FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA THESE APRESENTADA Á faculdade de Medicina da Bahia EM 16 DE OUTUBRO DE 1911 PARA SER DEFENDIDA POR das guardas NATURAL DE PÍCRJSTAlIVIBLTCO Afim dç obter o Gráo DE ©mrrait em medicinu DISSERTAÇÃO CADEIRA DE CLINICA OBSTÉTRICA DAS COMPLICAÇÕES DO DELIVRAMENTO PROPOSIÇÕES yRES SOBRE CADA UMA DAS CADEIRAS DO CURSO DE SCIENCIAS JVLeDICAS E jllRURGICAS BAHIA Lith. Ttp. e Enc. Gonçalves, Teixeira & C. 3 — Praça Marechal Deodoro — 3 1911 Faculdade de Medicina da Bahia Dl I-ÍPICTOR. — Dr. Augusto Cezar Vianna VICK-DIRECTOR- ... SBCRBTARIO-Dr. Menandro dos Reis IMeirelles SUB-SFjCREITARIO - Dr. Mlatliens Vaz de Oliveira PROFESSORES ORDINÁRIOS DOUTORES Manuel Augusto Pirajá da Silva . . . Pedro da Luz Carrascosa José Olympio de Azevedo Antonio Pacifico Pereira José Carneiro de Campos Manuel José de Araújo Augusto Cezar Vianna Antonio Victorio de Araújo Falcão. . Guilherme Pereira Rèbello Fortunato Augusto da Silva Júnior Anisio Circundes de Carvalho .... Francisco Braulio Pereira João Américo Garcez Fróes Antonio Pacheco Mendes Braz Hermenegildo do Amaral . . . Carlos Freitas Francisco dos Santos Pereira . . . . Eduardo Rodrigues de Moraes. . . . Alexandre Evangelista de Castro Cer- queira. Gonçalo Muniz Sodré de Aragão. . . José Eduardo Freire de Carvalho Filho. Frederico de Castro Rebello . . Alfredo Ferreira de Magalhães . . . Luiz Anselmo da Fonseca . . . . Josino Correia Cotias Climerio Cardoso de Oliveira.... José Adeodato de Souza Luiz Pinto de Carvalho Aurélio Rodrigues Vianna . . . Antonino Raptista dos Anjos . . . . MATÉRIAS QUE LECCIONAM Historia natural medica. Physica medica. Chimica medica. Anatomia microscópica. Anatomia descriptiva. Physiologia. Microbiologia. Pharmacologia. Anatomia e Plistologia pathologicas. Anatomia medico-cirurgica com ope- rações e apparelhos. Clinica medica. Clinica medica. Clinica medica. Clinica cirúrgica. Clinica cirúrgica. Clinica cirúrgica. Clinica ophtalmologica. Clinica oto-rhin o-laryngologica. Clinica dermatológica e syphiligra- phica. Pathologia geral. Therapeutica. Clinica pediátrica medica e hygiene infantil. Clinica pediátrica cirúrgica e ortho- pedia. Hygiene. Medicina legal Clinica obstétrica. Clinica gynecologica. Clinica psychiatrica e de moléstias nervosas. Pathologia medica. Pathologia cirúrgica. Egas Moniz Barretto de Aragão. . . João Martins da Silva Pedro Luiz Celestino Adriano dos Reis Gordilho José Affonso de Carvalho . . . . » Joaquim Climerio Dantas Bião . . . Augusto Couto Maia Francisco da Luz Carrascosa Julio Sérgio Palma Eduardo Diniz Gonçalves Clementino da Rocha Fraga Júnior . . Caio Octavio Ferreira de Moura. . . Clodoaldo de Andrade Albino Arthur da Silva Leitão .... Antonio do Prado Valladares , . . . Frederico de Castro Rebello Koch . . José de Aguiar Costa Pinto Oscar Freire de Carvalho Menandro dos Reis Meirelles Filho Mario Carvalho da Silva Leal .... Antonio Amaral Ferrão Moniz . . . PROFÍGSSORKS EXTRAORDINÁRIOS Historia natural medica. Physica medica. Chimica medica. Anatomia microscópica. Anatomia descriptiva. Physiologia. Microbiologia. Pharmacologia. Anatomia e Histologia pathologicas. Anatomia medico cirúrgica com ope- rações e apparelhos. Clinica medica. Clinica cirúrgica. Clinica ophtalmologica. Clinica dermathologica e syphiligra- phica. Pathologia geral. Therapeutica. Hygiene. Medicina legal. Clinica obstétrica. Clinica psychiatrica e de moléstias nervosas. Clinica analyticae industrial. PROFKSSORKS EDYL DISPONIBILIDADE Dr. João Evangelista de Castro Cerqueira- Dr. Deocleciano Ramos I Dr. Sebastiao Cardoso. Dr. José Rodrigues da Costa Doria. A Faculdade não approva nem reprova as opiniões exaradas nas theses pelos seus auctores. Introducção qE) mister, para que inicie o assumpto preferido para a dissertação—complicações do delivramento— dar uma explicação concisa sobre os diversos modos de delivramento * Delivramento é a expulsão dos annexos do feto, constituídos por placenta, membranas e cordão umbi- lical. Comprehende tres tempos: descollamento da pla- centa e das membranas; passagem dos annexos para o segmento inferior do utero, depois para a vagina; sua sabida pela vulva. O delivramento é espontâneo, quando se dá sem que o parteiro intervenha; natural, se ha interferencia por manobras externas; artificial, quando a mão é introduzida no utero para determinar ou completar o descollamento da placenta, * Descollamento da placenta e das membranas.—Diver- gentes são as opiniões para explicar o mecanismo do descollamento placentario. ' „ A 2 Para Baudelocque, as da placenta são destruidas, ordinariamente, pelos esforços que faz o utero para expulsar o feto, e, conforme o lugar por onde se despega a placenta, plienomenos diversos se passam; assim é que, quando a desunião se dá pelo centro ou por um ponto de sua circumferencia, afastado do oriticio uterino, a placenta apresenta-se pela face fetal, formando uma bolsa que se enclie de sangue— hematoma retro-placentario—quando porém, o descolla- mento se faz pela parte inferior, raormente 11a visi- nliança do oriticio uterino, a placenta se dobra em forma de cylindro e no sentido do diâmetro longitudinal do utero; sua sabida é então precedida de uma diffusão de sangue. Desormaux e Dubois, adeptos da theoria de Bau- delocque, admittindo erroneamente a implantação da placenta no fundo do utero, consideram também como ordinaria sua separação pelo centro e fazem gozar de um papel importante no descollamento, o sangue accumu- lado na cavidade formada ás custas da placenta e da parede uterina. Segundo Matthews Duncan, cabe ao tecido muscular 0 principal papel no descollamento. A retracção e contracção do utero, diminuindo o diâmetro de sua cavidade, impellem e levam a placenta ao exte- rior; esta se enrola longitudinalmente sobre a face fetal e apresenta-se por um bordo. Pinard e Varnicr demonstram que as forças postas em acção para próduzir 0 descollamento da placenta são: elasticidade, retractilidade e contractilidade dos elemen- tos funccionaes do utero, repartidas de modo desigual. Com effeito, durante e logo depois da expulsão Jietal, cada ponto da parede uterina tende a se approximar do 3 centro da cavidade; mas, a parte da parede correspon- dente á inserção placentaria tica mais afastada deste centro, em razão da presença da placenta e de sna maior força elastica, retráctil e contractil, pois esta porção parietal é mais delgada. Para fazer desapparecer a desigualdade, uma lucta constante se estabelece; os ele- mentos musculares de redor da placenta actuam sobre a parte adelgaçada-e reduzem sua, superfície por um movimento vermicular. Comprehende-se então que, pela contracção do musculo uterino, toda placenta fica phy- siologicamente encastoada logo depois da expulsão fetal, qualquer que seja sua situação na cavidade uterina. Das experiencias feitas por Pinard e Varnier e Ribemont, em-peças congeladas, resulta que, o descolla- mento da placenta se faz da periplieria para o centro; e, quando a placenta está descollada parcialmente, o musculo uterino fica espesso ao nivel da porção despe- gada, delgado porém, no ponto ainda adherente. Durante o descollamento placentario as membranas quasi não soffrem modificações; o chorion e a caduca só se separam da parede uterina depois da placenta. É esta que, pelo seu pezo e pelo impulso recebido da contracção e retracção uterinas, determina o descolla- mento das membranas. 2. tempo.—Os annexos do feto passam do útero para a vagina. Depois de se achar no segmento inferior, novas contracções fazem com que a placenta penetre no orifício uterino, que por ella se deixa distender, e passe para a vagina. 3. tempo.—Expulsão das páreas. Em algumas mu- lheres, logo que a placenta chega 11a vagina é projectada 4 pelas contracções uterinas, vaginaes, e pelo esforço re- flexo que nasce 11a occazião em que a massa dos annexos se encosta sobre a parede rectal e o perineo; em outras mulheres porém, não se manifestando necessidade de expulsão, porque as paredes vaginaes já distendidas pela passagem do feto não podem soffrer uma dilatação sufficiente da parte da placenta, resulta que, esta se pode demorar na cavidade vaginal durante um espaço de tempo rnais ou menos longo Signaes clínicos do delivramento.—As diversas pha- ses do delivramento espontâneo se traduzem por signaes clínicos, subjectivos e objectivos, que o parteiro deve conhecer muito bem para saber agir opportunameiite, se quizer auxiliar a natureza com a extracção simples ou em caso de accidente. Signaes subjectivos—Após a expulsão fetal, a partu- riente sente um bem-estar profundo; mas, no hm de um espaço de tempo variavel, ella accusa a sensação de uma contracção uterina, de uma cólica mais intensa do que no periodo de expulsão. Cessa a dôr, vem nova contra- cção mais forte, depois outra, e assim se vão suçcedendo de mais a mais fortes. Um certo numero de contracções depois, a mulher sente no perineo a pressão de um corpo—a placenta;—vem de novo a necessidade da con- tracção que termina com a expulsão placentaria, Signaes objectivos.-—Os signaes objectivos são repre- sentados pelas modificações que soffre o utero em sua forma, situação, volume e consistência; pela effusão sanguínea externa e pelos dados fornecidos pelo toque e pelo exame do cordão umbilical. Depois da expulsão do feto, o utero forma uma 5 massa arredondada, regular, de fundo ligeiramente con- vexo. Fica um pouco achatado de diante para traz, mais ou menos globuloso conforme o modo de descolla- mento da placenta; quasi espherico se a placenta desce pela face fetal, mais allongado se a descida é pelo bordo. Commummente situado na linha media, algumas vezes inclinado para a direita ou para a esquerda, o útero dá, no intervallo das contracções uma sensação de resistência elastica, Constituindo o que Pinard chama o globo de segurança, muito notável nas primigestas. Na occasião das contracções o útero se torna duro, seu dia- metro antero-posterior augmenta e o transverso reduz-se. Quando a placenta descollada passa da cavidade uterina para o segmento inferior, o utero se eleva; quando porém, a placenta passa para a vagina elle se abaixa, ficando situado dois a tres centímetros abaixo do um- bigo, depois do delivramento. O delivramento dá lugar sempre a uma diffusão de sangue, cujos caracteres differem conforme o modo da apresentação placentaria. Se é a face fetal que se apresenta, não ha effusão sanguínea externa notável antes da sahida dos annexos, porque emquanto a parte das membranas, próxima á peripheria da placenta, está pegada ao utero, o sangue não se pode escapai-, ficando entre a placenta e a parede uterina; é somente quando aquella porção das membranas está completamente des- collada que o sangue se escôa. Na apresentação da face materna ou do bordo da placenta, precocemente se observa um derramamento de sangue para o exterior, porque o descollamento das membranas se dá logo. Estes caracteres da diffusão sanguínea não são entretanto absolutos, porque mesmo 6 em caso de apresentação da face fetal da placenta, o despègamento das membranas, até o orifício do utero, pode dar-se muito cêdo e o sangue apparecer exterior- mente. O toque deve -ser praticado o menor numero de vezes possível durante o delivramento, pois que, pela palpação e pela mensuração do utero, se pode, até certo ponto, reconhecer as diversas phases do delivramento espontâneo; mas, se estes dados são insufficientes, a introducção do dedo nos orgãos genitaes permitte verificar não só a apresentação da placenta como também a sua retenção no utero ou sua penetração na vagina. O exame -do cordão pode fornecer alguns dados. Se, depois da sabida do feto, se repara a parte do cordão (pie corresponde ao orificio vulvar e faz-se certo tempo depois uma ligeira tracção, vê-se saliir da vulva uma nova porção de cordão, ficando o ponto reparado a uma certa distancia do orificio vulvar; esta distancia indica (pie a placenta desceu e a extensão da descida. E este o signal de Alhíeld. Ha ainda um outro signal — de Ktrassman—fornecido pelo cordão umbilical, pelo qual se sabe se a placenta está ou não descollada. Fazen- do-se simultaneamente o exame da porção do cordão que sabe peia vulva e pressão sobre o fundo do utero, nota-se, estando a placenta ainda adherente, uma intu- mescência e fluctuação 11a veia umbilical devidas ao sangue lançado pela expressão. Não se produz este phenomeno se a placenta está descollada. Para que este signal seja percebido, é necessário ligar a extre- midade plaeentaria do cordão, o que actualmente se não faz. 7 Delivramento natural.—O delivramento espontâneo carecendo, para se produzir, de um espaço de tempo muito variavel, é habitual o parteiro intervir por mano- bras diversas, auxiliando a expulsão dos annexos. O emprego destas manobras constitue o que se chama delivramento natural ou extracção simples. Tres são os metliodos utilisados: o das tracções sobre o cordão; o da expressão placentaria; o mixto. Antes de descrever estes processos é de grande importância precisar o momento de escolha para a inter- venção, porque ha inconvenientes e perigos conforme se age muito tarde ou muito cêdo. Realmente, a expulsão espontânea se faz, de ordinário, tres horas depois do parto, podendo entretanto se demorar muito mais, e, durante este tempo, a placenta fica 11a cavidade cervico- vaginal; ora, nestas condições não ha utilidade alguma em se esperar, ao contrario, pode haver inconvenientes e um destes é o accumulo de sangue detrás da placenta, podendo distender o segmento inferior do útero e auxi- liar a inércia. E de proveito pois, poupar estes inconve- nientes não agindo tardiamente. A interferencia precoce, antes do descollamento completo da placenta, é perigosa, porque os vasos ute- rinos se abrem antes que comece o elemento essencial da hemostase—contracção uterina. O momento oppor- tuno para intervir é quando se dá o descollamento da placenta, indicado pelos differentes signaes clinicos. Methodo das tracções sobre 0 cordão.—Este methodo, como seu nome indica, consiste em extrahir a placenta puchando-a pelo cordão umbilical. Pratica-se do seguinte modo: chegada a occasião de intervir, que é quando a 8 placenta, completamente descollada, cahe no segmento inferior do útero, a parturiente é collocada em posição obstétrica, com as nadegas um pouco elevadas; depois, o parteiro, tendo a mão esquerda sobre o abdómen para cuidar do utero, enrola o cordão umbilical sobre o index e o medio da mão direita, segura-o em seguida entre o pol- legar e o index, proximamente á vulva, e começa então a fazer tracções lentas e continuas, no intervallo das con- tracções, para evitar a ruptura das membranas e a sua re- tenção parcial. Pinard aconselha, antes do começo das tracções, fazer sempre o toque para verificar o modo de apresentação da placenta e da inserção funicular. As tracções devem ser feitas seguindo o eixo da bacia se a inserção do' cordão está exactamente no seu centro; verticalmente para baixo e para trás se a inserção está atrás da symphise pubiana; para cima e para diante se está na concavidade do sacro; da direita para a es- querda se está á direita e inversamente se está á esquerda. Para dirigir as tracções no eixo do estreito superior da bacia se pode empregar a manobra que Mauriceau designa roldana de retorno e que consiste no seguinte: Introduzem-se dois dedos de uma das mãos, o index e o medio, na vagina, immediatamente atrás do pubis. Colloca-se o cordão na roldana formada pela juxtapo- sição dos dois dedos, cujas extremidades recalcam abaste funicular para trás, e com a outra mão fazem-se as tra- cções. Cessam-se as tracções, dispondo a mão direita em forma de cupula para receber a placenta, quando esta vem atravessando a vulva, Para que as membranas saiam completas basta, de ordinário, afastar lentamente a placenta dos orgãos geni- 9 taes. Experimentando-se resistência, segura-se a placenta com as duas mãos, executando um numero suffi ciente de movimentos de rotação, para enrolar as membranas em forma de corda até as partes mais elevadas e mais resis- tentes; se, apezar desta precaução, se não vence a resis- tência se cortam as membranas rente á vulva e liga-se o retalho restante com um fio aseptico, que permitte fazer tracções ulteriormente. Este fio não deve permanecer por mais de vinte e quatro horas, porque expõe á infecção uterina. Expressão.-— Para este modo de delivramento na- tural tres methodos existem: o de Crédé ou de expressão immediata; o de Alhfeld ou de expressão retardada; e o mixto. O primeiro, de Crédé, consiste em friccionar, imme. diatamente depois da expulsão fetal, a principio leve- mente depois vigorosamente, o fundo do útero atravéz da parede abdominal; depois, quando a contracção chega a sua maior intensidade, segurar o fundo uterino com uma ou duas mãos exercendo uma pressão dõce. Durante esta manobra, a mão sente a placenta sahir do utero e algu- mas vezes mesmo se vê sahir da vulva. Este methodo apresenta sérios inconvenientes. E’ doloroso, susceptivei de determinar a ruptura da placenta ou das membranas e sua retenção, porque não poupa o acto physiologico do descollamento. Demais, a intervenção, feita immediata- mente depois da expulsão fetal, não respeita o periodo de nercia physiologica, não se podendo portanto contar com a hemostase natural; de onde, a maior frequência das he- morrhagias após o delivramento. O methodo de Alhfeld é uma modificação do de 10 Crédé e tem, sobre este, a vantagem de respeitar o meca- nismo normal do descollamento placentario, porque a in- tervenção é feita uma hora e meia depois da expulsão do feto. Então a expressão se faz da maneira que se segue: Colloca-se a mão sobre o fundo do útero, segurando-o de modo (pie o pollegar seja applicado sobre sua face ante- rior e os outros dedos sobre a face posterior; depois, no jn- tervallo de duas contracções, se fecha a mão sobre o fundo uterino; a placenta apparece então na vulva. Pinard, Tar- nier e Sehauta são partidários do methodo de Alhfeld, intervindo porém mais cêdo. O methodo mixto, das tracções sobre o cordão e ex- pressão uterina combinadas, pratica-se do modo seguinte: Approximadamente meia hora depois da expulsão do feto, sendo feito o toque para verificar a situação da placenta e da inserção funicular, se espera o intervallo de duas contracções e segura-se simultaneamente o cordão, com uma das mãos, fazendo tracções lentas, e o fundo do utero com a outra, exercendo uma pressão dirigida de cima para baixo e de diante para trás de modo a deter" minar a compressão do utero, seu abaixamento na bacia e a correcção de sua anteflexão. Delivramento artificial.—Dá-se este nome á operação que consiste em introduzir a mão na cavidade uterina para descollar.e extrahir a placenta. E’ indicado na maior parte dos accidentes que podem surgir durante o delivramento, principalmente nas he- morrhagias e nas retenções da placenta. Antes de introduzir a mão na cavidade 'do utero se devem tomar os cuidados antisepticos mais minuciosos. O parteiro deve desinfectar rigorosamente as mãos, os 11 antebraços e as partes inferiores dos braços. Os orgãos genitaes externos da parturiente devem ser desinfectados com cuidado, praticando-se depois uma injecção vaginal antiseptica. Em caso de hemorrhàgia grave, por exemplo, não havendo tempo para tomar precauções antisepticas muito rigorosas, porque é preciso agir rapidamente, se faz uma antisepsia summaria. Quanto á anesthesia, não ha inconveniente em a praticar em casos outros que não a perda brusca de uma grande quantidade de sangue O manual operatorio do delivramento artificial é o seguinte: Tomadas as precauções antisepticas, introdpz-se a mão direita, previamente lubrificada e disposta em for- ma de cone, nos orgãos genitaes, depois, seguindo o cor- dão umbilical, na cavidade uterina. A mão esquerda é então collocada sobre o fundo de utero para o manter abaixado. Para penetrar entre a placenta e a sua superfície de inserção, se procura levar a mão entre a parede uterina e as membranas, o que é simples e permitte attingir directamente o bordo placentario, se aquellas foram jies- eolladas por uma hemorrhagia. Quando as membranas estão adherentes, é preciso rompel-as ao nivel do bordo placentario, levando a mão pelo interior do ovo. Se, com esta manobra, não é possivel rasgar as membranas, se pode perfurar a placenta com o dedo e descollal-a circu- larmente. Para praticar o descollamento da placenta se pode empregar o bordo cubital ou o bordo radial da mão, agindo como uma faca que corta as folhas de um livro. Este pro- cesso é sufficiente quando a placenta está pouco adhe- rente. Se a adherencia placentaria & muito intima se 12 utilisam as extremidades dos dedos unidos, fazendo pressão até descollar todos os cotyledones. A placenta, depois de completamente descollada, é recebida pela face palmar da mão disposta em forma de colher, e extrahida docemente, completando-se o descol- lamento das membranas. Esta extracção pode ser feita na occasião de uma contracção uterina ou immediatamente; neste ultimo caso porém, se o utero se não contrahe, se deve ter o cuidado de reintroduzir rapidamente a mão na cavidade uterina e extrahir os coalhos sanguinos que possam existir. As- sim procedendo, a hermorrhagia não pode produzir-se porque o ante-braço faz o papel de um tampão; a presença da mão excita as contracções e permitte verificar se ha na cavidade uterina restos de cotyledones ou de mem- branas. O delivramento artificial é geralmente fácil; entre- tanto, casos ha em jque se podem encontrar obstáculos e entre estes cito: o encarceramento da placenta por es- pasmo parcial ou generalisado do utero, e adherencias placentarias muito intimas. No primeiro caso, é preciso dilatar artificialmente a região attingida de espasmo, o que se pode conseguir com os dedos, e extrahir a placenta rapidamente. Se o espasmo é invencivel, se pode intro- duzir na cavidade uterina um balão dilatador de Barnes ou o Champetier de Ribes; mas, é prudente intervir mais tarde. Para os casos de adherencias placentaYias muito in- timas ha diversos processos de intervenção. Hamilton aconselha segurar a placenta com a mão, a polpa dos dedos ficando em contacto com os bordos do orgão; de- pois, approximar o*s dedos, de modo a reduzir a placenta 13 de volume, e determinar por escorregamento o seu descol- lamento. Huetere Duncan comprimem o tecido placenta- rio com duas mãos, uma no interior do útero e outra sobre o fundo. Budin procede, destacando os cotyledones um a um e segurando-os entre o pollegar, o index e o medio. O delivramento artificial pode dar lugar a accidentes graves, taes como:, arrancamento dos lábios do collo, perfuração e inversão uterinas. Estes accidentes, devi- dos ordinariamente a erros de sensação e a falta de technica, podem ser evitados se a intervenção é feita com prudência e attenção. Depois de terminado o delivramento, qualquer que seja seu modo, a precaução essencial é examinar os an- nexos. Para examinar os annexos do feto, è preciso em pri- meiro Jogar dispor convenientemente a placenta e as mem- branas, collocando-as na posição que occupavam no interior do utero, isto é, com a face fetal para dentro. Colloca-se a placenta repousando pela face fetal, em um vaso largo e de fundo chato, para proceder o exame de face materna e verificar se ha ou não perda de substancia nos cotyledo- nes e nos sulcos que os separam. Depois se examina a face fetal da placenta e a bolsa ovular, para o que é preciso collocar a face materna da placenta sobre um plano re- sistente e introduzir a mão no interior do sacco ovular. Após um parto normal, a bolsa ovular se conserva intacta com um orifício de sabida circular ou ovalar. Suas paredes são constitui das por tres membranas; am- nios, ehorion e caduca, que devem estar com seus cara- cteres. O amnios, a interna, pode ser completamente iso- lada do ehorion, resistente, transparente e liso. A caduca 14 adhere intimamente ao chorion. Se as membranas, antes do descollamento completo, soffreram tracções, o sacco não pode ser reconstituidc, indicando a adherenciade re- talhos ao útero. As membranas devem ser ainda exami- nadas por. transparência, contra a luz, porque assim se pode verificar se ha vasos que serpejam na espessura do chorion e seccionados nos bordos das membranas, indi- cando a retenção de um cotyledon supplementar. DISSERTAÇÃO CADEIRA DE CLINICA OBSTÉTRICA DAS COMPLICAÇÕES DO DELIVRAMENTO I do dçlivramçnto <f . . gSfy)s accidentes que podem surgir, complicando o delivramento, são: as hemorrhagias e a inversão uterina que, embora não sejam da mesma frequência, apresen- tam, entretanto, grande importância. O delivramento normal acompanha-se sempre de uma effusão sanguina physiologica, muito variavel em quantidade, que se torna pathologica quando, pelo mo- mento em que se produz e pela sua abundancia, ameaça a saúde da parturiente dando lugar aos phenomenos ca- racteristicos da espoliação sanguina excessiva, merecendo então o nome de—hemorrhagia do delivramento. As hemorrhagias do delivramento podem ser inime diatas ou primitivas quando se produzem durante o deli- vramento ou immediatamente depois; secundarias ou tar- dias quando surdem nas horas ou nos dias seguintes á expulsão dos annexos do feto. O sangue que se escôa durante"' ou immediatamente depois do delivramento, constituindo a hemorrhagia primitiva, dimana ordinariamente do corpo do útero. 16 Etiologia.—Para que uma hemorrhagia se possa produzir no corpo do utero, é necessário que a placenta esteja parcialmente ou totalmente descollada, ficando assim abertos os seios uterinos, e que se não faça a hemostase espontânea por contracção e retracção musculares; que haja, portanto, adynamia ou atonia uterina. O descollamento da placenta pode começar durante ou antes da expulsão fetal. Este caso, relativamente raro, se pode dar quando o parto é muito longo e o utero se retrahe em excesso, ou quando uma anomalia na dispo- sição do ovo—placenta previa, curteza do cordão umbi- bilical—determina condições taes, que o feto arrasta a placenta em seu movimento de progressão. Ainda outros casos podem determinar o descollamento prematuro da placenta: manobras intra-uterinas praticadas para a extracção do feto; as applicações de fórceps, quando as membranas são agarradas entre a cabeça e as colheres; a intervenção intempestiva do parteiro, po» tracções sobre o cordão ou por expressão uterina. O factor mais considerável das hemorrhagias do de- iivramento é, porém, a inércia parcial ou total do mus- culo uterino, sendo portanto necessário o conhecimento das suas causas. O utero, na mulher gravida, adquire proprie- dades que eram antes pouco apreciáveis ou mesmo inexistentes: a contractilidade, que se apresenta durante os seis mezes da gravidez, no decurso do parto e do deli- vramento, e a retractilidade, por meio da qual as fibras musculares do utero' á medida que este se exhaure, vol- tam ao seu estado primitivo. Se estas duas prspriedades —contractilidade e retractilidade—que concorrem para o 17 descollamento da placenta e para a hemostase espontâ- nea, não se manifestam, se dá então a inércia uterina; e, se a placenta está ainda adherente, o íiuxo sanguino não se apresentará, pois os vasos não foram abertos—inércia simples. Se, ao contrario, a placenta se descolla em parte ou totalmente, a hemorrhagia virá, pois que os seios ute- rinos se abriram—inércia complicada. Em algumas mulheres, a inércia se manifesta primi- tivamente e pode reproduzir-se em diversos partos. Al- guns consideram responsáveis por esta atonia primitiva diversos estados: a obesidade, a hemophilia, a fraqueza geral do systema muscular lizo, a hereditariedade, as mo- léstias ([ue debilitam o organismo—tuberculose, câncer, mal de Bright e outras—as emoções moraes e até mesmo o calor. Outras causas secundarias intevêm determinando a atonia. O musculo uterino é, como , outro qualquer, capaz de se fatigar; assim é que, em seguida aos partos demorados e diíficeis, a inércia pode declarar-se, dando lugar á he- morrhagia. A gravidez gemea, a grande quantidade de liquido amniotico, distendendo muito o útero, são causas de adynamia durante o delivramento. As mulheres, cujos partos se dão muito rapidamente, os úteros hcando como que estuporados, podem perder muito sangue na occasião do delivramento; o mesmo se pode observar quando a expulsão fetal se dá, estando a mulher em posição vertical; mas, neste caso, intervem o descollamento prematuro da placenta, produzido por tra- cções do feto sobre o cordão umbilical. Os tumores abdominaes e os fibromas uterinos são, muitas vezes, causas de hemorrhagia; estes impedem a 18 contracção ou a retracção dos elementos musculares do útero, conforme são intersticiaes ou sub-mucosos. Estados morbidos geraes lia que podem agir como causas de hemorrhagias: assim acontece nas mulheres al- buminuricas, cardiacas, nas infectadas antes do parto. Quando o útero se distende, pelo accumulo de gazes sépticos devidos a acção de microbios anaeróbios, fica em' atonia, a fibra muscular sendo paralysada pelas toxinas. Os restos de cotyledones ou de membranas, os coalhos sangiiinos, impedindo a retracção uterina, podem agir d eterminando hemorrhagias. Nos casos de fetos mortos e macerados, não são muito raras as hemorrhagias do delivramento. Symptomatologia.— As hemorrhagias do delivra- mento se traduzem por tres signaes principaes: effusão sanguina externa, que pode não existir em certas formas; modificações na consistência do útero; phenomenos de anemia aguda. O fluxo sanguino pode manifestar-se de .differentes maneiras: ou o sangue, dimanado da ferida placentaria, sahe pela vulva—hemorrhagia externa; ou o sangue se escôa e accumula-se na cavidade uterina, retido pela pla- centa ou por coalhos—-hemorrhagia interna; ou, final- mente, uma parte do sangue sahe pela vulva e outra se accumula no utero—hemorrhagia mixta. Estas tres variedades de hemorrhagias, com igual quantidade de sangue, determinam commumente os mes- mos phenomenos, porque é na abundancia do fluxo que está a gravidade do caso. Quando a hemorrhagia é externa o sangue prove- niente dos vasos uterinos, abertos depois do descollamento 19 placentario, se infiltra entre a parede do útero e a pla- centa, despega as membranas até o orifício interno do collo, passa pelo canal cervical e vagina, e sabe pela vulva. A hemorrhagia pode ser bruscamente muito abun- dante se a placenta está despegada em grande parte; em alguns minutos se podem escoar quinhentas a oitocentas grammas de sangue, apparecendo rapidamente os phe- nomenos de anemia aguda, que determinam a morte se se não intervem. O fluxo é, ao contrario, moderado quando o descollamento da placenta se dá em pequena extensão, mas, pode ser continuo e tornar-se mais intenso na occa- sião em que o utero se contrahe. Se novas porções de placenta se despegam, a effusão sanguina pode augmen- tar; mas, se as contracções reapparecem ella pode dimi- nuir ou mesmo cessar, em virtude do papel essencial que gosam estas mesmas contracções na hemostase da ferida placentaria. A resudação continua torna-se grave pela persistên- cia e pode passar despercebida até certo tempo, se o leito, em que se acha a parturiente, é permeável, deixándo fil- trar o sangue. A intensidade dos phenomenos da anemia aguda varia na razão directa da quantidade do sangue escoado. Em certas mulheres, é sufficiente uma perda san- guina 4e quinhentas a seiscentas grammas, para que os signaes de anemia aguda se manifestem; em outras, po- rém, são necessárias oitocentas grammas a um litro de sangue para os fazerem apparecer. Vê-se, portanto, que a quantidade de sangue, necessária para o apparecimento dos phenomenos de anemta aguda, é variavel de indiví- duo a indivíduo. 20 Ao mesmo tempo que a diffusão sanguiiia externa, se observam, pela palpação abdominal, os signaes physicos da atonia uterina. O utero augmenta um pouco de vo- lume, torna-se flácido, depressivel; as contracções são fracas ou mesmo não existem e, muitas vezes, a paralysia se localisa nesta ou naquella zona. Pelo toque se aprecia o gráo de migração da placenta que, se está ainda na cavidade do utero e descollada incompletamente, fica muitas vezes imperce- ptivel; outras vezes, pode ser sentida, apontando no orifício uterino. pm, Algumas vezes se sente na vagina uma bolsa molle, constituida pelas membranas invertidas e cheias de sangue. Os phenomenos da anemia aguda serão descriptos mais adiante, quando tratar dos accidentes consecutivos ás hemorrliagias. Na hemorrhagia interna, os signaes clinicos são um tanto differentes dos da variedade precedente. Ordinariamente, o fluxo sanguino é lento e incidioso; o sangue distende o utero progressivamente e accumula- se com certa difficuldade. A hemorrhagia revela-se pelos phenomenos de anemia aguda progressiva e pelas modi- ficações do utero; aqui não ha o corrimento sangnino externo. , • 1. & A diffusão sanguina interna pode fazer-se no corpo do utero . ou no segmento inferior, Quando o derramamento se faz no corpo do utero, apparecem em primeiro lugar cos phenomenos de anemia, perturbações sensoriaes e circulatórias.'• ■ ■<* O utero apresenta uma flacidez excessiva, augmenta de volume dg mais a mais, distendido pelo sangue; seu de ’• 1 21 fundo vai além do umbigo e algumas vezes pode mesmo attingir a região epigastrica. A molleza do utero pode ser em grão tal, que a mão não lhe chega a limitar o contorno. A expressão feita no utero, assim clieip de sangue, determina a sabida, pela vulva, de uma certa quantidade de liquido misturado a coalhos. Algumas vezes se observam dous signaes caracteris- ticos do accumulo de sangue na cavidade uterina: o cor- rimento, pela vulva, de uma serosidade avermelhada, de grande valor clinico segando Budin, e as dôres continuas dos rins, sobre as quaes muito tem insistido Charles. A hemorrhagia do segmento inferior é mais rara do que a do corpo do utero e, de ordinário, não apresenta muita gravidade. O sangue accumula-se no segmento inferior, o corpo do utero conservando as suas dimensões normaes. Para que isto se dê, são necessárias as condi- ções seguintes: que o sangue não possa correr para o exte- rior; que o segmento «inferior, flácido, se deixe distender pelo sangue; que o corpo uterino tenha conservado contractilidade sufficiente para que o sangue se não accu- mule no seu interior. Estas condições são preenchidas quando a placenta, completamente descollada. oblitera as vias genitaes inferiores, e o corpo do utero apresenta zonas de inércia local correspondente á superfície de inserção placentaria, que continha a dar sangue. Os signaes clínicos da hemorrhagia no segmento in- ferior são: os phenomenos de anemia aguda e a ausência da effusão sanguina externa; mas, os signaes revelados pela palpação são differentes dos da hemorrhagia no corpo uterino. O globo uterino apresenta-se ordinariamente com V Gr. 22 seu volume normal e de consistência bastante dura; seu fundo colloca-se muito acima do umbigo, porque appa- rece no pubis um tumor que augmenta pouco a pouco. Este tumor, muito molle, se assimilhando á bexiga dis- tendida, da qual se distingue pelo seu rápido augmento de volume ou pelo catheterismo, é formado pelo segmento inferior onde está o sangue accumulado- O toque deixa sentir sempre, na vagina, a placenta apresentando sua face fetal ou uma bolsa membranosa cheia de sangue. Quando o impedimento constitui do pelos annexos desapparece, por expulsão espontânea ou porque se pro- duza entre elle e as paredes vaginaes um espaço livre, o tumor hypogastrico se desfaz subitamente; a hemorrhagia torna-se então puramente externa. A hemorrhagia mixta é, de todas as formas, a mais frequente, porque raramente se dá a effusão sanguina externa unica; na maioria dos casos, o sangue se accu- mula também, em parte, na cavidade uterina. Os signaes, pelos quaes se pode reconhecer esta forma de hemorrhagia, são os das variedades externa e interna combinadas, havendo, ás mais das vezes, predo- minância da hemorrhagia externa ou da interna. Diagnostico.—Se o parteiro não observa attenta- mente a parturiente depois da expulsão do feto, as hemorrhagias do delivramento podem passar desperce- bidas; o contrario se dá, se elle tem o cuidado de palpar frequentemente o útero para sentir sua consistência; de observar a effusão sanguina que se faz pelo útero e de tomar e contar o pulso, cuja acceleração é um dos primeiros signaes da anemia aguda. 23 Um utero flácido permitte reconhecer a atonia e a imminencia da hemorrhagia; a flacidez augmentando ao mesmo tempo que o volume do utero, pode affirmar-se que ha hemorrhagia interna. A hemorrhagia no segmento inferior se reconhece pelo apparecimento e pelo desenvolvimento rápido de uma tumefacção molle na região hypogastrica, que se distingue da retenção urinaria e do hematoma intra-ute- rino consecutivo a uma ruptura do orgão, pelo cathete- rismo vesical e pelo toque intra-uterino. Quando se manifesta uma diffusão sanguina ex- terna, não se deve concluir logo a existência de uma hemorrhagia dimanante da ferida placentaria; é preciso praticar uma exploração cuidadosa, mormente quando o utero se apresenta com seu volume normal e está bem retraindo, porque então o sangue pode ser proveniente de rupturas do segmento inferior, do collo, da vagina, da vulva ou do perineo, determinadas pelo traumatismo do parto. E’, principalmente, nos casos de extracção do feto que ha probabilidades de rupturas dos orgãos genitaes, sendo necessário um exame methodico. Para se distinguirem as hemorrhagias procedentes de rupturas, das que resultam do descollamento placen- tario, ha um elemento de algum valor e é: as primeiras se produzem immediatamente depois da expulsão do feto e as outras se manifestam muitas vezes alguns minutos depois. Prognostico—O prognostico das hemorrhagias do delivramento depende de muitos factores. O elemento mais importante a considerar é a quan- tidade de sangue, o que muitas vezes é difficil de avaliar. 24 Uma perda de maisde oitocentas grammas de sangue se torna séria; entretanto, mulheres ha que perdem mil e duzentas a mil e quinhentas grammas sem que experi- mentem accidentes alguns; outras, ao contrario, succum- bem depois de uma hemorrhagia não muito abundante, porque nestas o systema nervoso reage mal contra a pri- vação de sangue. A rapidez com que se produz a hemorrhagia e o estado geral da parturiente, têm também importância no % prognostico. As mulheres que perdem muito sangue durante a gravidez, as anémicas, as albuminuricas, as infectadas durante o trabalho do parto, resistem menos ás hemor- rhagias. Outras causas intervêm aggravando as Jiemor- rhagias de delivramento, taes são: as adherencies e encastoamentos da placenta, os fibromas sub-mucosos e as rupturas do utero. Depois de uma perda abundante de sangue, é pos- sivel julgar-se se vae ou não haver gravidade, pelo exame do pulso e pelo estado do systema nervoso—elementos estes de grande importância. Se o pulso se apresenta fraco e precipitado, a mulher não está fòra de perigo. As syncopes repetidas, a agitação, o deli rio, as allu- cinações e as convulsões, tornam o prognostico sombrio. Hemorrhagias secundarias ou tardias—Algu- gumas horas depois do delivramento ou, mais - tardia- mente, nos dias seguintes ao parto, hermorrhagias podem ser observadas. A effusão sanguina, que se manifesta horas depois da expulsão dos annexos, pode ser externa, interna, ou mixta e é, muitas vezes, silenciosa e devida geralmente á retenção parcial da placenta ou das membranas. 25 As hemorrhagias qne se produzem dias depois do parto, são menos graves que as precedentes e devidas à inércia tardia occasionada pelas retenções de cotyledones, de retalhos de membranas, de coalhos etc. Ainda outras causas podem intervir', como: retenção urinaria, accumulo de matérias fecaes no recto, moléstias do figado, o levantar precoce da parturiente, o coito pouco tempo depois do parto, os fibromas uterinos, as grandes fatigas. Accidentes consecutivos ás hemorrhagias— Quando as hemorrhagias são muito abundantes, de modo a diminuir a massa total do sangue, phenomenos se ma- nifestam cujo conjuncto se denomina—anemia aguda, A anemia aguda traduz-se por signaes subjectivos, caracterisados por perturbações das íuncções do ence' plialo, dos orgãos dos sentidos e do apparelho respirató- rio, e signaes objectivos, revelados pela exploração do apparelho cardio-vascular. São, de ordinário, as perturbações encephalicas e sen- soriaes que primeiro se apresentam Ora a doente tem vertigem, ora excitação cerebral, agitação, delirio, terminando rapidamente por syncope. As perturbações sensoriaes consistem, principalmen- te, em ruidos anormaes e desapparecimento rápido da visão. A doente apresenta os lábios descorados, as extre- midades frias, os movimèntos respiratórios rápidos. A aus- cultação do coração revela ruidos surdos ou quasi imper- ceptiveis O pulso accelera-se e torna-se filiforme. Quando a hemorrhagia continua ou a perda san- guina é excessiva, a anemia aguda termina pela mor- te, que sobrevem depois de uma ou muitas syncopes, ou 26 bmscamente, depois de algumas lioras, quando a doente parece estar fóra de perigo. Tratamento das hemorrhagias e dos accidentes consecutivos—O tratamento das hemorrhagias do deli- vramento pode ser prophylactico ou curativo, Prophylactico—A proposito da etiologia das he- morrhagias eu disse que a inércia uterina era a sua causa principal; é preciso pois, se empregar todos os recursos para a evitar, não deixando a parturiente se esgotar por um trabalho prolongado; fazendo o possivel para impedir, quando o utero está superdistendido, a evacuação rapida do seu conteúdo. Na occasião do delivramento é necessário agir com prudência e paciência; não começar as manobras do de- livramento natural antes do descollamento completo da placenta, Curativo—Os meios de que se dispõe para deter as hemorrhagias do delivramento são numerosos e, na maio- ria dos casos, dão resultado satisfactorio se são applica- dos com resolução e rapidez. Estes meios podem ser divididos em temporários e definitivos. Os primeiros comprehendem a compressão da aorta á distancia e a compressão uterina. A compressão da aorta convém especialmente ás hemorrhagias immediatamente muito abundantes e pra- tica-se da maneira seguinte: Depois de estar á direita da parturiente, se colloca a polpa dos quatro últimos dedos da mão esquerda sobre a parede anterior do abdómen, logo acima do umbigo, comprimindo-a progressiva- mente até encontrar a face anterior da columna verte- bral. Levando então os dedos um pouco para a esquerda, 27 se sentem as pulsações da aorta sobre a qual se faz a compressão até deter o curso do sangue. Mas> a compressão feita immediatamente acima do umbigo, não impede o curso do sangue pelas artérias utero- ovaricas, que nascem em um ponto mais elevado; apezar disto, a hemorrhagia pode parar ou moderar muito por- que houve abaixamento da préssão sanguina. A compressão uterina pode ser mediata ou immediata. A primeira se faz pelo encostamento das paredes uterinas e por diversos processos, sendo entretanto o mais efficaz a compressão bi-manual, que se pratica da seguinte maneira: Leva-se uma das mãos, deprimindo a parede abdo- minal, sobre a face posterior do, útero; a outra mão é collocada horizontalmente acima do pubis, continuando sua direcção. Desta maneira se chega a comprimir total- mente o utero, encostando intimamente suas paredes. Esta manobra, se bem que fatigante, pode ser pro- longada por dez, quinze, ou mesmo vinte minutos e é bem tolerada pelas parturientes. A compressão uterina immediata faz-se directamente sobre a ferida placentaria, por meio da mão ou de um tampão intra-uterino. Processo manual.—Este processo consiste em intro- duzir uma das mãos 11a cavidade uterina, que deve ser previamente desimpedida da placenta e dos coalhos, e, depois de reconhecida a região da inserção placentaria, applicar sobre a superficie desta o dorso da mão introdu- zida, comprimindo, com a outra mão, a superficie externa correspondente. Tamponamento intra-uterino—E’ este um excellente processo de hemostase e que age, não só obturando os 28 seios uterinos e permittindo a coagulação do' sangue, como também auxiliando as contracções uterinas por uma excitação permanente. O tamponamento intra-uterino pode ser feito com o auxilio de instrumentos ou sem estes. No primeiro caso, se fixa o collo do utero por meio de uma pinça e puxa-se para baixo. Um auxiliar segura a pinça com uma das mãos, fazendo tracção para impedir a ascenção do utero, e, com a outra mão, fixa o orgão, comprimindo-o atravéz da parede abdominal. O operador introduz, no canal cer- vical, dois dedos da mão esquerda, que servem de guia e reconhecem o limite inferior do corpo do utero; depois faz penetrar até o fundo do utero, com uma longa pinça, a extremidade de uma tira de gaze secco ou humedecido em agua esterilisada e expremido. Em seguida, o opera- dor retira a pinça para, com esta, segurar nova parte do gaze e introduzil-a na cavidade uterina. Esta manobra sendo reproduzida muitas vezes, o utero fica cheio; é então conveniente tamponar a vagina, até a vulva. O tampão permanece no utero durante doze a vinte e quatro horas. Praticameute se pode fazer o tamponamento intra- uterino sem o auxilio de intrumentos. Depois de lavada a vulva com agua quente, sabão e uma solução antiseptica, se introduzem dois dedos no utero; sobre estes, servindo de guia, se faz escorregar a extremidade de uma tira de gaze até a cavidade do utero, recalcando-a em seguida até o fundo do orgão. Para facilitar a introducção do gaze, a outra mão é collocada sobre o fundo do utero, atravéz da parede ab- dominal, e abaixa-o fortemente. Quando o utero està bem 29 cheio, se tampona a vagina e colloea-se adiante da vulva um penso de algodão, que se mantém por uma atadura. Doze horas depois, se retira o tampão e faz-se uma injecção intra-uterina quente. Meios definitivos. Estes agem como excitantes da contracção uterina e podem ser divididos em cinco classes: excitantes mecânicos, physicos, chimicos, medicamentosos e reflexos. Excitantes mecânicos. A malaxação do utero e a irritação da sua superfície interna são os dois principaes excitantês mecânicos. A malaxaçãô consiste em fazer fricções brandas ou pressões energicas sobre toda a superfície exploravel do utero, atravéz da parede abdominal e com toda a fgce palmar da mão. A irritação da superfície interna do utero se faz com a mão, introduzindo-a na cavidado do orgão, o que é sufficiente, muitas vezes, para provocãr a contracção. Excitantes physicos. A agua fria e a agua quente provocam as contracções uterinas, e, o melhor meio de se ver a manifestação de sua acção, é injectando-as na vagina ou no interior do utero. A injecção vaginal é sufficiente para produzir a contracção; mas, a injecção intra-uterina é mais efficaz e mais rapida. A acção da agua quente se manifesta mais rapida- mente, è mais energica e mais durável do que a da agua fria, E’ pois, a injecção quente intra-uterina, cuja acção 30 è manifesta sobre a contração das fibras musculares, um excedente meio para combater contra as hemorrhagias do delivramento. Para praticar esta injecção è necessário tomar certas precauções afim de que a operação dê os resultados desejados e não seja seguida de accidentes. A primeira cousa a fazer é verificar que o utero nada contenha, nem placenta nem coalhos, porque Runge demonstrou que a acção da agua quente é principalmente efficaz quando o utero está vasio. A temperatura da agua deve ser de quarenta e cinco a cincoenta gráos; acima deste ponto dá lugar á queima- dura do utero, provocando uma inércia completa e definitiva. A temperatura de escolha è de quarenta e oito gráos. O recipiente, em que se colloca o liquido, deve ficar em uma altura regular, atè quarenta centimetros, no máximo, acima do plano do leito, para que a pressão não seja grande. (As instrumentos que podem ser utilisados para a pratica da injecção intra-uterina são: a sonda de dupla corrente de Budin, a canula de Dolèris ou a de jacto recurrentedeLeiter-Braun, ou mesmo uma canula vaginal ordinaria. Antes do emprego de qualquer destes instru- mentos, é necessário expurgal-o de todo ar que contem; isto se obtém fazendo com que se estabeleça a corrente liquida. Tomadas todas as precauções, introduzem-se dois dedos da mão esquerda na vagina para reconhecer o collo e o segmento inferior que estão flácidos e semelhantes a uma extremidade de intestino fluctuante; depois, estando 31 estabelecida a corrente liquida, o instrumento escolhido è posto em contacto com os dedos que servem de guia e, •escorregando sobre elles por uma pressão branda, è introduzido na cavidade uterina. Um auxiliar colloca a mão sobre a parede abdominal para verificar o contacto da extremidade do instrumento com o fundo do utero e sentir a contracção do orgão. Assim se deixa passar uma quantidade de agua variavel, até deter a hemorrhagia. Por vezes a sabida do liquido è intermittente, porque o utero, se contrahindo sobre a sonda, impede em um momento que a injecção penetre; neste caso se deve ter o cuidado de abaixar o vaso que contem a agua quente para que á pressão intra-uterina diminua. E’ conveniente empregar-se a agua quente, em vez de pura, addicionada a um antiseptico, como o lysol a dez para mil ou o sublimado a um para quatro mil; mas, neste ultimo caso, è preciso fazer passar em seguida agua fervida simples ou boricada. Excintante chimicos. Estes comprehendem as subs- tancias que irritam a superfície interna do utero; entre ellas, a empregada actualmente é o iodo em solução aquosa a tres para mil e na temperatura de quarenta e oito grãos. Excitantes medicamentosos. O centeio espigado é um excellente excitante da contracção uterina e muito efficaz no tratamento das hemorrhagias depois do deli vramento, mas sò deve ser administrado quando o utero está completamente vasio. Pode empregar-se o esporão do centeio sob a forma de pó, recentemente preparado, na dose de uma á seis 32 grammas e por via buccal. Este modo de administração tem, porém, inconvenientes: o medicamento pode ser rejeitado pelos vomitos e sua absorpção é incerta. E’ muito preferível empregar, em. injecções sub-cutaneas, as ergotinas Yvon ou Lamante, em solução aquosa e na dose de um a dois centímetros cúbicos, ou o alca- loide—a ergotinina Tanret—na dose de cinco a dez gottas. O sulfato de quinina tem sido empregado no tratamento das hemorrhagias do delivramento, 11a dose minima de uma grannna, Excitantes reflexos. Os excitantes sensitivos são susceptiveis de provocar contracções uterinas, com a condição, porém, de não serem dolorosos, porque do contrario se obtem acção inhibitoria, paralysadora da fibra uterina. • A excitação de differentes regiões dos tegumentos è capaz de despertar a contracção do útero e pode ser obtida com a applicação de compressas frias ou de sinapismos, sobre a pelle, por um pequeno espaço de tempo. Ainda para luctar contra a complicação de que ora me occupo, quando apresenta gravidade excepcional; muitos parteiros têm tentado diversos outros meios: a inversão artificial do utero, seguida da ligadura do seu pediculo: a hysterectomia vaginal ou abdominal; a compressão do utero em anteílexão exaggerada, entre as duas mãos, depois de o ter tirado da cavidade abdo- minal e revirado sobre o pubis. São tantas operações que sõ devem ser praticadas em ultimo recurso, em casos absolutamente desesperados. Descriptos os differentes processos para combater 33 contra as hemorrhagias do delivramento, é preciso agora dizer em que casos clinicos são utilisados. Quando a hemorrhagia é pouco importante, é bas- tante, as mais das vezes, fazer as fricções brandas e con- tinuas sobre o utero ou as injecções vaginaes quentes. Quando a hemorrhagia é abundante ou se renova, de maneira a se tornar inquietadora, não se deve perder tempo, mas intervir im mediata mente. Se o descollamen- to da placenta se não deu, è necessário praticar o deli- vramento artificial, com todas as precauções asepticas e depois deixar a mão no interior do utero para excitar as contracções. Se a placenta jà foi expulsa, é então preciso intro- duzir a mão na cavidade uterina, exploral-a com cuidado e retirar os corpos extranhos que possam ahi se achar— cotyledones, retalhos de membranas, coalhos. Depois do utero estar vasio, se pratica a injecção intra-uterina quente; mas se com estes meios nada se obtém, porque a hemorrhagia continha, se poderá empregar o tampona- mento intra-uterino, a injecção de ergotina ou ergoti- nina. O tratamento da anemia aguda post-hemorrhagicn deve ser combinado ao das hemorrhagias e comprehende diversas indicações: Em primeiro logar é preciso collocar a mulher em posição horizontal, com a cabeça mais baixa do que as espaduas, de modo a fazer o sangue affluir para o cere- bro. E’ necessário depois levantar a tensão sanguina para o que se dispõe de tres meios: a transfusão verda- deira, a ligadura dos membros ou auto-transfusão e as injecções de sôro artificial. 34 A transfusão verdadeira, apresentando difficuldades de teehnica e perigos, está actualmente abandonada. A ligadura dos membros faz o sangue affluir para os centros nervosos e pratica-se enrolando ao redor dos membros, desde as extremidades até as raizes, uma fita de linho. Pode empregar-se também a fita de Esmarch. As injecções sub-cutaneas ou intravenosas de sôro artificial constituem o melhor meio para luctar contra as perturbações circulatórias da anemia aguda. As injecções sub-cutaneas convêm aos casos de ane- mia aguda pronunciada, mas, onde não é necessário elevar rapidamente a pressão sanguina. A quantidade de liquido a injectar varia com o es- tado da doente. Geralmente se injectam quinhentas gram- mas a um litro do liquido quente, a trinta e oito gráos, podendo esta dose ser repetida. As injecções intravenosas são empregadas nos casos em que é preciso agir rapidamente. A dose do liquido é então de oitocentas a mil e quinhentas grammas, poden- do renovar-se quando os phenomenos de anemia se aggravam. . Ao lado destas indicações prineipaes, empregam-se ainda a eafeina e o etlier em injecções sub-cutaneas, o oxygenio em inhalações e o álcool por via buccal. Assyn- copes serão tratadas rela respiração artificial, excitações cutaneas, tracções rythmadas da lingua. Depois é preciso collocar a mulher em immobilidade absoluta, com a cabeça baixa, para evitar uma syncope. II IrçVersão uterina inversão ou viramento do utero, metranastrophe, é uma modificação de forma e de situação, pela qual o fun- do do utero, se deprimindo, desce mais ou menos pro- fundamente na direcção do collo, penetrando no interior do orgão, de tal maneira que a sua face interna e cônca- va se torna externa e convexa. Este accidente se pode produzir na occasiãodo parto; mas, é observado principalmente durante ou depois do delivramento. Durante o parto, a inversão é rara e pode dar-se com preferencia, nos casos de curteza do cordão umbi- lical, de tracções feitas sobre o feto ou quando a mulher expulsa o producto da concepção, estando collocada em posição vertical. Na occasião do delivramento, o viramento é mais frequente e é causado, ás mais das vezes, por ensaios inop- portunos de tracções sobre o cordão ou expressão uterina. Após a expulsão dos annexos do feto se pode obser- var a inversão, em épocas mais gu menos distantes; mas, 36 geralmente se produz immediatamente ou algumas horas depois do delivramento. Na inversão uterina se podem admittir tres grãos: No primeiro o fundo do utero se deprime de modo a fazer saliência na cavidade do orgão, constituindo a de- pressão simples ou o que Mauriceau chama inversão em fundo de garrafa. No segundo, o viramento é mais apreciável; o fundo do utero vai mais abaixo, attingindo o orificio interno do collo. Finalmente, no terceiro grão, o corpo uterino atravessa o collo e chega ao canal vagi. nal, que pode conservai1 sua extensão normal ficando o fundo do utero á certa distancia do orificio vulvar, ou se abaixar. Neste ultimo caso, o orgão repousa sobre o perineo. O terceiro grão da inversão pode ser ainda mais pronunciado; então o tumor, constituído pelo utero invertido, sahe pelo orificio da vulva. Ha casos, se bem que muito raros, em que o collo do utero também se invérte, seu orificio externo ficando para cima; é o que constitue o que se chama inversão completa, cuja existência é negada por alguns. Bar admitte mais um quarto grão de inversão ute- rina, no qual o orificio do utero e o collo se viram, ar- rastando uma parte da vagina ou sua totalidade. Ordinariamente, a inversão uterina, em seu ultimo grão, se detem no isthmo do utero, porque este está fixa- do pelos ligamentos do orgão e dos seus annexos. Bar, em duas necropcias, poude precisar a.importância de cada um destes meios de fixidade. Os ligamentos pubo-vesico-uterinos eos utero-sacros, tomando inserção sobre o collo uterino, não podem im- pedir o movimento de inversão completa. 37 Os ligamentos redondos e os largos também não se oppõem ao viramento completo, porque têm uma exten- são sufficiente para seguir a parede uterina sem que se distendam. Os verdadeiros ligamentos que retêm a inversão completa, se distendendo . bastante, são os que: His e Waldeyer chamam ligamentos suspensores do ovário, Hen- le denomina infundibulo-pelvianos, e Rouget, redondos superiores. Estes ligamentos similham uma cinta, cujas extre- midades se vão inserir nas partes lateraes da columna lombar e cujo centro suspende a face posterior do utero. Sua acção é auxiliada por duas fitas peritoneaes que, par- tindo da face posterior do utero, se vão inserir: a direita, na porção terminal do ilion, constituindo o ligamento appendicido-pelviano de Ciado, ou plica genito-uterina de Waldeyer; a esquerda, no S iliaco: é o ligamento colo- pelviano. Etiologia e mecanismo.—O utero só se pode in- verter quando sua cavidade, tornada larga e de paredes delgadas, flacidas e atonicas pelo desenvolvimento de um producto interior, se esvasia rapidamente, como se dá, muitas vezes, logo depois do parto. Ora, o utero tem a propriedade de se retrahir e contrahir, tornando a inversão difficil; mas, se ha falta das propriedades de contracção e retracção—inércia—appareeem então as con- dições para facilitar o viramento. A inércia do utero é, pois, a causa primitiva da inversão e pode manifestar-se durante o parto, durante ou depois do delivramento. No mecanismo da inversão uterina, devem ser con- siderados dois casos, conforme a inércia é generalisada ou localisada. 38 Quando a atonia é generalisada, as paredes do útero ficando absolutamente flacidas, a inversão se pode dar e explica-se então por dois mecanismos: pressões sobre a parede externa do utero, ou tracções agindo sobre sua superfície interna. As causas que agem sobre a parede uterina externa podem ser espontâneas e provir de condições physiologi- cas da parturiente, ou artificiaes e resultantes de inter- venções do parteiro. O phenomeno do esforço, que intervem habitual' mente no periodo de expulsão do feto ou de seus anne- xos, augmentando a pressão intra-abdominal, é a causa ordinaria da inversão espontânea. A tosse, o vomito e a esternutação agem da mesma forma. Quanto á inversão artificial, a causa mais cominum é a expressão manual da placenta, feita com violência, ou mesmo quando a mão que expreme o utero atonico exerce uma pressão muito localisada. As causas que agem sobre a superfície interna do utero inerte, para produzir seu viramento, são numerosas Nos partos em que os musculos abdominaes se tor nam o agente quasi exclusivo da expulsão fetal, diz Jac- quemier, o feto pode arrastar comsigo o utero, reviran- do-o a modo de um piston que se retira, fazendo o vácuo, do fundo de um cylindro membranoso e impermeável ao ar. Este mecanismo é raro; quasi sempre, neste caso, lia tracção sobre a superfície de inserção placentaria. A mão introduzida no utero para praticar o delivra- mento artificial pode, na occasião de ser retirada, gozar do papel de piston, arrastando comsigo o utero. No curso do delivramento artificial, quando se procura extrahir a placenta antes do seu descollamento completo, pode pro- duzir-se o mesmo effeito. 39 Jacquemier, considera, como capaz de determinar a depressão simples do utero, o peso da placenta por si só. Commumente, as tracções sobre a superfície interna do utero são feitas por intermédio do cordão; assim, to- das as manobras praticadas no sentido de puxar a haste funicular, são capazes de determinar a inversão. A curteza, natural ou accidental, do cordão, maxi- mamento se o feto é extraindo com o fórceps, pode ar- rastar a face interna do utero, produzindo seu viramento. A mesma cousa se pode dar quando a expulsão fetal tem lugar, estando a parturiente em posição vertical, porque o feto pode ser projectado violçntamente e ar- rastar o utero, se o cordão tem resistência suífíciente. Quando, depois do nascimento do feto, se o colloca muito afastado da parturiente, a inversão pode produ- zir-se.* E’, principalmente, no momento do delivramento natural por tracções sobre o cordão, quando o deseolla- mento da placenta se não faz completamente, que ha o perigo da inversão uterina. Quando a inércia uterina é localisadg, a inversão pode ser explicada por outro mecanismo. Normalmente a parte do utero, que corresponde á inserção placentaria, é mais delgada, e no seu limite se produz um anel muscular que contem a peripheria da placenta. Se ha contracção do anel durante a inércia da su- perfície de implantação da placenta e, por uma causa qualquer, a porção atonica se' invagina, o primeiro gráo da inversão uterina—a depressão simples—está cons. tituido. Depois, a contracção uterina intervindo, se pode dara inversão mais ou menos completa e designada 40 então: inversão activa ou por contracções musculares, explicada por Treub do modo seguinte: O primeiro gráo da inversão pode ser considerado como nm tumor sessil do utero, ao redor do qual existe nm anel muscular cujas libras estão absolutamente para- lysadas. As contracções da parte normal das paredes uterinas, esforçando-se para expulsar a porção invagi- nada, que faz o papel de corpo extranho, podem aug- mentar a inversão. A’ medida que se dá esse augmento, ha formação de um novo circulo paralytico; o mesmo mecanismo se vai seguindo, até quo o corpo do utero esteja todo invertido. Anatomia pathologica.—O utero invertido apre- senta modificações nas suas relações e lesões de suas pa- redes, tanto mais apreciáveis quanto maior é o gráo da inversão. No primeiro gráo, a parte do utero deprimido offe- rece o aspecto caracteristico do fundo de uma garrafa. Quando o viramento è mais pronunciado, do segundo ou terceiro gráo, o fundo uterino, descendo até a vagina, forma um tumor arredondado, communicando para cima com a cavidade peritoneal. A superficie interna do utero, tornada externa, apresenta aspectos differentes conforme o delivramento está ou não terminado. No segundo caso, é a face fetal da placenta que se apresenta e é então reconhecida facilmente, pois que se vê a inserção funicular, de onde partem, se irradiando’ os vasos do cordão, que serpejam entre o chorion e o amnios. As membranas descolladas ficam pendentes na vulva. 41 Quando se deu a expulsão da placenta, é a face in- terna do utero que se apresenta directamente, irregular tendo uma coloração vermelha escura, com pequenas saliências, coberta de sangue liquido ou coalhado e de detritos da caduca formando filamentos. O tumor com estes caracteres, foi comparado por Pinard, com um ananaz. Na face interna do utero se notam ainda dons pequenos orifícios: são as ostia uterina das trompas, algu- mas vezes difficilmente apreciáveis, porque ficam disfar- çadas nas dobras da caduca uterina. Na sua parte inferior, o tumor é globuloso; para cima se vai adelgaçando; em sua extremidade superior forma um pediculo que penetra em um anel constituido pelo collo, cujo papel é importante 11a physiologia pathologica da inversão. O anel, quando está em contracção, estran- gula o pediculo do tumor e comprime as veias, dan- do-se, portanto, uma perturbação da circulação e suas consequências: congestão, intumescência do tecido ute- rino e uma diffusão de sangue proveniente dos seios uterinos. Este estado de contracção do collo e a intu- mescência do utero explicam a difficuldade que se ex- perimenta muitas vezes para reduzir o orgão invertido. A reducção é maisfacil quando o anel cervical não está em contracção; mas a hermorrhagia é abundante. Fazendo-se a laparotomia nota-se que, na excavação pelviana, em lugar do relevo normal formado pelo utero, ha uma cavidade infundibuliforme entre a bexiga e 0 recto, constituida pela superfície externa do utero co- berta pelo peritoneo. Nesta cavidade, podem penetrar as trompas, os ovários, algumas vezes a face posterior da bexiga, os ligamentos largos, os redondos, os pubio- 42 utero-vesicaes e, em alguns casos, porções intestinaes ou o epiploon. ' Outero invertido, se não é reduzido immediata- mente, pode apresentar modificações nas suas túnicas. A mucosa inflamma-se, torna-se vermelha e cobre-se de botões carnosos. O epithelio cylindrico torna-se v pavi- mentoso. O peritoneo pode infiammar-sae contrahir adbe- rencias com as paredes do utero ou com os orgãos visi- nbos—intestinos, epiploon. Quando a inversão é muito antiga, o utero se atro- phia e constitue então um corpo piriforme, resistente, similbante a um polypo fibroso. Symptomatologia.—O primeiro gráo da inversão, consistindo simplesmente na depressão do fundo uterino como o de uma pequena garrafa, quazi se não manifesta por nenhum symptoma subjectivo e pode passar des- percebido se o parteiro não faz a palpação do utero, por- que só esta revela a existência de uma depressão, na qual os dedos podem penetrar, correspondente a um tumor saliente na cavidade uterina. No segundo gráo, o fundo uterino invertido des- cendo até o orifício externo do còllo, já se manifestam symptomas subjectivos mais ou menos pronunciados. A doente accusa dores hypogastricas e lombares, uma sensação de pezo, que promove esforços expulsivos. Sur- ge então uma effusão sanguina, variavel em intensidade. A palpação mostra os mesmos signaes do primeiro gráo, porém um pouco mais notáveis; a depressão do fundo uterino é necessariamente maior, pois que este chega ao orifício externo do collo, onde constitue um tumor que, se a placenta já foi expulsa, é perfeitamente perceptivel pelo tbque. 43 No terceiro gráo, o viramento uterino sendo assás ac- centuado, é que os symptomas se manifestam com maior intensidade. Commumente, o começo do accidente se apresenta de modo brusco e na occasião do delivramento, quando o parteiro pratica prematuramente a extracção simples' por tracções sobre o cordão ou por expressão uterina, no decurso de um violento esforço expulsivo. A parturiente sente então dôres súbitas e muito agudas nas regiões hy- pogastrica e lombar, que se propagam ás virilhas e às côxas e acompanham-se de uma sensação de arranca- mento das vísceras da excavação. * () utero invertido, apoiado sobre o perineo e compri- mindo a bexiga, faz com que se manifestem esforços para sua expulsão e necessidades frequentes de urinar. Em alguns instantes, surdem os phenomenos ge- raes immediatamente graves, lembrando os do choque traumático e representados pela pallidez da face, dila- tação pupillar, resfriamento das extremidades dos menr bros, angustia respiratória, vomitos, convulsões, vertigem e, por vezes, um verdadeiro estado svncopal. O pulso torna-se pequeno, filiforme; a temperatura abaixa-se, e a doente pode morrer rapidamente. Estes phenomenos de choque não são ligados uni- camente á abundancia da hemorrhagia, porque podem ser muito intensivos quando a effusão sanguina é dimi- nuta. Para os explicar, se tem imputado á prisão dos in- testinos no infundibulo formado, pelo viramento da pa- rede do utero; mas, é provável que elles tenham sua origem nos arrancos que soffrem os grandes plexos ner- vosos uterinos e os ligamentos peritoneaes, impedidos pela inversão. 44 Ao mesmo tempo que os phenomenos de choque se desenvolvem, commumente se produz uma hemorrhagia externa, de intensão muito variavel. ' Quando a placenta está ainda completamente adlie- rente, o sangue não se escôa, pois que os seios uterinos não estão abertos. Se a placenta está descollada em uma pequena extensão e o corpo uterino se contrahe bem, a hemor- rhagia é moderada; é, ao contrario, abundante se a pla- centa está despegada em grande parte e se ba contra- cção parcial do útero. Quando o descollamento da pla- centa está feito totalmente ou em grande extensão, e a musculatura do utero está em estado de atonia, a effusão sanguina externa é de extrema profusão e, em alguns casos, fulminante. Segundo Jacquemier e Baudelocque, a quantidade de sangue que se perde, raramente é tão abundante e tão rapida quanto nos casos de inércia sem invaginação uterina, porque o collo pode servir de agente hemostatico, constituindo uma ligadura elastica no vertice do tumor. Os signaes caracteristicos da inversão uterina em seu terceiro gráo, são revelados pelo exame directo. Algumas vezes se observa uma depressão 11a região bypogastrica; esta parece arrastada pelo utero invertido. A palpação do abdómen deixa perceber um signal fundamental—o desapparecimento do globo uterino—e, se a parede abdominal é delgada e fiacida, procurando- se levar os dedos 11a pequena bacia, sente-se exactamente uma depressão em forma de funil, de contorno circular. O exame dos orgãos genitaes externos pode não mostrar nada de anormal se o utero invertido fica na vagina; se este sabe pela vulva, se observa um tumor de 45 caracteres variaveis conforme a placenta está adherente du foi expulsa. No caso primeiro, se vê a face fetal da placenta, cujos caracteres são indubitáveis. Quando a placenta foi expulsa, a superfície interna do utero apparece sob a forma de um tumor semelhante a uma pêra, de grande extremidade inferior, que, quando é observado pouco tempo depois da inversão, pode augmentar de volume progressivamente, por congestão venosa. Pela palpação se verifica que o tumor é molle, podendo tornar-se duro sob a influencia de uma excitação mecanica, e em parte reductivel, á guisa de um tumor vascular. A pressão provoca uma dôr, de caracter espe- cial e que provém do tecido uterino, do peritoneo e do ovário. Fazendo-se penetrar o dedo na vagina seguindo o pediculo do tumor, sente-se, a uma certa distancia da vulva, um sulco circular caracteristico, constituído pelo collo uterino, que cerca o pediculo, como faz o -collo do sacco herniario com a hérnia que lhe serve de conteúdo. O anel cervical pode estar molle e dilatavel, ou contrahido sobre o pediculo, ou mesmo apresentar alter- nativas de contracção e de relaxamento. Quando a inver- são é antiga, o collo fica em estado de contracção permanente. Ha ainda um signal, muito insistido por Malgaigne e Dubois, revelador da ausência do utero. Introduzindo- se uma sonda na bexiga, sua extremidade é percebida facilmente por um dedo que se faz penetrar no recto. Evolução.—A reducção do tumor constituido pelo utero invertido pode dar-se espontaneamente, depois de 46 um espaço de tempo mais ou menos longo, sob a influ- encia das contracções uterinas e também, como pensa Spiegelberg, pela acção que exercem os ligamentos redondos, se contrahindo, sobre o fundo do útero. Esta reducção espontânea se pode fazer depois de um tempo variavel: alguns dias ou mesmo muito tempo depois do parto. Delabarre refere um caso, observado em sua pro. pria mulher, em que a reducção se deu, motu proprio, seis mezes depois do parto. Baudelocque cita um outro caso, mais extraordinário, de reducção no fim de sete annos. Factos desta ordem são, entretanto, muito excep- cionaes; na maioria dos casos, a inversão, tendo attingido um certo gráo, fica estacionaria; então os accidentes consecutivos são variaveis. A morte rapida, resultando da hemorrhagia e do choque, pode surgir nas primeiras horas que seguem a inversão. Algumas vezes, a morte se produz mais tarde, depois de exforços feitos para reduzir o tumor» os quaes podem determinar rupturas do utero e peri- tonites graves. A gangrena do tumor uterino, por parada da circula ção no ponto correspondente ao pediculo, pode ser obser- vada. Raramente, o utero esphacelado se destacando por um sulco de eliminação e cahindo espontaneamente, se dá a cura; 11a maior parte das vezes, 0 tumor gan- grenado se infecta e a mulher succumbe por septicemia ou peritonite. A infecção do tumor se pode dar também sem gangrena; a mucosa uterina altera-se, inflamma-se e suppura, dando lugar á anemia progressiva, infecção 47 sub-aguda ou chronica e cachexia, que produz a morte em algumas semanas. A atropina do tumor pode ser um dos modos de terminação da inversão; mas, é relativamente raro. Neste caso, secundando á congestão uma phase de retracção progressiva com esclerose, o útero toma a apparencia de um polypo fibroso e a mulher pode continuar a viver sem grandes perturbações. Diagnostico.—A inversão uterina é um accidente susceptivel dé passar facilmente despercebido quando não ha tumor exterior, podendo então ser considerado como uma simples atonia, se se não tem o cuidado de praticar a palpação abdominal e o toque vaginal, para reconhecer sua natureza verdadeira. Quando o utero invertido se apresenta directa- mente á vista, seu reconhecimento é fácil se o exame é feito cuidadosamente. A inversão aguda, quando se traduz por sympto- mas geraes graves, pode ser confundida com uma ruptura uterina; mas, esta è rara durante o delivramento, se bem que alguns a tenham observado sob a influencia da expressão pelo metliodo de Crédé, estando a placenta adherente, ou do delivramento artificial. Nestes casos, porém, faltam os signaes locaes. E’ possivel também a confusão com uma hemorrhagia intra-uterina, porque a flacidez do utero distendido pelo sangue pode simular o desapparecimento do globo uterino; mas, em caso tal, não ha tumor saliente na vagina nem no utero. Se o utero invertido sahe pela vulva, sem mani- festação de signaes geraes graves, pode ser confundido 48 com o utero em procidencia ou com um tumor fibroso pediculado. 0 utero em prolapso constitue um tumor ovoide, de pequena extremidade dirigida para baixo e formada pelo collo cujo orifício fica largamente aberto, de bordos intumescidos e, algumas vezes, ulcerados. As dobras transversaes da mucosa vaginal se viram, os culs-de-sac vaginaes desapparecem, o eixo da bexiga fica desviado, pois que esta desce sobre a face anterior do utero. O fibroma pediculado não apresenta o aspecto, a fla- cidez, a reductibilidade parcial, a sensibilidade nem a contractilidade do utero invertido. A palpação e o toque combinados revelam que o corpo do utero occupa seu lugar normal. Quando o tumor, formado pelo utero invertido, é intra-vaginal e não ha symptomas geraes graves, a a confusão é possivel com os tumores fibrosos e tudo mais que possa fazer saliência na vagina—partes fetaes, derramamentos sanguinos perivaginaes, porções dos an- * nexos. Nestes casos, é necessário um exame minucioso para evitar intervenções funestas. Prognostico.—A inversão uterina é uma compli- cação de grande gravidade, em virtude da rareza da reducção espontânea, da variedade e da importância dos accidentes que lhe fazem sequencia immediata. 0 prognostico está subordinado principalmente á prematuridade do diagnostico e á .rapidez da interfe- rência; comtudo, a reducção immediata não é sempre sufficiente para impedir a morte, porque a inversão se pode reproduzir e apresentar grandes difficuldades a uma nova reducção. 49 As hemorrhagias nas primeiras horas, o choque nervoso, as perdas sanguinas repetidas e a infecção sob todas as formas, mermente sob a forma phletntica, são tantas causas que concorrem para a terminação funesta. prophtlaxia.—Como já fiz vêr, a inversão' resulta, na maioria dos casos, de intervenções intempestivas na pratica da extracção simples. E’, pois, para evitar esta grave complicação, que se deve ter o máximo cuidado nas manobras do delivramento natural, prati- cando-as conforme todas as regras. Tratamento. — O tratamento da inversão uterina deve ser feito com presteza e com todos os cuidados necessários. Procedendo-se desta maneira, embora o viramento deva ser sempre considerado como uma grave complicação, seus perigos se reduzem nas maiores pro- porções. Toda inversão recente reclama a reducção imme-' diata. No primeiro ou no segundo gráo, se deve, antes de qualquer outra cousa, evitar de praticar tracções sobre o cordão. Depois, se colloca a mão sobre o abdómen para verificar se a depressão do fundo do utero vae progredindo; neste caso, se a expulsão dos annexos se não deu, é necessário não hesitar, introduzir a mão na cavidade uterina e praticar o delivramento artificial. A mão introduzida reduz o começo da inversão e só deve ser retirada quando se manifestar a contracção uterina. Em seguida, se faz uma injecção intra-uterina quente ou, se o utero se conserva flácido, o tamponamento intra-uterino com gaze iodoformado. 50 0 estado geral da parturiente não deve ser des- prezado. Administra-se a ergotina ou a ergotinina em injecÇões sub-cutaneas, estimula-se o systema nervoso e, se a perda sanguina é muito pronunciada, se fazem as injecções sub-cutaneas de sôro artificial. No caso de uma inversão do terceiro grão, a reducção deve ser praticada ímmediatamente, porque será tanto mais fácil quanto a intervenção mais se approximar do começo da inversão. Mas, deve anestliesiar-se a parturiente? Como se deve proceder com a placenta se estiver “ainda collada ao utero? A anesthesia tem vantagens e inconvenientes. As manobras de reducção se tornam mais fáceis; a dôr, que é, por vezes muito intensa, não é sentida pela anestliesiada. Mas, a anesthesia, praticada em uma doente anemiada e em estado de choque, pode dar lugar a um exaggero da depressão nervosa. Entretanto, se a doente não se apresenta em estado muito grave ou se. já são decorridas muitas horas da inversão, antevendo-se embaraços de reducção, é preferivel empregar a anes- thesia geral, sendo o ether de escolha nas mulheres em estado de choque e anemiadas. O modo de proceder, em relação á placenta ainda adherente, é discutido. Quando a adliesão é parcial, a maioria dos parteiros está accorde em completar o descollamento. No caso, porém, de adherencia completa, alguns parteiros preferem reduzir o utero com a placenta, outros praticam o delivramento antes de tentar a redu- cção. Partidário deste ultimo methodo, Puzos fazia notar que a reducção era mais difficil no caso de inversão do utero com a placenta collada, pois o volume seria mais considerável. 51 Jacquemier, Bnrns, Duncan e outros dão a prefe- rencia á reducção sem descollar a placenta, porque seu despegamento augmenta a hemorrhagia, e sua presença protege o útero contra as pressões involuntárias do parteiro. Ambos os processos não devem- ser desprezados; o modo de agir depende do estado do utero e do seu collo. Se o utero está inerte e o collo molle e extensivo, é melhor praticar-se a reducção com a placenta adherente, porque se evita de augmentar a intensão da hemorrha- gia, e a elasticidade do collo permitte a passagem facil do utero com sua placenta. Se o.utero está contrahido, e o collo forma um anel constringindo o pediculo do tumor, se deve descollar a placenta antes da reducção, pois esta seria impossivel. Demais, os perigos da he- morrhagia, pelo facto da constricção do collo, se tornam muito menores. Methodos de-reducção.—A reducção do utero inver- tido pode ser manual ou instrumental. A reducção manual pode fazer-se, por tres processos: de Viardel ou táxis central; taxis peripherica; taxis lateral. Antes, porém, do emprego de qualquer destes processos manuaes, é de necessidade fixar o collo do utero para evitar o recalcamento de toda a massa do orgão invertido. Esta fixação tem sido tentada por diversos meios. Aran segurava os dois lábios do collo com uma pinça, e Freund fixava-o atravessando um fio. Estes dois meios apresentam o inconveniente de rasgar o tecido uterino sob um esforço de tracção relativamente fraco. A fixação cervical atravéz da parede rectal, com 52 um dedo curvado em forma de gáncho ou com uma espatula, é perigosa, porque pode determinar lesões do intestino. Mais pratico e menos arriscado é o processo de fixação atravéz da parede abdominal, e que consiste em se fazer escorregar a mão esquerda ao longo da borda superior da symphise pubiana, recalcando o utero de cima para baixo. Taxis central.—Consiste em recalcar o tumor uterino pela parte central. Para isto, se pode empregar a palma da mão, o punho, ou, o que é melhor, as extre- midades digitaes dispostas em forma de cone. Por um destes modos, se recalca progressivamente o centro do fundo uterino, atravéz do anel, até que a reducção seja completa. Deixa-se a mão no utero até que este mani- feste a contracçao. O recalcamento deve ser praticado na direcção do eixo pelviano, de maneira a evitar o relevo do pro- montorio. A taxis central rçclama, para que seja conseguida a reduccão, uma grande lassidão do anel cervical, que tem de deixar passar quatro paredes uterinas em superposição. Taxis péripherica.—Este processo, similhante ao empregado para a reducção das hérnias, consiste em recalcar as partes vizinhas do orificio cervical, fazendo entrar em primeiro lugar as porções da parede uterina que se inverteram ultimamente. Colloca-se a mão sobre o tumor, de modo que os dedos abracem o pediculo, e, por pressão, se fazem penetrar no anel as partes pró- ximas ao collo. Assim, se vae repetindo esta manobra, lenta e cautelosamente, até que se acabe a reducção. 53 Taxis lateral.—Pratica-se este processo da maneira seguinte: Applicam-se os quatro últimos dedos da mão direita, sobre uma das paredes lateraes do utero inver- tido, na parte correspondente ao pediculo. Em seguida, colloca-se o pollegar em um ponto inteiramente adverso que é recalcado para cima por uma serie de movi- mentos, similhantes aos que realisa a mão para fazer escorregarem duas folhas de papel superpostas. Reducção instrumental.— Para este methodo de re- ducção, podem ser empregados diversos instrumentos: uns são corpos extranhos de grande volume, que se introduzem na vagina e que reduzem o utero invertido, por uma pressão lenta e continua; outros são inter- mediários ao utero e á mão. Entre os primeiros, se têm utilisado o pessario Gariel, os balões de Neugebauer e de Champetier de Ribes. Estes instrumentos, de quazi nenhum eífeito logo depois do parto, porque a vagina se deixa dilatar facilmente, são preciosos nos casos da inversão antiga.’ Pozzi emprega, em lugar dos balões, o tamponamento vaginal de gaze iodoformado. Entre os outros instrumentos, se têm: o repositor de Viardel, com a forma de baqueta; o de Mme. Boivin que termina em cupula para receber o utero; o de Avelin£, que apresenta, além de uma cupula, duas curvaturas: uma se adapta á curvatura pelviana e outra á perineal. A cupula é applicada sobre o fundo do utero, que é recalcado pouco a pouco por uma pressão exercida por laços elásticos apoiados sobre a bacia. Valor e preferencia dos methodos.— A reducção manual é um methodo de real valor, porque é simples 54 e rápido; mas, falha muitas vezes, quando a inversão tem mais de um dia. Neste caso, a reducção lenta, pelos balões ou pelo tamponamento vaginal, é um óptimo recurso. No que toca aos repositores, é preferível não os empregar, porque são muito susceptiveis de lesar o utero. Quanto á escolha dos processos, pratieamente se podem apresentar tres casos: Io o utero está comple- tamente flácido; 2o o collo está molle e o corpo uterino atonico; 3o o collo está flácido e o corpo uniformemente contraindo. No caso primeiro, a reducção é commumente facil .edeve ser feita apenas pelos meios manuaes. No segundo* podem surgir embaraços, e são devidos: a) á extensibili dade do segmento inferior, observada maximamente depois de um trabalho longo. Em caso tal, as tentativas de recalcamento produzem unicamente uma reducção fingida, porque o segmento inferior se allonga e o utero foge sob a mão. Esta difficuldade pode ser evitada fixan- do-se o infundibulo uterino; mas, se com isto nada se abtem, se renovam as manobras depois de algumas horas, porque então o segmento inferior se restabelece e offerece um ponto de apoio solido, b) A’ contracção do anel de Bandl. Então, a reducção pode ser obtida pela anesthesia profunda, auxiliada da dilatação digital do anel. No terceiro caso, isto é, quando o collo está flácido e o corpo uterino contraindo uniformemente, as difficul- dades se apresentam em seu máximo, porque o corpo uterino, em estado de tensão, não cede ás manobras de 55 reducção manual; é preciso as combinar com o emprego dos balões elásticos—tal é a indicação. Inversão irreductivel. — A inversão é chamada irreductivel, quando, a despeito de todas as tentativas de reducção, se não consegue chegar ao resultado desejado. O momento, em que se manifesta a irreductibili- dade, é impossível de determinar, porque certas inversões são irreductiveis desde o começo, ao passo que outras, ao contrario, se reduzem ainda depois de muitas sema- nas. Em caso de inversão irreductivel, diversas operações podem ser praticadas—hysterotomias e hysterectomias. Por via vaginal são praticáveis os operações se- guintes: a) Secções simples do collo ou desbridamento do anel; b) a colpotomia anterior ou posterior, seguida da dilatação digital do infundibulo uterino com libertação das adherencias, ou da hysterotomia mediana, feita de baixo para cima, até que haja possibilidade da redu- cção; c) a hysterectomia. Por via abdominal se tem praticado a laparotomia, seguida da dilatação digital do infundibulo uterino, ou da extirpação total do utero; mas, estes processos são inferiores ás operações vaginaes. Resumindo, em se tratando de uma inversão irre- ductivel, se deve tentar em primeiro lugar os meffiodos conservadores; caso sejam estes infructuosos, praticar- se-á a hysterectomia vaginal. PR0P05IÇÕ€S PROPOSIÇOES Historia Natural Medica 1.—As quinas pertencem á familia das Rubiaceas, genero Cinchona. 2— Distinguem-se tres variedades: amarellas, cin- tas e vermelhas. 3— As quinas amarellas são as mais ricas em qui- nina. Anatomia Descriptiva 1— A vagina é um conducto musculo-membranoso, que se estende do utero á vulva. 2— Tem uma direcção obliqua de cima para baixo e de trás para diante. 3— Seu principal papel é receber o pénis no mo- mento do coito. Chimica Medica 1— A quinina é um dos alcaloides das quinas. 2— Sua formula é C20H24Az202. 3— Tem um sabor extremamente amargo. Physiologia 1—Fecundação é a fusão de duas cellulas, macho e femea. 60 2— Estas são representadas pelo espermatozóide e pelo ovulo. 3— O ovulo é o typo da cellula completa. Histologia 1— A vagina é constituída por quatro túnicas. 2— Estas túnicas são: fibrosa, muscular, conjun- ctiva sub-mucosa e mucosa. 3— O epithelio da túnica mucosa é pavimentoso estratificado. Bacteriologia 1— O streptococcus pyogenes é, geralmente, o ger- men efficiente da infecção puerperal. 2— E’ encontrado nos exsudatos inflammatorios, livre ou nas cellulas. 3— Toma o Gram. Matéria Medica, Pharmacologiae Arte de Formular 1— A quinina é empregada em combinação com os ácidos, formando saes. 2— Ha os saes neutros e os saes básicos. 3— Os saes neutros têm reacção acida e são muito solúveis na agua. Clinica Propedêutica 1— A auscultação obstétrica pode ser immediata ou mediata. 2— Em regra geral, se pratica a auscultação mediata por meio de um estetlioscopio de larga abertura, com bordas arredondadas e corpo bastante longo. 61 3—Quando se ausculta o ventre de uma gestante se podem ouvir ruidos matemos e fetaes. Clinica Dermatológica e Syphiligraphica 1— A syphilis na mulher gravida é mais grave nas suas manifestações iocaes e geraes. 2— O syphiloma primitivo é mais volumoso, hyper- trophiado, apresentando uma vascularisação mais in- tensa. 3— Os symptomas geraes da syphilis se aggravam pelo facto da gestação. Anatomia e Physiologia Pathologicas 1— Na metrite o foco preponderante das lesões é a mucosa uterina. 2— Esta se torna espessa, mollè e de coloração escura. 3— Em alguns casos, sua superfície granula e co- bre-se de vegetações ou de fungosidades. Pafhologia Cirúrgica 1— Metrite é a inflammação do útero. 2— E’ a consequência de infecção do orgão. 3— Seus agentes ordinários são: o gonococcus e o streptococcus. Pafhologia Medica 1—O paludismo exerce uma acção má sobre a ges- tação. 2 Nas gestantes attingidas pelo paludismo se nota muitas vezes o parto prematuro. 62 3—0 tratamento deve ser o mesmo das mulheres não gravidas. Clinica Cirúrgica (2.a cadeira) 1— A gravidez quasi não influencia a cura de uma ferida accidental. 2— Ella pode, entretanto, se repercutir sobre certos estados traumáticos. 3— A consolidação das fracturas dos membros é muitas vezes demorada. Clinica Ophtalmologica 1— 0 tratamento das ophtalmias dos recem-nascidos pode ser prophylactico e curativo. 2— 0 prophylactico consiste em instillar nos olhos da creança, logo depois do nascimento, algumas gottas de uma solução de nitrato de prata a dous por cento. 3— 0 tratamento curativo consiste nas lavagens e cauterisações. Anatomia Medico-Cirurgica 1— As principaes artérias da vagina nascem da va- ginal, ramo da hypogastrica. 2— Outras, menores, provêm da uterina, das vesi- caes inferiores e das hemorrhoidaes inferiores. 3— E’ raro que as operações sobre a vagina deem lugar a hemorrhagias sérias. Therapeutica 1—0 sulfato de quinina é capaz de activar as con- tracções uterinas, durante o trabalho do parto. 63 2— Schwab aconselha um gramma do sal, dividido em duas capsulas iguaes, administradas com dez minutos de intervallo. 3— Empregado em alta dose, o sulfato de quinina provoca a vaso-dilatação por paralysia dos nervos vascu- lares e do centro vaso-motor: de onde o perigo das he- morrhagias após o parto. Operações e Apparelhos 1— Hysteropexia é a operação que consiste na fixa- ção do utero. 2— Pode ser directa ou indirecta. 3— A hysteropexia directa pode ser praticada por via abdominal ou por via vaginal. Clinica Cirúrgica (l.a cadeira) 1— As varizes são frequentes nas gestantes. 2— Podem apresentar-se em differentes partes do corpo. 3— Encontram-se ás mais das vezes nos membros inferiores. Clinica Medica (2.a cadeira) 1— A febre typhoidica interrompe a prenhez quasi em dois-terços dos casos. 2— O parto dá-se tanto mais facilmente quanto a gestação é mais adiantada. 3— Elle pode produzir-se em todas as épocas da gravidez. Clinica Pediátrica 1—A peritonite do recem-nascido é muito fre- quente. 64 2— Resulta ordinariamente de uma infecção strepto- coceica, de origem umbilical. 3— -Termina geralmente pela morte. Medicina Legal e Toxicologia 1— Para que haja infanticidio, a condição essencial é que o recem-nascido tenha vivido. 2— -A presença do ar nos alvéolos pulmonares de- monstra que a creança respirou, que viveu portanto. 3— A docimazia pulmonar hydrostatica revela a existência de ar nos pulmões. Hygiene 1— A mulher gravida deve submetter-se ás regras geraes de hygiene. 2— A alimentação' deve ser substancial, sem ser entretanto muito abundante. 3— O repouso é util, maximamente nos dois últimos mezes da gestação. , Obstetrícia 1— A placenta é um corpo carnoso e muito vas- cular. 2— Nella os vasos sanguinos maternos e fetaes se põem em intimo contacto. 3— j—E’ o orgão essencial da respiração e nutrição do feto. Clinica Medica (l.a cadeira) 1—As aifecções cardíacas expõem as gestantes a differentes complicações que podem comprometter o estado gravidico. 65 2— Entre ellas, cito as metrorrhagias, o aborto e o parto prematuro. 3— As primeiras são as mais frequentes. Clinica Obstétrica 1— As hemorrhagias do delivramento podem ser immediatas ou tardias. 2— Immediatas, quando se produzem durante ou logo depois do delivramento. 3— —Tardias, quando se manifestam nas horas ou nos dias seguintes á expulsão dos annexos. Clinica Psychiatrica e das Moléstias Nervosas 1— A hysteria é frequentemente aggravada pela gravidez. 2— Em alguns casos interrompe a prenhez. 3— A hydrotherapia fria, como tratamento desta nevrose durante a gestação, deve ser empregada muito prudentemente. CrOisto. Secretaria da Faculdade de Medicina da Bahia, 16 de Outubro de 1911. 0 Secretario, Dr. Menandro dos Reis Meirelles