Wbese •» FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA APRESENTADA Á Faculdade de Medicina da Bahia EM 31 DE OUTUBRO DE 1911 PARA SER DEFENDIDA POR Waldemiro Augusto Deiró hfunès BACHAREL EM SCIENCIAS E LETRAS Filho legitimo de Theophilo Lefundes e D. Maria Amancia Deiró Lefunde* NATURAL DO ESTADO DA BAHIA AFIM DE OBTER O GRÁO DE DOUTOR EM MEDIQINA CADEIRA DE HYGIENE Dissertação CONSANGUINIDADE Proposições Tros sobra cada amu das cadeiras do curso de sciencias medico cirúrgicas BAHIA TYPOGRAPHIA COMMERCIAL Tabofto, 63 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA Director - Dr. AUGUSTO C. VIANNA Vice Director Secretario-Dr. MENANDRO DOS REIS MEIRELLES Sub-Secretario-Dr. MATHEUS VAZ DE OLIVEIRA PROFESSORES ORDINÁRIOS Manoel Augusto Pirajá da Silva . Pedro da Luz Carrascosa . José Olympio de Azevedo. Antonio Pacifico Pereira . José Carneiro de Campos . . . Manoel José de Araújo . Augusto Cesar Vianna . A. Victorio de Araújo Falcão . Guilherme Pereira Rebello Furtunato Augusto da Silva . Anisio Circundes de Carvalho . Francisco Braulio Pereira João Américo Garcez Fróes Antonio Pacheco Mendes Braz Hermenegildo do Amaral Carlos de Freitas Francisco dos Santos Pereira . Eduardo,Rodrigues de Moraes Alexandre E. de Castro Cerqueira . Gonçalo Moniz Sodrè de Aragão . José Eduardo F. de Carvalho Filho . Frederico de Castro Rebello . Alfredo Ferreira de Magalhães Luiz Anselmo da Fonseca Josino Correia Cotias Climerio Cardoso de Oliveira . José Adeodato de Souza . Luiz Pinto de Carvalho . Aurélio Rodrigues Vianna Antonino Baptista dos Anjos . OS D RS. Historia natural medica. Physica medica. Chimica medica. Anatomia microscópica Anatomia descriptiva. Piiysiologia. M icrobiologia. Pharmacologia Anatomia e Histologia pathologicas Anatomia medico-cirurgica. Clinica medica « « « « « cirúrgica. « « « « « opbtalmologica. « oto-rhina-laryngolopica « dermatológica e syphiligra- phica Pathologia geral Therapeutica. Clinica pediátrica medica e hygiene infantil Clinica pediátrica cirúrgica e ortho- pedia Hygiene Medecina legal e Toxicologia. C linica obstétrica « ginecológica « psychiatrica e de moléstias nervosas Pathologia medica « Cirúrgica MATÉRIAS QUE LECCIONAM PROFESSORES EXTRAORDINÁRIOS D.r» Egas Muniz Barreto de Aragão João Martins da Silva Pedro Luiz Celestino Adriano dos Reis Gordiiho . José Affonso de Carvalho Joaquim Dantas Bião Augusto do Couto Maia . Francisco da Luz Carrascosa . Julio Sérgio Palma .... Eduardo Diniz Gonçalves Clementíno Rocha Fraga Júnior . Clodoaldo de Andrade . Albino Arthur de Silva Leitão Antonio do Prado Valladares Frederico de Castro Rebello Koch. José de Aguiar Castro Pinto Oscar Freire de Carvalho Menandro dos Reis Meireiles Filho Mario Carvalho da Silva Leal Antonio do Amaral F. Muniz Historia natural medica Physica medica Chimica « Anatomia microscópica « dos-riptiva Ptiysiologia Microbiolagia Pharmacologia Anatomia e Histologia pathologicas Anatomia medico-cirúrgica e Ope- rações e Apparelhos Clinica medica « opbtalmologica « opermatolgoica e syphiligra- phica « Pathologia geral Therapeutica Hygiene Medicina legal e Toxicologia Clinica obstatrica « psychiatrica e de mole-dias nervosas Chimica analytica e industrial D. rs Sebastião Cardoso João Evangelista de Castro Cirqueira Deo^leciano Ramos Jose Rodrigues da Costa Dorea PROFESSORES EM DISPONIBILIDADE Ã Faculdade não aprova nem reprova as opiniões emittidas nas theses que lhes são apresentadas. Consanguinidade ^Besde os mais remotos tempos históricos têm sido os casamentos consanguíneos abraçados por cer- tos povos e por outros repellidos com horror como sendo o mais hediondo dos crimes e punidos até com a morte entre algumas tribus. Debalde a sociologia, a moral, a philosophia e a hygiene procuraram reconstruir a prehistoria da exo- gamia sem que até hoje das investigações feitas por scientistas de alto conthurno surgisse uma explicação cabal; as hypotheses levantadas não satisfazem ainda ao espirito pesquisador. Endogamia e exogamia constituíam dous grupos geraes de relações sexuaes entre os povos primitivos. 2 Emquanto grande numero de povos barbaros pra- ticava systematicamente a exogamia, indo procurar mulheres para exposas em uma tribu ou familia diffe- rente da sua, outros, tendo a endogamia por lei, só as acceitavam de dentro do mesmo grupo. Entre os hebreus, antes da vinda de Moysés, o israelita salvo das aguas do Nilo, praticava-se em larga escala os casamentos entre parentes; Sara, a es- posa esteril, era mulher e irmã de Abrahão; Nacôr, filho de Bathuel, desposára Miléa, sua sobrinha; Jacob, o filho mais novo de Isaac e Rebecca, casou-se e teve filhos com Lia e Rachel, filhas de seu tio Labão; Loth, o justo de Sodoma e Gomorrha, teve filhos de suas duas filhas; foi no paiz do seu nascimento e não na terra de Chanaan, onde vivia, que Abrahão, o varão virtuoso da Chaldéa, mandou que Eliezer procurasse a mulher que deveria ser esposa de seu filho Isaac, o o escravo fiel trouxe Rebecca da mesma familia de Abrahão. O legislador semita, porém, empregando uma pa- raphrase "descobrir a nudez", lança prohibições seve- ras sobre as allianças consanguineas, chegando mesmo a prohibir os contactos sexuaes fortuitos entre pa- rentes. As leis do libertador do povo de Israel são co- piadas das legislações indo-egypciacas. No Levitico traça Moysés a impedimento formal e absoluto sobre os matrimonies entre consaguineos - "Ninguém se approximará do seu parente para desco- brir-lhe a nudez. Eu sou o Eterno", e no Deuteronomio mostra o legislador do Sinai quanto horror tinha ao incesto-"Maldito o que se deita com sua irmã, filha de seu pai ou filha de sua mãi"; a cruel sentença "que se 3 matem elles deante dos povos" aguardava os que por des- graça tal crime commettessem. Mahomet, o propheta que sem horror confessa as caricias que fazia a sua filha Tatima, condemna no Alcorão as uniões incestuosas, considerando, porem, a consanguinidade como uma questão de meio, e longe de, como Moysés, castigar aos infractores da lei, pro- mette-lhes a misericórdia divina, se o acto fôr con- summado. Entre os australianos era a exogamia bastante desenvolvida. Os primitivos habitantes da Australia eram divi- didos em tribus e classes, pertencendo cada individuo á tribu de seu pai e á classe de sua mãi; a um austra- liano não era permittido casar-se com pessôa da mesma carne, pois eram considerados irmãos. Entre os indios da Samoa, os da Melanesia, do Oregon, do Perú, das Novas Hebridas, as tribus da Victoria Occidental, os Mundurucús, os Scandinavos, os habitantes da Grorenlandia, de Madagascar, os Yahgans, os Japonezes, os habitantes da Nica- ragua havia prohibições severas para certas ligações consanguineas, havendo entre alguns desses povos punições severas, castigos horrorosos para os des- respeitadores da lei. No Haiti as prohibições limitavam-se ao l.° gráo, e no Yucatan havia impedimento de desposar-se a avó, a cunhada, e os parentes do lado paterno. Os antigos habitantes do México, onde o casa- mento era o mais solemne dos actos, tinham de tal modo horror ao incesto que puniam de morte os ma- trimónios effectuados entre parentes do 1.° gráo e entre avós e netos. 4 Os indígenas de Murray, como diz Bulwer, são divididos em duas grandes classes: os mak-quarra (aguias) e as kil-quarra (corvos), não podendo qual- quer indivíduo casar-se com outro da mesma classe. Na Babylonia, emquanto se decretava o casa- mento obrigatorio, prohibia-se as allianças entre pais e filhos. Emquanto os povos de que acima falamos furta- vam-se de unir-se a pessoas do mesmo sangue, outros não trepidavam em alliar-se pelos laços matrimoniaes aos parentes os mais proximos; assim é que entre al- guns barbaros, taes como os Medas, os Persas, os ín- dios e os Ethiopes o pai desposava a filha, o filho pudia casar-se com a mãí, ao irmão era permittido consorciar-se com a irmã, havendo os mais vergo- nhosos e repugnantes connubios. • Solon, em Athenas, prohibia que os irmãos se casassem com as irmãis uterinas, permittíndo com as consanguíneas, porque aquellas não herdavam do marido de sua mãi. Monesiptoléme, filha de Themístocles de suas se- gundas nupicas, era esposa de Archeptolis, seu irmão paterno. Cleópatra, a voluptuosa seductora. de Antonio era irmã e mulher de Ptolomeu XII, e Ptolomeu III era irmão e esposo de Berenice. Sisimithras, satrapa da Sodiana, teve 2 filhos com sua mãi, de quem era espo- so. Mausolo, rei da Caria, desposara Arthemisa, sua irmã. Meroé era irmã e esposa de Cambyses,rei da Pérsia. Em' Bactriana eram permittidos os matrimónios entre irmãos, e no Japão, onde se dava á esposa o nome de imo (irmã mais jovem), era obrigatorio o 5 casamento do irmão com a irmã que tivesse menor edade. Os indios carahybas praticavam correntemente a endogamia. Os primitivos habitantes das margens do Caspio, os guerreiros Parthas, chegavam a permittir os matri- mónios de filho com mãi, e entre certos povos afri- canos o filho tinha o dever absoluto, de casar-se com a maif tornada viuva, se ella ainda não tivesse chega- do á menopausa. Os naturaes do Archipelago Indiano, os kaniag- muts, os tinnechs orientaes permittiam os casamentos entre irmãos prohibindo, porem, entre mãi e filho. Não é raro vêr-se a endogamia e a exogamia adoptadas dentro da mesma tribu, porque dividindo-se esta em secções são os seus membros obrigados a pro- curar mulheres, fóra de seu grupo, porem dentro de uma das secções da mesma tribu. Na Roma primitiva encontra-se tal combinação „ no,jus connubii; assim é que o cidadão romano devia tomar esposa entre suas concidadãs, não pudendo porem, transpor os limites de um certo parentesco. Rudolf von Jhering diz que a idéa do connubíum "repousa sobre o horror alienii, que é o reverso de uma união de familia estreita, e sobre a tendencia da gens a afastar todos os elementos estranhos e a com- pletar-se por si mesma". O hindú, a quem a religião prohibe casar-se com pessôa de casta estranha á sua, não pode esposar uma mulher do mesmo gatra. Não é de pasmar taes matrimónios entre pais e filhos desde quando nem sempre o parentesco em li- nha recta foi contado como na actualidade. 6 Onde preponderava o parentesco materno a pai era um estranho; o mesmo succedia á mãi se o paren. tesco era paterno. Morgan, Post, Lubboc dividiram a classificação do parentesco em dous systemas-o classificatorio, em que todos os individuos de uma tribu estão no mesmo gráo de parentesco, divididos, porém, em classes de paren- tella ou series de gerações; o descriptivo que partindo de um stammparens, o progenitor da tribu, que pode ser masculino ou feminino, divide o parentesco era um certo numero de gerações. O parentesco pelo lado feminino foi sempre o melhor encarado pelo povos antigos, taes como cer- tas tribus da Oceania, cs hebreos, etruscos, phenicios, arabes etc.; entre os japonezes os chinezes prepon- derou sempre o parentesco paterno. Os slavos admittiam duas ordens de parentes: os de granae sangue, de descendencia masculina, e os de pequeno sangue, de descendencia femenina. Com o evoluir dos tempos e da civilisação combi- naram-se os dous systemas de parentesco, e é assim que presentemente os povos cultos encaram esta questão. Foi em Roma onde os casamentos consanguíneos soffreram as maiores alternativas de prohibições e permissões. Nos primitivos tempos de Roma constituíam crime os matrimónios entre parentes até que Cláudio, que- rendo desposar Agrippina, filha de seu irmão Germâ- nico, mandou publicar um senãtus-consulto, permi- ttindo-os o que Nerva tentou em vão abolir, pois, de novo Antonio, 'o Pio, aproveitou-o para dar a mão de esposo a uma sua sobrinha, sendo porem, de novo 7 prohibidos por Constancio e Constantino, sob pena de morte, o que foi applaudido mais tarde por Theodosio, o Grande, no annc 364. Após a morte de Theodosio o colosso romano di- vidiu-se entre Arcadio e Honorio; emquanto o primei- ro annullou alei deTheodosio, o segundo a conservou, instituindo, porem, o direito de despensa. O mais afastado gráo de parentesco foi conside- rado impedimento matrimonial pelo Concilio de Tole- do, em 531, e Gregorio II em 721 lançava a excommu- nhão sobre taes allianças, procedimento que seguiu o papa Zacharias em 741. Desde o Concilio de Epaona até o 3. ■ Concilio de Orleans deixaram de ser tão rigorosas taes prohibi- ções; porem os Concilios de Tours e de Auxerre de novo fizeram carga sobre as allianças entre parentes, exemplo que foi seguido pelo Concilio de Pariz, em 615, amaldiçoando os incestuos. O Concilio de Verbecis declara nullos os matri- mónios effectuados entre parentes até o 3. • gráo, lei que foi confirmada pelo Concilio de Copiégne. No tempo de Carlos Magno era derimente o impe- dimento do 4. • gráo canonico, o que o Concilio de Worms, no reinado de Carlos, o Calvo, confirmou. A Assembléa de Douzy, em 884, convocada por Carlos, o Calvo, e presidida por Hinemar, lançava impedimentos até o 4.* gráo de parentesco, e de 1215 em diante só havia impedimento derimente até o 4. • gráo de parentesco inclusive. Todos os codigos modernos teem estudados as uniões incestuosas, traçando prohibições para os casa . 8 mentos até um certo gráo de parentesco, notando-se que os legisladores das differentes nações, em nome da moral, lançam impedimentos para os matrimónios entre pais e filhos e entre irmãos. E triste, miserável da humanidade se assim não fosse, porque então seria inevitável o completo espha- celamento da família, o mais solido alicerce da harmo- nia social; e ao emvez de na paz do lar haver o véo da pureza haveria o desregramento dos costumes abrindo as portas á prostituição a mais escandalosa, trazendo em seguida o estiòlamento das raças. Miserável do homem actual se elle visse na face envelhecida da sua progenitora uma fonte de gosos, onde elle, a largos tragos, haurisse beijos de volúpia; se longe de ter para a filha estremecida a caricia pa- ternal e amiga, visse no seu collo de virgem um vasto manancial de luxuria; se longe de olhar na irmã toda uma vida de infancia cheia de idyllios, prenhe de illu- sões, sentisse a carne quente e palpitante mendigando gosos ! Todos os povos modernos, remodelados pela ci- vilisação, sentiram pelo incesto uma repulsa natural, repellindo ao homem que, levado por um instincto doentio, procura na mãi, na filha ou na irmã o goso para a carne que o exige. Emquanto não ha discrepância entre os povos civili. sados em relação aos impedimentos para matrimónios entre parentes consanguíneos ou aflins era linha recta, ha grandes differenças na linha transversal. Os inglezes, sujeitos ainda aos princípios religio- sos, prohibem os casamentos entre irmãos, tios e so- brinhos e entre cunhados. Os codigos austríacos levam os impedimentos até o 9 4. ' gráo civil quer o parentesco seja civil ou natural, vedando também entre cunhados. Em Portugal vão as prohibições até o 2.* gráo civil da linha collateral e no Japão até o 3.' gráo civil. O codigo Hespanhol não permitte que se casem os parentes até o 4. • gráo civil em linha collateral con - sanguinea ou affim, sendo a familia legitima e até o 2. • gráo se fôr natural. As leis francezas não consentem que se casem os irmãos, legitimos ou naturaes, os parentes affins do mesmo gráo, os tios com sobrinhos e os irmãos ado- ptivos. Os judeus prohibem que se casem os irmãos e os filhos ou netos de irmãos. O levirato exige que o irmão sobrevivente ou, se elle faltar, o parente mais pro- ximo do marido premorto, despose a viuva do seu irmão ou parente. No Brasil, o Decreto n. 181 de 24 de Janeiro de 1890 diz: Art. 7. • São prohibidos, de casar-se: § 1. • Os ascendentes com os descendentes por parentesco legitimo, civil ou natural ou por affinidade, ou os parentes collateraes, paternos ou maternos, dentro do segundo gráo civil. Bem se vê pelo paragrapho acima citado que entre nós a lei prohibe os casamentos entre pais e filhas, mãis e filhos e entre irmãos: são os casos em que a igreja catholica em caso algum concede des- pensa. A nossa lei, pertanto, não condemna as allianças de tios com sobrinhas, de primos-irmãos, de cunha- 2-W. D. 10 dos, cessando a cunhadió, ao passo que não permitte os casamentos de padrasto com enteada e de madrasta com enteado, visto estarem no primeiro gráo de pa- rentesco por affinidade. Na opinião do Dr. Autran podem se casar o pa- drinho com a afilhada, a madrinha com o afilhado, o compadre com a comadre, desde quando a lei não co- gitou do parentesco espiritual. Como um principio de honestidade que applau- dimos, também lançou o legislador prohibição para que se consorciassem os parentes affins quer a affini- dade seja licita quer illicita. Bem se vê que os suppostos e infantis prejuízos que alguns pensam que a consanguinidade traz nos cônjuges e á prole, degenerando a raça, não foram encarados pelos legisladores das nações por nós indi- cadas, pois se assim acontecesse não limitariam tanto, como fizeram, os impedimentos matrimoniaes entre parentes, desde quando os accidentes da herança, per- feitamente hoje conhecidos, podem se manifestar em uma geração mais affastada, e, ainda mais, podem saltar uma ou duas gerações, e apparecerem clara, mente em uma terceira. O que parece insophismavel é que os legisladores das differentes nações cultas comprehendendo o quanto é importante para a formação e fixação do caracter bom de um povo o respeito intransigente á moral pura, e, ainda mais, que essa moral presidir deve ao importante acto do casamento, formularam um maior ou menor numero de impedimentos matrimoniaes até um certo gráo de parentesco, mantendo, portanto, a sublime instituição do casamento sob o dominio da moralidade. 11 Entre os scientistas têm sido levantadas hypo- theses diversas para explicar porque certos povos re- pudiavam a endogamia, porem quasi todas as opiniões dadas até agora são meramente phantasístas, não re- sistindo ao mais leve dos argumentos contradictorios. A philosophia veio a campo, invocou-se a moral dos pavos primitivos, a sociologia veio á baila e até a hygiene não foi esquecida, porem, apezar disto, pa- rece-nos, ainda fica por conhecer a verdadeira causa da generalisação da exogamia em detrimento á endo- gamia. Lembraram-se de sentimentos altruístas como o amor e a caridade, de crimes nefandos como o infan- ticídio, da guerra e da politica, porem as conclusões tiradas não resistem á mais leve critica. Vejamos resumidamente quaes as principaes hy- potheses a este respeito levantadas, fazendo, quanto permitiam nossas forças, a sua critica a medida que tratarmos de cada uma delias. Hypothese de Westermarck - Pensa Westermarck que são necessárias impressões novas^para a excita- ção do appetite genesico que é diminuído, annullacfo ás vezes pela convivência; não torna-se necessário que dois indivíduos tenham entre si laços de parentesco para não se entregarem ao acto sexual; basta que te- nham vivido desde a infancia sob o mesmo tecto; na sua opinião, portanto, o horror ao incesto é uma ques- tão de instincto. E' o que elle nos diz nas seguintes linhas: "A família não é defendida do perigo do incesto nem pelas leis, nem pelos costumes, nem pela educação, mas 12 por um instincto que, nas circumstancias normaes, torna o amor sexual entre parentes uma impossibilidade psijchica". Não tem rasão de se o pensamento de Wester- marck, porquanto vêmos quasi sempre pessoas que juntas habitaram desde os mais verdes annos senti- rem falar lhes bem alto o appetite genesico. E porque a convivência entre esposos não o an- nula ? Na actualidade são communs os matrimónios en- tre consanguineos proximos, e, ainda mais, que juntos sempre viveram, sem que viesse por impecilios a im- possibilidade psychica ao amor sexual. Durckheim, analysando os trabalhos de Wester- marck, mostra que entre os primitivos agrupamen- tos nem sempre se encontra convevencia de pessôas da mesma origem. Fica assim posta á parte a opinião de Wester- marck. Hijpothese de Lubbock. - Vai Lubbock buscar mate- rial para a organisação da sua theoria no groupe'- máriage, baseando-se em que certos escriptores de nota, como Mac Lennan e Morgan, admittiram que a evolução da familia começou pela communhão de mu- lheres; em uma tribu todas as mulheres pertenciam a todos os homens, sem que houvesse posse exclusiva, ao passo que as mulheres estranhas ao grupo perten- ciam exclusivamente ao seu possuidor, escapando á promiscuidade communal, o que tornava a monoga- mia preferida pelos primitivos, que, com o evoluir dos tempos, consideraram crime a endogamia. Se é verdade que entre certos povos primitivos houve vestigios leves de uma promiscuidade sexual 13 não se pode dizer comtudo que o hetairismo tivesse a generalisação que lhe da Morgan. Na China até o reinado de Fu-hi, na Grécia, na índia, entre os lydios, cypiotas, assyrios, baleares e messagitas encontra-se leves traços de hetairismo, e os australianos admittiam uma communhão de mulhe- res transitória para conjurar uma epidemia ou cala- midade aterradora. A posse promíscua de mulheres generalisarse-ia ? Na opinião de Darwin o ciume proprio a todos os mammiferos o impediria; Westermarck, S. Maine e Le Bon combatem egualmente o hetairismo primitivo. Pensamos que se existiu entre certas tribus a communhão de mulheres foi de um modo passageiro e anormal, pois além de ser immoral seria antiscien- titica, desde quando sendo o hetairismo um factor de esterilidade traria em pouco tempo a suppressão do grupo que o adoptasse de um modo systematico. Bastam estas ligeiras considerações para lançar por terra a theoria de Lubbock. Hypothese de Herbert Spencer.-No pensar de Spen- cer foram as luctas continuas entre os primitivos a causadora da exogamia. Após as guerras entre as tribus resultava a pilha- gem, e não só os vencedores levavam objectos dos vencidos roas também mulheres, notando-se que a mulher que se conquistava em guerra era um tropheu de honra. A mulher prisioneira pudia ser concubina, serva ou esposa do vencedoa, e o homem que por suas faça- nhas conquistava um grande numero de esposas era mais respeitado e cheio de prestigio, perante o qual humilhavam-se os demais. 14 Se a exogamia, signal de valor, tornou-se procu- rada, a endogamia, signal de fraqueza, foi evitada, tornando-se depois crime hediondo. Da theoria do intelligente scientista inglez não se pode concluir que as allianças entre indivíduos da mesma tribu fossem prohibidas. desde quando se tal succedesse as mulheres de uma tribu sempre victoriosa e forte ficariam inutilisadas se não cahissem em mãos inimigas, e as tribus fracas que não conseguissem pi- lhar mulheres dos grupes adversários ficariam pri- vadas de perpetuar-se, pois as suas mulheres cahiam em mãos estranhas. E porque as mulheres estranhas ao grupo teriam as prerogativas de serem esposas dos fortes e as do mesmo grupo não ? Hypothese de Mac Lennan-Para Lennan o infan- ticidio das creanças do sexo feminino tornado lei entre certos povos trazia a deficiência de mulheres, obri- gando assim os individuos de um grupo a procurarem esposas em outro grupo, e que a generalisação desta pratica trouxe em resultado a exogamia que depois se tornou lei, ficando a endogamia mal vista e condem- nada. Basta que se considere o grande numero de povos primitivos que puniam o infanticídio para que não se admitta a sua generalisação. Se alguns povos como os chins, os indianos, os esquimáos, os cafres praticavam semelhante crime era sem distincção de sexo e somente quando o recemnas- cido era defeituoso. Os insulares do mar do sul também entregavam-se a tal pratica sem distincção de sexo, visando apenas 15 poupar a mulher do trabalho da amamentação para que não lhes roubasse a belleza. Westermarck, referindo-se ao caso de um Bu- kundú que foi condemnado á morte por ter assassinado o filho, diz que não conhece uma só tribu africana que tivesse o infanticídio como instituição. Se o infanticídio das creanças do sexo feminino se generalisasse, como permittir que'os homens de um grupo fossem buscar em um grupo estranho mulheres que certamente lhe faltariam ? Parece-nos completamente absurda a hypothese de Mac Lennan, sem princípios que a justifiquem. Hypothese de Kokler-As allianças exogamicas tra- ziam, no pensar de Kokler, o estreitamento das rela- ções entre tribus differentes, o que não teria logar se os casamentos se effectuassem apenas entre os do mesmo grupo. E' portanto política a base desta theoria. Se é verdade que os círculos de relações políticas entre os povos são alargados pela exogamia, isto não prova absolutamente que a endogamia fosse mal vista e condemnada, e que certos povos levassem a su a aversão pelos matrimónios consanguineos a ponto do os punirem de morte. Hypothese de Morgan-Os resultados máos da con- sanguinidade, perdurando no espirito dos povos an- tigos, fizeram com que a exogamia fosse escolhida e a endogamia repudiada como fatal á prole. A condemnação do incesto, portanto, na opinião de Morgan, nasceu da observação de princípios hygi- enicos. E' fraca a base desta hypothese, pois os Jiomens primitivos, estando ainda em estado mui rudimentar 16 de intelligencia, não puderiam ter conhecimentos hy- gienicos de certa ordem, mormente sobre os resulta- dos que os casamentos podem trazer á prole, desde quando tal estudo exige observação longa e cuidadosa, impossível de ser comprehendido pelo cerebro aca nhado do homem primitivo. Demais as differentes taras desenvolveram-se ú medida que a civilisação evoluiu, e com ella patentea- ram-se os resultados da herança mórbida. Hypothese cie Durckheim - Durckheim fazendo estu- dos sobre a ethnographia dos povos inferiores actuaes formulou a hypothese totemista que obedece a prin- cípios religiosos. Os primitivos eram divididos em agrupamentos. Cada grupo ou clan suppunha descender de um objecto ou ser vivo-era o totem ao qual todos adora- vam com egual reverencia; era o Deus, o ídolo da tribu, que, quando ferido em sua cólera, pudia produzir ter- ríveis e desastrosos effeitos, prevenidos, porém, pelas interdicções rituaes ou tabú. No sangue de cada indivíduo de um mesmo clan por ser a parte mais nobre, existia o totem adorado, tanto que deramar o sangue que o possuísse constituía grande sacrilégio. A vida em commum dos indivíduos do mesmo clan era evitada; o respeito mutuo o exigia. No periodo da menstruação era a mulher conside- rada tabú, e como tal isolada e respeitada pelos com- panheiros do clan; até o contacto indirecto com ella deveria ser evitado. No Levitico vê-se todo o horror que a mulher em catamenio inspirava; delia se deveria fugir sob pena de ficar ímmundo. 17 Na Australia causam tanta repugnância as mu- lheres no período das regras que ninguém pode comer dos alimentos de que ellas serviram-se e os homens devem evitar pizarem sobre o rastro que ellas deixa- ram em caminho. O que succedia á mulher em estado de menstru- ação acontecia também na occasião do parto. Moysés ordenava a sequestração das mulheres depois do parto durante 40 dias se o recem nascido pertencia ao sexo masculino e durante 80 se era do feminino. Toda vez que um indivíduo tocava uma mulher do mesmo clan em estado de catamenio ou parto, desres- peitava o totem querido. Com o defloramento o totem era perdido com o sangue que a mulher derramava. Dahi vem o horror á endogamia; ao indivíduo repugnava derramar pelo defloramento o sangue da mulher que possuía o seu totem, pouco importando, porem, derramar o sangue de uma mulher estranha ao seu clan, desde quando o totem que desrespeitava não era o seu. Os filhos deviam obediência ao clan, desde quando da mãí ou do pai; conforme eram de filiação paterna ou materna, o que vem explicar porque os casamentos entre os parentes os mais proximos eram permittídos pelos antigos. Se fosse obedecida a filiação uterina só tinham os filhos que vêr com o totem da mãí, não pudendo, por- tanto, casar-se com parente algum do lado materno; o contrario succedia se pertencessem os filhos ao clan do pai. A theoria que em leves traços acabamos de esbo- 3-D. W. 18 çar é hoje a universalmente acceita por ser a que mais de accordo está com a razão, se bem que se possa ainda fazer uma leve objecção; se foi um prin- cipio religioso universal que inspirou o horror ao incesto como é que entre certos selvagens elle nunca foi observado, tornando condemnada a endogamia? Outras theorias simplistas ainda appareceram para explicar o horror generalisado ao incesto. Limitamo-nos a indical-as succintamente. S. Agostinho pensa que se prohibiu a endogamia para que se espalhasse o sentimento de caridade em um circulo mais largo; para Luthero foi com o fim de evitar que os casamentos se realisassem. sem amor, somente para conservar o património familiar. O grande theologo o Dr. Haine formulou a este respeito o seguinte quesito: - "Quaes são os motivos de impedimentos derimentes consanguíneos?" respondendo elle mesmo do modo seguinte: -^1.' 0 respeito e a re- verencia que se devem aos parentes de um mesmo ramo e communhão. 2. • A caridade, que mais largamente se es- palha e fortalece pela união e multiplicação com os estra- nhos; ou, como dizia Leão XIII, para que o amor sobre- natural dos cônjuges se diffúnda em campo mais largo- 3. • Como medida de repressão da concupiscência, a qua^ parece que se soltaria o freio se o casamento pudesse ser contrahido entre pessoas que, por permanecerem sob o mesmo tecto, teriam muito mais liberdade, licença, occa- sião e facilidade de aproveitar-se delia". A moral a mais pura e lógica foi escolhida pelo intelligente theologo para formular as suas proposi- ções. No seu pensar prohibir-se casamentos consan- guíneos é pôr barreiras ás approximações sexuais 19 precoces, prejudiciaes aos conjugues e ainda mais de effeitos desastrosos para a prole que delles vier. Apezar de engenhoso não é completamente verí- dico o pensamento de Haine: nem todos os casamentos consanguíneos são feitos com offensa ao respeito e reverencia mutuas entre os parentes, assim como não são elles um escolho ao desenvolvimento da caridade. Traz a consanguinidade a degeneração da raça? Tal é a magna questão que em primeiro logar se levanta sempre que se discute o importante problema que agora nos occupa, sem que, na opinião dos es- píritos superficiaes. se tenha obtido ainda uma solu- ção difinitiva. Quanto a nós julgamos que já se pode affirmar cathegoricamente a innocuidade das allianças consan- guíneas, dadas certas circumstancias que adiante discu- tiremos. De longa data vem a ídéa supersticiosa dos effei- tos maléficos que os casamentos entre parentes trazem aos filhos; só aos primeiros albores do século XVII co- meçaram a apparecer algumas id^as hygienicas sobre assumpto de tão grande monta. Robert Bruton em 1621, Fodéré em 1823, Michel Levy em 1844, Puibonnieux em 1846, Lucas em 1845 condemnaram a consanguinidade como inconveniente. Ménière, estudando a surdo-mudez congénita, apresentou uma celebre memória á Academia de Me- dicina de Paris, dando a consanguinidade como o principal factor na genese desta moléstia. Em 1859 Rilliet, tendo por base uma longa serie de observações colhidas em Génova, escreve uma carta 20 memorável á Academia de Medicina de Paris, mos trando um numero demasiadamente grande de males que as uniões entre parentes trazem aos pais e aos filhos, como sejam falta ou demora das concepções, concepções imperfeitas, monstros, productos imper- feitos moral e physicamente, productos predispostos 'ás moléstias do systema nervoso como a epilepsia, a imbecilidade ou idiotia, a surdo-mudez, as paralysias, etc., ou ás devidas á diathese scropliulo-tuberculosa, productos que morrem cotn pouca idade ou, se conse- guem viver, não teem resistência orgânica contra a moléstia e a morte. Basta que se considere que na etiologia de taes moléstias causas múltiplas são indicadas para com- prehender-se que as conclusões de Rilliet são bas- tante absurdas, estão longe da verdade scientifica, a qual, na opinião de Morache, deve sei* procurada em uma opinião media; o excessivo, como faz Rilliet, quasi sempre é falso. Duas phalanges de scientistas de alto valor sur- giram depois nesta lucta; emquanto o grupo de Bou- din e Deway, por meio de estatisticas incompletas, mal feitas e apaixonadas, mostra os prejuízos da con- sanguinidade, o outro, á frente do qual acham se Daily, Bourgois, Seguin, Laurent e outros, bate-se ardorosamente pela sua inocuidade. Os anticonsanguinistas, procurando observações que se amoldassem ao seu pensar, formularam estatis- ticas numerosas para mostrarem que a consanguinidade degenera a raça;porem esqueceram-se de que para con- cluírem legitimamente deviam tomar observações tam- bém de casaes sem laços de parentesco e dos seus filhos para que do confronto das estatisticas chegas 21 sem a uma conclusão que se approxima-sse dã reali- dade. Um dos primeiros ataques que se faz á consangui1- nidade é o de produzir a esterilidade. Deway, um dos seus mais ardorosos adversários^ pensa deste modo, apresentando uma estatística de 15 casaes estereis, dos quaes 8 dependentes da consan- guinidade, emquanto Codiot encontrou 14 sobre 54 e Lancry, que affirma que o não renovamento do sangue em uma familia traz em resultado a esterilidade, diz que os matrimónios consanguíneos são improductivos em 16 q. dos casos. Esta supposta infecundidade não existe absoluta- mente, e são os proprios adversários que nos forne- cem os dados para proval-o; assim é que quando falam de pares consanguíneos trazem á scena filhos delles nascidos; Mitchell, por exemplo, nos mostra 37 casaes consanguíneos com o bello numero de 146 filhos; Gillet da uma media de 3,9 de filhos para os pares consanguíneos e de 4,3 para os sem parentesco. Numerosas estatísticas comprovam quanto affir- mamos. Poncet apresenta-nos uma familia mexicana, cujos membros casavam-se entre si, com 12 filhos, 102 netos e 276 bisnetos; Daily organísou uma estatística de 5 gerações em 150 annos, tendo cada par em media 3 a 4 filhos, isto é, um total de 120 a 140 e todos sem apre- sentarem a mais leve deformidade. ' Seguin observou a familia dosMongolfier, da qual fazia parte, encontrando 10 casamentos consanguí- neos, dos quaes apenas um infecundo, tendo os outros produzido 61 filhos isemptos de toda tara; na familia de Bourgeois, vinda de um casal consanguíneo, haviam 22 68 uniões Consanguíneas fecundas, das quaes 16 de consanguinidade sobreposta, e no entanto no fim de 30 annos o numero de membros desta família eleva- va-se a 416, sem que se verificasse nem abortamento nem retardamento de concepção; entre nós são com- muns os casamentos consanguíneos productivos, e por nossa conta temos observações de uniões sexuaes fecundas não só entre parentes affastados como tam- bém entre pai e filhas e entre irmãos, uniões estas prejudicialissimas á prole no pensar dos anticonsan- guinistas por serem ma is estreitos os laços de paren- tesco. Nos archivos de Medicina Legal de 1864 encon- tra-se um caso bellissimo e de valor que demonstra completamente ser falso o pensar dos adversários. Sousa, negociante portuguez libidinoso e rico, depois de conseguir ter em um harem o numero ele- vado de 400 mulheres, morreu em 1849 em Widah, deixando um grande numero de filhos, os quaes por motivos políticos foram pelos reis de Duhomey reuni- dos em um logar particular onde viviam na mais completa promiscuidade sexual, sendo praticados então os actos sexuaes os mais vergonhosos. Em 1863 contava-se a 3'. geração provinda do celebre commerciante de negros, tendo-se de notar de frisante que todos os seus descendentes eram isemptos de toda deformidade, tendendo a voltar á côr negra dos africanos, apesar de possuírem ainda caracteres do povo europeu; males posteriores, taes como a sy- philes, a miséria e a vida licenciosa, trouxeram.a ex- tincção dos descendentes de Sousa. Basta que se considere este facto para conven- cer-se cabalmente que é falsa e sem base a idéa da 23 falt t de concepção aos cônjuges trasida pela consan- guinidade, pois se assim fosse o estiolamento da familia de Sousa não esperaria condicções outras para mani- festar-se. As degenerações e depois o aniquilamento obser- vados em certas famílias reaes foram por certos scien- tistas também attribuidos ás allianças consanguíneas. Não pensaram elles certamente quando tal affir- maram que o esgotamento trasido pelos excessos das luctas venereas, o abuso do álcool, a vida desregrada e cheia de vicios dos príncipes desde o alvorecer da puberdade, a ociosidade e, acima de tudo, a herança mórbida, além de factores outros, devem ser aponta- dos no quadro etiologico dessas degenerações. A familia real da Hespanha, estudada por W. W. Ireland em um periodo de 250 annos de 1449 até 1700, e extincta com Carlos II, louco, é apontada por certos anti-consanguinistas como o mais bello exemplo, a mais alta prova em favor do seu pensar.. Engano manifesto ! Queriam então que uma familia, tendo como tron- cos João 2. • da Castella, imbecil, e Isabel de Portugal, louca, tivesse productos em perfeito estado se em caso tal os males dos pais sommavam-se nos filhos pela consanguinidade ? Em Batz, onde as uniões consanguíneas são de uso, diz Voisin ter encontrado em 2733 casamentos 870 tendo o mesmo cognome e no emtanto são todos os habitantes deste logar cheios de vida, bellos, fortes e energicos. Em Fort Mardich, os Picaros, descendentes de 6 casaes consanguíneos são livres de toda tara, havendo nesta communa de notável que a natalidade é muito 24 superior á mortalidade, o que não se dá nas commU- nas visinhas. Os Todas e Nilghiris, na opinião de Topinardí constituem desde séculos os povos mais bellos da índia, sem que a isto ponha barreiras a consanguinidade que elles praticam. A raça judaica, forçada desde muitos annos a per- pertuar-se por si mesma, vivendo errante e soffredora sob todos os climas, conserva ainda os seus traços caracteristicos com a mais invejável robustez no phy- sico, sabendo resistir a certas e determinadas affe- cções para as quaes, parece, tem immunidade. Não provam esses factos á luz da evidencia que á outras causas e não á consanguinidades deve-se o estiolamento de certas famílias? As malformações e deformidades congénitas fo- ram também indicadas como podendo ser produzidas apenas pela consanguinidade; os que assim pensam apoiam-se em que entre os chinezes, que levam a prohibição dos matrimónios entre parentes a ponto de não admittirem que se casem pessôas tendo o mesmo cognome, serem raras as deformidades. E' um exagero, pensamos. Para, a genese destes males, como os pés tortos, o beiço de lebre, guela de lobo, sexti-digitismo etc., outras devem ser as causas invocadas, desde quando em certas localidades, como na ilha de Barneray e na aldeia de Rois, onde se pratica os casamentos consan- guíneos, são raras as pessôas mal constituídas, ao passo que na ilha de Lowis, onde tal genero de casa- mento é raro, são communs os indivíduos deformes 5 e se na China parece á primeira vista não haverem malformações e deformidades congénitas é isto pura- 25 mente illusorio, desde quando as creanças que assim nascem são inevitavelmente votadas á morte. E' como o principal responsável da surdo-mudez congénita que a consanguinidade tem soffrido os maio- res ataques, depois que Ménière apresentou á Aca- demia de Medicina de Paris uma memória sobre a sua etiologia, condemnando a consanguinidade, opi- nião que depois foi acceita por Devay, Perrin, Bro- chard e outros, e ainda são por elles invocados os chins que desconhecem a surdo-mudez. Boudin, fazendo estudos no Instituto dos Surdos- Mudos de Paris, encontrou 67 doentes, dos quaes 19 devidos á consanguinidade; Brochard observou 16 sobre 55; Loubrien, com grande exagero, diz que os surdos-mudos congénitos são 3 vezes mais numerosos entre os filhos descendentes de casaes consanguíneos do que entre os provindos de pais que não teem laços de parentesco; no seu pensar em 500 surdos-mudos de nascimento 43 são encontrados provenientes de casaes consanguíneos. Ainda aqui é falso e antiscientifico o pensamento dos adversários. Os doentes da natureza que vimos estudando ge- rados por pais consanguíneos ou completamente es- tranhos entre si existem em proporções eguaes; isto nos prova George Darwin pelos estudos feitos na In- glaterra nos Hospícios de Loucos e Surdos-Mudos Lacassagne é completamente contrario á opinião dos anti consanguinistas; e o Dr. Benzeugue, tendo feito observações na Escola de Mascou, sobre 110 sur. dos-inudos, não admitte que na Rússia a consanguiní* dade seja encarada como factor na producção da surdo mudez, desde quando a religião prohibe as alli- 4-w n 26 atiças entre os indivíduos que teem o mesmo sangue; Daily para 315 surdos-mudos tilhosde pais sem paren- tesco encontrou apenas o diminuto numero de 6 pro- venientes de casaes consanguíneos. Pensamos que as opiniões dos adversários neste sentido estão saturadas de erros de observação, e'com Itard acreditamos que as causas da surdo-mudez congénita nunca serão conhecidas perfeitamente, pois nem sempre pode-se aftirmar se a creança nasceu surda ou não. A syphilis dos pais começa a ser encarada na etiologia da surdo-mudez, e não é duvidoso também que as otites sclerosas e as taras nervosas dos geni- tores entrem em larga escala. De mais, se o proprio Ménière ao lado da consan. guinidade mostra causas múltiplas podendo produzir a surdo mudez, porque os anti-consanguinistas apaixo- nados querem quasi exclusivamente criminaras uniões consanguíneas? Além da surdo-mudez congénita, um grande nu- mero de moléstias de fundo nervoso, como a idiotia, a imbecilidade, a epilepsia, a loucura, etc., foi indicada como podendo fazer a sua apparição sob o influxo dos matrimónios entre parentes, sendo que o arauto desta ídéa foi Rilliet na sua celebre carta á Acade- mia de Medicina de Paris, o que fez com que o Dr. Perrin, numa phrase humorística, comparasse a con- sanguinidade á boceta de Pandora donde deveriam sahir os males da humanidade. Legrand du Saule refere o caso de um par con- sanguíneo ter produzido 4 filbos, dos quaes 2 idiotas, 1 epiléptico e 1 hydrocephalo; Mitchell diz ter obser- vado na Suécia 146 creanças oriundas de 37 allianças 27 entre indivíduos da mesma família, encontrando 8 Idiotas, 5 imbecis, 2 epilépticos, além de outras com diversas moléstias, ao passo que 101 tinham consti- tuição bóa; Berniss em 192 creanças cujos pais ti- nham laços de parentesco encontrou 138 doentes dos quaes 4 epilépticos, 2 alienados e 4 idiotas. Down em 753 idiotas do sexo masculino* observou 40 descendentes de pais consanguinos, o que dá uma proporção de 5 por 100, e entre outros 295 encontrou 20 ou sejam 7 por 100; 20 daquelles matrimónios aos quaes pertenciam 25 idiotas tiveram 138 filhos, dando a proporção de 6, 9 de idiotas por .100; outros 20 ma- trimónios effectuados entre individrfos sem parentesco tiveram 115 filhos dos quaes 25 idiotas, dando a pro porção de 18 por 100. Equilibram-se, portanto, as porcentagens nas es- tatísticas de Down feitas sobre filhos de casaes con- sanguíneos e estranhos, o que o obrigou a procurar a causa da idiotia na embriaguez habitual dos pais, na alienação mental hereditária etc. Reclus, citando os protestantes de Orthez, que praticavam matrimónios entre pessoas da mesma fa- mília, diz que entre elles era mui grande o numero de epilépticos, o qual diminuiu consideravelmente logo que os homens procuraram mulheres em famílias es- tranhas; o que, porem, não nos diz Reclus é se com a mudança do genero de casamento mudaram-se tam- bém as condições hygienicas dos seus observados. Bourneville e Courbarien admittem que em 4,1 .{• dos doentes que estudaram foi a consanguinidade a productora da epilepsia, hysteria e idiotia. O discípulo de Bourneville, M. Gillet, em 1.713 observações, encontrou uma media de 2.68 q. de do- 28 Cintes devidos ao parentesco dos pais; dentre estes doentes 16 eram idiotas e 14 epilépticos. Gillèt, porem, notando que antecedentes- heredi- tários diversos, taes como o arthritismo, o alcoolismo etc. constituem causas capazes de explicar a manifes- tação de taes moléstias, nega-se a admittir que a con- sanguinidade possa produzil-as, sendo tal opinião tido depois por verdadeira por Gottschalk; e, de facto, as causas apontadas por Gillet são poderosissimos fa- ctores para o apparecimento de certos e determina- dos estados morbidos, não sendo difficil vêr se o idiota, o louco, o hysterico ou o epiléptico nascer de pais que se entregaram ao alcoolismo ou tarados do sys- tema nervoso. Nos asylos de alienados da Inglaterra George Darwin depois de observações cuidadosas chegou a conclusão de que os alienados descendentes de pais consanguineos eram na porporção de 3 q., igual a que se nota nos doentes mentaes provenientes de indivi- duos que não são parentes. Encarando os factos perante as leis da herança mórbida não podemos deixar de acreditar que outras certamente são as causas para explicar as moléstias de fundo nervoso nos filhos de casaes consanguineos, e se ás vezes parece que a consanguinidade não é estranha a determinados factos clinicos é simples e exclusivamente porque herdam os filhos as taras dos pais; se dois individuos doentes ligam-se em matri- monio ha quasi certeza de que os seus males serão transmittidos duplamente aos filhos. Os anti-consanguinistas, sempre exagerads em suas observações, dão a consanguinidade como causa productora do arthritismo, câncer, ichtyose, albynismo 29 etc., quando a hereditariedade pode de modo dema- siadamente claro explicar semelhantes males; o câncer, por exemplo, é uma moléstia que se transmitte hereditariamente, o que basta para explicar o facto de ter Rebulet encontrado grande numero de cancero- sos em Bourgthronlde e seus arredores, onde os ma- trimónios entre pessôas do mesmo sangue são tão communs que apenas existem cinco a seis cognomes. Entre os arabes é commum o diabetes, o que al- guns escriptores pensam ser devido a consanguinidade. E porque os filhos de arabes sãos casados com parentes sãos estão isemptos do diabetes, emquanto os filhos de casaes doentes são votados á moléstia, senão porque a herança represente o papel primordial em tal caso? Passemos do homem aos outros animaes, nelles também estudando os resultados da consanguinidade, o que não deixa de ter uma utilidade real, desde quando sob o ponto de vista physiologico bastante approximados estão um dos outros, e a herança mór- bida ou physiologica em todos manifesta-se de egual maneira. O aperfeiçoamento das raças animaes pelo crusa- mento entre parentes é um methodo hoje conhecido geralmente, não havendo creador intehigente que tre- pide em adoptal-o, com tanto que os reproductores sejam sãos; é esse o processo conhecido em sciencia por breeding in and in. Se alguns creadores conscienciosos ainda hesitam em pratical-o é pela difficuldade de conhecerem as taras 30 que os seus reproductores possam ter, vindo infalli- velmente viciar o producto procreado. Foi pela pratica de tal processo que as raças de bois Durham, de porcos New-Leicester e de carneiros merinós chegaram a ser privilegiadas. Apesar disso neste terreno ainda ha adversários. A esterilidade é apontada nos animaes como de- vida á consanguinidade. Este facto, que ás vezes se verifica nos crusamen- tos animaes entre consanguíneos, nada diz contra a consanguinidade, desde quando nos ensina a physiolo- gia que ha atrophia de um orgão toda vez que outro se desenvolve de modo anormal: ora, dando-se o caso que o tecido adiposo em alguns animaes, a lã em ou- tros desenvôlvendo-se extraordinariamente traz a atro- phia dos orgãos da geração, e isto já vai tocar de bem perto a herança pathologica. No rebanho de Baudoin, composto de 300 car- neiros de origem saxonia, vindo de 1840, encontra-se robustez em todos os animaes, sem que a fecundidade seja atacada, apezar das relações sexuaes entre con- sanguíneos. Aubé, depois de ter estudado os amores incestu- osos nos coelhos, pensa que a consanguinidade é capaz de nelles produzir o albinismo, o que é refutado por Legrain que chegou a verificar que elle pode ma- nisfestar-se em outros coelhos collocados em más condições hygienicas. Bem concludente é a experiencia que fez Husard em sua própria casa-tomando filhos nascidos de um casal de coelhos consanguineos dividiu-os em dois grupos, collocando-os em condições de salubridade differentes, um exposto ao sol e o outro em logar es- 31 curo e húmido; o primeiro grupo cresceu satisfacto- riamente, emquanto o segundo estiolara-se, morrendo pouco tempo depois. O professor Martins Teixeira, reproduzindo a experiencia de Husard, tomou dois filhos recemnas- cidos de uma cabra, obtendo o mesmo resultado. Pelas brilhantes experiencias de Husard e Martins Teixeira comprehende-se perfeitamente que foram as condições hygienicas em que foram creados os ani- maes, e não a consanguinidade, a causa productora do estiolamento e da morte do grupo collocado em condições más. Entre os pombos as relações sexuaes incestuosas constituem a regra para a reproducção e perpetuidade da especie, e no emtanto esta raça não ameaça arrui- nar se, o que seria inevitável se fossem verdadeiras as opiniões dos anti-consanguinistas. Entre os animaes selvagens não é raro vêr-se os amores incestuosos sem prejuizo algum. E' que, para o desempenho do papel importante da reproducção, os animaes fraços são postos a parte como imprestáveis, fazendo-se assim a selecção, tra- zendo em consequência a transmissão de pais a filhos dos caracteres uteis. Darwin, em seu trabalho sobre a domesticidade dos animaes, traz uma grande serie de factos pro- vando que nos animaes os progenitores sendo sãos, reunindo um determinado caracter, este apresentava - se mais saliente na prole descendente de consanguí- neos. Grignon com os porcos inglezes, Marjolin com' os cães dos Pirinéos accusam a consanguinidade de pro 32 duzír máos productos, indivíduos impotentes e inca- pazes de conceber. E' que esses observadores não consideraram o modo porque se fazia a alimentação dos seus animaes, em que condições hygienicas estavam collocados, se eram escolhidos os animaes para a reproducção e outras causas capazes de ter influencia sobre o pro- ducto da concepção para só depois tirarem as suas conclusões. Ao nosso ver a consanguinidade, tanto no homem como nos animaes, fixa e exalta não só as qualidades bôas mas também as taras, desde quando a herança, na feliz expressão de Bouchard, não é mais do que a transmissão ao ser procreado de caracteres, attri- butos e propriedades do ser ou dos seres procreadores. * * * Pelo estudo que acabamos de fazer sobre os re- sultados que as relações sexuaes entre consanguíneos trazem aos cônjuges e á prole bem se comprehende a modo pelo qual encaramos o assumpto. Para nós,' baseados nas observações alheias e próprias, não podem estas allianças crear staras e typos morbidos definidos, sendo os reproductores sãos; ao passo que, sendo tarados os indivíduos parentes que se unem em casamento, ha grande probabilidade de que os productos procreados sejam doentes, pois neste caso sommam-se nos filhos os estados morbidos dos pais. Dous indivíduos estranhos entre si, unindo-se em matrimonio, sendo elles doentes, pode acontecer que as suas taras se equilibrem ea sua prole chegue a uma mediania relativa de saude, ao passo que entre 33 conjuges de um mesmo tronco familiar, possuidores de uma tara idêntica, tendo o mesmo sangue doentio a lhes correr nos vasos, podem os seus males trans- mittir-se aos filhos. A's vezes de pais consanguíneos apparentemente sãos nasce um filho epiléptico ou deformado, hysteri-, co ou idiota, parecendo ao observador superficial ou supersticioso que é isto devido apenas a terem os progenitores a mesma origem, mas o observador ar- guto e profundo, analysando cuidadosamente toda a familia dos conjuges, vae encontrar bem claramente causas capazes de explical-as. Para que certa e peremptoriamente possa o me- dico affirmar que a consanguinidade é a unica respon savel pelas malformações, deformidades ou moléstias diversas nos descendentes de casaes parentes seria preciso que eliminasse, todas as causas capazes de produzil as. Tal é o pensamento do grande scientista Talret, cheio de verdade e sciencia. Porque traçar um plano divisorio que bem pro- fundamente separe a consanguinidade da herança quando ambas devem ser encaradas da mesma forma? Porque então o plasma germinativo de Weissmann procederá de um modo quando os progenitores forem parentes e doutro bem diverso quando forem es- tranhos entre si, seguindo marcha differente num e noutro caso? Porque o centrozoma de um ovo formado á custa de um casal consanguíneo ha de se organisar de modo diverso ao de um casal sem parentesco? Porque os biophoros de um ovo proveniente de 5-W. D. 34 umaPjuncção de parentes teriam propriedades outroSj procediriam de modo anormal? Se a consanguinidade está dentro das raias da he- rança, obedecendo ás suas leis, não podemos deixar de admittir que, quando os reproductores forem vigo- rosos e sãos, o seu producto ha de forçosamente ser perfeito, quando causas estranhas aos pais não vierem alteral-o, levando-o assim para o quadro da herança mórbida. Já Portigliotti e Debierre diziam o quanto aca- bamos de affirmar. Fazemos côro com Bouchardat quando diz que a consanguinidade mesmo accumulada só poderá trazer para a prole bons effeitos, com tanto que os progenitores sejam sãos ou antes dotados das melhores qualidades physicas e moraes. Lancry diz que o não renovamento do sangue traz em resultado a esterilidade, parecendo, portanto, tornar-se imprescindível, nas familias que praticam os casamentos entre os seus membros, introduzir-se de vez em quando um sangue novo. Mas, perguntamos, se a familia for isempta de toda tara, sem vicios de constituição que necessidade haverá de introduzir-se um sangue estranho.? Razão bastante tem Lacassagne quando diz que o terreno onde se produz a consanguinidade, e não ella, é que é bom ou máo, o que se comprehende perfeita- mente que ella depende exclusivamente do estado constitucional dos pais; os filhos serão bem ou mal constituídos, completamente sãos ou inteiramente do- entes, conforme o estado physiologico ou pathologico dois pais. Montegazza, professor de Antropologia na Italia, 35 apresenta uma observação de 500 casamentos entre parentes com o seguinte resultado: 398 com máos resultados 102 com bons resultados. Perguntamos ao illustre antropologista. - Obser- vou o estado de saude dos casaes que tiveram resul- tados máos? Considerou a idade dos cônjuges? A triade malelifica, syphilis, tuberculose e alco- olismo, produz a maior parte dos males imputados á consanguinidade, assim como entram em larga escala as moléstias nervosas, o arthritismo,sob todas as suas modalidades. As causas mesologicas e sociaes também podero- samente influem sobre o fructo da concepção. A idade tem influencia manifesta sobre os casa- dos e a sua descendencia, a ponto de ter querido La- cassagne que se prohibisse de modo absoluto os ca- samentos entre tios e sobrinhos, porque, além dos in- convenientes moraes, teem a desvantagem de ser realisados entre indivíduos de idade mui diversa, não sendo raro vêr-se tios ou sobrinhas, adeantados em idade casados com sobrinhas ou tios muito mais mo- ços, offendendo assim á moral e á sciencia, tendo quasi sempre productos defeituosos no physico, no moral ou no intellectual. Outras vezes não é a desproporção da edade dos cônjuges mas a precocidade com que os seus matrimó- nios se realisam que é responsável pelos males que veem ferir aos cônjuges e á prole; de facto, no inicio da puberdade, quando os orgãos geradores do homem não estão ainda aptos completamente ao desempenho do papel activo no importante acto da fecundação, e os da mulher, ainda não totalmente desenvolvidos, 36 e, portanto, incapazes de receberem condignamente o liquido fecundante, toríia-se perigoso o matrimonio, e as desordens manifestam-se mais especialmente para o lado da mulher, que ainda não pode ser mãi; o seu fructo, se não morrer logo ao alvorecer da vida, será um ente em estado de miséria physiologica e um bom terreno para o desenvolvimento de qualquer moléstia infectuosa, que elle não poderá resistir. A idade avançada tem também importância ca- pital. No crespusculo da vida genital os orgãos sexuaes do homem e da mulher, cançados das luctas amorosas ou atrophiados por falta de funcção, não podem mais figurar na arena do amor, e quando ura filho nasce de individuos em taes condições é mais um ente digno da misericórdia humana. A falta de amor e harmonia entre os casados, base essencial da felicidade conjugal, não pode também deixar de ter influencia sobre os resultados dos ma- trimónios. A estas causas, e não a consanguinidade, é que se deve apontar como responsáveis pelos effeitos des- astrosos de certas allianças, e doutra forma não po- deria ser, desde que vemos filhos fortes physica, mo- ral e intellectualmente constituírem orgulho de pais consanguíneos, ao passo que outros deformados ou ata- cados de moléstias diversas serem causa de tristeza de pais sem o menor parentesco. Pode o medico oppôr barreiras aos matrimónios entre consanguíneos ? 37 O Dr. Martins Teixeira, baseando-se em que deve ser livre a amisade assim como a alma, que é o seu sanctuario, e que para a harmonia e felicidade conju- gaes ella torna-se necessária, pensa que ninguém tem o direito de impedir que os parentes unam-se em casa- mento. Encarando a questão pelo prisma social parece que assim deve ser, desde quando não é justo que se queira fazer calar nos corações alheios o sublime sen- timento do amor que deve ser respeitado em sua li- berdade, a qual só deve ser tolhida, em bem da mora- lidade social e da pureza do lar para os matrimónios entre pais e filhos e entre irmãos. Para todo e qualquer contracto nupcial deve ser ouvida a opinião do medico da familia, pois só elle em tal caso tem o poder de conjurar o perigo quando elle ameace aos noivos. Infelizmente nem todos teem a sensatez precisa para assim pensarem; a paixão sem freios e o interesse vergonhoso são sempre collocados acima dos conse- lhos da sciencia; se estes fossem ouvidos e seguidos pelos interessados certamente diminuiria o numero de individuos deformes que estendem a mão esmoler á caridade publica, e os manicomios e hospitaes conta- riam entre os seus doentes um numero menor dos de vidos ás moléstias hereditárias. Não é necessário que os noivos sejam parentes para que se ouça a opinião do medico; mesmo entre estranhos ella torna-se util, pois a hereditariedade mórbida, de que se receia, é sempre a mesma. O medico chamado a dar o seu parecer sobre qualquer contracto de núpcias deve encarar diversas 38 condições para que possa mostrar com certeza as suas vantagens ou desvantagens. Os futuros cônjuges devem ser submettidos á um minucioso exame. Se nos noivos consanguineos e nas suas famílias não notar o medico a menor tara pode e deve aconse- selhar o casamento na certeza de que o resultado será satisfactorio; possuindo a familia caracteres salientes de perfeição maior direito tem de consentil-o na espe- rança de que elles serão pela herança levados ao qua- drado, como pensa B. Bert. No caso contrario, porem, pensamos que o enlace deve ser prohibido, ainda mesmo que o scientista tenha de fazer morrer nos corações dos noivos o amor reciproco. Basta a mais leve tara para o lado dos orgãos dos sentidos, qualquer moléstia de natureza nervosa, as moléstias de nutrição, o alcoolismo, a syphilis, a tuberculose, sob qualquer modalidade clinica apresen- tada pelos noivos, para que o medico lance o seu veto sobre a sua união, mormente quando apresentarem manifestações mórbidas idênticas. Não basta que apenas se examine os candidatos ao matrimonio; não basta ainda que se faça um exame summario sobre os pais de ambos; a historia patho- logica da familia deve também ser conhecida do me- dico, pois nem sempre a hereditariedade é directa. Além do estado de saude ou moléstia dos futuros cônjuges, deve-se considerar a idade dos mesmos, procurando sempre evitar as allianças precoces, serô- dias e quando houver differença grande da idade de um para a do outro. Destas condições depende o bom ou máo resul- 39 tado do matrimonio, já sendo tempo dos pais, sequi. osos do futuro de suas filhas, não as darem em casa- mento a indivíduos doentes, não se deixando levar pelos interesses mesquinhos, como o ouro ou o orgulho de raça; entre nós pouco se cuida dos interesses dos matrimónios emquanto á saude. Terminando, cathegoricamente, affirmamos que os casamentos consanguíneas só poderão trazer grandes lucros para a prole, comtanto que os cônjuges não apresentem estigmas de degeneração. Eis a nossa these! Se valor tem ella certamente é o de mostrar os nossos esforços para satisfazer ás exigências regu- lamentares. Foi necessário que escrevessemos um trabalho para a conquista das insignias doutoraes. Eis o nosso mui cheio de simplicidade á espera da critica sensata e da benevolencia dos mestres. Woposições G-W. D. PROPOSIÇÕES Anatomia descriptiva I Os rins estão situados quasi em symetria aos lados da columna vertebral, ao nivel das duas primeiras vertebras lombares. II Cada rim apresenta duas faces - uma anterior e outra posterior. III O peritonêo e o colon ascendente recobrem a face anterior do rim direito e o colon descendente a mesma face do esquerdo. Historia natural medica I A scilla (scilla marítima; é uma planta bulbosa da familia das Liliaceas. II O seu bulbo é pyriforme e as flores brancas. 44 III Emprega-se em medicina o bulbo que tem pro- priedades diuréticas preciosas nas hydropisias car- diacas; o seu principio activo é a scillitina. Chimica medica I A glycose ou dextrose, cuja formula é C2 H12 06, é um producto da hydratação das glycosides pela agua acidulada. II Encontra-se-a em muitos fructos e também nas urinas dos diabéticos. III Este corpo, que é um assucar aldehydico, tem propriedades diuréticas. Histologia I O tecido nobre do rim compõe-se de duas partes -uma central, a substancia medullar, a outra peri- pherica, a substancia cortical. II As pyramides de Malpighi, tubos conicos em numero de 8 a 10, rectilineos na substancia medullar, 45 e flexuosos na cortical, são dispostos de modo que a base olha á peripheria e o cume abre-se em um cálice, ao nivel do hilo. III As pyramides de Malpighi são constituídas pela reunião dos tubos de Bellini. Physiologia I O rim, além de importante orgão de secreção in- terna, é um dos principaes emunctorios da economia animal. II A actividade da secreção urinaria varia com a pressão sanguínea na artéria renal. III Ainda é variavel com a dilatação ou constricção dos vasos intra renaes. Bacteriologia I O bacillo de Koch, agente responsável pela tuber- culose,tem a forma de um bastonête delgado e ás vezes recto, de volume uniforme. II Os meios gelosados ou glycerinados prestam-se muito á sua cultura. 46 III Pode haver localisação tubereulosa nos rins pri- mitiva ou secundaria. Matéria medica, Pharmacologia e Arte de FORMULAR I Pode-se augmentar a acção de uma substancia medicamentosa associando-a a uma outra. II Usa-se do mesmo meio para augmentar-lhe a so- lubilidade. III A theobromina unida ao phosphato trisodico tor- na-se mais solúvel e de acção diurética mais energica. Anatomia e Physiologia pathologicas I Toda vez que a nutrição geral do organismo per- turba-se um ou diversos orgãos podem ser atacados de degenerescença amyloide. II A degenerescença pode ser endógena ou exógena em relação a um orgão, conforme a substancia amy- loide é formada ás custas dos albuminoides dos tecidos 47 ou, partindo de um fóco de suppuração, vai até este orgão por via de infiltração. III A degenerescença amyloide do rim é uma das mais communs, podendo o orgão atrophiar-se ou hy- pertrophiai -se. Pathologia cirúrgica I A ectopia renal pode permanecer por muito tempo em estado latente ou manifestar-se de modo brusco. II As dores abdominaes constituem os principaes symptomas subjectivos no segundo caso. III A nephropexia torna-se ás vezes necessária como tratamento da nephroptose. Clinica cirúrgica (2.a cadeira) I A hematúria, pyuria e a dôr lombar são os prin- cipaes symptomas da tuberculose renal. II Pode a hematúria ser um symptoma precoce. 48 III O único tratamento racional é a neplirectomia. Clinica cirúrgica (l.a cadeira) I Hematúria, tumor é dôr constituem a triade sym. ptomatologica dos tumores malignos dos rins. II \ Estes desenvolvem-se lentamente e teem pouca tendencia á generalisação. x Hl Consiste o tratamento único em fazer-se a nephre- ctomia. Operações e apparelhos I A nephrotonsia consiste na incisão simples do rim seguida de nepliorraphia. II Deve-se fazer a intervenção sempre por via lombar. x III A hemostase preventiva, que é necessária faz-se pela compressão manual ou instrumental do pediculo renal. 49 Clinica propedêutica I Para a palpação do rim o decúbito dorsal é uma bôa posição. II A palpação deve ser bimanual e durante a explo- ração deve o doente inspirar profundamente, facili- tando assim a palpação pele abaixamento do orgão. III O rim normal não é accessivel á palpação. Therapeutica I A theobromina, homologo inferior da cafeina, é o mais poderoso dos diuréticos renaes. II Mesmo no estado normal esta diurese se manifesta pela excitação que o medicamento exerce sobre o epi- thelio renal. III O uso da theabromina não determina nem accu- mulo do medicamento nem costume do organismo. 7-W. D. 50 Pathologia medica I A cólica nephretica é um conjuncto de symptomas revelador da lithiase biliar. II O seu principal symptoma é a dôr que,tendo inicio na região lombar irradia-se para diversos pontos. III A anuria calculosa é o mais temivel accidente da cólica nephretica. Clinica ophtalmologica I A retinite albuminurica desenvolve-se em 3 pe- ríodos - o de congestão, o de degeneração e o de regressão. II A sua marcha é sempre lenta, porém susceptivel de aggravar-se ou melhorar. III Ella pode constituir um dos symptomas do mal de Bright. 51 Clinica medica (2.a cadeira) I A insufficiencia renal é ás vezes um symptoma precoce da arterio-sclerose. II Este estado de meiopragia é mais funccional do que orgânico. III O poder toxico da urina neste caso é muito di- minuído. Clinica medica (l.a cadeira) I A chloruremia representa o papel principal na pathogenia do edema brightico. II Este edema tem por fim restabelecer o equilíbrio molecular entre o sangue e os tecidos. III A chloruremia traz em resultado a hypertensão arterial. 52 Clinica pediátrica I As nephrites agudas infantis toem como symptoma primitivo a pollakiuria ou a anuria. II A albuminúria é sempre abundante no inicio da moléstia. III A uremia de forma epileptiforme é mui comnium nas creanças nephriticas. Clinica dermatológica e syphiligraphica * I A nephrite syphilitica do 2\ periodo, bastante rara, começa quasi sempre insidiosamente. II ** Iniciando-se por um edema parcial, segue depois marcha rapida, trazendo uremia precoce. III Comporta um prognostico severo. Anatomia medico-cirurgica I Os rins estão collocados para traz do peritonêo sem terem com elle adherencia alguma. 53 II A utilidade desta disposição é poder-se intervir* sobre elles sem lesar o peritonêo. III Occupam na fossa lombar o espaço comprehen- dido entre a 12 •. costella e a cristã illiaca obstetrícia I A albuminúria gravidica é uma hepato-toxemia; o figado não podendo destruir as toxinas, estas accu- mulam-se nos rins, irritando-o. II O seu prognostico é sempre grave por ser ella quasi sempre um signal precursor da eclampsia. III As puerperas albuminuricas são predispostas ás hemorrhagias não só durante o parto como depois Hygiene I As visceras de qualquer animal são sempre mais suspeitas para a alimentação do que os musculos. 54 II Os rins dos animaes velhos, dos carnívoros ou dos doentes não devem entrar na alimentação. III Os dos animaes novos e herbívoros podem ser utilisados sob certas reservas. Medicina legal e toxicologia I Morte súbita é a terminação de um processo pa- thologico mais ou menos rapidamente e de modo im- previsto. II Muitas vezes suspeita-se que a morte súbita foi o resultado de um crime, porem o perito pode encon- trar pela necropsia lesões que veem explical-a. III As nephrites chronicas complicadas de uremia comatosa podem terminar-se pela morte súbita. Clinica obstétrica e gynecologica I O cancro do utero, que apparece quasi sempre após a menopausa, tem como symptoma premuni- torio uma hemorrhagia insidiosa. 55 II Quando elle propaga-se ao trigono vesical ou aos uretereos pode produzir a hydronephrose. III Neste ultimo caso a hysterectomia, além de diffi- cil, é perigosa. Clinica psychiatrica e de moléstias nervosas I Na forma classica da moléstia de Duchernne o primeiro periodo é iniciado pelas dores fulgurantes. II As crises renaes de natureza tabetica asseme- lham-se muito ás cólicas nephreticas, mormente quando se localisam na região lombar e são acompa- nhadas de vomitos. III A pollakiuria, a dysuria ou a anuria podem acom- panhar a crise tabetica renal. Secretaria da Faculdade de Medicina da Bahia, em 31 de Outubro de 1911. O SECRETARIO, Dr. Meuandro dos I^eis Me ire lies