FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA THESE APRESENTADA Á FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA Em 31 de Outubro de 1911 PARA SER DEFENDIDA <-J^aílcl&co Qg oSiJleâ POR Filho legitimo do Dr. Francisco de Salies Gomes e An na LUian de Saltes Gomes (Ex-lnterno da Clinica Optitalmologlca) Natural do Estado de S. Paulo AFIM DE OBTER O GRAU DE Doutor em Me dl ei na DISSERTAÇÃO o Historico, Tratamento e Prophylaxia do Trachoma CADEIRA DE CLINICA OPHTALMOLÓGICA PROPOSIÇOES Tres sobre cada uma das cadeiras do curso de sciencias medico-cirurgicas OFFICINAS DO «DIÁRIO DA BAHIA» 101—PRAÇA CASTRO ALVES—101 BAHIA 1911 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA DIREGTOR—Dr. Augusto Gesar Vianna VICE-DIRECTOR— SECRETARIO — Dr. Menandro dos Reis Meirelles SOB - SECRETARIO—Dr. Matheus Vaz de Oliveira Dr. Manoel Augusto Pirajá da Silva—Historia natural medica. Ur. Pedro da Luz Carrascosa—Physica medica. Dr. José Olympio de Azevedo—Chimica medica. Dr. Antonio Pacifico Pereira—Anatomia microscópica. Dr. José Carneiro de Campos—Anatomia descriptiva. Dr. Manoel José de Araújo—Physiologia Dr. Augusto G- Vianna—Microbiologia. Dr. Guilherme Pereira Rebello—Anatomia e Physiologia pathologicas. Dr. Fortunato Augusto da Silva Junior— Anatomia medico-cirurgica com ope- rações e apparelhos. Dr. Anisio Circundes de Carvalho—Clinica medica. Dr. Francisco Braulio Pereira—Clinica medica. Dr. João Américo Garcez Fróes—Clinica medica. Dr. Antonio Pacheco Mendes.—ÇJlinica cirúrgica. Dr. Braz Herinenegildo do Amarâl—Clinica cirúrgica. Dr. Carlos Freitas—Clinica cirúrgica. Dr. Francisco dos Santos Pereira—Clinica ophtalmologica. Dr. Eduardo Rodrigues de Moraes—Clinica oto-rhino-laringologica. Dr. Alexandre E. de Castro Cerqueira—Clinica dermatológica e syphiligraphiea. Dr. Gonçalo Moniz Sodré de Aragão—Pathologia geral. Dr. José Eduardo F. de Carvalho Filho—Therapeutica Dr. Frederico de Castro Rabello—Clinica pediátrica medica e hygieno infantil. Dr. Alfredo Ferreira de Magalhães—Clinica pediátrica cirúrgica o orthopedia. Dr. Luiz Anselmo da Fonseca—Hygiene. Dr. Josino Correia Cotias—Medicina legal. Dr. Climerio Cardoso de Oliveira—Clinica obstétrica. Dr. José Adeodato de Souza—Clinica gynecologica. Dr. Luiz Pinto de Carvalho—Clinica psychiatrica e das malestias nervosas. Dr. Aurélio Rodrigues Vianna—Pathologia medica. Dr. Antonino Barptista dos Anjos—Pathologia cirúrgica. PROFESSORES EXTRAORDINÁRIOS EFFECT1VOS Dr. Egas Muniz Barreto de Aragão—Historia natural medica. Dr. João Martins da Silva—Physica medica. Dr. Pedro Luiz Celestino—Chimica medica. Dr. Adriano dos Reis Gordilho—Anatomia microscópica. Dr. José AtTonso de Carvalho —Anatomia descriptiva. Dr. Joaquim Climerio Dantas Bião—Physiologia. Dr. Augusto de Couto Maia—Microbiologia Dr. Francisco da Luz Cárrascosa—Pharmacologia. Dr. Júlio Sérgio Palma—Anatomia e histologia pathologicas. Dr. Eduardo Diniz Gonçalves — Anatomia medico-cirurgica com operações e apparelhos. Dr. Clementinc da Rocha Fraga Juuior— Clinica medica. Dr. Caio Oclavio Ferreira de Moura—Clinica cirúrgica- Dr. Clodoaldo de Andrade—Clinica ophtalmologica. Dr. Albino Arthur da Silva Leitão—Clinica dermatológica e syphiligraphiea. Dr. Antonio do Prado Valladares—Pathologia geral. Dr. Frederico de Castro Rebello Koch—Therapeutica. Dr. José Aguiar de Costa Pinto—Hygiene. Dr. Oscar Freire de Carvalho—Medicina legal. Dr. Menandro dos Reis Meirelles Filho—Clinica obstétrica. Dr. Mark) Carvalho da Silva Leal—Clinica psychiatrica e das moiestias nervosas. Dr. Antonio do Amaral Ferrão Muniz—Chimica analytica e industrial. PROFESSORES EM DISPONIBILIDADE Dr. Sebastião Cardoso. Df. João E. de Castro Cerqueira. Dr. Deocleciano Ramos Dr. José Rodrigues da Costa Dorea. PROFESSORES ORDINÁRIOS A Faculdade não approva nem reprova as opiniões emittidas nas theses que lhe são apresentadas. Dissertação CADEIRA DE CLINICA OPHTALMOLÓGICA Historico, Tratamento e Prophylaxia do Trachoma CAPITULO I Histopico Sobre o ponto qne escolhemos para servir de assumpto á dissertação da nossa theSe, disse o Dr. Frank Judson Parker: «não existe nos annaes de ophtalmologia moléstia alguma sobre que tanto se tenha escripto, como a que se denomina tra- choma». As numerosas publicações dos oculistas, e as discussões travadas em quasi todos os congressos médicos onde vem á baila o assumpto, dão logo a entender a insufíiciencia actual dos nossos conhe- cimentos sobre a conjunetivite granulosa. O trachoma, moléstia reconhecidamente con- tagiosa e de marcha chronica, é considerado pela maioria dos auctores competentes no assumpto, um mal oriundo do Egvpto, e, no que diz respeito á sua antiguidade, é eloquente a palavra de J. PoIdt que o considera «tão antigo, como o proprio Nilo». Bem còdo se transportou aos outros paizes afri- canos e asiaticos, que occupavam naquellas épocas immemoriaes a vanguarda da civilisação. 2 A invasão e tomada do Egypto pelos Hycsos, povos pastores, vindos do norte da Arabia, que dominaram durante alguns séculos; as conquistas levadas pelos novos pharaós, seus successores desde Amosis, até Arabia, Syria, Ethiopia e Mesopo- tamia; a conquista do Egypto por Cambyses e- o dominio persa que sobre elle pesou dois séculos; além de muitas outras causas podem ser apon- tadas como responsáveis pela disseminação do trachoma nos paizes africanos e asiaticos. Sem sabermos ao certo o momento em que da Asia e África o mal foi levado á Europa, todavia pode-se dizer que esta importação foi uma das consequências do estreitamento das relações entre os povos, ou por intermédio das guerras, ou por meio do commercio. Os auxilios prestados por aventureiros gregos a Psammetico para restabelecer a unidade monar- chica no Egypto; a precipitação do império persa sobre a Europa para abafar a revolta das colonias gregas da Jonia, donde resultou uma campanha de quasi meio século, (pie pôz em contacto com os europeus os povos das regiões suspeitas da Asia e da África; a volta para a Grécia dos 10.000 lieroes, commandados de Clearco, e cantados por Xeno- plionte, os quaes se haviam afastado de um exer- cito persa de 900.000 homens; as conquistas de Alexandre Magno, as tres guerras púnicas que 3 duraram 45 annos, entre outras causas mostram em que remotas épocas o trachoma visitou a Europa, permanecendo ahi depois em estado endemico. Em summa, o espirito aguerrido dos povos an- tigos, fez que por muitos annos, atravessando idades, as pelejas fossem constantes senão perma- nentes, e é esta a causa primordial que deve ser invocada para explicar a expansão do mal. Quando a medicina grega passou das mãos dos sacerdotes para a dos pliilosophos, e a Grécia assistiu a luta da medicina mystica dos templos com os novos rivaes, as moléstias oculares já tinham bastante desenvolvimento, tanto assim que já figura na historia da medicina grega um certo Artémis que tratava exclusivamente as aíTecções dos olhos. vEtius diz ser de Diágoras um collyrio de grande efíicacia na ophtalmia chronica. 0 historiador Herodoto em seos escriptos fala das epidemias desta moléstia, e Deodoro da Sicilia refere também que em sua epoca ella fez no Egypto numerosas victimas. Pelos egypcios estava o trachoma collocado, entre as suas trinta moléstias oculares, com a de- nominação de hetae. Hippocrates em seu livro Tieplouvos descreve com clareza esta aífecção, e cogita do seu trata- \ mento medico e cirúrgico. \ 4 Galeno já conhecia as rugosidades palpebraes e denominava - as trachoma. Celso considerava as granulações uma conse- quência da moléstia, e, tomando por base o modo de evolução d’estas granulações, apresentou uma divisão do mal em—sclerophtalmia ou tarsite, e trachoma, reservando ainda a denominação si/posis para o periodo cicatricial. Conhecido ainda por Dioscorides, /Etius, Plu- tarcho de Cheronéa, Alexandre de Tratles e íMoses que dizia em um dos seus aphorismos: «olhar ílxa- mente um trachomatoso é bastante para fazer en- cher os olhos dagua», foi ainda bastante estudado pelos arabes da idade media, para depois perma- necer em um grande silencio por parte dos cultores da sciencia medica. A Europa recebera nova leva de orientaes com a invasão dos barbaros, portanto augmentado foi o numero de granulosos, reforçada foi a endemia que continuava, ceifando vistas, mutilando exis- tências, perseguindo a collectividade, produzindo com mais ou menos intensidade, porém sem os paroxismos das epidemias, os seus maléficos effeitos, devastando não com mortandade, mas inutilisando pela cegueira milhares de ho- mens. Ainda na idade media nova occasião se declarou propicia ao trachoma para a sua disseminação na 5 Europa: tal foi o regresso dos cruzados, da terra santa. Data dabi a fundação do asvlo dos Quinze-vingts, por Luiz IX, o santo, destinado a receber 300 palmeiros cegos. A conjunctivite granulosa, por levas continuas, havia firmado os seus arraiaes no velho mundo, e em Westphalia no armo de 1701 uma epidemia reinou de modo assolador. Bonaparte, depois da campanha da Itália, em- prehendeu a conquista do Oriente, e, a 19 de Maio de 1798 partia de Toulon, levando sábios, dese- nhistas, etc., c os veteranos da sua ultima campa- nha para «esse berço das grandes coisas». Em Julho do mesmo armo chegava ao Egypto, desembarcando com 32.000 homens, «que soffre- ram, em geral, uma violenta inflammação dos olhos. Os franceses occuparam Alexandria e o Cairo; mas a derrota de Aboukir, o regresso de Napo- leào, a morte de Kleber, a rendição de Menon, obrigou-os a abandonarem o Egypto que cahiu em poder dos ingleses (1800, 1801,1803). O trachoma manifestou-se na Europa de um modo mais intenso, do que até então se havia visto. «Nas guerras do Império, no século XIX, os exercitos francez e inglez, já contaminados da campanha do Egypto, disseminaram novamente a moléstia entre os exercitos das outras nações». 6 No exercito inglez em 1818 havia 5.000 inváli- dos pela cegueira; no exercito russo, de 1816 a 1839, 76.811 casos de conjunctivite granulosa foram notificados; e no exercito prussiano, de 1813 a 1817, 20.000 a 25.000 casos de ophtalmia granulosa. Os outros paizes não ficaram indemnes. De todos o que mais softreu foi a Bélgica, prova- velmente por constituirem os belgas um forte con- tingente das forças de Bonaparte. No exercito belga em 1840 a proporção de tracliomatosos era de 20 •/. . Tão alastrado assim no exercito um mal reco- nhecidamente contagioso, não podia também esca- par de ser victima delle a população civil. Estando a Bélgica grandemente infectada, o go- verno na necessidade de melhorar a sorte de seus soldados, constituiu uma commissão composta dos mais celebres médicos do seu paiz e da qual fez parte o Dr. Yungken, professor de ophtalmologia da faculdade de medicina de Berlim, para estudar um meio de diminuir a extensão do mal. O veredictum da commissão, mandando voltar aos seus lares os soldados aífectados, foi um ver- dadeiro desastre, porquanto innumeros doentes haviam de formar ao redor de si pequenos fócos, dando mais uma parcella para o total dos traclio- matosos da Bélgica. Terminadas as epidemias, e não se apresentando 7 mais com muita frequência os casos cie forma aguda, e sim chronica, não mais foi cuidado o tra- choma, como merecia, e alguns paizes da Europa continuaram a ser victimas de um mal (pie agia clandestinamente. A Italia, era um dos paizes, entre muitos outros, que podia medir de perto as consequências do trachoma. As suas cidades, em grande numero, estavam infectadas, com especialidade os portos de mar, e, a tal ponto estes, que o professor Fortunato não temeu affirmar que em alguns portos da Sicilia e da Sardenha, toda a população é normal mente trachomatosa. Para a America, o trachoma foi trazido em grande quantidade, quando se estabeleceram as correntes immigratorios da Italia, principalmente para os Estados Unidos. Os emigrantes representam sempre as classes inferiores e mais necessitadas do paiz, e é justa- mente nesta que a conjunctivite granulosa encontra campo mais apto para o seu desenvolvimento. Percebida a invasão do mal, e reconhecida a origem, antevendo os perigos que poderiam advir, o governo Americano promulgou uma lei prolii- binclo desembarcarem em seus portos colonos granulosos. Estava dado o primeiro passo. Por sua vez o governo italiano não permittia embarcar 8 os seus súbditos atacados de traclioma, porque, reconhecida como era a contagiosidade principal- mente nas aggremiações, os immigrantes sãos che- gariam aos seus destinos contaminados, peia con- vivência a bordo, onde pequenas as dependencias e máu o trato, seria certo adquirir a moléstia. Os inspectores italianos foram victimas de muitas espertezas. Individuos reconhecidamente doentes não compareciam ao medico do serviço de imrni- gração, sabendo ser-lhes recusada a passagem. Outros faziam uso de collyrios, principalmente de adrenalina com hydrochlorato de cocaina al- gumas horas antes de se subrnetterem ao exame, obtendo assim o descongestionamento da conjun- ctiva, prejudicando portanto o exame medico. II ludidas as auctoridades italianas, os im mi- grantes na certeza de não conseguirem illudir os americanos do norte, dirigiam-se com preferencia para a America do Sul, onde lhes seria facil o desembarque, sem ao menos serem incommo- dados por uma visita medica, que, com um olhar, pelo menos para constar, examinasse o conjuncto de immigrados. O momento em que começou no Braril a appa- recero traclioma passou despercebido á observação dos /médicos. Sem acreditarmos na existência do mal em nossos primeiros habitantes, antes da desco- 9 berta dos portuguezes, somos todavia levados a acceitar a opinião do Dr. David Ottoni, auçtori- dade no assumpto, que pensa ter apparecido o trachoma no Brazil, alguns ânuos depois do des- cobrimento da terra de Santa Cruz. Não enchergamos, como o iIlustre oculista, em Iracema, de José de Alencar, um typo tracbo- matoso, mas isto não nos inhibe de acreditar na possibilidade de existirem nas tribus selva- gens, alguns que já soíbessern de conjunctivite granulosa, transportada pelos colonos portugue- zes, ou pelos invasores francezes, que estiveram sempre em alternativas de allianea e de guerra com os naturaes das nossas selvas. Certos estados do norte do Brazil a principio foram os mais flagcllados. O Ceará principal monte, onde a invasão mór- bida era facilitada por ser um 'lugar secco, quente, arenoso, com grande intensidade de luz «a tal ponto esta ultima que pela manhã, acon- tece ás pessoas não habituadas a essa zona, terem necessidade de proteger os olhos com as mãos até pouco a pouco se acommodarem á tão viva claridade. Isso, facilmente se compre- hende, predispõe os otlios á moléstias diversas, não só á conjunctivite granulosa, mas parti- cularmente ao glaucoma». Com todas estas vantagens para facilitar o seu 10 desenvolvimento, o trachoma implantou-se pro- vavelmente nos diversos pontos daquelle estado, ou em 1603, quando Coelho de Souza, partindo dos sertões da Parahyba foi alliar-se aos indí- genas do Jaguaribe; ou em 1607, quando frei Francisco Pinto, em um emprehendimento de colo- nisação se dirigiu para aquelle estado; ou ainda, em 1609, quando Soares Moreno, conseguiu a alliança de Jacaúna, chefe dos Potyguaras, para ajudai-o na colonisação da terra da luz. Bastante razoarei e digna de credito portanto, é a aífirmativa do illustre Dr. David Ottoni, de que o trachoma no Ceará, vem de data bastante afastada. O Dr. Meton de Alencar em sua memória «Do trachoma no estado do Ceará» apresentada ao Sexto Congresso de Medicina e Cirurgia, reunido em S. Paulo de 5 á 15 de Setembro de 1907, disse, firmado em sua estatística e nos registros çlinicos do Dr. Moura Brazil e Dr. Meton de Alencar (pae) que o trachoma é conhecido no Ceará de muitos annos, onde «á falta dos cuidados liygienicos, espalhou-se a pouco e pouco aos difTerentes pontos do estado.» O notável oculista apresenta ainda em sua me- mória as diversas causas que favoreceram, e que ainda concorrem para a extensão do mal. O brilho solar de uma intensidade deslumbrante 11 não commum nos outros estados; as poeira» constituídas por partículas solidas extremamente finas, accarretadas pelos ventos, pousando e despertando uma irritação na conjunctiva são causas predisponentes á infecção trachomatosa. Esta infecção no Geará íoi levada a diversos pon- tos por muitos meios, porem contentar-nos-emos em citar em primeiro lugar os tropeiros e as seccas, para as grandes distancias, e em segundo os mosquitos, para as pequenas. Sendo muito atrazados os meios de transporte, eram os tropeiros que constituíam a grande massa de ambulantes conductores de generos e merca- dorias das cidades beira-mar ás cidades do interior c dos estados visinhos. Homens rústicos, descuidados de si mesmos, estavam sempre em contacto com negociantes syrios e turcos, em via de regra portadores do trachoma. Facil é comprehender-se serem estes homens infaccionados, e levarem ao destino dos seus generos o mal que os accommettia. Um outro grande factor na transmissão á dis- tancia é a secca, que obriga a população a emmi- grar de suas terras em busca do fertilíssimo valle do Cariry, «estabelecendo-se um doloroso cortejo em que a miséria, a fome e a sede resaltam á sim- ples vista dos semblantes eaqualidos e combalidos daquella infeliz gente». 12 «Alguém que tenlia presenciado uma só vez, este espectaculo da dor e da miséria, facilmente com- prehenderá como esta gente possa servir de oplimo campo para a disseminação trachomatosa, e qual- quer outra moléstia epidemica». Aos alvores de melhores tempos, espalha-se a população accumulada no Cariry, e em todos os sentidos começam a viajar famílias as mais das vezes doentes em sua totalidade. No inverno, coincidindo com a colheita daspinhas, prolifera nas zonas productoras, de um modo assus- tador, uma variedade de mosquito, formando verda- deiras nuvens ao redor das arvores, chegando a transformar «a côr branca de jaspe dos fructos em parda escura». A população é em sua maioria atacada pela con- junctivite de Weeeks, predispondo esta á intecção trachomatosa, provavelmente transportada meca- nicamente pelos mosquitos, mansos de natureza e que, com frequência são encontrados no sacco con- junctival. Já chegado ao conhecimento do povo, pela obser- vação constante, que as frequentes ophtalmias an- nuaes coincidem com a colheita das atas, foram estes fructos incriminados responsáveis pelo tra- balho executado por um nosso concurrente em sa- boreal-os Não descreveremos aqui os outros meios de coir 13 tagio, porque são os mesmos que se dão commum- mente, dos diversos lugares, que tem sido visi- tados pela conjunclivite granulosa. O traclioma, tjiie encontrou no Estado do Geará, um conjuncto de faetores para taci ii tara sua invasão, grassou de um modo assustador, e, grande numero de localidades foram invadidas, como podemos ver no quadro que apresentamos. Distribuição ckograpíib:a do qcadro demon- strativo O 11(1 A X ISA D0 PELO DP,. M KTON ALENCAR, COM \226 DOENTES TRACÍIOMATOSOS POR ELLE TRATADOS NO ESTADO DO CEARÁ. Fortaleza. . . Tií) •Porangaba . . b» Mucuripa. . . i7 MaCejana. . . 15 Aquiraz. ... 7 Mundubim . . 2 Guayuba ... 3 Massacanalui . 2 Maranguape . 25 Acarapé ... 17 Pacatuba. . . 8 Aracoyaba . . 1 Pentecostc . . 4 Tauliá .... 1 Pacoty .... 1 Kiachão ... 4 Vasante ... 1 Aracaty ... 7 Trachiry ... 2 Balurité . . . 52 I p ú 23 < Miixadá ... 8 Castro .... 2 Campo l.ello . 1 nuixcramobim 3 Saboeiro ... 2 Cascavel ... 0 Sobral .... 5 Crato 128 Lavras .... 2 Arraial.... 2 Icó 7 Agua Fria. . . 2 Barballio ... 5 Inhamuns . . 5 Aoarahú ... 2 Cangatv ... 4 Itapipoca. . . 18 S. Bento ... 4 MorracU Nova 2 S. Gonealo . . 2 S. Fran< isco de Uburetama. 3 S. 15 e r na r d o dos Russos. ‘2 Ibiapina ... 3 Soures .... 5 Guarany ... 2 Brejo 1 Catinga. ... 1 Cachoeira. . . ! Poço de Pedra 1 Beberibe ... 1 SanfAnna do Cariry ... 1 Palmeiras . . 1 Milagres ... 1 14 Diz o Dr. David Ottoni: «ao voltar da Europa em J887, tendo visitado os estados do sul do Brazil levei meu passeio ao Estado Oriental, a Montividéo, frequentando a clinica do illustre Dr. Castro, no Hospital de Caridade; ahi também vi alguns gra- nulosos, na maior parte brazileiros, procedentes de Matto Grosso. Tive curiosidade de saber se a moléstia de que soíTriam fôra contrahida de extran- geiros, ou adquirida no proprio paiz, e verifiquei que na margem brazileira do Paraguay, em Matto Grosso, são frequentes os casos de traehoma, não tendo portanto havido para estes doentes a im- portação)). Matto Grosso e Goyaz, dois grandes desertos para a população que possuem, já desde o inicio de nossa colonização, haviam sido visitados de um lado pelos intrépidos bandeirantes, em busca das montanhas de oiro; de outro lado os jesuítas, taes como Antonio Vieira, Chnstovam de Lisboa, se arro- javam pelas florestas immensasem busca do gentio, paraeducal-o na religião de Christo, chegando então até ás vertentes do Tocantins. Emprehendimentos vários se fizeram, e, quando Bueno da Silva alcançou as vertentes do Araguaya, já encontrou lá Antonio Pires de Campos. A Europa estava grandemente infectado, como vimos nas considerações precedentes; portanto Portugal, alheio á hygiene e ao progresso desde 15 a media idade, obcecado pelo ouro, devia ter sua população bastante atacada pela conjunctivite granulosa. Como grande numero de portuguezes acompa- nhavam aos paulistas em suas entradas pelas florestas de Mat.to Grosso e Goyaz, é possível que em diversos pontos destes immensos territórios, o trachoma fosse implantado nesta epoca. Um outro contingente, bastante mais numeroso, provavelmente de trachomatosos recebidos no Brazil, foi o elemento escravo. Coincidiu com a importação negra, o inicio da observação medica no Rio de Janeiro relativamenle á conjunctivite granulosa. Em 1708 a commissão encarregada de estudar as moléstias epidemicas do Rio de Janeiro, fez figurar entre outras, a ophtalmia Egypcia, que se manifestou primeiramente nos depositos africanos do Vallongo, propagando-se em seguida pela população urbana. Quando em 1831 e 1840 o trafico se tornou mais abundante, novas epidemias appareceram. Victoriosa a 13 de Maio de 1888 a campanha abolicionista, os escravos abandonaram a lavoura, mas desde então correntes immigratorias encami- nhadas para o Brazil resolveram, ao menos no sul, a crise de falta de braços para o trabalho. Verdade é que já em 1887 tiveram entrada no paiz 33.310 16 colonos que em sua totalidade procuraram o Es- tado de S. Paulo. Apresentaram-se então diversos casos de con- jimctivite granulosa notificados pela observação medica. ' Se antes desta epoca, o que é provável, já existia granulosos em S. Paulo, eram estes em tão pequeno numero que o Dr. Gad, clinico de especialidade ophtalmologica naquelle estado du- rante muitos annos, não trepidou em aíTirmar no Congresso de Copenhague em 1884 «nunca ter observado em sua clinica um só caso de trachoma». Estabelecida e firmada a corrente immigratoria para o Estado de S. Paulo, procuravam todos a zona d’Oeste, rica pela producção do café, e surgiram então, como por encanto, grande nu- mero de cidades, que figuram no Estado entre as mais progressistas. Bem acolhida a emigração, melhor ainda foi o trachoma, que encontrou ahi causas adjuvantes, que vamos ver com a transcripção de algumas linhas do illustrado ophtalmologista Dr. Euzebio de Quei- roz. «O pó fino, o calôr secco e a existência de pe- quenas moscas que transmittem a moléstia dos olhos contaminados para os sãos, alem das nidi- mentaes noções de asseio dos colonos, são os 17 principaes factores do grande desenvolvimento que tomou a moléstia. Dos colonos estrangeiros infeccionados passou a moléstia aos nacionaes, e, pelo pessoal domestico, aos proprietários das fazendas, principalmente ás crianças, que mais em contacto estão com os fâmulos. Outro factor para o desenvolvimento da con- junctivite granulosa, no Oeste de S. Paulo, é, a frequência, na primavera e no verão, da con- junctivite catarrhal aguda de Weeks, que ataca indistinctamente grande parte, das populações ruraes e das cidades, facilitando, pela sua grande secreção, o contagio do trachoma; peiorando os que já se acham affectados e contaminando os indemnes, que ficam, pelas lesões produzidas pela conjunctivite de Weeks aptos para contrahirem a ophtalmia granulosa. Nuvens de pequenas moscas acompanham os doentes e concorrem para a propagação do mal,, sendo commum, ao revirar-se as palpebras, para se fazer o curativo, encontrar-se no fundo do sacco conjunetival, um destes pequenos insectos deno- minados mosquito polvora pelos habitantes da região». Emquanto o trachoma assolava desde o seu inicio as actuaes florescentes cidades do Oeste, o governo sanitario não poude lhe prestar a attenção que 18 merecia, porque estava preoccupado com a extinc- çào de dois grandes males: a variola que logo cedeu o terreno, quando combatida pela descoberta de Jenner, e a febre amarella que só foi considerada extincta depois da ultima epidemia de 1903. Olvidadas as novas cidades, esquecido também foi o trachoma que firmou seus direitos por antiguidade, de modo que o Estado teve muito que dispender na lucta contra o mal, não conse- guindo ainda eliminal-o do quadro das moléstias contagiosas que se desenvolvem em S. Paulo. O trachoma firmou com segurança os poderosos aliceroes da sua implantação, e reforçado com a continua chegada de immigrantes, julgava-se inex- pugnável. O reforço já não se faz. S. Paulo não acceita mais granulosos, e procura exterminar pela cura os trachomatosos domici- liados em seu solo. Uma primeira investida foi coroada de exito brilhante, portanto uma segunda faz mister para completar os eíleitos beneficos da iniciativa. O mal está entrincheirado no Brazil e uma lucta tenaz deve ser contra elle emprehendida. Foi o que teve inicio em S. Paulo, sob os auspiciós do governo sanitario. Mas nos outros estados, principal mente nos do norte, vicliraas da incapacidade dos seus governos, 19 a ophtalmia granulosa não tem encontrado uma reacção salutar, de modo que, de uma forma endé- mica, porem sempre crescente, os casos se apre- sentam, e é ainda o trachoma um dos grandes factores da cegueira, tão commum em nosso paiz. Na Bahia caminha a passos largos o desenvol- vimento do trachoma. O poder municipal, na área de sua fiscalisação, já o considerou moléstia contagiosa, e um estudante pelas columnas do Jornal de Noticias, apresentou as colonias arabe e turca, como causas do augmento do mal. Estes, em sua maioria, negociantes ambulantes, habitando muitos um mesmo tecto, contaminam-se e de caixas ás costas vão espalhando pela Bahia um mal que lhes é commum. A frequência muito maior de granulosos, que tem procurado o Hospital Santa Izabel, e a vinda destes de localidades muito afastadas uma das outras, mostram o augmento da moléstia e a sua diffusão pelo estado. E os poderes competentes não abrem os olhos ao desenvolvimento do trachoma, que se espalha *Ie um modo tão patente e rápido.! CAPITULO II Tpatamento No quadro das moléstias oculares, é, com razões sufficientes, a conjunctivite granulosa considerada entre as mais terríveis, não só por sua marcha, enganosa na manifestação e quasi sempre tendente ao estado clironieo, mas também pelas perturba- ções afastadas e bastante frequentes, que o mal determina para o lado da eornea e das palpebras. Soberbas razões têm F. Brun e X. Morax, quando classificam o trachoma um mal terrível, pela sua contagiosidade e difíiculdade do tratamento. Esta difíiculdade provem, não da falta de medi- camentos, porque muitos ha no grande numero dos apresentados até hoje, que têm um valor re- conhecidamente benefico, mas de eíTeito tardio; de modo que os doentes, quer da clinica civil, quer da hospitalar, no fim de algum tempo, já não mais procuram tratamento, desde que con- seguem um pouco de melhora do estado que os afíligia. 22 São frequentemente homens que ganham hoje para o sustento de amanhã, carregados de uma prole maior ou menor, e por isso impossibilitados de se entregarem á inactividade de um trata- mento longo, como o que actualmente possuímos. As melhoras subjeetivas são suflicientes, e na doce illusão de não mais voltarem os symptomas que os haviam levado aos médicos, os clientes retiram-se para voltarem no fim de algum tempo muito peiores, como são frequentemente as re- cahidas. 0 tratamento é ainda no estudo do trachoma, um capitulo que muito interessa aos ophtalmo- logistas, e como muito bem diz Meyer «exige muito tacto e prudência.» Os antigos não desconheceram a eflicacia de certos tratamentos, alguns dos quaes são ainda, na actualidade, atravéz de dezenas de séculos, empregados sem grandes modificações. Hippocrates praticava o tratamento cirúrgico, que consistia em esfregar as palpebras reviradas, com fios de pura lã de Miléto, enrolados a uma das extremidades de um fuso, evitando cuidado- samente lesar a tarsa e tocar a cornea, e em se- guida procedia a massagem com um topico, tendo por base o oxvdo de cobre. Celso admittia os meios cirúrgicos unicamente em certos casos muito antigos e avançados da 23 moléstia, quando ha ao mesmo tempo exuberância e hypertrophia das granulações. Quanto aos outros casos, elle se limitava ao seu tratamento medico e diethetiço. Encontra-se no seu livro «Celsi de medicinae» um collyrio de seu uso, onde entram o sulfato de cobre, o oxydo de zinco e o trisulfureto de antimonio. Dioscoride resuscitou muitos dos processos mys- teriosos da medicina pre-hippocratica. Quando o filho de Linus tinha sob as suas mãos os destinos da Thracia, amante e cultor da poesia e da medicina, não podia afastar da primeira as inspirações da segunda. Assim não é raro vermos Orpheo em um dos seus poemas referir-se ás virtudes curativas da agatha misturada ao leite nas dores do globo ocular, e ao mel nas dores palpebraes.. Dioscoride, ha mais de meio do primeiro século da era christã, proclama o valor do tratamento cirúrgico do trachoma, preconisado por Hippo- crates, completado por collyrios de folhas de figueira, de escamas de crustáceos. Também se uti- lisa das lancetas. 0 uso do mel que já vinha dos tempos lyricos da medicina, era também abraçado por Diosco- ride, que o empregava, como topico, juntamente com os oxydos de zinco, de ferro, de cobre e o sulfato deste pulverisados. 24 Estudando os sinetes usados pelos médicos romanos do segundo século da nossa era, com que se esculpiam nos medicamentos o nome do clinico eo lima que os destinava, Thedenat,Sichel, Desjardins mostram como eram então frequentes as granulações, e que ingentes esforços se emprega- vam, em differentes paizes, para o tratamento do trachoma «Á DAS P. ad aspritudines», lia-se ao lado dos collyrios contra as granulações. Os agentes therapeuticos mais usados nesta epoca eram os seguintes: O coilyrio crococUs, o mais frequentemente em- pregado contra as granulações, encontra-se doze vezes citado nos carimbos ad aspritudines. Para Galeno este coilyrio compunha-se de duas partes: uma vegetal representada pelo crocus ou açafrão, e outra metallica, entre os quaes parece figurar, com muita probabilidade o cobre. Para Desjardins os collyrios crocodes eram pre- parados com o sub-carbonato de ferro. «O Penicillium lene, mencionado em 14 carimbos contribuía, segundo Desjardins, para alliviar os granulosos. Segundo Plinio este coilyrio servia papa lavar os olhos e limpar os cilios». *A interpretação da palavra diamisyus ou misy, bastante usada, deu lugar a muitas discussões. Uns pensavam ser um oxydo de mercúrio, outros um 25 sub-sulfato de ferro hydratado (Haussmann). Plínio tinha-a por urna mistura de pedra calcinada, e cinza de pinheiro, o que não é adinttido em nosssos dias. E’ mais acceitavel a opinião de Dios- coride e Galeno, que o discrevem, como um pro- dueto mineral derivado do cobre». Outros muitos foram estudados; contentamo-nos em citar estes unicamente, porquanto são os prin- cipaes e os encontrados maior numero de vezes. Graças a Mareeilus e a Galeno, temos a for- mula completa de dois collyrios, se'ido um delles conhecido pelo nome de charma, assim receitado: Aeris asti et loti tureae arboris costicis, ammoniaci guttae, gummi; tudo diluido em pouco d’agua de chuva.—Galeno com os médicos de sua epoca, pra- ticaram a raspagem das granulações, depois de haver executado o reviramento da palpebra. Para realisar a operação usava de pelie dura de ani- maes marinhos ou de uma espatula. Depois enxugava bem as palpebras com uma esponja, e applicava collyrios diversos que tinham por base o autimonio, vários compostos de cobre, o oxydo de zinco, o chloreto de sodio, etc. Conta-nos ainda Galeno, que um dos seus mestres attritava a palpebra revirada com uma pedra pomes bem lisa, empregando em seguida um collyrio cuja base era um dos diversos corpos já citados.' Oribaseem suas Colleceões Medicas—vasta e pre- 26 ciosa compilação das passagens mais antigas da medicina—põe em realce os diversos meios empre- gados pelos seus predecessores, referindo-se com agrado aos meios já empregados por Dios- coride. Nos séculos V e VI da era christã os meios cirúrgicos são abandonados como noscivos. Alexandre de Tralles e Aetius exaltam o trata- mento medico, a cura pelos collyrios. Paul d’Egine resumio as observações de Hippo- crates, Celso e Galeno, e tornou-se adepto fervo- roso do tratamento cirúrgico, que praticava com um instrumento de sua invenção —o blepharo- xystron. Os sectários da Escola de Alexandria empre- gavam um tratamento nos casos ligeiros, e outro nas formas agudas e secretantes do trachoma. Para os primeiros aconselhavam topicos ades- tringentes, e para os segundos os topicos emol- lient.es, cataplasmas e preparações opiaceas. A lamina cortante do escalpelo era empregada, quando havia um numero considerável de granu- lações. Os arabes, na idade media, preferiam o trata- mento cirúrgico. Isaac Judeus e Rhazés recommen- davam o uso da cureta cortante. Como vimos até agora, desde os tempos primi- tivos da therapeutica do trachoma, as alternativas 27 dos processos empregados têm variado no terreno da cirurgia e da medicina. Os processos cirúrgicos foram depois corrente- mente empregados até o século XVIII, quando Ricliter e grande numero de médicos restabeleceram a therapeutica medicamentosa das granulações. Durante as verdadeiras epidemias de trachoma, disseminado na Europa pelas guerras do Império, assumpto de que já nos occupamos no primeiro capitulo, entraram de novo em scena timidamente os meios cirúrgicos. Na actualidade não podemos abraçar com exclu- sivismo os meios cirúrgicos ou médicos. Não lia therapentica especifica para o trachoma; os tratamentos indicados são muitos, e destes de- vemos escolher o que convier, segundo a indicação clinica. Ha occasiões em que a cirurgia é indicada com os seu§ meios destructores, outras ha em que é manifestamente vantajosa a indicação medica modificadora. Nenhum dos processos cirúrgicos tem por si só um valor curativo absoluto. Elles agem, em certos casos, um pouco ma is rapidamente, que os pro- cessos médicos, mas os seus benefícios não são permanentes. Tillaux, em sua anatomia clinica, relata a seguinte intervenção cirúrgica cuidadosamente executada num caso de trachoma. 28 ((Em um caso, diz elle, em que os trachomas tinham um volume excepcional e resistiram a toda especie de cauterisações, chloroformisei o doente, incisei a fenda palpebral, tirei os trachomas com thezouras, e com o thermocauterio loquei a con- junctiva. Por cumulo de precaução, suturei a mucosa ã pelle para manter a abertura da fenda palpebral. A cura pareceu a principio completa e o doente saiu do hospital, mas depois de alguns mezes, o estado tornou-se o mesmo». Só neste caso, citado por Tillaux, temos um duplo exemplo, sendo o primeiro a resistência dos tra- chomas ao tratamento medico e o segundo a inef- ficacia da operação cirúrgica. Os effeitos desastrosos que os cáusticos têm pro- duzido, quando são empregados por pessoas não habilitadas, têm feito que alguns nuctores, como Stromeyer, affirmem que é muito mais perigoso destruir as granulações pelas cauterisações, do que abandonar a moléstia á sua evolução natural. Depois de haver observado um grande numero de granulosos na Algeria, Ferret adquiriu a convicção de que a gravidade da moléstia é muito frequente- mente produzida pelo modo por que é tratada. E conclue que a ophtalmia gronulosa não requer muito tratamento, como demonstra claramente a marcha espontânea da moléstia nos arabes. 29 O tratamento, não sendo entregue a um compe- tente, principal mente, quando se faz uso dos cáus- ticos, muitas complicações podem surgir occasio- nadas por estes recursos da therapeutica. Mas a indicação sendo certa, e a cauterisação bem execu- tada, não ha perigo nenhum. O que acabamos de affirmar, é o que está de ac- cordo com a pratica, e tem recebido a confirmação da maior parte dos ophtalmologistas modernos. Jacovidés, estudando o tratamento do trachoma, dividiu-o em 3 grandes grupos: l.° os médicos, 2.° os cirúrgicos, 3.° os mixtos. 01.° grupo em grande parle actúa chimicamente sobre a conjunctiva granulosa,e comprehende os to- picos bastante conhecidos em oculistica, os quaes vamos estudar separadamente. Nitrato de prata No século XVII Saint-Ives introduziu na thera- peutica do trachoma ruais um medicamento, o ni- trato de prata. Desde esta epoca, até a data actual, o azotato de prata tem occupado lugar preponderante na the- rapeutica ocular, com especialidade na conjuncti- vite granulosa.—A sua applicação é reconhecida- mente efficaz, não só nos casos agudos, mas também nos casos chronicos. 30 0 modo por que é applieado varia muito segundo os auctores,—de maneira que estudaremos, l.° o emprego do nitrato de prata em collyrio, em 2.° lugar as soluções mais ou menos concentradas, e em 3.° o uso do lapis. Depois de estudar na Algeria grande numero de granulosos, Ferret adquiriu a convicção de que as diíferentes formas de manifestação do mal depen- diam da resistência individual. Nos casos clironicos, que iniciam a sua marcha sem o periodo inflammatorio, que gastam grande nu- mero de annos antes que se manifestem as com- plicações, indicio do progresso da moléstia, Ferret aconselha' alem de outros cuidados que se referem á hygiene, o uso de um collyrio de nitrato de prata na proporção deO.Oõ a 0,20 centgrs. para lOgrammas d’agua destillada. Feita a lavagem dos olhos com agua tépida, que deve ser repetida muitas vezes durante o dia, ins- tillam-se em horas espaçadas algumas gottas do collyrio, cuja accão consiste, segundo o seu auctor, em auxiliar o organismo, impedindo as manifes- tações agudas da moléstia. Obtem-se uma acção therapentica fraca, mas de emprego facil por não ser perigosa. A pequena quantidade de nitrato de prata, que contem o collyrio, é rapidamente neutralizada pelo chloreto de sodio contido nas lagrimas. 31 Um efíeito mais enegico pode ser obtido com instillações mais frequentes, sem temer a aeção caustica do nilrato de prata, porquanto a secreção lacrimal sempre é sufficiente para a neutralização. O emprego da solução de chloreto de sodio para a neutralização do nitrato de prata, já não figura nas clinicas ophtalmologicas. Dois inconvinientes tem a solução de chloreto de sodio: Primeiro é a gravidade do emprego desta solução nos casos em que ha ulceração da cornea; segundo é a formação de chloreto de prata, sal insolúvel. A uma aeção mini ma fica reduzido o -nitrato de prata, quando em seguida se faz uso da solução a que nos vimos referindo. Este tratamento, diz Ferrei, é de effeitos ma- gníficos, mas os ophtalmologistas em sua maioria não lhe dão credito. «Acostumados a cauterizar com lapis de nitrato de prata e sulfato de cobre, a agir com o thermo #u galvano-cauterio, a produzir ophtalmias ble- nhorrhagicas, não podem elles conceber a efíicacia de um tratamento tão brando e inoflensivo». As lavagens frequentes desembaraçam os olhos de qualquer secreção anormal, e estas, quando existem, são modificadas pela pequena porção de nitrato de prata que contem o collyrio.—Inofiensivo como é, pode ser usado por qualquer indivíduo, 32 sem cogitarmos do seu gráu de instrucção; desta maneira se não se obtiver a cura, conseguir-se-á impedir ao menos a manifestação das complica- ções que torturam muito mais os doentes. Applicamos o tratamento aconselhado por Fer- ret a dois doentes da clinica civil, que nos pa- receram radicalmente curados, pois dois mezes depois da ultima cauterisação não tinhào alteração alguma da conjunctiva. Velpeau já dizia em 1843, que: «as conjun- ctivites, quer sejam simples, quer sejam puru- lentas, curam-se frequentemente com admiravel rapidez pelo uso dos collyrios de nitrato de prata». O emprego do nitrato de prata em solução de um, dois, tres, quatro, cinco e seis por cento 6 muito vulgarisado, e de emprego cons- tante pela maior parte dos ophtalmologístas. Quando temos de tratar um doente por uma destas soluções, a 4 O/q por exemplo, que é a empregada no gabinete da Clinica Ophtalmolo- gica, collocamos o doente deitado ou mesmo sentado. Preliminarmente lavam-se bem os olhos aflecta- dos com uma solução antiseptica, que varia para alguns ophtalmologistas. Usam alguns a solução boricada a 4 O/q, outros a solução de cyanureto de mercúrio 1/1.000, ou 33 ainda o oxycyanureto de mercúrio a J/4.000 em- pregado em S. Paulo pelo Dr. Euzebio de Queiroz, Bem limpa a região instillam-se algumas gottas de cocaína a 5 No fim de alguns minutos já a cocaína está produzindo os seus effeitos anestliesicos. Ordena-se então ao doente que olhe fortemente para baixo, com o pollegar recalca-se para cima a palpeb-ra inferior, manobras que resguardam perfeitamente a cornea. A’ conjunctiva da palpebra superior previamente revirada, e seccada com algodão, leva-se a solução do nitrato de prata com um pincel, um conta gottas, ou ainda um pedaço de algodão enrolado ua extremidade de uma ba- gueta. Para a palpebra inferior é muito mais facil. E’ bastante puxar para baixo a palpebra e mandar o doente olhar para cima, em quanto se faz a eauterisação. Logo que o nitrato de prata entra em con- tacto com a conjunctiva, produz-se um coagulo esbranquiçado devido á precipitação da albumina e a formação de chloreto de prata. Em seguida a conjunctiva toma uma coloração violacea. A applicação do nitrato de prata é dolorosa, mas os doentes com elIa se familiarisam depois de al- gumas vezes e supportam sem manifestar dôr ne- nhuma. 34 Depois cie feita a cauterisação, lavam-se os olhos com agua esterilizada, boricada a 4 % ou qualquer solução antiseptica das commummenteempregadas. Estas lavagens retiram o excesso do sal de prata sem supprimir a acção curativa do medica- mento, o que faz a solução neutralizante do chlo- reto de sodio, hoje abandonada como já vimos. A acção do cáustico está na razão directa do seu estado de concentração. Pode, portanto, ser regu- lada a vontade, o que por si só justifica a inutili- dade de sua neutralização ulterior pelo chloreto de sodio. Receando os seus eífeitos sobre a cornea alguns ophtalmologistas condemnam as soluções de nitrato de prata. Verdade é que a cornea merece cuidados, prin- cipalmente quando está ulcerada, mas assim mesmo as ulcerações affirma Fuchs, não constituem uma contra indicação ao emprego do nitrato de prata. —Os efieitos do nitrato de prata no tratamento do trachoma são reconhecidamente bons. Desde a sua applicação por Saint Ives até a actualidade não tem desmerecido o valor que lhe reconhecem quasi todos os compêndios de ophtalmologia. A sua efficacia é patente, principal mente nos casos em que ha secreção. 0 insigne oculista Dr. Eusebio de Queiroz affirma que, rião só em sua clinica particular, bem como nos doentes entregues 35 aos seus cuidados, nas enfermarias de olhos do Hospital de Santa Izabel, ein S. Paulo, colheu os melhores resultados com aquelle tratamento; a tal ponto que, depois de oito dias de o empregar, a secreção completamente desappáreceu. (3 uso topico do lapis do nitrato de prata puro não é corrente. Este é grandemente perigoso por não se poder re- gular até que ponto se prolonga a cauterisação. Registam-se consequências desastrosas taes como: perfuração da cornea, hérnia do iris, luxação do crys- tallino, a sua saidaespontaneamente pela parte per- furada da cornea, dando como resultado a panoph- talmia e a perda completa do olho. Esta perfuração da cornea em indivíduos glauco- matosos tem como consequência o esvasiamento rápido, inesperado do olho, precedido apenas de uma dòr intensa. Este esvasiamento está sob a de- pendencia de duas causas que agem concomitante- mente: o enfraquecimento da resistência epithelial da cornea pelo attrito da conjunctiva granulosa e pela secreção, ou por sua própria ulceração; e de outra parte o augmento da tensão intra-ocular de- pendente do processo glaucomatoso. Si as granulações estão localizadas somente em um ponto de uma conjunctiva relativamente sã, po- demos actuar sobre ellas com o lapis de nitrato de 36 prata mitigado, que se compõe de uma parte de ni- trato de prata e duas de nitrato de potassid. 0 lápis mitigado tem por si a pratica de médicos experientes contra as granulações hypertrophiadas e acompanhadas de grande hyperemia. 0 emprego demorado do nitrato de prata exigido pelo tratamento das formas secretorias, como do trachoma chronico, determina ás vezes phenomenos de intoxicação, conhecidos pela denominação de argyrose. As cauterisações pelo nitrato de prata podem ser diarias-— Uma nos casos simples, a duas ou mais em alguns casos graves. Protargol — O albuminato ou proteiuato de prata conhecido mais commummente pela deno- minação de protargol tem também o seu emprego no trachoma. Muito menos energico e doloroso do que o nitrato, é empregado em diluições muito mais concentradas, como são as de 20 e 50 %. Assim mesmo a sua acção sobre a conjunetivite granulosa é inferior á do nitrato de prata a 4 %. Os enthusiastas da medicação protargolica che- garam a aconselhar a substituição do nitrato de prata pelo protargol em todos os casos em que a medicação argyrica era indicada. Panas. Velude, Terrien e outros dão ao protargol um valor mediocre no tratamento do trachoma, e só o aconselham como adjuvante do nitrato de 37 prata, de que reclamam o real valor e a superiori- dade ao protargol. Nas conjuuctivites catliarraes benignas ou mes- mo complicadas de granulações usa-se o protargol variando o titulo de concentração entre 20 e 50 o/0. O emprego do protargol a 50 % não deve ser vulgarisado em clinica, porquanto duas observações já foram citadas por Moreau e Granclément em que esta medicação produzia ulcerações graves da cornea. As verificações experimentaes destas obser- vações feitas em coelhos, fixaram em 30 % a con- centração maxima, utilizável do protargol, em the- rapeutica ocular. O professor R. Pignatari, de Florença, em uma monograplna sobre. «Os saes orgânicos de prata em therapeutica ocular,» exalta o valor antiseptico do protargol, que, não coagulando a albumina, penetra na profundidade das dobras conjunctivaes. O mesmo não se dá com o nitrato de prata, que coagula a albumina e provoca logo a formação de uma escara que impede a penetração do medica- mento. Assim sendo, na phase aguda da infecção aconselha o emprego do protargol, que será subs- tituído pelo nitrato de prata, «sempre o meio mais efficaz,» quando as granulações estiverem muito desenvolvidas e hypertrophiadas. Ainda se receita commummente o protargol a5% 38 para se fazerem instillações frequentes nos olhos, durante o dia. *No emprego* prolongado do medicamento a argy- rose pode manifestar-se. Darier aconselha para evital-a lavagens de sublimado, que servem ainda para augmentar a acção medicamentosa do tiata- mento, ao mesmo tempo que previne os seus inconvenientes. Tachiol—Sob esta denominação Paterno pre- parou o fluoreto de prata. Carapelle e Beneditti estudaram o seu valor antiseptico e a sua acção no tratamento da conjunctivite granulosa. E’ inoffensivo e pouco irritante para os olhos e por F. Re é considerado um antiseptico superior aos commummente empregados. Parece a Pedazzoli quasi especifico no trata- mento da moléstia, pela sua acção eminentimente bactericida e anti-catharral, dando por tanto, prin- cipalmente nos casos agudos de trachoma abun- dantemente secretantes, resultados valiosos. O seu emprego pode ser feito em irrigações copiosas a 1 por 1000, ou em pulverisações, tendo bem reviradas as palpebras, recorrendo- se as vezes a uma pinça de Pean, na qual se enrola a palpebra para se descobrir bem o fornix. Itrol.—E’ o citrato de prata. À therapeutica aproveita as suas qualidades 39 de anticeptico, não irritante para os tecidos do organismo. Ainda, por ser pouco solúvel, se conserva quando insufílado sobre a parte doente, por maior espaço de tempo, o que prolonga a sua acção antiséptica. Argyrol.—Contem 30 % de prata, sem ser irritante para o olho. Darier em um artigo in- titulado «Novos saes de prata indolores» refere-se de maneira encomiástica a este medicamento. Empregado sob a forma de collyrio a 10 %, dá aos olhos uma sensação agradavel. Tem effeitos manifestos sobre as secreções, con- vindo seu emprego nos casos agudos de trachoma, não porque se possa esperar delle a cura com- pleta das granulações, que persistem indifferentes a esta medicação, mas como simples palliativo. Elcclrargol—È conhcido o poder bacterici Ja deste medicamento desde os estudos de Charrier, V. Henri e muitos outros. Em 1908 o Dr. Raul Me- deiros ensaiou o seu emprego em varias moléstias oculares. Transcrevemos a observação n.° II, rela- tiva á sua applicação ao tratamento do trachoma. «Observação II M. N. S., branca, 20 annos, ca- sada, deste estado, entrou no dia 13 de Maio para o serviço da clinica de olhos do Dr. Ribeiro dos Santos recolhend-se á enfermaria Santa Maria, leito n.° 6. SofTria ha 4 annos de dor d’olho$\ havia estrei- 40 tamento da fenda palpebral em ambos os olhos, tri- chiasis e entropion; intensa congestão das conjun- ctivas, granulações e suppuração. Os symptomas subjectivos tinham nesta doente grande intensidade. Caso typico de conjunctivite trachomaiosa. Durante os 7 primeiros dias foram feitas desinfecções com a solução bórica a 4 7°> idstiIlações do jcollyrio de ezerina e cauterisações com nitrato de prata, sendo ligeiras as melhoras apresentadas. A doente quei- xava-se de dores intensas que exacerbaram após as cauterisações e que lhe impediam de manter os olhos abertos (blepharospasmo). Substitui no dia 22 o nitrato de prata pelo collyrio de electrargol, fazendo a primeira applicaçào pela manhã. Voltei a tarde, obtive da doente informações de que se sentia muito bem e fiz nova applicação. No dia 23 a- doente elogia os effeitos do medicamento, que foi continuado em applicações diarias. Cede a irritação e com ella o blepharospasmo, a suppuração desapparece e os eonjunctivas voltam gradativamente á normal. No dia 20, como a doente se me queixasse de arranhões no olho esquerdo, do lado do angulo ex- terno, extrahi alguns cilios da palpebra superior des- viados. Tal foi a aecentuação da melhora obtida, que no dia 27, sétimo dia de tratamento, a doente se jul- ga curada e deseja sair. 41 Convencida do contrario, permanece em tra- tamento e no dia 3 de Junho tinham desaparecido todos os demais phenomenos, persistindo apenas o eutropion e a trichiasis, com pequenas granu- lações que pouco apouco se reduziram. Apezar de curada da infecçào, continuei o tra- tamento esperando que fosse feita a operação de eutropion para a cura radical até o dia 25, quando se exgottou a minha provisão de electrargol. Feita posteriorrnente a operação de entropion pelo Dr. R. dos Santos, a cura foi completa.» No nosso modo de pensar os effeitos do electrar- gol são os mesmos que os dos outros saes que estu- damos. O electrargol entrou no tratamento, como adjuvante do nitrato de prata, que foi primeira- mente empregado, como consta na observação. Outros medicamentos tirados entre os saes de prata, como o sophol, collargol, etc. têm sido empre- gxdos, tendo todos estes effeitos secundários dian- te do. valor por quasi todos os ophtalmologistas attestado e pela pratica reconhecido, do especifico para os casos agudos de trachoma—o nitrato de prata. O ichtargan, que tem as qualidades calmantes do ichtyol juntamente com as propriedades antisep- ticas e causticas da prata foi ultimamente indicado no tratamento do trachoma, mas não produziu os eífeitos esperados. 42 Sulfato de corre.—Assim como o nitrato de prata é o cáustico por exceliencia escolhido nos casos que se manifestam com violentos symptomas inflam mato rios e com abundante secreção, assim também o sulfato de cobre «é o especifico da conjunctivite granulosa nos casos chronicos,» onde se mostra muito mais efficaz que o nitrato de prata, como bem affirmam a palavra de Fuchs e a observação diaria de innumeros casos. O emprego deste medicamento, bastante antig0’ já tem atravessado dezenas de séculos e em todo este tempo tem solidificado o seu pedestal assis- tindo á passagem rapida e momentânea de innu- meros outros apresentados e logo esquecidos pela inferioridade do seu valor. No tratamento usa-se commummente o' lapis mitigado de sulfato de cobre. O emprego desta forma pharmaceutica de um modo geral é combatido por alguns ophtalmologistas, que preferem outras, taes como: os glyceroleos, as pomadas, collyrios, etc. reservando o lapis para as granulações locali- zadas em uma conjunctiva relativamente sà. As applicações dos glyceroleos de cobre, já com frequência executadas, fazem-se da seguinte forma: Anesthesia-se a conjunctiva bulbo-palpebral com uma solução de cocaína a 5%, observando-se os mesmos cuidados já descriptos para o nitrato de prata. 43 Reviram-se convenientemente as palpebras e por meio de um algodão enrolado na extremidade de uma bagueta, molhado no glyceroleo e ligeiramente espremido toca-se a conjunctiva levemente, até que esta se torne ligeiramente acinzentada. Em seguida secca-se o excesso com um pouco de algodão e lava- se com solução bórica a 4 % . Segue-se logo umareacção; procura-se eombatel-a por compressas frias preparadas com solução de acido borico a 4% , ou de cyanureto de mercúrio a 1/10000, etc. as quaes tem a dupla vantagem de acalmar as dores e ser antisepticas. Os doentes geralmenie se habituam a estas cauterisações; a mucosa insensibiliza-se progressiva- mente, de modo que pouco a pouco vão sendo, as cauterisações, facilmente toleradas. A acção do sulfato de cobre sobre a conjunctiva é energica; já vimos que produz logo uma viva rea- cção. «A dôr é extremamente penosa, acompanhada de exacerbações lancinantes, cruéis e continuas, ha um escoamento azulado abundante, produzido jun- ctamente pelas glandulas lacrimaes e o tecido con- junctival, e durante bastante tempo o olhar está litte- ralmente innundado». Gessada a reacção um estado de calma è de fres- cura local dão indicio de melhora. Os glyceroleos são commummente preprarados 44 na proporção de 5 até 10 partes de cáustico para 100 de glvcerina. Lagrange emprega o cáustico em menor quanti- dade, julgando sufficiente a proporção de 1 % e mesmo 0, 50 %. O tratamento deve ser regular, as cauterisações serão repetidas, logo que cessem os phenomenos inflammatorios da ultimaapplicação, e cada vezmais espaçadas, quando o processo pathologico estiver em via de cura: então grande numero de collyrios terão razão de ser. Haoccasiões em que intercurrencias agudas se manifestam no decurso deste tratamento. E’ o caso em que se suspende o sulfato de cobre, e se recor- re ao nitrato de prata, menos cáustico, mas que encontra aqui a sua indicação, nas formas agudas do trachoma, como registamos mais acima. Outros casos têm havido em que as granulações tornam-se indifferentes ás cauterisações cúpricas. Suspende-se então a applicação deste medica- mento e recorre-se a outro, guardando um curto intervallo, entre o abandono do cobre e a nova applicação. Neste intervallo não se discurará da des- infecção rigorosa dos olhos. Os resultados colhidos em S. Paulo pelo dr. Eu- zebio de Queiroz com o uso do citrato de cobre, têm levado aquelle illustre ophtalmologista a em- pregar com mais frequência este sal. 45 0 emprego do citrato e alguns outros saes de cobre têm por diversas vezes sido tentado na cura do trachoma em substituição ao sulfato. Mas Pobl, firmado em 400 observações cuidadosamente feitas, em doentes de varias phases e formas da conjuncii- vite granulosa, chegou á convicção de que os ellei- tos do citrato de cobre estão muito aquém dos pro- duzidos pelo sulfato. O citrato de cobre é empregado com a forma de pomada a 10%. Ferret em uma serie de considerações, onde combate o emprego muito commum do lapis de sulfato de cobre, que na Algeria é applicado «em quasi todas as moléstias oculares» sem que muitas vezes se tenha firmado um diagnostico, mostra-se pouco admirador dos effeitos deste medicamento e exprime os seus inconvenientes, dizendo que «a gravidade da moléstia é muitas vezes causada pelo tratamento». Mas é possivel diminuil-os, attendendo-se ás suas contra indicações nos casos de ulceras progressivas da cornea. Note-se que as lesões superílciaes da cornea e o pannus não constituem contra-indicação ao em- prego do medicamento, ao contrario, depois que o estado granuloso começa a retroceder, por in- fluencia das cauterisações, o pannus e os outros effeitos das granulações também retrogradam, desde 46 que a causa pouco e pouco vae deixando de actuar. Acido carbonico congelado 0 emprego do acido carbonico congelado no tra- tamento foi no anno passado iniciado por M. 13. Harman, com a exposição de um caso de conjun- ctivite granulosa tratado por este meio com esplen- dido resultado. G. Montagu Harston, oculista do «Tung W. Hos- pital» em Hong-Kong, ensaiou o novo processo em cerca de 50 doentes, com a seguinte technica: «Depois de ter recolhido uma quantidade sufíl- ciente de neve carbónica, e a ter amoldado em forma de lapis conico (a ponta deve ser bastante espessa para que se não quebre no momento da applicação), o pratico, collocando-se para traz do paciente, revira as palpebras com a mão esquerda, como de ordinário. Com a mão direita segura o lapis de neve carbónica, que se applica sobre a conjunctiva, tendo o cuidado de evitar todo con- tacto com a cornea, e recommendando ao paciente que olhe tanto quanto possivel para baixo, de ma- neira a se poder fazer a applicaçâo do remedio sobre o fundo de sacco oculo-palpebral.—Depois de esperar alguns instantes, passa-o pela conjunctiva tarsal, e espera de novo, antes de collocar na 47 posição normal a palpebra invertida. Estes cuidados têm por fim impedir o contacto da cornea com o excesso de neve depositada». As applicações são dolorosas, mas comparadas ás produzidas pelos outros cáusticos commum- mente usados, estas dores, que duram apenas dois minutos, são mínimas. Os tratamentos são feitos semanalmente, e as primeiras applicações devem durar no máximo 15 segundos, para cada parte tratada. Depois de algum tempo, quando o doente já estiver habi- tuado ao. tratamento, poderemos prolongal-o por 20, 25 e 30 segundos. Os effeitos deste tratamento não são os mes- mos em todos os casos. Não lia vantagem em applical-o nos casos agudos com edema intenso das palpebras e da conjunctiva, e secreção mais ou menos abundante. Os seus eífeitos são pelo contrario beneficos nas formas chronicas, com pouca ou nenhuma secreção e tendencia ao desonvolvimento do te- cido cicatricial. Os iniciadores deste tratamento proclamam a sua acção rapida, ao mesmo tempo que as cica- trizes são muito menos accentuadas, que as pro- duzidas pelos cáusticos usuaes. Cáta-se ainda entre os doentes de M. Harston um caso com xerosis typica e que experimentou 48 melhoras consideráveis, tratado segundo as indi- cações de M. B. Harman. Acido iodico. — k. Schiele considera ser esse o ideal dos tratamentos médicos do trachoma, porque não produz cicatrizes, cuja extensão serve de medida ao valor do remedio empregado. Elle preconisa o acido iodico, em substituição ao sulfato de cobre, que no seu entender deve mesmo ser abandonado. Pelo uso do lapis que é addiccionado de I a 10 portes por 100, de acoina, para diminuir as dores, o t.iatamento é bastante longo e faz-se da seguinte forma: Revirada a palpebra, toca-se com o lapis os folliculos isolados da conjunctiva tarsal e bulbar, as ulceras corneanas, o pannus e ra- pidamente toda a conjunctiva palpebra! doente— Conserva-se por algum tempo revirada a palpebra, o que diminue as dores, aliás pouco duradouras, e dispensa o emprego da cocaína. O acido iodico age, destruindo o epithelio que cobre os folliculos, e o iodo nascente actúa então directamente sobre o seu conteúdo. Fazendo-se a cauterização de um modo intenso no fundo de sacco superior, sente o paciente por bastante tempo uma sensação de corpo estranho, não tão pronunciada, que impeça o doente de se entregar aos misteres da sua proíissão logo depois do curativo. 49 No pannus caaterizarn-se os vasos pela peripheria da cornea. A acção cauterizante do lapis pode ser augmen- tada por mna solução de iodeto de potássio a 5 p. 100. Desprende-se iodo nascente que se revela p:ela coloração do fundo da ulcera. Ainda se pode receitar internamente o iodeto de potássio, quando se .emprega acido iodico externa- mente, e por qualquer motivo se deseja augmentar o seu poder cauterizante. Este tratamento dura 1 a 3 mezes. Schiele conse- guiu abrevial-o, reduzindo-o a 2 até 6 semanas, pelo que elleochama «methodo combinado». Insensibilisa-se a mucosa com uma solução de cocaina a 3 p. 100, addicionadade adrenalina a 1 p. 1000, einjecta-se no fundo do sacco superior 1 c.c. 5 de uma solução de iodeto de sodio a I p. 1000 addicionada de G a 8 gottas de mna solução de acoina a 1 p. 100. Pela injecção, que é pouco dolorosa, o fundo de sacco lica distendido e os folliculos apparecem claramente. Tocam-se estes, no fim de alguns mi- nutos, com o lapis de acido iodico, fazendo em seguida a lavagem com solução bórica a 4%. Dor não lia nos primeiros instantes, meia hora depois, quando deixam de agir os anesthesicos, fortes do- res acommettemo doente pelo espaço de 2 e 3 horas 50 poclendo-se nesta occasião recorrer ao emprego de uma pomada de acoina a 5 p. 100. No dia seguinte ao do tratamento, sobrevem abundante secreção muco-purulenta e grande intu- mecimentoda palpebra, sendo impossível reviral-a. No fim de uma semana cessam os eífeitos da cauterização, e verifica-se então que grande numero dos folliculos foi destruído. Alguns não attingidos pelo medicamento continuam aptos a reproduzir a moléstia, é o caso em que se pode fazer logo uma 2.a cauterização, ou tratar a outra palpebra, si estiver também attingida, para depois então cauterisar a primeira submettida ao tratamento. No fim de 3 applicações tem-se a palpebra livre de todas as granulações, e as duas ultimas cauteri- zações são muito menos dolorosas. Evita-se por pulverizações de iodo gallicina a adbesão das dobras da mucosa conjunctival aviva- das pelas cauterizações. Os folliculos existentes na cornea também coram- se em amarei lo,—quando tocadas pelo lapis. Isto prova que são da mesma natureza que os palpe- is raes. O iodeto dc potássio tentado como succedaneo do iodeto de sodio, mostrou-se excessivamente enér- gico até solução a 1 p. 100.000. Schiele que faz o emprego do acido iodico nos casos clironicos, recommenda a argenlamina em 51 solução de 15p. 100, com massagempalpebral, nos casos agudos. Terminado o tratamento ainda recéita um collyrio de argentamina a 3 gr. 5 p. 10, ou ainda acido iodico 1 ou 2 grs. p. 100 para ser usado pelo doente por algum tempo. Tintura de iodo— Tem sido empregada, rÊts formas de trachoma refractarias aos outros cáusticos. Deve somente ser empregada nos casos chronicos, onde as granulações* são simples sem complicação in- flam matoria. E’ um tratamento que não merece confiança, mas que pode ser empregado, pelo menos como uma tentativa nos casos já indicados. A applicacão da tintura de iodo era feita por Niesnamou com uma bagueta de vidro. ♦ Roseli depois de lavar a conjunctiva granulosa com uma solução de iodeto de potássio, emprega a agua oxvgenada; desprende-se iodo que vae actuar sobre as granulações. Iodoformio—Applicou-se o iodoformio no trata- mento do trachoma. Os resultados obtidos pelos ensaios de utili- sação do iodoformio no tratamento do trachoma têm sido pouco animadores. Pode-se empregal-o encorporado á vaselina a 5 ou 10 %, ou em pó borico. Nas dores localisadas na palpebra de um tra- 52 chomatoso podemos empregar com explendidos resultados o iodoformio, aproveitando ao mesmo tempo a sua propriedade antiseptica, que Reghihi considera efficaz, e a sua acção anesthesica local que Bouchardat tinha em grande conta. O ichtyol em solução de 30 e 5o %, tem appli- cação em casos acompanhados de complicações cornearias. O glycerolado de tannino, é empregado nas creanças em collyrio 10 %. Pode sTjr applicado pelo proprio doente e é de um eíTeito muito moderado. O estercsol é um verniz antiseptico de base álcool e acido phenico. Perlioz já o empregava no tratamento de certas aíTecções cutaneas. O uso deste preparado facilita o contacto prolon- gado de um antisephico poderoso com a conjun- ctiva. Quando se emprega o esteresol, auesthesia-se primeiramente a conjunctiva palpebral pela cocaina, revira-se a palpebra e passa-se em camada delgada o verniz sobre a conjunctiva. Conserva-se a palpe- bra revirada durante um a dois minutos, tempo sufficiente para que as dores desappareçam. M. Th. Domec cita dois casos de trachoma em que este preparado produziu optimos resultados, quando já se achavam esgotados os recursos mais usuaes da therapeutica trachomatosa. 53 Acetato de chumbo—Com toda a circumspecção o Dr. Euzebio de Queiroz tem ensaiado com os melhores re&yultados o processo de tratamento do trachoma do Dr. De Mets (Anvers) pelo acetato de chumbo, a ponto de já ter obtido a cura em diversos doentes sob seus cuidàdos na Santa Casa de Misericórdia de S. Paulo. Desses doentes em alguns foram sufficiente somente 2 e 3 appdoa- ções; em outros, porem, este numero foi excedido. Essa commuriicação nos fez o Dr. Euzebio em data de 10 de Outubro do corrente anno. O modo de acção do acetato de chumbo é o mesmo que o de' todos os topicos que se tem succedido desde Ilippocrates até nossos dias. Pro- duz elle, como o sulfato de cobre, o, nitrato de prata, o jequirity, etc., uma reacçào inflammatoria que está em razão directa da quantidade do sal empregado e do tempo necessário para que sua acção se produza. O Dr. De Mets não pretende a infallibilidade para este processo de tratamento, mas declara que tem sido em suas mãos de uma fidelidade a toda prova. A applicaç.ão do acetato é' bastante dolorosa, e provoca uma reacçào inflammatoria notável. Gra- ças á cocaina, o primeiro tratamento é facil- mente supportado. 0 pó do sal de chnmbo, frescamente porphvrisado é diluido de um pouco dagua. 54 Esta pasta é estendida por meio de um estilete coberto de algodão sobre as conjunctivas bem postas em evidencia; é deixada em contacto durante 1 ou 2 minutos. Repete-se a applicação, si ha necessidade. Por meio de uma corrente de agua expelle-se o excesso do acetato não lixado. Quando a conjunctiva parece estar sufficientemente limpa, e que o liquido conjunctival se torna incolor, deixa-se que as pál- pebras voltem á sua posição natural, e fazem-se então sobre o olho applicações de agua de Saturno diluida de agua ao 4.° Por diversos dias continuam-se as applicações; quando a reacção inflammatoria ceder, suspen- de-se toda intervenção medicamentosa. Nos casos mais favoráveis a camada isolante do sal plum- bico persiste representahdo o papel de um verniz; a turgescência da mucosa diminue e as granulações vão a pouco e pouco desapparecendo. Este estado feliz pode persistir, e neste caso a cura é radical. Diz o illustre professor de Anvers que, se a inter- venção se eífectúa cedo, antes que a deformação do tarsa se tenha produzido, se chega a não encontrar mais vestigio da moléstia no fim de alguns annos, mantendo-se a cura de modo a não surgirem nem recahidas nem rescidivas. Alguns casos porem, nota o mesmo ophtalmolo- 55 gista, não são tão favoráveis, não se mantendo o eííeito salutar do acetato de chumbo de uma ma- neira definitiva em alguns doentes. 0 methodo é especialmente indicado no periodo da moléstia em que as granulações são turgescentes, e ainda não soffreram a regressão atrophica e a I defo rmação tarsianna. O melhor é intervir fórado periodo inílammatorio. A existência de um pannus, ainda mesmo que s<'ja espesso, não é uma contra indicação. A presença porém de ulcerações corneas exige uma certa cir- cumspecção. O tratamento pelo acetato de chumbo também se tem mostrado efficaz contra as granulaçõos que sobrevem depois das queimaduras, e contra o ca- tarrho ocido-palpebral ligado a certas estações. O medicamento deve ser manejado com pru- dência e o medico nunca confiar sua applicação ao doente. O Salvarsan (606), o novo composto arsénica! anti-syphilico de Ehrlih e Hata, tem sido experi- mentado entre nós, e no estrangeiro, em grande numero de moléstias infectuosas chronicas incu- ráveis ou difficilmente curáveis. Em S. Paulo osDrs. Euzebio de Queiroz eAd. Lin- denberg tentaram o tratamento medico do trachoma pelo 606 «levados pela analogia dos corpúsculos 56 do trachoma com os protozoários, grupo de germens este, onde o (300 déra bons resultados». As applicaeões foram feitas sob a forma de col- lyrios preparados com salvarsan. Em 2 doentes fizeram-se iujecções geraes, e em 3 casos foram feitas injecções no fundo de sacco conj unctival. Os resultados obtidos por estes i 11 ustres clinicos não chegaram ainda ao nosso conhecimento. Jequirity—0 abrus precatórias, leguminosa exis- tente em nossas mattas, entrou no domínio e conhe- cimento geral da medicina, quando as suas se- mentes foram mandadas pelo barão de Urussuhy, eminente homem político da então província do Piauhy, ao notável oculista Dr. Wecker. Sobre o conhecimento deste tratamento tem se dito que era ello bastante antigo entre os caboclos do Piauhy, e por indicação de um delles, p barão » de Urussuhy, victima ha longos annos do tra- choma, e desanimado por não ter melhorado na Europa, onde foi especialmente tratar-se, viu-se cu- rado. Expoza sua cura ao Dr. Wecker e presenteou-lhe com uma garrafa de sementes de jequirity. Não tardou muito que o illustrc ophtalmologista proclamasse que «a applicação do jequirity no tra- choma foi a maior descoberta do século, até então feita na therapeutica ocular». 57 Largamente se fez o seu emprego, e em 1884 Coppez no Congresso de Pariz declarou que do mesmo modo que Sydenham não mais exerceria medicina sem opio, elle não trataria mais granu- losos sem jequirity. Mesmo nas mãos de ophtalmologistas criteriosos, o jequirity tem produzido alguns desastres. Apezar destes insuccessos, o emprego do jequi- rity ainda é indicado nos cásos em que a cornea estiver coberta por um espesso pannus. A principio empregava-se a maceração das epis~ permas das sementes do abras precãtorius. Depois Lapersonne aconselhou a solução de uma grarnma de farinha jequirity com quatro ou cinco gotlas de chloroformio. Sob qualquer forma que se empregue o jequi- rity, uma forte reacção se dá, resultando uma o ph tal mi a j eq ui ri tica. A substituição das macerações, e das soluções da farinha jequiritica pelo preparado de Roemer, chamado jequiritol, muito exaltado por Darier, não trouxe as vantagens esperadas. Ainda aqui devemos receiar as complicações, entre outras a mais commum— a dacryocistite jequiritica, que pode terminar, como se deu em um caso citado por Darier, por uma forte pyorrhéa lacrimal que exigiu a ablação do sacco. Em 58 applicações feitas por Krauss, 2 corn- 58 plicàções foram observadas do lado da cornea, e varias nas vias lacrimaes, chegando algumas á estenose completa dos canaes. E' um medicamento que pode perfeitamente ser dosado mas infelizmente os seus effeitos não são constantes, porquanto nas mesmas doses e em casos semelhantes o jequiritol actúa muito differentemente. A ophtalmia jequiritica dura na media 8 a 10 dias. Quanto mais intensa a reacção, effeitos me- lhores produzem-se sobre o mal. Apezar de todos os inconvenientes, taes como: demora do tratamento, reacção dolorosa acom- panhada de phenomenos geraes, complicações possiveis, o jequirity continua a ter as suas in- dicações nos casos em que o pannus bastante desenvolvido represente uma couraça piotectora da cornea. Ainda o serum jequiritol foi apresentado, como efficaz e innoffensivo, mas só a segunda parte foi verificada, ficando a primeira desmentida pela experimentação. As complicações trazidas pelo jequirity ou seus preparados derivados, podem ser em parte evitadas pelo medico, impedindo este, que o medicamento penetre nas vias lacrimaes, o que não é sempre fácil. O melhor meio é collocar o doente com 59 a cabeça em posição tal, que o collvrio instillado escôe para o angulo externo. A inoculação blennorrhacjica, rpie tem contado alguns insuccessos foi empregada pela primeira vez por Piringer, na Bélgica. E’ claro que só deveremos recorrer a este meio, depois de esgotados todos os outros recursos médicos e cirúrgicos de tratamento do tracbo- ma. Petroleo.— Quando tivermos sob os nossos cui- dados um doente que não possa mais supportar as applicações do sulíato de cobre, podemos recorrer ao petroleo bruto que tem dado bons resultados no tratamento do tracboma. Empre- gal-o-etnos diariamente sobre a mucosa irritada pelas cauterisaçòes cúpricas, até que não reste mais indicio de reacção. O petroleo age de uma forma bastante benefica, porque, além das suas propriedades therapeuticas sobre as granulações, é modificador da mucosa conjunctival, que se torna menos sensivel às applicações cúpricas posteriores e á influencia nosciva de agentes externos. Além deste papel de substituto temporário do sul- fato de cobre, o petroleo bruto recommenda-se nos casos ligeiros de granulações, onde pode ser applicado uma ou duas vezes ao dia. Não é cáustico como o nitrato de prata e o 60 sulfato de cobre, e pode perfeitamente ser suppor- tado pelo doente mais timido, conseguindo-se no fim de 3 semanas a 1 mez, senão a cura, pelo menos uma melhora considerável nos casos favo- ráveis. Nos casos mais graves, claro está, que devemos prolongar por muito mais tempo o tra- tamento. Bi-chloreto de mercúrio Bastante utilizado em fraca proporção para o asseio das palpebras victimas de uma infecção, como já vimos varias vezes, quando occasiões tivemos de nos referir a este emprego, o subli- mado pode também ser empregado como topico, e, quando o é jfrudentemente, resultados beneficos podem ser colhidos. Nas formas de trachomas que se manifestam com symptomas inflammatorios, grande numero de médicos tem recorrido ao bi-chloreto de mercúrio desde as soluções de 1 para 2.000 até 1 %. Podemos citar, entre outros ophtalmologistas os nomes de Trousseau, Darier, Masselon. Hourmouziadés, tendo verificado a efficacia do sublimado aconselha o seu emprego da seguinte forma, que vamos expor de um modo resumido. Depois da cocainização, reviram-se as palpebras, e com um tampão de algodão molhado em uma so- 61 1 ução de sublimado a 1 % e bastante espremido de maneira a ficar qnasi secco, attrita-se doce- mente a conjimctiva doente até provocar uma hemorrhagia superficial e ligeira. Devemos evitar tocar a conjimctiva bulbar e a cornea, porque a solução, sendo muito caustica pode produzir serias complicações. Lava-se em seguida com a solução bórica a 4% e recommenda se ao doente repetir as lavagens va- rias vezes ao dia. Estas applicações podem ser repetidas com in- tervallos de 2 a 3 dias, obtendo o doente no fim de 1 a 4 mezes uma melhora sensível. O Dr. Micliekievies, emprega o sublimado sob a forma de pomada de 0,5 ou 1%. Introduz por meio de um pincel um pouco da pomada no sacco con- junctival e em seguida applica sobre as paíbebras um penso constituído por um camada espessa de gaze impregnada de glyceroleo de tannino a 10 °/0 e sobre esta uma camada çle algodão. Uma atadura completa o penso. O apparelho deve ser conser- vado pelo menos 10 horas. As injeccões locaes de sublimado a 1 por 1.000 foram propostas por Drausart para as granulações confluentes. Outras referencias faremos ao bichloreto de mer- cúrio, quando entrarmos no estudo dos processos mixtos de tratamento. 62 Alúmen ou sulfato de alumínio e de potássio Está quasi abandonado hoje. Era muito empre- gado sob a forma de lapis, destinado a tocar a con- junctiva doente. Nào tem grande efficacia sobre o trachoma an- tigo, porque sua acção adstringente e antiseptica é insufficiente para revolver de um modo efíicaz a mucosa doente e secundariamente produzir a ab- sorpção ou a cicatrisação das producções mór- bidas. O emprego do lapis de alúmen, já tão raro, faz-se ainda nos casos recentes de granulações isoladas moderadamerite inflammadas, recommendando-se lavagens frequentes com cyanureto de mercúrio, acido borico ou mesmo grandes lavagens com per- manganato a 2/3000, como aconselha E. Kalt. O acido chromico que tem servido actualmente, penas ao estudo experimental do tratamento do trachoma; o acido phenico empregado ainda em auxilio de alguns processos cirúrgicos, e eíYicaz na blepharite granulosa; o chloreto e o sulfato de zinco que também tiveram suas épocas, o primeiro com Trousseau na clinica dos Quinze-Vingts e o segundo sob a forma de collyrio muito vulgarisadh; o oxydo amarello de mercúrio, sob a forma de po- mada; o acido borico como tratamento directo do trachoma aconselhado por Castomvris, de Alhenas; 63 o cyanureto de mercúrio, o acido salicylico em so- lução alcoolica aconselhado por Motais cfAngers; o pyoktannino sob a forma de injecções na mu- cosa palpebral; o formol preconisado por Pros- bauer, alem de muitos outros são todos medica- mentos de ac.ção secundaria ou pouco mais ou menos inúteis, que se receitam, quando ja estão esgotados os outros recursos, para que o doente não fique sem. remedio, mas de que se não pode es- perar grande cousa. Cabendo agora aqui, o estudo,dos agentes phy- sicos susceptiveis de influírem beneficamente no tratamento do trachoma, algumas palavras, ainda que resumidas diremos sobre os rnais commum- mente empregados. O Dr. A. Dickson submetteu ao tratamento pela electrolvse 25 casos cie trachoma. Os resultados foram animadores, c no seu pri- meiro caso bastou uma unica applicação durante 8 minutos de uma corrente de 15 mil amperes. Assim como este, foi tratado o outro olho tam- bém doente, e todos os demais clientes. Ein alguns a corrente de 3 a 5 ampéres foi suffi- ciente para produzir, na superfície conjunctival da cornea um deposito acinzentado. A radiotherapia tem sido empregada por Mayou, Darier e outros no tratamento do trachoma. O uso do localizador e a reviramento da palpebra 64 são condições indispensáveis ao bom exito do tratamento. Stargardt depois de fazer actuar sobre folliculos tfachomatosos os raios X, estudou-os do ponto de vista histologico,encontrando grandemente angmen- tado o numero dos phagocytos e das cellulas gi- gantes. A phototherapia applicada por Hegner e Baum, fazendo os raios luminosos atravessarem um bloco de quartzo tem sido elogiada pelos seus auctores. O auxilio do bloco de quartzo facilita a loca- lização das radiações sobre as granulações, e im- pede as lezõee cá distancia sobre a retina. O uso da lampada de Finsen feito por Lundgaard, produzio a cura de um trachomatoso em 6 appli- cações. Da-se a reacção no fim de 12 a li- horas tume- fazendo-se e injectando-se a mucosa, e as vezes formando-se uma falsa membrana. Alta frequência.—^Billinkin afílrmou que todas as formas de conjunctivites se curam pelo effluvio das correntes de Alta frequência. 0 numero de applicações varia de 15 a 45, con- forme a maior ou menor ancianidade da manifes- tação mórbida c o estado geraj do individuo. Os symptomas frequentes de photophobia e blepharospasmo cessam logo nas primeiras appli- cações, e, se a cornea está também afíectada a 65 influencia do effluvio sobre os pontos doentes é restauradora sem deixar manchas, o que não é facil de se obter com os meios medicamentosos usuaes. Este meio de tratamento tem o grande defeito de não garantir a cura definitiva. Dos 25 casos de observação de Billinkin, em 4 se verificou o reapparecimento de todas as manifestações da moléstia. As reincidências neste caso não são muito in- tensas e a volta rapida. ao tratamento produz uma melhora sensivel no fim de 5 ou 0 appli- cações. Si se dá geralmente a cura dos symptomas subjectivos a cura completa das granulações está ainda por se ver. Em dois casos de Billinkin, não se pôde aftirmar a cura, apezar da melhora depois de grande numero de applicações da Alta frequência. Radiumtherapia 0 radio foi em 1902 ensaiado pelo professor Rnst, do Tufs Medicai College e pelo dr. Mayou de Lon- dres. Em seguimento appareceram as observações de Thieleinann, de Ivardo - Syssoyeff, de Selenko- wsky e Darier na França, bastante animadoras, apresentando diversas curas de trachoma por esse novo recurso. 66 Alguns auctores, por defeito cie tecbnica, ou por qualquer outra causa, não têm conseguido do radio os mesmos resultados, que lhe attribuem os seus preconizadores, e registam casos trata- dos inefficazmente pelo radio, em que algumas cauterisações pelo sulfato de cobre produziram uma cura muito rapida. Para applicar-se o radio põe-se o doente em decúbito dorsal, revira-se-lhe a palpebra e ada- pta-se o tubo á conjunctiva, sem forte pressão. Deixa-se o radio agir sobre cada um dos pontos em que é applicado cerca de 1 minuto. Tra- ta-se da mesma forma a palpebra inferior e os fundos de sacco. Alguns autores recommendam a introducção do tubo no sacco conjunctival, aproveitando desta maneira todos os raios. Segundo a affirmativa de Greiz com 10 milli- grammas, duas applicações de 10 minutos por semana não são absolutamente noscivos ao olho. As experiencias de Thielemann, sobre a acção curativa do radio foram feitas em 6 doentes, dos quaes 3 não se tinham sujeitado a nenhum tra- tamento. . EUe se utilizava de 2 milligrammas de radio puro contido num tubo de vidro. Desde que se iniciou o tratamento as granu- lações perderam a cor que as caracteriza, tor- naram-se mais baixas e muito pouco visiveis, 67 0 plienomeno mais constante durante esta evo- lução regressiva era a hyperemia conjunctival pura, sem outra manifestação. Os doentes tratados no fim de um mez não tinham mais traços da moléstia. A cura obtida é duradoura mesmo com as appli- cações feitas durante 5 a 10 minutos 2 vezes se- manalmente. As dozes fortes e os tratamentos prolongados são recommendados por Selenkowsky que assim conseguiu curar desde 1907, sem re- cidiva até hoje 191 casos em um total de 322 doentes, 121 foram muito melhorados porem aban- donaram o tratamento. Em 1903 o prof. Darier ensaiou o radio no tratamento do trachorna, quando o professor Eohn de Breslau já publicava casos de cura. Darier tornou-se admirador dos effeitos do radio e depois de uma serie de experiencias escreveu esta sentença: «Depois de taes experiencias não será mais permittido negar a acção poderosa, notável, do radio sobre as neoplasias granulosas da conjunctiva». Em seguida ainda aos processos mechanicos vamos nos referir a alguns outros que têm en- trado no tratamento do trachorna. A cauterisação ignea já usada entre os gregos, romanos e arabes, deve ser reservada a algumas granulações isoladas, sob pena de produzir-se a 68 destruição da mucosa retráctil em grande ex- tensão e aggravarmos portanto a tendencia á tri- chiasis e ao symblépharon. O thermo e o galvano-cauterio tem sido ultiliza- dos e o professor Korn, de Berlim, cita-nos casos em que a applicação deste ultimo foi seguida de curas rapidas e completas. Massotherapia— A massotherapia ocular cuja pra- tica vem dos chinezes, indios, gregos e romanos, é o processo mais simples de tratamento mechanieò do trachoma. Agora ■ que já estudamos mais ou menos desenvolvidamente, os agentes therapeuticos utiliza- dos no tratamento do trachoma, e as suas indica- ções, pode-se avaliar o desacerto do emprego exclu- sivo, systematico, de um só dos methodos cirúrgico ou medico. Assim, tomando as duas ultimas divi- sões da classificação estabelecida por Jacovidés para os processos da therapeutica anti-tracboma- tosa, divisões que comprebendem os processos cirúrgicos e mixtos, nós as estudaremos englobada- mente. Quanto á massagem, era ella a principio simplesmente digital, sem mais outra intervenção; sufficiente entretanto para tratar o trachoma principalmente em seu inicio.—Depois Castomyris empregou na massagem o pó de acido borico final- mente pulverizado. Outros empregaram ainda o 69 sulfato de cobre misturado ao acido borico, na proporção de 1 de sulfato de cobre para 9 de acido borico, no principio de tratamento, podendo-se mais tarde augmentar a quantidade do sulfato de cobre e diminuir proporcionalmente a de acido borico. lloje a massagem 6 praticada da seguinte forma: «Instilla-se cocaína, porque a operação é dolorosa, volta-se a palpebra'superior que é mantida com o index, emquanto o pollegar da mesma mão abaixa a palpebra inferior, para desenrugar o fundo de sacco. Em seguida com um algodão, bastante porvilhado do pó que se vae empregar, attrita-sc energicamente a conjunctiva durante alguns segun- dos até que o sangue appareça. Em seguida lavam- se os olhos com a solução de bi-chloreto de mer- cúrio e está terminada a operação». Fazem-se geral mente escariíicações superficiaes da mucosa antes da massagem para se obter um resultado mais energico. No processo original de Severus adoptado por Gastomyris, faz-se a massagem com o pol legar e o index untados de acido borico seguida da appli- cação de sulfato de cobre, ou fricções sobre a conjunctiva com algodão molhado em uma solução de sublimado a A/500. Este tratamento é contra indicado quando ha complicações corneanas. 70 0 tratamento deve ser repetido de 2 em 2 dias; para Terson nestes intervallos é que devem ser applicadas as cauterizações pelo sulfato de cobre. Escarijicaçõcs — São as escarificações tomadas como processo especial no tratamento cirúrgico do trachoma, mas vê-se a cada passo o cirur- gião na pratica dos outros processos recorrer ás escarificações. Praticam-se as escariíicações superficial mente obliquas na maior parte dos casos, algumas vezes quasi transversaes para se evitar o arrancamento do tracto mucoso. A operação executa~se com o escarificador Des- marres, ou por meio de um bistouri, e a esfrega- dura consecutiva pode ser feita com acido borico pulverizado, ou com um algodão embebido numa solução de permanganato de potássio a 1/1000, ou ainda em solução de sublimado e cyaneto de mercúrio, sendo que o algodão embebecido deve ser convenientemente espremido. Podemos ainda, depois de escarificada a con- junctiva, passar sobre ella o sulfato de cobre, ou fazer injecções subconjunctivaes de cyanureto de mercúrio, que segundo Guenod, agindo como antiseptico e esclerogenieo previne as reincidências e as lesões corneanas. As escarificações podem sersemanaes ouquinze- naes, não dispensando nos intervallos as appli- 71 cações cúpricas, ou qualquer das outras que já estudamos. A acção benefica da escarificação pode ser ex- plicada secundariamente, ou pelo escoamento do sangue e productos morbidos infectantes, e a sua substituição por novo sangue, cujos phagocytos em plena actividade executam a primeira pliase de processo de reparação, englobando e destruindo os elementos morbidos diminuídos na -sua vitali- dade e enfraquecidos na sua resistência. Preliminarmente para termos maior quantidade de sangue extravasado, pode-se fazer uma mas- sagem conjunctival. A mucosa dá então, quando escarificada, grande quantidade de sangue que augmenta ainda, se com uma pinça fizermos o enrolamento da palpebra. Escovagem—Esta operação vem dos antigos, foi usada pelos Árabes e com frequência adoptada na idade media. E’ uma operação bastante dolorosa e exige clilo- roformização. Alguns médicos se satisfazem com as instillações de cocaina a 1/20 e as injecções a 1/100 feitos sob a pelle das palpebras e não nos fundos de sacco, porque estes ficam deformados pela injecção, e tornam irregular e mais ou menos encoberta a região em que se vai operar. Como muito bem diz Darier, é um exagero querer tratar todas as conjunctivites granulosas 72 pela escovagem, mas também é ser retrogado re~ geitar esta intervenção nos casos que tenham resistido ao tratamento medico. A escovagem da conjunctiva granulosa foi pra- ticada desde 1888 porManolescu de Buckarest que procedia da seguinte maneira: Revirava convenientemente as palpebras, de modo a ficar bem destendido o fundo de sacco. Em se- gui:1a, com uma escova de pellos curtos esfregava bem os folliculos granulosos, e tocava todas as par- tes doentes da conjunctiva com algodão embebido em uma solução de 10 c. c. de acido phenico para 20 c. c. de álcool ou em um glyceroleo phenicado de 10 á 20 %, ou ainda em sublimado ao millesimo, terminando por uma irrigação abundante de su- blimado a 1/2000. Um penso com pomada iodo- formada c um apparelho monocular terminavam a operação. No dia seguinte apparece uma forte reacção e a cura obtem-se no íim de 15 dias, sendo raro neces- sitar-se uma segunda intervenção. O processo original de Manolescu tem dado bons resultados na pratica, porem é por demais doloroso e este grande inconveniente arguido por Trousseau, que o ensaiou largamente na Clinica Nacional dos Quinze-Vingts, tem sido sanado com o concurso do chloroformio. 73 Apresentaram-se modificações em que as escarifi- cações tem sido associadas á escovagem. Antes de praticarmos a escovagem podemos fazer com o eseariíicador on o bisturi, parai leia- mente, no fornix, uma serie de escarificações, que interessem toda a espessura da mucosa. Quando executarmos a escovagem teremos então o cuidado de não rasgar os pontos da conjunctiva que separam as incisões. Gomo já o disse alguém «a escovagem não me- rece nem o excesso da honra nem a indignidade que se lhe tem frequentemente conferido». E’indiscutivelmente um processo util, contanto que depois de executado se recorra aos topicos uteis contra o traehoma, em particular ao sulfato de cobre e ao ichtvol. — Sem estes cuidados, con- fiando unicamente na operação cirúrgica, teremos como certa a reincidência do mal. Expressão.—Este recurso é indicado principal- mente nos casos em que as escariflcações não conseguiram destruirás granulações caseosas. Primitivamente feita com as unhas, é hoje execu- tada com auxilio da pinça de Knapp. E’ uma pinça connnum com cylindros moveis, um em cada extremidade. Eis a technica da sua applicação: revira-se a pál- pebra e collocam-se os cylindros de modo que um fique em contacto com a conjunctiva tarsal e outro 74 em contacto com o fundo de sacco. Collocada a pinça rolam-se os cylindros em diversas direcções. Após esta operação, empregam-se os topicos usuaes. Sempre que nos utilizarmos deste pro- cesso devemos ter o cuidado de não collocar os cy- lindros em contacto directo com apeile da palpebra. Apezar de um tanto dolorosa é uma operação perfeitamente supportavel com o emprego da cocaina. A extirpação do fundo de sacco superior ou de ambos os fundos de sacco a principio aconselhada por Anclroe, Himly e Benedict, depois adoptada com entliusiasmo e propalada por Eversbuch, Snellen, Schwab e outros, é ainda patrocinada por M. Galezowski que a pratica e recommenda arden- temente. Reproduziremos, resumindo, a technica de Ga- lezowski. Este tratamento é applieado nos casos rebeldes a todos os outros recursos médicos e cirúrgicos, e como razoavelmente ainda indica um auctor, só devemos usal-o quando as granulações estiverem estrictamente localisadas na conjunctiva do fornix, estando completamente sãs as da palpebra e a bulbar. O processo operatorio é mais ou menos o se- guinte: Peitado o doente e, se preciso fôr, chloroformj- 75 zado, revira-se a palpebra superior e com uma pinça puxa-se para fóra a conjunctiva do fornix. Disseca-se a conjunctiva, primeiro em seu limite bulbar e em seguida no tarsiano, tomando-se a cautela de não exceder em profundidade á espes- sura da conjunctiva, nem ficar sobre o globo do olho a incisão posterior. Completa-se a intervenção cirúrgica, pela appli- cação de compressas geladas. Procede-se 3 dias depois ás cauterizações habituaes. M. Galezowslá applicou com bom exito este processo mais de 200 vezes, obtendo curas radicaes e melhoras consideráveis. Pensa ainda o citado ophtalmologista que o processo de excisão do fundo de sacco conjun- ctival é a mais feliz innovação no tratamento do trachoma; retira os arraiaes da infecção, porque; «é o fundo de sacco com suas numerosas glandulas que constitue o fóco de purulencia e de infec- ção *. A excisão do retalho do fornix pode trazer como consequência a retracção da conjunctiva e portanto a diíTiculdade dos movimentos do globo do olho, o que constitue um grande inconveniente do pro- cesso patrocinado por M Galezowski. Tratamento de Sattler—Piltz, de Praga, Wolf, de Glasgow, escarificavarn a mucosa granulosa da con- junctiva, para esvasiar os granulomas do seu con- 76 teúdo. Bordenheuer servia-se para o mesmo fim de uma cureta cortante. Foram os precursores do tratamento de Sattler que consiste approxima- damente no seguinte: Com a pinça de Sattler, revira-se completamente a palpebra superior, escarifica-se a conjunctiva e enucleam-se numa unica operação todas as granu- lações por meio de uma cureta cortante. Isto feito, com o sublimado em solução de 1/1000 fazem-se irrigações abundantes, não só depois da operação, como nos dias seguintes. Sattler aconselha este tratamento «nos casos antigos em que o recurso medico tornou-se impotente, quando as granu- lações são molles e muito salientes e quando o tecido polposo, composto de folliculos fechados hypertrophiados e infiltrados é muito abundante». Pelo auctor é contra-indicado o tratamento nos casos de trachoma fortemente hvperemiados. Darier depois de ter assistido a uma operação praticada por Herrenheisser, assistente de Sattler, adoptou-a com algumas modificações. Não usa a pinça de Sattler, mas uma pinça de pressão commum, e estuda antes, cuidadosamente, todos os pontos doentes, porque depois de come- çada a operação não é facil procurar os pontos granulosos. Em 30 % dos casos tem sido preciso fazer a cantoplastia, devido ao estreitamento da fenda 77 palpebral, que se acompanha sempre de um ligeiro entropion. Além de outros cuidados principalmente, quando se trata do fundo de saeco superior, «quartel, ge- neral da infecção», a operação da escovagem é feita, a começar pela palpebra inferior, porque do con- trario, a liemorrhagia da palpebra superior consti- tuiria um serio obstáculo ao resto da operação. As escariíi cações são feitas em seguida á esco va- gem com um escalpei lo, quando as granulações são em pequeno numero, ou com um escalpello de tres laminas, quando são em grande numero, tendo este ultimo a vantagem de permittir que se façam escariíicações parallelas e mais rapidas, o que con- vém numa operação tão demorada. Depois da cscariíieação apparece na superfficie operada o conteúdo gelatinoso das granulações, que se retira rapidamente com a cureta. Para Darier o ponto capital da operação é a es- co vagem e não a curetagem como se dá no pro- cesso de Sattler. Outro cuidado que Darier considera de grande importância é a pratica da escovagem ou da esca- rificação a começar pelas partes da conjunctiva mais afastadas da borda palpebral, porque esta logo que é escarificada se retrahe, difficultando a ope- ração. Depois da operação, lavagem abundante da re- 78 gião operada com solução de cyaneto de mercúrio a 1/500 e applicação de compressas de algodão embebido em uma solução de cyaneto de mercúrio a 1/2000, servindo ainda esta solução para lavagens frequentes durante o dia. No dia seguinte ao da operação instillam-se gottas do collyrio seguinte: Chlorydrato de cocaína — Ogr. 10 ctgs. Estracto aquoso de capsulas supra renaes em partes iguaes -1 gr. Solução de cyaneto de mercúrio a 1/2000—10 grs. e procura-se revirar as palpebras, o que é fácil para a inferior e nem sempre possivel com a superior para serem lavadas com a solução a 1/500 de cyaneto de mercúrio. Quando se não puder revirar a palpebra supe- rior, passa-se delicadamente entre a palpebra e o globo, uma sonda que tem por fim evitar as adherencias. Ao doente recommenda-se o maior esforço para conservar os olhos abertos e movimentar frequen- temente o globo ocular. Oito a quinze dias depois da operação o doente póde ser considerado restabelecido, mas por pre- caução sujeital-o-emos ainda a uma antisepcia perfeita durante um mez. Darier, convicto da superioridade deste pro- cesso, pensa que «nenhum dos tratamentos clás- sicos apresenta resultados comparáveis aos seus.» 79 Como consequência pode haver um ligeiro entro- piou, que se corrige com uma das operações classicas. O processo aconselhado por Lacompte. de Gand, é a curetagem, passando-se logo em seguida uma solução de nitrato de prata a 6 %, que se deixa aetuar por algum tempo. Em seguida lavam-se os olhos com uma solução de cocaina que insen- sibiliza a mucosa e retira o excesso do nitrato de prata. Depois de terminada a reacção inflammatoria, fa- zem-se as applicações classicas de sulfato de cobre, recorrendo ainda em alguns casos á escovagem. No Cairo Eloui bey, pratica primeiro a cantoplas- tia na forma chronica do trachoma e em seguida escarifica mais ou menos profundamente a con- junctiva affectada. Fricciona então a conjunctiva com um algodão molhado em uma mistura de sulfato de cobre e acido borico, até diminuírem as reacções dos tecidos operados. Tendo cessado a inflammação, continua as fri- cções agora não mais com a solução de sulfato de cobre e acido borico, mas com uma solução de bi-chloreto de mercúrio a 1/1000. Quando apparece secreção usa de um collyrio de nitrato de prata a 1 %• 0 processo de Koening consiste em friccionar a 80 mucosa doente com mais ou menos energia por meio de um tampão de algodão molhado em uma solução de sublimado a 1/500, ou em oxycyaneto de mercúrio na mesma proporção ou ainda nitrato acido de mercúrio a 1/300. As vézes a fricção é feita com algodão secco, depois é que se passa um dos liquidos nas porcentagens referidas. As granulações frequentemente cedem, atrophi- am-se e em pouco tempo os doentes melhorados insistem em sair do hospital, tal o estado de me- lhora em que se acham. Jacovidés ha uma dezena de annos tem empre- gado um processo de sua criação no tratamento do trachoma, e quando esteve na Europa, operou no serviço do Dr. Lapersonne, no Hotel-Dieu, co- lhendo optimos resultados, sendo os doentes con- siderados restabelecidos em 15 dias. Em 15000 casos, que tem sido curados em 10. 15 até 25 dias, ha na sua estatística a proporção de 8 a 10 % de reincidências, sempre muito mais communs nas creanças. Gomo é o Egvpto o fóco da conjunctivite granulosa pode-se acreditar que algumas destas reincidências sejam verdadeiras recidivas. O processo rmixto de Jacovidés é o seguinte: Lava toda a conjunctiva abundantemente, revira a palpebra superior entre o pollegar e o index de maneira a forçar os foliiculos a fazerem saliência, 81 Escarifica com o apparellio Desmarres e depois faz a curetagem com a cureta cortante de Abadie até attingir a tarsa o que se percebe pela pro- ducção de um ruido especial. Feita a operação passa a pomada de precipitado amarello e applica um penso húmido durante duas horas, fazendo lavagens nestes espaços depois de retirado o penso. No dia seguinte e durante 6 e 8 dias mais, cau- le rizações com nitrato de prata a 2% até desappa- recer a.secreção; terminada esta, passa ao uso do sulfato de cobre sob a forma a glyceroleo a 1 ou 2%, segundo a necessidade da cauterisação. Como vimos os processos de tratamento são muitos; cada um tem a sua indicação segundo o caso clinico, resultante como se sabe, aqui como sempre, de um complexo de condições, umas inhe- rentes ás causas da aífecção, outras dependentes do terreno sobre que ella se desenvolve. Feita esta revista geral da therapeutica medico- cirurgica do traclioma, queremos accentuar, antes de passar ao capitulo seguinte, que não pára alii a acçào do medico sobre o granuloso. O tratamento do traclioma exige muito tempo e pertinácia. E’ uma moléstia muito sujeita a reincidências, que obrigam os doentes ao abandono do trabalho. Estes se apresentam em geral, numa phase adiantada da 82 affecção, levados não pela lesão local da conjun- ctiva, mas pelas suas complicações: impedimento da visão pelo parmus, ou irritações permanentes dos cilios sob as diversas formas de trichiasis, entropion, etc. Eis outras tantas causas de abatimento physico e moral do doente, sobre o que compete ao medico prover, mostrando-lhe a curabilidade da sua afTec- ção, e estimulando-lhe a nutrição pelos remedios apropriados. Restam alguns conselhos. Os doentes hospitalizados não devem permanecer o dia inteiro nas enfermarias, mas sairem ao ar livre, evitando a poeira e a fumaça, podendo entregar-se mesmo á trabalhos leves. Os olhos livres tanto quanto possivel de oculos ou apparelhos, agentes de reinfecção, ou perturbadores da acção benefica. da secreção lacrimal. Quem dispuzer de recursos pecuniários puderá procurar á beira mar, ou nos climas das montanhas, ar mais puro que o das cidades, e auxiliar a cura por um regimen ali- mentar conveniente. CAPITULO III Ppophylaxía 0 tratamento do trachoma não sendo dos mais incertos, é, porém, muito demorado e doloroso. A morosidade do tratamento desta moléstia e a gravidade das suas complicações e consequências justiticam as medidas que ahygiene moderna acon- selha oppor á sua disseminação. No estado actual da sc-iencia medica está perfei- tamente firmado que o trachoma é uma moléstia essencialmente contagiosa e que se propaga de individuo a indivíduo. Firmadas estas bases, a prophylaxia pode agir de uma dupla forma: 1. Se o mal ainda não penetrou, empregão-se esforços para que não cheguem ao local indivíduos infectados (prophylaxia defensiva); 2. Quando a hygiene, por meios dos seus zela- dores, só consegue perceber o mal depois de ins- tallado na localidade, age então, tratando os en- 84 fermos e evitando a contaminação dos sãos, (pro- phylaxia aggressiva). O trachoma ataca de preferencia as classes pobres, onde os princípios mais elementares de hygiene individual e collectiva são quasi comple- tamente desconhecidos ou inobservados. Deduz-se d’ahi que a melhor prophylaxia para estes indi- víduos consiste na vulgarização dos princípios de hygiene relativos ao mal que se quer evitar, ao mesmo tempo que se faz a divulgação dos seus pe- rigos. E’ o meio dos sãos procurarem recursos preventivos c dos doentes não se deixarem aban- donar á esperança vã de uma cura espontânea, ou confiar na pratica, tão do nosso meio das mezinhas caseiras muitas vezes, inúteis, outras vezes directa- mente prejudiciaes. Não se poderia duvidar do exito de uma campanha intelligente dirigida nesse sen- tido, de conferencias e publicações divulgadas pro- fusamente. Si estes cuidados não forem tomados preliminar- mente, todos os planos de peleja serão inúteis deante da muralha poderosa da ignorância. Ainda este anno, o professor Benedetti, distincto oculista italiano, visitando o Brazil com o fim de conhecer de perto as condições reaes dos tracho- matosos, em sua maioria colonos seus compa- triotas, no Estado de S. Pardo, muito concorreu para esta parte da prophylaxia, que diz respeito ao 85 conhecimento da moléstia pelos colonos, propa- gando nas escolas e fazendas, por meio de confe- rencias e projecções luminosas, os diversos modos por que o mal se propaga e os recursos necessários para evital-o.*- A prophyiaxia qnasi sempre empregada pelos governos ó a de aggressão, porque, só depois de implantado?) traclioma em uma região e depois de uma permanência mais ou menos longa, é que o mal silenciosamente se vae alastrando e só chama a attenção dos poderes competentes quando bas- tante desenvolvido. Nos Estados Unidos desde 1807 para cá, o go- verno declarou o traclioma aíTecção contagiosa e perigosa, prohibindo a entrada na Republica de individuos affectados deste mal. Esta medida foi tomada, para que a immigração de. individuos doentes não frustasse os esforços do governo em- penhado em combater a moléstia no paiz. Foram creados gtandes hospitaes para o trata- mento dos trachomatosos c nomeados inspectores médicos exclusivamente encarregados de tratar desta moléstia. Os resultados foram edificantes e hoje o nu- mero dos trachomatosos está relativamente muito diminuído. Os recursos empregados nos diversos paizes tem 86 sido vários porem todos fundados nos mesmos ali- cerces. No congresso reunido em abril de 1000 na cidade de Palermo para tratar da lueta contra o trachoma, foram em resultado final e após vehementes dis- senções estabelecidas as seguintes conclusões: l.° Que seja creado pelo ministro dolnterior um inspector geral oculista com o frn exclusivo de se occupar da prophylaxia das moléstias oculares, e do trachoma em particular; c2.° Que nos departamentos declarados attingidos de trachoma sejam estabelecidas ás custas dos de- partamento, clinicas especiaes para os cuidados exclusivos dos trachomatosos, cuja direcção seria confiada a um medico especialista, mediante con- curso; 3. Que para as provindas declaradas attingidas. de trachoma, sejam nomeados comrnissarios ou oculistas inspectores provinciaés que terão o . en- cargo de zelar escrupulosamente pela execução de todas as medidas prophylacticas emanadas das auctoridades governamentaes; 4. Que pelo menos nas provindas mais attingidas e mais populosas sejam estabelecidos sanatórios provinciaés para trachomatosos, onde serão reco- lhidos e tratados, até a cura ou melhora, satisfa- zendo aos indivíduos attingidos de trachoma grave ou susceptiveis de serem operados; 87 5. Que seja previsto no orçamento do ministro do Interior uma somma adequada para recompen- sar as províncias que se distinguirem no estabele- cimento das medidas prophvlacticas indicadas; * 6. Que sejam creadas escolas especiaes para trachomatosos; % 7. Que os poderes públicos e locaes favoreçam a propaganda das leis ínais elementares de hy- giene, estabelecendo para isso a publicação de brochuras populares com as devidas instrucções. Foi discutido ainda no congresso de Palermo e com grande interesse por cansa das disposições do governo Norte Americano, a prophylaxia dos emigrados, entrando também em ordem do dia a dos marinheiros e a dos empregados em. estrada de ferro. A Italia não pt>çlia descuidar deste grande problema pois as estatísticas lhe davam um total de 300.000 trachomatosos. O exercito tem sido uma grande victima do traehoma, a tal ponto que este chegou a receber a denominação de ophtalmia bellica. Com inais intensidade isto se deu, quando a Europa em guerras constantes foi obrigada a man- ter grandes exercitos, contaminando uns aos outros e a população civil. Na Áustria grande numero de hospitaes de isolamento foram creados, nos quaes o serviço, 88 entregue a médicos competentes, era regulado segundo as disposições do seu chefe. Karl Hoor cita um destes h.ospitaes em que o trabalho era feito da seguinte forma: Entrado um doente ia para o posto de observação, onde perma- necia 15 dias mais ou menos, porque não era raro no fim deste prazo reconhecer-se que se tra- tava de oplitalmia blenorrhagica aguda e não de tra- elioma. Necessário fazia-se que o medico encar- regado do seviço fosse competente para não titubear deante do diagnostico. Cada doente tinha os seus objectos de uso todos marcados com a 1 cl Ira T e entregues aos cuidados de um sargento da companhia. A roupa usada era desinfectada em uma solução de acido phenico a 5 %, fazendo-se em seguida o rol e a lavagem da mesma. Apezar de todos estes cuidados foram verificados casos de trachorna nos individuos que se encarre- gavam da contagem da roupa e nas próprias lavadeiras. Em Budapest E. von Grosz propoz as seguintes medidas: 1. A declaração do trachorna é obrigatória; 2. Examinar os olhos dos habitantes das caser- nas, dos operários das fabricas e dos alumnos das escolas; 3. Exame geral dos olhos dos habitantes; 89 4. Tratamento gratuito do trachoma, feito na cidade pelos médicos que por estes cuidados terão honorários fixos e elevados. Este tratamento será fiscalizado pelos oculistas do departamento. 5. Melhorar as condições hygienicas dos logares, onde estiverem reunidos muitos moradores. 6. Instituição de prémios e de cooperações para o estudo da moléstia. Conferencias publicas e gratuitas. O povo austriaco sujeito a uma educação mi- litar, comprehendeu facilmente a necessidade de procurar se libertar do trachoma e os effeitos da prophylaxia foram de melhores resultados. 0 Dr. Kornel-Sehaltz, em sua obra «Exito e custo das medidas contra o trachoma na Hun- gria», refere-se ás inspecções que praticou na região trachomatosa e á necessidade de combater este mal. As primeiras pesquizas foram feitas no anno de 1883 e um numero surprehendente de trachoma- tosos foi encontrado, principal mente nos recrutas sujeitos ao serviço militar. Mais tarde em 1809 novas pesquizas se fizeram e a porcentagem des- cera grandemente, a ponto do Dr. Basso quali- ficar as medidas postas em pratica como as mais salutares e que garantiriam a vida do império. Ao norte da Aliemanha no Grão-Ducado de Me- eklemburgo, em Rostock, a commissão encarregada de estudar a conjunctivite granulosa adoptou as 90 seguintes medidas prophylacticas que foram expia nadas em diversos artigos explicativos. 0 artigo l.° da commissão refe-se á localização da moléstia, á sua contagiosidade, ás complicações possiveis do lado do globo ocular, á marcha chro- nica, á tendencia a reincidência e ás vezes ao an- niquilamento total para o trabalho. 2.° 0 augmento das secrecções dos olhos (la- grimas, pús, mucosidades). podem ser transmittidas pelo contacto do rosto, das mãos, das roupas, dos objectos de uso dos doentes; a contaminação especialmente se dá, na maioria das vezes, pelo uso em commum de Jenços, toalhas de mão e roupa; a contaminação não se faz pelo ar, porém a falta de asseio, más condições de habitação e ven- tilação dos quartos, favorecem o contagio. O artigo 3.° resume de um modo claro e pre- ciso a descripção da moléstia. 4.° Para se evitar o contagio deve-se obervar o seguinte: todaj e qualquer pessoa deve tomar como regra nunca se utilisar de lenços, toalhas, roupas de uso, roupas de cama, instrumentos de trabalho das pessoas que não lhes são co- nhecidas como sadias. Quanto aos doentes cada um deve esforçar- se o mais possivel para não transmittir a sua moléstia; deve lavar frequentemente as mãos com sabão e ter objectos de necessidade diaria para geu uso exclusivo. 91 No caso de grande numero de trabalhadores resolverem morar junctos, para o bem geral todos devem submetter-se ao exame medico. Depois de constituídos em republica, se algum appa- recer doente deve separar os seus objectos de uso, e se fòr preciso, isolal-o se assim or- denar a prescripção medica. O doente que apresentar traclioma com se- creção aquosa ou purulenta então será o mais depressa possível isolado e sujeito a um trata- mento medico diário. Terminado o período de eliminação secretoria, pode o doente voltar ao trabalho sem os grandes perigos do contagio, contanto que só use os seus proprios utensílios. Quanto ás escolas devem ficar impedidos de frequental-as os indivíduos doentes de trachoma e os exames médicos devem ser feitos com toda precisão nestes estabelecimentos. As indicações da prophylaxia de aggressão rela- tivamente ao tratamento referem-se com especia- lidade ás habitações eolleetivas:, quartéis, prisões, asylos, etc., e manda observar as seguintes regras- «l.“ Toda pessoa que entrar num estabelecimento, ou que para elle voltar, deve ser examinada pelo medico. Se em algum fòr encontrado o trachoma, ser-lhe-á vedada a entrada. Nos estabelecimentos em que 92 esta recusa não pode ser absoluta, como nosasylos, o trachomatoso que entrar será isolado, sendo-lhe administrado o tratamento medico, e recolhido á enfermaria do estabelecimento. 2. Cada morador de um estabelecimento terá de sua propriedade exclusiva roupa de cama, lenços, etc, sendo infrigidas penas aos que fizerem trocas destes objectos ou os tiverem em commum. 3. Os exames dos olhos devem ser feitos regu- larmente e por médicos competentes, conforme a frequência e a gravidade da trachoma na respectiva região, uma vez por mez, ou melhor por semana; os doentes encontrados deverão ser isolados, sub- mettidos a tratamento e enviados para os hos- pitaes. 4. a A saida do estabelecimento, tanto por licença como por alta, só será permittida aos bons ou aos curados. Nos exercitos deve-se cuidar com rigor das guaritas e prisões, das vestimentas e objectos de uso domestico dos quartéis. Nas escolas podem ser creadas classes isoladas para os alumnos atTectados de trachoma que não estejam em periodo agudo. Os isolamentos que têm sido tão aconselhados para a prophylaxia do trachoma são simples de ser em theoria architectados, porem de difficil reali- 93 zacão na pratica porque são extraordinariamente dispendiosos. Cogitando dos meios empregados no Brazil para combater o traehoma só nos referimos aos postos em pratica no estado de S. Paulo, pois são os únicos de que temos conhecimento. Era urgente uma iniciativa de combate pois o Brazil já era conhecido' e apontado pelos nossos vizinhos argentinos, como «o paiz do traehoma» e o Dr. Wernicke, no segundo Congresso Latino Ame- ricano reunido em Buenos-Ayres, denunciou-nos como um foco de traehoma e chamou a attenção do seu governo para «o perigo brasileiro», che- gando a pedirás auctoridades sanitarias argentinas medidas especiaes a nosso respeito. A resposta foi dacPa ao Dr. Wernicke peio Dr. Victor de Britto, professor da Faculdade de Medi- cina de Porto Alegre, não só pela imprensa local, como Lambem em uma importante memória apre- sentada ao terceiro Congresso Medico Latino Ame- ricano. O Dr. Victor de Britto protestou energica- mente e com proprios dados da communicação do Dr. Wernicke demonstrou que a Argentina nada tinha a temer do nosso paiz, pois já era um grande fóco como afíirmava o proprio autor da communi- cação e que o «perigo verdadeiro» para nós, como para aquella Republica, que somos paizes de im- migração, que não podemos passar ainda sem 94 este elemento de progresso, o perigo está nos cen- tros de onde temos recebido e onde continuamos a ir buscar estes immigrantes. Em 1904, quando o serviço Sanitario paulista dirigio as suas vistas para o trachoma, foi logo enviado á Ribeirão Preto, principal fóco do mal, o Dr. Guilherme Álvaro. Este coadjuvado pelos Drs. Álvaro Motta e Eduardo Lopes percorreu as fazendas da região, visitou escolas, fabricas e ou- tros estabelecimentos collectivos, apresentando finalmente um relatorio sobre a «prophylaxia e trata- mento das ophtalmias do Oeste de S: Paulo». Im- presso este relatorio em portuguez e italiano, foi largamente distribuído pelos fazendeiros e auctori- dades munieipaes, procurando-se assim despertar a attencão dos colonos, ministrar-lhes conheci- mentos da moléstia, seus meios de transmissão, etc. Depois de uma segunda viagem novo relatorio foi apresentado pelo Dr. Guilherme Álvaro, porem des- ta vez reservado, informando precisamente ao go- verno toda a extensão do trachoma e pedindo ao mesmo tempo toda vigilância no serviço de immb gração para que novos elementos não viessem augmentar o numero bastante avultado dos já exis- tentes. Foi o primeiro passo dado pelo governo de S. Paulo em defeza do Estado e para este serviço de fiscalização foi nomeado o DrSeraphim Vieira que 95 em Santos examinava os immigrántes destinados a S. Paulo. Este exemplo devia ser imitado pelo governo da União para que não fossem baldados os esforços de um Estado. Na memória apresentada pelo Dr. Seraphim Vieira ao Sexto Congresso de Medicina e Cirurgia reunido em S. Paulo, elle apresenta como condição primor- dial na lucta contra o trachoma «a decretação de uma lei federal que probiba a entrada, nos portos da Republica, de immigrántes e passageiros de ter- ceira classe trachomatosos. com fiscalização rigo- rosa, assim como o governo dos Estado Unidos o fez em 1897». Adirectoria do serviço sanitario que vinha desde 1903 se preoccupando com o trachoma, manifestou ainda o seu empenho em combatel-o, quando pelo decreto de numero 1343, de 27 de Janeiro de 1906, foram installadas inspectorias sanitarias no interior do Estado e foi a estes funccionarios recem- nomeados, lembrada muito especialmente a pro- phylaxia do trachoma, como se verifica na circular de 7 de Março de 1906. Sendo de necessidade a creação de um serviço de prophylaxia especial, um apello foi dirigido pelo Director do Serviço Sanitario ao Secretario do Inte- rior, mostrando a necessidade da montagem do serviço, no que foi solicitamente attendido e pelo 96 Secretario cio Interior foram convidados para uma reunião em sua Secretaria lodosos ophtalmologistas que exerciam a especialidade em S. Paulo. Foi convidado para dirigir os trabalhos da commissão a organisar-se o Dr. Euzehiode Queiroz. Os médicos e auxiliares nomeados tiveram ainda um prazo para frequentarem a clinica de olhos do Hospital de Misericórdia, onde o campo de observação é bastante vasto. Nesta epoca de preparativos formulou o director da commissão conselhos e instrucções para serem destribuidos em grande escala nas zonas affectadas; abriu um curso na Santa Gaza para instruir enfer- meiros e auxiliares e íinalmente providenciou para que o Laboratorio Pharmaceutico do Estado prepa- rasse ambulancias destinadas ás sedes das connnis- sões locaes, Terminado o prazo de habilitação do pessoal subalterno, iniciou a commissão a campanha anti- trachomotosa, examinando em primeira logar as escolas que estavam grandemente infectadas. Quanto á prophylaxia escolar, recommenda a circulam. 22 de Outubro de 1000: Poderão continuar nas escolas os aluirmos que não tenham secreção, e que se obrigarem a comparecer no Posto ou sub-posto, afim de serem medicados, salvo os que provarem estar em tratamento com facultativo. Os que estiverem no periodo de 97 secreção serão privados de frequentar as aulas. Nos internatos, os aíumnos granulosos só poderão permanecer no collegio, se o director se compro- metter a fazei-os dormir em aposento separado, tendo cada um seus utensílios proprios de toilette. Serão obrigados a tratar-se no posto ou sub-posto da commissão aquelles que o director não provar que estejam em tratamento medico. Os Postos eram as casas destinadas ao trata- mento gratuito dos tracliomatosos. Foram creados diversos nos pontos mais atacados, funccionando sempre na cidade, sendo os sub-postos mais afas- tados, porem com o mesmo fim. A inauguração destes Postos e sub-postos fazia-se festivamente com o fim de attrahir a attenção da população, como um meio de propaganda dos melhores, que têm sido empregados. Esta prophylaxia escolar a que ha pouco allu- dimos, quando interrompemos para dizer algumas palavras sobre Postos e sub-postos, deu em S. Carlos do Pinhal, município de 45.000 habitantes, com 16.500 tracliomatosos, o que dá uma porcen- tagem de 36, 6 %, resultados esplendidos no fim de um anno, durante o qual a porcentagem de 39, 1 % reduziu-se a 16, 1 %, no Grupo Escolar da- quella cidade. Em Ribeirão Preto, onde as escolas estavam re- pletas de tracliomatosos, um exame feito em Ou- 98 tubro de 1906, ao iniciarem-se os trabalhos da com- missão deu a porcentagem de 47 o/0> que ficou re- duzida em Julho de 1907 a 20 %. De Outubro de 1906 a Julho de 1907 foram exa- minados nos differentes postos 240.332 individuos, dos ques 77.070 affectados de trachoma, fizeram-se 1.551.629 curativos e 1.142 operações. Além das medidas postas em pratica no Estado de S. Paulo, o Dr. Seraphim Vieira propõe nas con- clusões do seu trabalho «O trachoma em S. Paulo»: a decretação da lei federal a que já nos referimos; a notificação compulsória de todos os casos de tra- choma; promover-se a instrucção do povo e collo- cal-o no estado de bem comprehender o mecha- nismo do contagio e adoptar medidas de hygiene privada que o precavenha de qualquer infecção mórbida, e a divisão da zona trachomatosa em tres districtos, sendo cada qual entregue a sub-direcção de um medico auxiliar do director do serviço. Na Bahia não se cuida ainda em combater o tra- choma, que também não se desenvolveu com a rapidez das epidemias, nem dá numero nos obi- tuários.) Se é um mal que não mata, reforça porem consi- deravelmente o numero já tão grande que peram- bula pelas ruas da capital com a dupla amostra do descaso das auctoridades que não detem os expio- 99 radores da caridade publica, como não tem para os inválidos medida nenhuma de protecção. Os cuidados hygienicos não merecem aqui a menor attenção. Ainda ha poucos annos um governador installou um esquadrão de cavallaria entre dois internatos, um collegio de meninas, eum gymnasio, frequen- tados por dezenas e dezenas de creanças. Dc nada valeram os pedidos, rogos e supplicas com o fim de se evitar que se consummasse tal attentado ás conveniências do ensino e ás prescri- pçõés da hygiene. E’ preciso que os governos dos Estados tenham sempre uma comprehensão nitida e clara dos seus deveres, no que se refere á obervancia das leis e regras de hvgiene0 Temos na federação um Estado que neste sentido pode servir de modelo, aos que se queiram inte- ressar pela felicidade e bem de seus habitantes- não temos senão um caminho a seguir—é accom- panhal-o. Observações ò x. i Em 26 de Maio de 1911 apresentou-se á porta do Hospital S. Izabel J. A. S. homem de côr branca, com 31 annos de idade, roceiro, casado, natural deste estado e residente em Paêta, sendo recolhido na enfermaria S. Paulo, onde occupou um dos leitos destinados aos doentes da clinica ophtal- mologica regida pelo Dr. Santos Pereira. Procurou o hospital por estar soffrendo dos olhos ha maisde 8 annos, havendo neste espaço de tempo épocas em que melhorava e outras em que peorava; á cerca de um armo a moléstia aggravou-se impedindo-o de trabalhar. Começou a sua doença com uma dôr diolhos persistente, amanhecendo todos os dias com os ollios grudados por uma secreção abundante. Não tratou- se e em breve á simples sensação de arêa que sen- tia foi annexada uma dor intensa ao encarara luz (photophobia), e um lacrimejamento abundantís- simo. Pouco a pouco uma sensação de peso foi se accentuando na palpebra superior do olho es- 102 querdo e mais tarde o mesmo se deu com a pál- pebra do olho direito. A fenda palpebral parecia estreitar-se e os olhos estavam constantemente, irritados pelos cilios, sendo este o principal motivo que o fez procurar o hospital. Fizemos o exame objectivo e notamos que havia trichiasis nas palpebras inferiores, ligeiro en- tropion e blepharo-phimosis em ambos os olhos. O reviramento da palpebra foi impossível fazer-se e só conseguimos executal-o depois de feitas as duas operações de cantoplastia — que constam do tratamento. Logo que conseguimos descobrir a conjunctiva tarsal verificamos abundantes granulações caracte- risticas na forma e localisaçào e uma congestão intensa de toda a conjunctiva palpebral e ocular. Diagn osticamos trachoma. A primeira indicação que se fez necessária foi a correcção da blepharo-phimosis que conseguimos com as duas operações de cantoplastia. À primeira feita no olho esquerdo em 2 de Junho de 1911 e a segunda no olho direito em 13 de Junho. Depois de cicatrizada a incisão começamos as cauterizações com nitrato de prata a 4 %. No fim de alguns dias não havia mais secreção de modo que depois de um dia de intervallo começamos as cauterisações com o lapis de sulfato de cobre 103 até o dia 16 de Agosto. Em 18 de Agosto fizemos a operação dç entropion na palpebra superior do olho esquerdo, e em 25 do mesmo mez idêntica operação na palpebra superior do olho direito. bastante melhorado das granulações pelas cau- terisações que soffreu, e livre das complicações corrigidas pelos pfocessos cirúrgicos, pediu alta, allegando a necessidade de vêr pessoas enfermas da família. Em 31 de Agosto, retirou-se do hospital. N. 2 H. G. mestiço, pedreiro, com 32 annos de edade, casado, forte, natural d’este estado e residente na capital nos foi apresentado, em 2 de Maio, dizendo soffrer dos olhos. Ao interrogatório respondeu estar doente lia um anno e quatro mezes, e que a moléstia começou de um modo muito grave, julgando que ia na- quelles dias perder a vista de ambos os olhos. Muito tempo antes de ficar gravemente doente sentia nos olhos uma sensação de arêa (primei- ramente no olho direito e depois no esquerdo), attribuindo isto ao fraballio com a cal. Amanhecia diariamente com os olhos grudados e indo á pharmacia comprar um remedio de- rão-lhe uma solução de acido borico a 3 % e um pacote de algodão boricado para lavar os olhos. 104 Em Marro de 1910 foi que reconheceu estar muito doente da vista, pois amanhecia os dias com uma secreção muito abundante, a luz doia-lhe nos olhos, sendo obrigado a passar dias em um quarto escuro. Pelo exame objectivo, revirando as palpebras notamos granulações esbranquiçadas localizadas ao nivel da conjunctiva tarsal. Gomo nos- accusasse pertubações da visão no olho esquerdo, examinamos externamente e pela luz obiqna reconhecemos uma keratite phlyctenular. Diagnosticamos trachoma em ambos os olhos complicado de keratite phlyctenular no olho es- querdo. Em 4 de Maio iniciamos o tratamento coroado de um feliz êxito em um tempo relativamente curto graças a eompenetração do enfermo que era muito concorreu, comprindo rigorosamente o tratamento indicado. Cauterisações diarias foram feitas com a solução de nitrato de prata a 4 % até o dia 14 de Maio, recomeçando em 10 as cauterisações com o lapis de sulfato de cobre. No dia 37 de Maio começamos a fazer caute- risações em dias alternados, espaçando depois os intervallos, até o dia 30 de Julho, quando recei- tamos um collyrio de nitrato de prata na proporção 105 de 0, 20 ctgs. d’este para 100 grs. de agua dis- tiliada. A keratite desde o inicio do tratamento dos gra- nulações foi melhorando e a cura foi accelerada com o emprego da pomada de precipitado ama- relio. Tinha o doente grande cuidado em auxiliar o tratamento e por sua vez trazia os olhos sempre muito limpos, fazendo durante o dia lavagens abundantes com a solução bórica a 4 0/°. Em 2 de Agosto retirou-se o nosso doente para o interior, completamente são, porem usando ainda o collyrio de nitrato de prata. Em 2 de Outubro vimol-o muito mais forte e as conjunctivas, apresentando apenas os signaes da moléstia de que fôra victima. N. 3 P. C. mestiço, com 5 annos de edade, filho de L. G. o observado n. 2. Ha algum tempo atacado de dor d'ollios tem estado sempre com o olho esquerdo muito vermelho. Pelo exame que fizemos reconhecemos que se tratava de trachoma. O tratamento seguido foi o mesmo empregado para L. C. Os reslutados obtidos foram um pouco mais 106 tardios e só em 29 de setembro concedemos alta, continuando ainda o doente a usar o collyrio de nitrato de prata. Este é um segundo caso em que julgamos ter obtido a cura radical. N. 4 E. P. A. mestiço, casado, com 43 annos de idade natural da Bahia e morador de Itiúba. Apresentou-se ao hospital em 25 deAgosto, sendo recolhido na enfermaria S. Paulo. Foi examinado pelo Dr. Paulo de Queiroz que diagnosticou trachoma em ambos os olhos. De todos o casos de conjunctivite granulosa registrados no hospital foi o mais caracteristico pela exuberância das granulações hypertrophia- das. À moléstia começou ha 3 mezes pelo olho direito, atacando depois o esquerdo. Havia no começo um lacrimejamento abun- dante e intensa photophobia. A secreção bastante abundante no começo é nulla na actualidade. O tratamento que foi feito pelo Dr. Queiroz constou da expressão e cauterisações pelo sulfato de cobre. Ao expressões forarn feitas em 2 de Outubro no 107 olho diieito e em 10 do mesmo mez no olho es- querdo. Bastante melhorado pedio alta, sendo concedida. N. 5 M. M. L. parda com 27 annos de idade, natural deste estado, casada, residente na Calçada apre- sentou-se em 7 de Julho na clinica oplitalmotogica, sendo registrada no serviço externo. Examinada pelo Dr. Santos Pereira verificou-se tratar de um caso de conjunctivite granulosa no olho esquerdo. O tratamento que tem sido feito ora com a so- lução de nitrato de prata a 4 % ora com o lapis de sulfato de cobre não produzio ainda melhora considerável. Este insuccesso do tratamento consideramol-o em parte devido a inconstância de cliente que passa dias sem comparecer ao gabinete para fazer cu- rativo. N. 6 G. M.C. mestiça, forte, com 24 amios de idade, solteira, natural deste estado, moradora do Campo da Polvora, parcilrou em 30 de Outubro o gabinete da clinica ophtalmologica por estar doente dos olhos. 108 Registamol-a na pagina 17G do livro da referida clinica, e procedemos ao interrogatório—Feito o exame local pelo Dr. João Santos Pereira, digno I assistente da clinica, foi diagnosticado trachoma em ambos os olhos. Por ser G. M. G. empregada em um asylo de creanças abandonadas instruimol-a sobre a contagio- sidade da sua moléstia e iniciamos o tratamento seguido pelo Dr. Santos Pereira. No principio solução de nitrato de prata a 4 %e depois de terminada a secreção, cauterisações com o lapis de sulfato de cobre. Em 7 de Novembro apparece G. M. C. com uma creança dos seos cuidados também atacada de tra- choma. Era uma menina branca, com 1 anno e 3 mezes de idade. Tendo augmentado grandemente o numero dos trachomatosos no asylo a que nos referimos, foi indicado um medico oculista para cuidar dos enfer- mos no referido asylo de modo que não mais tive- mos occasião de ver os nossos doentes. PROPOSIÇÕES Proposiçoes ANATOMIA DESCRIPTIVÃ I— 0 globo ocular orgam par e symetrico, abri- ga-se na porção anterior da cavidade orbitaria. II— Elle é recoberto para diante por dois véos moveis, as palpebras, que servem também -de ap- parelho de protecção. III— As artérias principaes das palpebras são as palpebras, ramos da ophtalmica. ANATOMIA TOPOGRAPHICA I— As palpebras em numero de duas para cada olho constituem as regiões palpebraes. II— Os planos da região palpebral são em nu- mero de cinco: pelle, plano muscular, conjun- ctivo, fibro-cartilaginoso e mucoso. III— Os diversos planos que entram na cons- tituição da região palpebral ofíerecem uma pe- quena resistência ás infiltrações de sangue, se. rosidade ou ar. BACTERIOLOGIA. I—Apezar de ser o trachoma moléstia reco- nhecidamente microbiana não está ainda conhe- cido o agente especifico. 112 II— A reproducçào do trachoma no homem foi conseguida por G. Addario em tres indivíduos cégos que se sujeitaram ás suas experiencias. m III— Charles Nicolle, A. Cuénod e L. Blaisot conseguiram pela escarificação a reproducçào da moléstia no chimpanzé. HISTOLOGIA I~A perfeita transparência da cornea é devida ao contacto intimo das snas laminas e em cada lamina ao contacto intimo dos feixes de fibrillas conjunctivas. II— Em cada lamina cornearia as fibras são dirigidas parailelamente umas ás outras, porem perpendiculares ás fibras da lamina seguinte. III— Somente entre as laminas estão dispostas as cellulas cornearias, rpie não são senão cel- lulas fixas, cellulas chatas do tecido conjunctivo. ANATOMIA E PHYSIOLOGIA PATHOLOGICAS I— 0 sarcoma é uni tumor maligno perten- cente ao grupo dos tumores formados por te- cido embryonario, ficando sempre embryonario. II— Os casos raros de tumor maligno da clio- roide nos indivíduos idosos são representados pelo sarcoma melanico, 113 III—Os tumores da retina, gliomas, encon- trão-se exclusivamente na infancia. PHYSIOLOGIA I— As lagrimas são o producto de secreção das glandulas lacrimaes. II— Elias se compõem de agua, tendo em disso- lução chloreto de sodio. III— -Á secreção Jacrimal se faz por acção reflexa sob a influencia da excitação dos nervos sensitivos da cornea, conjunctiva, mucosa pituitária, etc. e também sob influencias psychicas THERAPEUTICA. I— A atropina, alcaloide da belladona, é usado diariamente em ophtalmologia. II— Nas iri tis este medicamento combate a dôr, e dilatando a pupilla previne a producção das sy- nechias. III— Com instillações de um collyrio de atropina, os attingidos de cataracta vêm penetrar um numero mais abundante de raios luminosos. HYGIENE I—A hygiene em trachoma presta relevantes serviços á cura, chegando alguns a enaltecer a sua superioridade sobre qualquer intervenção local, 114 II— O trachomatoso deve evitar o ar confinado, o fumo, o excesso de luz e finalmente todas as cau- sas de irritação ocular. v III— O isolamento dos doentes facil de se fazer, quando são elles em pequeno numero, torna-se muito difficil, quando a moléstia já invadio com certa intensidade os centros populosos. MEDICINA LEGAL E TOXICOLOGIA I— Nos enforcados os olhos são em geral injec- tados e proeminentes. II— As palpebras apresentam-se intumescidas e de côr rôxa azulada. III— Nos casos em que as conjunctivas apresen- tam-se pallidas, vê-se-as muitas vezes cobertas de pequenas ecchymoses. PATHOLOGIA CIRÚRGICA I— A erysipéla das palpebras é frequentemente a consequência de uma erysipéla da face. II— Depois de uma infecção erysipelatosa o sacc0 lacrimal deve ser lavado com uma solução de nitrato de prata para previnir novas infecções. III— O trachoma tem sido algumas vezes curado definitivamente pela erysipéla palpebral. 115 OPERAÇÕES E APPARELHOS I— A cocaina sob a forma de chlorydrato que é solúvel n’agua, tem grande emprego como anal- gésico nas operações da clinica ophtalmologica. II— A reunião da adrenalia á cocaina, accelera ò inicio da analgesia, torna-a mais perfeita e au- gmenta-lhe a duração. III— A acção constrictivada adrenalina sobre os vasos diminue o poder toxico da cocaina e per- mitte operar sem perda de sangue. CLINICA CIRÚRGICA (l.a CADEIRA) I— Na operação cie entropion o processe cpie dá melhores resultados é o de Snellen, modificação do processo de Streatfield. II— Para executar a operação applica-se a pinça de Snellen, dá-se á 2 ou 3 millimetròs do bordo ci- liar uma incisão em toda extensão da palpebra e com uma thesoura retiram-se os feixes musculares sub-jacentes. III— Por duas incisões obliquas retira-se uma porção cuneiforme da tarsa e pratição-se as su- turas que têm uma disposição especial. CLINICA CIRÚRGICA (2.- CADEIRA) I—O chalazion pode ser incizado pela pelle ou pela conjunctiva; 116 II— A incizão que deve ser parallela ao bordo livre da palpèbra deve ser mais ou menos extensa segundo o volume do tumor. III— E’ inútil fazer suturas na incisão cutanea. PATHOLOGIA MEDICA I— Âmaas, milk-pox, bullocks, variola leitosa, varíola dos cafres (W. E. Korté) e outras são as synonimias do alastrim. II— Os svmptomas inicias são analogos áquelles da variola: conjunctivite, cephalèa, bronchite, nau- seas, dores gastricas, dôres nos membros. Ilt—Os vomitos são inconstantes e a racliialgia parece menos violenta, que na variola véra. CLINICA PROPEDÊUTICA I—A ophtalmo reacção é um dos meios empre- gados no diagnostico da tubelculose. II — Não é empregado com muito frequência por- que tem produzido algumas vezes graves ophtal- mias. TH— A palpação do globo do olho auxilia bas- tante o diagnostico do glaucoma. HISTORIA NATURAL MEDICA I— Os insectos são grandes propagadores de moléstias. 117 II— 0 chupão ou barbeiro (conorhinus megistus) é o transmissor do schizotrypanum cruzi, respon- sável pela moléstia de Chagas. III— A larva do conorhinus megistus suga excepcionalmente no 3.° dia de nascida. CLINICA MEDICA l.a CADEIRA I— O milk-pox é uma febre eruptiva especifica e de grande contagio, assemelhando-se á variola. II— A vaccina jenneriana actúa da mesma forma que na variola, sendo ella portanto o meio prophy- latico por excellencia. III— O tratamento é unicamente hygienico e a mortandade é minirna. CLINICA MEDICA (2.» CADEIRA) I—No alastrim a erupção começa geralmente no 3.° dia, havendo antes alguns symptomas que mar- cam a invasão da moléstia. TI—No 4.° dia da erupção as vesiculas apresentam uma apparencia de pérolas, começando logo depois a suppuração. III—No alastrim a suppuração é mais rapida que na vario!a véra e da-se sem febre na maioria dos casos. 118 MATÉRIA MEDICA, PHÁRMACOLOGIA E ARTE DE FORMULAR I— A base de uma formula é a sua substancia mais activa. II— Ella póde ser simples, quando consta de uma só substancia e composta quando encerra duas ou mais, dotadas das mesmas propriedades. III— As outras partes constituintes de uma for- mula são: o adjuvante ou auxiliar, o correctivo, o excipiente ou vehiculo, e o intermédio. CHIMICA MEDICA I—0 salvarsan (bichlorydrato de dioxydiamido arsenobenzol) é um pó amarello, contendo 34 %de arsénico e dissolve-se facilmente n’agua com reacção acida. 2—-Tem por formula chimica: III—O seu emprego foi tentado no tratamento do trachoma. OBSTETRÍCIA I— 0 parto é o principal factor do funcciona- mento da glandula mamaria. II— Pela analyse chimica das urinas podemos pre- ver a data do parto. 119 III—Isto se verifica pela tendencia a augmentar da tara da lactose. CLINICA OBSTÉTRICA E GYNECOLOGICA I— Parto natural é aquelle que se realiza pelas # forças do organismo materno. II— Elle é artificial quando o parteiro intervem durante o trabalho. III— O parto comprehende dois tempos: lc a ex_ pulsão do féto ou parto propriamente dito; 2.° a ex- pulsão dos annexos do féto ou delivramento.- CLINICA PEDIÁTRICA I— Dentre as moléstias do apparelho ocular da criança são notáveis as ophtalmias pela sua fre- quência. II— Podem ser benignas ou malignas, sendo estas produzidasqpelo gonoccocus de Neisser. III— A infecção se dá frequentemente na passa- gem do feto pela vagina* CLINICA OPHTALMOLOGICA I—0 trachoma é uma das moléstias mais graves da pathologia ocular. 120 II— E’ grandemente contagioso, propagando-se nas collectividades com mais facilidade, principal- mente, quando não são observados os principios de hygiene. III— Para o tratamento são indicados muitos medicamentos, sendo os melhores o nitrato de prata e o sulfato de cobre. CLINICA DERMATOLÓGICA E SYPHILIGRAPHICA I— O lupus vulgar é uma das formas da tubercu- lose cutanea. II— Segundo os tubérculos ulceram ou não o lu- pus divide-se em: lupus tuberculoso ulcerado e lu- pus tuberculoso não ulcerado. III— O lupus vulgar dá lugar á uma serie de com- plicações. CLINICA PSYCHIATRICA E DAS MOLÉSTIAS NERVOSAS I— A hysteria é uma nevrose muito mais frequente na mulher.que no homem. II— Ella tem manifestações múltiplas, reconhe- cendo duas formas principaes, uma convulsiva e outra não convulsiva. III— Pode simular um grande numero de molés- tias. tr/a rAe AA^e- » cAcc-znzz zAz tze, J?/ sA cAs YpS/. 'Ç> ST d-oó' QsfÍDeireffleó'.