Ramos Considerações Acerca da Febre .Amare11a E Seu Tratamento 7 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA FEBRE AMARELLA E SEU TRATAMENTO APRESENTADAS NO INSTITUTO MEDI IIE PERNAMBUCO ' POR JOAO DA SILVA RAMOS / * i MEDICO PELA UNIVERSIDADE DE COIMBRA, COMMENDADOR DAS ORDENS DE CHRISTO E DA CONCEIÇÃO DA VILLA VIÇOSA POR PORTUGAL, CAVALHEIRO DA ORDEM DA ROSA, SOCIO CORRESPONDENTE DA SOCIEDADE DAS SCIENCIAS MEDICAS DE LISBOA E DA SOCIEDADE DE MEDICINA DE PARIZ ETC., ETC-, PERNAMBUCO TYPOGRPHIA DO JORNAL DO RECIFE RUA DO ÍMPERADOR N. 47 t/c Pela leitura dos jornaes deve V. S. saber que nas sessões do Ins- tituto Medico de Pernambuco, que vão começar em Fevereiro proximo, tem seus membros de discutir a seguinte these: « Qual o melhor tratamento da febre amarella. » Como clinico encarregado do tratamento do Hospital Pedro II, e da Casa de Saúde, onde em epoclias de epidemia se recolhe grande nu- mero de doentes; exercendo a profissão ha vinte annos nesta cida le, en- tendo ser de meu rigoroso dever tomar parte na discussão para expor o juizo, que minha pratica me tem permittido formar acerca dos diversos meios re- cominendados pelos práticos contra tão terrivel moléstia. Tendo V. S. publicado ha annos vários artigos acerca do emprego do sulphato de quinino na febre amarella, não concordando com sua opinião ; tertciono impugnal-a; e na mesma occasião mostrar o erro de algumas propo- sições então emittidas por V. S., e o nenhum fundamento, que teve o pro- fessor Jacoud para a tal respeito cital-o em seu tratado de pathologia. Mas não querendo que se diga que me aproveito da ausência de V. S. para assim proceder; assegurando-lhe, pelo contrario, que sua pre- sença me reforçará o animo, porque da discussão, que travarmos, nascerá a verdade, com que a sciencia e a humanidade tem de aproveitar: venho por este meio fazer esta prévia declaração para que V. S. delibere se lhe con- vém entrar para socio do Instituto, para tomar parte no debate, sustentando suas idéas, refutando minha argumentação; ou se quer que ellas fiquem sem sua defesa, mostrando eu deste modo a lealdade de meu caracter, e o amor que consagro a sciencia, que ambos cultivamos. Recife, 16 de Janeiro de 1875. Sou de V. S. Collega, JoÀo pa Silva Ramos. CONSIDERAÇÕES APRESENTADAS POR JOÃO DA S1LVA RAMOS NO INSTITUTO MeDICO de Pernambuco, acerca da febre amarella E SEU tratamento, comprehendendo a refutaçi.0 das idéas do Dr. Joaquim de Aquino Fonseca sobre o mesmo objecto I Illustres collegas.-Tem sido sempre norma de minha conducta não recuar diante de cum- primento de qualquer um dever, sejam quaes forem as difficuldades que tenha de superar, ou os perigos á que tenha de expor-me. Eis por- que me vêdes hoje occupando este lugar, receio- so de minha posição, pelos embaraços em que necessariamente me hei-de achar na expo- sição de minhas idéas em pontos controversos; certo dos dissabores que hei-de tei' pela refuta- ção, que tenho de fazer de proposições alheias; mas tranquillo em minha consciência porque cumpro um dever . Ao ouvir annunciar-se nesta casa, como objec- to para discussão a these « qual o melhor trata- mento da febre amarella; e quaes os resultados, que se podem obter nesta moléstia com o tra- tamento hydrotherapico, senti que não podia fur- tar-me ao dever de expender minhas idéas acerca de tão importante assumpto, porque cli- nico nesta cidade, ha 20 annos, em muitos dos quaes tem epidemicamente reinado com maior ou menoi' intensidade a febre amarella ; medico do Hospital Pedro II, e de uma casa de saiide, aonde são recolhidos tantos doentes accommettidos de tal moléstia, eu daria cópia do mais completo deleixo no exercício de minha profissão, se nada tivesse que dizer como fructo de minhas observações acerca dos variados meios aconselhados pelos práticos no tratamento da febre amarella. E tão acertado foi o juizo que formei da at- titude, que me cumpria tomar, que vários col- legas ao ouvirem ler a these que devemos dis- cutir, chamaram sobre ella minha attenção ; não porque necessitassem ou desejassem ouvir-me, porquanto pequeno contingente posso trazer- lhes em assumpto tão importante com as fracas luzes de minha intelligencia, e com a deficiên- cia de meus conhecimentos, mas porque não queriam ver-me incorrer em uma omissão que merecidamente seria censurada. Porém apezar dos motivos, que actuaram em mim para me não conservar silencioso na pre- sente discussão, eu poderia enxergar algum, que justificasse meu silencio, ficando eu bem com minha consciência: mas minha posição tomou-se menos livre, desde que um ponto de honra me força a vir a discussão, e em ques- tões de tal quilate não ha para o caracter brioso, tregoa possivel. Por uma carta, que fiz inserir em dous jor- naes desta cidade, convidei o Dr. Joaquim de Aquino Fonseca para vir a este Instituto assis- tir a refutação, que eu tinha de fazer de suas idéas acerca da febre amarella, e seu tratamen- to, publicadas em vários artigos do Diário de Pernambuco de 1871. Não me occorrendo, na occasião, em que di- rigi minha carta que o illustre medico da facul- dade de medicina de Pariz, já me havia decla- rado que só discutia com médicos da mesma fa- culdade, instituindo desta arte para si uma invul- nerabilidade maior que a do proprio Achilles, porque entre nós é actualmente o unico filho de tal escola, e então está o illustre medico á salvo de qualquer golpe, porque nunca descerá â are- na da discussão para medir suas forças; nutri a esperança de que fosse acceito um convite feito com tanto cavalheirismo ; e que o illustre medi- co se daria pressa em vir esmagar com o peso de sua erudição perante juizes competentes, e em pontos scientificos, o discipulo d'outra escola, que ousara encaral-o de frente, sem se deixar en- candear pelo brilhantismo de sua apregoada illustração. Mas minha carta não produzio outro effeito mais do que exacerbar os odios do illus- tre medico da faculdade de Pariz, que con- tra mim se tem lançado nas palestras dos sa- lões e das ruas com todos os seus furores, sem que de minha parte tenha havido outra falta mais do que a de ter provocado em 1871 o illustre medico para discussões scientificas, e para analyse de seus escriptos ; pois nunca escrevi uma palavra, que pudesse ser tomada como uma offensa a seu caracter. Porem eu que me vejo adstricto aos princípios da educação, que recebi não seguirei o illustre doutor nesse caminho, em que facilmente me. transviaria ; e perdoando- lhe com toda a magnanimidade tudo quanto phantasie á meu respeito, com que pareça poder ferir-me ; direi apenas que meu ajuste de contas com S. S. é meramente em questões scientifi- cas ; que no campo da sciencia, que ambos cul- tivamos, quer em pontos theoricos, quer práti- cos, considerarei uma felicidade sempre que me encontrar com S. S., pois desejo medir-lhe as 2 forças, que nunca me foi dado bem avaliar, por- que S. S. evita as discussões quer em conferen- cias, quer na imprensa. Collocado nesta posição não vou acintosamen- te oppor-me as idéas do iliustre medico ; por- que em questões scientificas não me dirijo pelas affeições nem pelo capricho, acceito a ver- dade seja qual fór sua origem admiro o talento e a illustração embora odeie por motivos alheios o feliz que os possuir, mas o illustre medico na escolha das tres principaes proposições, que fazem o objecto de seus artigos collocou-se em terreno tão falso, que a sã razão, o senso me- dico, e a observação dos factos facilmente o le- varão de vencida. Para dar melhor ordem ao desenvolvimento de minhas idéas, enunciarei desde já as tres proposições, do illustre medico que tenho de impugnar no correr da discussão. I- A febre amarella é entre nós, uma moléstia endemica. 2' Ella é da mesma natureza das febres palu- dosas. 3' O sulfato de quinina é seu especifico. Feito este preambulo, que julguei indispensá- vel para justificar minha conducta, passo a de- senvolver minhas idéas acerca da importantíssi- ma these, que nos foi dada para discussão. O simples enunciado da these sobre que vou dissertar deixa perceber quanto ella é complexa, porque a idea de tratamento envolve a idéa de diagnostico, pois é sempre aquelle dependente deste: e assim para firmar a preferencia que devo dar a este ou aquelle methodo de curar a febre amarella,regeitando os outros igualmente aconse- lhados, tenho necessidade de expender minhas idéas acerca de sua natureza, e dos caracteres, que a tornam distincta das outras endemo epide- mias. A febre amarella é uma moléstia que reina entre nós epidemicamente ; de origem exótica ; miasmatica especifica, manifestada por um úni- co paroxismo febril continuo com duas fases geralmente mui distinctas, uma de excitação ou reacção ; outra de depressão ou collapso. Traçando este ligeiro quadro, não tive em mente dar da febre amarella uma definição completa e rigorosa, mas sómente apresentar caracteres que lhe sao proprios, e sobre os quaes tenho de fallar para expor minhas idéas a cerca de pontos que se ligam directa ou indirectamen- te com a these em discussão. Que a moléstia de que tratamos tem reinado entre nós por varias vezes, como epidemia mais ou menos intensa, é ponto que não deixa duvida a quem quer que tenha observado sua marcha nas occasiões em que temos tido a infelicidade de sermos por ella visitados; o numero crescido de indivíduos que tem sido ao mesmo tempo accommettidos-e as vidas sem conta que ella tem ceifado. Mas se este terrível flagello tom entre nós seu berço, é que agasalhado ahi permanece sem manifestação de vida, para estender quando en- contra os elementos indispensáveis para seu de- senvolvimento, suas setas hervadas de veneno sobre a população de nossa bei]a cidade : ou se nascido em plagas remetas e estranhas, se afasia elle de seu antro envevenado para nos ferir com golpes desapiedados; é um ponto sobre o qual as opiniões não deveriam estar divididas, mas que infelizmente o estão, porque muito póde sobre o espirito do homem o louco afferro a uma idéa, que elle intenta arvorar em doutri- na provada, acceitando para isto com leviandade factos sem valor, ou que se o tem servem de provar o contrario. Eis o primeiro ponto em que me encontro de frente com o illustre medico da faculdade de Pariz. Pretende elle que a febre amarella tem entre nós o seu germen, e que aguarda sómente condições metereologicas convenientes para se desenvolver e manifestar. Permitta me o illustre medico que lhe diga, que li mais de uma vez os seus artigos, procu- rando encontrar em seus argumentos provas em favor de sua opinião, mas que mão grado meu, fui forçado a admittir que uns serviam melhor a causa contraria ; e outros nada prova- vam por serem factos ou contestados, ou care- centes de verificação. Sendo o Dr. Aquino, presidente do conselho geral de salubridade publica, deu ao prelo em 1852 umas reflexões sobre as conclusões do re- latório ao parlamento britannico, apresentadas pela inspecção geral de saúde de Londres acerca da febre amarella e quarentenas ; e disse o seguinte « em quanto a Pernambuco não che- gou o brigue francez Alcyon, a febre amarella não se havia declarado; entretanto apenas a bordo desse navio, procedente da Bahia, onde reinava então a febre, e donde trouxera doentes, se formou um foco de infecção. vimos o ancora- douro invadido passando ella desse navio áquel- les que se achavam fundeados em sua circumvi- zinhança. Querem os illustres collegas uma opinião mais claramente expendida, e um documento official, acerca da importação da febre amarella na epi- demia de 1849 ? Pois bem; consultem se os trabalhos poste- riores, e veja-se como o illustre medico, esque- cido do que havia escripto, pois não creio que o fizesse de caso pensado, publica em 1871 o se- guinte para fui-(lamentar sua recente opinião de que a febre amarella era indígena nesta pro- víncia. « Até 1849 todos attribuiam á importação a febre amarella, e elle mesmo partilhara dessa opinião até que a leitura de um manuscripto (de que logo fallarei) e observações posteriores (que não menciona) o fizeram mudar de opinião, e que não é elle só quem assim pensa, pois que William M'Kenley pretende que a febre ama- rella não foi em 1849 importada ao Brazil, mas que entre nós desenvolveu-se a maneira das in- demo epidemias. E' bem patente a pouca reflexão, com que es- tas ultimas considerações escaparam da mente do illustre doutor. A opinião por elle sustentada em 1852, basea- da em facto, bem averiguado, facto mencionado em documentos officiaes, e em todos os escriptos que traçam a historia das epidemias de febre 3 amarella entre nos, é abandonada pela simples leitura de um manuscripto, cujo valor scientifico não se sabe qual seja, e pelo dizer de William M' Kenley, que nos não explica em que se fun- dara para julgar que a febre amarella nascera entre nós á maneira das indemo epidemias. O illustre medico da faculdade de medicina de Pariz, deve ter aprendido de seus illustres pro- fessores, o valor que tem em medicina os factos bem averiguados; e então não podia publicar a mudança, que fez em seu modo de pensar sem contestar o facto tantas vezes relatado, e por elle acceite da importação da febre amarella á esta provincia pelo navio Alcyon. Proceder do modo por que o fez, é querer que sua opinião seja recebida pela simples autori- dade de seu nome, e pela importância de seu ti- tulo, que o cobre de tanto orgulho. Mas mesmo quando eu quizesse acceitar como verdadeira a nova opinião do illustre medico da faculdade de medicina de Pariz, forçando-me a acreditar que todos os discípulos de tão afamada escola eram verdadeiros sábios, cujos lábios só podiam proferir com acerto a ultima palavra em qualquer questão scientifica; eu me achava em sérios embaraços, porque de frente com S. S. encontro Dutronlau, medico francez que em seu tratado das doenças dos Europeus nos paizes quentes, obra premiada pela Academia das scien- cias, e pela Academia de Medicina de Pariz, relata o facto da importação da febre amarella neste porto em 1849 pelo navio francez riIcyou. O que diz Dutronlau dizem com a mesma con- vicção muitos outros médicos francezes de igual reputação. Como pois sahir desta penosa situação ? Se eu me achasse collocado entre autoridades de igual nome pelas provas de sua illustração e talento, mas diversas pela sua origem scientifica, eu querendo-me levar pelas idéas doDr. Aquino, e fazendo ao caso vertente applicação do que a outro respeito disse Casimir Delavigne: La France, c'est Paris, et Paris, c'est le mon- de-não hesitaria um só momento em abraçar a opinião do medico de Pariz; mas se por este lado não posso determinar minha opção, vou consultando a conducta da illustre Academia de Medicina de Pariz, verdadeiro sanctuario das sciencias medicas, em relação aos dous cam- peões que se acham em terreno diverso, incli- nar-me para aquelle que mais tem merecido daquella sabia corporação, e assim creio evitar o erro, a que está em tudo sujeito o espirito hu- mano, mormente quando procura julgar do mé- rito alheio, em que as affeições podem, a des- peito de sua vontade, dirigir-lhe o juizo. O Dr. Aquino escreveu uma memória, que offereceu a Academia de Medicina de Pariz ; e esta limitou-se a mandar-lhe agradecei- seu tra- balho, e nem outra podia ser a conducta de ho- mens de fina educação ; que por preceito agra- decem qualquer mimo embora lhes não agrade -mas tal memória não mereceu as honras de um relatorio-sem duvida pela affluencia de tra- balhos; mas assim alguém póde julgar negativa a importância que a Academia lhe deu: em- quanto que Dutronlau apresentando a obra já ci- tada, esta foi premiada pela Academia de Medi- cina e pela Academia das sciencias : e não que- rerá o Dr. Aquino que eu pense que estas corpo- rações procederam com leviandade dando valor ao que não o tem, porque isto me levaria a con- clusões desfavoráveis a S. S. Encontrando o facto da importação da febre amarella em 1849 em documentos officiaes mes- mo em o assignado pelo Dr. Aquino, sendo elle mencionado pelos escriptores nacionaes e es- trangeiros que tem feito o historico das epi- demias desta infecção entre nós, não posso deixar de admittil-o sómente porque o Dr. Aquino encontrou alguma mensão contraria em um manuscripto que lhe veio as mãos, e deparou com a opinião favoravel de William M' Kenlay que não diz que motivos o levaram a tal conclu- são contraria a crença geral, e nem creio que o Dr. Aquino tenha razões para impugnar tal facto, pois se as tivesse, elle as faria patentes, e não perderia tão propicia occasião de se pôr em communicação com a Academia de Medicina de Pariz, onde S. S. procura por todos os meios fa- zer-se conhecido, refutando um facto dado como veridico em uma obra premiada pela mesma academia. Espero que S. S. não virá dizer-me que não havia lido a obra de Dutronlau, pois seria uma falta indisculpavel por parte de quem se diz tão lido, e de quem não traia de questões medicas por mera curiosidade. Não me tenho dado ao trabalho de estudar o apparecimento, e a marcha invasora da febre amarella entre nós nos vinte annos em que estou neste paiz, por não ser de minha particular com- petência, não só por que isto incumbe espe- cialmente ao Inspector de Saúde Publica, mas também porque chegando eu á esta provin- cia em 1854, reinava então a febre ama- rella com grande intensidade; e continuando por alguns annos, deixou depois um longo pe- riodo de immunidade, e só veio a reapparecer no verão de 1869. Assim pois, só tenho assistido a uma invasão deste flagello ; e seu reapparecimento nestes úl- timos annos na estação calmosa, com intensi- dade sempre decrescente, como soe acontecer; mas nota-se que elle apresenta sempre os pri- meiros casos á bordo dos navios surtos em nosso ancoradouro. Ora, tocando muitas das embarcações que vêm á este porto em lugares, em que reina a febre .amarella, é de boa razão admittir-se a possibi- lidade de sua importação. Assim o pensava eu pelo que ia observando, e pelo que me diziam os autores acerca dos focos indemicos da febre amarella; e assim continuo hoje a crer com maior convicção firmado nas razões com que o illustre medico da faculdade de Pariz, quiz provar o contrario. O Dr. Aquino querendo sustentar que o mias- ma gerador da febre amarella, tem seu berço entre nós, não nos apresenta observações mete- reologicas para mostrar que dadas certas condi- ções athmosphericas, o miasma existente entre nós, mas como que intorpecido por falta dos meios indispensáveis para manifestar sua vida, 4 e desenvolver-se appareça sempre espalhando- se pela cidade, e fazendo os horríveis estragos, que costuma fazer, quando nos visita. Era este caminho, que S. S. devia seguir para chegar ao descobrimento da verdade; e não querer firmar- se sómente em asserções alheias, algumas sem o menor nexo com o ponto em questão. O Dr. Aquino começa sua demonstração di- zendo que João Ferreira da Rosa, em seu tra- tado da constituição pestilencial de Pernambuco, falia em uma epidemia de febre amarella, que elle considera importada, e que reinou nesta província em 1686, e que os autores que elle con- sultou não vão além. Vê-se pois, que o illustre medico encontra logo na primeira invasão supposta da febre ama- rella, opinião contraria á sua : e assim, em falta de melhores razões, vou admittindo com os mé- dicos, que fizeram o historico das primeiras epi- demias de febre amarella, que em taes casos seu germen foi importado. O Dr. Aquino diz que a este respeito consul- tou muitos autores, mas que elles não vão além, logo são unanimes em considerar taes epidemias como importadas. Continuando na analyse dos argumentos do Dr. Aquino, julgo ter necessidade de transcrever ipsis verbis um topico de seus artigos para que os leitores se convençam, de que não altero os pensamentos do illustre medico, nem os ageito a urna, refutação facil; mas que elles são de tal natureza, que se destroem por si mesmos. « Jfas, continha o illustre medico, lendo les Hollandais au Brésil, noticia histórica acerca dos Paizes Baixos, e do Brazil no século XVII, vi que o almirante Pieter van der Does, que com- mandava uma esquadra de 10 vasos de guerra, destinada a amparar-se (desculpem o gallicismo) do clássico tracluctor) de possessões hespanholas 'nas índias Occidentaes, de que então fazia parte o Brazil, tendo-se dirigido e tomado a ilha deS. Thomé, em vez de seguir directamente par a a America, alli succumbio com 1,200 de sua es- quadra, em menos de duas semanas da feltre amarella em 1599, e por consequência 83 annos antes da epidemia descriptapor J. F. Rosa; e o que digo não se encontra em escriptor algum, e prova que eu não me contento com simples leitura, nem trato de questões medicas por mera curiosidade. A que proposito veio a referencia de uma epi- demia de febre amarella, que appareceu em S. Thomé que não é território brazileiro, querendo, mostrar que tal moléstia appareceu entre nós antes da epocha mencionada por J. F. Rosa ? Como acaba o illustre articulista o seu para- grapho, dizendo-nos que o que elle diz não se encontra em escriptor algum, quando elle cita a obra-les Hollandais au Bresil, como fonte onde bebeu o facto, que nos relata ? O illustre doutor fez-me dar voltas aos miolos para descobrir para estas duas perguntas res- postas satisfactorias, e que fizessem honra ao medico que não se contenta com simples leitura, e que não trata de questões medicas por mera cu- riosidade ; mas por emquanto suspendo o meu juízo, sem ousar dizer o que penso esperando que alguma pessoa que me der a honra de ler estas ligeiras considerações, venha em auxilio de minha intelligencia, que se mostra acanhada , e pouco penetrante sempre que tem de decifrar enigmas. Menciona-nos depois o Dr. Aquino uma epi- demia que reinou nesta cidade em 1746, que co- meçou em Fóra de Portas, e cuja discripção elle encontrou em um manuscripto, que o acaso lhe fez chegar ás mãos a instituição manuscripta da matriz da freguezia do Poço da Panella, e diz-nos, que se não deu a importação como causa desta epidemia. Este é o manuscripto que fez o Dr. Aquino mudar de opinião acerca da origem da febre amarella. entre nós. O illustre medico obtendo por acaso um ma- nuscripto, de tanto valor scientifico, que o coagio a abandonar sua antiga opinião, não levia- mente formada, devia ser mais explicito nes- te ponto, e dizer-nos se tal menção foi feita por medico, ou por alguém alheio â sciencia ; -traçar-nos o quadro symptomatheologico dessa febre mortifera, para que seus collegas o podes- sem também classificar; e não dizer por sua unica autoridade-que não podia ser se não a febre amarella;-devia não mencionar ape- nas que se não deu a importação como causa dessa epidemia; mas mostrar-nos que se em- pregaram os meios, e quaes elles, para se des- cobrir a verdade deste ponto. Postas as cousas no pé em que o illustre dou- tor as collocou fico em duvida acerca do valor de tal manuscripto ; e o illustre medico proce dendo deste modo pode fazer pensar a algum espirito malévolo que S. S. deseja com suas in- numeras citações, apontando obras que não estão ao alcance de todos, fazer crer que sua illustração é também superior a de todos, os que não podem beber em tão variadas fontes. Eu que escrevo instigado pelo unico desejo de descobrir a verdade, que me não movem o odio, nem a inveja, creio que o illustre medico citou na melhor boa fé, dando ao manuscripto o immenso valor que lhe pareceu merecer : pois penso, e commigo estará de accordo o illustre escriptor, que citar muito não é signal de eru- dição ; que o ler muito, e ainda mais o dizer que se lê muito, não dá sciencia que esta se adquire lendo-se bem e digirindo-se o que se lê : que ter uma grande livraria não significa ser-se sabio- mas apenas guarda da alheia sabedoria-por- tanto lamento que o illustre medico julgando pelo que encontrou em tal manuscripto, que elle era um documento valioso para a historia das epi- demias da febre amarella entre nós, não désse maior desenvolvimento as idéas nelle contidas, de modo que satisfizesse as justas exigências dos espíritos pensadores que não acceitam as opiniões sem provas convincentes. Mas admittindo mesmo por necessidade da argumentação, que a febre amarella tem appare- cido em Pernambuco na ordem chronologica extrahida dos artigos do Dr. Aquino 1599- 1686-1746-1849-e 1869-vê-se que entre a 1* e a 2' invasão mediaram 87 annos - entre a 5 2* e a 3" fiO-entre a 3* e a 4? 103-e entre a 4* a 5Í 20. Ora não se póde admittir, como quer o illus- tre medico, que o miasma morbigeno existisse entre nós esperando tantos annos para encon- trar as condições metereologicas indispensáveis para seu desenvolvimento ; antes pelo contrario o simples conhecimento desta circumstancia, mencionada pelo Dr. Aquino, bastaria para levar qualquer a pensar que a febre amarella é entre nós uma moléstia exótica-portanto o historico feito pelo illustre escriptor prova o contrario do que elle teve em mente. E' sabido que toda a moléstia cujo germen existe em uma certa localidade apparece quasi que annualmente na estação, que reune as con- dições favoráveis para lhe dar o vigor necessá- rio, para que surja do estado de torpor ou indo- lência, em que permaneceu nas outras quadras do anno. Esta asserção é tão sabida, que eu poderia dei- xal-a sem maior desenvolvimento ou nova pro- va, mas como S. S. póde julgar que minha pro- posição é errónea só por ser opposta á sua, que tem o cunho da verdade,como pensa ter tudo que sae de seus lábios por ser medico da faculdade de medicina de Pariz ; eu vou obrigal-o fazer-me a devida venia, lembrando-lhe o que a tal res- peito diz Chomel, seu professor: « Chamam-se indemieas as affecções produzi- das por um concurso de causas, que obram con- tinuamente, ou periodicamente em certos luga- res, de modo que as moléstias, que delias re- sultam ahi se mostram sem interrupção ou pelo menos apparecem em epochas fixas, ata- cando em todos os casos uma porção maior ou menor de seus habitantes. « As moléstias epidemicas não teem se não uma duração limitada, e não reapparecem com intervallos regulares. Querem uma licção mais clara, que mais nos attraia pela verdade que encerra, e pela justa celebridade de seu autor ? O Dr. Aquino esqueceu-se do que lhe havia ensinado seu Chomel, e abraçou o erro logo póde querer que julguem de ser a illustração pela celebridade de seus mestres. Ainda mais, Dutronlau, que não pode dei- xar de ser citado sempre, que se trate de febre amarella exprime-se por este modo : « Pode-se estabelecer a graduação seguinte para a frequência das epidemias da febre ama- rella sob o ponto de vista geographico: epide- mias, se não annuaes, pelo menos mui apro- ximadas nos fócos indemicos do golfo do Mé- xico, e das grandes Antilhas; periodos epide- micos de muitos annos, deixando seis ou dez annos de intervallo livre na cadeia das peque- nas Antilhas ; epidemias accidentaes, e de du- ração varia, nos climas remotos dos dous hemis- pherios na estação quente, que maior relação tem com os climas torridos. » Isto que diz Dutronlau da febre amarella, po- de-se dizer de qualquer epidemia em referencia á sua frequência no lugar em que tem seu ber- ço ; mas o illustre doutor poz de parte o que a boa razão, e a historia da marcha das moles-1 tias indemieas o forçavam a admittir, para con- siderar germen de febre amarella em um berço collocado em nosso território, esperando longos annos, e até mesmo mais de um século pelas circumstancias indispensáveis para seu desen- volvimento. Os focos endemicos da febre amarella, diz o autor já por mim citado, teem-se até hoje con- centrado na America nas praias do golfo do Mé- xico, e das grandes Antilhas. Suas invasões epidemicas se afastam cada vez mais dos fócos primitivos, sem que nos seja possivel assignalar- Ihes os limites. O hemispherio sul que ella ha muito havia abandonado, o Oceano Pacifico, que ella não tinha ainda visitado ha vinte an- nos são o theatro de suas devastações; e Lisboa livre desde 1831 foi invadida em Setembro de 1857. E' pelo Brazil, em 1849, que começou o ultimo período epidemico, e é Caianna, em 1850, que entre as colonias de Atlântico foi a primeira atacada. Parece que o illustre doutor se houvesse lido Dutronlau não se collocaria em um terreno tão falso, onde foi rechaçado com suas próprias ar- mas. Sigand fallando das moléstias endemicas do Brazil não menciona a febre amarella; mas quando estuda as diversas epidemias, que en- tre nós teem reinado, explica as invasões deste flagello por importação. No programma publicado pela municipalida- de do Rio de Janeiro em 1798 sobre a questão das moléstias endemicas e epidemicas da capital, no qual tomaram parte médicos distinctos da epocha, como os Drs. Manoel Joaquim Mar- reiros, Bernardino Antonio Gomes e Antonio Joaquim de Medeiros não ha menção da febre amarella como moléstia endemica do paiz. Como pois quer o illustre medico da facul- dade de Pariz, desprezando tudo quanto o racio- cinio firmado sobre factos nos pode levar a crer; e mostrando ignorar pontos da historia, que lhe deviam ser familiares, quando emprehendeu es- crever sobre a febre amarella, que seja recebida sua proposição, e que se creia que elle não se contenta com a simples leitura; e que não trata de questões medicas por mera curiosidade ? Será sómente porque leu um manuscripto, que o acaso lhe trouxe ás mãos ; e porque en- controu de seu lado William M'Kenley, que não diz porque motivo considerou a febre amarella em 1849 como nascida entre nós ? Escrever muito não é synonimo de escrever bem; e em questões scientificas deve pensar-se maduramente antes de lançar-se qualquer pro- posição sobre o papel, para que se não seja ta- xado de leviano ou de baldo de critério. Igual refutação poderia fazer da proposição emittida pelo Dr. Aquino acerca da existência do germen do cholera morbus entre nós ; mas isto me afastaria muito do assumpto especial de que me occupo-porém para que o illustre medico de Pariz possa a tal respeito corrigir sua opinião, recommendo-lhe que leia o artigo Miasme do diccionario das sciencias medicas, de Dechambre, que actualmente se está publi- cando. 4* a 5* 20. 6 Creio que tenho provado exuberantemente a falsidade da asserção do Dr. Aquino, pois até agora nada nos induz a crer que o miasma ge- rador da febre amarella tinha seu berço entre nós, e julguei conveniente tratar detidamente deste ponto para pôr a verdade bem patente, porque sobre o modo de pensar a tal respeito se devem fundar as opiniões sobre a escolha e pre- ferencia dos meios recommendados pela scien- cia para evitar a apparição e o desenvolvimento de tão terrível flagello em nosso império. II Tendo provado na ultima sessão, com razões plausíveis colhidas na observação dos factos, e marcha geral das indemias, que a febre amarel- la é entre nós uma moléstia exótica, que só se manifesta quando o germen morbigeno nos é importado ; tendo feito sentir quão fúteis eram <>s argumentos em que o Dr. Aquino, illustre discípulo da faculdade de medicina de Pariz, se fundara para sustentar a opinião contraria; vem a proposito dizer o que penso acerca do caracter contagioso ou infeccioso de tal affecção. Está ao alcance de todos a importância deste assumpto ainda controvertido, pois pende de sua solução o voto acerca da acceitação ou re- geição do emprego dos meios prophybaticos, que graves prejuízos trazem ao commercio e ás relações sociaes dos diversos povos; questão importante, que tem prendido seriamente a at tenção dos médicos, já em seus trabalhos par- ticulares, já quando reunidos nos congressos scientificos. Quasi sempre que se pretende pronunciar acerca da qualidade contagiosa ou infecciosa de qualquer moléstia epidemica as opiniões se dividem. Interesses commerciaes, que suprejujam a qualquer conveniência humanitaria; desejo obs- tinado de apoiar em factos opiniões previa- mente concebidas, dando lugar a falsas interpre- tações ; confusão no valor dos termos scientifi- cos ; e sobre tudo a difficuldade inherente á ma- téria, são as causas da divergência que se nota na solução de tal problema. Tratando de tão difficil e importante assumpto não me anima a louca vaidade de poder deter- minar o justo valor da incógnita, que com tanto esforço procuram encontrar- as autoridades mais competentes, que disto tem feito estudo espe- cial : apenas collocado neste lugar, coagido pela satisfação de um dever,emittirei a minha opinião, procurando evitar os escolhos em que muitos outros teem naufragado. Para que haja toda a precisão no desenvolvi- mento, que devo dar ás minhas idéas, e para que seja bem comprehendido, vou definir os termos sobre que versa a discussão ; e depois mostrarei o grande embaraço, que todos encon- tram, quando pretendem qualificar uma molés- tia epidemica de contagiosa ou de infecciosa. Muitas vezes o espirito humano se mostra impotente diante da interpretação dos arcanos da natureza; e por muito que elle procure en- cobrir sua ignorância pelos meios mais ardilosos, ella se patenteia sempre a mente do pensador, que encara as questões com calma e sem o mo- vei poderoso de qualquer prevenção. Trouseau, querendo definir o que seja con- tagio, prefere a opinião do Dr. Anglada de Mont- pellier, concebida nos seguintes termos-con- tagio é a transmissão de uma affecção mórbida de um individuo doente a um ou muitos indiví- duos sãos por intermédio de um principio ma- terial,producto de uma elaboração mórbida espe- cifica; o qual communicado ao homem são deter- mina nelle os mesmos phenomenos e as mesmas expressões symptomaticas observadas no indivi- duo de que partio. Segundo esta definição da-se no organismo do individuo affectado de uma moléstia conta- giosa a elaboração mórbida do principio especi- fico, que vae produzir no individuo são a mesma moléstia. Não querem alguns patliologistas admittir a. definição de Anglada, porque a circumstancia da elaboração do principio morbigeno no organis- mo exclue as moléstias parasitarias, que sem duvida se communicam pelo contagio ; mas estas destinguem-se das outras, porque seu principio material obtido pelo observador é por elle col- locado no campo de microscopio para estudar e descrever seus caracteres ; emquanto que o ger- men das outras moléstias contagiosas não tem, como muito bem diz o illustre Trouseau, vida independente como os parasitas, e necessitara de um substratiim orgânico, não só para existir, como para manifestar sua existência,e assim po- dem ellas mui bem pertencer a uma subdivisão das affecções contagiosas. E de mais os espíritos nimiamentes exigentes podem completar a dif- finição de Anglada acrescentando a circumstan- cia da transmissão de algumas moléstias conta- giosas pelos parasitas. Penso que assim ella ficará completa, porque comprehenderâ todo o definido, e não mais que elle ; e torna-se preferível a todas as outras, por- que se funda no caracter unico que separa as moléstias contagiosas das infecciosas, que é o ponto obscuro que a sciencia procura resolver. Moléstias infecciosas são as que nascem de fócos de infecção e que se propagam e se com- municam por miasmas, sem o intermédio d'um organismo vivo, em que se dê a elaboração do principio morbigeno especifico. « Dutronlau, tratando de precisar as significa- ções dos dous termos, diz que as moléstias que são susceptiveis de se transmittir do individuo doente ao são, e que se chamam contagiosas, re- conhecem dous agentes differentes de transmis- são o virus e os miasmas, dous modos de genese, a germinação no lugar, e a absorpção pelos tegumentos interno e externo. « As doenças causadas pelos effluvios emana- dos do solo, e que são denominadas infecciosas, não têm senão uma maneira de genese-a ab- sorpção pulmonar ou cutanea ; um agente de transmissão-o infeccioso, o miasma, que em- pregna a athmosphera dos fócos de infecção. Estes dous generosde moléstias tocam-se,pois, por um modo de communicação commum, que é o miasma defundido pelo ambiente ; mas afas- 7 oe peia procedência primitiva de seu agente de transmissão similar, que é sempre o doente para os primeiros, e sempre o local de infecção para os segundos. Do exposto se vê, qUe tanto as moléstias con- tagiosas como as infecciosas são miasmaticas ; ambas têm um modo de propagação commum ; por tanto, é facil avaliar-se o embaraço que ha para se fazer uma classificação, procurando saber-se se o miasma, que se difundio pela ath- mosphera, e que se generalisou, tem sua origem no fóco primitivo especifico, ou se foi elaborado no indivíduo primitivamente acommettido, e de- pois se communicou ao ambiente. Leon Calin propõe que se reuna no quadro das moléstias miasmaticas sómente as infecciosas, propriamente ditas, que têm outra origem que não seja o organismo elaborador do germen ; collocando no grupo das moléstias virulentas ino- culáveis as que se reproduzem pelo contagio ainda mesmo athmospherico. Acceite que fosse este alvitre tomando-se por base d'uma classificação a genese primitiva do virus ou miasma productor da moléstia, facil seria classificar se de contagiosa ou de infecciosa qualquer moléstia epidemica, pois descoberto um foco originário de infecção, que não o orga- nismo humano, bem caberia a entidade mórbida na classe das moléstias infecciosas ; e realizada a hypothese contraria estava-se em presença de uma affecção contagiosa. Assim, a febre amarella, o cholera e as febres paludosas seriam facil e rigorosamente colloca- das na primeira classe-tendo bem cabido lugar na segunda a variola, o sarampo e a escarla- tina. Mas a sciencia, nobremente incitada em seus intentos de bem servir a humanidade, não se póde satisfazer com tão simples noções; ella pre tende ir além, e adelgaçai* as espessas nuvens que involvem tão importante assumpto: ella procura ardentemente saber se òs indivíduos acommettidos de uma moléstia qualquer po- dem elaborar dentro em si novos germens mor- bigenos similares aos que nelle produzio a affecção de que soffrem ; ou se todos os atacados o foram somente pela acção dos miasmas des- prendidos do fóco primitivo ; porque desta solu- ção pende a escolha dos meios que podem emba- raçar a invasão e o desenvolvimento de uma epi- demia em qualquer paiz. Seu empenho é por demais justo, e as bên- çãos merecem da humanidade os sacerdotes da sciencia, que no sagrado exercício de sua pro- fissão, sacrificam sua existência com penosas lo- cubrações e temerárias experiencias para attin- girem o descobrimento da verdade. Esta questão não póde ser resolvida com a nitidez mathematica, mas em vez de nos deixar- mos arrastar pelas hypotheses e theorias etio- logicas, observemos com rigor os factos. A inoculação, que em suas respostas affir- mativas, quando interrogada com as convenien- tes reservas, sobre qualquer duvida a tal respei- to, nada prova em seus resultados negativos, pelas razões que todos conhecemos, e assim só o estudo dos factos nos póde encaminhar com algum acerto no meio de tão espessas trevas que obscurecem a questão. Outrora pensei que a febre amarella era uma moléstia puramente infeccicsa, hoje, porém, a reputo contagiosa, porque estudos posteriores me levaram a mutare covisilium. A marcha regular com que a febre amarella se desenvolve em qualquer lugar aonde é importada, irradiando-se de um ponto aonde ella começou,ou para onde são conduzidas as pessoas affectadas, para os mais vizinhos, e assim destes para os outros que com elles se confinam, é uma razão em favor de sua qualidade contagiosa, porque assim marcham mais geralmente as epidemias que tem tal caracter. Na epidemia de febre amarella de 1849 deu- se o seguinte : os primeiros atacados apparece- ram a bordo dos navios, surtos em nosso porto, e logo depois o bairro do Recife, que lhes era mais vizinho, foi contaminado : em seguida sur- gio a moléstia no bairro da Boa-Vista,onde exis- tia uma enfermaria para o tratamento dos tri- pulantes dos navios inglezes- e por ultimo foi atacado o bairro de Santo Antonio.que fica col- locado entre os dous, como se a epidemia se irra- diasse daquelles para este. Na ultima epidemia da febre amarella, quo teve lugar em Lisboa seu desenvolvimento deu- se por um modo igual. E de mais ; toda vez que vemos o homem ser o intermediário entre o ponto infeccionado, ou o doente, e o lugar ou indivíduo depois acom- mettidos, e assim se propagar uma epidemia, é mais rasoavel admittir-se que o germen passou por uma elaboração em seu organismo, e se pro- pagou aos que se pozeram em contacto mediato ou immediato, do que pensar-se que elle se ir- radiou do fóco por toda a athmosphera do lugar novamente invadido-e isto se acha mais de ac- cordo com factos bem averiguados pela sciencia. A variola é uma moléstia contagiosa, e ella se propaga em uma cidade inteira pelo appareci- mento de um unico indivíduo affectado ; e para explicar-se tal facto, recorre a sciencia á simples noção do contagio pelos meios, por que este pôde dar-se; para que pois crear a hypothese da irradiação da athmosphera miasmatica pri- mitiva, ou da procreação de taes miasmas, sem uma base segura em que ella possa firmar-se ? A sciencia possue innumeros factos, de que fazem menção os autores, que tratam deste as- sumpto, que mais naturalmente se explicam pelo contagio do que pela infecção, mas eu dei- xando de os repetir, vou apenas mencionar al- guns de minha observação particular. Em um sitio dos arrabaldes desta cidade foi tratado um estrangeiro de febre amarella, da qual esteve quasi morto, tendo attingido o pe- ríodo de vomito preto ; removido para outro lu- gar para convalescer, foi o quarto fechado, e tempos depois um seu amigo, recolhendo-se alta noite, para não incommodar a familia, procurou esse quarto, e deitou-se no mesmo leito, em que estivera o doente - dias depois appareceu ata- cado e foi victima de tal affecção. Na presente epidemia, dous francezes, que se achavam cm uma enfermaria do Hospital Pe. 8 dro II, em tratamento de outras enfermidades, que não a febre amarella, prestaram serviços a vários compatriotas que alli se recolheram com esta moléstia, alguns dos quaes morreram; pois ambos elles vieram a soffrer da febre e um fal- leceu. O mesmo se deu com uma irmã de caridade, recentemente vinda e com tres individuos do paiz Não se prestam estes factos a serem mais sa- tisfactoriamente explicados pelo contagio do que pela infecção ? Pois não é mais crivei admittir-se que no or- ganismo destes doentes se elaboraram novos germens, que se communicaram aos depois ac- commettidos, do que suppor-se em torno delles uma athmosphera infeccionada pelos miasmas primitivos, e alli fixada para accommetter os individuos, que estando aptos para receberem a moléstia se aproximassem de taes fócos ? Sem duvida em falta de demonstrações mais rigorosas a que a sciencia não tem ainda podido chegar, tudo me induz a crer que a febre ama- rella, sendo uma moléstia infecciosa em sua ori- gem, póde propagar-se pelo contagio. E' de bastante peso como argumento em fa- vor da doutrina que expendo, a circumstancia da limitação da febre amarella no ponto em que se isolou o doente primeiro accommettido, como se tem dado em vários lazaretos, onde se tem tratado um ou outro doente de febre amarella, vindo de paizes infectados sem que a moléstia se tenha podido propagar. Isto se consegue mais facilmente nas moléstias contagiosas, de que nas infecciosas. Como disse esta questão não póde ser resol- vida com a precisão mathematica, que era de desejar, mórmente pelos interesses sociaes que á ella se prendem; porém tudo nos induz a crer que mais acertado andam os que conside- ram a propagação da febre amarella como de- vida ao contagio, pelos meios diversos por que esta póde dar-se, do que os que a reputam me- ramente infecciosa. Depois a sciencia parece incaminhar-se de al- gum modo para esta solução pelas diversas theo- rias patheogenicas, que nella, começam a ga- nhar terreno, mas que nenhuma póde ainda ter plena e geral acceitação por carência de provas convenientes. Não me afastarei do assumpto, sobre que versa este meu trabalho para desenvolver estas theorias, e outros pontos de sciencia, que a elle se prendem, porque isto me levaria longe, e não cabe em um trabalho desta natureza tamanha prolixidade, mas de passagem direi com Leon Collin, que é doutrina hoje acceita por grande numero de médicos, e principalmente por Wil- liam Budd, que fez delia o trabalho de sua vida, que os meios que reputamos fócos de mo- léstias infeccio-contagiosas, são depositos de ger- mens virulentos que provém, como os germens das affecções unicamente contagiosas, de orga- nismos humanos accommettidos das affecções geradoras desses germens; e que um dia virá em que a verificação phisica ou chimica da causa intima das moléstias infeccio-contagiosas, nos demonstrará, que transmittidas quér pelo ho- mem, quér por um meio miasmatico, ellas pro- cedem bempre de um germen idêntico. Esta esperança não é sem fundamento, por- que como diz o mesmo autor « os progressos da sciencia tem já ligado á uma etiologia mais clara, e mais exclusivamente especifica, certas affecções consideradas como de uma origem mixta, infecciosa em tal caso, virulenta em ou- tro ; » está-se hoje bem convencido que a peste bovina não se desenvolve senão por contagio ; e commeça-se a contestar, com provas impo- nentes, a possibilidade de desenvolvimento ex- pontâneo, em certos meios, do mormo, do car- búnculo, e do typho ; de miasmaticas, estas af- fecções tendem a tornarem-se exclusivamente virulentas. Assim pois, esperemos que a sciencia com o aperfeiçoamento de seus instrumentos de obser- vação e analyse, faça um dia a luz neste as- sumpto obscuro, mas por emquanto não póde o homem que caminha livre de qualquer precon- ceito em questões desta ordem, proceder de me- lhor modo, do que prendendo-se aos factos, e pro- curando interpetral-os do modo mais rasoavel, collocando-se do lado para onde pendem melho- res razões, certo de que amanhã elle poderá abandonar suas crenças de hoje por outra que se apresente baseada em boas demonstrações, e os governos dos diversos paizes não se devem affastar emquanto o emprego dos meios poujo- lulativos do prudente conselho do sabio profes- sor Chomel que diz :-que sempre que houver incerteza acerca do contagio, deve o medico e as autoridades administrativas proceder como se elle estivesse demonstrado; porque se ha in- convenientes em se acreditar no contagio, quan- do elle não existe, maiores se dão, quando ha- vendo-o, elle deixa de ser reconhecido. III Segundo cf plano, que tracei para exposição de minhas idéas, eu devia hoje occupar-me sómente em demonstrar, que a febre amarella era uma moléstia miasmatica especifica: e bem impor- tante é este assumpto, para que eu desejasse não me afastar delle; mas antes de o encetar sou obrigado a impugnar o modo de ver de nosso collega o Dr. Malaquias acerca da importação do miasma gerador da febre amarella. Eu penso que a febre amarella não póde ap- parecer entre nós sem que seja importada, mas que apparecendo depois de alguns annos de im- munidade póde desenvolver-se nos seguintes por acção dos mesmos miasmas: e o Dr. Mala- quias quer que se dê a importação em cada um dos annos de qualquer quadra epidemica. O illustre collega apoiou-se na circumstancia do apparecimento da moléstia quasi que an- nualmente nos portos, que estão em maior com- municação com os paizes em que ella reina, quér como endemia, quér como epidemia. Se o illustre collega houvesse considerado me- lhor o que se dá nas diversas quadras epidemi- cas nos paizes em que a febre amarella apparece por importação, creio que seria levado a abraçar minha opinião. 9 Em todos os pontos do Brazil, em que tem remado a febre amarella, as epidemias appare- cem sempre comprehendendo alguns annos suc- cessivos, em as épocas próprias, que são o co- meço do verão, e após esta serie de annos, ella nos deixa um periodo maior ou menor de com- pleta immunidade. E' o que &e deu neste porto e cidade entre a presente quadra epidemica e a anterior, em que não menos de oito annos decorreram sem que um só indivíduo apparecesse por ella accommet- tido; e nem me consta de casos occorridos na Bahia, no Rio de Janeiro, ou no Pará, que são os portos do Brazil mais devastados por tal fla- gro- • . . . , n Assim eu creio que a sciencia pode registrar como um facto averiguado que a febre amarel- la reina entre nós por quadras epidemicas, inter- caladas por um numero maior ou menor de an- nos de immunidade, e isto se acha de accordo com o que nos relatam os historiadores desta epidemia, quando a estudam nos paizes que se assemelham ao nosso em condicções climatare- cas, e em que esta aífecção não tem seu berço originário. Depois não deve passar desapercebido ao es- pirito do observador a marcha semelhante, em relação a sua intensidade, que a febre amarella apresenta em cada uma das quadras epidemi- cas : ella progride nos primeiros annos, e depois entra em decrescimento até desapparecer, como que deixando perceber que o principio genetico foi perdendo pouco a pouco seu vigor. E tão firme estou neste modo de encarar a origem das epidemias da febre amarella em cada uma de suas quadras, e em cada um dos annos nellas comprehendidos, que sabendo da pouca intensidade com que ella havia reinado entre nós o anno passado, eu esperava que no presente ella deixasse de apparecer, ou que então fosse mui pouco intensa: e creio que meu juizo não foi desacertado, porquanto o não apparecimento de um só caso até o fim de Fevereiro me ani- mava a esperar que neste verão delia ficaríamos livres ; e parece que assim seria, se novos mias- mas não nos fossem importados do Rio de Janei- ro no navio Estiphania, pois nenhuma razão ha para explicar o nosso estado de immunidade nos mezes que decorreram de Outubro a Fevereiro, que ella escolhe sempre para começar seus es- tragos. E como se póde admittir a importação do miasma em cada um dos annos de cada quadra epidemica, e a sua não importação por um nu- mero maior ou menor de annos seguidos, con- tinuando a serem as mesmas nossas relações commerciaes com os pontos affectados ? E' sem duvida mais razoavel acreditar-se que o miasma importado, depois de tomar tal ou qual incremento, comece a enfraquecer-se, e a tornar-se menos activo até perder de todo seu vigor. Temos de mais a mensão dos historiadores, que nos dizem, que a febre amarella fóra de seu berço natal, e nos paizes em que seus miasmas não encontram na estação invernosa frio in- tenso que os anniquile, costuma reinar por qua- dras epidemicas, comprehendendo alguns annos seguidos, e deixando, após estes, outros de im- munidade. E' isto que se observa em Nova-Orleans, nas pequenas Antilhas, na Martinica e outros lu- gares, segundo o dizer de Faget, Dutronlau, SaintVel, e é o mesmo que se dá entre nós; portanto, eu creio ter procurado melhor que o illustre collega, cujas idéas impugno, a interpre- tação do facto da origem da febre amarella em cada um dos annos em que ella se desenvolve entre nós, e que com razão devemos crer cada quadra epidemica como originada pelos mias- nr s importados em o primeiro anno de sua in- vasão, que no inverno permanecem entorpeci- dos, mas que surgem de novo logo que chega a estação calmosa, própria para seu desenvolvi- mento, e que assim vai succedendo por alguns annos até que seu vigor de todo se aniquila. Não queira alguém achar contradicção entre a doutrina que hoje expendo e o que disse acer- ca da importação necessária do germen para o apparecimento de febre amarella entre nós, querendo concluir de minhas palavras que o germen introduzido póde permanecer longos an- nos em estado de inactividade por falta de con- dições para desenvolver seu vigor. A consideração do grande numero de annos de immunidade, após uma quadra epidemica, repetindo-se talvez que annualmente as condi- ções necessárias para que o miasma manifeste seu vigor, é uma prova robusta de que este dei- xou de existir entre nós, e que a epidemia só reapparecerá sendo importada, e que podemos admittir a reproducção do mal em annos segui- dos, com as interrupções em as estações impró- prias para sua manifestação pela acção dos miasmas vindos de fóra no começo da quadra epidemica. Creio que este assumpto fica bem elucidado para que nenhuma duvida possa restar ncy es- pirito dos que opinavam pela opinião contraria; agora passo a demonstrar que a febre amarella é uma moléstia miasmatica especifica. IV Saint Vel diz, e com razão, que é tão difficil especificar a febre amarella, quanto é facil dizer o que ella não é, e eu irei mesmo além, e direi que se é facil dizer-se o que não é a febre ama- rella, é impossivel no estado actual da sciencia especifical-a; e quando em minha definição in- volvi nos termos de-moléstia miasmatica espe- cifica a-pathogenia da febre amarella- eu quiz apenas fazer ver que um quid especifico derra- mado na athmosphera era o principio gerador desta aífecção, que este principio era diverso de todos os que podem produzir as outras epide- mias que nos são conhecidas. A sciencia procura com denodado esforço e ouvavel empenho descobrir a causa prima des- ses flagellos que como epidemias assoladoras se espalham pelo globo, ceifando vidas sem con- ta e derramando por toda a parte a dôr e o lucto', ella se perde em innumeras hypotheses 10 e conjecturas, que será tanto um erro regeital-as systhematicamente, como acceital-as sem pro- vas suffi cientes. Hypotheses ha tão bem concebida''., que nos attrahem pela sua bellesa, e que parecem sa- tisfazer as exigências de nosso espirito, mas que se desfazem por falta de provas, que possam plantar a convicção no espirito do observador, que não se quer apoiar em meras conjecturas ou em factos, que carecem de confirmação. Não nego a possibilidade de chegarmos.um dia a demonstrar até á evidencia a causa prima das moléstias epidemicas : o aperfeiçoamento dos meios e instrumentos de observação póde le- var-nos a attingir tão louvável desideratum; mas até hoje, digamol-o sem pejo, já que sabi- dos são os esforços e empenho dos homens da sciencia, que a alguns tem valido o sacrifício das próprias vidas para o descobrimento desta ver- dade, que até hoje nada se póde afirmar acerca de tão melindroso assumpto, e assim cumpre que se proceda para que se não julgue verdade adquerida, e se repouse no gozo de tão valiosa conquista, sem que se continue no intento de romper as trevas, que ainda obscurecem a dou- trina da origem primitiva das moléstias epide- micas. A confissão que acabo de fazer, e que fazem as maiores celebridades scientificas, com excep- ção das que procuram fazer acceitar suas conjec- turas, é a expressão rigorosa da verdade ; e não posso considerar a causa da febre amarella como especifica, senão pelos effeitos específicos que ella produz no organismo; porque ella se dis- tingue por seus symptomas e por suas altera- ções organicas de todas as outras moléstias epi- demicas. Esta proposição deve sem duvida alguma pro- duzir um máo effeito nos ouvidos de um de nos- sos consocios, que se apresentou nesta casa em uma das sessões passadas, caminhando livre e desembaraçado no campo que a sciencia consi- dera ainda entenebrecido por espessas trevas ; dando como provado até a evidencia a causa das febres paludosas, e argumentando d'ahi para achar por semelhança a causa da febre amarella. O illustre collega abraçou as idéas de Salis- burij com mais convicção que seu proprio autor; mas eu espero convencel-o de que muito resta ainda a fazer, para que tal doutrina possa ser pela sciencia acceita sem mui seria e bem fundada impugnação. Quem se der ao trabalho de ler as numerosas hypotheses, que teem sido emittidas para expli car a origem das moléstias paludosas, não póde deixar de admirar-se, e muitas vezes mesmo en- thusiasmar-se, pelo talento e engenho de seus autores Eisenmann, depois do estudo mais completo feito acerca dos phenomenos electricos sobre o homem por Mattenci, Weber e Dubois Rey- mond, estabeleceu a theoria que o augmento e a mudança d'especie de electricidade athmos- pherica produziam as febres intermittentes. Vários autores abraçaram esta doutrina. Bur- delpor sua vez explica a existência das febres pela subtracção da electricidade ; e Durand de Lunel estuda a perturbação da electricidade dos teci- dos e do corpo humano, e admitte que a presen- ça do miasma paludoso nas vias circulatórias tem por efíeito neutralisar ou deprimir a im- pressão electrica normal do sangue. Quem sabe o estado de atrazo em que se acha ainda hoje a sciencia, acerca da acção que as va- riações da electricidade athmospherica exercem sobre a saúde do homem, não póde acceitar taes theorias,senão como hypotheses, que tanto teem de engenhosas, quão pouco teem de solidas. Eiseumann em vez de procurar experimental- mente se a electricidade é capaz de determinar phenomenos comparáveis á febre, estabeleceu sua hypothese, e procura explicar por ella todos os factos da observação medica. O ponto de partida da doutrina de Durand de Lunel, é um facto mal conhecido, e os trabalhos de Scouto- tten, e as analyses de Dechambre e de Blecard nos demonstram quanto é. difficil determinar o estado electrico do sangue ; portanto, é prema- tura qualquer opinião, que se apoiar em tal fun- damento. Por sua vez Daniel, Chevreul e Savi fizeram depender as moléstias paludosas da producção do hydrogenio sulfurado, resultante da acção dos sulfatos, e das matérias organicas ; porém, experiencias directas demonstraram que os symptomas produzidos pela inhalação destes ga- zes não se assemelham ás affecções paludosas. O mesmo se póde dizer do hydrogeneo carbona- tado e phosphorado, e do oxido de carbone des- coberto de Boussisigault; todavia é bem possi- vel, que a chimica venha ainda a descobrir um corpo volátil ou gasoso, de composição chimica bem definida, que actue sobre a economia a ma- neira de diversos agentes toxicos. As observações feitas por Moscati, e conti- nuadas por Vauquelin, Rigaud de Lisle e ou- tros, nos levam a admittir a possibilidade da ex- istência de partículas em suspensão no ar, ou dissolvidas em pequena porção de vapor aquoso, como causas productoras das moléstias paludo- sas. Sabe-se que M urieu filho, dando a beber a dous coelhos uma colher do orvalho dos pân- tanos, manifestaram logo grande fraqueza e per- turbação geral; e que seu proprio pai ao tomar nm meio cópo do mesmo orvalho, sentira von- tades de vomitar e cardialgia. Estas observações sem duvida curiosas, care- cem ser repetidas e confirmadas, mas ellas nos mostram que além dos estudos feitos até hoje acerca dos caracteres phisicos e chimicos das aguas dos paús, cumpre que sejam ignalmente estudadas suas propriedades physiologicas. Muitas analyses chimicas do orvalho, colhido na athmosphera dos pantanos, teem manifestado a presença do amoniaco, uma reacção alca- lina, e uma matéria organica não determinada, cujas moléculas quando em suspensão no ar, to- mam o nome de miasmas ; e segundo Robin, as substancias organicas dos pantanos alterando-se em certas condições de temperatura e humi- dade, transmittem este estado por um simples contacto, ou por uma mistura molicular com as substancias sãs, mesmo quando são em quan- 11 tidade excessivamente minima, porque isto tem lugar de molécula a molécula. Este modo de ver bem acolhido no reinado da força catalytica, foi depois substituído pela dou- trina de Pastor, que explicava a acção da maté- ria organica alterada sobre a substancia em bom estado de conservação, pela presença de organis- mos inferiores ou fermentos. A doutrina de Bouchardat é o ponto de tran- sição entre as idéas antigas e a pathogenia ani- mada. Este interessante observador admittia um veneno produzido por uma das especies ani- maes microscópicas, que determinava a fermen- tação dos pantanos : elle julga que a hypothese, que explica melhor os factos pathologicos, é ad- mittir-se que a matéria morbigena é produzida por um acto da vida dos infusorios que pullulam na lama dos pantanos, quando seccam. Por este modo facilmente se concebe a producção das moléstias diversas pelos venenos produzidos poi' especies animaes vizinhas, mas especificamente differentes: e assim uma das especies vivendo no delta do Ganges, seu veneno produzia o cho- lera; outra nos grandes rios da America produ- zia a febre amarella. Esta hypothese como as outras de que tenho fallado, se apoiam em concepções engenhosas do espirito, mas nenhuma parte teem nella as demonstrações rigorosas : porém o que é incon- testável é que merece ser seriamente estudada a composição do lõdo dos pantanos, receptaculo de tantos e tão variados organismos, a quem se attribue tão importante papel na intoxicação pa- ludosa. O que Bouchardat diz do reino animal mi- croscópico, como agente productor das molés- tias paludosas, é o que diz Boudin do reino va- getal, pois elle admitte que certas plantas exhe- lam de si oleos essenciaes e principios voláteis, que teem a propriedade febrigena. Esta opinião é sem o menor fundamento porque a ser assim, só devia haver febre nos pantanos aonde hou vessem taes plantas; e estas em lugares aonde não ha pantanos, deviam produzir affecções pa- ludosas : mas o authoX'intu,m odoratum em al- guns lugares considerado como mui nocivo, é cultivado em outros húmidos e mesmo paludo- sos, com o fim de melhorar os pastos, e sem que appareçam as moléstias paludosas. Neste modo de ver o pantano não é mais do que o meio proprio para o desenvolvimento de taes plantas, e as moléstias paludosas são ver- dadeiros envenenamentos Entre os que explicam as producções das mo- léstias pelo processo da fermentação, uns expli- cam tudo por actos chimicos, outros porém como Pastor fazem figurar nellas organismos numerosos e diversos, verdadeiros fermentos, dos quaes demonstram a existência. Estes fermentos penetram na economia pelas vias respiratórias, e ahi produzem o mesmo ef- feito, que Robin attribuia ás particulas miasma- ticas pelo simples contacto. Estas theorias, apenas enunciadas sem maior demonstração, não podem ser recebidas e pare- cem difficilmente applicaveis ás febres intermit- tentes e á caehexia paludosa. Mitchell e Salisbury não querem que os mias- mas dissiminados pelo ar actuem no organis- mo como simples fermentos ; elles devem exis- tir como parasitas, que, penetrando nos corpos sãos, alii possam produzir variadas enfermi- dades. Salisbury, examinando a expectoração, as ou- rinas e o suor dos individuos atacados de febres paludosas, encontrou sempre pequenas cellulas, pertencentes ao genero algas, e mui semelhantes á especie palmella, e que se encontram sempre nas zonas em que reinam as moléstias paludo- sas, e admitte como causa destas a introducção das palmellas no organismo. Elle notou a ex- istência dos mesmos mycrophitas nos lugares em que accidentalmente appareciam as febres intermittentes. Elle procurou demonstrar a veracidade de sua doutrina, vendo se podia com as palmellas fazer apparecer accessos intermittentes em qualquer lugar em que fossem feitas as experiencias ; e assim mandou transportar para um lugar salu- bre, distante 5 milhas dos pantanos aonde nunca havia sido observada a febre paludosa, seis cai- xões com terra de um paúl, e collocados na ja- nella de um quarto, em que dormiam dous in- dividuos, estes foram dentro em 15 dias accom- mettidos de febres intermittentes ; elle notou ao mesmo tempo grande desenvolvimento de pal- mellas. Conta-nos mais Salisbury que o Dr. House, deixando em seu quarto de dormir um vaso cheio de palmellas, que lhe tinham servido para uma observação, fôra accommettido de febres in- termittentes, que desappareceram apenas foi re- movido o vaso. Estes factos precisam de novas confirmações, e que as experiencias sejam feitas de modo que se evite qualquer causa de erro em sua interpe- tração. Além da obscuridade do processo pathogenico imaginado por Salisbury, temos que elle de- vera ser mais minucioso na discripção feita das palmellas, pois sabe-se que reina ainda grande obscuridade sobre as especies inferiores mi- croscópicas. Depois resta a provar que foram as palmellas que produziram as febres nas experiencias de Salisbury, e não algum outro germen, que se desprendia da terra, que servio para conduzir- as palmellas, e mesmo que os miasmas não vie- ram para alli do fóco de infecção, que distava apenas 5 milhas. Temos também contra a acção attribuida ás palmellas o não serem unanimes os observado- res em os resultados obtidos, pois os que admit- tem a pathogenia animada das febres intermit- tentes divergem em quanto á especie do mycro- phita, que lhes serve de causa, e é o que se dá com Massy, Holdin, Hallier, Schurtz, van den Corput e outros. Em contraposição ao facto mencionado por Salisbury, temos o que nos refere Wood, que tendo dormido em um quarto com o professor Loidy, que era muito disposto a contrahir fe- bres, e de proposito reunindo alli enorme quan- tidade de diversas especies de palmellas, ne- 12 nhum delles fôra atacado. O mesmo autor nos diz que as palmellas, sendo plantas mui ricas em chlorophylla, teem precisão de luz para viver, e que assim não se podem desenvolver, nem con- tinuar a viver no interior do organismo, e que ellas se acham em muitas localidades não pan- tanosas, reproduzindo-se no gelo tão bem como na aguacle temperatura de mais 60° centígrados. Como ultimo argumento, Wood mostra que as palmellas podem viver muito bem em uma solução de sulfato de quinina. Dei-me ao trabalho de traçar o esboço de va- rias theorias que teem apparecido na sciencia, para explicação das febres intermittentes, para que se veja de relaçce as duvidas e incertezas, que ainda reinam a tal respeito, em vista das hypotheses mais ou menos bem forjadas, que se teem succedido umas as outras : e se tanta obs- curidade envolve ainda a pathogenia das febres intermittentes, que pela frequência destas póde ser melhor estudada, porque os pantanos, que são os focos de origem existem por toda a parte, o que não será das causas geradoras da febre amarella e do cholera cujo berço é tão limitado ? A solução do problema é a meu ver mui diffi- cil pela complexidade das condicções etiologicas que existem nos pantanos, e cuja importância nos é ainda desconhecida. Assim crimina-se geralmente a pntrefacção ve- getal e animal ou a existência de mycrosoarios e mycrophitas como geradoras das moléstias pa- ludosas, sem se dar a menor importância a na- tureza do meio em que tem lugar tal putrefac- ção, o solo-quando é sabido que em lugares em que faltam os pantanos clássicos, existem febres intermittentes pela acção simples do solo, o que levou Brassac a denominar pelo termo mais ge- nérico de telluricas as affecções até então desig- nadas por paludosas. As terras virgens dos paizes quentes, tão ari- das apparentemente, podem com uma ligeira excãvação causai* ou a morte, ou um accesso per- nicioso. A decomposição de plantas em vasos de agua não produz por suas emanações febres intermit- tentes, mas estas apparecerão sem duvida respi- rando-se os vapores do humus ou terra vegetal. Assim os pantanos sendo o typo, do que em phy- siologia se chama um meio isto é um aggregado de condições capazes de actuar sobre os seres que nelle vivem ; muitas destas condições po- dem-se tomar causas de moléstias dizersas: e não se póde fazer do elemento palustre um ser abstracto, uma causa especifica que não se de- compõe ; e deste modo torna-se, como já disse, o estudo do germen morbigeno das affecções pa- ludosas mui complexo. Se de um mesmo pantano, em que ha uma ve- getação variada e myriade de animaes de toda a especie, se dão decomposições diversas, que podem dar lugar a moléstias differentes; o que não será de pantanos eollocados em regiões di- versas, com outra vegetação e outra serie de miaosvarios e de miaophitas ? Ha mesmo luga- res pantanosos na Nova-Caledonia e Taiti em que não apparecem as moléstias paludosas, tal- vez porque a presença de vegetaes, que contém em si essencias fortes, matem os infusorios to- xiferos. Assim é vasto o terreno que tem de ser explo- rado para se descobrir a causa do que c ainda nm mysterio ; e é de crer que um dia a sciencia attinja táo louvável desideratum. A hypothese, que admitte a existência de my- crosoarios e de microphytas e que tem hoje mais voga na sciencia, attrahe porque ella melhor que nenhuma outra satisfaz a explicação dos factos, pois admitte a existência de micro-orga- nismos de especies variadas, produzindo cada uma delias uma affecção especifica; mas os par- tidários das doutrinas parazitarias esquecem-se no enthusiasmo com que são arrastados, quanto falta ainda para transformar em realidades sci- entificas ashypotheses cheias de attractivos com que procuram explicar os factos. O impulso que tem recebido as sciencias na- turaes, a descoberta e emprego do microsco- pio, e o gosto pela intervenção das causas ma- teriaes na explicação das moléstias, deixa-nos perceber o enthusiasmo com que foram acolhi- dos os primeiros trabalhos de Hircher sobre a pathogenia animada, que parecia dever esclare- cer tantos mysterios, e as hypotheses mais ou menos prováveis que se apoiam sobre as mes- mas idéas, mas até hoje a sciencia só póde lou- var os bons desejos e os perseverantes esforços dos denodados campeões, que a nada se poupam para enriquecel-a com tão util descobrimento, aguardando a occasião de poder registrar como verdade adquirida o que hoje não é mais que ■ mera conjectura. Não sendo conhecida a causa geradora da fe- bre amarella, vê-se que é impossivel dizer o que ella é emquanto a sua origem ; e deste modo não posso pelo que expendi no começo deste ar- tigo deixar de consideral-a como da natureza das affecções miasmaticas especificas, e tendo ella caracteres que lhe são proprios, é devida mente considerada uma entidade mórbida .sai generis. Custa a crer que se tenha querido considerar a febre amarella como gerada pelo mesmo mias- ma que produz as febres intermittentes actuan- do em grão maior de intensidade ou com algu- ma modificação produzida por causas diversas e desconhecidas, ou actuando em organismos mais ou menos predispostos. Qual o ponto de contacto que ha entre a febre amarella e as febres denominadas paludosas- quér em referencia ao modo de obrar do princi- pio que as gera, quér a seus symptomas e lesões anatómicas ? A resposta negativa será sem duvida unanime por parte de todos os homens da sciencia, que fa- zem dimanar as theorias da observação e inter- petração rigorosa dos factos, e não cream factos para os adaptar as suas idéas previamente con- cebidas. Em vez de expor os pontos de semelhança en- tre estas duas affecções, para o que ser-me-hia necessário forçar a imaginação para as estabe- lecer; vos vou mostrar a enorme differença que ha entre ellas : Começarei pelo que respeita aos lugares em 13 que estas moléstias são endemicas ; e é sabido com raríssimas excepçòes, que em todo o lugar em que ha pantanos e nos terrenos que se lhes assemelham, as febres paludosas ahi são ende- micas, emquanto que o berço originário da febre amarella é muito limitado; logo a admittir-se que o miasma da febre amarella seja paludoso, elle não tem origem em todo e qualquer pân- tano, mas sómente em certos e especiaes, em que se dão phenomenos específicos, por nós até hoje desconhecidos, mas que geram uma molés- tia sui gerceris. Para o espirito desprevenido de preconceitos, esta differença é valiosa. Quando emprego a expressão pantano, com- prehendo quér os formados de agua doce, quér os mixtos que são constituídos pela mistura desta com agua salgada, e não achei fundamen- to na proposição avançada por um de nossos consocios, que deu como originário dos panta- nos mixtos, o germen da febre amarella, somen- te porque elles existem nos lugares em que ella é endemica, não valendo o menor peso a consi- deração de que em muitas localidades que reú- nem esta e outras circumstancías idênticas, tal affecção jamais appareceu: assim eu penso que no berço da febre amarella, existe o quér que é de especifico, até hoje ignorado pela sciencia. Dous pontos de completa differença entre a acção dos miasmas destas affecçòes, são o cffeito preservativo produzido pelo primeiro accommet- timento da febre amarella, que dá-se quasi que sem excepçào ; e a possibilidade de ser seu ger- men transportado para as mais remotas regiões, e ahi lavrar como epidemia intensa. Emquanto que os ataques das febres paludosas predispõem os individuos a serem novamente atacados; e seus miasmas não podem ser transportados para lugares longínquos - servindo como na febre amarella, de vehiculo as mercadorias, os navios e até o proprio homem. Estas considerações bastam para fazer pendei' a opinião do observador para a admissão da dif- ferença de natureza do germen das duas affec- çòes, porque as condições essenciaes para sua manifestação e modo de desenvolvimento, são totalmcnte diversas e nenhuma circumstancia deve escapar ao indivíduo que intenta prescrutar os arcanos da natureza. Mas não param ahi as bem manifestas disse- melhanças entre as duas entidades mórbidas, que fazem o objecto deste estudo : ellas se en- contram em todos os pontos, em que se pro- curar e tão salientes que só a cegueira produ- zida por uma paixão systematica as póde dei- xar de perceber. O quadro symptomatologico da febre ámarel- la é na immensa maioria dos casos tão distinc- to do das febres paludosas, que a duvida em seu diagnostico á cabeceira do doente, raras ve- zes póde dar-se, e mesmo então ella póde ser desfeita por uma observação mais rigorosa. As febres paludosas apresentam-se ou debai- xo de uma fórma francamente intermittente, ou sob a fórma remittente e pseudo continua. Quando ellas se revelam ao medico com a marcha intermittente franca, embora com as ,graves perturbações, que constituem os accessos perniciosos, a duvida não ó permittida, porque a circumstancia de um periotjo de apyrexia, se- parando os accessos, fórca o observador a enca- rar o mal como de natureza paludosa, e quando ellas tomem o aspecto remittente ou pseudo continuo, sua manifestação é tão variada, seus symptomas são tão incertos, que quasi que só pela marcha insólita da moléstia é que o me- dico póde formar seu diagnostico. Qual o pathologista que já conseguio traçar em um quadro distincto os symptomas das fe- bres paludosas remittentes ou pseudo continuas, como se tem feito das febres intermittentes simples o da febre amarella ? i' O clinico á cabeceira do doente em lugar onde reinam as affecçòes paludosas, encontra um do- ente com febre; mas esta pela irregularidade de seus symptomas, manifestados por parte de qualquer dos apparelhos orgânicos, pelas per- turbações insólitas com que se lhe revela, pela sua marcha cheia de perturbações, não o auto- risa a collocal-a em nenhum quadro das affec- ções, que lhe são conhecidas, então elle suspeita que o elemento paludoso é o causador destas perturbações ; emprega em seu tratamento o es- pecifico geralmente aconselhado, e o mal cede ; e elle confirma deste modo seu diagnostico: mas se elle se der ao trabalho de descrever mi- nuciosamente os symptomas de cada um dos casos que se apresentar á sua observação, elle conhecerá a enorme differença que ha entre el- les, porque cada tem uma*expressão diversa segundo o orgão ou systema de preferencia ac- commettido. A febre amarella pelo contrario tem sua phi- sionomia especial pela qual se torna facilmente conhecida em todos casos, salvo aquelles em que por uma circumstancia individual, o que é mui raro, ella póde revelar algumas perturba- ções pouco communs. Tenho a convicção que nenhum pratico ousa- rá dizer-me que tenho phantasiado livremente para ageitar os traços phisionomicos das duas affecçòes para que as possa tornar bem distinc- tas: não ; o que tenho feito é a confrontação rigorosa dos individuos atacados de qualquer destas moléstias, desejando fazer sobresahir a verdade, pois que me não move o menor desejo de sustentar uma opinião, que previamente te- nha concebido, porquanto a que agora sustento é a deducção do exame dos doentes que tenho observado durante o periodo de vinte e um an- nos em que exerço a medicina. Não posso dar por concluído este meu traba- lho comparativo da febre amarella com as fe- bres paludosas, sem collocar aquella de frente com as febres endemicas que com ella existem nas mesmas localidades. Para isto transcreve- rei o que diz Dutronlau, no que concordam os práticos mais conhecidos destas diversas af- fecções. « A febre amarella não é a exageração, o gráo mais grave das febres endemicas, que reinam nos mesmos climas que ella, como se tem dito, ella tem suas fôrmas benignas, como' estas fe- bres têm suas fôrmas graves'; ellas não se com- 14 pletam pois reciprocamente, e é parallelamente por gráos de gravidade, que é preciso examinar as analogias dos symptomas que apresenta nossa febre com a. febre biliosa, unica fôrma da biliosa remittente paludosa, com a qual a quereriam confundir. Em seu grao menos grave, a febre biliosa, cujo typo é a febre de Madagascar, co- meça durante o periodo do frio, por todos os symptomas biliosos ; icterícia, excreções biliosas abundantes, vomitos, dejicções e ouriuas mui caractoristicas : e não é sem razão que se cha- ma accesso amarello: estes caracteres não fa- zem mais que augmentar durante o paroxismo. A febre amarella ligeira é uma febre inflamma- toria, caracterisada por affecção vascular, por suffusão sanguínea, por coloração vermelha de todo o envolucro exterior. Que analogia de symptomas pôde pois existir entre este estado sanguíneo e o estado bilioso ? « Resta-nos a febre biliosa grave, ou biliosa hematurica, de que fizeram a febre amarella dos aroulos e dos aclimatados por ctçusa das analo- gias, que julgaram encontrar entre seus symp- tomas graves: a icterícia, vomito, hemorrha- gia. Mas mesmo os caracteres dos symptomas, que se invocam, como prova de sua identidade, bastam para estabelecer seu diagnostico diffe- rencial. A icterícia biliosa é inseparável da fe- bre biliosa e é seu primeiro symptoma ; ella fal- ta muitas vezes durante todo o curso da febre amarella, ou não apparece ordinariamente se não no meio de sua duração. O vomito é tão inseparável da primeira como a icterícia, e é sempre composto de bilis, como as outras ex- cressões : na segunda, elle falta as vezes com- pletamente, compõe-se tantas vezes das bebidas ingeridas sómente como de bilis, e não é verda- deiramente caracteristico senão quando é for- mado pela matéria negra sob os seus differentes aspectos. Se o vomito de bílis verde carregado tem algumas vezes semelhança de cor com as variedades do vomito preto, é certo que faltam- lhe todos os caracteres além da côr apparente, que temos reconhecido neste. A hemorrhagia não tem na biliosa hematurica a variedade de sêde que apresenta na maior parte das febres amarellas graves. Ella não se observa na pri- meira senão pelas vias urinarias, emquanto que ella affecta raras vezes esta sêde na segunda. As placas hemorrhagicas da pelle, os fócos san- guíneos do tecido cellular e dos musculos, per- tencem em essencia a febre amarella. Elias têm todavia um caracter semeiotico com- mum, a albumineria, que ellas devem a seu ele- mento hemorrhagico, e cujas condicções de data, apparição e marcha, demandam ser mais bem conhecidas para servir de signaes distinc- tivos. Pelo que fica exposto se vê que é sem funda- mento que alguns práticos admittem que a fe- bre amarella não é mais do que a febre remit- tente biliosa no mais alto grão de intensidade, embora em raros casos, e em um ou outro pe- riodo da moléstia, o pratico possa encontrar al- guma duvida. Deste modo fica demonstrado a nenhuma ana- logia que se dá entre o quadro symptomatolo- gico ela febre amarella e das febres paludosas, e como mui bem diz Dutronlau, é preciso forçar muito as analogias para as considerar idênticas, quér no todo, quér nos detalhes. O primeiro periodo da febre amarella ligeira, pôde confundir-se com a febre simples de fôrma inflammatoria, de marcha continua, mas o pro- gresso da moléstia lhes assignalará as diffe- renças. A confusão estabelecida por alguns práticos menos rigorosos em suas observações, admit- tindo a febre amarella intermittente, está hoje refutada pelas melhores autoridades, que têm feito sob a febre amarella estudos especiaes. E' assim que hoje dizem quasi unanimemente os escriptores, que a febre amarella é essencial- mente continua, monoparoxysmica, e de perío- dos distinctos; e os trabalhos recentes de Fa- get, doutor em medicina pela faculdade de Pa- riz, dados a publicidade no do corrente anno, sobre a marcha do calor e da frequência do pulso nos doentes de febre amarella, corro- boram de um modo valioso esta asserção. Sem querer arrogar a mim titulos de superio- ridade que me não pertencem, eu que dentre i os membros da corporação medica desta cidade, sou um dos que tem maior pratica de observar doentes de febre amarella, devo confessar que ainda não encontrei um só caso de febre ama- rella, que revestisse a fôrma intermittente; e na presente epidemia na qual em muitos casos me tenho auxiliado do thermometro e do relogio I para dirigir com mais segur inça minhas obser- ; vações, desejando por mim mesmo julgar da , veracidade das proposições avançadas por Fa- get, tenho visto estas confirmadas, pois o ca- í lor tomado diariamente pela manhã e a tar i de, e o pulso contado sernpe pelo relogio le segundos jamais me autorisarão a pensa.' i modo diverso. Nos casos que submetti aos instrumento-, d observação, que nlo permictem > •• . jue o em numero de 43, observei sempre i marcha ascendente do calor nos que tive occasião de acompanhar desde as primeir as manifestações do mal, e depois seu decrescimento. sendo que o pulso que muito antes do máximo de tempe- ratura marcada pelo thermometro, chega ao seu máximo de frequência tende a diminuir o nu- mero das pulsações antes que o calor comece a declinar, e nos casos que observei, um ou dous dias depois da invasão, notei que não havia re- lação entre o calor e a frequência das pulsapões ; pelo que eu acreditava que este tinha attingido o seu máximo nos dias anteriores a minha pri- meira visita. Estas observações estão de accordo com o que diz Faget, e parece impossível que esta nota não tivesse sido anteriormente feita, pois é sen- sível a desharmonia que se nota entre a descida da linha thermica e da frequência do pulso na febre amarella. Diz este autor: « que a marcha da tempera- tura na febre amarella, considerada só, por mais typica que ella seja, não pôde servir ao verda- deiro diagnostico clinico, quando se trata de es- tabelecer desde o principio; não mais do que o 15 póde fazer a marcha do pulso, mais caracteris- tica ainda, se se quizer tomar estas linhas isola- damente. Mas se considerarmos conjunctamente a mar- cha do pulso e da temperatura, o diagnostico da febre amarella póde ser feito nas 24 ou 36 ho- ras de sua invasão ; pois nesta moléstia a linha do pulso desce em quanto que a da temperatura se mantém hofisontal na immensa maioria dos casos, ou mesmo sobe durante os dous ou trez primeiros dias pelo menos, nos dous terços dos casos. Nas febres podemos dizer que ha em geral parallelismo entre o calor e a frequência do pul- so : pelo menos é o que nos vai indicando as observações modernas, a discordância pois des- te parallelismo é, segundo Faget, um signal pa- thognomonico da febre amarella. « Em gera l a continuidade do movimento py- ritico, com divergência das linhas desde o co- meço, conservando-se sobre tudo elevada a da temperatura devera estabelecer a probabilidade da febre amarella. Pelo contrario, quédas brus- cas sobre tudo na temperatura, com ascenções súbitas, acompanhadas de elevações parallelas no numero das pulsações, manifestarão ao me- dico que o elemento paludoso se acha em traba- lho e o levarão a lançar mão da quinina. Ninguém deixará de ler com curiosidade o pequeno, mas importantíssimo ti abalho de Fa- get, rico de observações bem dirigidas que vie- ram firmar em provas valiosas a proposições já recebidas pelas autoridades mais competentes de que a febre amarella era uma febre especifica de um só paroxismo com diversos períodos; e com prazer o digo, minhas observações confir- mam a verdade da asserção do illustre observa- dor, portanto o medico hoje com o auxilio do thermometro e do relogio póde resolver qual- quer duvida que se apresente para o diagnostico de qualquer caso obscuro de febre amarella. Preparo o mappa das observações a que me refiro para o annexar a estes artigos, quando os reunir em um folheto, como tenciono fazer, ou para os dar depois a publicidade, porque feitos com todo o escrupulo elles servirão de corrobo- rar a doutrina de Faget. Tenho dado a esta demonstração bem largo desenvolvimento, para dissipar qualquer ponto de duvida, que possa haver em matéria, que só não é acceita pelos espíritos systematicos, que hido coagem para que sejam adaptadas as suas vistas especulativas. Mas, dir-me-ha alguém,nos lugares em que a febre amarella reina conjunc- tamente com as febres paludosas, dão-se cases de febres amarella intermittente. Os melhores observadores contestam como já disse esta asserção, e nos casos em que a febre amarella em sua terminação parece manifestar a fórma intermittente, elles consideraram qou houve a juneção dos dous elementos, pois nín- guem ignora que o miasma paludoso se mistura com todos os elementos pathogenicos ; e os fac- tos de Maher que gosa de tantos créditos entre os cirurgiões da marinha são sabiamente refu- tados por Dutronlau que os considera como ca- sos de fehres paludosas inflamatórias, ataxicas, algidas conforme a influencia epidemica : ac- crescendo que os meios de observação que só ul- timamente têm sido empregados, virão nos ca- sos duvidosos fazer sobresahir a verdade. Na epidemia, que grassou em Lisboa, não en- contraram os médicos casos de febre amarella intermittente, e dizem os práticos daquella ci- dade, que se ella não fosse mais do que a exa- geração das febres remittentes paludosas, ella teria reinado no bairro d'Alcantara, onde aquel- las são endemicas. Antes de entrar na confrontação das lesões anatómicas das duas affecçòes, não devo deixar passar sem reparo a seguinte consideração que faz ainda sobresahir mais a dissemelhança que se nota entre a acção dos dous miasmas na pro- ducção das lezões que elles occasionam no or- ganismo : quero fallar da dyscrazia do sangue que se observa em ambos os casos: na febre amaiella, ella icveste á fórma aguda, nasce com ella e com ella desapparece, ou em mui poucos dias de convalescença: nas afíêcçòes paludosas temos o que se chama cachexia paludosa, que é um estado dyscrarico do sangue, que só se ma- nifesta depois de muitos accessos de febre, ou por uma habitação prolongada em lugares pa- ludosos, mesmo sem que tenha havido affecção alguma febril, que tem uma marcha chronica, e que só cede a mui prolongado tratamento Provas em favor da doutrina que sustento se destacam não menos salientes da confrontação das lesões anatómicas, e sou forçado a dizer des- tas o mesmo que disse dos symptomas. Nas affecçòes paludosas são variadíssimas as lesões como são variadíssimos os orgãos ou sys- temas que de preferencia são atacados. Na im- mensa maioria dos casos, para não dizer cm to- dos, obseda-se o engorgitamento do figado e pnncipalmente o augmento de volume e amol- lecimento do baço; emquanto que na febre amarella as lesões são constantes e as mesmas quasi sempre; e o figado em vez de uma con- gestão com os caracteres conhecidos deste es- tado, apresenta quasi sempre uma alteração es- pecinca que é conhecida pelo epitheto de gor- durosa, e o baço mostra-se na febre amarella em seu estado physiologico sem o meinr ves- tígio de alteração. Os autores concordam todos na discripção das lesões anatómicas da febre amarella, e nas au- topsias a que tenho procedido no Hospital Pe- dro II, tenho verificado tudo quanto elles di- zem ; sendo constante a alteração gordurosa do figado e a ausência de lesão do baço. Em dous casos em que este ultimo orgão se mostrou congesto e flácido, é bem de crer que fosse isto o resultado de antigas affecçòes palu- dosas, « o que não é de admirar em indivíduos de paizes em que ellas são endemicas. » O vomito preto é considerado por alguns prá- ticos como pathognomonico da febre amarella nas quando o não seja, é de immenso valor piando e earactenstico, isto é, quando se asse- jaelha a borra de café : a degeneração gordu- rosa do figado e constante, mas encontra-se em outras moléstias, porém diz Faget, que quando se nao achar n um cadaver suspeito de febre 16 amarella, devemos crer que houve erro de diag- nostico. A vista do quadro que tenho traçado, feita a confrontação da febre amarella com as affecções paludosas por todos os lados por onde podia e devia fazer, tornados bem patentes tão immen- sos pontos de manifesta dissemelhança, como se poderá admittir identidade entre as causas destas affecções, entre ellas mesmas, e entre os meios proprios para debellal-as ? Aqui posso applicar o provérbio que diz, que é mais cógo quem não quer ver, do que quem realmente o é. Muito póde sobre o espirito hu- mano o desejo de apoiar em demonstrações que parecerão valiosas opiniões que antecipadamen- te se formam, as vezes por estimulos bem pouco louváveis, de modo que os factos são mal obser- vados e falsamente interpetrados, tudo se vê por um prisma enganador, e a conclusão sera sem- pre um erro; e erro no assumpto que nos oc- cupa, funesto para a sciencia e mais ainda para a humanidade. Por todos os principios que nos devem guiar nas observações a que tivermos de proceder em qualquer das republicas das sciencias, é sempre mais rasoavel admittir diversas as causas que demandam circumstancias diversas para existir e manifestar-se, diversas as causas que produ- zem effeitos differentes, do que confundil-as em uma e a mesma, havendo depois necessidade de cogitarmos razões para explicarmos seu modo de existir e de obrar tão dissemelhantes. Assim no estado actual da sciencia eu não posso passar além da proposição, que fiz com- prehender na diffinição, que dei de febre ama- rella que é uma febre miasmatica especifica, de um só paroxismo com dons periodos bem dis- tinctos. Ella c gerada por um miasma especifico, cuja origem e natureza até hoje são desconhecidos, mas que todos os homens da sciencia devem com esforço e sacrificio procurar descobrir, por- que assim mais seguros caminharemos no em- prego dos meios com que se deve debellar um tão mortifero fiagello. Além de ser indicio de maior sabedoria, é mais util estarmos convencidos que ignoramos uma verdade, do que persuadirmo-nos que a conhecemos, quando ella é ainda por descobrir- se ; porque neste caso repousamos no gozo da supposta conquista, e naquelle nossos esforços serão constantes para rasgarmos as nuvens, que a envolverem. Creio que tenho demonstrado de uma maneira peremptória a verdade da proposição que avan- cei acerca da natureza da febre amarella; e nada mais teria que dizer sobre tal assumpto se não estivesse adstricto ao cumprimento da pro- messa que fiz, de analysar os artigos, que pu- blicou o Dr. Aquino, tanto mais quando o en- contro em terreno diverso do meu. O Dr. Aquino em todos os pontos sobre que dissertou, concernentes a febre amarella, foi de uma infelicidade lastimável, acceitando as opi- niões menos razoaveis, e defendendo-as com tal inhabilidade, que as deixou a descoberto contra qualquer golpe que se lhes dirija ; de modo que seu trabalho não parece producçào de quem se julga com direito de receb a1 de todos elevada consideração por ser discipulo da Faculdade do Medicina de Pariz, a unica, que no dizer do il- lustre doutor pode produzir médicos sábios e distinctos. Custa a crer como um homem que se diz il- lustrado, que firma seu immenso saber em ter mais livros de medicina que todos os livreiros e médicos desta cidade, dê uma tão triste copia de sua sciencia e senso medico. Os artigos que vou submetter á aualyae, são uin complexo de futi- lidades, e de citações mal adequadas, que mais se assemelham ao trabalho de um estudante, que de um medico que conta uma tão longa pratica. Ao publico, e principalmente aos membros de minha classe, não passara sem reparo a fran- queza de minha linguagem, mas eu espero que me relevarão esta falta, porque o Dr. Aquino manifestando desprezo por todos os médicos, que não são filhos da Faculdade de Medicina de Pariz, mo autorisa a que para com clle não guarde as attenções, que meus collegas sempre me mereceram; e assim eu quero mostrar até a evidencia, que todos os doutores de tio afa- mada escola, não são circumdados daquella au- reola refulgente, que deve ornar a fronte dos que sendo pela natureza dotados de talento, soube- ram-se aproveitar dos immcnsos recursos para se illustrarem. que lhes offerece a Faculdade de Medicina de Pariz, tão rica em meios de ensino, como tão mcrecidamentc admirada pela sabe- doria de seus professores. Felizmente os créditos de tão celebre corpo- ração não estão a mercê dos escriptos do Dr. Aquino ; pois todos de que tenho sciencia serve- riam antes para deprimil-os, se ella fosse res- ponsável pelas faltas dos discipulos, que se des- viassem do caminho por ella traçado, qual o do estudo assiduo, e da observarão rigorosa dos factos. 0 Dr. Aquino em um artigo que ultimamentc publicou, disse que não morria de amores pela medicina, e apezar disto quer cobrir-se com o titulo de um clinico celebre ! ! ! A pratica da medicina só se adquire á cabe- ceira dos doentes, observando-se com muita pa- ciência, e methodo, para o que se requer muito gosto, tudo quanto se passa no paciente,, que é o melhor livro, em que elle póde ler, como sem- pre fizeram os homens, que se tornaram verda- deiros luzeiros na sciencia, como fez Hyppocra- tes, cujos aphorismos são ainda hoje considera- dos na sciencia maximas de sublime sabedoria. A melhor escola para o estudo pratico da me- dicina são incontestavelmente os hospitaes. To- dos os professores de clinica do Dr. Aquino fir- maram sua reputação no estudo feito nas enfer- marias dos hospitaes de Pariz, cujo serviço nun- ca abandonaram, e eis o motivo por que os mé- dicos, que nesta cidade desejam conquistar o ti- tulo de práticos, buscam com empenho, embora com prejuizo de seus commodos e interesses, um lugar no hospital Pedro II. Mas o Dr. Aquino tem procurado mais enriquecer suas es- tantes de volumes, do que seu espirito com os 17 dotes indispensáveis, para ser um medico escla- recido pelo estudo e observação: elle não pro- curou jamais ter um serviço clinico nos hospi- taes desta cidade, e sem ter tido uma grande clientella, apregoa-se como o primeiro pratico do Brazil, firmando-se em ser medico da Facul- dade de Medicina de Pariz, e em possuir gran- de numero de livros! De passagem perguntarei ao Dr. Aquino, se 8. S. ja fez alguma autopsia em cadaver de fe- bre amarella, e em quantos de outras moléstias se tem S. S. dado a este trabalho ? A resposta não pôde ser favoravel aos fóros de pratico, com que S. S. se quer honrar, por- que suas mãos poucas vezes se tem conspurcado nas vísceras de cadaveres. E tão acertado é o juizo que formo do carác- ter pratico do Dr. Aquino, que sobejas razões encontro para fundamental-o em tudo quanto o Dr. Aquino tem escripto. No assumpto da presente discussão, querendo Dr. Aquino provar a identidade de natureza da febre amarella e das febres paludosas, não fez a confrontação das duas affecções, não mostrou seus pontos de semelhança; não recorreu a observações próprias ; o limitou-se apenas a ci- tar sem a menor analyse as opiniões que lhe pareciam convir para provar sua asserção, em- bora estas nem sempre lhe prestem apoio. Pois um clinico, que conta tantos annos de pratica como S. 8., não tem observações suas para firmar uma opinião ; e pede tudo empres- tado a homens, que devem ter menos conheci- mento da febre amarella, do que S. S. deveria ter, pois ou nunca a viram, ou apenas a observaram uma ou outra vez ? O Dr. Aquino soffrego por provas, lançou mão de tudo quanto tinha em suas estantes, não pou- pando até o manual de pathologia de Tardieu, a que ninguém se lembraria de recorrer para tra- tar de uma questão acerca da qual existem tra- balhos especiaes feitos por pessoas mais compe- tentes que Tardieu, que nunca observou a febre amarella, Em seus apuros elle aproveita-se da opinião de todos os que dizem que a febre amarella é uma moléstia miasmatica, para sustentar sua opinião de que ella e paludosa, como se todos os miasmas fossem de natureza paludosa. Cita Tardieu como de sua opinião, quando em seu manual elle separa as febres paludosas, das moléstias que elle denomina de pestilenciaes, de que trata em capitulo diverso, e entre as quaes colloca a febre amarella. Como pôde S. S. forçar a doutrina de Tar- dieu a ponto de identifical-a com a sua, sendo ella tão manifestamente contraria ? Não admitto a má fé, nem o desejo de embru- lhar o leitor em uma meada de citações, cuja exactidão nem sempre se procura verificar, mas custa a crer como se escreva com tanta levian- dade I Recorrendo a Woillez, o Dr. Aquino escolhe as palavras do illustre pratico que lhe fazem conta, e deixa de parte as em que elle expressa sua opinião, dando-nos por este modo, que não direi astucioso, pouco reflectido, o mesmo autor como de sua opinião acerca da na- tureza miasmatica paludosa da febre amarella, quando elle com toda a franqueza se colloca em terreno diverso. No artigo febre biliosa diz Woillez : as febres inlermittentes simples ou perniciosas, de phisio- nomias muito complexas, as remittentes, as con- tinuas, ou subcontinuas, a denominada biliosa, a ictérica, e emfim a amarella, todas teem sido encaradas como moléstias de natureza miasma- tica. Neste periodo transcripto pelo Dr. Aquino, Woillez diz uma verdade, que todas estas molés- tias têm sido encaradas como miasmaticas ; mas não se póde deduzir que tal seja sua opinião ; mormente dizendo-nos elle em seu artigo sobre a febre amarella, que ella é de natureza desco- nhecida, que lavra quasi sempre de uma ma- neira epidemica em lugares particulares ; e fa- zendo no mesmo artigo o diagnostico differen- cial desta affecção com outras consideradas pa- ludosas. Na opinião de Gilbert que considera a febre amarella como o máximo das febres remittentes biliosas, julga ter S. S. feito um grande achado ; mas não repara no nenhum valor das razões em que elle se firma para avançar tal proposição, como passo a demonstrar : Gilbert diz : « quando a febre amarella acconi- mette os estrangeiros, as duplas terçãs biliosas accomniettem os colonos. » Esta coincidência, que outros não têm obser- vado, teria valor, se em todos os lugares, em que os colonos são atacados de febres remitten- tes biliosas, os estrangeiros soffressem de febre amarella. remittentes biliosas que se manifestam nos recemckegados degeneram eni febre amarella. Além de ser falsa esta proposição, como já de- monstrei, ella fica refutada pelo terceiro argu- mento de Gilbert, no qual diz, que a febre, ama- rella no primeiro periodo confunde-se facilmente com as febres biliosas remittentes; logo posso crer que nos casos de degeneração, de que falia Gilbert houve antes erro de diagnostico, do que degeneração da moléstia primitiva. Os estrangeiros, que se aclimaram tiveram to- dos no começo de sua residência, principalmente depois dos grandes calores, affecções biliosas mais ou m nos graves. Em geral em todos os paizes, em que se reú- nem a dupla condição de calor e humidade, reinam as affecções biliosas, e para explicar taes phenomenos, não ha mister reccorrer-se aos miasmas paludosos. Os dons últimos argumentos em que elle diz que as condições mais favoravcis para o desen- volvimento da febre amarella e das febres remit- tentes biliosas são as mesmas ; e que o sulfato de quinino é o melhor tratamento de ambas, care- cem do provas valiosas, porque contra elles pro- testam os práticos mais abalisados, como já de- monstrei a respeito do primeiro ; e como hei de fazel-o acerca do segundo no decurso deste tra- balho. Assim, pois, vê-se que o Dr. Aquino citou o citou muito, mas sem o menor critério. 18 Apresentando a autoridade de Grisolle, pa- rece que S. S. só teve em mente mencionar que o sabio professor lhe fez a honra de conferenciar com elle ; porque elle diz que a febre amarella é um envenenamento miasmatico, mas não de- clara ser de natureza paludosa, e nem consi- dera efficaz o sulfato de quinino em seu trata- mento. De passagem direi que li com desgosto as pa- lavras que já citei do Dr. Aquino, e que vou re- petir textualmente: « O professor Grisolle, que conheci pessoalmente e me fez a honra de confe- renciar commigo em 1862 a respeito de um bra- zileiro, que se achava doente, como posso pro- val-o com uma testemunha ocular insuspeita etc. Custa a crer como o Dr. Aquino, que se mos- tra entre nós tão orgulhoso, se rebaixe tanto em Pariz que considere uma honra o ter uma con- ferencia com Grisolle ; se é que no acto do illus- tre medico houve outra cousa mais, que uma prova de deferencia com o collega presente, pa- trício do enfermo. Honra seria se Grisolle em um doente seu, caso de difficil diagnostico, mandasse chamar o Dr. Aquino para uma conferencia ; e mesmo assim S. S. devia receber o convite como uma prova de seu mérito, e não como uma honra tão elevada, que S. S. entenda dar testemunhas para ser acreditado. Deste modo eu tive varias conferencias com o amavel e distincto professor Gosselin, e o Dr. Jacoud, de quem 8. 8. se diz amigo, no Hospi- tal Lariboisiêre, pedio-me minha opinião acerca de um doente. Tudo isto são provas da amabilidade do ca- rácter francez ; mas, mesmo quando esses illus- tres professores me chamassem para conferen- cias, eu veria nisto uma prova de que meu me- recimento era por elles reconhecido, mas não me rebaixaria a ponto de considerar uma honra tão elevada, que fosse difficil de acreditar-se, como se se tratasse de uma cousa sobrenatural. O Dr. Aquino, admittindo que a febre amarel- la é de natureza paludosa, a considera com os typos intermittente, remittente, e continuo, mas nenhuma observação própria, nem referencia á sua pratica vem apoiar esta doutrina, que já impugnei com valiosas razões. t Dando maior latitude a suas idéas, considera o cholera, a f bre amarella, a peste, o typho, as remittentes biliosas, e as intermittentes, como de- pendentes de uma intoxicação miasmatica de na- tureza paludosa, que se manifesta po- diversos modos, isto é, sob formas diversas, embora todas devidas á aeção mórbida do mesmo germen, que ou por não ser igualmente absolvido por todos, ou por ter passado por modificações, não pode- mos apreciar. Acerca desta proposição é igualmente baldo de provas o escripto do Dr. Aquino; tudo são citações, e nada de própria lavra; ha mesmo em tudo isto uma immensa confusão que des- agrada, e embaraça o espirito do leitor. Elle trata conjunctamente de mostrar a analogia que ha entre os porões de certos navios e os pânta- nos, dizendo com Chervin que aquelles teem dado muitas vezes origem ao desenvolvimento espontâneo da febre amarella I sem reparar que Chervin não tratou de observar se os navios de que elle falia, haviam tocado em algum porto infeccionado; pois, segundo a opinião geral dos melhores observadores, só dada esta hypothese é que a febre amarella se pódo desenvolver a bordo de qualquer navio. Assim a cada passo se vê que o Dr. Aquino só procurou apoiar tudo quanto escreveu em nomes de médicos respeitáveis, sem attender ao valor dos fundamentos em que elles firmavam sua opinião, sem se importar mesmo o peso que taes autoridades podiam ter na questão, pois até recorreu a práticos que nunca viram a febre amarella, e que escreveram pelas noções recebidas de outros; e assim seu trabalho dá muito para quem quizer queimar o tempo com leitura, mas de nada serve para quem se quizer instruir. Destaca-se igualmente em outros escriptos do Dr. Aquino seu genio pouco observador e sua falta de critério, pois sem o menor rebuço lan- ça uma proposição no papel, dando por provado aquillo que não é: deste modo elle escreveu acerca da benefica influencia do clima de vários sertões nossos sobre as affecções pulmonares, comprehendendo mesmo a tuberculose, algumas paginas, que poderão servir para animar qual- quer doente a procurar esses lugares com espe- ranças de melhoras; mas o homem da sciencia nada encontra acerca de factos bem observados. Em outro trabalho, com poucos mezes de ex- perioncia, conclue o Dr. Aquino, que o guano é sem utilidade na cura da elephantiasis, como se em tão curto periodo, podesse observar a ac- ção de qualquer agente terapêutico, em uma af- fecção até hoje rebelde a todos os meios experi- mentados. Assim eu sou forçado a crer que, ou o Dr. Aquino não ouvio os conselhos de seus illustra- dos professores, ou, depois de honrado com o ti- tulo, que o enche de tanto orgulho, não mais se lembrou do que elles ensinaram, e não aprendeu nada de novo, porque não tem estudado, e hoje não póde ter o mérito de que se inculca mere- cedor. Escrevendo com tanta franqueza não me pas- sa nem de leve pela mente o desejo de rebaixar os créditos do Dr. Aquino, que se qualifica do primeiro medico do Brazil; eu só não quero é acreditar sem ver, e então procuro encontrar as provas da illustração quér theorica, quér pratica, do medico da Faculdade de Medicina de Pariz, que se diz herdeiro da justa celebridade de seus mestres, e até hoje não me tem sido dado encon- tral-as, como o viajante que nos áridos sertões busca a fonte crystalina, que lhe deva mitigar a sêde, mas que não tem a ventura de a desco- brir ; e assim eu peço ao illustre doutor, que rasgue o véo, com que tem sabido envolver sua apregoada sciencia, e que se digne lançar sobre mim, e sobre todos os seus collegas as torrentes luminosas dessa esphera sublime, em que S. S. se tem conservado por um tão longo periodo, sem que ninguém possa achar motivo para o encarar com a admiração que S. S. julga ter di- reito de exigir de todos os seus collegas. 19 dencias a prostação, com pulso pouco frequente, e molle, quasi que sem elevação em seu calor normal, indifferentes á seu estado, e que peio- ram de dia em dia, sem que tenha havido vo- mito preto nem qualquer hemorrhagia. Não encontrando em autor algum o quadro que acabo de esboçar, julgo conveniente insis- tir um pouco neste ponto, embora não tenha de occupar-me de discripção dos symptomas da fe- bre amarella. Nas epidemias de febre amarella de 1872 a 1873 e de 1874 a 1875 encontrei vários doen- tes, cujos symptomas se afastavam dos geral- mente observados em taes casos. Pulso peque- no, facilmente depressivel e pouco frequente ; temperatura quasi que phisiologica, lingua li- geiramente esbranquiçada, dor insignificante na região epigastrica, sem vomitos nem desejos de lançar, pouca cephalalgia e pouca rachialgia; nenhuma congestão na mucosa das gengives e das palpebras, estado de indiíferença a seus sof: frimentos, morosidade nas respostas, somno- lencia e ourinas escassas; sendo o segundo pe- ríodo expressado pela aggravação destes symp- tomas, descendo então a frequência do pulso o a temperatura abaixo do estado normal, e o do- ente apresentando-se em grande prostação e quasi que comatoso, mas respondendo com acer- to embora com difficuldade ás perguntas, que se lhe dirigia ; suppressão completa de ourinas. A aggravação deste máo estado geral, que é o quadro perfeitamente semelhante do que os práticos traçam da uremia de fórma comatosa simples, é do mais funesto prognostico, pois onze doentes, que tenho observado, todos falleceram no período de cinco a sete dias. Tão insólita manifestação de febre amarella poz-me em sérios embaraços nos dous primeiros casos, que observei, pois a ausência completa dos symptomas desta affecção não permittia que os considerasse como lhe pertencendo; e antes julguei que se tratava ou de uma febre perni- ciosa adynamica, ou de um envenenamento ure- mico ; mas as autopsias a que depois procedi me fizeram corregir o erro de diagnostico, e classi- fical-os entre os casos de febre amarella. Nas cinco autopsias que fiz, encontrei as lesões caracteristicas da febre amarella, achando em todos o figado no estado adiposo, o baço com seu caracter physiologico, a bexiga totalmente retrahida, sendo que trez cadaveres apresenta- vam todo o tegumento exterior com a côr icte- ria, circumstancia, que faltou absolutamente du- rante a vida. Este resultado fornecido pela observação ana- tomopathologica autorisou-me a collocar os ca- sos observados entre os de febre amarella, con- siderando tal anomalia em sua expressão symp- tomatica como resultado da combinação do prin- cipio genetico da febre amarella, com a urea, que nos casos em questão actuou sobre o orga- nismo de modo, que a moléstia principal não pôde revelar-se com sua clareza habitual. Pelo que tenho dito, e pelo que se sabe da marcha da febre amarella, de sua expressão va- riada, da dissemelhança completa, que ha entre os symptomas de seus dous períodos, de modo Náo basta o que expendi acerca da origem do principio gerador da febre amarella, para que eu possa dar o necessário desenvolvimento ás idéas que vou hoje expor a respeito do tratamento da mesma affecção. A febre amarella é gerada por um quid incóg- nito e sui generis e até hoje não se conhece me- dicação alguma, que lhe seja especifica. A observação rigorosa dos phenomenos, com que ella se patenteia, e que constituem seu ca- racter distincto de todas as affecções conhecidas : o estudo minucioso das lesões anatómicas des- cobertas pelas necropsias não poderam ainda dissipar as trevas, que envolvem o espirito do pratico na escolha dos meios therapeuticos para debellar tão mortiferá enfermidade, e se consul- tarmos os homens conscienciosos, que não se apregoam como capazes de fazer milagres, quan- do os outros caminham desanimados pelas du- vidas e incerteza, que os embaraçam, veremos que nenhum apresenta acerca do tratamento da febre amarella, mormente no periodo denomi- nado de vomito preto, uma opinião segura e de- cisiva. Dutronlau diz: uma moléstia grave, geral, cuja origem e natureza são por diversos modos interpretados, não pôde dar lugar senão a indi- cações therapeuticas tão variadas e tão pouco de cisivas como as idéas que cada um delia tem for- mado. E' o que se dá com a febre amarella, contra a qual tem sido esgotados os agentes mais activos da matéria medica, sem que nenhum tenha po dido ser saneeionado pela sciencia. E' que o ra- ciocínio segundo o qual todo o medico prudente procura instituir seu tratamento é desconcertado a cada momento pela irregularidade da marcha, pelo gráo de gravidade e pela variedade das phenomenisações symptomaticas', que o inspi- rismo, no qual elle é as vezes obrigado a refu- giar-se, só lhe apparece cheio de perigos ; e que em ultima analyse elle prefere limitar se á medi- cina dos symptomas, como não compromtttendo o futuro, e atacando directamente os accidentes presentes. Nos indivíduos accommettidos de febre ama- rella nós vemos dous períodos bem distinctos ; o primeiro com todas as manifestações de uma excitação geral, o segundo expressão legitima de um estado de collapso. Vemos ás vezes um estado de reacção franca, com todos os visos de uma febre inflammatoria 5 outras vezes um accesso febril ligeiro, que é quasi sempre indicio de gravidade para o pra- tico conhecedor desta affecção. Observamos no segundo periodo umas vezes o vomito preto abundantíssimo, que parece ser a morte causada por sua enorme quantidade, ás vezes pouco copioso, mas produzindo o estado ataxico, ou adinamico, ora complicado de he- morrhagias diversas, ora sem que estas appare- çam ; e alguns doentes eu tenho tido desta af- fecção, que desde o principio manifestam ten- 20 que, Sendo os do primeiro de uma febre franca- mente inflammatoria, os do segundo são sempre a expressão de um estado ataxo ou adynamico, parecendo ser completamente alheio a aquelle, facilmente se percebe a impossibilidade em que se acha um pratico de prescrever contra tal af- fecção um tratamento regular e uniforme. Depois ninguém ha que ignore o caracter va- riadíssimo, que a febre amarella, como todas as moléstias epidemicas, apresenta em as diversas épocas de sua invasão ; e então é um erro que- rer o medico sempre e em todos os casos empre- gar o mesmo tratamento, como levianamente diz o Dr. Aquino do sulfato de quinino, trata- mento que eu hei de impugnar com boas razões fazendo bem salientes os absurdos que a tal res- peito escreveu o por si apregoado pratico, filho da Faculdade de Medicina de Pariz. Os estudos até hoje feitos acerca da febre amarella não permittem que se localise esta moléstia em nenhuma víscera, porque as lesões que nellas se encontram nem lhe são peculiares, nem explicam a marcha da moléstia, parecendo ser uma moléstia totius siíbstantioe, tendo sua causa geradora produzido uma viciação do san- gue e uma perturbação na inervação. Mas admittidas estas idéas que parecem qua- drar melhor com o que se observa no decurso da moléstia e com as lesões cadavéricas, nem por isto o espirito do pratico fica assás esclare- cido para poder dirigir-se em suas prescripções. E de facto; sobre qual dos systemas imprime primeiro sua acção o miasma ? E' sobre o san- gue ou sobre os centros nervosos ? E' o sangue que em sua dyserazia deixa de ter as qualidades physiologicas indispensáveis para manter o exercício normal dos orgãos; e que por sua vez actuando sobre os nervos da vida organica os perturba em sua funcção e produz as consequências que observamos das hypere- mias em quasi todos os orgãos: ou vai o ger- men morbigeno atacar primitivamente os cen- tros da inervação das viceras, e produzindo a paralisya dos vasos motores, causa esta os effeitos que se nota da diluição do sangue, c de sua es- tase nos diversos orgãos. Como explicar a alteração gordurosa do fí- gado constante nesta aflêcção, quando ella se não encontra em outras, cujas perturbações funccionaes se lhe assemelham. E o baço, orgão nimiamente vasculoso, por- que motivo se apresenta quasi sempre em seu estado physiologico, sem a menor congestão, quando todas as vísceras e tecidos se mostram constantemente hyperemiados ? E que explica- ção se póde dar dessa tão notável dyserazia do sangue, que se forma em poucos dias, e que em poucos dias desapparece completamente como tantas vezes se observa na pratica? Em resposta a estas perguntas a sciencia con- eerva-se silenciosa; mas tudo confirma a opi- nião que avancei no começo deste trabalho, que a febre amarella é produzida por uma causa sui generis, que produz no organismo effeitos espe- cíficos. Faget diz que o decrescimento do numero das pulsações com a elevação da temperatura, mos- tra que o principio febrigeno tem uma acção es- pecial sobre o orgão central da circulação, não procurando investigar se isto tem lugar ou por- que o sangue contaminado pelo veneno se poz em contacto immediato com o indocardo; ou por acção reflexa. Elle recorda a acção da digitalis, que dimi- nuindo o numero das pulsações é considerada como tendo esta propriedade, e então diz que as analogias sendo completas, as conclusões são tão legitimas para um como para o outro caso. Sabe-se que ha substancias que podem dimi- nuir a frequência das contracções cardíacas sem actuar directamente sobre o orgão central da circulação, e assim Faget labora nas mesmas duvidas que eu ; conhece a diminuição da fre- quência do pulso, figura as hypotheses, que a podem explicar, mas não tem motivos para pre- ferir uma a outra. Budge, Weber e Cláudio Bernard descobri- ram quasi que ao mesmo tempo que a excita- ção do pneumogastrico, ou sómente de sua ex- tremidade peripherica tinha por effeito retardar os movimentos do coração ; pelo que se admit- te hoje geralmente que elle é um nervo modera- dor do coração, e que sua excitação exagerando esta funcção moderadora, retarda como conse- quência as pancadas do coração, o que foi de- pois demonstrado por Legros e Onimus pela ex- citação do pneumogastrico por meio das corren- tes electricas intermittentes. Em vista do conhecimento desta funcção phy- siologica do pneumogastrico, que segundo Ar- loing e Tripier deve ser o direito e não o es- querdo, porque este tem mais acção sobre o pulmão, póde qualquer, que deseje theorisar sem provas directas, explicar a diminuição da frequência do pulso na febre amarella por uma excitação sobre o pneumogastrico produzida pelo miasma febrigeno. Pelas considerações que tenho expendido se vê que o modo do obrar do miasma gerador da febre amarella sobre o organismo ó um segredo que manet alta mente repostum; e quando disse que era mais rasoavel admittir que elle actuava sobre os systemas da circulação e da inervação, é sómente porque presidindo elles em boa har- monia a todos os actos vitaes, parece que um principio morbigeno, que leva sua acção a todos os elementos orgânicos, de modo que constitue uma moléstia totius substancia?, deve actuar pri- mitivamente sobre estes dous systemas ; mas de novo repito, isto não passa de uma hypothe- se, que enuncio, sem me encarregar de sua de- fesa, porquanto jáexpuz as duvidas, em que la- bora meu espirito. Neste estado de ignorância acerca da natu- reza do principio gerador da febre amarella e do modo por que elle actua no organismo produ- zindo as perturbações funccionaes, que consti- tuem o quadro symptomutologico da mesma af- fecção, o pratico não tem outro pharol que possa guial-o em suas prescripções therapeuticas se não o conhecimento e a marcha dos mesmos symptomas ; e assim vemos por quasi todos os práticos recommendado como mais racional o 21 tratamento,que se deduz dapathologia dos simp- tomas. A observação rigorosa da marcha da febre amarella faz estabelecei' a divisão de dous pe- ríodos bem distinctos um de reacção, outro de collapso. O periodo admittido por alguns autores e col- locado entre estes, não é a meu ver mais do que um estado que sendo a maior parte das vezes a manifestação de melhoras, é em alguns casos perturbado por uma aggravação inexperada do mal, que se reveste então dos symptomas do se- gundo periodo, mas em todas as epidemias da febre amarella, pondo de parte as modificações que ella apresenta as vezes em sua manifesta- ção, ninguém tem deixado de observar como constante, como seu caracter essencial, a succes- são dos dous mencionados períodos, sendo o pri- meiro a expressão legitima de uma febre in- fiammatoria, e o segundo de um estado adyna- mico com dyscrazia do sangue. O conhecimento desta transição de um estado inflammatorio para um estado de collapso deve estar bem presente ao espirito do pratico, deve ser por elle tomado em grande consideração quando tiver de debellar os symptomas do pri- meiro periodo, e o pratico intelligente não dará largas ao emprego dos antiphlogisticos para combater uma reacção inflammatoria, que elle sabe previamente que ó de curta duração, e que tem de ser infallivelmente seguida de um grave estado de prostração com considerável dyscrazia do sangue. Lançam alguns práticos, e nesta sala eu ouvi repetir por vários de nossos consocios, o anathe- ma sobre alguns meios empregados no trata- mento mortífera affecção. Emquanto a mim, pugnando eu pelo tratamento symptoma- tico, não serei exclusivista, e dando preferencia, como farei ver no decurso deste trabalho a este ou áquelle meio, não reprovo que em certas oc- casiões se lance mão de outros, que em geral não podem ser utilisados. E' o estado em que me acho acerca do em- prego da sangria geral, á que o pratico deve rec- correr com grande parcimónia, e raras vezes, mas convindo evitai' o abuso, é, quando con- venientemente empregado, um meio de que o pratico póde tirar proveito. Assim eu não terei receio de o empregar quando tratar de um indivíduo de compleição forte, e cujos symptomas inflammatorios do pri- meiro periodo, francamente pronunciados, com manifestas e intensas congestões em orgãos im- portantes, me façam receiar graves compromet- timentos destes, mormente se na mesma qua- dra epidemica eu tiver sido bem succedido em casos anteriores. Em alguns casos, em que tenho lançado mão deste meio, guiado sempre pelas considerações que acabo de expender, consegui alliviar o doen- te de seus padecimentos ; e a adynamia que em alguns destes casos se succedeu como segundo periodo da moléstia nem appareceu mais pre- coce, nem foi maior, pelo que me julguei atori- sado a pensar, que a sangria em nada havia con- corrido para seu apparecimento. Não sei sc geralmente se procede com o de- vido rigor na preferencia ou regeição, que se da a certos meios no tratamento das variadas affec- ções, que affligem a humanidade ; cumpre dis- tinguir, e o problema não é de facil solução, o que póde pertencer a acção do medicamento, do que depende da causa morbigena; e as opi- niões desencontradas de autoridades igualmente respeitáveis provam bem as difficuldades, que involvem esta distincção. Assim um pratico vè um doente de febre amarella passai- do pri- meiro para o segundo periodo, tendo sido san- grado, e elle esquecido da tendencia natural deste estado pathologico, attribue só á sangria o effeito observado; elle faz como o doente, que explica sempre a aggravação de seus padeci- mentos ou a apparição de novos epiphenomenos pelo uso do remedio que lhe fizeram tomar, ad- mittindo como infallivel o post hoc ergo propter hoc. Não ; para que o medico possa caminhar por uma via mais segura para o descobrimento da verdade, convém que elle seja muito rigoroso em suas observações: e que não deixe de dar o de- vido valor a cada uma das circumstancias, que a acompanharem; e só assim elle poderá com acerto dar preferencia a este ou aquelle meio empregado. Ninguém ignora a differença de acção que póde ter um meio therapeutico qualquer segun- do as constituições, idades, sexos, temperamen- tos e mais circumstancias que imprimem as na- turezas certas especialidades, que tanto dificul- tam a pratica da medicina ; e não menos conhe- cido é o caracter especial que tomam em geral as moléstias epidemicas nas diversas épocas de. seu dominio, e mesmo nos diversos períodos de uma mesma época. Assim um pratico póde reprovar in Umine a sangria na febre amarella, porque não teve em consideração as circumstancias, que devia at- tender, ou porque empregou este meio no pe- riodo de maior vigor da epidemia, em que quasi todos os casos eram funestos á despeito de qual- quer tratamento ; emquanto que outro apregoa o mesmo meio como mui profícuo porque soube melhor attender á conveniência de seu empre- go, ou porque empregando-o na declinação da epidemia, quasi todos os casos eram benignos, e cederam a sangria, como cederiam aos outros meios empregados e até mesmo a simples espec- tação. Assim, pois, vê-se que sem o devido rigor al- guns práticos teem proclamado a sangria como o meio preferível no tratamento da febre ama- rella, emquanto que outros a não admittem em caso algum. Convicto de que em therapeutica não ha prin- cipio algum absoluto, que o meio geralmente re- conhecido como util ou prejudicial na immensa maioria dos casos, possa dar resultado contrario em alguns casos, por circumstancias, que lhes imprimiram varias modificações, que o medico verdadeiramente observador deve saber avaliar: collocado na rigorosa necessidade de lançar mão contra a febre amarella d'um tratamento symp- tomatico, eu não posso deixar de considerar a 22 sangria como um meio, que empregado com muita prudência e tino, possa ser de grande re- curso em alguns doentes atacados desta molés- tia ; tanto mais que a dyscrazia do sangue não é razão para que elle não possa produzir raptos de sangue para orgãos importantes, o que deve o pratico procurar evitar; e que seu estado phy- sico nas sangrias dadas no começo da moléstia prova sua plasticidade e então aptidão para for- mar iuflammações visceraes, de que as autopsias nos revelam as vezes alguns traços. O que digo da phlebotomia tem toda a appli- cação ao emprego das sangrias locaes quér por meio das ventosas sarjadas, quér pelas sangue-, sugas que servem para impedir as localisações congestivas, devendo haver toda a prudência em tal prescripção, porque a fluidez do sangue é tal no segundo periodo, que pela scisura de uma sanguesuga se póde dar uma hemorrhagia, que resiste aos mais poderosos hemostaticos. Assim na recommendação do tratamento an- tiphlogestico directo, o pratico deve ser muito cauteloso, e recorrer a elle quando houver ri- gorosa necessidade, e mesmo então com muita vigilância em vista da tendencia, que a febre amarella apresenta de produzir um estado de immensa prostração de forças. Lança-se geralmente mão no primeiro periodo da febre amarella dos antiphlogisticos indirec- tos como os sudoríficos, os vomitivos, os purga- tivos e os refrigerantes :tem sido também em- pregado por alguns o sulfato de quinina, e ou- tros teem recorrido á hydrotherapia. Razão alguma ha que contraindique o em- prego dos sudoríficos no primeiro periodo da fe- bre amarella; porém o nenhum proveito que delles tirei, quando largamente os empregava, me determinou a abandonal-os, para não retar- dar algumas horas a applicação dos purgativos ou vomitos, de que sempre tirei melhor provei- to : todavia quando julgo conveniente preencher a indicação sudorífica, pelo demasiado estado de secura da pelle, de modo que parece estai1 suspensa até a proria perspiração cutanea, eu recorro ao emprego do banho tépido geral, que, combattendo o espasmo da pelle, faz apparecer uma constante, embora ligeira transpiração, que é sem duvida mais conveniente do que a abun- dante, mas de curta duração, que é provocada pelas beberagens quentes em grande quanti- dade, com o abafamento do doente debaixo de grossas e pesadas coberturas, sendo que este ul- timo meio é por demais incommodo. Os pediluvios e sinapismos nas extremidades inferiores, que se empregam concorrentemente com os sudoríficos são de vantagem pela sua ac- ção revulsiva. Querem alguns práticos que se recorra con- stantemente ao emprego do emetico ; mas acer- ca deste meio direi,como de todos, que em the- rapeutica não se póde admittir o nunca nem o sempre, porque até os especificos teem suas indi- cações e suas contraindicações, que o pratico, que não tem um sacco de receitas, donde as vai tirando a esmo, como diz a anedocta do criado que succedeu ao medico da aldeia em sua clini- ca, deve ter sempre em grande consideração ; e assim ha nos doentes de febre amarella muitas vezes indicação rigorosa para que se lance mão do emetico, que é o caso dc embarafo gástrico sem grande reacção febril, em que desembara- çado o estomago das saburras, que despertavam sua contracção antiperistaltica, ou mesmo mo- dificada a acção da túnica interna desta viscera pela acção tópica da substancia medicamentosa, de modo que deixe ella de segregar novos liqui- dos pathologicos, ou corrigida a acção nervosa, que se achava perturbada, vemos cessar os vo- mitos, diminuir a ccphalalgia e o estado de an- ciedade do doente, e as melhoras começarem pouco a pouco a apparecer. Pôde ser mesmo que a perturbação resultante do acto vomitivo produza uma crise favoravel, que faça resolver a moléstia. Dutronlau de ac- cordo com outros práticos admitte esta resolu- ção como possivel nos casos ligeiros e complica- dos de embaraço gástrico ; e se ella se póde dar em outras febres continuas, como acredita Beu- net, e quasi geralmente se crê, porque motivo não póde ella ter lugar na febre amarella? Assim, boas razões ha para que se recorra ao emprego dos vomitos, quando as circumstan- cias o exigem, e delles sempre lancei mão com vantagem ; mas na quadra epidemica que acabamos de atravessar tive de recuar perante sua applicação, porque nos primeiros casos em que os empreguei, os vomitos foram pertinazes e o segundo periodo foi prompto em apparecer com um estado adynamico mui pronunciado. Nesta epidemia que atravessámos,a teudencia a prostração de forças foi geral e manifesta; a adynamia do segundo periodo foi considerável: não observei um só caso com perturbações ata- xicas; e vários doentes sem que houvesse vo- mito preto, nem hemorrhagia ou congestão franca em nenhum orgão, manifestavam, com poucos dias de moléstia, immensa prostração, descendo a temperatura e o numero das pulsa- ções abaixo do grão e estado phisiologico. Nestas condições não pude deixar de respei- tar tal especialidade do caracter epidemico, e dar-me pressa em recorrer aos tonicos, depois do emprego dos evacuantes, como é de preceito fazer-se, pois a pertinácia na applicação con- stante de um meio therapeutico contra uma mo- léstia epidemica, que costuma apresentar-se com caracter diverso, ou prova ignorância ou grande afferro a uma opinião. Discute-se qual das substancias mais geral- mente empregadas como vomitiva deve mere- cer a preferencia: se o tartaro emetico, se a ipecacuanha. Ninguém na pratica faz substituir indifferen- temente uma destas substancias pela outra; cada uma tem suas indicações mais apropriadas. Na febre amarella, eu prefiro geralmente a ipecacuanha, e neste modo de proceder tenho por mim a pratica dos melhores observadores ; porque a acção hyposthenisante do tartaro, ás vezes mesmo quando dado em dóse diminuta, o faz excluir até certo ponto do tratamento de uma affecção, em que tudo tende a uma grave postração; mas nos casos em que entendo ser necessário produzir o effeito vomiío-purgativo 23 em indivíduo sanguino e robusto, no qual não vejo syinpthomas, que denunciem uma pas- sagem rapida para o segundo período, eu lanço mão do tartaro sem receio de que elle apresse a marcha da moléstia para seu estado final. Não vejo como o tartaro emetico possa con- correr para o apparecimento do vomito preto ; se a dyseravia do sangue não for tal que dè lugar a que elle se manifeste, o tartaro por si não a provocará ; se ella chegar a ponto de poder pro- duzir o vomito, não ha necessidade do tartaro para que ella se revele Erro sim será e erro crasso, lançar-se mão dos vomitivos, quér do tartaro quér da ipecacuanha, na invasão do segundo período, em que convém conservar em completo repouso um orgão, que dentro em pouco póde ser a sede de uma hemor- rhagia, e que os abalos provocados pela acção vomitiva tenderão a tornar mais intensa. A medicação purgativa é geralmente acolhida sem impugnação, porque ella obra como anti- phlogistica sem os inconvenientes atribuídos aos meios precedentemente estudados: sua acção é mais facilmente avaliada, de modo que não ha que receiar o poder causar uma perigosa prostra- ção ; ella concorre efficazmente para disconges- tionar as vísceras, e acalma o erethismo nervoso, sem produzir grande sedação, podendo até mes- mo concorrer para a eliminação do miasma. Entre as substancias purgativas são geral- mente preferidas as que menos irritão a mucosa intestinal, como os salinos e o oleo de rícino e a elles costumo reccorrer na maioria dos casos ; mas quando o estomago repugna guardai' estas substancias, prescrevo com proveito umas pílu- las de jalapa, rhuibarbo e sabão amygdalino. Não vi ainda em minha pratica razão para antepor o oleo de rícino a todos os demais pur- gantes, como muitos pretendem e como se faz em Havana e no México ; o beneficio por elle obtido é consequência de seu effeito purgntivo e igual ao que póde produzir outra qualquer subs- tancia, tendo contra si a repugnância com que geralmente é tomado, que faz com que muitas vezes seja de prompto regeitado pelo estomago. A preferencia dada por alguns práticos aos calomelanos na dóse purgativa, como succede na Jamaica, é a meu ver sem razão de ser. O fundamento da acção discongestiva dos calo- melunos sobre o figado, de que se utilisam tão geralmente os médicos inglezes nas hyperemias e inflamação deste orgão, não parece ter valor no caso em questão porque, sabemos pela anato- mia pathologica que na febre amarella o figado em vez de congesto se apresenta exangue, e que elle é affectado de uma alteração especifica- accrescendo que a acção dos calomenanos o in- certa, e que póde produzir, com grave prejuízo para o doente, o ptyalismo, e concorrer para o apparecimente da dyseraria do sangue, que se deve evitar nesta affecção. Os refrigerantes são empregados com vanta- gem, e os doentes no primeiro período tomam com prazer as limonadas acidas,principalmente se são geladas, e estas servem muitas vezes para suspender os vomitos. Diante de um inimigo tão temivel, que no auge de sua manifestação fere innumeros indiví- duos, fazendo victimas aos centos, a despeito dos mais energicos e variados tratamentos, não ad- mira que os práticos, levados pelo louvável de- sejo de triumphar,tenham lançado mão de todos os meios que a sciencia lhes indica como capa- zes de produzir algum beneficio. E' assim que quasi todos os práticos recorre- rão ao sulfato de quinina, esperando desta subs- tancia alguns benefícios ; acreditando uns que tudo proviria da acção antifebril,e outros que sua virtude especifica seria posta em actividade con- tra uma affecção, que reputavam de natureza paludosa. Não cabe nos acanhados limites deste traba- lho dar largo desenvolvimento as diversas opi- niões que grassam na sciencia acerca das pro- priedades pharmacodynamicas do sulfato de qui- nina, que em alguns pontos até se contradizem pela dissidência na observação dos phenomenos e em sua interpetração ; mas julgo indispensá- vel dizer alguma cousa acerca da acção de tão valioso agente therapeutico sobre os orgãos da circulação, sobre o systema nervoso, sobre as funcções da calorificação e da sanguinificação- para que se veja qual o fundamento em que se estribam os práticos, que a elles reccorrem nas febres continuas e nas moléstias febris. Da classe dos excitantes e irritantes de Bronn e Broussais passou a quinina com as doutrinas de Razori a tomar lugar entre os sedativos e an- tiphlogisticos, sendo proclamado pelos adeptos desta escola com hyposthenisante cardíaco vas- cular, admittindo Riquet que com igual acção sedativa obra elle sobre o coração, as artérias e sobre o systema nervoso. Pelos estudos feitos sobre a acção deste alca- loide chegaram os práticos a conclusões diver- sas e oppostas, não só pela preocupação theorica e influencia de systemas variados que nelles im- peravam, como porque não empregando as mesmas dóses, os resultados não podiam ser os mesmos ; mas todos verificaram que a quinina em alta dóse é hyposthenisante da funcção cir- culatória. Esta conclusão não satisfazia as exigências da sciencia, porque o estudo da acção de uma substancia medicamentosa não deve ser feito em sua dóse toxica, mas sim naquellas em que po- deni ser empregadas na cura das enfermidades. Os práticos mais escrupulosos, que nada dis- pensaram para que suas experiencias fossem dirigidas com todo o rigor, e as consequências bem deduzidas, notaram que o estado de saude ou de moléstias, apyretico ou febricitante de indivíduo, a natureza da moléstia, ou sua ori- gem, podiam influir poderosamente na manifes- tação do effeito deste poderoso alcaloide. Assim no estado de saúde ou mesmo naspyre- xias das febres intermittentes, as dóses diminu- tas desta substancia são sem effeito sobre a circu- lação, admittindo Piorry que o mesmo se observa quando nestes estados se eleva a dóse até < i 4 grãos : mas no estado febril a modificação im- primida a circulação, mesmo depois do empre go de dóses inferiores, é mais constante e mani- festa, e isto se observa bem no rheumatismo, 24 onde se consegue moderar a febre com doses razoaveis de sulfato de quinina. A depressão das funeções circulatórias está, segundo Baudelocque, Guersant, Blache, Ril- lict, Barthez, Legrond, Monneret e outros, na razão directa da dóse empregada. A' manifestação de uma depressão mais prompta e sensivel sobre a circulação, nos esta- dos febris, quer no phisiologico, se reune uma differença de energia dessa mesma acção de- pressiva, segundo o estado pathologico do indi- viduo, Assim, segundo o dizer de Delioux de Savignac,ella é mui pronunciada na febre rheu- matismal e typhoide. nulla durante os accessop de uma febre intermittente, e se anihila em qualquer febre continua complicada de phlegma- sia de um orgão. EUa tem uma influencia toda particular nas pseudo-continuas de origem pa- ludosa, que obrando sobre ellas durante o seu curso as diminue, enfraquece, ou as divide em accessos, no intervallo dos quaes seu poder an- tiperiodico vem terminar a obra começada pela sua propriedade antpyretica. Assim chega se á conclusão que o sulfato de quinino é um medicamento antipyretico, febrí- fugo-mas quer Briquet que seus effeitos sobre a circulação sejam o resultado de sua acção di- recta, e especial sobre o coração, sem o inter medio do systema nervoso ; e sua opinião é con- firmada pelas experiencias de Lewisky, de Ha- san, de Leon Col, de Jolyet, de Narre e Wal dorf ; mas deve notar-se que taes experiencias foram feitas em condições mui diversas da- quelias em que se acha o indivíduo, a quem se applica a quinina: e deste modo, admittida a acção hyposthenisante da quinina sobre o cora- ção e os vasos como sua ultima expressão, não ó possível em presença de certos factos dinicos reputar seus effeitos se não como de uma causa, que estimula certos apparelhos,e que da uma ac- vidade real a certos actos orgânicos, manifes- tando se mesmo sobre o systema circulatório esta exeitação favoravel. E como explicar, senão por uma acção discon- gestiva dos vasos cephalicos, os benefícios produ- zidos por este alcaloide nas cephalalgias causa- das por um affluxo de sangue, nas nevralgias congestivas, e nas dores devidas mais a nevrites e nevrilemites, que a nevralgias essenciaes : ou mesmo a resolução das hypersplenotrophias, se não se admittir uma tal ou qual acção estimu- lante da quinina ? A própria acção antiperetica do quinino póde ser explicada pelo seu effeito excitante sobre o o pnêumogastrico, que segundo Weber, Rudge e C. Bernard tem por effeito diminuir a fre- quência dos movimentos do coração, e sobre o grande sympathico, que dissipa as estases peri- phericas e visceraes pela incitacão dos nervos vaso-motores. Pelo que tenho exposto acerca da acção do po- deroso alcaloide, não posso deixar de concluir com Dilioux de Savignac que a theoria que qui- zer admittir a quinina sómente como hypostheni- sante é tão abusiva como a que a considerar ex- clusivamente agente de excitação. A temperatura abaixa com o uso do quinino quer no estado physiologieo quer no febril, em- bora mais neste que naquelle, porque mui bem diz L. Colin o therinometro não póde baixar tanto em presença do calor normal como quan- do por moléstia elle se tem elevado a mais 3 e 4 grãos. Esta acção da quinina, que parece explicar se mais rasoavelmente pelo embaraço que elle põe ao trabalho das oxydações e das combustões or- gânicas, foi bem demonstrada pelas experiên- cias de Sydney Ruiger, de Leibermeister, Jur- gensen, Briquet e Herner ; sendo a diminui- ção de temperatura tanto nas partes mais inti- mas do corpo, como em sua superfície, em nada auxiliada pelos effeitos da transpiração porque esta segundo Herner, diminue com as dóses fracas do quinino,e suspende-se completamente quando se engerem dóses elevadas. As experiencias feitas por Briquet em ani- maes, e em individuos tratados de rheumatismo demonstraram-lhe que as altas dóses de quinina augmentam muito a proporção da fibrina do sangue, um pouco a da agua, e diminuem o numero dos globulos, produzindo uma hypoglo- bulia, e hydremia semelhantes as dos individuos chloroticos. A analyse chimica tem demonstrado em vá- rios alcaloides,e mui principalmente na quinina a propriedade de embaraçar a ozonisação dos globulos, e assim tornal-os menos aptos paia o trabalho das combustões organicas, concorren- do desta arte para o abaixamento da tempera- tura, Até aqui eu tenho exposto, embora resumi- damente, a acção da quinina sobre a circulação, sobre a calorificação, e sobre os elementos com- ponentes do sangue, e pelo que fica dito é facil comprehender-se sua virtude autipyretica, sendo o estado febril manifestado pela frequência de pubro e elevação de temperatura; mas quem conhece as intimas legações que prendem o sys- tema nervoso ao circulatório no exercício de suas funeções, não póde deixar de inquirir qual a atti- tude do systema nevorso nesta scena. Do mesmo modo que se observa na circulação, uma fraca dóse de quinina não produz effeito algum scnsivel sobre o systema nervoso, porém logo que a dóse se eleva acima de alguns centi- grammas, manifesta-se sua acção estimulante sobre o mesmo systema, mas se chegarmos á dó- ses crescidas deste alcaloide então torna-se pa- tente sua acção depressiva sobre a innervação. Não é nos effeitos produzidos pelas dóses to- xicas, segundo já disse, que se deve ir estudar a acção de qualquer substancia medicamentosa. Com o sulfato de quinina,observa-se a exactidão da lei de G. Bernard, que toda a substancia que em alta dóse extingue as propriedades de um or- gão, as excita em dóses pequenas. O sulfato de quinina tem uma acção incito motora sobre as lesões de movimento como fez observar Briquet nos individuos atacados de rheumatismo e da espinha-Elle é um autalgico indirecto porque,excitando a acção dos vasos mo- tores dessipa as congestões que comprimen os nervos sensitivos, produzindo antes de attingir o maior gráode depressão sobre a innervação phc- nomenos de uma superexcitação do systema ner- voso, taes como as convulsões epileptiformes. Elle excita muitas vezes os indivíduos ané- micos de uma maneira desagradavel; e não cal- ma o erethismo nervoso simples, que acompa- nha as febres, e é contraindicado nos estados que produzem uma viva impressionabilidade cerebral. Não me darei ao trabalho de explicar o modo porque a excitação do sulfato de quinina sobre o systema nervoso pòde produzir a diminuição na frequência das pulsações e na temperatura por ser uma noção tão elementar de phyriologia pathologica, que a ninguém e dado ignorar. Ao tratar-se da acção do importante alcaloide, que tem sido objecto de tão profundos estudos, não pôde passar desapercebida sua virtude anti- periodica, e sua poderosa influencia, contra os miasmas telluricos-propriedades que lhe sus- tentam os foros, de que gosa na sciencia. A propriedade antiperiodica é independente da antepyretica, e antilellurica; vemos ella ma- nifestar-se no periodismo alheio a estas causas, e resultando este estado de perturbações espe- ciaes do systema nervoso trisplanchuico, pode o sulfato de quinina corrigir estas perturbações, embora occasionadas por motivos diversos, com- binando segundo a expressão de Delioux de Sa- vignac, suas propriedades antipyreticas, resolu- tivas, sedativas ou outras, segundo o caso,de ma- neira que ellas venham concorrer para o resultado final da ingerência da quinina no acto complexo constituído pela moléstia. E' assim que a pro- priedade antiperiodica obra de accordo com a antitellurica nas affecções telluricas, com a pro- priedade sedativa nas nevralgias, com a pro- priedade resolutiva em certas phlegmasias. A sciencia não póde ainda explicar a modifi- cação particular do systema nervoso nos actos do periodismo, como nada póde ainda dizer acerca do modo de obrar da medicação antiperio- dica; mas a respeito da quinina querem uns que esta propriedade se ligue a sua acção hyposthe- nica, e outras a fazem depender da força de re- sistência, que elle imprime ao systema nervoso. A primeira destas hypotheses é insustentável, porque segundo siia doutrina os remedios en- torpecentes e anesthesicos seriam os primeiros antiperiodicos, o que se não dá; e sabe-se que algumas substancias antepyreticas e antiperio- dicas como o arsénico, e a digitalis manifestam estes effeitos estimulando. A outra hypothese, que liga a acção antiperio- dica da quinina a resistência vital ou estimulo, que elle imprime ao organismo parece estar de accordo com os factos clínicos, pois nas febres de accesso e nas febres de entoxicação, em que a depressão das forças é maior, é então que o sulfato de quinina deve ser dado em maior quantidade, parecendo que ha por parte do or- ganismo uma disposição para tolerar a elevação da dóse, que em outros casos iria perturbar o equilíbrio nervoso. Ve-se igualmente que os succedaneos da quina, entre os quaes figuram os tonicos amargos são medicamentos, que esti- mulam, em vez de deprimir os actos orgânicos. Não mais avançada se acha a sciencia em 25 quanto ao modo de obrar (lo quinina contai as affecções de origem paludosa : são manisfestos e geralmente reconhecidos seus effeitos, admi- rada sua virtude especifica, que permitte que a ella se recorra com plena confiança, quando sua indicação é rigorosa, mas porque meio poe elle embaraço a marcha das affecções de natureza paludosa, como as tolhe as vezes no auge de sua intensidade, é um mysterio, que permanece ainda hoje envolvido em grande obscuridade. Mas em presença de tão incontestáveis pro- priedades therapfeuticas por todos os práticos reconhecidas, embora se ignore os processos por- que tão valiosa substancia perturba as desordens organicas, que constituem os estados morbidos, contra os quacs com vantagens é ella emprega- da ; não admira que contra a febre amarella, fosse ella ensaiada por quasi todos os práticos, que se acharam a braços com tão terrivel, mo- lestia. Sua propriedade antipyretica, e sua acção be- néfica nas febres paludosas pseudo continuas, levaram os práticos a experimental-a, e ás ve- zes até com abuso nocivo para os doentes, nas febres continuas, comprehendendo neste nu- mero a febre amarella, fosse qual fosse sua na- tureza; e contra os estados febris ligados com phlegmasias visceraes. Todos conhecem a importância que o sulfato de quinina tem no tratamento da febre typhoide. Pondo de parte o enthusiasmo de poucos expe- rimentadores, em geral, seu emprego não ébem acolhido pela maioria dos práticos, salvo cir- cumstancias espeficas, que determinem suapre- scripção. Na febre amarella. como tratamento gene- rico, o sulfato de quinina é impugnado por quasi todos os práticos, verdadeiramente conhecedores desta moléstia pela longa residência nos lugares em que ellas reinam com mais constância. E' assim que contra seu emprego proclamam Du- troulau, Saint Well, Kelot, Maker, Saint Pair e todos os médicos da marinha franceza, que me- lhor Elucidaram esta questão. Em quanto a mim, sendo forçado a dar mi- nlia opinião pela posição em que me vejo collo- cado, embora em nada ella reforce o valor da conclusão tirada pelo estudo feito pelos illustres práticos,que acabo de citar; cumpre-me dizer que nada devo ao sulfato de quinina no tratamento da febre amarella-que depois de o ter experi- mentado por muito tempo, esperando algum beneficio de sua acção antipyretica, e tónica fui forçado a abandonal-o por outros meios, que me pareciam mais suaves e mais seguros. Na febre amarella segundo os melhores ob- servadores o sulfato de quinina não exerce sobre a intensidade da febre e as perturbações cere- braes a mesma influencia, que manifesta as ve- zes no tratamento da febre typhoide. Eis o quadro traçado por Saint Pair acerca da acção do sulfato de quinino na febre amarella. Sendo a febre amarella uma moléstia essencial- mente continua, ella começa comtudo ás vezes com inna apparencia de intermittencia, mas se se applica então o sulfato de quinina,o estado fe- bril, como na febre typhoide, quando ella começa 26 por uma forma analoga, toma bem depressa a forma continua. Estando o primeiro periodo francamente es- tabelecido, a quinina manifesta a mesma im- potência, ou ainda peior, augmentando a ancie- dade e a agitação do doente, não abatendo o orgasmo inflamatório , e se desde então ou na remissão se eleva a dóse a muitos grammas, hy- posthenisa o doente, e predispõe-o para uma adynamia mais difficil de remediar-se no segun- do periodo. Dutroulau confirma esta opinião, e considera este alcaloide no principio da febre amarella a titulo de antiperiodico e antepaludoso como sempre inútil e muitas vezes prejudicial. Os práticos mais recommendaveis só prescre- vem o quinino quando ha promiscuidade da fe- bre amarella com o elemento paludoso. Como disse, quando tratei da natureza da fe- bre amarella, nunca encontrei um só caso com a forma intermittente, e assim só procurei obter deste agente seu beneficio como antipyretico, e então nada posso dizer acerca da consideração de Saint Pair do poder que tem o quinino de transformar em continua a febre amarella, que começa com apparencias de intermittencia; mas em quanto ao augmento da agitação e an- ciedade do doente é facto constante de minha observação sempre que reccorri a este meio, mes- mo quando o ensaei como tonico no ultimo pe- riodo. Assim ehoje doutrina corrente, quasi que sem contestação que o sulfato de quinino não pro- duz o menor beneficio no tratamento da febre amarella. A theoria da itiologia palustre da febre ama- rella levou alguns práticos a reccorrem ao sul- fato de quinina como especifico-mas peccando ella pela base, como já demonstrei com sobejas razões, perde ella ainda mais em seu valor em vista da inefficacia deste meio, que não aug- mentou com tal indicação seus benefícios. VI Vem a proposito agora entrar na analyse dos escriptos do Dr. Aquino acerca do emprego do sulfato de quinina como especifico contra a febre amarella. Custa a crer que um clinico, que se diz illus- trado, que é discípulo da unica escola que tem o privilegio, segundo o seu dizer, de só graduar j com o titulo de doutor homens verdadeiramente j doutos, podesse escrever tantos absurdos, sem i cahir em si, e conhecer que estava dando uma triste copia de sua intelligencia, de seu saber e de seu critério. Que se me não tenha por apaixonado em vis- ta de tamanha franqueza: Não. Eu peço a meus collegas que façam o sacrifício de ler os artigos a que me refiro, pois é um verdadeiro sacrifício perder tempo com tal leitura, e depois dir-me- hão, se ha exageração no que digo, se tudo quan- to o Dr. Aquino escreveu acerca deste assumpto não é futil, absurdo e desconchavado. O Dr. Aquino é o mais encarniçado defensor do sulfato de quinina como especifico da febre amarella, elle o emprega logo no primeiro pe- ri >do, emprega-o no estado de vomito preto, emprega-o como preservativo, emprega-o sem- pre e invarialmente, com tal convicção, que quando o doente não se quer submetter a tal tratamento, elle não se presta a ser seu medico. Pela leitura dos celebres artigos do Dr. Aqui- no se deprehende o seguinte absurdo: que o sul- fato de quinina e sempre bem indicado em qual- quer caso de febre amarella, e em qualquer es- tado ; que dclle pode usar a creança de consti- tuição debil, o velho cujas forças sejam escassas, a mulher de um temperamento pronunciada- mente nervoso, e qualquer indivíduo, que tenha phegmasias do estomago, e do tubo intestinal, e mesmo no caso de exaltação cerebral; em uma palavra sempre e sempre o sulfato de quinina, como o unico meio capaz de debellar o terrível inimigo. O Dr. Aquino diz queapplica invarialvelmen- te o sulfato de quinina na febre amarella. Cabe maior absurdo na mente de um pratico, que ter uma conducta invariável no tratamen- to de qualquer moléstia, quando o elemento com que elle joga é tão vario e inconstante, quando ninguém ignora, que em therapeutica não ha nada absoluto. E em que se firmou o Dr. Aquino para tirar uma conclusão tão lisongeira acerca de seu tra- tamento ? Ensaiou por ventura os diversos meios empre- gados, com o rigor, com que devem ser feitas as observações medicas, formando suas estatísticas para depois preferir aquelle que lhe désse me- lhor resultado? Se o fez, não deu ao leitor conhecimento des- ta base de seu raciocínio, e apenas falia de um rapaz da ilha e de um caixeiro da Pharmacia Maurer ; sem ter a certeza de terem ambos sido tratados por elle, e observado sempre suas pre- scripções, como alguém com bons fundamentos põe em duvida, pois o Dr. Aquino deve saber que podem ser muitas vezes falsas as conclu- sões tiradas do que acontece entre nós na cli- nica particular, aonde os remedios do assisten- te são, não poucas vezes, substituídos, sem sua sciencia, por outro de qualquer collega, ou de algum curandeiro. Entre nós com o tratamento mais geralmen- te empregado pelos práticos contra o primeiro i periodo da febre amarella purgantes, vomito- i rios e sudoríficos, esta no maior numero de I casos não passa ao segundo ; mas o Dr. Aquino que emprega também invariavelmente os vo- mitivos e ás vezes conjunctamente os sudorífi- cos, e que na mesma occasião prescreve o seu afamado especifico, como póde saber se os casos que abortaram na primeira phase da moléstia foram beneficiados pelo sulfato de quinina, e não pelos outros meios que por todos os práticos empregados, e que elle os denomina de simples auxiliares ! ! A conclusão não é rigorosa. Como se póde chamar auxiliar de uma medicação es- pecifica um meio como o tartaro de uma acção tão diversa, e que é um heroico perturbador de todas as funeções do organismo, porque todas 27 se mostram abaladas no momento em que elle produz seu effeito ? Pasmo ao ver como um pratico que se apre- goa de illustrado escrevesse tantos despropósi- tos scientificos, sem arripiar a carreira, conhe- cendo que seus collegas deviam mostrar-lhe os erros e rir-se de sua falsa sciencia. Eis a conducta invariável do illustre medico da faculdade de medicina de Pariz, segundo suas próprias palavras. Dá um vomitivo, preferindo o tartaro, sem nos dizer a razão, mesmo quando quasi todos os práticos reccorrem antes á ipecacuanha. Da o tartaro dous ou trez dias consecutivos. Duas horas depois do ultimo vomito da 8 a 10 graos de sulfato de quinina de 6 em 6 ou de 8 cm 8 horas. Nos intervallos infusões bem quentes, como tintura de aconito, ou acetato de animo- niaco ; e se os doentes as não supportam bem, e teem vomitos, reccorre á limonada sulfurica, a que faz addicionar agua de louro cerejo, ou mes- mo xarope de morphina, e se isto não faz cessar os vomitos prescreve sinapismo no estomago. Ainda depois de cessar a febre continua no uso do sulfato de quinina, em dóses menores e mais espaçadas, e quando não o toleram dá o em clystères. Da o mesmo especifico quando en- contra o doente no periodo de vomito preto e recommenda-o como preservativo. Em todos os casos mencionados elle emprega seu heróe como especifico, que, segundo sua theoria, entra no organismo e vae por todos os esconderijos do corpo humano procurar aonde existe o criminoso miasma para o destruir, como um bom agente de policia faz em uma casa em busca de um facínora, que deve ser seve- ramente punido ; mas alli, como o miasma reage, a quinina o mata; e segue logo adiante em procura de outro, que terá o mesmo fim, e cami- nhando sempre e sempre, como o judeu errante em sua digressão germencida, destroe e ani- quila os inimigos, que encontra, e então entòa hymnos de victoria, manifestados pelas melho- ras e bem estar do paciente, ou é vencido pelo germen morbigeno, e envolve-se com a mesma mortalha,que o corpo que servio de theatro a esse combate, e desce envergonhado a sepultar-se na terra. Traçando deste modo o quadro de conducta do Dr. Aquino e de seu heróe a quinina junto ao leito de um infeliz atacado de febre amarella, eu repillo qualquer juizo que possa formar-se de que intento cobrir de ridiculo a theoria germe- necida e seu autor: eu procurei apenas fazer so- bresahir as bellezas dessa doutrina, que é um padrão de gloria para o Dr. Aquino, que elle deve disputar, como costuma fazer. O sulfato de quinina é incontestavelmente uma substancia de immensa confiança para o medico em presença de uma febre paludosa. Quanto mais se aproximam da forma continua as denominadas febres paludosas maior é sua gravidade, e mais urgente se torna a applicação do especifico, pois que um momento perdido póde occasionar a morte do paciente, que com uma applicação opportuna ter-se-hia salvado. Ora, se o Dr. Aquino pensa que a febre ama- relia é uma infecção paludosa ; se considera a quinina seu especifico,seu antidoto; se elle vê na febre amarella um accesso febril continuo, tanto que elle provoca as remittencias por meio •do tartaro, como é que elle logo que conhece a moléstia não lança mão de seu antidoto para neutralisar o veneno, e assim embaraçar os es- tragos, que elle possa causar, e vae contra todos os preceitos, perder tempo com a applicação do tartaro, que em quanto produz seu effeito dá lugar a que o miasma vá tomar conta do orga- nismo. A pratica é absurda porque ó contra todos os preceitos da arte e mesmo o Dr. Aquino não faz delia a norma de sua conducta em todos os casos de febres paludosas de forma continua, como deveria fazer, porque as considera idênti- cas : e de mais elle não perde só algumas horas no primeiro dia com o emprego de tartaro, re- .pete o mesmo processo no segundo,e as vezes no terceiro dia. Nesta pratica revela-se a nenhuma reflexão do mestre, que tanto se apregoa-pois se elle dá o tartaro para estabelecer uma tal ou qual remissão da febre, e aproveitar o estado para lan- çar mão da quinina, como é que elle duas ho- ras depois do ultimo vomito emprega o especi- fico, e continúa a empregal-o de 6 em 6 ou de 8 em 8 horas. De duas uma; ou duas horas de- pois do ultimo vomito já não existe a remissão artificial produzida pelo emetico, que é o que se dá geralmente, e então é uma inutilidade pro- vocal-a para delia se não aproveitar : ou ella existe, e é neste momento, que elle dá o quinino pela primeira vez, mas continuando a lançar mão deste meio por todo o correr das 24 horas, quando já não épossivel haver tal remissão, vê- se que o estado febril fora da remissão não con- traindica a applicação da quinina, e então é um erro perder tanto tempo, sem recorrer a seu em- prego, que quanto mais cedo ingerido segundo a theoria do Dr. Aquino, melhor effeito deve pro- duzir. Por qualquer lado que se considere o methodo de tratamento recommendado pelo Dr. Aquino nota-se em todos a nenhuma reflexão, que pre- sidio a sua confecção, e se o illustre medico da faculdade de medicina de Pariz conta muitos casos de cura, o que deve ser provado com do- cumentos valiosos para que faça fé, é que mui- tas vezes a natureza póde triumphar com seus esforços contra os estragos produzidos pela mo- léstia, e os erros da therapeutica. Não pára ahi o absurdo da medicação aquini- ca ; não : elle redobra a medida que o mal pro- gride. Quando recebe o doente no periodo de vomito preto, elle ainda recorre ao mesmo especifico. Custa a crer, que esta seja ã conducta de um medico, que tem tantos annos de pratica : qual- quer enfermeiro sabe que inútil é o emprego de um antidoto, quando o veneno já tem produzido estragos e perturbações capazes de compromet- ter a existência. Nestas condições o pratico procura com mais vantagens combater esses des- arranjos mortíferos-pois o Dr. Aquino, rece- bendo um doente no periodo de vomito preto, 28 estado em que ha uma perfeita desharmonia en tre todas as funcções, que se póde bem chamar periodo precursor de uma morte quasi infallivel, porque a vida é raras vezes compatível com elle quando toma certo incremento, e duração ; ain- da então lança mão do sulfato de quinina como especifico. Concedo, por necessidade da argumentação, que seu especifico vá matar os miasmas, que en- contrar ; mas os estragos produzidos vão sacri- ficar o doente ; e então sua indicação além de inútil é absurda-: a não ser que o illustre me- dico de Pariz queira com o emprego do quinino embaraçar a prompta decomposição do cadaver, pela virtude que tem este especifico. Abraça-o também como especifico ; mas quaes as provas, e em que observações se firmou para uma tal asserção ? Parece antes mais conforme com a boa razão scientifica, prohibir o uso da quinina para o não tornar menos poderoso pelo habito de o tomar, quando delle se tenha preci- são. Verdade é que pela theoria do Dr. Aquino o miasma entrando no organismo e encontrando a quinina, trava-se em continente a luta, e se aquelle morrer, a natureza não experimentará seus effeitos-mas tudo isto é um sonho de uma imaginação, que se perdeu nas regiões do ideal -e que não comprehendeu ainda a necessidade de provas em questões desta importância. Diz o Dr. Aquino : é sabido que a quinina é um especifico capaz de destruir ou modificar os miasmas, que procedem das exhdlações paludo- sas : e mais adiante fallando do modo de obrar do quinino diz : até hoje ainda se não conseguio a resolução deste problema...e experiendas deci- sivas ainda não vi eram demonstrar a 'maneira de operar do sulfato de quinina sobre o organismo. Então, illustre doutor da faculdade de medici- na de Pariz, no que ficamos-sabe-se ou não a acção do sulfato de quinina ? Escolha, mas pro- cure acertar na escolha; veja se depois de al- gum estudo e reflexão, póde neste ponto ser me- nos infeliz, do que tem sido em quantas opiniões adoptou acerca do presente assumpto. Outro paragrapho dos artigos do Dr. Aquino, que vou dar-me ao trabalho de transcrever, e que recommendo a attenção do leitor, e princi- palmente dos médicos é o seguinte : « Dizem sem prova concludente que o sulfato de quinina applicado na pyrexia, que póde ser considerada como o paroxysmo da luta entre o germen do mal e o organismo, exacerba este ; e quero admiti ir esta exacerb tção. Mas per- gunto, o que será esta exaerbação ? Não será ella produzida pelo germen em luta com o sulfato de quinina, que foi em soccorro do organismo, sem que disto resulte mal algum para este, que tem de sahir vencedor virtude do auxilio, que rece- beu 2 Que engenhosa theoria! ! Risum teneatis amici. A theoria é nova, e eu recommendo ao Dr. Aquino que a apresente a academia de medi- cina de Pariz com a denominação especial-da theoria do pugilato, para que aquella illustre corporação se glorie de contar entre os seus dis- cípulos um genio tão transcendente. A febre é o paroxismo da luta entre o germen do mal e o organismo ; a exacerbação do paro- xismo é a consequência da luta entre o germen do mal e o sulfato de quinina, sem que resulte mal algum para este, que tem de saliir vencedor. E' bem triste o papel que a natureza repre- senta neste combate: a braços com o miasma, cruza-os, apenas recebe o auxilio do sulfato de quinina, e deixa-este só em campo com seu adversário-sendo ella o tertius gandet. A luta está travada ; mas o que significa a exacerbação do paroxysmo febril, é que o quini- na vae levando vantagem, ou que o miasma vae triumphar, por isso que o organismo se poz de fóra ? Que perguntas me occorreram neste momen- to fazer ao doutor Aquino acerca de sua inqua- lificável theoria do pugilato ! ! Mas para que cansar-me em combater contra um caatello de cartas, em que o illustre doutor de Pariz se re- colheu para defender suas opiniões erróneas acerca de tão importante assumpto, O que peço ao Dr. Aquino é que quando apre- sentar seus artigos em forma de memória a aca- demia de medicina de Pariz, como me consta que tenciona fazer, não altere um só de seus pensamentos, nem uma de suas phrases, para que seus mestres admirem o genio de seu discí- pulo : e que não se aproveite destas minhas reflexões para corrigir seu trabalho e apresen- tal-o limpo de erros, e merecedor de qualifica ção diversa, da que com toda a justiça lhe te- nho dado. O Dr. Aquino confessa em seus artigos por mais de uma vez, que não foi elle o primeiro que empregou o sulfato de quinina no tratamen- to da febre amarella ; cita até o nome do Dr. Malaquias como um dos collegas, que delle se utilisava, e diz que no Rio de Janeiro tem sido applicado, provavelmente com vantagem, este poderoso agente therapeutico. Esta revelação do Dr. Aquino escripta entre nós com toda a franqueza e verdade, o a contes- tação formal da citação feita pelo Dr. Jacond a pag. 614 da 2f edição de ser tratado de patholo- gia interna, quando diz que nas febres remitten- tes telluricas o sulfato de quinina tem sua indi- cação, administrado no momento das remissões, ou conforme a necessidade durante as exacer- bações, segundo o methodo felizmente instituí- do pelo Dr. Aquino para o tratamento da febre amarella. Ninguém podia induzir o Dr. Jacond a es- crever em sua excellente obra uma tal falsidade, se não o Dr. Aquino pelo que lhe pôde dizer ao ouvido, quando esteve em Pariz em 1871, sem receio de ser logo contestado, porque no que elle publicou entre nós, que tinhamos conhe- cimento do que se tem aqui feito,disse a verdade, porque receiava, que alguém lhe fosse ao encon- tro para o coagir a dizel-a. Não censuro o Dr. Jacond, que julgou seu amigo, incapaz de o illudir, noto apenas o meio de que este se servio para conseguir que seu nome fosse citado em uma obra notável. Se algum collega julgar que avanço uma falsi- dade ; que foi o Dr. Aquino quem instituio o tra- 29 tamento em questão, empregando o sulfato de quinina no período de exacerbação da febre amarella, é um favor que me presta que muito me penhorara, e é até mesmo um serviço a sciencia, se se dignar dar-se ao trabalho de fazer sua declaração, ou em qualquer sessão deste Ins- tituto, ou pela imprensa, ficando eu autorisado a concluir do silencio de todos a confirmação unanime de minha asserção. Ou como antepyretico, ou como espefico se- gundo as crenças individuaes, quasi todos os médicos entre nós, e ainda mais no Rio de Ja- neiro, ensaiaram o sulfato de quinina no perio- do de exacerbação da febre amarella, e segun- do os resultados obtidos uns continuaram em sua applicação, outros o abandonaram-: e nem ha nada de surprehendente em tal methodo quando todos conhecem os variados meios de operar do especifico nas febres pseudo continuas de natureza provada, ou suspeita de paludosa. Mas pouco se lhe deu ao Dr. Aquino de fazer passar seus collegas por ignorantes ; elle conse- guio seu sonho dourado, que era ver seu nome citado em uma obra de mérito, para fazer crer ao publico, que é considerado na Europa como um medico celebre. Deste modo qualquer attinge o mesmo fim: mas por tal preço, senhor, não quero a'coróa. Mas o Dr. Aquino é useiro e vizeiro neste mo- do de conseguir que seu nome seja citado. Por diversas vezes elle tem publicado o nu- mero de autores, que o citam, mas só o vejo ci- tado como dizendo, que os forunculos e anthra- ses são mui frequentes na diabetes sacarina. Ora esta citação repetida por todos os autores que tem, depois que o primeiro deu conheci- mento do facto, escripto acerca da diabetes, é de um inmenso valor ; porque o Dr. Aquino não fez mais do que escrever aquillo, que era noção geral e vulgar entre nós. Provoco pela segunda vez uma contestação por parte de meus collegas,se o que eu digo não é a pura expressão da verdade. Quando entre nós qualquer pratico tem de tra- tar de um doente, que soffre de forunculos ou authraz maligno ; se elle se não da pressa em analysar as ourinas para ver se contem partes sacarinas ; alguém dafamilia, ou da amisade do doente chama sobre este ponto sua attenção, porque todos sabem que taes tumores, são fre- quentes vezes a expressão deste estado. A gloria pois do Dr. Aquino foi ser o primeiro a escrever o que todos sabiam, e d'ahi lhe resul- taram as citações, que o enchem de tanto orgu- lho, que o faz apregoar-se como uma celebridade medica. Oh vanitas vanitatum. O Dr. Aquino, não precisava recorrer a estas cousas para se julgar com direitos á celebridade e mesmo a immortalidade. Nos artigos em questão elle disputa a honra e gloria de ter sido o primeiro, que receitou en- tre nós os calomelanos em alta dóse ; o vinho diurético, segundo a formula de Tronsseau, e o de ter obtido ao Pharmaceutico Bontigny, que elle conheceu em Pariz, o mandar para Per- nambuco um xarope confeccionado segundo a formula de seu chorado amigo o fallecido Dr. Gilbert-chamando a isto serviços prestados a therapentica. E' com estas e outras banalidades; com as repetidas menções de um fortuna, que o torna independente; e com os remoques a seus collegas, que o Dr. Aquino enche tantas paginas do jor- nal, cujo proprietário julgou prestar um serviço a sciencia e a humanidade dando publicidade, provavelmente sem dispêndio por parte do au- thor, a suas idéas acerca da febre amarella; mas os escriptos do illustre doutor são todos do mes- mo teor e forma, muitas palavras, e poucas idéas, muita futilidade e nenhum suco. Para que foi o Dr. Aquino dizer ao Dr. Ja- cond uma cousa, cuja exactidão é com razão contestada, e para que escreve a seu amigo car- tas desabonando seus collegas como fez a meu respeito, e do nosso distincto collega Cosme de Sá Pereira-receiando que nós nos puzessemos em cómmunicação com o illustre doutor, e que um dia nosso nome houvesse também de ser citado. O Dr. Aquino olha com tal inveja para qual- quer collega que possa relacionar-se e fazer-se conhecido emPariz, que daqui procura logo em- baraçar-lhe os passos-como acaba de aconte- cer com nosso collega o Dr. Coutinho, cujo no- me sendo citado por vários médicos celebres de Pariz, e de outras cidades da Europa, como lhes dando conhecimento, da virtude sudorífica de jaborandy, e como lhes tendo fornecido esta planta para os estudos que se estão fazendo, o Dr. Aquino dirigio-se logo por uma carta ao redactor do Jornal de therapeutica, contestando a novidade do conhecimento da acção sudorífica do jaborandy, e negando tal virtude, dizendo que elle ja o havia experimentado, antes do Dr. Coutinho, que começou sua pratica em uma cidade do interior desta Provincia (que malicia para que o Dr. Coutinho fosse tomado por um medico de aldeia) e que era sudorifico por ser vomitivo, que até era um veneno, e que aqui es- tava posto ao canto para ser substituido pela tintura de aconito, quando se pretende fazer transpirai1 o doente : - e que o ptyalismo . pro- duzido por esta substancia podia ser motivado por outras principalmente se provocavam vo- mites e nauseas. Esta carta que eu vou dar-me ao trabalho de analysar, e que é o ultimo esforço scientifico do illustre doutor, é maisuma prova inconcussa de seu genio malévolo e invejoso, e da futilida- de e pouca reflexão com que elle escreve para o publico acerca de pontos de sciencia. Publicando a carta do Dr. Aquino, o redactor publica uma nota que não he honrosa para o Dr. Aquino, pois elle diz que espera que a questão seja em breve resolvida scientificamente, po- que está sendo estudada por homens cujos no- mes fazem authoridade na sciencia, entre elles Dr. Ganbler professor de therapentica da facul- dade de medicina de Pariz, cujos primeiros en- saios vão sendo favoráveis ao jaborandy : e que o Dr. Cheron o tem experimentado no Hospital de Saint* Lazaire sem que tenha jamais notado . effeito vomitivo na dóse de 4 a 5 grámmas, con- 30 seguindo provocar ptyalismo e transpiração abundante, tendo poi' sua propriedade udori- fica consegnido debellar em alguns dias molés- tias chronicas da pelle. Desta vez a sorte não foi propricia ao Dr. Aquino, elle levoxi um cheque tremendo, por- que o illustre redactor da Gazeta de Therapeuti- ca, trata de resto o que diz o Dr. Aquino, e ap- pella para a resolução scientifica da questão pelos estudos feitos por homens verdadeiramen- te celebres, mostrando deste modo que as refle- xões do Dr. Aquino não são scientificas, por- que ellas não têm outra base se não suas pala- vras, e estas escriptas de um modo, que lhe não faz honra. Ninguém ha que desconheça a propriedade sudorífica do jaborandy, e o ptyalismo, que muitas vezes acompanha, sem que appareça o supposto effeito vomitivo. Este facto é de obser- vação geral-por tanto não sei como explicar o vomitos, que appareceram nos doentes do Dr. Aquino, para elle considerar a propriedade su- dorífica como depente da vomitiva. Não ouso contestar a veracidade das observa- ções do illustre doutor, porque não quero com- metter um acto de pouca delicadesa, mas per- mitta-me o Dr. Aquino que suspenda o meu juizo, porque contra suas valiosas palavras pro- testam os factos. 0 emprego do jaborandy ia generalisar-se pelo conhecimento dado pelo Dr. Coutinho aos prá- ticos de Pariz, que delle não tinham idéa : por tanto o nome de nosso collega ia ficar sendo alli conhecido, e devia apparecer citado frequentes vezes nas obras dos mais celebres escriptores; e o Dr. Aquino, que não podia levar a bem tal attentado, procurou logo daqui ver se por suas declarações apenas, os médicos de Pariz deixa- riam de o estudar, e o entregariam ao despreso, deixando conseguintemente de apparecer tam- bém em publico o nome do Dr. Coutinho ; e en- tão seu esforço todo na carta que escreveu, foi desacreditar esta planta como sudorífica, e apre- sental-a até como venenosa, e para isto escreve tudo quanto lhe occorre á mente perturbada pelo ciume e pela inveja, sem o menor respeito ao bom senso, e as regras da boa argumentação. Depois de dizer que o jaborandy é sudorífico por sua acção vomitiva, como se dá com o tar- taro e a ipecacuanha escreve o seguinte-eu não duvido que o jaborandy possa ser util em certos casos, se ha nece>sidade de se provocar a trans- piração, mas não nos devemos illudir com esta acção. Pois o Dr. Aquino que nega a esta planta sua propriedade sudorífica, admitte que ella por esta acção possa ser util em alguns casos em que se queira provocar, transpiração ? O defeito é sem duvida de minha apoucada intelligencia, mas eu confesso que não posso en- tender o Dr. Aquino no seu constante simul esse et non esse-elle que venha a campo expli- car-se. Quer o publico ver uma nova forma de dile- ma, que se póde chamar manco, e que eu trans- crevo para que fiquem convencidos de que não exagero nu que digo dos escriptos do Dr. Aquino. « Se é possível curar moléstias sómente provo- cando a t' anspiração, conseguir se-ha com o ja- borandy; mas se não faz se não provocar a transpiração, elle não fará se não aux liar a cura. Eis a conclusão rigorosa deste argumento; o jaborandy cura com sua acção sudorífica as moléstias, que demandam a excitação desta funcção; e deixa de curar, mas só allivia, porque só tem acção sudorífica. De mais me tenho occupado com os escriptos do Dr. Aquino, sem que me sobre tempo para estas cousas, mas foi-me necessário fazel-o, para convencer o leitor da verdade de minhas asser- ções, acerca dos trabalhos scientificos do illustre doutor de Pariz. Apresentei-me de viseira e rguida, como soem fazer homens leaes ; e firme aguardo o Dr. Aqui- no no campo da sciencia, aonde espero que elle venha revelar sua apregoada illustração. Sendo estas as ultimas considerações, que te- nho de fazer acerca dos artigos do Dr. equino, e devendo elle partir brevemente para Pariz, peço-lhe permissão para lhe fazer daqui meus comprimentos, dizer-lhe um adeus cheio de sau- dades, pedindo-lhe que publique tudo quanto disser aos médicos de Pariz acerca de sua prati- ca, e de sua longa experiencia, não só para nos communicar suas idóas, como também para que se não dê o incidente, que sem duvida deve ser desagradavel para o illustre doutor, de ver seu nome citado em uma obra como a de Ja- cond, em um facto, que seus collegas com razão contestam. Em quanto a mim eu me conservarei firme na estacada para analysar tudo quanto o illus- tre doutor fôr publicando, e oxalá que eu possa um dia dizer, que seus novos trabalhos não são como os antigos um complexo de absurdos e futilidades, c. mo julgo ter exuberantemente provado. Agora para concluir a analyse dos variados meios empregados no tratamento do primeiro periodo da febre amarella, resta-me dizer que importância tem a hydrotherapia como medi- cação contra a mesma affecção. O emprego dr agua fria em banho, no primei- ro periodo da febre amarella, é da mais rigorosa indicação. Embora já fosse conhecida no tempo de Hip- pocrates a acção estimulante e revulsiva da agua fria, como se deprehende da leitura de seu tratado dos ares, das aguas e dos lugares ; en- contrando-se mensão destes effeitos da agua em vários escriptores da antiguidade; a utilisação da acção refrigerante, sedativa e antiphlogistica deste poderoso agente therapeutico foi sem du- vida com antecedencia mais gereralmente en- saiada pelos práticos. Não me impõe a natureza deste trabalho o de- ver de traçar o histérico do emprego da agua fria, como meio de debellar as differentes mo- léstias agudas e chronicas, que affligem a hu- manidade, porque isto me levaria muito longe, e me afastaria do fim a que me proponho : bas- ta que chame a attenção de meus collegas para os beneficies immensos,que este agente therapexxtico 31 vae por toda a parte produzindo na cura de um grande numero de enfermidades, de natureza diversa, quando manejado por mão amestrada, porque sendo sua acção mui diversa, e as vezes totalmente differente, segundo o modo e con- dição, que é empregado, elle se torna inútil e ató perigosissimo, quando applicado sem a de- vida e indispensável noção dos variados meios, por que elle póde actuar sobre o organismo. E' a Priesnitz a quem a sciencia, e a huma- nidade devem a vulgarisação do methodo hydro- therapico, porque a herança scientifica, que a tal respeito nos legaram os médicos da antigui- dade, excepto Curio, que lançou as primeiras ba- ses de uma doutrina, de nada nos aproveitou ; porque nenhum methodo serio surgio da accu mulação de seus conhecimentos : e é a Fleury que cabe a gloria de haver reduzido a hydrothe- rapia a uma medicina, segundo o dizer de Tar- tinel racional, scientifica, benefica, sem perigo, suomettendo factos brutos, ainda não explica- dos, collocados sob o império do acaso, ao cadi- nho da observação e da experiencia, firmados sobre conhecimentos solidos, sobre um juizo recto e severo, uma imparcialidade, e uma boa fé, a que todos fazem justiça. A hydrotherapia é hoje um methodo de trata- mento mui geralmente empregado, mormente nas affecções chronicas. Encontram-se por toda a parte na Europa importantíssimos estabelecimentos, alguns mon- tados com hnmenso luxo, que são frequentados por innumeros doentes, dos quaes muitos aufe- rem benefícios, que não puderam obter com os outros tratamentos ensaiados; e seus créditos vão sempre em augmento, o que prova sua real efficacia. E* de lamentar que entre nós não haja ainda um estabelecimento especial para a ap- plicação deste agente medicinal; e ainda mais, que seja ainda tão geral o receio de seu empre- go por parte de alguns doentes, e mesmo por parte de alguns facultativos, que não se qui- zeram ainda dar ao trabalho de o estudar e en- saiar. No Rio de Janeiro já existem alguns estabe- lecimentos, e informam-me que muito fre- quentados pelos doentes, e que dirigidos por médicos convenientemente amestrados vão pro- duzindo consideráveis benefícios principalmen- te nas moléstias chronicas. E' sem duvida nas moléstias chronicas, que a hydrotherapia tem sido mais experimentada, e que conseguintemente goza de maiores crédi- tos. Não penso que a chronicidade das moléstias ponha o organismo em melhores condições, para que a agua fria possa mais beneficamente actuar sobre elle, que no estado de agudesa ; considero isto devido a que com mais fre- quência se reccorre ao emprego de tão poderoso agente therapeutico nas affecções chronicas, que tem resistido aos meios ordinários de tratamen- to, do que nas agudas, que costumam com me- nos incommodo para os doentes, e menos re- pugnância e difficuldade, ceder com outras prescripções. Accresce que a hydrotherapia no domicilio do doente será sempre menos methodica, e menos completa, e ninguém se sujeita por uma molés- tia qualquer a ser transportado para um esta- belecimento por uma enfermidade, que geral- mente cede ao emprego de outros meios cura- tivos. Fleury diz que a hydrotherapia scientifica tem conquistado o publico,mas que não tem ain- da sufficientemente conquistado os médicos. Elle explica esta differença por sentimentos me- nos nobres por parte de seus collegas ; mas sem contestar totalmente as queixas do illustre re- formista, que merece desculpa pelo resentimen- to motivado pela conducta de muitos médicos contra a propagação de seu methodo, eu quero crer que grande parte tem em tal acontecimen- to a difficuldade que ha em se plantar uma no- va doutrina, mormente quando a maior parte dos práticos afferrados a suas antigas crenças não as querem fazer substituir por outras. E as difficuldades crescem se por parte dos doentes se encontra, como se dá com a hydro- therapia, mormente nas affecções febris, repug- nância para se submetterem ao emprego do no- vo methodo. Nestas condições não foi facil empregar-se o methodo hydrotherapico no tratamento das mo- léstias febris ; e os benefícios apregoados por um outro pratico,que ousava ensaial-o, não eram re- cebidos com o devido acolhimento quer por parte dos doentes, quer por parte dos médicos. Hoje mesmo que a hydrotherapia não c um methodo novo, mas que tem sido muito experi- com prospero resultado nas affecções febris, não é ainda geralmente acceito, não sendo dado a ninguém ignorar os innumeros bene- fícios que a hydrotherapia vae produzindo do modo que ella vae merecendo occupar a atten- ção de muitos médicos. Fleury diz que chegou epocha em que a lucta tem cessado, e em que a verdade e a justiça tem plenamente triumphado, de modo que a hydro- therapia não tem hoje tanto que repellir as ag- gressões de seus detractores, como que,de defen- der-se das exagerações de seus apostoles enthu- siastas, e mal habilitados. Entre nós porém, é forçoso confessai o, o em- prego da agua fria exteriormente ainda é repel- lido por todos os doentes, e por quasi todos os médicos no tratamento das moléstias febris; e ai daquelle medico que perder um doente após a applicação deste meio:-sobre elle pesará o azorrague da opinião publica. Experimentada com vantagem no tratamen- to das febres intermittentes,das febres eruptivas, e da febre tiphoide e outros estados febris, a hy- drotherapia não podia deixar de ser ensaiada contra a febre amarella, e ella não desmereceu em nada da reputação, que havia conquistado na cura daquellas affecções. Contra o primeiro periodo de febre amarella pedio-se a agua fria os benefícios que podiam produzir sua acção refrigerante, sedativa e ante- phlogistica, e estes effeitos geralmente recebidos sem contestação foram observados em uma mo- léstia, em que ha elevação de temperatura, e grande erethismo nervoso. 32 Podem-me contestar os benefícios produzidos pelo uso da agua fria exteriormente na febre amarella, mas ninguém poderá com boas razões sustentar, que sua prescripção não se apoia em fundamentos razoaveis e scientificos,quando em- pregada no primeiro periodo desta affecção. De minha observação não tenho um só facto, com que possa reforçar o que dizem os autores, que experimentaram o methodo hydrotherapico no primeiro periodo da febre amarella, não por- que eu não confiasse muito nos benefícios que delle podia tirar, mas pela difficuldade de seu emprego, e pela repugnância dos doentes, a que eu me tenho deixado submetter por ter outrbs meios, que sem estes embaraços costumam dar bons resultado. Entre nós só o nosso distincto collega o Dr. Naegele é que tem recorrido no perioldo de reac ção da febre amarella ao uso dos banhos frios, e sei que com vantagem, porque clinicando prin- cipalmente em casas estrangeiras,entre as quaes muitas são allcmães, elle encontra maior facili- dade em recorrer a este methodo, por achar me- nos reluctancia por parte dos doentes,que sabem que elle tem sido empregado em seu paiz nas moléstias febris; pois ninguém ignoraque é na- Allemanha, que se tem ultimamente feito os mais sérios estudos para bem se conhecer os dif- ferentes meios de operar de tão poderoso agen- te therapeutico sobre o organismo. O emprego dos banhos frios na febre ama- rella não é um methodo novo, embora pouco se tenha escripto especialmente a tal respeito, e precise ser melhor estudado. Em 1791 Jackson fez conhecer os bons effeitos das affusões frias no tratamento da febre amarella na Jamaica, e Mac-Leon faz conhecer os resultados obtidos em São Domingos do tratamento da mesma affec- ção. Dutrculau faz mensão deste genero de trata- mento como ha muito tempo conhecido nos Es- tados Unidos, e como preconisado pelo medico em chefe Amic nas colonias francezas ; e con- siderando o banho frio simples, ou misturado com sumo de limão, como um poderoso calman- te no periodo febril nos indivíduos nervosos, em que a reacção vascular fôr mui pronunciada, elle recommenda que se use deste meio com re- serva,porque póde enfraquecer demasiadamente o doente' Saint Vell falia dos bons effeitos dos banhos frios em factos por elle observados em doentes do Dr. Chapins. Não precisarei folhear autores, para com factos por elles observados justificar o emprego dos banhos frios no tratamento do primeiro periodo da febre amarella; sua prescripção é hoje apoia- da pelo conhecimento da acção physiologica da agua fria,segundo estudos feitos com todo o me- thodo e escrupulo, mormente depois que Fleury despio tão importante methodo do empirismo, em que andava envolvido, para lhe dar a forma de uma medicina racional. A doutrina da acção refrigerante, sedativa e antiphlogestica da agua fria aproveitada no tra- tamento dos estados febris reduz-se ao seguinte. A agua fria por sua baixa temperatura, como corpo refrigerante, diminue a temperatura do corpo, que se põe com ella em contacto : nas fe- bres, em que a elevação de temperatura é a pri- meira expressão do estado morbido, não con- stituindo este augmento de calor por si a molés- tia, mas merecendo por parte do medico grande importância, porque quando muito elevado e persistente póde de efíeito tornar-se causa, e produzir gravíssimas perturbações, c sempre de grande utilidade enfraquecer o elemento morbi- do, que póde por tal sorte damnificar o organis- mo ; e é isto o que se consegue com segurança quando convenientemente empregados. Creio ser inútil dar maior desenvolvimento as proposições que acabo de avançar no precedente raciocínio, porque ellas devem sei' de todos sabi- das, pois ninguém póde contestar a acção refrige- rante d'agua fria applicada exteriormente, quan- do se pretente obter este efíeito ; e menos ainda a importância, que em qualquer estado febril me- rece uma persistente elevação de temperatura : assim fica demonstrado quanto é racional e apoiada em noções scientificas a prescripção dos banhos frios como meio antiphlogestico contra o periodo de reacção da. febre amarella-e a pra- tica com os bons resultados até hoje obtidos com este methodo tem confirmado esta asser- ção. Com as ligeiras considerações, que tenho feito acerca das vantagens da hydrotherapia no tra- tamento do primeiro periodo da febre amarella, ponho termo a analyse dos differentes methodos therapeuticos aconselhados contra tal phase de tão respeitável affecção: agora vou concluir este imperfeito trabalho, com cuja leitura tenho demasiadamente abusado da paciência de meus illustres collegas, a quem nesta occasião agra- deço a benevolencia, com que me tem ouvido, expondo minhas idéas acerca dos variados meios empregados pelos práticos contra seu segundo periodo. VII Este segundo periodo é denominado dc col- lapso, o que exprime bem o estado geral do or- ganismo, porque como é sabido, as congestões, que então se manifestam em quasi todos os or- gãos, a suffusão geral da bilis, a dyserasia do sangue, e as perturbações nervosas produzem uma tal perturbação em todos os actos orgâ- nicos, que a vida se revela com grande tibieza. O pratico deve esgotar todos os meios ao seu alcance para atalhar a moléstia, antes de che- gar a este periodo, porque quando ella se pro- nuncia, poucas são as esperanças de se salvar o paciente. Dispa-se o medico do fofo orgulho, improprio do homem verdadeiramente sabio, e diga sem pejo, embora com magoa, que contra muitos estados pathologicos os recursos da arte são im- profícuos, e salvando as vezes o doente, elle de- ve attribuir tal resultado sómente as forças da natureza, que poderão oppôr embaraço a mar- cha destruidora do mal-e não querer reputal-o efíeito de uma medicação, que se lhe tem 33 mostrado nem acçáo em o maior numero de ca- sos, em que tem sido empregada. As noções, que a sciencia possue do estado dos orgãos, e de seu modo de obrar no segundo pe- ríodo da febre amarella indicam os tonicos, os adstringentes, os estimulantes, eos nevrostheni- cos, como os únicos medicamentos, de que racio- nalmente se pôde então lançar mão. Todas as substancias, que compoem estes gru- pos therapeuticos têm sido ensaiadas ; a cada um delles se liga o facto de uma ou de algumas curas; mas eu perguntarei aos práticos conscien- ciosos, se por ventura algum lhes merece con- fiança-se ha entre tão grande numero de sub- stancias empregadas contra um tão grave es- tado uma só, em que eiles possam apoiar suas es- peranças pelo resultado obtido em grande nu- mero dos casos, em que a elle tenham recor- rido ? A resposta será sem duvida alguma negativa. Eu conto muitos doentes, que escaparam do período do vomito preto, muitos acerca dos quaes eu não alimentava a menor esperança ; mas confesso sem pejo, que sempre attribui tão inopinado beneficio aos esforços da natureza, porquo o meio, que me parecia aproveitar em um caso, me falhava em todos os outros. Acresee que a immensa repugnância do doen- te pela ingestão de qualquer cousa solida ou li- quida, as vezes até mesmo da própria agua, faz que o estomago repilla tudo que nelle cae, e assim não só não se aproveita o medicamento, como que se aggrava o estado do doente pela provocação do vomito. Mas dada que seja a tolerância, o que poucas vezes acontece, quando a extravasação do sangue no estomago é em pequena quantidade, que este trabalho pathologico se faz com vagar, póde-se admittir, que as substancias medicinaes tomadas pelo doente possam ser absorvidas ; mas nenhu- ma absorpção é possível que haja, quando os vo- mitos são repetidos e abundantes, porque ellas misturadas com o sangue extravasado hão de ahi permanecer até serem expellidas. Nesta penosa situação, doendo-me n'alma ver extinguir-se tantas vidas robustas, sem ter um meio com que pudesse contai- para animar com convicção o doente, que sentia que a luz da existência se lhe ia apagar, occorreu-me a idéa de lançar mão dos banhos frios, como meio ra- cional, esperando obter algum resultado contra tão desesperado estado. Recorri a eiles, e minhas previsões se reali- zaram de modo que me sorprehendeu: o allivio do doente era immediato, e as melhoras se ma- nifestavam sem demora, e logo após a cura. Foi o que me aconteceu em 18 dos 21 casos, em que lancei mão deste meio, resultado que me maravilhou, e que sem duvida causará admi- ração a quantos delle tiverem sciencia-porque nenhum pratico com meio algum conseguio ja- mais resultado que se aproxime deste. Todos estes doentes lançaram preto, e alguns em grande abundancia, sendo que um lançou 20 vezes em 24 horas ; e todos, menos um que usou conjunctamente de clysteres de quinina, só tomaram banhos frios, sem que este meio fosse • auxiliado por outra medicação interna ou ex- ; terna. Os nossos distinetos collegas os Drs. Cisneiró ' e Santos Mello animados com este resultado i resolveram-se a lançar mão do mesmo meio, e j o resultado obtido não desmentio em cousa al- guma o que eu havia annunciado. Que se não pense que eu tive o pouco senso de julgar, que eu havia descoberto um infallivel contra tão mortífero estado; tenho alguma pra- tica, e sei com que reflexão e prudência deve um medico proceder para tirar conclusões acer- ca dos benefícios produzidos por qualquer sub- stancia, ou methodo therapeutico. Sorprehen- deu-me o resultado obtido em tal proporção, como não ha exemplo; mas entendi que era cedo para eu poder annunciar a meus collegas as vantagens que obtive ; porém tendo de reti- rar-me para a Europa, entendi cumprir um de- ver, ao qual não podia furtar-me sem responsa- bilidade moral, pedindo-lhes que experimentas- sem a hydrotherapia no tratamento do segundo periodo da febre amarrella, com o fim de obser- varem, se o resultado era idêntico ao que eu ha- via conseguido. Não foi uma tentativas em apoio em boas ra- zões scientificas, que me induzio a recorrer a este agente therapeutico; foi baseado no solido fun- damento, que me fornecia a noção, que tinha do estado do organismo, e da acção da agua fria empregada exteriormente, que me determinei a lançai' mão de um tal recurso, em falta de outro, que me merecesse a mais ligeira confiança. Nestas circumstancias foi com grande admira- ção, que ouvi nesta sala qualificar-se de absur- do e irracional o systema de tratamento por mim posto em pratica. Os collegas, que assim procederam não estu- daram a questão, como ella merecia. Elles con- sideraram a agua fria sómente pelo lado de sua virtude refrigerante ; e como tal applicada em o periodo de collapso da febre amarelía, seria sem contestação uma prescripção irracional: assim ella não faria mais que abater as forças do doen- te, e augmentar as congestões e hemorrhagias internas. O emprego da agua fria no segundo periodo da febre amarelía, como refrigerante, seria um erro tão crasso, que não merecia desculpa. Ninguém deve ignorar os variadíssimos effei- tos, que se obtem hoje com applicação exterior da agua fria. Tendo-se em conta sua temperatura mais ou menos elevada a duração do banho ; seu esta- do de calma, ou a violência maior ou menor com que éprojectada sobre o doente; jogando o medico com estes variados elementos, elle con- segue os differentes effeitos, que pretende, e com os quaes obtem a cura de estados pathologicos os mais diversos e até oppostos. Fleury occupando-se das influencias curativas de diversos modificadores hydrotherapicos, quando são combinados para formar uma medi- cação, menciona os seguintes, antephlogistica, hemostatica, sedativa, hyphosthenisante, re- constituinte, tónica, excitante, resolutiva, re- 34 vulsiva, sudorífica, alterante, depurativa, anti- periódica, prophylatica ou hygenica. Neste ponto estão de accordo todos os práti- cos, que se teem occupado especialmente deste assumpto, como se pôde ver na obra de Fleury e na Beni Barde, que lhe dão o devido desenvol- vimento, ensinando o modo de usar de tão pode- roso agente therapeutico nos diversos casos de moléstia, que se possam apresentar á observa- ção do pratico. Negar a acção excitante da agua fria, applica- da exteriormente, com o fim de se obter este resultado, é tarefa de que medico algum se que- rerá incumbir, porque contra sua errónea prê- tenção protestariam a sciencia e os factos. Quando se pretende obter o effeito antiphlo- gistico e sedativo por meio do uso exterior da agua fria-a agua obra por si mesmo como corpo frio, e todo o cuidado do medico é empre- gtil-a de modo que não se dê a reacção. Mas quando se pretende o effeito excitante, ella obra então pelo movimento vital, que provo- ca, e pela reacção de que sua applicação é se- guida. As condições para se obter este effeito são inteiramente diversas, das que se deve ter em consideração, quando se pretende o effeito anti- phlogestico. Um banho frio curto, quer seja de immersão, quer de choque produz uma manifesta reacção, á temperatura animal eleva-se, a pelle tornar- se mais corada, a respiração larga e facil, e o indivíduo se sente agil e forte, ha grandes modificações no trabalho da nutricção, da ab- sorpção, e da innervação, e produz-se uma acção nervosa reflexa, que se exerce sobre a contractilidade, e a capacidade dos vasos capil- lares sanguíneos. Esta manifestação de uma reacção geral em todo o organismo, que ninguém póde contestar, ê aproveitada em todos os casos, em que as func- çôes se exercem com fraqueza, e que o medico entende dever produzir uma excitação em todo o organismo. Eis porque entendi lançar mão deste agente contra o periodo de collapso da febre amarella, em que a innervação se acha entorpecida, em que ha uma fraqueza na circulação de modo que o sangue perorre com vagar a rede circulatória, estagnando mesmo em vários orgãos de modo a .produzir hyperemias visceraes. Minhas previsões se realizaram, e apoz o uso de um banho frio de curta duração, tudo mu- .dava no doente : seu estado de anciedade e in- quietação era succedido pelo de calma e tran- quillidade, de modo que o doente dormia um somno reparador. Est s benefícios, que duravam algumas horas, iam depois desaparecendo, e o doente volvia ao antigo estado de anciedade, do qual de novo sahia com o emprego de outro banho, tendo tido necessidade de recorrer a este meio, seis e mais vezes no periodo de um dia. Com os benefícios obtidos com a applicação da agua fria, que se iam tornando cada vez mais duradores e mais sensíveis, o mal ia pou- co a pouco cedendo, e o doente se restabelecia. Ja demonstrei que o emprego da agua fria em banhos no periodo de collapso da febre ama- rella, era racional, e scientiíicamente indicado ; mas quando a sciencia não podesse explicar seu modo de obrar, os benefícios por mim obti- dos, e os que obtiveram depois outros collegas, justificavam sua applicação. A pedido de alguns médicos, com quem tive occasião de relacionar-me em Pariz, apresentei a sociedade de medicina de Pariz um ligeiro trabalho acerca deste methodo de tratamento, e sendo elle remettido a uma commissão para so- bre elle dar seu parecer, este me é lisongeiro, e por proposta da mesma commissão fui honrado com o titulo de socio correspondente da mesma Sociedade. Nenhuma voz se ergeu no recinto dessa res- peitável assembléa para taxar de absurdo e irra- cional o methodo por mim ensaiado, por tanto os collegas, que de tal o qualificaram neste Ins- tituto, me fizeram crer que não se haviam ainda dado ao trabalho de estudar com reflexão as dou- trinas, que formam o methodo hydrotherapico -e sua impugnação em nada entibiou minha convicção. Nunca pensei ter encontrado na agua fria um meio infallivel para triumphar em todos os ca- sos de vomito preto ; exultei de contentamento por ter obtido nos doentes, em que a empreguei um resultado superior a minha expectativa, e animado por tão feliz exito, convidei meus col- legas para que a ensaiassem, e fiz tenção de continuar em minhas observações, de modo que me habilitasse a mais tarde tratar deste inte- ressante assumpto, com o fundamento e a luci- dez, de que é merecedor. Era-me facil antever, que o mesmo tratamen- to devia apresentar differenças segundo a diver- sidade de caracter da epidemia por que conhe- ço a expressão variada que manifestam as mo- léstias epidemicas nas quadras de sua invasão, por tanto sabia, que muito tinha que ensaiar, e observar para um dia dizer quaes as condições, em que com mais vantagem podia o pratico reccorrer a este poderoso agente therapeutico, e quaes os casos ,em que devia evital-o. Assim não me causou sorpresa ver que na epidemia de febre amarella, porque acabamos de passar, não tive com a agua fria nos cinco casos, em que delia lancei mão, os resultados que consegui nos de meu primeiro ensaio, de modo que fui forçado a suspender seu emprego. Na epidemia passada uma adynamia pro- funda foi o caracter dominante. Muitos doen- tes, mesmo no primeiro periodo, não apresen- taram uma reacção franca ; a prostração ma- nifestava-se logo com os primeiros indicios da moléstia: e no segundo periodo, ella attingia um grão assustador, de modo que doentes houve, que sem hemorrhagia alguma, ficaram em tal abatimento, que foi difficil erguel-os. Neste estado de extrema prostração, quando o systema nervoso se achava entorpecido, e o circulatório com morosidade satisfazia sua func- ção, era mister de um estimulo poderoso, que os fizesse dispertar, e não era um simples banho de immereão capaz de realizar tão indispensa- 35 vel reacção - antes pelo contrario elle devia ser proscripto como nocivo. A agua fria no segundo periodo da febre amarella obra pela reacção, que deve produzir ; e para que esta se dê, é indispensável que o meio que a deve provocar, actue no organismo com a conveniente energia, e na razão inversa da dis- posição, em que se acha o organismo para res- ponder ao estimulo. Assim um agente capaz de excitar uma reacção no indivíduo em seu es- tado physiologico, póde ser impotente em caso de moléstia, em que o organismo esteja menos excitável. Deste modo os banhos de immersão em agua fria, que na epidemia de 1872 para 1873 tive- ram poder para "dispertar uma reacção benefica em doentes, em que as forças não se achavam em extremo abatimento ; não poderam na epi- demia passada produzir igual effeito : era pre- ciso, que ella actuasse com mais energia, e que eu recorresse aos duches frios com grande for- ça de projecção. Não podendo lançar mão deste meio por me faltarem os convenientes preparos, tive de aban donar o emprego dos banhos frios ; com a du- pla intenção de não prejudicar os doentes, e não concorrer para o descrédito de um methodo, que quando convenientemente applicado, pro- mette mui favoráveis resultados. Pelo exposto se vê, que o emprego da agua fria em banhos no segundo periodo da febre amarella, longe de ser uma prescripção absurda e irracional, como a classificaram alguns colle- gas, que não a encararam devidamente, é re- commendada pela sciencia, e sanccionada pela pratica, carecendo todavia de ser melhor estu- dada, para que delia se tire o conveniente pro- veito. Tendo dado a these apresentada por este In- stituto, não o desenvolvimento, que ella mere- cia, mas o compatível com os poucos recursos de minha intelligencia, e do mingoado cabedal de sciencia de que disponho, vou pôr termo a este trabalho, resumindo as proposições de que me tenho occupado nas seguintes theses, que serviram de traçar o caminho da discussão ; se o Dr. Aquino, illustre medico da faculdade de medicina de Pariz se dignar vir á imprensa im- pugnal-as, como lhe cumpre fazer, para mos- trai- ao publico, que é um digno discípulo de uma escola, que goza de uma tão justa celebri- dade, mas que póde deixar sahir de seu seio filhos desnaturados, e que só sirvam de enver- gonhal-a, com os quaes o Dr. Aquino não que- rerá de modo algum nivelar-se. THESES i A febre amarella não é entre nós uma mo- léstia indemica. II O apparecimento da febre amarella em annos successivos, com mezes de immunidade em cada anno, se explica satisfactoriamente pelos mias- mas importados no primeiro anno. III A febre amarella é uma moléstia especifica, produzida por um germen até hoje desconhe- cido, e manifestada por um accesso febril con- tinuo. IV Não tem um tratamento especifico; e até hoje o tratamento mais recommendado pelos práticos é o que se firma no conhecimento de natureza dos symptomas. V 0 sulfato de quinina não póde de modo al- gum ser considerado como seu especifico ou an- tídoto, como erradamente pensa o Dr. Aquino ; seu emprego é apenas admittido em casos mui especiaes. VI O sulfato de quinina tem sido ensaiado por innumeros práticos no primeiro periodo da fe- bre amarella, por tanto é falsa a citação, que faz o Dr. Jacond, do nome do Dr. Aquino como tendo introduzido este tratamento. VII A hydrotherapia encontra apoio na sciencia, e justificação na pratica,para ser recommendada em ambos os períodos da febre amarella. Fim . Pernambuco-Typ. do Jornal do Recife.-1875.