THESE DE Joaquim lenira Caídas aE^a jjjp^1 lpj® ApresBtflada á FACULDADE DE MEDICINA DÁ BAHIA EM 31 DE OUTUBRO DE 1910 POR Jfaaamm QsweteÀa éja/c/aJ Natural de Pernambuco * Filho legitimo do Bacharel Augusto Ce/ar Pereira Caídas e 1). Izabel Maria Moreira Caídas AFIM DE OBTER O GRAU DE DISSERTAÇÃO Cadeira de Medicina Legal Da Etio-Pathogenesia da Criminalidade PROPOSIÇÕES Tres sobre cada uma das cadeiras do curso de sciencias medicas e cirúrgicas BAHIA IMPRENSA NOVA 57, Corpo Santo, 57 1910 FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA Director — Dr. Augusto Cezar Vianna Vice-Director—Dr. Manoel José de Arau.io LENTES CATHED li ÁTICOS Os Drs. Matérias que leccionam 1 ,a Secção José Carneiro de Campos ..... . Anatomia descriptiva. Carlos de .Freitas Anatomia medico-cirurgiea. 2. a Secção Antonio Pacifico Pereira Histologia. Augusto Xezar Vianna ...... Bacteriologia. Guilherme Pereira Rebelfo .... Anatomia e Physiologia pathologicas, 3. a Secção Manoel José de Araújo Physiologia. José E, Freire de Carvalho Filho . . Therapeutica. 4. a Secção Josino Correia Cotias ...... Medicina legal e toxícologra, Luiz Anselmo da Fonseca Hygiene. 5. a Secção Antonino Baptista dos Anjos .... Pathojogia cirúrgica. Fortunat.o Augusto da Silva Júnior . Operações e Apparelhos. Antonio Pacheco Mendes ..... Clinica cirúrgica l.a cadeira. Braz Hermenegildo do Amaral . . . Clinica cirúrgica 2.a cadeira.. 6. Secção Aurélio Rodrigues Vianna Pathologia medica Américo Garcez Froes Clinica propedêutica. Anisio Circundes de Carvalho, . . . Clinica medica l.a cadeira. Francisco Braulío Pereira Clinica medica 2.a cadeira 7. a Secção José Olymnio de Azevedo Clinica medica. José Rodrigues da'C'osta Dorea , . . Historia natural medica Á, Victorio de Araújo Falcão .... Matéria medica, Pharmacologia e arte de formular. 8. Secção Deocleciano Piamos Obstetrícia. Climerio Cardoso de Oliveira .... Clinica obstétrica e gynecologica. 9. a Secção Frederico de Castro Kebelto ... . Clinica pediátrica. 10. a Secção Francisco dos Santos Pereira. . . . Clinica ophtaimologica. 11. a Secção Alexandre E. de Castro Cerquei ra . . Clinica dermatológica e syphilrgra- phrca. 12. a Secção Luiz Pinto de Carvalho. ...... Clinica psychiatrica e de moléstia nervosas. João E. de Castro Cerqueira .... ( Sebastião Cardoso. ( Em disponibilidade SUBSTITUTOS Os Drs. Os Drs. José A. de Carvalho . • l- Secção Pedro da Luz Carrascosa) . Conçalo M.S, de Aragão) l}, " José Juiio de Calasans ) ''secção Julio Sérgio Palma . .) ® J. Adeodato de Souza. . 8- » Pedro Luiz Celestino. . 3- » Alfredo F. Magalhães . 9- » Oscar Freire de Carvalho 4- » Clodoaldo de Andrade . 10 » Caio Moura ..... 5‘ » Albino A. da S. Leitão . '11 » Clementino Fraga. .. . 6- » Mario Leal 12 » Secretario — Dr. Menandro dos Reis Meirelles Sub-Secretario — Dr. Matheus Vaz de Oliveira A Faculdade mão approva nem reprova as opiniões exaradas nas theses que lhes são apj esentadas. ipifí ©mí Sob a pressão da urgência ninguém pro- duziu nunca, nem produzirá jamais coisa tjue resista a prova do saber, db gosto é do tempoi Ruv Barbosa, Timidez é receio — apprehensões razoareis, que inves- tiram os nossos ânimos ao emprehender este trabalho como ultima prova da nossa vida académica—determi- nadas pela transcendência e magnititude do assumpto que escolhemos para dissertação da nossa these, explicam as mal delineadas concepções que podemos conseguir de uma prolixa, porém ainda incompleta leitura de escriptos de grandes sábios que terna e lisongeiramente estreitaram-se em nossas mãos$ não deixando deste trabalho insano e fatuo, senão fracos e pallidos reflexos por meio dos quaes chegássemos a comprehender, embora imperfeitamente, a psychologia dessa nnva sciencia que ha meio século in- vade a imaginação dos grandes homens, o ffert ando-lhes um vasto campo de sérios e interessantes estudos. II Entretanto a justiça e a causa de sua apresentação diminuíram os nossos receios. E’ como muito bem diz La Bruyère: «celui qui va remplir un devoir dont il ne peut pas exempter est digne d’excuse dans les fardes quil pourra commettrey>. Traçando-o não tivemos a estulta e bolonia pretenção de emittir idéas pessoaes, contribuindo deste modo para o desenvolvimento de um ponto onde debatem-se celebres mestres e doutos criminalistas; uma única idéa exclusi- vamente nos obrigou a isto: dar cumprimento a prescri- pgão de uma lei absurda, de cuja observância não nos é dado excusar; ao contrario, impõe-nos uma prova evidente e pcdpavel da nossa inhabilidade scientifica e para conferir um diploma que sirva de testemunho de um titulo exige- nos em permuta um trabalho — producto real de uma nul- lidade, obrigando-nos a publicar taes documentos para que estes testifiquem e comprovem o titulo de Doutor cm Medicina. A exeassez do tempo e a prolixidade do assumpto não- nos deram margem a uma concatenação completa e per- feita dos dados necessários para a organisação e estabili- dade deste nosso trabalho que muito embora não adaptado aos moldes estheticos de uma elegante pureza, de estylo se não merecesse generosa e munificentemente a critica dos entendidos no assumpto, poderia, caso houvesse perfeição em seu todo, amplitude vastíssima e comprehensão lúcida em cada uma de suas partes, conseguir daquelles um meigo olhar de benevoiencia e lealdade e dos mestres attrahir um pouco de condescendência,attendendo ao apu- III rado e quasi titânico esforço intellectual que para sua côn- fecção empregamos. Sem adornos scientifcos que a recommendem, despida de todas as vaidades do lyrismo, engolphada na idéa de sua inferioridade litteraria que lhe é natural, envolta nos pobres mantos de sua mizeria intellectual sem possuir a magnificência dos encantos de um atticismo atheniense, ahi tem-na os que por complacência ou mera curiosidade quizerem-na desfolhar. Criminalogia.—Da Etio-Pathogenesia da Criminali- dade— foi o ponto que escolhemos para dissertação da nossa these. A configuração exterior com que se apresentou este assumpto ao fazermos o discernimento do nosso trabalho inaugural, fez-nos crêr na sua facilidade e 110 seu lhano e franco desenvolvimento. Outro, porém, foi 0 nosso modo de pensar ao estudal-o intimamente; quando nos encontramos na enorme con- fusão de idéas algumas vezes inteiramente oppostas, quando viamos obrigados a nos debater nos nefandos enleios de dictames absurdos, sentiamos esmorecerem as nossas forças desfallecer 0 entendimento e f cavamos per- plexos e vacillantes e nesta duvida e hesitação não sabia- mos como resolver este insolito problema. Confiantes, porém, na lealdade e benevolencia dos que nos iam julgar coarctamos e persistimos nas mesmas idéas e infimamente foram plenas e completas as satisfações que experimentamos alfm ao ver a sua consummação. Não fossem 0 interesse e a curiosidade que innega- velmente despertam a leitura de taes cscriptos não con- IV èluiriamos este trabalho pela simples razão de sómente investigal-o sob o ponto de vista medico-legal, parte jus- tamente em que a Criminalogia se resente de desdobra- mentos. Qual o papel do medico em presença de um criminoso ou de sua victima9 Porventura irá descrever os estygmas ou signaes exte- riores de que com tanta altivez e soberania falia o Profes- sor de Turim que pretendeu por meio destes dados descobrir no homem os pensamentos secretos, os sentimentos ínti- mos e as inclinações occultas para poder formar o ver- dadeiro typo do delinquente? Acaso excita-lhe o dever de indagar da persistência destes signaes physieos e anatomo-physiologicos attribui- dos ao criminoso por uma lei de hereditariedade atavis- tica, creada pela imaginação philosophica de Lombroso? Não; e menos que não seja por uma curiosidade de sociologo. 0 medico quer como representante da justiça, quer como enviado da Sciencia Medica não procura senão observar o estado do criminoso quando perpetrou o delicio, e a lesão, o instrumento que a proferiu e as condições da victima. E assim como o medico cimolda-se ao mesmo estylo, sem preoccupar-se com divagações enigmáticas de Socio- logia, o jurisconsulto que muitas vezes vende a sua con- sciência, compra os seus sentimentos em prol de uma recompensa monetaria quando na advogada pode desfru- ctal-a,ora attenuando o crime commettido, ora comprando' os jurados com uma belleza de rethorica que os faz crer na inculpabilidade do malfeitor, V Resulta disto tudo, a ineffcacia de repressão, produz-sè b augmento da criminalidade, progride a reincidência, do crime faz-se profissão e meio de subsistência e portanto como tal lucrativamente explorada em proveito dos que o defendem e dos que o còmmettem. E aprova disto tudo que affirmamos nós temos em o nosso meio em que o crime se torna o apancigio dos des- graçados que, quando nos hombros lhes pesam as mãos da justiça encontram na prisão todo o conforto, digerindo calma e alegremente sem trabalho as suas refeições á custa do Estado, esperando a sua liberdade próxima, em virtude de uma promessa ou garantia política, emquanto que cida- dãos honestos sentem corroer-lhes a negra fome, vendo alguns destes os seus filhos soffrer as dores e privações, tendo como consequência disto tudo um anniquilamento orgânico. E’ bem conhecida a canção siciliana: fHomo delinquente de LombrosoJ. « E' aqui que eu encontro os irmãos e os amigos, 0 dinheiro, o comer e a pacificação; Lá fóra vivo sempre entre maus inimigos E sob a ameaça atroz de me faltar o pão». Analysar, pois, em uma these, trabalho obrigcitorio, a descripção perspieua e clara de um assumpto que para seu bom entendimento precisava de um desenvolvimento superior, nimio e prolixo, confessamo-nos imbelles e inca- pazes. Synthetisar, porém, concisa e succintamentê o que seja VI o crime e as causas que o determinam, parece-nos um pouco menos difficil. Firmes e estáveis, pois, nesta nossa resolução passemos á descHpção do assumpto, procurando cumprir rigorosa- mente o que acima traçamos. (Saldas. ÍNTKODTJGÇÃO ÀUthropologià criminal.— D que ê o crime.— Theorias sobre a criminalidades Que é a Ànthrapologia Criminal? Quatrefages assim a define: «assim como a áUtliropoíogía geral estuda a historia natural do homem, a zoologia* a his- toria natural dos animaes, e a anthropologia psyehiatrica a historia natural do homem alienado, a anthropologia criminal estuda a historia do homem criminoso, apreciando-o em sua constituição organica e psychica e em sua vida de relação com o meio social e physico». A marcha rapida do processo evolutivo que, em Um pe- ríodo de tempo tão breve, tem seguido esta nova sciencia, alliciou com a graça e o encanto do seu berço a psychologia e a sociologia* enleando-as em uma corrente sympathica de modo a formar dds princípios que as definem o attributo do seu cabedal scicntifico, a base dé seu decisivo desenvolvi- mento. Muito tem-se dito da Criminalogia, porém, maís ainda ha para se definir. Resente-se de uma base, de um principio fundamental que 2 ft determine e eis a razão por que constantemente suscitam-sè‘ duvidas, pairam em nosso espirito a incerteza de alguns dos seus pontos. E’ uma scieneia que analysa os caracteres anormaes, pes- erute os sentimentos pervertidos qUe individualizam e par- ticularizam o moral e o orgânico de todo scelerado. De grande importância e intrínseco valor é este estudo em o nosso meio social. A irradiação de plienomenos moraes pervertidos é tào' ardente e impetuosa que de imprescindível necessidade se faz' esta scieneia que, embora em Via de formação, conjectura pela evolução rapida que tem seguido, em breve alcançar o’ apogeu de seu culto prestando d’este modo em pról nessa sociedade corrupta e gangrenada beneficos resultados, impel- lindo nos que melbor sabem respeitar o direito e a moral de' úm povo, descortinar novos hcrisontes, desvendar novos1 prismas, semeiando em o nosso meio social não o germen do’ odio e da vingança, mas a ordem e a justiça, irmanadas com* a liberdade e a responsabilidade—elementos poderosos sem os quaesnão se pode conceber o sentimento e a harmonia moraes e sociaes. O positivismo de Lombroso qúé naseeu coma ánthropo- fogia criminal, o transcendentaliSmo dos elassicos philoso-' phos, as ideias aventurosas dos meiapbysicos, não são admis- síveis em assiimpto de criminalogia, devem ser banidas por completo. Mas o methodo experimentai de Claude fiem a rd, de Com te' e Spencer, que resultados tào eloquentes e satisfactorios tem dado as sciencias por elles estudadas, é o que devemos adoptar para o estudo de criminalogia, é o que nos manifesta afílní-' 3 idade para este composto orgânico e social a que denomi- namos o moral do homem. Nào devemos limitar os nossos estudos aos delinquentes, como até o seciílo 18 faziam os médicos com os seus doentes, tratando as moléstias como entidaoes abstfactas; nào dando importância ao temperamento, aos antecedentes hereditários Ou pessoaes; á predisposição individual, émfim á etio-patho- genia da moléstia; más a exemplo da Pathologia corrente preoccupando-se com as causas, combatendo os svrnptomus e nào o processo morbido* nós devemos estudar em Criminalogia b criminoso com as suas diversas anomalias nioraés concreti- sondo os elementos, geradores deste acto anti-social com á's suas discrepantes modalidades, 'afim de que possamos efíicaz- mente npplicar uma therapentica social que sirva de repressão universal, instiliiindo*se a prophylaxia deste grande mal quí» tão endeinicámente reina em o nosso meio, "tendo-se em mira a applicaçao da pena, a punição do crime para que esta não seja dada indifierentementé. Diz R. vort lhering: «um direito universal, um direito 'communa á todos os povos éstá mi mesma razão que uma receita universal, umá receita cómmurn a todos oS doentes»» E, assina corno todo o enfermo requer umá tberapeutica espe- cial suggerida, já pelas variações dos phenornenos mórbidas, já pelo grau da lesão, jâ pela gravidade dú processo patliolo* gic.o, attendendo o medico a considerações outras especiaes* como sejam, idade; sexo, profissão, temperamento, constituição organica, etc., etc,, a sociedade exige variações de penas* alterações em sua formação conforme o crime praticado, belecendo d’est’arte a variedade de formas da criminalidade» Como, em qualquer sciencia, todo o principio se define* 4 tejamos qual o conceito que do crime fazem os scientistas modernos. Que é o crime? Muitos eriminaíogistas a exemplo' do Lombroso, estu- dam-no sem definil-o. Outros visam a definição do jurista qUe considera como crime toda a infracção da lei penal. Garofalo diz que toda a oífensa aos sentimentos de pie- dade e probidade constitué um crime. Morasso diz que a dissolução especial d'esse recente pro- ducto social qúe se chama o senso moral é o qtie forma o crime. Tarde vê no crime uma violação de Uma lei, de úrn direito' ou dever. Durckheim diz: «um acto é criminoso quando offende os estados fortes e definidos da consciência colleetiva». Henri Mazel Conclue que todo acto immoral nocivo á socie- dade é úm crime. Hamon constituindo lima base para os seus estudos cri- minalogicòs define por crime «tolo o acto consciente que lesa a liberdade de proceder de um indivíduo da mesma éspecie do autor do aeto». E’ enorme a confusão que os eriminaíogistas estabelecem' quando pretendem definir o crime, e muitos d’elles impugnam' em não fazel-ó, achando inútil, como Ferri que diz: «apres- sar-se a dar definições é um resto dos hábitos metaphysicos»- com que queremos impregnar a anthropologia criminal. A instabilidade da lei penal, a variabilidade dos senti- mentos, a antiguidade do crime não nos insinuam a acceitav 5 como scientificas as definições que pretenderam dar os juristas Garofalo e Morasso. Tarde não se recordou dos costumes antigos dos que consideravam o infanticídio como uma lei, quando definiu o crime corno uma violação do direito. Durekheim e Henri Mazel deixam ver em suas definições que só ha crime quando a sociedade o julga como um acto nociso. Hamon definindo primeiramente o crime julgou como tal qualquer acto que lesasse um indivíduo, isto é, todo corpo organisado que viveu ou vive uma existência própria, como explica a Biologia. Mas, como ficariam incluídos ahi os actos nocivos a vegetaes, e como a mentalidade humana não está ainda purificada para consideral-os como crimes, elle pre- cisou a significação do termo indivíduo que traduz a serie animal. Depois, elle diz: «para que haja crime é preciso que a victimá seja da mesma especie que o agente e aquelle deixa de exis- tir quando os indivíduos agente e objecto são de especies differentes». Assim, diz elle, o homem matando seres inferiores, o tigre devorando o antílope não são criminosos; mas um homem que mata outro, uma formiga ou um tigre que mata outra for- miga ou outro tigre são criminosos. Verdadeira concepção philosophica de Hamon que está em contradição com todos qs princípios biologicos. O instincto da destruição não é acceitavel para os seres inferiores que não possuem campo de consciência resultado da elaboração deste orgào—o cerebro—que elles o possuem intellectualmente em estado rudimentar ou atrophiado. 6 Si, porém, comprehendermos somente por indivíduo, o animal superior e racional acceitamos plenamente a definição de Hamon e ousaríamos a apresentar uma reetificação ao termo consciente; assim definiríamos por crime todo o acto consciente ou inconsciente que lesa a liberdade de proceder de um indivíduo da mesma especie do autor do acto. A causa desta emenda està nos actos commettidos por indivíduos que não estando em estado consciente como o louco por exemplo que não estando em um período de lucidez ou integridade mental, no entretanto são criminosos embora irresponsáveis, desde que commettam um crime. No estado de hypnose ha abulia do hypnotisado e substi- tuição de sua vontade pela do hypnotisador. E’, pois um inconsciente, mas, commettendo um crime, é criminoso embora irresponsável, reeahindo a responsabilidade sobre o hypnotisador. Não é uma enfermidade organica como pretendem expli- car alguns autores. Não é um phenomeno pathologico nem se o pode consi- derar como uma nevrose. O criminoso não diftere do homem honesto pelos orgãos, disse alguém, e sim pela vontade e sentimentos. Os médicos alienistas só vêm no criminoso um alienado; para uns o crime é uma vesania e para outros uma dege- neração. O louco ou o degenerado em si distinguem-se do cri- minoso. bespine diz que a criminalidade é o resultado de uma anomalia psychica que tem a ausência congénita ou heredi- tária do senso moral. 7 São seres que a natureza ou as cireuinstancias tem de?* humanisado, diz Ribot. Tarde diz que esta anomalia moral que produz a crimina- lidade, é o resultado de uma conformação cerebral anormal, como o daltonismò e a aphasia. N’esta theoria o criminoso é um infirme, um ser incom- pleto psychicamente não adaptado à vida moral e social. Os médicos inspirando-se em idéas materialistas precon- cebidas têm uma tendencia a só ver no homem o lado physico e a resolver as questões de criminalidade, segundo esta idéa systematica, que o homem não é senão matéria organisada e que por conseguinte irresponsável por seus actos. Diversamente elaboradas estas tlieorias accordam-se para negar a responsabilidade moral do criminoso. A fatalidade, dizem elles, impõe a cada um de nós seu destino. Si o crime não é mais do que um complemento de uma lei secreta impossivel de ser evitada e a qual estamos subordi- nados, a sociedade não mais devia exigir a punição desses actos anti-sociaes que embora nocivos,entretanto justificáveis, desde que os seus auctores são irresponsáveis. Livre Arbítrio e Determinismo constituem assumpto d’esse nosso trabalho que mais adiante discutiremos, não o fazendo agora para seguirmos a ordem traçada no quadro que eschematizamos. Apenas diremos que a liberdade volitiva e o determinismo e por conseguinte a responsabilidade ou irresponsabilidade não excluem a idéa do crime. O louco que se torna assassino é um criminoso embora irresponsável e como tal merecedor não de uma pena legal, mas digno de piedade e commi- .seração. 8 Differindo, pois, do meio, das causas, dos eíTeitos, do tempo, do lugar, do agente criminoso, etc., etc., como subor- dinar todos estes elementos para dizermos precisamente o que seja o crime em si? Mas, como a liberdade de ampliar ou simplificar o modo de considerar as cousas definíveis està dependente da vontade de quem o faz, não é por vaidade ou philaucia, mas pela sim- ples razão de interpretar e traduzir o nosso pensamento que definimos o crime como um acto consciente ou inconsci- ente que lesa a liberdade de proceder de um indivíduo da mesma espeeie do autor do acto. Mas para que este se produza, é preciso a existência e efficacia de causas ou a intervenção de uma predisposição- individual ou liereditaria. D’ahi a necessidade de uma classificação para os crimino- sos pois sendo estes impulsionados por causas differentes, que mais adiante veremos, injustificável e contradictorio seria o nosso proceder se os reuníssemos em um só grupo imputando- lhes como que uma pseudo-unidade microbiana cujo germen a objec.tiva do bacteriologista com os seus methodos de cultura e processos de investigação ainda não chegou a desvendar. Vejamos as divisões que os mestres estabelecem para os criminosos. Haussonville e Ferens baseando-se na perversidade dos malfeitores classifica-os da seguinte maneira: 1. as naturezas ou indoles pusillanimes, inertes ou cobar- des, isto é os homens que se deixam levar sem resistência e fepugn ancia; 2. as naturezas vencidas, que, por uma exaltação momen- tânea, irreflictidamente commettem um attentado; 9 3.6 as naturezas viciosas corrompidas que são impellidaS á pratica do crinie sem que nellas exista um que de circumspe- cção e respeito do seu proprio Eu; 4.° os calculadores, os que concebem e premeditam o crime, impondo a vontade de ha muito o pôr em pratica combinando as suas intenções perversas com o emprego dos meios violentos. Garofalo dividiu a principio em 2 cathegorias: 1. comprehendendo todos aquelles em que, alienados ou não possa-se constatar uma anomalia psychica, determinando o crime; 2. todos aquelies em que não havendo anomalias deste genero, mas que são impeliid-os por circumstancias exteriores. Depois distinguiu elle os criminosos em delinquentes, instinctivos e em fortuitos ou casuaes, sendo os primeiros, caracterisados pela ausência do sentimento moral,os segundos, por uma fraqueza organica, uma impossibilidade de resistir às impulsões provocadas pelo mundo exterior; e os terceiros, os que obedecem á um momento de exaltação sendo a idéa do crime imprevista. Vejamos o que a seu respeito diz Lacassagne; Como distinguir as camadas sociaes? Pela posição, riquezas, inslrucçâo? Não, mas pelas manifestações de sua vitalidade cerebral. «O homem ama, pensa e age, d’ahi distincçoes pela predo- minância ou dos sentimentos ou da intelligencia ou da acti- vidade. «Distingue, elle, as camadas sociaes em frontaes, parietaes e occipitaes conforme a localisaçào que fez cada uma destas tres faculdades; 10 Estas ultimas são compostas de instinctivos e são as mais numerosas. «As superiores ou frontaes são as mais intelligentes e as parietaes são compostas de indivíduos activos e de caracter: os impulsivos. «A esta divisão correspondem 3 grandes cathegorias de criminosos: os frontaes, os parietaes e os occipitaes. E’ entre os criminosos de idéa ou intelligencia que se encontram os criminosos alienados. «Os criminosos de actos são os criminosos por impulsão ou occasião. «Os criminosos de sentimentos ou de instinctos são os verdadeiros criminosos,os insociáveis pela energia e frequência de manifestações do abominável egoismo. Ouçamos Laurent. Divide os criminosos : 1. de accidente, sendo o crime um facto fortuifo; 2. de occasião, tendo o crime uma vida latente, esperando apenas uma occasião favoravel para por-se em evidencia; são os que graças a sua habilidade e audacia escapam facil- mente das garras da justiça, abafam o grito lugubre e tétrico de sua consciência, que se sente esmagada pelo remorso, e vivem numa aleivosa e pseudo felicidade e honradez; 3. de habito, irmanando o crime com a caridade quando um pobre lhes estende a sua mão; naturalmente praticam o mal como os que fazem o bem; 4. os degenerados, os hereditários de todas as especies: epilépticos, aícoolicos, hystericos e nevropathas de toda alte- ração ; 5. os loucos moraes e os criminosos natos constituem um 11 genero da classe precedente: são hereditários degenerados que instinctivamente praticam o mal; 6.° os alienados criminosos, os que comméitem um crime sob a influencia de uma idéa ou impulsão delirante; sua con- sciência está como que num verdadeiro e.-.tado dé torpor é sua vontade paralysada. Paulo Albrecht considerando os criminosos como rcprodu- ctores das inclinações, dos hábitos e mesmo dos caracteres orgânicos do mundo animal, só vê nelles representada a con- tinuação da vida normal da natureza emquanto que o homem honesto seria uma anomalia biologica. Para expandir este principio para elle justificável o profes- sor Albrecht baseou-se em ser o acto anti-social mais fre- quente que o acto social — verdadeiro absurdo! Desde que elle começasse a visar uma anormalidade, isto é, de ser o acto anti-social mais commum que o social os facto- res que compuzessem aquella anomalia não poderiam cami- nhar em ordem inversa, e sim tenderiam a seguir uma linha que com ella formasse uma parallela — Heresia scientifica ! Desde que, consideramos uma moléstia como endemo- epidemica, pela mesma razão, os indivíduos delia atacados gozam saude, ao passo que, os que delia se immunisaram ou não foram accomettidos são considerados como enfermos. O criminoso é um normal e o homem honesto uma ano- malia ! Seria uma verdadeira aplasia social. A moral de um povo suplantada pelos nullos preconceitos que ornam a pútrida e execravel consciência destes algozes da liberdade humana, onde sómente sobram os negros torvelinhos de idéas sinistras e sangrentas! . . . 12 Estudou o criminoso sem relancear as suas vistas para o vasto campo da vida social. Considerando o criminoso como normalidade biologica elle ultrapassou os limites que alguns clássicos criminalogistas desenharam, encarando o criminoso como um homem qual- quer em condições normaes de intelligencia e sentimentos. Toulmouche em 1835, justamente no tempo em que Ro- landés publicava a necroscopia de um criminoso descreveu tres cathegorias de prisioneiros: primeiro,os condemnados por delictos ou roubo; segundo,os condemnados por crimes contra as pessoas; e terceiro os viciosos, isto é, os que eram domi- nados por uma lei dictada pelo seu instincto que os obrigava a praticar o mal. Esta classificação é baseada tão somente na divisão clás- sica dos crimes (crimes contra as cousas e crime contra as pessoas). Diey antes delle classificou os criminosos da seguinte forma: 1. os indivíduos que praticavam o crime, levados pelas más companhias, circumstancias ou desgraças imprevistas; 2. indivíduos que eommettiam o crime, devido a uma mà educação desde a infância; 3. indivíduos profundamente depravados que estavam empedernidos no crime e do qual faziam profissão e meio de subsistência. Ferrus apresenta uma classificação, baseando-se no des- envolvimento intellectual: l.° criminosos decididamente incorrigíveis, dotados em geral de recursos intellectuaes superiores, mas que levam’ 13 para o mal as tendências de sua organisação e os enlevos de sua natureza; 2. criminosos cuja capacidade intellectual é menos ele- vada e o senso moral francamente desenvolvido; o instincto da sensualidade, o amor de orgia, o habito da vagabundagem, depravação gradual do pensamento, excessiva fraqueza do coração, levam ao caminho do vicio, não por uma inclinação natural, mas para satisfazer uma necessidade imperiosa de dissipação, de desordem e de inércia; 3. criminosos que têm organisações incompletas. Esta terceira classe se compõe de: i.°. condemnados perver- sos energicos e intelligentes que conscienciosamente, seja por systema, seja por organisação, transportam-se ao mal; 2.° con- demnados viciosos, de intelligencia acanhada, passivos, que pecam pela debilidade, indolência e falta de resistência as suas más incitações; 3.° condemnados ineptos ou incapazes, de intelligencia obtusa que nunca apreciaram a comprehensão de seus actos. Le Bon estabelece 2 classes fundamentaes: criminosos por tendências hereditárias e criminosos por causa de lesões que imprevistamente os surprehende. A primeira classe elle dis- tingue em 4 variedades: l.° criminosos natos, por transmis- são hereditária das tendências criminosas. 2.° crirpinosos impulsivos. 3.° criminosos por fraqueza de caracter; bons n'um meio favoravel, maus iium meio vicioso. 4.° criminosos intel- ligentes e energicos mas desprovidos de sentimento moral. Ferri divide os criminosos em 5 cathegorias: l.a os instinctivos; 2.a os apaixonados; 3.a os de occasião; 4„a os de habito e 5.a os alienados. 14 A 1.a compréhende os impellidos por paixões nnti-sociaes (odio, vingança, concupiscência). A <2.n comprebende os impellidos por paixões sociaes (amor, honra, etc.) A 3.a comprebende os faltos de senso moral sendo o crime um lacto imprevisto; caracteres assignalados pelo proprio Ferri como pertencentes aos instinctivos e dos quaes não sabemos differeneiar os de occasiào attendendo ao communismo dos signaes. A 4.a catbegoria se compõe de criminosos de habito, «que tem caracteres psychologicos lixos» depois de haver apresentado no começo de sua vida os caracteres dos criminosos de occasiào, elles acabam-se confundindo com os instinctivos. Si o criminoso de habito foi a principio um criminoso de occasiào elles não differem entre si por caracteres essenciaes, por uma organisação diversa, por anomalias do cerebro. A 5.a catbegoria é a dos alienados. Ora se são doentes elles devem ser comprehendidos entre os criminosos mas nunca serem punidos. Ferri no emtanto culpa o louco criminoso e julga-o respon- sável por seus actos. - O pobre louco, digno de piedade, que commette um acto nocivo não possuindo o direito da razão. Ferri declara responsável deante da sociedade. Deve ser punido, diz elle, em razão, não de sua culpabili-' dade e sim de sua perversidade, Bianchi distingue: 1.® os delinquentes natos; c2.° os delin- quentes nevropaticos e 3.° os que não pertencem ás cathego- rias precedentes. Descriptas assim as principaes classificações que colhemos 15 no decurso do nosso estudo, devemos obrigatoriamente apre sentar o nosso parecer a respeito de cada uma d’ellas não levados por um direito absoluto e arrogante, proprios de um sabio, mas determinado pela intágridade da razão e da equidade que tem o justo e real direito de discernir o que melhor de bom ou de ináo julgar. Deficientes nos pareceram todas ellas, umas jã pela imper- feição por que foram colhidas, outras peío rigorismo e ambi- guidade com que foram organisadas, outras ainda pela abstrusa extravagancia com que foram engendradas, outras finalmente pelos insensatos e ridiculos dados anatómicos que presidiram a sua formação. Por esta razão apresentamos uma classificação que nod parece mais racional embora não tenhamos para fazel-a a pratica que lhe é necessária. Dividimos os criminosos em dons grupos: primeiro, crimi- nosos de occasião, indivíduos que são levados a consummação do acto delictuoso por uma causa toda extrínseca e accidental obedecendo a uma instigação do meio ou sob a influencia de uma excitação qualquer momentânea. Substituirão o qualificativo criminosos de occasião por criminosos de habito quando os crimes porelles praticados têm como punição a garantia política, a liberdade e a recompensa monetária, affrontando deste modo a sociedade jà ludibriada em seus princípios. Segundo, criminosos-natos em que o pseudo-germen do crime transportou-se das cellulas nervosas paternaes para o embryão, imprimindo-lhe o sinete detestável do crime. Sao indivíduos em que a destituição do senso moral é completa; incorrigíveis ao extremo, sem pudor, sem egoismo. 16 sedentos de sangue, sequiosos da honra e bens de outrem elles só desejam fazer o mal, ver implantadas a miséria, a infamia e a deshonra. E’ este portanto o nosso modo de pensar á respeito da classificação dos criminosos. Passemos agora a analysar as causas geradoras que os incitam a corisummar o crime. CAPITULO I Phenomenos etiologicos da crimi- nalidade. — Meio individual.— Atavismo e hereditariedade. De maxima influencia e de grande importância é o estudo etiologico do crime. As causas que o determinam são variadas e múltiplas. Dividiremos estas causas em efficientes ou immediatas e predisponentes; aquellas determinando allucinadamente a con- summação do acto delictuoso, attendendo o instincto nato-per- vertido do malfeitor, e as ultimas impellindo os indivíduos fracos de senso moral a commetterem o crime sob o dominio de um elemento outro que não seja o de perversidade-nata. Esta divisão que apresentamos é baseada na ausência e fraca graduação do sentimento moral dos criminosos. Subordinadas estão estas causas a tres meios que exercem sobre o pbysico e o moral do indivíduo sua influencia, modi- ficando-lhes a vontade que nada mais édo que a resultante da acção destes factores. 18 Meio eosmico, meio social e meio individual transformam a ordem da humanidade, rompem o equilíbrio da nossa vida,, são modificadores do ser vital. Muito embora alguns autores affirmem o contrario, como Garofalo que não admitte que um homem moralmente orga- nisado eommetta um crime pela única força das eircumstan- cias, como Magnan que affirma não ser predisposto ao crime o indivíduo moral, entretanto pensamos que causas múltiplas intervêm na organisaeão de um indivíduo, predispondo-o ao crime. Dos factores que constituem o meio cosmieo destacam-se como mais importantes; o clima, a temperatura, a orographia e a geologia; dos elementos que coordenam o meio social sali- entam-se a educação, a instrucçâo, a profissão, as leis e insti- tuições, sua observaneia ou não, usos e costumes, etc.; dos- princípios que organisam o meio individual resultam a here- ditariedade, a nutrição e a alimentação, a assimilação ou des- assimilação, o estado de saude ou de moléstia, o alcoolismo, o- nicotinismo, o morphinomanismo, e finalmente os estados mentaes anormaes e pathologicos, indo da loucura propria- mente dita a simples perturbação de causa hysterica ou- alcoolica. Estudemos primeiramente a hereditariedade, factor com- ponente do meio individual, e depois então passemos um ligeiro relance de olhar sobre os principaes factores que são tíitadoscomo responsáveis pelo crime praticado. Admittindo criminosos-natos, isto é, indivíduos profunda- mente perversos e incorrigíveis, em que h hypothese da exis- tência de ligeiros traços de moralidade constituiria um signa! pathognomonico de anomalia, e criminosos de occasião, isto é,. 19 os que impellidos por uma má idéa, impulsionados por uma loucura moral, suggestionados por um excitante physieo* moral ou psychico fazem-se criminosos, mas que por uma mudança de meio, de costumes e hábitos transformam-se completa mente, apresentando-se á Sociedade como verdadeiros prototypos de honestidade e dignidade, outra não poderia ser a divisão das condições que formam a genese criminosa, que determinam o movei do crime. Estudemos, pois, as prineipaes destas causas, começando pela hereditariedade, causa esta, que por si só constitue o elemento primordial para a formação do criminoso-nato. Adoptando a lei de hereditariedade em Criminologia não nos induz a razão de abraçarmos o execravel atavismo de Lombroso — pelo contrario detestamol-o. Não cremos em um donativo de antepassados; Confiamos em uma herança mais directa, em uma dadiva mais próxima de paes e filhos. Descrevamos a celebre theoria de Lombroso, verdadeiras idéas philosophicas impregnadas de visões metaphysieas e apreciemos um prolongamento desta esd.ruxula concepção — theoria absurda de Sergi, analysando-as conforme o desdobra- mento dos factos e discussões para depois discernirmos a nossa these: a hereditariedade criminosa. A antiga theoria de Lombroso que considerava o crime como um phenomeno de hereditariedade atavistica pêlos acci- dentes imprevistos da evolução universal estendia-se sobre tres elementos: l.° o homem p reh isto rico; 2.° o selvagem; 3.u a creança. l.° O criminoso era uma herança dos instinctos e paixões de um homem das epoclias prehistoricas. 20 Era uma pintura perfeita, uma nitida photographia da organisação physica e psychica de um dos seus antepassados. Encarando o criminoso sob este ponto de vista elle logo dividia em tres grupos as anomalias dos criminosos: anoma- lias congénitas, anomalias de desenvolvimento e anomalias pathologicas. Ligadas ao atavismo as primeiras deveriam ser as tnais communs e no entretanto as que se observam mais trequente- mente são as duas ultimas. De lógica deducção, como occasionadas por uma pertur- bação de evolução organica, sendo a sua etiologia toda mór- bida, incluiremos as primeiras, que não nos parece ligar-se ao atavismo, no vasto quadro nosologico. Julgando Lombroso ser o homem primitivo destituído de senso moral, e, como no criminoso fosse evidente esta falta, d'ahi a affirmativa de ser este um producto do atavismo. Entretanto clara e positivamente demonstra a archeologia ter o homem primitivo noções bem vastas de religião e de moral. Probidade e piedade não lhe eram predicados extranlios. Muitos séculos antes da fundação de Roma, quando a Gré- cia e a Italia ainda não tinliam dado os primeiros vòos da civilisação os vastos e complicados problemas do direito em- bora imperfeitamente eram resolvidos de modo a indicar que os sentimentos de humanidade e justiça presidiam os seus actos públicos. O dever de punir para os Hebreus era uma delegação do Poder Divino. As leis mosaicas com a mesma precisão clamam a justiça e indicam as penas como repressão das paixões e cubicas do homem. 21 No Egypto o direito de julgar e punir era um attributo do sacerdócio, um privilegio do sanctuario. Vê-se, pois, que os povos antigos se bem que ainda não tivessem idéas completas de civilisação, de um desenvolvi- mento social para elles desconhecido, entretanto não eram de todo destituídos dos sentimentos moraes por onde se pudesse julgar, embora pallidamente a falta dos direitos de justiça e equidade. Joly diz: «Pelo exame dos ossos reconhece que o liomem sobrevivia agraves feridas, que os ossos levavam muitas vezes a marca da inflammação, da sutura, do trabalho de cicatri- sação e do processo de reparação, d’onde se conclue piedoso era o homem primitivo e integro e probo não o era menos. Considera, pois, ó professor de Turim em sua primeira tliese ser o crime um facto do atavismo, uma herança da bar- baridade dos nossos primeiros avós que eram todos ou quasi todos malfeitores, devido a uma conformação cerebral espe- cial, attendendo também a necessidade da lucta pela vida. Quanto a conformação cerebral Broca diz-nos que o homem contemporâneo por seus caracteres morphologicos fundamen- taes em nada differe do homem prehistorico no seio de uma mesma raça. Transportando depois Lombroso as suas idéas para as negras tlorestas considerou o criminoso como um selvagem desgarrado em nosso meio de civilisação, baseando-se em ferocidades por elles praticadas, em contos de historiadores e anecdotas de viajantes, não syndicando se estes actos de cru- eldade eram communs e em grande pratica,—isto é, um phe- nomeno normal. Todas as raças possuem em uma escala ascendente rudi- 22 mentos de moralidade, noções de justiça, culpabilidade e res- ponsabilidade. Perrou d’Arc diz que entre os*australianos o rapto, o adultério, o roubo, os insultos a um chefe eram punidos de morte. Havia, portanto, no dizer deste autor uma idéa de moral e justiça. Si é chimerica a semelhança do homem primitivo com o criminoso o que diremos da harmonia moral deste com o selvagem ? Desprezando estas duas hypotheses encontrou Lombroso uma outra prova da theoria atavistica do crime no estudo do cará- cter da creança. Na sua theoria da infantilismo elle não é mais feliz quando pretende estabelecer uma semelhança entre a creança e o criminoso-nato. Pinta com os traços mais negros, faz da creança um per- verso dotado de maus instinctos e de todos os vicios. De um modo geral tenta elle encontrar na creança a causa do crime. A cólera é o sentimento que logo se maninfesta nas creanças. Embora privadas do sentimento moral, para elle, ellas são coléricas, egoístas, vingativas, desprovidas de sentimentos affectivos, negligentes, vaidosas e obscenas. Este modo de pensar do celebre professor de Turim é explicável pelo colleeionamento de suas observações colhidas no meio em que o arcabouço da depravação é a phantasia do vicio, é a imagem representativa da libertinagem circumdada por estes princípios que definem o imo da prostituição. 23 Entretanto arrebatado pelas amplas e diffusas divagações do seu pensamento exânime surge-lhe a ideia uma efíigie de ínnocencia que impugna-lhe a continuidade d’aquelle ludibrio com que procura escanecer o symbolo da candura e eis que em um momento vê sumir-se a vaidade de seu conceito, o sonho de sua percepção acrisolado agora em uma entidade que era o engaste de seus ideáes, e de súbito n’um arroubo de saudades exclama: « Tu eras d’estas excepções, oh meu anjo, cujos olhos tão ternos e brilhantes me illuminam do fundo do teu sombrio sepulehro, tu que nao parecias te alegrar senão do prazer de outrem!...» São as creanças pois para elle o typo do criminoso-nato. Os differentes períodos, por que passa no curso da evolução phyllogenetica o organismo humano, servem de base para sua explicação desde que este não attingindo o ultimo gràu de seu desenvolvimento soffre portanto uma parada brusca na sua evolução semelhante a pathogenia dos neophasmas malignos; d’onde conclue-se haver uma progressão incessante entre a criminalidade e a infancia. Para que procurar no berço da humanidade a explicação de um phenomeno que tem a sua razão de ser na natureza in- tima de todo homem criminoso? ! . . . Nas duas primeiras edições de seu livro «Ldiomme cri- minei» sustenta Lombroso a theoria atavica pura. Mas como ousaria elle affirmar que caracteres incompatíveis com a con- servação da raça taes como as màs formações craneanas, as lesões das meninges, das circumvoluções, etc., etc., sejam signaes proprios á raça criminosa 9 Abandonando o seu atavismo puro fez um apello a um 24 elemento pathologico, consolidou-o com a sua antiga theoria e viu no criminoso-nato um louco moral. Teratologia e atavismo confundiram-se n’um soluço meta- physico. Resalvamos esta parte para quando tivermos de tratar dos estados mentaes como productos instigadores ao crime. Si o criminoso é um atavico, é uma retrogradação selvatica, urn transumpto dos costumes primitivos é raccional admittir- mos que as raças as mais próximas deste estado primevo são as mais criminosas o que nào é confirmado pela pratica habi- tual da mutua solidariedade nellas existentes. A evolução retrogada nos hábitos deveria se ligar a uma evolução parallela aorganisação physica ; criminosos de todos os meios selvagens de todas as cathegorias confundir-se-iam em um só typo mais ou menos uniforme, correspondendo a forma de parada na evolução embryogenica, o que vae de encon- tro aos princípios etnographicos que proclamam a conservação dos caracteres ethnieos em cada raça. Concluímos que o ata- vismo de Lombroso não contem mais do que bellezas de litte- ratura, encantos de poesia e fantasias de descripçào. Sergi para encobrir as difficuldades que surgiam da expli- cação do atavismo humano fez do criminoso um retrocesso ao estado hestial. Não é mais o homem primitivo que reapparece no crimi- noso ; é o animal!. . . Onde encontrar nos animaes esta necessidade do mal pa»’a o mal, este instincto perverso que systematisa o malfeitor, este amor do vicio que symbolisa o criminoso-nato? Elle liga certas anomalias observadas nos criminosos aos animaes infe- riores. 25 <(Les crimes les plus afflreudc, les plus barbares oni w\ pointdc depart atavistique duns ces instincts animauxy). E’o verdadeiro phenomenode atavismo bestial! Topinard, cuja opinião abraçamos, nega esta preten- dida afíirmativa de Sergi, dizendo não existir absolutamenté continuidade entre os homens-e os animaes. Montesquieu diz que o homem é de uma natureza inteira- mente diflerente da do animal. As descobertas paleontologicas sobre a continuidade dá éscala dos seres orgânicos que proclamam Lamark e Wellace não dizem respe*ito a transmissão de instinctos animaes a seres superiores. Insano e interminável tornar-se-hia este assumpto se pre- tendessemos distender sobre esta extravagante e ridícula theo- ria, provavelmente preconcebida pela imaginação de Sergi em um momento de lucidez, que intercalla estes periodos de ne- cedade provocada por desordens intellectuaes. À negativa que tem o ciime quando se pretende, seguindo a theoria de Lombroso, explical-o atavisticamente, negativa imposta cathegoiicamente pelos factos, pela historia epela pra- tica judiciaria é substituída por uma affirmativa prompta.e de- cisiva quandòas nossas vistas se assestam no poder da heredita- riedade, no dominio pbysicoe intellectual, procurando-se assim no sangue paterno maculado pelo vicio a genese e explicação de um trágico desenlace. O poder hereditário de que gosa o crime não pode ser con- testado deante da evidencia da pratica. Manou diz que uma mulher dà a luz a um filho dotado das mesmas qualidades que ella possue. A transmissão das 26 qualidades moraes para elle se opera da mesma forma como a transmissibilidade dos attributos physicos. Ferri diz qué «si o physico não influísse sobre o moral, o alcool não modificaria profundamente o caracter,agindo como age sobre as cellulas nervosas, eo alimento não mudaria com o estado physiologico as condições intellectuaes e moraes do homem. Assim como os paes transmittem a seus filhos a côr dos olhos, cabellos, a physionomia e as moléstias, assim também estes herdam daquelles os sentimentos, o caracter, a honra, ou o infarnia, a ignominia e a devassidão. Sendo a saude, as moléstias, os defeitos physicos e as virtu- des transmissíveis porque razão, o crime, o vicio não são também ? Falta-lhes porventura o germen ? Por emquanto não se surprehendeu no campo do micros- copio o microbio da loucura e entretanto é facto discutido que ellaé transmissível podendo comtudo apresentar-se com uma das formas do seu variadíssimo polymorphismo. Dependendo o caracter do temperamento individual a trans- missibilidade daquelle opera-se de conformidade com a consti-' tituição deste ultimo. Quantas famílias são assignaladas pela doeura e meiguice que presidem todos os actos dos seus membros componentes ! Quantas outras em que a cólera e o orgulho são o signo impresso em suas physionomias f ao lado desta transmissão de phenomenos physiologícos caminham os de ordem psychologica. Si o acaso do nascimento dota a uns a riqueza, a saude e a 27 virtude,a natureza nelle representada a outros arroja a pobreza, a doença e o vicio. Que terrível desegualdade entre os homens? As leis universaes, desse destino, dão uma facil explicação. Qual pode ser a herança de um pae que na orgia e nos lupanares prosta-se constantemente em uma embriaguez pro- funda ou que 11a escuridão e silencio da noute procura expan- dir a sua cólera, saciando essa sede de sangue na rubra lym- pha do crime? O vicio a desgraça e 0 infortúnio locupletam a imaginação destes productos da miséria e da libertinagem. Já Gallileu dizia: a essencia da alma é 0 resultado do tem- peramento do corpo. Plutarco admittia que a geração pode trartsmittir os prin- cípios do vicio e da virtude. Si bem que 0 homem tenha a faculdade de preferir, de procurar, de amar 0 bèm e afastar-se do mal, entretanto as nossas impulsões são fataes e vão de encontro ás leis do direito e da razão, embora diga Àristoteles que a virtude e 0 vicio dependem de nós. Nasce-se criminoso como nasce-se tuberculoso. Platon diz que 0 crime perpetua-se durante varias gerações na mesma familia. O mesmo Àristoteles depois fez observar que a creança que a mulher traz em seu seio participa das impulsões moraes de Sua mãe «como os fructos da terra participam das qualidades do solo que os nutre. « Mens sana in corpore sano — diziam os romanos». Maudsley diz que 0 verdadeiro criminoso nasce e nunca Se torna criminoso. 28 0 espírito como o corpo dás creaças recebe dos paes dis- posições particulares. Plutarco conhecendo a influencia detestável que a embria- guez do pae no momento da concepção íexerce sobre o filho, recommenda o preceito de Hesiodo: «Ce n’est point pas retour de tristes funerailles qu’il faut user de ses droits d’expoux, mais revenant du banquet célebré en 1’honneur des i tu- mor tels ». Quiz com esta maxima elle provar que até no acto conjugal os gerrnens da procreação são portadores de suas impressões. Ao lado de grandes mentalidades que defendem a heredi- tariedade criminosa existem celebridades que a negam por completo. Alguns invocam Pericles como exemplo de bondade e vir- tude, sendo filho de uma familia sacrílega e maldita, Pompeu tendo por paeStrabon que foi odiado pelo povo romano, Ulys- ses e Esculápio nascidos de homens perversos, Com modo sendo filho de Marco- Aurélio, como se estes factos que a historia an- tiganos relembra fossem sufficientes para julgar-se a heredita- riedade criminosa. Negando assim a hereditariedade do crime elles baseam-se em dizer que muitas vezes paes perversos e criminosos têm filhos honestos e virtuosos. Não vamos de encontro a essa asserção, pelo contrario apoiamol-a. Paes criminosos, filhos são ou não criminosos. Os primeiros incluídos no quadro dos criminosos natos e os segundos podendo tornar-se criminosos por um heredo- contagio semelhante ao da tuberculose desde que esteja sujeito aos costumes sociaes. 29 Para outros, porém, ella está provada e é acceita in tontum e clamam para seu extermínio a não procreação dos crimi- nosos. (Le Bon) Platon aconselha ao estado matar a creança cujo pae tivesse sido condemnadò á morte. Os criminosos são incorrigíveis, Sua perversidade é congé- nita diz Maudsley. A consciência intervem, a razão julga e a vontade decide. Do mesmo modo que cada molécula chimica reproduz sem- pre uma mesma forma crystallina, assim o gérmen d’um indivíduo d’uma especie dada reproduzirá sempre um indi- víduo desta especie, diz Herbert Spencer, E assim como se introduzirmos na terra ura fragmento qualquer de begónia no fim de um certo tempo vemos repro- duzir-se um vegetal inteiro, assim também pela lei da adapta- ção do meio o filho procreado de paes criminosos o são também, indo no dizer de Armand Gautier as moléculas imprimir o Signal de que descendem ao protoplasma, este ao elemento histologico e correlativamente aos tecidos, aos orgãos e ao animal inteiro. Para terminarmos este capitulo apresentamos a genealogia de uma família criminosa que attesta e confirma o poder da hereditariedade, a transmissão da perversidade, signo da au- sência do senso moral e dos costumes depravados e hediondos. (Despine em sua psychologia natural, extrahida da these de Ribot—De la héredité, pag. 98. 30 1 Jea n - F r a n çoi s—Voleu r Benoit » iClaire » ' Jean-Joseph Voleur Marie-Renée » 1 ! » -Rose » Jeait Cliritíen Assassin e vo- leur Yictor » \Victorine I Seus filhos i Assassins Thomaz ) Assassin j François — Assassin Martin — Assassin j Seus filhos Assassins Pierre ( Jean-François Assassin ( 4ssassln e voleur Demonstrada embora imperfeitamente a hereditariedade criminosa conforme os nossos conhecimentos vejamos quaes as outras causas que podem influenciar para a determinação do crime. CAPITULO II Meios social e cosmico.—Seus fa- ctores componentes: imitação, contagio, instucção, ignorância, educação, instigação; clima, tem- peratura, estado hygrometrico ou humidade relativa e humi- dade absoluta ou tensão do va- por d’agua. Amalgamando a lei da hereditariedade aos criminosos natos não nos condemna ajusta razão por não estendermos esta transmissibilidade aos criminosos de occasião. As causas, porém, que presidem aos actos violentos destes últimos não são absolutamente incompatíveis com os primeiros que podem com a hereditariedade possuil-as concomitante- mente, actuando conforme as influencias mesologicas. E’ no dizer de Hamon a talargaça sobre a qual os factores cosmicos, individuaes e sociaes bordarão mil arabescos diversos. Vejamos, pois, a acçào modificadora de que gozam estes factores na etiologia do crime. 32 Laeassagne fallando da influencia do meio social sobre o indivíduo criminoso, diz: «o crime está para o meio social assim como o microbio para o caldo de cultura, pois este só tem valor no dia em que o microbio o encontra para pul- lular». E’ evidente e manifesta a influencia que sobre o criminoso exercem esses elementos que compõem o meio social. As inclinações naturaes, quaesquer que sejam, recebendo do exemplo ambiente, da educaçao commum, do costume rei- nante, uma direcção particular que as tenha especificado, amoldam-se perfeitamente e obedecem a uma voz commum, transmittída a este medo pelo cerebro social. E’, pois, muitas vezes o crime um pbenomeno de ordem reflexa, tendo como transmissores a imitação e o contagio, agentes poderosos [ara sua facil generalisaçào. Já Tarde tinha declarado não ser o crime senão um pheno- meno de imitação que tem sua explicação no desenvolvimento da criminalidade. Em toda reunião a tendencia á imitação existe; diz Kaps. O contagio nada mais é no exprimir de Gallard senão o acto pelo qual uma doença determinada se communica d’um indivíduo affectado a um são por meio de um contacto imme- diato ou mediato. Para que se dè o contagio no vasto campo eriminalogico, é necessário que exista a penetração do ele- mento morbido e terreno apto no criminoso como dizem os microbiologistas refirindo-se á producção de phenomenos pa- thologicos. Figuradamente o germen transmissor na pathogenia deste mal é o sangue derramado para o qual as suas vistas se delei- 33 tam e alargam e o terreno apto nada mais é do que as suas paixões e exaltações momentâneas. Qual o assassino que examine e indiíTerente torna-se ao ver na arena dous combatentes a ferirem-se mutuamente, a presenciar de um quasi a esmorecer os últimos ariancòs da vida, o grito de agonia su(Tocado num lodaçal de sangue que aos borbotões vomita por entre uma respiração entrecortada de gemidos e dores e do outro a soberania e a altivez quando a coragem predomina e substitue a covardia exaltando-se de ter vencido e prostado o seu inimigo! O contagio neste caso é tãofacil como quando presenciamos um ataque de um epiléptico ao ver outro doente cabir no mesmo estado. Pretendendo obscurecer o valor do contagio Socquet diz: «que este não existe, pois que o numero de crimes não au- gmenta sensivelmente ». Mão julgamos ser esta razão de valor, pois a marcha pro- gressiva do crime esta demonstrada nas estatísticas ou nosce te ipsum applicado ás Sociedades no dizer de Quételet. Admittindo-se, porém, uma retrogradação na criminali- dade, como elle quer, isto por si só não constitue um principio contrario à influencia e ao poder do contagio na genese cri- minosa. O contagio do cliolera é sem duvida bem conhecido e no entretanto em cada nova epidemia a mortalidade e sempre menor, como disse um celebre escriptor e patbologista cujo nome nos foge da memória. Este contagio tão commumente observado torna-se tanto mais apreciável quanto mais per- corremos o teclado social cuja no(a dissona e retumbante é mais perceptivel e recebida no meio inferior. E’ nelle princi- 34 palmente que vemos traçados os quadros sangrentos cuja reproducção tem sua razão de ser na imitação. Esta predominância do crime, no meio inferior, contestada por muitos que proclamam a sua inferioridade ou egualdade' com a do meio intellectual ou superior é explicável por uma reunião de preconceitos que o cercam, cujos mais importantes vamos declinando. Paranás que acreditamos ser o-crime mais commum no meio inferior encontramos a causa desta predominância na ignorância e má educação que imperam nesse circulo incivili- sado, sem precisarmos provar com os estabelecimentos de eorrecçào constantemente replectos e cujas cellas são occupa- das por indivíduos dessa especie. Este nosso modo de pensar absolutamente não exelue da lista dos criminosos os indivíduos possuidores de elevados conhecimentos scientificos e de bellas provas de esmerada educação. O que julgamos é serem aquelles mais eommuns do que estes. Leibuitz disse com justa razão: « tenho sempre pensado que se reformaria ogenero humano si se reformasse a educação da mocidade, pois é da educação qne se deriva o desenvolvi- mento social e obvia é a razão: a educação formando as partes consolida o todo. » Bournet entretanto considera a instrneção, principio fun- damental da educação, como nociva. Como a loucura, diz elle, a criminalidade nugmenta com o progresso da instrneção. Lombroso commungando as mesmas idéas diz «que a ins- 35 trucção só serve para tornar o criminoso mais refinado, trapa- ceiro e perigoso.» Pavia diz que se ella não augmerita também não diminue o numero dos crimes e cita estas palavras de Caceia; «instruire centinaria di miglia li anafabeti poco importa, se si dona alia statistica qual ehez centinaria direati in piu !» ( Que importa que se instrua cem mil ignorantes se si augmenta a estatística de algumas centenas de crimes !) Se no dizer d’estes auctores a instrucção é tão prejudicial á Sociedade pois os crimes augmentam em sentido parallelo com aquella, nada mais fácil para o seu extermínio ou pelo menos .para a sua diminuição do que voltarmes a um estado selvático, se possível fosse, e vivermos em uma harmoniosa ignorância sem nos lembrarmos dos bellos e sublimes ensinamentos que com tanta ternura acolhemos quando nos debatíamos nos vastos problemas scientificos. Si sustentando, porem, a nossa opinião, julgando a ignorância como principio damnificador ao progresso e reincidência do crime digamos aos que pensam de modo diverso: desenvolvam a instrucção e logo o crime será banido da Sociedade. Isto, porém, é mais dífficil e vem em auxilio da nossa affir- mativa. Escreve Couto de Magalhães em seu livro intitulado O Sel- vagem, pag. 191: «Se a natureza moral de um povo fosse como uma tira de papel, onde se escreve tudo quanto nos vem a cabeça, então seria tão facil mudar-lhes os costumes como é fácil escrever». Isto elle diz referindo-se a educabilidade dos nossos indí- genas brasileiros dos quaes ao nosso ver em nada differem 36 esses selvagens que habitam ém nosso meio senão por trazer o enduape (1) e o açoyaba (2) em vez das vestimentas que- elles usam e em empenharem o urupará (3) e uma aljava com flechas em lugar de um aguçado punhal que conduzem na- cintura. Abraçamos, pois, a opinião de ser o crime mate commum no meio inferior do que no meio superior. Livio de Castro nos diz: «que o homem de estudo é mais mtelligente que o homem da multidão popular, e em regra geral o homem do povo é mais forte (em relação a sua mus- culatura) que o homem de gabinete. «A classe guerreira, diz elle depois, é physicamente das - mais fortes, mas intellectualmente das mais atrazadas e nem poderia ser de outro modo». Ora, sendo o selvagem, como seu nome o indica e traduz, um indivíduo de má indole, e não tendo este rudimentos de instruccão e educação, serà porventura absurdo conside- rarmos a ignorância do meio inferior como uma causa mais particular do crime? Não, pelo contrario, uma prompta e decisa afíirmativa clara e repentinamente nos assalta a razão, e todos Ç|ue o encararem desta maneira, parece-nos, não contradirão o que affirmamos. Porque razão as contendas de taverna terminam frequen- temente por crimes de sangue o que quasi nunca succede entre (1) Encluape—Faixa de pennas amarellas e vermelhas com que torneiam o* índios a cintura. (2) Açovaba—Manto de pennas que elles collocavam sobre os hombros. (3) Urupará—Quer dizer arco. 37 indivíduos em que a civilisação delles é conhecida? Não é isso proveniente do gràu de civilisação e Mstrucção— princí- pios occultos que aquelles não desvendam ? Para passarmos a descripção de um outro facto r que no meio social corrobora para o desenvolvimento do crime-—a instigação — terminemos esta parte deste capitulo com estas palavras que alguém disse quando culpava o analphabetismo è considerava-o como causa de primordial responsabilidade na genese do crime em relação ao meio social: « cada escola què se abre é um cárcere que se fecha ». Que é a instigação. Não é mais do que a inspiração de alguma idéa ou algum Sentirrfento no espirito de alguém excitando- o para que pra- tique tal acção. Assim como a vista de uma mulher formosa inspira o amor, assim também a alma da perversidade estimula o crime. A inspiração èstà para o homem de talento creador assim como a instigação está para o homem criminoso. E’ de facil pratica vermos a instigação como causa do crime. Indivíduos muitas vezes que estão sob o dominio de uma impulsão qualquer para o crime, commettetn-no desde que uma voz surda a aterradora excita-o a assim praticar. Para provarmos o effeito da instigação como causa do crime é súfíiciente transcrever aqui a declaração de um pobre rapaz de 20 annos chamado Victoriano Meille quando accu- sado de ter assassinado seu pae: «Minha mãe, mulher de 47 annos, levada talvez por ciú- mes insinuou-me a pratica deste crime que eu o julgo hediondo e barbaro, fazendo desapparecer meu pae que em boncubinagem vivia com a viuva Rimbaut. 38 «Nos sens funestos conselhos dizia-me: «é preciso ma- tal-o afim de que não faça disposições que te sejam prejudi- ciaes; elle desherdarà a ti e a tua irmã. «E' possivel que a tua ingenuidade chegue a tal ponto?» Foi chorando que Victoriano Meille confessou seu crime. A instigação, este modo occulto ou embuçado de occupar o animo de alguém com uma idéa,cujo auetor não tem aptidões nem coragem para executal-a, íoi o que levou aquelle pobre rapaz ao parricídio e é commumente observado no meio so. ciai. Naquelle caso foi a instigação a consequência, a resul- tante deste zelo de que o objecto amado se incline para ou- trem—o ciúme—que, como a honra, o egoismo, o amor da familia, as paixões sensuaes ou lascivas, constituem*factores iníalliveis duma fatalidade Estas paixões violentas e impetuosas fazem muitas vezes emmudecer a razão e arrastam o homem ao quebrantamento da lei, do dever e do decoro social e individual. O ultrage ao pudor, o ludibrio á honra, o villipendio ao egoismo, a affronta ao decoro e dignidade da familia con- duzem muitas vezes ao homicídio. Onde encontrarmos melhor exemplo de instigação senão nos salteadores da Calabria, quando na infancia, seus paes são' victimas de um crime, ouvem das suas mães desde esse mo- mento até o dia em que podem perpetrar um delicto os con- selhos funestos, enraizando no espirito da creança a terriveí Vindicta! Bernheim diz «que nós todos somos em Uma certa edade mais ou menos suggestionaveis»; e esta suggestão torna-se tanto mais ampla quanto mais indómita e violenta for a edu- cação que recebermos. 39 Quem desconhece a influencia da instigação? Os ensina- mentos são os mais poderosos determinantes da vontade. Quételet escreveu: «Podemos enumerar d’antemão quantos indivíduos mancharão as mãos no sangue dos seus seme- lhantes, quantos serão falsarios, quantos envenenadores, quasi como se pode enumerar os nascimentos e os obitos que devem succeder-se.» A fórma da criminalidade varia conforme o indivíduo, au- ctor do delicto, furto ou roubo Prova uma estatística feita na Inglaterra, onde os crimes contra a propriedade são mui frequentes e mais communs do que os attentados as possoas que quando o preço de gene- ros alimentares augmenta os delictos contra os bens seguem uma proporção ascendente; quando, porem, os preços desses generos diminuem decrescem aquelles attentados. Yê-se, pois, claramente que a pobreza e a miséria exer- cem sobre esses indivíduos o seu domínio e poder determi- nados pela necessidade de mauutenção. Isto diz respeito a este meio inferior, onde o lucro de seus trabalhos e profissões mal dà para o sustento da familia. Não é a pobreza, não é a miséria que subordinam como aquelles esses criminosos de alta posição social; não, mas é 0 fasto da ostentação, é o desejo imperioso da magnificên- cia, é a vaidade da opulência, é a pretenção da riqueza para disfructal-a, embora seja ella angariada por meios illicitos e inconcessos; sacrificada a honra, victimada a digni- dade da familia pouco se lhes incommoda se por meio de um desfalque elles aventuram possuir uma fortuna para dissipal-a com egoismo no bordel da embriaguez ou aven- tural-a no harém do jogo qaando affrontando a Sociedade 40 fíao despeúdém-na no? aristocráticos salões que costumam frequentar. O crime, pois, não restringe a sua acção a classe con- temptivel e miserável; na anciedade de ampliar o numero dos seus sectários desenvolve o seu trabalho, interna-se na íucta e avassalla e domina os altos poderes onde deviam estar concentradas a honra, a dignidade e o pudor. A profissão que o homem exerce,sendo o eíTeito do trabalho,1 lei da humanidade, condição essencial da moralidade, influe de um modo extraordinário para a generalisação da cri- minalidade. Posições elevadas, profissões nobres correspondem a crimes que se aquilatam com os crimes praticados pelos analphabetos e pela plebe ignorante. Muito teriamos que dizer se quizessemos submetter a apre- ciação os crimes praticados por essas classes que na sociedade gozam de um certo acatamento e respeito inspirados pela pro- fissão que exercem. Ff o medico que se nos afigura sacrificando o seu segredo profissional; é o advogado que abusando dos direitos da justiça troca a absolvição de um criminoso por um boccado de ouro; é o magistrado que mancha a sua toga com o lito de engrandecer-se, é, finalmente, a classe aristocrata que vemos constantemente envolvida nestas façanhas e emprezas crimi- nosas. Passemos a descripeáo de alguns fáctores do meio cósmica que associados a outros elementos de ordem social e individual concorrem para modificar o ser e por consequente a vontade pois esta não é mais do que uma resultante destes numero*-* 41 sissimos ÍPctores que sobre os indivíduos exercem a sua acçãó benefica ou damnificadora. ■ As condições topographicas e geológicas dos lugares expli- cam também as tendências criminosas. A temperatura é no dizer de Ferri um dos factores natu- raes que dá, com a concomitância de outras causas, como producto, o crime. Tem-se feito observações thermometricas e meteorológicas estabelecendo-se um comparativo entre as oscillações da criminalidade e estas têm dado como resultado elevação do numero de crimes contra as propriedades relativo a um abai- xamento de temperatura e auernento de attentados contra as pessoas consequente a uma elevação da mesma. Hoje está provado que nos climas frios a forma criminal predominante é o attentado ás propriedades e nos climas querttes é o homicídio. O bomem o mais pacifico, diz-nos Ferri, torna-se aggres. sivo quando nos pampas da America do Sul experimenta um certo vento. A excitabilidade do espirito augmentando de conformidades com o clima quente póde facilmente degenerar em actividadé homicida. A consummação da matéria destinada a producção do calor animal diminuindo, ha um accumulo de forças que são utilisadas muitas vezes de uma maneira fatal. E’ assim que os criminalogistas modernos explicam a acção climatérica sobre a genese do crime. Os climas exercem sobre o homem uma influencia por demais complexa. Boudin, fallando da especificidade de certas doenças 42 bín os difíe rentes climas, diz: « que ellas são semelhantes as plantas; umas se encontram em quasi todas as partes do globo, em quanto que outras só se encontram de uma maneira éndemica em alguns pontos mais ou menos circumseriptos». Da mesma forma podemos dizer que a maneira de certas doenças e de algumas plantas, o crime é especifico em relação a sua constituição ou formação em algumas partes, tomando em outras, modalidades diversas subordinadas a acção do clima e da temperatura. Hoje està provado que o estado hygrometrico ou humidade relativa do ar influe sobre a constituição nervosa ou melhor organica de cada índividuo manifestando a sua acção pelo modo de proceder do mesmo. A humidade absoluta também chamada tensão do vapor d’agua estando sob a dependencia directa da temperatura e portanto augmentandoa medida que se approximado Equador onde attinge seu máximo exerce a mesma influencia que dirige a sua geradora, isto é, a temperatura. O estado hygrometrico está natural mente dependente dos mesmos factores, porem aqui a temperatura age em sentido inverso pois a capacidade do ar para o vapor d’agua diminue com o gráo do calor, ao passo que a humidade absoluta es- tando em relação estreita com a temperatura e participando das oscillações a que ella está sujeita, a capacidade do ar para o vapor d’agua augmenta com o calor. A primeira ou estado hygrometrico marcha em sentido parallelo com a temperatura. Deste longo passeio merereologico concluiremos que: onde mais elevado fòr o estado hygrometrico ahi deve predominar a forma do crime—contra as propriedades e onde mais baixo 43 felle fòr deverá predominar a forma do crime homicida; assim como onde roais elevado fòr a humidade absoluta deverá pre- dominar o homicídio e onde mais baixa ella fòr prodominarà o attentado às propriedades. Isto que deduzimos é de lógica concepção desde que todos estes elementos derivados da temperatura são os constituintes clima cuja acção na formação do delicto anteriormente sali- entamos. São estes os factores principaes que possuem os meios social e cosmico e que delles fazem uso como instrumentos de pro- pagação e desenvolvimento da criminalidade. O crime é pois, muitas vezes, o effeito directo e immediato das circum- stancias externas, salientando-se a influencia deleteria de uma viciosa educação ou de uma ambiente depravado e cor- rompido. ÈAPITULLO III Responsabilidade medioo-legat dos criminosos. E’ este o ultimo capitulo do nosso trabalho inaugural. Diz elle respeito, talvez a parte mais delicada e mais im- portante da criminalogia, aquella que. maior interesse em todo delicto e em relação a sua causa desperta ao mais intimo a tomo social. E’ a questão da responsabilidade moral do indivíduo, autor de um crime. A presença do medico-legista em um delicto visa dois fins: primeiro, o exame da victimá; segundo, o exame do criminoso. No primeiro caso, como medico, elle procura observar á lesão para applícar a therapeutica que aquella requer e como perito elle examina a mesma lesão sob o ponto de vista de sua ou não gravidade, attendendo a considerações outras es- peciaes conforme as variantes do crime, attenuando-o ou aggravando-o em relação a sua maior ou menor culpabilidade. No segundo caso, como perito, medico e especialmente como alienista, elle irá syndicar do criminoso pelos symptomas 46 somáticos e caracteres psychicos que este possa apresentar, e dos quaes o medico se apropria por meio de um interroga- tório bem dirigido, o estado em que se achava quando com- metteu o crime. Do primeiro caso, isto é, do exame da victima não nos occuparemos, pois não constitue assumpto do nosso trabalho; do segundo, porém, transcreveremos dos nosses conheci- mentos as traducções colhidas no decurso das nossas leituras, pois, assim fazendo, estudaremos o criminoso sob o ponto de vista medico-legal e concomitantemente analysaremos, em- bora ligeiramente, as diversas perturbações mentaes que en- tram no vasto grupo da genese criminosa. A grande importância do exame do estado mental dos criminosos foi sabiamente demonstrada em um discurso pro- nunciado por Alfredo Moreau em uma conferencia no tribunal de Bruxellas. A questão da responsabilidade penal é de extraordinário valor para a sociedade e que para ser outorgada é necessária saber-se o motivo que fez commetter o crime. Examinar, pois, pacientemente as causas mais importantes do delicto, compete ao medico-legista, que o fará com o rigor da justiça que deve presidir todos estes actos anti-sociaes, mas que, infelizmente, não encontra o acolhimento que deveria merecer destes cambiadores da sua própria consciência que nos tribunaes alvoram-se a juristas, desprezando assim a voz autorisada de homens eminentes que sobre o homem moral e social tem feito analyses bem vastas, fazendo, deste modo, soífrer a expiação cruel de uma falsa justiça, homens irres- ponsáveis, ao passo que, verdadeiros culpados, sanguinários 47 e perversos recebem, como dogma de fé, a absolvição injusta, e a impunidade é a sua sentença. A exemplo do clinico na cabeceira de um doente, que tem a necessidade de fazer a diagnose de uma doença antes de poder bem definil-a e propor os seus remedios, o medico- legista para resolver a questão da responsabilidade é preciso conhecer em que condições fóra commettido o crime e quaes os antecedentes que regem o instincto individual do auctor criminoso. A sociedade, essa entidade que vive desde séculos remotos mas sempre rejuvenescendo, em que cada individuo repre- senta uma cellula tem a sua vida regulada por leis as quaes representam o direito do homem. Do quebrantamento de uma dessas leis é que surge o crime e portanto a violação do di- reito. Desfeito este equilíbrio social fez-se necessário a orga- nisaçào de um outro elemento que compensasse a continuidade fanccionai d’aquelle elemento vital: elaborou-se a pena, o castigo, formou-se o codigo e no seu evoluir constante nasceu a idéa da responsabilidade moral que tornou-se a systemati- sação dos factos de attribuição e de deíeza reactiva. Para determinar a responsabilidade individual só a attri- buição do facto não basta. E’ necessário um outro elemento que intimas relações com aquella entretem e que serve de base onde ella repousa. Os conceitos de livre arbítrio ou li- bredade volitiva ou moral e responsabilidade moral estão ligados indissoluvelmente. Para resolvermos pois esta questão da responsabilidade moral é preciso definirmos* dizermos o que seja o livre arbí- trio. 48 Que conceito formamos da Liberdade Votiva? Sua existên- cia é real ou chimerica? Não queremos seguir o exemplo de certos alienistas e phrenologistas, que consideram o direito de punir como ille- gitimo, pois, para elles todos os criminosos sendo indivíduos doentes e inermes só merecem a pena do tratamento e esten- dem assim, a irresponsabilidade ao infinito. Esta theoria nega a liberdade da vontade e portanto a responsabilidade do acto. Liberdade absoluta independente de toda e qualquer causa ou influencia não existe; admittimos com Tobias Barretto e o professor Bernheim um livre arbítrio, parcial; ba circums- tancias em que a vontade estando sob a influencia de desor- dens patliologicas e sendo o acto a expressão muitas vezes de uma lesão das funcções cèrebraes, a liberdade moral soffre em seu intimo modificações de tal ordem que torna a respon- sabilidade menos ampla. livre arbítrio e ijeterminismo,—factores oppostos, enti- dades rivaes, productos antagónicos da concepção humana, tem ha muito occupado a imaginação dos sábios e dos grandes scientistas, tem sido assumpto de sérios e complicados pro- blemas, tem provocado fortes e calorosas discussões. Vejamos o que a seu respeio elles dizem: Voltaire, o grande poeta francez adherindo ao determinismo dizia: «a liberdade não é outra cousa senão o poder fazer o que quero ... A vossa vontade não é livre, mas as vossas acções o são. Sois livre de fazer quando tendes o poder de fazer.» Fouillée diz que «no fundo das coisas o determinismo é que é o verdadeiro.» Hamon diz que o indivíduo não gosa da liberdade dê pen- 49 'skr e de perceber, mas goza du liberdade de proceder, isto é; transformar o acto em volição. Herzen diz que o indivíduo não tem a liberdade de querer o que quer, mas tem a liber- dade de fazer o que quer se nenhum obstáculo impedir a execução de sua volição. Bnyle diz: «no fundo, todos os actos da vontade lmmanà são consequências inevitáveis do destino.» Não argumentamos como Jules Simon que duvidando-se de um indivíduo em fazer uma cousa, este fazendo prova á sua liberdade volitiva ou moral; esta opposição por bhauer denominada «motivode contradicçáo» constitue aqui Uma acçào determinada; Fulci. porem, accrescenta que «a op- posição aos motivos quando pode vencer os outros motivos prova o livre arbítrio. Bayle, Hobles, Voltaire e Manouvrier haviam dito que a liberdade de proceder era a unica que possuíamos e que a liberdade de querer não dependia da nossa vontade. O positivismo diz que 0 ser humano não possue a liber- dade volitiva. e sim a liberdade de proceder. Não digo com Bergson que para manter a existência do livre arbítrio negou que houvesse causas no mundo moral e que o que existe entre a acção e os sentimentos é uma sim- ples apparencia de eonnexão e nunca uma real relação. Outros dizem, producto do meio, o ser humano não pode ser livrè e todos os seus actos são determinados, A vontade humana, esse estado de consciência está sub- mettido as influencias dos agentes pbysicos e sociaes. A extrema complexidade da mesologia não nos deixa du- vidar da influencia de seus factores sobre a nossa vontade} 'embora sujeito a todos éstes elementos mesologicos, «apezar 50 da pressão continua e multiforme do meio exterior e apezar da lucta interna dos motivos difíerentes, a decisão em ultima instancia entre duas possibilidades oppostas, como diz Ferri, pertence exclusivamente a vontade humana. Ora, a vontade, esta representação mental consciente de um acto antes de sua execução é o poder de se determinar inherente a alma humana. Qual a concepção que se faz sobre o livre aròitrio?E’ a liberdade de nossa própria vontade, é o poder de se deter- minar que o homém possue; logo, se a vontade é que deter- mina e se esta pertence ao livre arbítrio para que entrarmos em divagações do positivismo, para que negarmos a sua exis- tência desde quando ella se nos afigura tão nitida e compre- hensivel quanto exigem os nossos caprichos, quanto requer a nossa razão. Bossuet diz: a liberdade moral pertence ao homem, por isso que elle pode escolher ou não escolher, sem outro mo- tivo, além da sua própria vontade. Existe, pois, um livre arbítrio relativo sobre o qual re- pousa a responsabilidade moral e esta deixa de existir se aquelle não existe. Si tudo é determinado a responsabilidade moral não póde existir e, se esta realments existe, não é tudo determinado, e logo o livre arbítrio tem a sua razão de ser. Por mais adepto que seja o homem do determinismo, a sua honra, os seus sentimentos, o seu amor proprio clamam o desapparecimento desta illusão de consciência e acha-se do- minado pela. idéa de que tudo é livre quando em um mo- mento vê o seu lar corrompido pela prostituição, prevaricada pela deshonra’. 51 Digamos com Fénelon aos que professam e abriíçam o de- terminismo: « se, theoricamente, o determinismo tem a sua explicação, praticamente o livre arbítrio tem a sua verdade implantada em nossos sentimentos.» Se desprezando, neste caso, as leis da philosophía classica e adherirmos a escola positivista, que continua a ser pelo de- terminismo, a irresponsabilidade moral deve ser integral- mente aceita, pois, os criminosos agindo por forças irresis - tiveis e alheias à sua vontade, nào são responsáveis e, por conseguinte, não devem merecer as punições ou penas pres- criptas pelos codigos. Aceitamos, pois, francamente o livre arbítrio (parcial) e, portanto, a responsabilidaJe do acto. Mas, a attribuição unica do facto, isto é, ser o indivíduo o auctor do acto não basta para determinar a responsabili- dade individual; é necessário que o indivíduo esteja em posse de seu livre arbítrio, esteja em compos mentis (em seu juízo perfeito). Dabi alguns casos em que julgamos admissível a irres- ponsabilidade e, como tal, õ determinismo tem a sua razão de ser. Todas as leis humanas obedecem á evolução dos costumes dos povos que soffrem em seu intimo transformações conforme o periodo de engrandecimento que assiste a vontade do homem. Assim como, em tempos idos, a responsabilidade não era sómente individual, e sim collectiva e familiar, isto deter- minado pelo sentimento de similitude social, a medida que a imaginação humana foi comprehendendo melhor os deveres e direitos sociaes e individuaes, aquelle rigorismo da lei de 52 fáháo foi desapparecendo e modificando-se pouco a pouco,* embora, sobreviva ainda nas relações entre nações a respon- sabilidade collectiva. A idéa que se faz hoje da responsabilidade, não é a que se fazia hontem; ella transforma-se, com o evoluir dos conhe- cimentos humanos. Hoje, não rnais como antigamente, a responsabilidade do acto recàe única e exclusivamente sobre o indivíduo, auctor do acto e isto quando està comprovada a sua liberdade voli- fiva ou moral. Em que casos, pois, devemos admittir a responsabilidade' e em quaes a irresponsabilidade existe? O artigo 64• do Codigo penal francez proclama que não' ha nem crimes ném delicto quando o auctor està em estado de demeneia (ausência da razão) no tempo da aeção ou quando' o acto foi eommettido por uma força irresistivef. O artigo 71" do Codigo penal belga é a reproducção deste. O artigo 51’ do Codigo penal allemãoé mais explicito, por- quanto diz: para que haja crime, é preciso que, no momento' do acto, o agente tenha a liberdade de sua vontade. O artigo 31* do Codigo penal hespanhol considera o im- becil, o dementé e o alienado, permanente ou não, comó irres- ponsáveis. O artigo 42' do Codigo penai portugúez considera irrespon- sáveis os loucos que não tiverem intervallos lúcidos. Donde concluímos qúe os individuòs, cujo cerebro é o cen- tro de um desenvolvimento de porturbaçõos mentaés, sendo,* pois, os seus actos a expressão daquellas desordens patholo- gicas são considederadas como irresponsáveis. Mas que é o estado de demeneia fixado pelos Codigos- ? 53 r Tem significações diversas conforme é dado pelos juristas oii pelos médicos. Os primeiros, defensores do immutavel principio de respon- sabilidade moral procuram manter este estado de demencia em limites estreitos, ficando comprehendidos neste numero somente os insensatos em todos os seus actos e raciocínios; os segundos, adeptos da ir responsabilidade individual em certos casos, extendem a significação do termo demencia a todas as affecções e pertubações cerebraes. A magistratura, parecendo se horrorizar com a opposição muitas vezes justa que o alienista emprehende quando tenta arrancar das garras ua condemnação por ella preparada, um pobre louco irresponsável, julgando ser isto uma oífensa, já não exige a presença do medico-legista, dispensando a sua intervenção como damnificadora aos seus princípios de vin- gança. Theoricamente numerosos estados mentaes são compre- hendidos sob o termo «demencia»; praticamente, porem, os juristas não dão o seu valor integral, a sua significação in- trínseca. Foi tão grande a confusão que se estabeleceu entre as relações do crime com a loucura e os diversos estados mór- bidos mentaes que muitos auctores não vacillaram em suas dissertações de approximar o crime de uma nevrose ou de uma degeneração. Lombroso diz que o criminoso é um epiléptico, e, assim, elle se exprime: a loucura moral podendo ser approximada das formas epilépticas chamadas larvadas nas quaes não se constata as manifestações incendiosas d’esta nevrose definiti- vamente pode-se affirmar que o criminoso é um epiléptico. 54 Â criminalidade torna-se assim como o genio—uma ne- vrose. A epilepsia reúne e funde-, segundo elle, os loucos moraes e os criminosos-natos em Uma só família natural. O accesso epiléptico não é senão uma caricatura do crime- Para elle no ponto de vista anatomo-physio-psychologico eriminosos-natos e epilépticos são seres idênticos. Apresentam as mesmas anomalias ceREBRAES, craneanas, ASYMETRIA FACIAL, ZYGOMAS ENORMES E VOLUMOSOS e O mesmo cortejo de anomalias por elle idealisado para a formação do typo criminoso. Esta é a sua theoria teratologica. Entretanto o professor de Turim não abandonou comple- tamente a sua theoria do atavismo; considera-a como gosando de papel secundário. Não lia incompatibilidades entre a loucura moral e a epi- lepsia; uma não exclue nem implica a outra. Com Lombroso.Maudsley considera o crime como o resul- tado de uma verdadeira nevrose que tem relações estreitas por sua natureza e origem com ontras nevroses e especial mente a epilepsia e as nevroses delirantes. O crime é uma psychosel... Benedikt attribue a criminalidade a neurastlienia, isto é, a fraqueza do systema nervoso, fraqueza esta que pode ser congénita ou adquirida na primeira infancia. Ferri considera como uma manifestação da degeneres- eencia. Todas essas formulas sob esta apparente diversidade de expressão tendem a approximar a criminalidade da loucura e- 55 classificar o criminoso como um nevropatha, um doente men- tal, um alienado final mente. Evidentemeute a criminalidade e a loucura intimas con- nexões e relações entretêm entre si ; se não vejamos: anteci- padamente digamos approximar o crime da loucura, não é identifical-os nem confundil-os. O crime é a manifestação das inclinações próprias ao indi- víduo e a expressão de seu caracter;a loucura é a transforma- ção completa em uma nova personalidade dotada de outras in- clinações. Tayjor diz que um grande traço da loucura é a mudança do caracter. Falret accrescenta qne um dado importante para o dia- gnostico da loucura é a comparação do individuo doente com elle mesmo nas diversas epochas de sua existência. Mudanças nas disposições de espirito, nos sentimentos, há- bitos, inclinações, na direcção da vontade, uma constituição da vida moral que differe consideravelmente da maneira de ser interior do doente e estranha a elle proprio! Seu antigo «EU» está transformado. A insocxabilidade é um traço bem caracteristico da loucura. O alienado ama a solidão, repugna a sociedade. Seus proje- ctos elle os forma só,não oscommunicaá pessoa alguma e não quer cooperação nem auxilio. Não tem cúmplices nos mal- feitos que pratica. O criminoso, ao contrario, é sociável, não detesta a sociedade contra a qual hypocritamente se revolta, ama as reuniões,frequenta as tabernas e confia a outrem seus acarretando facilmente cúmplices em seus malfeitos. Constituem sociedades secretas, tendo sua hierachia, seus es- tatutos, trabalhando no interesse commum. 56 Áma o jcgo, adora a orgia. A pbysionomia também olíerece caracteres bem distin-' éti vos. A pbysionomia do alienado se caracterisa pelo polymor- phismo; as expressões as ma is variadas e contradictorias se; succedem com uma rapidez extraordinária. Muitas vezes a expressão da pbysionomia não está de ac- eordo com o estado psycbico: assim é que chora em momentos alegres é ri-se em oec/asiões bem tristes: 6 o que chamamos «inconsequência da pbysionomia». E’ uma physiónomia que tende a monotomia. Nenhum d'estes caracteres se encontra nos criminosos. Os caracteres do acto servem de diagnostico differencial; ó criminoso não commette uma falta sem escrúpulo pois sabe o perigo que corre, ao passo que o louco age sem fim deter- minado. Ha, pois, separação completa da criminalidade e da loucura pelos caracteres que acabamos de expor. A distin- cção ê a mais manifesta possível. Lombrosoliga a inclinação para o crime a'loucura morais No Congresso de Roma em 1885 quando achavam-se reuni- dos 125 sábios vindos de toda a Europa que iam levar as ultimas descobertas até então chesta scieneia, o problema mais importante resolvido embora em parte fòi da concomitância da epilepsia com a criminalidade congénita. Estes estudos chegaram ao seu completo desenvolvimento com os ensaios de Marro, Gonzales, Pinèro, Brunati e outros, A serie de casos de epilepsia larvada observada em fa- mílias epilépticas constituem verdadeiros estudos genealogicqs, Àgostini que muito tem se applicado sobre este assumpto;.1 fál laudo dc território .nervoso diz: que a sensibilidade geral ê- 57 menor nos epilépticos que no homem são, e apresenta nelles phenomenos de lateralidade que estão em relação com a plagio- cephaha e com o augmento de excitação em um dosdous hemis- pherios; esta differençaaugmenta em seguida as convulsões. Os reflexos cutâneos, mais fracos antes do accesso e após o accesso, são mais vivosnelle que nos indivíduos sãos. A sensibi- lidade do gosto, tacto e odor é sempre diminuída. A loucura é capaz de determinar um estado de perversão moral, uma inclinação ao mal e por conseguinte uma especie de habito criminoso. Nas psychoses o crime não é senão nma manifesiaçao d’este estado morbido. São criminosos irresponsáveis. . Que a epilepsia, a loucura, a neurasthenia, o álcool, etc. etc., conduzam oindividuoao crime,é admissível, masque todo criminoso seja um epiléptico, é uma asserção tão excessiva- mente rigorosa que Moleschott, grande admirador de Lom- broso disse: «mon ami a Iq phrase ailèe.» Já Herodoto tinha observado que os crimes de Cambysa eram attribuidos a epilepsia. Porque suppor que a doença mental seja um caso do ata- vismo ? Porque igualar a epilepsia á loucura moral, cujos cara- cteres são tão differentes ? Criminosos cerebraes, como denominou-os Lasègue, isto é, indivíduos que em condições mental mente anormaes são le- , vados á pratica do crime, são irresponsáveis. Por criminosos cerebraes não comprehendemos sómente os loucos propriamente ditos; a sua distenção é maior: ella al- cança desde os verdadeiros alienados aos indivíduos cujo es- 58 fado ínéntal, não estando profundamente lesado, não é, entre- tanto, perfeito. Neste grupo encontram-se certos hystericos, epilépticos,’ alcoolicos, neurasthenicos, etc., etc. Entre a integridade ou lucidez mental e a loucura real existem diversos graus de perturbações mentaes que não de- vem fugir da preocupação medico-legal e para õs quaes estes recalcitrantes juizes, com a sua rebeldia, deveriam tornar-se rnais justos. O álcool, gosando de papel preponderante na etiologia das moléstias mentaes, intimas relações offereee com a crimi- nalidade. Para Laurent varias razões agem hereditariamente duma! maneira mais ou menos poderosa sobre o desenvolvimento do crime. Em primeiro lugar colloca ô alcoolismo e depois as ve- sânias e as nevroses, e emfim, a titulo secundário, vem a tu- berculose. O criminoso representa em geral um ser vicioso, mal orga- nisado e mal equilibrado, mas não um doente no sentido restricto da palavra. A. criminalidade seria uma maneira de ser da degenerescencia. A embriaguez na grande maioria dos casos é a causa ma* ter das tétricas e horrorosas tragédias de sangue. Eetretanto um epiléptico ou um alcoolico pode ser res- ponsável pelos seus actos desde quando o crime for por elles praticado fóra da influencia dos accessos convulsivos ou etby- licos. O medico deve bem examinar o doente criminoso pois este' 59 joela tactica e esperteza que possue pode simular uma pertur- bação mental que conduz o alienista ao engano e ao erro. A. essencia e o segredo do pensamento humano estão subordinados muitas vezes a Vontade medica. Quando, porem, o alienista encontrar todos os dados qué systernatise uma affecção mental de qualquer ordem que prive o criminoso de sua consciência, elle arrogante e altivo deve declaral-o irresponsável pelo crime praticado. Em casos taes, o interesse da defeza social, a morte ou pena infligida ao criminoso, o aniquilamento dos princípios anti-sociaes não são admissíveis; idéas altruisticas, senti- mentos de humanidade devem imperar nas decisões destes actos fataes commettidos por esta classe de criminosos. Concluímos, dizendo, que todo homem é responsável desde quando goze da integridade de todas as suas faculdades, porque só assim elle pode responder pelos seus actos; quando, porem, a sua vontade for o producto da elaboração de desordens pathologicas, a razão, o bom senso e a justiça clamam a sua irresponsabilidade, attestam a sua fatuidade, a sua inacção de consciência. proposições ANATOMIA DESCRIPTIVA I— O craneo se nos afigura exteriormente com a forma de um ovoide irregular achatado dos lados, cuja parte mais alta íica no vertex. II— A par desta conformação exterior, frequentes vezes en- contramos irregularidades bizarras ou extravagantes. III— Estas irregularidades observadas tão commuménte em diversos homens celebres por suas virtudes civicas, por sua integra moral ou por seus talentos (Bichat, Napoleão, Dupuytren) não constituem nem attestam a existência de uma psychose, nem são o registo de tendências mórbidas e criminosas, nem de estygmas degenerativas, como cathegori- camente pretendem comminar aos indivíduos inferiores os anthropoíogistas e criminalistas lombrosianos. ANATOMIA MEDICO-CIRURGICA I— A.s deformações tão numerosas quanto variaveis que encontramos no craneo dividem-se em: artificiaes e patholo- gicas.. II— As primeiras são o efieito de uma compressão conti- nua e methodica dessa região. III— As segundas têm por causa: T deformações de ori- gem cephaUca, como na hydrocephalia, por um accumulo anormal de liquido nos ventrículos ou nas meninges; 2- de- formações de origem ossea, por uma aflecçào geral do tecido osseo (rachitismo, etc.), ou por uma obliteração prematura (synostose) de uma ou varias suturas, sem falarmos nos vicios de conformação que se operam durante a vida intra uterina. HISTOLOGIA I— O periosteo é uma membrana fibro-vascular que está em contacto intimo com os ossos os quaes elle o reveste. II— O tecido proprio que o compõe apresenta duas camadas: uma externa ( bainha tendiniforme de Renaut) e outra interna '( estojo íibro-elastico de Renaut). III— Sua espessura é variavel segundo as regiões em que se c examina. II ANATOMIA E PHYSIOLOGIA PATHOLOGICAS I— Dá-se o nome de hydrosepgalia a exsudação de um liquido de origem não infjammatoria nos ventrículos cere- braes e na cavidade arachnoidiana. II— Anatomicamente descrevem-se duas formas de hydroce- plialia: uma aguda e outra chronica. III— A primeira corresponde a apoplexia serosa dos an- tigos; a segunda é congénita e portanto ligada a uma defor- mação intra-uterina ou adquirida. BACTERIOLOGIA I—O pneumoccocus de Talamon e Fránckel, agente respon- sável da pneumonia lobar ou íibrinosa desenvolve também seu papel etiologico nas complicações desta entidade mórbida e em um certo numero de outras affecções. II —Invadindo muitas vezes o sangue o pneumoccocus vae causar perto ou distante complicações suppurativas. III—As pleuresias e pericardites fibrinosas ou purulentas as endoeardites vegetanteou ulcerosa, a meningite, a nepbrite as arthrites suppuradas, aperitonite, a parotidite suppurada podem apparecer como complicações da pneumonia lobar. PHYSIOLOGIA I— A hereditariedade rege e dirige todos os phenomenos biologicos que são em geral transmittidos mais ou menos integralmente de paes a filhos. II— Segundo o desenvolvimento phylogenetico, os orga- nismos transmittem aos seus descendentes as íormas e cara- cteres proprios, modifiicaveís comtudo, segundo a acção das condições exteriores. IIÍ—Esta nossa asserção é bem comprovoda em Crimna- logia onde são abundantes os factos que testificam e confirmam a tara hereditária. TERAPÊUTICA I—A penetração no organismo de certas substancias de- leterias determina um estado morbido, muitas vezes fatal a que chamamos envenenamento. III II— Sendo o envenenamento a causa mortis, compete ao medico-legista syndicar se aquelle foi o resultado de um sui- cídio, se de um homicídio ou se devido a incompetência me- dica ou pharmaceutLa na prescripçào (dosagsm )ou na mani- pulação do medicamento (substituição de uma substancia por outra)» III— O suicida assim como o bomicidia tem as substancias preferidas, assim é que o 1.' escolhe o opio e seus derivados, e oi' o arsénico, o phosphoro, a estrychnina, etc., ctc., HISTORIA NATURAL MEDICA I— Submissos como somos ás leis biológicas, phenomenos ha que o homem não procura desvendar nem delles se peeoccupa. II— A mudança continua das còres que as aves embelie- zam as uuas plumas e das pétalas que adornam as ílores é um destes mysterios sublimes da Natureza. III— Este phenomeno, que, no dizer de fobias Barretto, obedece a uma selecçâo natural ou artística nao podia, em virtude do mesmo processo, transformar a direcçáo da indole do criminoso? E’ certo; o remorso de alguns delles nos faz assim pensar. MEDICINA LEGAL E TOXICOLOGIA I— Em regra geral o estrangulamento é o resultado de um homicídio e o enforcamento é a consequência de um suicídio. II— Embora extremamente raro, póde o enforcado ser o resultado de um homicídio e neste caso o medico-legista, como perito, irá procurar na victima os signaes de que dispõe a Sçiencia para esclarecimentos de tal ordem. III— ■-Sendo o enforcamento o facto de um homicídio, com- prehende-se que a victima, antes de ser enforcada, teve tempo de luctar, e como resultante deste combate traços de violência deveriam ficar estampados sobre seu corpo. Uma unica hypo- these collocará á primeira vista o perito em duvidas: é destas manchas serem impressas pelos movimentos convulsivos exe- cutados pelo corpo do enforcado durante a agonia. Entretanto, attendendo-se a sede. as irregularidades e pouca proíundidade destas lesões, facilmente estabelece-se a difíerenciaçâOi IV HYG1ENE I— Encarcerando um crimonoso, a sociedade pretende pri- va 1 - o de sua liberdade, infligir a pena como recompensa do crime praticado e não diminuir a sua vida. II— Sendo habitações collectivas, devem as prisões ser salubres e possuírem um certo conforto, podendo imperar con- comitantemente o espirito de justiça e humanidade. III— Entretanto, em o nosso meio as casas de correcções sào o verdadeiro palacio da miséria, do vicio e das moléstias que tornam-se tnais frequentes e mais graves desde que tudo alli é infecto e insalubre; a ventilação imperfeita, cárceres sombrios e húmidos, má alimentação e péssima dormida, tudo concorrendo para o anniquilamento orgânico dos detentos, para os quaes o governo, entidade autonoma, deveria tornar-sé mais humano e probo. CLINICA DERMATOLÓGICA E SYPHILIGRA- PHICA I— A syphiiis, moléstia tão contagiosa como claramente é demonstrada na pratica e reconhecida por todos, constitue sob o ponto de vista moral e social um obstáculo á perpetuação da especie—o casamento. II— E’ do dever restricto do medico-legista, quando con- sultado em taes casos, prevendo o desenlace fatal, èxpõr os resultados tétricos e sinistros que impreterivelmente sobre- vêm desses verdadeiros assaSsinios moraes e physieos, incor- rendo elle em um crime quando por uma trahição perpetrada, amizade ou interesse não fizer prevalecer a opinião legal. III— Este bilhete de saude, que não pode ser preterido ao da confissão, deveria constituir uma lei obrigatória em nosso paiz, infelizmente deteriorado destes preconceitos sociaes. PATHOLOGIA CIRÚRGICA I— Dà-se o nome de necrose a gangrena do tecido osseo. II— A parte do osso mortificado chama-se sequestros. III— Esta lesão não constitue uma doença especial; é o ter» mino de affecçõesbem diversas. V OPERAÇÕES E APPARELHOS I— Dá-se o nome de anaplastia tegumentar a parte da ci- rurgia reparadora que visa a restauração das partes do corpo humano. II— Esta é praticada por meio de materiaes extrahidos do proprio doente ou de outro individuo da mesma especie ou de aspecie differente. III— No primeira caso toma mais especialmente o nome de autoplastia e no segundo de heteroplastia. CLÍNICA CIRÚRGICA (Ia Cadeira) I— A nephrectomia é uma operação que consiste na ablação total ou parcial do rim. II— A nephrotornia consiste n’uma simples incisão. III— Esta é feita com o fim de extrahir um calculo ou evacuar uma collecção liquida. CLINICA CIRUDGíCA (2a Cadeira) I— Toda ferida abdominal por bala reclama uma inter- venção immediata. II— Esta deve revestir-se de todos os cuidados operatorios. III— Toda e qualquer exploração digital ou instrumental do trajecto da baila é contra-indicado. PATHOLOGIA MEDICA I— Diagnosticada uma vez a appendicite, a grande mo- léstia abdominal no dizer do eminente clinico do Hotel-Dieu, o professor Dieulafoy, impõe-se ao medico a necessidade de instituir o tratamento medico ou cirúrgico. II— O primeiro deve ser applicado rigorosamente nos casos benignos quando ella reveste a forma plastica e circumscripta o consiste naimmobilidade completa, applicação permanente fe gelo, pdr meio de balões, sobrti o ventre, dieta absoluta, admi- nistração do opio evitando-se assim accidentas de intoxicação. III— Si porem observar-se os symptomas seguintes: diar- rhéa fétida, estado de aspecto typhoide, dor viva expontânea, vindo por crise, a reacção peritoneal não se attenuando no fim de algumas horas, persistência das dores e dos vómitos, VI elevação progressiva de temperatura emquanto que o pulso é pequeno e irregular a intervenção cirúrgica se impõe imme- diatamente. CLINICA PROPEDÊUTICA I— Dá-se o nome de crepitação a uma sensação táctil, muitas vezes acompanhada de um ruido e podendo-se pro- duzir em vários estados pathologicos. II— A crepitação ossea é a sensação que os fragmentos de um osso fracturado dão ao cirurgião, quando este applica as mãos sobre a parte doente. III— Nas fracturas transversaes da rotula, quasi nunca se encontra a crepitação. CLINICA MEDICA (r Cadeira) I— E7 de observação vulgar que aos intoxicados atacados de uma infecção febril não se deve privar do seu estimulante habitual; ao contrario, este deve ser administrado em doses continuas. II™Assim na pneumonia .dos alcoolistas a medicação de Tood, em todo o seu rigor, deve constituir a base funda- mental do tratamento. III—Pode-se também associar o opio ao álcool, que se em- pregara sob a forma de vinho laudanisado, principalmento nos doentes excitados e delirantes. CLINICA MEDICA (2.- Cadeira) I A chlorose, considerada como moléstia de evolução é caracterisada por uma diminuição considerável do numero dos globulos vermelhos e perda de hemoglobina e symptomati- eamente classificada por uma cor amarello-esverdeada que recobre os tegumentos e por perturbações dos differentes appa- relhos. II— muito commum no sexo feminino durante o periodo da puberdade. III— -O ruido vascular, denominado ruido de roda ou de carro, ruido continuo com reforço e som baixo observado quando se applica o estethoscopio sobre a veia jugular interna: é caractenstico da chlorosé. VII CHI MICA MEDICA í—0 opio é o sueco espesso extrahido das capsulas do Pa- paver Somniferum. II— Encerra em sua constituição chi mica diversos alca- loides. III— Destes alcaloides os mais empregados em medicina são a morphina e a codeina. MATÉRIA MEDICA, PHARMACOLOGIA A ARTE DE FORMULAR I— De grande utilidade é muitas vezes a administração de um medicamento isoladamente. II— Outras vezes, porem, a associação de uma ou varias substancias é proveitosa e de eíTeito considerável. III— A associação de medicamentos tem por íim augmentar o eíTeito therapeutico, obter simultaneamente os effeitos de vários medicamentos além dos fins pharmaceutícos a que ella se destina. OBSTETRÍCIA I— Dà-se o nome de aborto a expulsão do producto da con- cepção antes da época natural. Póde ser elle espontâneo e provocado ou criminoso. II— O primeiro caso não indica a existência de uma acção criminosa e portanto não interessa nem reclama os cuidados medicodegaes; o segundo, porém, exige toda a attençao e ri- gorismo por1 parte do perito, que irá esclarecer a verdade para que a punição seja imposta. III— Dos numerosos processos postos em pratica para con- seguir o aborto provocado, os mais usuáes são as monobras obstétricas ou n.eeanicas e a ingestão de substancias medica- mentosas. CLINICA OBSTÉTRICA E GYNECOLQGICA I- aborao espontâneo póde ser determinado pelo pro- ducto da concepção. II— A causa mais commum deste accidente reside em qual- quer lesão ou anomalia placentaria. VIII III—0 aborto espontâneo tem também como causa a traris- Tnissibilidádé ao feto de moléstias infecciosas. CLINICA PEDIÁTRICA I--A acupunctura ou introducção duma agulha no ce- rebro atravéz das fontanellas, no coração ou grossos vasos e no bolbo, passando pela nuca ou pharynge, determina a morte da creança. O medico-legista nestes casos de infanticídio não ligara importância a ferida exterior, que é minina. III—A autopsia, porém, revelará dilacerações da massa ce- rebral, devido aos movimentos desordenados e prolongados impressos pela mão do criminoso. CLINICA OPHTALMOLOGICA I— Scotoma é um mancha immovel qtie mascara uma parte do campo visual situada ora no centro, ora na peripheria e está geralmente dependente de uma lesão da nervo optíco. II— -E’ commumente observado também em indivíduos possuidores de certas nevropathias. III— O scotoma central, associado as outras perturbações psychieas observa las nos indivíduos sobre os qiíaes o alcooí exerce o seu poder, constitue uma prova legitima que o me- dico legista evidencia para attenuar um delicto por elies commettido. CLINICA PS YC Hl A T RI CA E MOLÉSTIAS NER- VOSAS I—A loucura paralytica ou paralysia geral dos alienados é uma affecção caracterisada, clinicamente por perturbações intellectuaes, traduzidas a principio por um enfraquecimento’ mental, que vae se accentuando gradativamente e termina pela demencia, sendo antes precedida por um delirio quasi constante, cuja fórma mais frequente e quasi caracteristica ê a ambiciosa.- IX II— Raramente se observa a íorma depressiva, em que gra- dualmente apparecem e desenvolvem-se as idéas melancó- licas e hypocondriacas. III— Em casoSíde tal ordem o medico legista, percebendo o embaraço da palavra a dilatação ou retracção da pupilla, o optimismo exaggerado ou deli rio ambicioso, symptomas principaes sobre os quaes repousam o diagnostico desta affe- cção, deve elle declarar legalmente irresponsável pelo crime praticado todo aquelle que nestas condições lhe for apre- sentado. Visto.—Secretaria da Faculdade de Medicina da Bahia, 31 dc Outubro de 1910. O Secretario, JVfenandro dos J\eis J^eipelles.