FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA THESE Apresentada á Faculdade de Medicina da Bahia em 30 de Outubro de 1909 para ser publicamente defendida POR (* km* d« òomhaio INíuuhi ■ iíx-interuo do serviço physiotherapico do Hospital Santa Izabel Ex-iuterno de clinica ophtalmologica NATURAL DO ESTADO DA BAHIA AFIM DE OBTER O GRAO DE DoucroE?. em: Medicina DISSERTAÇÃO (CADEIRA DE OPHTALMOLOGIA ) Dos traumatismos ocuíares e suas consequências PROPOSIÇ0ES Tres soUre caia uma fias caieiras fio cnrso fie sciencias mefiico-cirurgicas BAHIA OFFICINAS DOS DOIS MUNDOS 35 — Rua Conselheiro Saraiva — 35 I9°9 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA Director —Dr. AUGUSTO CEZAR VIANNA Vice-Director —Dr. MANOEL JOSÉ DE ARAÚJO LENTES CATHEDRATICOS 1. SECÇÃO Os Drs. Matérias que leccionam José Carneiro de Campos Anatomia descriptiva Carlos Freitas Anatomia medicc-cirurgica 2. SECÇÃO Antonio Pacifico Pereira Histologia Augusto Cezar Vianna Bacteriologia Guilherme Pereira Rebello Anatomia e pliysiologia pathologicas 3. SECÇÃO Manoel José de Araújo Physiologia José Eduardo Freire de Carvalho Therapeutiea 4. SECÇÃO Josino Correia Cotias Medicina legal e toxicologia Luiz Anselmo da Fonseca Hygiene 5. A SECÇÃO Antonino B. dos Anjos Pathologia cirúrgica Fortunato Augusto da Silva Operações e apparelhos Antonio Pacheco Mendes Clinica cirúrgica, i.a cadeira Braz Hermenegildo do Amaral Clinica cirúrgica, 2.a cadeira 6. SECÇÃO Aurélio Rodrigues Vianna Pathologia medica Clinica propedêutica Anisio Circundes de Carvalho Clinica medica, i.a cadeira Francisco Braulio Pereira Clinica medica, 2.a cadeira 7. SECÇÃO José Rodrigues da Costa Dorea Plistoria natural medica Antonio Victorio de Araújo Falcão .... Matéria medica, pharmacologia e arte de formular José Otympio de Azevedo Chimica medica 8. SECÇÃO Deocleciano Ramos Obstetrícia Climerio Cardoso de Oliveira Clinica obstétrica e gynecologica 9. SECÇÃO Frederico de Castro Rebello Clinica pediátrica 10. SECÇÃO Francisco dos Santos Pereira Clinica oplitalmologica 11. SECÇÃO Alexandre E. de Castro Cerqueira Clinica dermatológica e syphiligraphica 12.* SECÇÃO Luiz Pinto de Carvalho Clinica psychiatrica e de moléstias ner- vosas João Evangelista de Castro Cerqueira. . . í „ , Sebastião Cardoso } disponibilidade Os Drs. : José Affonso de Carvalho . . . i.a Secção Gonçalo Moniz S. de Aragão . ) Julio Sérgio Palma j 2a ” Pedro Luiz Celestino 3.a » Oscar Freire de Carvalho . . 4.a » Caio O. Rodrigues Moura. . . 5.a » João Américo Garcez Fróes . 6.a -> LENTES SUBSTITUTOS Os Drs. : Pedro da Luz Carrascosa . . ) José Júlio de Calasans . . . j 7-a Secção José Adeodato de Souza. . . 8.a » Alfredo F. de Magalhães . . g.a » Clodoaldo de Andrade . . . io.a » Albino A. da Silva Leitão. . n.a » Mario de Carvalho Leal. . . i2.a » Secretario —Dr. MENANDRO DOS REIS MEIRELLES Sub-Secretario — Dr. MATHEUS VAZ DE OLIVEIRA A Faculdade não approva nem reprova as opiniões exaradas nas theses pelos seus auctores. PREFACIO Vae, paginas adiante, a titulo de tliese, este nosso pequeno trabalho, que como prova ultima de nossos estudos de academia, servirá de testemunho insophismavel do gráo de doutor em medicina. Nas poucas paginas que elle resume, é possível o leitor encontrar muitas falhas, justificáveis para quem pela primeira vez apparece 110 campo da sciencia, impulsionado pelo dever de estudante, levado por obrigação estricta ao cumprimento de uma lei, que nos determina a assim procedermos. Não vae semeiado de phrases literárias porquanto a nossa falta de competência não permitte que assim o seja, apenas procuramos, em linguagem clara e termos precisos, satisfazer a bondade dos que nos lerem. Dissertando sobre a cadeira de Oplitalmologia, ramo essencial da medicina, recorremos a um ponto que nos offerece um vasto campo de observações as mais variadas, dando a este trabalho um caracter um tanto pratico, figurando nelle um numero limitado de casos observados por 2 nós em doentes da clinica de olhos dos Drs. Santos Pereira e Ribeiro dos Santos, durante tres annos de frequência no Hospital Santa Izabel. Intitulando, Dos Traumatismos Oculares e suas conse- quências não cuide o leitor que irá encontrar tudo o que se pode desejar sobre o assumpto, apenas vamos dar um resumo aproveitável do que se tem escripto de mais importante sobre as lesões traumaticas produzidas no apparellio visual. Para isso, compulsamos as obras mais modernas sobre o assumpto e um variado numero de revistas scientificas modernas, as quaes nos prestaram um grande auxilio na confecção deste trabalho, pela variabilidade de artigos importantes e observações diversas, escriptas e observadas por ophtalmologistas de valor, do velho mundo, sobre os traumatismos oculares. Incontestavelmente o campo é vasto, e sua importância capital recáe para o lado da medicina legal, porque as manifestações que podem provir de um traumatismo, mesmo minino, do apparellio visual, são as mais variadas, produzindo em consequência lesões sérias, irreparáveis muitas vezes, de prognostico gravissimo; e se o medico-legista não conhecer bem a ophtalmologia, certamente não poderá julgar do ferido, nem tirar uma conclusão exacta do que possa acontecer, nem avaliar o tempo necessário para uma cura completa. Casos ha em que só muito depois do traumatismo, muitos annos mesmos (casos de Roux et Renaud, Baudry, Arlt, e um caso do Dr. Santos Pereira que só 40 annos depois veiu se manifestar a lesão), as manifestações vêm se produzir, e nestes casos é que o preparo do clinico se reconhecerá. Dahi a importância que devemos dar a semelhantes lesões cujo tempo é indeterminado para produzir suas consequências. 3 Os traumatismos oculares têm uma importância medico- legal principalmeute nos paizes onde a vida do operário é cuidada com o devido interesse, onde lia leis cpie protegem estes mesmos operários, quando circumstancias occasionaes os predispõem a accidentes vários durante o traballio. As feridas oculares, bem como as das outras partes do corpo, são antes de tudo profissionaes e a sua concurrencia depende da importância das industrias e do emprego das macliiuas. H certamente a classe do operariado a que maior contin- gente de feridas nos offerece á observação; é nos meios industriaes que as lesões traumaticas oculares attiugem seu máximo de frequência, nas grandes usinas metallurgicas, nos numerosos ateliers de construcção mecanica, nas diversas ofhcinas, onde a vida é o trabalho, ua exploração das minas, etc. O gráo elevado de porcentagem que occupam, nas esta- tisticas medicas industriaes e nas estatísticas de moléstias dos olhos, os traumatismos oculares, é sufficiente para demonstrar a sua real importância. Se tornaria enfadonha a enumeração de todas as esta- tísticas de moléstias oculares cpie revistamos e que teríamos de citar aqui sempre occupando um gráo superior os traumatismos dos olhos; apenas nos contentamos de men- cionar as que se seguem, attestando sobremaneira a asserção de nossas palavras. Praun apresentou no anno 1887 uma estatística sobre 15970 doentes, das quaes 914 pertenciam a feridas oculares, ■—5,77 por cento; Hoppe sobre 4972 feridos, observou 275 dos olhos, — 5,5 por cento; as estatísticas allemães e suissas dão uma média de — 5,72 — 5,90 por cento; a estatistica da 4 clinica de olhos do Hospital Santa Izabel a cargo do Dr. Santos Pereira, recolhida por nós nos livros de registro clinico, desde o anno de 1891 a 1908 sobre 1358 doentes dos olhos, dá 126 feridos—11,62 por cento; finalmente a estatística que Praun recolheu proveniente de ophtalmo- logistas de differentes paizes sobre 444,819 doentes, nos dá 6,65 por cento em relação com os traumatismos. Nas zonas industríaes esta cifra sobe a 8 por cento e nas clinicas especiaes a 10, 11 e 12 por cento em relação com as outras moléstias oculares. Do que ficou acima dito devemos reconhecer o valor real e incontestável que tem os traumatismos oculares sobretudo por suas consequências. São tão variadas as manifestações provenientes destes traumatismos, que seria impossível nomeal-os neste pream- bulo, o que o leitor encontrará 110 corpo deste trabalho, apreciando então a sua verdadeira importância. Para bem obedecermos a uma regra simples e commoda, dividiremos o nosso trabalho em vários capítulos, tratando cada um especialmente das lesões tramnaticas que podem provir em cada parte constituinte do globo ocular: cornea, esclerotica, iris, retina, etc., e terminaremos com uma serie de observações mais ou menos importantes sobre o assumpto em questão. Antes de terminarmos, patenteamos, em breves palavras o nosso reconhecimento sincero ao eminente professor Dr. Santos Pereira, pelo aproveitamento que tiramos das 5 suas agradaveis e proficientes lições, bem como da convi- vência intima, toda de amizade a nós dispensada durante o tempo que servimos como luimilde auxiliar 11a clinica de olhos. Convictos na justiça e benevoleucia dos que nos lerem, ficaremos certos de que as falhas que irão encontrar neste trabalho serão relevadas, porquanto não tentamos fazer obra de grande valor scientifico, nem por tal se pense, mas apenas mostrar o nosso esforço perante os mestres, os collegas e a familia. capitulo 1 Txesões traumaticas da cornea A cornea é uma membrana transparente engastada 11a abertura anterior da esclerotica, occupando a parte mais visível e saliente do globo ocular. Os traumatismos da cornea, devido á situação superficial que occupa esta membrana e á posição em relação ás outras partes do orgão, são mais frequentes que em qualquer outra parte do apparellio visual. As feridas desta membrana podem occupar toda a camada corneana ou apenas limitar-se a uma porção delia, central ou peripherica. Os traumatismos da cornea são produzidos por agentes exteriores os mais variados, desde a simples poeira até o instrumento mais grosseiro. As picadas determinadas por instrumentos diversos, cortantes e picantes (agulhas, alfinetes, pennas de escrever, canivetes, unlias crescidas), as contusões, as queimaduras variaveis pelos agentes cáus- ticos (a potassa, a soda, a cal, os diversos ácidos, os agentes líquidos e gazosos super-aquecidos), os corpos estranhos em geral (as poeiras, os fragmentos de madeira, os estilhaços 8 de vidro, cobre, zinco), constituem as maneiras porque se dão estes traumatismos. As picadas da cornea quando produzidas por instru- mentos de pequeno volume curam-se facilmente e com rapidez, sem deixar as mais das vezes traços apreciáveis á vista desarmada. Suas consequências são por assim dizer despreziveis; no entretanto, muitas vezes, apparecem symptomas de reacção notáveis, como a pliotopliobia, o lacrimejamento, dores pronunciadas e a keratalgia traumatíca, cuja consequência é a duração muitas vezes longa, durante mezes acompa- nhada de dores exacerbantes, apezar de um tratamento serio. A picada da cornea é relativamente frequente entre as creanças que se servem de pennas de escrever; estas lesões são tanto mais graves quanto o instrumento é mais séptico, trazendo complicações funestas, como as keratites suppu- rativas, as irites, que por sua vez se acompanham de um prognostico desagradavel, ao ponto de vista da agudeza visual. Estes accidentes podem, fazer ainda, receiar conse- quências mais graves, a perda de um olho por panophtalmia, quando o estado geral do indivíduo (velhice, debilidade pelo alcoolismo, diabete, albuminúria) offerecer campo ao desenvolvimento dos germens levados pelo agente ou já encontradas 11a visinhança da ferida (secreção da conjunctiva, das palpebras, do apparelho excretor das lagrimas). Uma ferida profunda, irregular, séptica cura-se também leutamente, deixando, porém, como herança uma cicatriz mais ou menos extensa e opaca constituindo leucoma, cuja extensão e opacidade estarão em relação com as dimensões da ferida inicial e a infiltração destruidora devida á infecção, 9 donde a diminuição da agudeza visual e dalii o prejuiso que causa a certas profissões, como ourives, relojoeiro, guarda- livros que devem ter a visão a mais apurada para os misteres do seu trabalho. As feridas contusas da cornea, taes como as produzidas por pedradas e outros agentes sépticos, são lesões graves, porque ellas têm grande teudeucia a suppurar, graças á septicidade dos mesmos agentes, das secreções do contendo lacrimal e das bordas das palbebras. O estado contuso da ferida prepara um terreno dos mais favoráveis ao pollulamento dos germeus, donde se observa muitas vezes a keratite suppurada (keratite e ulcera com hypopiou). As feridas penetrantes de uma certa extensão, sobretudo quando são situadas na peripheria se complicam de collação da iris á parede posterior da cornea, constituindo synecliia anterior, ou se complicando de prolapso ou encravamento de uma parte do diapliragma iriano. Este accidente tem por vezes consequências graves, com leucoma adherente, glaucoma secundário, irido-clioroidite seguida de atropliia do globo. Um traumatismo violento produzido por instrumento penetrante póde destacar muitos cilios das palpebras e introduzil-os 11a camara anterior, mais raramente no corpo vitreo, depois de ter atravessado a cornea, gosando o papel de corpos estranhos sépticos. A cornea devido á sua elasticidade, escapa muito facil- mente ás roturas; a contusão desta membrana através da espessura das palpebras instinctivamente cerradas, não tem consequências sombrias, senão quando o abalo é com- municado ao globo todo inteiro e seguido de lesões das 10 outras partes mais profundas, iris, crystallino, clioroide e retina. A contusão directa e moderada por um fragmento de madeira, de metal obtuso e pouco volumoso, sobre um ponto bem circumscripto da cornea, se acompanha, geralmente, de uma destruição do epithelio que verificamos facilmente, se observarmos logo após o traumatismo. Esta lesão se repara sem deixar traços, quando a perda de substancia não é infectada por agentes pathogenos. Mas não será do mesmo modo em caso de traumatismo violento ou de septicidade das secreções da conjunetiva e das vias lacrimaes, porque então a infiltração purulenta, a necrose dos elementos corueauos se terminarão pela ulceração ou pela perfuração da membrana, donde um vasto leucoma adherente, um largo staphyloma e por vezes a perda com- pleta da visão, do olho lesado, segundo a marcha do processo destruidor. Em outros casos einfim, uma panophtalmia succede a uma keratite suppurativa. Os corpos estranhos da cornea são mais observados; a sua frequência é considerável. Para darmos uma ideia desta fre- quência, citaremos aqui a estatística publicada por Yvert, (’) conforme a qual este auctor, sobre 342 casos de traumatismos oculares de toda especie, couta 142 observações de corpos estranhos da cornea, isto é, 41 por 100, ou perto da metade. Nos grandes meios indnstriaes, onde uma chusma avul- tada de operários esgota as suas forças 110 trabalho diário; (i ) Journal d'hygiene publique et de mèdecine legale. 1895. 11 lias officinas mecauicas, nas de ferreiro, nas metallnrgicas, os corpos estranhos offerecem margem suíHciente para observações as mais variadas. Partículas de carváo, fragmentos e palhetas metallicas irregulares destacadas das ferramentas (martellos tesouras), estilhaços de madeira, pedaços de vidro, poeiras, etc. são os agentes mais observados que attingem a cornea. Ê muito conimum nos indivíduos que viajam em caminhos de ferro, nos empregados no transporte de carvão de pedra, nos conductores de locomotivas, observarmos fragmentos de carvão e poeira nos olhos. Bm geral estes agentes não são bem tolerados, por isso devem ser retirados o mais brevemente possível, afim de evitar manifestações secundarias que possam provir dahi. vSe o corpo estranho não for retirado ’a tempo, a sua eliminação se fará por via de suppuração, a cornea se ulcera facilmente e com rapidez deixando uma cicatriz com opaci- dade da membrana. Quando a eliminação se faz por suppuração, notamos certos phenomenos irritativos violentos, sobretudo hype- remia e inflammação da iris que se terminarão pela formação de um hypopion e synechiàs. Podem, no entretanto, pequenos corpos metallicos ficar implantados 11a cornea sem produzir embaraço nem reação apreciáveis, ficando ignorados do ferido; mas para que isso se dê ha uma condição indispensável e necessária, é cpie estes corpos sejam de todo asepticos, sem o que não poderiam permanecer, ficando a cornea incólume. Estes corpos são facilmente reconhecidos pela illumi- nação obliqua, principalmeute quando algumas gottas de fluoresceina são instilladas 110 olho lesado, as quaes coloram 12 em verde a porção da substancia sobre a qual o corpo estranho se destaca em parte. Nem sempre estes corpos são superficiaes, muitas vezes proeminam 11a camara anterior indo offender a iris e o crystallino, donde as irites e as cataratas traumaticas. Bstes traumatismos podem produzir lesões sérias: inflammações diversas, hyperemia, e keratites infecciosas. Em um trabalho publicado em 1888, sobre 180 casos de corpos estranhos da cornea, Baudry (*) notou 5 casos de complicações sérias. Uma vez a keratite iufecciosa produziu a perda completa do olho e 3 vezes leucoma extenso com perda de x/2 agudeza visual. Precisamos ter em conta certos factores pathogenicos que vêm agravar o traumatismo, taes como as aíTecçÕes das vias lacrimaes (dacryocistites) e da conjunctiva (conjun- ctivite muco-purulenta), as moléstias geraes, a cachexia senil e alcoolica, a surmenage, etc., e sobre este assumpto, Baudry, em sua these de doutoramento, indica a influencia considerável sobre a cicatrisação de uma ferida corueana pelas moléstias das vias lacrimaes e da conjunctiva e pelo estado geral. Nas queimaduras da cornea quasi sempe são interes- sadas as partes vizinhas, esclerotica e conjunctiva, e são os corpos solidos, líquidos ou gazosos super-aquecidos e os agentes chimicos, que em geral produzem semelhantes traumatismos. (i) Baudry — Trautuatismes de l’oeil et annexes. 13 Comtudo a cornea pode ser alvo exclusivamente dos corpos solidos em ignição. A queimadura pela cal viva é frequentemente observada, por causa do emprego diário que se faz desta substancia. Blla age em certos casos com uma tal energia que trans- forma a cornea em verdadeira papa (bouillie). Ouanto ao diagnostico destas lesões Baudry se refere do seguinte modo: «É difficil e delicado o diagnostico do gráo de queimadura da cornea. Se entretanto a cornea não apresenta senão uma leve perda epithelial ou uma opaciíicação diaphana, de um cinzento pallido, que deixe perceber o bordo pupillar, algumas semanas de tratamemto bastarão para trazer a cura completa da ferida.» O prognostico das queimaduras isoladas da cornea varia segundo a extensão, a natureza do corpo comburente, desde a simples escamação epithelial ate a ulceração e necrose completa seguida de perfuração e perda absoluta do ollio. Bllas apresentam os mais graves perigçs depois do accidente; a cornea se perturba immediatamente, reveste-se de uma eschara espessa, branca, seguida de suppuração, que pode arrastar a destruição desta membrana ou do olho propriamente. Devemos ser muito reservados no prognostico destas feridas durante os primeiros dias e só depois da queda da eschara é que poderemos pronunciar-nos sobre sua conser- vação. Os ácidos em geral, a agua em ebulição, os gazes inflammados, produzem desordens consideráveis (necrose da cornea, atrophia do globo, leucomas adherentes seguidos de glaucoma, ophtalmia sympathica) e frequentemente trazem a perda absoluta da visão. 14 Os metaes incandescentes e fuziveis determinam lesões snperficiaes e profundas. A gravidade destas feridas está em relação com o gráo de fusão e a natureza dos metaes. Nas feridas snperficiaes, a escliara delgada se desprega facilmente, mesmo no pestanejar; nas profundas, os metaes transformam uma parte da cornea em escliara profunda, cuja queda determina a perfuração desta membrana seguida de panoplitalmia e perda do ollio. A polvora queima a cornea por seus gazes e grãos, dei- xando nesta membrana incrustações diversas e opacidades, arrastando um certo embaraço 11a visão; outras vezes perfura e ulcera. Um symptoma importante nos traumatismos da cornea é a keratalgia traumatica. A ferida mais insignificante pode produzir este plieuomeno. O Dr. Cauvin, de Nice, em 11111 artigo sobre a kera- talgia traumatica, publicado nos Arc/úves d' Ophtalmologie, Março 1908 se pronuncia deste modo «o traumatismo é sempre o ponto de partida e, coisa curiosa, trata-se, muitas vezes, de um traumatismo insignificante, de 11111 choque ligeiro: unliada (coupd’ongle) de 11111a creança (Hansen, Grand-clement, Blessig); ferida feita por um ramúsculo de arvore, por 11111a folha de vinha (Grandclemente, Sclirceder), pelo bico de um pintainho; attrito da cornea pela cauda de um cavallo (Schweinitz), por um angulo de uma carta de visita (Panas), pelo elástico de 11111 atilho, por 11111 confetti e pela extremidade de 11111a luneta (Cauvin)». Esta keratalgia pode ser passageira 011 persistir por um tempo longo. Em outros casos, einfini, uma paiiophtalmia suecede a uma keratite traumatica suppurativa. CAPITULO II Lesões tranmaticas da esclerotica Depois da cornea que se aclia 11a parte mais saliente do globo do ollio, segue-se a esclerotica que é esta membrana de cor branca, entre os adultos e azulada entre as creanças, forrando quasi em totalidade o globo ocular, estendeudo-se da periplieria da coruea ao polo posterior do mesmo globo. Por sua situação superficial ella está condemnada a frequentes traumatismos de toda especie: contusões, quei- maduras, corpos estranhos, feridas picantes, cortantes, etc. As feridas da esclerotica, em si próprias, não são graves, quando só interessam esta membrana e não são infectadas. Quasi sempre ellas se acompanham de lesões das outras partes do globo, cornea, clioroide, retina, corpo vitreo, nervo optico e então fazem parte das feridas penetrantes do olho. As contusões produzem ligeira inílammação que se curam com facilidade. Os corpos estranhos, em geral, fragmentos metallicos, pedaços de vidro, que se encravam na esclerotica sem perfural-a, são facilmente retirados; os grãos de polvora, porém, devem ser conservados se elles são muito numerosos, 16 porque a sua extraeção virá trazer prejuízos ao ferido, pois a tatuagem que delles resulta é geralmente iuoffensiva. As queimaduras da esclerotica são devidas á fusão dos metaes (ferro, cobre), aos agentes cliimicos (potassa, cal, acido snlfurico etc.); a aeção destes corpos não se limita á mucosa conjuuctival. A esclerotica é liabitualmente necrosada e em conse- quência desta necrose o olho perde-se por tisica, depois de um tratamento de longa duração. Importa, pois, ao medico não se deixar illudir pela apparencia superficial destas quei- maduras, o pouco de reacção inflammatoria e a benignidade dos symptomas funccionaes que nos primeiros dias as acom- panham, sob pena de commetter um erro de prognostico. As lesões traumaticas de maior importância, qne obser- vamos 11a esclerotica, são as que resultam da perfuração e rotura desta membrana por agentes picantes, cortantes e contundentes, importância que é de um gráo elevado segundo a parte lesada. Bstas feridas embora não sejam muito frequentes, também não são raras. Os meios profissionaes nos quaes mais se observa são as officinas de metal 1 urgia, os matadouros de gado, os estaleiros de construcção. Fora desses priucipaes centros, na vida coinmnm, fra- gmentos metallicos, pedaços de vidro, pontas de faca, de tesoura, estilhaços de espoleta, as produzem diversamente. Quando o agente productor da lesão não tem offendido o crystallino e o corpo cilliar ou não esteja carregado de germens infecciosos, o prognostico destas feridas é benigno; 110 caso contrario, complicações sérias serão a temer, como a catarata traumatica, a irido-clioroidite, a panophtalmia, etc. 17 Tres feridos, observados por Baudry, desta categoria, curaram-se perfeitamente sem cpie tivessem perda sensivel da visão central e do campo visual. Butre um delles liavia ligeira sahida do corpo vitreo; nos dois outros casos tratava-se de picadas de agulhas. Se as feridas penetrantes da esclerotica occuparem o hemispherio posterior do olho, embora a cura se dê rapida- mente e sem complicações, quando o agente é aseptico e não haja evacuação notável do corpo vitreo, o seu prognostico é serio porque ulteriormente pode dar-se a perda completa da visão por estreitamento do campo visual, em consequência do descollamento retiniano pela retracção da cicatriz esclerotica. A este respeito, Baudry se pronuncia admiravelmente: «As largas soluções de continuidade, as feridas irregulares, as complicadas de feridas simultânea da cornea, da iris, do corpo ciliar, da choroide, da retina, do crystallino, de uma abundante sahida do conteúdo do olho, têm habitualmente as ma is graves consequências e terminam-se depois de longos mezes de tratamento e soffrimentos, pela perda absoluta do orgão ferido. A este respeito as feridas esclero-corneanas profundas, isto é, as queattiugem as partes subjacentes e em particular o corpo ciliar são de uma extrema gravidade e se terá sempre a temer a perda do outro olho por transmissão de accideutes sympatliicos». Numa relação sobre a intervenção cirúrgica das feridas do olho com penetração de corpos estranhos, o Dr. Coupez apresenta-nos uma estatística de 720 casos de lesões do olho, dos quaes 96 foram produzidos por corpos estranhos; desta relação, elle nos indica ainda que 421 olhos foram perdidos e 52 feridos tornaram-se completamente cegos. 18 Os accidentes sympathicos foram contados na razão de i para 7 casos. Dentre as complicações ordinárias das feridas penetrantes da esclerotica, umas são immediatas e outras tardias. Uma abundante perda do corpo vitreo, uma hemorrhagia intra ocular, o incravamento da iris, a luxação e opacificação do crystallino, o descollamento primitivo da retina, a secção do nervo optico, a presença de um corpo estranho, constituem as primeiras; a suppuração, a irido-choroidite, o descolla- mento tardio da retina, os accidentes sympathicos e a atrophia, pertencem ás segundas. O prognostico das feridas penetrantes da esclerotica é muito grave. Sobre este assumpto escreve o Dr. Salvador Fribourg (T) em sua tliese de doutoramento: «O prognostico das feridas penetrantes do globo ocular tem, em todos os tempos, sido considerado como muito grave; tão grave mesmo que Mr. Gayat em 1866, julgou poder tirar as conclusões seguintes de um trabalho publicado 110 Lyon Medicai «i.° toda ferida do corpo vitreo põe a visão em perigo; 2.0 toda ferida profunda do corpo vitreo constitue um perigo permanente de irritação sympathica para o olho não ferido.» Foi incontestável o que disse Gayat em 1866; mas com os progressos da cirurgia ocular vemos os casos recru- descerem de um modo sensivel, e como prova temos a citar duas observações de Lapersonne e Terrien (2). Na primeira, doente de Lapersonne, foi uma ferida escleral com sahida (1) Plaies penetrantes de la sclerotique — Tliése de Paris. (2) Rccueil (VOphtalmologie. Fevereiro 1908. 19 do corpo vitreo, por estilhaço de syphão — o doente soffreu a resecção e sutura com cat-gut e teve cura com visão de 0,5. Na segunda, Terrien observou uma ferida penetrante da esclerotica interessando a região cilliar com sahida do humor vitreo; houve sutura e cura com visão normal. Coiisequentemente a um clioque violento, a uma contusão do globo ocular (chifrada, extremidade de uma bengala, ou de outro instrumento qualquer, a queda sobre um movei) a esclerotica se rompe, e estas roturas são tanto ma is fáceis quanto o estado anterior do olho era doente ou attingido de uma esclerc-choroidite chronica, atrophiante. Nas roturas da esclerotica, a clioroide pode ser ou não interessada. Quando esta membrana é lesada, rota, o crystallino é luxado para fora e fica encravado entre os lábios da ferida ou debaixo da conjunctiva; o corpo vitreo apresenta sym- ptomas reaccionaes notáveis. Na expulsão completa do crystallino, um certo numero de feridos tem podido conservar um certo gráo de visão; infelizmente, porém, no maior numero delles a cura não é senão apparente, complicações múltiplas se manifestam e determinam a perda completa da funcção visual em conse- quência da tisica do globo. A oplitalmia sympathica não é rara nestes casos; Panas (*) cita 9 casos em relação, com roturas sub- conjunctivaes. (x) Panas — Élements d'Ophtalmologie. 20 Se a clioroide e compromettida, esta e a iris, devido a pressão intra-ocular, fazem procideucia e dão logar depois da cicatrisação a um stapliyloma esclerotico, com todas as suas consequências sombrias para o futuro; a pupilla deforma-se e coustitue coloboma, o crystallino impellido para a ferida, em consequência da zouula de Zinu, se opacifica e comprimindo a iris e o corpo cilliar, determina uma irido-cyclite que ameaça sympatliicamente o lado opposto (Arít); (*) a retina pode não ser compromettida mas ella se descolla frequentemente. Quanto á ferida do corpo cilliar, ella agrava o prognostico no máximo. (i ) Arlt—Letions de Clinique Ophtamologique, CAPITULO III Lesões traumaticas do crystallino A lente crystallina, situada immediatamente para traz da membrana iris e para diante do corpo vitreo, está sujeita como todas as outras partes do apparellio da visão aos traumatismos os mais acceutuados; taes são a commoção, a contusão, as feridas penetrantes e os corpos estranhos. As suas lesões se manifestam pela luxação e sub-luxação e pela catarata traumatica. LUXAÇÕES E SUB-LUXAÇÕES TRAUMATICAS E geralmente em seguida de uma commoção, diz Baudry, devido a um abalo da caixa craueaua ou do corpo todo, em seguida de uma contusão directa do ollio por um soco, uma bengalada, uma bola de jogo, uma ferida tendo interessado a zonula de jZinn, que o crystallino soffre deslocamentos. Segundo a direcção e violência do choque traumático e o gráo de resistência do ligamento suspensor a lente pode occupar pontos diversos que não o normal; assim é que nas sub-luxaçÕes o logar preferido é a fossa hyaloidiana, ao 22 passo que nas luxações, propriamente, irá occupar a camara anterior ou o liumor vitreo. Quando o traumatismo dér logar a uma rotura da escle- rotica ou da cornea, a lente poderá occupar o tecido cellular sub-conjunctival ou mesmo ser projectado á distancia. Bstas lesões dão logar a symptomas objectivos e sub- jectivos bem caracterisados. Pelo exame comparativo dos dois olhos, notamos a desigualdade de profundeza da camara anterior, o tremor da iris, signaes ophtalmoscopicos e perturbações visuaes clarividentes. Segundo o gráo de deslocamento as sub-luxaçÕes da lente são seguidas de perda do poder accommodador e um certo gráo de astigmatismo irregular myopico, e nos casos de desvio pronunciado, de phenomenos de diplopia 1110110- cular e polyopia. Nos casos de luxação parcial em que o crystalliuo fica engastado no orifício pupillar, plienomenos glaucomatosos apparecem; quando a luxação é completa e a crystalloide é despedaçada ou intacta, vindo a lente occupar a camara anterior entre a cornea e a iris, o crystalliuo rapidamente se opacifica e provoca, algumas vezes, plienomenos de glaucoma, ou então demorar-se-á inoffensiva no liumor aquoso. Mas geralmeute a lente adhere quer á cornea quer á iris determinando uma keratite ulcerosa ou uma irio- cliorio-cyclite clironica glaucomatosa, precisando muitas vezes, 11a grande maioria dos casos, a intervenção operatória. Na luxação da lente para o corpo vitreo «mais frequente e menos grave», nenhuma reacção pode se verificar durante annos, nas condições que a crystalloide esteja intacta, ficando o olho indolente; outras vezes, ao contrario, devido 23 a mobilidade da lente, esta é o ponto de partida de unia irido-cyclite chrouica, de glaucoma e accidentes synipathicos. Bm um caso publicado por M. Dermett, (*) a irritação sympatica não se manifestou senão trinta e cinco annos após a luxação. j CATARATA TRAUMATICA «Todas as lesões traumaticas que abrem a crystalloide têm por consequência uma opacidade do crystallino» (Fuclis). «A mais leve ferida do crystallino determina a producção de uma catarata traumatica.» (Tillaux). «As mais pequenas feridas do crystallino ou de sua capsula dão logar quasi sempre a uma catarata traumatica. Do mesmo modo, porém menos frequentemente, uma com- moção ou uma contusão ocular» (Dr. D. Giraud). (2) A catarata traumatica typo resulta habitualmente da acção directa de um instrumento picante, cortante ou con- tundente, de um corpo estranho, o qual depois da abertura da capsula ocular tem interessado a crystalloide e a lente. Um caso observado por nós este anuo (observação XIII) vem confirmar as definições acima. Foi uma simples con- tusão do olho direito por um pedaço de páo, que chegou a produzir uma catarata traumatica no O. D., complicando-se depois, por sympathia, de irite no O. B. Não é muito frequente a catarata traumatica; nas estatisticas ella representa uma media de 3 a 5 para 1.000 affeccões oculares. ( i ) Archives provinciales dc churgie. 1904. (2) Accideuts du travail portant sus 1’appareil de la vision (Thèse. Paris). 24 Os corpos estranhos gosam o papel mais importante na etiologia desta lesão ocular; fragmentos metallicos, capsulas de espoleta, grãos de clinmbo, pontas de tesouras, de agulhas (caso de Lagrange), de canivetes, pennas, etc.; depois segne-se a contusão produzida de diversos modcs, quedas interessando a cabeça, golpes determinados por agentes externos. Em nossas observações, contamos quatro casos de catarata traumatica. (I, II, VI, XIII). A catarata traumatica pode manifestar-se pouco tempo depois do traumatismo, «já no fim de algumas horas na vizinhança da ferida capsular se encontra o crystallino opacificado» (Fuchs). (*) Bsta ©pacificação é em geral rapida e se desenvolve nos dias immediatos nos quaes o traumatismo se deu; mas também, por vezes, o accidente pode remontar a alguns aunos antes do apparecimento da catarata. Truc e Vallude, (2) citam o exemplo de um dos seus doentes, ao qual sobreveio uma catarata dez annos depois de uma quéda de um cavallo, tendo provocado uma fractura do craueo. Taes cataratas traumaticas tardias, felizmente muito raras, são interessantes para a medicina legal industrial. A catarata traumatica sobrevem em todas as pliases da vida, e seu desenvolvimento está 11a razão directa da idade, da extensão da ferida capsular e do estado anterior do olho. São mais rapidamente cataratados os individuos moços por causa da molleza do crystallino, e a imbibição das ( i ) ( Puchs) — Manuel d’Ophtahnologie. ( 2) True e Vallude — Nouveaux élcmcnls d)Ophlalmologie. 25 fibras da lente é mais facil que no velho, de crystallino esclerosado. Uma ferida estreita pode determinar uma catarata local e ficar local. Uagrange cita o caso de uma mulher que tinha recebido uma picada de agulha no crystallino, 20 annos antes do apparecimento da lesão e que apresentava 11a parte superior da lente um ponto opaco, então que todo o resto do crystallino era perfeitamente transparente. Uma ferida linear produzirá uma catarata mais extensa; uma lesão larga e profunda, uma catarata completa. O desenvolvimento da catarata é muito rápido; as fibras lenticulares em caminho de intumescência acercam-se da ferida da capsula e vêm cahir sob a forma de flocos acinzentados 11a camara anterior, que ellas podem preencher. Bstes flocos são em parte absorvidos pelo humor aquoso; mas a medida que elles vão soffrendo a reabsorpção, novos se vão formando, a opacificação vae ganhando terreno e em alguns dias a catarata está completamente formada. Bstas cataratas trazem complicações sérias e frequentes, das quaes assignalaremos a inflammação de origem mecanica e infecciosa que se manifesta sob a forma de irido-cyclite e o desenvolvimento de uma hypertonia. A irido-cyclite pode produzir adherencias do crystallino opaco com a iris e o corpo ciliar, adherencias que tornarão mais difficil, ulteriormeute, a operação da catarata. Quanto mais grave é a inflammação, mais o olho está ameaçado de se perder completamente por panophtalmia ou irido-cyclite plastica com atrophia bulbar. A hypertonia é produzida pela intumescência das fibras lenticulares que desenvolvendo-se rapidamente traz em 26 consequência phenomenos glaucomatosos, que não sendo tratados seriamente podem determinar a perda da agudeza visual por excavação do nervo optico. A catarata traumatica é susceptivel de cura completa expontânea ou de cura incompleta, pela reabsorpção do crystallino opacificado, a pupilla tomando a cor e transpa- rências normaes; o olho torna-se então opliako. A reabsorpção é mais commum nos indivíduos jovens e quanto mais consistente fôr a catarata, quanto' mais velho 0 fôr o individuo ella se fará mais lenta e menos completa; neste ultimo caso a catarata determinará opacidades mais ou menos extensas, bastante densas e se sobrevier uma irite ou phenomenos de glauçoma, a catarata se tornará adherente e o prognostico sob ponto de vista da visão será desagradavel. A catarata pode ainda complícar-se de accidentes não infecciosos, entre os quaes a luxação da lente, a presença de um corpo estranho intra-ocular, uma ferida concumitaute das differentes partes do olho cujas consequências são das mais variaveis. Bm resumo a evolução e as consequências de uma catarata traumatica differem de um modo notável segundo o estado aseptico ou não do agente vulnerante, segundo a extensão da ferida do crystallino, a idade do individuo, o estado de integridade anatómica das outras parles do olho antes e depois do traumatismo. Os casos mais graves são aquelles que resultam de contusões e feridas contusas do hemisplierio anterior como nos casos das nossas observações I e XIII em que a ophtalmia sympathica do outro olho se manifestou quasi após a formação da catarata. 27 Sob ponto de vista do prognostico, Wecker divide as cataratas traumaticas em tres categorias: i.° as cataratas traumaticas simples não infectadas; 2.0 as cataratas simples infectadas; 3.° as cataratas complicadas e quasi sempre infectadas. Os feridos do primeiro grupo e quando moços curam-se com facilidade, os do segundo a intervenção se impõe, os do terceiro o prognostico é sombrio por causa das desordens do apparelho ocular todo inteiro. Os corpos estranhos do crystallino como os da cornea e esclerotica podem ser de toda especie, sendo mais frequen- temente encontrados, o vidro, o ferro, o cobre, a espoleta de espingarda, o chmnbo de caça, etc.; são mais observados nos operários de oíhcinas mecanicas, nos ferreiros, e nos caça- dores, que mais luctam com estes agentes. A consequência da lesão é sempre a catarata traumatica quer parcial, quer total. A electricidade também pode produzir a catarata trau- matica; é o caso de Terrien (*) que observou um doente, que atravessado por uma descarga electrica de 450 volts, fora acommettido dois mezes depois de uma catarata traumatica, que curou rapidamente. Govin relaciona uma estatística de 22 casos, sendo um pessoal. As cataratas traum atiças trazem muitas vezes compli- (i) Archives d'Ophtalmologie. Novembro 1908. 28 cações que variam em cada caso particular e «nenhuma afíecção reclama do cirurgião mais reserva no prognostico, competência e paciência, no tratamento». Em these geral, diz. Arlt, (*) toda ferida do crystallino deve ser considerada como um perigo sério para a existência do olho. (l) Arlt —De la catarate traumatique et ses complications, CAPITULO IV Lesões traumaticas da iris Assestada para diante do crystallino e para traz da cornea, a membrana iris ou diapbragma do olho está também condemnada aos traumatismos. Esta membrana pode ser attingida indirectamente e isoladamente por contusões do globo ocular, ou directamente por instrumentos picantes, cortantes e corpos estranhos, e neste caso será acompanhada de lesão de outras partes do orgão visual. Quando um choque violento, como o que resulta da projecção, sobre o orgão visual, de um pedaço de ferro, de páo, de uma bola de jogo, de uma pedrada, ou quando de uma queda sobre a região preorbitaria o choque transmitte o seu abalo sobre o globo ocular, desordens profundas se produzem entre os quaes precisamos destacar, por agora, as roturas da iris. Estas roturas, segundo a força que as produziu, podem ser parcial ou total; temos então a irido-dialise e a irideremia. Quando a rotura é parcial (irido-dialise) e pouco extensa quasi que não se nota inconvenientes: em certos casos, 30 porêm, a formação de uma segunda pupilla dá logar a um embaraço da visão por diplopia monocular. Quando a rotura é total (irideremia) ha uma offuscação notável, a visão torna-se deffeituosa, sobretudo se o individuo era portador de um vicio qualquer de refracção. A membrana completamente despedaçada se enruga 11a camara anterior, se atrophia ou é lançada para fora, só ou acompanhada do crystallino se ha rotura da esclerotica. Bm casos mais raros póde-se dar a inversão total da iris, devido a um choque muito brusco que vem offender a zonula de Zinn e deslocar a lente crystallina, a rotura do musculo creando pupillas suplementares. Bstas differentes lesões podem determinar deformações mais ou menos sensíveis, diplopia monocular, ligeiro abaixa- mento da agudeza visual, que não compromettem seriamente o olho. A reação inflammatoria nos traumatismos simples da iris é, em geral, insignificante; entretanto quando a rotura da membrana é bastante extensa, póde-se complicar de irite grave ou irido-cyclite, quando não seja também de rotura da esclerotica, luxação e opacificação do crystallino, descol- lamento da retina, derramamento 110 corpo vitreo, nos casos em que a violência da contusão vem offender uma das outras partes do globo. As feridas penetrantes da iris nunca attingem esta membrana só; 11a maior parte dos casos é a cornea que toma parte nellas, em seguida o crystallino, a esclerotica, etc. São raras estas feridas, feitas com agulhas, penas, etc. e geral não dão logar senão a um hypoema que des- 31 apparece rapidamente sem nenhuma reacção, a menos que o agente vulnerante seja séptico. Quando o instrumento é de um certo volume resulta muitas vezes uma pupilla supplemeutar. Muito mais frequentes e mais graves são as picadas complicadas de feridas do crystallino, mas neste caso a gravidade do traumatismo pertencerá a lente. Os corpos estranhos que attingem a iris podem iucra- var-se nesta membrana ou depositar-se na camara anterior. Bxcepcionalmente, corpos estranhos têm sido tolerados, durante annos, sem provocar inflammação, presos 11a iris ou 110 angulo irido-corneauo; as mais das vezes sua presença se traduz por uma infiammação suppurativa, super-aguda das mais graves, da cornea e da iris, propagada ao corpo ciliar, ou nos casos de reação menos accentuada por uma irio-chorio- cyclite plastica; mas quer num caso quer noutro, quando se não tem praticado uma enucleação do orgão lesado, habi- tualmente notamos a atrophia completa do olho ou o desen- volvimento da ophtalmia sympathica do olho congenere. Em um caso de Haab a ferida da iris por um corpo estraulio produziu um sarcoma, mas estes casos são exce- pcioualmente observados. Em casos outros, quando a cornea é parcialmente destruída, a operação de iridectomia pode melhorar a visão compromettida por eífeito de um leucoma adlierente ou staphyloma. De um modo geral o prognostico é dos mais sombrios, a excepção dos casos em que se tiver extrahido immediata- mente o corpo estranho. capitulo v Lesões tratimaticas da clioroide A clioroide é urna membrana eminentemente vascular que faz parte dos envolucros do olho e se estende do orifício de penetração do nervo optico á iris, que lhe offerece as mais intimas connexões; é formada de diversas partes, dentre as quaes as mais importantes são, o musculo ciliar e os processos ciliares. K por esta razão que os traumatismos desta parte do apparelho visual, sobretudo quando attingem o musculo ciliar, são os mais graves de quantos possam offerecer as outras partes do mesmo apparelho. De todos os tempos, diz Baudry, a parte anterior da choroide, designada sob o nome de região ciliar, tem sido considerada como noli-me-tangere, de que o menor trauma- tismo implicaria não só lesões destruidoras do globo ocular attiugido, mais a ameaça de uma ophtalmia sympathica do olho congenere. Continuando, diz ainda, a observação clinica tem demons- trado que uma ferida expõe tanto mais aos accidentes sympathicos quanto ella mais se approxima do corpo ciliar, 34 e que, de todos os traumatismos do globo ocular, a implan- tação de corpos estranhos nesta região é o que faz correr os mais sérios perigos. É muito raro que um corpo estranho possa demorar nesta região do olho, sem que accidentes sympathicos se declarem no olho opposto. Com effeito as feridas desta região, salvo alguns casos excepcionaes de enquistamento ou de extracção immediata, são gravíssimas, porque as suas consequências trazem quasi sempre a perda absoluta do olho lesado, ou rapida- mente por irido-choroidite suppurativa e panophtalmia ou mais tarde por irido-cyelite traumatica acompanhando-se de lesões sympathicas. Armaignac (*) observou um caso, em que um corpo estranho volumoso se conservou durante 16 annos sem perturbação visual sensível; mas bastou um segundo trau- matismo para que fosse necessário a enucleação do mesmo olho. Numa estatística de M. Coupez (2) sobre 72 casos de corpos estranhos no hemispherio posterior do olho, os 5 casos de grave complicação, foram os que attingiram a região choroidiana. É muito commum, nas feridas desta região, se mani- festarem lesões sympathicas 110 olho opposto; no entretanto, com os progressos da antisepsia e o emprego constante de substancias antisepticas, a frequência destas lesões sympa- thicas tem diminuído ultimameute e a obtenção de cura é rapida com uma visão passavel. (1) Armagnac— Corps étangers de l’oeil — Annales d'oculistique. 1906. (2) Coupez —Sur lçs traumatismes de 1’pcil, 35 Abadie (*) apresenta-nos uma estatistica recente de 566 casos de feridas graves do olho, de que perto de 100 tinham suppurado ou se complicavam de corpos estranhos, e 2 casos apenas produziu a ophtalmia sympathica; tudo isso devido a antisepsia empregada, lavagens antisepticas, injecçoes intraoculares e sub-conjunctivaes de sublimado, cauterisaçoes profundas com o termo-cauterio, etc. Por sua situação profunda, os corpos estranhos que vão lesar esta parte do orgão visual têm de atravessar, antes de tocal-a, as partes que a envolvem ou são mais superficiaes: a cornea, a esclerotica, o crystalliuo e o humor vitreo. Não são muito frequentes estes agentes exteriores nesta região; 2 casos, apenas, notou M. Coupez em sua estatistica de 72 observações. Em casos raros um corpo estranho aseptico pode se conservar inoffensivo, engastado 11a choroide como 110 caso observado por M. Coupez Filho, em que um fragmento de ferro perdurou 32 annos na retina e 11a choroide sem pertur- bação de phenomenos sympathicos. Os corpos estranhos da choroide e da retina têm um prognostico dos mais sombrios ao ponto de vista da conser- vação da funcção visual do olho attingido; elles são demais 0 ponto de partida de uma ophtalmia sympathica. As feridas penetrantes do bordo esclero-corneano podem offender a choroide e por isso são consideradas, de um modo geral, como traumatismos muito graves, porque ellas se (i) Abadie—Uetions de clinique ophtalmologique. 36 complicam habitualmente de prolapsus da iris, do corpo vitreo e principalmente do corpo ciliar. Pode resultar dahi uma serie de pheuomeuos alarmantes, como a irido-cyclite aguda ou chronica que terminará pela perda atrophica do olho ferido ou uma cyclite sympathica dolorosa e reincidente. Um traumatismo importante devido ás suas conse- quências, é a contusão desta membrana. A contusão da choroide é produzida de um modo muito variavel, quer directamente sobre o gdobo ocular, quer por choques das partes vizinhas do olho, têmporas, fronte, supercilios. As consequências deste traumatismo são as hemorrhagias e as roturas da membrana. As hemorrhagias quando não são muito abundantes, quasi não têm gravidade; no caso contrario, quando a rotura de um ramo ciliar arterial se dá e a transfusão do sangue é grande, o prognostico se aggrava tendo como sequencia quasi fatal a tisica do olho por irido-choroidite intensa e abolição completa da visão. «Um forte derramamento sanguíneo traz também facil- mente o descollamento da retina e algumas vezes a sua rotura» (Esmarch). Nos casos de rotura da clioroide o prognostico está em relação com a intensidade da força vulnerante, as lesões simultâneas e as complicações que o traumatismo pode determinar no nivel das outras partes do olho, em particular a retina. 37 Quando a rotura é simples, dá logar a perturbações simples da visão directa; nas roturas múltiplas (contusões muito violentas,) a esclerotica é cpiasi sempre interessada e a perda absoluta do orgão é a sua consequência. Tratando das roturas da clioroide, diz Galezowski (J) si as desordens são mais extensas e acompanhadas de infil- tração do lado da macula, ellas se terminam pela cegueira quasi completa, como tive occasião de observar em um militar que recebeu um estilhaço de obuz sobre a fronte e teve ao mesmo tempo a choroide rota por contra golpe. (i ) Galezowski— Maladies desyeux. CAPITULO VI traumatiças da retina A retina é a membrana nervosa do olho; muito trans- parente e muito tenue, a sua estructura assemelha-se muito, conforme Ch. Robin, á do cerebro; é a terminação do nervo optico, que chegando na entrada do globo ocular espalha seus filetes nervosos para constituil-a em parte. Raramente os traumatismos da retina interessam esta membrana isoladamente. A sua situação profunda e as ligações intimas com a choroide levam a crer que quasi sempre as lesões de uma recahem sobre a outra. Como as da choroide estas lesões são provenientes de um choque, uma contusão directa do globo ocular ou indirecta das partes vizinhas e os corpos estranhos. A consequência destes traumatismos, são a commoção, as hemorrhagias, as roturas e a implantação de agentes exteriores nesta mem- brana. Vamos ligeiramente lembrar os eífeitos destas lesões. Berlin estudando clinica e experimentalmente a com- moção da retina, logo após o accidente, notou os symptomas seguintes; injecção perikeratica, dor localisada no nivel da 40 região ciliar, pliotopliobia muito accusada, resistência muito grande da pupilla á acção da atropina e abaixamento da visão central. Ao opbtalmoscopio, elle verificou um edema desta membrana, focos nebulosos acinzentados diante dos quaes passavam intactos os vasos retinianos. A commoção, descripta por Haab, constitue uma pertur- bação leitosa, com ou sem hemorrliagias occupando a região da macula e as partes contundidas. Bstas perturbações e a defeituosidade da visão desapparecem em geral no fim de 24 horas. Muitas vezes, porém, estas perturbações vêm a apparecer muitas semanas após o accidente, acompanhadas de lesões atrophicas persistentes. O pliototraumatismo, a offuscação, a fulguração, a ele- ctricidade, os raios X, a observação defeituosa de eclipses (Terson), (x) são também causas de producção da commoção da membrana nervosa, acompanhando-se de retinites, per- turbações trophicas e outras lesões de menor importância. Já que falamos do pliototraumatismo como causa pro- ductora de lesões oculares, vamos citar o caso, observado pelos Drs. Roux et Renaud, colhido nos Archives d)Ophtal- mologie de Junho de 1908. F. um indivíduo de boa constituição, nem syphilitico nem rheumatico e de idade de 40 ainios. Hm Outubro de 1893 viu caliir perto de si 11111a faisca electrica, sentindo viva commoção. Bste incidente não teve consequências sérias. Na noite de 4 para 5 de Junho de 1905, quando se manifestou uma terrível tempestade e em seguida de 11111 (i ) Terson—Maladies desyeux — Traité de cirurgie — A le Dentu e Pierre Delbert. 41 forte e vivo relampago, F. sentiu violentas dores e picadas nos olhos com sensação de corpos estranhos nos cul-de-sacs conjunctivaes. Immediatamente a um outro clarão forte também, a visão perturbou-se, os objectos tornaram-se-lhe vermelhos; esta erytropsia durou 2 horas. Dahi por diante uma inflammação dolorosa se declarou em ambos os olhos com cegueira completa. Seguem-se melhoras e recahidas consecutivas sem que uma cura radical venha a se estabelecer; tres annos depois (1908) o revelava ainda turvação do corpo vitreo, sentindo F. ligeira photopliobia. Sobre este mesmo assumpto, em 1902 publicou, esta mesma revista franceza uma estatistica de Terrien sobre 45 casos de perturbações oculares de origem electrica, sobre os trabalhadores do metropolitano de Paris. Quando tratamos das lesões do crystallino fizemos notar a acção da electricidade 11a producção das cataratas trau- maticas e aproveitando o momento devemos também lembrar que a acção da luz do cinematographo determina também para o lado do orgão visual perturbações sensiveis como sejam conjunctivites acompanhadas de photophobia e lacri- mejamento. No nosso serviço hospitalar (clinica de olhos do Dr. San- tos Pereira) observamos 2 doentes, um dos quaes é um nosso distincto collega de serie, cujo gosto pelo cinemato- grapho é demasiado. Não é para admirar que a luz do cinematographo possa produzir semelhante effeito, porque a luz da vela quando não é fixa perturba a visão quanto mais a do cinematographo cuja mobilidade é extrema. 42 Agora ouçamos Terson (*) quando falia das conjun- ctivites. «A conjunctivite devido á luz electrica, descripta á principio por physicos (Foucault) tem sido observada depois, por um grande numero de auctores. Citaremos em particular os trabalhos de Terrien Archives d'Ophtalmologie 1888, também citado por nós, de Maklakoff Archives mologie 1891 e de Mettey Licblouissement electrique, Thèse de Paris, 1903. É uma queimadura ligeira que se evitará pelo emprego de vidros amarellos e de bons lucivelas* A conjunctiva é frequentemente attingida nos accidentes devidos ao raio. A radiotherapia também dá lesões especiaes, lembrando um pouco as queimaduras da cornea, etc.». A contusão da retina pode produzir edema e infiltração e mais ainda as suffusÕes sanguíneas entre as diversas membranas. As perturbações visuaes que têm notado os auctores, Berlin entre outros, são passageiras; entretanto, M. de Wecker viu se desenvolver em seguida de uma contusão do globo sem lesão anterior do fundo do olho, a atrophia da retina e do nervo optico. O daltonismo e a amblyopia transitórios têm sido observados, em seguida a simples contusão do olho e as feridas da cabeca. (i ) Terson — Maladies desyeux. 43 As hemorrhagias da retina trazem, quando o derrama- mento é abundante, consequências funestas. Bm geral, estes derramamentos curam-se pouco a pouco sem deixar perturbação apreciável 11a agudeza visual. As bemorrhagias maculares e as de reabsorpção lenta arrastam comsigo uma degenerescencia granulo-gordurosa do tecido retiniano. Lapersone et Nassaux assignalaram recentemeute uma infiltração pigmentar da retina, com retinite, como conse- quência tardia de certos traumatismos do ollio, sobretudo das feridas do nervo optico e das feridas que o cercam. Nas vastas suffusões, o derramamento pode invadir o corpo vitreo, dando nascimento a um tecido fibroso que por sua vez vem atrophiar a membrana. Nas roturas da retina e logo depois do accidente, o ferido apresenta perturbações sensiveis da visão; depois, a medida que o derramamento sanguineo se reabsorve, os pbenomenos observados podem diminuir, para mais tarde dar-se a retracção da membrana por ferida cicatricial e abolir quasi completamente a visão. Os corpos estranhos da retina são os mesmos que os da choroide, trazendo perturbações as mais sombrias, e como já fiz notar quando fallei da choroide, o prognostico das lesões produzidas por estes agentes é dos mais sombrios sob ponto de vista da conservação visual. CAPITULO VII Lesões traumatieas do corpo vitreo O corpo vitreo ou humor vitreo é esta parte do globo ocular que se acha situada no seu interior, occupando quasi a totalidade do olho, revestido de membranas que o forram a semelhança de um ovo de ave, limitado para diante pelo crystallino e.a iris e para traz pelo oriíicio de penetração do nervo optico. Também de qualquer parte que se dê o traumatismo, seja um corpo estranho, seja um instrumento penetrante, tem por força de atravessar uma destas partes lesando-a consecutivamente. Mais commummente a esclerotica e a cornea tomam parte nestas feridas, mas não são menos frequentes as lesões do crystallino e do corpo ciliar, como farei notar mais adiante. As feridas do corpo vitreo são determinadas por agentes externos da ordem dos que têm lesado as outras partes do globo ocular; instrumentos penetrantes e corpos estranhos. Em relação a estes últimos, é muito frequente, mesmo em 46 nosso meio, observar estilhaços de espoleta, grãos de chumbo (nos accidentes de caça) particulas de ferro, de vidro, etc. Km nossas II e XII observações colhidas no Hospital Santa Izabel, em um doente da clinica do Dr. S. Pereira e um da clinica do Dr. R. dos Santos, os feridos foram por- tadores de capsulas de espoleta que lhe saltaram nos olhos quando se entregavam a caça, resultando a perda completa da visão em todos os dois observados. No primeiro observado, em 1907, foi necessário fazer-se a enucleação do olho traumatisado, que foi praticada pelo Dr. Santos Pereira, por já se ter manifestado symptomas alarmantes de phenomenos sympathicos no olho opposto; do segundo observado, doente do Dr. R. dos Santos, não obtivemos o diagnostico, isto é, o ponto de situação do corpo estranho, porque o doente entrou num dia e sahiu dois dias depois não querendo submetter-se nem a um exame demo- rado, nem a operação de enucleação, unico tratamento para o caso, porque os symptomas inflammatorios e dolorosos e a panophtalmia só reclamavam este tratamento. Os objectos do uso ordinário, as agulhas, as tesouras, canivetes, etc., determinam, quando sépticos, phenomenos graves, quando lesam o corpo vitreo. Os corpos estranhos, 11a maioria dos casos, ao penetrarem no humor vitreo, atravessam a cornea ou a esclerotica e ferem o crystallino ou a choroide e a retina; dahi as com- plicações sérias que sobrevêm nestes casos, como a catarata traumatica complicada, a choroidite, a chorio-retinite, a hyalite plastica ou suppurada etc., complicações estas que trazem quasi sempre a perda absoluta do olho. Os corpos estranhos desta parte do orgão visual são habitualmente particulas de ferro, cobre, zinco (na vida 47 operaria), estilhaço de vidro, espoleta; mais raramente, fragmentos de madeira, um cilio (caso de Quint) (*) etc. Quasi sempre de volume pequeno, podem attingir uma certa proporção, como num caso observado por Hirsberg, que foi de tres centímetros. O prognostico é em geral grave, das feridas do corpo vitreo. Fuchs em seu Manuel d'Ophtalmologie se explica do seguinte modo: «A presença de um corpo estranho no interior do olho arrasta qiiasi sempre a perda deste orgão. Raramente acontece que o corpo estranho fique no olho sem provocar em seguida uma inflammação. Bntão elle ahi permanece em liberdade ou bem se enquista num exsudato organisado. Bntretanto, neste caso ainda, estes olhos não estão isentos do perigo de tornarem-se—por vezes, depois de annos — de repente a sede de uma inflammação capaz de destruil-os. Mas na immensa maioria dos casos a inflammação sobrevem immediatamente depois da lesão.» B continuando diz elle «O prognostico das feridas perfurantes do globo se deduz do que precede. Bile é muito sério porque a menor picada produzida por uma agulha, pode arrastar a suppuração do globo, quando este instru- mento é infectado». B mais ainda. «Quando um corpo estranho se acha no olho, este é pouco mais ou menos certamente perdido, se não se chega a extrail-o». Quando o corpo estranho ou instrumento perfurante tem ao mesmo tempo lesado o corpo ciliar ou o crys- tallino; quando a sahida do humor vitreo é considerável; (i ) Archives provinciales de cirurgie — Maus 1906. 48 quando uma hemorrhagia intra-ocular é abuudante; quando, finalmente, o corpo estranho séptico tem profundamente penetrado no interior do olho, a gravidade do prognostico attinge ao máximo. Neste ultimo caso, se assiste ao desenvolvimento rápido de uma hyalite suppurada: «o corpo vitreo se transforma em abcesso». Nos casos de corpos estranhos magnéticos, é facil hoje a sua extracção com o electro-iman gigante de Haab, com a agulha imantada ou o sideroscopio e nestes casos o pro- gnostico é mais animador; nos casos, porém, de corpos não magnéticos como o vidro, a pedra, a madeira, o prognostico é sombrio. Baudry apresenta uma observação de corpo estranho magnético no corpo vitreo direito, obtendo a cura por meio do bastão imantado de Collin. Não se pode contestar que com este meio de extracção de corpos estranhos do olho, o mal vae melhorando. Nas estatisticas de Snell, Homer, Hirschberg, Coupez e Goruzbur, a vista tem ficado satisfactoria. io a 29 vezes por 100; Hildebrand apresenta 31 por 100, e nos 20 casos de A. Barkan 16 curas foram obtidas, 75 por 100. CAPITULO VIII Lesões traumaticas do conjuncto do ollio Nos capítulos precedentes temos estudado de um modo summario as varias lesões que podem occasionar os trau- matismos nas diversas partes do apparellio visual, separa- damente, e mais frequentemente observadas; no presente capitulo, porém, vamos procurar indicar õs eífeitos dos traumatismos que interessam o orgão na sua maior parte ou em sua totalidade. Não sendo muito frequentes, não é muito raro observar casos de semelhantes lesões traumaticas. Do mesmo modo porque se effectuam nas outras partes do globo ocular, aqui também as lesões traumaticas são causadas pelas queimaduras, os instrumentos variaveis, as armas de fogo, as contusões (queda sobre a extremidade de um movei) (Terson), o arrancameuto com os dedos por um alienado caso de Despagnet, etc. As contusões, do globo ocular quando ligeiras, têm con- sequências muito lisongeiras: dores passageiras, leve per- turbação da agudeza visual e a cura dá-se em poucos dias; 50 se, porém, o choque da contusão é mais intenso, segue-se, algumas vezes, um espasmo da iris, uma dilatação paralytica desta membrana (irido-plegia), uma paresia, ou paralysia da acommodação, contractura do musculo ciliar, dos musculos rectos interno ou externo, produzindo o estrabismo, pertur- bação da visão, myopia traumatica quando a lesão interessa a zonula de Zinn, a cliorcide ou o crystallino, hemorrliagias internas da camara anterior e do corpo vitreo. Bm geral, estes plienomenos vão diminuindo rapida- mente para desapparecerem de um modo definitivo. Todavia é prudente reservar o prognostico destas lesões, porque accideutes graves ulteriores podem sobrevir. Quando a contusão é muito violenta, como a que resulta de uma pedrada, de um pedaço de ferro, uma chifrada, um coice, etc., o globo ocular é fortemente comprimido, rompe-se, deixando escapar pela rotura corneo-escleral a iris, o crys- tallino ou uma porção do corpo vitreo. A gravidade destas lesões não se faz esperar, porque a desorgauisação proveniente destes accidentes é seguida rapidamente de uma inflammação brusca e intensa com perda da visão (panophtalmia), ou de uma atrophia depois de longos mezes de tratamento, a menos que o indivíduo ferido não tenha consentido na enucleação immediata, para evitar os plienomenos sympathicos. Pode ainda o globo ocular, depois de uma violenta contusão, ser victima de uma luxação ou de uma avulsão, como se dá com o crystallino, como se dá com uma articulação. Se a sabida do globo ocular para fora da orbita (por uma chifrada, um florete, uma haste resistente) conservar em integridade o nervo optico e a artéria ophtalmica, soffrendo 51 estes orgãos apenas uma distensão, ha luxação; e graças a uma antisepsia rigorosa, a reposição immediata do globo ficado são, com sotura dos tendões, será algumas vezes seguida de volta mais ou menos perfeita da visão. Mas em geral, diz Baudry, o prognostico deve ser muito reservado; a tisica do olho, e, mais tarde, a cegueira por nevrite retro- bulbar e a atrophia serão, com effeito, a temer. No caso, porém, do olho ter sahido para fora da orbita e o nervo optico e os musculos sejam seccionados ou despe- daçados, ha avulsão do olho e este não restará mais mantido senão por umas bridas musculares e conjunctivaes; neste caso, o cirurgião não terá mais que completar a enucleação. Resta-nos para terminar com as contusões do globo ocular, fallar dos casos de enophtalmos traumático, que sobrevêm de uma quécla sobre a região do olho (caso do professor Van Duyse) (x) de uma pesada carga de terras (caso de Gesner), de um coice, uma pedrada, em que se observa um afastamento do globo para traz da orbita de alguns millimetros com perda definitiva e mais ou menos completa da visão. Não é tão raro quanto se possa pensar, os casos de enophtalmos traumático, porque só o professor Van Duyse conta até 1908 70 observações sobre o assumpto. Os instrumentos picantes e cortantes produzem tão graves desordens no globo ocular que as suas feridas são quasi sempre terminadas pela perda do orgão. Ouçamos Baudry quando se refere sobre este assumpto. (i) Archivcs d’Ophtalmologie. Janeiro 1908. 52 «Cada anno me é dado observar muitos casos de feridas penetrantes do olho por golpes de faca, pela projecção de uma lançadeira tecer (em fabrica) ou de fragmentos metallicos. A perda do orgão consecutiva a uma panophtalmia ou a uma irio-chorio-cyclite era quasi sempre a consequência de um semelhante accideute; tenho aconselhado muitas vezes e obtido outras tantas a euucleação immediata, intervenção que evita ao ferido longos soffrimentos, uma incapacidade prolongada de trabalho e o perigo de uma ophtalmia sympathica.» Quando uma ferida produzida por instrumento perfurante é extensa e profunda e interessa ao mesmo tempo a região csclero-corneana, o corpo ciliar, a choroide, a retina, ha necessariamente saliida do crystalliuo e grande quantidade de corpo vitreo «a perda do olho é por assim dizer fatal». O globo ocular é também sujeito, como as outras partes do corpo, aos projectis propellidos por arma de fogo, chumbo de caça, bala de revolver, etc. «Rien n’est plus comnium que ce geure de traumatisme» (*). Bstas feridas, algumas delias são graves. A presença de um corpo estranho no olho, como já fizemos observar, expõe não só aos accidentes ulteriores de irido-choroidite, que se terminarão muitas vezes pela atropliia do globo e cegueira, mais ainda, pela ophtalmia sympathica que ameaçará a existência do olho cougenere. O olho attingido por uma bala ou um fragmento qualquer projectado sobre elle, é geralmente desorganisado e des- (i) Ph. Panas — Clinique Ophtalmologique. 1903. Capitulo III — Blessures du globe et de 1’orbite por armes á feu. 53 truido, a menos que o agente vulnerante não tenha penetrado para traz do globo entre este e a parede ossea, indo ferir o nervo optico e os musculos seccionando-os; mas em geral e quasi commum, é o ferimento do globo que se desorganisa e se distróe. A ophtalmia sympatliica seria, conforme as estatisticas, uma complicação frequente das feridas do olho por projectis; a relação de Otio, depois da guerra da Seccessão, eleva-se á proporção de 17,32 %. Segundo os documentos allemães relativos a campanha de 1870, mais da metade dos traumatismos oculares foram seguidos de accidentes sympathicos; quanto as feridas pene- trantes complicadas de corpos estranhos, ellas apresentaram esta lesão 11a proporção de 80 %; as perdas completas ou incompletas do orgão visual, attingiram a cifra de 62,7 %. A commoção, a queimadura, a electricidade também produzem complicações 110 globo ocular actuando como traumatismo. Legues conta um caso de um artilheiro que, no momento do tiro de uma peça de 19 centimetros, sentiu uma commoção violenta e uma dor 110 olho direito, cuja visão foi immediata- mente abolida; a causa fora hemorrhagia total do corpo vitreo. Um ferido de Harnan foi victima de descollamento da retina, quasi total, depois da explosão de um obuz a 2 metros de distancia. As queimaduras do globo são graves; são quasi sempre o resultado de uma explosão, a deflagração da polvora, a cal viva e os agentes cáusticos. Os grãos de polvora podem 54 actuar como corpos estranhos depois de atravessar a cornea a iris, e ferir o crystallino cataratando-o, ou ir mais profunda- mente até o corpo vitreo, as membranas internas, tornando-se deste modo o ponto de partida de plilegmasias graves, que terminar-se-ão pela tisica do olho ou pela cegueira. Sobre 75 feridos pela deflagração da polvora, M. de Bovis, notou 20 vezes a cegueira para um só olho e 3 vezes para os dois. Em um caso analogo, Baudry, observou de um lado uma agudeza visual satisfactoria e perda absoluta do outro. Já vae para 5 annos passados, quando o filho de uma creada de nossa casa fora victima do extincto malvado do seu mestre que, por uma simples desobediencia da creança, lhe atirara um punhado de cal 110 rosto, cahindo grande quantidade nos dois olhos; um delles ficou immediatamente cosido pela acção caustica da cal, perdendo-o completamente, sendo necessário a enucleação; o outro depois de um longo tratamento, acompanhado de inflammação intensa e dores, recuperou a visão. O doente deste caso ainda vive nesta capital. (') Hippel, sobre 40 casos de feridas oculares por explosão de dynamite, verificou 21 vezes a perda absoluta de um olho, e 7 vezes a perda dos dois, depois de lesões graves. Em nossa observação XV o ferido, empregado nas obras que actualmente se fazem em nosso porto, fora victima da explosão da polvora, quando procurava destruir uma pedreira. O raio e as descargas electricas provocam para o lado dos olhos, lesões variadas; umas benignas e transitórias, outras ( i ) NOTA. — Não tomamos este caso como observação porque não cuidávamos ainda de escrever sobre este assumpto, apenas relatamos como curiosidade. 55 mais graves, terminando-se pela cegueira total e definitiva, por hemorrliagia ou descollamento da retina, por catarata traumatica, ou atropliia optica (caso de Rohmer). Os feridos de Riven, Panas, Doubor, Roy, tinham recebido descargas electricas de correntes de 500 a 560 volts; sobrevieram destes traumatismos, queimaduras, dores pela face, liyperemia da conj unctiva, infiltrações da cornea, plioto- pliobia, ambliopia e estreitamento do campo visual. Só mais tarde a visão restabelecera-se progressivamente. Goullaud (r) em um artigo publicado numa revista franceza de oplitalmologia, intitulado Huits cas d)ophtalmie electrique, demonstra o eífeito produzido em oito bombeiros, pela luz de focos electricos, que aclaravam o local de um incêndio á noite. Hm Junho de 1908 os Drs. Roux e Renaud, publicaram um artigo sobre um caso de phototraumatismo pela luz electrica, (2) em que o ferido depois de 3 annos soffria ainda de photophobia e turvação do humor vitreo observado pelo ophtalmoscopio. Terrien publica um caso de catarata traumatica produzida por descarga electrica e Govin poude reunir 22 observações de que uma pessoal. As feridas nos dois olhos é mais raro de observar-se, é preciso que o traumatismo seja uma explosão, uma quei- madura pelos ácidos, cal, etc. (1) Archives d' Ophtalmologie— Janeiro 1909. (2) Archives d'Ophtalmologie — Junho 1908. CAPITULO IX Lesões tratnn atiças dos annexos do ollio Este ultimo capitulo do nosso trabalho terá por assumpto as lesões que podemos observar nos annexos do olho, com- prehendendo as palpebras, os supercilios e a conjunctiva oculo-palpebral, cujas relações intimas com o globo ocular é evidente. Começaremos o estudo pelas lesões das palpebras. As palpebras são membranas nusculo-cartilaginosas moveis, situadas para diante do globo ocular com o hm de protegel-o. As feridas das palpebras, muito communs, podem sómente interessar estas membranas ou bem atravessal-as para attingir o globo ocular ou a loja posterior da orbita, segundo a direcção que tomam. São, em geral, as feridas penetrantes que se incumbem destes traumatismos, lesando as partes profundas. Quando um instrumento picante aseptico fére uma das 58 palpebras exclusivamente, a lesão resultante do accidente, não offerece grande interesse, porque ella cura-se rapida- mente sem deixar traços apreciáveis. Não se dá o mesmo quando a lesão se infecciona por um agente séptico, levado pelo instrumento ou encontrado 11a parte lesada ou ainda pelas mãos do cirurgião; neste caso o interesse é maior porque o processo inflammatorio acompanhando-se de suppu- ração, muitas vezes abundante, é evidente e as consequências em relação ao globo ocular são para temer. Quando o objecto perfurante tendo atravessado a mem- brana vae lesar profundamente o globo ou o nervo optico e até mesmo penetrar 11a cavidade do craneo, o prognostico é sempre grave, differindo segundo a parte compromettida, e tendo consequências muito desagradaveis podendo trazer a cegueira completa e mesmo a morte quando interessa o cerebro. É o caso de Kirmisson, (T) que observara um ferimento da palpebra superior esquerda, feito por um pedaço de madeira que atravessando a membrana fracturou a orbita e penetrou 11a caixa craneana. A ferida foi julgada simples a principio e soturada como tal. Mais tarde o apparecimento de perturbações cerebraes levou-o a esplorar a ferida que permittiu descobrir o corpo estranho (pedaço de madeira); o doente succumbiu devido aos progressos de uma meningo encephalite traumatica. No caso da nossa observação XIV a ferida suppurou muito. A literatura medica menciona uma quantidade de obser- vações, nas quaes corpos estranhos de toda especie têm (i) Manuel de pathologie externe — Reclus, Kirmisson, Peyrot, Bouílly. 59 Podido penetrar 11a orbita atravessando a palpebra sem offender o globo ocular, deixando como traço de sna passagem nma ferida imperceptivel. As feridas das palpebras podem ser 110 sentido hori- zontal, vertical on obliqno. Uma ferida horizontal extensa pode interessar o liga- mento snspensor da palpebra superior e deixar como signal importante a ptosis definitiva. As feridas verticaes on mnito obliquas, qne compre- hendem toda a espessura do véu membranoso e conjuncta- mente o bordo livre, expõem, muitas vezes, a producção do eutropion, do ectropion, da trichiasis, quando não succede a ferida reunir-se por primeira intensão. A contusão da palpebra não é muito commum em razão de sua situação não muito saliente. As partes vizinhas, orbita e nariz são mais sujeitas a esta especie de traumatismo; e devido a grande vascularisação e constituição de tecido frouxo destas partes, o sangue abundantemente derramado se estende até á conjunctiva, á face 011 se collecta em bossa sanguínea, constituindo o «oeil poché». Este hematoma pode invadir a orbita dando logar a redu- cção da motilidade do globo ocular e producção de diplopia. Mais graves são as feridas contusas das palpebras, cujos bordes irregulares e franjados prestam-se pouco á reunião por primeira intensão; estas feridas se complicam muitas vezes de suppuração, de gangrena ou de erysipela, donde os esphacelos seguidos de deformações cicatriciaes, sempre difficeis de curar, com todas suas consequências ao ponto de vista da protecção do globo do olho. Shwend, em 44 casos de phleugmão erysipelatoso da orbita, cita sete vezes a amblyopia e duas vezes a amaurose. 60 Nas queimaduras das palpebras quasi sempre a con- junctiva e o globo ocular são simultaneamente attingidos; são os agentes chimicos ou térmicos, líquidos fervendo, gazes explosivos, ácidos cáusticos os productores de semelhantes traumas. Em Maio deste anuo, quando em conversa, á noite na pharmacia S. Roque, desta capital, fomos surprehendidos por um indivíduo que era portador de uma extensa quei- madura da face, sobretudo 11a sua parte superior, nariz, olhos e testa. Como o caso nos interessava, interrogamos immediatamente o ferido, julgando ao mesmo tempo tratar-se de um accideute attentatorio; a coisa era outra, o ferido, nos disse ter sido victima do acido phenico, quando retirava de cima de uma prateleira uma lata cheia do referido agente cáustico. Notamos que a queimadura era séria, interessando toda a parte superior do rosto; a pelle das palpebras e da fronte estava enrugada e muito sensível, as conjunctivas aver- melhadas um lacrimejamento constante e photophobia. Depois de fazermos applicar umas compressas de agua boricada, convidamos o doente a comparecer 110 Hospital, para observarmos o caso. Infelizmente não vimos mais o ferido pois não compareceu no Hospital, nem noticias tivemos mais delle. O doente da nossa observação IX foi victima da explosão da polvora, quando fazia arrebentar uma pedreira, sendo attingido em ambas as palpebras. Estes casos são interessantes e não muito frequentes, porque só deste modo os traumatismos interessam os 2 olhos. 61 A região superciliar é por sua posição muito exposta aos traumatismos. As contusões que se produzem nesta parte dão logar a derramamentos sanguineos que se diffusam no tecido frouxo das palpebras e são a origem de eccliymoses muito extensas. Quando a contusão é simples forma-se quasi sempre uma bossa sanguínea, cuja resolução é facilmente obtida pela compressão e massagem. Uma contusão violenta pode trazer a mortificação das partes molles ou mesmo a fractura da arcada; e não é raro ver-se nestes casos a suppuração manifestar-se ou uma osteoperiostite, a necrose, fistulas e outras complicações das feridas contusas. As feridas por instrumentos cortantes, picantes curam-se, quando se observa uma antisepsia rigorosa, em alguns dias. As feridas contusas desta região são mais importantes. Uma lesão do nervo super-orbitario pode trazer consequências funestas, taes como: a anestesia ou nevralgias cranio-faciaes, contracturas musculares na zona do facial, alterações tro- phicas do ollio e emfhn perturbações visuaes caracterisadas sobretudo, pela pbotopliobia e esthenopia accommodativa (Baudry). As fracturas da arcada orbitaria, as feridas profundas do seio frontal têm uma gravidade muito maior e são algumas vezes seguidas de complicações mortaes por meningite ou meningo enceplialite. Um caso publicado por M. Coupez, (:) de ferida desta região, complicada de fractura da abobada orbitaria, o levan. tador da palpebra e o recto superior foram tomados num tecido cicatricial de sorte que o globo e a palpebra superior ( i ) Recueil d' Ophtalmoligie—1909. 62 ficaram immoveis, não podiam mais, nem abaixar, nem levantar. Tardif relaciona uma observação inédita de clinica de M. de Wecker. Trata-se de uma ferida da arcada superciliar e do nervo- super-orbitario, com a presença de um fragmento de madeira. Houve contractura e nevralgia facial, que cessaram com a ablação do corpo estranho. As feridas dos supercilios são ainda algumas vezes seguidas da perda absoluta ou de uma diminuição passageira ou definitiva, immediata ou tardia, da funcção visual. Bsta perda da agudeza visual está em relação com lesões anato- micas variaveis, curáveis ou não, das paredes orbitarias, do globo do olho, dos centros nervosos, etc. A conjunctiva é frequentemente sujeita aos trauma- tismos variaveis. Os corpos estranhos, as soluções de continuidade, as queimaduras e corrosões são as lesões mais observadas nesta parte do apparelho visual. Os pequenos corpos estranhos taes como, poeira, carvão, cinza, azas de insectos, cabello, etc., se introduzem na con- junctiva com a maior facilidade, produzindo grande incom- modo no pestanejamento e inflammação, que só com a extracção do agente estranho estes phenomenos desappa- recem. Os corpos estranhos agudos, fragmentos de ferro, vidro, madeira, introduzidos na conjunctiva, determinam um derramamento sanguíneo que, segundo a sua abundancia, produzem em torno da cornea uma verdadeira chemosis 63 sanguínea. Kstes corpos podem também demorar-se nesta parte sem provocar plienomenos graves durante um certo tempo, para depois manifestarem-se os symptomas de um catarrho chronico. O prognostico dos corpos estranlios da conjuuctiva é dos mais benignos. A inflammação, o blepharospasmo, a dor que traduzem a presença destes corpos, desapparecem como por encanto depois da sua extracção. As queimaduras e corrosões da conjuuctiva, são em geral produzidas pela agua quente ou vapores, cinza quente, a chamma do gaz, do álcool, etc. Os pontos da conjuuctiva attingidos são destruídos e transformam-se em eschara que se elimina pela suppuração; aperda de substancia da mucosa se cobre de botões que curam-se bem, emquanto as partes sãs soffrem um retrahimento devido a cicatrisação da parte lesada. Bsta cicatrisação se a lesão é muito extensa pode trazer como consequência a adherencia das palpebras com o bolbo (symblepharom). O prognostico destas queimaduras ao ponto de vista da conservação da vista depende em primeiro logar do estado da cornea que é sempre compromettida na lesão, desde que esta é de algum modo extensa. OBSERVAÇÕES OBSERVAÇÕES I—O. S. B. 27 annos, solteiro, pardo, roceiro, natural da Baliia, entrou para o Hospital Santa Isabel 110 dia 15 de Junho de 1907, para o serviço interno da clinica de olhos, a cargo do Dr. Santos Pereira. Registro clinico u. 176. Diagnostico. — Catarata traumatica do olho direito e esclero- dite do olho esquerdo. Etiologia. — Forte contusão do olho direito produzida por um grande prego que lhe saltara 110 olho, quando pregava-o para armar uma rede. Consequências. — Muitas dores, lacrimejamento e photophobia durante muitos dias, que cessaram progressivamente com appli- caçÕes de penso húmido e instillações de atropina, formando-se a catarata traumatica e perda completa da visão. Depois de 25 dias da formação da catarata no O. D., manifestaram-se para o lado opposto phenomenos symphaticos, isto é, esclerodite, turvação na vista e ligeiras dores á pressão. Diante destas perturbações de caracter symphatico, o doente soffreu a enucleação do olho cataratado, em 19 de Agosto, praticada pelo Dr. Santos Pereira, a qual deu resultados completos com o desapparecimento dos phenomenos symphaticos manifestados 110 olho opposto. A 6 de Setembro o doente teve alta curado do olho esquerdo. • 68 . II—J. P. 24 annos, pardo, casado, roceiro, natural da Baliia, entrou no dia 18 de Junlio de 1907 para o serviço interno da clinica oplitalmologica, do Dr. Santos Pereira, 110 Hospital Santa Isabel. Registro clinico n. 178. Diagnostico. — Catarata traumatica do olho direito. Causa—Corpo estranho, estilhaço de espoleta quando caçava. Consequências — Formação da catarata e perda da visão com- pleta do olho ferido; perturbações do olho esquerdo por sympathia. Soffreu a operação de enucleação do olho cataratado em 26 de Julho, feita pelo Dr. Santos Pereira e sahiu curado a 5 de Agosto com visão perfeita do olho esquerdo. Estes dois casos muitos semelhantes entre si, differem entre- tanto 11a etiologia. III— J. V. de Souza, com 28 annos de idade, de cor preta, casado, natural da Bahia, com profissão de padeiro, apresentou-se ao Hospital Santa Isabel, indo para a enfermaria S. Paulo, do serviço de olhos do Dr. Santos Pereira. Registro clinico 11. 198. Data da entrada 29 de Julho de 1907. Diagnostico. — Corpo estranho encravado 11a cornea, fragmento de madeira. Consequências. — Keratite iuflammatoria persistente e plioto- phobia, duração de 8 dias. Fez-se a extracção do corpo estranho em 30 de Julho, desapparecendo rapidamente os phenomenos pathologicos, obtendo o doente alta em 2 de Agosto, curado. IV— Chrispim . . . preto, solteiro, 21 annos, ferreiro, natural da Bahia, apresentou-se no dia 5 de Agosto de 1907, 110 serviço externo de olhos do Hospital Santa Isabel. Registro clinico 11. 202. Diagnostico. — Corpo estranho encravado entre a cornea e a esclerotica; um estilhaço de ferro que lhe saltara 110 olho esquerdo, quando trabalhava na officina, na fabricação de uma grade de ferro. Consequências. — Photophobia, dores ligeiras durante o dia, mais intensas durante a noite e infiammação do globo. 69 Fez-se a extracção do corpo estranho no dia 6 do mesmo mez. Neste doente não podemos saber do resultado final, porque depois de 6 dias de observação retirou-se allegando-nos morar muito longe, não podendo por isso frequentar o Hospital diaria- mente, não obstante persistir a pliotophobia e a inflammação. V—Maria M. C., solteira, parda, 22 annos, natural da Bahia, occupando-se 110 serviço domestico, apresentou a 6 de Setembro de 1907, 110 serviço externo da clinica de olhos, do Dr. Santos Pereira, 110 Hospital Santa Isabel. Registro clinico 11. 214. Diagnostico. — Forte contusão do olho esquerdo em conse- quência de uma quéda de uma cadeira, quando limpava um movei. Consequências. — Dores immediatas, hemorrhagia da camara posterior e perda da visão durante muitos dias, cessando com a reabsorpção do sangue. Felizmeute a doente não sofíreu rotura da iris, o que foi observado pelo ophtalmoscopio. Obteve alta quasi curada em 15 do mesmo mez. VI — L. F. S., foguista, 25 annos de idade, solteiro, natural da Bahia, internou-se 11a enfermaria de S. Paulo, 110 Hospital S. Isabel, para o serviço da clinica de olhos do Dr. Santos Pereira, em 15 de Outubro de 1907. Registro clinico 11. 249. Diagnostico. — Catarata traumatica do olho direito. Causa. — Contusão produzida por um ferro de machina. Consequências. — Perda completa da visão pela formação da catarata*Depois de 10 dias de estada no Hospital, retirou-se muito pouco melhorado, não tendo apparecido ainda phenomenos sym- pathicos 110 olho congenere; também não fez operação. VII—No dia 2 de Abril de 1908, deu entrada 110 Hospital S. Isabel J. A. Mendes, 39 annos, solteiro, carroceiro, indo occupar um dos leitos da enfermaria de S. Paulo do serviço de olhos do Dr. Santos Pereira. Registro clinico 11. 272. Diagnostico.—Kra portador de uma ferida incisa da palpebia 70 superior esquerda interessando o globo ocular, produzida por uma faca, quando luctava com um seu companheiro de trabalho. Consequências. — Infecção e inflam intensa do globo, dores persistentes e perda da visão do mesmo olho. Foi observado um tratamento antiseptico severo, melhorando francamente as dores e impedindo a infecção. Depois de 18 dias, pedira o doente para sahir, pois se achava muito melhorado dos phenomenos anormaes, mas com perda completa da vista do olho ferido. VIII— S. M. da Piedade, 68 annos de idade, pardo, solteiro, trabalhador de roça internou-se no dia i.° de Abril de 1908, 11a enfermaria de S. Paulo, para o serviço da clinica ophtalmologica do Dr. Santos Pereira, sendo registrado 110 livro da clinica com o n. 268. Diagnostico. — Ferida contusa do olho esquerdo com rotura das membranas superficiaes. • Consequências. — Panophtalmia e perda da visão do olho esquerdo. Depois de desinfecções diarias com lavagens de subli- mado a 1 para 5000, pulverisaçÕes de iodoformio e penso húmido o doente sahiu no dia 12 do mesmo mez, muito pouco melhorado. IX— Apresentou-se no serviço de ambulatório da clinica de olhos do Dr. Santos Pereira, E. M. da Paixão, com 25 annos de idade, casado, horteleiro, natural deste Estado. Data da entrada 10 de Abril de 1908. Registro clinico n. 280. Diagnostico. — Queimadura das palpebras de ambos os olhos, acompanhada de conjunctivite traumatica. Consequências.—Dor intensa, pliotopliobia e lacrimejamento durante 10 dias, cessando progressivamente com o tratamento diário feito com lavagens de solução boricada, instillações de sulfato de zinco e cocaina, salrindo curado a 25 de Abril. X — F. A. Barreto, pardo, solteiro, 17 annos, cabellereiro. Entrou 110 dia 14 de Abril de 1908 e ficou internado 11a enfermaria de S. Paulo do serviço de oplitalmologia do Hospital S. Isabel. 71 Diagnostico. — Corpo estranho profundo do olho esquerdo. O doente não soube dizer-nos o que foi, apenas sentira uma forte picada no olho quando atravessava uma matta fechada do logar onde mora (Alagoiulias). Consequência. — Panophtalmia. Fez exharificação da conjunctiva e operação de iridectomia no mesmo olho em 19 de Maio; soffreu incisão do globo em 26 de Maio e sahiu á 28 quasi curado. XI— D. B. da Silva, sineiro, solteiro, 36 annos, natural da Bahia. A 26 de Abril de 1908 apresentou-se 110 serviço do ambu- latório da clinica de olhos do Dr. Santos Pereira. Registro clinico n. 301. Diagnostico. — Ferida perfurante do angulo interno do olho esquerdo, feita por canivete. Consequências.— Chemosis da conjunctiva e ligeiro estrabismo convergente do olho lesado, devido a cicatrisação da ferida. Depois do necessário curativo durante 15 dias sahiu a 10 de Maio, curado, permanecendo o estrabismo. XII— Iy« Alves, branco, 32 annos, casado, lavrador, entrou para o Hospital 110 dia 8 de Abril de 1909, occupando o leito 11. 6 da enfermaria de S. Paulo, da clinica de olhos do Dr. Ribeiro dos "Santos. Diagnostico. — Corpo estranho profundo do olho direito, pro- veniente de um estilhaço de espolêta, quando armava uma espin- garda para caçar. Consequências.—Sobreveiu-lhe dor immediata, photophobia, deixando de enxergar no dia seguinte ao accidente, do olho lesado; permaneceu a dor por muitos dias, não só 110 orgão ferido mas ainda na cabeça do lado direito. Com o tratamento observado desappareceram as dores. Soffreu uma operação de iridectomia 110 dia 17 de Abril, praticada pelo Dr. Ribeiro dos Santos, não obtendo resultado desejável para 0 lado da visão. No dia 29, teve alta 72 a pedido, com permanência de dores ligeiras á pressão -e perda completa da visão. Não foi extraído o corpo estranho. Dois mezes depois, o doente volta para o Hospital, para o serviço clinico do Dr. Santos Pereira, internando-se 11a enfermaria de S. Paulo e queixando de perturbações 110 olho esquerdo, isto é, fraqueza visual acompanhada de uma ligeira turvação. A oplital- mia sympathica se manifestara no olho opposto. Foi indicada, como único meio de salvação do olho esquerdo, a euucleação do direito a qual foi praticada 110 dia 7 de Agosto, pelo Dr. Santos Pereira, correndo bem. Com 11 dias depois, o doente obteve alta curado, tendo desap- parecidos todos os phenomenos de syuipathia, manifestados no olho esquerdo. XIII—Internou-se 110 Hospital Santa Isabel 110 dia 12 de Abril de 1909, M. da Annunciação, de cor parda, roceiro, natural da Bahia, indo occupar um dos leitos da Enfermaria S. Paulo 110 serviço de olhos do Dr. Santos Pereira, (Registro clinico 11. 3). Diagnostico.—Catarata traumatica do olho direito e irido- cyclite do olho esquerdo, de origem sympathica. Causa.— Eigeira contusão do olho direito, quando rachava um pedaço de páo. Consequências. — Formação da catarata traumatica cinco dias depois do accideute e perda completa da vista do mesmo olho. Um mez, mais tarde, manifestaram-se perturbações do lado opposto (O. E.), terminando-se pelo desapparecimentoprogressivo da agudeza visual pela invasão franca da irido-cyclite sympathica. No dia 27 do mesmo mez, foi praticada pelo Dr. Santos Pereira a operação de iridectomia 110 olho direito cataratado, sem resul- tado. Sofíreu uma segunda operação de iridectomia 110 olho esquerdo, com resultado também negativo. Continuando o trata- mento, instituído desde que entrou, lavagem antisepticas e instil- lações de sulfato de atropina e tonicos reconstituintes durante muitos dias sem resultado, foi considerado perdido da vista. 73 A 10 de Julho salda o doente muito contristado, pois levava a infeliz certeza de que não mais viria a luz do dia. Estava com- pletamente cego. Nesta observação temos a declarar que, doente quando se apresentou 11a clinica já era portador das manifestaçõessympathicas do O. E. cujo estado ia bem adiantado, não sendo possível, mesmo com os esforços empregados pelo professor Santos Pereira, salvar o olho sympathisado, nem praticar a operação da catarata pois o doente não tinha a menor percepção de luz; a visão quantitativa tinha completamente desapparecido. XIV—D. G. dos Santos, 22 annos, solteiro, pardo, roceiro, entrou a 21 de Junho de 1909, para a clinica de ophtalmologia do Dr. Santos Pereira, no Hospital Santa Isabel. Registro clinico n. 49. Diagnostico. —Ferida penetrante da palpebra superior esquerda, determinada por faca, quando luctava com um seu companheiro. Consequências.— Ferida incisa de 3 centímetros 110 sentido horizontal. Congestão do globo ocular, edema da palpebra e franca suppuração. Durante o tratamento, lavagens antisepticas, pulveri- sações de iodoformio e penso secco, o doente não podia levantar a palpebra devido ao edema pronunciado e alguma dor que se quei- xava. Cinco dias depois retirou-se o doente sem melhora quasi nenhuma, porquanto ainda suppurava a ferida. É milito provável que o doente venha a soffrer da ptosis, porque as feridas largas, profundas e horizontaes da palpebra supe- rior quasi sempre interessam o ligamento suspensor determinando a queda da membrana. O nosso observado nos offerecia todos estes signaes; infelizmente não podemos observal-o até o fim, pois reti- rou-se muito cêdo. 74 XV — O italiano F. Conrado, operário das Obras do Porto, com 26 annos, casado, recolheu-se á enfermaria de S. Paulo, no Hos- pital Santa Isabel, 110 serviço clinico do Dr. Ribeiro dos Santos, 110 dia 23 de Junho do 1909. Diagnostico.—Trazia uma queimadura em todo o rosto, uma verdadeira tatuagem, offendendo principalmente ambos os orgãos visuaes, consequência de uma explosão de polvora, quando socava uma pedreira para fazer rebental-a. Consequências. — Perda da vista de ambos os olhos pela for- mação de uma keratite panosa e dores fortes. Foi observado um tratamento racional, cessando progressivamente os phenomeuos anormaes. Depois de 20 dias retirou-se com uma ligeira mancha corneana, que o impossibilitava de ver perfeitamente. XVI— Apresentou-se no serviço do ambulatório da clinica de olhos do Dr. Santos Pereira A. P. S. de 21 annos de idade, casado, natural da Bahia, operário das obras do porto, no dia 24 de Junho de 1909. Registro clinico 11. 53. Diagnostico.—Contusão do olho esquerdo, produzida por uma pedrada. Consequências.—Dor aguda, photophobia intensa, lacrimeja- mento constante e inflammação geral do globo. Com o emprego do collyrio de adrenalina e cocaina e manutenção de penso húmido, foram diminuindo sensivelmente os plieiiomenos reaccionarios; após 8 dias de tratamento, o doente retirou-se do serviço, quasi completamente curado. XVII— A. C., com 25 annos de idade, branco, casado, pintor, apresentou-se 110 serviço do ambulatório da clinica de olhos do Dr. Santos Pereira, no dia 24 de Junho de 1909. Registro clinico n. 55. Diagnostico.—Luxação do crystallino para a camara ante- rior. O. H. 75 Causa.—Explosão de ronqueira, quando soccava a mesma para fazer detonar, saltando-lhe a vareta 110 olho esquerdo. Consequência. — Larga ecliymose das palpebras esquerdas, inflammação geral de todo o globo, photophobia intensa, dor aguda, e luxação da lente para a camara anterior. Feita a applicação de um apparelho contentivo e uso de collyrio de eserina e cocaiua durante dez dias, a dor cedeu com- pletamente, conjunctamente a inflammação. Examinado 11a camara escura, notamos: coágulos sanguinios na camara anterior, consequência de hemorrhagia produzida; pupilla dilatada, adherente na parte superior e interna, devido á pressão da lente para cima e para dentro; o crystallino era visto pela metade, deixando um espaço entre seu bordo infero-externo e a iris pelo qual transparecia o fundo do olho completameute normal. Para o lado da esclerotica, na sua parte interna, um ligeiro staphyloma, devido á pressão da lente sobre esta. O doente accusa diplophia monocular esquerda. Tendo de seguir para a typographia este trabalho, não podemos concluir esta observação; o doente ainda se acha em tratamento, sendo muito provável submetter-se a uma operação de extracção da lente, pois uma catarata traumatica se formará indu- bitavelmente porquanto a turvação da lente está em começo. XVIII—Lygiuio J. de L-, velho de 71 annos, solteiro, lavrador, natural da Bahia, apresentou-se á clinica de olhos do Dr. Santos Pereira, 110 serviço do ambulatório, em 28 de Julho de 1909. Não é syphilitico, nunca soffreu de rheumatismo nem de moléstias venereas, sempre gosou saúde. Ha 3 annos passados fora accommetido de um forte traumatismo 76 lio olho esquerdo, proveniente de uma lasca de lenha que o prostara em terra, tal a violência do choque. Immediatamente deixou de enxergar, apparecendo-lhe dores cruciantes que o não deixavam dormir; durante um mez a mais, a dor e os plieiiomeuos inflammatorios persistiram, quando resolveu vir á cidade tratar-se, indo medicar-se com o Dr. Ribeiro dos Santos, que o pôz curado, praticando neste mesmo olho uma operação que o doente não nos soube nomear qual fosse. Passados 2 annos volta agora o doente á cidade, e procurando o Hospital foi observado pelo Dr. Santos Pereira. Queixava-se de dores agudas tanto expontâneas como provo- cadas, de uma viva pliotophobia; além destes phenomenos subjectivos, apresentava uma notável exaggeração do tonus, injecção perikeratica, chemosis da conjunctiva e edema dapalpebra superior; pelo optlialmoscopio a papilla se achava liyperemiada Diante dos symptomas foi diagnosticado irido-cylite; mas esta irido-cyclite donde proveio, como appareceu ? Somos levados a acreditar que o traumatismo de ha 3 annos passados, soffrido pelo doente, veiu declarar suas consequências agora, manifestando-se de um modo brusco, aproveitando a idade do doente. NOTA: Num caso importante como este, infelizmente não podemos apresentar um resultado completo porque o doente, só permaneceu em tratamento, 2 dias, retirando-se sem ao menos nos fallar. XIX — M. R., de 44 ânuos, solteiro, lavrador, internou-se no Hospital Santa Isabel, no dia 8 de Julho de 1909, para o serviço de olhos do Dr. Ribeiro dos Santos. Diagnostico.—Keratite traumatica do olho direito. Etiologia. — Ligeira contusão da cornea por 11111 graveto de 77 arvore; immediatamente, disse-nos o doente, urinou em uma das mãos e lavou o ollio contuso com o fim de alliviar a dor produzida. Infelizmente, em consequência desta lavagem séptica, a dor augmentou de um modo brusco, não podendo o doente mais abrir o ollio, escorrendo deste uma agua quente. No dia seguinte a dor continuou atróz, sobrevindo inflam inação e suppuração e perda da visão. Internando-se no Hospital foi medicado pelo Dr. Ribeiro dos Santos, que praticou uma iridectomia no dia 12, não dando resultado desejável. Continuou em tratamento durante 11111 mez sem resultado. O ollio tornou-se completamente leucomatoso impedindo o doente de perceber coisa nenhuma. No dia 12 de Agosto pediu alta completamente cego do O. D. XX — E. N. natural de Portugal, com 39 annos, empregado nas obras do porto 110 serviço de drenagem. Iuternou-se 11a enfermaria de S. Paulo, 110 Hospital Santa Isabel, 110 dia 27 de Julho de 1909, 110 serviço de olhos do Dr. Ribeiro dos Santos. Diagnostico. — Contusão do olho esquerdo por um fragmento de pedra, quando trabalhava. Consequências.—Inflammação intensa do globo, dor aguda, lacrimejamento e perturbação da vista. O exame do fundo do olho, feito por nós 11a camara escura, revelou uma retinite aguda. Depois de 15 dias de tratamento, retirou-se quasi curado. XXI—João M. dos S., tintureiro, com 29 annos, natural da Bahia. Entrou para o serviço do ambulatório da clinica de olhos do Dr. Santos Pereira em n de Agosto de 1909. (Registro clinico n. 72. Diagnostico. — Hyalite traumatica do olho esquerdo. Causa. — Manejando o acido sulfurico para os misteres de sua profissão, uma gotta lhe cahiu no olho esquerdo queimando a cornea; 78 no dia immediato, quando sentado defronte de um seu compa- nheiro que partia uma pedra, um pequeno fragmento lhe saltara no mesmo olho, attingindo a cornea. Consequências.—Ardência no primeiro dia, dor aguda e inflam- mação nos dias seguintes, formando-se um abcesso na camara anterior (hypopion), perda da vista. Com o tratamento energico empregado, o qual consistiu em lavagem antisepticas e instillação de azul de methyleuo, obtivemos a reabsorpção do puz em quatro dias. No dia 17 foi de novo observado pelo exame ophtalmoscopico nada deixando perceber 110 fundo do olho, por causa da hyalite traumatica. Foi continuado o tratamento durante 10 dias. Examinado de novo 11a camara escura, podemos com muita difficuldade observar o fundo do olho, notando manchas averme- lhadas. Acliando-se melhorado, pois já via alguma coisa pelo olho lesado, retirou-se 110 dia 28 de Agosto, não voltando mais. XXII. E. B.—com 25 annos, casado, empregado nas obras do porto no serviço dc minas. Internou-se 110 dia 10 de Julho de 1909 11a enfermaria S. Luiz da clinica cirúrgica 2.a cadeira. Em consequência de explosão quando fazia arrebentar uma mina de pedra, soffreu grandes queimaduras 110 lado esquerdo do corpo e 11a face, attingindo ambos os olhos. Curado das queima- duras, foi transferido para a enfermaria S. Paulo pertencente á clinica de olhos, em 2 de Agosto, para tratar-se das lesões oculares, provenientes do traumatismo. Examinado 11a camara escura, difficilmente supportava a intensidade da luz por mais fraca que fosse; 110 olho esquerdo nada percebemos 110 fundo; 110 olho direito notamos uma inflammação intensa da papilla; retinite inflammatoria. Foi medicado pelo Dr. Santos Pereira, uma infusão de jaborandi e reconstituintes. 79 Durante dez dias no nso de mediçação, pediu alta, muito pouco melhorado do olho direito, e com perda completa do olho esquerdo. XXIII. — Apresentou-se no dia 25 de Agosto de 1909 no serviço do ambulatório da clinica de olhos do Dr. Santos Pereira M. F. de 20 annos de idade, ferreiro. (Registro clinico 11. 76 ). No dia 18 de Agosto quando trabalhava 11a officina, foi victima de uma martellada 110 olho direito; sobreveio-lhe iinme- diatamente dor aguda, acompanhada de incessante lacrimejamento. No dia seguinte 19 o doente não podia fitar a luz, a dor persistia e a inflammação manifestou-se em todo o globo, pois á menor pressão era acompanhada de profunda dor; durante sete dias, apenas se resumiu a fazer lavagens com agua commum um pouco esquentada; 110 oitavo dia procurou o Hospital para tratar-se porque a dor e a inflammação não tinham cessado e sentia 11111a leve perturbação 11a vista. Foi observado 11a camara escura pelo Dr. Santos Pereira que depois de acurado exame ophtalmoscopico diagnosticou irite traumatica. Entrando em franco tratamento, que constou de lavagens diarias antisepticas e instillações de collyrio de atropina — 2 vezes por dia — foram desapparecendo todos os phenomenos reaccionarios até que 110 fim de dez dias de tratamento retirou-se curado, com visão normal. XXIV. — Sebastião .... com 34 annos, branco, solteiro, charuteiro, baixou ao Hospital 110 dia 4 de Agosto de 1909 indo occupar o leito 11. 6 da enfermaria S. Paulo da clinica de olhos do Dr. Ribeiro dos Santos. Diagnostico. — Keratite traumatica infecciosa do O. D. Causa. — Contusão produzida por 11111a ponta de arame farpado. Consequências. — Dor, lacrimejamento, pliotophobia durante dez dias. Examinado 11a camara escura, notamos que se produzira uma hemorrhagia 11a camara anterior do olho direito, impos- sibilitando deste modo apreciarmos as partes profundas. 80 No olho esquerdo observamos um processo de cliorio-retinite, atrophica mas não de origem sympathica, porque já antes de soffrer o traumatismo no olho direito, o doente accusava, segundo nos disse elle, perturbações 110 olho esquerdo, que o impossibilitavam de ver normalinente. Durante um mez e 15 dias de permanência 110 Hospital, o doente esteve submettido ao tratamento reconsti- tuinte e anti-syphilitico, porque o era, accusando ligeira melhora do olho esquerdo. No dia 19 de Setembro pediu alta completamente cego do olho direito, por causa do tecido cicatrieial da cornea que o impossibilitava completamente €e ver a luz. PROPOSIÇÕES PROPOSIÇÕES ANATOMIA DESCRIPTIVA I O ollio é um orgão par, encravado de um modo symetrico na base da orbita, tendo a forma de um espheroide, ligeira- mente achatado debaixo para cima, tendo 7 a 7 e ]/2 grammas de peso. II E composto anatomicamente de tres túnicas concên- tricas: uma fibrosa, a esclerotica; uma vascular, a choroide: uma nervosa, a retina, de meios transparentes: o humor aquoso, o crystallino e o corpo vitreo. iii A túnica nervosa é a mais profundamente situada e por esta razão menos frequentemente attingida pelos corpos estranhos oculares, que, quando a lesam, trazem conse- quências funestas. 84 HISTORIA NATURAL MEDICA I A vida é o conjuncto dos phenomenos communs á todos os seres vivos. ii O primeiro caracter dos sêres vivos, é a organisação, isto quer dizer que elles devem ter uma estructura própria. ui Um dos traços mais notáveis do ser vivo, é a sua insta- bilidade, isto é, que elle vive em um estado continuo de trocas. ANATOMIA MEDICO-CIRURGICA Se designa sob o nome de cainaras do olho, todo o espaço comprehendido entre o crystallino e a cornea. ii Este espaço é dividido em duas partes pelo musculo iriano: uma para deante, camara anterior; outra para traz, camara posterior. iii Estes espaços encerram um liquido incolor, de uma lim- pidez perfeita, que é o humor aquoso. CHIMICA MEDICA I A lagrima é um liquido incolor, de .sabor salgado e reacção alcalina. 85 li Blla contem em dissolução n’agua, o chlorureto de sodio e os phosphatos de cálcio e sodio. m O mais leve traumatismo ocular determina uma abun- dante excrecção de lagrimas, que derramando-se das pál- pebras pela face produz o lacrimejamento. HISTOLOGIA I O globo ocular é composto de uma serie de laminas delicadas, superpostas e de meios transparentes contidos nestas membranas. ii Os envolucros do olho são, indo da superfície para a profundidade: a cornea, a esclerotica, a choroide, a iris, a retina; os meios são: o humor aquoso, o crystallino e o corpo vitreo que se acham no interior. iii A desorganisação de qualquer destas partes pelos trau- matismos, acarreta sérias perturbações nos tecidos que o formam e consequências desagradaveis para a visão. BACTERIOLOGIA i A meningite cerebral aguda é sempre o resultado de uma invasão microbiana, cuja especie é variavel. 86 li Se tem com effeito assignalado sobre as meninges a presença de pneumococus, streptococus, staphylococus, o bacillo typhico e a bactéria coli. m Esta invasão microbiana se produz ora de uma fractura do craneo, de uma lesão de visinhança, ou apparece secun- dariamente no curso de uma moléstia geral. ANATOMIA E PHYSIOLOGIA PATHOLOGICAS i Os traumatismos agem como causa directa na formação de neoplasias pathologicas. ii A região ferida pelo traumatismo, com o conjuncto dos caractéres anatómicos que póde apresentar a lesão, toma o nome de foco traumático. in Este foco traumático é infinitamente variavel segundo a ferida é simples, composta ou complicada, segundo ha dierese ou exerese, caractéres estes que dependem em geral da natureza do agente traumático. PHYSIOLOGIA I Os musculos do olho são ennervados pelos nervos motor- ocular-commum, motor-ocular-externo e pathetico, os quaes pertencem a classe dos nervos craneanos. 87 11 Os musculos rectos interno, superior e inferior, o pequeno obliquo e o elevador da palpebra superior, estão sob a acção do motor-ocular-commum. ui Quando por uma circumstancia qualquer um trauma- tismo exterior vem offeuder este ultimo nervo seccionando-o, phenomenos anormaes são observados, como a quéda da palpebra superior, o desvio do globo ocular para fora e para baixo, a dilatação da pupilla e a paralysia da accommodação. THERAPEUTICA I Para prevenir os accidentes do tétano, tres indicações são necessárias: i.° snpprimir a elaboração do bacillo; 2.° destruir o veneno introduzido no organismo; 3.0 agir sobre os centros nervosos cuja impregnação é o verdadeiro perigo. II O bacillo do tétano, ficando localisado 110 ponto em que o traumatismo o depositou, a primeira indicação a preencher é asseiar a ferida com o maior cuidado possivel. iii Para luctar contra os phenomenos nervosos tão graves, se recommenda o tratamento pelo cliloral ou o sulfato de magnesia na dose de 8 grammas para 120 de agua distillada em injecçoes quotidianas, intra-medulares, durante cinco dias seguidos. 88 HYGIENE i A luz solar é um factor primordial da vida. 11 Por isso é essencial para a saúde do indivíduo e sobretudo do indivíduo moço, que sua vida se passe em um meio largamente arejado e cheio de luz. iii A condição que prima sobre todo outro elemento numa habitação collectiva e que a classifica ao ponto de vista da salubridade, é seu systema de aeração. MEDICINA EEGAE I As bossas sanguíneas são sempre o resultado, de uma forte contusão, que traz em consequência o ajuntamento de sangue na parte lesada. ii Bm seguida de grandes traumatismos póde-se produzir collecções de sangue, formando sacos ou depositos de um volume considerável, que se reabsorvem rapidamente, mas que podem persistir durante mezes e anuos. Iii Quando o sacco é formado de um conteúdo seroso puro ou misturado com sangue, tem o nome de derramamento traumático de serosidade. 89 PATHOLOGIA CIRÚRGICA I A contusão é uma lesão traumatica determinada por um clioque ou uma pressão, cuja caracteristica é a destruição mais ou menos profunda dos tecidos, ficando em integridade relativa ou completa, os tegumentos, que não apresentam solução de continuidade. II No mecanismo desta lesão intervem dois factores: um agente traumático e um ponto de apoio, que impede os tegumentos de se subtraliirem a sua influencia. iii O agente traumático causador da lesão é muito variavel; as mais das vezes é exterior e a contusão tem logar de fora par’a dentro, mas pode ser interior a contusão se faz de dentro para fora, é o caso de um fragmento osseo que fere as partes moles vizinlias. OPERAÇÕES E APP A RELHOS i Nos grandes traumatismos do globo ocular, quando se dá a avulsão do olho, o unico meio de agir é a intervenção cirúrgica; a enucleação do olho. ii Bsta operação e indicada ainda na panophtalmia sup- purada, nos neoplasmas do bolbo e principalmente nas ophtalmias sympathicas graves. 90 III Dentre os processos conhecidos para esta operação avulta pela simplicidade e ligeireza, o de Tillaux. CLINICA CIRÚRGICA (i.a Cadeira) I De todas as complicações que podem se mostrar em seguida dos traumatismos craneanos, a meningo-encepbalite traumatica é certamente a mais grave. ii A meningo-encepbalite traumatica não se declara imme- diatamente depois do traumatismo; os symptomas começam a ter o seu apparecimento no fim de um certo numero de dias que varia de tres a quinze. iii O signal verdadeiramente caracteristico da moléstia é a febre, que contrasta com sua lentidão, nas outras lesões traumaticas do encephalo. CLINICA CIRÚRGICA (2.a Cadeira) I O mal de Pott é uma moléstia essencialmente vertebral, caracterisando-se por uma gibosidade, atacando de pre- ferencia a creança e o adelesceute, raramente o adulto. ii A causa principal do mal de Pott é a tuberculose. 91 in O traumatismo, contrariamente a opinião de Sayre, não gosa senão 11111 papel secundário na etiologia desta affecção. PATHOLOGIA MEDICA I Os traumatismos agem sobre as moléstias internas de 11111 modo sensivel e variavel. II Nos cardíacos por exemplo, quasi sempre os grandes choques, as com moções geraes produzem sérios prejuízos para a saúde do indivíduo, quando não é a morte o desfecho fatal. III Não é só nos cardíacos mas nos diabéticos e albuini- nuricos, que o traumatismo age moralmente. CLINICA PROPEDÊUTICA i A invenção do ophtalmoscopio por Helmholtz, em 1851, foi uma das mais uteis para a medicina moderna. 11 Elle nos permitte de mergulhar a vista 110 interior do olho e observar por este modo as lesões profundas dos vasos e membranas intensas. ui Na medicina interna mesmo, o ophtalmoscopio é tornado um instrumento indispensável de diagnostico, pois que muitas moléstias provocam no fundo do olho certas alte- rações caracteristicas. 92 CLINICA MEDICA (i.a cadeira) i O traumatismo dá logar ao apparecimento de uma lesão valvular do coração de dois modos differentes: provocando previamente uma endocardite ou eudoaortite, ou determi- nando directamente a ruptura de uma das valvulas do orgão. 11 Os orifícios do coração esquerdo, aortico e mitral, são os que mais soffrem desta causa, sobrevindo quasi sempre uma insufficiencia de suas valvulas. iii As causas moraes, as paixões deprimentes actuam sobre o mesmo orgão produzindo as mesmas lesões. CLINICA MEDICA (s.a cadeira) I O tratamento de uma lesão cardíaca oro-valvular varia conforme ella está bem compensada, demasiadamente com- pensada, ou 110 período de asystolia. II No primeiro caso os preceitos hygieuicos constituem toda a therapeutica; 110 segundo deve-se proporcionar a actividade do coração aos embaraços que existem na circu- lação do sangue. iii No periodo de asystolia, lia duas indicações a preencher: remover as congestões passivas e as hydropsias, e excitar o coração. 93 PHARMACOLOGIA, MATÉRIA MEDICA E ARTE DE FORMULAR i O synapismo é um medicamento externo que tem por fim a revulsão da pelle. ii Na applicação do synapismo, o medico não deve ser descuidado porque quando a sensibilidade da pelle se acha abolida como nas creanças em convulsão, nos velhos apo- pléticos, nos individuos em estado de coma, elle pode provocar verdadeiras queimaduras. iii Estas queimaduras agem como traumatismos, determi- nando muitas vezes escharas* profundas, de consequências graves. obstetrícia I No estado normal, o coração fetal bate regularmente e rapidamente no intervallo das contrações uterinas. ii A aspliixia ou auliematosia é a causa mais frequente do soffrimeuto do feto durante o trabalho do parto. m A longa duração deste trabalho, a roptura prematura das membranas, o deslocamento prévio da placenta com as hemorrhagias que elle determina, são causas do soffrimento fetal. 94 CLINICA OBSTÉTRICA E GYNECOLOGICA I Durante o trabalho do parto, quando este é feito com a applicação do fórceps, tem-se observado lesões para o lado do apparelho da visão. II As lesões mais commummente observadas são as echy- moses, acompanhadas de edema da palpebra superior e um aspecto de opacidade, simulando uma keratite intersticial. ui Kstas lesões da cornea são produzidas indirectamente pelo traumatismo, resultando a compressão dos filetes nervosos que presidem a nutrição desta membrana. CLINICA PEDIÁTRICA I As causas da epistaxis na creança são geraes ou locaes. Dentre as causas locaes estão os traumatismos do nariz: queda, golpe, introducção repetida do dedo nas narinas, excepcionalmente as fracturas do craneo e os corpos estra- nhos das fossas nasaes. ii O prognostico destas hemorrhagias depende da abun- dância do sangue, raramente suficiente para determinar accidentes graves. III Bstas hemorrhagias têm uma teudeucia natural a paraly- sação expontânea 11a maior parte dos casos. 95 Se ha necessidade de intervenção, se utilisará dos meios seguintes: compressão digital das azas do nariz contra 0 septo, introduzindo previamente 11a narina que sangra um pequeno tampão de algodão hydrophilo, embebido de uma solução de antipyrina a 1 para 10; a agua oxigenada; a adrenalina a 1 para 1000 ou finalmente a canterisação. CLINICA OPHTALMOLOGICA I As causas mais frequentes dos traumatismos oculares são a presença de corpos estranhos. li Quando um corpo estranho tem ficado no olho, o seu prognostico se agrava: i.° porque a inoculação de germens sépticos é muito mais a temer quando o agente que os transporta demora no orgão; 2.° porque certos corpos estranhos, muitos metaes notadamente, exercem com 0 tempo uma acção chimica nociva para os tecidos do olho. ui Quando o corpo estranho é magnético (ferro, aço) o eletro imam basta para fazer o diagnostico e o tratamento (extracção). No caso, porem, de corpo estranho não magné- tico (pedra, vidro) só a radiographia nos pode dar aponta- mentos positivos de sua presença. CLINICA DERMATOLÓGICA E SYPHILI- GRAPHICA I A manifestação mais frequente da syphilis para o lado do orgão visual é a irite. 96 II A irite syphilitica pertence, em regra geral, ao estado secundário da syphilis. m A irite syphilitica se complica muitas vezes de affecções do segmento posterior do olho, isto é de inflammaçÕes da choroide, da retina e do nervo optico, muito graves. CLINICA PSYCHIATRICA B DE MOLÉSTIAS NERVOSAS i A paralysia geral, ainda chamada meningo-enceplialite diffusa, encephalite chonica intersticial diííusa, perience- plialite clionica, é nma aílecção caracterisada clinicamente por perturbações intellectuaes e motoras e cpie reconhece por substrato anatomico uma iuflammação dadifíusa do systema nervoso central e dos nervos. ii A paralysia geral foi a principio considerada por alguns auctores como uma variedade de loucura e estudada quasi exclusivamente nos asylos de alienados sob o nome de paralysia geral dos alienados e de loucura paralytica. iii Esta aílecção está submettida a numerosas causas. A herança nevropatica gosa certamente um papel conside- rável; a surmenage intellectual, as emoções vivas, a melan- colia, a mania, os excessos venereos e alcoolicos, as congestões cerebraes consecutivas a acção do calor e os traumatismos craneanos, gosam egualmente um grande papel etiologico. Visto. Secretaria da Faculdade de Medicina da Baliia, em 30 de Outubro de 1909. O Secretario, Dr. Menandro dos Reis Meireeles-