FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA THESE APRESENTADA Á Faculdade de Medicina da Bahia EM 22 DE OUTUBRO DE 1910 PARA SER DEFENDIDA POR Tj-, ‘ sActotuxiio Dol gXÍvcX ‘XpOòtCL Interno effeetivo do Hospital Santa Izabel Filho legitimo de Victoriano José da Silva Tosta e D. Theodora Carolina da Silva Tosta ,an tu. NATURAL DO ESTADO DA BAHIA Afim de obter o grão DE Doutor em Medicina DISSERTAÇÃO Da ppopagação da peste (cadeira de pathologia medica) PROPOSIÇÕES Tm sobro cada uma das cadeiras dos cursos de scienoías medicas e cirúrgicas BAHIA TYPOGRAPHIA DO «DIÁRIO DA BAHIA» 101—PRAÇA CASTRO ALVES—101 1910 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA DIRECTOR—Dr. Augusto Cesar Vianna VXCE-DIREGTOR — Dr. Manoel José de Araújo LENTES CATHEDRÁTICOS OO MATÉRIAS QUE LECCIONAM Dr. J. Carneiro de Campos Dr. Carlos Freitas.' 1.* Anatomia descriptiva )) Anatomia mocfico-cirúrgica Dr. Antonio Pacifico Pereira 2.* Histologia Dr. Augusto C. Vianna » Bacteriologia Dr. Guilherme Pereira Rebello. . . . Anatomia e Physiologia patho- logicas Dr. Manoel José de Araújo 3 * Physiologia Dr. José Eduardo F. de Carvalho Filho . Therapeutica Dr. Josino Correia Cotias 4.* Medicina legal e Toxicologia Dr. Luiz Anselmo da Fonseca .... Ô Hygiene Dr. Antonino Baptista dos Anjos . . . 5.- Pathologia cirúrgica Dr. Fortunato Augusto da Silva Júnior . r> Operações e apparelhos Dr. Antonio Pacheco Mendes » Clinica cirúrgica, 1.* cadeira Dr. Braz Hermenegildo do Amaral. . . » Clinica cirúrgica, 2.* cadeira Dr. Aurélio R. Vianna 6.- Pathologia medica Dr. João Américo Garcez Frôes. . . . » Clinica Propedêutica Dr. Anisio Circundes de Carvalho . . . )) Clinica medica, 1.* cadeira Dr. Francisco Braulio Pereira .... » Clinica medica, 2.* cadeira Dr. José Rodrigues da Costa Dorea. . . 7.* Historia natural medica Dr. A. Victorio de Araújo Falcão . . . » Matéria medica, Pharmacologia e Arte de formular Dr. José Olympio de Azevedo Chimica medica Dr. Deocleciano Ramos 8." Obstetrícia Dr. Climerio Cardoso de Oliveira . . . » Clinica obstétrica e gynecologica D r. Frederico de Castro Rebello. . . . 9.' Clinica pediátrica Dr. Francisco dos Santos Pereira . . . 10.* Clinica ophtalmológica Dr. Alexandre E. de Castro Cerqueira . 11.* Clinica dermatológica e sypbi- ligraphica Dr. Luiz Pinto de Carvalho Dr. João E. de Castro Cerqueira. . . . Dr. Sebastião Cardoso . 12.* Clinica psychiatrica e de molés- tias nervosas Em disponibilidade » » LENTES SUBSTITUTOS Dr. José Affonso de Carvalho. . 1.* secção Drs. Gonçalo Moniz Sodré de Aragão e Julio Sérgio Palma 2.* » Dr. Pedro Luiz Celestino 3.* » Dr. Oscar Freire de Carvalho 4.* » Dr. Caio Octavio Ferreira de Moura • 5.* » Dr. Clementino da Rocha Fraga 6.* » Drs. Pedro da Luz Carrascosa e J. J. de Calasans. 7." » Dr. José Adeodato de Souza 8.* » Dr. Alfredo Ferreira de Magalhães 9." » Dr. Clodoaldo de Andrade 10." » Dr. Albino Arthur da Silva Leitão 11.* » Dr. Mário C. da Silva Leal 12." » SECRETARIO — Dr. Menandro dos Reis Meirelles SUB - SECRETARIO — Dr. Matheus Vaz de Oliveira A Faculdade não approva nem reprova as opiniões emittidas nas theses que lhe são apresentadas. Anises do assumpto 4 peste, ao invadir um território, a sua principal tendencia é propagar-se. E foi de propagação em propagação que, tendo ella seus fócos endétnicos na Asia e na África, chegou até nós. Esta diffusão facç-se, ao mesmo tempo, tanto por terra como por mar, e com maior ou menor rapide£ conforme as medidas tomadas pela hygiene em geral e pela população em particular. ‘Para que isto aconteça, porem, é necessário que exis- tam agentes propagadores, ponto este que sob o titulo— Da propagação da peste—foi por mim escolhido e que modestamente vou dissertar. Outro não é o meu intuito, senão fazer uma synthese em que fique assignalado tudo o que têm feito e observado, sobre tão importante estudo, os illustres scientistas que disto têm se occupado e cujas observações timbram pelo máximo critério scientifico. Estou certo de que a obrigação quç tenho de apresentar um trabalho, como a ultima prova que se exige de um doutorando, servirá de desculpa, ás muitas faltas pos- síveis, a todo aquelle que, como eu, é forçado a enveredar por tão escabroso caminho, tendo somente ao seu lado a bòa vontade cm apresentar alguma coisa que não seja completamente inútil O Autcr, Dissertação Dá PROPAGAÇÃO DA PESTE CADEIRA DE PATIIOLOGIA MEDICA 0 homem como agente propagador fARA que a peste se manifeste num paiz ou localidade, torna-se mister que o homem ou qualquer outro animal traga para ahi o terrível virus pestífero. Não só o homem, como os demais animaes são os únicos responsáveis por esta propagação que, em muito pouco tempo, é capaz de chegar até aos logares mais remotos e afastados. Sabemos que até mesmo os objectos inertes concorrem para este fim. Não é absolutamente para o nosso tempo em que a sciencia vae de triumpho em triumpho, descobrindo sempre novos horisontes, acreditar-se no crasso absurdo, por muito tempo ac- ceito, das epidemias espontâneas. Entre os vastos c numerosos casos, vamos citar alguns, que vêm affir- mar de maneira cathegorica este modo de pensar, dizendo ser o homem um dos agentes propaga- dores do terrível mal levantino. Hankin, após dizer 6 não ser nem mesmo necessário discutir seme- lhante facto, cita a seguinte observação que deve a gentileza do professor Muller: Dharavi Koliwada é uma aldeiazinha de pescadores situada ao ex- tremo norte da ilha de Bombaim. Ella é habi- tada pelos pescadores da seita de Koli. Durante a segunda epidemia de Bombaim, que teve logar de 1897 á 1898, foi estabelecida rfaquella aldêa rigorosas medidas para as pessoas alli ex- tra nh as. Assim era que nenhum dos seus habitantes podia dormir fora delia nem tão pouco re- ceber cm suas casas pessoas extranhas quaesquer que ellas fossem. Todas estas medidas tomadas pelos chefes da seita foram cumpridas á risca sob pena de cas- tigo pela menor infraeção. Em consequência disto, durante todo este tempo, a população gosou de immunidadc para a peste que perto d’alli estava ceifando grande numero de vic- timas. Logo depois, surge a peste na aldêa de Worlee e com a sua chegada,grande numero de habitantes fogem e vêm procurar abrigo na próxima aldêa que dalli distava apenas poucas milhas. Os ha- bitantes, de Dharavi /Koliwada, porem, negam- lhes a entrada, ficando acampados a pouca dis- tancia, sem que entre elles houvesse a menor approximação. Mas, em fins de Julho, parece que a peste 7 tinha chegado ao seu termo; e em consequência foram-se tomando mais suaves as medidas re- gulamentares Nesta épocha então, permittiu-se a do Ui irmãos assistirem aos funcraes dum pestoso em Dauda. Algum tempo depois de sua volta, no- tou-se que tinha morrido um rato em sua casa. Poucos dias depois apparece atacado de peste uma filha de um dos irmãos morrendo ella em seguida. Após este ataque, seguem outros nos membros da mesma familia que, em pouco tempo, foi redu- zida a menos da metade; e a peste que até aquella data tinha respeitado aquella aldêa, irrompe com devastadora fu ria. Landouzy, numa das suas conferencias vem trazer também o seu apoio, dizendo o que vamos relatar c que foi por elle observado, confirmando o transporte da peste por intermédio do homem. Havendo epidemia em Marselha, surgiu um decreto do Parlamento que prohibia terminante- mente a communicação com aquella cidade. (Acon- tece, porem, que uma mulher de Saint-Tulle, transgredindo a lei, ahi penetra afim de buscar uma pessoa da sua estima. Pouco tempo depois, apezar de todos os cui- dados empregados, sucumbe victima do mal le- vantino sendo o seu cadaver inhumado segundo a praxe. Notou-se então um facto curioso: todas as pessoas que estiveram mais em contacto com a pcstosa foram assaltadas pela moléstia que foi 8 pouco a pouco foi sc alastrando vindo constituir a grande epidemia de Saint-Tulle. Um facto bem curioso foi egualmente observado em Kurachee, e, referido por Simond: Um cipayo musulmano contrahiu a peste de forma pulmonar. Seus irmãos religiosos, em pequeno numero, assis- tiram-no até os seus últimos momentos e acompa- nharam o feretro até sua ultima morada. Pois bem, tres entre elles na manhã seguinte apresentaram os svmptomas da peste. Dois dias depois o mesmo acontece a quatro outros. Como se não bastasse o que acima temos citado tirado das observações, de distinctos epidemiologistas, temos a palavra abalisada de Simond, que na sua excellente me- mória diz, sobre o assumpto, o seguinte: «A ex- tensão das epidemias esta em relação, em alguns casos, com a emigração da população da cidade atacada. Quando se podem obter informações pre- cisas descobre-se frequentemente que antes da ap- paricão da peste entre os habitantes da cidade ou aldéa, extrangeiros emigrados do fóco prin- cipal vieram ah i morrer de peste. Esta regra que é quasi infallivel para o transporte da epidemia a cidades alastadas, apresenta numerosas exce- pções na extensão circular da peste nos centros approximados. Logo, geralmente, um ou mais casos, que chamaremos importados, produzem-se entre os vindos de logar empestados antes que casos indígenas se manifestem». 9 E, de accordo com os factos acima citados estão Kitasato, Wilm, Browining-Smith e tantos outros que pensam do mesmo modo, quando affirmam ser o homem o principal agente propagador da peste entre logares afastados. Não basta, porem, que um pestoso venha morrer numa localidade para que necessariamente a peste ahi se apresente com todo o seu cortejo devastador. Isto que disse Simond, é uma realidade que es- tamos por demais convencidos. Falíamos assim, porque, observamos um facto perfeitamente egual ao que acabamos de men- cionar. Foi o seguinte: Tinha nesta epocha, a peste attingido a sua maior intensidade entre nós e, nesta Capital, victimas sobre victimas eram quasi que diariamente sacrificadas. Justamente, neste momento, daqui partiu com destino á uma das nossas cidades do reconcavo um doente que apresentava tado o cortejo symptomato- logico do terrivel mal levantino. Felizmente, uma denuncia chegada a tempo fez que o delegado da hygiene dalli tomasse todas as providencias neces- sárias e urgentes pouco tempo após que se effectuou o seu desembarque. Poucas horas depois fallecia o doente vic1 i• .. io pela peste, sendo o seu enterramento feito debaixo de todas as regras e perscripções estabélecid is A população que estava bastante atemuisada 10 com este facto viu com prazer os dias succederem- se sem que entre si tivesse nada de anormal. Caso algum houve que por sua natureza fosse suspeito ou semelhante. Ao facto de não ter sido pessôa alguma alli ata- cada julgamos como factor poderoso o pequeno es- paço de tempo que o doente esteve de permanência n’aquella cidade, e as medidas tomadas com toda a promptidão. Assim foi que durante o tão curto espaço de tempo que o doente ainda teve de vida, esteve collocado num completo isolamento, em- quanto que os seus objectos eram submettidos a mais rigorosa desinfecção. Não fosse a rapidez em tomar-se a defensiva, teriamos, talvez, a estas horas, a peste disseminada em todo o nosso sertão d’onde não muito facilmente poderia ser extincta, atten- dendo a difficuldade no emprego das medidas indicadas pela hygiene. Em Poona, diz Simond, a epidemia declarou- se muito tempo depois de Bombaim, em Setembro de 1897, hem que um grande numero de casos de peste, provavelmente mais de cincoenta, se tivesse produzido entre os fugitivos de Bombaim, que lá se acoutaram desde o mez de Outubro de 1896. Grande numero existe de exemplos eguaes a estes que acabamos de mencionar mas que julgamos não ser necessário citar pois os acima relatados provam exhuberantemente o que dissemos. Logo, de tudo que acabamos de dizer, se deduz 11 que a maioria dos que têm tratado do assumpto não vacilla em affirmar ser o homem o prin- cipal agente propagador da peste á grandes dis- tancias. Nenhuma duvida, pois, existe em nosso espirito em declarar ser o homem um dos mais poderosos factores na propagação da peste entre logares afastados. Mas, se todos estão de accordo quando affirmam ser o homem o principal transportador do mal entre as cidades afastadas, o mesmo não acontece quando dão a sua opinião quanto a transmissão do virus de homem a homem, na mesma localidade. Muitas observações existem que vêm oppor-se systematicamente ao contagio da moléstia, de homem a homem, n’um logar infectado. Somente quando se trata de peste na sua forma pneumonica é que todos são unanimes, em acceitar como podendo se transmittir directamente de pessoa a pessoa. Bannermann, affirma que em largas experiencias feitas no hospital, na índia, observou que os seus enfermeiros não contrahiam a moléstia. Factos semelhantes, firmados em observações, foram notados em Hong-Kong, durante muito tempo por Lowson. Bitter, que fez importantes estudos 12 sobre o assumpto, tanto no Egypto como na índia, affirma que a transmissão da peste de homem a homem, naquelle paiz é muito pouco apre- ciável. Paliando, porem, da índia, assevera que ahi a transmissão por meio do homem é a causa prin- cipal das epidemias. Artola, estudando epidemias do Perú, não en- controu fundamentos que o levasse affirmar ser a transmissão feita pelo homem. Lastly, Rabinowitsch e Kempner que estudaram, na mesma epocha, durante algum tempo, a epi- demia de peste que grassava em Odessa, negaram a transmissão da mesma, de homem a homem. Patee, que trabalhou durante a epidemia da índia, diz: «Vi pessoas ficarem em completa pro- ximidade com os doentes de peste, observei-as até abraçando e beijando a estes, e ainda não vi nenhuma ser affectada pela doença. Sou, por conseguinte, de opinião que a peste não é con- tagiosa.» Ainda sobre a immunidade gosada por amigos dos-doentes, falia o capitão-cirurgião. Thomson: Um facto estebelecido pela experiencia feita no hospital Parei é que a moléstia não' é conta- giosa. Mais de duzentos e quarenta pestosos foram visitado assiduamente por seus amigos; estes em uma vintena de casos, quasi não deixaram a ca- 13 beceira dos doentes e entretanto nenhum delles íoi atacado pela moléstia. Entre mais de cento e quarenta serventes empre- gados no hospital, um só homem, constante- mente occupado na sala das autopsias, foi ata- cado de um bubão axillar. Cantlie, estudando a epidemia do Egypto, diz que um só entre os médicos francezes contrahiu a peste. Ainda em relação a epidemia de 1894, em Hong-Kong, diz o mesmo auctor que nenhum dos médicos europeus nem também os estudantes chinezes, em numero de oito, que faziam o ser- viço do hospital foram attingidos pela peste. A opinião do Dr. Dallas, é a seguinte: «Excepto os casos de peste pneumonica, eu não penso que a infecção seja propagada pelo contagio humano. Eis uma prova: aquelles que estiveram mais em con- tacto com os doentes, desde os funccionarios me- dico até os serventes, gosaram de immunidade quasi completa, si se attender ao seu numero. De quatrocentas pessoas—homens, mulheres e crianças — que visitaram seus amigos e ficaram constantemente á sua cabeceira, nenhuma contrahiu a peste. Somente um enfermeiro militar foi affectado pelo contagio directo; elle tinha o habito de beber os restos das poções estimulantes deixadas nas taças pelos doentes; muito provavelmente estas haviam estado em contacto com a bocca de um paciente atacado de peste pneumonica». 14 Mas, a discussão não fica neste ponto e muitos auctores sem que venham negar o que acabamos de relatar, vêm firmados cm observações, affirmar ser uma realidade o contagio da peste de homem a homem. E’ deste modo que Mitchell, após estudar a peste, na Colonia do Cabo, vem affirmando a ser alli, na sua forma bubonica, muito contagiosa. Kitasato parece admittir que no Japão se nota. com mais ou menos frequência, o contagio directo de homem a homem. The Indian Pingue Commission, declarou que os casos de peste, na sua forma bubonica, podem ser considerados como não contagiosos até sobre- virem os symptomas de septicemia; desde então o homem pestoso torna-se unica origem de con- tagio, porque deixa escapar descargas de bacillos pestosos seja pelo nariz, pelos pulmões, pelo trac- tus intestinal e pelos rins. Declarou mais ainda que nos casos de cura pode ser o homem seu agente da infecção, visto que os pús dos bu- bões, bem como a expectoração e saliva, podem conter o bacillo da peste. Discordamos da opinião da commissão acima quando diz que o homem pode ser agente de infecção pelo facto de conter bacillos da peste no pús dos bubões dos doentes d’esta moléstia. O que nos leva a discordar da distincta Com- missão, é termos observado que, na maioria 15 dos casos, quasi nunca se encontra o bacillo da peste nos bubões quando em suppuração. Nas preparações de pús dos bubões, de doentes de peste, o que se encontra em grandes quanti- dade são streptococcus e staphylococcus que acham- se associados. Este facto tem sido, diversas vezes, por nós observado. Simond, cuja palavra é sempre acatado, quando falia a respeito, diz o seguinte: Todavia o contagio (no sentido de transmissão ao homem pela frequentação de um pestoso) è real; pareceu-nos até produzir-se em notável pro- porção no curso das epidemias: somente os hos- pitaes installados á européa e provido de um pessoal europeu, onde elle é de ordinário pro- curado, são precisamente os logares onde menos se manifesta. Mesma opinião tem o tão conhecido professor de pathologia intcrtropical, Pataik Manson, cuja autoridade sobre o assumpto é por todos nós re- conhecida. No seu recente trabalho—Tropical Dis- eases—diz o seguinte: «A peste, embora seja uma moléstia communicavel, não é tão infecciosa quanto o sarampão, a variola e mesmo o typho. O corpo medico e mesmo os enfermeiros, nos hospitaes proprios e bem arejados, contrahem raramente a moléstia, comtanto que não tenham feridas descobertas e que não fiquem muito tempo em contacto immediato com os doentes.» 16 Quanto ao asseio, ninguém poderá contestar, visto como foi verificado em Cantão e Hong-Kong, que bairros habitado pelos europeus gosaram de immunidade relativa para a peste. Para explicar semelhante facto basta dizer que as suas habitações eram bem construidas e are- jadas, notando-se entre elles observância com- pleta aos preceitos hygienicos. Temos ainda o distincto professor Dr. Gon- çalo Moniz que, em seu excellente livro sobre a peste, diz: «Ainda uma vez notamos que a ver- dade se acha sempre no meio termo: como muitas outras moléstias da mesma cathegoria, a peste é contagiosa, mas o seu contagio não é infal- livel, do contrario toda a vez que ella invadisse uma nova zona; ninguém lhe escaparia, o que não acontece.» E, com estes que acabamos de citar existe grande numero, que julgamos indispensável relatar, affirmando poder o homem, em certos casos, ser um dos agentes disseminadores da peste, n’um logar infectado. Algumas observações que fizemos, em casos de peste, n’esta Capital, fez que nos collocasse ao lado dos distinctos epidemiologistas que pensam desta maneira. E nem podia ser o contrario desde quando sabemos que, no maior numero de formas que a peste se manifesta, isto pode acontecer. 17 Não falíamos da peste pneumonica, onde todos que têm estudado semelhante assumpto são ac- cordes em affirmar ser uma realidade o contagio directo de homem a homem. Roux, BatzaroíT, estudaram perfeitamente este contagio. Outro exemplo, sobre o contagio da da peste na forma pneumonica, não se torna preciso logo que se lembre o trágico dcsappare- cimento do eminente Dr. Miiller, quando em seu laboratorio, fazia investigações scientificas. O contagio, Nesta forma, da-se por intermédio dos perdigotos expcllidos pelo doente quando á fallar ou quando apoderado de accesso de tosse, muito commum nesta moléstia. A peste sob esta forma é de extrema gravidade: muito pequeno, mesmo insignificante, é o numero dos que podem sobreviver ao seu ataque. Dastre e com elle as esta- tisticas mais. favoráveis dão apenas 8 á io % de casos de cura. Já por este motivo, não se pode negar ao homem esta qualidade que tem de, em certas e determinadas condições, ser um dos agentes disseminadores da peste, num logar onde grassa epidemia. Ainda nas formas septicemica e cutanea, é bem possível a transmissão da peste por intermédio do homem. Com relação a peste na sua forma septicemica, 18 pensa do mesmo modo The índia Pague Commis- sion que adiante citamos. Temos ainda a peste na sua forma bubonica propriamente dita. Ainda que muitos que tem estudado o assumpto digam não poder o homem transmittir, nesta forma, o germen pestífero a outro indivíduo, somos de opinião que isto pode succeder se forem preenchidas certas condições indispensáveis. Com o que acabamos de dizer, não queremos de forma alguma affirmar que, na propagação da peste, numa cidade, seja o homem o prin- cipal factor de sua disseminação; mas, pensamos que elle também concorre com o seu auxilio afim de augmentar esta mesma disseminação. Algumas observações, feitas n’esta Capital, nos faz pensar deste modo. Terminando, pois, este capitulo somos de parecer que, principalmente entre nós, devemos considerar o homem como sendo também um dos agentes disseminadores da peste, num logar infectado, bem que vá occupar ahi um plano secundário. 0 papel ilos ratos na propagação da peste I rL NDENTIDADE ENTRE A PESTE MURINA E A HU- MANA.—Existe, além do homem, um animal que representa um papel importantíssimo na propaga- ção da peste; e, mais ainda, como o principal fa- ctor que vem concorrer,geralmente, na constituição e difíusão das epidemias. Isto se explica da maneira seguinte: Logo que a peste é introduzida numa localidade» seja por intermédio do homem ou por outro qual- quer animal ou objecto, os ratos que são bastante susceptiveis em contrahir o mal e se expõem muito mais ao contagio, são immediatamente atacados pela moléstia. Isto acontecendo, a moléstia se diffunde rapida- mente entre elles constituindo a epizootia murina que não tardará, em breve tempo, transformar-se em epidemia humana. 20 O que hoje todos affirmam fallando na identi- dade da peste, nada mais é que a confirmação do que diziam os antigos homens de sciencia embora fossem absurdas as interpretações dadas para explicar a peste dos ratos como percussora da humana. O mais antigo documento sobre o assumpto é um capitulo da Biblia, (Samuel, livro I, capitulo, VI), documento este que Thenius e Netter invo- caram como affirmação de quanto é antigo o co- nhecimento da relação intima entre a peste do rato e a do homem. O celebre pintor Nicolas Poussin, vem mais ainda affirmar quanto é antigo este conhecimento, pois, inspirado unicamente no texto biblico, fez fi- gurar, num seu quadro, grande numero de ratos empestados, em contacto intimo com pestosos ago- nisantes e mortos. M. Rocher, em 1881, sobre observações feitas na epidemia de Yunnam, descreve-a insistindo for- temente sobre a grande mortalidade de ratos que, tanto nesta região como em muitas outras,' da China, precede quasi sempre, a epidemia humana. Antes disto, Hodges, em 1865, estudando a segunda epidemia que devastou grande parte da população de Londres, assignalou ter observado em pleno dia, ratos e camondongos transitando sem receio algum pelas ruas e praças d’aquella cidade onde correndo cambaleantes, morriam ás centenas. 21 A mesma observação fez Dr. Hutcheson, quando estudava a peste no pequeno districto de Gurwal. O mesmo ainda tem sido observado constante- mente em Formosa, onde este facto é tão commum que os indígenas costumam designar a peste por um vocábulo que significa—peste dos ratos. Duvida alguma podia existir a esse respeito, desde que os illustres bacteriologistas Yersin e Kitasato tiveram a gloria de descobrir o bacillo especifico da peste. A peste do homem e a do rato constituiu desde logo uma só moléstia. Para estabelecer esta identidade nada mais é pre- ciso que os seguintes argumentos: identidade das lesões anatómicas e bacteriológicas. A lesão anato - mica que caracterisa a peste, no homem, é o bubão pcstoso; e este mesmo bubão se encontra não só na peste expontânea como na experimental. Quanto a identidade bacteriológica, nem um só bacteriologista nega semelhante verdade. Eis o re- sumo que faz Besredka sobre os estudos feitos por Skschivan, no porto de Odessa: «Em seguida a dous casos de peste observados em Odessa, em Ou- tubro de 1901, organisou-se uma verdadeira cru- zada contra os ratos, a tal ponto que, no fim da campanha, contava-se 40.000 ratos mortos, po- dendo Skschivan, examinar a respeitável cifra de 2.200 sobre o ponto de vista bacteriológico e ana- tomo pathologico. 22 Preparou frottis com todos os orgãos, fez sanea- mento de sangue, do figado e do baço; fez ino- culações em cobayos, ora pela via sub-cutanea ora pelo processo d’Albrecht e Gohn. Hm seguida ao exame deste numero considerável de ratos, o autor achou-se com o numero de 14 culturas de peste. Após de tel-as submettido a um estudo mais completo possivel (caracteres morphologicos, cul- turas, virulência, acção do serum anti-pestoso, do serum agglutinante, phenomenos de Pfeiffer), che- gou a conclusão de que entre o bacillo da peste humana e o da epizootia dos ratos não existe abso- lutamente a menor diíferença. Trata-se de um só bacillo». Em vista de tão con- cludentes trabalhos, firmados em tantas observações, nenhuma duvida podia persistir por mais tempo. A identidade entre a peste humana e a murina que já era uma realidade tornou-se, desde então um facto que se não mais discute, tal o valor das provas apresentadas. Clark, em 1901, averiguou a existência, em Hong- Kong, de ratos mortos nas casas que mais tarde occorriam casos humanos. Notou ainda que esta mortalidade augmentava durante algumas semanas antes do apparecimento de qualquer caso humano. Em 1904, Atkinson, Pearse e Hunter, notaram também a correspondência entre a epizootia e a epi- demia humana; e, mais ainda que a peste destes animaes começa mais cedo e termina mais tarde 23 que a do homem. Kitasato Takaki, Shiga e Morya, estudando as epidemias de Kobe e Osaka, observa- ram facto perfeitamente semelhante. Temos aindaYersin e Roux que,baseados ernlon- gas observações seguidas de innumeras experiencias, chegaram a seguinte conclusão: «A peste quea prin- cipio é uma moléstia dos ratos torna-se logo uma moléstia do homem.» Agora que falíamos sobre a relação intima que existe entre a peste murina e a humana, vamos dizer alguma coisa sobre o papel que representa o rato nas epidemias da peste. OS RATOS NA PROPAGAÇÃO E DIFFUSÃO DA PESTE POR via terrestre.—Papel importantíssimo no que diz respeito a propagação e, mais ainda,quanto a'cons- tituição e disseminação das epidemias de peste, representa este animal que, sob este ponto de vista, vae ser por nós estudado—o ralo. Ninguém mais vacilla em acreditar do papel que ellc representa nas epidemias de peste e que tornou-se bastante conhecido desde mais remota antiguidade. Muitos distinctos epidemiologistas, taes como Hankin, Sirnond, Weis, Grayfoot, Buchner, Pfhul, Kossel e muitos outros, após profundos estudos e muitas observações feitas em Bombaim e em outros logarcs, declararam considerar o rato como principal factor da propagação da peste. 24 Da mesma maneira pensa o não menos concei- tuado epidemiologista Pfeiífer, Sabemos que, tanto na índia como na China, toda a epidemia humana é acompanhada de epi- demia dos ratos que se manifestam, em sua gene- ralidade, alguns dias antes d,e se notar o inicio da moléstia. Somente um caso assignalado pelo professor Hankin fez excepção a esta regra. Semelhante facto passou-se em Hurdwar: a peste appareceu neste logar, cm Abril de 1897, fazendo em alguns dias, o numero de victimas attingir a duzentos e vinte cinco entre os habi- tantes, sem que se notasse mortalidade alguma entre os ratos. Eis que apparcce Simond commen- tando o facto da seguinte maneira: «Visinhas de Hurdwar acham-se as cidades de Kunkhal e Jawalapour. Durante o mez de junho de 1897, nota-se cm Kunkhal uma epidemia sobre os ratòs que somente em Setembro é seguida por uma epi- demia entre os homens e macacos. Em Outubro do mesmo anno, nota-se em Ja- walapour grande mortalidade entre os ratos, onde somente em Janeiro de 1898 apparecem casos de peste entre homens e macacos. Não se pode duvidar qne as relações entre as epidemias dos ratos, homens e macacos nestas’ tres cidades, apresentam singularidades que col" 25 locam esta tripla epidemia um pouco fóra da regra commum. O que consiste na ausência da mortalidade dos ratos em Hurdwar, é de bom aviso não acceitar como um facto absoluto porque sem duvida, a attenção dos habitantes não foi attrahida sobre este ponto, no seu inicio. D outra maneira, affirmo que a peste pode existir entre os ratos sem que se possa constatar sua mortalidade, seja em rasão do pequeno numero de seus cadaveres, seja porque a moléstia não tenha bastante gravidade para matal-os. A mortalidade dos ratos cm Kunkhal, no mez de Junho, não teve outra fonte de emigração senão a de Hurdwar que, como se observou frequentemente, exportou a peste para a cidade mais visinha». Pensamos de accordo com a maioria, sinão unanimidade, dos que tèm estudado minuciosamente tal as- sumpto, dizendo que compete a estes damninhos animaes o principal papel na propagação e diffusão do tão terrivel mal indiano. Nenhum dos outros agentes conhecidos lhe é superior nesta tão in- glória tarefa de disseminar a peste. E não só isto. Não é dado a qualquer outro agente propagador da peste, a rapidez de que é dotado estes terríveis animaes em infeccionar, de repente, toda uma cidade se medidas energicas a isto não se oppuzerem immediatamente. Tem se observado com toda rasão que, em muitos 26 logares. as epidemias tem começado justamente em armazéns de cereaes. Ora, todos nós sabemos a propriedade que tem estes logares em attrahir estes terríveis animaes que ahi vão a busca de alimentos, e temos observado que, quando assim succede, são os empregados destes estabelecimentos que primeiramente são atacados pelo mal, que d’ahi em diante irá tudo devastando. Não somente por terra estes animaes constituem um grande pe- rigo quando se trata da propagação e diffusão da peste. Papel importantíssimo, representa ainda quando se trata desta mesma propagação por via marítima. M. Snow, Commissario Municipal da cidade da Bombaim, em o seu relatorio impresso pelo Times of índia, vem demonstrar cabalmente que a ex- pansão da peste, de districtc a districto, naquella cidade, coincidia perfeitamente com a emigração dos ratos empestados. Viu mais ainda que isto acontecia não só em relação ao tempo como tam- bém pela direcção; e que não se devia culpar aos habitantes visto como, cheios de temor, fu- giam aterrorisados da cidade. Mandvi que é um distiicto da cidade de Bombaim, foi aonde a peste manifestou-se epidemicamente, em 1896. Por muito tempo ahi permaneceu sem propagar- se. Mas, decorridas que foram nove semanas, observou-se que o mal principiava invadir o quar- teirão visinho. 27 Durante as tres primeiras semanas que seguiram a epidemia de Mandvi, é mistér declarar que mi- lhares de pessoas, de medo e terror, fugiram desordenadamente deste quarteirão e foram se abri- gar em quarteirões que estavam situados ao Norte e Oeste de Mandvi. Snow, após profundo estudo na marcha da moléstia, declarou que nenhum dos fugitivos daquelle districto transportou o mal sob forma epidemica. Tinha passado, seguramente, nove semanas quando Snow, espirito profundamente observador, notou que enorme emigração de ratos se fazia justamente para os quarteirões situados ao lado do Oeste e do Norte. Nesta occasião disseminou-se a epidemia, que era originaria de Mandvi. Foi observado por Snow que em todos estes quarteirões se verificava a pre- cedencia da apparição de grande quantidade de ratos, que morriam também em grande numero. Foi egualmente notado por este grande investi- gador que, a medida que estes animaes infes- tavam os quarteirões centraes, iam-se tornando raros em Mandvi, onde a principio era encon- trados aos milhares. Das investigações de Snow, conclue-se que a moléstia irradiou-se de Mandvi para os quar- teirões visinhos logo que ahi chegava a emigração de ratos daquelle districto. Em Kurakee, M. James, governador da pro- 28 vincia de Sind, observou idêntica epidemia que seguia sempre o caminho traçado pela emigração dos ratos. Esta epidemia foi estudada por Simond que diz ter notado grande mortalidade entre os ratos. Diz Simond, que tendo os habitantes de Chack- Kalal observado mortalidade entre os ratos desta aldêa, dahi se afastaram como medida preventiva, em 7 de Abril de 1898. Entre os habitantes ne- nhum caso de peste foi observado e toda a popu- lação,transportada para um acampamento provisorio, estava inteiramente indemne. Em 15 de Abril, duas mulheres, mãe e filha, foram autorisadas a se di- rigir á aldêa; ahi chegando encontram no chão da sua casa vasia ratos mortos que arremessam á rua antes de voltar ao acampamento. Dous dias após ambas foram atacadas de peste, e um pouco mais tarde novos casos se produziram no pequeno campo de isolamento que até aquella data tinha se conservado isento do mal. Refere Hankin, que Wadia, rico Parsi de Bombaim, lhe relatara que, em certo dia foram encontrados, em seus armazéns, uma grande quantidade de ratos mortos. Dentre os secretários e outras pessoas que visi- taram o estabelecimento nenhum foi commettido pela moléstia. Entretanto de vinte serventes que foram encarregados da remoção dos ratos mortos e da limpeza do local, doze foram atacados e victi- mados pelo mal. Como se não bastasse tão fri- 29 santes exemplos, vejamos um caso curioso rela- tado por Hankin. Quando a peste começou pela primeira vez se afastar de Mandvi, as casas *em redor da prisão de Oomecarrie foram infectadas. Entretanto, os prisioneiros continuavam gosar boa saude. Varias causas foram attribuidas a esta immunidade, mas, ninguém pensou que fosse devido a não infecção dos ratos que ahi habi- tavam. Finalmente, a peste propaga-se para os quarteirões centraes e attinge outra prisão sobre o nome Byculla House of Correction que, em todos os sentidos, era semelhante a precedente. Todas as medidas, salvo à destruição dos ratos, foram applicadas. Tempos depois notou-se mortalidade entre os ratos desta prisão, e, em consequência a moléstia manifestar-se entre os prisioneiros. Em Bombaim, um cocheiro da casa de uma familia ingleza, en- controu o cadaver de um rato que apanhou e atirou para fóra. Tres dias após, foi atacado de peste morrendo em poucos dias. Eguaes ás observações feitas em Bombaim, foi o que, justamente, notamos entre nós. A me- dida que uma nova rua ou quarteirão ia sendo infectada, notava-se que principiava uma mortali- dade entre os ratos, vindo em seguida casos entre pessôas que, após exame bacteriológico eram con- 30 firmados como sendo de peste. E foi assim que a peste tendo se manifestado na cidade baixa veio progressivamente até a cidade alta onde, de vez em quando, como que despertando de profunda le- thargia, procura fazer victimas. E’ deste modo que ao julgarmos-nos livres de tão terrivel flagello, elle se nos apresenta, com maior ou menor intensidade, zombando sempre das medidas empregadas. Muito numerosas seriam as observações eguaes ás que acima citamos, si quizessemos demorar por. mais tempo sobre este assumpto. Mas, em vista de grande copia de frisantes citações, julgamos nada mais ser necessário. OS RATOS NA PROPAGAÇÃO POR VIA MARÍTIMA.—Já que terminamos de citar factos que provam exhu- berantemente o papel que representa o rato na disseminação da peste nas cidades, passemos a es- tudar, firmados em incontestes observações, o papel que este nefasto animal desempenha na propagação da peste por via maritima. Até bem pouco tempo attribuia-se exclusivamente ao homem e as mercadorias as responsabilidades concernente ao transporte da peste esta via de communicação. Nenhuma suspeita assaltara o espirito dos antigos epidemiologistas, com relação ao papel importan- 31 tissimo que representava estes perniciosos roedores no transporte desta moléstia pelo mar. Posto que os numerosos documentos dos tempos que já passaram não façam absolutamente menção de nenhuma mortalidade entre estes animaes a bordo dos navios infectados, devemos crer, diz Si- mond, que este facto se reproduziu certamente por numerosas vezes, mas que passou despercebido á attenção dos passageiros e da marinhagem que ne- nhuma importância ligavam a este facto. Natu- ralmente, assim aconteceu pois este importante facto que, hoje, tanto interesse nos desperta era completamente ignorado. Nem podia succeder ao contrario desde que naquella épocha eram por demais erróneas as noções que elles possuíam sobre esta moléstia. Mas, cm seguida aos estudos de notáveis epide- miologistas ao lado dos quaes destaca-se Simond, nova epocha surgiu para tão palpitante assumpto que para mal da humanidade achava-se por demais obscurecid-o. Feita que foi a luz sobre este assumpto, suc- cederam rapidamente as observações que vieram afhrmar de maneira cathegorica o grande papel que desempenha o rato neste modo de propa- gação. Sabemos que estes animaes habitam em nu- mero considerável nas docas e nos caes dos portos e, por maior cuidado que se tenha, logo que um 32 navio seja ancorado elles ahi se intromettem com a maior facilidade. Por menor que seja a de- mora do navio, quasi sempre torna-se impossivel impedir esta invasão. ■ Egual invasão faz-se para terra pelos ratos de bordo. Qualquer que ella seja vem constituir grande perigo. E’ deste modo que podem levar o mal que contrahiu em terra, se vem de logares infectos; ou adquirem-o a bordo, por contacto de ratos infectados que invadiram o navio em portos onde grassava epidemia, levando para terra a moléstia de que está apoderado. Simond que fez estudos profundos sobre este assumpto, entre outros exemplos cita o facto se- guinte:—Em Fevereiro de 1908, o vapor Shanon fez uma viagem de ida e volta entre Bombaim e Adem. Neste tempo a epidemia da peste de- vastava Bombaim. Por este motivo, o navio foi submettido ás mais rigorosas medidas sanitarias antes da sua partida. Nada de anormal foi obser- vado a bordo, quer durante a ida, quer durante a sua permanência em Adem, cujo estado sanitario era bom. Entretanto durante a travessia, na volta para Bombaim, foram encontrados cadaveres de ratos no beliche do serviço postal que se achava amon- toado de saccos de despachos. Pouco depois, o em- pregado deste serviço e que trabalhava neste beliche foi atacado de peste, posto que não se podesse 33 attribuir que sua moléstia estivesse em estado de in- cubação, porque tinha embarcado em Adem onde não grassava epidemia de peste. Não havia duvida que este empregado tinha se infeccionado, a bordo, no beliche onde havia se encontrado ratos mortos. E’ presiso notar que, após este caso, verificou-se uma verdadeira epizootia entre os ratos do navio algum tempo após a partida de Bombaim, quer porque tivesse sido embarcado neste porto, quer porque houvesse contrahido o mal por intermédio das mercadorias que ahi foram embarcadas. Não é esta a unica observação que vem trazer a certeza absoluta do que affirmamos. Entre o grande numero existente, citaremos apenas os mais co- nhecidos e importantes. A. Le Dantec, no seu tratado de pathologia exótica diz o seguinte: «No anno passado, 1904, 0 Senegal partiu de Marselha com destino a Asia Menor, levando um grande numero de viajantes que iam fazer uma excursão scientifica no Oriente. Durante a travessia, na ida, um caso suspeito de peste se declarou n’um marinheiro. O Senegal, arribou e vem fundear no lazareto de Frioul, sem ter tocado em parte alguma. O caso suspeito foi reconhecido ser um verdadeiro caso de peste, tanto pelo exame bacteriológico, como pela inoculação. O marinheiro morre logo após sua chegada, não tendo nenhum outro caso se reproduzido. m K 34 Após investigações afim de procurar a origem da peste concluiu-se que o Senegal tinha se conta- minado numa das viagens precedente á Alexan- dria onde grassava epidemia de peste. No convéz do navio encontrou-se grande quantidade de cadá- veres de ratos que, submettidos á analyse bacte- riológico, foram reconhecidos como victimados pela moléstia». Simond, ainda vem nos relatar a seguinte obser- vação feita no navio Paina. Este navio que vinha de Bombaim, chega no dia 26 de Março de 1898 no porto Kurachee. Submettido a inspecção sanitaria, tanto na par- tida como na chegada, nada de suspeito foi en- contrado a bordo. Logo, no mesmo dia da chegada a Kurachee, encontrou-se cadaveres de ratos; todavia é auto- risado seguir sua rota para os portos do golpho Pérsico. No dia 28 de Março, se manifesta um caso de peste, n’um marinheiro; com tres ou quatro dias esta tem atacado cinco pessoas. Não se pode negar que a pequena epidemia que reina entre os marinheiros e passageiros, seja a consequência da anterior que se manifestou entre os ratos. Ora, os ratos doentes não podiam ter sido em- barcados em Kurachee, porque o navio tinha fun- deado á grande distancia da terra e não tinlja recebido carregamento no porto. Mas, ficou pro- 35 vado que, durante sua estadia em Bombaim es- teve nas docas deste porto onde foi amarrado ao caes. Dahi concluiu-se que foi o navio in- vadido por ratos que fugiam do quarteirão visinho e que já estavam atacados de peste. E, semelhantes a estas observações que aca- bamos de citar, existem milhares outras em que são perfeitamente idênticas os factos acima rela- tados; mas, deixamos de mencional-os por jul- garmos indispensável. Pensamos ter sido por esta via de propa- gação que a peste, moléstia que até o anno de 1899 era eompletamente desconhecida, chegou até nós. Foi em Outubro d?essc mesmo que S. Paulo teve a infelicidade de receber tão nefasta visita que, propagando-se immediatamente, chegou a quasi todos os Estados da Republica. Vimos que em qualquer modo de propagação, tanto por terra como por via maritima, o rato representa um papel activo e importantíssimo. São estes terríveis roedores um dos seus mais po- derosos sustentáculos nesta propagação que, no anno de 1900 á 1904 invadiu quasi todos os nossos Estados. Esta facilidade que têm os ratos em propagar a peste se explica do seguinte modo; 36 Sabemos a enorme população que toda a ci- dade dá abrigo, a estes tão perniciosos animaes. E’ dahi que parte o -tão grande perigo. Principalmente entre nós onde o maior nu- mero das habitações de construcção antiquíssima, primam pela sua íalta de hygiene, notável é a quantidade de ratos existentes em cada uma delias. Não existe um só ponto onde elles não tran- sitem : desde as adegas até aos sotãos passeiam livremente, tendo em cada logar um orifício por onde desapparecerá logo tenham necessidade. Accresce ainda que estas casas têm entre si uma estreita communicação que vem constituir uma verdadeira cidade subterrânea. Pois bem, nada mais facil para estes terríveis animaes do que levarem, logo se contaminem, o germen da peste a todos logares por onde passarem e contami- narem também aos seus companheiros. Logo isto aconteça, a disseminação faz-se com extraordi- nária rapidez attendendo a grande facilidade que têm estes animaes de percorrer, sem que se ponham a descoberto, todo um quarteirão. A medida que outros ratos vão se infectando continuam pro- ceder da mesma maneira e em muito pouco tempo teremos a epidemia murina que não tardará se transformar em humana. Na índia, a presença dos ratos nas habita- 37 ções é tão commum que o povo considera como a coisa mais commum do mundo. Por este motivo chegam até a se occupar dos seus ninhos, feitos nos quartos de dormir e nas accumulações de lixo, tão commum nas casas indígenas. Existe mesmo uma seita, a dos Jains, para quem todo ser vivo é sagrado, e que por- tanto se oppõe á destruição destes animaes por considerar como um ultraje a sua religião, Ora, num logar como este é inevitável a propagação rapida da peste desde quando não são tomadas as medidas indispensáveis afim de impedir que o agente transportador de tão terrível entidade mórbida dissemine-a por todos os pontos da ci- dade. As antigas construcções se prestam perfei- tamente em dar agasalho aos terríveis roedores; e são justamente n’estes logares onde primeiro surgem os casos de peste. Aqui, entre nós, observamos ter assim acon- tecido, os primeiros casos se manifestaram na cidade baixa onde a construcção é muito antiga. Dahi começou a propagar-se dando sempre pre- ferencia aos bairros onde havia menos hygiene e as casas eram, por sua antiga construcção, verdadeiras moradas de ratos. Foi justamente nestes districtos em que ao lado de tudo isto faltava as mais rudimentares noções de hygiene que a peste fixou os seus focos epide- micos. 38 Como exemplos citamos Conceição da Praia e Rua do Paço, etc. Nos districtos em que a construcção obedecia ás regras modernas, os seus moradores gosaram de immunidade relativa. N’esta Capital succedeu o mesmo que aos europeus, na índia, onde o asseio dos seus quartos, o isolamento das co- si nhas dos alojamentos dos criados, tornaram-se condições impróprias para attrahir os roedores. Digamos alguma coisa relativamente ás espe- cies de ratos que são capazes de transmittir a peste á especie humana. No ultimo congresso internacional de medi- cina, realisado em Budapesth, em Setembro de 1909, Kitasato apresentou em o numero de 3 de Outubro de 1909 de A Medicina Contemporânea um estado interessante sobre as epidemias de peste no Japão. Nesse importante estudo elle descreve tres espe- cies de ratos disseminadores da peste rfaquelle Império, na seguinte proporção: o rato negro indiano (mus rattus) o rato vermelho (mus ale- xandrinus) e o rato cinzento de Noruega (mus decamanus). Rupert Blue, nos ratos encontrados em S. Fran- cisco da Califórnia encontrou-os na seguinte pro- 39 porção para as especies: M. decamanus—8o °/0; M, rattus—6, 8 %; M. alexandrinas—o, 2 %• Conclue-se das observações destes scientistas que, a especie mus decamanus, é a que se incumbe prin- cipalmente do papel de agente disseminador da peste. Segundo a opinião do sabio e illustre Dr. Pa- cifico Pereira, esta é também a especie mais commum da Bahia. E, mais nada precisa dizer, após as palavras abalisadas destes que acabamos de citar. Em grande quantidade de ratos, apanhados em ratoeiras, temos observado o que tem de reali- dade a afhrmação do nosso Mestre, pois, temos encontrados quasi que exclusivamente animaes pertencentes a esta especie—mus decamanus. A propagação da peste por intermédio dos objeetos inertes °bjectos inertes gosam também de um papel importante na propagação da peste. Po- dendo servir de vehic.ulo ao germen da peste, podem leval-o a uma localidade indemne, e ahi chegando transmittil-o ao animal por todos nós conhecido como o mais susceptivel de contrahir o nial e o mais terrivel pela propriedade que é do- tado em disseminar rapidamente, entre seus com- panheiros, o virus pestífero. Ora, sabemos por diversas experiencias feitas em laboratorio, que este germen não pode resistir por muito tempo as temperaturas elevadas; mas, nas baixas tempera- turas, tem se o bacillo pode per- manecer sem perder a sua vitalidade, até du- rante o longo espaço de seis mezcs. Vamos citar algumas experiencias que vêm trazer o seu apoio ao que acima dissemos. Wladimiroff e Kressling, 42 em São Petersburgo, viram o bacillo resistir por muito tempo a temperatura que oscillava entre o e 20.° Kasansky, em Kasan, observou que du- rante o inverno o bacillo collocado fora das ja- nellas do seu laboratorio, conservou-se vivo durante o espaço de seis mezes. Experiências semelhantes a estas têm demonstrado que o bacillo adapta- se perfeitamente as baixas temperaturas. Abel. de Giaxia e Gozio. em temperatura oscillando de 16° a 20°, acharam o germen gosando de todas suas propriedades após o espaço de 6o dias. Mas, se as experiencias de laboratorio dão este germen como não podendo resistir por muito tempo na atmosphera, o mesmo não acontece na pratica, onde ficamos admirados em observar a grande resistência de que elle se torna possuidor. Este facto é muito cominum não só para o bacillo de Yersin e Kitasato como para muitos outuos que, apresentando pouca resistência quando submettido a experiencia cm laboratorio, resistem admiravelmente a temperatura que não podiam resistir nas condições anteriores. E’ por este motivo que não se pode, com muita exactidão, affirmar ‘o grau de tempe- ratura onde um germen qualquer deixa de existir; isto é, um gráu intermediário entre a vida e morte do germen. Assim acontecendo, nada ma is facil que um germen posto em con- 43 tacto num objecto, ser por este levado a dis- tancias bem consideráveis e com a sua chegada trazer a epidemia. Entre os muitos objectos, vamos mencionar al- guns conhecidos como podendo representar papel importante na propagação da peste. Cereaes.—Grande perigo e ameaça constante aos habitantes constituem, numa cidade inva- dida pela peste, os armazéns situados em quarteirões ainda não attingidos pelo mal e onde existem, aos milhares, saccos contendo cereaes de toda especie. E, este perigo torna-se maior por tornarem-se estes logares os pontos predilectos para o ajuntamento dos ratos. Possuindo casas desta ordem a propriedade cm attrahir tão nefastos animaes,. vê-se a facili- dade existente de uma invasão de um quar- teirão pestoso para um outro até aquelja hora ao abrigo do mal; sendo que as partes primei- ramente invadidas são justamente aquellas onde existem cereaes. Em chegando, porem, o mal não tende á ficar ahi estacionado; os ratos se intromettendo pelos diversos depositos ínfeccionam ao mesmo tempo, grande quantidade destes objectos que por sua vez vão levar o germen a logares outros ainda não attingidos pelo mal. Esta invasão faz-sc mais rapidamente quando estes armazéns estão collocados em ruas cujas 44 casas são de antiga construcção e que facilitam, deste modo, a rapida communicação destes roedores. E’ por este motivo, justamente, que a peste ao invadir uma cidade procura localisar-sc, de preferencia, em quarteirões que não primam pelo asseio e onde existem, em profusão, grande nu- mero de casas onde os cereaes constituem o ramo de negocio. Foi assim que entre nós, a peste se mani- festou primeiramente no districto da Conceição da Praia que todos nós conhecemos e em se- guida foi constituir outros dous fócos nos dis- trictos da Sé e Rua do Paço que em coisa al- guma tem que invejar ao primeiro. Os cereaes podem levar o germen da peste á distancias bem consideráveis, principalmente nas zonas cortadas por estradas de ferro e onde o transporte destes objectos é feito por este meio. N’estes logares, a propagação do virus pcstoso pode fazer-se com maxima# rapidez, attendendo a pouca demora que leva os objectos á chegar ao seu destino. Estes objectos têm sido até indicados como res- ponsáveis de algumas epidemias. Entre outros estudos que isto vem affirmar, citemos o que extrahimos da memória do Dr. Gonçalo Moniz quando diz: Em 1897 declarou-se em Djaddah, na costa arabica do mar Vermelho, uma pequena epidemia, provavelmente importada pelos pcri- 45 grinos dc Meca, que transportavam mercadorias oriundas da índia. Em 1898 reappareceu a peste na mesma cidade, porem a epidemia foi muito pequena, só durou 27 dias e foram apenas re- gistados 35 doentes, conforme a relação do Dr. Noury Bey, enviado pela administração da Qua- rentena á estudar a affecção. Noury Bey attribue a origem da contaminação a saccos de arroz vindos dc Bombaim e depositado nos «Haonch» sortes de grandes armazéns. Os carregadores que trabalhavam nestes ar- mazéns foram quasi os únicos accommettidos, como no anno anterior.» Temos ainda a epide- mia que em Novembro dc 1898 manifestou-se em Madagascar. Foi perfeitamente idêntica a de Djaddah, a ma- neira pela qual a peste ahi se introduziu, e que vem mais ainda confirmar o papel que representa os cereaes na propagação de tão ter- rivel moléstia. Ahi, como ianos dizendo, peste foi impor- tada, segundo Dr. Lidin, medico militar de Ma- dagascar, por intermédio dos saccos de arroz trazidos da índia. Os dous casos que acabamos de mencionar faliam bem alto relativamente ao papel que taes objectos podem representar na propagação da peste a distancias consideráveis. Papel não menos saliente exercem ainda os ce- reaes, na disseminação da peste numa cidade 46 onde reina epidemia. Ahi, estes objectos podem representar um papel activissimo na disseminação do mal. Sendo os cereaes coisa de grande necessi- dade para a vida, e, se infeccionando com muita rapidez pelos motivos acima expostos, compre- hende-se a facilidade que deve existir em sahir de um armazém que foi inleccionado grande quantidade destes objectos com destino os mais differentes. Estes cereaes em cujo seio traz o germen da moléstia podem por sua vez che- gados ao seu destino constituir um novo fóco epidemico. Sendo objectos que constituem grande ramo de negocio, pode um negociante residente num quarteirão salubre ir se abastecer num outro onde grassa epidemia e com elles trazer a epidemia para o da sua residência. Logo, jul- gamos merecer especial attenção estes logares onde, em epocha de epidemia, abundam os ce- reaes. Por este motivo, grande deve ser a vi- gilância, pelos encarregados de zelar pela saude publica, nestes logares. Seda e algodão.—Não existe, absolutamente duvida alguma quanto a propagação da peste por intermédio destas subtancias. Sabemos que a seda e o algodão gosam também da proprie- dade de attrahir estes animaes já por nós des- cripto, no capitulo precedente, como sendo os que representam papel mais importante na pro- pagação desta entidade mórbida. 47 Hgual á dos armazéns de cereaes, é a afluên- cia que se nota destes animaes, para os depó- sitos que contêm substancias desta natureza. Mo- tivo muito justo faz que os factos, tanto num como noutro, se passem da mesma maneira. Razão existe, em demasia, para que se dê esta perigrinação dos ratos aos armazéns contendo cereaes e aos que são occupados por fardos de sêda e algodão. Si naquelles estes damninhos animaes vão a procura dos alimentos indispensáveis a Sua exis- tência, nestes vão em busca de um abrigo que os ponha á coberto das intemperies que estão sujeitos, na natureza. As coisas se passando d este modo comprehende-se que a facilidade na infecção destes objectos acima referidos é perfeitamente se- melhante á dos cereaes. Hankin, que estudou também este meio de propagação, diz que a peste de 1720, em Marselha, foi ahi introduzida por este meio. Esta epidemia foi ahi introduzida pelo navio Grand-Saint-Antoine, vindo de Said com um carregamento de sêda. Defoe, fazendo uma des- cripção do começo da peste que, em 1665, visitou Londres, assim se exprime: «Existe verdadeira- mente uma diíficuldade que eu não tenho, podido resolver até ao presente: a primeira pessoa que succumbiu victimada pela peste morreu em 20 de Dezembro de 1664, em Long Acre. Diz-se que esta primeira victima contrahiu o germen infeccioso 48 d’um pacote de seda chegado da Hollanda e que foi aberto em sua casa. Em seguida não sabemos que nenhuma outra tivesse sido atacada. Mas, em 9 de Fevereiro, foi atacado de peste uma outra pessoa da mesma casa. Ficamos perfeita- mente tranquillisados por não termos, na relação hebdomadaria da mortalidade, caso algum men- cionado, quando em 22 de Fevereiro manifes- tam-se dous casos fataes de peste, não na mesma casa, mas, se bem me lembro, 11a casa visinha á onde primeiramente a peste se manifestou. Isto se produziu no fim de nove semanas. Não tinha se passado ma is que uma quinzena de dias, e a peste explodiu em varias ruas si- multaneamente e se espalhou por toda parte». Estes factos vêm demonstrar claramente a grande importância desta ordem de objectos, na propa- gação da peste. Nada mais se torna preciso para nos trazer a convicção de que a propagação da peste por intermédio d’cstes objectos, seja uma verdade indiscutível. Roupas usadas pelos pestosos. — Não menor, perigo, para as pessoas que laços de parentesco ou amisade faz que estejam sempre em intimi- dade com doentes de peste, constitue o contacto directo com as vestimentas por estes usadas. Sabemos e as observações attestam que, nas vestes de doentes pestosos o germen de Yersin e Kitasato pode permanecer por muitos dias sem 49 perder a sua vitalidade. Em Bombaim, confir- mando o que dissemos no começo deste capi- tulo, as. esperiencias demonstraram que o germen da peste, após o periodo de 36 dias„apresentava- se nas vestimentas, em condicções ainda de poder produzir a infecção pestosa. Permanecendo vivo durante tanto tempo, vê-se bem a possibilidade em propagar o outro indi- víduo a moléstia produzida pelo germen que traz com sigo. Assim acontecendo, pode até levar, de um logar á outro, por intermédio destes objectos, o virus pestoso que, achando favoráveis con- dições, pode ahi constituir uma nova epidemia. Ilankin, cita um caso bem interessante em que um indivíduo foi contagiado de peste por intermédio das vestimentas. Um pequeno vapor sahindo de Bombaim, em 20 de Agosto de 1896, chegou ao Tamisa em 11 de Setembro. Xo dia 26 ou 27 do mesmo mez adoece um criado de bordo de origem portugueza, que morreu em 3 de Outubro. No mesmo dia adoecia outro criado, de origem ainda portugueza, que morreu em 28 de Outubro. Julgou-se então que se tratava de um caso de peste. Mas, foi demonstrado clinica e bacteriologica- mente que o primeiro caso foi também de peste. Os dous homens dormiam no mesmo beliche. Após os estudos feitos sobre o caso, viu-se que 50 elles linham trazido vestimentas lavadas em Bom- baim e que delias se utilisaram, por causa do frio, pouco antes de adoecerem da moléstia de que foram vfctimas. Desta observação, vê-se que não somente nas vestimentas de doentes pestosos isto pode acon- tecer. Num logar onde reina com muita inten- sidade a epidemia, os cuidados com este objcctos devem ser de um escrupulo a toda prova. Estes objectos, sendo um dos productos resultantes da sêda e do algodão, são como estes também pro- curados pelos ratos para os mesmos fins. E’ muito com muna observar-se esta preferencia dos ratos, para os pontos onde existe vestimentas e cuja entrada lhes é accessivel. Estes objectos se infeccionando, tornam-se agentes propagadores tanto mais terriveis quanto por mais tempo conservarem, gosando de todas as suas propriedades, o gerrnen pestifero. O cirurgião-major Collie relata um facto bem curioso que vem affirmar ser as vestimentas um dos agentes propagadores da peste de um logar infectado á outro ainda não attingido pela mo- léstia. «Eu observei um caso interessante du- rante o primeiro anno de epidema, mostrando o perigo das vestimentas trazidas pelos pestosos. Um homem perdeu sua mulher em Bombaim. Dez dias depois, elle leva as suas vestes e joias 51 para uma casa que possuía na aldêa de Hurnai, na circumscripção de Ratnagiri. Cerca de uma semana depois, achou-se ratos mortos cm sua casa e nas visinhas. Seus parentes, um após outro, adoeceram e morreram de peste. Finalmente, o marido, desta victima, pagou também com a vida a sua imprudência. Nenhum dos membros desta familia tinha deixado a aldêa que, depois desta importação, foi severamente de- vastada. Não é certo que, neste caso, o homem tenha trazido a moléstia por outra via de pro- pagação. A opinião que as vestimentas dos pestosos constituem verdadeiro perigo, está em perfeito accordo com o que se tem observado nas epidemias anteriores.» Assim, pois, não vacillamos em affirmar que, num fóco pestífero, as roupas podem constituir um grande meio de propagação, si estiverem em logares onde os ratos possam penetrar com fa- cilidade. Resulta de tudo isto que, tanto nas vestes usadas por doentes atacados de peste, como nas vestimentas que forem invadidas pelos ratos que estejam infeccionados, o perigo é egual; c a propagação pode fazer-se, do mesmo modo, tanto num caso como no outro. ]á cm 1720, Mcad, escrevendo á respeito assim se exprimia «que les vêtement abritaierit les quintessences mêmes de la contagion». 52 Terminando este capitulo que resumidamente, tratamos da acção dos objectos inertes na pro- pagação da peste, vamos tratar da maneira pela qual se faz este contagio. Os insectos na propagação (la peste °nstitue, na verdade, assumpto de grande importância, o que vamos tratar neste ca- pitulo onde, muito ligeiramente, fallaremos do papel que os insectos representam na propagação da peste. Não somente na peste como em muitas outras moléstias, os insectos gosam de propriedades que, pela sua importância, merecem ser bem estudadas. E’, pois, por intermédio d’estes animaes que se faz, geralmente, a transmissão, de um a outro animal, do germen que, sugado do individuo doente, vae produzir no são, logo após a sua inoculação, uma moléstia perfeiíamente idêntica a primeira. Na infecção pestosa, os insectos procedem, justamente, deste modo; retirando o sangue do doente atacado de peste c inoculando-o nas di- versas outras pessoas ou animaes, faz que estas pessoas, juntamente com sangue de pestoso, adqui- ram o germen da peste que não tardará em 54 se manifestar sob uma das suas formas clinicas. Sendo, pois, até hoje conhecido como o prin- cipal vehiçulo na transmissão do germen, de homem a homem, de animal a homem c vicc- versa, comprehendc-se perfeitamente a importância do papel de que elles estão incumbidos na pro- pagação da peste. Não queremos dizer que em seguida a penetração do germen, no organismo humano, a infecção infallivelmente se manifeste; si na maioria dos casos isto acontece, não vamos concluir, por isto, que seja inevitável. Com effeito, ao lado das pessoas cuja receptividade para o germen é bas- tante pronunciada, existem outras que, bem que em numero insignificante, adquirindo completa immunidade, resistem serenamente ao ataque do germen ainda mesmo com virulência bem exal- tada. Infelizmente, porem, o numero é tão in- significante que em coisa alguma influe no estudo das epidemias, a não ser que a immunidade adqui- rida por meio da vaccina venha produzir os seus effeitos salutares. Não somente na peste, os insectos procedem d’esta maneira. Na transmissão, ao homem, do hematosoario de Laveran por todos nós conhecido como o agente responsável das manifestações paludicas; na inoculação, no organismo, do germen, que até hoje, infelizmente, se acha envolto em mais profunda obscuridade e que vae 55 após a inoculação produzir a febre amarella, e em muitas outras moléstias infectuosas, os in- sectos vem servir de veliiculo a estes productos das mais variadas e temíveis infecções. Representando papel tão importante no estudo que encetamos, não podíamos de forma alguma, deixar de tratar d’estes animaes que, na pro- pagação da peste, estão collocados em planos perfeitamente destacados. E’, justamente, a estes pequeninos animaes que estão destinados os papeis de mais saliência na propagação do mal. Aos outros agentes propagadores da peste nos capí- tulos anteriores mencionados, compete levar o germen de tão terrível moléstia aos mais lon- giquos e variados logarcs, fazendo surgir a epi- zootia caracteristica de epidemia imminente Logo, assim acontecendo, torna-se manifesto o papel dos insectos que para nós é um dos mais importante. Começa d’esde então, os insectos a proceder como os vehiculadores do germen.Possuindo esta qualidade em tornar-se vehiculo do virus pestoso, vê-se immediatamente do valor no estudo destes animaes, em se tratando da propagação de seme- lhante moléstia. Entre os insectos, vamos citar alguns d’elles que, profundo e acurado estudo, secundados por detidas c bem minuciosas observações, têm sido julgados por todos que estudaram o assumpto 56 como sendo o principal vehiculo de que se serve o germen da peste para se transmiltir de um a outro indivíduo. Transmissão do bacillo da peste pela pulga.— Foi em 1897, que após diversas experiencias, Ogata encontrou bacillos da peste no corpo das pulgas do rato. Antes disto, porem, Nutal e Simond, prevendo esta hypothese, fizeram estudos neste sentido porem, por mais que trabalhassem nada poderam conseguir; as suas experiencias afim de transmittir a peste a animaes susceptiveis tiveram resultado negativo. Em 1902, o Dr. Emilio Gomes, no Rio de Ja- neiro, encontrou o bacillo da peste também nestes animaes. Varias outras experiencias têm se demons- trado que as-pulgas retiradas dos ratos atacados de peste, contêm as mais das vezes em seu estomago,- bacillo da peste bem virulentos. As injecçòes sub-cutaneas resultantes da t.iitu- ração das pulgas dos ratos doentes, têm conseguido, quasi sempre, transmittir a moléstia aos animaes escolhidos para a experiencia. Já que se sabia existir o bacillo da peste no esto- mago das pulgas retiradas dos ratos doentes, torna- va-se preciso saber si as pulgas que se encontrava nestes animaes, eram também parasitas dos homens, pois que antigamente se suppunham que isto não acontecia. Succedcram-se as experiencias que após 57 algum tempo, vieram affirmar poder as pulgas do homem picar o rato e vke-versa. Sabe-se, hoje, que muitas especies de pulga exis- tem que são ao mesmo tempo parasitas do homem e do rato. Em ioo pulgas retiradas de um rato na ultima epidemia, em Sydney, Tidswel, encontrou as seguintes especies que, na proporção abaixo indicada, parasitavam também ao homem: Pulex pallidus .... 81 p. ioo; Pulex faciatus .... io p. ioo; Pulex serraticeps. ... ' i p. ioo; Typhlopsylla musculi . . 8 p. ioo. Deste quadro, observa-se que, as pulgas reti- radas do rato, na sua maioria, eram também parasita do homem. Existem, porem, especies de pulgas que, dão preferencia a um determinado animal. Como exemplo, temos a pulex irritans que prefere o homem; a pulex cheopis que procura o rato e a pulex félix que se acha sempre no gato. Mas, pode acontecer que uma destas especies procure, occasionalmente, outro animal que o preferido. Paliando d’estas 3 especies de pulgas, assim se exprime o sabio c venerando professor Dr. Pa- cifico Pereira: «Qualquer destas especies porem, pode occasionalmente atacar outra especie animal. As pulgas dos ratos quando são em grande nu- mero atacam o homem, ainda mesmo tendo um rato á disposição; e quando privados de ali- 58 mento durante 72 a 74 horas atacam mais facil- mente a especie humana, mas ainda famintas pre- ferem o rato ao homem». Os ratos que repellem estes insectos quando estão sãos, com muita facilidade deixam ahi per- manecer quando atacados pela moléstia. Bem considerável é o numero de pulgas que atacam estes animaes quando doentes e que somente abando- nam-os depois da morte. Abandonando o cadaver do rato, procuram as pulgas, immediatamente, atacar outro animal, seja o homem ou mesmo outro rato. Ahi é que está o grande perigo da propagação da peste por intermédio destes animaes. Infeccionar o animal com o qual veio ficar em contacto, é o seu fim principal. Que as pulgas de ratos doentes pedem trans- mittir o mal a outros animaes é um facto perfeita- mente demonstrado. Em 1902, Gauthier e Raybaud, bacteriologistas de Marselha, após diversas investigações com o fim de averiguar si a peste se transmittia de rato a rato pela picada dos insectos parasitas; si estes insectos atacavam também ao homem con- dições eguaes que se realisa o contagio de animal a animal na sua natureza, tirou as seguintes con- clusões: que as pulgas colhidas nos ratos picam o homem sem difficuldade e que a transmissão da peste se dá por intermédio das pulgas. Decla- 59 raratn ainda que a infecção não se realisa pelo simples contacto de animal a animal quando sejam excluídas as pulgas. Verjbitski, em Cronstadt e S. Petersburgo, depois de muitas investigações tirou conclusões semelhantes ás de Gauthier e Raybaud. Vamos citar as expcrjencias feitas pela The In- ílian Plagae Commission e que são relatadas pelo Dr. Carlos Fortes, aflirmando ser a transmissão da peste, por intermédio das pulgas, de uma facilidade a toda a prova. Collocados os ratos em apparclhos destinados a este fim, poude a Com missão em 66 experiencias, obter a proporção de 45 % de expe- riências positivas. Proseguindo nesta ordem de observações e de investigações, a Commissão con- seguiu transmittir a peste a centenas de cobayas por meio da piilex cheopis. Dr. Carlos Fortes, depois de descrever minucio-. samente estas experiencias, diz: «Assim se de- monstram que, em condições próprias, é facil infectar animaes susceptives por meio de pulgas catadas em animaes empestados, excluindo todos os outros meios de infecção.» Eguaes experiencias foram feitas por Simond que obteve o mesmo resultado. Não havendo duvida em declarar ser a pulga o principal vchiculo do virus pestoso e sabendo que, em grande numero, estes animaes atacam aos ratos doentes, vê-se o perigo que ellcs consti- tuem 11a propagação da peste pela possibili- 60 dade existente de abandonar o rato doente e atacar ao homem ou outro rato que se acha em bôas condições de saude. Falíamos do grande numero de pulgas que atacam os ratos doentes, porque todos dizem e nós também temos observado que estes animaes, quando sãos, reagem sempre contra esta invasão, devorando-as. Agora que sabemos ser a transmissão do bacillo da peste feita por intermédio das pulgas, vamos dizer como é que se produz este contagio. Tem se observado que existe uma grande diffi- dade em se contaminar um animal de peste quando isto quer se obter por intermédio do tubo digestivo. Mas, se por esta via de contagio nem sempre se pode effectuar a transmissão do germen de um a outro animal, o mesmo não acontece quando se procura transmitil-o pela via hypoder- mica. Tem se observado que, basta uma pequena picada com um estylete contendo germens da peste, para produzir a infecção pestosa. E’ preciso, porem, que haja uma solução de continuidade; pois, está perfeitamente demonstrado que, nem com o contacto do microbio cultivado, nem com o sangue de um animal pestoso, nem com as suas excrecções com a pelle em completa integridade, não se tem podido determinar um ataque de peste. Em Bom- baim, Dr. Sticker, membro da missão allemã, con- trahiu a peste,por ter sido picado numa das mãos por um instrumento que tinha servido na autopsia 61 de um cadaver pestoso. Notou-se que no ponto da picada appareceu uma pequena phlycténa que con- tinha o bacillo da peste e que um bubao surgiu na parte superior do mesmo membro. O mesmo que aconteceu ao Dr. Sticker, obser- vou-se em dois membros de missão japoneza em Hong-Kong. Nas pesquizas de laboratorio quasi sempre se encontra esta phlycténa que encerra a principio um liquido transparente e que mais tarde torna-se sanguinolento ou purulento. Em alguns casos de peste que tivemos occasião dc observar, verificamos não existr este phlycténa. Ora, sabendo que a via pela qual o microbio se introduz no organismo humano é a hypodermica, nada mais natural do que a inoculação deste mesmo germen pelas pulgas que vivem sempre em con. tacto immediato como animal preferido pela peste. Passando de um animal infeccionado, após ter su- gado o seu sangue onde se acham bacillos pestosos, vae como o agente mais habitual da transmissão da peste inoculal-os, pela via hypodermica, noutro animal, produzindo por este meio a infecção. Que a transmissão de peste do rato ao homem faz-se pela picada da pulga, é um facto indiscutivel. O mesmo se observa de homem a homem. E’, picando ao homem ou a outro animal que as pulgas transmittem o productor da peste. O modo pelo que o agente productor da peste é levado pela pulga ao organismo, Simnnd ex- 62 plica da seguinte maneira: «Não parece admis- sivel que o ferrão macerado de sangue possa conservar por muito tempo o seu poder infe- ctuoso; neste caso a pulga só seria nociva no momento que abandona o animal pestoso. Em compensação, a observação nos demonstra que o parasita, durante a sucção, deposita suas de- jecções no ponto onde se installou as quaes consistem em uma pequena gotta de sangue di- gerido. Si o liquido é uma cultura do bacillo da peste, é provável que a infecção se manifeste em con- sequência da porta de entrada feita pelo aguilhão». O nosso distincto professor Dr. Pacifico Pereira, em estudos especiaes que fez sobre tão impor- tante assumpto, após affirmar ser o contagio de feito por intermédio das pulgas, assim se ma- festa : «A capacidade do estomago da pulga é de 0,5 de* millimetro cubico e embebendo-se do sangue de um rato pestoso pode conter 5000 bacillos de peste. Estes bacillos se encontram também no recto e nas fezes das pulgas, e tem se obser- vado que estes insectos têm o habito de defecar no momento em que sugam o sangue pela picada, de modo que o acto de coçar a pelle em seguida á irritação provocada pela mordedura da pulga facilita a inoculação dos germens depostos na superfieie cutanea pelo insecto infectado». 63 Ora, já não existindo duvida cm ser as pulgas o principal vehiculador do germcn da peste, com- prehende-se perfeitamente o motivo porque o Dr. Dallas, Parei e outros declararam não ter obser- vado o contagio em seus doentes, nos hospitaes da índia. O motivo da não transmissão do mal de in- divíduo a indivíduo, julgamos ter sido a não existência, nos hospitaes, destes insectos. E’ que se torna necessário a presença destes animaes ou outro qualquer que possa vehicular o germcn da peste afim de que ellc se possa trans- mittir aos outros animaes susceptiveis de con- trahir o mal. Foi o que aconteceu sempre quando a The Indian Plague Commission fazia investigações; sempre que não existia pulga o contagio não sé fazia. Agora que fizemos um rápido estudo sobre o papel que as pulgas re- presentam na propagação da peste, passemos a fallar de outros insectos que, bem que não seja como a pulga o principal vehiculador do mal, não são completamente indifferentes rfesta mesma propagação. Os percevejos.—-Estes insectos que são um dos nossos parasitas e que vivem constantemente em os nossos leitos, muitas vezes até zombando das mais enérgicas medidas empregadas para.se conse- guir sua destruição, devem também nos merecer alguma attenção. Vivendo durante o dia nos es- 64 conderijos que em todo leito se encontra ás cen. tenas, ahi permanecem até ao cahir da noite quando sahem dos seus antros e ficam á espera que o seu hospedeiro habitual, de cujo sangue elbs vivem, venha descançar das fadigas diarias. E’ n’csta occasiâo que elles, famintos, atacam ao homem afim de com o seu sangue procurar o alimento de que carecem. A maneira pela qual estes insectos transmiítem o germen da peste, de homem a homem, é semelhante á da pulga. Estudos feitos por Verjbitski, em Cronstadt e S. Pe- tersburgo, vieram afíirmar ser também os perce. vcjos um dos agentes vehiculadores do germen da peste e por isso mesmo merecer a nossa attenção no estudo da propagação desta moléstia. Após diversas experiencias Verjbitski consegiu contaminar diversos animaes pela picada dos percevejos infe. ctados. N’esse estudo bastante interessante tirou o me- dico russo a conclusão que, juntamente com as pulgas, os percevejos gosam também de um papel importante na propagação do mal por nós estudado, considerando-os como agentes vehiculadores cuja importância não é das menores. E’ ainda nas antigas habitações onde o asseio é uma chiméra e onde as classes desherdadas da fortuna em geral habitam, que estes insectos preferem para sua residência. Apoderando-se dos leitos, elles ahi vivem abertamente sem que os 65 habitantes destas casas liguem a menor impor- tância a semelhante facto. Estes insectos que, ás vezes, intromettem-se pelas dobras dos vestuários, podem também ser levados, á logares onde não existe epidemia e, ahi chegando, fazer que cila se manifeste. A. Le Dantec diz: «Eis uma observação feita por Simond, em Bombain, que mostra a possi- bilidade do contagio pelos percevejos: trata-se duma creança de dois annos, que fói atacada de peste em seu berço, durante a noite, num primeiro andar duma casa até ahi indemne, si- tuada fora dos quarteirões onde havia peste. Cha- mado para prestar os soccorros médicos, soube que sua mãe tinha passeado nos dias precedentes em ruas contaminadas. Ella apresentava um bubão axillar direito, e do mesmo lado, não longe do mammillo, tres pequenas phlyctenas que sua mãe declarou provirem de picadas de percevejos ante- riores a febre e ao bubão» Agora que sabemos ser também os percevejos um dos agentes vehiculadores da peste, passemos a estudar um outro insecto que tem sido accusado como podendo transportar o virus pestoso. Os mosquitos—São estes os insectos que jul- gumos representar também um papel que não deve passar despercebido quando tratamos da propagação da peste. Não deixamos de encontrar razão nos que 66 julgam ser estes animaes um dos vehiculos do germen da peste, e como tal concorrer para a propagação do mal, principalmente em paiz, como o nosso, onde são encontrados aos mi- lhares. Si bem não conheçamos observações que isto venha afíirmar, pensamos dever ligar importância a estes insectos que são por todos nós conhecidos como sendo os dos principaes vehiculadores de diversas moléstias. Ora, é facto provado que estes animaes trans- mittem, de indivíduo a indivíduo, o germen responsável pela febre amarella; servem de vehiculo ao hematosoario de Laveran que vai produzir o im- paludismo e inoculam também a filaria. Representando o papel de vehiculador nestas dif- ferentes moléstias, razão não achamos para que se negue a estes animaes esta propriedade de trans- mittir também o germen da peste. E’ tanto mais provável esse contagio, quando sabemos que modo pelo qual estes insectos retiram do doente o agente que vae produzir as moléstias acima citadas, é justamente egual ao proceder das pulgas. Assim, pois, não affirmando peremptoriamente poder estes animaes representar papel importante na propagação da peste, somos de opinão que isto é bem possível acontecer. Ficaremos a es- pera que a palavra abalisada dos scientistas venha esclarecer este ponto de grande importância, prin- 67 cipalmente para nós, pois, «seria sobretudo á temer nos paizes quentes », diz A. Le Dantec ao passar muito superficialmente neste ponto. PROPOSIÇOES PROPOSIGOES ANATOMIA DESCRIPTIVA I— O systcma lymphatico é composto de vasos e ganglios que, entre si, guardam intimas re- lações. II— Em todo o apparelho lymphatico acham-se espalhados ganglios que, em algumas partes do corpo, formam cadeias ganglionares. III— Os ganglios inguinaes formam um grupo muito importante situado no triângulo de Scarpa. ANATOMIA MEDICO-CIRURGICA I— Entre as folhas do faseia superficialis, en- contra-se ganglios lymphaticos que merecem grande importância na pathologia da virilha. II— Conforme estejam para adeante ou para traz do faseia cribriformis, dividem-se em superficiaes e profundos. III— Os ganglios superficiaes ainda se dividem em inguinaes e cruraes. HISTOLOGIA I—O protoplasma e o núcleo constituem as par- tes mais importantes da cellula, 72 II— Toda cellula provem de outra cellula preexistente. III— A cellula organica é profundamente ata- cada nas moléstias infectuosas, como a peste, desde os lymphaticos até á crase sanguínea. BACTERIOLOGIA I— O germem da peste se apresenta sob a forma de bacillos curtos, immoveis e de extre- midades arredondadas. II— Este bacillo se cora facilmente pelas basicas da anilina. III— Não toma o Gram. ANATOMIA E PHYSIOLOGIA PATHOLOGICAS I— Na autopsia de cadaveres pestosos, encon- tra-se degeneração gordurosa em diversas vísceras. II— Quanto mais longa foi a infecção mais vasta é esta degeneração. III— Esta'' degeneração se observa com fre- quência no fígado e no coração. PHYSIOLOGIA I— A urina ao sahir dos rins caminha atravez os ureterios e chega até a bexiga. II— A quantidade de urina secretada durante 24 horas é de 1200 á 1500 grammas. 73 III—Nos indivíduos atacados de peste esta média está sujeita a oscillações. THERAPEUTICA I— O sôro anti-pestoso, constitue magnifica therapeutica no tratamento da peste. II— A administração deste medicamento faz-se geralmente por injecções intra-peritoneal e intra- venosa. III— Nos casos que apresentam gravidade é preferível administrar-se pela via intra-venosa. HYGIENE I— Na prophvlaxia da peste, a vaccina anti- pestosa deve ser empregada sem vacillação. II— Ella confere ao organismo, durante o espaço de seis mezes, immunidade quasi que absoluta. III— A vaccina geralmente empregada é a da Commissão allemã modificada pelo Dr. Oswaldo Cruz. MEDICINA LEGAL E TOXICOLOGIA I— Moléstias existem que, sem quebra do se- gredo profissional,, o medico é obrigado notificar. II— Na peste, por exemplo, esta notificação á autoridade sanitaria é obrigatória. III — O medico que assim-não proceder, in- correrá nas penas do art. 378 do Codigo Penal, 74 PATHOLOGIA CIRÚRGICA I— Somente em casos de necrose é aconse- lhada a extirpação dos bubões pestosos. II— A cicatrisação nesses casos è muito demo- rada. III— Não existindo necrose a extirpação é contra-indicada. OPERAÇÕES E APPARELHOS I— A amygdalite pestosa é uma das compli- cações que se observa na peste. II— A amygdalotomia é a operação indicada n’esses casos. III— Esta operação é íeita com um apparelho especial chamado amygdalotomo. CLINICA CIRÚRGICA (i.« CADEfltA; I— Em regra geral, os bubões pestosos ter- minam suppurando. II— E’ nos dez primeiros dias que isto acon- tece. III— Quando o bubão entra em suppuração, ha elevação thermica. CLINICA CIRÚRGICA (2.* CADEIRA) I—Logo que o bubão pestoso esteja em suppii- ração, o medico deve incisal-o, 75 II— Esta incisão deve ser franca afim de faci- litar a eliminação dos tecidos infectados. III— Deve existir muito cuidado durante o tratamento. PATHOLOGIA MEDICA I— A peste é uma moléstia contagiosa que, sob diversas formas clinicas, vive endemicamente na Asia e na África. II— De rapida propagação, a peste se mani- festou, pela primeira vez, na Bahia, em 1904. III— E’ na sua forma bubonica que esta mo- léstia tem se apresentado com mais frequência. CLINICA PROPEDÊUTICA I— Tachycardia e hyperthermia são magníficos meios para chegar-se ao diagnostico da peste. II— O que, porem, contribue poderosamente para um bom diagnostico, é a puncção do bubão. III— Na serosidade do bubão, encontra-se o germen responsável pela moléstia. CLINICA MEDICA (i.« CADEIRA) I— Na peste pneumonica, os phenomenos ner- vosos são muito accentuados. II— A expectoração que não é muito abun- dante, é um signal constante. 76 III—E’ notável, nesta forma de peste, a dyspnéa intensa de que são acommettidos os doentes. CLINICA MEDICA (2.* CADEIRA) I— E’ na forma ambulatória que a peste se manifesta com mais benignidade. II— Todos os symptomas, nesta forma clinica, são profundamente modificados. III— Não raras vezes os doentes se restabe- lecem sem o auxilio da therapeutica. MATÉRIA MEDICA E ARTE DE FORMULAR I — As substacias empregadas em injecções h\po- dermicas, são na maioria dos casos substancias solúveis. II — Algumas vezes, porem, pode-se injectar me- dicamentos insolúveis. III — Na peste, é geralmente por injecções que se faz a administração dos medicamentos. HISTORIA NATURAL I— E’ na subdivisão dos arthropodos que os insectos estão classificados. II— Os insectos representam um papel impor- tante na transmissão de diversas moléstias conta- giosas. III — Na peste se observa este phenomeno. 77 CHIMICA MEDICA I — A antipyrina é um medicamento muito em- pregado em medicina II — Possue propriedades anti-thermicas e anal- gésicas. III — Não é indicada nos casos de peste. OBSTETRÍCIA I — A puberdade, na mulher, é caracterisada pela apparição do fluxo menstrual. II — Esse escoamento sanguineo é o resultado de uma super-actividade circulatória intensa dos orgãos genitaes da mulher. III — Na mulher atacada de peste é commum observar-se a suppressão d esse acto physiologico. CLINICA OBSTÉTRICA E GYNECOLOGICA I — O aborto é a expulção prematura do féto, durante os seis primeiros mezes da gestação. II—Todas as causas que trazem em conse- quência a miséria physiologica concorrem para o abortamento. III — Nas mulheres gravidas, quando atacadas de peste, o aborto é inevitável. CLINICA PEDIÁTRICA I — Os bubões pestosos nas creanças são, na 78 maioria dos casos, localisados no pescoço ou na axilla. II—A grayidade da moléstia é a mesma tanto na infanda como na idade adulta. III — As creanças, porem, são atacadas com menor frequência que os adultos. CLINICA OPHTALMOLOGICA I—Durante a marcha da infecção pestosa, pode surgir complicações para o lado do apparelho ocular. II — As mais communs destas complicações é a conjuntivite que, algumas vezes purulenta, chega formar uma camada de pús que occupa toda a conjuntiva iris e retina. III—Tem se observado até casos de kerato-irites e de keratite parenchymatose. CLINICA DERMATOLÓGICA E SYPHI- LIGRAPHICA I — A peste, na sua forma cutanea, é caracterisada por diversas phlyctenas espalhadas em toda parte do corpo. II — Nas preparações da serosidade destas phlyc- tenas, encontra-se grande quantidade de bacillos da peste. III — Esta forma clinica da peste é muito rara. 79 CLINICA PSYCHIATRICA E DE MOLÉSTIAS NERVOSAS I — O systema nervoso é muito susceptivel á acção da toxina pestosa. II--O delirio, em todas as suas modalidades, é muito frequente nesta moléstia. III — O estado de coma se observa também com muita frequência. c/cv r/e- Q'//^&- c/cc-mcz r/a- Sj ceÁcet, J2JS <r/es c/es /<?. "Ç> d-o-ô- i^yfteire/feô'.