FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA THESE APRESENTADA Á Faculdade de Medicina da Bahia em 4 de Outubro de 1909 PAI?A SER DEFENDIDA POR Horacio Vieira de Mello NATURAL DO ESTADO DE SERGIPE Interno de Clinica Medica 2.* Cadeira AEIM DE OBTER O GRÃO DE Doutor 0330. H^COCULOl.!D.£l/ DISSERTAÇÃO CADEIRA DE CLINICA MEDICA Azoturioo PROPOSIÇÕES Tres sobre cada uma das cadeiras do curso de sciencias medicas e cirugicas. BAHIA IMPRENSA POPULAR Rua dos Droguistas, 45 1909 Faculdade de Medicina da Bahia Director —Dr. AUGUSTO CESAR VIANNA Vice-Director —Dr. MANOEL JOSE’ DE ARAÚJO Lentes cathedraticos OS DRS. MATÉRIAS QUE LECCIONAM I. a SECÇÃO Carneiro de Campos : Anatomia descriptivã. Carlos Freitas Anatomia medico-cirurgica. 2. a Secção Antonio Pacifico Pereira. .... Histologia. Augusto C. Vianna Bacteriologia Guilherme Pereira Rebello. . . . Anatomia e physiologia pathologicas. 3. » Secção Manuel José de Araújo Physiologia. JoséEduardo F. de Carvalho Filho . Therapautica. 4. a Secção Josino Correia Cotias Medicina legal e toxicologia. Luiz Anselmo da Fonseca .... Hygiene 5. Secção Antonino Baptista dos Anjos. . . . Pathologia cirúrgica. Fortunato Augusto da Silva Júnior . Operações e apparelhos. Antonio Pacheco Mendes .... Clinica cirúrgica, L* cadeira. Braz Hermeneídido do Amaral . . Clinica cirúrgica, 2.a cadeira. 6a Secção Aurélio R. Vianna Pathologia medica. Clinica propedêutica. Anisio Circundes de Carvalho. . . Clinica medica, l-a cadeira. Francisco Braulio Pereira Clinica medica, 2.a cadeira. 7. Secção José Rodrigues da Costa Dorea’. . Historia natural medica. A. Victorio de Araújo Falcão. . . Matéria medica, pharmaoologia e arte de formular. José Olympio de Azevedo .... Cnimica medica. 8. Secção Deocleciano Ramos Obstetrícia. Climerio Cardoso de Oliveira . . Clinica obstétrica e^gynecologica. 9. Secção Frederico de Castro Rebello . . . Clinica pediátrica 10. Secção Francisco dos Santos Pereira . . . Clinica ophtalmologica. II. Secção Alexandre E. de Castro Cerqueira . Clinica dermatológica e syplsiligrapnira 12. Secção Luiz Pinto de Carvalho Clinica ps.vchiatrica e de moléstias nervosas. S0ebasEtíãJeCardosoCe.rq.Ue!rtt '. '. ! Em-disponibilidade Substitutos OS DOUTOEES José Atiouso do Carvalbo 1." secção - Gonçalo Moniz Sodré de Aragão . . • J 0 a , Julio Serçio Palma ) Pedro Luiz Celestino 3.a » Oscar Freire de Carvalho 4.a » Caio Octavio F. de Moura 5.a João Américo Garcez Frées. .... 6.a » Pedro da Luz Carrascosa e José Julio de Galasans 7.a » J. Adeodato de Sousa 8.a » Alfredo Ferreira de Magalhães , . . 9.a » Clodoaldo de Andrade. ..... 10. » Albino A. da Silva Leitão . 11. > MarioC. da Silva Leal 12. » Secretario—DR. MRNANDRO DOS REIS MEIRELLES Sub-secretario—DR. MATHEUS VAZ DE OLIVEIRA A Faculdade não approva nem reprova as opipiões exaradas nas tlieses pelos seus auctores. DISSERTAÇÃO Alors aussi commence pour vous ce sacerdoce que vous honorerez et qui vous honorera; alors commence cette carrière des sacrifices dans laqulie vos jours, vos nuits sont désormais le patrimoiue des malades. 11 faut vous resigner á semer en devouement ce qu’on recueille si souvent en ingratitude; il faut renoncer aux donces joies de la famille, au repos si cher après la fatigue d’une vie laborieuse; il faut savoir affronter les dégouts, les deboires, les datigers; ilsfaut ne pas reculer devant la mort, quand elle vous menace. Trousseau. Diabetes azoturico CAPITULO I HISTORICO diabetes azoturico é uma moléstia geral, caracterisada por uma polyuria geral- 'WW * men^e intensa, com excreção de uma quantidade de uréa permanente superior L a normal. c. Foi Th. Willis que, em 1674, mostrou assucar na urina de grande numero de diabéticos glycosuricos, reconheceu a urina assucarada pelo simples sabor, e firmou o diabetes assucarado. Ao lado desta moléstia ha uma outra, que se approxima muito desta pelos seus symptomas, mas que distingue-se delia pela ausência de 2 assucar na urina. Prout, em 1822, descreveu um um caso de diabetes com excesso de uréa, porém todos os factos estudados eram confundidos com o nome de diabetes insípido. Robert Willis, em 1838, mostrou que esta expressão de insípido, não era um só estado morbido, porém uma reunião de factos patho- logicos, tendo em commutu a polyuria, mas, distinguindo-se pela composição chimica da urina. - Robert mostrou variações de uréa na urina das vinte e quatro horas, è, baseando-se nesta variação dividiu o diabetes insípido em tres especies: « lc? a azoturia ou polyuria com au- gmento de uréa; 2? a anazoturia ou polyuria com diminuição da uréa; 3? hydruria ou polyuria com a quantidade de uréa normal.» iTalk, em 1853, admittia somente duas espe- cies de diabetes insípido: 1* a polypissuria caracterisada pela polyuria e pelo augmento da densidade da urina, azoturia; 2* a polydiluturia • caracterisada pela polyuria, porém com dimi- nuição da densidade da urina, com uréa normal ou inferior a normal. Bouchardat estudou bastante o assumpto de 3 1846 a '861, e descreveu o diabetes azoturico, como uma forma de consumpção. A partir d’csta época numerosos trabalhos appareceram Em 1865 Kien e Kiener apresentaram bons estudos. Em 1874 Landuzi descreveu uma forma de diabetes insipido com azoturia. Em 1877 Lecorché apresentou um tratado sobre os diabetes, e admittiu somente duas for- mas de diabetes insipido. Eoi Bouchard quem mais estudou este assum- pto, que escolhemos para a nossa these. CAPITULO II @fio - paifyoçfenxa iSjâfefp ©j diabetes azoturico e mais commum no sexo masculino, que no feminino. L’ dos y&y 20 aos 40 annos que geralmente se o y/¥* observa. Bouchairdcita um caso na idade L de 50 annos. Tem-se visto, porém rara- mente, manifestar-se nas creanças. Parece que, o clima não influem no seu desenvolvimento, e sim a alimentação e a herança. A alimentação rica em principios albuminosos, pode ser a causa da moléstia que estudamos. Na «La Semaine Médicale» de 30 de Julho de 1902 vem a seguinte observação: 6 «M. de Massary montre, au nomde M. Cívatte et au sien, une femme soignés depuis six ans pour un diabéte azoturique, et dont l’embon- point est non seulement conservé mais peut même passer pour exagéré, contrairement á ce qui s’observe habituellement chez ces malades, elle pèse 94 kilogrammes, en effet, alors que sa taille ne dépasse pas 1™53. Cette fernine, qui est polyphagique comiue la plupart des diabe- tiques, presente, en outre, cette particularité d’avoir une appétence morbide uniquement pour les aliments carnés: obsédée continuellement par le besoin de manger de la viande, elle s’en procure par tous les moyens, en dérobe á 1’eta- lage des bouchers et la devore cuite au crue fraiche au avariée. Par contre, les aliments fecu- lents au sucrés lui inspirent une répulsion pres- que invencible. Sa polydipsie est peu marquée: elle boit de 2 a 3 litres de liquide par jour et excrète dans les vingt quatre heures de 60 a 100 gr. d’urée». As causas mais comtnunssão a influencia ner- vosa, emoções moraes e os soffrimentos phy- sicos. Na maioria das observações de numerosos me- 7 dicos, o diabetes azoturico apparece, quer por abalos moraes, quer por so ff ri mentos physicos. Rendu viu um doente que tornou-se azoturico pelo susto causado por uma quéda no mar. Le- corché viu um doente cuja moléstia teve começo devido a um grande golpe pela perda da mulher e de uma filha. Km uma observação de M. Thalwetzer a moléstia teve por causa um traumatismo, na occa- sião em que o seu cliente fazia exercícios em uma barr^. São muito conhecidas as experiencias ralata- das por Magendie, as quaes não deixam duvidas relativamente á acção da dôr sobre a producção da unia. Comprehende-se muito bem, diz elle, que esta influencia toda passageira possa tor- nar-se permanente, e dar logar ao diabetes azo- turico. L*esões cerebraes podem também ser cau- sas desta moléstia. Bouchard cita duas observações, tendo por causa tumores cerebraes de origem syphilitica. Os excessos alcoolicos, as variações de tempe- ratura excessivas e a presença dc vermes intes- tinaes são causas frequentes deste mal. As privações não são estranhas a suas causas. 8 Lecorché observou utn caso em que a quantidade da uréa augmentava, quando o doente abando- nava o hospital porque tinha uma alimentação imprópria á nutrição. A uréa excretada é propocional á quantidade de matéria albuminoide ingerida. CAPITULO 111 Hescplsa @ estado da uréa ípvtf podemos firmar o diagnostico do cliabetes azoturico, sem sabermos a ff . , quantidade da uréa que ’o doente eli- mina nas vinte e quatro horas. ' Como toda urina contém uréa em grande quantidade, de 20 a 30 grammas na media, o reconhecimento nada nos interessa, e sim a dosagem. Ha vários processos para a dosagem da uréa na urina; uns baseados na decomposição da uréa pelo acido azotico, em azoto e acido carbonico; outros esta decomposição é pelo hypo-bromito de sodio, realisados em apparelhos chamados 10 ureomelros, são os mais empregados actualmente. Ha diversos ureometros como os de Regnard, TOsbach, Noel, etc. Descreveremos os dois primeiros por serem os mais empregados, e o ultimo por ser com que mais trabalhamos no gabinete de clinica medica, segunda cadeira, de que somos interno. Ureometro de Esbach ou analysador gazometrico de Esbach. — Compõe-se de um tubo de vidro quadrado, que é aberto na parte inferior, tendo ligado a este um outro menor. N’este ureometro trabalha-se com agua. Technica.— Ye-se um grande vaso com agua, sendo este cylindrico, no qual mergulha-se o apparelho, que se introduz n’mn supporte de metal, como uma vela em um castiçal, colloca-se a agua no apparelho até chegar a um traço, que se acha acima do zero; toma-se 9 c. c. do reactivo, hypo-bromito de sodio, e colloca-se no pequeno tubo, depois toma-se 1 c. c. da urina, collocando-a em um tubo muito pequeno, denominado godet, que se faz mergulhar no 9 c. c. do reactivo, já collocado. Por meio d’uma rolha especial, fecha- se o apparelho com cuidado para que o gaz não escape. Depois de terminada a reacção, ve-se no 11 tubo grande graduado o numero que corresponde ao nivel d’agua. Consulta-se ao baroscopio que acompanha o apparelho e as taboas baroscopicas; a linha horisontal indica o numero do baroscopio, a vertical, o numero achado no tubo graduado. No encontro d’estas duas linhas está o numero de grammas de uréa por litro de urina. Ureomdro de Rcguard.— Tem a forma de um U, apresentando na parte media uma e de cada lado d’esta curvatura uma dilatação. Um supporte de madeira sustenta o apparelho. Um dos ramos é fechado por uma rolha de cautchuc atravessada por um pequeno bastão de vidro, e o outro também fechado por uma rolha de borracha que é atravessada por um tubo de vidro, e por intermédio de um tubo de borracha communica com uma pequena campanula gra- duada, estando por sua vez em um vaso cylindrico de pé, contendo agua até o zero da campa- nula. Technica. — Retira-se a rolha de um dos ramos do tubo em jj e colloca-se 10 c, c. de hypobromito de sodio. Pelo outro ramo deita-se 2 c. c. da urina e mais 2 c. c. de uma solução assucarada. Estes líquidos ficam separados; o pri- 12 meiro em uma dilatação do apparelho e os dois últimos na outra dilatação. Verifica-se que a agua na campanula está no nivel do Zero, - se não estiver basta retirar o pequeno bastão de vidro que atravessa uma das rolhas. Depois de bem arrolhado o apparelho, incli- na-se para os liquidos misturarem-se, o que dá logar a desprendimento gazozo, que vai ter á campanula graduada, determinando o abaixa- mento da agua. Terminada a reacção, lê-se o Volume do gaz da campanula,t fazendo coincidir os dois uiveis liquidos, O numero achado representa a quanti- dade de azoto em 2 c. c. de urina. Para achar-se a quantidade de uréa, recorra-se ás taboas. A descripção do ureometro de Noel extrahimos do «Manual de Semeiologia da Urina» do abalisado mestre dr João A. G. Próes. Ureometro de Noel. — Consta de dois vasos cylindricos com pé, devendo ser o maior cheio de agua commum até 1 ou 2 centímetros acima do zero da campanula especial de vidro, graduada, que nelle se introduz; no vaso menor contendo 13 15 c. c. de hypobromito, introduz-se um tubo calibrado de vidro, em cuja extremidade inferior está fixo um copinho, onde são postos 2 c. c. de urina mais 2 c. c. de uma solução assucarada (xarope simples e agua em partes iguaes), ajus- ta-se a rolha de cautechú annexa á parte supe- rior do referido tubo calibrado, tendo o cuidado de verificar que ella se acha acima do orifício existente no tubo indicado e destinado a dar pas- sagem ao gaz resultante da reacção, que atra- vessa um tubo de borracha, ligando as duas partes do apparellio. Preparado assim o appa- rellio, o nivel interno da agua contida na cam- panula especial deve corresponder exactamente ao 0 (zero) gravado na mesma. Technica.— Levanta-se a campanula com uma das mãos,N inclina-se o vaso menor, de modo que se misture a urina com o hypobromito; o gaz desprendido da reacção recalca o liquido contido na campanula; terminando o desprendimento gazozo. faz-se coincidirem os uiveis da agua no interior e no exterior da campanula, e lê-se o numero nas taboas especiaes, Mercier, a quanti- dade de uréa por litro de urina, feitas todas as correcções e dispensado todo e qualquer calculo. 14 Ajunta-se a solução assucarada para facilitar a decomposição total da uréa. A quantidade de uréa nas vinte e quatro ho- ras é de 20 a 30 grammas; ou 50 centigrammas por cada kilogramma do peso do indivíduo. Estudo da urúa. — A uréa é tuna amide, é a diamide carbónica, tem por formula C Az2 H4 O ou CO(AzH2)2. E’ encontrada na urina normal de 20 a 30 granis. Encontra-se também no suor, no leito, na lympha. no sangue, figado, mús- culos etc.—Ha diversos processos para a prepa- ração da uréa, porém preferimos o da extracção da urina, Extracção da uréa da urina.— Evapora-se uma certa quantidade de urina a banho maria, até a consistência xaroposa, deixa-se abaixar a tempe- ratura a zero e trata-se pelo acido nítrico, que transforma a uréa da urina em azotato de uréa. Os crystaes fermados são separados e lavados com agua pura e fria. Depois dissolve-os em agua fervendo carregada de carvão animal lavado, íiltra-se e neutralisa-se pelo carbonato de potas- 15 sio, que dá em resultado o desprendimento do gaz carbonico, depois concentra-se o liquido, deixa o azotato de potássio crystallisar-se, eva- pora-se até a seccura e trata-o pelo álcool que se apodera da uréa conseguindo-se separal-a pela evaporação. Propriedades.— A uréa é um corpo solido, sem cor, sem cheiro e de sabor amargo, crystalliza-se em prismas quadrangulares. Dissolve-se na agua, no álcool fervendo, po- rém é muito pouco solúvel no ether sulfurico. Funde-se na temperatura de 130? A solução de uréa é neutra ao papel de tornesol. Não se altera em presença do ar. Pode trans- formar-se em carbonato de ammoniaco, lixando duas moléculas de agua. Fsta transformação só se dá com a agua em alta temperatura. Os ácidos azotozo e azotico decompõem a uiéa em agua, gaz carbonico e azoto. Combina-se com os ácidos fortes, e com certos saes. Caracteres da uréa.—Pelo azotato de mercúrio dá um precepitado branco. Pelo aquecimento com uma solução de soda desprende ammoniaco. Aquecendo a uréa á temperatura de 100? for- 16 ma-se biureto, que se reconhece, ajuntando-se algumas gottas de uma solução de sulfato de cobre (a 1%). Toma uma coloração rosea, que * passa logo a cor violacea. Pelo carbonato de sodio a uréa dá um preci- pitado branco. E}xaminando-se a forma crystallina, vêm pris- mas de 4 faces. Podem-se também examinar, no microscopio, os crystaes do azotato de uréa e os do oxalato. / A uréa forma-se no organismo a custa das ma- térias albuminoides. A transformação da albumina em uréa não é rapida e immediata, ha intermediários em grande numero. Ksta transformação dá-se por um dos processos de desdobramento, oxydação e liydra- taçáo. Viault et Jolyet dizem que : «não se pode admittir hoje, que a uréa resulte directamente da oxydação dos albiminoides pela combustão res- piratória, porque é certo que phenomenos de hvdratação e de desdobramento da molécula da 17 albumina em grupos atomicos cada vez mais simples se produzem idesta transformação, e a uréa é, ou o producto directo desta hydratação, ou o resultado da oxydação consecutiva que soffrem os numerosos corpos azotados interme- diários provenientes da hydratação». Os intermediários dos albuminoides são uns, azotados, outros, não azotados. Entre os primeiros temos a taurina, a leuci- na, a creatina, a creatinina (ácidos amidados) e carbonatos, etc. Entre os segundos temos a cholesterina, ácidos gordurosos, etc. Estes processos de desdobramento, oxidação e hydratação pelos quaes passam em seu longo percurso physiologico as matérias albuminoides não são tão simples e de tão facil solução, como á primeira vista pode-se pensar. Os phenomenos intrincados, de difficilima comprehensão e com os dados actuaes que a sciencia nos fornece, estão ainda bem longe, de ser conhecidos, não obstante os esforços hercú- leos do grande creador da chimica biologica Armaud Gautier e de outros sectários seus. Os dados colhidos pela experiencia no campo da 18 experimentação podem, quando muito, nos satis- fazer debaixo do ponto de vista meramente theorico; porquanto factos de observação idên- ticos sob o ponto de vista das condições em que se produzem, vão de encontro a elles, protestãc» bem alto, mostrando mesmo completa oppo- sição em seus resultados definitivos. E) se não fosse isto em medecina, estaria aberta uma grande fonte de aprendisagem, uma contra prova, para a verificação de factos mais ou menos tidos como certos. Os resultados da experimentação, nem sempre, podem ser trans- plantados para terrenos outros parecidos. O organismo humano é mais alguma cousa que um simples cadinho, onde se passam as reacções, observando sempre os mesmos prihcipios bási- cos de chimica. Ha diversas theorias que explicam a formação da uréa no organismo: dizem uns que a uréa é proveniente do acido urico; outros dos ácidos amidados, e outros ainda do carbonato de ammo- niaco. Os adeptos da theoria da formação da uréa á custa do acido urico, provam-na fazendo circular no figado de um cão em jejum sangue desfibri» 19 nado, contendo acido urico, e notaram augmento de uréa na urina. Dizem mais que in vitro pode- se dar a transformação do acido urico em uréa. vSe por um lado é verdade que podemos cliimi- camente passar do acido urico á uréa, se é verdade que os albuminoides passam por uma serie grande e complexa de productos intermediários até chegar á mesma transformação, termo ultimo de desagregação dos mesmos albuminoides, e que o acido urico, segundo a opinião de alguns, faz parte d’esta longa serie, occupando o logar de antecessor da uréa, sendo portanto um pro- ducto menos oxydado que ella, conclusões estas baseadas do ponto de vista chi mico e também em experiencias; não acceitamos por outro lado absolutamente, negamos in limine a opinião daquelles que dizem vir a uréa do acido urico. Os passaros, cujas oxydações são muito mais energicas que as do homem, deveriam ter por isso mais uréa que acido urico em sua urina, e no entanto dá-se justamente o contrario. Nas mo- léstias em que ha uma diminuição das oxydações por um obstáculo qualquer á hematose, o acido urico deveria augmentar na urina, e no entanto isto não se dá. 20 O acido lírico é tido, na opinião dos mais no- táveis physiologistas, como um producto ultimo, definitivo, estável do qual dhegam certas albu- minas, licithitias existentes nos núcleos de algu- mas cellulas, e não seu intermediário entre os proteicos e a uréa. A concepção da grande diathese arthritica, e a filiação a ella de modalidades clinicas varia- das, segundo este modo de considerar o deven- cadeiar dos albuminoides até a uréa, não tem pois razão mais de subsistir e um leve movi- mento já se v n“ uiana das vintc e quatro h°ras e não o simples exame qualitativo. J j O diabetes azoturico é quasi sempre acompanhado de polydipsia, polyphagia, polyuria, perturbações nervosas, um euimagrecimento exagerado, fraqueza pronunciada a ponto de não poder subir escadas, andar, ás vezes esta fra- queza é tão exagerada, que o doente não pode mover-se, porém, como já dissemos, sem o exame da urina não se pode firmar o diagnostico. 34 O diabetes azoturico é uma moléstia de serio prognostico, quasi sempre fatal. D’ uma moléstia, como diz Lecorché, inquietadora por sua persis- tência e por sua tendeucia a recidivas. Tem tendencia a complicar-se e quasi sempre termina pela tuberculose pulmonar. O organismo enfraquecido não pode defender-se do bacillo de Koch. Algumas vezes, a cura é incontestável. Quando a moléstia tem de terminar pela cura, c quanti- dade de urina nas vinte e quatro horas é menor, os depositos urinários também são em menor quantidade, a fome e a sede, que eram exagera- das, decrescem, melhora o estado geral, as forças voltam, o doente torna-se mais satisfeito, não tendo mais a expressão de padecimento. A’s vezes, em um doente n’estas condições de melhora, tornam a apparecer a fome e sede exa- geradas, e com ellas o augmento da uréa, que decresce depois abaixo da normal, e o doente morre por desnutrição. CAPITULO VI TRATAMENTO substancias medicamentosas, emprega- das constantemente contra o diabetes azoturico, não constituem o seu verdadeiro tratamento, porque ellas só conseguem esse desideratum, quando auxiliadas pela hygiene e um regimen apropriado. Regimen e hygiene.— Os diabéticos azoturicos são dotados, geralmente, de um excellente. appe- tite. O regimen deve ser mixto, porém os vegetaes devem constituir parte maior na sua alimentação. A carne não lhe é permittida. 36 0 peixe pode ser usado, principalmente os de agua doce. Os ovos podem ser dados, não a clara, sim a gemma. O leite lhe é util não só por ser um excel- lente alimento, como também por ser diurético. As gorduras são aconselhadas por Lecorché, porque, sendo de facil oxydação, diminue a des- assimilação proteica, fixando uma parte de oxy- genio. Os legumes e as hervas são de grande provei- to no tratamento d’esta moléstia, principal- mente o feijão e a ervilha por serem ricos em matérias azotadas; as saladas também devem ser usadas. Os fructos podem ser dados. As conservas de legumes e fructos podem tam- bém ser usados. O doente pode fazer uso de pão e de farinha. A batata, a vulgarmente chamada ingleza, é admittida e Mossé diz que tem propriedades curativas e é um verdadeiro tonico dos tecidos. O café e o chá devem ser empregados em pequena dose. O vinho e as bebidas alcoólicas admittidas por unse condemnadas por outros, parece que devem 37 ser empregadas, porém em pequena quantidade; Lecorché aconselha o seu uso, a cerveja também deve ser usada em pequena quantidade, e serve até como excitante das cellulas renaes. As aguas alcalinas devem ser empregadas, quer puras, quer misturadas com vinho. Não se deve proliibir que o doente beba agua, pelo contrario, deve absorver grande quantidade d’este precioso liquido, afim de facilitar a elimi- nação da uréa. Pela producção exagerada da uréa no orga- nismo, ella se accumula no sangue, e é preciso que o doente beba muita agua para dissolver e arrastar o excesso contido no sangue e nos teci- dos, fazendo uma verdadeira lavagem. Não dando agua ao doente para a eliminação se fazer por este modo, a uréa vai se accumulando no sangue, este torna-se cada vez mais denso, prejudicando a nutrição do5 tecidos, e pode mesmo, por uma super-producção dar em resultado a gangrena, que geralmente ataca os membros inferiores e de preferencia os artelhos. Hygiene.—O repouso deve ser absoluto, porém ha quem aconselhe exercicios de marcha a pé ou mesmo a cavallo, e alguns aconselham a nata- 38 ção. Kstes exercícios porém devem ser brandos, e depois um descanço no leito por um tempo mais ou menos longo. Glatz recommenda muito a hydrotherapia, como um dos processos para a cura do diabetes azoturico. Diz elle que, deve limitar-se a principio ás applicações de lençol molhado pela manhã ao levantar-se; depois da applicação, repouso ao leito por um tempo bastante longo. Só se deve empregar as duclias quando o doente já tiver ganho alguma força para supportal-as com van- tagem, seguindo as mesmas precauções que para a primeira applicação, a do lençol molhado, isto é, combinado com o repouso mais ou menos absoluto. Tratamento medicamentoso.—-Occupa o primeiro lugar no tratamento do diabetes azoturico o opio e seus alcaloides e logo depois a valeriana. D’ o opio a substancia medicamentosa, a que devemos dar preferencia, pois ella diminue a excreção da uréa, diminue também a quantidade da urina, a bolemia e a sede. A dose que se deve empregar é de 5 a 20 centigrammas. Trousseau empregava a valeriana de prefe- rencia ao opio; dava 15, 20 e até 30 grammas 38 indicação do iodureto de potássio pois como sebemos é activante da desnutrição. Podemos também empregar codeina asso- ciada a strychnina, como aconselham Charcot, Boucliard e Brissaud, como excellente tonico do systema nervoso. 39 do extracto por dia. Este medicamento em alta dose, como dava Trousseau, produz perturbações digestivas. Bouchard empregava também o extracto em doses elevadas; começava por 8 grammas, e subia rapidamente até 30 grammas por dia. Diz elle que obteve vários successos por este methodo. Esta maneira de agir tem graves inconve- nientes. Podem-se obter resultados satisfactorios com este medicamento em pequenas doses 2 a. 5 grammas nas 24 horas. Ao lado do opio e da valeriana temos o arsé- nico, a «Luina, medicação tónica para combater a anemia pronunciada, e os alterantes, como o iodureto de potássio. Bouchard pensa que se deve combater certos symptomas fatigantes. Assim combateremos a insomnia, recorrendo ao bromureto de potássio, chloral, sulfonal, etc.; e ás vertigens podemos combater com o primeiro, bromureto de potássio. Se a syphilis for a causa da moléstia se deve recorrer ao uso do especifico, mercúrio e iodu- reto de potássio; é preciso muita prudência na PROPOSIÇÕES Tres sobre cada uma das cadeiras do curso de sciencias medicas e cirúrgicas. PROPOSIÇÕES 1. 8e«çio ANATOMIA DESCR1PTIVÀ I A artéria tibial anterior nasce ao nivel do annel solear. II Está em relação, para dentro com o musculo tibial anterior. III Dá os seguintes ramos: o recurrente tibial, ramos musculares, e as artérias maleolares inter- na e externa. ANATOMIA MEDICO CIRÚRGICA I) O ante-braço contem pelle, camada gordurosa, camada sub-cutanea e aponevrose euvoltora. II A pelle é fina e glabra na parte anterior, mais espessa e coberta de pello na posterior. III Na camada cellulo-gordurosa estão as veias radial, cubital e mediana. 44 2. Secção HISTOLOGIA I O estomago é formado de quatro túnicas: a serosa, a musculosa, a sub-mucosa e a mucosa. II. . A túnica musculosa tem tres planos de fibras: longitudinaes, circulares e obliquas. III A túnica mucosa forra toda a surpeficie do estomago. BACTERIOLOGIA I O bacillo de Pfeiffer é o agente causador da grippe. II E’ utn pequeno bastonete, fino e curto, e que se cora dificilmente pelas cores da anilina. III Este bacillo só pode ser cultivado na tempera- tura de 37? 45 ANATOMIA EJ PHYSIOGOGTA PATHOLOGICAS I As anomalias que se dão no apparelho circula- tório são: anemia, hyperemia, hemorrhagia, hydropsia, trombose e embolia. II Trombo*e é a obstrucção em um ponto qual- quer do systema circulatório por uma concreção sanguinea, ou um corpo estranho qualquer. III Tromboses mechanicas são as que tem por origem um obstáculo mechanico no curso do sangue, e as que provem da alteração das paredes vasculares. 3. 8«@ção PHYSIOLOGIA I Os movimentos respiratórios podem modificar- se physiolosica e pathologicamente. II Podem ser modificados na frequência, na amplidão e no rythmo. 46 III O augmento da amplidão é acompanhado muitas vezes do augmento de numero. THERAPEUTICA I A evonymina é extrahida da Evonymus atro- purpurius, da família da belastraceas. II insolúvel n’agua e tem um sabor amargo. — III cholagogo de grande importância, empre- gada na dose de 0,05 por dia. 4. 0»effto MEDICINA LEGAL E TOXICOLOGIA I / O phosphorismo profissional apresenta-se-nos quasi sempre com a forma chronica. II Nos operários que trabalham com o pkosphoro, ha um accidente caracteristico: é a necrose do maxillar, denominada necrose phosphorada. 47 III Nas formas rapidas do phosphorismo, os incli- viduos atacadoa, morrem por anoxemia, isto é, sangue desoxygenaclo. HYGIENR I A agfta da chuva tira do ar, em sua passagem, saes, poeira e gazes. II A agua da chuva contem ammoniaco, ás mais das vezes sobre a forma de carbonato de ammoniaco. III A quantidade de ammoniaco é maior nos logares em que existem grande quantidade dê corpos orgânicos em decomposição. 5. Secção PATHOLOGIA CIRÚRGICA I Aneurismas são tumqres circumscriptos, cheios 48 de sangue, communicando com a luz do vaso, artéria ou veia. II Os aneurismas podem ser circumscriptos e diffusos, III A cbmmunicação permanente de uma artéria e de uma veia com saco aneurismal chama-se aneurisma arterio-venoso. OPERAÇÕES E APPARELHOS T / As substancias empregadas para fazer ter- minar uma hemorrhagia, chamam-se hemostalicas. II As mais empregadas são : adrenalina, ergotina, gelatina, peripyrina, etc. III Não se deve empregar o perchlorureto de ferro, como hemostatico, porque pode dar em resultado a formação de embolia. 49 CLINICA CIRÚRGICA (2a cadeira) I Uranoplastia é a operação destinada a res- taurar o veo (Jo paladar. II Esta operação é uma verdadeira auto-plastia. III Quando as perfurações forem de origem syphi- liticas, deve-se antes de praticar a operação submetter o doente ao tratamento especifico. CLINICA CIRÚRGICA (Ia cadeira) I Cystectomia é a resecção parcial ou total da bexiga. II Geralmente pratica-se para extraliir os tumores d’este orgão. III A cystectomia é natural, quando feita com o cy st o copio. 50 6. Secção PATHOLOGIA MEDICA I A moléstia de Addison é caracterisada por uma asthenia profunda e uma coloração brônzea dos tegumentos. II Devido á cor dos tegumentos é também cha- mada moléstia bronza. III A séde das lesões desta moléstia são as capsulas superenaes. CLINICA PROPEDÊUTICA I A tosse é geralmente um phenomeno reflexo. II ID’ devida muitas vezes a uma irritação do pneumo-gástrico. III A tosse nervosa resulta de um exagero da sensibilidade laryngo-tracheal. 51 CLINICA MEDICA (2? cadeira) v 1 Hematúria é a emissão de sangue de mistura com a urina. II A urina hematurica, tem uma coloração vermelha mais ou menos pronunciada. III A urina torna-se ammoniacal com grande facilidade. CLINICA MEDIGA (P cadeira) I Pelo exame microscopico de uma urina hema- turica, vêm-se hemacias normaes, ou deformadas. II As hematúrias podem ter como causas: trau- matismo, inflammações, affecções especificas e alterações da crase sauguinea. 52 III O tratamento das hematúrias é dependente das causas. 7. Saeção HISTORIA NATURAL MEDICA T A inibas são protozoários inferiores da classe dos rlnzopodos; geralmente têm como habitat as aguas doces ou salgadas. II As amibas se reproduzem de tres maneiras: divisão directa. cariocinese e esporulação. III A amiba coli encontra-se ás mais das vezes no grosso intestino do homem. MATÉRIA MEDICA, PHARMACOEOGIA E ARTE DE FORMULAR I As incompatibilidades podem ser divididas em pharmaceutica, pliysiologica e chimica. 53 II A physiologica é a aptidão maior ou menor das diversas pessoas a sentir o effeito dos medicamentos. III A incompatibilidade chimica resulta da acção chimica que dois! ou mais medicamentos mistura- dos exercem, um sobre o outro CHIMICA MEDICA I A piperazidina, conhecida geralmente por piperazina, tem a seguinte formula — C4H,0Az2. II E}’ um corpo solido, sem cor, muito solúvel n’agua, de gosto amargo, e é crystalisavel. III IO’ muito empregada como dissolvente do acido urico. 8. Secção OBSTETRÍCIA I 0 diagnostico da gravidez pode ser feito pelos 54 processos seguintes: interrogatório, pulpação, auscultação e toque. II Pelo interrogatório sabemos de quando data a suspensão da menstruação, e os movimentos do féto. III í}m geral os primeiros movimentos do féto dão-se do quarto para o quinto mez. CLINICA OBSTÉTRICA E GYNECOLOGICA I A palpação foi empregada pela primeira rez em obstetrícia em 1601 por Mercurius Scipio. II Na palpação a mulher deve ser collocada no decubitus dorsal. III Pela palpação apreciamos o balouço, que é um movimento passivo da cabeça do féto. 5. Secção CLINICA PEDIÁTRICA I A nutrição das creanças pode ser natural ou 55 artificial: é natural, quando amammentada pela mãe, ou ama ; artificial, quando nutrida com leite áe vacca, cabra, jumenta, etc. II A nutrição com o leite de vacca é de mais áifficil digestão, que com o leite humano. III As creanças de uma a tres semanas só devem ser nutridas com leite humano. 10. Seoçãe CLINICA OPHTALMOLOGICA X A mais frequente das affecções oculares é a conjunctivite simples. II As suas causas principaes são: o frio, a pre- sença de corpos estranhos, a luz viva, etc. 56 III Os collyrios adstringentes e antisepticos são de optimo resultado no seu tratamento. 11. Secção CLINICA DERMATOLÓGICA E SYPHILIGRAPHICA I Pitynasio rosea é uma erupção erythemato- escamosa. II Gilbert foi quem primeiro estudou esta derma- tose. III Começa geralmente pelo pescoço, peito, es- páduas ; depois se estende de cima para baixo. 12. Soeção CLINICA PSYCHIATRICA E DE MOLÉSTIAS NERVOSAS I A melancolia é mais commum na mulher do que no homem, 57 II A menopausa' tem grande influencia na pro- ducção da melancolia. III A melancolia pode apresentar as seguintes formas: sem delirio, simples com delirio, com angustia e com estupor.