APONTAMENTOS RELATIVOS Á BOTANICA APPLICADA NO BRASIL PELO «e»£ Elo de Janeiro TYPOGRÁPHIA UNIVERSAL DE LAEMMERT 61 b, Rua dos Inválidos, 61 b 1871 Ao Ill.mo e Exmo. Sr. Dr. J. F. Alves Branco Moniz Barreto Alguns artigos dos que ora apresento nesta apoucada publicação já fôrão dados á lume nas columnas do antigo Correio Mercantil do Rio de Janeiro, quando V. Ex., dirigindo aquelle utilissimo periodico, generosamente o punha á disposição de todos quantos Gregos ou Troyanos alguma cousa tinhão que ex- pender, ainda que de somenos valor, em prol dos interesses desta terra. Quando uma tal razão, porém, me não bas- te para justificação e causa desta minha de- dicatória, que por assaz mesquinha não deixa de ser expressiva, se não que muito o será para quem, a expensas de tudo seu, consti- tuio-se por longos annos o pugnador esfor- çado das classes laboriosas deste Império, justifi- ca-m’a, cuido eu, a circumstancia até hojeiguo- IV rada por V. Ex., indifferentissima para todo o mundo, mas ao meu coração muito cara e não menos grata, de, ao seu incentivo, dever eu, a minha obscura estréa, ha pouco mais de dez annos, no tirocinio daimprensa. Apoucada publicação disse eu que era esta brochura e penso que com muito acerto assim a classifiquei. E’ um conjuncto de idéas já por mimoffe- recidas ao sol da publicidade, assim no Bra- sil como na Europa e com particularidade na França Além disso muita cousa ahi vai de que me não fica satisfeita agora a experiencia demais alguns annos de estudo e de observação, de- corridos após a redacção do quasi total deste imperfeitissimo trabalho. Como havia eu de refundir a parte que mais ahi me desgosta sem me entregar ao cansativo e talvez desproveitoso desmorona- mento de todo elle? Em edificio mal construído ede nenhuma segurança melhor é que se não toque : foi esse o alvitre que adoptei. Um poucochinho V apenas do reboco, eis tudo quanto pude reparar deste ja' seu tanto inútil pardieiro. De V. Ex., entretanto, a quem se olhos fallecem actualmente para ler o que tão de coração lhe é aqui destinado, excellentes, em compensação, os possue no preclaro entendi- mento, espera mil desculpas Seu amigo admirador e criado muito agradecido, Ladislau Netto. Rio, Dezembro de 1870. Utilidade da creação de um Horto de plantas indígenas no Brasil. MEMÓRIA LIDA Á SOCIEDADE BOTANICA DE FRANÇA EM SESSÃO DE 11 DE FEVEREIRO DE 1865. Na expedição que acabo de effectuar por ordem do governo brasileiro até ás margens do rio de S. Francisco, occupei-me em colleccionar para o hervario do Museu Nacional do Rio de Janeiro todos osvegetaes que podessem serutili- sados na medicina, na industria e nas artes; ve - getaes de cuja classificação me tenho occupado no laboratorio botânico do Jardim das Plantas de Paris. No interior do vasto Império do Brasil mui raras são as cidades e villas e ainda mais raras as pharmacias. Isto equivale a dizer que a medicina bem poucas vezes foi levar áquelles bons sertanejos os soccorros de que tanto hão elles mister. Naquellas paragens cada qual constitue-se o medico de si mesmo e forçado é de cogitar das propriedades as mais das vezes tradicionaes de 2 plantas que a Providencia faz brotar ao derre- dor de seus tugurios solitários. Assim é que um avultado numero de arbustos tem sido de lia muito empregado na cura de graves moléstias, não sem grande e reconhecido proveito, si vera estfama. Na vasta zona dos campos propriamente ditos, onde entretanto menor variedade se observa de arvores e de arbustos, senão também de ve- getaes herbáceos, nos campos, digo, maior pa- rece ser a quantidade das plantas aproveitadas pela medicina popular. D’entre as mais estimadas das que me fôrão mencionadas, apontarei a afamada Strychnos jpseudo-quina, febrífugo energico, empregado pelos habitantes de Minas-Greraes contra as in- termittentes, tão tenazes naquellas inhospitas paragens; o Moschoxylon catharticum, bem com- mum ao longo dos tributários do grande rio ; o Lafoencia Pacari, representante tão bello quanto ntil da vegetação campestre ; as innumeras es- pecies do genero Baccharis e sobretudo dos generos Pisonia, Qualea, Cinchona e Exostema, algumas das quaes tão eííicazes são, no dizer do povo, como a primeira no tratamento da mesma moléstia. Uma familia notável, a das Erythroxyleas fornece á população do interior do Brasil muitos arbustos designados com o nome generico de 3 Mercúrio do campo e cujas propriedades são com vantagem utilisadas contra o QEstrus hovis vul- garmente denominado berne, por corrupção de verme, e contra as affecções cutaneas, quer no homem, quer nos animaes. As especies conhecidas de Oxalis, de Begónia e de Smilax são igualmente empregadas com proveito na cura de várias moléstias das visceras abdominaes. Nas paragens as mais desertas do valle do rio de S. Francisco, pertencentes á extensa re- gião das pastagens conhecidas no paiz pelo nome de campos, não se empregão geralmente contra os effeitos da dentada dos reptis vene- nosos senão vegetaes indigenas. Nas suas « Plantas Usuaes dos Brasileiros ■», Augusto de Saint-Hilaire, mencionando as es- pecies mais conhecidas pelas suas virtudes me- dicinaes, já nos faz admirar a avultada cópia de vegetaes empregados pelos habitantes do nosso extenso território. Outros exploradores vierão augmentar essa lista, porém por mais completa que nos ella pareça, á primeira vista, está longe ainda de conter a enumeração da immensa quan- tidade de riquezas vegetaes aproveitáveis que crescem de continuo sob a influencia da prima- vera eterna de que Deos ataviou aquelle bello e grandioso Império. A maior lacuna desta enumeração dos vege- 4 taes mais úteis existe na parte que diz respeito aos fructos, porquanto o numero destes muito considerável deve ser, a querermos basear nossas conjecturas sobre a variedade que se nos depara quando percorremos o paiz de norte a sul, ou se, dando costas ao Oceano, nos entranhamos pelos sertões dentro, condição que traz mui grandes modificações climatologicas em virtude da distancia do mar e ao mesmo tempo da pro- gressão hypsometrica ordinariamente crescente para as regiões centraes do continente. No computo dos vegetaes já descriptos na Flora Brasileira, cabe-me distinguir o Caryocar hrasiliensis, cujo fructo é um dos grandes recur- sos alimentícios dos pobres habitantes do valle de S. Francisco. Este produeto de que grande proveito fora possivel tirar-se em pról da população indi- gente do interior do Brasil, attinge o volume de uma grande manga e sua polpa de cor ala- ranjada é uma substancia cujas propriedades nu- tritivas se assemelhão seu tanto ás do cacáo ; o fructo da Paulinia sorhilis o famoso uaraná do valle do Amazonas, que no parecer do Dr. Stenhouse contem mais theina do que outra qualquer das plantas alimentícias, e uma infini- dade de producções inexploradas ou desconheci- das, inexhauriveis mananciaes d’onde o Império 5 Brasileiro nos annos por diante lia de fruir nm vultoso rendimento. Não são menos abundantes as plantas teciveis nem, certo, menos dignas das attenções que nos merecem os thesouros nativos do rico território de que faço aqui menção. Muito fallava-se ultimamente no Rio de Ja- neiro de um habitante (*) de Minas Greraes que, tendo conhecimento do valor tributado aos ve- getaes desta natureza e ao mesmo tempo arras- tado pela sua indole pesquizadora, emprehendeu uma excursão no mal conhecido valle do Rio- Doce e alli colleccionára, por espaço de algum tempo, as mais bellas amostras de fibras de que houvera até então noticia. Erão productos na mór parte desconhecidos e muito notáveis já quanto á belleza, já quanto á solidez que os caracterisão. Ninguém ha que desconheça quão empregadas são as fibras corticaes no valle do Amazonas, pelos industriosos aborigenes ribeirinhos do rio- mar, na fabricação das rêdes e dos tecidos cujas cores variegadissimas não se nos fartão olhos de (*) Este intrépido explorador das florestas do Rio Doce é o mesmo que veio ha pouco (em fins de 1869) a esta Corte exhibir a nossos olhos lindíssimas fibras colhidas por elle naquellas paragens. O Jornal do Commercio publicou na Gazetilha uma pequena no- ticia que a este respeito lhe enviei. 6 contemplar admirados de tantas e de tamanhas riquezas. Os vegetaes mais uteis ás artes e á industria em geral são de supina valia ao lado dos que me coube de relance aqui fallar: a perfumaria, a tinturaria e principalmente a construcção civil e naval acharião nelles innumeras variedades, a que só restaria a difficuldade da escolha. Na ultima exposição de Londres, por exem- plo, um só dos catalogos das madeiras do Brasil continha 410 specimens differentes. E para terminar esta ligeira revista das plantas de tão diversas propriedades quaes as que adornão os campos do interior do Brasil, mencionarei a Pisonia Caparrosa que só em si possue propriedades tinturárias, medicinaes e nu- tritivas (*). Ao lado, poróm, destas riquezas que consti- tuem o mais bello ornamento do Brasil: a Terra de Promissão dos naturalistas, no dizer de Achilles Richard; do Brasil cujo clima já- mais interrompe o labor de sua grandiosa e in- (*) 0 Dr. Lund, que habita ha muitos anuos no Brasil, cultiva em seu pequeno jardim á beira daLagôa Danta, em Minas Geraes, este arbusto, cujas folhas preparadas como as do matte dão uma infusão no seu parecer muito agradavel e salutar. A. Caparrosa é uma especie descripta e figurada por mim em 1866 nos Ánnaes das Sciências Naturaes. 7 gente natureza, existe uma causa adversa e de dia para dia mais poderosa que tende por assim dizer a destruir os benefícios com tanta profu- são outorgados pelo Creador áquellas esplen- didas paragens. Esta causa outra cousa mais não é do que a cultura tal qual liabitualmente é praticada desde grande numero de annos em quasi toda a America austral. Em vão se oppõe ainda a tão barbara usança o faclio scintillante do progresso. Em todas as regiões por emquanto afastadas desse facho, o agricultor brasileiro e particularmente o que dispõe de grande superfície coberta de mattas, torna-se o flagello das florestas. O quadro feito por Saint-Hilaire sobre a agri- cultura dos Brasileiros, se bem não seja hoje tão vasto quanto fora no seu tempo, não deixa de apresentar, comtudo, o mesmo aspecto quanto ás grandes superfícies. Hoje ainda, como nos dias em que pela pri- meira vez o machado foi conduzido ao seio daquella virgem natureza, raro, mui raro é o agricultor que emprega o arado e faz uso dos estrumes. Para se fazer a cultura, abate-se uma enorme quantidade de annosos troncos, de frondosas arvores, de arbustos preciosos e deita-se-lhes fogo. A plantação pratica-se sob as cinzas dos velhos 8 gigantes das selvas, cujos fragmentos meio quei- mados pelo vasto incêndio se amontoão aqui e acolá sobre um terreno inteiramente calcinado. Após a primeira colheita um breve repouso e concedido ao sólo tão barbaramente expoliado de seus fecundissimos elementos. Apenas renas- cidos alguns arbustos, ei-los já cortados e quei- mados para dar lugar a uma nova plantação. No fim de certo numero de colheitas se- melhantes, abandona-se o terreno inteiramente exhaurido e procura-se em outra parte novo pascigo a tamanho vandalismo, a tão grande insensatez. Verdade e que um tal systema de cultura não é devido senão á própria fertilidade do sólo brasileiro, e, digamo-lo também, á extensão do paiz e á notável cópia de mattas que ainda hoje possuimos. Nas vastas provincias daquelle Império cada proprietário, dispondo de um terreno conside- rável, mais aproveita plantando nos lugares re- centemente arborisados do que se cultivasse ter- renos já cansados por plantações reiteradas. Empregando este ultimo systema, seria elle obrigado, como os agricultores europêos, a res- tituir pelo estrume todos quantos elementos extrahido houvesse do seio da terra pela cul- tura, emquanto que no sólo coberto de mattas tamanha fertilidade se lhes depara que diversas 9 colheitas lhe é dado auferir quasi sem outro tra- balho mais do que o da primeira derribada. Este processo, porém, além de ser de todo in- compativel com os melhoramentos hodiernos da sciencia agronómica, é uma causa incessante da destruição dos vegetaes, cuja patria fôr muito limitada, e deve acarretar, além disso, com o decorrer dos annos, mudanças climatologicas de subida gravidade para o paiz. Ao governo brasileiro razões sobejão pois para cogitar seriamente da fundação das fa- zendas ou escólas-modelos, tanto mais quanto se nos manifesta na totalidade dos agricultores do paiz a pouca ou nenhuma influencia dos raros melhoramentos agrícolas que se vão len- tamente admittindo em alguns estabelecimentos ruraes. Convem, entretanto, confessar que a acção dessas escolas praticas só muito lenta- mente surdirão o desejado effeito nos sertões daquelle Império. A destruição prolongar-se-ha sem duvida ainda por longos annos naquellas abençoadas paragens, onde, pela ausência de fáceis meios de communicação, cada proprietário agrícola segue livremente a rotina de seus antepassados. Em algumas provindas do norte esta pratica vai até ao abuso. Visitando em Janeiro de 1864 a bella e fértil provinda das Alagoas, e percorrendo, ora as ribas encantadoras de seus grandes lagos, perto da costa, ora os valles fecundos do interior, com pezar observei que naquelles pontos em que dez annos antes havia deixado uma vegetação vigo- rosa e exhuberantissima, não se achavão mais do que mesquinhas e mui definhadas plantas. Demais, não é exclusivamente aos trabalhos ruraes que no território brasileiro se sacrificão tão precioso quinhão de seus thesouros nativos : os criadores de animaes, na esperança de que mais cedo se lhes revistão de verdores as immen- sas campinas, soffregos as incendeão, pelo fim de cada sêcca. Brotão effectivamente pouco depois com as primeiras chuvas as hervas e as flôres do cal- cinado e ennegrecido chão, mas quantas plantas, d’entre as mais delicadas, deixão de sobreviver a cada incêndio! Para não citar mais de um exemplo, fallarei das especies de Eriocaidon, cuja abundancia tal se via outPora nos campos de Minas Greraes que Augusto de Saint-Hilaire, maravilhado do cons- tante matiz formado pelas suas flôres mui brancas sobre a verdura das campinas, não poude deixar de fazer disso particular menção. Quarenflannos apenas hão decorrido desde essa época e no emtanto já não mais se encon- trão, a bem dizer, estas monocotyledoneas tão vulgares outr’ora alli. Eu as vi, é verdade, mas quasi exclusiva- mente nos baixos bumidos, onde o fogo das queimadas não sóe nunca chegar. Sem ir por diante parece-me que a breve ex- posição que rapidamente aqui tracei justifica todos quantos receios ha de que em breve nos desappareção para sempre, não só no Brasil como nos outros paizes da America do Sul, muitas plantas de grande utilidade. Foi o que aconteceu na Europa e em grande numero de colonias onde innumeros trabalhado- res se puzerão sem ordem nem precaução al- guma a destruir as florestas primitivas. Além de que, não ignoramos quão limitada se mostra a patria ou estação de certos vegetaes até nos paizes os mais fecundos. Todos os via- jantes têm observado que plantas ha que, abun- dando em um valle ou sobre o alto de uma montanha, não se apresentão nunca a poucas léguas além. Taes plantas achão-se pois mais expostas do que as outras a serem destruídas em virtude das queimadas. Do governo do Brasil e principalmente dos homens illustrados daquelle Império esperamos os meios e as providencias necessárias que pre- servem da destruição inevitável dos incêndios, vegetaes destinados por sem duvida a uma pro- fícua applicação na industria futura do paiz. Um desses meios, dou-me pressa em dizé-10, o governo brasileiro no-lo vai ministrando com a creação de escolas agricolas que elle se esforça por coadjuvar actualmente ; mas, como o disse eu ha pouco, a influencia de taes escólas ou fazendas normaes não poderá sentir-se por em- quanto ainda, se não em um circulo bastante limitado em consequência da grande extensão de nossas provincias e da falta de communicações fáceis com o interior. Demais, immensas difíiculdades se nos an- tollião para fazer comprehender, em pouco tempo, a camponezes ignorantes e educados em uma péssima rotina, todo o valor dos me- lhoramentos de que hão elles mister, e quando superado houvéssemos tamanhos obstáculos ainda assim não nos seria garantida a conser- vação de nossos vegetaes. Os criadores de gado não deixarião por tal motivo (que em nada realmente lhes concerne) de seguir a sua destruidora pratica de quei- marem os campos. E’ por isso que, louvando e applaudindo a peito cheio a creação das escolas normaes de agricultura, em todas as provincias brasileiras, eu considero esta medida como insufíiciente para o fim de que se trata. No meu parecer dous quesitos fora mister sa- tisfazer para chegar a este resultado. 10.Io. Estabelecer uma ílóra do paiz, não como é costume fazê-lo pela conservação de plantas sêccas em hervarios, porém pela acquisição tão grande quanto possível de vegetaes vivos, que fossem distribuídos e rotulados methodicamente em um lugar para este fim escolhido. 20. Estudar nestas plantas as propriedades que já se lhes conhecem para averiguação da authenticidade de suas virtudes , e reconhecer ao mesmo tempo as que pudessem ser apro- veitadas. Com um tão amplo horizonte considerei na creação de um horto inteiramente composto de plantas indígenas e fundado de modo a corres- ponder-se o mais facilmente possível com todas as províncias do Império. Seu local é indifferente, comtanto que offereça um terreno variado em sua topographia e cons- tituição mineralógica , comprehendendo , por exemplo , collinas e até montanhas, valles hú- midos, planícies arenosas, etc. Homens completamente inscientes bastarião para prover este estabelecimento de quasi todos os vegetaes indigenas. Era mister algum cuidado apenas em escolher os correspondentes deste horto em paragens diffe- rentes, recommendando-se-lhes quanto possível a variedade de suas remessas, quer de sementes, quer de plantas vivas. Quanto aos vegetaes ac- tualmente conliecidos nada mais facil do que obtê-los, designando-os pelos nomes vulgares com que se conhecem em seus natios peculi- ares (*), Fora este horto uma especie de parque, unico em seu genero, sem luxo nem ostentação alguma e onde bem cabidas serião de tempos a tempos algumas exposições dos productos agricolas e horticolas do paiz. Por varias razões, a sua utilidade seria ma- nifesta e por isso não poderia deixar de receber os mais vivos applausos do publico. Como estabelecimento scientiíico nada se póde conceber ácima de uma instituição desta natureza, pois permittiria ella fazer o que se não poude exe- cutar com os specimens quasi sempre incom- pletos ou imperfeitos dos hervarios, isto é, estudos completos ou para melhor dizer novissimos sobre esta flora em miniatura porém viva, e cópia quasi perfeita da riqueza vegetal do paiz. A botanica descriptiva particularmente muito proveito auferiria com uma tal instituição, pois não obstante todos os cuidados prestados pelos (*) 0 Dr. Nicoláo Moreira, distincto medico brasileiro, acaba de publicar um diccionario das plantas usuaes do Brasil , no qual faz conhecer estas plantas pelos seus nomes scientificos e vulg-ares, accrescentando- Ihes além disso preciosas informações sobre suas diíferentes propriedades, dosagens, etc., etc. homens os mais competentes, não se tem conse- guido na Europa, relativamente ás plantas estram geiras, fixar de um modo a não deixar duvidas todas as particularidades de cada vegetal; e de subida utilidade seria o ministrar-se destarte a possibilidade de supprimir todas quantas duvidas sobre isso de continuo se nos deparão. Nas mal conservadas e sobretudo mal collec- cionadas amostras dos hervarios europêos, ora faltão-nos as flores, ora as folhas e quasi sempre os fructos de nossos vegetaes. As informações ácerca do tamanho da planta, da natureza de suas raizes, da cor de suas flores e mil outras indicações indispensáveis hão sido ordinaria- mente descuidadas ou antes não poderão ser tomadas pelos viajantes. A tudo isso accrescem innumeras lacunas nos caracteres physiologicos das plantas e emfim a impossibilidade de observar os phenomenos vi- taes que tanto hão contribuido nestes últimos annos para o desenvolvimento da botanica. Se attendermos ao lado pecuniário desta, crea- ção, não nos parece ser elle muito dispendioso; pelo menos não se poderá nunca achar nas condi- ções dos jardins europêos, onde consideráveis des- pezas se fazem para a conservação e cultura das plantas exóticas, vindas de um clima tropical. Alli tudo seria facil e natural, pois o céo do local de sua cultura outro não fora mais do que o de seu proprio paiz. Finalmente o liorto brasileiro , tal qual o con- cebo e o proponho, seria ainda uma escola pre- ciosa, cheia de attractivos e de emulação, onde a mocidade, ávida de instrucção , iria aprender a conhecer os phenomenos admiráveis da vida das plantas, não nas paginas dos livros, mas nas da própria natureza, sobre os vegetaes, em plena vida e convenientemente predispostos a lhes fazer conhecida uma das maiores e mais bellas riquezas de sua patria. Depois de haver lido esta nota á Sociedade Botanica de França tive a honra de receber do Sr. Naudin as observações que se seguem. Publicando estas notas do eminente naturalista, á quem já tanto deve o mundo scientifico e espe- cialmente a sciencia dos vegetaes, cuido dar mais peso a este modesto trabalho e prestar ao meu paiz um não pequeno serviço. « Museu do Jardim das Plantas. « Meu caro Sr. Netto.— Li com summo inte- resse a noticia de que V. me deixou uma cópia e que em breve lhe devolverei. « A sua lembrança da creação de um lugar de refugio dos vegetaes ameaçados de extincção, é excellente e não poderá deixar de interessar ao governo de S. M. o Imperador do Brasil, como interessará a todos os botânicos e áquelles que sentem a utilidade que haveria em estudarem-se as plantas sob todos os seus aspectos, particular- mente sob o do proveito que delias podem tirar as artes e a industria. Quantas plantas preciosas achar-se-liiáo hoje conservadas na Europa si se tivesse tomado esse cuidado. « Remetto-lhe algumas observações que, sup- ponho, poderáõ ser juntas á sua Memória . « Irei vê-lo por menos descanso que me deixe a nevralgia, e então conversaremos a esse pro- posito mais amplamente. « Noemtanto digne-se de receber cornos meus comprimentos, o protesto dos meus melhores sentimentos. Seu dedicado collega in Linnoeus, Charles Naudin, membro do Instituto. » NOTA PARA SER ADDICIONADA AO TRABALHO DO SR. LADISLAU NETTO. Seria um pensamento digno de um governo esclarecido e previdente o reservar-se em cada uma das grandes provindas algumas léguas quadradas de terrenos cobertos de mattas, que fossem subtrahidos ás devastações da cultura e das derribadas, e onde se conservassem por si proprios os vegetaes indigenas do paiz, os quaes, sem essa precaução, achão-se ameaçados de des. apparecer, pelo menos em boa parte. No estado actual da população do Brasil, po- pulação espalhada por sobre immensas super- fícies, as terras têm pouco valor, e por conse- quência a medida que se acha proposta seria mui pouco dispendiosa. Essas mattas ou florestas reservadas e transformadas em propriedades da Coroa ou do Estado serião a um tempo refugio seguro de grande numero de animaes (mam- miferos e particularmente passaros) que são igualmente ameaçados de extincção pela invasão gradual da cultura. Não se pode duvidar que tenhão elles, como as próprias plantas, um papel importante que representar na economia da na- tureza, e possão em uma época determinada servir directamente a alguma industria humana. As aves particularmente deverião ser poupadas, visto que no ardente clima do Brasil os insectos superabundão, e que tempo virá em que elles infligirão terriveis desastres á agricultura, como acontece na Europa. Tem-se reconhecido com effeito que esses animaes destruidores multiplicão-se na razão da abundancia dos productos da terra se ao mesmo tempo sua multiplicação, verdadeiramente es- pantosa, não for atalhada por um numero pro- porcionado de aves insectivoras. As enormes perdas causadas aos agricultores francezes pela alucita, pelos gorgulhos, pela py- ralia, lagarta, pulgões, besouros, etc., nada serião em comparação com os que terião de soffrer um dia os agricultores brasileiros, se aquelle paiz se despovoasse de passaros. Não se importando os particulares com o fu- turo, cabe ao governo importar-se por elles. Mas, independente dessas florestas reservadas, tornão-se necessários grandes jardins nas pro- ximidades das cidades, nos quaes fôssem cul- tivadas e observadas todas as plantas suppostas uteis. Apresentando o Brasil, em consequência da sua extensão, grandes differenças climatologicas do norte ao sul, serião necessários ao menos dous desses jardins para estudo, um na Bahia para as plantas equitoriaes, outro no Rio de Ja- neiro para as tropicaes especialmente. Um só jardineiro bastaria para mantença e conservação de cada um delles, ainda que de tempos em tempos se contratassem mais alguns operários para os trabalhos de maior urgência. Esses jardins serião verdadeiros laboratorios onde poder-se-hião estudar os vegetaes sob todos os seus aspectos scientificos e indus- triaes. Nelles procurar-se-hia reconhecer todos os empregos a que se pudessem applicar os ve- getaes com algum proveito, como: plantas de forragens e farinaceas, plantas tinturárias, le- nheiras ou teciveis, ou próprias para a fabri- cação do papel (industria hoje muito impor- tante) ; plantas medicinaes, gommosas; resinas, balsamos, borracha, gutta-percha, etc., etc. ; plantas odoríferas ou aromaticas, plantas de luxo para se exportarem á Europa e para outros lugares, ou para o uso local; arvores indígenas ou exóticas; arvores florestaes, emfim, de todos os tamanhos e qualidades. Um laboratorio chimico deveria achar-se annexo a esses jardins, para a analyse de mil productos vegetaes que se houvessem de colher, como também uma oíhcina para seccar as plantas, e uma pequena bibliotheca botanica apropriada ao trabalho que alli se executasse. Poder-se-hia nestes estabelecimentos fazer cursos de botanica industrial, de agricultura, de horticultura, e, em geral, de Historia natural, os quaes terião por fim espalhar pela população a instrucção e o gosto da cultura. Alli se formaria indubitavelmente certo nu- mero de práticos esclarecidos e de homens de iniciativa, que farião progredir notavelmente a sciencia agrícola no Brasil. E’ preciso não esquecermo-nos de que a falta de iniciativa, de que tantas vezes nos queixa- mos, outra causa não tem senão a falta de instrucção. Como será possível com effeito descobrir um novo trilho, quando se é rodeado por todos os lados pela ignorância do que é necessário ? Mais difíicil não seria a um cego procurar elle pro- prio o seu caminho e seguir uma direcção qualquer. Si se creassem estes estabelecimentos seria necessário desvial-os do luxo que tanto custa sem utilidade alguma. Deverião ser tão simples, quanto fosse pos- sível, e não se desenvolverem senão gradual- mente de accôrdo com as suas necessidades. Muitas instituições uteis têm succumbido, por ter-se querido desde o principio fixa-las sobre uma escala por demais vasta, ou dar-lhes formas em desproporção com as circumstancias e exi- gências da occasião. Sobre a acção preservadora de algumas plantas contra as febres paludosas. Grande flagello para as regiões mal povoa- das do Império do Brasil é a febre intermit- tente que reina nas margens alagadiças dos grandes rios, nas vizinhanças das lagôas e nas planicies húmidas, onde as aguas estagnadas exhalão miasmas mortíferos, sob cuja fatal influencia se achão as populações circumvizi- nhas. Não somos nós, porém, as únicas victi- mas: quasi todos os outros paizes se achão também sujeitos a este mal. Quasi toda a África, grande parte da Italia, todo o sul da França, e até muitos cantões do centro da Europa soffrem a acção terrível das febres paludosas. Paizes ha, entretanto, que gozão de uma certa immunidade a este respeito, e se lançarmos as vistas sobre as estatísticas coloniaes, notaremos que estão elles situados geralmente no hemis- pherio austral. D’ahi resulta a prosperidade, a animação, as melhores condições, emfim, para algumas colonias, e a enfermidade, o desanimo, a escassez de população para outras. A Inglaterra teve o melhor quinhão na parti- 31ia. Suas colonias da Australia, do Cabo da Boa Esperança, etc., prosperão a olhos vistos: a colo- nia franceza na África lucta, ao contrario, com os miasmas pestilentos das paludes argelianas* Os pantanos deste paiz, segundo no-lo dizem as informações officiaes, fizerão tanto estrago no exercito francez quanto os mosquetes, aliás cer- teiros, dos arabes de Abd-el-Kader. Nossa atten- ção é chamada para este facto, mórmente quando reflectimos na inversão que ahi se apresenta na ordem dos casos observados habitualmente ; e é que toda a Argélia do Sul, paiz inteira* mente antitropical, é victima constante das febres paludosas, ao passo que a costa aus- traliana, sobre o mar de Timor, se bem que situada na vizinhança do Equador, não paga sequer o menor tributo a este mal. E ainda mais nos admiramos quando com- paramos as terras baixas dos Estados romanos, sujeitas á famosa Malaria e todos os lugares miasmaticos do meio-dia da França e dos di- versos paizes da Europa, com a salubridade completa da Australia septentrional que se acha entre 10° e 20° de latitude, isto é, nas mesmas condições de Sergipe, Bahia e Espirito-Santo. Qual será, pois, a causa desta anomalia tão notável? Não a conhecemos exactaraente pelo emquanto ainda, e forçoso é dizer que, como em numerosas questões do mais alto inte- resse, nos conservamos no campo das hypo- theses. Entre as supposições mais prováveis que se têm apresentado adio preferivel a que attribue uma certa propriedade preservadora contra as infecções paludosas a diversas plantas bal- samicas, ou dotadas de essencias especiaes, e cuja acção parece dar ás regiões em que se aclião a immunidade de que lia exemplo na Australia. Uma excellente observação foi feita sobre isso pelo Sr. William Marc-Arthur, habitante de Sydney. Eis o extracto de uma carta que, relativa- mente a esta observação, dirigio elle ao illustre professor de cultura no Museu de Paris, e que foi publicada em 1861 em um precioso traba- lho de Mr. Naudin, ácerca do mesmo assumpto de que ora me occupo. « V. sabe, diz o Sr. Marc-Arthur, que na Australia a vegetação mais espessa é arbores- cente, de uma natureza sêcca e principalmente composta de myrtaceas. « E’ impossível viajar-se nas terras baixas e paulosas deste paiz, durante as noites claras ou nas bellas madrugadas do verão, sem sentir- se o forte cheiro balsamico e alcanforado que espalhão na atmosphera as numerosas myrta- ceas (Melaleuca, Eucaliptos, etc.), que existem nestas localidades. Ora note que estas regiões pantanosas não são nunca doentias, que a Ma- laria parece inteiramente desconhecida de um extremo a outro da Australia e que, ácerca da hygiene, os colonos não fazem nenhuma diffe- rença entre os lugares baixos e húmidos, e os que são elevados e sêccos. * Nos districtos situados ao norte do 26° gráo de latitude (por consequência quasi sob o tropico), durante um verão quasi constantemente chuvoso, derão-se casos de febre intermittente em alguns pastores expostos noite e dia á chuva; mas em localidades desnudadas de ar- vores. « Houve também alguns casos nos lugares occupados pelos cedros de mouta (sem duvida uma conifera), onde os raios do sol penetrão difíicilmente, e onde não se encontra quasi nenhuma myrtacea. Por outra qualquer parte fóra d’ahi, qualquer que seja a natureza do sólo, quer seja baixo ou elevado, sêcco ou húmido, os miasmas paludosos são totalmente desconhe- cidos, e a salubridade perfeita. « As poucas moléstias que reinão neste paiz são muito diíferentes da febre propriamente dita, e provêm de causas muito diíferentes. » Eis ahi um quadro bem diíferente do que se apresenta aos olhos do viajante que percorre os lugares baixos e alagadiços da Italia. Aqui uma febre tenaz mina periodicamente a exis- tência de milhares de camponezes que, pelo as- pecto morbido, recordárão-me as yictimas das sezões do rio de S. Francisco. A Mataria da Italia e a febre intermittente do valle deste rio representão com effeito o mesmo terrível fla- gello. O Sr. Marc-Artliur teve occasião de visitar os pantanos da Italia, e foi a comparação delles com os da Australia que Ibe suggeriu as suas interessantes considerações. Como se viu no ex- tracto da carta deste habil observador, attribue elle uma grande propriedade preservadora ás myrtarceas australianas contra os miasmas pa- ludosos. A experiencia e possivel e até facil de fazer-se no Brasil; nosso clima presta-se muito bem a ella, e actualmente encontrão-se por toda a parte muitas sementes, senão pequenas mudas destes vegetaes. A plantação deveria ser feita ao redor de algum pantano reconhecido como fóco de mias- mas paludosos, ou pelo menos em torno das habitações expostas a estes miasmas. Sendo bastante rápido o crescimento das myr- taceas australianas, em pouco tempo se teria um resultado decisivo da experiencia. Ella já foi proposta pelo eminente botânico, o Sr. Carlos Naudin, para a França, mas como isso só po- derá ser feito nas costas do Mediterrâneo, em razão da latitude elevada do resto deste paiz, não sei se houve alguém naquella região que já se tivesse interessado por assumpto tão util. Tudo effectivamente me induz a crêr que existe nas myrtaceas australianas a virtude que se lhes attribue, mas por isso que penso desta sorte, não posso deixar de suppôr igualmente as mesmas propriedades em algumas plantas brasileiras da mesma familia. Os productos naturaes da Australia possuem, é verdade, um cunho especial que tem servido de caracteristico notável a este pequeno conti- nente sobre o resto do mundo, mas, todavia, farei notar que, sob differentes aspectos, o Brasil é de todos os paizes o que mais se lhe asse- melha. A familia das myrtaceas é uma das mais numerosas das dicotyledoneas de nossa flora, e se a acção preservadora que estou disposto a suppor em alguns de seus representantes não se torna tão sensivel entre nós, como o é nas terras australianas, a razão é porque nossa vegetação tão variada se nos mostra que será difficil encon- trar-se uma monta, por pequena que seja, onde predomine, já não digo uma só familia vegetal, mas cinco, dez ou mais familias diíferentes. Tal é a riqueza exhuberante da mais bella vegetação do globo. Lembra-me, entretanto, ter ouvido fallar, por muitas vezes e em diversos lugares do Brasil, de certas paragens, e até de simples propriedades, onde um só caso de febre não se dá, apezar de se adiarem nas regiões em que este mal é muito tenaz. Ora se esta asserção é verdadeira, deve liaver alii algum preservativo, e este preserva- tivo não pode existir senão na vegetação vizinha. Este facto me parece mais que sufficiente para attrahir nossa attenção, e qualquer exame que acerca delle se fizesse seria de summa impor- tância para o paiz. Não só as myrtaceas, mas também as laurineas, e muitas outras plantas dotadas de essencias próprias, podem influir di- rectamente enl tal caso. A verificação de maior numero destas plantas entre a vegetação arborescente que se achasse ao derredor dos lugares respeitados pelos mias- mas, nos faria dar o primeiro passo na ob- servação que nada mais faço do que indicar nesta nota. Não entro aqui em pormenores impró- prios á natureza deste trabalho, mas nem por isso deixarei de dar a maior importância a qualquer observação que se fizer em nosso paiz relativa- mente a esta interessante questão. Paris, 7 de Agosto de 1865. Algumas palavras sobre as riquezas vegetaes do territorio brasileiro. 15 de Março de 1867. Havendo sido encarregado pelo governo im- perial de estudar a collecção de madeiras da ultima Exposição nacional, tive occasião de notar no decorrer deste trabalho a falta de informações que lia sobre tão importantes producções natu- raes de nosso território. Intentei levar tão longe quanto possivel me fosse as minhas investigações, fiz os esforços que de mim dependião, mas pouquíssimo al- cancei. r E que nem todas as ílóras ou monographias publicadas até hoje trazem, de par com os nomes scientificos, as denominações vulgares de nossas plantas; é que muita incoherencia e uma grande confusão se nos antolhão nestes nomes vulgares quando elles existem e finalmente é que não houve ainda um trabalho que se limitasse exclu- sivamente á discussão e á determinação da no- menclatura vulgar de nossas riquezas naturaes. Porém ácima de já tão fortes lacunas, a Expo- sição de 1866 nos deparou um obstáculo que por si só bastou para nos desalentar no desem- penho de nossa exigente missão : foi o não acom- panhar cada uma das amostras de nossas ma- deiras de construcção nem uma folha, nem uma flôr, nem um fructo sequer para guiar-nos no meio das incertezas em que nos achámos. O trabalho foi pois incompleto e porventura mal baseado, como sempre o será cada vez que houvermos de expor estes productos sem que próviamente se tenha emprehendido e realizado os mais sérios estudos ácerca delles. A vegetação florestal do território brasileiro na opinião do Dr. Martins e de Augusto de S. Hi- Lúre convem ser estudada com muito vagar e com grande somma de observações locaes; o que não fez nem poderá jámais fazer o viajante es- trangeiro, obrigado ordinariamente a percorrer mui vastas extensões sem meios commodos e sobretudo em tempo por demais limitado. A base essencial e o lado porventura mais importante de um tal commettimento deve ser a estatistica de todas as madeiras de construc- ção, a qual se conseguirá adstringindo-a a prin- cipio ao exame preciso do que produz cada uma das provincias, ou antes cada estação característica de por si, depois ampliando-a ao paiz inteiro. De um trabalho minudencioso e desflarte executado, facil será auferir-se utilissimas infor- mações concernentes a esta sorte de productos, e o que mais é conliecer-se para o diante, senão já e já, qual a província onde a destruição das mattas e o desapparecimento das plantas mais uteis se tem effectuado em maiores proporções. Ora quem estuda a vegetação arborescente estuda simultaneamente a vegetação arbustiva, e examinando ambas pode e deve levar suas vistas até a geograpbia botanica, até a compa- ração da flora com a natureza geologica do ter- reno, com a altitude do local, etc. / E sobre estas observações que se deve basear a agricultura metliodica de um paiz de vastas dimensões ; no Brasil, entretanto, não se fez ainda conveniente e amplamente este trabalho. As vistas do governo não se dirigirão, que eu saiba, para este lado , que é realmente o ponto de par- tida de qualquer exploração agricola num paiz rico e novo como o nosso; e sem que em tal se pense não creio que chegar possamos tão cedo a um bom resultado. O café, a canna, o fumo, o cacáo, o estes sustentáculos de nossa lavoura e por conse- guinte os motores de nossa prosperidade, não de- verião ser submettidos de continuo á observação e á experiencia em todas as provincias do Império onde o clima e o terreno lhes fossem favoráveis ? As variedades provenientes da cultura e dos esforços ad hoc empregados são algumas vezes um preservativo não pouco valioso contra a de- generação e enfraquecimento da especie. Mas a este recurso que nos foi concedido pela natureza vem reunir-se uma propriedade não menos im- portante é a regeneração do individuo e a re- organisação pliysiologica de seus elementos fun- damentaes cada vez que lhe damos uma nova habitação, uma estação diversa daquella em que até então havia estado e especialmente quando pela maneira de adubar a terra que lhe houver- mos escolhido ministramos-lhe os princípios de que pela própria cultura ou por qualquer outra causa se ia aos poucos despojando. A variedade do local, a selecção da semente, e a nutrição seu tanto artificial empregada pela agronomia moderna não somente aperfeiçoão ou modiíicão o vegetal ao grado do cultor como servem até e sobretudo para livra-lo dos animaes e insectos nocivos que tamanhos e tão nume- rosos damnos hão causado á batata ingleza, ao café, á canna, ao trigo, á vinha, etc. Quasi sem receio de cahir em grande erro aven- turo-me a dizer que em todas as plantas que o homem sujeitou as suas pesquizas e especulações, adaptando-as ao interesse de sua industria, um vicio ha como que latente, prestes sempre a vir a lume, a dominar todo o individuo, a invadir toda a plantação, se combatido não é pelo cruza- rnento continuo ou permuta da planta com outras de differentes e melhores variedades. É um mal enraizado , um caso pathologico inherente ao vegetal cultivado e ao qual bem se póde applicar o que ácerca de uma moléstia que persegue a humanidade disse o fabulista francez : Goutte bien tracassée Est, dit-on, a demi pansée. E preciso que o agricultor não cesse de curar dos meios mais energicos e mais prováveis de combater este inimigo multiforme; esta Hydra de Lerna, que o ha-de constantemente atormentar como um supplicio eterno: observação e ex- periencia, eis a sua divisa; eis também a divisa do naturalista. Cada producto agrícola tem a sua vez na es- cala do mal que a todos elles vai alternadamente perseguindo, ora na forma de plantas crypto- gamicas de differentes especies, ora na de in- sectos cuja variedade é extraordinária. De alguns annos para hoje tem sido victima o café e ultimamente a canna de assucar. O mal desta Gframinea assolou em proporções aterradoras as plantações da Reunião e da Mauricia e alli se ha conservado até o presente. Os agricultores destes paizes empregárão toda quanta energia lhes era dado ter para destruir o flagello; mas em vão o fizerão. Ultimamente até culdárão que da plantação por semente devia-lhes talvez provir o exterminio ou pelo menos a diminuição do mal de que erão victimas ; porém como elucidar esta questão ? A canna é uma planta cujas propriedades fructificativas se tem aniquilado lenta, e progres- sivamente, a bem dizer pelos esforços do pro- prio agricultor. As informações ácerca destas propriedades não podem deixar de ser muito vagas, por isso que ninguém que saibamos lia visto nestes últimos annos semente alguma nos invólucros floraes desta monocotyledonea. Entre as raras noticias que se conhecem sobre as sementes da canna, amais explicita ou antes a menos confusa talvez é a que Tussac expõe na sua « Flora das Antilhas ». « A semente da canna, diz elle, é muito pe- quena, oval, pontuda nas duas extremidades e envolvida por uma corolla persistente ». Tudo o mais quanto se ha colhido sobre este assumpto é vago e tende a fazer crer que a canna perdeu a faculdade de se reproduzir pela semente e é neste sentido que expuz algumas idéas no Jardim das Plantas de Paris quando alli me consultárão sobre tal assumpto. Mas, em consciência, reflicto actualmente, poderemos afíirmar, ex-ahrupto, uma tal sup- posição ? Eu não posso deixar de guardar sobre esta matéria algumas duvidas, se bem é que mais propenso me adie a suppôr bastante infundadas as esperanças dos agricultores da Reunião e da Mauricia. São ponderações estas que devem, como tantas outras, constituirem-se o apanagio do naturalista brasileiro. Que de brilhantes thesouros scientiíicos en- cerrão nossas sombrias e vastíssimas florestas ? Cada tronco, cada ramo e cada flôr, contêm na sua intima organisação, nos seus elementos histologicos, phenomenos de subido valor não sómente para a sciencia dos vegetaes como pro- vavelmente para os dous reinos orgânicos. Um ramo, sobretudo, da botanica: a parte anatomico-physiologica muito lia que ver e que esperar de nossa flóra; mas serão coherentes com a indole deste paiz e com o nosso estado intellectual de hoje os trabalhos de tal ordem? Quero dizer, dar-se-ha espontaneamente aqui o apreço devido ás pesquizas transcendentes das sciencias e comprehender-se-ha geralmente todo o alcance de seus importantes e profícuos descobrimentos ? Este povo tão a braços ainda com as especulações puramente mercantis dos tempos coloniaes, embora cheio de intelligencia e de imaginação, quer vêr em tudo um fira rendoso Em vão forcejo por acredita-10. palpavel, que lhe salte aos olhos, que lhe minis- tre uma certa garantia e que falle directamente ao interesse material. A sciencia é pois forçada a ataviar-se com a roupagem da industria e dos lucros commer- ciaes, para, no meio deste ambiente, disfarçada e illudindo a bem dizer o interesse, proseguir em sua nobre e divina missão. Pôr em pra- tica o que aqui deixo escripto, é servir o paiz, porque é comprehender uma de suas mais altas necessidades. Rapidas investigações sobre as Quinas Brasileiras. Examinando ultimamente alguns documentos sobre a Quina de Groyaz, vi mais uma vez ainda quanta importância o governo portuguez costu- mava irrogar aos productos naturaes do Brasil cada vez que da exploração desses productos lhe despontava ao longe algum vislumbre de pin- gue interesse para o erário publico. Neste ponto, a metropole era sobremaneira avisada e com muita razão podemos boje dizer que se ao espirito atilado e escogitador da espe- culação accrescesse, naquelles homens, o amor e o desenvolvimento das idéas scientificas : esse afan que nos sobrexcita noite e dia ao conten- tamento de nossas mais arrojadas cogitações, fora hoje bem differente o estado deste vasto e übérrimo paiz. Como os demais productos em que se baseia tão solidamente a nossa industria agricola, a Quina Brasileira foi por algum tempo o alvo das vistas dos delegados do reino. Soava então bem de perto aos ouvidos de Portugal o ruido dos prodígios operados por uma planta do Peru; vegetal curiosissimo a que os seus vizinhos da Peninsula chamavão Cascorillo, Qui- na, Quinina, Loxa, China- Chana, Cortezafebrilr Genciana-indica, Antiquarte nario-peruviano, Paio de Calenturas, etc., e a que Linnêo deu o nome de Cinchona em honra á Condessa de Chinchou por cujo intermédio fora introduzido este famoso producto no antigo continente. Ora o nome de quina era já commum no Brasil a muitas especies de plantas medicinaes, não só da familia das Rubiaceas e ate do proprio ge- nero Cinchona, no pensar dos mestres de então, mas também de outras famílias com as quaes or- ganogenicamente a das Rubiaceas não tem a menor affinidade. Entre estas especies, torna-se digna de atten- ção uma Quina de Goyaz de que pouco ou antes nada se tem fallado em nossa matéria medica e que todavia foi por mais de seis annos a mira das attenções e dos desvelos do Capitão Ge- neral de Goyaz. A primeira noticia que se teve desta planta foi transmittida ao reino por este funccionario que seriamente preoccupado com a futura importância de tão util producto, não cessou de chamar sobre elle as vistas do mi- nistro do Reino. Pouco depois, a esforços seus e por ordem do ministério da marinha e ultramar, foi encar- regado o padre José Manoel de Siqueira, um tanto versado em sciencias naturaes, de dar as mais amplas noticias acerca desta planta em que já se presentia um avultado proveito. Ora é justamente o relatorio deste padre que me chama a attenção para o estudo das quinas brasileiras e particularmente para o desta espe- cie que, segundo a própria phrase do gover- nador, tinha sido considerada pelos peritos como quina e quina de boa qualidade. Sua abundam cia, ou melhor a extensão de sua habitação na- tural em Goyaz, a julgar-se pelo terreno em que se a encontra, é bastante notável por compre- hender as serras de S. Jeronymo, Queimado, Eio da Casca, Quilombo, José Alves, Tomba- douro, etc. Sobre a sua classificação botanica, tanto quanto me é possivel julga-la pelo desenho imperfeito e pela descripção mais imperfeita ainda do padre Siqueira, supponho ser realmente a Cinchona lutescens ou Magnifolia de R. et P. como elle proprio a considera e denomina. E ahi temos em uma das provindas do Brasil amplamente representada a quina vermelha, quina rôxa ou Flor de Azahar do Peru como também é denominada esta planta cujo valor pouco inferior é ao das Cinchonas Condaininia e Calissaya, as mais energicas das especies em- pregadas na medicina. Vem á pello fazer observar aqui, antes de ir por diante, que tratando das quinas em geral, isto é, dos vegetaes de princípios febrífugos, anti-septicos, etc., fora mister saber se todos per- tencem exclusivamente ao genero Cincliona como alguns autores fazem-nos inequivocamente presumir. Na própria Quina de Groyaz de que faço agora menção, temos ad rem uma resposta de- cisiva a este ponto duvidoso. Esta especie, a que tenho dado até aqui o nome de Cincliona unicamente por ter julgado de obrigação referir-me ao seu primeiro lugar taxologico, foi excluída, e com ella as outras dez especies brasileiras determinadas por Martins, Saint-Hilaire, Manso, Cazaretto, etc., do genero Cincliona que só veio a ser expurgado dos re- presentantes dúbios taes como estas plantas, de- pois que o Dr. Weddelt publicou a suaexcellente Histoire naturelle des Cinchonêes. Até a época da publicação deste trabalho que é o ultimo até hoje apresentado sobre as Cinchonas, especies houve que fôrão classifica- das duas, tres e quatro vezes! A Cincliona magnifolia) por exemplo, que con- vem tratar agora pelo seu nome actual de Cascarilla magnifolia teve tres classificações! Quanto ás outras nossas especies de que acabo de fazer menção, ellas erão as Bergeniana, Macrocnenia, Cuyabensis, Ferruginea, Remijia- na, Vellosii e Primula que fôrão reconhecidas como verdadeiras especies do genero Remijia; as Lombertiana e Riedeliana como Cascarillas e a Chichona hrasiliensis como Machaonia. Eis ahi, portanto, algumas plantas e sobre- tudo a Cascarilla magnifolia, cujas propriedades são tão estimadas na therapeutica, repellidas agora do genero Cinchona a que certamente não pódem pertencer em virtude de seus cara- cteres botânicos, mas que nem por isso deixarão de ter as mesmas virtudes que se lhes reconhecião d'antes. O que é mais curioso é que um Solanum, uma Gardenia e sobretudo a Strychnos pseudo- quina são quasi tão efficazes como as quinas do Peru contra as febres intermittentes. Sobre a Strychnos pseudo-quina Vanquelinfez uma analyse minuciosa pela qual reconheceu neste vegetal alguns principios que, comquanto não sejão nem a quinina nem a chinconina, pos- suem todavia propriedades tão energicas como as destes alcalis, sem comtudo mostrarem o menor vestigio de hrucina ou dos outros prin- cipios venenosos da noz-vomica, sua congénere. « Se os habitantes do littoral, diz Saint-Hi- laire, e sobretudo os do Rio de Janeiro que fazem uso tão frequente da quinina das phar- macias, quizessem substitui-la pela casca da pseudo-quina, planta commum no interior de seu proprio paiz, elles não obterião resultados menos satisfactorios e se libertarião de um tri- buto oneroso. « Além de que se este remedio fôsse adop- tado na Europa poderia vender-se ahi a preços menos elevados do que a Quina do Peru, e tor- nar-se-liia ao mesmo tempo para o Brasil um novo ramo de commercio, » Comparando esta planta com as outras quinas de Minas, Saint-Hilaire llie attribue muito mais valor do que a estas, não obstante as haver elle collocado no genero Cinchona, de que realmente muito pouco se desvião. Não é pois nosso o genero Cinchona a julgar- se pelos dados conhecidos até hoje; mas em compensação é sabido que as duas provincias onde é provável encontrarem-se alguns de seus representantes, Matto Grosso e Goyaz, não fôrão ainda exploradas senão muito parcialmente e ás pressas. Como as plantas que habitão as regiões mon- tanhosas, as quinas da Cordilheira não têm uma patria mui circumscripta. As aguas das chuvas, as torrentes perennes, os ventos, etc., são meios locomotores que facilmente as vão aclimando pelas paragens circumvizinhas que melhores ele- mentos lhes offerecem a sua natureza e predis- posições organicas. Taes são as regiões occi- dentaes do Brasil relativamente aos Andes, de cuja flora de alguma sorte partilhão em conse- quência destas causas physicas. Mas quando por tal modo nenhuma Cinchona exista emMatto Grosso ou em Goyaz, já fiz ver que em um genero differente—o da Cascarilla, encontra-se a quina vermelha ou Flôr de Azahar, tão estimada na Quinologia medicinal, e que desejando-se dar todo o incremento á cultura da quina no Brasil, conviria mandar explorar as nossas provindas interiores, não tanto com o fim de estudar algumas Cinchonas por ventura alli existentes, como sobretudo para o reconhe- cimento de todas as plantas denominadas quinas, e que como as Cascarillas, as Remijias e as Exostemmas possão conter os princípios pre- ciosos que a therapeutica tanto aprecia nas Cinchonas mais estimadas do Perd. Junho de 1868. Noticia e descripção scientifica de uma arvore de construcção de especie nova pertencente á flora do norte do Im- perio. 0 que lia de vago ainda no conhecimento de nossas madeiras de constmcção é immenso, e muitos annos hão de decorrer ainda antes que a luz neste ponto se nos antolhe. r A simples inspecção destes productos, duas questões notáveis apresentão-se immediatamente ao investigador: a multiplicidade dos nomes dados a uma só madeira; a multiplicidade das madeiras designadas com um só nome. Este paradeiro com que tive de lutar na ul- tima exposição nacional, quando tentei coordenar as differentes amostras alli reunidas, ha de se nos antepor de continuo até que se saiba finalmente que emquanto nos não vierem, com as amostras das madeiras, as dos seus orgãos reproductores, difficil nos será classificadas convenientemente. O Pâo Pombo, madeira de constmcção do norte e do centro do Império, mas totalmente de- sconhecida ainda no mercado, foi representada entre as madeiras da ultima exposição nacional por uma pequena amostra, vinda da província de Sergipe, de envolta com o pouco que nos foidãdi remettido nesta classe de productos naturaes. Excusado é dizer que nenhuma indicação acompanhou esta amostra para facilitar-lhe a classificação botanica. Apresentarão-a nas condições das outras: isto é, separarão-na do tronco e enviarão-na como re- presentante de uma arvore importante e de grande utilidade de que, como lembrança ou dis- tinctivo, só trazia o nome vulgar que lá lhe cos- tumão dar. Em nenhuma publicação das que desde então tenho consultado pude encontrar esclarecimento ou simples menção desta planta. Cabe-me entretanto declarar que se ella é a arvore que debaixo do mesmo nome se encontra nas margens do S. Francisco, como me apro- pinquo a presumir, e especie nova, pertencente á tribu das Anacardiaceas e a um genero que até a época de meus estudos sobre este vegetal jul- gou-se pertencer exclusivamente á índia e a uma parte da África. Este genero é o Oclina. Eis integralmente o que eu disse a este res- peito quando tive de fallar do Pão Pombo das margens do S. Francisco nos Annales des Scien- cies Naturelles, onde dei-lhe o nome de Odina Francoana. « Elle é o primeiro vegetal representante do genero Odina que ha sido mencionado no Brasil e até na America, porque até hoje este genero só foi encontrado na África e na índia. « O Genera Plantarum que Bentham e Hoo- ker publicão actualmente, indicão sómente doze especies de Odinas, tres das quaes pertencem á índia e as outras a regiões africanas. « Verdade é que o Dr. Marchand, que de alguns tempos para hoje se occupa das Anacar- diaceas, suppõe que este genero pertence igual- mente ao império do Brasil, mas nada publicou ainda sobre isto, e o acanhamento de ser o pri- meiro em apresentar este facto torna-se por este motivo ainda maior para mim. « A mesma causa induziu-me a fazer no Her- bario do Museu de Paris o mais escrupuloso es- tudo de algumas Odinas, comparando-as com diversas especies dos generos Mauria, Tapiria, etc. que se lhes approximão, porém que perten- cem geralmente á America tropical. « Com o mesmo cuidado estudei os cara- cteres dados por Endlicher, e mais recente- mente ainda por M. M. Bentham e Hooker para estes differentes generos, e cheguei a concluir que a planta de que me occupava não podia ser senão uma Odina. » Communicando recentemente estas investi- gações ao Sr. conselheiro Freire Allemão, tive o prazer de ver entre os seus trabalhos manu- scriptos do Ceará alguns rascunhos e notas de duas ou tres especies de arvores daquella provin- da as quaes julgo pertencerem ao genero Odina. Não sei se vai algum mal nesta declaração. Se assim é, sirva-me de desculpa o prazer que tive de ver aquelle naturalista todo disposto desde logo a pensar como eu, e tanto mais grato me foi este prazer que até então sua consciência de verdadeiro apostolo da sciencia havia hesi- tado em dar qualquer classificação a estas plan- tas. Quanto á Odina francoana, habita ella ge- ralmente nas paragens que participão ao mesmo tempo da frescura perpetua que emanão das grandes massas d’agua, e da aridez dos campos do sertão do S. Francisco. Nos desertos da margem esquerda deste rio, notei que a mór parte de seus confluentes vai serpeando pelo meio do campo, tendo apenas uma estreita orla de arvoredo em cada uma de suas margens. As plantas da planicie crescem por vezes até uma pequena distancia da torrente, e ora se de- têm bruscamente para ceder lugar aos vegetaes peculiares ás selvas, ora são substituídas por indivíduos intermediários entre estes dous typos de vegetação. E’ a esta classe intermediária que me parece pertencer á Odina francoana. E para que se possa verificar se esta planta é realmente a arvore de construcção usada no norte do Brasil dou aqui a descripção technica de seus caracteres essenciaes. Odina Francoana—netto. O monoica, arbórea; foliis imparipinnatis, foliolis bijugis cum impari, petiolatis, obovatis, integerrimes, basi cuneatis, sub acuminatis, gla- herrimis; floribus parvulis, alhidis in ramis pa- niculoe glomerato-spicatis. Habitat in campis pro- vincioe Minas Geraes, secus ripas amniculorum Abaete et Borrachudo; haud procul a Jiumine Sam Francisco, mense Sepfembri jíorentem legi. Arbor 6 7 metralis, ramis, foliosis, indique glaberrimis. Folia 15 centimetralia, sublaxa, patentia. Foliola integerrima; superne viridia, subtus subrufescentia discolorave, nervulata 1 o centim, longa, 4 /aia; petiolo 1 centim. longo. Flores minimi, albidi, unisexualis. Calix gamo- sepalus quinquelobatus, glaber. Pétala 5 calyce multo longiora, sessilia, patentia, sub-carnosa, obovalia côncava. In floribus masculis stamina 1 0, pelatis breviora, filamentis distinctis glabris, antheris ovoideis. Ovarii rudimentum profunde quinquelobatum. In floribus femineis stamina 10 abortiva, sterilia. Ovarium ovoideum, pubes- centi-lutescens, uniloculare, ovulo reniformi ap- penso. Styli 5, rarissime, 4 brevessimi, glaber- rimi, stigmatibus obtusis. Discus in floribus utriusque sexus prominens, profunde 10 lobatus. (Sp. In Herb. Muz. Bras. et in Herb. Mar- tiano) nom. vulg. Pâo Pombo. Junho de 1868, Investigações sobre a parreira brava das pharmacias (Abutua). A memória que vou aqui desenvolver será o resumo e a conclusão de todas quantas obser- vações hei podido fazer desde o começo de 1867 até hoje sobre a planta denominada Parreira brava na pharmacologia e no commercio. As controvérsias perduráveis que se notão entre os autores sobre este producto me demo- verão do proposito de ir procurar nos livros e nos jornaes especiaes as luzes de que havia mister para aclarear-me sobre esta matéria e, mais ainda, para satisfazer a um pedido do illustrado Sr. Hambmy. Era no emtanto do meu dever elucidar-me; ia-me nisso mais que o dever ; ia-me a grande satisfação, satisfação bem entendida, de procu- rar provar ser toda nossa a melhor qualida- de da planta medicinal em questão; e assim, ligando-me a esta matéria como quem a houvera quasi por atença, dirigi-me desde logo ao minis- tério da agricultura, por cuja solicitude recebi de quasi todas, direi melhor, de todas as provin- das do império innumeras amostras de plantas havidas e usadas debaixo do nome de Parreira brava e de Butua. Diversos particulares vierão igualmente au- xiliar-me neste empenho com alguns contingentes de bastante valia, provando-se-me assim, bem a meu grado, que não desfallece de todo em todo nesta terra o desvelo ou pelo menos o apreço do que é de proficuidade patente, ou seja immediata, ou seja remota. E como pelo computo destes dados supponho ter tirado já todo o proveito que delles carecia, passo a expor o de que me occupei, esforçando- me por desempeçar esta nota das delongas que por ventura a podessem tomar menos clara se não mais fastiosa do que deve de se-lo assim agora. Os generos que fornecem a Butua ou Par- reira brava são o Cocculus e o Cissampelos (1) que habitão toda a vasta zona intertropical do globo, encontrando-se até a seis e a oito gráos além da zona tórrida como succede no Brasil, na África e na índia Oriental. Inter tropicos totius orhis ohvii. Diz o Genera Plantarum de Endlicher indi- cando-lhes laconicamente o solo natal. (1) A Abuta rufes cens de Aublet, conforme St. Hilaire, deve de ser englobada no genero Cocculos de que pouco differe. Alguns autores seguem hoje a opinião deste sabio botânico. Eis, pois, dous generos quasi cosmopolitas, compostos, de numerosas especies, e estas bem variadas, a prover-nos de uma porção consi- derável de productos diversissimos que os mer- cados aceitão e a sciencia reconhece como mais ou menos tonicos, mais ou menos anti-ictericos e febrífugos. O que dalii se pode inferir é o que se dá: uma notável confusão em todas as informações e em todos os specimens que se tem podido co- lher sobre tão profícuo producto therapeutico, não se sabendo ainda hoje ao certo qual o paiz donde tem sido exportada a melhor quantidade, por isso que não se conhece verdadeiramente, ou antes geralmente, qual a especie ou quaes as especies de que costumão extrahi-la. Já o proprio nome desta planta com a sua duplicidade é um tropeço para quem disso se tenha de occupar. Aublet, a quem devemos a primeira noticia scientifica da Abuta (2), para cuja denominação scientifica servio-se do proprio nome indigena, diz assim : Nomen cariboeum abouta aut abuta, lusita- nicum: 'parreira brava. (2) A Abuta rufescens deste botânico habita igual- mente no valle do Amazonas e por isso considero-a como representante da flora brasileira. A mim me parece, entretanto, que o nome de Parreira brava devêra ter sido dado pelos primeiros colonos portuguezes, não a esta planta, mas ao Cissampelos parreira, ou quando muito a algumas especies suas congeneres cuja fades re- corda muito mais afórma e a folhagem da vinha. E como as tres especies de Cissampelos que ultimamente recebi de Santa Catharina, de Minas, do Pio de Janeiro e Pernambuco tinbão por unico appellido vulgar o nome de Parreira brava, propenso me acho a crêr qne realmente assim foi. Mas nem por isso deixa de ser ver- dadeira a asserção que citei ha pouco de Aublet. Em cerca de vinte amostras de Cocculus que recebi, noto que rarissimas são as que não trou- xerão ao lado do nome Butua ou Abutua (por syncope: Abuta) a denominação de Parreira brava; falta pouco significativa e que se poderia attribuir ainda ao descuido de quem m’as enviou. Fica, pois, evidente que o nome de Parreira brava é dado a innumeras especies e, note-se bem, especies ha de dons generos completamente distinctos, cabendo, alem do mais, maior partilha ao genero Cocculus que é maior e mais com- mura aqui. Porém os pharmacologos parecem ter pres- tado pouca ou nenhuma attenção á phrase de Aublet, e ainda menos ao simples facto de não poder o Cissampelos Parreira, que é um sar- mento arbusculoso, fornecer as cascas e as raizes espessas com que as Parreiras bravas são ven- didas no commercio, e que só pódem ser extra- hidas de plantas robustas como o são de facto os Cocculos platypliylla, cinerescens, e outros. Causou-lhes melhor sabor o nome de Parreira brava. Aceitárão-o, sem maior reflexão, adaptá- rão-o de boa fé ao producto que dentre tantos empregados lhes pareceu ser o melhor. De boa fé, digo, porque esta matéria medica (caule e raiz) lhes é remettida sem os orgãos re- productores e respiratórios que, únicos, lhes po- derião facillitar a classificação do vegetal. Faltando-lhes esta comparação immediata com a natureza, fonte limpa e perenne do natura- lista, reproduziu-se o erro de um para outro, deste para aquelle, como sóe acontecer nos co- nhecimentos humanos, todas as vezes que se trata de objectos longínquos, mal conhecidos ou que por qualquer motivo subtrahem-se á obser- vação individual de cada autor. Nysten, Wood & Bache, Yavasseur, Dor- vault, Langgaard e muitos outros partilhárão igualmente a falsa idéa. Soubeiran, distincto e illustrado pharmaceu- tico francez, que veio levantar já uma ponta do véo, como o intermediário entre o erro e a verdade, diz assim no sen Traité de Pharmacie: « Sous le nom de Parreira brava on emploie la racine et quelquefois la tige de plusieurs es- pèces appartenant au genre Cissampelos (Menis- permées); on cite de preference les Cissampelos parreira, guayaquilensis, caapeba, mauritana, microcarpa. Eabuta rufescens de la Guyane} le bois et la racine clun grand nombre de Cocculus et de Menispermum, sont usitês en Amerique et dans Vinde comme ayant des proprietés ana- logues. » Porém, linguagem muito mais positiva é a de Mr, Guibourt, a quem se deve realmente at- tribuir o primeiro grito da celeuma dado em fa- vor do genero Cocculus, especialisando até o Cocculus platyphylla de St. Hilaire. « La racine de Parreira brava, diz elle, est communement attribuêe au Cissampelos parreira, L. qui croit principalement dans les bois mon- tueux des Antilles; mais elle est plutôt produite par le Cocculus platyphylla, St. Hilaire, crois- sant au Brésil, ou par VAbuta rufescens (Endl.), dont la racine, au dire dAublet, est trans- portée en Europe sous le nom de Parreira brava. » A repetição desta asserção no Codex medica- mentarius do governo francez, edição de 1866, foi o que mais despertou a attenção do Sr. Hambiuy, excitando-o a escrever-me reiteradas vezes sobre esta matéria. Declarando pertencer ao genero Cocculus a parreira brava das ph armadas, não determinei qual a especie ou quaes as especies de que é ex- trahido no Brasil este producto. Cabe-me accres- centar agora que entre as amostras de Coccu- lus que me vierão ás mãos e de que me servi nesta memória, julguei reconhecer distincta- mente os C. platyphylla e cinerescens, não ou- sando pronunciar-me sobre os outros specimens, já porque me parecerão não ser mais do que simples variedades destas duas especies, já porque, baldo de typos ou de individuos com- parativos, me receiei de pôr mãos á classificação de representantes de uma familia litigiosa e mal definida ainda hoje pelos botânicos. Os Cissampelos que recebi, a julgados pelas in- formações que os acompanhárão, não merecem a mesma confiança de que gozão as butuas nas moléstias em que estes vegetaes são entre nós empregados. Muito mais importância que os Cissampelos e quasi tanta quanta se dá ás Butuas, tem uma especie de Cissus (Ampelidea) que, com o nome de Parreira brava, me foi enviada das provindas de Pernambuco, Alagôas, Sergipe, Parahyba e Piauhy. As grossas raizes tuberosas desta planta são as partes empregadas na medicina, e da provin- cia do Piauhy me foi até remettida uma porção de amido extraindo dessas tuberas, o qual dizem ter grande applicação na s moléstias a que são aconselhadas as raizes das Butuas. De tudo o que aqui expuz, deve-se inferir que, comquanto sejão numerosas e diíferentes as plantas conhecidas e empregadas debaixo do nome de Parreira brava, todavia só umas duas ou tres especies apenas do genero Cocculus (hem como a Abuta eufescens de Aublet), especies conhecidas igualmente pelo appellido indigena de Abutua ou Butua, pódem ser consideradas como as únicas plantas de que é extrahida a melhor qualidade da Parreira brava das phar- macias; sabemos também que são representantes da flora brasileira estas plantas, e que se tor- nando plena e inequivocamente conhecido este importante facto nos grandes mercados euro- peus, tudo me induz a crer que uma tal medida importaria nada menos que a consolidação, se não a creação, de um novo ramo de industria na- cional e com elle muito proveito para as paragens que servem de natio de tão preciosa producção. DESCRIPÇÃO DA BUTUA. Eis a descripção do Cocculus platyphylla de St. Hilaire, (butua) que parece ser a principal Parreira hrava das pharmacias e que além disto é commum no terrítorio brasileiro. « C.foliis late cordiformihus obsoleta crenatis subtús tomentosis incanis. » Caule lenhoso, sarmentoso, cylindrico, es- triado, glabro na base; ligeiramente achatado, ás vezes anguloso, tomentoso, rubiginoso nas extremidades. Folhas alternas, longas, cordiformes mais ou menos obtusas, ligeiramente crenadas, glabras por cima, tomentosas e esbranquiçadas por baixo, e ornadas de nervuras preminentes e escuras: peciolos com tres a cinco pollegadas de com- primento, achatados, estriados ligeiramente to- mentosos, escuros, insertos cerca de uma linha para dentro do bordo interior da folha. Investigações sobre a cultura e a molestia da canna de assucar. A industria saccharina parece destinada a ser em breve tempo, se já não o é hoje, o principal d’entre os ramos da grande lavoura brasileira. As praticas viciosas que nos fôrão transmittidas não só na cultura desta famosa e util graminea senão também no fabrico dos assucares que delia são extrahidos, aíigurão-se-nos, e creio que com justeza de vistas, como os únicos paradeiros que têm empecilhado seu grande progresso e lu- crosos conseguimentos neste tão vasto e rico, mas tão inexperiente paiz. Provão-no de sobejo os factos registrados ac- tualmente naquellas fazendas em que um bo- cado de instrucção professional, mal acclimado ainda na penumbra dos troncos longevos de nossas florestas, entre timido e esperançoso, vem dirigir o arado que rotêa-nos o solo mal desen- sombrado ainda de suas selvas primitivas. E pena é que não seja mais avultado o nu- mero destes tentamens e que os preceitos, não sei se elles ou antes se a apathia contra a instrucção agricola, empeção a tão grande numero de la- vradores de curar dos conhecimentos especiaes de que tanto estão carecendo seus variados ramos de lavoura. O que tem sido na verdade até hoje a agricul- tura no Brasil ? Uma profissão apparentemente ingrata e mal definida, até para os poucos que lhe consagrão mais assiduamente a existência, sendo para a maior parte dos lavradores uma occupação re- creativa e secundaria antes do que uma industria exigente e afanosa, bem que altamente proficua, como de facto o é. Nós a temos visto marchar ás tontas entre o accaso e o empirismo, trazendo por divisa um triplice aniquilamento : a devastação das mattas, a calcinação do sólo, o enfraqueci- mento das terras. As consequências correspon- dentes a tão illativos princípios não podião nem devião afastar-se do que lhes havião elles pres- cripto : a agricultura deu costas ás grandes vias em que devêra de andar desempedidamente até onde a chamasse a sciencia pratica para perder- se nas verêdas tortuosas da rotina, donde só po- derá desenvencilha-la agora a agronomia mo- derna com todos os seus recursos, com toda a sua assisada experiencia. Os elementos e as circumstancias, os homens e as cousas, tudo pareceu predispor durante os tempos coloniaes este estado de cousas que com muita razão agora lastimamos. A facil acquisição dos braços escravos de um lado, do outro a über- dade , extensão e baixo preço das terras mais ricas; por sobre isto a ignorância e a cobiça dos milhares de especuladores da lavoura: igno- rância sem raciocinio, cobiça sem prevenção; tal é o epilogo da agricultura brasileira até a fundação deste império, senão nos é dado dizer até ha poucos annos ainda, até hoje talvez ! Não ha entretanto nem dispêndios gravosos nem um muito longo tirocinio que fazer para chegar ao alcance das boas praxes, cujos edifi- cantes exemplos nos estão mettendo pelos olhos dentro algumas das colonias productoras de as- sucar. Não nos seria facil seguir-lhes ao menos de longe as pegadas ? Entre nós, até aqui, tem sido tudo o braço, nulla a rnachina, nulla a instrucção professional ; pois bem, façamos o que praticão essas colonias : seja d’ora avante o inverso do que temos seguido até hoje: empenhemo-nos para que na cultura, e na cultura da canna sobretudo, prevaleça a ins- trucção pratica na classe agricola ; é preciso que a rnachina seja-lhe de um ingente e constante auxilio e que o braço, ao contrario, limite-se tão somente ao que delle houver mister aquella para ser apenas dirigida. A instrucção professional para os nossos agri- cultores, insisto em dize-10, é uma necessidade de summa importância que de continuo se lhes antolha e que, baldado esforço fora esquece-la, por mais tempo, sem risco de que lhes venha bater á porta bem cedo talvez a miséria. Occorrem-nos , de levante, estas ponderações; ao pensarmos justamente na coerção que os co- nhecimentos da chimica agricola, pelas mãos de alguns lavradores instruidos, tem sabido impor á moléstia da canna de assucar pesadisslmo fla- gello que tão grande desalento veio incutir na in- dustria saccharina em favor da qual muitissimo já se gastou com vistas de lh’o sanar. Não é que simplesmente da sciencia devamos esperar a destruição total desta moléstia , mas apenas os meios de debella-la ou de estorvar- lhe os passos. O mal da canna de assucar, ou procuremos examina-lo entre os paizes estranhos que se dedicão a esta lavoura, ou acompanhemo-lo pelos nossos cannaviaes , encontramo-lo sempre multiforme ou antes multíplice : ora insecto pa- rasita , ora vegetal cryptogamico quasi imper- ceptível. Desta própria multiplicidade parece dever-se concluir que uma tal moléstia não tem razão de subsistir senão porque lltía faculta a natu- reza viciosa dos vegetaes que ella persegue. E tal deve de ser effectivamente o estado de definhamento de uma variedade por longo tempo submettida ao mesmo regimen de nutrição e de cultura ou a phase de empobrecimento de certos elementos essenciaes á vida da planta em detrimento dos quaes o homem, á força de labor e de paciência , conseguio que , em favor de seus interesses e caprichos, se desen- volvessem outros princípios que lhe são mais agradaveis. A cultura é pois, ipso jacto, um gradus ad morbmn e a primeira phase do es- tado theratologico em que mais cedo ou mais tarde vem a cahir o vegetal. D’ahi para o seu total enfraquecimento de forças época da appari- ção do mal vai apenas um passo: é questão de mais ou menos tempo, conforme os elementos em acção. Para uns escoar-se-hão muitos séculos antes que o agente aniquilador lhes venha bater á porta 5 para outros, como a batata ingleza, por exemplo, um meio século basta para que o mal appareça alentado e devastador. Se a canna de assucar não tem soífrido profun- damente, pelas extorsões da cultura, este desi- quilibrio de seus elementos primitivos, ella apre- senta em resarcimento uma grande hypertrophia, se assim posso dizer, de todos os seus gomos, e conseguintemente uma altura e espessura talvez duplas das que devera de ter quando o homem pela primeira vez encontrou-a virgem no seio fecundo da creação. E não é um caso bem notável de theratologia esse tão grande desenvolvimento ? 0 mal que persegue obstinadamente este vege- tal parece no-lo affirmar. O mais notável e um dos mais temíveis ini- migos que contão os cannaviaes é a lagarta Fura canna (Proceras sacchariphagus) a que nas colonias inglezas derão apropriadamente o nome de horer. E’ a este insecto e collectivamente a todos os mais perseguidores desta util planta quer animaes, quer vegetaes, que se deve a mo- léstia que tão grandes damnos tem causado a canna de assucar. Debellar esta moléstia ou pelo menos reduzi- la ás proporções de um mal méramente fortuito é o desideratum dos lavradores deste profícuo ve- getal. Mas como fazê-lo e de que recursos valer-se para lá chegar ? That is the question. Entre os meios que temos visto serem dis- cutidos pelos lavradores e por todos aquelles que se interessão pela economia rural, uns pa- recem-nos por demais onerosos sobre serem de precaria e incerta garantia, outros indubitavel- mente ineíficazes, defíicientes ou inexequíveis ; nenhum, porém, mais despropositado do que o da supposta enxertia da canna. Esta idéa con- cebida naturalmente pela ignorância arrojada e por ella alentada em face da ignorância timida não póde ser aceita de certo, por quem tiver as mais simples noções de physiologi a vegetal, e ainda mais, por quem souber distinguir uma di- cotyledonea de uma monocotyledonea. A pri- meira é sempre susceptivel de enxerto, a segunda nunca o foi nem o será provavelmente (1). Na- quella o tecido gerador ou cambio encontra-se formando, sem solução de continuidade, um per- feito systema em fórma de tubo entre a casca e a parte lenhosa ; nesta outra o systema tubular em camadas concêntricas, achando-se substituido por feixes lenhosos isolados no meio do paren- chyma, resulta d’ahi que o cambio acha-se igual- mente subdividido e subordinado a cada um desses feixes lenhosos. Ora, para qnem conhece a physiologia do en- xerto e sabe que do cambio depende total- mente este bello phenomeno basta considerar um instante na diíferença que puzemos em relevo aqui para dar a idéa da enxertia da canna o cre- dito que nos merece. Não devemos tão pouco dar valor algum á plantação pela semente , á que também quizerão recorrer. Já tivemos ensejo mais adequado de demons- (1) De Candolle falia nos enxertos nas Dracoenas e nas Yucas, mas ninguém hoje ignora o qne erao esses suppostos enxertos. trar em um outro trabalho que nenhuma ob- servação positiva e de fé nos autorisava á crer na fructiíicação desta graminea que,, como outras plantas da mesma familia, em sendo cultivadas, perdem a faculdade fructificativa. O que convirá fazer então para a coerção do mal, visto que nenhum remedio conhecido pode- lhe ser eíiicazmente anteposto ? No meu entender, afastar-se quanto antes da rotina. Dizendo rotina, digo ignorância, descuido, confiança no acaso, tudo, emfim, quanto se prati- cava e era praxe arraigada na lavoura colonial quando tudo era -incerto, casual e fallivel, menos um grande auxilio de accessibilismo alcance para todos o braço escravo. Estudar maduramente o solo e o vegetal cuja nutrição lhe confiamos, e conseguintemente in- vestigar quaes as relações existentes entre este e aquelle; procurar conhecer e saber empregar os meios auxiliares, quer a um quer a outro, no caso em que no-los exijão; adquirir noções de chimica e de botanica tanto quanto fôr neces- sário para saber apreciar a natureza mineralógica do sólo e a vida e necessidades da planta; tal nos parece dever ser a base das investigações e estudos constantes do lavrador : investigações e estudos um tanto complexos , sem duvida, mas que se tornaráõ tanto mais agradaveis quanto maior £ôr a utilidade de que progres- sivamente tiverem de dar provas. O Sr. Álvaro Reynoso, a quem já devemos ex- cedentes trabalhos sobre a industria saccharina, dirigindo-se á Academia das sciencias (Instituto de França) sobre a utilidade dos estudos agro- nomicos, exprime-se nas seguintes phrases : « Tendo tido occasião de praticar a agri- cultura em grande escala, reconheci que a base essencial de qualquer empreza agrícola e o ponto de partida mais importante de qualquer cultura era um estudo aprofundado das propriedades physicas do solo ». Ora , é justamente no intuito de proporcionar aos agricultores os princípios que os autorisem a seguir o parecer deste habil e illustrado agro- nomo, isto é, a conhecer chimicamente as terras onde devem effectuar suas culturas que me tenho pronunciado um tanto vehementemente pela instrucção da classe agricola. Quanto á rotina, de que de leve tratei aqui, além de outros viciosos costumes que lhe são peculiares, sabemos que lhe pertence o uso de empregar a peior canna que é encontrada no cannavial para servir de semente á plantação seguinte, e isto por espirito de economia conforme ingenuamente no-lo declarão. Nós sabemos, en- tretanto, que para obter-se algum melhoramento nos cannaviaes futuros, convém sempre lançar mão, como semente, da canna mais viçosa e mais sã que se possne 011 que se póde obter, e que la- vradores lia até em alguns paizes productores de assucar para quem não basta uma simples selecção: elles levão esta operação ao maior rigor da escolha, conscios, e com razão, de que um vegetal robusto, regularmente desenvolvido e sem o menor vestígio de moléstia não póde pro- duzir senão individuos que se lhes assemelhem se é que não devão excede-los em aperfeiçoa- mento de producto ; o que succede ordinaria- mente quando esta selecção tem sido preceden- temente aturada e repetida de geração em geração. Emíim, sabe-se também que da compensação pelo estrume de todos os restos da canna, no lugar onde esta fora já plantada, do asseio dado ás novas plantações, do vallamento opportuno dos terrenos encharcados, da réga dos que forem mais seccos e do emprego das machinas mais aperfeiçoadas, depende muitíssimo a pros- peridade da lavoura saccharina e illativamente a diminuição, ia dizer: a desapparição do mal que a flagella. Assim pensa-o e tacitamente prova-o com o seu pequeno, porém normal estabelecimento agrícola, perto de Belém, um dos poucos agro- nomos hoje dedicados, mercê de Deos, ao des- envolvimento pratico de nossa lavoura, o Sr. Dr. Pedro Dias G. Paes Leme, que não só deve ser apresentado como zeloso apostolo das idéas de que apenas dou aqui um rápido esboço, senão também como um firme e hábil executor delias. De accordo com a boa, com a verdadeira escola do progresso e compenetrado de que: 11 ríest pour voir Que Vwíl du maitre. O Sr. Dr. Paes Leme não ha phrases encomiásticas aqui, não se poupa nunca ás canceiras da vida rural, acompanhando de visu , como tive occasião de presenciar todo o movimento de sua fazenda , e dando assim um exemplo digno de ser imitado. Oxalá possão estes tentamens servir de in- centivo e de energico estimulo aos fazendeiros intelligentes de nosso paiz ! Agosto de 1869. Carta dirigida ao Sr. Barão do Bom Retiro sobre a molestia e cultura da Canna de assucar. Vi ha pouco a noticia de que é hoje a sessão do Instituto Fluminense de Agricultura em que deverá ser discutida a questão relativa á cul- tura e moléstia da Canna de assucar. V. Ex.a a quem devo a delicadeza e a subida honra de um convite para assistir a esta tão nobre quanto proveitosa discussão, me ha de des- culpar de não poder achar-me presente, como era de meu intento, não para elucida-la em nenhum sequer de seus pontos, senão desejoso tão somente de haurir, ao contrario, as noções luminosas dos illustrados opinantes que se de- vem ahi achar. Sobresaltando-me, porém, ao mesmo tempo, a apprehensão de que por incivil e até por des- prezador, se me possa julgar, de tão importante assumpto, tomo a liberdade de offerecer a V.Ex.a eao Instituto, de alguma sorte syntheticamente, o que de espaço tenho tido a velleidade de dizer ede escrever a proposito desta questão. A meu vêr em bem pouco se mostrão divergentes as idéas de todos quantos ultimamente, jáno Brasil, já fóra delle, se hão consagrado ao estudo da moléstia da Canna e esse hem pouco é o que precisa de ser eliminado. No sentir de alguns, a escolha na boa qua- lidade do que chamamos vulgarmente semente grande importância tem para o aperfeiçoamento do producto agricola, sendo de insignificante valia a preparação do sólo ; no sentir de outros, ao contrario, a desapparição do mal e o melhora- mento doindividuo devem depender de um a terra virgem e mui rica de ditritos orgânicos, porém pouquíssimo de selecção da semente. Ora, de accôrdo com o que expendi na pequena disser- tação que foi publicada em um dos números do Orgão do Instituto e com o que ainda hoje penso, parece-me que o producto e o sólo, isto é, o in- divíduo e a sua nutrição igual quinhão participão do mal dos nossos cannaviaes e que sendo elles conseguintemente escolhidos, curados e, por assim dizer, preparados um para o outro, certo, dimi- nuir-se-nos-ha o flagello, se é que de todo nos não deva assim abandonar. Na verdade, não bastará ser de boa qualidade a canna preferida para a obtenção de uma cul- tura sã e vigorosa, se baldo de elementos nutri- tivos fôr o sólo que lhe houverem dado ; como também muito não ha que esperar de uma se- mente viciada em terras entre nós denominadas de primeira qualidade. Uma observação, entre- tanto, cabe-me fazer sobre esta segunda propo- sição e é que certamente mui grande influencia deve ter em favor da sanidade da Canna acom- mettida do mal um terreno que possua os quesitos para esse fim necessários; mas não se deduza dalii que por ser muito adubada a terra esco- lhida para o cannavial tenha-se conseguido o desideratum. Que importa, por exemplo, que seja virgem o sólo dessa plantação que seja elle revestido de espessa camada de huinus, se não de matérias organicas, porém de princípios mineraes houver unicamente mister a canna tomada para se- mente? Eis porque, Sr. Barão, eu continuo a insistir em que se prepare a terra de accôrdo com o estado chimico--physiologico da Canna e com as exigências da sua cultura. E obvio que este trabalho, esta quasi reorga- nisação mineralógica do solo tanto menos care- cerão do agronomo quanto melhor e vigorosa for a semente de que elle dispozer. A selecção, por- tanto, desta ultima me parece ser uma medida de não pequena importância para que mais facil e energicamente superemos o mal que nos assola os cannaviaes. Accrescente-se ao que levo dito um plantio re- gular e convenientemente espacejado, uma limpa methodica em todo o cannavial; dê-se-lhe, em- fim, uma especie de hygiene constante (desculpe- se-me a expressão) e ter-se-ha, cuido eu, conside- ravelmente debellado o inimigo deste importan- tíssimo ramo da nossa grande lavoura. Ao terminar esta carta que já demasia-se do que lhe eu quizera dizer, devo accrescentar que muito será para a nossa industria saccharina que as duas especies de industria de que ella hoje se compõe: a cultura da canna e o fabrico do assucar especies nimiamente heterogeneas entre si, desliguem-se da direcção commum de um unico industrial. Continuem a ser duas industrias subordinadas uma á outra; esta dependente daquella e vice- versa: mas tire-se ao lavrador da canna o ex- cesso de trabalho teclmico e de atropellamento que lhe traz o fabrico do assucar, e ao fabricante do assucar as canceiras do amanho da terra, do plantio e da cultura dos cannaviaes ; cousas estas mui estranhas á sua profissão. Ao Instituto Fluminense de Agricultura cabe desenvolver as idéas que lhe occorrerem sobre o de que aqui tenho tido a inconveniência de fallar tão extensamente aY. Ex.a, e não somente o desenvolve-las senão também o transmitti-las em circular e em fórma de instrucção aos nossos lavradores de Canna. Peço mil desculpas aV. Ex.a e pres- suroso me subscrevo, etc., etc. Rio, 6 de Outubro de 1870. Rio de Janeiro, 1871.—Typ. Univ. de Laemmeut, rua dos Inválidos, 61 B, APONTAMENTOS RELATIVOS í BOTABICA APPLÍCADA i BRASIL PKLO AV. 'HJXeiio Rio de Janeiro TYPOGRAPHIA UNIVERSAL DE LAEMMERT 61 b, Paia dos Inválidos, 61 b 1871