FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA THE5E APRESENTADA Á FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA Em 30 de Outubro de 1909 para ser defendida por Jflmizo de fiima Qodinh© Filho legitimo do Dr. Fabio Lyra dos Santos e D. Enedina de Lima Godinho Santos Natural do Estado da Bahia (Feira de SanfAnna) Interno ãe Clinica Ophthalmologica, membro e l.° Secretario da Directoria da Sociedade Beneficencia Académica -A.fim de obter o grao DE Doutor em Medicina DISSERTAÇÃO Cadeita de Clinica Ophthalmologica Ligeiro estudo clinico do Glaucoma PROPOSIÇÕES Tres sobre cada uma das cadeiras do curso de Scieucias Medicas e Cirúrgicas BAHIA IMPRENSA ECONOMICA 16 — Rua Nova das Princezas— 16 1909 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA Director — Dr. Augusto C. Vianna VICE-D1RECT0R.— Dr. Manoel José de Araújo Secretario.-- Dr. Menandro dos Reis Meirelles Sub* secreta rio.-- Dr. Matheus Vas de Oliveira LENTES CATHEDRAT1C0S 1. SECÇÃO Os lllms. Srs. Dis. Matérias que leccionam J. Carneiro de Campos Anatomia descriptiva Carlos Freitas Anatomia niedico-cirurgica 2. SECÇÃO Antonio Pacifico Pereira Histologia Augusto C. Vianna Bacteriologia Guilherme Pereira Rebello Anatomia ePhisiolog. patliologicas 3. SECÇÃO Manoel José de Àraujo.. . Physiologia José E. Freire de Carvalho Filho. Therapeutica . 4. SECÇÃO Luiz Anselmo da Fonseca....... Hygiene Josino Correia Cotias Medicina legal e toxicologia 5.» SECÇÃO Antonino Baptista dos Anjos.. Pathologia cirúrgica Fortunato Augusto da Silva Júnior Operações e apparelhos Antonio Pacheco Mendes Clinica cirúrgica 1* cadeira Braz Hermenegildo do Amaral. ... » » 2‘ » 6. secção Aurélio R. Vianna Pathologia medica João A. Garcez Froes Clinica propedêutica Anisio Circundes de Carvalho Clinica medica 1.* cadeira Francisco Braulio Pereira » » 2.* » 7. a SECÇÃO José Rodrigues da Costa Dorea.. . Historia natural medica A. Victorio de Araújo Falcão.... Matéria medica, Pharmacologia e Arte de formular José Olympio de Azevedo Chimica medica 8. SECÇÃO Deocleciano Ramos Obstetrícia Climerio Cardoso de Oliveira Clinica obstétrica e gynecologica 9. SECÇÃO Frederico de Castro Rebello Clinica pediátrica 10. SECÇÃO Francisco dos Santos Pereira. Clinica ophtalmologica 11. “SECÇÃO Alexandre E. de Castro Cerqueira Cl. dermatológica e syphiligraphica i2.» SECÇÃO L. Pinto de Carvalho Clinica psychiatrica e de moléstias nervosas João E. de Castro Cerqueira ( m.,., . SabasMo Oardoao ( em disponibilidade Lentes substitutos. — Os Snrs. Drs. 1. a secção. J. A. de Carvalho 2. a » Gonçalo M. S. de Aragão « > Julio Sérgio Palma 3. a » Pedro Luiz Celestino 4. a » Oscar Freire de Carvalho 5. a » Caio Octavio F. de Moura 0 .a » • 7. a secção Pedro da L. Carrascosa e José J. de Calasans 8. a >) José Adeodato de Souza 9. a » Alfredo F. de Magalhães 10.a » Clodoaldo de Andrade 11 ,a » Albino A. da Silva Leitão 12.* y> Mario de C. da Silva Leal A 'Faculdade uao approva nem reprova as opiuiOes exaradas nas tlieses pelos seos auctore*. SIRVA DE PROLOGO Celui qui met au jour sespeusées pour faire briller ses talents doit s’attendre à la severité des ses critiques, mais celui qui n’ecrit que pour satisfaire uu devoir, dont il ne peut se dispenser à une obligation qui lui est imposée, a saus doute de grauds droits à 1’indulgance des ses lecteurs et des ses juges. La Bruère. DISSERTAÇÃO Ligeiro estudo clinico do Glaucoma «Ser medico, é dar a cada instante o exemplo de todas as virtudes christãs. E’ officiar pontificalmente, aliás longe dos altares da fé, da pratica, da credulidade e da superstição, sem as pompas de nenhuma egreja, sem resplendores de luz, nuvens de incenso e symphonias mysticas, porém discreta e humil- demente, na alcova negra da miséria humana, tendo por unieo espectador a Deus, por phanal a caridade e por musica o brando ruido de azas do espiritualismo, a esvoaçar alegremente em derredor da consciência!» Gama Coelho. CAPITULO I Historico Bm dois períodos dividiremos o historico da affecção glaucomatosa : o qne precede o des- I cobriuiento do opbthalmoscopio e o qne sobrevém á sua descoberta. Ascende aos tempos mais remotos o conhecimento da palavra glaucoma, empregada para designar colo- ração azul ou verde da pupilla, sendo porém, a affe- cção tal como se acha hoje concebida, completamente ignorada, mesmo os seus mais notáveis symptomas externos, pelos médicos d’aquella epoca. A idéa que faziam elles da affecção que serve de assumpto á nossa these era tão succinta que, para demonstrar, basta dizer que a confundiam com a cata- racta, a ponto de considerarem as duas affecções idênticas. Hippocrates, um dos mais notáveis scientistas d’aquelle tempo, não encontrava, conforme affirmou, meios capazes de differençar uma affecção da outra. 6 Aristoteles, o mais celebre e o mais sabio dos philosophos gregos, querendo dar á coloração do iris certa importância na pathogenia das diversas affecções, considerou os olhos verdes como os mais predispostos ao glaucoma e attribuiu o seu appareciraento á seccura do olho que acompanhava um estado analogo de todos os outros orgãos do organismo. Galeno, medico de Pergamo, adepto fervoroso d’estas mesmas idéas, dizia ser o glaucoma uma se- ccura e uma diminuição considerabilissima do volume do cristallino, podendo algumas vezes resultar de vomi- tos violentos, como ainda ser elle mais que qualquer outra affecçâo ocular capaz de produzir uma cegueira absoluta. Proseguindo nos seus estudos sobre o mesmo assumpto, mencionou a possibilidade de por meio duma intervenção cirúrgica corrigir esta affecçâo e aconselhou processos outros que tinham por fim capital restituir á pupilla sua cor escura primitiva. No meiado, mais ou menos, do XVI século, um notável professor de Wittemberg, Gaspar Peucer, de- pois de estudos aprofundados sobre o assumpto, ao qual com muito gosto e zelo se dedicára, admittiu como séde do glaucoma não só o cristallino como ainda o corpo vitreo. Brisseau, um século mais tarde, observou nos olhos de Bourdelot, medico de Luiz XIV e nos de um soldado cégo fallecido em Dunkerque, por elle disseca- dos, além da cataracta existente, uma ligeira coloração amarella do corpo vitreo e concluiu que o glaucoma nada mais, nada menos era que o resultado d’uma alte- 7 ração particular do epithelio choroidiano que se desta- cava com o tempo e se misturava â substancia vitrea. Em algum dos dois casos mencionados, preciso nos é dizer, foi o diagnostico de glaucoma feito em vida e as cegueiras observadas foram consideradas como produzidas por causas completamente desco- nhecidas. Passados alguns annos, Platner, discípulo de Brisseau, deu publicidade aos symptomas por elle reconhecidos dos glaucomas consecutivos á intume- scência do cristallino ainda aos do glaucoma agudo primitivo. Em duas classes dividiu os glaucomas : uma de origem cristallina, outra de origem vitrea. Nos glau- comas pertencentes á primeira classe o globo do olho se apresentava endurecido, doloroso e saliente ; a pupilla, com uma coloração verde, seria mais tarde acommettida d’uma mydriase permanente; a retina e o corpo vitreo transformar-se-hião em uma completa amaurose pela acção compressora sobre elles exercida pela lentilha augmentada de volume. Nos glaucomas á segunda classe pertencentes encontrar-se-hia, como signaes caracteristicos: uma liquefação do corpo vitreo e uma atrophia consecutiva do globo ocular. Em 1786, Desmonceaux, depois de ter feito innu- meras dissecções em olhos attingidos de glaucoma, escreveu um trabalho detalhado sobre as modificações anatómicas que acompanham esta affecçâo: imbibição gelatinosa da retina, desorganização da choroide, con- densação e turvação do corpo vitreo que tinha além d’isso uma coloração verde escuro; união do cristallino, 8 em sua porção anterior, á capsula, por intermédio d’uma substancia de caracter mucoso ou gelatinoso e tirou a conclusão seguinte: o glaucoma éa obstrucção da membrana hyaloidéa e das membranas proíundas do olho. Um notável oculista de Vienna, Josepli Beer, demonstrou a natureza gottosa da affecção glaucoma- tosa e provou manifestar-se ella muitas vezes era pessoas arthriticas, sem inflammação alguma prévia e quando acontecia ser precedida por uma ophthalmia, era sempre de origem gottosa e tinha cemc séde principal o corpo vitreo. Esta opinião foi por Dermours, Rosas e outros acceita, divergindo elles, porém, na parte em que o primeiro admittia como precedente â diathese uma inflammação do periosto da orbita e da mucosa dos seios frontaes, emquanto os outros opinavam pela loca- lisação directa da diathese gottosa no corpo vitreo, provocando posteriormente uma inflammação mais ou menos chronica. Weller, indo além, afflrmou que não só a gotta, como todas as dyscrasias eram capazes de dar nasci- mento ao glaucoma. Em sua obra mencionou as obnu- bilaçÔes temporárias que gradativamente se vão tor- nando intensas e duráveis; as dores super-orbitarias que se tornam mais exasperadas â noite; a indolência da pupilla; a consistência exagerada do globo ocular; a atrophia cada vez mais pronunciada do iris, com formação d’uma franja escura sobre o bordo da pupilla; a destruição da camara anterior e finalmente a turvação do cristallino seguida d’uma amaurose completa. Surgiu annos mais tarde Mackenzie, a quem 9 coube o mérito de ter reconhecido a importância d’estes symptomas, indicando racionalmente meios capazes de sustarem momentaneamente as perturbações provo- cadas pelo glaucoma. Em 1830, deu este notável scientista publicidade a um trabalho, em o qual dizia resultar o glaucoma d’uma fluidificação do corpo vitreo, quasi sempre, d’um augmento excessivo dos líquidos intraoculares, cujos resultados observados eram: reabsorpção do pigmento choroidiano, endurecimento do globo ocular* com- pressão da retina e consecutivamente cegueira. Aconselhou como tratamento a paracentése da sclerotica que, evacuando parte do corpo vitreo pro- vocava diminuição da consistência do globo do olho. Esta operação, não obstante apresentar resultados passageiros, é incontestavelmente proveitosa. A Mackenzie coube ainda a gloria de ter, primeiro, observado a diminuição do campo visual no glaucoma confirmado. Como as principaes alterações anatómicas que de perto seguiam a affecção glaucomatosa eram observa- das nos meios transparentes do olho, todos aquelles que haviam estudado o glaucoma, com raras excepções, firmaram sua localização nestes mesmos meio3. De Hippocrates a Brisseau foi o cristallino con- siderado séde principal; de Brisseau a Mackenzie foram as lesões profundas do corpo vitreo, diathesicas ou não, incriminadas responsáveis pelo apparecimento da refe- rida affeqção. Cannstat, annos depois, interpretou de modo 10 completamente diverso de todos aquelles até aqui expostos, o processo glaucomatoso. Para elle era o glaucoma uma inflammação do iris e da choroide, quasi sempre de origem arthritica, tendo como finaes consequências uma dilatação vas- cular e uma alteração de cor do pigmento choroidiano que, observada através a retina translúcida e os meios do olho ioda transparentes, daria á pupilla o aspecto esverdeado, caracteristico da affecção. Sichel, depois de argumentar por muito tempo com Maekenzie sobre a séde e a natureza do glau- coma, concluiu que o glaucoma não passava d’uma desorganização da choroide, de proveniência inflam ma- toria, aguda ou chronica ; que esta choroidite que se conservava estacionada, muitas vezes uma congestão aguda era sufficiente para exacerbal-a e que a marcha da affecção era ás vezes rapida, semelhando uma ver- dadeira apoplexia ocular, uma verdadeira congestão fulminante. Admittiu também este auctor uma espeeie outra de glaucoma, o de natureza nervosa, que acommettia certos indivíduos, tornando-os rapida e completamente cégos. Segundo sua opinião, participavam d’esta des- organização choroídiana a retina e os meios transpa- rentes do olho, d’onde os symptomas amauroticos que acompanham o processo glaucomatoso, d’onde a colo- ração verde apresentada pela pupilla, cuja persistência era notada rnesmo depois da morte- * A gotta e as alterações produzidas pela idade 11 critica em qualquer dos sexos eram para elle as causas responsáveis pela affecção. Considerava ainda incurável a moléstia e affirmava não passar de erro de diagnostico os casos de cura assignalados por alguns auctores. Schroeder Van Der Kolk íirraandc-se em disse- cções feitas em olhos glaucomatosos, considerou o glaucoma uma inflam mação da clioroide com exsudação e hypertrophia. Arlt, Tavignot e outruS apresentaram trabalhos importantes contendo um quadro symptomatico que para ser completo, como actualmente, precisava conter apenas os signaes revelados pelo ophthalmoscopio, inda desconhecido naquella época. Tavignot considerava como causa responsável do glaucoma um estado pathologico do systema nervoso ciliar; quando os nervos estivessem paralvsados, seria o glaucoma indolente; quando, porém, estivessem irri- tados, seria a sua manifestação de forma nevrálgica. Admittiu elle ainda a possibilidade de ser provo- cado o apparecimento do glaucoma em todas as partes constituintes do apparelho visual, bastando para isto, ser abolida parte da actividade dos nervos ciliares. O endurecimento do globo ocular seria o resul- tado d’uma atrcphia das membranas oculares, d’uma distensibilidade defeituosa de seu tecido e não d’uma hydrophthalmia, conforme admittiam alguns auctores, pois o olho attiugido pela affecção a que nos referimos, em vez de ser augmentado, é ao contrario diminuído de volume. Em )850 appareceu um tratado das moléstias 12 dos olhos escripto por Arlt, em o qual assignalou novos symptomas glaucomatosos: turvação passageira da cornea e do humôr aquoso emquanto duravam os accessos ou as exacerbações inflammatorias; fraqueza da accommodação e perversão do sentido chromatico, dados preciosissimos para o diagnostico da affecção que nos serve de assumpto. Terminado assim o primeiro periodo historico, passaremos a descrever o segundo, o que corresponde á descoberta do ophthalmoscopio. Foi em 1851, por Helmholtz, descoberto o ophthalmoscopio. Tres annos depois, Ed. Jaeger descreveu e desenhou as alterações observadas na papilla optica em um caso de amaurose arthritica glaucomatosa e disse ter visto uma saliência e não uma excavação total do nervo cptico, interpretando d’este modo a cousa diversamente do que ella era, tal qual accusava perfeitamente o desenho por elle traçado. Erro igual commetteu De Graefe em sua obra apresentada em o mesmo anuo sobre a natureza do glaucoma. Neste mesmo trabalho, em que apresentou um novo symptoma ophthalmoscopico, o pulso arterial, espontâneo ou provocado por uma simples pressão sobre o globo, fez notar que, no glaucoma ha emba- raços circulatórios produzidos por uma degenerescencia atheromatosa dos vasos centraes da retina e que o glaucoma ruflammatorio se manifesta toda a vez que existe embaraço na circulação ciliar. Weber, em Í855, indicou o modo de reconhecer 13 e de medir as differenças de nivel no fundo do olho por meio do deslocamento parallactico e das lentes postas por detraz do espelho ophthalmoscopico. De Graefe continuando os seus estudos relativos ás modificações glaucomatosas da papilla, concluiu que no glaucoma a papilla optica se manifesta muito excavada em toda a sua extensão, mas nunca intume- cida, como suppunham alguns auctores. Passado algum tempo, De Graefe apresentou um trabalho mostrando a importância da exploração do campo visual no diagnostico do glaucoma e assignalou o estreitamento do lado nasal como caracteristico nesta affecção. H. Mueller, em 1856, fundamentou com dados anatómicos a doutrina de De Graefe, dizendo ter observado em um olho glaucomatoso por elle extir- pado uma excavação tctal do nervo optico. Passados que foram dois annos, deu elle noticias detalhadas e mais completas sobre a excavação glau- comatosa e fez ccnhecido um novo facto anatomo- pathologico: a soldura peripherica do iris com a cornea. Estas duas alterações anatómicas—soldura e exca- vação, que Mueller descreveu como produzidas pela pressão intraocular exagerada, já haviam sido em 1855 expostas e explicadas d’um modo analogo por Donders. Em 1857, De Graefe deu publicidade a uma obra classica concernente ao processo glaucomatoso e á iridectomia, annunciando ao mundo ophthalmologico uma das mais importantes descobertas feitas no domi- nio da therapeutica cirúrgica. Nesta obra assignalou 14 elle: o glaucoma agudo, o glancoma chronico e numa categoria á parte, a amaurose com excavação do nervo optico. As duas primeiras variedades differiam apenas uma da outra na persistência e na intensidade maior ou menor dos symptomas e representavam uma irido- choroidite serosa, com infiltração diffusa e com augmento de volume do corpo vitreo. A terceira variedade, de commum com as outras duas, apresentava unicamente a excavação total do nervo optico e sobre ella influencia absolutamente alguma exerceria a iridectomia. Expondo os motivos que o fizeram praticar a iridectomia no tratamento do glaucoma, estabeleceu as indicações e as contra-indicações da operação; descreveu as consequências immediatas e demoradas e coucluiu que quanto inais agudos e recentes fossem os symptomas glaucomatosos, tanto mais notáveis seriam os successos da iridectomia. Em 1858, Jaeger procurou identificar com o glaucoma propriamente dito a amaurose com exca- vação do nervo optico, grupo creado e â parte posto por De Graefe, dizendo ter assistido a transformação d’um em outra. De Graefe proseguindo sempre em suas pesqui- zas constituiu um outro grupo por elle designado: aaffecwzs glaucomatosasj) Este grupo que é o que hoje se conhece por glaucoma consecutivo ou secundário, se caracterisava como o glaucoma primitivo, por um augmento consi- 15 deravel do tonus do globo ocular e tinha como causa productora uma hypersecreção do lado da choroide. A doutrina unitaria esboçada por Jaeger íoi por Donders formalmente confirmada e extraordinariamente desenvolvida. Em a these de seu discípulo Haffmans, publicada em 1860, Donders collocou no meio dos glaucomas, com a designação de glaucoma simples, a amaurose com exeavação do nervo optico descripta por De Graefe. Admittiu elle: um glaucoma simples e um glau- coma com ophthalmia, ambos caracterisados pelo pulso arterial, pelo endurecimento do globo ocular, etc. A ophthalmia ou inflammação que denota o glaucoma agudo, para elle, não era mais que uma complicação accidental e independente da própria natureza da affecçâo. Não obstante o considerável impulso qne tomou o estudo clinico do glaucoma, tornando-se quasi com- pleto, a pathogenia e a natureza da mesma affecçâo se mantinham hypotheticas, a iridectomia inexplicada e a anatomia pathologica embryonaria. Em 1861 tendo observado Cusco em olhos glau- comatosos, por elle dissecados, uma diminuição dos diâmetros do globo ocular e um espessameuto da sclerotica, concluiu que, a causa responsável pela diminuição da cavidade ocular e pela hypertonia consecutiva era uma inflammação do tecido scleral com retraeção. Conhecidos estes factos anatomo-pathologicos, julgaram ser no glaucoma favoravel a iridectomia 16 somente, quando fosse feito um afrouxamento do globo ocular pela secção sclero-corneana, mesmo no caso de já ter sido excisado o iris. Wecker, como primeiro, sustentou ser a cicatriz resultante da iridectomia menos compacta e mais porosa que o tecido scleral, uma verdadeira cicatriç com filtração, que muito concorria para o restabele- cimento do equilíbrio da pressão intraocular, não havendo necessidade portanto da excisão do iris. Stellwag de Carion appareceu mais tarde e foi de opinião que não mais se praticasse a iridectomia e sim se fizesse uma larga secção que partindo muito além do bordo corneano fosse obliquamente atravessar as laminas da sclerotica. Recebeu este novo processo a denominação de sclerotomia, pois nada mais era que uma paracentése scleral. O estudo da pathogenia do glaucoma e a vontade de explicar satisfactoriamente o augmento da pressão intraocular deram logar a que apparecesse uma serie de trabalhos experimentaes muito impor- tantes, procurando estabelecer a acção do trigemeo e do sympathico nas secreções intraoculares e procu- rando ainda tirar conclusões a respeito da natureza do glaucoma. D’entre os diversos trabalhos nesta occasião publicados, podemos mencionar como mais valiosos os de Adamneck, Wegner, Hippel e Gruenhagen. Knies e Leber fizeram pesquizas notabilíssimas referentes aos cursos e mecanismo de secreção do humor aquoso, como ainda a respeito da importância do angulo irido-corneano em sua eliminação, escre- 17 vendo assim, na physiologia ocular, um progresso real, cujos resultados em pouco tempo se manifestaram. Trabalhos outros de Schulten, Schiek, Erlich e Koster, do mesmo assumpto e não menos importantes appareceram mais tarde. Em 1876 e em 1877 trabalhos anatomo-patholo- gicos foram apresentados, occupando-se todos elles do angulo iriano e do modo pelo qual se produzia o augraento do tonus do olho. Pagenstecher, em oito (8) casos de glaucoraa secundário, anatomicamente examinados, verificou um recalcamento do iris para a peripheria da cornea. Iuterrogado se nos glaucomas primitivos não existiam alteraçõas analogas, respondeu que, em caso affirrnativo, a acção hypotonisante da iridectomia seria explicada por uma sahida mais fácil do humor aquoso retido no canal de Petit, pela cicatriz com filtração. Em quinze (15) olhos glaucomatosos foi por Knies encontrada uma obliteração dos espaços de Fonlana produzida pela união da peripheria do iris com a cornea, por meio d’uma substancia intermediária e nos casos mais recentes foi por elle mesmo observada uma infiltração cellular nas partes circumvizinhas do plexo venoso de Schlemm. Concluiu Knies, á vista destes factos anatómicos, que a hypertensâo glaucomatosa resultava d’uma retenção dos líquidos intraoculares, por falta de filtração e não de uma hypersecreção. Em um outro trabalho seu apparecido em 1877, Knies sustentou a existência de dados histologicos 18 semelhantes nos glaucomas consecutivos aos sarcomas da choroide, á luxação do cristallino no corpo vitreo e âs synechias anteriores do iris. Algum tempo depois da publicação da primeira memória de Knies, Weber assignalou alterações idên- ticas, unidas a um intumecimento dos processos ciliares, recalcando a inserção do iris para a base da cornea. Weber considerou como alteração primitiva a tumefacção dos processos e como consequência a obliteração do angulo iriano. Por esta occasião um facto importantissimo surgiu, o descobrimento das propriedades hypotonisantes d’um precioso agente therapeutico, a eserina ou physos- tigmina, por Laqueur empregada, pela primeira vez, no tratamento do glaucoma. De todo não eram desco- nhecidos os effeitos das substancias mydriaticas nesta affecção, pois De Graefe já havia empregado o extracto da fava de Calabar com o fim de contrahir a pupilla e facilitar a execução da iridectomia. Acompanhando De Graefe, Weber fez estudos physio-pathologicos sobre a acção da mencionada fava e escreveu que esta substancia podia algumas vezes sustar o processo glaucomatoso e melhorar não só a visão central como também a peripherica. Processos diversos existirani aconselhados por alguns auctores com o fim de substituir, em certos casos, a iridectomia e a sclerotomia. D’entre elles mencionaremos : a drenagem do globo (Wecker), a trepanação da sclerotica (Argyll Robertson) e a paracenlése scleral posterior (Le Fort). 19 Os estudos anatomo-pathologicos de Knies e de Weber soffreram criticas horrorosas. Pagenstecher disse ter visto glaucomas sem adherencia e vice-versa, adherencia sem glaucoraa, factos estes que o fizeram acreditar ser esta alteração anatómica um effeito e não a causa productora da hypertensão. Em 1878 Fuchus fez estudos sobre o glaucoma, observou em 75 por cento dos casos, com o auxilio do ophthalmoscopio, manchas choroidianas, atrophicas e pigmentadas na peripheria do fundo do olho e affirmou que esta choroidite provocava embaraços para o lado da circulação e determinava uma hypersecreção dos liquidos intraoculares. Priestley Smith, em trabalhos apresentados de 1872 a 1888, considerou como causas influentes no desenvolvimento do glaucoma o crescimento continuo do cristallino e o estreitamento que resulta do espaço peri-cristalliniano. Quanto á therapeutica ponco havia de importante naquella epoca. Os processos commumente empregados pelos scientistas d’aquelle tempo com o fim de curar os doentes presos pela affecção a que nos referimos: a keratotomia, a distensão e o arrancamento do nervo nasal interno ; a e a incisão do angulo iriano, eram incontestavelmente inferiores á iridectomia e á sclerotomia e incapazes de as substituir. CAPITULO II Divisão dos glaucomas e sua sympto- matologia Blaucoma é o resultado d’uma perturbação da nutrição do globo do olho, tendo como plienomeno principal o exagero da pressão intraocular. Ha d’ellesduas grandes classes: glaucoma primi- tivo e glaucoma consecutivo ou secundário. O primitivo se manifesta sem que alguma affecção ocular o preceda ; o secundário é sempre continuação d’uma affecção completaraeute diversa, á qual vêm se unir um ou vários symptomas do primitivo. Assim, por exemplo, uma irite com reclusão pupillar, se com- plicando de bypertensão e de excavação total do nervo optico, 'entra na classe do glaucoma consecutivo ou secundário. Em tres outras classes se subdivide o glaucoma primitivo: simples ou chronico simples; irritativo ou inflammatorio; infantil ou hydrophthalmia. 22 0 consecutivo ou secundário se subdivide também em formas outras diversas, segundo a affecção que lhe dá origem. O simples ou chronico simples, que muito melhor seria chamal-o exclusivamente chronico, occupa o mais baixo grâo da escala glaucomatosa, não só pela rapidez de sua evolução, como ainda pela intensidade dos seus symptomas. Sua marcha, raramente uniforme, evolue sem que d’ella se aperceba o doente. A intensidade dos seus symptomas subjectivos geralmente apresenta alterna- tivas, manifestando-se por obscurecimento da vista, dores mais ou menos surdas localisadas no olho ou transformadas em hemicrania, cujas exacerbações são mais frequentes e vehementes á noite, sobretudo depois d’uma fadiga e as remissões pela manhã, depois de um somno reparador. As desordens glaucomatosas iniciadas sem prodro- mos, difíicilmeute evoluem uuiformemente, sem exacer- bações nem remissões, até que por acaso o doente perceba o estado extraordinariamente compromettido da visão de um dos orgâos. No glaucoma simples, em inicio, o olho se mantém apparentemente normal. Até em estado avançado, quando a affecção tem âttingido o seu termo de desenvolvimento e a visão tem sido quasi por completo abolida, o aspecto externo do olho é o mesmo observado em estado normal, em estado de integridade. A observação tem demonstrado a existência de exacerbações e remissões na intensidade dos symptomas 23 subjectivos, earacterisadas por brando descoramento do iris, turvação superficial da cornea, dilatação moderada da pupilla, ás vezes parezia, etc. A tensão do globo ocular, mais elevada, é per- feita e claramente percebida, bastando para isto com- paral-a com a do outro olho, tocando-os com os dedos ou applicando os instrumentos para este fim confe- ccionados por Donders, Weber e Dor, os tonometros, cujo emprego na pratica está quasi abolido, unica e exclusivamente pela difficuldade de sua applicação. Por intermédio dos dedos, podemos apreciar a consistência do globo ocular, conforme já o dissemos, sendo mister collocar o indicador da mão esquerda de um lado sobre a palpebra superior e o indicador da outra ruão sobre o lado opposto correspondente. ímmobilisados d’este modo os globos oculares e destendidas as palpebras superiores, procuramos sentir qual dos olhos offerece maior resistência á pressão feita pelos dedos, sendo aquelle em que maior fôr ella, o attingido pela affecção a que nos referimos. Nos intervallos dos accessos glaucomatosos, todos os symptomas irido-corneanos cessam de existir e a tensão deprime, se mantendo, porém, tudo em condi- ções mais exageradas que normalmente. Para alguns auçtores vezes ha em que a hyper- tensão se revela por momentos apenas ; outras em que sua ausência é absoluta, existindo em consequência d’estes factos, glaucomas sem excesso de pressão intra- ocular. Completamente falso, mal interpretado, é este modo de pensar. Não ha glaucoma sem hypertonia. 24 0 que pode muitas vezes acontecer e que tem levado muitos scientistas a commetter erros é que, sendo ella passageira ou pouco manifesta, o momento preciso em que o olho se torna mais consistente não é observado. A’ medida que a moléstia se desenvolve e as perturbações visuaes se acceutuam, o globo ocular fica mais resistente, podendo mesmo, em phase avançada, apresentar rigidez extrema. Este excesso de pressão pantentêa-se no segmento anterior do globo por embaraços na circulação das veias ciliares, que se dilatam, se tornam visiveis, dando ao olho um aspecto sufficiente para o diagnostico d’uma tensão exagerada. O iris, nesta occasiâo, se manifesta escuro; a pupilla pouco dilatada e immovel; a camara anterior achatada; a cornea menos sensível, raramente anesthesiada. Neste estado adiantado da moléstia, surge algumas vezes uma inflammação com todo o seu cortejo cara- cteristico: dor, calor, tumor e rubor, demonstrando assim uma transição do glaucoma simples para o irritativo. A opacificação dos meios que presenciamos nos accessos prodromicos ou nas exacerbações do glaucoma confirmado cria embaraço ao exame ophthalmoscopico, sem todavia tornal-o impossível. Quando assim observamos, phenomeno notável apreciamos sobre a retina, o pulso arterial, de grande valor semeiologico, não obstante, por si só ser insuffi- ciente para estabelecer diagnostico real de uma affecção 25 glaucomatosa, muito frequente no estado prodromico, raro no glaucoma confirmado. A contracção arterial corresponde á diástole do coração e caminha da peripheria da papilla para o ponto de emergencia dos vasos ; a dilatação acompanha immediatainente a systole cardiaca e vindo do centro, invade a porção peripherica da papilla, difficilmente excedida. A pulsação é intensa e rapida; pode se limitar a um ou dois ramos, corno ainda se estender a todos os vasos arteriaes calihrosos da papilla. Este pheno- meno manifesto do glaucoma não lhe é exclusivamente pertencente. Podemos observal-o, apezar de rãras vezes, em olhos normaes, em tumores orbitares acompanhados de nevro-retinite conforme verificou De Graefe e ainda em estados syncopaes segundo observação de Word- sworth, denotando sempre que existe desequilíbrio entre a pressão arterial e a pressão intraocular, com predo- minância principal d’esta ultima. Este desequilíbrio que muitas vezes é o resultado de uma diminuição de tensão arterial, sem que entre- tanto haja alteração do tonus do olho, é justamente o phenomeno que se manifesta nos casos mencionados: na syncope —fraqueza do coração; nos tumores retrobul- bares e na nevrite optica—compressão da artéria central, abaixamento da tensão sanguínea, obrigando o vaso ceder á uma pressão ocular physiologica. A’ vista do que fica exposto podemos affirmar que o pulso arterial pode ser provocado sem haver pressão intraocular elevada, como observamos em casos ligeiros de glaucoma, com hypertonia pequena, com ausência 26 mesmo completa da turvação que figura na cornea, da dilatação da pupilla e da excavação do nervo optico. Muitas vezes ainda é elle provocado por uma ligeira pressão digital feita sobre o globo ocular, era olhos predispostos ao glaucoma, emquanto em estado physiologico uma pressão muito mais forte seria mistér. Em affecções outras, além das mencionadas, como sejam: insufficiencia aortica, moléstia de Basedow, é o pulso arterial frequentemente apreciado. Para o distinguir do glaucomatoso é sufficiente conhecermos os seus caracteres que absolutamente de semelhança cousa alguma apresentam. Quando nas affecções citadas o pulso se faz notar, é vibrante e não saccadadn; se propaga além da papilla indo ás pequenas artérias e se mostra sempre acompa- nhado de uma locomoção e de uma reparação d’estes mesmos vasos. Phenomenos interessantes, notáveis, em numero de dois, também oriundos de um augmento considerável da pressão intraocular, são observados no fundo do olho com o auxilio do ophthalmoscopio: o achata- mento das veias reiinianas na porção correspondente á sua emergencia e a pallide\ da papilla, testemunho evidente de uma ischemia capillar da extremidade do nervo optico, bem apreciada quando levamos em con- sideração o gráo de pigmentação do doente, principal- mente o aspecto do nervo optico do olho opposto, se estiver era perfeito estado, pois nos olhos de pessoas pigmentadas a papilla é paIlida, ao passo que em pessoas louras é rosea. A excavação glaucomatosa, excavação total 27 » do nervo optico, symptoma caracteristico doglaucoma simples confirmado, é produzida pela aeção sobre as paredes do globo ocular exercida pelo augmento consi- derável da pressão intraocular, temporário ou perma- nente. Todâ a vez que se forma a excavação, os effeitos iniciaes da compressão se fazem representar por um achatamento da papilla, cuja superfície normal é pro- eminente, como ainda pelo recalcamento dos troncos vasculares de grosso calibre até o nivel da sclerotica. A excavação se inicia no ponto de emergencia dos vasos, se torna cada vez mais larga e profunda, for- mando por fim uma cavidade infundibuliíorme, seme- lhando-se a uma excavação physiologica, cujo vertice attinge o nivel da lamina crivada. Os vasos maculares de pequeno calibre curvados sobre o bordo do anel sclepal, se internam e desappa- recem na cavidade inicial da parede externa da exca- vação. Para cima e para baixo, a substancia do nervo optico abandona o nivel da sclerotica; cs vasos reti- nianos se curvam sobre o bordo cortante do anel scleral e formam uma excavação glaucomatosa typica. São estas as principaes alterações da papilla que impedem a confusão com as excavações de natureza physiologica. Quando a excavação da papilla é phy- siologica augmenta e se aprofunda sob a influencia da pressão vitrea; a lamina crivada é recalcada para traz; a metade temporal da papilla immediatamente invadida, em principio no sector superior, depois no inferior, se passandc tudo mais quanto diz respeito, como se es- 28 tivéssemos desde o começo, em presença de uma excavação de natureza pathologica. Á porção da papilla, que por ultimo se excava, é a metade interna, normalmente a mais resistente, pelo numero consideravelmente avultado de fibras ner- vosas e de vasos que ahi vai ter; o nivel da papilla afasta-se para traz uniformemente em toda sua extensão, tornando-se sua cor progressivamente pallida Quando a excavação não ultrapassa o nivel das camadas scleraes as mais internas, póde apresentar con- fusão com uma depressão total que encontramos em algumas especies de atrophia optica. A excavação atrophica apresenta as paredes inclinadas e os vasos retinianos formam um ligeiro desvio no limite scleral que de modo algum impossibilita seguil-os em todo o seu percurso com o auxilio do ophthalraoscopio. Exce- dido o canal scleral, o fundo da depressão se torna mais largo; a lamina crivada recbassada para traz, toma a forma côncava; os feixes nervosos se distendem e se adaptam ás paredes da excavação ; os vasos se unem também ás paredes, a maioria para dentro, um ou outro para cima e para baixo. A excavação glaucomatosa, completamente desen- volvida, tem a forma d’uma ampulla, cujo pescoço estreito é representado pelo anel scleral, sendo o fundo, muito mais largo e concavo, correspondente á lamina crivada distendida e recalcada. E’ justamente esta excavação, a glaucomatosa typica, que observamos no glaucoma simples confir- mado. Pelo exame ophthalmoscopico, offerece ella um aspecto inteirameufe particular: á imagem directa, os 29 vasos retinianos, artérias e veias, se terminam sobre o bordo cortante do anel scleral por uma pequena tume- sceneia escura, À superfície da papilla se mostra um pouco anu- viada, com uma coloração azul esverdeada e sobre ella os vasos se avultam com o aspecto de estrias róseas, mal limitadas. O fundo da excavação, nitidamente visivel, corado uniformeinente de azul ou verde, em todos os casos recontes, é variegado de pontos cinzentos nos glauco- mas antigos. Os vasos recalcados para o Indo nasal, são apenas percebidos até certa altura da parede cor- respondente, pois a parte mais côncava da ampulla se acha occulta sob o bordò pendente, não accessivel ao exame opbthaimoscopico. Nos casos inveterados, todos os vasos retinianos são adelgaçados, algumas artérias obliteradas e redu- zidas a simples filamentos esbranquiçados; nos casos recentes, as veias se mostram engorgitadas, de algum modo flexuosas, ás vezes moniliformes. Nos logares em que os vasos cercara o anel scleral para se adaptarem ás paredes lateraes da cavidade papillar, percebemos tumescencias mais escuras e tauto mais pronunciadas quanto mais volumosos são os vasos. A coloração da papilla exeavada, azul esverdeada em começo, mais tarde se torna branco tendinosa, resultado da atrophia completa das fibras nervosas e do desapparecimento da rede capillar. No fundo das excavações glaucomatosas antigas, como em grande numero de excavações pbysiologicas, por intermédio do ophtbalmoscopio, percebemos pontos 30 azulados, situados a meio millimetro approximadamente para traz do fundo da excavação, por Arlt considerados como feixes nervosos despidos de sua bainha de myelina antes de attingir a lamina crivada. Quando observamos com o ophtbalmoscopio e oscillamos a lente de forma que ella fique em posição vertical ou horizontal, a imagem ophthalmoscopica descreve perfeitos movimentos de parallaxe, de todo caracteristicos: o nivel da retina subitamente se desloca, emquanto o fundo da excavação se mantém immovel. Análogos deslocamentos parallacticos apreciamos quan- do, fazendo o exame pela irnâgem directa, movimen- tamos a cabeça ou oscillamos o espelho ophthalmos- copico. Este phenomeno de parallaxe ainda é apreciado todas as vezes que, no fundo do olho existem saliências, excavações ou quàlquer differença de nivel. O diagnostico differencial da excavação glaucoma tosa geralmente é facil, mas casos ha em que apparecem empecilhos, mormente quando as alterações funcci- onaes especiaes ao glaucoma não são distiuctamente apreciadas. Quando a excavação glaucomatosa chega ao seu termo de evolução, apresenta muitas vezes analogia com uma excavação physiologica extensa ou com uma excavação atrophica. A physiologica, por mais extensa que seja, se manifesta sempre cercada de uma zona de tecido normal do nervo optico, em suas partes superior, inferior e interna, que se differencia do anel scleral que a contorna pela côr rosea que tem. A coloração 31 da excavação é branca translúcida; sua profundidade nunca excede o nivel physiologico da lamina crivada e quando a parede interna é excavada e tem bordos pendentes, a parede temporal é sempre mais ou me- nos inclinada, conseguintemente accessivel ao exame ophthalrnoscopico. Quando examinamos uma excavação symptomatica de atropbia da papilla, duas questões podem ser apre- sentadas: a papilla é plana e completamente desprovida de depressão central; a papilla é excavada e tem depressão physiologica. No primeiro caso, a atropbia excavarâ pouco a papilla; o fundo da excavação com- pleto, cupuliforme, passará o nivel da choroide e a differença de refracção chegará, quando muito, a duas dioptrias. A cor de um nervo optico atrophiado é branca, opaca ou vermelha, de modo algum comparável á coloração azul esverdeada de uma papilla glaucomatosa. Os vasos, uniformemente delgados, apenas soffrem no bordo scleral um ligeiro desvio que não os occulta ao exame ophthalrnoscopico em qualquer ponto de sua trajectoria. No segundo caso, phenoraeno corapletamente inverso se passa: as duas excavações colligadas repre- sentam perfeitamente uma excavação glaucomatosa. Quando existem excavações bilateraes, são phy- siologicas ; quando a excavação é parcial e em um só olho — pathognomonica do glaucoma. Signal outro importantissimo, percebido ainda com o ophthalmoscopio, é o halo glaucomotoso ou au- reola glaucomatosa, designação dada á zona annular que cerca a papilla glaucomatosa. Representa uma 32 faixa de cor amarella, tendo o bordo interno corres- pondente ao anel scleral e o peripherico, irregular, desapparecido na vermelhidão do fundo do olho. Algumas vezes incompleta, termina-se em pontas. Sua superfície, homogenea em seu limite central e amarella em sua porção peripherica, se torna mais escura e granulosa. Quasi sempre se desenvolve a aureola ao mesmo tempo que a excavação, principal- mente quando ella chega á peripheria da papilla, sendo, porém, o seu apparecimento em época indeterminada. Outra lesão muito importante observada no glau- coma simples, com o é a atrophia da choroide em seu segmento anterior, por Fuchus descripta com a denominação de achoroidite glauco- matosa.j) Com a forma quasi constante de maculas, de tamanho variavel, discretas ou confluentes, pequenas e negras algumas, brancas outras, cercadas por uma aureola pigmentada, pode também algumas vezes se apresentar como uma faixa atrophica, branca ou amarella, bem visivel no limite posterior. De grande e incontestável valor para o diagnostico do glaueoma simples, principalmente na sua marcha progressiva, é o symptoma representado pela alteração da acuidade visual. A diminuição da visão central, apezar de não ser sempre proporcional ás modificações do campo peripherico, geralmente se relaciona dire- ctamente com a extensão e com a permanência da excavação do nervo optico, Affirmam alguns auctores que, quanto mais com- pleta e antiga fôr a permanência, tanto mais compro- mettida estará a acujdade central. 33 De todo não é exacta esta affirmaçâo, porquanto casos ha era que observamos uma excavação total da papilla, com mezes de existência, sendo a visão muito -boa; como também existem outros que, havendo uma amblyopia muito pronunciada, o nervo optico não revela anomalia absolutamente alguma. Explicados são estes factos pela acção desfavorável sobre os elementos sen- soriaes da retina, se bem que excepcionalmente, exer- cida pela pressão glaucomatosa, causa responsável pela excavação, antes mesmo que tenha tido o nervo optico tempo sufficiente para experimentar alterações bem apreciáveis com o ophthalmoscopio. Toda a vez que, a excavação se extender á metade externa da papilla e comprimir os feixes nervosos des- tinados á macula, a acuidade visual soffreiá cedo e a diminuição da vista será proporcional á rapidez do desenvolvimento da excavação pathologica. A’ medida que o campo visual pouco e pouco se circumscreve, a acuidade visual baixa, se extingue e a visão, limitada a um segmento peripherico da retina, dá ao olho uma fixação excêntrica ou o obriga executar movimentos de vai e vem, permittindo assim melhor apanhar as impressões dos objeefos que o cercam. Se, de algum modo, a presença de uma excavação glaucomatosa, parcial ou total, é compatível com uma acuidade visual normal, o mesmo não acontece com o campo peripherico, pois logo ás primeiras alterações da papilla, experimenta elle um estreitamento em qualquer sentido, em inicio, mais apreciado na parte interna ou infero-interna do campo visual. 34 E’ justamente o que se passa na rnór parte dos casos, sendo por este motivo a falta do segmento in- terno ou infero-interno do campo visual tida como mui caracteristica nas primeiras phases do glaucoma simples confirmado. O estreitamento do campo visual é desde cedo descoberto se applicamos a viseira de Bjerrum. Para este fim, nos servimos de pequenos objectos de dois a tres millimetros de diâmetro que devem ser observados a dois metros distantes. A’ proporção que o nervo optico se excãva, uma repercussão funccional se faz sentir sobre os outros pontos peripheiicos e se reduz em todos os sentidos o campo, principal mente do lado interno. E’ assim que em certa phase da affecção, o campo visual offerece uma conformação ovalar, mais larga e mais extensa do lado temporal que do lado nasal. O recalcamento da papilla se executando mais rapi- damente em suas porções superior e inferior, a redu- cção do campo marcha igualmente mais depressa no sentido vertical e o campo, em phase mais adiantada da moléstia, se transforma em uma fenda estreita, collo- eada horizontalmente. Esta marcha parallela das alte- rações do nervo optico e das anomalias do campo peri- pherico não é sempre caracteristica, visto como existe um avultado numero de casos de glaucoma com exca- vação total da papilla, apenas acompanhada de um encurtamento do campo visual em todos os sentidos, maxime no lado interno. Os estreitamentos oval e em fenda do campo visual longe estão de pertencer exclusivamente ao glaucoma, 35 pois são também observados ás vezes em atrophias primitivas do nervo optico. São distinctos pelos cara- cteres seguintes : reducção mais regularmente concên- trica, limites em zig-zag, nos atrophicos; contôrno menos regular e mais redondo, limite infero-interno mais approximado do centro, nos glaucomatosos. A acuidade central pode estar em bom estado, até mesmo quando o campo visual se achar reduzido a uma pequena zona central, redonda ou alongada. Assim é que, doentes, cuja percepção é admiravel para objectos diminutos, experimentam difficuldade em se guiar no espaço e se chocam a todo instante com o que os cerca. Mais frequente que a reducção concêntrica é a reducção lateral do campo visual. Quando o limite superior e o inferior se approxiinam um pouco obli- quamente, o limite infero-interno invade o ponto de tixação e o excede; a acuidade central se extingue e o campo se reduz a um sector externo ou super-exteino, com o vertice dirigido para o centro. Este sector gra- dativamente diminue, se extinguindo a visão periphe- rica até que se produza a amaurose completa. Além do estreitamento peripherico, observamos no glaueoma: scotomas, manchas immoveis que enco- brem parte do campo visual, descriptas por Laudesberg e mais tarde estudados por Bunge, Baas e muitos outros. Podem ser: absolutos, ou relativos; centraes, mais frequentemeute páracentraes, excepeionalmente peri- phericos. Quando absolutos, a visão é completameníe abolida no seu dominio; quando relativos, apenas existe 36 falta de percepção das cores, verde e vermelha a prin- cipio, amarella e azul mais tarde. Apresentam dimensões e formas variadíssimas : minúsculas ou largas, redondas, alongadas, angulosas ou annulares. Quando múltiplos, se reúnem ao redor da macula, do nervo optico, ou se dispersam sem ordem fixa, como na clioroidite disseminada. Suas relações com o campo peripherico são inconstantes: ora coinci- dem com um estreitamento do campo, ora apparecem demasiadamente cedo, mesmo estando as dimensões do campo visual quasi norraaes. As alterações centraes ou paracentraes do campo visual, sob o ponto de vista de diagnostico differen- cial, se confundem com amblyopias toxicas, mórraente quando a intoxicação actiia sobre um olho glauco- matoso. Para as differençar, recorremos aos symptomas outros a ellas pertencentes. Nas affecções glaucoma- tosas é de grande monta o modo pelo qual se ha o sentido chromatico vis-a-vis da acuidade central e do campo peripherico. Até nos casos adiantados de amblyopia, é de regra que, emquanto se achar a visão central redu- zida e o campo occupar uma zona pequena ao redor do ponto de fixação, todas as cores sejam facilmente reconhecidas. No glaucoma, a percepção das cores na peripheria se conserva intacta, mesmo em periodo avançado. Q sentido da luz, algumas vezes intacto, se mostra modificado em quasi totalidade dos glaucomas simples com excavação total da papjlla. Os doentes são heme- 37 ralopos. A diminuição do sentido da luz é quasi sempre proporcional ao estreitamento do campo periplierico, sem que todavia syja possível, entre estes dois sym- ptornas, estabelecermos relações numéricas exactas ou approximadas. No glaucoma, um outro symptoraa precioso, apezar de pouco frequente, é a diminuição da amplitude da accommodação, se revelando pela necessidade de usarem certas pessoas vidros convexos antes do tempo habitual. O diagnostico do glaucoma simples difficuldade alguma apresenta, quando o conjuncto symptomatico é claro e bem visivel. E’ notadamente a falta de hyper- tonia ou de excavação total da papilla, cercada de aureola atrophica, que difficulta, de certo modo, o estabelecimento de um diagnostico preciso e immediato. Nestes casos, procederemos-uma analyse rigorosa nos outros symptomas glaucomatosos, já citados, taes como: as modificações do campo visual, da accommo- daçao, dos sentidos chromatico e luminoso ; a tensão considerável do globo ocular, as dores peri-oculares, etc. * Observações : a) F... com idade de 63 annos, de cor preta, solteira, bahiana, carregadora, entrou para o Hospital Santa Izabel, para a clinica do Dr. Santos Pereira, indo eccupar o leito n.° 8, enfermaria Santa Anna, em o anno 1907. Interrogada convenientemente pelo sabio mestre, queixou-se ter perdido a vista do olho esquerdo havia dez mezes, subitamente, depois de uma inflammação 38 violenta, acompanhada de terríveis dores. Disse ainda que a vista do olho direito começou experimentar, havia tres mezes, um abaixamento e á tarde era menos nublada que â claridade viva do dia. Feitos os exames, em ambos os olhos, foram colhidos os dados que passamos a descrever. Olho esquerdo:—Divergente, congestionado, muito duro. A cornea granulosa, em seu terço nasal, coberta de manchas. A camara anterior achatada. O iris atro- phiado, manchado, mais escuro que o do outro olho. A pupilla extraordinariamente dilatada, ovalar, vol- tada para o lado super-interno. Cataracta no mesmo olho. V = 0. Olho direito:—Sensivelmente duro. A cornea com turvação diffusa, pouco perceptivel. A camara anterior pouco achatada. A pupilla redonda, reage bem á luz. O cristallino, em sua porção central, transpa- rente. A papilla cptica anemiada, achatada, um tanto excavada em toda »ua extensão, é cercada de uma aureola atrophica. As artérias retinianas delgadas e as veias em estado perfeito. V = 6/8. Campo visual estrei- tado para cima e para dentro; campos das cores guar- dando proporções physiologicas entre si e em relação ao branco. Sentidos ohrcmatico central e luminoso normaes. Firmado o diagnostico de glaucoma, foi a doente submettida ao seguinte tratamento: instiIlações duas vezes ao dia de collyrio de eserina na razão de 15 centigrs. para 30 grms. dhsgua distillada, tendo-se feito regularmente a rnycse, attingindo a visão d/20. Algum tempo depois foi pelo Dr. Santos Pereira 39 feita a sclerotomia para cima. Quinze dias passados, retirou-se a doente com a tensão do globo normal, a cornea limpa e clara; o campo visual sem alteração alguma, quer para o branco, quer para as outras cores e o sentido da luz igual a 1. b) F.. . com 63 annos, solteiro, branco, bahiano, empregado municipal, entrou para o Hospital em 23 de Abril de .1908, apresentando todos os symptomas citados no caso antecedente, no olho direito. Com instillações de collyrio de eserina e com a operação de iridectomia feita tempos depois, ficou completam ente curado. cj Em 1909, F. . . com 40 annos, solteiro, pardo, bahiano, lavrador, apresentou-se á clinica ophthalmo- logica do Dr. Santos Pereira, no Hospital Santa Izabel, com glaucoma simples em ambos os olhos, conforme os symptomas revelados. Submettido aos tratamentos mencionados sahiu muito melhorado, a pedido seu. 0 glaucoraa inflammatorio ou irritativo pode appa- recer de momento, sem que signal algum o annuncie; mais commumente, porém, é precedido de manifesta- ções interraittentes, fugazes, de verdadeiros accessos glaucomatosos passageiros, cujo conjuncto foi por De Graefe denominado (testado prodromico». Os prodromos, na variedade glaucomatosa a que agora nos referimos, são mais definidos, mais dura- douros e mais distinctos que no glaucoma simples, 40 sem todavia attingir em tempo algum a intensidade de um accesso glaucomatoso confirmado. As primeiras manifestações mórbidas que commu- mente experimentam os doentes são: presença de cir- cules corados em torno dos focos brilhantes, luminosos, verdadeiros arco-iris, cujas cores estão dispostas em zonas concêntricas, a vermelha na peripheria, a violeta no centro e o todo separado do foco luminoso por uma aureola sombria; escurecimento da vista mais ou menos compacto, produzido por uma turvaçâo cornearia que encobre quasi por completo o campo visual. Numa phase mais adiantada do estado prodromico, são manifestas as dores intensas e rebeldes, ás vezes brandas, nas regiões temporal, frontal, quasi na tota- lidade da cabeça; as irisações se tornam gradativamente incommodas e são acompanhadas d’uma sensação de pezo no olho, d’um abaixamento da visão peripherica e central. A intensidade das irisações varia conforme a intensidade do ponto luminoso. Doentes ha que dizem observar verdadeiras figuras estrelladas e radiadas, constituidas de linhas finas, classificadas por Laqueur como projecções entopticas do cristallino. Em accessos fracos e ligeiros as irisações se dis- sipam rapidamente e as cores iriseas são bem perce- bidas quer no centro, quer na peripheria do campo visual. Muitas vezes os doentes se queixam de chromopsia, chuva de centelhas coradas, vistas na escuridão. À acuidade peripherica é diminuída; a amplitude de accommodação restricta. A tensão intraocular é 41 consideravelmente augmentada. Para percebermos este augmento applicamos os mesmos processos citados ante- riormente, quando tratamos dos glaucomas chronicos simples. A bypertonia está na razão directa da intensidade e da permanência do accesso. Quanto mais demorada fôr a duração do accesso, tanto mais duro será o globo do olho. Quando o estado prodromico se mantém por tempo mais ou menos longo, ou os accessos se succedem sem intervallos, a tensão glaucomatosa se torna permanente e se exagera toda a vez que sobrevém um novo accesso prodromico. O globo do olho é injectado; a pupilla dilatada, pouco reage á luz; a camara anterior achatada; a cornea embaciada, occulta mais ou menos tenues minúcias da superfície uo iris. Apreciável nos accessos brandos, a turvação da cornea, situada na parte central e nas camadas superficiaes, é pouco intensa e de modo algum impede completamente o exame ophthalmoscopico. Com o ophthalmoscopio, apreciamos a papilla optica congesta, as veias retinianas dilatadas, a pulsação venosa mais saccadada e mais clara que nos olhos normaes, finalmente, o pulso arterial, tal como foi descripto no glaucoma chronico simples. Uma vez o glaucoma diagnosticado, necessitamos conhecer em que periodo se acha: agudo, super-agudo, sub-agudo ou absoluto. Quando agudo, se caracterisa por dores violentas que se irradiam, não só ao râmo ophthalmico, como também aos outros ramos do trigemeo. O doente é febril; 42 tem inappetencia e vomito8. A acuidade visual torna-se rapidamente baixa, podendo muitas vezes se tornar nulla. A cornea se op acifica e passadas algumas horas, a palpebra superior se torna edematosa. A conjunetiva bulbar cliemosada é invadida por um edema semi-transparente, limitado ao segmento inferior do globo, se estendendo raramente a todo o contorno da cornea. A sensibilidade â pressão do corpo ciliar é mani- estamente exagerada; o lacrimejamento constante; a photophobia intensa. A pupilla dilatada, oval e immovel, tem cor cin- zenta, como na sclerose senil. Os meios transparentes turves tornam o exame ophthalmoscopico irrealisavel ; a tensão do olho au- augmenta e o globo se endurece. A camara anterior ás vezes muito estreita é diminuída de profundidade. O iris, mais escuro, é iutumecido e turvo como se estivesse imbebido de serosidade. Quando a cornea é limpa, observamos perturba- ções caracteristicas: retina turva, papilla vermelha, artérias delgadas com pulsação especial; veias acha- tadas em sua emergencia, engurgitadas de sangue escuro, com pulsação intensa. Na peripheria do fundo do olho percebemos algu- mas vezes diminutas hemorrhagias retinianas ou choroidianas. Apezar da gravidade que apresenta o glaucoma agudo, póde o doente por elle affectado experimentar melhoras sensíveis, até uma cura apparente, ficando 43 porém sujeito a novo accesso, se abandonar o trata- mento therapeutico e se não interviermos cirurgica- mente. Observação:—F. .. com 87 annos, magro, fraco, solteiro, empregado, apresentou-se como externo á clinica do Dr. Santos Pereira, no Hospital Santa Izabel, em 4 de Agosto de 1909. Interrogado sobre o que sentia disse que, tendo se deitado bom, levantou-se no dia immediato com dores no olho direito e na fronte, tão intensas que o impediram de seu trabalho habitual; o olho se achava vermelho, doloroso á menor pressão, a visão quasi abolida e a cabeça pezada. Tinha vomitado muito e nenhuma vontade de comer sentia. Remedio outro havia tomado senão o pyramidcn aconselhado por um seu amigo, remedio que de modo algum influiu sobre as dores que o torturavam. Submettido ao exame, o olho direito apresentava- se injectado e endurecido; a cornea turva; a camara anterior pouco profunda; a pupilla dilatada e ovalar; o iris turvo e escuro. O fundo do olho, apezar de não ser bem examinado pelas difficuldades que existiam, apresentava-se nublado, a papilla optica excavada e os vasos retiuianos pouco visíveis. O sentido chromatico central e peripherico bem conservado e o campo visual estreitado. O olho esquerdo em perfeito estado. A eserina instillada 4 vezes ao dia fez cessar aã dores, ficando o doente distinguindo os objectos com mais facilidade e percebendo melhor a luz. Toda a 44 inflammação cessou, a cornea tornou-se clara, a camara pouco profunda, a tensão diminuída e o doente se retirou do serviço, por motivos particulares, em 30 de Setembro. Quando o glaucoma attinge o periodo super-agudo, o globo ocular é extremamente duro; a pupilla, quanto possível, dilatada; a camara anterior extincta; a cornea insensivebe as dores ciliares rebeldes. O doente cousa alguma vê, a araaurose é completa. Os demais sym- ptomas são, em começo, menos pronunciados; alguns, como as dôres e a congestão ciliar se apresentam muitas occasiões no dia immediato. Pelo exame ophthalmoscopico encontramos tur- vação diffusa dos meios, o fundo do olho vermelho, as veias retinianas dilatadas, o nervo optico excavado. No periodo sub-agudo, a existência d’uma injecção perikeratica, sem chemosis da conjunctiva; a turvação da cornea, mais intensa no centro; o pulso arterial no fundo do olho; a camara anterior ligeiramente depri- mida; a mydriase média; a parezia da pupilla e a hypertensão, constituem o quadro syrnptomatologico principal. Podemos ainda observar, além do quadro que ha pouco descrevemos: dôres intermittentes, verdadeiras nevralgias; irisações temporárias e diminuição da acui- dade central; estreitamento do campo peripherico, etc. Quando absoluto, o glaucoma se termina por uma cegueira completa e incurável. Sendo de origem inflammatcria, a cornea se mantém escura e granulosa; a pupilla muito dilatada, apresenta um contorno irregular; a camara anterior é deprimida e o iris atrophiado. O cristallino se dirige 45 para a cornea, torna-se sclerosado, com uma coloração verde escuro. Pelo augmento da pressão intraocular a ranhura sclero-corneana pouco e pouco desapparece; o limbo inflexível e despido de toda vascularisaçâo perceptivel, ao redor da cornea constitue uma faixa cinzenta e larga, por Beer appellidada «.anel arlhriticoí); a inje- cção perikeratica se desvanece e as veias ciliares ante- riores se °sparzem gradualmente. Vindas do equador do globo, estas veias, em numero de duas, tres, raras vezes quatro, se anastomosam entre si, formando em volta da cornea um circulo vascular violáceo, conhe- cido por arn l venoso de Sichel. A conjunctiva bulbar e o tecido episcleral se atrophiam; os vasos pequenos somem e a porção branca do olho se transforma em amarella. O doente accusa dores intensas, injecção ciliar ou photopsias incommodas. Em phase mais remota todo o globo ocular soffre metamorphoses regressivas, verdadeiras degenerações. A superfície da cornea, accidentada e turva, apresenta concreções amarellas ou esbranquiçadas. A serosidade congregada na camada epithelial forma ás vezes bolhas, mais ou menos numerosas, cujo desenvolvimento é acompanhado de dores que cessam com a sahida de seu conteúdo. A cornea, insensível e sem se nutrir, fica impo- tente ante a penetração de corpos estranhos que lhe vão ter; muitas vezes é séde de ulceras profundas, extensas e indolentes. A sclerotica se mortifica e amarellece. Vezes ha que uma perfuração se dá, espontânea 46 ou traumatica e o conteúdo intraocular que permanecia sob uma pressão estrema se lança para o exterior pre- cipitadamente, levando comsigo a retina e a choroide, provocando uma hemorrhagia abundante, seguida de phtisica do globo ou de panophtlialmia. Casos existem em que o globo, em vez de dimi- nuir de volume, se dilata e se torna buphthalmico. A bupbthalmia nos doentes assim affectados pode de duas maneiras diversas se estabelecer: ou a sderotica se distende uniformemente, destruindo a ranhura sclero- corneana, tornando o globo ovoide; ou o globo se apre- senta amolgado, pelas saliências staphylomatosas exis- tentes â frente do equador. O globo, volumoso ou atrophiado, é consideravel- mente inflammado e reclama uma intervenção urgente e radical. O campo visual é estreitado de dentro para fóra. Com o ophtbalmoscopio, percebemos a papilla optica excavada e pulsações arteriaes. Observação: F.. . com idade de 2M annos, casado, pardo, bahiano, caixeiro, entrou para o Hospital a 28 de Setembro de 1908, indo occupar o leito n.° 12, na enfermaria S. Paulo, queixando-se de ter perdido a vista do olho direito havia dois mezes, dopois de súbita inflammação. Apresentava o globo ocular tranquillo, mas completamente amaurotico e extremamente endu- recido; o iris atrophiado; a pupilla dilatada, irregular, esverdeada e immovei; a camara anterior deprimida; o cristallino sclerosado, permittindo o exame ophthal- moscopico que nos revelou uma excavação completa da papilla optica, cercada por uma aureola atrophica. 47 Passado algum tempo, começou experimentar o doente obscurecimentos intermittentes no olho esquerdo. Examinado este olho, notamos que, a sua tensão estava exagerada e a papilla optica de todo excavada. Submettido ao tratamento de instiIlações de collyrio de eserina durante alguns dias, a acuidade visual chegou a 1/2. Mais tarde foi feita a operação de iridectomia no olho direito, sahindo o doente consideravelmente melhorado no dia 16 de Novembro do mesmo anno. A hydrophthalmia, glaucoma infantil, buphthalmia, megalophlhalmia,são o glaucoma dainfancia, apparecido por occaisiãó do nascimento ou nos primeiros dias da vida extra-uterina. Esta affecção que resulta d’um con- siderável exagero da tensão, na creança, o augmento do globo ocular é extraordinário, ruais que no adulto e no velho, pela distensibilidade da sclerotica, muito pouco resistente. A sclerotica, branca e intacta no começo, se dis- tende mais tarde em todo o seu segmento anterior, a partir da linha de inserção dos musculos rectos, torna-se delgada e azulada e permitte que percebamos o pigmento uveal. A cornea, desenvolvida e terna, apresenta-se leu- comatosa, encerrando estrias tortuosas provindas de direcções differentes; o epithelio corneano, intacto no inicio da affecção, mais tarde é rugoso e depolido. A camara anterior profunda; o iris tremulo; o humor aquoso limpido. A pupilla pouco dilatada, não reage 48 á luz; a transparência do cristallino é substituída por uma opacidade cortical, equatorial ou ainda por uma cataracta completa. A photopliobia é frequente; a acuidade visual diminuída; o campo peripherico estreitado para o lado nasal. Symptoma outro predominante e infallivel é o augmento da pressão intraocular, bem apreciado pelos processos já citados. Com o ophthalmoscopio apreciamos, quando nos faculta a transparência dos meios, o nervo optico total- mente excavado. Ordinariamente esta affecção congénita se esta- belece em ambos os olhos, geralmente myopes. Seu desenvolvimento lento, progressivo, ás vezes estacionário, é raramente acompanhado de inflammação. A visão é fraca, em casos extremos nulla. Os doentes por ella áttingidos sentem dores horriveis. Póde a affecção se acalmar espontaneamente; as mais das vezes, chega a um estado destructivo, se não insti- tuímos a medicação própria e conveniente. Cs olhos desmesuradamente crescidos se chocam, se rompem por câusa do adelgaçamento de suas pare- des, sendo a consequência unica e fatal a cegueira. 0 glaucoma consecutivo ou secundário póde surgir ern todas as idades e resultar d’uma complicação de affecções innumeras. A dilatação pupillar, as dores vivas, o aspecto amortecido da cornea, nos levam logo 49 a nelle pensar. Frequente no adulto e no velho, é excepcienalmente observado na infancia. As luxações do cristallino e o seu intumecimento provocam frequentemente symptomas glaucomatosos intensos. O apparecimento de um tumor no olho é seguido de manifestações glaucomatosas. O sarcoma e o glioma da retina são por excellencia os productores d’esta complicação. Quando se manifesta o glaucoma, a retina se descolla; a hypertonia é apreciável; a cornea turva; a camara anterior diminuída; dores se localisam no olho ou se irradiam pela cabeça. Podemos citar ainda a irite como respon- sável pela manifestação d’esta variedade glaucomatõsa. A cornea é turva; a pupilla dilatada; a injecção ciliar pouco pronunciada; a tensão elevadíssima; a camara anterior physiolcgicamente conservada. Ainda as synechias posteriores totaes são capazes de o produzirem; a interrupção da communicação entre o corpo vitreo ea camara anterior do olho se effectuando, os líquidos se accumulam para traz do iris e estabelecem uma tensão anormal. As hemorrhagias retinianas e as retinites hemorrha- gicas são quasi sempre seguidas de glaucoma deno- minado hemorrhagico. Toda a irritação prolongada do tracto uveal produz uma hypersecreção serosa e um augmento da pressão intraocular sufficiente para incitar os phenomenos glaucomatosos. 50 Emfira o glaucoma pode, como complicação impre- vista, nos surpreliender em olhos complicados antece- dentemente de retiuite, de occlusão pupillar, de cataracta senil, etc., etc. CAPITULO III Tratamento Soamos agora nos occupar do assumpto corres- pondente á terceira parte do nosso trabalho, o tratamento da affecção glaucornatosa, con- w siderada pelos antigos incurável, pois todo o arsenal therapeutico empregado por elles, desde os derivativos e revulsivos até ás paracentéses scleraes, apenas attenuava alguns symptomas, continuando a moléstia sua evolução fatal. Dividil-o-hemos em tres grupos : tratamento medico, cirúrgico e prophylactico. O tratamento medico,que pode ser applicado a todas as variedades deglaucoma, comprehende as substancias myoticas, eserina e pilocarpina, seu succedaneo, que ella menos inconveniente, porque não provoca contra- cturas dolorosas no musculo ciliar, mas muito menos activa; os tonicos cardiacos ; a hydrotherapia; os bromuretos alcalinos, os saes de quinino, o iodo, os 52 ioduretos, o acido salicylico, o salicylato de sodio e muitos outros. Os collyrios myoticos tem dado resultados vanta- josos, sobretudo no estado prodromico e nas formas inflammatorias do glaucoma. Uma vez o accesso prodromico manifesto, as instillações d’estes collyrios, aquosos ou oleosos, devem ser feitas, uma ou duas gottas; a pupilla se contrae no espaço de 15 minutos, mais ou menos e as pertur- bações glaucomatosas se dissipam completamente. O seu uso deve ser methodico, a principio, duas vezes por dia, mais tarde uma vez apenas, ao se deitar o doente. Este tratamento acompanhado de cuidados outros prescriptos como: descanço, socêgo de espirito, alimentação pouco abundante, etc., é sufficiente muitas vezes para produzir uma cura completa do individuo affectado, sem que intervenção cirúrgica qualquer seja necessária- Em periodo agudo do glaucoma, as instillações devem ser frequentes, porquanto o iris já se acha adherido, na maioria dos casos, á cornea. Quando as instillações não produzem o effeito desejado, são por assim dizer impotentes, lançamos mão das injecções sob a conjunctiva de tres a seis gottas da solução de eserina ou pilocarpina. A’ medida que a pupilla se contrae por sua acção, o touus baixa, a coruea se esclarece, as dores oculares e peri-oculares diminuem, apenas a verme- lhidão perikeratica da conjunctiva e uma certa sensi- bilidade se mantendo por mais algum tempo. A visão melhora, o campo peripherico augmenta, 53 o sentido chromatico e o luminoso se tornam progressi- vamente physiologicos. Zimmermann empregou com vantagens os tonicos cardíacos, o strophantus e o extracto fluido de adónis. O primeiro, sob a forma de tinctura, 8 a 10 gottas de 1/2 em 1/2 hora, até que se manifestem os primeiros effeitos; o segundo, de 2 em 2 horas, com o fim especial de impedir que a tolerância se estabeleça para o primeiro. A hydrutherapia, se bem que, por si exclusiva- mente, não impeça o desenvolvimento da affécção, em todo caso, influe de certa maneira como auxiliar da medicação c irdio-tonica, principalmente nos doentes debilitados por causas diversas: infecções, hemorrha- gias, etc. Segundo alguns auctores, o somno exerce papel importante, como tratamento do glaucoma, não por causa do repouso physico sómente, mas pelo estado de inconsciência absoluta em que permanece o doente, tornando-se a irritabilidade dos nervos secretores do olho impedida. Cantonnet obteve resultados satisfactorb s, adminis- trando o chlorureto de sodio e a lactose para provocar polyuria e polychloruria simultâneas e assim derivar o rim, quando a este tratamento accrescentava as instilla- ções de collyrios myoticos. A nosso ver este tratamento não merece grande attencção, porquanto o seu complemento é bastante para fazer sanar os symptomas glaucomatosos. As substaucias mencionadas anteriormente, bro- muretos alcalinos, salicylato, ioduretos, etc., não tem 54 satisfeito o fim desejado, apezar de sua acção calmante sobre os nervos vaso-motores. Substancias outras podemos lembrar, a atrabilina, a adrenalina, cujo emprego, por sua acção vaso-constri- ctora, auxiliam a myosis e contribuem para o desappa- recimento das manifestações glaucomatosas. Quando absolutamente o processo glaucomatoso não cede a estes diversos tratamentos, recorremos â cirurgia. Foi De Graefe que primeiro praticou a iridectomia nesta affecção, obtendo brilhante successo, arrancando â cegueira numero avultadissimo de doentes a ella condemnado. E’ destinada a diminuir a hypertonia, alargando o angulo de filtração, formando uma cicatriz, que facilmente deixa escapar os liquides nutritivos do olho. A não ser em casos especiaes, deve sempre o operador a praticar para cima, de forma que a palpebra superior cubra o coloboma. Operação: — Convenientemente desinfectado e anesthesiado o olho a operar, o cirurgião abrirá a pupilla, na porção a mais transparente da cornea, para cima e para dentro. Immobilisado o globo ocular com uma pinça própria de fixação, a cornea, na visinhança do limbo, será punccionada, com a faca de De Graefe. Introduzida até á camara anterior a ponta da faca, a lamiua é levada á frente do iris, parallelamente a elle, numa extensão de 5 a d millimetros; volta-se então o bordo cortante para adiante e se punccioua a cornea; para impedir a sahida rapida do hurnôr aquoso 55 através a incisão, com seus accidentes graves: luxação do cristallinc, hemorrhagia intraocular, etc., corta-se um retalho concêntrico do bordo corneano lentamente. Constituem estas manobras o primeiro tempo da operação e podem ser executadas também, vantajosa- mente, com a faca lanceolar, com ou sem aresta. Por entre os labics da incisão, até o bordo da pupilla, se introduz na camara anterior uma pinça delgada, própria para esta operação, que apanha o iris perto do esphincter e o traz para o exterior; se o excisa rente á cornea, com a pinça-tesoura de De Wecker. Retira-se o blepharostato. Deixa-se o doente descauçar com o olho fechado. Com uma espatula, recalca-se os bordos do coloboma do iris para a camara anterior» atim de não adherir aos lábios da ferida corneana. Por meio de fricções sobre a cornea, se faz escoar algum sangue se por acaso ficou na camara anterior, pois ahi permanecendo, pode amollecer o cristallino. Assim feito, retira-se os coágulos e outras quaes- quer cousas existentes na conjunctiva e nos bordos da ferida corneana; lava-se o olho cora solução antiseptica; instilla-se pilocarpina ou eserina e se fecha ambos os olhos com um penso fixo e não muito apertado. O paciente guardará o leito por alguns dias, alimentando-se com leite e outras substancias leves, que não requeiram esforço para a sua ingestão. Muda-se o apparelho depois de passadas 48 horas e para o sexto dia se o levanta de vez, lava-se o olho operado e se instilla algumas gottas de atropina, com o fim de fazer cessar a contracçâo dos musculos rectos, quando porventura se acham neste estado. 56 Processo outro cirúrgico valioso é a sclerotoraia, apregoada e executada por Quaglino e De Wecker. Deve ser feita toda a vez que necessário fôr desbridar o angulo de filtração, para que os liquides intra- oculares venham ter ao exterior. Póde ser anterior e posterior. Quando anterior, a execução é do seguinte modo procedida:— Feita a desinfecção, fixa-se o olho com uma pinça que, de modo algum o deve comprimir; introduz-se a faca a quasi um millimetro do bordo corueano; a lamina penetra para a frente do iris e sae do lado opposto á secção, na sclerotica. Secciona-se pouco a pouco o retalho, tendo-se o cuidado de deixar certa porção da sclerotica em estado de integridade. Retira-se a ponta da faca com vagar e cuidadosa mente se abre os espaços de Fontana. Quando posterior, em logar da puneção ter como séde o nivel do limbo sclero-corneano, é íeita ao nivel do equador do olho. Praticada que seja, os pbenomenos glaucomatosos cessam por algum tempo, mas não ficam inliibidos de reapparecer. O mesmo, porém, não acontece, quando a esta se accresce a operação primitivamente descripta, a iridectomia, estabelecendo-se d’esta arte uma cicatriz filtrante. Operações outras e que ligeiramente revistamos foram lembradas e executadas, sendo os seus resultados mais ou menos satisfactorios. D’entre ellas mencionaremos as seguintes : — 57 A paracentése da sclerotica, com o fim de obter a eliminação do excesso de liquido intraocular, por Mackenzie lembrada, que não obstante ser insufficiente e de resultado inteiramente provisorio, prepara todavia terreno para uma intervenção posterior, principalmente nas formas glaucomatosas agudas e sub-agudas. A sympathectomia, secção do nervo sympathico cervical, por Abadie praticada pela vez primeira, cujos resultados tem sido confirmados, até em casos rebeldes, em que os rayoticos e a iridectomia se mostraram inefficazes. A nevrotomia optico-ciliar, applicada aos glauco- mas absolutos extremamente dolorosos. Finalmente lembramos o arrancamento do nervo nasal externo e a enucleaçâo, em casos de glaucomas liemorrhagicos e absolutos dolorosissimos principal- mente quando acompanhados de complicações inflam- matorias. Quanto ao tratamento prophylactico duas palavras apenas. Para evitar sua manifestação é preciso que as pessoas se abstenham de todo e qualquer traumatismo no olho; evitem as vigílias, as alimentações profusas, os resfriamentos, etc., etc. PROPOSIÇÕES Anatomia descriptiva I. 0 globo ocular é o orgão primordial do appa- relho da visão. II. Symetrico e par, está collocado de cada lado da linha mediana, na parte superior da face, abaixo do cerebro, acima e para fora das fossas nasaes. III. Em casos de glaucoma, sua dureza é extrema. Anatomia medico-cirurgica I. A cavidade orbitaria é uma pyramide quadran- gular, de ba3e voltada para diante e para fora e vertice para traz e para dentro. II. Está abaixo da fossa cerebral anterior, acima do seio maxillar, para dentro da fossa temporal e para fóra das fossas nasaes. III. Encerra as partes molles que a revestem, o globo do olho, vasos, etc. Histologia I. O globo ocular é constituído por laminas super- postas e por meios contidos nestas membranas. II. As laminas são: a sclerotica, a cornea, a choroide, o iris e a retina. III. Os meios: o humôr vitreo, o cristallino e o humôr aquoso. 60 Bacteriologia I. 0 gonococo de Neisser, microbio diplococo, tem a forma de um feijão. II. Em contacto com a conjunctiva, produz a ophthalmia purulenta. III. Não tratada convenientemente em inicio, plienoraenos graves se manifestam e a cegueira será a consequência fatal. Anatomia e physiologia pathologicas I. Na irido-cyclite a trama choroidiana experi- menta alterações cellulares, que dizem respeito ao protoplasma que se tumefaz e ao núcleo que se mul- tiplica. II. Grande numero das cellulas pigmentares choroidianas, naquella affecção, perdem o pigmento. III. A atrophia choroidiana é quasi sempre a terminação do referido prscesso morbido. Physiologia I. O canal venoso de Schlemm tem como funeção capital a reabsorpção do humor aquoso. II. Quando obliterado, os líquidos intraoculares são retidos e a tensão do globo do olho augmenta. III. A persistência d’esta tensão exagerada pro- voca os accidentes glaucomatosos. Therapeutica I. A eserina é o principio activo da semente do physostigma venenosum. 61 II. Aetna sobre a pupilla contraindo-a. IIÍ. Sua efficacia no tratamento do glaucoma é inconteste. Medicina, legal I. Na occasião de morte a pupilla se dilata. II. Horas depois se coutrae. III. Estes signaes têm certa importância em medicina legal quando se precisa determinar o mo- mento em que a morte se deu. Hygiene I. Os climas têm influencia sobre o orgão da visão. II. O clima quente, pela intensidade da luz e da temperatura, determina maior numero de affecções oculares que o clima frio. III. Ha moléstias oculares peculiares a certos climas. Pathologia cirúrgica I. Nas contusões da região super-orbitaria se for- mam eccbymoses mais ou menos extensas, ás vezes desproporcionaes á violência empregada. II. Este facto é devido á abundancia e â frouxidão do tecido cellular. III. Quando tem por séde o globo ocular, póde produzir o glaucoma. Operações e apparelhoa I. Iridectomia é a operação que se pratica no iris, excisando-o completamente até a peripheria, abrindo bem o angulo de filtração. 62 II. Sclerotomia é a operação que consiste na incisão da sclerotica. III. São ambas vantajosas no tratamento do glaucoma. Clinica cirúrgica (i.a cadeira) I. Anesthesicos são substancias empregadas com o fim de extinguir ou attenuar a parte ou totalidade do organismo. II. São empregados nas operações cirúrgicas. III. E’ a cocaina o anesthesico mais usado nas operações oculares. Clinica cirúrgica (2.a cadeira) I. Os doentes operados de qualquer affecção do globo ocular devem permanecerem repouso por alguus dias. II. Sem o repouso, a solução de continuidade produzida no espheroide ocular pode produzir graves consequências. III. Das consequências, é certamente a saida dos liquidos intraoculares a mais grave. Pathologia medica I. O glaucoma, quando abandonado, produz cegueira completa. II. O seu diagnostico se impõe pelos symptomas que o caracterisam. III. E’ a bypertonia sua manifestação principal. 63 Clinica propedêutica í. 0 exame ophthalmoscopico é de grande valor para o diagnostico de grande numero de moléstias. II. E’ com este apparelho que se examina o fundo do globo ocular. III. Nos glaucomas um dos principaes signaes que se observa é a excavação do nervo optico. Clinica medica (i.a cadeira) I. O mal de Bright determina ás vezes pertur- bações da visão. II. A mais commumente apreciada é a retinite albumin urica. III. A sua manifestação torna grave o prognos- tico da moléstia causal. Clínica medica (2.* cadeira) I. O diabetes provoca alterações para 0 lado do apparelho visual. II. Comoprincipal alteração se observa a arnblyo- pia toxica. III. Ainda podem ser produzidas: a cataracta diabética, as hemorrhagias do corpo vitreo e da retina, as paralysias da accommodação, etc. Historia natural medica I. O physostigma venenosum é uma trepadeira’ II. Pertence á familia das leguminosas 64 III. 0 seu principio activo, a eserina, é muito applicado no tratamento do glaucoma. Chimica medica I. Pilocarpina é um alcaloide extraído das folhas do pilocarpus pennatifolius. II. Antagonista da atropina, produz a contracção da pupilla. III. Gomo succedaneo da eserina é utilisada van- tajosamente nos casos de glaucoma. Matéria medica, Pharmacolcgia e Arte de formular I. Collyrio é toda especie de medicamento topico applicado sobre o olho. II. Póde ser: molle, sêcco, gazoso e liquido. «I. Sob a ultima forma é a eserina applicada nas affecções glaucomatosas. Clinica obstétrica e gynecologica I. Durante a gravidez, a mulher está sujeita a varias perturbações do orgão da visão. II. Muitas vezes estas perturbações se tornam extraordinariamente graves, exigindo a intervenção immediata do parteiro. III. São frequentemente ligadas estas perturba- ções visuaes á albuminúria gravidica. 65 Obstetrícia I. Em trabalho de parto, a mulher deve estar convenientemeute aceiada. II. A falta de hygiene é nociva ao feto. III. E’ a ophthalmia dos recem-nascidos, a con- sequência mais commumente observada- Clinica pediátrica I. Hydrophthalmia é o glaucoma da infancia. II. E’ uma affecção congénita. III. Pela distensibilidade da sclerotica, o globo ocular se torna extraordinariamente volumoso. Clinica ophihalmologica I. Glaucoma é o resultado d’uma perturbação da nutrição do globo do olho, tendo como principal sym- ptoma o augmento da pressão intraocular. II. Pode ser: primitivo ou secundário. III. A intervenção cirúrgica é sempre de grande proveito no seu tratamento. Clinica syphiligraphica e dermatológica I. A irite é a mais commum das ophthalmias secundarias. II. Pode se apresentar sob tres formas: grave, melia e benigna. 66 III. Um dos seus symptomas mais constantes é a deformação pupillar, devida ás adherencias da face pos- terior dc iris com a face anterior do cristallino. Clinica psychiatrica e de moléstias nervosas I. Na enxaqueca ophthalmica o doente experi- menta subitamente uma sensação luminosa. II. Logo após se manifestam dores na cabeça e nauseas. III. Sua gravidade está no facto de poder ella constituir urn symptoma precursor da paralysia geral. VISTO Secretaria da Faculdade de Medicina da Bahia, 30 dc Outubro de 1909. O Secretario, êDr. Sílénancfro dos ÍReis <SITeireííes.