FACULDADE DE MEDICINA DA BAEIA TI IESE APRESENTADá Á Faculdade de Medicina da Bahia EM 31 DE OUTUBRO DÈ 1905 Para ser defendida por Demosfaes tammond de fcplâes NATURAL DA BAHIA (Capital) AFIM DE OBTER O GRAU DE DOUTOREM MEDICINA DISSERTAÇÃO CADEIRA DE CLINICA CIRÚRGICA Da hérnia inguinal. - Cura radical pelo processo de Bassini. PROPOSIÇÕES Tres sobre cada uma das Cadeiras do Curso de Sciencias Medico-Cirurgicas .mais il est permis, mêine au plus faible, d avoir une bonne intention et de la dire. Vjctok Hugo BAHIA Passos 59-Baixa do Taboão-59 1905 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA DIRECTOR-Dr. Alfredo Briito VICE-DIRECTOR-Dr. Manoel José de Araújo Lentes Cathedratieos OS DRS. MATÉRIAS QUE LECCIONAM PRIMEIRA SECÇÃO J. Carneiro de Campos . . Anatomia descriptiva. Carlos Freitas .... » medico-cirurgica. SEGUNDA SECÇÃO Antonio Pacifico Pereira . . Histologia. Augusto C. Vianna . . . Bacteriologia. Guilherme Pereira Rebello. . . Anatomia e Phisiologia pathologica. TERCEIRA SECÇÃO Manuel Jos de Araújo . . . Phisiologia Josè Eduardo Freire de C. Filho . Therapeutica. QUARTA SECÇÃO Raymundo Nina Rodrigues . . Medicina Legal e Toxicologia. Luiz Anselmo da Fonseca . . Hygiene. QUINTA SECÇÃO Braz Hermenegildo do Amaral . Pathologia cirúrgica. Fortuuato Augusto da Silva Júnior Operações e apparelhos. Antonio Pacheco Mendes . . Clinica cirúrgica, Ia cadeira. Ignacio Monteiro de A. Gouveia . » cirúrgica, 2a cadeira, SEXTA SECÇÃO Aurélio R. Vianna . . , Pathologia medica. Alfredo Britto .... Clinica propedêutica. Anisio Circundes de Carvalho . » medica Ia cadeira. Francisco Braulio Pereira . . » medica 2a cadeira. SEPTIMA SECÇÃO José Rodrigues da Costa Dorea . Historia natural medica. A. Victorio Araújo Falcão . . Matéria medica, Pharmacologia e Arte de formular. Josè Olympio de Azevedo . . Clinica medica. OITAVA SECÇÃO Deocleciano Ramos . . . Obstetrícia. Climerio Cardoso de Oliveira . Clinica obstétrica e gynscologica. NONA SECÇÃO Frederico de Castro Rebello . Clinica pediátrica. DECIMA SECÇÃO Francisco dos Santos Pereira . Clinica ophtalmologica. DECIMA PRIMEIRA SECÇÃO Alexandre E. de Castro Cerqueira Clinica dermathologica e syphiligraph. DECIMA SEGUNDA SECÇÃO J. Tillemont Fontes . . . Clinica psychiatrica e de moléstias nervosas. João E. de Castro Cerqueira . ) „ .. ,. Sebastião Cardoso . . . ) Em disponibilidade. Lentes Substitutos OS DRS. Jos» Affonso de Carvalho ... Ia secção Gonçalo Moniz Sodré de Aragão . 2a » Pedro Luiz Celestino .... 3a » Josino Correia Cotias , , , . 4a » Antonino Baptista dos Anjos (interino|) 5a » João Américo Garcez Fróes , . 6a » Pedro da I41Z Carrascosa e José "julio de Calasans 7a » J. Adeodato de Sousa .... 8a » Alfredo Ferreira de Magalhães . . 9a » Clodoaldo de Andrade ... 10 » Carlos Ferreira Santos , , , , 11 » Luiz Pinto de Carvalho ( interino) . 12 SECRETARIO-Dr. Menandro dos Reis Meirelles SUB-SECRETARIO-Dr. Matheus Vaz de Oliveira A Faculdade não approva nem reprova as opiniões exaradas' nas theses pelos seus auctores. ^RBFACIO 'vlmisa nossa these!... Nada de original possue, porque nos es- cassèam elementos, principal mente os de or- dem intellectual, que de algum modo attenua- riam a deficiência do preparo scientifico para o bom desempenho de tão arrojada empresa; mas nem por isso deixaremos de, cumprindo um preceito regulamentar-imposto porum codigo absurdo e barbaro, prestar, na medida de nos- sas parcas forças, um serviço aos que soffrem e despertar um incentivo nos que têm a san- ta missão de curar. Sim; um serviço de summa relevância para os que soffrem, porquanto da affecçâo incom- moda e perigosa, de que nos vamos occupar na cstreitesa deste enfesado trabalho, muitas e muitas pessoas são victimas. Victimas que contemporisam, vacillam e chegam mesmo a obstinar-se contra a operação, ou por não conhecerem os meios de que es- D- M- 2 II Prefacio tá armada a sciencia moderna para combater, radicalmente, tal anormalidade, ou por, co- nhecendo mal os processos actualmente em- pregados com vantagem, os julgarem incapa- zes de realisar um tão importante desidera- tum, ou ainda por serem miseravelmente il- ludidas por informações de indivíduos igno- rantes ou pouco escrupulosos, que, não medin- do as funestas consequências de tão perversas e falsas asserções, levam ainda a maldade ao ponto de revestir estaoperação simples, neces- sária e de admiráveis resultados com as co- res mais tétricas, incutindo-lhes no espirito um pavor e uma prevenção injustificáveis e que só a muito custo são vencidos por quem, bem intencionado, procura livral-os de um in- commodo constante, de um perigo imminem te e de uma deformação que, mais cedo ou mais tarde, se minifesta aos olhos de todos, inspirando a uns compaixão e a outros zom- barias. PREFACTO III Portanto, nada de vacillaçoes, de receios e adiamentos da parte dos que possuem uma tal enfermidade; busquem, com coragem e fé, li- bertar-se de um incommodo summamente gra- ve, porque, affirmamos uma vez por todas, a cirurgia moderna dispõe de processos segu- ros para obter tal resultado. Despertar um vivo incentivo nos que têm o dever de curar. E porque não? Em um meio, como o nosso, séde de uma Faculdade de Medicina, que occupa logar pro- eminente entre suas congeneres, um meio já bastante adeantado, é para lastimar-se que, apezar dos louváveis esforços de distinctos e proficientes professores e clínicos,como Pache- co Mendes, Lydio de Mesquita,Gonçalves Mar- tins, Almeida Gouveia, Carlos Freitas, For- tunato da Silva, Cerqueira Lima, Baptista dos Anjos, Perouse Pontes, a cirurgia não tenha attingido o grau de diffusão que reclamam a cultura e as necessidades desse meio. IV PREFACIO 1 anto é assim o que ousamos asseverar que a operação de cura radical das hérnias, pe- los processos modernos, extraordinariamente conhecida, diffundida e praticada em todos os paizes do mundo civilisado, é quasi, dóe-nos dizer, desconhecida e rarissimamente pratica- da entre nós, embora se conheça que, de to- das as que aqui se fizeram, uma só não dei- xou de ser coroada do mais brilhante exito. E' preciso, pois, que ellaseja vulgarisada entre nós, porque, pela sua vulgarisação, cooperaremos, patriótica e humanitariamente, no interesse da sciencia que professamos, do bello paiz em que nascemos e habitamos e dos que padecem, porquanto transformaremos, homens incapazes, doentes, em cidadãos ro- bustos, sadios, e tão necessários ao progresso e á defesa do nosso grandioso Brasil. CADEIRA DE CLINICA CIRÚRGICA Da hérnia inguinal. - Cura radical pelo processo de Bassini. CAPITULO I HISTORICO cl J^erde-se na longevidade dos tempos a historia da esforçada tentativa de curar > a hérnia, contribuindo immensamente para isso o horror que os antigos tinham a essa enfermidade, que levava seu portador a ser votado ao despreso e á ignominia. A esse respeito encontramos no capitulo XXII do Deuteronomio o que escreveu Moy- sés, o grande legislador do povo hebreu: «O quebrado de quebradura e o castrado não en- trarão na congregação de Jeovah.» Ainda no capitulo XXII do Levitico diz elle, tratando dos que não podem penetrar no sanctuario: «Os corcovados, os que ti- verem empingens e os que trouxerem que- braduras» . Era considerado também como um dos mais terríveis castigos divinos, sinão vejamos 10 D. D. DE MAGALHÃES o que ainda diz o citado Moysés, referindo-se á mulher adultera: «Fará Jeovah cahir a coxa e inchar o ventre». Mesmo na antiga e gloriosa Roma nota- se o despreso com que eram tratados os her- niados, e a proposito transladamos para aqui a citação do professor Reclus : «Conta Tito Livioque Mareio Servilio, mostrando um dia ao povo as marcas das feridas recebidas pela frente no serviço da patria, descobriu por des- cuido uma hérnia; risos zombeteiros o aco- lheram ». Nem mesmo os heróes eram poupados!... E por isso os antigos não trepidavam em recorrer a tudo para se libertarem de uma affecção que, alem de ser uma deformidade incommoda e perigosa, os tornava repudiados e escarnecidos pelos seus semelhantes. Ha vinte séculos que se tem procurado remediar esse mal por um sem numero de ope- rações e de methodos os mais diversos e extra- vagantes, vindos das mãos dos cirurgiões ás dos charlatães; sendo adoptados hoje, eram condemnados amanhã e muitas vezes prohibi- dos por leis severas. Ao grande cirurgião Celso, cognominado o Hippocrates Latino, cujo nome synthetisa uma epoca de luz na historia da cirurgia, cabe THESEINAUGURAL 11 a gloria de ser o primeiro auctor de um pro- cesso operatorio curativo das hérnias. Proselyto da intervenção sangrenta, comtu- do restringiu muito o numero das indicações, aconselhando-a ou praticando-a em indivíduos moços e robustos, e exclusivamente nos casos de hérnias inguinaes ou umbilicaes, pequenas, não dolorosas e não estranguladas. Em se tratando de uma hérnia inguinal, elle reseccava o sacco, retirando uma porção da pelle para obter uma cicatriz solida, e se preoccupava em poupar o testículo. Seguiu-se ao grande Celso um não menos illustre cirurgião, Orbiase, que reseccava o sacco depois de havel-o disseccado e torcido, conservando, porém, o testículo. Depois vem o celebre Aecio, no século V, que procedia do mesmo modo. A Paulo de Egina, fundado, talvez, no principio que diz que todo o orifício ou canal tende a desapparecer logo que não tem mais razão de ser, deve-se a instituição do barba- ro processo de cura radical pela castração. Processo que, segundo Boursier, constitue uma das mais graves censuras que se possam dirigir aos antigos methodos de cura radical. Os cirurgiões arabes, no século X, conti- nuaram a seguira pratica de Paulo de Egina. 12 D. D. DE MAGALHÃES O mesmo deu-se com os Arabistas, no sé- culo XII; com as escolas de Salerno e Paris no séculoXIII (por esse mesmo tempo já Gor- don renunciara á cura por esse processo); e com a de Montpellier, no século XIV; con- siderando-se, então defeituosos e incertos os processos que não a praticavam. Guy Chauliac, de Montpellier, proficien- te cirurgião daquelle tempo, foi quem deu profundo golpe no processo da castração diminuindo sensivelmente os casos em que empregava o tratamento sangrento, substi- tuindo-o pelo emprego frequente de appare- Ihos contentivos. E bem verdade que no século X já Avin- cenne descobrira a almofada chata (pelote pia- te); accrescentando-lhe Constantino, um se- culo-depois, um sustentáculo (ecusson) metaíli- co. Foi no século XIV que Beraud Methis ima- ginou um novo processo de cura radical, que tomou o nome de ponto dourado (point cioré), tendo por fim produzir a constricção do conducto peritoneo vaginal,procurando res- peitar o cordão. Infelizmente o seu emprego trouxe, na mai- oria dos casos, o estrangulamento dos vasos THESE INAUGURAL 13 do cordão espermatico, de maneira que foi abandonado. No século XV, apezar de existirem famo- sos cirurgiões, destacando-se dentre elles os das escolas de Pavia e Padua, como Arcalanus Guatenaria, Barthelemy, Mathieu, Gradi, que investigando sempre, haviam abandonado to- dos os antigos processos de cura radical, foi, entretanto, o da castração praticado espan- tosamente pelos charlatães, que fundaram a. celebre dynastia Norsini, chefiada por Pedro de Norsio. Citam alguns auctores que um destes charlatães fazia dos testículos habilmente es- camoteados, o manjar predilecto de seu cão, que anciosamente os esperava. Ainda no século XVI a castracão estava em > muita voga, e nos conta Fabricio de Acqua- pendente ter existido por esse tempo um nor- sini, chamado Horacio de Norsio, que che- gou em um anno a praticar 200 castrações ! Fefizmente raiou nesse mesmo século XV1 a deslumbrante aurora da Renascença, que se fez sentir beneficamente em todos os vá- rios ramos dos conhecimentos humanos, sob a auspiciosa influencia dos grandes estadis- tas'Richelieu, Mazarinoe Colbert, despertando 14 D. D. DE MAGALHÃES em todos o enthusiasmo, o ardor e a abnega- ção pelos grandes emprehendimentos. Já a cirurgia de então era cheia de glorias e conquistas surprehendentes; tem na França Pièrre Franc e Ambroise Paré e na Italia Fa- bricio de Acquapendente. Embora adeptos das intervenções sangren- tas, elles, todavia, não as praticqvam imme- diatamente ; empregavam em primeiro logar fundas, associadas a medicamentos topicos, em sua maioria adstringentes. Sempre que eram obrigados a executar algum processo operatorio, escolhiam de pre- ferencia os que poupavam o testículo. Procu- ravam aperfeiçoar o ponto dourado de Me- this, creando uma infinidade de modificações; dentre ellas merece especial menção o proces- so da sutura real de Paré, tão celebrada na- quella epoca. Procede-se do seguinte modo nesta sutu- ra: reduzidas as vísceras herniadas, o cirurgião pratica uma sutura dupla em serzidura, paral- lela ao eixo do sacco, sem tocar nos elemen- to do cordão. Dionis, que se oppunha a toda a tentati- va operatória que determinasse a castração, diz que se chamou sutura real porque deixa o testículo exercer regularmente sua funcção, THESE INAUGURAL 15 que é a de dar súbditos. Nesse tempo os reis eram contemplados em tudo e emprestavam seu titulo a todos os inventos! Apesar de todas as empresas contra as operações radicaes, estas, ainda que Boursier diga que a importância das fundas augmen- tasse, assim como o tratamento pelos remedios secretos, dos quaes o mais notável foi oreme- dio do rei, comprado por Luiz XIV ao prior de Cabrières, continuaram a ser praticadas. Por esse mesmo tempo Little John, na Inglaterra inventou um processo desastrado em tudo, o qual consistia em fazer escharifi- caçÕes pelo acido sulfurico no anel herniario e no collo do sacco. No século XVIII, em que os cirurgiões se dedicaram com afinco ao estudo das hérnias, a cura operatória foi sendo substituída pelo emprego de fundas, e foi quando se ergueu, em 1763, o insigne Nicolas Lequin, que re- volucionou a therapeutica das hérnias e deter- minou uma reacção vigorosa contra os proces- sos antigos, reacção que não poude firmar-se completamente nessa occasião por causa da energica resistência offerecidapelos não menos insignes Laviard Thevenin. «Os revezes eram tão frequentes, as catas- trophes tão lamentáveis, contavam-se tãopou- 16 D. D. DE MAGALHÃES cos successos á custa de tão graves mutilações, que o emprego da funda e o seu aperfeiçoa- mento deram um golpe terrível nas tentati- vas de cura radical». Em apoio de Lequin, Dionis, que descre- vera o processo da sutura real, apparecem re- commendando o uso das fundas, ás quaes man- dava addicionar emplastros adstringentes. Os esforços de Dionis foram aproveitados por distinctos cirurgiões, como: J. L. Petit, Garangeot, Richter, Heister, que se dedicaram a estudos sobre a cura das hérnias. Em 1774 Gauthier empregou o processo de cura radical pela cauterisação directa do anel herniario, processo que foi regeitado. Nessa epoca a operação parecia ter sido completamente abandonada. Foi quando Scarpa, nas suas memórias anatómicas e cirúrgicas sobre as hérnias, no capitulo quetrata das fundas,escreveu: «Quan- do nos lembramos que os antigos operavam as hérnias não estranguladas e que, com a vã esperança de prevenir toda recidiva estirpa- vam o testículo,transformando assim uma sim- ples enfermidade em uma moléstia das mais perigosas; quando comparamos estas opera- ções cruéis ao tratamento suave e racional dos modernos, que, reservando a operação ás her- THESE INAUGURAL 17 nias estranguladas, curam ou tornam suppor- taveis as que não podem cúrar pelo emprego de meios mecânicos fáceis, deve-se concordar que a invenção ou o aperfeiçoamento das fun- das é um dos maiores benefícios da cirurgia mo- derna». Não obstante a campanha continua contra os meios dedierese cirúrgica na cura das hér- nias por parte de Lequin e seus sectários, todavia elles persistiram, embora praticados raramente. E assim aconteceu até 1835, quando o inol- vidável Gerdy, inventando o processo da in- vaginação do escroto, tornou a pôr na ordem do dia a cura radical das hérnias. O descobrimento de Gerdy soffreu múlti- plas modificações ; surgiram theses sobre o assumpto e a questão se avantajou sobre as que então se agitavam e dominou por momen- tos os espíritos. Sob o poderoso impulso de Gerdy foram feitas novas tentativas, baseadas nos processos de Sotteau, Lehmann, Zeis, Bruns, Thierry, Schub. Vallete, Kinloch, Wiitzer e Rothmund in- ventaram instrumentos para conter a invagi- nação do escroto no anel. Em 1868 Wood imaginou uma nova modi» D* M- 5 18 D. D. DE MAGALHÃES ficação ao processo de Gerdy, já então mais ou menos alterado, conseguindo desfarte opè- rar perto de 3oo indivíduos. Antes de Wood, porem, em 1887, Velpeau começou a fazer injecções irritantes no sacco, as quaes foram abandonadas e substituídas pelas injecções peri-herniarias, inventadas por Luton e acceitas com modificações na Allema- nha. Com a morte de Gerdy ninguém recorreu mais ao seu processo, que cahiu no esqueci- mento, arrastando em sua queda, á excepção do de Wood, todos os processos de que o delle servira de ponto de partida. Houve um segundo periodo em que a cu- ra radical quasi foi abandonada, sendo sómen- te empregados por alguns cirurgiões os pro- cessos de Wood e das injecções per-herniari- as, que disputavam a primasia. Foi quando o immortal Pasteur descobriu a antisepsia e a asepsia e veiu com ellas em auxilio da cirurgia; foi quando se estabeleceu a pratica do curativo de Lister; nova orienta- ção foi dada então aos methodos cirúrgicos até aquella data adopta-dos. Desde então, devido ao methodo anti- septico, os cirurgiões, á imitação de Celso e Petit atacando directamente o sacco, por meio THESEINAUGURAL 19 de processos sanguinolentos, abriram uma no- va era á operação, que reappareceu forte e pujante, a principio na Allemanha e depois na Suissa ena França. Foi Steele o primeiro que abriu directa- mente a cavidade do sacco, em 1878; porem é devido aos trabalhos de Nussbaum e Riesel, em 1876. de Czerny e Scheede na Allemanha Socin e Reverdin na Suissa e Lucas Cham- pionnière na França, que se deve ter esta ope- ração entrado definitivamente no dominio pra- tico. Lucas Championnière tem a dupla gloria de ser inventor de um processo de cura radi- cal e de ser o unico que em seu paiz, por esse tempo, quasi isolado, defendeu com valentia e proficiência os processos modernos de cura radical das hérnias contra o ataque impetuoso de avultado numero de distinctos collegas. Segond, escrevendo, em i883, sua these de concurso sobre acura radical, só encontrou na França cinco operados pelos processos mo- dernos: 4 de Lucas Championnière, seguidos todos de cura e 1 de Gillete, seguido de morte. Em i886Lucas Championnière publicou um tratado sobre a cura radical das hérnias não estranguladas; muitas outras publicações so- 20 D. D. DE MAGALHÃES bre o mesmo assumpto se fizeram por essa épo- ca em revistas ejornaes. Generalisou-se completamente na França a . operação moderna, após as celebres discus- sões travadas proveitosamente na Sociedade e no Congresso de Cirurgia, nos annos de 1887 e 1888, achando-se o Brasil dignamente representado na pessoa do sabio professor vis- conde de Saboia. Muito concorreram para sua pratica na Inglaterra osdistinctos cirurgiões Mac-Ewen, Barker e Mitchell Banks. Na Áustria, na Rússia e em outros pai- zes da Europae da America a operação de cura radical foi logo adoptada e grandemente praticada, graças aos successos obtidos. Na Italia surge o brilhante cirurgião Bas- sini em 1889, com o seu magnifico methodo de cura radical, que tem dado os melhores resultados; e hoje não é somente conhecido e praticado em sua patria, mas ria maioria dos paizes em que a cirurgia occupa logar saliente e é professada por hábeis e consumados ci- rurgiões. Ha ligeiras modificações a esse methodo, de pouca monta e em nada affectando o prin- cipio básico em que elle, solidamente repou- THESEINAUGURAL 21 sa, e ás quaes nos referiremos em capitulo especial. Nestes últimos tempos têm apparecido al- guns trabalhos sobre a cura radical das hér- nias e, principalmente, girando em sua maio- ria em , torno do excellente processo do grande cirurgião de Padua, Bassini. E asssim é que o illustrado cirurgião de Paris dr. Fournel, adepto do Bassini, publi- cou em 1900, um livro sobre o assumpto. Outro sectário desse processo, o acredita- do cirurgião dos hospitaes de Paris dr. Ro- chard, também publicou um muito interes- sante, em 1904. Aqui mesmo o habil cirurgião dr. Gonçal- ves Martins publicou nestes últimos annos, em um dos numeros da «Gazeta Medica da Bahia»um estudosobreo processo supracitado, mostrando suas vantagens. Ultimamente o dr. Fizelle publicou um trabalho sobre a cura radical das hérnias in- guinaes nas creanças. Muitos cirurgiões de grande nomeada na Italia, Allemanha, França, Áustria, Portugal, Suissa, Bélgica, Inglaterra, Rússia, Estados Unidos do Norte, Argentina,Japão,Egypto têm D* M- 6 22 D. D. DE MAGALHÃES escripto sobre acura radical das hérnias, es- pecialmente pelo processo de Bassini. O notável e venerando dr. visconde de Saboia, em seu magnifico livro sobre cirurgia publicado em Paris, no anno de 1897, reclama com muita justiça e merecimento, para si a primasia da pratica da operação de cura ra- dical das hérnias entre nós, porquanto foi elle quem em 1861,quando escreveu uma memória sobre oassumpto,fez no hospital de Misericór- dia do Rio de Janeiro, pelo methodo de Wood, então seguido, a primeira operação de cura ra- dical no Brasil, bem que não correspondesse ao almejado fim, porque o paciente veiu a fallecer pouco tempo após a operação. Em Agosto de 1889, volta elle novamen- te da Europa ao Rio de Janeiro e prati- ca em um doente da enfermaria em que func- ciona a ia cadeira de clinica cirúrgica, pelo processo de Lucas Championnière, a opera- ção de cura radical, e até Agosto de 1890, fize- ra? com o mais feliz exito, i3 operações pelo processo citado. A elle seguiram-se muitosoutros no Rio de Janeiro, destacando-se os abalisados pro- fessores e clínicos Lima e Castro, Marcos Ca- THESE INAUGURAL 23 valcanti Domingos Góes, Paes Leme, José Bulcão, Álvaro Ramos, Daniel de Almeida, Bulhões, Fernando Vaz, Augusto Hygino, que ora empregam o Bassini ora o Championniè- re, sendo o primeiro mais adoptado e o que tem produzido os melhores resultados, o que deduzimos de algumas estatísticas por nós consultadas. Na Bahia só nestes últimos annos se tem praticado a cura radical das hérnias pelos processos modernos, e isso mesmo diminu- tissimamente. Coube-nos em boa hora, a enorme satis- fação e elevada honra de gentilmente convi- dado, assistir e ajudar, em sua clinica parti- cular, a duas, magistralmente praticadas pelo talentoso e habil cirurgião dr. Gonçalves Mar- tins(Jones), digno assistente da ia cadeira de clinica cirúrgica da nossa Faculdade, cadeira que é dirigida pelo eminente professor Pa- checo Mendes. Em ambas praticou-se o pro- cesso de Bassini com os mais bellos resultados. Não sabemos de outro cirurgião que hou- vesse praticado aqui esse processo epor isso, com pezar, deixamos de registar mais nomes neste acanhado trabalho de neophito. De bem poucos annos para cá têm appa- D. D. DE MAGALHÃES 24 recido algumas theses de doutoramento, tan- to na Bahia como no Rio de Janeiro, que se vão occupándo de tão proveitoso assumpto á humanidade e á sciencia, mas quasi todas o tratam de um modo geral, as quaes ainda assim prestam incalculáveis benefícios. CÀPrfuLO n Anatomia da região do canal inguinal.- Definição,-Divisão das hérnias ingui- naes. Bomamos parathema da nossa these a cura radical da hérnia inguinal, porque é a que em suas diversas modalidades, mais com mummente encontramos. Numerosas são as suas variedades, e pa- ra seu conhecimento são necessárias noções precisas da região em que se produzem; por isso reunimos no mesmo capitulo a anatomia, a definição e a divisão, que muito intimamen- te se acham ligadas porque umas são conse- quências das outras. A região do canal inguinal é a porção da parede antero-lateral do abdómen, que se limita: para cima, por uma linha imaginaria dirigida horisontalmente da espinha iliaca an- tero-superior á linha alva. A pelle dessa região, a não ser para baixo 7 26 D. D. DE MAGALHÃES e para dentro, os pellos que a cobrem e que devem ser completamente retirados, por occa- sião das intervenções cirúrgicas que por acaso se realisem ahi, nada do, particular apresenta. E" o ponto menos resistente da parede an- tero-lateral, resultando disso saliências que se observam ás vezes quando certos indiví- duos fazem esforços de tosse ou de outra natureza. Antes de entrarmos nadescripção completa do canal inguinal, vamos tornar patente a dis- posição que apresenta o peritoneo neste ponto, onde se observam trez depressões, cha- madas fossetas, que representam um impor- tantíssimo, papel no estudo das hérnias ingui- naes. E sinão vejamos: das trez fossetas uma é externa, outra média e a terceira interna, dispondo»se todas em uma linha mais ou menos horisontal, ficando a fosseta média.um pouco abaixo das outras. Elias não são facilmente encontradas em todos os indivíduos, resultando isso, certa- mente, da differença de relevo que a artéria epigastrica e o cordão das artérias umbilicaes fazem sobre a parede abdominal. Examinada a parede abdominal por sua face posterior veremos que o peritoneo proe- mina alguma cousa, por causa de diversos THESE INAUGURAL 27 cordões, que são, de fora para dentro: a arté- ria epigastrica, o cordão resultante da oblite- ração da artéria umbilical e, finalmente, o uraco sobre a linha mediana. Estes cordões, que ao nivel do umbigo estão muito proximos vão se afastando para baixo e limitam as fossetas inguinaes. Para fora da artéria epigastrica encontra- se a fosseta externa; entre esta artéria e o cordão da umbilical está a média, e tendo este cordão de um lado e o uraco do outro, se acha a interna, que só pode ser observada quando a bexiga está distendida. Chama-se fosseta sub-pubiana á mesma fosseta interna, porque corresponde ao espaço que separa a symphise pubiana da espinhado pubis. A externa distingue-sè das outras duas, porque por ella se notam por transparência, abaixo do peritoneo e levantando-se um pouco, os elementos do cordão cspermatico e, mui particularmente, o canal deferente e a artéria espermatica, os quaes occupam a parte inferior e interna da fosseta. De maneira que, facil- mente se comprehende, si uma alça intestinal se insinuar por esse orifício, o cordão esper- matico ficará necessariamente abaixo e den- tro da hérnia. 28 D. D. DE MAGALHÃES No caso de estrangulamento nesta varie- dade, não se deverá, pois, desbridar nem em baixo, nem dentro, sob pena de compromet- ter o cordão espermatico. Por serem as fossetas o local de menos re- sistencia da parede abdominal, é de preferen- cia por ahi que as vísceras, sob a influencia de um esforço qualquer, podem dar logar á pro- ducção de hérnias. Quando uma viscera sáe da cavidade abdo- minal por uma das referidas fossetas, dá-se a esta lesão o nome de hérnia inguinal, que pode ser externa, média ou interna, conforme a fosseta em que tem logar esse processo. A hérnia inguinal pode ainda ser: obliqua externa, directa e obliqua interna, de acor- do com o trajecto que, posteriormente, segue aviscera para formar a saliência sob a pelle. Na pratica, em vista de ser muito rara, de extraordinária difficuldade, para não dizer impossibilidade de distincção, a variedade mé- dia ou ainda directa confunde-se com a inter- na ou supra-pubiana, e por esse motivo ape- nas duas variedades,externa c interna, podem- se admittir com segurança, ficando a exter- na para fora e a interna para dentro da artéria epigastrica. Das disposições anatómicas da região vemos THESE INAUGURAL 29 que as hérnias, situadas nella têm o collo do sacco em relação por seus lados, em ca- da variedade, com orgãos que devem ser pou- pados, o que seria facil si fizéssemos um dia- gnostico seguro; mas esterealisavel no inicio de uma hérnia, deixa de o ser quando esta já é antiga, porque 'os dous orifícios do ca- nal inguinal, não tardando em se , approxi- mar, acabam por se confundir, contribuindo isto immensamente para emprestar toda a difficuldade ao diagnostico. Sendo uma hérnia facilmente reductivel, de anel muito largo permittindo a introducção do dedo, pode-se com precisão sentir os ba- timentos da artéria epigastrica; porem quando se trata de uma hérnia estrangulada esta exploração não é possível, deixando de nos fornecer preciosas indicações. O mesmo acontece com o cordão esper- matico, como elemento de diagnostico fican- do dentro do collo do sacco na hérnia exter- na, está fóra na variedade interna. Examinando-se uma hérnia antiga, aspar, tes que formam o cordão são muitas vezes esparsas e difficeis de reconhecimento, não se podendo precisar si é reductivel ou irre- ductivel. D-M- 8 30 D. D. DE MAGALHÃES Passemos agora a descripção do canal in- guinal. Este canal é situado im mediatamente acima da arcada crural; sua direcção é obliqua, de cima para baixo, de fóra para dentro e de traz para deante. Sendo um pouco mais largo, é, comtudo, um pouco menos longo no homem do que na mulher, affectando numerosas vari- edades individuaes, que de alguma sorte con- correm para a formação das hérnias. ÇómpÕe-se de um trajecto e de dous ori- íicios: um destes é superficial ou cutâneo, emquanto o outro é profundo ou peritoneal. De ordinário chamam erradamente exter- no ao orifício cutâneo, pois, como sabemos, elle é mais visinho do que o outro da linha mediana. Parece que as denominações, de orifícios superior e inferior seriam mais cor- rectas. O canal inguinal, cuja constituição e tra- jecto são os mesmos em ambos os sexos, está encravado na espessura da parede abdomi- nal: não é mais do que um dos interstícios dos planos desta parede, dando passagem no homem aos elementos do cordão e na mu- lher ao ligamento redondo. Das duas paredes formadoras delle, uma anterior, é constituída pelas fíbras tendino- THESEINAUGURAL 31 sas do grande obliquo, e a outra, posterior, pelo faseia transversalis. Encontra-se na parte anterior, na espes- sura do faseia superficialis, que está logo abaixo da pelle, um ramo da artéria subte- gumentosa abdominal, cuja direcção é pouco mais ou menos parallela á da artéria epigas- trica, profundamente collocada, sendo por esta razão aquella também conhecida pelo nome de artéria epigastrica externa, a qual frequentemente é interessada, quando se pra- tica a operação de cura radical da hérnia in- guinial. A parede anterior do trajecto, de espessu- ra e resistência variaveis, fórmaem baixo um orifício, o inguinal superficial. Dous grupos tendinosos, chamados pila- res, o limitam: um, interno e superior, inse- re-se sobre o pubis e sobre a symphíse pu» biana, indo entrecruzar suas fibras, na linha mediana, com as do lado opposto, o outro, externo e inferior, insere-se na espinha do pubis. O orifício inguinial superficial, assim des- cripto, tem uma forma triangular alongada, tornando-se ovalar pela passagem, em sua parte superior, das fibras arciformes; assim 32 D. D. DE MAGALHÃES restricto, mede normalmente no adulto de 3o a 32 millimetros. Consideramos a parede posterior como formada em sua maior parte, pelo faseia transversalis, que sevae juntar em baixo ao labio interno da arcada crural. Sua constitui- ção é, porem, complicada pela presença do tendão conjuncto, assignalado por Morton, Rouston e recentemente por Blaise em sua these. Graças a esse tendão, a parede posterior do canal inguinal apresenta uma constituição differente, si é examinada por dentro ou por fora. Por dentro, em face do orifício inguinal superficial, encontra-se o ligamento de Colles, que é o feixe de fibras tendinosas do grande obliquo opposto, as quaes, do seu entrecru» zamento na linha mediana, vão se inserir na cristã pectinea, na face superior do ligamento de Gimbernat, e contribuir para formar o liga- mento de Cooper. O ligamento de Colles pertence á parede posterior do canal inguinal sómente por sua parte externa. Unido a elle, acompanhando-o, caminha o tendão conjuncto, que é um feixe fibroso re- sultante da fusão das fibras de terminação in- THESEINAUGURAL 33 feriores do pequeno obliquo e do transverso, as quaes não se vão entrecruzar na linha média; ficando obliquas e verticaes, inserem-se no fundo da gotteira constituída pela união da arcada crural e da fita ilio-pubiana. As fibras mais internas, segundo Blaisc, são muito obliquas, deslisam deante do mus- culo pyramidal,por traz do pilar de Colles, jun- tam-se ás fibras do plano superficial do peque- no obliquo e com ellas se inserem acima da symphise do pubis entre o angulo e a espinha. As fibras médias descem um pouco para fora e para traz das precedentes; formam em sua origem, mudando da direcção obliqua á vertical, uma curva mais ou menos pronun- ciada, semelhante a uma arcada; correspon- dem ao bordo externo do grande recto, do qual se afastam pouco a pouco, para se inse- rir atraz da espinha do pubis e depois sobre a cristã pectinea. As fibras mais externas são muito fracas e geralmente se reduzem a algumas isoladas, que se inserem na cristã pectinea. Encontramos por fora o faseias transver- salis, revestindo, na parte posterior, o tendão conjuncto até a altura do bordo externo do grande recto. Em baixo é reforçado por fibras horisontaes D- M« y 34 D. D. DE MAGALHÃES da fita ilio-pubiana. Deprimindo-se aos poucos, constitue o annel inguinal profundo. As duas paredes do canal inguinal, forma- das por este modo, deixam sahir os elementos do cordão ou do ligamento redondo; juntam- se acima ou abaixo, quer de uns, quer de outros, afim de constituir os bordos do canal. E por esse modo, embora resumindo, fize- mos a descripção da região do canal inguinal, naquillo que achamos necessário ao estudo das hérnias que têm ahi sua séde. Isto posto, passemos a outra categoria de factos, isto é, á divisão das hérnias inguinaes, no que, pelo estudo anatomico da região e, principalmente, da disposição do peritoneo, constituindo ahi as trez fossetas já adduzidas, pretendemos ser breve. De accordo com essa disposição do perito- neo, as hérnias inguinaes são: externas, mé- dias ou ainda internas, correspondendo cada uma á sua respectiva fosseta. As inguinaes, como as demais hérnias, po- dem ser congénitas ou adquiridas. São congénitas quando se formam á custa de um canal preparado d'antemão por um vicio de evolução embryonaria ou fetal, ou se prendendo a uma disposição, natural, pre- . existente ao seu apparecimento. TIIESE INAUGURAL 35 As adquiridas são as que se formam acci- dentalmente, abrindo um caminho atravez da parede abdominal. Ha, finalmente, alem de outras, uma clas- sificação muito simples e boa para as hérnias inguinaes, baseada no trajecto percorrido, podendo ser: ponta de hérnia quando o in= testino é apenas introduzido no trajecto in- guinal; hérnia, intersticial, quando occupa a totalidade do canal inguinal limitando-se a afastar as paredes deste, não sáe; bubono- cele, quando forma um tumor na virilha; e oscheocele quando desce ao sacco escrota1. CAPITULO III Considerações anatomo-pathologicas de grande alcance para o cirurgião o conhecimento das lesões anatómicas em uma hérnia. Em todas ellas temos a considerar um sacco, os envolucros deste e as visceras her- niadas. O sacco é uma especie de dedo de luva produzido pela acção da viscera deslocada, que empurra para deante a sorosa parietal do ventre. A' proporção que o tumor progride, a sorosa é distendida, terminando por tomar a forma globular, semelhante a uma garrafa, cujo gargalo corresponde á abertura abdo- minal. Ha duas partes distinctas no sacco: o collo e o fundo. O collo é a parte do sacco que está em D- M- 10 38 D. D. DE MAGALHÃES relação com a abertura da parede do ventre e representa um papel muito importante no estrangulamento. O fundo corresponde á parte mais exter- na do tumor. O tamanho do saccoé sempre proporcio- nal ao volume do tumor. Pode acontecer que, sendo a força de distensão maior que a resis- tência da membrana sorosa, esta se rompa, deixando passaras vísceras para o tecido cel- lular sub-cutaneo, resultando um tumor sem sacco em seu fundo ou em sua parte mais sa- liente. Laugier, tratando da maior ou menor es- pessura das paredes do sacco, escreve: «En general, le sac est plutôt épaissi qu'aminci, il faut que sa distension soit extrême pour que 1'amincissemente paraisse évident, comme dans les cas oú l on voit à travers les tegu- ments les mouvements des intestins. Dans la plupart des cas, du reste, le peritoine qui forme le sac herniaire conserve la fer- meté qui le caracterise dans le ventre, et les variations d'épaisseur quele sac présente tiennent aux enveloppes exterieures du pe- ritoine. » Esta regra tem suas excepçoes; não é raro acontecer que o espessamento seja de- THESE INAUGURAL 39 vido á inflammação do proprio tecido do sacco; outras vezes existem falsas membra- nas no seu interior, que contribuem para augmentar-lhe a espessura. Scarpa notou nestes casos que as vísceras herniadas adherem á face interna do sacco. E' mais frequente encontrar-se o maior espessamento no nivel do collo. A superfície externa do sacco nada offe- rece de particular; tem uma conformação mais ou menos regular, redonda e, excepci- onalmente, dividida em dous ou mais lobulos. Sendo as adherencias do sacco com as partes visinhas muito frequentes, são, com- tudo, mais raras do que as do collo; tem se observado em alguns casos que o sacco adhe. re aos tecidos que o cercam muito intima- me nte. A superfície interna do sacco, geralmente, não contrahe adherencias com o intestino, podendo mesmo achar-se em muitas occa- siões separada delle por uma ligeira camada de liquido; quando, porem, a superfície inter- na é revestida, forrada por membranas, as adherencias são mais frequentes. O collo, que, como vimos, é a parte mais estreita do sacco, corresponde ao ori- fício abdominal, atravez do qual passa a 40 D. D. DE MAGALHÃES víscera que faz hérnia e é.commummente, onde se assenta um processo inflammatorio chro- nico; as suas dobras adherem umas ás outras, espessadas por um certo grau de phlegmasia, tornam-se vascularisadas. 0 collo passa a ter não só uma existência própria, autonoma da do anel, como pode, á semelhança dos tecidos cicatriciaes, retrahir- se aos poucos, desde que a hérnia foi redu- zida. A forma delle depende da do orifício em que se modelou* pode ser: circular, ovalar, triangular, etc. Muitas vezes succede que o sacco tem vários collos formados no proprio nivel do trajecto inguinal; o sacco, porque os orifícios interno e externo deste trajecto não se dei- xam dilatar, estreita-se em um desses pontos, dando como resultado dous collos. Ao nivel do collo formado manifesta-se um certo trabalho phlegmasico, dando origem a adherencias internas entre elle e as partes visinhas. Estas adherencias, diz Boiffin, não deixam de produzir seus effeitos perniciosos e, impe- dindo o sacco de acompanhar o intestino que se reduz, fazem com elle apresente ás vis- ceras uma loja sempre aberta, o que explica THESE INAUGURAL 41 a facilidade com que algumas hérnias se re- produzem, desde que não sejam mais man- tidas, e a difficuldade de se obter uma cura radical por meio das fundas. As taes adherencias offerecem apenas uma vantagem, fallivel entretanto, é ocaso de uma hérnia estrangulada, que por alguma circum- stancia não pode ser operada ; neste caso o táxis, não faz entrar para a cavidade abdomi- nal o intestino com o seu sacco e o seu collo ou melhor, a parte estrangulada com o agente da constriccão. E1, porem, de bom aviso estarmos preve- nidos de que essas adherencias nem sempre bastam para prevenir as reducções em massa, geralmente fataes, as quaes exigem uma la- parotomia immediata, tendo por fim encon- trar o agente do estrangulamento para elimi- nai-o. Os envolucros exteriores do sacco não são mais do que as diversas camadas em que se produz a hérnia. Dando por terminadas as • considerações sobre o sacco, accrescentaremos que elle pode não existir nos seguintes' casos: quando a hérnia tenha succedido a um ferimento pe- netrante ou a outra hérnia já operada, a um abcesso ou gangrena da parede abdominal; D • M • 11 42 D. D. DE MAGALHÃES quando se tenha dado a ruptura do seu fun- do; quando tenha origem congehita; e quan- do tenha sido produzida por certas vísceras: bexiga, coecum, etc. Isto assentado, passemos agora ao que ha de mais interessante sobre as vísceras herniadas. Innumeras differenças se patentêam, con- forme as circumstancias particulares de cada hérnia. As vísceras, em geral, se encontram hy- pertrophiadas, espessadas, e o calibre do intestino reduzido, e algumas vezes ulcerado. Nas hérnias pequenas, simples, o intes- tino, só ou com o epiploon, atravessa apenas por uma pequena alça a abertura herniaria. Nas muito volumosas, ordinariamente, são encontradas uma grande massa de epiploon juntamente com urna alça intestinal, mais ou menos considerável. O intestino, por causa da pressão que experimenta em sua passagem atravez do trajecto ou devido a uma funda mal cons- truída ou mal applicada, irrita-se; seu tecido, affectado de inflammação chronica, espessa» se, diminuindo o calibre, especialmente na parte que corresponde ao contorno resistente da abertura, obliterando-se ás vezes inteira- THESEINAUGURAL 43 mente; sua superfície externa, inflammada, une-se ao collo do sacco, ao epiploon, etc. O mesenterio, nas mesmas condições, apresentasse mais espesso em toda a porção que ficou externa, transformando-se em uma especie de massa gordurosa ou tomando a consistência de carne; algumas vezes o seu augmento de volume vae por conta do en- gorgitamento considerável de alguns dos gan- glios lymphaticos que possue; outras vezes acontece que elle se rompe e permitte ao in- testino atravessal-o. Para provar categoricamente que a irre- ductibilidade das hérnias é devida muitas vezes á hypertrophia das vísceras herniadas, podia- mos trazer para aqui uma infinidade de factos, mas nos limitamos a citar o do professor Si- gnorani, de Padua :-Um homem de 65 annos de idade tivera em sua infancia uma hérnia inguinal esquerda, cuja cura conseguira com o simples uso da funda ; pelos 40 annos, uma nova hérnia se apresenta na virilha esquerda; por falta de cuidados, foi ella descendo para as bolsas, hypertrophiando-se extraordinaria- mente, trouxe como consequência a irreduc- tilidade; manifesta-se uma serie de symptomas assustadores do estrangulamento e em pouco tempo o homem morreu. 44 D. D. DE MAGALHÃES Fez-se a autopsia e chegou-se ao seguinte resultado: a hérnia era formada pelo colon descendente; suas paredes apresentavam uma hypertrophia considerável e eram muito espes- sadas em vários pontos; sua superfície era dura c desigual, o canal inguinal, que esse intes- tino transpuzera, estava inteiramente livre e não offerecia estrangulamento algum; o intes- tino estava completamente livre de qualquer constricção, não apresentando adherencia de especie alguma com o sacco ou com suas pró- prias alças; de maneiras que a irreductibili- dade da hérnia correra, unicamente, por conta da hypertrophia excepcional da viscera con- tida no sacco. Alem de estados morbidos, pode o intes- tino herniado apresentar outras condições importantes e que devemos assignalar no pre- sente capitulo. E', assim que Scarpa observou em vários casos que a porção do intestino delgado que formava a hérnia voltava sobre si mesma, de modo que uma alça se applicava sobre outra, formando um 8 (oito). A parte do mesenterio que corresponde á alça intestinal herniada é alongada, muitas vezes mesmo hypertrophiada e gordurosa, THESEINAUGURAL 45 apresentando seus vasos sanguíneos congestos e varicosos. O epiploon, quando uma sua parte é her- niada, offerece a forma de um triângulo, cujo vertice está voltado para o anel da hérnia; sendo alongado, é mais ou menos cheio de gordura, que augmenta á proporção que a hérnia vae envelhecendo. Independente do intestino, mesenterio, epiploon, encontram-se no interior do sacco: 'a bexiga (*), a trompa de Fallopio, etc. Depois destas considerações sobre a ana- tomia pathologia das hérnias inguinaes redu- ctiveis e irreductiveis, vamos examinar o que se passa, sob o mesmo aspecto, com referencia ás estranguladas, investigando o estado do sacco, das partes contidas e as causas da cons- tricção. O sacco, que ora é delgado, ora espesso, apresenta a difficuldade de distinguir-se o (*) Aqui na Bahia já foi assignalado em um doente do serviço da Ia cadeira de clinica cirúrgica, tanto pelo respectivo lente, dr. Pa- checo Mendes, como pelo seu distincto assitente, dr, Gonçalves Martins, o caso de uma hérnia da bexiga, facto raro e digno de nota. D- M- ' 12 46 DD. DE MAGALHÃES seu exterior das camadas cellulosas, ás quaes adhere mais ou menos profundamente, e apresenta sua face interna de cor vermelho- escura ou violacea. Contem, de ordinário, uma certa quanti- dade de liquido sero-sanguinolento, em cujo seio fluctuam os intestinos que se estrangu- laram; este liquido, que tem um cheiro fecal, sem todavia significar, por esse motivo, per- furação do intestino, forma-se á custa da in- flammação e do embaraço circulatório. Pode também faltar, sendo a hérnia secca, cousa da mais alta transcedencia, sob o pon- to de vista operatorio, porquanto exporá o cirurgião pouco habil ou escrupuloso a abrir o intestino, convencido de que está prati- cando no sacco. A séde das alterações mais numerosas e mais graves encontra-se nas partes herniadas; trate»se de uma enterocéle ou de uma entero- epiplocéle. O intestino apresenta-se, geralmentè, ede- maciado e vermelho; os vasos dessa porção, engorgitados, bastante hyperemiados; deixa ver em vários pontos algumas ecchymoses. Pode o intestino estar ou não gangrenado. No caso de encontral-o gangrenado, o ope" rador evitará reduzil-o, ficando ao seu critério THESE INAUGURAL 47 o meio a empregar para reparar o'mal e sal- var o paciente. Si o intestino apresenta uma côr amârellada, de folha secca, e se perdeu a elasticidade, é porque se acha compromet- tido ou prestes a sel-o; requerendo do cirur- gião muita attenção, dependendo ás vezes tudo das circumstancias e do modo de agir do momento. Em alguns casos vamos encontral-o per- furado, e é ao nivel da parte comprimida pelo agente constrictor que começa a ulce- ração. > Para explicar a perfuração, vamos encon- trar no tratado de Le Dentu e Delbet a opi- nião de Labbé, apoiadas pelasobservaçoes de Cloquete Huguier, e a de Nicaisse. Labbé sustenta que, quando uma perfu- ração se dá no ponto estrangulado, esta não corre por conta da mortificação dos tecidos, mas do desapparecimento das camadas umas após outras, e é a sorosa que se secciona pri- meiramente. Nicaisse não pensa do mesmo modo, equer que a primeira a seccionar-se seja a mucosa. Bouchard diz que a perfuração é devida á quantidade e forma de rêdes capillares nas túnicas das differentes camadas. Seja como for, pensamos com Verneuil, as 48 D. D. DE MAGALHÃES perfurações são as lesões que devem merecer os cuidados do cirurgião. Os elementos responsáveis pelo estrangu- lamento são: os aneis mais raramente, e o collo do sacco, com mais frequência. Acontece muitas vezes que as hérnias se estrangulam no proprio momento de sua pro- ducção; nestes casos, o collo só se desenvol- vendo lentamente, a responsabilidade do es- trangulamento deve ser attribuida aos aneis, o que está provado por innumeras observa- ções. Ha ainda hérnias privadas de sacco, como succede com as do coecum, e, por consequên- cia, faltando collo, podem entretanto estran- gular-se. Si em muitos casos o desbridamento dos aneis é sufficiente para fazer cessar o estran- gulamento, em outros, em que este estran- gulamento é produzido pelo collo e pelo anel, duas partes fibrosas inextensiveis, encontran- do-se no mesmo nivel, resta seccionar ambos os agentes estranguladore?. Pode ainda succeder que o agente causador do estrangulamento só encontre no epiploon, que ou enlaça o intestino ou perfura-se para dar-lhe sahida e conrprimil-o. CAPITULO IV Etio-pathogenia Í9 de summa importância o estudo das causas productoras das hérnias, porque não sómente elle nos faz conhecer o meca- nismo da formação delias, como os meios de extinguil-as e de prevenir sua recidiva. São em grande numero as causas que po- dem determinar a formação de uma hérnia, mas se limitam todas ao rompimento do equi- líbrio que existe entre a pressão abdominal e a resistência das paredes. Pertencem a dous grandes grupos: causas próximas ou determinantes e predisponentes. As primeiras actuam de modo violento e decisivo, produzindo incontinenti as hérnias. As do segundo grupo, também cha- madas predisponentes, contrariamente, só actuam de modo lento, levando o organis- mo, progressiva e insensivelmente, a adquirir tal affecção. D* M- 13 50 D.D. DE MAGALHÃES Relativamente ás causas determinantes, diremos apenas que, tomando por base as observações mais precisas sobre o assumpto, só temos de considerar como taes os esforços para tossir, espirrar, urinar, defecar, as mar- chas forçadas, os saltos, as quédas, etc. Pode ser que houvesse uma predisposi- ção agindo desde muito, mas pode também ser que a affecção se tivesse manifestado im- mediatamente, sem trabalho algum prepa- ratório. Cooper, tratando das causas determinan- tes, manifesta-se do seguinte modo:-Deve- se classificar em primeiro logar o poder con- tractil do diaphragma e dos musculos largos do abdómen. Nos movimentos violentos a pressão exercida sobre as visceras abdomi- naes é muitas vezes mais que sufficiente para produzir uma hérnia.- Estudemos agora as mais importantes das causas predisponentes e façamos, debaixo desse ponto de vista, algumas considerações. O homem é mais sujeito do que a mulher a contrahir hérnias, pelas próprias condições o de vida; e deste modo de pensar são Louis e Arnaud, na França, e Wernher, na Allema- nha, tendo os trez estudado e confeccionado estatísticas a respeito. THESE INAUGURAL 51 Por outras estatísticas vimos que, tendo por base as condições de habitat, as hérnias são mais frequentes nas populações dos pai- zes montanhosos e, ainda, que algumas raças são mais predipostas do que outras. A herança tem grande influencia na for- mação das hérnias; e já Asthley Cooper e Richter a suspeitaram e Malgaigne observou que em 3r6 herniados 87 apresentavam an- tecedentes de familia. Redus e Kingdon verificaram a exactidão dessas suspeitas e pesquisas; principalmente nas hérnias inguinaes, onde ella se faz sentir com mais frequência. As profissões representam um papel de primeira ordem, particularmente as que exi- gem grandes esforços e trabalhos penosos. E a sua maior frequência na classe pobre, como notou Richerand, vem em apoio do que externamos acima, porque bem sabe- mos que são os indivíduos de classe pobre que se dedicam, em grande escala, a traba- lhos daquella natureza. Outros, como o dr. Amen em sua these, procuram explicar esse facto da frequência na formação das hérnias pela deficiência de alimentação, que, diz elle, conseguintemente. 52 D. D. DE MAGALHÃES produz a diminuição da tonicidade dos planos musculares do abdómen. Para outros, Malgaigne por exemplo, o tamanho do indivíduo e a forma do ventre contribuem para a producção das hérnias, tendo notado que os indivíduos de estatura elevada eram mais propensos. Ainda que em relação ás inguinaes, o seu papel seja muito limitado, a gravidez, especi- almente quando se repete, actua poderosa- mente na formação das hérnias umbilicaes. Um grande numero de estados pathologi- cos concorre vigorosamente para o desen- volvimento desta affecção não só enfraque- cendo a resistência da parede abdominal, como coagindo o doente a esforços violentos e repetidos, taes como: a dysuria dos estrei- tados da urethra e dos prostaticos, as phy- moses congénitas das crianças, as affecçÕes das vias respiratórias e as das gastro-intesti- naes. Alguns auctores opinam que a reabsor- pção do tecido adiposo que preenche, no esta- do normal os espaços resultantes da inter- secção dos planos fibrosos do abdómen, traz como consequência um caminho para as vis- ceras se herniarem. THESEINAUGURAL 53 Quando o estado morbido é da natureza dos derramens intra-peritoneaes asciticos ou de tumores intra-abdominaes, procuram al- guns auctores explicar a pathogenia pela dis- tensão de todo o abdómen, abrangendo os seus orifícios naturaes e pela diminuição de resistência de suas paredes, devida a esse es- tado morbido; ora, desapparecido o derra- men, as vísceras não terão grande difficulda- de em sahir de seus logares e, por esse des- locamento, produzir hérnias. Isto é confir- mada pelas observações de Duplay e de Ja- ennel. CAPITULO V Sy mpttomatologia.-Diagnostico.-Pro- * gnostico 4^^aracterisa-se a hérnia inguinal por tumor (.Xu^molle, sonoro á percussão reduzindo-se quasi sempre com facilidade .e augmentando de .volume por um esforço qualquer. Este tumor encontra-se no trajecto do cor- dão espermatico e manifesta-se na virilha na altura do anel inguinal externo, o qual é trans- posto, dirigindo-se o tumor ou parte delle para as bolsas, onde se depõe. Nesta affecção ha um certo incommodo particular e ás vezes mesmo dores, mórmente quando o tumor herniario attinge grandes pro- porções; os symptomas objectivos apparecem logo e em muitas occasiões com uma gravidade assustadora: as dores se axarcebam, a sensa- ção especial de mal-estar se accentua, a de peso augmenta e, complicando essa situação tão an- gustiosa, sobrevêm calefrios, cólicas e pertur- 56 D. D. DE MAGALHÃES baçÕes digestivas com uma intensidade mais ou menos grave. Toda essa serie de phenomenos apontados não se manifesta sempre em todos os casos, podendo alguns faltar e outros exceder em in- tensidade. Nem sempre o diagnostico de hérnia ingui- nal é facil, e para prova examinaremos alguns casos. Algumas vezes o tumor herniario atravessa o anel, chega ás bolsas escrotaes, affectando a forma de uma hydrocele do canal vagino- peritoneal, e não é raro observar-se a coexis- tência. Existe uma variedade de hérnia inguinal nas creanças, que se destaca das outras por seus symptomas orgânicos: é a hérnia funiculo- peritoneal, na qual vamos encontrar o testí- culo abaixo do sacco e bastante separado delle, ficando o conducto vagino-peritoneal obliterado no espaço intermediário. Esta variedade de hérnia pode ser confun- dida com os kystos do cordão, que têm a mesma pathogenia, originando-se de uma nova obli- teração da porção funicular do canal vagino- peritoneal em sua parte superior. Distinguem-se, porem, os kystos das hér- nias inguniaes por causa da irreductibilidade THESE INAUGURAL 57 daquelles, não obstante sua maior ou menor mobilidade. A ectopia da glandula genital pode ser também confundida com uma hérnia inguinal, facto que não é raro e muitas vezes é conco- mittante. Depois de termos mostrado a difficuldade de diagnostico em relação ás creanças, pas- semos a tratar da mesma difficuldade de refe- rencia aos adultos. Dentre as principaes modalidades que po- dem ser confundidas com a hérnia inguinal distinguiremos: a varicocele, a hydrocele congénita, o lipoma, o kysto do cordão e a ectopia testicular. Ha casos de varicocele que, pela palpação, se têm confundido com uma hérnia epiploi- ca; mas deante de uma observação mais acu- rada verifica-se que a sua consistência é me- nor, e, quando istonão bastasse, collocaria- mos o doente em decúbito dorsal com a bacia um tanto levantada, para verificarmos si o tu- mor desappareceria rapidamente, reappare- cendo do mesmo modo quando o doente reto- masse a posição primitiva. Uma hérnia epiploica pode ser tomada por um lipoma, por um kysto do cordão; mas, particularmente, pela irreductibilidade destes, D* M- 15 58 D. D. DE MAGALHÃES pode-se logo distinguir porque para uma epliplocele tornar-se irreductivel é necessário que tenha sido a sede de contínuos accessos inflammatorios, que encontraríamos pela anamnése Após havermos, pela inspecção, pelo inter- rogatório, pela percussão e palpação, nos en- caminhado no diagnostico de uma hérnia in- guinal, completaremos o exame por meio da introducção do dedo indicador no canal ingui- nal, afim de que, sob a influencia de um des- forço. possamos sentir impulso nas vísceras deslocadas. Vem em seguida a isso o estudo da varie- dade da hérnia inguinal, em cuja presença nos encontramos. Ha variedades, como a funicular ou a bu- bonocele, que se caracterisam por si mesmas; mas ha outras, como a ponta de hérnia,, de difficil reconhecimento. Pode uma hérnia inguinal, qualquer que seja a variedade, ser congénita ou adquirida; prestando-nos grande auxilio nesses casos a symptomatologia e a anamnése. Sabemos- perfeitamente que a hérnia in- guinal congénita tem symptomas communs ás adquiridas, que excusa serem repetidos; mas também tem symptomas proprios. THESEINAUGURAL 59 Indaguemos quando cila se manifestou; si foi ao nascer, na primeira infancia, na ado- lescência ou na edade adulta; nestes últimos casos, si sua formação foi súbita ou lenta; si a descida dos testículos foi notada; si elles já se encontravam nas bolsas escrotaes, etc. Pela sua forma, pela sonoridade observada mesmo no canal inguinal, por meio da palpa- Ção, revela-se o testículo completamente cerca' do pelos orgãos herniados, difficultando sua distineção; a hérnia inguinal congénita é de facil diagnostico. Da symptomatologia e do diagnostico das hérnias inguinaes simples passemos á sym- ptomatologia e ao diagnostico das que se acompanham de anormalidades e accidentes, tratando com especial cuidado da mais im- portante e ao mesmo tempo da mais commum das complicações, o estrangulamento. O estrangulamento nada mais é que o es- tado de uma hérnia produzido por uma cons- tricçâo, que a torna irreductivel, seguindo-se estase do sangift e das matérias fecaes; phe- nomenos esses que, si persistirem, trarão co- mo resultado a perfuração ou gangrena, pondo em gravíssimo risco de vida o attingido por um tal processo pathologico. Ainda que algumas variedades da hérnia 60 D. D. DE MAGALHÃES inguinal, como as inguino-intersticiaes, sejam mais sujeitas ao estrangulamento, são comtu- do em menor escala do que as cruraes. A symptomatologia do estrangulamento é a mesma para todas as hérnias. Os symptomas são objectivos ou subjecti- vos. * Nò primeiro caso a nossa vista é dirigida logo não só ao abdómen como também ao tumor; vemos então que o tumor herniario está um pouco augmentado de volume,a pelle, de apparencia sã, é menos espessa, pela dis- tensão a que é obrigada, e ás vezes devido ás tentativas de reducção é séde de edema, mais ou menos accentuado, e de algumas ecchy- moses. Nas grandes hérnias notamos que em cer- tos casos ha fluctuação e que a sonoridade obtida pela percursãotem quasi desapparecido. A irreductibilidade é o phenomeno cons- tante nestes casos, e ás vezes é o primeiro signal de estrangulamento. Notam-se para o lado do ventre um abaú- lamento e um tympanismo accentuados. Quanto aos symptomas subjectivos de mais valor, citaremos em primeiro logar a dor; dor intensa espontânea, assentando-se na her- THESEINAUGURAL 61 nia, agudíssima nas immediaçÕes do pediculo, podendo irradiar-se para o obdomen. De intensidade variavel, augmenta sempre pela mais subtil pressão ou palpação. Vêm agora os vomitos e a constipação. Vomitos, antecipados por nauseas quasi sem- pre, podem-se manifestar no começo ou mais tarde, contínuos e frequentes em certos casos, em outros desapparecem para voltar alguns dias depois. São constituídos a principio por substancias alimentícias, tornam-se em segui- da mucosos e biliosos, durando este estado de cousas uns trez dias, quando os vomitos se apresentam amarellos, formados por úm liquido espesso, contendo ainda partículas ali- mentícias adquirindo mais tarde uma cor mais ou menos esverdeada; dessa passam á cor mais escura, exhalando um cheiro caracteris» tico: são vomitos fecaloides, que vêm demons- trar a obstrucção do tubo digestivo. O doente é ao mesmo tempo atacado de eructaçÕes incoercíveis, de soluços constantes e penosos. A constipação nem sempre se manifesta logo no começo, podendo o doente ir varias vezes ao bacio; somente vinte e quatro horas depois é que a constipação é absoluta e com- D- M« 16 62 D. D. DE MAGALHÃES pleta; já não existem evacuações alvinas nem emissão de gazes. Algumas vezes observa-se um estado diar- rheico, coincidindo com um verdadeiro estran- gulamento; só podemos explicar tal facto, exce- pcional, por uma hypersecreção muco-serosa da porção inferior do intestino. Querem alguns auctores que o signal pa- thognomonico do estrangulamento seja a au- sência de emissões gazosas, que se manifesta mais frequentemente do que a constipação. Parece, entretanto, que não tem o valor que lhe querem dar. r Afóra os symptomas de que já nos occupa- mos,outros de ordem geral são dignos de nota, embora variaveis com as formas clinicas. Logo que é attingido por essa horrível complicação, o indivíduo experimenta uma •sensação de anciedade e mal-estar especiaes, acompanhados ou não de febre, que se mani- festa raramente; em geral o estrangulamento é caracterisado por hypothermia. Só depois do terceiro dia é que os pheno- menos acima enunciados se tornam bem pa- tentes. Pelo rosto horrivelmente contrahido reve- la-se profundamente o indisivel soffrimento do pobre doente, que tem os olhos cavos, as THESE INAUGURAL 63 maçãs do rosto salientes, o nariz afilado, os lábios bastante descorados e juntamente, com a extremidade ou ponta do nariz, resfriados, a pelle de todo corpo de cor amarello-terrea, havendo perdido parte de sua elasticidade e se coberto de abundantes suores viscosos. E' a tudo isso que se dá o nome de fácies abdomi- nal, que, visto uma vez, nunca mais se poderá confundir. Grandes alterações se passam para o lado das principaes funcçoes organicas. Principiemos pela circulação, cuja tensão arterial baixa sensivelmente;, passando ao pulso, vemos que elle, a principio calmo, se accelera em seguida, perde sua energia, tor- nando-se pequeno, precipitado e depressivel. A hypothermia, consequência da hypotensão arterial, começa pelas extremidades e pelo nariz, apodera-se por fim de todas as partes do corpo, coincidindo com o enfraquecimento considerável do coração e certo grau de cya- nose. Quando todos estes phenomenos chegam ao máximo, constituem o que se chama cholera. hérnia ria. Os movimentos inspiratorios attingem de 3o a 40 por minuto, porque, ainda que a res- 64 D. D. DE MAGALHÃES piração seja perturbada só muito depois da circulação, é pequena e precipitada. A quantidade da urina é em geral diminuí- da, chegando, em raras occasioes, á anuria, que nem sempre é muito considerável. As alterações por que passa a urina, sob a forma de albuminúria ou de glycosuria, ainda não estão bem determinadas. As perturbações nervosas reclamam da nos- sa parte algumas linhas,porque,si algumas são raras e de minima importância, outras o são de maxima, pela sua constância e gravidade. Notam-se caimbras, convulsões, contractu- ras, delirio, coma, etc. A marcha do estrangulamento inguinal pode ser lenta ou rapida. O seu diagnostico é relativamente facil, graças a caracteristica dos seus symptomas e de sua marcha. Existem casos em que elle se nos afigura difficil. Certos tumores inflammatorios e dolorosos, constituídos por adenites inguinaes, hemato- celes, phlebites do plexo pampiniforme e ou- tras affecçoes nessa mesma região, podem ser tomadas por um estrangulamento, sendo mes- mo possível um erro de diagnostico. O estrangulamento nas creanças,apezar da THESEINAUGURAL 65 estatística apresentada em 1881 por Feré, onde conta cincoenta casos de estrangulamento re- beldes ao taxis, é muito raro e quando existe é, comoaffirmam Saint-Germain e Holmes, de facil reducção. Entremos na terceira parte deste capitulo ou, melhor, no prognostico das hérnias in- guinaes. Deixemos de parte as hérnias simples re» ductiveis, que, embora mantidas muito bem por uma funda, mesmo assim inspiram algum receio e rarissimamente se curam por esse meio, e quando entregues a si mesmas, per- sistindo, insensivelmente vão se predispondo para o terrível accidente do estrangulamento. Consideremos a influencia que exercem sobre a marcha das hérnias inguinaes a natu- reza das vísceras, o modo porque se formou o tumor, a edade e as complicações. O prognostico de uma hérnia epiploica é sempre mais lisongeiro, do que o de uma in- testinal, differindo ainda o desta pela extensão, da viscera deslocada. As formadas pelo colon ou pelo coecum são de prognostico menos grave do que as forma- das pelo jejunum, cuja gravidade augmenta á proporção que se avisinha do estomago a D- 17 66 D. D. DE MAGALHÃES porção herniada, por causa da sua grande importância na funcção digestiva. . Influe immensamente no prognostico o modo de formação do tumor: as hérnias que se produzem subitamente, originadas por um esforço, são mais perigosas do que as que se vão formando paulatinamente. E o perigo está em que, sefido a abertura muito estreita, ha de forçosamente comprimil-as com certa vio- lencia, tornando-as, por isso, mais sujeitas ao estrangulamento. O tumor pode ser pequeno e por esse mo- tivo escapar ao exame e ao tratamento; e foi o que observou Larrey muitas vezes por occa- sião das marchas forçadas nos recrutas e o mesmo foi asseverado, em circumstancias outras, por outros observadores, unanimes em affirmar que gravíssimos eram os accidentes pertencentes a essa ordem de factos. A edade é de um alcance admiravel no pro- gnostico da hérnia inguinal. Quanto mais moço e mais robusto é o her- niado, tanto mais seguro é o prognostico. Nas creancas é este ainda mais animador, porque a hérnia pode ser curada espontanea- mente, muitíssimo raro, ou pelo uso prolon- gado de uma funda bem adaptada, que impedi- rá pelo menos as complicações sempre possi- THESE INAUGURAL 67 veis e serias pondo o paciente em gravíssima situação. > O prognostico varia quando as hérnias se manifestam na mais tenra edade, apparecendo por si mesmas nas primeiras semanas do nas- cimento, ou nas que se produzem dos 3 aos io annos. No primeiro caso, quando ellas apparecem nos primeiros tempos do nascimento, depen ~ dem de uma formação imperfeita da trama fibrosa ou de uma debilidade geral, caracte- risada pelo afastamento das paredes do canal e por diminuição na resistência do orifício interno. •São os casos em que a presença de uma hérnia dupla confere certa gravidade de se po- der applicar convenientemente uma funda, não sómente tentando curar, como, quando nada, mantel-a e impedir a distensão muito pronun- ciada do trajecto e a deformação da parte. A difficuldade extraordinária é a de se en- contrar apoio em diversos pontos para fixação da funda, independente da falta de pressão necessária, das irritações e até mesmo mace- ♦ rações pelo seu uso; e por isso que no curso dos primeiros mezes a hérnia é abandonada a si mesma, conseguintemente progride. Passando á segunda categoria, isto é, ás 68 THESE INAUGURAL hérnias que se produzem dos 3 aos 10 annos, diremos que seu prognostico é ordinariamente muito favoravel, influindo muitíssimo para esse resultado as cohdicões de vida, de nu- trição, da influencia de outros estados patho- logicos concomitantes. A hérnia inguinal é uma moléstia cruel para os pobres de todas as edades, sobretudo ás creanças, porque ellas ahi têm tudo propi- cio ao seu desenvolvimento e todas as diffi- culdades á sua cura. Da má alimentação, do uso de um ar vi- ciado, dos soffrimentos physicos e mesmo de ordem moral, resulta a miséria organica, representada na flacidez dos tecidos e atrophia dos mesmos, e as degradações, a que são compellidas por todas as circumstancias da vida, impedem ou difíicultam mesmo o traba- lho de adaptação, de contracção e de conso- lidação, necessárias ao bom resultado da cura pela funda. Ao passo que» isso se dá com o infeliz filho do pobre, nas creanças ricas o prognos- tico é o mais satisfactorio; alem disso a fe- licidade delias chega ao ponto de, embora possuidoras de um canal preparado para re- ceber e dar passagem a uma viscera que se THESE INAUGURAL 69 desloca, não offerecerem ao intestino occasião de se introduzir nó trajecto franqueavel. Sempre isentas das más condições de vida, estão ao abrigo de moléstias que as possam deprimir e concorrer para o desenvolvimento de uma hérnia; e, si as attingem alguma del- ias, conhecemos muito bem com que solici- tude e cuidados são tratadas, evitando-se tudo que possa concorrer ou facilitar a affecção herniaria, a qual, si, apezar de todas as pre- cauções se effectua, é mais que depressa con- tid i por uma funda bem adaptavel, fabricada com todas as indicações necessárias. A igualdade, porem, se manifesta deante de uma deformação profunda da região ingui- nal; a hérnia apparece desde a primeira in- fância, não levando em conta nem a hygiene mais rigorosa, nem as cautelas mais extraor- dinárias contra todos os meios capazes de concorrer para o seu desenvolvimento ; este é, todavia, menor, relativamente, nos que dispõem de recursos pecuniários, etc. do que nos desherdados da sorte. CAPITULO VI Tratamento da hemia inguinal.-Cura radical Bepois de tão longínqua e afanosa peregri- nação, eis-nos, emfim, chegados ao ponto culminante e suspirado da nossa intimorata e benefica cruzada. Descortina-se-nos, brilhante, o ultimo mar- co desta extensa jornada-o tratamento-, o mais considerável de todos os assumptos por nós despretenciosamente encarados, visto co- mo é o remate, a consequência final de tantas investigações. O tratamento da hérnia em geral e parti- cularmente da inguinal tem sido a preoccu- pação incessante de um grande numero de operadores de todos os tempos, como prova a historia desta affecção descripta em um dos capítulos anteriores. Os cirurgiões modernos não desdenhando os exemplos e as lições dos antepassados e 72 D. D. DE MAGALHÃES consolidados pela observação e pela experi- mentação de todos os dias, conseguiram aper- feiçoar portal modo a cirurgia hodierna que obtiveram acura de uma enfermidade conside- rada pelos antigos como insanavel. No tratamento de uma hérnia inguinal po- dem ser empregados meios palliativos e meios definitivos. Tratamento patliativo.-Ligeiramente cui- daremos dos meios palliativos, de ordem secundaria, por seu valor curativo quasi nullo. O tratamento palliativo é obtido por meio de apparelhos chamados fundas, que têm por fim manter a hérnia de modo a impedir o seu desenvolvimento, livrando o doente de algumas complicações. A hérnia de que tratamos é uma hérnia simples e reductivel. Geralmente o papel das fundas se limita ao de simples elemento protector, prevenindo accidentes ou complicações; pode entretanto determinar, em casos especiaes modificações favoráveis e de grande valor, resultando delias, quasi i exclusivamente em creanças, a cura definitiva. O seu emprego, como já foi visto, é remo- to, datando seu invento do século X; foi se aperfeiçoando ao ponto de, em certas épocas, 73 THESE INAUGURAL occupar logar saliente na cura das hérnias. Conhecemos dous typos principaes de fun- das: ofrancezou antigo, inventado, em 1763, por Lequin e já muito aperfeiçoado presen- temente, e o inglez, imaginado por Sanson, modificado por Wickam. As do primeiro grupo se compõem das se- guintes partes: uma almofada, de composição, forma e tamanho variaveis; uma mola de aço? de forma mas, ou menos elliptica, presa por uma de suas extremidades á almofada: um re- vestimento ou forro de camurça para a mola e que vae alem da extremidade livre da mesma, trazendo nesse prolongamento uma serie de orifícios adaptaveis a um botão existente do lado externo da almofada. As do segundo grupo ou inglezas são for- madas também por uma mola de aço, em semi- ellipse, e, em logar de uma hlmofada, como as francezas, possuem duas, de que se applica uma sobre a eminencia herniaria e a outra se apoia sobre o sacrum. Ha outros modelos de fundas: a das pri- sões, mantidas por meio decorreias; a de haste rija de Dup-ré; a de Bourgeaud etc. Vejamos como se deve applicar uma funda. Quando o proprio paciente não pode effe- D- ly 74 D. D. DE MAGALHÃES ctuar a reducção, empregam-se certas mano- bras, que constituem o que se chama taxis. Uma vez conseguida a reducção introduz- se o dedo no anel para manter o intestino ou qualquer outra viscera, e a mão opposta appli- ca-se sobre o trajecto herniario; após isso retira-se o dedo, comprime-se a almofada com o auxilio da outra mão desenrola-se a haste metallica, passa-se em torno do corpo do her- niado e se introduz o botão que existe na almofada em um das já citados orifícios do prolongamento do tal revestimento de camur- ça; por outras palavras, abotoa-se convenien- temente. Falamos de funda franceza, mas a technica da dngleza é mais ou menos a mesma. ó pressão exercida por uma funda varia de accordo com os casos, mas ordinariamente é de trezentos grammas e nunca alem dc, raramente, seiscentos. Mesmo nas de pressão de trezentos gram- mas, algumas vezes, independente de dores insupportaveis, produzem-se escharas que obrigam a retirada, pelo menos temporária, da funda, o que, como é conhecido, traz grandes inconvenientes. Para que uma funda preencha perfeitamen- te o seu fim, é preciso não incommodar, nem THESE INAUGURAL 75 deixar sua almofada deslocar-se pelos movi- mentos ou esforços. » Apezar disso e do uso continuo, manifes- tam-se ás vezes, de repente, phenomenos in- flammatorios, difficeis de serem determinados, semelhantes aos de um estrangulamento, que, affectando extrema gravidade, conduzem o cirurgião a uma intervenção jmmediata. Quando não se queira praticar logo a ope- ração de cura radical, dous meios ainda se apresentam: o taxis e a kelotomia. Comecemos pelo taxis,< que é a operação pela qual se introduz no abdómen as vísceras de uma hérnia, empregando meios mecânicos. Trez cousas importantes recommendam-se neste processo; a posição do doente, a do ci- rurgião e as manobras com que se obterá a reducção. Posição do doente. - Em decúbito dorsal, tendo o ventre mais baixo do que a cabeça a as nadegas, emquanto o thorax é ligeira- mente mais elevado que o ventre, procura-se- lhe relaxar os musculos abdominaes; faz-se o herniado dobrar as côxas para se obter tam- bem a relaxação da pelle da virilha; inclina- se o ventre cm sentido contrario ao da hérnia. A posição do doente nem sempre é esta, maiscommum; ha casos em que só o tino do 76 D. D. DE MAGALHÃES cirurgião e as necessidade do momento po- derão indical-a. O doente durante o tempo das manobras de reduccão não deve, absolutamente, fazer o minimo esforço ou movimento. Relativamente ainda a posição do paciente, Boyer aconselha que o logar em que se acha uma hérnia deve ser o mais elevado possível, com o fim de obter-se o afastamento das vis- ceras contidas na cavidade abdominal dcsap- parecendo em parte a resistência offerecida ás que se deslocaram. % Ha também as posições de Ribes c de Ni- colás, que não têm grande valor. Posição do cirurgião.-A posição deste é, de ordinário, do lado do tumor, afim de facilitar a reducção, mas em outras occasiões pode variar porque assim exigem vantagens. Manobras a empregar.-Na maioria dos casos o taxis se faz sem anesthesia, o que diffi- culta muito mais, visto como, empregando-se um anasthesico, obtêm-se duas cousas impor- tantíssimas para o bom resultado: a insensibi- lidade do doente e o relaxamento muscular, condição essencial. Escolhida a posição, o operador toma en- tre os dedos pollegar, indicador e médio da mão esquerda a hérnia por seu pediculo; de- TIIESE INAUGURAL 77 pois é a hérnia apanhada em cheio pela mão direita; fazendo uma pressão moderada e cui- dadosa, tenta devagarinho obter a reducção do seu conteúdo, procurando fazer entrar em primeiro logar no abdómen as ultimas partes sahidas, sempre na ordem inversa dasahida. Alguns auctores aconselham o seguinte modo de proceder: ' depois do doente ter to- mado a posição indicada, tratando-se de uma hérnia inguinal do lado direito, introduz-se a mão direita por baixo da coxa; cerca-se depois o anel com a outra mão, que se tem passada sobre o ventre, approximam-se as duas mãos e comprime-se docemente toda a extensão da hérnia, quando é possível; achando-se um ponto que otfereça menor re- sistência, deve-se impellir por elle as vis- ceras. E' asneira querer se obter uma reducção pelo taxis • por meios violentos e prolongados, porque não só as partes herniadas, indo de encontro aos bordos do anel, acham uma resistência invencível á reducção, como os diversos tecidos das differentes partes her- niadas, pela extraordinária compressão exer" cida brutalmente, principiando a mortificar-se, originam phenomenos de surnma gravidade e de consequências muitas vezes funestas. 78 D. D. DE MAGALHÃES Tem-se a certeza da reducção quando o tumor desapparece totalmente, quando se pode distinguir pelo dedo e mesmo introdu- zil-o na abertura herniaria. Quasi sempre após a reducção de uma her- niaapparecem nauseas, vomitos, algumas vezes cólicas e outras até dejecçoes involun- tárias; podendo apparecer qualquer desses phenomenos isolada ou concomitantemente. Não se deve prolongar por muito tempo o trabalho da reducção, recommendando-se que elle não exceda de trinta minutos, sendo o média de quinze, porquanto, pelas demo- radas tentativas de reducção pode manifestar, se um processo de mortificação, nada lison- geiro ao doente. Algumas vezes os acci dentes persistem após o taxis, e isto chamou a attenção de Duplay, que, investigando as causas dessa persistência, apresenta seis principaes, tam- bém estudadas por outros: i.a-o intestino foi bem reduzido, mas já estava perfurado e uma peritonite superaguda se declara; 2/-■ ha falsas reducçÕes, ou porque só se conse- guiu vencer um dos agentes entrangulado- res, persistindo um ou mais, e por isso a re- ducção foi parcial ou incompleta, ou ainda porque a hérnia, pouco adherente aos ele- THESE INAUGURAL 79 mentos visinhos, foi repellida em massa com o proprio sacco para a cavidade abdominal; 3?-existe uma outra hérnia estrangulada ou estrangulamento interno concomitante; 4/- ha reducção em um sacco interior preexis- tente e pre-peritoneal ou, melhor, a reducção faz-se no tecido cellular sub-peritoneal, atravez deumaruptura do sacco herniario (Farabeuf); 5?-a reducção pode ser completa, mas os symptomas do estrangulamento continuam, por se ter o intestino torcido e uma alça cau- sado constricção á outra ou então ficar para- lysada (Henrot); 6?-o agente constrictor mantem_se apezar da reducção, quer se trate de uma brida epiploica ou do anel do sacco destacado circularmente (Laugier Richet). Do exposto conclue-se que o taxis, apezar de prestar em muitos casos bons serviços, não é um processo que mereça inteira con- fiança. Descrevamos summariamente a kelotomia, que é uma operação presentemente rara na pratica, porque, não impedindo na maioria dos casos a recidiva, pode-se, com o mesmo tempo e nas mesmas condições, immediata- mente praticar uma das operações de cura radical, libertando logo o doente dos perigos presentes e futuros. 80 D. D. DE MAGALHÃES O material cirúrgico'necessário a esta in- tervenção consta do seguinte: um bisturi recto, outro de Cooper, uma tentacanula, uma te- soura recta e outra curva, pinças hemostati- cas, de dissecção e de dentes,agulhas de Re- verdin, agulhas para sutura de intestino, um par de afastadores, fio de catgut, seda, etc. A kelotomia é praticada em quatro tem- pos, os quaes passaremos a descrever. Primeiro tempo:-Incisão das partes mol- les.-O cirurgião dobra a pelle na altura do tumor, de maneira que essa dobra cutanea seja perpendicular ao grande eixo da hérnia; assim obtida a dobra, elle entrega uma das extremidades delia ao ajudante e, segurando a outra extremidade com a mão esquerda, a incisa de cima para baixo até o meio, não havendo, comtudo, risco em prolongal-â, si necessário julgar; feito isto seccionam-se, por meio de bisturi e tesoura, sobre a tentacanula, todos as camadas subjacentes. Segundo tempo'--Pus ca da abertura do sacco.-Incisam-se todas as camadas até attin- gir um envoltorio,' de cor vermelha, apresen- tando fluctuação; apanha-se com uma pinça uma dobra da membrana, que constitue o sacco ou envoltorio das vísceras, e se faz uma pequena botoeira, donde se vê sahir um liqui- TIIESE INAUGURAL 81 do soroso ou soro-sanguinolento; esta botoei- ra deve ser augmentada cuidadosamente, por intermédio da tentacanula, para se poder observar no fundo do sacco o intestino estran- gulado, constituindo um tumor de cor violá- cea mais ou menos carregada; em seguida, lava-se e executa-se rigorosamente a limpesa da parte interna do sacco, afim de facilitar o encontro do agente estrangulador. E1 de muito valor ter-se em mente a pos- sibilidade de existirem saccos pre-herniarios, cuja presença pode levar ao commettimento de um erro: o intestino pode contrahir adhe- rencias com o sacco e este por sua vez pode faltar, dando em resultado o operador chegar directamente ao intestino. Terceiro tempo'.-Procurar efazer cessar a causa do estrangulamento.-Afastam-se os dous lábios da ferida por meio dos afastadores ou mesmo, na falta destes, por duas pinças he- mostaticas, que são confiados a um auxiliar competente; o operador então explora toda a alça intestinal e verifica a sua integridade, si existe perfuração ou esphacelo, a cor, si é ou não de folha secca, e com a ponta do dedo procura saber de que natureza é o agente do estrangulamento e o seu grau de constric- cão; si este não é muito considerável,o opera- D • M • 21 82 D. D. DE MAGALHÃES dor limita-se a introduzir os dous indicadores entre o agente estrangulador e o intestino, afastando-os; si ao contrario a coarctação é extremamente forte, então elle recorrerá ás te- souras ou ainda a um bisturi abotoado, hori- sontalmente no começo e verticalmente depois, obtendo-se por esse modo o desbridamento. Quarto tempo-.-Exame do intestino e re- ducçao.- Obtido o desbridamento, é preciso encontrar a alça do intestino, certificar si ha ou não outro estrangulamento mais acima, examinando com cuidado o pediculo da hér- nia; este pediculo é lavado com agua tépida e escrupulosamente examinado, porque si estiver perfeito, deve-se executar immediata- tamente a reducção; ao epiploon que acompa- nha o intestino, após prévia ligadura, é pre- ferível incisar a reduzil-o conjunctamente com os outros elementos. Está concluída a kelotomia, restando-nos apenas citar os cuidados posteriores á opera- ção: pensar cuidadosamente a ferida, sutu- rando-a.. Ha uma modificação da kelotomia, a qual o seu auctor, Vitrac, chamou ecto-kelotomia. Nada mais accrescentaremos a essa opera- THESE INAUGURAL 83 ção, hoje condemnada por muitos princí- pios. Neste capitulo, antes de entrarmos nos processos actualmente empregados para a cura radical da hérnia inguinal, poderíamos descrever uma interminável serie de outros empregados como taes, mas abandonados e quasi esquecidos na actualidade por não pre- encherem o fim desejado. Vamos, todavia, enumerar os principaes, reservando as modificações do processo de Bassini, a que alguns chamam de methodos ou processos, para momento opportuno. Explicado isto, passemos á promettida enumeração dos processos a que nos referi- mos em primeiro logar, pelo nome dos seus auctores: Scheede, Riesel, Julliard, Reverdin, Czerny, Socin, Banks, Bali, Rabagliati, Franks, Barker, Wolfler, Bottini, Leonté, Dieberder, Schwartz, Thiriar, O'Hora, Mac- Ewen, Kocher, Le Bece e Bocher. Cura radical A operação para a cura radical de uma hérnia inguinal é a que tem por fim fazer desapparecer os accidentes graves que uma hérnia pode produzir conjunctamente 84 D. D. DE MAGALHÃES com ella, evitando, uma vez por todas, o seu reapparecimento ou recidiva. Como se deprehende da definição supra, é uma operação óptima, porque preenche todos os fins exigidos para o completo exito da intervenção cirúrgica. Para chegar-se a tal resultado ha diversos methodos, uns directos e outros indirectos, cada qual pretendendo ser o melhor: mas em sciencia não basta pretender ou querer, é preciso provar, e isso só se obtem pela expe- rimentação. Faremos a exposição dos mais empregados presentemente, que pertencem á classe dos directos, tratando de passagem dos indirectos e, por fim, das vantagens do que ousamos preferir e tomar para um dos assumptos complementares do nosso tosco trabalho. Antes, porem, da descripção e critica de cada um delles, é do nosso dever cuidar ainda das condições preliminares, referentes a toda intervenção operatória, especialmente ás des- ta ordem. Deduz-se destas simples palavras que nos vamos occupar das indicações e' contra indi- cações. Esta operação de cura radical da hérnia inguinal é indicada nos seguintes casos, em THESE INAUGURAL 85 sua quasi totalidade, como veremos- nas hér- nias irreductive;s, porem incoercíveis; nas congénitas com ectopia testicular; nas dolo- rosas; nas dos indivíduos atacados de mo- léstias, que tendam a favorecer o appareci- mento de complicações; nas manifestações de accidentes que inspiram gravidade; nas que exijam essa intervenção por conveniên- cia de ordem social. Nas contra-indicações, entretanto, alem das que dizem respeito em geral a toda e qualquer operação, o numero é limitadíssimo, e para provar vejamos: a cura radical de uma hérnia inguinal só deve ser tentada quando o estado do hermario permittir; todo o indivíduo portador de uma dyserasia mais ou menos profunda, como a do diabetes, não deve ser operado, bem assim os que se acharri em edades extremas da vida; assim mes- mo esta ultima, em certas e determina- das condições desapparece, porqne se torna imprescendivel e de urgente necessidade a operação de cura radical. Desnecessário é recommendar as mais ri- gorosas precauções antisepticas em tudo, porque, independente de ser uma cousa im- portante que deve hoje ser conhecida e pra- ticada por todos, é inherente á competência D • M • 22 86 D. D. DE MAGALHÃES dos que, sómente elles, têm o direito e devem intervir nos casos da ordem dos da que pre- sentemente nos occupamos, isto é, a cura radical da hérnia inguinal. Cremos haver, embora resumidamente, tra' tado de tudo que diz respeito ás condições preliminares do doente e da operação. Seguem-se agora os methodos adoptados para a cura radical da hérnia inguinal, os quaes, como ficou dito anteriormente, se devidem em directos e inderectos. Acha-se no numero dos processos indire- ctc o das injecçoes peri-herniarias de Luton e hlerogenas de Lannelongue, que deixa- 1 de descrever porque estão completamente • j.donadas em nossos dias, são de difficil - ; h ação, de resultados incertos e muitas ezes a causa de certos accidentes que vão plicar ainda mais a situação. < )s methodos indirectos, sendo praticados, ■mmummcnte, na linha alva, tomam o cara- de verdadeira laparotomia. Lm 1878 Amandale, communicou á «Me- ' az-Surgical Society» de Edimburgo ter en- o ado um caso de hérnia inguinal estran- reduzida em massa, a qual foi tratada ; -Ap laparotomia mediana. At pois vem Lawson Tait, que, praticando THESA inaugural 87 a incisão no meio do ventre, chamou a isso tratamento das hérnias por secção abdominal. O mesmo Tait, escrevendo mais tarde em um jornal medico inglez, diz que a cura de todas as hérnias pode ser effectuada por secção abdominal, e até mesmo nos casos de estrangulamento. Esta ultima parte foi sustentada por Keetley e Fenwick, um na «West London Medico-Surgi- cal Society» e outro pelas columnas da «The- Lancet». Alem desses outros praticaram esse pro- cesso com o mesmo fim. Reserva-se actualmente a cura radical por esse processo para quando occorre uma inter- venção qualquer que necessite de uma laparo- tomia, porque alem da esthetica, se alcançam dous fins em geral muito diversos, mas bené- ficos. Falta-nos fallar dos processos ou methodos directos, os de maior valor e preferidos em nossos dias. Conhecem-se trez methodos ou processos usados, para a obtenção da cura radical das hérnias inguinaes, sendo umempregado exclu- sivamente em creanças, e é o de Felizet, e dous para adultos, de Lucas Championnière, 88 D. D. DE MAGALHÃES e o mais importante, que é o de Bassini e que será descripto e criticado em capitulo especial. Iniciaremos a descripção dos directos pelo de Felizet, que se compõe de seis tempos: i.°-Incisão da pelle.-Esta deve ser trans- versal e ligeiramente obliqua, parallela á gran- de dobra de flexã o ou de Venus, não attin- gindo nem a artéria pudenda externa, nem a tegumentosa abdominal. 2«°-Procura do cordão.-A incisão é alar- gada pela introducção dos dous dedos indica, dores, fazendo-se isso, vê-se apparecer no fundo uma massa firme, rosea, alongada, adherente ao orifício externo, o qual mais não é que a bainha fibrosa commum que contem os ele- mentos do cordão espermatico e o sacco her- niario; desnuda-se-a immediatamente, como se fosse uma grossa artéria que precisasse ser ligada; um dos auxiliares segura o fundo do escroto com o testículo e os puxa para baixo, afim de ter o cordão bastante distendido até o termo da operação. 3.°-Dissecção do cordão espermatico e busca do sacco herniario. 4-°-Abertura do sacco.-Pratica-se essa abertura o quanto chegue para se verificar a presença ou ausência de adherencias do collo, que será isolado por meio da unha em redor THESE INAUGURAL 89 do trajecto inguinal e trazido para mais baixo que lhe for possível, afim de deixar passar pelo meio uma agulha com o fio destinado ao nó de moleiro. 5.°-Sutura da aponevrose do grande obli- quo. 6.°-A pelle é suturada com crina de Flo- rença e se colloca um dreno na extremidade inferior da ferida, dreno que deve ser retirado no fim de 48 horas. Os resultados remotos colhidos por este methodo são bons. E' um processo, embora bom, incompleto; só é praticável em creanças. Em uma estatística que vimos encontra-se o seguinte resultado: em 618 creanças opera- das por este processo, sendo 477 de Broca, io5 de Felizet e 36 de Lafourcade, Bernes Las- serre encontrou apenas um insuccesso. Passemos ao methodo ou processo de Lu- cas Championnière, insigne e valente cirurgião francez. Pratica-se uma incisão que, abrangendo a pelle e o tecido cellulo-gorduroso subcutâneo, dirija-se obliquamente de cima para baixo, no mesmo sentido do canal inguinal, a qual não deve ser de pequenas dimensões, porque dif- ficultaria uma boa dissecção do sacco, nem D' M' «23 90 D. D. DE MAGALHÃES tampouco muito extensa, por inútil e desvan- tajosa. Após isto é o canal inguinal seccionado com uma tesoura em todo o comprimento, o que se torna facil, visto como nos herniarios é elle mais curto do que nos demais* esta secção realisa-se entre duas pinças dentadas, introduzidas na direcção do eixo do trajecto, abrangendo toda a espessura da parede deante do cordão espermatico. Alcançado o sacco herniario, abre-se, appre- hendendo-se immediatamente os lábios da so- lução de continuidade por meio de duas pinças em T. Isto feito, pratica-se a reducção das vísceras e si ellas no sacco forem acompanha- das do epiploon, este tem de ser reseccado, tomando-se-o e fixando-se com uma bôa pinça. Esta resecção deve ser da seguinte ma- neira: reduzidas as visceral, deixando-se uni- camente o opiploon, pediculisa-se este por meio de uma pinça de Championniére ou de Ricord; neste pediculo sobre a face exterior será praticada a ligadura em massa do epiplo- on existente, que poderá ser feita com dous pontos em cadeira ou em X, de catgut, ou por maior numero de pontos. Resecca-se então o epiploon excedente junto á pinça e fóra dos pontos; retirando-se THESE INAUGURAL 91 a pinça, facilitasse o retrahimento do coto na cavidade abdominal. Tiram-se grandes vantagens com a excisão do epiploon: liberta-se o abdómen dè uma parte do seu conteúdo, offerecendo maior es- paço ás vísceras reduzidas; suprime-se um or- gão que pode concorrer á producção das hérnias, porquanto está provado que elle an- tecede o intestino em sua descida, forçando alguma cousa a sua passagem, implica em retirar uma causa possível de reproducçao; destroem-se as adherencias epiploicas no col- lo do sacco ou.acima delle, as quaes consti- tuem causas fataes ao reapparecimento das hérnias. Após a resecção do epiploon, díssecca-se cuidadosamente o sacco, cujos bordos estão presos por pinças em T, e, executando-se um ligeiro esforço de tracção, retira-se do ventre a maior porção de sorosa para se conseguir, em situação elevada, a ligadura do pediculo do sacco, indispensável ao completo desap- parecimento do infundibulum peritoneal, ten- do o cuidado de isolar muito bem os elemen- tos do cordão espermatico; a ligadura do pe- diculo será feita de conformidade com a di- mensão do sacco. Para obter-se essa ligadura procede-se 92 D. D. DE MAGALHÃES deste modo: atravessasse com uma agulha de Reverdin o tubo soroso de lado a lado, pas- sando um fio duplo de catgut, o qual, depois de separado, é cruzado e amarrado. Nos grandes pediculos deve-se fazer uma cadeia de aneis múltiplos, raramente empre- gado, bastando a precedente. Terminado isto, extirpa-se o sacco, e por isso resecca-se o pediculo fóra dos ramos da pinça, retirada a qual é o coto assim formado introduzido na cavidade abdominal. Chega o momento de restaurar a parede anterior do trajecto inguinal; para isso cru- zam-se os dous lábios da aponevrose do grande obliquo, que foi seccionada na occa- sião da abertura do canal, lábios que ficaram presos por pinças dentadas. Obtido o cruzamento faz-se a sutura por meio de pontos separados ou em forma de U, preferindo-se os últimos, porque adaptam os lábios da parede fibro-muscular, um de- baixo do outro, offerecendo mais solidez á cicatriz que se formará. Ordinariamente reforça-se esta sutura em U por intermédio de uma serie de outros pontos. Os pontos das suturas não devem ser muito apertados, porque, independente de THESE INAUGURAL 93 cortar os tecidos em que se praticam, con- tribuem para lhes pertubar a nutrição. Conclue-se o processo de Championniére com a sutura da pelle, feita com crina de Florença, collocando-sc anteriormente um dreno na parte inferior da ferida. Regimen hydrico, curativo antiseptico e compressivo. E' um methodo bom, innegavelmente, porem um tanto complicado, contando casos de recidiva, como consta de estatísticas pu- blicadas e que tivemos occasião de ver. Já foi praticado na Bahia pelo distincto professor Pacheco Mendes, que segundo nos informaram, tem um processo de costura, que não conhecemos. Antes de chegarmos ao processo de Bas- sini e depois dadescripção dos outros pro- cessos em geral, seja-nos permittido aqui dizer algumas palavras em relação á nossa conducta na cura radical, tratando-se de uma hérnia estrangulada, e tratar summariamente de duas outras complicações da hérnia in- guinal, consideradas pela maioria dos aucto- res modernos como raras: o engasgo e a peritonite. Cuidemos primeiramente da conducta do D • M • 24 94 D. D. DE MAGALHÃES cirurgião na cura radical de uma hérnia in- guinal estrangulada. Levaremos em conta o estado geral e a edade do doente, o das visceras herniadas e o conteúdo do sacco. Examinaremos detidamente o intestino, si está são ou apenas vermelho e túrgido, sem alterações na estructura, porque, embora se manifeste muito intensa a turgescência intes- tinal e a coloração vá ao vermelho-violáceo, desde que elle tenha elasticidade e consistên- cia, deve-se praticar logo a cura radical. Quando se suspeitar de gangrena ou de perfuração muito próximas, é geralmente se- guido o processo de se deixar de fóra a alça compromettida ou suspeita, cobrindo-a de gase antiseptica; passadas horas ou mesmo dias, examina-se o ponto suspeito e si as des- confianças se confirmarem; o modo do opera- dor agir varia, conforme a parte esphacelada é ou não limitada. Velpeau recommendava que o intestino assim compromettido fosse recolhido á cavida- de abdominal, porem, como está ao alcance de todos, é isso uma pratica perigosissima, em vista das infecçoes a que expõe o do- ente. Sendo a parte gangrenada diminuta e THESE INAUGURAL 95 bem circumscripta, deve-se ou pode-se fazer a enterorraphia parcial, invaginando a porção gangrenada, por meio de uma sutura sero- serosa; si for necessário e não comprometter o calibre do intestino, faz -se uma segunda sutura por cima da primeira. Pode-se também excisar essa porção mor- tificada, passando-se em seguida a suturar; é uma operação que não é muito perigosa, desde que se limite o fóco por meio de com pressas antisepticas. Tendo-se a convicção de que este é o unico ponto do intestino attingido, depois de rea- lisada com perfeição essa enterorraphia late- ral, executa-se a reducção da alça intestinal que acaba de ser reparada. Quando a parte mortificada é, porém, ex- tensa, abrangendo quasi a totalidade da alça intestinal, deve-se praticar logo a resecção da parte lesada, acompanhando-a da reunião immediata das duas extremidades. Esta intervenção, que exige rigorosissima asepsia e certa habilidade, faz com que muitos cirurgiões recorram ao anus contra a natureza, de preferencia. Alem da enteroctomia seguida de enteror- raphia, pode-se empregar o processo do bo- tão de Murphy ou o do de Chaput. Em casos de summa gravidade, em que a alça intestinal está perfurada e o sacco reple- 96 D. D. DE MAGALHÃES to de matérias fecaes, deve-se recorrer imme- diatamente ao anus contra a natureza ou artificial; mas, sendo de urgente necessidade terminar-se logo esta intervenção e não se devendo perder tempo com suturas, intro- duz-se um tubo de cautchouc no segmen- to superior do intestino, o que dará livre escoamento ás matérias fecaes. Também é de conveniência fazer o anus contra a natureza ou artificial quando o pa- ciente está bastante enfraquecido, impondo-se a necessidade de apressar o fim da operação. Hérnia engasgada.-Resulta o engasgo de uma hérnia do accumulo de matérias fecaes e gazes no intestino herniado, difficultando ou interrompendo a livre circulação das mesmas matérias, produzindo por esse motivo uma especie de obstrucção intestinal. Peritonite herniaria.-Dá-se esse nome á inflammação que se assenta principalmente sobre o sacco. Estas duas complicações das hérnias são consideradas presentemente como excepcio- naes, confundindo-se ambas, muitíssimo, com os symptomas de um verdadeiro estrangula- mento. CAPITULO VII Processo de Bassini.-Modificações.-Van- tagens PROCESSO DE BASSINI OSste processo operatorio, que tem dado sempre os mais seguros e admiráveis resultados, não offerece a minima difficuldade em sua execução, praticando-se todo seu tra- balho em quatro tempos. Ha quem o divida em trez sómente, mas nós preferimos divi- dil-o em quatro, como faz o proprio Bassini, para maior claresa. O arsenal necessário á pratica desse pro- cesso consta do seguinte: bisturis rectos, ditos abotoados ou de Cooper, pinças hemostaticas de Pean, ditas de Kocher, ditas de dissecção, de dente de rato e de Championnière, tesou- ras recta e curva, tentacanula, afastadores, agulhas de Cooper, ditas de Reverdin e ditas para sutura de intestino, catgut, seda, etc- O paciente deve estar em decúbito dorsal, D* M* 25 98 D. D. DE MAGALHÃES chloroformisado e convenientemente antise- psiado. Passemos a descrever a operação pelos tempos. i°. tempo.-Pratica-se uma incisão partin- do a 3 centímetros da espinha iliaca antero- superior e vinda parallelamente á arcada de Poupart, a terminar nas proximidades da es- pinha do pubis; poe-se a nú a aponevrose do grande obliquo, e isto em uma extensão que corresponda ao canal inguinal; descobrem-se por esse modo os bordos do anel inguinal sub- cutâneo* estanca-se o sangue; esta incisão abrange apenas a pelle e o faseia transversa- lis, lesando a artéria epigastrica superficial c também a veia. 2o. tempo.-Dissecca-se a aponevrose do grande obliquo, começando do anel inguinal sub-cutaneo até a região do anel inguinal abdominal; incisa-se então a aponevrose do grande obliquo, formando dous lábios, um superior e outro inferior; isola-se e levanta- se em massa o cordão espermatico e o collo do sacco herniario; tendo o index sobre os or- gãos citados, isola-se o collo do sacco herniario até o orifício abdominal, dos elementos do cordão espermatico. O isolamento se faz sem difficuldade com THESE INAUGURAL 99 instrumentos rombos ou com a unha, quer se trate de uma hérnia congénita quer adquiri- da; esse isolame'nto deve ir até a fossa iliaca. Terminado, isolam-se o corpo e o fundo do sacco, puxa-se para fóra, abre-se o fundo e se procura ver si as vísceras contidas na hér- nia apresentam adherencias e si o epiploon está espessado. Liberta-se das adherencias o epiploon, quanto for necessário; depois reduzem-se as vísceras, forçando"se o collo do sacco, appli- ca-senma ligadura alem da emboccadura e se- incisa a meio centímetro abaixo daquella. Quando a hérnia é muito grande, a em- boccadura eo collo do sacco são largos, afora a ligadura simples, applica-se acima e abaixo desta uma outra em cadeia, que assegura a occlusão e impede o primeiro fio de escorre- gar. O peritoneo ligado dest'arte se deixa na fossa iliaca interna. Feitas a extirpação do sacco e a ligadura do seu collo, esgota-se o segundo tempo da operação. 3o. tempo.-Tomando-se o cordão, leva-se ligeiramente para cima da parede abdominal e, si for possível, se faz o mesmo com o tes- tículo, que é retirado do escroto; puxa-se para 100 D. D. DE MAGALHÃES baixo o labio inferior da aponevrose do grande obliquo e para cima o labio superior, chegan- do-se por esse modo facilmente a descobrir a gotteira formada pelo ligamento de Poupart até o seu limite posterior e a um centímetro, mais ou menos,para fóra do pontoem que o cor- dão espermatico sahe da fossa iliaca interna; em seguida deslocam-se o bordo externo do musculo grande recto do abdómen e a trípli- ce camada formada pelo pequeno obliquo, transverso e o faseia vertical de Cooper ou tendão conjuncto dos inglezes ou ainda apo- nevrose do transverso dos francezes; sepa- ram-se da aponevrose do grande obliquo e do tecido cellulo-adiposo sub-cutaneo. Reune-se então a tríplice camada e appro- xima-se do bordo posterior isolado do liga- mento de Poupart, onde se cose por meio de uma sutura, a seda, de pontos separados, ini- ciando-se pela cristã do pubis e indo perto do cordão espermatico, que foi deslocado, cerca de um centímetro, para a espinha iliaca ante- rior e superior; reconstituindo-se assim o ori- fício interno e a parede posterior do canal in- guinal, finda-se o terceiro tempo. Si nesse final apparecerem vomitos ver-se-á que a região inguinal pode resistir á mais THESE INAUGURAL 101 forte pressão abdominal e que a parede pos- terior, acabando de ser reconstituída, é dis- tendida solidamente e fica sem se mover em sua nova posição. 7.0 e ultimo tempo.-Collocam-seo cor- dão espermatico e o testículo nos seus logares primitivos; sutura-se aaponevrose do grande obliquo até que os bordos da ferida fiquem proximos do cordão espermatico; su- tura-se em seguida a pelle e se applica o penso, reservando-se a drenagem- para as hérnias volumosas e antigas, onde o isolamento do sacco e a dissecção foram muito penosos. Por esse meio o canal inguinal é reconsti- tuído com o seu orifício abdominal e sua pa- rede posterior, ambas formadas pelos dous retalhos da aponevrose do grande obliquo, e seu estreito orifício externo ou, melhor, sub-cutaneo. Para a hérnia da mesma especie na mulher o processo é mais simples ainda, porquanto não ha cordão espermatico a poupar. Os operados de hérnia devem cingir-se á dieta liquida durante uns 8 a 12 dias, só se consentindo que se levantem depois de pas- sadas trez semanas, no minimo. D-M' 26 102 D. D. DE MAGALHÃES Deixamos de falar na sutura de Bassini porque, sendo complicada e não trazendo grandes vantagens, quasi ninguém a pratica. Descripto o processo operatorio, com al- guma claresa e minúcia, completemos o pre- sente capitulo, mostrando as diversas modifi- cações e as incontestáveis vantagens do me- thodo que acabamos de expor. MODIFICAÇÕES O processo typo de Bassini, como já referi- mos em outra parte deste trabalho, soffreu algumas modificações, as quaes, longe de o desacreditarem ou abaterem, vieram confir- mar sua superioridade em relação aos outros. As principaes são: Cucciopoli (de Nápoles) procura a destrui- ção, a obliteração completa do canal inguinal, deslocando o cordão espermatico. Este proces- so complica muito o manual operatorio, exige manipulações demoradas, expondo o doente por esse motivo a maiores probabilidades de infecção. Wolper também transporta o cordão esper- matico para a linha alva, obliterando o canal inguinal e seus dous orifícios. THESEINAUGURAL 103 Mugnai colloca o cordão espermatico atraz dos musculos da parede abdominal. Aguilar (de Buenos Ayres) faz a mesma cousa. Halstcd destróe completamente o canal inguinal e colloca o cordão çspermatico por deante da aponevrose do grande obliquo de- baixo da pelle» Jonnesco reconstitue o canal do seguinte modo: parede profunda, suturando a arcada crural com o transverso; parede anterior, su- turando na arcada o grande e o pequeno obli- quos. Berger reune a dissecção do sacco á fixa- ção do pediculo, que é feita em ponto bem elevado. De todas as modificações desse processo a que se recommenda mais pelo seu excel- lente resultado é a de Postempski (de Roma), e por essa razão a deixamos para o ultimo logar, afim de ser mais ou menos desenvolvi- da, mostrando assim o seu valor. E' mais simples, mais commoda e, sobre- tudo, util ás pessoas inexperientes; finalmente permittiria, em caso de recidiva, empregar sem a minima difficuldade o processo origi- nal. Consiste no seguinte: , ■ 104 D. D. DE MAGALHÃES Pratica-se uma incisão de 4 a 5 centíme- tros, parallela á arcada de Poupart descobrin- do-se assim o orifício externo do canal ingui- nal, os pilares do anel e uma parte da apo- nevrose do grande obliquo. Feito isto, isola- se o sacco, torce-se, suturando-o por meio de pontos em cadeia; em seguida excisa-se o sacco, forma-se um pediculo, liga-se, deixan- do bem compridas as duas extremidades do fio de seda; faz-se a torção do sacco, devendo este ser perfeitamente soroso; depois de ter praticado a torção, é preciso descolar o sacco acima do anel inguinal profundo. Suspende-se então o labio superior da in- cisão cutanea, ficando desfarte a descoberto o alto da parte interna da aponevrose do grande obliquo; ahi, á distancia de uns trez centímetros do orifício externo do canal ingui- nal, na parte média da ferida, pratica-se uma incisão de um centímetro, mais ou menos, sobre a aponevrose do grande obliquo; dilata- se a abertura feita, por intermédio de instru- mentos rombos, e se descobrem os bordos livres dos musculos pequenos obliquo e trans- verso, que são levantados e disseccados com precaução; chega-se' após isso ao faseia trans- versalis, praticando-se ahi uma pequena inci- são, suíficiente para deixar passar um dedo, THESEINAUGURAL 105 de preferenciei o minimo ou auricular, e se tomam os dous lábios desta incisão entre duas pinças de Pean. Com o proprio auricular des- cola-se paracimao faseia transversalis da gor- dura pro-peritoneal, na extensão de 4 a 5 centímetros; introduz-se por esta abertura uma pequena pinça de cima para baixo, fazendo-a sahir pelo anel externo do canal inguinal; du- rante este percurso a pinça descolou o faseia transversalis da gordura pro-peritoneal. Prendem-se agora por meio de uma pinça as duas extremidades do íio que ligou o sacco e se puxam para fóra da incisão do grande obliquo; enfia-se uma das extremidades em uma agulha, introduz-se um dedo na parte superior da ferida, previamente descolada, le- vantando-se toda a espessura da parede abdo- minal, guia-se a agulha sobre o dedo e passa- se atravez de toda a parede abdominal, e se faz o mesmo com a outra extremidade do fio, passando-o a meio centímetro do primeiro, e se amarram as duas pontas fortemente. Sutura-se a incisão da aponevrose do grande obliquo, depois aperta-se por meio de pontos separados o orifício externo do canal inguinal; estreita-se a partir de 2 centímetros acima do ponto em que as fibras arciformes começam a ser mais visíveis; convém acautelar-se em L' M • 27 106 D. D. DE MAGALHÃES não comprimir de mais os elementos do cor- dão espermatico ou do ligamento redondo. Si as fibras arciformes do anel externo estiverem demasiadamente relaxadas, muito separadas, deve-se preferir que a incisão seja praticada na aponevrose do grande obliquo, na direcção do canal inguinal. O auctor dessa modificação possue uma estatística de perto de 3.ooo casos de cura de- finitiva, o que é uma prova inconcussa da vantagem do processo de Bassini, ou em si m c s m o ou m o d i f i c a d o. VANTACJENS Depois da exposição do processo com suas modificações, encerraremos o presente capi- tulo mostrando suas vantagens. Passemos, pois, a enuncial-as. i.a-A-abertura longa do canal inguinal permitte levar até muito emeima o descola- mento do sacco e applicar a ligadura sobre o peritoneo, que forra as paredes abdominaes pelo lado interno, garantindo por esse modo o desapparecimento do infundibulum perito- neal, que fica ao nivel do orificio inguinal profundo. 2-a-A parede posterior, que se achava relaxada e quasi tinha desapparecido, sob a THESE INAUGURAL 107 pressão exercida pelas vísceras herniadas, é completamente reconstituída; abaixando o pe- queno obliquo, o transverso e o faseia trans- versalis para as suturas da arcada crural, desde o pubis até o nivel do orifício inguinal, pro- fundo, distende-se a parede posterior e se lhe dá tonicidade. Essa parede, formada por tecidos muscu- lares e aponevroticos, que não podem desap- parecer pela reabsorpção, oppÕe-se a repro- ducção das hérnias inguinaes. 3a.-A parede anterior é também recon- stituída. 4a.-O orificio inguinal profundo é estrei- tado, dando-se o ultimo ponto de sutura muito perto do cordão espermatico. orificio externo ou cutâneo è tam- bém estreitado, só deixando passar o cor- dão. 6a.-Este fica no seu logar normal, passa entre as duas paredes, não se arrisca a ser comprimido por um ponto de sutura muito apertado, e continua portanto a funccionar perfeitamente. 7a.-Com a restauração das duas paredes, assegura-se a obliquidade normal do canal inguinal; este é reconstituído sob o typo phy- siologico, com uma parede posterior solida, 108 D. D. DE MAGALHÃES um orifício inguinal profundo, uma parede anterior e um orifício externo ou superficial, e por esse motivo é destruída em si a lesão causada por uma hérnia volumosa, pois é sa- bido que esta faz o canal mais ou menos re- ctilineo. 8a.-A linha de sutura das duas paredes uão se correspondem; a linha de sutura da parede posterior fica abaixo da da parede anterior, Sob a influencia da pressão abdominal, a nova parede posterior é impellida contra a anterior, e ambas se prestam apoio á resis- tência do choque continuo e violento das vis- ceras abdominaes. São, como se vêem, vantagens" indiscutí- veis e sobejamente comprovadas, o que, alli- ado á simplicidade da operação e á segu- rança do resultado, dá ao processo de Bassini o valor merecido, sobrepujando os demais. Quanto á escolha dos fios, questão innu- meras vezes discutida, pensamos como o dr. Rochard, não acreditando que a reabsorpção do catgut seja tão rapida, mas que só tenha logar depois de um tempo mais ou menos longo, como provam certas experiencias; em todo o caso, tendo-se uma seda de boa qua- TIIESE INAUGURAL 109 lidade e perfeitamente esterelisada, deve-se empregal-a. A radiographia tem mostrado que os fios de prata, que eram considerados tão impor- tantes na sutura da rotula, se quebram no fim de certo tempo; não servindo mais para cousa alguma; podendo-se convencer também da imprestabilidade de um fio de seda, quan- do se opera uma recidiva de qualquer opera- ração ou em outros casos e o encontramos perdido no meio de um tecido mais ou me- nos esclerosado. O catgut tem a vantagem de se reabsor- ver no caso de infecção, evitando uma suppu- ração muito longa. Si não se tiver grande confiança na qua- lidade e esterelisação da seda, deve-se utili- sar o catgut. OBSERVAÇÕES I A. A. A. J., alagoano, branco, 26 annos de.edade, solteiro, estudante de medicina, boa constituição. Tratava-se de uma hérnia inguinal congé- nita (oscheocele) do lado esquerdo, que se manifestara aos 4 annos de edade. Procuraram seus paes desde logo cural-a, mui racionalmente, por meio do uso prolon- gado de fundas, mas, apezar de todos os cuidados, dia a dia ella, avolumando-se, ia descendo para a bolsa escrotal, incommo- dando de tal modo a sua victima que esta deliberou submetter-se á operação de cura radical. Consultado o proficiente cirurgião dr. Gonçalves Martins (Jones), resolveu este, au- xiliado pelo talentoso dr. Alfredo Simch, então doutorando, e o obscuro auçtor do presente trabalho, encarregando»se da narco- se o distincto clinico dr. Raymundo de Mes- 112 D. D. DE MAGALHÃES quita, praticar a operação pelo processo typo de Bassini na casa de residência («re- publica») do paciente, aos 26 de Setembro de 1904, sendo observadas todas as regras de asepsiae antisepsia possíveis, correndo toda a operação admiravelmente. Empregou-se para as suturas musculo- aponevroticas o catgut e para a da peile os agrajjes de Miche 1. Ficou o operado em completo repouso na cama durante 20 dias, alimentando-se nos primeiros 8, exclusivamente, de líquidos, principalmente leite. Decorridos os 20 dias levantou-se e come- çou a dar em casa os primeiros passos, não subindo nem descendo escadas, etc. Com 3o dias sahia á rua, executando por esse tempo todos os movimentos com desembaraço e sem o minimo incommodo. A cicatrisação por primeira intenção foi obtida em 4 dias, quando foram retirados os agraffes, notando-se apenas uma cicatriz li- near de bella apparencia. Poucos dias depois entregava-se aos seus misteres e aos exercícios de barra fixa, alte- res etc., pelos quaes tinha grande predilecção, sem usar apparelho de protecção de especie alguma, não experimentando todavia o me- THESEINAUGURAL 113 nor incommodo que se relacionasse com o antigo estado pathologico. E' um observado que, gosando sempre saude depois da intervenção, conta mais de um anno de operado e tem sido acompanhado por nós, quer pessoalmente, quer por infor- mações escriptas pelo proprio, que actual- mente occupa posição saliente no desempenho da ardua profissão de medico. II P. R. V., alagoano, branco, 22 annos de edade, solteiro, estudante de medicina, bôa constituição. Era um caso de hérnia inguinal (ponta de hérnia) do lado direito, a qual, desde que adquirida, em 1901, incommodava bastante o paciente, mórmente ao dar um salto, ao subir ou descer escadas, bondes, etc. Resolveu operar-se radicalmente e convi- dou para isso o mesmo cirurgião dr. Gonçal- ves Martins, que ainda desta vez praticou o processo typo de Bassini com o mais seguro resultado. A cicatrisação também se fez por primeira intenção dentro de 4 dias. Prescreveu-se-lhe alimentação hydrica du- rante 8 dias após a operação, recommendando- se-lhe repouso absoluto na cama; observando- 114 D. D. DE MAGALHÃES se em tudo as mesmas normas estabelecidas para o primeiro observado. A operação teve logar a 7 de Novembro de 1904 também em casa («republica») do her- niado, correndo tudo muito bem. Até o momento actual tem fruído esplen- dida saude e nunca mais sentiu alteração algu- ma para o lado em que existira a affecção. Também se dá a exercicios de barra fixa, marombas, etc. Temos acompanhado muito de perto este observado, ha mais de um anno, por ser um dos nossos mais distinctos collegas actuaes. A ambos testemunhamos daqui o nosso sincero agradecimento por nos terem permit- tido, de modo assaz captivante, tomabos para as observações do nosso'insignicante trabalho. Poderíamos trazer para este capitulo uma infinidade de observações nacionaes e estran- geiras, todas com resultados os mais satisfa- ctorios, obtidos pelo processo de Bassini, mas seria ocioso, e por isso aqui ficamos, dizendo: Quod potuimus fecimus, faciant meliora potentes. PROPOSIÇÕES * 5 PROPOSIÇÕES HISTORIA NATURAL MEDICA 1-Os mosquitos do genero anopheles são transmissores do paludismo. 11-Os do genero culex vehiculam a Hla- riose. 111-0 stegomya fasciata é portador da febre amarella. CHIMICA MEDICA 1-O chloreto de sodio é um sal branco, crystallisavel e muito solúvel na agua. 11-Em alguns terrenos forma grandes ca- madas e na agua do mar é o sal mais abun- dante. 111-O chloreto de sodio é encontrado em todos os organismos animaes e vegetaes, fa- zendo parte integrante dos mesmos. ANATOMIA DESCRIPTIVA 1-O canal inguinal tem a mesma constitui- ção e o mesmo trajecto em ambos os sexos. 11-Não é mais do que um dos instersticios dos planos da parede abdominal. 111-Dá passagem no homem aos elementos D» M* >O 117 D. D. DE MAGALHÃES do cordão espermatico c na mulher ao liga- mento redondo. HISTOLOGIA 1-O revestimento epithelial do intestino delgado é formado por um epithelio simples que apresenta duas variedades de cellulas: cylindricas e caliciformes. 11-As glandulas de Brúner são em cacho e só existem no duodeno. 111-As de Liberkúnh são de tubos simples e se acham disseminadas por todo o o intestino. PHYSIOLOGIA 1-Irritabilidade muscular e contractilidade muscular são expressões synonimas em phy- siologia. 11-Só depois das experiencias do Claude Bernard com o curare ficou demonstrada que a contractilidade é uma propriedade inherente á fibra muscular. 111-A contractilidade muscular é posta em evidencia, quer sob a influencia nervosa, quer sob a influencia de agentes que actuam dire- ctamente sobre os musculos.- a accão meca- > nica, chimica ou galvanica. 118 THESE INAUGURAL BACTERIOLOGIA I-A esterilisação é o processo que tem por fim destruir os germens vivos. 11-O calor é o mais seguro dos agentes de esterilisação. 111-E' empregado sob a forma de calor secco ou húmido. MATÉRIA MEDICA, PHARMAC0L0G1A E ARTE DE FORMULAR 1-As quinas são plantas do genero cin- chona, pertencente á familia das rubiaceas. 11-Os alcaloides que se encontram nas quinas são: quinina, quinidina, cinchonidina, auinonina e arecina. 111-Dentre todos esses alcaloides o mais importante é a quinina. ANATOMIA E PHYSIOLOGIA PATHOLOGICAS 1-Em clinica toda tumefacção mais ou menos circumscripta é um tumor. 11-Em anatomia pathologica tumor é todo neoplasma com tendencia a crescer e a persis- tir. 111-A vascularisação dos tumores é uma condição essencial ao seu desenvolvimento. PAGES 119 MISSING 120 D. D. DE MAGALHÃES PATHOLOGIA MEDICA 1-As formas clinicas do paludismo, se- gundo o dr. Farjado, pertencem a dous grupos, de accordo com as formas dos he- matozoarios que se encontram no sangue. 11-Um grupo é constituído pelos grandes parasitas, comprehendendo as formas terçã e quarta. 111-O outro grupo è dos pequenos pa- rasitas, ao qual pertence a forma tropical. PATHOLOGIA CIRÚRGICA 1-A hérnia uma vez formada tende a crescer de um modo continuo, desde que não seja mantida convenientemente. 11-Este augmento é variavel conforme os casos. 111-Os de formação brusca apresentam um crescimento ulterior um pouco accentua- do. ANATOMIA MEDICO-CIRURGICA 1-A região do canal inguinal é a porção da parede antero-lateral do abdómen. 11-Seus limites são os seguintes: para cima, uma linha imaginaria dirigida horison- talmente da espinha iliaca antero-superior á linha alva; para baixo, a arcada crural. THESEINAUGURAL 121 111 -E1 o ponto menos resistente da parede antcro-lateral. OPERAÇÕES E APPA RELHOS 1-0 methodo de Bassini no tratamento das hérnias inguinaes é um dos melhores. 11-E' nulla a mortalidade por esse me- thodo. 111-E' o melhor methodo cirúrgico, que tem dado até hoje os melhores resultados na cura radical das hérnias inguinaes. THERaPEUTICa 1-A antisepsia é um grande meio thera- peutico em cirurgia. 11-Os organismos fortes podem reagir contra uma invasão microbiana. 111 Os antisepticos são entretanto neces- sários para ajudar os organismos enfraque- cidos a vencer a acção perniciosa dos micró- bios pathogenos. HYGIENE 1-Os esgotos como se fazem actualmen^e, pelo processo de Dibdin e por outros, não es- palham na atmosphera ar infectado, apezar de haver no seu interior maior numero de bactérias do que nas ruas. D ' M • 31 122 D. D. DE MAGALHÃES 11 -E' de summa importância a introduc- ção de agua em abundancia no seu interior, para que o seu conteúdo não permaneça a pequena distancia das habitações. 111 -Está provado que a canalisação inte- gral tem concorrido extraordinariamente para a diminuição da mortalidade nas grandes ci- dades. MEDICINA LEGAL 1-0 segredo medico é de extraordinário alcance moral e social. 11-Diz Brouardel que constitue segredo para o medico não só o que lhe é confiado, mas também o que vê, ouve e comprehende no desempenho de sua profissão. 111-A violação do segredo medico é crime previsto pelo artigo 192 do Codigo Penal da Republica Brasileira. OBSTETRÍCIA 1-A symphisiotomia tem por fim augmen- tar os diâmetros da bacia. 11-E indicada quando o diâmetro antero- posterior tem menos de 7 j[2 centímetros. 111-Não é, relativamente, uma operação perigosa. TIIESE INAUGURAL 123 CLINICA PROPEDÊUTICA 1 A percussão já era conhecida desde o tempo de Hippocrates. 11-0 conhecimento e a interpretação dos sons fornecidos por ella são da mais alta transcendência para o diagnostico de certas moléstias. 111-A percussão pode ser imdiat.i ou im- mediata. CLINICA MEDICA (2* Cadeira) 1 --Nas manifestações palustres observa-se com frequência augmento de volume do fíga- do, que muitas vezes é doloroso. 11-Nota-se em muitos casos também sple- nite, acompanhada algumas vezes de sple- nalgia. 111-As manifestações palustres muitas ve- zes só desapparecem quando o doente, alem do uso da medicação especifica, muda de local. CLINICA MEDICA (La Cadeira) 1-0 diagnostico do paludismo é geral- mente fácil, tornando se, porem, difficilimo em algumas formas perniciosas. 11 - 0 agente responsável por esse estado pathologico é o hematozoario de. Laveran, em suas diversas formas. D. D. DE MAGALHÃES 124 111 - 0 medicamento especifico contra o paludismo é a quinina, em seus múltiplos saes. CLINICA CIRÚRGICA ( Cadeira ) 1-Chama-se hérnia a todo tumor formado pela sahida de umaviscera da cavidade que normalmente a contem. 11-As variedades de hérnia mais communs são: inguinal com suas variedades, crural e umbilical. 111-Na mulher a hérnia inguinal é mais rara que no homem. CLINICA CIRÚRGICA (La Cadeira) 1-A occlusão intestinal pode ser originada por estreitamento, por estrangulamento, por volvulo, por invaginação, por obstrucção e por pseudo-estrangulamento. 11-Deve-se prestar a maxima attenção ao diagnostico da causa da occlusão intestinal. 111-0 tratamento cirúrgico deve ser pra- ticado com muito critério, CLINICA DERMATOLÓGICA E SYPHILIGRAPHICA 1-0 cancro syphilitico é geralmente unico. TÍ-IESE INAUGURAL 125 11-0 venereo raramente o é. 111-Esses caracteres concorrem poderosa- mente para o diagnostico differencial. CLINICA 0PHTALM0L0G1CA 1-A keratite se inicia por uma infiltração da cornea. 11-Essa infiltração se caracterisa clinica- mente pela perturbação da transparência e do brilho da cornea. 111-A keratite pode ser ou não suppura- tiva. CLINICA PEDIÁTRICA 1-A verminose na infancia, alem de fre- quente, reveste-se de aspectos differentes, se- melhando varias moléstias. 11-E1 causada principalmente pela presen- ça de helminthos. » 111-Ha casos de helminthiase cuja gravi- dade o clinico não pode dissimular. CLINICA OBSTÉTRICA E GYNECOLOGICA 1-A ligadura do cordão umbilical deve ser praticada sómente depois de cessarem com-, pletamente os batimentos dos seus vasos. 11-A ligadura immediatamente após o nas- 126 D. D. DE MAGALHÃES cimento do feto rouba-lhe seguramente no- venta grammas de sangue. 111 -Cessam os batimentos do cordão quan- do se inicia a circulação pulmonar do feto. CLINICA PSYCHIATRICA E DE MOLÉSTIAS NERVOSAS 1-Nas moléstias mentaes para fazer um bom diagnostico é preciso tempo e muita ob- servação. 11-Nas suas modalidades clinicas apre- sentam forma muito variadas. 111-A herança, o alcoolismo, a syphilis, as paixões deprimentes ou exaltativas são em geral as causas etiologicas mais frequentes delias. Visto. • Bahia e Secretaria da Faculdade de Me- dicina da Bahiav 3i de Outubro de igo5. 0 Secretario, S^Cenandro dos ^eis 3ÍTeire[[es