FRAGMENTOS »k CLINICA THERAPEUTICA PELO DR. GIEMENTK FERRKIRA Medico offectivo do Hospital do Misericórdia de Rezende RIO DE JANEIRO Typ. e lith. a vapor, encadejnação e livraria LOJUBÁERTS & C. 7 Rua dos Ourives 7 iS84 FRAGMENTOS DE CLINICA THBMPEMCA FRAGMENTOS DE CLINICA THERAPEUTICA PELO DE. CLEMENTE FERREIRA Medico effectivo do Hospital de Misericórdia de Kezende Typ. e litli. a vapor, encadernação e livraria LOJVIBAEHTS & C. RIO DE JANEIRO 7 Rua dos Ourives 7 1884 INTRODUCÇAO A esterilidade absoluta e a pratica da medicina exclusivamente por amor ao interesse pecuniário e pelo movei de uma ambição material illimitada constituem a característica da grande maioria dos clinicos brasileiros. A’ excepção d’este ou daquelle nome, que se des- taca brilhante e aureolado do naufragio geral e que protesta de longe em longe contra esta apathia 9 este coma languoroso e fatal, o nosso mundo medico adormece em uma estagnação infecunda e attesta frisante e solemnemente a indifferença e a indolência a mais completa em matéria de estudos clinicos. E’ por isso que, ao passo que no velho mundo e na União Americana os trabalhos práticos se aper- feiçoam e os repositorios clinicos se enriquecem com toda a opulência, entre nós salta aos olhos a penúria enorme da litteratura medica, que esmola andrajosa esta ou aquella migalha, que algum mais caritativo lhe atira compassivo, sagrando-se benemerito glo- rioso da medicina patria. A generalidade se limita a olhar para os factos que a pratica offerece todos os dias, sem ohserval-os com critério, sem analysal-os com methodo, dedu- zindo illações fecundas, que sirvam de elementos de ensino e de progresso para as gerações vindouras, e de material para a organisação de um precioso ar- chivo de observações clinicas. Inteiramente satisfeito cora as fontes de instrucção pratica que a cada passo nos vera do estrangeiro e largamente farto de banquentear-se com o pão da clinica que chega todo preparado de além mar, a maioria do corpo medico do nosso paiz, composto aliás de talentos incontestavelmente competentes e opulentamente preparados, e contando tantos espiritos eminentemente práticos e esperiraentados, se esquece de que é tempo de cuidarmos de fazer alguma cousa era favor da geração que surge e de procurarmos, por todos os meios, legar á posteridade trabalhos de merecimento e utilidade, que possam constituir em futuro proximo vasto manancial de lições praticas e de fontes caudaes de ensino clinico. Verdadeiros pais desnaturados, nos abandonamos indolente mente a uma inactividade cruel, esquecidos de que amanhã talvez a fatalidade nos force a deixrar na miséria e na indigência nossos filhos, que irão assim viver á custa do trabalho alheio, locupletando-se com o património e o labor de estranhos. Entretanto, com ura pouco de bôa-vontade, mais amor á seiencia e menos ambição de riquezas, acredito que se poderia fazer alguma cousa em favor da clinica nacional. Além das variantes numerosas que as condições de clima e de raça imprimem á patliologia tropical e que podem constituir outros tantos pontos de es- tudo e observação, accresce que muitos factos existem ainda, que, embora tratados com proficiência e dis- cutidos ardentemente por uma pleiade de robustos talentos estrangeiros, todavia ainda se acham cir- cumdados de muitas trevas e envolvidos em uma densa e obscura noite, representando, para assim dizer, sombrias esphjnges a desafiarem nossa curiosi- dade e a reclamarem imperiosamente nossa attenção e afanoso labor. Assim como pelos esforços incessantemente envi- dados pelos sábios europeos e norte-americanos se tem feito a luz em grande copia de questões de thera- peutica e de diagnostico clinico, também d’entre nós póde irromper o clarão que venha illuminar e elucidar pujantemente mais de um ponto ainda enigmático que enubla os vastos horizontes da medi- cina pratica. Estimulado por este modo de pensar, tenho pro- curado com ardor, em meu tirocinio clinico, es- tudar e colleccionar os factos que se me afiguram de mais interesse e fructo sob o ponto de vista da instrucção e do ensino médicos, e, apezar do espaço de tempo ainda bastante restricto de minha vida pratica e do theatro de acção limitado em que me acho, con- segui aproveitar do stock de observações civis e hos- pitalares, differentes casos, que me parecem de algum valor e a proposito dos quaes avento considerações summarias sobre o tratamento. Tal é o objecto cTeste pequeno volume que com o titulo de Fragmentos de clinica tberapeutica offereço ao corpo medico brasileiro. I Contribuição para o estudo das moléstias venereas. —Do tratamento da blennorrhagia pelas injecções de permanganato de potassa. Os estudos e investigações modernas têm concor- rido activamente para estender e ampliar de um modo considerável o campo das indicações de agentes therapeuticos, que embora já conhecidos, todavia se esterilisavam em uma obscuridade asphyxiante, em um circulo restricto e vulgar de applicações com- muns. Assim é que de dia em dia se conquista um triumpho, se alcança um tropliéo, manejando armas que não são novas, mas com o espirito esclarecido e guiado pelas illações fecundas, que resaltam dos trabalhos de therapeutica experimental e applicada. Datam apenas de hontem as primeiras pesquizas e curiosas indagações sobre a acção antidotica do permanganato de potassa contra a peçonba das cobras, realisadas obscura e desapercebidamente no solitário laboratorio do Musêo pelo infatigável experimentador e emerito physiologista o sabio Dr. Lacerda, e já se contam por milhares os louros colhidos com o emprego cVesse agente therapeutico nas picadas dos ophidios. Como por encanto, se er- gueu um pedestal de glorias para esse medicamento, que de ha muito era conhecido em suas applicações antisépticas e antiferraentesciveis nas ulceras, caries e fócos de abcessos. Então, elle passava modesto e sem renome por entre os seus humildes companheiros de acção therapeutica a tinctura de iodo, o hypochlo- rito de sodio, o álcool, etc. ; hoje, campeia soberbo, abençoado por uma geração inteira e lembrado em todos os recantos do mundo. Agora, mais um caminho de victorias se lhe rasga com a sua applicação em uma affecção especifica, que de ha muito constitue o flagello atroz dos que se empenham com afan nas campanhas cie Yenus e o tormento cruel da mocidade avida de prazeres e ardente de gosos : A bleimorrhagia, cuja therapeutica, sob uma opu- lência ostentosa disfarça uma pobreza e uma penú- ria desoladoras, de boje em diante tem que se haver de frente cora um inimigo sério o permanganato de potassa, que nos parece fadado para ser o sobe- rano vencedor. A’s cubebas e á copahyba, que até aqui imperavam cora sobranceria e denodo, senhoras absolutas d’este terreno therapeutico, se depara um formidável rival, que incontestavelmente lhes arre- batará o sceptro e lhes sustará a carreira de trium- phos. Toda essa bagagem numerosa de injecções adstringentes e abortivas, que accumulavam os for- mulários e constituião uma mina de ouro para os boticários e os charlatães, tem de desapparecer para felicidade dos doentes e dignidade da sciencia. As injecções de perraanganato de potassa consti- tuem actualmente, segundo resulta das observações colhidas em minha pratica e na de alguns outros cli- nicos, o medicamento soberano contra os corrimentos, quer urethraes, quer vaginaes, de origem venerea. Desde o anno passado, comecei a empregar esse agente therapeutico em minha clinica civil e hospi- talar, e até hoje nem ura só iusuccesso registrei ainda. Em muitos casos, havia lançado mão improfi- cuamente de todos os meios que até aqui têm sido preconisados e entre os quaes avultam as cuhebas e a copahjba, as injecções de sulphato de zinco, ni- trato de prata, sulphato de cobre, etc. ; e dentro em poucos dias á custa das injecções de perraanganato de potassa, coube-me o prazer de ver completamente dehellada a moléstia e curados os meus doentes. Se me não falha a memória, foi pelo Jornal ãe therapeutica ãe Gubler que pela primeira vez tive noticia do emprego vantajoso d’este meio na blennorrhagia urethral. Desde então comecei a lan- çar mão d’elle; eno presente anno, o Dr. Silva Araújo, na Corte, chamando a attenção dos cli- nicos sobre os brilhantes resultados que obtivera em semelhantes casos, veio robustecer a confiança que eu depositava em tão poderoso agente thera- peutico. No correr do anno actual, deparou-se-me por diffe- rentes vezes occasião de continuar o emprego d’esse meio, e o fiz, contando até agora oito casos de appli- cação seguidos de cura, pertencendo cinco á clinica nosocomial. Os resultados foram por igual favorá- veis nas vaginites blennorrhagicas, sendo que por duas vezes consegui debellar dentro de dez a quinze dias corrimentos vaginaes que datavam de muito tempo e que se haviam mostrado rebeldes aos mais variados agentes do arsenal pharmacologico. Nos casos de urethrite blennorrhagica, empreguei em geral a solução decimilligrammatica de perman- ganato de potassa, tendo por vehiculo o hydrolato de rosas. Nas vaginites, lancei mão de uma solução mais concentrada, sendo ordinariamente esta a fórmula prescripta : Hydrolato de rosas 500 grara., perman- ganato de potassa 8 centigram. Nas blennorrhéas ou blennorrhagias chronicas, forcei mais as dóses de permanganato, empregando 5 e 10 centigram. para igual quantidade de vehiculo. Em todos os casos, ordenei que se fizesse tres in- jecções diarias, e d’este modo consegui esplendidas vantagens com indizivel contentamento dos enfermos, que se viram em curto espaço de tempo desembara- çados de tão incommoda affecção. Com as primeiras applicações notava-se logo uma modificação frisante no corrimento blennorrhagico, que, de par com os outros symptomas inflammatorios, ia pouco a pouco perdendo terreno até ser completamente debellado. Como actuará o permanganato de potassa n’estes casos ? Qual será o mecanismo da cura ? Provavelmente é na sua qualidade de antizymo- tico energico que elle actiia em taes condições, por isso que hoje tem conquistado direitos de cidade na scienciaena clinica a opinião dos que acreditam que os virus não são mais do que fermentos anima- dos, verdadeiros organismos microscopicos, que se tornam os elementos terríveis da infecção e do conta- gio. Ora, nos casos de que se trata, dando-se como certo que o pús blenorrhagico deve sua qualidade virulenta e especifica a determinados microzimos que o viciam e inquinam, é facil explicar como, sendo esses protoorganismos destruidos pelo permanganato de potassa, inimigo acérrimo dos microhios —, o corrimento se esgota e desapparece, cessando tam- hem todos os phenomenos phlegmasicos que estão na dependencia immediata d’elle e que se acham ligados ás suas propriedades irritantes e virulentas. E o que vem era apoio d’este modo de ver e faz d’elle mais do que uma inducção legitima, uma conclusão confirmada por factos palpaveis e verda- deiros, vem a ser as decididas e incontestáveis van- tagens que em todos os tempos se tem ohtido da applicação do permanganato nos casos de abcessos acompanhados de corrimentos fétidos e de má natu- reza, e bem assim nas fistulas saniosas, que dão sahida a um pús viciado e decomposto. Possuindo hem caracterisados os predicados de zymotecida energico, o permanganato de potassa não partilha com os seus companheiros as propriedades tópicas irritantes: d’ahi a sua vantagem sohre o acido plienico, o álcool, etc. Tal é a minlia maneira de pensar, que sujeito a melhor juizo. Eis pois aberto um largo e fulgido horizonte para a therapeutica da blennorrhagia, que até aqui, apezar de dispor de um opulento arsenal de complicadas e variadíssimas fórmulas, não oíferecia um meio se- guro, capaz de garantir em todos os casos o successo. Hoje, os clínicos encontram nas injecções de per- mauganato de potassa uma arma omnipotente, que os levará a uma victoria certa, sempre que a manejarem com pericia e critério. Tendo já por varias vezes verificado as maravilhosas vantagens que decorrem do emprego d’esse meio nas blennorrhagias urethraes e vaginaes, cabia-me o dever de chamar sobre elle a attenção dos clínicos, que ainda não tenham por ventura feito convergir o seu pensamento para esse novo campo de applicações do permanganato de potassa. II Do emprego da aconitina nas nevralgias faeiaes. D’entre as afecções que mais vivamente atormen- tam e torturara o genero humano e que mais rebeldes se mostram aos agentes therapeuticos, se destacam salientemente as nevralgias, que contituem hoje uma enfermidade banal e por demais frequente na pra- tica de todos os clinicos. Por isso devem ser encarecidos todos os esforços feitos no sentido de debellar tão cruel entidade mórbida, e bem merecerão da medicina aquelles que trouxerem o seu contingente para o progresso d’esta parte da therapeutica. Hoje, que a observação clinica se empenha em sanccionar com o apoio de numerosos factos o valor inestimável da aconitina em um certo grupo de moléstias, seria um descuido criminoso ou uma indiferença imperdoável que eu deixasse de adduzir, para robustecer a opinião do mundo medico, dife- rentes casos bastante eloquentes, que o tirocinio pratico me tem proporcionado, sobre as vantagens d’esse alcalóide nas nevralgias faciaes. A aconitina ou o principio activo extrahido das plantas do genero aconitum e especialmente do aconiium napellus, se apresenta amorpha ou crys- tallisada. A aconitina amorpha havia já sido empregada nas affecçõesnevrálgicas com algum proveito por diversos clinicos dos Estados-Unidos; porém foi só depois que Dusquenel obteve a aconitina crystallisada que um futuro risonho se rasgou para esse bellissimo agente da matéria medica. Gubler, em seus notáveis estudos de therapeutica, chamou a attenção sobre as vantagens positivas que se colhiam da applicação d’esse alcalóide nas ne- vralgias, e depois d’elle, outros clinicos insignes do velho mundo se apressaram em colleccionar factos confirmativos da opinião do abalisado professor. Entretanto, não se generalisou tão depressa quanto era de esperar o emprego da aconitina, e entre nós ha hem pouco tempo que se começou a fixar a atten- ção sobre este ponto. Eu era ainda estudante do sexto anno de medici- na, quando, compulsando o precioso livro de Gubler Lições ãe iherapeutica —, tomei conhecimento da opinião exarada pelo preclaro mestre a respeito das decididas vantagens obtidas nos casos de nevralgias do trigemeo com administração da aconitina pela via gastrica. Formei desde então o proposito de ap- plical-a na primeira occasião, e quiz o acaso que fosse o meu organismo o primeiro campo de appli- cação. De feito, tendo sido accommettido de um insulto nevrálgico para o lado do trigemeo e influenciado provavelmente por uma carie dentaria,e havendo lan- çado mão inutilmente dos maispreconisados recursos, tomei a deliberação de usar da aconitina e formulei Uma poção em que entrava este agente na dose de duas milligrammas. E, facto interessante, em poucas horas esgotei toda a poção sem que apparecessem phenomenos sensíveis de intoxicação, contrariamente ao que eu esperava, confiado nas observações de Hottot o Gubler. A nevralgia porém amainou-se e desap- pareceo no dia seguinte. De então a esta parte, comecei a fazer uso da aco- nitina nos diíferentes casos de affecções nevrálgicas e especialmente nas nevralgias faciaes, e aqui, desde a inauguração da minha carreira clinica, tenho constanteraente lançado mão d’esse heroico medica- mento, cujos maravilhosos effeitos estão hoje fóra de toda a duvida, attestados como têm sido por um grupo bem organisado de factos clínicos. Conto até hoje na minha clinica civil e hospitalar, uma serie de trinta caso? pelo menos, cabendo-me o prazer de dizer que ainda não se me deparou um só facto de insuccesso. Em muitos d’esses casos, a mo- léstia datava de bastante tempo e ninguém ignora a tenacidade enorme que oppõem as nevralgias aos me- dicamentos, quando ellas têm conquistado por assim dizer direito de domicilio no organismo. São sobretudo dignos de nota dous factos, que con- servo archivados, em que a nevralgia do trigemeo datava já de dois mezes, torturando atrozmente os en- fermos e não lhes deixando um só momento de calma e de allivio. Em um (Testes casos, fôra inproficua a applicação dos diversos medicamentos anti-nevralgicos, dos nu- merosos agentes nervinos, que a opulência therapeu- tica nos fornece a mãos largas. Seguro das maravi- lhosas vantagens da aconitina crystallisada, empre- guei-a pela via gastrica, formulando pilulas de um terço de milligramma cada uma. A nevralgia pa- receo amainar-se, mas não se ostentaram melhoras positivas, continuando o enfermo mais ou menos nas mesmas condições. Fiz repetir a formula e não tendo por essa maneira alcançado resultados decisi- vos, tomei a deliberação de empregar a aconitina em injecções hy poder mi cas, confiado nas vantagens incontestáveis d’este modo de administrar os medica- mentos. Pratiquei pois uma primeira injecção na região fronto-temporal do lado em que tinha a sua séde a nevralgia, e pouco tempo depois, uma vez passada a sensação por demais desagradavel provocada pela injecção, o enfermo me declarou prasenteiro que a dor se acalmara e que se sentia muito alliviado do tormento que o acabrunhava. Entretanto, dous dias depois, de novo se apresentou o insulto nevrálgico, embora mais brando. Voltei á carga e uma segunda injecção pratiquei de uma milligrarama do alcalóide, braças a esta nova applicação subdermica, a rebelde nevralgia foi completamente debellada e o doente poude emfim respirar, desembaraçado do cruel in- commodo que por largo espaço o martyrisára. O segundo facto é relativo aura moço, que ha- bitualmente era accommettido de insultos nevrál- gicos tenazes e rebeldes, contra os quaes eram impo- tentes os mais bem combinados esforços e os mais activos engenhos do arsenal da matéria medica. Eu lhe fiz vêr então que o agente soberano n’estas condições, o unico em cujos resultados se poderia confiar cora segurança era a aconitina, sobretudo em injecções hypodermicas loco dolente. Elle, a quem informei com toda a lealdade, da penosa sensação, semelhante á de um ferro em brasa, que produzem as injecções de aconitina, não se intimidou, antes com toda a coragem se sujeitou á applicação. Uma só injecção subdermica foi sufficiente para promover o desapparecimento do mal, e o enfermo vio-se livre de sua terrível nevralgia, que constantemente o tortu- rava impossibilitando-o de conciliar o somno e de se entregar ao menor trabalho physico ou intellectual. Ainda ba poucos dias se me deparou novo ensejo de apreciar um bellissimo triumpho, alcançado á custa do emprego da aconitina em uma nevralgia facial, contra a qual nada haviam podido fazer as mais valentes armas do arsenal tberapeutico, de que eu me tinha soccorrido. Em uma palavra, na actualidade, a therapeutica das nevralgias conta mais um recurso e de subido valor, podendo-se mesmo considerar a aconitiua como ura especifico nos casos de nevralgias do trigemeo, que tantas vezes zombam impavidas dos sáes de quinina e dos mais preciosos agentes anti-nevral- gicos. Os clínicos não pódem, pois, mais cruzar os braços em casos (Testa ordem, e incorrerão no crime de lesa-therapeutica aquelles que deixarem os doentes entregues ás cruciantes dores de uma nevralgia facial, sem lançar mão d’esse soberano medicamento a aconitina em injecções hypodermicas 011 pela via gastrica. E’ á aconitina crystallisada de Dusquenel que convém dar a preferencia, devendo-se porém mane- jai-a com toda a cautela, attenta a sua enorme acti- vidade e a energia accentuada de seus effeitos phar- Eiaco-dynamicos. 111 Do emprego da strychnina no alcoolismo. Os progressos assustadores e sempre crescentes de alcoolismo, as devastações assombrosas que esse abo- minável vicio espalha por todas as partes do mundo, abastardando as gerações e as raças e semeando aqui e alli o crime, as vesanias e a desolação, constituem hoje um facto de incontestável verdade e de momen- tosa importância. Elle deve merecer a severa atten- ção, quer dos hygienistas e dos economistas, a quem compete sondar-lhe as causas e oppor-lhe barreiras serias, quer dos therapeutistas e dos clínicos, a quem se impõe o rigoroso dever de avassalar-lhe os perniciosos effeitos e de aniquilal-o em suas desas- trosas consequências. E’ tempo de pensar-se acuradamenten’essa cohorte de infelizes, que envergonham a familia, a sociedade e o genero humano, praticando toda a sorte de desa- catos e de crimes, de desordens e de tropelias, ins- pirados unicamente pelo espirito diabolico do álcool, esse eterno fabricante de um sem numero de assas- sinos, de uma infinidade de loucos e de uma multi- dão de epilépticos. Os nove décimos da população dos hospícios e das prisões são o fructo genuino do alcoolismo, sem contar a grande copia de enfermos, de cujas affecções a responsabilidade inteira cabe de direito ao abuso das bebidas espirituosas. Pela sua parte, em todas as epochas e em todos os lugares, a medicina tem procurado dar a mão a esses inditosos, e os clínicos de todos os paizes se têm empenhado afanosaraente em combater as ma- nifestações importantes e gravíssimas da intoxicação alcoolica, os effeitos desorganisadores e depressivos de tão degradante vicio. Até bem recentemente, eram o opio e a digitalis as armas favoritas de que se soccorria a clinica, quando tinha que se haver com esses typos caracte- rísticos dos sectários de Baccho. A morphina era um recurso banal nas determinações dynamicas do alcoolismo e muitos práticos lhe deveram a gloria de bom numero de triumphos. Entretanto, não poucos insuccessos foram e são ainda hoje registrados por aquelles que lançam mão das preparações opiaceas nos casos de intoxicação alcoolica, a morphina exercendo frequentes vezes apenas uma acção momentânea e palliativa contra os phenomenos característicos do ãelirium tremens. Constituía portanto uma lacuna por demais sen- sível a falta de um agente medicamentoso que ti- vesse o poder de debellar os symptomas de intoxica- ção alcoolica, exercendo eífeitos curativos mais ac- centuados e radicaes. Pois bem, essa lacuna se acha hoje preenchida, graças á introducção da strychnina na therapeutica do alcoolismo. Em principios de 1882, tendo entrado para o hos- pital da Santa Casa de Rezende um indivíduo de nacionalidade ingleza, que se entregava com ardor ás libações alcoólicas, tratei de medical-o, e de ac- cordo com o que havia de mais corrente na sciencia, administrei-lhe o sulphato de morphina. Apenas ligeiras melhoras se seguiram ao uso demorado d’esse medicamento, e como o enfermo accusasse per- turbações gastricas notáveis, que se traduziam por anorexia absoluta, vomitos pituitosos e flatulencias, suspendi a morphina e lancei mão do sulphato de strychnina, inspirando-me unicamente nas praticas vulgares da therapeutica clinica. Pois, cousa inte- ressante, o que a morphina não havia podido fa- zer, eu consegui brilhantemente com a applicação da strychnina. A inappetencia desappareceu, as per- turbações cerebraes se acalmaram, o catarrho gás- trico se dissipou, o tremor alcoolico se amainou e cessou completamente, e, dentro de poucos dias, o enfermo teve a sua alta completamente restabele- cido. E assim, por via indirecta e sem um alvo presta- belecido conquistou-se uma brilhante victoria, e nova e gloriosa estrada se desbastou para a tberapeutica do alcoolismo. Pouco tempo depois, outra occasião se me oífe- receu de recorrer ao sulphato de strychnina contra a intoxicação alcoolica, e pleno successo veio coroar esta segunda applicação e concorrer para formar em um novo terreno a reputação tberapeutica d’esse agente medicamentoso de transcendente importân- cia. Um precioso livro do Dr. Luton que veio á luz no correr do referido anno de 1882, proporcionou-me o ineífavel prazer de ver confirmadas as minhas obser- vações por uma serie de factos eloquentemente de- monstrativos do alto valor da strychnina nas mani- festações mórbidas do alcoolismo. De feito, este insigne medico, na parte de seu trabalho que diz respeito ao tratamento da intoxicação alcoolica, entra em bem elaboradas considerações sobre as vantagens do citado agente therapeutico e aponta frisantemente os resultados positivos que decorrem do seu emprego em injecções hypodermicas. Desde então, mais tres casos proporcionou-me a clinica hospitalar, nos quaes a administração do sul- phato de strychnina combateu brilhantemente as consequências funestas do abuso das bebidas espiri- tuosas, debellando victoriosamente os symptomas mais graves e as perturbações mais importantes que o alcoolismo acarreta no funccionalismo orgânico. Cumpro pois um imperioso dever, chamando a attenção dos clinicos para os resultados maravilhosos que se alcançam com o emprego d’este agente thera- peutico nos casos tão frequentes de intoxicação al- coólica ; e convido-os ardentemente a verificarem por si mesmos, nas occasiões numerosíssimas que lhes ha de proporcionar o tirocínio pratico, a realidade do que venho de expôr nas considerações que precedem. Só d’este modo se poderá colleccionar para a scien- cia um grandioso feixe de observações, sufificiente para esteiar em alicerces inabalaveis este ponto im- portante da therapeutica clinica e para remover toda e qualquer duvida a respeito d’esta questão de pal- pitante interesse na actualidade. Qual será o mecanismo da acção curativa da strychnina n’estas condições ? Sem duvida alguma, é, por um lado, na sua quali- dade de estimulante do systema nervoso, de excel- lente tonico dos elementos anatómicos do eixo cere- bro-medullar, por outro lado, como um tonico amargo de primeira ordem e maravilhoso eupeptico, que actua este agente therapeutico. De feito, o álcool exercendo diuturna e prolonga- damente os seus effeitos nefastos sobre as cellulas nervosas, deprime profundaraente a sua neurilidaãe e aniquila-lhes toda a actividade funccional, acarre- tando assim perturbações graves para o lado do seu dynamisrao physiologico. D’ahi o tremor alcoolico,.. que é para a medulla o que é o delirio para o cere- bro, d’abi as variadas manifestações mórbidas que denotam declinação notável das funcções nervosas; d’ahi as desordens intellectuaes que tão relevante papel representara no cortejo phenomenologico do alcoolismo. Por outro lado, a ingestão habitual do álcool acarreta numerosas desordens do apparelho gastro-intestinal e determina um verdadeiro estado dyspeptico, entretido ordinariamente pelo catarrho gástrico característico dos devotos de Baccho. Ora, sendo assim e sabendo-se que a strychnina combate brilhantemente por intermédio de sua acção nevros- thenica a depressão nervosa e reergue a actividade metabólica dos elementos cerebro-medullares eao mesmo tempo corrige admiravelmente as manifesta- ções dyspepticas do alcoolismo e faz cessar a anore- xia e os vomitos, na sua qualidade de poderoso eupép- tico e excitante das funcções digestivas, facilmente se comprehende como se obtem com o seu emprego tão frisantes resultados e como se faz, assim procedendo, Uma tberapeutica racional e baseada sobre duas im- portantes indicações. E’ inútil fazer notar que nenhuma acção póde ter a strychnina contra as lesões organicas, contra as desordens materiaes que o álcool acarreta, quer para o lado dos orgãos gastro-intestinaes, quer para o lado do encephalo e da medulla. Assim, ninguém paten- teará a ingenuidade de suppôr que esse medicamento tenha poder sobre a atheromasia vascular, sobre os processos de sclerose e de pachymeningite cerebro- spinal, nem tão pouco que elle restitua ás suas con- dições anatómicas normaes a mucosa do estomago e os elementos do parenchyma e do tecido hepáticos gravemente comproraettidos em sua statica organica. Contra essas alterações anatomo-pathologicas, a therapeutica se acha completamente desarmada e os Variados recursos da sciencia são de todo o ponto impotentes, como claramente se concebe. São estas as considerações perfunctorias que eu pretendia fazer sobre a importantissima questão da therapeutica do alcoolismo, e terminando-as, julgo haver preenchido o fim que me tinha proposto, de pôr em saliente relevo os resultados positivos que me tem proporcionado na clinica o emprego da strychnina nas manifestações patho-dynamicas da intoxicação alcoolica. IV Do emprego do iodoformio e da cicuta no tra- tamento dos cancroides ou tumores epythelio- matosos. Tem perpassado incólume atravez dos séculos a idéa da incurabilidade das neoplasias malignas pelos meios médicos, e mesmo o bisturi vingador do cirurgião não goza de poder absoluto sobre estas en- fermidades hediondas, cuja propriedade terrivel de reproducção zomba impavida de todos os engenhos da arte de curar. A ablação ou a extirpação dos tumores de má na- tureza por intermédio dos variados instrumentos da medicina operatória pode apenas por pequeno espaço de tempo libertar da terrivel affecção os inditosos doentes; mas para garantil-os contra o reappare- cimento do mal e para pôl-os ao abrigo de um novo insulto, que mais cedo ou mais tarde, os levará ao tumulo, de nada valem os mais heroicos feitos da cirurgia, as mais brilhantes façanhas do mais dextro e perito operador. Tratando-se de uma enfermidade, que infecciona toda a economia, de um vicio das funcções geraes de nutrição, de uma verdadeira aberração da proprie- dade histogonetica do organismo, me parece que é á medicina propriamente dita que deve estar reser- vada a gloria immorredoura da cura radical e com- pleta dos tumores malignos, a cuja frente se osten- tara, como espectros terríveis do quadro therapeutico, os carcinomas e os epitheliomas. Muito se tem fallado e escripto a respeito de medicamentos possuindo a vantagem de debellar as diversas determinações cancerosas, mas até hoje os pretendidos triumphos não passão de testemu- nhos solemnes de magnificos erros de diagnostico e servem para attestar mais uma vez as dificuldades aspérrimas e as densas trevas que obscurecem e enublam esta parte importante da cirurgia scien- tifica. 0 mesmo não succede com os neoplasmas epithe- liaes, ou cancroides, cujas propriedades malignas ordinariamente não se apresentam no alto gráo que caracterisa os cancers genuinos, os puros e ligitimos carcinomas. O poder de reproducção, que attinge o seu apogêo nos carcinomas, nos casos de producções cancroidaes é muito menos accentuado; e, por via de regra, não se observa nos epitheliomas a marcha aguda e os progressos celeres, que tantas vezes im- pressionam o clinico quando se trata do câncer. Sendo assim, já se poderia concluir a priori que mais acção tem a arte sobre os epitheliomas, e que os recursos da sciencia podem até certo ponto mais para entravar-lhes a marcha e sustar-lhes a invasão destruidora. Estas illações alguns factos têm se encarregado de legitimar, e a observação clinica se esforça em dar-lhes formal sancção. Tendo-me a pratica hospitalar proporcionado por duas vezes propricia occasião de presenciar o quanto pode contra as neoplosias epitheliaes o tratamento medico, apresso-me em scientificar o mundo medico, convicto da importância incontestável de seme- lhantes factos. Um dos casos sobretudo merece seria consideração, pela maneira saliente porque se impuzeram as vanta gens da medicação prescripta. Com effeito, tendo en- trado a3O de Junho de 1881 para a enfermaria dos homens no hospital da Santa Casa de Rezende um in- divíduo de cor preta, de 40 a 45 annos, de nome José Luiz, após haver procedido com attenção ao exame dos caracteres que apresentava uma neoplosia ulcerada que compromettia-lhe o labio inferior, conclui que se tratava de um epithelioma ulcerado da referida região. Havia já notável extensão da ulceração, que, tendo corroido os tecidos existentes n’esse ponto, havia esta- belecido franca communicação com a cavidade bucal, d’onde se escoava, pelo orifício de communicação, constante corrente de espessa saliva. Havia engurgi- tamento dos ganglios submaxillares e a ulcera can- croidal era a sede de pungitivas dores. A’ vista do caso em questão, depois de haver em- pregado sem proveito algum diversos topicos, me decidi a lançar mão do tratamento medico, afim de ver se o doente seria assim mais feliz do que com a operação,que, para ser bem feita e para não acarretar deformidade por demais sensivel, exigia o recurso da cheiloplastia. Formulei pois umaspilulas de iodoformio e extracto de cicuta na porporção seguinte: Extracto de cicuta, iodoformio —ãa 1 gram.— f. s. a. 20 pilulas. Para tomar B por dia. Prescrevendo esta medicação, inspirei-me nos effei- tos altamente antiplasticos do iodoformio, que figura á frente das boas preparações iodadas e que tem já conquistado um brilhante nome nos diversos casos de processos morbidos com hypergenese cellular. As- sociei-lhe o extracto de cicuta como um valioso auxi- liar e poderoso synergico, geral mente reconhecido pel a sua acção fundente e antiplastica e que tem sido, por mais de uma vez, preconisado no tratamento do câncer. Tendo o doente entrado no uso d’esta medicação a 15 de Julho, as melhoras não se fizeram esperar; manifestaram-se prorapta e decisivamente e de tal modo progrediram que a 6 de Setembro do mesmo anno elle pedia alta cora a sua ulcera completa- mente cicatrisada. Alguns mezes depois, a 21 de Dezembro de 1882, de novo se apresentou o enfermo no hospital de Santa Casa de Rezende, por haver reapparecido uma pequena ulceração com os mesmos caracteres da antiga e localisada na mesma região. Instituída a mesma medicação, em poucos dias obteve o indivíduo o seu restabelecimento. No mez de Maio de 1882, ainda foi o referido doente recolhido ao mesmo hospital em virtude de nova reproducção do mal. O epithelioma já ulcerado invadia larga porção do labio inferior e compro- mettia uma diminuta zona da região facial, osten- tando um aspecto ainda mais hediondo do que da primeira vez. A therapeutica posta em pratica foi exactamente a mesma de que eu tinha lançado mão nos insultos anteriores. Dentro de poucos dias, o aspecto da Ulcera se modificou favoravelmente, a cicatrisação começou de se estabelecer, e no fim de dous mezes. Pouco mais ou menos, estava o doente radicalmente curado de seu epithelioma ulcerado. A cicatriz se apresentava tão perfeita como a que tivesse resultado de uma incisão cirúrgica, e a deforma ção não se apresentava com certeza mais accen- tuada do que se tivesse havido intervenção ins- trumental. Por muito tempo perdi de vista o individuo em questão até que no ultimo quartel do annode 1882, se me não falha a memória, encontrei-me de novo com elle em um dos leitos da mesma enfer- maria. Não tinha havido reapparecimento do mal, a cicatriz se apresentava completa, era seu per- feito estado de integridade. Enfermidade diversa motivara a entrada do doente para o hospital. Desde essa data, nunca mais o tornei a ver, mas é provável que elle não tenha sido victima de novo insulto da terrivel affecção, pois do con- trario teria procurado o abrigo da Casa de Cari- dade, onde por tres vezes havia encontrado a saude e a vida. Eis pois um facto, cuja eloquência esmagadora falia bera alto em prol da vantagem positiva que se pode auferir do tratamento medico e dos esplen- didos resultados colhidos com a applicação do iodo- formio associado ao extracto de cicuta. No decurso do anno de 1883, tratei na enfer- maria de mulheres da Santa Casa de Misericórdia de Eezende, de uma doente, que soffria de um epi- thelioma ulcerado do colo do utero. Depois de varias applicações tópicas e sem proveito sensível, tendo ainda bem viva no espirito a lembrança do facto já referido, recorri ás pílulas de iodoformio e cicuta. Apezar do estado de adiantamento da lesão e dos progressos da cachexia, que se desenhava patente no habito externo da enferma, melhoras sensíveis appareceram e alguma modificação favoravel se operou no corrimento vaginal, tendo, além d’isso, se amainado consideravelmente as dores lancinantes. Infelizmente porém, a doente instou tão pertinaz- mente pela sua alta que eu me vi constrangido a concedel-a, perdendo assim uma nova occasião de poder apreciar mais detidamente os resultados da medicação instituída. Em resumo, nos casos de cancroides e de ulce- rações epitheliomatosas não devem os clinicos exitar em lançar mão do iodoformio associado ao extracto de cicuta, á vista das observações de bastante peso que venho de expor. Em um período ainda precoce da evolução da mo- léstia as vantagens obtidas serão mais frisantes e haverá maior probabilidade de pleno successo. Nas phases mais adiantadas não se deverá tão pouco esquecer tal recurso, por isso que n’estas condições poder-se-ha pelo menos esperar alguma modificação favoravel, traduzindo-se por melhoras mais ou menos accentuadas. Y Do tratamento da anemia spinal (spinal irritation) pelo emprego das correntes faradicas e das pre- parações strychno-phosphoradas. Compulsando-se as obras dos mais insignes nevro- patbologistas, nota-se que bom numero d’elles quasi nada dizem a respeito da chamada irritação spinal, limitando-se ordinariamente a fallar de passagem sobre esta entidade mórbida, que a maioria dos auto- res considera ainda modernamente como uma das modalidades phenomenologicas da hysteria a ce- lebre nevrose proteiforme. Entretanto, é incontestável que os mais acurados estudos contemporâneos e que uma copia avultada de observações clinicas de práticos de respeitável nomeada têm posto em saliente relevo a existência autonômica de semelhante affecção, a qual, bem que ligada frequentemente á hysteria, póde todavia se apresentar e apresenta-se muitas vezes, indepen- dente e com vida própria. E’ também, em grande parte, em razão das varian- tes diversas que offerece o enscenamento symptoma- tologico da irritação spinal e que fazem com que poucas vezes o diagnostico se imponha firme ao es- pirito do clinico, que as opiniões as mais desencon- tradas se apresentam no campo da sciencia a respeito da natureza d’esta enfermidade. Assim é que au- tores de grande nota, entre os quaes avultam Axen- feld, Darwal e Ollivier acreditam que se trata em taes casos de phenomenos morbidos indicativos de um estado congestivo da medulla, ao passo que ou- tros opinam que a symptomatologia que então se desenha corre por conta apenas de uma modificação molecular no dynamismo intimo dos elementos nervosos do eixo rachideano. A opinião, porém, a mais corrente na sciencia e que congrega junto a si os mais abalisados clínicos e experimentados nevrologistas é incontestavelmente a dos que filiam o quadro phenomenologico, que nes- tas condições se observa, a uma verdadeira anbemia dos cordões posteriores da medulla, a qual, por seu turno, póde estar algumas vezes na dependencia de perturbações circulatórias locaes, devidas a espasmos vasculares de origem hysterica. Entre as summidades clinicas que esposam esta maneira de ver, merecem particular menção Radcliffe e Hammond, cuja competência em assumptos d’esta ordem é de todos conhecida. Ordinariamente a irritação spinal ou anhemia spinal se traduz pelos symptomas seguintes : Io Dor em um ou mais pontos da columna ver- tebral. Este phenomeno, de grande importância pela sua frequência, varia muito de intensidade e é frequentes vezes acompanhado de um estado de hy- peresthesia tal que não permitte ao doente tolerar o peso e o contacto da roupa. Ordinariamente elle se manifesta pela pressão, mas em bom numero de casos qualquer movimento um pouco extenso do tronco provoca-o de um modo pronunciado. A dôr spinal se assesta na grande maioria dos casos na região dorsal, e a este respeito as observa- ções de Plinte e Hammond são decisivas. Em um facto muito interessante d’esta aífccção que conto em minha clinica, foi também na zona dorsal da me- dulla que principalmente se localisou a dôr. Muitas vezes, porém, o augraento da sensibilidade existe em toda a extensão do eixo rachideano. Nada mais variavel do que os caracteres e a inten- sidade da dor. Ora reclamando uma energica pres- são para se manifestar, ora acompanliando-se de uma franca hyperesthesia e de perfeitas myosalgias, que tornam qualquer contacto extremamente penoso, os 44 phenomenos algesicos ostentam-se algumas vezes com irradiações mais ou menos accentuadas para as re- giões visinhas, e não raro se notam perturbações dolorosas para o lado dos nervos intercostaes e cru- raes. Casos ha em que os doentes accusam dores vio- lentas, que apparecem espontaneamente e indepen- dentes de qualquer exame; outras vezes, porém, só uma fórte pressão ou então uma percussão mais ou menos energica é capaz de despertar os phenomenos de algesia. Na doente, que faz o objecto da observa- ção que vem appensa a estes breves estudos, a dôr se fazia sentir pelos movimentos, pela simples mar- cha e até na stação vertical; a mais ligeira pressão a exacerbava de um modo positivo. 2o Stmptomas excêntricos. Estes signaes mór- bidos constituem elementos semeiologicos de notável peso para a diagnose da irritação spinal e variam conforme a zona medullar aífectada. Assim, se é a região cervical a séde principal da ischemia, observam-se como expressão phenomenolo- gica, vertigens, zoada nos ouvidos, tonteiras, lypothy- mias, perturbações visuaes e cepbalalgia. A’s vezes, os enfermos accusam uma sensação de constricção ao nivel do sinciput e bysperesthesia do couro cabelludo. Não é raro apresentarem-se modificações mórbidas das faculdades psychicas e aberrações diversas do caracter, que se torna bizarro e caprichoso. No caso clinico da minha observação, as perturbações do caracter foram das mais interessantes, e nada mais ataxico, irritável, esethico, exquisito, movei e vario do que o moral d’essa doente, cujas modalidades psychicas se ostentavam no mais alto gráo de sus- ceptibilidade, influenciadas pela nevrose hysterica, que dominava e dirigia a affecção spinal. O somno é em geral agitado e na maxima parte dos casos os doentes se vêm perseguidos por insomnias rebeldes e importunas. Dores nevrálgicas nos mem- bros superiores, na nuca, entre as espaduas ena parte superior do thorax constituem, finalmente, um phenomeno symptomatico que não poucas vezes se encontra. Para o lado da motilidade, também se observam perturbações variadas, que embora não possuam alto valor semeiologico, devera comtudo ser apontadas. Na rainha doente se notavam frequentes vezes sobre- saltos fibrillares, spasmos clonicos nos musculos da nuca, de modo que havia movimentos lateraes con- stantes da cabeça, movimentos que se exacerbavam pela menor emoção moral ou sob a influencia de idéas desagradaveis. Ora apparecem contracturas dos flexores do braço, ora dos flexores da mão e em certos casos dos dedos. Em um facto citado por Hammond havia completa perda dos movimentos de uma das mãos. A aphonia e o soluço também fazem, ás vezes, parte da phenomenologia da irritação spinal, que se lo- calisa na região cervical. As nauseas e os vomitos são raros n’estas condições. Quando é a região dorsal a séde capital da affecção, encontrara-se como signaes morbidos de mais inte- resse os que se referem aos sofrimentos das vísceras. Entre estes, occupam o primeiro plano os que se achara sob a dependencia das perturbações das funcções gastro intestinaes. Assim, a gastralgia, as nauseas e os vomitos constituem phenomenos con- stantes nos casos d’esta ordem. Na minha doente, os vomitos e as nauseas se ma- nifestaram desde o inicio e continuaram por longo tempo com toda a pertinácia e capricho, cedendo afinal a uma therapeutica instituída com o maior desvelo e cuidados. Era todos os casos da estatística de Hammond, apresentaram-se constantemente estes phenomenos. Menos frequentemente se observam anorexia, hyperorexia, pyrosis, pneumatose gastrica e eru- ctações. As palpitações cardíacas, os accessos de sufocação, de oppressão, dyspnéa, figuram ainda no scenario semeiologico da irritação spinal localisada na região dorsal. Na minha doente havia palpitações pronunciadas. A nevralgia intercostal e a submamaria não são excepcionaes festas condições. Quando a irritação dorsal se complica de sensibi- lidade cervical, nota-se que os phenomenologicos característicos d’estas localisações mórbidas se enter- íneiam com mais ou menos accentuação. Se é a região lombar a sede da anhemia spinal, os symptomas mais importantes são constituidos por dôres nas extremidades inferiores e no abdómen. A.s vezes, se observam também cystalgias, espasmo do collo da bexiga, dysuria, incontinência de urina etc. Casos ha em que apparecem dôres no utero e nos °Varios e mais raramente no recto. No caso clinico Por mim observado, manifestaram-se e persistiram Por largo espaço hysteralgias, cólicas uterinas, e Vperesthesia ovariana. Taes são, em rapida e succinta analyse, as princi- Paes modalidades symptomaticas e as mais inte- expressões phenomenologicas que cos- caracterisar a anhemia spinal. Uma vez ligeiramente delineados os mais impor- Wes elementos semeiologicos da afecção, abordemos frente a questão do tratamento. A therapeutica da irritação spinal pode perfeita- mente ser encarada sob tres pontos de vista diversos, e assim teremos a medicação causal, a medicação pathogenetica e a medicação symptomatologica. Desde que pelo nosso exame e investigações cui- dadosas pudermos chegar ao reconhecimento das condições que produzem a anhemia spinal, deveremos tratar de removel-as, pois preenchida esta indicação, facilmente será debellada a affecção. E como não raras vezes, como atraz deixei dito, a irritação spinal se acha na dependencia e filiação directa da nevrose hysterica, trataremos de combater, pelos meios de que a arte dispõe, esta enfermidade pro- teica, afim de por este modo alcançar o restabeleci- mento dos doentes. Por felicidade, a hysteria, se- gundo o que pude deduzir dos resultados da minha pratica, é tributaria da mesma therapeutica que a irritação spinal, pelo menos em seus elementos principaes, e uma vez empregados vários agentes fun- damentaes da medicação anti-hysterica, triumpha- remos, por via de regra, da affecção spinal. Na medicação pathogenetica, devem servir-nos de guia os princípios estabelecidos pelas condições ana- tomo-physiologicas, que constituem o substratum € a natureza material da entidade mórbida em questão. Assim é que, sabendo nós que na irritação spinal a circulação é deficiente e se ostenta um verdadeiro processo deischemia, deveremos lançar mão de hyper- hemiantes e de estimulantes locaes e geraes, cujos efeitos tenham por fim exicitar o movimento san- guíneo e provocar uma actividade maior do depar- tamento circulatório medullar. E porque a deficiência da irrigação sanguínea e a modificação quantitativa anti-physiologica do liquido hematico tem como resultado perturbar o equilíbrio nutritivo do orgão spinal e deprimir-lhe a energia trophica, faremos uma tberapeutica racional e preencheremos uma indicação formal recorrendo ao emprego dos tonicos nevrosthenicos, dos estimulantes trophicos dos elementos nervosos e exitantes geraes da nutrição, sobretudo quando concorrer um estado de clorose ou anhemia globular. D’este modo, fustigando a energia circulatória e levantando o coefíiciente de nutição do eixo me- dullar, restabeleceremos o equilíbrio physiologico, condição essencial para o bom dynamismo das cel- lulas nervosas e restituiremos ao seu rbythmo normal as diversas e eminentes funcções afectas a essa parte do organismo, cuja perturbação dá conta das mais accentuadas manifestações mórbidas e dos symptomas fundamentaes da irritação spinal. O sabio principio scmguis moãerator nervorwn nunca deve ser perdido de vista sempre que se trate de pontos complicados da nevro-pathologia, e elle é perfeitamente applicavel em toda a sua plenitude no tocante á affecção de que se trata. A medicação pathogenica é, pois, a parte mais interessante e a de maior palpitancia da thera- peutica da irritação ou anhemia spinal. Instituida ella, teremos avançado um grande passo e ordina- riamente veremos, assim, ceder a maior parte dos symptomas, pouco ficando para fazer em relação ao tratamento symptomatologico. Os principaes agentes therapeuticos da medicação pathogenetica são constituidos pelo phosphoro, pela strychnina e a quinina, que representam um papel proeminente como excitantes da nutrição dos ele' mentos nervosos e excellentes tonicos nevrosthenicos. Elles exercem, alem d’isto, uma acção manifesta sobre a nutrição geral, e, sob esse ponto de vista, o ferro, o oleo de figado de bacalhau e o arsénico devem merecer a consideração e o respeito dos clinicos. As preparações opiaceas, sobretudo a morphina, prestam relevantes serviços, e pelos seus effeitos hjperliemiantes e congestivos preenchem uma indicação de summa importância. Demais, o opio tem ainda ura papel a representar na medicação sympto- matologica. Como estimulantes geraes, os akoolicos não devem ser esquecidos e o seu emprego methodico e prudente tem proporcionado serias vantagens. Porem sua principal esphera de acção está traçada na medicação symptomatica, onde com a sua intervenção se con- quistam positivos benefícios, combatendo uma das mais terríveis manifestações phenomenologicas da anhemia spinal os vomitos incoerciveis. Os revulsivos applicados á região rachideana constituem igualmente uma arma therapeutica de avantajado valor, e bem que o seu emprego pareça, á primeira vista, paradoxal, attendendo ás condições phy- sico-pathologicas da affecção, os magnificos resultados obtidos por Hammond e o proveito frisante que alcancei no caso clinico adiante consignado me auto- risam a preconisal-os calorosamente. São os vesica- tórios que nos devem merecer a preferencia; as ven- tosas seccas vêm em segundo logar. No meu modo de entender, os revulsivos, alem de seu papel como agentes da therapeutica symptomatologica, actuam como estimulantes locaes, determinando uma fusti- gação na circulação spinal e uma excitação nutritiva fovoravel e benefica; e para isso é necessário que elles sejam applicados com constância e por longo tempo. E’ em parte sob este titulo que actuam as duchas frias e alternantes dirigidas sobre a espinha e bem assim a faradisação localisada, meios que, por outro lado, actuam como reconstituintes geraes e correctivos das aberrações nervosas, quando applicados de um modo geral. A hydrotherapia e a electricidade gozam ainda de merecido conceito na medicaçao syrap- tomatica, onde não são pequenos os serviços por ellas prestados. Na minha doente, as correntes faradicas ascen- dentes foram applicadas com extrema vantagem, já como estimulante local, já como um meio poderoso de debellar a sensibilidade e as dores rachideanas. O professor Hammond, emerito nevro-pathologista recommenda ainda a applicação de agua quente sobre a espinha dorsal, como um admiravel auxiliar do tratamento. A therapeutica hygienica deve ainda ser posta em pratica; assim, os doentes devem uzar de uma ali- mentação plastica e reconstituinte, devem abster-se do exercido immoderado e da attitude vertical. A therapeutica symptomatologica dispõe de va- riados e numerosos agentes, de acordo com a multi- plicidade de plienomenos porque se troduz a anhemia spinal. Entre os symptoraas da irritação spinal que têm maior importância e que podem muitas vezes dominar a scena e assumir grande responsabilidade no drama patbologico, cumpre mencionar com especiali- dade, os vomitos rebeldes, as gastralgias, as nevral gias intercostaes, as dôres rachideanas e a cepba- lalgia. Vêm em segundo plano as vertigens, as tonteiras os spasmos, as contracturas, etc. Os vomitos constituem muitas vezes um symptoma interessante da irritação spinal, e na minha doente, elles abriram por assim dizer a scena mórbida e quasi que representaram o papel de protogonista do drama patbologico, adquirindo um caracter de inten- sidade, constância e rebeldia taes que deram lugar a uma verdadeira inanição e a uma dystropbia geral considerável. O depauperamento orgânico e o desça* labro da economia pronunciaram-se salientemente, e a doente ficou em serias condições e com as forças por demais alquebradas, em razão das graves pertur- bações das funcções de nutrição. Muitos factos clínicos da intitulação hysteria gastrica não passam de perfeitos casos de vomitos incoercíveis dependentes da irritação spinal. São numerosos os agentes recommendados contra os vomitos; mas cumpre confessar que a maioria dos medicamentos mais comrauns n’estes casos falham de um modo desastroso; notando-se mesmo uma grande ataxia medicamentosa em relação a estes vomitos nervosos. Os opiáceos, os salaneos, as bebidas acidas e gazosas etc., ordinariamente nada aproveitam; e ao lado de um facto de melhoras fictícias, contam- se innumeros casos de insuccesso completo. Os revulsivos aproveitara ás vezes, mas não se deve sempre contar com elles. Na minha doente, que esteve sob os cuidados de diversos clinicos de no- meada do Rio de Janeiro antes de ser por mim medicada, lançou-se mão de uma infinidade de meios therapeuticos, e, apezar d’isso, nunca ella poude conseguir passar dois dias sem vomitos. Todos os alimentos eram infallivelmnete rejeitados, apropria agua o estomago não tolerava. Logo que tomei conta do tratamento, empreguei ainda as gottas negras inglezas, de que costumo me soccorrer em semelhantes casos; mas nenhuma me- lhora positiva se fez notar. Lemhrei-me então de recorrer á chlorodyna na dose de 5 gottas em uma colher d’agua assucarada, repetidas até completar-se a conta de 30 gottas diarias, e só assim pude conseguir uma pausa de 4 dias. Em seguida, lancei mão do acido prussico era doses elevadas, associando-0 ao licor de Hoffman eao elixir de Mac-Mun; e a favor d’esta formula poude a doente passar 8 dias sem vo- mitar, o que ella própria considerou um esplendido triumpho. Os alcoolicos, sobretudo a aguardente de canna anisada, me prestaram também relevantes serviços. Ainda empreguei a faradisação epigastrica e spino-epigastrica eos revulsivos á região dorsal da medulla, e foi á custa d’este complexo de agentes therapeuticos que consegui dar conta do formidável symptoma constuido pelos vomitos incoercíveis. Por isso, eu aconselho que se recorra, em semelhan- tes condições, á chlorodyna de Davenport, ao acido prussico, ás bebidas alcoólicas brancas como o cognac, o wiskey, a aguardente e ao licor de Hoffman entre cs agentes therapeuticos internos, aos revulsivos e á faradisação epigastrica entre os meios externos. às gastralgias são tributarias do mesmo trata- meito, que proporciona então mais positivos resul- tados. As dores racbideanas devem ser combattidas pela faradisação localisada, que constitue um agente de soberano proveito, pelas injecções hypodermicas de morphim, pelos topicos anodynos, revulsivos e duchas locaes. Contra is nevralgias intercostaes prescreveremos os revulsivos, as injecções subdermicas de morphina- e de atropina e ainda a faradisação, que produz prom- ptos resultados. A cephalalgia se mostra, algumas vezes, rebelde e zomba altaneira dos diversos agentes medicamentosos contra ella dirigidos. Os antinevral- gicos congestivos devem ser lembrados n’estas con- dições. As vertigens, as tonteiras, os spasmos e as con- tracturas são em geral tributarias do tratamento pela morphina, pelas inhalações de nitri to de amyla e pela electricidade. Eis, em resumo, o que de mais essencial eu poderia dizer sobre o tratamento da anhemia ou irritação spinal. Por mais breve e incompleto quetenba sido acredito haver apontado os elementos principaes, qua nos devem servir de base e de guia na therapeutiía de semelhante affecção. De resto, no caso clinico çue adiante vai descripto se acham consignados, de um modo claro e detalhado, as variantes e os episodics do methodo por mim seguido no tratamento instiiuido. OBSERVAÇÃO CLINICA SOBRE IRRITAÇÃO SPINAL A Exma. Sra. M. R., viuva de um eminente engenheiro, de 30 annos de idade pouc* mais ou menos, de uma educação notavelmente esmerada e de bastante instrucção, dotada além d’;'sso de uma susceptibilidade moral accentuada, maadou-me cha- mar a 7 de Outubro de 1881, afim de prestar-lhe meus cuidados médicos. Commemoraiivos. Esta senhora soffria de ma- nifestações pronunciadas de hysteria, que se tradu- ziam por attaques formaes e por um nervosismo frisante. As explosões da nevrose, que haviam irrompido durante a vida de seu esposo, após a viuvez se exa- cerbaram de um modo accentuado. Os attaquse começaram a sobrevir amiudadas vezes e outras manifestações vaporosas se fizeram notar. Em Dezembro de 1882, começou ella a sentir nauseas frequentes, a que bem depressa se seguiram vomitos, que se foram tornando de mais em mais amiudados e pertinazes até adquirirem o caracter de verdadeiros vomitos incoerciveis. Alem d’isso, explo- sionaram dores racbideanas bastante accentuadas e mesmo uma byperestbesia notável, sobretudo na região dorsal da medulla. E a medida que estes phenomenos assim se accentuavam, os attaques nervosos iam-se tornando menos frequentes e mais moderados. Durante o mez de Janeiro de 1883, os vomitoS ganharam o apogeo de sua intensidade e assim con- tinuaram de um modo desapiedado e cruel, impe- dindo completamente a alimentação, e depauperando de uma maneira notável o organismo da doente. Os alimentos os mais leves, o leite, os caldos e a própria agua tomada em pequena quantidade eram infallivelmente rejeitados; a menor emoção, a mais insignificante contrariedade moral era sufficiente para exagerar este phenoraeno morbido. Além d’isto, as dores rachideanas, a cephalalgia, as tonteiras, ver- tigens e obnubilações visuaes contribuiam para ator- mentar a enferma, amargurando-lhe a existência. Se os attaques hystericos se amainaram e se tornaram mais raros, nem por isso deixaram de se manifestar com intensidade outros symptomas de nervosismo. A susceptibilidade de caracter, a irritabi- lidade moral, espasmos clonicos dos musculos danuca, os movimentos lateraes constantes da cabeça, a agita- ção e movimentos involuntários das mãos começaram de se accentuar deste então e assim continuaram’ ê guardando um certo parallelismo com as nauseas e os vomitos. N’estas condições, a doente recorreu aos cuidados dos mais eminentes práticos do Eio de Janeiro, que trataram de examinal-a cuidadosamente e de medi- cal-a. Divergiram profundamente os pareceres dos eximios clinicos, entre os quaes sobresahiam os Srs. Dr. Ba- ptista dos Santos e conselheiro Souza Costa; e sobretudo em relação á diagnose, houve completo desaccordo. Assim é que alguns opinaram que se tratava de um câncer ventriculi, outros admittiram uma ulcera do estomago, outros fizeram depender os vomitos rebeldes de uma raetrite acompanhada de latero-flexão do utero, outros, finalmente, foram de opinião que esses vomitos eram puraraente nervosos e não se filiavam a uma lesão material apre- ciável. Relativamente ao tratamento, também se separaram os práticos e successivamente foi percorrrida uma immensa escala therapeutica. Assim, recorreo-se aos opiáceos e a doente foi submettida ao uso da mor- pbina, do laudano, do extracto tbebaico, etc; lançou-se mão depois das bebidas acidas e geladas, das poções antiemeticas, mas os vomitos zombaram de todos esses meios. Empregou-se em seguida uma medicação dirigida contra a moléstia uterina e tratou-se de combater essa ligeira endometrite que existia e que se caracterisava, entre outros phenomenos, por uma leucorrbéa mais ou menos abundante. Foram lembrados os farruginosos para combateras manifestações cbloroticas que se faziam notar, e mesmo as preparações arsenicaes não ficaram de lado. Foi igualmente instituída a medicação bromurada e insistio-se no bromureto de potássio e na campbora monobromada, porém sem melhoras sensíveis. Os revulsivos ao epigastro não produziram mais felizes resultados e os vomitos continuaram pertinazes e rebeldes, acarretando o descalabro da nutrição e o depauperamento orgânico. Ainda fez uso a doente do creosoto, da tinciura de iodo, do oxalato de cerio, etc., porem debalde. O Dr. Baptista dos Santos prescreveo-lhe então o sulfato de strychnina em pilulas, e ella esgotou tres formula sconsecutivas, apresentando-se ligeiras me- lhoras ; assim; durante ura dia não apparecerara vomitos. Mas tendo-se manifestado algumas cólicas e phenomenos gastralgicos, a doente os attribuio á strychnina e suspendeo o seu uso. A moléstia con- tinuou na sua marcha episódica de exacerbações e de ligeiras melhoras; os vomitos persistiram com o mesmo gráu de intensidade. Então, um dos práticos, sob cujos cuidados estava a enferma, aconselhou os banhos de mar; ella submetteo-se ao emprego d’esse meio por algum tempo, mas sem resultados decisivos. Esgotado o vasto arsenal qne a matéria medica e hygienica põe á disposição dos clínicos e continuando a doente a passar mal, a ponto de emmagrecer extraordinariamente e de enfraquecer-se de um modo frisante, diversos facultativos julgaram inútil a insistência nos agentes medicamentosos e foram de opinião que ella se retirasse da Corte. A doente tomou então a deliberação de vir para Eezende e o fez, com a acquiescencia de emeritos práticos. Aqui chegando, resolveo ir passar algum tempo em uma fazenda situada nas fraldas da cordilheira do Itatiaya e pertencente a uma das mais distinctas se- nhoras da sociedade rezendense. N’essa localidade, a favor de bom clima, de excellentes aguas e de magni- fico leite, conseguio a doente ligeiras melhoras por algum tempo; assim é que poude o seu estomago tolerar o leite por espaço de dous dias. Mas em breve desappareceram essas melhoras fictícias e as cousas continuaram no mesmo estado. Então, fui consultado por carta a respeito do estado d’ella, e á vista das informações incompletas que me foram ministradas prescrevi os gottas negras inglezas internamente e sobre a região epigastrica ordenei que se applicasse um emplasto de cicuta e belladona. A enferma começou a fazer uso d’esta medicação a 80 de Agosto de 1883. A principio, os vomitos se amainaram e principalmente o leite por espaço de tres dias poude ser tolerado. As tonteiras, porem, e as vertigens nenhuma modificação favor avel experimentaram, assim como o nervosismo exagerado que atormentava a infeliz senhora. Os vomitos dentro em pouco reassumiram o mesmo caracter de intensidade e rebeldia, e todo o complexo de phenomenos morbidos se accentuou com igual gráu de energia. Assim marcharam as cousas com alternativas passa- geiras de attenuação e de aggravação até que a doente deliberou entregar-se aos meus cuidados e n’esse intuito veio para esta cidade em principios de Outubro de 1888. Estado actual. A 7 d’esse mez fui chamado para encarregar-me do tratamento e procedi então pela primeira vez a um methodico e minucioso exame em sua pessoa. Eis os dados semeiologicos fornecidos pelo exame por mim praticado e pelo interrogatório a que sub- metti a doente: Apparelho nervoso. Dores rachideanas pro- nunciadas, sobretudo na região dorsal da medulla, manifestando-se pela exploração ou independente d’ella e exacerbando-se na estação vertical prolongada. Hyperesthesia da pelle n’esta região. Cephalalgia pertinaz e constante. Tonteiras e vertigens. Obnu- bilações visuaes. Irritabilidade e susceptibilidade psychicas, caracter caprichoso e bizarro. Formigamentos nas pernas e nos braços algumas vezes. Apparelho locomotor. Espasmos clonicos dos musculos da nuca e agitação lateral constante da cabeça. Espasmos dos flexores das mãos e dos dedos, agi- tação desordenada e movimentos irregulares d’estes orgãos. Fraqueza muscular nos membros inferiores e, ás vezes, repuxamentos sensiveis nas pernas. Fadiga facil e prompta, provocada pelo mais limitado exercicio. Apparelho digestivo. Nauseas e vomitos re- beldes, incoercíveis, provocados ordinariamente pela ingestão dos solidos e dos liquidos, mas apparecendo ás vezes sob a influencia simplesmente de emoções moraes ou de qualquer contrariedade de espirito e mesmo, em certos casos, sem um motivo apreciável. Gastralgia e pyrosis raras vezes. Cólicas intesti- naes pouco frequentes lingua boa. Apparelho circulatório e systema sanguineo. Palpitações cardiacas. Phenomenos sensiveis de hypoglobulia e signaes francos de lymphatismo. Apparelho de calorificação. Por vezes mani- festas perturbações thermicas, e frequentemente resfriamento das extremidades inferiores e supe- riores. Apparelho genital. Ligeira dextro-flexão do útero. Hyperesthesia ovariana. Cólicas uterinas fre- quentes. Leucorrhéa pouco notável. Apparelko ourinario. Nada de anormal. Apparelko respiratório. Nada de anoraalo, a não ser, uma ou outra vez, alguma dyspnéa de origem nervosa. Habito externo. Eramagrecimento notável. Pallidez. Engurgitamento de alguns ganglios cervi- caes e submaxillares, que se apresentam visíveis á simples inspecção. Diagnostico. A’ vista dos elementos fornecidos pela analyse clinica dos apparelhos e das funcções respectivas e dos dados anamnesticos proporcionados pela doente, eu não podia deixar de capitular uma irritação spinal ou anhemia dos cordões posteriores, sob pena de faltar aos mais comesinhos princípios da sciencia do diagnostico e ás noções vulgares do raciocínio clinico. Reconheci igualmente a existência de uma ligeira dextro-flexão uterina acompanhada de insignificante endometrite chronica e de um corrimento leucor- rheico pouco notável. Prescripção. Tendo em consideração a intole- rância gastrica, qne se oppunha a uma medicação seria e que aggravava extraordinariamente as con- dições da doente, perturbando salientemente a nu- trição, deliberei em primeiro lugar combater principalmente esse symptoma formidável, e n’esse intuito institui o tratamento seguinte, attendendo igualmente aos phenomenos utero-vaginaes: Eeceita, Nitrato de prata 1 centig. Pó inerte, mel q. h. F. 1 pilula mande 12. T. 8 por dia. Eeceita, Agua de ílôr de larangeira 120 gram. Acido prussico medicinal 10 gottas Xarope simples 20 gram. m. m. T. 1 colher de sopa depois das refeições. Eeceita, Agua de alcatrão 300 gram. Addicione 4 colheres de sopa aum litro de agua mórna e faça injecções vaginaes 2 vezes por dia. Eeceita, Mande 1 mosca de Milão. Para applicar sobre a espi- nha no ponto mais doloroso. 17 ãe Outubro. A doente obteve algumas me- lhoras. Os vomitos se amainaram e o leite ingerido foi conservado algumas vezes. A dor spinal experi- mentou pequena modificação. Prescripção. Insiste-se na modificação prece- dente, apenas elevando as dóses do acido prussico e do nitrato de prata. Formulo mais umas pilulas de acido phenico para serem tomadas depois das refeições e cora o fim de combater ligeiras determinações dartrosas para o lado dos seios. Mando vir uma tira vesicante de 10 centímetros de comprimento sobre 6de largo para se applicar á região dorsal da espinha. 22 ãe Outubro.—Houve algumas alternativas de attenuação e de exacerbação nos phenomenos morbidos. A dor spinal experimentou modificação sensivel. Os vomitos, porém, persistem mais ou menos com o mesmo caracter, aggravando-se pela menor influencia moral. Além d’isso, a doente accusa flatulencias e meteorismo gástrico, que eu verifico pela exploração. Prescripção. A’ vista da rebeldia dos vomitos, eu me decido a instituir a medicação pathogenetica, associando a ella os agentes da therapeutica sym- ptomatica. Convicto, á vista dos dados commemorativos e dos caracteres de certos phenomenos morbidos, da in- fluencia da hysteria sobre a affecção spinal vertente, me resolvo a recorrer aos meios therapeuticos que mais proveitos me tem proporcionado na clinica contra essa caprichosa nevrose, e lanço mão da medição strychno-phosphorada. Eeceita, Phosphureto de zinco 5 centig. Extracto de noz vomica 10 centig. F. 30 pilulas. T. 1 depois das refeições. E para dissipar o tympanismo e os symptomas de flatulência, formulo a seguinte poção: Eeceita, Agua de ílôr de larangeira 120 gram. Bicarbonato de sodio 8 gram. Phosphato de cal 2 gram. Essência de hortelã 2 gottas Xarope de belladona 30 gram. m. m. T. 1 colher de sopa antes das refeições Como auxiliar da medicação antiemetica prescrevo: Eeceita, Mande 1 mosca de Milão. Para applicar á região epigastrica. Eeceita, Chlorhydrato de morphina 5 centig. Mande P. polvilhar a superfície vesicada. 27 de Outubro.— As condições da doente são mais ou menos as mesmas. No entretanto, a dor spinal e a hyperesthesia rachideana se acham consideravel- mente amainadas, e, além d’isio, a alimentação se tem feito,embora era limitada escala. Dias ha em que os vo- mitos se ostentam com toda a pertinácia e o estomago rejeita inexoravelmente qualquer alimento, solido ou liquido; outras vezes, porém, uma certa quantidade de leite ou de caldo é conservada e vai servir assim ás necessidades da nutrição, de sorte que nota-se alguma modificação favoravel no estado geral. Prescripção.—Afim de conseguir a tolerância gás- trica em relação ás refeições principaes, lanço mão do hydrato de chloral em uma poção, da qual recomraen- do á doente que tome uma colher de sopa depois do almoço e do jantar. Para combater os vomitos rebeldes que se mostram a qualquer hora do dia e muitas vezes sem um motivo apreciável, recorro á chlorodyna, tão preconisada pelos clinicos inglezes e americanos. Keceita Xarope de casca de laranjas amargas 120 grammas Hydrato de chloral 5 grammas Bromureto de sodio 7 grammas Dissolva e mande T. uma colher de sopa depois das refeições. 71 Chlorodyna 1 vidro Mande T. 5 gottas em uma colherinha d’agua quando sentir nausea, podendo tomar até 30 gottas por dia. Continua-se com os vesicatórios volantes á região do rachis. 28 de Outubro.—A doente é accommettida de um attaque hysterico, após haver atravessado um largo espaço de tempo a coberto d’esta modalidade sympto- matica da terrivel nevrose. Ella accusa perturbações menstruaes, phenomenos dysmenorrheicos acompanhados de cólicas uterinas accentuadas e de ovaralgia. Prescripção.— Pilulas henedictas de Puller e uma poção estimulante diffusiva. 2 de Novembro.—O estado geral tem melhorado sensivelmente. Um certo grupo de symptomas de hys- tericismo ede irritação spinal tem experimentado pronunciada attenuação. Pela primeira vez consegue a doente passar quatro dias sem vomitar; desde o dia 29 do mez passado até hontem, fez uma pausa o formidável symptoma, que assim concedeu ligeiras trégoas á alimentação. Hoje, o leite ingerido pela manhã é rejeito e mais vezes se repetem os voraitos. A doente se queixa de clôres accentuadas nos ganglios cervicaes e submaxillares engurgita- dos. Prescripção.— Insiste-se na mesma medicação, elevando a dose de chloral a 7 gram. Pommada abortiva de Debreyne para applicações tópicas sobre os ganglios dolorosos. 6ãe Novembro.— A doente accusa pronunciada sensibilidade na região dorsal da espinha e pela pressão se nota um ou outro ponto doloroso na região cervical e na zona lombar. Ha cephalalgia e tonteiras pertinazes. Nota se um estado frisante de Irritabilidade psychica. Os ganglios cervicaes e submaxillares se apre- sentam mais volumosos e a sua apalpação desperta dôres mais ou menos vivas. Frescripção.— Insiste-se na medicação prece- dente. Confiado nas salientes vantagens proporcionadas pelo emprego da electricidade nos casos de affecções do systema nervoso e muito esperançado sobre os seus proveitosos resultados no caso em questão, inicio as applicações d’este maravilhoso agente e pratico a primeira sessão de faradisação, empregando as correntes spino-epigastricas e a electrisação locali- sada da região epigastrica. 11 ãe Novembro.— 0 estado geral apresenta-se em boas condições. Tem havido frisante modificação na sensibilidade racbideana e nos vomitos, que são mais espaçados e menos tenazes. Prescripção.— Tendo-se esgotado a 2a formula das pilulas de pbosphureto de zinco e extracto de noz-vomica prescrevo: Receita Xarope de Easton 1 vidro Mande. T. i/*' colhar de chá antes das refeições. Mando suspender a poção cbloralada e continuar com a chlorodyna. Sessões diarias de faradisação. 20 ãe Novembro.— Pouca alteração se nota nos phenoraenos morbidos. Pronunciam-se certos symptomas de lympliatismo. O engurgitamento dos ganglios ceryicaes e subma- xillares se tem avantajado, ostentando-se rebelde ás applicações tópicas; nos braços se distinguem signaes inequivicos de lymphangites erraticas e bastardas. Prescripção.— Para combater as determinações lympbaticas, eu lanço mão da tintura de iodo na doze de 5 gottas após ás refeições principaes. 12 cie Dezembro.— As condições geraes da doente se apresentam lisongeiras. As fnncções de nutrição se exercera com mais energia: os voraitos se mani estam com intervallos de 7 e de 8 dias, e as mais- das vezes o seu reapparecimento é provocado por algum desvio de regimen e pela influencia de emo- ções moraes ou de abalos psychicos. Os symptomas de lymphatismo se tem attenuado extraordinariamente. Prescripção.— Suspenda-se o uso da tinctura de iodo e continue-se com o xarope de Easton. Sessões diarias de faradisação. 2de Janeiro.— Em consequência de retardamento das regras, ha uma aggravação de todos os phe. nomenos morbidos. Os vomitos, que por espaço de 18 dias não se mostravam, reapparecem e redobram de intensidade; as dores racbideanas se accentuam ese acompanham de uma notável hyperesthesia da pelle na região dorsal da medulla. A cephalalgia se ostenta com violência e bem assim as vertigens e as tonturas. A doente se apresenta em condições de susceptibilidade psychica exagerada e o caracter se torna por demais caprichoso e irritável. Ella se queixa de dôres ovaralgicas e de cólicas uterinas consideráveis. JPrescripção.— Pilulas de Fúller e poção emmena- goga. Pequenos vesicatórios ás regiões ovaricas e sina- pismos aos jumellos. Como a chlorodyna pouco tem aproveitado ultima- mente contra o symptoma —vomitos— prescrevo: Eeceita Elixir de opio de Mac-Mun 20 gottas Licor de Hoffman 30 gottas Acido prussico 12 gottas Misture e mande. T. 5 gottas em uma colher d’agua, quando sentir nauseas, podendo tomar até 30 gottas por dia. 3de Janeiro.— Mesmo estado, menos os vomitos, que têm-se amainado. 4ãe Janeiro.— O apparecimento das regras e a modificação da congestão utero-ovarina trouxeram attenuação dos principaes symptomas da affecção. Só persistem ainda com accentuação as dôres rachi- deanas e a sensibilidade spinal. Prescripção. Mando insistir no xarope de Easton, do qual recommendo á doente que tome uma colherinha antes das refeições, e bem assim ordeno que continue com o acido prussico associado ao elixir de Mac-Mun e ao licor de Hoffman. Contra as dôres spinaes, emprego a faradisação em correntes spinaes ascendentes, applicando o pólo positivo no limite inferior da região dolorosa e o pólo negativo no limite superior da zona byperes- thesica. Ao mesmo tempo, recorro a uma nova tira vesicante applicada á parte mais dolorosa do rachis. 14 ãe Janeiro.— Melhoras positivas. O estado geral se revigora e a doente se mostra nédia e bem disposta. Até hoje não reappareceram os vomitos. As dores espinaes se tem attenuado consideravelmente. Prescripção. Continua-se com a mesma medi cação. Não tem havido necessidade de usar dos agentes antiemeticos. 18 ãe Janeiro.— Estado lisongeiro; gradual e rápido progresso das melhoras. Ha 14 dias que cessaram completamente os vomitos. A sensibilidade rachideana e as dores spinaes desappareceram de todo á custa da faradisação spinal por meio de correntes ascendentes. A doente desejando passar algum tempo em uma fazenda de pessoa de sua amizade pede o meu parecer. Consinto, recommendando-lhe porem que se abs- tenha de qualquer desvio de regimem dietetico, ea hem assim, de exercido immoderado e sobretudo da equitação. Prescripção. Mando insistir na prescripção strychno-phosphorada, representada pelo xarope de Easton. Suspende-se a faradisação depois de 70 sessões consecutivas. 2 de Fevereiro.—A minha doente continúa a me- lhorar gradual e frisantemente. Todos os pheno- menos morhidos desapparecem e as funcções de nutrição se exercem de um modo lisongeiro. O orga- nismo se retempera e avigora-se accentuadamente. Ha um mez seguramente que os vomitos não se repetem. No dia 14 de Março estive pela ultima vez com a minha doente, que se achava em franca e plena convalescença e se apresentava bem nutrida e nédia. Nenhum symptoma do mal havia reapparecido e a cura parecia completa. Mesmo assim, recommendei-lhe que continuasse a fazer uso do xarope de Easton e que para conso- lidar o seu restabelecimento se submettesse a um tratamento hydrotherapico sob a fórma de duchas frias e alternantes, quer no Eio de Janeiro para onde ella se retirava, quer em Nova-Eriburgo, no grande estabelecimento que alli existe a cargo do laborioso clinico o Dr. Carlos Eboli. Eis, pois, descripto em todos os seus detalhes e pormenores o interessante facto clinico, a proposito do qual julguei opportuno expender algumas despre- tenciosas considerações sobre o tratamento da irri- tação spinal. De uma analyí-e succinta da observação que pre- cede, se deprehende a marcha episódica e intermit- tente por que se caracterisou por muito tempo a affecção, notando-se successivas alternativas de atte- nuação e aggravação dos phenomenos morbidos. Para isto concorreu grandemente, no meu entender, o meio hysterico e nevrosico em que se desenvolveu a irritação spinal, dando-se o facto de, por diversas e numerosas vezes, repetirem-se e exacerbarem-se os vomitos sob a influencia exclusiva de causas moraes, contra as quaes, desgraçadamente, pouco pode a me- dicina. Aliás, a rebeldia d’este symptoma tem sido verificada por Flint e Hammond, os quaes em suas bem elaboradas observações poem em relevo, de uma maneira frisante, a circumstancia interessante de serem os vomitos um dos últimos e, muitas vezes, o ultimo signal morbido a desapparecer. Foi incontestavelmente desde que lancei mão da medicação pelo phosphoro e pelas strychneas, e que me soccorri das applicações faradicas, que as me- lhoras começaram a se accentuar de um modo indis- cutível. A modificação favoravel do estado geral se pronunciou antes que os phenomenos locaes tivessem experimentado uma attenuação decisiva; foi bastante que os vomitos se amainassem, para que se erguesse o coefficiente da nutrição e as funcções de assimi- lação se retemperassem pujantemente. As dôres espinaes, que tão rebeldes se mostraram aos agentes therapeuticos e que se repetiram tenazmente por varias vezes, só se acalmaram salientemente e ces- saram de uma maneira completa, depois que recorri ás correntes spinaes ascendentes, applicados os poios sobre os limites da zona dolorosa. Os diversos pontos que acabo de frisar patenteara bem os ensinamentos fecundos que se contêm no caso clinico precedentemente descripto; acredito, pois, que, expondo-o á apreciação do mundo medico, tenbo finalisado proveitosamente os meus ligeiros estudos sobre tratamento da irritação spinal. VI Algumas considerações sobre o tratamento da atro- pina muscular progressiva, a proposito de um facto clinico observado no hospital da Santa Casa de Rezende. São indiscutíveis e por demais frisantes os pro- gressos que se têm operado modernamente na nevro- pathologia, e não ha negar que as investigações e os estudos últimos, com tanto labor e mérito realisados, lhe têm imprimido transformações fecundas e modi- ficações de inestimável valor. As afecções da medulla, que até bem pouco tempo constituíam outros tantos problemas intrin- cados, se acham na actualidade accentuadamente elucidadas e perfeitamente diferenciadas em seus caracteres clínicos e anatomo-pathologicos. Às pa- cientes e afanosas pesquizas de uma pleiade bri- lhante de proeminentes vultos, têm descortinado um campo vasto nos domínios da pathologia spinal, pro- jectando clarões deslumbrantes sobre muitas incóg- nitas d’essa parte importante dos conhecimentos médicos. Assim é que hoje a grande classe das myelites se acha perfeitamente definida e caracte- risada, e ninguém desconhecerá presentemente os signaes clinicos que accentuam a physionoraia do fecundo grupo das scleroses medullares. Graças á applicação tão util dos estudos de topographia spinal, brilhantemente realisados pelos abalisados profes- sores Charcot, Grasset e Yulpian, se acha agora constituida em bases solidas a autonomia das mye- lites systematicas, e póde-se dizer com rigor que sob o ponto de vista anatomo-pathologico e clinico pouco ha a fazer sobre este ponto. De maneira que, a cada circumscripção da medulla corresponde para assim dizer uma especie mórbida distincta e o nome generico de myelite, que até bem pouco servia para designar toda e qualquer affecção inflammatoria do eixo spinal e os mais dissimilhan- tes processos morbidos localisados n’este orgam, boje tem perdido muito do seu valor diagnostico, e empregado isoladamente na linguagem pratica nada adianta ao clinico sobre a natureza intima do trabalho pathologico, sobre a localisação da moléstia inflammatoria, e por conseguinte sobre o prognostico a formular. Ainda mais, as investigações preciosas dos mo- dernos nevro-pathologistas ampliaram esplendida- mente os horizontes da pathologia spinal, e differentes affecções, que os clinicos localisavam no apparelho muscular, hoje se acham perfeitamente encaixadas no quadro das moléstias medullares e naturalmente incluidas no grupo das myelites. Na actualidade, nenhum medico que acompanha os progressos da sciencia e o adiantamento frisante da anatomia pa- thologica, deixará de admittir a atrophia muscular progressiva como uma rayelite parenchymatosa chronica das pontas anteriores do eixo medullar, e eu considero mesmo como um anachronismo grosseiro filiar-se presentemente essa afecção a um processo morbido localisado no systema mus- cular. Por outro lado, opiniões abalisadas, escudando-se em exames microscopicos realisados principalmente por Lockart-Clarke, reconhecem hoje o tétano como dependente de um perfeito processo de rayelite central. A’ vista de tão fecundos fructos e de tão brilhantes resultados alcançados pelos progressos evi- dentes e relevantes dos estudos anatomo-pathologicos e clinicos sobre a nevrologia, quem deixará de espe- rar em um futuro, talvez proximo, a suppressão do termo nevrose da teclmologia medica e a accentuação definida e precisa da physionomia do processo morbido que preside ao apparecimento da hysteria, da epilepsia e das diversas e numerosas psychoses? Infelizmente, se está fora de duvida e salta aos tlhos de uma maneira fatal o impulso enorme que os orabalhos modernos têm dado á parte anatómica e clinica da nevro-pathologia, é força reconhecer-se que esse movimento de progresso não se tem feito sentir de um modo tão accentuado em relação ao trata- mento, e a verdade exige iraperiosamente que se diga que a therapeutica das myelites se acha ainda boje privada de armas poderosas e reduzida a meios secundários, cuja acção curativa se patenteia por demais limitada e incapaz ordinariamente de sustar o evolucionar da moléstia. Por isso, toda a tentativa no intuito de levantar a sentença de incurabilidade, que pesa cruelmente sobre a generalidade das afecções spinaes e maxime sobre as myelites, deve ser acolhida com applausos e ardentemente acoroçoados os esforços envidados para apoiar em factos clínicos as vantagens obtidas pelo emprego d’este ou d’aquelle agente tlierapeutico. N’este ponto, tanto mérito devem ter aos olhos do clinico os meios cuja applicação é o resultado de suas propriedades pbysiologicas, como aquelles que o empirismo adopta e preconisa. Sob o ponto de vista do tratamento, devemos ter em consideração os dons grandes grupos das myeli- tes : as inflammações parenchymatosas e as scleroses medullares. A clinica demonstra, o que aliás a histo- physiología já fazia prever, que é o eixo cinzento da medulla a zona predilecta dos processos de inflam- mação parenchymatosa, as scleroses se localisando commummente nos cordões, onde predominam os elementos conjunctivos e a nevroglia. De maneira que, as myelites centraes são, na grande maioria dos casos, inflammações parenchymatosas e as myelites que se assestam no manto medullar são as mais das vezes processos sclerosos. Entre as myelites parenchymatosas, merece espe- cial menção a chamada por Duchênne atropina muscular progressiva, por acreditar este distincto nevro-pathologista que era o systema muscular a séde do processo morbido. Os inexcediveis estudos e pacientes indagações com tanto labor e pericia realisados principalmente por Hayem, Charcot e Vulpian modificaram profun- damente o curso das idéas sobre a natureza de tal affecção e demonstraram, de um modo exhuberante, que o trabalho pathologico que preside á sua genese se processa no systema nervoso e se circumscreve ás cellulas trophicas das pontas anteriores da substancia cinzenta da medulla. A atropina muscular pro- gressiva, cujo nome exprime perfeitamente a caracte- ristica clinica da affecção, não é uma moléstia muito rara ; pelo contrario, as estatísticas tendem a demon- strar que ella constitue uma das formas frequentes de myelite central. A therapeutica d’esta affecção, do mesmo modo que a da generalidade das myelites, é pouco variada e dispõe de um limitado numero de recursos. Demais, como ordinariamente os casos clínicos se nos apre- sentam era uma phase adiantada do mal, nós nos vemos impossibilitados de desenvolver uma acção therapeutica radicalmente curativa, da qual podería- mos lançar mão na phase inicial, no periodo ainda hyperemico do processo morbido. De sorte que, na grande maioria dos casos, o nosso papel therapeutico mais brilhante se limitará a sustar os progressos da affecção e paralysar-lhe a evolução, de modo a facultar ao individuo entregar-se aos seus afazeres, tornando-o apto para o trabalho; e para isto, será necessário que não se ache a moléstia por demais adiantada e que o apparelho muscular, por conse- guinte, não tenha chegado ainda a um alto gráo de atrophia e degeneração. Entre os agentes mais preconisados pelos autores contra a atropliia muscular progressiva, destacam-se o iodureto de potássio, a electro-therapia e as praticas hydrotherapicas. 0 iodureto de potássio não gosa n’estas condições do poder accentuado que não se lhe póde contestar quando se trata dos processos de hyperplasia con- junctiva. O verdadeiro campo de victorias d’este agente é a phase neoformativa dos trabalhos phleg- masicos, e os processos de inílammação intersticial são todos, mais ou menos, tributários de seus effeitos the- rapeuticos, ou tenham por séde o tecido connectivo do figado, ou se localisem na trama conjunctivados rins, ou compromettam, finalmente, a nevroglia. Essa van- tagem elle a deve ás suas propriedades physiologicas» pois como um hyperhemiante local, fluidificante do sangue e poderoso antiplastico, o iodureto de potássio se oppõe a todo o trabalho hyperplasico, entrava os processos de neoformação e determina uma reabsorpção mais ou menos completa dos elementos novos do tecido formador por excellencia. Ora sendo assim, facilmente se concebe que não ha uma indica- ção formal para o emprego d’esse agente, e que de sua applicação poucos resultados se pódem alcançar. E" somente quando entre as condições etiologicas se contara antecedentes syphiliticos, ou que, pelo menos, se suspeita a influencia d’esse elemento na producção do mal, que não se deve hesitar em lançar mão do iodureto de potássio e da medicação iodurada, que constituindo agentes poderosos da therapeutica es- pecifica, nos fornecerá, em semelhantes casos, ma- ravilhosos resultados, proporcionando-nos fulgidos triumphos. Hammond, cujo nome nunca se deve esquecer sempre que se trata de nevro-pathologia, refere um caso de sua clinica, era que conseguio d’este modo melhoras frisantes, sustando completamente os pro- gressos do mal. A sciencia registra ainda dous factos em que a medicação iodurada prestou relevantes ser- viços ; tratava-se de dous individuos syphiliticos, victimas da explosão da atrophia muscular progres- siva (Niepce, Rodet). Entre os agentes pharmaceuticos, é o iodureto de potássio o nnico indicado pelos autores e aconselhado pelos mais eminentes e estimados nevro-pathologis- tas, segundo deprehendi consultando os preciosos trabalhos de Hammond, Charcot, Jaccoud, Yulpian, etc. Pois bem, um facto da minha clinica que faz o objecto de uma observação adiante consignada, me autorisa a apontar como medicamentos dignos de serem empregados o phosphoro e a strychnina. As vantagens que obtire com a applicação d’estes agen- tes, após haver lançado mão improficuamente do iodureto de potássio, são um incentivo, que deve esti- mular os clinicos a não ficarem impassíveis diante dos casos de atropina muscular progressiva, sobre- tudo quando não tiverem á mão os apparelhos de electro-therapia. A electricidade representa, d’eífeito, uma arma therapeutica de inappreciavel valor, e os práticos que souberem manejal-a com metbodo e critério, alcan- çarão na clinica brilhantíssimos triumphos. No tratamento electrico da atrophia muscular progressiva, deve-se lançar mão do galvanismo e da faradisação. As correntes continuas deverão ser appli- cadas sobre a columna vertebral e as correntes faradicas sobre os musculos atropbiados, comtanto que estes sejam ainda excitáveis. D’esta maneira, os bons effeitos se fazem sentir mais prompta- mente, e as melhoras se accentuam com mais evidencia. Quando não se puder lançar mão das duas espe- cies de correntes, recorrer-se-ba ao emprego exclu- sivo da faradisação localisada, que tem proporcionado igualmente vantagens positivas em bom numero de casos e que, de resto, se acha mais ao alcance dos clinicos não especialistas. Além d’estes dons modos de electrisaçâo e no caso de insuccesso d’elles, ainda menciona Labadie- Lagrave outro, que tem sido empregado por Léon Lefort e que consiste na applicação de correntes continuas permanentes. Tratando dos meios preconisados contra a atropina muscular, não me esquecerei de fallar da hydrothe- rapia, cujo emprego tem sido aconselhado por alguns nevro-pathologistas. Cumpre confessar, porem, que segundo a opinião muito autorisada de Harnmond e Dujardin-Beaumetz, as praticas hydrotherapicas e sobretudo as duchas, poucos serviços prestam e constituem um meio secundário e dispensável na maioria dos casos. No modo de entender mesmo do segundo dos autores acima citados, a acção das duchas seria antes prejudicial do que proveitosa, aqui como nas mais especies de myelites. OBSERVAÇÃO CLINICA SOBRE ATROPHIA MUSCULAR PROGRESSIVA.-* O Sr. Adolpho Reiber, de 34 annos de idade, pouco mais ou menos, empregado em uma fabrica de cer- veja, entrou para o hospital da Santa Casa de Re- zende no dia 8 de Maio de 1883. Commemorativos.—Refere este indivíduo que de 4 mezes a esta parte começou a sentir diminuição da força muscular e certo embaraço nos movimentos das mãos e dos dedos. Ao mesmo tempo, se mani- festou n’elle uma indisposição para qualquer exer- cício e sensível incapacidade para o trabalho physico. Notou mais um emmagrecimento das mãos e dos braços. A’ vista d’isto, começou a fazer uso de alguns medicamentos, que lhe aconselharam pessoas leigas; mas não obtendo resultados positivos, decidiu-se a entrar para a Casa de Caridade d’esta cidade. Não ha antecedentes syphiliticos. Estado actual.—O que impressiona immediata- mente a attenção vem a ser a flexão das mãos, que formam um angulo recto com o ante-braço, em con- sequência da incapacidade dos musculos extensores. Ao mesmo tempo, se nota uma atrophia pronun- ciada dos musculos das regiões thenar e hypothenar e igualmente dos ante-braços e das regiões deltoi- deanas. O doente não pode fazer com os braços ou com as mãos um esforço um pouco energico e é fri- sante a diminuição da contractilidade muscular. Diagnostico. Ante estes signaes clínicos tão ca- racterísticos não tive duvidas em formular o dia- gnostico de atropina muscular progressiva, que se impunha irresistivelmente ao espirito de qualquer pratico que observasse o enfermo. A profissão d’este individuo forçando-o a estar sob a influencia prolon- gada e diuturna da humidade e a expôr-se a resfria- mentos successivos, explica perfeitamente a genese de semelhante aífecção, que, como todos sabem, reco- nhece como condição etiologica bastante frequente a acção do frio e da humidade. JPrescripção. R. IJso interno : Xarope de cascas de laranjas 200 gram. lodureto de potássio 5 gram. D. e M. T. 3 colheres por dia. 27 ãe Maio. Não tendo o enfermo alcançado melhora alguma com a medicação iodurada, e atten- dendo á acção nevrosthenica do phosphoro e da strychnina, á estimulação que estes agentes exercem sobre a nutrição dos elementos nervosos, cuja activi- dade exageram e supprem até certo ponto, me decido a recorrer a esses medicamentos e prescrevo : R. Uso interno : Sulfato de strjclinina 5 centig. Phosphureto de zinco 6 centig. F. s. a 30 pilulas. T. 3 por dia. Ao mesmo tempo recommendo ao doente que faça uso de vinho quinado como auxiliar do tratamento tonico. 15 ãe Junho. O estado da moléstia se modi- ficou frisantemente e o doente se apresenta em con- dições lisongeiras, patenteando-se visiveis melhoras. A força muscular tem-se levantado ejá são pos- síveis certos movimentos das mãos e dos dedos. A attitade de flexão das mãos começa a desappa- recer. Prescripção. Insiste-se na mesma medicação. Mando vir, além d’issõ, linimento de noz vomicapara friccionar os braços e as mãos. 30 de Junho. A attenuação dos phenomenos morbidos é considerável. Continúa a medicação strycbno-pbospborada. á cie Julho.— As melhoras do doente progrediram rapida e decisivamente e na actualidade elle se apre- senta em estado o mais favoravel possivel. A moléstia paraljsou-se, a amyotrophia sustou-se na sua evolução e nota-se mesmo ura revigora- mento dos musculos e um levantamento da nutrição destes orgãos. O doente já executa movimentos am- plos com as mãos e com os braços; já apprehende os objectos com mais ou menos perfeição. Convidando-o a apertar a minha mão, elle o consegue de um modo mais ou menos completo, desenvolvendo bastante energia. Muito satisfeito com as modificações rapidas de sua affecção e com as melhoras promptas e accen- tuadas que obteve, elle se julga apto para o trabalho e capaz de se entregar aos seus aífazeres; e, á vista d’isto, pede-me com instancia a sua alta, que eu lhe concedo bem a meu pezar. Eis pois um caso assaz eloquente e que demonstra de modo a não deixar duvidas o proveito que se pôde tirar e as vantagens que se pódem colher com o em- prego da medicação strychno-phosphorada nos casos de atrophia muscular progressiva. Qual será a razão physiologica do modo de actuar d’estes agentes em semelhantes condições P Na affecção que nos occupa o processo morbiclo compromette principalmente as cellulas trophicas das pontas anteriores da medulla, as quaes não são outra cousa mais do que os centros que presidem á esti- mulação nutritiva das fibras musculares por inter- médio dos tubos nervosos motores. O excitante phy- siologico da contractilidade muscular é a acção nervosa, e isto está brilbantemente provado pelo estado de macilencia e impotência em que ficam os musculos, quando são privados do influxo cerebro- spinal nos casos de hemiplegia e paraplegia. Ora, tratando-se de um processo que interessa as cellulas trophicas da medulla, muito mais devem soffrer as funcções das fibras musculares, que privadas do in- fluxo spinal, que preside e regula a nutrição d’ellas, também são affectadas em sua propriedade contractil. Essa defficiencia de nutrição acarreta a morte das fibras musculares, morte que se traduz anatomo- pathologicamente pela degeneração gordurosa. Sendo assim, eu acredito que é estimulando os centros trophicos constituídos por certas cellulas ner- vosas das pontas anteriores, levantando a sua neuri- lidacle especial, e supprindo até certo ponto a sua in- fluencia sobre a nutrição dos musculos, que actuam o phosphoro e a medicação phosphorada. Ninguém ignora o papel preponderante que repre- sentam os princípios phosphorados na constituição intima dos elementos nervosos, e o protagon.de Lie- breich desempenha a parte de protogonista nos phe- nomenos metabólicos das cellulas do eixo cerebro- rachideano. Não é, portanto, natural pensar-se que os medicamentos phosphorados assimilados ao orga- nismo e encorporados aos elementos nervosos, vão restabelecer o equilíbrio molecular d’estes elementos, vivificando o turbilhão nutritivo, estimulando a sua actividade, restituindo,dentro de certos limites,ás cel- lulas anteriores o papel de centros trophicos e de estimulantes dos orgãos musculares que o processo morbido tem até certo ponto invalidado, em uma palavra supprindo em parte as funcções especiaes das referidas cellulas ? Por outro lado, os trabalhos experimentaes e as observações clinicas de Fouquier puzeram em relevo a oprpriedade curiosa que tem a strychnina de de- terminar a contracção dos musculos paralysados e de excitar as suas funcções physiologicas, provocando uma rigidez considerável dos membros hemiplegicos, rigidez que persiste muito tempo depois de suspenso o uso do medicamento. Yê-se pois que n’estes casos, havendo ordinariamente uma degeneração descen- dente da medulla, que a invalida como centro nervoso em algumas de suas funcções, a strychnina substitue, para assim dizer, os elementos nervosos, suppre a sua neurilidade deprimida ou abolida pelo processo morbido, e assim contribue para estimular a nu- trição e as propriedades ph}Tsiologicas dos musculos, fazendo ás vezes com que desappareçam phenomenos francos de amyatrophia e de incapacidade motora. Estes factos formulara, portanto, perfeitamente a indicação do emprego da strychnina e explicam a meu ver de um modo satisfactorio os seus eífeitos therapeuticos nos casos de atrophia muscular pro- gressiva. Em resumo, poder-se-hia dizer que a strychnina e o phosphoro representam a electrisação directa dos elementos e dos tubos nervosos, desempenhando juntos a estes o papel que desempenham a faradisação e o galvanismo em relação aos musculos. E; figurada- mente, não seria improprio denominar a electricidade de strychnina e phosphoro do systema muscular e dar ao phosphoro e á strychnina a designação de electricidade do systema nervoso. FIM. ERRATA Pag. linha em lugar de Leia-se 19 8 e influenciado influenciado 21 25 loco dolente loco dolenti 35 23 neoplosia neoplasia 43 16 Flinte Flint 45 4 esethico erethico 46 26 dyspnéa a djspnéa 47 7 phenomenologicos signaes phenomenologicos 48 19 vários agentes os variados agentes 49 5 exicitar excitar 49 15 exitantes excitantes 49 17 clorose chlorose 50 2 trate trata 51 15 physico-pathologicas physio-pathologicas 53 22 da intitulação da intitulada 54 4 os salaneos os solaneos 57 1 1881 1883 69 20 rejeito rejeitado 73 11 attenuação a attenuação 82 3 tlhos olhos 86 1 fornecerá fornecerão 87 3 , d’effeito, ,de feito, 94 17 amyatrophia amyotrophia 94 25 juntos a estes junto a estes Alem (Testas outras menos importantes existem que a intelligencia do leitor facilmente corrigirá. Impresso longe dos olhos do autor, que não pôde acom- panhar a revisão das provas, este trabalho se resente de varias e múltiplas incorrecções que todavia não adulteram de um modo frisante o sentido e o pensamento da phrase. São antes vicios de fórma que impressionam desagradavelmente os puristas