FACDLDADE DE MEDICINA DA BAHIA THESE APRESENTADA Á Faculdade de Medicina da Bahia EM 28 DE OUTUBRO DE 1903 1’ARA SER DEFENDIDA POR (Eciããícltto |ome^ NATURAL OESTE ESTADO Afim de obter o grau de doutor em sciencias medico-cirurgicas DISSERTAÇÃO Cadeira de Clinica Pediátrica Formas clinicas da albuminúria PROPOSIÇÕES Tres sobre cada uma das cadeiras do Curso de Sciencias Medico-cirurgicas BAHIA EMPREZA D’< A BAHIA > N. 35—Rua da Alfandega—N. 35 1903 DISSERTAÇÃO Introclucção.— Reiterados exames da excreção urinaria de in- dividuos hydropicos revelaram a Cotugnho a presença na urina de uma substancia c jagulavel pelo calor, attribuindo-a o notável experi- mentalista a uma lesão profunda do epithelio renal. Pesquizas melhor- mente conduzidas por Bright em 1827 ratificaram as conclusões de seu predecessor, ficando por este estabelecidas as intimas relações existentes entre o edema, a albuminúria e as affecções renaes. Wells, Chruikshank, Blackall, successores de Bright, discor- daram da theoria posteriormente exarada j)or Graves, que conside- rava a leucomuria capaz de produzir as alterações renaes. Esta divergência completa entre Graves e os successores de Bright foi, como disse Brault, o ponto de partida das theorias que ainda hoje dividem os pathologistas; mais consentânea, porém, com os conhecimentos modernos é a da possibilidade da passagem pelos rins, sem que estes estejão lesados, de albuminas modificadas, defendida por Elliotson, Copland, Gubler, Jaccoud. Lelimam, Crovisait, Miallie e Pressat dizem que esta tran- sudação pelo epithelio renal intacto é devida á diffusibilidade que adquire a albumina por causas ignotas. Estas theorias não enfeixam o THFSE IXAUGUKAL todas as modalidades clinicas da albuminurrhéa, pois os crescentes e avantajados progressos continaados, de ha muito, no estudo das moléstias, alargaram singularmente o quadro da albuminúria. A anatomia pathologica e a experimentação, enveredando pelos recônditos arcanos do mecanismo intimo da eliminação cia albumina pelos rins, revelaram novos tactos, crearam interpreta- ções múltiplas. A clinica, patenteando a facilidade com que a albumina perpassa o rim cmcoinitantemente com os outros ele- mentcs da secreção urinaria, aventou a doutrina de uma lesão or- gânica preexistente. A presença habitual da albumina nas affecções cardíacas, mo- léstias infectuosas, intoxicações diversas e em grande numero de moléstias chronicas, pareceu a Seromola e outros muitos incompa- tível com a idéa de uma alteração do orgão; fez-se mister admiítir a existência de albuminúrias puramente funccionaes, devidas a uma simples perversão secretaria. De symptoma ligado á lesão re- nal, a albuminúria tornou-se uma simples perturbação fuuccioual; de perturbação mórbida, tende actualmeute a passar ao estado de phenomeno normal. Para Jaccoud a albuminúria 6 uma perturbação da uropoiese. Diz Gubler que no homem a urina não contém absolutamente albumina, constituindo a sua presença um symptoma essencial- mente morbido. A albuminúria foj considerada por Wells, Cruiks- liank, Bright-, como a caracteristica de uma alteração renal. Patliogenia.—Para a explicação do mecanismo da secreção urinaria, contumazes controvérsias surgiram de entre os perscruta- dores. e numerosas tlieorias disputaram entre si a primazia na in- terpretação de tão transcendente phenomeno physiologico. Bowmann comparou a secreção urinaria a uma especie de filtração determi- nad: pela tensão do sangue nos vasos do glomerulo de Malpighi, contrastando com a ausência completa de pressão no interior dos caualiculos urinários. Para este auctor os glomerulos deixavam CASSIANO GOMES 3 filtrar somente a parte aquosa da urina, sendo seus princípios so- lúveis, quer formados no rim, quer oriundos do saugue, segiegados pelas cellulas glandulares dos tubos uriniferos. Wittich e Donders modificaram esta theoria, admittindo que os princípios solidos se filtrão simultaneamente com a agua. Heidenhaim, porém, por ex- periências, tentou fazer prevalecer a antiga concepção de Bowmann, que estabelecia a independência da eliminação da parte aquosa e da excreção das partes solidas, admittindo, todavia, que estes dous actos se effeituão em partes diversas da glandula renal. O prin- cipal factor na theoria de Ludwig é a pressão sanguínea. E? sob sua influencia que o soro do sangue, a excepção da albumina, atra- vessa as paredes dos capillares do glomerulo. Kiiss suppõe que o plasma sanguíneo atravessa a rede vascular dos corpúsculos de Mal- pighi, e passa para os tubuli contorti, cujo epithelio tem por funcção separar as matérias dissolvidas, e em particular a albumina, apresen- tando a secreção duas phases—filtração e resorpção electiva. A opinião de Bowmann com as modificações de Heidenhain é a admittida pelos mais abalisados experimentalistas. A theoria de . "Wittich e Kiiss não mais constitue objecto de discussão, desde que se demonstrou que, sendo extirpados os rins de um animal vivo e immediatamente immersos em agua fervendo, vestígio algum de albumina coagulada é encontrado nos glomerulos, ou nos canalicu- los; é então inadmissível que o plasma sanguíneo seja simplesmente filtrado pelo glomerulo, como admittiam estes auctores. A hypothese de Ludwig é inverosímil. O rim não é um simpíe filtro; nelle, como em todas as outras glandulas, a cellula epitlielia tem funcção definida, e á differenciação anatómica corresponde a especialisação- funccional. As variações de composição do sangue influem evidentemente sobre a da urina; a disposição do systema capillar renal indica a influencia capital da pressão sanguínea no funcciouameuto da glan- dula; emfim o systema nervoso, quer por acção directa sobre as cel- 4 TIIFSE INAUGURAL lulas, quer por intervenção vaso motriz, influe efficazmente nas va- riações da secreção urinaria. Apezar da multiplicidade de interpretações dadas para ex- plicar o funccionamento do rim, nada ha estabelecido, quanto á parte do orgão em que se effectua a passagem da albumina do plasma, nem em que parte da glandula se realisa ailltração anormal. O estudo histologico do rim evidencia que só no glomerulo de Malpighi está o sangue em contacto com os elementos secretorios, separado unicamente das cavidades capsulares por duas camadas de cellulas— o endotlielium dos capillares e o endothelium glomerular. Charcot concorre para sanccionar este asserto, quan lo diz ser no glomerulo que a secreção se realisa. Posner procurou demonstrar que a séde da eliminação da albu- mina é o glomerulo de Malpighi, e julgou ter provado que o rim normal não éalbuminurico. Baseava-se, para assim asseverar, em não ter encontrado excreção albuminosa intra-capsular. Como soe acon- tecer em circumstancias idênticas, Posner exaggerava o mérito de sua descoberta, pois é incontestável que póde haver albumina sem que sua presença seja revelada pelo calôr. No rim physiologico, diz Senator, não se vê traço de albumina coagulada nos vasos lympha- ticos que, segundo Ludwig e Zawargkin cercam os capillares e os canaliculos urinários, penetram nas capsulas de Bowmann (líyn- dousky) e envolvem os glomerulos. A 3 grupos podemos restringir as condições pathogenicas da albuminúria: 1? alteiação da crase sanguinea; 2? perturbação da circulação geral ou renal; 3? modificação anatómica de epithelio renal. A cada um destes grupos corresponde uma theoria. Os au- ctores eclecticos filiam a albuminúria a qualquer destas trez causas; outros auctores, porém, dizem ser o diabetes leueomurico oriundo sempre de uma só destas causas. A primeira theoria foi por Stokvis chamada a da albuminúria hematogena, sendo a sua producção determinada por um excesso CASSIANO GOMES r> de liquido no interior do sangue (hydremia, hypoalbuminose). Fundava-se esta hypothese em experiencias feitas por Magendie e Mosler, injectando grande quantidade d7agua no sangue de animaes. Este facto foi interpretado erroneamente, porque, si albuminúrias se produzem consecutivas a taes injecções, são ellas devidas não a uma alteração previa do sangue, como queriam estes auctores, mas sim a uma hypertensão arterial e consequente ruptura dos vasos renaes, si a injecção fôr praticada rapidamente; si, porém, ainda sendo a quantidade egual, fôrem lentamente feitas as injecções, os erythrocytos se alteram e deixam transudar a hemoglobina, que, sendo uma substancia albuminoide da natureza da clara de ovo, pode passar, como está demonstrado, pelo glomerulo sem lesão; ha por- tanto em vez de albuminúria, hematiuuria, como chamava Vogel, ou hemoglobinuria, como se diz modernamente. Provão as investigações de Stokvis e Westphall que, si estas in- jei ções fôrem feitas com precaução, a albuminúria ou hemoglobi- nuria nunca se manifestarão. Dizem Leeorclié e Talamon que a idéa de attribuir antes a uma alteração do liquido filtrante, que á do filtro, a presença da albumina nas urinas, seduziu sempre um certo nu- mero de espiritos. Jaccoud considera a leucomuria, como a con- sequência de um desvio do typo normal dos movimentos nutriti- vos; este desvio consiste em uma perturbação passageira, ou durável dos phenomenos de assimilação, ou desassimilação das matérias al- buminoides do sangue. Ninguém antes de Canstatt enunciara a theoria da albuminúria dyscrasiea pela modificação chimica dos albuminoides do sangue. Ha muitos argumentos, diz elle, que pro- vam que a causa de todos os symptjmas da albuminúria deve ser attribuida a uma disposição anormal especifica da albumina do sangue. Segundo Lehmann, nas albuminúrias das moléstias chronicas não se deve attribuir a passagem da albumina a uma lesão renal, mas ó THESE INAUGURAL á alteração do sangue, pela qual a albumina do plasma adquire a propriedade de atravessar o tecido do rim. Em 1852 Miallie e Pressat tentam determinar os caracteres chi- micos da albumina: «A alteração dos líquidos da economia precede e determina sempre a passagem da albumina do sangue para as urinas. A albumina se modifica e se desorganisa, atravessa as mem- bianas sob forma caseosa ou amorplia e apparece nas urinas.» Scliiff, Yogcl, Corvisart admittem também que em certos casos, em que nenliuma lesão material do rim é demonstrável, a albumina do sangue soffre uma modificação que a torna mais diffusivel. E’ já uma opinião muito antiga que, na moléstia de Briglit e na maio- ria das albuminúrias denominadas funccionaes ou transitórias, a causa da passagem da albumina deve ser attribui ia, não a uma lesão do pareuchyma renal, ou perturbação circulatória, mas a uma alte- ração soffrida pela albumina do sangue. Para esta theoria as lesões observadas no rim em casos de albuminúria de qualquer duração não serião o phenomeno inicial, mas sim o resultado da acção per- sistente da albumina no corpúsculo de Malpighi. Todas estas tlieo- rias resumem se em dois factos principiaes: 1? existência de uma dyserasia albuminosa; 2? ausência de lesões renaés. A theoria de Sernmola é muito mais complexa, pois elle ad- mitte a alteração primitiva dos albuminoides do sangue e lesão secundaria dos rins. A ÍStokvis repugna admittir que possa haver albuminúria, tendo, como causa exclusiva, a modificação chimica ou biologica do sangue. Parkes, Pavy, Gubler insistiam no facto de tornarem-se mais fortemente albuminosas nos brighticos as urinas expel lidas após as refeições. Para explicar este augmento temporário da proporção da albumina, Gubler pensa ser elle o resultado de um a ccrescimo egualmente temporário da quantidade de albumina dissolvida no sangue; acreditam outros, porém, resultar este facto do augmento momentâneo da pressão arterial. GOMES 7 Parkes persevera, sem aliás demonstrar, em dizer que esta al- buminúria alimentar é qualitativamente differente da albumina vulgar. As investigações emprehendidas por Lepine levarão-no a affirmar que estas duas albuminas apresentam caracteres differen- ciaes, sendo a do período digestivo mais peptonisante e diffusivel. Não se pode negar, diz Chai cot, que esta albumina modificada venlia do sangue, e é obvio que o rim em nada a altera. Esta asserção é incontestavelmente favoravel á theoria defendida por Semmola. A uma variedade de albuminúria existente em grande numero de moléstias febris, cuja presença é apenas revelada pelo calôr, Gerhardt cognominou de latente. Esta albuminúria tem sido ligada a um augmento da pressão sanguiuea glomerular, ora devido á estáse venosa, ora á fluxão arterial. Mas o augmento de pressão nos vasos do rim não basta para produzir albuminúria, sendo im- prescindivel o concurso de outras circumstancias. Gubler affirma que o excesso de substancias albuminoides no plasma determina albuminúria. Para elle a causa determinante ha- bitual da albuminurrhéa é o excesso absoluto, ou relativo da albu- mina do sangue ou hyperleucomacia. Não é necessário sensível augmento da quantidade de albumina circulante, basta que este accrescimo seja correspondente ásperdasda economia em matérias proteicas. Nestas condições o rim entra em acção para eliminar o excesso de albumina. Para explicar, como o rim elimina a albumina á maneira de substancia toxica ou medicamentosa, Gubler diz que o excesso de um elemento normal provoca o esforço eliminador quasi tanto, quanto a presença em pequena quantidade na circulação de um principio extranho ao orgar.ismo; entretanto elle é contradictorio, quando diz; « O excesso de albumina no sangue não basta para determinar al • buminuria, 6 preciso também a cooperação do rim.» E mais adiante: * Sem dúvida a albuminúria torna-se abundante pela hy- percrasia albuminosa; mas a albumina ficaria iiidefinidamehte de 8 THESE INAUGURAL lida nos canaes circulatórios, si o rim não se modificasse a ponto de se deixar atravessar pela substancia proteica, isto é, congestio- nando-se, ou soffrendo alterações parenchy matosas fugazes.» Em ultima analyse a theoria de Gubler se resume na hypothese de epie o excesso da albumina do soro, sem nenhuma modificação do plasma, determina uma alteração do filtro renal. A demonstração experimental desta liypotliese não é facil, pois, apezar de Gubler trazer em seu auxilio o resultado das iujecções intravenosas de ma- térias albuminoides, esta objecção é desfeita, considerando-se a diíferença entre a albumina do sôro, e estas substancias heteroge- neas introduzidas no sangue. Os outros argumentos não explicão de nenhum modo sua affirmação fnndamental. Quanto ao apoiar-se elle na predominância albuminosa da urina da digestão, pode-se objectarque, si na moléstia de Bright a urina depois das refeições contém mais albumina do que a emittida durante a noite, a pre- sença deste augmento de albumina no sangue no periodo da diges- tão é devida á lei experimental de que a quantidade de principio dialysavel que se filtra por uma membrana organica é proporcional á riqueza da solução geradora. % Approxima-se da theoria de Gubler sobre a excreçam renal de um excedente supérfluo de albumina, a opinião recentemente emit- tida pelo sabio Ro embaeh sobre a albuminúria reguladora. Suppõe este auctor que os diversos elementos constitutivos do plasma se acham no sangue em combinação entre si, em virtude de uma affi- nidade chimica variavel segundo a proporção destes elementos. Quando esta affinidade cessa, parte da albumina é posta em liber- dade, e o rim a elimina em plena actividade funccional. Bosembach dá esta interpretação á albuminúria do diabetes, ictericia, etc. Para Faveret a albuminúria teria por causa a não utilisação de parte da albumina do sôro; esta mesma explicação dá Lepine para a globulinuria consecutiva á injecção intravenosa de globulina. Owen-Rees, Miallie, Canstatt, Ziegler, Harley, em opposição á CASSIANO GOMES 9 tlieoria de Gubler, sustentam que a diluição aquosa do sangue é causa de albuminúria; a proporção d’agua, augmentando no plasma, pro- duz a diminuição da albumina, apparecendo esta pela pequena quantidade de matérias proteicas:—é a tlieoria da leucomuria por sub-albuminose ou liypoleucomaeia. Simpson, Frericlis, Caseaux, Dubois admittem-na para explicar a albuminúria da prenhez. Ziegle a estende á maior parte das albuminúrias cacheticas. A con- stituição chimica do meio em que a albumina está dissolvida é de importância transcendente, e tem influencia indiscutivel sobre a maneira de sêr desta substancia. Uma solução albuminosa deixa filtrar tanto mais albumina, quanto mais elevada é a proporção de matérias salinas que contém. Esta conclusão resulta das observações de Hoppe-Seyler, von Wit- tich, Nasse. Para a explicação deste íácto, duas opiniões antagó- nicas foram emittidas: uns pensavão que a diminuição de ehloreto de sodio no sangue modificava os plienomenos de diffusão e liltra- ção, determinando albuminúria; outros, apoiando-se nas experiên- cias de Wittieh e Nasse, sustentavam que a albuminúria podia ser provocada por um excesso de ehloreto no sangue. Diz Lehmann ser possivel que a ausência deste sal facilite a passagem da albumina pelos rins. Wundt submetteu-se durante cinco dias a um regimen alimentar com exclusão de sal, e verificou a presença de albumina, á medida que a proporção de ehloreto de sodio decrescia. Eosentlial observou em cães subruettidos á absti- nência quasi completa, sobrevir a albuminúria consecutivamente ao decrescimento deste sal. Stokvis, porém, fez em si mesmo uma dupla experiencia. Em uma, durante ciuco dias absteve-se comple- tamente de ehloreto de sodio; em outra, durante sete dias, além de supprimir o uso deste sal, alimentou-se de ovos crús. A albuminúria não se manifestou em nenhum dos casos. A segunda theoria chamou-se mecanica, por ter, como causa 10 THESE INAUGURAL uma perturbação da circulação geral ou renal, produzindo nos vasos deste orgão modificações por excesso de pressão sanguinea. Esta theoria parece á primeira vista estribar-se em um grande numero de factos indiscutiveis; mas por um exame acurado se reco- nhece quão aleatórias são as suas conclusões. Com effeito, parece simples e facil ligar-se, como. fazem muitos auctores, a albuminúria a um excesso de pressão no glomerulo; mas nem sempie este au- gmento de pressão nos vasos do rim basta para produzir albuminúria, pois, lia casos em que a fraca pressão glomerular 6 evidente; e estes factos são tão frequentes, que Biineberg pensou dever sub- stituir a theoria da pressão exaggerada, como factôr etiologico da albuminúria, pela da pressão diminuída. Baseava-se elle em expe- riências que demonstravam contrariameute ao que sempre se admittio, que a filtração das substancias albuminoides é tanto mais abundante, quanto menor é a pressão a que é submettida. Sendo estas suas affirmações combatidas pelos mais colendos mestres, realizou elle experimentos mais comprobatorios de ordem pliysio-pathologica, os quaes estabeleceram, em contraposição ao pa- recer dominante, que a diminuição da pressão sanguinea no corpús- culo de Malpighi, do mesmo modo que o augmento delia, e militas vezes ainda mais que este, é uma condição que favorece a passa- gem da albumina nas urinas. Para modificar experimentalmente a circulação do rim, pode-se actuar, quer directamente sobre os systemas arterial ou venoso, li- gando, comprimindo, ou obstruindo os vasos afferentes, ou efferentes, quer indirectamente, irritando, ou paralysando os vasos deste orgão. As primeiras investigações emprehendidas apenas procuraram averiguar, quaes as perturbações circulatórias que determina vão a presença da albumina na urina. Não custou aperceber-se que.de qualquer modo,porque se perlur- basse a circulação renal, a albuminúria seria a consequência forçada desta perturbação; então se foi paulatinamente cerceando este ob- CASSIANO GOMES 11 jectivo. Pesquizas modernas descobriram o mecanismo intimo das albuminúrias consecutivas a perturbações circulatórias. Robinson, Meyer, Frericlis, Munk, Senator, Zielonko pela ligadura da aorta abaixo da origem das artérias renàes determinaram albuminúria; Robinson e Munk, juntando á ligadura a extirpação do rim, obti- veram-na mais abundante; Litten, porém, não a observou, associ- ando a ‘ligadura do tronco illiaco e da mesenterica superior á d aorta. Todos estes auctores explicam a producção de albuminúrias pelo augmento da pressão sanguínea. Esta afirmação não é verda- deira, pois se têm produzido albuminúrias experimentaes por uma incisão da parede abdominal e do peritonêo. Senator, emprehendendo estudos sobre o processo de transu- dação no organismo, e modificação do transudato sob a influencia das variações da pressão sanguínea, concluio que o augmento da pressão venosa determina maior quantidade de transudato e de seu conteúdo em albumina, ficando immutavel a proporção de ehloreto de sodio, não podendo, entretanto, alarmar de que maneira se com- porta o verdadeiro apparellio secretor dos rins nos casos de modifi- cação da pressão do sangue; o que se pode asseverar é que em certos limites esse augmento depressão exaggera a funcção secretoria. O augmento da pressão venosa com retardamento da corrente • arterial é seguido sempre, e ao inverso da transudação, de decres- cimento da secreção glandular e da quantidade dos elementos espe- cilicos. O augmento da pressão arterial, modificando o curso do sangue, tem por consequência inevitável a hyperemia activa. Conseguindo-se experimentalmente augmentar a pressão no sys- tema arterial do rim, observou-se durante o periodo máximo de pressão, parada completa do fluxo urinário; mas com a diminui- ção restabelecia-se a funcção mais abundante que anteriormente, ve- rificando-se a eliminação da albumina, que lentamente desapparecia. No • ha contraeção geral das pequenas artérias, o que determina precisamente um augmento de pressão nos grossos tron- 12 THESK INAUGURAL cos. Griitzner demonstrou que, si as arteriolas renaes participam desta contracção, produz-se não hyperemia, mas ischemia renal, cuja consequência natural é a oligúria. Com a cessação do espasmo vascular a pressão augmenta nos systemas arterial e capillar do rim proporcionalmente ao exaggero anormal anterior da pressão aortica, até que pela ampliação dos vasos as condições tornem-se normaes. E’ a este periodo de forte pressão e de velocidade da circulação acompanhada de ectasia vascular, que corresponde o augmento da secreção urinaria, e ao mesmo tempo a albuminúria palpavel (Senator). Para Pascliutin, a hypertheimia produz albuminúria, porque determina augmento de pressão nas artérias renaes, a qual se acompanha de evaporação d’agua pela acção do calor, adquirindo a urina um grão de concen- tração elevado. Mas Cohnhcim e Mendelsen, que também observa• ram este facto, contestão-no, provando que é á ischemia a que isso deve ser incriminado. Acreditava-se outrora poder pela ligadura das artérias periphe- ricas exaggerar a pressão no systema aortico. A observação sphy- gmographica, porém, mostrou que era isso uma concepção errónea, e que o organismo dispõe de processos compensadores, pelos quaes a pressão sanguinea geral fica inalterável. Só a ligadura das caro- tidas pode elevar fortemente o grão de pressão aortica, porque se- gundo Aawalichin, determina a irritação do centro vaso-motor e consecutivamente um espasmo vascular geral. Os processos que se passão na estáse venosa nos rins são mais complicados e difficeis de elucidar. As pesquizas experimenta.es são accordcs, em que esta estáse é seguida de albuminúria. Ao que concerne aos factos clínicos, não é preciso ter adqui- rido longa pratica para saber que, a excepção de casos raros, que não têm nenhuma significação clinica, os phenomeuos de estáse no homem podem ser produzidos por estados que concorrem para CASSIANO GOMES 13 a iscliemia aortica, os quaes de ordinário se desenvolvem lenta- mente. A innervação do rim é muito obscura. E’ possivel que existam no plexo renal nervos trophicos, secretores, vaso-motores. Mas só sj conbecem os nervos vaso-motores. Von Wittich descreve nervos secretores situados entre a artéria e a veia, e nervos vaso-motores que acompanham a artéria. Muller, Claude Bernard, Ilermann observaram depois da secção do plexo renal albuminúria c morte rapida em animaes. ETugonnard e Le- pine notaram albuminúria e hematúria. Capitan, seccionando al- guns filetes nervosos, vio a urina tornar-se sanguinea e albuminosa, a veia renal extremamente dilatada e a artéria muito contrahida. ScKiff e Correnti pela excitação da medulla dorsal ou cervical de- terminaram albuminúria. ISÍa experiencia de Claude Bernard a jmo- ducção de albuminúria pela picada do pavimento do 4? veutriculo é explicada por Brown Sequard pela dilatação paralytica dos vasos do rim. Capitan determinou albuminúria, picando o cerebello, e Litten em interessante experieneia manifesta a influencia da innervação vaso-motriz na producção da albuminurrhéa. Em animaes envene- nados por strychniua, este auetor notou que havia a principio suppressão da urina, restabelecendo-se esta albuminosa. Litten explica a anuria pelo espasmo, e contracção das artérias renaes e attribue a albuminúria á dilatação vascular consecutiva. Talamon suppõe que os epithelios, momentaneamente priva- dos de seu liquido nutriente, se alteram e. quando a circulação se restabelece, seu funccionamento defeituoso occasiona a albuminúria. O diabetes leucomurico pode ser produzido por uma irritação indireeta ou reflexa do systema nervoso central. Correnti o notou depois da excitação dos nervos lombares; Capitan depois da faia disação do sciatico. A ligadura dos ureterios no animal, impedindo o escoamento 14. THESE INAUGURAL da urina que se accumula nos tubos excretores e os distende pro- gressivamente. determina compressão dos capillares e dos vasos interlobulares, perturbando assim a circulação. A presença de albumina accumulada no ureterio e no bassi- nete é constante, como notaram Overbeck e Meissner. Tosner, sacriíicando animaes e tratando fragmentos dos rins pela cocção4 encontrou albumina coagulada nos tubuli e nas capsulas de Bow- manu, attribuindo-a ao augmento da tensão venosa. A pressão crescente da urina nos canaliculos dilata-os; e estes, dilatados, com- primem as pequenas veias intermediárias, produzindo estáse e pressão venosa exaggerada. As primeiras experiencias de ligadura dos ureterios feitas por Aufrecht, Charcot e Gombault determina- ram dilatação dos ureterios e canaliculos, lesões do epitlielio de revestimento dos tubos uriniferos e inflammação do tecido con- junctivo intersticial. Para Strauss e Germont as lesões consecutivas a estas ligadu- ras dependem de dois fectores:—um mecânico, a estagnação da urina, trazendo a distensão dos canaliculos; o outro, irritativo, ligado ã qualidade da urina, ou ao traumatismo operatorio. As modificações histológicas nestes casos apresentam duas pliases successivas: uma de ectasia dos canaliculos, e outra de collapsus atrophico. A phase de ectasia é caracterisada pela dilatação rapida dos tubos urini- feros desde os glomerulos até os tubos collectores; ha, ao mesmo tempo, distensão da cavidade tubular e achatamento excessivo do epithelio de revestimento, sendo a dilatação mais aeeentuada e precoce nos tubos contornados, não havendo, porém, infiltração eel- lular, nem nos espaços intertubulares da substancia cortical. nem no tecido conjunctivo da substancia medullar. Na segunda phase os tubos dilatados atrophiam-se,persistindo a dilatação proximamente á capsula de Bowmann, que pode soffrer distensão kystica consi- derável e espessamento escleroso manifesto ao redoí das capsulas dilatadas e das arteiiolas. CASSIANO GOMES 1 5 Em conclusão do estudo das condições physicas e mecanicas da albuminúria, eis o que dizem Lecorché e Talamon: « As modi- ficações da pressão vascular não influem directamente na produc- ção da albuminúria. Pliysicamente não é o augmento, é a dimi- nuição da pressão que favorece a filtração da albumina. A final é a alteração da membrana filtrante a causa intima e immediata da albuminúria.» A terceira theoria 6 chamada anatómica, porque admitte que a presença de albumina nas urinas resulta da existência hypotlie- tica de lesão ciação destas especies de leucomurias, fazia seus doentes ingerirem substancias aromaticas, como o espargo, e, si o cheiro, se comrnu- nicava á urina, concluía, que a albuminúria não erabrightica. Lepine fez decair a antiga concepção de Bouchard que admittia, como si- gnal pathognomonico das albuminúrias ligadas â lesão renal, a al- bumina retráctil. Emfim as albuminúrias pliysiologica, cyclica etc. desfizeram a liypothese da albuminúria sempre ligada á nephrite. Nas neplirites de predominância intersticial as urinas são geral- mente abundantes e a proporção da albumina é mínima ou nulla; na parenchymatosa, porém, a albumina eleva-se a 15, 30 grammas em 24 horas, podendo todavia faltar, apezar do augmento das ma- térias estractivas e da fraca densidade da urina. O que muitas vezes vem aclarar o diagnostico differencial destas especies de al- buminúrias, é o exame microscopico do sedimento urinário, reve- lando, ou não a cylindruria. Quando acreditava-se que a albuminúria era devida á alteração dos canaliculos contornados, a glomeruio-nephrite de Klebs era con- siderada uma lesão rara, especial á nephrite escarlatinosa, deter- miuando sempre anuria. Theorias modernas fizeram ruir estas hy- potheses, estabelecendo a preponderância das lesões glomerulares. A primeira modificação que soífrem as cellulas do glomerulo, cuja estriação desapparece é a hypertrophia e a deliquescencia pro- nunciada do protoplasma, substituindo-a uma infiltração diffusa de granulações; segue-se a degeneração granulo-gordurosa, e ao mesmo tempo os elementos cellulares se confundem e desapparecem seus li- mites; os núcleos desordenadamente dispostos são ruais numerosos que normalmente; esta alteração termina-se pela desintegração mais ou menos completa da eellula. Além deste modo de destruição cellular ha dous outros que são provavelmente phases do mesmo processo; um foi descripto por Weigert sob o nome de necro e de coagulação; outro, indicado por Artel e Rovida foi detalhadaraente estudado por Cornil. 24 THESE INAUGURAL Na necrose de coagulação o protoplasma, em vez de infiltrar-se de granulações, torna-se vitreo, hyalino, lioinogeneo, refringente e sem núcleo. Nos tubuli as cellulas alteradas assemelhanpse a cyliu dros cavados atravessados por um reíiculum de malhas nimiamente unidas. A alteração vacuolar de Cornil consiste na formação de cavi- dades arredondadas no centro do protoplasma; em um córte os va- cuolos apparecem ora claros e vasios, ora cheios de uma massa gra- nulosa de forma espherica. Estas espheras proteicas, desprenden- do-se dos vacuolos, caem nos canaliculos e formam o exsudato tu bular. Cornil considera, como secreção pathologica. Hortolés de- monstrou que a alteração vacuolar com formação de espheras hya inas é um modo de mortificação cellular. Nos canaliculos encontram-se erythrocytos, leucoeytos, fibriua, um detrito amorpho de granulações proteicas, constituindo a maior parte dos elementos que entram na composição dos exsudatos tu- bulares elimin?cdos pela urina, e denominados cylindros urinários que são formados de uma substancias mais ou menos molle, tendo a forma dos tubos uriniferos de onde provêm. Henle dizia que a substancia plastiea dos cylindros era a fi- brina, os seus contemporâneos, porém, admittiam serem elles for- mados das cellulas dos tubos uriniferos, ou pela descamação, ou pela necrose delias. Axel-Key e Admanson emittiram a hypothese de formarem-se os cylindros de uma secreção das cellulas canali- culares. Aufrecht em suas experiencias, ligando o ureterio de coe- lhos, verificou a formação de blocos de substancias colloide no in- terior das cellulas epitheliaes tumefeitas, e a presença de cylindros na cavidade dos tubos. Attribue elle os cylindros á saida e fusão destes blocos colloides. As experiencias de Cornil ■: onfirmadas por Strauss e Germont procuraram demonstrar o modo de producção dos cylindros ás expensas das massas proteicas formadas nas cel- lulas canaliculares. Estã admittido hoje que a albumina se coagula, CASSIANO GOMES 25 quando o rim soffre. O que determina esta coagulação ou é a aci- dez dos tubos uriniferos, ou como pensão alguns uma substancia eoagulante que lhes é própria. A principio dividiam-se os eylindros em falsos e verdadeiros; era baseada esta idéa em uma razão ficticia. Dividem-se presen- temente em simples e compostos, correspondendo os simples aos antigos falsos e os compostos aos vernadeiros, pois, o que os con- stitue, qualquer que seja a sua variedade, é uma substancia amorpha que lhes serve de substratum. Os eylindros denominam-se: cylindroides, eylindros epitheliaes, liyalinos ou mucosos chamados também de exsudação, lymphaticos; de destruição de Lecorché, comprehendendo os eylindros colloides ou ceraceos, e granulosos. Nos eylindros bacterianos, salinos, hemorrhagieos etc. a sub- stancia plastica é a mesma matéria hyalina, caracterisando-se pela fixação em todo seu elemento de bactérias, substancias salinas, he- macias. Os eylindros epitheliaes provêm dos tubos rectos ou collecto- res do rim e talvez da azelha de Henle. As cellulas que o formão são pequenas e dispostas em mosaico. Estes eylindros são muito raros e indicam nephrite aguda, desca- mação do rim e profunda desintegração do epithelio renal. A so- lução iodo—iodurada de Lugol cora-os bem, mostrando sua extre- midade superior arredondada e a inferior irregular mente cortada. Eovida descreveu sob o nome de cylindroides filamentos ora arredondados, ora chatos, notáveis por sua tenuidade, comprimento e fraca refringencia; têm ordinariamente diâmetro desigual, e são allongados, ondulosos ou espiraes, com estriação longitudinal; suas extremidades são muitas vezes bifurcadas. Não têm a importância clinica dos eylindros; são verdadeiros filamentos de mucus, e podem até ser encontradas na urina normal. Os hemorrhagieos são formados de hemacias e de alguns leuco- 26 THESE INAUGURAL cytos reunidos por fíbrina; encontram-se frequentemente nas nepliri- tes agudas consecutivas febres eruptivas. Os cylindros lymphaticos exclusivamentc compostos de globulos brancos são encontrados nos casos de ncpbritre subaguda. Os cylindros hyalinos são formados por albumina exsudada do glomerulo de Malpiglii e modificada em sua passagem nos tubiãi pela acidez do tecido renal (Eibbert.) Por sua extrema transparên- cia, estes cylindros difficilmente são vistos sem previa coloração. Diz Eothnagel ter encontrado esta variedade de cylindros em in- divíduos que têm affecções extranhas ao apparelho reual, consti tuindo signal de valor, o apresentarem-se elles cobertos de gra- nulações . Os cylindros ceraceos assemelham-se muito aos precedentes; pa- recem ser os hyalinos condensados, têm estructura homogenea e côr acinzentada. São formados de uma substancia especial e do protoplasma alterado das cellulas canaliculares. Os cylindros granulosos são constituídos por partículas pro- teicas provenientes da fusão e desintegração dos differentes ele- mentos dos canaliculos, por erythrocytos, leucocytos, detritos das cellulas tubulares, matéria albuminoide etc. Caracterisam-se ao microscopio pelas granulações que apresentam, são indicios de ne phrite chronica, lesão do revestimento canalicular dos rins, se ob- servam no mal de Bright e na degeneração gordurosa ligada, ou não ao envenenamento pelo phosphoro. Tratados pelo acido osmico a 1 °/0 as granulações gordurosas coram-se em negro, e desapparecem pela acção do ether sulfurico. Os cylindros salinos indicam nephrite lithiasica—rim gottoso. Albuminúria physiologica.—A albuminúria physiologica ou normal, alternativamente negada e confirmada, constitue um dos capítulos mais controvertidos deste importante syndroma clinico. Senator, o mais auctorisado dos seus defensores, pensa que, assim como a glycose, o acido oxalico, cuja eliminação pelo rim OASSIANO GOMES i em dose infinitesimal é uma verdade clinica, a presença da albu- mina na urina não implica a alteração do parenehyma renal, e diz que o grande numero de factos observados por Grainger, Capitan, Leroux, Fiirbringer, Saundby, Coignard, cuja descoberta fôra em parte meramente fortuita, não permitte considerar esta modalidade díi albuminúria, como uma excepção. Para elle as variações da albumina na urina são devidas ás oscillações de uma funcção pliy- siologica, e não a perturbações desta funcção. A idéa da albuminúria physiologica não é nova. Brigbt emittio a opinião de que a urina de um individuo são pode conter albu- mina não coagulavel prlo calor, mas precepitavel peio acido cblo- rhydrico e bicbloreto de mercúrio. Hoje, porém, sabe-se que estes precipitados não são de albumina. Gigon em uma memória apresentada á Academia de scieucias em 1S57 confirmou as idéas de Spittal que admittia albumina na urina normal, precipitando-se pelo sublimado e tannino. Mas Be- cquerel combateu esta asserção de Gigon, provando a inanidade do reactivo de que este se utilisava, para pesquizar a albumina. JSTa Inglaterra Harley sustentava que a urina contém sempre uma ma- téria albuminoide, que elle julgava ser a peptona; presentemente, porém, só se admitte na urina uma especie de matéria albumi- noide, é a mucina. Gull dizia ter encontrado albuminúria em indivíduos sãos, mas pallidos e debeis, baseando-se neste facto para crear um estado morbido—albuminúria dos adolescentes. Para Klendgen é Posner em um terço de individuos sãos veri- lica-se pequena quantidade de albumina, empregando-se os meios ordinários, verificando-se em todos pela concentração da urina. Leroux em trezentos e trinta meninos de seis á quinze aunos en- controu cinco vezes albuminúria constante, quatorze vezes albumi- núria periódica. Capitan em noventa e oito casos de meninos de um a dezoito annos verificou trinta e oito vezes albuminúria ligeira. 28 THESE INAUGURAL Pura Grancher os casos de albuminúria pbysiologica perderam seu valor, desde que se torna muito difficil ao clinico affirmar, se houve no passado do doente alguma affecção capaz de lesar o rim, sobretudo quando se sabe que o numero de moléstias, ainda ligei- ras, susceptiveis de determinar nephrite, é enorme. Albuminúria dos recem -nascidos.—A presença da al- bumina na urina dos recem-nascidos foi attribuida, em um caso de parto laborioso, a começo de asphyxia. Quando, porém, encon- trou-se albuminúria depois de um parto facil, interpretou-se sua presença ás mudanças bruscas produzidas na circulação do feto no acto do nascimento, e dizia-se que em um periodo de equilíbrio vas- cular instável produziam-se engorgitamentos capillares e augmento de pressão nas artérias renaes, tendo por consequência a irrupção dê globulos sanguíneos nos canaliculos urinários (tubulhemaeia.) Ultzmann consigna um valôr preponderante aos iufarctus ura- ticos tão frequentes nos primeiros dias da vida. Estes iufarctus se encontram, na metade dos casos, nos recem-nascidos que succum- bem do terceiro ao vigésimo dia. Apresentam a forma de pequenos pennachos, occupando os canaes collectores, ou de grãosinhos cy- lindricos, compostos, segundo uns, de urato de sodio, segundo outros, de urato de ammoniaco. Para Ultzmann a irritação renal determi- nada por estes infarctus, desapparece pouco a pouco, quando a ere- ança começa a beber, porque as concreções se dissolvem pelo con- tacto com a agua eliminada pelos glomerulos. Ribbert suppõe que a albuminúria é a consequência do estado rudimentar dos glomerulos, e pensa que no embryão se realisa uma transudação constante de albumina atravez dos glomerulos. Esta transudação se explicaria pelo desenvolvimento ainda incompleto da camada epithelial que deve cobrir o systema vascular do glo- merulo. Mensi adopta a tlieoria de Ribbert, e accrescenta que nas condições ordinárias as paredes dos vasos e dos canaliculos do rim CA.SSIANO GOMES 20 .não se deixam atravessar pela albumina, porque o volume mollecu- lar desta é mais considerável, que o dos outros elementos da urina. No recem-nascido, ao contrario, as paredes dos vasos, sendo muito delgadas e permeáveis, a transudaçao do sôro produz-se facil e abundantemente, tanto mais, quanto as causas da irregularidade da corrente circulatória são frequentes e consideráveis no recem- nascido . Para Virchow, a albuminúria dos recem-nascidos é devida á hyperemia do rim, seguida de occlusão das artérias umbilicaes. Lecorcbé e Talamon asseveram que a albuminúria do recem- nascido é produzida pelo mesmo mecanismo das albuminúrias por perturbações vasculares, por estase venosa; e sua frequência se ex- plica pelas constantes perturbações da circulação venosa nos pri- meiros dias da vida. Foi Demanet quem primeiro notou a coincidência habitual das lesões renaes e da albuminúria dos recem-nascidos com a eclampsia puerperal. Depois todos os parteiros confirmaram este facto; porém poucos proseguiram nas pesquizas tão sabiamente encetados por elle. Foi Cohen que verificou pela autopsia lesões renaes analogas ás da progenitora. Trousseau julga tratar-se de uma neplirite congénita e acredita que a creança, sobrevivendo, tenha convulsões idênticas ás da mãe que tiver eclampsia. Esta hypothese foi ulteriormente confirmada por Arnozan e Audebert, e por Perret que publicou observações de quatorze albuminuricas que procrearam filhos egualmente albu- minuricos. Esta leucomuria acompanha-se fatalmente de lesões renaes, que forão estudadas por Cassaet e Mossous, verificando elles he- morrhagias nos tubos collectores. Arnozan conclue que a albuminúria da progenitora pode se transmittir ao filho; que esta transmissão parece mais facil, quando ella teve ataques de eclampsia; que a albuminúria prepara o ter- 30 THESE INAUGURAL reno para as nephrites infectuosas graves, si a crcança fôr mais * tarde atacada de pyrexias. Virchow e Dohrn assignalaram sua frequência era filhos de mu- lheres sãs, considerando-a constante, mas sem gravidade. Para Ribbert e Senator a albuminúria dos recem-nascidos é quasi physiologica, sendo observada na maioria dos casos Leroux observou durante quinze annos trezentos e trinta me- ninos, encontrando sómente dezenove albuminuricos. Mas Capitan e Chateaubourg, utilisando-se de reactivos mais sensíveis que os empregados por Leroux, verificaram percentagem muito mais elevada. Fact-ores que fazem variar a albuminúria.—A fadiga muscular concorre effieazmente para evidenciar a albuminúria la- tente. Dukey, Leube, Millar, Marcacci demonstraram asna influ- encia. O trabalho continuo promove uma especie de habito, tor- nando-se necessário nos indivíduos que por profissão fatigam os musculos, um exercício extremamente violento e extenuante para determinar ou exaggerar a albuminúria existente. Para expliear-se a albuminúria por fadiga muscular, tem se feito intervir uma perturbação da circulação renal, sendo mais ra- soavel estender-se ás modificações circulatórias que determinam a fadiga. Senator pensa que o trabalho muscular determina o au- gmento da pressão arterial; mas Runeberg e Edelfsen pretendem ao contrario que a pressão diminua, invocando em seu auxilio a oligúria consecutiva â fadiga. A Lecorché parece provável que a posição vertical, a marcha prolongada, e a fadiga, produzem um obstáculo â circulação venosa das partes inferiores do corpo, e que este obstáculo é tanto mais accentuado e rápido, quanto mais debi- litado é o indivíduo. Este obslaculo circulatório, propagando-se por todo o systema da veia cava, determina forçosamente um engor- gitamento passivo do rim com retardamento da torrente sanguínea. Numerosos factos parecem justificar a hypothese de uma albu- CASSIANO GOMES 31 minuria alimentar. Andrew Clark observou diversos em jovens nos quaes a albuminúria foi verificada quotidianamente, durante vários mezes; mas exclusivamente na urina emittida depois da refeição. Ren- dall cita também observações concludentes da albuminúria alimen- tar, variando muito com o genero de alimentação. A idéa desta moda- lidade clinica foi suggerida pelos resultados obtidos por experi- mentadores com a alimentação albuminosa. Claude Bernard vio ma- nifestar-se albuminúria pela ingestão de ovos crus; Ckristison pela de queijo em excesso; e Smitb menciona a observação de um me- dico que produzia em si albuminúria, que durava oito a dez horas, bebendo meia canada de leite. Tegart, substituindo em seus doen- tes a alimentação habitual por ovos, vio tornarem-se todos albu- minuricos. Para Lecorché a explicação mais plausivel destes factos é, que ou o rim estava anteriormente doente, e a albuminúria latente ma- nifesta-se por causa da super—albuminose sanguinea; ou, sendo o rim normal, a albumina introduzida na circulação é eliminada, como um corpo estranho, pelo glomerulo, e determina uma alte- ração epithelial que deixa passar a albumina do sangue. A albuminúria consecutiva aos banhos frios foi observada por Johnson, em meninos depois de banhos que duravam de quinze mi- nutos a uma hora. A importância desta influencia ficou perem- ptoriamente demonstiada pelas pesquizas de Chateaubourg e Ste- wart. Esta albuminúria não pode ser absolutamente considerada physiologica, ella entra nas classes das albuminúrias por irritação cutanea. Suppôr-se que se tratão de lesões renaes latentes, reve- ladas por uma modificação brusca do rim é mais uma prova da acção nociva do frio sobre este orgão. A urina segregada nos últimos momentos da vida é quasi con- stantemente albuminosa. Gubler diz que em todos os cadaveres, a urina existente na bexiga contém albumina. Para Lecorché a al- buminúria da agonia parece ser o prenuncio e a consequência do 32 THECE INAUGURAI. enfraquecimento da vitalidade glomernlar. Nas proximidades da morte, as contracções cardiacas se enfraquecem, a tensão arterial diininue e a circulação se modera; o enfarte venoso do rim traduz-se pela diminuição da secreção urinaria. Em contacto com o sangue carregado de acido carbónico, o epithelio glomerular se altera e deixa filtrar a albumina; a albuminúria do agonisante tem a mesma causa de todas as albuminúrias: o retardamento da corrente sanguinea. Querendo-se descrever uma albuminúria physiologiea, seria esta a unica que até o presente nos parece justificar e merecer este epitbeto. (Leeorclié.) Albuminúria cyelica.—Discriminada das neplirites por Pavy em 1885, a albuminúria cyelica já liavia sido divisada por Yogel e Gull e descripta por Moxon, como exclusiva aos adoles- centes. Caracterisa-se pela presença de albumina nas urinas do dia e ausência nas da noite, tendo influencia preponderante na sua manifestação a posição vertical, posta em evidencia pelos traba- lhos de Stirling e Merklen que denominaram-na albuminúria or- thostatica. Gull, que a observou em creanças, designava por physiologiea ou de crescimento; Baalfe chamou-a funccional, pretendendo am- bos que não estivesse ligada a nenhuma alteração renal. Para von Noorden tratava-se de uma perturbação geral da nutrição; Teissier admitte que haja insufficiencia hepatica tom des- truição intensa de hemacias; Freund, uma perturbação dos nervos que se distribuem no rim, principalmente os vaso-motores. Alguns auctores, como Johnson, Senator, Leube, pensam que existe ver- dadeira nephrite, que se pode terminar por uremia. Billiet e Bar- thez ligam-na a um estado congestivo do rim por causa ignorada. Para Pichler, Vogt, Aufrecht, a albuminúria cyelica é deter- minada por um processo degenerativo do parenchyma renal, como CASSIANO GOMES 33 testemunham na urina os cylindros epitheliaes e hyalinos, sendo este processo provocado pela modificação dos alborcpies intersticiaes. Oswald pensa que está ligada a uma nephrite localisada em pequena porção do rim, funccionando o resto physiologicamente. Antes de Oswald, porém, já Talamon tinha chegado a esta conclusão, creando a nephrite parcellar. Muitos auctores crêm que a albuminúria é uma manifestação das auto-intoxicações. Para Daucher a albuminúria cyclica ou é devida a uma manifestação dia- thesica, ou a uma complicação das moléstias infectuosas. A herança, principalmente a arthritico-nevosa, é para D’Espine e Picot o factor decisivo da producção desta variedade de albu- . mmuna. A albuminúria transitória é muito frequente. Leube a obser- vou em dezeseis por cento dos casos; von Noorden em vinte dois, e Talamon em cincoenta e tres. Para Oswald a frequência destes casos contribue para repellir a hypothese de lesão renal. Este auctor, analysando as urinas de um mesmo iudividuo em innumeras posições, ratificou as conclu- sões de seus predecessores, no que concerne á posição vertical, fazendo sobresair entretanto que a albumina encontrada era quasi sempre a nucleo-albumina já assignalada por vou Noorden. A moléstia de Pavy foi encontrada nos meninos de dez a quinze annos e nos adolescentes de quinze a vinte cinco. Dubreuilli crê na maior predisposição do sexo masculino. Para D’Espine e Picot a urina observada no microscopio de- pois da centrifugação não contém globulos sanguineos, e quasi nunca cylindros, o que exclue a possibilidade de uma nephrite chronica. A duração de albuminúria pode oscillar de alguns mezes a vá- rios annos, mas não se transforma em mal de Bright, embora Jo- hnson, Engel e outros considerem seus doentes candidatos á ne- phrite. Oswald e Keller pensam que na maioria dos casos a etiolo- gia da albumiuuria transitória deve ser imputada a moléstias agu- 34 THESE INAUGURAL das. pelo facto de êncontrarnm-na em alguns doentes quejásof- freram de diphteria, sarampão, escarlatina etc. Mas Heusburg de- monstrou que esta albuminúria nenhuma relação tem com as molés- tias infectuosas. A quantidade de albumina na albuminúria cyclica é na me- dia de quinze a cincoenta centigrammas, nunca excedendo de uma gramma por litro de urina. Teissier notou que sempre á albumi- núria precede abundante emissão de matérias corantes e segue forte excreção de uratos e uréa. A successão destes plienomenos constitue o cyclo urologic-o. Esta albuminúria nas creanças 6 compatível com a saúde, nos adultos, porém, observam-se prodromos que se manifestam com si- gnaes de neurastbenia, chlorose etc, sendo entretanto susceptivel de cura completa, como asseveram todos os clínicos. Laudi obser- vou uma albuminúria permanente curar-se completamente depois de ter seeundariamente evoluído, como cyclica. Os auctores, como vimos, só á posição vertical attribuem a producção da albuminúria transitória, si bem que assim não tenham pensado Bouchard e Cliarrin; alguns até cousideram esta variedade de albuminúria, como uma forma attenuada do mal de Bright. Segundo Arnozan a relação do cyclo albuminurico com o cyclo da toxidez urinaria viria corroborar este asserto. Teissier, combatendo estas opiniões, diz que a albuminúria cy- clica tem uma benignidade intrínseca. Diante do exposto, vê-se que o syndroma de Pavy tem alguma cousa de especial, nem é a albuminúria minima de Talamon, nem albuminúria residual ou physiologica; é talvez um symptoma obje- c.tivo da meiopragia renal. Albuminúria nas intoxicações.—A acção deleteria dos agentes toxicos sobre o rim está subordinada mais á dose e ao modo de administração, do que dependente de sua constituição chimica. Os venenos ingeridos em pequenas doses actuam sobre o CASSIANO GOMES 35 epithelio tubular, que se infiltva de gordura, ficando o glomerulo incólume: mais em doses fortes ou prolongadas o endothelio glome- rular, e o dos capillares alteram-se, e produzem-se lesões diffusas; podem, portanto, os venenos determinar dois processos diffe- rentes no rim: um processo agudo, com lesões generalisadas; um pro- cesso chronico com lesões disseminadas; tendo ambos por conse- quência ulterior a retracção atrophica do rim. No envenenamento pelos ácidos mineraes, observam-se albu- minúria e hematúria, existindo muitas vezes degeneração gordu- rosa dos epithelios. No envenenamento pelo mercúrio, a albuminú- ria é muito frequente, e tem-se encontrado este metal em abun- dancia no fígado e no rim dos individuos submettidos ao tratamento mercurial. As lesões verificadas no hydrargyrismo agudo são a congestão e a degeneração gordurosa dos epithelios, podendo a mortificação eellular determinar infiltração de sacs calcareos no epithelio glo- merular. Em dose medicamentosa, o mercúrio não determina nos syphiliticos que têm o rim em perfeita integridade funccional al- buminúria toxica; mas naquelles em que se dá a eliminação do medicamento por um rim anteriormente doente, aggrava-se a lesão preexistente e manifesta-se a albuminúria, até então latente. Raramente se produz albuminúria nas intoxicações lentas pelo phosphoro e arsénico. Esta raridade se dá pela habitual localisação das lesões degenerativas no epithelio tubular. Quando, porém, es- tas substancias toxicas são ingeridas em doses elevadas, observa-se albuminúria, como nas manifestações agudas do hydrargyrismo. A influencia do álcool na producção da albuminúria é muito contestada. Grainger e Steward admittem que elle possa determi- nar nephrites chronicas, mas Dickinson e Bartel negam, baseados nas autopsias de alcoolatas, porque apenas em um encontrou-se o rim contraido. Experimentalmente o álcool não determina albumi nuria; clinicamente, sua absorpção traduz-se por um conjuncto com- 36 THESE INAUGURAL plexo de perturbações e lesões que tornam diffieil a discriminação da loealisação renal. Sendo o álcool um agente steatogeno por ex- cellencia, produz degeneração gordurosa dos epitlielios. E’ opinião corrente que ha albuminúria no alcoolismo, não pela acção directa do álcool no filtro renal, mas sim pelas perturbações hepaticas, car- díacas, e vasculares de que este agente é a causa. A influencia mais importante na determinação da albuminúria toxica pertence ao chumbo. Ollivier foi quem primeiro assignalou a nephrite saturnina, o que nega Rosenteins. A albuminúria observada nos saturninos nem sempre está li- gada á acção directa das preparações plumbicas sobre o rim; assim, na cólica de chumbo, a urina, durante o periodo agudo dos acci- dentes, é rara, encontrando-se traços de albumina que desappare- cem conjunctamente com a crise dolorosa. Esta albuminúria tran- sitória 6 de origem nervosa. Albuminúria nas moléstias agudas parasitarias.— Considerada outrora exclusivamente própria â escarlatina, a albu- minúria febril foi reconhecida em todas as pyrexias; á proporção que se generalisavam os processos de analyse urinaria, não havendo hoje moléstia aguda febril em que não seja verificada, apresen- tando caracteres geraes que se attenuam, ou se aggravam conforme a natureza da infecção, cuja causa depende não da especie mórbida, mas de sua intensidade. A albumina apparece na urina desde os primeiros dias da mo- léstia; é um phenomeno precoce, um symptoma inicial. A propor- ção da albumina, que é muito variavel, não tem importância pro- gnostica, dependendo a sua quantidade da accontuação do movi- mento febril. A pesquiza da albumina denota a predominância da globulina sobre a serina, o que vae de encontro ao que geralmente se ha ob- servado nas albuminurias febris; este phenomeno, porém, ainda não foi elucidado. CASSIANO GOMES 37 Para Ott a urina albuminosa pode, quer seja muito acida, quer o seja fracamente, ou neutra, parecer encerrar unicamente globu- lina, ou um excesso de globulina, ou de serina. Mas Lecorclié não aclmitte globulinuria exclusiva, mesmo nos casos de acidez extrema da urina, explicando o excesso de globulina pela acidez que a urina adquire nas pyrexias. Na albumina urinaria lambem encontra-se grande quantidade de mucina. O exaggero de mucus indica a irritação secretoria das via9 urinarias inferiores, processo que muitas vezes determina ca- tarrho agudo. Diz Talamon que esta irritação não se limita á bexiga, aos ureterios e ao bassinete, é provável que ultrapasse os cálices, at- tinja os tubos collectores e que as cellulas cubicas destes tubos con- corram para a formação do mucus; facto que tem sido habitual- rnente averiguado nos cylindros mucosos e cellulas cubicas encon- tradas no deposito urinário dos febricitantes. Coexistindo com a albumina do sôro, a liemi-albumose e a pe- ptona foram verificadas na urina de grande numero de moléstias fe- bris. A peptonuria, mais frequentemente observada, constituio objecto de estudo de Geliiardtque a encontrou na urina de typlii- cos, escarlatinosos, dipktericos, empregando o álcool para pesqui- zal-a. Maixner e Jokscli obtiveram resultados mais preciosos pelo processo de Ulfmeister. Estes auctores pensavam que a eliminação da peptona pela urina dependesse da resorpção de um exsudato inflammatorio pu- rulento, ou íibrinoso. Suppondo Gelirardt que sob a influencia da febre, estando viciada, as peptonas passavam directamente do es- tomago ás urinas, sem soffrer no sangue transformação. Trozzi, que observou a peptonuria nos dias consecutivos ao parto, a attri- buio a uma perturbação geral da nutrição no puerperio. Hofmeister coniirma a opinião de Jaksch, mostrando a peptona no liquido das pleurisias purulentas e nos derramamentos de pus 38 THESE INAUGURAL em geral. A peptonuria febril corresponderia então, no ponto de vista pathogenico, á peptonuria cliamada pyogenica por Jaksch, para distinguil-a da peptonuria lieinatogena observada na moléstia de Barlow, na anemia perniciosa, e na peptonuria enterogena de Maixner. Numerosas explicações têm sido dadas á producção da albu- minúria nas febres, tendo todas, como principal objectivo, o im- putar-se a crase sanguinea alterada, como causa efficente do pro- cesso morbido, iunocentando se o rim. Parece aos auctores ina- dmissível a compatibilidade de uma lesão renal com a frequência, intermittencia e caracter transitório das albuminúrias febris. Mui- tos crêm que a albumina encontrada na urina febril não provém do sôro: é uma albumina modificada pela febre. Gerhardt sup- punha que pela acção de um calor anormal a albumina do sangue soffre uma modificação chimica, que a approxima da albumina digerida, tornando-a mais diffusivel. Para Gubler, as causas da albuminúria febril são múltiplas; mas elle admitte que nas febres de máo caiacter a perversão do movimento nutritivo determina a accumulação no sangue de matérias albuminoides incompletamente queimadas, que este se encarrega de eliminar. Para Bouchard, ha duas especies de albuminúria febril: uma, dyscrasica, devida á ex- creção de matérias albuminoides oriundas de uma combustão in- completa ou perverti da; outra, ligada a uma lesão renal, verda- deira nephrite infectuosa devida á eliminação das bactérias patlio- genas pelo rim. Esta hypothese de Bouchard é engenhosa, mas errónea; pois nenhum valor deve ligar-se a sua antiga concepção dos coágulos albuminosos, retráctil e não retráctil, como caracter diíferencial das duas albuminúrias. Quanto á eliminação dos mi- cróbios pelo rim, ja a observação clinicã a sanccionou. Para uns, a febre actua sobre o sangue, modifica a composi- ção chimica e torna a albumina do sôro mais diffusivel; Heller in- vocou a diminuição dos chloretos, Senator o augmento da uréa, CA-SBIANO GQMES 39 do acido urico e a elevação da temperatura do sangue; Gubler, a super-albuminose. Para outros, é na circulacão renal que a lebre manifesta sua acção perturbadora quer por intermédio dos vaso-motores, quer pelo enfraquecimento da systole ventricular. Cada uma destas cau- sas tem por consequência o retardamento da corrente sanguínea e a diminuição da pressão arterial, difificultando assim o curso de sangue oxygenado, donde a alteração tropliica do epithelio glo- merular. Outros pensão ainda, que a bypertliermia actua, desorgani- sando» o filtro renal. Para Kannenberg finalmente‘a passagem dos microbios contidos no sangue e eliminados pelo rim constituo a causa real da albuminúria em todas as moléstias parasitarias. A nephrite parasitaria para Lecorché não é o resultado do esforço do organismo para desveucilliar-se dos productos deleterios, é a con- sequência de nova localisação e germinação dos parasitas levados pela torrente circulatória para longe do fóco primitivo. A altera- ção dos epithelios não é devida ao traumatismo determinado pela passagem dos microbios atravez da cellula, é o resultado das mo- dificações vasculares e decomposições chimicas que a bactéria pro- voca no parenchyma renal. Albuminuria escarlatinosa—De todas as complicações da escarlatina é certamente a albuminúria a mais comiium. Ja- mes, Miller, Begbie, Patrik considerão-na constante e provoca- dora de graves accidentes, admittindo, porém, a probabilidade da variação de frequência conforme as epidemias. A albuminúria escarlatinosa apparece em duas pliases da evo- lução da moléstia: no inicio, ou durante o periodo de erupção, e / na convalescença. A primeira é unicamente a que deve ser con- siderada albuminúria febril, sendo a segunda uma verdadeira com- plicação, e não, como a albuminúria primitiva, uma manifestação regular, commum a todos os processos febris. 40 THESE INAUGURÃÍ. A albuminúria precoce vem ás vezes acompanhada de hema- túria e de auuria, o que constitue accidentes mortaes; commum- mente, porém, ella não tem gravidade (Juhel-Rénoy.) Para Cadet de Gassicourt a albuminúria do periodo de erupção não é devida ao processo congestivo, é antes um phenomeno banal. Mas a albuminúria tardia, si bem que não seja exclusivamente pró- pria á escarlatina, modifica-lhe contudo o prognostico. Evidente- mente, tratando-se da albuminúria das febres, deve-se encontral-a sobretudo durante o periodo de erupção; ora durante este periodo a albumina quasi sempre, segundo Barthez, cuja opinião é baseada no exame quotidiano de urinas de todos os escarlatinosos. Cadet confirma as observações de Barthez, e diz que sómente em dois casos encontrou albuminúria que se podia attribuir á fe- bre; em um foi ella verificada no terceiro dia, e permaneceu du- rante quatro dias; em outro appareceu no sexto dia do exanthema, prolongando-se por oito dias. Elle não considera, como todos os pathologistas, a albuminúria escarlatinosa constante, e affirma só a ter encontrado em 40 dos 136 escarlatinosos de sua clinica, e por isso diz que não é mais admissivel a hypothese de Plencis, Storlc, Haen que a fazião depender de uma alteração especial do sangue e consideravão-na uma depuração analoga á febre secundaria da variola, nem ainda a de Robert e Recamier que pensa vão ser a al- bominuria o resultado da superabundância no sangue de matérias excrementicias, ou uma crise imperfeita. Estas idéas não são, en- tretanto, chimericas. Em determinados casos a alteração especial do sangue poderia ser incriminada de produzil-a, como por exem- plo nas albuminúrias dyscrasicas sobre as quaes se tem fixado at- tenção, graças ás pesquizas de Bouchard e Lepine. Albuminúria dipliterica.—O estudo da albuminúria di- phterica attraio a attenção de um grande numero de pathologis- tas que lhe deram as mais diversas e intrincadas interpretações. çlSSIAXO GOMES 41 Estes numerosos trabalhos têm obtido resultados importantes algo definitivos. Não se discute inais a natureza e origem desta albuminúria, ninguém procura ligal-a á aspliyxia croupal, como fazião Empis, Bouchut e Germe, nem ao excesso de matérias proteicas contidas no sangue como fazia Gubler; admitte-se hoje que é o resultado de uma congestão ou de uma infiain mação renal; a doutrina moderna das neplirites infectuosas explica scieutificamente sua origem. E’ verdade que, si a anatomia pathologica macroscópica e microscó- pica do rim diphterico parece ter perfeitamente elucidado este facto, é devido aos incessantes esforços de Chaicot, Boueliard, Cornil e Brault. As pesquizas de Aertel e Gaucher não têm ainda, si bem que firmadas em provas irrecusáveis estabelecido a presença de bactérias no tecido intersticial, nem uos canaliculos. Mas para Cadet de Gassicourt ainda está para desvendar-se a sua verdadeira causa, e elle diz que felizmente a solução do problema, de tanto interesse scientifico, não é indispensável para o estudo clinico da léucomuria. A albuminúria diphterica não tem significação dia- gnostica nem prognostica; em casos duvidosos, porém, pode ter um valor diagnostico importante, e a sua abundancia é muitas vezes de triste augurio. Para Germain Sée e Sanné a albuminúria encontra-se na me- tade dos casos de diphteria; a proporção indicada por Empis e Bouchut excede de 2 terços. Cadet encontrou uma cifra mais ele- vada ainda, pois em 85 doentes 74 erão albuminuricos. A duração da albuminúria é ordinariamente curta, de 1 a 3 dias, podendo prolongar-se até 15, 20, 40 dias e mais. A quantidade de albu- mina varia muito, sendo ás vezes tão diminuta que apenas ligeira nuvem se forma no tubo de ensaio, outras vezes tão considerável que pode exceder de 15 grammas por litro de urina. Ha casos em que depois de se a ter verificado em um ou mais dias consecutivos, cessa de ser encontrada, alguns dias mais tarde, porém, reapparece 42 THESE INAUGURAL em quantidade maior, podendo alternativamente reappareeér 3 ou 4 vezes. A grande variabilidade não só da quantidade, como tam- bém do apparecimento da albumina torna necessário o exame quo- tidiano. Para Cadet de Gassicourt a albuminúria é mais grave e abun- dante nas dipbterias acompanhadas de eroup. A.s lesões do rim na albuminúria dipliterica muito bem estu- dadas por Brault são: hyperemia intensa dos capillares dos tubos e dos glomerulos, alteração das paredes capillares; determinando fil- tração do sangue e a irritação consecutiva dos epithelios secretores, dos canaes contornados e dos epithelios de revestimento dos tubos collectores. Em consequência da irritação dos epithelios produ- zem-se exsudatos intracellulares compostos de serina, de substan- cia colioide, de fragmento de globulos vermelhos de matéria pro- teica cheia de granulações hemacicas. Bouchard descreve estas lesões da seguinte maneira: os rins estão hypertrophiados; apresentando a capsula adherencias cir- cumscriptas. A substancia cortical é cinzenta e cheia de trac-tus esbranquiçados; a medullar nãosoffre alteração. Microscopicamente: integridade das azelhas de Henle, alteraçãc catarrhal dos tubos colle- ctores e modificação considerável dos tubuli contorti. Aos glomeru- los apenas a capsula de Bowmann é distendida por sangue, em um caso, Benaut a vio distendida por matéria colioide. Aertel, Tommasi, em cortes feitos depois do endurecimento do rim, verificaram bactérias no tecido intersticial e na luz dos va- sos. Para estes auctores a albuminúria da diphteria é produzida por um bacillo, o micrococcus diphterice, por elles encontrado na urina e no sangue. Ha nas moléstias agudas parasitarias duas variedades de albu- minúria: uma inicial de origem vascular—é a albuminú- ria febril genuina; outra, secundaria, tardia devida a causas di- versas e em particular ao desenvolvimento no porenchyma renal CASSIANO GOMES 43 de micro-organismos, quer pertencentes á especie mórbida, causa do mal, quer as especies differentes, accidental ou simultaneamente introduzidas na economia. Á primeira constitue a nephrite aguda vascular, e a segunda a nephrite aguda parasitaria. A nephrite aguda vascular, haditualmente passageira pode desapparecer sem deixar vestigio; e muitas vezes, apparecendo isoladamente, sem complicação de lesões bacterianas, pode esten- der se em demasia, e produzir profusa albuminúria. Quando ha perturbação da circulação renal, acompanhada de anemia arteual, ou estáse venosa as consequências são—alteração rapida do revestimento glomerular, temuíãcção e descamação de suas cellulas c formação de exsudato albuminoso na cavidade ca- psular; quando ha estáse venosa este exsudato Cuntém hemacias, ha lormação de cylindros hyalinos nos canaliculos, mas o epithe lio dos iubuli íica intacto, não havendo infhmmação intersticial; quando ha anemia arterial, as lesões tubulares vêm complicar as glomerulares; as cellulas dos canaliculos estão tumefeitas, hyalinas, seu núcleo fragraenta-se ou desapparece. O substratum anatomico inicial da albuminúria febril é uma.glomerulite descamativa. Friedlander admite nas nephrites febris tres periodos iniciae-; diíferentes: ora é o epithelio tubular que é a principio interessado com tumefacção e descamação de suas cellula-q ora a lesão localisa se do tecido conjunctivo, modificando ligeiramente os canaliculos, ora emíim a glomerulite é a alteração primitiva. Para Klebs a nephrite escarlatinosa era exclusivamente glomerular e liara Kelsch intersti- cial. Hortolés dizia que a nephrite escarlatinosa era um edema agudo congestivo do rim, com infiltração embryouaria dos espaços inter- tubulares e participação ligeira do epithelio dos tubos contornados. Na dipliteria, Brault e Fischl encontraram as lesões da glomerulite, com endarterite incipiente e infiltração proteica e granulosa das 44 THESE INAUGURAL cellulas tubulares. Furbringer observou excepeioualmente lesões glomerulares, ao passo que as canaliculares erão constantes. Para Lecorcké, o que parece variar ua nephrite das moléstias agudas, não é a séde primitiva do processo, é o seu evoluir ulterior. Na nephrite aguda parasitaria os rins são mais pesados que normalmente, liypertrophiados, flácidos, marchetados de pequenas manchas ecchymoticas. As lesões microscópicas são: glomerulite, degeneração epithelial dos tubuli contort:, infiltração embryonaria, endarterite ligeira, catarrho dos tubos collectores. As bactérias es- tão disseminadas principalmente na cavidade dos vasos, azelhas glomerulares e capillares e tecido intersticial. Mui raramente se as tem encontrado nos canaliculos e protoplasma das cellulas. As bactérias estão no rim em forma de zooglêes, mas os bastonnetes e os coccus acompanhão-nas sempre. Não é facil saber si estas difife- rentes formas pertencem á especie mórbida especifica, ou si ori- ginam-se de outras especies desenvolvidas durante a moléstia, ou depois da morte. Weigert diz ter encontrado em alguns casos de variola, coc- cus nos vasos do rim, e Babés verificou, em um caso de typho icte- roide, nos capillares renaes diplococcus alongados dispostos em amas. Em algumas moléstias, entretanto, o microbio especifico tem sido observado. A albuminúria nas moléstias agudas é de origem vascular e de origem parasitaria. Pode-se todavia dizer que a albuminúria a prin- cipio é exclusivamente devida á perturbação da circulação renal; mais tarde as modificações determinadas pelas perturbações vascu- lares se aggravão sob a dupla influencia da hyperthermia e do de- senvolvimento de bactérias no parenchyma renal. Albuminúria paluclica.—O germen paludico tem predi- lecção especial pelo orgão renal, si bem que isto seja um ponto CASSIANO GOMES 45 muito pouco estudado, pois apenas Mossé assignahíu a frequência das localisações renaes na infecção malarica. O dr. Clemente Ferreira conclue que as perturbações da fu no- ção renal no paladismo são muito mais constantes do que geral- mente se suppõe, e que a albuminúria 6 um symptoma innumeras vezes verificado na clinica infantil. Não é somente nas formas fe- bris da infecção palustre que se encontra albuminúria; ella é fre- quente no paludismo apyretico e latente; e das perturbações da uro- poiese vêm ella em primeira linlia, seguindo-se-lhe a polyuria e depois a glycosuria que é um iihenomeno -excepcional. Assevera Martin Solou que a albuminúria transitória é fre- quente nos aeeessos de febre intermittente simples. O seu appa- recimento é devido a uma constricção vaso motriz generalisada, ou á constricção somente dos vasos periphericos, determinando um affluxo para os orgãos centraes, o (pie dá logar ao retardamento do curso sanguíneo nos glomerulos, occasionando perturbações vascu- lares e consequente passagem de pequena quantidade de albumina na urina. Em certas formas perniciosas, além da albumina, a urina apresenta uma coloração vermelha rutilante devida á hemorrhagia renal, ou ennegrecida pela hemoglobina dissolvida. As lesões do rim nestes dois casos íorão estudadas com a denominação de con gestão hematurica ou lieinogiobinurica por Kelsch e Kiener. Os rins estão liypertrophiados e ao microscopio as azelhas glomerula- xes são dilatadas ou varicosas; as cellulas de revestimento cheias de grauulações pigmentares. No interior do glomerulo ha um exsudato provavelmente de > sôro-albumina. As cellulas dos tubuU tumefeitas na totalidade, são granulosas e em via de transformação vesiculosa ou vacuolar. Grande numero de canaliculos encerrão cylindros hyalinos ou granulo os, que se encontrão também nos tubos collectores. Estas lesões são devidas á estáse vascular, ou á passagem da hemoglobina pelo 46 THESE INAUGURAL epithelio renal. Kiener a attribue á excreção da hemoglobina posta em liberdade no sangue; sua opinião é corroborada pelas experiencias de Ponfick e Lebedeff. Mas para Lecorché é a perturbação vascu- lar que as determina. Duas outras variedades de nephrite ainda existem na albumi- núria paludica de marcha rapida. Em uma, as lesões localisão-se nos glomerulos de Malpighi que se enchem de cellulas arredonda- das, e do glomerulo a infiltração embryonaria propaga-se âs partes visinhas. Em outra variedade a evolução é mais longa, e caracterisa-se pela abundancia na substancia cortical hyperemiada, de manchas pallidas, diffusas, ligeiramente proeminentes, constituindo a nephrite com granulações. Para Kelsch e Kiener, estas granulações são for- madas por tubuli dilatados, varicosos, cujo epithelio hypertrophiado segrega uma substancia colloide. Albuminúria na sypliilis.—Apezar de serem infruetiferas as pesquizas até então realisadas para a determinação do bacillo especifico da infecção syphylitica, a sua analogia com as moléstias agudas parasitarias auctorisa admittir-se uma albuminúria na sy- philis; não obstante a opinião de muitos auctores que considerão mera coincidência encontrar-se albumina na urina de syphiliti- cos. Antigamente se pensava que só as manifestações terciárias produzião albuminúria, e, quando esta se manifestava na cachexia, attribuia-se não ã syphilis, mas á degeneração amyloide do rim. Negel, Wagner, Descoust, porém, observaram neplirites preco- ces syphiliticas, e Perroud narra o facto de um doente accomet- tido de cancro duro, que dois mezes depois tinha anasarca, placas mucosas no escroto e no anus, placas ulcerosas sob a lingua e as amygdalas, e uma erupção papulosa geral. O doente succumbio vi- ctirna de accideDtes pulmonares. Effeituando-se a autopsia encon- tram-se os rins hypertrophiados, molles, mosqueados, apresentando as lesões de nephrite aguda. As observações de Barthelemy e Drys- CASSIANO GOMES 47 dale confirmão este quadro synrptomatico, diflêrindo no que corr- cerne ao prognostico que é benigno, dando-se a cura completa. Fournier crê na coexistência de uma nephrite aguda com a sypliilis secundaria e attribuivel á sua acção. Kayer pensa que o tratamento metcurial é causa de albuminúria, mas tem-se visto este tratamento, curando as manifestações syphiliticas, fazer com ellas desapparecer a albuminúria. A hypothese de uma nephrite aguda parasitaria, e da localisação renal do parasita da syphilis é veiosi- milliante. Quando os doentes succurnbem se verifica ou, o que aliás é raro, gommas renaes, ou um grande, ou pequeno rim brighticos, as- sociado ordinariamente á degeneração amyloide. A especificidade da nephrite gommosa é incontestável, mas a origem directamente syphilitica das outras alterações renaes é controversa. E’ pouco conhecida a acção da syphilis hereditária sobre o rim; o estudo da syphilis infantil é muito defficiente. Nos recem-nas- cidos syphiliticos os rins são pallidos e duros, como si o tecido in- tersticial estivesse infiammado e espesso, e Kiebs vio um menino nascido no sexto mez, tendo os rins lisos anémicos e com grande numero de nodulos esbranquiçados formados de cellulas embryona- rias. Parrot descreve a mesma alteração, e diz que também se en- contram gommas muito pequenas, sob a orma de núcleos brancos ou ainarrellados. Ao microscopio vê-se um espessamento do trama conjunctivo e uma alteração granulo-gordurosa das cellulas epithe- liaes. Pareee provável que uo rim, como no figado ou pulmão, a syphilis hereditária tende a determinar infiltração embryonaria do tecido conjunctivo intersticial, com formação de gommas em no- dulos nrais ou menos visiveiá. Estas alterações conservão-se la- tentes. Albuminúria 11a tuberculose pulmonar —A albumi nuria tem ná tuberculose a mesma frequência que em todas as af- 48 TT-IESE INAUGURAL fecções febris. E’ produzida jielas mesmas causas: perturbações vasculares, localisação bacillar no rim. " Quando a autopsia revela granulações miliares na substancia cortical, a nephrite é bacillar. Estas granulações renaes são muito frequentes 11a tuberculose aguda, principalmente nos meninos. Ril- liet e Rarthez, em 315 autopsias de meninos tuberculosos, encon- traram 49 vezes tubérculos no rim. Talamou, em 30 casos de' tu- berculose infantil, verificou 10 vezes granulações na substancia renaf. No adulto a frequência da localisação reual é menor. Mas pode-se objectar que as granulações sejão muito pequenas, esca- pando por isso a uma pesquiza ainda que attenta. A infecção geral pode determinar a morte antes que os folliculos se tenlião agglome- rado em granulações visiveis; podendo aiuda os bacillos existirem e se accumularem na substancia cortical, sem provocar a formação das lesões que caracterisão anatomicameute seu desenvolvimento. Du- rand-Fardel encontrou bacillos de Koch no interior do gloruerulo, Este facto evidencia claramente que 0 germen tuberculoso se ob- serva 11a substancia renal, antes de qualquer lesão especifica, e que trahe a sua emigração pela corrente circulatória. A albuminúria da tuberculose aguda é da mesma catliegoria das albuminúrias febris, a da tuberculose clironica é devida á pe- netração dos bacillos pelas veias pulmonares na circulação geral, os quaes se localisão nos rins. A frequência da albuminúria 11a tuberculose clironica é considerável. Em 97 tuberculosos, Lecorclié encontrou 45 vezes albumina na urina. Esta albuminúria, porém, é transitei ia e pouco abundante. Albuminúria 110 diabetes.—Não é raro encontrar-se al- bumina na urina dos diabéticos. A presença deste principio co- incide com a diminuição da urina, donde Dupuytren e Thenar concluiram que sua presença annunciava curá próxima; observações posteriores, porém, não justicão esta illação. Prout pretende mesmo que a forma a mais grave do diabetes é aquella era que a urina é 49 CASSIANO GOMES albuminosa. O que é verdade é que, quando o diabetes se complica de tuberculose, e que o desfecho funesto é immediato, a proporção da urina diminue e torna-se albuminosa. A frequência da albumi- núria no diabetes tem sido diversamente apreciada. Garro da avalia em 30 °/0 dos casos, Senator em 17 °/0 e Bouchard em43°/0. Esta dispararidade de proporção apenas indica que em certos casos é a albuminúria muito intensa, ao passo que em outros só ligeiros traços de albumina forão revelados. Para Lecorché, no ponto de vista do prognostico, a verificação de traços infinitesimaes de albumina não merece importância, s- bem que não se p<»ssa affirmar que um diabético, tendo albumi- núria minina, venha tornar-se um brightico ameaçado de todos os aecideutes que acarretam as lesões profundas do rim. Esta distin- cção, se pretendeu estabelecer, no diabetes como já se havia feito em relações á febre isto é nas differenças pathogenicas entre a al- buminúria passageira e albuminúria grave, ligando esta a uma al- teração renal, relacionando aquella com causas diversas indepen- dentes de lesão inflammatoria local. Como a albuminúria febril foi a albuminúria diabética attribuida a uma perturbação nervosa, ou vascular, ou a uma modificação da albumina do sangue. Esta affecção para muitos pathologistas tinha a mesma origem do diabetes: a irritação bulbar. Para Beneke, era o augmento da pressão vascular no rim que a determinava. Pavy admiitia ter ella por causa a falta de assimilação das substancias albuminoides in geridas em excesso; para Bouchard era a consequência da desas- siinilação viciada. A explicação mais plausivel desta albuminúria é a eliminação anormal de excesso de assucar pelo epitlielio renal. Experimental- mente as injecções de glycose não determinam lesões glomerulares. Claude Bernard entretanto observou inflartimações do rim nos ani- maes em experiencia; mas são nephrites suppuradas, muitas vezes encontradas no homem e que são devidas, não á aeção da glycose, 50 THESE INAUGURAL mas a causas aceessorias, mui principalmente á introducção acci- dental de bactérias pyogenas no tecido renal. Leudet e Griesinger explicam a formação dos abcessos renaes no diabético pela estimulação do tecido por uma urina assucarada, e pela cachexia geral; Rayer e Cruveilliier observaram liypertio- pliia habitual do rim nos diabéticos pela excreção prolongada de urinas assucaradas que para elles produzem alterações especiaes deste orgão. Mas as alterações histológicas do rim no diabetes não parecem explicar a albuminúria; são lesões que se manifestam no epitlielio dos tubuli contorti e das azellias de Henle. Somente. Cor- nil e Brault indicaram hypertrophia simples das cellulas tubulares que se tornam excessivamente volumosas, conservando todavia, sua forma regular e seu aspecto normal. Armanni e Ebstein assigna- laram degeneração hyalina, ou necrose de coagulação do epitlielio canalicular. Armanni descreveu a lesão nas cellulas dos tubuli contorti; Ebstein a loealisou á zona limitante do rim, isto é, ao epitlielio dos ramos ascendente e descendente da azellia de Henle; Ferraro encontrou degeneração hyalina em 5 casos de diabetes e não considera alteração especial a esta moléstia, pois as bactérias e os alcaloides podem determinal-a. A lesão renal caracteristica do diabetes 6 a infiltração glycogenica das cellulas da azelha de Henle. Quauto aos glomerulos de Malpighi, parecem elles indemnes; o deposito glycogenico não foi notado, nem em seu revestimento epi- thelial, nem nas cellulas da capsula; os auctores apenas indicam sua hypertrophia. A. glycosuria e a polyuria desapparecem sob a influencia da lesão profunda do rim. Mas longe de ser um signal favoravel, este desapparecimento do assucar é de lugubre presagio; e pode-se di- zer, como Lecorclié: si o diabetes está curado o doente está perdido. Albuminúria ha gòtta.—A a phase aguda da gotta a al- buminúria encontra-se na urina em pequena quantidade e transi- toriamente, sendo mais peitinaz nos accessos. E’ devida á irrita- CASSIANO GOMES 51 ção dos caualiculos uriniferos pelo excesso de acido urico que se vae eliminando. Para Talamond é observada no periodo preartieular. A albuminúria do primeiro periodo é sempre latente, isto é, existe sem modificação da urina e do estado geral. E’ muitas vezes intermittente, apparecendo na urina emittida durante o dia, depois das refeições e de exercícios. Apresenta os caracteres da albuminúria pliysiologica, o que induziu os auctores a considera- rem esta ultima variedade, como albuminúria gottosa. Na gotta clironica a albuminúria é persistente e symptomatica de neplirite intersticial, complicada de nephrite parenchymatosa. Ha também na gotta articular aguda ou chronica casos de pseudo- albuminurias, devidas á inflaminação do bassinete, e até da be xiga. Nestes casos a urina é alcalina e contém globulos pyoides e pyocytos; dá-se isto, porque a urina, saindo do rim, acarreta glo- bulos purulentos, mucus, cristaes de acido urico, urato de sodio, pbosphato ammoniaco--magnesiano e, ao contacto com as mucosas inflammados alcalinisa-se. Por causa desta alcalinidade precipita-se o pnosplmto ammoniaco--magnesiano e produzem-se cálculos phos- ph aticos. Esta manifestação visceral da gotta alterna-se com as mani- festações articulares, podendo ser por ellas substituída; é de curta, duração e a urina readquire sua acidez, desembaraçando-se dos sedimentos phosphaticos. A albuminúria precoce é a consequência das perturbações vas- culares que sc produzem no rim sob a influencia da excitação ner- vosa geral, e da excreção subitamente augmentada de acido urico. Quando a gotta é- clironica e prolongada, com deformações articulares, topbus, cachexia, a albuminúria apresenta-se sob vá- rios aspectos. Po le sêr latente, de fraca intensidade, intermittente, sem nenhum symptoma habitual da nephrite chronica; mas em geral neste periodo, contrariamente ao que existe no periodo pre- artieular, a urina, sempre abundante, não é mais nem densa, nem 52 THESE INAUGURAL corada, nem carregada de uréa e acido urico, é pallida, aquosa, de densidade fraca. Em outros casos, os caracteres da urina per- sistindo, a albuminúria 6 continua e abundante. A gotta é o prin cipal factor na determinação da nephrite ehronica com albuminúria. Entre as substancias fabricadas pelo organismo, e capazes de al- terar por sua elimnação excessiva o apparelho renal, o acido urico 6 o equivalente do chumbo entre os toxicos; o modo de acção das duas substancias é o mesmo; é notável por sua extrema lentidão, sua insidiosidade. O typo brightico gottoso corresponde á atropina renal progressiva. E’ o mesmo que na nephrite saturnina o seu mecanismo, e a successão de suas diversas alterações. O que cara- cterisa a gotta são os rins de superfície granulosa; o pequeno rim de Todd é o ultimo termo da serie, mas todas as variedades de volume, de retracção, de endurecimento podem ser encontradas. Não se deve affírmarque o rim gottoso seja pequeno, pois ellepode ter volume normal ou ser pouco atrophiado; depende exclusiva- mente da duração da moléstia. Pode-se também encontrar rins asyinetricameute lesados e atrophiados, ora volumosos, ora contra- hidos. Enfim a adjuncção de uma pyelite chronica, com dilatação dos cálices e presença de cálculos uratieos no bassiuete é extrema- mente commum. Albuminúria nus affecções cutaneas.—A albuminúria é muito rara nas manifestações eczematosas. Bulkley, que analysou urinas em muitos casos de eczema, diz que a albumina e os cyliu- dros urinários constituem verdadeira raridade. A albuminúria nestes casos se poderia considerar simples coincidência, pois não existem factos que provem uma relação directa entre a perturbação renal e a irritação cutanea. No psoriase a albuminúria é também rara. Tlribierge cita dois casos, que são contestados. Lecorché observou albuminúria com edema da face e dos pés em uma mulher que apresentava um pso- riase inverterado nos cotovellos e joelhos; mas esta mulher tinha CASSIANO GOMES 53 simultaneamente manifestações syphylitieas, o que impossibilitou attribuir-se a albuminúria a uma, ou outra destas affecções. Sal- violi publicou uma observação de nephrite ligada a um psoriase geral inveterado. Na sarna são numerosos os exemplos de albuminúria por irri- tação cutanea. Foi ella observada, ora após o tratamento por fric- ções, ora sob a influencia das lesões determinados pelo ácaro. Wollmer publicou alguns factos de nephrite aguda produzida pelo tratamento da sarna por fricções euergicas. Lassar cita o caso de um indivíduo, morto com albuminúria e anasarca e que se tinha curado de sarna por fricções de petroleo. Em 124 sarnosos trata- dos por pommada com estoraque, Unna encontrou 9 vezes albumi- núria transitória abundante. Em dois meninos sarnosos, Henocli veriíicou albuminúria, usando fricções de balsamo do Perú; a al- buminúria foi passageira e desappareceu em 10 dias. Além destes factos, existem outros em que a albuminúria é iudependente do tratamento, e attribuida á acção dos ácaros sobre a pelle. Boyer observou 6 casos deste geneio. Scheube diz ter encontrado 17 casos de albuminúria consecutiva á sarna sem que o doente usasse me- dicamento algum. Pelas opplicações dermicas de substancias irritantes para a cura da sarna, a analyse das urinas revelava a principio uma ma- téria resinoide, depois hemi-albumose durante algumas horas e no fim de 24 horas sôro-albumina. Lassar admitte que a substancia irritante é absorvida pela pelle e lesa o rim ao eliminar-se pela urina. Para os casos em que as fricções são feitas com um agente chimico, esta explicação satisfaz; mas deve-se também não des- prezar a influencia da irritação mecanica do derma. Capitan provou que simples fricção pelo sabão negro, basta para determinar al- buminúria. Wolkenstein verificou em todas as applicações de sub- stancias irritantes sobre o derma, que ha oligúria, albuminúria e he- matúria; pensa que, si certas substancia atravessam a pelle e são 54 THE S E INAUGURAL eliminadas pelo rim, outras têm uma acção local irritante sobre a superfície cutanea. A theoria da suppressão das fuucções da pelle apoia-se na experiencia de Fourcault, que tornava os animaes al- buminuricos, cobrindo-lhes o tegumento de um verniz impermeá- vel. Este facto, porém, não se pode applicar ao homem, pois as experiencias feitas por Senator em alguns doentes deram resulta- dos negativos. Na albuminúria consecutiva ás queimaduras, cujo mecanismo era explicado por esta theoria, é preciso a intervenção do elemento nervoso para a sua producção. Mas o elemento vascnlo-nervoso não basta para explicar a persistência da albuminúria e o desen- volvimento das nephrites profundas observadas em alguns casos. E’ provável que a passagem incessante pelo rim de substancia, que normalmente deveriam ser eliminadas pela pelle entietêm a lesão ereada pela pertuibação vascular, e acaba, tornando permanente e irremediável esta lesão primitivamente benigna. O frio tem sempre influencia capital na etiologia das. nephri- tes; e a albuminúria consecutiva aos banhos frios vem confirmar esta asserção. Quando a acção do frio é intensa as lesões renaes verificadas na autopsia são: congestão do orgão, dilatação das capillares, dia- pedése de globulos brancos e vermelhos, descamação do epithelio glomerular. Estas mesmas lesões mais attenuadas e facilmente re- lváveis se produzem nos individuos que se tornam albuminuricos de- pois de banhos. Nestes attribue-se esta predisposição, quer a uma susceptibilidade extrema do tegumento á acção do frio, quer a uma vitalidade enfraquecida, congénita eu adquirida, do epithelio glomerular. O mecanismo destas lesões é de natureza vaso-motriz, 6 uma contracção dos vasos periphericos e dilatação compensadora dos vasos internos, ou por antagonismo entre a acção dos vaso- motores cutâneos e visceraes, ou pela excitação dos nervos intra- CASSIAXO GOMES 55 dermicos, provocando o frio por acção reflexa uma constricção, vas- culares geral, seguida de dilatação paralytica. Albuminúria nas moléstias do fígado. — Teissier admitte uma albuminúria liepatogena pela superactividade do figad«. Muitas albuminúrias até então reputadas de origem gastrica de- pendem da influencia hepatica. Gilbert salientou a importância do ligado na etiologia d s albuminúrias intermittentes fuuccionaes. Murchinson admitte uma albuminúria por perturbação func- cional do figado sem lesão renal. A albumina foi pesquizada e verificada na3 formas graves da ictericia. Na atropliia amarella aguda do figado, na icterícia grave essencial, a albuminúria está em relação comas lesões renaes gra- ves; o rim é liypertropliiado, friável, tendo o mesmo aspecto que na nephrite das moléstias iufectuosas agudas, sendo apenas modi- ficado pela impregnação biliar e por maior tendencia á putrefacção. A albuminúria é iutermittente, pouco abundante, podendo ser in- tensa sem aliás denunciar gravidade da moléstia. A ictericia grave pode curar-se, sendo acompanhada de albuminúria abundante; pode, porém, ter terminação fatal, conservando-se a albuminúria minima e iutermittente. Na ictérica simples a albuminúria só se observa nos casos febris; é pouco abundante e desapparece rapidamente Na ictericia apyretica não ha albumina na urina. Na ictericia chronica, e principalmente na consecutiva á obs- trucção do canal clioledoco por cálculos biliares, neoplasmas e(c. ordinariamente falta a albuminúria. As lesões do rim ictérico ap- presentam dois caracteres principaes, a impregnação biliar do or- gão e a degeneração gordurosa dos epithelios; o volume é normal, a consistência não muda mesmo na ictericia persistente; a capsula é lisa e pouco adherente; a substancia cortical corada de um ama- rello diffuso, as pyramides têm estriações esverdinhadas. As lesões microscópicas têm sua séde nos epithelios tubulares, que apresen- tam granulações cie pigmento biliar no protoplasma e infiltração adi- 56 THESE INAUGURAL posa. O pigmento e os ácidos biliares aetuam sobre o rim, deter minando, não nephrite glomerular, mas esteatose dos tubuli e a bílis não se elimina pelo glomerulo, e sim, como o acido urico, pelo epithelio dos canaliculos contornados, donde a constância das lesões tubulares e ausência das alterações glomerulares. E’ a acção ele- ctiva da bilis sobre as cellulas dos tubuli que explica a frequência e abundancia de cylindros na urina ictérica. Em todas as affecções chronicas do figado, caracfcerisadas pela byperplasia do tecido conjunctivo intersticial, a albuminúria é pouco pronunciada e intermittente. Quando estas affecções são de- terminadas por moléstias iufectuosas, como a sypbilis e o paludismo, ou por agentes toxicos, como o álcool, a albuminúria é devida, não á acção exclusiva das alteraçães hepaticas, mas á desorganisaçáo geral produzida pelo agente infectuoso ou toxico. A’ exclusão dos casos deste geuero, a causa da albuminúria nas hepatites chronicas, é o embaraço da circulação venosa abdominal. O augmento de pressão no systema portal facilita a exsudação sorosa do peritoneo e a ascite, comprimindo a veia cava, estorva a circulação san- guinea nas veias renaes; dá-se hematose defficiente no glomerulo que deixa passar pequena quantidade de albumina. Pela paracen- tese abdominal a albuminúria desapparece depois da reproducção do derramamento peritoneal, podendo tornar-se continua após varias alternativas. A dilatação do ventrieulo direito que se observa uas hepatites chronicas, auxilia o embaraço da circulação venosa abdominal e augmenta a eliminação da albumina. A albuminúria, quando existe nas affecções chronicas do fí- gado é pouco abundante, e exrlica-se, quer por uma lesão renal co- incidente, quer por perturbações circulatórias mecanicas. Albuminúria nas affecções gastro -intestineas.—As perturbações digestivas são causa frequente de albuminúria; mas ella é raais com mu m nas affecções intestinaes do que nas gastricas. CASSlANO GOMES 57 Kjeelberg assignalou a existência da nephrite nas enterites cliro- nieas ou agudas. A diarrhéa intensa acompanha-se sempre de al- buminúria. Podak xjublicou dois casos de hematúria depois de gastro-enterite nos lactantes, encontrando pela autopsia trliombose da veia renal. Toda irritação aguda da mucosa intestinal deter- mina albuminúria. Pariot e Robin, estudando as modificações da urina na athre- psia observaram que a albuminúria é constante nesta moléstia; mas que não é intensa e não se manifesta na mesma epoca; na forma aguda, ella irrompe bruscamente e augmenta até a morte. Quando a marcha é chronica, porém, só apparece, quando ha symptose ao contrario do que se dá nos casos rápidos, ella decresce nas proxi- midades da morte. A albumina existe nos casos curáveis, mas é irregular e mi- nima. As complicações agudas fazem-na apparecer ou auginentam sua proporção; com ella acham-se habitualmente cylindros, sendo impossivel admittir, como diz Stiller, que a albuminúria intestinal seja earacterisada pela ausência de cylindros. Xa typhlite aguda, na typhlite perfurante, e em geral cm todas as peritonites agudas existe albuminúria. Também se a encontra na hérnia estrangulada; para English ella faltaria nos estrangula- mento do epiploon, mas esta ultima asserção é puramente theorica. Este auctor admitte que no verdadeiro estrangulamento berniario a albuminúria é devida á resorpção dos liquidos intestinaes. Baginsky, Hirchsprung, Epstein, encontraram albumina, com ou sem elementos morphologicos, 11a urina de individuos aífectados de gastro-interite. As albuminúrias transitórias são occasionadas, ou pelo máo funceionamento do estomago e do intestino, ou pela insufficiencia funccional do figado. Si este orgão deixa passar os toxicos vindo { do intestino, que elle tem por funeção deter e neutralisar, e, si acontece que suas funeções glyccgenica e biliar estejam inliibidas, 58 THESE INAUGURAL pode também cessar de executar a transformação physiologica dos albuminoides da alimentação em albumina assimilável pelos tecidos; este estado constitue o «torpor do figado » a que Le Gendre attri- bue as albuminúrias passageiras sem lesões renaes. Para Lecorclié a influencia pathogenica a mais real, é a ruptura do equilíbrio vascular abdominal. A irritação da mucosa, intesti- nal tem por consequência um affluxo de sangue nos vasos do rim, e o effeito desta congestão intestinal é o abaixamento de pressão nas outras regiões do abdómen, e retardamento da circulação glo- merular. As albuminúrias transitórias sem lesões renaes observam-se nas infecções benignas, mas as perturbações digestivas por sua chronicidade podem produzir lesões definitivas do rim, nephrites. Albuminúria, nus Cardiopaihias.—A albuminúria das affecções cardíacas representa o typo das albuminúrias por estase venosa, retardamento da circulação e diminuição da pressão glo- merular. O primeiro effeito é a oligúria; a urina torna-se concen- trada, o que evidencia o abaixamento da tensão arterial. O epi- tlielio glomerular, modificado em sua nutrição, deixa passar albu- mina, que vae augmentando progressivamente, á medida que o enfarte renal se prolonga. Quando, pela acção dos medicamentos, o coração readquire sua energia normal, a pressão eleva-se, a po- lyuria se estabelece; mas a albuminúria persiste, porque a repara- ção epithelial não pode ser immediata; isto prova que a albuminúria cardiaca é um plienomeuo puramente physico. Si fosse unicamente devida ás perturbações circulatórias, sem lesão orgauica, desappace- ceria logo que a circulação renal se tornasse normal. Ora, ella per- siste, diminuindo progressivamente, e sua persistência é proporcio- nal á duração e intensidade do periodo de estáse venosa, isto é, â gravidade e á extensão das lesões glomerulares. Quando a lesão cardiaca é antiga, se verifica albuminúria mi- nima, intermitteute, sem modificação da urina. Qualquer que seja a affecção cardiaca, lesões mitraes, insuffi- CASSIANO GOMES 59 ciência ou estreitamento, myocardite, pericardite chronica adhe- siva, a albuminúria tem o mesmo mecanismo. Mas nem toda albu- minúria observada em um cardiopatlia é neccessariamente cardiaca; pode, bem como a lesão valvular, depender da mesma causa geral; as lesões cardíacas podem ser consecutivas á lesão renal; a alte- ração do rim pode desenvolver-se em um cardíaco, como em qual- quer outro indivíduo, sob a influencia de causas independentes da moléstia do coração. A aortite perieoronaria determina uma ischemia cardiaca que se traduz por accidentes anginosos, e nos casos de aortite mais ge- neralisada existem symptomas correspondentes á obliteração do tronco celiaco, artérias renaes, etc. E’ a esta causa que se deve ligar a albuminúria oriunda da obliteração ou estreitamente das artérias renaes. Outras vezes a albuminúria pode ser a consequên- cia do desenvolvimento de uma neplirite intersticial nos casos em que a aortite aguda evolue no curso da arterio-esclerose e do atheroma arterial; muito raramente é devida á embolia da artet ia renal. Emíim a estas causas de albuminúria nos aorticos é preciso accrescentar uma outra—a asystolia. • Quando a aortite 6 generalisada, tem tendeneia natural a pro- duzir na maior parte dos orgãos uma diminuição da irritação san- guinea e da nutrição, terminando por uma verdadeira cachexia ar- terial, que foi considerada o mais importante factor pathogenico 11a determinação da albuminúria. Ha no typo pulmonar da arterio-esclerose uma dyspnéa intensa, que muito se assemelha á dyspnéa uremica de Chevne-Stokes, e que Dieulafoy admitte ser um phenomeno ligado ao brightismo sem albuminuri í. Peter, porém, contesta, dizendo que muitas vezes os doentes não apresentam nenhum signal brightieo durante muitos anuos, e que estes accessos de dyspnéa ligam-se ao desenvolvimento insidioso e latente da arterio-esclerose do rim e os attribue, como 60 THESE INAUGURAL Saloz, ao desenvolvimento da arterio-esclerose generalisada, e do coração. A albuminúria em uma phase avançada das cardiopatliias ser- vio de contra-indicação absoluta ao emprego da digital. Tem-se muito exaggerado os perigos da administração dos medicamentos activos nas afíecções renaes. Huchard nega a influencia nociva da digital, e apregoa o seu emprego, provando a inocuidade de sua acção pelo facto de não se eliminar pelo rim, e diz que a albumi- núria não contraindica a administração deste medicamento, mas exige certa reserva, por ter a dedaleira a propriedade de accumu- lar-se na economia, e a prescreve em doses moderadas. Adminis- trada assim, pode ella diminuir ou fazer desapparecer a albumi- núria, quando de origem cardiaca, ou produzida pela acção conges- tiva dos rins, sem lesão esclerosica. Aibuminuria. nas moléstias nervosas.—A excitação brusca e intensa de um ponto qualquer do systema nervoso, peri- plierico ou central, qualquer choque ou eommoção podem deter- minar albuminúria transitória. Fisclier e Duplay encontraram urinas albuminosas na commo-, ção cerebral, e em casos de fractura da base do craneo. Ollivier, estudando a hemorrbagia cerebral, iusistio sobre a frequência da albuminúria nas formas graves com invasão ventricular. Obje- ctou-se a Ollivier que, sendo vellios os seus doentes, podiam ter lesão renal anterior ao ataque apoplectico, e com effeito a hemor- rhagia cerebral está em relação frequente com a atropina renal; não se verificando albuminúria siuão no periodo comatoso, não se pode consideral-a sob a dependencia do systema nervoso, est ndo o doente em estado asphyxico. Estas objeções não têm fundamento, pois, tem-se encontrado albuminúria desde as primeiras lioras do ataque apoplectico, acompanhada de pclyuria. Nos affeeções chronicas do enceplialo é difficil estabelecer a importância da lesão nervosa na determinação do symptoma. A. CASSJANO GOMES 61 lesão do cerebro e a lesão do rim podem se desenvolver simulta- neamente sob a acção da mesma causa patkologica. As formas atrophicas do mal de Bright, com albuminúria intermittente são muitas-vezes a causa de perturbações nervosas. As lesões ckronicas da base do craneo, principalmente as da visinliança da protuberância ou do pavimento do quarto ventriculo acompanham-se de albuminúria. Nas differentes formas de myelites agudas ou ckronicas, nas escleroses systematicas ou diffusas não é raro encontrarem-se uri- nas albuminosas. Não se pode demonstrar a influencia das lesões medullares nas affecções renaes, pois a consequência conunuui das moléstias da medulla é a paralysia da bexiga com oligúria, ou pol- lakiuria, donde a cystite chronica, fermentação da urina, pyelite e pyelo-nepkrite. A ataxia locomotriz, por suas crises visceraes, gastricas ou intestinaes, pode indirectamente provocar albuminúria transitória. A albuminúria das nevroses foi indicada, como consequência da perturbação nervosa. Na alienação mental Burnett verificou albuminúria na pkase de pressão, faltando no periodo de excitação. Simpson observou trez casos de loucura acompanhadas de albu- minúria; o desapparecimeuto da albumina precedia á cura. As perturbações nervosas e cerebraes são kabituaes na atropkia re- nal chronica; podem ir até uma desordem psyckica completa, uma verdadeira loucura briglitica (Talamon.) Hagen, em um trabalho sobre as moléstias renaes, como causa de psychoses, relatou diver- sos exemplos de loucura albuminurica. Weinberg observou em 100 doentes de áelirium tremem 33 albuminuricos, e Furtsner 40. As nevroses convulsivas determinam albuminúria, llippert e Sejfert consideram-na frequente na epilepsia, para outros é, porem, um phenomeno raro. Bazin concluio que a albuminúria está em relação com os accessos, e para Huppert a sua abundancia de- pende da intensidade do ataque; na metade dos casos, depois dos 62 ÍHRSE INAUGURAL grandes ataques, acham-se com a albumina cylindros hyalinos e fi- lamentos espermaticos. Nothnagel nega a correlação entre a vio- lência da crise e a albumiuuiia. Martin Solon e Peschier encontraram albumina no fim dos accessos hystericos. O rim participa das lesões vaso-motrizes que caracterisam esta nevrose. Lepine diz ter observado em uma hys- terica, fora de accessos, oligúria e albuminúria, as quaes elle at- tribue á influencia nervosa. Simpson observou albuminúria na eclampsia infantil. No tétanos a albuminúria foi notada diversas vezes, mas sendo o tétanos uma moléstias infeetuosa, não tem poi origem unicamente a influencia nervosa. No bocio exoplithalmico também tem-se en- contrado urinas albuminosas. Albuminúria nas affeccõe» do apparellio urinário. —As lesões histológicas do rim produzem albuminúria, porque tor- nam mais permeáveis para a albumina os elementos interpostos en- tre a urina e o sangue. As alterações vasculares do rim principalmente na inflammação e degeneração amyloide se acompanham de albuminúria abundante. Antigamente se attribuio aos epithelios dos canaliculos contornados, e aos que forram os glomerulos, e revestem a face interna das cap- sulas de Bowmann, grande influencia na determinação da albumi- núria. Admittia-se que pela alteração delles a albumina, que nor- malmente transuda dos vasos glandulares, e é assimilada pelos epi- thelios, não era utilisada e se eliminava pelos canaliculos urinários. Theorias subsequentes estabeleceram que ua degeueração adiposa ou amyloide dos epithelios não se verificava albumina nas urinas, e que por cohseguinte os epithelios nenhuma importância tinham na producção da albuminúria. Na necrose de coagulação existe albumina provavelmente de- vida ás lesões epitheliaes por micro-parasitas pathogenos, ou por CASSIANO GOMES 63 seus productos—as toxinas. Lassar na degeneração byali na encon- trou propeptonuria precedendo a albuminúria. Nas lesões determinadas por traumatismo da região lombar, por tumor canceroso ou parasitario, as urinas são habitualmente albuminosas. Mas a albuminúria não é um symptoma infallivel, pois um cancro, ou hydatides podem destruir mais ou menos com- pletamente um rim, sem que ella se manifeste. Nestes casos, quando a urina se torna coagulavel, está ordinariamedte cheia de rnuous, pus, sangue, o que difficulta a differenciação diagnostica, sendo preciso averiguar si ella provém dos glomerulos, ou da mucosa urinaria simultaneamente infiammada. Esta difficuldade cada vez mais se patenteia a medida que o bassinete e a bexiga são inte- ressados. Em regra geral, si a urina é muito purulenta e pouco al- bum:nosa, a albumina provém ua mistura da matéria purulenta com a urina; si, ao contrario, a quantidade de pus é ininima, e a quantidade de albumina considerável, é provável que a albumi- núria seja de origem glomerular. Para Senator, quando se trata de uma destruição parcial dos tecidos, como nos abcessos, tumores ulcerados etc., ha albuminúria, mesmo com alteração concomitante do rim. Resta saber si o fóco de destruição está em relação com os caualiculos urinários, po- dendo então a urina escoar-se de mistura com seu conteúdo; muitas vezes, porém, o fóco não tem communicação; os caualiculos urinários da região estão obliterados inteiramente ou em parte, e atrophiados de sorte que do conteúdo albuminoso do fóco nada ou quasi nada chega á urina para produzir albuminúria. As moléstias difíusas podem produzir egualmente no rim uma dissociação e destruição dos epithelios, que só o microscopio as desvenda. Senator fez notar que, quando um epithello morre e é eliminado, não somente o corpo cellular ainda intacto penetra na urina, como também uma porção do protoplasma, em via de destruição e liquefacção, pode dissolver-se 11a urina que passa. 64 THESE INAUGURAL Bartels considera estas addições de albumina muito pouco impor- tantes. Cornil descreveu sob o nome de degeneração epithelial vcsi- cnlosa a transmigração do interior das cellulas para os canaliculos urinários de vesículas ou pequenas gottas, (pie incontestavelmente encerram albumina em dissolução. Na albuminúria produzida pela destruição e dissolução das cellulas epitlieliaes, encontram-se substancias albuminoides diffe- rentes da albumina originaria do sangue. O protoplasma cellular encerra myosina; e pelas pesquizas de Gotewalt a urina contém 7 ou 8 vezes mais globulina que serina e peptona, bemi-albumose em connexão com o estado de degeneração epithelial. Nos casos de lesões circumscriptas do rim a albuminúria de- pende da plilegmasia. Manifesta-se a albuminúria, quer as regiões attingidas estejam ou não em communioação com os tubos uri- niferos. Neste ultimo caso ha pseudo-albuminaria. Na nephrite infectuosa, ou toxica, nas infecções propagadas das vias urinarias, e na exacerbação aguda de uma nephrite chro- nica, a albuminúria marcha pari-passu com a intensidade de pro- cesso phlegmasico. A composição da urina está em relação com o gráode plilegmasia, e tanto mais esta é pronunciada, quanto mais raras e sanguinolentas são as urinas, e mais abundante o sedi- mento, que é constituído por cylindros, hemacias e cellulas lym- phoides. A relação das diversas matérias albuminoides não é a mesma na nephrite aguda, e na nephrite chronica. As experiencias de Hofinam, Lecorché e Talamou estabelecem que na nephrite aguda se encontra ordinariamente augmento de globulina. A albuminúria na' nephrite aguda explica-se pela intiammação vascular que determina uma permeabilidade anormal e deixa tran- sudar a albumina. A séde desta transudação é no glomerulo. Nesta albuminúria cooperam factores que se iigam â febre, á crase san- CASSIANO GOMES 65 guinea e que podem influenciar no desenvolvimento de uma albu- minúria mixta. Na nephrite clironica diífusa, a albumina e a urina, variam com a forma, a marcha e o periodo do mal de Bright. Desir foi quem primeiro notou que na blenorrhagia, cystite aguda e chronica, inflammação dos ureterios, dos cálices e do bassinete, ha sempre albuminúria, e accrescentava que no individuo são a urina pode tor- nar-se accidentalmente albuminosa por excitação das vias urinarias. Na cystite e blenorrhagia a mistura do pus, mucus, esperma, na urina explicam a albuminúria. Não é indiíferente para o funccionamento normal do rim, que a bexiga se esvasie mal, se distenda ou inllamme, qualquer que S"ja a causa da estagnação da urina, estreitamento urethral, hy- pertrophia prostatica etc. Nepveu verificou polyuria passageira con- secutiva ao catheterismo da bexiga e mesmo á irritação do testículo. A irritação da bexiga e das partes profundas da urethra re- percute sobre a circulação renal e modifica-lhe as. condições phy- siologicas. Si a distensão vesical provoca um augmento da pressão glomernlar, ó possível que excitações mmbidas de outra ordem de- terminem o retardamento da corrente sanguínea sendo a polyuria substituída pela oligúria e albuminúria. Theoricamente é racional admittir-se que as inflammações agudas da urethra e da bexiga po- dem produzir albuminúria transitória por perturbação neuro vas- cular. E’ possível também que a irritação vaginal ou uterina seja capaz dos mesmos eífeitos; mas o phenomeno 6 mais complexo. A excitação reflexa modifica a circulação renal epóde produzir albuminúria; mas nas inflammações urethro-vesicaes não é possível separar a influencia dos micro-organismos da do systema nervoso. Toda inflammação aguda das vias urinarias inferiores dá logar a uma albuminúria glomerular, quer por perturbação neuro-vascular qiiei por phlegmasia parasitaria ascendente. Nas aífecções chronicas prepondera a influencia mecanica do 66 THESE INAUGURAL obstáculo ao escoamento (1a urina. Strauss e Germont demonstraram que, si conseguir-se eliminar a intervenção das bactérias, as alte- rações consecutivas á ligadura do ureterio se limitam a uma ectasia dos tubos uriniferos com atropina das cellulas epitheliaes. Condi- ções analogas á ligadura experimental dos ureterios realisam-se na mulher, em certas affeeções uterinas e em particular no cancro do utero, em quê a compressão e mesmo a obliteração dos dois ureterios são a consequência dos progressos da moléstia; e no homem na liypertrophia prostaticae estreitamento chronico da urethra. Pela multiplicidade dos phenomenos morbidos, estados patho- logicos em que existe albuminúria, pode-se julgar quão múltiplas e variadas são as causas deste symptoma tão commurn. A albumi- núria apenas traduz uma alteração da membrana filtrante glome- rular; transitória ou permanente, abundante ou minima ella não indica outra cousa; nada exprime, nem extensão, nem gravidade das lesões renaes. Tratamento da albuminúria .—Sendo a albirainuria, como vimos, um symptoma constante de numerosos estados morbidos a cura destes a faz desapparecer. Não é um symptoma que seja ne- cessário supprimir a todo transe para obedecer a uma indicação vital; nem o mal que determina é carente de reparação. Só se impõe o seu tratamento, quando ella eonstitue um signal pathognomonico sem o desapparecimento do qual a cura da moléstia primitiva seja impossivel. Pelo estudo das condições pathogenicas da albuminúria, con- cluimos que a filtração da albumina era a consequência de modi- ficações do epithelio glomerular quer pelo contacto ou passagem de uma substancia irritante contida no sangue, quer por uma per- turbação da circulação renal; portanto no seu tratamento deve-se: 1? modificar a constituição do liquido sanguiueo, jnoeurando do- minar ou fazer desapparecer as substancias que irritam o epithelio CASSIANO GOMES 67 renal; 2? activar o curso sanguíneo, elevar a pressão glomerular, agir sobre a circulação geral ou renal. O tratamento o mais eflicaz das albuminúrias é o liygieuico. Nas simples albuminúrias elle impede o desenvolvimento da mo- léstia de Bright e nos albuminuricos que se tornaram brighticos, oppõe-se ao aggravamento das lesões renaes e previne os accessos agudos. Os cuidados hygienicos cifram-se em evitar as causas que fa- vorecem a passagem da albumina nas urinas, e dirigem-se sobre tudo á alimentação, irritação cutanea, fadiga e influencia ner- vosa. O regimen alimentar dos albuminuricos deve ser o objecto de toda atteução do medico. A digestão só, maxime nos casos ide alimentação abundante, 'poue exaggerar a albuminúria donde a necessidade dos doentes allmentarem-se a miude e por pequenas porções. E? na escolba dos alimentos que está toda difficuldade pratica, priucipalmente por saber se que dalii decorrem as vantages e pro- babilidades da cura. Os rins são encarregados de eliminar osprodujt.s terminaes da metamorpbose albuminosa; por conseguinte quanto mais conside- rável fôr este trabalho de eliminação, tanto maior será o seu es- forço; reduzir o mais possivel este esforço, é o unico preceito ra- cional. A alimentação excessivamente azotada é a mais desfavorável aos albuminuricos; desde que estas substancias albuminoides, ainda mesmo peptonisadas, lançam na cirulação uma quantid .de anormal de uréa, acido urico e matérias extractivas cuja eliminação inces- sante pelos rins acaba por alteral-os. Quando o rim está lesado a influencia albuminogena do regimen azotado é indiscutível. A proporção de albumina excretada nas 24 horas augmenta; m»s é preciso distinguir os casos em que este 68 THESE INAUGURAL exaggero é devido ao aggravamento das lesões loeaes do rim. e aquelles em que apenas indica a hyper-albuminose sanguinea em relação com uma excreção exaggerada de substancias albumi- noides. Neste ultimo caso que se observa nos períodos latentes da moléstia, o regímen azotado não é immediatamente prejudicial, e, si pelo contrario o doente está enfranquecido ou cachetico, 6 mo- mentaneamente util. Não se deve, porém, prolongar o seu emprego, pois, a sobrecarga progressiva no sangue de materiaes de eliminação provocaria accidentes mais graves que a albuminúria. Os albuminuricos devem evitar o uso de carnes, de alimentos condimentados e é mister proscrevei os, logo que se perceba a iin- perme bilidade renal caracterisada pela f.aca densidade da urina e pela diminuição da excreção de uréa. Permittir-se-â o uso dos vegetaes excluídos os excitantes, legumes verdes cosidos, féculas ali- mentares de toda especie. A primeira carne que os doentes podem usar é o presunto magro, seguindo-se a de porco. As carnes brancas são menos toleradas e as de boi nocivas. Os ovos e os peixes foram tidos como capazes de augmentar a proporção de albumina. Oertel e Lcevenmeyer toleram os ovos. Stokvis pensa que se pode auctorisar o seu uso, associando-os á ali- mentação ordinaria. Fonsagrives não só permitte os ovos pouco co- sidos, como também prescreve a agua albuminosa. Nos brighticos em que ha perturbações digestivas, e nos ameaçados de accesso agudo albuminurico, a alimentação por meio de ovos deve sêr proscripta. Todo excesso de álcool passsageiro ou habitual deve ser seve- ramente prohibido. Si bem que Penzold assevere ter provocado em cães imflammações do rim pela ingestão de álcool ethylico ou amy- lico, as lesões renaes nos alcoolatas parecem sêr o effeito indirecto da intoxicação, por intermédio das alterações gastricas, hepaticas, cardíacas, determinando secundariamente a albuminúria. Em indi- CASS1ANO GOMES 69 viduos habituados ao uso de vinhos pode-se prescrever os vinhos defructas (cidra, groseille etc.,) por serem os menos prejudiciaes. A cerveja é para Senator mais nociva que o vinho, mas para outros auctores o seu uso é preferivel. G. Sée aconselha a infusão de chá, tomada quente depois das refeições para os albuminuricos dyspepticos. O regimen lácteo preenche todas as indicações, é a alimenta- ção por exceilencia do albuminurico. Por sua constituição chimica é um alimento completo, por sua acção diurética um medicamento poderoso. Chrestieu preconizou empyricamente a dieta lactea no tratamento da albuminúria coseu aphorismo «o leite ou a morte» tem sido confirmado em muitos casos. A dieta lactea pode ser absoluta ou mitigada. A dieta lactea absoluta consiste na administração quotidiana de trez a quatro li- tros de leite por dia exclusivamente. O inconveniente da dieta lactea absoluta é que muito delia se tem abusado, obrigando-se os doentes que tem apenas traços de albumina na urina, usal-a ininterruptamente por longo tempo sem lhes permittir a alteração de regimen, máo gtado o tedio e encom- modo que ella lhes produz. O leite deve ser tomado fiio, e de preferencia crú, quando se estivér seguro de sua procedência; no caso contrario será fervido ou esterilisado em bauho-maria. E? preciso muitas vezes cor tal-o com agua de Vichy em casos de perturbações gastricas, com agua de cal se fôr mal digerido e provocar diarrhéa, com pequena quan- tidade de cliá, café, ou mesmo sal para modificar-lhe o sabor. Evita se o empastamento da bocca com lavagens de agua ligeira- mente mentholada. Aa dieta mitigada a quantidade de leite puro é reduzida a um ou dois litros, completando-se a alimentação com sopas de leite e pão, tapioca, farinha de aveia, semula, chocolate, queijo e etc. A dieta mixta consiste na addição de quantidade variavel de 70 THESE INAUGURAL leite á alimentação commum, sendo elle usado no intervallo das refeições, em pequenos doses. A mais seria contra-indicação da dieta lactea prolongada é alterar a nutrição geral; contribuindo muito também o estado das funcções gastro-intestinaes que se modificam, tornando a digest."o difficil, e neste caso não somente a albuminúria não dimiuue, como também aggravam-se os pbenomenos morbidos, sendo necessário a suspensão do leite, que se substitue pelo uzo moderado das carnes crúas, ou de um regimen mixto azotado apropriado ás funcções digestivas. Pelas relações que existem entre as secreções urinaria e sudo- ral, as perturbações do funccionamento da pelle produzem albumi- núria. Nos brighticos a pelle é ordinariamente secca e a transpi- ração se faz mal. Semmola encontrou nestes doentes atrophia da derme e das glandulas sudoriparas; para este auctor a alteração das funcções cutaneas é a causa principal das modificações dyscra- sicas, de que as lesões renaes são a consequência. E’ necessário e util activar as funcções cutaneas nos albumi- nurieos. Preenche-se esta indicação, usando de fricções seccas com escova ou luvas, fricções com liquidos ligeiramente excitantes, ál- cool camphorado, agua de Cologue, massagem, etc. Estas fricções devem ser feitas brandamente; estimulam a circulação geral, e têm especial applicação nas formas torpidas do mal de Bright, e nos accebsos albuminuricos atonicos. A hydrotherapia e a balneotherapia são muito efficazes para entreter o funccionamento regular da pelle. Mas os banhos frios devem ser rigorosamente proscriptos, porque expõem os doentes a um resfriamento brusco. Os auctores têm muito diversamente discutido a questão do repouso e do exercicio. Vimos que o uuico tratamento da albumi- núria orthostatica é o repouso absoluto, a que Bright e Frerichs ligam maior importância, considerando impossível a cura da al- CASSIANO GOMES 71 buminuria sem esta observância. Bartels, condemnando seus do- entes a conservarem-se no leito durante annos inteiros, obteve satisfactorios resultados. Wilks, Oertel, ao contrario, aconselham o exercício* moderado, principalmente nos casos de atonia car- díaca. Lecorclié acredita que o repouso é indicado, quando a albumi- núria é abundante, mas nos casos em que a nutrição está com- promettida, os passeios ào ar livre, a equitação devem ser aconse- lhados, pois estimulam as funcções da pelle, despertam o appetite e activam as combustões. Antigamente a phlebotomia constituía o unieo processo curativo dos brighticos. Dieulafoy, apezar de condemnar o excesso do em- prego das sangrias, affirma ser o melhor tratamento nos albuminu- ricos com tendencia á uremia. As ventosas seccas applicadas quotidianamente sobre a região lomba? concorrem para descongestionar os rins. Os revulsivos são também muito empregados para obter-se este resultado. Mas as em- brocações de tintura de iodo e as pontas de fogo applicadas pelo thermocauterio de Paquelin são preferíveis. O uso de vesicatórios está banido, O tratamento medicamentoso é quasi sem accão nas albumi- núrias. Os saes alcalinos tem sido muito empregados no tratamento da albuminúria, como diuréticos, modificadores das secreções gastricas e alterantes. Lecorché os divide em duas cathegorias: uns, moderam o trabalho cellular, são os carbonatos e bicarbonatos; outros, o ex- citam e activam, são os chloretos, brometos e iode tos. Scliottin, ha muito, dizia que a presença dos alcalinos no sangue accelerava e favorecia a combinação de certas substancias com o oxygenio. Mas isto só é verdadeiro para alguns alcalinqs, tendo os carbonatos e bicarbonatos uma acção inversa. Não é indifferente, portanto, o emprego destes saes; é assim que 72 THESE INAUGURAL durante o periodo inflammatoru da afieeção renal, administiam-se os alcalinos que moderam o processo nutritivo. O bicarbonato de sodio é de acção mais proinpta e beneíica, seguindo-se-llie os sul- fatos alcalinos e magnesianos, o benzoato de sodio ou de litliio. Prescrever-se-á o medicamento, attendendo á resistência do doente e á violência do accesso agudo. O bicarbonato de sodio é indicado nos individuos vigorosos e nos de grande intensidade. Os saes de cálcio 'são preferidos nos accessos fracos e nos individuos debilitados. Os saes estimuladores da nutrição convém nos periodos inter- me.liarios, quando diminue a excreção de uréa, e quando a as- tbenia geral ameaça destruir a compensação cardio-cii cula- toria. Convém notar que todos estes saes devem ser administrados de preferencia sob a forma de aguas mineraes. Os ácidos modificam a nutrição geral e, como os cldoretos al- calinos, estimulam o trabalho cellular, tendo, ao mesmo tempo por sua adstringência, acção local «obre o rim. São uteis nas pliases adiantadas das albuminúrias brighticas sobretudo nas formas de grandes rins brancos amyloides, e nas caehexias. O tanniuo é o acido mais frequentemente prescripto, não se deve empregai-o, porém, nas formas agudas do mal de Briglrt. Os ácidos mineraes e particularmente o acido nitrico foram preconisados por Hancen e Forget no tratamento do grande rim branco, na dose de d grammas por dia. A limonada chlorhydrica tem applicação idêntica. Jaquet e Chatin empregavam o centeio na dose de 50 ceuti- grammas a 1 gramina por dia associado ao perchloreto de ferroem doses crescentes desde 20 até 70 gottas, e Bourdon, 6 gottas de tin- tura de iodo em um copo de agua amidonada. Bouclret notou pelo emprego nas creanças de fuclrsina na dose de 10 a 25 centigraramas por dia a diminuição da albuminúria. JSTetohaieff e Lemoine, firmados na affinidade que tem o azul de methyleno pelos nncleos cellulares, CASSIANO GOMES 73 e na sua acção bactericida, prescreveram-no na aibuminaria com jo fim de obter este duplo effeito. O emprego dos diuréticos nas albuminúrias brighticas, é para alguns auctores muito efficaz, e para outros inútil, e até perigoso. Não podemos entretanto nos eximir de declarar que o uso dos diu- réticos é capaz de por si só determinar em pouco tempo a cura de nephrites agudas e sub-agudas como tivemos occasião de por mais de uma vez observar no Hospital Santa Izabel, com a adminis- tração das tinturas de mandacaru, convallaria maialis e scilla na dose de 15 gottas trez vezes por dia. . Cliristison preconisa o cremor de tartaro associado á digital em pillulas, contendo 5 a 10 centigrammas de-pó de digital, para usar 3 por dia. Quando este medicamento não produz effeito, acon- selha elle o pó de scilla, infusão de giesta, o carbonato, o nitrato è o acetato de potássio. Diz Talamon que não ha moléstia em que os diuréticos tenham indicação mais evidente, que no mal de Bright. Os purgativos actuam nos brighticos, como derivativos, depura tivos e depleetivos; por sua acção derivativa descongestionam o rim e regularisam a circulação renal, activando a intestinal; por sua acção depurativa determinam pelo intestino a excreção da uréa e das matérias extractivas accumuladas no sangue; e, como depleetivos favorecem a endosmose intestinal, que subtrae do sangue grande quantidade de agua, e auxilia a resorpção dos derramamentos hydro- picos. Mas não se deve abusar dos purgativos, porque elles irritam o intestino, e a espoliação aquosa ex ggerada, produz concentra- ção muito pronunciada do sangue, tendo por consequência a albu- minúria. * Os purgativos salinos são de preferencia empregados, por serem menos irritantes que os drásticos, e por provocarem derivação flu- xionaria nos casos de oligúria, hematúria e uremia. Os mais usados 74 THESE INAUGURAL são os- saes de sodio, de magnésio, e as aguas sulfatadas magne- sianas. Os drásticos são preconisados nos casos de ascite tenaz ligada á asthenia circulatória, nas manifestações agudas, quando os phe- nomenos cerebtaes graves são imminentes, e nos accidentes cardio- pulmonares, quando se quer facilitar por uma energica derivação intestinal a aeção da digital e dos tonicos cardiacos. Empregam-se a miude a coloquintida só ou associada ao extracto de meimendro, a scammonéa, o elaterium e aguardente allemã. Osborue, notando que a transpiração é sempre suppressa na albuminúria, instituiu, como medicação capital o uso dos diapho- phoreticos já muito empregados, mesmo antes da descoberta de Bright. Liebermeister e Hoffmann insistiram sobre as vantagens do tratamento diaphoretico, e sobre a utilidade dos banhos quentes Bartels fez deste methodo theurapeutico a base do tratamento das nephrites agudas e chronicas, affirmando que, provocando uma hyperemia cutanea, descarregam-se os vasos do rim de uma parte de seu conteúdo, e se combate destfarte a inflammayào deste orgâo. Pelos banhos quentes, a quantidade de urina eliminada augmenta consideravelmente. Os banhos de ar quente são recommendados por Liebermeister. As duchas de vapor, exclusivamente dirigidas sobre a metade inferior do corpo são aconselhadas por Mussy para os casos em que os banhos de vapor são perigosos. Talamon, porém, não crê ua aeção curativa dos banhos quentes, e os acha impro- fícuos. Os sudoríficos internos, a frente dos quaes acha-se ojaborandi, cujas propriedades diaphoreticas ainda não foram excedidas por nenhuma outra substancia, tem valor inestimável no desappareci- mento dos accidentes uremicos graves, na resorpção do edema, e no restabelecimento da secreção urinaria. E’ sempre preferível o emprego do jaborandi ao do seu alcaloide 75 CASSIANO GOMES —a pilocarpina, porque as injecções liypodermicas desta substaucia provocam nauseas, vonrtos e Artel indicou a possibilidade de edema pulmonar, tendo-se mesmo observado em alguus doentes tendencia á syneope e ao collapso. O opio e a morpkina, por sua aeção sobre a secreção urinaria, são medicamentos que se devem proscrever aos albuminuricos. O chloral, que, como demonstrou Yulpian, exerce uma aeção depres- sora sobre o coração e circulação peripherica, também deve ser interdicto. Pela tendencia manifesta dos albuminuricos á astkenia e ane- mia, os tonicos têm applieação constante. Os melhores agentes desta medicação reconstituinte são as preparações ferruginosas. O ferro pode ser prescripto sob todas as suas formas pliarmaceuticas ou sob a forma de aguas mineraes. E’ preciso, porém, sêr-se eommedido no seu empiego, porque pkeuo- rnenos congestivos, quer do rim, quer dos outros orgãos, produzem-se sob a influencia desta medicação. A escolha do preparado ferruginoso fica ad libitum do clinico, pois quasi todos os auctores têm sua preparação predileta. Uns pi'eferem o xarope de tratrato ferrico-potassico; outros o xarope de iodeto ou de phospliato de ferro; outros ainda o ferro reduzido ou a limalha de ferro porphyrisado. Algumas preparações são sem- pre mais especialmente indicadas em presença de certos symptomas. Geralmente se prescreve o perchloreio de ferro nos casos em que ha hematúria persisteute; o albuminato ou peptonato de ferro, quando se alteram as funeções digestivas; o iodeto de ferro nos individuos debilitados, lymphaticos e escrophulosos, e nas creanças anémicas, em que o uso destes preparados se prolonga por muito tempo, o dr. Castro Rebello preconisa o citrato de ferro ammunia- cal associado á glycerina. Sob a aeção dos ferruginosos, a nutrição estimulada activa-se, 76 THESE INA'UGURAL a funcção digestiva se revigora, e o numero de erythrocytos augmenta. Aos ferruginosos commummente se associam outros agentes da medicação tónica, os amargos, e em particular a noz vomica. A quina constitue um dos melhores adjuvantes; é ao mesmo tempo um estimulante das funcções digestivas e um adstringente de valor egual ao tanniro. Lauder Brunton empregou com vantagem os preparados arse- nicaes. De todos os compostos do arsénico os mais uteis nesta moléstia são os orgânicos, principalmente o arrhenal; Debove, porém, diz que os ferruginosos são preferiveis para debellar a anemia brightica. Nas formas geraes da albuminúria, brightica, quando se tem de luctar contra a aglobulia e os temiveis accessos de uremia, de dyspnéa as inhalações de oxygenio tem prescripção inconcussa. E terminamos o nosso trabalho eivado de senões, e quiçá de erros, o qual, apezar dos ingentes esforços por nós empregados, está certamente aquém da meta que envidamos attingir. Impetra- mos, pois, dos nossos mestres benevolencia para aquelle que, adstricto ás exigências legaes, procurou pouco dizer do muito que ouviu. PROPOSIÇÕES CASSiANO GOMES 79 CHIMICA MEDICA I. As substancias albuminoides, profusamente distribuidas na eco- nomia animal, se compõem de hydrogeno, oxygeno, carbono e azoto a que se juntam por vezes o enxofre e o phosphoro. II. A sua constituição é muito complexa; Scliiitzemberger as considera, como productos derivados de substituição de uréa e oxamide III. Estas substancias soffrem no organismo hydratação e oxy- dação, tendo por termos últimos de sua transformação, a uréa, a agua e os ácidos carbonico e sulfurico. HISTORIA NATURAL MEDICA I. A chlorophylla age sobre a radiação total incidente, absor- vendo unia parte dos raios luminosos que esta encerra. II. Por sua vez a formação da chlorophylla exige a interven- ção da radiação luminosa. III. Absorvidas pela chlorophylla, estas radiações são trans- formadas pelos chloreucytos em duplo trabalho chimico: a decom- posição do acido carbonico e a synthese dos hydratos de car- bono. MATÉRIA MEDICA, PHARMACOLOGIA E ARTE DE FORMULAR I. Dá-se o nome de essencia a compostos diversos, geralmente oleaginosos, voláteis e aromáticos. II. As essencias são encontradas principalmente nas flores e nos fructos; raramente nas folhas, hastes e raizes. III. Podem-se preparar as essencias por expressão, dissolução ou distillação. 80 TMESE INAUGURAL ANATOM IA DESCEI PT 1 VA I. As capsulas supra-renaes, que são duas, uma direita e outra esquerda, estão situadas na parte postero-superior da cavidade abdo- minal, immediatamente acima dos rins. II. Compõem-se de um envolucro fibroso, e de tecido proprio subdividido em substancias cortical e medullar. III. O envolucro fibroso, assás delgado e resistente, adhere intimamenie ao tecido proprio, e é eonstituido por feixes de te- cido eonjunctivo, tangencialmente dispostos na superfície do orgão, e por fibras musculares lisas. ANATOMIA MEDICO-CIEUEGICA I. O collo da bexiga compõe-se de mucosa, espliincter, vasos e nervos. II. O esphinctor é eonstituido por um anel muscular espesso situado immediatamente abaixo da mucosa, e abrange o terço pos- terior da porção prostatiea da uretbra. III. Este musculo tem por funcção oppôr-se á saida incessante da urina. Entreabre-se, não só sob a infiuencia da pressão exer- cida pelo liquido, como também pela acção da camada profunda das fibras musculares da bexiga. HISTOLOGIA I. O sangue é formado de duas partes distiuctas: uma liquida ou plasma, outra solida coustituida por elemeutos figurados de formas e dimensões variaveis. II. Os elementos figurados apresentam se sob a forma de cor- púsculos de tres variedades: umas tem a coloração amarello-clara, são pequenos, numerosos e denominam-se liemacias; outros, em menor numero, são incolores e mais volumosos--os leucocytos; a CASSIANO GOMES 81 terceira variedade affecta a forma de pequenos corpos, isolados ou grupados—são os hematoblastos de Hayem. II. As hemacias dos mammiferos tem a fornia de um disco biconcavo; e as dos oviparos são ellipticas e biconxxeas. PHYSIOLOGIA I. Os rins são um dos priueipaes orgãos depuradores do sangue. II. As variações de composição, que a urina experimenta, indicam de modo claro e evidente a maneira pelo qual se eífeitua esta fuucção essencial. III. O estudo das modificações, porque a urina passa nas diffe- rentes moléstias, fornece as mais preciosas indicações sobre o seu diagnostico e prognostico. AísTA#ÒMIA E PHYSTOLOGIA PATHOLOGICAS I. Degeneração amyloide é o deposito, em certos orgãos de uma substancia transparente, komogenea, que, por sua reacção chi- mica, aj>proxima-se das substancias amyloides; mas, que, pela pre- sença de azoto, se approximam pas materks albuminoides, II. A denominação de — degeneração amyloide—dada por Virchow, baseando-se 1:1a reacção que dà o parenchyma renal doente com a tintura de iodo, é errónea, pois a substancia que infiltra a cellula do rim é de natureza albuminoide. III. A’ degeneração amyloide do rim associam-se habitual mente a do baço, figado e túnica muscular do intestino. BACTERIOLOGIA I. A tuberculiua é um extracto glycerinado das culturas da tuberculose. II. Sem acção, quando introduzida pela bocca, é ao contrario muito activa, quando se a injecta pelas vias hypodermica ou san- guínea. 82 THESE INAUGURAL III. ITo homem são torna-se preciso um centimetro cubico da lympha de Koch para produzir uma elevação da temperatura a 38?; no tuberculoso, porem,uma dose de 1 a 3 millimetros culvcos basta para provocar symptomas hypertoxicos. OBSTETRÍCIA I. A placenta é formada por uma massa flacida, regularmente arredondada, de côr vermelho escura, mais espessa no centro que na peripheria, apresentando duas faces. II. A face uterina é ligeiramente convexa, e dividida em coty- edous cobertos por uma camada delgada da caduca utero-placen- taria. III. A face fcetal é lisa, esbranquiçada e coberta pelo ehorion e amnios. THERAPEUTICA I. Sangria ou plilebotomia é a emissão sanguinea determinada pela abertura de uma veia. II. A sangria chamou-se derivativa, quando empregada para moderar uma perturbação circulatória, e depurativa, quando para subtrair do sangue um principio toxico. III. A sangria depurativa tem formal indicação nas formas comatosa, dyspneica e convulsiva da uremia. PATHOLOGIA MEDICA I. A moléstia de Addison caracterisa-se por asthenia profunda, coloração brônzea dos tegumentos, symptomas dolorosos e pertur- bações gastro-intestinaes. II. As lesões essenciaes da moléstia de Addison asséstam-se nas capsulas suprarenaes e são de natureza tuberculo-escrofulosas, raramente cancerosas. 83 CASSIANO GOMES III. Pela insufficieneia ou suppressão da funcção suprarenal, accumula-se no sangue uma toxina que tem um poder curarisante, e attinge as extremidades das fibras nervosas motoras. PATHOLOGIA CIRÚRGICA I. A osteo-periostite albuininosa é uma forma especial da pe- riostite, caracterisada anatomicamente pelo accumulo sub-perios- tico de um liquido albuminosc. Ile E’ uma infecção osteo-myelitica attenuada, produzida, ou pelo staphylococcus pyogeues aureus, ou de natureza tuberculosa determinada pelo bacillo de Koch. III. A affecção começa por uma dôr aguda de uma região juxta- epiphysiaria, seguido de reacção inllammatoria c íluctuação. OPERAÇÕES E APPARELHOS I. A neplirectomia só é indicada, quando o orgão similar está perfeitamente sfio, e capaz de funccionar supplemeutarmente. II. Recorre-se a esta operação em certos casos de hemorrhagia traumatica, suppuração do rim, neoplasma. III. Geralmente effeitua-se esta operação pela via extra-peri toneal. - CLLNTCA PROPEDÊUTICA I. Os tumores do rim. direito distinguem-se dos neoplasmas hepáticos pela presença de uma zona tympanica entre a matrlez renal e a liepatica. II. Este symptoma falta, quando existem tumores renaes e hepáticos concomitantes e adherentes entre si. III. bestes casos a distincção faz-se, porque os tumores do ligado produzem deslocamentos respiratórios. 84 THESE INAUGURAI. CLINICA MEDICA, (1? cadeira'! I. A hysteria é uma nevrose. II. Pode ser convulsiva ou não. III. A hysteria convulsiva procede por ataques e a não con- vulsivas têm manifestações múltiplas. CLINICA MEDICA, (2:! cadeira) I. liem sempre é a melanodermia addisoniana o syinptoma inicial da moléstia brônzea. II. A pigmentação primeiro irrompe nas partes expostas ao ar e a luz. III. E’ o apparecimento da melanodermia que permitte firmar o diagnostico em casos indecisos. CLINICA CIRÚRGICA, (U cadeira) I. Além dos accidentes devidos á presença dos cálculos e da inflammação das vias urinarias, provocada pelo contacto delles, a não expulsão da urina, quer por um vicio de conformação, quer por um corpo extranho determina a dilatação dos cálices e do bassinete por excesso de um liquido a principio urinoso, e depois de appa- rencia sorosa—é a hydronephrose. II. Esta não se apresenta sempre com o mesmo aspecto, pois as condições determinantes da affecção modificam o rim pela alte- ração que soffre o liquido. III. A hydronephrose só é apreciável, quando o tumor adquire grande volume, o diagnostico é diflicil, o prognostico grave e o tratamento exclusivamente cirúrgico. CLINICA CIRÚRGICA (2? cadeira) I. O plileginSo perinepliretico calculoso pode irromptr na re- gião lombar, umbilical, no intestino, nos bronchios e determinar uma fistula. CASSIANO GOMES 85 II. Quando a fistula tem por origem o rim, cliama-se renal; quando é oriunda da atmosphera cellulosa, perirenal. O liquido que escapa pode ser purulento, ou urinário III. Si o orifício fistuloso communica-se á pelle, a fistula é reno- cutanea, sendo muito frequente as da região lombar, as mais das vezes ui o-purulentas. CLINICA PEDIÁTRICA I. A poliomyelite infantil desenvoive-se principalmenté nas creanças de 1 a 3 annos. Começa por um periodo agudo, febril e paralytico, e termina por uma phase cbronica, apyretica e atro- pliica. II. A. sua etiologia é obscura; tem-se alternativamente attri- buido-a ao frio, á dentição e ás moléstias infectuosas. III. Esta paralysia atrophica da infancia tem grande afíini- dade com a paralysia espinhal aguda dos adultos, e com a atrophia muscular progressiva. CLINICA OBSTÉTRICA F GYNECOLOGICA I. A coccygodynia assignalada por Nott e Simpson é exclu- siva ás mulheres, e está ligada as affecções do apparellio genital. II. Manifesta-se com lesão concomitante do útero e do ovário? e foi por Courty comparada a uma nevralgia. III. Pelo insuccesso dos agentes tlieurapeuticos, é a extirpação do coccyx o meio mais segui o de sanal-a. CLINICA DERMATOLÓGICA E SYPH1LIGRAPHICA I. A syphilisação foi praticada pela primeira vez por Auzias Turenne em 1844. II. Tentou-se utilisal-a, quer como meio preventivo nos indivi- duos indemnes de syphilis, quer como processo curativo nos syplii- liticos inveterados. 86 THESE INAUGURAL III. A syphilisação preventiva deu resultados desastrosos, e a curativa constantes insuccessos. ‘ CLINICA OPHTALMOLOGICa I. O glaucoma é uma moléstia complexa caracterisada pelo augmento rajudo, ou lento da pressão intra-ocular, determinando alterações anatómicas e funccionaes, e a excavação da pupilla optica. II. Divide-se em glaucoma agudo, clironico, inflammatorio ou simples, hemorrliagico e secuudario. III. Salvo nos casos de intervenção opportuna, o resultado 6 sempre a cegueira absoluta que se acompanha de dores orbitarias, continuando o globo ocular a desorganisar-se. O seu tratamento cirúrgico consta de duas operações, exclerotomia e iridectomia, às quaes juntam-se as paracenteses da camara anterior. MEDICINA LEGAL E TOXICOLOGIA I. Desde a antiguidade o segredo medico é elevado á altura de uma lei moral. II. O codigo penal francez condemna toda e iufracção do se- gredo medico. III. A legislação brasileira pune todo aquelle que revelar um segredo, de que estivér de posse por officio, emprego ou profissão. HYGIENE I. Entre os phenomenos que oecasiona o contacto dagua e do solo a influencia capital pertence á força attractiva em virtude da qual as molleculas liquidas se adherem entre ei e á superfície das partículas solidas do terreno. II. Esta adhesão mellecular por mais fraca que seja determina acções capillares nos poros nimiamente finos, experimentando estes, CASSIANO GOMES 87 pelo contat to com a agua, um entumecimeuto que diminue os es- paços lacunares. III. As attracções molleculares exercem-se não sómente nos liquidos que penetraram nos meatos capillares do solo, como tam- bém nos diversos corpos em suspensão nestes liquidos e nas subs- tancias nelles dissolvidas. CLINICA PSYCHIATKiICA E DE MOLÉSTIAS NEEYOSAS I. O delirio é uma perversão das funcções psychicas; é uma perturbação da ideação. IT. E’ um symtoma frequente da uremia, constituindo a forma delirante. III. Nesta affecção pode o delirio apresentar a forma de mania, simular a alienação e provocar a loucura brightica. Fisfo. Bahia e Secretaria da Faculdade de Medicina da Bahia, 28 de Outubro de 1903. O Secretario, Dr. Menandro dos Beis Merrelles.