These FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA APRESENTADA Á f ralbnbt be PrMrimi bn fnljin Em 31 de Outubro de 1907 POR HflTURflL DESTE ESTADO AFIM DE OBTER 0 GRÁO DE DOUTOR - 11 MSBICIH DISSERTAÇÃO (CADEIRA, DE MEDICIHA LEGAL) Ligeiras considerações sobre um novo signal vulgar da morte real (Reacção sulphydrica de Icard} PROPOSIÇÕES Tres sobre cada uma das cadeiras do Curso das Sciencias Medicas e Cirúrgicas BAHIA Typographia BAHIANA, de C. Melchiades 25—Rua do Arsenal de Marinha—25 1907 • FACULDADE DE MEDICIHA DA BAHIA Director, Dr. Alfredo Britto Vice-Director, Dr. Manoel José de Araújo LENTES CATHEDRATICOS iva Secção Os Drs. Matérias que leccionam Josè Carneiro de Campos ..... Anatomia descriptiva Carlos Freitas Anatomia medico-cirurgica 2. a Secção Antonio Pacifico Pereira Histologia Augusto Cezar Vianna Bacteriologia Guilherme Pereira Rebello Anatomia e Physiologia pathologica* 3. a Secção Manoel José de Araújo Physiologia José Eduardo Freire de Carvalho Filho Therapeutica 4-a Secção Josino Correia Cotias Medicina legal e Toxicologia Luiz Anselmo da Fonseca Hygiene 5. a Secção Braz Hermenegildo do Amaral . . . Pathologia Cirúrgica Fortunato Augusto da Silva Júnior . Operações e apparelhos Antonio Pacheco Mendes Clinica cirúrgica—-l.- cadeira Ignacio M. de Almeida Gouveia. . . Clinica cirúrgica—2.- cadeira 6. a Secção Aurélio Rodrigues Vianna ..... Pathologia medica Alfredo Britto Clinica propedêutica Anisio Circundes de Carvalho. . . . Clinica medica—1.- cadeira Francisco Braulio Pereira Clinica medica—2c cadeira 7. Secção José Rodrigues da Costa Dorea . . . Historia natural medica Antonio Victorio de Araújo Falcão . . Matéria Medica, Pharmacologia e Arte de formular Joté Olympio de Azevedo Chimica medica 8. a Secção Deocleciano Ramos Obstetricia Climerio Cardoso de Oliveira .... Clinica obstétrica e gynecologica 9-a Secção Frederico de Castro Rebello .... Clinica pediátrica io.a Secção Francisco dos Santos Pereira .... Clinica opthalmologica n.a Secção Alexandre E. de Castro Cerqueira . . Clinica dermatológica e syphlligraphica i2.• Secção Luiz Pinto de Carvalho ...... Clinica psychiatrica e de moléstias nervosas João Evangelista de Castro Cerqueira . Sebastião Cardoso Em disponibilidade Os Drs.: José Affonso de Carvaho . 1* Sec. Gonçalo Moniz S. de Aragão 2- „ Julio Sérgio Palma.... „ „ Pedro Luiz Celestino ... 3' „ Oscar Freire de Carvalho . 4- „ Antonino B. dos Anjos . . 5" „ João Américo Garcez Fróes (!• „ LENTES SUBSTITUTOS Os Drs. Pedro da Luz Carrascosa. . 7* Sec. Josè Juio de Calasans . . „ „ José Adeodato de Souza . . 8- „ Alfredo F. de Magalhães . 9- „ Clodoaldo de Andrade . . 10’ „ Albino Leitão !!• „ i2.* Secção Secretario, Dr. Menandro dos Reis Meirelles Sub-Secretario, Dr Matheus Vaz de Oliveira A Faculdade não approya nem reprova as opiniões exaradas nas theses peloi et* auclorea. Prefacio A QUEM LER a benevolencia para as Unhas que seguem, escriptas unicamente no cum- primento de uma disposição legal, a que me não era dado fugir, escrevendo, não por vontade própria, mas na satisfação de um dever, devo declarar que este não era o assumpto de meu trabalho inaugural. O enthusiasmo que me despertou a con- quista brilhante de Schaudin, suggeriu-me a ideia de fazer delia o objecto de minha these, tentando, entre nós o estudo pratico do assumpto. Reunido o material theorico, quo por longo tempo accumulára, fui á ultima hora forçado, por certas circumstancias, a abandonar o ponto pri- mitivo, vendo-me na necessidade de procurar um outro, que no curto prazo que me restava pudesse ser tratado. Foi então que me resolvi a fazer o estudo 2 II de verificação experimental que as circumstan- cias tornaram muito peior do que delineara. Empreguei todo o esforço que podia, e delle nada, ou quasi nada colhi. Ficam, porém, o intuito de propaganda e a boa vontade que me animaram. Os mestres que me hão de julgar, que me desculpem os múltiplos senões, uns, productos da minha própria intelligencia, outros proveni- entes de circumstancias más que me forçaram a ser mais incompleto do que desejava, dizendo apenas o que era absolutamente indispensável dizer. Terminando agradeço aos mestres e collegas que me auxiliaram neste modesto trabalho, for- necendo-me dados de sua experiencia ou livros de suas bibliothecas. O Autor. DISSERTAÇÃO Ligeiras considerações sobre um novo signal vulgar da morte real {Reacção sulphvdrica de Icard) A temor quasi supersticioso da morte, que acompanha o homem desde as eras primi- jf' tivas e que ainda abate e enfraquece as suas melhores energias, foi a causa dos múltiplos esforços que se vêm condensando em pról da conservação da vida, na lucta perenne pela existência no seio da humanidade. A todos os espiritos, ainda aos mais fortes, abate a antevisão dolorosa da destruição com- pleta do ser, e a morte, phenomeno natural, ine- vitável, será sempre olhado, por maiores que sejam as conquistas da sciencia, com o medo absorvente, que busca como lenitivo a suprema esperança da immortalidade da alma, já que as leis da transformação da matéria não deixam duvidas sobre a desorganisação completa do corpo. Repugna a qualquer acreditar na realidade de um phenomeno que o priva para sempre da affeição de um ser amado, e não raro a duvida cruel da realidade da morte, timida a principio, dominadora afinal, o obriga a procurar todos 2 os elementos de certeza que o forcem á convi- cção da separação dolorosa. Tanto maior é esta duvida, quanto a expe- riencia do homem já lhe ensinou que estados normaes e pathologicos, perfeitamente compa- tíveis com a vida, (como o somno, os estados le- thargicos, catalépticos, etc.), podem simular mais ou menos perfeitamente os caracteres da morte, donde a possibilidade de poder ser tido por morto quem ainda vivo está, e assim entregue á inhumação ou á cremação destruidora um corpo em que as forças vitaes latentes poderão voltar á completa actividade. E quão doloroso não é imaginar o despertar angustioso de um individuo, irremissivelmente perdido, na escuridão de um tumulo, certo de que lhe não restam mais espe- ranças de sobrevida e sujeito ás indescriptiveis torturas physicas e moraes que tal situação acarretará! Por isso mesmo vem da mais remota anti- guidade a pratica de certo numero de actos mas- carados em preoccupações religiosas e em exi- gências civis, cujo unico intuito é só permittir o abandono do corpo quando a realidade da morte se imponha sem offerecer margem á du- vida. As praticas fúnebres de muitos povos da antiguidade, taes como as conclamações, as la- mentações, a exigencia costumeira ou legal da 3 permanência do corpo, durante um certo numero de dias, sob a vigilância cuidadosa dos amigos, parentes, etc., etc., são meios petos quaes se procurava estabelecer a certeza da existência da morte. Mas o temor da inhumação prematura foi augmentando á proporção que observações se foram accumulando de corpos encontrados em posições differentes das em que tinham sido depostos; das narrações, ora plausiveis, ora ro- mânticas, phantasisticas, verdadeiramente len- dárias, de casos em que o individuo voltara á vida justamente quando a inhumação se ia dar. Os annaes scientificos estão cheios de factos deste genero. O pavor da inhumação apoderou-se por tal sorte dos espiritos, que múltiplas são as dispo- sições testamentarias, as declarações em que delia se cuida com as mais exquisitas exigências. De Winslow, que, narrando os Terríveis su- pplicios e cruel desespero das pessoas enterra- das vivasj affirma que desejava com elle se empre- gassem todos os meios para tornar impossivel a inhumação prematura; de Thouret, aterrado com as excavações praticadas no cemiterio dos Innocentes, em que as posições dos corpos o levaram a temer tanto a inhumação prematura, delia falou em seu testamento, multiplicam-se os casos de médicos, de homens de valor, como Michelet, que, apavorados pela possibilidade 4 de uma inhumação prematura, exigiram que se lhes praticassem operações differentes com in- tuito de levar á prova da realidade da morte. Seria tentativa absurda procurar reunir todos os casos de morte apparente citados pelos au- tores ou narrados pelos jornaes. A frequência da morte apparente, podendo determinar a inhumação prematura, foi consi- derada tal, que só Bruhier reuniu 181 casos, dos quaes 5o com inhumação, 53 resurreições du- rante a autopsia; e Pineau se animou a escre- ver que «não se passa dia que na própria França não se enterrem pessoas vivas» . O Dr. Hartman chegou á avaliação de i en- terrado vivo sobre 200 inhumações, e diz-nos Icard que em New-York essa mesma proporção foi encontrada. Guernde 1700 a 1865 reuniu cerca de 1200 individuos, qué teriam sido enterrados vivos, se differentes circumstancias o não tives- sem impedido e 582 outros, em que havia prova cabal da realidade do enterramento de indivi- duos vivos. Froissac em 16 annos encontrou 76 casos bem verificados de inhumações prema- turas. Em um dos estados germânicos se chegou a affirmar que um terço do genero humano era enterrado vivo, e Gauber chegou ao exaggero de elevar a 8000 pessoas o numero de victimas da morte apparante annualmente na França. Os jornaes trazem-nos amiúde noticias de novos casos; e a fazer-se uma estatistica sem 5 certo critério, creio que facilmente se chegaria ás conclusões mais ou menos absurdas que aca- bamos de citar. Não nos esqueçamos, porém, de que em ge- ral as noticias dos jornaes, ou são de todo fal- sas, ou então são apenas em parte verdadeiras. Trata-se commumente de casos de syncope, incapazes de simular a morte real, em torno dos quaes uma informação menos sensata árchitecta uma lenda emocionante de inhumação prema- tura. Brouardel e Icard, no louvabilissimo in- tuito de verificar a frequência da morte appa- rente, toda a vez que tinham noticia de aconte- cimento desse çenero, dirigiam-se ao maire ou a outra pessoa bem collocada da localidade, ob- tendo geralmente a resposta de que tal facto não se tinha passado, ou que não tinha occor- rido como haviam noticiado os jornaes. Facil é explicar porque nas obras especiaes pullulam os casos citados como veridicos: o autor que tem uma these a sustentar acolhe com fa- cilidade argumentos favoráveis, sem se preo- ccupar com a sua origem, e assim muitos casos passam para os annaes scientificos e augmentam extraordinariamente o numero de observações. Mas é justo perguntarmos: E’ possivel uma inhumação prematura? Haverá estados de morte apparente, que se possam confundir com a morte real ? 6 E finalmente, que ha de verdade em iodo esse interminável rol de casos de morte appa- rente que se encontram nos autores? A morte não é um momento, mas uma serie de momentos. Vaschide e Vurpas procuraram es- tabelecer experimentalmente as leis que presi- dem á physiologia da morte, e dividiram seu processo em tres grandes phases: a primeira consistindo em modificações vaso-motrices, res- piratórias e circulatórias, semelhantes ás obser- vadas nos animaes sujeitos á descorticação cerebral; a segunda dizendo respeito á activi- dade; a terceira enfim manifestando-se pelos der- radeiros phenomenos respiratórios com grande abaixamento da vitalidade geral. A sobrevi- vência então é ainda possivel, devido á vita- lidade intrinseca do myocardio, que vae per- dendo de intensidade; de sorte que pouco e pouco se vão extinguindo as manifestações ex- teriores, atravez das quaes conhecemos e ca- racterizamos a vida. E é a esse estado de actividade vital que se vae aos poucos descoordenando, é a esse des- conjunctamento da vitalidade geral do orga- nismo, é em summa a esse estado de vida sob a mascara da morte, que se chama morte appa- rente. Por elle passam todos os corpos de que a morte se apossa; em uns durará tempo minimo, 7 que mal se avalia por minutos; em outros, ces- sadas as manifestações exteriores, a vida geral se irá desorganisando paulatinamente, até que' se ultime a destruição da vida cettular, ou um estimulante energico e apropriado, se as condições o permittem, venha restabelecer o equilibrio perdido. E7, pois, puramente metaphorica esta affir- mação vulgar, que finalisa o drama da existên- cia pelo ultimo suspiro, porque ainda após elte o coração, ultimum moriens, conserva a sua actividade, ou pode readquiril-a como o demon- stram as experiencias de Halluin e Herlitzka. Nós não podemos, diz sabiamente Brouardel, admittir que a parada do coração seja o signal certo do momento da morte total do organismo. As trocas chimicas que caracterizam a acti- vidade vital de um organismo não desappare- cem em um momento; podem até, como se dá em certas affecções, accelerar-se depois da morte. E se assim é, quando a desorganisação total é inevitável, assim também deve ser quando, em virtude de causas variadas, suspendem-se as funcções organicas durante a vida. A anatomia comparada nos fornece a prova inilludivel desse estado devida latente chamado, em que se mantém os animaes hibernantes, que, inertes e como que desamparados da vida, quando 8 as condições exteriores o exigem, tornam á activi- dade vital, resuscitam verdadeiramente desde ,-que o ambiente os favorece. Ora, affirma a competência dos mais emi- nentes observadores que confusões são possiveis, quando o systema nervoso, supremo regulador das funcções organicas, se encontre em um es- tado de estupor, ou inhibição, donde senão uma parada da intima mecanica vital, pelo menos, a reducção ao minimo dos processos biologicos e de suas manifestações mais evidentes. Os estados de morte apparente mais ou menos perfeita, sobre os quaes póde haver du- vida da realidade ou não da morte, se encontram nos estados syncopaes, em certas crises hyste- ricas e assignaladamente na lethargia e na ca- talepsia, menos provavelmente na epilepsia de- pois do ataque do grande mal, mais facilmente no periodo comatoso da eclampsia, nos casos de choque inhibitorio reflexo, na asphyxia (com fre- quência relativamente notável), na fulguração e em geral nos casos de invasão do organismo por descargas ou correntes electricas, no conge- lamento e em geral pela acção de baixas tempe- raturas, na anesthesia, commummente na chlo- roformica, no narcotismo, no alcoolismo agudo, em casos de commoção cerebral e em todos aquelles em que concorram desordens circula- tórias e perturbações graves da actividade bul- 9 bar, na inanição, nos estados atrepsicos fetaes e assim por deante. A suspensão da respiração senão total, pelo menos reduzida a um minimo que a torne imperceptivel, é um jacto de observação com- mum. Os phenomenos circulatórios mesmo po- dem ser reduzidos ou sustados por algum tempo, curto embora, como demonstram os esforços de Donders e Chauveau e o celebre caso do coronel inglez Townsend narrado por Tourdes; de sorte que não está até hoje demonstrado (ao contrario) que um individuo em que o. coração não pulsa mais não possa voltar á vida. Em summa é evidente, nem carece de esfor- ços para demonstral-o, que ha certos estados, certas condições, certos momentos em que, de todo impossivel se torna, sem o emprego de múl- tiplos esforços, a affirmação da existência ou inexistência da morte real. E são estas considerações, são esses factos que pesam sobre a questão da inhumação pre- matura, que lhe dão certo gráo de probabilidade, attenta a incerteza dos signaes de morte, de De- mocrito até hoje conhecida, e a quê me referi- rei adeante. Nos casos históricos de inhumação prema- tura, cuja citação poderia multiplicar, se qui- zesse, soccorrendo-me entre outras da extensa relação de Icard, falta sempre a historia do 10 doente, a observação da moléstia para conven- cerem de sua inteira veracidade. Encontrar-se um corpo em posição dife- rente da em que foi collocado, nem sempre é prova da persistência da vida, porque, como sa- bemos, em algumas moléstias, como a cholera, ha depois da morte, contorsões, convulsões ca- pazes de produzir o deslocamento do corpo. Na questão de precisar o valor em que se de- vem ter as classicas observações de inhumações prematuras, deparam-se sempre duas opiniões systematicamente oppostas: a daquelles, que acceitam todos' os casos ou quasi todos, que não sejam absolutamente inverosimeis, como ver- dadeiros, e a dos que com uma prudente reserva se furtam de adoptat-os, chegando á negação de quasi todos e apenas conservando, até resolução contraria, como possiveis aquelles casos a que nenhuma critica se pode fazer. Brouardel, por exemplo, affirma que todas as historias de auto- psias praticadas sobre o vivo, são falsas e inventadas, emquanto auctores de boa fé ainda se comprazem em narral-as. Mas em verdade ha casos bem verificados sobre os quaes não paira nenhuma duvida, como os dous casos dos enforcados de Boston e Raab, de que falam Parrot e Hoffman, no primeiro dos quaes o coração recomeçou a pulsar regu- larmente cerca de uma hora depois de terem 11 completamente cessado os seus movimentos (pelo menos apparentemente) e continuou durante a autopsia, no segundo, em que o individuo, le- vado á sala anatómica, levantou-se ante os mé- dicos que o iam dissecar, para morrer definiti- vamente por congestão pulmonar horas depois. Ha, portanto, uma certa justificação para os temores que muitos nutrem a respeito, e não são de todo risiveis aquelles cujas disposições testamentarias se referem apavoradamente ao facto. Muito ha, porém, de exaggerado, de despro- porcional em relação á realidade dos factos. São geralmente não verdadeiros casos de morte apparente, mas erróneas interpretações de factos verdadeiros, que se referem ao traba- lho mechanico effectuado num departamento do corpo em que se manteve a vida residual; outros são itlusões grosseiras, produzidas em indiví- duos profanos na arte medica, e é por isso que o eminente Brouardel dizia «se ha erro, é um erro popular, e não medico». Mas que tempo podem durar esses pheno- menos simuladores da morte? Naturalmente as medias hão de variar com- as circumstancias causaes do phenomeno, com a idade, o temperamento e constituição do in- dividuo. Antigamente se assignalava a duração ma- 12 xima de 24 horas para a syncope e de 3 dias para as outras formas. Bruhier, Frask, Lessing e Josat verificaram durações mais longas, podendo ir até 6 dias. Estas medias são difficeis de senão mesmo impossiveis, e comprehende-se que a duração dependerá do gráo de attenuação que soffrem as funcções vitaes. Seja como for, o facto é que Orfita, Foderê, Michel, Levy, Rochas, Vallin, Tardieu, Brouar- del, Tourdes, Borri, Zachias e tantos outros têm affirmado a possibilidade da inhumação prematura, e com elles affirma Icard: «A morte apparente é um phenomeno incontestado e in- contestável. E1 certo que elta deu togar a enganos nume- rosos e a inhumações antecipadas». Pois, sem que me impressionem as escan- dalosas exclamações do cardeal Donnet, ou as observações, que complacentemente Icard acceita, de ignorantes e simples, posso con- cluir que a inhumação prematura é possivel, pro- vável mesmo, especialmente depois das bata- lhas, epidemias, etc., porque além de factos bem observados que o comprovam, ha estados de morte apparente, capazes de simular perfei- tamente a morte real e compativeis com a vida, que só a pericia do medico pode ás vezes dis- tinguir. 13 Ha, pois, quando nada e principatmente um erro popular. Mesmo que se negue a possibili- dade de uma confusão da parte de um profis- sional, não se pode negar que o erro seja pos- sivel, seja até commum, tratando-se de indiví- duos desapercebidos de noções especiaes. Se ha um erro popular que é preciso evitar, accessivel e popular deve ser também o meio proposto para evital-o. E a meu ver só tem va- lor pratico o signal de morte que preencha ao mesmo tempo as seguintes condições: i.°, seja um signal infallivel, certo, isto é, se manifeste em todos os casos de morte real; 2.0, seja caracter exclusivamente delia, isto é, não se manifeste em nenhum outro estado que não seja o de morte real; 3.°, não seja tardio; 4.0, não seja nocivo, isto é, não advenha aos individuos que cercam o morto nenhum perigo de ordem moral ou physica, no acto de verifi- cal-o; 5.°, seja accessivel, popular, isto é, facil- mente verificável, não carecendo de emprego de manobras especiaes que requisitem conheci- mentos que se não encontram em todo o mundo. Ora qual dos múltiplos signaes de emprego facil preenche essas condições ? E1 o que passo rapidamente a ver. 4 14 As velhas concepções de que a vida era um sopro que se apagava no organismo vivo e que bruscamente o corpo, abandonado do fluido que o animava, passava á inanimabilidade absoluta dos corpos mineraes, têm hoje apenas valor his- tórico. A vida não se extingue num momento como a chamma de uma vela que se apaga, na comparação classica. A unidade do organismo resulta de uma col- lectividade de individualidades do primeiro gráo (cellulas) que, reunidas, constituem individuos do segundográo (tecidos), concorrendo para formar individuos do terceiro gráo (orgãos). Todos elles gozam da vida elementar que lhesé própria, mas entretanto condicionada e não independente- mente. A vida do aggregado superior que é um or- ganismo, como o humano, se funda na synergia e harmonia das funcções que têm seu substracto material em cada um dos elementos compo- nentes. A vida do conjuncto, pois, a vida de coor- denação, se assim posso chamar, presidida e re- gulada pelo systema nervoso, pode desappare- cer desde que o individuo exhalou o ultimo sus- piro; mas restam as vidas organicas, as vidas dos tecidos, as vidas elementares das cellulas que se vão aos poucos destruindo, de sorte que quando já de todo apagada é a vida do con- juncto, ainda existe a vida cellular, a vida ele- 15 mentar que dura até quando as circumstancias de nutrilidade protoptasmica o permittem. O coração de um homem ou de um animal decapitados pulsa rythmicamente por um longo tem]3o ainda e os trabalhos admiráveis de Hal- luin sobre a resurreição do coração, mostram-no palpitante pela restauração artificial do meio sanguíneo. Herlitzka conseguiu assim não só a revivescencia da actividade cardíaca,como poude secundariamente obter a revivescencia da sy- nergia dos elementos de outros orgãos e tecidos (systema nervoso). O fígado, como é sabido, pode continuar a armazenar gtycogeno,, graças a processos chimi- cos analyticos e syntheticos que o derivam em sua maioria dos hydratos de carbono e parcial- mente das substancias proteicas da alimentação. Não se passa, pois, da vida activa e flores- cente á inércia da morte. As funcções vitaes não se extinguem bruscamente, mas tentamente na metamorphose demorada do período agonico e finalmente na escala descendente que vae de orgão á cellula. Consequentemente não se poderá en- contrar um signal caracteristico da vida que desappareça incontinenti com a morte e recipro- camente nenhum que caracterise a morte logo que ella se dê; e ahi está toda a difficuldade do problema. A’ proporção que a vida do conjuncto se vae 16 destruindo e que se estabelece a desassociação das actividades vitaes elementares, as resistên- cias organicas attenuadas, completa- mente extinctas mesmo, facilitam a eclosão de uma serie de phenomenos productores da des- aggregação material do organismo que succede á destruição dynamica. Ao desapparecimento das funcções, que se vão successivamente extinguindo até se ultima- rem pelas manifestações residuaes da vida cellu-. lar, succedem as transformações da substancia. Procurando estudar os phenomenos da morte para dentre elles destacar os mais caracteristi- cos, adopto esta ordem, estudando primeiro a cessação dos phenomenos respectivos da acti- vidade vital, successivamente dos apparelhos para os orgãos e destes para os tecidos e as cel- lulas, signaes negativos da vida e como taes po- sitivos de morte, a que se seguem phenomenos consecutivos e positivos que só se produzem quando a morte do todo se deu e em segundo logar, os phenomenos transformativos aqui re- presentados pela serie de mudanças physico-chi- micas, devidas principalmente a intervenções de agentes animados, a que se dá o nome de putre- facção. Neste ligeiro esboço, que outro nome não cabe ao desalinhavo dessas notas, de todos esses phenomenos me preoccuparão principalmente 17 aquelles cuja verificação está ao alcance de qualquer, estudando o seu valor no diagnostico da morte real, de accordo com os requisitos que atraz enumerei. xMais uma vez é bom que se diga que o processo o mais scientifico e perfeito que não seja applicavel por qualquer, em vista de care- cer de technica especial e de conhecimentos que se encontrem em um profissional, não deve me- recer attenção quando se procura um signal vul- gar, quasi poder-se-ia dizer popular da morte. Entre os primeiros phenomenos que succe- dem immediatamente e ás vezes precedem a morte, estão os dependentes da parada da acti- vidade do systema nervoso. Como é por meio das funcções de innervação que se exteriorisam os factos da vida de relação,, a sua falta é facil- mente verificável e chama grandemente a atten- ção do observador, mas esse dado negativo é de significação fallaz. Entre os phenomenos dependentes da acti- vidade do systema nervoso, destaca-se a perda do conhecimento, mas commum em muitos es- tados pathologicos, perfeitamente compativeis com a vida, encontrada sempre nos casos de morte apparente nenhum valor tem, nem até hoje ninguém se lembrou de fundamentar ne- 18 nhum diagnostico de morte em tão frágeis ali- cerces. Maior importância se tem dado á perda de sensibilidade e nella se tem firmado mais de um dos muitos meios aconselhados para a thana- tognose. Os processos se podem reunir em dous grupos, segundo se age sobre qualquer zona do corpo por meios appropriados, ou se procura provocar certos reflexos actuando as excitações sobre zonas especiaes que variam conforme os autores que as aconselham. — As estimulações do systema nervoso que se deve pôr em pratica para verificar a vida so- breexistente são de differentes ordens: as irri- tações as mais variadas mediante acções physi- cas ou chimicas, taes como a acupunctura, a fricção, a flagellação, as picadas e differentes outros estimulantes têm sido lembrados. Alguns destes estimulantes periphericos agem também sobre a circulação immediatamente ou por via reflexa até determinar bolhas com as picadas, a rubefacção como quando se emprega rubefaci- entes chimicos ou mecânicos. Esses meios em geral inoffensiveis podem falhar em plena vida. Entretanto usados pelo medico e por elle convenientemente verificados podem servir de elementos na formação do feixe de provas de de que muitas vezes se pode valer o medico. Ha ainda processos mais violentos, mesmo 19 barbaros, que seriam difficilmente acceiíos e em- pregados na pratica, embora seu emprego mul- íisecular, taes são a applicação do ferro em braza e do fogo já usado em Roma. Outros, carecendo de certa technica ou de . conhecimento de algumas noções de anatomia, tão falliveis quanto este, apresentam ainda a desvantagem de não serem accessiveis a todos, taes o emprego da mosca em determinadas re- giões, no ponto em que emerge o nervo poptiteo ou no perineo, o martello de Mayor applicado em differentes regiões, especialmente na precor- dial, o ferro em braza na região plantar con- forme o conselho deshumano de Lancisi ou na pelle do rachis, ou na porção delia que cobre os grossos troncos nervosos, podendo conduzir a erros, por nem sempre serem capazes, como pro- vam múltiplas observações, de descobrir a vida em casos de morte apparente. Outras provas como a do salto em que o corpo collocado sobre uma coberta bruscamente destendida é brutalmente jogado, não merecem attenção porque nenhum valor scientifico têm, além de carecerem de emprego de força e não serem applicaveis em todas as condições. O emprego de excitações em zonas especiaes provocando certos reflexos é aconselhado em muitos methodos. Apenas aqui devo destacar a excitação do contorno anal por meios physicos e mecânicos, methodo aconselhado e defendido 20 por Legallois, e o celebre processo das tracções rythmicas da lingua, proposto por Laborde e que ainda hoje encontra seguros elementos de vida na tenacidade de seus defensores. Quanto á excitação do contorno anal não ha quem possa negar que em muitos casos tem fa- lhado. O processo das tracções rythmicas da lingua que consiste em puxal-a e relaxal-a, mais ou menos i5 vezes por minuto, de sorte que a tra- cção se faça sentir até a base sobre a extremi- dade do nervo glosso-pharyngeo, que, além da sensibilidade geral e especial, gozaria, no pensar de Laborde, de sensibilidade respiratória idên- tica á que possue o pneumogastrico, inducção scientifica de cujo valor nada por emquanto se pode dizer com segurança. Devendo ser empregado pelo medico ou por pessoas que cercam os individuos em estados de morte apparente em certos casos, pode fa- lhar, o que se tem observado, como provam as discussões na Academia de Medicina e Socie- dade de Cirurgia de Paris e a própria confissão do autor, dizendo, coagido ante casos iniltudi- veis, tinha ás vezes o seu processo de ceder togar a outros mais profícuos. Pondo de lado a estapafúrdia proposta de Villeneuve de autopsiar todos os casos com o fim de verificar a existência da morte real, ou 21 talvez determínal-a quando etla não existisse, o emprego das picadas, incisões, escarificações, etc., em que é menor o elemento sensibilidade do que vestígio de phenomeno circulatório, passo a lembrar os processos em que se actúa sobre a sensibilidade especial, procurando accordar a vida latente, pela producção de reflexos, mais ou menos elevados. E7 facto que vem affírmado pelos que têm estudado a psychotogia do moribundo que o ou- vido é o ultimo sentido que desapparece. Foi nesta observação que se fundaram os meios vul- gares de carpir estrondosamente a morte das pessoas que nos são caras e Josat, que, ao as- sumpto se dedicou, affirma que, em i sobre i5 dos casos de morte apparente, excitações audi- tivas têm dado logar a resurreições. Nenhum valor scientífico têm taes praticas. As sensações olfactivas, provocadas pela applicação de agentes estimulantes, como o acido acético, o ether, o vinagre, a mostarda, o ammoniaco e seus derivados, a picada da narina pelo estylete, aconselhada por Bruhier, a exci- tação petas barbas de uma penna, mesmo a prova do ammoniaco de Romero, em que o panno embebido de ammoniaco provoca a sahida de saliva pela bocca, e como estes os innumeros processos semelhantes podem servir de meios auxiliares, mas nunca de base a um diagnostico 22 seguro. Alguns autores chegam a affirmar, e isto é uma prova da fallibilidade dos meios indica- dos, que nenhum destes processos tem valor, só se podendo ter como um signal certo de vida a persistência do movimento ciliar do epithelio vi- bratil da mucosa, examinado no microscopio, processo que além de não ser nada pratico, pode sofrer vantajosas contestações, attendendo-se a que a vida celluiar ainda dura quando a vida geral do organismo já se extinguiu e que avibra- tilidade do epithelio prova a existência da vida local e nunca persistência da vida doconjuncto. Identicamente desvaliosos são os processos que se baseiam na gustação, pelo emprego dos amargos, adstringentes, stypticos, etc. Todos esses meios não têm valor por si sós. Muito maior é a importância que justifica- damente se tem dado aos complexos signaes que se tiram %do exame do olho, constituindo a thanatophtalmologia um dos mais extensos ca- pítulos da thanatognose. A orientação desse esboço e a falta abso- luta de tempo me impede de demorar um pouco o estudo desses signaes que bem precisam de verificações e de critica sensata, limitar-me-ei, como permittem as condições, a uma resenha muito pelo alto dos principaes delles e de uma critica ligeira, mostrando apenas os pontos mais fracos de cada um, de accordo com o critério que adoptei ao iniciar estas.linhas. 23 As modificações que soffre o olho com a morte se traduzem desde o período agonico, a alteração da direcção dos eixos oculares, diver- gentes desde a agonia, a perda da expressão são signaes que o povo conhece. A perda da sensibilidade cornea e conjun- ctival é a pedra de toque para a verificação da anesthesia geral e por isso nenhum valor tem como meio de diagnostico da morte; a vida é possível apezar da verificação dessa dupla insen- sibilidade. A dilatação pupillar, signal importante, não basta também para declarar real a morte; as adherencias iridianas impedem a sua producção e podendo ella existir antes da morte em algu- mas moléstias cerebraes, na hydrocephalia, nos envenenamentos pela belladona, etc. A iris não reage mais á luz na generalidade dos casos, mas na cholera essa reacção persiste; Nysten affirma que nas fibras iridianas persiste a sensibilidade ao galvanismo. Bouchut propoz utilisar-se as propriedades mydriaticas da atropina e myoticas da eserina como signaes de morte, affirmando que é certa se uma hora depois da installação de uma dessas duas substancias no cul-de-sac conjunctival não se produzir nenhuma acção. Ora, nós sabemos que existem muitos casos em que no vivo a atro- pina e a eserina são completamente inefficazes 24 e que ha quem admitia que a aceção dessas sub- stancias depende de propriedades intrinsecas dos elementos do olho, e como tal se podem pro- duzir depois da morte quando ainda os ele- mentos oculares se mantêm vivos. Brown Sequard provou que o olho conserva a sua sensibilidade depois da morte e Sommer affirma que a sensibilidade á luz como as exita- ções galvanicas só desapparece quatro e ás vezes mais horas depois da morte. Como se vê, não será nesses phenomenos que se poderá ba- sear o observador, especialmente o profano, para chegar á convicção da certeza da morte. Deixando de lado para mais adeante os outros phenomenos dependentes do exame do olho, vejamos num rápido golpe de vista os que dependem da vitalidade do systema muscular, cujo estudo se não pode separar da do systema nervoso que lhes constitue o indispensável es- timulo. A inércia do cadaver, a incapacidade de mo- vimentos espontâneos, sujeito como está somente ás leis do peso, o desapparecimento da toni- cidade muscular, a flacidez completa, esse colla- pso de todos os membros, conjuncto de condi- ções tragicas que dão feição impressionante ao quadro da morte, não se encontram só nella, mas também na syncope, na hysteria, anesthesia geral, etc. Depois é bom lembrar com Icard que 25 mos musculos da coxa, nos cutâneos da face, nos musculos da mão, nos abdominaes, no diaphra- gma persistem movimentos depois da morte e que na febre typhica e na cholera, principal- mente, podem ter grande intensidade, não só nesses como em qualquer outra especie de mus- culos. As observações de Nysten nos suppli- ciados e as experiencias de Bordinat provam 'que os movimentos podem attingir um grão de complexidade, á primeira vista, inacreditável. O signal da queda da maxilla, tão consi- derado por Bruhier, não tem nenhum valor não só porque pode faltar em mortos como se encontrar em indivíduos vivos na catalepsia, eclampsia, syncope, hysteria no intervallo dos accessos ou mesmo durante estes. A' volta da extremidade dos pés para dentro Deschamps fez justiça mostrando que pode apparecer quando os indivíduos apresentam de- formações congénitas ou accidentes dos mem- bros inferiores, como no marasmo, na prostração muscular, nas affecções articulares, etc. A flexão do pollegar sobre a palma da mão na direcção da raiz do mínimo, coberto pelos outros dedos, trazida por Villermé como signal valioso, pode não existir, como reconheceu o proprio autor, em alguns casos, e Devergie nos affirma que só se encontra quando á morte pre- cederam phenomenos convulsivos e que se não dá nas affecçõs chronicas em geral. 26 A paraíysia dos esphincters ligadas a actívi- dade do systema nervoso e que pode ser observada no orbicular dos lábios, das palpebras, do annel vulvar, na urethra e principalmente no esphincter anal e pupilar, é um bom signal de morte, mas é preciso ponderar que apparece desde a agonia e que muitas affecções cerebraes podem deter- minal-a. Idênticas ponderações se deve fazer em re- lação ao esphincter pupillar, que se apresenta paralysado ou em que se torna impossivel o exame em muitos estados compativeis com a vida, taes a hydrocephalia, a meningite, o envenenamento pela belladona, a cegueira, etc. A paraíysia simultânea das esphincters épois um signal de morte de algum valor, mas que não preenche a todas as condições necessárias para que se o considere um signal certo. Ainda dependentes da cessação da vida mus- cular, têm sido propostos como signaes seguros de morte a dynamoscopia e o desapparecimento do ruido muscular. A applicação do ouvido sobre os musculos produz um ruido rumor do rolar de uma carruagem longiqua, entremeiado por um brusco ruido de scentelha, como o chamam, por comparação com o que se produz nas scentelhas electricas. Conhecido por Grimaldi, Roger, Wallaston, Laennec, Breth Collongues, têm sido propostos para verifical-o 27 .•sthetoscopios especiaes. Collongues propõe a introducção do dedo do supposto morto no ou- vido do observador. O valor deste signal seria enorme se não fosse a difficuldade absoluta de verifical-o com precisão, não já o profano, mas até o medico que não só precisaria de uma educação especial, demorada, como também poderia confundir com a do examinado a própria dynamoscopia, como diz Tourdes. A importância que se liga á contractilidade muscular deve ser lembrada. Para verificar sua existência recommenda-se pôr a descoberto um musculo com uma pequena incisão e applipando um polo da pilha, collo- ca-se o outro polo sobre a columna vertebral ou parte circumvisinha, ou então mergulha-se no mesmo musculo duas agulhas postas em commu- nicação com os fios do apparelho de inducção. Dos múltiplos estudos que sobre o assumpto se tem feito conclue-se que, faltando, a morte é real, mas que a reciproca não é absolutamente ver- dadeira. Os partos, a a ejaculação, a micção post mortem, as experiencias de Vulpian encontrando excitável o diaphragma de um cão 75 horas depois da morte, as observações de Robin que viu movimentos complexos e intensos do grande peitoral, do biceps, do brachial an- terior, etc., em suppliciados, o facto do minimo de sobrevida muscular que se dá nas affecções 28 chronicas, nos estados pathologicos acompa- nhados de infiltração sorosa, nos intoxicados pelo oxydo de carbono e pelo hydrogenio sul- furado, ser de hora e meia, e o máximo, nas affecções agudas, de 27 horas, sendo a média de 8 a 20 horas, mostram a quantos erros esta- ria sujeito o pratico e especialmente o profano se nelle quizesse firmar o diagnostico da morte real. De todos os signaes narrados, nenhum preenche as condições indicadas, em geral os de facil observação não são certos e os outros, para observat-os, é preciso o emprego de meios incompativeis com a ígnorancia do vulgo. Já a phrase vulgar em que se encontra todo o resumo de uma doutrina animista, defi- nindo a morte pelo ultimo suspiro, nos mostra a importância que se dá commummente á parada do movimento respiratório. Evidentemente tem um certo fundamento scientiffco tal sentir. A parada prolongada, duradoura da respiração é incompativel com a vida e, quando em um periodo relativamente pro- longado de silencio respiratório torna a vida a manifestar se deve inferir que a funcção respi- ratória persistia, embora reduzida, em forma su- perficial e mal apreciável, mas proporcional á limitação e á diminuição da vida circulatória. Desde que é impossivelprecisar-se se se trata de reducção gradual ou de parada completa e 29 definitiva dos actos respiratórios, conclue-se que são supremamente fallazes os methodos de dia- gnostico da morte real que se baseiam na veri- ficação das funcções respiratórias. Em verdade basta enunciar os expedientes propostos, para convencer de sua inanidade. A parte a auscul- tação, que pode não revelar a presença do ruido vesicular pela sua extrema fraqueza quando a vida existe, tem se proposto a applicação de um espelho ou de uma superficie metallica polida á bocca ou aos orificios nasaes, no intuito de ve- rificar-se se eirtbaça, a suspensão de objectos leves ante as narinas, a aproximação de uma chamma, a collocação. de um vaso cheio na circumferencia basal do thorax anterior e muito outros meios semelhantes. Nenhum destes processos tem valor, uns por- que quando a respiração estiver reduzida a seu minimo, não a revelarão, outros porque poderiam fazer confundir a expiração do observador com a supposta respiração do cadaver, e, finalmente, todos porque a contracção post-mortem do dia- phragma determina evacuações gazosas que se podem tomar por phenomenos expiratorios. Não é também pratico o emprego dos tubos pneumatoscopicos que consistem na applicação de um tubo capillar em cotovêllo, com um indiçe corado, de uma extrema sensibilidade, segundo os cálculos de Icard, pois um tubo de millimetro 6 30 de diâmetro com a respiração reduzida ao mí- nimo de um centímetro cubico daria um desloca- mento do índice de 5g centímetros, criticavel, como os processos antecedentes, pelas mesmas razões. Seria também perder precioso tempo lem- brar tentativas puramente theoricas, exigindo um material technico enorme, como as que se referem a determinar no ar expirado a relação da quantidade de oxygenio e anhydrido car- bónico* Pode-se Concluir que dos phenomenos re- ferentes á parada da respiração nenhum meio ha para o diagnostico da morte, não querendo dizer que não sirvam ao medico como meios pu- ramente auxiliares. Que a funcção circulatória se possa sus- pender completamente é inegável. Além dos factos clínicos que o demonstram, :áhi estão as experiencias realisadas, mediante a do nervo vago. Mas na pratica se é inexacto dizer com Bouchul, Andral e outros que quando a funcção cessar ;por 2 a 5 minutos se pode affirmar a rea- lidade da morte, é também infundado sustentar que a actividade do coração pode voltar inteira- mente e depois de muitas horas de parado. As observações que se esforçam por provai-o são Iodas mal verificadas. 31 Icard em seu magnifico trabalho sobre A morte real e a morte apparente, demora-se longamente em demonstrar que a parada demo- rada da circulação é incompativel com a vida. Se a auscultação der resultados negativos, só se está autorisado a concluir que faltam ao coração a energia e as circumstancias determi- nantes do phenomeno sonoro ,ou que se estas existem são insufficientes para o produzir, de sorte que se transmitiam ao exterior, mas nunca a negar toda e qualquer actividade do musculo cardiaco. A existência de phenomenos circula- tórios pode ser verificada ou pelo exame do movi- mento propulsor do coração ou do elemento hy- draulico circulatório propriamente dito. A verificação da parada dos movimentos cardiacos não deve ser feita só pela inspecção, pela palpação (thoracica ou sub-xyphoidéa) que presuppõem intensidade de revoluções cardiacas, taes que não existem quando o orgão apresentar enfraquecimento funccional de alguma impor- tância, nem tão pouco pela auscultação, que alem de ter as mesmas causas de erro está sujeita ás variações de ordem subjectiva, á acuidade audi- tiva individual e aos erros que podem produzir rumores què se venham projectar na esphera auditiva numa auscultação prolongada. A um outro grupo pertencem meios que alem de, em geral, insufficientes, são perigosos 32 e pouco práticos. Tal a akidopeirastlca de Mi- ddeldorf, designação espectaculosa que se refere a uma cardiopunctura, feita por uma agulha de aço ou de platina finíssima de io centímetros de extensão, tendo na extremidade livre uma bandeirola e que se deve fixar ao musculo car- díaco no 5° espaço intercostal, na visinhança do sterno. Este processo, que nem todos os médicos terão coragem de empregar, não deve ser nunca tentado por indivíduos profanos na arte medica. O exame da circulação pelo pulso é o mais fallivel dos signaes, porque a ausência do pulso é compatível com a existência dos movimentos cardíacos e pode ser observados em certas car- diopathias, em certos estados asphyxicos, como desde Galeno se sabe, alem da facilidade com que se enganariam pessoas inhabilitadas. Outros meios como a mensuração repetida de uma grande artéria, além de perigosos só po- dem ser usados por medico e competente. Mais segura seria certamente a abertura das artérias, arteriotomia, mas a contractilidade destes vasos pode, mesmo antes da parada do coração, pro- pulsionar o sangue para os capillares e apresen- tar-se vasios. Porém não fosse essa causa e a de poder existir ainda um filete sanguíneo quando a circulação já cessou, como demonstrou Le- gallois, a arteriotomia, meio-altamente perigoso, não se deve aconselhar. A phlebotomia, em- 33 bora menos perigosa, é ainda menos acceitavel pelos resultados incertos e contradictorios que dá. Entre os meios perigosos estão a introdu- cção do um stylete pelas veias jugulares e ou- tros semelhantes. As provas que se fundam na vacuidade dos capillares, como a applicação de véntosas scha- rificadas que podem dar resultado, em virtude da circulação post-mortem (Brouardel) a inter- posição de obstáculos á circulação de retorno, {ligaduras dos membros, dedos, etc.), o emprego «de rubefacientes mecânicos, pharmacologicos, a applicação de sangue-sugas, não são também signaes de certeza. Muitos dos signaes devidos ás modificações da circulação são fornecidos pelo exame do olho. Entre elles estão a queda da tensão dos globos oculares, a tela cornea e a queda do epi- thelio pupillares, que não são bons signaes de morte, porque não só podem faltar, como são relativamente muito tardios e podem existir em individuos ainda capazes de voltar á vida; o desapparecimento da transparência dos meios do olho, tão bem estudado por Eegrand e que se verifica pelo desapparecimento gradual das tres imagens de Purkinje que se produzem quando se colloca uma vela accesa deante do olho, meio que nem a todos tem dado resultados, da va- cuidade da artéria central da retina examinada ao 34 ophtalmoscopio, falso porque uma embolia deter- mina caracteres idênticos e impossível se torna observal-a quando desapparece a transparência dos meios oculares e principalmente pouco pra- tico porque exige noções especiaes; identicamente o descoramento do fundo do olho examinado ao ophtalmocospio, a interrupção gasosa do sangue nas veias retinianas; as dobras corneas, etnfim todos os signaes fornecidos pelo exame do globo do olho são preciosos, mas exigem em geral pra- tica ophtalmoscopica, tornando-se impossível o seu emprego quando falta a transparência do orgam. Destaco a mancha esclerotica de Larcher. i 7 tida por muitos como signal certo, entre os si- gnaes immediatos de morte. A respeito de seu valor, ha controvérsias, mas não ha duvida que, devida a um simples deseccamento e adelgaça- mento circumscripto da esclerotica, atravéz da qual se vê o pigmento coroidiano, é frequente porém não é constante, podendo existir desde a agonia e desapparecendo quando phenomenos da putrefacção apparecem. O fácies cadavérico (fácies hyppocratico), que se encontra na physionomia de tantos vivos e a que razoavelmente se applica o dizer dos an- tigos «fronte nulla fides», o descoramento dos tegumentos, difficilmente observável nas raças coradas, a coloração amarella da planta dos pés 35 e da palma da mão, a falta de transparência de certas regiões do corpo, donde provieram os si- gnaes do exame da orelha, da mão atravéz da luz, signaes incertos, variaveis não merecem senão uma citação passageira, como elementos para julgar da dificuldade do problema. Tem-se também procurado encontrar provas da existência ou parada da circulação pelo em- prego do calor e de cáusticos chimicos. No pri- meiro caso estão a agua fervendo, o lacre, a re- sina, os oleos quentes, etc., o martello de Mayor que desenvolvem phlyctenas cheias de serosi- dade, com um debrum roseo, uma aureola in- flammatoria no vivo. Signal valioso, pratico, fa- lha entretanto algumas vezes como nos indiví- duos velhos, emmagrecidos por uma longa mo- léstia chronica em que se produzem phenome- nos idênticos aos da morte, alem de que Leuret, Mangendie, Ghampouillon observaram e conse- guiram produzir em cadaveres phenomenos com- paráveis aos que se dão nos vivos, taes como a apparição de bolhas sorosas, aureola inflamma- toria que os podiam levar a confundir com os produzidos no vivo. Recentemente Otis, conti- nuando as experiencias de Martinot, apresen- tou uma nova prova firmado justamente nos ca- racteres das phlyctenas e no seu modo de for- mação propondo o emprego da chamma de uma vela que vem lécher a superfície do corpo: 36 quando a morte for real formar-se-á uma ampola gazosa que se romperá produzindo um ruído ca~ racteristico. Falhas também são as provas da coloração da eschara, precoce e vermelha escura no vivo e amarella e tardia no morto., pela applicação da potassa caustica (Peyroud), da coloração rosea ou violeta da peite no morto, rubra inflammada e erythematosa pela applicação' do perazotato de mercúrio (Deschamps), da mancha rubra erysi- pelatoide no vivo e suja no morto. Têm alem disto o grande defeito de não terem sido estuda- das com o necessário cuidado e com real critério scientifico. A vesicação pela cantharida e pela electricidade, morosa, tardia, ás vezes deixa de apparecer em indivíduos refractarios (Icard). Diz Morache que até o presente não ha senão um signal certo de morte baseado na pa- rada da circulação, todos os mais são de possi- bilidade ou de probabilidade, aquelle é o de Seve- rino Icard. Icard fundado em que a parada demorada da circulação é incompatível com a vida e que a absorpção subcutânea existe em quanto ha cir- culação, pensou em diagnosticar a morte appa- rente pela demonstração a distancia no corpo, de uma substancia injectada subcutaneamente ou mesmo no interior das veias. As substancias escolhidas foram a fluoresceina, os ioduretos, 37 o ferro cyanureto de sodio e de potássio e algu- mas substancias voláteis que se eliminam pela superfície cutanea ou pulmonar, e que sendo so- lúveis, não se encontram no organismo, nem em estado normal ou accidentalmente, não são causticas nem toxicas, sendo facil reconhecer-se a sua presença nas menores doses. Destas a mais importante é sem duvida a prova da fluoresceina. Esta prova consiste na injecção subcutânea ou intravenosa de uma solução titulada de fluo- resceina : i Fluoresceina io grs. Carbonato de sodio ... i5 grs. Agua distillada 5o centg. A fluoresceina de um poder corante enorme, pois um milligrammo basta para corar 45 litros de agua, absorvida e levada pela circulação vae impregnar os tegumentos, os meios do olho, a urina e o sangue. A dose necessária da fluoresceina para a experiencia efficaz, arbitra Icard, baseado em sua longa experiencia, em 1 milligramma por kilo de animal, donde 60 centigramas, con- stituírem a média a injectar, podendo-se porém ultrapassal-a e injectar-se até mais, tendo pro- vado as múltiplas experiencias que realisou a inocuidade absoluta da fluoresceina, até 2 gram- mas, não havendo perigo em excedel-a. Este processo de real valor está longe de ser, como 38 affirmou seu autor, um processo ideal: primeiro porque é pouco pratico, não pode ser feito senão por pessoa habilitada; segundo, porque a sub- stancia não é commummente encontrada. Para o exame das outras matérias taes como os ioduretos, os ferro cyanuretos e po- tássio, saes de lithio (salycilato, bromureto e iodureto), difficuldades apparecem porque o pro- cesso se complica pela necessidade de reactivos especiaes (agua chlorada, ácidos sulfurico e azo- tico, sufureto de carbono, sal ferrico, etc., etc.) e mesmo de apparelhos especiaes, como o espe- ctroscopio para as pesquizas dos saes de lithio q em verdade nenhum delles vale o da fluores- ceina. Impõe-se pois a conclusão que nenhum dos phenomenos immediatos que rapidamente in- diquei, possue os caracteres de certesa, inno- cuidade e accessibilidade que deve possuir um bom signal da morte real. Os phenomenos consecutivos, que são si- gnaes tardios, mas positivos de morte, podem-se grupar em phenomenos dependentes da evapo- ração cutanea, da ausência da thermogenese, da parada da circulação e finalmente a rigidez ca- davérica. O' pergaminhamento da pelle do cadaver devido á evaporação cutanea, tem sido citado como prova infallivel da morte. Molland acon- 39 selhou friccionar-se porções da pelle, durante um minuto, com um panno ou uma escova, abre- viando o apparecimento dophenomeno. Bouchut critica-o porque se o não encontra nos corpos dos individuos gordos ou edematosos e nos corpos das creanças. O resfriamento do corpo, que se produz1 logo após a morte, pela tendencia ao equilibrio com a temperatura exterior, tem constituido até um dos meios de diagnostico do tempo de morte. A marcha e o gráo deste resfriamento depende de diversos factores, entre os quaes se apontam como principaes o genero de morte, a obesidade, a idade, o estado de digestão recente, e final e principalmente a differença entre a temperatura ambiente e a do corpo. Bouchut fez sobre o as- sumpto estudo o mais completo que se pode ima- ginar e de milhares de observações, concluiu que nas temperaturas ambientes de + a 4- 15 gráos centígrados em 24 horas depois da morte a tem- peratura axilar abaixa-se de 20o a 25°, isto é, o°,8 a i°, por hora, e nas 24 horas que se seguem a 12 horas da morte, a temperatura axillar desce apenas de o°,3 a 5o por hora. O thermometro de Nasse, abiondeiktys de Van Hugel e o necro- metro de Bouchut são todos apparelhos pro- postos para complicar o problema, destinado a resolver o que se consegue, com um bom ther- mometro de máximo (Icard). 40 Mas qual a temperatura que se deve tomar como prova certa de morte? Bouchut fixou o o° de seu necrometro a 20o centígrados, mas Le Bon suppõe que a temperatura de 24® centígra- dos, é ja incompatível com a vida. Laborde e Bourneville citaram observações em que a temperatura rectal desceu até 24a e das múlti- plas verificações que a respeito se fizerám a mais baixa temperatura encontrada, mesmo na febre perniciosa algida foi a de 21o,8 rectal. Ha entretanto uma objecção seria, mesmo pondo á margem o ser tardio o signal, é a dependencia de temperatura exterior. Gomo o confessa o proprio Bouchut, nas primeiras 60 horas que succedem á morte a temperatura do corpo é sempre 4® a 6® su- perior á temperatura exterior, só mais tarde é que as temperaturas se equilibram e que nas estufas e nos aposentos superaquecidos o resfria- mento não só é entravado como pode dar logar mesmo ao aquecimento. E que valor tem tal pro- cesso entre nós em que a temperatura é no verão de 27o, 28o, 29® centígrados á sombra, especial- mente nos quartos e nas salas fechadas? E1 pois um signal falho. Os orgãos circulatórios formam um systema de tubos conductores de um liquido mantido em pressão pela impulsão myocardica e pela contractilidade arterial, cessado o elemento pro- pulsor cardíaco e o coefficiente do tonus vascular 41 permanecendo a mesma a massa sanguínea, esta., mão enchendo todos os canaes, pois a massa li- quida não é igual á capacidade da canalisação, procura o equilíbrio, como um liquido em vasos communicantes, obedecendo unicamente ás leis -do peso, sendo que a desproporção entre o con- tinente e o conteúdo vae aos poucos se aggra- vando porque os vasos, elásticos, se dilatam e certa porção do elemento liquido embebe os te- cidos limitrophes. E porque o impulso cardíaco desapparece com a morte, com ella desapparece a coloração levemente rosea, a transparência da pelle do vivo para dar logar á coloração parda, baça, cerea, quasi poderia dizer opaca, em que pouco e pouco se vão destacando nas porções em declive manchas violaceas. E1 que o sangue des- cendo para as regiões mais baixas do cadaver, cora-as intensamente, emquanto as oppostas permanecem descoradas. Tal accumulo de sangue constitue a hypos- tase, a coloração a que dá logar ê o livor mortis. Nenhum valor tem a pallidez da pelle que depende da espessura, da diffusão do pigmento e pode ser alterada quando ha suffusão «ictérica, em certas cachexias, etc., podendo o indivíduo vivo ser mais pallido que o morto. E nas raças coradas, menos valor tem este signal que se manifesta apenas por ligeira nu- ance, difficil de distinguir. 42 As hypostases paparecem em geral 6 horas; depois da morte; podem apparecer 3 horas de- pois, mas também ha casas em que nenhum signal havia delia. Ciscumstancías diversas po- dem retardar o seu apparecimento, mas a sim- ples consideração de que ao espirito pouco fa- míliarisado com a observação deste phenomeno, uma mancha hypostatica pode-se confundir com uma echymose, como diz Rrouardel, e que prin- cípalmente nos indivíduos de cor, mestiços es- curos que constituem uma grande parte de nossa população, se torna diffícil de verificar, mesmo pelo medico, em vista do pigmento impedir o re- sahimento da coloração víolacea, bastam para convencer que jamais poderia servir como um signal vulgar de morte. Brouardel ainda diz que estas manchas podem se apresentar nos chole- ricos, nos uremicos, etc. Agora a rigidez cadavérica. Se delia pudesse dizer quanto devia, longas seriam estas linhas, mórmente se quízesse me definir na discussão de consideral-a em suas causas, como modalidade especial do poder dos musculos (Bouchut), como o ultimo esforço vital do musculo que morre -'Bordas) ou contracção muscular posthuma, dependente da actívidade nervosa ou unicamente muscular, ou fibra mus- cular endurecida pelo excesso de productos de desassimilação que se não eliminaram, ou mesmo 43 como phenomeno precursor da putrefacção, ou «devido finalmente á secreção dos microorganis- imos que invadem a massa muscular depois da morte. Iniciada em geral na face e no péscoço e dahi propagando-se ao resto do corpo, variavel tio tempo do apparecimento, de desappareci- mento, podendo até faltar, pode-se dizer que é o signal que níenos elementos seguros apresenta no diagnostico da morte. Quanto ao spasmo cadavérico tem sido um dos factores da duvida popular, na realidade da morte. Idênticas considerações se applicariam ã pelle auserina, produzida pela rigidez dos arre- ctorius pillorum. Concluindo, que já vae muito longa esta re- senha e pondo de parte signaes de nenhum va- lor, difficeis de verificar, falliveis, como o odor sui generis dos cadaveres, negado por tantos, a existência de um fácies cadavérico, a não oxy- dação das agulhas de aço mergulhadas nos te- cidos, tão perigosa quanto incerta, difficeis de ser usados pelo vulgo, o suor frio, o augmento de peso, o alongamento do corpo, a verificação da reacção acida e depois alcalina proposta por Ambard e Brissemond e alguns outros de menor importância, pode-se perguntar qual destes se deve aconselhar como signal vulgar de morte? Nenhum, concluo sem vacillações, porque 44 nenhum e ao mesmo tempo signal certo, infatlí- vel, exclusivo, precoce (tanto quanto é possivel)r inofjensivo para o- supposto morto e verificável facilmente sem exigir apparelhos especiaes ou: noções que só se encontram nos médicos. O s-abio professor Brouardel conclue: «ha muitos signaes excellentes, mas que só permi- ttem ao medico, a quem deve ser exclusivamente entregue o diagnostico da morte real». Raros são os autores que creem na certeza absoluta dos signaes de morte e estes se baseiam apenas no pensamento de Lancisi de que a opinião da incerteza dos signaes de morte é muito injuriosa para ser verdadeira. O mesmo se não dá com os phenomenos transformativos. «Resta um ultimo signal que permitte a affir- mação», diz Morache: «a observação secular dos povos o consagrou, é muitas vezes lento para pro- duzir-se, mas quando se manifesta, duvida al- guma poderia persistir sobre a realidade do fallecimento. Este signal definitivo é a putre- facção ». «E’ o menos discutível dos sígnaes, diz La- cassagne, «é a caracteristica da morte». Desde a mais remota antiguidade se sabe 45 que o único meio infallivel de distinguir a morte, era a putrefacção e dahi o cuidado de só aban- donar o corpo á inhumação ou á cremação quando a decomposição cadavérica se apresentava clara- mente. Tres dias guardavam os hebreus os cor- pos dos seus mortos; os persas só deites se afas- tavam quando o odor da putrefacção era enorme; no Egypto se os guardavam por 4 dias; em Roma até o 11o dia depois da morte. A putrefacção é um grande capitulo da fer- mentação; é uma fermentação pútrida de indole complexa, na qual coexistem, pode-se dizer, todos os phenomenos de decomposição, de oxy- dação, de reducção, de hydratação, etc., que se verifica pela acção de cada fermento sobre de- terminadas substancias. E’ a mineralisação do aggregado orgânico, o fim a que chegam qs múltiplos processos que a caracterisam. A massa organica na qual a putrefacção se estabelece é por sua própria estructura muito fermentescivel, em virtude da grande quantidade de substancias azotadas, especialmente proteicas, que nella domina. E1 sobre esse conjuncto de matérias orgâ- nicas que os fermentos exercem a sua acção, dando origem aos mais variados productos. Os fermentos que dominam na fermentação pútrida são os fermentos organisados, embora 8 46 mão se possa affirmar se os fermentos solúveis intervêm ou não nos seus phenomenos. Cessadas as condições de vitalidade que protegem os elementos cellulares expostos, os microorganismos existentes no meio, quer pura- mente exterior, quer nas vias digestivas e respi- ratórias, invadem as provincias organicas e o tra- balho de destruição putrefactiva começa. Pondo de lado a questão da fixidez da flora intestinal, dominada pelo bacterium colie o papel do vibrião séptico estudado por Duclaux, na flora fluctuante ou eventual, deve-se reconhecer nas bactérias que povoam o canal intestinal, as pro- priedades desassociativas complexas, decaracter proteulytico, amylolitico, etc. Já mesmo quando a nutrição local se attenua em virtude da moléstia ou na hyposthenia ago- nica, os elementos microbianos, em virtude da nulla resistenciacomeçam o seu trabalho invasor. E1 naturalmente naquelles pontos em que um maior numero delles se accumula que a putre- facção se inicia. E1 pois pelo intestino que a putrefacção começa. Os germens que penetram são primeira- mente anaeróbios obrigatorios ou facultativos, mas as condições do seu proprio trama orgânico não podendo assimilar os elementos constitu- intes do organismo tal qual elles existem, fazem com que esses organismos produzam diastases 47 que agindo sobre a matéria organica a solubitise de sorte que quando a putrefacção empolga o organismo, liquefaz-se a matéria organica ao mesmo tempo que elementos gazosos se libertam e é esse o caracter objectivo mais frisante do phenomeno. ET então o momento opportuno para a invasão activa dos microbios do ambiente que já se vão insinuando pelas regiões a que che- gava oxygeneo. Quaes e quando os elementos microbianos invadem o cada-ver mal se tem podido estabe- lecer e devemos perder a esperança de estabe- lecer a chronologia da putrefacção de accordo com a predominância de alguma especie de bactéria em determinado, momento da morte dadas as condições intrinsecas e extrinsecas que acompanham o phenomeno. Em summa, a putrefacção, iniciada pela flora intestinal anaeróbia, é succedida e exhaltada pela flora ambiente. De todos os tecidos orgânicos, um se salienta pela rapidez com que nelle se es- tabelece a putrefacção: é o sangue. Ao lado das variações quanto ao local de inicio, devido ao modo de morte (submersão ou estados pathologicos anteriores), não se deve es- quecer que, se se comprehende que a pelle posta em contacto com um maior numero de elemen- tos microbianos, em virtude de suas melho- res condições de protecção epidérmica resista 48 longo tempo a putrefacção, custa a entender como no tecido pulmonar em que penetram os microorganismos, existentes em abundancia nas cavidades buccal nasal pharingea, se demoram e evoluem lentamente taes phenomenos. E1 possivel que a falta de um signal obje- ctivo precoce tivesse feito com que os observa- dores não attendessem ao estudo comparativo, entre o apparecimento da putrefacção no intes- tino e no pulmão. Pelo menos theoricamente, creio que ainda que a putrefacção intestinal seja anterior á putre- facção das vias respiratórias, não é porém muito tardia. Por consequência, a meu ver, depois da putrefacção intestinal vem a putrefacção das vias respiratórias superiores e inferiores, sendo ahi notável como mostra Carrara, desde o seu inicio o seu desenvolvimento de gazes. Estas razões conduzem a pensar que do exame dos orgãos respiratórios se poderia tirar um signal precoce da putrefacção. Mas quaes os signaes objectivos do pro- cesso putrefactivo? Do ponto de vista pratico o processo putre- factivo pode ser dividido em quatro periodos: i.° o de mancha verde; 2.0, de desenvolvimento ga- zoso; 3o, de fusão pútrida; 4.0, de reducção es- queletica. Esta disposição é puramente esche- matica e estes diferentes periodos não se limi-- 49 iam. claramente, se misturam e fundem insensi- velmente, especialmente no que diz respeito ã mancha verde que quando apparece já o desen- volvimento de gazes notável se deu. Geralmente é na região abdominal, na re- gião correspondente á zona ileo-cecal que se manifesta uma coloração a principio verde clara a qual vae successivamente se tornando mais intensa. E1 que o processo putrefactivo instal- lou-se; antes porém que esse phenomeno exterior se manifeste já o trabalho fermentativo iniciado desde o começo da morte, produziu emanações gazosas que podem, confessam os melhores observadores, induzir já então ao conhecimento de phenomenos da putrefacção. A mancha verde abdominal attribuida a principio á chlorophyla, devido ao desenvolvi- mento vegetal e depois dos trabalhos de Roki- tanski e Hoppe Seyler é devida a combinações sulfurosas (provavelmente hydrogeneo sulfurado) com o pigmento sanguíneo. Ora esse hydro- geneo sulfurado que se liberta para produzil-a da molécula dos albuminoides se desprende an- tes que ella se produza, de sorte que se possível fosse verificar a presença de tal corpo por meios indiscutíveis, ter-se-ia uma prova muito mais precoce que ella. Alguns autores têm tentado inutilisal-a como meio de diagnostico de morte, mas ao meu ver 50 só se lhe pode citar inconvenientes porque ella se manifesta em geral da 14a hora ao 20*' dia depois da morte, pelo que é tardia e é difi- cilmente verificável nos índividuos de cor e nos eadaveres vestidos. Provadas assim as inconveniências que pode apresentar a verificação da morte pela mancha verde, só restaria esperar que o desenvolvimento gazoso se produzindo convencesse aos olfactos menos exigentes da realidade dos phenomenosr mas é cousa que não soffre duvidas que esperar que a putrefacção attinja esse gráo de desen- volvimento é altamente nocivo para os circums- tantes mesmo em condições locaes as mais hy- gienicas, o que absotutamente não existe entre nós Não me demorarei em citar a opinião una- nime dos hygienistas, clamando contra tal de- mora de um corpo em putrefacção num meio • habitado, porque não só não permitte a feição deste esboço de propaganda, como porque se- diço é o conhecimento dos perigos de contami- nação e principalmente da acção toxica dos pro- ductos da putrefacção, que quando nada enfra- quecem a resistência organica. Restava pois apenas tentar-se o emprego de meios que viessem revelar a putrefacção senão em seu inicio mas ainda cedo, indo ao encontro delia. 51 Taes meios de verificar precocemente a pu- trefacção podem ser atém da observação desar- mada, a microscopia e a chimica; aquella reve- lando os processos de desorganisação cellular que se dão desde que a morte do tecido se manifesta; a segunda revelando a existência de gazes caracteristicos da putrefacção por meios de reactivos appropriados. O emprego do microscopio além de apresentar difficuldades múltiplas, seria meio pouco pratico, por inaces- sível sobre ser demorado, carecer de innumera- veis manobras previas, de fixações, endureci- mento, cortes, colorações, etc. que só podem ser convenientemente realisados por quem possua uma instrucção appropriada, adquirida na fre- quência demorada dos laboratorios. Restava a chimica mas esta só se poderia -empregar, se ficasse provado que productos da putrefacção havia que se não encontram nos in- divíduos vivos, ese encontrasse um reactivo con- veniente para elles, que reunisse as qualidades de manejavel por qualquer a de facilmente en- contravel. Foram estas as questões que S. Icard resol- veu com o processo da reacção sulphydrica, si- gnal precoce da putrefacção. Os principaes productos que os chimicos têm isolado da putrefacção se podem distribuir em vários grupos, mineraes e orgânicos. Ácidos 52 gordurosos(formico acético, propionico butyrícar etc.), oleicos, crotonicos, etc., oxyacidos, (gly- colico, lácteo, oxalyco, succinico, leucinico, etc.., ácidos amidados glycocolla. leucina, amides, glu- tina, etc. corpos aromáticos phenoes, para cre-~ sol, indol, scatol propeptonas, peptonas, ptomai- nas têm sido descriptos e estudados. Dominam porém os saes ammoniacos especialmente o sul- fureto e os gazes: hydrogeneo livre, ammoniaco, methana, etc. entre elles sobresahindo o hydro- geneo sulfurado. O processo que Icard adoptou depois de longas e demoradas pesquizas a que se entregou, consiste em procurar a presença de gazes da putrefacção na arvore respiratória empregando para isso, saes metaltícos ou laminas que dêem reacções coradas. Pareceu-me conveniente apresentar o pro- cesso como resumo das palavras em que o con- densou o seu illustre autor em artigo publicado nos Annaes de Hygíene Publique et de Mede- cine Legale, de Outubro de 1906. O reactivo para revelar a presença dos gazes sulfurados, é o papel de chumbo, isto é, papel branco ordinário, embebido em uma solução de acetato neutro de chumbo (extracto de Saturno); este papel reactivo pode ser empregado no es- tado secco ou húmido. A reacção produz sulfureto de chumbo cuja 53 coloração negra, tão nitidamente caracteristíca, varia desde a cor de café com leite até a colo- ração negro intensa de reflexo metallico e obser- vável pela pessoa mais ignorante. O papel reactivo, cortado em fita rectangu- lar de 4 a 5 centimetros de largura, será fixado sobre uma haste rigida (fio de ferro, alfinete, haste de madeira, etc.), a qual perfurará o papel em vários pontos mantendo-o destendido. Este pequeno apparelho será introduzido em uma das fossas nasaes do supposto morto na profun- didade de 5 a 6 centimetros, de maneira a des- apparecer completamente, ficando a extremidade da haste apenas fora da narina. Um outro pe- queno pedaço de papel reactivo poderá ser applicado no exterior em contacto com a outra narina simplesmente deposto sob a abertura nasal, ou melhor fixado com o auxilio de um alfinete se introduzindo obliquarqente na aza do nariz, de que este papel será de alguma sorte a continuação fazendo aboboda e se recurvando sobre a abertura nasal deante da qual elle flu- cturá a maneira de um véo. Assim no momento em que a reacção se manifestar poder-se-á ve- rifical-a sem que seja necessário pegar no papel, apenas levantando a extremidade livre; além de que o liquido avermelhado escumoso que as vezes se escoa pelo nariz do cadaver, sahirá livremente sem sujar o papel reactivo. A re- 9 54 acção se produzindo algumas horas depois da morte não ha urgência em fazer applicação immediata. O papel pode ser substituido por um pe- daço de fio ou lamina de cobre ou de prata, que se introduzirá na fossa nasal: uma moeda de 5 cents. (entre nós uma moeda de 20 ou de 10 réis areiada), uma moeda de 5o cents. ou um franco, (entre nós de 5oo rs. ou de 1000 rs. ou mesmo uma de 2000 rs. havendo falta absoluta de outra) que se depositará sob a narina, convém admira- velmente a esse fim. A moeda será mantida por um gancho cujos dous ramos introduzidos na fossa nasal immobilisados pelo seu afastamento e cuja extremidade romba servirá de supporte á moeda, que também poderá ser simplesmente posta sob a abertura nasal sem auxilio de appa- relho. Ter-se-á cuidado prévio de areiar os me- taes completamente, de sorte que fiquem des- embaraçados de todos os traços de substancia gordurosa, permittindo assim aos gazes sulfu- rados de os atacar mais facilmente. A prata, como o papel de sob a influencia dos gazes sulfurados, torna-se negra mas de um ne- gro menos pronunciado, um cinzento anegrado (sulfureto de prata); o cobre toma uma coloração negro avermelhada, com reflexos irisados (sul- fureto de cobre); dir-se-á que esses metaes pas- 55 saram peio fogo. Estas duas reacções são muita sensíveis e muito nítidas; preferível comtudo e a reacção do acetato neutro de chumbo, por causa da coloração negra intensa que a caracterisa e cuja verificação se impõe aos olhos dos menos observadores. Ha, finalmente, um meio excessivamente simples de tornar ainda mais nítida e mais rapi- damente evidente a reacção dos gazes sulfurados sobre a prata e o cobre e sobretudo sobre o pa- pel de chumbo, que é não fazer agir os gazes sul- furados senão sobre uma parte do papel ou da moeda, a outra ficando inatacada para servir de termo de comparação. Para isto no uso do papel em logar de o mergulhar na solução de extracto de Saturno e de o embeber completamente, contentar-se-á, com o auxilio de uma haste ou mesmo de uma penna mergulhada na solução de chumbo, em traçar, sobre uma ou sobre as duas superfícies, caracteres quaesquer, uma inscripção, um signal, uma figura, um desenho, etc. e no caso de uma moeda, cobrir-se-á uma parte da superfície ex- posta aos gazes com um pedaço de papel qual- quer: poder-se-á servir nesta occasião de um pedaço de papel cortado do bordo engommado de um envelope. Os gazes sulfurados da putrefacção só agi- rão sobre a parte do papel embebida de sal de 56 chumbo e sobre a superfície da moeda tornada livre. Os caracteres, as inscripções, as figuras, o desenho, traçados sobre o papel, sobresahirão nitidamente da brancura do papel não impre- gnado de sal de chumbo. Sobre a moeda, a rea- cção torna-se-á também muito clara pela dife- rença de coloração que existirá entre as duas partes da superfície metalica: a porção livre estará negra acinzentada se se empregou uma moeda de prata; negra avermelhada se se empregou uma moeda de cobre, emquanto que a parte prote- gida, desembaraçada do papel que a cobre, apresentará coloração brilhante própria do metal. Quando se empregar o papel de acetato de chumbo, poder-se-á observar a reação sulphy- drica desde as primeiras manifestações ligeira coloração acinzentada, já bastante sensível para fazer apparecer os signaes traçados sobre o papel. Mesmo quando o papel reactivo estiver manchado em vários logares por mucosidades nasaes, este meiopermitte ainda distinguir com a maior facilidade e sem a possibilidade de erro, a coloração dareacção sulphydrica das diferentes coloroções mais ou menos similares resultantes de uma maculação accidental do papel; no pri- meiro caso com efeito, teremos caracteres, si- gnaes, figuras, correspondendo a uma ideia; no segundo caso só teremos uma mancha informe. 57 Assim o menos instruído poderá ter aprova da realidade da morte observando a apparição espontânea de uma inscripção ou de um desenho sobre o papel que no momento de sua applicação •estava completamente branco. Em summa esta maneira de proceder, que é das mais simples, affasta toda causa de erro e impede o observador, mesmo o mais desattento, de se confundir no signal caracteristico da re- acção sulphydrica! O fundamento theorico do processo é o des- envolvimento de gazes sulfurados em toda super- fície cias vias aereas e que se escapam, graças á ventilação estabelecida espontaneamente no ca- daver, especialmente no momentb da putrefacção, devida á differença de temperatura e pressão produzida pelo desenvolvimento de gazes no abdómen e no thorax. Assim o ar interior mais aquecido tende a libertar-se saturado de gazes .sulfurados. Fechada a bocca cio morto, a columna de gazes sulfurados irá de encontro ao obstáculo « entrará em contacto demorado com elle pro- duzindo a coloração caracteristica. A intensidade delia variará com o a humidade, a natureza da moléstia, o genero de morte, a idade cio indivíduo, etc. Destes é o calor que representa principal papel; no verão e nos paizes quentes, a reacção poderá se mani- festar vinte, quinze horas depois cia morte e até 58 antes.; no inverno e nos paizes frios, será pre- ciso esperar por ma is tempo, segundo o rigor da estação, mais ou menos modificado pela tempe- ratura da camara mortuaria. «Ordinariamente, por uma temperatura medl'a, a reacção se pro- duzirá no fim do primeiro dia, ou pelo menos no começo do segundo dia depois da morte». (Icard). Finatmente conclue Icard que basta que o signal de morte real, tirado da manifestação desta reacção, se mostre sempre muito antes da apparição da mancha verde abdominal, vários dias antes do cadaver tornar-se conta- minavel: não havendo pois nenhum inconveni- ente em guardar o cadaver até á apparição da reacção por mais tardia que possa ser esta. Este signal nunca apparece na morte appa- rente, provam as constantes experiencias de Icard. A1 objecção de que existe hydrogeneo sulfu- rado nos gazes normaes da expiração, admittida por alguns autores, respondeu Icard com as ex- periências seguintes: Em um boccal de vidro, mantido revirado e suspenso, foi introduzido um cobayo, cujos membros posteriores são reti- dos no gargalo do boccal e repousam sobre uma grelha adaptada á abertura: o ar expi- rado se acha necessariamente em contacto com o papel reactivo fixado no boccal ao nivel 59 da cabeça do animal. Como a respiração do cobayo se fazia difficilmente atravez do gargalo, e como, de outro lado, os productos da expira- ção não eram sufficientemente expulsos, ó co- bayo se asphyxiava lentamente, e a morte so- brevinha mais ou menos depois de 24 horas do começo da experiencia, sem que a reacção se produzisse, mas desde que a putrefacção se estabelecia, 0 papel reactivo começava a en- negrecer. Experiências idênticas foram feitas em di- versos animaes, sendo o resultado sempre egual ao precedente. No homem também foram feitas observa- ções com 0 papel reactivo collocado em uma boquilha, o qual embora o ar que por ahi pas- sasse fosse em muito maior quantidade do que aquelle que pode escapar nos casos de morte apparente, permanecendo durante varias horas por dia e assim durante i5 dias na bocca do individuo em experiencia, não soffreu a menor modificação. Em individuos doenfes de escarlatina, rheu- matismo, variola, pneumonia, grippe, etc. foram feitas experiencias com o papel, que 01a era collocado em contacto com o corpo, ora sim- plesmente por entre as roupas do doente e do leito; os resultados foram sempre negativos. Objecções se apresentaram referentes ápos- 60 síbitidade de se produzir a reacção nos indiví- duos de hálito e transpirações fétidas, provado- como está impossibilidade da producção da re- acção nas condições normaes. As alterações do hálito s-ão devidas a causas locaes ou geraes e afastadas. Os princípios odorantes podem vir do interior do corpo por via sanguinea (provavel- mente o odor do pús na infecção purulenta, no ultimo periodo da gangrena, febre puerpe- ral, febre typhica, etc.) Por este processo provavelmente, o hálito pode ter o odor urinoso ou ammoniacal nas pes- soas idosas que tenham perturbações da mi- cção, pode simular o das macerações anato- micas nos abcessos do fígado e outros orgãos da cavidade abdominal, e pode ter o odor fecal na occlusão intestinal. Icard conseguiu demonstrar que nos can- cros do seio nos casos de gangrena e em summa nos casos idênticos aos que acabo de assignalar, a fetidez do hálito não produzia a reacção ca- racteristica. Nos casos de fetidez do hálito devida a causas locaes em que o ar do pulmão traz o cheiro das exhalações bronchiaes, pulmonares, laryngeas, pharyngéas, buccaes, nasaes, ou as re- cebe por via esophagiana, nos casos como na dys- pepsia acida em que o hálito é insupportavel, na ozena, na gangrena pulmonar, na dilatação bron- 61 chica com bronchorrea, especialmente na bron- chite fétida, etc., se a analyse chimica minuciosa revelou a presença de gazes sulphydricos, o que nem todos admittem, attribuindo o máo cheiro, conforme os casos, á methylamina, ao acido bu- tyrico, acido acético, — não se produz absoluta- mente a reacção, como observou Icard em todos os casos semelhantes que se lhe apresentaram, fixando sobre a abertura nasal, com collodio, um pequeno pedaço de papel reactivo, durante dias. Uma outra causa de erro é a de pessoas cuja transpiração ennegrece os objectos de prata que trazem em contacto. Nesses casos mesmo prolongado durante duas semanas o uso do pa- pel ao pescoço em forma de medalhão ou dentro de uma saccola de panno nunca a reacção se' produziu com a nitidez capaz de tornar legíveis os caracteres traçados no papel. N Esta objecção, ao meu ver, não tem grande valor porque o papel não é collocado em con- tacto com a pelle, mas dissimulado nas fossas nasaes e a quantidade de hydrogeneo sulfu- rado que podem reter as roupas molhadas de suor será minima e por consequência incapaz de produzir a reacção, diluida ainda como fica no ar ambiente, tendo as experiencias de Icard pro- vado que esta diluição é sufficiente para im- pedir o phenomeno. Para corroborar o que affirmo resumo uma 62 observação caracteristica feita em um cadaver cerca de 20 horas depois da morte. Os gazes pulmonares ofjereciam uma reaçção sulphy- drica muito activa: o cadaver se achava" em um local muito estreito, medindo apenas alguns me- tros cúbicos, sem que nenhuma abertura permi- ttisse a ventilação e entretanto, 10 horas depois da primeira verificação da reacção sulphydrica, se bem que a atmosphera não tivesse sido reno- vada, o papel deposto sobre as vestes não apre- sentava nenhuma coloração negra. Restava a possibilidade de emanações ga- zozas provenientes do individuo ou de suas rou- pas illuctirem o observador, mas a fetidez de certas feridas gangrenosas, cancerosas e outras, não é devida exclusivamente á presença dos ga- zes sulfurados, que podem existir apenas em pe- quena quantidade misturados ás outras subs- tancias voláteis. Icard tentando a experiencia nas gangrenosas e cancerosas nunca observou no papel de chumbo nenhuma apparencia de re- acção. A decomposição da urina que normal- mente não contem sulfuretos não exerce ne- nhuma acçáo sobre os saes de chumbo. O mesmo se dá com as matérias fecaçs. Com o intuito de verificar o affirmado, rea- lisou Icard as seguintes experiencias: em um boccal de vidro e na caixa de zinco que serviu para fazer a experiencia relativa aos gazes da 63 expiração e da transpiração guardou matérias fecaes e urina durante mais de vinte dias: o papel de chumbo não apresentou nenhuma mudança de coloração que pudesse indicar traços de gaz sulfurado. Na applicação pois do processo não ha erro possível, quanto aos gazes emanados da decom- posição da urina ou das fezes. Surge uma nova objecção: não poderão os gazes intestinaes conduzir a erro? Das analyses feitas por Planer e Ruge se deduz que a composição chimica das fezes varia extraordinariamente no mesmo indivíduo, já com o seu poder digestivo, já com a quantidade e qualidade dos alimentos absorvidos. Porem quasi todos os autores cuja affirmação merece fé sustentam a inexistência de gazes sulfurados e os que os têm encontrado é em tão pequena quan- tidade que seria impossível produzir a reacção com nitidez. Planer alimentando um cão exclusi- vamente de carne e matando-o 5 horas depois da ultima refeição, nutrindo um outro só de feijões durante 4 dias e matando-o também 4 horas depois da ultima refeição não encontrou no intestino delgado ou grosso traços de gazes sulfurados. As observações de Ruge de accordo com os regimens alimentares revelam a presença de hy- drogeneo sulfurado é verdade., mas sempre em pequena quantidade. 64 Paul Bert diz que em todo caso a producção deste gaz á insignificante e variavel e que uma pessoa que havia ingerido 8 grrns. de leite de enxofre nella apenas tinha verificado de o,oo5 % de hydrogeneo sulfurado. Em sutnma tudo nos faz acreditar que a quantidade de hydrogeneo sulfurado que pro- vém do intestino não dá logar á reacçâo como verifica Icard, sujeitando pedaços de papel ao contacto directo desses gazes. Mas admitta-se a producção de certa quantidade de hydrogeneo sulfurado, nem por isso perderá de valor o pro- cesso que defendo, porque o papel não é collo- cado no anus ou em suas proximidades e caso pudesse chegar as narinas em que ella está de- ve-se comprehehder que a diluição no ar ambi- ente seria bastante para impedir-lhe a acção, por- quanto para que a reacção se produzisse era pre- ciso uma tal quantidade de gazes projectados pelo anus só compativeis com phenomenos de intensa putrefacção. Em summa creio que se pode concluir com Icard que não ha risco de confusão da morte apparente com a real, empregando-se essa rea- cção, porque se no vivo em plena vitalidade e mesmo nos estados pathologicos intensos não se produz quantidade capaz de simular reacção, quanto mais na morte apparente em que as fun- cções estão enfraquecidas, attenuadas, annulla- 65 dos quasi, em que a ventilação pulmonar se re- duz a seu minimo e em que finalmente a transpi- ração e as secreções desapparecem. Nem poderão os gazes produzidos influenciar o papel pela sua pequena quantidade. Mas, em seguida a um tratamento sulfuroso, não poderia haver confusão ? Admitta-se a possibilidade, attendendo a que se pode fazer absorver grande quantidade de compostos sulfurados. Nesses casos como nos em que se fez experimentalmente absorve- rem animaes hydrogeneo sulfurado, é notável o facto delle desapparecer logo da torrente cir- culatória e a facilidade com que este gaz se eli- mina por via pulmonar, de sorte que no indi- viduo em estado de morte apparente é natural que a eliminação já se tivesse dado. Mas admittida ainda esta coincidência im- pertinente, basta que a verificação seja feita cedo para que o erro desappareça, porque nos vivos os gazes já existentes reagirão logo, ao passo que no morto só depois de um certo numero de ho- ras apparecerá. Tudo nos autorisa a concluir que a não ser a preoccupação antiscientifica de fazer de nugas pseudo-objecções, o processo da reacção sul- phydrica tem reaes bases scientificas e debaixo do ponto de vista theorico nenhuma objecção se lhe pode fazer. 66 Além disso o acetato de chumbo existe'em. / toda parte pelo seu uso na pratica caseira. E na falta delle quem não terá uma moeda de prata ou de cobre nova ou velha que se pode asseiar com. um pouco de sabão e um fragmento de limão? Não quiz fazer minhas as conclusões do autor do processo sem que tentasse verifical-as tanto quanto me era possivel. Não conseguindo realisar a verificação com- pleta, julguei que não era mao trazer o que pude tirar do esforço que empreguei. OBSERVAÇÕES POSITIVAS I .a A. C., branco, com 26 annos de idade, sol- teiro, victimado por tuberculose pulmonar na enfermaria de S. Vicente do Hospital Santa Iza- bel, em 2 de Outubro deste anno, ás 12 horas da noite. O processo de Icard (reacção sulphydrica) foi por mim praticado ás 8 horas da manhã do dia 3 do mesmo mez. O papel reactivo foi applicado nas duas na- rinas e depois de 20 minutos a reacção era nitida, lendo-se claramente no referido papel a seguinte inscripção: cadaver. Não havia mancha verde abdominal. 67 Tempo que medeiou entre a morte e a rea cção: 8 horas e 20 minutos. Pressão barométrica 762,2 Temperatura á sombra 25,8 Humidade'relativa 78,0 %- 2.® I. M. S., pardo, com 53 annos de idade, sol- teiro, victimado por uma pleuresia, na enfer- maria de S. Vicente, no dia 4 de Outubro ás 2 horas da madrugada. O processo da reacção sulphydrica de Icard foi por mim praticado ás 8 horas da manhã do mesmo dia. O papel reactivo só revelou a formação dos gazes sulphydricos ás 10 horas da manhã desse dia. Não se distinguiam hypostases, a rigidez, nenhum outro signal era observado. Tempo que medeiou entre a morte e a rea- cção: 8 horas. Pressão barométrica 765, i.° Humidade relativa 73,9 % Temperatura á sombra 24,9. 3.a O. P., pardo, com 44 annos de idade, sol- teiro, victimado por uma lesão cardiaca na en- 68 fermaria de S. José, ás 11 horas da noite do dia 29 de Setembro. Pratiquei o processo da reacção sutphy- drica ás 8 horas da manhã do dia seguinte e só obtive reacção positiva ás 10 horas e q5 minutos. Nessa occasião nenhum signal de putrefa- cção ainda se manifestava; havia rigidez de urn modo incompleto. Tempo que medeiou entre a morte e a rea- cção: 11 h. e q5. Pressão barométrica 765,1 Temperatura á sombra 25, 3.° * Humidade relativa 11,0 %. 4-a B. M., branca, com 35 annos.de idade, sol- teira, victimada pela syphilis, na enfermaria de Santa Maria, no dia 4 de Outubro, ás 9 horas da noite. Pratiquei o processo da reacção sulphy- drica ás 8 horas da manhã do dia seguinte e só obtive reacção positiva ás 9 horas da manhã. Até a essa hora o cadaver não apresentava nenhum signal de putrefacção. Tempo que medeiou entre a morte e a rea- cção: 12 horas.- Pressão barométrica 765, i.° Temperatura á sombra 24,9 Humidade relativa 73, 9 °/0. 69 5. a J. J., creoulo, com 26 annos de idade, sol- teiro, victimado por tuberculose pulmonar, na enfermaria de S. Vicente, no dia i.° de Outubro, ás 8 horas da noite. O processo da reacção sulphydrica foi appli- cado ás 8 horas e i5 minutos da manhã do dia seguinte e sómente ás 8 horas e 4b minutos obtive a reacção positiva. Nesse cadaver mal se distinguiam ligeiras hypostases; a rigidez era manifesta. Tempo que medeiou entre a morte e a rea- cção: 12 horas e 40 minutos. Pressão barométrica 762,2 Temperatura á sombra 25,3 Humidade relativa 84, 2%. t 6. a S. M., escuro, com 3o annos de idade, sot- teiro, victimado por syphilis, no dia 16 de Se- tembro ás 9 horas da noite. Pratiquei o mesmo processo acima ás 9 ho- ras da manhã do dia seguinte e 10 minutos de- pois obtive reacção positiva. A rigidez cadavérica era o unico signal obser- vado. Tempo que medeiou entre a morte e a rea- cção: 12 horas e 10 minutos. 11 70 Pressão barométrica 765,3 Temperatura á sombra 25,5 Humidade relativa 67,0 °/0. 1- ■ M. A., parda, com 28 annos de idade, sol- teira, victimada por uma pleuresia dupla, na en- fermaria de Santa Anna, no dia 18 de Setembro, ás 7 horas da noite. O mesmo processo pratiquei ás 8 horas e 10 minutos da manhã do dia seguinte e só se deu a reacção sulphydrica ás 8 horas e 55 minutos, isto é, q5 minutos depois da applicação do processo. Tempo que medeiou entre a morte e a rea- cção: i3 horas e 55 minutos. 8.“ F. S., pardo, solteiro, com 36 annos de idade, victimado por uma hemorrhagia cerebral, na en- fermaria de S. Luiz, no dia 24 de Agosto, ás 6 horas da tarde. Applicando o referido processo ás 8 horas da manhã do dia seguinte só obtive a reacção positiva ás 10 horas da manhã do mesmo dia. Tempo que medeiou entre a morte e a rea- cção: 16 horas. Pressão atmospherica 767,7 Temperatura á sombra 24,1 Humidade relativa 81.0 °/0. 71 9-a F. J., creoula, com 25 annos de idade, sol- teira, victimada por diversos traumatismos, na enfermaria de Santa Maria, no dia 26 de Agosto, ás 5 horas da tarde. O processo foi applicado ás 8 horas e 1/4 da manhã do dia immediato e só ás 9 1/2 horas da mesma manhã obtive a reacção positiva. Tempo que medeiou entre a morte e a rea- cção: 16 e 1/2 horas. Pressão barométrica 766,9 Temperatura á sombra 23, 5.° Humidade relativa 82, 2 °/0. 10a C. P.,creoulo, com 29 annos de idade, ca- sado, victimado por cachexia palustre na enfer- maria de S. Vicente do Hospital Santa Izabel, no dia ro de Outubro deste anno, ás 2 horas da tarde. O processo de Icard foi por mim applicado nas duas narinas ás 10 horas da manhã do dia seguinte e a reacção foi positiva e immediata. Além destas realisamos mais 7 observações feitas, com igual cuidado, mas cujos resultados foram negativos em virtude da retirada dos cor- pos antes de haver tempo de se produzir a reacção. 72 Resumimos aqui o tempo que duraram: I—até 7 horas depois da morte ÍI— » » » » » » III— » 6 » » » » IV— » 6 » » » » V— » 5 » » » » VI » 2 » )) )) )) Como estas, outras observações fizemos de resultados completamente negativos, em que o tempo entre a morte e-. a remoção do corpo foi de 5 ou inferior a 5 horas. ★ ♦ * Das observações que acabo de relatar e que dei por extenso para augmentar as provas da sua veracidade, posso tirar, acredito, um certo numero de contusões. Uma critica desde já espero: é que servin- do-me aqui do methodo estatístico, não me baseio em um grande numero de observações. São em verdade poucas as minhas observa- ções positivas, mas acredito que qualquer no curto praso de que pude dispor as encontrando não trepidaria em affirmar as conclusões que tirei. Quanto ás observações negativas, foram con- servadas com o intuito de, embora aproximada- mente, determinarmos o prazo minimo de produ- cção da reacção sulphydrica. Não consegui fa- 73 sel-o como desejava, mas supponho que delias algumas conclusões se podem tirar. As minhas observações em numero de 16, das quaes io positivas e 6 negativas, foram feitas de 24 de Agosto a 23 de Outubro e realisadas sem- pre em presença de collegas, internos no hospi- tal, que fizeram a gentileza de me auxiliar nestes trabalhos. Não dispondo de meios que assegurassem o inteiro successo de todas as experiencias, tive de me sujeitar ás exigências dos regulamen- tos hospitalares, dos hábitos detestáveis da inhumação precipitada dos corpos dos indivi- duos fallecidos no Hospital Santa Izabele, final- mente, ás necessidades do serviço docente que obriga a remessa diaria dos cadaveres indispen- sáveis aos trabalhos anatómicos e a consequente injecção conservadora precoce. Alem disso sujeito ao regimen do ensino obrigatorio, nem sempre me era possivel per- manecer até á tarde no Hospital e assim muitas observações tive de abandonar por não me ser possivel ultimal-as. Todas as experiencias foram feitas com os corpos depositados no necrotério do hospital, sala ventillada, estando em geral vestidos e de- postos, ora nas mezas de autopsia, ora nos cai- xões murtuarios. As condicções pois são as em que commummente se encontram os cadaveres. 74 Empreguei sempre o papel reactivo que era por mim mesmo preparado, sendo introdu- zido nas narinas por meio de uma haste metal- lica, como o fio de arame, ou um pequeno fra- gmento de fibra de piassava, etc. Sempre que me foi possivel pratiquei a occlusão da bocca por meio de uma certa quan- tidade de algodão. Depostos os papeis eram cuidadosa e vigi- lantemente examinados até que a reacção se pro- duzia, ou era o corpo removido para logar onde não podia continuar a observação.. Dou em seguida um quadro succinto do tempo que medeiou entre a morte e a producção da reacção. I—Obs. 8 hs. e 20 m. II— 8 hs. III— 11 hs. e 45 m. IV— 12 hs. V—12 hs. e 40 m. VI—12 hs. e 10 m. VII—13 hs. e 55 m. VIII—16 hs. IX— 16 hs. e 3o m. X— 16 hs. e 3o m. O tempo minimo em que se produziu a rea- cção foi o de 8 horas (obs. 2) e o máximo de 16 h. e 1/2, sendo que na ultima observação o tempo que medeiou entre a morte e o processo 75 foi superior a 16 horas', mas a reacção foi ím- mediata (obs. io). Na sua maioria porém a reacção se produ- ziu entre 11 e 12 1/2 horas depois da morte. Comparados esses resultados com os das observações negativas, creio poder affirmar que a reacção nunca se produz antes de 7 horas. E’ possível que a localisação, como a natu- reza do mal que determinou a morte tenha in- fluencia sobre o tempo de apparecimento do signal, sendo provável que as lesões do appa- relho respiratório e das primeiras porções do apparelho digestivo accelerando a putrefacção dos tecidos dessas regiões apressem o appare- cimento desse signal. Nada, porém, a respeito, posso dizer com o que colhi de minhas observações. Quanto á influencia da temperatura, ele- mento decisivo na evolução dos processos fer- mentativos que caracterisam a putrefacção, nada também posso dizer, attento a que as minhas experiencias foram feitas em prazo muito curto. Um facto porém claramente resultou do que observei e deu extraordinária força ás minhas convicções a respeito: é que jamais encon- trei em nenhum dos casos observados indícios quaesquer de putrefacção, sendo que sempre procurei, com resultado negativo, a existência da mancha verde abdominal, signaes fornecidos pelo exame do olho, etc. 76 Assim, pois, posso affirmar que a não ser que quizesse ficar somente no conjuncto de caracteres de probabilidade, em nenhum dos casos poder- se-ia com segurança fazer sem auxilio da rea- cção sulphydrica o diagnostico da morte real. Icard prevendo objecções que poderiam ser feitas ao seu processo, instituiu um certo numero de experiencias com o intuito de respondel-as e das quaes procurei reproduzir algumas. Que a reacção se produz em todos os casos em que a morte é real e que nos animaes, (os cobayos, coelhos, gatos e cães) normalmente no ar expirado não se contém nenhum principio ca- paz de determinal-a, provam as experiencias que nesse particular realisou e teve a gentileza de me communicar a meu pedido o illustrado pro- fessor Dr. Oscar Freire de Carvalho, que em cerca de 40 animaes que têm servido ás suas experiencias encontrou a reacção, bem como nos fragmentos de carne muscular, de pulmão, de figado, etc., antes de qualquer odor de putre- facção se manifestar evidente, já eram positivos os dados da reacção sulphydrica. Outrosim, tomando um cobayo e collocando-o sub uma pequena campanula de vidro, de ca- beça para cima, de sorte que as fossas nasaes estivessem em contacto com o papel reactivo, collocado no fundo do vaso e mantendo-o assim até a completa asphyxia, nunca notou o illus- 77 trado professor, nas repetidas experiencias que fez com este intuito, o apparecimento da reacção sulphydrica nessas condições. Por minha vez procurei verificar se os gazes abdominaes são capazes de produzil-a. Para isso tomei fragmentos de papeis rea- ctivos embebidos de acetato neutro de chumbo, que eram collocados, por differentes pessoas que se prestaram á experiencia, de sorte que re- cebessem a projecção directa dos gazes intesti- naes. Em nenhum dos casos, mesmo após a per- manência por 24 horas, encontrei o menor ves- tigio de reacção. Não pude infelizmente examinar se a rea- cção se produz nos casos de fetidez do hálito, devido a fermentações buccaes e outras e a cau- sas pathologicas differentes; não encontrei nin- guém nas condições necessárias que se qui- zesse prestar a esses experimentos; assim tam- bém nos casos de feridas cancerosas, gangre- nas e outras. Para verificar se a urina e as fezes que podem existir em torno de um individuo a exa- minar se decompondo produzem gazes, capazes de impressionar o papel reactivo, depositei em 2 vasos, em cuja bocca foi collocado o papel reactivo, uma certa quantidade de matéria fecal e urina que abandonei á putrefacção. 12 78 Apezar de demorar a experiencia por 6 dias não encontrei absolutamente nem vestígios da reacção. Taes foram as verificações pessoaes que pude fazer. Terminando, é licito perguntar: Haverá vantagens praticas na adopção do processo entre nós? Será elle susceptivel de adaptação ao nosso meio? O processo da reacção sulphydrica de Icard vem, ao meu ver, preencher uma grande lacuna entre nós em que a verificação do obito, apezar de todos os regulamentos sanitários, é, e será rainda muito tempo, uma utopia. O habito pernicioso e condemnavel dos attes- tados de obitos dados na ausência, e a praxe condemnavel de se verificar o obito por simples inspecção, empregando quando muito a prova do espelho, não são circumstancias capazes de levar o socego ao espirito. Com o processo de Icard se terá um meio facil, que impedirá sempre a inhumação precoce usada e permittida. As verificações que pude fazer não com- pletam o cyclo de experiencias e observações indispensáveis para a conclusão do meu estudo. Mas do que vi creio que se pode já alguma cousa 79 concluir com as reservas que impõe o amor á verdade. Peço pois aos que me vão julgar que não deem ás minhas palavras o valor e a extensão que eu mesmo não me animei a lhes dar, disposto como estou a modificar minhas opiniões aqui expressas, desde que novos factos e novas expe- riências mostrem-me que ellas são erradas. Conclusões: 1. Nenhum dos signaes negativos de vida immediatos e positivos, consecutivos de morte pode servir de base a um processo vulgar de reconhecimento, porque os que são caracteris- ticos da morte e exclusivos delia ou são peri- gosos ou não são práticos. 2. Não é pratico esperar que a convicção do vulgo na realidade da morte se faça pelo con- juncto de provas. 3.° O unico signal valioso e accessivel a qualquer é o apparecimento da putrefacção. 4. A mancha verde não pode servir por- que é tardia e pode induzir á confusão. 5. Esperar que a putrefacção se intensifique é condemnavel do ponto de vista hygienico. 6. A reacção sulphydrica de Icard é um signal precoce da putrefacção. 7.0 A reacção sulphydrica de Icard se dá em todos os casos de morte reat. 8.° A reacção sulphydrica de Icard só se dá nos casos de morte real. 80 ç>.° Manifesta-se entre nós em media da 8* a 12 horas depois da morte, não sendo possivel até o presente, pela falta de meios, verificar o prazo máximo em que se produz. 10. E1 um signal verificável por qualquer e será acceito por todo mundo, desde que se ex- plique o seu valor. 11. Quando o signal se produz, a perma- nência do corpo não é nociva aos circumstantes. Emfim o signal de Icard é simples, pratico, innocuo, infallivel e sua vulgarisação não apre- senta difficuldade. Queira Deus disto se compenetrem as auto- ridades e que nesta campanha não sejam estas linhas a expressão de um esforço e de uma boa vontade perdidos. O conhecimento da existência de um signal praticável por qualquer e que evite os pavorosos sofjrimentos de accordar no tumulo trará o so- cego e a confiança a tantos espiritos, que não creio que haja coração bom, intelligencia bem formada que não acompanhe a batalha cujo pri- meiro esforço quiz o acaso que fosse meu. E se alguém lendo estas linhas chegar a uma convi- cção e tirar delias algum proveito, estarei far- tamente compensado. . ..faciant meliora potentes. PROPOSIÇÕES ANATOMIA DESCRIPTIVA I 0 triceps brachial é um musculo da região postqrior do braço. II 0 triceps crural ó um musculo collocado nas partes anterior, interna e externa da coxa. III Triceps é um musculo que termina por tres feixes distinctos. ANATOMIA MEDICO-CIRURGICA I 0 desenvolvimento maior ou menor do triceps dâ á região brachial posterior conformações diversas. II Essas conformações são tanto mais apreciáveis quanto maior for a contracção desse musculo. III As lesões da articulação do cotovelo alteram a con- formação da região brachial posterior, pelo atrophia immediata do triceps. 82 HISTOLOGIA Os musculos da vida animal são formados de fibras estriadas. n O coração ó o único musculo da vida organica que tem fibras estriadas. III Os musculos lisos são compostos de fibro-cellulas. BACTERIOLOGIA , i 0 cadaver é um meio de cultura de um grande nu- mero de micróbios» II Os vibriões se desenvolvem em grande quantidade nos tecidos mortos. III Os bacillos putrificus coli entram no numero dos trabalhadores da morte. ANATOMIA E PHYSIOLOGIA PATHOLOGICAS I 0 papilloma ó um tumor constituido pelo tecido normal das papillas augmentado de volume e com induração. II Um tumor qualquer pode apresentar aspecto papillar. 83 . III Embora possam ter esse aspecto comtudo não são papillomas. PHYSIOLOGIA I O leite ó um liquido de secreção. II A absorpção dos principios alimentares se dá em .toda a extensão do intestino delgado. III A digestão tem o seu inicio na cavidade buccal. THERAPEUTICA I 0 regimen lacteo-vegetariano occupa um logar sali- ente na therapeutica da arterio-sclerose. II A theobromina ou santlieose devem ser sempre pre- feríveis á agurina e á diuretina. III A agua pelas suas qualidades physico-chimicas ó um excellente diurético. MEDICINA LEGAL E TOXICOLOGIA I No diagnostico do tempo da morte, o apparecimento da rigidez é um meio seguro de que se pode servir o perito. 84 II 0 gráo de putrefacção ó o elemento básico desses- diagnósticos. III 0 apparecimento de bactérias Mo fornece nenhum dado para esse diagnostico. HYGIENE I Nos utensilios culinários, a prata é um metal re~ commendavel. II Basta que estes utensilios sejam apenas revestidos desse metal em sua parte interior. III 0 aluminio substitue com vantagem o ferro e a prata nesses utensilios. PATHOLOGIA CIRÚRGICA I As inflammações do musculo psoas são participadas pelo musculo illiaco. II Toda suppuração faz suppor uma infecção. III A infecção do tecido cellular sobrevem de diffe- rentes maneiras segundo os casos. 85 OPERAÇÕES E APPARELHOS I A tlioracotomia é uma operação empregada no gnostico da morte. II A rhinoplastia é uma operação autoplastiea empre- gada com resultado feliz. III As operações autoplasticas dão geralmente melhor resultado que as lieteroplasticas. clinica cirúrgica (i.a cadeira) I As hérnias podem ser acompanhadas de adherencias e inflammações á distancia. II A cura espontânea da hérnia fetal ó commum. III Nunca se deve abandonar uma hérnia por menor que seja, em vista de circumstancias graves poderem se manifestar. clinica cirúrgica (2.® cadeira) I A mobilidade anormal de um membro e a crepi- tação do osso correspondente bastam para o diagnos- tico das fracturas. 86 II Para a reducção das luxações ha methodos brandos e de força. III A pressão directa ó um methodo brando para o tratamento da luxação.. PATHOLOGIA MEDICA / * I A hypertensão vascular é observada nas cardiopa- thias arteriaes. II A hypotensão é quasi observada somente nas car- Aiopathias valvulares. III A hypertensão é uma causa de sclerose. CLINICA PROPEDÊUTICA I A auscultação é um meio de que se serve o clinico para o diagnostico das moléstias do apparelho res- piratório. II Este meio também é empregado nas moléstias do apparelho respiratório. III Os raios X servem de meio de verificação dos aneu- rysmas incipientes. 87 clinica medica (i .* cadeira) I Não ha nenhum meio de distinguir em certos casos as polynevrites beribericas das palustres. II Essa circumstancia também se apresenta entre aquel- Ias © as toxicas. III Er difficil o diagnostico differencial entre as poly- nevrites infectuosas. clinica medica (2.a cadeira) I A tuberculose é uma moléstia infectuosa, cujo agente directo é o bacillo de Koch. II A dyspnéa é um dos symptomas da ankylostomiase III 0 exame das fezes é a pedra de toque no diagnos- tico da ankylostomiase. HISTORIA NATURAL MEDICA I A entomologia presta grandes serviços á hygiene*, hoje que se sabe que grande numero de insectos são vehiculos de moléstias. II 0 germen do paludismo só penetra no corpo hu- mano por intermédio dos mosquitos. 88 III Ha insectos que são nocivos por productos irritan- tes que secretam. MATÉRIA MEDICA, PHARMACOLOGIA E ARTE DE FORMULAR I 0 medico deve receitar de maneira a não associar medicamentos cujo resultado seja toxico. II 0 mesmo deve ter com relação ás matérias, ou asso- ciações explosivas. III 0 pliarmaceutico deve modificar a forma de uma medicação, para que esta seja agradavel, sem comtudo addiccionar substancias activas. CHIMICA MEDICA I 0 oxygenio entra na constituição da agua. II 0 oxygenio entra na composição de quasi todos os compostos orgânicos. III O oxigénio é um gaz combustivel. obstetrícia I A dilatação do eollo uterino ordinariamente se efíectua lentamente. 89 II A menstruação pode dar-se durante o período da gravidez. III Essa. facto nem sempre ó consequência de uma causa pathologica. CLINICA OBSTÉTRICA E GYNECOLOGICA I Saber esperar é uma das virtudes da pericia de um parteiro. II Saber intervir é uma outra não menos importante. III A morte do feto é uma razão para intervenção. CLINICA PEDRIATICA I A má alimentação das creanças é uma causa fre- quente das enterites que se lhes observa ordinariamente. II v O leite deve ser a unica alimentação nos primeiros mezes de uma creança. III Nos primeiros dias da vida de uma creança observa- se algumas vezes a persistência do buraco de Botai. CLINICA OPHTALMOLOGICA 1 ' As poeiras são a causa mais coramum das conjun- ctivites. 90 II As conjunctivites podem, ser sépticas e' aseptícasv III A conjunctiviteblenorrhogicafaz parte do 1.* grupo.. CLINICA DERMATHOLOGICA E SYPHILIGRAPHICA \ I O acarus scabiei é o responsável pela sarna, II 0 responsável pela syphilis é o triponema pallida, III 0 bubão é uma das manifestações da syphiles, CLINICA PSYCHIATRICA E DE MOLÉSTIAS NERVOSAS I As hemiplegias são geralmente devidas a congestões ou a derramamentos cerebraes. II As amyotrophias acompanhadas de paresias podem ser devidas a arthrites. III Ha manifestações hystericas que se podem confundir com a epilepsia. --ç£/eeíe/ama t/a Q/aca/c/at/e t/e t/a (/$a//a, 9/ t/e &aâiÁe t/ /90J* © cSecteiaAÁo- ///= Qt/Zemmt/a t/â Q/tieò Qj/Zeút/eâ,