DR. tj RIO DE JANEIRO Typographia Universal de E. & H. Laemmert 71, Rua dos Inválidos, 71 1875 ( «for THESE ■1- tt (ju\ 3 tx FACULDADE E ilICIl DO RIO Dl ID.A. CJEI-ITLTJK,!^ ME. DE COMBSO PARA A CADEIKA DE PATHOLOGIA INTERNA POR %oão %o&k ha ^òiíxxx DOUTOR EM MEDICINA PELA FACULDADE DO RIO DE JANEIRO, SUBSTITUTO DA SECÇAO DE SCIENOAS MÉDICAS DA MESMA FACULDADE RIO DE JANEIRO TYPOGRAPHIA UNIVERSAL DE E. & H. LAEMMERT 71, Nua dos Inválidos, 71 1875 J 2570 04 FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO, DIHECTOR Conselheiro Dr. Visconde de Santa Isabel. VICE-DIRECTOR Conselheiro Dr. Barão de Theresopolis SECRETARIO Dr. Carlos Ferreira de Souza Fernandes. LENTES CATHEDRATICOS. Drs.i PRIMEIRO AVNO. F.J.do Canto e Mello Castro Mascarenhas. (Ia cadeira). Physica em geral, e particularmente era suasappli- cações á medicina. Manoel Maria de Moraes e Valle . . (2a » ). Chimica e mineralogia. Conselheiro José Ribeiro de Souza Fontes. (3a » )• Anatomia descriptiva. SEKUNDO l\V«. Joaquim Monteiro Caminhoá . . .(1* cadeira). Botânica e zoologia. Domingos José Freire Júnior . . .(2a » ). Chimica orgânica. Francisco Pinheiro Guimarães . . .(3a » ). Physiologia. Conselheiro José Ribeiro de Souza Fontes (li* » ). Anatomia descriptiva. TERCEIRO AIVNO. Francisco Pinheiro Guimarães . . (1" cadeira). Physiologia. Conselheiro Antônio Teixeira da Rocha.(2a » ). Anatomia geral e pathologica. Francisco de Menezes Dias da Cruz .{3" » ). Pathologia geral. Vicente Cândido Figueira de Saboia .(4a » ). Clinica externa. QUARTO ANIMO. Antônio Ferreira França . . . .(Ia cadeira). Pathologia externa. ............(2a » ). Pathologia interna. Luiz da Cunha Feijó Júnior . . .(3a » ). Partos, moléstias das mulheres pejadas e de recém- nascidos. Vicente Cândido Figueira de Saboia .(4a » ). Clinica externa. QUINTO ANIMO. ............(1*cadeira). Pathologia interna. Francisco Praxedesde Andrade Pertence.(2* » ) Anatomia topographica, medicina operatoria c appa- relhos. Albino Rodrigues de Alvarenga. . .(3* » ). Matéria medica e iherapeu ica. João Vicente Torres-Homem .(4a » ). Clinica interna. SEXTO 1WO. Antônio Corrêa de Souza Costa . . (Ia cideira). Hygiene e historia da medicina. Conselheiro Barão de Theresopolis .(<>« » )• Medicina legal. Ezequiel Corrêa dos Santos . . .(3' » ). Pharmacia. João Vicente Torres-Homera . . .(4a » ). Clinica interna. LENTES SUBSTITUTOS. Agostinho José de Souza Lima....... benjamin Franklin Ilamiz Galvão......| João Joaquim Pizarro ........Secção de Sciencias Accessorias. João Martins Teixeira.........\ Augusto Ferreira dos Santos....... Luiz Pientzenauer...........I Cláudio Velho da Moita Maia.......f José Pereira Guimarães.........^-Secção de Sciencias Cirúrgicas. Pedro Affonso de Carvalho Franco.....I Antônio Caetano de Almeida .......' José Joaquim da Silva..........I João Damasceno Peçanha da Silva......í João José da Silva..........SSecção de Sciencias Médicas. João Baplista Kossuth Vinelli.......I A'. IL A Faculdade uão approva nem reprova as opiniões emilüdas nas Theses que lhe são apresentadas A MEMÓRIA DE MEU PAI CONCURRENTES Os. Srs. Dks. JOÃO DAMASC10 PEÇA1A DA SILVA JOSÉ JOAQUIM DA SILVA P A UTOR DA CHYLURIA A Chyluria é uma moléstia endêmica de paizes quentes caracte- risada pela emissão de urinas ordinariamente brancas como chylo, outras vezes opalescentes, rosadas, ou cor de café com leite, outras ainda sanguinolentas, parecendo conter de mistura os principios do chylo ou da lympha reunidos ás vezes a sangue. Synonunia. — Diabetis leitosa (dos antigos), urinas chylosas (Prout), hematuria chylosa, urinas albumino-gordurosas (Rayer), galacturia, hematuria intertropical (Sigaud), urinas leitosas, pimeluria (Bouchardat), sangue de plasma lactescente nas urinas (Robin), lymphorrhagia do apparelho uro poeietico (Gubler). Geographia medica.—A chyluria tem sido observada quasi ex- clusivamente nos climas quentes. i ») America.-—No Brasil esta moléstia é encontrada, mas não com a freqüência que aprouve a Juvenot dar-lhe; este pratico affirma que os médicos no Brasil são chamados todos os dias para tratar desta moléstia. Pela minha parte direi que tanto eu como meu irmão o Dr. José Silva, desde que exercemos a clinica, apenas pudemos colligir 14 observações de indivíduos affectados de chyluria. Na Bahia o Dr. Wucherer, que fez estudos especiaes sobre ella, apenas pôde reunir 31 casos da clinica própria e de outros col- legas. (#) Na província de Minas Geraes ella seria muito freqüente entre os velhos, segundo diz o Dr. Noronha Gonzaga, baseado em communi- cações que lhe forão feitas por um clinico de S. João d'El-Rey, o Dr. Guilherme Lee. Entretanto um pratico muito distineto e conceituado entre nós, que exerceu por annos a medicina nessa província, o Sr. Dr. Ernesto Ottoni, nos affirma não ter encontrado ahi a moléstia com mais fre- qüência que no Rio de Janeiro, nem a ter o bservado atacando de preferencia os velhos. O Dr. Juvenot ainda assignala a existência da chyluria e da hema- turia pura em ambas as margens do Prata, do Paraná, do Paraguay, do Uruguay, e parece-lhe também que se a observa mui freqüen- temente sobre a costa Occidental da America Meridional, no Chile, e no Perii. Ella apparece na Guianna Ingleza segundo o Dr. Bouyon, e ainda segundo Jouvenot na Franceza, e na fóz do Amazonas. Relativamente á Guianna Franceza diz o Dr. Crevaux, que ella deve ser excessivamente rara, pois que collegas, que alli esta vão desde 5 a 6 annos, lhe affirmárão não ter encontrado um só facto. (*) Gaveta Medica da Bahia, 1869, ns. 77 e seguintes. Em Guadelupe a moléstia é considerada uma curiosidade patho- logica, diz o Dr. Crevaux, no emlanto o facto apresentado em sua these diz respeito a um indivíduo, que elle tratou a bordo da Cères na travessia daquelle lugar para a Europa. Em Martinica o Dr. Rufz Lavison observou três» casos de chyluria e o Dr. Saint Vel um. No mar das Antilhas a chyluria é commum em S. Domingos (Jou- venot) e em Cuba (Beale). África.—No Egypto é muito commum a hematuria pura, mas ignora-se se a chyluria ahi apparece. Os médicos Inglezes a têm observado no Cabo da Boa Esperança e no Natal: existe ainda em Madagascar (Le-Roy de Mericourt). Na Ilha da Reunião e na Mauricia, que os Francezes se obstinão em chamar Ilha de França, a chyluria seria freqüente no pensar de muitos, mas os Drs. Cassien e Crevaux a considerão muito mais rara da que se dizia. Ásia.—Os médicos inglezes a mencionão na índia: o Dr. Golding Bird observou-a em uma Chineza. Os médicos Hollandezes a crêm desconhecida ou pelo menos muito rara em Java ; entretanto Bouchardat refere o caso de um indivíduo que contrahira esta moléstia em Java, e que foi visto por elle em Paris. Europa.—Citão-se mui raros casos de indivíduos, que, nunca sa- hindo da Europa, forão afíectados de chyluria; os mais authenticos são 6, um observado em Pa via por Franck (este não me parece muito legitimo) um referido por Prout, um tratado por Mr. Gosset (citado por Bird) um de Cubitt (Beale) um do Dr. Morgan, e um emíim do Dr. William Roberts. - i — HISTORIA E BIBLIOGRAPHIA Moléstia peculiar aos paizes quentes, mui rara nos outros climas, não é de admirar que a chyluria deixasse de figurar por muito tempo nas obras clássicas de medicina. É mesmo opinião acceita pela generalidade dos escriptores, que se têm occupado com esta matéria, que a moléstia passou desapercebida aos médicos da antigüidade. Compulsando, porém, as obras dos clás- sicos antigos reconheceremos, que, se Hippocrates e outros, que se lhe seguirão, nenhuma menção fazem desta moléstia, alguns ha de epochas mais próximas á nossa que, parece, tiverão occasião de observa-la. Assim é que, sem fallarmos mesmo em Klug, autor de uma obser- vação publicada em 1675, tendo por titulo « De fluxu chyli in fluore muliebri gonhorrhoea cceliaca, urinis lactis et abundantia lactis •» nós vamos encontrar nas obras de Et. Muller um trecho, que indica da parte do autor o conhecimento de uma desordem da uropoiese, consistindo no aspecto da urina similhante ao do chylo. Estudando a diabetis diz Et. Muller : Est et alia species diabetis, quse cceliaca urinalis apellari potest, nempe quando chylus cum urina, aut loco urinse prodit. Morgagni, o celebre cultor da anatomia pathologica, a quem a sciencia tanto deve, não é menos expressivo na sua monumental obra «de sedibus et causis morborum » quando diz : « Incidimus aliquando in urinas, qure chylumadmist um habere viderentur(l): a Boerhave, F. Hoífman e Borsieri também não foi desconhecido esse aspecto da urina. Sauvages na sua Nosologia Methodica falia da polyuria láctea e da chylosa (2). (1) Morgagni. De seJibus et caus. morb. Epist. XLII art. 44. (2) Sauvages. Nos. Meth. Cias. IX, Gen. XVIII sp. 7 e 8. — 5 — Como quer que seja, afastando-nos dessa epocha caliginosa da historia da chyluria, chegamos ao anno de 1812, em que os primeiros factos positivos desta moléstia apparecêrào na seiencia com a publi- cação da these inaugural de Chapotin (3), onde vem detalhadamente narrado entre outros o caso de um moço natural da Ilha de França, que, havendo soffrido em sua infância de hsmaturía, foi affectado na puberdade da verdadeira chyluria. Em 1818 Alibert em sua Nosologia natural, família IV Uroses, gênero Io Polyuria, esp. 3a Polyuria caseosa, cita o facto de duas mu- lheres hystericas, cujas urinas erão de apparencia leilosa e offereeiào um coagulum particular, que Vauquelin considerou formado de caseum. Neste mesmo anno o Dr. Prout publicava uma nova observa- ção autlientica de chyluria. Recebendo três specimens de urina de uma sua doente affectada d'essa enfermidade, analysou-os e foi o primeiro a assignalar nessa espécie de urinas a presença simultânea de albumina e gordura. Citaremos pela importância do caso a noticia por Pavy dada dessa analyse: A doente, diz elle, é uma mulher casada de cerca de 30 annos de idade. A moléstia data de 1817, e seguio sua marcha gradualmente: seu appetite era mais exagerado que no estado normal, e além disto ella tinha outros symptomas de diabetis: o seu estado geral, entretanto, era soffrivel e quasi o único incommodo, que a ator- mentava, era a difficuldade de urinar por causa dos coalhos, que se formavão na bexiga, e que obstruião a uretra. Em Novembro de 1818 recebi ti es specimens da urina a saber; um emittido de manhã, outro um pouco depois de jantar e um terceiro á noite. Para resumir o resultado do exame desses specimens pelo Dr. Prout, direi que o primeiro e segundo consistião em uma (3) Chapotin. Topograpfre medic. de ille de France, Paris 1812. — 6 - massa ou coalho solido semelhante á geléa, de uma cor de âmbar pallido, havião glóbulos rubros de sangue, e o liquido seroso, que exsudava do coalho continha albumina. O terceiro specimen era o emittido de noite depois de alimentos tomados ao meio dia: eis a respeito as palavras do Dr. Prout: (1) era o mais notável e tanto se assemelhava ao chylo, que eu entrei em duvida, se não me terião trazido uma amostra desse liquido. Consistia em um coagulum solido de cor branca, e tomando a fôrma do vaso: o liquido, que delle exsudava, era branco e opaco, semelhante a leite: sendo aquecido e abandonado ao repouso, apparecia em sua superfície uma espécie de creme de leite, que, como este, continha uma con- siderável proporção de principios butirosos ou oleosos. Não coa- gulava pelo calor, não obstante conter uma grande quantidade de matéria albuminosa. » Entretanto a moléstia não attrahio desde logo a attenção dos práticos, como fora para desejar, e apenas encontramos nos fastos da sciencia a narração de alguns outros factos interessantes, é certo, mas não já tão positivos: tal é o observado por Chevalier, que vio em um doente no uso do mercúrio a urina tornar-se branca e opaca ou láctea, contendo uma grande quantidade de albumina misturada com matéria gordurosa (2): tal ainda o de uma mulher morta na prisão, cuja urina foi achada de uma cor branca leitosa e algum tanto mais consistente do que no commum, se bem que tivesse o cheiro e sabor próprios da normal. Em repouso, esta urina depositava uma porção de matéria branca floconosa, que reunida em um filtro, lavada, e secca vio-se, que possuía todas as propriedades da albumina modificada, que se chama caseina: o liquido claro, que nadava na superfície, exposto ao calor, dava um precipitado da mesma espécie (3). (1) Fred. Pavy, Laneet 1863 vol. II Pag. 92. (2) Journal de Chimie Médicale 1828. (3) Journal de Chimie Médicale 1828. __ 7 — Blondeau no Journal de Chimie Médicale, 1828, faz menção de um caso de chyluria, em que pelo exame e minuciosa analyse da urina chegou ao conhecimento de que, a sua brancura e opaci- dade erão devidas em grande parte á presença de uma substan- cia oleosa. Em 1834 publica Salesse a sua these sobre a hematuria : entre as observações nella contidas de hematuria endêmica na Ilha de França nenhuma se encontra de chyluria. (1) Os médicos brasileiros também tomarão uma parte assaz saliente no estudo da moléstia. Em 1835, a Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro discutio em suas sessões a natureza das urinas chamadas chylosas, e sobre ella pronunciarão-se os nossos venerandos Mestres os Srs. Drs. Valladão e José Bento da Rosa e os Srs. Drs. Jobim, Maia, Reis, Meirelles, De-Simoni. Ahi, no correr da discussão, são assignalados por esses práticos os caracteres principaes da moléstia, as condições que parecem presidir ao seu apparecimento, e o tratamento que mais tem apro- veitado : decorre dessa discussão, que domina no espirito dos mem- bros da Sociedade a convicção de que, a moléstia, differente da dia- betis descripta pelos autores, é particular ao Brasil (2) Em 1836, um joven Brasileiro affectado dessa enfermidade, depois de ter tentado debalde no nosso paiz vários tratamentos, foi pro- curar na Europa lenitivo ao seu mal. Chegando a Paris entregou-se aos cuidados de Caffe, a quéra fora daqui dirigido. Este medico, depois de ensaiado o tratamento por elle julgado conveniente, não obtendo resultado satisfactorio, consultou em (1) Dissertation sur l'hématurie. Thèse inaugurale, Paris 1834. (2) Sigaud des climats et des maladies du Brésil, e Eayer Traité des maladies des reins, 3o vol. conferência a Rayer e Orfila: o celebre chimico Guibourt foi encar- regado da analyse das urinas e sangue do doente, e aquelles três práticos redigirão sobre o facto clinico um relatório citado com merecidos encomios pelos autores, que sobre este assumpto têm escripto. (1) Este e outros factos de indivíduos naturaes da Ilha de França, que, deixando o seu paiz natal, o forão procurar em Paris, sugge- rirão a Rayer lúcidas considerações sobre esta enfermidade, publi- cadas no jornal ZSExpérience sob o modesto titulo « Revue criti- que des principales observations faites en Europe sur les urines chyleuses albumino-graisseuses diabetiques, laiteuses, huileuses et graisseuses. (2) Ahi o autor, combatendo a opinião dos que attribuião o aspecto lácteo da urina á presença da caseina, insiste, desenvolvendo-a, na idéa de Prout, que esse aspecto da urina é devido á suspensão da matéria gordurosa no liquido impregnado de albumina. Nesse mesmo anno Robert Willis deu á luz da publicidade o seu excellente tratado sobre as moléstias dos rins e seu tratamento (3), onde na parte Ia cap. v, sec. II, sob o titulo « Of the discharge of urine having the oily and albumino fibrinous elements of the blood mingled with it Óleo Albuminous-urine Chylous-urine (Prout) pondo em contribuição o trabalho de Rayer e fazendo uma resenha das observações até então conhecidas (4), apresenta um estudo muito exacto da chyluria. Todavia ahi commette o autor a falta de confundir a chyluria com a hematuria, que suppõe da mesma natu- resa daquella, falta, aliás, de que se não eximio o illustre Rayer, no seu estimado tratado sobre as moléstias dos rins. (1) Sigaud du climat et des maladies du Brésil 1844, e Rayer Traité des maladies des reins 1841, vol. 3o, pag. 407. (2) UExperience n° 30. Mai 1838. (3) Robert Willis Urinary Disea.ies and their treate.nent, Lond. 1838. (4) Entre cilas figura a do Dr. Graves e a de Abernetby, qUe diz respeito a um doente nunca tendo sahido da Europa. — 9 - Effectivamente nesse immorredouro trabalho, em que se têm ido inspirar todos os autores, que têm tomado para assumpto de suas locubracões as afíecções renaes, Rayer, estudando especialmente a hematuria endêmica na Ilha de França e Brasil, a distribue em três cathegorias ou variedades: 1.a Hematuria simples. 2.a Hematuria com arêas uricas (gravelle). 3.a Hematuria com urinas chylosas. (1) Esta ultima fôrma de hematuria, diz elle, nunca ê primitiva ; ella só sobrevem mais ou menos longo tempo depois que as urinas começarão a ser sanguinolentas. Ora, se em alguns casos assim succede, em muitos outros as uri- nas chylosas apparecem como moléstia primitiva, independentemente de qualquer hemorrhagia das vias urinarias, como varias vezes temos tido occasião de observar. Foi, pois, a ignorância deste facto, que induzio Rayer a incorrer na falta arguida por nós : nella tem sido elle acompanhado pela ge- neralidade dos autores, que, como dissemos, tratando das moléstias renaes, seguem a sua trilha, e nomeadamente por A. Requin, não obstante haver este classificado a moléstia entre os fluxos, denominan- do-a pela vez primeira chyluria (2). Em 1844 publicão, Bouchardat no Annuario de Therapeutica o seu exame de uma urina chamada leitosa, seguido de reflexões sobre essas sortes de urinas (3), e Sigaud a sua obra sobre o clima e mo- léstias do Brasil, em que a chyluria é estudada sob o titulo de he- maturia do Brasil, exarando ahi as opiniões emittidas pelos médicos brasileiros na Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, o autor (1J Rayer Traité des maladies des reins, Paris, 1841, Tom. 3. pag. 387. (2) Requin Pathol. Médic. 2o volume. (3) Bouchardat. Ann. Thérapeuti^ue, pag 247. 2 - 10 - pronuncia-se quanto á natureza da moléstia, acompanhando Rayer na crença de ser ella constituída por um vicio de hematose. (1). A partir dessa épocha são publicadas diversas observações sobre a moléstia, principalmente de médicos inglezes. Citaremos especialmente a de Cubitt, notável por mais de um titulo, e particularmente por ser objecto delia uma mulher, que nunca sahira do condado de Norfolk, seu lugar natalicio (2); as de Bence Jones com duas analyses de urinas, em que o autor faz curiosas expe- riências tendentes a provar, que a urina deixa de ser albuminosa com o repouso absoluto,(3). Em 1853 esta Faculdade compenetrada da necessidade de estudar mais particularmente as moléstias peculiares ao nosso clima, dava para pontos de theses aos seus alumnos o estudo da chyluria e dos carac- teres differenciaes e analogias entre a nephrite albuminosa e as urinas vulgarmente chamadas chylosas ou leitosas. Sobre o primeiro ponto escreveu o Dr. Noronha Gonzaga (4), e sobre o segundo o hoje distincto cirurgião, Dr. Catta Preta. (5) Ainda nesse mesmo anno de 1853 publicava em França o Dr. Ju- venot a sua these inaugural, que occupa lugar tão distincto na historia desta enfermidade. (6) Para concluirmos a lista do que de mais notável foi publicado em referencia á chyluria até 6 anno de 1862, resta-nos ainda fallar do tratado de Golding Bird sobre a urina (7), e da analyse de Gubler sobre um specimen da urina chylosa, que forneceu-lhe ensejo para (1) Op. já citada. (2) Phylosoph. Transactions 1850. (3) Phylosoph. Transactions. (4c) Th. cit. do Dr. Noronha Gonzaga. (5) Dr. Catta Preta, Caracteres differenciaes e analogias entre a nephrite albuminosa e as urinas vulgarmente chamadas chylosas ou leitosas. These Inaug. Rio de Jane;ro 1854. (6) Juvenot Recherches sur l'hématurie endemique des pays chauds et sur Ia chylurie. Thèse. Paris, 1853. (7) Golding Bird de 1'urine e des dépôts urinaires, traduit por O. Rarhe. li — apresentar no seio da Sociedade de Biologia de Pariz a 10 de Agosto de 1858 a sua brilhante theoria relativa ao papel, que representa a lymphorragia do apparelho urinario na pathogenia da chylu- ria (1). Em 1862 e 1863 é esta moléstia simultaneamente o assumpto das investigações dos médicos do Brasil, da França, da Inglaterra e da Allemanha. No Brasil veio de novo á tela da discussão da já então Imperial Academia de Medicina do Rio de Janeiro a chyluria, sobre cuja natu- reza pronunciarão-se quatro membros da mesma Academia, cujas opi- niões forão apreciadas e discutidas na Gazeta Medica pelo illustrado professor de physiologia desta Escola, o Sr. Dr. Pinheiro Guimarães, que então a redigia (2). Em França, Bouchardat, dando o resultado da analyse de uma urina chylosa, de que fora encarregado, expendeu no Annuario de Therapeutica desse anno, a sua opinião em relação á moléstia, que elle propõe seja chamada pimeluria (3). Em Inglaterra publicão, o Dr. Dutt, uma observação, em que a mo- léstia, acompanhada de um estado dispeptico, pareceu ceder ao uso do muriato de ferro (4), e o Dr. Carter, de Bombay, os três factos, em que basêa a sua opinião sobre a parte, que toma o systema lymphatico na producção da chyluria (5). O Dr. Watters communica á Royal Medicai and chirurgical Society uma detalhada observação por elle colhida, em que as urinas, de natu- reza evidentemente chylosa, não continhão assucar, cedendo o mal ao emprego do ácido gallico em alta dose; baseado neste facto e refe- rindo-se ás opiniões de Prout e Bence Jones julga Watters ser o (1) Gazette Médicale, Paris, 1858. (2) Gazeta Médica do Rio de Janeiro, 1863. (3) Bouchardat, Annuaire de Therapeutique, 1862. (4) Lancet. vol. 2", 1862. (5) Lancet vol. 2o. — 12 — principal caracter pathologico desta moléstia o relaxamento dos capillares dos rins, que se deixam atravessar pela albumina, fibrina e glóbulos sangüíneos. Por essa occasião suscita-se um debate, em que toma o parte o Dr. Owem Rees, que opina deverem os factos de urinas chylosas ser divididos em dous grupos, um em que ha sangue, e outro, em que este não existe ; parece-lhe que no estudo da chyluria a influencia do pulmão não tem sido devidamente considerada ; a existência simul- tânea do assucar e do chylo nestas urinas é interessante a muitos respeitos e deve ser o objecto de novas investigações. Cita casos em que foi encontrado o assucar, sendo apoiado pelo Presidente da Asso- ciação, o Dr. Rabigton, que diz ter observado um caso de diabetes, em que a urina era tão sobrecarregada de chylo, que elle não podia ver o/ fundo do vaso. Nesta mesma sessão refere o Dr. Priestley uma observação dessa mesma moléstia terminada pela morte e seguida de autópsia (1). Em 1863 Pavy dá conta de experiências por elle instituidas, tenden- tes a demonstrar ser a chyluria devida a um vicio de assimilação Essas experiências que têm sido citadas em abono desta opinião, são muito defficientes, e nada têm de concludentes (2). Apparece ainda na Inglaterra, a obra de Lionel Beale, em que a moléstia é bem estudada (3). Na Allemanha Ackermann, inserindo na Deutsche Klinic uma observação de chyluria, traçou uma minuciosa descripção dessa moléstia fundando-se em uma analyse conscienciosa dos factos pre cedentemente publicados. (4) No Brasil appareceu em 1864 a these inaugural do distincto oppositor desta escola o Dr. Souza Lima, em que o autor, descutindo (1) Lancet 1862. (2) Lancet vol. 2° 1863. (3) Leonel Beale de 1'urine, traduit par Bergerou e 011ivierl865. (4) Deustche Klinik 1863, n.°« 23 e 24. — 43 — as opiniões emittidas sobre a natureza da chyluria,, termina por expender a sua engenhosa theoria; segundo o seu modo de pensar a moléstia depende de um vicio de assimilação, devido á chylohemia por atonia dos lymphaticos, e especialmente dos chyli- feros, que se deixão atravessar pelos elementos do chylo, sem impri- mir-lhes as modificações costumadas. Entretanto, dera-se no Egypto um facto, que pareceu vir dissi- par as trevas, que envolvião a pathogenia da chyluria; foi a desco- berta por Bilharz em 1851 do distomum hoematobium da classe dos trematodos, também chamado por Spencer Cobbold, «Bilharzia» hoematobia, em honra de seu descubridor. Essa descoberta foi con- firmada pelo sábio pratico allemão Griesinger, por Lautner e Rheinard. Elles o encontrarão na veia porta e suas ramificações, nas veias mesaraicas, hepatica, e lienal, nos vazos da bexiga e sua membrana mucosa, os ovos desses vermes forão também achados na membrana mucosa cios uretheres e do bacinete, e até por Griesin- ger uma vez na cavidade do ventriculo esquerdo. (1). Segundo Bilharz estes hematosoarios são tão freqüentes no Egypto, que a metade da população adulta é por elles infestada; Griesin- ger em 363 autópsias encontrou-os 117 vezes. Bilharz e Griesinger, baseados na freqüência destes hematosoa- rios no Egypto, e nas lesões que são elles capazes de produzir nas vias urinarias, reveladas por autópsias a que procederão, aven- tarão a hypothese de ser a hematuria endêmica no Egypto devida á sua presença, hypothese, que foi acceita por Kunkein- meister e Leuckart, que descreveu minuciosamente o verme. Pouco tempo depois, John Harley, do Cabo da Boa Esperança, veio dar corpo a esta hypothese encontrando na urina de indi- víduos affectados de hematuria chylosa, ovos e restos de um hel- mintho que elle denominou « Bilharzia Capensis » suppondo-o ainda (1) Davaine—Traité des entozoaires —Paris 1860. - 14 — não conhecido, mas que depois verificou ser o mesmo « Bilharzia hcematobia » do Egypto. (1) Na província da Bahia em 1868 Wucherer (2) a pedido de Griesinger procedia debalde a exames microscópicos de urinas chylosas com o fito de vêr se encontrava nellas ovos do distomum hoematobium, quando deparou com pequenos vermes, cuja organi- sação não pôde determinar mesmo a favor da força augmentativa de 400 diâmetros do seu microscópio : suppôz, porém, serem elles larvas de nematoides pela sua configuração. Esta hypothese foi confirmada pelo eminente helminthologista allemão, Leuckart, a quem Wucherer enviara um pedaço de filtro, onde recebera e fizera seccar o coagulo de uma urina chylosa, contendo esses vermes. Com effeito, Leuckart escreveu-lhe o se- guinte : « Eu posso confirmar completamente as suas observações sobre a hematuria do Brasil. Nem vestígios do distomum hoematobium, e sim os embryões de um nematoide, que me é desconhecido, pro- vavelmente pertencente á família dos Strongylides, que habita uma ou outra parte das vias urinarias : eu presumo que é nos rins, pois que os cylindros albuminosos admixtos demonstrão o padeci- mento desses órgãos. » É evidente que o verme é ainda desconhecido. Leuckart encontrou mais, ovos, que pelo seu diâmetro lhe parecerão pertencer a um outro parasita, e que Wucherer affirma já haver visto em 1866, sem lhes dar então importância. No entanto, o Dr. Cassien (3) em sua these publicada em 1870 não menciona a existência de helminthos nas urinas dos indivíduos cujas observações fazem a base de seu trabalho, nem também o (1) Spencer —Cobbold—Entozoa, 1864. (2) Gazeta Medica da Bahia 1868 pag. 97. (3J Etude sur 1'hématurie chyleuse d'après des observations recueillies á Salazie (lie de Réunion) Montpellier 1870. - 15 - Dr. William Roberts no seu excellente trabalho publicado em 1872 nesse mesmo anno (1) Em 1871 o Dr. Lewis, da índia, encontrou nas urinas e poste- riormente em 1872 também no sangue de chyluricos pequenos vermes que suppõe pertencentes á família das filarias : os mesmos vermes, foram por elles igualmente descobertos no sangue de doentes de diarrhéa. Em Junho de 1872 na cidade da Bahia publica o Dr. Almeida Couto a sua these de concurso sobre a hematuria endêmica dos paizes quentes, em que tomado de enthusíasmo pela descoberta de Bilharz e Griesinger no Egypto, John Harley no Cabo e sul da África, Wucherer na Bahia, não hesita em acceitar como causa exclusiva da moléstia os helminthos. (2) Nesse trabalho vamos ainda encontrar a confusão já acima assi- gnalada entre a hematuria dos paizes quentes e a verdadeira chyluria. Entretanto, é elle notável pela collecção de observações, de que o faz seguir o seu autor, no numero das quaes figurão algumas próprias. Temos de lamentar, porém, que nessas observações os seus autores, preoccupados com a idéa da helminthiasis, omittissem muitas circumstancias, que seria importante referir. Dellas as mais completas são seguramente as do illustrado Sr. Dr. Silva Lima, já vantajosamente conhecido pelos seus trabalhos sobre outros pontos da nossa pathologia. Nesse mesmo anno de 1872 foi publicada em Paris a these do Dr. Crevaux(3), contendo a observação de um caso de urinas chylosas em que elle encontrou larvas semelhantes ás descriptas por Wucherer (4). (1) William Roberts.—A practical treatise on Urinary and Renal Deseases,— 1872. (2) Dr. Almeida Couto.—Hematuria endêmica dos paizes quentes.—These de concurso, Bahia, 1872 (3) Dr. Crevaux. De l'Hématurie chyleuse ou graisseuse des pays chauds. Thèse inau- gurale, Paris, 1872. (4) Larvas semelhantes, diz o Dr. Spencer Cobbold ter visto sahir de ovos encontrados juntamente com outros do Bilharzia hoematobia na urina de uma mulher affectada de hema- turia endêmica na África (Brit. Med. Journ. de 1872). - 46 - Essa observação, que resente-se do mesmo defeito acima arguido, é mui completa no tocante ao exame das urinas. 0 Dr. Crevaux pronuncia-se pela theoria dos helminthos, a que reúne uma alteração do sangue. Em 1874 faz ainda o Dr. Crevaux apparecer nos Archivos de Me- dicina Naval (1) em fôrma de memória a sua these com algumas mo- dificações. Proseguindo em suas investigações elle ahi refere ter encontrado no Brasil em urinas de doentes de chyluria vermes idênticos aos que observara em Guadeloupe, e que, comparados aos desenhos dos helminthos descriptos pelo Dr. Lewis, reconhecera serem os mesmos. Esta memória do Dr. Crevaux traduzida e annotada pelo Dr. Silva Lima está sendo publicada na Revista Medica, de que é prin- cipal redactoro Illustrado Sr. Dr. Miranda de Azevedo (2). Em uma das suas notas dá conta o Dr. Silva Lima do resultado de seus exames microscópicos sobre o sangue de doentes de Chyluria, em que não encontrou as filarias de Lervis, nem o estado lactes- cente do sangue. ETIOLOGIA CAUSAS PREDISPONENTES Sexos . —Ao inverso da hematuria ordinária, que ataca de prefe- rencia os homens, a dos paizes quentes é igualmente commum aos dous sexos : a chyluria, porém é mais freqüente nas mulheres; foi esse o modo de pensar dos membros da Sociedade de Medicina do (i; Archives de Médecine Navale. Tom. 22, pag. 165, 1874. (2) Revista Medica. Anno II, Rio de Jaueiro 1875. — 47 — Rio de Janeiro, que tomarão parte na discussão ahi havida sobre esta enfermidade em 18 3 5 (1). Wucherer é da mesma opinião. Os elementos estatísticos, de que podemos dispor, são escassos, mas mesmo assim nos parecem sufficientes para resolver a questão. Nos trinta e um casos de chyluria por Wucherer colligidos havião mulheres 18, homens 13. Percorrendo as observações apresentadas pelo Dr. Almeida Couto em sua these, encontramos : Na clinica do Dr. Silva Lima, 13 doentes, dos quaes 9 mulheres e 4 homens. Na do Dr. Chastinet 1 homem. Na do Dr. Almeida Couto, 4 mulheres e 2 homens. Nas notas, que temos, eu e meu irmão o Dr. José Silva, acerca desta moléstia, figurão 14 doentes sendo: mulheres 9, homens 5. Temos, pois, em 65 casos de chyluria 40 mulheres para 25 homens, o que dá para aquellas um accrescimo de 15, algarismo assaz expres- sivo maxime tendo-se em conta o menor contingente, com que entra o sexo feminino para o algarismo da população. Seria importante conhecer o gênero de influencia exercida pelas funcções próprias ao sexo : ora sob este ponto de vista, eis o resultado de nossas indagações: Em uma doente do nosso mestre o Sr. Dr. José Bento da Rosa, os ataques da moléstia vinhão nos oito dias que precedião á mens- truaçao. O Sr. Dr. William Roberts cita o caso de uma mulher em que o mal se manifestou depois do parto. Wucherer cita um idêntico, e Pearse refere o de uma mulher, que via apparecer o ataque de chyluria todas as vezes, que aleitava. Em uma doente que observo actualmente a moléstia se declarou ao nono mez do aleitamento. (1) Sigaud. Du climat et des maladies du Brésil, o Rayer. Ob. cit. 3 - 18 — O nosso mestre o Sr. Dr. Valladão referio em 1835 dous casos de mulheres, sendo uma grávida, que se restabeleceu depois do parto. Das 18 doentes de Wucherer, 3 virão apparecer a moléstia durante a gravidez, em uma dessas cessou ella abruptamente com o parto. Dentre as 9 do Dr. Silva Lima, 2 estavão em estado de ges- tação ; nas 4 do Dr. Almeida Couto, havia uma em estado inte- ressante. Em uma das 9 doentes mencionadas nas nossas notas o appa- recimento da moléstia coincidio com a primeira gravidez. A prenhez, pois, parece ter alguma influencia sobre a chyluria embora nada sobre isso digão os autores. Idades. — A hematuria endêmica nos paizes quentes é na opinião de todos os escriptores mais commum na infância. Chapotin diz que desde a mais tenra idade um grande numero de individuos é affectado do mal; Salesse chega mesmo a assegurar, que na Ilha de França os três quartos das crianças são accommettidos de hematuria. O Dr. Cassien é o único a dissentir desse accôrdo geral; segundo elle, contrariamente ao que têm dito muitos autores, a idade adulta é a epocha da vida, em que a moléstia se mostra mais freqüentemente. 0 Dr. Crevaux fazendo uma confrontação dos casos conhecidos} termina dizendo: De Fensemble de ces faits nous concluons: « L'hématurie chyleuse s'observe à tous les ages, depuis Ia plus tendre enfance jusqu' à Ia vieillesse : seulement Ia période hématurique est plus commune dans Fenfance. Quelquefois, Ia transformation chyleuse n'ayant pas lieu, on a de Fhématurie purê dans Fâge viril. » A confusão entre a hematuria e a chyluria feita pelos autores, de que já temos fallado, sobe de ponto neste trecho do Dr. Crevaux. - 49 — Para elle pôde haver hematuria chylosa, que nunca é chylosa: não sabemos como nestas condições este pratico poderá distinguir taes casos dos de hematuria pura. Consultemos os dados fornecidos pela observação no nosso paiz. Nenhum dos membros da Sociedade dè Medicina, que discutirão sobre esta moléstia, menciona factos delia em crianças, e o Dr. Ja- cintho Reis diz mesmo que só a vio em adultos. Nos 31 doentes de Wucherer não se encontra uma só criança, todos erão adultos, alguns tinhão mesmo mais de 50 annos, e um até mais de 70. Nos 13 do Dr. Silva Lima achamos: Um de 17 annos; Seis de 20 a 26 annos; Três de 30 a 35 annos; Um de 46 annos; Dous de 50 annos. Nos seis do Dr. Couto Almeida, de 2 não ha declaração da idade: dos 4 restantes são: Um de 28 annos; Dous de 30; Um de 40, que já soffre ha tempos. O do Dr. Chastinet contrahio o mal aos 18 annos. Em nossa pratica e na dos collegas, a quem consultámos, não encontrámos um só facto em crianças. Vê-se, pois, que ao menos no nosso paiz a moléstia poupa as crianças e é própria da mocidade e da idade adulta. Atacará a velhice ? O Dr. Noronha Gonzaga o affirma e diz mais, que em sua provincia (Minas-Geraes) a moléstia é muito freqüente na velhice, raras vezes se encontra nos outros periodos da vida, e refere por essa occasião a communicação a elle feita pelo medico clinico de S. João d'El-Rei, o „ 90 — Dr. Guilheame Lee, de muitos casos de sua clinica, todos elles de indivíduos de 40 a 50 annos para cima. Entretanto, isto, não só é contradicto pelo illustrado Sr. Dr. Ottoni, como ainda está em opposição com o que tenho aqui observado e com o resultado das observações acima referidas. É certo que nas do Dr. Wucherer se faz menção de indivíduos maiores de 50 annos, mas cumpre ponderar, que os factos não são bem discriminados, não se declara por exemplo se a moléstia appa- receu nessa idade ou se já existiria antes; essa declaração é apenas feita relativamente a uma mulher de mais de 70 annos, cujo mal datava de três inezes. Temperamento. — Os indivíduos de temperamento lymphatico, os de constituição fraca, natural ou adquirida, são os mais sujeitos á chyluria. Esta opinião geralmente acceita é confirmada pelo exame dos factos precedentemente citados. Nada se sabe de positivo quanto á influencia da alimentação, do modo de vida, da condição e profissão dos indivíduos. Cassien diz que a moléstia parece atacar de preferencia aos indi- víduos pertencentes á classe favorecida da fortuna. Wucherer, porém, affirma que ella ataca a indivíduos em todas as condições da vida « e que não lhe foi possível descobrir em que o modo de vida dos atacados differia daquelle dos não atacados. » É possível, que o uso de uma alimentação excitante e muito condi- mentada, que a vida e profissão sedentária concorrâo para produzi-la como alguns têm dito; mas tudc isto é conjectural, não são essas asserções fundadas em factos, e na ausência delles preferimos sus- pender o nosso juízo. Relativamente á influencia, que certos estados mórbidos podem ter como causa predispoiiente da chyluria, não existe a mesma in- certeza. - 21 — Tem-se observado, principalmente no Rio de Janeiro, que a chyluria ataca freqüentemente os indivíduos sujeitos a erysipelas,lymphangites, elephantiases dos Árabes. O fallecido Dr. Meirelles cita o facto de uma mulher affectada de chyluria sujeita a ataques periódicos de erysipela de quinze em quinze dias, na qual estes e a chyluria cessarão com uma viagem á Europa. 0 conselheiro Jobim e o Dr. De-Simoni referem o facto de uma preta, em que ataques de chyluria precediâo quasi sempre a appa- rição dos de epilepsia e de insultos erysipelatosos elephantiacos, a que era sujeita esta preta. O Dr. Catta Preta observou um individuo em quem as urinas se tornavão chylosas, todas as vezes que soffria de erysipela no escroto. O Dr. Souza Lima vio outro facto idêntico. O Dr. William Roberts narra um facto, em que uma pachider- mia lymphorrhagica foi seguida do apparecimento da chyluria. O doente de Caff era sujeito a erysipelas erráticas, que reappa- recião periodicamente todas as semanas. Pela minha parte observo actualmente um caso, que parece confir- mar as relações existentes entre a chyluria e a erysipela. Trata-se de uma senhora branca, casada, com cinco filhos, de 31 annos de idade, de temperamento lymphatico e constituição fraca, cuja mãi morreu tuberculosa ; sua irmã soffreu em pequena de tuberculos-mesentericos, que a levarão á beira do túmulo. Essa senhora em pequena foi muito sujeita a lymphatites e erysipelas, que por vezes terminarão por suppuraçâo; taes erysipelas, porém, que repetirão-se até pouco tempo antes da epocha do seu casamento, nenhum defeito physico lhe deixarão; conserva apenas um ligeiro engorgitamento dos gânglios cervicaes e inguinaes. Ultimamente (lia dous mezes), no nono mez da amamentação do seu quinto filho, foi affectada de chyluria ; em pleno período chylurico sobre veio-lhe, sem causa apreciável, uma erysipela no seio esquerdo, a que se seguio melhora brusca da primeira enfermidade ; cessada a — 12 — erysipela, aquella de novo recrudesceu. Uma outra das minhas doentes foi muito sujeita a erysipelas em pequena. O fallecido Dr. Ferreira Pinto, na sua these do concurso sobre albuminuria, apresenta um facto de elephantiases dos Árabes, coin- cidindo com a chyluria. Entretanto, o Sr. Dr. Silva Lima nunca observou esta coincidên- cia na Bahia, elle o diz em uma nota á Memória de Crevaux, sobre a hematuria chylosa, referindo-se ao trecho seguinte da Med. Tim. Gazett. de 13 de Fevereiro de 1855, que aqui transcreverei; pois diz respeito a este assumpto : « Ha muito que a perspicácia do Dr. Fayrer lhe suggerio a suspeita, « como vem declarado na sua obra, sobre a medicina na índia, de « ser a mesma a causa das duas moléstias (chyluria e elephantiases dos « Árabes), e agora fica isso demonstrado pela coexistência das duas « affecções no mesmo indivíduo e pela descoberta das filarias em cada * uma separadamente. » Raças. — Seria importante averiguar se ad instar do que succede com outras moléstias, a chyluria pouparia certas raças ou atacaria de preferencia a alguma. Infelizmente, porém, o estudo desta mo- léstia, sob este ponto de vista, está muito atrazado, nem isto é de sorprender, quando se considera que, a inclusão da etnographia medica entre os ramos, de que se compõe as sciencias médicas, é de data mui recente. Pelas averiguações dos médicos europêos, parece resultar dos factos, até hoje conhecidos, que nos paizes do velho mundo, em que a hematuria é endêmica, os Europêos raras vezes são atacados, bem como a raça negra. Estudemos o que se passa no Brasil. Dos 31 doentes de Wucherer 22 erão brancos, 5 pardos e 3 pretos. Dos 13 doentes do Dr, Silva Lima são brancos 7, pardos 2, pretos 2, dos quaes um Africano; sem declaração de cor 2. — 23 — O doente do Dr. Chastinet é branco. Dos do Dr. Almeida Couto 4 são brancos e 2 pardos. Dos 14 doentes sobre que versão as nossas notas são brancos 8, pardos 5, preto 1. Parece, pois, que se a raça preta goza com a branca do triste privilegio de pagar tributo a esta enfermidade, ella contribue com menor quinhão. Heranças. — Rayer cita o facto de um indivíduo, affectado de chyluria, cujo filho, ainda criança, soffria da mesma enfermidade. O Dr. Cassien refere o caso de um moço affectado de hematu- ria chylosa, cuja mãi também padecia do mesmo mal. Ao Dr. Crevaux disse uma senhora conhecer uma família, na qual a mãi e quatro filhas, ainda moças, padecião de chyluria. Do Brasil nada me consta a esse respeito. Estações. — Nada ha estabelecido na sciencia sobre a influencia que as estações possão ter no apparecimento da moléstia. No doente que faz objecto da observação apresentada pelo Dr. Crevaux em sua these, a invasão do mal coincide com a epocha de maior calor; a moléstia cresce ou decresce, segundo a estação é quente ou fria. No Brasil o mesmo não foi observado pelo Dr. Wucherer. A invasão da moléstia, diz elle não parece ser mais freqüente em uma estação do que em outra. Na doente, que agora observo, e de que atraz fallei, a invasão do mal occorreu durante as fortes chuvas do mez de Julho, quando o ar era frio e humido. Causas occasionaes. — Como taes têm sido apontados os esforços violentos, os choques bruscos, a equitação prolongada, as viagens de carro, as emoções moraes, etc, William Roberts cita um caso em que a moléstia appareceu depois do abalo physico e moral, — 24 — que experimentou o paciente por occasião do encontro do trem, em que ia de viagem, com outro. Um nosso amigo e collega, pratico mui distincto e conceituado desta corte, que soffre de chyluria, referio-nos, que para ver o seu mal apparecer basta que viaje de carro por algumas horas depois de jantar; é tal a influencia desta causa na superveniencia dos ataques da moléstia, que, diz elle, mediante ella, eu a posso fazer apparecer á vontade. Syphilis. — Nada dizem os autores sobre o gráo de influen- cia que possa ter a syphilis na producção da chyluria, entretanto este elemento etiologico não é para desprezar. Sua influencia me parece estabelecida por alguns factos que passarei a citar. 0 doente do meu mestre, o Sr. Dr. José Bento, era syphilitico bem como o era a do conselheiro Jobim e Dr. De-Simoni (lj. Dous dos 14 doentes das minhas notas são morpheticos, cujo mal principal está evidentemente ligado á syphilis. Dous outros (agora livres do mal) são fi'hos de um individuo affectado de uma dermatose syphilitica, que passou aos filhos : destes, um está actualmente sendo tratado pelo distincto occulista o Sr. Dr. Hilário de Gouvêa, de uma iritis syphilitica. Em seis outros coincide a chyluria com uma erupção dartrosa ligada á syphilis. Ha um que teve boubas e cuja filha é morphetica. Outra cuja mãi morreu de tuberculose pulmonar e cuja irmã soffreu em pequena da mesenterica. Dos que restão, que são duas escravas, não foi possível colher informações exactas a tal respeito. Estes factos, se bem que não avultem em numero, me parecem assaz significativos da influencia que sobre a chyluria pôde ter a syphilis. (1) Sigaud. Du climat et des maladies du Brésil. — 25 - Nem é de extranhar que isto assim succeda; não seria a chy- luria a única affecção renal, em que a influencia etiologica da syphilis se fizesse sentir. A syphilis bem como a scrophula, uma das fôrmas, de que se reveste muitas vezes esse Protheo atravéz das gerações, pôde ser causa da nephrite parenchymatosa profunda: também pôde a syphilis, quer hereditária, quer adquirida representar o mesmo papel em relação á nephrite interstiscial. A nephrite catarrhal pôde ter por causa certas affecções cutâ- neas; Rayer a encontrou no eczema e na psoriasis, moléstias que em muitos casos são a expressão local de uma diathese syphilitica. Lithiase urinaria.—Tem-se observado mui commummente a apparição nas urinas chylosas de ácido urico em excesso, precipitan- do-se sob a fôrma de crystaes ou em pó amorpho; este facto não escapou ao espirito de observação do meu distincto mestre, o fal- lecido Dr. Paula Cândido, que já em 1835 dava como freqüente nas urinas chylosas a presença do ácido urico; a existência de depósitos phosphaticos e principalmente de triplo-phosphato é tam- bém assignalada em grande numero de analyses. Que significação terá este facto ? Representará a lithiase urina- ria algum papel na etiologia. da chyluria ? Para evitarmos longos desenvolvimentos, que serião aqui desca- bidos, daremos como estabelecido na sciencia, que a lithiase uri- naria pôde depender de uma alteração da crase' do sangue,- primi- tiva, ou accidental; ou provir de um vicio local, tendo por sede os órgãos ourinarios : cumpre-nos, pois, indagar, se, a que acompa- nha a chyluria, é de procedência local, ou geral; se a precede algumas vezes, ou se é sempre consecutiva a ella. Estudemos pri- meiro o que se tem dito a esse respeito relativamente á hematuria dos paizes quentes. A - 26 - Nessa espécie de hematuria a excreção de phosphatos, e princi- palmente de arêas uricas, pelas vias urinarias é phenomeno fre- quentissimo, de que fallão todos os autores, e foi mesmo a consi- deração da freqüência desse facto, que induzio Rayer a crear a sua segunda variedade de hematuria, que suppunha devida á presença dessas arcas nos rins. Esta opinião foi geralmente acceita, mas com a descoberta do distomum hcemathobium, e das alterações, que elle soe produzir nos órgãos urinarios, ella foi abalada. Jonh Harley, encontrando crystaes de ácido urico, tendo por núcleo ovos desses hematosoarios, sustenta, que ás lesões por elles produzidas se deve attribuir a lithiase urica observada; que esta, longe de ser a causa da hematuria, é a conseqüência do estado local, que determina ambos esses phenomenos. A opinião de John Harley vai ganhando proselitos; mas a nosso vêr ella pecca por muito exclusiva : não contestamos que em muitos casos assim acon- teça, mas não cremos, que em todos assim seja. Está perfeitamente demonstrado pelos bellos trabalhos de Greenhow e Pavy, que, dentre as hematurias chamadas antigamente essen- ciaes, ha algumas, que são devidas á formação nos canaliculos uriniferos de cylindros de oxalato de cal, e outras, que reconhe- cem por causa a presença na secreção urinaria de maior quan- tidade de ácido urico. Serião estas hematurias devidas á díathese urica e oxalurica; pondo de parte as explicações de Greenhow e Pavy conservemos o facto : ha, pois, hematurias, que reconhecem por causa a lithiase urinaria. Por outro lado, não ha quem ignore, que nos climas, em que não reina a hematuria endêmica, a lithiase urinaria apparece independentemente de vermes nas vias ourinarias. Por que pois nos climas quentes ella só reconheceria essa causa ? Para estabelecel-o seria necessário demonstrar, que nestes climas — 27 — as causas capazes de produzir tal estado mórbido são nullificadas por uma influencia qualquer, não exercem a sua acção; só assim ficaria o campo livre a predominância exclusiva dos vermes. Mas é isso, o que Jonh Harley não poderá conseguir. Ora, sendo assim, admittida como possivel a precedência da lithiase urinaria á qualquer lesão renal, se um indivíduo, por cau- sas climatericas ou constitucionaes, pelo seu modo de vida, for af- fectado dessa lithiase, poderá ella occasionar o apparecimento da chyluria ? Acreditamos que sim, se elle estiver predisposto. Helminthos.—Wucherer, publicando na Gazeta Medica da Ba- hia a sua descoberta dos vermes nas ourinas chylosas, se bem que pareça inclinado a crer, que a moléstia depende da sua presença nas vias urinarias, diz: « Assim abstemo-nos também de qualquer conjectura acerca da significação dos vermes e do papel que elles representão nesta enigmática moléstia (1).» Esta prudente reserva de Wucherer não foi imitada por alguns dos outros práticos, que em seus exames microscópicos verificarão a exis- tência desses helminthos. Para alguns delles não pôde restar a me- nor duvida sobre serem elles a causa da chyluria. E facto digno de nota, e que não pôde passar desapercebido ao medico philosopho, a tendência que ha, depois dos progressos impressos á helminthologia moderna pelos trabalhos de Davaine, Spencer Cobbold, Leukart e outros, de referir grande numero de moléstias á presença de vermes na economia animal. Muitas theo- rias temos visto erguerem-se sobre esta base, para cahirem ao nascer. (1) Gazeta Medica da Bahia, n. 78, 1869, Pag. 62. — 28 — Este ultimo facto nos parece explicável de um lado pela precipita- ção dos autores de taes theorias, de outro pela própria difficuldade da matéria; para demonstra-lo buscaremos o appoio de autoridade mui competente nella. « O grupo dos protozoarios, diz Davaine, não tem ainda limites, ou porque seja fácil comprehender nelle larvas de animaes mais elevados, ou porque é difficil distingui-los dos vegetaes dotados de movimento, ou mesmo de parcellas separadas recentemente de um organismo vivo e participando ainda de sua vida, como acontece ás fibras musculares, aos cilios vibrateis, aos spermatosoides, aos zoosporos. É esta a interpretação, que damos, dos movimentos, que desco- brimos nos glóbulos brancos do sangue do homem e dos animaes, á despeito da opinião de um observador mais recente, Mr. Lieber- kuhn, que encara estes corpos como verdadeiros protozoarios (1). Ora, aqui temos já duas notabilidades na sciencia, divergindo, sobre se devem ou não ser considerados protozoarios os glóbulos brancos do sangue. Pullulão na sciencia exemplos de vermes, que forão encontrados por homens de grande nomeada como observadores, e á que se attribuirão certas enfermidades, mas que forão ao depois reconhe- cidos falsos; taes são os de Desault, encontrando no cérebro de um cão myriadas de vermes, a que julgou poder referir a raiva; o de Percy, que sustentava ter visto hydatides se mover em sua mão, aos pretendidos hydatides erão cellulas choriaes, também descriptas por J. Cloquet, sob o nome de acephalocystes racemosus, e innu- meros outros factos, de que é fácil vêr a lista no artigo a elles consagrado na obra do distincto helminthologista já citado ; Davaine, sob o titulo de pseudo-helminthos. (1) Davaine — Traité des entozoairts, P. III, Synopsis. — 29 — Acercando-nos mais do assumpto desta these, diremos que muitos vermes se têm dado como existentes nas urinas, que. ao depois se tem reconhecido serem filhos da illusão; haja visto o diplospoma crenata de Farre, que mereceu tantas discussões. As investigações recentes não con firmarão também as observações de Barnett, Lawrence e de Curling sobre e spiropterus e o dactilius aculeatus. Fazendo estas considerações, não temos em mente negar a existên- cia dos helminthos nas urinas chylosas ; têm ellas por fim unica- mente fazer vêr, que esses exemplos nos devem tornar cautelosos na admissão, como causa da chyluria, de embryões, cuja procedência é desconhecida, e cuja organisação não foi ainda estudada, nem pôde ser discriminada apezar do emprego da força augmentativa de 400 diâmetros, e dos esforços nesse empenho empregados por vários observadores. Observe-se ainda, que taes parasitas não têm sido encontrados por outros. Cassien não faz menção delles nos seus exames de urinas chylosas: Ackerman áfóra os glóbulos sangüíneos, não pôde ainda descobrir nenhuma outra parte constituinte organisada (1). Pela nossa parte, não os encontrámos a despeito de numerosas investigações, a que procedemos, munidos de um excellente micros- cópio . Mas, admittida a existência dos vermes, e a sua coincidência com a chyluria, nem mesmo assim poderemos já affirmar, que sejão elles a causa desta; muitos pontos obscuros restarão a elucidar. E, com effeito, mesmo não admittindo a heterogenia, theoria á cuja frente se apresenta actualmente Pouchet, acceitando a theoria biológica de Pasteur, pode-se sustentar, que o desenvolvimento dos parasitas é posterior á moléstia e conseqüência delia: effectivamente os ovos, larvas ou embryões desses animaes carecem de certas [1) Rosenstein, Pag. 50. Maladies des reins, 1874. - 30 — condições para o seu desenvolvimento ; penetrando no organismo, se ahi as não encontrão, são eliminados, ou morrem: ora, no caso figu- rado o estado mórbido das vias urinarias dar-lhes-hia estas con- dições, faria nascer nellas o meio apropriado ao desenvolvimento dos parasitas. Entre as moléstias parasitárias, cujo estudo está mais adiantado, figurão as da pelle e de algumas mucosas: pois bem, eis o que a respeito dellas diz um autor muito recommendavel: * On ignore encore si les champignons se développent sur des regions cutannées ou muqueus tout à fait normale; les plus souvant ils germent dans des endroits, d'une proprété douteuse, ou dont les fonctions sont troublées, ou qui sont érodés: Ia proliferation crypto- gamique s'etend de lá sur les parties voisines. (1) Em conclusão entendemos que no estado actual dos nossos conheci- mentos sobre o helmintho encontrado nas urinas chylosas não é possivel asseverar, que seja elle a causa deste estado mórbido. ANATOMIA PATHOLOGICA A anatomia pathologica da chyluria tem sido muito pouco estudada, porque mui raras têm sido as necropsias feitas em casos desta molés- tia ; reproduziremos aqui o resultado das que conhecemos. O Dr. De-Simoni em um caso achou o tecido cellular dos rins alterado em cor, volume, e consistência; elle era um pouco esbran- quiçado, mais molle, mais volumoso, e apresentava-se salpicado de manchas brancas. O Dr. Priestley, em um menino, que succumbira em estado adynamico, havendo desapparecido as urinas chylosas 15 dias antes (1) Wagner—Patholog. ger.—Pag. 119. - 31 - de sua morte, e sobrevindo cedema dos pés, encontrou o corpo muito esbranquiçado, coração pequeno, molle, suas fibras musculares com- promettidas pela degenerescencia gordurosa, fígado também gordu- roso, pulmões turberculosos ; os rins erão muito pallidos, como o resto dos tecidos, e á primeira vista nada chamava a attenção, porém, observando-se com mais minúcia, notou-se, que os pequenos vasos não erão visíveis na cápsula, e rompendo-se esta os rins, também se despedaçávão; estavão amollecidos. A parte seccionada era pallida e a differença entre a porção cortical e tubular não era sensível, como no natural. Pelo exame microscópico vio-se, que uma grande porção do tecido renal estava desorganisada e em adiantado gráo de transformação gordurosa. Priestley pergunta se neste caso não haveria complicação de moléstia de Brigt. O Dr. Prout, em 1831, apresentou a seus discípulos os rins de uma criança de 18 mezes, que soffrêra de chyluria, morrendo de uma enterite superveniente, estavão perfeitamente normaes. O Dr. Isaacs teve occasião de dissecar o cadáver de um marinheiro, que durante a vida soffrêra de chyluria, e morrera de tuberculose generalisada: os rins continhão alguns nodulos tuberculosos em estado de ammollecimento: qu-mto ao mais achavão-se perfeitamente normaes. Fallão ainda os autores mui vagamente em autópsias, em que nada se encontrou de anormal nos rins. SYMPTOMAS. A chyluria invade com ou sem prodromos. No primeiro caso a alteração das urinas que a caracterisa, é precedida por uma Fensação de peso, ou por dores ligeiras na - 32 - região lombar, mais raramente por dores intensas nessa região, propagando-se á bexiga, á verilha ou mesmo as coxas; no segundo o indivíduo no gozo de perfeita saúde é sorprendido pela moléstia, que se manifesta, qualquer que tenlia sido o seu modo de invasão pela excreção de ourinas turvas, ou brancas completamente, opacas semelhantes a leite, ás vezes sanguinolenta, e outras cor de café com leite. Estas urinas coagulão-se espontaneamente ou não ; a coagula- ção pôde dar-se dentro ou fora das vias urinarias; no primeiro caso a obstrucção dessas vias pelos coalhos formados, pôde causar verdadeiros martyrios ao doente. Afora isto, um estado apparente de bôa saúde, ás vezes ligeiras perturbações das funcções digestivas, consistindo, ora em uma exageração do appetite, ora em um estado dispeptico, algum sentimento de fraquesa, mais raramente, se a moléstia se prolonga, uma anemia mais ou menos pronunciada ; eis a que se reduzem, em resumo, os symptomas da chyluria. Procedamos, porém, a uma analyse mais detalhada desses sym- ptomas. Estado geral. Os autores dizem, que na maior parte dos casos o o estado geral se conserva bom, que existe a apparencia de uma boa saúde; o individuo, de que falia o Dr. Abernethy, foi, depois de um soffrer de 12 annos, por elle encontrado gordo e forte. Em dous casos narrados pelo Dr. Prout, depois de 5 annos de moléstia, a saúde em geral não era compromettida nem mesmo as funcções reproductoras, pois a mulher, objecto de sua observa- ção, concebeu e levou a bom termo a sua gravidez; no caso do Dr. Elliotson a moléstia, durando 28 annos com pequenas interru pções, não affectou de modo notável a saúde. O estudo dos casos conhecidos na sciencia e dos da minha pró- pria observação me induz a estabellecer sob este ponto de vista três cathegorias de factos. - 33 - Na primeira, o estado geral do doente se conserva bom, elle parece gozar da plenitude de suas forças. Na segunda, o doente sente-se apenas abatido, ou suas forças decahem visivelmente durante os ataques da moléstia, maxime se estes são fortes e se prolongão; mas elle as recupera nos inter- vallos livres. São estes os casos mais numerosos das minhas observações. Na terceira cathegoria de factos, que é mais rara, com a pro- longação da moléstia, ou freqüente repetição dos ataques, as forças se prostrão, o indivíduo definha, torna-se profundamente anêmico, edemas apparecem, moléstias occorrem, como a tuberculose, e o doente succumbe á complicação sobre vinda, á qual se reúne uma debi- lidade extrema. Em um doente do Dr. Priesthey isto se deu, e este pratico, feita a autópsia, suspeitou ter o seu doente succumbido á moléstia de Brigt sobre vinda a chyluria. Em uma nossa doente a moléstia, que começara durante a pri- meira gravidez, durou 13 annos e oito mezes, com curtos interval- los de melhora ; no decurso desse tempo ella concebeu, e deu á luz 3 filhos sem accidente notável; suas forças, porém, forão-se abatendo, e ficou reduzida a um estado anêmico muito pronunciado, acom- panhado de edema das extremidades inferiores; este desappareceu depois de um aborto, coincidindo o seu desapparecimento com uma polyuria, que muito incommodava a doente, a ponto de a fazer urinar no leito (sclerose renal?); entretanto ella pareceu ganhar forças, as conjunctivas e face corarão-se, se bem que a chyluria continuasse, mas dous mezes antes de seu fallecimento esta cessou, deixando em campo uma tuberculose aguda, que arrebatou-nos a doente. Apparelho digestivo. — As funcções deste apparelho ou não são compromettidas, o que é ornais commum, ou, quando o são, as 5 — 34 — perturbações existentes reduzem-se a um estado dispeptico, e ás vezes a uma simples alteração do appetite. Nos doentes de Dutt e de Cubitt o estado dispeptico existia revel- lado, no do segundo, que era uma mulher, por pouco appetite, dores no epigastro após as refeições, ligeiras cephalalgias acompanhadas de náuseas, hyperkinesia cardiaca, e outros symptomas de dys- pepsia. O apettite é as mais das vezes ordinário, outras vezes, porém, exces- sivo, podendo tocar as raias da boulimia. Em uma minha doente a exageração do appetite alternava com phenomenos dispepticos bem accentuados; nos dos Drs. Caffe, Prout e Creveaux havia um appetite boulimico. Apparelho circulatório.—Nenhuma alteração do pulso meneio- não os autores, nem tenho observado: entretanto, no doente do Dr. Crevaux elle se accelerava e accessos febris, mais ou menos duradou- ros, presidião ao apparecimento da hematuria, prolongando-se uma vez por 10 dias. Sangue.—Guibourt, analysando o sangue do doente de Caffe, en- controu-o sobrecarregado de gordura, havia no coagulum quasi o dobro da quantidade de gordura contida no do sangue physiologico. A proporção de albumina era accrescida, e a de fibrina por tal sorte reduzida, que elle entra em duvida sobre sua existência, dizendo ora que parecia haver completa ausência delia, ora diminuta quan- tidade . O professor Hoppe Seyler, segundo se lê no Med. Tim. de 1871, analysando o sangue de uma doente de chyluria, submettida aos cuidados de Niemeyer, notou que a coagulação do sangue era per- feita: elle dava 41,2 por cento de soro de cor amarellada um pouco turva porém não leitosa : o soro não era da mesma naturesa gordurosa como as urinas : a analyse demonstrou menor proporção de princi- cipios albuminoides, o que Hoppe Seyler attribue á perdas pelas - 35 — urinas ou á diluição pela lympha em conseqüência do modo por que foi extrahido o sangue (por ventosas), ou a ambas essas causas. O soro continha elevada porcentagem de gordura, ao passo que os corpusculos sanguineos não parecião conter maior proporção, do que a normal; também não havia reducção no numero dos corpusculos sanguineos, nem na quantidade de matéria corante. Por outro lado, Rayer sangrando um seu doente de urinas chy- losas, nada notou de anormal no sangue. Também Bence Jones praticando uma sangria em um doente, cuja» urinas erão chylosas, quer antes quer depois da sangria, encontrou o sangue perfeitamente normal. O Dr. Crevaux diz o seguinte : « Nous avons, à deux reprises, retire une petite quantité de sang au moyen de ventouses scarifiées. « Une fois, nous avions donné à notre malade une alimentation presque exclusivement composées de matières grasses. » Le serum du sang, retire deux heures après le repas, ne fut pas trouvé lactescent. « L'examen histologique de ce liquide ne nous a jamais rien fait déceler de anormal.» O mesmo resultado obteve o Dr. Silva Lima de suas pesquisas na província da Bahia. (1) Apparelho urinario. — Quasi sempre os doentes accusão dores lombares, que as vezes se propagão, como dissemos, á bexiga, ao escroto e mesmo as coixas. Essas dores occupao commummente ambos os lados, e quando se circumscrevem a um, é o direito a sede habitual dellas. Fracas na maioria dos casos, raras vezes adquirem uma grande (1) Revista Medica da Bahia, n. 14, pag. 213. - 36 - intensidade, podendo nesse caso tomar o caracter de verdadeira eólica nephritica. Estas dores fortes só apparecem quando se declara a hematuria fran- ca; e a eólica quando ha formação de coalhos de sangue ou da urina no interior das vias urinarias ; nestes casos o doente pôde soffrer o martyrio da dysuria, da ischuria, e stranguria, que rapidamente cessão após a expulsão dos coalhos. Esta se faz na maioria dos casos espontaneamente. A parte, estes accidentes, a emissão das urinas é em geral fácil, e nem diversa do estado normal. Exame das urinas. — A urina é branca, opaca, semelhante a leite ou chylo. Rayer, misturando um pouco de urina normal com o chylo colhido no canal thoracico de um cavallo, a vio tomar o aspecto physico e caracteres chimicos da urina normal. Algumas vezes a urina é de uma ligeira cor rosea, outras, cor de café com leite, outras, sanguinolenta. Estes diversos aspectos podem sueceder-se no mesmo dia; pôde também a urina apparecer inteiramente limpida e com a cor ama- rella normal, para logo depois ser seguida de outra completamente turva: estas variações na côr da urina podem não guardar regu- laridade no seu apparecimento, outras vezes a guardão. Em geral, a urina depois das refeições é mais carregada em côr e mais opaca; a da manhã, ao despertar do doente, mais lim- pida que a do resto do dia. O exercicio na maioria dos casos exagera o aspecto turvo da urina e pôde mesmo, sendo excessivo, dar lugar ao apparecimento do sangue nellas. Bence Jones instituio curiosas experiências tendentes a provar a influencia do exercicio, e das refeições sobre os caracteres da urina. Elle vio que logo após uma refeição, ella tornava-se chylosa; se o doente ficava em jejum e fazia exercicio a urina era lymphatica, — 37 — se ficava em jejum e permanecia perfeitamente tranquillo tornava-se normal. No doente do Dr. Goodwin as urinas tornavão-se chylosas, todas as vezes que entregava-se a um trabalho penivel. No do Dr. Cubitt, desde o começo de sua moléstia, toda a fadiga do corpo e do espirito, todo o esforço desacostumado, toda a exci- tação, a vigilia etc, tinhão por effeito exagerar immediatamcnte o aspecto leitoso da urina. O Dr. Crevaux notou também no seu doente esta influencia do re- pouso sobre os caracteres da urina, e o Dr. Cassien citado por elle diz : « Lorsque le malade garde le repôs, ou ne se livre qu'à un exer- cice três moderé, Ia partie de 1'urine, qui occupe le fond du vase, presente seulemente une teinte rosée ; mais après une marche forcée, ou un long traject en voiture ou àcheval, 1'urine devient saguinolente dans toute sa masse. Les mets fortement épicés, les boissons alcooli- ques ont aussi pour effet immédiat de rendre Ia proportion du sang plus considérable. • Citámos na etiologia o facto de um distincto pratico brasileiro, em quem o exercicio de carro depois das refeições provocava de um momento para outro os ataques da moléstia. Mas, a respeito destas variações de côr um facto singular é referido por Ackerman; a urina tornava-se perfeitamente normal, quando o doente deitava-se do lado direito, e reassumia immédiatamente o aspecto chyloso, quando elle se levantava. A côr branca da urina é devida á granulações gordurosas excessi- vamente pequenas, retidas em suspensão no liquido pela albumina. Tratada a urina pelo ether, abandona-lhe a gordura, e perde o aspecto leitoso. A côr rubra reconhece por causa a presença do sangue. A côr de café com leite é attribuida pelos autores á mesma causa; mas em um caso por nós observado, em que não havia sangue, era - 38 devida á presença do ácido urico em pó amorpho, suspenso no liquido pela substancia albuminosa. Algumas vezes a urina não é perfeitamente chylosa: ella é antes limphatica (limphous Prout) não tem a côr opaca, pois a gordura não existe ou ahi está em fracas porporções, mas contém albumina e fibrina, que a faz coagular espontaneamente. Este aspecto da urina, descripto pelos autores, ainda não foi por nós encontrado. A urina pôde conservar-se liquida ou coagular-se pelo repouso: o aspecto do coalho varia segundo existe ou não sangue. Se ha sangue em quantidade, este fôrma no fundo do vaso um grande coagulo rubro ou escuro, sobre o qual nota-se um liquido de côr rosea, mais ou menos carregada. Se, porém, a urina é completamente branca, ou toda ella coagula, formando um coagulo, moldado pela fôrma do vaso, tremulo, seme- lhante á geléa, que pela decomposição da urina ao depois se dissolve e fragmenta; ou apresenta uma parte liquida, na qual nadão fra- gmentos de coalhos mais ou menos molles, e o liquido, pelo seu aspecto, assemelha-se perfeitamente ao leite coalhado. Se a coagulação se faz no interior das vias urinarias, os coalhos podem sahir pela uretra mais ou menos alongados e cilíndricos simulando vermes. A urina tem o sabor e cheiro normaes: entretanto, ás vezes, soffre rapidamente a decomposição ammoniacal, e pôde mesmo, em casos raros, exhalar um cheiro sulphidrico. A quantidade da urina não soffre alteração na maioria dos casos, ao menos entre nós : citão-se casos de seu augmento na Europa, attingindo ás vezes um algarismo enorme. Na Deutche Klinic vem narrado um facto, em que a quantidade oscilla entre dous mil e sessenta á três mil grammas nas 24 horas. No caso observado por Frank em Pavia o peso da urina variava de dezeseis a vinte libras, — 39 — Sobre a densidade da urina eis o resultado de differentes pesquisas : Bouchardat. 1021 Wucherer temp. 20° 1011 Idem temp. 25° 1005 a 1012 Priestley 1014 a 1022 Dr. Duhomme (de Paris) 1005 a 1025 Pela analyse chimica reconhece-se que a urina é em geral ácida no momento de sua emissão, e quando alcalina, deve esta propriedade á grande quantidade de phosphato ammoniaco-magnesiano (Priestley): o acido-nitrico e o calor revelão a existência de albumina em quan- tidade variável; pela agitação com ether a côr branca desapparece ; a evaporação etherea, deixa em residuo uma quantidade considerável de gordura amarella, solida ou unctuosa, incristalHsavel, de cheiro aromatico (Quevenne e Bouchardat). A urina chylosa contém ainda freqüentemente ácido urico em excesso e uréa ; os elementos ordinários da urina normal apresen- tão-se em geral nas proporções costumadas : a caseina que dizia Blanc existir nella, não tem sido encontrada, bem como a glycose mencionada por Waters. Reproduzimos o seguinte mappa, em que se acha a resumo de sete analyses de urinas chylosas. Matéria gordurosa... Albumina.......... . ®* a § 3> ES O" U o> t» es. Rogers. Média de analyses. (Bird. pag. 420.) Bouchardat. (Anauario,* 1862, pag. 201.) oi • & cã > o Bence Jones. (Phü. Trans. 1850.) Média de 2 analyses. Dr. B. Edwards. (Med. Chir. Tr., XLV, pag. 217. A. Gamgee. (Red. Med. J., Aug. 1862) 1.60 0.70 2.30 95.10 1.10 0.33 4.71 93.86 1.30 0.20 3.73 94.74 1.39 1.30 2.57 94.93 0.79 1.40 2.88 94.93 0.99 0.60 1.68 96.73 0.20 0.17 3.04 96.59 Principios sólidos \ normaes da urina./ 100.00 100.00 100.00 100.00 100.00 100.00 100.00 - 40 - Exame microscópico. —■ Transcrevemos aqui o que a este res- peito se encontra na these do Dr. Crevaux. L'examen du liquide nons donne, avec un grossissement de 350 diamètres. l.° Globüles rouges du sang.— « Dans toutes les urines albumino- graisseuses que nous avons fait examiner par Mr. Coquerel, médecin de lre classe de Ia marine, on voit des globüles sanguins, quoique souvent 1'aspect exterieur n'indique pas Ia presence du sang (Cassien). II s'agit de veritable sang. et non d'une simple coloration sanguino- lente provenant de Ia dissolution des corpuscules sanguins, semblable à celle qui se rencontre dans certains cas de fièvres graves, d'intoxi- cation, etc, et que Yogel appelle hématinurie. « lei on retrouve les globüles sanguins intacts. » (Wucherer) M. Gluber constate: « que le dépôt rouge est presque uni quement forme par des globüles hématiques, parfaitement recon- naissables à leur coloration, mais differant, sous plusieurs rapports, des mêmes éléments envisagés dans le sang lui-même, a 1'état normal. Ces globüles hématiques, tous sphéroí daux, ont généralement un diamètre visiblement inférieur à celui des corpuscules sanguins, auxquels nous les comparons; quelque-uns ne paraissent pas avoir plus de 1,200 de millimètre; plusieurs ont un aspect framboisé mais Ia plupart sont régulièrement sphériques et lisses à leur surface; leur contour est nettement limite par une bordure ombree intense ; ce n'est que par exception qu'on aperçoit vaguement une second ligne cir- culaire concentrique, Índice de 1'excavation des disques sanguins- normaux » (1). 2.° Globüles blanes. — « L'urine contient beaucoup de corpuscules blanes, paraissant être des leucocythes (Wucherer). » Parmi les glo- büles hématiques, on distingue des globüles blanes, plus volumineux, analogues á ceux du sang (Grluber). (1) Comptes-rendues des séances et raeinoire3 Je Ia Société de Biologie, 2a de Ia deuxiéme série, anné 1851, pages 98, 99 e 100. - 4i - 3.° Granulations pulvérulentes en grande quantité. — Tous les au- teurs sont unanimes à reconnaitre que Ia couleur blanche des urines d'aspect chyleux est due, en majeur partie, à des granulations três tênues, pulvérulentes, de nature graisseuse. Ces molécules sont solubles dans 1'ether, Ia dissolution na pas lieu mstantanément, ce qui fait supposer à plusieurs auteurs qu'elles sont entourées d'une mince couche d'albumine. 4.° Globüles huileux.— Nous avons dit que Ia graisse se trouvait principalement sous Ia forme de granules pulvérulents; nous avons pourtant rencontré quelques fois de globüles huileux dans les urines. examinées au sortir du canal de 1'urèthre. Ils sont caractiresés par 1'inconstance de leur volume, et surtout par leur fort réfringence. Les uns ne sont qu'un peu plus volumineux que les granulations mole- culaires, d'autres ont à peu près le diamètre des globüles du sang et ils s'en distinguent par leur forme spherique et leur aspect plus brillant. 5.° Moules e cellules. —- * L'urine des hématuriques contientune innombrable quantité de cylindres íibrineux semblables à ceux que Ton observe dans beaucoups daífections des reins mais dans les cas de notre malade ils sont presque transparents, tellement décolorés qu'il est difficile de les distinguer. Quand Turine est très-laiteuse, ils se reconnaissent mieux à leur aspect de tubes vides, transparents, de forme allongée ou manquent les molécules graisseuses. « Rarement ils sont granuleux, et il ne nous souvient pas de les avoir vus contenir des corpuscules sanguins ou porter, adhérents à leur surface, des celules épithéliales des tubes uriniféres. (Wucherer). Les' cellules épithél;ales qui se rencontrent isolées, et parfois en groupes, proviennent de toutes les parties des vois urinaires, des cálices, des uretères, de Ia vesie, etc. (Wucherer). Cassien accuse aussi Texistence de cylindres hyalins, brillants et blanchâtres, qu'il suppose formes par Ia fibrine coagulée et moulée dans les tubes uriniféres. 6 -ii- Comme Wucherer, nous rencontrons un grand nombre de cellules épithéliales; quelques-unes, prismatiques, contiennent un ou plusieurs aoyaux. Elles sont tout à fait identiques aux cellules du rein réprésentées par Beale. 6.° Cristaux de phosphates amm-magn. — Ces cristaux se rencon- trent surtout lorsque les urines sont fétides; ils nagent das une pellicule qui se forme à Ia surface du liquide. La masse qui les englobe contient souvent de petits corps informes, jaunes, verts, et bleus, ils sont quelques fois visibles a 1'oeil nu. Les phosphates se présentent par fois sous Ia forme de petits graviers. Helminthos.—Os Drs. Wucherer, Silva Lima, e outros já men- cionados encontrarão como já dissemos nas ourinas chylosas em- briões de um nematoide. Estes vermes são segundo Wucherer filiformes, transparentes, parecendo conter no seu interior nma massa granulosa, tem uma extremidade mui delgada e outra obtusa, nessa vê-se como um ponto, que não se pôde descobrir se é um orifício. MARCHA DURAÇÃO E TERMINAÇÃO. A marcha da moléstia é irregular e caprichosa. Invade ás vezes gradualmente, outras de um modo repentino. As vezes ha uma causa apparente, como uma queda, pancada, esforço violento, outras vezes não. Na Ilha da Reunião ella succede ás vezes á hemmaturia franca. Manifesta-se ordinariamente por ataques, que podem durar dias, mezes, ou muitos annos. - 43 - Estes ataques podem ser distanciados por intervallos também de dias, de mezes, ou de muitos annos :■ podem sobrevir e desapparecer gradual ou rapidamente : podem mesmo as vezes guardar uma certa periodicidade em sua vinda, como na doente do Sr. Dr. José Bento. Além dessas variações na sua marcha geral, a moléstia ainda as apresenta diurnas, como vimos na symptomatologia, e por tal fôrma contradictorias, que não são susceptiveis de uma explicação geral. Uma moléstia intercurrente pôde suspender a marcha dessa enig- mática enfermidade. A sua duração é indeterminada, podendo durar apenas dias ou mezes, ella outras vezes se prolonga por dilatados annos. Cassien cita o facto de uma senhora morta aos 80 annos, que estava affectada da moléstia havia 50 annos. A chyluria pôde durar um tempo indefinido, terminar-se pela cura, e raras vezes pela morte ; neste ultimo caso a terminação funesta pôde sempre ser attribuidaa uma moléstia superveniente. A que parece mais freqüentemente vir complical-a é a tuber- culose . Tenho noticia de oito casos, em que a chyluria se complicou de tuberculose pulmonar ou generalisada. São elles dous, do Dr. Sigaud ; dous de minha própria observação, um que tive oceasião de ver no anno passado na enfermaria a cargo do illustrado professor de clinica desta Escola, um de Priestley, um de Roberts, e um de Isaacs. DIAGNOSTICO. O diagnostico da chyluria não offerece difficuldade, attentos os caracteres muito especiaes das urinas chylosas, e nem com as puru- lentas se as pôde confundir, pois estas pelo repouso tornão-se mais - 44 - límpidas, dando um deposito amarellado, que pela addição da ammo- nea torna-se viscoso e muito adherente ao fundo do vaso. Se entretanto ainda pudesse restar alguma duvida, esta se dissiparia mediante o exame microscópico, que faria reconhecer a presença de glóbulos de pus. PROGNOSTICO. Se bem que em geral a chyluria não affecte um caracter grave, desde quepóde produzir o enfraquecimento do individuo,e complicar-se de moléstias graves,como a tuberculose, deve sempre causar apprehen- sões ao pratico. A polyuria é um máo signal. NATUREZA DA MOLÉSTIA E PATHOGENIA. Antes de encetarmos o estudo da natureza da chyluria, convém decidir uma questão preliminar, qual a de saber se esta moléstia deve ser considerada uma variedade da hematuria. Pelo que temos observado aqui no Brasil não podemos admittir semelhante opinião: temo-la visto apparecer independentemente da hematuria ; as urinas chylosas começão na maioria dos casos apre- sentando logo este caracter ; isto, que asseveramos, é o resultado de nossa observação nos casos, em que assistimos á invasão do mal, ou de informações de nossos doentes, escrupulosamente interrogados a este respeito. É certo, que o sangue pôde apparecer nas urinas chylosas, quer no principio, quer em epochas adiantadas da moléstia; mas isto é um accidente de curta duração, e a moléstia prosegue a sua marcha, apresenta d -se as urinas completamente isentas de sangue. Essas hcmomi .gias são a nosso vêr dependentes de perturbações circu- latórias, que sob influencias diversas vêm se ajuntar ás lesões — 45 - persistentes dos rins, e a cuja producção muitas vezes não será extranha a lithiase urinaria. Como quer que seja, a presença do sangue nas ourinas não é exclusiva da chyluria, ella se observa em muitas outras moléstias renaes, sem que disso se retire partido para fazer destas uma variedade de hematuria; não o vemos nós apparecer na pyelite, sobretudo na calculosa, nas nephrites parenchymatosa e intersticial, no cancro, nos tuberculos, nos kystos hydaticos dos rins, nos atheromas, as embolias e aneurismas da artéria renal ? Quem jamais se lembrou de fazer desses diversos estados mórbidos meras variedades da hematuria ? Se, pois, a hematuria é um accidente da chyluria, se esta pôde seguir a sua marcha isolada daquella, não deve a chyluria ser considerada como uma variedade ou espécie de hematuria. Ella deverá antes constituir o gênero, designando-se por hematurica aquella variedade da moléstia que apresentar, como symptoma saliente, ou mais freqüente do que no commum, a hematuria. Esclarecidos pelo que se passa aqui, onde a moléstia se isola da hematuria, façamos applicação dos conhecimentos adquiridos á he- maturia chylosa do velho mundo. Deprehende-se da leitura dos autores, que os casos desta enfermi- dade podem ser divididos em dous grupos : 1.° Hematuria pura na primeira infância, chyluria na idade adulta. 2.° Hematuria chylosa desde o começo; esta é a que mais se approxima da nossa. Diz-se quanto ao Io grupo, que a hematuria pura, durando por toda a infância até á puberdade, constitue o Io periodo, de que a chyluria sobrevinda nesta ultima idade é o segundo. Isto é um facto por tal fôrma excepcional, que não devemos ser fáceis em acceita-lo. Temos, é certo, moléstias peculiares a certas idades, e vemos mesmo algumas vezes, com a successão destas, algumas daquellas - 46 serem substituídas por outras ; mas, moléstias, cujos períodos sigão a evolução das idades, não se encontrão no quadro nosologico, a não ser a hematuria chylosa. É mais próprio de um espirito phylosophico acreditar, que a hematuria e a chyluria são dous estados mórbidos differentes, em- bora tendo muitas relações entre si, uma estreita ligação na causa (influencia do clima), que elles se substituem, e se complicão, do que vêr em um delles, que pôde marchar isolado, uma variedade do outro, que deixa de existir; e, como para indica-lo, ahi estão os factos do segundo grupo, em que, ad instar do que aqui succede com a nossa chyluria, mas não tão discriminadamente como nella, nós vemos as urinas permanecerem simplesmente chylosas por muito tempo, sem a adjuneção da hematuria. Rayer, estabelecendo a variedade da hematuria, que chamou chylosa, partio de dous principios falsos, o primeiro, que a hematuria chy- losa era sempre precedida pela presença de sangue na urina por um tempo mais ou menos longo ; o segundo, foi a idéa que Rayer fazia da natureza da moléstia, propenso a crê-la o resultado de um vicio da hematose, baseado na analyse de Guibourt, que en- contrara augmento considerável da quantidade de gordura do sangue, era muito natural, que elle considerasse a chyluria uma hemorrhagia de sangue chyloso, segundo se deprehende da etymologia da palavra. Quanto ao primeiro principio, se. elle prestasse attenção ao facto do doente de Caffe e cuja historia elle publica no seu tratado das molés- tias dos rins, e a que prestou seus esclarecidos cuidados, não incorreria nessa falta, pois ahi veria : « Invasion de Ia maladie. — II a quatre ans, tout à coup après une course un peu longue sans symptomes precurseurs, sans douleurs, emission (Vitrines Manches, oVapparence laiteuse(l). Ora, isto que elle aqui observou, é o que succede, como dissemos, na generalidade dos casos. (1) Rayer, Malade des reins, pag. 399. - 47 - Quanto ao segundo principio, veremos, dentro em pouco, que elle é tão falso como o primeiro. Concluamos, pois, quer a chyluria das outras regiões do globo, quer a do Brasil, devem ser consideradas como constituindo uma moléstia distincta da hematuria, podendo acolá succeder á esta, e em uma e outra parte complica-la, ou ser complicada por ella. Passemos agora a indagar a natureza e pathogenia da chyluria. Diversas e mui numerosas têm sido as theorias a este respeito emittidas; as principaes são : Io, theoria em que se faz intervir um vicio dehematose; 2o, theoria do chylo; 3o, dos helminthos; 4o, da lymphorrhagia. THEORIA DA HEMATOSE Prout diz: A causa próxima desta affecção parece depender em parte dos órgãos assimiladores e em parte dos rins ; o chylo, em virtude de algum desarranjo no processo de assimilação, não vai para o sangue convenientemente preparado, e por conseguinte não sendo útil aos futuros misteres da economia, é, segundo uma lei orgânica, lançado fora atravez dos rins; estes órgãos, porém, em vez de decompô-lo ou reduzil-o a um estado crystallino, como succede em condições nor- maes, permittem que elle passe inalterado atravez de sua espessura. O nosso illustre mestre o Sr. Dr. Valladão, suppõe a moléstia devida a um vicio de hematose, em virtude do qual os elementos do chylo não se transformão completamente no sangue. Rayer observara em dous casos a coincidência das urinas chy- losas com uma alteração particular do sangue, cuja constituição se approximava muito da do chylo do canal thoracico: dahi jul- gou provável, que as ourinas leitosas estivessem sob a dependência desse estado anormal do sangue. Mas elle observara também um outro facto, em que essa alte- ração do sangue não parecia existir: então com prudente reserva se refere a pesquisas posteriores. « Des recherches ulterieures, diz — 48 — elle, prouveront jusqu'à quel point cette liaison, que je crois probable, est constante. As indagações posteriores não vierão confirmar as previsões de Rayer. Entretanto, esta theoria de Rayer tem servido de base a muitas outras, accrescentando-lhe seus autores algumas variantes. Assim, o Sr. Dr. Felix Martins, de quem nos desvanecemos de ter sido discípulo, adoptando-a, crê que uma affecção do pancreas, que torne o sueco pancreatico incapaz de emulsionar glóbulos gordurosos, aptos para serem assimilados, poderia concorrer para produzir a moléstia. O illustrado Sr. Dr. Pereira Rego entende que ella depende de uma aberração da funeção nutritiva por affecção especial do systema nervoso, sem ser necessariamente ligada a uma affec- ção orgânica dos rins, como Bright e outros suppuzerão. O meu illustre collega, o Sr. Dr. Pinheiro Guimarães, discutindo proficientemente as opiniões emittidas na Imperial Academia de Medicina, apresentou a seguinte theoria. « Suppondo-se uma perturbação do organismo determinando a absorpção de uma grande quantidade de matérias gordurosas tal que não possa ser totalmente combusta pelo oxygeneo inspirando com o ar atmospherico é claro que então as matérias gordu- rosas superabundão no sangue e representão o papel de corpo estranho ; ora, o sangue conserva a sua composição normal, expel- lindo pelos rins, que são seus principaes enmunctorios, os corpos extranhos que o vêm alterar, e nada mais natural do que o appa- recimento dessas matérias nas ourinas; e, pois, as ourinas leitosas são o resultado de um desequilíbrio entre a aborspção e a com- bustão da gordura. » Bouchardat diz: «Quando a somma dos alimentos de calorificação absorvidos ou produzidos no organismo é muito considerável e uma temperatura ambiente muito elevada se oppõe á sua despesa, a «- 49 -* eliminação destes alimentos, que superabundão, se effectua pelos órgãos moderadores; é o fígado que preenche principalmente este papel, secretando maior quantidade de bilis, destinada nestas condições a ser lançada para fora; quando ella é reabsorvida, outros ©rgãos de eliminação são solicitados ; os rins soffrem esta influencia. O principal elemento de calorificação, a gordura, é rejeitada com a urina ; mas este trabalho anômalo não se effectua sem desordens nas funcções. O sangue é eliminado com a gordura, sobretudo no começo da affecção, donde a hematuria endêmica dos paizes quentes. Mais tarde o sangue pôde desapparecer, mas a eliminação da albumina subsiste sempre com a da gordura; se a moléstia limita-se á eliminação da gordura, ella será antes um acto physiologico, que se deverá respeitar, emquanto subsistem as causas ; é certo, porém, que a eliminação diária da albumina é uma funesta complicação, que pôde ser a origem de desordens ulteriores. » Nestas theorias intervém como elemento essencial a existência no sangue de principios gordurosos, que, mal emulsionados (em umas) ou excessivamente abundantes (em outras), são expellidos pelas urinas. Vamos aprecial-as á luz dos factos. Estes fallão bem alto em desfavor dessa theoria: em casos em que natural ou experimentalmente essa exageração de elementos gordurosos se'dáno sangue, elles são, em parte, expellidos pelas urinas, mas estas não tomão o aspecto leitoso, observado nas chylosas. Bence Jones, em suas analyses, não encontrou excesso de gordura no sangue, e elle conclue que « a analyse prova não depender o estado da urina chylosa de um excesso de gordura no sangue »: e aliás o próprio Rayer já tivera occasião de observar um facto, em que o aspecto do sangue não differia do normal. Variantes desta theoria, ainda são as de C. Bernard e C. Robin, que acreditão ser nos doentes de chyluria o plasma sanguineo lactescente, como o dos gansos, que se engordão : esse estado 7 — 50 - do sangue, dizem elles, que é normal depois das digestões e pas- geiro, torna-se conslante na chyluria, e dahi a moléstia. Se tal fosse a causa do mal, por que não se observarião as urinas chylosas no estado normal logo após as digestões, quando existe o estado do sangue, de que essas urinas dependem ? Mas ha razões mais fortes a oppôr a essa theoria. Já mencionámos a analyse de Bence Jones e o facto de Rayer, não encontrando excesso de gordura no sangue. Alem desses, os Drs. Crevaux e Silva Lima, examinando o sangue de doentes de chyluria, não o acharão lactescente. THEORIA 00 CHYLO. Carter acreditava que na chyluria o chylo é lançadc directamente nas vias urinarias. Tal theoria lhe foi suggerida pela obeervação de dous factos de lymphorrhéa, em que elle vio sahir de varices lymphaticas um liquido leitoso, com os mesmos caracteres physicos do chylo: em um desses casos o apparecimento do liquido leitoso alternava com o de urinas chylosas. Mas essa passagem directa do chylo para os rins só se pôde con- ceber a favor de anomalias anatômicas inadmissíveis. THEORIA DOS HELMINTHOS Jonh Harley, o Dr. Almeida Couto da Bahia e outros attribuem a moléstia a excoriações dos lymphaticos e vasos sanguineos dos rins, produzidas pelos helminthos, cujos embryões têm sido encon- trados nas urinas chylosas. Porém admittida essa causa, como explicar por ella os factos raros, é certo, mas nem por isso menos authenticos de serem affectados pela chyluria indivíduos, que, nunca habitando os climas quentes, onde — 51 — esses helminthos se encontrão, deverião estar a abrigo de suas de- vastações ? E quando sejão elles a causa da moléstia, actuaráõ segundo o mecanismo pelos autores da theoria assignalado, ou antes produzindo nos rins desordens congestivas e inflammatorias, que- dão em resultado a moléstia ? Já na etiologia expuzemos as razões, que nos levavão a não admittir ao menos por ora essa theoria. THEORIA DA LYMPHORRAGIA. Gluber é de opinião que as urinas chylosas são dependentes dé uma lymphorrhéa do apparelho uropoietico : elle basêa essa sua ma- neira de ver : 1. ° Na analogia dos elementos anormaes dessas urinas com os da lympha. 2. ° Na freqüência das moléstias do systhema lymphatico nos paizes intertropicaes, onde reina aquella affecção. 3. ° No facto de serem os paizes, em que se observão as urinas chy- losas, também aquelles, em que parecem se produzir as dilatações das redes lymphaticas externas. Eis como elle sustenta esta sua theoria : « L'urine, dira-t-on, offre plutôt 1'aspect du chyle que celui de Ia lymphe. t Je ne nie pas qu'en general, Ia lymphe humaine ne soit moins opaque, mais je ferai remarquer que, dans le cas de lymphorrhagie cutanée, étudié par nous, les liquides de vaisseaux blanes offraint jus- tement une três grande opacité, il en est de même dans un autre exemple observe par Brown-Scquard en Amerique. On est donc porte a croire, que, daus les regions tropicales, Ia lymphe prend ce caractère chez les sujets affectés de varices lymphatiques, en un mot se trouve à Ia fois alterée. t Quant à l'hematurie, elle ne serait qu'un cas particulier de Ia - m -- lymphorrhagie, et ne representerait pas une veritable exhalation du sang par les vaisseaux veineux ou arteriels de 1'appareil uri- naire. On pourrait s'expliquer 1'apparence sanguinolente de 1'urine, soit par Ia présence d'une lymphe plus chargée de globüles hématiques, soit par Ia coagulation de materiaux solides de cette lymphe, lesquels étant coagules et deposés au fond de Ia vessie, dans 1'intervalle des mictions ne serait rendus qu'à certains moments, par suite d'une contraction plus sou tênue et d'une exoneration plus complete de Ia vessie. — (Comptes rendns des sceances et memoire de Ia Societé de Biologie t. 3 dela 2 série, 1858 (pag. 98). E esta a theoria que adoptamos, discrepando de Gluber no tocante ao que tem de geral a explicação por elle dada da apparencia sangui- nolenta da urina ; mas essa lymphorrhagia nos parece devida ou a uma atonia do lymphaticos dos rins, ou e mais commummente á uma lymphangite chronica e hypertrophia ganglionar. Concebe se que estes estados dos lymphaticos do s rins, difficultando o curso da lympha, podem como succede na pelle originar lymphan- giectasias, que, rompendo-se, dêem em resultado a mistura da lympha com a urina e o apparecimento da chyluria. Em appoio desta opinião lembraremos o que deixámos estabelecido na etiologia ; ahi vimos que a moléstia ataca de preferencia os indi- viduos lymph ticos, os sujeitos a lymphangites e elephantiases dos Árabes (em que ha uma lymphatite chronica), com cujos accidentes erysipelatosos muitas vezes ella coincide : citámos por essa occasião os factos observados pelos Sr. Dr. Jobin,De Simoni, Carter de Bombay, Catta Preta, Souza Lima e William Roberts : estes quatro últimos são assaz expressivos, e o de Roberts é por tal fôrma concluUnte, que, se não fora a extensão da observação escrupulosamente feita por este pratico, aqui a reproduziríamos integralmente ; daremos apenas um resumo delia. Trata-se de um individuo, que, em conseqüência de uma lymphangite — 53 — chronica da parede abdominal anterior, foi affectado de uma lym- phorrhagia, tendo por sede essa região, a que sobreveio a chyluria. Pois bem, a inspecção, a analyse chimica e microscópica, reve- larão perfeita identidade entre o liquido fornecido pela lymphorrhagia e a urina chylosa, á parte os principios normaes constitutivos da urina. O Dr. Vladan Georgjevic (1), cita um caso de pachydermia lymphorrhagica publicado por Odenius de Lund em 1874. A sede do mal era na parte interna e posterior da coxa, onde se notavão vesiculas amarelladas, que, rompendo-se por vezes espontaneamente, deixavão correr um liquido leitoso em tal quantidade, que se pôde encher um copo em meia hora ; os movimentos exageravão o curso do liquido, este continha corpusculos lymphoides e moléculas gordu- rosas. A analyse chimica, feita pelo Dr. Lang, deu sobre 1000 partes, água 943,58, partes sólidas, 56,42 das quaes matéria albuminoide, 22,77, gordura 24,85, matérias extrativas, 1,58, cinzas 7,22. Não nos estão mostrando estes factos a mais estreita ligação entre a lymphangite e a chyluria ? Para torna-la mais frisante, se é possivel, cotejemos estas duas moléstias acompanhando-as na sua geographia medica, causas, sym- ptomas, marcha, terminação e tratamento. Geographia medica.—Ambas essas moléstias são mais freqüentes nos climas quentes. Causas.—São causas predisponentes da chyluria como deixámos já estabelecido a mocidade a idade adulta, o sexo feminino o tem- peramento lymphatico, a fraqueza da constituição natural ou adquirida. São causas predisponentes da lymphangite a mocidade, a idade adulta, o sexo feminino a debilitação por excessos (Follin). Poder-se-ha talvez dizer, com apparencia de razão, que a prenhez (l) Arehivos geraes de Medicina, —1875, pag. 235. — 54 - não constitue uma predisposição para a lymphangite, ao passo que parece se-lo para a chyluria; dado que assim seja isto pôde ser explicado pela consideração seguinte : Virchow acredita que a leuco cithose temporária, que apparece na epocha da gestação, depende em grande parte da hypertrophia do gânglio lombar ; ora, a anatomia nos ensina que são afferentes desse gânglio os lymphaticos dos rins. Não é de extranhar, pois, que as perturbações circulatórias naquelle gânglio se repercutâo nos lymphaticos dos rins. Como causas das lymphangites encontramos ainda a introducção de corpos irritantes nos lymphaticos. Ora, na chyluria nós dissemos, que a lithiase urica, dada á pre- disposição, podia ser causa do apparecimente da chyluria ; admit- tida a theoria que propomos, os depósitos de ácido urico nos ca- naliculos uriniferos obrarião irritando os lymphaticos do órgão ; demais o próprio ácido urico, introduzido nos lymphaticos, pôde ser depositado como corpo extranho nos gânglios, á semelhança do que succede com os glóbulos do pus, e com o cinabrio no processo da pintura dos maritimos (Virchow), e inflamma-los como acontece com o cinabrio ás vezes (Follin); e a quem duvidasse da possibi- lidade do facto apontaríamos as observações de Garrod, Dickinson, Virchow e outros. Garrod demonstrou que quando a nephrite intersticial é consecu- tiva a depósitos de ácido urico e de uratos de soda nos rins, estes depósitos não se fazem somente nos canaliculos uriniferos, mas tam- bém no tecido conjunctivo intersticial. É as mais das vezes suscitando essa lithiase urica, que a gotta provoca a apparição da nephosite intersticial, que se mostra consecuti- vamente á formação de cálculos renaes ; é mesmo á esta correla- ção mui commum com cálculos renaes, que a sclerose dos rins deve o ter sido descripta sob o nome de nephrite uratica (Durand, Far- dei, Castelneau). De resto, esta correlação entre a diathese gottosa e a — 55 — nephrite intersticial se acha demonstrada por Todd, Garrod, Rayer, Charcot e Dickinson (Lecorché). Vejamos ainda o que dizem os autores acerca da presença do ácido urico nos rins. O ácido urico, que se mostra mais vezes que os uratos, pode existir em estado de areias nos canaliculos uriniferos, formando rolhas no interior de sua cavidade, ou infiltrando o epithelio, que reveste a sua face interna (Virchow); no tecido intercanalicular bem como nos canaliculos (Dickinson e Garrod) ; ahi elle pôde formar grãos ou pa- lhetas, que distendem os canaliculos e os dilatão. A substancia in- teira de certos rins apresenta-se como infiltrada desses depósitos de ácido urico (Lecorché). Se, pois, isto é verdade, vê-se que não é devaneio nosso a hypothese de provocar a lithiase urica a lymphangite renal, o embaraço da circulação lymphatica e conseguintemente a chyluria nos indivíduos' predispostos. Passemos aos symptomas. ' A invasão da chyluria é muitas vezes brusca, sem causa apreciável apparecem as urinas chylosas, outras vezes um choque, uma pancada parece ter representado o papel de causa occasional. A ruptura das lymphangiectasias cutâneas é muitas vezes espontâ- nea, outras vezes occorre sob a influencia de uma contusão ou picada. A urina chylosa tem a côr leitosa, que, mais carregada ordinaria- mente depois do exercicio, apresenta modificações inexplicáveis, como no doente de Ackerman, em que cessava com o decubitus do lado direito, para reapparecer apenas elle se punha a pé. O liquido, que corre da ectasia lymphatica, quando fistulosa, é branco, opaco, côr de leite com todos os caracteres do chylo, a sua quantidade augmenta com o exercicio ; o liquido côr de leite é substi- tuído sem causa apreciável por um liquido límpido, e muitas vezes mesmo cessa de correr de um momento para outro ou espontaneamente, ou quando o doente guarda a posição horizontal (doente de Roberts). - 56 - Na chyluria, o estado geral é, na maioria dos casos, bom; ás vezes, porém, o doente sente-se fraco ; mais raras vezes moléstias superve- nientes, como a tuberculose, arrebatão-no á vida. Nas lymphangiectasias o estado geral commummente apparenta boa saúde; ás vezes, entretanto, o doente pela perda de liquido sente aba- terem-se-lhe as forças, mais raras vezes moléstias supervenientes o vic- timão (doente de Roberts, morto de tuberculose). A marcha da moléstia é lenta e intermittente em um e outro caso ; seu prognostico idêntico ; seu tratamento semelhante, se na chyluria parecem aproveitar os preparados ferruginosos, os banhos de mar, o iodureto de potássio, etc; nas lymphangites chronicas esses mesmos meios são empregados com vantagem. Se, pois, por meio desta theoria a moléstia é bem explicada, ella parece a verdadeira, falta-lhe, porém, a sancção da anatomia pa- thologica. Em todo o caso submettemo-la ao juizo esclarecido dos práticos Brasileiros, chamando para este ponto a sua attenção, afim de que, estudada por elles a moléstia melhor do que o posso fazer, sejão espancadas as trevas que a envolvem. Dissemos, que discordávamos de Gubler na explicação por elle dada á apparencia sanguinolenta da ourina ; tal explicação, se pôde ser applicada aos casos, em que um ou outro hematia apparece na ourina, não o pôde seguramente ser áquelles, em que a presença do sangue em quantidade notável, deixa fora de duvida a sua origem. Para nós esse sangue vem dos vasos rubros das vias urinarias ; trata-se aqui de uma verdadeira hematuria provocada, ou por uma fluxão activa, accidental ou devida á própria lesão renal; ou por uma stase motivada pelo embaraço, que á circulação sanguinea oppõe a compressão exercida pelos lymphaticos engurgitados e inflamma- dos; e isso mesmo observamos nós na elephantiase dos Árabes, em que, a par das ectasias lymphaticas, se vêm apparecer as venosas, - 57 - TRATAMENTO, Gal, escrevendo um livro, em que procurava saber, qual a parte da natureza e da medicina na cura das moléstias, concluio muito naturalmente, que essa parte é muito difficil de discriminar-se. Nos mesmos embaraços de Gal nos vemos nós em referencia ao tratamento da chyluria. Effectivamente os casos, em que esta moléstia espontaneamente desapparece, os factos ainda mais numerosos, em que depois de haver resistido á todas as medicações empregadas, cessa sem causa apreciável, postos em contraste com aquelles, em que a cura do mal pareceu ser obtida pelo emprego de certos medicamentos, nos deixão indecisos sobre a real proficuidade destes. Para bem aquilatarmos a influencia que pode ter um medica- mento sobre o marcha e terminação de uma moléstia, carecemos conhecer previamente a marcha e terminação naturaes dessa mo- léstia ; e por isso era que Pinei dizia a seus discípulos « este anno observaremos as moléstias sem as tratar, para o anno as trataremos. * Ora, se isto pôde ser applicado a outras enfermidades, cujo conhecimento é mais perfeito, com maioria de razão o poderá ser á chyluria, cujo estudo está em alto gráo de atrazo. Mas por isso mesmo, o medico verdadeiramente digno desse nome, não desdenhando o emprego de meios therapeuticos, que um empy- rismo esclarecido tenha reconhecido profícuos, no tratamento da chyluria, deve redobrar de attenção para colher as indicações de cada caso particular ; aqui, sobretudo, deve elle ter mais em vista o doente, que a moléstia. Assim é que, no que diz respeito ao regimen, por exemplo, a um aconselhará elle o repouso, a outro um exercicio moderado, visto como a maneira de obrar destes dous modificadores não é 8 - 58 - idêntica em todos os casos desta moléstia, varia segundo os indi- víduos ; aqui convirá proscrever certos alimentos, que poderáõ ser concedidos alli. Relativamente a esíes, na maioria dos casos os alimentos exci- tantes, os salgados, o peixe, os crustáceos, o álcool, as gorduras, parecem ser prejudiciaes ; mas mesmo aqui quantas excepções! Estabelecido isto, e feitas estas resalvas, vejamos quaes são os meios, que se têm recommendado como proveitosos nesta moléstia. De commum accôrdo entre os práticos, os banhos frios sobretudo os de mar, os tônicos, os ferruginosos, os adstringentes, são os melhores meios a oppôr á esta enfermidade. Qualquer que seja a theoria que se admitta, de entre as propostas, sobre a natureza da chyluria, concebe-se que esses meios, levantando as forças quando abatidas, activando os processos de sanguinificação quando morosos ou imperfeitos, possão convir : elles obraráõ ainda combatendo o estado lymphatico, a que anda tão commummente associada a moléstia. Relativamente á acção dos adstringentes, citámos na parte histó- rica deste trabalho um caso, em que o ácido gallico, administrado em alta dose por Watters, pareceu influir na cura do individuo, quer obrasse tonificando os capillares dos rins, como o suppôz Watters, quer de outro modo. Dentre as preparações ferruginosas, geralmente aconselhadas, a que mais temos visto aproveitar é o perchlorureto de ferro, quer isso dependa de sua mais fácil absorpção, como o pretende Rabu- teau, quer de que á acção reconstituinte como preparado ferrugi- noso, reuna elle as propriedades adstringentes em alto gráo. A tintura de cantharidas foi empregada com successo, diz Cha- potin, em dous casos ; era um delles o individuo fora reduzido pelo mal a um gráo adiantado de marasmo ; depois de reanimadas as forças por uma alimentação conveniente, pelo uso de amargos, e particularmente cia quina associada ao ácido sulfurico, sem que o - 59 - estado das urinas se modificasse, Chapotin administrou a tintura de cantharidas; ao duodecimo dia de tratamento, as matérias es- tranhas á composição normal da ourina havião desapparecido, e esta era de uma côr amarella carregada. , Se bem que nunca tenhamos empregado esse meio therapeutico, acreditamos, á vista das ohservações de Chapotin, que pôde ser ensaiado em certos casos com a conveniente prudência. Os balsamicos também têm sido apregoados como proveitosos, principalmente a terebenthina e o balsamo de copaiba; a respeito deste ultimo, cita-se o facto de Salesse, que, administrando-o a um doente de hematuria rebelde, que contrahira uma blenorrhagia, vio, sob sua influencia, cessar ambos os males. Os preparados de enxofre, quer interna, quer externamente, têm sido empregados por alguns médicos com apparencia de successo. Nos casos em que o mal esteja associado á alguma affecção dar- throsa, poderáõ convir administrados da primeira fôrma; nestes casos também temos empregado com vantagem os arsenicaes. Algumas plantas nossas têm sido dadas como profícuas no trata- mento da chyluria. Entre ellas figura o jacatüpê (pachyrrhisus angulatus Benth.) cuja fecula o fallecido meu pai empregava em fôrma de limonadas ou em suspensão na água fria e sueco de limão (uma colher de sopa para um copo d'agua), sobretudo para combater os accidentes hematuricos. Temo-lo empregado com feliz resultado, bem como o cozimento do amor do campo (hidysarum), da canna do brejo branca (alpinia spi- cata), da herva pombinha (phyllanthus mycrophillus de Mart), da japecanga (herreria salsaparrilha) também por elle aconselhados. Recommenda-se ainda o uso das cinco folhas ou taruman (bignonia, hedera quinque folia de Velloso) e o Sr. Dr. Godoy Botelho tem tirado proveito do emprego da sensitiva (mimosa pudica) em cosi- mento, o que vem corroborar o juizo que fizemos sobre a natureza da moléstia. — 60 - A medicação antiphlogestica foi também aconselhada, e as emissões sangüíneas forão por vezes mesmo larga manu empregadas. Julgamo-las formalmente contraindicadas, salvos os casos de com- plicações sobrevindas, que as requeirão, e mesmo nestes o pratico deve usar dellas com muita parcimônia, tendo sempre em vista as forças do doente. Na nossa pratica não tivemos ainda occasião de emprega-las, pois nunca encontrámos indicações para ellas. Temos, porém, empregado as bebidas acidulas geladas e o próprio gelo, e em três casos de nossa observação, a cessação do mal coincidio com o uso desses meios, parecendo influenciada por elles. Um desses casos diz respeito á doente, em que havia o lithiase urica, de que já falíamos em outro lugar desta these. Jonh Harley afíirma ter applicado com vantagem o iodureto de potássio. Nós também temos lançado mão desse meio therapeutico,bem como dos mercuriaes pelo methodo de extincção em doses fracas nos casos, em que a coincidência da moléstia com a infecção syphilitica, torna suspeita a influencia desta sobre o apprecimento daquella. O mesmo pratico, baseado na sua crença, de que a moléstia é devida á presença de helmintos nas vias ourinarias, aconselha, que sejão feitas injecções na bexiga de uma solução de iodureto de potássio em doses gradualmente crescentes até 2 grammas ; alter- nativamente com estas injecções devem ser usadas, segundo elle, outras de essência de feto macho (na dose de 0,30 a um gramma), que tem a propriedade de provocar contracções enérgicas da bexiga, capazes de favorecer a expulsão dos helmintos. Pela nossa parte, não aconselharemos semelhante pratica, que pode trazer complicaçõos sérias, emquanto a theoria da helminthiasis se não assentar sobre bases mais sólidas, do que as que actualmente a sustentão. Um recurso seguramente valioso, e que raras veses falha, é a — 61 - mudança de clima, principalmente para lugares altos ou climas frios: poucas vezes a moléstia resiste ao emprego desse meio. Qualquer que seja a medicação preferida, o medico deve ter sempre em vista não onerar o estômago do seu doente com profusão de remédios, que poderão trazer a perturbação das forças digestivas, de quaes tanto^carece o doente, para fazer face ás perdas diárias, que experimenta a sua economia. E, se a proficuidade desses meios não está ainda seguramente estabelecida, se em muitos casos a chyluria cede independentemente do seu emprego, na therapeutica desta moléstia deve o pratico trazer sempre em mente o sábio preceito do illustre Hoffman: «( Vis medicatrix naturaB , profusa medicamina non requirít: vis medicatrix natura?, quce segritudinis valde periculosas, ut pestem, exanthematicas, variolosas, morbillosas, et inflammatorias, depellit quam maxine. > PEOPOSIÇÕES SOBRE AS DOUTRINAS DE QUE SE COMPÕE O CURSO MEDICO PHYSICA I Em uma mistura gazoza cada gaz contribue por sua parte para a pressão total. II A pressão atmospherica influe na quantidade de oxygeneo absorvida durante o acto da respiração. III Na absorpção dos gazes pelo sangue os glóbulos representão o papel de verdadeiros condensadores do oxygeneo. CHIMICA MINERAL I A theoria dos radicaes tem prestado assignalados serviços, tanto á chimica mineral como á orgânica. II O radical, ou é simples ou composto. III Os radicaes, quer simples, quer compostos, possuem uma capa- cidade de saturação. - 64 - BOTÂNICA I As frondas das Cycadaceas podem ser consideradas como folhas compostas e pinnuladas. II A pubescencia das folhas não é constante em todas as epochas da vida do vegetal. HI A constituição interna das folhas diversifica segundo o meio em que ellas devem viver. ANATOMIA DESCRIPTIVA I Cada auricula do coração tem uma capacidade menor que a do ventriculo correspondente. II A differença entre a capacidade das auriculas, notável já no feto, se pronuncia mais na idade adulta. III A capacidade da auricula esquerda representa no adulto os dous terços da do ventriculo correspondente. CHIMICA ORGÂNICA I A côr da urina é, segundo as recentes investigações de Schunk, devida a duas substancias des criptas por elle sob os nomes de uriana e de urianina. 1 - 05 - II Por influencia de causas accidentaes, a urina do homem, que é normalmente ácida, pôde se tornar neutra e mesmo alcalina em pleno estado de saúde, se bem que de modo passageiro. III Ainda não é bem conhecida a causa da acidez da ourina. PHARMACIA l As águas mineraes de Baependy podem com vantagem ser acon- selhadas em certos estados mórbidos para os quaes até agora só se preconisavão as águas de Spa, de Plombière, de Baden etc. II E tão diminuta a quantidade de ácido sulphydrico contida na pretendida água sulphurosa da Fonte Duque de Saxe (Águas de Baepandy), que é difficil attribuir os effeitos therapeuticos dessa água á presença daquelle ácido. III Nos casos de rheumatismo chronico as águas thermaes de Caldas são muito vantajosas. MEDICINA LEGAL I As quatro fôrmas distinctas do envenenamento pelos compostos arsenicaes, considerado sob o ponto de vista da marcha dos sympto- mas que o assignalão, admittidas por Tardieu, podem com vantagem ser reduzidas a duas, que são, a intoxicação aguda e a,lenta. 9 — CG — II Aantiga classificação de Falk, relativa ás quatro fôrmas que affecta o envenenamento pelos preparados arsenicaes, tem a vantagem de indicar a localisação dos symptomas próprios deste estado mórbido. III Sem as precauções indicadas e aconselhadas por Blondeau, quando ise faz funccionar o apparelho de J. Marsh com o fim de investigar-se o composto arsenical nas matérias suspeitas, nenhum resultado posi- tivo se pôde obter desse methodo de analyse toxicologica. ANATOMIA GERAL E PATHOLOGICA 1 Asfibriculas musculares, reunidas a favor de uma substancia particular, que as agglutina, constituem um feixe composto, que é a fibra muscular. II Não é bem conhecida a estructura intima das fibriculas muscu- lares. III Os canaliculos de Haver não existem na substancia esponjosa dos ossos. PARTOS I A febre de leite nem sempre apparece. II A febre de leite não offerece em geral gravidade. III Para a febre de leite o tratamento que mais convém é o expec- tante. — 67 — PATHOLOGIA EXTERNA I As causas que presidem ao desenvolvimento dos abcessos da fossa iliaca são em geral obscuras. II No sexo irasculino os abcessos da fossa iliaca direita são mais freqüentes, que os da esquerda. III No tratamento dos abcessos da fossa iliaca não c para desprezar o emprego da planta vulgarmente chamada malicia de mulher (Mimosa pudica). MEDICINA OPERATORIA 1 As resecções são m uprecioso recurso, de que algumas vezes deve lançar mão o cirurgião. II A estatística parece fallar em favor da amputação da coixa, de preferencia á resecção do joelho, nos casos de feridas por armas de fogo, dessa região. III As asserções de Nussbaum sobre a resecção do joelho, nos casos de feridas por armas de fogo, são muito absolutas. CLINICA CIRÚRGICA I A hemoptyse nos casos de feridas penetrantes do thorax indica que o pulmão foi compromettido. - 68 — II O emphysema das paredes do thorax é um signal de que o pulmão foi interessado nos casos de feridas penetrantes dessa região. III As feridas confusas do thorax, mesmo quando só interessão super- ficialmente as suas paredes, podem em certos casos trazer accidentes graves. PHYSIOLOGIA I A digestão é mais rápida na infância, que na* outras idades. II As substancias solúveis, resultantes da acção do sueco gástrico sobre os albuminoides, são chamadas peptonas. III O sueco pancreatico não é o único agente emulsionador das gor- duras . PATHOLOGIA GERAL I. Na febre nem sempre existe uma relação entre o pulso e a tempe- ratura . II As hemorrhagias são muitas vezes devidas a um embaraço na circu- lação do sangue. III O ennnagrecimenfo é um resultado necessário de toda a febre de alguma duração, — 69 - MATÉRIA MEDICA E THERAPEUTICA I O nosso Pau pereira, como febrifugo, é mais efficaz que o Eucaliptus globulus. II Muito antes de ser importado o Jaborandi na Europa já ofallecido meu pai o preconisava no tratamento de várias enfermidades III O Jaborandi é um precioso recurso no tratamento da cholera-mor- bus, da febre amarella, e de outras pyrexias. HYGIENE I A chyluria é moléstia endêmica de paizes quentes. II A influencia dos alimentos de difficil digestão, que é em geral bené- fica nos climas frios, não o é nos climas quentes. III Os climas qnentes predispõem para as affecções cardiacas. CLINICA INTERNA I, O diagnostico differencial das febres que grassão no Rio de Janeiro é muitas vezes difficil, e em alguns casos mesmo impossível, no começo do mal. — 70 — II. A thermometria clinica é de grande auxilio para estabelecer esse diagnostico. III. A consideração da constituição medica reinante é um elemento, que não se deve perder de vista, no diagnostico differencial das febres que grassão no Rio de Janeiro. HYPPOGRATJS APHORISM1. I. Per vesicam prodeuntia inspicere opportet, an sint qualia sanis prodèunt. Quas i >itur minime his similia, ea morbosiora. Sanis vero similia, minime morbosa. (Lib. VII, aph. LXVI). II. Siquis sanguinem, aut pus meiat, renum aut vesicse exulceratio significatur. (Lib. IV, aph. LXXY), III. Quibns in febre ad dentes viscosa circumnascuntur, his febres fiunt vehementiores. (Lib. IV, aph. LIII). IV. Febrieitanti sudor superveniens, febre non deficiente, malum. Prorogatur enim morbus, et multam significat humiditatem. (Lib. IV, aph. LVI). V. Quae ducere oportet, qua maxime vergant, eo ducenda, per loca convenientia. (Lib. I, aph. XXI). VI. - Quae prodèunt, non copia sunt sestimanda, sed si prodeant, qualia oportet, et facile ferat. Et ubi ad animi deliquium ducere oportet, hoc etiam faciendum, si seger sufficiat. (Lib. I, aph. XXIII),