MÍ1IS ESTUDOS (MÍMICOS SOB OS BOTOCBDOS PELO JOr. J. RODRIGUES PEIXOTO Introducção Desde que os navegantes do século XV puzeram o Brazil em contacto com o velho mundo, muitos e valiosos trabalhos tem sido publicados sobre os po- vos que aqui existiam antes da chegada dos europeus. De Vaz de Caminha, Ga- briel Soares, Hans Stade, Lery e Ives d’Evreux a Martius, Hartt, Couto de Ma- galhães e Baptista Caetano, os livros se têm succedido quasi sem interrupção, illuminando alguns dos pontos mais interessantes que se prendem ás nações brazilicas. Entretanto, procurando-se uma classificação que nos guie no meio da multiplicidade das tribus que aqui existiam, forçoso é reconhecer que nada se encontra. Classificações não faltam, é verdade. Já os colonos do tempo de Simão de Vasconcellos dividiam os indigenas em Tupys elapuyas—homens da lingua geral ou da lingua travada. D’Orbigny, reconhecendo a identidade lin- ÀRCHIVOS DO MUSEU NACIONAL guistica dos que fallavam Guarany com os que fallavam o abanheenga, reu- niu-os no grupo brasilio-guarany (1); Martius, que tantas vezes esteve em con- tacto com os primitivos habitantes, dividiu-os em 8 sub-grupos: Tupis, Gês, Goytacaz, Crens, Guck, Parexis, Guaycurús e Aruac (2). Deve-se, porém, reco- nhecer que taes classificações não têm rigor scientiíico e que, apezar de uteis, não pódem ser acceitas no todo. Em primeiro logar, no tempo em que foram feitas estas classificações a anthropologia ainda não se havia constituido em sciencia de factos tangiveis e os seus processos de investigação não estavam divulgados nem conhecidos. Em segundo logar, a sua base é puramente linguistica, e no Brazil, onde o fi- lho do europeu e o do africano puro faliam o mesmo idioma, escusamos de- monstrar a fragibilidade de um tal critério. Accresce que, mesmo a admit- tir-se a base linguistica como satisfactoria, só do abanheenga é que temos documentos fidedignos; dos outros povos apenas possuimos vocabulários in- sufficientes. Todavia, estas differentes classificações têm um que de util: ellas mos- tram, de modo a não deixar confundir com qualquer outro, o povo tupy oecu- pando o littoral, as margens dos grandes rios,fallando uma lingua em toda esta vasta extensão,dando os nomes a todas as localidades,ás especies animaes,vege- taes e até mineraes. IVeste povo toda a historia do Brazil está cheia, pois fórma grande parte da população actual, ainda hoje falia a sua lingua, principalmente na região amazonica representa o elemento productore compõe grande parte do exercito e da marinha. Na luta pela posse do território, muitos d’elles desappareceram nas even- tualidades da guerra, ou nas pestes que os dizimavam. Outros, porém, emi- graram para o Norte, onde tinham chegado de fresco, quando Christovão d’Acuna viajou o Amazonas em companhia de Pedro Teixeira. Esta viagem para o Norte, que tem sido invocada como argumento de que era lá a séde ori- ginaria dos Tupys, é facto que só com elles se deu. Botocudos do rio Doce, Bugres de S. Paulo, Paraná e Santa Catharina continuam hoje nos logares em que foram primitivamente encontrados. Será, porém, isto prova de que os Tupys eram alienigenas, ao passo que Botocudos, Bugres e outros eramindigenas? E’ (1) Uhomme amèricain de VAmcrique Mèridionale. Paris. 1839. 2 vol. in-8°. (2) Zur Ethnographie Amerika’s zumal Brasiliens. Leipzig. 1867. in-8°. ARCHIYOS DO MUSEU NACIONAL impossível responder no estado actual dos nossos conhecimentos sobre o as- sumpto (1). Tudo quanto se póde afíirmar actualmente é que o Tupy se distingue das outras raças brazilicas. Embora não tenham sido estudados e haja até a ten- dência de considerar o botocudo como legitima vergontea do primitivo brazil (2), é incontestável que o typo craneologico tupy diverge, por caracteres de valor, do typo botocudo. Os craneos tupys que existem no Museu não nos permittem ainda que formulemos conclusões rigorosas sobre este grupo ethnico. Entretanto, o exame summario a que procedemos nos faz crer que o craneo tupy é mais curto e mais baixo e menos grosseiro do que o do Botocudo. O seu indice cephalico é mesaticeplralo, com tendencia a brachycephalia ; a abo- bada é arredondada e o diâmetro basilo-bregmatico menor do que o transverso máximo. A face é relativamente menor, menos chata, menos prognatha. O indice nasal é platyrrhinio na visinhança dos mesorrhinios e as orbitas mega- semas. Para quem conhece a craneologia botocuda estes factos são decisivos. Além d’isso, ao contrario de Botocudos que vivem acuados em um pe- queno território, os Tupys occupavam grande área, soífreram por conseguinte diversos cruzamentos e amalgamaram com os seus caracteristicos funda- mentaes caracteristicos supervenientes. Entretanto, affirmamos convictamente que o grupo tupy não só tem grande importância, como a tem maior do que qualquer outro grupo. Será este o assumpto de outro trabalho. Od’este é apre- sentar o estudo de 12 craneos, dos quaes 10 de Botocudos. Juntando-se-lhes o craneo estudado pelo Sr. Weymann, a pedido do professor Hartt (3); os 5 do pro- fessor Wirchow (4); os 2 dos Srs. Canestrini e Mochen (5); os 6 estudados nes- tes mesmos Archivos (6) e finalmente outros 6 do Dr. Rey (7), temos agora 30 craneos, que são já um importante auxiliar para a determinação do typo boto- cudo. E’ principalmente com os do Dr. Rey que procuraremos confrontal-os, não só por ser o trabalho mais minucioso e importante sobre o assumpto, como porque a sua série é muito homogenea. (1) diz Topinard, onde se produziram também grandes convulsões nas epochas his- tóricas, já não se conhece mais raças primitivas, porém resultantes de cruzamentos repetidos, de superposição e de misturas. Topinard. EAntliropologie, pag. 468. (2) M. de Quatrefage. Uhomme fossile en Br ésil et ses descendants actuels. MojCow. 1881. (3) Hartt. Geology andphysical geography of Brazil. Boston. 1870. (4) Virchow. Zeitschrift fur Ethnologie. Berlin. 1874 e 1875. Sechster und siebenter Bander. (5) Canestrini Giovanni e Moschen Lamberto. Archivo per VAnthropoloqia e la Etimologia. Fi- rense, 1879. Nono Volume. (6) Lacerda e Peixoto. Archivos do Museu A acionai. 1876. Vol. I. (7) Dr. Philippe Marius Rey. Étude anthropologique sur les Botocudos. Paris 1880. ARCHIVOS 1)0 MUSEU NACIONAL Pretendiamos addiccionar, como complemento, as investigações que fize- mos sobre um grupo de 7 Botocudos da tribu dos Nuk-nanuk$, oriundos do al- deamento do Mulum, no rio Doce, que aqui estiveram por occasião da Expo- sição Anthropologica. Parece-nos que este ultimo trabalho deve ter algum va- lor, por ser a primeira vez que os indigenas do Brazil são submettidos a um estudo verdadeiramente scientifico, como é a anthropometria. Entretanto, so- mos forçado a adial-o para mais tarde, para não retardar a publicação d’estes Archivos. Os processos seguidos por nós são os da escola franceza, recommendados por Broca nas suas Instrucções. Os desenhos que acompanham o texto foram tirados por nós no stereographo de Broca, depois reduzidos á metade pelo pan- tographo e gravados pelo Sr. Lallemand, desenhista do Museu. Descripção Craneo 1.—(Fig. 1, 2, 3, 4).—Homem adulto originário de S. Matheus (provincia do Espirito Santo), d’onde me foi enviado por um amigo que o mandou exhumar de um antigo cemilerio indigena. E’ uma cabeça desharmo- nica pelo contraste do craneo com a face, mas sem nenhuma anomalia anatómica e na qual os traços salientes da raça botocuda se desenham de um modo frisante. Consideraremos por isso este craneo como typo na des- cripção d’esta serie, encarando-o em todas as suas minudencias. À primeira cousa que chama a attenção de quem o observa é o aspecto tosco, aconstrucção solida de suas partes componentes e principalmente o des- envolvimento de suas fôrmas, facto que se põe de accordo com a sua capaci- dade craneana=1625,cc- superior á cubagem média das raças superiores. E’ um craneo physiologicamente megalocephalo. A norma vcrticalis nos apre- senta a fôrma de um oval alongado. Estreitado na parte anterior, este oval alarga-se ao nivel das bossas parietaes, e achata-se um pouco na parte posterior; entretanto que o segmento do circulo que descrevem as arcadas zygomaticas, a projecção dos malares para fóra e certa saliência dos ossos do nariz e do mento, e sobretudo a estreiteza da fronte, fazem-no tender um pouco para a fôrma pyramidal. ARCH1VOS DO MUSEU NACIONAL A glabella e os seios frontaes, proeminentes, limitam pela parte pos- terior uma depressão transversal correspondente á base do cerebro. O osso coronal, a principio um pouco elevado até o nivel das bossas frontaes, que são pouco accentuadas e baixas, inclina-se depois para traz e eleva-se até chegar ao bregma; todavia a curva frontal é regular e mede na sua totalidade 130 mill. A cristã metopica é pouco apparente e isso mesmo do ponto Fig. 1 metopico até o bregma. As cristãs frontaes, espessas em sua porção inferior, elevam-se mui alto, a ponto do diâmetro frontal minimo (100) ser pouco menor do que o stephanico (110). As bossas parietaes, ao contrario das frontaes, proeminam e limitam-se perfeitamente. A superfície dos parietaes, consideravelmente alongada, dando uma curva de 0ra.140, é alta e saliente na linha mediana, descamba de modo visivel para os lados, soergue-se depois sobre as bossas e dá a esta parte do craneo a fórma de um dorso de asno. A sutura sagittal, que fórma este relevo ARC1IIV0S DO MUSEU NACIONAL interparietal, apresenta uma gotteira em todo o percurso da sua porção hori- zontal ; na parte posterior este relevo abate-se, divergindo para os lados dos ângulos externos do occipital. Algum levantamento se nota igualmente no trajecto da sutura coronal. Estas duas suturas são simples; esta ultima com- plica-se porém um pouco nos stephanicos,aquella outra tem uma denticulação mais angulosa em sua parte posterior. Fig. 2 A linha curva longitudinal, pouco elevada até a altura do plano bi-parietal, d’ahi encurva-se bruscamente para traz até o ponto occipital máximo, o que dá a esta parte do craneo a forma achatada, facto sobre que insistiu Morton pela primeira vez. lVeste ponto ao opistheon teriamos uma recta approximada da horizontal, se não fosse a saliência da cristã occipital superficial. A curva parietal é pouco maior do que a frontal (140), mas a occipi- taléapenas de 115 mill. Visto de perfil, é notável a superfície de implantação do musculo temporal. A curva d’este nome, que é aspera e rugosa na parte cor- respondente ao frontal, eleva-se muito alto e atlinge o seu máximo na parte correspondente ao quinto anterior do parietal; a sua distancia d’ahi á sutura ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL sagittal é apenas de 51 mill., depois ella inclina-se docemente até attingir a sutura parieto*mastoidiana. As parteslateraes dispostas verlicalmente, a disposi- ção do ptérion em ti, a saliência das cristãs supra-mastoideas, a forma de tubér- culo que affecta o bordo posterior da apophyse frontal do malar e a pequena expansão da escama temporal, são os factos a assignalar-se n’esta região. Quanto á norma posterior, accrescentaremos ao que já ficou dito que Fig. 3 a sua forma é pentagonal, e globuloso o aspecto da porção supra-iniaca do occipital, se bem que no mesmo plano do occiput. Ao inion, rugoso e sa- liente, succede uma região cerebellosa, que se volta bruscamente para o buraco occipital, a qual é marcada de profundas digitações para implantação dos musculos da nuca. Na região lateral do craneo, atravessada pela sutura lambdoide, nota-se um achatamento bem visivel, o que dá ao occipital uma certa propulsão para traz. O diâmetro biasterico é egual a 108 e o bimastoi- 212 ARCH1VOS DO MUSEU NACIONAL dianoegual a 1L1. Quanto aos índices cephalicos.é estecraneo francamente doli- cocephalo (ind. d. larg. 73.15, ind d. alt. 73.68) e um mill. mais alto que largo (d. a. post. max—190, d. tr. max. 139, d. v. bas. breg. 140). Este eraneo, cujo principal desenvolvimento é no sentido antero-poste- rior, apresenta, pelo contrario, uma face cujo diâmetro transverso sobrepuja o diâmetro vertical. Com eífeito, ao seu aspecto grosseiro associa-se uma distancia bizygomatica de 0m.138 e uma altura total da face de 0ra.94, ele- vando o seu indice facial a 71.21. O desenvolvimento lateral do resto da face está ainda de accordo com a projecção das apophyses zygomaticas. Assim os malares, grandes e massiços, olham para fóra e apresentam um diâmetro máximo de 0m.124. As apophyses orbitarias externas são avolumadas e divergentes, e dão um d. biorb. ext. de 0ra.il2. O espaço inter-orbitario é pequeno (25), entretanto, é o mais forte até hoje encontrado nos Botocudos. As orbitas, de fórma quadrangular, de ân- gulos attenuados e eixodescahido, têm o seu bordo superior sobrepujado pelas arcadas supercilíares, que concorrem para estreitar-lhe a abertura; a largura attingindo a 0m.40, emquanto que a altura é apenas de 0™.34, produzem um indice mesoséma de 85. Em consequência da saliência da glabella a raiz do nariz é profunda. Os ossos proprios são pequenos, deprimidos lateralmente, formando uma verda- deira chanfradura transversal e o seu perfil é ligeiramente concavo. A abertura nasal, estreita e alongada (1. NS. 51,1. nn. 24), tem o seu bordo inferior embotado e continua-se quasi imperceptivelmente com a superfície anterior do maxillar. O seu indice nasal de 47.05 o colloca no extremo dos leptorrhinios e mui pro- ximo dos mesorrhinios. As fossas caninas, largas e pouco profundas, são limi- tadas superiormente pelos buracos supra-orbitarios, largamente abertos. A porção infra-nasal do maxillar é um pouco inclinada para diante e sua superfície percorrida por saliências e depressões correspondentes ás implanta- ções dentarias. O angulo ophryo-spinal sendo de 7i° e o alveolar de 64°, deixa bem patente a existência de um prognathismo maxillo-alveolar-dentario. A ar- cada alveolar, bem como todo o maxillar superior, não deixa de acompanhar as dimensões transversaes da face; entretanto que a abobada palatina, deforma parabólica com um comprimento de 55 mill., com a largura anterior de 33 e posterior de 41, corresponde ás dimensões dos mongoes, considerados como povos eurignathas por excellencia. O maxillar inferior, espesso e largo, está perfeitamente de accordo com o maxillar superior. Os seus ramos horizontaes, divergentes, fornecem um dia- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL metro bi-gonial de 105 mill. e uma espessura maxima ao nivel dos malares de 16 mill. e uma altura symphysiaria de 32 mill. Sua face externa, sem ser rugosa e grosseira, apresenta um mento largo e saliente de fórma triangular, formando com a linha verlieal-alveolar um an- gulo de 78a. Ao ramo horizontal prende-se. um ramo ascendente de dimensões mode- Fig. 4 radas (largura minima 26, altura 65), porém de superfície rugosa e formando com aquelle um angulo de 111°. Os dous molares que subsistem, fortes, sãos e com as cúspides gastas, não permittem determinar-se a implantação dentaria; entretanto os alvéolos para os incisivos, perfeitamente conservados, inculcam certo gráo de progna- thismo. Existem alvéolos para todos os dentes, inclusive para os dentes do siso. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Craneo II.—(Fig. 5, 6, 7,8).-—A descripção detalhada que se acaba de ler, diz respeito a um indivíduo que póde ser considerado o typo mais geral da raça botocuda, pondo-se de parte a sua exaggerada capacidade craneana, devida talvez á maior ampliação de seu diâmetro antero-posterior (190) e á menor espessura das paredes da caixa craneana. O craneo II que se lhe segue convém a um indivíduo do sexo masculino, Fig. 6 de avançada idade, originário do valle do rio Doce, ornais vasto habitat d’esta raça de indigenas. O que prova a sua avançada edade é, não só o estado de re- sorpção por que passou a arcada alveolar, como o aspecto ebúrneo do seu te- cido denso e compacto e bem assim as suturas de tal modo apagadas que em muitos logares é impossivel acompanhar-lhes os vestígios para determinar-se os pontos singulares. Ápezar de ser egualmente vasto eexaggerar em muitas regiões os caracteres AR CHI VOS DO MUSEU NACIONAL 215 d’aquelle, todavia a sua capacidade craneana de 1490 cc- é pouco superior á média masculina. A sua fórma escaphocephala fal-o distinguir de todos os craneos do Museu. O oval craneano, apezar de um pouco mais largo ria parte anterior (de front. min. 101), é menos entumescido nas bossas parietaes, porém o achatamento do occiput subsiste. A fórma tectiforme do vertex é bem appa- rente, mas não tão pronunciada como no craneo I. Fig. 6 A curva antero-posterior reproduz-se do mesmo modo aqui, porém tem um raio muito menor, não só por causa da depressão da fronte, como por um levantamento mais pronunciado do bregma. A glabella, os arcos superciliares e a depressão transversal que se lhe segue, são mais exaggerados, talvez devido á sua avançada edade. Se o frontal perde em largura ao approximar do bregma (diâmetro bi-stephanico 92), todavia ganha em comprimento, visto como a sua curva frontal total é egual a 138 mill., e deduzida a porção sub- cerebral ainda conserva-se a 130 mill. As bossas frontaes não existem, mas desenha-se no meio da fronte uma ligeira elevação que vai dissipando-se pouco a pouco até o bregma. ARCIIIVOS DO MUSEU NACIONAL Uma certa saliência que se nota no percurso da sutura sagittal, continua a super-elevação bregmatica, mas logo acima dos buracos parietaes começa a sua diversão até perder-se aos lados da sutura lambdoide. A curva posterior é brusca no lambda, depois soergue-se para abranger o grosso burlete transversal da protuberância occipital externa e voltar-se bruscamente de novo para o buraco occipital. Esta abertura de bordo espesso e rugoso, de fórma ovalar, Fig. 7 dando um indice de 77.77, apresenta logo atraz do condylo esquerdo um pe- queno tubérculo simulando um terceiro condylo. A sutura lambdoide se acha toda consolidada, excepto na proximidade dos asterios, onde ella é pouca com- plicada. Os flancos d’este craneo apresentam umas têmporas ainda mais vastas do que o craneo precedente. As cristãs frontaes são bem desenhadas, asperas eenserrilhadas, e as linhas curvas temporaes, que as excedem em muitos pon- tos demais de um centímetro, dirigem-se para cima até a distancia dé 43 mill. da sagittal e para traz vão até o lambda, dando á região temporal uma vasta superfície de implantação. Suas paredes são verticaes abaixo das bossas pa- 217 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL rietaes, acima inclinam-se de modo a dar-ao cinciput a fórma tectiforme a que alludimos. Aos caracteres descriptos reuna-se a esta peça um diâmetro antero-poste- riorde 188 mill. e uma largura de 138 mill. produzindo um indice de largura de 73.40 e teriamos encontrado no craneo do rio Doce uma fórma muito semelhante ao craneo de S. Matheus, se não fosse a altura excepcional de seu diâmetro basilo bregmatico egual a 146 mill. Fig. 8 Quanto áface, veremos reproduzirem-se os mesmos caracteres, porém de um modo engrandecido. O seu aspecto é egualmente massiço, porém os malares muito maiores e fortemente projectados para fóra, e o seu diâmetro bi-zygo- matico de Ora.146, superior ao das raças mais eurygnathas do globo, dão a este individuo a maior face de toda esta serie. E’ uma face que merece, ainda mais do que a precedente, o epitheto de desharmonica, tal é-a differença enorme do seu diâmetro transverso,comparado com as suas dimensões verticaes, fazendo descer o indice facial a 63.01. As orbitas de fórma rectangulares, de 'bordos espessos e principalmente o superior, que concorre para estreitara abertura, acompanham o desenvolvimento transversal da face e attingem á 218 ARCIUVOS DO MUSEU NACIONAL largura excepcional de O"1.43, que, referida á sua altura de 0ra.33, dão um indice de 76.51. A raiz do nariz se deprime fortemente sob a glabella, como póde dar uma exacta idéa a fig. 7,e os ossosproprios, apertados lateralmente e depois incur- vando-se para fóra, dão á base d’este orgão a fôrma chanfrada a que já allu- dimos. O seu indice nasal de 48.14 fal-o entrar no grupo mais proximo dos indivíduos de esqueleto nasal largo do que dos de esqueleto nasal alongado. À sua espinha pasal é enorme. Á edade avançada d’este indivíduo trazendo, em consequência, a resor- pção da arcada alveolar e bem assim dos alvéolos e abaixando o seu nivel quasi ao rez da abobada palatina, pouco nos póde indicar pela vista o seu gráo de prognathismo; porém a differença de seu angulo spinal de 71° para o seu angulo alveolar de 60°, nos dá a medida de uma projecção accen- tuada do seu maxillar superior. Craneo III.—Este craneo, de homem adulto, .originário do rio Doce, e dolicocephalo a 74.50 e hypsocephalo a 75.65, se bem que conserve o typo geral dos ns. I e II, tem todavia as proporções um pouco menores, como o indica a sua capacidade craneana=1435cc- Algumas das suturas já se acham ossiíicadas,como grande parte da sagittal, da spheno-frontal e spheno-parietal. As curvas antero-posterior, transversa e horizontal reproduzem-se aqui como no craneo I, ao qual. elle muito se assemelha, e o oval craneano, olhado de cima, tem a mesma expansão das bossas parietaes eo achatamento corres- pondente á parte posterior. O frontal é mais estreito (diâmetro frontal max. 93, dito minimo 90); porém apresenta o mesmo descahimento, a mesma saliência dos arcos superciliares, da glabella e da linha mediana metopica (curva frontal total 130, sua porção cerebral 110). Atraz a sutura lambdoide desdobra-se para receber o angulo superior do occipital, e reproduzem-se os mesmos caracteres, que excusado é repetir aqui; apenas na norma posterior não ha a proeminência tão pronunciada da sutura sagittal, se bem que a vista posterior do craneo seja ainda pentagonal. Ao achatamento da região posterior não succede a saliência globulosa do occipital, antes quasi toda esta região está em um mesmo plano (curva pa- rietal 130, dita occipital total 100). O inion não é tão saliente e a região cere- bellosa dirige-se bruscamente para o buraco occipital, que é ovalar e de bor- dos espessos,cujo indice é = 82.05. Asapophyses estyloides são grossas. As linhas curvas temporaes são altas e atraz vão até o lambda,e o bordo posterior da apo- physe frontal do mallar, em vez de um tubérculo, apresenta um bordo cortante. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL A face reproduz ainda a mesma amplidão transversal (d. bizygom. 135, d. bi-orb. ext. 107, d. bi-malar 123). O seu indice orbitario (85) approxima-o do primeiro individuo, em- quanto que os indices facial (68.88) e nasal (48) estão mais proximos do se- gundo. O prognatismo maxillar é ainda evidente, porém em menor escala (ang. fac. de Camper 69°, ang. alv. 63°).. O maxillar inferior nada apresenta de excepcional e existem alvéolos para todos os d.entes, excepto para o Io e 3“ molares direitos. Craneo IV.—(Fig. 9, 10, 11 e 12)—Esta peça, como as duas que lhe suc- cedem, foram trazidas do Mucury pelo fallecido Carlos Hartt, de volta de uma Fig. 9 excursão áquelle rio, escrevendo sobre o parietal, por seu proprio punho, a procedência e a raça selvagem a que devia filiar-se. E’ um craneo menor do que os precedentes e que pertenceu a um indi- viduo do se-xo masculino e adulto, porém ainda em todo o vigor .da edade, ARCH1VOS DO MUSEU NACIONAL como nol-o attesta a não consolidação de todas as suturas. E’ um craneo relativamente leve e poroso, cujo tecido osseo desappareceu pela maior parte, restando apenas a substancia calcarea e quebradiça, circumstancia que nos faz lembrar para elle a mesma edade e condições de jazida dos craneos dos sambaquis. Infelizmente, nenhum esclarecimento nos legou aquelle illustre geologo, a não ser que este craneo era de Botocudo e do Mucury. O que impressiona logo á primeira vista é a sua disposição alongada e estreita (d. ant. post. max. 184, dito tr. max. 133) e apparentemenle baixa, aspecto que fal-o distinguir-se dos craneos masculinos até agora descriptos. Com effeito,a um oval craneano estreitado na fronte (d. front. min. 89), muito intumescido nas bossas parietaes e outra vez estreitado na parte posterior, cor- Fig. 10 responde uma curva antero-poslerior alongada, que se deprime um pouco acima da glabella (c. sub-cereb. da fronte 28), soergue-se depois branda- mente até o bregma (ci cereb. 100) ; d’ahi ella acompanha a sutura sagittal quasi horizontalmente até a parte posterior dos parietaes, onde se abate um pouco para proseguir depois em uma direcçâo quasi recta até o inion, soíTrendo apenas um pequeno resalto logo que entra na região supra-iniaca ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 221 (c. parietal 126). Do inion, que é formado por um burlete transversal e sa- liente, a curva longitudinal segue uma direcção quasi horizontal, soífrendo uma ligeira incurvação ao chegar ao buraco occipital (c. occip. total 115). Não observamos, na verdade, aqui nenhuma saliência do bregma, nem da sutura sagittal,que notámos nos íe II e que notaremos d’aqui a pouco no n. VI, saliência que dá a estes craneos a fórmacarenada peculiar aos Tasmanios. Toda- via, á grande dolicocephalia d’este craneo (72.28) reune-se ao mesmo tempo um indic. de altura=77.17 ; mas, se repararmos para a base, teremos desde logo a explicação do phenomeno, que o seu índice vertical nos denunciava (d. bas. breg. 1T2), apezar de t.er elle as proporções mais reduzidas e a capa- cidade craneana apenas de 1380 cc* E’ que a região cerebellosa é aqui muito Fig. 11 mais desenvolvida do que nos craneos precedentes, formando um verdadeiro bombeamento (voussure), e faz.com que não só as apophyses mastoides fiquem collocadas n’um plano muito superior ao do buraco occipital, como também que os condylos excedam de muito a recta traçada do inion ao bordo alveolar ÍVid. fig. 11). Este facto, sobre o qual o Sr. de Quatrefages chamou a attenção a propo- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL sito da raça fóssil da Lagoa-Santa (1), encontra-se de novo e de modo evidente n’este craneo, que tem a maior analogia com o craneo descoberto por Lund (2). A estes caracteres ajuntam-se outros de menor importância muito seme- lhantes ao homem fóssil, como seja o desenvolvimento da glabella e dos arcos superciliares e logo acima d’estes a presença da bossa frontal média, ao mesmo nivel das bossas lateraes, a estreiteza da fronte (d. front. minimo 89, d. fr. max. 93), factos estes que, unidos ao sulco profundo das gotteiras sphe- noidaes, concorrem para separar o craneo cerebral de sua porção facial. Nas partes lateraes ainda os caracteres concordam, como seja o grande desenvol- vimento das bossas parietaes, a altura das linlias curvas temporaes e o Fig. 12 achatamento que soffrem os parietaes logo abaixo das bossas, e se continúa quasi até o inion. Os traços da face não são menos caracteristicos. As orbitas rectangulares e baixas têm ainda as dimensões microsemas (alt. d. orb. 32, larg. d. orb. 41); (1) Uhommc fossile de Lagôa-Santa, etc. 1881, pag. 8. (2) Lacerda e Peixoto, Archivos, etc.,—pag. 8, 1876. 223 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL mas d’aqui em diante começa a divergência. Emquanto que o homem de Lund tem um indice nasal de 53.33, um ind. facial de 40.62, o craneo em questão fornece um indice nasal de 44.44 e um ind. fac. de 73.13. E’ curioso approximar-se estes algarismos, porque, ao passo que os caracteres do craneo cerebral se harmonisam de modo visivel, os traços faciaes divergem completa- mente. Com effeito, ao passo que as dimensões transversaes da face se conser- vam, as dimensões verticaes variaram. A face em sua totalidade é muito mais longa (comp. t. d. f. 98) e prognatha (ang. alveolar 60°), a abobada palatina muito mais extensa, estreita e profunda, as arcadas alveolares largas, espes- sas e divergentes, onde se implantam dentes possantes, e os que restam estão perfeitamente sãos. Ha além d’isso um caracter simiano muito evidente n’este craneo: o bordo inferior da abertura nasal termina por um labio liso e chanfrado, que se dissipa insensivelmente, confundindo-se com a su- perfície anterior do maxillar. No bordo inferior do malar, no ponto de sua sutura com o maxillar, observa-se um tubérculo bastante saliente e a apophyse frontal do mesmo osso é muito larga e seu bordo posterior cortante. No rápido parallelo que acabamos de esboçar, entre estes dous craneos,não foi como se viu, o nosso intento estabelecer identidade entre elles, porém só- mente demonstrar que, ao lado dos caracteres que se perpetuam atravez das edades, outros se superpõem, que nos dão a medida do entrecruzamento das raças, profundamente misturadas, como são as da America. Craneo V.—Craneo masculino e adulto, originário do rio Mucury. O oval da norma verticalis é um pouco pentagonal, em virtude do arco posterior desdobrar-se em uma linha quebrada de ângulos attenuados. E’ ainda dolico- cephalo (d. a. p. 185, d. tr. max. 138, ind. ceph. 74.79) e o diâmetro ver- tical excede o diâmetro transverso de 6 centimetros (d. bas. breg. 144, ind. de alt. 77.82). Sua capacidade craneana é de 1560cc.; sua circumferencia ho- rizontal attinge 520, a mediana total 528 e a transversa total 463. Os arcos superciliares e a glabella acham-se perfeitamente desenhados, deixando perceber o sulco post-superciliar. Afronte, um pouco proeminente a principio, inclina-se depois e sóbe regularmente até o bregma, dando uma curva frontal total de 138, cuja porção cerebral é egual a 110; os seus diâme- tros transversaes indicam também que ella é pouco mais larga do que a dos dous últimos craneos (d. fr. min. 93, d. fr. max. 100). As bossas frontaes estão apenas delineadas, porém a sua situação é um pouco baixa, e a cristã frontal metopica, que ora mais ora menos temos encontrado nos craneos precedentes, não existe aqui e o frontal apresenta uma superfície lisa e uni- 224 AU CHI VOS DO MUSEU NACIONAL forme. As suturas coronal e sagittal são mais complicadas e esta ultima acha-se já solificada no ponto correspondente ao obelion. As bossas parietaes são bem accentuadas, e os flancos craneanos verticaes, mas em virtude da nenhuma saliência de sutura sagittal,a fórma da abobada é mais ogival do que tectifor- me. Na parte posterior a curva antero-posterior abate-se, formando o achata- mento do occiput, peculiar aos craneos americanos. O inion saliente e globuloso, formando um burle te transversal, é o mais notável da serie e a sua proeminência póde ser expressa pelo gráo 5 da- escala de Broca. Além d’isso o achatamento lateral correspondente á sutura lambdoi- de, a região infra-iniaca rugosa e accidentada, voltando-se rapidamente para o buraco occipital, a saliência do inion excedendo ao plano horizontal d’esta região, as apophyses mastoides projectadas para fóra, as styloides longas e espessas e o buraco occipital losangico (c. do bur. occip. 37, larg. 32), são os caracteres mais notáveis. d’esta região. As fossas temporaes são ainda amplas, sobem além das bossas parietaes e limitam-se atraz e inferiormente nas cristãs supra mastoideas, que são volumosas. As cristãs temporaes já não sobem tão alto, como nos outros craneos, dando como resultado uma fronte mais ampla. ‘A escama temporal é achatada e.de sutura simples, a disposição do pterion é em H, o bordo superior da arcada zygomatica é horizontal e a gotteira sphenoidal profunda. A face é larga e relativamente curta (d. bizyg. 137, alt. d f. 95, ind. f. 69.34). As arcadas superciliares inclinam-se sobre as orbitas e apoucando-lhes a abertura dão-rlhes a fórma de um rectangulo imperfeito com o eixo quasi horizontal (d. inter-orb. 24,d. bi-orb. ext. 107, alt. d.orb. 31,1. d. orb. 41, ind. orb. 75.60). A cavidade orbitaria é profunda e os buracos supra orbitarios largos e abertos. Raiz do nariz mais achatada, ossos proprios mais largos (larg.d. os. nas. ll,10,19),perfilmenosexcavado do que os dos outros Malares grandes e de superfície lisa, se bem que massiços e projectados para tora, e no bordo posterior de sua apophyse orbitaria nota-se uma cristã em vez de tubérculo, como no craneo precedente. Talvez devido á edade do sujeito, a chanfradura sub-malar não existe; em compensação porém o seu bordo é espesso, áspero e accidentado, a aber- tura nasal é alongada e piriforme, a espinha nasal saliente, e o bordo inferior em vez de cortante é rombo e faz continuação em declive brando com a su- perfície alveolar do maxillar, facto que é muito mais notável no craneo pre- cedente, como o illustra o desenho que o acompanha (ind. nas. 48,19). Os dentes não existem e a arcada alveolar, em parte destruída, em parte ARCH1V0S DO MUSEU NACIONAL obliterada, apresenta vestigios para implantação dos caninos, incisivos e um molar; a abobada palatina é profunda, rugosa e as apophyses pterigoides muito desenvolvidas. Eis ahi um craneo que, a par de alguns carapteres de superioridade, conservou todavia o typo geral da raça. Craneo VI.—(Figs. 13, 14, 15 e 16).—Quando descrevemos o craneo II fi- zemos sobresahir a disposição da abobada que,unida á brevidade do diâmetro transverso e a um considerável diâmetro basilo-bregmatico, dava ao craneo Fig. 13 d’aquelle individuo uma disposição especial, a que Barnard Davis denomi- nou de hypsistenocephala. Pois bem ; este craneo n. VI, adulto masculino, pro- cedente do alto rio Doce, affeiçôa esta conformação de um modo tão frisante, que ao vel-o dir-se-hia ter-se diante dos olhos uma das cabeças dos negros oceâ- nicos, conhecidos sob o nome de Papúas. Veremos, entretanto, dentro em AH CHI VOS DO MUSEU NACIONAL pouco, que ao lado d’esta disposição negroide sobresahem ao mesmo tempo os caracteres geraes dos craneos botocudos até agora descriptos. A sua curva horizontal, que mede 0.m505, tem uma fórma ovalar alon- gada, com tendencia á fórma ellipsoide, e o seu arco post-auricular sobrepuja a porção frontal de 0.m45 (curva post-aur. 275). O diâmetro antero-posterior, que fórma o grande eixo d’esta como que ellipse, mede 0.ra184, que referido ao seu pequeno diâmetro (d. tr. max. 132) fornece um indice de largura —71.73. A linha curva longitudinal exaggera a amplidão d’aquella: depois de descrever um pequeno arco de circulo, circumscrevendo os enormes seios Fig. 14 frontaes, soergue-se obliquamente até ao meio da fronte, d’ahi prosegue bran- damente até chegar ao bregma, seu ponto máximo de altura. E’ uma curva realmente pequena (c. fr. tot. 138), quando se avalia que o ponto bregmatico está a uma altura de 0.m146 dobasion e que o arco sub-cerebral da fronte sub- trahe-lhe 0.m34 (c. f. c. 104). O osso frontal, ao passo que é curto, apresenta dimensões transversaes as mais apoucadas de todos os craneos masculinos d’esta série (d. f. min. 82, d. f. max. 87). As bossas frontaes estão inteiramente apa- gadas ea superfície d’este osso inclina-se para os lados, disposição que se torna ARCH1VOS DO MUSEU NACIONAL ainda mais sensivel em consequência do desenvolvimento da cristã mediana, que continúa, formando relevo até ao encontro da sutura sagittal, a qual recúa um pouco para receber a parte correspondente do frontal. Este relevo que começa na fronte prosègue nos parietaes, cuja sutufa sagittal é levantada. Com esta super-elevação da sutura interparietal coincide a disposição em declive da superfície dos parietaes de um e outro lado da sutura, dando á abobada a fôrma francamente tectiforme, e as bossas parietaes, proeminentes, concorrem ainda para accentuar esta disposição. Na parte posterior a curva é regular e tende a endireitar-se até chegar ao Fig. 15 angulo do occipital, onde experimenta um pequeno resalto, para continuar em linha quasi recta até á protuberância occipital externa ; d’ahi quebra-se para baixo bruscamente e os dous planos do occipital formam um angulo de 120°, cujo centro é o inion. Na região cerebellosa a curva é ondulada, for- mando relevos e depressões até chegar ao condylo. Como se vê, apresenta este craneo uma curva antero-posterior regular até á altura dos buracos parietaes, d’ahi em diante ella tende a endireitar-se em consequência não só de alguma de- pressão do occiput, como da saliência globulosa do occipital, resultante do 228 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL achatamento lateral dos parietaes e occipital, que faz repellir o inion para traz. ]Na parte inferior do occipital repete-se o mesmo phenomeno do eraneo n. IV e que veremos adiante reproduzir-se ainda no eraneo de mulher n. X: queremos fallar da da região cerebellosa, de sorte que as apophyses mastoides ficam collocadas em um plano muito superior ao do buraco oc- cipital. As partès lateraes com a sua escama temporal chata, com suas linhas cur- vas mui altas e rugosas, circumscrevem uma ampla região, semelhante ás que temos descripto até agora. Fig. 1(5 A face, com as arcadas superciliares muito desenvolvidas e limitadas logo acima por um sulco profundo, tem um aspecto grosseiro, e póde dizer-se que é larga, comparando os seus diâmetros bi-orbitario (105), bi-malar (123) e by- zygomatico (131) com os seus diâmetros parietaes e principalmente frontaes; mas,se referirmos agora o seu diâmetro transverso á sua altura total (97), ve- remos que o seu indice facial de 74.00 coincide ainda com o desenvolvimento considerável dos diâmetros verticaes do eraneo cerebral. Os malares, como em ARCH1VOS BO MUSF.U NACIONAL 229 todos os craneos botocudos, estão voltados mais para íbra do que para dentro e seu bordo inferior é um pouco revirado. 0 perfil do nariz, a principio um pouco concavo sob a glabella, depois descreve uma linha rectaaté á ponta, e a sua largura superior de 0.m06, minima de 0.m05 e inferior de 0.ra18, prova qUe elle, muito deprimido na base, alarga-se depois para formar a abertura na- sal; no emtanto a largura maxima d’esta não excede de 0,m25, e a altura total do nariz,conservando-se no limite minimo para os homens (linha NS.= 51),dá um indice nasal de 49.02, francamente mesorrhinio, grupo onde se vem collo- car a maior parte dos Botocudos. A fórma da abertura é piriforme, o bordo superior cortante e o inferior rombo', a espinha nasal muito saliente. A’ ar- cada alveolar, que é divergente, faltam os dentes, que cahiram post-mortem, e existem alvéolos para todos elles, excepto para os molares esquerdos, cujos al- véolos estão obliterados. 0 prognathismo sub-nasal é pronunciado, e era- quanto o seu angulo ophryo-nasal se conserva a 64°, o angulo alveolar desce a 56°, como o craneo n. XI. Aos caracteres descriptos e á conformação toda especial d’este craneo ajunte-se a sua pequena capacidade craneana (1390cc), a grossura da taboa ós- sea, a grosseria de seus relevos e depressões, as suturas pela maior parte sim- ples e salientes, a superfície escabrosa do frontal e parietaes, em vez de lisa, a presença de dous ossos wormianos em cada lado da sutura retro-mastoidea, e teremos um typo muito imperfeito da especie humana e mui proximo da ani- malidade. Craneo VII.—(Figs. 17, 18, 19, 20).—Se dos caracteres descriptos, fixos e pronunciados, que temos até agora encontrado nos homens , passarmos ao exame do typo feminino, veremos desde logo que as proporções diminuem, os contornos se suavisam e que mesmo certos caracteres menos importantes se dis- sipam. Assim,este craneo feminino e adulto,que nos foi enviado d’aquelle mesmo cemiterio indigena de S. Matheus, d’onde nos veio o numero 1, tem as pro- porções muito menores que as de qualquer craneo masculino, as saliências e depressões mais attenuadas e uma capacidade craneana apenas de 1290ce- A • norma verticalis, em vez de ovalar, é antes pentagonal, em virtude do grande iutumescimento das bossas parietaes. A glabella e arcadas superciliares eslão apenas esboçadas, porém a fronte já é mais pronunciada no seu terço inferior, descrevendo um arco de circulo de raio muito menor e,ao mesmo tempo que se volta para traz,inclina-se para os lados, o que concorre para estreitar a fronte (d. f. min. 90, d. f. max. 95). 230 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL O bregma e a sutura sagittal ainda são levantados, e a linha longitudinal antero-posterior não tem o seu máximo de altura no bregma, porém na su- tura sagittal a 0."i atraz d’aquelle ponto. Os parietaes se abaixam dos lados, dando á abobada a fórma tectiforme. Na parle posterior os parietaes se achatam, assim como lateralmente na região parieto-occipital, mas a porção supra-iniacu soergue-se de modo no- tável, tomando a fórma globulosa. O inion é muito saliente, mas sem aquelle Fig. 17 aspecto áspero e rugoso que encontrámos nos homens. A porção cerebellosa tambern é pouco aspera e menos irregular, mas emquanlo o seu perfil é recto nos homens,em consequência (Testa região se voltar bruscamente para o buraco occipital, aqui o perfil é curvo, o que denuncia um grande bombeamento da região cerebellosa, de que nos dá uma perfeita idéa a fig. 19. A comparação, entretanto,de suas curvas antero-posteriores não denuncia esse grande desenvolvimento da região infra-iniaca; apenas ha um ligeiro accres- cimo relativo para a curva frontal (c. f. t. 118, c. par. 120, c. occip. t. 111). ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL À região temporal, se bem que vertical, nada apresenta de notável,a não ser alguma incurvação da escama temporal, cuja sutura é simples. Às attenuações da face são ainda mais sensiveis, como nos indicam o seu diâmetro bizygomatico=130 ,a sua altura de 89 e seu indice facial de 68.46. Às orbitas rectangulares e com o eixo descahido conservam todavia as dimensões masculinas, o que faz subir o seu indice orbitario a 82.92. À raiz do nariz não é deprimida, antes faz continuação com a glabella, mas o seu perfil é convexo em sua metade inferior. A abertura nasal é um pouco ellipsoide, o seu bordo Fig. 18 inferior embotado e a espinha nasal muito forte e o indice, em consequência do pequeno diâmetro da abertura.se vai collocar no nivel mais baixo de toda esta série (ind. nas. 44). O maxillar superior tomado na totalidade é prognatha, porém o progna- thismo é muito maior em sua porção sub-nasal (ang. alv. 63°). A arcada alveo- lar tem os ramos parallelos e os alvéolos estão pela maior parte obliterados, apezar de que o estado das suturas não indica que o individuo seja velho. O maxillar inferior, de ramos muito divergentes, com pouca altura no mento e no corpo (a. d. s. 27, a. d. c. 20), tem o mento muito saliente e as apophyses genii muito desenvolvidas. O seu ramo horizontal, pouco espesso, ARCH1VOS 1)0 MUSEU NACIONAL une-se a um ramo montante delgado, cuja altura é=55 e largura minima 34 e o seu angulo mandibular é de 118°. Fig. 19 Se considerarmos, para terminar,os seus diâmetros transverso e vertical e se os referirmos ao antero-posterior, veremos que. o seu indice de largura é Fig. 20 ARCH1VOS DO MUSEU NACIONAL 233 sub-dolicocephalo (ind. d. 1. 75,5G) e que o seu ind. vertical é menor do que o indice horizontal (ind. d. a. 75). Este facto repete-se em todas as mulheres, excepto na don. IX, queaoiado deumaextreqna dolicocephalia apresenta uma não menos notável hipsisthenocephalia. Craneo VIII.—Este craneo,pertencente a uma mulher deedade avançada, foi trazido da província de Santa Catharina pelo J)r. Schutel. E’ um craneo de proporções e fôrmas reduzidas, como os outros craneos de mulher, com uma capacidade craneana de 1220cc-, diâmetro antero-posterior máximo 173 e basilo-bregmatico 127, tendo por indice de largura 75.14eporind.de altura 73.41. E’ por conseguinte sub-dolicocephalo e platycephalo, e estes dous últimos caracteres o approximam de seu congenere masculino, on. XI. A glabella e as arcadas superciliares são muito pouco apparentes e a fronte é tão deprimida que a sua curva frontal mede apenas 0.m110 e a curva cerebral 0.m87, curvas das mais curtas encontradas até agora nos Botocudos; pôde ser considerado como um typo de fronte baixa. Esta disposição da fronte continua-se nos parietaes, de sorte que o sinciput é inteiramente achatado. Na parte posterior os caracteres são idênticos aos do craneo precedente. As apo- physes estyloides são tão longas que chegam a medir 34 mill. de comprido. A face é larga e curta (d. bizyg. 126, a. t. d. f. 87, ind. f. 69.4), as orbi- tas quadrangulares (a. d. o. 33, 1. d, o. 38, ind. o. 86.84), a abertura nasal, piriforme (1. NS. 48, 1. nn. 25, ind. n. 52.08). 0 seu indice nasal, mesorrhinio, no limite dos platyrrhinios, é o mais elevado da série e por este caracter importante elle separa-se do seu congenere de Santa Catharina, que tem o indice nasal o mais leptorrhinio d’entre todos os indivíduos que com- põem esta serie. Em consequência dos progressos da edade, visto como este craneo tem to- das as suturas ossificadas, cahiram todos os dentes ao maxillar superior, no lado direito, e a resorpção do rebordo alveolar é tão manifesta que aquella porção é mais retrahida do que a direita, e o labio interno e externo, appli- cando-se um ao outro, formaram uma aresta aguda. No lado esquerdo o ma- xillar conserva ainda dentes já gastos e as suas proporções são maiores e pre- ferimol-o portanto para tomar as medidas. A abobada palatina é profunda e mede 0.ra15. O maxillar inferior, de proporções reduzidas e com o angulo muito desca- hido, apresenta as seguintes dimensões : curva total 0.m150, altura da symph. 0.ra31, d. bi-gon. 0.“93, alt. do r. ascendente 0.m60, larg. do r. asc. 0.m31, distancia do mento ao ophryon 0.m126, ang. mand. 130°. AR CHI VOS DO MUSEU NACIONAL v st,a peça acompanham dous craneos de creança, uma de 6 annos e ou- tra de sete, nos quaes já se nota uma grande projecção do occipital para traz, com achatamento do occiput e proeminência do inion, e os seus indices de largura (76.47 e 78.29) indicam desde já a sua filiação com este craneo sub- dolicocéphalo. Craneos IX e X.—Estes dous craneos femininos, ambos procedentes do rio Doce, regulando terem a mesma edade de 30 annos mais ou menos, têm ambos o tamanho mais reduzido d’esta série e a sua capacidade craneana é apenas de 1180 e 1140cc-, a menor que até agora temos encontrado nos Bo- tocudos. Ao lado de certos caracteres que os approximam, outros ha, e de valor, que os separam. Assim, o primeiro é francamente dolicocephalo e hysisteno- cephalo (ind. d. 1. 71.02, ind. d. a. 73.56), o segundo sub-dolicocephalo (75.90), e ofíerecendo, todavia, o seu ind. vert. (77.10) superior ao ind. hori- zontal. As eircumferencias horizontal (480,472), transversa (410,410) e antero- posterior (480,474) se harmonisam com pequenas differenças, devidas ao se- guinte facto : aquillo que um ganha em comprimento (d. tr. max. 174,166) o outro adquire em largura (d. ant. p. max. 124,126). A norma verticalis denuncia dous craneos pequenos, um mais longo e me- nos arredondado do que o outro, tendo o frontal mais baixo do que o se- gundo, a fronte estreita (82,90) e pouco elevada até chegar á sutura sagittal. Esta é levantada no primeiro e tem o seu máximo de altura ao nivel do plano transversal, que vai de uma bossa parietal a outra, e esta diíferença de con- formação faz também variar.a lórma da abobada, que é francamente tecti- forme no primeiro e menos caracteristica no segundo. Na parte posterior, a quéda da linha longitudinal é muito mais rapida, bem como o achatamento do occiput muito mais pronunciado no primeiro que no segundo. A norma posterior oíferece egualmente algumas pequenas divergências. Ella é francamente pentagonal no primeiro, emquanto que no segundo a su- tura sagittal menos elevada, e as bossas parietaes menos accusadas dão-lhe contornos mais arredondados; bem como são menos caracteristicos ifestes a fórma globulosa do occipital, a saliência iniaca ; mas o achatamento lateral lambdo-parietal é idêntico, como nol-o demonstra o seu diâmetro occipital máximo (100,100). A vista inferior d’estes craneos não apresenta diíferença sensível, bem como as partes lateraes, cuja superfície temporal é ampla, quasi vertical e o ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 235 ptérion tem a mesma fôrma de um H mais ou menos perfeito, como temos en- contrado em toda esla série. As faces d’estes craneos se assemelham egualmente por suas arcadas su- perciliares e glabella pouco apparentes, por seus buracos supra-orbitarios pe- quenos, por seus contornos brandos e lisos, que lhe tiram o ar selvagem dos craneos masculinos. As suas dimensões transversaes e verticaes ainda coinci- dem, tendo em linha de conta que o craneo IX tem as proporções menores do que as do n. X (d. bi-zyg. 124,126; a. t. d. f. 87,89; ind. f. 70.16, 71.42). A raiz do nariz, contrariamente ao que acontece nos homens em que é profunda, em consequência da proeminência da glabella, aqui é chata,e o per- fil da fronte faz continuação com o nariz, com muito pouco sensível inclinação na base d’este. As aberturas nazaes, em fórma de carta de jogar, de bordos cortantes e espinha saliente, é mais larga no segundo do que no primeiro, em- quanto que a altura denota pequena differença (1. ns. 47,48; 1. nn. 22,23), d’onde resulta um indice mesorrhinio para ambos. As orbitas, alongadas, quadrilongas, são pequenas e mui profundas e dão um indice microsema (ind. orb. 80, 82.05). A porção infra-orbitaria da face, acompanhando as suas dimensões transversaes, alarga-se, arrasando as fossas caninas, para estreitar-se depois nas arcadas alveolares, que limitam uma re- gião palatina longa em ambos os craneos, mais larga no segundo, porém muito mais profunda e estreita no primeiro (c. t. 50,49, larg. 38,42). As arcadas al- veolares têm os seus ramos parallelos no primeiro e pouco divergentes no se- gundo. O prognathismo maxillar sub-nasal é manifesto em ambos os craneos, como nol-o indicam os seus ângulos faciaes (a. d. Camper 70°,68, a. alv. 65°,60’). Quando a craneologia brazileira possuir maior numero.de dados para descriminar os elementos ethnicos que entram na sua formação, talvez possa enchergar no craneo IX um elemento de mestiçagem; porém no estado actual dos nossos conhecimentos a este respeito é melhor filial-o a este grupo por certos caracteres importantes, do que crear divisões prematuras. Craneo XI. (Fig.-21, 22,23 e 24).—A peça que rubricamos sob o n. XI re- porta-se a um indivíduo oriundo de Santa Catharina, morto em Pisarras, de- pois de um renhido combate com um destacamento policial d’aquella provín- cia. Aprouve-nos juntar ao presente estudo este craneo, não só porque trazia a rubrica de Bugre, horda selvagem com a qual muitas vezes se confunde os Botocudos das províncias do Sul, como mesmo porque se tratava de alargar a distribuição geographica d’esta raça, tendo-se até então limitado os nossos tra- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL balhos aos representantes das províncias de Minas, Espírito-Santo e Bahia. Mas ver-se-ha dentro em pouco que é preciso separal-o antes do que confundil-o. Trata-se de um craneo de um indivíduo adulto, porém em todo o vigor de sua vida selvagem, como nol-o attestam as suturas, os arcos alveolares e a perfeição da dentadura. Os homens dos Sambaquis,de cuja physionomia hórrida e frisante nos póde dar um ressumbro, uma das vitrinas das galerias do Museu, não se extinguiram de todo: tal é o aspecto massudo, solido e anguloso d’este esqueleto craneano. Como os ns. I e II, é ainda dolicocephalo, a 75.26, passando todavia já o limite da dolicocephalia verdadeira ; mas esta dolicocephalia é toda ella occi- pital, o que contrasta com o enorme descahimento do frontal (curva frontal cerebral 96) e sua pequena largura logo acima dos arcos superciliares (dia- metro frontal minimo85). E’ um craneo vasto e volumoso (diâmetro transverso 140, diâmetro ant.- posterior max. 186, dito vertical 186), porém em consequência da grande espessura ossea, a sua cavidade craeeana não cuba mais de 1440cc., e em rela- ção aos outros é um pouco mais largo do que alto (indice vertical 73.11). Os seios frontaes salientes e de contornos mais altos e desenvolvidos no seu encontro com a glabella, com esta se confundem, formando uma proemi- nência, cujo relevo prolonga os seios frontaes a mais de 27 millimetros acima do ponto nasal. A fronte sobe depois obliquamente e attinge ao bregma, des- crevendo uma curva alongada, articulando-se com os parietaes por uma su- tura quasi linear. Ao envez dos Botocudos, que apresentam um rudimento de bossas frontaes, ou então uma bossa média substituindo aquellas, e uma su- perelevação da sutura sagittal, a superfície cerebral do coronal aqui é lisa e os parietaes,em vez de se unirem, tomando a fórma de tecto, aflectam antes a disposição arqueada, a que os anthropologistas chamam ogival. As bossas parietaes são menos accusadas do que no craneo de S. Matheus, mas existe o mesmo esbatimento no angulo postero-externo dos parietaes, esbatimento que se continúa até quasi á protuberância occipital externa. Emquanto que nos craneos de S. Matheus e rio Doce a curva frontal é maior do que a occipital, aqui dá-se o facto singular de ser aquella menor do que esta (curva frontal total 125, curva parietal 125) e esta maior do que qualquer d'aquellas (curva parietal 130). A norma posterior reproduz os mesmos caracteres que já temos referido, porém de um modo mais attenuado; o achatamento lambdoide nada tem de notável, é ligeiramente perceptivel. No ponto correspondente ao obelion nota- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL se uma depressão quadrilatera, o que indica-um começo de solidificação da sutura sagittal. A porção iniaca do occipital é ainda desenvolvida e a região cerebel- losa, de plano quasi horizontal e accidentada, onde se abre um buraco occipi- tal que afTecta a mesma disposição ovalar; porém as apophyses mastoides são enormes, rugosas e projectadas para diante e as cristãs supra-mastoides tam- bém muito desenvolvidas. A curva temporal sobe mais alto do que a do velho do rio Doce e a sua distancia minima de sutura sagittal é apenas de 0.m27. A • Fig. 21 escama temporal é pequena, não deprimida, e as paredes craneanas, em vez de verticaes, tendem a arredondar-se. A face, conservando dimensões lateraes consideráveis (diâmetro bi-malar 133, diam. bi-zygomatico 143),apresenta ao mesmo tempo um superaccrescimo de altura (altura da face 101, comprimento total do mento ao ophrion 154), 238 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL resultando um indice facial de 70.62,o que quer dizer que,além deeurygnatha, elle tem ao mesmo tempo a face longa, como os Esquimós e Palagões. Entretanto, se as dimensões verticaes da face são consideráveis, alguma cousa lia em seus diâmetros transversaes que a inspecção denuncia á primeira vista. E’, desde logo, a sua ossamenta solida, o desenvolvimento de suas apo- physes orbitarias externas terminadas por dous grossos tubérculos, dando um diâmetro meftor 9 mill. do que o velho do rio Doce (diam. bi-orhit. ext. 109); a saliência de seus rugosos e massiços malares projectados para fóra e o esque- Fig. 22 leto nasal curto, estreito e deprimido na base (comp. mediano 16, lateral 23, larg. minima 9), em desharmonia com a larga face, que é ao mesmo tempo chata, em virtude do pouco escavamento das fossas caninas. Mas d’aqui em diante alguns caracteres divergem, outros accentuam cada vez mais a fei- ção facial. As orbitas estão collocadas um pouco mais altas e têm ainda um indice microsema, se bem que já no limite dos mesozemas (82.92). A aber- tura nasal tem o bordo inferior do lado direito dividido em um duplo labio, que se arrasa com a superfície anterior do maxillar; a espinha nazal é enorme A11 CHI VOS DO MUSEU NACIONAL e o indice da abertura é o mais fracamente mesorrhinio (41.50) que temos en- contrado nos craneos brazileiros. O maxillar superior, com uma largura maxima dç 110 tomada na sutura malar, soífreu em sua totalidade um movimento de projecção anterior; porém a sua inclinação sub-nasal é tão notável que o angulo de Camper, conservando a 66° o angulo alveolar,baixou a 56°. Este facto,que se repete ainda em o n. VI d’esta série, denuncia não só um alto grau de prognathismo como também uma grande depressão do frontal. As dimensões da arcada alveolar não acom- Fig. 23 panham o desenvolvimento da porçào superior da face. A abobada palatina, muito profunda (17 mill.j, toma uma fórina alongada (58 mill. de compr.) e relativamente estreita (largura ant. 32, largura post. 37, dita post. tomada do labio externo 02), e o bordo sub-malar do maxillar é pouco curvo. O maxillar inferior é uma cópia e arremêdo das mandibulas dos homens dos sambaquis. A sua espessura é considerável ao nivel do segundo malar (17 mill.) e acompanha o aspecto grosseiro e tosco d’aquellas, que parecem antes AII CHI VOS DO MUSEU NACIONAL feitas de madeira e sabidas das mãos de artista aprendiz, do que uma maxilla humana. « A face externa, rugosa, com os burletes masseterinos mui fortes, com uma symphise triangular larga e pouco proeminente, apresenta uma curva bigoniaca de 230 mill., uma altura symphisiana de 0.m39, uma corda gonio- symphisiana=110 ,e condilo-coronoide 32. Os seus ramos horizontaes são pouco divergentes (diam. bi-goniaco 107), tendo-se em attenção a que o mento Fig. 24 é largo (distancia mentoniana 49ra). O seu ramo ascendente, cuja aspereza da superfície dá uma idéa dos musculos potentes que n’elle se implantavam, mede de altura 69 mill. e de largura minima 37. Os condylos, robustos e ar- redondados, distam um do outro 120 mill., tomada a medida dos seus bordos externos. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 241 Sobre esta potente mandíbula implantam-se dentes egualmente fortes. As cúspides desappareceram pela gastura, e os incisivos, em vez de um bordo cortante, offerecem uma superfície lisa e chata, como a dos dentes dos rumi- nantes. Em um dos incisivos medianos essa superfície tem 4 mill. de largura sobre 9 de longo. Ha no maxillar superior um incisivo lateral esquerdo sup- plementar. Subsistem todos os dentes,excepto o primeiro molar,que cahiu post- mortem,e o segundo grande molar direito, que está cariado. Os dados craneologicos que precedem põem em evidencia n’esta bella peça um typo muito mais grosseiro do que o do Botocudo actual, e sómente comparável ao typo predominante dos sambaquis do Paraná. Além d’isso, a fórma da abobada, o desenvolvimento da glabella, a falta de bossas parie- taes, o grande descahimento do frontal, a grande altura da face, o seu enorme prognathismo e o aspecto mais ou menos arredondado d’este craneo distin- guem-no dos Botocudos. N’estes, pelo menos nos masculinos, o seu diâmetro vertical é maior do que o transverso, emquanto que no Bugre o inverso se dá. E’ um representante actual dos constructores das ostreiras do sul. Craneo XII.—Este craneo de um individuo ainda moço, mas que tem pelo menos vinte annos, não só pelo conjuncto de caracteres fornecidos pelas suturas da abobada, como mesmo porque a sutura basilar está inteiramente soldada, é ainda proveniente do Mucury e foi trazido pelo professor Hart, como sendo de Botocudo. Encontram-se-lhe tres ossos wormios, um no stephanio esquerdo e os outros dous nos astherions. N’elle se observam as mesmas disposições geraes dos craneos precedentes, porém ha alguns divergentes que provam a sua qua- lidade de mestiço. Assim, a glabella é larga e chata e confundem-se de cada lado com as arcadas superciliares, que são menos salientes do que nos outros craneos masculinos. O frontal é elevado e globuloso em seu terço inferior e depois, formando uma curva branda, volta-se para traz e segue regularmente até o bregma; as bossas frontaes e a saliência mediana são pouco apparentes e as suas partes lateraes arredondadas. Ao mesmo tempo que a fronte se eleva,as suas dimensões lateraes se am- pliam, de sorte que o seu diâmetro frontal minirno,tendo apenas 0.m85,quando chega aos stephanios a distancia d’estes dous pontos é de 0.m105, for- mando um diâmetro apenas inferior 0.m05 ao n. I, que é o craneo de fronte rnais larga de toda esta série. Os parietaes nada apresentam de excepcional e tem a mesma forma tecti- forme, e as suas bossas têm a mesma enthase que os craneos verdadeiramente ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL botocudos. Na parte posterior ha o mesmo achatamento do lambda, a de- pressão lateral dos ângulos externos dos parietaes, e a vista posterior ainda é pentagonal. Ao achatamento lambdoide succede a saliência globulosa do occi- pital e o inion faz grande proeminência para traz: é inteiramenle caracteris- tica esta disposição principalmente por causa do grande achatamento do lambda. A região infra iniaca nada apresenta de notável. As partes lateraes do craneo são ainda verticaes, porém a escama tempo- ral é um pouco intumescida, disposição que apezar de pouco sensivel, se aparta todavia da disposição geral que temos encontrado. Se repararmos agora para a norma verticalis d’este craneo, veremos que o oval é curto (d. ant. posl. 174) e ao mesmo tempo mais largo em relação ao seu grande eixo (d. transv. max. 136) e o seu indice de largura=78.16 nos põe em presença do unico mesaticephalo que encontramos n’esta serie ; porém o seu indice de altura=77.01, nos indica, por outro lado, que elle modificou um caracter importante da sua fonte originaria. A face é larga (d. bi-zyg. 128), se tivermos em-conta as proporções redu- zidas d’este craneo ; mas se reflectirmos que o diâmetro bi-zygomatico dos ho- mens não desce a menos de 0m. 131, veremos desde logo que o elemento ethnico estranho que entrou na formação d’este individuo não era eurignatha. As orbi- tas são quadrangulares e microsemas (ind. orb. 76.15); os ossos proprios do nariz são estreitos e chatos, porém a sua raiz não é deprimida nem concavo o seu perfil, e o indice da abertura é francamente lepthorrinio, como o dos Guanches. Os malares são voltados para fóra e as fossas caninas quasi rasas. O maxillar superior, se bem que largo, não tem altura nenhuma, visto como a sua porção alveolar está eo rez da abobada palatina, tendo sido a arcada al- veolar inleiramente destruida por um processo evidentemente inflammatorio, de sorte a não ser possivel tomar-se nem o indice facial, nem o angulo alveo- lar; porém o seu angulo ophrio-spinal sobe a 77°, o mais alto encontrado até agora. A sua capacidade craneana é de 1310cc. Pelos caracteres craniologicos que se acaba de lêr, vê-se que se trata aqui de um individuo em um grau muito adiantado de mestiçagem, resultado muito provável de cruzamento recente do botocudo com o branco, razão por que o excluimos da composição das médias masculinas. Além d’isso, seu sexo nos parece um pouco duvidoso. Craneo dos Nak-nanuks.—Uma série de 16 craneos botocudos, da tribu dos Nak-nanuks que o Sr. Schreiner acaba de trazer do Rio Doce, poderia au- xiliar-nos a completar de uma vez o estudo craniologico d’este grupo ethnico. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 243 Porém, resolvemos não os incluir aqui, por dous motivos: primeiro, porque este trabalho já se estava compondo, quando estes craneos entraram para o Museu ; segundo, porque esta série apresenta profundas modificações, devidas ao seu cruzamento com a raça branca. Entretanto, apezar d’estas modifica- ções, o typo botocudo aqui se patenteia ainda de modo evidente. As altera- ções mais importantes interessam principalmente ao desenvolvimento da fronte, álgum abaixamento do indice vertical e ás proporções da face. Mas são ainda verdadeiros dolicocephalos (74.49), de indice vertical quasi egual ao in- dice horizontal (ind. vert. 74.17). A face, porém, já é microsema (63.12), quando sabemos que os Botocudos puros ou considerados como tal, tem-na megasema ; porém o prognathismo ainda é accentuado, principalmente na porção infra-nasal do maxillar. O indice nasal é mais francamente leptorrbi- nio (46.79) do que nos verdadeiros Botocudos, e as orbitas mesosémas (86.96). As medidas supra sao as médias fornecidas por 12 individuos adultos de am- bos os sexos; porém, como temos mais tarde de apresentar um trabalho sobre o grupo dos Nak-nanuks, que aqui estiveram ha pouco, ajuntaremos então o ' estudo completo destes craneos. ARCHIVOS 1)0 MUSEU NACIONAL • BOTOCUDOS \> o ME Dl D A S DO HOMENS MULHERES w Cr> 3 «5 o, 2 5= GRANEO i 2 3 4 5 6 Médias 7 8 9 IO cc *9* 3 11 12 Capacidade craneana 1625 1490 1435 1380 1560 1390 1480 1290 1220 1180 1140 1212 1440 1310 Projecção total 208 193 200 205 197 200 201 186 188 181 196 187.7 210 175 — anterior 100 93 100 105 105 105 102.3 96 105 95 105 100.1 105 85 — posterior 108 94 100 9o 92 95 97.5 90 83 86 91 87.5 105 90 Diâmetros Autero-posterior máximo 190 188 185 184 185 184 186 176 173 174 166 172.2 186 174 — iniaco 182 180 175 176 177 172 177 170 166 168 160 166 175 169 Transverso máximo 139 138 138 133 138 132 136.3 133 130 124 126 123.2 140 136 — bi-tcmporal 138 138 136 129 132 132 134 132 130 123 127 128 139 130 — bi-auricular 128 130 129 122 126 122 125 121 121 112 117 117.7 131 122 — bi-mastoidiano 104 106 100 103 104 105 103.6 107 102 95 93 99.2 108 98 frontal máximo... 110 92 93 93 100 87 95.8 95 96 93 87 92.7 95 105 — — minimo 100 101 90 89 93 82 90.6 90 90 82 80 85.5 85 85 — occipital máximo.. 103 113 109 100 102 105 105.3 100 106 100 100 101.5 110 105 Vertical-basilo-bregmatico.... Curvas 140 146 140 142 144 146 143 132 127 128 128 128.7 136 134 r total 540 530 512 500 520 505 517.8 495 490 480 472 484.2 515 493 Horizontal J pre-auricular... 235 245 230 230 245 230 2.15.8 228 215 232 223 224.5 225 223 (. post-auricular.. 305 285 285 270 275 275 283.2 267 275 248 249 258.9 290 276 ( total Transversa ) 465 470 445 440 463 445 454.5 430 425 410 410 418.7 455 435 l supra-auricular. 310 330 300 295 315 300 308.3 290 280 270 281 280.2 305 300 >( , (cerebral 110 115 110 100 110 104 108.1 100 87 94 95 94 96 108 \ (total 130 138 130 128 138 138 133.6 118 110 117 118 116.2 125 130 «i Parietal • 140 140 130 126 135 126 132 120 108 120 130 119.5 125 130 p \ Occipital total 115 120 100 115 113 120 110.5 111 116 105 100 103.2 130 115 Comprim. do buraco occipital. 40 36 39 38 37 35 37.5 37 34 37 34 35.5 37 35 Largara — 31 28 28 32 82 32 30.5 30 30 30 28 29.5 30 28 Linha naso-basilar 103 102 102 108 105 100 103.3 100 98 100 92 95 96 106 Circumferenciamediana total.. índices cephalicos 528 536 501 515 528 519 521 486 477 480 474 479.2 515 517 ( largura— Comprim. =100 < 73.15 73.40 74.50 72.28 74.79 71.73 73.30 75.56 75.14 71.02 75.9o 74.40 75.20 78.16 1 > altura.. .. 73.68 77.65 75.65 77.17 77.82 79.34 76.88 75 73.41 73.56 77.10 74.75 73.11 77.01 Largura—100 altura 100.71 105.79 101.46 106.76 104.34 110.60 104.91 99.24 97.69 101.61 101.57 100.39 97.14 98.52 Fronto-parietal 72 66 73.18 65.21 69.91 67.39 62.12 66.47 67.66 69.02 66.12 63.49 66.69 60.71 02.5 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ' ■> BOTOCUDOS 'o MEDIDAS QD o — — --- Os DA HOMENS MULHERES co FACE 1 3 3 4 5 G •2 V s O IO 'ts ii 13 § Larguras da face Bi-orbitaria externa 112 118 107 107 105 101 100 98 101 109 íuy. o vb — interna 102 105 95 95 97 92 91 90 92.5 99 86 y / .o Interorbitaria 25 25 25 22 22 22 19 18 20.2 24 Dos dous malares 41 4o. b 124.6 4o 108 124 133 123 124 120 113 114 113 115 133 Bi-zygomatica maxima 137 140 131 133 148 135 134 136.8 130 126 124 126 126.5 143 140 Orbitas Largura 40 43 M 40 40.83 41 as 40 39 39.5 41 33 Altura Qt QO 41 34 33 32.83 34 33 32 32 32.75 34 30 ol oo Região nasal r „ t superior 10 9 11 9 11 8.7 12 8 Largura í v 11 6 y.oo 10 7 7 dos | minima 9 7 8 7 10 19 a R 9 16 6.7 ossos nasaes ( . „ . V inferior 19 16 IS 17 5 / .ou 17.83 o 17 5 5 16 9 / 16 Largura maxima da abertura.. 17 16.5 15 24 22 26 19 24 25 24 22 25 22 25 24.66 21.33 22 25 16 22 20 23 19 23 22 16 22 17 Comp. dos mediano ossos nasaes) lateral.. tCl 19 27 24 26 29 QA 26.66 25 23 25 24 » » » > 0m.93 » 0m.093 » » » » 0m.60 » 0m.060 » » » » 0m.3L » 0“.031 237 » 8 » 0m.27 0“ .027 » 240 » 5 ■ » 0m.39 0m.039 » 241 » 34 » 0m.05 » 0m.005 » 245 (tabella), casa 34, linha 5a, em logar de 148, lêa-se 146. (1) Mr. de Quatrefages já fez sentir, a este respeito, a necessidade que ha de conhecer-se os craneos brazileiros existentes no Museu de Copenhague. (2) Zeitschrift fiir Ethnologie, 1874. Vol. 1. pag. 263.