DA GERAÇÃO Typographia Universal dc Laemmcrt, rua do Lavradio, 53, DA GERAÇÃO a ou Arte de procrear rapaiágas ou rapazes espirituosos, de orna-los coni o dom dabelleza, de havê-los sadios e robustos; precedida da descripção das partes naturaes do homem e da mulher, com a indicação do uso particular de cada uma delias; terminada pela exposição dos meios proprios a conservar grande potência em amor até á mais avançada idade. mobel de RUBEMPRÉ , por Medico pela Faculdade de Pariz, e membro de varias sociedades scientiRcas. RIO DE JANEIRO PUBLICADO B A’ VENDA EM CASA DB EDUARDO E HENRIQUE LAEMMERT Rua da Quitanda, 77 Discurso preliminar. Conforme m’o tem plenamente demonstrado minha immensa pratica no tratamento dasaífec- ções genilaes e secretas, poucas questões ha, entre aqucllas de que se occupa a bella arte do divino Ilippocrates , que tão dignas sejão de ex- citar ■vivamente o nosso interesse e estimular a nossa curiosidade, como o importante assumpto dos actos que tem por fim a procreação de novos entes e a eternisação das especies. A philosophia natural, moral, saude publica e privada, a cu- riosidade , e aquelle attraetivo irresistivel dos de- liciosos gozos ligados á união intima dos sexos, nelle encontrão igualmente um manancial fe- cundo em observações sublimes e em preceitos que interessão em gráu supremo a felicidade de todos. Não fica por ventura o espirito tomado de as- sombro á vista dessa alta perfeição dos orgãos sexuaes, tanto num como noutro sexo, orgãos que, por seu contacto, por sua acção e emissão reciprocas, vão fazer nascer, de uma matéria in- teira mente inerte dc per si, indivíduos que gozão 6 da triplico propriedade de obrar, de sentir e de pensar? Que cousa roais admiravel do que essa maravilhosa polencia de que goza o homem de fazer surgir do nada entes que nelle devião estar etcrnamenle mergulhados, potência que, por assim dizer, parece fazê-lo caminhar a par do Creador universal! Que attractivo não tem para o verdadeiro observador a contemplação dessa revolução cuja economia inteira, e com especialidade o appa- rellio sexual, vem a ser o thealro no mancebo e na donzella, quando, chamados a preencher brevemenle aquelias funeções a que ambos são devedores de sua existência, oíTerceem os curiosos phenomenos da brilhante époeba da puberdade t Aquella imagem da mais risonha primavera , aquelle tempo das doces illusões e da mais per- feita ventura, pliase da vida sobre a qual se exer- citou de um modo tão encantador a eloquente penna do immortal conde de Buffon ! E, pelo contrario, de que tristes pensamentos não vem opprimir a alma a consideração dos progressos decrescentes de nossa perecedoura machina , quando , no inverno da vida , vem a desapiedada Parca transmitlir-nos a irrevogável ordem dc ce- dermos a uma geração nova o nosso lugar, bem como esses altrabentes deleites que fizerão o encanto da nossa curla existência ! A estes pensamentos philosophicos juntão-se outros de ordem menos subida e bem diversa- mente ternos: dous corações confundindo-se em um só, para de concerto trabalharem para sua felicidade mutua, e fornecer á patria braços capazes de a defender energicamente contra seus aggressores ! aquelia communidade de intuitos , de sentimentos e de interesses tão própria a se- mear de ílôres o procelloso mar da vida ! uma família florescente, amante quanto querida, for- mada á virtude desde seus primeiros annos, e educando-se por nossos desvelos eruditos para nossa própria felicidade e para a ventura do Es- tado! filhos adorados que vem trazer a nossos derradeiros e penosos instantes as doces conso- lações do amor filial! Ah! como é triste o fim daquelle que, forçado a entrar para sempre no tumulo, se acha perseguido do pavoroso pen- samento de ver perderem-se comsigo seus bens, sua memória , seu nome , e muitas vezes até seus benefícios! Entre os entes que só guia o instincto , sempre a cópula das especies tem lugar segundo os voto» da natureza, c não podem dahi resultar senão 8 indivíduos tão perfeitos quanto o permitlea eco- nomia animal. Quão longe eslá de succeder o mesmo cnire os homens reunidos em corpo so- cial ! Quantas circumstancias não são suscepti- veis de vir lançar a perturbação em suas facul- dades physicas e moraes ! Bebidas embriaganles , alimentos eslragadores, paixões desoi'denadas, uso mortífero dos prazeres sexuaes, &c., &c. Dalii procedem as irregularidades e a perversão ria secreção menstrual, abortos morlaes, o esfal- famento prematuro, allianças incompatíveis e monstruosas, famílias degeneradas, numerosas allecções syphililicas, &c. , &c. Vem a bygiene da geração allumiar os sexos com o facho salutar de seus preceitos conservadores, e conjurar a tempestade dos males horríveis que impossível nos seria dar aqui a conhecer, mas que tenta- remos expôr amplamente no decurso deste Tra- tado. F.rnlim, em outros sentidos , o estudo das func- ções geradoras percorre agradavelmente o espi- rito por um vasto campo, offerecendo a mais risonha perspectiva á imaginação e á curiosidade, pelos factos excitantes, pelas bellezas naluraes, e pelas questões infinitamente variadas que apre- senta a cada passo que nellc se avança. Tantos assumptos interessantes occupão uma ordem tão elevada entre os conhecimentos hu- manos, tocão de tão perlo aos nossos mais caros interesses, e são tão frequenlemenle ventilados em todos os círculos da sociedade, que seria, por assim dizer, vergonhoso para quem quer que seja não possuir ao menos mna noção super- ficial delles. Assim, emquanto me não é pos- sível dar á luz o meu grande Tratado sobre a Geração universal, julguei prestar um verdadeiro serviço á porção da sociedade alheia aos conhe- cimentos médicos, publicando esta nova obra . na qual serão succinta e claramente expostos os conhecimentos relativos á geração que importa que possua todo aquelle que segue ou se propõe seguir a carreira da união sexual. Todas estas questões estão reunidas debaixo de seis artigos principaes, cujas matérias serão ador- nadas de digressões as mais inslructivas e as mais curiosas para os meus leitores. A primeira secção comprehende a Historia ana- tómica das partes genilaes, tanto na mulher como no homem , com a indicação dos usos especiaes c geraes a que é destinada cada uma delias. Na segunda, serão expostas as llieorias de Mil- lot c de vários outros autores distinclos sobre a arte de procrcar á vontade raparigas e rapazes. Occupar-se-ha a terceira dos meios de se trans- mittir ás crianças a agudeza do espirito, e mesmo do talento, tanto ao procrea-las, como pela excel- lencia da sua educação moral e physica. Em quarto lugar, exporemos os preceitos mais importantes que devem ser observados, para se não obter senão gerações ornadas do dom attrahenie da bclleza physica e moral. A arte de não fornecer á palria senão filhos sa- dios c robustos será exposta em quinto lugar. Emíim, terminaremos esta obra pela exposição dos meios mais proprios a conservar, até no inverno da vida , essa deliciosa aptidão para a propagação, manancial dc tantos deleites suaves, e que tantas circumstancias penosas são susceptiveis de roubar ao homem, mesmo entrado apenas na primavera de sua exislcncia. SEGH s:i>os ®<â ©E®â,$â@ PRIMEIRA PARTE. CAPITULO PRIMEIRO. DESCRIPÇÃO DAS PARTES GENITAES NO HOMEM E NA MULIIER. O conhecimento dos orgãos da gera- ção é indispensável a todo aquelle que quer adquirir uma noção, por pouco exacta que seja, desta funeção. Como, com eíleito, será possível conceber o mecanismo de machinas cuja compo- sição se ignora? Facilmente se sentirá que todo o tratado sobre um dos ramos da medicina deveria sempre ser prece- dido de uma descripção anatómica suf- íiciente para a intelligcncia do jogo das funcçÕcs da economia animal, de suas affecções e de suas diversas modificações pelos agentes therapeuticos. Torna-se sobretudo indispensável esta precaução quando consagramos nossas vigílias a esta porção da sociedade hospeda nos conhecimentos médicos. Se os diffe- rentes autores que tratarão de seme- lhantes assumptos tivessem adoptado sempre esta marcha, ao passo que lerião dado uma utilidade real ás suas obras, terião também evitado transmillir a seus leitores semi-conhecimenlos, quasi sem- pre mais perigosos do que mesmo a mais absoluta ignorância. Por mais áridas e fastidiosas que se reputem as descripções anatómicas em geral , temos a esperança de ligar o mais vivo interesse á que vamos dar dos orgãos que concorrem para a propa- gação da cspecie humana, visto a clare- za, a brevidade que nclla empregaremos, e visto sobretudo a natureza do assump- to , que, para o homem como para a mulher, tem um atlraclivo indizivel que 13 os leva irresistivelmente ao estudo de tudo o que se refere a esta bella parte da medicina. A natureza entregou o papel da re- producção dos corpos viventes a dons entes essencialmente dislinctos um do outro, não só no sentido da organisação das partes genitaes, senão também no da organisação geral. São estes dous entes designados pelo nome de sexos, um dos quaes é macho e o outro femea. Não foi sómente na especie humana cjue a natureza marcou estas differenças do organisação, mas também nos ani- rnaes c na maior parle das plantas. Sa- be-se, com eííeito, que os unisexuaes e os hcrmaphrodilos são mui pouco nume- rosos, tanto no reino animal como no vegetal, e quasi sempre a natureza im- prime nos individuos de uma mesma cspecie caracteres laes , que elles se achão dotados de orgãos diflerentes e proprios a obrarem um sobre o outro para o complemento da grande obra da g<’ração. O amor, como veremos, é o poderoso meio que essa mesma natureza põe em acção para forçar todos os entes vivos a conchegar-se e a contribuir para a conservação da mocidade perpetua, na qual quer manter o mundo. Nada ha mais attractivo do que o estudo dos phenomenos determinados pela organisação sexual, não só no ho- mem, como lambem nos animaes e nos vegetaes. A maneira por que se achão conformadas as difíerentes classes e es- pecies de animaes, aquella por que elles se conchcgão para trabalharem na pro- pagação de sua especie, o grão de sua potência amorosa, a duração e o modo do desenvolvimento dos princípios do ente futuro, a maneira por que elle sc acha lançado na carreira da vida, os amores das plantas, e uma multidão de outras acções, serião outros tantos as- sumptos dignos de nossos mais sérios estudos , e capazes de estimular viva- mente a nossa curiosidade. Não podem porém tão numerosas questões figurar em uma obra tão limitada como esta: 15 deixamos isso para o nosso grande Tra- tado da geração. Vamos pois limitar-nos aqui á historia anatómica das partes sexuacs do homem e da mulher, sem que todavia renunciemos a fazer, no decurso da obra , algumas applicações das mais curiosas á historia natural. Comquanto pareça a mulher occupar a primeira ordem na grande obra da geração, no sentido do sentimento do amor, da ternura materna, do tempo cm que traz em seu ventre o íructo dos prazeres amorosos, prazeres além dos qnaes expira o ministério do homem, emíim, das dores pungentes que soffre para depô-lo no porto da vida, e muitas vezes para o amamentar e dirigir-lhe os primeiros passos vacillantes, vamos, to- davia, aíim de nos conformarmos com um uso geralmenle estabelecido , co- meçar pela historia da geração no ho- mem ; depois do que , proeederemos á da mulher. CAPITULO II. PAUTES SEXUAES DO HOMEM. O vulgo, e mesmo as pessoas instruídas que, com o escalpelio na mão, não pe- netrão no interior do corpo humano para seguirem profundamente o estudo dos orgãos internos, não vêm absolu- tamente no homem senão um membro viril c bolsas, para adoptar exactamente as expressões xnais cominuns. Mas bent longe está que assim seja: nelle existem orgãos sexuaes internos proprios e acces- sorios, sem cujo conhecimento não pode ninguém conceber a preparação, o tra- jecto e a ejecção do licor esperma tico ou fecundante. Comtudo, não somos nós que caibre- mos em estabelecer, dessas partes, uma distineção em internas c externas: deve seu estudo ser simultâneo, altenta a sua connexão e sua serie perfeita. Embora se achem as primeiras encobertas á acção da vista, nem por isso deixarão as pessoas de adquirir perfeito conhecimento delias, pela descripção clara que vamos dar; e isto sem que se ache na necessidade de recorrer ás dissecções. Compõe-se o apparelho genital do ho- mem de duas partes principaes; uma (os testículos) destinada a preparar o licor necessário á fecundação da mulher; a outra (o membro viril) destinada a transmittir no interior da mulher este mesmo licor elaborado pelos testículos. Com quanto esteja em uso, nos tratados anatómicos, começar-se pelo membro viril a descripção dos orgãos sexuaes, julga mos dever começar pelos teslieu- los, como sendo estes a origem e causa primaria de todas as outras acções ge- nitaes. TESTÍCULOS. Os t.csliculos (palavra derivada do ter- mo latino testiculus, que significa pe- qui na testemunha , seni duvida porque os antigos, ignorando-lhe o verdadeiro uso, não virão nelles senão espectadores, e não verdadeiros autores do grande acto da propagação), os tesliculos, digo, são duas glandulaszinlias do feitio de um ovo, situadas no prolongamento da pelle do ventre conhecido pelo nome de bol- sas, compostas da entresachação de mais de cincoenta mil vasinhos, chamados scminiferos, os quaes tem por uso filtrar o licôr seminal e deposita-lo em um ca- nal unico, onde vão todos elles ter, e que é conhecido pelo nome de cano deferente. Os numerosos milhares de vasos se- miniferos que entrão nn composição dos tesliculos nos explicão facilmente a delicadeza extrema destes orgãos e a grande facilidade com que elles se achão desorganisados pela menor violência exterior. Era , sem duvida , necessária esta inlinidade de vasos para dar ao licôr espermalico uma tenuidade tal, (pie pudesse atravessar sem obstáculo os canos li nos e estreitos da mulher, e até talvez o tecido dos orgãos, como o fluido electrico. A delicadeza dos testículos acha-se protegida pela pelle, e por cinco membranas ou cnvoltorios, cujos nomes são, contando do exterior para o centro : d.° a cellular, 2.° a muscular, 3.° a fi- brosa, lx.° a serosa, e 5.° a membrana própria do lesliculo. Mas, como o co- nhecimento perfeito destes envoltorios não é indispensável para a intelligencia da nossa obra, voltemos aos testiculos. Os testiculos, como acabamos de ver, occupão-se no trabalho importante de preparar esse liquido esbranquiçado conhecido pelo nome de sperma (palavra grega que significa semente), e sem o qual a fecundação não poderia eííec- tuar-se. Porém , dir-me-ha o leitor, como se prepara o liquido spermatico? Confeiçôa-se nessa parte da cabeça co- nhecida pelo nome de cerebelto para ir junlar-se gota a gota em uma das parles do apparelho sexual? Ou é simples- mente um sueco dos alimentos con- tidos no eslomago, e que deste orgão passa para o apparelho genital por cer- tos canaes situados entre um e outro orgão ? A isto responderemos que só os testículos trabalhão na secreção do liquido seminal , o eslomago e o resto rio apparelho digestivo sómente tomão parte nesta funeção fornecendo o chylo, que depois se torna em sangue, e que o cerebro finalmente não exerce aqui outra influencia senão a resultante do poder da imaginação, que é, como se sabe, o centro não só desta ultima fa- culdade, mas mesmo de todas as outras operações inlellectuaes ; consequente- mente as glandulas tesliculares tem uma communicação immediala com o apparelho circulatório, que lixes fornece o sangue necessário , donde extrahem e confeiçôào o liquido de que se trata. Estes meios de communicação são as artérias spcnnaticas que tem a sua ori- gem na grande artéria aorta central, passão por um buraco obliquo prati- cado na parle inferior dc ambos os lados do baixo ventre, e vão lamificar-se infi- nitamenle na substancia dos orgãos les- iiculares, que impregnão da quantidade de sangue necessária para a preparação da semente. O sangue supérfluo derra- mado nos tesliculos é novamenle reco- lhido por meio de veias também cha- madas spermaticas. Estas veias, estas artérias e o canal deferente , são o que forma esses dous cordões que parecem suspender os tesliculos nas bolsas, donde elles passão para o baixo-ventre pelas duas aberturas de que ultimamente fal- íamos. Depois desta pequena digressão sobre a preparação do liquido seminal, conti- nuemos a dcscripção do apparelho sexual masculino pelo canal deferente. É elle, como temos dito, a continuação dos vasos seminiferos, os quaes vasão em seu seio o liquido seminal á medida cpre este se vai preparando. Estende-se dos testí- culos ás vesiculas seminaes, e serve para trazer a semente daquelles para estas , como o indica o seu proprio nome de conductor ou canal deferente. É sabido haverem certos animaes nos quaes o liquido fecundante não se segreda senão durante o acto sexual. O cão nos ofíerece este exemplo : por isso o vemos prolongar infinitamente a cópula , e não deixar a femea senão quando o senli- inento intimo da sua fraqueza a isso o obriga irresistivelmente: a razão é por- que este animal não apresenta deposito algum proprio para conter o liquido spermatico. Esta disposição é apenas uma excepção, pois a generalidade dos animaes apresenta vosiculas destinadas a conservar a semente em deposito á medida que os orgãos lesliculares a \ão preparando. No homem são estes depó- sitos duas aígibeirinhas situadas no baixo- ventre, uma á direita e outra á esquerda. Tem a (orma de uma bexiga, com o fundo largo e uma extremidade estreita. O fundo, que esta situado atrás, por fóra, e emeima, apresenta, depois da idade da puberdade, umas seis ou sete linhas de comprimento, pouco mais ou menos , c duas ou tres de grossura : a extremidade estreita , dirigida para dian- te, dentro e embaixo, offerece a appa- rencia de um tubo bastante estreito, e recebe o canal deferente em angulo agu- do: seu comprimento total é de duas ou tres pollegadas. Pelo que já temos exposto sobre a or- ganisação do apparelho sexual se vè que das vesículas seminaes é que parte todo o liquido que o homem lbrnece no ins- tante do gozo. Para este fim estabeleceu a natureza entre ellas e o canal que se acha aberto no membro viril um meio de communicação, que consiste em dous canacs chamados de ejaculação , cuja disposição é a seguinte : São dous duetos membranosos, mais estreitos adiante do que atrás, do compri- mento de cousa de uma poliegada, situa- dos no baixo-ventre, um á direita, outro á esquerda, e servem a levar direclamente o liquido seminal ao canal da urélra. Nas- cem da reunião das extremidades in- ternas dos canaes diílerenlese da porção das vesículas seminaes, dirigem-se para diante e da parte de dentro, alravessão a glandula próstata, e vem desembocar no canal da uretra por dous orifícios es- treitos, situados adiante e sobre os lados do tubérculo carnudo (verumontanum) que se oppõe á passagem do semcn para a bexiga e torça a dirigir-se para a ex- tremidade externa do canal da urétra no acto da ejaculação. A próstata, de que falíamos, é um orgão glanduloso unico, do tamanho de uma noz com pouca diíTcrença, de còr grisalha, de um tecido seguro c unido, de fórma cónica, cuja base ou extremi- dade grossa , voltada para a parte inte- rior , abraça o collo da bexiga , e a sum- midade ou extremidade delgada cami- nha para diante em volta do principio do canal da urétra. A glandula próstata, dissecada com cuidado, apresenta em seu tecido, cuja natureza é, não obstante, dillicil de de- terminar, uma multidão de pequenos corpos arredondados e concavos, cha- mados folliculos ou crypias mucosas, que contém um liquido viscoso c esbranqui- çado. Destes corpos, qtio apenas são pe- quenas glandulas secundarias, parlein duetos secretorios muito pequenos, dez ou quinze em numero, que vão abrir o canal da uretra, sobre os lados e superfície do rerumontanum, para depositarem ahi o liquido preparado pela próstata, como é mui facil verificar apertando esta glân- dula , pois vô-se então resudar abundan- lemente o liquido pelos dez ou quinze oriíieios correspondentes ao numero igual dos conductores secretorios. A serventia deste íluido ó de lubricaro canal da urétra, favorecer a sabida do semen e das ourinas, e prevenir assim a excitação demasiadamente forte da mu cosa uretrai, a qual, pela sua parle, for- nece também certa quantidade de um liquido analogo pelas cryplas mucosas de que se acha coberta. Destas cryplas mucosas é que sabe o liquido límpido que os meninos extra- lietn pela masturbação, os velhos priva- dos de toda a energia teslicular, os cas trados, e os homens potentes nos ins- tantes que precedem o gozo, ou em uma erecção forte. Sabe-se que este liquido é inteiramente improprio para a fecunda- ção ; todavia, se a secreção e emissão delle fôr demasiadamente abundante, elia póde igualmente causar no homem um esfalfamento. 0 membro viril ou genital é um orgão comprido, erectil, prismático no estado de erecção, e cylindroide no estado de molleza, situado na parte anterior, média e inferior do baixo-ventre, adiante e abaixo do púbis: é dotado das duas func- ções de expulsar as ourinas e o liquido spermatico. Chama-se membro viril porque denota o sexo masculino , e por ser o indicio da virilidade quando está apto para exercer perfeita mente ambas suas funcções : estas denominações vem da palavra la- tina vir, que significa homem feito, sexo masculino. Chama-se também membro O MEMBRO VIRIL. genital da palavra lalina gcnitalis, deri- vada do grego genésis, que signiíica ori- gem, geração, para exprimir a parte im- portantíssima que desempenha na repro- ducção. E ainda conhecido por um sem numero de expressões derivadas, ou da semelhança de sua fórma, ou de algum ponto de analogia em suas funeções com outros objectos, as quaes todas omilli- mos por serem assaz conhecidas, e a maior parte consideradas obscenas. A fórma , solidez , dimensões e direc- ção deste membro varião segundo elle se acha ou não no estado de erecção. No segundo caso, elle é cylindroide , molle, curto, cahido sobre as bolsas, e fórma por diante delias uma curva cujo concavo fica para a parle detrás; no primeiro es- tado toma uma fórma prismática , tor- na-se firme, solido, e endireita-se contra a barriga. Como gostamos de estudar sempre a natureza no seu primor, é neste ultimo estado que vamos descrever este orgão. Comecemos pela conformação exterior. Temos a examinar quatro faces, uma anterior, outra posterior e duas la- teraes; e afinal a base c o cimo. 1. Face anterior. —Esta face acba-sc dirigida para diante e para baixo , c le- vernente convexa c apresenta em toda a sua extensão uma saliência arredondada no meio, que corresponde ao canal da uretra. Duas goteiras longitudinaes li- mitão de ambos os lados a saliência u retrai. 2. Face posterior, por outro nome o dorso do membro. — Esta ó levcmenle côncava c dirigida para a parte de trás e ao alto. Em toda a extensão da parte média sobe uma artéria e uma veia cha- madas dorsacs pela maior parte dos ana- tómicos. 3. e U'° Faces iateraes ou lados. —Es- tas são arredondadas e correspondem aos corpos cavernosos. 5.° Base ou extremidade posterior e in- ferior, ou raiz do membro.—Ella está voltada para trás e para baixo, e prende por dous ramos aos ossos iscliion , ou a essas saliências osscas sobre que descan- samos quando estamos assentados. 6.° Extremidade anterior ou cabeça do membro. — Está dirigida ao alto e para diante, ora descoberta, ora coberta pelo prepucio, e apresenta o orifício externo do canal da uretra ou fossa navicular. Tal é a configuração externa do mem- bro genital. Passemos agora á sua com- posição interna, que ao nosso estudo of- íerece a pelle que o cobre, cuja prolon- gação para cima fórma o prepucio: os corpos cavernosos ou erecteis que o cons- tituem na maior parte de sua extensão ; o canal da uretra, que os separa; a dila- tação emeima deste canal, para formar a glande; as artérias, que lhe vem tra- zer os materiaes de sua manutenção ede sua força; as veias, que delle levão o sangue superíluo; os vasos lymphaticos ou absorventes, que alii depõem e dahi extrahem certos fluidos ; emiim , os mús- culos que lhe imprimem os movimentos de que é susceptivel. Pelle. —Não é mais do que a conti- nuação da que cobre as partes circum- vizinhas, tornada mais delgada, mais delicada, mais frouxa, mais extensiva c mais escura. Sómente embaixo ofTerece alguns pellos ou cabellos obliquamente implantados para diante, e o puxar por elles póde fazer sentir dôres mais ou menos sensiveis por uma introducçãode- masiado súbita c profunda em uma va- gina muito estreija , dôres que coin- cidem com as que resente então a mu- lher no collo da madre, que, como se sabe, irrita-se, inílamraa-se, e póde de- generar em cancro por semelhantes per- cussões mui frequentemente repetidas. Esta pelle está unida aos corpos caver- nosos por uma camada de tecido cellu- lar, que se torna tanto mais rija quanto mais perlo a examinão do tecido ereclil, e na qual nunca se ajunta sebo, cuja grande abundancia, dando ao membro viril uma grossura desproporcionada aos diâmetros da vagina, poderia embaraçar e aló impedir totalmente o acto da re- producção. Por isso, por mais nutrição que adquira um liomem, sempre esle orgão conserva o mesmo volume. Nas diiferentes camadas de que ella é forma- da , e sobretudo adiante, notão-se pe- quenas glandulas ditas sebaceas, cujo uso é preparar um liquido untuoso, des- tinado a facilitar o resvalar desta parte sobre as roupas e outras partes circum- dantes, e prevenir-lhe assim a exco- riação. Prepucio.— A pelle do membro en- via de ordinário sobre a glande um pro- longamento cutâneo, designado pelo nome de prepucio (de prcc, para diante, e de pulo, eu corto, por causa do cos- tume que tem os Judeus de cortar esta parle). Esle appendice é formado de duas camadas, das quacs uma externa ou catanca, e a outra interna ou mucosa, de modo nenhum adherentes; podem facilmente desdobrar-se na occurrencia da introducção do penis na vagina, e permitlir assim o contacto immediato da glande com as partes internas deste canal, contacto que, em virtude da ex- irema sensibilidade de que 6 dolada esta parte do membro, torna iníinitamente mais viva e mais suave a sensação amo- rosa. A mucosa que a guarnece inle- riormente prepara uma especie de oleo, o qual, conservando a glande em con- tinua humidade, mantém sua extrema sensibilidade, e previne as dores que occasionaria infallivelmenle uma sc- quidão demasiadamente grande. A mesma pelle forma na parle ante- rior e média da glande uma especie do préga, de feitio triangular, achatada transversalmente, á qual se dá o nome de freio ou filete do membro, por causa de sua semelhança com a da lingua. Nos grandes esforços para romper o sello da virgem, póde esta prega, pelos esforços que faz, occasionar dores mais ou menos vivas, rascar-se e rebentar in- teiramente, accidenle que não traz com- sigo perigo algum, e que não requer para tratamento senão o descanso de alguns dias. Coaro cavernoso. É um corpo allon- gado, esponjoso, situado entre a glande e os ossos ischios, nos quaes se implanta por dous ramos, susccptivel da especie da congestão sanguínea conhecida pelo nome de erecção, e destinado a dar assim ao membro a solidez sem a qual se não poderia effectuar o acto da rcproducção. Nellc distinguimos uma extremidade posterior e inferior, uma anterior c su- perior, uma face anterior e outra pos- terior ; pois que sempre suppomos o membro em erecção, estado sem o qual são iníinitamcnte menos pronunciadas e menos fáceis de observar todas as partes que o compoem. Io. Extremidade posterior e inferior. — Offerece ella dous ramos, que nascem dos ossos ischios, dirigem-se para diante, para cima e para dentro, de maneira a circumscreverem um espaço triangular, onde se distingue o canal da uretra e uma maior ou menor quantidade de te- cido cellular, um pouco gordurento, inteiramente embaixo, approximão-se , reunem-se, e até se confundem em um corpo, conforme o demonslrárão Saba- tier, Chaussier e Roux. 2o. Extremidade superior e anterior. — Representa um cone troncado obliqua- mente, o qual se une á base da glande. 3o. Face anterior. — Está dirigida para diante e para baixo, e oíferece em todo o seu comprimento uma larga go- teira que recebe o canal da uretra. U°. Face posterior. — OÍTerece um sulco longitudinal pouco profundo, que recebe as artérias e veias dorsaes do membro viril. O involucro proprio do corpo ca- vernoso dá origem, inteiramente por trás desta face, a um feixe fibroso, e al- gumas vezes semi-fibroso e semi-mus- cular, de fórma triangular, achatado de fóra para dentro, o qual se vai prender á parte inferior da symphysis do pubis, e é conhecido pelo nome de ligamento suspensor da virga. O corpo cavernoso é rodeado de uma membrana fibrosa muito solida e de um branco opaco, de cuja face interna parle uma multidão de filamentos eellularcs, que, por seus numerososencruzamentos, formão um numero infinito de pequenas cellulas nas quaes serpêão uma infini- dade de pequenos ramos arteriaes, veiosos, e provavelmente nervosos e lymphaticos. E do estado de turgidez deste entrelaçamento vascular e da ac- cumulação do sangue nas cellulas que resulta o estado conhecido pelo nome de erecção. E sobretudo na idade da virilidade que o tecido esponjoso ou erectil existe em maior quantidade e é susceptivel de erecção. Gomtudo, também se encontra n’outros periodos da vida, e póde endu- recer sol) a influencia de certos estimu- lantes. Apenas sabe o menino do ventre da mài, é logo o seu membro susceptivel deste entumecimenlo, e resente sensa- ções agradaveis ao menor toque. Os eífeitos de semelhantes toques são sem- pre, pelo tempo adiante, dos mais pe- nosos para a saude dos meninos que a ellcs recorrem: ao mesmo tempo que retardão singularmentc o crescer, deter- mi não quasi sempre uma puberdade precoce, lanlo mais funesta quanto não tem ainda o indivíduo adquirido o vigor necessário para trabalhar 11a propagação da especie. Dalii procede uma vida in- te ira marcada com o cunho da fraqueza. Desde ha muito se acha velho, fóra da ordem dos propagadores, e ainda expe- rimenta essas vãas erccções: quão peri- goso seria então abandonar-se a seu impulso, pois que os prazeres, nesta idade, adiantão necessariamente a hora do fallecimento! Canal da uretra. — A uretra é um canal membranoso, de nove a doze pol- legadas de comprimento, mais largo do que nenhum dos outros canos excreto- rios, o qual se estende do collo da bexiga ao cume da glande, onde se ter- mina por uma abertura dilatada dirigida de diante para trás, a qual recebeu o nome de fossa navicular (navicula, por causa de sua fórma). Seu uso é levar para fóra a ourina e o fluido seminal. Dividera-o em Ires porções: Io. a 37 porçãoprostatica, assim chamada, porque se mergulha na glandula próstata; tem quinze a dezoito linhas de comprimento, e oflerece paredes delgadissimas; 2.°, a porção membranosa, mais estreita do que as outras, de oito a dez linhas de com- primento, com paredes igualmente del- gadas, e facillima de sentir ao travéz da pelle no espaço triangular formado pelas duasraizesdocorpo cavernoso; 3.°, a porção esponjosa, assim chamada por estar em contacto com o corpo cavernoso em toda a sua extensão. E o canal da uretra formado especial- mente por uma membrana mucosa , que lhe guarnece o interior e continua com a da bexiga, dos canaes ejaculatorios, dos canos excretorios da próstata e das glandulas de Cowper. Secreta um li- quido cujo uso é favorecer a passagem das ourinas e do licôr espermatico. Re- força-a outra membrana, dita cellular, a qual nada oíferece de notável para nós. Emfim, nas tres quartas partes anteriores desta membrana mucosa, isto é, na porção esponjosa, observa-se unia ca- mada de tecido cavernoso e erectil, a qual principia por um engrossamento designado pelo nome de butbo da uretra, e que, indo-se adelgaçando á medida que se vai approxiinando do canal da uretra, vem dilatar-se para formar a glande. Gi.andií. — A glande (glans, fruta do carvalbo), ou, por outra, cabeça do membro viril, oflerece a apparencia de um cone achatado de diante para trás, cujo cume, dirigido para cima e para diante, apresenta o orifício externo do canal uretral, ou fossa navicular, e cuja base, dirigida para baixo e para trás, une-se ao corpo esponjoso da uretra. Esta mesma base apresenta uma reborda sa- liente, que recebeu o nome de corôa. — A superfície da glande oíferece uma mul- tidão de papillas nervosas que nos dão a explicação da extrema sensibilidade de que ella é dotada, e em virtude da qual o menor contacto com os sexos produz tão vivas e tão eleclrisantes sensações. Digressão sobre a. glande k o prepu- cio.— Vimos precedentemente que a glande está, ora encoberta pelo prepu- cio, e ora núa. Sabe-se que a mucosa do prepucio prepara um liquido untuoso, o qual, molhando continuamente a glande, mantêm a viva sensibilidade dc que goza naturalmente. A glande não revestida deste involucro adquire, pela fricção continua sobre as roupas, uma dureza considerável que amortece sin- gularmente essa extrema sensibilidade. A consequência natural da presença ou da ausência do prepucio é que oshomens cuja glande está habitualmente coberta devem experimentar, na occasião do coito, sensações infinitamente mais vivas do que aquelles que a tem a nú. Tacs são porém os inconvenientes li- gados á primeira disposição, que: l.°, quanto mais vivos são os gozos, tanto mais são de curta duração; apenas é operado o contacto, é logo preciso de- sertar o objecto aíleiçoado; 2.°, a mu- lher, em consequência desta demasiado prompta ejaculação, não pode participar do gozo, e arde ainda quando já tudo eslá apagado no homem; que é seme- lhante prazer, quando o objecto que adoramos não partilha de nossos trans- portes? 3.°, no caso dc gonorrhéa (lden- norrliagia), quão exposto se não acha o homem a essas cstrangulações da glande conhecidas pelo nome de phimosis e de parapliimosis, segundo o temos tantas vezes notado por nossa frequente pra- tica no tratamento das moléstias vene- reas? d.°, quão nojoso não é o humor butyroso fétido que de ordinário se ajunta entre a glande e o prepucio que a cobre ! Pelo contrario, o homem cuja glande está habitualmente descoberta prolonga iníinitamente o acto propagador, equasi sempre resentc sensações tanto mais de- liciosas, quanto mais longo é o tempo que se fez esperar o instante da ejacu- lação, e quanto elle vê o objecto aca- riciado partilhar os mesmos transportes que o animão. A pellicula endurecida que cobre a glande põe-a quasi resguar- dada do vinis svphilitico ; e cila não eslá de modo nenhum exposta ao phiinosis, cuja complicação com cavallos e com a blennorrhagia llie póde causai' tão vio- lentas dores e necessitar mesmo uma operação dolorosa. Se, durante o curso de uma blennorrhagia, vem a glande a ser a sede de ulceras syphiliticas, ilcão estas acccssiveis aos olhos, e, por con sequencia, mais laceis de curar, pela facilidade das appiicações tópicas conve- nientes. Emfim, não incommoda nem irrita a mulher pela presença de um hu- mor acre e fétido. Artérias, veias, vasos i.ympiiaticos e nervos. — Para que possão os leitores comprehender hem o numero, o tra- jecto e as ramificações das artérias, das veias, dos vasos lymphaticos e dos ner- vos que se distribuem pelo apparelho genital, indispensável seria que tivessem feito um curso completo de anatomia. Mas, como seu conhecimento não é abso- lutainente indispensável ao fim que nesta obra nospropo/.emos, baste-nos sómente saber que da grande artéria aorta venlral partem ramificações que vão embeber o apparelho sexual do sangue, para servi- rem para o seu accrescimo, sustento e exercicio de suas funcções; que varias veias, seguindo quasi o mesmo trajeclo que seguem as artérias, reattrahem-lhes o sangue supérfluo e desoxygenado para o levarem ao coração, que depois o ex- pelle para os pulmões, onde elle se acha revivificado pela respiração; que nume- rosos vasos brancos , infinitamente pe- quenos, lhe atlrahem e depositão certos sucgos , com especialidade o virus syplii- litico, que muitas vezes não tem outro meio de transmissão de uma para outra pessoa, emfim , que vários nervos par- tidos, tanto do prolongamento do cére- bro como do grande sympalhico , ahi vem derramar-se abundantemente e es- tabelecer, entre o apparelho sexual e todo o resto da economia, laços de uma sym- pathia intima, em virtude da qual se transmittem mutuamenle suas diversas sensações com a rapidez do relampago. Musculos. — Os movimentos de que é susceptivel o membro viril executão-se por meio de dez musculos, dos quaes cinco estão à direita e cinco á esquerda. São estes os levantadores do anus, o es- phincter do anus, o iscliio-cavernoso, o bulbo-cavernoso, e o transverso do peri- neu. Não sendo aqui indispensável seu conhecimento perfeito , comquanto cu- rioso seja, recambiamos sua descripção para o nosso Tratado da geração, que nos propomos escrever, e onde faremos conhecer os differentes modos de acção de cada umdelles, e a maneira por que lanção o licôr seminal nas partes se- xuaes da mulher. Aqui finda a descripção dos orgãos sexuaes no homem. Restar-nos-hia que fallar de seus diversos vicios de confor- mação e das diílerentes moléstias de que são susceptiveis ; tendo-os porém tratado sufficientemente na nossa Medicina sem Medico e na nossa Medicina de Fenus, ou Arte de se curar a si das moléstias secretas, não taremos senão indica-los aqui. Essas aílecções são em numero de quarenta e uma principaes, a saber: l.°, fallencia dos doas testículos; 2.% fal- lencia de um sò testículo; o.% sahída tar- dia dos testículos; k.°, presença dos testí- culos na abertura inguinal; 5.% alteração mórbida do semen ; 6.°, inflammação do testículo; 7.% esquentamento (blennorrha- gia) cabido nas bolsas; 8.°, dores sypbi- liticas testiculares ; 9.° sacroccle ; 10.% by- drocele; 11. % tumores enkistados do cordão espermalico; 12.° espermatocele; 13.% hc- matocele; íh.°, atrophia dos testículos; 15.% testículos supranumerários ; 16. °, sa- tyrismo, ou irritação testicular; 17.°, obli- teração do canal deferente ; 18.% dilatação varicosa das veias espcrmaticas e escrotaes ; '\9.°, secção do cordão espermatico; 20.°, obliteração e inflammação das vcsiculas sc- minaes e dos canaes ejaculatorios; 21«% ausência do verumontanum ; 22.°, priapis- mo, ou erccções contínuas, fortes e invo- luntárias; 23.% pbimosis; 2/i.% parapbi- viosis ; 25.°, in jlammaçào do membro ; 2(5.°, carcinoma do membro; 27.°, aneu- risma dos corpos cavernosos ; 28.°, compri- mento excessivo do filete do membro ; 29.°, fallencia do prepucio; 30.% inflammação do canal da uretra; 31.0 e 32.% hypospa- dias e epispadias, ou abertura não natu- ral do canal da uretra; 33.°, falta abso- luta devirga; 3/i.°, grossura excessiva do membro; 35.°, paralysia dos musculos do membro; 36.% obliquidade do membro; 37.% tortuosidade do membro; 38.% os- si ficação do membro; 39.% mortificação do membro; ZiO.% dyspermatismo, ou difficul- culdade de ejacular; /jl.% anaphrodisia, ou ausência dos desejos venereos. O conhecimento dos tratados destas diversas moléstias é da mais subida im- portância para todo aquelle que trabalha na propagação da especie, não só por causa do perigo que são susceptiveis de fazer correr ás pessoas que delias são acommettidas e que as descuidão, como lambem porque á descripção clara e simples que fizemos juntámos numero- sos pormenores sobre os meios de as curar promplamente , sobre suas causas e sobre o proceder que se deve ter para delias se resguardarem. CAPITULO III. 1‘ARTES SEXUAES DA MULHER. A parte sexual da mulher, a mais dig- na de nossos estudos pela importância de suas funcções, aquella onde se de- posita e cresce o producto da concepção, isto é, a madre (em latim utcrus), não póde ser vista senão por meio das dis- secções, estando profundamente situada no centro de uma cavidade ossea, resul- tando da juncção de vários ossos largos, e que é designada pelo nome debacia. I)e dous corpos que oílerecem o feitio de um ovo, situados fóra do seio e aos lados da madre , isto é , dos dous ovários ou testiculos femininos, parlem dous canos estreitos, ditos trombas uterinas, os quaes tem por uso levar para os ova- rios o licor fecundante dos òvos queen- cerrão, e trazer depois o producto da concepção á cavidade da madre, onde elle se deve desenvolver. Este ultimo or- gão se termina inferiormente por um orifício (orifício do collo uterino), o qual continua com um grande canal conhe- cido pelo nome de vagina, vem unir-se ao centro das partes sexuaes externas, isto é, da vulva, e tem por uso trans- portar ao seio da madre o licor seminal que nelle é depositado durante o acto sexual. Emfim, quando o feto tem adqui- rido o gráu de força necessária para obter nova vida, dous orgãos semi-esphericos, situados adiante e aos lados do peito, as mamas, fornecem-lhe um alimento de doçura apropriada á delicadeza de seus orgãos, isto é, o leite. Vamos fazer uma descripção rapida destes differentes orgãos, bem como de seus usos particulares. B A C1A. A bacia é aquella fieira ossea aberta emcima e embaixo, sita entre a co- lumna vertebral (espinhaço) e as duas coxas , encerrando e protegendo a maior parte dos orgãos genitaes e urinários, bem como uma porção dos intestinos ou tripas. Essa fieira ossea é formada de quatro ossos, dos quaes são dous muito largos nos lados e adiante, conhecidos pelo de quadris, dous outros atrás, que são o sacro e o coccys. È nesta cavidade, que contém a madre, que se desenvolve o germen da concepção, é por sua aber- tura inferior que deve passar a criança na occasião do parto. De sua maior ou menor largura depende a facilidade ou a difficuldade do mesmo parto. VULVA. A mais favoravel situação para se es- tudarem com proveito as partes sexuaes externas é aquella em que a mulher des- cansa horizonlalmente sobre a parte pos- terior do tronco, afastadas as extremi- dades inferiores. Lançando então uma vista d’olhos de cima para baixo e de diante para trás, avislão-se os objectos seguintes: l.°, o monte de V cnus, onde se acha essa projectura coberta de pcllos depois d a idade da puberdade , e que em grande parle resulta da juncção dos dous quadris adiante; 2.°, uma racha longitudinal, que se estende do monte de Venus ao perineu, e que recebeu o nome de vulva, de valva, que significa porta, porque as duas dobras membra- nosas conhecidas pelo nome de grandes lábios, que a orlão de cada lado, se abrem como as folhas de uma porta, quer para admiltirem o membro genital, quer para deixarem passar a criança na occasião do parlo. Vê-se que, em geral, erão muito grosseiras as compa- rações dos antigos anatomistas. Se depois se arreganhão os dous gran- des lábios, ou as folhas vulvarias, ofíe- recem-se aos olhos novos ohjeclos: l.°, um tubérculo mais ou menos duro e mais ou menos saliente , que c o clitóris, ou sede do deleite na mulher; 2.°, duas pequenas dobras membranosas, cha- madas nymphas ou pequenos lábios, que sa- bem das parles latcraes do clitóris c vão perder-se no contorno do orifício ex- terno da vagina. Tem por uso presidir ao curso das ourinas, e facilitar o parir por seu desdobrar; 3.°, um espaço trian- gular comprehendido entre estas duas nymphas, e que é o vestíbulo; h.°, no fundo deste espaço triangular, um pe- queno orifício, terminação externa do canal da uretra, e que é designado pelo nome de meato urinário; ò.°, o oriíicio externo da vagina, que é fechado em parte, nas virgens, por uma pequena membrana chamada hymen; 6.°, emfim, entre o oriíicio externo da vagina e a reunião dos grandes lábios por trás, uma pequena profundação chamada fossa na- vicular. A reunião dos grandes lábios adiante é conhecida pelo nome de com- rnissura anterior, e atrás, pelo nome de commissura posterior, ou ramilhas. MONTE DE VENXJS. 0 monte de Vcnus fórma uma projec- lura tanto mais arredondada e mais ma- cia , quanto mais gorda está a mulher e quanto menos proeminente é o púbis; nas pessoas magríssimas e de pubis mui lo pontudo, apresenta uma projectura cuja dureza pode offender o do homem nas percussões exercidas duranle a cópula. A vista o contempla com tanta maior complacência, quanto elle offerece uma maior dósc de systema pilloso. Em certas mulheres, são ahi os pellos tão nume- rosos e tão compridos, que formão diante da vulva uma especie de véo basto, que a encobrem inteiramente aos olhos. Na mulher, estes pellos de ordinário sobem menos alto sobre o ventre do que no ho- mem. Entretanto, certas pessoas ha que os apresentão até ao umbilico, perto do qual formão um rastilho cada vez menos espesso. Eu tive occasião de tratar, de uma affecção syphililica na vulva, uma pessoa do mais ardente temperamento, da qual não só o pubis e as bordas da vulva, senão também o ventre, as viri- lhas , o perineu, as bordas do anus e as coxas, estavão cobertas de tão prodigiosa quantidade de pellos, que não a pode- ríamos melhor comparar senão com es- sas divindades somi-liomens e semi-bo- des, que a mythologia nos dá a conhecer pelo nome de Salyros. Assim como certas mulheres oíTerecem uma quantidade excessiva depellos, tam- bém outras ha que dellcs são totalmente desprovidas. Algumas vi na flor da idade que não oíferecião vestígio atgum, e, por conseguinte, cujas partes sexuaes exter- nas se oíTerecião aos olhos na mais per- feita nudez. Por mais bella e mais admi- rável que seja a estructura destas partes, longe está esta circumstancia de produzir sobre a imaginação os poderosos eífeitos que pareceria ao primeiro aspecto: a na- tureza núa acarreia inevitavelmente um fastio mais ou menos prompto e mais ou menos insuperável. Para que possa o ho- mem conservar muito tempo aqucllas cíoces illusões que fazem o enlevo de sua vida, tem necessidade que lhe roubem á vista os objectos mesmo os mais en- cantadores : Lamant iieureux qui xeut 1'êtro long-temps Fuit du soleil les rarons éclatants ; Dans un jour doux, ui trop vif, ni tropsouibrc, La uudité veut pour gage uu peu d ornbre. Redoutez donc le coup-d'oeil hasardeux D’un examen fatal à tous les deux. Nem sempre é um vicio de nascimento a falta dos pellos sexuaes, tanto no ho- mem como na mulher; pôde ser o resul- tado daacção de certos agentes morbidos, e com especialidade do virus venereo. Não se tem, com cffeito, visto pessoas em quem o gallico, levado a certo gráu de antiguidade, tem destruído os cabel- los, as sobrancelhas, os pellos dos or- gãos sexuaes, os dos sovacos, etc.? É esta fórma de gallico designada pelo no- me de aiopecia, do termo aiopex, rapôsa, porque este animal, ao que dizem, è muito sujeito a esta moléstia. Os pellos femininos, aliás como os dos homens, são suseepliveis de uma multidão de graduações em sua côr, se- gundo os paizes , os climas, as latitudes, as temperaturas, os costumes, os hábi- tos, etc. Nos nossos paizes, as cores principaes são o prelo, o escuro, o cas- lanho, o castanho claro, o louro, o louro forte, o vermelho, o vermelho de fogo, o vermelho de chamma, o ruivo. A côr dos pellos sexuaes, bem como sua abun- dancia, são, em geral, muito analogas ás dos cabellos, dos pellos dos sovacos e das outras parles do corpo: sua abun- dancia e sua côr carregada denolão, em geral, grande polencia genital ou pro- pagadora. Não existe em parte nenhuma da Europa o cstranhavel costume de as mulheres se privarem do ornamento dos pellos por meio da tesoura ou da navalha. A grande excitação e o exercicio fre- quente dos orgãos sexuaes tem uma in- fluencia patente sobre o côr dos pellos que os obumbrão. A côr vermelha de fogo é a que clles adquirem mais com- mummente pelos grandes excessos. Sa- be-se que tal é de ordinário sua côr nas morenas , sobretudo quando ellas se en- tregão aos prazeres do amor com aquelle ardor e aquella frequência a que são ha- bitualmente levadas pela natureza da sua constituição. PEIUNEC. Deriva-se a palavra perineu de duas palavras gregas, pèri, em torno, naicin, habitar. D o espaço que se acha entre o anus e a commissura posterior dos grandes lábios. E muito pequeno na mulher, e apresenta apenas uma pollegada de com- primento. DiíFerentes musculos, gordu- ra , pellc c uma maior ou menor quan- tidade de pellos depois da idade de pu- berdade, são as partes constituintes do perineu , o qual apresenta em toda a sua extensão uma linha mediana que o se- para cm duas partes lateraes, e que recebeu o nome de rnfé, palavra grega que significa costura. E sabido que, não sendo bem sustentada pela mão de um parteiro hábil, é esta parte muito sus- ceptivel de romper-se por inteiro nos partos difficeis , e de confundir assim em uma cloaca infecta a vagina e o anus. GRANDES LÁBIOS. São duas dobras senii-cutaneas e se- mi-membranosas, que se estendem da parte inferior do monte de Venus á ex- tremidade anterior do perineu. Sua face interna ó guarnecida de uma membrana mucosa tanto mais rosea (como as outras partes genitaes), quanto menos se tem as mulheres dado aos prazeres sexuaes. A face externa, que não é outra cousa senão um prolongamento da pelle das côxas tornada mais fina, acha-se coberta de uma maior ou menor quantidade de pellos. CLÍTORIS. É a palavra clitóris derivada do verbo grego ÍUeitorizein, fazer cócegas, titilar, por causa da sensação viva que resentem as mulheres da titilação desta parte. È um orgão saliente, mais ou menos allon- gado, sito na parte media e anterior dà vulva. Assim como o membro viril, com quem offerece a mais perfeita analogia, é o clitóris de natureza esponjosa, inse- re-se por duas raizes nos ossos ischios, e é sustentado, sob a arcada do pú- bis , por um ligamento suspensor achatado transversalmente; de mais, seu cume ou glande é rodeado de uma dobra mucosa que continua pelos lados com os peque- nos lábios ou nymphas, e que recebeu o nome de prepucio do clitóris. Esto orgão, como se sabe, goza da mais re- quintada sensibilidade , e fórma a séde especial do deleite na mulher. KYMPIIAS. As nymphas, ou pequenos lábios, são duas dobras membranosas, achatadas transversalmente, e oíTcrecendo bas- tante semelhança com a cristã de certas aves, nascendo á direita e á esquerda do clitóris, e indo perder-se de um modo insensivel para o contorno do orifício externo da vagina. Denominão-as peque- nos lábios por comparação com os gran- des , sendo com eíleito mais pequenas do que estes últimos , pelo menos no estado ordinário, pois mulheres ha , especial- mente nos paizes cálidos, que as oífe- recem do comprimento de perto de um pé. O nome de nymplias foi-lhes dado pelos Gregos , de numfai, divindades que a mvthologia faz presidirem ao manar das fontes e cios rios, porque furão con- sideradas por elles como destinadas a dirigir o correr das ourinas. Assim como o clitóris, contém os pe- quenos lábios em sua espessura uma ca- mada delgada de tecido esponjoso, crcc- til, recebem grande quantidade de vasos e de nervos; por isso são suscepliveis de entumecer-se por certas excitações e de fazerem resenlir sensações voluptuosas, b sabido quanto as raparigas de tempe- ramento prematuro, e não suíficiente- mente vigiadas por seus parentes, se comprazem em puxar por ellas e cm comprimi-las alternativamente. Estas es- pécies de manipulações, bem como o abuso dos prazeres sexuaes , podem dar ás nymphas um comprimento tal, que venlião ellas a exceder o nivel dos gran- des lábios , e estorvar assim rnais ou me- nos o andar por suas fricções dolorosas contra as roupas. MIÍATO URINÁRIO. 0 rnealo urinário consiste em uma cs- pecie de rolete mucoso, furado no centro de uma abertura que deixa sahir as ou* rinas, situado entre o clitóris de diante, o orifício da vagina detrás, o prepucio clitoridiano e as nymphas dos lados. O utero, que esta parte termina em- baixo, é, como no liomem, um canal destinado a transmittir as ourinas da be- xiga para fóra. É porém muito mais curto do que no homem, pois que não offerece senão uma pollegada de compri- mento. De mais, é susceptivel de muito maior dilatação, circumstancias que ex- plicão a raridade das retenções de ou- rina nas mulheres. MEMBRANA I1YMEN , OU SELLO DA VIRGINDADE NAS MULHERES. Hymen ou hymeneu. vem da palavra grega umcn, que significa casamento, canto nupcial, membrana, pellicula, ele. E uma dobra formada pela mucosa vulvaria por denlro da entrada da vagina, que cila fecha em parle, apresentando ora a fór- ma de um crescente, ora a de um cir- culo, outras vezes a de uma parábola. Ao rasgar esta membrana pelo mem- bro viril ou outro objecto, despontão dous, tres, quatro, cinco ou seis tubér- culos salientes, arredondados ou acha- tados, tanto mais rijos e mais vermelhos, quanto mais moça é a mulher, quanto menos uso tem ella do coito, e quanto menos filhos tem tido: denominão-as carunculas myrtiformes (pedacinhos de car- ne cm forma de myrto), por causa da se- melhança que se julgou achar entre estes appendices e as folhas desse vegetal. No estado ordinário, a membrana não fórma adiante do orifício vaginal senão um repartimento incompleto e pouco re- sistente , o qual se não oppõe de ma- neira nenhuma ao corrimento do mens- truo, e que se rompe facilmente pelos primeiros contactos do homem ; póde ser de tal sorte prolongada para diante e offerecer tal tenacidade, que a vagina não apresenta senão uma abertura muito pequena, verdade é que suíliciente para o corrimento do sangue uterino, porém apresentando um obstáculo invencível tanto á introducção do membro viril neste canal, como á sabida da criança , de maneira que então é mister recor- rer-se ao instrumento cortante para ti- rado. A esterilidade não é uma consequên- cia necessária de semelhante disposição, pois que está demonstrado que a madre goza da faculdade de allrahir o licôr es- permatico derramado sobre as partes ex- ternas da geração. « Uma donzella, diz Baudeloque, permittio a seu amante que lhe espargisse o Licôr seminal sobre as par- tes externas da geração; entretanto con- cebeu, e, chegada a épocha do parto, não pôde ser partejada senão por meio da in - cisão de uma membrana espessa que fe- chava a entrada da vagina e apresentava uma estreita aberta pela qual se teria ape- nas introduzido a cabeça de um alfinete. » Póde succeder que a membrana hy- men forme diante do orifício externo da vagina um repartimento completo que 63 se opponha lotalmente ao corrimento do menstruo. A esle respeito cilão grande numero de observações Fabricio de Aqua- pendente, o doutor Turner e muitos ou- tros autores. Dos commentarios da fa- culdade de Edimburgo vimos extrahir um exemplo deste genero , como sendo dos mais curiosos e dos mais instructivos. « T. R., de dezaseis annos de idade, resentia alguns dos symptomas a que estão sujeitas as moças na erupção do menstruo. Durante um anno, deu-se pouca attenção a isso; mas depois, como ellcs ião sempre peiorando , reappare- cendo particularmente todos os mezes com nova violência, consultarão os pa- rentes da enferma um medico, que du- rante o espaço de outro anno, lhe fez tomar os mais activos remedios emme- nagogos; mas este tratamento, em vez de dar allivio , não fez senão aggravar muito as dores. « Ella continuou a soífrer novos pa- decimentos até á idade de vinte e Ires annos, épocha em que se achava no mais deplorável estado; suas dòres em nada parecião differir das de uma mulher em ancias de parir, e admiltião, como estas, intervallos de dez ou quinze minutos; repetião-se assim durante tres ou quatro dias; depois do que acalmavão-se um pouco, e, por espaço de duas a tres se- manas, permittião á enferma alguns mo- mentos de descanso. « Estava neste estado c não aguardava senão a morte, que mesmo seus paren- tes e seus amigos desejavão para ella, como unico remedio que a pudesse al- liviar, quando novo praxista, o Sr. Cor- misch, foi chamado para a examinar; este, que já em sua pratica tinha obser- vado casos em que a imperforação do hymen linha occasionado symptomas quasi da mesma natureza, suspeitou neste a existência da mesma causa. Ao examinar as partes, achou que não só não existia abertura, senão que toda a vagina parecia estar cheia por uma massa carnosa muito solida; não reconheceu fluctuação, quo, de ordinário, se faz sentir em igual caso, quando com uma mão sc comprime a extremidade inferior da vagina, e com a outra a parto supe- rior do tumor sobre o abdómen (ventre). Julgou entretanto dever tentar alguma cousa para allivia-la , antes de a aban- donar a uma morte certa ; porém , como aqui era menor que de costume o es- paço entre o anus e o meato urinário, diíiicil era fazer-se uma incisão com a lanceta ou com o bisturi, sem risco de sc offenderein algumas partes que im- portava fossem poupadas. Em conse- quência , preferio-se fazer uma abertura com um comprido trocate , que enterrou a tres pollegadas de profundidade na di- recção que deve ter a vagina : foi porém sem eífeito esta primeira tentativa ; in- troduzio-o de novo e o enterrou mais uma pollegada: vio então saliir pela ca- nula algum pouco de sangue grumoso , negro e espessissimo , assemelhando-se a pez; como sua espessura e sua visco- sidade se oppunhão a que elle sahisse facilmente por uma canula tão estreita como era a que linha empregado, bus- cou um instrumento do mesmo genero de muito maior calibre, por meio do qual deu sabida a oito ou dez libras de matéria da mesma côr e consistência, que não tinha odor algum nem appa- rencia de podridão, circumstancia que prova o quanto póde o sangue extrava- sado permanecer no corpo sem se cor- romper, quando a ellesenão pódeappro- ximar o ar exterior. Tendo as partes mais liquidas do sangue sido reattraliidas pelos vasos absorventes, tinha a parte compacta permanecido no estado que acabamos de descrever. « Dilalou-se a passagem que tinha sido feita, primeiramente com lenias de es- ponja , depois com mechas ovaes guar- necidas de digestivos, e, no cabo de tres semanas, começou a correr o menstruo, c o sangue parecia de côr natural. Pas- sado um anno, casou esta moça, e pario depois varias vezes com felicidade. » DIGRESSÃO CURIOSISSIMA SOIiRE OS SIGNAES DE VIRGINDADE. É por ventura a presença da membrana hymen ou bymcncu um sigual certo e infallivel da virgindade na mulher? Segundo as leis de Moysés, a quem não podemos recusar grandes conheci- mentos em medicina, e as de vários legisladores eruditos, toda a casada que não enrubecia o tliálamo nupcial era con- siderada como desflorada e digna do repudio. Assevera o sabio physiologista Haller que o liymen existe sempre nas pessoas que não tem ainda usado do commcrcio sexual, e firma sua opinião com a autori- dade de perto de cem anatomistas, que tem escripto acerca desta membrana, desde o decimo-quinto até ao decimo- oitavo século: « Ego quidem in omnibus virginibus reperi, etc.» Este príncipe dos physiologistas, para nos servirmos da expressão de um de seus dignos emulos, não duvida absolutamente que não tenha a natureza crcado este véo senão para altestar o recato ou a corrupção das mulheres, servir de prova da honra de uma donzella casta e dar a conhecer ao marido o proceder anterior de sua es- posa. « Vix dubites ad morales fines Ito- mini esse concessum signum pudicitiec, (juo et vitium puellarum cognoscatur, et pura virgo dccus suum possij, tucri, et ipse maritus de castilate sponsec facilè convincatur.» Gavard exprime-se nestes lermos acerca da existência da membrana by- men , bem como ácerca das consequên- cias que dalii podem dimanar: s Nas pesquisas que tenho feito a este respeito, tanto no hospício da Saipétriòre como na sala de dissecção de Dcsault c em outras partes , tenho constanlemenle achado o hymen nos fetos e nas crianças recem-nascidas; tenlio-o achado cons- tanlemenle nas raparigas ainda môças para serem desfloradas; tenho-o achado em varias de idade mais avançada, ecs- pecialmente em duas, uma das quacs tinha vinte c Ires annos, e a outra vinte e cinco. Chamado para sondar uma rapariga de cincoenta annos, que morreu de uma ulcera na bexiga, pude certificar- me de que ella tinha conservado muito intacta esta membrana; no mesmo caso eslava outra, de cincoenta e quatro annos, de que eu tratava conjunctamenle com o professor Dubois. Vários outros tem achado o hymen em raparigas de muito maior idade ainda; donde eu concluo qire elle existe constantemente emquanto não é rasgado.» O douto naturalista Cuvier achou o hymen, não só nas mulheres virgens, senão lambem nas femeas de muitos mammiferos que ainda não tinlião sof- frido os contactos do macho. O autor do melhor tratado que pes- suimos sobre a medicina legal, Fodèrè, que se applicou a numerosas pesquisas acerca desta membrana, assevera-nos que sempre a achou nas virgens, á ex- cepção de dous casos em que a procurou de balde em duas meninas de alguns mezes. « A membrana hymen, diz elle, póde ser considerada como o signal es- pecial da virgindade physica.» Nós mesmo tivemos occasião de ob- servar em toda a sua perfeição esta mem- brana idolatrada do homem, não só em grande numero de donzellas, senão lambem em moças desde ha muito casa- douras, ás quaes prodigámos nossos cuidados por aíTecções que abrião a nossos olhos um livre accesso para a região sacra. Lembra-mc, entre outras, uma mocinha de dezoito annos, que me veio consultar sobre uma aflecção vene- rea na vulva, conlrahida por um simples contacto, sem introducção alguma: a membrana, semi-lunar, estava perfei- tamente intacla. Segundo estas observações e uma mul- tidão de outras de que pode ri a mos sobre- carregar a nossa obra , pareceria que a presença e a integridade do hymen cons- tituem um signal inlallivel da virgindade na mulher. Mas quantas circumstancias podem pôr o jui/.o em falta e provar que póde muito bem uma mulher oflerecor esse pretendido sello de sua innocencia, eomquanto tenha sollrido milhares de vezes os contaclos do sexo masculino! 1. Sendo o clitóris, como se sabe, a séde especial do deleite na mulher, póde o mais completo gozo resultar da simples titillação deste orgão. O ponto que elie occupa entre as parles scxuaes externas o torna accessivel á acção titilante do membro viril, sem que o hymen, situado atrás, possa disso resentir o menor in- commodo; portanto, póde a mulher re- ceber os afagos do homem sobre este orgão tão sómenle , e offerecer ainda a membrana em toda a sua integridade. 2. Certos homens, conforme muitas vezes tive occasião de observar nos nu- merosos tratamentos por moléstias vene- veas, apresentão o membro viril com tal exiguidade, que póde este penetrar facilmente na vagina, sem de modo nenhum rasgar o hymen, que, como o dissemos precedontemenle, não fecha a entrada deste canal senão de uma ma- neira incompleta. 3.° A grande abundancia de fluido que rega os orgãos genitaes durante o tempo do corrimento do menstruo con- serva estas partes em uma especie de maceração que asafírouxa, as amollenta, torna-as extensíveis, alarga a abertura vaginal, e permitte assim á membrana hymen dirigir-se para as paredes da va- gina, sem se romper pela introducção do membro viril. Logo, póde muito bem uma mulher astuciosa ler escolhido esla époclia propicia para se entregar a seu amante, e offerecer ainda, em toda a sua integridade, esta membrana querida a seussuccessores. Mesmas reflexões para as flores brancas. U.° Em certas mulheres, a membrana hymen goza de tal densidade e de tal força de elasticidade, que não póde ser rom- pida pelos maiores esforços. Fabricio de Aquapendente falia de uma rapariga que não puderão conseguir desflorar todos os estudantes de um collegio, tamanha cra a rijeza que apresentava o hymen. Ambrosio Pare achou esta membrana de uma solidez que se approximava á do osso. Gavart, do mesmo modo que a mim me succedeu também, tratou de uma aífecção venerea uma rapariga de treze annos, qne a tinha contraliido em uma casa publica, e que oflerecia ainda este signal da virgindade. Emfnn , ninguém póde contestar que possão as mulheres conceber e chegar até ao termo da prenhez, sem que tenha soífrido desmancho algum a mem- brana hymen, conforme disso referem vários exemplos Mauriceau, Ruisch, Me- cltel, IValter, Baudeloque3 etc. « Em Paris, diz Fabricio, na ponledo Cambio, tinha um ourives casado com uma moça honesta, com a qual, posto que se lhe tivesse chegado varias vezes, nunca tinha poclido consummar a seu gosto o matrimonio, porque ella o não podia receber senão manifestando muita difficuldade e dôr. Vendo-se o marido impedido e não querendo constranger mais sua esposa, formou a petição de se annullar o casamento, não obstante tes- temunhar cila que estava pejada. Tendo vários cirurgiões liabeis sido encarre- gados de visita-la e de reconhecerem a natureza do obstáculo, acharão uma membrana dura e callosa collocada diante do collo da madre (os antigos to- mavão a vagina pelo collo da madre), e no emtanto furada de diversos bura- quinhos. Incidirão essa membrana, e forão tão bem succedidos, que o marido, contente de não achar obstáculo, não cuidou mais em dissolução de casamento. Passados seis mezes depois da operação, deu sua mulher á luz um menino de tempo e vigoroso. Notai que o concebimento teve lugar apezar da presença do hymen; e não é este o único exemplo de tal na- tureza. » Segundo o que acabamos de expôr acerca da membrana do hymen , não podemos acaso repetir, com o célebre Buffon, que nada è mais incerto do que os suppostos signaes da virgindade do corpo, que nada è mais chimerico do que os pre- conceitos dos homens a este respeito? É por ventura a ausência da mem- brana hymen uma prova infallivel de que a mulher se entregou ao acto libidi- noso ? Julgamos dever responder pela nega- tiva a esta pergunto. Eis as razões em que baseamos nossa opinião: l.° E o hymen de existência tão pouco constante, que julgárão vários autores célebres dever considera-lo como um ente chimerico. Entretanto, é provável que esses autores não tenhão observado senão pessoas idosas, que elles se com- prazião em considerar como virgens, e que pouco tinhão dirigido suas pesquisas para a conformação sexual da juventude; porquanto, é constante que esta mem- brana existe no maior numero das crianças que nascem. Um facto porém incontestável é que a mór parte dos mais ardentes partidários da opinião contraria á nossa confessão que ella não existe em todas as mulheres. O mesmo Fodèré, que tanta importância parece ligar aos signaes fornecidos pela presença ou pela ausência desta dobro, confessa tê-la pro- curado de balde em duas meninas de tres mezes. É pois patente que, visto poderem certas crianças nascer sem o hymen, seria mais do que ridiculo concluir que todas as que delle se achão privadas se entregarão ao acto reproductor. Em favor da nossa opinião, vêde o grande Vèsnle, bem como seu illuslre discipulo, Gabriel Fallope; Bohn, de quem Haller, que lhe não partilha a opinião sobre o ponto que nos occupa, nos dá a conhe- cer o amor do verdadeiro e a severidade no juizo por estas poucas palavras : Veri amans et in judiciis severior; Dionisio, o mais douto e o mais habil cirurgião do seu tempo; o eloquente naturalista conde de Buffon; Mahon, tão conhecido por seu excellente Tratado de medicina legal; o célebre Orfda, etc. , etc. Este ultimo diz formalmente que não pôde a ausência da membrana hymen ser considerada como uma prova de desfloração. ( Lições de Me- dicina legal, T. I, pag. 90. ) 2. Ignorando qual é muitas vezes a delicadeza desta membrana nas recem- nascidas, podem certas parteiras tê-la destruido ao enxugarem as partes se- xuaes com mão pesada e vagarosa. 3. Podem igual mente te-la destruido certas pancadas, quédas, saltos, corridas a cavallo como cavalleiro, a demasiada separação das còxas, certos toques in- discretos, a masturbação, a introducção na vagina de corpos que fingem o mem- bro viril, o sangue da primeira erupção do menstruo, os fluxos brancos, descidas da madre e da vagina, tumores poly- posos das mesmas partes, ulceras e uma moléstia venerea hereditária ou ganha por outras vias sem serem as do coito, e uma multidão de outras causas. L\.0 Emfim, podem as carunculas myr- tiformes, consideradas commummente como reliquias do hyrnen, existir na menina recem-nascida no lugar desta membrana, segundo o referem as obser- vações de Tolleberg, Belloc, etc. « Neste ultimo caso, diz Fodéré, as carunculas são arredondadas e sem cica- trizes, emquanto que as que são o efíeito da rasgadura da membrana são mais ou menos pontiagudas ou em pyramides, com bordas irregulares. » Adinittindo-se com este sabio medico que as carun- culas myrtiformes offerecem realmente estes últimos caracteres em uma moça desflorada, dever-se ha necessariamente convir que não podem elles ser de al- guma valia senão pouco tempo depois da desflorarão. ]Não se sabe, com eííeito, que a natureza tende a dar íormas arre- dondadas a todas os partes viventes, so- bretudo quando ellas estão em contacto permanente com outros orgãos aclivos ? De mais, não podia esta rasgadura ser o resultado de uma das causas que aca- bamos de enumerar quanto ao hymen? Buscárão-se provas de virgindade ou de desfloração na presença ou na ausên- cia das carunculas myrtiformes, nos casos em que ellas subslituissem natural e originalmente o hymen, ou que suc- cedessem á sua rasgadura. Ellas são pronunciadissimas nas virgens, disse-se, emquanto que diminuem de grossura e acabão alé por desapparecer nas pes- soas que fazem frequente uso do coito. Para demonstrarmos a futilidade de se- melhantes indícios, responderemos: i.°, que pôde a mulher não receber os afa- gos do homem senão sobre o clitóris, não admittir senão um membro muito pequeno, ou não outorgar seus favores senão durante ou immediatamente de- pois do corrimento menstrual; 2.°, que, como diz Orfila, não forão elias vistas em varias meninas e/ae acabarão de nascer, e nas c/uacs não havia membrana na entrada da vagina; 3o., que podem desapparecer sómente pelos progressos naluraes da vagina e do resto do apparelho genital; U.°, emfim, que pudérão achar-se des- iruidas por uma das numerosas causas accidentaes que acabamos de dar a co- nhecer a respeito do hyrnen. GARFO. O garfo, como se sabe, é a reunião dos grandes lábios atrás : está ordina- riamente intacto e bem entesado nas pessoas que não tem usado do coito, ou que a elles senão derão senão com mo- deração. Além disso, pelas razões que acima expendemos , póde elle , ainda menos do que o hymen, vir em prova da virgindade ou da desfloração das mu- lheres. VAGINA. Da parte central dos orgãos genitaes externos sahe um canal membranoso, o qual, penetrando na bacia, entre a be- xiga e o intestino recto, vai abarcar o coilo da madre, com o qual se confun- de , e cujo uso é transmittir a este ul- timo orgão o licor seminal que lhe é confiado pelo membro viril: é a vagina, palavra que se deriva de vagina, bainha, estojo, porque este orgão offerece assaz a apparencia de um cylindro achatado dc diante para Irás, destinado a receber a espada genital durante o aclo repro- ductor; perdôe-se-me esta expressão. conforme a etymologia da palavra. Os Latinos designavão também a vagina pelo nome de cunnus, palavra que parece derivada de gunè, mulher,-de que tomá- mos aquella outra denominação tão co- nhecida entre os amantes , e que não deve figurar em uma obra seria. O comprimento mais ordinário da vagina é de seis, sele ou oito pollegadas. Comquanto o membro viril oílereça em geral uma pollegada mais, nem por isso deixão estes dous orgãos de estar em justas proporções; sabe-se, com effeilo, que a posição mais natural no coito, a indicada pela direcção da vagina, bem como do membro viril em erecção, não permitte a inteira introducção deste ul- timo orgão no primeiro; e que sempre fica pelo menos uma pollegada de iora. Efíectivamente, a vagina está dirigida de- baixo para cima e de diante para trás, direcção semelhante á do penis em erec- ção , e que a mais natural posição no acto sexual é aquella em que os dous sexos se approximão pela parte anterior do tronco* Estas proporções entre a vagina e o membro viril erão necessárias para pre- venirem a acção da glande sobre o collo da madre, o qual, em consequência de percussões precipitadas e continuadas por muito tempo, teria podido irritar-se, inflammar-se e até degenerar em cancro. Dahi, facilmente se sentiráõ os perigos que correm as mulheres entregando-se ao coito á maneira dos mammiferos , posição em que se torna tão completa quanto é possivel a inlroducção do membro. Podem certas mulheres não offerecer uma vagina senão de cinco, quatro, trcs e mesmo duas pollegadas de compri- mento. li sobretudo então que é para temer-se o cancro, e que convém não entregar-se ao acto sexual senão com a maior circumspecção. Este caso, assim como o do comprimento excessivo do membro genital, necessita que se faça uso do rolcle todas as vezes que se vão gozar os prazeres sexuaes. A mais ordinaria largura da vagina é de uma pollegada pouco mais ou me- 83 nos: é mais estreita superiormente e sobretudo inferiormente do que nomeio, onde apresenta muita largura; por isso, por maior que seja a difficuldade que experimenta a glande em peneirar neste canal, sempre se acha nelle á vontade, depois que uma vez forão vencidas as primeiras difficuldades. Este estreita- mento considerável da vagina embaixo provém, de um lado, de uma camada de tecido esponjoso erectil, que existe entre as duas membranas de que é for- mado este cano (isto é, a mucosa por dentro e a cellular por fóra) , de duas a tres linhas de espessura, até a uma pol- legada pouco mais ou menos ácima de seu começo, e que depois se vai adelga- çando a ponto de ser apenas visível perto do collo da madre, com cujo te- cido parece confundir-se (plexo retifor- me) ; de outro lado, da presença de um musculo, dito constrictor da vagina, que, sob a fórma annular, orla o orifício deste canal, e cujo uso é estreitar o começo deste cano. Quando a mulher se acha incitada pelo stimulus amoris, essa camada de tecido esponjoso enche-se de sangue, entume- ce se e estreita a entrada do canal, a ponto de fazer crer em sua virgindade, sobretudo se o musculo constrictor, não paralysado por grandes excessos, goza de grande força de acção, e se contrahe de um modo espasmódico aos contactos do membro. h sobretudo no momento em que a mulher se perde no extase do deleite que este musculo se contrahe com energia: exerce então sobre o membro genital uma compressão poderosa, que, junta ao excesso dos carinhos nesta suscitados por esse instante de transporte, não con- tribue pouco a tornar simultâneo o gozo de parte a parte, se todavia o homem não antecedeu primeiro, o que suc- cede mais cominummente. Teríamos aqui muitas observações curiosas a lazer a nossos leitores; porém, cioso de não ventilar nesta obra matéria alguma que se afaste por pouco que seja da exacta pliysiologia, fa-las-hemos íigurarno nosso prometlido grande Tratado da Geração. LARGURA E ESTREITEZA DA VAGINA. Da que peso ião estas circunistancias para se concluir a virgindade ou a desfloraçao ? Certas causas que diminuem o com- primento da vagina, como abuso de coi- to, partos frequentes, etc., podem ta ili- bem augmentar-ihe a largura ; porquanto é evidente que este canal deve necessa- riamente adquirir em uma dimensão o que perde em outra. Tem-se assaz por habito julgar da virgindade de uma mu- lher pela dôr que se soílYe na introduc- çào do membro. Mas quantas circums- tancias podem induzir ao erro e fazer considerar como virgem aquella que , desde numerosos annos, se entrega ao coito, e vice-vcrsa ! Não ha acaso pessoas que são de tal estreiteza original, que, apezar do rnais frequente uso dos prazeres sexuaes, con- servão-a ainda até certo ponto? Não pôde a mulher escolher, para enlrcgar-se ao coito , circumstancias taes que não tenha a vagina experimentado violência alguma, como caricias externas, membro de grande exiguidade, epochas do corri- mento do menstruo, etc. ? Não pôde uma longa intermittencia nos prazeres do amor tornar a dar á vagina a estreiteza e a elasticidade de que gozava primiti- vamente? Cheia de astúcia, não sabe a mulher, para parecer virgem aos olhos daquelle que a vê pela primeira ve/, apertar fortemente o constrictor da va- gina , tomar certas altitudes e exercer sobre os grandes lábios empuxões para trás proprios a estreitarem singular- mente a entrada do canal vaginal , e enganar assim o homem sem experiencia e de boa fé, o qual é então tanto menos observador, quanto se acha seu espirito inteiramente absorvido pelo deleite? Com que arte não sabe fingir a dôr este sexo interessado cmilludir um homem! Quan- tas vezes lhe não.succede soltar agudos gritos queixosos na occasião da entrada de uma parte que apenas lhe permitte séntir sua excessiva largura ! Que es- treiteza não consegue a mulher dar a si por meio de certos ácidos, de soluções aluminosas e de mil outros adstringen- tes! Não se sabe acaso que, de todas as mulheres , são talvez as meretrizes as que mais apertadas nos parecem, pelo uso diário que fazem desses medica- mentos ? De outro lado, quantas causas alheias ao coito podem dar á mulher uma lar- gura capaz de inspirar as mais injustas suspeitas acerca de sua integra casti- dade! Não póde ella oíTerecer na vagina taes dimensões originaes, que possa ad- mittir sem a menor difficuldade o mais volumoso penis, mesmo quando se não tivesse abandonado nunca a nenhum homem ? Não podem por ventura deter- minar esta largura nas mulheres a in- troducção de certos corpos na vagina, menstruações abundantes e mil outras circumstancias ? A membrana mucosa que alcatifa o interior da vagina forma grande numero de pregas tanto mais transversaes e tante mais abundantes, quanto mais as exaroi> não á entrada, as quaes se apogão por iodas as circumstancias susceptiveis de allongarcm ou de alargarem a vagina, como gravidez, parto, coito imrnodo* rado, etc. Por isso, tanto mais nume- rosas são quanto mais moça é a mulher, quanto menos se entregou ao coiio, quanto menos filhos leve, posto haja a este respeito grande numero de exccp- ções já conhecidas de nossos leitores. Entre essas rogas, observa-se grande numero de orifícios que correspondem a outros tantos canos secrelorios de glân- dulas ou cryptas mucosas situadas na espessura da vagina. Essas glandulas são notáveis por sua pequenez, e oífere- cetn apenas o volume de um grão de milho miúdo. Ha duas, entretanto, sitas emciina e á entrada da vagina, no meie do tecido esponjoso, as quaes oiíerecem o volume de um grão de feijão. O uso deste grande numero de corpos glandu- losos é secretar o liquido untuoso 0 al- vacento de que é incessantemente lubri- ficada a vagina. Na occasião dos desejos venereos, e sobretudo durante o coito, ellas participão do estado de exaltação do apparelho genital e secretão o liquido em tão grande abundancia, que ás vezes se achão inteiramente molhadas por elle todas as partes circumvizinhas da vulva. Nas mulheres muito voluptuosas, as duas glandulas maiores do que as outras po- dem arrojar esse liquido com uma força que simula perfeitamente a ejecção es- permatica. O interior da vagina apresenta em seu começo , sobretudo nas mulheres que não abusão do coito, uma côr rosca ver- melha, a qual, á medida que é exami- nada mais em alto, lorna-se esbranqui- çada, cinzenta, azulada, e até offerecc manchas lividas irregulares inteiramente em cima. MADRE , OU UTERO. A madre é um orgão ouco situado no meio da bacia, acima da vagina, abaixo das circutnvoluções inferiores do intes- tino espigado, atrás da bexiga, adianto do intestino recto (unieo intestino de que o anus é a terminação), e destinado a alimentar o novo ente, desde o instante de sua crcação até ao de seu nascimento. Comparâo os anatomistas a forma da madre á de uma pera munida de seu pé. Este orgão representa com efleilo uma especic de cone levemente achatado de diante para trás, cuja grossa extre- midade estcá voltada para cima, e cuja pequena olha para baixo. jNeste ultimo sentido, termina-se por uma porção es- treita e allongada, comparada ao pé da pêra, e que é designada pelo nome de coílo uterino; o resto da madre recebeu ode corpo. O corpo da madre offerece duas pollc- gadas de comprimento, uma e meia de largura e uma sómente de espessura, ou de diante para trás; seus lados externos, que estão em relação com os ligamentos largos, apresentão de cima para baixo; l.°, a entrada das trombas uterinas; 2.% a inserção dos ligamentos do ovário; 3.°, emfim, a dos ligamentos redondos. Sua cavidade é levemente triangular, de tal pequenez, que póde admitlir uma fava de horta. Esta mesma cavidade com mu- nica com tres aberturas que são, emeima e nos lados, o orifício das trombas ute- rinas; embaixo, a cavidade docollo, que, neste lugar, constituo o orifício interno do collo uterino. A fórma do collo é cylindrica como o pé da pêra; e no emlonto levemente comprimida de diante para trás. Seu comprimento é de uma pollegada mais ou menos, sobre oito a dez linhas de largura e seis a sele de espessura. Sua extremidade superior confunde-se com o corpo da madre, emquanto que sua extremidade inferior se prolonga no in- terior da vagina, onde se termina por dous lábios sitos diante um do outro, cujo anterior é mais grosso do que o posterior, apresentando por sua leve separação uma racha transversal, que é o oriíicio externo da madre, e com- munica com o interior desta viscera por um canal existente em todo o compri- mento do collo. Os anatomistas desig- não esta terminação do collo da madre pelo nome grosseiro e improprio de fo- cinho de tenca. As paredes da madre são essencial- menle formadas de um tecido de còr alvadia cinzenta , de cinco a seis linhas de espessura, de uma densidade e de uma elasticidade muito consideráveis, so- bre cuja natureza estão pouco de accordo os naturalistas, mas que, quanto a nós, deve ser considerado como muscular, visto as fortes contracções de que o útero se torna susceptivel para expulsar a criança de seu seio. Este tecido é guarnecido, no exterior, por uma mem- brana liza e polida , que não é senão uma prega do peritonio, e, no interior, por outra membrana de natureza mu- cosa, de extrema tenuidade, a qual não é senão a continuação da da vulva e da vagina. Esta apresenta, sobretudo para o gargalo da madre, um maior ou me- nor numero de cryptas mucosas, cujo uso é secrelar um liquido alvacento e untuoso, destinado a favorecer a sabida do menstruo, bem como a do producto da conceição. À madre recebe grandissima quanti- dade de sangue das artérias uterinas e espcrmaticas, as quacs se subdividem em uma infinidade de ramúsculos que serpêão de um modo flexuoso em sua substancia e seanastomosão muitas vezes entre si. E lambem recortada por veias ainda mais ílexuosas, as quaes, como as primeiras, são susceptiveis de experi- mentar grande dilatação durante a pre- nhez, e dc formar assim o que se designa pelo nome de senos uterinos. São-lhe for- necidos seus nervos pelo plexo sacro e lombar, isto é, pelo systema cerebral, de um lodo, e, de outro lado, pelo sys- tema nervoso, ganglionario ou lympha- tico. E cmfim a madre percorrida por uma enorme quantidade de vasos lym- phaticos, os quaes adquirem as maiores dimensões durante a prenhez. Comquanto não oílereça a madre, no estado natural, senão uma cavidade de algumas linhas, é todavia, como se sabe, susceptivel de adquirir taes dimensões, que encerre em seu seio um filho de vez, as páreas e uma maior ou menor quantidade de amnios. Resulta acaso tão prodigioso engrandecimento dos esforços do leto contra as paredes desta viscera, á medida que clle vai crescendo e aug- mentando de volume? Não : sua molleza e sua delicadeza não o tornão suscep- tivel de tão grande força; é a madre que se alarga por si mesma, para facilitar o livre accrescimo do deposito que lhe é confiado. Posto não occupe senão um pequeno ponto na bacia, eleva-se, sahe dessa ca- vidade, sobe ao ventre e chega einfim até á bocca do estomago, pelo oitavo mez. Pareceria que semelhante separação das paredes da madre devesse occasionar- lhe tal adelgaçamento , que acabasse cmfim por partir-se. Mas longe está de assim ser; ainda aqui mostrou-se a na- tureza tão admiravel quanto previdente: ã medida que ella se vai alargando, vai se dilatando o seu tecido, enchen- do-se do sangue que então aíflue em grande abundancia, de sorte que se acha ainda mais densa no termo do parto do que pela épocha do concebimento. Não podemos comparar melhor este pasmosophenomeno senão com a erecção do clitóris e do membro viril: assim como estes orgãos entrão em turgidez para receberem a grande abundancia de sangue que attrahe a irritação semi- nal, assim também a madre, estimulada pela presença do germen , estende-se, dilata-se e entumece-se em virtude da força de extensibilidade de que é igual- mente dotada. O collo da madre apresenta um tecido mais solido e mais tenaz do que o resto deste orgão. Era-lhe necessária esta força de resistência para sustentar o peso do feto, que lhe pesa sobre a extremidade superior durante os nove mezes de pre- nhez, e para prevenir assim o movito, que, sem esta cireumstancia, teria sido frequentissimo. O cano por que é atra- vessado decima abaixo, e que faz com- municar o interior da vagina coin a cavidade da madre, é de tal pequenez que póde apenas admiltira introducção do mais delgado cslylcte. No emlanto, pela epocha da gravidez, este orgâo tor- na se ílexivel e afasta suas paredes a ponto de poder o cano estreito que o percorre adquirir mais de quatro pollegadas emi todos os sentidos, para facilitar a subida da criança. SIGNAES DE CASTIDADE, TIRADOS DA DISPOSIÇÃO DO COLLO. São tanto mais lizos, mais arredon- dados e mais solidos os dous lábios trans- vcrsaes que terminão inferiormente o collo da madre, dizem a mór parle dos autores, quanto menos se tein a mulher entregue ao coito, c quanto menos filhos tem gerado. Se se reílecle porém que, de um lado, podem essas partes forlale- cer-se e conchegar-se por um descanso mais ou menos longo nos prazeres do amor, e que, de outro, um menstruo abundante, fluxos brancos frequentes e uma multidão de outras causas são sus- ceptiveis de lhes dar grande flacciaez, senlir-se-ha que todas essas reputadas provas de castidade ou de libertinagem não são menos fúteis do que todas aquellas que temos até agora examinado. MENSTRUO. Pela idade de treze annos, mais cedo ou mais tarde entretanto, conforme os climas e os costumes, vem o appareiho genital a ser a séde de novo genero de excitação cujas influencias sympalhicas se estendem a lodos os pontos da eco- nomia. Então os orgãos executão suas funcções com mais presteza e energia; a respiração torna-se mais frequente, fabrica-se maior dóse de sangue, o co- ração o expelle com muito .mais força para todas as partes do corpo. A mulher, prostrada sob o peso de uma vitalidade exuberante, acha-se num verdadeiro es- tado febril; é assaltada por mil incom- modos. Ernfim, vai a madre dar sabida aos fluidos superabundantes; os vasos sanguíneos, que vem ter ao interior das paredes desta víscera , deixão chover uma maior ou menor quantidade de sangue, que produz os effeitos salutares de uma sangria em uma pessoa muito forte e muito plethorica. Semelhante hemorrhagia é renovada todos os mezes, e entretém assim, durante os quatro ou cinco dias que existe, um justo equilí- brio em todas as funcções da mulher até a idade de quarenta e cinco a cincoenta annos, epocha em que a idade do retro- cesso a expõe a novas tempestades. ALIMENTAÇÃO DA CRIANÇA NO VF.NTRE DA MÃI. 0 sangue supérfluo de que a madre livra a economia todos os mezes servirá um dia ao crescimento de um novo in- divíduo. Na occasião do concebimento, desenvolver-se-ha, na superfície interna deste orgão, um corpo molle e espon- joso , dito placenta, cercado de duas membranas, o chorion e o amnios, em cujas cellulas se accumula o sangue que se escapa periodicamente pela vagina. De um dos pontos desta nova producção, nascerá um cordão composto de duas artérias e de uma veia fcordão umbilical), destinado a levar ao feto os princípios necessários a seu desenvolvimento. FLUXOS BRANCOS. Os numerosos vasos absorventes ou lymphaticos que vem espalhar-se na su- perfície interna da madre podem, assim como a membrana e as cryptas mucosas que ahi se observão, vir a ser a séde de uma irrilação insólita, da qual resulta a secreção de uma quantidade excessiva de fluidos brancos. A atonia, ou a frou- xidão das mesmas parles , e mais fre- quentemente ainda o vírus venereo (con- forme m’o prova a miudo a minha pra- tica) , podem produzir o mesmo resultado. Os líquidos escapão-se como da pelle, em um suor frio, porque as extremidades dos vasos e a mucosa carecem do tom necessário para os reterem, ao menos naquellas que não são o resultado da acção recente do virus sypbilitico. Taes são as fontes mais ordinárias dos fluxos brancos, que, como se sente, podem ser também fornecidos em parte, ou mesmo em totalidade, pela vagina irritada ou relaxada. Como acabamos de ver, a madre re- cebe seus nervos dos dous systemas, isto é, das dependencias do cerebro e dos gangíios da via interior. Esta dupla origem dos agentes da sua sensibilidade nos dá facilmente o motivo da sua es- treita sympalhia com todos os orgãos da economia. Por isso, basta a menor irritação desta víscera para lançar a de- sordem em todas as suas funcções. São conhecidos os numerosos incommodos a que está sujeita a mulher durante sua prenhez : cólicas, dôres de estomago, perda do appetitc, appetite voraz, nau- seas, vomitos, palpitações, constrangi- mento da respiração , aberração dos sentidos, dores de cabeça, tonturas, rabugem, tristeza, melancolia, etc., etc. TROMPAS UTERINAS. Dos lados da madre, acima da inser- ção dos ligamentos redondos, partem dous canaes de quatro a cinco pollegadas de comprimento, os quaes se dirigem por fora na duplicatura dos ligamentos largos, cuja borda superior circumdão, e onde serpêão de um modo muito livre e muito fluctuoso. É estreitissimo o orifício pelo qual vem esses canos abrir-se no interior da madre, e quasi não póde sua cavi- dade admittir, em sua primeira metade, senão uma cerda de javali, Alargão-se então e podem admittir um canudinho de penna de escrever. Antes de se ter- minarem, estreitão-se de novo, de ma- neira que parecem como estrangulados. Emfim, terminão-se perlo do ovário cor- respondente por uma porção alargada que se comparou á bocca de uma trompa, donde vem o nome pelo qual são desig- nados. Esta extremidade dilatada das trompas parece como rasgada , donde lhe veio o nome de pedaço franjado. Uma destas especies de franjas é mais comprida do que as outras, e vai fixar-se na extremidade correspondente do ova- rio. Trcs camadas constituem as trompas* uterinas: uma interna, de natureza mu- cosa, e muito mais fina ainda do que a que reveste a superfície interna da ma- dre; outra, esponjosa ecrectil, offerecendo a mais perfeita analogia com o tecido do clitóris e do bico do peito; a terceira, emPun, exterior, que não é senão a parte correspondente das largas dobras do pe- riloneo, ditas ligamentos largos. Corno todas as mucosas, é a das trompas sus- ceptivel de irritar-se, de inílammar-se, de endurecer, dc obliterar assim seus canos; donde resulta uma esterilidade para sempre incurável. O tecido espon- joso e crectil que os constitue especial- mente nos dá a razão das sensações deliciosas e dos estremecimentos que nelle resente a mulher durante o coito quando clle é fecundo, como o pensa o pai da medicina. Também nos explica a erecção de que são susceptiveis para da- rem passagem ao esperma, bem como ao ovulo fecundado. Segundo o pensar dos anatomistas e physiologistas dislinctos, é o uso destes canaes levar á madre o ovo fecundado no ovário pelo esperma, ao qual por conseguinte dão também passagem. Os ovários , que também são designa- dos pelo nome de testículos femininos, tanto per causa de sua fôrma arredon- dada como por causa de seu uso na ge- ração, são dous corpos de um vermelho pallido, de superfície mucosa, pouco menos grosso do que os testículos do ho- mem , e situados na duplicalura dos li- gamentos largos. Estas especies de testí- culos são allongados de dentro para fóra, e levemente achatados de diante para trás. Em consequência, apresentão duas faces, uma anterior e outra posterior; OVÁRIOS. duas bordas, uma superior e outra infe- rior; duas extremidades, uma das quaes é interna e outra externa. A face ante- rior está em relação com a dobra ante- rior do ligamento largo, emquanló que a posterior o está com a do sentido op- posto. A borda superior é sobrepujada da trompa uterina correspondente; a inferior sobrepuja o Ligamento redondo do mesmo lado. A extremidade externa toca na bocca da trompa, á qual está adherente por uma lingueta , como pre- cedentemente o dissemos; a interna olha para o lado correspondente da madre, á qual está unida por um cordãozinho fi- lamentoso do comprimento de uma pol- legada , pouco mais ou menos, o qual é designado pelo nome de Ligamento do ovário, e que vem fixar-se no utero en- tre a inserção das trompas c a dos liga- mentos redondos. Os ovários são essencialmente formados de uma multidão innumeravel de peque- nas vesículas transparentes, contendo um licor viscoso de côr avermelhada, e que a mór parte dos physiologistas con- cordão em considerar como outros tan- tos ovos destinados a desabrochar na madre e a dar nascença a novos indiví- duos. Tal é, nesta hypothese, o mecha- nismo da conceição : o licôr espermatico, lançado na vagina por um coito fecun- do, e altrahido pela madre, transpõe o orifício interno das trompas uterinas, percorre-lhes a extensão e dirige-se para o ovário. Como o orifício externo das trompas uterinas se abre naturalmente na cavidade do baixo-ventre, e como po- deria o licôr prolifico alii correr em pura perda para a fecundação, sua bocca se approxima ao ovário, aperta-o estrei- tamente e força o liquido a obrar direc- tamente sobre os ovinhos. Então um ou vários dos ovulos fecundados transpõem por seu turno o orifício interno das trom- pas , evem cahir na madre , onde se de- vem transformar em novos homens. E ao licôr contido nos ovinhos que Ilippocrates, Gaíien, Columbus, Cabanis, Halleri Manriceau, e uma multidão de outros autores célebres, derão o nome de semen feminino. É por tal sorte indis- pensável á fecundação este liquido , que as mulheres privadas natural ou acciden- talmente dos dous ovários, são absolu- tamente impróprias para a reproducção. È sabido que estes orgãos não adquirem o desenvolvimento e a acção de que são susceptiveis senão no tempo em que a mulher se torna apta para a propaga- ção; antes da idade da puberdade, elles são muito pequenos, ese emmurchecem depois da idade do retrocesso. A accumulação do esperma feminino nos ovários produz na mulher os mes- mos eífeitos que o fluido testicular no homem: sua presença irrita, atormenta a mulher, escandesce todo o apparelho genital , e o arrasta irresistivelmente para os prazeres sexuaes. A resorpção deste liquido e sua passagem na torrente da circulação , em consequência de uma continência forçada , podem determinar em toda a machina feminina effeitosnão menos notáveis do que no homem: exei- tação e irritação de todos os orgãos da economia, exaltação extrema e muitas vezes perigosa do moral, propensão para actos extravagantes, somnolencia , inquietação, tristeza , melancolia, fla- tos , tedio da vida, deinencia, mania, e até a morte. MAMAS OU PF.ITOS. (Mammce dosLatinos; Mastol dosGregos.) A criança, durante os nove mezes de seu feliz captiveiro no ventre de sua mãi, acha-se presa á madre por producções accidentaes que a identificão com esta e a fazem uma verdadeira porção delia mesma. Um alimento doce e bem pro- porcionado á sua frágil existência lhe é trazido preparado pelas artérias uterinas epor estas mesmas producções. Lançada em uma atmosphera nova, quando já a capacidade do ulero não pode mais bas- tar a seu crescimento , ella traz ao nascer uma delicadeza nos orgãos que lhe não poderia permitlir tomar os alimentos for- necidos pela natureza ou preparados pela mão do liomem. Fóra da dependencia da madre, resiste sob a de sua mãi. Até ahi, tinha-a esta alimentado involunta- riamente com seu sangue; agora, por seu livre alvedrio, vai ainda fornecer- lhe, de sua própria substancia, os sue- cos nutrientes necessários a seu cresci- mento. Os peitos, que ao primeiro aspecto serião olhados como dados unicamente ao sexo para realçar os encantos com que a natureza se comprazeu em ador- na-lo, vão indemnisar este ente fraco da, perda do ulero. Apenas , com eíFeito, é c-lle arrojado fóra, logo a natureza, di- rigindo seus esforços conservadores para estas glandulas, torna-as a séde de um trabalho novo, que consiste na prepara- ção de um liquido esbranquiçado e ma- cio, o qual, dirigindo seu curso para o bico do peito, vai offerecer- se aos tenros lábios do recem-nascido, que o chupa e delle se nutre com avidez. Todos os ani- maes cujo fructo se desenvolve na ma- dre, á qualelle está adherente por pro- ducções accidentaes semelhantes, são, como a mulher, dotados de mamas em numero relativo ao de seus filliinhos. Mas, de todos os mamiferos, é esta a unica que as oíFerece emcima e adiante do peito, e debaixo da bocca, por assim dizer, como se tivesse a natureza que- rido procurar-lhe o doce prazer de po- der beijar frequentemente e estreitar intimamente sobre o coração esta terna porção de si mesma, durante a honrosa funcção do amamentar. Ê pela épocha em que a mulher se torna apta aos prazeres da maternidade que começão os peitos a adquirir todo o desenvolvimento de que são suscepti- veis, assim como as formas graciosas que os fazem tão brilhante adorno: an- tes da puberdade, elles formão sómente o núcleo, e emmurchecem depois do tempo da faculdade de reproduzir. En- tretanto, não é sem exemplo verem-se donzellas, ainda longe desta brilhante épocha, offerecer mamas perfeitamente conformados e susceptiveis de fornecer leite. A este respeito, referem os autores exemplos curiosissimos; mas tendem todos a provar que foi sempre este de- senvolvimento precoce o resultado de irritações exercidas sobre o bico do peito. Foi assim que essa joven Romana, cha- mada Pero, amamentou e sustentou, com seu proprio leite, seu pai, que havia sido condemnado a morrer de fome em uma masmorra. Uma joven donzella, diz Chaussier, enternecida dos vagidos de uma criança que fora commettida á sua guarda, apresenta-lhe o peito para a socegar. As mamas se desenvolvem , en- tumecem, enchem-se de leite, e forne- cem grande quantidade delle para ali- mentar essa criança. As mamas formão o apanagio da mu- lher, e o outro sexo não offerece mais do que o esboço delias. No emtanto, virão-se homens que oífereciáo peitos tào bem conformados como a mulher púbere a melhor constituída; até se virão alguns que podião offerecer leite bas- tante para poder alimeutar uma crian- ça. Eu conheci um rapaz que, era consequência de sucções libidinosas muitas vezes repetidas e longo tempo prolongadas sobre os bicos dos peitos, vio adquirirem suas mamas tal desen- volvimento , que seu peito offerecia a mais perfeita semelhança com o da mu- lher a melhor conformada. De ordinário, opera-se o desenvolvi- mento das mamas na razão do dos or- gãos especiaes da geração, de maneira que a boa conformação dos peitos póde em geral servir de medida á destes úl- timos. Assim , o homem que investiga na mulher, não só tudo o que ella póde ofíerecer de gracioso, senão também tudo o que póde denotar grande potência geradora e vivo sentimento do amor, é sempre enthusiasta de uns bellos pei- tos. Apenas póde a mulher, a mais per- feita em lodos os outros sentidos, des- pertar nellc o menor sentimento de de- leite, se se não acha munida deste mag- nifico ornato. Entretanto, vêm-se al- gumas vezes mulheres cujas partes se- xuaes estão perfeitamente desenvolvidas e próprias aos prazercs, assim como á propagação, posto não ofíerecão senão alguns vesligios destes orgãos; emquanto que outras, com os peitos mais volu- mosos, não são de modo algum acces- siVeis aos desejos voluptuosos nem aptas para a geração. É evidentemente em virtude dos laços da estreita sympathia que unem os peitos e os orgãos sexuaes que se opera seu desenvolvimento simultâneo. Quem com effeito não conhece os numerosos exem- plos das relações intimas estabelecidas entre estes diííerentes orgãos que con- correm para o mesmo fim ? Em todas as aíTecções do utero, na occasião da pri- meira erupção do menstruo, em cada repetição deste, as mamas inchão, tor- não-se mais sensiveis á impressão, e até ficão doridas. Os bicos dos peitos enle- são-se e tomão parte nas sensações sus- citadas no apparelho genital pelo coito ou por outros meios de exciiação. As titillações destes botões rosados lhes suscitão um sentimento de deleite, que, communicando-se em um instante á séde especial do gozo, abrasa a mulher e a sollicita poderosamente ao acto da reproducção. Quaes são os meios de tão patente communicação entre orgãos tão distantes? Comquanto se possa sempre responder que são os nervos, confes- semos que seria em vão que procura- ríamos dar uma razão plenamente satis- factoria deste phenomeno: até ahi, ainda não pôde a mais subtil physiologia rasgar o denso véo com que se comprazeu a natureza em cobrir o mechanismo dessas relações tão admiráveis quanto necessá- rias á effectuação da geração. Não é segundo a dimensão dos peitos que se deve julgar da grossura real das mamas. Póde com eífeito ser íicticio seu volume e não provir senão da abundan- cia da camada de tecido cellular e gor- duroso que as envolve e que fórma,esses contornos arredondados e graciosos, sem os quaes ellas não oíferecerião bel- leza alguma: ora, o que consíitue real- mente as mamas são as duas glandulas destinadas a preparar o leite. Lma mu- lher apresentará peitos tanto mais volu- mosos em apparencia quanlo maior íôr a nutrição que apresentar. Reconhecer- se-ha a verdadeira grossura das mamas á sensação pelo tocar dos corpos reni- tentes e á superfície grumosa, situados no meio dos hemispherios. Os peitos, pelo contrario, despidos naturalmente ou pelos progressos da idade dos orgãos só proprios a prepararem o leite , são molles e flaccidos em todos os pontos de sua extensão. E da mais alta impor- tância saber-se bem fazer esta distincção para a escolha das amas de leite. A natureza proporcionou o numero dos peitos ao dos li lhos dados em um sô parto , isto é , dous. Verdade é que a mulher não pare senão um filho; mas era necessário que pudessem estes dous orgãos descansar alternativamente du- rante a amamentação, e supprir-se reci- procamente no caso de moléstia de um delles. Todavia, assim como esta pode parir dous, tres, quatro, c até maior numero de filhos em uma só vez, assim tambcm sc tem visto mulheres oíTerecer mais de duas mamas. Tltomaz Bartholin vio uma Dinamarqueza que apresentava tres, duas das quaes estavão collocadas em sua situação natural, e a outra na parte inferior do sterno, de sorte que representavão uma especie de pvramide ás avessas. Sabem lodos que a bella Anna Bolcna, esposa de Henrique VIII, rei de Inglaterra, tinha, além de seis dedos em cada mão , tres mamas na parte anterior do peito. O Sr. de Percy vio uma Allemãa que offerecia quatro, uma Auslriaca cinco: todas estavão col- locadas na parte anterior do peito. Re- fere um monge de Corbia que vio uma camponeza que amamentava tres gemeos em quatro mamas indislinctamente, duas das quaes erão situadas adiante do peito, e as outras duas nas costas. Em nenhum lugar do corpo , é a pclle tão fina, tão delicada, tão lisa tão ma- cia ao tocar e tão alva, como seja nos arredores das mamas. Àhi, tem os te- gumentos adquirido tal tenuidade, que são inteiramente transparentes, e com facilidade deixão distinguir os ramús- culos veiosos que serpeião agradavel- mente por baixo, com especialidade na porção rosea, e cuja côr azulada, for- mando um feliz contraste com a alvura da pelle , lhe realça tão fortemente o brilho e dá tanto lustre â formosura dos peitos. De resto, estes globos agradâo tanto mais á vista , quanto mais desten- dida está esta bella porção da pelle por glandulas mamarias voluminosas, e de quanto mais nutrição goza a mulher. Pessoas ha no emtanto magrissimas na- turalmente em quem são tão desenvol- vidas estas glandulas, que, apezar deste estado, ofíerecem peitos solidos, bem estirados, muito renitentes e da maior belleza. Não podemos porém repetir de- masiado, no interesse das crianças de mama, que, sem esta base fundamental, os peitos , apezar do volume que lhes póde dar a nutrição , são sempre molles e ílaccidos , impróprios para a amamen- tação e dispostos a ealiir assim que se cessa de os suspender por meios mecha- nicos. E na parte central de cada metade das paredes lhoraxicas que está situado o peito em sua bella conformação. Muito separados para fóra e levados para baixo dos sovacos , deixão estes orgãos entre si um grande vacuo, pouco agradavel à vista , e podem soffrer , da parte dos braços dirigidos para baixo, e sobretudo para dentro, pressões mais ou menos fortes cuja frequência prejudica a seu desenvolvimento, desfigura-os e até os atrophia. Muito approximados ao centro do peito, confundem-se um com o outro, e desta falta de separação resulta a im- perfeição dessas rolundidades elegantes que tanto concorrem para a belleza phy- sica do sexo. Muito levantados para o pescoço, confundem os peitos seus bri- lhantes contornos com os do hombro , recebem pancadas continuas dos movi- mentos arrebatados da clavícula , e estão continuamente expostos á influencia no- civa da atmosphera , de que se não póde a mulher preservar senão por meio de roupas grotescas e repudiadas pela ver- dadeira casquilharia. Situados muito in- feriormente , parecem approximar as mulheres dos animaes mamiferos , e requerem estar suspensos incessante- mente por espartilhos, cuja continua pressão póde acarretar os mais penosos incommodos a esses orgãos tão deli- cados. Quizeramos poder fallar aqui dos meios que a mulher sabe pôr em uso para corrigir estes diversos vicios de po- sição dos peitos; porém, receiando pa- recer afastar-nos da decencia, deixa- remos que os adivinhem nossos leitores, e não fatiaremos senão daquelles que são puramente mechanicos. De que auxilio lhe não são ellcs para reconduzirem este attractivo adorno á sua posição natural! Uma barbatana os separa , suspende-os um espartilho, appcoxima os uma almo- fadinha mantida debaixo do sovaco , uma placa collocada superiormente os separa do pescoço e doshombros. Com quantos males porém não podem as mulheres pagar este justo desejo de agradar! Os pulmões, estreitados em um peito cons- trangido em seu desenvolvimento, pre- dispõem á mortal phthisica pulmonar ; a glandula mamaria , incessantemente comprimida, atrophia-se e torna-se im- própria para a nobre funcção do ama- mentar: podem até estas glandulas vir a ser a séde do horroroso cancro, mo- léstia mil vezes horrivel, que necessita a amputação do peito e leva cruelmente â morte no meio dos mais medonhos symptomas. Lugar seria aqui de fal- larmos dos movimentos ondula to rios que a casquilha sabe imprimir aos peitos pelas differentes contracções dos pei- toraes; mas devemos ainda calar-nos sobre um assumpto que não póde abso- lutamente interessar senão á liberti- nagem. A idade» e talvez mais ainda os ex- cessos nos prazores venereos, não deixão de dar penosos golpes na belleza dos peitos e nas funcções de que elles são naturalmente susceptiveis: a glandula se embrandece e torna-se ílaccida ; atri- gueira-se a alvura de alabastro dos globos; a eôr rosada da aréola e do bico do peito escurece e até se torna negra. É então que a casquilha, ciosa de reter nos ferros amantes prestes a escapar-lhe, procura vencer os efleitos necessários do tempo e da dissolução, imprimir cm si o cunho da juventude e do recaio; é então que põe em contribuição os es- partilhos e outros meios mechanicos os mais artificiosamenle arranjados , bem como as numerosas preparações chi- micas, próprias a suspender os peitos, a aforrnosear lhes a cor e a tornar mais macia a pelle : alvaiade, leite virginal, vermelhão, cochonilha, arrebique , páu sandalo , carlhamo, mercúrio , chumbo, estanho, &c., &c., meios tão supérfluos quanto nocivos. Não tarda com eífeito a pressão continua dos peitos a destruir o pouco elasterio e elasticidade que lhes podem restar, e a torna-los mais flac- cidos do que nunca : a pelle se enruga, allera-se e póde vir a ser a sede de em- pigens ou de outras diversas aflecções; a obslrucção dos póros predispõe ao cancro, ou pelo menos a penosas in- flammações, &c. Mas, de todas as causas capazes de exercer desagradaveis influencias sobre a elegancia natural dos peitos, nenhumas ha, se se exceptúa todavia a demasiada libertinagem , que exerção sua acção morlifera de um modo mais patente G mais prompto como sejão as fortes en- fermidades. À magreza geral que coin- sigo ncurrelão parece com eífeilo im- primir-se de uma maneira inteiramente particular sobre esses orgãos. Tendo entào desapparecido a camada de gor- dura que com tanta graça cercava a pelle, perdem os peitos sua fôrma, tornão-se ílaccidos e pendentes; o bico do peito voila-se tristemente para baixo. No em- tanlo, são tanto mais apparentes estes esforços , quanto os peitos ofíerecião uma glandula de menor volume. É assim que as mulheres * cuja grossura dos pei- tos não era devida toda senão á abun- dancia da gordura, não ofíerecem mois vestígio algum delles, emquanto que as moléstias as mais activas e as mais longas não exercem senão pouca acção sobre peitos que gozão de verdadeiro valor in- trinseco. Assim como a idade e os excessos nos prazeres venereos, também as amamen- tações reiteradas dão ataques manifestos na belleza dos peitos. « Á flexibilidade e á firmeza elastica de que erão dotados, diz fíoussel , succederia uma flaccidez desagradavel, se essa nutrição que de ordinário traz comsigo a idade adulta não a sustentasse e não illudisse por certa apparencia de viço. Se esta nova modificação é incompativel com a deli- cadeza das feições e com aquelle talhe flexivel que são a partilha da pureza» admítte ao menos graças magestosas e agrados que, sem serem provocantes, nem por isso deixão de servir algumas vezes de cilada ao amor. » Para as moléstias que são susceptiveis de se manifestarem nas partes sexuaes da mulher, faremos aqui a mesma re- flexão que fizemos para as dos orgãos genitaes do homem ; recambiaremos nossos leitores para a nossa Verdadcira Medicina sem Medico, c para a nossa Me- dicina de Venus, ou Arte de curar-se a si mesmo das moléstias secretas, Vamos limitar-nos a fazer a enumera- ção das principaes d’entre ellas, com o fim de darmos a conhecer a nossos leito- res de que grande numero de aílecções são suscepliveis as parles da mulher, e o quanto importa adquirir o conhecimento delias, quer para a escolha de uma es- posa, quer para delia preservar-se , quer emfim para lhe alcançar a cura : l.°, vi- cios de conformação da bacia, os quaes s5o susceptiveis de oppôr-f>e roais eu menos complelamente ao parlo e de necessitar assim operações dolorosas e erneis; 2.°, alopecia, ou cahida dos pcllos sexuaes, pelo vírus syphilitico, ou pela praga morpionica; 3.°, plica polaca dos mesmos pcllos e dos dos sovacos, muitas veres consequência da miséria e da ex- trema porcaria; Zj.°, rotura do peryneu, por cancros venereos, por partos dif- ficeis, pelas manobras inconsideradas de parteiras ignorantes; 5.°, inílammação dos grancles lábios, sua união parcial ou completa; 6.% irritação do clitóris; 7.°, membrana hymen oppondo-se á sabida do menstruo e á consummação do acto ve- nereo; 8.°, comprimento excessivo dos pequenos lábios, donde vem a necessi- dade de lhes supprimir uma parte por meio do instrumento cortante; 9.°, com- primento e largura excessiva da vagina; 10. defeito de comprimento nesta parte; 11. sua occlusão por uma membrana accidental ou outro producto não na- turalj 12.°, sua inflammaçâo; 13.®, chan- cre; l/i.8, polypos; 15.®, transtorno, des- cida e cahida; 16.®, demasiada estreiteza; 17.®, abertura não natural; 18.®, vicios de conformação da madre; 19.°, scirro deste orgão; 20.®, collo uterino muito prolongado; 21.°, occlusão de seu cano; 22.°, madre bilobada; 23.°, ausência desta viscera; 2/i.0, feridas, desvio, des- cida, hérnia; 25.°, montão de liquido ou de gaz na cavidade; 26.°, polypos, ulceras, inflammaçâo; 27.®, falso germen ou tnóla; 28.°, cancro, liysteria, he- morrhagias uterinas; 29.°, fluxos bran- cos, corrimentos venereos; 30.®, rela- xação dos ligamentos: 31.®, obliteração das trompas uterinas; 32.®, scirro e liy- dropisia dos ovários; 33.®, nymphomania, ou furor do amor na mulher; 3Zi.°, au- sência de bicos dos peitos; 35.®, entra- nhamento do bico do peito na pelle do mesmo; 36.°, sua falta de comprimento ou de largura; 37.®, grossura excessiva desta parte ; 38.®, comprimento exces- sivo, inflammação, cieiros, ou ulceras venercas do mesmo orgão ; 39.°, engur- gitamenlo lácteo dos peitos, cgalaccia ou falta de leilc , poiygaiaccia ou excesso de leite; /4O.0, cancro dos peitos. Emfim, para ambos os sexos, herma- phrodismo e esterilidade. FIM DÀ PRIMEIRA PARTE. SEGUNDA PARTE. ARTB DE PROCREAR OS SEXOS A* VONTADE. A franqueza e a ausência de todochar- Jalanismo , dc que sempre me tenho gloriado em lodos os meus escriptos, devem íazer-me confessar aqui que não vou fallar segundo minha experiência e minhas observações, porém sim segundo as de alguns médicos experientes e de certo numero de outras pessoas que se dignarão communicar-me seus ensaios sobre a arte de se procrenrem os sexos à vontade. O autor cujas opiniões re- ferirei primeiro é o Sr. Millot, sabio mui celebre pelas numerosas e bellas experiencias que fez acerca da geração humana. Principia o Sr. Millot por esta pro- posição : que elle está bem convencido de que se póde dar o ser a um menino ou a uma menina com preferencia. Já esta con- fiança perfeita do autor nos meios que vamos expor falia altamente em favor da realidade da arte de que se trata. Com effeito , devemos suppôr que não é senão segundo as mais concludentes ex- periências que elle tão afoutamente emitte semelhante proposição; porquanto é o Sr. Millot um medico tão erudito quanto laborioso e judicioso ; e, excepto só- mente se não procurou illudir o publico com uma mentira imprudente, devemos dar a mais subida importância á que nos ensina com tanta graça e com tanto en- genho. Os meios que o autor nos indica são da maior simplicidade e fáceis de serem postos em pratica, tanto pelas pessoas as mais ignorantes como pelas mais sa- bidas. Poem-se esses meios em uso du- rante o acto sexual: certa posição da mu- lher, no momento da ejaculação. Assim, graças a este simples modo de coitar, por mais guerras sanguinolentas que te- phamos a sustentar, não carecerá a pa- tria de braços varonis para defenderem geus direitos, e um pai, zeloso de per- petuar seu nome , nào terá mais que arreceiar-se de que sua esposa lhe não forneça senão íilhos do sexo feminino. Mas uma vantagem bem diversamente importante no século em que vivemos é que será infinitamente menos facil a nossas mulheres dar-nos pequenos ci- dadãos de que embalde nos reputamos pa is: com efleito, dado o caso de termos observado todos os preceitos necessários para a procreação de um rapaz, não de- veremos arredar de nós a paternidade no caso em que a nossa cara metade nos não oITerecesse senão uma rapariga? Que serviços importantes prestastes á socie- dade, Sr. Millot! Não tendes aqui mais do que é mister para vos levar á irainor- talidade ? Demos actualmente alguns esclareci- mentos sobre o modo de copular, pres* cripto pelo irnmorlal anlor, para se con- seguir tão grande resultado. No dizer delle, é nos ovos contidos no ovário direito que residem os rudimentos dos rapazes , e vice-versa. E fundado nesta opinião, longa e claramente de- monstrada em sua obra, que elle deter- mina aposição que deve tomar a mulher, afim de obter com preferencia um filho ou uma filha. Em virtude disto, estou já ouvindo o leitor concluir que é pre- ciso que a mulher se deite do lado di- reito para obter um filho macho, e do lado esquerdo para procrear o sexo fe- minino. Não é porém inteiramente esta a posição que aconselha o autor: não è preciso, diz elle , mais do (jue uma simples inclinação. Assim, caros leitores, quando am- bicionardes obter um rapaz de vossa cara esposa, attentai em vos não jun- tardes com ella senão em uma cama, ou sobre todo e qualquer outro objecto se- melhante, e, no momento da ejacu- lação , apressai-vos a passar a mão di- reita por baixo da nadega opposta da mulher, afim de a suspenderdes suffi- cientemenle, para que o quadril forme, com o plano sobre o qual assenta, um angulo de vinte e cinco a trinta graus, e esperai com toda a confiança um rapaz dahi a nove mezes, se todavia não haveis semeado em terra não disposta o fazer germinar a vossa sementeira, e se por vosso turno não transmitlistes uma se- mente não fecundante. Pelo contrario, é uma menina que desejais obter? Suspendei o outro qua- dril, e igualmente se acharàõ satisfeitos os vossos votos. Se se objectar ao autor que, mesmo em consequência das razões em que elle basêa o bom resultado, o mesmo seria pôr a mulher perfeitamente de lado , po- sição que evitaria um cuidado capaz de distraliir penosamente o espirito em um momento de extase, elle, como anato- mista habil, responderá que, neste caso, a trompa, c/ue está destinada a Levar o Licor seminal para o ovário, se acharia em di- recção com o orifício opposto áauelle no aaal se desejasse tjue elle se introduzisse, E de facto, a oura seminalis, única porção do senien que possa fecundar os ovulos, deveria rnuilo na lurai mente dirigir-se para o tubo opposlo. Assim, não deve a inclinação ser senão de duas pollcgadas pouco mais ou menos. Vem depois o que diz respeito ao movimento da parle da mulher. Esta não deve fazer nenhum, afim de não operar um desvio capaz de extraviar o licôr se- minal do curso que se quer forçar a tomar. Uma immobilidade perfeila da mulher, no meio mesmo de um excesso de prazer, eis ao que ella deve reduzir sua movivel economia, se também ella é zelosa de obter o mesmo resultado qua seu esposo. O homem não é o unico senhor de determinar o sexo que prefere. A mesma mulher pótle consegui-lo á vontade, e isto por um meio simplicíssimo também: é passar a mão por baixo do quadril, no rnomento da ejaculação, suspendô-lo le* vemenle e permanecer, como já sc disse, cm perfeita immobilidade, Depois de termos expendido a opi- nião do Sr. Millot, ácerca da arte de se procrearem os sexos á vontade, resta- nos examinar quaes são as bases sobre que assenta seu systema. O leitor sen- tirá como eu que não póde este systema ser senão um vão producto de uma ima- ginação vagabunda, se se não conseguir demonstrar as tres proposições seguin- tes: l.°, que existem ovulos, rudimentos de novos entes, nessa porção do appa- relho genital da mulher, designada pelo nome de ovários; 2.°, que, no di- reito , residem aquelles que devem dar nascença a um rapaz, e, no esquerdo, os elementos das raparigas; 3.°, queolicôr seminal enfia necessariamente as trom- pas, para ir fecundar ovulos. Emfim, depois de termos demonstrado estas tres proposições, devemos expôr os factos concludentes que o autor cita em abono de sua opinião. l.°Existem ovos nos ovários da mulher? É uma verdade demonstrada pelas dissecções, e incontestável por conse- guinte, que nos ovários existem vesículas cheias de um liquido aquoso, e que ad- quirem um volume tanto mais conside- rável, quanto mais apta se acha a mu- lher para a maternidade. Por analogia co.m os corpos da mesma natureza obser- vados nas flores das plantas, deu-se-lhes o nome de ovos ou ovulos. Resta-nos agora examinar se esses ovos são real- mente os elementos do homem futuro. Começarei por proclamar que tal é mi- nha opinião. Parece-me bem natural que não quiz o autor da natureza, que, em quasi todas as suas producções, faz provir os entes de ovos fornecidos pelo sexo feminino, estabelecer excepção para o homem e para os outros animaes que com elle tem mais semelhança de orga- nisação. Porém, sem nos desenvolvermos sobre as causas finaes, citemos promp- tamente as razões que se poderião alle- gar contra esta opinião, e apressemo- nos a demonstrar quão mal fundadas são. l.° Buffon, Maupertuis, e alguns ou- tros autores, negão a existência dos ovos como únicos instrumentos da pro- creação de novos seres, avançando que não póde esta procreação ser senão um resultado da mistura , na madre, dos li- cores fornecidos pelo homem e pela mu- lher durante o acto da cópula. Segundo a opinião delles, não seria o semen de ambos os sexos senão um extracto de differentes orgãos dos objectos donde tivessem partido. Nesta hypothese , ha- veria uma mistura dos dous semens, os quaes darião nascimento á criança em virtude de uma attracção particular en- tre as moléculas similares, isto é; as destinadas a formar partes semelhan- tes; « opinião extravagante, diz Capuron no seuexeellente Tratado sobre os Partos, opinião extravagante, se nunca a houve, que, assimilando a geração do homem á formação dos sáes, a reduziria a uma sim- ples crystallisação. » A esta opinião de Maupertuis, respon- der-se-ha que, se o homem futuro se não achasse preexistente nos ovulos da mu- lher , mas sim nos materiaes sabidos das diííerentes partes do corpo, como é que succederia que pessoas privadas de cerlos orgãos não deixassem por isso de dar a vida a filhos perfeitamenle constituidos ? Parece-nos das mais favoráveis ao seu systema esta resposta do Sr. Millot, que, na sua opinião, a acha sem replica. Em virtude disto, passemos a outras ob- jecções. 2. A opinião de Miguel Procopio Cou- teau, que os filhos machos se achão no testiculo direito do homem eas filhas no esquerdo , responder-se-ha victoriosa- meirte que os homens privados de um dos testiculos nem por isso tem deixado de dar o ser a filhos de ambos os sexos, e que , por conseguinte, é a asserção de Couteau inteiramente despida de fun- damento e das mais falsas. 3. Se depois se objectar que mulhe- res em que se achava enfermo um dos ovários não deixarão por isso de ser do- tadas da faculdade de darem á luz filhas ou filhos indistinctamente, tornará o autor a responder, com perfeita segu- rança, que não foi senão depois do con- cebimento que sobreveio a affecção do ovário. U.° Outra objecção que, ao primeiro aspecto, não parece sem importância, é esta : Nemo dat (juod non habet, isto é, se os elementos do homem futuro se não achão em um ou em outro semen, como póde ser que possa a mulher encerrar em si os rudimentos das partes sexuaes do homem, ella que nada tem de seme- lhante? A esta objecção, responderão autor, com muito engenho, que deixa todo o seu valor a este provérbio, pela ra- zão de não poder cada ovário reproduzir um sexo, se por ventura o não encer- rasse em si. No lugar do Sr. Millot, nós teriamos respondido, e por certo com infinita- mente menos engenho , mas talvez com mais concludentes elementos de convic- ção , que, em grande numero de mollus- cos, lio sapo e na rãa , sem que nunca a femea receba os contactos do macho . põe primeiramente seus ovos na super- fície da terra ou da agua, e que não é senão depois que o macho os vem regar com o licôr prolífico. Assim também, não é muitíssimas vezes senão depois da inteira formação dos ovos nas aves que o macho lhes transmitte o licôr proprio a fazê los germinar. Ora , em todos os casos, não seria na- tural pensar que os rudimentos do novo ente não pudérão receber senão uma simples modificação da parte do macho, que o semen nada accrescentou a esses elementos, que não fez mais do que dar-lhes o impulso da vitalidade, e que, por conseguinte , foi inteiramente sem acção quanto á producção do sexo ? 2.° Contem o ovário direito os elemen- tos DO SEXO MASCULINO , E O ESQUERDO O DO FEMININO? Se depois se passa a esta opinião do Sr. Millot, que o ovário direito deve ne- cessariamente produzir os rapazes e o esquerdo as raparigas, e se se lhe per- gunta a razão physiologica deste facto, eile dará em resposta que sua proposi- ção é baseada na observação. Se assim é, como o vamos verem um instante, não podemos de modo nenhum duvidar que se ache a verdade do lado do autor; por- quanto, que cousa ha mais incontestá- vel do que sejão as verdades baseadas na experiencia? E são estes os factos ci- tados em abono de sua opinião : l.° E sabido que podem acontecer, no momento da concepção , movimentos desordenados em virtude dos quaes re- sulta a formação de entes os mais infor- mes, dos mais hediondos monstros: ora, o que demonstra da maneira a mais con- vincente, diz elle, que sempre os sexos são preexistentes em cada ovário, é que nunca se vio um ente humano verdadei- ramente hermaphrodito. Sem negarmos ao Sr. Millot a excellencia de seus racio- cínios em geral, podemos considerar esta resposta como própria para deter- minar a convicção do leitor. Gora effeilo, póde bem esta ausência de hermaphro- dismona especie humana, que está real- mente demonstrada pela observação, provar que os sexos são preexistentes na mulher, mas não que os varões existem antes em um do que em outró ovário. De resto, nem assim mesmo deixa ella de fixar a nossa attenção. 2.° Firma também o Sr. Millot sua opinião nas Ires aberturas seguintes: l.° Elle abrio uma mulher, que tinha successivamente dado á luz sete meninos, e cujo ovário esquerdo offerecia uma dureza que o tornava iraproprio á fecun- dação. 2.° O Sr. Ruffet fez em uma mu- lher a puncção de uma hydropisia do ovário esquerdo , e lhe achou um feto do sexo feminino. 3.° Foi feita outra aber- tura cm uma mulher que tinha tido qua- tro filhas de igual numero de prenhezes: o ovário direito achava-se em tal estado morbido, que não podia oflerecer ovulos, e, por conseguinte, nem elementos para produzirem rapazes. Ao leitor dei- xamos o cuidado de apreciar o valor destas tres observações, para a solução da questão que nos oceupa. 3.° Sera’ verdade que deve necessaria- mente O LICOR SEMINAL PENETRAR NAS TROMPAS UTERINAS P ARA PRODUZIR O PHE- NOMENO DA CONCEPÇÃO ? Entre uma multidão de experien- cias feitas e repetidas por grande nu- mero de peritos dignos da mais plena confiança , limitar-nos-hemos a citar uma só em abono desta terceira pergun- ta. Extrahimo-la da Historia natural de Buffon; e aqui vai, em proprios termos, como elle mesmo a expõe: « Uma experiencia famosa a favor dos ovos é a de Nuck: abrio este uma ca- della tres dias depois de ler ella sido co- berta , puxou por um dos cornos da ma- dre (trompas uterinas), e ligou-o alando-o pelo meio, de maneira que não podia mais a parte superior do cano ter cora- municação com a parte inferior; depois do que, tornou a pôr em seu lugar esse corno da madre e fechou a chaga , de que a cadella não pareceu soffrer senão um leve incommodo apenas. No cabo de vinte e um dias, abrio-o de novo, e achou dous fetos na parte superior, isto é, entre o testículo e a atadura; e, na parte inferior deste corno, não havia feto algum: no outro corno da madre, que não tinha sido ligado por uma atadura , achou tres que estavão regularmente dis- postos ; o que prova, diz Nuçk, que o feto não vem do semen do macho, mas sim, pelo contrario, que existe no ovo da femea. » Eu mesmo repeti varias vezes esta ex- periencia em cadellas, c sempre obtive resultados semelhantes. Se a isto se accrescentar a existência de prenhezes extra-uterinas, isto é, de filhos desen- volvidos nas trompas, nos ovários, e até na cavidade do baixo-ventre, ter-se-ha numero de provas sufficienles para se pronunciar que com eííeito o licor esper- matico enfia as trompas para ir fecun- dar os ovulos contidos nos testículos fe- mininos. Resultados obtidos pela observação dos pre- ceitos do autor. Devemos agora dar a conhecer ao lei- tor quaes são os principaes resultados obtidos pela observação dos preceitos que nos traça o Sr. Millot para se pro- crearem os sexos á vontade. Suas expe- riências, assevera-nos elle, mostrárão- se sempre favoráveis ao seu systema. Que digo? O systema do Sr. Millot 1 não é mais um systema; é antes uma arte infallivel, a menos que não queira- mos considerar este medico como um verdadeiro impostor; suspeita que não merecem por certo homens de probi- dade tão geralmente reconhecida. O Sr. Millot partejou de sexta fdha a Sra. Chavaudon de Saint-Maure, a qual dava cada anno á luz um filho deste sexo, posto tivesse, bem como seu marido, o mais ardente desejo de procrear um ra- paz. Esta procreação feminina succes- siva reconhecia por causa um erro be- bido pelos esposos na leitura de Miguei Procopio Couteau, o qual, como se sabe, aconselha ao marido de unir-se á es- querda com a mulher para obter rapa- zes, e vice-versa. Desenganados pelo Sr. Millot, que acabava departejar a senhora de Saint Maure pela primeira vez, os es- posos adoptárão-lhe o processo, e ti ve- rão a satisfação de dar o ser a dous filhos do sexo masculino. Pelo mesmo metho- do conseguirão o mesmo bom successo a senhora condessa de Melette, a senhora marqueza de Fumelle, a senhora con- dessa de Safran , asenhora Bacencour, a senhora Mahaud de Anouville. Tendo a virtuosa esposa do ultimo duque deOrleans dado á luz dous meni- nos, mandou pedir ao Sr. Millot , pela intervenção da senhora de Blat, sua dama de honor, que lhe transmittisse o seu meio de se procrear uma menina em vez de um menino. Elle lh’o fez co- nhecer, tal qual o acabamos de expor, e ella deu duas filhas à luz. Desejando depois esta estimável princeza ter ter- ceiro filho, não deixou de o obter pelo mesmo methodo. È ao mesmo metliodo que deve seu nascimento a senhora de Bondi, tendo sua mài, a senhora Amelin, observado o processo deste autor. Também as se- nhoras de Cavanac, Véron, Mollèle, de Miglieux, tiverão a satisfação de conse- guir o sexo que appetecião, pela obser- vação dos preceitos do autor. Pce termo ás suas observações o Sr. Millot, asseverando-nos que muitos exem- plos semelhantes teria que citar-nos , que lhes poderia juntar suas observa- ções particulares, mas que receiaria tor- nar-se fastidioso : pela mesma razão aqui terminamos o que respeita ao seu methodo. Opinião do alguns outros autores sobre a arte de se procrearam os sexos á vontade. V enette, autor do Quadro do Amor con- jugal, e fíliasis, medico arabe. A subida reputação cjue goza o doutor Venette entre as classes nãoillustradas nas scien- eias naturaes parece impôr-nos o de- ver de expendermos a nossos leitores sua opinião sobre a arte de se procrearem os sexos á vontade. Eis aquí o que a este respeito se encontra em sua obra, que no Diccionario das sciencias medicas é com razão chamada Romance sobre a geração , tanto por causa dos factos maravilhosos e falsos com que diverte seus leitores, como pela ignorância absoluta que mos- tra para tudo o que diz respeito á sãa physiologia. A opinião deste autor, que, torna- mos a dizer, sua reputação entre o povo nos fórça a citar, é que não ha absolu- tamente difficuldade em obter um sexo com preferencia ao outro, e eis pouco mais ou menos ao que se reduz a arte que nós elle ensina: s Eu conheço, diz elle , algumas mulheres que tem sempre o habito de se deitarem do lado direito (juando, dormem com seu marido, e è sem- pre nesta postura que são acarinhadas, e quasi sempre concebem rapazes. Não se póde dar outra razão do que succede deste modo senão a que favorece o meu sentimento; porquanto , sendo o semen do homem recebido na madre da mu* lher, situada na postura que indicámos, não pôde cahir, por seu proprio peso, senão dentro do corno direito, onde ás mais das vezes são formados os rapazes. È esta uma observação que, assim como eu , fez Rhasis, quando disse que as mu- lheres que se deitão ordinariamente do lado direito quasi nunca fazem fdhas. » Vê-se que não é nova a idéa de se obterem sexos á vontade, por certa po- sição da mulher, e que foi annunciada e posta em pratica muito tempo antes que o Sr. Millot a désse á luz. Mas este ultimo autor differe essencialmente dos outros em não querer senão uma simples inclinação, em vez de pôr a mulher per- feitamente de lado; é a razão disso que elle não vê nada absolutamente de hy- draulicona concepção, mas que a attri- bue unicamente á acção da aura semina- lis do licôr espermatico do homem so- bre os ovários; e nisto nos parece ter perfeita razão. Sabe-se com elleito que os vapores, longe de caliirem por seu proprio peso, tendem sempre a elevar-se: ora, pela simples inclinação, a porte volátil do licor seminal tende necessa- riamente a elevar-se para o orifício da trompa uterina que conduz «ao ovário que se quer fecundar, emquanto que, pondo-se a mulher desse lado, são in- teiramente mudadas as relações. Não procuraremos demonstrar, para provarmos quão errónea é a opinião de Vcnette e de Rhasis, que devem com effeito as relações entre o orifício das trompas e a direcção da aura scminalis achar-se absolutamerte diíferentes das que dcsejão estes autores para com pre- ferencia fecundarem um ovário; «as dis- posições anatómicas dessas partes dizem mais por si mesmas do que tudo quanto a este respeito pudéssemos avançar; e é sabido que são incontestáveis as verda- des anatómicas. Uma cousa porém que ignoravão Rhasis, Venette, e que ainda ignora grande numero de pessoas, é que é sómente á aura seminalis que é devol- vida a fecundação dos ovulos, e è o que vamos procurar demonstrar em poucas palavras. Eis as principaes razões em que fundamos nossa opinião, que já par- tilhão os anatomistas e os physiologistas os mais distinctos. J.° Citaremos ainda uma vez o exem- plo de certos molluscos, bem como das rãas e dos sapos, nos quaes os ovos só se achão fecundados pelo semen do ma- cho depois de terem sido depostos fóra pela femea. Também recordaremos o modo de fecundação dos ovos já forma- dos na cloaca das aves. Então raciocina- remos assim: a matéria contida nos ovos acha-se separada do exterior, por uma membrana muitas vezes espessa e imper- meável aos liquidos: ora, elles não dei- xão por isso de ser fecundados pela ac- ção do licor do macho; logo, não póde o phenomeno da impregnação ser devi- do, neste caso, senão á acção de uma matéria mais subtil, infinitamente mais penetrante do que um liquido ordinário, isto é, a ciara seminal is. Raciocinando por analogia, diremos que não deveu a natureza adoptar para o homem processos difíerentcs dos qne adoplou para esses animaes. Que digo ? Devemos pensar que aqui a presença de uma matéria infinitamenle subtil se acha- va ser ainda mais indispensável do que nos primeiros. Ede facto, quão pequeno não é o calibre dos vasos a percorrer, e qual não é a distancia entre os ovários e o orifício externo da madre? Se a isto se nccrescentar que o licor se acharia ne- cessitado de subir contra seu proprio peso ás trompas uterinas, não se hesi- tará um só instante em pronunciar que não póde a fecundação eííecluar-se de outra sorte senão pela presença de um corpo infinitamente subtil e essencial- mente volátil, e lendo por conseguinte uma tendência natural a dirigir-se para as regiões superiores. 2.° É sabido cpie Spallamani e outros experimentadores distinetos conseguirão fecundar cadellas injeelando-lhes na va- gina o licor espermatico quente , isto é , acabando de ser fecundado pelo macho. Ora, por pouco que se tenha deixado resfriar o semen , ou , o que vem a dar no mesmo, por pouco que se lhe tenha dado o tempo de deixar evaporar a parte volátil, nunca a experiencia lem sido coroada de feliz successo. Logo, nestes casos, só a aura seminalis pôde fecundar os ovulos. Communicou-ine um medico de meus amigos que tentou com pleno e feliz successo a mesma experiencia na especie humana; mas, sem nos es- praiarmos sobre os pormenores quepode- rião oflender castos ouvidos, limitemo- nos a fazer notar a perfeita analogia de estruclura da cadella com a da mulher, e concluamos que, para esta, é tão in- dispensável a presença da aura srmivalis quanto o ó para a cadella e para os ou- tros animaes de que relatámos o modo de fecundação. 3.° Emfim, lállemos dos casos em que certas mulheres se tornão mãis com todos os symptomas da virgindade phy- sica. Todos conhecem a historia de uma prenhez deste genero, referida pelo céle- bre Bauddoejue, no seu Tratado da Arte dos Partos. «Uma moça, diz elle, temen- do as consequências dos prazeres illicitos, permittio somente a seu amante que lhe encostasse a glande nas partes genilaes externas, sem a menor introducção. Nem por isso deixou de ficar pejada, e, no termo fixado pela natureza para o parto, não foi possivel eflectua-lo senão inci- sando a membrana do hymen, a qual deixava apenas uma abertura sufficienle para admittir o tubo de uma penna de escrever. Portanto, neste caso, e em uma multidão de outros de que formi- gão os annaes da medicina e das outras scicncias naturaes, só a parte volátil pôde penetrar até aos ovários, para lhes fe- cundar um ovo. d Julgamos inútil referir o exemplo de varias pessoas que vierão a ser mãis, por terem sómente soífrido o derrama- mento do liquido espermalico sobre as coxas, e por conseguinte sem contacto algum immediato do licôr espermalico com as partes externas da geração. Ainda mais supérfluo julgamos fallar dos diffe* rentes casos em quo mulheres conce- bêrão, não lendo feito nada mais senão mergulhar-se em um banho impregnado de licor espermalico. Além de poderem eslas ultimas observações ser julgadas por muitas pessoas como não perfeita- mente aulhenticas, não ternos nós já reunido uma som ma de provas mais do que sufficientes em abono da opinião que professamos? Em outro capitulo, Venet submette a sete regras a arte de se procrearem os sexos á vontade; ei-las: 1. Não casar, para se obterem rapazes, senão depois de ter o corpo adquirido todo o desenvolvimento e toda a força que é mister aos esposos para prorrea- rem um filho macho, sempre mais vi- goroso do que a filha ; « porque, diz elle, o semen não é senão um excremento de todo o corpo e dos testículos; é preciso que todas as parles sejão fortes e vigo- rosas para engendrarem matéria capaz de produzir um rapaz.» 2. Lsar de alimentos e de bebidas susceptiveis de darem possanle energia a toda a economia. « Ensina-nos a expe- riencia que aquelles que se nutrem de alimentos quentes e succulentos, e da carne de animaes lascivos, adquirem por isso não só a força de engendrar, senão lambem de fazerem rapazes; comtanto que haja um quasi nada de vivacidade em seu temperamento. » 3.° Evitar todos os excessos de comida. « O excesso causa cruezas, e quasi se não vêm homens ou mulheres desregrados no comer que engendrem rapazes. Seu semen não tem quasi calor nem espirito, e, por ser indigesto e imperfeito, não é proprio senão para formar filhas. » U.° Não usar, para se obterem filhos machos, senão com extrema moderação, dos prazeres amorosos. « A acção desre- grada do amor nos esfalfa e nos resfria de tal sorte , que , depois de nossas có- pulas reiteradas, não engendramos se- não meninas. » 5.° Que as mulheres nas quaes é mo- derado o corrimento menstrual, se não entreguem, para conseguirem um rapaz, aos prazeres sexuaes senão no íim do fluxo periodico. Que aquellas, pelo con- trario, que o offerecem de um modo abundantíssimo, se não dêm a elles, para alcançarem o mesmo resuliado, senão certo tempo antes ou depois desse corrimento. « Se as mulheres que são assistidas moderadamente concebem de- pois de sua menstruação, de ordinário produzem meninos; mas se são mens- truadas com abundancia, e se engendrão antes de apparecer essa assistência, ou logo que ella acaba, fazem sempre fi- lhas. » 6. Os tempos e os dias de uma tem- peratura moderada são proprios á pro- ducção dos rapazes, no emtanto que as raparigas se procrêão mais depressa nos calores excessivos. « As pessoas incessan- temente penetradas de um calor es- tranho, capaz de lhes dissipar a força, tem um semen crú, indigesto, que está sempre disposto a gerar filhas. » 7. Emfim, para se obter um menino, entregar-se antes ao amor quando sopra o vento do Soptentriâo do que quando venta de qualquer outro ponto. « Fa- zem-se mais depressa machos emquanto o vento sopra do Norte. » Miguel Procopio Gouteau, Tinha este autor, com alguns outros, emittido a opinião de que no testículo direito do homem residião os elementos dos ra- pazes, e no esquerdo os das raparigas. Conseguintemente, segundo o parecer de-tes autores, era mister, para se ob- terem filhos machos, fazer-se a operação do tesiiculo esquerdo, ou ligar-lhe o cordão espermalico , e vice-versâ, para uma-menina. Está porém inleiramente abandonada esta opinião depois que está demonstrado pela expcriencia que homens privados quer de um quer de outro tesiiculo não tem por isso dei- xado de gozar da faculdade de procrea- rem indislinctamente filhos de ambos os sexos. Vjrey. No seu excellente e precioso Tratado da mulher, euiiUõ este autor a opinião de que é o sexo mais vigoroso que deve determinar o seu. Segundo isto, não poderia um homem forte e ro- busto, unido em matrimonio com uma mulher fraca e delicada, procrear senão rnpazesj entretanto que um ancião, ou mesmo um mancebo esfalfado por cessos ou por enfermidades, não pode- ria obter senão meninas de uma mulher que se lhe avantajasse em iguaes sen- tidos. Em consequência disto, para se conseguir um sexo com preferencia a outro, mister seria que aquelle que deseja o seu se ponha em circumstancias próprias a dar-lhe a inais forte somma possivel de força, e submetia o outro ás circumstancias oppostas, e vice-versâ. Imaginação. A mór parte dos mais distinctos autores concordão em dar a maior influencia á imaginação sobre a determinação dos sexos: mais adiante fallaremos desta faculdade da alma. PM DÁ SECUNDA PARTE, TERCEIRA PARTE. A ARTE DE FAZER FILHOS ESPIRITUOSOS. A verdade da doutrina que vamos en- sinar assenta sobre a analogia que deve necessariamente existir entre a causa e o efFeito. Esta verdade, já tão clara pelos phenoinenos physicos e cliimicos, me parece igualmenle applicavel aos entes que a natureza dotou de vida. Sobre qualquer especie que seja de indivíduos que lancemos nossas vistas, quer entre os vegetaes, quer entre os animaes, quer entre as difíerentes raças de homens, por toda a parte encontramos provas absolutamente irrecusáveis desta pro- posição. Os caracteres distinctivos das plantas, transmittidos por AristoteUs e por PLiniot $lo ainda hoje os mesmos que os des* criptos por Linneu, Jussieu, etc,, e serfio os mesmos emquanto ao Autor da natu- reza aprouver conservar a existência à pua obra, A tamareira cultivada tem oflferecido e offerecerá sempre, em geral, ao exame de Thecphrast.es, de Dioscorides, de Aristoteles, de Plínio, de Linneu, de Jussieu, e de todos os outros naturalistas fallecidos, viventes ou futuros, uma bella arvore de cincoenta a sessenta pés, folhas reunidas em ramalhete na sum- midade do eslylete, fructos carnudos e assucarados do comprimento do dedo pollegar, etc. , etc.; a açucena branca, um bulbo arredondado composto de escamas encurvadas, das qunes algumas das mais exteriores se allongào em folhas em seu ápice, uma haste simples, glabra, de forma cylindrica, da altura de dous pés pouco mais ou menos, com flòres brancas, muito grandes, derramando um odôr fortíssimo e formando uma es- pecie de espiga na parte superior da haste, sustentada sobre pedúnculos de uma pollegada de comprimento mais ou menos, seis estames, um estylete mais curto do que estes últimos, um fructo capsulario de fórma triangular, etc., etc. Os animaes hoje são igualmente os mesmos que erão no tempo de Aristo~ teles e de Plinio; em todos os lugares o insecto será astuto, e o porco estúpido; o tigre cruel, e o cordeiro cheio de man- sidão; a tartaruga vagarosa, a andorinha ligeira, e a gallinha pesada; a serpente rojará a terra, e o gafanhoto a gyrará aos saltos e vôos. O homem apresentará sempre uma mão composta de grande numero de ar- ticulos, offerecendo uma cutis delicada penetrada de uma multidão de nervos, donde lhe vem immensa sensibilidade no tacto e grandissima aptidão para os trabalhos que requerem flexibilidade e delicadeza nesta parte; um dedo pollegar que elle póde oppôr aos outros quatro dedos; a posição vertical e o andar bi- pede; um larynx e uma bocca formados de maneira a poderem facilmente arti- cular os sons; a facilidade de viverem todos os climas; a de alimentar-se de vegetaes e de animaes; uma estatura pouco mais ou menos de dezoito deci- metros; um gráu mais ou menos elevado de razão; paixões, o amor da liber- dade etc. , etc. Gomo se sabe, parece ter-se a natu- reza comprazido em formar tribus, raças, classes distinctivas entre os differentes seres , ou antes assignou-lhes caracteres geraes em virtude dos quaes elles se as- semelhão perfeitamente, em certo nu- mero do sentidos, ao passo que offerecem caracteres particulares que fazem com que não possa nenhum dos numerosos corpos que constituem o universo ser confundido com algum outro qualquer. Assim, o mangoal, a gramma, a cevada, o centeio, o trigo, o arroz, o milho e uma multidão de outros generos, serão muito naturalmente postos na familia das gramineas, em qualquer terreno e em qualquer exposição que os observem. Na familia das liliaceas se rcuniráõ como por si mesmos a tulipa, o lirio, ojacintho, a scilla, a angélica, etc. Cada qual reco- nhecerá feições de semelhança patentes entre o meimendro, a mandragora, a lierva moura, o tomate, o lyciete, ge- neros da familia das solaneas, ou batatas. As familias dos animaes offereceráõ igualmente caracteres communs que não podem permittir que sejão confun- didas , como o notarão perfeilamente os Aristoteles, os Plinios, os Linneus s os Buffons} os Cuviers, os Dumerils , e tan- tos outros naturalistas célebres. Assim porá cada qual na classe dos insectos as aranhas, os escorpiões, os segadores, os millipedes, os tavões, as moscas, as borboletas, as lagartas, as abelhas, os bisouros, as cantharidas, etc.; animaes que se asscmelhão todos pela ausência de toda a vertebra, servindo a presença de trachéas á sua respiração, um corpo e membros articulados, muita astúcia e mais ou menos agilidade. Semelhantemente, os milhões de ho- mens que povòão a terra apresentarão todos caracteres particulares de seme- lhança, em virtude dos quaes se poderá sempre collocar cada individuo numa das cinco principaes raças da especie humana. Assim se poráõ naturalmenle os Francezes, os Inglezes, os Allemães, os Italianos, os Egypcios, os Persas, ctc., entre os homens da raça caucasica, a qual oíferece por caracteres distinc- tivos um rosto oval e quasi yertical, uui nariz allongado, cabellos compridos e flexíveis, uma cútis alva, faces coloridas de encarnado ou de rosado, e lábios vermelhos; na raça hyperborea, os Esqui- maios, os Thibetanos, os Ostiacos, os Laponios, os Samoiedes, etc., os quaes tem a cara chata, curta e arredondada, o nariz achatado, os cabellos pretos e curtos, a pelle muito escura; na raça mongola, os Kalmukos, os Siamenses, os Japonezes, etc., que oíTerecem um semblante chato, um nariz esborrachado, curto , acachapado, cabellos pretos, faces salientes, uma cabeça cónica, pelle de um pardo amarello avermelhado; entre os negros, os Elhiopes, os Cafres, os Holtentotes, eto., povos que se dis- tinguem dos outros por uma testa chata, um rosto obliquo e de queixos salientes, beiços muito grossos e avançando em fórma de focinho, um nariz muito aca- chapado, faces larguíssimas, cabellos curtos, pretos, lanudos, encarapinhados e muito finos, uma pelle de um preto mais ou menos carregado. Emfim, a raça americana não será tão pouco confundida com nenhuma outra. Sabe-se com cf- feito que, à excepção dos povos do norte da America, são os habitantes deste con* tinente mui notáveis por um rosto largo e de fórma triangular, cabellos pretos, chatos, grossos e compridos, faces quasi sempre imberbes, uma pelle de um ver- melho encobrado. Não são sómente as diflerentes raças de homens que offerecem entre si feições patentes de semelhança, mas sim também os diversos povos que as compoem. Que digo? não apresentão neste sentido as diflerentes províncias de um mesmo paiz caracteres que lhes são absolutamente proprios? Emfnn, para levarmos mais longe nossas considerações áccrca dos caracteres pliysicos e moraes transmit- tidos pela via da geração em entes que não cruzão ou se cruzão muito pouco, não ha acaso em cada familia feições particulares que facilmente fazem reco- nhecer seus differentes membros ? Os Scythas, emquanto permanecêrão unidos, distinguirão-se dos antigos povos pelo desprezo das riquezas, pela tempe- rança, pelo amor da justiça, dos com- bates e de suas antigas instituições. Os antigos Gregos oíferecião uma estatura elevada, um corpo robustíssimo, que tinhão o cuidado de endurecer pelo tra- balho, o amor dos conhecimentos uteis. Entre os differentes povos de que se compunhão os Gregos, distinguião-se os Athenienses por seu amor da poesia e das artes brilhantes, epela inconstância ; os Espartanos, pela rudeza de seus cos- tumes, por sua extrema frugalidade, por seu horror pelo luxo, por sua repugnân- cia pelos conhecimentos inúteis, por seu gesto pelos exercícios públicos do corpo, por seu aferro a tudo o que era justo e honesto, pela severidade de suas leis civis e militares, por sua inteepidez nos com» bales. Os Parthas, que occupavão o paiz que hoje liabitão os Persas, formavào um povo valente e corajoso, e com razão erâo reputados como os melhores caval- leiros do mundo. Todos, por assim dizer, nascião guerreiros; sua destreza em lan- çar as frechas, mesmo por Irás, tornava sua fuga, bem como seu ataque, temível a seus inimigos. A agricultura, o cora- mercio e as sciencias erão, entre elles, sacrificados à avie da guerra. Elles erão escrupulosos observadores da sua pala- vra, e consideravão como infame todo aqueile que a ella faltava, mesmo para as cousas as menos importantes. O habito dos campos de batalha não os tornava insensíveis aos encantos das mulheres, nem inaccessiveis aos sentimentos reli- giosos. Formavão os Egypcios na antiguidade um povo essencialmente disiincto dos outros: aprendião muito cedo a ler e a escrever, entregavão-seao estudo da ari- thmetica e da geometria; erão inimigos dos alimentos muito delicados; veslião- se muito pouco, e habituavão-sedesde a infancia a todas as intempcries do ar. Differenles dos Athenienses e approxi- mando-se dos Espartanos, erão inimigos da musica , que julgavão própria a ener- var a alma. Em compensação, cultiva- Vão todas as sciencias; de maneira que se acreditaria queelles reqnírão todos os conhecimentos dos modernos, emquanto as outras nações íicárão mergulhadas na ignorância. Erão valentissimos no com- bate, posto que inimigos das guerras, que olhavão como nocivas á agricultura e ao commercio, que gozavão de altissima consideração entre elies. O povo judeu, a quem as leis de Moy- sés vedavão a faculdade de tomar mu- lheres em outra parte que não fosse em sua nação, é, de todos os povos , nquelle qué ma is conservou e ainda cansem seus caractéres primitivos. Um desali- nho muitas vezes repugnante, moléstias de pelle, por assim dizer, inherentes â sua organisação, um fanatismo exage- rado, um espirito mercantil, uma*má fé que inspira justa desconfiança delles entre todos os outros povos, uma perti- nácia das mais obstinadas, um genero de physionomia que os faz reconhecer em todos os pontos do globo por onde se aclião dispersos; taes são, salvas al- gumas excepções, os caracteres pecu- liares da nação judaica. Eraquanto o povo romano não bus- cou suas mulheres senão no seio da na- ção mesma, formou, assim como os Car- Ihaginezes, a mais valente e a mais in- trépida nação do universo. O furor das conquistas, uma severidade de costumes sem igual, um respeito inteiro pela re- ligião e pelos deoses, uma prudência consummada em todas as suas emprezas, uma grandeza de alma cheia de nobreza e de magestade, um porte nobre e mar- cial, o pundonor lavado até ao enthu siasmo, a justiça, o amor da agricul- tura; taesforão asprincipaes qualidades desles altivos conquistadores do univer- so , até que emíim, amoilentados pelas mulheres e pelas riquezas enervantes das províncias asiaticas, perderão seu ca- rácter primário e vírão-se por seu turno vencidos pelos formidáveis filhos do Norte. Não vemos nós, em nossos dias , offe- recer cada um dos povos do universo caracteres pliysicos e moraes que lhes são absolutamente proprios? O Inglez, pen- sativo, pesado, melancólico,-apaixonado pelo dinheiro, o commercio e pela liber- dade; o Allemão, abstracto , serio, fleu- matico e destituido de toda a amabili- dade; oFrancez, leviano, fanfarrão, enge- nhoso, valente, notável por seu excesso de civilidade; o Portuguez, e sobretudo o Hespanhol, de imaginação viva, dados ao commercio , e valentes na guerra ; o Polaco, valente, generoso e guerreiro; o Russo, supersticioso, indolente e embru- tecido; o Italiano, ílexivel, insinuante, astuto, embusteiro e vingativo ; o Mu- sulmano, indolente, supersticioso, de uma lascivia indignante, cheio do mais ridículo orgulho ! Não nos olTerecem também por ven- tura seus caracteres distinctivos as dif- ferentes provincias da França, assim como as provincias de todos os outros paizes? O habitante do departamento do Norteé vagaroso, apathico até ácerca de seus direitos naluraes, fanatico, dado às mulheres, e mais ainda á bebida; o Àlsaciano , hospitaleiro, bom , simples, porém aitercador; o Picardo, vivo, franco, generoso, porém colérico; o Nor- mando , mercantil , de fé duvidosa nos negoeios, teimoso, amigo apaixo- nado dos processos; o Champanhez , manso como seus carneiros; o Gascão, mentiroso, insinuante , intrigante, am- bicioso e cheio de arrebatamento. Até mesmo os cantões de uma mesma provincia e as differentes aldêas de um mesmo cantão dislinguem-se das outras por seus caractéres physicos, pela tem* pera de seu espirito, por seus eostu- ines, &c. Cada qual tem podido fazer esta observação no paiz em que nasceu ou que habitou bastante tempo. Nos dif- ferentes paizes que tenho corrido, sem- pre encontrei grandíssimas diflerenças entre os habitantes das aldêas apenas distantes um quarto de legua umas das outras. Por exemplo, citarei no depar- tamento da Somrne algumas aldêas que se tocão, por assim dizer, pelas ultimas casas, e verei uma Cardonnelte, cujas mulheres são tão bonitas quanto livres em seus costumes; uma Beauchêne e umaTalma, que formigão de malfeito- res; uma Hérissart, cujos habitantes são dados nos exercícios da devoção; uma Piergot, cujos homens e mulheres são notáveis por sua fealdade, por sua grosseria, por sua apaihia e pelas al- porcas que os perseguem de um mo- do, por assim dizer, endemico; uma Mirvaux, a um quarto de legua dahi, cujos homens são affabilissimos, cujas mulheres muito bonitas, muito joviaes e tão loureiras quanto engenhosas e fecundas. Emfim, para terminarmos aqui o que respeita aos caractéres transmittidos ás grandes massas de geração em geração , diremos que as variedades das differen- tes especies de animaes procrêão sem- pre individuos de tal arte semelhantes a si mesmos, que haveria ás vezes tenta- ção de se estabelecerem varias raças distinctas na mesma especie, comtanto todavia que não haja promiscuidade nas variedades: eu me explico. O cão rafeiro, não se ajuntando senão com ca- della rafeira, procreará sempre filhos de pello comprido, com um tufo mais ou menos velloso debaixo da cauda; um gal- go identicamente produzirá uma raça de corpo franzino e alongado, com per- nas muito altas e focinho muito pontudo; um cão turco, outro que não oííerecerá pello senão no focinho; um cão d’agua , pellos riçados e encrespados como lãa , focinho curto e arredondado; um dogue, focinho arrebitado, dentes dianteiros proeminentes, beiços e palpebras pen- dentes. E assim do mesmo modo o cão- lobo, a galga, o cãozinho de collo, o doguezinlio , o perdigueiro, o pequeno dinamarquez, o cão rasteiro, &c. Mostra-se também a verdade da minha asserção para as diversas variedades de cavalles, observando-se todavia as mes- mas condições que se observarão acima. Esta especie fórma, no estado de domes- ticidade , certo numero de raças todas diíTerentes que as torna próprias para usos particulares. Assim, os cavaiios nor- mandos, os inglezes, os andaluzes, os árabes, são mais proprios para a sella; os belgas, os hollandezcs, para a sege; os do Maine, da Sartha e da Suissa, para a carroagem, &c. Iguaes observações para as cabras, para os carneiros, e em geral para todas as especies de animaes. Depois de nos termos espraiado sobre os caracteres, por assim dizer, eternos, transmiltidos ás grandes massas pela via da geração, approximemo-nos um pouco mais ao nosso assumpto , e venhamos ás famílias das diversas raças da nossa es- pecie. É uma verdade geralmente re- conhecida, que em geral são as feições de familia de tal sorle pasmosas, que quasi sempre um homem, algum tanto exercitado em julgar as physionomias, dirá de tal ou tal indivíduo que nunca vio, que elle pertence a tal ou tal familia que lhe é perfeitamente conhecida. Este provérbio tão conhecido, « tal pai, tal filho» está longe de se achar destituído de fundamento, quanto ao physicoe quanto ao moral. Se nem sempre os filhos se assemelhão a seus pai e mãi, ao menos se encontrará na familia uma pessoa com quem elles apresentaráõ feições mais ou menos parecidas de semelhança. Se, digo, reconhecemos que povos in- teiros e muito numerosos podem trans- mittir, durante vários séculos, seus ca- racteres distinctivos a seus descendentes, quão mais facilmente não devemos ad- mittir semelhante transmissão para as famílias compostas de um numero de membros infinitamente menor! Seja qual for a hypothese a que se queirão abandonar para explicarem o grande mysterio da geração, ha uma verdade que sempre se deverá admittir unanimemente: é que a procreação de um individuo não é senão o desenvolvi- mento de certos princípios emanados do pai e da mãi. Quer se admittão os ovos na mulher, quer se encontrem os rudi- mentos do homem em certos animal- culos do semen , quer emfim, com Buf- fon , se admitta uma mistura dos semens dos dous sexos, sempre será mister re- conhecer-se que o que fórma o homem futuro é um verdadeiro extracto de todas as partes do corpo de ambos os sexos, ou de um dos dous sómente. Poder-se- hia até dizer que o primeiro germen é uma miniatura do homem; perdôe-seesta expressão. Ninguém poderá negar que uma se- mente lançada na terra, e que em breve se transforma em nova planta, encerre em seu seio todos os elementos de uma raiz, de uma haste, de folhas, de flores e de outras sementes infinitamente mais numerosas. Poder-se-me- hia talvez objec- tar que todos esses orgãos da planta são o produelo da fixação dos princípios ali- mentarios esparzidos na terra e na atmo- sphera. Como porém nunca estes prin- cípios formarão por si mesmos entes vivos, e como sempre lhes foi mister a presença de uma semente para produ- zirem este resultado, diremos que elles não tem outro uso na vegetação senão fa- vorecerem o desenvolvimento das partes constitutivas do vegetal, empolarem-o , accrcscentar-lhe novos ingredientes; em uma palavra, dar-lhe a maior extensão possível. Nemo dat cjuod non habet: ora, as matérias que se vem juntar ao núcleo da planta são puramente mineraes ou brutas; logo, nada podem formar que dotado seja da luz da vida. Seria supérfluo estender-nos mais lon- gamente sobre as provas da semelhança que deve necessariamente existir entre os filhos e os pais. É esta uma verdade , por assim dizer, popular, que não escapa a nenhum homem vivendo em sociedade e por pouco observador que seja. Nin- guém ha que ignore que a força não póde resultar senão da força, e assim para todo o resto. Um velho decrépito não póde fornecer, como o observou o celebre Buffon, e conforme se tem disso provas quotidianas na sociedade, senão entes pêcos e quasi sempre deformes. As pessoas aífectas da syphilis, ou mo- léstia venerea, não podem procrear senão filhos pêcos e infectados como os autores de seus dias. Como se sabe, as alporcas transmittem-se pela via da geração. Os gotosos transmittem muitas vezes a gota á sua progenitura, ou pelo menos rheu- matismos pertinazes, quando todavia não é accidental esta aífecção, ou quando não existia no tempo do concebimento. Sa- be-se que a phthisica pulmonar é, por assim dizer, inherenle a certas familias. São conhecidas estas expressões com- muns e que exprimem grandes verdades : Raça de loucos , raça de ladroes, etc. Tudo pois nos demonstra que as nossas disposições physicas são, geralmente fal* lando, uma consequência necessária das de nossos pais. Se so reílectir que a tempera do espi- rito de cada um dos homens é uma con- sequência natural e necessária do estado do corpo, que, por conseguinte, também as faculdades intellectuaes são tão here- ditárias como as qualidades physicas , ter se-lia a somma dos conhecimentos necessários para se fazerem filhos de talento ou espirituosos. 1’rolas das relações intimas estabelecidas entre as faculdades intellectuaes e as disposições pliysicas do homem. Gomquanto tenhào um grande nu- mero de philosophos, tanltf da antigui- dade como destes últimos tempos, sen- tido perfeitamente e exprimido os laços da syinpathia estreita que unem o physico e o moral, sempre, até ao presente, forão estas duas matérias tratadas sepa- radamente como duas cousas essencial- mente dislinctas e independentes uma da outra. Muito longe entretanto está de ser assim; o estado da alma é uma consequência natural e necessária do do physico : animi mores sequuntur cor- poris temperamentum. (galiano.) Já ouço certos moralistas, rnais severos em seus princípios do que em suas acções, clamar ao escandalo, á heresia, aos tri- bunaes! Acalmai vossos sustos e vosso furor, ó puros animistas! eu vou conciliar per- feitamente a minha opinião com o mate- rialismo, com a moral, com o espiritua- lismo e com a religião. Por uma potência tão infinita quanto incomprehensivel, estabeleceu o Autor da natureza entre o material e o imma- terial do nosso ser uma dependencia tão estreita e uma connexão tão intima, que um não póde executar uma acção ou experimentar uma impressão que não operem mais ou menos fortemente uma sobre a outra, segundo sua natureza e sua intensidade. Agrilhoada em sua pri- são corporea, acha-se a mais belia parte de nós mesmos sujeita incessantemente a uma multidão de influencias , tanto intrínsecas como extrínsecas, c não pódo assim executar por inteiro todas as bellas acções de que é susceptivel por si mesma. « Mas, quando fôr separada do corpo, diz o Sr. Juge Saint-Martin, não receberá sensação alguma externa, e passará ao estado de intelligencia pura; nada a im- pedirá de se conhecer a si mesma, nem de conhecer osattributos da Divindade.» Emquanto este sopro divino não pos- sue toda a plenitude da sua acção, sua independencia e sua perfeição, perma- nece sujeito á influencia organica e lhe soffre todas as consequências, a A philo- sophia, diz o Sr. Dupaly, peccou em não descer mais avante no homem physico ; é ahi que está occulto o homem moral.» Bastará o mais superficial exame das numerosas classes de entes que occupão os degráos da escada em cujo tope se acha collocado o homem, para nos de- monstrar a extrema influencia da orga- nisação sobre o instincto, sobre os cos- tumes, sobre as inclinações, sobre os hábitos e sobre a potência sensitiva. Por toda a parte encontraremos estas differentes faculdades em perfeita har- monia com a estructura physica. Assim, o incentivo do amor exerce apenas sua influencia sobre a lesma e sabre os outros diíTerentes generos de animaes de corpo flaccido e frio; a agi- lidade , a presteza e a astúcia formão o apanagio dos insectos, cujos caracteres distinctivos são um grandíssimo numero de a? ticulos delicadíssimos e muito mo- vi veis : o bicho rojanle foge ao menor ruido , porque apresenta uma carne molle, fciavel por assim dizer, e porque não está armado de meio algum de de- fesa; a coragem, a audacia, a crueldade e a voracidade eneontrão-se no leão, nq tigre , na aguia e no abutre, animaes dotados de grande potência muscular, de meios de ataque terríveis e do esto- mago tão cálido quanto vasto; o cordeiro, pelo contrario, privado de todo o meio de ataque, forma o symholo da mansi- dão e da timidez: o carneiro, o macaco, o gallo, e esse outro animal domestico, amigo do homem, nos quaes se observão orgãos testieulares volumosos e enérgi- cos, fazem-se notáveis por sua potência genital e por sua extrema iascivia. «Exa- minem-se todas as especies de animaes, diz Roussel, e ver-se-ha que nelles o mo- ral se refere constantemente ao physico, a cólera e a crueldade marchão sempre com a força, e sempre a timidez é a par- tilha da fraqueza. » Porém hão de objectar-me não haver igualdade na comparação : o homem occupa a primeira ordem entre a uni- versalidade dos entes da natureza, dos quaes se distingue pelas perfeições de sua organisação , e pela extensão , bem como pela energia, de suas faculdades intellectuaes. A isto responderei que a vida é uma em todos os seres que delia são dotados, porém que os phenomenos vitaes são tanto mais numerosos e tanto mais perfeitos , quanto mais o são os mesmos orgãos. Assim, dai ao vegetal uma matéria nervosa e fibras mtscu- losás, e em breve não ficará mais preso ao solo que o vio nascer; transformai o casco do burro em dedos tão soltos como os do macaco, e elle mostrará a mesma destreza que este ultimo animal: ponde o Jarynx e a mão do homem no corpo do macaco, e vereis como este quadrú- pede, já tão notável por sua destreza e por sua intelligencia , poderá rivalisar com a especie humana. Demais disso, será verdade que se preste a natureza ás nossas divisões arbitrarias, e que tenha talhado caracteres bem distinctos entre o homem e os animaes em todos os sentidos? Por ventura a nação dos Cau- guis , dos Padons e diílerentes outras tribus selvagens não offerecem a seme- lhança physica a mais pasmosa com a especie de macaco designada pelo nome de chimpanzey; e, segundo o relatorio de Plínio, cuja veracidade nunca ninguém contestou , não apanhou o almirante Hannon, no cabo Arguin, em sua expe- dição á África, duas mulheres selvagens todas cabelludas, correndo mais velozes do que os homens, defendendo-se com violência por meio de dentes que trazião sobre um focinho muito allongado, e de tal sorte confundidas com as lemeas de certos macacos, que não ousarão os naturalistas pronunciar que pertences- sem á especie humana ou â outra? Nada lia mais capaz de nos dar uma justa idéa da potência organica do que as importantes modificações operadas no moral pela massa cerebral, ou sensorio commam. Nenhum naturalista ignora com effeito que as faculdades intellectuaes são tanto mais desenvolvidas quanto mais considerável é o volume que offerece o apparelho cerebral, comparativamente ao resto da economia. « Não se conce- derá acaso algum fundamento a esta opinião, diz o professor Richerand, se se attender que o homem, entre tantos entes, alguns dos quaes tem com elle tão grande semelhança de organisação e de estructura, é também aquelle cujo cerebro propriamente dito é o mais grosso relativamente ao cerebello, á medulla do espinhaço, aos nervos e ás outras partes do corpo? Porque não succede- ria o mesmo com o cerebro que com todos os outros orgãos, que tanto melhor preenchem suas funcções, quanto mais completo é seu desenvolvimento ?» a Esta differença do volume do cere- bro na especie humana e nos brutos , diz o célebre Bichat, é um indicio pa- tente da superioridade do homem no sentido dos pkenomenos inteLlectuaes, os (juacs se referem todos á massa encepha- lica. o De tal sorte é verdade que a massa encephalica decide por si só do gráo de intelligencia dos animaes, que se vê este centro sensitivo adquirir um volume tanto mais considerável, quanto passa dos animaes os mais estúpidos ao que se acha á frente delles pela grande ex- tensão de sua potência intellectual. «Se, como o parece demonstrar a observação, diz o professor Dumérií, a quantidade d.e substancia cerebral contida no craneo de- termina a maior ou menor intelligencia nestes animaes, é o homem aquelie de todos que mais favorecido deve ser, pois que seus miolos são extremamente volu- mosos, sobretudo em proporção da gros- sura da cabeça, de que a face não occupa senão uma parle muito pequena. » Para avaliar e representar a differença do tamanho do cerebro e do gráo de intelligencia, tanto nas differentes clas- ses de animaes como nos diíTerentes homens, Camper, aquelie célebre ana- tomista e observador profundo, imaginou uma linha vertical partindo da testa á barba, e vindo cahir mais ou menos per- pendicularmenie sobre outra linha tra- çada na direcção da base do craneo , boceta ossea, que, geralmente íallando, nos indica o volume do sensorio commum : ora, a cabida da primeira sobre a se- gunda fórma um angulo tanto mais obtuso, quanto mais volumoso é o ce- rebro. Assim, no Europeu, o maisintel- ligente de todas as raças humanas , o an- gulo facial otíerece de 80 a 90 gráos; no selvagem Americano, não oíTerece senão de 75 a 80 ; no Negro, senão de 70 a 75; em oulras varias Iribus selvagens, de 65 a 70; no macaco, de 30 a AO; no maior numero dos peixes, de 2A a 30. Falía- mos aqui muito approximadamente. Sem levarmos nossas vistas á classe dos entes collocados em grão inferior ao da nossa especie, não ofíérece acaso o homem phenomenos bastante numero- sos e bastante importantes para acaba- rem de nos convencer acerca da questão da influencia organica? Assim: 1. A potência da alma é quasi redu- zida á nullidade nas primeiras idades da vida, e as faculdades intellectuaes não se desenvolvem senão á medida que vai o cérebro passando da sua extrema molleza a um estado mais solido, e que se vai operando a educação dos orgãos, e com especialidade dos sentidos: NihiL est in intellectu qaod non prius fuerit in sensu. 2. Á medida que o tempo, que tudo gasta, vem gravar o cunho da triste ve- lhice no império orgânico, vemos ir bai- xando progressivamente o principio in- lelligente, e ninguém ignora que, no sentido das faculdades da alma, a decre- pitude e a infancia tem a mais perfeita semelhança entre si. « No estado de velhice, diz o célebre Bicliat, o habito, que quasi tudo ha embotado, faz com que o cerebro e os nervos sejão quasi inactivos: memória, imaginação, juizo, attenção, etc., tudo se debilita, tudo não se exerce senão com obscuridade. » 3.° Todos os generos de moléstias, por pouco graves que sejão, que affectão o cerebro ou orgãos que entrelem com esta viscera relações de estreita sympa- thia, produzem necessariamente as mais notáveis modificações no exercício das faculdades intellectuaes. «A loucura, diz o immortal autor da Medicina physiolo- gtea, o professor Dr. Broussais, não existe sem um gráo qualquer de irritação do cerebro.» « O cerebro, principal instrumento da alma para o pensamento , diz o Dr. Fodérè, pôde ser aífcctado idiopalhica ou sympathicamente. Uma commoção, um accidente de apoplexia, ou outra qual- quer affecção comatosa, podem pôr no numero dos insensatos aquelle que era o mais sabio dos homens; assim, a alte- ração ou a perda completa das facul- dades intellecluaes reconhecem frcquen- temenle por causa : l.°, a deslocação da boceta ossea (crâneo), no momento do parto, pelo fórceps ou de outra maneira, ou por um daquelles accidentes tão com- muns na infanda; 2.°, as impressões funestas feitas no cerebro pelos narcó- ticos, taes como opio, xarope de dormi- deira, theriaga, dados imprudentemente ás crianças, cm alguns paizes, pelas amas de leite; 3.°, o abuso do mercúrio no tratamento das moléstias venereas, c de que o Dr. Double vio dous casos que curou ; h.°, o recolhimento de um humor morbifico qualquer que estivesse fóra, particularmente do humor syphilitico, por tratamentos inconsiderados ; 5.°, a retenção ou a suppressão do fluxo mens- trual, das hemorrhoidcfs habituacs, a privação dos prazeres do amor, certas moléstias da bacia; 6.°, as inílammações das vísceras abdominacs, etc., etc. U.° As fadigas excessivas, a fome, a sêde, a necessidade de somno, em uma palavra, todos os generos de debilidade do corpo, produzem necessariamente uma diminuição mais ou menos notável na energia das faculdades intellecluaes. 5. “Emfim, para limitarmos aqui nossos exemplos, não existem porventura certos líquidos, ditos espirituosos, ou excitantes cerebraes, que, aclivando por sua po- tência estimulante o jogo da matéria organica, gozão da faculdade de inflam- mar a imaginação, de escandescer o genio, e de centuplicar, por assim dizer, a potência creadora do pensamento ? Ad vitreos cálices ubi scintillancia vina Subsiliunt oculis, hausto ceu nurnine plenus. Quid nen aggredilur vales? siae munere Bacchi, Fiigidus iu laudes nosler languet Apollo. Depois desta digressão sobre a tr\Nâ* MISSÃO NECESSÁRIA DOS CARACTERES PIIY- SICOS E MORAES TELA VIA DA GERAÇÃO, APPROXIMEMO- NOS MAIS a’ ARTE DE SE FAZEREM FILHOS DE TALENTO. Depois de uma multidão de exemplos que poderíamos citar em abono desta opinião, que são licreditarias as disposições moraes, não podemos resistir ao desejo de referir a passagem seguinte exlrahida do Ensaio sobre a physionomia, do célebre Lavatcr. « Eu conbeço , diz este autor , dous (e não são raros os exemplos deste ge- nero): um, o marido, é de uma vivaci- dade espantosa, ardente impetuoso, assomado, e, o que mais é, escravo dos mais grosseiros deleites; seu carão an- nuncia com efleilo a mistura da impetuo- sidade e da sensualidade; a inchação de suas feições, sua grossura, sua vacillação perpetua , a inquietação de seus movi- mentos, tudo nelle patentêa a pertur- bação que o agita e os desejos que o alormentão. Sua mulher, pelo contrario, de temperamento meio sanguineo, meio melancólico, tem a alma nobre e ador- nada das virtudes de seu sexo; tem o carão bello, as feições regulares e gra- ciosas , e seu ar aííavel e sereno é a ex- pressão modesta do contentamento inte- rior de que goza. « Estes esposos tem dous filhos em tenra idade, um dos quaes tem tantas conformidades moraes com o pai, quantas tem o outro com a mãi; já se tem pro- vas reiteradas disto: previnem-voseapre- sentão-vos esses dous meninos. Em um observais um olhar feroz, feições mais grosseiras, sobrancelhas mais bastas, uma bocca insolente, um carão moreno. O outro tem o olliar brando, o carão alvo, em uma palavra, é a imagem de sua mãi. E então, direis: custa-me a adivinhar; porém pôde ser, em fim, que o filho cujo semblante me offerecc as feições do pai se assemelhe á mãi quanto ás qualidades da alma. Quem não notaria aqui um absurdo manifesto, ou antes quem não sentiria a verdade do contrario?» Conforme tudo o que acabamos de expôr, vê-se finalmente ao que se reduz a arte de se fazerem fillios espirituosos; que todo aquelle que ambiciona dar nascimento a uma posteridade que faça honra á sua memória no sentido das faculdades da inteliigencia, não se allie absolulamente senão com uma pessoa que reuna em supremo grão a força de alma, a coragem, a justeza do racio- cínio, a igual lade de alma, a impassi- bilidade em todo e qualquer evento, uma memória feliz, uma imaginação fecunda, um espirito susceptivel de uma altenção sustentada e de exercitar-se sobre cousas próprias a engrandecer a inteliigencia e a inspirar idéas nobres e grandes, &c. Obj ectar-me-ha o leitor, cioso de não es- ta belecer sua convicção senão sobre racio- ciniose provasinacommeltiveis, que nem sempre os grandes homens encontrão em sua progenitura filhos cujos talentos estejão em relação com a alia reputação que por seu génio merecôrão. A isto se responderá que o observador demonstra que os homens dotados de grande genio quasi nunca se allião senão com mu- lheres que se lhes assemelhem em taes sentidos. Como se sabe, raras vezes são as pessoas de talento favorecidas dos dons da fortuna, e quasi sempre se achão assim na necessidade de prefe- rirem as vantagens pecuniárias ás qua- lidades do espirito. Se algumas vezes succede que reunão grande fortuna a seu merecimento eminente, a facilidade com que sabem fazer succumbir uma multidão de mulheres os conduz ao ha- bito da libertinagem, que em breve os enerva e os torna inaptos para pro- crearem grandes homens, pois que já tem degenerado , não se prendendo muitas vezes nos laços do hymeneu se- não depois de terem usado dos prazeres sexuaes até á extrema saciedade. Emfim, não sabem acaso que os homens de ta- lento oíferecem quasi sempre uma es- pecie de misantliropia e de originalidade em seu caracter , que lhes faz antes buscar a doçura e a complacência do que grandes meios intcllecluaes ? Mas, para a arle de se fazerem filhos espirituosos, ha outra consideração que muito mais merece fixar a nossa altenção: é a educação da infancia. A tenra idade, como se sabe, ó uma verdadeira cera molle , á qual se não podem dar todas as formas e todas as impressões pos- siveis, salvas todavia as que estivessem em contradicção manifesta com as dis- posições naturaes e fortemente pronun- ciadas de sua organisação physica e de seu espirito. Não ó sómente na idade cm que co- meça a razão a desenvolver-se na criança que lhe cumpre começar a educação , porém sim lambem desde o instante em que é cila depositada no porto da vida. Que digo? Cumpre curar delia desde o instante em que ainda cila está no ventre de sua mãi. Direi mais, deve-se pro- céder a isso antes mesmo do coneebi- mento : eu me explico. Sabe-se que é a mulher que mais parle toma na propagação: conforme o de- monstrámos, ella encerra em seus or- gãos os elementos do homem futuro, alimenta-o durante nove inezcs com sua própria subsistência, e emfim ainda o nutre com seu leite depois de ter vindo ã luz Occupe-se pois o espirito de uma menina que é destinada ao casamento com lodos os pensamentos proprios a engrandecerem o dominio da sua inlel- ligencia. Pouco tempo antes de com ella gozar os prazeres donde póde re- sultar um novo ente, electrise-a seu es- poso com o fogo do pensamento, para o fnn de lhe penetrar todo o seu ser, e, conseguintemente, o germen do homem que ella traz cm seu ventre. Muito tempo antes dc casa-la, evitem aban- dona-la aos trabalhos fúteis e suscep- tiveis de lhe acanharem o circulo das operações menlaes. De seu lado, entregue-se o mancebo a#s estudos sérios, verdadeiramente úteis e capazes de lhe darem aquella justeza de juizo de que elle não póde produzir a primeira centelha no ovo humano, se delia se achasse destituído. Evite sobre- tudo com grande cuidado abandonar-se tle modo immoderado a prazeres ener- vantes, com especialidade pouco tempo antes de se entregar a um coito de que aguarda um íYuclo. Viva uma vida dura, evitando todavia dar-se a exercicios bas- tante cansativos, para que o corpo e o espirito recebão penosos ataques. Seja s o brio e isento de lodo o excesso, tanto em vinho como em amor. Durante os nove mezes que a mulher traz em seu ventre o frueto de seus amo- res , deve lambem observar certos pre- ceitos sem a pratica dos quaes não póde obter esse tão desejado íiiho de talento. Evite tudo o que é susceplivel de fazer com que esse ente fraco soííra impres- sões penosas, tanto no physico como no moral. Siqão-lhe lolahnenle alheios os trabalhos immoderados, a indolência, u apathia, as affecções demasiado vivas, o jejum prolongado, os excessos no ali- mento c no vinho, a tristeza, a afllicção e o uso hnmoderado dos prazeres. Du- rante este tempo entregue-se ella a lei- turas, espectaculos e pensamentos sus- cepliveis de exercerem vantajosamenlc sua iutelligencia. Não perca de vista que o fructo que ella traz em suas entranhas é uma verdadeira porção delia mesma , o qual communica immediatamente com o coração , e recebe por conseguinte todas as impressões boas ou penosas que ella mesma experimenta. Tem-se dito tudo acerca da educa- ção e da cultura do talento do homem; por conseguinte, nada tenho que ac- erescenlar aqui sobre semelhante as- sumpto: autores de bastante monta tem tratado amplamente desta matéria; e de mais disso , nada posso dizer que não seja sabido pelos pais, por pouco escla- recidos quesejão. O que, porém, me não é possível passar em silencio é o ponto importante da amamentação materna. Impôz a natureza á mulher o imperioso dever de encarregar-se ella mesma desta nobre funcção. Não foi sómente para ornato que esta mãi previdente a proveu desses hemispherios elegantes que ella quasi sempre conta entre seus mais po- derosos atlractivos. Não é de balde que , depois do nascimento da criança , o san- gue que na madre servia á sua alimen- tação se dirige para as mamas, afim de alii se transformar em um liquido doce e bem apropriado á delicadeza de seus orgãos. Todos os animaes dotados de mamas apresenlão o bico do peito a seus filhinhos desde o instante em que são dados á luz: não ha tigre qne se negue a este dever e o transmitia a um estra- nho. Não se pode observar semelhante exemplo senão nos paizes civilisados, ou, antes, arrancados a seus deveres naluraes e sagrados. Para conseguir filhos de talento, deve a mulher amamenta-los com seu proprio leite: é sómente assim que ella póde es- perar alimentar e engrandecer o fogo do jgenio, que já lhes foi transmitlido pelo acto da propagação. Se entretanto razões poderosas de saude a forção a privar-se deste delicioso prazer, forceje por achar uma ama ca- paz de a substituir em todos os sentidos. Não basta que esta ultima oíFereça to- dos os caracteres da mais ílorenle sau- de; é também indispensável que se não ache destiluida de educação e do mais perfeito bom senso, sob pena de ver des- truir-se, pelas qualidades de seu leite, a maior parte das vantagens que se ti- vesse tomado o desvelo de communicar á criança, tanto ao preparar-se a pro- crea-la e a dar-lhe a centelha da vida, como ao tomarem-se, durante a gravi- dez, todas as precauções possíveis para se fortificar sua economia physica e en- grandccer-se-lhe o espirito. Ninguém ignora com eíTeito a facilida- de com que as disposições physicase mo- raes se transmittem ao rccem-nascid» pela via da amamentação. QUARTA PARTE. ARTE DE SE PROCREAREM FILHOS BELLOS. As bases da arte de se procrearem crianças bonitas são absolutamente as mesmas que as da precedente. Sempre , geralmente fallando, será obtido este resultado, reunindo-se nos esposos a belleza physica que se ambiciona trans- mittir aos filhos. Se já reconhecêmos que as qualidades mesmas da alma se communicão pela via da geração , quan- to se não sentirá a necessidade de se ad- jnittir a transmissão da belleza ou da fealdade physica, pela mesma via? Já demonstrámos sufficientemente a extre- ma influencia do molde sobre o pro- duclo, e seria agora inteiramente su- pérfluo apresentar novas provas em favor da nossa proposição: que o prodacto deve necessariamente achar-se cm relações estreitas de semelhança com o productor. Seria debalde que se esforçaria mu indi- víduo qualquer por encantar-vos os ou\i- dos com sons harmonisos, se não reu- nisse em si á justeza da voz e do ouvido uma organisação favoravel do larynx, ou a faculdade de fazer tocar bem os ins- trumentos de musica, &c. Nunca uma pintura nos lisongeará os olhos e reve- lará sempre a inferioridade de seu au- tor, se este não é dotado do conheci- mento do bello ideal e da faculdade de o reproduzir. Nunca uma tirada de ver- sos alcançará o nosso suffragio , se o seu autor não reunir em si, de uma maneira eminente , o conhecimento perfeito da língua em que escreve, os princípios da versificação, um gosto decidido pela poe- sia, uma imaginação brilhante, tempe- rada por um juizo perfeito, o estro poé- tico , &c. Nunca um vegetal chegará ao seu apogeu de crescimento , de força , de tamanho e debelleza, se se achar plantado em um terreno despido dos princípios necessários á sua alimen- tação. Assim, formosas senhoras, que am- bicionais reconhecer-vos ou exceder-vos na vossa progenitura, evitai cautelosas unir-vos a homens que não reunão to- dos os elementos da belloza physicacom que quereis adornar vossos filhos. Em primeiro lugar, dirijão-se vossos olhares para a estatura do aspirante á benevolência de vosso coração: que elle não seja nem de talhe gigantesco nem de mesquinho aspecto; um justo meio é aqui indispensável. Conforme o tem notado todos os médicos philosophos, e, ainda recentemente, o professor Dr. Iiicherancl, no seu excellenle Tratado de Phjsiologia, raras vezes são grandes ho- mens os homens grandes; e, por certo, eu presumo que vós não dais menos apreço ao espirito do que ao corpo. Além de assim evitardes dar nascimento a grandes lôtos, correreis menos perigo de encontrar em vosso esposo uma grande fraqueza genital. 0 homem muito peque- no, por seu turno, oílerecerá inconve- nientes que se presentem facilmente, e que, por conseguinte, é inútil mencionar. Não escape ao vosso exame a côr dos cabellos e outros pellos. Adoplai o ho- mem cuja cabeça se ache ornada de grande quantidade dc cabellos escuros e não muito lisos. Enfeitem-lhe o rosto duas magnificas suiças : seja-lhe a fronte assombrada de sobrancelhas igualmente escuras, compridas e espessas; sejão as bordas de suas largas e moviveis pálpe- bras guarnecidas de pestanas, tão nume- rosas quanto compridas e perfeitamente airosas; apresente-vos seu queixo, nem muito comprido, nem muito pontudo, nem mettido para dentro, uma barba densa e rija, nunca loura nem ruiva. Eis eerlamente alguns dos atlributos de uma grande potência genital, e raras vezes a experiencia desmentirá esla proposição. Ora, é somente um homem vigoroso e energico que póde procrear filhos for- mosos. Examinai depois as outras parles da cabeça o da face : o tamanho da primeira c um angulo facial bem desenvolvido se- rão para vós indicios quasi sempre cer- tos do genio, conforme o observarão Campcr, Lavatcr, Gall, e tantos outros physiologistas distinclos. E em tal indi- viduo que muitas vezes achareis reuni- dos a força de alma, a jovialidade e aquellcs desvelos amaveis de que tão ciosas sois. Não seja a face, ornada do genero de nariz que o sexo ama e sabe tão bem apreciar, nem muito allongada nem muito orbicular, e sobretudo nem terminada por longo queixo. Em suas or* bitas gyrem com extrema agilidade olhos vivos, scintillanles, cheios de fogo, de cor parda, escura ou preta, e nunca azues. Achem-se os lados dessa face va- ronil e engenhosa terminados para trás por pavilhões auriculares bem desenha- dos e sufficienlemente desenvolvidos. Fugi da orelha de lebre e ligai o maior preço á justeza do ouvido; a orelha falsa, que não é natural ao homem , denota sempre um vicio de organisação nas parles internas dos orgãos auditivos, nos nervos que abi se distribuem, ou na séde do pensamento. Uma boeca, sufíiciente- mente grande, ache-se ornada de dous lábios bem desenvolvidos , bem verme- lhos, e de duas magnificas carreiras de dentes sãos, alvos, uniformes, separa- dos, e cobertos por gengivas nem incha- das nem pallidas, e de perfeita solidez. Nunca percais de vista que a carie dos dentes denota quasi sempre ou um máu regimen antecedente, e por conseguinte debilitante, ou vicios dos orgãos inter- nos, ou uma negligencia immunda e condemnavel, ou em fim a existência do virus venereo 11a economia, conforme minha numerosa pratica no tratamento das moléstias syphditicas m’o tem muitas vezes provado, nas numerosas consultas que faço cada dia sobre estas affecções. Einfim, pelo que diz respeito á face, preferi sempre feições moviveis, expres- sivas e perfeitamente pronunciadas. E na força c no vigor que consiste a bella organisação do sexo masculino, e não em um rosto bom arredondado, liso e macio, vantagens que não devem ser consideradas como taes senão quanto ao sexo feminino. Entre este bello semblante e um peito bem conformado , observe se um pes- coço nem muito grosso , nem muito curto, nem muito comprido. O pescoço grosso e curto , comquanto favoravel á inteliigencia , predispõe ás apoplexias , entretanto que demasiado comprimento na mesma parte é o indicio de fraca por- ção de inteliigencia , e se observa com- mummente nos phthisicos ou nos acha- cados do peito. Seja esse pescoço da vossa escolha sup- portado por um peito amplo ; execule-se sempre a respiração sem esforço algum e sem nenhum cansaço: possa elle an- dar, correr, subir e descer , sem se achar facilmente esbaforido. Ilombros bem quadrados, sem serem de muito grande volume, formem o principio de um braço de musculos sólidos e perfcilamente de- senhados. Uma mão, nem muito grande nem muito pequena, termine esse braço vigoroso de um modo pronunciado, e não por graduações insensiveis, como se exige para a belleza physica da mu- lher. Nunca olvideis, minhas bellas da- mas , que um peito muito acanhado de- nota um coração e pulmões comprimi- dos, c, por conseguinte, pouca força, pouca coragem, e uma predisposição fortemente pronunciada para uma mul- tidão de moléstias de peito , com espe- cialidade para essa mortal aífecção co- nhecida pelo nome de phthisica pul- monar. Ao mesmo tempo, minhas formosas senhoras, que especificardes sempre a vossa repugnância por um ventre de Baccho , abstende-vos cuidadosamente de fixar a vossa escolha em um indivíduo chato a este respeito. Um ventre bem bojudo, sem que possa esta disposição ser attribuida a uma nutrição excessiva ou a moléstias do baixo-ventre , deverá sempre ser para vós o indicio de orgãos digestivos bem desenvolvidos, enérgicos, capazes de preparar uma forte dose de suecos nutritivos e restauradores. —Fugi sempre esses liomens a quem incommo- dão o menor excesso de comida: soffrer indisposições pelo menor excesso em alimento ou em espiritos, é dar uma prova não duvidosa de grande fraqueza ou de irritação clironica, quer nos or- gãos da digestão, quer em outras parles mais ou menos cssenciacs á vida, quer emíim, quanto aos espiritos, no centro das operações intellecluaes. Preferi sem- pre um homem que , posto sobrio liabi- tualmenlc, possa impune enlregar-sc al- gumas vezes a desmanchos deste genero. Sem vos aconselhar que exijais côxas, &c. , mesquinhas e magras, também vos não aconselharei que fixeis vossa esco- lha em indivíduos que oífereção estas partes demasiado desenvolvidas. Muito grossas, com eííeilo, formão um dos attributos do vosso sexo, e denotão, no homem que as offerece laes , esse carác- ter , detestável no nosso sexo, qualificado de feminino. Além disso, sabei que es- sas mesmas partes achando-se em per- feita vizinhança com os orgãos sexuaes, não podem adquirir um volume exces- sivo senão í\ custa destes últimos, e que, por conseguinte , denotarião grande fra- queza em sua acção. Augurai sempre bem de uma perna fortemente desenvol- vida, e no emtanlo manifestai vossa re- pugnância por um pé muito grande e por muito fortes mãos, que quasi sem- pre são o indicio de fraca porção de in- teliigencia. Depois de termos lançado uma vista de olhos sobre as principaes partes do ho- mem e demonstrado quaes são as condi- ções sem as quaes ellc não pòde procrear bellissimos filhos , resla-nos examinar rapidamente o porte, a voz, a nutrição, a magreza, os temperamentos, as ida- des , os vicios e as virtudes. Um porte nobre, um andar altivo e simples ao mesmo tempo, desembaraço em todos os movimentos do corpo, agi- lidade , presteza, destreza em lodos os exercicios e divertimentos, facilidade nos trabalhos mesmo cansativos, deno- tafaáõ orgãos flexiveis , vigorosjunente organisados e perfeitamenle sãos. Fugi pois esses homens cujos movimentos to- dos se não executão senão com difficul- dade e lentidão, e sêde sempre enthu- siastas da vivacidade dos movimentos do corpo, hem como da das faculdades intellectuacs. Uma voz fraca e argentina no homem denota extrema fraqueza corporea, um ente sem caracter, sem energia e sem potência genital. Ora, como é possivel dar o ser a filhos nobre e magniíicamente organisados , sem condições primarias da bellcza physica e moral? Uma magreza excessiva denota fra- queza nos orgãos digestivos, moléstias internas e occullas, algum habito per- nicioso, paixões perigosas, &c. De ou- tro lado, raramente encontrareis uma saude perfeita e grande vigor nos ho- mens dotados do excessiva nutrição. Este ultimo estado, com elfeilo, não per- tence quasi sempre senão a homens lym- phalicos, apathicos, setn energia jrliy- sica e moral. O temperamento do homem não é menos digno da attenção do bello sexo do que qualquer outra consideração. E sabido que o que se entende por tempe- ramento não é outra cousa senão o pre- domínio de um svslema ou de um appa- relho de orgãos sobre os outros, e que se podem reduzir ao numero de seis principaes, a saber: 1. O temperamento sanguíneo , o qual resulta do grande desenvolvimento do apparelho circulatório, isto é, do coração, das artérias, &c. O \ivo colo- rido da lace, vivacidade em lodos os movimentos , um espirito tão alegre quanto ainavel e engenhoso, leveza e inconstância em amor, uma inclinação íorlemente pronunciada pelo bello sexo e pelos prazeres que elle dá, são os al- iribulos das pessoas dotadas deste tem- peramento. 2. O temperamento nervoso , que é Constituído pelo predomínio do svstema sensitivo, isto ó, do cerebro e dos ner- vos. Grande alvura ou antes verdadeira pallidez da cutis, olhos engenhosos, scintillanles e cheios de fogo, extrema mobilidade nas feições da face, muita sensibilidade de coração e de espirito, uma successão rapida de sensações nu- merosas e fugazes, imaginação viva e brilhante, laes são os principaes attri- butos das pessoas nervosas. 3.° O temperamento musculoso ou athletico, o qual se annuncia pela pe- quenez da cabeça, pelo volume consi- derável do resto do tronco e dos mem- bros, pela dureza das projecturas na- turaes, pela força, pela fraca actividade da inlelligencia, e muilissimas vezes pela pouca propensão ao amor. Vê-se que este temperamento resulta do excessivo des- envolvimento do apparelho locomotor, isto é, dos musculos , dos ossos, &c. h.° O temperamento bilioso, o qual parece devido ao volume e á actividade do fígado. A côr escura da pelle e dos cabellos, a pertinácia do caracter, a perseverança, a ambição, o amor do estudo, &c., são outros tantos caracte- res que denotão a excessiva abundancia da bilis, para nos servirmos de uma ex- pressão commum. 5. O temperamento melancólico, o qual não é senão a exageração do prece- dente. A magreza e a pallidez da cutis, a concentração das feições da face, a dif- ficuldade das digestões, antipalhia pela sociedade, a distracção, são os principaes caracteres que distinguem o melancólico. 6. O temperamento lyvnphatico, que consiste no predominio dos vasos deste nome. Seus principaes atlributos são cabellos louros, olhos azues, um rosto uniforme e tão brando como pouco ex- pressivo, grande amenidade no caracter, ar de deleixo, coração amante e franco, tedio maior ou menor pelos trabalhos physicos ou intellectuaes. Em nossos dias olha-se assaz geral- mente como errónea esta opinião, que consiste em crer-se que deve necessaria- mente cada um dos homens achar-se dotado de um destes seis temperamen- tos, ou pelo menos de dous reunidos para formarem o bilioso sanguíneo, o bi- lioso nervoso, &c. Nós nos reunimos aos physiologistas modernos, e cremos que um destes temperamentos perfeitamente pronunciado não é senão um caso acci- dental , posto que infinitamente fre- quente, e que denota sempre um ver- dadeiro estado doentio, ou pelo menos uma eminente predisposição para certas affecções. Assim , o temperamento san- guineo predispõe para os ataques de apoplexia sanguinea, para os defluxos de peito, &c.; o nervoso, para uma mul- tidão de dôres de cabeça, de nevrosis, &c.; o musculoso , para os rheumalismos de estorriago, do ligado, dos intestinos, para os humores viscosos, &c.; o me- lancólico, para a hypocondria , para a loucura, & c. ; o lyinpliatico, para as escrophulas ou alporcas, para as hydro- pisias , &c. Km consequência disto, deve a mu- lher evitar de dar a sua escolha a um indivíduo que oííereça um destes tempe- ramentos em seu perfeito desenvolvi- mento. Assim, arrede de si o homem a quem a menor circumstancia faz subir o sangue á cabeça, dc maneira a ameaça-lo dc um ataque de apoplexia. Esse vivo colorido da pelle e todas as outras van- tagens do temperamento sanguineo po- dem sim lisongear um instante os olhos e o espirito, mas é a verdadeira bellcza que cumpre procurar, e não um vão brilho sem utilidade real. Afaste ainda mais esses nervosos fas- hionables, essas almas vaporosas, esses espiritos levianos e superficiaes, esses homens mais galanteadores do que pró- prios para a propagação. Sem duvida as mulheres de espirito leviano achão al- gumas vezes um motivo agradavel de distraeção nessas almas sentimentaes; porém as pessoas razoaveis collocaráõ sempre acima destas frágeis vantagens a saude, a força, o vigor e um espirito verdadeiramenle solido. Imaginão muitas mulheres que devem 217 achar grande potência genital nos ho- mens que a natureza dotou de possante energia muscular; mas longe está de ser assim: 05 Hercules não são athldas-em amor, e nenhuma pessoa algum pouco iniciada nas sciencias physiologicas igno- rará que não se póde um systema desen- volver fortemente senão á custa dos ou- tros orgãos da economia. Além disso, suppondo-se um volume proporcional nas partes sexuaes , nem sempre é nesse volume que jaz o vigor, porém sim na actividade, conforme o vimos nos peitos. Ora, esta actividade ou esta potência viril acha-se infinitamente rara nos alhletas. Em outro sentido, raras vezes tem a mulher motivo de se felicitar da bran- dura e das maneiras amaveis dos indivi- duos que um excesso de força physica convida incessantemente a exerce la e a dissipa-la. Deve igualmente a mulher teste- munhar grande antipathia pelo bilioso. Pensativo, ambicioso, dissimulado, exi gente, imperioso, desconfiado, predis- posto a uma multidão de dôres ou de moléstias abdominaes, é elle pouco pro- prio a fazer-lhe trilhar dias felizes, e a dar-lhe aquella bella progenitura de que ella é tão ciosa. Se deve afastar-se do bilioso, com maior razão deve fugir o melancólico , que reune em gráu muito mais subido todas as desvantagens do primeiro. Emfim, manifeste a mulher a mais pronunciada aversão pelo lymphatico. Nada nelle, senão uma grande bran- dura e uma fallenciaabsoluta decaracter e de vontade, póde compensar uma só das desvantagens inherentes ao tempe- ramento de que é dotado. Esses cabellos louros ou ruivos, esses olhos azues e sem expressão alguma, essa cara re- donda, lisa e sem nenhuma mobilidade nas feições, essa nutrição muitas vezes excessiva, essa lentidão em todos os movimentos e essa falta absoluta de vi- vacidade, não são por ventura provas patentes da sua carência de energia phy- siea e moral? Quem não sabe que os cavallos e os cães brancos são infinita- mente menos vigorosos do que os outros? Demais, com taes maridos correm as mulheres o risco de não darem á luz se- não filhos alporquentos, rachiticos, &c. A idade do individuo com quem se casa é da mais alta importância para a arte de se procrearem filhos bellos. Muito moço , o homem não fornece senão um licôr mal elaborado , pouco consistente e não impregnado daquella força neces- sária para transmittir o vigor e a belleza reunidos; porquanto, o que é a ultima sem a primeira vantagem? Se o mancebo não reune em si os elementos da força e da belleza, com maior razão se acha delles deslituido o homem cuja idade veio lançar a debilidade em sua econo- mia. Sabe cada qual que o velho só fornece um licôr claro e inteiramente improprio para a procreação de entes sadios, vigorosos e dotados das quali- dades physicas e moraes que fazem o encanto da vida. Demais, não são elles susceptiveis de fornecer à sua progeni- lura os vicios morbidos ou de organi- sação que nelles pudérão gerar os pro- gressos da vida? Emfiin, ha ninguém que ignore que os filhos que elles pro- crêão são, além de uma grande fraqueza, muito frequentemente aífectados de de- formidades ? A idade mais própria ao lim que nos propomos conseguir nesta parte da nossa obra são os primeir.os annos que e seguem ao termo da adolescência, isto é, os da virilidade crescente. Sabe-sc que a adolescência se estende da puberdade aos vinte e cinco annos, e que a virili- dade se conta desde esta ultima idade até aos cincoenta, cincoenta e cinco ou sessenta, épocha da vida em que co- meção a apparecer as geadas rigorosas do inverno. Poder-se-hia comparar a vida do homem com as quatro estações do anno: a primavera , do nascimento aos vinte e cinco annos; o verão, dos \inte e cinco aos ‘quarenta ou quarenta e cinco; o outono, dos quarenta aos cin- coenta e cinco ou sessenta; e o inverno, desta ultima idade ao termo natural de nossa existência. Ora, destas diííerentes idades, é o verão da vida o tempo em que o homem se acha mais apto para a procreação de filhos bellos e perfeitos; e ainda assim deverá sempre a mulher preferir individuos que não tenhão ainda chegado aos quarenta. Muito tem os autores variado de opi- nião entre si ácerca da distincção das differentes idades da vida do homem , e facilmente se concebe a causa disso , abstracção feita da influencia dos climas e de todas as outras considerações; a da diíferença de comportamento e de orga- nisação dos differentes individuos. Assim, comquanto não seja verdadeiramente se- não aos trinta annos que o homem chega ao apogêo de suas forças, não é muito raro encontrarem-se mancebos que mos- trão todo o vigor possível desde os seus vinte e cinco , e mesmo desde os seus dezoito annos. Do mesmo modo , com- quanto não seja senão na idade de qua- renta ou quarenta e cinco annos que se fixa o começo da virilidade decrescente, é extremamente frequente encontra- rem-se indivíduos que offerecem desde os seus trinta annos todos os caracteres do inverno da vida. Emfim, não se vêm todos os dias homens de cincoenta e cinco annos excederem em vigor a virilidade principiante? Sente-se com efTeito que a compleição, a saude, as moléstias, o regimen de vida habitual, o proceder, as paixões, &c. , devem pôr frequente- mente em falta as divisões arbitrarias dos naturalistas. Entre os males susceptiveis de dete- riorarem a compleição do homem e ele debilitarem nellc a potência regenera- dora , não ha nenhum mais frequente e ao mesmo tempo mais temível e mais fecundo em resultados desagradaveis do que essa moléstia conhecida pelo nome de syphiíis, ou moléstia venerea. Quan- tas desordens, com eífeito, não póde determinar em todos os orgãos esse ve- neno destructor de nossos mais d@ces gozss ? As deformidades, numerosas mo- lestias chronicas e incuráveis, a impo- tência genital absoluta, uma progenitura das mais mesquinhas, e até a morte, taes são os eífcitos demasiado communs desse funesto presente do novo mundo. E tão horrivel o mal que nos occupa, quanto está geralmente espalhado; a falta de conhecimentos médicos neces- sários para se reconhecer a existência desta moléstia nas pessoas a quem a gente se entrega, a apparcncia dc fres- cura e de belleza que muitas vezes offe- recem certos individuos completamente infectados do virus venereo, as nume- rosas fôrmas que pôde trajar este verda- deiro Prolêo, o pejo que a miudo se oppõe a uma coníissão salutar, o atlrac- tivo irrcsislivel de um sexo ardenlemente appetecido, e as numerosas vias pelas quaes pôde a sypliilis communicar-se de uma a outra pessoa, são outras tantas circumstancias que nos explicão a fre- quência pasmosa do mal venereo. Se é verdade, como o disse Ilippo- crates, que o conhecimento da arte me- dica inleressa a todos os homens, e que não deve constituir o dominio exclusivo de um só corpo social, quão evidente se não torna esta verdade para uma moléstia cuja ignorância pódc acarretar tão penosas consequências ! Esclare- cidos pelo conhecimento dos symp- tomas e do tratamento desta affecção , quão facil não seria aos esposos evitar ou curar um mal a lodos os horrores do qual elles se aclião muitas vezes expostos, bem como sua progenitura, por falta de dados necessários para lhe poderem ve- rificar a existencja nas pessoas com quem se allião ! O bello colorido do rosto, o carão vermelho da cútis, o ar de frescura e de saude nas pessoas com quem se ten- cionar contrahir os laços do matrimonio, são outras tantas circumstancias que de ordinário captivão a confiança e fazem pronunciar que os individuos que offe- recem apparcncias tão felizes estão per- feitamenle sãos. Quanto porém são essas apparcncias susceptiveis de induzir em erro ! Nem sempre são toes os progressos elo mal, que exerea o virus sua acção sobre o todo da economia, e quantas e quantas vezes nos não tem succcdido encontrar em pessoas, na apparencia as mais sadias e as de melhor saude, cor- rimentos pertinazes, bubões, postulas, ulceras Yenereas de natureza roedora , e que já tenhão desorganisado uma porção do membro viril ou da vulva, o véo do paladar, &c. ? E assim que debaixo das mais bellas flores descansão alirumas O vezes os animaes mais venenosos, Que haverá mais capaz de illudir as pessoas não iniciadas no conhecimento dos diversos symptomas desta moléstia do que os numerosos disfarces de que se póde revestir o virus que a occasiona ! E assim que elle sabe trajar alternaliva- m mte as diíTerentes fôrmas de uma simples escandescencia nos orgãos ge- nitaes c ourinarios, de um abscesso ordi- nário, de umadiarrhéabranca, de ilnxos brancos , de gretas ou rachas nos ; és e nas mãos, de borbulhas, de excreseen- cias de carne, de alporcas, de escor- buto, de violentas dores de cabeça , de phtliisica pulmonar, &c. Vavios mutans valtas! Comquanlo possa o mal venereo ser contraliido por grandissimo numero de outros meios que não sejão os prazeres sexuaes, e comquanto esteja elle longe de ser constantemenle o fructo da devas- sidão e da libertinagem , é sempre , aos olhos do publico injusto, uma moléstia tão vergonhosa quanto hedionda. Por isso , quantas pessoas se não resolvem a ir consultar o homem da arte senão quando já ella tem lançado profundas raizes e causado os mais horriveis es- tragos ! Entretanto , nem por isso deixão os desejos amorosos de fazer-se sentir. Que digo! até são muitíssimas vezes ex- citados pela acção irritante do virus sv- philitico sobre as partes sexuaes. Longe está de ser sempre um obstá- culo á satisfação de nossos ardentes desejos a certeza da existência de um mal contagioso em uma pessoa ardente- mente appetecida. E de facto, o incen- tivo do amor exerce tão poderosa acção sobre nós, arrasta-nos para o objecto desejado de um modo tão imperioso, que pouco nos devemos maravilhar de vermos diariamente esfaimados de deleite afagar com embriaguez pessoas em quem suspeitão e até reconhecem a existência de uma moléstia terrivel que elies vão necessariamente contraliir. Emfim, o que ha mais capaz de nos dar o motivo da multidão innumeravel de pessoas acommettidas da moléstia syphilitica do que seja o grande numero dos canaes pelos quacs se póde trans- mittir o virus venereo ? O trabalho re- productor está longe de ser o unico meio de propagação desta especie de veneno: póde a criança ser délie penetrada desde o instante mesmo de sua creação ; po- dem-o communicar-se rcciprocamenle o menino de peito e a ama que o cria : beijos lascivos são susceptiveis de o transmittir, e elle póde introduzir-se na economia pelos contactos os mais sim- ples e os mais innocentes. Segundo esta exposição summaria sobre o modo de obrar, sobre as diffe- rentes fôrmas e sobre as vias de com- municação do vírus syphililico, facil é sentir-se (]ue a moléstia venerea está longe de ser sempre o 1'rncto da devas- sidão; que póde manifestar-se no homem da mais severa castidade, e que, rigo- rosamente fallando, ninguém tem cer- teza de não ler em si um principio de gallieo, momentaneamente occullo na torrente dos humores, e devendo cedo ou tarde revelar sua existência porsymp- tomas mais ou menos assustadores. Desde então sc concebe quanto imporia a quem quer que seja adquirir uma noção mais ou menos completa desta terrível mo- léstia. Foi compenetrados destas verdades, c com o lim de sc tornarem uteis á humani- dade , que um grande numero de auto- res compozerão tratados sobre as molés- tias syphiiilicas, para a cura prompla e radical destas alfecções, indicando o meio de reconhecê-las todas por seus diversos symplomas, de cada qual cu- rar-se a si mesmo no maior segredo , setn se desviar de suas occupações, e alé via- jando, por meio de remedios brandos, seguros, e tão infalliveis quanto pouco dispendiosos. Uma destas obras foi vendida com o titulo de Trotado elementar da Syphills; uma segunda com o de Medico de Venus; emfim , acaba de se publicar terceira com o de Arte de se curar a si mesmo nas moléstias venereas, por Godde de Lian- court, vertido em portuguez e adaptado ao clima do Brasil pelo l)r. Caetano Lo- pes de Moura (*). Esta ultima está inlei- ramenle ao alcance do vulgo, augmen- tada de pormenores tão interessantes quanto uteis; de um formulário em que (*) Um volume, ornado com uma estampa, á venda em casa do E. e H. Laemmert, rua da Qui- tanda N. 77, no Rio de Janeiro. Preço Rs- 3&000 (onde também se acha a Obra intitulada Enfermi- dade vonerea. Exposição dos diversos methodos de tratamento qtie lhe são applicaveis, e das modifi- cações que lhe são necessárias. 2 volumes encader- nados , Rs, /»$ 000). sc encontrão os medicamentos proprios a curar-se. Digamo-lo (para vergonha daquclles que pudessem fazer intervir sua autori- dade) , existe uma multidão de supposlos methodos novos para se curar asyphilis, annunciados diariamente da maneira a mais emphatica sobre as paredes e nos diííerentes diários de annuncios da ca- pital. Sabe-se que o medicamento de que mais geral mente se faz uso ó o su- blimado corrosivo, um dos mais vio- lentos venenos fornecidos pelo reino mi- neral. E com eíleito , administrado na dose de tres , de dous e até de um só grão para certos indivíduos , póde causar a mais cruel morte em menos de algumas horas. Para darmos a nossos leitores uma idéa dos eíFeitos desastrosos deste corrosivo , delineemos os principaes symptomas do envenenamento por este mineral. Apenas é elle introduzido no estomaço em dose muito forte, imme- dialamente , exercendo a sua acção irri- tante sobre a mucosa que o alcatifa , ahi determina violenta inflaminaeão caracte- risada por nauseas , vomitos de sabor de cobre , e por dôres as mais cruéis na região gastrica. Etn breve o appa- relho respiratório e o systema nervoso tomão-se, ou sympathicamente ou pela absorpção de uma parte do veneno. Estão em seu auge os puxos, vivas dôres se fazem sentir no peito , manifestão-se convulsões , o estomago acha-se ferido de gangrena, e uma fraqueza extrema vem a ser o precursor de uma morte próxima e inevitável. Eis aqui o pernicioso remedio que quotidianamente publicão imprudentes charlatães, com uma multidão de deno- minações enganosas e magislracs. Sup- pondo-se que se administrasse este remedio em doses mesmo as mais dimi- nutas, não se tem acaso que temer seu uso longo tempo continuado? Consul- temos as pessoas que se tem deixado caliir neste engodo embaidor, e escu- temos a longa enumeração dos accidenles penosos que resenlírão do uso impru- (lento, destas funestas drogas. Um nos mostrará gengivas pallidas, desfiguradas, íungosas e desguarnecidas de seus dentes; outro nos fará uma pintura medonha das dores lancinantes e intoleráveis que lhe circulão por lodos os membros, pelo peito e pelos outros diversos pontos da economia; um terceiro se queixará amar- gamente de extrema debilidade de es- tômago ou de irritação contínua desta parle, bem como dos intestinos, que tornão nelle as digestões das mais pe- nosas e das mais dolorosas; um quarto excitará nossa sensibilidade sobre uma progenitura mesquinha , affcctada de oppilação do baço, de escorbuto, de al- porcas e de uma multidão de outras aíTecções, todas mais deploráveis umas do que outras. Eis talvez, donzellas re- catadas, os esposos que vos serão offe- recidos por prémio de vossa virtude, de vossa severidade de princípios; e agora maravilhem-se de que se vos tracem regras sobre a arte de prevenirdes as deformidades cm vossos filhos e de os procrcardes tão sadios quanto bellos o de talento! Conforme o que acabamos de dizer acerca dos funestos eífeitos do virus sy- philitico e dos tratamentos perigosos muitissimas vezes postos em uso para o combaterem, facilmente sentirá a don- zella o quanto lhe importa não fixar sua escolha senão em homens que não tem passado por provas tão cruéis. Por mais encanto que para ella tenha ao primeiro aspecto um galanteador amavel, cortez e parlidario exagerado dos prazeres se- xuaes , faça ella escrupulosas investi- gações sobre seu proceder presente e passado, e tenha sempre império bas- tante sobre seu coração para delle ex- pulsar para sempre tudo o que cheira a libertinagem, como circumslancia a mais desfavorável á procreação de filhos bellos em todos os respeitos, e como flagello o mais funesto que a possa acommetter. Piesta-nos agora dizer algumas pa- lavras sobre as virtudes, vicies, aífeições, inclinações. Confessarei que não reconheço bel- leza que não seja adornada do beilo or- nato da virtude. Geralmente fallando, todas as funcções se executão de um modo mais regular e mais facil no homem vir- tuoso do que no vicioso. Achando sem - pre em seu coração e em sua consciência os elementos de uma felicidade inexpri- mível e desconhecida á mór parte dos outros humanos, nunca a tristeza e a inquietação lhe vem perturbar a sereni- dade da alma, circumstancia tão favo- rável á saude. O homem, pelo contrario, que è dominado porviciosou por paixões baixas , é naturalmente inquieto , melan- cólico e sem alegria alguma, estado tão desfavorável á saude quanto lhe é vanta- joso o primeiro. Certas paixões, posto não sejão con- demnaveis por si mesmas, são suscep- tiveis de desfechar os mais penosos golpes no physico e no moral, e, por conse- guinte , de trazer os maiores obstáculos á procreação de entes formosos. Assim, o pintor, o musico e o poeta, incessan- temente importunados por sua musa , tomão um caracter de originalidade e de fantasia que muitas vezes poderião ser considerados como um primeiro gráu de loucura. O malhematico consummado, o philosopho incessantemente em ex- tase, o moralista muito severo, o reli- gioso fana tico e o ambicioso vão com o tempo adquirindo gosto pela sociedade, um caracter sombrio e melancólico, in- diíferença por sua progenitura, e uma impotência genital mais ou monos pro- nunciada. O estadista que julga dever sacrificar tudo a seus intuitos , a quem domina a ambição, e que está penetrado deste axioma dos governos despóticos, que não ha crime em política, torna-se cruel e barbaro. Ora, é sabido que in- commoda influencia exercem estas cir- cumstancias sobre ii potência procrea- dora c sobre o amor paterno. Concluamos portanto que a mulher, em vez de se deixar deslumbrar pelo prestigio de certas disposições da alma próprias a atlrahir a seu marido a re- putação de grande homem , deve sempre propender para reunir o physico e o engenho em justas proporções. Evite alliar-sc com individuos cujos penosos trabalhos inlellecluaes devem priva-la das caricias que tem direito de esperar delles, e pelas quaes ordinariamente suspira com tanto ardor antes do matri- monio. Fixe sua escolha em homem que saiba cultivar seu espirito de um modo 1’acil, e não capaz de dar golpe em seu ser physico e moral. Escolha sempre aquelle que se sabe distinguir no mundo sem se isolar da sociedade , nem se privar dos prazeres tão naturaes á natu- reza humana; descansar nos encantos de uma conversação intima de seus es- tudos habituacs; emíim, que com ellas saibão repartir esses gozos cujas côres inelíavois não podem ser traçadas pela mão do homem. De vosso lado, mancebos que ambi- cionais obter uma bella progenitura , julgai de que importância é a escolha dc uma esposa, pois que é a mulher quem mais parte toma na propagação. E não é ella, com eíTeilo , que fornece os ovos donde deve saliir o liomem futuro, que o alimenta com seu sangue durante os nove mezes da geração, e que, ernfim, o nutre ainda com sua própria substan- cia nos primeiros tempos da vida extra- uterina? Julgai pois o quanto vos Im- poria não dirigirdes vossas aíícições senão a uma pessoa que em si reuna todos os elementos da belleza physica e moral. As qualidades requeridas para cons- tituírem a belleza physica e moral estão longe de ser as mesmas em ambos os sexos. A natureza assignou a cada um delles caracteres particulares sem cujo gozo mão podem merecer nossos sufíra- gios: é mister que o homem seja homem, e que a mulher seja mulher. Ora, os caracteres particulares ao bello sexo são, em resumo geral, a delicadeza, a flexi- bilidade e a brandura, tanto no physico como no moral. Partindo disto, não nos ha do ser muito dillicil compenetrar-nos das con- dições requeridas para que seja a mulher julgada bella e capaz de dar nascimento a íilhos laes quaes os desejamos. O volume demasiado grande da cabeça na mulher seria uma verdadeira mons- truosidade pela qual devemos mostrar toda a nossa antipathia; em tal mulher não poderiamos encontrar senão um caracter imperioso e despolico: o bello sexo deve offerecer esta parle em pro- porções menos desenvolvidas do que no homem, allento o volume do resto da economia. Deve esta cabeça, sempre er- guida com uma mistura de nobreza e de modéstia, achar-se ornada de cabcllos tão bastos quanto compridos e macios ao apalpar. Prefiramos a côr castanha a toda e qualquer outra; esta côr de ca- bellos denota brandura, e mesmo certo gráu de força. Não repelíamos entretanto a loura: a amenidade do caracter, a franqueza, a docilidade e a graciosa ne- gligencia formão seu caracter dislinc- tivo. A morena e a de cabellos prelos são mais de desafiar, mais engenhosas, mais vivas, mais engraçadas, mais des- embaraçadas, mais ardentes no prazer e melhores amas de leite do que a loura e a castanha; porém, em compensação, offerecem um deleite mais tenaz, um caracter mais indomável e uma queda mais ou menos irresistível para o des- potismo. Devem as ruivas , a menos que não tenha a natureza estabelecido ex- cepções ( excepções raríssimas ) para a- quellas que se offerecem ao nosso exame, ser sempre rejeitadas como incapazes dc nos darem filhos bellissimos. « Nunca, diz o immortal Bicliat, podem ter attrac- tivos para nós os cabellos de um ver- melho de fogo, nem seus diversos matizes. A mór parte dos povos tem por uma ruiva uma aversão não equivoca. E de- masiado geral esta opinião, para que deixe de ter um fundamento real. O principal me parece ser a connexão ordinaria desses cabellos com o tempe- ramento, e por isso mesmo com o ca- racter que deste resulta ; ora, não é com- mummente a mais feliz a especie de caracter associada a este genero de ca- bellos, comquanto liaja muitas excep- çõès a este principio passado em adagio. Outro motivo de aversão pelos cabellos côr de fogo é que o humor que os lu- brifica exhala muitas vezes um cheiro fétido, estranho ás outras especies de cabellos.... O preto é a expressão da força e do vigor. Quasi seria ridicula uma cara de athleta com cabellos louros, os quaes são o attributo da fraqueza e da molleza, íluctuão sobre a cabeça das figuras que os pintores tornarão alheias ás grandes paixões, ás cousas fortes e heroicas; achão-se sobre as caras dos jovens, nos quadros em que os risos, os divertimentos, as graças e o deleite pre- sidem aos assumptos que ahi são expri- midos. » Os pellos das sobrancelhas participão da natureza dos pellos do apparelho se- xual e dos cabellos, conforme o notou o célebre autor que acabamos de citar. Por conseguinte as mesmas reflexões são lanto para uns como para outros. Sejão elles abundantes, compridos, juntos, e ofíercção uma disposição mais ou menos patente para encresparem. As louras tem-os em pequena quantidade, no en- tanto que as pretas, as morenas, e muitas vezes as castanhas, apresentão-os infini- tamente mais unidos. Com razão tem sempre os olhos sido considerados como um espelho onde vem debuxar-se naturalmente nossas disposi- ções internas, tanto no physico como no moral: é pois mister que olhemos com a maior atlenção para os olhos da pessoa com quem nos propomos casar. Palpebras perfeitamente rascadas, tão moviveis quanto expressivas, devem achar-se ornadas de compridas pestanas, tão conchegadas quanto hem desemba- raçadas. Tomemos sentido em que uma matéria glutinosa considerável lhes não embarace mais ou menos a acção ao sahir da cama, e fujamos sobretudo aquellas que os offerecem habitualmente de uma vermelhidão mais ou menos carregada. Semelhante disposição denota sempre princípios de irritação, moléstias internas occultas, aflecções syphiliticas ou pai- xões mais ou menos vergonhosas. Em geral, é a côr dos olhos relativa á doscabellos. Assim, amulherdecabellos louros os terá azues, a morena os terá pretos ou pardos etc. Por conseguinte a mesma reflexão para a côr dos olhos que para a dos cabellos. Demos sempre o maior apreço a uns olhos vivos, engenho- sos, muito desenvolvidos, ternos e modes- tos ao mesmo tempo. Sobretudo nada de entregarmos o coração a mulheres cujos olhoseslejão habitualmente com olheiras. Semelhante disposição, além deoííerecer uma repugnância quasi insuperável, forma sempre o indicio de paixões vio- lentas, de tristeza interior, de moléstias internas, do habito pernicioso da mas- turbação, ou de outros desmanchos na moça que a apresenta. Como ninguém o ignora, o tamanho da bocca está, em geral, em proporções relativas com o desenvolvimento e a acti- vidade dos orgãos da digeslão. Em vir- tude disto, sente-se facilmente que não quadra mal no homem tê-la grande, elle que se deve alimentar de um modo iníinitamenle mais abundante do que a mulher. Esta, porém, deve oíTerecê-la tão pequena quanto marcada do encar- nado da rosa. Uma hocca demasiado vasta denota muitas vezes na mulher uma disposição maior ou menor para os excessos do comer e para os que se lhes seguem naturalmente. Lábios pallidos, assim como gengivas da mesma côr, e não sufficientemente rijas, formão o in- dicio de uma saude mesquinha, de uma vida languida ou de funestos hábitos. Quanto devem as suiças e barba cer- radas ter attraclivos para a mulher, tanto devemos nós mostrar antipathia pelas pessoas do sexo que, neste sen- tido, oífereccm uma organisação seme- lhante á nossa. Não padece duvida que podem hem esses pellos mais ou menos desenvolvidos que assombrão o rosto de certas mulheres, e que são o indicio de grande desenvolvimento dos das parles sexuaes, ter algum altraclivo somente para o deleite; mas saibamos que tal organisação no bello sexo produz uma prova irrecusável de um temperamento demasiado fogoso ou do liabito de se en- tregar de maneira excessiva aos prazeres libidinosos. Ora, acaso podemos razoa- velmente esperar encontrar nesses vira- gos aquella fidelidade que faz o encanto e a ventura dos esposos? Lançai vossas vistas sobre as prostitutas de certa idade: não achais quasi todas com barba no queixo? De mais, raramente nos oíferc- cerião taes mulheres aquella mansidão de caracter, que, com a virtude, forma o mais bello apanagio do bello sexo. Uma cara lisa, oval orbicular, sem projeclura nem covasinha alguma no- tável, é uma das principaes condições da belleza na mulher. Maçãas e uma barba saliente, a ponto de deixarem en- trever cavidades fortemente pronuncia- das, serião tão contrarias á belleza quanto lhe são favoráveis grandes olhos pretos. Entretanto, ao passo que manifestarmos nossa aversão por feições muito forte- mente pronunciadas no bello sexo, sai- bamos avaliar aquellas que o não são senão em justo gráu, necessário para dar expressão á physionomia. Podería- mos por ventura reputar bella uma pessoa que nos não offerecesse senão um magnifico rosto inanimado ! Por este magnifico rosto deve achar-se sobrepujado um pescoço perfeitamente arredondado, um tanto mais comprido do que no homem (sem todavia mostrar demasiada semelhança com o das partes e dos animaes os mais estúpidos). Diante desta parle entreveja-se apenas aquella projectura formada pela cartilagem do larynx, vulgarmente conhecido pelo nome de pomo de Adão. Observai se não vem certos movimentos da alma determinar a subila apparição de veias muito volu- mosas c a projectura considerável de alguns dos musculos qne sc achão abun- dantemente espalhados nesta região : nada seria mais proprio a denotar uma natureza colérica e fogosa. Todos conhecem os laços da estreita sympathia que ligão entre si os peitos e as partes sexuaes. Não lia ninguém que ignore que as irritações de uns produzem sempre erecções nas outras. Que mulher não tem observado que as maminhas se entumecem á chegada do menstruo, e que se tornão a séde de uma dôr mais ou menos sensível em toda a affecção da madre ou das outras partes da geração? Em consequência disto, de- vemos julgar-nos autorisados a concluir do desenvolvimento e da actividade dos orgãos especiaes da geração pelo dos peitos. Sim, um peito bem desenvolvido, cheio de solidez e de resistência, deno- tará sempre uma mulher períeitamenle organisada para a reproducção da es- pecie. Tomemos cautela em nos não dei- xarmos illudir por certos volumes fictí- cios: saibamos distinguir o que é real- mente glandula do que não ó senão gordura. Como porém o pudor o os cos- tumes do nosso século se oppoem quasi sempre a tal exame da parle dos casa- menteiros, devemos terminar já o que respeita aos peitos. Um peito muito estreito, hornbros e quadris muito pouco desenvolvidos em uma mulher, são outras tantas razões que devem delia arredar um homem cioso de não procrear senão filhos bellos; são com eííeito os indicios, a primeira disposição de uma inclinação á phthisica pulmonar, e a segunda de uma diílicul- dade maior ou menor em dar á luz o lructo da conceição. Um ventre mui lo chato ou muito mettido para dentro de- nota pouco desenvolvimento nos orgãos da digestão, muitas vezes nos da geração, e, por conseguinte, fraquíssima potência no acto da digestão e da geração. Tem-se sempre manifestado predi- lecção particular pelas mulheres esbeltas, liem allongadas, de quadris dilatados, de côxas fortemente desenvolvidas, e tem-se lido razão. Esta disposição indica com effeito, grande desenvolvimento nos ossos que constituem a bacia, e, por conseguinte, mais facilidade cm parir. Sabe-se que o andar natural da mulher se assemelha ao dos patos, para nos servirmos da expressão das parteiras. Ora, provém este modo de progressão de uma dimensão maior da fieira pel- viana no homem, disposição das mais favoráveis ás funcções especiaes devolvi- das ao bello sexo. As mulheres applicão- se cuidadosamente a corrigir este genero de andar. Quanto a nós, que devemos preferir sempre as qualidades esscnciaes para se procrear da maneira a mais per- feita possível, saibamos sempre preferir aqucllas que menos babeis se mostrarem em corrigir a natureza neste sentido. A estatura não é menos digna de fixar a nossa attenção do que qualquer outro caracter physico. Muito alta, a mulher pare com diíficuldade; muito baixa, não faz, por assim dizer, senão abortos: tomemos portanto um justo meio. Nunca um homem case com uma mulher que o exceda consideravelmente no sentido da estatura; ella não lhe poderia dar senão fdhos muito feios: entra eviden- temente nos intuitos da natureza que o sexo masculino prevaleça ao feminino, em igual sentido- li de vinte a quarenta annos a idade em que a mulher é julgada inais própria á procreação. Mais moça, não reune ainda o gráu de força necessária para engendrar vigorosamente; mais idosa, vai locando ao termo que lhe prescre- veu a natureza para a cessação da po- tência procreadora. Entretanto, digamos que é dos vinte e dous aos trinta annos que cila mostra mais aptidão para pro- crear filhos que rcunão a força á belleza. Não descuidemos o que diz respeito aos diversos temperamentos da mulher, a qual os oííerece de tantas sortes como o homem; e já a este respeito apresen- támos dados sulíicientes para estabele- cermos a nossa preferencia. Quanto ns qualidades moraes, sabe- mos que não ha verdadeira belleza sem as da alma, do espirito e do coração, e vamos terminar com algumas conside- rações acerca da magreza e da nutrição. O tecido cellular, de outro modo dito tecido esponjoso e trama primitivo da organisação, isto é, aquclle conjuncto de laminas delgadíssimas, encruzadas entre si em mil sentidos diversos, de maneira a formarem milhões de cavi- dades que todas se communicão em todos os pontos do corpo; o tecido cellular, digo, o qual circunda todos os orgãos da economia, aos quaes serve como de pennugem, e até entra na composição intima das partes solidas por sua conden- sação e por sua animalisação mais per- feita, deve achar-se, na mulher, mais abundante, mais molle, mais delicada, mais extensível, mais branco e embebido de maior quantidade de gordura do que no homem. Ora, como a elegancia e n belleza dos contornos são sempre uma consequência necessária da maior ou menor abundancia do tecido cellular, segue-se que deve a mulher exceder in- íinitamente o liomem quanto á perfeição e ao gracioso das fôrmas. Póde-se mesmo dizer, em these geral, que é esta condição a base da formosura da mulher, e que ella se não torna realmente attractiva para o homem senão tanto quanto a reune em justas proporções. E de facto, é de balde que uma pes- soa do sexo oíTerecerá uma estatura mag- nifica, um talhe dos mais esbeltos e dos mais mimosos, coxas, braços, pernas e dedos dos melhores conformados: se todas estas partes não receberem gra- ciosos contornos por uma justa pro- porção do tecido cellular e uma nutrição suíliciente, será quasi sempre sem eíFeito sobre nossas almas. Que maravilhosa influencia, com eífeito, não exerce sobre nossos sentidos uma mulher que á bel- leza da organisação do corpo junta a doçura e a elegancia das fôrmas! Qual o homem que não ambiciona encontrar nella aquella pliysionomia oval orbi- cular, lisa e terna, formando tão perfei- to contraste com a aspereza das feições do homem! Um pescoço perfeilamente arredondado, sem projectura alguma, e reunindo, por graduações inleiramente insensíveis, o rosto, os hombros, o peito e o tronco! Hombros cuja elegante rolun- didade vai terminar-se na extremidade de uma mão gordinha, por uma dimi- nuição complelamente progressiva! Pei- tos hemisphericos, cheios de solidez, de alvura deslumbrante, ainda realçados por botões rosados, e cujos admiráveis contornos vão perder-se, assim como um ventre graciosamente arqueado, com rins, quadris, côxas e hombros superior- mente contorneados, espalhão seus de- liciosos agrados até ãs extremidades dos dedos!! 1 Preserve-nos Deus de aconselharmos aos homens, zelosos em encontrar uma mulher capaz de dar-lhes filhos bellos, que recorrão á nudez para verificarem a existência d’eslas condições indispen- sáveis da bellcza physica: nossos cos- tumes, e mais ainda o pudor, oppoera- se essencialmenle a tal exame tão insul- tante para a virtude; mas não são por ventura as roupas leves, inventadas pela casquilharia das mulheres, verdadeiras garças sufficientemente transparentes para deixarem distinguir a natureza de sua organisação, e pronunciar se ellas reúnem aquella belleza physica sem a qual não podem dar nascimento a bellos filhos? 1NFLUENCIA DA IMAGINAÇÃO SOBRE A DE- TERMINAÇÃO DA BELLEZA. Acabamos de vos expôr, leitores, os principaes preceitos que devem ser obser- vados para se procrearem filhos bellos. Ha porém outro meio auxiliar destes últimos, e de que podereis tirar a maior vantagem para o fim em que pomos a mira: é a lorça da imaginação, essa fa- culdade procreadora da alma que nos lança cm um volver de olhos aos quatro cantos do universo, transporta-nos em um segundo á immensidade do espaço, torna-nos perfeitamente presentes os objectos mais distantes do nós, transmitle- nos a faculdade de inventarmos e até de arrancarmos do nada, perdôem-me esta expressão, entes que nelle estavão mer- gulhados. E essa potência maravilhosa que invocareis em vossa coadjuvação no momento do acto da propagação, especial mente quando não reunirdes todas as qualidades physicas necessárias para procreardes filhos bellos. Com o auxilio deste meio, não haverá par que não possa esperar, em rigor, dar nasci- mento a filhos, senão de perfeita belle/.a, ao menos dos mais espirituosos. De mais, será também por esta maravilhosa facul- dade, posta conveniente e fortemente em acção, que podereis esperar obter um sexo com preferencia a outro. Antes porém de indicarmos de um modo es- pecial a direcção e o exercicio que convém dar-lhe para se conseguir este tríplice fim, façamos uma curta digressão sobre a influencia desta faculdade pro- creadora nos differentes phenomenos de que se compõe a geração. É tal a influencia da imaginação sobre o desenvolvimento dos orgãos sexuaes, que está demonstrado que ella póde fazer adiantar a épocha da puberdade dc um e até de vários annos. É sabido que os filhos dos campos, ultimo asylo dos cos- tumes, mostrão~sc, em geral, casadouros um ou dous annos mais tarde do que os das grandes cidades, com especiali- dade daquellas onde reinão a licencio- sidade e a libertinagem. Nada roais fre- quente do que as puberdades prematuras na cidade de Paris, onde se achão reu- nidas tantas circumstancias relativas á procreação dos sexos, laes como a leitura dos romances, os espectaculos, as es- tampas, as pinturas e as estatuas de que estão entulhados aquelles salões c os jardins públicos, e sobretudo a presença continua, em todos os pontos mais fre- quentados da capital, dessas lúbricas Mes- salinas, com os adornos os mais indecen- tes, os gestos os mais provocadores, com discursos os mais attrahentes, os mais lascivos e os mais corruptores para a ju- ventude inexperta, que não póde ver nessas serêas senão a doçura dos prazeres com que lhe permillem embriaga-la , e não toda a torpeza ligada a seu trafico aviltante. Se a força da imaginação é bastante poderosa para determinar um desenvol- vimento rápido e precoce nos orgãos sexuaes, com mais valiosa razão é sus- ceptivel de influir o modo de sua acção e de sua secreção. Ninguém ignora que a condemnavel leitura de obras licenciosas, a vista de pinturas lascivas e a presença mais ou menos tempo continuada de mulheres libertinas, prcparão para eja- culações infinitamente de mais vigor na tarde dc um dia em que tiverem inces- santemente occupado o espirito com pensamentos lúbricos do que naquella em que se tiverem entregado ás occupa- ções ordinárias. Esposos que ainda go- zais de todo o vigor da idade, respondei: abandonastes-vos nunca com mais ardor aos prazeres sexuaes do quê na noite de um dia em que tinha a vossa imaginação nadado nas idéas as mais aprazíveis e as kUaís susceptiveis de atear em vós 0 logo do deleite? E vós, ancião que já não experimentais senão em longos tervallos o estimulo do aguilhão do amor, não é sempre após taes circumstancias que vos sentis arrancar ao entorpeci- mento completo de que vos sentis amea- çados de dia em dia, pelos progressos de uma vida decrescente? Esta mesma potência da alma, da qual acabamos de admirar os effeitos para a secreção dos licores proprios a excitarem ao amor por seu incentivo, mostra-se de um modo ainda mais sen- sivel para as erecções. Qual é a pessoa a quem não tenha succedido ver-se súbito consumida pelo fogo mais devorador, com uma só palavra, com uma simples reflexão, ou á vista repentina de uma porção dos orgãos que o pudor nos im- põe o dever de encobrir aos olhos? É tal esta força do pensamento, que nem mesmo o mais profundo somno nos pódc subtrahir á sua possante acção: não basta um sonho, cujo objecto é uma pessoa revestida de todos os encantos capazes de nos deleitarem os sentidos, para nos lazer experimentar as mais vio- lentas erecções, e até determinar ejacu- lações as rnais abundantes? Não é acaso uma verdadeira maravilha o poder esta faculdade do homem, no mais absoluto isolamento, rodear-se dos objectos os mais encantadores, e oíTerecendo os at- tractivos de que nunca talvez a natureza dotou um mortal, prodigar- lhes as mais ternas caricias, receber a expressão de seus ardores, em uma palavra, saborear em supremo gráu todas as doçuras da mais deleitavel realidade? O parto mesmo não se acha subtra- hido á potência da maravilhosa facul- dade que nos occupa. Não ha parteiro que não tenha tido occasião de observar a influencia da imaginação sobre as mu- lheres paridas. Annunciai a uma pessoa com dores de parto, e isto com o accento da mais perfeita convicção, que só lhe fallão alguns minutos para o feliz instante de seu bom successo, vereis animar-se o trabalho do parto, vereis as contracçòes da madre tornarem-se mais frequentes e mais fortes, e muitíssimas vezes produzir com eííeilo, na hora indicada, a expulsão de seu fructo. Assegurai, pelo contrario, com o mesmo accento, á mesma pessoa, que longe está ainda de ter chegado o momento do parto, vereis o trabalho tornar-se languido, aflrouxarem-se as contracçòes uterinas, em uma palavra todos os symptomas de uma demora real no parto. Se póde a imaginação da mulher ope- rar taes mudanças em um instante em que parece que a madre e a criança devão, mais do que em toda e qualquer outra épocha da gravidez, achar-se subtrahidas á sua influencia, quão mais facilmente devemos admitlir a mesma acção sobre o feto! Que homem, por pouco physio- logisla e observador que seja , poderia negar a potência da imaginação da mu- lher sobre o fructo fraco e delicado de seus amores? A fragilidade de seu ser, sua incorporação na economia mesma da mãi, sua alimentação com a própria substancia desta, não são por ventura circumstancias que nos demonstrão a necessidade de se admittir esta influen- cia ? Muitas vezes a menor irritação produz tremores em todos os membros da mu- lher: por que razão o feto, que com justo titulo póde ser considerado como uma verdadeira porção delia mesma, não resentiria os effeitos partidos de um centro de que elle mesmo recebe os principios da sensibilidade que o anima? Devemos sobretudo admittir esta opi- nião, quando se reíleclir que, além de ser ella baseada nas verdades incontes- táveis da sãa physiologia , está perfeita- mente esleiada na observação. Sem ci- tarmos o exemplo de uma mulher de quem se refere que deu á luz um filho que tinha os quatro membros rolos, por ter ella visto rodar um criminoso durante sua prenhez, não temos nós todos os dias ante os olhos phenomenos análogos que, comquanto menos mara- vilhosos, e conseguintemenle mais cri- veis, reúnem todos os elementos da nossa convicção a este respeito? Qual é a pessoa, por pouca pratica que tenlia do mundo, que se não tenha achado em estado de observar os pode- rosos eíFeilos da imaginação da mulher sobre o fructo contido em suas entranhas? Aqui encontrareis uma mãi cujo filho se acha incessantemente sujeito a con- vulsões violentas, tendo aquella soffrido abalos mais ou menos fortes da alma durante o periodo da prenhez; ali, vereis um menino de saucle fraca e mes- quinha, devida a profundos pezares de sua mãi durante o tempo da gravidez; mais adiante, achareis outro turbulento, emprehendedor audaz, porque sua mãi, durante o espaço de tempo em que o trazia em seu seio, se achou sujeita a circumstancias que exigirão o desenvol- vimento de um animo heroico, etc. «Que uma mulher, diz Maupertids, perturbada por alguma paixão violenta, achando-se em grande perigo, assustada por um animal medonho, dè á luz uma criança disforme , nada ha nisto de diílicil a compreliender. Ha por certo entre o feto e a mãi uina connnunicação bastante intima, para que uma agitação violenta de seu espirito, do sangue da mãi, se transmitta ao feto e ahi cause desordens a que podem resistir as par- les da mãi, mas a que succumbem as parles demasiado delicadas do feto. # Eis-aqui, como se vê, a explicação bem natural da potência da imaginação da mulher sobre a formação dos monstros de todos os generos. Reslar-nos-hia fallar dos desejos e signaes de nascença; porém julgamos ter dito bastante para demonstrar a grande influencia da mãi sobre o fructo de suas entranhas. Facilmente conceberá o leitor co- migo que o feto se achará tanto mais sujeito á acção das afleeções da mãi, quanto menos distante estiver da épocha do concebimenlo. Com os diflferentes periodos da vida uterina succede o mesmo que com a extra-uterina: os modifica- dores naturaes obraráõ de um modo menos poderoso e menos sensível sobre a criança de sete annos do que sobre a que acaba dc ser depositada no porto da vida; da mesma sorte a imaginação da mãi exercerá uma influencia mais forte sobre o ente que se acha apenas formado ein seu ventre do que sobre aquclle que já tiver adquirido grande gráu de crescimento, de consistência e de força. Com tão vivo esplendor brilha aos olhos esta verdade, que seria abso- lutamente supérfluo accrescentar mais prova alguma em seu abono: de neces- sidade ha de o ente fraco mostrar-se em uma dependencia mais patente dos mo- dificadores naturaes da economia vivente do que aquelle que tem chegado ao apogeu do seu crescimento e do seu vigor. Em consequência disto, devemos con- cluir que o instante em que o homem futuro se acha mais apto para receber as diversas modificações susceptiveis dc ser impressas pela imaginação dos pais é aquelle em que nos ovários lhe é com- municada a centelha da vida, pela acção do licor espcrmatico. Sabe-se que deve esta mesma imaginação exercer a mais manifesta influencia sobre a secreção dos rudimentos do homem futuro, isto é, sobre o licôr espermatico e sobre os ovulos, como o demonstrámos prece- dentemente. Nesta serie de verdades, todas tão claras quanto demonstradas e fáceis de ser concebidas, sente facilmente o leitor de que auxilio lhe póde vir a ser a força da imaginação, não só para a arte de fazer filhos formosos, como tam- bém para a de se conseguirem os sexos ã vontade e fazerem-se filhos espiri- tuosos. «Affirmão, diz lioussel (e com ra- zão leria podido accrescentar ), que a disposição moral em que se póde então achar a mulher ( o instante do concebi- mento ) tem muito poder na formação do feto, quer para determinar o caracter e a tempera de seu espirito, quer para modificar de diversas maneiras sua cons- tituição physica.» Em outra parle disse- mos que era verosímil que muita iníluen- cia exercitem sobre a maneira de viver da mulher os diversos estados dos hu- mores, ou pela impressão local quepossão fazer sobre as partes sensíveis, ou pela percepção geral que delles tem a alma. Como entre ella e o corpo ha uma corres- pondência intima e constante, póde também ser que os movimentos da alma, refluindo sobre os humores, lhes causem alterações momentâneas, augmentando ou diminuindo a vitalidade. Se assim fosse, teria isso sobretudo lugar pelo semen em um momento em que todas as faculdades da alma parecem reunir-se para vivifica-la, e em que toda a sensibi- lidade se concentra no orgão que a for- nece. ® Devem pois os esposos, tanto durante o coito como nos instantes que o prece- dem, penetrar seu espirito, e por conse- guinte todos os orgãos da economia, dos pensamentos mais favoráveis ao íim que se propoem. O homem anhelante por dar o ser a um bello filho deve repre- sentar a seu espirito, pelos esforços de sua imaginação, o objecto mais attraclivo e mais encantador que nunca tenha a natureza exposto aos olhos de um mortal. De seu lado, a mulher, animada do ar- dente desejo de conseguir o mesmo resultado, concentre todas as suas facul- dades no mais bello dos homens, e, du- rante todo o tempo da sua prenhez, prin- cipalmente nos primeiros mezes que se seguem ao concebimento, espraie inces- santemente seu espirito na contemplação do bello. Vem aqui a observação abonar nossos raciocínios e nossos preceitos : vêm-se todos os dias mulheres darem á luz um filho que oflerece a mais perfeita seme- lhança com um indivíduo para quem muitas vezes tiverão occasião de olhar fixamente, ou pouco tempo antes da concepção, ou immediatameale depois, ou emfim nas outras diflerenles épochas da gravidez, sem que por isso tenlião com elle tido commercio algum amoroso. Pela mesma razão, quantas esposas infiéis não vemos nós darem a seus maridos filhos que com elles se parecem perfeita- mente, comquanto não tenlião estes con- tribuído para a sua formação senão ex- pondo-se quotidianamente aos olhares de seu marido, e modificando poderosa- mente o germen de um concebimenlo adultero, pela transmissão mais ou menos frequente de um licôr proprio a imprimir ainda grandes mudanças na fabricação primitiva desse germen alheio? « A semelhança dos filhos com seus pais, diz Valisnièvi, não provém senão da imaginação da mulher. É tão grande e tão poderosa sobre o feto a força desta imaginação, que pode produzir manchas, monstruosidades, desarranjos de partes, accrescimos extraordinários, assim co- mo semelhanças perfeitas. » Gomo já o fizemos presentir, será lambem por este poder da imaginação que se poderá esperar obter filhos engenhosos, e um sexo com preferencia a outro. Assim, vê-se evidentemente que longe está de ser chimerica a arte de se procrearem os sexos ú vontade, de se fazerem filhos de talento e de os haver bellos, bastando aos esposos invocar em seu adjutorio a força tão sómente da imaginação. FIM DA QUARTA PARTE. QUINTA PARTE. AnTE DE PROCREAR FILHOS SADIOS E VIGOROSOS. De todas as artes que temos exposto nesta obra, deve parecer-nos a mais importante a arte de se procrearem lilhos cheios de vigor e capazes de resistir ás procellas da vida. Uma saude robus- ta será sempre reputada como o primeiro bem de que possa gozar o homem. Que actividade mostrará uma alma acabru- nhada por um corpo languido e sem vida? Que encanto terão para nós certas apparencias de belleza em uma pessoa cujas entranhas se achem presa de males internos mais ou menos dolorosos? Que attractivos poderáõ ter a fortuna e as honras junto de um indivíduo que não póde mostrar sensibilidade senão pelo padecimento que o atormenta? Que ci- dadãos poderão fornecer ao estado espo- sos que apenas possão sustentar sua exislencia, longe de se acharem em es- tado de derrama-la pelo trabalho repro- duclivo? « Para aprendermos a pensar, diz o phiiosopho Piousseau, mister é que exer- çamos nossos membros, nossos sentidos, nossos orgãos, que são os instrumentos de nossa intelligencia; e, para tirarmos destes instrumentos todo o partido pos- sível, mister é que seja robusto e sadio o corpo que os fornece. Assim, em vez de se formar independentemente do corpo a verdadeira razão do homem, é a boa compleição do corpo que torna fáceis e seguras as operações do espirito.» Em consequência desta verdade, am- plamente acima demonstrada, que as dis- posições physicas e moraes se transmittem peia via da geração, devemos concluir que os esposos dotados de vigorosa com- pleição e de perfeita saude são os únicos que poderáõ procrear filhos sadios e çheíos de força. Citar novas provas em abono desta proposição seria perder um tempo precioso e tornar-nos fastidiosos a nossos leitores: ninguém lia que ignore que nunca plantas fortes ebein nutridas poderáõ ser o producto de um terreno secco, arido e que não encerre os mate* riaes necessários a seu crescimento. Parece que os homens tem sempre ligado mais apreço ao conseguirem ani* maes domésticos tão bellos quanto ro- bustos, do que á vantagem inapreciável de dar o ser a filhos vigorosos e capa- zes de supportar as fadigas inberentes á condição que lhes é reservada. Nunca o morador dos campos levará a um touro ou a um garanhão mesquinho uma vacca ou uma egua de que quer obter bellos bezerros, excellentes potros; pelo contra- rio, escolherá sempre os mais vigorosos. Sempre metlerá em seu gallinlieiro o gallo maior, mais atrevido, mais audaz e mais forte. Livrem-se todos os que quizerem ter bons cães de deixar cobrir Sua cadella por um macho degenerado e de má especie. Nunca o carneiro rnais notável nos sentidos que nos occupão deixará de ser reputado o inais proprio a rehabilitar um rebanho de ovelhas de- generadas. Assim, o que os homens sabem tão bem observar para com seus animaes domésticos desprezão muitas vezes para com sua própria progenitura, que no entanto merece Ioda a sua sollicitude e deve occupar o primeiro gráu em seu espirito. Posto sejão a força e a belleza dons que nos devem attrahir de um mo- do, por assim dizer irresistível, quantos casamentos desiguacs não vemos nós cada dia, em iguaes sentidos? Corramos os círculos, os salões, os passeios públicos, etc., e vejamos quanto é raro que sejão bem adequados os casamentos. Aqui vereis uma mulher formosa por sua fres- cura, por sua estatura, pela excellencia de sua compleição, unida a um individuo pequeno, mesquinho, feio e disforme. Ali, serão vossos olhos penosamente feridos pela presença de uma rachitica ou de uma carcunda dando o braço a um cavalheiro cheio de vigor e de vida. Acolá, deparareis com vinte primaveras forçadas a receberem os carinhos de um ancião curvado ao peso dos annos, e en- fraquecido muitas vezes por todos os ge- neros de excessos. Pensão por ventura que seja bem ver- dade, como procurão persuadi-lo ás pessoas para com as quaes a natureza se mostrou madrasta quanto á distribuição das qualidades physicas; pensão que sejão as sympathias da alma que produ- zem taes approximações? Não: só o inte- resse póde fazer calcar aos pés as inspira- ções da natureza, e ninguém me poderia persuadir que uma mulher chegada ape- nas á primavera da idade, e ornada daquellas brilhantes qualidades physicas tão próprias a attraliir os corações quanto a inspirar uma altivez involuntária, possa achar-se arrastada para um velho sem fogo nem vida. Por certo que as mulheres em nada differem das femeas dos outros animaes, as quaes repellem o*s afagos dos machos pecos, e, pelo contrario, ma- nifestão preferencia a mais pronunciada por aquelles que se fazem notar por seu tamanho, por sua belleza. Por mais per- versão que tenha acivilisação introduzido em nossos corações, cm nossos gostos e em nossos costumes, nunca se poderá conseguir anniquilar esse instincto col- locado pela natureza cm todos os ani- maes, em virtude do qual nos achamos arrastados, muitas vezes sem que o sai- bamos, a não procrear senão entes ca- pazes de conservar ao mundo aquella belleza em que esta mesma mãicommum se compraz, e pela qual sabe apaixonar- nos , apezar de toda a força de nossos pretendidos raciocínios. Objectar-me-hão que amizades de crianças, relações de caracteres, certas qualidades da alma, um interesse razoá- vel, a vontade dos parentes, etc., nem sempre permiltem ao homem fixar sua escolha em pessoas perfeitas no sentido da força physica, da potência genital, etc. A isto resnondcrei victoriosamenle mie não ha razão que possa autorisar uni individuo a dar o ser a entes cuja mes- quinha saude, e muitas vezes cujos pa- decimentos contínuos, não poderião se- não fazer-lhes amaldiçoar os autores de sua triste existência. Não é acaso um egoismo dos mais monstruosos tirar do nada entes que não poderáõ arrastar senão uma vida desgraçada, tão insup- porlavel a elles mesmos como ao resto da sociedade? Póde-se por ventura con- ceber um crime maior que seja o de arrancar-se á felicidade do nada uma geração inteira votada desde a sua ori- gem a males despedaçadores que só no tumulo devem encontrar termo ? Na falta de juizo, diremos até de hu- manidade da parte de taes esposos, qui- zeramos que os governos fizessem intervir sua autoridade e não concedessem a fa- culdade de casar senão a indivíduos jul- gados por peritos em estado de não darem o ser senão a entes capazes de lhes prov er á existência por sua força, devendo reunir as qualidades requeridas para contribui- rem á prosperidade da causa publica. Não é senão por semelhante meio que se conseguiria pôr fim a allianças tão monstruosas e tão deshumanas quanto contrarias á ordem social e á sãapolitica. Não ha já nações entre as quaes é vedado ás pessoas doentes casar P E não lêmos nós, emPlutarco, que os Lacedemonios, tão sábios na arte de não dar á repu- blica senão liomens capazes de defen- dê-la, condemnárão á multa grande seu rei Archidamo, e até esliverão a ponto de deslilui-lo, por ter casado com uma mulher pequena e fraca? « Eu conheço, diz o doutor Duplanii, uma senhora casada com um Inglez riquissiino, porém plithisico. Essa senho- ra, sem fortuna, dotada das mais seduc- toras graças, ficou, em menos de dous annos, um cadaver ambulante. Vi uma donzella, resto de cinco filhos, cujos irmãos e irmãas morrêrão phthisicos, depois de terem perdido pai e mâi em tenra idade, e as pessoas da arte attri- buirão a causa disso ao pai que estava alacado de phlhisica antes de casar com a mãi. Mesmo esta donzella não me pa- rece a salvo desta funesta moléstia.» Não ha ninguém, como diz ainda o mesmo autor, que se não tenha achado em estado de fazer semelhantes obser- vações, não só no sentido da phthisica pulmonar, senão também no dosrheu- matismos, da gota, das alporcas, do es- corbuto, de certas compleições, e, com mais poderosa razão, na moléstia syphi- litica. v É pasmoso, diz o célebre Buchan, que nos nossos casamentos demos tão pouca altenção á compleição dos indi- víduos. Sabem optimamente os nossos caçadores que não póde um cavallo de caça ser engendrado por um sendeiro, e que o cão de lralda não póde provir dc um rafeiro mordedor; é isto fundado em leis immutaveis. Um homem que casa com uma mulher de compleição doentia, e que descende de pais de má saude, quaesquer que tenhão sido seus intuitos, nao póde dizer que obrou prudenlemente. Uma mulher atacada de alguma moléstia poderá engendrar; porém, neste caso, seus filhos só comporáõ uma enferma- ria. Que especie de felicidade poderá um pai lisongear-se de saborear então no seio de sua familia ? » « Os Judeus, observa a este respeito Duplanil, linhão leis que, em certas cir- cumstancias, lhes vedavão todo o com- mercio com os doentes, e certamenle todos os sábios legisladores deverião ter tido esta altenção. Certas nações ha entre as quaes não podem casar as pessoas doentes; é porque se complica pelo casa- mento a moléstia de que estão atacadas essas pessoas; é porque essa alliança se oppõe á ordem; é porque fere a politica, e que, por todas estas razões, deve me- recer a attenção dos governos. Não é es- pantoso que o casamento, que é absolu- tamente um negocio de policia, seja considerado como abaixo da altenção daquelles que, por estado, são feitos para mantê-la? Se a vigilância dos mi- nistros da religião levou o governo a crear uma lei, para que se lhe désse conta dos aclos que a Igreja está autorisada a la- vrar, como não a induzio a propor pes- soas instruídas para conhecerem dasaude daquelles que se destinão ao matrimo- nio? Parece que, se a sabedoria está interessada em saber quantas pessoas nascem em um anno, quantas morrem, quantas casão, não havia senão um passo que dar para que desejasse certificar-se se as pessoas que se destinão ao matri- monio são constituídas de maneira a contribuírem para a população, utilidade e segurança do Estado. Não preciso entrar na especificação das vantagens que de tal medida resultarião; todos as prevêm e lhes sentem a utilidade. » Se pudéssemos transigir um instante com nossos princípios, indicaríamos agora quaes são as moléstias que mais importa não ser encontradas nas pes- soas com quem nos poderia unir o casa- mento, como são a phthisica pulmonar, as affecções nervosas, a kysteria, a hypo- condria, a epilepsia, os rheumatismos, a gota, a pedra, as arêas, as empigens, as atporcas, a moléstia venerea, e grande nu- mero de outras genitaes, ou não gcnitacs, das quaes devem umas formar um obs- táculo invencível ao matrimonio, seja oppondo-se á consummação do acto se- xual, seja por sua incurabilidade, e das quaes outras são susceptiveis de ser curadas e não formão assim senão um obstáculo passageiro á união conju- gal. Devemos porém declarar aqui aber- tamente que em geral nos importa em supremo gráu repeliir para longe de nós todo o indivíduo por pouco doente que esteja, e não alliar-nos senão com pessoas sadias, bem dispostas, vigorosas e ro- bustas. Já demos a conhecer os signaes pelos quaes se reconhecerá que um indivíduo junta a força á saude; conseguintemente deveremos terminar aqui o que respeita a este assumpto. Devemos recommcndar ás pessoas bem penetradas da importân- cia de uma excellente escolha em matéria de casamento a leitura do nosso Lavatcr dos temperamentos c das compleições, obra cm que estão expostos os signaes pelos quaes saberá cada indivíduo reconhecer, não só seu proprio temperamento, senão também o das pessoas com quem se poderá achar em relação. Bem conven- cidos da extrema influencia do pliysico sobre o moral, alargámo-nos tanto sobre os caracteres moraes como sobre os do corpo. De mais, ahi se achará um tratado das diíTerentes idades consideradas espe- cialmente no sentido da potência genital, que não póde senão interessar vivamente lodo aquellc que se propõe entrar nos laços do hymencu. Emíim, estando ahi as diversas situações dos diíTerentes ho- mens expostas cem a indicação dos pre- ceitos liygienicos relativos aos estados sanguíneo, nervoso ou amoroso, etc., formará um tratado de hygiene indis- pensável a lodo aquelle que tem o arden- te desejo de dar sabia direcção ás suas faculdades moraes, de se preservar das moléstias a que o expõe a natureza do seu ser, e de trilhar assim longa carreira isenta, quanto possivel, das numerosas enfermidades e dos males de todos os generos a que a natureza sujeita a nossa frágil existência. Antes de entrarmos em outra questão não menos grave do que a que acabamos de ventilar, fallemos de certos preceitos cuja observância é indispensável aos es- posos, mesmo os mais bem constituidos, e, com mais poderosa razão, ás pessoas que já se achão em circurnstancias oppos- tas á procreação de filhos sadios e vigo- rosos, Nada ha mais importante do que a creação de um homem: antes mesmo de estar concebido no ventre de sua mãi, já sua sorte se acha entre as mãos de seus pais, que influem poderosamenle sobre sua felicidade futura somente pela observância das regras liygienicas rela- tivas aos prazeres sexuaes. Por isso, nada ha em tal assumpto que não mereça fixar fortemente a nossa attenção. Nunca os esposos se entreguem ao acto sexual immediatamente ou pouco tempo depois de se terem achado sujeitos a circurnstancias debilitantes ou capazes de destruir a harmonia d;is funcções» Para se procrear um cntc perfeito, indis- pensável é que todas as funcções dos pais se executem com tanta facilidade como força e regularidade. Assim, o instante em que o eslomago exerce sua acção digestiva sobre uma dose considerável de alimentos, bem como aquelle em que se acha vivamente urgido pela fome ou pela sede, formão casos nos quaes convém que nos abstenhamos do aclo propagador. Sobretudo preservemo-nos de a elle entregar-nos no estado de em- briaguez; tanto o espirito como o corpo doente que dahi poderia resultar rece- berião infallivelmente com isso golpes mais ou menos funestos. I)e certo, nunca será cm uma circumstancia em que a razão se acha perturbada que se deverá trabalhar na propagação do homem, cuja qualidade essencial e de que elle mais se gloria é sua superioridade intel- íectual sobre todos os entes que a natureza chamou ávida. Cumpre ser homem para formar outro homem; ora, acaso não se assemelha ao bruto o indivíduo mer- gulhado em nojosa embriaguez? Entre- tanto, digamos que uma leve excitação espirituosa não pode deixar de ser infi- nitamente favoravel. Evitemos trabalhar á formação de um novo ente no caso em que a economia se ache sujeita a alguma irritação vio- lenta, a alguma paixão profunda, como a que é occasionada pela cólera, pelo odio, pela inveja, pela tristeza, por uma dôr qualquer, etc. — O esposo que acaba de soflrer longa enfermidade não deve, tanto no interesse de sua saude como no de sua progenitura, entregar-se ao acto sexual senão muito tempo depois de ter recuperado toda a somma de suas forças primitivas. As pessoas naturalmente fracas e delicadas não deverão trabalhar para a formação de um novo ente senão depois de se terem a isso preparado lon- gamente por forte alimentação, por be- bidas fortificantes, exercícios moderados em ar livre, pela esquivança de todo tra- balho penoso, e sobretudo pela continen- eia: chegados enlão qussi ao rliythmo e ao tom dos esposos naturalmente vigorosos, poderáõ esperar procrear um filho sadio e forte. Mas, para não attrahirem sobre si novos inales c não crearem depois senão entes mesquinhos, tenlião taes es- posos império bastante sobre si mesmos para abandonarem o uso dos prazeres do hytneneu, desde o instante em que se presume o estado de gravidez. Observe estrictamente a mulher, durante os nove mezes que está neste estado, as leis hy- gienicas, sagradas em igual caso para toda a mãi ciosa de merecer rcalmente este doce nome. Regimen analeptico, exercicios moderados no meio de uma saudavel campina, dislracções agrada- veis, serenidade da alma, ausência de todas as paixões violentas ou tristes, nenhum excesso em qualquer sentido que seja, abstinência completa de todos os gozos, etc. , etc. Sabido é que o instante em que os es- posos se prodigalisão ordinariamente seus carinhos amorosos com ma is ardor é aquelle em que se recebem depois de uma ausência mais ou menos prolongada. No entanto, quasi sempre succede que é também essa circumstancia em (pie menos convém dar-se ao acto da propa- gação, por causa da fadiga, da escandes- eencia, da indisposição que muitas vezes se seguem ãs viagens por pouco longas que sejão, quer a pé, quer a cavallo, quer mesmo em sege. Saibão então os es- posos moderar seus transportes amoro- sos: um banho tfpido, boa alimentação e um somno tranquilio dissipem antes esse estado de cansaço, c restituão ao corpo toda a sua força habitual. Os nau- tas, depois de longa viagem, descansem algumas semanas, ou pelo menos alguns dias, antes de trabalharem na grande obra da reproducção. As mesmas refle- xões servem para a mulher que vai con- valescendo depois do parto: se ambiciona não procrear senão filhos sadios, não trabalhe em sua lbnnação senão dous ou tres mez.es depois da sua vinda ao mundo. Prohibatnos lambem o uso do coito durante os tempos frigidíssimos c durante os calores enervantes, depois das fadigas do dia, de uma digestão penosa, em uma palavra, em todas as circumstancias em que o corpo e o espirito se achão sujei- tos a alguma causa debilitante. Longe está ográu de excitação genital, para o homem entregar-se ao coito, de ser sem influencia sobre o fim que nos propomos. Desejos longo tempo e ditli- cilmente satisfeitos produzem nosorgãos sexuaes um estado de erelhismodos mais favoráveis á secreção de um licôr seminal cheio de vida. Pretendem alguns natu- ralistas distinctos, entre outros o Sr. doutor Virey, que a natureza não fita senão esta melhor elaboração do es- perma, imprimindo o pudor em todas as mulheres, sentimento este que até entre os selvagens se observa. E de facto, que mais poderoso estimulo do que essa doce resistência da parte daquella que é objec.to de nosso ardor! Até mesmo ao reino animal levou a natureza sua previdência a este respeito: vêde como a pomba , a rola, a cadella, etc., sabem fazer suspirar seu macho antes de se en- tregarem á sua ardente impetuosidade! Admirai como esta ultima não permitle muitas vezes tal ajuntamento senão de- pois de ler fugido longo tempo seus na- morados e de os ler varias vezes mor- dido ! Tem-se notado, dizem Buffon , Virey, etc., que os filhos adulterinos, e espe- cialmente os primeiros nados, oííereeem quasi sempre niais talento e força do que os outros. Geralmente attribue-se a causa disto á necessidade em que se achão os amantes, neste caso, de exercitar seu espirito á astúcia, para se resguardarem da vigilância e cobrirem-se com o véo do mysterio; mas não poderíamos antes achar-lhes a causa nos excessos do pudor que a mulher se estorça por manifestar em taes eircumslancias? Chamada pela primeira vez ao leito nupcial, ou a ponto de calcar aos pés direitos sagrados, que constrangimento não impõe cila a si mesma para encobrir o ardor de seus desejos! Que vigorosa resistência não offerece á abrasante paixão de seu ado- rador! Em tal caso, não sabemos que quasi se não consegue fazer com que largue essa apparencia de pudor senão concedendo-se-lhe a doce satisfação da violência? Ora, que circumstancia mais própria a determinar a producção de uma forte dóse dos elementos constitu- tivos do homem futuro ! Esposas zelosas em não procrear senão filhos capazes de trilhar vigorosamente a carreira da vida, empregai pois este innocente artificio, tonto para vossa própria felicidade como no interesse da vossa progenitura. Varias horas, e mesmo um dia inteiro antes do instante de se trabalhar na formação de um homem, nade o espirito em idéas de deleite próprias a determinar a secreção de forte dóse de licores seminaes. Es- posas, ao passo que conservais um ex- cesso de amabilidade, arredai quanto vos seja possível o ditoso momento do sacrifício. Venhão ternos beijos, meigui- ces preliminares de todos os generos, dispôr-vos a que reunais aquella potente excitação genital donde deve depender em grande parte o vigor e a energia do novo ente que ides dar á sociedade. To- mai toda a cautela, mulheres, em nunca prevenirdes os desejos de vossos maridos. Não imiteis essas esposas que, à força de provocações directas e frequentemente repetidas, indignas de seu sexo, acabão por inspirar a seus esposos o mais insu- peravel tedio pelos prazeres que lhes ellas promettem. Nunca percais de vista que a satisfação demasiado prompta e demasiado facil dos desejos, no homem, produz sempre os elíeitos mais contrários a vossos intuitos, e sempre trazei na memória estes dons versos de Molière: Et la plus belle femrne a très-peu de défense Contre cette tiédeur qui suit la jouissauce. Além disto, se sois tão inimigas de vós mesmas que desprezeis vossos inte- resses neste pouto, pelo menos, conser- vando os sentimentos de uma verdadeira m&i, sabei sempre, por vosso decente recaio, conservar vosso marido em estado de vos não fornecer senão um licor pe- neirado de princípios poderosamente vi- vificantes, capaz de transmiltir uma vida tão activa quanlo solida, e não desnatu- rada por imprudentes e excessivas pro- fusões. Em consequência do quo acaba- mos de expôr, facilmente sentirá o leitor que o instante do acordar é mais favorá- vel á creação de filhos vigorosos do que a occasiâo do deitar. FIM DA QUINTA PARTE. SEXTA PARTE. ARTE DE CONSERVAR GRANDE POTÊNCIA GENITAL ATÉ A MAIS AVANÇADA IDADE. Ensinar ao homem os meios de se mostrar vigoroso junto do sexo até á mais avançada idade, não é outra cousa senão traçar-lhe os preceitos hygienicos mais proprios á conservação da saude, e a grangear a maior longevidade pos- sível. E com effeito, o que é a saude? O exercicio livre, facil e regular, de todas as funcções que caracterisão a vida. Assim, será o homem reputado gozar de excellente saude, quando o estomago e o resto do apparellio digestivo souberem extrahir dos alimentos ordinários uma grande dóse de alimentos nutrientes; quando o coração expellir com facilidade e energia, para todas as partes do eorpo, um sangue abundante em matérias alw biles; quando as veias, por seu turno, trouxerem sem obstáculo algum os prin- cípios supérfluos para este mesmo centro da circulação; quando os pulmões, per- feitamente sãos, se dilatarem com facili- dade para admitlirem o sangue venoso ein suas cellulas, assim como o fluido regenerador deste liquido; quando, em uma palavra, todas as acções e todos os movimentos, tanto do corpo coino do es- pirito, se executarem sem que um só instante perturbem aquelle estado de contentamento que ordinariamente dá o dom da saude. Sendo uma das funcções naturaes que constituem a vida do homem a faculdade de se entrar em erecção e de fornecer â mulher um licor espermatico capaz de a fazer conceber, segue-se que deve este conserva-la, emquanlo lodos os outros orgãos executarem sua acção com aquelle rhytlimo e aquella facilidade que são os attributos da saude. Se se refleclir bem sobre o modo de obrar dos orgãos se- xuaes, e sobre os meios que a natureza emprega para lhes transmillir os elemen- tos de toda a vitalidade, de toda a acção e de toda a secreção, facilmente se sen- tirá que, emquanto o cérebro gozar daquella actividade que lhe é necessária para dar a excitação a todos os outros orgãos, emquanto os vasos chyliferos souberem absorver osmateriaesproprios a entreter a vida, emquanto o bom estado dos pulmões tornar facil a respiração, etc., etc. , senlir-se-ha, digo, que, em- quanto se executarem de um modo nor- mal todas as funeções, não poderáõ os orgãos testiculares ser privados da ener- gia que lhes é necessária para prepara- rem uma dóse sufíiciente de licôr fecun- dante. Com effeito, se está são o systema nervoso, não padece duvida que delle recebão toda a excitação indispensável a seu modo de acção; se o systema cir- culatório não ésédede alteração alguma, não padece duvida que se ache o appare- Iho sexual embebido, pelo meio das ar- terias espermaticas, dos materiaes de sua força e de suas secreções ordinárias; se o apparelho muscular nada tem per- dido da sua potência contractil, não pa- dece duvida que conservem os musculos ejaculatorios a propriedade de lançar com energia o licôr preparado pelos tes- ticulos. Vê-se pois manifestamenle que a potência geradora é uma consequência necessária da boa organisação do corpo e da excellencia da saude, e que deverá necessariamente existir em todo aquelle indivíduo que oíFerecer esta dupla van- tagem. Em virtude disto, leitores, facilmente concluireis comigo que é nos sábios preceitos da hygiene, antes do que em vãas excitações, tão momentâneas quanto fictícias, que se devem buscar os meios de se conservar esta deliciosa aptidão para os prazeres do hymeneu. Assim, é- vosjá perfeitamenle conhecida a arte de se conseguir o resultado que faz o assumpto da ultima parte da minha obra: Dar sa- bia direcção a todos os orgãos da economia, e usar convenientemente de todos os bens que nos outorga a natureza para nossa con- servação. Por pouco que o medico, ou qualquer outra pessoa judiciosa e observadora, lance suas vistas sobrn as causas das nu» merosas moléstias de quo é susceptivol o homem, não tardará em reconhecer que todas ellas tem sua origem no máu exercicio dos orgãos, na escolha viciosa ou no abuso dos difFerentes agentes que lhes outorga a natureza para seu cresci- mento e conservação. É assim que o exer- cicio excessivo da intelligeneia lança a alma na prostração, que os trabalhos physicos em demasia levão a economia inteira ao abatimento, etc. É assim, de outro lado, que um ar demasiado vivo, precipitando todas as funeções da econo- mia, irrita todo o organismo e predispõe a uma multidão de moléstias inílamma- torias; que um ar concentrado e dema- siado denso afírouxa os movimentos vitaes e póde conduzir a uma fraqueza geral completa, etc. É assim Gnalmente, quanto ao que diz respeito ao abuso, que podem os melhores alimentos e as bebidas as mais salutares vir a ser ver- dadeiros venenos para aquelles que os tomão além do que lhes permittem as forças doestomago, do cérebro, etc., etc. Segundo esta breve exposição ácerca das causas capazes de alterar a saude, e, por conseguinte, de privar o homem daquella potência procreadora que elle ambiciona sempre mostrar, até no in- verno da vida, vê-se que lhe não será pos- sível alcançar este Hm (salvas as causas morbifícas accidentaes e absolutamente independentes de sua vontade), senão 1,° regulando sabiamente a acção dos orgãos: evitar todo o excesso no exercício aclual das funcções physicas e moraes; 2.#, fazendo uma escolha conveniente de todos os agentes que nos outorga a na- tureza para a conservação da saude: ar puro, habitação de lugares seccos e bem expostos, alimentação restaurante e de facií digestão, bebidas corroborantes « não muito excitantes, ele., etc.,* &.*, emfim, medindo prudentemento a dóse destes diversos modificadores da econo- mia conforme a idade, o sexo, o tempe- ramento, a compleição, os hábitos, a profissão, as idiosyncrasias, etc., como é facil convencer-se o homem pela lei- tura de mais extensas Obras sobre a hygienc. Assim, outra vez o repelimos, a arte de se conservar o mais tempo possível um grande vigor junto do sexo reduz-se absolulamente á observância dos judiciosos preceitos da sciencia hy- gienica. Deveria portanto aqui figurar natural- mente um tratado completo deste ramo importante da medicina; mas, como nos seria impossivel tratar neste lugar com amplitude um assumpto tão vasto, deve- mos recommendar o Curso elementar de hygiene, composto porei. P. F. Galvào, ou a Arte de prclungar a vida, por llufeland. O fim desta bella sciencia, que , como se sabe, nada menos é do que a arte pre- ciosa de se dar prudente direcção ás fa- culdades íntellectuaes, bem como aos orgãos essenciaes da economia, como sejão o estomago, os pulmões, o cérebro, os nervos, os sentidos, etc.; de usar-se convenientemente de todos os bens e de todos os gozos que se dignou de nos conceder o Autor da natureza, tanto para sustentarmos a nossa existência material, como para colhermos algumas ílôres no mar procelloso da vida social, como luz, ar, sons, musica, alimentos, bebidas, adubos, prazeres sexuaes, exercícios, jogos, etc., etc.} de afastarem-se os nu- merosos agentes que incessantemente tendem a perturbar a harmonia das funcções e a comprometter o bem ina- preciável da saude, como odores insalu- bres, matérias em putrefacção, calores ou frios intensos, etc., etc.; de se conhe- cerem essas sacrosantas leis da sãa moral, base de toda a felicidade na terra , pela serenidade da alma, péla paz do coração que alcança e cujo desprezo acarreta irrevcgavehnente comsigo as penas con* lUfiúdorea dei remorsos « « agitação tu* a multuosa de todas a3 operações da intel- ligenciaj em uma palavra, de trilhar longa carreira isenta, quanto possível, dos males e das enfermidades a que se acha exposta nossa frágil economia, Comtudo, entre as diíferentes matérias de que se occupa a hygiene, uma questão ha que não podemos aqui passar era silencio: é a questão relativa aos prazeres sexuaes, PRAZERES DO AMOR, De todas as matérias que até ao pre- sente temos tratado, nenhumaha, quanto a nós, que mais digna sèja de nossas meditações do que os prazeres sexuaes. Trabalhar na conservação dessa moci- dade perpetua em que a natureza quer entreter o mundo vivente, não é outra cousa, é verdade, senão uma das nume- rosas funcções que constituem a vida. Porém o acto propagador differe essen* cialmcnte de todas as outras funcções da «conomia animal, pela razão de que fel com que os sexos experimentem sensa- ções deleitáveis dc que não ha expressão alguma que possa dar a mais leve icléa. li esse allraclivo irresistível dos prazeres sexuaes que dá a este assumpto aquella grande importância que cuncordào em ti II ribu ir-lhe lodos os médicos physiolo- gicos. Gozar a vida, ou, o que exprime o mesmo pensamento aos nossos olhos, exercer nossos orgãos e preencher as funeções que lhe são devolvidas, é avançar a passos mais ou menos precipitados para o termo da nossa existência. Os ele- mentos de que ó constituído o ente ani- mal estão dè tal maneira associados, que deve necessariamente sua dissolução ler lugar pelo exercício somente dos orgãos em cuja composição enlrão. Conhece cada qual este axioma universahnenlc odiniUido:« Quem vive de pressa, vive pouco tempo,» istoé, póde o homem aspirar tanto menos á longevidade, quanto com mais velocidade nelle se execuláo as funeções. Da mesma sorte que se vô murchar e perecer promptamente toda a ílôr de que se apressou o desenvolvi- mento por meio de um calor intenso, de matérias alcalinas ou de outros meios de excitação vegetai, assim também todo o animal, collocado sob a influencia de diversas circumstancias poderosamente excitantes, não póde esperar uma vida senão da mais curta duração, Applicando estes dados geraes á func- ção que constitue o assumpto especiul dos nossos estudos, facilmente sentire- mos que tanto menos direito teremos de aguardar uma feliz longevidade e uma longa aptidão para a propagação, quanto a exercícios mais activos e mais traba* lhosos houvermos submettido o appare- lho sexual. De continuo se ouve o homem queixar-se amargamente dos males que o acabrunhão, da brevidade da sua vida, e sobretudo daquella debilidade pbysica que o torna prematuramente inapto para resentir ainda aquelles deliciosos praze* res que saboreou outr’ora com tanto ardor. Não aecusemos porém a natufesa dos males que nos opprimem: são obra nossa, e não os pòde haver para o ver- dadeiro sabio. Sendo a morte uma con- sequência natural e necessária da exis- tência, elle vê sem susto chegar sua hora derradeira. Esta louvável moderação, Com a qual elle não cessa de usar dos gozos da vida, põe-no a salvo daquella multidão de incommodidades de que se queixa o commum dos homens, e lhe reserva flores cheias de attractivos até nos últimos periodos do inverno da vida. Consagrando minhas vigilias á inves- tigação de todas as verdades que podem derramar o clarão do seu facho sobre a grave questão da geração, e havendo con- sultado diariamente ácerca de uma multi- dão de casos relativos a esta importante funcção, será com títulos irrecusáveis de autoridade (perrnittão-me que me eu faça esta justiça) que vou expôr a meu leitores as consequências do uso abusivo ou mo- derado dos prazeres que tem por fim a conservação da especie. É com um senti- mento de prazer e de admiração que me recordo de respeitáveis octogenários que usnvâo, sem nenhuma especie do incoin modo, de todos os generos de alimentos c de bebidas, que oflereciâo um corpo direito e vigoroso , um andar fácil c so* guro, um carão nédio e vermelho, o uso o mais desembaraçado e o mais com- pleto de todas as faculdades da inlelli- gencia, aquclla alegria e serenidade da alma que provêm sempre da prudência cdo bem-estar physico; emfim, a maior aptidão não só para a funeção dos pruze- res sexuacs, senão lambem para a repro* ducção. Pelo contrario, é com um sentimento de dor e de compaixão que se me anto- lha uma multidão de mancebos, apenas chegados á primavera da idade, olíere- ccmlo membros debeis e mesquinhos, um eslomago fraco e doentio, feições abatidas, apresentando todos os caracte- res da mais avançada velhice, a faliencia de toda energia moral e physica; emfim, Deão mostrando mais que uma vergonhosa impotência junto de um sexo crcade para fazer as delicias da vida inteira do sabio. Ora, leitores, em cada uma destas observações colhidas com toda a possivel exactidão, pude sempre concluir que este ultimo e deplorável estado não re- conhecia outras origens senão a intem- Í>erança, o desmancho da vida, a disso- ução dos costumes; entretanto que aquellas venturosas velhices, tão edifi- cantes quanto dignas de inveja, eráo a recompensa da sobriedade, da sabedoria, e sobretudo da continência. De todas as paixões tristes que tendem a envolver com suas negras nuvens a feli- cidade que a naturezanãopódenegar a ne- nhum dos liomens, nenhuma ha mais constante e mais geral do que seja o tedio. O caracter natural da immensa maioria dos homens é sentir um vacuo horrivel no isolamento e na ausência dos prazeres, e sobretudo dos prazeres variados. Por pouco que queiramos lançar nossas vistas sobre os fructos immensos das artes e da industria, etc., não tardaremos em nos convencer de que todos tem por fim dar ao homem aquella variedade de gòzo de que elleénalitralmente escravo. Esses prnzeres variados são para clle o que é o fluido nervoso para lodos os orgãos da economia, os quaes perdem todo o sentimento e Ioda a acção logo que veni a achar-se privados da influencia deste «agente animador. Desde o-instante em que elles lhe escapão, parece o horror do nada ofíerecer-se a seus olhos, e os mais tristes desvarios lhe vem oppriínir 0 pensamento. Ltna successão rapida de sensações phvsicas e moracs variadas, tal é portanto, para o commum dos homens, a condição indispensável de Ioda a felicidade na terra. É desta necessidade em que se «acha o homem de buscar incessantemcnto todas as circumstancias susceptiveis de lhe estimular agradavelmente os or- gaõs, que resulta, para o grande numero, aquello uso abusivo e morlifcro de todos os meios de fruições que, em sua bené- vola previsão, se digoou o autor da na- tureza outorgar-nos para a satisfação de nossos mislercs. Dalii procedo essa multidão de manjares dille rentes de que sabe cobrir nossas inesas a arte culiriaria; essas bebidas de todos os géneros, pró- prias a gerar doces ilhisões em nossas almas, e a livrar-nos momentaneamente da importunidade da razão; essa precisão que resenlem todas as pessoas de ir bus- car nas representações Ihealraes meios de sensações e de estimules outros além dos que são familiares; essa inconstân- cia c leviandade cm nossos amores que nos fazem de continuo suspirar por novos objectos, como niais provocantes do que aquelles que abandonamos, e capazes de nos fazer experimentar pra- zeres novos, etc. Entre os meios de gozar concedidos âs nossas necessidades, não padece du- vida que os mais próprios a estimular- nos de um modo vivo e delicioso scjãò procurados com mais ardor do que os outros. Ora, de lodos os prazeres phy- sicos que pôde sentir o homem, nenhum ha assim como eu concluo, que uma mulhêí está tio csso de conceber e de fazer filhos sem ter commercio com homem algum. Por- tanto, tem o mundo estado no maior engano ha mais de seis mil annos, e provavelmente continuaria nesse engano ainda por muito tempo, se eu não ti- vesse nascido muito de proposito para dissipar os preconceitos ridículos em quó somos educados. Tinhão alguns philosophos da anti- guidade tocado de leve neste mesmo as- sumpto que ora discuto, mas sem 0 profundarem, e como se não tivessem feito mais do que entrevé-lo. Por isso, tenho motivo para crer que se me não disputará o mérito do descobrimento. E com efleito, não seria duríssimo para inim que fossem capazes de me faiér passar por plagiario idéas informes, se- meadas ao acaso em velhos autores que por certo eu não tinha lido antes de es- tabelecer a lheoria do meu systema! Mas, afim de poupar aos críticos o trabalho de irem proeurar nesses velhos autores (cujos manes possão descansar em paz!) o que se refere ao meu as- sumpto, vou eu mesmo dar a conhecer essas raras passagens. Já citei Virgílio. No seu celebre Tratado do sarampo (*) , diz Galiano que o genero humano foi infectado desta moléstia por meio de uma mulher nascida sem o concurso de um pai. Ensina-nos Hippocrates que sua mãi não tinha tido nenhum commercio car- nal com seu pai, durante os dous annos que lhe precedêrão o nascimento; mas que, andando uma tarde a passear em seu jardim, sentio-se de súbito agitada de uma sensação extraordinária, e que considerava esse momento como o da sua concepção , sem poder compreliendê-la. Dizem os mythologistas que Hebe e (*) Não é no seu Tratado do sarampo que se acha esta passagem de Galiano; é sim no seu Commen- tario sobre os dentes do dragão, onde elle prova que não é de espantar que possa um dente atirado para o ar produzir um homem. (2Yuta do traductor do edit. de 1786.) Marte n§o tiverão pais, que Jano con- cebeu a primeira comendo nm bocado de couve, e o segundo pelo tocar so- mente de uma flôr que recebeu de Flora. Lisongeio-me de que para o futuro se dirá que Juno linha engulido alguns dos nossos pequenos animalculos. Diodoro de Sicília, em um antiquís- simo exemplar de suas obras, que me foi communicado pelo meu douto e labo- rioso amigo o doutor Thompson, refere que certa feiticeira do Egypto se jactava de poder ficar pejada sem o soccorro de homem algum, e queria, por causa desta vantagem, fazer-se passar pela deosa íris. Infelizmente porém achárão um sa- cerdote de Mercúrio deitado com essa feiticeira, que se vio forçada a deixar o paiz. Emfim, conta Tito Livioque, tendo uma mulher naufragado em uma ilha deserta, ahi pario dous gemeos, depois de ter passado nove annos sem avistar um só vestígio de homem. Por isso, daqui a alguns dias, pro« ponho-me supplicar humildemente, e com toda a submissão possível, aos hon- radíssimos conselheiros primados de Sua Magestade que fação promulgar um edicto regio, pelo qual seja vedado todo e qual- quer commercio carnal de um com o outro sexo, durante o espaço de um an- no , a contar do primeiro de Maio pro- ximo futuro, E como não tenho a mais pequena duvida de que me não seja concedido o privilegio exclusivo de desfrucíar o meu descobrimento, já aluguei uma casa vasta e commoda, na Praça do Feno, onde lerei verdadeiro prazer em receber toda a pessoa do sexo que se mostrar curiosa de engendrar sózinlia. Afim de poupar áquelias de nossas damas que fossem ainda tolhidas por um falso pu- dor, darei minhas consultas das oito horas da noite ás duas da madrugada, Sou, senhores, com todo o possível respeito, etc. Abraiião Johnson. SENTENÇA DO PARLAMENTO DE GRENOBLE Dada a favor de uma senhora que pario um filho na ausência de seu marido, e sem ter tido amizade com nenhum homem. (Documento historico.) Entre Adriano de Montléon, senhor de la Forge, e Carlos de Montléon, es- cudeiro , senhor de Bourglemont, gentil- homem ordinário da camara do Rei, appellantes e autores em petição de 26 de Outubro, tendente a que fosse dito que o filho de que então estava pejada Magdalena de Auvermont, esposa de Je- ronymo de Montléon, senhor de Aigue- mère , fosse declarado filho illegitimo deste senhor seu marido ; e que , fazen- do-se isto, serião os ditos appellantes e autores declarados únicos herdeiros e liabeis para succederem ao dito senhor de Aiguemère, de um lado; « E a dita Magdalena de Auvermont, intimada e ré na intervenção da dita petição, de outro lado; * E também Claudia de Auvermont, escudeiro, senhor de Marsaigne, tutor de Emmanuel, menino nascido depois, etc, « Vistos os documentos de allegaçâo e sentença de que se appella* vistas as petições dos ditos de la Forge e Bour- glemont, contendo, entre outras cousas, que ha mais de quatro annos que o dito senhor de Aiguemère não conheceu car- nalmente á dita senhora Magdalena de Auvermont, sua esposa, tendo este se-* nliorsen marido* na qualidade de capitão de cavallaria ligeira, servido no regi- mento do Cressensault; o Vistas as defesas da dita senhora de Auvermont, por baixo das quaes está sua affiruiação feita em justiça, perante Mé- linot, escrivão neste tribunal, susten- tando que, ainda que não tenha verda- deiramente o dito de Aiguemère estado de volta da Allemanha e não a tenhâ visto nem conhecido carnalmente desde quatro annos, entretanto que é tal a ver- dade , que, tendo a dita senhora de Au- vermont imaginado em sonho a pessoa e o toque do dito senhor de Aiguemère, seu marido, recebeu os mesmos senti- mentos de concebimento e de prenhez que teria podido receber em sua pre- sença; affirmando, depois da ausência de seu marido, durante os quatro annos, não ter tido companhia alguma de ho- mem e ter comtudo concebido e parido o dito Emmanuel; o que ella crô ter succedido pela força sómente de sua ima- ginação; e portanto pede reparação de honra com custas, prejuizos e juros. « Vista também a informação em que depozerão a senhora Isabel de Ailbriche, esposa do senhor Luiz de Pontrinal, se- nhor de Boulagné; « A senhora Luiza deNacard, esposa de Carlos de Albret, escudeiro, senhor de Vinages; « Maria de Salles, viuva de Luiz Cran- sault, escudeiro, senhor de Vernonf; o E Germana de Orgeval, viuva do finado Luiz de Aumont, em sua vida conselheiro do Rei, e thesoureiro geral da contadoria; « Pelo depoimento dos quaes resulta que no tempo ordinário da concepção, antes do nascimento do dito Emmanuel, declarou-lhes a dita senhora de Auver- mont, esposa do senhor de Aiguemère, que tinha tido os ditos sentimentos e signaes de gravidez sem ter tido compa- nhia de homem, mas sim depois do es- forço de uma forte imaginação do toque de seu marido, e que se tinha formado em sonho; a Contendo outrosim o dito depoi- mento que póde tal accidente acontecer ás mulheres; que nellas mesmas lhes succedêrão taes cousas, e que concebê- rão filhos de que parirão felizmente, os quaes provinhão de certas conjuncções imaginarias com seus maridos ausentes, e não de verdadeira cópula; « Yista a attestação de Guillemette Garnier, Luiza de Artault, Perette Chauf- fage e Maria Laimant, matronas e par- teiras, contendo seus pareceres e razões ácerca do facto acima ; « Feita também leitura da certidão em attestação de Dionysio Sardinha, Pe- dro Meraupe, Jacques Gaflié, Jeronymo de Revisin e Leonor de Belleval, mé- dicos ; « Feitas as inquirições a requerimento do procurador tudo: o O tribunal, altendendo aos depoi- mentos das ditas mulheres e médicos denominados, desprezou e despreza a acçâo dos ditos de La Forge e Bourgle- xnont intentada em sua petição; a Ordena que ò e será o dito Emma* nuel declarado íilho legitimo e verda- deiro herdeiro do dito senhor de Aigue- mère; « E, fazendo isto, condemnou o dito tribunal os ditos senhores de La Forge e Bourglemont a que reputem a dita de Auvermont como mulher de bem e de honra , do que lhe lavraráõ auto , depois da notificação da presente sentença, etc. « Feito em Parlamento, aos 13 de Fevereiro de 1327. # FIM. Ria d» Jmitiro, Typ. gr. Cuir. Jc Lucmmert, rua du Ltmdio , 68.