FACULDADE DE UNHA DA BAHIA THESE APRESENTADA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA Em 91 de Outubro de 1911 POR cpciulc e)TlcZMZO dc &MMVOZ NATURAL DO ESTADO DA BAHIA Filho legitimo de Paulo Ribeiro de Queiroz e D. Joviniana Moreira do Queiroz AFIM DE OBTER O GRÁO DE DOUTOR EM MEDICINA DISSERTAÇÃO CADEIRA DE CLINICA OPHTALMOLOGICA Das variedades lacrymal c salivar na moléstia de Mikuliez PROPOSIÇÕES Tres sobre caclu uma das cadeiras do Medico Cirúrgico BAHIA Typographia de S. Joaquim Rua do Arsenal de Guerra. 1911 Faculdade de Medicina da Bahia Dikector — DR. AUGUSTO C. YIANNA . Vice-Director — Secretario — DR. ALEXANDRE R. MEIRELLES Sub-secretario — DR. MATHEUS YAZ DE OLIVEIRA Professores Ordinários Drs. : Manuel Augusto Pirajâ da Silva . Historia Natural Medica. Pedro da Luz Carrascosa Physica Medica. José Olympio de Azevedo .... Chimica Medica. Antonio Pacifico Pereira Anatomia Microscópica. José Carneiro de Campos Anatomia Descriptiva. Manuel José de Araújo Physiologia. Augusto C. Vi.anna Microbiologia. Antonio Victorio de Araújo Falcão Pharmacologia. Guilherme Pereira Rebelío . . . . Anatomia e Histologia Pathologicas Fortunato Augusto da SiWa Júnior Anatomia MedicoyGirurgica com Operações e Apparelhos. Anizio Circundes de Carvalho . . Clinica Medica. Francisco Braulio Pereira Clinica Medica. João Américo Garcez Fróes . . . Clinica Medica. Antonio Pacheco Mendes Clinica Cirúrgica. Braz Hermenegildo do Amaral . . Clinica Cirúrgica. Carlos Freitas Clinica Cirúrgica. Francisco dos Santos Pereira. . . Clinica Opblalmoíogica. Eduardo Rodrigues de Moraes. . . Clinica Oto-Rhino Laryngologica. Alexandre E. de Castro Cerqueira Clinica Dermatológica eSyphiligras phica. Gonçalo M. Sodré de Aragão . . . Pathologia Geral. José Eduardo F. de Carvalho Filho Therapeutica. Frederico de Castro Rebello . . . Clinica Pedriatica Medica com Hy, giene Infantil. Alfredo Ferreira de Magalhães. . . Clinica Pediátrica Cirúrgica com Orthopedia Luiz Anselmo da Fonseca .... Hygiene. Josino Gorreia Cotias Medicina Legal e Toxicologia. Climerio Cardoso de Oliveira. . . Clinica Obstétrica. José Adeodato de Sousa Clinica Gynecologica. Luiz Pinto de Carvalho Clinica Psychiatrica e Moléstias Nervosas. « Aurélio R. Vianna Pathologia Medica. Anlonino Baptisla dos Anjos . . . Pathologia Cirúrgica. Professores Extraordinários Effectivos Drs. : Egas Muniz Barretto de Aragão. . Historia Natural Medica. João Martins da Silva Physica Medica. Pedro Luiz Celestino Chimica Medica Adriano dos Reis Gordilho Anatomia Microscópica. José Affonso de Carvalho Anatomia Descriptiva. Joaquim Climerio Dantas Bião. . . Physiologia. Augusto de Couto Maia Microbiologia Francisco da Luz Carrascosa . . . Pharmacologia. Julio Sérgio Palma Anatomia e Histologia Pathologica. Eduardo Diniz Gonçalves. ..... Anatomia Medico "Cirúrgica com Operações e Apparelhos. Glementino da Rocha Fraga. . . Clinica Medica. Caio O. Ferreira de Moura .... Clinica Cirúrgica. Clodoaldo de Andrade Clinica Ophtalmologica. Albino Arthur da Silva Leitão , .Clinica Svphiligrapíiicae Dermato^ lógica. Antonio do Prado Valladares. . . . Pathologia Geral. Frederiçp de Castro Rebello Koch, Therapeutica. José de Aguiar Costa Pinto. .... Hygiene. Cscar Freire de Carvalho Medicina Legal. Menandro dos Reis MeirellesFilho. Clinica Obstétrica. Mario Carvalho da Silva Leal. . .Clinica Psychiatrica e Moléstias Nervosas. Antonio do Amaral Ferrão Muniz . Clinica Analylica e Industrial. Professores em Disponibilidade Drs. : Sebastião Cardoso José E. de Castro Cerqueira .... Deocleciano Ramos José Rodrigues da Costa Doria. A Faculdade não approva nem reprova as opiniõos exharadas Ras theses pelos seus auctores. Apparecida á luz da pathologia em 1892, é ainda a moléstia de Mikulicz bem obscura em sua ethio- pathogenezia. Aífecção de data bem recente ainda, delia não se tem podido fazer um estude completo, attendendo a raridade dos casos e escassez das observações. Foi a leitura de um trabalho ultimamente publi- cado em Paris e a de alguns artigos esparsos em revistas extrangeiras que nos despertou a ideia para delia nos occuparmos, tanto mais quanto não deixará de ser para nós assumpto interessante caso tenhamos de registal-a um dia em nosso meio. Assim, e sem a pretensão de um trabalho com- pleto e perfeito, mas comprindo a lei, fazemol-o ao nivel de nossas forças, baseado em observações de auctores, á cuja guarda nos collocamos respeitosos. \ O AUCTOR. Dissertação CADEIRA. DE CLINICA OPHTALMOLOGICA \ Das íiiriediifcs tapai e salivar na moléstia CAPITULO I Historico, Etio-pathogenia, Anatomia pathologica . I3aS hypertrophias das glandulas lacrymaes, hypertrophias chronicas, limitadas geralmente a um só lado, já muito antes de Mikulicz, vários auctores haviam tratado com proveito e estudo. 1 Casos symetricôs que apparcciam eram em geral, classificados entre as leucemias ou lymphadenomas, como pensavam Arnol e Becker, Lelier e outros. Excepcionalmentc, Power, em 188(3, assignalou um caso de entumescimento das glandulas lacrymaes. Feita a extirpação da glandula esquerda e levada em preparações ao campo do microscopio este revelou uma hypertrophia do tecido conjunctivo inter-acinoso. No mesmo anuo, Froost chamava attenção para um ou Iro caso de tumefacção chronica de ambas as g-landulas lacrymaes. Os oculistas, então, voltaram sua attenção para o caso interessante, não attri- bnindo, porém, nenhum d‘elles, haver relações de entumescimento concumitante das glandulas salivares. Foi Mikulicz, de olhar educado e investigador, quem leve a honra de ver essa associação, consi- p. o. 4 i 2 derando-a uma entidade mórbida; e, em 1888, apre- sentava elle um homem de 42 annos, attingido de tumores múltiplos que interessavam principalmente as glandulas lacrymaes e salivares. Halsenhoíf, em 4889, assignalou um casoegual, e Fuchs em 1891, um outro semelhante. Mas, foi somente Mikulicz, em 1892, quem descreveu esta affecção, constituindo-a uma moléstia a parte, separavel dos tumores lymphadenicos e cfos' lymplio-sarcomas das glandulas lacrymaes e salivares. A attenção do mundo medico, então, se voltara sobre a nova moléstia, e casos foram se succedendo como provam observações de Debierre (Revue Gene- rale de ophtalmologie, Octobre, 1893), de Snell (In Lancet, l.° de Julho de 1893) e Jayle (Presse medicale, 1894), este ultimo se referindo a um caso incompleto da moléstia de Mikulicz. Ktimmel, em 1897, diz o Dr. Saussol em seu trabalho, recentemente publicado em Paris, que estudando elle esta moléstia se refere a alguns casos, com seis observações pessoaes, sendo quatro limi- tadas as glandulas salivares dentro do quadro de sqas formas incompletas. Esta affecção é admittida como syndromo, sendo a sua patliogenia vivamente discutida, e varias são as opiniões a medida que cada vez mais se discute; não deixando sempre de existir confusão entre os tumores lymphadenicos das glandulas salivares e sua hypertrophia. Estudos foram feitos pelo Dr. Clieinesse em 1905, 3 apresentados á Sociedade Medica de Vienna, onde foram discutidos; e nesse mesmo armo, VanDuyse, de Gand, tentou esclarecer a sua pathogenia sem, porém, ter chegado ao desejado fim. E com este louvável intuito que tendem auctores na Allemanha, já tendo Fleicher publicado ultima- mente um artigo sobre as relações da moléstia de Mikulicz com a tuberculose e a pseudo-leucemia. Etio-pathogenia Pela escassez das observações e falta de clareza nos seus antecedentes, bem esteril se torna o terreno ethiologico da moléstia de Mikulicz; e por ser uma moléstia rara, raras se tornam as suas observações. Dos casos que surgem, para cuja confirmação faz-se myster estudo perfeito c critério do observador, preciso é excluir-se casos de verdadeira e falsa leucemia; casos dc tuberculose e syphilis que com ella tem-se confundido. É da observação de M. M. Souques et Chenet a importante nota etiologica seguinte: algumas vezes a moléstia de Mikulicz pode remontar ao nascimento, pode ser congénita. A cdade de começo desta affecção parece ser a infância, embora já se tenha visto certos casos tendo começo na edade adulta. Pode ser hereditária como em um caso citado por Killbs : em que o pae, cinco irmãos, duas irmãs e dois pequenos, todos filhos d’aquelle, apresen- tavam tumeíácção das duas parotidas. Objectava 4 Souques, tratar-se ahi de uma parotidite; grande probabilidade, porém, havia, em dadas as formas salivares do syndromo de Mikuiicz, de que esta parotidite estivesse intimamente ligada a elle. Sobre a patliogenia desta affecção, si se trata de uma entidade mórbida bem determinada, as opiniões se chocam divididas, podendo-se, em summa, apanhando-as em grupo, dividil-as em dois: um terçando armas por sua existência própria, d’ella íazendo uma affecção localisada e a cuja frente se acha o professor Mikuiicz; o outro, admittindo-a como um symptoma especial de uma moléstia geral que evolue morosa, seguindo o seu curso. Os pri- meiros consideram-na uma enfermidade nova, inteira- mente aparte de qualquer estado morbido geral, dizendo ser uma infecção que attingindo primeiro a conjunctiva da palpebra, passa as glandulas lacry- maes, depois as glandulas salivares, donde se propaga a bocca por intermédio dos canaes lacrymaes e do rhino-pharinge. Argumentos vem em paternidade desta thcoria, como bem procurou demonstrar Tondeur (contri- bution áS’étude des tumeurs de la glande lacrymale In These Lyon —1894); particularmente no que diz respeito ao desenvolvimento commum das glandulas lacrymaes e salivares. O que parece, porém, mais vir em favor da causa 5 dc Mikulicz, diz o Dr. Saussol, é a existência de lesões raais ou menos accentuadas das mucosas visinhas ás giandulas doentes, lesões da conjunctiva, casos observados pelo proprio Mikulicz. Baas cila um caso que vem em auxilio desta ideia. Tinha um doente que ligava o apparecimento desta atfecção ã manipulação de um oleo já velho e mui rançoso, do qual se servia para lubrificação das peças das machinas com que trabalhava, coexistindo com isto uma irite nodular. Para os do outro grupo, não é a moléstia de Mikulicz sinão um symptoma de uma moléstia geral: lymphadenia, leucemia» ou aleucemia, syphilis ou tuberculose. Van Duyse (Revue de Ophtalmologie — 1905) depois de longo estudo o conclue pela identidade da moléstia de Mikulicz se baseando em uma observação pessoal. Fleiclier, In Monastbl, fúr Augenheilk— 1910) iáz-sc lambem defensor desta atfecção, apresen- tando quatro observações suas. Anatomia pathologica Bem devia a anatomia pathologica já nos ter garantido a causa dessa atfecção; infelizmente, porém, apesar de louváveis tentativas e consideráveis esforços para a posse da chave dêsse mystcrio, nada se tem conseguido ainda que fizesse luz clara sobre a sua causa. Em principio julgou-se attingida a meta desejada, não sendo, porem, satisfactorios os resultados obtidos. 6 Estudos foram feitos após a morte de doentes d’ella accomettidós, nas gdandulas affectadas, só se encontrando proliferação do tecido lymphoide com tendencia ao entumecimento do tecido glandular, provocando a cyrrhose das glandulas salivares e lacrymaes. Nada ha pois de caracteristico; são as mesmas lesões notadas na hvperplasia bem conhecida que se produz no apparelho lymphatico do pharynge. Ouçamos o professor Kumel a respeito do exame patliologico que procedeu em uma glandula no caso da moléstia em vista, e de forma incompleta. «Microscopiquemcnt, consistance presque nor~ mate. II est facile de reconnaítre les lohules glandu- laires qui par place paraissent transformés en une suhslance plus ou moins homogène, rouge jaunâtre. I)es fragments ont été íixés dans différents liquides fixalcurs pour Lexamen microscopique. Les pièces fixées an Mílller—formol et coloriées dans le mélauge Biondi ont donné les meilleurs résultats. Toute la masse de la glande parait constituée par du tissu lymphoide qui semhle três pauvre en tissu conjonctif. lies fibres conjonctives particuliòrement dans le voisinage des vaisseaux forment en s’amincissant un réseau dont les mailles devmnnent de plus en plus fines; an fur et á mesure que les fibres s’amincissent, apparaissent des masses de cellules rondes de plus en plus compactes, constituaiit des noeuds fortement colores, appliqués au niveau de l’intersection de ces fibres. 7 Les deux lissus fibrillaire el ccllulaire sc confon- dent sans limite bien apparenle; les fibres conjonctives se distinguent rieltemenl par leur aspect jaunâtre el se colorent en rouge par le Biondi-—Haidenhain; leosine les colore en jaune rougeâtre. Parmi les celluies on distingue surlont des lympbocytes à gros noyaux et àmince bordure proto- plasmique; les noyaux se colorent en- bleuvert et dans les parties ou les celluies sont aggdomérées, ils sont senis apparenls. Au voisinage des vaisseaux ou les fibres con- juoctives sont plus abondantes, la bordure proto- plasmique est plus nelt.e, on y trouve deliors des lympbocytes une três grande quantité de leuco- cytes polynucliaires á noyaux très fortement colores en vcrt, quelques leucocytes mononucléaires (macro- phages)á large bordure protoplasmique et á noyau íaiblement coloré* en blen. A côté de ces celluies, on trouve des masses protoplasmiques á aspect uni, dans les quelles on trouve exceptionnellement plusieurs noyaux se cclorant en vert clair. Ceux-ci tantot se groupent sur une seule ligne, tantôt vont á la périphérie des celluies, rappôlant ainsi les celluies géantes. Ces celluies sont en générale très rares, quel- quefois on en trouve au voisinage des vaisseaux. Lá oúilya plusieurs de ces celluies, on trouve quelquefois dee celluies éosinophiles, mais en nombre toujours limité. Les vaisseaux montrent quelquefois au niveau 8 des petiles artérioles et veinules une modifieation hyaline de leur paroi qui est analogue á celle du tissu conjonctif dont nous venons de parler. Les cellules endothéliales sont colorées en bleu vert et paraissent par place tumefieés. Dans quelques coupcs seulement, j’ai rencontré la disposition suivante; ces cellules rondes paraissent cintrées par ura corps de couleur plus ou moins irrégulier, d’aspecl muqueux, constitué par un amas de cellules cylindriques á limites confuses, á noyaux pen distincts et se colorau t mal par le Biondi—Haidenhain. Nous croyns qu'il s’agit d’un conduit excréteur ou d’un acinus glandulaire ». No exame histologico que Kiilbs procedeu, con- forme sua observação, nas glandulas parotidas, sub- maxillares, lacrymaes, em um grande numero de ganglios lymphaticos, o exame hystologico do baço e dos testículos, notou elle que só as glandulas que são attingidas dessa aífecção, a moléstia de Mikulicz, somente ellas revelavam uma infiltração diífusa dos lymphocytos com degenerescencia do epythélio, for- mação de cellulas pseudo-gigantes e desenvolvimento do tecido conjunctivo. Todo esse aspecto histologico observado por differentes auctores, lembra antes o da Iympliadenia com a leucemia, razão porque, Haltenhoff quer que estas duas aífecções sejam as mesmas, no que não podemos concordar confiados no parecer do Dr. Saussol 9 respeito: que na moléstia de Mikulicz o processo morbido fica estriclamente localisado nas glandulas 9 lacrymaes e salivares, não se acompanhando de hypertrophia ganglionar, nem perturbações geraes; emqnanto que, na leucemia, o entumescimento das glandulas em questão constitue uma das manifes- tações de um estado morbido complexo e generalisado, que se traduz por adénopathias múltiplas e por toda uma serie de desordens mais ou menos graves. CAPITULO II Estudo clinico J3lVIDIREM0S, para facilidade de nossa expo- sição, o estudo clinico da moléstia de Mikulicz em duas partes. Em uma trataremos de sna forma normal, em outra de suas formas incompletas. Como quer o professor Mikulicz, esta affecção apparece nos individuos moços, de 20 a 30 annos, e g’eralmente começa por uma tumeíacção das palpebras superiores. Notando o doente este entumescimento da parte supero-externa de suas palpebras superiores, hyper- tropbia que vae se fazendo pouco a pouco a ponto de impressional-o, elle procura, sem mais tardar, um medico oculista a se consultar. Chega a termo esta entumesceneia de, no seu máximo de desenvolvimento, allerar a physionomia do doente, emprestando-lhe um aspecto todo especial. A lenda palpebral diminue em sua altura pelo augmento manifesto do bordo externo da palpebra superior, e esta, pelo peso e distensão causados pela kypertrophia, tende a cobrir o g-lobo ocular na sua maior parte. 12 0 tumor at tinge, ma is ou menos, o volume de uma amêndoa, se manifesta completamente indolor e de consistência endurecida pela apalpação. Nenhuma modificação é observada nas funcções do ollio, e nem paralysias dos musculos motores; apenas, um veixame devido ao estreitamento da fenda palpebral. 0 começo da moléstia, ao contrario, pode-se dar pelas glandulas salivares como ha casos citados por Tietze, Cutlev e .T. de Jong. Quer o começo se dê pelas glandulas lacrymaes, quer pelas salivares, certo é que, em pouco tempo, ambas as variedades se acham affectadas tal a sym- pathia entre se existente, e no fim de poucos mezes, é chegada ao seu periodo de estado. As regiões parotidianas depois as sub-maxillares se hypertrophiam lambem. Diz o Dr. Saussol que se fica completamente surprehendido, desde que o doente se apresenta, com a sua physionomia toda especial, e tão especial e esquisita que ninguém mais delia se esquecerá, vendo-a pela primeira vez. Os olhos quasi cobertos pelas augmenladas pál- pebras superiores; crescidas as duas regiões paro- tidianas e a face enlarguecida, tornando-se já quadrada, pelo desenvolvimento das duas glandulas sub-ma- xilares. É tão interessante e singular esse fácies que traz á ideia, como disse o Dr. Saussol, uma cabeça de batrachio, sem que haja nisto exagero de comparação. 13 Nem ó só o que a iuspecção nos pode dar como ensinamento; ainda os signaes da pelle,*cnja super- fície, de tão lisa e bem distendida, desfaz as próprias pregas normaes do rosto. Hypertrophia das glandulas sub-linguaes se observa ainda si se manda abrir a bocca ao doente, ás vezes até, augmento de volume das glandulas palatinas, como allegam o professor Mikulicz e Tietze, etc. E a apalpação, talvez, o meio mais importante para o diagnostico; j)or ella vamos bem avaliar do volume da glandula affectada, que não deverá exceder ao duplo do seu volume no estado normal; podendo, entretanto, haver desegualdade das glân- dulas, de um e outro lado, estabelecendo-se notável asymetria. Um outro excellente signal de diagnostico se encontra na mobilidade, no deslise que conserva a pelle ou a mucosa, sobre os planos profundos, sobre a própria glandula, o que prova não se achar invadida a capsula que a contem. O tumor é de dura consistência, e si se revela molle algumas vezes, não dá nunca a ideia de uma fluctnação. O doente não se mostra queixoso pelo apalpamento desses tumores o que altesta frisantemente a insen- sibilidade dos mesmos. Pela apalpação do pescoço, nenhuma cadeia ganglionar deve se revelar ou alguma adenite conco- mitante, cuja presença importaria em disvirtua- 14 mento do diagnostico para a moléstia de Mikulicz, que, como vemos, tem excedentes dados para sua clareza e affirmativa. Em caso de uma adenite encontrada ou coisa que a se prendesse, não se trataria mais da moléstia que nos occupa, mas, de uma leucemia, de cujo exame do sangue, certo, teríamos confirmação. Da mesma maneira para as outras regiões ganglionares, como a cavidade axillar e região inguinal. Varias são as perturbações funcionaes que trazem as glandulas em causa, não só mechanica mas pliy- siologicamentc, como pretendeu mostrar o Dr. Snell. E assim que, pelo exag-gerado volume, das glan- dulas salivares no acto meclianico da mastigação, por exemplo, o portador da moléstia sente um certo vexame que algo o incommoda; de outro lado, é o augmento exaggerado daquella porção da palpebra superior que, pelo ser tanto, faz sentir ao doente diíflciildade e veixame em abrir os ollios para perfeita visão, tal é o peso da palpebra, e cujo volume até, alem de veixatorio, naturalmente actuará premindo a porção anterior do globo ocular. O doente tem necessidade, portanto, para melhor adaptação visual, de inclinar um pouco para traz a cabeça, de maneira a melhorar aquelle estado da visão pela estreitada fenda palpebral. Como provas de perturbações funccionaes phy- siologicàs, podemos nos valer das apontadas pelo 15 professor Snell: seccura particular da bocca e da lingua por insufficiencia da secrecção salivar; con- junctivites lendo por causa a suppressão das secree- ções glandulares.» v 0 estado geral do doente é o melhor possível, facto que é assignalado por todos os auctores que se occupam do mal em vista. Diz o professor Leiniss que a integridade do meio sanguíneo, como a do systema lymphalico, apresenta uma importância capital no ponto de vista da indentídade da affecçâo que nos occupa; pois, é essa integridade, precisamente, um caracter que pcrmitte se affirmar a autonomia da moléstia de Mikulicz, differenciando-a dos casos de tumefacção leucemica das glandulas lacrymaes e salivares, asso- ciadas a adenopathias ganglionares. Um lacto que não' deixa de ter o seu offeito benefico para o espirito do doente, já aterrorisado pelo aspecto do seu rosto, e ao mesmo tempo que constitue um elemento a mais para o diagnostico, é a falta absoluta desse estado morbido, caracterisado pela acceleração do pulso e augmento de tempe- ratura que lhe traria, alem da má impressão, um incommodo geral e perturbações de funcções diversas, a febre, do que ha falta absoluta na moléstia de Mikulicz. E, portanto, esta moléstia de uma benignidade extrema. 16 Os tumores glandulares como já vimos, crescem até o momento em que al tingem o duplo do seu volume normal, não augmentando mais depois dalii. Sob a influencia' do tratamento, ainda que se trate de moléstias febris, intercurrentesj como peri- tonite, pneumonia, erysipela, vê-se diminuição dos tumores até desapparecimenlo por completo dos mesmos. Si persistem, porém, até a morte do doente por qualquer daqucllas enfermidades, não lhe são nocivos sob o ponto de vista Tunccional. Só o incommodo moral poderá advir, por sua persistência, trazendo-lhe constante deformidade ao rosto, a ponto de procurar um cyrurgião para ablação dos mesmos quando uma medificaç.ão não ponde desembaraçal-o dessa liypertrophia. , 4 Assim descripta a moléstia de que nos occupamos em sua forma, commum, bem notável peia symetria de sua affecção e benignidade de seu curso, não mais insistiremos sobre essa forma, cujo estudo clinico e diagnostico, como tivemos occasião de observar, não são diííiceis de se fazer. Estudemos agora as suas formas incompletas. O professor Mikulicz suppõz que o começo dessa moléstia só se fazia nas glandulas lacrymáes, podendo a affecção ahi se localisar, e dava como exemplo, casos observados por alguns auclores. Deve-se, porém, admitiirque a affecção se Uva- 17 lisa, reciprocamenle, nas glandulas salivares sem attingir as glandulas laerymaes. Descreveremos, portanto, duas variedades ou formas incompletas da moléstia de Mikulicz, como bem observaram Souques et Clienét: a forma lacrymal e a forma salivar. Appoiamos a forma lacrymal sobre observações publicadas por Arnold e Decker, Power, etc. Demais é uma variedade de decryoadenite clironica que não podia ter escapado aos ophtalmologistas, e temos visto, nos tratados de moléstia de ollios, casos de dacryocystile dupla impossíveis de se lig*ar a affecção syphilitica, tuberculosa ou sanguínea, como, por exemplo, a leucemia. Dizem aquelles auctores, á cuja guiarda nos collocamos, que, anatomicamente, se encontra uma proliferação do tecido cellular, simulando uma inflam- mação clironica, o que leva a se ligar estas dacryoade- nites clironicas a moléstia de Mikulicz, sob formas incompletas que se completam) muitas vezes, em sua evolução, por uma liypertropliia das glandulas parotidas e sub-maxillares. A outra forma incompleta da moléstia de Miku- licz, a variedade salivar, é tão difficil de diagnostico quanto a primeira, a variedade lacrymal. Diz o Dr. Saussol que Kiimmel, em 1897, em P. Q. :1 18 sua « Revista Geral» lembrava seis casos da moléstia de que nos occupamos, casos de observação pessoal, e, entre elles, quatro limitados as glandulas sali- vares; pelo que, citamos uma destas observações a que chamava elle de interessante. Tratava-se de uma senhora de 28 annos de edade, solteira, costureira, que se consultara em 10 de Julho de 1890 ao professor Mikulicz por estar com um entumescimento no rosto. Inquerida nos seus antecedentes hereditários nada respondeu que se ligasse ao caso. Dos antecedentes pessoaes, disse que até aos oito annos de edade era bem disposta: depois do que, começou a observar um augmento gradual de volume da sub-maxillar esquerda, sem dor nem pertur- bação ; tumor que foi extirpado em Abril de 1890 pelo cyrurgião Y. Berquimann, dando-se a cura rapi- damente. • Seis semanas depois da operação, a doente quei- ,xa-se de uma tumefaeção da parotida direita o que desappareceu expontânea e gradualmente. Foi depois disto que se desenvolveram, no decorrer do anno, os tumores em derredor do maxillar inferior, e com os quaes apresentou-se ella para se consultar. Teve tosse alguns annos depois, principalmente quando se expunha ao frio e cuja tosse augmentou depois de 1894, epoca em que foi a doente attingida de uma grippe muito forte. Durante a convalescença os tumores desappa- receram sem deixar vestígio; se rebellando, porém, 19 algum tempo depois, reappareceram gradalivamente, attingindo'o volume que actualmente conservam. A doente fôra accomettida de carie nos dentes,, a ponto de perdel-os todos uns após outros, e o parecer do profissional, o cyrurgião dentista, que procurou tratal-os, foi que a qualidade da saliva tinha sido a causa determinante da queda de todos elles, por destruição do comento dentário. Hoje, a doente se acha bem forte, apenas com as duas tumefacções que apresenta, uma de cada lado, ao nivel das regiões parotidianas correspon- dentes, o que lhe dá um aspecto bizarro e caracte- ristico. São os seguintes, e bem pronunciadamente os limites de cada região parotidiana tumefeita: para deante, a borda anterior domasseter; para baixo, o angulo da mandibula que excede ligeiramente; para traz, o bordo anterior do tragus e o lobulo da orelha. De consistência molle mas não fluctuante, tem, aspecto liso e pelle normal. Dois centímetros para deante do bordo antero- inferior deste tumor, um segundo se encontra, claramente isolado do primeiro, consistência forte e tamanho de uma cereja, situado mais perto da mucosa que da pelle; está como enfechado na espessura da bochecha, simulando uma parotida accessoria. Um outro, immediatamente abaixo deste, se apresenta, mais claramente distincto, ligado a face intèrna do maxillar inferior, fazendo saliência sob a mucosa e se extendendo proximo á visinliança dos incisivos. 20 Na bochecha esquerda, lumefacções, embora menos desenvolvidas, são notadas, faltando, porém, a parolida accessoria. A região sub-maxillar não é tumefeita, notando-se ahi uma cicatriz longitudinal, vestigio da operação a que se submettera a doente em 1890. Todos estes tumores estavam livres deadherencias, não só por parte dapelle, mas, também das mucosas, e inteiramente indolores á pressão. Aberta a bocca do doente, notou-se a existência de um tumor um tanto volumoso devido a tumefaccão das giandulas sub- maxillar e sub-lingual, não sendo facil distingui 1-as pela palpação. Seus conductos se achavam abertos e facilmente catheterisaveis. l)c cada lado do freio da lingua as giandulas de Blandin e Núhu, augmenladas como pequenas her- vilhas, levantavam ligeiramente a mucosa lingual. As giandulas do paladar estavam tumefeilas e a sub-lingual esquerda augmentada como a direita. As giandulas lacrymaes se mantinham normaes. Para o lado dos ganglios lymphaticos nada havia de anormal. O exame do sangue, procedido varias vezes, também nada revelou de anormal. A 14 de Junho o professor Mikulicz fez ablação da sub-maxillar direita sob acção da cocaina, havendo pequena hemorrhagia e fazendo-se rapida a cura. / Foi dado ao doente um poção arsenical, -sendo 21 este tratamento interrompido no fim de algum tempo, por estar sendo mal administrado. Iielirou-se a doente da clinica não mais se tendo noticia delia. líanzi apresentou em 1905, á Sociedade de Me- dicina de Vienna, um outro caso interessante. Era uma mulher attingida de uma tumefaeção das duas glandulas parotidas, accusando seccura da bocca á dois annos e meio. As glandulas tumefeitas tinham irregulares a sua superficie e eram indolores. Após a biopsia, o exame histologico revelou uma distensão dos acinis pelo tecido lymphatico. Submettida a acção medicamentosa ioduretada, nenhum resultado foi colhido. Embora a doente não fosse um typo semelhante ao precedente, não apresentasse entumescimento das outras glandulas, com tudo não trepidou o observador pelo (pie viu, em suspeitar tratar-se de uma moléstia de Mikulicz. Jayle, na Presse medicai c de 1894, descreve quatro casos de hypertrophia das parotidas; um delles de origem provavelmente saturnina, porquanto o doente era typographo; dois dizem respeito a uma parotidite de origem tuberculosa, o outro, porém, não podia deixar de ser ligado a moléstia de que nos occupainos. Era um liomem de 33 annos que, sem causa conhecida, fôra aos seus 13 annos surprehendido 22 por um entumescimento bilateral das regiões paro- tidianas. A direita foi a primeira a se tumefazer, ficando a mais volumosa; a esquerda, porém, augmentou algumas semanas mais tarde, não sobrevindo, por nenhuma das duas, a menor inflammação. O doente não soffria a menor dor e não se constatou pús no canal de Stenon. Examinado o doente notou-se uma tumefacção molle e indolor, occupando toda a região dagdandula parotida de que desenhava bem claro os seus con- tornos, sendo mais accentuada a direita. As glandulas sub-maxillares se achavam mani- íestamente hypertrophiadas, e, no seu nivel, uma espeeie de edema; de consistência cgual por Ioda a superfície, que fez suppôr tratar-se de uma sub-ma- xillite. O exame da bocca nada revelou de anormal e nenhuma hypertrophia ganglionar foi notada. Aborrecido já por aquella defformidade o doente manifestou desejo de se desembaraçar da tume- facção, para o que foi feita uma incisão exploradora no nivel do bordo anterior da parotida direita. Demonstrou a operação tratar-se de um tumor da parotida, cujo exame microscopico em um pequeno fragmento convenientemente retirado revelou estar a glandula perfeitamente normal. Eicon portanto provado tratar-se de uma simples hypertrophia e não de uma inflammação chronica destas glandulas. 23 Observação esta, que fez crer a Jayle um caso incompleto da moléstia de Mikulicz: hypertrophia simples das glandulas salivares sem hypertrophia ganglionar. Outra observação, de Souques et Chenet, que deve entrar no quadro das precedentes: •Um vellio de 85 annos, jardineiro, sem antece- dente morbido hereditário ou adquirido, digno de nota. Em sua lãmilia ninguém soífrera de affecção semelhante, embora filho unico enãoserpae. Nunca sofreu de moléstias venereas, ou intoxi- cação qualquer que alterasse suas glanclulas sali- vares—como as produzidas pelo álcool, chumbo, etc. Nunca tora doente. Não sabia bem dizer; sentia-se incapaz de clara- mente precisar do principio desta hypertrophia glan- dular; declarou, porém, ser de nascimento e sempre ter sido assim. I)e maneira que havia dificuldade em se saber se esla affecção era congénita ou sobrevinda durante sua infancia ou adolescência. Citou que o seu barbeiro, quando lhe barbeava por toda sua mocidade, lhe chamava sempre a attenção para o augmento das regiões parotidianas. . Tumefacção esta bi-lateral, symetrlca, e bem accentuada; pelle normal, os tumores moveis pela palpação, indolores e bem delimitados, persistentes e lobulados. À hypertrophia attingia não só as parotidas, mas, ainda, as sub-maxillares, sendo estas ultimas 24 eg’ualmenle aug-mentadas, moveis, indolores, nota- velmente menos pronunciadas que a das parotidas; podendo-se, porém, observal-as com clareza pela iuspecção e apalpação. Às g-landulas sub-ling-uaes se salientavam sob a ling-ua embora menos promtnciadamente. Esta liyperlrophia das g-landulas salivares não era seg-uida de dor, de nenhuma perturbação func- cional apreciável nem veixame mechanico. As g-lan- dulas lacrymaes nada tinham de anormal. O doente tinha uma cataracta e uma velha keratite montando já á uma quarentena de annos. Os g-angdios eram normaes; o seu fig-ado normal, o baço, como os testículos. Foi a seguinte a proporção em hemacias e leuco- cytos que o exame do sangue revelou: Leucocytos ! 14.000 Hemacias 3.800.000 Foi este o equilíbrio leucocytario: Polynuecleares 80 Monunucleares 13 Lymphocytos 7 Eosinopliylos ...... 0 Coração normal, artérias pouco tensas. Pulso a 92; urinas abundantes (2 a 3 litros por 24 horas), normaes. em qualidade, não contendo assucar nem albumina. Normaes o apparelho circulatório e o systcma nervoso. 25 Já para o fim desta affeçção foi o doente acco- mettido de duas hematemeses com melena, com pequena differença em dias de uma para outra. Se acfia magro, cachetico, a tal ponto de se poder suspeitar, nelle, a existência de um neoplasma latente, o que poderia explicar a hyperleucocytose acima descripta. Como vimos, nesta observação, tudo diz bem com o syndromo da moléstia de Mikulicz em sua forma incompleta, excepção daquella hyper-leuco- cytose que os auclores attribuem estar ligada a presença provável de ura cancro latente, attendendo a magreza do doente o que a moléstia de Mikulicz por si não pode explicar. Um outro caso observado no serviço clinico do professor Reclus, pelo Ur. Saussol: Tratava-se de um doente que entrou no Hospital por uma ligeira contusão da coxa e não pela moléstia de Mikulicz que até então ignorava soffrer. Seu pae morrera de um ataque apoplético na edade de cicoenla e cinco annos, e sua mãe, de pneu- monia, na edade de 63, deixando do casal 3 filhos e tendo tido 3 abortos. Não soube informar se seus paes eram sypliiliticos. Seus irmãos são fortes. Foi durante a sua infancia accommettido de foseola e scarlatina; e, na edade de 18 annos, de uma ligeira febre typbica. Cumpriu o serviço militar obrigatorio. Casado, na edade de 24 annos, teve deste enlace tres filhos que vivem e com robustez. Sua mulher não teve abortos, e é morta a 8 annos por uma P. Q. 4 26 affecção bacillar. Disse beber bastante e fumar muito. Neg-a ter tido Quando entrou para o Hospital, feriu logx» a attenção do observador a tumefação symetrica das duas regiões parotidianas que lhe davam muito particular aspecto. Abaixo da orellia, entre’o bordo anterior do sterno- cleido mastoidiano e o bordo posterior do ramo montante do maxillar inferior, via-se, de cada lado, um tumor achatado, molle, preenchendo por completo o sulco normal que abi se nota e cujo nivel augmentou enlarguecendo a parte inferior da face do doente. Este não soube dizer, precisamente, a data em que começou esta affecção, affirmando, porém, tel-a a mais de quatro annos, tendo os tumores augmentado de volume com extrema lentidão. A pelle, sã no seu nivel, de côr e aspecto nor- maes; não havendo nem circulação collateral nem adherencia com os planos profundos. Pela apalpação revelou-se o tumor de consistência molle e uniforme, não se encontrando, em toda a massa tumefeita, núcleo alg*um cuja consistência parecesse superior a daquelle todo. Não era lobulado. Indolor; e inlacto se mostrava o nervo facial. Os movimentos do maxillar inferior se faziam normalmente, sem que causa alguma mechanica o demovesse de suas funcções. As gdandulas sub-maxillares egual e considera- velmente augmentadas de volume, do tamanho de 27 um ovo de galinha, sc deslocavam sob os dedos, comprovando, assim, a sua inadherencia com os tecidos visinlios, e eram inteiramente indolores á pressão. Conservavam a mesma consistência de uma glandula sub-maxillar normal. As gdandulas sub-linguaes se achavam egualmente tnmefeitas e abrindo-se a bocca ao doente notava-se que a sua saliência, normalmente manifesta de cada lado da lingua, sobre o plano buccal, estava muito exagge- rada, representando a sua espessura a do pequeno dedo. Apalpadas, entre o indicador introduzido na bocca e o polex applicado sobre a região super-liyoidiana, na parte media, se percebia ao menos, tres vezes mais volumosas que no estado normal. O orifício do canal de SLenon nada tinha de particular, bem como o canal de Warton. Eram normaes a quantidade e qualidade da secrecção salivar. As glandulas lacrymaes não pare- ciam tumefeitas. Fez-se o exame do sangue que deu este resul- tado : Globulos vermelhos. . . . 5.400.000 » brancos 8.000 Mononucleares 17 Polynucleares 62,0 Eosinophylos 0,5 Eram normaes as urinas. Yê-se portanto, pelo que deixamos exposto, o 28 traço de união entre o syndromo da forma normal da moléstia de Mikulicz e suas variedades incompletas. Lembraremos agora casos que começando pela forma salivar ou forma lacrymal, se vão completar no fim de dois annos mais ou menos. Comecemos por uma observação de Tietze em 1890 (Contribution á 1’etude des alfections syme- triques des glandes lacrymales et salivaires): Um doente de 33 annos de edade, que a dez annos notou formar-se lentamente, uma tumefacção bilateral na região sub-maxillar. Quatro annos depois, percebeu um entumesci- mento do terço externo das duas palpebras que augmentou insensivelmente, terminando por incom- modal-o no afastamento das pregas musculo-membra- nosas da região; razão pela qual foi o doente admittido na clinica do professor Mikulicz. Pelo exame objectivo notou-se que a metade externa das duas palpebras era sede de dois tumores, um de cada lado respectivamente, mais ou menos diffusos, se prolongando para a cavidade orbitaria. As glandulas salivares todas estavam notável- mente tumefeitas, pricipalmente as sub-maxillares que attingiam o volume de uma castanha. Na cavidade buccal encontrava-se, dos dois lados, para traz do palatino, perto do rebordo alveolar, um pequeno tumor coberto de mucosa normal. Um exame minucioso de todos os orgâos per- mittiu affirmar-se não se tratar de sypbilis, nem de tuberculose, nem de leucemia. 29 Satisfazendo-se ao desejo do doente fez-se a extirpação dos dois tumores pàlpebraes. No exame hystologico o auctor não encontrou traço de glandula lacrymal: todo o tumor, ao contrario, era formado por tecido lymphatico contendo nas partes periphericas, foliiculos lymphaticos typicos. Acrescentamos ainda que M. Tietze observou a presença de um grande numero de cellulas gigantes. Estas não apresentavam os caracteres que offe- recem na tuberculose, tinham poucos núcleos e as vezes só apresentavam um. O auctor pensa que as glandulas lacrymaes contêm normalmente tecido lymphatico (o que foi provado por M. Heidenhein) eé de notar que em todos os casos de que falamos e que são observados por elle ou auctores outros, vè-se uma proliferação deste tecido lymphatico seguido do desapparccimento mais ou menos completo do tecido glandular normal. Tietze compara a moléstia descripta por Mikulicz á hypertrophia amygdaliana e as vegetações ade- noides do pharynge, adoptando a maneira de ver deste cyrurgião que, como já vimos, é levado a explicar estas tumefações por processos iniecciosos de evolução muito lenta. Custler assignalou o seguinte em 1904, um caso analogo : «La malade semble avoir une tuméfaction de ses glandes lacrymales, posterieure a celle des glandes salivaires, mais comme Tintervalle indiqué par la patiente est assez court, il serait difíicile d’affirmer 30 que ces constatations subjectives correspondent a là realité des faits». Não é, porém, esta observação tão authentica, tão convincente como a seguinte de Jong e Joseph. Estes auctores fizeram duas communicações em 1908— em Janeiro uma e a outra em Dezembro. Eis a observação completa e reputada de grande valor e por isso damol-a aqui com todas- as minúcias: Era um doente de nome Emile.L... de 15 annos de eclade que foi se consultar na clinica ophtalmo- logica do Ilospilal Geral, ha seis semanas. Sua historia, um pouco atrapalhada, é diíRcil de ser reconstituída; parece, porém, que a affecção ocular e as lesões parotidianas que elle apresentava estavam desenvolvidas insidiosamente desde o mez de Abril de 1907. Até esta data em que se apresentou vivia elle, desde cinco annos, entre camponios, em uma aldeia, tratado mal e mal nutrido, quando foi por sua mãe retirado dalli e> enviado á Paris. Seus antecedentes hereditários são os menos garan- tidores a uma vida sã e forte. Seu pae succumbira de tuberculose pulmonar, e foi, no dizer de sua irmã ma is velha, uma alcoolata inveterado. \ Sua mãe teve vinte e um filhos e dois movitos; destes vinte e um quinze estão mortos, em drfferentes edades, entre dezoito mezes e cinco annos; não se podendo, portanto, colher, por absoluta impossibili- dade, esclarecimentos precisos neste sentido. 31 No doente, desde que se o examina, dois factos prendem logo a attenção do observador: seu infan- lilismo e sua tumefação parotidiana, sendo esta bastante accusada. A vista é logo ícrida pelo enlarguecimento dos ângulos da mandibula, e pela palpação vê-se que se trata de um tumor indolente, uniformemente dúro e lobulado, sem pontos amollecidos, collado contra o maxillar inferior e £eu ramo montante, o que não pode ser senão a glandula parotida. Para a esquerda, lia, da mesma forma, um lobulo aberrante, anterior, muito visível. As glandulas sub- maxillares são do volume de uma pequena noz e claramenle endurecidas. As glandulas sub-linguaes fazem saliência sobre o plano, da bocca. Tentou-se obter um pouco do liquido paroti- diauo pela tecbnica de Sicard para um estudo cyto- logico, nada porém, se escuou pela pequena sonda. O desenvolvimento da liypèrtropliia parotidiana parece se ligar sem nenhum accidente agudo, ás lesões oculares que se manifestam principalmente a esquerda. O doente não apresenta tumefaeção das palpebras nem deformação na fenda das mesmas. A apalpação das fossetas lacr3rmaes nada deixa perceber, não se achando hypertrophiadas as glan- dulas lacrymaes. A conjunctiva apresenta uma ligeira injecçâo principalmente perikeratica. As corneas estão se- 32 meadas de capacidades intersticiaes; ha ainda alguns depositos de Keratite ponctuada posterior. Os iris são descorados, as pupillas irregularmente dilatadas pela atropina com deformações polycyclicas devidas a synechias posteriores. Sobre cada iris encontra-se pequenas formações sesseis, actualmente em regressão, devido, evidentemente, a gosmas irianas, de natureza impossivel decaracterisar segundo o aspecto exterior. 0 vitreo muito turvo, o fundo do olho inexploravel, a visão péssima, nenhuma reacção viva. Sem serem estas Jezões fundamentaes, outras não são encontradas claramente em nenliuiha outra glandula. Ha uma certa hypertrophia do corpo thy- roide talvez indurecida. O doente não apresenta signal algum de myxedema nem mesmo de dysthyroidia- O rosto pallido e um pouco túmido, como que inchado; a pelle, porém, flexível em todas as regiões; as mãos e os pés parecem normaes. Normal o desenvolvimento dos cabellos, dos super- cilios e das unhas. Não apresenta cyanose nem hemicrania. A lingua de cor e volume normaes. Não se apresenta um só ponto dolorido no esqueleto. Não ha scoliose nem traço de rachitismo. Os dentes normaes. Sendo de quinze annos dé edade, parece, no entanto, ter dez; um verdadeiro infantilisado. Esta- tura de um metro e trinta e dois centrimetros. Peso 33 de iritila e imi kilogrammosemaistrezentasgrammas. Sua própria família se admira do facto. A cabeça um pouco crescida; o thorax quadrado, o ventre proeminente. O penis muito pequeno, os testículos não estão nas bolsas, estão detidos no armei e são mui pequenos. Não lia o menor desenvolvimento de pellos no pubis nem na axilla. É diíficil, sendo dado o meio no qual viveu, avaliar de seu infantilismo psychico. Mal responde as perguntas, e dos factos mais simples, e mais recentes, não se lembra. Nenhuma perturbação apresenta para o lado do systema nervoso. Pela auscultação nenhum signal apresenta que se suspeitasse de tuberculose pulmonar. Respiração um pouco rude pdr toda parle. Atraz, um ponto na região interscapular, princi- palmente a direita, chama a attenção, por uma zona de sub-matidez com sopro bronchico aos dois tempos, mas imo ha signal algum funccional de compressão ganglionar mediastinal e a radiographia nada fornece de preciso. O coração é hypertropliiado, ou antes, é relati- vamente mais desenvolvido que o thorax, como bem se percebe na radiogragbia. Aponta bate no sexto espaço; o pulso conta 88. Não ha dyspnéa de esforço. O baço se patenteia á percussão, não havendo, porém, nenhuma parle de adenopathia. As amygdalas P. Q. • li 34 não sao hyperlrophiadas. À formula sanguínea é normal, com ligeira anemia: Globulos vermelhos. . . . 4.080 000 » brancos 6.000 # Hemoglobina 70 °/0 Leucocytos polynucleares neutrophilos 68 Eosinophilos 1 Leu cocytos mononucleares grandes e medio. ... 21 Lymphocytos 9 Urinas normaes, sem albumina nem assucar. O fígado não augmentado. Os auctores acrescentam: « Les lesions oculaires si importantes que presente le petit. malade semblant avoir évolué si nettement en même temps que les lesions salivaires que nous croyons en droitde les rattacheries unes aux autres. d’autant que les oculisles n’ont pu se prononcer suj la nature de ces lésions oculaires en 1’absence de tout stigmate d’hérédre-syphilis et que dans 1’obser- vation de Cutler il existait une iritis nodulaire ana- logueá celleque présente notre petit malade». As probalidades, com effeito, estavam fundadas: 11 mezes mais tarde esses auctores faziam uma segunda communicação á Sociedade medica dos Hos- pitaes, onde se referiam que seu doente apresentava uma hypertrophia com endurecimento esclerotico das glandulas lacrymaes dos dois lados. 35 Nem o tratamento tyroidiano, nem o especifico, tinham impedido esta evolução e o estado geral não manifestava cnra modificada. A evolução destas formas anormaes é como a das formas completas, isto é, de uma chronicidade deses- peradora, mas também, de uma benignidade toda particular. E só sob a influencia de um tratamento apropriado que esses tumores retrocedem e desappa- recem, 11a conuicção que o tratamento se prolongue por muito tempo. São portanto bem typicos os Ires casos que refe- rimos em ultimo logar, constituindo uma classe particular que têm no começo 0 aspecto de uma forma salivar tornando-se depois uma forma completa. Por sua vez, como já vimos, esta forma, quasi sempre, começa pelas glandulas lacrymaes aífiectando então a forma lacrymal pura. E pois innegavel que não se peque, as vezes, descrevendo formas incompletas deste syndromo tão pouco caracterisado pela textura histologiea das glan- dulas hypertrophiadas e unicamente impressas no fácies do doente por defformações que elle crêa. Comprehende-se, pois, as difficuldades que podem se apresentar ao se firmar o diagnostico quando se trata de uma dessas formas ou de uma forma completa em começo. Sobre este assumto trataremos no capitulo que se segue. CAPITULO III; Diagnostico, prognostico e tratamento Th ’ li/ sobre a seguinte triade symptomatica que se baseia o diagnostico da moléstia de Mikulicz : tumefaeção symetrica das glandulas la- crymacs c salivares; benignidade de sua evolução; / integridade da formula sanguínea e dos ganglios. Estes Ires symptomas principaes, reunidamente, constituem elemento essencial para a affirmaliva desta affecção. Não quer dizer que não se encontre tumefaeção de uma só das glandulas lacrymaes, das glandulas parotidas o sub-qiaxillares, isoladamente. Encon- tra-se, e é quando o observador trepida para firmeza do diagnostico. Emquanto na sua forma normal, no periodo de estado da moléstia, para o que basta lembrar-se do fácies do doente para se ter logo em memória a verdadeira causa da affecção, emquanto nesta forma, 38 cie evolução completa portanto, por aquelles Ires signaes caracterislicos, o diagnostico é de grande facilidade, nas suas formas anormaes, até na própria normal em começo, elle se torna, As vezes, bem difficil. E é destas formas ultimas que despretenciosos pretendemos aqui nos occupar, apoiados em obser- vações de auctores que em tão bôa hora compul- samos. Confuso é, na verdade, o diagnostico de qualquer destas formas com o da Ivmphadenia leucemica ou aleucemica. Pode-se encontrar perfeitamente, um augmento de volume das glandulas lacrvmaes e salivares, simulando a moléstia de Mikulicz. Não é pequeno o numero de casos. Muitos existem, e o Dr. Saussol nos fornece vários typos de lyrnpjiadenia leucemica. Cita casos observados por Leber, de Zim, Gallascli que tratava de um menino de quatro annos e meio apresentando tumefacção das glandulas paro tidas, lacrymaes, sublinguaes e dos glanglios lymphalicos em varias regiões. O numero dos globulos brancos estava augmenlado e existia na. pelle da face e na conjunctiva ocular, manchas ecliymoticas. Um elemento de valor, nos lembra elle, para o diagnostico differencial entre uma e outra affecção, é a pesquiza dos ganglios no nivel do pescoço, na axilla, na região inguinal' o que não se verifica abso- lutamente, em se tratando da moléstia de Mikulicz. 39 Ainda pelo exame do sangue, ainda pelo exame das regiões puratodianas que, em casos de lyixpha- denia leucemica, se mostram cercadas de ganglios, temos elementos de differenciacão. Em casos de lympliadenia aleucemica ou adenia de Trousseau, ou moléstia de Hòdgkin, ainda pseudo- leucemia, não se tem como elemento de diagnostico o exame do sangue, por não haver aqui modificação na forma leucocytaria; e está-se deante de um caso que apresenta feixes ganglionares nas regiões paro- tidianas e sub-maxillares, uma hypertrophia do tecido lymphoide nas glandulas lacrymaes, appro- ximando-se perlei lamente do typo-syndromo de Mi- kulicz. Damos á seguir uma observação de Hoeckel que bem merece ser cilada: Era um homem moço ainda c no qual se desenvolveu, quatro mezes após uma contusão da região lombar e da columna vertebral, um entumes- cimento symetricodas glandulas lacrymaes, parotidas e sub-maxillares, sem que, concumitantemente, houvesse uma qualquer alteração do sangue. Durante uma enterite intercurrente astumefações diminuíram notavelmente de volume; reincidiram com a cura da affecçâo intestinal, e agora se asso- ciando á infiltrações cutaneas, circumscriptas, como se observa na pseudo-leucemia. Sendo novamente accomettido de enterite, com febre alta, outra vez as hypertrophias glandulares diminuiram, até a morte do doente, quatro mezes 40 após a affecção. Autopsiado, encontrou-se, além da hypertrophia das glandulas lacrymaes e salivares, notável augmento do baço, echymoses em diversos orgãos e ulcerações múltiplas no grosso intestino. Os casos todos que se terminam pela morte tem sido em geral, de uma evolução rapida, e durante a qual muito soffre o pobre doente. Como vemos, trata-se aqui de uma affecção maligna. Emtanto, a moléstia de Mikulicz, inda uma vez o dizemos, é essencialmente benigna; não trazendo ao doente diminuição alguma de suas forças, podendo se entregar aos misteres de sua profissão. Ha vezes em que tendo-se firmado o diagnostico da moléstia, a sua evolução vem destruil-o por completo. Prova-nos isto um caso de Maxcusse, apresen- tado em 1904, á Sociedade de Medicina de Berlim. Era um doente por elle diagnosticado de moléstia Mikulicz; em 1907, tres annos, portanto, mais tarde, notou que seu doente se tornara um pseudo-leuce- mico, accusando uma adenite dos ganglios super- claviculares e tracheo-bronchicos do lado esquerdo. Embora fosse o doente de Maxcusse considerado uma excepção, adinittindo-se ter tido a pseudo-leu- cemia começo no tecido lymphoide das glandulas lacrymaes e salivares, ou ainda, se juxtapondo esta pseudo-leucemia á moléstia de Mikulicz, o facto é que a evolução da moléstia veio desfazer do diagnos- tico já firmado. O critério clinico se impõe portanto, reclamando 41 além de exame minucioso, reserva de conclusões, para se poder com firmeza, chegar a um diagnostico verdadeiro. 0 lympho-sarcoma é uma outra affecção que para o observador incauto e precipitado, poderia se confundir com a moléstia de Mikulicz. Facilimo porém, é o seu diagnostico, não podendo com ella, se confundir. O7 começo do lympho-sarcoma se faz em um só ganglio que augmenta rapidamente, adherindo aos orgãos visinhos e chegando á formar tumor mais ou menos endurecido, mal limitado, vindo a se ulcerar dentro de pouco tempo. Fácil é pois o meio de destinguil-as. E nas formas incompletas da moléstia de Miku- licz onde sc encontra frequente a confusão. Na sua forma salivar, por exemplo. Sabemos como são frequentes as inflammações e tumefaeções chronicas destas glandulas. Não falaremos das parotidites infecciosas que são agudas e se acompanham de febre calor e dores localisadas; signacs estes que nos conduzem facil- mente ao seu diagnostico. Insistiremos porem, sobre as aífecções chronicas de que são séde estas glandulas. A parotidite tuberculosa por exemplo, principal- mente em sua variedade diífusa e quando dupla, poderia com a moléstia de Mikulicz algo se confundir. Com effeito ella apresenta um entumescimento geral, mal limitado, de dura consistência na maioria das P. <). r, 42 vezes e somente mais tarde revelando pontos amolle- cidos. A pelle distendida é edemaciada e vermelha. É pela unilateralidade das lesões, pelo aspecto dos tegumentos, concumitancia das lesões pulmonares tuberculosas, que se faz o diagnostico. Não falaremos de parotidiles tuberculosas, de focos circumscriptos se apresentando sob o aspecto de um tumor unico, arredondado e flucluante, tendo todos os caracteres de um abcesso frio. A parotidile chronica, muco-purulenta, se caracle- risa pelo facto de fazer abrolhar á bocca, quando se a calca, um jacto mucoso-purulento. Diz Renon- champs—fsemaine medicale n.° 5—1906) que para se obter este elemento differencial, basta sobre a paro- tida se exercer uma certa pressão, e logo afflúe á bocca aquelle múco-pús caracteristíco. A syphilis, raramente symetrica nas glandulas salivares, se maniíesta quer por sua forma precoce, quer pela terciaria. Na primeira, uma tumeíação da parotida se produz, de consistência forte e lobulada; a pelle, distendida se avermelha em sua superfície com mani- festações de edema, e os ganglios pre-auriculares se engurgitam. Symptomas estes não encontrados na moléstia de Mikulicz. Na segmnda forma, a terciaria, manifestações sc encontram sob a forma de gommas, facilmente reconbeciveis pelo seu aspecto caracteristíco. Como se vê só descuidadamente se poderia con- 43 fundir as afíeccões supra citadas com a moléstia dc Mikulicz. Bem verdade que lia casos de verdadeiro emba- raço clinico, não se podendo ás vezes, ou muito diíficil- mentc se podendo affirmar da veracidade da forma salivar da moléstia de Mikulicz. Para a forma lacrymal casos surgem de dacryoade- nites, os quacs poderiam ser apontados como elemento de confusão. Dependerá, também do critério clinico. A forma lacrymal, por exemplo, não se confun- dirá com uma dacryoadenite dupla aguda como se verá. Por Gálezowski (Infla mm aliou des deux glandes lacrymales, Recueil d’oplitalmologie. Juillet 1886) foi observado em uma mulher de quarenta annos, uma inflammação aguda das duas glandulas lacry- maes, acompanhada porem da; cntumescimento dos ganglios pre-auriculares e das glandulas sub-ma- xillares. / Scheffols (trab. Dr. Saussol) assignalou um caso de dacryoadenite dupla apyretica e não purulenta, com tumefação dos gaugliose das glandulas sub-ma- xillares, adenopathias cervicaes e inguinaes eliyper- trophia do baço. . Se excluirmos a symelria destas lesões, estes casos nada tem de commum com a moléstia Miku- licz que é essencialmente clironica, não se acompa- nhando de nenhum phenomeno infiammatorio, nem adenopatliia; emquanto que, nos casos citados, a phlegmasia é um dos symptomas principaes. 44 Bem verdade que, em muitas vezes, só por exclu- são poderemos chegar ao diagnostico da moléstia que nos occupa, muito especialmente na sua forma salivar. Si ha casos em que o diagnostico logo se impõe, os ha também em que só a evolução guiará o clinico, e occasiões em que só a biopsia poderá resolver a dificuldade. Prognostico É uma affecção de prognostico benigno a mo- léstia de Mikulicz. Os tumores que lhe caraclerisam, desenvolvidos que sejam, ficam estacionários ou então regridem após augmenlados de volume. Já é precisamente um caracler da moléstia, esta benignidade de sua evolução. Os doentes recorrem ao medico unicamente pela deformidade de que estão possuídos; as vezes também, devido ao incommodo que lhes causa, na deglutição, a hypertrophia das parotidas. Por outro lado, é a diminuição da fenda palpebral que os leva á um oculista, á se consultarem. Tumores metastaticos nunca foram observados, deixando, portanto, de se tratar aqui de algum tumor de caracter maligno. Casos de morte tem-se observado, não se tra- tando verdadeiramente de urna moléstia de Mikulicz, mas, de uma lympliadenia intercurrente. 45 Tal 6 o caso de Maxcusse que livemos occasião de citar em folhas anteriores. Ou bem a morte resulta de uma moléstia inter- currentc, ou o doente é levado ao suicídio por uma depressão moral, trazida pela defformidade de seu rosto. E vexatória pois, pela anormalidade que traz á phisionomia, aos aclos mechanicos da mastigação e deglutição, o que liem sempre se dá, mas, não é uma affecção grave, é antes, uma moléstia humani- tária. / Tratamento t Dois são os tratamentos indicados para a mo- léstia de Mikulicz: o tratamento medico e o cirúrgico. Deve-se lançar mão sempre do primeiro para qualquer caso, c só por sua inactividade deve-se recorrer ao tratamento cvrurgico. Consiste o tratamento medico rio emprego do arsénico em ailas doses, aconselhado pelos profes- sores Fuchs e Cutler; o professor Ilaltenhoíf já opina pelo xarope de iodureto de ferro; podendo-se empregar o iodureto de potássio em certos casos, sendo muitas vezes de falhos resultados. O Dr. Ranzi apologista da radiotherapia, a acon- selha dizendo ser um tratamento susceptivel de trazer uma cura completa quando nenhum outro trata- mento interno tem exercido influencia sobre a evo- lução da moléstia. Em um seu doente diz elle: «ila suífi de dix 46 séance de radiotliérapie de sept minutes de durée chacune pour íaire entiérement disparaítre les tu- meurs localisées à la parotide». Tratamento que diz ♦ #> trazer duráveis resultados em alguns casos, embora em outros, os tumores reincidam voltando ao seu estado primitivo, sendo preciso fazer-se novas appli- cacões radiotherapicas. Quando, porem, íallecem lodos os meios ibera- peuticos indicados, então lança-se mão do tialamento cyrurgico, procedendo-se a ablação das glandulas hypertropliiadas. Não temos a intenção de descrever aqui a techi- nica operaloria desta intervenção. Lembramos somente, por assim nos parecer, que a ablação das duas sub-maxillares é relativa- mente facil e pouco perigosa, notando-se que na maioria das vezes, o pediculo facial passa na super- fície e não na profundeza da glandula. Torna-se facil então isolal-o, não seccionando-o. Ao contrario, porem, se daria com a operação das parotidas; temivel seria esta operação pela ligadura necessária das duas caro lidas externas e lesões mais ou menos prováveis dos dois nervos faciaes. Aqui, no caso das parotidas, seria melhor, embora com todas as reincidências, e na certeza de eviíar-se maior mal pela intenção da cura, insistir no tratamento pelos raios de Roentgen. O radio poderia aqui prestar os seus effeitos beneficos; não conhecemos porem, nos aucmres que compulsamos, caso algum que lhe deva tributo. 47 Apenas, em se tratando deste corpo, lemos, muito resumi lamente, que após a ablação cvrurgica se devera depositar na ferida operatória um tubo de radio com o fim de destruir tudo que poderia restar do tecido glandular. Passemos agora a ablação das g*landulas lacry- maes que mais aos interessam; era o nosso intento somente delias nos oecuparmos ligadas a moléstia de Mikulicz, quando fomos presos do assumpto em geral que achamos demasiado interessante. Emfiin a ablação das glandulas lacrymaes oífe- rece pouca diíhculdade e deve ser feita. Poderíamos divagar um pouco pela sua anatomia e physiologia, descrevendo-as*em suas parles e func- ções, que não crêam obstáculos na grande possibi- lidade de sua extracção, desde que não se tenha encontrado na tlierapeutica meio capaz de attenuando a sua hypertropliia, íãzel-a desaparecer por completo e sem reincidência. Lembramos de passagem, ser a glandula Jacry- mal encerrada em uma loja fibrosa especial, o que permitte na sua extirpação sem penetração da loja posterior da orbita. Foi P. Bernard quem primeiro, em pra- ticou esta operação. Para ella conhecemos dois processos operatorios applicaveis: o de Velpeau e o de Tillaux. No primeiro, divide-se a. commissura externa das 48 palpebras, prolongando-se a incisão para a têm- pora. Afastadas as bordas da ferida procede-se a enu- cleaç-ão da glandula, depois do que rcune-se-as por meio de uma sutura. Methodo que só é applicavel aos tumores volu- mosos segundo Galezowski. O processo de Tiliaux consiste em praticar-se na base da orbita, no nivel da cauda do supercilio, uma incisão parallela ao rebordo da orbita, interessando todas as partes molles, coinprehendido o periosteoque será descollado de maneira a abrir a orbita. Encontra-se a folha delgada e transparente do periosteo, atra vez do qual se vê as granulações da glandula. Feito isto, extirpa-se facilmente a glandula; evitando-se a penetração da loja posterior da orbita, o que aconteceria com o primeiro processo. Opinamos (em caso de ser precisa a extirpação da glandula) pelo segundo processo, não só pela razão apresentada pelo professor Tiliaux de se evitar a penetração da loja posterior da orbita, ainda porque, fazendo-se a incisão no nivel da cauda do supercilio, tem-se 'procurado evitar unia cicatriz visivel mais tarde. Os resultados são os melhores possiveis após o tratamento cyrurgico, pois os tumores não reinci- dirão eo doente sentir-se-á por toda a vida delles desem- i baraçado. . O Dr. Saussol, em caso de operação, encara o perigo do chloroíormio e as cicatrizes desfeiando a 49 face, tornando-se então apologista do tratamento radiotherapico para todos os casos da moléstia de Mikulicz Achamos, porem, que no caso das g-landulas lacrymaes a cyrurgia, após tentada a therapeuiica, deve ser empregada, attendendo-se a todos os cui- dados já indicados. CONCLUSÃO Pensamos com o Dr. Saussol e o fizemos no de- correr do nosso modestíssimo trafialho: descrevermos ao lado do symclromo completo de Mikulicz (tumefação symetrica das glandulas lacrymaes e salivares) as suas formas incompletas; destínguindo uma varie- dade lacrymal e outra salivar. A primeira se caracterisando por uma tume- fncção chronica das g-landulas lacrymaes, já des- criptas de algum tempo em tratados de ophtalmolog-ia, embora sem causa verdadeiramente conhecida, e a segunda, a variedade salivar, que .se caracterisa por uma liypertrophia de todas as g-landulas salivares sem comprehensão das lacrymaes. O Dr. Saussol é de opinião ainda que se poderia crêar uma terceira forma desta affecção, variedade intermediária, entre a forma completa e as duas anormaes descriptas. Elle quer se referir á aquellas que permanecendo um, dois annos e mais, forma lacrymal ou salivar, tornam-se de repente syndromo completo da moléstia. Ainda com elle pensamos ser preciso separar-se por completo a moléstia de Mikulicz da lymphadenia leucemica ou aleucemica, affecção grave que se caracterisa por uma hypertrophia ganglionar genera- lisada, com modificação sanguínea, o que não é abso- lutamente observado naquella de que nos occupamos. Proposições tr.es sobre cada uma das cadeiras do curso de SCIENCIAS MEDICAS E CIRÚRGICAS PROPOSIÇÕES ANATOMIA DESCRIPTIVA I— A glandula lacrymal é um orgão par, syme- trico, situado na parte supero-externa da orbita. II— É dividida em duas porções, uma superior, rnais volumosa, a outra inferior, menor, chamada g-landula lacrymal accessoria. III— A primeira porção está situada numa fosseta que lhe é própria na lamina orbitaria do osso frontal, a segamda, está collocada na conjunctiva do fornix. ANATOMIA MEDICO—CIRÚRGICA I— O apparellio lacrymal comprehende orgãos secretores e excretores. II— Secretores são as gdandulas e excretores as vias lacrymacs. III —Sãoséde de lesões que reclamam intenverçao cvrurgica. HISTOLOGIA I— Os g-lobulos brancos no sangue normal são em menor numero que os vermelhos. II— A sua proporção é de 1 para 640 dos segundos. III— Não é só no sangue que se encontra os globulos brancos. 56 PHYSIOLO|HA I— A glandulá lacrymal que pertence a classe das glandulas. em caclio, é destinada a secrecção das lagrimas. II— 0 papel das lagrimas é lubrificar o globo occular. III— A quantidade secretada é a sufficiente no estado normal, augmentando, porém, por uma exci- tação physica ou psychica, HISTORIA NATURAL MEDICA I— O Jaborandy é um arbusto da lãmilia Rutaceas. II— Produz muito no Brazil. III— O infuso de suas folhas é empregado nas irites especificas. CIIIMICA MEDICA I— O Sulfato de Zinco é um corpo branco, bem solúvel rbagua e insolúvel no álcool. II— Zn So'i r 1 II-O é a sua formula. III— De grande emprego 11a ophlalmologia por sua acção adstrictora. MATÉRIA MEDICA, PI1ARMACOLOGIA E ARTE DE FORMULAR I— Collyrios são formas pharmaceuticas empre- g-adas na tlierapeutica occular. II— Elles são seccos. liquidos e gazozos. III— Os liquidos são os mais empregados. 57 BACTERIOLOGIA I— O gonococus de Neisser se apresenta no pús sob o aspecto de micrococcus. II— É o único responsável pelas ophtalmias ble- norreicas. III— Bastante contagioso. PATHOLOGIA MEDICA I— Mo mal de Bright duas perturbações urinarias são notadas. II— Distinctas e differentes entre si: a polyuria e a pollakiuria. III— A primeira é urna perturbação de secrecção a segunda é uma perturbação de excrecção. OPERAÇÕES E APPARELHOS I— Ilemostasia—é uma operação que se pratica para suspensão de uma bemorrhagia. II— Eli a pode ser preventiva, provisória ou defi- nitiva. III— Pode ser praticada de varias maneiras. ANATOMIA E PIIYSIOLOGIA PATHOLOGICAS I— A cirrhose hepatica é assignalada anatomi- camente por uma nova formação de tecido conjunetivo desenvolvido as custas da trama cellulo-vascular do orgão. II— Nota-se que na cirrhose de Laénnec o peso e volume do fígado são bem diminuídos. III— Tumores nodulares se desenvolvem em certso P. Q. 8 58 fígados cirrholicosr, recebem o nome de adenomas do fígado. OBSTETRÍCIA I— A supressão das regras nem sempre indica ter se dado a concepção. II— Somente pelos signaes recolhidos no exame deve se guiar o parteiro. III— São signaes certos de gravidez: movimentos activos do féto, baloiço abdominal ou vaginal e os battementos do caração fetal. CLINICA OBSTÉTRICA E GYNECOLOGICA I— A expulsão dos annexos do féto é o que se chama delivramento. II— Pode ser natural ou artificial. III— O natural pode ser expontâneo ou facilitado. CLINICA OPIIT ALMOLOGICA I— Uma das causas mais frequentes da cegueira dos recem-natos é a oplrtalmia purulenta. 0 II— Incontesteéa sua contagiosidade. III— O nitrato de prata é um valioso recurso no seu tratamento. TIIERAPEUTICA I— O ferro é o melhor reconstituinte do sangue. II— Os seus preparados geralmente são consti- pantes. III— Muito empregado nas affecções do systcma lymphatico. 59 CLINICA CIRÚRGICA (2.* cadeira) I— A anesthesia tem grande emprego na cyrurgia. II— Pode ser geral ou local. III— Geralmente na l.a emprega-se o chloro- íormio ■ PASTROLOGIA CIRÚRGICA I— Varis é uma iníiammação chronica das veias. II— Muito frequente nos andarilhos, mulheres gravidas, etc. III— Seu prognostico pode ou não ser grave. CLINICA PROPEDÊUTICA I— - Auscultação 6 um methodo propedêutico indispensável. II— Se divide em mediata e immediata. III— A geralmente empregada é a primeira. CLINICA MEDICA (l.a cadeira) I— No doente suspeito de paludismo é indispen- sável o exame do sangue. II— E sendo deve-se encontrar nelle o hemato- zoario de Laveran ou o pigmento mclanico. III— E o quinino é medicação que não falha. CLINICA MEDICA (2.a cadeira) I— A liemialgia, ou hemicrania, se caracterisa por uma cephaléa. II— Que geralmente é unilateral. III —Se acompanha de perturbações varias senso- riaes ou motoras. 60 CLINICA SYPHILIGRAPHICA E DERMATOLÓGICA I— Chama-se zona, herpeszoster, a uma affccção cutanea de origem nervosa. II— É unilateral de ordinário. III— Geralmente o doente tem febre, dor, e per- turbações outras, CLINICA CIRÚRGICA (l.a cadeira) I— A operação do entropion faz-se de muitos modos. II— O processo mais simples é o de Snellen, III— Que tem a grande vantagem de esconder 0 bem a cicatriz operatória. CLINICA PEDIÁTRICA I— O rachytismo é muito commum nas creanças. II— O seu começo geralmente se dá no periodo da dentição. III— O seu tratamento está na nutrição dos ossos pelo phospliato de cálcio c na do estado geral. HYGIENE I— Perante a hygiene é a agua de uma impor- tância considerável. II— Quer a de boa, quer a de má qualidade. III— Se garantem a vida as aguas puras e as medicinaes, as infectadas garantem a morte. MEDICINA LEGAL E TOXICOLOGICA I—O hymen é um prolongamento da mucosa vaginal. 61 II— Nem sempre caraclerisa virgindade. III— Tem forma e resistência variaveis. CLINICA PSYCHIATRICA E MOLÉSTIAS NERVOSAS I— O beribori 6 nma polynevrite peripherica. II— São tres as suas formas : secca ou paralytica, liumida ou edema tosa e a mixta. III— Em qualquer dos casos é abulido o reflexo patellar. Viáto.—Seczctazia da Faculdade de Medi- cina da Bahia, 31 de Outubzo de igi i. Menandro dos Reis Meirelles Secretario.