cahir logo depois no estado de coma mais ou menos profundo e estertoroso. A forma algida, que era aquella porque acabava a moléstia em todos os casos de terminação fatal, po- dia se manifestar logo na invasão do segundo pe- riodo, ou mesmo no principio da enfermidade, cons- tituindo o seu caracter essencial. A algidez caracte- risava-se por dous modos distinctos; ou ellaappa- recia depois de um paroxysmo terminado por suores frios copiosos como nas febres perniciosas algidas, o que não era mui freqüente, ou então, e era o caso mais commum, começava pelo arrefecimento dos ex- tremos, arrefecimento que ganhava mais ou menos depressa toda a superfície cutânea, segundo a maior ou menor violência dos symptomas que com elle coincidiam. Kesta espécie o pulso era sempre pequeno, con- centrado, irregular e intermittente; a respiração umas vezes mais lenta que de ordinário, outras ve- zes accelerada; a face pallida, e bem assim o resto do corpo, sobretudo quando com ella concorria a forma hemorrhagica, ou então de um amarello mais ou menos carregado; os vômitos ora eram acompa- nhados de ancias e afflicções insupportaveis, ora ef- fectuados sem esforço, e seguidos de extrema prostra- ção, e de um estado como syncopal,coincidindo com soluços mais ou menos incommodos, ou sem estes; a intelligencia de ordinário conservava-se perfeita até os últimos momentos da vida, ou apenas um de- lírio ou sub-delirio pouco notável se observava, e — 103 — qual desapparecia ao aproximar-se a hora do pas- samento. A forma typhoide foi também uma daquellas que se manifestou com freqüência no curso da epidemia, sobretudo em sua declinação, e quando a moléstia principiou por ter uma marcha menos rápida e de mais duração. Nesta forma desde o principio se manifestavam al- guns symptomas que a indicavam, ou a faziam pre- sumir; taes eram, a duração mais prolongada dos phenomenos febris, o rubor intenso das conjundi- vas, o estupor da physionomia, e algumas vezes o gargarejo das fossas iliacas, da direita com espe- cialidade. A remissão que separava o primeiro do segundo periodo era mui curta e incompleta, ou antes a febre offerecia o caracter sub-intrante; o suor era fugaz e parcial, a pelle umas vezes secca e urente, outras na temperatura natural, bem que o pulso fosse cheio, vivo e freqüente. Ligeiras epystaxis sem melhoras no estado geral, durando até o quinto ou sexto dia, e augmentando para a noite; modorras, sub-delirio, decubito quasi sempre em supinação, vômitos biliosos ou pretos, língua secca, gretada, conspurcada de saburra es- cura ou côr de cinza na linha mediana, ou em toda a superfície, dentes fulliginosos, diarrhéa mais ou me- nos escura e abundante; taes eram os phenomenos que lhe davam seu lypo especial. Depois delles vinha a amarellidão da pelle da face e das conjundivas, a qual ganhava com mais ou me- nos promptidão toda a pelle, caraderisando o typho ideroide dos autores; as manchas rosaceas,asecchy- moses ou petechias, emíim os outros symptomas ge- raes observados nas febres typhoides. Estes symptomas em alguns doentes progrediam e passavam ao terceiro periodo, quaesquer que fossem os meios applicados para os combater; em outros pelo contrario diminuíam e cessavam por suores crí- ticos, por urinas abundantes e dejecções biliosas, ou — 104 — espontâneas ou provocadas; e aos quatorze dias ou mesmo mais tarde começava a convalecença. Acon- tecia também não poucas vezes cessarem, sem que durante o curso da moléstia apparecesse qualquer dos phenomenos que se podiam considerar críticos; porém, cm taes casos, notava-se que a duração da moléstia era muito longa, a convalecença tardia, o a amarellidáo da pelle persistia por muito tempo; ainda mesmo achando-se já os doentes restabe- lecidos. Além destas formas, outras se observaram no cor- rer da epidemia não menos fataes que as preceden- tes, e acompanhadas de symptomas bastante aterra- dores, porém muito menos freqüentes; taes foram, em uns a forma caraderisada por uma dispnéa que augmentava constantemente sem signaes sensíveis de lesão do pulmão, ou do coração, nem mesmo reco- nhecida pelas investigações necroscopicas, suecum- bindo os doentes quasi subitamente como asphyxia- dos; em outros a forma caraderisada por desmaios, desfallecimentos, syncopes, reproduzindo-se sob a influencia de qualquer movimento, ou após os vô- mitos e evacuações, constituindo a forma syncopal. Nestas condições phenomenos geraes importantes se notavam: a face era pallida e exprimindo padeci- mentos profundos, os olhos languidos e encovados, a vista escura, as pupillas quasi sempre dilatadas, o pulso de ordinário pequeno e intermittente, offere- cendo a miúdo mudanças notáveis de força e de rythmo, a pelle ora fria, ora com calor, em virtude das pequenas reacções que se operavam, e durante as quaes o pulso se desenvolvia e chegava mesmo a tomar seu rythmo normal. Isto pelo que toca a forma syncopal. Quanto a outra, os symptomas eram mui differentes: a face era livida e como contrahida, o calor muito irregular, pois que, em quanto as extre- midades eram frias, as partes correspondentes as ca- vidades esplanchnicas eram quentes, sobretudo o peito e cabeça, os olhos salientes e como empurrados para fora das orbitas, o pulso oflerecendo um con- — 105 — traste perfeito com os batimentos do coração, aquelle extremamente pequeno e fugindo debaixo do dedo, estes apressados, violentos e tumultuosos; emfim as jugullareseram turgidas, eum suor frio e viscoso banhava a face do doente. Alguns casos houve, na maior força da epidemia, em os quaes o caracter dos vomilos e das evacua- ções, assim como sua freqüência, a concentração rá- pida do pulso, a lividez e decomposição da face, as caimbras em diversas partes, o resfriamento da pelle, e mais tarde seu estado como cyanoüco deram á moléstia a forma do cholera mais ou menos bem distincta. Taes foram em resumo as differentes manifesta- ções symptomaticas mais salientes que apresentou a moléstia no 2." periodo, e naquelles indivíduos que pela maior parte foram por ella levados á sepultura, quer conservando-se sempre taes desde o começo deste periodo, quer succedendo-se e subslituindo-se umas as outras. Não obstante a gravidade com que ella se apresentou as mais das vezes, sobretudo na força da epidemia e nos estrangeiros não aclimados, todavia em muitíssimos casos conseguiu-se fazer pa- rar ahi a moléstia, e não passar ao 3." periodo, sal- vando-se muitas victimas. Então viam-se todos os phenomenos ir-se dissi- pando com mais ou menos rapidez, e a cura ora se operar com muita rapidez depois de dissipados os symptomas aterradores, ora depois de um tempo mais ou menos longo, como sobretudo se observava na de caracter typhoide, talvez a menos grave den- tre as differentes formas de que fizemos menção, e aquella que mais vezes conservou seu typo especial durante todo o curso da epidemia, por isso que as outras com facilidade se mudavam e substituíam amiudadas vezes. U — 106 — TERCEIRO PERÍODO. A invasão desle periodo era indicada pelo accres- cimo dos symptomas descriptos no antecedente. Umas vezes estes symptomas augmenlavam sem in- terrupção em sua marcha, outras vezes pelo contra- rio os mais graves como que faziam uma parada para reapparccerem com maior violência, e mais de pressa matarem os doentes. Cumpre-nos aqui con- fessar, que infelizmente em taes casos eram quasi sempre impotentes os esforços da arte c da natureza para operar o restabelecimento dos enfermos; pois que bem poucos eram os que em taes condições se curavam. Era de ordinário do 5.° ao 6.° dia, poucas vezes mais cedo ou mais tarde, que os symptomas offe- reciam a maior gravidade e os doentes suecum- biam (1). Ucmorrhagias passivas e rebeldes pelas picadas das sanguesugas, ânus e boca, queda rápida das for- ças, prostração extrema, lingua secca, relrahida, gretada, coberta de crôstas sanguinolentas, de rubor escuro similhante a dos indivíduos que acabam de mascar fumo, destes fulle/inosos, lábios gretados e encruslados de sangue, gengivas lividas, amolleci- das e exsudando sangue negro, dores atrozes no es- tômago com sentimento de bolo incommodo e ancie- dade extrema, soluços ouvindo-se a distancia, de caracter convulsivo, ventre meleorisado edistendido, ou retraindo e tenso na linha branca, supressão de urina com ou sem dôr no hypogaslrio, e as vezes (l É este um phenomeno constantemente observado em todas as epide- mias de febre amarella, e que não escapou já ao dUlincto observador pnitu- giiez, de que temos faltado, na epidemia que reinou nos fins do século XVII. em Pernambuco; por quanto, diz-nos elle, que os doentes morriam quasi todos eiii 6 dias, ou cm 9 quando mais tarde; muitos em 2 dias; poucos em 24 horas ■ Obra cita Ia—duvid.i 1.», pg. a. — 107 — amarellidão e manchas lividas da pelle, que ainda não existiam, eram os caracteres physiologicos que denotavam achar-se a moléstia no 3.° periodo. O vomito negro tornava-se mais escuro e mais fre- qüente em alguns casos, em outros desapparecia, subslituindo-lhe uma anciedade extrema, á qual se- guia-se ora o apparecimento da côr amarella da pelle com manchas denegridas que annunciavam uma morte próxima e quasi súbita, depois da qual torna- vam-se os cadáveres muito amarellados, ora uma extrema pallidez, na qual o doente expirava quasi subitamente, e como afiogado em um omito negro copioso, seguindo-se-lhe também a arearelliclão da pelle depois da morte. Esta ultima forma de termi- nação observou-se também em alguns doentes de typho ideroide, nos quaes tudo marchava bem, e cousa alguma fazia suspeitar uma similhante termi- nação. Outras vezes o vomito negro, que até ahi não tinha existido, desenvolvia-se com violência espantosa, e o doente lançava a miúdo grandes porções de maté- ria negra, effeduando-se a morte com grande rapi- dez, sem que fosse possível apreciar a marcha suc- cessiva dos phenomenos que a precediam, ou mais de vagar e com novos tormentos para o paciente. Os vômitos continuavam ; appareciam evacuações fétidas, denegridas, similhantes á matéria do vomi- to, sendo as câmaras expedidas involuntariamente; a face alterava-se profundamente, tornava-se ama- rellada ou achumbada, os olhos profundamente en- covados, pulverulentos, insensíveis, ou muito sensí- veis á acção da luz, as palpebras retrahldas ou rela- xadas, e com circulo azulado ou arroxado. Sobrevi- nha o delírio, estado comatoso, sobresaltos de ten- dões, carphologia, convulsões violentas, inquietação extrema em uns, insensibilidade em outros, resolu- ção de membros e prostração, si por ventura taes phenomenos ainda não existiam; e si já tinham acompanhado o 2.° período, então redobravam de intensidade e de violência. — 108 — O pulso tornava-se então irregular, filiforme e in- sensível; a pelle fria e glacial, banhada de suói igualmente frio, a respiração extinguia-se gradual- mente; emfim sobrevinha a morte, umas vezes con- servando os doentes o uso da razão até os últimos momentos da existência, e no meio dos sentimentos oppostos de desanimo completo ou de esperanças de salvação; outras vezes em perfeito indiffercntismo, eem tal estado de tranquiliidade, que a morte não era presenlida pelas pessoas que se achavam junto delles; outras finalmente no meio de convulsões mais ou menos violentas, e inteiramente com a razão alienada. Em alguns doentes, além dos symptomas referi- dos, appareciam as parolidas, as quaes em muitos casos, quando seguidas de boa suppuração, concor- riam para uma crise favorável, no entanto que em outros serviam para aggravar ainda mais o estado dos doentes, e tornar mais critica sua posição, quer determinando a erysipela e gangrena da face, e uma congestão cerebral secundaria que apressava sua terminação, quer provocando uma suppuração abundante, saniosa, seguida de estado adynamico profundo e da morte. Entretanto este concurso de symptomas nem sem- pre foi tão fatal, como acabamos de pintar; por quanto viu-se ainda muitas vezes elles diminuírem, e cessarem ou por effeito dos meios lherapeuticos applicados, ou por uma crise inesperada, e os doen- tes restabelecerem-se em pouco tempo; outras vezes ficar qualquer dos symptomas mais graves, appare- cendo com grandes intervallos, e os doentes restabe- lecerem-se com mais vagar; ou emfim, em casos me- nos felizes, sobrevir de repente um estado desespera- do e a morte por qualquer causa ainda a mais insi- gnificante. Em alguns doentes, ainda mesmo atacados mui gravemente, a convalecença era prompla; em outros pelo contrario mui longa, ficando por tempo bas- tante uma grande prostração, fastio, dormencia e — 109 — torpor nos membros, insomnia, ou tendência a dor- mir. Em qualquer destas condições era commum o apparecimento das recahidas, umas vezes sem pe- rigo, outras com phenomenos graves, como fossem o reapparecimenlo do vomito negro e outros sym- ptomas, no curso dos quaes succumbia o doente. Foram estes em geral os phenomenos que cara- derisaram, o 2.° e 3.° períodos dos casos graves da febre amarella que grassou no Rio de Janeiro. Cum- pre porém fazer conhecer que elles nem sempre marcharam, ou terminaram pela maneira por que havemos exposto ; que algumas differenças houve a respeito, tornando-se dignas de menção as se- guintes: Que em muitos doentes, depois da extincção do vomito negro, do soluço, e outros symptomas assus- tadores, uma prostração e debilidade geral delles se apossava, e succumbiam em um definhamento lento e progressivo, sem que nenhum phenomeno impor- tante precedesse a sua morte: Que em outros uma dysenteria pútrida, com te- nesmo e dores como de eólica em torno do umbigo contribuíam para sua terminação próxima, para a qual concorria igualmente a formação de escaras gangrenosas nos pontos submettidos pelo decubito á uma longa compressão, sendo este phenomeno com mais particularidade observado para o fim da epide- mia, de meiado de maio em diante : Que em outros a morte tinha lugar como por as- phyxia, e quasi de repente, depois do apparecimento do vomito negro, accusando estes doentes dôr inten- sa sobre o coração, dyspnéa e impossibilidade de vo- mitar, apezar dos grandes esforços de vomito, tendo isto lugar no acto de expirar o paciente, occasião em que a face se tornava arroxada, os lábios lividos, os olhos salientes e turgidos, como acontece aos apo- plelicos e asphyxiados: Que emfim nas crianças começava as mais das vezes por delírio e convulsões segundo as idades, symptomas que desappareciam logo, si a moléstia - 110 — oílerecia caracter benigno, eque persistiam, si o caso era grave, ou suspendiam-se por 21 horas, raras vezes mais, para reapparecerem com maior inleiv- sidade no 2.° periodo, e na occasião de desenvol- ver-se o vi>milo negro. Si, resumindo tudo quanto temos exposto neste capitulo, buscarmos reconhecer a imporlancia dos symptomas com relação ao prognostico, considera- dos de uma maneira geral, acharemos que a molés- tia foi em geral tanto mais grave, quanto maior foi o predomínio das desordens da innervaçáo. Que a língua secca e com faxa de um vermelho es- curo na linha mediana no primeiro periodo da mo- léstia, concorrendo com vomilos obstinados, acom- panhados de grandes esforços, sede intensa, aridez da pelle, falta de Iranspiraçáo, ou caracter fugaz des- ta, agitação, insomnia, molleza de pulso, e epyslaxis pouco notável eram signaes de estado grave; e tanto mais, quanto maior era o terror que se apoderava dos doentes, mais fortes as horripilações no seu de- senvolvimento, e mais rebelde a conslipação do ven- tre aos meios empregados para combatel-a. Que pelo contrario a moléstia era cm geral beni- gna, si a língua era humida e coberta de saburra pouco espessa, si o moral do doente se não achava muito impressionado, si as horripilações tinham sido pouco duradouras, si uma reacção franca se ope- rava com promptidão, si atranspiraeão seeffeduava sem demora, si a conslipação de ventre obedecia aos meios conlra ella postos em pratica, e uma epyslaxis mais ou menos iniensa sobrevinha, e fazia cessar a dôr de cabeça, e diminuir o movimento febril. Que si, do segundo ou terceiro dia em diante, a febre começava a declinar, a língua a limpar-se da ponta para a base, a sede diminuir, e os vômitos cessarem,era signal de que a moléstia não iria ao se- gundo periodo. Si, porém, o contrario suecedia, si arrotos amiudados appareciam, si sobrevinha ptya- lismo, si a pelle tornava-se secca e árida depois do estabelecimento da Iranspiraçáo, si a sede, agitação, — 111 — e dôr epigaslrica se pronunciavam mais, si alguma amarellidão apparecia nas conjunclivas, si o rubor dos olhos crescia, então era quasi certa e inevitável a passagem da moléstia para o segundo periodo. Que eram phenomenos gravíssimos, o rubor in- tenso e saliência dos olhos, a epystaxis pouco abun- dante e repetida, a seccura de lingua, o soluço, o vomito e evacuações negras, as hcmorrhagias passi- vas, as violentas dores epigastricas, a molleza c con- centração do pulso, a respiração suspirosa e entre- corlada, o delírio intenso, e ictericia escura; porisso que grande, ou mesmo a mór parte dos doentes que apresentavam taes phenomenos, sobretudo si com elles coincidia estado algido e syncopal, morriam. Que eram quasi sempre signal de morte certa e mais ou menos próxima a suppressão da urina, a côr amarella achumbada da pelle, as petechias es- curas, as ecchymoses, o frio dos extremos, o suor viscoso e frio, c o estado comatoso; pois todos os doentes, que apresentavam tal concurso de pheno- menos, suecumbiam; podendo-se tomar, como ex- cepção, aquelles casos cm que um ou outro ainda sobrevivia. CAPITULO IX. CARACTERES ANATÔMICOS DA MOLÉSTIA. As lesões anatômicas, encontradas pelas investiga- ções necroscopicas a que se procedeu entre nós, não mostraram sempre uniformidade na violência e pro- fundidade de seus estragos, nem mesmo relações — 112 — entre a gravidade dos symptomas observados duran- te a vida e os estragos por ellas produzidos, e reco- nhecidos pelo exame cadaverico, notando se que em muitos casos sua profundidade c extensão não cor- respondiam á violência dos symptomas, e vice-versa. Este phenomeno era lauto mais commum, quanto mais prompla havia sido a terminação dos doentes, como si a enfermidade, no curto espaço de sua du- ração, não pudesse imprimir nos órgãos soííredores os traços mais característicos de sua natureza essen- cial. Entretanto apparelhos houve, cm os quaes, póde- se dizer sem receio de faltar á verdade, que lesões anatômicas mais ou menos extensas e profundas fo- ram encontradas constantemente pelas autópsias, taes foram, osapparelhos digestivo, cerebro-espinhal e urinarío, fado que é confirmado pelo testemunho dos escriptores de oulros paizes, e que parece mar- car o caracter desta terrível moléstia, e mostrar a predilecçáo que tem o principio delelerio, que a pro- duz, de atacar estes órgãos de preferencia a quaes- quer outros. Passemos pois á sua exposição, descrevendo-as nos diversos apparelhos. APPAREl.IIO f.lTANEO. A pelle, quer houvesse ou não amarellidão du- rante a vida, era sempre de uma côr amarella mais ou menos escura ; porém quasi constantemente côr de limão maduro apresentando aqui e ali manchas arroxadas edenegridas, ou verdadeiras eccliymoses especialmente nas partes declives. O tecido"cellular subjacente encontrava-se infiltrado de serosidade araarellada: esta mesma côr observava-se nos outros tecidos, menos no muscular. — 113 — APPARELHO DIGESTIVO. Foi de todos aquelle em o qual phenomenos mais constantes e caracteristicos se offereceram sempre, e mais em relação com as lesões funecionaes obser- vadas durante a vida, sobretudo no estômago e co- meço do tubo intestinal. O esophago em alguns apresentava-se com traços evidentes de inflarnmação, com leves escoriações, e amollecimento parcial da mucosa, coberta as vezes por liquido glulinoso e mais ou menos escuro. O estômago continha em quasi todos maior ou menor porção de liquido negro, ainda mesmo nos cadáveres daquelles indivíduos que, durante ávida, não tinham tido o vomito preto: em alguns, porém em numero muito diminuto, o liquido era amarella- do ou esverdinhado, conforme tinha sido a côr do vomito durante ávida. Sua membrana mucosa mos- trava-se as vezes de um rubor mais ou menos vivo, outras vezes de um rubor escuro, como eechymosa- da, ulcerada, e com escoriações mais ou menos ex- tensas para os orifícios do estômago, especialmente para o pyloro, e as vezes bastante amollecida e des- fazendo-se com facilidade. Alterações quasi idênticas, quer de textura, quer nos líquidos encerrados no tubo intestinal, encon- travam-se nos intestinos delgados, mormente no duodeno. Estas alterações diminuiam gradualmente de intensidade desde este intestino até o fim do ca- nal intestinal, onde eram muito menos sensíveis que não nos outros pontos do canal (1). (1) Alguns autores dizem ter achado de mistura com as matérias intesli- naes coalhos de sangue, e mesmo sangue puro Chervin, que diz ter provado estas sub>tancias, affirma ter-lhès achado gosto de sangue bem distinclo, quando ellas offereciam n maior parie das qualidades exteriores desle liquido; que outras vezes pelo contrario eram amargas, acres, e um tanto corrosivas. Entre nós cremos não se ter encontrado sangue puro nos intestinos de um •ó cadáver dos que foram autopsiados. - 114 — O figado de ordinário mais volumoso que não no estado ordinário, em virtude de congestões mais ou menos intensas, apresentou-se em alguns com man- chas arroxadas, como ecchymoses; em outros com alguma falta de consistência de seu tecido; em ou- tros nada parecia soffrer. A vesicula felea continha quasi sempre maior ou menor porção de bile, ora negra, ora verde escuro, ora sem alteração de côr apreciável, sendo umas vezes de maior densidade que a natural, outras vezes de igual. ArPARELUO URINARÍO E PER1TONEO. A bexiga era umas vezes contrahida e vasia,em outras oceasiões contendo quantidades variáveis de urina, de côr escura, sanguinolenta, de um ama- rello mais ou menos carregado, e quasi sempre de maior densidade que de ordinário; a sua mucosa mais ou menos rubra e espessada em toda a exten- são, sobretudo para o collo. Os rins encontraram-se em alguns casos mais volumosos e de um vermelho mais carregado, cm outros sem alteração apreciável. O peritoneo deixava ver em alguns lugares manchas lividas, e injecção parcial, mas não em todos os casos. APPARELHO CERERRO ESPINHAL. Foi, depois do apparelho digestivo, um daquelles em que se notaram lesões mais patentes e extensas, podendo-se estas resumir nas seguintes: conges- tão vascular das meningeas e da massa encephalica mais ou menos distincla; preponderando de ordi- nário nas meningeas e substancia cerebral propria- mente dita, observando-se com freqüência, nesta ul- tima, injecção por pontos mais ou menos sensível; derramamento sangüíneo no centro da própria massa — 118 — cerebral em rarissimos casos, dito seroso, sero-san- guinolento, ou mesmo sanguinolento nas cavidades da arachnoide e nos ventriculos em quasi todos, substancia do cérebro, ora mais consistente, ora mais flaccida, ora sem modificação apreciável. No canal rachideano notava-se também em quasi todos os cadáveres a existeneia de derramamento de soro amarellado, ou sanguinolento, e engorgitamento dos envolucros medullares mais ou menos forte, so- bretudo para a região sacro lombar. Estas observa- ções não se conformam inteiramente com o que diz Dalmas a respeito (1), e vem a ser; que as lesões do encephalo e suas membranas se acham particular- mente nos cadáveres dos doentes, cujas faculdades intellectuaes foram notavelmente perturbadas; por- quanto alguns dos doentes a que se referem as lesões que apontamos não offéreceram, durante a vida, al- terações notáveis da intelligencia. APPARELHOS RESPIRATÓRIO E CIRCULATÓRIO. Foram sem duvida estes os apparelhos, em os quaes lesões menos importantes foram encontradas, ainda mesmo nos cadáveres daquelles indivíduos, em que o predomínio de suas lesões funccjonaes fa- zia suspeitar a achada por occasião da autópsia de lesões physicas importantes. Pelo lado do apparelho respiratório, limitam-se ellas em geral á congestões passivas do pulmão, alguns pequenos engorgita- mentos com fraca crepitação do tecido pulmonar, li- geiros traços de phlegmasia da mucosa bronchica, e recentes adherencias da pleura em muito poucos ca- sos. Pelo lado circulatório, algum derramamento sero-sanguinolento, ou amarellado na cavidade do pericardio, mas não constante, e, em algum caso ex- cepcional, fraca injecção do pericardio e do endo- M ) Indagações históricas e medica? sobre a febre amarella. - Paris, 1822. - 116 - cardo. As cavidades do coração e os grossos troncos vasculares, vasios em alguns casos, eram quasi sem- pre cheios de sangue escuro com ou sem coalhos dif- fluentes,e nada mais (l). Si, resumindo as alterações anatômicas que fo- ram encontradas nos differentes cadáveres auto- psiados. quizermos achar o gráo de importância de cada uma deltas, e sua maior ou menor freqüência e intensidade, veremos: 1.° que as mais constan- tes, extensas e profundas foram as do digestivo, par- ticularmente as do estômago e intestinos, seguindo- se-lhe logo as do cerebro-espinhal, e por ultimo as do urinarío: 2.° que as lesões do figado nenhuma paridade tinham no gráo de sua importância com as dos outros órgãos nomeados: 3.° que o baço se podia considerar isemplo de toda a alteração: 4.° que os apparelhos respiratório e circulatório lambem ne- nhuma alteração digna de attencão apresentaram: 5.° que as lesões cadavericas, que melhor correspon- deram aos symptomas observados no curso da mo- léstia, foram as dos apparelhos digestivo, cerebro-es- pinhal, e urinarío: G.° finalmente que, salvo peque- nas excepções que nada influem na essencialidade dos caracteres anatômicos da moléstia, as lesões ca- davericas encontradas nos nossos doentes combinam perfeitamente, em seus caracteres mais salientes e communs., com aquellas que nos são indicadas pelos observadores de outros paizes. (f) As manchas vermelhas, arroxadas e lividas da plenra de que fazem menção, por sua freqüência, alguns autores, assim como as adhereneias for- madas por uma camada de substancia gelatiniforme amarellada ; as altera- ções idênticas do pericardio; o coalho considerável de um amarello transpa- rente, como o bello âmbar, ou similhunle á geléa devacca de que faz menção Bailly, estendendo-se as vezes até a aorU, não foram encontradas nas inves- tigações cadavericas a que entre nó->; se procedeu, apezar do cuidado com que se houve nestas circumstancias É verdade também que ellas não podem ser consideradas como caracteres anatômicos communs, porque não tem sido ebservadas em teda< as epidemia*: a ínflammaç.ão das pleuras e do dia— phragma furam mui fiequmtes segundo o testemunho de Palloni, 1.acoste, Pa>cheiti e oulros, na epidemia de Livourne de 18U4 : os engorgitaiuente» sangüíneos do pulmão, e as manchas avermelhadas da pleura na de S. Do- mingos em 1805, segundo nos refere Bailly, ele, entretanto que em outra* ♦pidemias nada se tem observado de similhante. — 117 — Tal vez que, si maior numero de autópsias tivessem sido praticadas, achassem-se em outros cadáveres cer- tas alterações não communs e essenciaes, que já fo- ram apontadas, e que se não encontraram nas autó- psias de que temos conhecimento (1). CAPITULO X. TRATAMENTO DA MOLÉSTIA. É esta uma das questões mais difficeis do estudo da febre amarella, sobre a qual muitas duvidas e in- certezas occorrem ao espirito do medico pratico, con- frontando e analysando os differentes escriptos que, sobre similhante enfermidade, tem sido publicados em todos os tempos e paizes. Nada é por sem duvida mais variável do que a therapeutica aconselhada pelos differentes práticos que tem estudado e observado esta moléstia; ou seja isto dependente de ser ella formulada antes pelo pensamento das doutrinas médicas em voga na época de cada escriptor, do que pela observação rigorosa dos factos e circumstancias que concorrem nas diffe- rentes epidemias; ou seja porque realmente a molés- tia offerece mudanças em sua marcha e seus caracte- res essenciaes em cada uma epidemia, e em cada lo- calidade; ou seja finalmente pela incerteza de sua natureza intima, e pela maneira diversa e especial, porque cada observador a tem encarado. Como quer que seja, ninguém que tenha estudado (1) Lede as Gazetas dos Hospilaes ns. 1, 2 e 5, onde achareis o resul- tado das alterações anatômicas encontradas pelas autópsias feitas pelos Srs. Drs. Pertence, Cunha, Bompani, e Lallemand ; assim como o trabalho esta- tístico do Sr. Dr. Valladão já citado.—Artigo —Caracteres anatômicos da moléstia. — 118 — c reflectido um pouco sobre a historia da moléstia nos differentes paizes, e olhado para a variedade de meios therapeulicos alternativamente elogiados e re- jeitados, deixará de admirar-se de como homens, que tem observado a moléstia em uma mesma época, que tem reconhecido a identidade das lesões anatô- micas mais communs e características, que a tem encarado pela mesma forma, tenham todavia emit- tido pensares tão diversos sobre a sua therapeulica. Que em quanto, por exemplo, os médicos ameri- canos e inglezes proclamam as virtudes dos purgati- vos, sobretudo dos calomelanos, ^è-se estes meios falharem em outras mãos, e serem mesmo julgados nocivos e prejudiciaes por acarretarem o augmento e exasperação dos symptomas da lesão do apparelho digestivo. Que em quanto o Sr. De Ilumbold elogia as fric- ções oleosas a pelle, outros práticos as rejeitam como perigosas, oppondo-se ao estabelecimento da trans- piraçáo, que é uma das vias que a natureza mais ve- zes procura para a resolução da moléstia. Que as fricções mercuriaes muito preconisadas por Hush de Philadelphia tem falhado constante- mente em algumas das epidemias que se tem suece- dido em Nova Orleans. Que os banhos e affusões frias aconselhados, como mui proveitosos, por Valentim, Grimaud, Miller, Curie, Prat, e alguns mais, são por outros considera- dos como prejudiciaes quasi sempre, ou só admitti- dos para casos excepcionaes, sendo empregados com as cautelas convenientes. Que os vomilivos aceitos por alguns, como vanta- josos, são por outros completamente banidos, como peiigosose mesmo prejudiciaes sempre, concorrendo para aggravar ainda mais o vomito, já tão constante e obstinado nesta moléstia. Que o ammoniaco elogiado por Bailly e Valentim, como dando resultados felizes e vantajosos, é pelo contrario reprovado pelo Sr. Caillot, por Dévése e alguns outros. — 119 — Que os vesicatorios aconselhados por alguns, como úteis e profícuos, são por outros ou totalmente bani- dos, ou apenas admittidos só até produzir algum es- timulo mais ou menos enérgico (1). Que as sangrias syncopaes e as grandes applicações de sanguesugas ao epigaslrio logo no começo da mo- léstia, como aconselham, entre outros, Rush e o Sr. Catei, medico em Martinica, dizendo este ultimo ter alcançado por este methodo resultados maravilhosos, a ponto de só perder 150 doentes d'enlre 12U2 em que o applicara, são rejeitadas pela mór parte, como prejudiciaes e perigosas quasi sempre, admittindo unicamente a administração da sangria geral no co- meço da moléstia, quando haja phenomenos phlegma- sicos e congcstivos francos, e isso mesmo com toda a circumspecção possível (2). Que o sulphato de quinina que tantos apologistas conta de seu lado, sobretudo entre os médicos das colônias francezas, os quaes dão tanta importância ao seu emprego que ao mais fraco signal de remissão o administram em largas doses, não deixa de ter an- tagonistas poderosos, apezar dos brilhantes louros que tem alcançado. Emfim seria um nunca acabar, si quizessemos ex- por todas as discordancias que se encontram nas (I) Os maus resultados do emprego dos cáusticos nesta moléstia foram reconhecidos desde muito; porquanto, no primeiro escripto que sobre ella appareeeu, o de João Ferreira da Rosa, já este dislineto observador se pro- nunciava contra sua applicação em toda e qualquer cireumsiancia, tanto pelo resultado de sua experiência, como pelos princípios que tinha acerca de sua maneira de obrar, embora soubesse que outros práticos os empregavam ; pois que, mesmo nn pratica dos outros, nunca no'ou que produzissem effeito vantajoso, parecendo-llio que só se salvavam aquelles doentes em que a mo- léstia era benigna, e desnecessário se tornava recorrer á meio tão violento. Vede obra eiOda — duvida IO.a, pag ! íl e seguintes. (2) A sangria repetida e um dos meios muito elogiados pelo distineto pra- tico ha pouco citado Elle a aconselha nos primeiros dias nos homens fortes e vigorosos, assim como havendo alguma evacuação supprimida Seguindo este methodo, diz-tios elle que raras vezes observou, nos seis ;mnos por que já durava a epidemia quando escrevia a sua obra, perigar doente algum; e acerescenta que a sangria do braço aproveitava quasi sempre; que a do pé, pelo contrario, pouco ou nada produzia, notando-se que morria grande nu- mero de doentes em que era ella applicada. Obra citada, duvida 2.», pag.—05,—disputa 2.» - no — opiniões dos autores sobre os differentes meios the- rapeuticos propostos para o tratamento da febre amarella; mas, não nos fazendo cargo de historiara moléstia considerada de uma maneira geral, e sim de expormos o que entre nós se passou, pararemos aqui, circumscrevendo-nos aos limites que nos im- posemos neste opusculo, e dando uma noticia con- cisa do procedimento dos médicos do llio de Janeiro na crise fatal porque passámos, o da therapeutica que entre nós foi geralmente seguida. Quem allcndcr para o que havemos dito, quem souber que era a primeira vez que grassava uma mo- léstia epidêmica tão cruel nesta cidade, que os mé- dicos brasileiros avisados, como estavam pelo estudo dos acontecimentos occorridos em outros paizes, da discordância de pensares dos differentes observado- res, que tinham tratado desta moléstia, acerca dos meios mais apropriados a obslar a seus estragos; que sabendo, além disto, que os meios reclamados para o tratamento de uma moléstia epidêmica variam se- gundo muitas circumstancias, não aproveitando as vezes em duas epidemias idênticas, occorridas em uma mesma localidade, mas em época diversa, de- viam de necessidade também não confiar plenamente nos applicados em localidades differentes, não dei- xará de reconhecer que alguma hesitação deveria ha- ver, no começo da epidemia, sobre "a escolha dos meios therapeuticos adequados, e que, no meio desse cabos, não seria muito fácil, a não se marchar sem a circumspecçáo necessária, seguir logo um systema de tratamento qualquer, sobretudo sem ainda se ter conhecimento dos meios de que o grande mestre da sciencia em taes casos, a natureza, servia-se para operar a resolução do mal. Então viu-se appareccr algumas opiniões mais ou menos exageradas, ora proclamando-se, como van- tajosas as depleções sangüíneas geraes e locaes, ora bamndo-as completamente como prejudiciaes e fa taes aos doentes, ora preconisando-se estes ora aquelles meios, opiniões que, pode-se dizer', não — 12t — eram baseadas nos factos e observações entre nós occorridos, porque ainda mui poucas eram nessa occasião para motivarem uma crença qualquer; mas fundadas unicamente em princípios adquiridos na leitura de factos passados em outros paizes; opiniões emfim de que alguns mal intencionados se aprovei- taram para chegarem á seus fins, embora com o sa- crifício e immolação de muitas victimas, fazendo prevalecer a idéa de que os médicos estavam em contradicção de princípios, e não conhecíamos meios de livrar os doentes de seus males. Mas, desde que a natureza traçou-nos o caminho que se deveria seguir no tratamento da moléstia, então fácil se tornou achar as indicações therapeuti- cas convenientes, e viu-se quasi todos os médicos convergirem para um só pensamento, e seguirem a senda que lhes era indicada por ella. Vimos todos, com pequenas excepções, reconhe- cerem que, sendo os meios de resolução indicados pela observação dos factos, os suores copiosos, as evacuações, e algumas vezes epystaxis mais ou me- nos abundantes, reduziam-se as indicações thera- peuticas a estabelecer e activar a transpiração, pro- mover as evacuações, e recorrer ás emissões sangüí- neas geraes e locaes com a prudência e cautelas que exigia a natureza do mal. Essa foi a pratica por qua- si todos abraçada no primeiro periodo da moléstia, e com a qual, quando seguida com methodo e cir- cumspecçáo desde seu principio, se conseguiu fazel-a terminar no 1.° periodo. Mas, desde que ella passa- va aos outros períodos, então necessário era recor- rer a outros meios que as circumstancias especiaes reclamavam, empregando, por assim dizer, a medi- cina symptomatica, única talvez que por ora se tem mostrado mais profícua no tratamento da febre amarella. E, ou fosse devido á uniformidade das vistas the- rapeuticas, ou á benignidade do nosso clima, pode- mos sem ostentação nem orgulho avançar, que si não fomos dos médicos mais felizes no tratamento 10 — 122 — desta terrível moléstia, também não fomos dos me- nos, em vista dos estragos por ella causados em ou- tros paizes, apezar das difíiculdades com que lutá- mos pela permanência das causas que sobre nós aduavam, e que se não puderam remover, algumas talvez por falta de vontade, dependendo umas da falta de hygiene publica, e outras da nenhuma poli- cia medica que ha entre nós. E esta foi sem duvida uma das causas, que mais contribuiu para a mor- tandade observada nesta cidade, a qual seria sem duvida diminuída de um quarto, si tantos homens, sem as mais pequenas habilitações, não andassem nessa occasião por ahi a exercer a medicina, e a ma- tar ou deixar morrer, sem recurso algum, quantos lhes cahiam nas mãos. Em conformidade pois com os princípios acima expostos, logo que os primeiros incommodos se ma- nifestavam, tratava-se de provocar o suor pelos po- diluvios quentes, pelas infusões deborragem, de flo- res de sabugueiro, de cascas de limão, pelo acetato de ammoniaco, pelo aconito, pelas bebidas nitradas dadas com profusão, e pelos banhos de vapor. Nós empregámos quasi sempre o aconito, e as bebidas nitradas, usando do cosimento anti-phlogistico de Stoll, ou de uma infusão de borragem com alta do- se de nitro; aquelle, si os phenomenos de reacção eram intensos, e não havia suor algum; e estas, quando o suor já se tinha estabelecido, e a pelle não era muito árida: e, em abono da verdade, diremos que o aconito nos pareceu sempre obrar com muita energia e rapidez, provocando copioso suor, dimi- nuição da dôr de cabeça, e calma sensível no movi- mento febril. As vezes, porém, estes meios não eram bastantes para desafiar a transpiração, por que as forças con- centradas ou por congestões para órgãos parenchy- raatosos, ou pelo predomínio de phlegmasias inter- nas a isso se oppunham, em quanto não eram estas combalidas por meios adequados. Então alguns prá- ticos recorriam á sangria geral, si a dyspnéa, ancieda- — 123 — de, agitação, oppressão precordial, ou phenomenos característicos de desordens cerebraes existiam, ou ainda á applicação de sanguesugas no ânus e epigas- trio, si o ventre era doloroso, tenso, e concorria uma congestão do figado, E forçoso é confessar que a sangria geral aprovei- tou em muitos casos graves, embora certos médicos sustentassem a opinião contraria, dando-a como causa de alguns resultados funestos ; porquanto, em nosso pensar, alguns accidentes graves que parece- ram succeder-se á sua administração foram antes, ora o effeito de uma simples coincidência dependen- te da própria intensidade do mal, ora de sua appli- cação inopportuna, como, por exemplo, quando es- ta tinha lugar depois do primeiro paroxysmo febril, ou passado o periodo de reacção; porque então con- cebe-se perfeitamente que, em vez de útil, devia ser necessariamente prejudicial; mas isso não podia ja- mais servir de norma para aproscripção da sangria. Além disto, quantos casos fataes não oceorreram nos doentes tratados por outros methodos com ex- clusão da sangria, e quantas vezes no meio das me- lhores esperanças não se via suecumbir de súbito um doente subjeito á esses tratamentos. E por ven- tura alguém os aceusou do máo êxito que se lhes se- guiu? De certo que não, e sim a própria malignida- de da enfermidade. Enão vimos nós alguns médicos, que em todos os casos sem excepção, e as vezes sem absoluta necessidade, empregaram a sangria na in- vasão da moléstia? E por ventura foram elles muito menos felizes no seu tratamento? Sem duvida que não, porque nos casos simples todos os meios apro- veitaram, dando só em resultado uma convalecença mais ou menos longa, como quasi acontecia a todos os doentes que eram sangrados. Em quinhentos e tantos doentes que tratámos, ha- vendo mais de oitenta atacados gravemente, nunca empregámos a sangria, porque mesmo nos graves, ex- cepto em três, sempre encontrámos contra-indica- ções para ella. Nesses três, porém, que se achavam, — 12 í — em nossa opinião, nas condições que a reclamavam, não nos foi possível pôl-a em pratica pela obstinação com que sempre elles a recusaram, pretextando que morreriam, em virtude dos falsos preconceitos do que estavam embuidos pela leitura dos jornaes da época: e todos três foram victimas de sua recusa, o que talvez não acontecesse, si se tivessem subjeitado ao meio que lhes propúnhamos. Quanto as bichas applicámol-as por muitíssimas vezes neste periodo, sobretudo no ânus, quando phe- nomenos sympathicos cerebraes existiam, assim como quando se davam phenomenos francos de uma gas- tro-enterilis, quer a moléstia se apresentasse com ca- racter benigno, quer grave, montando talvez em me- tade o numero dos nossos doentes em que as empre- gámos : e não tivemos nunca de arrepender-nos de seu uso, nem o numero dos doentes que perdemos foi grande, como logo veremos. Conseguida que fosse a transpiração, eram empre- gados os laxalivos, d'enlre os quaes mereciam prefe- rencia o óleo de ricino, as limonadas de cremor de tartaro, as de cilrato de magnesia, a magnesia calci- nada, c o sal d'Epson, segundo o capricho dos doen- tes, e o estado das vias digestivas, escolhendo-se sem- pre os mais brandos, si havia sede intensa, vômitos e outros symptomas, que denotavam grande susce- ptibilidade para o estômago. Si os vômitos eram muitos, si o doente não conser- vava os líquidos no estômago, então tornava-se in- dispensável recorrer ao emprego dos clysleis laxati- vos mais ou menos enérgicos e irritantes, nos quaes entrasse o sal de cosinha, o óleo de ricino, o tartaro emetico, o electuario de senne, a herva de bicho, etc. Esta ultima sobretudo convinha, quando havia estupor, dôr intensa de cabeça, desarranjos dainner- vação com tendência ao coma, e bem assim quando havia difficuldade de urinar, por gozar também de propriedades diureticas. Havendo difficuldade de transpiração, pouca sede, e phenomenos mui pronunciados de embaraço gas- — 12S — tro-intestinal, melhores resultados se conseguiam com o uso do tartaro emelico só, ou em associação com o sal d'Epson; porquanto não só facilitava e activava a diaphorese, como também determinava grandes descargas biliosas, após as quaes notavam-se melhoras sensíveis nos doentes. O tartaro emetico era para alguns práticos o pri- meiro meio de que lançavam mão na invasão da moléstia, não só para provocar a transpiração, como também para promover as evacuações; e cumpre confessar que não deixou de ser um meio vantajoso em muitas circumstancias, fazendo como que abor- tar a moléstia, quando empregado nas primeiras 24 ou 48 horas; porém outras vezes sua applicação não foi sem inconveniente, sobretudo quando havia vô- mitos obstinados, e predominavam phenomenos ner- vo-asthenicos, porque então pareceu contribuir para aggravar o mal dos doentes, e tornar mais critica sua posição, augmentando a prostração que se lhes notava. Nós tivemos occasião de applical-o muitas vezes, depois de estabelecida a transpiração pelos meios já indicados, ou mesmo antes, quando havia pheno- menos de embaraço gástrico, mormente nos pretos, e, com prazer o dizemos, obtivemos nestas circum- stancias sempre excellentes resultados. Algumas vezes acontecia que certos doentes ti- nham vômitos obstinados, e rejeitavam todos os lí- quidos, ainda mesmo depois de estabelecidas as eva- cuações, vômitos que existiam desde a invasão da moléstia. As ventosas seccas e sarjadas ao epigastrio, as be- bidas geladas ácidas, o acetato de morphina, o elixir paregorico da Londinense, assim como as poções gommosas com água de louro cereja eram emprega- das com proveito, fazendo cessar o vomito; as pre- parações opiadas, quando o movimento febril e os symptomas irritativos do estômago eram pouco sen- síveis; e o louro cereja no caso contrario. Algumas vezes também aproveitava o emplastro de theriaga — 126 — sobre o epigastrio, e o sinapismo no mesmo lugar; e este ultimo era as vezes o único meio proíicuo em tal caso. O sulphato de quinina foi também um meio ge- ralmente empregado, e que não deixou de ser muito proveitoso todas as vezes que, desde o principio, a moléstia se patenteou com phenomenos remittenles ou intermittentes mais ou menos bem manifestos; porém não podemos deixar de confessar que alguns abusos commetteram-se na sua administração, em- pregando-o indistinctamente em toda e qualquer cir- cumstancia; porquanto, assim como era proíicuo, e talvez o mais vantajoso meio, para obstar aos pro- gressos da moléstia no maior numero de casos, tam- bém se não pôde desconvir que foi elle prejudicial em muitas condições, sobretudo quando a moléstia caracterisava-se pelas formas algida, syncopal, e do typho ideroide sem remiltencias sensíveis. Isto que acabamos de dizer é em parte confirmado pelo valioso testemunho do dislincto observador, o Sr. Dr. Valladão, quando assim se exprime (1): « Em geral o sulphato de quinina não foi vantajoso no ty- pho ideroide, quanto o foi na febre amarella: a sec- cura da pelle, o estado da lingua, a freqüência do pulso o contraindicavam no primeiro caso, em que melhor aproveitavam os banhos mornos geraes, as limonadas, laranjadas, bebidas nitradas, e os bran- dos laxantes durante o segundo periodo : no terceiro periodo, porém, maximè no estado adynamico ou ataxo-adynamico, recorria-se com proveito aos tô- nicos, água vinhosa, água de Inglaterra, cosimento anti-febril de Lewis, e clysteis do cosimento de quina e valeriana com julepo de camphora. » Nós sabemos que os médicos das Antilhas seguem a pratica de, logo que apparece a remissão do 1.* periodo, prescreverem o sulphato de quinina se- gundo o preceito estabelecido, cremos que pelo Sr. (1) Trabalho estatístico citado. — 127 — Barbe; porém não nos podemos conformar com um tal proceder; por quanto esta remissão muitas vezes nada indica relativamente ao caracter da moléstia, não é mais do que o signal da passagem para o 2.° periodo, e o prelúdio da queda das forças, como tive- mos muitas occasiões de observar na epidemia por- que passámos, acontecendosobrevir, logo a primeira applicação do sulphato de quinina, o vomito negro, não porque elle o determinasse; mas sim porque a matéria do vomito já existia depositada no estômago, e só necessitava para a sua expulsão o agente provo- cador, que era nesse caso a ingestão do sulphato. Sem pensarmos entretanto como o Sr. Joubert « que quando o sulphato reprime a moléstia desde seu 2." periodo, ficam quasi sempre duvidas sobre a natureza da febre que se tinha a combater, e que quan- do falha aggrava de mais a mais a moléstia >? não po- demos deixar todavia de encarar como mui judicioso o pensamento que elle exprimiu no relatório que fez sobre a epidemia da febre amarella, que em 1843 desenvolveu-se na fragata franceza de vapor Gomer em Pensacola, dando conta do tratamento que em- pregara com brilhante resultado, tendo só 17 mortos sobre 160 doentes. « Todo o valor do tratamento consiste, a nosso vér, na opportunidade das deple- ções sangüíneas e sua quantidade, no emprego judi- cioso dos laxativos e diureticos, emfim na opportu- nidade e modo de administração do sulphato de quinina. » Taes foram em resumo os meios em geral empre- gados pelos clínicos desta cidade, com algumas mo- dificações, devidas ás condições especiaes da molés- tia, no seu 1.° periodo, e aos quaes as mais das vezes ella cedeu, deixando de passar aos outros, si os doen- tes recorriam com tempo aos cuidados do medico, e eram-lhes elles applicados com perseverança, me- thodo e regularidade. Algumas vezes entretanto, so- bretudo nos estrangeiros não aclimados, e naquellas pessoas subjeitas á enfermidades chronicas, ou do- tadas de uma constituição deteriorada por vicios e - 128 - excessos de todo o gênero, ou mesmo em algumas que se não achavam nestas condições, apezar de to- dos estes meios serem postos em pratica desde os primeiros incommodos, as lesões progrediam, e so- brevinham os symptomas especiaes aos outros pe- ríodos. Então redobravam as difficuldades de encami- nhara moléstia para uma feliz resolução; a posição do medico se tornava cada vez mais difficil, attenla a variedade com que em um mesmo indivíduo se apresentavam os symptomas característicos destes períodos, a rapidez de sua marcha, a reciproca subs- tituição das diversas formas symptomaticas aponta- das, e as modificações que por isso se era obrigado a cada momento fazer nos meios therapeuticos em- pregados. Entretanto em geral a pratica seguida pela mór parle dos médicos, e aquella que melhores re- sultados trouxe foi a que vamos expor, fundada toda no caracter especial dos symptomas preponderantes. Apenas apparcciam os phenomenos precursores do 2.° periodo, fosse o ventre sensível ou não, recor- ria-se á applicaçáo de ventosas sarjadas ao epigas- trio, bebidas evacuanles, usando uns dos calomela- nos, outros das águas magnesianas, outros das limo- nadas de ei trato de magnesia, visto que o estômago supportava então menos os outros taxativos de que fizemos menção. Usava-se também dos clysteis mais ou menos activos, para despertar o movimento pe- ristaltico dos intestinos, e obstar aos anti-peristalti- cos, para os quaes tanta tendência havia neste perio- do da moléstia. Corp este tratamento, com o uso das bebidas gela- das, o emprego da água de louro cereja, sulphato de quinina, e outros meios aconselhados pelo estudo e apreciação dos phenomenos geraes, ainda se conse- guia muitas vezes fazer parar os progressos da mo- léstia, e o doente restabelecer-se com mais ou menos promptidão. Outras vezes, entretanto, nenhum êxito favorável se alcançava do emprego de similhanles meios; amo- — 129 — lestia continuava em seus progressos, easituacão do medico e a do doente tornavam-se mais criticas: ne- nhuma regra fixa era possível estabelecer na escolha da therapeutica, por isso que os meios a empregar variavam tanto quanto as modificações phenome- naes que se observavam. Si era o vomito que preponderava, o tratamento variava segundo que o soluço coneorria ou não com elle. No 1.° caso, convinha ainda insistir nos meios já apontados, menos nas bebidas geladas, porque de ordinário despertavam mais o soluço, e augmen- tavam os padecimentos do doente, entretanto que ao 2.° eram tomadas com prazer pelos doentes, e elles mesmos experimentavam com ellas grande al- livio. No caso de existência do soluço tirava-se mais proveito do emprego do ether, das° bebidas opiadas, das fricções com ether ao epigastrio, ou da applica- ção de pannos embebidos no mesmo liquido, dos emplastros de losna, do sinapismo, e em poucos ca- sos do vesicatorio. Quando os vômitos coincidiam com raios de san- gue, ou mesmo com pequenas hemorrhagias, com anciedade, inquietação, &c, recorria-se com algu- ma vantagem ao emprego da tinctura dedigitalise nitro em água distillada, e á applicação de cataplas- mas de linhaça feitas com o cosimento da mesma planta sobre o epigastrio. Asapplicações frias ao ven- tre, as cataplasmas feitas em cosimento de espécies aromaticas, o uso interno das limonadas vegetaes e mineraes, sobretudo as vinagradas, a limonada con- centrada de sueco de limão, e a limonada sulfurica, geladas ou não, assim como os adstringentes, eram os meios mais geralmente applicados contra o vomito preto e hemorrhagico, e aquelles que mais vezes aproveitavam. Entretanto alguns doentes sentiam-se muito incommodados com a suspensão do vomito negro pelo emprego dos adstringentes; e então con- vinha clesafial-os de novo por meio de água morna dada com profusão, e insistir no emprego dos clys- — 130 — leis purgalivos mais ou menos estimulantes, e nas bebidas evacuantes, si o doente as supporlava. O sulphato e valerianato de quinina, as infusões de quina, valeriana, arnica e serpentaria, o cosi- mento anli-febril de Lcwis, a água ingleza, os rcvul- sivos, as fricções estimulantes geraes, a camphora, o almiscar, as bebidas vinhosas, &c, eram ainda úteis nos casos, em que uma intcrmiltencia ou re- mittencia mais ou menos sensível, com ou sem esta- do algido e syncopal, com ou sem phenomenos ady- namicos acompanhava este periodo; os primeiros, sulphato e valerianato de quinina, quando paroxys- mos francos ainda existiam, e não havia tendência ao estado algido; os segundos nos casos oppostos, sobretudo si a algidez ea adynamiaprcponderavam. Com este tratamento empregado methodicamente, e com mais ou menos perseverança, ainda se conse- guiu salvar doentes que pareciam estar condemna- dos á uma morte certa e inevitável pela gravidade dos phenomenos que se notavam. Cumpre, porém, dizer que os revulsivos perma- nentes foram sempre empregados com muita reserva não só pela facilidade com que os pontos por elles oífendidos degeneravam facilmente em ulceracões gangrenosas, como também pela grande suppuração que, de ordinário, suecedia á sua administração, mormente nos casos typhoideos, nos adynamicos e hemorrhagicos, especialmente nestes últimos, em os quaes as vezes não faziam mais do que acerescentar uma nova fonte de perdas de sangue, creando mais um ponto, pelo qual se effeiluavam hemorrhagias passivas mais ou menos abundantes. Si phenomenos ataxicos, como tremor de lingua, delirio, phrenesi, sobresaltos de tendões, convulsões, &c, caraclerísavam este periodo da enfermidade, aproveitavam mais as ventosas sarjadas á nuca, as bichas ás têmporas e apophyses mastoideas, o uso dos banhos tepidos geraes, das fricções á espinha com a pommada de belladona e louro cereja, o uso interno destas substancias em doses proporcionadas — 131 - á violência dos symptomas, asbebidas refrigerantes, as applicações frias á cabeça, os sinapismos repeti- dos aos extremos, e os clysteis mais ou menos esti- mulantes. Si, como mais ordinariamente acontecia comas pessoas de avançada idade, preponderava o estado comatoso, recorria-se aos clysteis irritantes, aos purgativos enérgicos, ao tartaro em lavagem, ás ven- tosas sarjadas na nuca e lados da espinha, aos revul- sivos aos extremos e á nuca, além de outros meios reclamados pelas condições dos doentes; porém convém confessar que, em taes casos, pouco apro- veitavam os meios empregados, quaesquer que elles fossem, c que a moléstia quasi sempre terminava fatalmente. No caso de coincidir a moléstia, ou antes caracte- risar-se por phenomenos typhoideos, convinha so- bretudo insistir no emprego das ventosas sanadas ao ventre, das bichas no ânus, dos laxativos brandos repelidos, dos banhos geraes feitos com o cosimento das cascas do páu Pereira, do sulphato de quinina, dos tônicos diíífusivos, das applicações camphoradas-, conforme a natureza especial dos symptomas obser- vados. Os banhos frios por emborcação, affusão, e irriga- ção constituiram lambem um precioso meio de tra- tamento empregado em casos desesperados e gravís- simos. Foram applicados no hospício do Livramento, Bom Jesus, Pedro 2.° e também segundo cremos na casa de saúde do nosso collega o Sr. Dr. Peixoto, hospital de marinha, &c, e por alguns médicos na clinica particular. A este respeito, diz o Sr. Dr. Valladão o seguinte: « O meio, entretanto, com que se pôde ainda salvar a quinta parte dos doentes cm tal estado desespe- rado (referia-se ao terceiro periodo) foi o emprego das affusões de água fria, segundo o methodo do Dr. Curie. Observou-se depois desta applicação umas ve- zes o pulso diminuir de freqüência, a pelle tornar-se Ipjmida, e mesmo cobrir-se de suor, que se favorecia — 132 — por bebidas diluentes e diaphoreticas, seguindo-se depois uma calma de todos os symptomas, a qual era logo aproveitada para a administração do sulphato de quinina; outras vezes pouco ou nenhum allivio experimentavam os doentes com a primeira affusão, e era mister repetil-a segunda e terceira vez com in- tervallo de algumas horas, si o estado da pelle e do pulso o permittia. » « Infelizmente deixou-se de recorrer em muitos casos á esta applicação por contraindical-a a peque- nhez do pulso, o suor ou a diminuição da tempera- tura da pelle, e o estado algido e adynamico. Na for- ma typhoica foram também proveitosas as affusões frias antes de se manifestarem os symptomas adyna- micos. A somnolencia, os sobresaltos de tendões, e as convulsões as não contraindicavam, antes com ellas moderavam, ou mesmo cediam algumas vezes. Não convinham, porém, quando havia dyspnéa, so- luços, e diarrhéa. » Os Srs. Drs. Lallemand e José Mariano da Silva, médicos no lazareto do Bom Jesus, em sua exposição feita ao Ex.mo Sr. Provedor da Santa Casa da Mizeri- cordia, referindo-se a este ponto, diziam o seguinte: « empregamos as emborcaçóes de água fria de diffe- rentes maneiras em casos bastantemente graves, e attribuimos a salvação de alguns doentes a este meio energico(l). » Daqui se collige que ellas aproveitavam em todas as formas da moléstia, menos nas algida, syncopal, e cholerica, sobretudo quando já havia phenomenos adynamicos em campo. Foram estes em geral os meios therapeuticos ap- plicados pela generalidade dos práticos do Rio de Ja- neiro, com esta ou aquella modificação, segundo as condições particulares da moléstia, e a predilecção de cada medico para este ou aquelle meio de preferen- cia a qualquer outro. Resumindo, pois, quanto havemos dito, temos para (1) Jornal do Con-.mcrtio de 12 de fevereiro de 1850, — 133 - o começo da moléstia o uso dos diaphoreticos com o fim de promover o suor, e depois dos diluentes e temperantes, com ou sem emissões sangüíneas, para debellar o erethismo ou orgasmo phlegmasico do primeiro periodo; e logo após o emprego dos eva- cuantes para desafiar as evacuações, e os anti-perio- dicos havendo remissões mais ou menos bem paten- tes. No segundo periodo o emprego das ventosas sar- jadas e das sanguesugas nos pontos mais atacados, e que eram o assento de congestões ou irritações in- tensas ; das bebidas ácidas, geladas ou não, dos clys- teis irritantes, dos evacuantes, das bebidas nitradas, da água de louro cereja, das bebidas opiadas e ethe- reas, das fricções á espinha com a pommada de louro cereja ou belladona, dos banhos mornos emollientes ainda, ou tônicos, dos adstringentes internamente, da quinina, dos tônicos diffusivos, dos revulsivos aos extremos, e mesmo sobre o estômago, segundo a Ín- dole e natureza especial dos phenomenos que pre- ponderavam. No terceiro periodo, os mesmos meios e os banhos frios, quando o estado do pulso e do calor o permilliam. » Agora, si procurarmos comparar o que temos ex- pendido acerca do tratamento da febre amarella, que é o mesmo em geral aconselhado na mór parte dos escriptos dos modernos, modificado pelo estudo e observações próprias dos médicos do paiz, veremos que o tratamento actualmente aconselhado para com- bater a febre amarella, pouco se affasta do indicado, como mais proíicuo contra esta terrível moléstia pelo maior numero dos médicos da antigüidade, salvos os aperfeiçoamentos trazidos pelos progressos dos conhecimentos chimicos e pharmacologicos da nossa época; porquanto nenhuma das applicações que se tem querido apresentar como innovações deixam de se achar indicadas nos escriptos dos antigos. E a prova mais convincente do que acabamos de dizer encontra-se na leitura do primeiro trabalho que se conhece sobre a febre amarella, e do qual já temos fallado por mais de uma vez, que vem a ser, - 134 — o do medico portuguez João ferreira da Rosa, tra- balho onde esse distincto observador mostra sua vasta erudição, e grande somnia de conhecimentos para a época em que escrevera. Ahi já se acham for- muladas as bases do tratamento da febre amarella, tal como é hoje seguido. Vê-se que este pratico recommenda a sangria no principio da moléstia, os ácidos vegetaes e outros re- frigerantes; os purgantes, havendo grande alteração de sangue, ou sendo pouco robustos os doentes, e para a declinação da moléstia. Que aconselha as sanguesugas ao ânus nos indiví- duos pouco robustos, em que não é possível insistir na sangria, nos que soffrem do figado, baço e mesen- lerio, assim como nos ameaçados do phrcnesi; as ventosas seccas ou sarjadas em todos os períodos da moléstia, dando-lhes preferencia ás bichas. Que reprova o uso dos cáusticos em toda c qual- quer circumslancia pelos seus maus resultados, e aconselha o emprego dos temperantes, anodinos, e narcóticos internamente e em clysteis em vários ca- sos, devendo os narcóticos ser applicados só em con- dições muito urgentes. Que prescreve combater o coma e lethargo pelos mesmos meios que o delírio e phrenesi, a saber, pelas sanguesugas no ânus, ventosas seccas e sarja- das na nuca, clysteis purgativos e excitantes a miú- do, revulsivos temporários feitos com substancias differentes, esternutatorios, e outros meios em rela- ção com as lheorias de sua época. Que, tratando da sede intensa e da seccura da bo- ca, aconselha combatel-a com os refrigerantes, com o sueco das fruclas ácidas, e sobretudo com as vina- gradas, que são o seu remédio por excellencia. Que, fallando do vomito, do soluço, dôr no estô- mago, etc, insiste no emprego das ventosas sarjadas ou seccas no epigastrio, das fomentações com o óleo de losna no mesmo ponto, e das limonadas de vi- nagre. Que, finalmente, referindo-se ao estado syncopal, — 135 — preconisa as limonadas vinhosas, os tônicos diver- sos, os linimentos feitos com substancias aromaticas para friccionar a região precordial e outros lugares, as ventosas seccas no mesmo ponto, os epithemas excitantes, etc. (1). Agora, si ainda consultarmos outros escriptores antigos, reconheceremos que Lind, medico Inglez, em sua obra intitulada — Ensaio sobre as moléstias dos europeus nos paizes quentes — publicada em 1777, aconselha em primeiro lugar a sangria, e de- pois os evacuantes por cima e por baixo, os antimo- niaes com associação do ópio, em pequenas doses, para promover a transpiração, os banhos geraes, e para o fim da moléstia a quina, o almiscar, cam- phora, etc. Que Valentin e Grimaud já preconisam, como úteis e vantajosos, os banhos e immersões n'agua fria para combater a febre amarella, etc, etc. Que portanto certos meios que se tem apregoado como innovações, e como o resultado da marcha progressiva da scien- cia, taes como, o emprego do sulphato de quinina, a preferencia das ventosas sarjadas, o uso dos ba- nhos frios e outros, não constituem novidades, por- que em substancia são a mesma cousa queos antigos aconselhavam, e preenchem as mesmas vistas thera- peuticas. A única differença que ha é só a que re- sulta do aperfeiçoamento devido aos progressos da chimica e cia pharmacologia moderna, assim como do conhecimento mais exacto da acção dos differen- tes meios empregados, e da occasião mais opportuna para sua applicação. Ainda mais reconheceremos que o tratamento, que por ora mais vantajoso se mostra na febre amarella, particularmente nos últimos períodos, é certamente o fundado na Índole especial dos symptomas. Nem de outra maneira poderá ser, em quanto for desconhe- cida a natureza intima da causa que a produz. Seria agora occasião de expormos algumas parti- (1) Lede a obra citada—2.a parto da pay. 65 cm diante. — 136 - eularidades acerca do tratamento seguido pelos diffe- rentes práticos, afim de melhor comprovarmos o ue avançámos no começo deste artigo; porém guar- ar-nos-hemos para o fazer no artigo sobre a morta- lidade, limitando-nos aqui a dizer alguma cousa so- bre um meio, que para o fim da epidemia foi lem- brado pelo Sr. Dr. Lacaille, e empregado por alguns práticos para combater o vomito negro: queremos tratar do bi-sulphito de cál. O Sr. Lacaille, tendo reconhecido pela analyse do sangue dos febricitantes a presença de um ácido, emprehendeu, fundado nas experiências de Milscn sobre as propriedades do bi-sulphito de cál, fazer algumas observações acerca do emprego deste sal no tratamento da moléstia. Os primeiros experimentos tiveram lugar em seis casos, alguns dos quaes gra- víssimos, e um delles com vomito hemorrhagico : e os resultados obtidos foram sem duvida vantajosos e animadores. Logo depois o Sr. Dr. Antônio da Costa o empregou com bom êxito em dous casos, um de vômitos escuros, e outro de tal intolerância gástrica que o estômago não conservava remédio algum. O Sr. Dr. Lacaille teve ainda occasião de usar delle com proveito em um caso de vomito negro bem caracte- risado, e o Sr. Dr. Cruz Teixeira em outro idêntico no hospital da ordem 3.* de S. Francisco de Paula (l). Não duvidando que o bi-sulphito de cál possa ser muito vantajoso no tratamento da febre amarella para combater o vomito negro, todavia cremos que os factos referidos são por ora mui poucos, para dar- mos a este remédio a superioridade sobre outros aconselhados contra tão terrível moléstia; porquanto, além de só se dar a existência do vomito negro em dous casos, nesses mesmos recorreu-se, como se pôde vêr no corpo das observações transcriptas na Gazeta citada, ao emprego de outros meios poderosos, que em iguaes circumstancias aproveitaram as vezes. Á isto accresce que o vomito negro, como tivemos oc- (1) Lede os números 10, 11, 12 e 20 da Gania dos llospitaes 18!J0. — 137 — casiáo denotar muitas vezes, e como mui bem o disse o Sr. Dr. Saules, cessava logo que suspendia-se toda a medicação, ou fosse sua extincção devida aos pró- prios esforços da natureza, á acção dos purgativos então empregados, ou fosse emfim devido á sua substituição por evacuações de matérias similhantes ás do vomito, espontâneas ou provocadas pelos eva- cuanles (1). CAPITULO XI. DA MORTANDADE NO RIO DE JANEIRO, E SUA PROPORÇÃO RELATIVAMENTE AO NUMERO DOS ATACADOS. Cousa alguma seria, por certo, de mais alta impor- tância e interesse do que esta parte do nosso traba- lho, si por ventura chegássemos a determinar com exactidão a mortandade que houve nesta cidade, as- sim como o numero de pessoas atacadas pela febre epidêmica; porque então ser-nos-hia fácil, de um lado, desmentir os boatos exagerados que aqui e na Europa (2) se espalharam acerca da mortandade ha- vida nesta corte, e, de outro, comprovar o gráo de (1) Estava já escripto este artigo, quando nos veio á mão a Gazeta dos Hos- pitaes de 1 de fevereiro deste anno, na qual deparamos em uma nota escri- pta pelo nosso collega o Sr. Dr. Antônio José Peixoto, referindo-se a dous casos de febre amarella que ultimamente tinham apparecido na sua casa de saúde, com o seguinte trecho, que nos apressamos a transcrever. « O pri- meiro succumbiu no dia 16, quatro dias e duas horas depois de sua entrada ; o segundo morreu no dia 21 , isto é, nove dias e três horas depois da en- trada. Em ambos empreguei o bi-sulphito de cal, tão preconisado nestes úl- timos tempos, e que julgo completamente incfticaz, não por ter sido inútil ou de nenhum effeito nestes dous casos, porém por me ter falhado em mais de trinta doentes, em os quaes o empreguei durante a epidemia. » (2) « As ultimas noticias do Rio de Janeiro, datadas de 29 de março, an- nuuciain que naquella época a intensidade da febre amarella tinha apenas diminuído no Rio de Janeiro, contando-se ainda na cidade mais de 2U0 ful- Jecimentos por dia. » Gaiette JHedicale de 6 de julho de 1830. 18 — 138 - importância da salubridade do clima do Rio de Ja- neiro, e mais uma vez mostrar que as epidemias, si não encontram nelle obstáculo a seu desenvolvi- mento c intensidade, pelo menos acham um modi- ficador importante, que diminue consideravelmente sua perniciosa influencia, em vista do que se observa em outros paizes. Pois parece-nos fora de toda a du- vida que nenhum paiz ha, em o qual uma epidemia de febre amarella tão intensa e geral, como aquella que grassou nesta cidade, menor numero de victi- mas tenha feito, segundo se collige da historia das epidemias que tem reinado em diíTcrentcs tempos cm outras partes. Mas, quem conhece as difficuldades com que se luta entre nós para se alcançar alguma cousa, quem está ao facto do estado da nossa sociedade, quem sa- be, além disto, dos embaraços e difficuldades que ha a vencer na formação de um trabalho deste gênero, mesmo em paizes mais bem montados, e nos quaes as questões desta ordem são estudadas com todo o cuidado e critério, não deixará sem duvida de ava- liar logo quantas faltas e defeitos se deverão encon- trar nesta parte do nosso escripto, e com quantas dif- ficuldades não lutámos, quanto tempo não gastámos para podermos conseguir fazer este trabalho, assim mesmo imperfeito como é: por isso acreditamos que seremos relevados das faltas que por ventura nelle se encerrem, e que confessamos serem muitas. Para obviar aos muitos e grandes defeitos e incon- venienles que deveriam de necessidade resultar da imperfeição c confusão dos documentos, que seni- ram de base á composição deste artigo, seguimos um methodo, que nos pareceu ser o mais apropriado para chegarmos á conclusões mais aproximadas do gráo de exaclidáo naquillo que vamos expor. Assim apresentamos: 1.° o resultado das estatís- ticas das enfermarias da Mizericordia: 2.° dos diver- sos estabelecimentos particulares: ^.° dos hospitaes militares: i.° finalmente da clinica particular daquel- les collegas que se dignaram acceder ao nosso pe- — 139 — dido, enviando-nos um resumo sobre os factos de sua clinica. Feito isto, expomos a relação numérica dos enterramentos feitos nos cemitérios e nas diffe- rentes igrejas; e, da proporção dos mortos para a dos atacados nas estatisticas referidas, avaliamos para os das estatisticas não conhecidas, e da propor- ção geral dos mortos deduzimos a dos atacados (l). Conhecemos que o calculo por esta forma é muito imperfeito, e nunca poderá dar resultados evactos; porém não deixamos também de conhecer que era o único meio, pelo qual podíamos chegar á conclusões mais aproximadas da exadidão, uma vez que nos faltavam todos os esclarecimentos e dados indispen- sáveis para podermos chegar á conclusões rigorosas e exactas. Acompanharemos algumas das estatisticas aqui apresentadas de uma breve noticia acerca da thera- peutica empregada nos doentes a que ellas se refe- rem, para melhor se poder avaliar do gráo de apro- veitamento de cada um dos methodos de tratamento, e certificar a exactidáo do que avançamos no artigo sobre o tratamento da moléstia. CLINICAS DOS DIVERSOS HOSPITAES. Curados. Mortos. Total. Nas enfermarias da Mizericor- dia trataram-se durante a epide- mia 2086 doentes.....1050 1030 2086 Estrangeiros diversos . . 1GÍ5 Nascidos no Brasil . . . 174 Africanos......191 Sem declaração de nacio- nalidade .....76 (1) Dever-se-ha entender que nos referimos á mortandade nas 8 fregue- zias da cidade e no porto do Rio de Janeiro que foi unicamente onde a epi- demia grassou com mais força, pois que, além de não se desenvolver em muitas das de fora, naquellas em que appareceu pouco estrago causou, não chegando talvez nem a lbO o numero das victimas que ella por ahi fez . — no — Curados. Mortos. Total. 1050 1036 2086 Morreram—dos estrangei- ros.....890 » dos africanos . 52 » do paiz e sem de- claração (1) . . 76 Hospital da ordem 3.a de S. Francisco de Paula, do 1.° de ja- neiro ao ultimo de maio, trata- ram-se ...... 122 111 11 122 Estrangeiros.....121 Nascidos no paiz ... 1 Hospital dcS. Francisco da Pe- ndência ....:. 167 149 18 167 Estrangeiros.....139 Nascidos no paiz ... A Africanos.....2í E medico de ambos o Sr. Dr. De- -------- Simonií2!. 1310 1065 2375 (1) Pela resumida exposição acima feila vô-se que a proporção dos morlos para a dos curados no hospital da Mizericordia, considerada de uma manei- ra geral, regulou quasi 50 por cento, o que sem duvida não admirará, sa- bendo-se, que os doentes entrados para aquelle estabelecimento compunham- se, pela mor parte, daquelles para os quaes se julgavam impotentes todos os recursos da sciencia, e bem assim dos que estavam a morrer ao desamparo em suas casas, e que eram para ali enviados pelas differentes autoridades policiaes; aceresrendo ainda que eram todos das classes mais baixas da so- ciedade, estrangeiros recém-chegados ou não aclimados, e de profissões sub- jeilas á maior influencia das causas epidêmicas como pedreiros, carpin- teiros, feitores, marinheiros, &c. Por isso nada se pôde avaliar acerca do gráo de mortalidade da epidemia pelos resultados clínicos deste estabeleci- mento. (2) Eis um faclo bem notável de differença nos resultados clínicos obti- dos por um mesmo medico; pois que no l.o caso, abstracção feita de qualquer circumstancia, a mortandade está na proporção de 9,01 por cento, e no 2.o—de 10,11 por cento. Qual seria a razão dessa differença? Dependeria do tratamento? De certo que não, e só sim da diversidade de estado e con- dições em que se achavam os doentes. Logo não nos devemos apoiar nos re- sultados de qualquer tratamento para avaliar do mérito e conhecimentos dos nossos collcgas pelo simples faclo da maior ou menor mortandade nos seus doentes, por isso que muitas são as condições capazes de a fazer variar! V. le a respeito a Gazela dos Hospilaes de 1 de junho de 1850, redigida pelo Sr. flr. Saules, a quem somos devedores dos esclarecimentos acerca da c-Mística das enfermidades da Mizericordia. — 141 — Curados. Mortos. Total. 1310 1065 2375 Hospital da ordem 3.a do Car- mo de 6 de janeiro a 24 de junho 130 doentes.......101 18 119 Estrangeiros.....107 Nascidos no Brasil ... 11 Africanos......12 Foram remettidos em princi- pio 11 para o lazareto (1). É me- dico do hospital o Sr. Dr. Bom- pani. Casa de saúde do Sr. Dr. Antô- nio José Peixoto. Do 1.° de janeiro ao ultimo de maio trataram-se. . . . 729 529 182 711 Porluguezes.....506 Nações diversas .... 203 Nascidos no paiz ... 2 Africanos...... 8 Idem do 1.° de maio ao ultimo de julho trataram-se. . . 87 58 29 87 Não se designam as naturali---------------- dades (2). 1998 1294 3292 (1) Do exccllente resumo que nos foi enviado pelo nosso collega tiramos as seguintes notas: 11 doentes foram remettidos para o lazarelo no princi- pio da epidemia : os fallecimentos tiveram lugar cm —6— nas primeiras 24 horas, em - 1 — nas 48—cm 11 — em mais tempo. Os fallecidos entraram todos em estado gravíssimo, e 8 depois de levados a este estado pelo trata- mento homceopalhico. « Relativamente á therapeutica por mim seguida, li- müar-me-hei a dizer que em geral usei dos meios therapeulicos hyposthe- nisantes cardio-vasculares, vasculo cardíacos, venosos, conforme a classifi- cação de Giacomini, escolhendo com especialidade o tartaro, o sulphato de quinina, a água de louro cereja, o aconito, o carbonato de polassa ; o sina- pismo externamente, as ventosas sarjadas e outros meios da mesma natu- reza, segundo as circumstancias pediam. Com isto julgo desnecessário to- mar-lhe ni3is tempo para lhe manifestar, qual c minha opinião a respeilo da sede, natureza ou Índole da febre amarella, opinião que formei, porque vi sanecionada pelas autópsias que pratiquei, e communiquei á Academia Im- perial de Medicina.» (2) Osl8doenles que excedem no numero total do primeiro mappa fica- ram ainda em tratamento quando foi elle publicado. Dos mortos 1 era brasi- leiro-1 africano-79 porluguezes—101 de differentes nações; donde se collige que a mortandade foi muilo menor nos portuguezes que não nos ou- — iH — Curados. Mortos. Total. 199S 1294 3292 Enfermaria de S. Vicente de Paulo trataram-se . . . 2X1 153 12S 2X1 Eram todos porluguezes e foi em- pregada a homceopalhia. Hospital de marinha —Serviço do Sr. Dr. Feital do 1.° de janeiro ao ultimo de marco trataram-se 380—doentes (1). ".....369 11 380 Idem—Serviço do Sr. Dr. Bento de Carvalho e Sousa—de 15 de janeiro a 15 de abril foram trata- dos 163 doentes .....161 2 163 Idem—Serviço do Sr. Dr. Joa- quim José da Silva Pinto—51 doentes (2)........ 51 0 5'i Idem —Serviço do Sr. Fran----- ■- - — cisi o Marciano de Araújo Lima— 2735 1435 4170 tros estrangeiros. 0 pratico a que nos referimos usava sangrar largamente os seus doentes no primeiro periodo, segundo se deduz de um artigo estam- pado no Jornal do Commercio de 10 de fevereiro de 18.10, e urna declara- ção dos cirurgiões da náo Vasco da Gama inserta no de 2.1 de março. Entretanto a mortandade, excluídos os fallecidos nas primeiras 24 ou 18 horas, cujo numero sobe a 103 nas duas estatisticas, e nos quaes não era possível recorrer mais a esse meio por entrarem no segundo c terceiro pe- riodo, se não pode considerar grande, attendeudo a que seus doentes eram pela mor parte estrangeiros não aclimados c homens, cm os quaes a< causas epidêmicas actuam sempre com muito mais força, como sejam os marinhei- ros e os marítimos em geral. Vèdc Jornal do Commercio de 6 de maio c 3 de agosto de 1850. (1) « 0 tratamento foi sempre abortivo no I." periodo, fazendo sangrar os plelhoricos, e os que apresentavam forte ccphalalgia ou rubor das conjun- clivas; e dava logo bebidas sudoriücas e o óleo de ricino. Quando os doen- tes entravam com hemorrhagias, ou quando no hospital passavam a esse esta- do, administrava-lhes limonadas muriaticas ou sulphurieas geladas, c algu- mas vezes cosimento anti-febril de Lewis e sulphato de quinina, empregando semi r > banhos tepidos ou frios. » Annaes Brasilienses de Medicina de março de 1850. (2) Nesta estatística, datada de 2 de março, faz-se menção do 86 doentes, dos quaes 13 foram remettidoí para o lazareto, e 19 ficaram ainda no hos- pital ; por isso os não inclui aqui » Em geral o tratamento a que ternos sub- mettido os nossos doentes tem sido o emprego dos sudorificos e evacuantes, as bebidas diluentes e aciduladas, o óleo de ricino e outras substancias pur- gativas, que as mais das vezes tenho preferido administrar ern clysteis, alteu- dendo ao estado inllammatorio da membrana gastro-intestinal. Igual cuidado — 113 — Curados. Mortos. Total. 2735 1435 4170 até o dia 15 de abril 449 doen- tes (1)........ . 344 23 367 Hospital do corpo de perma- nentes, sob a direcção do Sr. Dr. João José de Carvalho, de 26 de fevereiro a 28 de abril de 1X50, trataram-se 351 doentes. . . 341 1 342 Os nove que faltam no numero dos curados ou mortos ficaram em tratamento na occasião, em que foi apresentada esta estatísti- ca; por isso deixam de ser aqui incluídos (2).--------------- Enfermaria provisória do 1.° 3420 1459 4879 tem presidido ao emprego dos vomitorios. As emissões sangüíneas (em apro- veitado em muitos casos, e quasi que podemos dizer que é a sangria geral um dos melhores meios de cura naquelles indivíduos, em que ella é indicada, a» menos nas primeiras 21 horas da invasão da moléstia. » Estatística remettida á commissão central de saúde publica. (1) Vão excluídos na relação supra 8*2 doentes, a saber 4G—que ficaram ainda em tratamento nesse tempo, 2—que foram enviados para o lazareto, 54—que passaram do mez de abril, segundo se collige dos mappas, masque não sabemos que destino tiveram pela forma porque estão organisados esses mesmos mappas. Vêdc a Gazeta dos Hospilaes de 1 de junho de 1850. (2) « Estas febres, diz o Sr. Dr. Carvalho, tem sua sede no systema cir- culatório, formando algumas vezes congestões no apparelho gastro-hepatico, que compromettem gravemente a vida dos enfermos; mas o tratamento que estabeleci desde a invasão da epidemia tem sido coroado do melhor resul- tado possível, tanto neste hospital, como na minha clinica civil. « <■ O tratamento é o seguinte : na invasão da enfermidade applico infusão branda de folhas de larangeira—duas libras—tartaro stibiado 2 grãos—xaro- pe de folhas de pecegueiro duas onças. Com esta primeira applicação tem-me na maioria dos casos desapparecido a febre; em outros, porém, tem tomado o caracter intermittente, e então applico ò sulphato de quinina em café, ou as- sociado ao sulphato de ferro, com o que se termina o curativo. » 0 illuslre professor denominava a febre epidêmica, febre angiothenica. « Não ignoro, dizia elle, que os symptomas supracitados sejam os mesmos que acompanham a chamada febre amarella das índias Oceiden- que acima se faz menção. O tratamento ali empregado, segundo se deduz de uma nota redigida pelo Sr. Dr Joaquim Vicente Tones Domem, e inseria no n. Ida Guzetn dos flospi taes de 18Í>0, consistiu nos diaphoretieos, ev;icuanle<, -anguesugas ao ânus, ventosas j nuca, revulsivos, rubOucientes, bebidas dilueules e aciduladas, e o sulpha- to de quinina, segundo as circumslancias reclamavam; e em poucos casos a sangria geral. (3; Os esclarecimentos sobre o movimento das enfermarias supra-indica- das nos foram fornecidos pelo nosso amigo c collega o Sr. Dr. Luiz Carlos da Fonseca, medico daquelies estabelecimentos. — 145 — Curados Mortos. Total. 1365 1503 5868 ção — de 19 de fevereiro a 22 de maio de 1850 — sendo mé- dicos os Srs. Drs. Lacaille e Levei— 63 doentes, dos quaes 31 32 63 Nas outras enfermarias, a cargo dos Srs. Drs. Sigaud, Pennel e Antônio da Costa, de janeiro até julho, trataram-se 80 . . 30 50 80 Estrangeiros diversos . . 69 Brasileiros..... 7 Africanos (1). . . . . 1 1126 1585 6011 (1) De um excetlente resumo que a este respeito devemos á bondade do nosso collega o Sr. Dr. Sigaud extrahimos, quanto aos últimos oitenla doen- tes,o seguinte: « Foi a casa de saúde um verdadeiro deposito de cadáveres; pois — dos 50 fallecidos — 24 chegaram agonisantes, e nas primeiras horas da entrada succumbiram, sem que se lhes pudesse valer. Os outros, que suc- cumbiram no quinto dia de sua chegada, já contavam pelo menos dous dias de febre, e os que vieram no primeiro dia da pyrexia com symptomas graves falleceram no fim do segundo septenario Os enfermos que tiveram a sorte de escapar salvos, tiveram três semanas de moléstia ; poucos sahiram no fim do primeiro septenario; três deveram a sua vida ao apparecimento de paro- lidas, que deram uma copiosa suppuração por longo tempo. « Notou-se nos que falleceram o vomito preto com a coincidência de he- morrhagias passivas; só em dous observou-se, no principio da febre, a sup- pressão da urina, e em quasi todos a ictericia fechou a scena pathologica. Em todos os que falleceram os symptomas de lesão cerebral, da phlegmasia aguda da arachnoide prevaleceram. Eram quasi todos homens robustos, re- cém-chegados, capitães de navios ou pilotos, de vida activa, e mesmo ex- travagante. Na mór parte dos doentes os accidentes rudimentarios da febre amarella tornavam-se visiveis desde o primeiro dia ; porém desvaneciam-se no quinto, para serem substituídos por um estado de collapsus, de lypothi- mia e de morte. Esta passagem do pyrexia intensa para um estado de so- cego que se assimelha ao que precede a gangrena deu lugar a grandes en- ganos e fáceis decepções. Houve todavia alguns doentes, que falleceram no meio de convulsões e de gemidos horrendos. Notou-se que a terminação con- vulsiva ligava-se com o terror, que desde o primeiro dia manifestavam os enfermos, terror que é sempre symptoma fatal da enfermidade, segundo a minha observação. » « A forma algida foi encontrada em dez casos; a forma typhoide em três—todos estes doentes eram capitães de navios.— Houve um só caso de forma colérica ; e no maior numero predominou o caracter da febre inter- mittente perniciosa, sobretudo nos últimos dias da epidemia. » « 0 tratamento posto em pratica baseou-se nos diaphoretieos, tintura de aconito, com acetalo de potassa, óleo de ricino ; e depois os calomelanos, o sulphato de quinina, e a água de louro cereja, agentes que se tornaram mais profícuos do que a camphora, a valeriana, e mesmo o tartaro slibiado. Os — 116 - Curados. Mortos. Total. 4Í20 15X5 0011 Enfermaria do Arsenal de Guer- ra até 29 de maio—Serviço do Sr. Dr. Amaro Manoel de Moraes (l). 33 0 33 Enfermaria provisória da Praia Vermelha — Serviço do Sr. Dr. Rego Macedo ."..... 179 2 181 Total. 1638 1587 6225 Resumindo quanto havemos até aqui exposto, te- mus que se trataram nos diversos hospitaes os doen- tes seguintes, dos quaes Curaram-se. Morreram. Enfermarias da Mizeri- cordia ..... . 2086 1050 1036 Ordem 3.:i de S. Francis- co de Paula..... 122 111 II Idem da Penitencia . . 167 149 18 Idem do Carmo. . . 119 101 18 Casa de saúde do Sr. Dr. Peixoto......798 5S7 211 Enfermaria deS. Vicente de Paula......2X1 153 128 Hospital de marinha (2). 904 928 36 4537 3079 1158 purgantes drásticos foram proveitosos nos casos de febre com forma typhoide. A sangria geral praticada no principio da febre, para desvanecer congestões cerebraes, foi fatal aos 4 doentes que delia fizeram uso. • Quanto aos tratados na enfermaria da sociedade de beneficência franceza, diz o nosso collega o seguinte: « Dos 32 fallecidos 5 morreram no dia da entrada- 12 no segundo dia—10 no quarto- 4 aos doze dias - I aos 15. A mór parle destes desgraçados haviam sido já tratados fora da casa, ou privados de recursos nos primeiros dias: 2 offereceiam um verdadeiro re- trato do cólera asiático; o vomito preto foi constante nos marinheiros; e a iclericia declarou-se no maior numero nas aproximações da morte. No prin- eipio fez-se uso da sangria geral, das sanguesugas, das ventosas, do eilrato de magnesia ; porém o tratamento pelo óleo de ricino, calomelanos, sulphato de quinina, vesicatorios, e affusões frias foi geralmente seguido nos ullimos tempos, e muito ínars feliz do que o emprego dos anli-phlogisticos. ■ 1) Gu^etíi dos Unspilm s do l.o de julho de 1850. 2: A mortandade no hospital da marinha foi muito maior do que não — 147 — Curaram-se. Morreram. 4537 3079 1158 Corpo de Permanentes . 342 341 1 Enfermaria do i.° Regi- mento de Ca valleria . .230 230 0 Idem da Praia Vermelha 181 179 2 Hospital militar ... 610 570 10 Enferm.3 do Calabouço. 85 83 2 Idem do Aljube. . * . 61 62 2 Casa de saúde do Sacco do Al feres.....113 61 82 Enfermaria do Arsenal de guerra.....33 33 0 6225 1638 1587 Das considerações precedentes conhece-se que a mortandade, nos differentes hospitaes, considerada de uma maneira geral, e abstracção feita de todas as circumstancias inherentes ao estado e condições em que entravam os doentes para aquelles estabeleci- mentos montou a 26, 37 por cento. Mas, si levarmos em conta as condições especiaes em que se recolhiam os doentes para aquelles esta- belecimentos, o gráo de aclimamento, a naturali- dade dos indivíduos, etc, veremos que ella foi muito maior naquelles estabelecimentos, para os quaes os doentes entravam nos extremos da vida, e onde pre- ponderavam os estrangeiros não aclimados, os ma- rinheiros, operários, etc, como, por exemplo, nas enfermarias da Mizericordia, na casa de saúde do é represenlada no resumo supra ; porquanto, dos extractos publicados pelo Sr. Dr. Feital, acerca dos movimentos do hospital no tempo da epidemia, nos números, 2, 5, 6, 8, 10, 15 e 14 da Gazeta dos Hospitaes de 1850, vê-se que suecumbiram ali 78 doentes. Como, porém, nos referimos ás es- tatisticas conhecidas, per isso só fizemos menção de 56, que eram aquelles de que se fallava nessas estatisticas, vindo a elevar-se o total dos mortos nos diversos hospitaes a 1629 pessoas, incluídos os 42 que crescem na estatís- tica do hospital de marinha. — 118 — Sacco do Alferes, na do Sr. Dr. Peixoto, e na enfer- maria de S. Vicente de Paulo, regulando: Nal.'.......• 19, 66 por cento. Na 2.»......•• 57,31 » Na 3/......• • 26,11 » Nal.a . . . • . . * * 15, 55 » Que foi também grande nos hospitaes das Ordens de S. Francisco de Paula, da Penitencia e do Carmo, onde preponderavam ainda os estrangeiros, caixei- ros com especialidade, muitos dos quaes não acli- mados, ou recém-chegados, regulando: Na 1.*........9, 01 por cento, Na 2.» . . •.....10, 77 » Na 3.*........18 » Que ella foi proporcionalmente muito pequena nos estabelecimentos, em que predominavam, ou eram quasi exclusivamente tratados os filhos do paiz e estrangeiros já aclimados, como nos hospitaes re- gimentaes, não excedendo, nem chegando mesmo a 6 por cento naquelles, em que a mortalidade mais ayultou, diíferençando-se pouco do que oceorreu na clinica de fora dos hospitaes, de que agora nos va- mos oecupar. CLINICA PARTICULAR. Curados. Mortos. Total. O Sr. Dr. José Maurício tratou 611 doentes.......601 7 611 Nascidos no Brasil. . . 118 Estrangeiros diversos . . 69 Africanos......91 homens 300, mulheres 311 — 149 — Curados. Mortos. Total. 601 7 611 Morreram 2 portuguezes, 5 brasi- leiros (1). Na minha clinica tratei 532 doen- tes......... 518 11 532 Nascidos no Brasil. . . 378 Estrangeiros diversos . . 18 Africanos.....106 Homens 281, mulheres 218 Morreram 6 portuguezes 8 brasi- leiros (2). O Sr. Dr. Severiano Rodri- gues Martins tratou 656 ... 619 7 656 Nascidos no Brasil . . . 128 Africanos e estrangeiros . 228 Morreram 3 nascidos no paiz, 1------------- estrangeiros (3). 1771 28 1799 (1) Este pratico nos casos simples usava do óleo de ricino, magnesia cal- cinada, saes neutros, bebidas diaphoreticas e nitradas, ped.luvios sinapisa- dos, bichas e o tartaro em poucos, fricções de sulphato de quinina e banhos de páu pereira, quando havia remissões. Nos casos graves recorria aos ba- nhos d'agua tepida no estado febril, e do páu pereira na apyrexia, bebidas tônicas e cáusticos nas extremidades. Havendo vomito negro, empregava com bom êxito uma mistura de cosimento de jaquitibá, extracto de guaranhem e xarope de rosas, com ou sem gelo, até parar o vomito, applicando ao mesmo tempo, sobre o ventre uma cataplasma feita em cosimento de espécies aro- malicas com electuario de ópio e canella em pó, e administrando depois um clysler purgativo feito em cosimento de malvas ou persicaria. Vede Gazeta dos Hospitaes de 15 de junho de 1850. (2) Comprehende-se nesta relação 90 doentes graves e 412 de febre be- nigna, incluindo nesta ultima classe os casos realmente mui benignos, bem como aquelles em que se manifestavam alguns symptomas graves; mas que não eram taes que fizessem receiar pela vida dos doentes Em 15 a moléstia coincidiu com vomito negro abundante—em 1—com a forma hemorrhagica ; 3 estavam moribundos, quando delles me encarreguei, e falleceram poucas horas depois—2morreram ao 4.» dia de moléstia—7 — ao 5."—"2 -aos 11—1 ao 7.o-l -ao 8.o—1 —em 24 horas: este era uma criança que estava em convalecença de sarampão maligno. O tratamento que segui foi o que consta do nosso artigo sobre a therapeutica da moléstia. (3) « Em geral, diz o Sr. Dr. Severiano, a moléstia não passou do 1.° pe- rido e o tratamento, que então me aproveitou, foi diverso: a sangria antes das l.as24 horas, as bichas, o aconito, as bebidas diaphoreticas, os purgati- vos, o tartaro e emollientes. Em muitos a moléstia foi ao 2.» periodo, toman- do quasi sempre a forma typhoide, effeituando-se esta transição em alguns casos em poucas horas. O tratamento vantajoso foi a água de louro cereja, o sulphato de quinina, as bebidas geladas, o tartaro muito diluído, a água ingle- - 150 O Sr. Dr. Jacinlho Rodrigues Curados. Mortos. Total. 1771 28 1799 PeieiraReys, 495.....192 3 495 Estrangeiros..... 28 Nacionaes......325 Africanos e crioulos . . 112 Morreram 2 brasileiros, 1 porlu- guez(l). O Sr. Dr. Persiani tratou 3ÍX. . ;\:\:\ 15 3',8 Falleceram 9 estrangeiros—6 na---------- cionaes (2). 2596 46 26\'l za e a do Ppllers, segundo as circumstancias. Apenas em 10 a moléstia passou ao 5. periodo. O tratamento que enlão mais ulil se mostrou consistiu no sul- phato de quinina, água ingleza, fricções aroinalicas, vcMcalorios, pommada ínercurial e stibiada á espinha, bebidas ainda geladas, e banhos geraes com o cosimento das cascas do páu pereira. Em todos que falleceram tentei os banhos frios por emborcação sem resultado algum. • (1) « Dous morreram com o vomito negro—1 com a forma apoplelica. Os meios therapeulicos foram os seguintes: o fedegoso, cife, aconito, arnica, pulsalilla, noz voruica, camomilla, poaia, arseniato de ferro e ópio. Uma só vez lancei mão das bichas, c foi no infeliz major Mareolino, uma só vez lan- cei mão do tartaro, Ires da quina na convalecença, nunca dos purgantes. Os cly-teis e abstinência absoluta acompanhavam os três primeiros dias do meu tratamento. As formas geraes, de que se revestiu a moléstia, foram — lyplioide—16 hemorrhagica - 7 apoplelica- 5-com vomito chocolate — 7 com vomito preto — 5-com vomito de sangue—1 — com aborto 4 -. » (2) « Km lodo o tempo da epidemia visitei 51 i doentes—140 ligeiramen- te affeclados, e que curaram-se em poucos dias, com ligeiros diapho- reticos, purgantes, etc, sem que apresenlassem e.Oado gravo — 200 e tanlos graves, d'entre os quaes perlo de metade estrangeiros - 52 recém-chegados —50 c tantos de um anno a seis, estabelecidos no Ura-.il. Dos morlo-,— 7 eram chegados de 2 a 6 mezes - 2 a um anno - 0 filhos do paiz dentre os quaes i visitados cm agonia. O tratamento em geral que achei mais pnnei- (oso fui o anti-phlogistico desde o principio particularmente o lartaro i-mc- tico em lavagem, que deu-me os melhores resullados, produzindo abundante diaphorcse, e diminuindo em conseqüência o estado febril; os calomelanos, e o sulphureto de mercúrio em pequenas doses de meio a um grão r-pelida* vezes por dia; as bebidas nevadas, as ventosas sarjadas particularmente a região lombar; os cáusticos volantes no ventre c o sulphato do quinina em alta dose. Da sangria geral tirei alguma vantagem no principio da moléstia em indivíduos plelhoricos, nos quaes os «ymplomas eram francamente inflammalo- rios, pelo contrario quando, apezar do esta lo febril forte e da cephaléa, existia Ul ou qual estado de prostração c abandono, a sangria não era conveniente, antes sollicitava o colapso dos doentes. Tive diversos doentes graves, já com vomito negro, hemorrhagias das gengivas, do nariz, e do anns, que salvaram-se com o tiatamento indicado; mas os symptomas gra- ves, que nunca pude vencer, foram a snpprr ssão da urina, e aquelle peso ca- racterístico no epigastrio, que punha o doente no estado de desespero. > — 151 — Curados. Mortos. Total. 2596 16 2642 O Sr. Dr. Montes de Oca tratou 206........198 8 206 Estrangeiros diversos . . 93 Nascidos no paiz ... 62 Africanos......51 Morreram 7 estrangeiros e 1 bra- sileiro (I). O Sr. Dr. Sigaud até o fim d'abril 364 doentes......325 39 361 Estrangeiros diversos. . 165 Nascidos no paiz . . . 127 Africanos......72 Homens281, mulheres 72, crian- ças 11. Falleceram 28 homens 8 mu------------ ---- lbcres —3 crianças (2). 3119 93 3212 (1) Este pratico empregou no principio a sangria; e, bem que não fosse mal succcdido, abandonou depois este methodo, e entrou a empregar o aco- nito nos casos em que a febre persistia; e recorria aos diaphoretieos, laxativos, quinina, tarlaro, &c, segundo as condições dos doentes. Vede Gaceta Mer- cantil de Buenos Agres de 15 de novembro de 1850. (2) « Dos enfermos que falleceram, diz o Sr. Dr. Sigaud, só tratei 15— os outros 24 eram tratados por collegas, que me chamaram em conferência. Ubservei 272 casos de febre benigna e 92 graves. Do numero dos fallecidos contam-se 28 homens -8 mulheres-3 crianças. Vários delles vieram pro- curar os recursos da arte depois de haverem sido victimas da homoeopa- thia. » t « Um facto incontestável é que cada epidemia de febre amarella apresenta sua physionomia [ articular. Assim os doentes que no anno de 1821 para 1822 observei em Marselha, depois da grande epidemia de Barcellona, offereciam desde o principio ictericia e um apparato epilepliforme. A febre que observei, nos 6 desgraçados mezes de 1850, no Rio de Janeiro pareceu uma febre rcmitlente biliosa, a quol tomou a forma da febre algida e lyphoidea no fim da epidemia, manifestando nos enfermos não aclimados sua maior intensida- de e conseqüências funestas. Tenho reconhecido 3 períodos bem distinctos na febre, conforme a historia da epidemia da febre amarella que grassou cm Nova Orleans em 1859. » « 0 tratamento que empreguei constantemente no 1.» dia foi chá de sa- bugueiro com acetato de potassa, ammoniaco, e tinclura d'aconito; depois os laxantes, óleo de ricino, citrato de magnesia, água de Seidlitz, e o empre- go interno do sulphato de quinina em dose elevada nas primeiras remissões ou apyrexias. Três doentes de vomito negro escaparam á morte com a applica- ção de um grande vesicatorio no epigastrio e uso de limonadas geladas. Tentei contra o vomito negro otannino, o hi-sulphito de cal, o sub-nitrato de bysmuto, a linctura d'arnica, sem comtudo poder alfiançar o resultado de cada um destes agentes. » Curados. Mortos. Total. 3119 93 3212 O Sr. Dr. Manoel Maria de Moraes eValle tratou 321 doentes. . 313 8 321 Morreram 6 portuguezes, 2 crian- ças (1). Ó Sr. Dr. Haddock Lobo tratou 741 doentes.......729 12 7 U Estrangeiros diversos . . 183 Nascidos no paiz. . . . 119 Africanos......139 Homens 187, mulheres 251. ----— ■ ■- Falleceram 12 doentes (2). 1161 113 4271 Temos exposto quanto basta para conhecer-se a ve- racidade do que avançamos, quando nos occupamos da therapeutica da enfermidade ; porquanto, a ex- cepção de uma ou outra opinião acercado procedi- mento a seguir na invasão da moléstia, sangrando ou não os doentes,todos concordam na utilidade do em- prego dos diaphoretieos e laxativos no primeiro pe- riodo, na administração do sulphato de quinina nos casos de remittencia ou intermittencia, e finalmente na vantagem da medicina symptomalica nos outros períodos. E, segundo acreditamos, poucos médicos (1) 0 Sr. Dr. Moraes e Valle empregou algumas vezes a sangria geral; as bichas ao ânus e epigastrio, segundo que a moléstia invadia com phenome- nos cerebraes ou gástricos intensos, a aguatartarisada, o sulphato de quini- na, oslax;itivos, os vesicatorios, a camphora, o louro cereja, os adstringentes, etc, segundo as indicações a preencher. Lede a Gazeta dos Hospitaes do 1.» de junho de 1850. (2) O Sr. Dr. Lobo usava do aconito no principio; depois, si a lingua era saburrosa, empregava o óleo de ricino, e o tartaro com sal amargo dissolvido em mistura salina; o sulphato de quinina, havendo remittencia ou intermit- tencia, bebidas geladas, vesicatorios, sanguesugas, etc , conforme as condi- ções dos doentes. Deste ultimo meio porém, diz elle, poucas vezes nos soc- corremos, e não sem algum arrependimento, pela difficuldade em que nos via- mos para estancar as hemorrhagias que sobrevinham nas cesuras das sangue- sugas. Nunca recorreu á sangria geral, nem tirou proveito do emprego dos mercuriaes tão gabados por alguns práticos, nem tão pouco dos adstringentes para sustar o vomito negro. Vede Annaes Brasiltenses—Volume 5.<>—Julho de 1830, — 153 — se encontrarão que pensem como os nossos collegas, os Srs. Drs. Jacintho e Carvalho, um quanto á thera- peutica conveniente, outro quanto á natureza da mo- léstia. Respeitando, como nos cumpre, suas opiniões por mais de um titulo, nenhuma reflexão apresenta- remos a respeito. D'ora em diante exporemos as outras relações es- tatisticas, sem acompanhal-as de detalhes sobre a therapeutica empregada nos casos a que ellas se re- ferem, mesmo porque em todas ellns se encerram com pequena diferença observações idênticas ás que até aqui íern sido expostas. Curados. Mortos. Tc tal 1161 113 1271 O Sr. Dr. Manoel Pacheco da Silva tratou 513 doentes ... 508 5 513 Estrangeiros.....33 Nascidos no paiz. . . . 258 Africanos......222 Os fallecidos eram todos brasi- leiros. O Sr. Dr. J. M. Almeida Rego 182 doentes. _......171 8 182 Estrangeiros diversos . . 160 Nascidos no paiz. . . . 192 Africanos......130 Falleceram 3 brasileiros—5 es- trangeiros. O Sr. Dr. João de Oliveira Faus- to 281 doentes......276 5 281 Estrangeiros.....16 Nascidos no paiz . . . 111 Africanos......91 homens 153 mulheres 128 O Sr. Dr. Carlos Frederico 63 doentes........61 2 63 Estrangeiros.....18 Nascidos no paiz. ... 15 ■---- -------- Falleceu 1 brasileiro—lportuguez 5180 133 5613 1 20 — 154 — Curados. Mortos. Total. 5180 133 5613 Sr. Dr. José Felix Cordeiro 258 doentes........250 8 258 Estrangeiros.....56 Nacinnaes.....153 Africanos e crioulos . . 49 Falleceram 3 brasileiros— 1 es- trangeiros—e 1 cuja naturali- dade não é determinada. O Sr. Dr. Pedro Affonso Denys 62 doentes.......61 1 62 Brasileiros.....28 Estrangeiros . . , . 19 Africanos......15 Homens 34, mulheres 28, crian- ças 19(1 . O Sr. Antônio Rodrigues Cunha 750 doentes......732 18 750 Portuguezes e 1 Allemão. 389 Nascidos no Brasil. . . 317 Africanos......14 Homens 576, mulheres 171. Ealleceram 8 brasileiros—10 es- trangeiros (2). O Sr. Dr. Aicente de Andrade Araújo 109 doentes. . . . 105 4 109 Nascidos no Brasil. . . 13 Em Portugal .... 66 Homens 61, mulheres 45. Falleceram 3 portuguezes—1 bra-----__________ sileiro — todos homens. 6628 1616792 \\i O Sr. Dr. Pedro Affonso tratou, em commissão do governo na Fre- guezn de Inhaúma 174 doentes, dos quaes falleceram i. Eram 102 do sexo masculino, e <2 do feminino.-Quanto ás nacionalidades—91 eram Brasilei- ros-36 Portuguezes- 17 Afrieanos. Vede Annaes Brasilienses de Outubro de 1s:j0—Volume C.o (2) As relações que agora vamos expor são as que foram remettidas á commissão central de saúde publica pelos médicos encarregados do trata- mento dus indigentes nas diversas Freguezias da cidade — 155 - Curados. Mortos. Total. O Sr. Dr. 1. J. Freire Durval 678 n dentes.......666 i2 678 Portuguezes .... 181 Brasileiros.....197 Homens 176, mulheres 206. O Dr. Francisco Júlio Xavier 311 doentes.......301 10 311 Não se declaram as naturalidades. O Sr. Dr. Manoel José Barbosa 119 doentes......U5 4 119 Estrangeiros .... 32 Nacionaes.....69 Pretos......30 Falleceram 3 estrangeiros—1 bra- sileiro (1). O Sr. Dr. F. M. Dias da Cruz 255 doentes.......217 $ 255 Brasileiros.....216 Estrangeiros.....31 Africanos..... 8 Homens 123, mulheres 132. Falleceram 6 brasileiros—2 por- tuguezes (2). O Sr. Dr. J. R. Norberto Ferreira 353 doentes......311 12 353 Estrangeiros .... 38 Nacionaes.....301 Africanos......11 Homens 162, mulheres 191. Náose designam as naturalidades-------------■ dos fallecidos (3). 8298 210 8508 (1) Nesta relação faz-se menção de 131 doentes; porém, como 12 ainda ficaram em tratamento, e não sabemos depois que destino tiveram, porisso fizemos abstracção delles nesta exposição. (2) Nesta estalistica davam-se 260 doentes; como, porém, 5 haviam sido enviados para o hospital da Santa Casa ; porisso os eliminamos para não fi- gurarem em duas relações. Dos 8 fallecidos— 4 eram homens -4 mulheres. (3) O Sr. Dr. João Ricardo na sua relação declara que 308 casos eram — 156 — Curados. Mortos. Total. 8298 210 8508 O Sr. Dr. J. C. da Fonseca Paes 210 doentes......238 2 210 Estrangeiros.....22 Nascidos no Brasil . . . 218 Falleceu 1 portuguez — 1 brasi- leiro (1). 0 Sr. M. A. Magalhães Calvet 316 doentes.......337 9 346 Estrangeiros.....95 Nacionaes.....121 Pretos......130 Falleceram 3 brasileiros — 6 es- trangeiros. O Sr. Dr. J. R. de Sousa Fontes como membro da commissão de saúde tratou 81 doentes. .81 0 81 Portuguezes \.....16 Nacionaes.....68 Homens 52, mulheres 32. Em sua clinica particular 538 doentes........530 8 538 Porluguezes.....167 Nascidos no paiz . . . 221 Africanos......150 Não se designam as naturalidades dos falíeciuns. O Sr. Dr. L. Francisco Ferreira 60 doentes......65 0 Sr. Dr. Joaquim Antônio de Araújo Silva 51 doentes (2) . 53 Total......9605 de febre ephemera- 30 de perniciosa-2 de typ loide — 2 algidas— 11 ama- relbs, incluindo-os todos sob o titulo—febre reiiante. (1) U Si. Dr. Jo.sé Custodio divide as febi -s então reinantes em beni- gnas, perniciosas, o amareilas: dá na primeira cLsse -206 casos-na segunda y - na terceira lò. (2; ?\esta relação faz-se menção de 75 djcui,;; porém, ficando ainda na 1 66 1 51 231 9836 — 157 — Das relações supra mencionadas se deprehende que a mortandade na clinica de fora dos hospitaes limitou-se a 2,31 por cento. Mas esta não é, nem pode ser nunca a proporção real da mortandade fora daquelles estabelecimentos, porque seria então necessário, para achar o numero de atacados pela febre, ao qual correspondesse o dos mortos que houve, ir procural-o talvez em toda a população das 8 freguezias da cidade, sinão em uma população superior. A proporção da mortalidade neste ultimo caso não pode ser nunca calculada em menos de 3 por cento, e isso mesmo porque muitos dos que co- meçavam o tratamento fora dos hospitaes, eram para ali enviados, depois de esgotados os recursos da arte, sem o que talvez a proporção excedesse de 5 por cento. As razões que nos levam a estabelecer a propor- ção de 3 por cento, são: 1.° que muitos doentes houve que morreram ao desamparo em suas casas, sem se subjeitarem a tratamento algum; e foram os corpos remettidos pela autoridade competente para os cemitérios, afim de se sepultarem: 2.° que outros morreram abandonados por aquelles que se tinham incumbido do seu tratamento, os quaes, reconbecendo o perigo de vida, e receiando-se dos embaraços da certidão de óbito, os deixavam nos ullimos momentos da existência: 3.° porque em muitos foi a enfermidade designada com nomes diversos, como pudemos deduzir das certidões de óbito que pararam em nossas mãos; pois que, ha- vendo médicos que observaram grande numero de febres typhoides, biliosas, cerebraes, gastro-enteri- tis com ictericias, e lesões do cérebro, não encontra- ram, em todo o curso da epidemia, um só caso de febre amarella, embora não poucos doentes per- dessem dessas moléstias I ! Accresce ainda que nem todos os clinicos foram occasião em que foi apresentada 2! em tratamento, fizemos aqui abstracção delles, por ignorar o destino que tiveram. — 158 — igualmente felizes no tratamento de seus doentes, como pudemos avaliar pelos attestados enviados á policia, mesmo incompletos como estão; pois den- tre os passados, durante a epidemia, por seis dos médicos que seguem as doutrinas homceopatbicas, e que tem mais clientella encontramos 123 com a declaração—febre amarella ou febre reinante—e nos de alguns, que seguem os preceitos da medici- na ordinária, maxime daquelles que especialmente exerciam a clinica entre os estrangeiros e a bordo dos navios, encontramos também um numero supe- rior ao de todas as relações aqui referidas, cum- prindo-nos fazer sentir que, quer em um caso, quer em outro, fizemos abstracção dos mortos nos hos- pitaes e casas de saúde. Feitas eslas observações preliminares, vejamos qual foi a mortandade total da febre amarella nesta cidade, e o numero aproximado dos individuos por ella atacados. Para chegarmos a este ultimo resulta- do, faremos por em quanto abstracção dos tratados e mortos nos hospitaes, e basearemos unicamente o nosso calculo na mortalidade da clinica civil segun- do a proporção que havemos estabelecido. Pela estatística publicada pela policia em 9 de maio de 1850 em o Jornal do Cominecio, estatística sem duvida muito exacta, e que antes poecará por excesso do que por diminuição (embora muita gente pense o contrario) segundo pudemos colügir dos re- gistros dos enterramentos na Ordem 3.a de S. Fran- cisco de Paula, que nos foram confiados, sepulta- ram-se até o ultimo de abril. Nas igrejas....... 1886 pessoas Nos cemitérios..... 1128 » O que somma 3315 pessoas, ás quaes juntando 28 que se enterraram na capellinha da Conceição, segundo consta das guias de sepulte-se que tivemos em nosso poder; única igreja que deixou de ser men- cionada na estatística da policia lemos até o fim de abril um total de 3313 mortos. Dessa data até o fim de agosto, segundo consta das — 159 — participações officiaes recebidas diariamente pelo mi- nistério da justiça, morreram ainda de febre ama- rella 517 pessoas, das quaes 61 sepultaram-se no ce- mitério da Gamboa, segundo as participações dadas pelo consulado inglez, 83 no cemitério de S."Francisco de Paula, pelo que consta dos seus registros de en- terramento, e o resto no campo Santo da Mizericor- dia e Hospício de Pedro II. Esta somma reunida á de 3343 dá um total de 3860, ao qual se juntarmos ainda 300 para os que morreram ao desamparo, ou em que foi a moléstia designada com nome diverso, temos para toda a mortalidade o numero de 1160. Abstrahindo pois 1629 mortos nos diversos esta- belecimentos públicos incluídos os 12 que crescem na estatística do hospital de Marinha, segundo os ex- tractos do Sr. Dr. Feital, resta para a mortandade fora dos hospitaes o numero de 2531, que na pro- porção de 3 por cento, que havemos estabelecido, dá para o numero dos atacados 81133, os quaes reuni- dos aos 6225, que foram tratados nos hospitaes, completa uma somma de 90658 para os atacados pela epidemia nas freguezias da cidade, e porto do Rio de Janeiro; somma que não se achará por certo exagerada, quando nos recordarmos do que se pas- sou então, e tivermos em vista que ruas inteiras houve, em que um só habitante não foi poupado. Resumindo pois tudo quanto havemos dito, temos em resultado o seguinte: Mortandade geral....... 1160 N.° aproximado dos atacados. . . . 90658 Seria agora importante marcar a relação de gravi- dade e intensidade, com que a moléstia" atacou se- gundo as naturalidades, idades, sexos, etc, assim como mostrar a proporção da mortandade entre os nacionaes e estrangeiros, e entre estes mesmos se- gundo suas differentes naturalidades; porém, não nos sendo isso possível pela omissão que se encontra na mór parte das relações estatisticas que alcança- mos, por isso preferimos dividir as nacionalidades em três cathegorias diversas—a saber—estrangeiros — 160 — —nascidos no paiz—e africanos, declarando em cada relação parcial a ealbegoria a que pertenciam os ata- cados e mortos, assim como indicar o numero dos atacados de ambos os sexos, conforme vinha decla- rado nessas relações. Por ahi vè-se que a mór parle dos indivíduos que se trataram nos liospitaes (exceplo nos regimentaes) foram estrangeiros recém-chegados e não aclimados, marinheiros e operários pela mór parte; e que a mortandade foi muito maior nelles, que não nos in- divíduos pertencentes ás outras; porquanto nos mor- tos, cujas naturalidades são especificadas, contam-se 1333estrangeiros, sendo a mortalidade lotai de 1629. Que pelo contrario, bem que ainda maior nelles do que nos outros na clinica particular, todavia, de- baixo deste ultimo ponto de vista, a differença não é lá das maiores ; porquanto de 129 mortos, nas esta- tisticas referidas, cujas naturalidades são determina- das, 70 são estrangeiros e 59 nacionaes, o que dá para aquelles um excesso de 11 mortos, numero que nenhuma proporção guarda com o que teve lugar nos liospitaes. Vê-se finalmente que a moléstia foi muito mais grave e commum nos homens que não nas mulhe- res, menos grave nos africanos que em quaesquer outros, e que, como avançamos no começo deste artigo, a mortandade seria menor um quarto, si por ventura os doentes recorressem com tempo aos cuidados dos homens profissionaes. Agora, si examinarmos com attencão tudo quanto temos exposto neste capitulo, em cujo desenvolvi- mento empregamos todo oescrupulo eexactidáo que nos foi possível, consultando todos quantos docu- mentos pudemos alcançar, reconheceremos: 1.° > i* 89 25 1/3 87 >> 91 1/2 26 1/2 90 7M »> 83 3/4 23 8! 2/3 77 i» 83 25 85 MEZ DE MARÇO. 1 2/3 1 2/3 19 20 19 I 91 81 | «1 I ,. {•..a I 86 i 8t 86 25 83 26 1/2 bS 1/2 22 79 1/2 22 2/3 74 61 25 3/1 Sü 24 82 1/2 1/2 23 1/4 »' „ 21 84 1/2 21 79 1/2 19 1/2 21 >> 86 18 1/2 23 1/2 24 21 2/3 24 20 22 22 24 21 1/3 25 3/4 22 23 1/2 23 m 25 21 22 21 22 1/2 23 21 24 DIAS. 1 2 a 7 8„ 10 U „ 12 13 „ 18 19 20 „ 25 26 „ 28 29 3U DE MANHA. 2 « 74 1/2 75 72 66 72 68 72 68 70 AO MEIO DIA 87 » !/4 79 1/2 77 80 75 74 78 24 1/3 ,, 1/2 21 A TARDE. 88 85 77 79 1/2 77 80 73 74 75 MEZ DE MAIO. MEZ DE JUNHO. 1 a 3 4 „ 7 8 „ 10 11 „ 12 13 „ 30 1 74 18 80 21 72 2 77 1/2 20 78 20 74 ]( 3 76 19 1/2 80 21 4 a 7 ,, 82 8 „ 9 72 18 77 20 M 10 „ 18 66 1/2 16 ,, 7i> 19 „ 22 65 14 3/4 73 18 1/2 73 li 23 „ 24 62 13 1/2 71 » 3/4 75 j< 25 „ 26 66 15 73 1/2 „ 1/2 73 1/2 lf 27 64 14 1/2 75 „ 19 1/3 74 28 ,, 31 61 13 >> >. 61 13 75 19 74 67 15 1?2 80 21 1/1 80 66 ,, 77 20 76 59 12 70 17 69 56 1/2 11 >> >> 68 21 23 Ij2 20 21 20 21 17 18 7 9 1/2 9 1/4 8 1/2 1/2 18 1/2 21 1/4 19 1/2 16 „ ÍNDICE. Pg. Prólogo................. j 1.° Cap.—Historia da epidemia....... 1 2.o Idem—Desenvolvimento , marcha , e propagação da epidemia........1G 3.° Idem—Seiia a moléstia a febre amarella ou não? 21 4.o Idem—Da importação ou não importação da febre amarella para o Rio de Janeiro ... 27 5.° Idem—Do contagio ou não contagio da febre ama- rella ..........50 6.° ívvjã— Da natureza da moléstia.....70 7.° Idem—Causas da moléstia.......83 8.° Idem—Symptomas, marcha e terminação da mo- léstia ..........91 9.° Idem—Caracteres anatômicos da moléstia. . . 111 10. Idem—Tiatamentoda moléstia......117 11. Idem—Da mortandade no Eio^ie- Janeiro, e sua proporção relativarriente ao numero dos tei' atacados . . . * . . . -•- . 137 '^ TYP. T)'.- PAIT.\ BRITO—1851.