ioo Cl97u mz *?m os URUBUS DO HOSPITAL (PAGINAS BA VIDA ACADÊMICA) POR 'fEsiuda/tte do 6M anno. da Faculdade de Medicina do Jiio de Janeiro. '% Rio de, Janeiro , ' Typ. o Litlr. de Moreira, Maximino & C, Quitanda lli •::;_ 1882 g^ WZ 100 C197u 1882 55320300R NLM 052TEM55 fl NATIONAL LIBRARY OF MEDICINE NLM052924558 d ?^.- / IO AIVIII1 1VNOI1VN JNI3I03W JO 11VIII1 1VNOI1VN 3NI3I03W JO IBRARY OF MEDICINE NATIONAL LIBRARY OF MEDICINE NATIONAL LI O A» VII II 1VNOI1VN 3NI3I03W JO A D V II 8 I 1 1VNOI1VN 3NI3IQ3W d O os URUBUS DO HOSPITAL (PAGIXA8 DA VIDA ACADÊMICA) MM MtnUíWl %VMl%\& Estudante do 6.9 anno da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro Typ. o T.ltli, de Moreira, Maximino <& C, Quitanda 111 Ido I ?&U87Z7C t,\ ^ iNAiiüi^L LIBRARY OF MEDICINE WASHINGTON, D. jC. AO LEITOR Este opusculo foi escripto em 6 dias do anno que findou. O autor vio-se assaltado por uma formi- dável gargalhada e quando deu accordo de si tinha escripto as paginas que se seguem. — Occurrencias diversas e que não im- porta mencionar, impediram-no de publicar a sua gargalhada. Só agora, em fins de 1882, é que lhe foi possivel dar aos prelos este sueco soporifero : tanto peior para os prelos se dormirem eternamente. Para comprehender, pois, claramente tudo quanto se diz nas paginas seguintes deve o leitor lembrar-se de que as apre- IV ciações que nellas existem foram feitas em 1881. O autor, occupado em trabalhos que rou- bam muito tempo, publica o seu folheto tal e qual como lhe sahio da penna pela pri- meira vez : vai coin todos os defeitos mas também com todas as virtudes da primeira inspiração. Agosto de 1882. O AUTOR. Os Urubus do Hospital Este livro que vaes ler, leitor, não tem pretenções a uni livro de critica. O autor hesitou e hesitou muito antes que se resolvesse a escrever-lhe o titulo. E' que vai n'elle uma certa dose de iro- nia, quiçá mesmo de malícia que pôde acar- retar ao autor um não pequeno numero de antipathias e de malquerenças, cousas essas que sempre molestam bastante, mesmo a quem pouca consideração liga aos senti- mentos que desperta em outrem. E depois, o autor sente deveras ter de ferir certos pre- conceitos, ter de remecher em systemas de 2 idéas que se acham em um tal/ar niente que faz pena ir a gente incoinmodal-os. Mas, não se lembra o autor quem o disse, quando se tem ou se presume de ter a ver- dade comsigo, deve-se dal-a â publicidade. Demais, e fique bem assentado este ponto, este livro não pretende olfender ninguém. E' um symptoma, na mais rigorosa ac- cepção da palavra. A razão que o motivou, eil-a : — Em horas vagas, quando a imagi- nação passeia pelos já gastos campos da phantasia, quando o cérebro descança de lides mais sérias, embalado na rede das idéalisações, a sonhar projectos de futura grandeza e de próxima felicidade, n'uma espécie de somnolencia tranquilla, vem as vezes um mosquito, importuno como um official de justiça, picar-nos a ponta aver- melhada do nariz. Furiosos com essa impertinencia, man- damos ao diabo o mosquito que nos vem arrancar desapiedadamente a nossos sonhos, e accende-se-nos no peito uma braza de rancor que, em forma de imprecação so- 3 nora, enviamos ao sapientissimo creador dos—mosquitos. A tal braza as vezes apaga-se logo; outras, transforma-se em labareda. E' então que vem á gente uma vontade- sinha cruel de espetar um alíinete na pelle avelludada ou encarquilhada do próximo para nos vingarmos da picada do mos- quito. Vamos pé ante pé, armados com esse dardosinho innocente e . . . zás ! íinca aqui, espeta alli e toca a rir por ver que o pró- ximo se desengonça todo, coça-se d^iqui, esfrega-se d'acolá, chupa uma gottasinha de sangue, vermelha como um rubi, que veio borbulhar na ponta do pai de todos e, afinal, cançados de rir, deixamos cair o instrumento da vingança e fazemos ao pró- ximo—uma careta. Ao que elle nos retruca de prompto : — Como! pois eras tu f logo vi que isso não passava de ti. Vamos tomar um cálice de cognac ? E o próximo, o bom do Sr. próximo não só não se zanga, como até nos offerece um cálice de cognac e, se fôr fidalgo, presente- 4 ar-nos-ha com um Regalia de Ia Reina, de Ia mejor caalidad. Demais a mais, isso de ir a gente tratar tudo e todos com um ar de grave compos- tura, como um padre a dizer missa, é além de hypocrisia quasi sempre, symptoma de hy- pochondria caturra; denota que se soffre do fígado ou que se tem picadas no baço. O mundo vai tão sorumbatico e sorna pelos tempos que correm,, tudo está tão ve- lho e tão esfarrapado já, que ficariamos todos a chorar, quaes outros Jeremias, si não fossem, ainda assim, as boas súcias que sem querer nos fornece o bom de nosso vi- zinho, que pela adiposidade não perca, com a sua sobrecasaca abotoada a Thiers, seu bigode retorcido a Napoleão líl e uns ares de grão-senhor que lhe vão mesmo a calhar. Si não fosse elle, o vizinho, ai de nós !.. teríamos de ir para a rua do Ouvidor, ahi pela volta das 2 horas da tarde, vêr des- filar a civilisação mais lorpa, mais pamonha, mais anêmica, mais ignorante e mais enfa- tuada que se conhece. Rua do Ouvidor ! ... Que poema n'essas três palavras ! não ha 5 menina solteira e gaiteira, não ha moço bo- nito e enluvado, não ha velha tola e bolo- renta que não tragam essas três palavras gravadas em lettras d'oiro no engaste das aspirações, (1) Alli, n'aquelle fervei otiuui, é que se vivo; alli é que se pensa ; é alli que se mos- tram os talentos nas vitrines do Sr. Ber- nardo da Cunha ou nas portas da confei- taria Castellües. Mas . . . francamente, sensato leitor, a- quillo alli é simplesmente ensosso como um coco da Bahia, é cynico como unia locomo- tiva— de papelão. E' mais divertido rir-se a gente bem, em seu quarto, entre quatro paredes caiadas de branco, diante de um busto de Molière ou de uma caricatura de Gavarni, com os pés mcttidos em um bom par de chinellas, en- volvido n'um soffrivel rob-de-chambre, com uma perna em cima da mesa e outra em cima de um gato felpudo, accendendo um charuto nas paginas de um romance de Ter- (\) Si é que as taes velhas bolorenta» podem ter seriamente aspirações. 6 mil e folheando uma these inaugural, do que ir para a rua do Ouvidor, ao piuo do sol, com uni callo a arder, uma colicasinha^ a moer, um defluxo no período de distillação, só com o fim de ver e de ser visto, para gozar da farta efferrescencia de missa cinlimicão ! Deixemos que a rua do Ouvidor se encha e se esvasie diariamente como um enorme canal digestivo, deixemos que os velhos, de óculos azues e de bengalas encastoadas d'oiro, decidam dos graves problema-, dos negócios da pátria, entre um espirvo e um cochillo, e vamos nós dons a rir por esse mundo em fora, como dous estudantes de- pois da sabbatina, a quem Deus tenha em sua santa paz. Amem ! # # * Conheces tu, leitor, uma boa gente, boa gente mesmo, a quem as más línguas cha- mam os—Urubus do Hospital—sem duvida por uma d'essas malicias que tornam sal- gadas certas comédias de Molière í Não conheces ? Pois é pena. 7 Vale bem a pena conhecel-os, a esses Urubus. Havias de rir-te com aquelle bom riso rabelaisiano, franco, bonacheirão, ou sol- tarias uma d'aquellas gargalhadas cheias, sonoras do bom Falstaff; havias de rir-te, digo-te, ó leitor, ao veres aquelle batalhão de aves de rapina, com os bicos melancho licamente recurvados, com as pennas negras como carvão, tendo no olhar uma certa dose d'aquella abstracção allemã que faz de Werthcr um pulha e do Snr. de Bi.smarck um cão doente, produzida essa abstracção pela tensão das faculdades especulativas (como se diz em estyio moderno) as questões de alta transcendência medico-oirurgica ; levantando ora unia, ora outra garra como quem procura apanhar no ar uma idéa que foge ou unia mosca que avoeja. Vai vel-os, leitor, vai ve!-<>s, São uns pobres carnívoros, carnívoros?.... não ! onmivoros, tristes mas amáveis, d'essa amabilídade friorenta produzida pela fixidez do espirito á uma preoecupação única, in- vencível. Vai, mas cuidado ! ruão te tomem elles 8 por alguma carniça e não te prendam com os bicos. Seriam capazes de transformar-te. Viravam-te de dentro para fora e de fora para dentro, examinavam-te os olhos, os cabellos, as orelhas, os pés, as unhas e outras cousas mais. Transformavam o teu corpo de um modo tal que tu, são como um pêro e gordo como um abbade, Já não serias homem não, mas simplesmente um manual vivo de pathologia ; um manual completo, revisto, correcto, e acompanhado de figuras no texto. Achariam em teu corpo todos os signaes de todas as moléstias e, emquanto tu te desses ao trabalho de persuadil-os de que nada sentias a não ser alguma fome, porque naturalmente estarias ainda em jejum, ver- te-hias examinado dos pés á cabeça, quasi suftbcado pelo bom numero de orelhas que se haviam de encostar ao teu vasto thorax; e si, por infelicidade tua, tivesses algum aneurisma da aorta era bem possível que esse teu aneurisma se rompesse pela quanti- í. dade prodigiosa de soccos que te dariam elles dizendo-te que te percutiam e que reco- nheciam a existência de um som obscuro, de um som metálico, de um ruído de bronze, etc. E quando pensasses em te safares man- dando ao diabo semelhantes maníacos, vinham correndo atraz de ti quatro ou cinco urubúsitos com uns coposinhos nas mãos, e descarregavam-te, em pleno peito, esta ordem formidável, sinistra, petulante : — Faz-nos o obséquio de urinar aqui ?... E apresentavam-te os copos com uma seriedade fúnebre !!... Tu, attonito, embaraçado, envergonhado mesmo, fugirias com quanta força tivesses, mas isso não impediria de ouvires esta sentença sybillina : Este indivíduo não urina. Signal evidente de anuria. Symptoma terrível. A vida d'elle está por um fio. Dentro de 2-1 horas está morto ! Si tu não fugisses, si tivesses a pachorra de acceder ao pedido, se fosses bastante amável para urinar nos copos dYlles, verias a tua urina passar por uma série de analyses 10 e, afinal, vinham dizer-te que soffrias de chyluria, de albuminuria, de glycosuria, de heinaturia e de quantas mais urias lhes vies- sem á imaginação. Entretanto, leitor sensato e carrancudo, convence-te dVsta verdade : — Si ellcs te assaltassem como os urubus assaltam á carniça, si te examinassem nas partes mais recônditas de teu corpo, si te crivassem de perguntas inconvenientes como uma velha intrusa -seria isso devido ao amor, á paixão idolatra, ao culto cego que a arte de llíppocrates accende-lhes nos seios juvenis. Fariam isso—por amor á sciencia ! E' o amor á sciencia que os faz sorumba- ticos e melancholicos. E' o amor á sciencia que os torna tristes e macambuzios. Vès aquellas cabeçasinhas loiras, com os cabellos a luzirem como fios de ouro soltos ao vento ? 11 Pensas, talvez, que lá dentro, n'aquelles craneos novos ferve o ouro das illusões e das alegrias dos 20 annos em borbotões de loucas phantasias e de doidos devaneios, não é assim ? Pois enganas-te ; estás redondamente en- ganado. O que ha no interior d'aquelles bellos cra- neos, o que alli dentro reina é uma atmos- phera baça, pesada, com um cheiro de mofo de cousas velhas, povoada pelas bac- teridias de umas idéas tristes e contagiosas como o suicídio! N1aquelles olhos que te fitam com fixidez felina, não notas o que quer que é de so- turno e lugubre ? N'esses olhos que deveriam ter a esper- teza do azougue, a vivacidade da andori- nha, em que deveria de transparecer a fres- cura da alma em flor, despreoecupada, solta, livre como o colibri, n'esses olhos transpa- recem apenas unia soninolencia, um emba- ciamento devidos aos longos e fastidiosos pensares. São olhos de moços a quem a doida bor- boleta dos 20 annos nem sequer roçou de 12 leve, com as azas matizadas, as frontes pal- lidas e enrugadas. São moços, esses, que desconhecem as largas expansões da alma, os risos frescos, o espirito alegre e zombeteiro do mais bello período da existência inteira. São moços para quem o mundo, as aspi- rações, as alegrias, os pensamentos cifram- se em três cousas: —o bisturi, o cigarro e o espectaeulo na Phenix.— Vá lá alguém fallar-lhes de poesia, de pintura, de esculptura, de musica, de política mesmo (! !), das artes liberaes, emfim das flores do espirito, das fontes do bello e verá como se lhes erriçam os cabellos ou como se lhes abrem as bocas n'um ar apalermado e trolha ! O bisturi, o cigarro e a Phenix—tal é o domínio d'elles no território da sciencia, da industria e da arte. O bisturi representa—não concordas?— importantíssimo papel na civilisação geral, no progresso das idéas e no caracter dos povos. O bisturi é a synthese grandiosa de tudo quanto de bom e de bello têm creado as instituições e os gênios. O bisturi é a 13 concatenação brilhante de todas as theorias arrojadas d'este século, de todos os esforços modernos para a realisação de um grande fim moral e social. O bisturi, por si só, é o isthmo que liga ás gerações passadas a geração presente; é a pagina fulgurante em que se têm es- cripto os grandes cominettimentos, as colos- saes descobertas do século XIX. E o cigarro ¥ Ah, o cigarro foi a mais prodigiosa inven- ção que cérebro industrioso algum dia ima- ginou. O cigarro tende a tornar-se a única industria do mundo, a única tarefa manual dos operários, a única preoccupação mental dos Adam Smith, dos J. B. Say, dos Leroy Beaulicu do futuro. A industria cigarreira tende a alargar a esphera da riqueza ; marcha para a resolu- ção d'esse grave problema da economia politica que tem dado tanto que fazer aos supra-ditos senhores: a repartição da ri- queza, a divisão do trabalho, o paraíso terrestre em summa. E' a industria do futuro. O cigarro é o inspirador, é a musa mo- 14 derna que, despindo o manto sob que "nasceram Shakespeare, Dante, Klopstock, Victor Hugo. Uyron etc, vem envolver-se nas nevoas acinzentadas do sarro a inspirar vates sublimes como o Sr. Anselmo Paredes ou o Sr. José dos Mercadores, por exemplo. E a Phenix ? A Phenix, o tabernaculo sagrado da arte onde se queima o incenso do entlmsiasmo popular, onde os — bravos o Vasques ! — quebra, quebra, Villiot — cruzam-se no ar mais entliusiasticamente do que os cantos guerreiros da edade media, mais maviosa- mente as vezes do que as canções dos trovadores, a Phenix é—o thermometro por onde o estrangeiro illustrado pôde e deve ajuizar do nosso gosto em matéria de arte. Quem haveria de dizer que o espirito de Aristophanes, o de Sophocles, o de Cal- deron, o de Shakespeare, o de Molière, o de Racine, o-de Beaumarchais, ode Schiller, o de Vigny, o de Ooethe, isto é, a comedia antiga e moderna, o drama e a tragédia, tudo o que de sublime tem creado o gênio humano, havia de ir refugiar-se n'aquelle Pantheon da rua da Ajuda 15 A Phenix, por si só vale mil Parthenons e o nosso povo, a nossa mocidade principal- mente, educada ao som voluptuoso das com- posições de Planquette, de Offenbach ; ouvindo os primores litterarios que se ostentam na Phenix enroupados nas ves- tes brilhantes ideadas pelo Sr. Lisboa, deve forçosamente estar a par dos progressos da arte musical e da arte dramática, deve de conhecer a tendência d'essas duas artes, o papel que lhes cabe na civilisaçáo e, sobre- tudo, na moralisaçáo das classes sociaes...... Mas o que tens, leitor sceptico, que riso irônico é esse que te crispa os lábios e te fax parecer a Mieris, o patusco, pintor de gê- nero t Duvidas do que te digo ? Suppões que avanço paradoxos ? que sustento theorias ocas, sem senso nem profundidade? Ah, meu bom amigo, estuda o paiz, pega no teu bisturi de critico e dissecca as carnes maci- lentas e infiltradas d'esse gigante que se estende do Amazonas ao Prata. Toma o microscópio, colloca na objectiva a cellula nervosa d'esse organismo e diz-me si essa cellula se parece com a que nos 16 descrevem Kolliker, Frey, Virchow, Robin e tutti quanti têm se divertido em procurar conhecer as nossas pequenissimas perfei- ções. Has de ver que essa cellula que deveria ser estrellada, ter um núcleo central etc. e etc. é simplesmente—uma bolota de gordura ! Si não tens paciência para tanto, vai então á Phenix quando se representar o Ali-Babá, por exemplo; vai depois a um theatro onde se represente um bom drama de Victorien Sardou, de Emile Augier, de Alexandre Dumas filho mesmo, e diz-me em qual d'esses theatros havia gente ? Emquanto ao Ali-Babá concorreria o Rio de Janeiro quasi em peso, ao drama de Sardou só estariam presentes umas 40 a 50 pessoas !!.... Mas bem vês que a penna se vai es- corregando pelos campos da critica a fora e n'esse terreno é bem possivel que ella quebre o bico á primeira pedrinha que en- contre no caminho. Restrinjamo-nos, pois. Fallava-te da mocidade ; dizia-te que ha uma tripode em que ella assenta o edifício 17 de suas aspirações e que os ângulos d'esse triângulo symbolico são representados pelo bisturi, pelo cigarro e pelo espectaculo na Phenix. Duvidas ? N'esse caso dirige-te ao largo da Miseri- córdia. Ha ahi um edifício de um estylo mais que rococó. Has de ver muitos lettreiros, mas não te assustes ! não se vende peixe, alli, nem fru- ctas verdes. Ensina-se a medicina, isto é, occupam-se alli com os effeitos do peixe frito e das fructas verdes; bem como da genealogia do badejo e da morphologia do araçá. Logo que chegares a esse tal edificic mascarado de lettreiros, verás muita gente reunida em meio de um sussurro rouco como o de um enxame de bezouros. E' a essa gente que chamam—mocidade—e a quem se junta, irrisoriamente já se vê, o qualifi- cativo—esperançosa— sem duvida porque espera-se que d'alli saiam novos comediantes ou simples comparsas para o samba gover- namental. Essa mocidade que tu deves encontrar 18 ahi é apparentemente semelhante a todas as mocidades que tem representado papel re- generador na vida dos povos ; é superficial- mente igual a mocidade que produzio b!>, ou que fez desabar em Roma o poder de Cezar. Essa mocidade tem buço — único ponto de contacto com as outras passadas. N'ella se suppoem existir todos os elevados senti- mentos de- patriotismo, todas as sãs idéas politicas, todos os desejos nobres que devem fazer caminhar para frente essa machina de engrenagens enferrujadas que se chama— pátria. Agora que sabes teres de tratar com esse elemento poderoso, approxima-te e tira o teu chapéo, tu, o representante do passado (supponho-te um velho) aos representantes do futuro e começa : — Illustrissima Senhora Mocidade ! Aqui onde V. Ex. me vê, sou um pobre velho cujas articulações se ankylosaram no mover continuo d'essa machina chamada funccio- nalismo publico. Tenho a vista singular- mente diminuída á força de querer vér nos projectos, nos avisos, nos decretos alguma 19 particula d'essa coisinha subtilissima que V. Ex. de certo, possue aos litros— o amor da pátria; tenho os ouvidos surdos não só pelas incrustações caleareas próprias á mi- nha edade, senão também devido aos dis- cursos bombásticos que ouvi dos lábios pa- trióticos dos senhores deputados. Bem está vendo V. Ex. que tenho os hombros encur- vados, mas isso, sabe V. Ex. não? mas isso de viver um homem todos os dias a curvar a espinha dorsal diante de Deus e do diabo, causa afinal d'estas bellezas, pois que, como V. Ex. não ignora, nas artes plásticas e a fortiori no homem a linha curva é mais bella do que a linha recta. Pois bem, Exma. Sra. Mocidade, estou velho, gasto, corroído até a medulla dos ossos e sem um vintém na algibeira. Tenho mulher e tenho filhos, o que quer dizer que tenho deveres sérios a cumprir para com essa -senhora e esses senhores. Bem pôde ser que eu morra hoje de uma congestão cerebral ou que venha a morrer amanhã—de fome. Desejo, porém, antes de deixar para sempre este mundo de delicias saber de V. Ex. quaes os projectos que V. 20 Ex idealisa, de que meios conta V. Ex. lançar mão para o engrandecimento deste paiz ?. . Cala-se a turba. Ouves apenas um res- pirar oppresso, vês uns olhares torcidos. como de quem ouve ler um trecho grego ou uma encyclica papal. Tu, amedrontado por esse silencio fúne- bre que te parece assemelhar-se ao silencio que precede o desencadeiamento das gran- des tempestades, retrucas de prompto : — Bem sei, Excellentissima, que V. Ex. tem idéas assentadas, tem projectos deli- neados, tem nobres intenções, tendente tudo isso a salvar a pátria do abysmo para onde ella caminha, si formos a dar credito ao que dizem os seus pães d'ella. Mas, Exma. Sra., assim como se me foi a saúde foi-se-me também a fé. E isso de fé, hoje, é uma burla. Quando tinha 20 annos duvidei de Deus ; aos 30 descri dos homens; aos 40 duvidei de mim mesmo. Hoje estou velho e descrente como um odre vazio. E' por isso que desejo saber si posso ao menos crer em V. Ex., Sra. Mo- 21 cidade. E' bom morrer-se com uma crença qualquer ainda que não seja senão com a da fidelidade da mulher. Si não vos for incommodo rogo a V. Ex. o obséquio de me informar do modo porque entendeis que a pátria pode avançar no ca- minho do progresso, quaes os meios que vós —a mocidade— tendes em gestação n'esses cérebros enthusiastas para firmar um nome ao paiz que vos vio nascer, para dar lhe a industria que morre de inanição, a arte que fallece do mal de sete dias, a sciencia que vegeta na sombra dos gabinetes particulares, para fazer d'este paiz uma nação civilisada, rica de vida e de san- gue? — O bisturi — grita um moço de 18 an- nos. — O ammoniaco — berra outro de 23. — O purgativo Lerroy— brame terceiro de 28. — O vinho quinado, o óleo de ricino, os banhos de mar, as duchas geladas — voci- feram mil vozes. E todos, a porfia, aconselham ao paiz o uso quotidiano dos xaropes, das pílulas an- 22 tihelminticas, dos vesicatorios ánuca, da sal- saparilha e do arroz cosido com camarão. Bem ves, amabilissiino leitor, que não podem ser mais acertados os meios que—a mocidade — alli, indica para curar os males chronicos da pátria. Desafio-te a que me proves não ficar o paiz inteiramente livre da tal progressoma- nia que tem atacado as outras nações, desde que se submetia ao regimen rigoroso e pro- longado de uma therapeutica ao mesmo tempo tônica e evacuante. E ahi tens, leitor, um tanto humoristi- camente desenhadas, as figuras dos — Uru- bus do Hospital. Agora peço-te venia, leitor, para deixar a conversação directa que tenho entretido comtigo até aqui e para tomar uns ares mais sizudos — si fôr possivel isso. * # # O meu fornecedor de carne secca e de feijão disse me uma vez, fallando-lhe eu dos preços elevados d'esses gêneros : 23 — Anda-se com os tempos. As épocas não são eguaes. Si esse homem não é um sábio, é com certeza um homem eminentemente pratico. E' um toicinheiro embrulhado em pelle de philosopho. Assim como é nas ostras que se escon- dem as pérolas, assim também é na gente ignorante que reside a verdadeira, a ge- nuína, a sã philosophia. De que nos servem praticamente, na vida burgueza, as espe- culações da philosophia allemá, vaporosas como uma menina anêmica e ocas como uma barriga vazia ? Para que prestam as theorias mais ou menos incomprehensiveis e sempre meta- physicas de Kant, de Spinoza, de Leibnitz ? O que querem dizer essas sentenças dog- máticas de um philosophismo sesquipedal que enchem os livros em nossas estantes de eruditos ? Na vida pratica, na lide insana de todos os dias, na preoccupação constante do bur- guez que tem de sustentar mulher e filhos —o aphorismo de meu fornecedor de batatas 24 inglezas tem mil vezes mais valor, é trinta milhões de vezes mais sensato. N'aquellas duas phrases, curtas como um espirro, profundas como o mar, encerra-se toda a historia da humanidade para a qual não bastaram, entretanto, os 17 volumes da obra de Laurent. Aquelle homem foi ta- lhado para ser presidente dos Estados-Uni- dos, e foi por um escarneo da sorte que elle veio ser aqui vendedor de cebollas em vez de ir servir de alvo ao rewolver do mente- capto Sr. Guiteau. Estas expansões são necessárias para o que se tem dito e para o que se vai dizer d'esta verídica historia (como se usa dizer hoje de todas as mentiras que se escre- vem.) (l) * # # De um taverneiro philosopho á uma mo- cidade velha o salto é pequeno. Formemos o pulo... zás ! cá estamos. Tanta gente tem dito que a mocidade é a (1) Note-se, no emtanto, que esta historia é mesmo verídica: ao menos no fundo. 25 estação das flores, a primavera da vida, a aurora da existência, a estação das prom- ptas ligações e das fáceis cicatrizações como diz V. Hugo, que, afinal, cheguei a acre- ditar que isso era verdade. E foi n'essa persuasão que, ainda criança, esperava afflicto, ver chegar a estação tão gabada pelos poetas; e, emquanto tal não se dava, ia eu puxando uns hypotheticos fios de um problemático bigode, espiando pelas janellas do railway da vida si a estação estava próxima. Quando dei accordo de mim era moço. Tinha 18 annos e via-me nomeio de moços. — Agora sim, disse eu aos botões do meu collete, agora é que vocês vão ver como se pinta o Simáo e como se fazem brotar flores na alma e se accende uma fo- gueira no cérebro. Vamos lá, rapaziada, toca a folgar e a rir. Estamos na estação das flores. O comboio em que viemos parou; saltemos todos de pressa, si não lá vamos arrastados na carreira vertiginosa e temos de entrar a correr no túnel da morte, sem gozar d'este jardim delicioso cujas flores murcham n'uma manhan. 2G E saltava, e pulava, e ria, e ia arru- mando para um tanto da estação a pequena bagagem de minhas illusoes, a espera que alguém a conduzisse para a villa da Phan- tasia que ficava a um bom quarto de légua. Mas. ai! roubaram-me a bagagem e por infelicidade cheguei ao hotel moido de can- saço, roido pela fome, pois, tinham-me dado a montar um sendeiro magro como um arenque e empacador como a burra de Ba- laáo. No dia seguinte ao acordar, achei-me não na aldeiasinha gentil e perfumosa da Poesia, mas no valle sombrio e humido da Prosa. . . E assim, d'um dia para outro, desfolharam-se-me pelo caminho as taes flores da mocidade e as pétalas voaram, levadas pelo vento do scepticismo. Tinha eu 18 annos quando, armado com os documentos das minhas habilitações em onze preparatórios, ancho como um calouro antes das vaias, enfrentei com o Illm. Sr. Dr. Carlos Ferreira de Souza Fernandes, 27 digno secretario da Faculdade de Medicina do 1 íio de Janeiro e, com o ar triuniphador de César ao voltar das Galhas, passei o Rubicon —isto é, de bicho tornei me calouro; graças á amabilídade d'aquelle doutor que mandou se inscrevesse o meu nome no livro dos acadêmicos. Na vida de bicho é esse o dia de maior alegria. Deixa-se a casca com a mesma satis- fação com que se larga uma chinella velha. Pois si é tão bom saber-se a gente aca- dêmico ! si é tão agradável pizar a rua do Ouvidor, ao voltar da Academia (e que suave que e então esta palavra !. .) ; olhar para as moças que vão mostrar-se no ar- marinho do Snr. Godinho ; suppor-se olhado por todas ellas e por todos eíles, ellas por amor e elles por inveja!.... Quer-se então dar uni panno de amostra; quer-se ser espirituoso a força, custe o que custar e dê no que der. Dependura-se a gente nos estribos dos bonds ; soltam-se berros pela rua da Misericórdia ou pelo becco do Cotovello a fora; e, quasi sempre, em vez de espirito de 90? corre-nos da boca—água choca! Mas toda esta alegria 28 dura só o espaço que vai da inscripção de matricula até a abertura das aulas. Uns 15 dias no máximo. E' então, quando se abrem as aulas, que principia para o calouro o martyrio. Assim que entra pela primeira porta cae-lhe logo em cima uma chusina de veteranos mãos, perversos, sanguinários como um batalhão de pantheras. O pobre do calouro vê-se zonzo. Dão lhe um doutorrr tão irônico, tão trinado, tão arrastado que o calouro, n'esse momento,—daria um reino por ser veterano. E ainda bom é quando só n'isto ficam as brincadeiras. Ha calouros sympathisados e calouros— bodes-expiatorios. Para estes últimos é que são duras as provanças. O tributo peza-lhes como cem arrateis de chumbo. No olhar do calouro-bode ha o quer que é de sinistro , scintillam-lhe as pupillas no fundo das orbitas desprendendo uns reflexos fulvos, como olhos esbrazeados de tigres, e dando á physionomia uns tons espantados e tímidos e ferozes ao mesmo tempo. Na idéa do calouro-bode só impera o 29 medo ; vaga-lhe na mente atemorisada um receio, um constrangimento que abafam. Parece-lhe que tudo se ri d'elle ; que todos o escarnecem ; que no ar que lhe ventila os pulmões esvoaçam gnoinos feios, hirtos, ferozes. Para o calouro-bode ha só um sentimento—o terror ; ha só um lenitivo—o 2? anuo que lhe acena ao longe. O calouro-bode, ao entrar na escola, é logo assaltado por uma avalanche de vete- ranos que viram-lhe o frack novo ao avesso, filam-lhe os cigarros comprados cinco mi- nutos antes, dão-lhe cascudos, obrigam-no a lêr a Gazeta de Noticias linha por linha; fazem-no cantar—Qu' é dVlPas chaves—; mandam-o á venda da esquina comprar dous vinténs de manteiga. As vezes são mais cruéis ainda. Recordo-me, era eu terceiro annista n'esse tempo, de uma celebre caçoada que então fizeram os meus collegas e na qual—penitet me também e\\ parva pars fui. A cousa passou-se assim : Fechámos as janellas do antigo saguão de entrada que, já de si, era escuro ; collo- cámos um banco atravessado á entrada, no 3 30 escuro, e, emquanto dous foram para a única porta de entrada a dar signal da approximação dos calouros, todos nós nos reunimos em roda d'esse banco para apreciar a pândega. Apenas apontava um calouro, no principio do largo da Misericórdia, era saudado com um : — Lá vem um ! — grosso e fúnebre como um dobre de finados. Bastava esse simples grito para que o pobre calouro-bode ficasse logo tropego, in- deciso como quem soffre de ataxia locomo- tora. Havia dous alvitres a tomar: voltar para o Jogar d'onde tinha vindo ou aífrontar o espectro de Banquo que se lhe erguia pela frente. Si voltasse dava parte de fraco, seria covarde, e o calouro-bode tem fumaças de valente ; si continuasse a avançar cairia nas mãos desses godos de nova espécie, seria infallivelmente victima dos repellões, dos assovios e das vaias. A coragem do calouro-bode ante essa perspectiva negra, caia-lhe aos pés, derre- tida como um sorvete exposto ao sol. 31 Mas o calouro-bode quer passar por va- lente. . . Investia. Apenas entrava, sorprendia-o a escuri- dão profunda, como um ponto de interroga- ção posto no infinito da duvida. O calouro vacillava ante a cilada, sentia o coração parar no peito e um suor frio re- gava-lhe a fronte empalledecida. Mas, já agora, não havia recuar. Nos, lá dentro, conservávamos o mais absoluto silencio e apenas, aqui e acolá, accendia-se de vez em quando a braza de ura charuto ou de um cigarro como si na escuridão d'aquella matta (permitta-se-me a comparação) esbrazeassem olhos de feras bravias. O calouro avançava um, dous passos e, zás ! eil-o estendido no chão, mais morto do que vivo e pedindo a Deus miseri- córdia. Então nós caiamos-lhe em cima e eram zumbaias, gritos agudos, gritos roucos, um barulho infernal, uma orchestração descom- passada, desharinonica, ensurdecedora. O pobre do calouro-bode levantava-se 32 como podia e lá ia aos empurrões, các aqui, levanta alli, até que, afinal, deixavamol o ir. Para o calouro-bode aquellas palavras pretas — Faculdade de Medicina — que se es- carranchavam por sobre a porta da escola eqüivaliam a estas outras Lasciate ogni speranza.. . O calouro-bode expiava alli, n'aquelle purgatório, o crime de querer ser acadê- mico. SofFria, soífria muito. . . Mas cá fora, no grande mundo, o calouro transformava-se. Já não era o mesmo rapazinho murcho e triste da escola, já não lhe soavam aos ou- vidos aquelles assovios estridulos como o silvo da cobra. Era outro; era o senhor doutor, era o primeiro annista. Ia ás soirées, aos bailes, aos theatros e ficava todo inchado quando ouvia o seu alfaiate dizer-lhe, n'um corredor de theatro : — Boa noite, senhor doutor; então tem gostado da academia ? O calouro ao ouvir o — senhor doutor — empertigava-se todo, cofiava o bigode nas- 33 cente e respondia com uma vóz compassada, de baixo-profundo : — Oh, Sr. Pedrosa, estimo immensamente encontral-o aqui. Como tem passado ? O pobre do Sr. Pedrosa ticava muito an- cho por ver-se tratado com tanta bondade por um acadêmico, e esboçava um sorriso entre terno e choroso. O calouro via-se alli no seu elemento. Tinha alguém que o admirava, embora esse alguém fosse o seu alfaiate. Continuava. — Pergunta-me o senhor si tenho gos- tado da vida acadêmica ? Pois isso se pergunta, filho de Deus ? Aquillo é que é vida, Sr. Pedrosa, aquillo é que é vida. Eu hoje nem comprehendo como se possa ser estudante de preparatórios. (O calouro não diz —bicho—porque não deixou de todo a casca ainda, por isso diz —estudante de preparatórios). Que semsaboria que é o coílegio ! como a gente vive cá fora, ao ar livre, crescido em estudos e em aspirações de gloria, vendo por toda a parte sorrisos de moças bonitas, comprimentos submissos dos ex-collegas de 34 preparatórios, apertos de mão significativos dos velhos... ah, isto sim, Sr. Pedrosa, isto é que é vida. Olhe, aqui onde me vê fiz um brilhareto hoje na sabbatina de chimica. Os veteranos são todos meus amigos ; tratam-me com toda a cortezia e nem era de esperar outra cousa de moços bem edu- cados, não acha? — Oh, certamente, certamente, senhor doutor. — Olhe, veja, alli vem um quinto an- nista. Vai ver como elle me trata. O tal quinto annista approxima-se, passa sem nem sequer olhar para o calouro, pois, não o conhece. (O calouro conhece todos os estudantes desde o 2? até o 6? annista, mas não conhece os seus collegas de anno). O tal calouro que esperava uma saudação do quinto annista e que vê falhar a espe- rança, enfia, dá —boa noite— ao alfaiate e. .. raspa-se. No corredor dos camarotes de 1? ordem encontra elle a D. Cocota, mocinha pallida, de faces anêmicas, com olheiras, mas per- feitamente bem caiada. 35 — Querem ver? E' o Juquinha, mamãe, E' o doutor Jucá, diz ella emendando-se. A mamãe comprimenta o calouro com extrema amabilidade, convida-o a sentar-se no interior do camarote e principia : — Então, doutor, tem gostado muito da medicina ? O calouro concerta um pigarrosito in- connnodo, sacode da testa os. cabellos com uma petulância perfeitamente acadêmica, toma uns ares de grave seriedade. — Minha senhora, V. Ex. sabe que desde criança (as vezes o calouro tem 15 annos) uma vocação irresistivel arrastou-me para a sublime arte de Galieno e de Ganot (Ga- not é o autor da —Physica— compêndio da dita sciencia, no 1? anno ; o calouro suppõe que Ganot é algum pae da medi- cina). Tenho encontrado na iniciação d'esse sa- cerdócio, sagrado como os mais sagrados, todos os encantos do desconhecido ardente- mente desejado ; mas também já tenho queimado as pestanas em scismar á noite nos graves e mysteriosos problemas da phy- sica molecular. A lei de Dalton, a lei das 36 proporções definidas, as transformações mo- leculares dos corpos, a isomeria. a allatropia têm dado que fazer a este cérebro onde V. Ex., vê, de certo, o cunho do estudo e da meditação. A pobre mamãe de D. Cocota ouvindo fallar em tanta palavra arrevezada, fica embasbacada diante do Juquinha. — Estás vendo, Cocota, o Dr. Juquinha como estuda e como sabe ? Ah, doutor, si o meu Maneca seguisse o seu exemplo havia de ser um sábio como o senhor. — Oh, minha senhora, que bondade a sua! ainda não sou um sábio, mas espero vir a sel-o algum dia. E, voltandc-se para D. Cocota: — Então, D. Cocota, tem gostado d'este drama ? — Muito, doutor, geme D. Cocotinha. E o senhor tem apreciado ? Sou capaz de apostar que, no fim, elle e ella cazam-se. Como elle gosta d'ella, hein ? — Gosta muito, D. Cocota. — E o senhor, doutor, não gosta de ne- nhuma ella ? O calouro morre de amores pela vizinha, 37 mas aqui é necessário mostrar-se sábio em tudo. — Eu, D. Cocota, comprehendo o amor, calculo toda a sublimidade, todo o desin- teresse, todo o prazer sagrado e sincero d'essa creação divina. Infelizmente, porém, vivo por demais engolphado nos arcanos da sciencia para ter tempo de amar. As idéas tumultuam-me tão desordenadamente no cérebro, vejo tudo por um prisma tão difFe- rente do que o vulgo ignorante se serve, que não posso, não sei sentir, não penso mesmo em amor. — Olha, mamãe, está ouvindo ? Que tal lhe parece o doutor! — Faz muito bem, doutor, retruca a mamãe de D. Cocota, pense sempre assim. Quem estuda não se deve occupar com moças. E, logo que o doutor se despede, a mamãe de D. Cocota começa a rasgar-lhe sedas e mais sedas. N'essa mesma noite, D. Cocota escreve ao namorado que vá estudar medicina, que só assim serão felizes ella e elle. O na- morado, ao dia seguinte, recebe a carta e, 38 muitas vezes, é assim, por uma simples doidice de menina, que se decide do futuro de um moço, que se torce uma inclinação, que se quebra uma aspiração ! O calouro, por via de regra, é pedante e é tolo ; é humilde e é orgulhoso ; arrasta-se como a lesma e ruge como a hyena. A culpa não é de certo d'elle. Fizeram-no assim. Elle apenas foi en- fluenciado pelo meio em que cresceo. Ao entrar para o collegio, o maior desejo do menino é ser homem e, principalmente, ser acadêmico. Vê os grandes do collegio, os que fizeram três ou quatro exames na Inspectoria Geral da Instrucção Publica, cercados da consideração dos mestres e do respeito dos bichos. A criança aspira fazer os preparatórios, quer parecer aos grandes. E' uma idéa firme, tenaz, que o persegue dia e noite. E' então que estuda, estuda a morrer. Mas esse estudo é feito a vapor ; o menino só quer saber o necessário para fazer exame, 39 e esse necessário mesmo é grudado na me- mória desordenadamente, sem methodo, sem lógica. Não estuda para saber, estuda para/er^er exame. Não estuda uma sciencia no que ella tem do geral e de especial ; não procura conhecer os methodos e os processos, as leis que regulam esses processos e esses methodos e que constituem a sciencia; de- cora um certo numero de paginas de um certo e determinado autor. Aliás, a criança é levada a isso não só pelo desejo ardente de ser equiparado aos grandes, senão também pelo mercantilismo de sciencia em que os mestres são peritos. O collegio é uma espécie de fabrica de sapatos ou de biscoutos ; o director do colle- gio n? 1 trata de apresentar o maiornumero possivel de amostras, o director do collegio n° 2 trata de fazer o mesmo. E' uma espécie de steeple-chase em que saltam-se os obstá- culos, vencem-se enormes barreiras e atira- se para um lado, na vertigem da carreira, o barrete das conveniências. Não são educadores, esses directores de collegios. O que serão ?.. . 40 Não lhes merece um pouco de attenção a intelligeneia d'essa criancinha loira como um clierubim que ó entregue a seus cui- dados. Transformam a cabecinha d'essa criança em uma gaveta de sapateiro ; fazem uma infusão de sciencia e de línguas, uma es- pécie de angu de negra mina e enipan- turram o cérebro innocente da criança com essa comesaina immunda e indigesta. Peito o primeiro, feito o segundo, o terceiro e o quarto exames com as compe- tentes cartas de recommendação, com os pedidos de reposteiro e com algumas effigies do Snr. D. Pedro II, a criança tem con- quistado a metade de seus desejos. Não sabe cousa alguma, não tem orthographia nem tem syntaxe. Ignora o que seja o estô- mago e não sabe de que são feitos o pão e a manteiga que a mãe prepara-lhe ao almoço. Ignora o que seja o sol, a lua, a luz que o allumia e a água que ella bebe ; não sabe de quantas camadas se compõe a terra, como se formaram essas camadas e quanto tempo foi necessário a essas formações con- secutivas. 41 Mas, em compensação, sabe tragar uma fumaça de cigarro, aprecia os romances de Terrail e conhece o sétimo volume das poesias de Bocage. Deixa crescer o cabello, não corta as unhas, não escova os dentes, tem medo d'agua fria e não pôde suspender do chão um pezo de 2 kilos! E e assim, nesse meio completamente estiolador do physico, do moral e do intel- lectual que o calouro se desenvolve e cresce. Desde que completou os quatro prepara- tórios a ambição do futuro calouro augmenta. Fazem-lhe inveja os moços acadêmicos que, ao sair do collegio aos domingos, elle vê a tomarem cerveja n'um botequim da rua do Ouvidor ou a fumarem charutos no ponto dos bonds de Botafogo. Os outros preparatórios preparam-se do mesmo modo que os primeiros. O futuro calouro vai afinal matricular-se, mas sem saber cousa alguma; está quasi completo o edificio de sua ambição, mas esse edificio assenta em areia secca e mo- vediça. . . . Eis o ealo.iro. E' por isso que lá ficaram tvpographadas 42 aquellas antitheses, no principio d'este pa- ragrapho. O calouro não sabe nada e pensa saber tudo—pedantismo e tolice. O calouro logo que se vê acadêmico des- preza os collegiaes, seus companheiros de hontem, e é macio como um cordeiro para com os veteranos—orgulho e humildade< O calouro esmola a protecção dos vete- ranos na escola, e cá fora tem eructações de sábio—ahi temos alesina que se arrasta, e a hyena que ruge. E' n'estas condições de espirito e de corpo, é com este farnel de conhecimentos adquiridos a todo o vapor de um express que um moço se refestela nos duros bancos da enorme, da pyramidal, da nunca assaz decantada—Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. O terreno está amanhado para receber as fecundissimas sementes que existirem no ambiente, e essas sementes são : a tristeza, a soturnidade, o indifterentismo e um egoismo férreo, rijo, corneo como uma monomania. 43 Esse fructo degenerado, já meio roido, vai ser entregue aos vermes. O calouro ha de se tornar veterano e o veterano, em regra, é secco, intratável em cousas de espirito como um inglez bebedo. Sigamos a evolução. Antes, porém, de fazer isso, permitta-se- me uma explicação. O espirito despido de preconceitos, a con- sciência firme e sã, a critica severa e justa temem-se, por vezes, de tocar em certas enfermidades moraes, receiam-se de ir re- mecher certos melindres. No emtanto, n'esses casos a missão da critica si não é louvável é perdoavel e merece alguma sympathia e um pouco de attenção. Ninguém se expõe por gosto a inimizades e a rancores. Doe sempre o ver que se toma uma boa intenção por umaoffensa, um esforço sincero por um movimento revolucionário e demo- lidor. Pensamento de demolição presidio, sem 44 duvida, a este opusculo, mas ha também n'elle a idéa de uma reconstrucção. 0 que não ha n'elle é o minimo desejo de oftendcr a quem quer que seja. Ataco uni systema que me parece máo, combato certas e determinadas vistas que supponho censuráveis. Não ha, í^este opusculo, citação de nomes próprios, e si a houver será antes para louval-os do que para censural-os. Enristo a lança embotada de minha critica contra uma cousa vaga, abstracta, que se sente mas em que não se toca. Em uma palavra, procuro mostrar os pontos falsos de um systema, pretendo (louca preterição !) derrocar um edificio mal archi- tectado. Respeito, porém, os representantes d'esse systema, inclino-me ante os archi- tectos d'esse edificio. Ditas estas palavras que têm sua razão de ser, continuemos. O costume bárbaro, incoherente, iniquo de se vaiarem os calouros foi transportado 45 drt O .Imbra do mesmo modo porque si têm ^** sportado o cri-cri e outras cousas bu- ..icntas. Felizmente esse costume parece ter desapparecido n'este anno da graça de 1881, graças a um eloqüente e conciso cartaz que faz pendant a outro e a mais outro e a mais outros, nas recem-caiadas paredes da escola. Os calouros hoje já não são mais aquelles indivíduos abatidos, tristes, que passavam por nós a correr como sombras, n'um aca- nhamento que fazia dó. Agora SS. SS. são—hospedes—e, como taes, devemos-lhes toda a consideração e todo o acatamento, com as barrctadas e os rapapés do estylo. Já entram alli de cabeça alta, com os chapéos novinhos, com o bigode arrogante- mente retorcido nas pontas, com um charuto provocadoramente posto ao canto dos lábios, assobiando um trecho da Petite Manée ou da Car)ncn. Faliam alto, gesticulam, tossem grosso, cospem, mettem o dedo no nariz com toda a sem cerimonia, com uma presumpçãogrossa, descomedida. 4 46 Mas, coitado ! si o calouro já não soífre as brincadeiras dos veteranos, si já não ne esparrama pelo chão como um sacco ( fubá mimoso, em compensação o calouro que era bode torna-se francamente -— nulli- dade. E' o dous de páos d'aquelle baralho de P> cartas. E1 considerado já não calouro mas—fu- trica, cousa de sonienos. ('onheceni-no agora pelo sobrenome — tigre—, sobrenome que traz em si uma idéa altamente mal cheirosa e sinceramente irô- nica. A pequena autonomia do calouro residia na vaia. A vaia era propriedade exclusiva do calouro. Foi-se a vaia, sumio-se a importância d'elle. Sem valor, sem personalidade, sem voz activa, o calouro é mn-vÊspanJ^lho ; não é gente, não representa papèT^-ão ôas ma- nifestações acompanhadas ã.v musica e fo- guetorio. ^*— Só se conta com o calouro para as assi- gnaturas em que é preciso dar dinheiro. O calouro vendo-se isolado n'aquelle 47 meio, começa por experimentar raiva surda, profunda contra os veteranos que o des- prezam sem razão. Essa raiva que se apossou d'elle volun- tariamente nunca mais o deixa até receber a borla e o capello. Ha, porém, uma diífe- ívnça. Quando primeiro annista o calouro odeia ; do segundo anno por diante elle — despreza. No primeiro anno invejava os estudantes cie anno superior; nos annos superiores elle julga perder o seu prestigio dando attenção aos collegas collocados inferiormente. E' d'esse jogo de sentimentos contrários e egoisticos que nasce o indiíFerentismo, o or- gulho, a soberbia de muitos dos Srs. aca- dêmicos de medicina. Quando era simples primeiro annista, o calouro via-se desprezado pelos veteranos. Pois bem, agora que elle está no quarto anno não precisa mais da consideração: envolve-se n'uma nuvem de orgulho, cres- ce-lhe o coração n'uina hypertrophia de pouco caso pelos collegas e por tudo quanto esses collegas dizem ou escrevem, fazem ou projectam. 48 O que querem? o vicio é antigo, vem muito de traz, de muito longe. Quem fór capaz que transforme aquillo lá dentro ! ílavia de esmorecer, esse ousado reformador, em me- nos de oito dias de luta constante e ininter- rompida. O indivíduo mais bem organisilo phy- sica, moral e intellectualmente; o moço mais cheio de vida, de alegria, de aspira- ções, morre lá dentro infallivelmente de tédio e de nostalgia O calouro, assim como não teve culpa da má direcção que lhe deram os seus primei- ros mestres, assim também não é responsá- vel pelo que tem de ser aqui, na academia. No fim de muito poucos mezes, o calouro que era prazenteiro, risonho, jovial; que sabia comprehender o savoir vicrr, apanha a peste que grassa endemicamente n'aquella escola : torna-se triste, casmurro. Pois si elle lá só vê gente assim ! O cadáver—é a primeira cousa que cha- ma a attenção do calouro. 49 Aquelle corpo frio, hirto, secco como uma enguia, com uns olhos vidrados fixos na eternidade, tendo no canto dos lábios uma espuma secca e amarellada, com a boca en- treaberta como si fosse a proferir uma ulti- ma blasphemia, é um escarneo que a morte, zombando da sciencia que o calouro deseja ardentemente aprender, atira-lhe á face. Ha uma attracçáo irresistível que arrasta esse indivíduo moço, imberbe, cheio de doces illusoes, exhalando ainda a tepidez da infância, para aquelle velho calvo, des- dentado, amarello que alli está estendido em uma meza de mármore frio, a rir-se es- carnecedoramente, ameaçadoramente. O moço vae attrahido por essa fascina- ção do desconhecido; pensa que os lábios cerrados d'aquelle morto vão se abrir para narrar-lhe os mysterios d'além túmulo ou para ensinar-lhe o segredo da vida longa ; estende a mão onde corre o sangue quente dos 1 ti annos e toca com as pontas dos dedos na pelle fria, coberta de um suor viscoso, do cadáver. E' como se fora um choque de 64 pilhas. O moço retira apressadamente a mão. .:;;;;>-:c;íi d. C ^ 50 Ah, mas aquelle frio de morte, aquella humidade que distilla dos poros sem vida penetraram-lhe no sangue ! E esse contacto do frio glacial da morte tem quasi sempre como resultado—a des- crença ! O moço começa a descrer um pouco. Para elle já o horisonte não é tão limpido, já a atmosphera não é tão pura. Uma nuvem occultou-lhe muitas estrellas que ful- guravam no Armamento azul de seus pensamentos e de sua fé ; no ar osvoaçain umas aves negras e parece-lhe ter ouvido, ao contacto d'aquelle cadáver, o piar fúnebre e prolongado da coruja. Quantas vezes o moço deixa de estudar medicina só por esse simples episódio da vida acadêmica ! E isso é nada em comparação ao que tem de ver mais tarde. A vista d'esse cadáver que se lhe apre- senta logo ao sentar-se pela primeira vez nos bancos acadêmicos, tira ao moço uma 51 crença e dá-lhe outra em substituição á primeira. Elle crê profundamente na matéria e só na matéria. Mas como ? porque meios elle adquirio essa crença ? Ou foi levado a isso não simplesmente pelo espectaculo da morte, mas por uma direccão lógica dada ao espirito pelo estudo; ou então o foi simplesmente pelo espectaculo da morte e então o moço—bestialisa-se. No primeiro caso, o jovem esquece as crenças bebidas no berço, mas uma crença mais firme, mais solida, mais scientifica substituio a primeira. Para elle a vida é, então, um circulo. A pedra, a arvore, o homem ligam-se para formar esse circulo. O rei da creação, a « imagem da divindade » não é para elle senão o resultado de uma longa e ininter- rompida evolução ; evolivão lenta, vagarosa mas completa. As causas d'essa evolução, que da ma- téria — pedra fez a matéria — homem, residem na — força — que é immauente á mesma matéria. f>2 Não houve necessidade para que o planeta Terra se consolidasse, para que o feto (planta) surgisse, para que o mastodonte uivasse nas selvas e para que o homem lascasse a pedra, não houve necessidade para isso da intervenção activa de um poder intelligentissiino e creador. O sobrenatural desapparece. A sciencia substituio-o. E a sciencia ex- plica todos os phenomenos, elucida quasi todos, si não todos, os problemas......... E a religião de nossos pães ? E a moral ? A religião de nossos pães, respeitemol-a, diz o moço. Ella é para nós duplamente veneravel ; primeiro, porque era ella que alentava nossas mães ao embalar-nos cari- nhosamente no berço, era ella que animava nossos pães quando vinha o enfraquecimento na luta quotidiana, para nos dar o pão para a boca e o pão para a alma. Depois, a religião de nossos pães foi quem estabelecéo a egualdade, a liberdade e a fraternidade entre os homens ; foi á ella que se deveram os mais vigorosos impulsos dados á civilisaçáo. 5:5 A moral ! a moral não baquèa desde que a sciencia toma o logar do sobrenatural. A moral christã que é a mesma, mais ou menos, de todas as religiões, encontra na sciencia um apoio solido, um esteio firme. Não temos necessidade de receiar o inferno para procedermos de accordo com a nossa consciência de homens de bem ; não ha necessidade da apparição do juizo final, apparatosa como unia mágica de theatro, para que sejamos bons, justos e honestos. A idéa do bem e a do justo, são-nos ambas fornecidas por nossas mães primeiro ; mais tarde avigora-as a sciencia, a mestra do raciocinio. Eis como pensa o moço materialista, mas materialista — philosopho e não materia- lista — quand mêmr. Para o primeiro o — bello—existe tanto como o —bem—. Para o segundo, essas duas estrellas que devem scintillar sempre em nosso espirito, são substituídas pelo egoísmo, pelo despreso a tudo. 54 Para o primeiro as flores e as luzes do espirito não desappaivceram no desastre da crença theologica. A' liturgia de Roma succedòo a religião universal ; ao cataclvsmo que sepultou-lhe n'alma as concepções mysticas que elle não comprehendia, succedêo a aurora boreal de uma nova fé que elle sabe explicar e sabe comprehender. Uma crença que cáe e uma nova fé que se alevanta, cream sempre na alma um es- tado de vacillação e de incerteza que pode durar mais ou menos tempo. Si se tem o espirito forte sáe-se robustecido da luta ; si be o tem fraco nunca mais que a convicção se estabelece ; paira no cérebro como que uma nuvem de loucura que pôde produzir o suicídio. Para o segundo caso que figurei, para o moço que adopta uma doutrina como se adopta uma bengala — por moda — por fuceirice — o mundo resume-se n'esta pa- lavra—sensualismo. Ha um outro estado do espirito que nasce da comprehensão falsa d'essa theoria philo- sophica — o indirFerentismo pelas cousas 55 respeitáveis, o scepticismo em matéria de sciencia e de arte. () indifierentismo é a traça do espirito. Roe-lhe a pouco e pouco, surdamente, insi- diosamente até a mais diminuta partícula dos sentimentos bons. Nivela á besta o ho- mem ; põe a intelligencia abaixo do ins- tincto ! O moço calouro é quasi sempre sceptico ; é quasi sempre materialista — por moda. Bem sei que ha excepções, e honrosas, mas aqui falla-se em these geral. Esse scepticismo que o invade paulatina- mente fal-o desconhecer certas superiori- dades, certos talentos. Elle ouve fallar de algumas pessoas como seres de intelligencia privilegiada ; gosta de apreciar uma boa producçào artística ou uma erudita discussão de philosophia ou de historia ; aprecia ainda um bom drama ou uma boa poesia; interessa-se ainda pela política e é quasi sempre democrata. Mas, embora experimente e sinta tudo isto, já não tem elle mais aquelle enthu- siasmo que apoderava-se d'elle antes de vir sentar-se nos bancos da academia. Admira, é verdade, mas teme revelar a sua admira- ção ; crê, na realidade, ein alguma cousa, mas atfirma a si próprio que não crê em cousa alguma. E essa duvida abate-lhe cada vez mais a alma. A luta dos sentimentos que vêem espontâneos, surgir-lhe á flor dos lábios esbocando-lhe um sorriso nas faces, a luta d'esses sentimentos com a necessidade de collocar no rosto unia mascara de aço, de sellar os lábios com uma placa de chumbo— paralysa-lhe as faculdades, chumba-lhe o ardor da mocidade pelas cousas bellas e boas. O calouro vê-se a braços com um novo eu que vem substituir o eu antigo e que dentro em pouco supplanta-o. Do segundo anno por diante o calouro torna-se veterano ; o bicho deixou comple- tamente a casca. Agora sim ; o acadêmico sente-se mais livre, tem os músculos mais rijos, as arti- culações mais moveis. Parece-lhe que se lhe tiraram de sobre o peito 20 kilos de mercúrio. O ar penetra-lhe mais profunda- mente nos pulmões e o sangue circula-lhe 57 mais activamente nas artérias. O primeiro desejo que o invade ao penetrar no 2? anno é vingar-se nos calouros de hoje dos soffrimentos por que passaram os calouros de hontem. Vinga-se a farta. Saciado esse desejo, o segundo annista engolfa-se no estudo ou submerge-se na vadiaeão. A maior parte das vezes escolhe a segunda occupação. O segundo annista vai a Phenix, aos sabbados, lê os folhetins de IIop-Frog, assiste ás discussões na câmara dos Srs. deputados, fuma cigarrinhos turcos e todas as tardes vai ver a pequena á quem escreve bilhetesinhos sentimentaes, cheios de oh ! e de ah ! e de erros de grammatica, isto é, (ho)iui soit qui mal y pense) sem syntaxe e sem orthographia. O segundo annista é o mais feliz, o mais alegre, o mais espirituoso dos acadêmicos. Pensa elle (pie o segundo anno marca na sua trajectoria pela orbita acadêmica um ponto de luz; suppõe poder diagnosticar, formular, clinicar. Doce iilusão ! O >exto annista tem certeza de que não sabe cousa 58 alguma; o segundo annista pensa nada ignorar. E N'esse engano d'alma ledo e cego o segundo annista vê correr o tempo com uma noitch dance inteiramente fradesca. Coni a ascençáo ao terceiro anno o acadêmico entra a fazer parte do batalhão dos Urubus do Hospital. EiL o ahi a revestir-se de uma gravidade cômica, a usar de uma mimica grotesca e de uma phraseologia empolada como pipocas dos termos impossíveis da technologia me- dica ! O terceiro annista, nos mezes de Março e de Abril, não deixa de ir um só dia ao hospital. E' a novidade ! Vai sempre ouvir as lecções de clinica cirúrgica, as quaes, na maior parte das vezes, elle não entende. Ouve fallar da etiologia, da pathogenia, da syinptomatologia, do diagnostico de uma affecção cirúrgica e fica in alhis. Não entende nem pôde entender o que ouve. Faltam-lhe as bases para uma comprehensão clara e para um raciocínio 59 exacto. Em Março, o terceiro annista nem siquer sabe o que quer dizer—etiologia— e ouve invocarem-se centenas de causas para a explicação de um facto mórbido ; ignora o que seja—pathogenia—e ouve discutir-se uma multidão de theorias, ouve citar-se uma immensidade de nomes que para elle passam como um sonho. Vê praticar-se uma operação qualquer, a dilatação de um abscesso, a ligadura de uma artéria, a reseceão de um osso, o esmagamento de um calculo vesical, por exemplo, mas não sabe quaes são as regras que presidem a essas operações, ignora os processos propostos para a execução dVIlas. Vê receitarem-se diversos medicamen- tos, vê empregarem-se diversos apparelhos, mas não sabe o que são esses medicamen- tos em si, de que modo vão actuar no interior do organismo, quanto tempo é necessário para serem absorvidos e por que vias se deve fazer a eliminação d'elles; quanto aos apparelhos, o terceiro annista assiste á applicaçáo mas ignora as cau- telas que se devem observar, os accidentes 60 que podem sobrevir, as regras que se devem seguir para que esses apparelhos dêem bom resultado, produzam unia cura radical. E eis ahi, dando-se com o acadêmico terceiro annista de medicina, o mesmo que já se dera com o bicho estudante de prepa- ratórios, no collegio. Elle estuda, mas não pôde comprehender o que estuda ; elle vê, mas nao sabe explicar o que vê. Continua a falta de methodo, a ausência da lógica na direcção intellectual do espi- rito do moço. E então, ou elle desanima, o que é péssimo, ou continua a estudar, o que sempre é melhor. Mas, quer desanime, quer não, o scepti- cismo que o invadira ás portas do primeiro anno, se accentúa. A seus olhos a tragédia clinica, a cujo prólogo e a cujo epílogo elle assiste todos os dias nos leitos do hospital, desenrola-se acto por acto, scena por scena, sem que o commova, sem que o attraia. E' que essa tragédia é representada n'uma lingua que elle não entende, é que as peripécias são mudas, passam-se lá dentro, nos bastidores do organismo 61 doente, e não ha quem tenha a paciência de explicar-lhe tudo quanto elle ignora. No quarto anno o acadêmico começa a soffrer da vista. Usa óculos. Deixa crescer a barba; tem já aquelle olhar soturno que assignalei como próprio aos — Urubus do Hospital. E\ geralmente, o anno dos pedantes. São as vezes insupportaveis os quarto annistas. Em parte teem razão. E' n'esse anno que o horizonte da me- dicina começa a mostrar-se ; é n'esse anno que o acadêmico vae comprehendendo o porque de muita cousa que até então tinha visto como — um boi a olhar para um pa- lácio. O quarto annista, em geral, não vae ao hospital; deixa isso aos collegas de anno iinniediatamente inferior. No terceiro anno o acadêmico vae ao hospital levado pela novidade, mas não pesca cousa alguma do que lá vê e ouve ; no quarto anno, quando tem elementos para apreciar um diagnostico bem feito, não vae lá. O quarto annista só falia em forceps, 5 02 embryotomia, posições e apresentações do feto humano, ankyloses, aneurismas, causas da febre amarella, pathogenia do beriberi e diagnostico differencial das febres erupti- vas. Só vê moléstias, só sabe conversar sobre moléstias. No quinto anno apodera-se do acadêmico o cançaço, o enfastiamento. Elle cança, mas, alem d'isso. perde muita illusão que ainda tinha ; sente-se enfastiado e as vezes perde o appetite. Essa perda de appetite é de uma signi- ficação funesta : denota que o quinto annis- ta soffre de dyspepsia. E' que a vida acadêmica assimilha-se á de um indivíduo. A principio só ha risos e aspirações—é a mocidade ; depois vem o amadurecimento dos pensamentos com o adiantamento nos estudos — é a viri- lidade ; afinal apparece o enfraquecimento, os males do estômago, os desarranjos da digestão, o abatimento mental - é a velhice. O acadêmico, ao chegar ao sexto anno, está velho, imprestável. 63 A histologia e a pharmacia—mataram- no ! # # * Está completa a evolução. Eis ahi como um moço que se matricula na Faculdade de Medicina do Rio de Ja- neiro perde, uma por uma, as pétalas co- loridas e frescas que aformoseavam o jardim de suas illusoes ! Eis ahi como um ente dotado de cérebro, de coração, de systema nervoso, deixa de pensar, cessa de amar, esquece-se de sentir. Eis ahi como um ser que se vê em plena primavera, na aurora da existência, ao des- pontar do sol da vida, sente n'alma um frio polar que lhe tolhe os movimentos expan- sivos e affêctivos do espirito, que o prostra no leito da descrença! Eis ahi como um moço se torna velho aos 20 annos; como um homem muda-se em um animal qualquer. Eis ahi, enifim, como o calouro trans- forma-se e fica sendo a ave que vive dos despejos dos grandes ruminantes, fica sendo o—urubu do Hospital. 64 Deixemos agora o indivíduo e chamemos á barrado jury critico a collectividade; deixemos o organismo— um e dissequemos o organismo—muitos; abandonemos a ana- lyse psychica de um só indivíduo e façamos a autópsia do corpo complexo; larguemos de mão o acadêmico e assestemos o binó- culo para a Academia. Quando diversos indivíduos se reúnem para um fim determinado e se conservam reunidos pelo longo espaço de 6 annos; quando um indivíduo toma um commodo n'uma casa onde moram vários outros e fica entre esses outros durante seis annos consecutivos, é naturalissimo que, em ambos esses casos, se estabeleça entre elles um laço de sympathia, uma concordância mais ou menos perfeita. O contrario, si se desse, tornaria a vida insupportavel, introduziria a discórdia e a separação ou, si esta fosse impossível, daria em resultado a hvpochondria com todo o seu séquito de tristezas e de afflicções. 65 E de suppor-se que si esses indivíduos forem moços de 18 a 20 annos, si estive- rem no período da vida em que as ligações são promptas, como afnrma Victor Hugo, em que todo o sér respira sympathia, amizade, despresunipção, candura, é de suppor-se, digo, que os laços de sympathia, si não de amizade, façam d'elles um individuo só. Entretanto, na faculdade de medicina do Rio de Janeiro reina a mais completa iso- lação, existe mesmo a mais bem acabada discórdia, a mais fria indiíferença. Não se sabe ahi o que seja o colleguismo que existe na faculdade de medicina da Bahia, nas faculdades de direito de S. Paulo e de Pernambuco, nas escolas de marinha, militar e polytechnica. Os indivíduos aqui são cellulas isoladas e quasi sempre heterogêneas. Nao se consideram, não se respeitam, não se estimam. Quando muito, os estudantes do mesmo anno comprimentam-se com alguma amabi- lidado. Quando se vio, na faculdade de medicina do Rio de Janeiro, um sexto annista apertar 66 amigavelmente a mão a um collega do pri- meiro anno ? Quando se vio um quarto annista ouvir com respeito a opinião muitas vezes sensata de um estudante do segundo anno ? Cada um trata de si, o que já não é pouco. D'esta desunião, d'esta desharmonia en- tre os estudantes de medicina procede o abatimento moral da academia. Diz-se que unia academia tem vida, sabe sentir, sabe pensar e sabe agir quando os symptomas d'essa acçáo, d'esse pensamento e d'esse sentimento se revelam ao exterior. Quaes são os dous meios, os principaes, que denotam a vida de unia ac*ademia? — A imprensa e a tribuna acadêmicas. E' ahi, n'essas duas arenas incruentas e cheias de luz, que o moço pode provar a sua intelligencia, pôde mostrar as suas aptidões intellectuaes. E' empunhando a penna ou esgrimindo-se pela palavra que elle mostra a robustez de seu talento, o poderio inquebrantavel de sua vontade. Tirem da academia a imprensa e a tribuna, o jornal e as associações litte- rarias, resta só um meio para indicar que 67 alli dentro movem-se entes vivos, e esse meio é—a manifestação pelas ruas com musica e foguetorio ! A —manifestação — como expressão de vida, obedece a duas forças ; uma moral, psychica; outra material, corporea. Unia devida a um sentimento nobre; a outra produzida por uma sensação — de fome. O cérebro e o estômago, o coração e os intestinos, taes são os órgãos de cujo jogo resulta a — manifestação. Ninguém contesta (pie seja extremamente sympathico esse movimento espontâneo que leva um homem a dizer a outro que o es- tima, que lhe e agradecido e que. para prova, toma a liberdade de lhe offerecer este ou aquelle mimo. Até ahi, sim senhor; a manifestação tem um caracter moral, tem o cunho de um bom sentimento. Mas querer uni homem provar a outro que o estima, que o consi lera, e para isso fazei-o gastar bem bom dinheiro em gar- rafas de champagne, de cognac, de Sau- ternes, em perus recheiados, em empadas de camarão com palmito e em duas dúzias de pães-de-ló dos anjos; querer provar um 68 homem a outro que o estima e ter, para isso, de segurar em lanterninhas allumiadas por um toco de vela de sebo, ir pelas ruas a gritar como um possesso, cercado de moleques e de vagabundos, com um espa- lhafato de foguetes e de bombas, soltando vivas ! á liberdade do ensino e á liberdade da pândega—isso não ! Tudo quanto é espectaculoso perde por isso mesmo o caracter d'aquella boa e cor- dial sympathia que se revela principalmente nas pequeninas cousas, que se patentêa sem espalhafato e sem foguetes. Depois, alem do espectaculo fornecido gratuitamente pelas ruas á Sua Santidade o Publico, a necessidade em que collocam o manifestado de fazer uma despeza fabulosa, condigna do barulho que lá vem ao longe, em forma de troça, tocando uma walsa da MIne Angot ou uni lundu mineiro ! As vezes o pobre homem tem mulher e filhos; a mulher precisa de um vestido de seda, os filhos tem necessidade de botinhas, de chapéos, de paletots e.... o dinheiro que elle tinha disposto para satisfazer essas necessidades urgentes, tem de gastai-o em 69 cerveja, em lombo assado e em sandwichs do que nem a mulher nem os filhos gostam ! E1 uma barbaridade. Muitas vezes o manifestado ha de dizer lá comsigo : — Para que diabo nasci eu intelligente e quem me mandou dar provas de talento? NVsta terra o talento não dá pão, e o pouco que dá vem-nos tirar, dizendo-se-nos que querem manifestar a sua admiração ! Bem boa moda esta de dizer-se a um ho- mem que se querem comer bons roastbeefs : « Tu és um grande sábio ; tu és o valente propugnador das grandes reformas ; tu nos tens dado mil motivos de admiração —venha de lá uma ceia para 000 pessoas, ande. Não nos podes negar isto, esta ninharia, tu que és o homem mais colossalmente talentoso d'este século.» A manifestação acaba-se n'uma noite e o dinheiro que gastei com ella, ganho-o em 365 dias !— Eis como ha de pensar o manifestado, ao dia seguinte, quando vir copos quebrados, manchas de gordura pelo chão, pontas de cigarro nos tapetes e — oh ! escarneo da sorte ! — um leitão, um formidável leitão 70 assado e intacto, com palitos e rodelas de limão azedo, a mostrar as duas fieiras de dentes brancos e pequenino» n'um riso de pouco caso ! # * # A Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro tem se visto ultimamente atacada de um mal desconhecido, terrível que parece ter tido por berço as margens do Gauges ou as proximidades de Salamanca. Intitula-se o mal : Manifestaçáosite-ou- Gastro-cardio-eerebro-colite dos médicos chins e japonezes. E' uma moléstia que vem preguiçosa- mente, ataca primeiro um indivíduo. Esse indivíduo anda pela academia triste, abatido preoccupado, com os sobrecenhos cerrados, tosse, espirra, experimenta borborygmos intestinaes, cephalalgia, insomnia e flatu- 1. ncia. Depois de uma incubação que pode va- riar de 24 a 4S horas, o indivíduo atacado chega-se a um indivíduo são, levando na mão unia folha de papel em branco e um lápis de Eaber. 71 Diz-lhe ao ouvido um segredo, suspira, olha para o céo, junta as mãos n'uma atti- tude seraphica. Ve-se logo o indivíduo são invadido pelo mal cujo primeiro symptoma é a tristeza. Este ultimo indivíduo toma o lápis da mão do primeiro e escreve, febrilmente, nervosamente, na folha de papel em branco, um nome e uma quantia. () nome é a expressão de sua individua- lidade como homem ; a quantia é a expres- são de sua individualidade como —estômago e intestinos. A epidemia lastra com uma rapidez es- pantosa. Dizem os especialistas que se têm occupado com esta moléstia, que a época do mez em que se observa maior numero de victimas e do dia 1 ao dia 10. Porque ? Desde que a folha de papel em branco fica coberta -de nomes e de quantias, an- nuncia-se pelas folhas diárias: « Os estudantes de medicina preparam uma manifestação ao Sr. X., em tal dia e as tantas horas. » 72 Traduzindo-se isto para portuguez claro, deve-se ler : « Os estudantes de medicina participam ao Sr. X. que hão de ir-lhe lá á casa, em tal dia e ás tantas horas, levando o enthu- siasmo gritado por muitas bocas e so- prado em muitas cometas. Pedem ao Sr. X. o favor de lhes preparar qualquer ce >sa que se coma e de ter no bujfet alguiuas dúzias de garrafas de champagne e outras tantas de cerveja Carlsbcrg. No mais, os estudantes de medicina de- sejam saúde ao Sr. X., ao menos até o dia em que devem lá ir ceiar. » Feito o annuncio, marcado o dia, desig- nada a hora, está tudo prompto. No dia da manifestação reunem-se todos n'uma das salas da academia. Fazem um barulho infernal; uma alga- zarra de todos os diabos. No meio da gritaria, entra um com os braços abertos suspensos no ar, como o —urubu — ao levantar o vôo. Ouve-se um seio! prolongado e repe- tido. O urubu sobe para um estrado, livra-se 73 de um pigarrozito que podia embaraçar-lhe a eloqüência e diz : — Senhores ! Este negocio é muito sério ! (Bravos ! apoiados.) Vozes :—Continue. Vae muito bem. O orador limpa o suor que começa a escorrer-lhe da testa, c continua: — Dizem que as bandas de musica já estão a chegar (applausos.) — Os foguetes é que eu não sei se darão fogo... (oh ! oh ! ouvem-se alguns solu- ços). . . mas isso é lá com o Chico e com o Manduca que estão encarregados de soltar as bombas c os traques (riso). Uma voz :— Bem se podiam dispensai- os traques (hilaridade). 0 orador :— Não senhor ! isso seria um crime de lesa-praxe. Vozes :— Muito bem ! 0 orador :— Agora, senhores, ao descer d'esta tribuna (devia dizer —estrado) só de- sejo que o enthusiasino que vejo a luzir em vossos olhos, se transforme em mil vozes que, todas, repetirão a unia : Viva a manifestação ! Viva o ensino li 74 vre ! Viva o chá com torradinhas de man- teiga ! Todos :— Viva ! Vivaaa ! ! A este Demosthenes moderno segue-se um ( icero também moderno. () orador ;— Senhores ! Si seguirdes, na marcha tetrica e encvclopedica dos séculos, o desenvolvimento dos sentimentos bonibas- tieo-cruciantes da humanidade, heis de ver que já no tempo de Diomedes se faziam manifestações. Uma ro.t : Quem é esse Diomedes? Outra:— Deixe fallar o orador! Terceira voz :— O orador não diz nada de novo. Eu tenho lá em casa um livro comprado no Cruz Coitinho em que se falia d'esse Archimedes. A segunda voz:— Qual Archimedes, se- nhor ! nem meio Archimedes ! A terceira voz : — Archimedes sim se- nhor. Archimedes, rei da Suécia, (hilari- dade prolongada seio ! seio ! attenção !) 0 orador— (assoando- se) : — Senhores, o meu illustrado collega que me precedêo n'esta agora disse que não sabia si os fo- guetes darão fogo.. . Por elles respondo Í-) eu. O que me parece, senhores, é que as velinhas illuminativas dos variegados flam- heaux estão muito concisas (apoiados ; muito bem). Uma voz:—Alli na venda da esquina tem umas que eu vi. 0 orador :—Não importa ! com flam- beanx ou sem jlambeaux invistamos de fronte erguida para o fim que nos congre- gou aqui. Si não tivermos fhimbcaux accendamos no peito uma pira em cuja substancia ignea lançaremos os pós impalpaveis e mellifluos do nosso enthusiasmo pedagógico ! Yim.s .-—Bravos ! Bravos ! Isso é que, é discurso, o mais é historia ! A rapaziada applaude freneticamente pelo simples facto de não ter entendido semelhante algaravia. Alguns resmungam : —Que formidabi- lissinio pedante ! Feitos outros discursos mais ou menos no gosto dos dous que ahi ficam para a confusão eterna dos Thiers, dos Gambettas, dos Favres e de outros.rompe a marche aux flambeaux ao som dos pifanos e dos bumbos. 76 No dia seguinte ouve-se disto : — Fulano ficou na tinta. Sicrano en tornou vinho na toalha. Zebedeu teve um collapso. — Ja E outras apreciações feitas na mesma clave e com o mesmo numero de sustenidos e de bemoes. O que é que dá motivo a estas mani- festações f Qualquer cousa. Fulano entrou em concurso e não tirou o logar ? — Manifestação. Fulano entrou em concurso e obteve a cadeira í — Manifestação. Fulano caio do bond e quebrou uma perna ? —- Manifestação. Não quebrou a perna ? — Manifestação. Sicrano foi roubado ? — Manifestação. Sicrano roubou ? — Manifestação. 77 Manifestação por sim e por não, por fas e por nefas, por to be or not to be ! E' o cumulo ! Dizia eu que os dous signaes inequívo- cos que patenteara a vida de uma acade- mia são: o jornal e a tribuna. Esses dous signaes faltam á Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Desde que me matriculei, em 1877, até hoje, publicaram-se na academia os seguin tes jornaes : Revista do Instituto dos Acadêmicos, A Nebulosa, líevista Acadêmica, União Aca- dêmica e a Revista do Ugmnasio Acadê- mico. Este ultimo é o resultado da fusão da Revista Acadêmica e da União Acadêmica. E' o único que parece não ter morrido ainda. (>s outros morreram ao nascer. Do primeiro eram redactores os Srs. Jú- lio Diniz, Franklin de Lima, Lima e Castro, Belisario Augusto e Luiz Navarro, todos formados já. 6 78 A Nebulosa era redigida pelos Srs. Na- buco de Araújo e Sinipliciano Braga. A Revista Acadêmica tinha como re- dactores os Srs. Álvaro Alberto, Pedro Nolasco e Fonseca Jordão. A redacçáo da União Acadêmica com- punha-se dos Srs. bacharéis Senna Campos Júnior, Alfredo Gomes e Agostinho de Araújo. Finalmente, os redactores da Revista, Aca- dêmica hoje, em Agosto de 18M, são os Srs. bacharéis Senna Campos Júnior, Al- fredo Gomes e Abelardo Costa. A Revista do Instituto dos Acadêmicos, como seu nome o indica, era órgão da sociedade Instituto dos Acadêmicos. Appareceram só dous ou três números d'esse jornal. Foi pena. Os mais bellos talentos da academia, n'aquelle tempo, firmavam alli o seu nome. Artigos bem elaborados e alguns lavra- dos primorosamente illustravam as colum- nas da Revista do Instituto dos Aca- dêmicos. Infelizmente, porém, os redactores tive- 79 ram de lutar com uma dificuldade tremen- da : a falta de assignantes. Da Nebulosa nunca li cousa alguma. Mor- rêo também ao segundo ou terceiro numero, victima da mesma enfermidade que levou d'esta para melhor a sua irmã mais velha, a Revista do Instituto. A União Acadêmica foi, de todos, o jornal que mais longa vida teve ; parece mesmo que ainda não morréo pois que, com a Re- vista Acadêmica, é representada hoje pela Revista do Ggmnasio Acadêmico. A vida extraordinariamente dilatada que teve a União Acadêmica foi devida, em pri- meiro logar ao talento, á energia e á per- severança dos três redactores; depois os assignantes das outras academias, si bem que em pequeno numero relativamente aos da escola de medicina, auxiliaram a con- duzil-a atravez das ondas por demais cal- mas do indifferentismo. A Revista Acadêmica enchia as suas pa- ginas de extractos das lecções professadas pelo Sr. Conselheiro Dr. Torres Homem, de resenhas de jornaes estrangeiros e de compilações de compêndios. 80 Entretanto, cousas originaes e boas po- diam dar os redactores d'essa folha, dous dos quaes eram de provado talento. DVsses dous, um, o bacharel João Bap- tista da Fonseca Jordão, fallecêo victima de unia tuberculose pulmonar. Era um dos moços mais trabalhadores e mais in- telligentes da presente geração acadê- mica. A Revista do (igmnasio Acadêmico em 4 mezes publicou três números ! Porque ? Por falta de assignantes, ou antes por falta de pagamento das assigna- turas. A propósito d'este jornal lembra-me agora um caso que se dêo entre um estudante e os redactores, e que pode servir para o ajuizamento do bellissimo aspecto d'essa academia. Passava esse senhor estudante, que pelo nome não perca, pelo corredor principal da escola. Os redactores da Revista do Gymnasio, outros collegas e eu estávamos recostados a uma janella. Quando esse senhor passou junto a nos, 81 um dos redactores perguntou-lhe com a maior amabilidade d'este mundo : — Doutor, não quer assignar o nosso jor- nalsinho ? O tal doutor revestio-se de um ar orgu- lhoso, olhou para o redactor e respondeo com unia petulância própria de um cavallo indomito : — Quando preciso de jornaes recorro á Gazeta de Noticias. Este —preciso— era um insulto lançado não só a nós, mas também á illustrada redacçáo da Gazeta de Noticias. O redactor da Revista do Ggmnasio fin- gindo não ter percebido o alcance do — preciso— disse-lhe : — V. S. deve dar a cada um o que é seu. A leitura da Gazeta não exclue a d'este jornal e vice-versa. — Tenho em casa muitos livros, respon- deo o idiota. Muito provavelmente esses muitos livros ensinam-lhe a ser atrevido e grosseiráo. Em uma palavra, o typo não assignou a Bevista. 82 Ah, mas também foi desfructado em re- gra pelos collegas que estavam comungo. Atarantado com esse tiroteio vivo de espirito que o collocava n'uma posição ni- miamente ridicula, vendo-se escarnecido por aquelles a quem elle quizera escar- necer, e vendo-me calado emquanto os ou- tros atiravam-lhe farpas agudas, que se iam gravar n'uma clave forniidavelmente grande que elle trazia na gravata, virou-se para mim e disse: — O senhor não quer também dizer al- guma graça? Eu nem respondi ; guardei a graça para dizer-írTa agora apontando-o ao mundo como um grosseirão. Sociedades litterarias conhecemos apenas cinco no decurso de 1877 a 1SS1. Foram o Atlcneo Acadêmico, o Instituto dos Acadêmicos, o Club Raduiul Acadêmico, o Club Acadêmico e, finalmente, o Ggmnasio Acadêmico. D'estas, duas—o Club Radical Acadêmico 83 e o Club Acadêmico tiveram a vida das rosas de Malherbe. i) Athenêo Acadêmico vivêo por espaço de dous ou três annos. Compunha-se de moços intelligentes e illustrados que procu- raram avivar o espirito dos demais collegas. Discutiram-se ahi importantes pontos de sciencia e os oradores si nem sempre pri- mavam pela eloqüência, davam ao menos mostras de aproveitado estudo. A pouco e pouco as sessões do Athenêo Acadêmico foram-se espaçando e sendo menos concor- ridas, ate que um dia uma d'essas questiun- culas que nada valendo transtornam tudo, atirou pelos ares a associação, como si uma bomba de dynamite tivesse estourado na sala das sessões. O Instituto dos Acadêmicos foi formado pelo grupo dissidente que se separara do Athenêo Acadêmico. Um sentimento de rivalidade presidio ao nascimento d'essa assocação que so realisou umas seis ou sete sessões. Em 1S80, quando tudo tinha voltado á antiga pasmaceira, três moços corajosos e emprehendedores sonharam formar uma 84 nova sociedade. E o sonho tornou-se reali- dade. Esses moços que sempre se têm dis- tinguido pela sua actividade e intelligencia, são os meus amigos Senna Campos Júnior, Alfredo Gomes e Agostinho de Araújo, á cuja amizade deve o meu espirito não ter sido levado pela corrente do indifferentismo e do desanimo. Essa idéa que crescera no animo d'esses três valentes campeões teve, desde que foi manifestada, grande aceitação. E, seja dito em honra dos acadêmicos e sobretudo dos meus collegas então 4o annistas, os que não a abraçaram inteiramente a ponto de se identificarem com ella, approvaram-na sem rebuço. Entre os que mais trabalharam para a formação do Ggmnasio Acadêmico desta- carei, além dos três moços já mencionados, os collegas Cezar Pereira da Cunha, An- tônio Francisco de Souza, Manoel José da Cruz, Álvaro Alberto da Silva, Augusto Cotrim Moreira de Carvalho, João Paes Leme de Monlevade, Manoel Clementino de Barros Carneiro, Amorim do Valle, Ser- vulo José de Siqueira Lima, Leonel Jagua- 85 ribe, João Gomes da Rocha Azevedo Júnior, Abelardo da Costa, Protasio Alves e, em ultimo plano, o autor d'este opusculo. O Ggmnasio Acadêmico foi filho da força de vontade. Por isso tem vivido e vae em breve contar um anno de existência. Hoje (1882) tem o Ggmnasio dous annos de vida o que já é muito para uma asso- ciação que se fôrma no seio da academia. Programma vasto apresentou essa socie- dade, logo ao nascer. Pequena parte d'elle tem sido executada. A maior parte, porém, das boas intenções tem caido ante a pouca vontade da maioria dos collegas, alheios á sociedade. E' pena porque excellentes eram os artigos d esse programma e brilhantissimas seriam as conseqüências d'elle. Acredito, entretanto, que o Ggmnasio Acadêmico ha de perseverar e ha de vencer. Emquanto a directoria tiver moços ta- lentosos e enérgicos como Agostinho de Araújo, Francisco de Souza, João domes de Azevedo, Cezar da Cunha, Teixeira Dantas Júnior, Leonel Jaguaribe, a asso- 8(; ciação ha de singrar direita ao porto desejado. E ahi estão, traçadas com inconcebível pallidez, as linhas de contorno da grande face anêmica da mocidade (pie se aprompta, na escola de medicina, para entrar nas lutas que o futuro, certamente, reserva a este paiz. Os Urubus, aves negras que deliciam-se na luz quente do sol tropical, tiritam de frio embiocados no casarão informe do largo da Misericórdia. A atmosphera baoa da desidia e da inani- ção envolve todo aquelle edificio n'uma du- pla cinta de sombras, Tudo alli é morno, triste, somnolento e fúnebre. A vida arrasta-se lá dentro com o vagar pesado da obesidade, natranquillidade estu- pidamente fria das phocas que, deitadas na praia, de ventre para o ar, apanham na pelle gordurosa e dura as vergastadas de um sol amortecido pelo frio das geadas, 87 aspirando pelas dilatadas narinas as volup- tuosidades de um somno franciscano. Que imporia o dia de amanhã ? Que importa mesmo o dia de hoje ? Le monde marche—e na sua marcha fatal arrasta-nos conisigo, e ha de marchar ainda quando já nós tivermos parado na escuridão fria do sepulchro. Que importa, pois, o resto? Para que trabalhar, para que soffrer, para que lutar, para que sentir as lagrimas abrin- do sulcos profundos na face í Estude-se a medicina socegadamente, pausadamente, no suave aconchego de um gabinete bem agazalhado, na doce mono- tonia de um espirito que não tem preoccu- pações, que não tem receios e que não tem outros desejos além do que se resume na exterioridade da boila e do capello. E isto mesmo entenda-se : não ha neces- sidade de estudar muito. Basta que leiainos o que diz um autor, basta que mecanica- mente repitamos o que dizem os Srs. profes- sores. Decidamos a escravisar a intelli- gencia, como já escravisámos a vontade. A nossa aspiração total deve ser esta: 88 passar de um anno inferior para o anno su- perior, até sermos vomitados promptinhos, lisos, enxutos e frescos no mundo que nos admira e que nos ha de proclamar grandes heróes e sábios omniscientes. Depois, logo que entrarmos na vala pra- ticávamos para a roça ganhar beatificamente o nosso dinheiro, ou vamos para a Europa freqüentar os cafés e os boulevards que, vistos de cá, teein as apparencias do hospital da Misericórdia e do hospital do Carmo. Pois não é assim que se formam os gran- des homens e os grandes médicos I O que nós precisamos saber é: apparen- tar. Essa é a sciencia mais difficil, mas a única que promette uma boa messe de resultados lisongeiros para a nossa bolsa, para a nossa vaidade e até para a nossa—gloria. E é para aprender essa sciencia que os Urubus do Hospital agglomeram-se em redor do leito de um doente, ou vão ás aulas theo- ricas onde procuram sentar-se nos bancos ãa frente para que o professor (que as vezes é rnyope) os enxergue bem distinctainente. O afan que mostram os Urubus acercan- 89 do-se dos leitos dos doentes, a seriedade e attenção que fingem nas aulas, bem na frente do professor, querem dizer isto :—os urubus querem ser approvados com distincção nos exames de fim de anno. Não quer dizer outra cousa. E infelizmente a vaidade dosSnrs. lentes (quem não a tem ?) dá razão aos Urubus. SS. SS., nas notas que dão ao estudante nos exames, regulam-se muito pela circums- tancia inteiramente material da freqüência que o examinando mostrou durante um anno. De modo que basta que um indivíduo te- nha a imbecilidade automática de um esta- fenno para decretar-^e-lhe um diploma de mérito íAim certamen da intelligencia !! Dir-nie-Iião que estes argumentos não teem razão de ser, hoje que o ensino livre vigora. Engano ! Todos nós sabemos o que são as leis em nossa terra, o que ellas valem e significam. Hoje não ha ponto—é exacto. Mas os olhos do professor substituíram o lápis fatí- dico do bedel". 90 O estudante sabendo d'isto quer-se fazer notado por sua assiduidade, já que o não pôde ser de outra fôrma. . . . Sem duvida que ha numerosíssimas eX- cepções ao que acabo de dizer nas ultimas linhas, mas as excepções não infirmam a regra. E para prova de que no meio dos Urubus ha aves que planam no horizonte azul do talento, basta que, summariamente, passemos em revista a personalidade litteraria de al- guns moços que, apezar dos pezares, mos- tram-se dignos do paiz que os vio nascer— trabalhando, e da sciencia que os acolhe —destacando-se pelas próprias idéas e pelos fructos do talento. Dispensamo-nos de ennumerar os que se teem revelado como intelligentes cultiva- dores da sciencia de Hippocrates. Este opusculo é mais litterario do que 91 «cientifico - si consentirem que elle seja litterario (do (pie eu duvido um pouco). Desculpar-nn-hão, por isso, os collegas si os não cito e se não entro aqui na analyse critica dos trabalhos ou, melhor, dos artigos que teem saído de suas pennas e que, não poucas vezes, são anonymos. Entre as bellas organisações cerebraes que se occupain só e exclusivamente da medicina, sou, porém, forçado a destacar e a pôr muito em relevo o nome de Fernando Agostinho de Souza Araújo (1). Este moço que tem, reunidos, os dotes moraes e intellectuaes precisos para que se constitua uma individualidade distincta, é um dos mais esforçados e valentes athletas que só quebram armas pela religião de Esculapio. E não é so isso. Foi elle um dos poucos que souberam elevar a imprensa acadêmica a um certo grau de valor moral. ' Foi elle que, (*)m Senna Campos Júnior e Alfredo (tomes, prophetisou a união de (1) Actualmente (1882) medico. 92 todas as academias que realmente uniram- se mais tarde n'uma aggregação ephemera para consagrar a personalidade de um talento pátrio que vinha da Europa coberto de louros. Como prophetisou Agostinho de Araújo essa união ? Fundando um jornal a — União Aca- dêmica—, e trabalhando activamente para realisar a utopia que formava o titulo de seu jornal. Fernando Agostinho de Souza Araújo, além de ter um bello interior de craneo, tem o coração forrado de excellentes sen- timentos. Creio que basta dizer isto para dar a Agostinho de Araújo a millesima parte do que elle merece. Sinto só não ter no bico da minha penna Mallat um brilhante sem jaca para projectal-o em irradiações de luz, sobre a physionomia sympatica d'esse moço. 93 Álvaro Alberto da Silva (1).—Ha de ser provavelmente, um dia, uma das glorias da medicina brazileira. Ainda no 2? anno Álvaro Alberto publi- cou, em folheto, um estudo sobre o meca- nismo da respiração—estudo que não foi acolhido como devera ser. N'esse folheto o autor examinava todas as theorias propostas até então para a ex- plicação dos phenomenos que se dão durante o acto respiratório. De então por diante, Álvaro Alberto dis- tinguio-se sempre pelo aferrado apego á sciencia medica e é considerado como um dos mais intelligentes e dos mais trabalha- dores entre os que mais trabalhadores e mais intelligentes se teem mostrado no cultivo da arte de Hippocrates. José Simpliciano Monteiro Braga—além de ter redigido A Nebulosa, publicou um (1) Actualmente (1882) medico. 7 94 folheto intitulado—Corpo Humano—quando ainda estava no segundo anno. NVsse folheto Simpliciano Braga revela talento e estudo—duas cousas que poucas vezes se vêem juntas. Ha tempos o 6o annista Eustachio Garção Stockler (1) mostrou certas tendências á critica, escrevendo um artigo sobre a indivi- dualidade litteraria do Sr. Ramalho Ortigão. Ficou n'isso, porém, a esperança que nos dera o illustrado acadêmico. Nunca mais saio de sua penna trabalho de critica (ao menos que eu o saiba). A philosophia por um lado, o magistério por outro absorveram em germen a propen- são á critica do talentoso moço. Como transição do grupo dos que não são poetas ou litteratos para o grupo dos que (1) Actualmente (1882) medico. 95 o são, tenho a honra de apresentar-te, leitor, o meu amigo e collega de anno o Sr. Cezar Augusto Pereira da Cunha. Este meu amigo é um d'aquelles indiví- duos que dão ao critico mais de um proble- ma a resolver, quando quer o critico ana- lysal-os. A desculpa que dão certos Urubus de não saberem escrever nem fallar, dizendo que— a medicina e a litteratura, a imaginação e a observação são cousas incompatíveis, recebe na pessoa de Cezar da Cunha um desmenti- do formal. Cezar da Cunha é tão medico como ar- tista; ama tanto a sciencia como a arte: com egual vehemencia, com o mesmo ardor. Casam-se n'elle a alma do artista e a reflexão do sábio. Tem exclamações de enthusiasmo, ale- gres, retumbantes ; e sabe fallar com a con- vicção profunda de um fervoroso adepto de Minerva. Admira uma bella estatua de Mercié, um luminoso quadro de Rubens com a mesma paixão com que pratica uma amputação no cadáver. 96 E' talvez inconcebível, isto, mas é assim. Em litteratura (cousa muito pouco apre- ciada no matadouro) Cezar da ('unha segue Byron, Espronceda, Musset. E' satânico, no rigor da palavra. Em sciencia é sectário de quanta doutrina arrojada apparece. E' por isso que sympa- thiso com elle. Como orador, é um dos poucos que ha na actual geração acadêmica que foge da tri- buna como o gato foge da água. Sob este ponto de vista, Cezar da Cunha tem defeitos, e consideráveis. Na tribuna capta a attenção do auditório; vê-se que falia sempre enthusiasmado; pa- rece querer admirar as próprias palavras como o esculptor que queria infundir a vida na obra de seu buril. E' eloqüente, o que já não é pouco, mas gosta muito dos termos bombásticos, empo- lados, das comparações mythologieas, das periphrases sonoras como um bumbo cheio de ar. Quem ouve Cezar da Cunha fallar, dá-lhe attenção por força; mas si se fôr a analysar friamente tudo quanto elle diz chegar-se-ha 97 a este resultado: —fallou muito mas disse muito pouco. Não o censuro muito por isso, antes o louvo porque esse defeito—si realmente o é —prova antes em seu favor do que contra. Actualmente clamam todos contra a rhe- torica. Parece que se apostaram em quem primeiro derrubará o inimigo. Entretanto, digamol-o com franqueza, os que assim procedem fazem-no pelo motivo muito sim- ples e muito coherente de—não terem flores de rhetorica para aromatisar um discurso ou para matizar um artigo de jornal. E' o eterno Caim em luta perpetua com Abel. Assim, pois, eu applaudo Cezar da Cunha como orador ; applaudo-o tanto mais since- ramente quanto sei que elle é despido de inveja para com aquelles que tentam e- gualal-o. Como estylista tem elle os mesmos defeitos que como orador. Aqui preciso ser justo como alli, mas tenho necessidade de ser consciente. O estylo empoladissimo e confuso de Cezar da Cunha não pede applausos. 98 Si no discurso de tribuna se perniittem as catadupas espumosas da eloqüência. <>s relâmpagos de figuras pallidas e coloridas, horrendas e sublimes, no jornal e no livro já se não dá o mesmo. O estylo de Cezar da Cunha e um turbi- lhão, uma voragem. Em a gente começando a lél-o, lá se vae até o fim, arrastado na im- petuosidade das palavras, sem se poder tomar respiração, sem se poder descançar os olhos e, afinal, quando se acaba de lel-o não se sabe o que o escriptor quiz dizer! E' que Cezar da Cunha é d'essas natu- rezas vehementes, impetuosas que quebrara tudo o que encontrara a estorvar-lhes o ca- minho, sem se importarem que os que voem atraz caiam no abysmo aberto por ellas ou vão de encontro a uma barreira que ellas saltaram. Convença-se Cezar da Cunha de que o tempo do gongorismo passou. E' um con- selho que lhe dou, eu um dos mais sinceros admiradores de seu brilhante talento. # * # 99 Bernardino de Almeida Senna Campos Júnior é poeta, novellista e polemista. Como poeta é um colibri; é exactaniente um colibri. (iosta de sugar o orvalho das flores mais viçosas e variegadas; adeja sempre n'uin jardim de luz e de alegria. A noite da alma humana faz-lhe medo ; não transporta para o verso as tempestades do cérebro, não fixa na rima os combates do coração. Canta o amor, a belleza, os seios puros, os beijos quentes, a pallidez chlorotica das donzellas, a luz tranquilla da lua, o monó- logo triste e lamartiniano do riacho que beija, ao passar, os seixinhos alvos de seu leito de areia. Paira em seus versos uma tristeza suave, melancólica como a que se irradia dos olhos ternos de uma virgem entregue a brando scismar. \\ uma espécie de AVerther a procura de unia Carlota. F/ as vezes satyrico e dá-nos boas pro- ducções n'esse gênero. As vezes o poeta tem horas de tristeza, 100 de desanimo, uma espécie de nostalgia por uni paiz que se advinha sem se o conhecer. Sentem-se então em seus versos as clari- dades dúbias que prenunciam o occaso de uma illusão, o baquear de uma crença, o vergar de uma hastesinha gentil que dava coloridas flores. Senna Campos Júnior exhala uesses momentos os perfumes calidos de sua alma terna e amante, verga sobre o túmulo de uma esperança perdida a fronte triste e abatida, deixa que se perceba no doce ciciar de seus versos como que uma evaporação dos sentimentos ternos que inundam-lhe o peito. Consinta o amigo que, entre outras, eu escolha esta lagrima : A CRUZ DO MEU DESTINO í^e nobre o coração estende-se a tri-teza Como amplo véV> de crepe. ou fúnebre «udario, Fugindo ao que sorri, na dôr que me atormenta Eu lembro de Jesus os transes do Calvário. A cruz do meu destino é fardo que me opprime Edesfalleço, e caio, e me reergo ainda — Dehalde vou de novo a tropeçar em urzes, Que a hora, a negra bora, a do martyrio é vinda. 101 Em vão nesta agonia um Cvreneu imploro, A cruz peza a mim só, ninguém se me approxima. Qu'iiiiporta o pranto meu, daesirada entre os abrolhos Qu'imuorta que eu me fira, ao pobre quem arrima? E diz me voz de escarneo : Erguei-vos e segui, Segui, que a sorte ordena, a dôr é vosso erário; Nem penso em me deter, impeile-me o destino E só conduzo, e triste, a cruz de nu-u calvário. Onde, porém, Senna Campos Júnior é admirável é na novella e sobretudo na pole- mica jornalística. Ahi, sim; ahi póde-se avaliar toda a ro- bustez d'aquelle talento de fina tempera ; ahi podem-se admirar os quilates da preciosa gemma que o seu craneo arredondado encerra. Na polemica travada entre a União Aca- dêmica e Carvalho de Mendonça Júnior, uma das mais bellas cabeças da faculdade de direito de S. Paulo, Senna Campos Júnior elevou-se muito alto. As proposições arrojadas e brilhantes de seu contendor, elle oppoz a argumentação cerrada e lógica como um esquadrão formado em quadrado, no campo de batalha. Era bello esse espectaculo; encantava 102 ver-se o tiroteio de dous talentos robustos que trocavam entre si obuzcs de flores e de luz. Senna Campos Júnior servia-se de todas as armas que o arsenal da lógica lhe forne- cia ; e, emquanto Carvalho de Mendonça Júnior espargia a arena do combate com as pétalas matizadas de seu estylo elegante, Senna Campos Júnior transformava cada uma dVssas pétalas em dardos perfumosos que enviava a Carvalho de Mendonça. Como novellista Senna Campos Júnior é dotado de uma força concepcional que as- sombra. Rarissimo era o numero da União Acadêmica em que não vinha uma producçáo sua, em prosa. As mulheres românticas constituem um dos mais bellos florões de seu brazáo de aris- tocrata do talento. Ahi revela Senna Cam- pos Júnior mais uma face da vida intellec- tual que lateja-lhe no cérebro, mostra que é dotado da força de observação, da precisão critica que constituem hoje o ideal do ro- mance. Suas novellas são estudos de costumes, 103 estudos quasi sempre completos e sempre verdadeiros. Sei que Senna Campos Júnior tem ine- dietos, uni volume de poesias e dous ou três romances. Não podo publical-os, disse-me elle, por- que é pobre e porque ninguém quereria lei-os. E' a triste sina de quem tem talento n'esta terra! # # # Alfredo Augusto Gomes.— Este poeta tem na alma os vividos clarões da procella; assenta-lhe na imaginação fecunda a angus- tiosa imagem da duvida. Quando se o le parece á gente estar as- sistindo aos últimos estrebuchamentos de um espirito e ao mesmo tempo aos esforços titanicos de um coração que se quer livrar do influxo oppressor de um peso de chumbo. O poeta atira-nos em seus versos o escar- neo e a duvida que se apossaram de seu espirito ; ri-se da tolice humana e das cren- ças que embalam a criança no berço alvadio e perfumado. 104 O seu espirito aberto á todas as theorias modernas que se apresentam na sciencia, firma no verso as suas crenças progressistas com uns laivos de longiquo dissabor pelas crenças perdidas. E' Buchner — poeta. Alfredo (lomes tem a vasta comprehen- ção do problema sociológico e do proble.ua individual; encara os factos sociaes e os successos individuaes com a physionomia calma do sceptico, com a imperturbabili- dade do anatomista que vê pullularem nas carnes cadavericas os vermes da putrefac- ção. E' republicano e é materialista. Só isto basta para provar que elle tem um espirito forte. Nas suas poesias não se experimenta a sensação de aragem fresca que se desprende das poesias de Senna Campos Júnior ; não ! aqui está-se mesmo no meio da borrasca. Estrondam-nos trovões por cima da ca- beça; riscam-se-nos diante dos olhos os zig- zags dos coriscos ; estalam-nos ao ouvido pedras aerolithicas; verga-nos o corpo im- petuoso tufão. 105 Sente-se estar n'um medonho cataclysmo era que os elementos concertam-se n'um unisono infernal. Parece estar-se assistindo á creação do mundo como nol-a pintam as gravuras orien- taes. Tem-se uma sensação angustiosa, uma sensação de peso similhante a um pesa- delo. Alfredo Comes gosta d'isto. Agrada-lhe ver o raio rachar de alto a baixo o roble annoso que zombou da acção destruidora dos séculos ; encanta-lhe ouvir o grito de agonia que solta o naufrago ao ser pela ultima vez tragado pela onda mon- tanhosa ; ri-se ao ver deslizar uma lagrima que cava um sulco profundo na face de uma mulher. E' um sceptico. Tem um espirito viril, forte que nada é capaz de fazer vergar. Ter. rios lábios o rictus constante da iro- nia e do escarneo, mas o intimo tem-no elle cheio de lagrimas e de amor. E' tal e qual Alfredo de Musset; asse- nielha-se muito a Byron. 106 No mais excellente poeta, o melhor poeta mesmo da academia. ()s seus versos ora. são repassados de pro- funda tristeza, ora gerados em horas em que a duvida mais tortura a sua nobre alma. Vc-se (pie Alfredo Gomes tem uma con- vicção, mas que essa convicção dá-lhe mui- tas horas de amargas saudades. O numero de suas poesias é immenso. Em todas ellas admira-se o buril que as cinzelou; são todas pedras finas de primeira água. Não resisto á tentação de transcrever fragmentos de algumas. REALISMO O que és tu, vil matéria I Que pretendes Nas dobras do futuro devassar ? De que modo pretendes demonstrar Que d'essencia divina tu descendes ? Em que factos te podeis basear ? De que falsas chimeras deprehendes As bellas utopias que defendes A' força de perenne sophismar ? 107 Eis ahi o escarneo que o poeta atira á religião. Zomba da vida futura com um riso de descrente. Vejamos como elle conclue. Olha, vê.....no futuro, o zero, o nada Em torno do cadáver solidão Da morte companheira desolada, Despreza aphantasia; na razão, Lá somente se firma resguardada A crença que partiu dò coração. Eis ahi o poeta ! O zero, o nada, a solidão na morte, o esquecimento na terra e a pu- trefaceão no c< o ! Gargalhada enorme que repercute nas paredes do túmulo ! immenso escarneo ati- rado ás utopias dos philosophos theistas! O túmulo é o ponto final da existência moral. Além, ha a desaggregação das mo- léculas que se escapam dos interstícios da terra ; aquém, ha a luta da sciencia e da fé, do coração e do cérebro, da lagrima e do riso ! Por sobre tudo isto paira o ether do 108 nada, a realidade do zero, o silencio o a solidão dos amplos espaços celestes. E. a titular a curiosidade do homem, a duvida philosophiea que se desfaz no pó impalpavel das crenças humanas ! Ouçamos o poeta descrever uma scena de orgia seguida tia morte da bacchante. A BACCHANTE Arde em febre a orgia, a crápula soberba, Ouvem-se gritos roncos, gritos de prazer; Nos rostos se distingue a lubriea vertigem, A seducçào fatal, o gozo a referver. Depois descreve o poeta a walsa infernal, voluptuosa em que Se arrastam, «'encadeiam, ebrias, languorosas As lindas Slagdalenas, bellas peccadoras Que aos dons Juans se prendem, doudas, amorosas A bacchante entoa em seguida uma can- ção devassa. Os olhos brilham-lhe incen- didos pela vertigem da volúpia, os seios nús arfam-lhe descompassadamente, e da gar 109 ganta esquentada pelo álcool, saem-lhe uns sons gutturaes, e ... n'esse peito involto em rija carnação Mina um germen de morte...... Esse — germen de morte—cresce-lhe a pouco e pouco no seio e, no fim de seis mezes — O germem lbe tornara — O peito cavernoso — E o viço lhe murchara — Do rosto tão formoso. Vem depois a morte da bacchante. E' de mestre essa descripção. A' uma vida impura devia logicamente de succeder a morte solitária, tendo apenas no aposento em que se representa o epilogo d'essa exis- tência de deboche — ............ o vulto horrível — Da morte a voejar, pai lido, lento, A bacchante está prostrada no seu leito de morte, que fora o seu leito de prazeres sensuaes. 8 110 O corpo que apresentava, seis mezes antes, a carnação rija, as fôrmas arredon- dadas, os tons seductores, os requebros bin- guorosos, está agora secco, empallidecido, reduzido ao esqueleto ósseo que se desenha em linhas duras atravez da pelle humede- cida pelo suor ethico. Os olhos afundam-se nas orbitas escava- das pela moléstia e disferem uma luz amor- tecida e baça. As mãos até então rosadas e macias, pen- dem das bordas do leito, por entre um torvelinho de rendas e de carabraias, e os dedos descarnados e ossudos contrahem se n'uma convulsão de dor ! O vulto da morte caminha manso e man- so... Sente-se no aposento uni frio inextin- guivel que o desalento espalha... Ouve-se apenas o arquejar rouco da moribunda, o tic-tac secco do relógio, e o zumbido das moscas que sentem a morte Lá fora passa a festa; ouvem-se os sons alegres dos instrumentos, o riso cristallino das crianças e das virgens, os gritos alegres dos rapazes. E, por entre as frestas das janellas, per- ^ 111 cebem-se os tons quentes do sol sem nuvens, e nas arvores fronteiras chilram os passari- nhos um edyllio de amor. A moribunda nada d'isto vê ; estorce-se nos braços do—vulto horrivel— ; esforça-se por sepultar no seio o sangue que surge-lhe á flor dos lábios... E o vulto pára... estende o braço —..........que separa — A vida co'um poder eterno, ingente E a bacchante morre tendo nos lábios — A branca espuma que se assemelha a fitas. Alfredo Gomes é, alem de poeta, novcllista e philologo. Prefiro as poesias ás novellas d'este autor; estas não se prestam tanto á espécie de suas sympathias. Como philologo Alfredo Gomes é apenas conhecido por um pequeno grupo de amigos que o admiram e respeitam. E' um dos mais valentes talentos da es- cola. Occupa-se ao mesmo tempo de vários assumptos, e todos os trabalhos que saem "*s 112 de suas mãos de artista têm um bem aca- bado que admira. Já disse que a Alfredo Gomes, Agostinho de Araújo e Senna Campos Júnior se deve o melhor jornal que tem apparecido na es- cola. Três talentos de aptidões diversas, mas de força egual deveriam produzir isso mesmo. Resta-me fallar de Thomaz Delfino dos Santos, Corrêa de Azevedo, Ildefonso de Castilho, Servulo de Lima, Sandim Júnior e Anastácio Vianna. Os três últimos são poetas de muito futuro mas que começam agora a ensaiar o vôo. Só tenho para elles palavras de animação. Re- cebam elles aqui o protesto de minha sym- pathia e os ardentes votos que faço para que o futuro encha os de glorias. Thomaz Delfino dos Santos publicou na União Acadêmica umas três ou quatro poe- sias somente. Não é possivel avaliar por tão pequeno numero de creações, o seu ta- lento artistico. ,S 113 Vê-se, porém, que Thomaz Delfino tem força de concepção e originalidade de vistas. Occupado, como anda sempre, com os deveres sérios da profissão que escolhêo, Thomaz Delfino apenas em horas vagas faz poesias. * # # Corrêa de Azevedo e Ildefonso de Cas- tilho são poetas maviosos, d'esses que «amam cantando e cantam amando». Publicaram ambos muito poucas poesias para que se possa ajuizar de seu verdadeiro merecimento. N'essas poucas, porém, vê-se que ambos elles têm ainda as suaves illusoes o amor ethereo, impalpavel dos poetas la- martinianos. Creio que têm ambos excel- lentes producções, mas não me foi dado o prazer de lel-as. Si como poetas têm o que se censurar n'elles, como moços de intelligencia e de bom coração só merecem do critico um aperto de mão. FIM ~s £>.>#> V8 ■J ■;T.O-' ' 1VNOMVN 3NI3I09W IO A a V ■ S I 1 1VNOI1VN 1NIDI0JW iO AIVIII1 IV MEDICINE N ATIONAl l I B * A * Y OF ME OICI NE N A T I O N A L l I t * A • Y O F M I WZ 100 C197u 1882 55320300R NLM 05r2T5MSS fl NATIONAL LIBRARY OF MEDICINE