FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA THESE APRESENTADA Á FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA Em 30 de Outubro de 1906 PARA SER DEFENDIDA POR João Américo dos Sanctos Gouvêa NATURAL DO ESTADO DO CEARÁ Ei-Interno do Hospital Santa IsaDel e Pdarmaceutico diplomado pela mesma Faculdade AFIM DE OBTER 0 GRÃO DE DOUTOR EM MEDICINA DISSERTAÇÃO CADEIRA DE CLINICA MEDICA Estudo do basedowismo e seu tratamento PROPOSIÇÕES TRES SOBRE CADA UMA DAS CADEIRAS DO CURSO de Sciencias Medicas e Cirúrgicas OFFICINAS DOS DOIS MUNDOS 35 — Rua Conselheiro Saraiva — 35 1906 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA THIiSE APRESENTADA Á FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA Em 30 de Outubro de 1906 PARA SER DEFENDIDA POR João Américo dos Sanctos Gouvêa NATURAL DO ESTADO DO CEARÁ Ex-Interno do Hospital Santa Isabel e PHarmaceutico diplomado pela mesma Faculdade AFIM DE OBTER 0 GRÃO DE DOUTOR EM MEDICINA DISSERTAÇÃO CADEIRA DE CLINICA MEDICA Estudo do basedowismo e seu tratamento PROPOSIÇ0ES Tres sobre cada uma das cadeiras do Curso de Sciencias Medicas e Cirúrgicas ZB^ZHZIL^ OFFICINAS DOS DOIS MUNDOS 35 — Rua Conselheiro Saraiva — 35 1906 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA Director — Dr. ALFREDO BRITTO Vice-Director — Dr. MANOEL JOSÉ DE ARAIJJO LENTES 1. SECÇÃO OS DRS. : MATÉRIAS QUE LECCIONAM I José Carneiro de Campos . Anatomia descriptiva Carlos Freitas Anatomia medico-cirurgica 2. SECÇÃO Antonio Pacifico Pereira . . Histologia Augusto Cezar Vianna . . Bacteriologia Guilherme Pereira Rebello Anatomia e Physiologia pathologicas 3. SECÇÃO Manoel José de Araújo Physiologia José Eduardo Freire de Carvalho Filho. . . Therapeutica 4. SECÇÃO Medicina legal e Toxicologia Luiz Anselmo da Fonseca Hygiene 5. SECÇÃO Braz Hermenegildo do Amaral Pathologia cirúrgica Fortunato Augusto da Silva Operações e apparelhos Antonio Pacheco Mendes Clinica cirúrgica (1.* cadeira) Ignacio Monteiro de Almeida Gouveia . . . Clinica cirúrgica (2.* cadeira) 6. SECÇÃO Aurélio Rodrigues Vianna Pathologia medica Alfredo Britto Clinica propedêutica Anisio Circundes de Carvalho Clinica medica (1 * cadeira) Francisco Braulio Pereira Clinica medica (2.* cadeira) 7. SECÇÃO José Rodrigues da Costa Dorea Historia natural medica Antonio Victorio de Araújo Falcão Matéria medica, Pharmacologia e Arte de formular José Olympio de Azevedo Chimica medica 8. SECÇÃO Deocleciano Ramos . . . . ' Obstetrícia Climerio Cardoso de'Oliveira . Clinica obstétrica e gynecologica 9. SECÇÃO Frederico de Castro Rebello Clinica pediátrica 10. SECÇÃO Francisco dos Santos Pereira. Clinica ophtalmologia 11. SECÇÃO Alexandre Evangelista de Castro Cerqueira. Clinica dermatológica e syphiligraphica 12. SECÇÃO João Tillemont Fontes . . . Clinica psychiatrica e de moléstias nervosas SJ°as!rgSodec“troc.er.r!ra::: I SUBSTITUTOS OS DRS. : OS DRS. t José Affonso de Carvalho (int.) 1.* Secção Pedro da Luz Carrascosa ... 7.* Secção Gonçalo Moniz Sodré de Aragão 2.* » José Julio Calazans » » Pedro Luiz Celestino 3.* » José Adeodato de Souza. ... 8.* » Josino Correia Cotias 4.* » Alfredo Ferreira de Magalhães. 9." » Antonino B. dos Anjos (int.) . 5.* » Clodoaldo de Andrade 10.* » João Américo Garcez Fróes . . 6.* » Albino A. da Silva Leitão (int.) 11.* » Dr. Luiz Pinto de Carvalho (interino) —12.* Secção Secretario — Dr. MENANDRO DOS REIS ME1RELLES Sub-Secretario—Dr. MATHEUS VAZ DE OLIVEIRA A Faculdade não approva nem reprova ás opiniões emittidas nas theses que lhe são apresentadas. PREFACIO Dura lex, sed lex. Não sei o motivo porque de repente me elevo a escriptor, nem a causa de semelhante honra. Sei sómente que ella me attinge, em virtude de uma Lei do Codigo do Ensino, que me obriga a fazer uma these, da qual não se póde prescindir porque todos são obrigados a cumpril-a. Eis, pois, o motivo pelo qual, sem consultar o meu intimo scien- tifico, me atiro á categoria de um auctor por obrigação legal. Este •constrangimento, pois, obriga a collocar-me deante de sábios mestres, os quaes, estou certo, saberão dissimular algumas lacunas que o meu trabalho possa apresentar; elle constituirá um elemento para lançar ao despreso os ignorantes ou zombeteiros da minha primeira producção scientifica, porque «quem escreve por um dever, não deve ser zombado». Não tenho, fmalmente, a pretenção de receber louros ou applausos ruidosos, os quaes vejo brotar do meu interior intellectual, que sente júbilos e se eleva por ter conquistado pelo seu unico esforço a orga- nisação do presente trabalho. Et voici tout! 0 Auctor. DISSERTAÇÃO ESTUDO CLINICO DO BASEDOWISMO E SEU TRATAMENTO CONSIDERAÇÕES CLINICAS ■0 syndroma clinico, que vamos estudar, jazia, ha muitos séculos, em grande mysterio clinico, quando começaram então a observal-o diversos sábios, como Parry e Morgagni, que foram os primeiros a descortinal-o. A estes seguiram-se Flajani, Stokes e outros até que no anno de 1825 foi estudado por Graves e finalmente por Basedow, que deu-lhe o typo de uma entidade mórbida. Eis pois a razão de ter sido dado ao syndroma a denominação de moléstia de Graves-Basedow. É ella também chamada—bocio exophtalmico. D’este syndroma occupou-se também Charcot e alguns annos depois foram estudados symptomas accessorios por Ballet, Marie e muitos outros sábios. Surgiram depois os * estudos etiologicos, therapeuticos e cirúrgicos do mesmo. Quanto aos estudos etiologicos, parece haver alguma predilecção para o sexo masculino, segundo uns: para outros parece atacar com mais frequência o sexo feminino, sendo rnais rara na velhice. 4 Vemos, portanto, que além elo sexo influe também a idade do ser a que elle attingir. Estados physio-pathologicos anteriores parecem ter influencia, quer sobre a marcha, quer sobre a sua producção. É assim que a prenhez activa a sua marcha do mesmo modo que a diabetes, a chlorose, a anemia e todas as moléstias nervosas podem concorrer para o seu desenvolvimento. A dor moral, os traumatismos, o susto e o terror actuam do mesmo modo. Todas as moléstias nervosas podem auxiliar a producção do bocio, quer de pais a filhos, quer de filhos a netos, bem como individuos basedowianos podem transmittil-o de geração á geração; succede muitas vezes que o bocio desapparece em uma d’ellas, até que um dia uma causa faz reapparecer o seu cortejo symptomatologico e é muito commum a persistência de um de seus symptomas, que appa- recem isoladamente, até irromperem por uma causa qualquer de predisposição. Muitas vezes, porém, succede que um basedo- wiano constitue gerações nevropathas, nas quaes observam-se descendentes hystericos, epilépticos, casos de alienação mental, de choréa ou de quaesquer moléstias nervosas. Vemos, pois, que a herança é também um factor etiologico de grande importância c que o bocio evolue com grande rapidez em individuos de tara nervosa. Actuam ainda como factor etiologico a sobrecarga physica, a qual, deprimindo o systhema nervoso por um excesso de trabalho, o predispõe á aequisição i do mesmo. Como causas etiologicas temos ainda as infecções, as intoxicações chronicas: ó assim que elle póde sobrevir ou acompanhar a syphilis, seguindo a sua marcha, do mesmo modo que póde intercorrer-se, seguir-se ou pospor-se ao curso da febre typhica, da iníluenza, da tuberculose, as quaes, depri- 5 mindo o systhema nervoso, fazem deste um—locus minoris resistenciee — e, portanto um afíluxo ao ataque do svndroma, que estudamos. Estudadas, pois, as causas que podem dar logar á producção do mesmo ou favorecel-o, passemos ao cortejo symptomatologico: este se apresenta ora de um modo completo, ora de um modo incompleto, o que muitas vezes concorre para difficultar o diagnostico, e ó constituído por quatro symptomas especiaes: l.° — Exophtalmia; 2.°—Hyper- trophia do corpo thyroide: 3.° — Tachycardia; 4.° — Tremor basedowiano. l.°—EXOPHTALMIA 0 olhar basedowiano é caracteristico. Elle dá ao indivíduo uma physionomia colérica. E o olhar trágico—de Marchai de Cal vi — se torna accentuado, a medida que o mal progride, o globo ocular se projecta atravéz das palpebras, succedendo muitas vezes uma verdadeira luxação do mesmo. Ila, segundo Stellwag, uma retracção da palpebra superior e a fenda das palpebras augmenta auxiliada pela resistência do globo ocular que se exophtalmisa e soffre quasi sempre processos inflammatorios, que muitas vezes se ter- minam por um estado ulceroso. E não devemos admirar este facto, pois, desde que a palpebra superior está retrahida, o apparelho ocular servirá de receptaculo ás poeiras infe- ctantes e á própria luz solar, que também concorre para o estado pathologico. N’estas condições, a palpebra superior não póde mover-se e o indivíduo dorme com o globo ocular a desco- berto: este phenomeno se denomina—lagophtalmia. 6 A secreção lacrymal se exaggera e humedece o apparelho visual. Em virtude do estado de contractura da palpebra superior, o indivíduo não póde olhar para baixo e este pheno- meno se denomina—signal de De-Graefe.— Tôm sido obser- vadas pelo ophtalmoscopio,— ora rupturas dos vasos da retina, ora dilatações persistentes. Muitas vezes não se observam perturbações visuaes. A exophtalmia póde ser symetrica ou asymetrica. Não ó sómente o levantador da palpebra superior, que soffre: também se observam phenomenos de paralysia da musculatura externa do globo ocular, de tal modo que este se torna fixo e o indivíduo para vêr os objectos precisa proceder a movimentos lateraes da cabeça e a movimentos de abaixamento ou de elevação da mesma. Observa-se pois a ophtalmoplegia externa, constituída, pela ausência do movi- mento, transmittido ao globo ocular pelos musculos rectos e oblíquos. O mesmo não succede com os musculos ciliares e com as fibras radiadas e circulares da iris, que em seu conjuncto constituem a musculatura interna do mesmo: eis a razão pela qual não se observam perturbações na accommodação do campo visual em muitos casos de—bocio —(Souques). 2.°—HYPERTROPHIA DO CORPO THYROIDE Pela inspecção observa-se logo alguma cousa anormal no pescoço do basedowiano: é o — bocio — ou augmento de volume do corpo thyroide. Vemos as pulsações do orgão glandular, cujos vasos se desenham na superfície cutanea e o presente 7 symptoma ou —signal, — associado ao precedente, nos leva ao diagnostico do syndroma. Pela palpação observam-sc ainda as pulsações e muitas vezes uma irregularidade na hypertrophia e na consistência da tumefacção. Somos muitas vezes impres- sionados pelo attrito brusco do sangue nas paredes arteriaes, que dão um ruido especial — thrill — de modo a parecer que se trata de um aneurisma, segundo succçdeu a Graves. Nada nos adianta a percussão. A auscultação, porém, nos dá a percepção de sopros e ruidos. Quando a hypertrophia é mui excessiva, a trachéa se comprime, ha excitação dos nervos recurrentes de tal modo que a articulação das palavras é impossivel quasi, surgem accessos de tosse, dyspnéas, devidas ao embaraço que encontra o ar em sua passagem pela trachéa para entreter os phenomenos da hematose no parenchyma pulmonar. Observam-se também modificações vocaes que se traduzem pela rouquidão principalmente. 3.°— TACHYCARDIA Este elemento é o mais essencial durante as manifestações basedowianas e póde mesmo durar por muito tempo apezar da cura do syndroma se ter dado. O individuo sente o seu cora- ção bater desordenadamente e estes batimentos se communicam aos vasos arteriaes a tal ponto que pela inspecção apreciam-se as suas pulsações, principalmente ao nivel da glandula thyroide, cujos vasos recebem as impulsões sanguineas da carotida externa; pela inspecção parece o coração querer romper a parede thoracica, que lhe corresponde, tal a violência do choque que elle lhe imprime pelos movimentos de systole e de diástole. 8 Mas como explicar a tachycardia? Dá-se uma perturbação paralytica do nervo pneumogastrico, o qual, como moderador dos movimentos cardiacos, não pôde mais contrapor a sua acção nervosa ao nervo grande sympathico, que é o nervo de acceleração dos movimentos cardiacos: fica, portanto n’este caso, o coração entregue ao grande sympathico, o qual só por si concorre para este tachycardico. Este estado de acceleração cardíaca, torna-se, então, a causa do augmento das pulsações, as quaes são em numero de 100 á 130 por minuto, chegando a attingir a 200 e 220 durante os paroxysmos; augmentam pela manhã. Póde haver arythmia muitas vezes, não existindo porém em outros casos. Ha ainda sopros cardiacos, accentuados para a ponta do coração, podendo haver também um estado asystolico, com dyspnéas, cyanose, desapparecendo após os paroxysmos. As veias jugu- lares externas também se tornam a sede de sopros com reforço e muitas vezes tumefeitas. Dizem alguns auctores que a pressão sanguínea se torna normal, havendo muitos ainda observado a desigualdade do pulso radial; não podemos comprehender como ífeste estado de erethismo cardio-vascular, em que as pulsações arteriaes, além de palpaveis, se tornam visíveis a olhos desarmados e se propagam pelo mesmo modo ás artérias visceraes, não ha augmento da pressão do sangue. Como consequência d’este estado de trabalho excessivo do coração encontramos a sua terminação pela hypertrophia da musculatura estriada e, por consequência, pela dilatação das cavidades: temos pois uma hypertrophia excêntrica do mesmo. As valvulas podem também ser lesadas e German Sée 9 encontrou lesões da mitral, expressas por um sopro na ponta ' ♦ do coração. Do mesmo modo encontramos lesões aorticas e, segundo Potain, ha muita affinidade entre estas lesões valvu- lares e aorticas que poderão ou não se tornarem permanentes após a desapparição dós symptomas que estudamos. 4.° —TREMOR BASEDOWIANO 0 tremor é um elemento que, quasi nunca, falta nos base- dowianos, ó um tremor íibrillar, que invade tanto os membros superiores como os inferiores, e a tal ponto que muitas vezes lhes é impossivel predispôl-os as suas funcções naturaes, pois ellc se póde manifestar quer em estado de repouso, quer em estado de movimento. Muitas vezes este tremor é continuo e ainda póde apresentar-se nos musculos da face e na lingua. Elle muitas vezes é o prenuncio do syndroma existente nas fôrmas frustras e pouco a pouco se vão manifestando os prece- dentes symptomas do mesmo, que então se torna positivo em seu diagnostico. Foi Charcot quem o descobriu e o collocou como um dos symptomas ou signaes do syndroma em questão. O tremor ó muitas vezes tão accentuado, que o individuo sente difficuldades na marcha, na escripta e em outras funcções destinadas aos membros e além dhsso se poderá confundir principalmente com o tremor alcoolico. Nas fôrmas frustras do bocio elle figura como um elemento de grande valor diagnos- tico, quando associado á tachycardia. Até aqui, ternos estudado os symptomas essenciaes, repre- sentados pelos elementos de diagnostico, que acabamos de descrever. Ha, porém, em torno d’elles uma grande serie de perturbações que acompanham e complicam o estado do base- A. G. 2 10 dowiano, embora ataque de preferencia esta ou aquella. São perturbações digestivas, perturbações respiratórias, pertur- bações urinarias, perturbações genitaes, perturbações nutri- tivas e perturbações nervosas. As perturbações digestivas se caracterisam por dyspepsias, hyperchlorhydrias, gastralgias, vomitos, ptyalismo, nauseas, diarrhéas. JoíTroy observou uma fôrma dysenterica e a morte após algumas horas: concorrem bastante para auxiliar os phenomenos de auto-intoxicação — que vão produzir impulso as perturbações nervosas. I)’alii o depauperamento profundo, em que encontramos muitas vezes os basedowianos, nos quaes é também frequente o estado ictérico, segundo Strumpell, que vae ainda concorrer no estado de depauperamento e intoxicação do organismo. As perturbações respiratórias se caracterisam pelas dyspnéas muitas vezes ter- riveis, grande tosse com ou sem expectoração, tornando-se então estes accidentes um concurso á tuberculose, ás pleuresias, e ás pneumonias: a vóz se torna rouca, a tal ponto que o individuo não pôde muitas vezes se comprehender ou se exprimir senão pela mimica, e, tudo o que se passa no orgão da phonação, é a consequência de compressões produzidas pelo estado liyper- trophico do corpo thyroide. As perturbações urinarias são constituídas, principalmente pela—polyuria —a qual auxilia muito a eliminação das toxinas, que tanto intoxicam o seu organismo. De facto existe na urina dos basedowianos, grande porção de toxinas, que tendo sido inoculadas em animaes de laboratorio, têm produzido excitações, quer circulatórias, quer musculares. Elias parecem ter uma relação quantitiva com a sua evolução. Ao lado d’este phenomeno podemos encontrar o assucar na urina: realmente a glycosuria pôde 11 servir de precedencia á inyasão do syndroma e, alguns, como Gowers, admittem uma alternancia com os symptomas que a caracterisam. Parece, pois, admissivel a existência de uma lesão bulbar, embora com alguma reserva isso se possa admittir, pois nem sempre a edycosuria surge. Pelo que acabamos de expor, parece haver muitas vezes estreitas relações da diabetes, com o syn- droma de Basedow, embora em todos os casos não haja, quer relações directas na sua marcha, quer na sua frequência. A associação, pois, com a diabetes acarreta um rápido emma- grecimento no basedowiano, pois, ao lado de uma intoxicação sanguinea, ha conjunctamente uma grande difficuldade das combustões, que se devem travar nas microscópicas cellulas do organismo vivo. Mas ao lado da glycosuria, póde também evoluir, dependente ou não, a—polyuria, que também póde pospôr-se ou seguir-se ao syndroma que estudamos. Muitas vezes, encontramos a albuminúria, que Begbie, considera como permanente, embora alguns a julguem como um phenomeno transitório. Estas opiniões não nos impedirão de consideral-a um phenomeno independente da moléstia em questão. As per- turbações genitaes são, também, muito importantes; parecem ter predilecção para o sexo feminino. Ao lado da leucorrhéa, que em muitos casos segue-se áamenorrhéa,que é mui constante c muitas vezes dá ao clinico um prognostico fatal, encontramos,’ embora raramente, as hemorrhagias pulmonares e do cerebro; quando a importante funeção menstrual se regulaiUsa, vemos uma desapparição dos symptomas que atormentam a base- dowiana. Tem-se observado atrophia na glandula mammaria. * O trabalho do parto, pelo grande abalo, que produz no systhema 12 nervoso, e pela intoxicação, que cTelle se apodera, tem acção nociva e, por este motivo, deve ser formalmente condemnado o casamento, porque, embora tenha a prenhez acção benefica sobre o syndroma, nem as suas consequências, nem as relações do mesmo com as grandes nevroses isso devem permittir. Se condemnamos o casamento de um epiléptico, também devemos condemnar o casamento de um basedowiano, que dá muitas vezes ao mundo um criminoso, um degenerado, como ainda um tuberculoso, em summa, um grande inepto para o progresso social. Tem muita razão Joffroy, quando condemna o casamento dos basedowianos. No homem ha impotência, embora se encontre pouca erecção raramente. Como perturbações nutritivas, temos o emmagrecimento, muitas vezes excessivo, de modo a haver um estado de — cachexia — e isto é devido a-intoxicação do organismo. Alguns auctores dizem haver augmento de combustões: deste modo também cilas concorrem para a desassimilação, plena- mente auxiliada pela auto-intoxicação basedowiana. Passemos ao estudo das perturbações nervosas. Estas são de quatro especies; sensoriaes, motrizes, sensitivas e psychicas. As perturbações sensoriaes atacam os apparelhos da audição e da visão. E assim que se observam desde as paralysias da musculatura externa do olho até o tremor, que aqui se accentúa nas palpebras, as quaes por sua vez podem edemaciar-se, cm do estado paresico do musculo orbicular: ha phe- nomenos de diplopia e muitas vezes se encontram perturbações funccionaes, taes como, as visões de objectos e animaes, que não existem* embora sejam raras as lesões do fundo do olho 13 c o estreitamento do campo visual, que, segundo alguns, deve ser attribuido a um signal de associação á hysteria. Joffroy observou a phoíophobia: raramente se encontra a myopia e a presbytia, e o estado exophtalmico traz, em muitos casos, a dòr devida ás conjunctivites e choroidites. Muitas vezes o ophtalmoscopio mostra uma ectasia dos vasos da retina, que também podem ser o ponto de partida para as hemorrhagias encontradas por Galezowsk e outros observadores. Temos, pois, descripto os phenomenos mais importantes do apparelho visual e se estudarmos os que se passam para o apparelho auditivo, observaremos o zumbido e a sensação de vozes estranhas,'embora raramente. Tudo isso, isto é, as per- turbações sensoriaes nos fazem induzir, a considerar o mal como nervoso. Quanto as perturbações motrizes temos a consi- derar diversos phenomenos, os quaes passamos a citar. Ora, muitas vezes ha contracções musculares repetidas para os membros inferiores e traduzidas por movimentos fibrillares, que se manifestam, quer em repouso, quer em estado de movimento, o que concorre muitas vezes para impossibilitar as funeções da escripta e da marcha, pois clles também se localisam muitas vezes para o membro superior. Estes movimentos são substituídos por um verdadeiro i tremor, que é um dos elementos auxiliares para o diagnostico, embora falte em certos casos, entre os quaes tem se visto, embora raramente, attingir toda a musculatura do corpo a ponto de invadir os musculos da lingua e da face e ser um dos primeiros symptomas, que rompem o cortejo de signaes do mal em questão. Este tremor tem 8 a 9 oscillações no espaço de um segundo. Ao lado d’este se encontra — a astasia 14 —abasia—,que nos faz, segundo alguns auctores, pensar na hysteria. Embora raramente, se tem encontrado — impotência brachial—,o enfraquecimento brachial direitcfcom contractura — e — paresia dos inusculos da nuca (grande e pequeno com- plexo e transverso do pescoço, dos quaes o grande ó extensor e rotador da cabeça, e se insere no espaço entre as duas linhas curvas occipitaes: o pequeno é inclinador da cabeça onde se insere no vórtice e no bordo posterior da apophyse mastoide: o tranverso do pescoço, que se insere nas apophyses transversas das 5 ultimas vértebras cervicaes em seus tubérculos poste- riores e que tem a mesma funeção do grande complexo). Em seguida encontramos as — paraplegias — observadas por Charcot. Realmente estas são variedades de paralysias, que sob diversas gradações se apresentam, isto é, com fôrmas mais ou menos attenuadas como as monoplegias, as quaes ora àppa- recem, ora se attenuanv parecendo mesmo desapparccer para surgir de novo com a mesma intensidade. Muitos tentam negar a existência das —paralysias basedo- wianas — attribuindo-as ora á hysteria, ora ás myelites, com quem elle pôde associar-se. Não se deve, porém excluir—a possibilidade da existência das — paralysias basedowianas — embora não possamos excluir a associação da hysteria e da myelite á esta nevrose, que estudamos, desde quando sábemos que a hysteria tem a sua symptomatologia especial, isto ó, stygmas ou signaes que não permittem confusão com o mal de Basedow, taes como — o estreitamento do campo visual, zonas hysterogenas, abolição do reflexo pharyngeo, hemia- nesthesia, ausência de diminuição da resistência clcctrica, 15 e a anesthesia consecutiva ás zonas attingidas pela paralysia e muitos outros signaes. Encontrando-os, pois em um base- dowiano, não deveremos duvidar de uma associação hysterica. As perturbações vesicaes trophiças (escara sacra) fazem, asso- ciadas aos respectivos symptomas proprios ás duas nevroses, o diagnostico das duas moléstias, quer isoladas, quer asso- ciadas. As paralysias basèdowianas devem, pois, ser admittidas com exclusão, em muitos casos de outras nevroses, a que ellas costumam associar-se. Podemos, continuando, encontrar—phenomenos convul- sivos,— que muitas vezes existem, razão pela qual Joffroy e outros auctores encontraram ataques de tetania—ao lado de — ataques epileptiformes —c de movimentos clioreiformes. Os ataques de tetania não se observam, frequentemente, como os epileptiformes—,que muitos, a maneira por que procedem com as paralysias basèdowianas, pensam igualmente serem devidos á uma nevrose associada, que n’este caso é a hysteria ou a epilepsia. O mesmo succede com os movimentos clioreiformes, que muitos consideram como manifestações da — choréa—, que se associa ao mal basedowiano. Diversas opiniões têm sido expendidas e até hoje ninguém extirpou estes movimentos do quadro clinico do bocio. O que ó notável é que não se tem ainda verificado a—qlioréa — preceder as manifestações basèdowianas e sim associar-se ao seu curso ou vir em seguida a este. Jacobi e espocialmente Kolilcr consideram-nos como mani- festações.basèdowianas, embora Dacli e outros sejam de pensar diverso. O que, porém, é verdade é a sua apparição após a evolução 16 do bocio, além da sua completa incoordenação para o lado dos membros superiores c inferiores, para a face e para o pescoço: muitas vezes elles têm prodilecção para o musculo grande obliquo abdominal, onde foram observal-os Sórieux e Raymond. Os movimentos chorei formes podem apparecer durante algum tempo, para depois desapparecerem e resurgircm com grande intensidade, concorrendo d’este modo para perturbações da marcha e das funcções prepostas aos respectivos membros. Estudemos as perturbações sensitivas: estas se manifestam por cephalalgias, rachialgias, gastralgias, nevralgias: os base- dowianos são sensíveis ao calor e á luz: é o que ha de mais importante. Quanto as perturbações psychicas ellas são muito importantes e diversos auctores especialisam as variedades, sob as quaes ellas se podem manifestar. E assim que Ilirschl só as considera como complicação própria ao bocio. Outros auctores, porém, não as admittem neste e as attri- buem a traços hereditários e é assim que pensam Joffroy, Brunet e demais sábios: ora, não podemos negar a influencia da herança, sobre estas perturbações, pelo mesmo modo que não podemos consideral-a uma causa exclusiva, em vista de sabermos que as intoxicações podem produzir perturbações psychicas e que no mal em questão predomina uma auto- intoxicação thyroideana por um excesso do funcção glandular e Boinet as observou claramente. E pois natural admittil-as em uma nevrose, como a que estudamos, e em que sempre persistem perturbações cardíacas traduzidas por um estado de excitação. As psychopathias acompanham frequentemente este syndroma e muitas vezes constituem grande dominio da symptomatologia basedowiana. 17 Elias sc manifestam por múltiplas variedades e o basedowiano se torna grosseiro, indifferente a tudo e a todos, um duvidoso, impaciente, triste, indolente, irritável, amnésico e depressivo em suas ultimas phases; póde ser um louco, maniaco, delirante, melancólico e sob outras fôrmas mentaes, além de ser alvo de insomnias, de sonhos negros e pavorosos. Muitas vezes, são transitórias e outras vezes parecem inde- pendentes da moléstia, não o sendo, porém em vista dos ante- cedentes longínquos que se manifestam ao espirito clinico. Eis pois o motivo, pelo qual as discussões se têm travado entre sábios, comoBallet, Raymond e outros. Assim uns consi- deram-nas como um resultado da intoxicação thyroideana, que vae atacar pelo seu excesso o systhema nervoso: outros, porém, como produzidas por uma nova nevrose, que frequen- temente acompanha o syndroma. Quanto a primeira theoria, poderá ser acceita para explicar os casos em que não ha associa- ção, em vista de não poder por si só explicar perturbações psychicas intermittentes, que se manifestam muitovantes de surgir o cortejo symptomatologico do bocio. A outra theoria não póde também servir exclusivamente, porque nem sempre estas nevroses se associam, embóra, em certos casos, succeda o contrario. Em vista do mysterio para explical-as, é justo associal-as, concorrendo-se para o dualismo. Não podemos também, negar a existência das psychoses parabasedowianas, porque muitas vezes ellas nos guiam no diagnostico, em vista de não encontrarmos na psychiatria um typo para ligal-as, tal a diver- sidade dos seus symptomas. Não queremos também negar que lesões cerebraes ou A. G. 3 18 protuberanciaes sejam por si só capazes de produzir as manifestações psychicas por um estado de degenerescencia. As perturbações psychicas concorrem, pois, para complicar o mal que estudamos. Para Dromard e Levassort é o estado de degenerescencia, que faz irromper perturbações psychicas, em vista de poderem ellas surgir muito antes da manifestação da auto-intoxicação basedowiana e de terem evolução, muitas vezes, sem paralle- lismo com esta ultima, havendo então recrudescências sob a influencia de uma causa commum, que as vem despertar. Attribuem, então, a união dos dous processos morbidos, isto ó, a sua irrupção, ao estado de degenerescencia existente no organismo do individuo e conferem um papel secundário á intoxicação thyroideana, a qual as póde, ora modificar, i ora exaggerar. Elles apresentam uma observação, em que notaram, além do que acabamos de referir, temperamento nervoso desde a infancia, acompanhado por uma herança familiar e uma ausência de signaes de epilepsia: admittem, pois, estes phenomenos nervosos como productos de alterações constitucionaes originaes das perturbações somato-psychicas, que têm encontrado. Eis a sua observação: «Madame F... de 51 annos, casada, de pae alcoolico, mãe nervosa, tendo uma tia, que soffro de alienação mental. Pelos antecedentes apresentava um estado mental, em desequilibrio, manifestações phobicas, mãos humores, que a tornavam desagradavel para os que d’ella se approximavam, ao lado de exaltações por qualquer causa futil, acompanhadas de grandes reacções. Durante 12 annos tinha nevralgias faciaes repetidas, principalmente na occasião da menstruação, e seguidas de 19 phenomenos congestivos para o ollio do mesmo lado, attingido por cilas. Nunca teve ataques, nem signaes do hysteria ou d’alcoolismo. Assim continuou até que, em Novembro de 1897, começaram, após um susto, que soffreu, as manifestações de perturbações mentaes: sentia em si um estado anormal, do causa por si ignorada, ao lado de — bouffées—congestivas e o somno era perturbado por sonhos incommodos. Simultanea- mente, surgiu uma alteração de seu caracter c as suas idéas se manifestavam por uma orientação bizarra; tão irritável se tornou depois que se aborreceu de todos preferindo estar isolada. Ora era triste, ora apoderava-se de grande estado de inquietação, entregando-se a pratica de actos sem nexo, deixando-se iIludir facilmente e expondo á venda ou á offerta tudo o que pertencia ao seu marido. Tinha continuas questões, até com os proprios visinhos, dos quaes se aborreceu tanto que entendeu mudar a residência. Após a sua mudança, seguiu-se-lhe um estado depressivo, guardando o leito durante dous mezes; dous annos depois resurgiu a excitação seguida, durante alguns mezes, de um estado melancólico e com a suspensão das regras mais excitada se tornou. Alguns mezes, após estas perturbações mentaes, surgiram as cãrdio-vasculares, as palpitações lhe davam um grande estado de anciedade que se aggravava após uma emoção qualquer, havendo insomnias frequentes, ao lado de grandes—batimentos temporaes — e de dôres precordiaes. Alguns mezes depois foi lentamente a—glandula thyroide — se hypertrophiando c tornou-se a séde de pulsações, que chamavam a attenção da doente, produzindo-se, simulta- neamente, modificações da voz e sensações constrictoras para 20 a região cervical. Estes symptomas thyroido-vasculares foram progressivamente evoluindo em completo desaccordo com as perturbações mentaes, que apresentavam muitas vezes ligeiras remissões ese tornaram depois tão violentas e exagge- radas, que recolheram adoente n’um — Hospital. Surgiram, então, em seu estado mental idéas de grandeza, lamentações, risos, amnésias, impossibilidade de fixidez da attenção, idéas de perseguição. Estava, portanto, em irrupção o syndroma basedowiano, pois, se observava pela inspecção cervical um alargamento de sua base, com uma saliência manifestado lado direito; pela palpação — a sensação de uma massa semi-molle e ligeiro — frémito — systolico. Pelo exame circulatório, encontrou-se a hypertrophia do coração e um sopro mitral systolico, ao lado das grandes pulsações carotidianas e radiaes, attingindo a 140 por minuto. Um tremor dos membros, quer em repouso, quer em movi- mento, se observou também. Pela inspecção da face, não se tornava apparente a exo- phtalmia, a paralysia da musculatura externa do olho, a irregularidade da accommodação e o estreitamento do campo visual; a iris conservava seu poder contractil e as pupillas estavam dilatadas. Os signaes de Stellwag, de Moebius e de von Graefe não foram encontrados, do mesmo modo que as perturbações motoras e sensitivas, que eram normaes. Havia uma asymetria facial; não se encontrou pelo exame da secreção urinaria o assucar ou a albumina.» Mostram, pois, uma observação de psychose polymorpha ao lado do syndroma basedowiano, durante o qual ella tornou-se exaggerada e violenta: concluem elles, pois, um 21 exemplo de psychose independente de perturbações thyroi- deanas, que se manifestaram depois. Algumas vezes as alluci- nações surgem com excitação maniaca e com delírio de perseguição, sem existir mania de suicídio; Joffroy e Ballet admittem allucinações visuaes e auditivas, que tornam os doentes perigosos, tanto para si, como para os que os cercam. De ordinário as allucinações apresentam a fórma depressiva, porém Perrin e Blum citam uma observação, na qual eílas se acompanham de um estado maniaco. «Madame F... C... casada, 30 annos, descendente de paes nervosos, com quatro irmãos, dos quaes 3 nasceram mortos e um ainda vive e é sadio. Até o momento de casar-se eram irre- gulares as funcções menstruaes: após o casamento se tornaram menos abundantes e dolorosas e, no momento das mesmas, tinha anginas. Isso succedeu, até que, em 1903, teve inais uma acompanhada por cephaléa, nauseas, vomitos, zumbir dos ouvidos, constipação intestinal. Após este tempo nunca poude gozar saúde, e os accessos. de cephaléa fizeram com que ella procurasse o Hospital, onde começaram insomnias, devidas ás crises gastricas dolorosas, que pouco a pouco se foram propa- gando á região dorso-lombar: começou, d’ahi, a sentir formi- gamentos nas extremidades digitaes direitas, urticaria e augmento da sudorése do mesmo lado. Quiz sahir do Hospital e após algum tempo para elle voltou 15 dias depois com genio differente, tornando-se irascível, com continuas emoções e em prantos muitas vezes; começou a emmagrecer e a anemiar-se. Surgiu o —estrabismo ocular direito, sem existir lesão no fundo do apparelho visual; a exophtalmia se foi accentuando e seguiu-se do augmento de volume do corpo thyroide ao lado 22 direito. A cephaléa, que era frequente, parecia assestar-se na região fronto-temporal; os formigamentos das extremidades digitaes direitas propagaram-se ao membro superior total- mente, e, surgiu o tremor que passou para o lado esquerdo e se accentuava por occasião de explorar a sensibilidade. Havia exaggero do reflexo rotuliano. Pela auscultação do coração encontrou-se hypcrtrophia e o choque da sua ponta era visivel ao nivel do 6.° espaço intor- costal esquerdo. Quanto ás pulsações radiaes, eram iguaes e em numero de 150 por minuto: a tachycardia era, portanto manifesta. Não havia perturbação da intelligencia e nada de importância revelou o exame das urinás. Um dia ella tornou-se agitada, quiz sahir do Hospital, mas logo resolveu o contrario e n’este dia esteve ahi com o'seu marido; no dia seguinte, ama- nhece agitada, julga quererem matal-a, grita, conversa angus- tiosamente, quer fugir e finalmente resolvem prendel-a no leito. Na madrugada seguinte ella conseguiu desprender-se do mesmo e, sem ser vista, salta umajanella, fracturando sobre o sólo os ossos da perna esquerda. Continuando no mesmo estado, melhora após 3 dias e parece em estado normal: é então, interrogada, relata fielmente os seus actos, lembra-se do que commetteu e, disse que assim procedeu em virtude de ahi ver pessoas e cousas que a perseguiam e das quaes procurou na fugida do Hospital a sua salvação». Não ha pois, mania de suicidio, e sim o delirio de perse- guição, ao lado de allucinações visuaes, sem, no emtanto, haver amnésia e perturbação da intelligencia: isso não quer dizer que a mania de suicidio não possa sobrevir, muitas vezes t ella é a regra e se póde intercalar ás outras perturbações 23 psychicas: estas se associam também ás formas—frustras — e M. Cantonnet observou-as em dous casos. \ M. Bauer cita um caso em que uma — paralysia bulbar — se associara ao syndroma clinico que estudamos. Estudando as relações com as psychoses, elle dá grande importância á herança nevropathica e cita um caso de Wells que viu uma mãe e duas filhas attingidas pelo mesmo associado á perturbações psychicas. (Estreicher em dez irmãs legitimas observou oito casos de bocio, sob tres fôrmas a saber: exophtalmia como signal de predomínio em uma, bocio sem exophtalmia em outra e final- mente como ultima fôrma exophtalmia com bocio. A progenitora destas jovens era extraordinariamente ner- vosa. Sob o ponto de vista da herança, Rogers affirma ser praticamente impossível encontrar-se um caso, sem a exis- tência de, pelos antecedentes, uma tara nervosa. Housquains, estudando as perturbações nervosas, diz que nellas predominam a — mania—e uma desigualdade de erupção dos estygmas mentaes: em uns, diz, ha uma especie de erethismo psychico, acompanhado por agitação, instabilidade, impulsões, sugges- tibilidade, noutros, volubilidade, incoordenação de idéas, impossibilidade de fixar a attenção para a execução de qualquer empreza, irascibilidade. Em muitos casos a—mania — se torna franca, ha allucinações auditivas e visuaes, acompa- nhadas de insomnias. Observando as alterações nervosas, elle observou em 13 casos a sua distribuição pelo seguinte modo: em 3 dellcs havia a existência da melancolia, loucura circular e paranoia, quatro eram atacados de loucura hysterica e de neurasthenia tres, encontrando somente tres de mania. 24 Observou ainda que nove delles comprehendiam o sexo femenino e pela idade numeros intermédios de 21 a 53 annos: notou apenas uma com 14 annos e em todas, as manifestações surgiam nos períodos menstruaes. D’alii conclúe elle que o mal ataca mais o sexo frágil e, longe de considerar estes phenomenos nervosos, como complicações do basedowismo, Housquains os admitte como perturbações cssenciaes do syndroma, cujo prognostico não se aggrava pela presença destes. Considera, portanto, uma acção nulla do mal de Graves sobre as perturbações nervosas. Muitas vezes elle se associa também á syringomielia, ao myxocdema, que tem sido observado mesmo após a cura do mal e que raramente o precede, e á paralysia agitante. M. M. Moutard- Matin e Malloizel observaram um caso de associação do mal de Graves com a moléstia do Addison: havia uma pigmentação escura no tegumento abdominal ao lado de symptomas basedowianos com perturbações renaes. Embora considerem a questão discutivel ainda, elles pensam na possi- bilidade de uma lesão primitivamente sympathicá para o lado do abdómen tornando-se então secundaria a invasão do mesmo sobre o sympathico-cervico-thoracico e, portanto, a irrupção do basedowismo: para elles os phenomenos renaes são pertur- bações próprias ao syndroma de Graves. Vemos, pois, pelo que se acaba de expôr que o bocio exophtalmico se póde associar a qualquer moléstia nervosa ou não, immiscuindo-se em seus symptomas, a ponto de difficultar o diagnostico de certas fôrmas em que os mesmos surgem isoladamente. Quando estes irrompem simultaneamente em sua tetrade 25 habitual, que estudamos detalhadamente na parte symptomato- logica, não é o clinico passível de desvio em seu diagnostico. O tremor associado á taehycardia nos faz firmar o diagnostico de uma forma frustra de bocio. Tratando-se então desta fôrma, nós excluímos a sua confusão com a taehycardia paroxystica essencial, que, tendo como unico symptoma a taehycardia, para confundirmos, não se acompanha vez alguma do tremor que é um bom guia para a sua exclusão com a taehycardia paroxystica, de symptomas sim- plesmente vasculares. Quanto a exophtalmia, associada aos outros symptomas, não encontra o clinico a diCdculdade de fazer o seu diagnostico, porque ella de ordinário tem a sua séde nos dous olhos: nos casos, porém, em que ella se manifesta de um lado, podemos pensar em uma compressão do apparelho visual por um tumor maligno e a evolução progressiva dos outros symptomas não nos deixarão persistir na duvida. Quanto a confusão com as moléstias nervosas é muito facil surgir, porém, a irrupção dos symptomas que lhes são proprios nos dão a idéa da exclusão ou de uma associação mórbida de qualquer natureza. A inspecção, a auscultação e a palpação muito .contribuem para apreciarmos a quadrige symptomatica de Renaut: nas fôrmas frustras, a auscultação é o elemento clinico de mais valor, vindo em segundo logar a inspecção que confirma, clara- mente o diagnostico. São estas fôrmas que muitas vezes emba- raçam o clinico, principalmente quando um dos symptomas como o tremor rompe a sua scena. Podemos pensar em um tremor parkinsoniano, mas este é rythmico em suas oscillações, tem 4 a 5 vibrações por segundo: a. u. 1 4 26 se localisa nos membros superiores ou inferiores, sendo que nos primeiros o pollegar se oppõe aos outros dedos de tal modo que a mão parece rolar entre elles uma bola de papel e nos segundos toma o tremor a fórma de um movimento de pedal analogo ao da trepidação epileptoide. Nos musculos da face muitas vezes elle é vibratório. Além disso os movimentos são mais constantes no repouso, salvo em pliase adeantada da moléstia parkinsoneana em que também figura a rigidez mus- cular como um seu symptoma. Ninguém confundirá estes phenomenos com o bocio, cujo tremor, tendo 8 a 9 oscillações por segundo, é curto e rápido. Do mesmo modo não o confundiremos com a esclerose em placas, cujo tremor é intencional, só se manifestando por occasião dos movimentos voluntários: aqui o globo ocular é a séde de oscillações constantes denominadas —nystagmus — o qual é especial. Ainda ekcluir-se-ha facilmente o tremor alcoolico, que se localisa de preferencia na lingua e nos membros superiores por occasião dos movimentos intencionaes. PATHOGENIA Soássemos ao estudo das theorias que, desde o descobri- mento do syndroma que estudamos até o momento hodierno, se têm creado na sciencia para explicar os diversos phenomenos pathologicos, que constituem a sua tetrade symptomatologica. Antes de descrevel-as é necessário dizer que até o momento actual não podemos admittir exclusivamente qualquer, visto ficar sem explicação este ou aquelle symptoma, isto é, visto ella não abranger o todo morbido. Entremos, pois, na des- cripção rapida das mesmas. l.a —THEORIA CARDIO-VASCULAR Imperou na sciencia pelo grande espirito de Graves e Stokes, os quaes a crearam pela observação dos phenomenos sympto- matologicos que se passam para o lado do apparelho cardio- vascular, taes como a insufficiencia aortica e o sopro systolico do coração. Aqui podemos explicar a acceleração cardiaca, que se nota no syndroma, de um modo muito rudimentar, mas não podemos 28 absolutamente explicar a exophtalmia, o tremor e a hypertro- phia do corpo thyroide. É ella, pois, uma theoria incompleta e incapaz de abranger a multiplicidade de phenomenos, que elle apresenta, embora não possamos negar a existência dos phenomenos cardio-vasculares, que a dominam com- mum mente. 2." —THEORIAS MECÂNICAS Creadas por espíritos notáveis, entre os quaes estão Piorry, Koeben, Taylor e outros, têm como principio um estado de compressão produzida sobre os orgãos cervieaes. Este ultimo admitte que o corpo thyroide se hypertrophia devido a uma ectasia das veias jugulares internas e Piorry, participando da mesma idéa, admitte ainda uma compressão sobre os nervos grande sympathico e pneumogastrico produzindo a tachycardia. Koeben, porém, só admitte a compressão sympathica e por ella explica apenas a exophtalmia. Temos pois nestas theorias, segundo o mo d, o de pensar por elles adoptado, a explicação da exophtalmia, da hypertrophia do corpo thyroide e da tachycardia, mas como explicar por esta theoria as manifestações symptomatologicas isoladas da moléstia? Não ha casos de bocio sem hypertrophia thyroideana? Estas theorias, pois, não podem ser admittidas exclusiva- mente para elucidar o quadro morbido do basedowismo, embora a experimentação em animaes lhes tenha dado algum valor. Temos, pois, mais uma theoria muito interessante, porém, muito aquem da verdade procuhada pelos homens de sciencia: são actualmente sem valor para explicar o mal. 29 3."—THEORIA NERVOSA Com o nascimento da concepção nervosa surgiram tres modos de consideral-o. Assim foi a principio considerado uma nevrose — sine materiâ — devida a uma causa moral ou here- ditária e semelhante a epilepsia e outras nevroses. A esta concepção se elevara o espirito do immortal Charcot. Em seguida, novas idéas irrompem de pesquizas physiologicas e eis que da precedente theoria, denominada — da nevrose—, passam a manifestal-a de outro modo e assim surge a seguinte denominada—theoria sympathica—. Esta theoria, firmada nas experiencias do celebre physiolo- gistaClaude Bernard, luzio pallidamente para depois despertar com enthusiasmo na imaginação de sábios como Trousseau, Abadie e Gayme: este empregou todos os seus esforços para a a sua manutenção, embora não podesse, pelo progredir da sciencia, garantir a sua adopção. Quando procurava excitar o svmpathico cervical, Claude Bernard observára a producção » da — exophtalmia, da mydriase, da tachycardia, da vaso- f constricção cervical —, que absolutamente não existe no bocio exoph tal mico. Quando, porém, elle paraiysava o nervo por secção de suas fibras, notava a ectasia vascular na orbita e no pescoço, sem a existência de acceleração dos batimentos cardia- cos, em virtude de ser este nervo um accelerador do coração, que neste caso ficava sujeito á acção moderadora dos filetes pneumogastricos. Os effeitos contradictorios ao que se passa no syndroma fizeram com que esta theoria se tornasse desprezada; mas o sabio Abadie tenta restabelecel-a dizendo que elle não' é 30 mais do que o resultado de uma excitação constante das fibras vaso-dilatadoras do mesmo nervo, as quaes, estando contidas no cordão nervoso, tinham origem diversa em seu núcleo donde partiam. Ora, desde que ha uma excitaçãos as artérias thyroidea- nas se ectasiam, tornando-se túrgidas, pelo effeitodas fibras que nellas se distribuem: então a nutrição glandular se torna exag- gerada e eis que a glandula thyroide se torna a séde de um processo hypertrophico. Simultaneamente haveria uma ectasia dos vasos retrobulbares e consequentemente uma pressão pro- pulsiva do globo ocular que se exophtalmisaria, donde a pro- ducção da exophtalmia. A tachycardia se explicaria pela transmissão da excitação atravez dos filetes acceleradores que ao coração se vão distri- buir. Abadie, se baseia nos exames — post rhortem—,em que se encontram lesões do nervo, na diminuição da hypertrophia thyroideana após a sua secção no pescoço, deixando sem expli- cação o mecanismo desta excitação ou o motivo da sua perma- nência. Nem sempre, porém, se encontram lesões nervosas sympathico-cervicaes, e se, porventura, ellas existissem sempre, não poderiamos explicar outros phenomenos exis- tentes no syndroma taes como a cachexia, as dyspnéas, e outros ainda. Os trabalhos, porém, de François Franck provaram que é no cordão nervoso dos laryngeos que residem as fibras dilatar doras dos vasos que nutrem a glandula thyroide, e que estes nervos são difíicilmente seccionados nas experimentações physiologicas: além disso elle negou a sua acção vaso-dila- tadora thyroideana. Esta theoria sympathicaapezar destes factos ainda reviveu 31 sob a influencia do Gayme, que considerava todo o systema, sympathico responsável por todos os phenomenos morbidos, em virtude de ser elle composto de um conjuncto de fibras de funeção especial e que, desde o momento em que surgisse um symptoma qualquer, este seria o resultado da solução de continuidade das fibras destinadas á correspondente funeção physiologica. E assim desprezou-se a presente theoria do sympathico levantada por Claude Bernard e derribaaa por Franck. Finalmente com a decadência da theoria sympathica — o espirito scientifico inclina-se á concepção de uma outra idéa e inclinado ainda para o tecido nervoso, surge Vulpiaii com a nova theoria denominada — bulbar—considerando o syndroma como o resultado de uma paralysia do núcleo de origem do nervo pneumogastrico, donde a producção do vomito e da tachycardia, porque o nervo sympathico, sob cuja influencia estava o coração, accelerava os seus movimentos. Perturbam-se as funeções bulbares em alguns núcleos e bulboprotuberanciaes e eis a producção dos phenomenos paralyticos, da glycosuria, de vertigens e de outros sym- ptomas—taes são as expressões expendidas por Ballet e Rendu. Em 1895, Bienfait considera a moléstia como resultado de uma lesão bulbar em virtude de em suas autopsias ter observado alterações neste orgão, mas, apezar de firmar-se 11a associação mórbida, é batido em seu fundamento por opiniões negativas e procura limitar uma localisação da moléstia. Vemos, portanto que a base de Bienfait constituiu a destruição de seu pensar, que soffreu grandes objecções. 32 4.“ — THEORIA DA INTOXICAÇÃO THYROIDEANA A glandula thyroide é uma glandula de secreção pouco conhecida em seu papel e ainda sujeita a estudos: como tal, ella é um orgão de secreção interna. Uns consideram a glandula, que foi descoberta por Wharton, como um orgão hemato- poietico, outros como* um regulador da circulação cerebral, como um orgão depurador, que preside a funcção dos centros nervosos pelo sueco especial que segrega e alguns dão-lhe apenas um simples papel mecânico considerando-a um coxim protector dos orgãos antero-lateraes do pescoço. Seja como fôr, foi a descoberta do producto da glandula thyroide, que deu origem á theoria que pretendemos estudar: basta uma perturbação qualquer que venha alterar a composição chimica ou a quantidade do seu sueco de secreção, para surgir um estado pathologico devido á esta perturbação funccional. Então teremos a considerar tres modalidades pathologicas, a saber—a hyperthyroidisação,—a dysthyroidisação—e a—para- thyroidisação—. Consideremos cada um destes phenomenos. A hyperthyroidisação — é o fabrico excessivo de sueco que promove um estado toxico no organismo. Tal foi a concepção de Moebius, que encontrou o apoio na anatomia patliologica, na clinica, na therapeutica e na própria physiologia. Assim as autopsias, que sempre apresentaram uma hyperplasia eptbelial, os bons resultados da thyroidectomia parcial e os mãos da organotherapia, a ingestão de glandulas thyroides frescas por animaes, produzindo alguns casos, no homem, constituiram além de outros factos um alicerce para a creação da presente theoria. 33 A própria chimica illuminou também outros sábios, que procuram isolar, no fundo de seus laboratorios, os princípios toxicos da glandula e, entre todos, sobresahem Vermehren com a suathyroidina, Notkin com a sua thyroproteide, Froenkel com a sua thyreoantitoxina, Baumann com a sua iodothyrina. Mas como entre si devem actuar estas substancias? Ora, a thyreoantitoxina neutraliza a acção toxica da thyro- proteide: mas isso nem sempre se dá, isto é, perturbam-se as proporções em que estas duas substancias organicas devem existir normalmente em circulação no organismo. Dahi resulta o excesso no sangue da thyreoantitoxina (iodothyrina) e » teremos a apparição dos symptomas basedowianos. Mas, o i contrario se poderá dar, isto é, a thyroproteide é segregada em maior quantidade e este excesso não dará então a producção do bocio, mas phenomenos contrários que traduzirão a pro- ducção de nova affecção chamada — myxcedema—. Tal é, pois, a descripção da—theoria de Moobius—. Outros, porém, crearam uma outra denominada—theoria da dysthyroi- disação—, que admitte um estado perversivo da secreção. Ella tem por alicerces a histologia pathologica e a chimica e foram firmadas por Gauthier e Renault. Este ultimo admitte um estado neoformativo follicular nos lobulos thyroideanos e que cada um dos folliculos produziria um principio toxico chamado—thyro- mucoina—, que, pela torrente circulatória, iria atacar a região bulboprotuberancial intoxicando-a e produzindo o syndroma. Ao lado desta substancia toxica, encontra-se uma outra inoffensiva chamada—thyrocolloina—. Gauthier denomina de outro modo as duas substancias: — iodothyrina normal e anormal—. A. G. 5 34 Sómente esta ultima é toxica e vae atacar a região bulbo- protuberancial afim de termos os phenomenos basedowianos. A—theoria parathyroideana—surgiu após a descoberta das glandulas parathyroides, cuja funcção de secreção ainda está em estudos. O seu producto de secreção actúa sobre o corpo thyroide e o hypertrophia: toxico como é, ello se derrama no sangue de modo que o effeito antitoxico da iodothyrina não se póde manifestar visto ser ella insufficiente no liquido. Alguns attribuem este hypertrophismo ás toxinas elaboradas pelo fígado, que accumula-as de tal modo que vão atacar o corpo thyroide e é a opinião de Vigouroux. Finalmente muitos attribuindo-o as modificações no sangue consideram-no o resultado das perturbações circulatórias oriundas do mesmo ou da chlorose. Pelo que acabamos de expor, vemos que os sábios não procuraram explicar senão os symptomas isoladamente; dahi as divergências e as contradicções existentes quando procu- ramos descortinar a obscuridade da pathogenia basedowiana. Uma theoria mixta não nos póde mesmo elucidar: o que porém não podemos excluir é a sua essencia nervosa associada ás perturbações funccionaes da glandula thyroide. Temos, pois, estudado a pathogenia basedowiana. TRATAMENTO MEDICO © tratamento de um basedowiano pôde ser dividido em medico e cirúrgico. Quanto ao primeiro, póde ser subdividido em hygienico, hydrotherapico, electrico radiotherapico, medi- camentoso e opotherapico. Quanto ao tratamento hygienico, temos em consideração a alimentação, que deve ser cuidadosamente observada: o basedowiano em vista do estado nervoso em que se acha, não deve usar de alimentos de má qualidade, nem de liquidos exci- tantes, como o álcool, o chá, não devendo, do mesmo modo, entregar-se aos excessos alimentares. Teremos ainda a considerar a hygiene physica: o basedo- wiano não deve produzir excesso physico. Os seus passeios devem ser moderados e realisados em tempo secco, cm logares planos e abundantes de oxygenio, como nos campos, razão pela qual muitos aconselham a morada em logares proximos ao mar. A hygiene moral é também de grande importância, pois % o basedowiano, devido ao estado de irritabilidade nervosa, que 36 •1 y] * Jhe é proprio, com ludo se aggrava: eis a razão porque muitos aconselham o isolamento afim de poupar o seu moral ás emoções e aos desgostos de qualquer natureza. O repouso psychico é pois, de summa importância para o estado em que se acha o infeliz basedowiano: devem, o mais que pòssivel fòr, ser respeitadas as suas idóas, as suas vontades. Por este rápido esboço vemos, pois, a importância eleva- bissima da hygiene no tratamento do basedowismo. Não menos importante ó o tratamento hydrotherapico': a applicação das duclias quentes á 25° devem ser proscriptas e, começando pelas duchas de chuva (douches en pluie) se terminará de cada vez, por temperaturas mais baixas, pela duclia escosseza (douche écossaise) após o augmento gradual da sua energia. Muitos aconselham este tratamento hydrotherapico durante 6 a 8 mezes, para a obtenção de bons resultados, sobre a região rachidiana. Alguns auctores dão-lhe muita importância, aconselhando o seu emprego antes de qualquer tratamento: outros, porém, procuram a sua efficacia, associando-o aos outros meios de tratamento, havendo muitos que não lhe dão muita importância. Em qualquer hypothese não devemos dar-lhe o desprezo. Muito importante, ó também o tratamento electrico nos phenomenos basedowianos, em virtude, segundo a opinião do Dr. Sainton, do grande auxilio que ella presta á eliminação das toxinas thyroideanas. Segundo a expressão de Joffroy, ella allivia os soílrimentos e diz Vigouroux já ter observado a cura, o que parece um exaggero. Sob diversas fôrmas ella tem sido empregada: assim Thiellée aconselha a voltaisação sinusoidal, Laquerriére a 37 galvanisaçâo, mas a corrente continua é o modo de electrisação mais frequentemente usado com intensidade maxima de 8 milliampères. Fazem passar a corrente eloctrica por meio de reophoros collocados aos lados da região cervical, ao nivel do ganglio cervical superior, e depois ao nivel dos nervos pneumo- gastricos correspondentes, durante o espaço de um mez, em applicações quotidianas de dez minutos, fazendo uma suspensão do tratamento por intervallos de oito dias. A electricidade sob esta fôrma tem acção bCnefica sobre a tachycardia. Quanto á radiotherapia, ella tem também sua importância no tratamento do mal, que estudamos. Estudando á acção da radiotherapia no bocio, diz Beck ter observado em duas mulheres, quesoffreramaexcisãodeuma das metades do corpo thyroide, signaes de melhora em dous symptomas que são a tachycardia e a excitação psychica, sob a acção dos raios X, e, animado por esta observação, applicou-os em um outro caso, em que a ferida começava a cicatrisar, após a extirpação de uma metade do corpo thyroide. Continuou a procurar os seus effeitos em um outro, no qual a symptomatologia basedowiana era clara e completa, obser- vando muitas melhoras após a applicação dos raios durante seis a dez minutos: as pulsações arteriaes desceram a 80 por minuto, após duas semanas de applicações, desapparecendo quasi totalmente a exophtalmia e tornando-se excellente o estado geral do doente, o qual foi depois operado, nada conti- nuando a perseguil-o. Stegmann applicou os raios durante sete dias seguidos, por espaço de dez minutos e observou casos felizes. São muito modernas estas observações e merecem ser 38 devidamente apreciadas em seus effeitos por estudos sérios. Passemos, após a rapida descripção dos precedentes meios de tratamento, ao estudo do que denominamos — medicamentoso. Este visa jugular certos symptomas que tanto fazem o tormento do basedowiano. Aqui temos o recurso das substancias chimicas para combater de preferencia os symptomas mais predominantes em suas manifestações. Passemos, portanto, em rápido esboço os medicamentos que têm sido frequentemente empregados contra o mal basedowiano. * É assim que se têm empregado para os symptomas do mesmo os seguintes medicamentos, ou associada ou isola- damente, segundo a pluralidade ou a unidade dos mesmos. O ferro, o arsénico, os phosphatos, o cacodylato de sodio (na dóse de 5 centigs. no máximo), têm sido empregados para combater a anemia, ao lado da superalimentação, a qual deve ser bem dirigida afim de evitar as diarrhéas e as dyspepsias. Alguns auctores aconselham a abstenção dos ferruginosos e dos arsenicaes, em virtude do augmento da tensão vascular que elles podem produzir: devemos,pois,nos cercar de alguma cautela. A tinctura de veratrum viride, na dóse de dez gottas (X) por dia, tem sido empregada contra o tremor e contra as perturbações tachycardicas; além deste medicamento se tem empregado outros tonicos cardiacos, como o strophantus, asso- ciado aos sedativos nervosos, para combater a dyspnéa, os bromuretos, a valeriana. Mas logar importante, no combate contra as perturbações cardíacas, é occupado pela—digitalis—, muito aconselhada por Trousseau e principalmente por Dieulafoy, que a administra sob a fórma de pillulas contendo cada uma dous centigrammas (0,02) do pó das folhas, asso- 39 ciado á— ipeca— na dóse cie quatro centigrs. (0,04) e ao extracto de opium sob a dóse do 0, gr. 0025. O indivíduo deve tomar quatro pillulas por dia (24 horas). Qualquer perturbação intestinal que surja não nos deverá inquietar, porque a continuação da medicação fal-a-ha desap- pareccr. Graves aconselha o emprego da — belladona—até que *• se produza a seccura da garganta. E mui frequente a — insomnia—nos basedowianos: então podemos administrar o — opio — sob a forma de tinctura ou de extracto, não se abusando, porém, "deste medicamento. Muitas vezes o somno é perturbado por dyspnéas associadas ás perturbações cardíacas a tal ponto que, em muitos casos, certos recursos, como applicações frias sobre a região cervical e precordial, não dão resultado e a tracheotomia parece se impor como o verdadeiro, pois a compressão thyroideana sobre a trachéa se torna muitas vezes incompatível com a vida; então, succede forçar-se a dóse dadigitalis, como diz Trousseau, para attingir-se de 70 a 90 centigrs. de meia em meia hora. Contra o bocio se tem aconselhado o iodo e os ioduretos, mas Trousseau não admitte esta opinião e Dieulafoy só a julga proveitosa em casos de bocio simples. Chibret, apreciando em cinco casos de bocio um caso de cura, considera o—salicylato de sodio — como um mento efficaz e Babinsky também observou em tres casos de bocio a cura de dois. Em doentes deste mal, nos quaes elle apparece após uma lesão da glandula, a sua acção é menos notada. A dóse a empregar será de accordo com a intensidade dos symptomas e com a tolerância do paciente, mas podemos dizer que o salicylato de sodio é administrado na dóse de duas 40 a cinco grammas por dia, após o qxame clinico do estado de funccionamcnto dos rins. Poiicliet aconselha usal-o em poção, associando-o ao — rhum — que corrige o seu sabor. Podemos administral-o associado á—agua de Vichy—. Ha casos em que os symptomas persistem, porém a sua attenuação é manifesta e não deixa em duvida a sua acção benefica sobre o mal e os doentes augmentam de peso. Após pequenos intervallos em cada mez, muitos aconselham a prescripção durante um anno. Quanto ás sangrias, digamos de passagem embora não seja occasiâo, devem ser despresadas para combater as excitações vasculares, pois depauperam adoente e diminuem a resistência organica, bem como as injeCções iodadas. O methodo opothorapico consiste no combate do mal de Basedow pela introducção no organismo, por via gastrica ou por via hypodermica, de certos suecos ou líquidos, que actuam por princípios orgânicos que entram na sua composição. Após estudos experimentaes realisados por Schiff, Gley, os quaes de ha muito confirmavam os trabalhos de Kocher, Reverdin e outros, que estudaram as perturbações resultantes da ablação da glandula thyroide, foi que a attenção dos scientistas reco- nheceu a importância physiologica que ella representava no organismo. Foi no anno de 1892 que Roonson introduziu na therapeutica basedowiana este meio de tratamento e o seu exemplo foi secundado em outros paizes, onde muitos contradiziam os resultados;ao passo que outros os elogiaram com todo o enthu- siasmo. Os chimicos, por sua vez, já trabalhavam precedentemente 41 afim de isolar os princípios orgânicos glandulares e deste modo resurge a—thyroídina de Vermehren—, a thyreoidina de Notldn—,a thyroantitoxina de Frânkel—e a — thyroiodina de Baumann. Repercutem, também no evoluir dos tempos, os estudos physiologicos, descobrindo-se que o sueco thyroideano possuia a propriedade de diminuir a tensão arterial, determinando a vaso-dilatação, abrindo-se então um novo caminho therapeu- tico para a lucta contra a tachycardia. Entenderam alguns auctores, entre os quaes Horsley, applicar ao organismo humano a medicação thyroideana. Conr effeito, vamos passar em revista os modos do administração do sueco thyroideano. Em primeiro logar, davam como tratamento a ingestão de corpo thyroide fresco, segundo procediam Fox, Canter e muitos outros : o doente, então, recebia o sueco em mistura com caldo ou, a glan- dula era triturada e administrada sob a fôrma de polpa. Então o doente ingeria um lóbo por dia durante os quatro dias segui- dos. Após os primeiros accidentes, caracterisados por nevral- gias leves, elevação thermica e polyuria, a dóse passaria a meio lóbo diário durante dous dias seguidos: após a diminuição destes accidentes o doente tomaria até um lóbo durante quatro dias seguidos e assim o indivíduo se habituava á medicação, que seria suspensa de accordo com a susceptibilidade do mesmo. Marie e Fox auguram felizes resultados em casos de myxoedema. Mas quaes as perturbações observadas pelo abuso desta medicação ? Elias se traduzem por perturbações no systhema nervoso, caracterisadas por insomnias e excitações fortes terminando-se 42 pela fraqueza, amnésias, tremores e convulsões, por pertur- bações cardíacas, taes como a tachycardia, a arythmia e perturbações urinarias, como a glycosuria ou a albuminúria e tudo isso se póde terminar pela morte. Weiller observou a cura por esta medicação, ha dous annos passados, mas Ewald e outros contestam estes resultados favoráveis chegando muito poucos homens de sciencia a admittil-a, principalmente aquelles que entreveem no basedo- wismo um producto da hyperthyroidisação. Muitos auctores, porém, dão uma outra fórma de administração á medicação thyroideana aconselhando as injecções do sueco thyroideano, retirado da glandula do carneiro, a qual, triturada de mistura á siiiça e á agua addicionada de chlorureto de sodio, é compri- mida e filtrada em papel especial e este filtratum é novamente filtrado em uma vela por aspiração. Este liquido é applicado em injecção, que no percurso de sua applicação, deve ser seguida de grande hygiene, quer physica, quer moral. Foi no anno de 1891 que as injecções thyroideanas se introduziram na therapeutica e, ao lado de casos fataes, citam-se alguns de bené- ficos resultados caracterisados por uma excitação, traduzida para os centros nervosos e por uma reabsorpçâo nos edemas faciaes. Outros dão o sueco, sob a fórma pulverulenta, em dóse igual a 25 centigrammas por dia, ou sob a de extracto glyceri- nado, que podem ser misturados no momento da applicação a um liquido agradavel ao paladar do doente. Firmados, por sua vez, em experiencias nos animaes ethyroidados, os quaes eram definitivamente isentos de tetania quando estavam sob a acção de princípios thyroideanos, 43 Baumann isola um destes princípios ao qual chamou—thyroio- dina—e obtem resultados satisfactorios. Foi este principio iodado applicado em tres casos de basedo- wismo e os resultados se igualaram não só ás suas experimen- tações como ainda aos da glandula thyroide, ingerida sob o modo por que vimol-a, segundo Roos. Para administrar a medicação thyroideana existem também preparações officinaes, como pillulas, tablettes, etc... Taes são, pois, as formas porque se tem empregado a medi- cação thyroide. Após os trabalhos de exploração da acção do sueco thyroideano, as idéas scientiílcas tendem a novas orien- tações e os animaes continuam a patentear os resultados therapeuticos. A theoria da dysthyroidação é que desta vez impulsiona os espíritos inclinados ás verdades da observação physiologica: começa, pois, Ballet, em companhia deEnriquez, a tomar cães, extirpar a glandula, mas, após obstáculos encontrados na pratica, suspendem as suas investigações, tendo, todavia, verificado a acção do — soro — do sangue destes animaes em nove casos de basedowismo. Segue-se Moebius, que também obteve resultado feliz em tres casos. Outros, julgando que o sangue teria uma acção mais energica que o sôro em virtude da existência de maior porção de thyroiodo- proteide suíficiente á neutralisação das toxinas do organismo dos basedowianos, experimentam este liquido de nutrição cellular. Trabalhos posteriores vieram provar a efíicacia mais pronunciada do sôro, que foi administrado em dóses crescentes até attingir 80 gottas por dia, chegando, segundo Sainton, a observar-se tres casos de cura. 44 Então, desde este tempo, começam a preparar o — sôro — e percorrendo a escala zoologica, observam que influe bastante o animal na efficacia do tratamento: escolheu-se, pois, o carneiro e, quando este animal attinge a idade de quatro annos, praticam a thyroidectomia total, conservando as glandulas parathyroides. Fazem, depois a retirada de certa porção de sôro, que é administrado, ao doente, de mistura com um liquido de sabor agradavel e sob a dóse de 2 ou tres grammas continuas até tres ou quatro semanas, com intervallos de uma semana, para depois continuar a applicação, que não deverá exceder de um anno ou de mais um mez após a cura. O erethismo cardio-vascular, o, tremor e a exophtalmia vão gradualmente diminuindo, até dar-se a mesma. Ha ainda quem aconselhe o leite de cabras ethyroidadas na dóse de meio litro diário, porém o sôro é de maior segurança. * Muitos auctores applicam o thymus e o engano que se deu em um cliente de Owen fez com que se considerasse, pela quasi desapparição dos symptomas basedowianos, este orgâo um secretor de um principio antagónico aos eífeitos da glân- dula thyroideana, que por seus princípios nocivos em excesso produz a intoxicação lenta e progressiva do doente. Temos pois, descripto o estado actual do tratamento medico. TRATAMENTO CIRÚRGICO IpOMiNAVA o tratamento medico a intelligencia dos sábios, estabelecendo-se exclusivamente como base’ de combate para os phenomenos basedowianos e seu cortejo symptomato- logico. Após algum tempo, começaram a ensaiar primitivamente a cirurgia em casos de bocio simples, que de tempos em tempos intercalava em seus symptomas signaes do basedowismo. Então procuraram fazer uma divisão do bocio exophtalmico em medico e cirúrgico: dahi denominaram o primeiro—verda- deiro e o ultimo — falso. Mas esta opinião é actualmente inadmissivel e não tem razão para ser adoptado iwn—pseudo syndroma de Basedow,— o qual, segundo a expressão auctorisada de Letienne, constitue em seu conjuncto symptomatologico um todo dividido do verdadeiro—syndroma de Basedow—, que deve ser conside- rado como verdadeiro, uno e unico. Desde as passadas éras, porém, em que esta divisão tinha conseguido empolgar os grandes louros scientificos, come- 46 çaram, após bastante trabalho, a inclinar-se a investigação dos mestres da cirurgia para as primeiras operações sobre o syndroma, que constitue o objecto do nosso ultimo periodo académico. Fecundos ensinamentos scientificos,* porém, vieram conti- nuar os esclarecimentos cirúrgicos e por sua vez impulsionar a cirurgia basedowiana, dando em resultado brilhantes êxitos, e eis que os casos de bocio exophtalmico reflexo vieram animar o espirito progressista dos grandes cirurgiões da epocha: procuravam, então, dirigir o processo cirúrgico para o mal, que consideravam como causa do syndroma basedowiano. Muitos casos, porém, que a cirurgia não podia dominar, continuavam entregues á therapeutica, que punha em acção os seus meios palliativos e curativos, segundo o caso morbido requeria. O estudo da pathogenia se foi desenvolvendo, novas éras foram surgindo e em seu evoluir produzindo as ondas de processos cirúrgicos, estabelecendo as intervenções applicaveis ás causas estabelecidas pelas theorias diversas em vigor. A theoria da nevrose, porém, pareceu tudo querer extinguir em seus momentos, mas as idéas de localisação do syndroma no corpo thyroide e no grande sympathico, descortinaram o horizonte dos seus progressos e os animaram; muito auxi- liou a theoria da hyperthyroidação. Começaram, então, as operações a serem praticadas sobre a glandula thyroide e sobre o sympathico cervical, embora não deixassem de observar perturbações funccionaes, que produ- ziam a morte, exacerbando os accidentes. Ergue-se por sua vez a physiologia, introduzindo-se, nestes 47 períodos, para elucidar as operações sobre este importante nervo, tão praticadas e de bellos sucessos entre as mãos de Jaboulay, que as erigiu em methodo de tratamento, obtendo a diminuição da tachycardia e da exophtalmia. Actualmente, pois, tem a cirurgia conseguido apoderar-se do dominio medico e de braços erguidos combaterem juncta- mente o mal basedowiano. O tratamento cirúrgico, todavia, não é o exclusivo para o bocio, nem o seu primordial tratamento porque, para sermos prudentes e evitar desgostos, aconselham os mestres que só devem ser operados os casos de basedowismo, quando o trata- mento medico, por seu exclusivismo, se tornar impo tente para combatel-o e neste ponto devemos pensar com Duplay e Reclus, que assim se exprimem «Lorsqu’on se trouveen prósence d’un cas serieux de maladie de Basedow, on est en droit de recourir à une intervention, mais seulement après avoir épuisé toutes les ressources medicales. II ne viendra â 1’idée de personne de discuter la légitimité de Foperation dans les cas de dyspnée due à une compression trachéale. L’intervention aura pour resultai et de supprimer Fagent de compression et d’atteindre la cause même de la maladie ou du moins 1’une des causes. Ce qui est beaucoup plus délicat c’est de décider une inter- vention alors que la vie n’est pas immédiatement menacée». Tal é a opinião dos eminentes mestres, entre os quaes também se deve incluir Erdheim, além de outros. Devemos, pois, nos cingir de grandes cautelas para realisar processos cirúrgicos, usando de alguma moderação e de muito cuidado em seu emprego, sob pena de surgirem accidentes, que acarretarão, cedo ou tarde, a morte do doente. 48 Os casos de symptomas attenuados devem ser entregues á acção do tratamento medico. Só deveremos praticar intervenções cirúrgicas, quando o doente fôr ameaçado em sua existência, após a fallibilidade do tratamento medicamentoso, que nunca deverá ser despre- zado. Nos casos, porém, em que estivermos decididos a pratical-as, far-se-ha a sua escolha, segundo o caso entregue aos nossos cuidados. Antes ainda de escolhel-o, devemos procurar, a causa determinante dos symptomas que aos nossos olhos se desen- rolam, principalmente em casos de natureza reflexa, em que sempre o cirurgião ou o medico devem estar de sobreaviso. E assim que se explicam a desapparição do mal basedo- wiano após a cura de uma atonia intestinal, de polypos nasaes, os quaes devem então ser tratados por qualquer meio de trata- mento concernente ao caso — in primo loco—. Nunca devemos esquecer estes factos, que muitas vezes passam despercebidos ao exame medico-cirurgico e o medico ou o cirurgião deverão estar de sobreaviso em qualquer momento. Feitas estas ligeiras e uteis considerações, estudemos os meios operatorios que a cirurgia actual aconselha para com- bater o basedowismo. Destes uns são applicados. sobre o corpo thyroide e os competentes vasos thyroideanos que o nutrem, e outros sobre o nervo grande sympathico. Quanto aos primeiros temos de citar, a exothyropexia, que é mais uma operação de urgência do que uma operação de cura: 49 consiste em incisar as camadas cervicaes ao nivel da região, que occupa a glandula, e logo que fôr attingída será puxada para o exterior da ferida operatória, entre os lábios da qual ella será mantida e ligada até atrophiar-se por um processo compressivo. Esta operação, que é muito perigosa, pois acarreta em muitos casos a morte do doente, está hoje desprezada por muitos auctores em virtude dos accidentes que a acompanham: deante dos progressos cirúrgicos modernos ella tende a ser rejeitada. Em seguida é aconselhada a thyroidectomia parcial ou total da glandula, praticada por Tillaux, Lister e outros, e que consiste na extirpação total ou parcial da mesma. Muitos outros sábios têm obtido bons resultados ao passo que outros proscrevem-na devido á apparição de certos acci- dentes perigosos á vida do doente. A thyroidectomia total, antigamente muito empregada para corrigir os effeitos da exothyropexia, tende como ella a ser desprezada. Ora, se condemnamos a primeira como a segunda, é inútil dizer que são iguaes os seus resultados, os quaes têm como scenario a dyspnéa, a asphyxia, além das graves hemorrhagias e dos ataques de tetania. Erdheim estudou modernamente o accidente ultimo nos animaes, em que, após a extirpação total das glandulas para- thyroides, observou, como no homem, a existência de tremores, localisados nos membros ou em suas extremidades, e de espas- mos tonicos e clonicos; em tres casos observou a morte. * Liebrecht, porém, é tão enthusiasta dá thyroidectomia total 50 que julga inadmissíveis as observações de recidivas, mas, em qualquer hypothese, este facto não deve ser acreditado, porque, apezar de existir meios para o cirurgião dominar as hemorrha- gias e as septicemias, é difficil que, em todos os casos elle se possa preservar do myxoedema post-operatorio. Em 14 casos, Curtis verificou oito mortes e, por isso, se confessa desfavorável a esta operação e enthusiasta da — thyroidectomia parcial—, a qual, devido ao seu bom exito, tem diversos apreciadores, que a collocam no evoluir progressivo da cirurgia basedowina. O cirurgião, pois, tendo abandonado a extirpação total da glandula, tem a escolher tres processos de—thyroidectomia parcial—, a saber: a thyroidectomia extracapsular, a sub- capsular, chamada por Poncet enucleação massiça, e a thyroide- ctomia intra-glandular, chamada por Socin — strumectomia. Mas, antes de praticar qualquer destas operações, é mister promover a anesthesia, ou por meio de injecção pela cocaina ou pelo processo de Tillaux, que, ao lado de Kocher, condemna a anesthesia geral pelo chloroformio, não só pelo estado do coração, como também pelas deformações do trajecto do con- ducto laryngo-tracheal comprimido pela tumefacção, produ- zindo-se em consequência, lesão pulmonar: proscrevendo, então, o chloroformio, elle dá ao doente 4 grammas de chloral e em seguida uma injecção hypodermica de um a dous centi- grammas de morphina. Para executar a operação, o paciente é deitado sobre a mesa em decúbito dorsal com o pescoço brandamente em extensão. Vejamos, em primeiro logar, a thyroidectomia parcial extracapsular. Esta operação é executada em cinco tempos ou 51 períodos. No primeiro tempo, o cirurgião toma o bistouri, para praticar a incisão cervical, a qual póde ser em U, segundo Tillaux, em T, em I, em V e deve ser escolhida de accordo com o volume do tumor e com a facilidade, que devemos ter em mira, para a clareza da operação. Dada a primeira incisão sobre apelle, surge a hemorrliagia, a qual deverá ser sustada ou por compressão, quando o vaso é pequeno, ou por ligadura entre duas pinças antes de sua secção, no caso contrario: isso deverá ser feito com toda a attenção, visto ser perigosa a infiltração do sangue que se extravasa ou a penetração do ar no mesmo. Quanto aos planos subjacentes, elles são variaveis de accordo com a fórma da incisão, mas, no caso de ser neces- sário para facilidade do trabalho da descoberta da glandula, podemos incisar também o plano muscular subhyoideano, que depois será suturado com o — catgut. No segundo tempo será praticada a libertação glandular. Aqui procura-se abrir o envolucro visceral do corpo thyroide, e, aprofundando-se mais nos tecidos cervicaes, vae-se ter á capsula de envolucro do mesmo e pratica-se a sua perfuração, procurando-se depois em seu interior e em sua porção inferior algum espaço de ruptura (clivage). No caso em que elle fôr encontrado, ou procede-se a thyroidectomia subcapsular ou á intra-glandular, as quaes veremos depois. No caso, porém, em que considerarmol-as impossíveis de serem effectuadas, con- tinuar-se-ha do modo seguinte: praticar-se-ha a libertação, terminando-se pelo seu bordo externo, que será preso com os dedos, e, segurado em sua parte média, puxado do interior da loja em que está situado, de um modo brando e não brusco, 52 I $ para evitar as hemorrhagias dos vasos principaes da glandula e a compressão da tracliea. No caso de encontrarmos grandes adherencias, estas serão dissecadas com cuidado afim de evitar a lesão de qualquer nervo ou de qualquer vaso importante. Extirpado, então, o tumor thyroideano da loja cervical, após estas precauções entrar-se-ha no periodo sequente. No terceiro tempo, será praticada a ligadura, seguida da secção dos vasos principaes. Neste tempo, a glandula já está luxada, pelas doces tracções executadas no precedente, e ainda presa por seu pedicula. ao pescoço, será levantada, afim de tornarem-se patentes os vasos venosos e arteriaes, isto é, visiveis para a ligadura. As veias serão, então ligadas em primeiro logar, e ellas serão as seguintes: as thyroideanas, as imae e as communicantes superiores e inferiores, as quaes são seccionadas após a liga- dura branda entre duas pinças. Destas veias as superiores se lançam na veia jugular interna e as inferiores nas veias inominadas. Ligadas as veias, proceder-se-ha a ligadura entre duas pinças, antes da secção, nas artérias: então os cuidados devem redobrar, porque nos poderá passar despercebido um nervo de funcção importante que poderá por descuido ser ligado e seccionado junctamente com a artéria. Por isso devemos desnudar cuidadosamente a parede arterial, afim de libertar qualquer filete nervoso, que lhe adhira. Vamos, então, ligar a thyroideana superior e esta artéria será ligada pelo modo, que já vimos: de sua parede procuram-se libertar os filetes do nervo laryngeo superior, o qual, nascendo do pneumogastrico, vae distribuir-se ao larynge para animar 53 os musculos cricothyroideos, antes de atravessar a membrana thyro-hyoideana. Dirige-se depois á artéria thyroideana inferior: puxa-se então o tumor thyroideano um pouco para deante e para a linha media e vê-se facilmente a artéria, cuja parede será cuidadosa- mente desnudada, afim de separar os ramos do nervo recur- rente, que está para a sua parte posterior; o nervo laryngeo inferior, que é o mesmo, vae innervar todos os musculos do larynge, com excepção dos cricothyroideanos. Após á ligadura e secção consecutiva dos vasos glandulares, entra-se no quarto tempo da operação. Aqui só temos a praticar a ablação da glandula, pela secção dos seus ligamentos, e a ligaduna consecutiva de vasos menos notáveis: assim corta-se o ligamento suspensor, que é seguido da secção do ligamento lateral, secciona-se a artéria communicante superior, terminam-se as ultimas adherencias com a trachéa e faz-se a secção do isthmo ou lobulo mediano do corpo thyroide. Libertada, depois, a porção glandular desejada, entra-se no ultimo tempo da operação, que consiste em praticaras suturas, limpar bem a ferida operatória, restabelecendo, cuidadosa- mente, os trajectos dos musculos seccionados por fios de catgut. Pratica-se a drenagem com a gaze iodoformada ou com tubos de caoutchouc na porção inferior. Assegura-se a immo- bilidade da cabeça do paciente, afim de prevenir qualquer accidente, e trata-se a ferida até obter a cicatrisação desejada. Dada, de um modo succinto, uma idéa desta operação, passemos a descrever a—thyroidectomia subcapsular—. Esta operação será praticada em tres tempos ou periodos. No primeiro tempo 54 é feita a incisão das partes molles, do mesmo modo que na — thyroideotomia extracapsular—, que já vimos. No segundo tempo faz-se a abertura longitudinal da capsula para descobrir o seu conteúdo e libertal-o. Esta libertação é praticada de baixo para cima, ou com o auxilio dos dedos ou de tesouras e no caso de encontrar-se alguma adhercncia, augmenta-se a incisão capsular para os lados e prosegue-se á enucleação. Devemos nos precaver na ligadura dos vasos. No terceiro tempo, se pratica a hemostase, a sutura, a drenagem e a passagem da ferida. Vejamos, finalmente, a thyroidectomia intraglandular, chamada por Socin — strumectomia. Tende a realisar-se, como a precedente, em tres tempos. O primeiro tempo é commum ás tres operações da thyroidecto- mia parcial. O segundo tempo consiste na enucleação do tumor thyroideano. O lobo thyroideano deste tumor é puxado para o exterior, abre-se a glandula na superfície e segurando-a fixa- mente faz-se a enucleação do contorno glandular. Deste modo se vão extirpando, por secção e isoladamente, os núcleos glandulares, conservando-se o mais possivel o parenchyma, que lhes é interposto e que deve ser poupado. O terceiro tempo é'constituido pela hemostasia (em que quasi sempre se dispensa a ligadura limitando-se á compres- são), pelas suturas e pelo penso da ferida operatória. Esta ultima operação é intracapsular e não se pratica senão na superfície da glandula e por isso é a que conserva mais os tecidos. Quaes as complicações que podem sobrevir nestas opera- ções? Sem fallar das hemorrhagias secundarias, da penetração 55 do ar nos vasos, da ferida dos orgãos visinhos ou de nervos importantes, devemos temer sempre a asphyxía; então, embora em ultimo caso, é preciso estar sempre preparado para praticar a tracheotomia e, segundo Bérard, ella só se impõe em casos criticos. Para pratical-a, introduzir-se-ha na trachéa uma — canula comprida de Poncet—. Muitos auctores aconselham a sua execução antes de praticar a operação. A canula tracheal do Krishaber póde também ser usada. Deixo de fazer uma des- cripção dos meios em uso para praticar a tracheotomia, a qual ou é subthyroideana ou suprathyroideana, divisão esta tendo em mira as relações do isthmo thyroideano com os anneis cartilaginosos tracheaes: o corpo thyroide cobre a trachéa pouco mais ou menos entre o terceiro e o sexto annel. Dahi procedem as denominações de tracheotomia superior e inferior. A tracheotomia é a abertura artificial da trachéa ao nivel de sua linha média e de suas porções suprathyroideana ou infrathyroi- deana. Nesta ultima porção serpeiam as veias thyroideas infe- riores, acima das quaes é feita a incisão tracheal, que, sobre a pelle, parte do bordo inferior do corpo thyroide, até um pouco acima da furcula do esterno: nesta região ella é mais profunda, do que na porção suprathyroideana, em que ella é uma conti- nuação do larynge. E a tracheotomia inferior praticada com muita lentidão e nos casos de asphyxia a trachéa se manifesta desordenada em seus movimentos de ascensão e descensão e se a sua immobilisação não ó perfeita, podemos ferir a sua parede posterior ou mesmo algum tronco arterial importante, após o afastamento dos musculos sterno-hyoideano e sterno-thyroi- deano. 56 Sem descrevel-a, passarei á tracheotomia superior, cuja incisão medio-cutanea começa desde a parte média da carti- lagem thyroide até um pouco inferiormente ao corpo do mesmo nome. Este processo mais usual em casos de dyspnéas consiste na secção da pelle, do tecido subcutâneo e da aponevrose cervical superficial, attingindo-se então -o bordo interno dos musculos esterno-hyoideos, que são logo affastados. Então, introduz-se o index para sondar a posição tracheal e dissecam-se as fibras de tecido cellular, que a cobre, por meio de uma pinça, fazendo-se depois o augmento do campo operatorio cortando a folha aponévrotica situada entre a trachéa e o bordo superior do corpo thyroide e a glandula se desviando para baixo da região. Isso realizado a trachéa é fixada por meio de um gancho e levantada sobre elle. Dá-se a incisão mediana sobre elía e os bordos da mesma são affastados para introduzir-se a canlila tracheal. Em seguida limpa-se a ferida operatória e a canula continua fixada, após a devida sutura, por meio de laços, que penetram na ferida da canula para esse fim destinada. Eis, pois, de um modo rápido descripta a tracheotomia superior. O professor Tillaux, porém, manda praticar esta operação do modo seguinte: «após ser o doente collocado em decúbito dorsal, com um coxim sob a nuca e o pescoço bem distendido, o ajudante fixa a cabeça do mesmo de modo que o mento esteja no trajecto da linha médio-cervical. O cirurgião colloca-se á direita do paciente e, com os seus 57 instrumentos, começa procurando a saliência que sob a pelle fôrma a cartilagem cricoide. Pega em seu bistouri, incisa a pelle sobre a linha média, e assim continúa até chegar aos musculos infra-hyòideanos. Após a completa hemostasiá, elle faz penetrar o index esquerdo, cuja extremidade sonda a posição da trachéa. Conservando este dedo sobre esta, elle introduz o bistouri em sentido parallelo ao dedo e faz perfural-a: eis que elle sente o sopro aereo attravessar a perfuração e logo retira .0 instru- mento, obturando com o dedo 0 orifício. O ajudante, então, já está com a canula tracheal, cujo orifício é occupado por uma sonda e faz a introducção em sentido parallelo ao dedo, 0 qual, affastando 0 labio direito, faz com que seja acertado 0 orifício, do qual é logo retirado após a adaptação canular. Depois ó retirada a sonda e a canula continúa de perma- nência no trajecto tracheal, obturada por gaze muito permeável e levissima. O paciente é depois collocado em uma temperatura regular, evitando sempre 0 ar frio e a humidade. Limpa-se diariamente a canula interna: dous dias depois é que, para se fazer 0 mesmo, se póde tirar a externa, repondo-a e-praticando os mesmos cuidados. Em caso de asphyxia, por algum liquido que penetre entre os lábios da ferida tracheal, introduz-se uma sonda até a bifurcação (sonde en gomme) da trachéa e aspira-se 0 mesmo para 0 exterior. Assim, pois, as poeiras não penetram atrayéz da canula que está fechada com a gaze e 0 doente fica salvo da morte que lhe 58 seria imminente e contra a qual o cirurgião é obrigado a praticar a operação immediatamente e, com certa presteza, variavel com o momento do perigo sob suas vistas. Deste modo a operação da thyroidectomia parcial póde ser retardada, segundo as condições do caso e a vontade do cirurgião, e a capacidade pulmonar se augmenta, introduzindo o ar atmospherico e combatendo a dyspnéa.» Muitos casos, porém, surgem, em que preferir-se-ha a exothyropexia á tracheotomia: assim, quando o bocio é unilateral de modo que a trachéa se acha apenas comprimida nesta porção e quando, pelo resultado desta compressão, encontramos alguns anneis cartilaginosos tracheaes, em via de um processo de amollecimento. Então se torna necessário o descollamento das adherencias do tumor com a trachéa. No caso de ser preferivel a tracheotomia, este descollamento conserva ainda a sua importância afim de não succeder como a Terrillon, que teve, em 1880, de repetir a tracheotomia, a qual só deu resultado após a deslocação do tumor thyroideano. Quanto a exothyropexia -ella é obtida pelos seguintes periodos: 1. Compressão das partes molles acima da fureula esternal para tornar visivel, por dilatação, a veia jugular anterior que póde ou não ser depois ligada, após a incisão, entre duas pinças. 2. Incisão médio-cervical começando na cartilagem tliy- roide e terminando na fureula sternal. 3. Descollamento digital, ou pelo bistouri, das partes molles. 59 4. Luxação dos lobos hypertrophiados. 5. Pesagem da ferida com gaze e algodão esterilisados* Todo este precedente trabalho deve ser executado sem exercer a menor compressão sobre as porções que gradual- mente forem attingidas, afim de não augmentar as crises respiratórias. No anno de 1894, porém, uma éra nova se abre para a cirurgia e eis que é a theoria do grande sympathico quem a prepara no espirito eminente de Jaboulay, o qual se tornou um sectário da localisação do mal em outros pontos, não deixando de consideral-o em qualquer hypothese senão como um resul- tado de excitações intensas e excessivas communicadas, aos orgãos attingidos, pelo systema sympathico. Os resultados da sua idéa foram confirmados pela secção do mesmo em epilépticos e myopes, nos quaes sempre notava a retracção do globo ocular e a recuperação da vista á grande distancia. Foram, pois, estes factos que logo dirigiram o seu espirito theorico para o bocio exophtalmico, no qual obteve bom resultado pratico, embora em alguns casos houvesse recidivas. Seccionando o sympathico cervical entre o ganglio superior e o médio, observou melhoras na exophtalmia, no tremor e nas palpitações com a subsistência da hypertrophia thyroi- deana. Em muitos casos a exophtalmia desappareceu, embora de um modo asymétrico para os dous olhos, e elle attribue este facto, quer á differença da acção nervosa, quer ás suas dimensões anatómicas nos dous lados da face. Em um dos olhos a pupilla se tornou mais estreitada. 60 Continuando as suas experiencias, obteve resultados felizes, tanto nos casos em que o bocio era symptoma primitivo, como nos que era secundário. Para Abadie, a retracção ocular na orbita, é de origem vascular e a explicação deste phenomeno reside nos vasos retro-oculares, que após a operação diminuem de calibre, ficando em estado de vaso-constricção: isso, porém, não é admittido porque, em epilépticos operados, Jaboulay sempre observou a vaso-dilatação correspondente ao lado da secção e sempre o ophtalmoscopio a revelou nos vasos da retina. A theoria de Abadie tem contra si factos provados e, em vista de em muitos casos de paralysia ocular, se ter notado a retracção ocular coincidindo com a vaso-dilatação após a sympathicotomia, admitte-se no mal de Basedow outra theoria denominada—muscular paralytica: a causa, portanto, da retracção, diz Jaboulay, está na—paralysiado musculo liso orbitario interno de Sappey e Muller. E Jaboulay, em seis operações que relata sobre o sympa- thico cervical, obteve o seguinte resultado: l.a operação. Após ter soffrido duas thyroidectomias e tres exothyro- pexias, observou a cura pela secção nervosa e todas as seguintes doentes executam os trabalhos tendentes á sua profissão. Na 2.a e 3.* operações, as doentes falleceram não de bocio exophtalmico, cujos symptomas desappareceram, mas de nephrite chronica. Na 4.a operação, a doente se tinha entregado ao tratamento medico sem resultado: após a secção nervosa ao nivel do ganglio médio e seus ramos efferentes, todos os symptomas 61 desappareceram só persistindo a hypertrophia thyroideana, que não impedia a doente de trabalhar. Na 5.a operação, clle vio, após a secção do ganglio cervical superior e médio, inclusive os connectivos intermediários e o que vae ao ganglio cervical superior, a desapparição dos symptomas e o augmento de peso manifesto. Na 6.a operação, elie, após a fallibilidade do tratamento medico e a secção do ganglio cervical superior, viu desappa- recera exophtalmia, o tremor e outros symptomas. Em nenhum destes seis casos nada observou a não ser uma ligeira vaso-dilatação do olho do lado operado: nunca notou atrophias da face. Viu sómente em dous casos o symptoma—bocio—recidivar e attribue este facto ou á resecção do ganglio medio ou á deste junctamente com as cadeias ganglionares super e infrajacentes e, em todos os que cita, o humor do doente se corrigiu extre- mamente. Esta operação tem sua acção, de accordo com a idade e com a fórma mórbida a intervir: é por isso que os melhores resul- tados são obtidos nos individuos de maior edade e este facto parece depender da acção acceleratriz do sympathico, que se torna menor á medida que evolue a edade do doente. Nos jovens, porém, as excitações aóceleratrizes são maiores a tal ponto que os physiologistas têm encontrado o pneurno- gastrico com uma acção moderadora quasi nulla. Quanto a fórma, porém, da moléstia, a sympathicotomia só tem dado resultados nas fôrmas sem — bocio—. Realmente esta operação tem dous processos a saber: o de Jonnesco e o de Jaboulay. 62 0 processo de Jonnesco consiste na ablação do ganglio cervical inferior, perto do fundo de sacco da pleura ou a de todo o systhema sympathico bilateral, após a incisão cutanea- cervical da apophyse mastoide á clavícula; após isto ellc liga a jugular externa, a thyroidea inferior isolada ou junctameníe á vertebral. Esta operação, que é mui perigosa, é preterida pelo—pro- cesso de Jaboulay,—que prefere a extirpação do ganglio cervical superior com uma pequena parte de cordãonervoso seguinte. Antes de descrevel-a, devemos citar os beneficos resultados por elle obtidos em myopes, que se tornaram basedowianos, e nos quaes se accentuára a acuidade visual á distancia. Os casos de recidivas, contra os quaes os cirurgiões não podem abrigar-se, Jaboulay explica ou pela fórma do mal ou por uma annexaçâo de fibras sympathicas ás fibras accele- radoras do trigemeo ou do pneumogastrico. Vejamos agóra o processo de Jaboulay. Em primeiro logar elle comprime o lado da cavidade supraclavicular, cuja razão vimos, depois faz uma incisão, que deve partir da apophyse mastoide e, seguindo o bordo posterior do musculo esterno-mastoideano, terminar-se um pouco acima da dieta cavidade. Pratica a ligadura dos vasos e depois corta o esterno- mastoideo, indo dar numa camada cellulosa cheia de ganglios e no musculo esplenius, situado em plano superior à primeira e faz a sua- dissecção. Affasta o esternomastoideano: introduz o index direito na camada cellulosa referida acima, para procurar algum vaso, e, descollando-a prudentemente, encontra a veia jugular 63 interna. Vae então á procura do sympathico cervical pela parte externa e posterior deste vaso. Se não encontral-o, este é affastado para diante: então, vê-se o nervo pneumogastrico em sua porção interna e, em sentido mais ou menos parallelo, o nervo grande hypoglosso. Desde este momento, elle procura perceber as pulsações da carotida interna e, após o seu reconhecimento, procura, em sua porção posterior e na dos dous últimos cordões nervosos, o nervo grande sympathico, do qual encontra a sua intumes- cência superior: procede á desnudação nervosa e assim o liberta da aponevrose cervical profunda. Após a extirpação do> ganglio superior, procede ás suturas e ao penso da ferida operatória. Mas, as anomalias nervosas e a bifurcação ganglionar podem perturbar a operação e por isso o seu auctor manda renpval-a em casos de recidivas dos symptomas: elle as attribue, portanto, a estes factos anato- micos, que muitas vezes se tornam despercebidos. Deste modo é que dá-se a suppressão das excitações trans- mittidas aos orgãos attingidos pelo syndroma e a regula ris ação da circulação cerebral. Quando o bocio persiste, elle aconselha a thyroidectomia parcial, que encontra, segundo a sua expressão, o terreno preparado e já combatido. Os estudos de Jaboulay são, finalmente muito modernos e interessantes, mas não podem ser ainda considerados, apezar de resultados animadores, como um methodo de cura e elle mesmo o reconhece quando assim se exprime: «La sympathicotomie ou ablation du ganglion* cervical superieur est donc suffisante pour amender, sinon guórir, les 64 phenòmènes basedowiens. II faut donc être prudent dans les extirpations que Fon peutfaire sur le sympathique cervical et ne pas proposer et pratiquer des résections considerables dans le seul but d'apporter la moification d’un procedé operatoire dans une methode therapeutique.» Concluímos, pois, que ainda não ha um methodo seguro de cura para o syndroma basedowiano, sendo de notar que, entre si, uns se repellem, outros se associam, conservando, todavia, mais ou menos iguaes os resultados obtidos. PROPOSIÇÕES PROPOSICOES HISTORIA NATURAL MEDICA i O veratrum viride é um vegetal da família das Colchicaceas. ii Extrahe-se do seu rhizoma um alcaloidq toxico denominado —veratrina.— ui Este principio vegetal também existe no rhizoma do — vera- trum album—e na semente do—veratrum officinale—da mesma familia. CHIMICA MEDICA i O salicylato de sodio é um composto orgânico, cuja formula chimica corresponde a C7H50% Na, segundo Wurtz. ii Este corpo é pulverulento e tem o satóor a principio doce e final mente amargo. m E um corpo mui solúvel n’agua, que se tinge de violeta, sob a addicção de algumas gottas de perchloreto de ferro. 68 ANATOMIA DESCRIPTIVA I 0 corpo thyroide é uma glandula vaccular sanguínea, que apresenta dous lóbos lateraes unidos por um mediano chamado — isthmo.— II P O seu lóbo mediano, passando pela parte anterior da trachéa, cobre o segundo e o terceiro anneis deste canal respiratório. m Os tres ou quatro primeiros anneis da trachéa correspondem á face côncava dos lóbos lateraes. HISTOLOGIA i O corpo thyroide se compõe de quatro partes: de um stroma conjunctivo, de vesículas secretores, vasos e nervos. ii Os lóbos glandulares são separados por septos fibrosos, que, emergindo do envolucro conjunctivo, que fórma o seu stroma, dão nascimento á pequenas trabéculas intervesiculares. m As vesículas secretoras são formadas, de fóra para dentro, por uma membrana própria hyalina e por um epithelio cellular, de granulações protoplasmicas refringentes, que se córam pelo carmim e evosina após a fixação pelo álcool (Renaut). 69 PIIYSIOLOGIA O coração ó o orgão central da circulação, na qual o liquido sanguíneo penetra, para nutril-os na intimidade dos nossos tecidos. ii Elle está sob a acção dos nervos pneumogastrico e grande sympathico, sendo este o accelerador e aquelle o moderador dos seus movimentos. m ú ■ \ Os dous nervos são mixtos e de muita importância nas operações da região cervical. BACTERIOLOGIA i As moléstias microbianas, quando invadem o organismo d’um basedowiano, produzem muitas vezes a sua morte. ii O bacillo de Koch, quando se associa ao syndroma clinico, torna este mfll fatal. m O exame bacteriológico dos escarros tuberculosos é feito pelo microscopio, após a applicação do processo de Ziehl. 70 MATÉRIA MEDICA, PHARMACOLOGIA E ARTE DE FORMULAR 1 I Da — digitalis purpurea—, que é uma Escrofulariacea, extrahem-se as folhas para o uso medico. ii Os alcaloides, que foram extrahidos, são: a digilalina, a digitaleina, a digitonina e a digitoxina. ni As folhas empregadas em pó ou em tincturas, são adminis- tradas aos doentes. CLINICA PROPEDÊUTICA r A inspecção do basedowiano nos faz, por si só, em muitos casos firmar o diagnostico. ii A percussão é de pequena importância na vereda do mesmo. m A auscultação é de todas, a mais importante ao lado da palpação, na diagnose das fôrmas frustras do syndroma. 71 CLINICA DERMATOLÓGICA E SYPHILIGRAPHICA i A syphilis é um elemento que muitas vezes aggrava o prognostico do syndroma. ii As injecções mercuriaes são os meios de eííicacia no trata- mento destes casos. m Em casos moléstias cutaneas, o tratamento hygienico deve ser a primeira preoccupação do medico. ANATOMIA E PHYSIOLOGIA PATHOLOGICAS i A hypertrophia do coração, principalmente a do ventrículo esquerdo, tem sido encontrada nas autopsias dos basedowianos. ii A tendencia dos musculos da região orbitaria para a dege- neração gordurosa tem também sido observada. m O tecido da glandula thyroide, de côr vermelha escura, encerra, pelo córte, cavidades kysticas, separadas por tecido fibroso e cheias de uma substancia colloide e os vasos são dilatados. 72 PATHOLOGIA MEDICA i As perturbações cardíacas são fundamentaes no syndroma de Basedow. ii Elias constituem a tachycardia que tem por causa uma paralysia de fibras do nervo pneumogastrico. m A exophtalmia, quasi sempre, constitue as fôrmas frustras do syndroma, ao lado também do tremor em alguns casos. PATHOLOGIA CIRÚRGICA i Os accessos de dyspnéa são a consequência da compressão da trachéa, que diminue em seu calibre. ii A hypertrophia do corpo thyroide pôde ser unilateral ou bilateral. ui Para combater estes accessos, que podem produzir a morte, lançaremos mão ou da exothyropexia ou da tracheotomia. CLINICA CIRÚRGICA (2.a Cadeiiia) i ' ’ i A asepsia é a mais brilhante conquista da cirurgia moderna. 73 II Ella garante o suceesso feliz para impedir a penetração de germens pathogenos no organismo humano. m A anesthesia geral e local, pela morphina, pelo chloroformio ou pelo ether é uma parte não menos importante em uma operação. CLINICA OPHTALMOLOGICA i As keratites são mui frequentes entre os basedowianos. ii Elias podem acompanhar-se de ulcerações da cornea. m Isto é devido â retracção da palpebra superior, que, não podendo cobrir bem o globo ocular, faz com que as poeiras infectantes o irritem e inflammem. OPERAÇÕES E APPARELHOS i A ligadura dos vasos é feita entre duas pinças antes da sua secção. ii Isso impede a penetração de ar em seu interior. m O fio de catgut é o preferido nas ligaduras vasculares. A. G. 10 74 ANATOMIA MEDICO-CIRURGICA i Entre os orgãos mais importantes pela grande abundancia de vasos sanguíneos está a glandula thyroide. ii Variavel em seu volume, ella é mais geralmente desen- volvida no sexo feminino. ui De cada lado dous vasos importantes emittem sangue para nutrir a sua funcção e sua nutrição e são: a artéria thyroideana superior e a inferior, originando-se a primeira da caro tida externa e a segunda da artéria subclavia. THERAPEUTICA 1 A therapeutica presta importantes serviços á lucta contra a symptomatologia do bocio. ii A digitalis, o estrophantus e outros tonicos cardíacos são largamente empregados. m Associada á ipeca e ao opio, ella é largamente empregada sob a fórma pillular, na dóse de dous a oito centigramos em 24 horas. CLINICA CIRÚRGICA (l.a Cadeira) i Os perigos da thyroidectomia parcial são: a hemorrhagía, as perturbações laryngo-tracheaes e a asphyxia. 75 II Na strumeefomia de Socin estes accidentes são mais evitáveis, em virtude de ser uma operação intraglandular, que só secciona ramos pequenos de vasos no parenchyma glandular. m A thyroidectomia total, ou extirpação total da glândula thyroide, está abandonada, porque o myxoedema ou cachexia strumipriva é a sua consequência, além da tetania e outros accidentes. CLINICA MEDICA (2.a Cadeira) i O basedowismo é constituido por quatro signaes, habitual- mente: exophtalmia, hypertrophia thyroideana, tachycardia e tremor. ii Nas fôrmas frustras, falta em muitos casos a hypertrophia thyroideana. m As pulsações radiaes attingem á 120 e á 150 por minuto e já houve quem observasse sua desigualdade no mesmo indi- viduo (Da Cunha). CLINICA PEDIÁTRICA i As creanças podem adquirir de seus paes o basedowismo. 76 II Diversas moléstias nervosas, como a hysteria, podem dispol-as a um desenrolamento tardio dos symptomas do mesmo. m A tuberculose em muitos casos faz parar a marcha do desenvolvimento infantil. OBSTETRÍCIA I As injecções de agua aquecida a 50.°, constituem um bom meio de jugular as hemorrhagias puerperaes de pouca inten- sidade. ii Elias se manifestam ou nos vasos uterinos ou nos vaginaes. m Um dos accidentes mais perigosos em um parto é a eclampsia puerperal. IIYGIENE i O casamento deve ser condemnado entre os basedowianos. ii Esta opinião deve ser sustentada, visto estar verificada a relação do syndroma com as grandes nevroses. 77 III Embora a herança não se manifeste logo na primeira geração, a sua influencia sobre os posteros não deverá ser duvidosa. MEDECINA LEGAL E TOXICOLOGIA i O infanticídio éum crime monstruoso que deve ser punido. ii Para verificar-se a duração da vida de um recemnascido ha diversos modos. m A desapparição do buraco de Botali até o decimo quinto dia não tem bastante valor, porque póde manter-se aberto até a idade de quarenta annos. CLINICA MEDICA (l.a Cadeira) i A polyuria é mui frequente entre os basedowianos. ii Ella concorre para augmentar a eliminação das toxinas thyroideanas. m A glycosuria e a albuminúria pódem também apresentar-se raramente neste syndroma. CLINICA OBSTÉTRICA E GYNECOLOGICA i A febre puerperal constitue um perigo entre os accidentes posteriores do parto. 78 II Para evital-o é mister que haja a maior antiscpsia. m Actualmente está demonstrado o seu contagio e a descoberta do seu agente streptococcico. CLINICA PSYCHITRICA E DE MOLÉSTIAS NERVOSAS i Qualquer nevrose póde associar-se ao basedowismo. ii A hysteria se lhe associa frequente isente. m As perturbações psychicas do basedowismo são mui variaveis segundo as fôrmas com que este irrompe. Visto. Secretaria da Faculdade de Medicina da Bahia, em 30 de Outubro de 3906. 0 Sub-Secretário, Dr. Matheus Vaz de Oliveira.