Faculdade de Medicina da Bahia THESE APRESENTADA Á FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA Em 31 de Outubro de 1904 PARA SER DEFENDIDA POR c/e CsftçMtía 6 NATURAL DESTE ESTADO (Lagôa do Timotheo no Município de Minas do Rio de Contas ) Ex-interno do Hospital Santa Izabel e ex-socio do Grémio dos Internos dos Hospitaes da Bahia. AFIM DE OBTER O GRAO DE DOUTOR EM MEDIGINH DISSERTAÇÃO Cadeiia ds Da nocuidade da puírefacçâo dos eadaveres se- pultos e dos meios de que dispõe a hygiene para attenual-a na construeçâo e manutenção das neeropoles. PROPOSIÇÕES Tres sobre cada uma das cadeiras do curso de sciencias medicas e cirúrgicas BAHIA IMPRENSA MODERNA DE PRUDENCIO DE CARVALHO Rua S. Francisco n. 29 1904 Facilidade de Medicina da Baliia Director—Dr. ALFREDO BRITTO Vice-Director—Dr. ALEXANDRE E. DE CASTRO CERQUEIRA Lentes cathedraticos OS DRS. MATÉRIAS QUE LECCIONAM 1. SECÇÃO J. Carneiro de Campos Anatomia descriptiva. Carlos Freitas Anatomia medico-cirurgica. 2. Secção Antonio Pacifico Pereira. . . . Histologia Augusto C. Vianna Bacteriologia. Guilherme Pereira Rebello. . . . Anatomia e Physiologia pathologicas 3. a Secção Manuel José de Araújo Physiologia. José EduardoF.de Carvalho Filho. . Thérapeutica. 4. Secção RaymundoNina Rodrigues. . . . Medicina legal e Toxicologia, Luiz Anselmo da Fonseca Hygiene, 5. a Secção Braz Ilermenegildo do Amaral . . Pathologia cirúrgica. Fortunato Augusto da Silva Júnior . Operações e apparelhos Antonio Pacheco Mendes . . • . Clinica cirúrgica, 1.» cadeira lgnacio Monteiro de Almeida Gouveia . Clinica cirúrgica, 2.» cadeira 6. « Secção Aurélio R. Vianna Pathologia medica. Alfredo Brítto Clinica prooedeutica. Auisio Circundes de Carvalho. . . Clinica mlllica Pa cadeira. Francisco Braulio Pereira Clinica medica 2.a cadeira 7. a Secção José Rodrigues daCostaDorea . . Historia natural medica. A. Victoriode Araújo Falcão . . . Matéria medica, Pharmacologia e Arte de formular. José Olympio de Azevedo .... Chímica medica. 8. a Secção Deocleciano Ramos Obstetrícia Climerio Cardoso de Oliveira . . . Ciinica obstétrica e gynecologica. 9. a Secção Frederico de Castro Rebello. . . . Clinica pediátrica 10. Secção Francisco dos Santos Pereira. . . Clinica ophtalmologica. 11. Secção Alexandre E. de Castro Cerqueira . Clinica dermatológica e syphiligraphica 12. Secção J. Tíllemont Fontes Clinica psychiatrica e de moléstias nervosas. JoãoE. de Castro Cerqueirá ... i Sebastião Cardoso Em disponibilidade Lentes substitutos OS DOUTORES José AÍTonso de Carvallio \jnterino. . • 1secção Gonçalo Moniz Sodré de Aragão . . - 2a » Pedro Luiz Celestino 3.a » Josino Correia Cotias 4.a » Antonino Baptista dos Anjos . 5. a João Américo Garcez Fróes 6.a Pedro da Luz Carrascosa e José Julio de Calasans 7.a J. Adeodato de Souza 8.a » Alfredo Ferreira de Magalhães . . . 9.a » Clodoaldo de Andrade. ..... 10. » Carlos Ferreira Santos 11. » Luiz Pinto de Carvalho (interino-) ... 12. j> Secretario—DE. MENANDRO DOS REIS MEIEELLES Sub-secretario—DR. MATHEUS VAZ DE OLIVEIRA A Faculdade nãoapprova nem reprova as opiniões exaradas nas theses polos seus auctores. A QUEM NOS LER que por acaso,em uma hora de tedio lançares mão deste humilde trabalho, movido quiçá pela novidade do titulo, para não dizer antiguidade, porquanto, após haver sido o assum- pto em questão atirado por bolorento ás ondas negras do Lethes, onde, protegido pelo escaphan- dro da investigação nós o fomos buscar, é justo que ao resurgir do preterito, só por isso mesmo excite a attenção, não cuides que elle corresponda ao rotulo que leva no bojo, nem que se apresente escorreito e trajando o ultimo figurino, porque a moda não se fez para os decrépitos. Fomos exhumar do Thophet das cousas rejei- tadas, onde não havia soffrido a metamorphose completa a que a chamma purificadora do progresso tudo submette, o objecto de nossas lucubrações. Forçado a escrever, afim de podermos receber a ligia investidura desta cavallaria de que nos vamos IV armar legionário, cavallaria em que a lança é o bisturi e o escudo o livro, a religião é a caridade e o mouro o morbo em todas as suas milhentas manifestações, sentimo-nos pequeno e fraco ante a imponência do acto, porque, apezar de havermos macerado oespiriLo em noites não dormidas, mui- tas e longas como annos de estudo, genuflexo diante das aras da sciencia, envolto no cilicio as- pérrimo do raciocínio, que não nos agasalhava o animo contra o frio do desalento, que sóe reinar em taes deshoras no templo deserto de Minerva, antes nos aguilhoava e mortificava o pensamento em luta com óbices aterradores, difficeis de serem transpostos, não temos para nos servir de amparo o braço forte do mérito, unico padrinho capaz.de nos paranymphar a iniciação, não somos herdeiro de altas façanhas de avoengos illustres e nada po- demos dizer das pelejas em que nos achamos, pois não temos o peito coberto de veneras ou, para empregar a phrase. hodierna, não trazemos baga- gem scientifica. Muito satisfeito ficaríamos com o modesto gráo de bacharel em medicina e aqui deixamos esta idéa a esmolar uma consideração dos nossos legis- dores. V Os galões não dão mais coragem ao soldado, principalmente si estes são obtidos em tempo de paz, quando a espada gasta-se de ferrugem na bai- nha; perdido em meio á massa combatente, elle tem arreganhos de heróe, Bem pudéramos ser isento desta ultima prova, verdadeira prova do fogo, que constrange o céo e não innocenta o accusado, que tortura a sciencia e não habilita o estudante. Mas dura est lex sed lex e aqui estamos para cumpril-a, porque, apezar de tudo, condemnamos in limine a liberdade de profissão. Aos mestres, que tiverem de julgar a these modesta e despretenciosa, pedimos venia para os senões de que ella vae eivada. O nosso precário estado de saude e a escassez com que tivemos de lutar, dos meios adequados ao fim que nos propuzemos, inhibiram-nos de dar a esta obra um cunho mais pratico e todo o desenvol- vimento que.ella comportava. Si outro mérito não tiver o fructo de nossos es- forços, sobra-nos o prazer de ter chamado a at- tenção dos estudiosos, para um assumpto assás descurado estes últimos annos em nosso paiz. DISSERTAÇÃO Cadeira de Hygiene Da nocuidade da putrefacção dos cadá- veres sepultos e dos meios de que dispõe a hygiene para attenual-a na construcção e manutenção das necro- poles. PRIIKEIRR PflPjE Putrefacção dos cadaveres e seus effeitos nocivos solbre o homem CAPITULO I Gí- e; n e: r a 1 i d a. d. e; s Diante da tendencia hodierna a se admittir que a quasi totalidade das moléstias de origem tellurica é devida unica- mente á decomposição da matéria organica no seio da terra, provado que os microbios são os vehiculos naturaes dessas affecções, ao submetter a primeira parte do nosso despretencioso trabalho á epigraphe acima, é nosso fito, apôs algumas genera- lidades sobre a destruição da substancia organisada em geral e dos cadaveres sepultos em particular, demonstrar como os microrganismos responsáveis por aquelles morbos, indepen- dentemente de outros, hospedes habituaes do sólo e nada innocentes, como outr’ora se acreditava, podem contaminar não somente o terreno de uma necropole, como as agoas quer meteóricas, quer pertencentes ao lençol d’agoa subterrâneo que o banha e ainda a atmosphera ambiente ou distante e de que modo o elemento liquido, o ar, os gazes exhalados das sepul- turas, os vermes, os insectos acarretam os infinitamente pe- quenos para o mundo exterior, onde elles vão semear a deso- lação e a morte. 1 2 Como corollario decorrente, na segunda parte deste ligeiro estudo apontaremos os meios de que a hygiene dispõe na construcçâo e manutenção dos cemitérios, afim de attenuar a impetuosidade desse immenso turbilhão de males. A primeira parte de nossa these não será mais do que um rápido passeio atravez da loura seára da"bacteriologia. Appellamos para o critério dos competentes, por que estes de látego em punho não nos expulsem, como o Ghristo aos vendilhões, do adro do templo, cuja primeira columna ergueu Pasteur; elle é muito vasto, ahi ha logar para todos; como o Genio que a creou, a divindade que nelle se adora é cosmo- polita. Hoje em dia, quem diz putrefacção diz microbio, (1) porque a natureza é a vida e esta se prolonga indefinidamente em uma cadeia continua, ininterrupta, cujos elos se prendem, o primeiro ao ser ultra-microscopico que nós adivinhamos existir, (1 ) Resolvemos adoptar o termo commum de microbio proposto por Sedillot em 1878 e que Golm em 1872 tinha deno- minado bactéria. Pensando como este ultimo auctor, Naegeli, du Bary, etc., nós consideramos a bactéria um cogumelo e não uma algacomo o fazYan TieghermCom efTeito, como os fungos ou cogumellos, a bactéria não tem chlorophyla e a única diíTerença que ba entre aquelles e esta é o genero de repro- ducção vegetativa que se dà por gemmulação (bourgeonne- ment) no cogumello e por divisão na bactéria. Por este motivo deu Naegeli á bactéria o nome de schizomyceto, Cohn o de schizophyto. Fleck denominou-a schistomyceto. 3 porque os apparellios inventados são impotentes prra nol-o revelar; o segundo ao homem, culminância dacreaçàoe eterno mysterio para si proprio. O microbio, não satisfeito em roubar á cbimica o papel que esta representava, veio se tornar uma condição sine qua non de certos processos chimicos. E’ o que notamos nos phenomenos elementares de reducção, oxydação e desdobramento. E’ o microbio, que por meio dos seus fermentos ou diastases, das suas hydrogenases, das suas oxygenases, etc. governa o mecbánismo intimo desses processos. De facto, na oxydação, o microbio aerobio, tendo necessidade do oxygenio para fermentar o seu substratum, rouba-o com- pletamente á matéria organica, isto é, oxyda-a. Na reducção é o microbio anaerobio, que não precisando do oxygenio antes sendo-lhe este prejudicial, produz o lrydrogenio nascente, necessário para reduzir a substancia organisada. No simples deêdobrameyito, seja por exemplo na fermen- tação ammoniacal da uréa, é ainda o microbio, o micrococcus ureae que, secretando uma diastase particular, desbobra a molécula primitiva da uréa em duas outras de carbonato de ammoniaco. Rigorosamente fallando, de accordo com astheorias recentes, não ha distincção possível entre putrefacção e fermentação, a não ser que nesta ultima dá-se um phenomeno de simplifi- cação molecular das substancias hydrocarbonadas e das azo- tadas não albuminoides, ao passo que naqnella verifica-se um facto analogo com as matérias albuminoides. O fim de ambas é o mesmo; o odôr infecto dos productos da putrefacção é cousa de somenos importância, porque não raro 4 elle mascára a fermentação ; somente o resultado pratico desses processos póde apresentar caracteres distinctivos; para o homem uma bactéria é fermento toda vez que ella póde offerecer-lhe productos de immediata utilidade. Para mostrar até que ponto a idéa de putrefacção accorda a idéa de microbio, fazemos nossas as seguintes palavras de Duclaux: (1) « Mas o que nós sabemos acerca desse facto ( mechaniçmo da decomposição do cadaver de um animal) nos autorisa a inquirir de nós mesmo o que aconteceria si um envolucro re- sistente continuasse a proteger o cadaver e si elle não trouxesse em si proprio os germens que vão provocar a sua destruição. Tomemos, para sabel-o, uma massa volumosa de carne muscular, cortada perfeitamente em um parallelipipedo re- gular, sem cavernas ou anfractuosidades onde os germens se tenham podido alojar. O que succederá si se impedir a putre- facção externa ? Conservará a carne seu estado normal, sua estructura esuas propriedades? Não nos épermittido aguardar semelhante resultado. E’ impossível, com effeito, na tem- peratura ordinaria, subtrahir o interior dessa carne á reacção dos solidos e dos líquidos uns sobre os outros. A vida das cellulas se mantém por algum tempo, como um fructo que respira e amadurece longe da arvore que o pro- duzio. Desta vida continua, das reacçoes de que ella se acom- panha, vão resultar no pedaço de carne em questão pequenas porções de novas substancias, que addicionam ao sabor da (1) E. Duclaux, Fermentos e moléstias, 1882, Paris, pags. 86 a 88. 5 carne o que llies é peculiar. Diz-se então que a carne se cor- rompe (se faisande), ou, si ella ainda faz parte de um animal vivo, que ella se gangrena. A gangrena longe de ser uma putrefacção, é pois unicamente o estado de um orgão con- servado, apezar da morte, ao abrigo da putrefacção e cujos li- quidos e solidos reagem physica e cbimicamente uns sobre outros, fora do cyclo normal da nutrição. Isso não pode produzir modificações assaz profundas. A carne conserva mais ou menos sua consistência e sua resistência, mal se alterando a estructura anatómica de suas fibras. Mui diíferente é o quadro quando intervêm os fermentos. A carne, si ella se putrefaz ao ar livre, se converte em uma massa viscosa, porque ainda aqui, são os microbios aerobios os mais activos geradores de diastases. Os elementos anatómicos são dissociados e destruídos e seu aspecto ao microscopio lembra perfeitamente o das substan- cias que são encontradas no tubo digestivo dos carnívoros. » « As especies microbianas reputadas como responsáveis pela putrefacção são numerosas e ainda pouco conhecidas em sua maior parte, tanto no ponto de vista morphologico, como no de sua physiologia. São geralmente bacillos longos ou curtos, ás vezes micrococcus ou especimens espirallados dotados de grande mobilidade. Ainda não está determinado o papel destinado a cada especie.» (1) Macé, illustre professor de hygiene da Faculdade de medi- cina da Universidade de Nancy, que preferimos lealmente citar e citaremos ainda algumas vezes, com todo acatamento que nos merece sua alta competência scientiílca, divide a pu- trefacção das substancias azotadas em tres phases : (1) Macé, bacteriologia. 6 « Ao principio, em uma primeira phase, encontram-se em abundancia os saprophytas ordinários, communs em toda a parte, o JBacillus subtilis, Bacillus mesentericus vulgatus, o Bacterium termo, os Bacillus I, II e III descriptos por Mou- ginet; mal se percebe um odòr fraco e desenxabido : ainda não é a putrefacção. Um dia ou dous após, conforme a temperatura, accentuam-se os phenomenos, o odor se torna sobretudo maís forte; as especies precedentes cedem o logar a outras, predo- minando o Bacillus fluorescens liquefaciens, Bacillus fluo- rescens putridus e Bacillus violaceus; é a segunda phase do processo. Depois de alguns dias o odòr é francamente pútrido; neste instante, nesta terceira phase, apparecem o Proteus vul- garis e o Proteus mirabilis que invadem e dominam a scena. E’ então, e isso facilmente se concebe, quando são conhecidas as particularidades biológicas dessas especies, que irrompem nas putrefacções os productos mais toxicos e perigosos, sendo nada inoffensivos ou pouco activos os productos das duas pri- meiras pliases ou do principio da putrefacção.» Alguns autores dividem a putrefacção em maior numero de phases, como Tissier et Martelly, que admitte cinco períodos, começando o ultimo destes depois de tres mezes. Outros, ou por mais antigos ou por desejarem ser methodicos no caso particular da decomposição dos cadaveres no seio da terra, o que em parte tem sua razão de ser; aquelles, por attribuirem á chimica o conjuncto dos processos observados, como é natural visto a epoca em que viveram ; estes, por ne- garem aos microbios o papel quasi exclusivo de que elles se apossaram justamente ; tornam muito mais complexo o desen- rollar da putrefacção, traçando linhas limitrophes entre este e outros processos. * 7 Quando não se fallava ainda em microbios, dizia o grande Lavoisigr que o trabalho de destruição da substancia organica se effectuava por tres modos, a saber, fermentação, combustão e putrefacção, o que mais tarde Claude Bernard confirmava, dizendo : «E’, com effeito, por um ou outro destes processos que a matéria organisada se destróe, seja em consequência do funccio- namento vital, seja no cadaver após a morte. » Naegeli creou uma verdadeira classificação, porquanto elle divide «as causas das decomposições dos corpos orgânicos» em quatro categorias, a saber : a) Fermentação, por elle attribuida pHncipalmente aos fungo-fermentos (fermento do vinho e da cerveja); b) Putrefacção propriamente dita porque são respon- sáveis os schizomycetos (fungos ou cogumellos da putrefacção); c) Corrupção ou decomposição pelos iíomycetos ; d ) Decomposição puramente chimica, sem interferencia dos microrganismos, á qual correspondem certos processos de dissolução. Segundo Hoppe-Seyler «a distinc.çâo entre putrefacção e cor- rupção se pode estabelecer, quando não se perde de vista que a corrupção é o effeito da actividade dos fermentos pútridos e do oxygenio que se tornou activo pela putrefacção». Ouçamos Petlenkofer: « A putrefacção é um processo de decomposição, no qual, ao lado da matéria que se putrefaz tão somente os elementos da agua tomam parte na neoformação das varias substancias; póde, portanto, o processo da putrefacção ter logar fóra do contacto do ar e apenas com a presença da agua; ao contrario o ar e principalmente o oxygenio representam importante 8 papel na corrupção, tomando o oxygenio parte activa na for- mação dos productos desta ultima. Emquanto que a«putre- facção é uma mistura em presença da agoa, a .corrupção se apresenta como um processo de oxydação, como uma lenta combustão na temperatura ordinaria em presença do ar e da agoa. Na putrefacção, que Liebig comparou muito bem á dis- tillação a secco, desenvolve-se hydrogenio carbonado de odòr infecto, ao passo que na corrupção, que se pode considerar como uma combustão completa, se obtem acido carbonico e agoa. De maneira que a putrefacção derrama na atmosphera e na agoa substancias de que estas sóem estar immunes, entre- tanto que a corrupção completa dá origem a substancias que fazem normalmente parte da agoa e do ar. » Abraçando a doutrina de Naegeli, diz Schuster : « Desde que se começaram a estudar profundamente os pro- cessos que têm logar na decomposição dos cadaveres e suas relações com a saude dos vivos, se têm feito o maior esforço por estabelecer, tanto quanto possível seja, as condições que concorrem para obstar á putrefacção dos cadaveres e facilitar a corrupção destes. » ((Na putrefacção temos que nos haver com microrganismos como os scliizomycetos, que podem exercer certas influencias rnorbigenas, emquanto que os ifomycetos, que produzem a cor- rupção, podem ser considerados como relativamente inno- cuos. » (1) Da exposição fiel e concisa, que intencionalmente fizemos dessas theorias, cuja apparente divergência está no esforço im- profícuo com que ainda alguns autores tentam restringir o (1) Naegeli, apud Á. Schuster. 9 papel avassalador dos microbios, um facto começa a saltar aos olhos, a saber, a nocuidade da putrefacção da matéria organica em geral e a da decomposição dos cadaveresem parti- cular, thema este ultimo, em torno do qual hão de girar as considerações por nós levantadas no evolver desta primeira parte do nosso trabalho. Tratando do cyclo de desorganisação percorrido pelos cadá- veres, notamos que elle tem sido dividido diversamente em menor ou maior numero de phases. E’ assim que uns admittem quatro, outros oito, sendo deste numero Tourdes, (1) cuja classificação expomos em seguida : 1. a) phase inicial ou de resolução muscular (6 ou 8 pri- meiras horas); 2. a) rigidez cadavérica (36 a 48 horas); 3. a) coloração esverdeada e amollecimento dos tecidos (pri- meiras semanas); 4. a) putrefacção gazoza, com desenvolvimento considerave de gazes, v. g., hydrogenios carbonado, sulfurado e phospho- rado, acido carbonico, oxydo de carbono, azoto, ammoniaco ( 2 ou 3 primeiras semanas); 5. a) fusão pútrida, na qual se dão as fermentações com- plexas e múltiplas, determinadas pelos microbios (muitos mezes); 6. a) transformação em gordura cadavérica ouadipocira, um composto de margarato de ammoniaco, o qual, quando se produz, dá logar á mumificação (6 a 8 mezes n’agua e 12 a 15 na terra); (1) G. Tourdes—Dice. Dechambre. A. M. 10 7. deseccação, se manifestando em condições excepcionaes e também determinando a mumificação ; 8. a) destruição completa. Convém notar aqui que o 6.® e 7.° períodos são meramente accidentaes e que, quando elles têm logar, a marcha da putre- facçào se acha entravada, quero dizer, não pode a mesma se realizar completamente, terminando pelo ultimo periodo, o de destruição total das partes molles. Reconhecendo embora, que esta divisão da decomposição cadavérica, em vários períodos, tem mais importância em me- dicina legal do que em hygiene, não achamos de todo desca- bido mencional-a aqui. O que importa saber éque o espaço de tempo dentro do qual se dá a decomposição completa de um cada ver é por demais variavel. Nós nos referimos aqui á destruição das partes molles: ella póde ter logar dentro de um anuo, de cinco annos e de mais até. Não citamos os cálculos de alguns autores, porque reputa- mol-os exagerados e de importância secundaria. As causas que regulam a duração do cyclo da putrefacção podem ser intrínsecas e extrínsecas. Entre as primeiras estão comprehendidas as que são inhe- rentes ao cadaver, como a constituição, a edade, o sexo do finado, a causa da morte ou a moléstia que victimou o indi- víduo. Incluímos entre as ultimas as que dependem dc processo de inhumação adoptado eda influencia do meio exterior, que são : os embalsamentos temporários muito em voga hoje em dia, os 11 banhos antisepticos de que se costumam impregnar os cadá- veres, principalmente em tempo de epidemia; os meios chi- micos empregados para accelerar a putrefacção, a qualidade e* quantidade das vestes que traja o morto, o material de que é construído o caixão mortuário, a profundidade da sepultura, a natureza do terreno em que se faz a inhumação, a drenagem do mesmo, etc., causas estas ultimas1 que apenas enumeramos aqui, porque estão destinadas a constituir outras tantas questões, cuja discussão será o assumpto da segunda parte do nosso estudo. Si é instável o periodo em que se dá a destruição das partes molles de um cadaver, mui diverso ó o modo porque esta procede. Independentemente das causas atraz apontadas, que influem i ainda sobre este outro facto, a miude observado, as intrinsecas principalmente, póde-se dizer de um modo geral: O sangue, o tecido conjunctivo e os musculos se destroem ; as orbitas se esvasiam; o coração e os pulmões ficam reduzidos a uma especie de membrana escura; as massas intestinaes se retrahem e as paredes dos intestinos se adelgaçam e tornam-se quasi transparentes; o esqueleto, emfim, a começar pelas cos- tellas, depois a bacia, os membros e o craneo, se destróe. A putrefacção se caracterisa chimicanaente segundo Monoyer, citado por Bergeron, pela producção de ácidos graxos da serie P n H2 n O4 , ácidos formico, butyrico, caprolico, trimethy- lamina, caprilamina, etbylamina, grande numero de jpro- duetos indeterminados, azoto, bydrpgenio carbonado, sul- furado. Em summa, diz Bergeron, os productos da putrefacção, 12 são mui pouco conhecidos e na maior parte mal determi- nados. (1) E’ possível que estes últimos annos se tenham feito pes- quisas mais precisas: por nossa parte confessamos com toda lealdade ignoral-as, devido a não nos ter sido possível dispòr de obras especiaes sobre o assumpto. Além disso, na questão da nocuidáde da putrefacção, os productos chimicos elaborados no seu evolver, como havemos demostrar, estão em um plano secundário, têm menos impor- tância na etiologia de certas moléstias, do que os microbios que, por assim dizer, vão apenas repousar no seio das sepul- turas no estado de vida latente, para num dado momento, abandonando a moradia temporária, assaltar traçoeiramente a humanidade descuidosa. (1) Novo Diccionario de medicina e cirurgia praticas, art. Putrefacção. CAPITULO II Contaminação do solo, das agoas e do ar pelos microbios transportados nos cadaveres Era nosso intento tratar separadamente da inquinação de cada um dos elementos acima indicados, mas, á ultima hora resolvemos em contrario, por termos que attender aos estreitos limites do plano que nos traçamos neste estudo e á exiguidade do tempo de que dispúnhamos, podendo outrosim invocar em nosso favor uma razão mui lógica, qual a da unidade do trabalho, porquanto, rigorosamente fallando, o assumpto que vamos desenvolver neste capitulo não com- porta divisões, sob pena de continuamente serem repisados alguns pontos. Ue accordo com a orientação da primeira parte de nossa tbese, ao iniciarmos este capitulo, força é dizermos alguma cousa sobre os microbios que, levados nos cadaveres de indivíduos morots de moléstias microbianas para o seio da terra, ao deixarem esta moradia, para uns temporária, [para outros perpetua, mas na qual si nem todos proliferam, pela maior parte se conservam no estado de vida latente —se constituem fontes inexgotaveis de terríveis ílagellos. Começaremos por fallar dos microbios do sólo em geral. 14 o que não é descabido aqui, porque si o sólo é o habitat natural da maior parte de microbios, isso é devido unica- mente a ser o sólo o grande reservatório, o paradeiro final da matéria organica, quando esta se torna incapaz de servir á vida dos vegetaes e animaes que cobrem a superfície da terra. O solo, diz Macé, parece ser de facto o receptaculo natural, obrigado mesmo dos microbios. Todos os microbios, repete-o Duclaux, devem existir no sólo, porque, de onde viriam elles ? Que haja constantemente, continha este autor, na massa do sólo, germens de todas as moléstias humanas, animaes e vegetaes, é cousa que não parece duvidosa. (1) (( Os microrganismos pathogenos antes de sèl-o pertenceram aos meios exteriores, onde encontram o campo natural senão de sua multipticaçâo, ao menos de sua conservação sob formas duradouras. O sólo é essencialmente este meio de conservação dos organismos pathogenos; demais alguns ahi se encontram em sua casa e se multiplicam sem difficulcladeesem serem obrigados a passar atravez daeconomiade animaes supe- riores. » (2 ) Nem se nos diga que as bactérias do sólo em geral, os saprophytas, são innocentes e que nos devemos temer tão somente do assalto dos microbios pathogenos. «As experiencias de Charrin e de Nittis, as rnais recentes de Yincent permittem se admittir que os saprophytas confir- (i) Duclaux, Tratado de microbiologia. (1) Arnould, Annaes de hygiene e medicina legal, novembro de 1885. 15 mados (averés ), typos, pódem, dadas condições favoráveis, principiarem por se adaptar á vida parasitaria e adquirir um poder pathogeno que se não lhes deve negar (indéniable). Outrosim, muitas especies, consideradas como unicamente saprophytas, constituem productos nocivos, verdadeiramente toxicos, actuando deste modo corno especies parasitas reco- nhecidas e formando um laço, uma transição toda natural entre os dous grupos. » (1) Vamos agora dizer algumas palavras acerca da vida e moléstias, causadas por certos microbios pathogenos, encon- trados no sólo em geral e nos terrenos dos cemitérios em particular. Bacillo do tétano.—Sabemos após as pesquizas de Nicolaier qne este mierobio vive habitual mente no sólo. Para Lòsener que fez numerosas experiencias em cadaveres de porcos, nos quaes elle havia inoculado este germen, o bacillo de Nicolaier conservou sua virulência, no estado de sporo no sólo, depois de 234 dias, sendo ainda encontrado 361 dias a datar da-inhumação. Mas acreditamos dever se prolongar muito mais esse espaço de tempo, porque não se póde explicar de outro modo serem tão communs entre nós os casos de tétano. Bacillo do carbúnculo. — Conheim já dizia que o car- búnculo é uma moléstia do sólo, o que Pasteur confirmou, .senão esta theoria, ao menos o facto de que a bacteridia carbunculosa pode se conservar por tempo notavelmente longo no seio da terra. (1) Macé, Tratado de bacteriologia. 16 E’ o que ficou provado após as celebres experiencias, que elle fez perante grande numero de sábios em seguida á provocação de Collin, que se negou a assistirás mesmas. Versaram as pesquizas de Pasteur sobre a terra retirada de duas sepulturas de indivíduos mortos de carbúnculo, na quinta das Roseiras perto de Senlis, datando uma de Ires annos e outra de doze annos! Os animaes escolhidos para esta experiencia foram 15 co- bayos, que o grande sabio dividio em tres grupos de cinco cada um, inoculando nos cobayos do primeiro grupo a terra da sepultura de doze annos, nos do segundo a da cova de tres annofl e no terceiro uma porção de terra, em que não con- stava se haverem enterrado cadaveres de carbunculcsos. Antes disso o microscopio revelara a presença do bacillus anthracis e do vibrio septicus e teve-se o cuidado de sub- metter as terras captadas a 900 de temperatura, afim de excluir germens outros. Resultado: Os cobayos do primeira grupo morreram todos, um de carbúnculo e quatro de septicemia; com os do segundo grupo deu-se o mesmo, ao passo que os cinco últimos cobayos não apresentaram a menor alteração physiologica. Si os animaes dos dous primeiros grupos não morreram todos de carbúnculo, é porque o vibrio septicus, victimou antes oito dos mesmos, devido a ser anaerobio, e portanto não precisar das condições de vitalidade indispensáveis ao bacillo do tétano, que é aerobio. Bacillo da tuberculose — Este bacillo, considerado hoje mui justamente o mais terrivel de todos, não só em vista da moléstia que produz, como pelo seu poder de resistência e 17 facilidade com que transpõe as barreiras internas do orga- nismo, póde ser e tem sido encontrado no sólo. «Graças á espessura do seu envolucro e ás matérias graxas que encerra, o bacillo da tuberculose resiste melhor do que as outras bactérias pathogenas ás causas de destruição. » (1) «O bacillo da tuberculose deve ser muito espalhado na natureza. A expecto ração dos tisicos, em particular, esparze um numero considerável destes microbios no meio exterior ; os outros productos tuberculosos, o pús e os cadaveres de homens ou animaes tuberculosos augmentam ainda essse numero. Estes productos se deseccam ; os microbios que elles contêm misturam-se ás poeiras e pódem permanecer em sus- pensão no ar. Aquelles que se encontram nas camadas 'pro- fundas do sólo podem ser trazidos á superfície em conse- quência de manipulações do mesmo ou por seres que vivem nessas camadas profundas, minhocas ( Lortet e Despeignes) ou outros animaes. Estes bacillos não podem se multiplicar no meio exterior, devido a suas especiaes exigências, particular- mente a necessidade de uma temperatura elevada; mas elles conservam por muito tempo sua virulência nesse meio. )> (2) Bacillo do cholera — Alguns autores dizem que o bacillo virgula é rapidamente destruído pelos saprophytas do sólo. No emtanto Klein encontrou-o ainda vivo nos cadaveres de cobayos 28 dias após a inbumação destes e affirma Dempster que no sólo húmido elle não desapparece senão depois de 30 a 60 dias. (1) Fernand Berlioz. Resumo de bact. medica 1903, Paris. (2) E. Macé, Tratado pratico de bacteriologia- 1904, Pariz. 18 E nós perguntamos: Si a endemia do cholera na índia é attribuida ás condições lavoraveis que aquellegermen encontra no sólo, como sejam temperatura elevada, abundancia de ma- téria organica e agoas estagnadas, porque não se admittir quando nada a conservação daquelle microbio no estado de vida latente no sólo de um cemiterio, saturado de matéria organica e impregnado de humidade, em que a putrefacção é difficil e o numero dos saprophytas se acha em extremo reduzido? Bacillo da febre typhica—Apezar de ser a agoa mais favoravel ao bacillo que produz a febre typhica, seja elle o de Eberth ou o coli communis de Escherisch ou "nâo passem estes de um mesmo bacillo ou de bacillos tendo a mesma origem saprophyta, o que está provado é que elle póde viver no sólo. Segundo Grancher e Deschamps elle vive até cinco mezes e meio no sólo entre numerosos microrganismos outros. Robertson, Gibson e Rullmann affirmam que o bacillo typhico vive um anno na terra commum e dezeseis mezes na terra esterilisada e livre portanto da concurrencia vital de outros microbios. Bacillo da peste bubonicà—Este bacillo resiste extraor- dinariamente á deseccação. Alguns autores encontraram-no dous mezes depois, outros descobriram-n’o em cadaveres de bubonicosapós vinte e trinta dias no sólo e dous a tres mezes n’agoa. Para provar a enorme vitalidade do bacillo do Yersin e Kitasato, como o assumpto é de actualidade, fazemos nossas as palavras de Le Dantec : 19 «A peste propagando-se a novos paizes póde crear nelles focos secundários. Os germens depositados na terra, ao mesmo tempo que os cadaveres dos pestosos, podem ser a fonte de reproducções da epidemia. Em 1813 vio-se a peste se desen- volver perto de um cemiterio cuja terra tinha sido recente- mente revolvida. O medico russo Telafous diz que a peste de 1871 no Kurdistan deve ser attribuida a exeavações praticadas num sólo em que quarenta annos antes se tinham enterrado pestosos (Roux). E’ mais provável que os cemitérios de Nedjef e Iíerbela sejam as verdadeiras causas da feição endé- mica da peste em Yrak-Arabi. Talvez se dê o mesmo na Tri- politana. Em Marsh, perto de Beghazi, diz ainda Roux, en- contram-se pôços situados perto de um cemiterio, em que se enterravam pestosos. Estes pôços permanecem seccos no verão; no inverno se enchem com as agoas pluviaes filtradas dos cemitérios. Ora, somente foram attingidos pela peste os indi- víduos que beberam da agoa desses pôços. » Bacillo da varíola — Para nós elle existe eelle se conserva no sólo. Sentimos não poder discutir aqui esta questão; mas os nu- merosos factos observados proclamam como uma verdade a theoría microbiana da varíola. A questão está em saber qual dos numerosos bacillos desco- bertos é o verdadeiro. Não é permittido lançar-se impunemente ao desprezo os trabalhos desta pleiade illustre que conta em seu seio Goze e Feltz, Cohn, Gornil e Babes, Marotta, Guttmann, Hlava, Garré, Protopopoff, Sanfelice e Malato, Salmon e Huckel, 20 Catterina, Funck, Ishigami, Roger e Weill, Klebs, Bareggi, Pfeiffer e Van der Loeíf, Le Dantec, etc. Vejamos agora de que maneira os microbios levados nos cadaveres para o seio da terra onde, como demonstramos escu- dados na autoridade de vários homens de sciencia, a maior parte delles se conserva perfeitamente bem por largo espaço de tempo, podem ser acarretados para a superfície do sólo, con- taminando a atmosphera, ou a distancia pelas agoas quer meteóricas, quer telluricas que circulam entre as diversas camadas do terreno, indo levar um largo contingente de impurezas aos mananciaes em que as populações se abastecem do precioso liquido. Os microbios são levados á superfície do solo e a distancia pelos gazes, pelas agoas, pelos vermes e pelos insectos. Mas, antes de fallar nestes differentes vehiculos, o proprio ar do sólo não poderia ser um excellente meio de transporte dos microbios em certas condições ? Esta hypothese é menos arrojada do que á primeira vista parece, porque o ar do solo tem também seus movimentos, suas correntes que tanto se dirigem no sentido horizontal, como no vertical e que dependem de dous factores principaes, sendo um delles o proprio vento do exterior e o outro a differença que existe entre a temperatura do sólo e a externa. ((O vento provoca sempre vagas no ar do sólo, que é como que levado pelo ar atmospherico, pelo menos nas camadas superfi- ciaes (Arnould ).» 21 Pettenkofler deixou esta verdade provada materialmente por meio dc um apparelho tão simples, quanto engenhoso. Elle tomou um tuho de vidro de alguns millimetros de dia- metro, introduzio neste até perto do fundo um outro mais estreito e mais comprido, que communicava com um tubo tendo um ramo em U cheio d’agoa, encheu de cascalho ou saibro o espaço comprehendido entre os dous primeiros tubos e verificou que toda vez que assoprava sobre a superfície do cascalho, a agoa subia no ramo livre do tubo em U. Quanto á temperatura, nós sabemos que ella está em constante desequilíbrio tanto a do interior do sólo para com a externa, como a das djversas camadas e logares differentes de uma mesma camada. Ora, a diíferença de temperatura tem como consequência a differença de densidade e esta por sua vez a diíferença, de pressão. Sempre, portanto, que a pressão atmospherica baixar, é per- mittido se affirmar que o ar do sólo, mais denso então, tenderá a escapar para o exterior. A humidade sómente impedirá que este facto serealise; mas, não existindo ella em quantidade sufficiente nnm dado terreno, o que é muito commum, basta que existam [fendas naturaes ou que este seja assáz poroso e principalmente permeável, para se imaginar a facilidade com que os microbios serão arrastados para a superfície ou a distancia em sentido horizontal e, sequi- zerem ainda, para baixo também, indo contaminar o lençol d’agoa subterrâneo, o que acontecerá sempre que, dadas as circumstancias de que falíamos, a pressão atmospherica se elevar de um modo notável. cO ar que escapa do sólo secco, fendido, póde certamenU 22 conduzir germens para o exterior, do mesmo modo que elle leva a poeira. (Arnould).» Si isso se dá com o ar, podemos efíirmar que os gazes, devido á força de expansão que lhes é peculiar, são optimos vehiculos no transporte dos microbios. Ouçamos Pettenkoffer, importante autoridade em matéria de hygiene. Fallando da propagação do cholera, elle nos conta o seguinte facto: Havia na índia uma estrada ao longo do valle de um rio, no qual as tropas inglezas em uma certa epoca do anno não podiam acampar sem que se dessem numerosas casos de cholera, sendo mistér evital-o inteiramente. Um dia, em consequência de circumstancias urgentes, um destacamento de 400 homens sob o commando de sir Patrik- Grant foi obrigado a occupal-o. Foi prohibido terminantemente aos soldados de entrarem nas casas dos indígenas, de beberem sequer uma gotta d’agoa das fontes do logar. No emtanto, o acampamento nesse valle custou a vida a 80 homens do destacamento. De onde teria vindo o germen do cholera, senão do sólo, por meio do ar emanado de suas camadas superficiaes ? Diz-se porahi que o ar, os gazes, a agoa, quando atravessam o sólo, abandonam completamente nelle as impurezas de que estão carregados, porque o sólo é o filtro mais perfeito que se pôssa imaginar. 23 Vã afíirmativa é esta que nós temos o prazer de reduzir a seus justos limites com as próprias palavras de um scientista da competência e insuspeição de Micquel: «Eu provarei, em contrario á opinião de vários autores, que o vapor d’agoa que se eleva do sólo, dos rios e das massas em plena putrefacção é sempre micrographicamente puro; que os gazes provenientes das matérias soterradas, em via de decom- posição são sempre isentos de bactérias; que o proprio ar im- puro, que se dirige atravez das carnes putrefeitas, longe de se carregar de mic-robios, se panifica inteirameute, com a unica condição que o fdtro infécto e pútrido esteja num estado de humidade comparável ao da terra captada a 8m,30 da su- perfióie do sólo.» E’ ainda Micquel quem falia pela bocca de Paul Bert: «Em uma qutra serie de experiencias, M. Micquel fez passar 5 metros cúbicos de ar do parque de Montsouris atravez de uma massa de terra mesclada de matérias animaes em plena decomposição. Emquanto a terra teve vestígios de humidade em sua superfície, o ar ao sahir tinha um odor activo, mas era despojado de toda especie de bactérias. Não somente esse ar não tinha colhido bactérias na terra em que essas pullulavam, mas elle ainda lhe havia cedido todas as suas. Pelo contrario, desde que, com o progredir da evaporação, a superfície de sahida da terra se tornava pulverulenta, germens de bacté- rias eram acarretados com os grãos de poeira levantados pelo ar em movimento.)> Só temos a accrescentar a estas valiosas asserções, que natu- ralmente as pesquizas de Micquel tiveram por objecto um terreno normal, em óptimas condições a preencher o papel de Um verdadeiro filtro, não lhe faltando a necessária humidade 24 Mas, o que dizer do sólo saturado de um cemiterio antigo em que, muitas vezes, por não serem seguidos os mais ele- mentares preceitos da hygiene, cada nova inhumaçào não é mais do que uma verdadeira exhumação de detritos orgânicos de toda a especie? Assim, pois, como os filtros mais perfeitos, também o sólo, devido ao uso constante e á abundancia de depositos deixados pelas impurezas de toda especie se estraga, se inutilisa intei- ramente. De todos os meios de vehiculação de que dispõem os micró- bios é certamente a agoa o melhor. Vejamos como isso se passa. Temos em primeiro logar dous casos a considerar: 1. O subsolo é permeável; 2. O subsólo é impermeável. l.° caso—E’ o mais commum: asagoas meteóricas penetrando na terra em abundancia, devido á acçâo da gravidade e ao facto de se tornarem os grãos do sólo incapazes de reter o excesso das mesmas, attingem as sepulturas e, descendo sempre, acarretam-lhe os germens e vão lançal-os no lençol d’agoa subterrâneo, que por sua vez leval-os-ha a toda especie de mananciaes. Mas, independentemente das chuvas, o lençol d’agoa subter- râneo, dada a sua visinhança da superfície do sólo, pode ba- nhar ainda que por pouco tempo as sepulturas, porque o nivel que elle guarda não é constante, e arrastar os microbios encon- trados pelo simples movimento de suas agoas, que não se acham estagnadas, mas se movem em sentido determinado. 25 5.° caso—Dada a impermeabilidade do subsólo, a inundação do mesmo pode ser produzida pelas próprias agoas de chuva, que não encontram passagem. Nestas condições, os microbios nadando por assim dizer no elemento liquido que, em quantidade moderada, auxilia o sólo a rêtel-os, procuram naturalmente a superfície, a cata de mais ar. Chegados á camada superficial do sólo elles atravessam parte do mesmo devido á eapillaridade da agoa como querem Soyka e Hoífmann ou á pulverisação desta segundo Naegeli e Buchner e o ar e os gazes fazem o resto. Comtudo, o transporte dos microbios pelo lençol d’agoa sub- terrâneo a distancia, é o que assume um caracter mais grave, na contaminação da agoa dos mananciaes pelos microbios de numerosas moléstias, de que apontamos algumas, conservados no estado de vida latente na terra dos cemitérios. Não podemos nos deter em relatar numerosos factos, que attestam solemnemente o que affirmamos, por terem sido muito repisados nos livros que tratam do assumpto. Mas, para convencer os mais incrédulos, affirmamos que não é mistér que as agoas de fonte sejam captadas na vizi- nhança dos cemitérios ou de outros fócos de immundicies, para que se duvide da pureza das mesmas. E* verdade que Pasteur e Joubert, após certas pesquizas a que procederam em 1878, optaram pela pureza das agoas de fonte. Resta porém saber que estas não foram colhidas na proxi- midade de alguma necropole e que apezar da autoridade, que nós acatamos, daquelles illustres sábios, elles só podem res- ponder pelas pesquizas que fizeram, que em nosso humilde 26 modo de pensar acreditamos haverem tido logar em condições especiaes. Tomamos a ousadia desta affirmativa porque apenas reco- nhecemos a pureza das agoas de fonte, quando captadas a certa profundidade e no momento de abandonarem um ter- reno capaz de reter os germens nellas contidos. Nós nos baseamos em quatro principaes argumentos, muito dignos de consideração: 1. Existência de fendas naturaes do terreno a inutilisar a acção depuradora do mesmo; 2. ) Contacto das agoas de fonte, antes destas afflorarem á superfície do sólo, com as agoas impuras de diversas origens; 3. ) Maior abundancia dos microbios nas camadas superfi- ciaes do sólo; 4. ) Como qualquer filtro o sólo está sujeito a se estragar e inutilisar pelo uso constante, que importa na sua saturação. Digamos alguma cousa do papel representado pelos vermes e insectos na vehiculação dos microbios. Coube a Pasteur a gloria de demonstrar que as minhocas penetrando nas sepulturas e ingerindo a bacteridia carbuncu- losa de envolta com pequenos grãos, dos quaes extrabem o necessário alimento, por meio de galerias adrede praticadas vão deposital-a na superfície da terra, misturada desta vez aos proprios excrementos. Elle o fez inoculando o precipitado resultante da lixiviação dos excrementos desses vermes, colhidos na superfície de um terreno em que se tinham enterrado cadaveres carbunculosos, em vários animaes que succumbiram com todos os symptomas do carbúnculo ou da septicemia. 27 Como os microbios, ainda ha outros sêres que se vão cevar no seio das sepnlturas. Ao lado dos minerilisadores da matéria, na phrase pitto- resca de Buckland, ainda ha logar para os trabalhadores da morte, no dizer não meuosexpressivo de Megnin, que não sa- tisfeitos em completar a destruição iniciada por aquelles, se prestam a transportai-os directamente, por um processo ana- logo ao das minhocas, abrindo passagem ao are aos gazes. Quem primeiro provou, por meio de experiencias que fica- ram celebres, que os insectos encontrados nos cadaveres em decomposição não nasciam espontaneamente destes foi Redi, naturalista da Renascença. Megnin em um importante estudo diz que, da mesma ma- neira que os microbios, os insectos não atacam todos de uma vez um cadaver em fim de decomposição, mas methodicamente, revezando-se invariavelmente na mesma ordem, por brigadas (à des escouades ) que chegam a attingir o numero de oito quando a putrefacção tem logar ao ar livre. Quem diria que a poética expressão vermes do tumulo muito ridicularisada outr’ora viria a ter completa confirmação da sciencia? Os vermes do tumulo não são mais do que as larvas dos insectos, apezar de serem estes encontrados em estado adulto nas sepulturas. Nada mais facil do que conceber o meio pelo qual os insectos penetram nas sepulturas. Ouçamos Megnin: «E’ mister forçosamente admittir que as larvas provêm de ovos depositados na superfície do sólo pelos insectos, attrahidos por emanações cadavéricas particulares, perceptiveis a seus tão 28 delicados sentidos e que essas larvas atravessam toda a camada de terra que as separa do cadaver, servindo-se provavelmente das galerias das minhocas » e nós accrescentaremos, das prati- cadas pelos proprios insectos das turmas antecedentes, que se retiraram após haverem attingido o estado adulto, pois, é opro- prio Megnin quem nos aíTirma, que os trabalhadores da morte têm sido encontrados na superfície do sólo dos cemitérios. Não podendo entrar em outros detalhes, porque o estudo da fauna dos cadaveres interessa mais de perto á medicina legal, terminamos este assumpto citando os nomes dos insectos mais commummente encontrados nos tumulos : Os anthromysides, os histerides, a ophria cadaverina, a ophriá lemostoma, o saprinus rotondatus, o philontus ebe- nininus (Brouardel e Du Mesnil); a callíphora vomitoria, a curtonevra stabulans, a phora aierrima, o rhyzophagus pa- rallelocolis e as anihomyias (Megnin). Ogier por sua vez, encontrou uns e outros destes insectos. CAPITULO III Contaminação do solo, das agoas 0 do ar polos produotos da putrefaeção Salientada como muito de proposito a fizemos, a supremacia dos microbios na questão da nocuidade da putrefacçào dos ca- dáveres, vamos terminar esta parte do nosso trabalho por algumas palavras, com as quaes queremos provar não ser de somenos importância o papel representado pelos producto» da putrefacçào na contaminação dos meios acima mencionados. Procurando dar uma feição nova e pratica ao nosso trabalho, baseando-o quanto possível em observações e pesquizas feitas estes últimos annos, não nos é permittido repisar factos já muito relatados em vários autores, que se dedicaram ao mister de demonstrar os damnos, que decorreram em todos os tempos da putrefacçào dos cadaveres sepultos. Entre outros citamos de memória Navier, Haguenot, Maret, Sei pião Piattoli e Vicq d’Azir. Os virus, miasmas e emanações pútridas que se des- prendem dos cadaveres em decomposição, de longa data cons- tituem objecto transcendente das lueubrações e experiencias de sábios da estatura de Tardieu. No dizer de Lacagsagne e Dubuisson os eífeitos prejudiciaes das emanações pútridas, evoladas das sepulturas foram a causa da pratica da cremação ou incineração dos mortos por alguns 30 póvos que não dispunham de outros meios de evitar tão fu- nestas consequências. Ainda nào está sufílcien tem ente provada a nocuidade de todos os productos até hoje conhecidos da putrefacção dos ca- dáveres. Dentre elles têm sido especialmente incriminados o acido carbonico, o hydrogenio sulfurado, o hydrogenio phosphorado e a ammonea. Gomo uma prova de que argumentamos com lealdade e nào forjamos falsos ou fracos documentos para defender o nosso modo de pensar, desprezamos porserde importância secundaria o papel que representam os tres últimos dos gazes acima men- cionados, que muitos autores affirmam ter encontrado na su- perfície e no seio do sólo das sepulturas. Além desta divergência que reina a respeito, os que dizem haver encontrado esses gazes, nào negam ter sido minima a quantidade, que conseguiram captar e demais a virulência dos mesmos em taes condições também não se acha inteiramente comprovada. Vamos agora nos deter alguns instantes em fallar do acido carbonico. Não podemos ser optimistas na apreciação das observações e experiencias, que têm sido feitas sobre este importante pro- ducto da decomposição organica. A elle acreditamos poder, sem receio de contestação, attribuir a serie interminável de accidentes de aspbyxia e morte de que faliam os autores que citamos ao iniciar este capitulo. Elles são attestados modernamente de um modo inconcusso 31 por homens competentes como Schutzenberger, Descouts, Yvon, Du Mesnil e Fauvet para não fallar de muitos outros. (1) Descouts e Yvon, após importantes pesquizas no sólo dos cemitérios, chegaram ás seguintes conclusões : 1. a)íhn toda cavidade praticada em um terreno saturado de matérias organicas e de resíduos industriaes se verifica uma diminuição notável de oxygenio e a presença de acido carbó- nico em proporções consideráveis; 2. a) Esta penetração do acido carbonico se produz mesmo em espaços cujas paredes são construídas de pedra e cal (ma- çonnés). Schutzenberger, confirmando o que previra Pellieux em 1849, na experiencias que em 1879 fez no sólo do cemiterio de Montparnasse, embora em condições diíferentes, encontrou sempre azoto, oxygenio e acido carbonico na proporção de 4,83 :100 a 12,6:100. Elle recolheu os gazes por aspiração entre as profundidades de 0m,80 e temperaturas oscillautes entre 10 e 38 grãos em sepulturas datando de vários annos e outras recentes, de um a seis mezes após a inhumação. Por ultimo Du Mesnil e Fauvet por meio de novas pesquizas confirmaram plenamente o que haviam observado os autores precedentes. E’ assim que, tendo obtido que fossem construídas no cemi- terio de Montparnasse duas sepulturas de alvenaria cimen- tada, a primeira da profundidade de 4in,68, a segunda de 4m,85, a distancia de 4m uma da outra, fecharam-n’as e sel- laram ás 7 horas da noite de 12 de setembro de 1883. (1) Annaes de hygiene e medicina legal. 32 Abertas no dia immediato ás 4h,30 da tarde e tendo sido or- denado a um coveiro, munido de uma especie de brida afim de obstar á aspiração de gazes deleterios,"que descesse ao fundo de uma daquellas covas, mal poude o mesmo se manter neste logar por espaço de alguns minutos, dizendo que o mau ar estava na cova. Não satisfeitos, introduziram repetidas vezes velas accesas nas sobreditas sepulturas e notaram que ellas se apagavam mais ou menos na altura de 2m,60 e que tanto mais depressa se extinguia a chamma das velas, quanto mais approximadas eram estas do fundo das campas. Ainda mais, fizeram a 17 de setembro a inhumação de um adulto na primeira das sepulturas de alvenaria e, dias após, verificaram que o acido carbonico tinha augmentadoem ambas, sendo curioso que o accrescimo tornou-se mais considerável na sepultura que ficára vazia. E’ digno de nota que a quantidade de acido carbonico pro- duzido oscilla com a temperatura, sendo ella sempre maior na estação calmosa, que na França corresponde ao mez de agosto principalmente. O celebre accidente relatado por Haguenot teve logar a 17 de agosto de 1744; Aumolle e Pellieux encontraram enorme proporção de acido carbonico no mesmo mez em vários cemité- rios de Pariz; os factos de asphyxia occorridos nos poços de Aubervilliers e assignalados por Descou ts e Yvon, datam o pri- meiro de 23 de agosto de 1882 e o segundo de 10 desse mez em 1883; emfim uma morte por asphyxia de que nos faliam Du Mesnil e Fauvet se deu na pessoa de um jornaleiro, P. .. a 21 de agosto de 1883. Ao praticar-se uma inhumação no cemiterio de Montpar- 33 nasse, aquelle operário, sem que attendesse aos avisos rece- bidos e sem precaver-se por meio de um apparelho de salvação, adoptado em laes casos, e antes que se fizesse a ventilação da cova, desceu á mesma e immediatamente caliio asphyxiado. Outros trabalhadores que desceram em iguaes condições, fi- caram também asphyxiados, não tendo sido possível chamar á vida o infeliz P.. . Os factos que acabamos de citar, corroborados pela autori- dade de vários scientistas, são muito eloquentes; elles nos mostram o perigo que lia em praticarem-se inhumações e exhumações nos cemitérios saturados e condemnam de um modo peremptório as valias communs, os carneiros e os ja- zigos de familia. São dispensados commentarios outros, que poderíamos aqui fazer. Vamos fallar agora de uma outra ordem de productos da putrefacção dos cadaveres. Queremos nos referir ás ptomainas cadavéricas. Quem mais salientou-se no estudo das ptomainas em geral foi Armand Gautier em França. Mas, muitos séculos antes numerosos autores acreditavam já na existência de corpos venenosos nos cadaveres em decom- posição, citando entre outros o facto de banharem os antigos habitantes do Perú suas frechas mortíferas, nos líquidos ema- nados dos corpos em decomposição de seus companheiros de armas. Nestes últimos tempos foi descoberto « um veneno chimico tendo já a virtude de um toxico, já a de um narcotico d. Panum, que em primeiro logar iniciou estas pesquizas de- 34 nominou-o vinis pútrido sob a forma de extracto ; Bergmann e Schmiedeberg c]iamaram-n’o sepsina, Zúlzer e Sonnesclieim alcaloide séptico ; Hiller deu-lhe o nome de fermento séptico; Armand Gautier o de ptoamina; e emfim Selmi o de septo- pneuma. Corpos outros analogos ásptómainas cadavéricas ou simples- mente animaes, foram encontrados por Fasshender e Rorsch e por Bence Jones e A. Dupré, que descobriram os dous últimos, a chinoidina animal. As pesquizas de Selmi foram plenamente confirmadas pelas mais modernas de Brouardel e Boutmy. As ptomainas cadavéricas são em geral alcaloides voláteis formados ao abrigo do ar, podendo com tudo em dadas circum- stancias apresentarem-se solidos, fixos e crystallisaveis. « Elias parecem nascer de preferencia quando a putrefacção se opera ao abrigo do contacto do ar e resultar da união de certos hvdrogenios carbonados com o azoto proveniente dos tecidos ou dos líquidos anormaes, quando o oxygenio destas matérias e seu carbono desapparecem no estado de acido car- bónico ». São palavras dos dous últimos autores (1) que acabamos de citar, confirmadas por importantes experiencias, assignaladas em um relatorio especial, que elles fecham com as seguintes conclusões: ((l.a) Formam-se no decurso da decomposição cadavérica certos alcaloides, que foram denominados ptomainas; 2. a) E’ incontestável a existência destes alcaloides; 3. a) Existem varias ptomainas differentes ; /1 J Annaes de hygiene e medicina legal. 35 4. a) Nem sempre apparece uma ptomaina nova em cada novo caso deputrefacção; 5. a) O nome de ptomaina que significa fugitivo parece indicar que os corpos desta classe se alteram e desapparecem facilmente. Não é menos real que podem se dar certas condições em que ellas apresentam uma fixidez notável 0.a) As ptomainas são em geral venenosas e esta acção sobre o organismo pôde aflectar tanto aos animaes como ao homem ; 7. Sua formação pode ter logar em um lapso de tempo muito curto ; 8. a) A acção do frio parece oppôr-se a esta formação.» A 6.a e a 7.® conclusões, as que mais nos interessam, foram verificadas de maneira cabal pelos autores acima, em um facto por elles relatado. Trata-se de uma mulher P. que tinha o habito de embria- gar-se e que havendo preparado um pato já bastante alterado, comeu da carne do mesmo com mais 12 pessoas que convidára para a refeição, vindo ella a fallecer dentro de algumas horas após a manifestação de vomitos e nauseas e apresentando as demais pessoas francos symptomas de envenenamento. Brouardel e Boutmy procederam á analyse dos restos da iguaria incriminada, que puderam encontrar, hem como á dos orgãos da infeliz mulher, terndo em cada analyse chimica isolado uma ptomaina, cuja identidade elles demonstraram, porquanto, havendo inoculado em algumas rãs as substancias que elles conseguiram isolar, notaram que estas succumbiram denunciando os mesmos phenomenos asphyxicos. Provada a existência das ptomainas cadavéricas ou ptoa- 36 minas e a nocuidade destas, nada mais logico do que conceber, que as fixas podem ser levadas a distancia pelas próprias agoas quer meteóricas, quer telluricas e para o exterior pelos vermes ou minhocas e pelos insectos e que as voláteis, por si próprias ou pelo poder de expansão dos gazes, dadas circu in- stancia s favoráveis, como a existência de fendas naturaes do terreno e o estado de seccura deste, podem ainda chegar á superfície do sólo, onde penetrarão no organismo de qualquer indivíduo, por uma solução de continuidade ou pelas vias respiratórias. SEGUJ1DA PARTE Hygiene dos cemitérios CAPITULO I Topographia, area e natureza do terreno dos cemitérios TOPOGRAPHIA A principal condição hygienica de um cemiterio é ser situado o mais distante possível da povoação a que pertence. Consideramos esta questão como uma das mais importantes que se possam apresentar, não só na edificação de um povoado qualquer, como na construcção de uma cidade destas que modernamente surgem por encanto ao impulso de um governo bem orientado ou devido á força poderosa da iniciativa dos cidadãos. Si é fácil se compreliender que os meios de transporte só podem ser primitivos em uma aldèa, não merece desculpa o facto de nas cidades não se aproveitarem immediatamente para o transporte dos cadaveres, e de modo que isso esteja ao alcance das bolsas mais pobres, os meios de que dispomos mo- dernamente. Estas ponderações tèm sua razão de ser devido ao facto que 38 continuamente presenciamos de, com o desenvolvimento de um povoado, ficarem os cemitérios encravados no mesmo. O afastamento das necropoles dos centros populosos consti- tuio sempre uma das maiores preoccupações dos legisladores de todos os tempos, á parte Lycurgo, que em sua barbara legis- lação mandava que os enterramentos tivessem logar dentro dos muros da cidade, por que os espartanos se habituassem á idéa da morte. Varias tem sido as distancias adoptadas entre o casario e os cemitérios na edificação destes ou no impedir que as habitações se approximem de mais dos já existentes. O decreto de 23 do Prairial, anno XII em França prescrevia a distancia de 40 metros para os cemitérios das cidades e burgos; a Ieidel5el6 Victor. Gap. 38 em Londres estabe- lece a distancia minima de 200 jardas (182 metros); na Prussia a distancia é de 1000 passos ou 600 pés. Riecke propõe a distancia de 150 passos para uma população de 500 a 10C0 almas, de 500 passos para uma de 1000 a 5000 almas e uma distancia ainda maior para uma cidade po- pulosa. E’ da maior conveniência que entre uma povoação e seus cemitérios se verifique a existência de uma floresta ou se trate de arborisar o terreno intermediário quando esta não existe, porque as arvores quando densas e altas purificam e, por assim dizer, filtram o ar que passa impellido pelos ventos. Uma pequena collina de permeio isola perfeitamente um cemiterio desde que, sendo este situado na falda opposta, se dirijam para longe do povoado não somente as agoas meteóricas 39 quando correm sobre sua superfície, como as telluricas que lhe banham o sub-sólo. Óptimas condições offerecem ainda a interposição de um rio ou de um valle, mas é mister que o cemiterio não seja situado nem acima, nem fronteiro ao casario, mas abaixo (en aval), por que não contamine as agoas do rio ou de alguma fonte existente na encosta do valle, das quaes venham a se abastecer os habitantes. Deve ainda um cemiterio em geral assentar sobre um logar elevado e batido dos ventos, de maneira porém que a povoação esteja collocada entre o cemiterio e os ventos domi- nantes, pois do contrario estes varrendo o chão da necropole irão concorrer para o augmento das •poeWas organicas já tão abundantes nos centros populosos. No que diz respeito á orientação da superfície do sólo em re- lação ao horizonte, somos de opinião que em um cemiterio o terreno, além de ser perfeitamente uniforme e egual, ha de formar um angulo diminuto com o horizonte, porque si uma pequena inclinação é favoravel á manutenção do asseio do chão, devido á acção que em taes casos exercem os ventos e a chuva, uma inclinação demasiada pode causar excavações nas sepulturas mais recentes, cujo sólo oflerece naturalmente menor resistência, enchendo-as d'agoa e concorrendo assim para retardar a putrefacção. A inclinação da superfície do sólo é ainda própria a impedir a humidade excessiva, produzida pelas agoas meteóricas infil- tradas e pelas telluricas quando pouco profundas, porquanto facilita o escoamento de umas e de outras. 40 AREA Quando se tem de ediíicar um cemiterio, é da maior impor- tância se lhe determinar uma area sufficiente, para que não seja mistér dentro de alguns annos augmental-o, cousa esta não muito facilque, não sendo realisada, terá por consequência o fechamento do mesmo. Na avaliação da area de um cemiterio se deve de um modo geral ter em vista os dados seguintes: a) cifra da população ; b) estatística da mortalidade ; c) tempo de enterramento; d) perímetro das sepulturas; e) espaço existente entre essas; f) area occupada pelas ruas que cruzam o cemiterio; g) terreno necessário á construcçãoAlo deposito mortuário e ás casas dos coveiros e do administrador. Tanto a cifra da população, como a da mortalidade devem ser orçadas no máximo, não esquecendo de considerar si o ce- miterio é o primeiro a ser construído e, no caso contrario, por quanto tempo podem continuar abertos ao publico os que existem. O espaço de tempo necessário á decomposição completa de um cadaver, varia muito, influindo para isto a natureza do terreno e a drenagem do sólo da cemiterio, que portanto devem ser levadas em conta. Convém ainda no calculo de que tratamos incluir a area occupada pelos edifícios que surgem modernamente nas ne- cropoles, come os depositos mortuários e as casas dos coveiros, 41 administrador e outros empregados necessários nestas circum- stancias. Achamos cousa muito louvável, seja dito de passagem, a existência dedepositos mortuários no perimetrodos cemitérios e sentimos não poder aqui fallar sobre elles, por dizerem res- peito especialmente á policia sanitaria e á hygiene publica em geral. Dos outros dados em que assenta a avaliação da area de um cemiterio, trataremos com mais opportunidade quando fal- larmos das sepulturas. NATUREZA DO TERRENO Não ignorando que certos terrenos realmente exercem uma acção chi mica sobre a putrefaeção dos padaveres, accele- rando-a, damos maior importância á natureza do terreno de- pendente de duas propriedades physicas de que vamos fallar. São estas propriedades a porosidade e a permeabilidade. Ao contrario do que á primeira vista parece, não existe re- lação directa entre ambas. Vejamos. Porosidade é a propriedade de ter póros. Permeabilidade é a propriedade de se deixar um terreno atravessar pelo ar, pelos gazes e pela agoa. Todos os terrenos são porosos, mas nem todos são per- meáveis. Entendamo-nos. A porosidade de um terreno não é mais do que o volume total dos espaços cheios de ar ou póros, que. serão tanto maig numerosos quanto menores forem os grãos, mas não é esta 42 condição que faz com que um terreno seja facilmente atraves- sado pelo ar, pelos gazes e pela agoa, senão o facto de serem maiores os espaços existentes entre os grãos, embora a somma dos mesmos seja inferior devido a não haver nos terrenos de grãos maiores proporção entre poros e grãos por occuparem estes maior espaço. Assim pensa Renk, que ainda provou praticamente a enorme variabilidade do coefficiente de ar contido em di- versos terrenos. Havendo tomado para campo de suas pesquizas dous ter- renos sujeitos á mesma pressão e tendo area e volume total de póros eguaes, notou que a quantidade de ar que por elles tran- sitava tinha vinte mil gradações differentes (1). Do que temos dito se conclue, que um terreno de grãos e póros grandes, deve constituir o idéal entre os terrenos a es- colher para a construcção de um cemiterio. Com eífeito, no que diz respeito ao ar, se comprehende que nestas coadições elle circulará livremente, concorrendo para a acceleração da putrefacção e não permittindo que os gazes pro- duzidos pela mesma se accumulem no sólo, de onde, sahindo em maior quantidade ao se proceder á abertura de uma nova sepultura, a uma exhumação ou pela simples producção de umá\fenda no terreno, são muito mais prejudiciaes do que quando emanados lentamente. Quanto ás agoas, dada a permeabilidade do sub-sólo, con- dição sino qua non da qual já falíamos, accidentalmente, descerão com grande facilidade, sem impregnar o terreno, o que não se dá no terreno poroso de grãos minúsculos, em que devido á capacidade hydrometrica deste ou faculdade de (1) Schuster-Policia sanitaria. 43 reter a agoa sob a forma cie gottas, bem como á capilla- ridade, haverá sempre excessiva humidade. Os terrenos saibrosos e arenosos são portanto os melhores desde que não se trate de um clima ardente e secco como o do Egypto, onde no dizer de Volney se consegue levantar com uma mão como se fosse uma palha os cada veres mumificados dos camellos. O humus deve ser condemnado. Em todo caso, um terreno mixto, contendo sàibro, areia e argila póde servir perfeitamente, quando não é possivel realisar a drenagem do sólo. De um modo geral se póde dizer que favorecem a putrefacção pela acçâo chimica, que não se lhes póde negar, os terrenos argilosos, ealcareos, furruginosos e fortemente alealinos. Os argilosos gozam desta propriedade compensadora de sua péssima condição physica, devido á energia com que a argila se apodera do ammoniaco da putrefacção. Nos ferruginosos o oxydo de ferro entra em combinação com o hydrogenio sulfurado, dando o sulfurato e após o sulfato de ferro e com o hydrogenio phosphorado. Os terrenos ealcareos têm a propriedade de neutralisar os ácidos acético, láctico e butyrico por meio de seus carbonatos de cálcio e de magnesia especialmente. CAPITULO II Drenagem e cultura do solo dos cemitérios DRENAGEM Em nosso fraco modo de pensar os cemitérios em geral devem ter um sólo drenado, porque todos elles, ainda os edifi- cados em um terreno proprio a levar a cabo dentro de curto prazo de tempo a decomposição das partes molles de um cada- ver, estão sujeitos a se tornarem saturados após certo numero de annos. E a drenagem 10 sólo dos cemitérios não é uma novidade: ella tem sido praticada com exito o mais completo. Como um exemplo eloquente do que asseveramos, diremos algumas palavras acerca da drenagem parcial do cemiterio de Saint Nazaire pelo systema Coupry, approvada plenamente [tela autoridade de scientistas da ordem de Brouardel, Du Mes- nil e Ogier, após uma serie de importantes experiencias, que relataremos também. O sólo do cemiterio de Saint Nazaire é constituído por argila compacta, proveniente de camadas superiores de micachisto. No inverno o lençol d’agoa subterrâneo sóbe até 0m,6C da superfície do sólo e no verão elle se mantém de lm,50 a lm,60 de profuudidade. 46 Em varias exhumações realisadas se tem verificado estar o esquife completamente cheio d’agoa e se têm encontrado cadá- veres perfeitamente conservados ou apenas saponificados após cinco annos de enterramento. Devido a isto e á desproporção manifesta entre a area do cemiterio e a cifra das inhumações nos últimos cinco annos, factos estes, que imporiam em breve tempo o fechamento do cemiterio, a municipalidade de Saint Nazaire incumbio a Gou- pry, Lemut e Guerin de Nantes, de dar uma solução a tão melindroso assumpto. Elles o fizerão brilhantemente idealisandoe pondo em pratica um processo completo de drenagem, que expuzeram pelos ter- mos seguintes, como consta do processo verbal da commissão do conselho do município, nomeada especialmente (27 de maio da 1890): «Seis ordens de tres covas cada uma foram praticadas na profundidade de 0m,87: estas covas tinham um comprimento de 2 metros sobre uma largura de 0m,80. Nos lados e nas cabeceiras das sepulturas deixou-se uma faixa de terra de 0m,40 de espessura. Este quadro de 18 covas é circulado por um muro de 0m,40 de largura, que desce a 0m,30 além do fundo das mesmas, de maneira a constituir uma cinta de drenagem, que impede a a invasão das agoas do exterior.' Na base de cada sepultura foram construídos quatro pilares, de pedra de 0m,16 de altura, ficando entre elles um espaço em forma de cruz; este espaço se 'prolonga nos quatro ramos da cruz por um tubo de barro cozido ou vidrado (poterie), que atravessa a faixa de 0m,40 de espessura do terreno natural, 47 estabelecendo assim lima communicação subterrânea entre todas as sepulturas contíguas. Além, á distancia de 0m,55 das covas, na aleado cemiterio, ha um cano que recebe todas as agoas recolhidas pelos tubos das sepulturas e pelo muro envolvente, transportando-as para longe do cemiterio. O espaço em forma de cruz, existente entre os pilares, tem o fundo coberto por ardósia ordinaria e ainda apresenta a 0m,10 de altura um duplo fundo de ardósia, sendo este cheio de uma camada de resíduos de carvão de pedra (escarbilles), tendo também 0m,'10 de espessura. Sobre esta camada de carvão repousa o esquife.» Para dar um parecer sobre o systema adoptado por Coupry, a sub-commissão composta de Brouardel, Du Mesnil e Ogier fez as seguintes exhumações de cada veres inliumados pelo novo processo, a excepção do ultimo: l.a) Louis ... 52 annos. Morto a 29 e enterrado a 30 de Ju- nho de 1890. Exhumado a 9 de Junho de 1891. O cadaver, envolto em uma veste espessa, não desprendia máo cheiro; as partes molles, os orgãos splanchnicos tinham desapparecido quasi completamente; o thorax e o abdómen estavam vasios; o esqueleto dos membros estava quasi desnudo, existindo apenas alguns fragmentos de musculos adherindo á perna direita. 2.a) B. . . 66 annos. Morto a 21 e inhumado a 22 de Maio de 1890. Exhumado um anno e 18 dias depois. O cadaver não traja vestes grosseiras como o precedente. Não desprende odor algum, o esqueleto está desembaraçado de todas as partes molles, a cabeça separada do tronca... 48 J’3.a) F... 41 annos. Morto a 24, enterrado a 25 de Junho de 1890 e exhumado 11 mezes e 15 dias mais tarde. Nenhum lençol o protege, não exhala máo cheiro. Verifica-se a existência de uma camada de holores de côr hranca em toda a superfície do corpo. O tliorax e o abdómen estão com- pletamente vasios; os musculos dos membros inferiores, não destruídos totalmente, promettem passar ao estado de mumi- ficação. 4.a) G. Baptiste... Morto a 20 e inliumado a 21 de Março de 1886. Foiexhnmadoa primeira vez a 25 le Maio de 1891 e a segunda a 9 de Junho do mesmo anno. Duração da inhumação 5 annos. Este cadaver estava absolutamente intacto, tendo soffrido a saponificação em massa ou transformação dos tecidos em adi- pocira. Brouardel procedeu á autopsia sendo o seguinte o re- snltado: Vísceras adelgaçadas applicadas á parede do tliorax e do abdómen. Coração susceptivel de ser reconhecido, apresen- tando ainda certo volume. Parece que todo trabalho de de- composição se acha suspenso e que o cadaver permanecerá indefinidamente neste estado. Ora, as tres primeiras inliumações foram feitas pelo pro- cesso Coupry e a ultima no cemiterio antigo de Saint Nazaire, ainda não beneficiado pela drenagem. Para que mais commentarios? Contra factos não valem argumentos. Os sábios citados fizeram ainda experiencias com cadaveres de carneiros, obtendo idêntico resultado. Para completar estes estudos práticos Ogier, um dos mem- bros da commissão, director do Laboratorio de Toxicologia da 49 Morgue de Paris, fez a analyse dos gazes por elle recolhidos no antigo cemiterio de Saint Nazaire e no pequeno cemiteno Coupry. Não podemos nos furtar a transcrever aqui a relação que elle apresentou: «Paris, 25 de Junho de 1891. Analyse dos gazes recolhidos no sólo do cemiterio de Saint Nazaire. 1. Terreno.preparado pelo systema Coupry. Gaz captado no tumulo de T. Q... A terra não foi retirada. Orifício de sondagem praticado a lm,50 isto é, na parte superior do esquife. Não havia hydrogenio sulfurado. Acido carbonico .... 2,29 em volume. Oxygenio 17,51 Azoto 80,20 100,00 Em uma outra experiencia encontrou-se (analyse por pesada) 2,69:100 de acido carbonico. 2, ) Terreno preparado pelo systema Coupry (tumulo de A...) O corpo foi exhumado na vespera, reinhumado e a cova foi atulhada com a própria terra. O gaz foi recolhido abaixo do corpo, quinze horas após a re- inhumação, em um dos tubos do dreno Coupry (um dos tubos que commuuicam com o espaço em forma de cruz). Resultado: Acido carbonico 0,04 em volume Oxygenio. . •- 19,63 Azoto 80,33 100,00 50 A comparação destas duas experiencias me parece demons- trar a realidade do accesso de oxygenio no systema Coupry, porquanto no dreno, justamente abaixo de um dos cadaveres, não existe mais acido earbonico do que no ar normal. O ar externo cliega pois effectivamente até abaixo do corpo e não ha estagnação dos productos gazozos da decomposição no appare- lho de drenagem. 3o) Gemiterio ordinário de Saint-Nazaire. Terreno excessivamente argiloso. O orifício praticado pela sonda foi em parte ohturado pela argila, tendo-se formado uma especiede conducto impermeável; é para se receiar que o ar captado não tenha provindo exclusivamente do sólo, mas que a aspiração tenha determinado um excesso de ar do exte- rior pelo orifício superior do conducto praticado pela sonda. As condições da experiencia não são mui favoráveis. Profundidade lm,10(no tumulo de uma mulher D.../) Acido earbonico 2,13 Oxygenio. • * . 17,86 Azoto 80,01 Deve-se acreditar que o coeficiente do acido earbonico tenha decrescido muito, devido aos motivos acima indicados. Nessas diversas analyses, como nas realisadas por Sehútzen- berg e Boussingault, a somma do acido earbonico e do oxyge- nio é sempre mui approximada de 20, coefficiente do ar normal, o que quer dizer que o carbono da matéria organica fornece, comburindo, um volume de acido earbonico egual ao volume do exygenio, que alimentou a combustão.» Ogier não se limitou a analysar os gazes, ellefez ainda a ana- 51 lyse da agoa captada em lima das sepulturas ordinárias do ce- mitério de Saint Nazaire. Sentimos não poder [apresentar aqui, em algarismos, os re- sultados das pesquizas daquelle scientista. Mas, para se fazer kléa das impurezas contidas n’agoa da um cemiterio de sólo saturado como o de Saint Nazaire, resu- miremos, dizendo que as experiencias foram feitas em uma sepultura, que encerrava um cadaver inhumado cinco annos atraz e em parte destruído, notando-se comtudo abundantes massas gordnrosas molles, naturalmente adipocira. Terra argilosa quasi pura. A agoa subia no interior da sepultura até o nivel superior do esquife, enchendo-o. De tão impura, ainda depois de filtrada, apresentava grande quantidade de matéria organica, de ammoniaco e de chloru- retos e vestígios de nitritos e nitratos, deixando um deposito abundante de um cinzento anegrado, contendo principalmente matérias graxas e numerosos infusorios (paramecios). Damos em seguida as conclusões com que Brouardel, Du Mesnil e Ogier encerram o relatoriò que, constituídos em com- missão, apresentaram á municipalidade de1 Saint Nazaire: 1. a) A applicaçâo do systema Coupry no cemiterio de Saint Nazaire, deseccando o sub-sólo e introduzindo no mesmo no- tável quantidade de ar, activa em uma proporção digna de nota a destruição dos cadaveres inbumados. 2. a) O funccionamento deste systema diminue a quantidade de acido carbonico, que circula no sólo em que são enterradas matérias organicas. 3. a) Elle permitte utilisar para irdiumações, terrenos consi- derados justamente até hoje como impróprios a este fim. 52 Quanto a nós, acreditamos que um sólo, drenado conveni- entemente nas condições acima mencionadas, é o que se póde desejar de mais perfeito em matéria de hygiene dos cemitérios. A drenagem bem praticada constitue a realisação das idéas de Pettenkofer, quando diz: «Obter-se-ia uma inhumação ideal, si fosse possível suppri- mir completamente a putrelacção, substituindo-a pela cor- rupção. Deste modo obteríamos os productos derradeiros da com- bustão e teríamos um cadaver em decomposição a desprender, um odôr tão insignificante, quanto o do oleo que se combuer em uma lampada bem construída e com sufficiente tiragem de ar. Quanto mais limitarmos o accesso do ar nesta lampada, tanto menos possível se torna a combustão completa e em tanto maior numero apparecerão os productos da distillação a secco, que inquinam o ar e aagoa, tornando-os insalubres.» A’ parte as theorias do autor sobre putrefacção, commun- gamos inteiramente as opiniões emittidas com o critério e com- petência que lhe são proprios. CULTURA DO SOLO DOS CEMITÉRIOS Sob esta epigraphe comprehendemos aarborisação e o plantio de flores nos cemitérios, porquanto repugna aos sentimentos que os mortos soem inspirar, o extrahir do sólo dos cemiteríos os pingues dons de Ceres. O utilitarismo não deve transpor o limiar sagrado das ne- eropoles, muito embora houvesse Ruddlerproposto adistillação dos cadaveres em retortas apropriadas, afim de serem os gazes aproveitados para a illuminação publica (<horrcsco) e sejam os 53 cemitérios nos Estados Unidos em grande parte um ramo de negocio dos particulares ou seja ainda costume dos chinezes, segundo Beauvoir, depositar simplesmente os esquifes um ao lado do outro, occupando vasta extensão de terreno, com o fim de adubar seus campos estereis. Bom proveito a esses senhores. Arborisação.— Cremos não ser cousa de somenos impor- tância a arborisação dos cemitérios. Tres razões nos levam a pensar desta maneira : 1. A esthetica, o aformoseamento da morada dos mortos que, qualquer que seja a crença de cada um, tem a proprie- dade de suavisar, de envolver em uma atmosphera de doce e merencória poesia a impressão estranha e funda, que todos nós experimentamos diante dos monumentos em que se perpetúa a Morte, essa negra divindade, cujo culto subrepuja todos os outros, como que para attestar que o homem é alguma cousa mais, do que simplesmente o representante mais perfeito do reino animal. 2. a) A arborisação exerce indiscutível e benefica influencia sobre o estado do terreno, que ella modifica para melhor, con- tribuindo para diminuir-lhe a saturação, porque absorve alguns productosnocivos da putrefacção, que temlogar no seio delle; deshydratando-o, depurando-lhe a agoapor meio de suas raizes. 3. a) Ella oppòe um obstáculo á passagem dos microbios para o exterior, porque, introduzindo suas raizes atravez das di- versas camadas do sólo, obsta a que se produzam fendas natu- raes e impede o desmoronamento do terreno na abertura de uma sepultura. 54 Muitas arvores têm sido apontadas como próprias á arbori- sação das necropoles. Nós damos preferencia ao eucalyptus globulus, que em nosso clima não está sujeito a morrer de frio como na Europa e cresce rapidamente attingindo altura extraordinária, sem se tornar muito copado, para não fallar nas virtudes therapeuticas que alguns autores attribuem a essas arvores, reputando-as grande purificadoras do ar, o que não é descabido, tendo-se em vista as propriedades do principio activo das mesmas. Sutherland queria que se plantasse uma arvore ao pé de cada sepultura. Isso impediria que o cemiterio recebesse a necessária luz e calor, e difficultaria, decido á abundancia das raizes, a aber- tura de novas sepulturas, alem de que os jazigos e monumentos seriam assás damnificados. Ajardinamento.— Quizeramos um cemiterio transformado em um bello jardim, cuidadosamente zelado pelo pessoal interno ou por indivíduos incumbidos deste mister; um jardim em que a mimosa trepadeira abraçando em suas voltas o sarcophago do rico, fosse dependurar nos braços da cruz marmórea a campanula da saudade; em que os tristes goivos, as chorosas perpetuas, carinhosamente cultivados, occultassem ás vistas profanas a cova humilde do operário. CAPITULO III Caixões mortuários, sepulturas, carneiros e jazigos CAIXÕES MORTUÁRIOS Antes de tratar dos caixões mortuários, conviria saber se não seria melhor collocar simplesmente o cadaver vestido sobre o sólo. E’ um engano. Deposto o cadaver sobre o fundo da sepultura, as vestes, que por si já constituem um importante obstáculo á putrefacção, principalmente quando numerosas e espessas, se impregnam do liquido emanado dos tecidos em decomposição, formando um envolucro inteiramente impermeável ao ar. Outras vezes éa própria humidade do terreno que, enso- pando a roupa do cadaver, realisa essa circumstancia, tão des- favorável á rapida destruição do mesmo. Alguns autores propõem que se deponha o cadaver no chão da cova, e se cubra o mesmo com uma tampa de taboas, afim de que esta, impedindo que a terra, atirada ao se realisar a inhu- mação, envolva o corpo, mantenha antes em torno do mesmo uma atmosphera necessária ao processo da decomposição. Esta idéa não é má, mas os caixões mortuários preenchem melhormente as condições apontadas e ainda outras que estão sob a alçada da liygiene publica e da policia mortuaria propria- mente dita e de que não podemos tratar aqui. 56 Com efleito, o caixão mortuário, alem de constituir uma ver- dadeira camara de ar, eminentemente propicia á destruição do cadaver, não permitte que as agoas, que possam por acaso sobrevir temporariamente, attinjam-no e concorram para a saponificação do mesmo. O caixão mortuário em geral, por muitos motivos, alguns estranhos ao mesmo assumpto, deve ser construído de ma- deira não muito resistente. Neste ponto divergimos de muitos autores, porque presuppo- mos um terreno da melhor qualidade, em que o ar circula facilmente e as agoas não embebem o sólo, quando não seja pratica vei a drenagem por falta de recursos, pois não admit- timos outra justificativa da sua não realisação. Deve ainda o caixão mortuário não apresentar a minima solu- ção de continuidade, mas isto diz respeito mais de perto ao perigo, que póde resultar para os assistentes da inliumação de um cadaver em adiantada putrefaeção. Tèm-se construído caixões mortuários impermeáveis de materiaes os mais variados. Condemnamol-os todos, a não ser que se trate dos enterra- mentos realisados em tempo de epidemia. SEPULTURAS Em faílando das sepulturas temos duas cousas a considerar : a) Profundidade das sepulturas; b) Area das mesmas. Profundidàce das sepulturas.—Nào se póde estabelecer I recisamente a média da profundidade das sepulturas, porque 57 ella depende de um lado da natureza do terreno, de outro da altura do lençol d’agoa subterrâneo. Em regra geral, quanto mais poroso íôr o terreno e mais pro- fundo d lençol d’agoo, tanto mais funda poderá ser a cova, dentro dos limites até hoje adoptados, comprehendidos entre 6 e 8 pés ou sejam lm,l4 e 2m,3. Quanto menos poroso fòr o sólo, e mais superficial o lençol d’agoa, tanto menos profunda será a sepultura. Si íinalmente tivermos os dous últimos casos de um máo terreno com um lençol d’agoa profundo e de um bom terreno com um lençol d’agoa superficial, convirá ainda que a sepul- tura seja o menos profunda possível. Nestas diversas hypotheses trata-se simplesmente de evitar a humidade excessiva e fornecer o ar necessário á putrefacçao. Suppondo-se, todavia, as condições encontradas o que se póde desejar de melhor, na escolha do terreno de um cemi- tério, é permittido tomar-se a média de lm,60 para a profun- didade das sepulturas. Esta tem variado muito nos diversos paizes. Na França é de lm,5G a 2m. No Hessen é de lm,73a 2m,01. Na Áustria o limite minimo é de lm,9. Na Baviera a profundidade está comprehendida entre lm,7 e 2>n,3. Em Monaco a media é de lm,75, havendo porém sobre cada sepultura uma elevação de terreno com 0>n43 de altura. Em Arnsberg e Stralsund o limite minimo' é de lm,41. O governo de Stralsund permitte no caso de proximidade do lençol d’agoa subterrâneo a profundidade minimade 4pés, com 58 a condição de haver uma elevação de 2 pés de espessura a co- brir as sepulturas. (1) Não é obvio lembrar aqui, que se póde sem inconveniente diminuir de um terço a profundidade das covas das creanças de 10 annos até 7, e da metade a das destinadas ás creanças de 7 annos para baixo, comtanto que se tenham na devida consi- deração as ,condições especiaes do terreno, de que tratamos atraz. Area das sepulturas.—Schuster, após haver criticado com razão os cálculos de Pappenheim, que elle reputa deficientes, pelo facto deste na avaliação da area de uma sepultura se ter esquecido de incluir os espaços que ficam nos ângulos, entre as margens de terreno dos lados e cabeceiras, depois de citar Riecke, quando este diz que a media da area das epulturas nos diversos paizes oscilla entre 2ni2,2 e 7m2,46, propõe as se- guintes dimensões para*as sepulturas dos adultos: Comprimento. 2m. Largura lm,16 Margem 0m,60 Deve-se entender por margens as faixas de terreno, que sepa- ram sepulturas visinhas, do contrario a media, que esse autor apresenta como resultado das dimensões, devia ser menos ele- vada do que realmente é, pois ella orça em 4m2,16. ií,m Monaco as sepulturas de adultos têm de comprimento 2m,62 largura lm,16 (1) Estes dados nos sâo fornecidos porSchuster 59 Nestas dimensões estão comprehendidos os interstícios, de maneira que uma cova tem de area 3m2, 0392. Riecke e Ruppel adoptam a area de 3m2, 77. Na determinação da espessura das faixas intermediárias, se deve ter em vista a consistência de cada terreno em particular, porque não seja casualmente aberta, em consequência de desmoronamento das paredes, uma campa visinha daquella em que se pratica uma inhumação ou ainda uma exhumaçâo. Convém também levar em conta o angulo de inclinação do terreno; quanto maior fòr este, mais espesso deverão ser os trechos divisórios naturaes. Seria uma falta não prestar attenção no calculo a eífectuar, ádifferença de edade dos indivíduos. Riecke admitte tres classes de edade: 1. a) de 7 annos para baixo; 2. de 14 annos até 7; 3. a) de mais de 14 annos. Elle dá para a primeira classe a media de lm2,48, para a se- gunda a del»)2,83e para a terceira a de 3m2,77, acreditando que para um terreno de consistência regular ésuíficiente a area de <2m2) 85 para a area das sepulturas, inclusive as margens. Pensa Schuster que não ha necessidade, com relação á edade, de admittir mais de duas classes, a saber: 1. a) creanças de 10 annos para baixo; 2. adultos. Segundo uma estatística de Dieteric, em ICO mortos cerca de 46 eram nati-mortos ou mortos antes delO annos e 54 desta edade em diante. Si considerarmos adultos estes últimos e tomarmos a media 60 de lm2,65 para as creanças de 10 annos para baixo e a de 4m2 para os adultos, teremos: (54X44)+/46X1,65)=2mi,919. 100 Ha um meio mais simples, que consiste em considerar duas creanças de 10 annos para baixo como um adulto e contar duas sepulturas dessas como uma ordinaría. Neste caso, em vez de procurar a media da superfície das covas, o calculo é feito segundo o numero de sepulturas que são necessárias todo anno para um dado numero de habitantes, processo em parte adoptado em Monaco. Si, por exemplo, a mortalidade das creanças fòr de 33:100, teremos para 1000 habitantes: (54x46/2) 33=2in2,541 1000 Schuster, a quem tomamos esses apontamentos, aconselha que se pratiquem as sepulturas em serie, de maneira que nunca se dê o caso de ser realisada uma inhumação ao lado de covas abertas recentemente, mas sempre na proximidade das mais antigas, modo de pensar este, que nós reputamos mui louvável. Deve-se terem vista ainda o espaço occupado pelas aleas dos cemitérios ou ruas separando os diíferentes quadros de sepul- turas. Riecke addiciona com este fim ~- do espaço total adoptado para as sepulturas. Não terminaremos este assumpto sem fallar das concessões de terreno sobre as quaes só temos que dizer que em caso algum se tornem perpetuas, antes, não excedam o prazo máximo de 61 50 annos devendo, findo este, serem os ossos recolhidos a um logar especial, que deve existir em todo cemiterio, se não forem em tempo reclamados pelos parentes que poderão, mediante uma certa somma guardal-os em urnas funerárias mais ou menos ricas que serão collocadas em nichos especialmente construídos ao m. to dos muros dos cemitérios, verdadeiros columbarios como os que havia nas necropoles de Roma com o fim de rece- ber os cinzas dos mortos, ou em monumentos não menos sump- tuosos do que os que se erguem sobre as sepulturas, mas occupando muito menor espaço do que aquelles. CARNEIROS E JAZIGOS Como uma consequência lógica, das idéas por nós expen- didas no decorrer do despretencioso estudo que fizemos, la- vramos a condemnação absoluta, irrevogável dos carneiros e jazigos de qualquer natureza, individuaes ou collectivos. E nós o fazemos baseados nos seguintes argumentos: a) Retardam a decomposição dos cadaveres; b) São uma ameaça constante á saude publica; c) Têm o inconveniente de se perpetuarem. Desenvolvamos estes augumentos. a) Retardam a putrefacção: Não precisamos ser prolixo. Sem uma humidade moderada, que só pode ter logar no seio da terra, ainda mesmo quando os cadaveres não estão em contacto directo com a mesma; sem uma atmosphera conti- nuamente renovada, antes hypersaturada por todos osproductos 62 da decomposição organica, os gazes principalmente, é facil de vêr que um cadaver não se decomporá com grande rapidez. b) São uma ameaça constante á vida do liomem: Sim, porque estando os gazes longo tempo accumulados, em particular o acido carbonieo, embora uma certa parte atravesse as paredes da camara como deixamos demonstrado ao fallar de experiencias feitas em sepulturas de alvenaria, ainda fica uma quantidade sufílciente para com a producção de uma fenda causar sérios inconvenientes, não se falhando da passagem dos microbios para o exterior nestas condições e no facto de con- tinuas emanações,provenientes de cadaveresque se putrefazem, tornarem insupportavel o ambiente dos cemitérios. c) Apresentam a desvantagem de se perpetuarem: Esta não é pequena pelos motivos apresentados quando fala- mos das concessões de terreno e mostramos a conveniência de se substituírem os vastos monumentos funerários por não menos sumptuosos columbarios, que além de occupar menor espaço, serão construídos em um quadro separado nos ce- mitérios. Ha ainda outras razões, pelas quaes, além das citadas, os jazigos de familia se tornam ainda mais prejudiciaes. Isso acontece quando a camara commum dos nichos ou cel- lulas se acha hermeticamente fechada por uma porta* de ma- deira ou de ferro e em regra geral nos jazigos situados abaixo da superfície do sóio, cuja entrada é sempre tomada por uma lousa ou chapa do metal acima mencionado. 63 CONCLUSÃO Nós preferimos passar por alto sobre os numerosos abusos commettidos no interior dos cemitérios, merecendo especial menção a abertura de carneiros, em cujo seio a putrefacção não teve tempo de completar seu cyclo natural. Não admira. Em uma epoca remota, de maior fé e em que era também maior a auri sacra famis, ossadas ainda frescas eram retiradas das sepulturas das egrejas e lançadas sobre os telhados destas! Silenciaremos ainda sobre factos occorridos em cemitérios desta capital, depois que aqui appareceu a peste levantina e contra os quaes os particulares têm estampado queixas repe- tidas nas folhas diarias. O nosso precário estado de saúde, a escassez do tempo ao nosso dispor e o firme proposito de nos manter dentro dos res- trictos limites de uma tarefa que a lei nos impoz, não nos permittio realisar um trabalho pratico e documentado, nem suscitar questões de polemica e de critica, que encontrariam um campo mais vasto e apropriado no jornalismo. PROPOSIÇÕES ANATOMIA DESCRIPTIVA I—A theona vertebral do craneo, creada por Goethe e abraçada por Oken, Kuss e outros é sobre- modo attrahente. II — Estudada no amphioxus, ella demonstra que, si afuncção reproductora não se aperfeiçoa, não se dá o mesmo com a funcção cerebral. III — A medida que subimos na serie animal, as vertebras vão se distendendo até deixarem escapar, a massa encephalica, que vae procurar um envo- lucro de natureza differente. ANATOMIA MEDICO-CIRURGICA I — E’ admiravel o equilíbrio do pulmão dentro da caixa thoracica. II —Elle é devido de um lado ao tecido retráctil, que o mantém suspenso, de outro lado á acçao dos musculos, costellas e cartilagens que estabelecem o vasio. III,— E’ de tal ordem esse equilíbrio, que elle con- tinúa no cadaver. HISTOLOGIA I — A divisão do núcleo dá-se por estrangulação, por gemmulação e por fragmentação. II— Na divisão directa do núcleo o nucleolo alon- ga-se e estrangula-se antes daquelle. III— Na divisão indirecta o nucleolo póde desap- 68 parecer por fragmentação e fusão graduaes ou per- sistir durante toda-a karyokinese, BACTERIOLOGIA I — O sangue gelosado é um bom meio de cultura. II — Neste meio o bacillo da lepra attinge um certo desenvolvimento. III —Bacillos outros tem sido conservados como o de Pfeiffer e o gonococco de Neisser. ANATOMIA E PHYSIOLOGIA PATHOLOGIGAS I — As cellulas fixas representam um papel impor- tante na inflammação. II — A hypertrophia e a proliferação indicam que essas cellulas reagem. III — A degenerescencia e a necrose são a conse- quência da morte das cellulas fixas. PHYSIOLOGIA I — O acido carbonico das sepulturas póde pro- duzir uma simples vertigem, a asphyxia e a morte. II — A provocação de uma vertigem é a prova de que o systema nervoso é o primeiro a soffrer. III — A morte ou consequências outras da as- phyxia demonstram que o acido carbonico é ainda um gaz toxico. THERAPEUTICA I — O oleo de figado de bacalháo de côr escara ERRATA Pag. Linha Onde se lê Leia-se 3 27 naqnella naquella 10 4 o 6.o e 7.o os 6.° e 7.o 13 17 morots mortos 14 2 de mic.robios dos microbios 15 2 principiarem principiar 20 25 levado lavado 21 21 nnm num 23 10 panifica purifica 26 26 colhtdos colhidos 27 5 meu os menos 28 15 aierrima aterrima 28 16 anihomyias anthomyias 29 4 mnito muito 31 18 oscillautes oscillantes 31 27 a á 39 1 cerrem correrem 39 13 poeiras poeiras 43 13 aleaninos alcalinos 43 18 sulfnrato súlfureto 48 10 exhnmado exhumado 48 15 resnltado resultado 51 10 gordnrosas gordurosas 52 11 combuer combure 60 3 (54X44)+(46X1,65)=2>X919 (54X44) + (46X1,65)—0in2 cw a 100 100 60 13 (54X46/2)33=2>n2,541 1000 (54X46/2)33 n 0 r, t 1000 2m2>041 61 8 os as 63 16 permittie permittiram 69 deve ser condemnado, porque encerra ptomainas elaboradas nos fígados putrefeitos, de onde é ex- trahido. II —Na administração do oleo de bôa qualidade devem-se elevar progressivamente as doses até o máximo de tolerância dos doentes. III — O sabor, que alguns não supportam, póde ser mascarado e os effeitos curativos augmentados com outros medicamentos. H YGIENE I— Os cemitérios em geral são alvo da maior in- cúria. II— A drenagem do sólo das necropoles impoe-se como uma necessidade capital. III— Todos os cemitérios devem ser públicos e per- tencer ao Estado. MEDICINA LEGAL E TOXICOLOGIA I— A cremação deve ser condemnada porque, des- truindo as provas do crime, exigiria uma autopsia em cada obito occorrido, o que é praticamente ir- realisavel. II— Um conjuncto especial de lesões revelam na necropsia a morte pelo acido carbonico. III— Pelos insectos encontrados em um cadaver em fim de decomposição, póde-se determinar appro- ximativamente a data da perpetração de um ho- micídio. PATHOLOGIA CIRÚRGICA I—As varizes typicas dos membros inferiores são de origem mecanica. 70 II— Elias são devidas a um excesso de pressão, como as dilatações que se produzem nos aneurismas arterio-venosos. III— Este excesso de pressão é devido á insuffici- encia das valvulas da saphena interna. OPERAÇOES E APPARELHOS I— O autocatgut tem sido empregado com bom exito nas suturas abdominaes. II— E’ possível realisar-se uma sutura abdominal, retirando-se os fios mais tarde. III— As melhores suturas abdominaes sem fios per- didos, que conhecemos são as de Jonesco e Stoyamor. CLINICA CIRÚRGICA (i.a Cadeira) I— A splenectomia é sempre indicada no kysto hy- datico do baço e na splenomegalia paludica. II— A intervenção deve ter logar, logo que se re- conheça a impotência do tratamento medico. III— Constituem contra-indicaçoes a hypertrophia leucemica do baço, a cyrrhose atrophica, as grandes adherencias parietaes, a pleuresia, a ascite muito pro. nunciada, as lesões renaes e emfim um estado geral máo acompanhado de lesões visceraes. CLINICA CIRÚRGICA (2.a Cadeira) I— Na fractura do terço medio da clavícula nos adultos raramente se consegue um exito completo devido ao cavalgamento dos fragmentos. II— Diante da impotência dos numerosos appa- relhos inventados, a prothese e a sutura metallicas impÕem-se imperiosamente. 71 III—A prothese tem sido praticada por Potarca em Bucharest, a sutura metallica pelo Dr. Gonçalves Martins, que adopta o processo de Kirmisson, ambos com brilhantes resultados. PATHOLOGIA MEDICA I— O fabismo é uma moléstia aguda, que se carac- terisa pela còr amarellada da pelle, por graves phe- nomenos depressivos do systema neuro-muscular e pelo augmento da temperatura. II— Muito commum no sul da Italia, apesar de não termos observação pessoal, acreditamos na sua exis- tência no interior do paiz em tempo de carestia. III— O tratamento consiste na eliminação da causa e no levantamento das forças do doente, podendo-se recorrer no periodo agudo ao bisulfato de quinino e ao salicylato de sodio. CLINICA PROPEDÊUTICA I— Os ruidos de sopro constituem os phenomenos mais interessantes da escuta do coração doente. II— Esses ruidos variam extraordinariamente de intensidade. III— Esta depende da velocidade da corrente san- guínea, regulada por sua vez pela contracção cardíaca e pela elasticidade dos vasos. CLINICA MEDICA (i.a Cadeira) I— O impaludismo póde produzir tremores ner- vosos. II— São estes successivamente: tremores sensitivos, motores e trophicos. 72 III—Provoca ainda o impaludismo perturbações psychicas como delírios, allucinaçoes e melancolia. CLINICA MEDICA (2.» Cadeira) I— Deve-se admittir a existência do edema pul- monar agudo, completamente distincto do passivo e chronico. II— São tres as theorias principaes que a nosso vêr se completam: theoria toxica (Brouardel e Debove), theoria mecanica ( na Allemanha) e theoria neuro- motriz ( Huchard). III— A therapeutica desta moléstia consiste na san- gria, na revulsão sobre o tronco nervoso e'plexo car- díaco, na administração da trinitima e do nitrito de amylo oxycarbonado e de clysteres de acido carbonico. MATÉRIA MEDICA, PHARMACOLOGIA E ARTE DE FORMULAR I— O exanofele é um medicamento composto de quinino, ferro e arsénico. II— A poção constitue a forma pharmaceutica mais banal e mais pratica. III— A posologia, a solubilidade e as incompatili- dades são o escolho da arte de formular. HISTORIA NATURAL MEDICA I— A minhoca é um optimo vector dos microbios das sepulturas. II— Conhecida em sciencia por Lumbricus agrícola ou Oligochaetis terricola, ella é um verme annelide chetopodo, hospede habitual do sólo. III— A Oligochaetis terricola, além de ser herma- phrodita, exerce indifferentemente ambas as funcções sexuaes. 73 CHIMICA MEDICA I— O acido carbonico, o mais deleterio dos gazes emanados das sepulturas, existe em proporção insig- nificante no ar atmospherico. II— Quando esta quantidade augmenta, o ar torna- se mais denso e mais pesado. III— O volume de acido carbonico expellido pelo pulmão nunca é egual ao de oxygenio inspirado, porque a combustão dos elementos do sangue ainda é representada por outros productos como vapor d’agoa e matéria organica. OBSTETRÍCIA I— A ligadura aseptica do cordão umbilical é o que se pode desejar de melhor. II— Mas a omphalotomia térmica é mais pratica. III— A omphalotomia simples e a omphalotripsia são inferiores aos dous primeiros processos. CLINICA OBSTÉTRICA E GYNECOLOGICA I— A septicemia puerperal é uma toxemia micro- biana tendo por ponto de partida o utero. II— O toque e a própria antisepsia podem provo- car esta infecçao, quando feitos em más condições. III— Outras vezes a septicemia puerperal não é mais do que uma auto-intoxicação, como provam as ptomainas encontradas. CLINICA PEDIÁTRICA • I —O rheumatismo das creanças é difficil de ser reconhecido, quando pouco accusado e sub-agudo. 74 II— As complicações cardíacas são constantes e graves sobretudo pela sua evolução ulterior. III— As lesões communs são a pericardite e asen- docardites mitral e aortica. CLINICA OPHTALMOLOGICA I— Ha certas intervenções que um medico deve es- tar apto a realisar sem ser ophtalmologista. II— Uma delias é a extracção de corpos extranhos da conjunctiva. III— A outra é a de corpos extranhos encravados na cornea. CLINICA DERMATOLÓGICA E SYPHILIGRAPHICA I— Vários estudos experimentaes nos levam a acre- ditar na origem microbiana do eczema. II— Salientamos as pesquizas de Unna sobre o cão, em que elle reproduzio os cinco symptomas histo- bacteriologicos daquelle morbo. III— Os banhos de iodo e iodureto de potássio dão optimo resultado no tratamento da syphilis de forma ulcerosa. CLINICA PSYCHIATRICA E DE MOLÉSTIAS NERVOSAS I— A mania menstrual é uma moléstia nervosa, que costuma preceder a apparição dos menstruos. II— Ella não implica a nevropathia, parecendo depender da tensão exagerada dos vasos sanguíneos do cerebro e do excesso de acido carbonico no san- gue. III— Desapparêce com a menstruação, que deve ser provocada pelos meios therapeuticos usuaes. Visto. Secretaria da Faculdade de Medicinada Bahia 5/ de Outubro de fOú-í. 0 Secretario Dr. Mmandro dos Reis MeirelUs.