Faculdade de Medicina da Bahia THESE APRESENTADA Á FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA Em 30 de Outubro de 1909 Para ser PERANTE A MESMA PUBLíCAMENTE DEFENDIDA Pelo Doutorando (c tÁtaló 'é/p Bacharel em sciencias e letras Natural da Bahia AFIM DE OBTER O GRAO DE DOUTOR EM MEDICINA DISSERTAÇÃO DA RESPONSABILIDADE MEDICA Cadeira de Medicina Legal e Toxicologia PROPOSIÇÕES Tres sobre cada uma das cadeiras do curso de sciencias medicas e cirúrgicas BAHIA Typographia e Encadernação do Lyceu de Avies Prudenoio de Carvalho, direotor Premiado com Medalha de Ouro na Exposição Nacional de 1908 1909 Faculdade de Medicina da Bahia Director —Dr. AUGUSTO CESAR VIANNA Vice-Director—Dr. MANOEL JOSE’DE AUAUJO Lentes cathedraticos OS DRS. MATÉRIAS OUE LECCIONAM l..a SECÇÃO Carneiro de Campos : Anatomia descriptivà. Carlos Freitas Anatomia medico-cirurgica. 2. a Secção Antonio Pacifico Pereira Histologia. * ãut?us>t0 C. Vianna Bacteriologia. çitiilherme Pereira Jtebello. . . . Anatomia e physiologia pathologicas. 3. « Secção Manuel José de Araújo . . , . . Physiologia. JoséEduardo F. de Carvalho Filho . Therapeutica. 4. Secção Josino Correia Cotias. ..... Medicina legal e toxicologia. Luiz Anselmo da Fonseca .... Hygiene 5. Secção Antonino Baptista dos Anjos. . . . Pathologia cirúrgica. Fortunato Augusto da Silva Júnior . Operações e apparelhos. Antonio Pacheco Mendes .... Clinica cirúrgica, 1.» cadeira. Braz Ilermenegildo do Amaral . . Clinica cirúrgica, 2.» cadeira. 6. a Secção Aurélio U Vianna Pathologia medica. .Clinica propedêutica. Anisio Circundes de Carvalho. . . Clinica medica, P» cadeira. Francisco Braulio Pereira Clinica medica, 2.a cadeira. 7. Secção José Rodrigues da Costa Dorea . . Historia natural medica. Ã. Victorio de Araújo Falcão. . . Matéria medica, pharmacolog a e arte de formular. José Olympio de Azevedo .... Cnimiea medica. 8. Secção Deocleciano Ramos Obstetricia. Climerio Cardoso de Oliveira . . Clinica obstétrica e gynecologii a. 9. Secção Frederico de Castro Rebello . . . Clinica pediátrica 10. Secção Francisco dos Santos Pereira . . . Clinica ophtalmologica. 11. Secção Alexandre E. de Castro Cerqueira . Clinica dermatológica e syphiligrapitiea 12. Secção Luiz Pinto de Carvalho Clinica psychiatrica e de mo’estias nervosas. João E de Castro Cerqueira . . . Em disponibilidade Sebastiao Cardoso F Substitutos OS DOUTORES José Affonso de Carvalbo 1.' secção Gonçalo Moniz Sodré de Aragão . . . ) t Julio Sérgio Palma 1 Pedro Luiz Celestino 3.* » Oscar Freire de Carvalho 4.a > Caio Octavio F. de Moura 5.a Joào Américo Garcez Fróes .... 6.a » Pedro da Luz Canascosa e José Julio de Calasans 7.a » J. Adeodato de Sou-a 8.a » Alfredo Ferreira de Magalhães ... 9.a » Clodoaldo de Andraue 10. » Albino A. da Silva Leitão 11. * MarioG. da Silva Leal 12. > Secretario—DR. MBNANDRO DOS RB1S MEIRELLES Sub-secretario—DR. MATHEUS VAZ DE OLIVEIRA A Faculdade não approva nem reprova a* opiniões exaradas nas tluses pelo* seus auctorss. HISTORICO jjêi responsabilidade medica já se nos depara entre a bruma, desde aquelles tempos fabulosos, em que os grandes feitos dos homens davam-lhes o pomposo titulo de semideuses! Todavia, todos estes personagens tornados ce- lebres por seus actos heroicos, não deixam, em sua maioria, pesar sobre seus hombros, todo o quilate da responsabilidade individual, porquanto osheroes de Platão não se tornavam responsáveis de suas intenções nem de seus movimentos: eram uma como especie de ministros dos Deuses a quem at- tribuiam a origem de suas façanhas! Por tal, se foram felizes na empresa a que se entregavam, é que um Deus amigo, por exemplo Atheneu inspirara a Ulysses, dando-lhes assim a ventura de um exito propicio; se, porem, mal succedidos, é que uma divindade perversa, lhes suggeriía ideias funestas !!! Em idade posterior, quando viveram Sophocles e outros, o homem não é mais o jo- guete da força suggestiva dos deuses, não ! Seus feitos, por elles concebidos e por elles 2 realisados, não mais reflectem a scentelha de uma assistência incoercível e divina!!! De maneira muito original, mas de paralello com ográo de cultura de tão remotas e atrazadas épocas, na plena franquia do empyrismo, a responsabi- lidade, em geral, se continha, exclusivamente, no resultado ou no termo do que tinha sido previsto e augurado, no campo das hypotheses, sem mere- cerem attenção o momento de origem e o curso da cousa confiada, em qualquer de suas modalidades. Ella visava o facto, não a intenção, Socrates, na austeridade de seus princípios de moral, fazia ver a Platão, seu discípulo, que: « Muito perdão está reservado a quem quer que, sem o saber, commette uma acção injusta, mente ou faz algum outro mal, e as leis são muito mais severas contra os máos e os mentirosos voluntários do que contra os outros.)) Platão acreditava na fatalidade de todas as nossas acções e Aristoteles, doutrinava esta sentença im- morredoura de fecunda applicação social: « A virtude depende de nós e o vicio também.» Sem respigarmos, em maior fartura, na fecunda seára da historia, desde os seus mais longínquos períodos, ao lado da evolução moral, por entre os meandros das escolas mais encontradas, até os nossos dias, na quadra plena e perenne da demar- cação dos departamentos profissionaes, salvo os 3 casos esporádicos das invasões clandestinas, em face ás nossas convicções, pelo estudo e pelo res- peito á organisação da sociedade, comprehendendo a acção protectora que exercerá no seio cauteloso das familias o cumprimento da ethica profissional, cumprindo um dever escolar, daremos em synthese o que se refere a historia da Responsabilidade Me- dica, certos d is nossos esforços e do deslustre da nossa exposição. Trabalho de grande merecimento, como todas as obras de evangelisação, muito tempo consumio o assumpto da responsabilidade medica para se installar no seio da sociedade dos paizes cultos, porque a intimidade dos médicos e clientes, esta- belecendo quasi uma harmonia familiar, um laço de intensos affectos, fazia recuar as tentativas, ao menos, da mais ligeira censura publica, no sentido de uma reparação! De facto, em todos os tempos, o medico sempre foi estreitamente envolvido nos actos e sciente dos mais importantes, especiaes e particulares da vida dos seus clientes. De longa data, os Pharaós, na escala das suas vestustas dymnastias, só acceitavam decisões, prin- cipalmente em assumptos de estado, dos magos — sacerdotes iniciados nos mysterios da medicina,— 4 que recebiam inspirações da influencia de certos planetas, na contemplação dos seus cursos, únicos, elles, em sua sabedoria, que adivinhavam pelas regras secretas e vedadas da astrologia! Mais tarde a influencia do medico na família — medicus familiaris — conservou-se, mudando apenas de caracter. EUe não mais fazia oráculos em nome dos Céòs, e, contudo, sua influencia não decresceu; torna-se mais intima, mais discreta, O medico tinha no exercício da sua arte, e até, alem d’esta esphera, uma competência geral. O medico tratava de todas as moléstias; acolhia os recemnascidos ao primeiro choro á luz externa, importuna ainda a uma visão incompleta; assistia todos os incidentes, os mais intimos da vida da fa- mília; era consultado a respeito da educação e instrucção da prole, escolha de profissão e até mesmo sobre contracto de casamento, — ultimo vinculo de um lar a se constituir. Era o amigo particular mais acceito é respeitado nos lances mais delicados da vida domestica, aqui aconselhando, ali prevenindo, pesando sempre a quantidade dos seus conselhos pela dignidade da sua profissão. Como, pois, se responsabilisar, no sentido ri- goroso da palavra, o medico, o amigo tradicional, 5 o depositário de todos os segredos da familia, o consolador efficaz dos dias de dor?!! Com que augustia e pesar se levaria as barras dum tribunal quem era mais confidente do que medico ?!! Tempos se passaram e comelles o papel do me- dico familiar se foi modificando, a ponto quasi de seu completo desapparecimento. Surge então a responsabilidade medica, por força de que o medico não mais é consultado como amigo, sim como profissional. E, assim, vejamosos documentos comprobatorios da responsabilidade em questão, entre os diversos povos. E, realmente, a Historia da responsabilidade medica — parte importante do nosso trabalho — á luz intensa dos factos e á chamma incandescente das narrações, no demonstrativo, sem rebuço, do nosso sensivel atraso no que respeita á lei e ao medico, vem, como um appello de consciência, ás gerações hodiernas, demonstrar-lhes, permitta-nos a expressão, não mais a egualdade, mas a supe- rioridade de alguns póvos de aquem, n’aquelle in- teresse e fervor pelos que exercem a arte de curar, sempre nobre, sempre respeitada. No assumpto temos Marache abrindo sua obra — Responsabilidade — para dizer, que na índia, os hindus possuíam um sumptuoso livro, a que bapti- 6 saram por Ayur-Veda — ou sciencia da vida — e que nada mais era do que um bellissimo tratado de deontologia medica, que, no conceito de notável scientista, poderia até, servir de norma aos mo- dernos ! Ainda mesmo no Egypto — núcleo de onde irradiou, brilhante e magestosa, numa fulguração admiravelde ensinamentos vários, toda a civilisação, vemosf surgir, da cultura intellectual d’esse povo, agora esquecido, o primeiro indice que servia, como de Estrella do Oriente, aos dignos sacerdotes da omnipotente sciencia do «divino velho de Cós» Diodoro daSicilia nos diz que os Egypcios eram senhores de um livro, em que, com meticuloso es- mero, vinham, criteriosamente, exaradas as regras, da sciencia medica a que os doutores de medicina se haviam de sujeitar. Quando o medico as seguia á risca, mesmo no caso de terminação fatal da moléstia, as perse- guições o não podiam attingir; pelo contrario, quando não as observava, mesmo na hypothese de completo restabelecimento do doente, ajustiça tinha acção directa sobre elle, Eis, então, como pensava um povo que hoje tem apenas sua gloriosa tradição! Quem, no Egypto, poderia accusar o medico, da morted’um doente, se elle tivesse agido de accordo com as já referidas regras do livro magistral?!/ 7 Que remorso poderia torturar sua consciência, se elle estava ao lado da lei ?!! Passando á Grécia, paiz em que a medicina era uma especie de deusa, venerada e querida, vemos que a responsabilidade medica, não deixou, de modo nenhum, de preoccupar o espirito lúcido daquelle povo. Plutarco cita-nos Glaucus, medicode Esphestion, que, em virtude de ter abandonado um doente, que veio a fallecer, em consequeucia de desvio de regimem, foi, por ordem de Alexandre, desgraça- damente posto em uma cruz.!!! Em Roma, onde a lei Aquilia imperava, o me- dico que causava a morte a um escravo, era con- demnado a pagar uma indemnisação relativa, e executado aquelle que era cúmplice da morte de um homem livre! Do nosso acurado estudo, quer nos parecer que, muitas vezes, a lei Aquilia, instituida por Justiniano, não era fielmente cumprida! E tanto verdade que Plinio, censurando, ousou dizer: « Só os médicos podem impunemente commetter um assassinato. » O eminente professor Lopes Vieira, envere- dando pelos juncaes os mais emaranhados da Historia, não acredita, talvez com acerto, que, em Roma se deportasse ou se executasse um medico, mas acrescenta o illustre mestre, salvo 8 quando agia por dolo, isto é, com intenção ma- lévola de matar, o que se não pode conceber! Entretanto, não é sem importância a citação da lei Aquilla; seu valor se reflecte intensamente sobre um dos capítulos do nosso trabalho em que estudamos a etiologia da responsabilidade —a# falta^geare. Enaltece mais o valor d’este capitulo, pequeno aliás mas de elevada importância, o facto singular de não ter sido o assumpto de que nos estamos occupando, absolutamente descurado dos povos barbaros, porquanto os Ostrogodos e Wisigodos sabiam, respeitando as leis e fazendo Justiça, punir o medico, que por imperícia, deixava morrer um doente, pagando com a entrega do seu corpo á familia da victima que, até podia dispor, na faina de uma vingança cruel ainda que não crimi- nosa, da sua própria vida, o crime, bastas vezes senão sempre involuntário, de sua incapacidade profissional. Uma como lethargia invade a questão, que discutimos. Assim, em pleno dominio da edade media, no século XIII, é que se ouve, despertada como de um pesadelo horrível, fallar de responsabili- dade medica. Effectivamente foi o toque de alarma, uma sentença em que os Burguezes de Jerusalem 9 condemnavam o medico a indemnisar um doente, a que havia erradamente amputado uma perna. A Áustria, na severidade de suas leis, conde- mnava o medico que, por imperícia na sua pro- fissão, causava mal a outro, obrigando-o a pagar uma indemnisação pecuniária, podendo o tribunal, sciente da importância do prejuiso, interdictar- lhe o exercício da profissão « até o momento sm que, por um novo exame, ficasse provado que elle já adquirira os conhecimentos que lhe faltavam. » Nos séculos XIV e XVII nova doutrina se implantou no seio da legislação franceza; então, triumpha a irresponsabilidade, só havendo punição para os crimes perpetrados com manifesta intenção malévola. No século XV, a Jurisprudência franceza admitte a responsabilidade. Menção especial deve ser feita da lei 19 ven- tôse an XI (10 de Março de 1803), que, no in- tuito de regulamentar o exercício da medicina, queda-se n’um silencio imperdoável no tendente á responsabilidade dos médicos, apenas creando o ar- tigo 29 para responsabilisar tão somente os offi- ciaes de saúde. E, como termo deste capitulo, aliás demasiado resumido, ajuntaremos, em summula, que todos os demais povos cultos, Inglaterra, Allemanha, 10 Italia, Portugal, e com que orgulho dizemos, o Brasil, têm, estampadas nas paginas bem lançadas dos seus codigos, artigos concernentes á responsa- bilidade medica. Definição, existência e reconhe- cimento da responsabilidade IUentre as escassas definições que eminentes legistas têm formulado sobre o assumpto, nenhuma nos pareceu mais digna de acceitação, tal a subli- midade da ideia na selecção acurada das palavras, do que a do notável mestre Lacassagne : — A obri- gação pelos médicos de soffrer as consequências de certas faltas por elles commettidas no exercício da aite, faltas que podem trazer uma dupla acção civil e penal. Effectivamente, a definição é clara e completa. Assim definida, vamos, em obediência ao me- thodo que pretendemos seguir, demonstrar quanto permittirem nossas luzes, approveitando immenso o que até então se tem escripto, a existência da responsabilidade medica, que, para Brouardel, é «o que os médicos quizerem». Em as nossas considerações históricas lembramos que outr’ora, em França, a classe medica se dei- xava arrastar por duas correntes, qual mais forte, mais impetuosa. Proseguindo na demonstração da existência da 12 responsabilidade medica, sem mais evocar os povos de outr’ora, vamos, encarando o assumpto no ati- nente ás gerações actuaers, iniciar o seu estudo. Notável deontologista, affeito a exercícios de doutrinas sociaes, moraes e philosophicas, numa synthese, mais feliz ainda do que Brouardel, de- finiu:— Ser responsável c ser livre. Lemma esmagador. Principio geral de livre ar- bítrio, dentro e fora da consciência. Na íei com a sociedade; na família com o indivíduo. Liberdade esvoaçando ao redor de um precipício sagrado: O remorso que martyrisa e a lei que pune. E isto porque a responsabilidade é certamente um facto geral que deve alcançar todo homem e toda profissão. Disse Tourdes,e com muito acerto: — «Ninguém é absolutamente irresponsável. » Realmente, para corroborar o pensamento do illustre legista, a nossa legislação apenas admitte clous casos, em que, por assim dizer, os indivíduos estão isentos de penalidades, são:—edade ou insa- nidade mental e eventualidade do crime. Os partidários da irresponsabilidade absoluta — doutrina errónea que, felizmente, abraçada por limitado numero de médicos, tende a desapparecer, apresentando documentos valiosos, assentando sua opinião em base solida mas, todavia, desbrocavel, allegam que difficil ou mesmo impossível, é ao tri- bunal do jury verificar as faltas do medico e preci- 13 sar se elle tem seguido as regras sempre variaveis da arte, que o juizo é incompetente e que o prin- cipio da responsabilidade medica impede o exercício consciencioso, livre e progressivo da profissão, que, finalmente, elle, paralysando a acção do medico, viria prejudicar o doente, coagido na escolha do remedio ou dos meios cirúrgicos, com o justo receio de, na possibilidade de um fatal desenlace, ser le- vado á barra de um tribunal! Do exposto, vê-se claramente que bem feitos são os argumentos ideialisados pelos inimitáveis doutrinários; entretanto, na precipitação com que os formularam no intuito de dar marcha ás suas in~ congruentes ideias, esqueceram, e eis o ponto es- boroavel, que os juizes de facto e de direito, no tribunal commum, se deixam embeber nas luzes scientificas dos peritos, fartos de competência e honorabilidade, para este fim criteriõsamente es- colhidos dentre a pleiade illustre dos sábios. Não achamos pois, razão no modo de pensar destes senhores e, a nosso apoio, vem um auctor citado por Tourdes dizer que: «Seria uma exhor- bitante pretenção, inteiramente inadmissível, sus- tentar que só o medico na pratica de sua arte, tem o direito de se abrigar sob o manto de uma com- pleta irresponsabilidade, fazendo do seu diploma uma arma sempre victoriosa contra as accusações as mais incontestes. Seria desconhecer a primeira 14 condição de toda a sociedade e destruir esta alli- ança intima, que une os interesses geraes com os da corporação medica e de todos os membros que a compõem». Adelonne, escrevendo sobre o assumpto disse: que semelhante prerogativa viria collocàr a socie- dade completamente desarmada contra os perigos que pudessem resultar da negligencia, desattenção ou imperícia dos médicos, uma vez que elles não terão de certo a presumpção de infallibilidade. Ainda melhor fizeram Legrand du Saulles e Berryer não hesitando em admittir a responsabili- dade civil e penal dos médicos. Dizem elles: « Ninguém deve se collocàr acima da lei, e o medico é muito seguro de si para que esta responsabilidade lhe pareça pesada. » De facto, não pode o medico julgar pesada a res- ponsabilidade dos seus actos, por força de que todos, seja quem for, têm a restricta obrigação de attender ao chamado da justiça, por irregularidades praticadas no exercício da profissão. Guerryer et Rottureau, em -excursão de mais folego, dizem ser injusto e perigoso para a socie- dade proclamar, como principio absoluto, que em nenhum caso o medico é responsável no exercício de sua arte. Briand et Chaudé dizem parecer bastante difficil sustentar que em caso algum não possa o medico 15 ser levado aos íribunaes e que, por tanto seja su- perior á toda responsabilidade. Accrescentam : « A irresponsabilidade absoluta é uma absurda exaggeração, com quanto a res- ponsabilidade sem restricções fosse egualmente absurda e mais funesta ainda. Como se vê, elevado é o numero de scientistas que abraçam, numa solidariedade fraternal, vi- sando, verdadeiros clínicos, o bem estar da huma- nidade, a responsabilidade medica. Existem, poucos devem ser, os que pontificam, sem grande numero de evangelisadores, a irres- ponsabilidade profissional, mais delicada ainda essa que abre as cortinas de um berço ou assiste os pró- dromos da morte! Para justifical-o. citaremos, entre outros, Cré- mieux que admittia que, de modo nenhum o medico é responsável, a menos que, em completo olvido ao seu relevante papel na sociedade e se entregando ás paixões, aos vicios, ás imprudências do homem, não occasione, por um facto reprehensivel, um pre- juízo real áquelle que se confia aos seus cuidados, porque, neste caso, a responsabilidade, ao emvez de attingir o medico, vae pezar sobre o homem, na confirmação da sublime sentença de Budini: «Cada profissão encerra em seu seio indivíduos de que se orgulha e outros de que se entristece. » O notável professor Lacassagne diz haver res- 16 ponsabilidade da parte do medico quando se torna patente um prejuízo material certo ou uma falta grave productora do prejuízo, que diz elle existir na ptolongação da moléstia, no augmento da dort na transmissão de enfermidades e naproducção da morte. Passando rapidamente em resenha aquelles vá- rios factores do prejuízo material certo ou da falta grave pensamos que, salvo circunstancias impe- riosas, não é conferido ao medico, o direito defio- longar a moléstia do seu cliente. Quantas e quantas vezes porem, o medico, per- suadido de ter apanhado e destruído omorbus, no fictício acerto de sua prescripção, augmenta-lhe a malignidade, dando-lhe mais força, mais energia e, resultado da sua boa fé, prolo?iga a moléstia do seu doente?! Quanto ás dores, pensamos, médicos, que nin- guém tem o direito de causal-as, maxime de au- gmental-as. Todos, sem excepção de um só, devem res- peito ás dores alheias! E’ bem para lamentar que certos indivíduos, sem um resquício de caridade, falem ao infeliz que soffre, phrases que, ao envez de reanímal-o, roubam-lhe o pouco de coragem que lhe resta para resistir á moléstia que o prostra: são as confissões francas á cabeceira do doente, as meias palavras escapadas em monosyllabos, no cochicho 17 familiar, dentro mesmo do recinto onde a dor de- sesperada espera allivio pela cura ou pela morte! No tangente á enfermidade não deve o me- dico leval-a a ninguém; entretanto, muitos e nu- merosos casos exhauridos da jurisprudência me- dica, em observações clinicas, poderiam ser ci- tados, que demonstrariam médicos, na crença de auxilios inestimáveis, causando, involuntariamente, moléstias nos lares frequentados. Em se tratando dos casos de morte, cruel ver- dade pranteada ainda e em muitas occasiões, de profissionaes, no ramo de todas as clinicas, se arrogando a culminância de um conhecimento su- perior, investirem contra um morbus tenaz, compli- cado, de diagnósticos differenciaes os mais encon- trados, elles só, tão somente elles, contra o pre- juiso da vaidade scientifica, occasionarem o des- fecho da moléstia pela morte, que poderia ser evi- tada. De factos taes, bem se verifica a existência da responsabilidade dos doutores em medicina. O medico, reclamando a liberdade absoluta no exercício de sua arte e a impunidade para suas faltas, teria um privilegio exorbitante, unico na sociedade. Realmente, quanto mais os deveres a preencher são grandes, quanto mais as obrigações são ele- vadas, tanto mais a responsabilidade se accentúa. 18 Como se vê, não se póde deixar de admittir e reconhecer a responsabilidade dos médicos. Assim não fosse, misera humanidade! ! E’ mister que o medico, guardando nitida a comprehensão do seu importante papel na escala social, deixe bem lúcida no seu espirito a idéa de que o doente, na esperança de allivio e de conforto, lhe confiou a saúde, a vida e o futuro dos seus! E’ preciso que elle se compenetre desta respon- sabilidade e desta confiança, e, á cabeceira do doente, ou mesmo longe delia, num interrogatório á sua consciência, veja se fez tudo o que se podia fazer ou se esqueceu alguma indicação. E este principio incontestável deve ficar encarcerado em limites bem traçados, não se prestando a inter- pretações que possam acarretar circumstancias tão complexas e tão difficeis de prever, nas quaes se exerce a medicina pratica. Hoje ninguém mais ignora ser o medico, o mais habil, o mais consciencioso, accusado das conse- quências fnnestas duma operação ou de um tra- tamento. Assim, pois, o principio da irresponsabilidade absoluta, que, aliás, muitos adeptos não conta, vae sendo dia a dia emparedado pelo dogma hu- manitário da responsabilidade attenuada. Reconhecida, compete aos juizes ver-lhe o gráo, apreciar, de modo justo e criterioso, se, no caso 19 especial, esta responsabilidade pode ser invocada e até que ponto o medico incriminado pode e deve mesmo supportar-lhe as consequências, me- dindo-lhe a intensidade. Berner, em um artigo muito bem lançado, diz que a responsabilidade medica tem sua medida na experiencia dos séculos e no conhecimento po- sitivo duma serie de leis, que não é permittido ignorar em nenhum ponto de vista especial. Se é isto verdade, se a responsabilidade me- dica se deixa medir pelas experiencias dos séculos, no conhecimento positivo de leis naturaes, quem, pois, arvorar, como principio de deontologia me- dica, a irresponsabilidade dos médicos perante a Lei, quando, sem exceptual-os de qualquer impu- tabilidade criminal, ella, ao contrario, como ha- vemos de provar, tem o cuidado especial de, em face de um delicto qualquer dado no exercício de sua arte, editar penalidades mais fortes quando, do andamento do processo, ficar peremptoriamente provado que são cúmplices ou auctores de certos crimes?! Dupin, o notável procurador geral, em brança, disse: «Les tribunaux sont lá pour aprecier les faits et, dans cette apreciation, ils ne doivent pas per- dre de vue des príncipes: que pour qu’un homme puisse être déclaré responsable d’un acte de sa profession, il faut qu’il y ait une faute dans son 20 action cest-à-dire; il faut qu’il y ait été possible avec plus de vigilance sur lui même ou sur ses actes, de s’en garantir, ou que le fait qui lui est réproché soit tel qu’i! soit tout à fait inexcusable de 1’avoir commis. » Interessa-nos muito a expressão: pour aprecier l&s faits, porquanto ella quer dizer que, na sciencia de crimes ou de prejuízos causados pelos médicos, os tribunaes devem reconhecer a responsabilidade do profissional inculpado. E fechamos este ligeiro capitulo com as magis- traes palavras de Tarde, colhidas na sua Philo- sophia Penal: — A irresponsabilidade absoluta e a responsabilidade sem restricções são limites ideiaes que os factos não realisam. Etiologia da responsabilidade Excessiva foi a somma de esforços que envi- damos na textura deste capitulo, não porque o assumpto não offereça uma longa explanação, sim porque, por isso mesmo, nos não foi possível, na rapidez com que devemos escrever este trabalho, e por circumstancias outras cujas não podemos enumerar, apanhar, tal como devia acontecer se o tempo não escasseasse, no accumulo de afazeres de toda sorte, todas as causas que podem gerar a responsabilidade medica, que é sempre o resul- tado de uma falta commettida pelo medico em o exercício de sua profissão. O direito canonico dava como factores: a igno- rância, o dolo ou a negligencia. Montesquieu, no seu Espirito das Leis, escreveu : cr As leis romanas queriam que os médicos pu- dessem ser punidos ou por negligencia ou por im- pericia. » Merlin, paladino extrenuo da irresponsabilidade medica, admitte, todavia a responsabilidade penal quando houver intenção malévola, falta voluntana, dólo evidentemente provado. Devergie, considerando os doentes mais como 22 indivíduos dignos de dó, para os quaes o me- dico deve ter caridade e amor, do que como simples animaes de experiencias, dos quaes o medico, na realisação de uma conquista valorosa, augmenta a gloria do seu renome, diz que a res- ponsabilidade existe quando houver negligencia para com o doente, abandono do mesmo em cir- cumstancias em que carece dos seus cuidados, ou, finalmente ainda, quando houver falta de tal modo grave, que demonstre ignorância a mais completa dos princípios consagrados pelo tempo e pela ex- periencia e denote imperícia notoria; e accrescenta: « o quõ for simplesmente imperícia do medico ou falta de conhecimento sufjlciente de sua arte, não pode ser attingido pela lei. » Guerryer et Rottureau admittem como factores de responsabilidade medica a imperícia ou a igno- rância. A corte de Colmar reconhece como causas a falta grave, a desattenção ou a imperícia nos cuidados prestados ao doente. A corte de Besançon, em 1844, admitte, á modo de Guerryer et Rottureau, não só a igno- rância como também a imperícia. Tardieu responsabilisa os médicos, não pelos resultados de suas prescripções e de sua pratica, mas pelos prejuisos que possam advir de sua ne- gligencia ou de sua imprudência. 23 Antes do estudo que vamos fazer de algumas causas de responsabilidade, julgamos de boa con- ducta declarar que a causa da responsabilidade nem sempre está n’uma falta grave ou num erro medico; o mais das vezes ella repousa numa dor cega produzida pela morte de uma pessoa cara! Neophytos na sciencia medica, tivemos já op- portunidade de assistir um facto de tal natureza, facto que se não levou o medico aos tribunaes de justiça, comtudo não deixou de fazer pesar sobre elle toda a cólera da familia que, na esperança de vel-o salvo, perdera para sempre o anjo meigo de seus affectos — linda moçoila de apenas 15 annos de edade, nesta quadra da vida em que, na doce expressão de Victoriano Palhares, a mulher se con- funde com o anjo! Em summula, eis, entre muitas outras, as causas productoras de responsabilidade entre os doutores em medicina: Ignorância Dólo Negligencia Impe rida Intenção malévola Fcdta voluntária Abandono do doente Desattenção * Impudência 24 Encaremos, para melhor comprehensão dos factos, cada qual destas condições. Comprehendendo-se a multiplicidade das causas ignoradas, mesmo existentes, e o pequeno reposi- torio de conhecimentos que o cerebro humano, o melhor conformado, pode, numa dedicação heroica, abranger, tudo de parallelo com a fraqueza hu- mana, assombro não pode causar a ignorância do medico. Para maior esclarecimento, vamos, sob o ponto de vista medico-legal, visto sua significação se des- viar da que lhe consagra a linguagem commum, definir a ignorância. Dizem Tourdes et Metzquer ser a infracção ás leis do bom senso e ás regras mais universalmente admittidas, fundadas em factos physiologicos e in- dependentes das doutrinas. Sem darmos-lhe os fóros de excellencia, não a julgamos imprestável. Acompanhe-se todo o evoluir da sciencia me- dica, em qualquer dos seus ramos na França progressista como na Allemanha culta, e ve- remos médicos, sábios reconhecidos ou scientistas èmeritos, pagar, intimados pela justiça, os damnos e prcjuisos originários de sua ignorância. Pode dizer-se, sem que se tenha subido ao exa- gero que, constante,* a ignorância será uma das causas permanentes de responsabilidades, até o 25 momento em que, consequência de um progredi- mento superior, ideial, o genero humano possa triumphar da morte! Exemplos á farta poderiam, se outro não fosse o nosso escopo, engrossar as paginas do nosso tra- balho. Ha quem, de modo geral, julgue dever ser se- veramente punida a ignorância do medico. Não adherimos ao severo pensamento. Julgamos, desde que não estamos no Egypto, onde o criminoso era punido pela causa e não pelo effeito do crime, que a punição severa só deva surgir naquelles casos em que da ignorância do medico, resulte prejuiso real para o doente; no caso con- trario, porque esta punição severa f ! O exemplo que vamos citar revela-nos um caso em que a ignorância do medico reclamava severa punição. E’ o seguinte: Um medico de Saint-Malo prescreveu 4 grammas de cyanureto de potássio. apesar das advertências do pharmaceutico, insistiu na prescripção. Inculpado, foi condemnado a tres mezes de prisão. Tratando da negligencia, vemol-a em quasi todos os codigos, tal a sua importância, tal o seu valor! Todavia não é ainda aqui seu estudo. Reuss, em criterioso artigo estampado num dos numeros dos Annaes de Iiygiene e medicina legal 26 disse: A negligencia é incompatível com os deveres profissionaes do medico. Apoiando a sensata opinião de Reuss, nos não demoraremos sobre ella; apenas, mais adiante, fa- remos, em rapidas palavras, tantas outras referencias acerca da negligencia. Enveredando pelo estudo da imperícia, conside- ramol-a, tal a mésse de casos que enriquecem os annaes de jurisprudência medica, como factor o mais constante de responsabilidade dos doutores em medicina. E’ falada em todos os codigos. Se, em traição manifesta as nossas intenções, quizessemos exemplifical-o, seriamos tolhidos em o meio da jornada pela fadiga, pelo cançaço. Assim, sem carência de mais, citamos os se- guintes, que tantos bastam para illustrar as paginas deste trabalho. O Parlamento de Bordéos, em 1596, inflinge aos filhos de um cirurgião, a multa de 150 escudos de perdas e damnos, por terem, numa operação de phlebotomia, picado a artéria brachial. Se o citado Parlamento de Bordéos, na imposição da multa, se deixou arrastar tão somente pelo facto da picada do vaso, sem investigar, por meios acces- siveis, os desvios e anomalias que pode ter a ar- téria brachial, excedeu de muito ás suas attribui- ções. 27 Outro é ainda o caso de ter o Parlamento de Bordéos, em 1760, condemnado um cirurgião por ter recorrido a amputação d’um membro em con- sequência de fractura mal consolidada, á multa de 15,000 libras, por damnos e prejuízos. Aqui levantamos o nosso protesto contra o mesmo parlamento, sempre disposto a condemnar por circumstancia de que, dado ainda o facto de verdadeira responsabilidade, houve exagero na multa imposta ao cirurgião. Estudando a intenção malévola parece, á pri- meira impressão, que pouco tenha contribuído para responsabilisar os médicos. Realmente, vae muito no assimilar-se que o medico, reconhecido, embora nas conveniências, um dos bemfeitores da humanidade, derruindo este grande conceito social, possa, no exercício da sua arte, agir com intenção malévola. Não se comprehende que elle, dominado por esta força divina, que lhe ordena a alma e lhe do- mina o coração, sentindo insuperável alegria ao abafar com a doçura de suas palavras, animadoras e vitaes, gemidos que lhe conpungem ou mitigar, no acerto de sua prescripção, dores que também o cruciam, deixe accesa no seu espirito, Janimada pela maledicência, ideia tão digna de repulsa!1! Bastas vezes, assim não é! O medico sobre ser humano, sujeito ás variabili- 28 dades de caracter que o meio lhe impõe, experi- mentando muitas vezes as agruras da vida, na escassez dos recursos monetários, chafurda-se, mesquinho e vil, no lodaçal pestilento da infamía, arrancando, sem mesmo lhe importunar os aculeos do remorso, para beneficio seu e de alguns, pre- ciosas vidas para tantos outros! Bem sabemos que ao surgir este terrível mo- mento, estampando no rosto immaculado da classe medica, estrias de vergonha e de aviltamento, é mais o homem vulgar e não o medico, que age, desvairado por uma paixão illimitada ou por um odio mal contido!! No que respeita á falia voluntária bem pode- ríamos repetir quanto dissemos sobre a intenção malévola. Sendo, porem, a sciencia medica de perenne evolução, casos ha em que o medico, na impossi- bilidade de crusar os braços ante um caso em que já se escoaram todos os recursos d’arte, põe em pratica os seus recursos pessoaes, tal como con- cebe nas circumstancias de momento. Então..,. pode ser victima de sua dedicação no commettimento de uma falta voluntária, chegando até a comparecer, convidado pela justiça, á barra dos tribunaes. *, E quem se atreverá a garantir que, neste caso, houve intenção malévola ?!! 29 Era aqui logar do dólo; não o fazemos, porem, reservando o seu estudo para o final deste capitulo, e aproveitamos a opportunidade para falarmos da morte do doente, que se constitue uma como fonte inexgotavel de responsabilidade para o medico. Estudando o caso, diz Brouardel: «Não se pode encontrar na morte de um doente causa de respon- sabilidade para um medico, porque nada é mais conjectural que a medicina. Se todos sabem que o medico auxilia a natureza, tornal->ç> responsável é obrigal-o a abandonar o doente.» Nem se diga que é nossa intenção subtrahir o medico da acção da justiça! De modo nenhum! Um medico que, embriagado, faz uma pres- cripção que mata, é de certo responsável, embora pese esta responsabilidade não sobre o medico, mas sobre o indigno de sua profissão! E as penas para os casos de responsabilidade medica por morte do doente são rigorosas e em alguns paizes rigorosíssimas; deste modo na China, em casos de morte do doente, em virtude de drogas intempestivas cu operações desastrosas, o medico ou cirurgião, na comprovação de intenção crimi- nosa, poderá eximir-se da pena de homicídio, dos casos em que se mata accidentalmente, ficando para sempre privado de exercer a profissão. 30 Neste parenthese, vamos falar da desattenção, fonte de responsabilidade. De todas as artes e profissões nenhuma requer tantos cuidados e tantas attenções como a arte medica, visto o medico ser o unico dos artistas a quem é confiado o direito de talhar, não a ma- téria viva, mas a substancia pensante. A imprudência é reconhecido factor de respon- sabilidade. Assim, notável gynecologista não se cansava de aconselhar aos seus discípulos: prudência; pru- dência e mais prudência. Para exemplo, citaremos o Dr. P... condemnado, pelo tribunal de Puy, a 31 de Janeiro de 1881, á multa de 200 francos por homicídio por imprudência. Tratava-se de uma apresentação da espadua com procidencia d’um dos membros thoracicos ao qual o Dr. P.. fez a amputação. No tocante ao abandono do doente podemos dizer que é uma das causas que menos tem dado origem á responsabilidade medica. Revolvam-se os annaes de Jurisprudência me- dica, folheie-se a Historia da Medicina em todos os tempos, desde Hippocrates, até Dupuytren, desde Galeno atéPasteur, enverede-se pela estrada escabrosa da vida, sondando aqui, investigando ali, interrogando em toda parte e veremos poucos médicos, não cuidadosos dos seus deveres, deshu 31 manos, cruéis e destituídos de senso commum, que abandonem, no seu leito de dor, sem cuidados e sem soccorros, o infeliz que, necessitado, implora os recursos do seu ministério!!! Exemplificará o caso de uma senhora gravida que pediu ao seu medico assistil-a em trabalho, obtendo delle a affirmativa. Surge o momento e o medico recusou-se a vir. Consideramos o abandono do doente o maior dos crimes em jurisprudência medica e carente de severa punição. Lopes Vieira, em uma obra sua, acerca do assumpto, diz: «O medico que abandona um doente que começou a tratar, incorre na pena de faltar á fé de um contracto que tacitamente acceitou.» Quem, na integridade do seu estado mental, tem o animo necessário para num soffrimento li- geiro ou numa enfermidade duradoura, ser a figura de Lazaro, abandonado e só?» Agora, e para terminar, vamos fazer o estudo do dólo, factor attrahente de responsabilidade profis- sional. Em toda classe, os estímulos dos lucros supe- riores ás necessidades dos perdulários, arrastam, tresloucados, a, no caminho tortuoso da mentira convencional, faltar á mesma consciência, tão so- mente visando a liberalidade da farça que repre- 32 sentam, em beneficio de poucos, contra o prejuiso de muitos. No facto commum das questões as mais sumina- rias, a ignorância das partes é encoberta pela roupagem de effeito fulgurante d’um direito fictício, ante as auctoridades de primeira investidura poli- cial até recursos para tribunaes. sejam nomes falsos ou não dos gananciosos, que nada tendo a perder nem o brio da honra, enveredam por esse caminho da deshonestidade. Aqui são attestados, por affeição e interesse de familia, mentirosos em essencia, muita vez em casos de pleno conhecimento do assistente, que, para fugir ao pavor de sua responsabilidade, não se furta ao desassombro de levar germens de contagio por onde transitam, ao mesmo lar, segundo o peso porque foi aferida sua consciência. Neste caso, não havendo ignorância, negligencia imperícia, descuido, que holocausto se sacrificará ao comparsa do crime familiar ?! Ali, nas ancias da morte, o enfermo sem discer- nimento, no critico estado de uma inconsciência, eis que surge, na apparencía de uma tranquillidade austera, inflexível, a figura do responsável a asse- gurar-lhe a permanência da vida mesmo aofugirdhe dos dedos a vibração da radial e do coração o subtil ruido do orgão a se paralysar. Sem uma serie de exemplificações, a responsa- 33 bilidade pelo dólo existiu, existe; permaneceu e permanece na convivência maliciosa, no engano, por actos e palavras em proprio interesse. Os mesquinhos, com conhecimento de causa, procuram primeiramente se enganar para illudir mais tarde uma sociedade inteira. Reside no dolo a certesa da acção a se realisar. Quanto mais habil o doloso, mais difficultosa a intervenção da justiça. Somente o crime abre caminhos impene- tráveis. DAS FALTAS Assumpto de magna importância este de que nos vamos occupar, foi, pela vez primeira, men- cionado em a famosa lei Aquilia, da portentosa Roma, Quando o medico, dominado pelo orgulho, am- biciona gloria ou quando pela caridade impellido á salvação do doente, exgottados quasi todos os recursos possíveis, busca, num appello sincero e verdadeiro á sua mesma consciência, os meios di- rectos de sua personalidade, no interesse altruis- tico e nobre do que lhe aconselha o bom senso» em emergencia tão melindrosa, pode, em contrario do seu anhelo permittir se lhe attribua, mesmo sem acerto, uma falta, lemma do capitulo que en- saiamos desenvolver e que nem sempre se resente dos casos aqui figurados. Prudente é que o medico, ‘ convencido de que seu diploma não lhe confere o direito de impuni- dade, não envereda os caminhos mal seguros de 35 emprehendimentos por esse mundo organisado, hora á hora, invariavelmente cercado de circum- stancias reaes e enganosas, nesse quasi labyrintho do que se chama a funcção da vida, Segundo Morache, na sua consultada obra Res- ponsabilité; « O meio animal é com effeito, uma machina maravilhosa, ou melhor, um conjuncto de machinas funccionando em perfeita synergia, todas podendo ter sua marcha independente. Machinas que tiram sua energia ás forças latentes da natu- reza, transformam-nas em trabalho util por modo que o homem, a principio de uma maneira incon- sciente e depois reflectida, poude applical-o a outro; machinas que tem em si mesmas os ele- mentos de sua reparação e de sua regeneração, machinas que sabem se adaptar ao trabalho a pro- duzir, machinas que nascem, crescem e morrem, machinas que vivem emfim. » 0 medico perante a opinião de Dubrac, pode ser responsável por duas especies de faltas: por commissão epor omissão. Trilhando o caminho batido por Dubrac, o Dr. Kíihner apresenta duas categorias de faltas : acti- vas e passivas. Na primeira ficam grupadas as intervênções in- 36 tempestivas, as operações cirúrgicas mal emprehendi- das e mal executadas, os tratamentos precipitados, etc.; na segunda estão os casos em que o medico dá prova de incapacidade ou de negligencia; nos em que omitte todas ou cpytas modalidades indispensáveis d.um tfatamento e os casos de abandono do doente. Estas, difficeis de comprovação na maioria dos casos, se tornam mais embaraçosas em face das más consequências no tratamento de certas mo- léstias internas. Supposto, não abrangendo aquellas duas cate- gorias a generalidade dos factos que incidem no tratamento medico, torna-se deste modo irreali- savel o estabelecimento de casos particulares. Lacassagne divide as faltas em tres especies: pesadas, graves e voluntárias. Da nossa leitura, parece haver uma tendencia geral para a confusão da falta pesada com a falta grave, faltas que somente distinguimos pelos seus effeitos, não pela sua essencia. Quando, no exercício da arte, o medico, por- que lhe faltem certos requisitos no caso de em- pregar conveniente therapeutica, se desvia dos deveres profissionaes e causa a morte do doente, é com certeza o responsável daquella, commetten- do uma falta pesada. 37 No que diz respeito á falta grave varia de muito as definições: Bosker— « Toda lesão corporal pro- veniente de um tratamento medico ». Krammer — (c na rapidez com que o doente for examinado, no descuido com que as modificações do estado pa- thologico forem observadas, na falta de reflexão na escolha dos agentes therapeuticos, em todas as circumstancias que causarem ao doente um prejuiso real, o que poderia ser evitado segundo a experiencia medica geral, por uma intervenção mais conforme com os princípios da arte.» Casper—« E’ preciso tornar o medico respon- sável das faltas ou da morte sobrevindas dum modo certo em consequência de um tratamento medico, cirúrgico ou obstétrico, quando este tra- tamento se afastou completamente daquelle que tem sido preconisado para o caso especial ou num caso analogo, nas lições e nos escriptos dos sábios contemporâneos cuja competência scientifica é universalmente admittida e que a experiencia dos médicos contemporâneos reconhecem justa e bem ordenada.» A definição de Boeker, á força de muito gene- rica, não pode ter applicação, em absoluto, na pratica de muitos casos médicos. Effectivamente, não é preciso ter o espirito affeito a assumptos de deontologia, para compre- hender, na comparação das definições de Boeker e 38 Krammer, a superioridade da segunda, menos frágil e que, nem por isso mesmo, tem como prin- cipio fundamental a significação desta experiencia medica geral, que deve servir de base á apreciação da falta. A definição de Casper, ultrapassando as linhas do conciso, ao par que bem orienta o assumpto, traz a egide, julgada para muitos inquebrantável, dos sábios contemporâneos, assim como incutindo, de uma maneira simples, que a arte inteira da medicina está presa aos dogmas, aos conceitos, ás opiniões de todos os sábios de uma epoca, ar- rogantes contra a verdade ou ás investigações de outros em tempos que pertencerão ao futuro e pertencem mesmo á actualidade. Somos de pensar que algo de exagero se con- tem na definição formulada pelo illustrado La- cassagne. E vejamos: Uma vez commettida a falta voluntária, isto é, conhecimento inteiro, pleno, absoluto, no por- menor de todas as circumstancias e de todos os accidentes, ella, aquella falta voluntária, opinamos, será sempre grave e mais pesada ainda quando substituir os alentos da vida pelo sopro da morte. Tão melindrosa a definição de falta grave, pelo 39 rodeio de conclusões, nem mesmo todas lógicas, que o Dr. Kiihner, o medico legista bem conhe- cido de Francfort-sur-le-Mein, aliás nome feste- jado entre os próceres da Allemanha culta, he- sitou concretisal-a de maneira a dar-lhe feição ca- racteristica, segura, afiançavel, para os casos de falta nos assumptos de responsabilidade. Completando a etiologia da falta grave tratemos da negligencia, que ja vem definida nos Digesta, nos seguintes e especiaes termos: Magna negli- gencia culpa est. O professor Brouardel cita o caso de um medico de nacionalidade inglesa, que tendo uma ligeira escoriação num dedo, partejou, sem escrupulo e sem cautela, uma senhora; mas tarde se verificou que sua lesão digital era um cancro manifesto. Como era de esperar a pobre senhora foi infectada e o medico, cúmplice deste crime, condemnado a pagar uma indemnisação de 75,000 francos. Apesar de não ser um caso essencialmente de responsabilidade medica, entretanto, peia im- pressão e importância que nos despertou no espi- rito, caso que tem muitos similares, mesmo em o nosso meio, onde, sem os escrúpulos e as res- ponsabilidades, exercem a arte de aparar meninos pessoas sem a devida idoneidade, contem- 40 piemos o da parteira de Brives la Gaillarde: em 1873, se notava que na villa de Brives, as mu- lheres recentemente paridas eram victimas de accidentes excepcionaes, sendo as creanças egual- mente acommetidas do mal ; que os maridos apre- sentavam a moléstia, resultando desta tragédia de enfermidades mal attribuídas, scenas intimas de lagrimas e desgostos! Após acuradas pesquisas, se verificou que a parteira de Brives era, e ella tão somente, a inter mediaria directa de todos os accidentes que enlu- tavam a sua clientela de Brives. Como, de que modo? Por uma lesão syphilitica digital. Um outro de negligencia é o do Doutor Hiilner» de Baviera, condemnado a 6 semanas de prisão, por transmissão da syphilis, pela vaccina. Imperícia, imprudência e não observância das regras são faltas positivas. E’ para notar que a inobservância das regras conduz sempre o medico a periclitar em erros, en- ganos, para elle julgados, sem estimativa de uma responsabilidade immediata e continua, no pouco apreço que liga á enfermidade que tem de com- bater, confiado nos meios de debellal-a, ás vezes, ao simples golpe de vista, não cuidando daquellas 41 regras de attenção em todas as minudencias, na anamnése do enfermo, tendo por guia tão somente a confiança dos proprios conhecimentos tão falsos e enganosos. A negligencia é ainda revelada pela recusa dos cuidados. Dubrac o eminente presidente do tribunal civil de Barbesieux, dissera: «O ministério do medico é perfeitamente livre e de nenhum modo obriga- torio. Elle pode, portanto, recusar-se e acudir ao chamado d'um doente, mesmo quando, em virtude da distancia, elle não pode chamar outro faculta- tivo. » Paul Andral, secundando a opinião de Dubrac, sustenta que o medico póde recusar seu ministério e sua recusa peremptória não tem necessidade de ser justificada por motivos. Accrescenta aquelle auctor: « Se o philosopho, que tem as mãos cheias de verdades, como diz Fontenelle, não é forçado a abril-as para espalhar este thesouro sobre o genero humano, é evidente que o medico não poderia ser obrigado a prodiga- lisar os seus cuidados. » Felizmente tal acontece raras vezes, e a so- ciedade inteira guarda no seu justo conceito, a ideia de que o medico não pode, nem deve recusar aos chamados, porque elle, experimentando amais 42 viva alegria em levar o balsamo salutar e confor- tador de sua abnegação e de seu devotamento, humanitário e caridoso, transformara essa conducta evangélica em uma especie de dever moral, de um apostolado sincero!!! Questão apenas de cons- ciência. Legrand du Saulles et Berryer sustentam a liber- dade relativa do medico. No pensar de tão emi- nentes, o medico, unico a exercer a clinica em zona extensa, em casos de urgência, é obrigado a prestar os seus cuidados. Chamado o medico, seja para qualquer caso de enfermidade, é do seu imperioso dever, perante a sua responsabilidade, attendel-o, notificando escru- pulosamente, as exigências da hygiene local, na especialidade de suas attribuições prohibitivas, contra as mesmas se impondo, com critério e segu- rança, sempre que possa e saiba garantir seus créditos de profissional, como tem,* por ignorância ou por malicia, sido attestado nesta Capital, victima de uma mortalidade superior ao coefficiente de todas as pestes! A sua alma caridosa não consentirá na morte de ninguém que implorar os seus cuidados, como os usurários taverneiros, que sem dar a quem lhe morre á porta uma vela para alumial-o na via sacra do sepulchro, negam-lhe um pão que bem lhe po- deria reanimar a chamma da vida, ainda bruxoleiante! 43 Outra questão é a dos cuidados insuficientes* A nosso ver, não ha rasão para se responsabilisar o medico por insuficiência dos cuidados; por quanto, não sabemos qual seja o medico chamado para um caso urgente, para o qual a rapidez da intervenção abafa no seu espirito todo o sentimento reflectivo, praticando então os meios instataneos, aos pri- meiros golpes, e que após, em quietude de pen- samento, em pleno periodo de calma, não tenha uma exclamativa contra os seus cuidados insufici- entes !!! Não comprehendemos bem como elles possam ser facto de responsabilidade medica, por força de que a medicina, em a sua evolução constante, não poude ainda, no crysol das suas experimentações, determinar, pelos meios suppostos sufhcientes, o elemento que se contraponha á morte!!! Em os casos de faltas por negligencia é citado o numero de visitas. Sem fóros de generalidade, médicos ha que, a despeito de uma vasta clientela ou o que é peior, por motivos simplesmente pueris, fazem, senão a todos, ao menos a muitos dos seus doentes, visitas insufficientes. Levantamos com todas as forças de noss’alma' vehemente protesto ao medico, seja quem for, ci- rurgião de aldeia ou lente de Universidade, que 44 toma sobre si o excessivo trabalho de uma vasta clientela, trabalho, que o exgottará e trará sérios e irreparáveis prejuisos, muita vez, aos seus doentes! Que medico ignorará que em alguns indivíduos, pusillamines ou nervosos a poção verbal suggestiva ou como a chamava um antigo medico, as cata- plasmas de sementes cio bom senso é, em muitos casos, de effeito mais efficaz do que quaesquer formulas medicamentosas?!! Nem sempre porem, pode o medico prodigalisar a seus doentes o numero de visitas que elle julga necessário, por isso que muitas circumstancias influem ; taes como o affastamento do doente, seus hábitos, seus desejos pessoaes, os deveres profis- sionaes do medico, etc.! A commissão prussiana declarou expressamente que a frequência das visitas era questão apenas de consciência do medico assistente. Sensata resolução esta, por isso que só o medico assistente está no caso de decidir se seu doente está em perigo de tal modo ameaçador, que se faça mister a sua presença. Se na ausência do medico o doente veio a fallecer e se alguém, desvairado pelo trespasse ou nutrido pelo odio, lhe attribue a morte, nada mais disparatado, por que, a despeito de um tratamento bem intencionado e mais conveniente, uma aífecção subintrante, impossível de prever ou 45 não advertida em tempo, póde, ás vezes, com sur- presa para o medico, arrebatar-lhe o doente!!! Erro de diagnostico — Paginas volvidas, ci- tamos os casos de amputação do braço em apresen- tação da espadua, o que faz pensar e crer que os seus autores assim procederam por diagnósticos errados/ Erros de tal natureza avolumam-se de responsabilidade; outros ha, porem, na autoria dos quaes o medico pode se abrigar da justiça! Conhece todo o mundo scientífico o celebre erro (!) de Dupuytren, diagnosticando abcesso um aneu- risma da axillar, erro que ao envez de dar-lhe entrada nos cárceres, foi, pelo contrario, mais um louro para cingir-lhe a fronte, tantas vezes areo- lada!!! Erro na prescripção da formula. O medico, na composição da formula, deve estar muito seguro para que dentre as substancias pres- criptas, não haja uma capaz de agravar o estado do seu doente. Deve formular com critério e cuidado. E’ preciso evitar-se a reproducção do seguinte facto: Um medico receitou para um seu amigo (!) 10 grammas de laudano, em vez de 10 gottas ! O infeliz morreu e o desventurado medico teve que pagar bem caro os resultados de sua falta, no cumprimento da pena de 6 dias de prisão! 46 Attribue-se ainda como factor de negligencia o exceder a dóse maxima de um medicame?ito. Questão apenas de idyosincrasia, não vemos razão para responsabilisar o medico que excedeu a dose maxima de um medicamento, se elle tem ex- perimentado de bem longe o organismo de seu doente. Sem presumpção de termos discriminado todas as causas de negligencia, que innumeras são, e ex- gottado todas as faltas que podem gerar responsa- bilidade para o medico, damos, em synthese, o estudo mais ou menos claro e positivo sobre as faltas, firmados em opiniões de alto conceito, contra as quaes tivemos a ousadia de contrapor parecer proprio e de convicção! Os Codigos e a responsabilidade medica Não mais volvendo aos póvos da antiguidade, considerados estacionários com relação aos pro- gressos das gerações hodiernas, julgamos de muito acerto, confrontando os vários artigos qucf acerca da responsabilidade medica, se contem nos codigos de todos os paizes cultos, começar pela França, por força de que, parece-nos, é de lá que rece- bemos a maiorsomma de conhecimentos, em todos os ramos das sciencias conhecidas! E’ a questão encarada sob dous pontos de vista, ambos elles carentes de apreciação: civil e criminal. A’ principio, ainda na infancia da jurisprudência medica, quando os tribunaes se arrogavam o di- reito de tudo decidir sem o apoio valioso dos doutores em medicina, tão sómente elles compe- tentes para ir sempre em busca da verdade, na feliz escolha de caminhos em que a lama da des- honra não lhes embote o caracter puro, centenas de casos de criminalidade manifesta, não abalaram as pastas dos togados, apenas deixando, como castigo perenne, na consciência annuviada do medico inculpado, o remorso, ao emvez das pena- lidades da lei. 48 Mais tarde, com o seu desenvolvimento, e após os celebres processos do Doutor Helie, de Dom- front, e Thouret-Nouroy, a justiça, em pleno co- nhecimento detaes factos, considerando os prejuízos que podiam advir de sua incompetência em as- sumptos em que só a medicina, na pessoa dos peritos elucidaria, procurou, de accordo com elles, para responsabilisar os médicos, formular artigos, para que taes crimes não ficassem impunes. Assim, o codigo penal francês encerra nos seus artigos: Art. 319 —, Quiconque, par maladresse, im- prudence inattention ou inobservation des régle- ments aura commis involontairement un homicide ou en aura été involontairement la cause, sera punis d’un emprisonnement de trois à deux ans et d’une amendede cinquante francsa sixcents francs. Art. 320 :—Sil n’est résulté du defaut d’adresse ou de precaution que des blessures ou coups, le coupable sera puni de six jours á deux ans mois d’emprisonnemeut, etd’une amende deseize francs, ou de l'une de ces peines seulement. Isto no concernente ao codigo penal. O codigo civil, por sua vez, também traça as linhas effectivas para a responsabilidade medica, da forma porque estão expressos os seguintes ar- tigos. Art. 1382:— Tout fait quelconque de Thomme 49 qui cause a autrui un dommage, oblige celui qui par la faute du quel il est arrivé á le reparer. Art. 1383: — Chacun est responsable du dom- mage qu’il a causé non seulemeut par son fait, mais encore par sa negligence ou son imprudence. Quando estudamos as causas vectoras de res- ponsabilidade medica, citamos os processos Helie e Thouret-Nouroy, reservando a sua apreciação para quandojulgasse mais opportuno, E’ que vamos fazer. Não é mister um espirito demasiado esclarecido para reconhecer, na brutalidade da culpa, se re- velando á intelligencia medíocre, a responsabi- lidade do doutor Hélie. A justiça, no interesse de punil-o, responsabilisou-o por falta de negligencia e imprudência. Realmente houve negligencia, porque tentou immediatamente a brachiotomia, sem plena certeza da morte fetal; e a imprudência se nos revela por isso que, numa apresentação da espadua, abalan- çou-se a resolver o caso, após sua chegada ao quarto da parturiente, constando ainda do inquérito que, uma hora depois da sua chegada, o parto estava concluído!!! E, se o Dr. Helie foi negligente e imprudente não paira a duvida de que devia ser, como o foi, 50 incurso nos artigos já citados; e, por isso o tribunal deDomfront, abandonando o relatorio da Academia de Medicina, o condemnou. Julgamos muita acertada a decisão do tribunal de Domfront, por circumstancia de que, diante de um caso diffàcil, não procurou o Dr. Helie o parecer de collegas em conferencia, tal a gravidade da apresentação, confiando plenamente na intervenção cirúrgica, rapida e quasi sem escrúpulos! São do grande medico de Cós as seguintes pa- lavras: «Nenhum medico se deve envergonhar, em certos casos difficies, de chamar outros médicos, afim de com elles consultar a maneira de tratar o doente.» E é Hippocrates qúe assim fala!!! Se Helie tivesse dado ouvidos ás palavras do mestre, certo não corria os riscos de uma inde- mnisação. Outro caso é o de Thouret-Nouroy. Esse doutor, em 1832, praticando em um doente uma sangria, abriu a artéria brachial, do que re- sultaram aneurisma e grangrena consecutiva. Para salvar o doente recorreu a amputação, o que foi motivo para condemnarem-no a pagar ao doente uma indemnisação de 600 francos e pensão vitalí- cia de 150 francos. Aqui as agravantes foram: negligencia e aban- dono do doente. 51 Effectivamente não é o facto da picada do vaso que o torna responsável, sim a maneira insólita porque procedeu, crusando os braços diante de tal occurrencia, que forçosamente havia de compro- metter a saúde e a vida de seu doente. Então os artigos do codigo civil lhe deviam sem duvida alguma attingii. Ainda não estava em vigor (1834J a decisão da Academia Francesa que regularisavao exercício da sciencia hippocratica e formulada tal como segue: «Les medicins et chirurgiens ne sont pas responsables des erreurs qu’ils pourraient com- metre de bonne foi dans le exercice consciencieux de leur art.» Pena é que não tivesse sido escripto mais cedo, afim de aproveitar o infeliz cirurgião! Na Allemanha, no respectivo codigo citam os auctores uma serie de paragraphos concernentes á responsabilidade dos médicos. Sem transcrevel-os, citamos os de numero 222, 230, 231 232 e 360* Passando á Áustria temos, no seu codigo bri- lhante, paragraphos tendentes á responsabilidade medica. Par, 356 — Un médicin qui traitant un malade a commis des fautes telles que son ignorance en dévient évident se rend coupabled’un delit s’il-y-a eu atteint grave à la santé de son client, et d’un crime si la mort s’en est suivie, et il lui sera inter- 52 dit de pratiquer dorénavant la médecine jusqu a ce qu’il ait démontré en passant de nouveaux exa- mens qu’il a acquises connaisances qui lui man- quaient. Par. 359—E’ formulado naquelles mesmos termos, recahindo sua acção sobre o cirurgião. Par. 358 — Se o medico ou o cirurgião que começou um tratamento, se esqueceu do doente com grande prejuízo de sua saude, paga multa de 50 a 200 florins. Se disto resulta ferida grave ou morte está sujeito ao paragrapho 355, que se refere ao homicídio (1). O codigo penal italiano tem, entre outros, o artigo 371: — Chiunque, per imprudenza, negli- genza, ovvero per imperizia nella própria arte o professione, o per inosservanza di regolamenti, ordini o discipline, cagiona la morte di alcuno é punito con la detenzione do tre mesi a cinque anni e con la multa da lire cento a tremila. Se dal fatto derivi la morte di piu persone o anche la morte di una sola e la lezione di una o piu, la quale abbia prodotto gli effetti indicati nel primo capoverzo delia articolo 372, la pena é delia detenzione de uno a otto anni e delia multa non inferiore a lire due mila. Art. 375 — Chiunque per imprudenza o negli- (1) Propositalmente transcrevemos este paragrapho já tra- duzido- 53 gencia, ovvero per imperizia nella própria arte o professione, o per inobservance di regolamenti, or- dini o discipline, cagiona ad alcuno un danno nel corpo o nella salute od una perturbazione di menti é punito: 1? con la detenzione sino a tre mesi o con la multa sino a lire mille, e non si procede che aque- rela di paste, vei casi delia prima e delbultimo capoverso dell’articulo 372; 2? — con detenzione da uno a venti mezi o con la moita da lire trecento a seimila, negei altri casi. Se rimangano offese piu persone, nei casi del numero 1?, la detenzione puo estendersi sino a sei mezi, e la multa sino a lire duemila, e, nei casi del numero 2?, la pena é delia detenzione da tremezi a tre anni o delia multa superiore alie lire mille. São do codigo italiano, os artigos que mais nos interessam, havendo, porem, muitos outros relativos ainda á responsabilidade medica. No codigo penal prussiano encontram-se os para- graphos 200 e 340 que obrigam: os médicos a não recusar os soccorros de sua arte nos casos de ur- gência em que ha perigo, e todo o cidadão a obe- decer ao chamado do agente de policia, indo em soccorro dos seus semelhantes. Merlin diz, que a Bélgica possue quatro artigos concernentes á questão, e são os: 418, 419, 420 e ò i 421 sob o ponto de vista criminal, porquanto no que respeita ao civil, cinge-se á legislação francesa. Em Portugal os artigos mais importantes são os seguintes: Art. 368:—O homicidio involuntário que alguém commetter ou de que for causa, por sua imperícia inconsideração, negligencia ou falta de destresa ou falta de observância de algum regulamento* será punido com a pena de prisão de um mez a dous annos e multa correspondente. Art. 369:—Se pelos mesmos motivos e nas mesmas circumstancias alguém commetter ou invo- luntariamente for causa de algum ferimento, ou qualquer dos "efifeitos das offensas corporaes de- claradas na secção antecedente (referentes aos ar- tigos 359 e 267) será punido com prisão de 3 dias a seis mezes; ou somente ficará obrigado á reparação, conforme as circumstancias a pena de contravenção se houver logar. Entre nós, o Codigo penal estabelece: Art. 307:—Aquelle que por imprudência, ne- gligencia ou imperícia na sua arte ou profissão ou por inobservância de alguma disposição regula- mentar, commetter ou for causa involuntária directa ou indirectamente de alguma lesão corporal, será 55 punido com a pena de prisão cellular por 15 dias a 6 mezes. Art. 297:—Aquelle que por imprudência, negli- gencia ou imperícia na sua arte ou profissão ou por inobservância de alguma disposição regula- mentar commetter ou for causa involuntária, di- recta ou indirectamente, de um homicídio, será punido por 2 mezes a 2 annos. Felizmente não são uma letra morta, na mudez da conveniência social, os artigos que especialisam os casos de responsabilidade medica, bem definida e cuidada pelos mais condescendentes profis- sionaes. Em 188o, em Uberaba, um medico, em virtude de ter, para operal-o, submettido um doente por • tador d’uma fistula próxima ao olho direito, á acção anesthesica do chloral na dose de 10 grammas para 150 de vehiculo, a tomar de 15 em 15 minutos, tendo o paciente ingerido, em 2 horas, todo o me- dicamento, foi incurso no artigo 19 da lei de 20 de Setembro de 1871. O doente falleceu sem ter ainda despertado do somno anesthesico. Mais tarde, no Rio de Janeiro, em 1891, a pro- posito da morte de uma senhora gravida que em começo de trabalho, esteve entregue á sciencia de uma apciraS.eira de creanças e só á ultima hora, aos cuidados d’um medico, foi este accusado pelo ma- 56 rido da desditosa senhora, como o responsável por sua morte, dando como aggravantes a negligencia e a imperícia profissional. Averiguado o caso da responsabilidade para o medico, foi julgada a causa perempto, pelas cir- cumstancias incidentes da sua innocencia, não ha- vendo imprudência nem imperícia. Possuímos ainda artigos relativos a responsabi- lidade medica. Art. 1005: — Para os effeitos da responsabi- lidade proveniente de acção ou omissão contrarias álei penal são equiparadas a intenção criminosa, a negligencia, a inobservância de alguma disposição regulamentar. Art. 1014: — A’ obrigação de indemnisar o damno fica sujeito o auctor ou causador, provan- do-se que houve de sua parte negligencia, culpa ou falta que constitúa, segundo o direito, quasi delicto. Este artigo abrange dous paragraphos: 1?—- A falta de diligencia consiste em deixar de empregar as precauções praticadas em circums- tancias idênticas por pessoa diligente ou acau- telada, 2? — A imperícia na arte ou profissão equivale a negligencia. Art. 1015:—Procede a obrigação de indemnisar o damno, ainda que resulte de acto de outrem. Do codigo civil, ainda em projecto e sujeito ao 57 critério de commissão espeíial do senado, ha o artigo 1548 que diz: Os médicos, cirurgiões, phar- maceuticos, parteiros e dentistas, são obrigados a satisfazer o damno sempre que da imprudência, negligencia ou imperícia, em actos profíssionaes, resultar morte, inhabilitação ou ferimento. No plano geral da nossa these, fica compendiada essa ligeira noticia da codificação penal e civil do nosso e de alguns paizes outros, todos se orbitando no movimento das relações internacionaes, na tra- jectoria do Direito, que será universalmente um para o homem, mesmo contra a raça e contra o meio. CONCLUSÕES Neste ponto de conclusão do nosso trabalho, no desdobramento do qual apresentamos theorias de escolas encontradas, se nos impõe o dever da exposição, mesmo em cores esmaecidas, da dou- trina que seguimos, que vem a ser, com a confi- ança de nossa convicção, a da responsabilidade relativa. A irresponsabilidade absoluta, afastada da- quellas linhas geraes estabelecidas pela rasão e pelo bom senso, limites seguros dessa grande orbita por onde gyra o systema deontologico, não é e nem será assumpto do nosso ideial medico, quer no campo da theoria, quer na seára fecunda da pra- tica medica, vivificada pela experiencia continua de uma clinica segura e desvelada. Sua admissibilidade viria demonstrar ás outras profissões ser o exercício da medicina uma arte de loucos, por circumstancia de que só elles, fóra da lei, têm direito a uma irresponsabilidade absoluta; e aquelle conceito, em sua realidade, impederia, senão retivesse mesmo, a marcha da assistência clinica, por falta de plena confiança nos seus mi- nistradores. 59 Certamente, com segurança dizemos, quem en- tregaria seu doente aos cuidados, na dependencia de uma cura, de um normal revestido do broquel protector da sua irresponsabilidade, concedida aos que estão em casos especiaes de certos estados pathologicos?!! Quem?!! E os factos se repro- duzem, quasi num concerto geral demonstrando peremptoriamente a inanidade de tão deshumana doutrina, que desfralda o seu negro estandarte com o lemma fatidico e monstruoso: «Sou medico, agi no exercício de minha profissão, estou acima da lei e de toda responsabilidade.» E nem podemos tolerar, particular ou geral- mente, nos grandes e nos pequenos casos, que o exercício da arte que abraçamos, se volva em valhacouto de imprudência, descuido, erros, faltas, no acompanhamento sinistro de factos de tão si- nistros resultados! Crémieux e Merlin, fervorosos adeptos daquella errónea doutrina, jamais tiveram em suas mãos ca- rente dos seus cuidados, um só especimen desta humanidade soffredora! Que fracturado lhes entregaria o membro para applicação dum apparelho, certo de que os não poderia responsabilisar pelo facto da amputação em virtude de grangrena por forte constricção?!! Que senhora a dar á luz os abalaria, sabendo 60 que se não responsabilisavam por brachiotomia realísada no feto vivo?!! Apesar, não é opinião systematica a nossa, de ser o medico, a todo instante e a qualquer en- contro com a cabeceira do enfermo, responsável ao juizo de quem quer que seja, na incompetência de um julgamento. Seria realmente um desprestigio para a classe inteira os doutores de medicina estarem constante- mente a responder em juiso por actos profissio- naes. Assim, quem impederia o medico de processar por crime de injuria os que perdessem qualquer acção intentada contra elle, como na Bélgica, em que um medico accusado de ter sacrificado um seu cliente com uma injecção hypodermica de cinco milligrammos de morphina e sendo absolvido, ob- teve delle judicialrrente uma indemnisação de mil francos?!! Não rendemos culto ás maliciosas palavras de Montaigne: « Ils ont cette heure (les medicins) qui le soleil éclaire leur succès et la terre cache leur faute )>. Já se não pode mais admittir a irresponsabili- dade profissional dos médicos. Contrariamente ao que pregam os seus fervo- rosos cultuadores, Foderé, antes mesmo de Fa- vart de Langlade, diz que «longe de firmar uma condição necessária ao progresso da sciencia, con- 61 sidera essa prerogativa como um perigo e um obs- táculo á sua marcha. Devergie, restringindo p mais possível a acção da justiça, no attinente á responsabilidade medica, não contesta de todo esta attribuição dos tri- bunaes. A lei allemã obriga o ministério publico a impor uma penalidade mais severa quando o auctor do delicto é obrigado por força de seu emprego, dos seus deveres ou de sua profissão a uma attenção mais particular. E’ o caso do medico, por isso que seus deveres para com os doentes são as aggra- vantes ahi previstas. Na Inglaterra, o doutorado não é garantia, nem põe ao'abrigo das acções judiciarias o me- dico inculpado. Dubrac, tantas vezes citado, disse: «Por isso mesmo que a lei os investe de um monopolio e que ella lhes garante o exercício exclusivo de sua arte, ficam adstrictos a uma circumspecçãomaior.» Um concurso desgraçado de circumstancias se accentuando na falta de auxiliares, na imperfeição dos instrumentos, na fadiga extrema do medico no estado todo especial do doente, na necessidade de prompta decisão, se constituindo verdadeiros escolhos, são os recifes imprevistos para o nau- frágio da honorabilidade do medico! O professor Tardieu em os Annaes de Medicina 62 Legal e Hygiene Publica, escrevera: « Se a im- prudência de um indivíduo que maneja uma arma de fogo pode accidentalmente tornal-o culpável de um homicídio involuntário, o medico tem con- stantemente em suas mãos armas não menos pe- rigosas e de que pode fazer uso fatal; sua lanceta mal dirigida pode abrir uma artéria, sua imperícia pode comprometter a vida daquelles a quem deve protecção e os soccorros de sua arte beneficente ». Ao passo que todos estes scientistas se con- graçam para manter a doutrina da responsabili- dade, o Codigo de Etílica Medica da Associação Americana, diz, sem escrupulo, abertamente: « Não ha tribunal alem da própria consciência que imponha penas por descuidos ou negligencia.» Sublime concepção!!! que apenas cala no espi- rito dos inconscientes e dos insensatos!!! Sensata foi a Academia de Medicina de Paris, quando assim se exprimiu: «Os erros involuntá- rios, as faltas que se não podem provar, os resul- tados desastrosos que se não podem calcular só devem ajfectar a opinião publica ». Todavia pensamos que erros, faltas, resultados desastrosos, devem, alem de interessar a opinião publica, merecer attenção especial da justiça, na precisão das provas mais irrefutáveis, para ou punir o criminoso ou libertar o innocente. Em terminando, nos declaramos fervorosamente 63 partidários da responsabilidade, todavia com res- tricções, e muito, mesmo muito, havemos de lutar para que a justiça não possa ver em todos os actos de nossa vida clinica, um, tão somente um, passível de penalidade. Deixaremos completamente á margem, acari- ciadas pela brisa do nosso despreso, as exigências illegitimas, as paixões odiosas, as cóleras infun- dadas e a avidez ardente com que os clientes in- gratos e poucos honestos experimentam no insuc- cesso do medico! Vamos ser médicos .... trilhar uma senda cheia de escolhos, nautas desse mar sempre borrascoso da Existência, em viagem interminável, afrontando todos os precipícios, força é que nos desviemos, com cuidado, destas syrthes perigosas, na derrota do nosso devotamento, na obra do bem pela hu- manidade !!! Lembremos-nos que para Delfau, o medico, em sua existência, conta um grande numero de dias assignalados com uma cruz preta !!! E nestes amargurados dias, contados aos minutos de cada dedicação singular, na assistência do des. vello, na pertinácia do cuido, de momento, do sonho de uma obra de mizericordia se vão desper- tados com a intimação da Lei, aos pretextos do convencionalismo doloso da parte queixosa, aqui se furtando á satisfação de honorários, ali, no des- 64 farce de uma qualquer insignificância, mentindo, por calculado interesse, provei- tosos do dedicado apostolo da vida. Contra tão falsa e perigosa situação devemos, em vigilia constante, accender os fógos de nossas atalaias; e num brado de animador conforto, reu- nindo as forças todas de uma energia ainda bas- tante viva, lembramos aos jovens collegas: «Árdua embora a provança, a tarefa é sublimada)). PROPOSIÇÕES O Tres sobre cada uma das matérias do curso HISTORIA NATURAL MEDICA I Cobras são animaes de corpo alongado, cobertos de escamas ou placas, de cabeça mais ou menos acha- tada. II São ophidios, ainda caracterisados pela ausência completa de membros. III Alguns destes animaes pelo veneno que contem nas suas glandulas maxillares, se tornam responsáveis do ophidismo. CHIMICA MEDICA I A morphina é um cam|s&eto chimico pertencente á grande classe dos alcaloides. II E’ o mais importante alcaloide extrahido do opio. III Seu emprego em medicina tem dado logar á res- ponsabilidade medica. ANATOMIA E PHYSIOLOGIA PATHOLOGICAS I A invasão do coração pela gordura se faz por assim dizer sempre por uma ordem prestabelecida. II A’ principio é o coração direito que se deixa in- vadir pouco a pouco pelas cellulas adiposas, depois, os sulcos, a origem da aorta e da artéria pulmonar, bordo direito e vertice do ventrículo se tnmefazém abafados por uma obesidade cada vez mais deformaute. 66 III São responsáveis por este estado do musculo car- díaco um soffrimento intimo do organismo e as alte- rações chimicas de toda a substancia, e não a arterio- esclerose, como querem alguns. MATÉRIA MEDICA, PHARMACOLOGIA E ARTE DE FORMULAR I O medico, na prescripção da formula, deve evitar as incompatibilidades. II Elias são de quatro ordens: physicas, chimicas, pharmaceuticas e physiologicas. III Sem taes cautelas, aconselhadas peja prudência, pode se tornar responsável dos prejuízos ou mesmo da morte do doente. CLINICA MEDICA (1.a cadeira) I A hepatite dos paizes quentes se traduz quasi sempre pela íormaçâo de um grande abcesso unico. II Apesar, não são escassos os casos em que ella vem acompanhada de abcessos múltiplos. III Em taes casos deve-se responsabilisar ou a duração da moléstia ou as infecções secundarias, que se podem desenvolver. HYG1ENE I A hygiene é o ramo mais fecundo da sciencia medica. II Das partes em que se divide é á que se refere ao indivíduo a mais importante. 67 III A. cifra elevadíssima da mortalidade por moléstias contagiosas, se deve responsabilisar o abandono da hygiene individual. MEDICINA LEGAL E T0X1C0L0GIA I 0 segredo profissional devia ser absoluto. II Infelizmente, porem, em muitas circumstancias, é o medic> obrigado a revelal-o II Quando em todo o caso, o medico o revela sem imprescindível necessidade eomette uma falta grave. CLINICA CIRÚRGICA (l.a cadeira) I A cirurgia do coração é uma das mais bellas con- quistas deste ramo da medicina. II A cardiorraphia é, na hora actual, accessivel ao cirurgião; III Em tal caso, o cirurgião assume grande responsa- bilidade. ANATOMIA DESCRIPTIVA I O femur é o osso que constitue o esqueleto da coxa. II O tibia é o que forma, com o peroneo, o esqueleto da perna. III Esses dois ossos, e a rotula são os responsáveis por suas superfícies articulares, da articulação do joelho. CLINICA CIRÚRGICA (2.a cadeira) I A amputação do recto deve-se fazer por via com- binada: abdomino-perineal. 68 II E1 de grande valor para os casos de situação alta do cancro, como os da ansa sigmoidéa. ffl Superior á amputação alta de Lisfranc, é todavia responsável por um grande numero de mortes ou in~ successos. BACTERIOLOGIA I Ha no grande grupo das algas uns elementos cellu- lares denominados—bactérias. II Entre elles se acha o bacillo de Pfeifer encontrado em muitas especies de grippe. III Comtudo, não é o agente responsável de tal affecção. PHYSIOLOGIA I A excitação é uma communicação de um movimento exterior aos nossos proprios tecidos. II Esta ccmmunicação é da ordem das agitações ou das rupturas de equilibrio. III São responsáveis por este phenomeno de um lado um movimento-causa (de fonte exterior) e de outro um movimento-effeito (inherente ao tecido excitado). PATHOLOGIA CIRÚRGICA I Phlegmão é a inflammação do tecido conjunctivo ou adipo conjunctivo disposto em laminas continuas ou em massas espessas. II Divide-se em simples ou circumscripto ou deffuso. 69 ÍII Termina pela suppuração, sendo por ella respon- sáveis os microbios pyogenos. THERAPEUTICA I O Balsamo do Peru é urna resina natural prove- niente da Toluifera Perexrac, que cresce na America do Sul. II E’ um liquido viscoso, de um pardo avermelhado, de cheiro agrada\el, insolúvel n’agua, solúvel no álcool, no ether, formando com os oleos emulsões pouco estáveis e se incorporando ás gorduras para formar pomadas. III Goza de propriedades antisepticas sendo por ellas responsáveis os ácidos aromáticos, principalmente o benzoico e o cinnamico. ANATOMIA T0POGRAPHICA I A glandula parotida enche toda loja parotidiana, excedendo-a em algun3 pontos. II E’ a maior das glandulas salivares. III Nos casos de parotidite deve o cirurgião abrira glandula, sob pena de ser responsável pelas collec- ções purulentas que se forem formando no pharynge e no pescoço, PATHOLOGIA MEDICA I De todas as moléstias infecciosas, a grippe é talvez a de que rnais se falle, embora se c mheça menos. 70 II E1 o mais das vezes benigna, outras vezes é de notoria gravidade. III E’ a responsável de um grande cortejo de pertur- bações organicas de toda sorte. CLINICA OPIÍTALMOLOGICA I O glaucoma é uma moléstia da segunda edade. II Caracterisa-se por uma hyperemia da cboroide com exhalação serosa e augmento da pressão intra- ocular com diminuição da camara anterior e preguiça da iris, se traduzindo por um estreitamento do campo visual ou abolição da vista. III São responsáveis por este estado morbido as con- gestões oculares, a herança talvez, o excesso de pigmento, a diathese arthritica. a fadiga dos olhos, as congestões em epoca de menopausa, etc. CLINICA MEDICA (2.* cadeira) I A arterio-esclerose não é moléstia exclusiva dos velhos. II Muitos individuos ainda moços ja tem suas artérias esclerosadas. III Pela esclerose das artérias se deve responsabilisar o tabagismo, o saturnismo, a sypliilis (?) e de nenhum modo o alcoolismo. CLINICA PEDIÁTRICA I A moléstia de Barlow é uma affecção da primeira edade. 71 II Não é grave e pode-se cural-a mesmo nos easos tardiamente tratados. III Responsabilisa-se neste caso, o uso do leite de con- serva. CLINICA PROPEDÊUTICA I A anamnese é de grande valor propedêutico. II Uma palavra do doente é muita vez bastante para esclarecer um diagnostico. III O medico, entretanto, era certos casos torna-se res- ponsável, nas exigências de tal processo, dos prejuízos do seu doente. CLINICA OBSTÉTRICA E GYNECOLOGICA I O medico só deve aconselhar o abortamento naquelles casos em que a prenhez é causa essencial de perigo para a gestante, mesmo como sacrifício do feto, que, na concepção sublime de Foeher, não é senão «um futuro». II Fora dahi, o abortamento é uma operação de mera complacência. III O medico que provoca um aborto pon complacência é eminentemente responsável. OPERAÇÕES E APPARELIIOS I Phlebotomia é a operação pela qual se retira do organismo pela secção incompleta de uma veia, uma porção qualquer de sangue. II Em geral, escolhe-se de preferencia umas das veias Ro braço. 72 III Deve o cirurgião saber fazel-a para que se não torne responsável da abertura de uma artéria. HISTOLOGIA I Os elementos anatómicos cellulares são verdadeiros seres vivos cuja agregação forma a maior parte do corpo. II Os mais simples são constituidos pelo protoplasma e pelo núcleo. III Este assume toda a responsabilidade nos pheno- menos de reproducção cellular. OBSTETRÍCIA I 1 A contração dos músculos do abdómen é voluntária,, mas é também instinctiva e verdadeiramente de ordem reflexa quando uma parte fetal pesa sobre o perinêo. II O impulso só póde utilisar toda sua acção quando a dilatação é completa e as membranas rolas. III Antes da dilatação completa, elle é inútil e não pode senão levar o utero com seu conteúdo contra a parede ossea da bacia. Este esforço intempestivo e sem fim pode ser pc-' rigoso e mesmo responsável de certas rupturas uterinas, exgottando ainda a mulher sem beneficio, CLINICA DERMATOLÓGICA E SYPHILIGRAPIIICA I A syphilis pode ser adquirida ou hereditária. II Esta differe d’aquella pela falta de accidentes pri- mitivos. 73 III Gomo responsáveis da sypliilis hereditária temos ou uma infecção germinativa, de origem ovular, esperma- tica oumixta ou então uma infecção post-concepcional. CLINICA PSYCHIATRLCA E DE MOLÉSTIAS NERVOSAS I A melancolia caracterisa-se por uma depressão do- lorosa dos sentimentos e uma diminuição da actividude voluntária, assim como por uma lentidão na associação das ideias, podendo ir até a parada completa do pro- cesso. II Produz mais ou menos o gasto do systema ner- voso. III Julgamos o melancólico eternamente irresponsável. Visto. Secretaria da Faculdade de Medicina da Bahia oO de Outubro de d909. 0 Secretario Dr. Menandro dos Reis Meirelles.