FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA TM1S1 APRESENTADA Á fnnÉÊí k itoitii M f nljia EM 26 DE OUTUBRO DE 1911 PARA SER DEFENDIDA POR (/o?av/â t/a c£/t:/íema NATURAL DA PARAHYBA Diplomado em Pharmacia pela mesma Faculdade AFIM DE OBTER O GRÁO DE DOUTOR II IIDICII1 DISSERTAÇÃO (Cadeira de Hygiene) Aspecto social da luta contra a tuberculose PROPOSIÇOES Tres sobre cada uma das cadeiras do curso de sciencias medico-cirurgicas BAHIA TYPOGRAPHIA BAHIANA, de Cincinnato Melchiades 69—Rua Lopes Cardoso, ex-Grades de Ferro—69 1911 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA Director—Dr. Augusto Cesar Vianna Vice-Director—Dr. Secretario—Dr. Menandro dos Reis Meirelles Sub-Secretario—Dr. Matheus Vaz de Oliveira. PROFESSORES ORDINÁRIOS Drs. Manoel Augusto Pirajá da Silva . Historia natural medica Pedro da Luz Carrascosa. . . . Physica medica José Olympio d’Azevedo .... Chimica medica Antonio Pacifico Pereira. . . . Anatomia microscópica José Carnei-ro de Campos . . . Anatomia descriptiva Manoel José de Araújo .... Physiologia Augusto Cesar Vianna Microbioíogia Antonio Victorio de Araújo Falcão. Pharmacologia Guilherme Pereira Rebello . . . Anatomia e histologia pathologicas Fortunato Augusto da Silva Júnior Anatomia medico-cirurgica com operações e apparethos Anisio Circundes de Carvalho . . Clinica medica Francisco Braulio Pereira . . . Clinica medica Joqo Américo Garcez Fróes. . . Clinica medica Antonio Pacheco Mendes. . . . Clinica cirúrgica Braz Hermenegildo do Amaral. . Clinica cirúrgica Carlos de Freitas Clinica cirúrgica Francisco dos Santos Pereira . . Clinica ophtatmologica Eduardo Rodrigues de Moraes. . Clinica oto-rhino-laryngologica Alexandre E. de Castro Cerqueira. Clinica dermatológica e syphili- graphica Gonçalo M. Sodré de Aragão . . Pathologia geral José E. Freire de Carvalho Filho . Therapeutica Frederico de Castro Rebello. . . Clinica pediátrica medica e hygiene infantil Alfredo Ferreira de Magalhães. . Clinica pediátrica cirúrgica e or- thopedia Luiz Ànselmo da Fonseca . . . Hygiene Josino Correia Cotias Medicina legal Climerio Cardoso de Oliveira . . Clinica obstétrica José Adeodato de Souza .... Clinica gynecologica Luiz Pinto de Carvalho .... Clinica psychiatrica e de moléstias nervosas Aurélio Rodrigues Vianna . . .' Pathologia medica Antonino Baptista dos Anjos . . Pathologia cirúrgica. Professores extraordinários effectivos Drs. Egas Muniz Barreto de Aragão . Historia natural medica João Martins da Silva Physica medica Pedro Luiz Celestino Chimica médica Adriano dos Reis Gordilho. . . Anatomia microscópica José Affonso de Carvalho . . . Anatomia descriptiva Joaquim Climerio Dantas Bião . Physiologia Augusto de Couto Maia .... Microbioíogia Francisco da Luz Carrascosa . . Pharmacologia Julio Sérgio Palma Anatomia e histologia pathologicas Eduardo Diniz Gonçalves . . . Anatomia medico-cirurgica com ope- rações e apparethos." Clementino Rocha Fraga Júnior. Clinica medica Caio Octavio Ferreira de Moura. Clinica cirúrgica Ctodoatdo de Andrade .... Clinica ophtatmologica Albino Arthur da Silva Leitão. . Clinica dermatológica e syphiligra- phica Antonio do Prado Valtadares . . Pathologia geral Frederico de Castro Rebello Koclc Therapeutica José de Aguiar Costa Pinto. ' . . Hygiene Oscar Freire de Carvalho . . . Medicina legal Menandro dos Reis Meirelles Filho Clinica obstétrica Marto Carvalho da Silva Leal. . Clinica psychiatrica e de moléstias nervosas Antonio do Amaral Ferrão Muiiiz. Chimica anatytica e industrial. DISPONIBILIDADE Dr. Sebastião Cardoso Dr. João E. de Castro Cerqueira Dr. Deocleciano Ramos Dr. José Rodrigues da Costa Doria. A Faculdade não approva nem reprova as opiniões exaradas nas theses pelos seus auctores. Aspecto social da luta contra a tuberculose A tuberculose moléstia social JJ \Cõx tuberculose não deve ser considerada sim- plesmente como uma moléstia individual. Pelas suas terriveis devastações, pelo numero de victimas que dizima na população de todos os paizes, ella se nos apresenta como um mal social, tanto mais quanto numerosos são os factores etiologicos de ordem pura- mente social, que pela sua modificação ou suppressão, podem influenciar na sua marcha, ou facilitar a sua cura. Dentre os mais importantes destacamos a insalu- bridade das habitações, a insufficiencia ou a má ali- mentação, o excesso de trabalho, o alcoolismo, a ignorância absoluta dos mais rudimentares preceitos de hygiene e, emfim, a transformação da actividade humana sob a civilisação moderna. A tisica é, pois, «um perigo mutuo entre o indi- víduo e a sociedade» (1), e para este o melhor remedio, a meu ver, é a previdência mutua. Os esforços para combater o mal não devem, pois.j ser sómente o resultado das medidas adoptadas pelos poderes públicos, e sim a fusão destes com a iniciativa particular, caminhando ambos para o mesmo fim, sem nunca disputarem primazia. A luta deve ser continua, efficaz e essencialmente (1) Léon Bourgeois. 4 pratica, o que infelizmente não tem acontecido na maioria dos paizes e especialmente no Brazil, cuja população profundamente ignorante, ao lado dos Governos descurados, não acceita nem pratica as medidas decisivas contra tão legendária pandemia. Os meios postos em pratica para aliviar a huma- nidade deste flagello, não têm correspondido á espe- ctativa, nem por sua vez têm sido executados ver- dadeiramente, como se deduz das bellissimas leis e projectos elaborados a respeito, pelos diversos pode- res, pelas Associações, Ligas, etc., leis e projectos para defesa contra o terrível morbo. Fala-se e escreve-se periodicamente sobre o thema; cada um repete mais ou menos o que já foi dito e escripto muitas vezes, em certas epochas; os homens públicos legislam sobre o assumpto; as Municipali- dades cream posturas, surgem as Ligas, formam-se os Congressos, e tudo parece preparar-se para dar com- bate decisivo a tão formidável inimigo, e ha mesmo uma celeridade notável em tudo isto. Quando de repente, rápidos como as trovoadas do estio, os jornaes e revistas nada mais estampam sobre o assumpto; os propagandistas desappareceram; os Governos deixaram de' sanccionar as leis, creando Sanatórios, Assistências, Dispensários, Colonias, etc., ou quando o façam, estas não podem ser executadas pela condições financeiras do Estado. As Municipalidades não impõem o cumprimento dos seus editaes, continuando o leite e a carne á venda sem a precisa fiscalisação. As Ligas estabeleceram seus estatutos; elegeram seus directores; affixaram cartazes contra o escarro 5 e o uso dos consoladores e nada mais puderam avan- çar em favor de tão sublime cruzada, porque as sub- venções foram sustadas; as dadivas cessaram por encanto, e a indifferença vai substituindo o enthu- siasmo. Os Congressos, representando todas as nações, discutem em brilhantes orações trabalhos originaes; projectos contra o mal, alguns congressistas mani- festam-se fervorosos partidários das experiencias de laboratorio, outros dos meios prophylacticos e final- mente um descobre um sôro inteiramente inoíFensivo comprovado por um sem numero de experiencias; encerrados, firma-se a data para nova reunião, a im- prensa exalta os relevantes serviços prestados pelos eximios representantes; mas nenhum obstáculo re- sultou para diminuir o numero de vidas roubadas á actividade; é sempre crescente a mortandade pelo bacillos de Kock ou cousa que o valha. E' mais ou menos este o quadro que se desenha entre nós actualmente e na maioria dos paizes, menos accentuado, porém, em outros, como a Inglaterra, a Allemanha, a Suécia e os Estados Unidos, onde as medidas attinentes á hygiene e educação, tanto dif- ferem das nossas, pelo seu cunho sobremodo pratico. Ha mais de vinte annos, seguramente, que a luta contra a tuberculose se estabeleceu no mundo inteiro; meios de toda sorte têm sido empregados para ga- rantir o triumpho contra esse mal. 6 Nenhum, porém, tem dado resultados inteiramente satisfactorios. Os diversos soros, proclamados como o triumpho da therapeutica moderna, não passam de mera con- tribuição para o diagnostico do processo morbido. A guerra ao escarro não tem diminuído o numero de tuberculosos. Os preparados pharmaceuticos e os agentes medicamentosos muito têm contribuído para enriquecer os droguistas e industriaes, em prejuízo da saude e da bolsa dos pobres tisicos. Os sanatórios, cuja utilidade não podemos negar, têm curado «economicamente», como dizem os alle- mães; porém, as recahidas frequentes e as meias curas custam muito caro, para transformar moribundos em impotentes. Os dispensários, de que tanto se esperada, têm-se transformado, especialmente 11a França e na Hespa- nha, em gabinetes polyclinicos (2), casa distribuidora de conselhos mal executados e, emfim, em ligeiro pal- liativo á miséria dos tuberculosos urbanos. No Brazil, onde existem apenas tres ou quatro em funccionamento, não se observa ainda semelhante desorientação, e não estaria, certamente, a Bahia pri- vada de obra tão meritória, se não fosse o desappare- cimento tão prematuro do nosso presado mestre e insigne scientista Dr. Alfredo Britto, a quem se deve toda a iniciativa da luta contra a tuberculose, nesta terra, obra tão sua, que morreu com elle, como filha extremosa; injuriada com a desdita do seu progenitor. Os saneamentos das cidades são quasi sempre in- (2) L’initiative Privée contre la tuberculose, pag. 3. 7 completos, limitando-se na maioria dos casos á simples denuncia dos alojamentos insalubres e arruinados, ver- dadeiros subterrâneos, ás autoridades sanitarias e ahi termina a acção dos homens, que pensam assim terem feito alguma cousa em prol da causa que visam. O sanatorio, o dispensário, o saneamento das más habi- tações, a assistência publica, a fiscalisação dos alimen- tos, têm sido problema de estudos e observações muito interessantes, muito académicos, sobretudo acadé- micos (3). Luta social, luta popular, são expressões muito suaves para seduzir as multidões, mas que jamais traduzirão uma realidade emquanto não syntlietizar o esforço real de cada indivíduo. Muito semelhante ao amor da patria é o amor á humanidade; todos se sentem animados destes senti- mentos altruisticos que tanto distinguem os heróes e os homens, e cada um quer possuil-os em maior gráo, no entretanto, limitadíssimo é o numero dos que tra- balham para o engrandecimento do seu paiz natal, e menor ainda é o numero dos que praticam a ca- ridade na sua essencia. Mais do que isto ainda, são os Congressos sobre a paz universal e sobre a igualdade das raças que se têm realisado nos últimos tempos, e em que o nosso gráo de cultura foi tão bem representando; deslum- brantes foram as conferencias, os resultados nada deixaram a desejar; emquanto por outro lado, cada nação estudava o melhor meio de se aguerrir e no nosso continente, nos centros mais adeantados, os (3) E. Boureille. Président de 1’CEuvre des tuberculeuses pauvres. 8 homens de côr eram lynchados, e procurava-se esbu- lhar o direito de representante do povo nos parla- mentos. Do que acabamos de dizer, muito se póde depre- hender o que tem sido a luta social contra a tuber- culose, sem, comtudo, querermos negar os seus resul- tados. A luta antituberculosa tem diante de si uma mura- lha alta, inaccessível, infranqueavel. Contra ella se liga um feixe de interesses parti- culares e de máos hábitos, de tal modo colligados, e as suas partes tão solidarias que tentar contra uma é dar combate a todas. Sabemol-o bem: a luta antituberculosa é a luta do interesse geral contra os interesses particulares, luta dos locatários das habitações caras e ruins contra os proprietários, a luta do operariado contra o patrão, a luta de milhares de habitantes de uma cidade, mal calçada, mal illuminada, mal asseiada, sem agua e sem esgotos, contra a sua municipalidade, a luta de uma parte da nação indigente, mal nutrida e mal alojada, contra uma outra parte do paiz, maís favo- recida, a luta dos que nada possuem e nada dirigem, contra os ricos e os dirigentes. E’ a eterna revolta dos escravos contra Roma, em face das desigualdades e das injustiças; a luta anti- tuberculosa é uma luta social, uma phase da luta humana. (4) Em certas epochas, diz Boureille, a tuberculose esteve em verdadeira moda. Em 1820, era de bom (4) Boureille, cit. 9 tom apresentar-se uma physionomia pallida e fatigada e deixar ver, negligentemente, um lenço manchado de sangue recentemente expectorado. Era elegante emmagrecer e morrer tísico. Hoje, porém, que meio mundo é tuberculoso, ella passou a ser a mais frequente moléstia da plebe. Os antigos tinham ideias mui precisas sobre o con- tagio da tisica e da sua cura pelo ar puro. Hyppo- crates aconselhava a mudança de ar a seus catar- rosos; Celso a visinhança do mar, na estação inver- nosa e o campo no estio. Plinio acreditava na acção bemfeitora do sol e das florestas. Esquecida a cura em pleno ar, passaram os tuber- culosos a serem tratados em quartos fechados. Peter dizia: « Não conheço nada mais asqueroso e fétido do que o quarto de dormir de um tisico abastado. «E’ uma morada cuidadosamente cerrada onde se priva de entrar o ar e a esperança, acolchoadas as portas e janellas, espessas cortinas cobrindo a cama de onde o infeliz tuberculoso se move em estofado humidecido, e em uma atmosphera vinte vezes res- pirada ». Bennet condemnado por tisico em Londres á ca- mara fechada, a caldos de gallinha e tisanas, escapou em Menton, em cujas rochas expôz o peito ao ar e á acção do sol. (5) Logo depois surgiram as ideias sobre a contagiosi- (5) Sixth Congress Tuberculosis — 1908. 10 dade da tuberculose. Cabe aos hespanhoes a gloria de terem sido os primeiros a dar melhores interpre- tações sobre o contagio da tisica. (6) Laennec, cujos trabalhos extraordinários trouxe- ram muita luz a respeito desta moléstia, mostrava-se estliusiasta dos ares marinhos, em que tinha elie en- contrado melhoras, estando atacado de tuberculose. Até uma certa epocha nada se havia feito para a cura dos tisicos. Por muito tempo as Academias e as Sociedades Medicas só se occupavam com a dis- cussão da existência ou nãp do contagio. A verdade parecia muito longe, quando surge Wil- lemin demonstrando que a tuberculose era virulenta e inoculavel, e Kock descobrindo o seu agente de infecção. Mais tarde, no Congresso de Berlim, o grande sabio allemão, perante um a de seis mil médicos, declarava ter descoberto o especifico da tuberculose, a que deu o nome de tubereulina de Kock. Extraor- dinário foi o successo de tamanha descoberta, porém, infelizmente, maiores foram os seus desastres; o no- tável scientista esquecendo que nem sempre somos semelhantes a cobayas, e não podendo resistir á sede de glorias, que tanto caracterisa o espirito allemão, applicava a sua cultura em milhares de tuberculosos. O que era hontem meio de cura é hoje íneio de dia- gnostico, e amanhã a tubereulina será archivada para sempre; ficando, apenas, a sua historia. Os microbios eram desconhecidos em 1850 e, en- tretanto, a sabia Inglaterra assumia, pela sua legis- (6) Le devoir sociale des collectivités, pag. 11. 11 lação sobre as casas insalubres, um logar á parte na luta antitubereulosa. Em todos os tempos, os médicos acreditavam no contagio e pensavam que certas condições de vida, a existência miserável das pessoas pobres, por exemplo, predispunham á tuberculose. Porém as descobertas de Villemin e de Kock tiveram o mérito de evidenciar as coisas neste ponto. A tisica loi estudada sob uma nova phase. Depois do periodo de luta em torno da palavra contagio, com- prehendeu-se enifim a sua significação. Contagio: isto queria dizer que a tuberculose ma- tando o nosso proximo e os nossos amigos, tornava-se terrível, porque sendo hereditária, ella podia attingir a todos nós. Organisaram-se as estatísticas. Os resultados co- lhidos causaram assombro. As cifras mesmas, na maioria dos paizes, pareciam phantasticas. A marcha da moléstia crescia de anno a anno; e os mais ata- cados, eram os indivíduos moços, os trabalhadores, e os habitantes das cidades. O circulo foi se enlargue- cendo; todos se occupavam deste fíágello. Aos médicos se juntaram os economistas, depois os poderes públicos, e cedo se convenceram de que esta ulcera devorava a humanidade de um modo des- esperador, e que ella interessava tanto á sociedade como á medicina. Sobre a historia da tuberculose no Brazil, escreveu o Dr. Azevedo Lima, quasi tudo o que tem sido o seu inicio e a luta contra a sua propagação, até os nossos 12 dias. São estas mais ou menos as expressões do illus- tre scientista: (7) A tuberculose começou a grassar com preponderância nas cidades do littoral e pouco a pouco foi se alastrando pelo interior do paiz, de modo que ha muito, constitue uma pandemia das mais mor- tíferas e impõe-se como um problema de grande monta pelo desfalque que causa no nosso património nacional. E, embora este problema venlia despertando, com certa intensidade, a attenção publica e a dos profissio- naes, depois da concepção que assenta sobre a noção .da contagiosidade e da curabilidade desse mal, o certo é que elle vem de longa data preoccupando a classe medica, pelo grande numero de vidas que rouba á nossa actividade nacional. Já em 1798, tal flagello devia ser frequente nesta cidade—Rio de Janeiro—, dando logar á Camara en- viar uma consulta aos profissionaes mais autorizados, solicitando a sua opinião sobre o desenvolvimento e os meios de impedir o mal. O Dr. Medeiros consultado sobre o assumpto res- pondeu «a tisica era muito frequente, bem que os an- tigos affirmassem a sua raridade outhora». O Dr. Medeiros considerava a tuberculose tão fre- quente, que affirmava contribuir cila com um terço para o obituário d’aquella epoca. Em 1835, o Dr. José Martins Jobin, baseado nas suas próprias observações e nas dos seus collegas, ad- mittia a propagação da tuberculose por contagio e dissertava com critério sobre as suas deploráveis consequências; accrescentando, na qualidade de me- (7) Tuberculose no Brazil, 13 dico do Hospital da Misericórdia, que a tisica pulmonar era tão frequente alli, que julgava constituir, pelo menos, a quinta parte dos que succumbiam. As inconveniências da tosse e as excreções muito abundantes dos doentes tuberculosos, alojados nas mesmas enfermarias das outras ordens de moléstias; as presumpções que existiam de que a tisica era um tanto contagiosa, dando logar a muitos doentes se in- feccionarem com a longa estadia na Misericórdia; fo- ram despertando a attenção dos profissionaes, para o isolamento d’aquella classe de doentes. , A ideia da hospitalisação dos tisicos em enferma- rias especiaes deve constituir um titulo de glorias, para quem a determinou em uma epoca em que não se co- gitava da prophylaxia publica ou privada da tuber- culose. Reconhecida a necessidade de isolamento, ella não cahiu em terreno esteril: em 1839 creava-se o hospí- cio dos tisicos, a cargo do mesmo Dr. Jobin e do Dr. Simoni. Tão salutar providencia, cessou infelizmente alguns annos depois (1842), voltando-se á promiscui- dade que ainda hoje perdura na maioria dos nossos liospitaes. O numero de tisicos tratados nesse hospital, era relativamente grande, sendo em 1840— 404, em 1841 —285, em 1842—436. Nestes mesmos annos já era frequente esta molés- tia no Hospital de Marinha. O Dr. Pereira da Costa em nota offerecida ao Dr. Sigaud assignalava o grande numero de marinheiros tisicos. O Dr. João Alves Carneiro, em sessão de 12 de Outubro de 1833, na Sociedade de Medicina, além de 14 outras considerações sobre a tuberculose, dizia: «As causas geraes são o deboche e depois a alteração dos alimentos, ambos progressivos c crescentes desde 1808, pelo augmento do luxo desenfreado; c depois da che- gada da Côrte tem se visto apparecer a tisica em maior escala nas mulheres, no Hospital, em sua maioria prostitutas consumidas pela libertinagem, peias bebi- das alcoólicas e pelo abuso do tabaco». Na Bahia, o Dr. Justiniano Gomes, Professor da Fa- culdade, fornecia ao J)r. Sigaud um documento do qual se infere a vasta expansão da tisica neste Estado, tão vasta que chegou a merecer as proporções de uma calamidade publica, segundo se deprehende de uma memória do Dr. Wucherer. No Pará, o Dr. Baena diz: «as affecções do appa- relho respiratório são muito frequentes e terminam por marasmo». Em Pernrmbuco, segundo um trabalho apresen- tado pelo Dr. Octa.vio de Freitas, pôde-se verificar um progresso continuo desde 1851 até 1901, sendo o numero de victimas actualmente superior a mil por anno. Em Santa Oatharina, no Ptio Grande, em Curytiba, é a tuberculose uma das moléstias qpe mais avo- lumam o quadro mortuário. Em Minas, no anno de 1850, não era raro, nas cidades e até mesmo em fa- zendas, o apparecimento de tisicos, principalmente nos escravos. Nas cidades de S. Luiz do Maranhão, Parahyba, Alagoas, segundo o registro demogyaphico e infor- mações colhidas, o numero de obitos por tuberculose pulmonar é bem avultado. Em Manaus, o illustrado 15 clinico Dr. Jorge de Moraes, havia até nos últimos annos, registrado muito poucos casos. Em 1859, em relatorio apresentado pelo Dr. Paula Cândido, ao Mi- nistério do Império, entre outras medidas contra o mal, apontava como mais palpitantes as attinentes ao melhoramento das classes pobres, naquelle tempo como ainda hoje, tão descuradas. Em 1884 por ini- ciativa do Barão de Cotegipc, foi creado em Oasca- dura um hospital destinado aos tísicos. Desde esta epoca, a idéa da lucta contra a tuber- culose começou a ser por toda a parte uma vaga aspiração. O problema social continuava a merecer dos profissionaes brazileiros a attenção que vinha despertando em todo o mundo civilisado. O assumpto, comtudo, não logrou fixar desde logo a attenção do publico, nem dos poderes competen- tes, embora a classe medica viesse concorrendo com o seu generoso esforço em prol d’aquelle problema. Em 1889, o Dr. Julio de Moura, pronunciando-se sobre tão grave questão como era o combate a uma moléstia tão preponderante, em nossos centros po- pulosos, dizia com desalento: «Tratando-se de uma enfermidade que nos assola com a teimosia inexo- rável de uma endemia que não tem paradeiro, nós nos achamos na mesma lamentável contingência de nossos antepassados, lutando tanto ou mais do que elles, por um lado, com a indifferença do povo e dos poderes públicos; por outro com a indifferença, ou 16 mesmo ausência dos meios aconselhados, para pre- venil-a ou debellal-a ». (8) 0 problema prophylactico da tuberculose que vinha merecendo apurado estudo dos Drs. Pacifico Pereira, Silva Lima, Alfredo Britto,'nesta capital; Fe- lippe Caídas, no Rio Grande; Remedios Monteiro e outros, no Rio de Janeiro; Clemente Fcrreira e Vi- ctor Godinho, em S. Paulo; Octavio de Freitas em Pernambuco, era assumpto frequente de propa- ganda pela imprensa e de vibrantes communicações nas sociedades medicas de nosso paiz. Posto em ordem do dia na Academia Nacional de Medicina do Rio de Janeiro, em Novembro de 1895, o assumpto, deu logar a uma larga e brilhante discussão termi- nando pela nomeação de uma commissão, que apre- sentou um importante relatorio onde se acham con- densadas as medidas de prophylaxia as quaes tres annos depois o professor Grancher, em memória que ficou notável, editara como ultima palavra na sciencia. Com relação aos paizes latino-americanos, diz o Dr. E Coni: (9) que estes não têm limitado a sua acção em crear dispensários e sanatórios populares, mais do que isto suas vistas se têm conduzido franca e resolutamente para o verdadeiro caminho da luta anti-tuberculosa, referindo-se á protecção á infancia por meio de instituições que tão bons resultados têm dado na Europa. A puericultura está hoje constituindo assumpto de grande monta, entre nós. As nações americanas que não contam ainda com gottas de leite, dispensários (8) 2.o Congresso Medico Brazileiro. (9) 3°. Congresso Medico Latino Americano. 17 de lactantes, casa de expostos, sanatórios maritimos, colonias de ferias, colonias agrícolas para convales- centes, inspecção hygienica e medica das escolas, etc., têm a estudar estes poderosos elementos de hygiene social, verdadeiro idéal da prophylaxia, não só de- baixo do ponto de vista da tuberculose, como também de todas as moléstias em geral. De accordo com as informações prestadas pelos representantes das Ligas e outras Associações contra a tuberculose, das diversas nações da America La- tina, vê-se que muito têm ainda que fazer a este respeito. O primeiro paiz que conta com um sanatorio ma- rítimo, na America do Sul, é a Argentina. Seu hos- pital e asylo marítimo de Mardel Plata, creado em 1893, á margem do Atlântico, tem capacidade para receber 125 creanças de ambos os sexos, debeis, lim- phaticas, escrofulosas, etc. Muitos são os resultados colhidos por este sanatorio, que é dirigido por uma Sociedade de Beneficencia. Montevideu ha iniciado já a protecção escolar de suas creanças e se proppõe em breve a crear um estabelecimento especial nos arredores de sua capi- tal, aproveitando o ar e o sólo de sua saudavel costa marítima. O Chile conta com um sanatorio marítimo em Cartagena, com proporções actualmente para cin- coenta creanças. Diz ainda o Dr. Emilio Coni (10): si as-condições sanitarias da maioria das cidades latino-americanas (10) La lucha antituberculosa. 18 têm melhorado sensivelmente em os últimos annos, devido aos múltiplos progressos no tocante á edifi- cação e estabelecimentos de saúde, por outro lado, as autoridades, em geral, nada têm 'feito em pról das habitações para o proletariado. Muitas das construcções modernas não satisfazem ás prescripções de uma boa hygiene pela sua escassez de ar e luz que constitue a menor preoccupação de seus proprietários, arcliitectos e constructores. Desde muitos annos que se levanta a questão das habitações para operários, sem que até a presente data, nem os governos nem outros poderes tenham conseguido pôr em pratica tão magno problema. De- vemos assignalar os progressos que cada nação latino- americana ha realisado no sentido de crear vivendas hygienicas para as classes pobres. O movimento tem adquirido impulso vigoroso em algumas delias, onde as vantagens offerecidas por meio de concursos, pré- mios, etc., têm despertado a iniciativa particular para a sua solução. Merece applausos sinceros este despertar e a ques- tão social terá dado um grande passo, no dia em que todos os habitantes de uma cidade gosem de ar e de luz com prodigalidade. A habitações salubres se liga intimamente o re- gistro sanitario da habitação, iniciado na França, antes de qualquer outro paiz. Como complemento desta medida se impõe tam- bém a necessidade de crear, em cada cidade de certa importância, uma commissão especial de alojamen- tos insalubres, constituida por inspectores technicos 19 de hygiene, architectos sanitários, e funccionarios municipaes, e mais que todos os planos de edifícios, cuja permissão se solicita das autoridades munici- paes, devem ter a fisealisação mais directa das repar- tições sanitarias, o que geralmente não acontece. Como se vê, o balanço dos progressos realisados pela hygiene publica na America Latina, não é de todo desfavorável. Muito se ha feito, alguma bôa vontade existe por parte do povo e dos governos, porém ainda ha muito caminho a percorrer. A mutualidade, especialmente a escolar ainda em embryão, não está, todavia, estabelecida de maneira methodica e pratica, o que se explica por tratar-se de nações novas, em plena evolução. Façamos votos, pois, para que o seguro obrigatorio contra a molés- tia seja muito cedo uma realidade entre nós da America Latina, e assim poderemos alcançar o nivel da Allemanha, este colosso moderno, que assombra o mundo e occupa o primeiro logar sob o ponto de vista da luta contra a tuberculose. Para isto é indispensável que os poderes públicos façam menos politica e mais administração; que prestem ás questões de hygiene social mais attenção do que a dispensada até agora, porque nestes paizes a iniciativa privada, por mais louvável e enthusiasta que seja, succumbe muito depressa senão receber o bafejo dos poderes públicos. Etiologia social da tuberculose e habitações insalubres Está hoje demonstrado e reconhecido por todo o mundo que a tuberculose é causada por um ser micros- cópico que se chama bacillo de Kock, pelo menos emquanto não ficar claramente provado ser outro o agente infectuoso, como alguns suppõem, ultimamente; como também que a sua simples penetração no orga- nismo animal não basta para tornal-o tuberculoso. A semente para germinar tem necessidade de um terreno apropriado, do mesmo modo são os agentes pathogenos. Para se implantar e pullular na economia, para produzir uma lesão e dar logar a um processo mor- bido, cuja evolução constitue a moléstia, é necessário que o microbio encontre um organismo cujos meios de defesa estejam momentaneamente paralysados e que não possa mais se refazer. No caso contrario, quando o organismo possiie um gráo sufficiente de resistência, a luta se trava nestas condições entre o assaltante e o organismo atacado, terminando quasi sempre pela victoria deste ultimo. Não ha, 'talvez, moléstia em que esta lei de patho- logia geral seja melhor confirmada do que no pro- cesso chimico. Seu agente especifico é um micro-organismo que 22 ataca os homens e os animaes do mesmo modo, ha- vendo, entre estes, uma predilecção pela raça bovina. Elle existe por toda parte e as fontes de contagio e de contaminação tuberculosas são muito frequentes. Muitas vezes, em 50 °/0 dos casos, como demonstrou Straus, nós o abrigamos nas mucosidades de nossas fossas nasaes. £' difficil dizer de um modo preciso com qae fre- quência ellé penetra, para adiante, na arvore aerea com o ar carregado de poeiras bacilliferas, que nós respiramos. Elle se encontra no leite, na superfície da maioria dos comestíveis expostos nos mercados, elle se prende aos muros, aos moveis dos alojamentos liabi- tados por tucerculosos, as vestes, emfim a grande numero de utensílios. O bacillo encontra, pois, innumeras occasiões de penetrar no nosso organismo, quer por via respira- tória, quer seguindo o tubo digestivo, quer finalmente por uma solução de continuidade do tegumento ex- terno ou das mucosas expostas e mal protegidas. Qualquer que sejam, pois, as razões que permittam o bacillo de Kock penetrar, ora elle se acha redu- zido á impotência, e ora, ao contrario, elle dá logar á tisica. Estas razões indicadas assignalam a influen- cia primordial que a resistência do organismo exerce sobre a sorte ulterior do bacillo de Kock, de que já falamos, isto é, de tudo o que diminue a força de resistência do organismo, como sejam: a alimentação má e insuíficiente, a habitação insalubre, a falta de ar e de luz, os excessos de trabalho, á fadiga phy- sica e intellectual, os pezares, os excessos de toda a sorte, a apprehensão da luta pela vida, etc., crêa um 23 conjuncto de condições que permittem ao bacillo se implantar em nossa economia e ahi proliferar. E’ por estes motivos que a tuberculose faz os seus maiores estragos nas classes proletárias, entre os pequenos funccionarios, empregados de classe inferior, de vida sedentária, etc., que vivem, como vulgarmente se diz, mal comidos e mal dormidos, substituindo a falta de pão pelo álcool, sem luz e sem ar, não conhecem o descanço e só na taverna esquecem a incerteza do seu futuro na embriaguez a que a miséria os arrasta. A desigualdade social dos individuos se encontra em todas as moléstias; mas é em face da tuberculose que se accentúa de um modo caracteristico. Gebliard diz que a mortandade por tuberculose é tanto maior em cada classe social, quanto menor fôr a sua renda; servindo-se para affirmativa de uma estatística feita na cidade de Hamburgo, encontrando em dez mil contribuintes mortos por tuberculose a seguinte porcentagem: 10,7 com a renda excedente de M. 3.500 20,1 » » » entre M. 2.000 e 3.500 26,4 » » » M. 1.200 e 2.000 39,3 » » » M. 900 e 1.200 Nesta cidade — a Bahia — o pessoal que se occupa em serviços domésticos, é, de accordo com o que colhemos dos escriptos do preclaro Mestre Dr. Paci- fico Pereira (11), aquelle que fornece maior contin- (11) Revista dos Cursos da Faculdade da Bahia. 24 gente á tuberculose, 34,7 °/0, mais de uni terço da totalidade dos obitos produzidos por esta moléstia. A causa deste elevado coefficiente, diz ainda o insigne scientista, Dr. Pacifico, «creio ser a perma- nência no interior de habitações que não offerecem em geral boas condições hygienicas, e a influencia do processo de asseio das casas, ainda geralmente usado, pela vassoura e pelo espanador, expondo constantemente os encarregados deste serviço e aquelles que os assistem a inhalações das poeiras e varreduras que trazem em suspensão os bacillos de Koch». As investigações recentes de von Behring, Cal- metta, Guerin e outros, demonstram que pela inha- lação destas poeiras ou sua ingestão por qualquer modo pôde se contrahir a tuberculose, não pelas vias respiratórias, mas por infecção intestinal, consecu- tiva á deglutição dos bacillos. Depois, em ordem decrescente, vêm os artistas, os ganhadores, as lavadeiras, os caixeiros, etc., nas proporções de 6,8 °/0; 6,4 °/0; 4,7 °/0; porcentagem sobre a totalidade dos obitos por tuberculose na Bahia. Como diz Romme (12), tratando-se de casas insa- lubres e do seu papel na genese da tuberculose, as investigações suscitadas sobre este ponto, da luta antituberculosa, têm principalmente mostrado que, nos quarteirões pobres, em que o mal devasta com maior intensidade, existem casas insalubres cujos habitantes são successivamente mortos pelo mal; e (12) La lutte sociale contre la tuberculose. 25 cita o seguinte facto registrado em Nancy, onde em cinco casas falleceram 31 tuberculosos; e accres- centa: «E’ pois certo, que os habitantes destas casas pagam um tributo muito pesado á tisica. Não é menos evidente que as condições hygienicas deploráveis que existem nas casas insalubres, favorecem a invasão da tuberculose, e que a demolição destas pocilgas infectas deve ser reclamada em alta Voz». O papel nefasto da habitação insalubre é, pois, incontestável. Em Nancy, as moradas da população pobre, visitadas por Sogniés (13), apresentavam uma verdadeira desolação. As divisões muito apertadas, tectos muito baixos, assoalhos arruinados, janellas muito estreitas e cuidadosamente fechadas pelo re- ceio dos ventos, uma notável promiscuidade, onde se misturam as emanações das sentinas com as da cosinha, emfim um conjuncto de tudo o que é com- pativel com um completo estado de misérias. No dispensário Albert Elisabeth, de Bruxellas, entre 566 tuberculosos, procurando indagar da sua vida, o Dr. Queralto observou o seguinte: 86 viviam só em um quarto, 192 dormiam em uma cama com um, dois e tres companheiros; exclama elle: Quão tétricas são estas mansões em nossa era de pro- gresso ! 153 daquelles infelizes habitam uma pocilga, servindo ao mesmo tempo de cosinha, sala de refei' ção, dormitorio e deposito de immundicies. Dervez se envergonhava de revelar estas noticias, na 5.a Con- ferencia Internacional de Haya, e accrescentava que (13) L’hygiene de 1’habitation dans ses rapports avec 1’amortalité par tuberculose. 26 a Bélgica se gloriava de occupar-se, na questào de habitações para pessoas pobres, com uma solicitude que paiz algum sobrepujava. E’ imprescindivel sanear as casas, e a esta medida de hygiene geral cuja influencia sobre a mortandade pela tuberculose é tão incontestável, deve a Ingla- terra a sensivel diminuição de obitos pela tisica, que era antes de 1875, de 230 para 10.000 habitan- tes, desceu nos últimos annos a 180 e menos ainda. E’ assim que, si consideramos a habitação insa- lubre como um factor etiologico da tuberculose, é principalmente pelo facto da miséria extrema das pessoas que a habitam, que constitue a escoria da população. Porém, em um grão mais elevado da escala social, em casa do operário regular, do trabalhador, que ganha para viver, assim como entre os empregados de pequeno vencimento, encontram-se em grande parte as mesmas condições que favorecem o conta- gio e tornam este fructuoso. Neste grupo social, a miséria physiologica já é menor, o pão quotidiano é mais certo, a alcooiisação menos intensa, e o individuo se acha melhor collo- cado para resistir a uma infecção accidental. O orga- nismo não está menos sobrecarregado pelo trabalho, pela permanência em um compartimento estreito, em uma fabrica ou nos ateliers antihygienicos, por uma alimentação e um repouso insufficientes. Tudo resiste mais do que o habitante de uma casa insalubre, porém o obreiro pouco remunerado ou o proletário de certa ordem permanecem ainda como uma preza facil para o bacillo da tuberculose. 27 Quanto á facilidade do contagio, este torna-se notável, mais principalmente pela habitação super- populada (14). Em Paris, sobre a população de dois milhões e mais de habitantes, cerca de 365.000 vivem em alo- jamentos superhabitados, é 887.000 vivem em habita- ções insufíicientes, cabendo metade de um quarto para cada um, de accordo com a relação estabelecida por Bertillon, entre os habitantes e os compartimen- tos da casa por elles habitada. Em mil parizienses 149 habitam alojamentos insa- lubres e 363 habitações insufíicientes. Estas proposições são ainda mais accentuadas em Vienna, Moscou e Berlim. A agglomeração que facilita o contagio existe, pois, tanto entre os infelizes habitantes das casas insalubres, como entre os obreiros ou proletários dos alojamentos superhabitados, do mesmo modo que entre os peque- nos empregados e funccionarios dos alojamentos in- sufíicientes. Porém a agglomeração não é o unico factor em jogo. Sem falar da miséria dos habitantes, cujo papel temos consignado, o alojamento insalubre ou super- populado, intervem ainda mais directamente na etio- logia da tuberculose pulmonar, compromettendo a vitalidade e a resistência dos pulmões. E’ inútil, diz ainda Romme, insistir sobre o facto da integridade do apparelho respiratório estar em maior parte determinada pela quantidade do ar que se respira. (14) Romme, pag. 22. 28 E’ muito sabido que nas construcções modernas, a quantidade de ar por indivíduo é avaliada em 35 metros cúbicos nos hospitaes, a 22 metros nas pri- sões, e a 10 nas habitações baratas. Nestes alojamentos insalubres e nos suberpopula- dos de que temos falado, esta quantidade de ar é reduzida a 3 e 4 metros cúbicos e 6 no máximo. Com relação ao assumpto diz o Dr. Alfredo Lima, Presidente da Liga brazileira contra a tuberculose, oc- cupando-se dos melhoramentos da cidade do Rio de Janeiro: «A questão das casas hygienicas para ope- rários tem merecido desta Liga a mais esforçada at- tenção. Com a derrubada de milhares de prédios para saneamento da cidade, as classes proletárias têm sido forçadas a crear habitações collectivas nas peiores condições de habitabilidade. «A Liga brazileira abriu campanha contra esse de- plorável estado de cousas e desvanece-se de ter pro- vocado a attenção dos poderes públicos que, por in- termédio do Ministro do Interior, apresentaram ao Congresso um projecto de lei, em discussão no Senado. Esta projecto, si for convertido em lei, virá despertar a cooperação de forças privadas, officiaes e volun- tárias, para a construcção de habitações económicas, como complemento inadiavel de medidas de outra ordem que têm sido tomadas contra a tuberculose». Apezar das esperanças que deixam transparecer as expressões que acabamos de reproduzir, não foram até hoje, mais de quatro annos decorridos, levadas a effeito as promissoras tentativas para a realisação de um problema que tão de perto entende com os in- teresses economicos do nosso paiz. 29 São do Dr. Clemente Ferreira, de S. Paulo, os se- guintes trechos: «Infelizmente ainda se não organisou o cadastro sanitario das casas, o qual viria fornecer esclareci- mentos interessantes sobre a distribuição e predomi- nância da tuberculose nos diversos quarteirões da capital. «A questão de alojamentos para as classes pobres e o operariado, preoccupa vivamente os poderes pú- blicos, graças á campanha incessante e tenaz, organi- sada pela Liga Contra a Tuberculose, em favor do domiciliamento hygienico e economico do proletariado e das classes laboriosas ,em geral, accumuladas em peças superpovoadas e em habitações collectivas in- salubres ». Os dados estatisticos colhidos pela Administração do Dispensário Clementino Ferreira, têm demonstrado a frequência dos casos de tuberculose nos cortiços e casas de alugar commodos, havendo ruas onde se con- stituiram focos de irradiação da moléstia; a proporção das peças malsãs e superpovoadas; dos domicilios sem janella e sem superfície livre, é enorme entre as resideneias dos clientes do Dispensário. A municipalidade da Capital de S. Paulo e o Con- gresso do Estado, tratam de legislar sobre o elevado problema das habitações para operários, conferindo diversos favores fiscaes aos particulares ou associações cooperativas que se organisarem para a construcção de casas para as classes pobres. Entre os favores fiscaes, concedidos por um pro- jecto de lei em discussão no Senado estadual, figuram a isenção dos impostos de transmissão de propriedade 30 e de transcripção no registro de hypothecas durante dez annos, exoneração de impostos prediacs sobre as casas edificadas durante o prazo do resgate dos em- préstimos contractados para o fim da edificação desses immoveis. No relatorio apresentado ao Ministro do Interior, em 1909, pelo Sr. Dr. Oswaldo Cruz, Director Geral da Saude Publica, sobre a prõphylaxia da tuberculose no Rio de Janeiro, diz o insigne hygienista: «Dos factores geraes primam pela importância as questões do domicilio e da alimentação. O melhora- mento do domicilio tem sido uma das cogitações maio- res da Directoria de Saude e muito já se tem feito so- bre o assumpto, restando, porém, ainda, muito a fazer. No domicilio, além das medidas tendentes a melhorar suas condições de habitabilidade, ha a desinfecção do meio contaminado pelo tuberculoso, que tem sido feita systematicamente de accordo com a historia do prédio. A insufficiencia de habitações para as classes pro- letárias é sensível. Esta questão deve ser abordada pelo Governo, que julgamos dever intervir directa- mente na construcção delias, ficando todas sob a di- recta dependencia da Directoria de Saude. As constru- cções de taes domicílios deverão ser feitas pelo pro- prio Governo, para o que se estabelecerá um imposto especial que, com os productos dos seguros obrigató- rios, que forem instituídos, para os operários de fabri- cas, officinas, etc., dos empregados em casas commer- ciaes, industriaes, etc.; servirão também para auxiliar a construcção de sanatórios, hospitaes, etc.». Ainda sobre o nosso thema, transcrevemos o judi- cioso parecer do preclaro Professor de Hygiene desta 31 Faculdade, Dr. L. Anselmo da Fonseca, no tocante as habitações, etc.; externado por occasião da escolha do local para o primeiro dispensário de tuberculosos, nesta Capital. (15) «Nesta cidade, a Bahia, em consequência da notá- vel desegualdade na superfície do terreno e do espirito medieval que presidiu á sua fundação e desenvolvi- mento, existe uma agglomeração demasiada nos estrei- tos espaços em que tem sido possivel edificar-se e, também, uma desoladora irregularidade na disposição das construeções. E, infelizmente, este estado de coisas tende a conservar-se, devido ao atrazo dos costumes, difficeis de serem modificados, num meio em que tanto avulta o analphabetismo, e em que a escravidão, ex- tincta lia muito poucos lustros, foi de enorme extensão, sendo que não encontraram echo nem cooperação a voz e o esforço do pequeno numero de cidadãos que, em vão, se empenharam pela educação e rehabilitação moral dos libertos; devido ainda ao facto de, por con- dições peculiares ao Brazil e aos paizes novos, mal po- voados e de riquezas naturaes fáceis e abundantes, alguns dos abastados proprietários de casas de aluguel serem pessoas totalmente incultas e incapazes, já não digo do mais fugitivo pensamento ou do mais leve im- pulso de altruísmo, mas de agirem por esse movei que tão judiciosamente se chama de interesse bem entendido; devido, finalmente, á circumstancia de faltarem, geral- mente falando, ás municipalidades que se succedem, a orientação, o critério, o estimulo, e força nu al que sómente ellas teriam no caso de surgirem da livre (15) Revista dos Cursos da Faculdade de Medicina, pag. 112. 32 opinião e do voto livre dos munícipes e jamais d’outra qualquer origem, e, por consequência, no caso de vi- verem não subordinadas á politica, cujas conveniên- cias, longe de terem esse caracter de civica impessoa- lidade e de racional permanência, que distingue os interesses da saude, da instrucção, da educação, da se- gurança e do bem estar dos cidadãos, assim como do progresso e continuo melhoramento da cidade, são or- dinariamente estreitos, instáveis, volúveis, capricho- sos, inconsequentes e não raro anti-sociaes, absurdos, inconfessáveis. Que se vê na Bahia? Bairros separados por longas e fatigantes ladeiras, as quaes têm a funesta propriedade de fazerem que os indivíduos, principalmente do sexo feminino, sem saberem porque, evitem o mais possível sahir de casa e percam assim a occasião de um exercício salutar. Ruas geralmente estreitas e, com pouquíssimas ex- cepções, tortuosas. Habitações contíguas e que, ora se sobrepõem por numerosos andares, ora se enterram no sólo húmido; casas das quaes umas não têm siquer um palmo de quintal, outras apenas possuem pequenos pateos som- brios; estas têm quintaes tão íngremes que quem os visita, de longe em longe, precisa de segurar-se aos vegetaes que nelles crescem, para não cahir; aquellas têm a parte posterior suspensa sobre altas columnaB de alvenaria erguidas do fundo de valles. Numerosíssimas viellas e becos lutulentos, escu- ros, fétidos e povoados como uma colmeia; ilhas de lobregos casebres, formando cortiços; moradias arrui- 33 nadas, imprestáveis viveiros de ratos e de asqueiro- sos insectos alugados aos deslierdados da fortuna: baixas entulhadas de lixo e habitações sobre detrictos de lixo construídas. Calçamento, onde existe, mau ou péssimo, donde resulta muita poeira no verão e grandes lamaçaes no inverno, razão por que, em qualquer estação, nada existe de mais penoso do que visitar-se o principal mercado. Varreduras das ruas e praças, onde se faz mal feita e não precedida de irrigação. Arborisação, apesar de habitarmos um clima quen- te e do orgulho com que sempre falamos de nossa flora, insignificantissima. As aguas potáveis sem o devido tratamento, for- necidas em quantidade muitíssimo insignificante e por elevadíssimo preço, o que torna o asseio diflicil e custoso. Mictorios sem agua. .. Corregos de agua lamosa adeslisarem pelas sargetas. Exgottos, onde os ha, quasi sem outra agua senão a que, de quando em quando, apraz ao céo enviar e cujas boccas servem, não raro, de horrorosas sen- tinas. Particularmente na Cidade Baixa, da Preguiça ao Arsenal de Guerra, talvez mais de tres kilometros, uma extensa ordem de prédios cuja parede posterior, nas casas terreas, e, nos altos sobrados, até ao segun- do ou terceiro andar, é juxtaposta á falda húmida e rosumosa da collina que, de Santo Antonio da Barra a 34 ao dicto Arsenal, a distancia mula ou muito pequena, se segue á beira do mar. Incontáveis collecções artificiaes e naturaes de aguas estagnadas, constituindo verdadeiros creatorios de mosquitos, hoje reconhecidos como imminentemente perigosos e não menos incommodos do que arriscados. Eis o que, em largos traços, ao lado de algumas ruas soffriveis, de praças geralmente pequenas, de um certo numero de bons edifícios, uns públicos e outros particulares, e de varias chacaras bellas e aprasiveis, se vê na Cidade do Salvador, este abun- doso ninho de aguias, das quaes a maioria, mal se emplumam, têm o cuidado de voar para muito longe delle e sem possibilidade de retorno. Em condições taes e, d’um lado, com a copia de fontes de mephitismo e de poeiras que tendem a de- preciar nossa atmosphera urbana e, d'outro lado, com a insignificância do esforço para destruir aquellas e restituir a esta a natural pureza, esta cidade seria insalubérrima se não fossem os espaços despovoados em consequência do abrupto das escarpas de algu" mas collinas quasi a prumo, ou do ingreme despe- nho de profundos valles e baixadas, e, além disto, a acção dos ventos que, de um ou de outro rumo e ás vezes com grande intensidade, em quasi todos os dias do anno, a atravessam, removendo de algum modo a atmosphera, o que, aliás, não impede que em muitos logares e ruas, ella, pelos maus cheiros.de que é por- tadora, seja dificilmente tolerável. Graças, porém, aos apontados favores da natu- reza nella se pode viver.. . não ha duvida... 35 Mas onde respirar-se livremente um bom ar? onde folgarem as creanças e se exercitarem os moços? onde se recrearem os velhos e os enfermos? onde espairece- rem o espirito os afflictos, os desgostosos e os fadi- gados? onde, fóra do lar e em contacto com a natu- reza, ficarem a sós com o proprio pensamento e imaginação os homens de espirito? onde reunir-se desafogadamente e sem vexatória compressão, o povo, em grandes massas, para as amplas expansões e os largos movimentos da vida collectiva? Na Bahia vive-se ao mesmo tempo em apertura e isolamento. A’s pessoas não extranhas aos estudos mesolo- gicos e aptas a comprchenderem a influencia do phy- sico sobre o moral, parecerá pelo menos digno de exame se as condições topographicas desta cidade e o disparatado de sua construcção, feita, desde o principio até ao presente, a esmo e não presidida por planos de especie alguma, concorrem ou não, ao lado de outros factores, para o acanhamento de nosso es- pirito publico, para o nosso pequeno desenvolvimento social, para a nossa falta de energia moral e ausên- cia de autonomia, de iniciativa, de tenacidade e ardor. Mas perguntava eu, onde respirar-se livremente, na Bahia, um bom ar? Temos o Passeio Publico, notável como ponto de encantadora e esplendida vista da formosa bahia de Todos os Santos, porém de minúsculas dimensões; temos o bello jardim da praça Duque de Caxias que, apezar de ser hyperbolicamente chamado de parque, 36 sómente deve ser considerado grande em relação ao tamanho dos outros que possuímos. A’ vista do exposto, creio poder dizer que, do ponto de vista sanitario, para melhorar a Bahia, ou mais propriamente os bairros centraes delia, entre outras muitas coisas essenciaes é preciso antes demo- lir e alargar do que construir de maneira a estreitar os espaços ainda felizmente desoccupados. Em regra geral e salvo condições especiaes, nas partes centraes da cidade, um edifício novo não deve ser levantado no local do outro ou outros previam ente demoli- dos, como se fez com o Palacio do G-overno, e como se acaba de proceder com o da Caixa Economica, edifício, aliás, tão mal collocado que se me afigura difficil haver um bahiano esclarecido e amante de sua terra que, ao contemplar a situação delle, não se sinta to- mado de um fundo sentimento de tristeza e descrença pelo futuro da capital do grande e opulento Estado da Bahia. O que tenho dito contra a collocação do Dispen- sário no lado da praça dos Martyres, que foi para elle escolhido, eu diria, á vista das razões expressas, contra qualquer outro edifício que alli se pretendesse levantar, fosse hospital, asylo, creche, theatro ou escola. Numa grande cidade, espaços não occupados por habitações, especialmente se, como convém, forem arborizados, ajardinados, aformoseados e aptos para attrahirem o publico e causarem aos que os frequen- tam bem estar pliysico e satisfação moral, raramente poderão ser julgados numerosos em demasia. 37 Disse J. Arnouid: «jardins interiores, squares, par- ques, são como os pulmões das cidades». Ora, considerando-se o Campo dos Martyres, se ainda não o é, deve e ha devir a ser um square, pode-se desde agora e por antecipação bradar: augméntcmos e não diminuamos os já de si pequenos pulmões da Baliia». 0 sanatorio O tratamento hygieno-dietetico da tuberculose pulmonar, imprimiu ás doutrinas medicas uma nova feição que, apezar de não constituir a therapeutica especifica da tisica, tem de alguma sorte contribuído para que as suas victimas vivam mais alguns annos na doce illusão de uma cura verdadeira. Em epochas passadas, tratavam-se os tubercu- losos em camaras fechadas, em que o ar e a luz eram considerados como perniciosos. A cura da tuberculose pelo ar, o repouso e uma boa alimentação, em um estabelecimento especial chamado sanatorio, instituida pelos allemães, foi posta em pratica por Brehmer e seu discipulo Det- tweiller. O sanatorio é, pois, um estabelecimento construido para o tratamento dos tuberculosos. Os primeiros sanatórios para este fim foram con- struídos nesse paiz, em 1859. De então para cá, os sanatórios têm crescido em grande numero por toda a parte; especialmente os construídos para os ricos. Segundo o professor Grancher, a cura de 10 °/0, só se observa nestes estabelecimentos, cujos doen- tes, depois de curados, podem viver em um meio conveniente ao seu estado. Tem-se tentado applicar este modo de tratamento 40 á collectividade. O que se tem accentuado sobretudo na Allemanha, onde os sanatórios populares têm attingido a grandes proporções, nos últimos annos. De accordo com as ultimas estatísticas, a Alle- manha possue 99 sanatórios populares, com um total de 11.066 leitos, ou seja 176 leitos por milhão de habitantes. A isto convém accrescentar 34 sanatórios priva* dos com 2.013 leitos, o que constitue um total de 13,097 leitos, ou seja 208 leitos por milhão de habi- tantes. Neste computo não se acham incluídos 18 sana- tórios para creanças tuberculosas, com 695 leitos; 19 instituições para creanças predispostas, possuindo 7,329 leitos, assim como numerosas estações de cura de ar, de casas de convalescença e colonias agrí- colas. E incontestável, portanto, na Allemanha, o esforço considerável e que tem felizmente diminuido a mor- tandade geral, como se vê do quadro abaixo: ANNOS Mortandade de tuberculose por 10 mil habitantes Numero de leitos dos sanatórios PRIVADOS Populares TOTAL 1881 30,89 724 724 1886 31,14 1891 26,27 1892 1184 192 1376 1896 22,07 1434 786 2220 1901 19,57 2113 4343 6465 1906 17,26 2125 8014 10.139 Mas devemos accrescentar que estes resultados se acham de algum modo ligados a outros meios de que 41 têm lançado mãos os allemães, na luta antitubercu- losa, taes como : As conferencias populares, projecções luminosas, museus ambulantes, medidas rigorosas sobre protecção hygienica do trabalho, pela vigilância da alimentação e sobretudo do leite, pela inspecção das casas e a construcçâo de moradas populares sãs e de alugueis baratos. Os resultados obtidos pelos sanatórios allemães, proclamados no Congresso de Berlim, não despertaram no espirito francez, assim como em outros paizes, especialmente no Brazil, uma corrente fervorosa de opinião em prol de uma tal organisação. Em França, dizia Rénon, em 1902: (16) «A creação de sanatórios para tuberculosos pobres é atacada em seu conjuncto, e isto em nome das despesas formi- dáveis que custaria sua installaçâo e do pouco resul- tado que elles poderiam dar. Tem-se observado que em o sanatorio de Angi- court o leito veio a custar 6.000 francos; e que con- tando-se pelo menos com 300.000 tuberculosos para hospitalisar, na França, a despesa total elevar-se-ia á um billião e oitocentos milhões de francos, com um orçamento annual de, pelo menos, tresentos e vinte e oito milhões». Em 1904, o mesmo autor, no Congresso Francez de Climatotherapia de Nine, verificava que desde alguns annos a opinião medica evolvia em favor de uma concepção mais eclectica do tratamento da bacil- lose, e então accrescentava Rénon: «Querer limitar a luta ao sanatorio, é querer impedir uma arvore de (16) Archives générales de Médicine, 1902. 7 42 florescer, podando todos os annos seus ramos; para matar esta arvore é preciso cortal-a pela raiz». Ao lado dos encargos financeiros impostos pelo sanatorio, havia outros obstáculos áadopção da theoria allernã, diz Albert Robin, esclarecendo o assumpto com muita proficiência: «Comprehende-se, escrevia elle em 1907, que as estatísticas fornecidas não tinham nada de decisivo, porquanto o sanatorio admitte indi- víduos que não têm bacillos em seus escarros e que são sobretudo estes os considerados curados, que os indivíduos realmente tuberculosos, apezar de serem considerados curados como os primeiros, recahiam depois da sua saliida no meio em que tinham con- trahido a sua moléstia e ficavam mais ou menos suce- ptibilisados; e que o sanatorio, emfim, não realisava a preservação dos indivíduos não attingidos, porquanto deixava permanecer fóra delle as tuberculoses cha- madas abertas, isto é, os tuberculosos mais capazes de infectar os que os cercam». O sanatorio tem o defeito de impor a todos os seus pensionistas o mesmo tratamento. E’ um elemento da luta antituberculosa que póde dar reaes serviços, porém, sómente se consideramol-o como um instrumento de educação prophylactica. Nestes últimos tempos, diz Romme (17): «Existe na França um movimento muito accentuado em favor dos sanatórios populares. Terminou a construcção de dois, dispondo de um total de 260 leitos. E’ que estamos ainda no periodo de caridade, no (17) LAlcoolisme et la lutte contre lAcool em France. 43 periodo que também existiu na Allcmanha, que durou uma dezena de annos, e durante o qual, o movimento terminou pela construcção de dois sanatórios. Póde- se, pois, dizer que na França, a beneficencia privada se tem manifestado com um brilho particular, pois que é sómente a ella que devemos o sanatorio de Hauti- ville, e os que em breve estarão concluídos em Bor- deaux, Lille, Nancy, Rouen, Orleans ». O numero de sanatórios privados, na França, é bastante elevado, contando-se alguns em superior des- taque, não só pelas suas installações, como ainda pela attitude de sua situação, taes como o de Canijou, nos Pyrineos Orientaes, a 700 metros de altitude, o de Angicourt, em Oise, com 20 leitos; além de muitos outos. Nos Estados-Unidos, ha também um grande nu- mero, talvez mais de vinte, destacando-se o de Sa- ranac-Lake, e o de Pasteur, este ultimo creado com o fim de receber os médicos tuberculosos. Na Inglaterra, não existe ainda grande numero de sanatórios, segundo o regimen Brehmer; ha, porém, hospitaes especiaes para tuberculosos, como também existe na America do Norte, que são mantidos com todos os requisitos da hygiene e nos quaes os resul- tados têm sido de algum modo lisonjeiros. A Suissa é dos paizes que, apezar de pequeno, muito se tem distinguido na questão de sanatórios. Seus estabelecimentos são conhecidos no mundo in- teiro, distinguindo-se todos pela sua grande altitude. Um dos mais importantes é o de Davos. Na America do Sul, sómente a Argentina possúe um sanatorio em funccionamento, é o sanatorio muni- 44 cipal Doctor Tornú, de Buenos-Ayres. A respeito deste estabelecimento, diz o Dr. Emilio Coni: «Una expe- riencia de más de dos anos al frente de esta insti- tucion, ha llevado á mi espiritu el firme convenci- miento, de que el sanatorio popular es un comple- mento indispensable de los dispensários, considerados con razon como centinelas avanzadas en la lucha antituberculosa.. . Desdenar la fundacion de sana- tórios populares pudiendo irigil-os és á mi juicio grave error, maxime cuando se alega la circunstancia de ser costosos. El hecho podrá ser exacto en Europa donde la mayor parte de los sanatórios han sido con- struidos en lugares montanosos, lejos de los centros poblados, lujosos por demais, etc. Pero entre nosotros puede decirse que el sanatorio municipal Doctor Tornú no ha costado más que cualquiére otro hospital comun». As palavras que acabamos de transcrever, deixam transparecer que para a construcção de um sanatorio popular, as condições de altitude, conforto e distancia dos centros populosos, não constituem requisitos in- dispensáveis a taes estabelecimentos, o que de modo algum está accorde com a maioria dos hygienistas, e que é a base do tratamento hygieno-dietetico. Apezar do grande custo e despezas dos sanató- rios, das inconveniências de correntes da agglome- ração de doentes bacillosos, em um só edifício, da impossibilidade de sanatorisar todos dos tuberculo- sos, da inconveniência da separação destes da sua familia, e finalmente do pequeno numero de verda- deiras curas, não podemos negar que o sanatorio ainda representa um papel saliente na luta anti- tuberculosa, não obstante Kõhler dizer que: a obra 45 dos sanatórios é de justificação scientifica, justifica- ção das idéas modernas sobre a cura da tubercu- lose (18). Quanto ao Brazil, attcndendo as condições especiães do seu povo e do seu território, pansamos que, a creação de colonias sanitarias agrícolas, para os tuberculosos de primeiro e segundo grão e hospi- taes apropriados nas cidades para os incuráveis, ou na ultima phase, constituem obra mais util do que a transplantação de sanatórios. (18) Revue de Tuberculosis — Mai, 1909. 0 Dispensário As difficuldades inherentes á creação dos sanató- rios, as som mas consideráveis necessárias a sua con- strucção e a sua manutenção, emfim a impossibili- dade evidente de tratar naquelles estabelecimentos todos os tuberculosos, levaram os scientistas empe- nhados neste problema, a procurar outro meio de tratamento. Muitos pensam tel-o encontrado no dispensário anti-tuberculoso. O dispensário representa para o tisico indigente, a facilidade de se tratar sem deslocar-se. E’ um estabelecimento de beneficencia de um genero espe- cial, se occupándo dos tuberculosos, procurando co- nhecel-os, soccorrel-os, cural-os; emfim, uma assis- tência especial applicada aos tuberculosos e aos que os cercam. Não ha antagonismo entre o sanatorio e o dis- pensário. Cada um age em sua esphera. «Elles se comple- tam e formam os dois processos de escolha, para exterminar a tisica» (19), dizem alguns, nós pensa- mos, porém, que por si sós, taes meios de tratamento, ainda não se completam e que em nosso paiz melhor se completariam: o dispensário e as colonias sanita- (19) Tuberculeux adultes et indigents, pag. 147. 48 rias agrícolas, ao lado dos hospitaes para os pro- priamente tísicos. O dispensário tem como papel conhecer todos os tuberculosos, descobrir os indigentes, em qualquer periodo que elles se achem da moléstia, procurar cural-os em suas habitações, (papel therapeutico), ministrar-lhes noções elementares de hygiene, sobre- tudo no tocante á tuberculose (papel prophylactico), seguir estes infelizes, protegendo-os, assistindo-os, facilitando-lhes uma morada salubre, uma existência menos penosa (papel social). O typo do dispensário francez é o de L. Bonnet, creado em 1900, tem por fim applicar de um modo pratico, as noções scientificas mais novas sobre a tuberculose. Seu programma é a educação anti-tuber- culoso-individual e dar assistência especial contra a tuberculose aos operários necessitados, ameaçados ou attingidos deste mal no periodo curável. O dispen- sário assim comprehendido não é um estabelecimento para tuberculosos, é mais uma escola de hygiene. Ao lado deste dispensário, ha um segundo typo, creado em Lille por M. Calmette, a que deu o nome de dis- pensário Emile Roux, chamado também Prevento- rium pelo seu fundador. A principal funeção deste dispensário consiste, não em dar consultas ou em distribuir medicamen- tos aos doentes pobres, porém cm procurar, attrahir e reter, por uma propaganda intelligentemente feita nos centros populares, os operários attingidos ou suspeitos de tuberculose, aconselhando-lhes sempre e aos de suas familias os cuidados que devem manter, distribuir-lhes os meios de subsistência quando forem 49 ellcs obrigados a deixar sua profissão; fornecendo vestimentas, leite, escarradores de bolso, antisepti- cos, etc., a asseiar suas habitações frequentemente e desinfectal-as regularmente, mudar os seus clientes de dormitorio quando julgar conveniente, lavar gra- tuitamente suas roupas para evitar o contagio na familia e fóra delia, promover meios junto a benefi- cência privada, e aos directores de fabricas, afim de obter soccorros para restabelecer o doente invalido. Eis a principal funeção do dispensário typo Cal- mette; é um dispensário de educação anti-tubercu- losa, no que ha de inais racional e de mais scienti- fico e de preservação social no que a preservação tem de mais util e de mais preciso, porquanto ai Li se procura os 1'ócos tuberculosos, e quando são attin- gidos esterilisa-se o alojamento do indivíduo infectado, empedindo de novo a infecção deste domicilio. O dispensário a que nos vimos de referir com- prehende todas as intallações indispensáveis a estas necessidades. Possúe um laboratorio para pesquizas, possúe estufas para desinfectar as vestes dos doen- tes e seus escarradores, tem uma lavanderia para a roupa desinfectada, abrigando-a em saccos apropria- dos para cada tuberculoso. «O seu conjuncto tem uma apparencia agradavel, despertando a attenção dos que se approximam, as inscripções gravadas em placas mUraes educando o povo sobre os perigos do alcoolismo e da tuberculose» (20). O dispensário Roux tem assistência diaria de cem doentes, sua despeza é de 30.000 frs. por anno. (20) These. P. Abam «L’Office anti-tuberculeux, pag. 28. 50 0 dispensário, este precioso instrumento de pro- phylaxia e assistência dos tuberculosos pobres, vai se diífundindo de mais a mais no continente sul ame- ricano. A Argentina conta com quatro destas insti- tuições, o Uruguay çom seis, o Brazil com quatro, Cuba com tres, o Chile e a Venezuela com um, cada um. Para darmos mais uma leve idéa do nosso atrazo em assumpto desta natureza, basta compararmos o território da Republica do Uruguay com o de nossa patria, o numero dos seus estabelecimentos anti- tuberculosos com os nossos e verificarmos que sendo aquelle paiz quarenta vezes menor, está outro tanto mais adiantado na sua luta anti-tuberculosa, sendo o seu coefficiente de mortandade por tuberculose muito inferior aos de nossas capitaes. Isto se aecentúa sobremodo si fizermos a comparação de Montevi- deo com a Bahia, cuja população é pouco inferior a daquella cidade. Nesta presada terra onde acompanhamos, durante todo o nosso tirocínio académico, o que tem sido a luta contra a tuberculose, por parte dos poderes públicos, da iniciativa particular e do corpo scienti- fico desta capital, forçoso é declararmos, o que com immensa dôr fazemol-o, nada, absolutamente nada existe, que pelo menos represente o vestigio de uma tentativa pratica em favor da pobreza desta terra rica! E como que por sarcasmo, semelhante a um mau- soléo, para lembrança dos restos mortaes de uma idéa, persiste ainda, no Campo dos Martyres, um esboço de architectura; que certamente hoje cha- 51 mar-se-ia—Dispensário, si, de envolta com o seu fim tão humano, não voasse o espirito tão altamente scientifico e que, mais do que qualquer outro, soube, neste paiz, emprehender o lado pratico da sciencia me- dica, e que se chamava Alfredo Britto. Medidas tlierapeuticas e propbylacticas E’ incontestavelmente a falta de meios pecuniá- rios uma das causas, além das que temos assigna- 1'ado nos capítulos antecedentes, que mais contribuem para que muitas das medidas uteis na luta anti- tuberculosa, não possam ser completamente execu- tadas, pelo menos em alguns paizes e cidades. O publico appella para os governos e estes espe- ram pela iniciativa particular, e assim passam-se os tempos, dormem nos archivos parlamentares os gi- gantescos projectos de medidas contra o mal, e neste s■tatu quo permaneceremos, no Brazil, até que os po- deres públicos reconheçam como um dos seus prin- cipaes deveres: velar pela saúde publica. O que infe- lizmente não tem sido comprehendido por um grande numero de paizes, e seus dirigentes, mas que muito bem ha sido por outros, dentre cujo numero se acha a França, que por um dos seus illustres estadistas, Emilio Loubet, assim se expressava por occasião da inauguração do Congresso da Tuberculose, em Paris: «Por pouco que um estadista tenha exercido funeções publicas, sabe que o seu primeiro dever é velar pela saúde publica». A therapeutica e a prophylaxia da tuberculose 54 estão estreitamente ligadas uma á outra, e parece impossivel a primeira vista lutar contra o mal sem emprehender ipso facto e simultaneamente, medidas prophylacticas efficazes. Assim é que, dizem uns: como modernisar nossas antigas cidades? de que modo praticar a verdadeira hygiene? como amparar tantos miseráveis? e, final- mente, qual o remedio para a tuberculose ? E’ de inteira necessidade, para chegar a um resul- tado pratico, fazer uma classificação dos nossos meios de acçâo e para isto collocaremos no primeiro plano os que se devem applicar com urgência. Cuidar dos doentes é o primeiro destes meios, é o que se impõe, antes de qualquer outro. Podem-se classificar todos os tuberculosos nas tres seguintes categorias : Primeira — Os que se acham em um periodo muito adiantado e para os quaes a morte é uma questão de semanas ou dias. Segunda — Os tuberculosos que, apezar de muito doentes, comtudo, o repouso, a bôa nutrição e os cui- dados apropriados podem melhoral-os, podendo pela continuação viver muito tempo em um meio especial. Terceira — Todos aquelles que se acham apenas tocados pelo mal, e dos quaes se póde esperar a cura, ou que pelo menos se póde contar com regressão da moléstia. Devemos, portanto, consagrar todos os recursos de que dispomos mais promptamente e na mais ampla medida, aos doentes da primeira categoria. E’ para nós bastante deshonroso, digamol-o de 55 passagem, testemunharmos todos os dias, aqui, como em todas as grandes e pequenas cidades no nosso paiz, a quantidade sempre crescente de miseráveis mendigos exhibindo uma chaga, uma ulcera san- grenta ou outra qualquer miséria pliysica, dissemi- nadores inconscientes do mal, portadores de maior moléstia do que parece aos olhos de outrem. Verdadeiros cadaveres ambulantes, sem pão e sem leito. Hospitaes mais ou menos especiaes, sanatórios im- provisados para os que estão condemnados a uma morte próxima — eis por onde devemos começar. Ninguém objectará certamente que estes recusam deixar suas famílias de que são «o unico arrimo». Depois, seguem-se os tuberculosos da segunda ca- tegoria, em que a moléstia tem attingido um periodo bastante adiantado, que são incapazes de soccorrer ás suas necessidades e ás dos seus, que, por causa de sua tuberculose, morrem tanto pelas privações, como do seu mal; que poderão melhorar com um pouco de bem estar, isto é, com um leito para dormir, uma espreguiçadeira para descançar e alguns ali- mentos para se nutrirem, e depois mesmo curarem- se e voltar ao seu trabalho. Os miseráveis têm muitas vezes uma força de resistência inaudita, duram e resistem ao mal por muitos annos, apezar das privações. E’ de preferencia entre estes, que se têm encon- trado em maior numero, cavernas cicatrizadas das lesões curadas em seus velhos pulmões. Emfim, ha uma classe de tuberculosos no inicio da moléstia, que, sob o pretexto de que elles consti- 56 tuem o sustentáculo de suas famílias, vivem a tra- balhar çontinuamente nas fabricas, atelicrs, etc., até que attingem ás condições de serem classificados nas duas primeiras ordens, isto é, até que elles caiam atterrados pelo mal. Como manifestação de philantropia, e para não privar uma familia do funccionario ou do operário do seu sustento, e com a escusa de que ainda não existem caixas de soccorros aos doentes, nem outro qualquer meio de vir em auxilio a esta familia pri- vada do seu chefe, ninguém procura hospitalisar esse pai de familia quando ainda é tempo, e na occasião em que uma liospitalisaçâo temporária ou um re- pouso momentâneo, pudessem lhe restituir a saude, lhe assegurar o meio de tornar-se cedo um homem util aos seus. E’ esta uma das grandes objecções que se faz contra os sanatórios, e pelo que nos toca não pode- mos negar que realmente é de summa desvantagem para o doente assim como para a familia, a sepa- ração. Por outro lado os liospitaes communs não têm um regulamento interno para os doentes, não man- tendo por isto a disciplina que é sempre observada nos sanatórios e cuja utilidade cada dia mais é jus- tificada pela necessidade qhe existe da força moral dos médicos dirigentes e do pessoal para com os internados; o que aliás não tem podido evitar levan- tamentos dos doentes contra o corpo administra- tivo (21). (21) Romme citado, pag. 49. 57 Assim, pois, a luta contra a tuberculose deverá, para tornar-se efficaz, começar por dar aos tubercu- losos, locaes convenientes e apropriados aos cuida- dos e ás necessidades immediatas. Iiospitalisar todos os indigentes tuberculosos em casas constiuidas para este fim e disseminadas pelas capitaes, cidades, villas e aldeias. Crear por toda parte as colonias sanitarias para os tuberculosos da segunda e terceira categorias. Ahi encontrarão elles o meio que lhes é mais pro- pricio; os raios do sol lhes banham todo o corpo, a nostalgia não os perseguirá, terão perto de si os seus entes mais queridos. E, finalmente, suas forças, na medida do possivel, serão aproveitadas em cavar a terra, em trabalhos rústicos e em tudo o que con- stitue o encanto da vida campestre, tão salutar ao nosso ser, mais do que tudo o mais que abrange a therapeutica. Ao lado destas medidas em que repousa o trata- mento dos tuberculosos, é indispensável cuidar da educação do povo, sob o ponto de vista dos riscos e desastres causados pelo mal. Esta educação deve começar pela escola, alar- gando-se em seguida, em todos os estabelecimentos industriaes, fabricas, ateliers; do mesmo modo que nas repartições publicas e até no seio das familias. Sobre o tratamento dos tuberculosos e da sua importância na luta social contra este terrível fla- gello, se exprime assim Mr. L. Renon (22): «...quand on aura traité quelques tuberculeux, ce sera parfait pour eux, mais cela ífiatteindra pas la tuberculose (22) Les Maladies populaires, pag. 423. 58 dans ces racines, cela ne 1’empêehera pas de naitre, car la tuberculose n’est pas comme la syphilis: la syphilis traitée, le syphilitique est peu contagieux, tandis que le tuberculeux, pendant tout le tcmps de sa contagion, a craché par terre, il a répandu par- tout des germes á virulence longue et persistante; c’est donc autant dans les endroits oú pullulent les germes du tuberculeux lui-même, que peut s’cffectuer la contagion, et c'est tous ces locaux contaminés qu’il faust desinfecter si Ton veut déraciner le mal. Aussi le défense sociale par la prophylaxie a-t-elle, selon moi, une importance bien plus grande que la défense sociale par le traitement.. . .» Esta educação prophylactica do tuberculoso é de um valor capital na luta contra a tuberculose. O doente é prejudicial não só ao proximo como a si mesmo, porquanto os bacillos que elle elimina não só contaminam as pessoas que dclle se acercam, mas, sobretudo, produzem auto-infecções, de maneira que 0 proprio tuberculoso se não obedecer aos preceitos prophylacticos, já perfeitamente codificados, infectará por meio de seus proprios bacillos zonas de seu pro- prio organismo que tenham sido poupadas pela in- fecção. O tuberculoso infectante, sem educação prophy- lactica, é um circulo vicioso de infecções: infectado, cura-se da primeira infecção que por sua vez gerará uma segunda que produzirá uma terceira, até que o organismo, que poderia lutar victoriosamente contra uma infecção primaria, succumbe ao peso das rein- fecçõcs successivas. De modo que 0 tuberculoso fazendo sua educa- 59 ção prophylactica, preservando o seu proximo da in- fecção, preservar-se-ha a si proprio de reinfecções que o anniquilarão si não forem evitadas. Para que taes medidas referentes aos tubercu- losos infectantes validos surtam effeito, é mister pro- ceder á educação do doente, para o que é de abso- luta necessidade seu afastamento das collectividades confinadas: repartições publicas, fabricas, collegios, officinas, etc. Para que tal afastamento se torne pratico é in- dispensável que se instituam medidas consubstan- ciadas em leis e que tenham por fira, retirando os tuberculosos das aggdomerações sociaes, garantir-lhes o bem estar e os elementos de vida durante o* pe- ríodo de tratamento e de educação prophylactica. Serão necessárias leis que autorizem a aposenta- doria temporária ou definitiva dos funccionarios tu- berculosos, o seguro obrigatorio contra a moléstia para os operários e empregados no commercio e na industria (23). (23) Relatorio do Dr. Oswaldo Cruz, 1908. Os effeitos da tuberculose Muito peior cio que a peste, o cholera, a guerra, é a devastação lenta e progressiva que este terrível flagello produz cm todos os paizes. A tuberculose nos devora, sua cifra annual de mor- tandade espanta. Em todas as nações seifa vidas e mais vidas, é uma continua hacatombe. Na Inglaterra fallecem 1.300 tisicos por 1 milhão de habitantes,'ou seja perto de 7.800 victimas por anno, na cidade de Londres. Na França, as estatisticas feitas pela eommissâo, instituída em 1900 por Waldeck-Rousseau, accusam, para 622 cidades comprehendendo 12 milhões de almas, 52..500 mortes, ou sejam 44 para 10.000 habi- tantes, por anno. Morre em toda a França, diariamente 410 tuber- culosos. As cidades mais importantes são as mais attingidas; vindo Paris em primeiro logar. Nos quarteirões pobres a mortandade é de 81 a 83 por 10.000; emquanto os arrabaldes ricos, con- correm apenas com 10 a 30 obitos pela mesma cifra de dez mil habitantes. As pesquizas revelam que, 62 em Paris, 50 °/0 dos habitantes são tuberculosos de- pois de alli permanecerem mais de dez annos. O exercito e a marinha franceza, têm também seus tuberculosos. Marvaud diz que esta moléstia mata 5 soldados sobre mil. O Professor Lctulle encontra cifras variayeis, e entre as reformas e os obituários, a porcentagem de 5,48 para 1.000, até 9 para a mesma cifra. Na marinha franceza a proporção é de 35.5 para cem obitos de diversas moléstias. A Allemanha, ainda que privilegiada, dá 2.200 para dez mil habitantes. Em Berlim morrem mais de 4.000 tuberculosos por anno. O exercito allemão com todos os rigores, ainda não conseguiu exterminal-a em seus soldados. A Hungria perde por anno 60.000 tuberculosos, contando 400.000 tisicos vivos. A Áustria nos dá numeros caracteristicos. Na ci- dade de Vienna, onde morrem mais de cinco mil tuber- culosos por anno; nos quarteirões pobres ha 7 °/0 de obitos, nos quarteirões ricos a cifra desce a 1,5 °/0. Seis operários para 4 patrões, morrem alli, de tí- sica. (24) A Rússia tem a triste honra de marchar na van- guarda com a França, na mortandade pelo mal. Em S. Petersburgo e Moscow, morrem mais de oito mil habitantes victimados pela tisica. Nos Estados-Unidos, apezar da iniciativa do seu povo, no tocante á hygiene, a mortandade produzida (24) Wick. Propagation de la tuberculose à Vienne. 63 pelo morbus é bastante elevada, morrendo em Nova- York mais de 9.000 tuberculosos, mortandade muito superior á de Londres, cuja população é muito maior. Na America do Sul, é o Brazil um dos paizes que maior tributo paga á tuberculose. Em Beunos-Ayres, o numero de obitos é quasi de 2.000 por anuo, ou seja o coefficiente de 198 para 100.000 habitantes. Em Montevideo a mortandade annual é de 560 obitos. No Chile, Equador, etc., a devastação é rela- tivamente pequena, o que póde ser attribuido á sua altitude, e ás pequenas populações de suas capitaes. O Rio de Janeiro, occupa no numero das grandes cidades, com população superior a 300.000 habitantes, o 3.° logar, isto é, com uma permillagem 3,62 de obitos por tuberculose, ou seja uma mortandade de 2.700 por armo. De todas as cidades do nosso paiz, o Re- cife é a mais dezimada pela tisica, contando-se em seu obituário geral mais de 1.200 casos de tubercu- lose, ou seja approximadamente o dobro das victimas ceifadas nesta capital — a Bahia. S. Paulo, cuja população é a menos ignorante do nosso paiz, e onde os governos têm, de alguma sorte, se occupado da saúde publica, dá um coefficiente menor do que qualquer outra cidade brazileira ou extran- geira, morrendo alli annualmente pouco mais de 300 tuberculosos. Até aqui, não se conhece um só ponto do globo indemne de tuberculose. O Dr. Frederico Còok, porém, em companhia do tenente Peary, em suas excursões ao Pólo Norte, conta 64 que esta moléstia não existe nos Esquimáos dos Artus-, Higlands, entre os quaes elle invernou. Entre os selvagens das nossas tribus, não se sabe si até o tempo em que elles se acham separados do convívio com o homem civilisado, têm sido atacados de tuberculose, observando-se entretanto que, nas suas relações commerciaes com o meio civiiisado, elles a contraem muito facilmente, attribuindo-se á maneira desbragada por que se entregam ao alcoolismo. Infe- lizmente tem sido, até aqui, o unico beneficio com que são os nossos pobres aborígenes presenteados pela nossa civilisação. PROPOSIÇÕES HISTORIA NATURAL MEDICA I Todos os seres vivos respiram, isto é, absorvem o oxygenio e exalam o acido carbonico. A séde desta permuta constante, póde ser as trachéas, as brachéas ou os pulmões, conforme se trata de animaes inferiores e do homem. II A absorção do oxygenio pelo sangue e a exalação de CO2 se fazem no nivel dos orgãos que constituem o apparelho respiratório. Distingue-se assim tres es- pecies de respiração: brachéal, trachéal e pulmonar. III A inspiração e a expiração constituem os pheno- menos mechanicos da respiração. A entrada e sahida do ar nos pulmões provêm da differença que existe entre a pressão atmospherica e a pressão do ar intra- pulmonar. CHIMICA MEDICA I Os gazes que entram normalmente na composição chimica do ar livre são: o oxygenio, o azoto e o 68 argon, na seguinte proporção: 21,00; 78,06; e 0,94; respectivamente para cada um dos componentes. II , O oxygenio é o agente activo das combustões vitaes que se passam em todo o organismo vivo, vegetal ou animal; o organismo humano absorve, cerca de vinte e quatro litros deste gaz em cada hora. III O ozona, elemento adventício na atmosphera, tem um elevado poder de purificação do ar; sua maior quantidade nos campos e nas altitudes, bem póde explicar a acção reparadora destes climas sobre o organismo. ANATOMIA DESCRIPTIVA I Quando se examina a face externa do pulmão, se verifica que os lóbulos pulmonares são percorridos por uma série de linhas circumscrevendo polygonos de um centimetro de diâmetro cada um. II Estas linhas correspondem a intersticios cellulosos que separam uma série de pequenas massas, de pe- queno volume, tendo na peripheria do pulmão a fórma de uma pyramide. III Cada uma destas pequenas pyramides corresponde 69 a um lobulo pulmonar; a fórma deste se tona irre- gular, na massa central do orgão,em virtude da pressão exercida de uns sobre outros. HISTOLOGIA I A’ medida que se approxima dos alvéolos, a estru- ctura da arvore bronchica se simplifica consideravel- mente; as tres túnicas do bronchio intralobular se reduzem a mais simples expressão no bronchio acinoso. II O pulmão recebe sangue de duas fontes differeiltes: das artérias bronchicas de um lado e da artéria pul- monar do outro; sendo a circulação de retorno man- tida pelas respectivas veias. III As fibras nervosas bronchicas acompanham estes conductos até em sua terminação, distribuindo*em seu trajecto fibras collateraes destinadas á innervação das fibras musculares e á mucosa dos broncliios. PHYSIOLOGIA I 0 numero dos movimentos respiratórios é de dez- eseis por minuto no homem adulto, em estado de repouso, podendo augmentar ou diminuir mesmo em condições normaes. 70 II O rythmo respiratório é muito mais rápido na o recem-nascido respira na média quarenta e quatro vezes por minuto. III O modo pelo qual se dilata e se retrae o thorax, ou melhor, o typo respiratório, varia segundo a edade e o sexo. BACTEREOLOGIA I O bacillo de Kock é o micro-organismo productor da tuberculose, qualquer que seja a sua especie, na raça humana. II De todas as excreções do tuberculoso aquella em que se encontra maior numero de bacillos é o es- carro. * III E; por esta excreção que o baciloso se torna emi- nentelnente perigoso para os que o cercam. MATÉRIA MEDICA, PHARMACOLOGIA E ARTE DE FOTMULAR I A medicina não conhece remedio especifico contra a tuberculose, a industria pharmaceutica não cessa de proclamal-os. 71 II A maioria das preparações pharmaceuticas contra a tuberculose, deviam ser condemnadas como pa- nacéas. III A unica virtude de taes medicações é aggravar a suceptibilidade da via gastro-entestinal dos tisicos. ANATOMIA E P1IYSIOLOGIA PATHOLOGICAS I A tuberculose pulmonar se traduz anatomo-patho- logicamente por duas fôrmas: granulações cinzentas e tuberculo-caseoso. II A diversidade das duas lesões, parece correr mais por conta do terreno do que do bacillo. III As duas fôrmas são sempre o resultado da mesma lesão .fundamental, o tubérculo. PATHOLOGIA MEDICA I A hemoptises é um dos signaes constantes na tu- berculose dos adultos; seu apparecimento póde indi- car o inicio ou o estado adiantado da moléstia. 72 II Este symptoma é muito raro nas creanças de tenra edade. « III A elevação thermica ao lado desse symptoma, é prenuncio de uma tuberculose grave. OPERAÇÕES E APPARELIIOS I * A thoracentese consiste na perfuração do thorax com o fim de evacuar uma collecção liquida da pleura. II Usa-se para este fim do aspirador de Dieulafoy ou de Potain. III A puncção deve ser feita no 7.° ou 8.° espaço in- tercostal. ANATOMIA MEDICO-CIRURGICA I Os pulmões situados aos lados do mediastino, occupam mais ou menos 4/5 da caixa thoracica. II A base dos pulmões corresponde ao diaphragma. 73 III O apice dos pulmões excede á primeira costella, pouco mais ou menos tres centímetros. PATHOLOGIA CIRÚRGICA I O tecido osseo é frequentemente atacado pelo bacillo de Koch. II As articulações assim como as vertebras são as partes ósseas mais expostas. III A marcha destas manifestações é muita lenta. THEEAPEUTICA I A base de toda administração medicamentosa é o conhecimento da indicação. II Ella varia de indivíduo a indivíduo, com o sexo, a edade, o desenvolvimento, etc., e sobretudo, com a constituição individual revelada na morphologia. III Na tuberculose pulmonar a indicação varia tam- bém com o periodo em que se acha a moléstia. 74 HYGIENE I Uma das maiores difficuldades na prophylaxia anti-tuberculosa, é a não observância, por parte do povo, das noções de hygiene. II Uma das grandes causas desta negação, é a igno- rância da população, frizante em o nosso meio. III Com os elementos de que dispõe a sciencia, a tuberculose ainda não decresceu em suas devas- tações. MEDICINA LEGAL E TOXICOLOGIA I As pesquizas toxicologicas devem ser feitas com todas as precauções capazes de excluir erros e en- ganos. II O menor descuido póde causar sérios embaraços ao perito e graves erros á justiça. III Reactivos escrupulosamente puros, vasilhame me- ticulosamente lavado e passado em agua distillada, ao serviço de um pratico calmo e compenetrado do seu papel de arbitro, são bôas garantias ás pes- quizas; 75 obstetrícia I Quando a tuberculose tem attingido um certo gráu, a prenhez aggrava positivamente o estado gerai, e se torna um perigo indiscutível. II Se por acaso a gravidez chega a termo, o parto apresenta perigos nas mulheres tuberculosas, que pelos esforços expulsivos estão sujeitas a congestões locaes em torno dos fócos tuberculosos e, por conse- quência, a liemoptyses mais ou menos graves. III A’ vista disto, a mulher nos casos de tuberculose já adiantada, não deve se casar e se já o é não deve procrear. I A tuberculose pulmonar é muitas vezes diagnos- ticavel pelos processos clínicos. II Todas as vezes, porém, que seja possível, devemos procurar a confirmação pelos exames de laboratorio. III A albumino-reacção é fácil, pratica, e de grande valor. CLINICA PROPEDÊUTICA CLINICA DERMATOLÓGICA E SYPHILIGRAPHICA I 0 lupus é uma affecção tuberculosa. 76 ÍI Muitas vezes se assemelhando ás manifestações terciárias da syphilis. Hl A marcha e o tratamento desta pelo mercúrio, esclarecem, porém, o diagnostico differencial. clinica cirúrgica (l.a cadeira) I O diagnostico differencial entre as lesões ósseas, devidas á syphilis e á tuberculose, é quasi sempre possível. II A vantagem deste diagnostico é grande para que seja instituído de inicio o tratamento apropriado. III Especifico na syphilis, elle é sempre tanto mais efficaz na tuberculose, quanto mais cêdo é iniciado. clinica cirúrgica (2a cadeira) I A arthrite coxo-femural, também denominada co- xalgia, é muitas vezes causada pelo bacillo de Kock. n Estabelecido o diagnostico, o seu tratamento com- porta duas grandes indicações. 77 m Immobilisar o membro inferior e mantel-o em bôa posição, durante o tempo da moléstia. CLINICA OPHTALMOLOGICA I A conjunctiva é uma membrana mucosa que re- veste ao mesmo tempo a face posterior das duas .pál- pebras e a parte anterior do globo occular. II A conjunctiva palpebral, dos individuos tubercu- losos, em presença de uma gotta de uma solução cen- tesimal de tuberculina, torna-se congesta. III A conjunctiva dos tuberculosos apresenta uma coloração azulada. clinica medica (l.a cadeira) I A tosse é muitas vezes o único signal denunciante do processo tuberculoso. II Nas phases adiantadas da moléstia, este symptoma se liga á febre e aos suores. III Si ainda sobrevêm outras manifestações, a moléstia torna-se rapida e a cura difficil. 78 I A febre tem uma importância de primeira ordem na tuberculose, porque é o indice certo da gravidade do prognostico. II Uma tuberculose febril é sempre grave; uma tu- berculose apyretica póde curar-se mais vezes. III' 1 ílabitualmente a febre apparece no segundo pe- riodo com o arnollecimcnto dos tubérculos. clinica medica (2.a cadeira) CLINICA PEDIÁTRICA I A tuberculose na infancia é mais commum do que se pensa geralmente. II O leite é o vehiculo mais habitual para a transmis- são ao organismo infantil. III A escrofulose, o racliitismo e a chlorose são os principaes typos de manifestação. CLINICA OBSTÉTRICA E GYNECOLOGICA I A tuberculose dos orgãos genitaes da mulher, é frequente e independente da tuberculose pulmonar. 79 II Ella invade por ordem de frequência: as trompas, o corpo do útero, os ovários e o collo uterino. III A extrema raridade da tuberculose do coílo uterino, milita contra a opinião de que a propagação se fizesse pela vagina e collo. CLINICA PSYCHIATKICA E DE MOLÉSTIAS NERVOSAS I O tuberculoso morre quasi sempre no goso com- pleto de todas as faculdades mentaes. II . A intelligencia se desenvolve e a sua imaginação perde-se em um verdadeiro oceano de illusões. III O tisico nunca se julga como tal, o que é um mal para si e para os que o cercam. //cí/a. c/a c/e O#ec/cecna c/a ////Sa/ua, em c/e c/e /^//. © CSecteiatia M. Qs/ifentmcÁw </&J d%eè Qy/Zeile///.