Faculdade de Medicina da Bahia THESE FACDIDÂDE DE MEDICINA IA BAHIA APRESENTADA Á Em 20 do Julho de 1909 Para ser Perante a mesma publícamente defendida Pelo Pharmaceutico . féã&aúeà da Natural do Estado da Bahia AFIM DE OBTER O GRAO DE DOUTOR EM MEDICINA DISSERTAÇÃO •> SOBRE O Estudo das causas mais communs das hemorragias antes, durante e depois do parto Cadeira de Clinica Obstétrica e Gynecologica PROPOSIÇÕES I res sobre cada uma das cadeira do curso de sciencias medicas e cirúrgicas BAHIA Typographia e Encadernação do Lyceu de Artes Prudoncio ds Carvalho, director Premiado com Medalha de Ouro na Exposição Nacional de 1908 r909 Faculdade de Medicina da Bahia Director—Dr. AUGUSTO CÉSAR VIANNA Vice-Director — Dr. MANOEL JOSE’DE ALAUJO Lentes cathedraticos OS DRS. / MATÉRIAS QUE LECCIONAM I. SECÇÃO Carneiro de Campos : Anatomia descriptiva. Carlos Freitas Anatomia medico-cirurgica. 2. Secção Antonio Pacifico Pereira Histologia. Augusto C. Vianna Bacteriologia Guilherme Pereira Rebello. . . . Anatomia e physiologia patholog cas. 3. Secção Manuel José de Araújo Physiologia. José Eduardo F. de Carvalho Filho . Therapeutica. 4. Secção Josino Correia Cotias Medicina legal e toxicologia. Luiz Anselmo da Fonseca .... Hygiene 5. Secção Antonino Baptista dos Anjos. . . . Pathologia cirúrgica. Fortunato Augusto da Silva Júnior . Operações e apparelhos. Antonio Pacheco Mendes .... Clinica cirúrgica, 1.» cadeira. Braz Hermenegildo do Amaral . . Clinica cirúrgica, 2.» cadeira. 6. a Secção Aurélio K. Vianna Patiiologia medica. Clinica propedêutica. Anisio Circundes de Carvalho. . . Clinica medica, P» caileira. Francisco Braulio Pereira Clinica medica, 2.» cadeira. 7. Secção José Rodrigues da Costa Dorea . . Historia natural medica. A. Viclorio de Araújo Falcão. . . Matéria medica, pharmacolog a e arte de formular. José Olympio de Azevedo .... Cmmica medica. 8. Secção Deocleciano Ramos Obstetrícia. Climerio Cardoso de Oliveira . . Clinica obstétrica e gynecologira. 9. Secção Frederico de Castro Rebello . . . Clinica pediátrica 10. Secção Francisco dos Santos Pereira . . . Clinica ophtalmologica. II. Secção Alexandre E. de Castro Cerqueira . Clinica dermatológica e syphiligrapliita 12. Secção Luiz Pinto de Carvalho . . . . . Clinica psychiatrica e de moléstias nervosas. cVr!r*.•. : *» -«.e-nibiiia— Substitutos OS DOUTORES José Affonso de Carvalho t.' secção Gonçalo Moniz Sodré de Aragào . . . J 0 „ Julio Sérgio Palma 1 Pedro Luiz Celestino 3.a » Oscar Freire de Carvalho 4.a > 5 a. João Arnenco Garcez Fróes . . . ti.a > Pedro da Luz Carrascosa e José Julio de Calasans 7.a » J. Adeodato de Sousa 8.a » Alfredo Ferreira de Niagalhàes ... 9.a • Clodoaldo de Andrade 10. • Albino A. da Silva Leitão 11. ► MarioU. da Silva Leal 12. » Secretario—DR. MENANDRO DOS REIS MEIRELLES Scb-secretario—DR. MATHEUS VAZ DE OLIVEIRA A Faculdade não approva nem reprova as opiniões exaradas nas theseg pelos seus auctores. PRIMEIRA PARTE Causas das hemorragias antes do parto CAPITULO I O sangue é o thesouro da vida. Mauriceau. E’ sujeita a mulher desde os primeiros mezes de gravidez a hemorragias. Elias podem ser insignificantes e de valor minimo, como também assumir proporções taes em gra- vidade, que ameacem, nem só a vida do fructo concebido, como a da pobre mãe, attenta á causa de sua origem. As hemorragias podem se dar em qualquer periodo da gravidez, havendo, comtudo, mais frequência, nos últimos seis mezes, excepção feita de casos que mais adeante, quando tratarmos de certas causas, citaremos e discutiremos. Adotando a divisão methodica de Barmes, trataremos: 1.° das hemorragias dos tres a quatro primeiros mezes; 2.° das hemorragias da prenhez adeantada. Quer sejam as he- morragias do começo ou do termo da prenhez, podem se classificar em internas, externas e mixtas, accordes com todos os auctores neste ponto. Dá-se o nome de hemorragia interna, quando o sangue derramado fica collectado entre a placenta e o utero ou mesmo entre o utero e as membranas. São ditas externas, quando o sangue derramado escòa pelo orifício do colo e da vagina; fmalmente são mixtas quando passando os 2 derramens sanguíneos entre as membranas e o utero, ou entre o utero e a placenta atravessa uma porção o orifício do eólo e manifesta-se externamente também. Querendo limitar mais a denominação de cada hemorragia definida ácima, dizemos que as hemorragias deviam ser classificadas em interiores, exteriores ou mixtas, attendendo a que ellas partissem dos orgãos genitaes internos, externos ou de uns e outros ao mesmo tempo. A frequência de certas hemorragias pode-se notar em certas pliases de gravidez e do parto: assim dizemos que as hemorragias internas podem se dar durante a gravidez, durante o parto e depois d'elle, emquanto que as hemor- ragias externas são mais frequentes durante o trabalho e depois d’elle, e são a consequência, geralmente, de inter- venções ou mesmo da passagem doféto: quero alludir ás roturas, lesões de vasos varicosos da vagina, vulva, pe- rineu etc. Esta maneira de vêr, quanto á ultima classificação nossa é o que nos assalta a mente de um modo logico e racional e que sustentaremos. Vejamos as causas das hemorragias do primeiro período de gravidez. Como dissemos ácima é muitas vezes a mulher victima de hemorragias logo depois de fecundada: ora são insignificantes e sem gravidade; ora podem augmentar de frpquencia e ahundancia, e portanto produzindo a gravidade em parallelismo com o desenvolvimento do ovo, embryão, ou feto.; compromettendo-os si os cuidados de um compe- tepte não chegarem em seu auxilio. Muitas vezes encontramos mulheres que se julgam re- 3 gradas mesmo depois da confirmação de sua gravidez, feita não só por um medico, como pela consciência própria: ora, como sabemos, um dos phenomenos affirmativos da gravidez é a suppressão das regras, excepção feita de alguns casos. Em uma mulher robusta bem disposta, bem nutrida e que as funcções de todo o organismo são regulares, a au- sência das regras, depois de leita a enseminação, que se po- derá chegar a saber pelo interrogatório, é de um valor máximo; muito mais quando ao interrogatório juntam-se outras investigações que, por seu conjuncto, formam um completo exame, para affirmarmos si está cila ou não em estado de gravidez: nos informando, portanto, de que con- tinua a ser regrada, deve o medico ser vigilante, pois pode tratar-se de um estado pathologico: porquanto, a mulher gravida commummenie não é regrada. Esse psendo-catamçnio (1) é uma verdadeira hemor- ragia, supplementar, o que se explica pela congestão que soflre o utero e seus annexos com o desenvolvimento do ovo; hemorragia que pode ameaçal-o ou mesmo sacrifical-o com tanta maior probabilidade, quanto mais avançado for o seu desenvolvimento; o que se dá mais frequentemente nas mulheres plethoricas, como pensa Ribemont. Jacquemier dá um alto valor as congestões do utero para explicar o facto, e exprime-se do seguinte modo: «les changements qui surviennent du côte de futérus gra- vide produisent dans la circulation du sang des moditica- tions três favorables à la production des hémorragies utéro- placentaires». Do mesmo modo que podem haver hemoptises, lie- (1) Damos nas observações adeante um caso apresentado por meu pae Dr. Julio da Gama» 4 morragias do pharynge em primiparas ou multiparas, outras victimas de epistaxis, coincidindo justamente com a data em que tinham suas regras; (1) são as hemorragias ditas metatasticas ou compensadoras; ora, ou a ausência das regras é um symptoma de confi- ança para o diagnostico da prenhez nos primeiros mezes, ou não; pensamos affirmativamente com muitos auctores, quanto ao seu valor; e portanto não ousamos negal-o e, somos de opinião que essas pseudo-regras são simples- mente hemorragias embora de pouco valor em certos casos, apezar de poderem em outros assumir gravidade. A gravidade que pode revestir dessas hemorragias (pseu- do-regras) é a de provocarem o aborto, podendo portanto nem só serem perniciosas ao ser materno como ao ser em desenvolvimento; e deste modo pensam Demelin, Budín e tantos outros. Deixando sem mais detalhes, sem entrarmos mais minu- ciosamente em explanações sobre este ponto, abordemos a questão a que nos propuzemos, e que serve de enun- ciado deste capitulo: vejamos qnaes as causas mais com- muns e de mais importância das hemorragias da gravidez- São innumeras; trataremos em primeiro lugar, por serem mais frequentes e de máximo interesse, das hemor- ragias dependentes do abortamento; depois trataremos do abortamento dependente de certas hemorragias. As pequenas hemorragias dos tres primeiros mezes da prenhez foram ja succintamente tratadas mais ácima, e encaramol-as sem gravidade por não trazerem consequên- cias desastrosas. (]] Dr. J. da Gama assistiu mais de um caso, em que foi elle o parteiro, tendo acompanhado a paciente desde o inicio da gravidez. 5 Estudemos as-que dependem do aborto: para satisfazer esse nosso desideratum encararemos as phases da pre- nhez e classifical-as-emos de accordo com Guillemont. O abortamento pode se dar nos vinte primeiros dias de prenhez: é o abortamento ovular ; pode se dar nos noventa dias: é dito então abortamento embryonario; e fmalmente pode ler lugar durante o 4.° 5.° ou 8.° mez, é chamado então abortamento fetal; é mais ou menos a classificação adotada por Budin eTarnier. Vejamos agora as hemorragias que seguem o aborto (1) em cada periodo dos que ácima foram classificadas. Vejamos sua importância e gravidade. Geralmente as hemorragias vão tornando-se graves, na razão directa do avançamento do tempo da prenhez; assim analysando as que se dão no l.° periodo da classificação adotada, diremos que são de somenos valor quanto á intensidade e tem, geralmente o aborto que as causou, origem em uma causa dependente, quer da própria mãe (de um estado orgânico qualquer); do ovo (como na degenerecencia hydatifonnc), oudoproprio pae; ás vezes das duas causas conjunctamente, mais rara- mente das tres: nada sobre este ponto poderemos adeantar mais, porquanto não é da competência do nosso assumpto. Como se explicar as hemorragias que seguem o aborto no 1.° periodo? qual o seu mecanismo? São devidas a elle, é verdade, e o seu mecanismo assim explicaremos: o ovo existente na cavidade uterina ou não, actua como um corpo extranho, o que sóc geralmente acon- tecer, quando ha uma lesão ou irregularidade no organismo materno, uma metrite ou endometrite, embora em parte curada, que, de modo algum impediu a fecundação, mas (1) Os abortamentos causam hemorragias na proporção de 5,85 °/0 — SneguirefT, 6 torna impossível o desenvolvimento do ôvo; o útero reage, contracções se estabelecem, e por ellas o òvo é expellido; ora assim sendo, fácil se nos torna com prebendei* o meca- nismo dessas hemorragias: as connexões do òvo com o utero são rotas mais on menos (a caduca); os vasos achando-se abertos deixam escapar uma maior ou menor quantidade de sangue de accordo com o seu calibre, o que é sempre proporcional ao adeantamento da gravidez: aqui, no facto que encaramos, isto é, as hemorragias que seguem o aborto no período ovular, são sem gravidade, e o que nos auxilia affirmal-o é que, como Ribemont, pensamos, passam como simples regras retardadas, porquanto é o ôvo expellido em o meio de uma certa porção de sangue coagulado, precisando um exame attento para encontral-o, segundo a opinião de Barnes; ao contrario do que pensa Ribemont que affirma ser raro poder-se cncontral-o, e Budin que assevera nem se encontrar traços do ôvo. Vejamos agora as hemorragias do abortamento durante o segundo periodo (2.° mez, Budin e Tarnier) no periodo embryonario (Guillemont) dos 20 aos 90 dias. Quanto mais adeantada for a prenhez tanto mais abundantes serão as hemorragias, e maior numero de factores, parece dar sua explicação. Ora, nesse periodo, periodo embryonario, a caduca inter-utero-placentaria já se acha muito mais desenvol- vida, e prestes a ir dando logar a que a placenta se diífe- rencie; os vasos são, portanto, em maior numero, mais calibrosos e diíferenciados; explicando-nos o porque as hemorragias desse periodo são mais serias; o utero tem começado a se hypertrophiar, as contracções uterinas, eausa efficiente do aborto, (embora este tenha uma causa occasional) são mais energicas, mais dolorosas, favorecem 7 a rotura das connexões do cmbryão com o utero, rotura dos laços que o mantém á caduca inter-utero-placentaria; e provocam sua expulsão ; a hemorragia será a consequência inevitável do lacto. Ribemout diz que ás vezes é a hemorragia que descolla o òvo ou o embryão no mesmo momento em que se dão as contracções uterinas, mas não nos explica o seu meca- nismo, de modo que podemos por nossa conta dizer que essa hemorragia é sempre dependente do aborto, e este dependente de uma causa preexistente no organismo materno ou no embryão, ou ainda dependente de uma causa acci- dental como choques, esforços, etc. Diz ainda Ribemont: «quando éa contracção uterina <*ue precede a hemorragia, a expulsão é um pouco mais de- morada a se fazer, porque o embryão não é descollado senão pouco a pouco; a hemorragia está em relação com a contracção uterina». Seja d’csta ou daquella maneira, o que nos interessa é saber se ha ou não hemorragia, se é abundante e grave; a todos esses pontos ferimos, dizendo que as hemorragias do periodo embyonario tèm alguma gravidade; são um tanto abundantes, porquanto, ou dependa o aborto de al- guma lesão do embryão, do organismo materno, alguma endometrite, ou qualquer lesão outra, a caduca inter-utero- placentaria é sempre o logar donde parte o sangue, onde já existe, como dissemos, grande quantidade de vasos, e calibrosos. Do 3.° ao fim do 4.° mez, vè-se na maioria dos o aborto ser leito em dois tempos ; as contracções uterinas provocam o descollamento do embryão, e com elle pode vir logo a placenta ou não; no primeiro caso a hemorragia pode ser pouco abundante, por terem as contracções ute- rinas libertado rapidamente o utero de seu conteúdo, 8 tendo favorecido desfarte sua retracção, havendo simples- mente perdas minimas, correspondentes á cada contracção. No segundo caso, o descollamento da placenta não se faz logo nas primeiras contracçõés, o embryão atravessa e é expellido pelo canal cervical, mais a placenta contiuúa adherente em uma boa parte; a hemorragia continuará a se dar; porque as contracçõés persistem e a retracção ute- rina não se pode fazer; eis como se explicam os factos. A’s vezes ainda depois de expulsos embryão e placenta, fica na cavidade uterina uma parte da caduca que será expellida mais tarde, podendo em alguns casos dar logar a uma perda sanguínea, mas sem ter o caracter de verdadeira hemorragia. Passemos ao estudo das hemorragias no periodo fetal. São importantes e geralmente graves. As hemorragias que se dão, quando o abortamento tem logar durante o 5.° e 6.° mez de gravidez, se assemelham extraordinariamente ás dos últimos tres mezes que precedem o parto. Os abortos nesse periodo muito se parecem com os partos prematuros; iactos idênticos ao do parto prema- turo se dão, nem só por já estar a placenta completa- mente diíferenciada, como o této bem desenvolvido. O aborto se faz em dois tempos como no parto de termo; é primeiro expellido o féto, e depois a placenta. O delivramento se faz pouco tempo depois da expulsão do féto. As hemorragias nesse caso são geralmente menos abundantes, é verdade, que no periodo ernbryonario ; mas nem sempre o aborto se faz de um modo normal sem certas complicações; temos então a deduzir certas conse- quências do facto, quanto ás hemorragias. A estatística de Varnier eBudin (1) nos mostra o seguinte: a expulsão em (1; Revue pratique cTobstétrique et d’hygiene de Fenfence— 9 um só tempo é de 1 por 10 vezes em501 casos: 48 vezes a expulsão teve togar de uma vez; 453 em dois tempos. Quando o aborto é lento as hemorragias são quasi sempre abundantes; o factor que favorece a hemorragia consequente de um aborto, n’esse periodo, é a retenção da placenta; a hemorragia é tão mais abundante quão mais fracas forem as contracções uterinas. Muitas vezes são ellas intermittentes; a hemorragia continua a se fazer com in- termittencias também. Devemos no caso da retenção da placenta figurar tres hy- potheses possiveis: a primeira do encantoa mento da pla- centa, havendo contracções fracas do utero para eliminal-a; ficando, portanto, os vasos do utero abertos deixando es- coar sangue. A segunda hypothese é a da placenta ficar completa- mente adherente; as hemorragias não são frequentes, e quando existem são insignificantes, a menos que outra complicação de uma origem qualquer possa existir. A terceira hypothese finalmente, é a da placenta estar em parte descollada em parte adherente: é o facto mais grave de todos, as hemorragias são inevitáveis, abundantes e ameaçadoras. A hemorragia não cessará emquanto não estiver completamente descollada e expellida a placenta, e será tanto mais abundante quanto mais vasto fòr o des- collamento; é preciso esperar-se que a placenta se descolle ou intervir para fazel-o, se o caso exigir, embora atten- dendo á observação de não fazer tracções sobre o cordão afim de evitar que ella se rompa e fiquem porções adhe- rentes ao utero, o que traria inconvenientes sérios alem das graves hemorragias que fatalmente se dariam. 4893 P Budin Etude critique sur 530 cas d’avortement—thése de Paris—1892. 10 No caso que encaramos, a hemorragia apezar de ser um facto commum, normal no abortamento, é gravíssimo por sua repetição ou por sua continuidade. Muitas vezes ha hemorragias tardias no aborto, quando o delivramento feito artificial mente muito tempo depois da expulsão do feto, ha inércia uterina. Os coágulos sanguíneos podem obturar o canal cervico-vaginal mascararem a hemorragia, tornando-a interna, e quando se os retira é que se vê o sangue se escoar liquido da cavidade uterina. Os coágulos podem ser mais ou menos espessos encer- rando porções fibrinosas, que, no primeiro periodo de gravidez, poderiam ser tidos como o ôvo expellido. As he- morragias que acompanham o abortamento neste periodo, são mais ou menos abundantes, e sempre mais graves, pela repetição, o que sóe acontecer quando a placenta descollada é retida inteira ou é parcialmente descollada; ou mesmo quando tenha sido expulsa, ficam porções adhe- rentes. Tratemos agora das hemorragias que podem determinar o aborto. Falaremos mui summariamente sobre este ponto por duas razões: a 1.* é a de sabermos que todas as he- morragias, quer tenham essa ou aquella origem, podem determinara aborto, altendendo-sesomente como causa fa- vorável a sua maior ou menor intensidade e a fonte donde provem. A 2.» razão é a de termos que falar mais adeante de causas outras de hemorragias em geral, e não devermos limitar o assumpto, vendo simplesmente suas consequên- cias quanto ao aborto: o que não quer dizer com isso, que todas as hemorragias, simplesmenfe diíferentes pela causa não passam produzir as mesmas consequências: adeante- mo-nos portanto. 11 As hemorragias que determinam o aborto podem se apresentar debaixo de tres formas differentes. Seguiremos a descripção de cada forma dessas hemorra- gias pelo modo porque descreveu o professor Jacquemier. São: 1 .a O derramamento é total e dijfuso. 2. a A hemorragia é localisada mas com limites vagos, imprecisos. 3. A hemorragia è localisada mas com limites bem nitidos. Na l.a forma o sangue infiltra o chorion e invade a cavidade amniotica por todos os lados, como se dá no pri- meiro mez. Na 2.a a placenta parece embebida de sangue, é mesmo injectada, o que se dá em uma época mais avançada da prenhez, quando a placenta é differenciada do chorion loeve. Finalmente na 3.a forma a apoplexia placentaria é loca- lisada: ha um verdadeiro infarctus. Donde parte o sangue? Como já tivemos occasião de dizer anteriormente é da pla- centa, ou melhor é o extravasamento do sangue entre a caduca e os elementos fetaes da placenta que rompe as connexões utero-placentarias... (Barnes). Mas qual a causa dessa hemorragia capaz de provocar o aborto? Ella pode ser simplesmente apparente, signal objectivo, mas a ver- dadeira causa não é ella, e sim maternal, ou fetal; a hemorragia terá uma causa que é a própria causa do abor- tamento; quer sejam lesões do proprio utero, lesões preexistentes do organismo materno, capazes de reagir contra a existência do ôvo, embryão ou feto no seu seio e por isso concluamos com o axioma de Robert Barnes: ■ • •, '.-fy •. v. \ CAPITULO II 0 presente capitulo será consagrado a causas outras de hemorragias. Si bem que sejam ellas responsáveis por hemorragias nem só antes, durante como depois do parto, resolvemos apresental-as aqui, tratando de um modo geral e particu- larisando-as somente quando virmos necesssario; por- quanto, não obstante causarem umas,, hemorragia antes, outras durante, e outras depois do parto, são inti- mamente ligadas. Satisfazendo o nosso compromisso lem- braremos como uma das causas de que vamos tratar, os tumores, de um modo geral. Sabemos que tumores existem, que mais commummente favorecem as hemorragias; outras, porem, embora possam causal-as, comtudo esse facto é menos facil de observar-se. Tratemos dos fibromas: esses neoplasmas podem ser implantados do lado de cavidade cervical, e, com um vo- lume minimo serem o ponto de partida de excitações, de- vidas ao desenvolvimento do ôvo, do que resulta a sua maior vascularisação, congestão exaggerada e a rotura de vasos, trazendo em consequência as hemorragias. Esses tumores podem assestar-se em outros pontos como na face externa, labio anterior ou posterior do focinho de tenca, e então, o receio a se ter é na occasião do parto; havendo casos, porem, em que a felicidade é tão lisonjeira que unida a calma do operador faz com que o trabalho se effectue havendo hemorragias mínimas. 14 Os fibromas do corpo e do segmento inferior do utero podem ser sub-peritoneaes, intersticiaes ou sub-mucosos. Estes últimos são os que mais favorecem as hemorragias, o que se explica facilmente, pelo desenvolvimento que se dá em parallelo com o ôvo; os vasos que augmentam de volume, o amollecimento que vae soffrendo, tornando-os portanto mais aptos pela superficiabilidade em que vão se achando os vasos a se deixarem romper, dando em resul- tado uma maior ou menor perda sanguinea. Esses neoplasmas podem sedear o fundo, o segmento inferior e visinhança do colo e o segmento superior do utero. A implantação em um dos pontos acima referidos pode predispor ou não ás hemorragias. Vejamos os casos em que predispõem: os fibromas ele- vados do íundo do utero, trazem consequências na occasião do trabalho: elles cortam as contracções uterinas, e conse- quentemente trazem lentidão no trabalho, e serias hemorra- gias no delivramento. Os fibromas baixos, situados abaixo da parte fetal, fibromas proevios (1) do colo, segmento in- ferior e mesmo do corpo quando o pediculo bastante longo permitte-os descer na exeavação, trazem, na occasião do parto a occlusão do canal cervical impossibilitando a ex- pulsão (do feto, embryão ou ovo); dá-se o descollamento da placenta (total ou parcial) a hemorragia temida é abun- dante, porque as contracções persistem, e o escoamento também; outras vezes a expulsão do feto é facil e o delivra- mento simples, mas as hemorragias por inércia são bastante graves; principalmente si a placenta se insere sobre a região fibromatosa. (2) Finalmente um utero fibromatoso pode ser o ponto de (1) Budin. (2) Vide mais adeante duas observações para exemplos, do Dr. Júlio da Gama. 15 partida de hemorragias serias e graves desde o começo da prenhez, o que traz geralmente o abortamento; são as hemorragias do começo da prenhe As hemorragias da segunda metade da gravidez que são geralmente devidas á inserção viciosa da placenta, são mais frequentes por ser mais commum essa inserção vi- ciosa no utero fibromatcso. Comtudo as hemorragias não são muito frequentes no curso da prenhez no caso de fi- bromas (1), sem por isso deixarem de existir; é verdade que as vezes o diagnostico da causa das hemorragias no curso da prenhez é difflcil quando se está deante de um utero fibromatoso; mas geralmente o que a facilita é uma endometrite. (2) Vejamos uma outra variedade de neoplasmas capaz de produzir hemorragias: o cancro. Esta variedade deve ser encarada com mais attenção, pelo facto de predispor mais frequentemente ás hemorra- gias que qualquer outra. (3) 0 cancro, como sabemos, apresenta Ires variedades cli- nicas: a ulcerosa, a vegetante e a infiltrante. A variedade ulcerosa é a que mais facilita as hemorragias, o que se explica pelo amollecimento e nudez em que vão ficando os tecidos affectados, deixando haver em seus limites um augmento de aíluxo sanguíneo; o que as torna graves e abundantes, quando ha certas irritações. 0 cancro favorece grandemente as hemorragias nem só antes, como durante e depois do parto. Antes, o cancro dá hemorragias; durante e depois do parto com maiores pro- (1) Os casos de fibromas são na proporção de 19, 12 e/0~ Sneguireff. (V Lepage. (3) 50 o/o 16 habilidades, pois predispõe a uma complicação no trabalho por si gravíssimo, a rotura do colo; o que se explica pela friabilidade dos tecidos morbidos, predispondo-o ao despe- daçamento quando se dá a dilatação e a passagem do féto. Antes do parto, em qualquer periodo o cancro (princi- palmente a forma ulcerosa) favorece hemorragias capazes de provocarem o aborto quer seja debilitando o organismo, quer seja mesmo provocando o descollamento da placenta (na prenhez adeantada) ou descollando o ôvo (quando no inicio de gravidez). Em qualquer caso a hemorragia é sempre a causa do aborto; sendo ella por sua vez resul- tante da lesão cancerosa que estendendo-se até a caduca inter-utero-placentaria (primeiro periodo) ou á placenta (segundo periodo) interrompe a nutrição do ôvo, embryão ou do feto. Como dissemos acima o cancro é o factor de serias hemorragias durante o parto por predispor, á rotura do colo. As vezes as hemorragias causadas pelo cancro no tra- balho do parto são devidas ao traumatismo que soífre o neoplasma pela cabeça do feto: podem ser minimas rela- tivamente ás perdas que se dão depois delle; o que se explica facilmente: na occasião do parto a cabeça fetal ul- cera o tumor que é friável, mas a mesma cabeça fetal que foi e causa accidental da hemorragia actua como um tampão comprimindo a solução de continuidade por ella feita. Logo depois do parto esse factor poderoso da hemos- tase desapparcce, e então a mulher quasi sempre é victima de uma hemorragia fatal. Pode também acontecer que o cancro do cólo não exerça fatídica influencia sobre a gravidez e o parto (1). 0 trabalho se faz sem haver senão perdas diminutas de (i) Demelin. 17 sangue relativamente, já se vê, o que sóe acontecer quando a lesão cancerosa é limitada, de modo a ficarem abundantes porções sãs do colo para a dilatação na occasião do tra- balho. Não apresentaremos senão essas generalidades sobre os neoplasinas, pois se o fizéssemos alem desse limite mister seria um estudo minudente e especial sahindo do quadro que traçamos afim de satisfazer o nosso compro- misso. No presente paragrapho iremos apresentar outras causas de hemorragias, particularisando-as em certos pontos quanto ao periodo da gravidez em que actuam. Estudemos a prenhez molar. 0 caracter pathognomonico desta dege- nerecencia são as hemorragias; é o symptoma de maior importância e geralmente precoce. As hemorragias apparecem desde as primeiras semanas da gestação, no segundo, terceiro, quarto mez, ou somente no momento de expulsão (1). Estas hemorragias são graves; tèm um serio prognostico para o feto no caso que este exista. As hemorragias da prenhez molar assemelham-se ás que precedem o aborto; são porem, muito mais abundantes e graves pela repetição, que compromette a existência materna. Estas hemorragias apparecem sem prodromos, sem dòres e as vezes periodi- camente o que dão a ideia a mulher de serem regras. (1) Desaignes e Lepage pensam contrariamente a Demelin e Budin e dizem que são raras as vezes em que a hemorragia só apparece no 4.° mez e raríssimo no momento de expulsão... estamos accordes nessa maneira de pensar. 18 As vezes as pertlas de sangne se fazem irregularmente a mulher enfraquecer, se anemia progressivamente: as hemorragias continuam a se repetir só cessando quando a expulsão tem logar; a terminação se eífectua do segundo ao sexto mez (1) o que se dá então é o aborto. Em casos raros, porem, a prenhez molar deixa sobre- viver o feto, indo então a prenhez a termo, facto esse no- tado quando a degenerecencia da placenta é parcial. Essas hemorragias podem durar algumas horas ou alguns dias, havendo entretanto casos, como dissemos acima, de períodos mais ou menos longos. Um escoamento seroso ou sero-sanguinolento se faz no intervallo de uma hemorragia a outra, e á medida que as perdas de liquido sero-sanguinolento se vão dando, as he- morragias vão se tornando abundantes de mais a mais, a ponto de deixarem a mulher em grave perigo de vida (2). Durante o trabalho da expulsão, as hemorragias podem ser insignificantes, em outros casos podem victimar a pa- ciente. No primeiro caso a expulsão da mola se faz em massa, ha umaperda de sangue relativamente miuima e que não encararemos como verdadeira hemorragia. No segundo, temos as hemorragias gravíssimas, fataes, quando a ex- pulsão não se faz em massa, e sim pouco a pouco. Esta eliminação pode durar em casos excepcionaes, se- manas, mezes e um anno. (3) As hemorragias continuam alternando em quantidade durante esse longo praso de tempo; a abundancia e principalmente sua repetição tornam-nas fataes. (1) As vezes a expulsão se dá nas primeiras semanas, outras, ao contrario a mola só é expulsa de 12 e 13 mezes depois da concepção—Ribemout. (2) Depault. (3) Giffaid. 19 A expulsão pode mesmo deixar de ter logar, por suo cumbir a mulher esgotada em sangue antes de fazel-a; seja porque a moía é adherente ao tecido uterino, (1) ou porque se desenvolve n’um dos cornos, n’nma trompa; ou mesmo seja a prenhez intersticial. Uma outra causa, capaz de trazer consequência idêntica ás que nos tem occupado, é a endometrite gravidica. Quando um utero não está fecundado as endometrit.es podem ser muita vez causa da esterilidade; comtudo po- demos encontrar casos em que, havendo uma endometrite, o utero pode ser fecundado, podendo a gravidez progredir, sem ir a termo ; dando-se o desfecho fatal no primeiro pe- ríodo ou em outro mais adeantado: temos um aborta- mento, que é devido ás hemorragias frequentes que se dão e que caracterisam clinicamente a affecção de que tra- tamos. Essas hemorragias devidas a endometrite gravidica ge- ralmente se iniciam pela hydrorrhea, escoamento seroso, depois sero-sanguinolento. As hemorragias que tem por causa a endometrite, são gera!mente ligeiras, c mais rara- mente abundantes; sendo, não obstante, frequentes e repetidas, o que faz com que a martyr se anemie profun- damente durante semanas e mezes, tempo que de um modo geral ellas persistem: é o que provoca o aborto. As hemorragias placentarias que se dão em periodo avançado, quando o desenvolvimento do féto continua a se fazer, por ser a lesão em partes limitadas da caduca, são ainda causadas pela endometrite, que leva sua des- truição até aquella região; trazendo em consequências a ro- tura e o escoamento serio dos vasos. A forma mais frequente que favorece as hemorragias, como o nome indica, é a (i) Jarotzky. Waldeyer. 20 endometrite aguda, forma hemorrágica commummente de origem de uma infeeção geral, (l)no curso da gravidez. Finalmente todos as metro salpingites são capazes de pro- duzir grandes hemorragias dando em consequência o aborto. (2) Podemos aqui encerrar o presente paragrapho com a summula apresentada. Citaremos ncsle paragrapho a prenhez extra-uterina ou ectopica, (3) Vejamos as suas diversas variedades e, em quaes delias é mais frequente e mais interessante a he- morragia. Adotaremos a classificação dada por Levret e Baudeloque, afim de estudarmos cm cada variedade a maior ou menor frequência das hemorragias, facilitando o seu estudo. Quanto a classificação de Dezeimeris deixal-a- emos de parte, por apresentar esse auctor um grande numero (dez) de variedades de prenhez ectopica. Temos então a prenhez tu-baria, prenhez ovarica e prenhez abdominal. A prenhez tubaria, intersticial, tubaria propriamente dita ou tubo-àbdominal, quer seja isthmica ou ampular, in- tersticial propriamente dita, utero-intersticial ou isthmo- intersticial (4) expõe fatalmente à hemorragias de tal ordem graves que, geralmente victimam a mulher. Essas hemorragias que são inevitáveis, são o resultado geralmente de um accidcnte fatal, a rotura do kisto fetal em um periodo mais ou menos avançado da gravidez. (1) variola — Slavjanski. (2) H. Stapfer. (3) Mauvaise grossesse de Levret. Í4) Yide em um tratado de obstetrícia, a significação de cada termo, se quizerdes. 21 Na prenhez tubaria, tubaria intersticial, a rotura dá-se quatorze vezes sobre vinte, no terceiro mez: o que é com- prehensivel desse accidente é que, havendo rotura de uma parte tão vascularisada, enormemente hyperemiada um escoamento sanguíneo se faz, capaz de em poucas horas trazer a morte. A este escoamento que importa por si só uma alta gravidade, devem juntar-se as metrorragias a que está sujeita a mulher desde o inicio da gravidez; constantes, repelidas e abundantes, que são de gravidade não menor que a do accidente da rotura e que se dão frequentemente na prenhez utero-intersticial. A prenhez tubaria é votada a uma interrupção precoce, resultante das hemorragias que se fazem no interior da trompa na maioria dos casos: podendo se dar a rotura, ou mesmo o abortamento tubario que não traz conseque- cias tão graves como a rotura ou o caso de hemato-sal- pinix. Digamos alguma cousa á respeito do hemato-salpi- nix. Na eclopia tubaria o ovo é cercado por todos os lados por espaços intervillosos muito desenvolvidos até o se- gundo mez; esses espaços são cheios de sangue materno, fechados para fóra por uma caduca reflectida, pouco solida, delgada e desigualmente resistente; a reflectida rompe-se, quer seja por uma congestão maior, um choque, um mo- vimento brusco ou mesmo um exame medico: uma seria hemorragia se fará portanto para fóra do ôvo, no interior da trompa, eis o hemato-salpinix. Pode ser fraco consi- derável. No primeiro caso o ôvo pode sobrevvier, e he- morragias successivas continuarem até que vá augmentando de volume; a distensão se dè, uma cfracção se faça, e então o embryão morrerá asphyxiado pela grande hemorragia que teve lugar. Na prenhez tubaria franca a rotura é o accidente te- 22 mivel, e que pode se dar, como dissemos em qualquer periodo da gravidez, mais frequentemente entre (1) a oi- tava e a nona semana. (2) A rotura pode-se fazer do lado da serosa; uma hemorragia se manifesta para o lado da cavidade peritoneal, e então os symptomas se manifestam mais ou menos graves de accordo com o sangue derra- mado: essas hemorragias são ditas então hemorragias cataclysmicas. Pequenas hemorragias precedem a rotura, pois esta é iniciada por pequena solução de continuidade; podem também deixar de ter o cataclysma terminal. Na prenhez tubaria particularisaremos uma variedade, a prenhez intersticial propriamente dita. E’ a que vae até uma phase mais adeantada; é nessa variedade que a rotura do kisto fetal é mais tardia, a dis- tensão mais tolerante e por isso mesmo a rotura se dá, consequentemente a hemorragia em um dos últimos pe- ríodos da prenhez Temos uma particularidade a notar: é que a hemorragia pode se fazer nem só quando ha uma solução de continuidade bastante larga da parede mus- cular, como também quando existem soluções de continui- dade relativamente minimas, como sejam as punctiformes d’um calibroso vaso subperitoneal, que sobe na superfície do kisto fetal: quer de uma maneira quer d’outra as hemor- ragia podem ser mortaes. Nas outras variedades da prenhez tubaria intersticial, como sejam a utero-intersticial, e a isthmo-intersticial, a rotura se dá sem particularidades, além d’aquellas que mencionamos nos casos das prenhezes precedentes. (1) Maygrier, Parry etc. (2j E’ raro que a trompa fique inteira até o 4.° mez e rarsi- simo até o 5.0 23 Na prenhez tubo-abdominal nada quanto ás hemorragias podemos dizer ma is, a não ser que a rotura n’essa varie- dade não é muito rara; comtudo não é tão frequentemente observada como nas outras e que geralmente vae a termo ou quasi a elle, sendo suas complicações do domínio de um outro assumpto que não o nosso. Si não tivéssemos uma certa hesitação em acreditar na ra- ridade mesmo da prenhez ovíriana, por certo trataríamos das hemorragias possíveis que ella poderia provocar, mas isso não se dá, de modo que, noção alguma sobre ellas daremos. Seja qual for o typo ou variedade de prenhez ectopica, as hemorragias são exclusivamente internas e mais rara- mente mixtas. Quando a perda é interna os symptomas são as vezes uma dôr intensa no abdómen, acompanhada de tendencia á syncope: quando mixta, uma insignificante perda san- guínea pelos orgãos genitaes, sem que isso domine a scena; podendo se crer em uma anomalia funccional do apparelho genital se não se fôr attento aos outros symptomas já mencionados. CAPITULO m Nos capítulos que precederam já nos temos demorado o bastante sobre as hemorragias dos trez a quatro primeiros mezes da gravidez: agora, no presente capitulo, descorre- remos sobre as hemorragias da 'prenhez adeantada, se- gundo a classificação de Barnes, que adotamos desde o inicio do nosso trabalho, classificação, mais ou menos idêntica á adotada por Lepage, Ribemont e outros. Para bem estudarmos as hemorragias que se dão na prenhez adeantada (principalmente nostres últimos mezes) mister se torna uma descripção de algo sobre as placentas, embora mui perfunctoriamente. Essas hemorragias tem por causa quasi exclusiva e unica, ao menos bem demonstrada, o descollamento da placenta, qner seja ella incerta de um modo normal ou viciosamente. Para que se dê uma hemorragia tanto no primeiro caso como no segundo, um concurso de causas se manifesta, e são ellas ora predisponentes ora determinantes, chamando nós ainda essa segunda variedade de accidental (1). Por amòrao methodo, devemos tratar primeirodas hemorragias que se dão quando a placenta é inserida normalmente, de- pois quando anormalmente, e finalmente quando são de- vidas exclusivamente a rotura do seio circular. (1) Outr’ora conhecida sob a denominação de occasional e que muitas ainda assim conservam. 26 Para que se deem hemorragias quando a placenta è normal, causas nem só predisponentes como accidentaes podem existir, ou uma das duas isoladamente; quer sejam extrínsecas, como choques, compressões, quédas, quer intrínsecas, esforços, taes como os que acompanham a de_ fecação, o espirro; tracções do cordão umbelical quando este é curto natural ou accidentalmente, (1) e as emoções vivas; podendo haver ainda o concurso de causas predisponentes como dissemos acima, taes como a albu- minúria, a varíola, a syphilis, (?) e moléstias da placenta, como a degenerecencia gordurosa, (2J) A albuminúria é de relevante influencia na producção de hemorragias. (3) Nos casos de albuminúria, pode-se notar uma hemor- ragia intra-placentaria, que melhor deveria ser chamada inter-utero-placentaria, (4) antes que a própria placenta se descolle, e serà ella então o facto inicial do descolla- mento. 0 sangue pode fusar entre a placenta e o utero; então a hemorragia de interna torna-se-ha mixta. Nestas condições ha formação de um hematoma retro- placenlario, quando a hemorragia não é em quantidade de descollar mais largamente a placenta. (1) Mauriceau. (2) Memórias sobre a degenerecencia gordurosa da placenta —Robert Barnes. (3) Trez observações de Dumarcet em que 11 casos era a al- buminúria responsarei. (4 Oldham descreveu um caso typico onde a placenta não adheria mais senão por seu bordo; uma quantidade enorme de sangue existia entre a cavidade formada entre o utero e a placenta. 27 Occasiões outras, a quantidade de sangue é tal que descolla quasí completamente a placenta: então a gravidade vai ao auge. Não é mui raro o caso em que a hemorragia se dè no bordo da placenta, podendo ser mais ou menos considerável, mas de pouea duração, o que se explica pela acção energica que desempenha um coagulo formado in citu. Um grande numero de auctores nega a possibilidade do derramamento sanguíneo se fazer entre a placenta e a pa- rede uterina, como sejam: Mmes.Lachapelle,Boivin e outros, não obstante serem contrários a opinião emittida por Jacquemier e Gendrin, e que mais tarde foi confirmada por Brunton, Goodel, Braxton, Ilicks etc. Stoltz (1) em 1878 se exprimiu assim: «On a parle aussi ddiemorragie utérine interne dans laquelle le sang s’accumulerait entre la matrice e le placenta en repoussant ccllui-ei en forme d’entonnoir. Ceei est de la théorie pure que la pratique n’a plus confirmée depuis Baudelocque». Hoje porem o facto a Iludido acima é comprovado e in- discutível em vista das observações de Winter, Tarnier, Pinard etc. etc. Raramente a hemorragia interna é tão abundante que possa matar a mulher; apezar disso a morte pode se dar, havendo portanto tormação de grande he- matoma retro-placentario. Para concluirmos o estudo succintamente feito sobre as hemorragias causadas por descollamento de placenta normalmente inserta, diremos que, depende esse descollamento de choques exteriores, e muito comprehensivel seu mechanismo. 0 choque pode ser directo sobre a parede abdominal, ou indirecto mesmo distante d’ella e consequentemente da parede uterina, onde é inserida a placenta. De qualquer (1) Lepage pag. 767. 28 modo provocar por excitação as contracções uterinas; o descollamento faz-se e a hemorragia manifesta-se. Finalmente, todas as lesões preexistentes capazes de produzir aborto, quer sejam da placenta ou do utero, podem determinar hemorragias, por facilitarem o descollamento da placenta, maxime quando houver uma causa accidental. E assim dito temos dado as noções precisas que julgamos indispensáveis sobre o assumpto. A inserção da placenta sobre o segmento inferior do utero é uma das causas mais consideradas como factor das hemorragias dos últimos mezes de prenhez. Ainda chamada inserção viciosa, impropriamente, porque parece prejulgar em qual ponto bem determinado faz-se commummente a inserção da placenta no utero. E’ a Portal que devemos a contradicção dessa supposição, o qual em 1685 affirmou que a inserção se podia fazer em qualquer parte do utero; comtudo a ideia assente era que a placenta se inseria no fundo do utero. Hoje porem, parteiros do conceito do emerito Pinard, accordam que a inserção se faz na face anterior ou pos- terior, e raramente nos bordos do utero, sendo considerada a inserção no fundo como raríssima. Quando a inserção se fizer no segmento inferior do utero teremos a placenta proevia dos inglezes, inserção sobre o segmento inferior (zona perigosa de Barnes) impropria- mente denominada de placenta viciosa. Apresentemos as variedades da inserção da placenta sobre o segmento inferior do utero, afim de bem expli- carmos o meclmnismo das hemorragias apontando as di- versas theorias. E’ bastante rara; é de 1 por 1078 segundo Miiller, e 1 por 635, Ramsbotham: consequentemente as hemorragias por essa causa terão a mesma proporção. 29 As hemorragias por placenta prceuia são mais frequentes nas multiparas que nas primiparas. As variedades são as seguintes: inserção lateral, in- serção marginal e inserção central; podendo esta ultima ser completa chamada ainda centro por centro e finalmente central incompleta ou parcial. (1) Pinard jamais encontrou exemplo algum de placenta na variedade central. Demelin não acceita as expressões de inserção central, centro por centro, e affirma, fundado em dados auatomicos e resultados clínicos, a existência de «inserção viciosa total ou completa da placenta, ainda chamada placenta prcevia total» isto é «uma variedade na qual a superfí- cie do oiificio uterino completamente dilatado ou dilatavei é inteiramente coberto por cotyledones placentarios ». Por certo todas as variedades de inserção viciosa favo- recem o apparecimento de hemorragias, mas a variedade centro por centro é a que vota fatalmente ás hemorragias consideráveis, inevitavelmente. Embora não sejam abundantes, o que não é difficil acontecer, são graves pela repetição. E’ o accidente mais caractei istico e frisanle da placenta proevia: a hemorragia sobrevemsem prodromos, silencio- samente, quando a mulher é tranquilla, sentada, deitada ou mesmo dormindo. E’ brusca a perda sanguínea; sem dores: pode ser con- siderável sem ser mortal e desse modo affirma Pinard. Gazeaux diz que, segundo Levret, a inserção da placenta sobre o segmento inferior do utero tem sido considerada como uma causa de hemorragias inevitáveis durante os (i) Vide em um tratado de obstétrica a descripção de cada variedade, si disso necessitardes, 30 tres últimos mezes de prenhez e durante o parto. Gardieu diz que a perda sanguínea é a «essencia mesmo da prenhez e principalmente do trabalho». Essas hemorragias são de repetição: apparecein e reap- parecem com intervallo de dias ou semanas, donde a sua gravidade; depauperam a pobre victima e a expõe aos perigos do puerperio, tanto mais, quanto na occasião do4 trabalho (l)ha uma grande hemorragia denominada por Barnes e acceita por Levret e Rigby de inevitável, po- dendo esta ter desenlace fatal, altento o estado de pro- funda anemia da mulher; podendo haver uma morte sú- bita, se os mais meticulosos cuidados não lhe forem mi- nistrados. Qual o mechanismo dessas hemorragias? Desde a epoca de Portal se sabe que essas hemorragias nada mais são que o resultado da rotura das connexões vasculares da placenta; facto este resultante de um acto physiologico, a distenção e hypertrophia das paredes ute- rinas, sem relação com o então pouco desenvolvimento da placenta, nesse ultimo periodo da gravidez. O descollamento dos cotyleclones resulta do escorrega- mento consecutivo das membranas, é a opinião emittida por Schroeder, Pinard, Mauriceau, Hubert e outros. Vejamos as theorias formuladas: 1 .a A theoria antiga, a de Jacquemier : as hemorragias resultam da falta de parallelismo entre o desenvolvimento da placenta e o do segmento inferior do utero que se am- plifica de uma maneira muito notada no fim da prenhez. Como sabemos, nos primeiros mezes de gravidez, o maior desenvolvimento é justamente feito no corpo do (1) Gazeaux cita casos em que não houve nenhuma perda de sangue!.. 31 útero: a placenta também se desenvolve. Quando nos úl- timos mezes a placenta cessa de desenvolver-se, chega a seu termo; então, o collo e o segmento inferior desen- volvem-se rapidamente, dá-se o esticamcnto da placenta, ha rotura de vasos e a hemorrragia se manifesta. Diz Depault: «A placenta não pode acompanhar o desen- volvimento das paredes, dahi a separação entre o tecido placentario e o tecido uterino, rotura dos vasos utero-pla- ccntarios e hemorragia.» 2. a E’a theoria de Pinard: este liga o mechanismo das hemorragias da prenhez ao da occasião do trabalho; im- puta ás contracções uterinas indolores dos últimos mezes da prenhez e diz que são ellas que determinam uma pressão sobre toda a peripheria do féto, mais notada- mente no nivel do segmento inferior, em via de ampliação, determinando as hemorragias. Sob a influencia da contracção uterina dá-se uma ex- pansão considerável do segmento inferior livre da inserção da placenta; ha distensão anormal do chorion sem elasti- cidade, ha esticamcnto directoda placenta, esta se descolla e sobrevem a hemorragia. N’este caso as contracções ute- rinas augmentam a hemorragia. À Hofmeier devemos a demonstração de sua causa, eil-a : «Os grossos vasos ute- rinos penetram no utero abaixo do annel de contracção de modo tal que a contracção do corpo do utero que seria efficaz na hematose, não age sobre os grossos vasos nem sobre os ramos que se lançam 11a placenta; a hemorragia persiste, pois 0 tecido muscular do segmento inferior é pouco desenvolvido e não se contrahe nem pode fazel-o sufficientemente para sustar a hemorragia». 3. a Na theoria de Barnes, a placenta que se desenvolve muito rapidamente, sem logar sufficiente « para fazel-o », fa- 32 cilita a hemorragia, por uma congestão periódica, que se produz cada mez no nivel da placenta. 4.° Finalmente temos a theoria de Schroeder que equi- vale a de Mathews Duncan: é a do escorregamento da pa- rede .uterina sobre o féto. As explicações fornecidas se- gundo os professores Lepage e Ribemont são applicaveis ás hemorragias do trabalho. (1) Emitíamos final mente o nosso parecer á respeito das varias theorias : respeitamos as opiniões dos mestres aucto- risados pela pratica e estudo meticuloso, comtudo, apezar de chamar antiga a opinião de Jacquemier, creio ser a sua explicação a rnais satisfatória, vindo tomar parte nella a theoria do mestre Pinard, e que, então dever-se-ia for- mular uma nova theoria mixta de Jacquemier e Pinard que aqui enuncio: A taltade parallelismo entre o desenvolvimento do utero e da placenta nos últimos mezes de gravidez e as contracções indolores a que no mesmo periodo é sujeita a mulher, são a causa da producção das hemorragias por inserção prai- via da placenta. Hemorragias resultantes da rotura do seio circular. Junto do bordo da placenta (2), existe uma veia volu- mosa : é o seio circular ou coronário. Este vaso tem as (1) As theorias citadas não são transcriptas ipsis verbis pois são formuladas dos dados adquiridos de SneguirefT, Abelin, Playfair, Budin, etc , etc. (2i Segundo a disposição anatómica descripta por Delore, Meckel, Jacquemier e outros, acceita unanimemente. 33 paredes bastante delgadas, é portanto frágil, o que nos explica a facil comprehensão das hemorragias por sua ro- tura, causadas por congestões súbitas e repetidas, origi- nadas geralmente por certos traumatismos como sejam as relações-sexuaes, commoções, viagem em carros, (1) caminhos de ferro, quedas, ou mesmo emoções moraes violentas. (2) A rotura do seio pode-se dar quer seja na placenta in- serida normalmente, ou não (3); havendo mais probabb lidades favoráveis ás hemorragias quando a placenta for proevia. As hemorragias que tém por origem a rotura do seio circular podem se dar nem só durante a prenhez, como durante o trabalho, sem que sejam o resultado do descol- lamento da placenta. Mathews, Duncan e Jacquemier dizem que essas hemor- ragias podem sobrevir «pela rotura do seio marginal utero-placentario na area do desprendimento prematuro, expontâneo, não quando a inserção da placenta é central ou que cobre o orifício interno, mas quando um dos seus bordos sedeia o orifício interno ou junto d’elle». Budin apresentando sete observações á Sociedade Obsté- trica e Gynecologica em Junho de 1893, exprimio-se do modo seguinte: «A rotura do seio circular pode ser a * (1) Porak e Budin pensam que as fadigas de viagem podem ser a causa da rotura do seio circular. (2 Bonnaire observou um caso de rotura do seio circular, consecutivo a um movimento brusco da mulher causado por uma emoção viva. Hirigoyen e Lugeal viram durante a prenhez e trabalho hemorragias devidas á rotura de seio circular sem que a pla- centa fosse proevia ('Ribemont). 34 causa da hemorragia quando a placenta é inserida sobre o segmento inferior, e mesmo quando occupa normal- mente o fundo do utero.» Estas hemorragias podem ser internas, externas ou mixtas, filiadas todas á classificação de silenciosas, porque, sem prodromos, apparecem quando a mulher repousa, ou mesmo dorme profundamente: como também podem se manifestar logo após um choque ou uma emoção violenta. Podem ser ligeiras de media intensidade e graves. A’s vezes, rapidamente abundantes, podem trazer conse- quências funestas, como no caso de Maygrier apresentado á — Societé d’Obstètrique et Gynecologique, em Julho de 1893 —em que deu-se a morte rapida da paciente, embora tenha elle observado que houve um descollamento da pla- centa sobre uma pequena extensão. As hemorragias resultantes da rotura do seio circular são graves, quer por sua abundancia, quer pela repetição; abundancia e repetição explicáveis pela falta de contractili- dade das paredes dos vasos calibrosos. Podem se dar excepcionalmente hemorragias insignifi- cantes, e a este modo de pensar nos auctorisa a opinião experimentada do professor Budin, quando distingue duas variedades de roturas. Em alguns casos se vè apenas uma abertura e o coagulo volumoso que occupa a tace externa das membranas « pe- netrar por esta abertura no interior do seio». Em outros, porem, o seio é largamenle despedaçado sobre uma extensão de 2 ou 3 centímetros. E assim temos feito um esboço rápido das hemorragias que reconhecem uma causa tão importante e de grande in- teresse para o parteiro. Si no estudo que fizemos das causas das henãorragias 35 antes do parto, o que constitue a primeira parte do nosso trabalho, alguma lacuna ficou, a bôa vontade do leitor, verá ter sido tão somente por termos julgado, nas pesquizas scientificas que fizemos, de menos importância no accidente que tão largamente nos tem occupado. SEGUNDA PARTE Causas das hemorragias du- rante e depois do parto CAPITULO I Esta segunda parte será consagrada ao estudo das causas das hemorragias do trabalho e das que se dão depois delle. Temos que invocar alguma das causas que ficaram ditas já no capitulo antecedente, que corroborada por novos fa- ctores assume o máximo interesse em conhecer-se. Falamos intencionalmente da importância da inserção da placenta quer normal ou viciosamente feita. Si antes do parto, quando as conlracções preparatórias do colo não têm tanta energia como durante elle, a placenta inserida no segmento inferior é de tão grande importância na producção de he- morragias, durante o trabalho que as contracções são o seu factor indispensável, o que devemos dizer? E’ claro; e desnecessário qualquer explicação, em vista do que em capitulo precedente dissemos. Quanto ás outras causas que descrevemos na primeira parte, têm valor idêntico, mas tudo quanto dissemos á res- peito e foi por nós escripto, mais, durante o trabalho se accentua em valor. Dependentes quasi exclusivamente de factos que se passam do lado do útero, são as hemorragias do parto. 0 factor de maior importância em sua producção é o descollamento da placenta, hemorragia que pode produzir- 38 se: l.° com o descollamento total; 2.<> que produzir-se-ha fatalrnente com o descollamento parcial. Vejamos no primeiro caso: a hemorragia se manifestará quando no inicio do trabalho as contracções forem tão fortes que descollem a placenta rapidamente, mas não o sejam bastante para exonerar o utero do producto da concepção logo de uma vez. Ós vasos não se obliterarão por achar-se o utero distendido e a hemorragia persistirá. Ha casos em que ligeiras contracções uterinas são bas- tantes para descollar a placenta, como nos de albuminúria, de lesões preexistentes, como metrites, em que a placenta seja inserida nos pontos atacados pela affecção e a adhe- rencia seja relativamente fraca: de qualquer modo teremos o descollamento precoce total, senospermittem a expressão, coincidindo um phenomeno que deveria ser secundário com um dos primários (a expulsão do feto) e uma he- morragia mais ou menos considerável se fará. No segundo caso temos o descollamento parcial da placenta os mesmos factores são inqueridos; as contracções relativamente fracas para a expulsão do feto, e relativa- mente fortes para o descollamento da placenta, com maiores probabilidades. As contracções uterinas insufficientes e fracas conside- radas por muitos autores como inércia uterina, são o responsável de taes hemorragias; porque, attendendo-se o estado orgânico de certos individuos, são elles predispostos a taes accidentes, por se acharem albuminuricos etc; são estas contracções uma pequena força para o grande tra- balho da expulsão, e, um poderoso elemento para o tra- balho relativamente pequeno de descollamento da placenta, que se deveria manifestar algum tempo depois, mas que precede com sérios inconvenientes. 39 Durante o trabalho da expulsão do feto, quando sejam regulares, normaes e favoráveis as contracções uterinas, o descollamento da placenta pode dar logar a hemorragias independentes das causas que enumeramos acima. A bre- vidade como a longura excessiva do cordão é a causa que invocamos presentemente, e que produz indirecta- mente o descollamento da placenta. Como sabemos o cordão funicular tem normalmente a extensão de 0,m40 a mui excepcionalmente se o acha mais longo ou mais curto; os longos podem attingir um metro ou mesmo mais; os curtos são inferiores a 40 e mesmo attingirem tão somente poucos centimentros. Os cordões curtos o são por brevidude natural ou acci- dental. A natural não precisa explicação: a accidental, è quando sendo de dimensões normaes, resulta do seu enro- lamento ou circulares no pescoço, n’um membro ou mesmo tronco do feto; quer de um modo a brevidade, quer d’outro, na occasião da descida e expulsão do teto o cordão exerce sobre a placenta traeções mais ou menos fortes, capazes de produzirem o seu descollamento (com- pleto ou incompleto) e produzirem as mais graves hemor- ragias. (1) A largura do cordão quando excessiva pode dar com facilidade em resultado, por falta de acommo- dação, a procidencia. E,' quando mesmo, esta procidencia não seja mui accen- tuada, pode se dar o facto de uma parte do feto em apresentação trazer comsigo uma alsa da haste funicular, produzindo o mesmo effeito que o encurtamento: traeções fl) Pinard et Varnier observaram um caso em que o cordão ee achava disposto em sautoir em torno do troneo — Dr. Y. Wallich. 40 sobre a placenta e seu descollamento, resultando hemor- ragias dignas da mais prompta intervenção. O Dr. Wallich cita uma observação dos Professores Pinard e Varnier, em que encontraram o feto com um pé mettido em uma alsa do cordão como se fòra 11’um estribo, e que, resultou do movimento com um membro o descol- lamento da placenta, provocando uma hemorragia. Estas hemorragias que se dão antes da expulsão do féto, no inicio do trabalho, são tão graves, principalmente quando ha descollamento parcial da placenta que, nem só o ser materno como o féto (particularmente este) suc- cumbem, antes mesmo que se possa soccorrer os infelizes. Rousseau e Dumarcet publicaram uma estatística de 13 casos em que 5 morreram. Eis, portanto, a importância de taes accidentes no trabalho. Vejamos a importância da apresentação podalica, na producção das hemorragias do parto. Como sabemos, a apresentação do pélvis é menos fre- quente que a do vertice, comtudo não é mui raro encon- trarem-se casos em que seja essa apresentação a do trabalho: pode ser completa e incompleta. Desta ultima variedade é que nos vamos occupar, especial mente de um dos seus modos: o dos pés. Não é mui commum felizmente, mas quando existe é, nem só de grave prognostico para a parturiente como gravíssimo para o féto. Para este os perigos não são simplesmente pelãs hemor- ragias que se podem dar pelo descollamento da placenta, em quanto aclia-se preso pela cabeça e tronco, mas também pela compressão do cordão que lhe causa asphy- 41 xia. A hemorragia se dará tocla vez que a expulsão dos membros inferiores e parte do tronco tiver lugar, e que, o colo apprehender o féto pelas axillas conservando as es- páduas, membros superiores e a cabeça na cavidade uterina. Essa porção que ahi fica, sem contornos regulares, impede que as contracçõcs uterinas sejam regulares e uniformes: o sangue se escoará com tanto mais probabilidade quanto mais vasto for o descollamento da placenta. 0 féto perecerá fatalmente asphyxiado, attendendo-se a circumstancia de ser esse trabalho ordinariamente demo- rado. 0 outro caso a encarar nessa apresentação é o seguinte: quando a expulsão do féto tem logar, ficando aprisionado somente a cabeça pelo colo (facto commum na hydrocephalia) as hemorragias são menos frequentes, menos possiveis, porquanto o utero encontra um corpo mais ou menos espherico, uniforme, resistente, e que pelas contracções ou retracções adapta-se mais ou menos bem, deixando haver perdas mínimas de sangue; é um dos casos mais felizes na hypothese encarada quanto á mulher, mas para a creança o prognostico continua severo, por correr ella o risco de ser ainda asphyxiada. Esta apresentação expõe ainda a mulher as lesões da vagina, vulva, perineo etc. que dão hemorragias mais ou menos graves. E’ o que necessário achamos para referir no que diz respeito á apresentação do pélvis. Tem-se em certos casos, recursos á versão podalica, é verdade, casos especiaes em que, para se evitar um perigo certo, corre-se outro incerto, porquanto também em the- rapeutica não se segue que por um medicamento ser ve- nenoso não se lance mão delle, muito mais sabendo-se que uma causa pode ser outra e vice-versa, a questão é saber como e porque se o emprega. CAPITULO II No numero das causas das hemorragias que se podem dar depois do trabalho são collocadas varias debaixo da classificação generica de hemorragias do delivramento. Sob a denominação de delivramento devemos comprehender a expulsão (posterior á do feto) da placenta e membranas, seus anexos finalmente. Aqui, ainda a placenta vae nos occupar por alguns mo- mentos. O factor que prepondera como causa das hemor- ragias post-partum é a inércia uterina, entrando em grande conta quando ha sua adlierencia anormal, retenção total ou parcial, quando completa ou incompletamente descollada. Podemos resumir do modo seguinte o estudo das hemorragias do delivramento: para que ellas se possam dar duas condições são necessárias e sufficientes: o descollamento total ou parcial da placenta e a inércia uterina. A essas duas condições podem-se juntar causas predis- ponentes em certos casos como sejam: hemopliilia, albu- minúria, eclampsia, obesidade, hereditariedade, moléstias diatesicas etc. causas todas que influenciam no estado geral, Localmente, como causas capazes de influenciarem di- rectamente para resultar a inércia uterina, temos a citar: os partos muito rápidos, nos quaes a evacuação do conteúdo do utero é bastante brusca que o musculo uterino « parece de alguma sorte ter momentaneamente perdido suas func- 44 ções)); os partos laboriosos e penosos em que o trabalho é lento (tedious labor dos inglezes) em os quaes se fazem intervenções; a distenção exaggerada do útero como nas prenhezes gemeas, hydramnios, etc. Certas outras causas concorrem grandemente para as hemorragias do delivramento ; mas apenas assignalal-as- hemos por havermos esludado-as precedentemente; são ellas: a 'placenta proevia, a inversão uterina, o accumulo de coágulos sanguíneos na cavidade uterina, etc. Todas essas causas agem provocando a atonia do musculo ute- rino, diminuindo sua contractilidade e retractilidade, per- mittindo aos vasos ficarem abertos, a darem sangue. E’ verdade que o delivramento (excepção rara) é geral- mente acompanhado de uma perda de certa porção de sangue, 500 a 600 grammas(l): ha uma hemorragia normal, mas que pode ser grave para algumas mulheres, quando fracas, delicadas, esgotadas, e sem valor para outras quando sejam fortes, plethoricas, etc. Deixaremos sem mais pormenores estas hemorragias normaes e passaremos ao estudo das verdadeiras hemor- ragias. Em alguns casos ellas sobrevem por inércia uterina antes da expulsão da placenta, durante o delivramento e mesmo algum tempo depois delle, é a hemorragia imme- diata; quando bastante tempo depois são ditas secunda- rias. Ila hemorragias que são devidas á passagem do feto, in- tervenções laboriosas, intempestivas e desastradas, são as que formam a cathegoria dos accidenles consecutivos ao (1) Demelin diz que a media é de 150 a 200 grammas de sangue. 45 delivramento e de que mais adeante trataremos, devendo ser chamadas Iraumaticas (1). Geralmente quando a placenta não se acha descollada, por falta de contracções uterinas, ou por serem ellas fracas, as hemorragias são raras; mas quando a placenta é par- cialmente descollada a hemorragia se fará e cr seu meca- nismo já foi por nós explicado. Ila casos, porem em que a placenta é totalmente descollada e nem por isso a mu- lher deixa de perder sangue mesmo quando não haja uma verdadeira inércia uterina: isso se dá quando ha contra- cções irregulares do colo, do annel de Bandl, e que o utero toma a forma de ampulheta (hour glass dos inglezes) ou quando ha encantoamento da placenta, enkystamento, po- dendo mesmo haver contracção da totalidade da madre, mas existir hemorragia, por achar-se retida a placenta; facto commum quando se administra inopportunamente o centeio espigado. Teremos então uma verdadeira encarceração da placenta, commummente dita retenção, quando for ella, completa- mente descollada e não houver inércia uterina. As mem- branas são também retidas em totalidade ou em parte, pelo mesmo mechanismo que ella. 0 amnios somente é encontrado isoladamente: quando ha retenção completa, o disco placentario é expellido só, se diz então que é descoroado. Todos esses casos encarados por nós trazem muitos accidentes no delivramento, mas, o que nos importa bem frizar é a hemorragia ou hemorragias graves e repetidas que se podem dar quando um outro accidente possivel (0 0 professor Auvard divide as hemorragias post-partum em traumaticas e expontâneas. Não accordamos com essa di- visão. 46 tiver lugar; quero alludir á retenção de certas porções da placenta na cavidade uterina, depois mesmo de feito o delivramento. A retenção de porções da placenta é o resultado geral- mente de um delivramento artificial muito precipitado, pouco cuidadoso, ou mesmo quando o delivramento fòr natural e expontâneo ou artificial houver adlierencia anormal da placenta no contorno, ou em pontos do contorno de sua inserção. As adherencias anormaes tem uma etiologia variada: commummente c a endo-metrite, primitivamente ou consecutivamente a hemorragias placentarias da prenhez com focos de degenerecencia fibro-gordurosa com a syphilis, com a fibroma tose uterina etc. 0 professor Wallich diz que o papel que se tem attri- buido ás metriles como responsáveis por certas adherencias anormaes não está bem demonstrado. Se tem notado que a placenta que parece mais adberente ou o que vem no mesmo « mais difficil a descollar» no caso de placentas largas, extensas de contornos irregulares, e que possuem um ou muitos cotyledones accessorios, estes sendo mais fracamente ligados a placenta verdadeira, quando esta se destaca, pode deixal-os ficar na cavidade uterina. Estas porções de placentas, ou antes, cotyledones sup- plementares, actuam irritando o utero, resultando contra- cções que alimentam o curso da hemorragia; para evitar-se o erro de imputar á hemorragia uma outra causa, é in- telligente, sempre que o delivramento se fizer, examinar-se a placenta, para bem poder-se intervir; pois nem só as hemorragias são a consequência de semelhante facto como infecções podem se dar no estado puerperal. A inserção da placenta em regiões fibromatosas, mesmo quando não seja um cotyledon accessorio, é ge- 47 ralmente causa de hemorragias, por trazer uma grande adherencia limitada (1) ou parcial do utero. 0 que deduz-se é que ha grãos de solidez, como na ex- tensão das adherencias. Podendo-se encontrar casos em que a placenta ôtão adherenteao utero que parece haver homo- genieidade de tecidos. Temos exemplo de um caso citado por Budin em que se não poude separal-a na autopsia, senão com o auxilio do escalpello. Nesses casos desesperados, das tracções sobre o cordão, podem resultar tanto mais roturas, inversões uterinas, facto gravíssimo, quanto são inproficuos os esforços para odelivra- mento artificial. Todas essas hypothescs em que se podem dar as hemorragias do delivramento, um íactor de alta re- levância se faz figurar, são as contracções uterinas quer sejam fracas, irregulares, espasmódicas, e que corrente- mente se denomina de inércia mas que assim não julgamos. Exclusivamente consideramos existir hemorragia por parcial inércia uterina, quando dado o delivramento não houver o «globo de segurança» de Pinard. Todas essas causas que temos examinado concorrem para um mesmo fim—a verdadeira inércia uterina — que nada mais éque a falta de contractibilidade do utero, depois do delivra- mento. 0 utero fica molle, volumoso, com as paredes flacidas como que cançado, eis o resultado da inércia. E' um facto de serias consequências. As hemorragias não se fazem esperar, e graves, pela abundancia. O utero não contém em sua cavidade nem placenta, nem qualquer anexo do feto: os vasos acham-se completa- mente abertos e augmentados de calibre pela distensão em que se acha a madre. E’ o caso em que se não houver uma (1) Vêde adeante uma observação apresentada. 48 intervenção energica e prompta a mulher perecerá por certo. A quantidade de sangue é enorme a escoar-se; si bem que, a causa dessas hemorragias seja a inércia uterina, por sua vez a inércia tem por causa essas múltiplas varie- dades de factores que concorrem para o trabalho de expulsão e delivramento penosos e difíleeis, como sejam as fracas ou exaggeradas contracções, trabalhos prolongados ou mui rápidos, moléstias preexistentes, intoxicações alcoolica, etc. intervenções intempestivas e outras. E’ fmalmente a inércia a consequência de todo trabalho exagerado, difíicil; é a maneira pela qual o organismo manifesta seu esgotamento, concorrendo para o qual, os esforços, commummente conhecidos sob a denominação de puxos, os qnaes se aconselham para auxiliar o trabalho em momento que só pode trazer resultados máos, por- quanto se os aconselham (muitas vezes) desde o inicio do trabalho, antes mesmo que o colo se ache completamente dilatado, donde a inércia depois do delivramento, roturas diversas que, mais adeante veremos em paragrapho es- pecial. No numero dos accidentes consecutivos ao delivramento considerados como causas traumaticas das hemorragias estudaremos: os despedaçamentos do colo e segmento in- ferior do utero, rotura e despedaçamentos da vagina, da vulva, (comprehendendo as lesões das carunculas hyme- neaes ou myrtiformes) rotura do perinêo, abertura das varizes vulvares, thrambus vulvo vaginaes etc. Estudemos as roturas uterinas. Podem ser durante a gravidez e durante o trabalho. No 49 primeiro caso são expontâneas ou traumaticas; são menos frequentes que durante o trabalho e não daremos minúcias á respeito pois são casos especiaes. Quanto ao segundo caso durante o trabalho, podem também ser expontâneas ou traumaticas; destas é que trataremos não obstante serem menos frequentes que as primeiras. Em 573 casos observados por Jolly, 376 foram expon- tâneas, e 197 traumaticas: resultantes quasi sempre, d’uma intervenção intempestiva, mal feita por parteiro, ou mesmo em ausência de intervenção, estas roturas podem se dar no nivel do colo (rnais frequentes) no segmento in- ferior e no corpo (mais raras) do utero. As roturas do colo geralmente se dão nas primiparas sem grandes conse- quências, havendo simplesmente uma solução de conti- nuidade longitudinal, podendo então ser considerado como facto normal. Em alguns casos ellas se estendem á porção super-va- ginal e ao segmento inferior, até mesmo ao corpo do utero, facto observado quando a parturiente faz esforços vio- lentos e (pie a dilatação do colo não seja completa ; em certas apresentações de volume anormal ou de contorno irregular ou quando mesmo existindo friabilidade dos te- cidos, por lesões concerosas, ou falta de elasticidade, como no caso de rigidez do colo. Merece uma menção especial as roturas produzidas por intervenções, em que a extracção do feto é feita antes da dilatação completa do colo, qnando ha apresentação do pélvis ou haja necessidade de versões por manobras in- ternas. As manobras praticadas para activar a dilatação, instru- mentaes ou manuaes, podem trazer as mesmas consequên- cias—a rotura—e delia o apparecimento de hemorragias, 50 continuas, duráveis, insidiosas, embora o sangue não corra em onda, esgotam a mulher e expoem-na á morte se não ♦ se intervem. Os despedaçamentos do segmento inferior do utero são considerados por certos auclores como expontâneos du- rante o trabalho, e despedaçamentos propagados. Para os primeiras concorrem as apresentações (espadua) estreitamento da bacia (bacia espinhosa) hydrocephalia, tumores, etc. As segundas nada mais são que as roturas normaes do colo resultantes de uma das causas que acima apontamos e que se propaga ou estende-se alem do colo. Para nós tanto umas como outras são consideradas trau- maticas, porquanto nada existe que possa ser considerado sem causa e portanto ser expontâneo, muito menos a rotura de um utero que os proprios auctores dão a sua causa!... 0 que se observa de importante para o nosso estudo é uma hemorragia mixta mais ou menos abundante emquanto o corpo do utero é duro e retrahido. Essas hemorragias têm a mais seria importância, e a morte será seu resultado si uma prompta intervenção não actuar. Os despedaçamentos do corpo do utero são mais raros ainda que os do segmento inferior. São completos ou incompletos externos e resultantes sempre de traumatismos. Mui excepcionalmente são expontâneos e completos (como na prenhez utero-intersticial etc.) Resultante delias temos uma abundante hemorragia que succede ao traumatismo, podendo a mulher morrer antes de ser expulso o conteúdo do utero, sendo às vezes preciso, (quando ha tempo) re- correr-se á laparotomia para que a vida da mulher se não vá; com esse modo de dizer deduz-se por certo a mais alta gravidade de semelhante accidente. As hemorragias do colo são as mais communs e as mais 51 graves, o que nos explica, o calibre dos vasos lesados, principalmente na face anterior ou posterior do colo: as partes lateraes quando se rompem não dão senão uma pe- quena quantidade de sangue. Estas roturas correm quasi sempre por conta da applicação desastrosa de fórceps antes de tempo. Roturas da vagina. Estas roturas podem se dar na parte superior na parte media e na parte inferior. As roturas da parte superior da vagina interessam o fundo dos saccos e são geralmente a continuação da rotura do colo uterino quando preexistem causas determinantes d’aquella, como sejam a rigidez, as infiltrações cancerosas e que se estendem a esse conducto. Independentes de lesões preexistentes são geralmente o resultado de intervenções, applicação de fórceps em que se procura fazer penetrar um dos ramos do fórceps sem os necessários cuidados; do cephalotribe, da mão, para versões, e que não se tem o cuidado de manter o fundo do utero. Uma hemorragia, em tudo semelhante a que se dá pela rotura do colo se manifesta, mascarada sem caracteres bem precisos, necessitando uma attenção e cuidados me- ticulosos para que bem se chegue, e em tempo, a diagnos- tical-a, porquanto, nem dores, nem outros phenomenos quaesquer, que não seja a própria hemorragia existem, alem dos que presume a mulher, serem normaes do parto. Essas hemorragias, alem de terem a gravidade de toda hemorragia do colo, apresentam outras que não importam ao nosso estudo. As roturas da parte media são longiludinaes e occupam os bordos lateraes ou os limites externos das paredes anterior ou posterior; tem ob mesmos factores como res- ponsáveis, concorrendo mais a estreiteza do canal vaginal 52 ou o volume do feto sem haver elasticidade 'sufficiente do canal. São mais raras que as primeiras: comtudo quando existem dão lugar a hemorragias menos serias que aquellas é verdade, mas carecem de uma prompta intervenção sob pena de ser a mulher esgotada por uma perda insidiosa quasi que silenciosa. As hemorragias por despedaçamentos da parte inferior da vagina estão intimamente ligadas ás que se dão pelas roturas da vulva e perinêo, e assim vamos estudal-as. Podem como as do perinèo serem consideradas como: incompletas, quando a porção musculo-membranosa que separa a vulva do anus é despedaçada, mas o orifício in- testinal ficando intacto; completas: quando o perinêo anti- anal é compromettido formando, anus e vulva, um só e vasto hiatus. Existem variedades dessas duas cathegorias de roturas, mas, pouco importa ao nosso estudo. Quer sejam por manobras brutalmente feitas, extracção rapida do feto, ou mesmo caso de friabilidade dos tecidos, augmcnto de volume do feto, ou estreiteza da entrada do cana!, o resultado será sempre uma hemorragia mais ou menos abundante. Nesse estudo devemos incluir as hemorragias que se dão quando ha lesões dos destroços hymeneaes, dos pe- quenos lábios e mesmo do clitóris; são lesões possiveis: é bem verdade que são ellas geralmente propagadas, são a continuação das roturas inferiores da vagina que atra- vessam e vão além, attingindo-os, si precauções não são tomadas. E’ facto normal a lesão dos destroços do hymen,o que é comprehensivel e desnecessária uma explicação nossa, em tratando-se de primiparas. Nessas lesões todas, os vasos geralmente mais lesados são: artérias clitoridianas, artéria do vestíbulo, perineaes, etc., vasos esses que, por 53 si podem dar um juiao mais ou menos firmado, do que sejam as hemorragias por suas lesões, e são graves, serias, e mesmo mortaes. As varizes vulvares são frequentes em certas mulheres: mais nas muHiparas, principalmente quando são extrema- mente gordas: podem ser a causa de hemorragias serias e mortaes em todo o periodo de gravidez e durante o tra- balho, principalmente. Durante a gravidez causam um certo prurido que muitas vezes obrigam a gravidica coçar com as unhas, do que resulta sua lesão, ás vezes pequenas soluções de continuidade e uma seria hemorragia. Os choques de toda natureza podem dar os mesmos re- sultados. Durante o trabalho está a mulher mais sujeita a traumatismos e portanto mais propinqua á rotura dessas varizes; o resultado será o mesmo: um escoamento de sangue, ás vezes em jacto forte, auxiliado pelos exforços, contracções dos musculos abdominaes, e a congestão em que se acham as partes vizinhas: será portanto muito mais seria nessas occasiões. Thrombus do conduçto utero-vagino-vulvar. Podem ser da vagina ou da vulva : nesse segundo caso ser localisado em um dos grandes lábios commummente. Podem se formar durante a gravidez, durante o trabalho e depois delle. Os trombus já existentes e os que se formam na occasião do trabalho são os que mais nos interessam Os thrombus de vagina oíferecem maiores gravidades, nem só quanto á expulsão do feto como a producçâo de hemorragias. São estes os que mais aptos são ás hemorragias por sua rotura, e tanto mais facilmente, quanto houver nos partos necessidade de intervenção instrumental. Os thrombus da vulva são situados em um dos grandes lábios: os que se 54 acham formados como os que se formam durante o parto são os que mais expostos estão á rotura. As multipares são as maís sujeitas a elles, entrando ainda em linha de conta, e assumindo grande importância a albuminúria, a hemo- philia, etc. 0 pouco que nos importa saber é o seguinte: todas essas hemorragias, quer resultantes da rotura de um thrombus da vagina, quer da vulva, são formidáveis, e, ao contrario do que se julgava, que os thrombus se formassem exclusi- vamente de vasos venosos, sabe-se que, os vasos arteriaes também os formam, donde a mais alta importância no seu tratamento. Eis em largos traços um esboço das hemorragias trau- rnaticas consecutivas ao delivramento Com o seu rápido estudo fmalisamos o nosso trabalho satisfazendo a exigencia a que nos submelte a lei e o compromisso que assumimos perante ella. CAPITULO III Tratamento das hemorragias antes, durante e depois do parto Si bem que seja o tratamento das hemorragias a parte mais interessante, e tendo sido intuito nosso delle tra- tarmos mais delidamente, no estudo que ora apresentamos, hoje porem, em vista do que passamos a discutir, desis- timos em parte do nosso desideratum. Alem de ser a pratica do tratamento, assumpto corren- temente conhecido, apontaríamos os meios mais communs e de algum resultado beneíico, si não acompanhássemos o evoluir da sciencia e delle deduzissimos que esses meios therapeuticos de que nos iamos occupar e que a pratica de partos põe em execução, não merecem a impòrtancia que se lhes dá, e trazem, quando não empregados com certas restricções consequências desagradaveis, nem só para quem os applica como para os em quem são appli- cados. Vamos apontar exclusivamenle os inconvenientes de certos medicamentos, de accordo com os estudos e ob- servações do Dr. II. Armanetsob o titulo de «Dangers de certains traitements médicamenteux dans les hémorragies de la grosscsse. » Comecemos, como fez o auctor, pelo centeio espigado— ergotina — ergotimina. São verdadeiros venenos telani- sanles do utero, o que prova-nos tão bem o fim da sua applicação, e são considerados pelo auctor como verda- 56 deiros toxicos da mulher a quem se administra, produ- zindo, segundo Tuczek, «lesões na medula, semelhantes ás do tabes incipicns». Diz mais ainda o auctor: «Depuis longtemps, des yoix plus autorisées que la nôtre, se sont èlevées contre son usage, et en ont montré les funestes eíTets», conclue com o conselho dos mestres: «N’employez jamais 1’ergot de seigle chez une femme enceinte, atteinte d’hemorragie au cours de grossesse et pendant le travail». Hoje, que tão correntemente existe entre nós a opinião dos mestres, quo a pratica tem lhes dado prudência, de não empregar-se e centeio e ergotina ou a ergotinina senão quando o colo estiver completamente dilatado, se vae mais além, attenda- se o conselho do professor Armanet, se não in totum, pelo menos no possivel. Hidrastis canadensis — Hamamelis virginica — Expe- riências numerosas de physiologistas demonstram os resultados mais contradictorios dos effeitos desses medicamentos: ora são hypotensores ora hyperten- sores arteriaes, donde a conclusão do mestre: é um para- lysante dos centros sensitivos. 0 que nos resta do exposto? Uma duvida? não. Á cautela, a prudência em applicar taes medicamentos, tanto maior quanto o estado de prenhez é melindroso e quanto for o estado então actual da parturiente. Clyster laudanisado—0 uso dessas injecções não é sómente feito no meio cm que vive o auctor que citamos e sim commummente entre nós: como nós de ha muito julgamos, por deducções tiradas dos eífeitos physiologicos do opio, único principio activo do laudano, é uma pratica condemnavel o seu emprego nos ameaços de abortamento e hemorragia; porquanto são sem importância seus efleitos 57 beneficos, e, pelo contrario, perniciosos; traza constipação, o que o medico a todo o transe deve evitar em uma gra- vidica, e portanto as probabilidades de uma auto-intoxi- cação pelo aecumulo de toxinas e germens no tubo intes- tinal, inconvenientes que traz a retenção de matérias íecaes na occasião do trabalho do parto. InjecçÕes de solução quente de sublimado — E’ indiscu- tível, de valor eminentemente considerável a applicação de agua quente (esterilisada) 45° a 50° em injecções intra- uterinas e mesmo vaginaes em casos de hemorragias do parto; mas infelizmente ainda existe quem as faça, não de agua simples e sim de soluções; seja qual for a substancia que se empregue em solução (a menos que haja suppu- ração ou outra infecção local), é uma pratica condemna- vel; a applicação será tanto mais condemnavel quanto mais toxica fôr a substancia e como tal considerar o bi- chlorêto de mercúrio, que, mesmo em dóses minimas pode dar em resultado a intoxicação. 0 Professor Armanet cita os casos observados do Pro- fessor Richaud (Cours, année 1900), em que injecções vaginaes de solução de bichloreto (0,25 por 2 litros d’agua) deram em consequência a morte. Do que ficou dito conclue se que toda e qualquer sub- stancia toxica, deve ser posta de lado nas injecções em casos de hemorragias; e, quando uma indicação formal e imperiosa tiver logar, será a prudência quem prescreva pequeníssimas doses, afim de evitar desenlaces tão desa- gradáveis como os citados pelo Dr. Richaud. Acetanilide — E’ um medicamento empregado para combater as metrorragias, embora não seja de uso cor- rente entre nós, comtudo ha quem a empregue. Este medicamento deriva-se da anilina, e, como todos 58 desse genero, é toxico. Quando na torrente circulatória combina-se com os globulos dando a «producção de me- themoglobina »; sua absorpção é «seguida decyanose, de collapso e de morte, x> Eis o resumo do seu emprego. Tamponnamento simples ou gelatinado—Não ha pratico, medico ou mesmo charlatão que não lance mão em pre- sença de uma hemorragia desse meio de hemostasia. Si, bem orientado como possa ser sobre a asepsia, as infe- cções zombam de todos os cuidados de um competente, imagine-se quando esses cuidados forem esquecidos, esses preceitos abandonados, que melhor vehiculo para os germens pode haver do que as gazes, finalmente toda a sorte de material que presta-se a manipulação de tampões? Por certo nenhum. Si a simples gaze ou algodão por seu lado apresenta serias desvantagens quando não conve- nientemente esterilisado, quando o tampão não cuidado- samente applicado, o que se deve pensar do tamponna- mento gelatinado? A gelatina, como sabemos, não pode supportar temperaturas elevadas, capazes de uma esterili- sação perfeita; e, como sabemos mais, a temperatura a que se deve submetter tudo quanto se queira ter conveniente- mente expurgado de germens e toxinas, é a de 120°; ora nessa temperatura a gelatina perde as suas propriedades hemostaticas, e portanto teremos um corpo, ou antes sub- stancia aseptica, mas completamente sem valor para o fim desejado. Não é somente ahi que ficam as inconveniências do tamponnamento. E’ mais particular a desvantagem que vamos apontar: ha quem por ignorância, em face de uma hemorragia pro- cure, em logar de sua causa, sim suspendel-a, e então não trepide em encher a vagina e o utero de uma quan- tidade enorme de tampões; diz-nos o professor Armanet: 59 « C’est, tout au plus, un procédé d’attente et non un pro- cédé curatcur». 0 professor Varnier em seu curso de 1889 mostrou os inconvenientes do tamponnamento vaginal de Leroux di- zendo que nem só era inefficaz e doloroso, ás vezes im- possível de supportar-se; perigoso, pois facilita a desca- mação epitlielial da vagina; é difficil de bem fazer-se... finalmente conclue Varnier: «Ilest absolument dérais on- nable de placer un tampon sur un point ou 1’hémorragie ne se fait point.» O tampão gelatinado tem dado em resultado a apparição de placas de esphacelo em certos pontos dos tecidos em contacto com elle. Do que ficou exarado, conclue-se que esses meios todos que a arte de partos tem consagrado como efficazes, não o são de todo: e acceilando como certos os inconvenientes apontados por Armanet, firmo os seguintes propositos: Jamais deve-se empregar um dos meios pre-citados, senão quando não houver recursos a um outro processo de menos desvantagens. Empregal-os, embora contando com os inconvenientes apontados quando os de outros meios forem mais perni- ciosos. Em casos desesperados tudo quanto melhore é optimo; e assim sendo, a sua applicaçâo se impõe e o medico as- sistente se curva ante a força do desígnio, por falta de re- cursos outros melhores que a sciencia lhe inspire. Aconselhamos, por falta de certas indicações que o professor Armanet também não indica, em casos de ur- gente necessidade e de grande perigo, a prudência, as doses minimas, evitando-se o mais possível o emprego de substancias como a ergotinina; achando dever-se recorrer 60 a tantos outros processos que a therapeutica, a cirurgia e a obstetrícia indicam de meuos prejuisos, porquanto temos tantos desastres posteriores ao parto que tudo devemos fazer para evital-os. Quem nos diz que os immensos casos de labes e outras tantas lesões pathologicas de parturientes não sejam o re- sultado do emprego dos meios therapeuticos de que hoje apontamos os inconvenientes? Será do que alhures nos occuparemos, em tempo, mais detidamente. Observações I D. M. Senhora casada, de 21 annos, não tendo nunca sido regrada, viu apparecerem seus catamenios justamente com symptomos de gravidez; e reapparecerem sempre durante os oito primeiros mezes, só desapparecendo no nono mez, para não voltarem senão na segunda gravidez; tornando-se assim o melhor symptoma deste estado. II Também uma rapariga de 19 annos, côr preta, que nunca tinha sido regrada, viu apresentarem-se as regras com a primeira gravidez, e reproduziram-se sempre du- rante cinco mezes; não sendo possivel saber-se do que mais succedeu, por não ter sido mais vista depois desse tempo. III Francisca, côr preta, solteira, portadora de um fibroma na parte posterior do utero, diagnosticado pelo eminente professor e clinico, o illustre Dr. Braga, teve a placenta im- plantada sobre elle, ao qual se achava adherente em parte; e tendo abortado nos primeiros dias do oitavo mez, soffreu uma hemorragia quasi mortal. IV Facto idêntico deu-se com Maria de tal, cujo tumor fi- broso se localisara na parte lateral direita, e sobre o qual 62 teve implantação a placenta, uma enorme placenta, que adherente em uma grande parte, sangrava de tal sorte pela porção que se havia descolado, que foi encontrada quasi exangue, pelo medico (1), requerendo a extracção manual, sendo, por essa occasião bem reconhecido o tumor e sua situação. (1) Dr. J. Gama. PROPOSICOES !.a Secção ANATOMIA DESCRIPTIVA 1 O monte de Venus ou penil, os grandes e pequenos lábios ou nymphas, o clitóris e o vestibulo concorrem por seu conjuncto para a formação do que se denomina vulva. E’ a parte mais externa do canal que normal e physio- logicamente atravessa o feto, formando o que se chama canal cervical. II E’ sujeita a lesões, geralmente de ordem traumatica, na occasião do trabalho do parto, resultando hemorragias mais ou menos abundantes e que estudamos sob a clas- sificação de hemorragias consecutivas ao delivramento. III ANATOMIA MEDICO-CIRURGICA I 0 utero é composto de tres túnicas: peritoneal, muscu- losa e mucosa. A musculosa composta de tres camadas: superficial, media e profunda; a superficial formada de feixes longitudinaes, ansiformes de Ilelie e Chenantais; a media de feixes plexiformes entrecruzados; a profunda, de fibras circulares em tres grupos: dois situados na em- bocadura das trompas e um em torno do colo. II Ha nem só hypertrophia como neoformação das fibras musculares no periodo da gravidez. 66 lll ' Da tonicidade nas contracções dessa enorme e poderosa massa muscular resulta a constricção dos vasos determi- nando hemostasia quando ha hemorragias uterinas. 2.a Secção HISTOLOGIA I O utero é submettido pelo facto da menstruação e prenhez a numerosas modificações de textura; e, salvo o ovário, é impossível achar-se um orgão dotado de uma tão poderosa actividade formadora. II 0 tecido carnoso do utero é formado normalmente, por fibras lisas longitudinaes, transversaes, obliquas e circulares (sphinder uteri), é o que concorre por suas contracções para a hemostase. III A mucosa do utero, da qual a textura lembra a do tecido conjunctivo lymphoide, é coberta por um epitlielio pavi- mentoso que se continlúa com o da vagina; no exame histologico do liquido hemorrágico encontraremos, alem das villosidades placentarias, cellulas pavimentosas predo- minando por sua quantidade. BACTERIOLOGIA I À blenorrhagia é uma infecção 'eminentemente seria para a mulher; o seu responsável é o gonoceoco de Neisser, coccos reunidos ou isolados, grupados em torno, ou inclusos em numero de 10 a 20 n’um globulo de pús ou de uma cellula epithelial: se o cora pelas cores basicas de anilina e não toma o gram. 67 II A blenorrliagia pode ser ascendente, ogonoccoco invadir secundariamente as trompas, os ovários, o peritoneo; Westemarck encontrou no pús de uma trompa inflammada o gonoccoco; depois delleinnumeros casos têm se observado. III Sob a influencia do gonoccoco e mucosa uterina «pro- lifera ; o revestimento epithelial hyperplasiado não achamais o logar que lhe é necessário, se dobra, envia saliências» (1) o que nos explica o valor considerável das metrites ble- norrhagicas curadas ou mal curadas na producção das hemorragias uterinas.. ANATOMIA E PHYSIOLOGIA PATHOLOGICAS I Dá-se o nome de myxomas a neoplasmas essencialmente compostos de tecido mucoso: sua organisação é semelhante á «gelatina de Warthon no cordão umbelical». II No campo miçroscopico suas cellulas apresentam-se sob a forma arredondada, de fusos, ou estreitadas; as duas ultimas se anastomosam entre si por filamentos tenues, encerrando em suas malhas a substancia fundamental, gelatinosa e transparente. III Um dos logares de maior eleição desses neoplasmas é a placenta, conhecidos sob a denominação de (2) mola vesi. cular on hydatiforme; è uma das principaes causas das hemorragias do 2.° e 3.° mez de prenhez, algumas vezes das primeiras semanas. (1) Revue gynécologique, obstétricale et pédiatrique—Juillet — Septembre 908—Janvier — Mars — 909. (2) L. Ouvry, Marchand e outros pensam que o mola é um tumor epithelial e não uma myxoma. 68 3? Secção PIIYSIOLOGIA A respiração tem uma influencia manifesta sobre a cir- culação: modifica a pressão e a marcha do sangue em os vasos pulmonares, coração, artérias e veias. 1 II A inspiração profunda augmenta a frequência dos bati- mentos cardiacos; na circulação venosa a pressão que é quasi igual a zero, no apice do cone venoso, torna-se negativo e inferior. A inspiração augmenta a pressão na circulação arterial: augmenta a pressão e a acceleração do curso do sangue na aorta, do que resulta facilitar o escoamento do sangue, nas hemorragias da prenhez e do parto, havendo interrup- ções no jacto sanguíneo correspondente á inspiração. III THERAPEUTICA I Dos medicamentos de que a therapeutica dispõe é a ergotinina, alcaloide azotado, um dos que mais commum- mente são empregados no tratamento das hemorragias do trabalho do parto. II E’ um medicamento que age sobre os vasos e fibras mus- culares do utero, donde a sua applicação como hemostatico. III O seu emprego, que geralmente é por via hypodermica deve ser feito com precauções; jamais empregal-o senão quando o colo do utero estiver completamente dilatado, sob pena de poder se dar a rotura do utero c a morte da creança. 69 4? Secção HYGIENE A mulher, quando no estado de gravidez, deve quoti- dianamente procurar o ar livre, dos campos, evitando a marcha forçada que lhe traga o cançaço; a circulação será accellerada, as combustões mais activas e o appclitc aug- mentado. I li Toda a sorte de vehiculos será tanto quanto possível evitada, muito mais quando o itinerário for por terreno accidentado. III Quando for in totum obrigada a sujeitar-se á viagens em vehiculos, a posição horisontal será a melhor, mesmo assim sendo o percurso pequeno, sob pena de, com as tre- pidações prolongadas, ser victima de graves hemorragias por descollamento da placenta. MEDICINA LEGAL Debaixo do ponto de vista medico-legal o sangue do adulto não se diílerencia do da creança senão no periodo embryonario; os globulos de sangue do embryão são nu- cleados. I II O sangue da mulher não se diíferencia do do homem senão quando é menstrual; as cellulas cónicas e vibrateis do corpo e colo do utero, as cellulas pavimentaes da vagina fornecerão os dados distinctivos e decisivos. 111 As villosidades placentarias encontradas no sangue affirmam que o escoamento se faz da placenta, bem como 70 a forma das cellulas permitte muitas vezes diagnosticar a sède da lesão em caso de hemorragias resultantes de le- ridas dos orgãos genitaes. OPERAÇÕES E APPARELIIOS I A hemostase pode ser obtida por um dos dous grandes meios: cirúrgicos ou médicos. Geralmente um dos dous pode ser empregado isolada- mente com bons resultados; outras vezes empregamol-os ambos, e, mesmo assim não conseguiremos um exito feliz. II III Nas grandes hemorragias resultantes do trabalho do parto, os meios médicos são empregados, mas principal- mente os cirúrgicos agem mais dirçctamente realisando o nosso desideratum — a hemostasia. PÀTIIOLOGIA CIRÚRGICA I A’ inílammação do peritoneo, quer seja de ordem seplica ou aseptica, dá-se o nome de peritonite. ][ Quando nas prenhezes tópicas, que o trabalho se faz normalmente, e que os preceitos de asepsia não são ri- gorosos a peritonite é um facto commum. III Quando nas prenhezes ectopicas a rotura do kisto fetal se dá, e o escoamento sanguíneo se faz para a cavidade peritoneal, esse sangue, pode-se decompor, e dar origem a peritonite mortal. 71 CLINICA CIRÚRGICA (l.a cadeira) I Quando em face de uma rigidez pathologica do colo do utero, causada pelo cancro, no momento do trabalho, a dilatação é impossível, podemos recorrer ás simples incisões liberadoras. Nem sempre, porem, isso dá bom resultado; maximé, quando a infiltração cancerosa se estender muito alem para os lados do útero e da vagina, expondo a parturiente a serias e mortaes hemorragias pelas vastas roturas que se dão. Ií ÍÍI Devemos sem trepidar, uma vez que a dilatação não se faça, recorrer á operação cesariana, seguida da operação de Porro ou melhor da bysterectomia abdominal total, afim de nem só salvar o ser materno como o proprio feto. CLINICA CIRÚRGICA (2.a cadeira) I São embryotomias operações sangrentas praticadas em uma ou muitas partes do feto e destinadas a facilitar sua expulsão ou extracção. II Quando feita a operação na cabeça afim de diminuir seus diâmetros, chama-se embryotomia cephalica: quando sobre o pescoço ou tronco, separando a columna verte- bral em duas parles é a embryotomia rachidiana. IÍI Em casos de hemorragias gravíssimas e que o feto, vivo ou morto, de modo algum pode ser expellido, pelo volume, ou vicios da bacia, e que não se pode recorrer a uma outra intervenção serão indicadas taes operações. 72 6? Secção CLINICA PROPEDÊUTICA I Para um diagnostico seguro e intelligente, o medico jamais deve dispensar a serie de meios propedêuticos que possue. II Comtudo, podemos ás vezes diagnosticar sensatamente uma lesão ou lesões por um só dos meios propedêuticos. III Dos meios alludidos, temos a inspecção que, geralmente basta para diagnosticarmos uma hemorragia uterina, ma- ximè quando ella for externa ou mixta, o que não quer dizer que possamos affirmar qual a sua causa. PATÍIOLOCIA MEDICA I Os symptomas de uma hemorragia podem ser a própria hemorragia em alguns casos; em outros porem, serão imprecisos sea atteução do observador se fixar tão somente nas modificações geraes. No primeiro caso, quando a hemorragia for externa ou mixta; osaccidentes geracs c locaes precisarão mais ainda o lacto. II No segundo, quando havendo symptomas alarmantes, como palio*: da face, pelle iria coberta de suor viscoso, lypothymias, pulso frequente filiforme o medico se deixar impressionar por elles, abandonando a investigação da ver- dadeira causa. III CLÍNICA MEDICA (l.a cadeira) I Entre lipothymia e syncope não ha diflerença senão de 73 grão: o primeiro estado é caracterizado pelo dcsfallcci- mento com enfraquecimento maior ou menor dos movi- mentos cardíacos e respiratórios; o segundo pela perda completa do conhecimento com ausência de pulsações. II As lipothymias e syncopes podem ser de ordem rcílexa, como as que se dão pela impressão cm certas pessoas nervosas em casos de pequenas hemorragias e são de pouco valor. III Nem sempre acontece assim: podem assumir gravidade c terminarem pela morte, o que é facil em casos dc graves hemorragias resultantes do trabalho do parto. CLINICA MEDICA (í2.a cadeira) I 0 pulso, o resfriamento das extremidades,a pallidcz dos tegumentos, são de alto valor no diagnostico das hemorra- gias. II A lipothymia é um phenomeno dc maxima importância na gravidade das hemorragias do parto. Si o pulso torna-se fdiforme, e quasi imperceptivel, o coração deve ser despertado senão o desfecho fatal será a morte em pleno collapso. III 7* Secção HISTORIA NATURAL MEDICA Todo vegetal se compõe essencialmente de duas partes principaes: haste e raiz; as hastes podem ser aereas aqua- ticas e subterrâneas: as aereas e aquaticas são: o tronco, I 74 o stipe, o colmo, o cladodio etc. As subterrâneas são: o rhizoma, o tubérculo e o bolbo. II Os tubérculos e os bolbos servem cspecialmente para o armazenamento de substancias nutritivas para a repro- ducção do proprio vegetal, e delles se aproveita o homem. E’ errónea a maneira de pensar exclusivista de certo professor (1) em asseverar que o bolbo tem como papel essencial sustentar o vegetal ao solo e respirar, como a raiz! De todos os bolbos por nós conhecidos, nom um encon- tramos que encerre princípios hemostaticos bem conhecidos e applicaveis ás hemorragias do parto. III CíIIMICA MEDICA I A cafeina G8 1T10 Az4 O2 + II2 0, faz parte do grupo dos ureides para alguns andores. E’ encontrada na Co/jea arabica no Tliea chinensis no Paulinia sorbilis no llex pa- raguciy ensis na Kolct acuminata etc. Tratada pelo reactivo, de DragendorlT dá um precipitado vermelho intenso; aquecida com cal sodada dá desprendi- mento de ammonea, ficando um residuo de carbonatos alcalinos e cyanureto de sodio. II E’ um Icyiico do coração; empregado, geralmcntc por via hypodermica, em casos de syncopes nas hemorragias do trabalho do parlo. III (1) 0 professor levou a tal ponto o seu exclusivismo insen- sato que reprovou um certo estudante por pensar do mesmo modo que nós. 75 MATÉRIA MEDICA, PIIARMACOLOGIA E ARTE DE FORMULAR I As soluções são formas pharmaceuticas as mais simples; com ellas contamos para vários misteres da therapeutica. 11 Sempre preferíveis quando queremos rapidamente contar com eífeitos promptos de substancias empregadas em doses fraccionadas ou não; são applicadas por via hypodermica, em taes casos. III Assim, temos certos hemostaticos indirectos de que lan- çamos mão em casos de graves hemorragias do parto. 8.a Secção OBSTETRÍCIA I Quando no seio materno um ser, ha uma vida para dous entes; para o primeiro mais ou menos garantida para o segundo?... nem tanto. Si a interrupção da continuidade do cordão funicular tiver logar, infeliz do segundo que será fatalmente votado á morte, por íalta de elementos vitaes fornecidos pelo ser materno. II IIÍ 0 cordão funicular é na media de 45 a 50 centímetros; quando não tiver ma is ou menos essa extensão, ha brevi- dade : o que pode no momento do trabalho, si não «houver competência, prudência e pratica do assistente em intervir, dar a rotura e graves hemorragias. 76 CLINICA OBSTÉTRICA E GYNECOLOGICA A menstruação é a «supplica do organismo» para a fecundação. 1 E’ uma verdadeira hemorragia mas physiologica, ligada, segundo muitos auctores, ao plienomeno da ovulação; é ella o a plienomeno apparente» emquanto a ovulação é o «plienomeno interno ou occulto» existindo portanto uma relação intima de causa, a effeito. II III Ha excepções, porem, em que ha menstruação sem ovu- lação e vice-versa: exames anatómicos têm demonstrado que um facto pode ser independente do outro, porquanto têm-se encontrado mulheres mortas quando menstruadas sem haver traços do desenvolvimento de uma vesieula de de Graff. 9.a Secção CLINICA PEDÍATRICA I As perturbações respiratórias são um factor de grande importância nas hemorragias umbelicaes egastro-inlestinacs dos recem-nascidos. II Comtudo esse factor não deve ser invocado como respon- sável petas hemorragias dos orgãos genitaes dos recem-nas- cidos do sexo feminino. III Esse escoamento sanguíneo, verdadeira hemorragia das creanças que mal deram os primeiros vagidos nada mais é que um verdadeiro e precoce catamenio, o que prova a autopsia feita por Pinard em 3 recem-nascidos onde achou um foUiculo de de Graff volumoso e roto. 77 10. Secção CLINICA OPIítALMOLOGTCA 1 Não podemos citar modificações accentuadas do globo occular em casos de hemorragias, a não ser a còr azulada mais intensa da sclerotica, e o descoramento das conjunc- tivas occular e palpebral. II E’ de tanto menos importância quanto é isso um facto commum nas anemias e chloroses independentes das he- morragias do parto. III As perturbações visuaes são symptomas de ordem subjec- tiva, e dão-se toda vez que lia uma perda abundante de sangue. 11. Secção CLINICA DERMATOLÓGICA E SYP1IÍLIGRAPIIICA I A syphilis, qualquer que seja a forma dos seus accidcntes, predispõe fatalmente ao abortamento. II Toda syphilitica é sujeita a uma hypertermia port parturn, imputável exclusivamente a seu estado sypliilitico; (Four- nier) sem que deixe de haver excepções. III 0 cancro sypliilitico do colo uterino predispõe a graves hemorragias no trabalho do parto, porque favorece uma complicação seria, a rotura do colo causada por sua rigidez e indilatabilidade. 12. Secção CLINICA PSYCIIIATRICA E DE MOLÉSTIAS NERVOSAS 0 papel da medulla como centro, é exclusivamente dos I 78 actos reflexos essencialmente dos movimentos reflexos; a sensibilidade é transformada em movimento na substancia cinzenta. II Um não.pequeno numero de reflexos têm séde especial na medulla: efentre ellcs o centro genito-spinal existente no meio da medulla dorsal no homem (no cão no nivel da 4.» vertebra lombar), quando frequente e exaggeradamente ex- citados, podem dar logar a uma myelite chronica: donde o preceito de se usar mas não abusar dos orgãos que lhe são correspondentes. III Os vasos, principalmente as artérias, apresentam sob a influencia de excitações, contracções subordinadas á acção de nervos especiaes: vaso-motores; o centro genito-spinal age sobre o utero provocando as contracções de suas fibras musculares. Da acção dos vaso-motores (vaso-constrictores especialmcnte) e do centrofgenito-spinal resulta a parada das hemorragias uterinas. Visto. Secretaria da Faculdade de Medicina da Bahia 20 de Julho de Í909. O Secretario Dr. Menandro dos Reis Meirelles,