TRABALHO DO LABORÂTORIO DE PHYSIOLOGIA EXPERIMENTAL DO MUSEU NACIONAL PATHOGENESIA COMPARADA PESTE DE CADEIRAS OU EPIZOOTIA DE MARAJÓ SUAS ANALOGIAS COM O BERIBERI PELO Dr. J. B. de Lacerda Director interino do Lalioratorio de Physiologia Experimental do Museu Nacional do Rio de Janeiro, Membro de varias sociedades scientiflcas, nacionaes e estrangeiras, Professor lionorario da Faculdade de Medicina na Universidade de Santiago do Chile, Commendador da Imperial Ordem da Rosa, etc. Com ires estampas lithographadas e duas photographias RIO DE JANEIRO Imprensa a Vapor de LOMBAERTS & Comp, iBB5 . DUAS PALAVRAS JUSTIFICATIVAS DESTA IEIORIA Nesta Memória estão consubstanciados e me- thodisados os resultados de investigações scientificas por mini feitas, durante estes dois últimos annos, sobre a peste de cadeiras. Sem ter pisado o sólo de Marajó, dispondo apenas de preciosos elementos de estudo procedentes d’alli, penso, não obstante, ter chegado determinar," mediante observações caute- losas e experiencias repetidas, a verdadeira causa d'aquella terrível epizootia. As [minhas conclusões, baseadas em factos expe- rimentaes numerosos, vêm prestar mais um valioso contingente em favor da doutrina parasitaria das doenças infecto-contagiosas. Conhecendo por informações vagas e incom- pletas a peste de cadeiras e se me afigurando existi- DUAS PALAVRAS JUSTIFICATIVAS VI rem notáveis analogias entre esta moléstia e o beri- béri, diligenciei obter os elementos necessários para resolver essa questão, a meu ver de valor transcen- dental. Todas as vezes, porém, que se tem de realisar um estudo comparativo, é, antes de tudo, indispen- sável conhecer os termos ou elementos que vão ser comparados. A respeito da causalidade do beriberi já tinha eu idéas assentadas, graças ás minhas pes- quizas de tres annos atraz; pouco ou nada, porém, sabia com referencia á peste de cadeiras. Felizmente, consegui chegar ás fontes instruc- tivas mais puras e haurir alli os elementos de que havia mister para lançar os fundamentos d?esta Me- mória. Devo isto aos auxílios que me prestaram dois cavalheiros distinctos, os quaes, não versados em sciencia, mostraram-se todavia compenetrados do intrínseco valor d’ella, cooperando na medida das suas forças para eu levar ávante estas pesquizas. Refiro-me aos Srs. G. Rumbelsperger e L. Calan- drini da Silva Pacheco, aos quaes peço permissão para render aqui publicamente os meus cordiaes agradecimentos. Acompanham esta Memória tres estampas litho- graphadas, nas quaes acham-se representadas as Processo inalterável 51ABC FEEEEZ. Gallo beribsrisado por inoculação do microphyto do lago Arary 88, Kua de S. Josd. DUAS PALAVRAS JUSTIFICATIVAS vij lesões encontradas na medulla do cavallo, attacado da peste de cadeiras, e as formas múltiplas do mi- crophyto do lago Arary, considerado causa d’esta moléstia. Essas estampas desenhadas e gravadas com esmerado cuidado pelo habil desenhista do Museu, o Sr. Avé Lallemand, são a representação fiel e exacta das minhas preparações microscópicas. A essas estampas addicionei duas photographias, de aves inoculadas com o microphyto do lago Arary na phase paralytica da moléstia. Preferi photogra- phar aves, porque mellas se póde melhor apreciar do que em outras classes de animaes, os pheno- menos ligados a essa phase importante da moléstia. Aquelles que não acompanharam as minhas expe- riências e não apreciaram de visu os seus resultados, ficam d'esta sorte habilitados a julgar pela imagem photographica da veracidade das minhas asserções. Só os que tem a comprehensão clara e exacta do que é a verdadeira sciencia, estão no caso de avaliar a somma de labor e o tenaz esforço que me custou a analyse dos factos contidos nesta Memória. As duvidas e hesitações, surgindo a cada passo, no curso das pesquizas, obrigavam-me a verificações repetidas e fatigantes, que podiam ter desalentado a outro menos pertinaz. VIII DUAS PALAVRAS JUSTIFICATIVAS Ainda uma vez ficou para mim evidente o con- ceito d’aquella velha maxima omnia vincit labor improbus, que assentava bem como epigraphe a esta Memória. Posso assegurar que tudo envidei para produzir um trabalho util e original; reconhecendo-me en- tretanto incompetente para decidir si os meus in- tentos foram ou não completamente realisados. Fique, porém, graças a estas pesquizas, melhor elucidado o problema etiologico do beriberi, que darei por bem recompensados todos os meus es- forços. Dr. Lacerda. PESTE DE CADEIRAS EPIZOOTIA DE MARAJÓ’ Quando, no principio do anno passado, partio d’aqui o Snr. Gustavo Rumbelsperger, em commissâo do Musêo Nacional, afim de explorar as riquezas archeologicas da ilha de Marajó, aproveitei as excellentes disposições da- quelle incansável e discreto explorador, encarregando-o recolher naquella localidade todos quantos elementos e informações lhe fosse possivel obter sobre a epizootia denominada —peste de cadeiras. Duplo interesse tinha eu nessa missão. Primeiro es- tudar a terrível enfermidade que ha devastado a raça equina naquella ilha ; em segundo lugar reconhecer até •jue ponto eram fundadas as minhas presumpçÕes sobre as analogias entre a peste de cadeiras c o beriberi. O Snr. Rumbelsperger, a quem sobravam desejos de ser util aos meus intentos, diligenciou bem desempenhar a incumbência que lhe eu dera, e tão esforçadamente se PATHOGENESIA COMPARADA houve nella que só tenho louvores a render-lhe pelos va- liosos e prestadios elementos de estudo que colligio. D’entre alguns cavallos attacados de peste de cadeiras, pertencentes á fazenda nacional do Arary, fez o meu com- missionado selecção daquelle que lhe pareceu achar-se no periodo mais avançado da moléstia e sacrificou-o. Com todas as cautelas por mim recommendadas extrahio-lhe logo algumas gottas de sangue, que foram recolhidas em tubos de vidro capillares; e, fendendo a columna vertebral, retirou a medulla espinhal quasi completa, encerrada nos seus respectivos invólucros membranosos. Foram os tubos immediatamente fechados e lacrados ; e a medulla intro- duzida em frasco contendo alcohol. Em seguida, occorreu- Ihe a feliz idéa de colher certa porção da agua do lago Arary, precipitou as matérias que ella tinha em sus- pensão, separou o residuo, e depois de seccal-o ao sol guardou-o com todas as cautelas, de sorte a impedir a adjuncção de elementos estranhos. Quasi dois mezes de- pois de obtidos me foram aqui entregues esses materiaes para estudo. Para adstringir-me ás regras de uma exposição metho- dica, qual esta deve ser, em que muitos factos, todos com o seu valor relativo, precisam de ser justamente apre- ciados e analysados, vou antes de tudo dizer algumas pa- lavras sobre as condições topographicas da ilha de Ma- rajó, theatro das devastações da peste de cadeiras. N’esta PESTE DE CADEIRAS 3 parte aproveito-me das informações exaradas em relatorio, ha tempos publicado pelo Snr, D. S. Ferreira Penna, dis- tincto geographo brasileiro, asstz conhecedor da grande insula. bormadaem grande parte por depositos alluvionarios, a ilha de Marajó acha-se naturalmente dividida em duas zonas distinctas uma, coberta de mattas onde abunda a seringueira e outras arvores preciosas— outra, inteira- niente descoberta, occupada por extensas pastagens na- tivas e fazendas de criação de gado. Quasi no centro da ilha, circumdado de vastas cam- pnias, acha-se situado o lago Ararja uma bacia d’agua doce, de cerca de 10 milhas de extensão de N. a S., mas tao rasa, que no verão não chega ter mais de 2 metros de profundidade. Durante o estio as suas aguas mui baixas, tornam se lodosas, pesadas, côr de zinco. Além deste grande lago central, notam-se em pontos vários da super- fície da ilha depressões alagadiças, vastos tremedaes, e um systema de canaes sinuosos, irregularmente distribuidos, ern geral, contendo aguas pouco correntosas ou quasi dor- mentes. A pequena elevação de nivel da ilha expÕe-na a inun- dações periódicas, que alagam os campos, ficando, durante certo tempo, quasi todo o solo insular submerso. Na es- tação invernosa as condições da ilha de Marajó são per- feitamente similares ás do Grão Chaco, aquella immensa PATHOGENESIA COMPARADA 4 região pantanosa e alagadiça que borda o rio Para- guay. E’na extensa zona dos campos, onde outEora tão flo- rescente e prospera fora a criação do gado equino, que, vai por meio século, entrou a exercer as suas devastações a peste de cadeiras. Conforme se 1c em uma pequena Memória inédita, es- cripta por um provecto e intelligente criador de gado em Marajó, Snr. L. Galandrini da Silva Pacheco, a qual me foi obsequiosamente offerecida pelo Snr. Orville Derby, o apparecimento da peste de cadeiras naquella ilha coincidio com as grandes matanças de gado cavallar, promovidas em 1827 iB3o, por alguns especuladores francezes e in- glezes, que alli foram fazer grossa provisão de couros e crinas tirados áquelles animaes. Até então a raça equina havia prosperado tanto na- quellas viçosas campinas, que se contavam por dezenas de milhares as manadas_de cavallos espalhados em toda a ilha. Elles só, consumiam o melhor das ricas pastagens e creavam assim, por uma concurrencia poderosa e cres- cente, serio obstáculo á prosperidade do gado bovino. Sobresaltados com as consequências desse facto, foram alguns criadores compellidos a desbastar o grosso daquella producção exuberante; e imitando os especuladores es- trangeiros, practicaram, por sua vez, grandes matanças. Conforme attesta o Snr. Galandrini, na sua já citada PESTE DE CADEIRAS 5 Memória, as matanças de éguas e cavallos attingiam, de cada vez, 800 e mais ; e ellas eram practicadas á beira dos nachos e igarapés. Uma vez, porém, tangidos os animaes para a enseada do Juncai, e ateando-se fogo á macega, calcula-se que alli succumbiram asphyxiados para mais de 12,000. Durante muitos mezes os campos de Marajó fi- caram alastrados de cadaveres, cuja decomposição se effectuou na superfície do solo, ao ar livre, sob a ardentia do sol equatorial. Foi assim, pensam os contemporâneos dessas heca- tombes, entre os quaes está o Snr. Calandrini, que se originou a peste de cadeiras. O districto de Chaves, onde se realisaram as primeiras matanças, foi também aquelle em 9ue primeiro appareceu a epizootia. Realmente todas essas coincidências tem seu valor; e nao e licito mesmo duvidar, á vista do depoimento de tantos testemunhos authenticos, que uma cadeia de cau- salidade existio entre os dois factos. De que modo-, porém, se pienderam os élos dessa cadeia, eis o problema. Certo não foi importado o agente morbigeno, pois, não c de presumir que qualquer circumstancia alhada a esse facto, houvesse escapado á attenção vigilante dos que acompanharam desde o seu começo o desenvolvimento da epizootia. Parece, portanto, evidente que o agente mor- Rgeno era autochtone. Mas si o era porque conservou-se a sua actividade morbigena latente por tão longo espaço 6 PATHOGENESIA COMPARADA de tempo, e só veio ella manifestar-se com intensidade a principio insólita, depois que foram abatidos um numero considerável de animaes cavallares ? A resposta a esta inquirição não póde ser sinão hypo- thetica, mas a hypothese que vamos apresentar é toda fundada em noções exactas adquiridas no estudo que hemos feito ultimamente sobre a causalidade da peste de cadeiras. Com toda probabilidade já existiam casos dessa epi- zootia anteriormente á época em que se effectuaram as grandes matanças. Sendo elles, porém, relativamente raros e occorrendo em épocas que coincidiram com a pro- pagação excessiva da raça equina, cujo valor venal baixara ao ponto de se não incommodarem os criadores com o exterminio delia, não é para admirar que passassem quasi sempre despercebidos. Quanto a mim tenho como mui fundada a pre- sumpção de que foram as matérias organicas, azotadas e phosphoradas, resultantes da decomposição de milhares de cadaveres apodrecidos na superfície do solo, que em- prestaram ao agente morbigeno autochtone essa grande actividade inicial. Elle levava uma existência fanada no solo ; sua expansibilidade e força propagadora viviam, para assim dizer, cohibidas por condições pouco favoráveis do meio. De repente,o solo foi impregnado de uma somma considerável de princípios uteis e aproveitáveis á vida do PESTE DE CADEIRAS 7 parasita cryptogamico que representa o papel de agente causal, e este tomou uma desenvolução e uma força in- coercível de multiplicação tal que, em breve tempo, o meio ficou delle todo infestado. O que póde haver de extranho neste facto ? Não se mostra elle perfeitamente concordante com as presump- ções alimentadas pelos recentes estudos microbiologicos relativamente ao inicio de varias doenças epidemicas que accommettem o homem e os animaes? Todos os agentes noxios productores de moléstias hoje conhecidas, não foram sempre dotados de nocividade. Gircumstancias, talvez analogas áquellas que coincidiram com o appareci- mento da peste de cadeiras cm Marajó, incutiram nelles uma vez o cunho pathogenico e assim crearam-se moléstias epidemicas antes desconhecidas. Deve de ter succedido isto com os agentes productores do cholera, da febre amarella, do typho, da peste do Oriente, etc. Não vêm fóra de proposito recordar aqui que as novissimas e interessantes pesquizas do Sr. Pasteur ácerca da attenuação dos virus puzeram em evidencia certos factos, os quaes mostram que se póde fazer crescer ou diminuir a actividade dos agentes morbigenos, passando estes por diíferentes especies de animaes. Assim o virus rábido transportado do cão ao coelho adquire após trans- missões successivas nesta especie uma energia insólita, superior mesmo áquella que têm o virus da raiva canina, 8 PATHOGENESIA COMPARADA emquanto seguindo-se processo idêntico nos simios obtêm-se um virus attenuado para o cão. Este facto, reve- lado nas experiencias, em condições puramente artificiaes, deve dar-se muitas vezes na natureza, onde os agentes morbigenos, sujeitos ás condições do acaso, percorrem os tramites da sua existência parasitaria, atravessando meios zoologicos differentes. A virulência ou a força infectante dessas causas de moléstia deve, pois, soffrer grandes oscillações antes de chegar adquirir o grau de fixidade necessário para asse- gurar a perpetuidade das epidemias e das epizootias. Uma circumstancia superveniente como aquella que refe- rimos, tratando do apparecimento da peste de cadeiras, póde ter obrado no mesmo sentido; c uma vez fixado o grau máximo de virulência por transmissões successivas na especie equina, ficou definitivamente constituída a causa epizootogena, que continua hoje subsistir. Para resalvar futuras objecções que seriam proce- dentes, devo aqui explicar o modo pelo qual comprehendo, no caso vertente, as transmissões successivas. No sentido geral estaria ahi implicitamente incluída a idéa do con- tagio, a qual não parece aceitavel na peste de cadeiras, como adiante mostrarei. Quando, pois, me refiro a trans- missões successivas do agente morbigeno neste caso, faço-o com exclusão da idéa do contagio, e admitto a possibilidade de séde alternante da vida parasitaria, fi- PESTE DE CADEIRAS 9 xando o agente morbigeno residência temporária, ora no meio exterior, ora no organismo animal. Não vamos, porém, deixar ir longe estas considerações, aliás aqui bem cabidas, e passemos já a descrever os symptomas que caracterisam a epizootia, denominada peste de cadeiras. Nesta descripção cingimo nos inteiramente ás observações methodicas e dirigidas com summo cri- tério, que desde a data do apparecimento da moléstia têm feito sobre ella o Sr. Calandrini. Synonymia. Peste de cadeiras. Quebrabunda. Mal d’escancha. Prodromos. Por via de regra precedem aos sym- ptomas verdadeiramente caracteristicos da doença signaes de tristeza e de prostração. O animal perde a sua ha- bitual vivacidade ; o seu andar é vagaroso, elle têm as narinas dilatadas e a respiração anhelante. Com o menor exercido vêm o cansaço e os flancos batem-lhe de um modo desusado. O penis sahe fóra da bainha duas ou tres pollegadas mais do que no estado normal. Parado, o animal não mantêm por muito tempo a mesma posição. De instante a instante elle está a mudar o ponto de apoio dos membros posteriores, conservando sempre um delles em descanso. Moléstia declarada—Em pouco manifesta-se o sym- ptoma característico, que é o cainhaleamento dos quartos trazeiros. O cavallo fica como derreiado das ancas, quasi Dr. Lacerda, PATHOGENESIA COMPARADA não póde governar os membros posteriores. Em terreno desigual elle não póde caminhar, e quando o forçam a isso cabe, sendo necessário então ajudal-o a erguer-se. Andando, os femures rodam de fóra para dentro no sen- tido da adducção, á maneira do movimento dos patos. Ao mesmo tempo o ventre torna-se retrahido, os excre- mentos são expellidos com difficuldade sob a fórma de pequenas massas duras, ressequidas, ás vezes cobertas de mucosidade. As ourinas são emittidas com difficuldade. Ha dysuria. Geralmente não se nota anorexia, nem sede excessiva. Quando se toca ou comprime a região dos rins o animal descabe e vai mesmo abaixo para furtar-se á dor que lhe causa a compressão. Em regra a doença é apy- retica. Casos ha, porém, mui raros, em que se têm mani- festado um estado febril. Com os phenomenos paralyticos coincidem algumas vezes edemacias, ora na cabeça, a qual se torna mons- truosa como no hydrocephalo, ora no epigastrio ou no hypochondrio, estendendo se depois a todo o abdómen, ás partes genitaes, ao perineo, aos quartos trazeiros e ás pernas. Em alguns casos, nota-se um corrimento seroso ou muco-purulento pelas ventas, o qual cessa no fim de poucos dias. Outras vezes apparecem botões ulcerados pelo corpo. Em todos os casos ha emmagrecimento rá- pido, que póde começar muito cedo e chegar até o ma- rasmo. PESTE DE CADEIRAS 11 • São estes os traços caracteristicos da peste de cadeiras, tal qual ella se apresenta na maioria dos casos. Entretanto casos ha, em que os phenomenos paraly- ticos são mais pronunciados nos membros anteriores. O animal cahe então dos quartos dianteiros, parece não ver, não póde engolir, e quando se lhe lança um pouco de li- quido pela bocca morre suffocado. Outras vezes o pescoço estendido, a bocca apoiada no chão, na attitnde de morder a herva, elle ahi fica immovel nessa postura, durante horas. Em outros casos incurva-se-lhe o corpo para um dos lados sem poder voltar-se para o lado opposto, têm torto o foci- nho e a orelha do mesmo lado derreiada. O quarto poste- rior é arrastado sobre a junta da quartella, ficando a palma do casco volvida para fóra. Estes casos são mais raros. Outras vezes o symptoma característico do camba- leamento não se produz, e a moléstia apenas denuncia-se pelo rápido emmagrecimento que vai até o marasmo. Esta fórma atrophica da peste de cadeiras é observada, segundo attesta o Sr. Calandrini, em 20 por 100 dos ca- vallos attacados, emquanto a fórma paralytica occorre na proporção de 60 por 100. Esta é também a proporção para os casos que podiam constituir uma fórma mixta, por nelles coincidirem os phenomenos de paralysia com os phenomenos edematosos. A duração da moléstia desde o apparecimento dos primeiros symptomas até a morte, que é a terminação 12 PATHOGENESIA COMPARADA mais frequente, é assaz variavel. Ao principio, logo que a epizootia se manifestou, attacando grande numero de ani- maes, elles duravam menos do que hoje. Muitas vezes os cavallos succumbiam tres a quatro dias depois de decla- rada a doença. Eram casos, por assim dizer, fulminantes. Mais tarde passou a moléstia a ter evolução mais lenta, e hoje a sua duração é em muitos casos de alguns mezes. Não é somente a especie equina que paga o tributo á peste de cadeiras. As capivaras (Hydrocherus) e os porcos bravios (Sus scropha) são egualmente devastados por essa epizootia. Em chegando o verão rebanhos inteiros de capi- varas andam arrastando-se pelo meio dos aningaes ou pela margem dos lagos, e alli perecem ás dezenas com os sym- ptomas evidentes da peste. O gado bovino,porém,têm sido até hoje refractário e os muares gozam de immunidade relativa.’ Também não ha exemplo de se ver cães ou ra- posas accommettidos dessa peste. Os carnivoros parece que estão delia completamente isentos. Desde o principio a moléstia não fez selecção de sexo nem de idade. Notou-se, porém, que os cavallos já domes- ticados ou em via de domesticação eram mais vezes atta- cados da peste do que os bravios que viviam em completa liberdade nas vastas campinas. Explica o Sr. Calandrini este facto dizendo que os cavallos domesticados estavam mais em contacto com os fócos de infecção, creados junto ás fazendas por uma multidão de cadaveres apodrecidos. PESTE DE CADEIRAS Suspeitam os criadores de gado de Marajó que esta doença seja contagiosa. Náo vão além da presumpção porque não adduzem facto algum rigorosamente obser- vado que prove a contagiosidade delia. Tenho, porém, razoes para acreditar que essa suspeita é errónea. A analyse dos symptomas apresentados na peste de cadeiras induz forçosamente a considerar essa doença uma paralysia de origem medullar. O agente morbigeno per- turbando a funccionalidade da medulla, seja na porção que preside aos movimentos dos membros posteriores, seja na que preside aos movimentos dos membros dianteiros e aos actos mecânicos da respiração e da deglutição promove todo esse conjuncto de symptomas que acabamos de des- crever. Conforme a porção da medulla attacada, a ex- tensão e a intensidade das lesões consecutivas, assim se produzem variações na forma, na intensidade e na séde dos phenomenos paralyticos. A dystrophia, o marasmo devem ser também, neste caso, phenomenos indirecta- mente ligados á perturbação funccional da medulla. A occurrencia, porém, dos edemas, que difficilmentc seriam explicados pela só perturbação da innervação vaso- tnotriz, torna provável a concomitância de uma alteração do sangue, aliás comprovada pelos resultados da ne- cropsia. A ausência ou a pequena accentuação dos phenomenos de paralysia em alguns casos, mais raros é verdade, em 14 PATHOGENESIA COMPARADA que predominam as desordens trophicas, mostra quão variavel é a localisaçao medullar nesta moléstia, pronun- ciando-se as lesões, ora nos centros reguladores do movi- mento, ora nos centros trophicos. Estas inducçoes logica- mente decurrentes da analyse symptomatologica, são confirmadas, como se vai ver adiante, pelo exame directo e histologico da medulla espinhal. Em summa, a peste de cadeiras é moléstia devida á infecção, com determinação pathologica mui accentuada para a medulla espinhal. A producção do agente infec- tuoso ou morbigeno deve estar ligada a condições espe- ciaes do solo húmido, alagadiço e paludoso de Marajó. Ouçamos agora as revelações da necropsia. Neste particular somos forçados a dizer que as obser- vações do Snr. Calandrini mostram-se assaz omissas e deficientes, não sendo isso entretanto para admirar si at- tendermos á carência de habilitações especiaes no aliás intelligente e sagaz observador. Os resultados seguintes são tirados summariamente a 33 necropsias practicadas em 11 cavallos sacrificados e 22 mortos de peste. O cadaver aberto apresentava aspecto árido. O sangue estava alterado, semelhante a colla trigueira. Notavam-se lesões pulmonares (não diz de que natureza eram ellas). O coração era assaz volumoso. O pericárdio dava indícios de haver soffrido. O baço estava denegrido e amollecido. PESTE DE CADEIRAS O fígado volumoso, infartado de sangue negro, em alguns casos de cor esverdeada, sempre de consistência mui branda. Os rins tumefactos, negros, contendo sangue da mesma côr. A bexiga com pontos violáceos, na mór parte dos casos repleta de ourina. O epiplon apresentava echy- moses em diversos pontos. Nos poucos casos, diz o Sr. Calandrini, em que poude ser examinada, a medulla pareceu nada ter de anormal. Estamos, porém, convictos que um exame feito por pessoa competente teria mostrado alli lesões apparentes, mesmo a olho nú. A peste de cadeiras é doença que reincide, e ainda por este caracter ella aparta-se das moléstias verdadeiramente virulentas e contagiosas. Os vários meios therapeuticos até hoje empregados contra essa epizootia têm sido im- profícuos. Quasi sempre ou o animal succumbe ou fica invalido e imprestável. Não é somente na zona dos campos de Marajó que esta epizootia existe. Nas terras baixas, inundáveis e ala- gadiças da província de Matto Grosso observa-se cousa idêntica, em larga escala. De uma interessante publicação do Sr. A. d’Escragnolle Taunay—Exploração entre os nos Taquaiy e Aquidauana no districto de Miranda trasladamos para aqui a succinta descripção dos sympto- ftias apresentados por essa epizootia em Matto Grosso : «Os prodromos da moléstia são variadíssimos. A’s Vezes, manifestam-se por simples ruidos no ventre: excre- PATHOGENESIA COMPARADA mentos reseccados e duros, inappetencia completa, magreza repentina. Outras vezes, com falta de todos aquelles symptomas, apparece a impossibilidade ou difíiculdade em beber, ficando, comtudo, largo tempo, o animal com a cabeça mettida n’agua, mostrando o seu desejo. Succe- dem-se então phenomenos, cujo final obrigatorio é a morte. Ora os animaes ficam tristonhos, e em poucos dias vão definhando até morrerem ; ora tornam-se espantadiços; correm, sem direcção certa, girando até cahirem, ou se- guindo diagonalmente; ora completamente cegos; ora surdos.. Em todos os casos, as cadeiras ficam tolhidas, a parte posterior derreada e o animal arrasta as patas trazeiras com difíiculdade e cansaço, donde provém a especificação de peste cadeira ou de cadeiras ». Cotejados os symptomas da epizootia dc Marajó com aquelles que foram summariamente descriptos pelo Sr. Taunay, como característicos da epizootia em Matto Grosso, chega-se facilmente a reconhecer que se trata de moléstias idênticas. Asseguram-me também que em algumas provindas septentrionaes do Brasil essa peste não é desconhecida. São, porém, as suas desvastações alli mais restrictas, ou porque as condições de desenvolvimento da moléstia não se mostrem tão propicias como naquellas duas regiões PESTE DE CADEIRAS acima assignaladas, ou ainda pela razão de não ter tomado grande incremento a criação do gado equino naquellas províncias. Em Matto Grosso falla-se que a peste de cadeiras foi importada da Bolivia. Não está, porém, esse facto bem averiguado, e pela minha parte, propendo a acreditar que elle não é exacto. As condições topographicas da região paludosa, inundavel de Matto Grosso, já o dissemos, são perfeitamente comparáveis ás da ilha de Marajó. Ora, si aqui, com toda a verosimilhança a peste não foi impor- tada, não vemos razão para acreditar-se que ella o fôsse em Matto Grosso. Em Marajó, assim como em Matto Grosso, a peste de cadeiras apresenta-se em todas as estações do anno; são porém, os casos muito mais frequentes durante o estio, depois que têm passado as inundações perió- dicas. Este estudo baseado em informações recebidas de fontes diversas, mas todas ellas authenticas e fidedignas, vai nos servir para, ajudado de outros elementos tirados á minha própria observação e experiencia, inquerir das ligações que possam existir entre a peste de cadeiras e o beriberi. Teremos provavelmente desta sorte achado um fio conductor que nos guie á determinação precisa e exacta da natureza e causalidade do beriberi, escopo para o qual convergem todas estas indagações. Da. Lacerda, PATHOGENESIA COMPARADA Exame histologico da medulla do cavallo de Marajó A medulla espinhal, cujo exame histologico vamos agora exhibir, foi pelo Snr. Rumbelsperger extrahida de um cavallo por elle sacrificado em Marajó, e no qual no- tavam-se todos os symptomas característicos da peste de cadeiras. Cuidadosamente conservada em álcool, nos chegou ella ás mãos em condições de poder perfeitamente servir aos exames que tínhamos em mente realisar e que eram indispensáveis para se chegar ao reconhecimento da natureza, séde e extensão das lesões do centro nervoso rachidiano, lesões previstas, mas não demonstradas ainda nessa moléstia. Veio a medulla revestida de seus invólucros membra- nosos Adheriam estes tão intimamente ao cordão me- dullar, em certos pontos, que foi preciso empregar esforço para separal-os. A dura-mater mostrava-se espessa, rija ao tocar, com a consistência de pergaminho. Em ponto algum notavam-se vestígios de congestão ou signaes de antigas echymoses. Practicando secções transversaes, quer na parte supe- rior da região lombar, quer na região dorsal, e exami- nando a olho nú as superfícies de secção notava-se o se- guinte : côr amarellada do tecido nervoso, aspecto gra- PESTE DE CADEIRAS nuloso, mais pronunciado em uns pontos do que em outros. Aqui, alli, pequeninas granulaçoes brancas, sobre- sahindo na cor amarellada do tecido. A cohesão do tecido estava diminuida, tornando-se difficil practicar córtes com- pletos e perfeitos, principalmente na região lombar. A su- perfície de secção dos córtes apresentava numerosas fendas e lacunas. Tirados vários segmentos á medulla, quer na região dorsal, quer na região lombar, foram elles postos a endu- recer, uns no liquido de Muller, outros no álcool absoluto. Depois de endurecidos practicaram-se nelles córtes mui finos, os quaes foram coloridos, uns com o carmim, outros com a eosina, completando-se a preparação pela montagem na glycerina. O exame das preparações assim feitas, com ampliações varias (Microscop. Verick) deu-nos os seguintes resultados : Região dorsal. (Vide est. i, fig. i). Proliferação con- siderável do tecido conjunctivo intersticial, invadindo a quasi totalidade dos cordões artero-lateraes esquerdos e parte dos cordões posteriores do mesmo lado. A abun- dancia e o espessamento dos feixes de tecido conjunctivo são principalmente notáveis na peripheria, e tornam-se tnui apparentes na parte correspondente aos cordões antero-lateraes, onde forma o tecido sclerosado uma es- pecie de debrum. A alteração do tecido parece ter come- 20 PATHOGENESIA COMPARADA çado a produzir-se em pontos diversos da peripheria, e invadido os cordões antero-lateraes antes dos cordões posteriores. Aqui notam-se duas zonas sclerosadas, uma começando na peripheria, outra partindo do centro quasi nos limites da substancia parda. A zona radicular es- querda apresenta-se muito alterada por proliferação abun- dante dos feixes do tecido conjunctivo; e o prolongamento (cornus) correspondente da substancia parda atrophiou-se por continuidade da lesão radicular. Do lado direito, as alterações produzidas na substancia branca não são tão extensas. A degeneração sclerosica co- meçava apenas a pronunciar-se nos cordões antero-lateraes. Nota-se porém, um debrum acompanhando toda a peri- pheria da medulla, nesse lado, formando uma especie de sclerose annular. RegiÃo lombar.—(Vide est. i, % 2). O exame dos cortes da região lombar mostrou, como na região dorsal, a dege- neração sclerosica mais extensa e pronunciada no lado esquerdo do que no lado direito. Os cordões antero-lateraes e posteriores foram invadidos da peripheria para o centro, ficando apenas uma estreita faxa de tecido são junto aos limites da substancia parda. A condensação do nevroglio é sobretudo apparente na peripheria, onde elle fórma uma orla espessa, estendendo-se a toda a semi-circumferencia da medulla. Uma larga placa sclerosica occupa o extremo PESTE DE CADEIRAS 21 do prolongamento (■cornus) anterior da substancia parda, cujos elementos nervosos foram suffocados e destruidos pelo tecido de nova formaçáo. Do lado direito, o processo degenerativo começava apenas a alterar o cordão lateral, onde se nota um triângulo sclerosico, com a base na peripheria. No extremo do pro- longamento (cornus) anterior da substancia parda, desse lado, a degeneração é incipiente e parece tender a invadir, por propagação, a zona radicular. O prolongamento pos- terior da substancia parda do mesmo lado se acha mui reduzido em consequência do processo atrophico que des- truio a ponta desse prolongamento. Coincidindo com essas alterações da substancia branca e da substancia parda, nota-se um estado lacunoso do tecido sclerosado, e uma dilatação varicosa dos vasos. Por toda a parte onde a degeneração é mais apparente e pronunciada, observa-se grande quantidade de núcleos de tecido conjunctivo e corpos granulosos. As cellulas da substancia parda ou desappareceram totalmente, ou tão alteradas se acham em suas fórmas, que com difficuldade podem ellas ser agora reconhecidas. Em muitos pontos vêm-se os cylideraxis desprovidos da bainha de myelina. Não attingio o nosso exame á região cervical, porque não foi extrahida do animal essa parte da medulla. De par, porém, com essa degeneração tão accentuada da medulla, o que mais feria a attenção, quando se exa- PATHOGENESIA COMPARADA 22 minava os cortes, quer da região dorsal, quer da região lombar, era a presença, no tecido degenerado, de um nu- mero considerável de massas, de fórmas e aspecto tão particulares, que não podiam deixar de ser consideradas corpos estranhos. Essas massas, assaz volumosas, mas de dimensões variadas, apresentavam a fórma globosa; os seus contornos eram irregulares, a sua superfície des- igual, ás vezes protuberante, bossulada, como cheia de tubérculos, outras vezes quasi plana, e granulosa, de côr amarellada, sempre opacas. Raras vezes ellas apresenta- vam se isoladas; quasi sempre agrupadas, formando colonias. Em uma só preparação ellas eram contadas por muitas dezenas, e o seu numero avultava justamente nos pontos em que a alteração da medulla era mais pro- nunciada. Ellas não faziam corpo com o tecido da medulla, mas estavam nella como encravadas ou embu- tidas, podendo ser isoladas mediante artifícios da pre- paração. (Vide est. i, fig, 3). A presença dessas massas estranhas em numero assaz considerável e com aspecto tão singular levantava em nosso espirito um ponto de interrogação. A decifração de tão enigmáticos corpos, jámais notados, com esses carac- teres, em casos diversos de alteração da medulla até hoje estudados, se nos afigurou logo cousa digna de minucioso exame. Procurámos reconhecer si seriam productos de substancia amyloide; mas a reacção característica decidio PESTE DE CADEIRAS 23 pela negativa. Attacamol-as com diversos reagentes, com a potassa, com as soluções acidas fracas, com o ether sul- furico, ellas resistiram. Sujeitamol-as á acção das matérias corantes : pela eosina, pelo azul methylico não se colo- riram ; pelo carmim ficaram incompletamente coloridas. Examinamol-as com ampliações variadas de 250 a 500 diâmetros, em diversos córtes, e ainda assim mal podemos chegar a reconhecer a sua estructura intima. Ellas pa- reciam ser constituídas por uma capa ou bolsa, de espes- sura variavel, envolvendo outras pequeninas massas, de contornos escuros, mais ou menos refringentes, ás vezes granulosas. Essas pequeninas massas encerradas na bolsa- matriz, pareciam conchegadas e apertadas umas contra as outras ; mas quando, por processo natural de desaggre- gação, a capa exterior do kysto fendia-se ou dissolvia-se, ellas ficavam soltas e isoladas. Algumas das grandes massas vimos cobertas de pellos mui finos, dispostos ás vezes em series mui regulares, re- cordando, por seu aspecto os orgãos de fecundação de certos Ascornycetes. (Vide est. i, figs. 6-7). Outras vimos emittindo prolongamentos alciformes, que irrompiam dos bordos da massa, e expandiam-se á maneira de leque. Esses prolongamentos eram consti- tuídos por substancia gelatinosa, translúcida e recordavam muito também a vegetação de certos cryptogamos in- feriores. (Vide est. 1, fig. 4)- - 24 PATHOGENESIA COMPARADA Em um córte de medulla pudemos ver e acompanhar, durante algum tempo, esse processo germinativo, com prolongamentos alciformes, produzindo-se a descoberto, isto é, fóra da bolsa kystica. Os prolongamentos alci- formes tomam sua origem em centros differentes, repre- sentados por pequeninos corpos redondos, quasi esphe- ricos, os quaes, a principio, envolvendo-se em uma subs- tancia protoplasmatica, emittem depois prolongamentos mui finos, translúcidos, ás vezes concêntricos e super- postos, em fórma de alça. Esses corpúsculos germinativos devem ser esporos, e os prolongamentos que elles emittem a phase inicial da formação de um mycelio, ou talvez ascas rudimentares. Parece, portanto, que se não deve dar outra interpre- tação ás grandes massas sinão considerando-as como agglomeraçÕes de esporos enkystados. Sendo assim, ellas não pódem figurar mais como resultado da alteração de- generativa da medulla, mas sim como a immediata causa dessa alteração. E como ultimo consectario desta cadeia de factos logicamente interpretados, chegamos á affir- mação de que a peste de cadeiras é doença parasitaria, de- vida a um ser cryptogamico inferior, o qual é encontrado na medulla espinhal. A natureza e a distribuição das lesões histológicas observadas na medulla do cavallo harmonisam-se perfei- tamente com a natureza e a distribuição alli do agente PESTE DE CADEIRAS 25 causal. O processo degenerativo revelado pelo exame mi- croscópico pertence á classe das scleroses diffusas. A substancia branca assim como a substancia parda, foram irregular mente invadidas pela degeneração ; e a mesma irregularidade na distribuição da lesão, sendo mais pro- nunciada esta onde mais numerosas se encontram as massas kjsticas, corrobora a opinião que temos formado sobre a causa efíiciente da lesão patbologica da medulla. 0 microphyto da agua do lago Arary Resume este capitulo o producto de um labor paciente e ininterrupto de muitos mezes. Tão complicados, difficeis, embryonarios estão ainda hoje os estudos da microbota- nica,que, com justa razão, podiam levar á conta de ousadia tudo quanto aqui vamos expôr sobre os caracteres mor- phologicos do microphyto que suppomos ser a causa da peste de cadeiras. Sem nos aventurarmos, porém, á interpretar todos os factos que cahiram debaixo da nossa observação, tarefa essa superior ás nossas forças, nos restringiremos a assignalar apenas os factos pri- naordiaes com relação ao polymorphismo do dito mi- crophyto. Db, Lacekda. PATHOGENESIA COMPARADA Em geral, os microbiologistas e os médicos natura- listas, procurando determinar o agente causal de uma doença infectuosa ou contagiosa, contentam-se com as- signalar certas formas constantes, ás vezes numerosas ou extraordinariamente variadas que se encontram no orga- nismo doente, e ver si taes formas transferidas a animaes de differentes especies, sâo ou não susceptíveis de nelles reproduzir moléstia analoga ou idêntica á do homem. Si os resultados obtidos na experiencia confirmam as previ- sões do experimentador, considera-se resolvido o problema e achado o microbio causal. Realmente a relação de causa a eífeito fica assim demonstrada. Mas, como não me parece licito admiltir-se que taes micro-organismos tenham sempre a mesma fórma, qual- quer que seja o ponto do organismo enfermo em que elles se encontrem ; antes, ao contrario, tudo induz a crer que elles alli apparecem sob fórmas variadas, correspondendo a phases diversas da sua vida endo-parasitaria, e quem sabe também si a períodos differentes da evolução da mo- léstia, imagine-se a que confusões pódem arrastar obser- vações isoladas de fórmas transitórias ou não acabadas, as quaes estão ainda a percorrer o cyclo da sua evolução polymorpha por influxo de condições differentes. Tal observador, por exemplo, afíirmará a existência de um micrococcos quando tal outro assegura que se trata de um bacillo, sem se lembrarem os dois contendores que PESTE DE CADEIRAS 27 essas duas formas podem representar phases diversas do mesmo ser. As formas bacillares na mesma especie, são sujeitas a variar immensamente por influxo do meio, a tal ponto que um observador inexperto seria levado a con- sideral-as especies differentes. Que differença entre a fórma do bacillus anthracis no sangue do animal carbun- culoso e o mesmo microphyto cultivado fora do orga- nismo ! Si nao se houvera já determinado por cautelosa observação a origem idêntica daquellas duas fórmas, não ter-se-hia razão bastante para suppôl-as de origem di- versa ? O comma-bacillo de Koch, encontrado no intestino dos cholericos, não começa a ser considerado fórma resul- tante da segmentação de um spirillo? E quem será capaz de attestar que este mesmo spirillo não se liga por outras fórmas intermediárias, mais complexas, e ainda não achadas, ao microphyto exotico que produz o cholera ? Estas interrogações servem para mostrar quanto 0 es- tudo microbotanico destes seres infinitamente pequenos, productores de moléstias, está atrazado e carece sobre elles proceder-se a rigorosas e pacientes indagações. Umas das grandes dificuldades inherentes ao estudo desses vegetaesinhos inferiores consiste justamente na Mutabilidade das fórmas que elles costumam apresentar e n° conhecimento exacto do seu systema reproductor. Elles são de uma sensibilidade extrema á influencia dos 28 PATHOGENESIA COMPARADA meios em que vegetam ; e o polymorphismo, quasi sempre dependente dessa influencia, torna-se um phenomeno re- lativamente frequente na flora mycologica inferior. Cohn, Naegeli, Brefeld, Van-Tieghem, Hallier, Zopf e outros mycologos distinctos contribuíram com observações nu- merosas para evidenciar esse facto, agora mesmo com- provado pelo estudo que fizemos do mycrophyto encon- trado na agua do lago Arary, cujas formas, se vai ver, por extremamente variadas tornam-se ás vezes difficeis de ser interpretadas. Na agua do lago Arary apresenta-se o microphyto sob a fórma de filamentos longos, cylindroides, ondulados, ás vezes soltos, outras vezes reunidos em feixes, do- brados e enrolados á maneira de um molhe de cordinhas. (Vide est. n, fig. i). Em um meio de cultura, rico de matéria nutritiva, sendo a temperatura do ambiente de 27 a 29o c., elles tecem na superfície do liquido, uma trama mycelial, parecendo feltro, de cor a principio esbranquiçada, mais tarde verdoenga. Elle recorda então certas producçÕes analogas, que se formam habitualmente na superfície das aguas dormentes dos pantanos. Com o fim de acompanhar toda a sua evolução mor- phologica e apreciar as suas transformações sob a influencia variada dos meios, fizemos cultura delle, umas vezes á secco, fóra da acção do ar, nas cellulas fechadas de Van-Tieghem, outras vezes em líquidos, com livre accesso PESTE DE CADEIRAS 29 do ar, dentro dos matrazinhos de Pasteur. Os resultados alcançados com o primeiro methodo de cultura puzeram em evidencia um facto de importância incontestável e vem a ser que esse microphyto oppõe grande resistência á as- phyxia. Encerrado na cellula de Van-Tieghem, privado do ar, elle continuou, não obstante, a desenvolver-se e a ve- getar na superfície da gotta de gelatina coagulada, que enchia a cavidade da cellula, por muitos dias. Ahi po- demos observar, logo em principio, certas transformações no mycelio. O talo principal, donde partem os ramos secundários, tornou-se pluricellular, com septuns mui claros e visíveis, sendo as cellulas, umas oblongas, outras redondas, li- gadas nos extremos, contendo cada uma delias de 3 a 4 granulaçoes internas. Os ramos secundários tomavam sua origem, ora no meio ora no extremo de uma das cellulas, e seguiram em direcção perpendicular ao eixo do talo principal. Os ramos terciarios, guardando a mesma fórma evo- lutiva dos ramos secundários, começavam a dar indícios da divisão cellular. (Vide est. n, fig. 2). Esta primeira meta- niorphose do microphyto, observada em cultura feita na cellula de Van-Tieghem, prende-se por transições fáceis de comprehender, a outras formas por elle apresen- tadas no matrazinho de Pasteur, contendo gelatina liquida levemente acidificada. Em certas condições, um dos ramos PATHOGENESIA COMPARADA secundários mais curtos, ligeiramente incurvado, e dila- tado no extremo, apresentou o aspecto de asca, com 8 a 10 esporos inclusos. (Vide est. ii, fig. g). Esta esporificação endógena, alliada a outros caracteres morphologicos dos quaes vamos d’aqui á pouco fallar, levou-nos a presumir que este microphyto devera ser classificado no grande grupo dos Ascomycetes, onde os phenomenos do poly- morphismo são assaz accentuados. A cultura feita em meio liquido acidificado (gelatina), no matrazinho de Pasteur com a temperatura de 36° c., deu em resultado uma notável modificação no aspecto do microphyto. Vegetando em grupos isolados, elle adquirio então uma bellissima fórma estrellada, continuando o mycelio ra- moso a ser constituído por cellulasinhas alongadas, arti- culadas umas ás outras, cada uma delias com 3 a 4 gra- nulações internas ou esporidios. (Vide est. n, fig. 3). Este mesmo aspecto vimol-o, porém, já um tanto modificado, no mesmo meio de cultura; o mycelio articulado alongan- do-se mais, á maneira das patas de uma aranha, emquanto um grupo de cellulas oblongas, desarticuladas, granu- losas, agrupadas irregularmente, formavam o centro ou nidulo d’onde irradiavam os prolongamentos do mycelio. (Vide est. n, fig. 4). Este mesmo mycelio articulado dividio-se depois pelos pontos de juncção dos articulos, os quaes se- parados apresentaram-se com a fórma e aspecto de verda- PESTE DE CADEIRAS deiros bastonetes. (Vide est. n, fig. 6). Outras formas in- termediárias, figuradas por cellulas redondas, unidas umas ás outras como anneis de uma cadeia, oífereceram no- táveis pontos de semelhança com as fórmas caracteristicas dos Discomjcetes. (Vide est. ii, fig. 14). Em culturas antigas, póde-se seguir o processo de des- ag-gregaçao ou de deperecimento da forma estrellada, que eu denominarei segunda. O mycelio ramoso e articulado fragmenta-se de mais em mais ; as cellulas componentes delle empallidecem e destroem-se; por fim resta apenas um detrito, no meio do qual se vêm os esporidios, ás vezes agitados do movimento browniano. (Vide est. u, figs. 5-i3). Estes esporidios, encontrando condições favoráveis á germinação, emittem filamentos longos, mui tenues, os quaes vão constituir um mycelio secundário, extre- niamente delicado, como o mycelio dos cladothrix. (Vide est. 11, figs. 10-11). A vida deste mycelio é as vezes ephemera. Elle fragmenta-se, divide-se em parcellas de dimensões varias, e desse parcellamento resultam fórmas pseudo-bacillarcs, algumas spirilliformes, outras ligeira- mente incurvadas como uma virgula, outras finalmente tendo a dupla inflexão de um S. (Vide est. n, fig. 16). Em outras circumstancias, porém, os filamentos myceliaes es- porulam e a esporulação é endógena. Emquanto a forma segunda ou estrellada parece adaptar-se melhor aos meios ácidos, as formas delicadas 32 PATHOGENESIA COMPARADA do cladothrix parecem ter mais resistência quando se acham em meios neutros ou alcalinos. Cultivando a forma segunda em meio neutro assis- timos a um facto curioso, que ainda mais veio complicar o polymorphismo deste vêgetalsinho microscopico. Elle cobria-se de uma cutícula gelatinosa, a qual envolvendo-o todo á maneira de uma bolsa, assumia o aspecto de ver- dadeiro kysto. (Videest. ii, figs. i2-i5). Atravez da cuticula appareciam os relevos das cellulas enkystadas, ás vezes por maneira tão visivel, que elles podiam ser contados. Estas fórmas kysticas offereciam as maiores analogias com aquellas outras que observámos na medulla do cavallo, e já ficaram descriptas em outra parte desta me- mória. Si não houvéramos acompanhado pari passu todas estas metamorphoses, seriamos o primeiro a duvidar da unidade especifica destas formas múltiplas. Elias se ligam entretanto naturalmente por transições, as quaes acabam por fazer desapparecer as primitivas feições do indivíduo, conservando-se todavia o caracter especifico sob a multi- plicidade das fórmas. Este estudo veio fortalecer mais a opinião que já ha muito temos formado sobre a especificidade attribuida a certas fórmas microbianas, as quaes não nos parece terem existência autonoma, nem representarem individualidades botanicas completas. Porque não foi até aqui achada nem PESTE DE CADEIRAS 33 mesmo sufficientemente procurada a successão das íórmas que ainda hoje são confusamente incluídas nas Bacte- rideas, não se segue d’ahi que os indivíduos componentes desse grupo sejam realmente seres completos, e não, o que se afigura mais provável, orgãos ou partes isoladas e ca- ducas de outros representantes mais elevados da classe dos cryptogamos. Quer-nos parecer que os futuros pro- gressos da mycologia virão dar razão á nossa opinião e esclarecer muitos pontos ainda obscuros na historia, apenas começada, do parasitismo como causa de mo- léstias. Em resumo, na agua do lago Arary encontra-se um microphyto polymorpho, pertencente provavelmente ao grande grupo dos Ascomycetes. As fórmas deste micro- phyto apresentam grandes analogias com aquellas que encontrámos na medulla do cavallo, attacado da peste de cadeiras. Resta agora saber si realmente é este micro- phyto o agente causal daquella doença. Com o fim de responder a esta questão, realisámos numerosas experiencias em animaes de differentes es- pecies, e os seus resultados, como se vai ver, respondem pela affirmativa. Db. Lacerda. 34 PATHOGENESIA COMPARADA Experiências em animaes com o microphyto do lago Arary Vamos agora relatar os resultados obtidos com a inoculação do microphyto do lago Arary feita em coelhos, porquinhos da índia, aves e macacos. Tendo em grande valia os resultados destas experiencias, á medida que se iam elles produzindo, e com o fim de lhes dar todo o caracter de publicidade, invocávamos o testemunho de pessoas competentes, ás quaes mostrávamos os animaes inoculados apresentando os diversos symptomas da mo- léstia. Quasi todo o pessoal scientifico do Musêo seguio com mostras de subido interesse estas experiencias. Vários animaes inoculados foram mostrados em sessão da Academia Imperial de Medicina , e offerecidos á curio- sidade dos meus ouvintes, nas conferencias que sobre este assumpto fiz no Musêo Nacional, durante o segundo se- mestre do anno passado, na augusta presença de S.M. o Im- perador. As inoculações foram practicadas, ora com o micro- phyto original, isto é, tal qual se acha na agua do lago Arary ; ora, com o microphyto cultivado, segundo o me* thodo pastoriano. Salvo differenças na presteza com que PESTE DE CADEIRAS 35 os phenomenos devidos á inoculação se produziram, dif- ferenças que não poderam ser attribuidas a condição de- terminada, a primeira, como a segunda serie de ino- culações deram resultados quasi idênticos. Houve casos de marcha excessivamente lenta, caracterisados por phe- nomenos atrophicos e paralyticos ; em outros produziram- se edemacias rapidas, seguidas de morte em poucos dias, sem que tivessem tido tempo de manifestar-se as pertur- bações de origem medullar. Em outros casos, interme- diários, produziram-se, logo em principio, edemacias de curta duração, e o animal succumbio com perturbações de origem medullar muito accentuadas e eííusÕes serosas nas cavidades esplanchnicas. As variações das formas sympto- maticas não pareceram guardar relação alguma com as formas diversas do microphyto inoculadas isoladamente. Em alguns casos houve elevação thermica e mesmo es- tado pyretico, no começo; em outros não. Porquinho da índia, adulto. lnjecção subcutânea na coxa de dous centímetros cúbicos da agua do lago Arary. Morte no fim de 48 horas. Cadaver, observado algumas horas depois da morte, completamente infiltrado. A edemacia, é sobretudo notável nos quatro membros. Incisando os tecidos nas coxas, e na face dorsal das patas, corria das incisões um liquido citrino, perfeita- mente hydropico. A infiltração estendia-se mesmo aos interstícios musculares das côxas. Não havia eífusões se- 36 PATHOGENESIA COMPARADA rosas nas cavidades esplanchnicas. Sangue fluido e ennc- grecido. Ausência de lesões notáveis nas vísceras quer thoracicas quer abdominaes. Porquinho da índia, adulto. Inoculação feita em condições idênticas ás da experiencia precedente, 24 horas depois edemacia nas duas patas e nas coxas. O animal im- movel e muito abatido. O edema augmentou no dia se- guinte, tornando as côxas volumosas, e deixando ficar a mossa devida á compressão. Practicando-se pequenas in- cisões nos tecidos infiltrados da coxa, vê-se escorrer uma serosidade citrina, perfeitamente hydropica. O animal sustenta com difficuldade a attitude de pé. Si, compellido, vai a caminhar, dobram-se lhe os membros anteriores, ficando a pata virada sobre o dorso. Ao mesmo tempo 0 corpo oscilla, e a quéda se dá sobre 0 flanco. Podendo a morte dar-se em nossa ausência, e querendo aproveitar 0 sangue para culturas, seccionámos-lhe o bulbo. Uma gotta de sangue, extrahida com as cautellas ne- cessárias do ventrículo direito foi posta a cultivar em uma cellula de Van-Tieghem, contendo gelatina esterilisada. No fim de 24 horas, o microscopio mostrava na superfície da gelatina lindas arborisaçÕes do mycelio. A autopsia não demonstrou a existência de lesões vis- ceraes notáveis nem effusões nas cavidades esplanchnicas. Coelho robusto, de grande porte. lnoculação practi- cada nas mesmas condições das experiencias precedentes. PESTE DE CADEIRAS Tres dias depois, edemacia manifesta nos membros pos- teriores, mais pronunciada em um membro do que em outro. A pata direita apresentava-se volumosa. O animal estava abatido, fatigava-se com o menor esforço, e cami- nhando, tinha os quartos trazeiros derreiados e encolhidos. Os membros dianteiros apresentavam de vez em quando pe- queninas contracções espasmódicas, mais repetidas depois do esforço produzido para a locomoção. A compressão das massas musculosas das coxas provocava dor, revelando-se por contorções do animal. Entretanto, em muitos pontos da superfície cutanea, correspondentes a essas massas musculosas, parecia haver anesthesia completa. O animal não reagia ás picadas exercidas com instrumentos pontea- gudos, nem parecia perceber a sensação de calôr devida á applicação de um corpo em ignição. O abatimento aug- mentou nos dias subsequentes; as difficuldades na loco- moção tornaram-se cada vez mais accentuadas. Por fim o animal só podia caminhar arrastando os quartos trazeiros. A accentuação destes phenomenos coincidio com uma diminuição notável no edema, chegando este quasi desap- parecer. No oitavo dia, pela manhã, encontramol-o agoni- sante. Cahido de flanco, a cabeça fortemente retrahida, como no opisthotonos, a respiração laboriosa, quasi dys- pneica. Pequenas contracções espasmódicas agitavam de vez em quando algum dos membros sem terem o caracter das convulsões tetanicas. 38 PATHOGENESIA COMPARADA Apressámos a morte, seccionando o bulbo. O exame cadavérico immediato denunciou o seguinte : Sangue mais fluido do que no estado normal, porém, coagulavel. Pulmões pouco congestos. Adherencia da pleura com o pericárdio, na extensão de alguns milli- metros. Fendido o pericárdio, encontrou-se dentro certa quan- tidade de liquido citrino, hydropico, devendo regular por 6 grammos. Notava-se grande injecção dos vasos coro- nários. Na cavidade pleuritica esquerda havia também ef- fusão de liquido hydropico, em quantidade um pouco maior que no pericárdio. O mesmo se notava na cavi- dade abdominal, onde a quantidade do liquido hydropico devia exceder de 20 grammos. O estomago e intestinos pareciam normaes O fígado apresentava-se volumoso, com pequeninas maculas escuras na superfície. Esses maculas não tinham ás vezes mais de um millimetro de profundidade. A con- sistência, porém, do tecido hepático parecia normal. Os rins apresentavam as mesmas maculas superficiaes que notámos no fígado. Baço normal. Bexiga distendida por ourina turva, levemente amarella, mas sem albumina. Em parte alguma notava-se infiltração do tecido cel- lullar subcutâneo, nem no tronco, nem nos membros. Os musculos, porém, estavam pallidos, flaccidcs, ane- micos, com o aspecto da carne macerada. PESTE DE CADEIRAS 39 Aberta a columna vertebral, apresentou-se o cordão medullar com as meninges excessivamente congestas, com placas hemorrhagicas diffusas, desde 0 começo da porção cervical até quasi o limite inferior da porção lombar. Essa forte hyperemia propagou-se á bainha das raizes nervosas rachidianas. Ausência de effusão serosa arachnoidiana. Os vasos medullares túrgidos de sangue. O tecido da me- dulla sem alterações notáveis na sua consistência. A tur- gência vascular estendia-se até o cerebello. Exame do sangue. Hematias deformadas, contra- hidas, ás vezes agglutinadas em massa. Movimentos amiboides mui pronunciados. O protoplasma globular pa- recia haver perdido um pouco da sua cohesão normal. Não havia accrescimo sensível dos leucocytos. Em pontos diversos da preparação descobriam-se pequeninas granu- lações refringentes, ora esparsas, ora reunidas, formando ilhotas. Exame da medulla espinhal. —Foi feito no estado fresco. No meio do tecido nervoso viam-se numerosos esporos em trabalho germinativo. O esporo envolvia-se em uma massa protoplasmica, perdia a refringencia, tor- nava-se escuro, opaco, e dessa massa sahiam tubos uns rectos, outros curvos, mais ou menos longos, consti- tuídos por substancia hyalina, homogenea. Exame dos cortes do figado. Em certos pontos con- gestão dos capillares interlobulares, e existência de nu- PATHOGENESIA COMPARADA merosas granulações redondas ou ovoides, um tanto amarelladas, refringentes, esparsas, ou aggrupadas na su- perfície dos lobulos, ás vezes nos vasos interlobulares. Essas granulações só eram bem visíveis com ampliações fortes de 700 a 800 diam. Exame do pericárdio. —Tratado simplesmente pela potassa, colorido pela eosina, e esclarecido pela glyccrina. Na superfície da membrana, com ampliações de Soo a 700 diam. observam-se numerosos filamentos cylindroides, alguns muito longos, incurvados, formando alças; ás vezes spiriformes, contorcidos, com pequenas granulações inclu- sas. Estes filamentos tem toda a apparencia de fragmentos myceliaes soltos, do typo cladothrix (Vide est. m, fig. 5). Os mesmos filamentos foram encontrados nas meninges rachidianas. (Vide est. m, fig. 10). Cultura do sangue. Uma gotta de sangue extrahido com todas as cautelas do coração, immediatamente de- pois da morte, foi misturada a uma gotta de gelatina es- terilisada na cellula de Van-Tieghem. No fim de 48 horas desenhava-se na superfície da gelatina um mycelio for- mado de tubos hyalinos, sinuosos nos extremos, alguns já entrados na phase da esporulação. Apreciando os resultados desta importante experiencia, vemos que a moléstia consecutiva á inoculação do micro- phyto revelou-se a principio por edemacias localisadas nos membros posteriores, depois veio a fraqueza geral, PESTE DE CADEIRAS 41 dyscinesia, mais pronunciada nos quartos trazeiros, anes- thesia cutanea, hyperesthesia muscular, terminando por contracções clonicas nos quatro membros e akinesia ge- neralisada. Pela necropsia meninges rachidianas e da medulla ; e eííusoes hydropicas nas cavidades esplanchnicas. O microphyto, representado lúima das suas fórmas, foi encontrado na medulla, no pericárdio, nas meninges rachidianas. A cultura do sangue reproduzio o mycelio. Coelho robusto, adulto.— Inoculação hypodermica na coxa de 2 centímetros cúbicos da cultura do microphyto. Quatro dias depois apresentaram-se os primeiros symp- tomas de abatimento e fraqueza na locomoção. No oitavo dia esses phenomenos tinham-se incrementado. As patas dianteiras apoiavam-se mal no solo ; ellas escorregavam, a cada instante, septindo 0 animal difficuldade em trazei-as á posição primitiva, O salto tornara-se impossível. Ao mesmo tempo que se pronunciavam esses symptomas, a nutrição decahia visivelmente e o animal diminuía de peso todos os dias. A morte sobreveio no 14o dia, prece- dida de sobresaltos tendinosos, sem que, em todo o de- curso da moléstia, se houvesse manifestado o edema. A necropsia, practicada algumas horas depois da morte, por uma temperatura de 20o c. mostrou 0 seguinte; Sangue fluido, coagulavel. Pulmões levemente congestos. Pequeno derrame sero-sanguinolento na cavidade pleuri- Db, Lacebda. 7 42 PATHOGENESIA COMPARADA tica. Ausência de derrame de qualquer natureza no pe- ricárdio. Figado de cor vermelha-escura. Rins e baço normaes. Bexiga cheia de ourina. Meninges rachidianas com vários pontos congestivos, mais pronunciados ao nivel da região lombar. Tecido da medulla um tanto amollecido. Pelo exame microscopico encontrámos os esporos na medulla. Na pleura existiam os mesmos filamentos que observámos no pericárdio e nas meninges, na experiencia precedente. Coelho robustíssimo, pesando 3 kilos e 5o gram.— Inoculação hypodermica, repetida com intervallos de dias, de 2 centímetros cúbicos da cultura do microphyto. Evolução extraordinariamente lenta dos symptomas, re- velando-se por abatimento e emmagrecimento progres- sivo. No fim de 40 dias, notava-se considerável reducção de volume do animal, fraqueza extrema, e locomoção difficil, tudo isso coincidindo com a queda dos pellos. Então elle pesava apenas 1 kilo e 3o grammos. Aggra- vando-se esse estado, elle veio a succumbir alguns dias depois em verdadeiro estado de marasmo. Não foi prac- ticada a necropsia. Experiências por inoculações em serie. Duas gal- linhas, um pombo, dois porquinhos da índia foram inocu- lados, no mesmo dia, com a cultura do microphyto do lago Arary fórrna segunda. As gallinhas foram ino- PESTE DE CADEIRAS 43 culadas debaixo das azas, no tecido cellular subcutâneo e na veia. O pombo debaixo das azas, no tecido cellular sub- cutâneo. Os porquinhos da índia no tecido cellular sub- cutâneo das côxas. As quantidades do liquido injectado variaram entre 2 e 5 centimetros cúbicos. As aves foram encerradas em uma gaiola, os por- quinhos da índia em outra. Em companhia das primeiras deixou se ficar um gallo não inoculado afim de servir de termo de comparação. O mesmo fez-se com os porquinhos da índia. Durante os seis primeiros dias, nenhum se apresentou, nem nas aves nem nos porquinhos da índia, ao contrario do que esperávamos. Continuámos a observação por mais alguns dias; e visto não ter apparecido nenhum indicio da moléstia, re- solvemos repetir as innoculações empregando a mesma cultura que tinha servido antes. Só vinte dias depois come- çaram os animaes a apresentar algumas perturbações da motilidade, prova de que se havia produzido a infecção. O pombo não podia equilibrar-se em pé ; e quando era obrigado a caminhar, arrastava os tarsos, ajudando com as azas a locomoção. Começaram as pennas a cahir de tal sorte que ao cabo de alguns dias a ave ficou quasi implume. Os phenomenos paralyticos variavam de intensidade, mostrando-se uns dias mais pronunciados, outros menos. Os membros 44 PATHOGENESIA COMPARADA paralysados eram, por vezes, accommettidos de espasmos e contracturas, ficando em extensão forçada durante alguns minutos. Este estado, com ligeiras modificações, prolon- gou-se por mais de vinte dias, findos os quaes as melhoras se pronunciaram, vindo a ave a readquirir a normalidade das funcções motoras só um mez depois. Nas gallinhas produziram-se phenomenos idênticos ; a principio enfraquecimento dos tarsos, tendencia á po- sição agachada com diííiculdade de erguer-se ; respiração curta e apressada, ao menor esforço ; queda das pennas; esfoliação do epiderma; azas pendentes, como semi- paralysadas, pescoço cahido. As vezes tinham regorgi- taçoes de líquidos pela bocca. Com estes phenomenos coincidia uma anemia, que se foi tornando de mais em mais profunda. A crista embranqueceu e ficou edemaciada. A visão perturbou-se. Ao mesmo tempo notou-se que as extremidades digitaes dobravam-se para dentro, em flexão forçada, devida á paralysia dos musculos extensores. Os dedos tornaram-se mais volumosos por infiltração edema- tosa. A voz fraca e afinada. Nesse estado resistiram as gal- linhas cerca de tres mezes, tendo a morte de uma delias se produzido inopinadamente, por syncope, na occasião em que a examinavamos. Os porquinhos da índia resistiram menos; ellessuccum- biram no fim de tres semanas, tendo apresentado fraqueza geral, quéda dos pellos e emmagrecimento progressivo. PESTE DE CADEIRAS 45 Nem 0 gallo, nem o porquinho da índia, conservados para termo de comparação, tiveram perturbação alguma semelhante ás que apresentaram os animaes inoculados. Como contra-prova dos resultados obtidos nestas expe- riências, inoculámos, no fim de dous mezes, o gallo- lestemunha, adstringindo-nos ás mesmas condições em que foram practicadas as inoculações nas gallinhas. Ao fim de 12 dias, apresentaram se no gallo symptomas in- teiramente idênticos áquelles que observámos nas gal- linhas. No intuito de comparar os effeitos da inoculação do microphyto original com os resultados da inoculação da fórma segunda na cultura, inoculámos um pombo na parte interna da aza com 2 centímetros cúbicos da agua do lago Arary, carregada de esporos do microphyto. No fim de seis dias, enfraquecimento dos tarsos, tendencia á po- sição agachada, locomoção diííícil. Extremidades digitaes inflectidas e dobradas como nas experiencias precedentes. No oitavo dia, paralysia completa dos membros posteriores. A ave só pódc locomover-se, agitando as azas e nellas se apoiando. Morte no nono dia depois da inoculação. A necropsia revelou o seguinte: leve congestão pul- monar ; ausência de derrame nas pleuras. Pequena tran- sudação serosa no pericárdio. Fígado de côr vermelha escura, todo salpicado de pontos brancos. Transsudação serosa na porção dorso- 46 PATHOGENESIA COMPARADA lombar da medulla espinhal. Leve hyperemia dasmcninges ao nivel da transsudação. Sangue coagulavel. O exame microscopico mostrou a existência de grande numero de esporos no tecido da medulla e no liquido transsudado. Os cortes do fígado mostraram que os pontos brancos eram constituídos por colonias de esporos e tubos myceliaes. A' vista dos resultados desta experiencia não se póde contestar a identidade dos effeitos produzidos pelos mi- crophjto original e pela fórma segunda da cultura. O que, porém, parece também incontestável, á vista desta, e de outras experiencias comparativas, é que a fórma original do microphyto do lago Arary tem mais actividade para produzir a doença, do que as formas cultivadas. Experiencias em simios. Um macaco adulto, do sexo masculino (Cebus robustus), dotado de extrema vi- vacidade, alimentando-se bem, foi inoculado no tecido cellular subcutâneo das duas côxas com 2 cent. cub. da agua do lago Arary, Dois dias depois, elle parecia privado do uso dos membros abdominaes. As côxas estavam em flexão eum pouco na abducção, a perna dobrada sobre a côxa, opé em flexão exagerada. Quando o animal caminhava, sus- pendia toda a porção posterior do tronco, e dava o impulso ao corpo, apoiando-se com as mãos no solo. PESTE DE CADEIRAS 47 Na attitude estatica ou do descanso toda a face posterior da perna e do pé tangenciavam o solo. Examinando os membros abdominaes notámos nelles edema bem ma- nifesto, um tanto elástico e resistente, custando a deixar mossa pela compressão, mesmo prolongada. Não foi pos- sivel apreciar o estado da sensibilidade cutanea em razão da inquietação incessante do animal. No fim de alguns dias, os membros abdominaes read- quiriram parcialmente o seu movimento ; o animal já se apoiava nelles durante a locomoção ; não obstante era bem visivel um certo encolhimento de toda a porção abdominal do tronco, o animal não conseguindo Jamais pôr os membros correspondentes em extensão, como habitualmente succede no andar do macaco. O edema persistia, comquanto menos pronunciado. Já então notava-se um começo de edemacia na face, limitada ao lado esquerdo, e mais pronunciada na pál- pebra superior. A inchação da palpebra impedia a oc- clusão perfeita do olho e a bocca permanecia entreaberta e parte dos dentes á vista pela difficuldade de conchegar o labio superior ao inferior. Ao mesmo tempo via-se no habito externo signaes de uma anemia crescente ; a superfície cutanea da face tor- nara-se menos corada do pigmento negro ; as mucosas empallideceram ; a lingua tornou-se branca ; os pellos começaram a cahir; e a pelle aspera e secca em certos 48 PATHOGENESIA COMPARADA pontos apresentava uma descamação furfuracea. Appa- receu um fluxo nasal viscoso e esverdeado ; a mucosa gengival tornou-se sangrenta e cobrio-se de um induto pultaceo como no escorbuto. Por fim a edemacia augmentou e estendeu-se a toda a face. Os membros thoracicos edemaciaram-se também. Chegando a este estado, o animal manifestou grande abati- mento ; começou a recusar os alimentos; tornou-se indi- ferente á tudo e succumbio, 27 dias depois da inoculação. A necropsia practicada poucas horas depois da morte, sendo a temperatura ambiente de 20o c. mostrou 0 se- guinte : Ausência de rijeza cadavérica. Nenhum signal de pu- trefacção. Descamação furfuracea em vários pontos do tronco e dos membros posteriores. Manchas irregulares nas coxas e na face lateral do tronco, sem elevação, reve- lando-se apenas por uma coloração mais escura da pelle nesses pontos. Edema assaz pronunciado no lado es- querdo da face, comprehendendo a palpebra, a região nasal e os lábios. Aspecto sangrento da mucosa gen- gival e labial, mais accentuado no labio inferior. Edema, ainda facil de reconhecer, na face externa do tibia. Edema assaz pronunciado nos antebraços. Sangue aquoso, incoagulavel, adquirindo coloração rutilante pela exposição ao ar. Leve congestão dos pulmões. Ausência de derrames serosos nas pleuras, no pericárdio e PESTE DE CADEIRAS 49 no peritoneo. Figado congesto. Depois de lavado, elle apresentava maculas congestivas esparsas na superfície. Rins apparentemente normaes. Baço normal. Bexiga vasia e contrahida. A medulla espinhal, extrabida com os seus invólucros membranosos, apresentava alguma congestão meningeana limitada á parte média da região cervical e a uma certa porção da região lombar. A consistência do tecido medullar não estava diminuída. Musculos flaccidos, pallidos, descorados. Em certos pontos notava-se um estado emphysematoso no tecido cellular subcutâneo e no tecido conjunctivo intersticial dos musculos. O exame microscopico mostrou as hematias defor- madas, algumas reduzidas de volume, ás vezes aggrupadas ou fundidas em massa. Em pontos vários da preparação viam-se numerosas granulaçoes refringentes, redondas ou ovoides, em estado de completa immobilidade. Muitas dessas granulações pareciam presas em matéria glutinosa. Notavam-se também fragmentos membranosos, de formas mui irregulares, ás vezes isolados, outras vezes reunidos constituindo massas. Estes retalhos membra- nosos, outra cousa não eram sinão resíduos de formas destruídas do microphyto. Uma gotta de sangue foi extrahida da veia e cultivada na cellula de Van-Tieghem. Ao cabo de tres dias,omicro- Db. Lacerda, PATHOGENESIA COMPARADA phyto desenhava lindas arborisaçoes myceliaes na super- fície da gelatina. Cultivando no matrasinho de Pasteur, o sangue de uma das gallinhas, anteriormente inoculadas, e cujos sym- ptomas Já foram descriptos, obtivemos no fim de alguns dias, uma producçao mycelial abundante, com os carac- teres do microphyto original. Desta cultura, nos servimos para inocular dois macacos —um Cehus rohustus e um Atteles. As inoculações foram practicadas no tecido cellular subcutâneo das coxas, com um centímetro cubico do li- quido de cultura, contendo grande quantidade de esporos. Houve nas primeiras 24 horas que se seguiram á ino- culação augmento de temperatura, que attingio em um dos macacos 40o, em outro 89°, 5. Logo manifestou-se um grande abatimento ; tendencia ao somno, tristeza, recusa completa dos alimentos. Os membros abdominaes e a face começaram a edemaciar-se. O Cehus succumbio, ao cabo de tres dias ; o outro resistiu até o quarto dia, vindo por fim a morrer com todos os symptomas do pri- meiro. Nenhuma perturbação da motilidade poude ser, nestes dois casos, apreciada, em consequência da rapidez com que os symptomas geraes evoluíram, e a morte se deu. A necropsia practicada algumas horas depois da morte revelou o seguinte : PESTE DE CADEIRAS No Cebus infiltração geral dos tecidos, com aspecto de verdadeira anasarca. A edemacia mostrou-se assaz pro- nunciada na face, nos membros, e nas partes genitaes ex- ternas. Por incisões practicadas no tronco via-se que a infiltração estendia-se ao tecido cellular subcutâneo do dorso e á face anterior do thorax. Aberto o cadaver, no- tou-se congestão dos pulmões. Pequeno derrame seroso no pericárdio. Figado de côr verdoenga com a consistência diminuída, friável, destruindo-se pela mais leve com- pressão digital. Rins congestos. Bexiga contendo ourina. Nem a medulla espinhal nem o cerebro foram exami- nados. No Atteles a edemacia limitou-se á face, e ahi mesmo não foi tão pronunciada como no Cebus. Os pulmões estavam congestos. O figado hyperemiado, com manchas côr de vinho na superfície, porém, sem ter a consistência diminuída. Rins congestos. Em ambos, o sangue apresentou-se fluido, com indícios de ter soífrido grande alteração. Examinado ao micros- copio encontrámos nelle, ao lado da alteração globular, numerosos filamentos soltos, bastante longos, uns recti- líneos, outros articulados, ou dobrados, todos immoveis. Notava-se também grande quantidade de granulaçÕes re- fringentes, amontoadas e como conglutinadas, em estado de completa immobilidade. O exame microscopio dos córtes do figado mostrou á toda evidencia que a profunda PATHOGENESIA COMPARADA alteração notada no parenchyma desse orgao era devida ao desenvolvimento considerável de certas formas de micro- phyto no meio do tecido hepático. Elle apresentou-se ahi sob a fórma estrellada, encontrando-se a maior parte dos articulos já soltos, com a apparencia de bastonetese um reflexo amarellado assaz pronunciado. (Vide est. m, fig, 8). Considerando devidamente os resultados das expe- riências, acima expostos, vê-se que as inoculações feitas em especies varias de animaes com o microphyto do lago Arary, não produziram resultados uniformes e constantes em todos os casos, variando não só as manifestações symptomaticas, como a rapidez na evolução da moléstia. Essas variações, porém, abstrahindo das influencias ligadas ás especies zoologicas inoculadas que não reagem por modo igual em presença de uma mesma causa pathogenica, podem ser aggrupadas de maneira a representarem tres modalidades diversas da moléstia. Primeira modalidade. Caracterisada por symp- tomas paralyticos mais ou menos accentuados, indicativos de desordens nervosas medullares. São estes os casos de evolução mais lenta, quasi sempre complicados com phe- nomenos dystrophicos. Segunda modalidade. Caracterisada por uma evo- lução mais rapida da moléstia e por symptomas edema- tosos e paralyticos, simultâneos ou consecutivos. PESTE DE CADEIRAS 53 Dir-se-hia uma forma mixta, em que ás desordens fnnccionaes do centro medullar se vêm junctar modi- ficações na composição do sangue, favorecendo as transsu- daçÕes serosas. Terceira modalidade. Caracterisada por evolução mui rapida, precedida de elevação thermica, revelando-se por symptomas semelhantes aos da anasarca. Esta seria a fórma mais perniciosa pela alteração rapida que se produz no sangue, imprimindo á moléstia certas feições graves que lembram um pouco os processos septicemicos. E’ de presumir que essas differenças nas formas symp- tomaticas e na presteza da evolução mórbida estejam ad- strictas ou ligadas á condições de actividade reproductora do agente morbigeno Esta questão nos parece, porém, demasiado complicada e obscura para ser resolvida. Confrontemos agora estas formas symptomaticas com aquellas que vimos pertencer á peste de cadeiras e ve- jamos si ellas combinam ou não perfeitamente. Para isto basta recorrer á descrípção circumstanciada que demos, no principio desta memória, dos symptomas que ca- racterisam a epizootia de Marajó, comparando-os com os symptomas resultantes das inoculações eífectuadas com o microphyto do lago Arary. As tres modalidades da moléstia creada experimental- mente combinam inteiramente com as tres formas da peste de cadeiras, estudadas e descriptas pelo Snr. Galandrini. 54 PATHOGENESIA COMPARADA A quasi perfeita similitude dos symptomas em ambos os casos induz a admittir a identidade das duas moléstias; accrescendo ainda como elemento reforçante ou compro- batorio dessa identidade, o facto das analogias morpho- logicas existentes entre o microphyto do lago Arary e o microphyto encontrado na medulla do cavallo, attacado da epizootia. Assim demonstrada, mediante factos e observações nu- merosas, a extrema probabilidade de ser o microphyto do lago Arary o verdadeiro agente productor da peste de ca- deiras, passamos a estudar as analogias, que possam por- ventura existir entre a epizootia de Marajó e o beriberi. 0 beriberi comparado com a peste de cadeiras A presumpção sobre a identidade entre a peste de cadeiras e o beriberi, acalentada por alguns observadores que nao souberam apreciar os factos sinão per summa capita, como fez o mallogrado Crévaux, acha agora, graças ás minhas recentes indagações, uma base mais solida para apoiar-se. As razoes de facto em que, quanto a mim, se funda a identidade do beriberi com a peste de cadeiras são PESTE DE CADEIRAS 55 múltiplas e parece-me que todas valiosas e procedentes. Em primeiro lugar está o facto do desenvolvimento simultâneo das duas moléstias no homem e no cavallo, quando se acharam ambos sujeitos á influencia do mesmo meio, sendo este um dos focos conhecidos da peste de cadeiras. Este facto ficou sufíicientemente averiguado durante o tempo que estiveram acampadas as nossas forças expedicionárias em Matto Grosso (1868.) Conforme narrou o Snr. E. Taunay, testemunha oc- cular dos acontecimentos que alli se deram naquella mal- fadada expedição, estando acampadas as forças brazileiras, proximo á Miranda, manifestou-se attacando os oíficiaes e soldados da columna expedicionária uma moléstia, até então delles desconhecida, a qual começava por inchação dos pés e fraque\a das pernas, seguindo-se muitas vezes a morte no fim de poucos dias. Essa moléstia que uns classificaram de myelite, outros de paralysia reflexa, caracterisada por edema, paralysia e fraqueja, tinha todas as feições do beriberi, e como tal ficou sendo considerada, depois que entre nós se principiou a estudar aquella doença exótica. Pois bem, ao mesmo tempo que a officialidade do corpo expedicionário era devastada pela terrível paralysia, os cavallos, pertencentes á expedição foram sendo successiva- mente attacados de moléstia inteiramente semelhante, e todos succumbiram. Para aqui trasladamos 0 trecho do 56 PATHOGENESIA COMPARADA livro La retraite de Laguna, do Snr. Taunay, em que vêm mencionado este facto : « II a été dit déjà que nous n’avions plus de chevaux ; ils avaient tous été enlevés, dans les district de Miranda, par une épizootie du genre de la paralysie réflexe qui nous avait si cruellement éprouvés nous-mêrnes. » A mim parece indubitável que a epizootia no cavallo era a peste de cadeiras, e a moléstia no homem o hehberi. Dahi esta lógica inferência que a peste de ca- deiras é o beriberi no cavallo. E para mais accentuar esta notável e curiosa coincidência de factos, que podiam pa- recer de uma singular restricção ao nosso paiz, não de- vemos esquecer outra coincidência de igual natureza observada pelo Snr. Joseph Fayrer na índia. Attesta este circumspecto observador que em Madrasta, na zona asso- lada pelo beriberi, e á leste de Bengala, os cavallos são frequentemente atracados por uma especie de paralysia, a que dão no paiz o nome de kumree. (Med. Times. Abril, 1884). Não será o kumree uma epizootia analoga á peste de cadeiras de Marajó e de Matto Grosso? E não estará aquella epizootia identificada, por condições de causa e de symptomas, com o beriberi da índia? Tudo isso se me afigura de uma probabilidade próxima da certeza, ainda que não possamos proval-o. Não merece menos ponderação o facto, attestado pelos Drs. Bricio e Lemos, do Pará, de que são frequentes os PESTE DE CADEIRAS casos de beriberi nos indivíduos que ficam algum tempo em Marajó, occupados nos trabalhos da exploração da borracha. Tem-se chegado mesmo a attribuir com funda- mento ás aguas do rio Anajaze de alguns igarapés daquella ilha a propriedade de produzir o beriberi. A identidade, porém, das duas moléstias parece re- sallar do confronto que vamos em seguida fazer dos symptomas e lesões do beriberi com os symptomas e lesões da peste de cadeiras. Beriberi 1. Primeiros indícios; abati- mento, fraqueza geral com inap- tidão para qualquer exercício. 2. Manifesta-se em seguida en- fraquecimento das pernas com difficuldade de andar. A estes phe- nomenos acompanha muitas vezes a edemacia dos membros inferio- res. 3. A paralysia incompleta do movimento coincide quasi sempre com perturbações da sensibili- dade cutanea, com hyperesthesias ou anesthesias mais ou menos completas. 4. Com a anesthesia cutanea coincide frequentemente hyperes- thesia muscular. 5. Ha dysuria. Dit. Lacerda. Peste de Cadeiras i. Prodromos ; tristeza, cansaço ao menor exercício, impossibili- dade de manter a mesma posição estatica por muito tempo. i. Manifesta-se depois o comba- leamento, com enfraquecimento dos quartos trazeiros e difficuldade da locomoção. A estes phenomenos vêm juntar-se ás vezes a çdemacia nos membros posteriores e na ca- beça. 3. As desordens da sensibilidade não foram ate' aqui notadas pelos raros observadores que se têm oc- cupado com esta moléstia. Elias devem, pore'm, com toda certeza existir. 4. A hyperesthesia muscular não foi procurada pelos observa- dores. Não podemos, pois, affirmar que ella não existe. 5. Ha dysuria. 9 58 PATHOGENESIA COMPARADA Beriberi Peste de Cadeiras 6. Em regra, é moléstia apyretica. 7. Em alguns casos, a paralysia invade os membros superiores. 6. Em regra, é doença apyretica. 7. Em alguns casos a paralysia estende-se aos quartos dianteiros. 8. Quasi sempre produz-se um aperto ou constricção na base do thorax, constituindo a denominada cinta beriberica. 8. Sendo a cinta beriberica sym- ptoma subjectivo, não é licito ob- serval-a no cavallo. Não podemos, pois, affirmar que ella não existe. O retrahimento do ventre de que falia o Sr. Calandrini, póde ser tal- vez expressão d’esse phenomeno. 9. Em muitos casos produz-se emmagrecimento rápido e pro- gressivo. 9. Quasi sempre se dá emmagre- cimento progressivo que póde ir até o marasmo. 10. Dão-se em alguns casos per- turbações da visão. 10. Em alguns casos, o animal parece não vér. 11. Ha dysphagia em casos ra- ros. 11. Nota-se ás vezes difficul- dade na deglutição, pondo o ani- mal na imminencia de sufibcar-se. 12. E’ moléstia que reincide. 13. Nota-se alteração no sangue. 14. O coração apresenta-se di- 12. E’ moléstia que reincide. i 3. Existe alteração no sangue. latado e hypertrophiado. 14. O coração apresenta-se vo- lumoso. i 5. Os pulmões são congestio- nados. i 5. Notam-se lesões pulmona- res. 16. Ha ás vezes signaes de pe- ricardite. 16. O pericárdio apresenta sig- naes de ter sofFrido. 17. O fígado é congesto e volu- moso. 17. O figado é volumoso, enfar- tado de sangue negro, ás vezes com uma côr esverdeada e de consis- tência branda. iB. Rins ás vezes hyperemia- dos. 18. Rins tumefactos, negros con- tendo sangue da mesma côr. ig. Medulla espinhal muitas vezes amollecida com os seus in- vólucros injectados e ecchymosa- dos. ig. Neste ponto o relatorio do Sr. Calandrini é deficiente. O exa- me, porém, que fizemos na me- dulla demonstrou a existência de uma sclerose diffusa. 20. Tem-se admittido no beri- beri tres formas; paralytica, ede- matosa e mixta. 20. Póde-se admittir na peste de cadeiras tres fórmas ; paralytica, atrophica e mixta. PESTE DE CADEIRAS A’ vista desta synopse comparativa, e dado o devido desconto ás pequenas modificações que á moléstia im- prime a differença de organisação entre o homem e o cavallo, póde dizer-se que a similitude é perfeita. Para levar mais adiante este estudo parallelo e con- frontar as lesões medullares do cavallo attacado da peste de cadeiras, com as lesões medullares do beriberi, addicionamos aqui os resultados de uma autopsia que practicámos em um caso typo de beriberi de fórma mixta. J. E., homem de côr parda, 35 annos de idade presu- míveis, bem constituído, chegado da Bahia, no dia 4 de Março de 1884, recolhido á Casa de Detenção ás 4 horas da tarde, succumbio ás 7 da noite com phenomenos asphyxicos. Ao chegar, elle foi carregado em braços por estar paralysado das extremidades superiores e inferiores. A necropsia practicada 17 horas depois da morte re- velou o seguinte: Fraca rijesa cadavérica dos membros superiores ; mais pronunciada nos membros inferiores. Face ennegrecida e vultuosa; vasos do pescoço túrgidos, repletos de sangue. Sugillações ecchymoticas nas axillas, ena face interna dos braços. Manchas hypostaticas no dorso e nas nadegas. Edema duro e renitente nas pernas, mais apparente nas partes correspondentes á crista do tibia. No tronco, o edema não é tão pronunciado; todavia elle é assaz apreciável na região pre-sternal. Nos braços o PATHOGENESIA COMPARADA edema quasi não existe. Aberto o thorax, encontramos adherencias da pleura com o pulmão direito e com o dia- phragma, em pequena extensão. Pulmões um tanto con- gestos e ligeiramente edemaciados. Abundante derramamento seroso na cavidade pleu- ritica. Effusão de um liquido citrino no pericárdio. Coração volumoso, mui hypertrophico, com espessas camadas de gordura. Ausência de derrame na cavidade abdominal. Epiplon gorduroso. Figado pesando lySo grammos, granulado, apresentando maculasinhas arroxeadas na superfície. Baço um pouco augmentado de volume. Não se abrio o craneo ; mas descobrio-se a medulla na região dorso-lombar ao nivel das duas ultimas vertebras dorsaes e das primeiras lombares e cortou-se um pequeno segmento do cordão medullar para os exames microscópi- cos. Não havia derrame de natureza alguma no interior das meninges rachidianas. As meninges, porém, mostravam-se injectadas, os plexos venosos túrgidos e algumas manchas vermelhas diffusas viam-se na superfície da arachnoide depois de lavada. À consistência do tecido nervoso da medulla, ao menos nos pontos que foram examinados, não parecia diminuida. Rins volumosos, hyperemiados na região medullar. Infiltração do tecido cellular subcutâneo. O exame histologico dos cortes da medulla espinhal na parte inferior da região dorsal e no começo da região PESTE DE CADEIRAS lombar mostrou alli a existência de uma sclerose cumular, invadindo irregularmente os cordões antero-lateraes e posteriores, mais extensa do lado esquerdo, onde o annel sclerosico apresentava um engrossamento ao nivel dos cordões lateraes. Os prolongamentos anteriores e poste- riores (cornus) da substancia parda não offereciam signaes de alteração. Notavam-se, porém, no meio da substancia branca massas redondas, de tamanhos variaveis, de su- perfície lisa, sem bossulas ou protuberâncias, ás vezes fendidas junto á peripheria, compactas, de coloração mais esbranquiçada do que amarellada. Algumas delias recordavam as massas enkystadas da medulla do ca- vallo, cuja descripção já demos em outra parte desta memória. Elias eram, entretanto, muito menos nume- rosas, parecendo algumas serem verdadeiras massas amy- loides. (Vide est. m, fig. 2). No estado de duvida, e para verificar si o tecido da medulla continha esporos, capazes de germinar, extra- himos com a ponta de um estylete, passado ao fogo, da região mais profunda do cordão medullar, uma particula de tecido nervoso a qual foi, com as cautellas necessárias, mettida na cellula de Van-Tieghem, contendo gelatina es- terilisada. No fim de tres dias via-se perfeitamente sahindo do tecido da medulla filamentos myceliaes, al- guns bastantes longos, começando a formar uma pequena trama. (Vide est.m, fig. 7). 62 PATHOGENESIA COMPARADA O exame histologico dos cortes do fígado mostrou uma infiltração granulosa das cellulas hepaticas e dilatação das venulas inter-lobulares. Em um dos cortes, observados com a ampliação de 700 diam., via-se irrompendo do te- cido hepático, á maneira de um cacho, um mycelio ramoso inleiramente semelhante á fórma estrellada ou segunda do microphyto do lago Arary. Repetindo o exame em outras preparações microscópicas do mesmo orgão, observamos formas analogas. Elias attingiram um certo desenvolvi- mento dentro da preparação e depois pereceram e destrui- ram-se, deixando um detrito granuloso. (Vide est. m, fig. 4). O exame dos cortes do rim, coloridos pela eosina deu-nos 0 seguinte resultado : a coloração produzida pela eosina não é perfeitamente uniforme e egual em todos os pontos da preparação. Ao lado de zonas bem coloridas apparecem outras pallidas, com um tom amarellado, sem limites bem marcados. Por um exame mais detido vê-se que o epithelio dos tubos collectores e dos tuhuli contorti está como tumefacto e granuloso. Em alguns pontos o epithelio,que reveste interiormente os canaliculos apresenla-se desaggregado ou destruído parcialmente, offerecendo varias lacunas. Em outros pontos elle persiste, offerecendo, porém, uma infiltração granulosa. As granulações tem, ás vezes, uma coloração amarellada e uma refringencia como a de globulosinhos de gordura. Alguns tubos collectores desprovidos do seu PESTE DE CADEIRAS revestimento epithelial pareceram-nos mais dilatados. Os glomerulos, a não ser um estado como tumefacto, nada mais ofFereciam de anormal. Não notámos a exis- tência nem de cylindros hyalinos nem de massas colloides. A alteração granulo-gordurosa dos tubulipareceu-nos mais accentuada junto aos limites da zona cortical do que na zona medullar do rim. Recapitulando os resultados dos exames histologicos que fizemos nos orgáos do doente fallecido de beriberi, vê-se que : i° A porção dorso-lombar da medulla apresentava le- sões na substancia branca que pertencem a sclerose an- nular. 2o Existiam no tecido da medulla esporos de um mi- crophyto que se desenvolveu sob a forma de filamentos myceliaes e grandes massas, cuja natureza não podemos bem determinar. 3o O fígado apresentava uma alteração granulosa das cellulas e um microphyto desenvolvendo-se sob a fórma de um mycelio ramoso ou estrellado. 4o O rim apresentava as lesões histológicas, próprias da nephrite descamativa. Portanto a lesão encontrada na medulla do beriberico era da mesma naturesa da lesão observada na medulla do cavallo attacado da peste de cadeiras. A differença consistia apenas em que; no cavallo, o processo sclerosico occupava 64 PATHOGENESIA COMPARADA uma area mais extensa e irregular, chegando até a invadir a substancia parda. De outro lado, na medulla e no fígado do beriberico apressntavam-se formas myceliaes mui se- melhantes ás do microphyto que parece ser o agente pro- ductor da peste de cadeiras. Uma exacta apreciação destes factos levar-nos-hia a seguinte conclusão : Que a identidade do beriberi com a peste de cadeiras não parece fundar-se somente na similitude dos symptomas e das lesões macroscópicas, mas sim egualmenle na identi- dade de natureza das lesões histológicas da medulla e na semelhança morphologica do supposto agente causal. Para não ficar nenhuma lacuna nesse estudo compara tivo e deixar assignalados todos os pontos de analogia, restava-nos cultivar o sangue do cavallo attacado da peste de cadeiras, e comparar depois os productos desta cultura com os productos das culturas do sangue beri- berico. Infelizmente o sangue trazido de Marajó pelo Snr. Rumbelsperger chegou aqui de tal modo damnificado, que não poude servir para esse exame comparativo. Procuraremos, porém, supprir essa falta empregando a demonstração indirecta, isto é, vendo si nas culturas do sangue beriberico, dadas certas condições de meio, se produzem fórmas similares ás do microphyto do lago Arary. De outro lado, faremos o parallelo entre os symp- tomas produzidos pela inoculação do microphyto do lago PESTE DE CADEIRAS 65 Arary e os symptomas devidos á inoculação do micro- phyto beriberigeno, o que será complemento da demons- tração. Em breve Memória, publicada ha tres annos passados sob o titulo Etiologia e Genesis do Beriberi—des- crevi e figurei as fórmas observadas nas culturas do sangue beriberico. Não estando então preparado por es- tudos prévios para dar a exacta interpretação dessas fórmas, fui erradamente induzido a classificar o micro- phyto beriberigeno entre os hacillos. Recorrendo áquella Memória, verá o leitor que o microphyto beriberigeno, é alli representado sob fórmas varias. Ora constituído por filamentos cylindroides, homogéneos, dobrados e entorti- Ihados de modo a simularem um feixe de cordinhas; outras vezes formando uma especie de retículo—donde a denomi- nação que lhe dei de fórma reticulada ; outras vezes como articulado, e dobrado em alça ; outras vezes, emfim, figu- rando pequenos bastões, que pareciam resultantes da des- juncção de artículos. Cumpre dizer que foram todas as culturas feitas em meio neutro. Bem analysada, a fórma dita reticulada não é outra cousa mais do que um mycelio. A fórma em alça representa um filamento mycelial solto ; e a fórma em feixe de cordinhas corresponde exactamente á fórma original do microphyto do lago Arary. Trans- plantando algumas dessas formas minúsculas para um meio acido, vimol-as tomarem grande desenvolvimento, e Da. Lacebda. 66 PATHOGENESIA COMPARADA os filamentos myceliaes modificarem-se de sorte a ten derem para a fórma 2a ou estrellada. (Vide est. m, %. 9). Em geral, as formas colhidas na cultura do sangue beriberico eram tenues e delicadas como as formas em cladothrix do microphyto do lago Arary. A razão disso é obvia, si attendermos que ellas procediam do sangue meio alcalino, e que nesse meio não se desenvolvem bem as fórmas vigorosas. Essas mesmas fórmas tenues, circulando no sangue do indivíduo beriberico, devem ter alli existência curta e cphemera, já porque o in- cessante movimento do sangue é condição desfavorável á constituição das fórmas integradas do mycelio, já porque a alcalinidade do meio impede a desenvoluçao das fórmas mais robustas do microphyto. Dahi vem que no exame directo do sangue beriberico não se en- contra, por via de regra, sinão os destroços ou resíduos membranosos resultantes da destruição das fórmas fi- lamentosas e granulaçoes soltas ou aggrupadas, ás vezes animadas de movimentos oscillatorios ou de rotação, e que, a meu ver, são os esporidios ou germens repro- duclores. Seria absurdo, e neste absurdo tem incorrido alguns observadores brasileiros pouco versados nestes assumptos, querer, uma vez dada a fórma na cultura, ir achal-a com caracteres de perfeita identidade morphologica, no sangue do doente. PESTE DE CADEIRAS Por desconhecerem as verdadeiras relações destes factos tem os nossos contradictores sabido a contestar a existência, no beriberi, das formas microphyticas por mim ha tempos assignaladas, de conformidade com os productos obtidos da cultura do sangue. Em conclusão, á vista destes estudos comparativos não se póde negar que existem numerosos pontos de ana- logia entre o microphyto cultivado do beriberi e o micro- phyto da agua do lago Arary. Na mesma Memória a que acima nos reportámos, estão minuciosamente descriptos os symptomas apresen- tados pelos animaes que soífreram a inoculação do micro- phyto beriberigeno. Elles consistiram em paralysias as- cendentes do movimento, quasi sempre incompletas, fraqueza geral, anesthesia cutanea, coincidindo ás vezes com hyperesthesia muscular, contracções espasmódicas nos musculos das extremidades, emmagrecimento rápido, queda dos pellos. Ora, estes symptomas combinam perfei- lamente com aquelles outros que as inoculações do micro- phyto do lago Arary produziram em animaes da mesma especie. Para ser completa a identidade dos symptomas só faltam os phenomenos edematosos que não foram alli observados. Cumpre, porém, ponderar que, conforme já fizemos ver, o microphyto original parece dotado de mais actividade do que as fórmas colhidas na cultura. Ora a maior parte das experiencias, em que se deram pheno- 68 PATHOGENESIA COMPARADA menos edematosos, foram realisadas com o microphyto original, emquanto que as experiencias demonstrativas do beriberi foram feitas com productos de cultura. Portanto com a lógica dos factos e do raciocínio, che- gamos á seguinte deducção final : O agente que produz a peste de cadeiras parece ser o mesmo que produz o beriberi. A identidade symptomatica já provada ficaria assim confirmada pela identidade causal, o que completa a identificação das duas moléstias. Apreciação das condições causaes. Pequenos meios prophylacticos Quasi todos os observadores que se tem occupado com o estudo do beriberi, no nosso paiz, foram compel- lidos pela analyse rigorosa dos factos clínicos a buscar a origem dessa moléstia nas emanações pestilenciaes dos pantanos. As feições, porém assaz differentes do beriberi e da infecção palustre, sob as suas variadíssimas formas, constituía um sério embaraço á demonstração dessa hypo- these. Por outra parte, o desenvolvimento do beriberi a bordo dos navios, distanciados das costas, o que excluia PESTE DE CADEIRAS 69 toda a influencia tellurica, vinha difficultar mais ainda a solução dessa questão. Não reflectiram, porém, aquelles que assim objectavam que um navio póde tornar-se um pantano fluctuante e que os germens productores da mo- léstia pódem ser para alli transportados de terra. Quaes seriam, porém, os vehiculos desse transporte ? Provavel- mente a aguada. O segredo da infecção beriberica me pa- rece residir principalmente em certas aguas potáveis. Si nas aguas distribuídas a diversos núcleos de população do norte do Brasil, onde grassa endemicamente o beriberi, si procedesse a uma minuciosa analyse mycologica, como aquella, que fizemos na do lago Arary, é bem provável que alli se chegasse também a descobrir o agente infectante. As analogias, pelo menos, são favoráveis á essa inducção, que talvez venhamos um dia realisar. Não são os pantanos perfeitamente constituídos, taes como os grandes fócos geradores da inalaria, que devem formar os habitats predilectos do agente beriberigeno. Si assim fora a área geographica da infecção palustre se con- fundiria com a área geographica do beriberi. São, mui pro- vavelmente certas aguas pouco correntosas, atravessando terrenos baixos e alagadiços, ou tendo communicações in- directas com terrenos dessa natureza que constituem os fócos primordiaes do beriberi. Estude-se convenientemente a topographia e a hydro- graphia dos lugares mais infestados pelo beriberi no PATHOGENESIA COMPARADA norte do Império e achar-se-ha alli, com certeza, condi coes similares a essa. Em outra Memória, a que já, por vezes, nos temos re- ferido, indicámos a possibilidade de achar-se os germens de infecção em um cereal, que entra por muito na alimen- tação das populações do norte do Brasil. Queremos fallar do arroz. Com eífeito, tendo examinado varias amostras de arroz, de procedência desconhecida, em algumas delias encontrámos formas de um microphyto assaz seme- lhante ao do beriberi. Si elle era capaz de produzir a moléstia em animaes, não chegámos a averiguar, me- diante experiencias repetidas e numerosas, como fora de mister. Devemos, pore'm, nos lembrar que é o arroz cultivado, quasi sempre, em terras baixas e alagadiças, e que d’alli é possível venha o germen morbigeno com a semente. Em todo o caso é este um ponto da questão que se me afigura digno de ser elucidado. O estudo das condições causaes offerece, aqui, grande importância, pois não teremos talvez outros recursos para minorar a invasão crescente do beriberi, sinao aquelles que nos puder fornecer o conhecimento d’essas condições. O problema reduzir-se-ha, por fim, á uma simples questão de hygiene. As considerações que, em seguida, vamos expender com relação aos meios de attenuar as devastações da PESTE DE CADEIRAS 71 peste de cadeiras, são, em sua generalidade, applicaveis também á prophylaxia do beriberi. De conformidade com os intuitos da sciencia utilitária, a determinação da causa primordial de uma doença epi- demica ou epizootica é apenas um caminho aberto para se chegar á applicação de meios prophylacticos. Infeliz- mente este segundo termo do problema nem sempre póde ser achado, ainda mesmo com a antecedencia do primeiro. E a razão é a seguinte : a producção de moléstias infec- tuosas ou contagiosas está ligada a condições complexas inherentes á dois factores o indivíduo que recebe a influencia do agente morbigeno e o meio que produz este agente. A prophylaxia póde, portanto, ser obtida, ou pela modificação do indivíduo, ou pela modificação do meio. As vaccinas, modernamente realisadas pela atte- nuação artificial dos virus, preenchem o primeiro fim ; os melhoramentos da hygiene publica e privada satisfazem o segundo. Ora, nem sempre o isolamento do agente morbigeno traz como consequência a acquisição da vaccina ; por- quanto ha muitas doenças infectuosas que são sujeitas a a reincidir, cujo primeiro ataque não crêa immunidade para o segundo. Por outro lado, os melhoramentos da hygiene, não são, em todos os casos, exequíveis. Todas as vezes, portanto, que concorrem estas duas condições negativas, o problema da prophylaxia torna-se insolúvel. PATHOGENESIA COMPARADA 72 Façamos agora applicaçáo destes principios á peste de cadeiras e vejamos si a prophylaxia é aqui realisavel. A peste de cadeiras é moléstia sujeita a reincidir para ella não pódem, pois, prevalecer as vantagens da vaccina. Seria absurdo tentar esse meio quando é certo que delle não se deve esperar beneficio. Tão pouco seria licito pensar em melhoramentos hy- gienicos, quando não se trata de uma collectividade hu- mana, mas sim da agglomeração de animaes que vivem á lei da natureza e em um meio não susceptível de ser beneficiado com o soccorro da arte ou com os recursos da actividade do homem. Si é verdade, pois, á vista do exposto, que os grandes meios prophylacticos nao pódem ser aqui efficazes, de- vemos, todavia, alimentar a esperança de que os pequenos meios possam ser uteis. A cremação dos animaes mortos da peste de cadeiras é medida inefficaz e illusoria, apenas baseada na presumpção do contagio, que não me parece provado. Entretanto, como o animal attacado da peste deve representar um agente de disseminação do germen productor da moléstia, expellindo para o solo com as fezes e as excreções os esporos do microphyto que por alli tendem a eliminar-se, recommenda a mais vulgar prudência que seja elle seques- trado dos animaes sãos. Separar estes em pequenos lotes e empregar meios para impedir que elles venham apro- PESTE DE CADEIRAS veitar as pastagens das terras baixas e alagadiças seria outra medida recommendavel e de méra intuição. A questão das aguas me parece, porém, ter aqui im- portância capital, pois ellas devem ser o mais usual vehi- culo do agente morbigeno. Abrir poços e acostumar os animaes a irem alli beber, evitando os alagadiços, riachos e igarapés, seria também, quanto á mim, medida de grande utilidade. No tempo de secca conviria não abandonar o costume de atear fogo aos campos de modo a destruir grande parte dos germens espalhados na superfície do solo ou adherentes ás gramineas e outras plantas rasteiras que formam os pastos nativos. Algumas destas medidas aconselhadas como beneficas e uteis poderão parecer de diííicil execução na practica. Quando se tem, porém, a firme resolução de obviar ou attenuar os effeitos desastrosos de uma calamidade, como tem sido a peste de cadeiras, não se olha a difficuldades, na execução de meios, que pódem ter uma apparencia de utilidade. Um dilemma se impõe ineluctavel —ou tentar a acção desses meios, ou resignar-se a continuar soffrer as consequências de um mal que não é totalmente irre- mediável. Não convém esquecer outro recurso para o qual seria licito, em todo o caso, appellar como adjuvante dos meios acima lembrados. Este recurso consiste na ingestão de Db. Lacerda. 74 PATHOGENESIA COMPARADA pequeninas quantidades de arsénico, administradas de mistura com uma ração diaria aos animaes. Este agente que começa na Italia a ser empregado como meio de pre- venir a infecção pela inalaria nos indivíduos a ella sujeitos, me parece dever aqui também produzir bons resultados como meio preventivo da peste de cadeiras. A esperança, nascida com as recentes conquistas da sciencia, de ver em breve tempo a humanidade isenta dessas terríveis epidemias, que ceifam centenares de vidas annualmente, me parece um sonho ao qual não corres- ponderá jamais inteira realidade. A moléstia virulenta, contagiosa ou infectuosa que lavra epidemicamente ou epizooticamente, está, como todos os factos da natureza, sujeita ás leis imprescriptiveis que formam o códice im- mutavel das cousas creadas. Ella entra no quadro da lucta pela vida, que sustentam entre si, sob modos vários, quasi todos os seres vivos. O parasitismo é aqui o modo de ser dessa lucta travada na intimidade do organismo entre um ser invisível, de estructura mui rudimentar, adventício, e o aggregado cellular que constitue a orga- nisação complexa, muito mais perfeita, do animal superior. Ora, seria absurdo cogitar na possibilidade da extincção das especies microbianas nocivas, pois esta conquista está acima dos recursos humanos, como estaria também, em condições aliás menos difficeis de realisar, a extincção de algumas das especies vegetaes superiores. PESTE DE CADEIRAS 7 5 Visto, porém, que a vida parasitaria na moléstia póde ser considerada uma phase accídental da vida parasitaria no meio exterior, modificando o meio donde procede o agente infectante ou removendo os fócos onde elle se nutre e se propaga, chegaremos a attenuar ou restringir os seus ef- feitos maléficos. Portanto, é sobretudo aos futuros aper- feiçoamentos da hygiene que está reservada a missão de resolver no sentido restrictivo que indicámos, o importante problema da prophylaxia. Não quer isso dizer que se não deva ter a vaccina pas- toriana como uma conquista scientifica inestimável. Ella o é, e os seus serviços tenderão cada vez mais a genera- lisar-se. Estou, porém, convencido que a vaccina do car- búnculo não chegará jámais a extinguir esta moléstia, da mesma maneira que a vaccina jenneriana não conseguio até hoje extinguir a varíola. Nas applicaçoes dos factos scientificos que tendem a um fim util é preciso contar sempre com as restricções da natureza e fugir das promessas absolutas e exageradas. Foi de conformidade com taes principios que iniciei estes estudos e encaminhei-os até aqui. E" possível que no proseguimento delles se venham ainda esclarecer muitos pontos escuros que a insufficiencia dos nossos actuaes recursos scientificos e a inhabilidade do ana- lysta não permittiram ficassem perfeitamente illumi- nados. 76 PATHOGENESIA COMPARADA Exame critico das opiniões correntes sobre 0 beriberi Basta compulsar as varias publicações, que até hoje tem sido dadas á lume sobre o beriberi, para ver-se quão extremada.' e divergentes são as opiniões emittidas sobre essa moléstia. Partindo, ora de um conjuncto de sympto- mas dominantes, ora de lesões suspeitadas, mas não reco- nhecidas menos ainda demonstradas, de certos orgãos ou visceras, os auctores dessas publicações adduziram, sem provas sufficientes, hypotheses, que não me parecem con- ciliáveis nem admissiveis, ácerca da natureza do beriberi. Dir-se-hia todos elles preoccupados com a idéa de achar uma localisação anatómica fixa para essa moléstia, indo uns procurar a chave delia nos rins, outros na me- dulla, outros no sangue, outros nos nervos periphericos. A enumeração que, em seguida, vamos fazer das opiniões de vários observadores, dará a prova do nosso asserto. Jules Rochard (.Dict. de mêd. et chir. prat. art. Be- riheri) define deste modo o beriberi « é uma hydro- pisia de marcha rapida, determinada por alteração especial do sangue. » Maurice Nielly (Eléments de Pathologie exotique. Paris, 1882)—« o beriberi é provavelmente um escorbuto PESTE DE CADEIRAS 77 modificado pela raça e devido á pobresa alimentar em al- buminatos e gordura. » Féris (Études sur la nature du beriberi in Arch. de med. navale. i 883) «o beriberi é uma doença me- dullar, hydromyelite e hydrorachis. A fórma paralytica é uma hydropisia da medulla, a fórma edematosa uma hy- dropisia do tecido cellular. » Treille {Arch. de med. navale. n. 8. i 883) « o be- riberi é uma meningo-myelite diffusa de fórma annullar, localisada na região cervical e lombar. Esta opinião é baseada no exame anatomo-pathologico de um caso. » Morehead considera o beriberi uma cachexia escor- butica. Ranking considera o beriberi uma anasarca renal. [Proccedings of the Hjderabad Medicai and physical society. iBS3. Serie of Reports). « O rim é o orgão pri- mitivo e essencialmente attacado. A paraplegia, os derra- mamentos nas cavidades serosas, são affecçÓes secun- darias. » Malcolmson vê no beriberi uma fórma paraplégica, outra escorbutica. Lowell {Report to the Calcutta Medicai Society. 1880) considera o beriberi uma hydropisia anemica aguda. {acnte anemic dropsy). Peet {Principies and practice of Medicine) diz: « quando indivíduos escorbuticos expÕem-se ao frio e á PATHOGENESIA COMPARADA mudanças de temperatura succede não raramente serem accommettidos de hydropisia geral. Costuma-se designar esta moléstia sob o nome de beriberi. » Sheube (Archiv. de Nevrologie. 1883 n. 17). « O kakke ou beriberi do Japão é uma nevrite sub-aguda múl- tipla. » Norman Chevers (Medicai Times. Abril 1884). « Ba- seando-se na analyse dos caracteres de uma epidemia, que grassou em Calcutta em 1877, e na Mauricia em 1878, é de parecer que o beriberi agudo deva ser considerado uma febre exanthematica, até aqui mais conhecida pelas suas consequências, anasarca aguda, e muitas vezes mas não constantemente moléstia de Bright e paraplegia. » Entre nós, tem sido o beriberi considerado uma ca- chexia palustre aguda ; uma doença de fundo rbeumatico, uma fórma de escorbuto complicada com rheumatismo, uma anemia aguda, etc. A perfeita incoherencia de todas as opiniões acima exaradas, poe em evidencia a impossibilidade de classificar o beriberi pela localisação dos symptomas ou das lesões. As fórmas symptomaticas são variaveis, as lesões anató- micas inconstantes, e sem séde fixa logo a doença não tem uma caracter anatomico e symptomatologico deter- minado capaz de definil-a ; a sua expressão phenomenal confunde-se ao mesmo tempo com a de varias moléstias de séde anatómica fixa, participando aqui mais das feições PESTE DE CADEIRAS 79 de uma alli de uma nephrite, acolá de uma ane- mia, etc. Querer classifical-a entre os myelites, porque, em certos casos, têm sido encontradas lesões evidentes na medulla ; ou entre as nephrites, porque apresenta ás vezes semelhanças notáveis com algumas fórmas da doença de Bright, seria o mesmo que querer definir a febre amarella pela lesão do fígado ou do rim, a febre typhoide pela lesão intestinal. A tendencia para classificar essas doenças infec- tuosas, segundo as lesões pathologicas mais constantes, já teve o seu tempo ; e não póde reviver agora na classifi- cação do beriberi, que é também doença infectuosa. Portanto, nem o beriberi é uma myelite, nem uma ne- phrite, nem uma anemia aguda, nem uma nevrite múl- tipla ; podendo entretanto revestir simultânea ou succes- sivamente as fórmas symptomaticas próprias dessas entidades pathologicas diversas. Parece-me provável que certas condições indetermi- nadas do agente causal tenham grande influencia nessa variabilidade dos symptomas e das lesões encontradas no beriberi. A fórma assumida pelo microphyto na sua evo- lução intra-organica, a sua multiplicação mais rapida no sangue, a sua accumulação eventual nos canaes excretores dos rins poderão talvez explicar essas fórmas agudas hy- dropicas do beriberi, que recordam a doença de Bright. Por outro lado, a sua multiplicação pausada, intermittente PATHOGENESIA COMPARADA e gradual na medulla espinhal, virá emprestar á moléstia a feição de uma myelite chronica, e trazer no fim de certo tempo lesões irreparáveis do centro nervoso medullar. A identificação, por alguns admittida, do beriberi com o escorbuto, é uma idéa insubsistente, que não resiste á mais simples analyse. A área climatologica dessas duas doenças é muito diíferente; e os seus symptomas muito diversos. Outro tanto devemos dizer da opinião de Ghe- vers, que considera o beriberi uma febre exanthematica. Ou houve erro na interpretação de Chevers, ou aquillo que elle observou não é beriberi. A classificação deste auctor é até hoje unica na sciencia, e não cremos que alguém tenha a velleidade de querer sustental-a. Quanto á opinião de Sheube, pensamos que o seu defeito consiste no proprio exclusivismo. E’ possível, di- remos até provável, que nas formas torpidas do beriberi, em que os phenomenos paralyticos são assaz accentuados, os nervos periphericos se tornem séde de phenomenos irritativos e alterações degenerativas, seja por uma acção primaria alli localisada, seja por uma influencia á distancia, decurrente dos centros nervosos. Mas, sendo lesão conco- mitante ou eventual, a nevrite múltipla jamais poderá servir de expressão anatómica caracteristica do beri- béri. O problema pathologico desta doença não consiste, a meu ver, na determinação taxonosica, mas sim na deter- PESTE DE CADEIRAS 81 minação causal. Os seus symptomas e as suas lesões confundem-se ás vezes com os symptomas e as lesões de outras moléstias; a sua causa, porém, é especifica. Fócos do microphyto beriberigeno No estudo do parasitismo pathogenico, não ha as- sumpto mais interessante, nem que seja também mais difficil de investigar, do que o que diz respeito ás con- dições extrínsecas da vida parasitaria do agente morbigeno. A extrema exiguidade desses seres microscopicos, pon- do-os fóra do alcance dos nossos sentidos, impede que elles sejam reconhecidos e estudados nos seus habitats primitivos. A sua vida extrínseca continuará, pois, a ser um mysterio vedado aos olhos humanos. Onde, porém, não póde chegar a observação directa, pelos seus múltiplos meios de acção, a segurança na regu- laridade e estabilidade das leis que regem os phenomenos naturaes, ainda os menos accessiveis aos nossos sentidos, pode induzir-nos, por analogias, a presumpçÕes mais ou menos fundadas. Sabe-se que cada grupo de seres, entre os de cathe- goria mais elevada, precisam para bem viver de certas con- Da, Lacebda. 8 2 PATHOGENESIA COMPARADA diçoes mesologicas, que não são idênticas para todos elles, e que variando conforme as diversas zonas geographicas, influem mui notavelmente na distribuição das especies. Isso que se dá com os mais elevados representantes do grande reino vegetal, dá-se necessariamente com a flora microscópica. Sob um ponto de vista geral, temos nesse facto a razão porque certas doenças devidas a seres mi- croscópicos, tem áreas geographicas determinadas, fóra das quaes ellas não se expandem sinão temporariamente, em virtude de um transporte eventual da semente. Esta, porém, uma vez transportada para meios que não são to- talmente differentes do meio originário, adapta-se pouco e pouco ás novas condições de existência, e acclima- ta-se alli. Assim se explica como, no correr do tempo, se tem dilatado de mais em mais a área geographica de algumas doenças infectuosas. A febre amarella, entre nós, é um exemplo frisante dessa adaptação da semente morbigena. Nem de outra sorte se tem ido propagando pelas terras do Novo Mundo varias plantas uteis originarias do conti- nente asiatico. A planta exótica não o é tal sinão em quanto ella não chega adaptar-se perfeitamente ao novo meio para o qual foi transportada. A semente da febre amarella veio-nos como de planta exótica mas adaptou-se aqui rapidamente e está hoje acclimada entre nós. PESTE DE CADEIRAS 83 A noção destes factos leva-nos a conjecturar que, em futuro talvez não mui remoto, esta, assim como outras doenças analogas, terão centros ou fócos espalhados em todo o mundo. O beriberi não podia escapar a esta lei geral de disse- minação. Conhecido a principio como peculiar a certas zonas do continente asiatico e á ilha de Ceylão, elle foi, pouco e pouco, alargando os seus domínios, quer ao norte, quer ao sul do equador, manifestando-se em Bourbon, Java, Mauricias, e em vários pontos do littoral e do in- terior do nosso paiz. No Brasil, a cidade do Pará, deS. Luiz do Maranhão, e da Bahia, constituem actualmente tres fócos endemicos do beriberi. A constituição destes fócos é, porém, de dacta mui recente, visto como o reconhecimento do beriberi no Brasil é facto que alcança pouco mais de 20 annos. Suscita-se, porém, uma questão importante á qual será difficil responder. Como e quando teve logar a importação da semente ? Veio ella do fóco originário ou de algum dos fócos secundários já constituídos ? A este respeito tudo são trévas. Ha mesmo quem atteste, baseado em documentos escriptos, que casos authenticos de beriberi foram observados no Maranhão, em fins do século pas- sado. Si é verídico o facto, já então 0 agente beriberigeno existia no Brasil e o seu transporte se effectuou, a longos intervallos, do norte para o sul. 84 PATHOGENESIA COMPARADA Mas porque havemos ter como condição necessária a importação da semente? Porque não poderia ter ella exis- tido desde muito tempo em um ou mais pontos do Brasil, com acção morbigena latente, vindo esta mais tarde pro- nunciar-se por effeito de condições que não podemos deter- minar ? Já que não nos é licito ir além do dominio das hypo- theses, caso é de perguntar si a manifestação da epizootia de Marajó, em 1830, não se liga por liames occultos ao apparecimento ulterior do beriberi em algumas provín- cias septentrionaes do Brasil. Não queremos, sem proveito, enredar-nos nestas questões de origem, por via de regra insolúveis. Limita- mo-nos a fazer estas interrogações com 0 fim apenas de mostrar que, mesmo nas relações etiologicas subordinadas á condição do tempo e do logar, é possivel ligar o beriberi á peste de cadeiras. Processos íntimos da acção causal As noções adquiridas e precedentemente expostas sobre a verdadeira natureza do agente beriberigeno, sobre as alterações dos tecidos coexistentes com a contaminação PESTE DE CADEIRAS organica devida a esse agente, e a sua presença na intimi- dade dos orgãos e vísceras, são, penso eu, elementos suf- ficientes para, com certo fundamento, se poder conjecturar do modus agendi da causa e da natural successão dos eífeitos. O agente beriberigeno, diversamente do que se dá com outros agentes morbigenos de natureza virulenta, não exerce sobre o organismo essas perturbações rapidas e violentas, das quaes ou a vida sahe logo victoriosa ou succumbe. Os seus eífeitos são lentos, ainda que progres- sivos e de mais em mais accentuados, o que deve estar em relação com a demorada persistência da causa no orga- nismo e a pouca energia da sua acção perturbadora. Essas oscillações na accentuação dos symptomas, que tantas vezes se observa no beriberi, não pódem ser de outro modo explicadas sinão por periodos de vegetação mais ou menos activa do microphyto, durante a sua vida parasitaria intra- organica. Elle procede por phases alternadas de latencia e de irrupção multiplicativa da semente. Neste ponto as suas analogias são notáveis com o agente da malaria. Gomo este, o agente beriberigeno é também susceptível de, no correr do processo morbido por elle provocado, fazer apparecer inopinadamente perturbações graves, pondo a vida em risco imminente. As infiltrações rapidas, e as effusÕes serosas nas cavi- dades esplanchnicas, surgindo ás vezes de repente, no 86 PATHOGENESIA COMPARADA curso da forma mixta da moléstia, representam para o agente beriberigeno o mesmo que os accessos perniciosos para o agente da malaria. O baço e o fígado são as vísceras predilectas da ma- laria, o que nao quer dizer, que o agente infectante não exista também espalhado em outros orgãos ou vísceras, banhadas pelo sangue que serve de vehiculo ao principio morbigeno. A medulla espinhal parece ser o orgão pre- dilecto do agente beriberigeno, o que não impede que elle se encontre em outros orgãos ou visceras, como já de- monstrou a analyse microscópica. Da mesma sorte que sobre o indivíduo attacado da malaria, a mudança de meio exerce também, muitas vezes, uma benefica influencia sobre o indivíduo attacado do beriberi. Portanto o agente beriberigeno, por seus hábitos, e pelo modo de comportar-se no organismo delle contami- nado, apresenta maiores affinidades com o agente da ma- laria, de que com os agentes verdadeiramente virulentos. A sua acção morbigena deve exercer-se por um duplo processo mecânico e chimico. Enchendo os capillares, onde transita, transportado pelo fluxo do sangue, elle perturba a circulação inter- sticial das visceras, promove a ruptura de vasos, favorece as congestões passivas e espalha-se muitas vezes na trama dos tecidos, penetrando entre os elementos cellulares, comprimindo-os, irritando-os, atrophiando-os. E 1 este PESTE DE CADEIRAS 87 processo mecânico que, conforme o gráo ou a extensão da lesão produzida, explica a persistência ou as oscillaçoes nas desordens medullares. elle ainda que deve explicar as congestões, tão frequentes, das meninges rachidianas e os resíduos sub-infkmmatorios do pericárdio e das folhas pleuriticas, onde o processo irritativo favorece as exsu- daçÕes serosas. Nos musculos, e nas vísceras como o fígado, o baço, os rins, os effeitos mecânicos traduzem-se, ou por pe- queninos fócos congestivos, ou por desordens na nutri- ção das cellulas, das quaes resulta a degeneração gor- durosa. O agente beriberigeno eliminando-se lenta e gradual- mente pelos rins, não chega a produzir essas descargas bacterianas, que entupem e atrophiam os glomerulos, dando logar á anuria e ás suas terríveis consequências, como tão frequentemente se observa na febre ama- relia. Quando muito se produz uma descamação epithelial dos tubulis, coincidindo com uma albuminúria passa- geira. De par, porém, com esses effeitos mecânicos, é mui provável que, ao menos em certos casos, concorram effeito chimicos, devidos a matérias toxicas segregadas pelo microphyto. Então a acção fermentiva ou dissolvente deve exercer-se primeiro sobre o sangue, que é o receptor de todos os resíduos da vida organica cellular, e assim se ex- 88 PATHOGENESIA COMPARADA plicará essas transsudações serosas rapidas e generalisadas, produzindo a anasarca aguda, que representa a fórma mais grave do beriberi. Tem-se pretendido oppôr uma séria objecção a este modo de comprehender e de interpretar os factos, appel- lando para as melhorias, ás vezes rapidas, que experimenta o doente, durante uma viagem marítima, ou mudando de meio. Essa objecção, porém, é especiosa. Em primeiro logar o facto invocado não é constante, nem se dá em todos os periodos da moléstia. Muitos beribericos tem succumbido durante a viagem, e outros tem chegado ao termo delia, sem experimentarem melhorias notáveis nos seus soífrimentos. Em alguns casos, no começo ainda da evolução da moléstia, tem-se observado, é verdade, de- pois de uma longa viagem marítima, o restabelecimento quasi completo do movimento em indivíduos paralysados. Mas então forçoso é admittir que a paralysia, produzida por processos mecânicos do agente morbigeno, não estava ligada a alterações estructuraes da medulla ; e a impressão exercida sobre a innervação pelas influencias do novo meio, a acção tonificante do ar marítimo, uma diurese ele- minadora mais abundante, podiam ter contribuído para levantar a actividade funccional deprimida do centro medullar. Em outros casos, porém, assaz prolongados, as des- ordens medullares accentuam-se cada vez mais, e uma de- PESTE DE CADEIRAS 89 generação histológica da medulla se produz. Estas lesões sendo quasi sempre irreparáveis, e tendendo a progredir pela acçao persistente do agente morbigeno, estendem-se ás partes superiores do eixo rachidiano e vão causar a morte por paralysia bulbar. As secções mais nobres e elevadas do myelencephalo não escapam então á invasão ascendente do agente mor- bigeno ; e o enfraquecimento da memória, a diplopia, o estrabismo, as desordens da audição, e ás vezes os phe- nomenos de sopor e de coma vem denunciar alterações no cerebro ou nos nervos craneanos. Deve haver uma razão que explique a predilecção do agente beriberigeno para o tecido nervoso. A constituição chimica desse tecido, onde abundam as substancias phos- phoradas, não influirá sobre o desenvolvimento mais activo alli do microphyto causal ? E 1 uma hypothese esta que me parece tanto mais admissível, quanto é certo serem mui productivas as culturas desse microphyto quando feitas em líquidos acidificados com o acido phos- phorico. Um dos effeitos indirectos da acção causal, ao qual, parece, não se ha prestado a devida attenção, mas que in- contestavelmente representa papel de primeira ordem entre as manifestações symptomaticas do beriberi é o abaixamento da tensão arterial. Elle se revela pela pe- quenez e molleza do pulso, pela dilatação da rede capillar Dr. Lacerda. PATHOGENESIA COMPARADA peripherica, pelas pancadas tumultuosas, frequentes e irregulares do coração. Elle é um dos factores da geral fraqueza do doente, das infiltrações serosas que se mani- festam nos membros inferiores, logo em começo, e com toda a probabilidade elle influe egualmcnte na diminuição da secreção urinaria, phenomeno assaz frequente no beri- béri. As congestões visceraes passivas, tão communs nesta doença, devem se achar, em parte, subordinadas a essa perturbação exercida sobre as condições hydrodynamicas normaes do sangue. Invocando os ensinamentos da physiologia, facil será comprehender o mecanismo pelo qual, neste caso, se produz o abaixamento da tensão arterial. Não é evidente- mente no enfraquecimento da propulsão cardiaca, nem ainda na paralysia directa dos musculos lisos dos vasos periphericos, que reside a causa primaria do phenomeno acima alludido. O abaixamento da tensão arterial no beri- béri é exclusivamente de origem central. O agente beri- berigeno deprimindo os centros kinesodicos da medulla espinhal, deprime ao mesmo tempo os centros vaso-mo- tores, e por uma cadeia de acções intermediárias, em que entram como elos os nervos que formam o systema do grande sympathico, transmitte a sua influencia perturba- dora aos vasos periphericos, cujo tonus enfraquece-se e cuja circulação retarda-se, produzindo os effeitos secun- dários acima referidos. Esperamos em breve poder dar a PESTE DE CADEIRAS 91 prova experimental deste phenomeno, cuja importância parece ter escapado á attençáo dos observadores, que, antes de nós, se occuparam com o estudo clinico do beriberi. CONCLUSÕES Dos factos relatados no decurso desta Memória Jul- gamos poder deduzir as seguintes conclusões geraes: i° A peste de cadeiras ao epizootia de Marajó tem S 3 idêntica á do beriberi. 2o Na peste de cadeiras ha lesão medullar, da ordem das scleroses diffusas. 3o Essa lesão medullar é consecutiva ao desenvol- vimento na medulla espinhal de um microphyto, que parece pertencer ao grupo dos Ascomycetes. 4o Esse microphyto encontra-se na agua do lago Arary, em Marajó. 5o O microphyto do lago Arary, sendo inoculado em animaes de varias especies produz nelles symptomas e lesões idênticas ás do beriberi. 94 PESTE DE CADEIRAS 6o Esse mesmo microphyto, em suas fórmas varias, é encontrado nas vísceras de indivíduos que succumbem do beriberi. 7o A peste de cadeiras seria, portanto, o beriberi no cavallo; e o beriberi uma doença da classe das endemo- epizootias, de causa parasitaria cryptogamica. EXPLICAÇÃO DAS ESTAMPAS ESTAMPA I Fig. i Córte da porção dorsal da medulla do cavallo de Marajó. O debrum sclerosico estende-se á quasi totalidade dos cordões antero- lateraes direitos. Do lado esquerdo, elle comprehende apenas o cordão anterior. A pontuação indica a extensão da lesão degenerativa. Na zona radicular esquerda, correspondente ao prolongamento posterior da substancia parda, vê-se uma larga placa sclerosica. Fig. 2 Córte da porção lombar da medulla do mesmo cavallo. O debrum sclerosico estende-se á toda metade esquerda do cylindro medullar. A degeneração caminha da peripheria para o centro. Do lado direito, existe um triângulo sclerosico, correspondendo ao cordão la- teral. Vê-se, ale'm disso, a dilatação vascular; e a atrophia do pro- longamento posterior da substancia parda (cornus). Do lado esquerdo, nota-se uma placa sclerosica no prolongamento anterior da substancia parda. Fig. 3 Massas kysticas da medulla do cavallo, formando colo- occ. 2 mas, —— Venck. obj. 3 Fig. 4 Uma das ditas massas kysticas observada com maior am- pliação, °C;' 2 Verick, emittindo alças. r ’ obj. 6 ’ Fig. 5 Formação das alças myceliaes fóra do kysto. Ve- rick. PATHOGENESIA COMPARADA Fig. 6 e 7 Kystos pilosos, um dos quaes em começo de desag- gregaçáo pela dissolução do involucro cutinisado. Verick. ESTAMPA II Fig. i—Fórma original do microphyto do Lago Arary. Verick. Fig. 2 Começo de formação do mycelio ramoso, articulado, na cultura da fórma original, em cellula de Van-Tieghem. °-C' 2 Verick. & & obj. 6 Fig. 3 Mycelio ramoso articulado, em cultura acida no matra- _ occ. 2 , zinho de Pasteur. Verick. Fig. 4 A mesma forma já modificada na mesma cultura. Ramos myceliaes mais longos. Nidulo de cellulas contendo esporidios formam „ . occ. 2 o centro da irradiaçao do mycelio. —— Verick. obj. 7 mesma cultura. Verick. obj. 7 Fig. 5 Mycelio ramoso ou estrellado, mais compacto, obtido na Fig. 6 Bastonetes resultantes da desaggregação dos artículos que formam os ramos myceliaes da fig. 4. Verick. Fig. 7 Ramo destacado do mycelio representado na fig. 4. Verick. Fig. 8 O mesmo ramo dividindo-se pelos pontos de juncção dos artículos, constituindo estes, isolados, os bastonetes da fig. 6. "~ ’ ’ 0 obj. 7 Verick. . 1 ' OCC- 2 TT . , Fig. g—Ascas contentendo esporos. g Verick. Fig. 10 Filamento mycelial solto podendo ser erradamente to- occ. 2 mado por um longo bacillo. —— Verick. r 0 obj. 7 Fig. 11—Mycelio de filamentos mui tenues, approximando-se do , . , . occ. 2 , typo cladothnx. —— Verick. J r obj. 7 PESTE DE CADEIRAS 97 Fig. 12 Fórma enkystada do microphyto. Verick. obj. 6 Fig. i 3— Resíduo de destruição do mycelio ramoso. Esporidios em liberdade, animados de movimento. -°c' 2 Verick. obj. 7 Fig. 14— Fórma approximada á dos discomycetes. Primeira phase do enkystamento, representado na fig. 12. °°°‘ Verick. Fig. i 5 Enkystamento do mycelio ramoso, produzindo fórmas semelhantes ás da figura precedente. Verick. Fig. 16 Fórmas virgulosas, resultantes da segmentação do my- ... , . , . occ. 3_ _ . , ceho de íypo cladoíhnx. —;— Venck. J obj. 7 ESTAMPA 111 Fig. 1 Córte da medulla do cavallo de Marajó mostrando as massas kysticas encravadas no tecido e filamentos myceliaes sahindo de dentro do tecido. -cc'-1 Verick. obj. 6 Fig. 2 Córte da medulla de doente beriberico, mostrando massas idênticas encravadas no tecido. Verick. Fig. 3—Esporos germinando na medulla de um pombo que succumbio após a inoculação do microphyto do lago Arary, Verick. Fig. 4 Mycelio ramoso sahindo de dentro do tecido do íigado, de um doente beriberico. °CC' 2- Verick. obj. 7 Fig. 5 Filamentos myceliaes soltos, mui finos, bacilliformes, no pericárdio do coelho inoculado com o micropyhto do lago Arary. Verick. Fig. 6 Mycelio filamentoso, bacilliforme, no figado do coelho inoculado com a cultura do sangue de doente beriberico. -cc' 2 Ve- -0 obj. 7 rick. 98 PATHOGENESIA COMPARADA Fig. 7 Cultura de tecido medullar de doente beriberico na cellula de Van-Tieghem. Desenvolvimento de um mycelip filamentoso, sahindo de dentro do tecido medullar. °CC' 2 Verick. obj. 6 Fig. 8 Bastonetes, resultantes da desaggregaçao do mycelio ra- moso, abundantemente espalhados no figado do macaco inoculado com o microphyto do lago de Arary. Verick. Fig. g Mycelio filamentoso, tendendo a tomar a forma ramosa, na cultura acidificada do sangue de doente beriberico. Fig 10 Filamentos myceliaes, bacilliformes, nas meninges ra- chidianas de um coelho inoculado com o microphyto do lago Arary. -CC— Verick. obj. 7 88, Rua de S. José. Gallinha beriberisada por inoculação do microphyto do lago Arary Processo inalterável MAEC FERREZ. ESTAMPA, I. Fig.l ms. Fi£. 4, Flê'2 Rg. v. Fig. 6. Fií.a. A.Lallemant del et gr. Imp. Lombaerts â Ca ESTAMPA, II P 1 n- 2- Fi^,3. F^,s, Fig . 4. Fig. 6. K«' 8- Fi(s, 9. Ftf. 7, FisS, 12, Plê .11. Fig.l3. Fi^.lo. Pi ê,15. Fig 16, Pig, 14, A.Lallemant del et §r. Imp. íoiubaerts & Gà ESTAMPA. 111 Fig.l Kg’ 2, Kí.s Fiá.3. Flg. 4 Fí£,6 Kg-?. Fig, 8 Fiss, 10, Fig, 9 Imp. LomLaerts 8c Ca A.Lallemaut del et PATHOGEBESI» COMPARADA PESTE DE CADEIRAS OU EPIZOOTIA DE MARAJÓ SUAS ANALOGIAS COM O BERIBERI PELO Dr. J. B. de Lacerda Director interino do Lahoratorio de Pliysiologia Experimental do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Membro de varias sociedades scientiíicas, nacionaes e estrangeiras, Professor honorário da Faculdade de Medicina na Universidade de Santiago do Chile, Commendador da Imperial Ordem da Rosa, etc. Com tres estampas lithographadas e duas photographias RIO DE JANEIRO Imprensa a Vapor de LOMBAERTS &. Comp. iBB3 ;;iu ; -áj /. ■ ptt «'OC << OTCC