FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO THESE DE GOMRSO DO |]'r. lo%é Jfemeio àe librai '-j^:. Rio de janeiro Typographia Universal de K. Sc H. Laeraraert, 71, RUA DOS INVÁLIDOS, 71 1877 THESB IDE OOlsTOTJK/SO DO DE. JOSÉ BENICIO DE ABREU v • ■ yr-: _ FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO Quaes as condições hygienicas mais favoráveis ao tratamento da tuberculose pulmonar. THESE DE CONCURSO PARA UM LOGAR DE LENTE SUBSTITUTO DA SECÇÃO MEDICA Br, José Bemeio de flbreu. RIO DE JANEIRO TYPOGRAPHIA UNIVERSAL DE E. & H. LAEMMERT 71, Rua dos Inválidos, 71 1877 FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO DIRECTOR O Illm. e Exm. Sr. conselheiro Dr. Visconde de Santa Isabel. VICE-DIRECTOR SECRETARIO O Illm. Sr. Dr. Carlos Ferreira de Souza Fernandes. LENTES CATHEORATICOS PRIMEIRO ANNO Os Illms. Srs. Doutohes: F. J. do Canto e Mello Castro Mascarenhas. . . . Physica em geral, e particularmente em suas applicações á medicina. Conselheiro Manoel Maria de Moraes e Valle. . . . Chimica e mineralogia. Luiz Pientznauer............Anatomia descriptiva. SEGUNDO ANNO Joaquim Monteiro Caminhoá.........Botânica e zoologia. Domingos José Freire Júnior. ........ Chimica orgânica. José Joaquim da Silva........ . . Physiologia. Luiz Pientznauer............Anatomia descriptiva. TERCEIRO ANNO José Joaqnim da Silva...........Physiologia. Conselheiro Barão de Maceió.........Anatomia geral e pathologica. [• rancisco de Menezes Dias da Cruz.......Pathologia geral. QUARTO ANNO Antônio Ferreira França. ........Pathologia externa. João Damasceno Peçanha da Silva.......Pathologia interna. Luiz da Cunha Feijó Júnior. . .......Partos, moléstias de mulheres pejadas, paridai, e de crianças recemnascidas. QUINTO ANNO João Damasceno Peçanha da Silva.......Pathologia interna. Francisco Praxedes de Andrade Pertence.....Anatomia topographica, medicina operaloria e apparelhos. Albino Rodrigues de Alvarenga........Matéria medica e therapeutica. SEXTO ANNO Antônio Corrêa de Souza Costa........Hygiene e historia da medicina. Agostinho José de Souza Lima.......Medicina legal. Ezequiel Corrêa dos Santos.......... Pharmacia. Vicente Cândido Figueira de Saboia.......Clinica externa (3o e 4° anno) João Vicente Torres Homem........Clinica interna (5° e 6° anno) OPPOSITORES Benjamin Franklin Ramiz Galvão .•.,.> • João Joaquim Pizarro..........) João Martins Teixeira....... . . . i aecçao de sciencias accessorias. Augusto Ferreira dos Santos......... Cláudio Velho da Moita'Maia........\ Tosp Pereira Ommdrã6s Pedro Affonso de Carvalho Franco' . .' '. '. '. j Sec^° de ciências cirúrgicas Antônio Caetano de Almeida........ João José da Silva . . .......\ João Baptista Kossuth Vinelli.........\ Secção de sciencias médicas. y. B. — A Faculdade não approva nem reprova as opiniões emitlidas nas Theses que lhe são apresentadas- B3D CONCURRENTES OS ILL.mos SRS. DRS. NUNO FERREIRA DE ANDRADE. HENRIQUE CARLOS DA ROCHA LIMA. JOÃO BAPTISTA LACERDA FILHO. JOSÉ BAZILEU NEVES GONZAGA FILHO. CÂNDIDO BARATA RIBEIRO. JÚLIO RODRIGUES DE MOURA. E O AUTOR. > Quaes as condições hygienicas mais favoráveis ao tratamento da tuberculose pulmonar. Savoir qu'on ignore est un commencemeut de science. Montaigne. A hygiene é a sciencia da conservação da vida, no sentido amplo em que deve ser considerada. Quando na luta pela existência se reconhece que a vida tende a ser asphy- xiada, que a degeneração da espécie se approxima de uma catastrophe, quando a lelhalidade das aífecções do peito toma maior incremento, cumpre não cruzar os braços, e cegamente confiar-se á fatalidade. A lula torna-se uma necessidade. Motivo justo e nobre o da sciencia que, meditando na solução dos grandes problemas, medico-sociaes, procura desvendar as trevas que os circumdão, e patentear á luz meridiana as deducções bazeadas na observação e na ex- periência. A tisica pulmonar é a entidade mórbida que nos tempos hodiernos maior mortalidade produz em todos os ângulos do mundo civilisado. Mais devastadora que as epidemias, caminha vagarosa, mas tenazmente abastardando a espécie humana, e impedindo a progressão crescente da po- pulação. Não ha nega-lo: a tisica é a enfermidade, que mais damnos causa á família e á sociedade. Nas tristes condições em que se acha a geração actual, é dever do homem da sciencia estender as vistas pelos largos horizontes que se desenrolão á observação, para, contemplando a hecatombe nos centros populosos, procurar um paradeiro a tão immensa calamidade. 1 __ 9 _ Os esforços empregados não têm sido pequenos; a luta tem sido incessante, e a vicloria não deve de ser uma illusão. Quando do terreno das vantagens sociaes, o espirito reflectido passa a me- ditar nas circumslancias mais importantes, e nas phases variadas por que tem passado a tuberculose pulmonar, reconhece que se ha feito muito, mas que a derrota a vencer ainda é immensa, e talvez insuperável. Quando o medico brazileiro, deixando por um pouco as observações das outros paizes cultos, vê a marcha progressiva que segue a tisica pulmonar, especialmente no Rio de Janeiro, cheio de apprehensões pelo futuro da pátria, fica embaraçado, ante a sphynge, ha tanto tempo collocada no adito da scien- cia, á espera de novos Edipos, que lhe expliquem o enigma. Faça o hygienista brazileiro uma comparação entre o Rio de Janeiro e centros populosos como Londres, Gênova, Rordeaux, Rruxellas e Pariz, e ha de ficar admirado que de 1865 a 1869 a mortalidade pela tuberculose pulmonar fosse sobre 1,000 mortos de outras moléstias, em Pariz. de 176, e no Rio de Janeiro 168,6. A admiração deve de ser grande, attendendo á população extraordinária de Pariz e á diminuta de nossa capital. Não é, portanto, sem fundamento que o Dr. Bourel Roncière se enuncia nestes termos sobre a tisica pulmonar: « La phthisie pulmonaire semble trouver à Rio plus que dans d'autres cites populeuses, un terrain éminem- ment propre à son developpement; elle augmente chaque année et constitue une épidémie annuelle des plus meurtrières. » Quadro tão triste não se pode pintar com cores mais vivas e aterradoras. Ainda mais grave é o juizo do Dr. Roncière quando, reíerindo-se á mani- festação da tisica no Rio de Janeiro, affirma com a opinião publica que em outras épocas era uma enfermidade rara. Ouçamos ainda uma vez o dis- linclo medico da marinha franceza: « Cest une opinion aujourd'hui répandue dans le monde medicai de Rio que Ia phthisie pulmonaire, rare, dit-on, autrefois, constitue aujourd'hui 1'endémie Ia plus meurtrière dans Ia capitale du Brésil. II n'y a pas d'illusion à garder à cet égard, Ia mortalüé par tuberculose pulmonaire y cst devenue effrayanle, et de nos jours, Ia pro- portion des décès par phthisie n'est pas évaluée à moins de 1 sur 5 et même davantage. » É, porlanto, uma questão de actualidade entre nós a da tuberculose; estu- da-la á luz da hygiene e das condições que mais iníluem na sua marcha não — 3 — é questão somenos, e que devesse ser esquecida, quando se trata de um certamen medico em nossa Escola de Medicina. Á luz dos grandes elementos da hygiene e da physiologia, procuraremos estudar a questão; tendo, porém, sempre em mente, o principio do grande philosopho Montaigne. O que é a tuberculose pulmonar ? É a primeira pergunta que o espirito observador faz a si mesmo, quando estuda a marcha fatal que segue esta enfermidade, que occupa o primeiro logar nas estatísticas da mortalidade humana. Não se pôde de improviso responder a tão importante pergunta. Têm sido tantos os batalhadores em prol da humanidade, as opiniões se têm afastado de tal modo, que só á luz da critica philosophica se pôde achar de que lado está a verdade da idéa. Não é nossa intenção analyticamente estudar a opinião dos dislinctos mestres que se chamarão Laennec, Bayle, Louis, Cruveilhier, Trousseau e Graves, nem a daquelles que hoje se chamão Jaccoud, Cornil Herard, Chauífard, Villemin. Seria preciso afastarmo-nos muito do nosso ponto, para conseguir tal desideratum. Em synthese, porém, emiltiremos as opiniões que hoje se degladião na arena scientifica, afim de melhor podermos inferir deducções praticas ao tratamento da tuberculose pulmonar. A questão importante da tuberculose pulmonar foi pela primeira vez re- solvida por Bayle e especialmente por Laennec, que, cora o talento de que dis- punha, consegnio plantar no espirito publico, e no da classe medica, que a tu- berculose era uma affecção especifica. Esta opinião prevaleceu por muito tempo, e ainda hoje conta proselytos fervorosos. Depois dos progressos da anatomia pathologica, grande reacção se levantou contra a unidade da tisica pulmonar. O professor Virchow fundando-se em estudos anatomo-pathologicos, pro- clamou a não especificidade do tuberculo. Niemeyer, em seus estudos clínicos, rompeu o debate contra a lheoria de Laennec, e hoje duas escolas amoicionãu a gloria sobre a natureza da tisica pulmonar. A escola franceza adhere ás idéas de Laennec, a escola allemã e ingleza ás de Virchow e Niemeyer. O professor Peter resume deste modo a theoria de Virchow sobre o tuberculo: « O tuberculo não provém de um exsudato ; é uma neoplasia resultante de uma producção exagerada de cellulas do tecido conjunctivo, no interior das quaes se desenvolve igualmente um numero exagerado de núcleos. Nesí:i massa assim formada, as cellulas, tendo-se tornado numerosas, acabão por se suffocar mutuamente, ao mesmo tempo que comprimem e obliterão seus vasos nutritivos, morrem de asphyxiae fome. Murlas, as cellulas com seus núcleos passão ao estado gorduroso, transformão-se em gras decadavre, e este phenomeno é um facto de cadaverisação. Não se pôde portanto considerar o estado caseoso como o estado caracleristico do tuberculo ; é o signal da sua degenerescencia. Esta transformação gordurosa, sendo própria a todo o tecido que deixou de viver, não pôde servir para caracterisar um delles. » Para a escola franceza o tuberculo é o producto de uma exsudação mórbida dependente de una degradação do fluido nutritivo. A clinica prevaleceu-se dos conhecimentos da anatomia pathologica, e as idéas que tinhão sido apenas esboçadas por observadores como Baillie e AVether, en- contrarão em Jaccoud e Niemeyer os defensores mais exaltados. Apezar da grande somma de fados estudados com toda a imparcialidade, a theoria unicista encontra partidários acerrimos na escola de Pariz e de Londres. É de esperar que o seu numero vá progressivamente se reduzindo até á realisação do grande desideratum da sciencia contemporânea. Ainda em 1867 e 1868 solemnemente foi debatida a questão no solio aca- dêmico de Pariz ; Barth, Corml, Herald, Chauífard, Colin, Villemin, Bouillaud, e outros luminares de tão notável centro scienlifico se fizerão ouvir, não chegando todavia o accôrdo a estabelecer-se no seio da academia. Entre nós, onde a medicina já encontra devotados homens de sciencia, a theoria allemã começa a ser propagada com eulhusiasmo, graças especialmente ao illustre professor de clinica medica, que com toda a dedicação inocula no es- pirito de seus ouvintes as idéas reformadoras sobre a tisica pulmonar. Se não fôra a necessida le de estudar detidamente a moléstia pelo lado pratico, por certo maior desenvolvimento daríamos ao dualismo da tisica pulmonar, procurando com a maior solicitude reproduzir as inspiradas idéas de Jaccoud e Niemeyer, que tão seduetoras se impõem e sejustiíicão com a observação clinica. Se a pratica não trouxesse a sua saneção á lheoria dualistica.por certo que, dedicado exclusivamente ao exercício da profissão, abandonaríamos os sonhos germânicos, por mais allrahentes que fossem, pela adopção das idéas que mais de perto interessão á humanidade, e portanto ao bem estar da sociedade. Feitas estas rápidas considerações que a natureza do assumplo exigia, apre- ciemos, lendo em mira a pathologia e a hygiene, quaes os meios que esta fornece ao tratamento da tuberculose. Não é que tenhamos a pretenção de trazer á tela do debate scientifico maior somma de conhecimentos que aquelles que nos precederão. Estabeleceremos, porém, como principio que a curabilidade da tisica pulmonar é possível, attendendo aos meios hygienicos que a sciencia nos fornece. Tomemos para base do tratamento os quatro princípios estabelecidos pelo professor Jaccoud, em suas lições de clinica medica: 1.° A caseificaçãoé em todas as idades um processo de debilidade. 2." A gênese do tuberculo verdadeiro é um processo de debilidade. 3.° As irritações accidenlaes communs, de qualquer gênero que sejão, que affectão o larynge, os bronchios ou os pulmões, exercem sobre a tuberculose e as lesões tísicas uma influencia má, sob três pontos de vista differentes : nos indivíduos ainda sãos, mas predispostos, ellas favorecem o rompimento (éclosiom) dos tuberculos ou das alterações pneumonicas tisiogenicas; nos indivíduos já affectados provocao irrupções (poussées) novas; aggravão e precipilão a marcha das desordens preexistentes. 4.° A ftbre é um processo de consumpção. A tisica pulmonar deve, portanto, ser considerada como o estado de alte- ração nutritiva ou hypotrophica. Todo o tratamento deve convergir para o levantamento das forças da econo- mia animal. Assim, para avaliar-se bem dos meios mais favoráveis ao tratamento da tisica pulmonar, conveniente é que estudemos as causas que mais influem para a producção da miséria physiologica, que em resultado final constitue a moléstia. A vida é o equilíbrio; na despeza igual á receita está a harmonia de toda a physiologia; desde que por circumstancias especiaes se rompe este equilíbrio, a funeção desassimiladoraé superior àassimiladora, ea moléstia é a manifes- tação do óbice que encontrou o turbilhão vital, na phrase de Cuvier. Se na tisica pulmonar dá-se esta falia de regularidade nas funeções de assimilação e desassímilação, cumpre á hygiene prescrever as regras, de cuja observância resulta a conservação da saúde. — 6 — Comecemos pela parte que em hygiene tem sido estudada sob a denominação de ingesta. Ao organismo perturbado em suas funcções somente convém alimentação reparadora e de fácil digestão ; ella deve preencher estas duas importantes condi- ções: a primeira para dar energia e vitalidade ao organismo enfraquecido, a segunda para ser realisavel a primeira. Não consiste simplesmente nesta indicação geral o papel da hygiene : deve de ser mais minuciosa em attender á qualidade e graduar a dose da ali- mentação. Altendendo, portanto, muito aos alimentos que devem de ser dados aos tísicos, não devemos nos esquecer da divisão que oíferece Michel Levy, em seu Tratado de Hygiene: elle divide os alimentos em completos e incom- pletos ; os primeiros, caracterizados pela complexidade de sua constituição, favorecem a todas as funcções da hematose, favorecendo não só os elementos necessários á carpenta óssea e aos líquidos do organismo, mas também os ma- teriaes das secreções, excreções, e da combustão que produz o calor animal (carne dos animaes, leite, cereaes); os segundos somente sustentão algumas uncções, e, se são empregados sós ou alternadamente, produzem faslio, isto é, uma repulsão instincliva para substancias impróprias ao entretenimento total da vida (fibrina, albumina, assucar, gomma, manteiga). Tendo em consideração que do regimen alimentar está em parte dependente a marcha fatal da moléstia ou a sua parada, sempre devemo-nos lembrar dos seguintes preceitos relativamente à alimentação: —Io, praticar um syslema de alimentação bygienico, observado com intelligencia, e seguido com perse- verança ; 2°, guardar certa sobriedade em relação com as modalidades consti- lucionaes do indivíduo, e com seus hábitos ; 3o, fazer pequenas refeições, mas freqüentemente repetidas, afim de utilisar sem fadiga todo o poder digestivo ; 4o, tratar da preparação dos alimentos, de modo a tirar-lhes o menos possível da sua substancia nutritiva ; 5o, lembrar-se de que uma alimentação não será tão proveitosa, senão fôr a mistura de substancias animaes e vegelaes. São estes os princípios de um grande medico, que muito estudou relativamente á tisica pulmonar. Muito minuciosos na indicação dos alimentos e das bebidas, que devem de ser usadas pelos tísicos, os hygienistas fazem actualmente classificações, que deixamos de reproduzir, por serem extensas e mais bem desenvolvidas pelos autores a que nos referimos. O Dr. Gueneau de Mussey, partidário acerrimo da escola unicisla, em termos claros e incisivos, discutindo o problema mais pela parte pratica, resume as suas opiniões sobre a alimentação do modo seguinte: A escolha dos ali- mentos constitue uma parte do tratamento. O regimen deve variar segundo a fôrma da moléstia e o estado constitucional. Se ha apyrexia, sendo o doente de temperamento escrofuloso ou simplesmente lymphalico, deve-se prescrever uma alimentação substancial, rica, proporcionada entretanto á energia dos órgãos digestivos; carnes tostadas, assadas ou grelhadas, sopas gordas, ovos, peixes e legumes frescos, formarão a base da alimentação, excluindo alimentos indigestos, guisados, adubos, carnes salgadas, massas e doces, todos os alimentos que exigem actividade gástrica sem fornecer elementos re- paradores sufficientes. O doente beberá vinho de Bordeaux estimulado por alguma água mineral digestiva, se o appetite é fraco. As águas de Condillac, Sulzmatt, Vais (Saint Jean), Renaison, Saint Galmier, Sulzbach, Saint Alban, Bussang, Chateldon, oferecem variedades de composição, e por conseguinte de acção, que se poderá adaptar ás difíerentes indicações da moléstia. Enconlrar-se-ha ao mesmo tempo propriedades estomachicas communs nestas águas, sendo possível substitui-las umas pelas outras quando o doente acha-se enfastiado com seu emprego. Assim, por exemplo, se trata-se de um indivíduo anêmico e escrofuloso sem excitação febril, sem tendência congestiva ou he- morrhagica, a água de Bussang, que é ferruginosa, poderá ser aconselhada. Em condições oppostas, dar-se-ha preferencia á água de Sulzmatt ou ás águas fracas de Vais, que encerrão principalmente bicarbonato sodico. A água do Condillac, que contém chlorureto de sódio e iodo, pôde ser utilisada em muitos casos, sobretudo se, como acontece algumas vezes, existe con- stipação. Para os doentes que não podem por uma razão qualquer procurar estas águas, substituo a água da Sulzmatt por uma água gazosa fabricada em um apparelho e á qual addiciono um grammo de bicarbonato de sódio. Faço ajuntar ao apparelho gazogeneo afim de substituir a água de Bussang de 80 centigrammos a um grammo de bicarbonato sodico e 5 centigrammos de carbonato de ferro. Na fôrma de marcha mais aguda, acompanhada de reacção febril, deve-se sustentar as forças, evitando tudo que possa contribuir para o augmento da febre, porquanto quasi sempre à tarde ha um paroxysmo. Afim de evitar que a excitação digestiva se confunda com a resultante da marcha natural da moléstia, é conveniente inverter a ordem das refeições — 8 - reservando a mais substancial para de manhã e dando à hora do jantar uma sopa, ou mesmo um simples caldo. Na tisica de marcha aguda, o leite, caldos leves, algumas sopas claras, são em geral sufficientes. Se à febre é intensa e o leite é bem supporlado, se adoptará a dieta láctea, variada pela administração de alguns caldos de rã ou de frango. O leile de jumenta tem uma antiga reputação ; nestas con- dições, é mais leve, mais temperante que o leite de vacca; se não é bem digerido, e provoca dejecções líquidas, se addicionarà um pouco de xarope de quina e algumas gottas de água de louro-cerejo, para disfarçar o gosto, caso inspire alguma repugnância ao doente. Em resumo, a dietetica do tísico consiste em tonificar sem excitar. Terminando as observações que tínhamos a fazer sobre os alimentos, de- vemos em poucas linhas resumir a nossa opinião sobre o emprego dos alcoó- licos. O uso do vinho generoso, tomado em doses progressivas e moderadas, é o tônico que contribue para despertar a actividade orgânica, e, portanto, para a rehabilitação das funcções digestivas. Já Hippocrates conhecia os seus benéficos effeitos, que assim exprimio-se : « O vinho é uma cousa maravilhosamente apropriada ao homem, tanto no estado de saúde como no de moléstia, se é administrado a propósito e com justa medida, segundo a constituição individual.» Não será fora de propósito tocarmos na acção physiologica dos alcoólicos. Segundo Liebig, era o álcool o typo dos alimentos respiratórios, exclusi- vamente consagrado á producção do calor. Esta opinião foi abraçada por quasi todos os physiologistas. Lallemand, Perrin, Darvy, tendo feito varias experiências em animaes, e notando que o álcool se eliminava completamente em natureza, concluirão em sentido opposto a Liebig. As pesquisas de Anstie, Albertoni e Lussana, feitas com tola a precisão scientifica, parecem concluir que o álcool é em parte queimado no interior do corpo, e deve ser considerado como alimento. Abraçando a theoria de que o álcool é um grande modificador da nutri- ção, impedindo a desassímilação, não duvidamos que a sua acção, relativa- mente aos tuberculosos, seja a mesma do arsênico e de outros medicamentos, considerados na classe dos modiíicadores da nutrição, segundo as idéas do Dr. Rabuteau. - 9 — Não é, porém, a~> regimen alimentar somente que deve prestar attenção o bygienisla. A applicação da cinesetherapia também merece um logar distincto nas con- dições hy<:ienicas que mais influem no tratamento das moléstias constiluc ionaes O exercício bem regulado é uma fonte de vida para o doente, que muita vez só neile encontra um meio de restabelecer o equilibrio das funcções orgânicas. Hillairet, referindo-se à gymnastica, diz : « Esta sciencia razoável dos movimentos determina o desenvolvimento re- gular do corpo, o crescimento e o equilibrio das funcções de todas as forças do organismo.» E. Paz considera-a o movimento impresso a todos os membros, a todas as partes do corpo; é a atividade communicada a todas suas funcções, e por con- seguinte aos phenomenos diversos de que é sede o sangue; é a despeza, a com- bustão augmentada; as receitas, isto é, a assimilação prodigiosamente activada. Desde a mais remota antigüidade que a gymnastica era aconselhada como um meio heróico no tratamento das moléstias que abatião a constituição. N >m só este meio era lembrado para os estados mórbidos, como também constituía uma parte essencial na educação. É assim que a Grécia nos forneee os seus gymnasios, onde, ao lado das idéas philosophicas que Platão e Aristóteles inoculavão no espirito dos ouvintes, o exercício physico era aconselhado como meio auxiliar para o desenvolvimento e aperfeiçoamento da espécie. É por isso que Plutarco, incontestável mente o primeiro historiador da anti- güidade, dizia que, graças aos exercícios gynrraaslicos, Cicero, que tinha nascido com um peito fraco e doentio, fortificou-se e tornou-se capaz desses grandes de- bates que illuminàrão a tribuna de Roma. Platão, o príncipe dos philosophos, não se descuidava de aconselhar aos athletas que estudassem a philosophia, e aos philosophos que se dedicassem â gymnastica. Se detidamente procurarmos maiores esclarecimentos na Grécia antiga, reco- nheceremos que era principio muito vulgar o emprego de semelhante meio na educação physica do povo grego. A cinesetherapia deve, porém, de ser submettida a certas regras; por não terem comprehendido a necessidade de ser moderada e de accordo com a força individual, é que a muitos ella tem sido prejudicial. Não se deve procurar transformar o doente em um gymnastico, mas 2 — 10 — desenvolver-lhe maior energia nas funcções, afim de facilitar-lhe o appelite e a assimilação. Um distinclo therapeuta, tratando da influencia da cinesetherapia sobre a marcha da tisica pulmonar, se enunciado seguinte modo: « O exercício muscular activo é útil aos tísicos no começo* do seu mal, para facilitar as funcções da hematose e da circulação e todas as eliminações; é útil ainda para entreter o appetite e favorecer a reparação.» A gymnastica em geral, diz Longet, se consiste em movimentos mode- rados é bôa para a digestão, porque provoca as secreções glandulares e a locomoção interior dos alimentos. Pelos movimentos do diaphragma e do tronco, facilita a absorpção; dá á respiração rapidez e amplitude, e activa a circulação venosa. É por isso que com muito fundamento a vida sedentária deve contribuir muito para a marcha falai da tisica pulmonar. Não é debalde que todos os hygienistas protestão solemnemente contra a falta de gymnastica nas casas de educação, afim de modificar a constituição dos meninos lymphaticos e tuberculosos. Trata-se mais do desenvolvimento moral e intellectual que da parte plástica. Que importa que se rasguem aos olhos do menino os horizontes da sciencia, que se descerre seus lábios á articulação do verbo do progresso, quando é com a mutilação do physico que se desenvolve o intellectual ? Prepara-se um Cicero, um Newton, é verdade, mas em pouco tempo a eloqüência e o talento succumbem, porquanto a parte plástica é rachitica, não pôde supportar as erupções do volcão. Se para um indivíduo que é são, este grande meio não deve de ser ol- vidado, para os que trazem do berço os traços do morbo, que mais tarde tem de rouba-lo ao mundo, mais urgente e acurada torna-se mister a inter- venção da hygiene. Para nós, é convicção profunda de que a vida sedentária contribue muito funestamente em nossa capital para a marcha rápida que assume todos os dias a tísica pulmonar. Mais adiante, quando tratarmos dos meios cósmicos em geral e particular- mente em relação ao Rio de Janeiro, mais algum desenvolvimento daremos sobre a influencia dos costumes, hábitos e alimentação nesta cidade. Mais detidamente reconheceremos que o terreno da nossa capital é infeliz- mente muito auxiliado por circumslancias especiaes para a progressão cres- cente que assume a mortalidade pela tisica pulmonar. - 11 — Alguns hygienistas mais exagerados nas vantagens do exercício têm aconselhado a equitação como um meio salutar. Não achamos fora de propósito semelhante indicação, desde que no indi- víduo aííectauo da moléstia esta esteja ainda em seu começo e revista a íórma torpida; no caso contrario, acreditamos sinceramenle que a equitação muito conlribuirá para as hemoptyses; em summa, na tisica denominada erethica a equitação deve ser proscripla. A funcção da pelle não deve ser menos cuidadosamente altendida, por- quanto sabe-se que ella é o emunclorio natural, por onde se eliminão muitos princípios nocivos á economia. Não convém de modo absoluto supprimir aos indivíduos affectados da tisica o uso do banho. Não deve sê-lo como no estado normal, em que o indivíduo pôde ter uma reacção mais ou menos prompta : é conveniente o uso de abluções com a esponja, e, caso a moléstia se acha ainda no primeiro período, os banhos frios, admi- nistrados de accordo com os preceitos da arte, são de grande vantagem. Quand*, porém, ha apenas predisposição a soíírer do peito, o banho é um grande modificador, que tende a destruir as bronchites freqüentes, a que se sujeitão os indivíduos predispostos â tisica pulmonar. A hvdrotherapia é um grande meio de que dispõe hoje a therapeutica ; o seu futuro parece ter de ser muito lisongeiro, graças aos resultados maravi- lhosos que vai conquistando nos nossos dias. Os limites do nosso ponto não nos permittem que entremos em maior ana- lyse sobre a hydrolherapia, por ser alheia ao assumpto. Logo após a funcção da pelle, devemos considerar as vestimentas, que mui estreitamente se prendem a esta. Não é necessário fazer o histórico das vestimentas, relatando as modifica- ções por que têm passado; porquanto, sendo sujeitas ás vicissiludes dos climas e costumes dos povos, não seria muito a propósito o descreve-las com as suas variedades. Ha, porém, necessidade de prescresver as vestimentas que devem de ser usadas pelo indivíduo tuberculoso. A funcção da pelle tendo repercussão immediala sobre o pulmãs torna-se conveniente que fique inteiramente alheia á humidade e frio, afim de não ser perturbada a respiração pulmonar. — 12 — Tendo em vista o preceito physiologico da influencia reciproca das duas funcções de que falíamos, não se deve aconselhar ao tísico senão vestimentas de lã, que são as menos fáceis â producção do resfriamento. Se aconselhamos de preferencia a vestimenta de lã, não queremos comtudo que o doente tique sobrecarregado, de modo a não respirar convenientemente. Aconselhamo-la, nunca, porém, esquecendo que deve estar subordinada á influencia do clima, estação, estado e hábitos do doente. Vem a pello apreciar o uso da flanella, em relação ás aífecções do ap- pan llio respiratório. Muitos hygienistas prescrevem-na sem restricção, e outros pelo contrario jul- gão-na prejudicial aos doentes. Accredilamos que a flanella deve convir aos doentes de tisica pulmonar, e que, conforme o clima, é um meio salutar de prevenção contra as bronchites, pneumonias e pleurisias. Acredtanos ainda mais que a acção irritante da flanella deve de ser um derivativo, que exercerá influencia benéfica ao doente, evitando talvez con- gestões freqüentes. Quando ha apenas predisposição á tuberculose, pensamos com os que con- siderão a ducha como a melhor flanella, destruindo a tendência ás bronchi- tes catarrhaes. No estado da moléstia, portanto, as vestimentas devem se achar de accordo com o estado do doente, não se permittindo nunca que a moda e as con- veniências sociaes, contribuindo para a não observância dos preceitos da bygiene, aggravem a moléstia. Sendo o homem um ser dotado de qualidades moraes que o distinguem dos outros, torna-se conveniente que a hygiene não se descuide do estado de seus sentimentos e paixões. A tranquillidade moral, a calma para poder resistir aos incommodos de uma grave enfermidade, como é a tisica, são predicados que robuslecem a vontade do doente e alentão-lhe a esperança para resistir á moléstia. As paixões devem ser sopiladas: muita vez as tempestades da alma são o óbice mais forte ao melhor tratamento. Para que, portanto, o doente possa sublrahir-se ás influencias moraes, cs passeios e diversões são os recursos que a hygiene lhe aconselhará. Afastar-se sempre das luetas sociaes, procurar ter o espirito prazenteiro e - 13 - disposto a supportar as conseqüências da moléstia, são idéas que o medico deve sempre inspirar ao doente. Quando o e; pilito >e acha resignado e disposto a seguir as indicações que lhe forem prescriptas, a esperança radiará no semblante do doente e a cura poderá ser obtida. Quando, porém, succede, em vez do quadro que figuramos, a hy^ochondria' Iodos os meios são baldados, a moléstia com mais celeridade caminhará para seu termo falai. Pensando deste modo, é que Foussagrives, o primoroso escriptor e hygienista consummado, assim se enuncia : « Ce serait méconi âilre 1'intensité et Ia solidai iélé des rapports qui lient les deux príncipes donf se compose 1'homme, que de nier l'iuflueuce aclive et soulenue qu'ils exercent Tun sur 1'aulre. « Les dispositions naturelles de 1'organisme se subordonnent dans une limite restuinte, il est vrai, mais réelle, á cerlaines man.ères d'èlre à nolre espnl. « Les passions et les désordres qu'tlles engendrent alièrent Ia pi ysionomie et Ia marche des malad.es. « La thérapeulique serait impuissanle, dansbien des cas, si, se bornantau* seules ressources des médicaments, elle n'invoquait au besoin celles des mouve- menls de 1'âme diriges a\ec prudenceet conlractés avec sagacité.» O estudo do meio cósmico em que vive o homem éinconleslavelmenle parte muito importante em relação á saúde do mesmo. Não podendo sublrahir-se o organismo humano ás modificações vaiiadas de que é sede o ar almospherico, é pelo conhecimento de suas propriedades que po- deremos formar ura juizo seguro e inabalável da influencia deste sobre o estado de saúde ede moléstia. Occupa o primeiro logar a pressão atmospherica; esta é avaliada em média por uma columna de mercúrio de 76 centímetros de altura, supportando, por- tanto, o homem em toda a superíicie do corpo o peso de 15000 kilogrammas. Esla pressão é porém variável, e a sua diminuição ou augmento não são indifferenles a« organismo humano. Os eífeitos observados são em parte a conseqüência do seguinte fado : O ar, sendo menos denso e mais rarefeito, contém sob o mesmo volume uma quantidade menos considerável de oxigeneo; um indivíduo dado, para respirar livremente, é pois obrigado, ou a introduzir em cada inspiração uma quantidade - 14 - mais considerável, o que não é quasi possível, ou a operar a compensação, repe- tindo maior numero de vezes as inspirações; é este ultimo effeito que se dá, e o phenomeno geral por meio do qual se explicão Iodas as outras modificações orgânicas e funccionaes, é a freqüência maior dos movimentos respiratórios- (Becquerel.) Quando, porém, a diminuição não é muito exagerada, as perturbações são menos sensíveis. Se, porém, esta attinge maior proporção como a que tem logar nas altitudes de 3 a 7,000 metros, os phenomenos assumem bastante gravidade, a ponto de comprometter a vida do homem. É assim que o Dr. Jourdanel descreve: « Le commencement du voyage ne cause d'autres fatigues que celle qui esl naturelle á loute marche ascensionelle vulgaire. Mais, en dépassant 2,000 metres, il est aisé de reconnaitre que lanhélalion n'estpas ordinaire. La lassitude esl mèlée d'unesensation pénible, avec Ia conscience d'un abattement general qui n'apparlient pas à une faligue habituelle. A 3,000 mètres, Ia volonté, ferme encore, n'est que faiblement obéie par Ia conlraction des muscles. A 4,000 mètres, Ia volonté elle mème est abattue. La lête, comme vide de malière et d'idée^, est en proie du vertige ; elle s'incline involontairement sur Ia poilrine, et le corps entier, masse gènanle pour 1'esprit déjá aííaissé, s'arrête et refuse son concours á un reste de faible désir qui voudrait encore le pousser en avant. Tout se trouble alors. Les battements du cceur sont lumultueux, 1'estomac se contracte, les oreilles bour- donnent, le vertige est plus menaçant. Couchez-vous sans retard, si vous ne voulez qu'une syncope vous renverse en vous enlevant un reste de senliment. Dans Ia posilion horisonlale, le voyageur se senl tout-á-coup soulagé. Les idées reviennent, 1'estomac se calme, les membres remuent facilement. Mais ne vous fiez pas à ce relour des forces. La posilion verticale trop vite reprise vous les enleverait à 1'instant. Tel est le mal des montagnes. » Reflectindo com a attenção devida sobre os factos observados, e apreciando-os com o auxilio dos conhecimentos physiologicos, infere-se que aos indivíduos tisicos não convém o ar das alliludes, porquanto mais facilmente a moléstia se incrementará. Este principio, comquaulo á primeira visla pareça inconcusso, todavia ad- mitle excepções. Parece-nos que sendo nas altitudes de 2,000 metros a vida florescente, e iara nestas regiões a tisica pulmonar, não deve de ser prejudi- cial aos indivíduos affectados desta moléstia a residência em semelhantes lo- calidades. — 15 — Este ponto merece que nos demoremos um pouco, afim de mais ampla- mente estudarmos as condições especiaes que a elle se prendem. Nas altitudes, onde a pressão barometrica tem diminuído, é incontestável que o pulmão se acha sob a influencia de um ar rarefeito e secco. Em conseqüência destes estados da atmosphera, a endosmose do oxigeneo, que tem de sustentar a respiração, se acha diminuída; ha, portanto, menos es- timulo para o pulmão que ao nivel dô mar; esta falta de estimulo para o pulmão colloca-o em condições mais favoráveis nesta latitude, que em outra qualquer inferior, visto ser o oxigeneo o estimulante natural da funcção. Esta é a explicação dada pelos diversos médicos, que têm observado prati- camente a marcha da tisica pulmonar em vários pontos acima de 2000 metros, como nas cidades de Puebla, México, e nos Estados de Nova-Granada, Equador, Peru e Bolívia. Movido pelo espectaculo consolador desta feliz influencia das grandes eleva- ções sobre a saúde dos tuberculosos, diz um observador contemporâneo, eu pro- curei a explicação com um fim de utilidade pratica. Muitos elementos se gru- parão diante de meu espirito para a resolução deste problema diíficil. De um lado, vejo dominar uma verdade incontestável, já proclamada como facto geral, em outra parte deste trabalho ; é que a chronicidade nas inflamma- ções é incompatível com o clima das altitudes. De outro lado lanço minhas vislas sobre a rarefação, a ligeireza e a seccura do ar. A calma que resulta para o pulmão exclue toda aidéa de excitação permanente deste órgão. Eu con- sidero que é no meio destas circumstancias que o peito encontra garantias contra a tisica pulmonar, entretanto que na costa, sob um ar pesado e humido, que oxyda tudo, uma predisposição geral do estado inílammatorio chronico favorece a marcha do tuberculo. Meu espirito pára ante a importância destes fados curiosos, e infere irresistivelmente esta conseqüência : que é preciso aos tuber- culos pulmonares um elemento intlammatorio para seguir as phases diversas de sua existência. K, pois, a ausência deste elemento nas alturas que torna diíficil, senão impossível, a producção tuberculosa, não é uma hypothese gratuita, nem uma aífirmíição vã sem resultado para a therapeutica da moléstia de que tratamos. Quando tratarmos dos climas, voltaremos ainda a esta questão, mostrando quão divididas se achão as opiniões dos médicos, que se têm dedicado a estes estudos, nos diversos pontos do globo. Becquerel, tratando da diminuição da pressão almospherica, sobre as mo- léstias, diz que a opinião de que o ar secco e rarefeito das montanhas é nocivo - 16 — aos tuberculosos é geralmente adraittida pelos médicos da Europa. Entretanto, novas observações demonstrarão que a tisica é excessivamente rara e até desco- nhecida nas planícies das cordilheiras do México e do Peru, em alturas de 2000 a 4000 metros acima do nivel do mar, entretanto que ella reina com extrema violência nas regiões baixas e quentes dos trópicos. É por isto que os tisicos do liltoral, no Peru, vão procurar o restabelecimento de sua saúde na Bolívia. Estes fados tão curiosos fòrão postos fora de duvida pelas sabias investigações de Boudin, mas principalmente pelas observações directas de Jourdanet sobre o México, Guilbert sobre a Bolívia; Coindet está de accordo que nas altas planícies o estado dos tisicos melhora, mas a morte somente seria retardada. Continuando nas apreciações sobre o ar atmospherico, julgamos de máxima utilidade aos doentes de aífecções pulmonares um meio puro era que a funcção respiratória se faça com toda plenitude. Aqui temos de notar as impurezas do ar, a confinação, ventilação, tem- peratura e estado hygrometrico, circumstancias tndas que, se são de alcance inquestionável para o indivíduo são, por maioria de razão devera de sê-lo para o que se acha com affecção do apparelho respiratório. A funcção respiratória exige que inspiremos e expiremos, quasi vinte vezes por minuto, fado este que dá logar a 1,200 inspirações por hora ou 28,000 no espaço de vinte e quatro horas ; em cada inspiração, devem ser intro- duzidos nos pulmões 500 centímetros cúbicos de ar. Achando-se o ar alterado em sua composição, por conter menor quanti- dade de oxygeneo, ou outros gazes impróprios à respiração ou partículas diminutas de matéria, como poeira, etc, a respiração não se pôde fazer nor- malmente. Ao indivíduo tisico não se deve oppôr embaraço algum á funcção da he- matose ; dahi a conveniência de subtrahi-lo das reuniõ s publicas e ajunta- mentos, que possão viciar a atmosphera. A sua habitação deve de ser perfeitamente ventilada, para não se dar ac- cumulo de ácido carbônico, e evitar complicação á marcha da moléstia. A vida no campo é preferível à das grandes cidades, onde muitas são as causas que podem contribuir para a alteração do meio ambiente. Se a moléstia não se acha ainda patente, mas apenas suspeita por indícios que se revelão por seu temperamento lymphatico, maiores são as cautelas, relativamente á ventilação. — 17 — O exercício em pleno ar é o meio mais rápido para destruir a predis- posição ás bronchites e pneumonias. Não conheço nada mais prejudicial que o systema de encerrarem nos apo- sentos os indivíduos lymphaticos ou tuberculosos; destruir a impressionabi- lidade orgânica destes indivíduos é uma circumstancia importante, que não deve passar desapercebida ao medico. Afastar o mais possível os indivíduos assim predispostos de profissão que não lhes faculte princípios de oxigenação ao sangue é uma circumstancia de muito valor. Dabi provém a explicação por que os doentes affectados de tisica pulmonar não podem encontrar nos hospitaes garantias para o seu restabelecimento; desde que se combate o estado agudo, ou alguma complicação que exige ser removida muito cedo, é conveniente, colloca-lo fora da atmosphera con- finada das salas dos hospitaes. Alguns hygienistas e médicos têm sido tão exagerados sobre a ventilação e pureza do ar, que até considerarão a respiração do ar viciado como causa única da tisica pulmonar; foi tendo em mira este ponto interessante de hygiene que Mac-Cormack publicou um livro com o seguinte titulo: — A tisica pela respiração do ar jd respirado. Segundo o illustre hygienista, o ar confinado e a sua falta de ventilação regular produzem os seguintes resultados immediatos: frustrar a atmosphera da quantidade de ar indispensável á hematose; expolia-la de uma certa pro- porção de oxigeneo, accumula-la de ácido carbônico ; augmentar necessaria- mente a temperatura; subtrahir-lhe, por este fado, a humidade natural, sub- stituir esta humidade pelos effluvios e materiaes impuros das transpirações pul- monar e cutânea, e muitas vezes das secreções mórbidas. Fundado nos princípios verdadeiros de physiologia experimental, é que se tem aconselhado o tratamento da tisica pulmonar — pela aerotherapia e pela dieta respiratória. A temperatura é a impressão sensível, que experimenta o corpo humano em contado com a massa de ar que o cerca. A temperatura é mais ou menos variável, constitue o elemento mais importante na divisão dos climas. Segundo as observações feitas até hoje, tem-se considerado a de 12° a 20° como a mais benéfica ás aífecções do peito. A anemologia, nunca deixou de ser considerada, como circumstancia notável na salubridade das diversas localidades, e, portanto, exercendo influencia incon- testável na evolução, marcha e terminação das moléstias. 3 — 18 — Tão sensível é a influencia dos ventos sobre o organismo humano, que se pôde considerar incompleto o estudo climatologico, que não a tiver como uma de suas bases. Passando á influencia da electricidade, nada podemos avançar de verdadeiro, porquanto ainda é mysteriosa sua acção, e pouco se tem aproveitado delia os climatologistas. Muitos acredilão ser perniciosa a presença do ozona. Entre nós, o Conselheiro Paula Cândido deu iniciativa ás observações do ozona, em relação aos tuberculosos. É muito cedo ainda para se adoptar uma opinião exclusiva. Mais conhecido, porém, é o estado hygrometrico do ar; intimamente ligado á temperatura, offerece modificações sensíveis ao organismo humano. O ar quente e secco determina o affluxo de sangue do interior para o exte- rior; dilatação dos vasos capillares da pelle ; acceleração da circu ação capillar peripherica ; augmento da secreção cutânea; acceleração da respiração; menor gasto de oxigeneo e desprendimento de menor porção de ácido carbônico; augmento da secreção biliar; diminuição do appetite e languidez das funcções digestivas; augmento da secreção espermatica, fraqueza muscular e atonia da vida orgânica. O ar frio e secco apresenta phenomenos inteiramente oppostos. O ar sendo quente e bastante humido, os pulmões não têm meios de se desembaraçar dos vapores produzidos pela exhalação pulmonar; manifestan- do-se atonia na funcção da hematose, mais afflaxo de liquido tem logar para a peripheria. Quando, em logar de excesso, ha apenas alguma humidade, a obser- vação mostra que os indivíduos que soffrem do peito achão-se em um estado mais ou menos supportavel. Assim temos o ar secco, como elemento adivo e tônico ; o ar quente e humido, debilitante ; o ar doce e humido, como salutar e benéfico em certos estados da tisica pulmonar. Dentre os princípios que podem alterar a composição do ar atmospherico, o miasma palustre é um dos mais communs. Tem sido muito debatida a celebre questão do antagonismo entre a febre paludosa e a tisica pulmonar. Todos os médicos que têm residido em logares pantanosos se entregarão ao estudo deste ponto litigioso. - 19 - Entendendo que esta questão é de summa importância, e que se prende muito naturalmente à climatologia que, como veremos mais adiante, é a pedra de toque no tratamento da tisica pulmonar, julgamos conveniente estudar a questão ba- seando-nos nos fados referidos pelos diversos profissionaes, que escreverão sobre as regiões pantanosas do globo. Já no século passado se notou o antagonismo entre o impaludismo e a tisica pulmonar. Lancisi, observador italiano de grande conceito, referia que os pântanos erão saudáveis a pessoas de certo temperamento, como por exemplo, às que são cheias de saes acres, dispostas à tosse, de fôrmas delicadas e predispostas á tisica. Em 1789, Bang, medico importante de Copenhague, refere a historia de um indivíduo que apresentava symptomas de tisica, e que depois ficou restabelecido por ter sido accommettido de febre intermittente. Este fado de Bang não parece ser mais que a confirmação do que elle já havia dito em 1784 em um livro sobre tisica pulmonar. O Dr. Harrison, notando que nas regiões mais baixas e humidas da Inglaterra a tisica era rara, e muito freqüente nos pontos elevados, aconselhava a mudança para os logares pantanosos, como meio curativo. O Dr. Wells, fundado em observações de Berlim, Vienna, S. Petersburgo, Portugal e Itália, foi o defensor mais notável do antagonismo entre o impalu- dismo e a tisica. A questão, porém, assumio magnitude em 1841, quando Boudin em seu tratado de febres intermittentes estatuio, baseado nos fados observados na África e Grécia, a theoria do antagonismo entre a intoxicação palustre e a diatbese tuberculosa. O Dr. Boudin exprimio-se nestes termos: assim como cada paiz possue não só o seu reino animal, vegetal e produdos mineraes característicos, assina também possue seu reino pathologico ; tem suas moléstias próprias e exclu- sivas ou antagonistas de outras. A endemicidade de certas moléstias, em determinadas regiões, é uma cousa incontestável, e que sempre prendeu a attenção dos observadores. Estas moléstias endêmicas constituem epidemias locaes fixas ao solo, como de outro lado as epidemias são de algum modo endemias errantes ou nô- madas. Mas, se ó verdade que as aífecções endêmicas de ha muito attrahirão a attenção dos médicos, se desde muito tempo se verificou a endemicidade da — 20 — plica na Polônia, do bocio na Saboia, do cretinismo nos desfiladeiros de Vaiais, das febres nos paizes pantanosos, etc, em compensação a immuni- dade que dão estas diversas endemias contra outra ordem de affecções tinha passado quasi completamente desapercebida : tanto ainda na infância se achão as questões de geographia medica. As localidades nas quaes a causa productora das febres intermittentes endêmicas imprime ao homem uma modificação profunda se distinguem pela raridade relativa da tisica pulmonar e febre typhoide. As localidades nas quaes a febre typhoide e a tisica são muito disseminadas tornão-se notáveis pela benignidade das febres intermittentes ahi contrahidas. O desseccamento de um solo pantanoso, ou sua conversão em lago produ- zindo o desappareeimento ou a diminuição das moléstias paludosas, parece dispor o organismo a uma pathologia nova, na qual a tisica pulmonar, e, se- gundo a posição geographica do logar, a febre typhoide se fazem particular- mente notar. Taes fôrão os principios estatuídos por Boudin, que immediatamente prevaleceu-se da estatística para comprovar o asserto de suas proposições. Antagonistas importantes se têm apresentado desde esta época até hoje, tendo por base de argumentação a estatística. Enumerar todos os competidores que se apresentarão para combater as idéas de Boudin seria por demais fastidioso. As observações feitas com todo o escrúpulo nos paizes pantanosos nada provão, nem pró, nem contra. Assim, ao passo que Feuillet, com a estatística feita ultimamente na Argélia por ordem do governo francez, parece demonstrar a verdade do principio de Boudin, Pietro Santa com estudos na mesma localidade mostra que a tisica não é rara na Argélia. Sigaud, que primeiro escreveu sobre a tisica pulmonar no Rio de Janeiro, não crê em semelhante antagonismo. O Dr. Gross, professor de Téropoff, é de opinião que a febre intermittente só se manifesta sob a influencia do miasma palustre, coadjuvada pelo calor, humidade e uma vegetação abundante; esta é a primeira lei admittida pelo illustre professor, conforme as suas observações no Caucaso. A segunda é que, quanto mais verde e humido é o paiz, tanto mais rara- mente ctpparece a tuberculisação. As duas moléstias podem se encontrar nas mesmas localidades; mas o tuberculo será sempre tanto irais raro, quanto o paiz fôr mais quente, verde e humido. Sob a influencia de um miasma intenso, o tubercilo desapparece. - n - E por isso que pessoas affedadas de tuberculisação no primeiro grào curâo- se em logares assim dispostos, o que provão as observações tiradas de muitos paizes quentes, como o Caucaso, Turquia, Grécia, Itália, Algeria, Egypto. Aceitando as conclusões do Dr. Lombard, assim nos enunciamos: As regiões onde a febre intermittente e a tisica pulmonar estendem suas devastações não parecem offereeer este antagonismo que lhes tinhão attribuido. Os limites impostos á extensão das moléstias pelas latitudes afastadas do equador não diflerem absolutamente. As condições de etiologia pathologica dependentes da humidade e dos ventos podem reconhecer uma certa analogia. Ernfim, o nivel elevado acima dos mares parece incompatível com o des- envolvimento dos dous estados mórbidos que temos em vista. Sem procurar fazer approximações pathologicas que estão longe de nossas opiniões, reconhecemos não haver opposição absoluta da sede, natureza ou lo- calidades entre as duas affecções palustree thoracica. Não negamos que ella tenha podido existir e que possa ainda se apresentar ; somente não ha, segundo nossa opinião, uma deslas necessidades de exclusão reciproca capaz de ser erigida sob fôrma de lei. Aceitando as conclusões acima enunciadas, fazemo-lo com grande desvaneci- mento, por serem na sua essência as idéas do nosso illustrado mestre o Sr. Dr. Souza Costa. Além das alterações que enumerámos, e que se podem dar no ar atjnos- pherico, modificando a sua composição, outras existem dependentes da pre- sença de gazes e partículas metallicas das oíficinas industriaes. Compulsando a influencia das profissões sobre a saúde dos operários, a observação tem demonstrado, com estatísticas muito bem elaboradas, a mor- talidade extraordinária produzida pela tisica pulmonar, tornando bastante claro que as profissões, cuja base é a manuseação de pós mineraes, vegetaes e animaes, são mui prejudiciaes á saúde. Os indivíduos predispostos às affecções pulmonares não devem ser admittidos em taes oíficinas, sob pena de desen- volver-se a moléstia prematuramente. Aquelles que tiverem adquirido a moléstia nestes trabalhos, quanto antes devem abandona-los, porque todo e qualquer tratamento é ineíficaz, não sendo destruída a causa. Esta condição hygieuica é, nas profissões a que nos referimos, o meio mais seguro de oppôr paradeiro á moléstia. — 22 — Hoje, que a hygiene das profissões é tão perfeitamente conhecida, é para lastimar que a tisica pulmonar continue a desenvolver-se tão fatalmente em certas profissões, somente pela falta de observância dos preceitos que a scien- cias aconselha contra o víciamento do ar pelos gazes e substancias metallicas ou animaes. No dia em que a hygiene determinar a localidade que é própria á vida de cada homem, o papel da medicina será duplo. Disse-o um escriptor. Sem duvida, enunciando-se deste modo, tinha em mente a influenciados climas sobre o organismo humano. Quem sabe a influencia que o clima exerce sobre o homem, desde as mais nobres funcções da intelleclualidade até as da vida orgânica, não pôde deixar de comprehender a momenlosa questão que está dependente da climato- logia medica. Quando os povos se entrelação marchando para a confraternização de todos os sentimentos e idéas, quando a industria rompe todos os diques, para bus- car em todas as plagas a prosperidade e o progresso, modificando todos os elementos que a cercão, reconhece-se qua a climatologia é um grande centro, em roda do qual gravilão os interesses da humanidade. Já os antigos conhecião a importância dos climas, tanto que Hippocrates, enunciando as bases da sua influencia sobre a saúde do homem, deixou bem visível que este principio tão complexo não devia ser tido em menos valor. É muito complexo o clima: dahi a difficuldade de fundar-se em princípios sólidos a sua sciencia, que tanto imporia ao bem estar do homem. O estudo simultâneo das águas, solo, temperatura, hygrometria, pressão, ane- mologia, chuvas, são circumstancias que de per si têm subido vaLr, mas que reunidas constituem um elemento imprescindível na gênese, propagação e tratamento das moléstias. Considerando, portanto, o clima como o complexo das circumstancias que acabámos de enumerar, exercendo influencia sobre os seres creados, temos em mira simplesmente estuda-lo em relação á hygiene, não nos demorando nas questões de cosmographia. Estudar o clima sob todas estas faces seria empreza superior ás nossas forças, na qual tem naufragado os Pietra Santa, Foissac, Jourdanet Armand, e muitos outros notáveis climatologistas. Aceitando a classificação de Rochard como a melhor, procuramos estabelecer — 23 — um parallelo entre os climas e a tisica pulmonar, relativamente á sua marcha e evolução. Se, analysando rapidamente as questões mais importantes que se prendem á climatologia, conseguirmos provar a influencia benéfica deste ou daquelle clima sobre a marcha da tisica, teremos provado que a curabilidade da mesma não é uma utopia, mas uma verdade que deve de ser abraçada. Infelizmente muito embryonaria se acha ainda a climatologia, para com precisão mathematica estabelecer-se conclusões absolutas. Se, porém, isto nos desanima, ao mesmo tempo nos acalenta a esperança de que trabalhos importantes se realisão todos os dias, para o grande fim da scien- cia moderna. Pelo menos accumulemos os fados e observações, para que, em futuro não remoto, as gerações que nos succederem encontrem um meio de tratamento para seus soffrimentos. O Dr. Rochard divide o espaço comprehendido entre o equador e os pólos em cinco zonas climatericas, separadas por linhas isothermicas, apresentando entre si a differença de 10° de temperatura. A primeira zona estende-se do equador thermal á linha isothermica de + 25°—: é a denominada dos climas torridos. Esta zona comprehende as seguintes regiões : Sahra, Fezzan, Soudan, Senegambia, Guiné, Congo, Nubia, Abyssinia, Ajan, Zanguebar, Moçambique, Ará- bia, Pérsia, Beloulchistam, índia, Indo-China, Birman, Siam e Annam, Malásia, Polynesia, México, America Central, Antilhas, Colômbia, Guyana e norte do Brazil. O indivíduo que habita em taes localidades, estando sob a influencia do calor abrazador, emanações miasmaticas, não pôde resistir por muito tempo a influencias tão maléficas. As moléstias endêmicas enfraquecem-lhe a con- stituição, e estampão na physionomia a depressão e a molleza, próprias de quem vive sujeito a tal clima. A marcha invariável que assumem as estações, caraderizando-se por inverno e verão, este abrazador e assombroso, pelas calamidades que produz, aquelle notável pelas chuvas torrenciaes, e além disto os furacões que em alguns pontos da zona torrida incutem temor ao espirito mais forte, são condições que muito prejudicão ao organismo humano. Se a mudança do clima, aconselhada pelo hygienista, só visa modificar a saúde do doente, fornecendo-lhe o meio que encerre condições favoráveis ao mesmo, infere-se que os paizes, onde o clima é abrazador, não devem de ser indicados aos indivíduos affectados do apparelho respiratório. — n — Quem conhece pela leitura dos médicos francezes e inglezes as intem- péries do clima da Senegambía, da índia, e de outras localidades collocadas no mesmo parallelo, não pôde de modo algum admittir a emigração de doentes tisicos para taes paizes. Ainda mesmo que a tisica fosse rara em semelhantes regiões, fado que não é exado, a physiologia solemnemente protestava contra um meio tão cruel e bárbaro. O tisico já traz estampado na face a decadência orgânica ; as funcções perspiratorias jà se não fazem normalmente ; tudo, emfim, nelle indica a ten- dência ao marasmo: colloca-lo sob uma atmosphera de bronze, que faça ter constantemente o corpo humedecido por copioso suor, é contribuir o mais cedo possível para que se rompa o fio da sua existência. Não se deve nunca aconselhar a mudança dos tisicos para ura clima tor- rido. Aos que objedarem que a vida não é impossível sob o sol da zona torrida responderemos que o homem é cosmopolita; pôde habitar sob os gelos do polo, assim como sob o equador. É essencial, porém, que a influencia climaterica não seja brusca e rápida. A contemporisação é um grande fado na questão do aclimamento. O reino animal não diverge do vegetal; é necessário preparação do terreno e tempo para as grandes emigrações. O Dr. Saint-Vel, que durante muito tempo residio na Martinica, em con- siderações que fez sobre a tisica nas Antilhas, exprime-se assim: « O futuro do tratamento da tisica parece depender muito menos da matéria medica que da hygiene ; o clima é de todos os modificadores hygienicos o mais completo e o mais poderoso. Para ser favorável aos tisicos, um clima deve realizar duas indicações importantes: levantar as forças nutritivas, e, por suas condições me- teorológicas, prevenir ou attenuar as excitações mórbidas do apparelho res- piratório. O clima insular das Antilhas realiza estas condições prophylaticas e curativas ? As regiões equaloriaes não parecem realiza-las, por causa dos ventos que ahi reinão e das vicissiludes atmosphericas que experimentão. « Não se aconselhará a emigração para os paizes intertropicaes, sujeitos ás bruscas variações de temperatura, tanto mais quanto o extremo calor já tem o máo resultado de produzir inappetencia, e augmentar as transpirações.» (Hérard.) Como Saint-Vel, todos os médicos que têm habitado na zona de que nos occupamos exprimem-se do mesmo modo, com pequena differença. — 25 — Referindo-se â índia, o Dr. Rochard cita opinião idêntica, que transcre- vemos por ser muito explicita : « Todos os observadores assignalão a marcha da tisica sob a influencia de seu clima. Esta affecção, diz Allan-Webb, ahi caminha com uma terrível rapidez. » Morehead, Ranol Martin se pronuncião de um modo formal. Todo o eu- ropêo que chega a Bengala, diz o Dr. Twining, com o germen da tisica, ahi morre muito mais depressa do que na Europa. Quanto aos naturaes, Collas assim diz: Eu classifiquei, de propósito, a tisica depois do cholera, como mo- léstia endêmica. É em Pondichéry uma affecção terrível para os Índios, e prin- palmente para a raça cruzada. Duas zonas separadas pela torrida constituem os climas quentes; uma situada no hemispherio do norte e outra ao sul, comprehendidas entre as linhas isolhermicas de -f 25° e 4- de 15. A média annual de temperatura é inferior em 8 gráos á da zona torrida. Nestas zonas estão comprehendidos os seguintes paizes: Marrocos, Algeria, Tunis, Tripoli, Egypto, Itália marítima, Hespanha, França mediterrânea, Grécia, Arábia, Turquia da Ásia, Armênia, Pérsia, Afghanjstan, Turkestan, Pendjab, China Meridional, Polynesia Septenlrional, Norte do México, Sul dos Eslados- Unidos, Cabo da Bôa-Esperança, Hollentolia, Austrália, Nova Caledonia e Brazil. Nos climas quentes as variações da temperatura jà não são tão sensíveis quanto na zona torrida; as estações se mostrão com alguma differença, não se dividindo simplesmente em duas. A humidade, comquanto ainda seja quasi a mesma que nos climas da zona torrida, é todavia mais favorável à vida. Não é somente pela meteorologia que esla zona se distingue da precedente : na zona quente encontrão-se localidades onde as moléstias não se revestem de tanta gravidade como na outra. Por muito tempo acreditarão os médicos que os paizes quentes erão próprios aos tisicos ; dahi a origem das grandes correntes de emigração para estes paizes. A experiência, porém, parece não ter dado a ullima palavra. Ha excepções notáveis, que não podemos deixar de mencionar. A Argélia, que tem sido o ponto objedivo dos médicos da marinha franceza, 4 ~ 20 — é a prova de que, apezar de estar collocada sob clima quente, ahi encontrão os tisicos melhora para seus soffrimentos. Feuillet, em um trabalho ultimamente publicado com dados estatísticos oíficiaes, por ordem do governo, dá um interessante resumo dos estudos e observa- ções feilos na Argélia pelos médicos francezes. A tisica pulmonar é estudada na Argélia ha mais de trinta annos por grande numero de médicos militares e civis, entre os quaes sobresahem nomes de que o exercito se orgulha. Suas opiniões, mais ou menos antigas, verificadas e estatuídas por um inquérito oíficial do qual fazião parte, por meio de um questionário imparcial, 123 médicos, se resumem da maneira seguinte.- « O numero dos mortos por tisica é muito menor na Argélia do que na Europa. Representa quasi o quinto do algarismo attribuido â França e á Inglaterra. Este resultado, é certo, foi estabelecido em lhese geral, pelo consensus omnium, eme não pôde faltar á verdade, para espaços determinados de logar e de tempo, pelos documentos seguintes: em uma população média de mais de 200,000 europêos, durante um período approximativo de 15 annos (algarismo que se elevou em 1864 a 286,000), contarão 68,604 óbitos por todas as causas, 5,110 por tisica, dos quaes 853 erão importados da Europa, dando um quantum bruto de 7,4 % de mortalidade por tisica, e real de 6,2 %, deduzidos os casos importados O anno de 1864, mais escrupnlosamente estudado pelas teste- munhas presentes, conservando o quantum tisico bruto de 7,4 o que é uma verificação séria do passado, desce a 4,8 % sua média real pela separação de seus 121 casos importados. Esta attribuição dos 121 casos exogenos, feita de visu pelas testemunhas, autoriza a admittir para os annos precedentes, que não poderão dar resultados tão precisos, um abatimento proporcional. Póde-se, pois, aífirmar como norma um média geral de 5 °/0. Para fixar o alcance real deste quantum, é mister lembrar o algarismo das perdas tisicas atlribuidas por Boudin aos principaes paizes da Europa, seja de 25 % e até do terço da mortalidade geral, segundo John Clark. Duas consi- derações verdadeiras, ha pouco referidas, vêm provar de mais que a média 5% algeriana deve ser antes menor que maior. De um lado a mortalidade geral da Argélia, tão grave oulr'ora, tendo-se tornado normal desde alguns annos, sem que a média tisica tenha variado, a prova mais certa da immunidade actual, representada por 1864, serve para o passado. De outro lado, os algarismos do inquérito tendo recahido mais es- sencialmente sobre a população habitual dos hospitaes, na qual se encontra a pha- lange dos tuberculosos, estes algarismos são de natureza a forçar a média geral. - 27 - Esta situação da tisica na Argélia se traduz por três fados: 1,° a tisica ori- ginaria da Argélia, é rara; 2,° a tísica, sobretudo se é importada, é curavel no começo sem intervenção medica, só pela acção do clima, e se se acha em gráo mais adiantado, cura ainda ou melhora sem produzir repercussão sobre as funcções habituaes; 3,° as esperanças de abolição da herança tuberculosa são certas durante a infância, mas tornão-se mais difíiceis de adquirir aos poucos e à medida dos annos de indivíduo. Muito perto da Argélia encontra-se outro logar talvez sem igual no mundo como estação do inverno para os tuberculosos. Transcrevendo o que ha de importante sobre o clima desta localidade, acha- mos o seguinte : Mogador, porto de mar do império de Marrocos, acha-se situado na costa occidental da África; sua população é de 20,000 habitantes. Graças à morada de 13 mezes que o Dr. P. Despine, de Marseille, ahi fez em 1840, e o Dr. Thévenot, que ahi reside desde 15 annos, a cidade tornou-se perfei- tamente habi lavei. Beaunier, cônsul de França em Mogador, e sábio distindo, fez conhecer em 1868 observações meteorológicas preciosas, recolhidas no consulado de França, e das quaes resulta que o thermomelro não se elevou senão a 27° durante alguns dias do mez de Junho, e só desceu a 14° em 15 e 16 de Janeiro do mesmo anno. A média foi de 20°. O inverno é sem contestação a estação mais agradável do anno em Mogador; as chuvas se produzem sob a fôrma de aguaceiros, e são de pouca duração ; o siroco, este vento africano tão terrível nas estações do meio- dia, nunca se fez sentir ahi. O professor Seux, de Marseille, publicou uma interessante brochura que fez conhecer a superioridade do clima de Mogador. Cita a passagem de uma caria que o Dr. Thévenin lhe escreveu, concebida nestes termos: a tisica não existe em Mogador entre os indígenas, e alguns fados que live de observar, con- firmão em todos os pontos estas previsões. Entre outros, um caso muito notável em que a tisica pulmonar foi reconhe- cida por muitos médicos da Europa, e a cura verificada pelos mesmos : o doente era um oíficíal da marinha da Dinamarca, que foi obrigado a deixar o serviço por soffrer de uma affecção do peito, declarada pelos médicos tisica tuber- culosa. Em 1865 aconselharão-lhe que mudasse de clima; dirigio-se á França (Eaux-Bonnesl e Argel, onde ficou até 1867; mas a melhora era pouco nolavel. Cedendo então às instâncias de seu irmão, vice-cônsul de Inglaterra em Mogador, foi para esta cidade em Setembro de 1867. Seu estado melhorou rapidamente, — 28 — regcessou â Europa em fins de Abril de 1868, e seus médicos o considerarão curado; declararão miraculoso o resultado obtido durante a sua morada em Mogador. O Dr. Olive publicou no Boletim da Sociedade de Geographia de Pariz, em Outubro de 1875, um trabalho sobre o clima de Mogador, e sua influencia sobre a tisica. Considera o clima como o melhor agente therapeutico para a cura dos pulmões doentes; confirma a uniformidade e a doçura de temperatura deste paiz, cujas vantagens o Dr. Leared, medico chefe do grande hospital do Norte em Londres, recentemente demonstrou. Em Mogador, conforme o professor Seux, se achão reunidas todas as condições exigidas adualmente nos climas próprios ao tratamento das moléstias do peito: si- tuação ao nivel do mar, por conseguinte forte pressão barometrica ; temperatura agradável durante o anno inteiro, pois que ó ao menos de 14* durante a estação a mais fria, com variações de pouca importância; céopuro, permittindo sempre viver em pleno ar, atmosphera salina, condição a mais salutar de todas. O Dr. Leared considera esta atmosphera como mui salubre e crê que esta condição, combinada cora a de um clima excepcional, faz de Mogador a melhor estação para os tisicos. De fado os ventos regulares chegão diredamente á cidade, impregnados das emanações salinas do oceano, ao passo que Funchal só os recebe após sua passa- gem pela ilha da Madeira e suas montanhas. Durante a sua residência em Mogador o Dr. Leared foi consultado por muitos doentes; nunca vio um habitante affedado de tuberculos pulmonares; só observou symptomas de tisica em um judèo que não era da localidade. Em 1840 o Dr. P. Despine tinha já verificado a ausência de tuberculosos em Mogador. Na zona dos paizes quentes, ha ainda um paiz que, pelo seu clima, foi considerado desde o tempo de Celso como antitisico, o Egypto. A maioria dos autores não crêm adualmente na influencia salutar do clima do Egypto, tanto que o Dr. Schnepp animou-se a dizer que não se devia dar credito ás curas de tisicos em tal região, devendo-se attribuir antes a erro de diagnostico a celebridade que adquirio na classe medica o clima do valle do Nilo. Quanto á Hespanha, Itália Meridional, também são divergentes as opiniões dos médicos; o que, porém, se deduz das observações feitas sobre a pri- meira é que seu clima somente na costa oriental é vantajoso. Acerca da Itália encontrão-se alguns pontos que têm sido indicados como — 29 — estações de inverno para os tuberculosos; assim preconisa-se o clima de Pisa, Veneza, e proscreve-se o de Nápoles, Roma e Florença. A crer nas inspiradas paginas de Carrière sobre o clima da Itália, esta parece dever ser aconselhada: a experiência lem se incumbido de demons- trar que o clima italiano não offerece sempre as condições hygienicas para a parada ou cura da tuberculose. A região, porém, de toda a zona quente, que ê considerada pela obser- vação como a mais propicia, é a França mediterrânea ; ahi se encontra Nice, Hyères, Menton, Villefranche, pontos procurados todos os annos na estação do inverno pelos tisicos. O livro de Bennetl sobre o tratamento da tisica pulmonar é o elogio mais pomposo que se pôde fazer ao clima de Menton. Deixando de tratar de outras regiões dos climas quentes como Grécia, China, Syria, Austrália e outras, por serem nellas a freqüência da tisica pulmonar commum e de marcha rápida, passemos ao Brazil, que se acha sob a mesma zona. Região vasta como é o Brazil, o seu clima não pôde ser uniforme ; ao norte humido e quente; no centro fresco e agradável; no liltoral excessiva- mente variável. Do Brazil trataremos especialmente do Rio, onde a tuberculose é mais freqüente. A temperatura média no Rio, comprehendendo o período de 17 annos, de 1851 a 1867, e conforme os estudos feitos no observatório astronômico, dá o seguinte resultado : Média mínima......................... 22*461858. » máxima......................... 24<>511860. » geral annual conhecida destes 17 annos 23°63. » mensal máxima................... 26°56 Fevereiro. » » minima................... 21°17 Junho A humidade atmospherica é de 80° do hygrometro de Saussure, segundo Freire Allemão. Quanto à pressão atmospherica, nevoeiros e chuvas, ainda tomaremos por base as observações feitas no observatório do Rio de Janeiro, e que fòrão transcriptas pelo Dr. Roncière nos Archivos de Medicina Normal. Fazendo esta especialidade sobre o clima do Rio, temos por objeclivo lembrar - 30 - a collegas mais competentes o esforço que devera empregar para os melho- ramentos da cidade do Rio de Janeiro, e ao mesmo tempo provar que não só no clima achamos a influencia mais perniciosa sobre a salubridade da ca- pital do Império. Quanto ás chuvas, os trabalhos do observatório dão a média annual de 98 dias. 1867—máximo............ 123 dias 1854-minimo............ 57 » Nevoeiros. No mesmo período de 17 annos, que tem sido o adoptado por nós, os nevoeiros apresentarão a média annual de 53 dias, sendo 37,17 no inverno e 20 no verão. O estado do céo não é sempre límpido : chuvas freqüentes e densos nevoeiros não podem entreter o céo completamente limpo. Segundo as observações meteorológicas a média annual é de 70 dias sem nuvens. As tempestades têm sido mais ou menos freqüentes em outras épocas; adualmente são mais raras. Em outras épocas, tempestades diárias apparecião nesta capital, especialmente na estação quente. De 1851 a 1867 a média annual foi, durante a estação quente, 21 dias e na fresca 5. Acerca da pressão atmospherica daremos o quadro feito pelo Dr. Roncière- Média annual---.............. 758 mm » máxima................ 760 » » minima................ 755 » Médias. As pressões mais fortes são as seguintes: 760,420-Julho.... j 759,826—Junho.... (inverno 759,394—Agosto ... ] 754,227—Dezembro. ) 754,230 -Janeiro... l™zes deverão Do exame meteorológico, que acabamos de fazer do Rio de Janeiro, con- clue-se que o clima, além de variável e sujeito a mudanças rápidas de tempera- tura, é muito humido e quente. A humidade quente deste clima debilita e enfraquece o organismo: aos - 31 — indivíduos que soffrem do peito este clima absolutamente não pôde convir; o ar introduzido nas vias aéreas, jà se achando saturado de humidade, não pôde desembaraçar o pulmão do vapor d'agua contido na exhalação pulmonar. Se, além da influencia do clima, altender-se ás más condições da hygiene da capital do Império, á inlroducção dos hábitos e costumes europêos, à syphilis que tão largamente arruina a população, o abuso das bebidas alcoólicas e do tabaco, que tanlo vão contribuindo para a manifestação das affecções nervosas, reconhecer-se-ha que muitas são as causas que contribuem para a insalubridade da capital, sendo o clima uma das mais importantes. Assim, pois, aos indivíduos que apresentarem alterações no apparelho respi- ratório indicaremos o clima das montanhas próximas da cidade, como a Gávea, Santa Thereza, Cosme Velho, Tijuca, logares que a experiência vai demonstrando serem mui saudáveis para os tuberculosos. Sobre as províncias do Brazil, ainda são mui incompletos os documentos de que podemos dispor. Quanto á temperatura média annual, no verão e no inverno, temos o seguinte resultado: Amazonas 28°, Pará 27°, Maranhão 27°, Piauhy 27°e25°, Ceará 28° e 23°, Rio Grande do Norte 27° e 23°, Parahyba 27° e 23°, Pernambuco 27° e 24°, Alagoas 26° e 22", Sergipe 24° e 21°, Bahia 25° e22°, Espirito-Santo 22° e 20°,Rio de Janeiro 26° e 21°, S. Paulo 22° e 10", Santa Calharina 16", 58°, e 4o, Rio Grande do Sul 15° e 8o, Minas-Geraes 18°, Malto-Grosso 28° e 15°, Goyaz 26 e 18.° Felizmente muitas províncias do Brazil offerecem abrigo confortável aos tu- berculosos, contrastando com a capital do Império: Ceará, Rio Grande do Sul, Minas, Paraná, S. Paulo, Rio de Janeiro (Petropolis, Nova-Friburgo, There- sopolis) e oulras são províncias muito saudáveis, onde as affecções de pulmão são raras, e cujo clima aproveita aos doentes. É de lastimar, apenas, que nos achemos ainda atrazados sobre este ponto, porquanto em nosso paiz poderemos estabelecer estações próprias, onde a cura da tisica pulmonar possa ser obtida eíficazmente pelas influencias climate- ricas. Com o adiantamento que vão lendo os estudos médicos entre nós, muito breve devem de despontar os lineamentos de nossa geographia medica, que grandes vantagens trarão á salubridade do Brazil, e contribuirão muito para a facilidade das correntes de emigração. — 32 - O clima da ilha da Madeira é talvez aquelle que mais preconisado lenha sido ás affecções do peito. Conservando-se entre 18° e 24° no verão e 12° e 16° no inverno, éum clima mais ou menos uniforme, que importantes no- tabilidades médicas se incumbirão de acreditar. Por muito tempo a ilha da Madeira era o núcleo dos tuberculosos das princi- paes cidades da Europa; não se acreditava em oulro clima, tendo em consi- deração somente a sua uniformidade e constância. Alguns médicos, como Barrai, acreditavão que nem as decantadas regiões do littoral do Mediterrâneo podião rivalisar com a saudável influencia de seme- lhante clima. Outros, adoptando o extremo opposto, difundião a crença de que este clima era prejudicial, e de nenhuma vantagem aos doentes. Felizmente hoje se adopla o meio termo, e é que a certos e determinados doentes o clima da ilha da Madeira pôde ser útil. O Dr. Bennetl, no seu importante livro sobre tisica pulmonar, é de opinião que o clima da Madeira só pôde convir, por sua acção calmante, aos indivíduos que soffrem de moléstias imflammatorias chronicasdos bronchios, idiopathicas ou symplomaticas. Os climas temperados estão comprehendidos entre as linhas isothermicas de + 15 e + 5* nos dous hemispherios. Nestas zonas achão-se as ilhas Britannicas, Scandinavia, Dinamarca, Bélgica, Hollanda, França, Itália Continental, Allemanha, Suissa, Rússia Meridional, Turquia da Europa, Dzoungoria, Mongólia, China Septentrional, Japão e Estados- Unidos do Norte. Se dos climas quentes passamos aos temperados, notaremos que os paizes collocados sob a sua influencia não offerecem a mesma physionomia mórbida que os da zona quente. Ao passo que na zona quente duas estações stereolypão o clima, na zona temperada ellas se desenrolão perfeitamente. A pathologia é inteiramente diversa; não apresenta a uniformidade daquella; lá é o intenso calor, ou o inverno rigoroso; aqui quatro phases caraderizão o clima. A evolução pathologica acompanha as vicissitudes climatericas; é deixando- se apprehender por estas mudanças que o homem escolherá a latitude mais própria á sua vida. — 33 - Se em cada estação notão-se enfermidades especiaes, é procedente evitar-se a morada nesta ou naquella localidade conforme a estação. Nos paizes temperados, pois, é que o hygienisla ha de encontrar os elementos mais importantes para estatuir as estações que convém a esta ou áquella affecção mórbida. Comquanto a tisica pulmonar seja commum em todos os pontos do globo, todavia a zona temperada é a que offerece mais garantias á marcha da mo- léstia. É esta exaclamente a parte mais civilisada do mundo, e onde os estudos de climatologia maior desenvolvimento têm tido, sendo possível escolher o ponto mais conveniente para os doentes. Se a estação do inverno é prejudicial, supponhamos, na costa occídental da Europa comprehendida na zona temperada, já no centro estes effeilos não são tão sensíveis, e a indicação das estações do centro são mui sufiQcientes para a trauquillidade dos doentes. O indivíduo que não encontrar na França occídental lenitivo a seus males, internarse-ha para o centro da mesma, ou procurará a região do Mediter- râneo. Foi partindo desta base que os climatologistas depararão na zona tempe- rada as localidades mais favoráveis ao tratamento dos tisicos. Não que seja uma questão já completamente resolvida, porquanto a indi- cação do clima está dependente do estado em que se acha o doente, como também da observação clinica. É assim, por exemplo, que a tisica se desenvolve de um modo descommunal em certos paizes, ao passo que em outros, situados no mesmo plano, com as mesmas modificações cósmicas, a moléstia torna-se menos freqüente, e alé rara. A Inglaterra, que é o paiz da Europa onde a tisica mostra-se mais freqüente, offerece localidades como a Escossia,que é indicada como salutar aos tuberculosos. Não se pôde, valendo-se simplesmente do maior ou menor gráo de tempe- ratura, determinar a influencia benéfica ou nociva de uma localidade. Se assim fora, o estudo da climatologia seria por sem duvida fácil, e nós po- deríamos com promptidão responder que na zona temperada é esta moléstia rara, o que não é exado. Estendendo os olhos pelo mappa da Europa occídental, achamos pelo con- trario que a affecção é aliás muito commum. É assim que o Dr. Rochard resume a mortalidade pela tísica pulmonar nos paizes da Europa occidental. É na Inglaterra que as affecções das vias respiratórias — 3i — apresenlão o máximo de freqüência; a Inglaterra é a terra clássica da tisica, e bem que não represente, como diz James Clark, o terço da mortali- dade, ella contribuo com um algarismo mais elevado que em outra qualquer parte. A estatística dos óbitos, em Londres, de 1842 a 1856, dá para as moléstias de peito a proporção de 32 °/o; para a tisica de 12,42%; e para a pneu- monia de 6,7 %. Em Fiança a proporção é menor; os documentos publicados por Tribuchet, na mesma collecção, e relativos aos óbitos da cidade de Pariz durante o período comprehendido entre 1822 e 1853, estabelecem para as moléstias de peito a relação de 25 %; para a tisica a de 10,87 % e para a pneumonia a de 6,53 %. Comparamos as estatísticas de mortalidade de Pariz e Londres, porque ellas se baseão em números consideráveis, e apresentão todas as garantias de exadidão que se pôde desejar; se se pudesse dar a mesma confiança aos algarismos que vamos reproduzir, resultaria que a tisica faz ainda mais estragos na Bélgica, Dinamarca e Suécia. A estatística feita por ordem do governo belga para o período comprehendido entre 1851 e 1855 dá-lhe a enorme proporção de 16 %; em Copenhague 13°/o; em Slockoimo 38%. Em outros pontos da mesma zona a tisica pulmonar reveste-se da mesma gravidade. Na bacia do Rio da Prata, no Chile, comquanto o clima seja mais ou menos saudável e superior ao da zona quente, todavia a moléstia existe endemica- inente, e na ultima apressa a terminação da moléstia, caso o doente venha habitar no littoral. Comquanto, pois, na zona temperada devamos encontrar melhores climas para os tuberculosos, todavia a observação demonstra que não só ha localidades em que a affecção é muito commum, como também prejudicial aosquepro- curão abrigo sob sua influencia. Na impossibilidade de apresentar uma classificação medica dos climas, valemo-nos da experiência e observação dos Drs. Bennett e Pietra Santa, que muito accuradamente têm estudado a influencia dos climas do meio dia da Europa e de vários pontos do globo, sobre a marcha da tuberculose pul- monar. Na falta de classificações especiaes sobre as estações próprias para o in- verno e verão, reco mendamos os trabalhos dos médicos que se têm dedicado ao estudo dos climas, onde serão encontrados os fundamentos especiaes que adualmente possue a climatologia. - 05 — Se mais de espaço nos pudéssemos demorar sobre estas questões, repro- duziríamos aqui as classificações apresentadas por Williams, Pietra Santa, Ben- nett e outros climatologistas de nomeada. Continuando a tratar ainda dos climas, julgamos conveniente moslrar a intluencia dos climas frios e polares, porquanto, estas regiões são desde muito tempo, e especialmente no nosso século, o objedivo das sociedades scien- tificas que procurão descortinar as sombras que as envolvem. Os climas frios estão comprehendidos entre as linhas isothermicas de + 5» e — 5.° No hemispherio do norte comprehende vastas regiões, nas quaes estão si- tuadas a Islândia, o norte da Suécia, Noruega, Rússia, Sibéria, America Russa, Nova Bretanha, Labrador, Canadá e as ilhas vizinhas; no hemispherio opposto vaslas regiões inhabitaveis cobertas pelo mar. A média annual no inverno oseilla de 0° a 27°; a média do verão é de 6o a 20.° As estações não têm a mesma uniformidade da zona temperada ; as chuvas não se produzem tão copiosas como na zona torrida. Estas regiões já se approximão muito sensivelmente do clima das zonas polares em que o frio é intensissimo. As oscillações barometricas tendem a maiores variações, quanto mais se afasla do equador. Os ventos nesta zoni não têm tanta inconstância como nos outros climas. Algumas das localidades situadas sob a zona frigida offerecera inteira ausência de casos de tisica pulmonar. Não se a encontra na Islândia, segundo Schleisner; nas ilhas Féroé segundo Panum ; nem também em Finmark; mesmo em S. Pe- tersburgo, que se acha próximo da zona temperada, é muito mais rara do que na Inglaterra, conforme a opinião de Dubois d'Amiens. Nos climas polares, a temperatura baixa ao mais alto gráo, e parece ser in- compatível com a vida. Desde 5o até 40° e mais, têm as observações referidas por viajantes mostrado que nestas regiões a vida se mantém como nos outros climas. O es-iuimáo resiste á influencia do frigido clima, como o cafre á canicula. Os indivíduos que têm attingido estes pontos, lutando com obstáculos in- superáveis, são accordes em propagar que, tomadas as devidas precauções, não fòrão affectados de moléstias do apparelho respiratório. Tem notado ainda mais que somente manifestão o soffriraento pulmonar os indivíduos predispostos, ou que apresentão symptomas patentes da moléstia. — 36 - É, por consequinte, depois das considerações que acabamos de fazer, um clima que não pôde absolutamente ser aconselhado aos tuberculosos. A grande e importante questão da emigração dos doentes, não está depen- dente exclusivamente do clima, circumstancias especiaes, inherentes ao indi- víduo e a evolução da moléstia, são do maior alcance, e nunca o medico hygienisla deve abandona-las, sob pena de, por leviandade, comprometter a sua reputação e a saúde do seu cliente. Antes de inferir as conclusões de nosso trabalho, algumas questões ligadas á climatologia devem de ser elucidadas. As viagens, o clima marítimo e o das montanhas, são os pontos de que vamos tratar. As viagens, mesmo as de longo curso, têm sido aconselhadas desde a mais remota antigüidade, dividindo-se, porém, as opiniões, por acreditarem em ab- soluto, uns serem estas nocivas, e outros benéficas. As viagens influem em muitos casos, de modo salutar na marcha da tuber- culose ; conseguem o estacionamento da moléstia, e muita vez a cura. Necessário se lorna, porém, que este meio hygienico não seja aconselhado a todos os doentes. No primeiro período da moléstia, ou mesmo no segundo, as viagens, como diversão, reanimão o doente, elevão-lhe o moral, e dão-lhe uma certa resistência para a moléstia. Sendo a viagem sob clima temperado, e onde não se possão dar transições rápidas da temperatura, não se pôde deixar de crer no bom resultado. Se, porém, não é aconselhada, tendo em mira as condições que acabamos de enumerar, em vez de ser favorável, é perniciosa à marcha da moleslia, porque activa-a e arrasta o organismo á morte, mais rápida e precipitada. Diíficil é distinguir a influencia devida ao clima e às viagens. A viagem, por si só, será suíficiente, ou antes devemos atlribuir maior effeito ábriza do mar ? Segundo Fonssagrives, a viagem implica a idéa de deslocamento longínquo, cujo resultado therapeutico é eminentemente complexo, e pôde ser altribuido ao trajedo e ás suas peripécias, á differença dos climas mudados, à ruptura de hábitos, muitas vezes em desaccordo com as leis da hygiene, a modificações na alimentação, á diversão moral poderosa, determinada pela curiosidade, á satisfação de vêr e de apprender, o altraclivo do novo, o esquecimento dos pen- samentos tristes ou das preoccupações penosas. — 37 - Acreditamos que mais salutares se tornão as viagens marítimas pela influencia da atmosphera marinha. No mar a respiração se effedua com facilidade e liberdade, diz Becquerel; a pressão bastante considerável da atmosphera, a presença de correntes de ar que determinão um renovamento mais facil e rápido do ar, e por conseguinte do oxygeneo, concorrem para este resultado. Além disto, a inspiração continua de uma humidade salina, que é absorvida sem delerminar acção irritante nas superfícies cutânea, pulmonar e digestiva, e sem que se tenha consciência, pôde modificar certas constituições e contribuir, senão para a cura, ao menos para a melhora de um certo numero de moléstias. A atmosphera marítima é salutar aos tuberculosos; é a opinião mais geral- mente abraçada. Todavia, o Dr. Rochard, tomando por base estatisticas feitas nos navios, con- cluiu que a üsica se desenvolvia mais rapidamente no mar do que em terra. Esta opinião tem sido combatida com fundamento por vários hygienistas, que • entendem que, se a tísica se mostra fatal e freqüente entre os marinheiros, isto depende das más condições de vida a que estão adstrictostaes indivíduos, e não à influencia domar. Eorget, Pietra-Sanla, Carrière, Becquerel são os que assim pensão, julgando até Carrière que o trabalho de Rochard é, « 1'ceuvre du scepticisme. » O que não se pôde de bôa fé contestar é que o ar marilimo aproveite aos lymphaticos e tuberculosos: as estações marítimas nos climas temperados são a prova do nosso asserto. Em conclusão podemos dizer: l.o Aos tuberculosos deforma tepida o ar marítimo é útil. 2.° As viagens só devem ser tentadas por aquelles que dispuzerem de recursos, afim de lerem a bordo as melhores condições de hygiene. 3.<> Aos que se achão em período adiantado de moléstia são sempre nocivas. Quando mais calorosa se tornava a iniciativa das mudanças de clima para a cura da tisica pulmonar, as observações feitas sobre o clima das monta- nhas vierão assumir grande importância. Ao passo que procurava-se por todos os meios* tornar impossível a emi- gração para os paizes quentes, os médicos começarão a indicar os climas das altas montanhas como mui saudáveis. Não foi simplesmente exageração para impedir a corrente de tuberculosos — 38 — para os paizes quentes; a experiência pouco a pouco claramente foi demons- trando quão fundado era o juizo dos que assim procedião. Difficil, porém, tornou-se a explicação do fado. A mudança para as altitudes produz modificações sensíveis no organismo humano; quando tratámos da pressão atmospherica, tornámos bem patente a descripção dos effeitos produzidos pelo mal das montanhas. Foi partindo da observação destes phenomenos que houve até quem, enthu- siasmado pelas observações de Saussure e Humboldt e outros, tentassem a creação de atmospheras artificiaes para os doentes do apparelho respiratório. Se isto não fosse sufficiente para dar valor ao clima das montanhas, a ex- perimentação physiologíca e a observação clinica ahi estão para sanccionar o fado. Não se contesta com a somma de fados adquiridos, que ha grande numero de indivíduos doentes que têm encontrado nos altos climas o restabelecimento de sua saúde. É com pasmo que se lê as descripções destes climas, e onde a saúde parece triumphar de todas as mudanças climalericas, ao passo que na fralda das mon- tanhas as endemias marchão fatalmente, e a tuberculose não encontra limites a suas devastações. O clima das montanhas renova as funcções orgânicas, ergue as forças, reanima o moral e parece introduzir quotidianamente elementos vivificadores no organismo depauperado e exhausto. Seria preciso estendermo-nos muito sobre semelhante assumpto, se qui- zessemos acompanhar as bellas paginas dos escriptores que tanto têm preco- nisado a benéfica influencia do clima das altitudes. Apreciemos, agora, quaes as modificações que encontrão-se no ar das mon- tanhas, afim de podermos deduzir as conseqüências que se prendera a este fado. Considerando o ar das montanhas na altura média de 800 a 1,000 metros, sob a pressão barometrica de 0m,710, os climatologistas têm notado o seguinte (Pietra Santa): O ar das montanhas é naturalmente mais livre ; Contém, em volume igual, uma proporção menor de oxygeneo ; É impregnado de uma quantidade mais considerável de vapor de água; Encerra muito ozona ; É felizmente influenciado pelas emanações das plantas aromalicas. - 39 - Façamos agora o resumo das operações mais importantes sob a influencia do clima das montanhas. Jourdanet altribue à dilatação do ar e á diminuição da oxydação a influencia salutar do clima das altitudes. Walshe crê que o augmento da cavidade do peito pela inhalação continua do ar rarefeito é a causa das modificações que experimenta o pulmão. Schnepp admitle a necessidade de uma inspiração complementar, e de uma doce gymnastica do pulmão, que desenvolve a elasticidade e a permeabilidade das ultimas ramificações da arvore bronchica. Outros autores crêm que a immunidade não depende somente do clima, e que outras circumstancias como o gráo de agitação do ar, a posição de mon- tanha, ou de planície, collina ou valle, a exposição á rosa dos ventos, a seccura ou a humidade do solo, a vizinhança das neves, geleiras, cursos de água, o estado de transparência e de serenidade do céo exercem uma grande influencia. Muitas outras opiniões existem, explicando a acção do clima das montanhas. Falta-nos a grande somma de conhecimentos práticos, para emittirmos uma opinião exclusiva. Acreditando, porém, que a observação clinica é o cadinho onde se depurão as questões theoricas, que se filião ao exercício da arte de curar, não duvidamos aconselhar o clima das montanhas como salutar à cura da tisica pulmonar. Aos que acoimarem de precipitado o nosso modo de proceder responde- remos que o testemunho dos fados em matéria de pratica é inconcusso. Com mais madureza e tempo interpretemo-los ; emquanto, porém, não se pôde faze-lo, não privemos os pobres doentes de recursos valiosos, que a observação e a experiência lhes offerecem. Na pratica da medicina, toda a idéa de systema tem sido prejudicial: o enthusiasmo exagerado ou o scepticismo são os maiores obstáculos que a sciencia pôde encontrar na sua marcha. Limitemo-nos a aconselhar o meio que a experiência nos suggere, e ao mesmo tempo ponhamo-nos em campo para solver a questão magna das condições que concorrem para tornar tão saudável o clima das altitudes. É uma questão cheia de diíficuldades, mas que não pôde entrar no quadro das utopias. Se o espirito humano deixa-se arrastar pelas apparencias e não penetra no — 40 - fundo das circumstancias especiaes que cercão o phenomeno, ainda que muito simples, torna-se impotente para dar solução ao mesmo. Sendo a tisica pulmonar uma affecção mórbida de marcha inflammatoria, não será possível admittir que o ar das montanhas mais leve torne a funcção menos activa e assim obste a sua evolução? A menor quantidade de oxygenio que se nota nestes climas não será a causa da menor excitação do órgão pulmonar? A humidade que acompanha o ar atmospherico nestes espaços tão elevados será uma circumstancia sem importância e que deva passar desapercebida ao hygienista? A natureza do solo, a vegetação de taes localidades não serão, porventura, modificadores do organismo, tão notáveis, que reduzão-no a um estado senão completamente bom, pelo menos regular? Quem nos dirá que o ozona não será um elemento importante na modificação dos climas, trazendo talvez propriedades especiaes ao meio respiratório que nos circumda ? Estas circumstancias todas não podem deixar de ser minuciosamente estudadas para dar a chave do enigma. O ar do campo será mais proveitoso que o das cidades populosas ? A atmosphera urbana não offerece as mesmas vantagens que a rural. A circulação do ar não se pôde fazer livremente, encontrando obstáculo nas ruas e casas, e, portanto, stagnando em muitos pontos da cidade. Não ha nada mais variável nas cidades que o movimento do ar; os ventos apresentão grande irregularidade, contribuindo para as mudanças de tempe- ratura, que são nocivas aos indivíduos de peito delicado, e predispostos á tuberculose. Mais se resentem da má influencia dos ventos as cidades do littoral. A estagnação do ar em certas ruas, e sua velocidade de impulsão em outras^ no mesmo momento, explicão as variações de temperatura a que se está mais sujeito nas cidades do que nos campos, e a manifestação mais freqüente no primeiro meio das moléstias produzidas pelas vicissitudes bruscas da tempe- ratura exterior. As cidades situadas nas bordas do mar se distinguem pela desigualdade da força do vento, e por conseguinte da temperatura, em suas diversas ruas, - 41 - de modo que a pelle, muitas vezes inundada do suor n-is ruas habitadas, experimenta bruscamente a aggressão do ar relativamente frio. É abundando nestas considerações que Fonssagrives se oppõe à morada dos tuberculosos nas cidades do littoral. Apreciando devidamente a circulação do ar nas cidades populosas, póde-se notar a variabilidade da temperatura, segundo a apparição dos ventos. É attendendo á impo»lante questão da ventilação das cidades, que alguns hygienislas já têm apresentado projedos para semelhante fim, aconselhando ao mesmo tempo o estudo de observações anemometricas em vários pontos de uma mesma cidade. Fado inteiramente opposto se dá, relativamente á circulação do ar nos campos; ahi não encontra obstáculo, e, portanto, não pôde occasionar as mesmas mudanças de temperatura que nos centros das cidades. Se analysarmos o ar dos campos e das cidades, encontraremos ainda dis- tincção mais palpável. Nas cidades, muitas e variadas são as causas que conjunclamente tendem ao víciamento da atmosphera. Não é somente a exhalação pulmonar de grande numero de indivíduos ; a industria, abrindo em cada angulo da cidade um foco de trabalho e pro- gresso, por seu lado derrama no meio externo — ácido carbônico e muitos princípios vegetaes, mineraes e animaes. A luz solar não se derrama ahi com tanta profusão como nos campos: a si- tuação baixa de certas ruas muito contribue para que os raios solares não possão penetrar no interior das habitações. Não é a luz solar o comburente dos miasmas que se desenvolvem nos apo- sentos ?Não é o estimulo da vitalidade orgânica? Verdadeiro contraste se nota entre a luxuriante vegetação dos campos e das cidades; contraste ainda mais sensível é o que se noia entre os habitantes. Nos campes, o desenvolvimento orgânico no seu ultimo ponto de aperfeiçoa- mento, a energia, a actividade funccional; nas cidades populosas, a atonia e o estiolamento. Não ha em mente de nossa parle attribuir todas as vantagens á vida rural não acompanhamos a Rousstau e outros philosophos, que com tenacidade combalêrão a civilisação. Reconhecemos que, no campo, grandes males existem como nas cidades; o que, porém, parece incontestável é que a vida nos campos é de mais longa dura- ção, e que a tisica pulmonar não é tão commum ahi como nos centros populosos. 6 — 42 — Não attribuimos todas as vantagens da morada nos campos ao clima; mas aos bons hábitos, à regularidade da vida. Encontrar-se-ha, porventura, as mesmas circumstancias nas cidades como Londres, Pariz, e mesmo como o Rio de Janeiro ? Lance-se as vistas, ainda que rapidamente, sobre a capital que habitamos, e reconhecer-se-ha a distancia que separa os habitantes do campo dos da cidade. Enumerar todas as causas que vicião a atmosphera e depauperão o orga- nismo, nas grandes cidades, é estudar a influencia de circumstancias mui especiaes, desde as altas questões de climatologia até ás de bromatologia. O homem não pôde viver sem a influencia dos dous grandes meios—externo e interno. Se qualquer delles não offerece a composição compatível com o funccionalismo org mico, a vida tende a soffrer; altere-se a composição da atmosphera, sobre- carregando-a de princípios impróprios á respiração, augmente-se a humidade da mesma, fazeudo com que as cidades populosas, como Londres, sejão envolvidas em densos lençóes de nevoeiros, e o estiolamento dos habitantes de semelhantes localidades será a conseqüência fatal. Addicione-se ás alterações do meio externo as que são occasionadas pela falta de vitalidade do meio interno, e se reconhecerá que nas cidades populosas as moléstias não só devem de sercommuns, pela falta da aeração e pela miséria, como também a sociedade que ahi vive deve pagar um grande tributo à mortali- dade. O que é a anemia das grandes cidades, senão a conseqüência do que acabamos de enunciar? Nas cidades populosas encontramos, pois, o germen de grande numero de affecções dependentes das profissões, das alterações da atmosphera e da falta ou falsificação dos alimentos, e muitos outros que acompanhão a classe pobre. Não é, portanto, nas cidades que os indivíduos tuberculosos devem de pro- curar modificações benéficas á saúde, principalmente quando a tisica tão grandes devastações ahi produz quotidianamente. É comparando o desenvolvimento da moléstia nas grandes cidades e nos campos, que se deve reconhecer o nivel de separação da vida do campo e da cidade. A mortalidade pela tisica não é a mesma nos campos e nas cidades, como mostra o seguinte quadro apresentado pelo Dr. Boudin: Distridos rurae.s de 1838 a 1839, inclusive: Morte sobre 1,000 habitantes... 3,50 - 43 - Grandes cidades 1838 a 1840 inclusive: Londres..................... 4,0 Birmingham................. 4,8 Leeds....................... 4,8 Manchester.................. 4,8 Liverpool................... 6,4 Na cidade do Rio de Janeiro, segundo o relatório do conselheiro Paula Cân- dido, a morte pela tisica pulmonar de 1859 a 1862 foi de 5,788—sobre 37,622 óbitos. De 1868 a 1875 a mortalidade pela tisica foi de 13,109—sobre 84,069. Todos estes fados tendem a comprovar o nosso asserto, de que a vida nas cidades populosas não convém aos tisicos. Quando, porém, fôr possível transformar as cidades de accordo com os pro- gressos da hygiene, talvez a atmosphera urbana não seja tão maléfica á saúde publica. Infelizmente, esta modificação salutar ainda eslá muito longe de ser conseguida entre nós. A tisica vai acompanhando a marcha progressiva de nessa civilisação bastarda, e é com pezar que todos notamos os males que nos cercão, e que tendem cada vez mais a desenvolver-se. Wucherer, escrevendo sobre as causas do augmento da tisica no Brazil, enu- mera as circumstancias mais particulares que para isto contribuem. Reproduzindo as idéas do grande medico, que tanto tempo conviveu como povo brazileiro, revelando os dotes de um coração humanitário e uma inlelli- gencia esclarecida, prestamos uma homenagem á sua memória. Não se pôde duvidar, diz Wucherer, que os usos e as condições da vida do povo do Brazil, pelo menos nas cidades, têm experimentado profundas mo- dificações nestes trinta ou quarenta annos. Em geral póde-se dizer que hoje se trabalha mais, e que se passa peior que outr'ora. O preço do trabalho augmentou, mas este augmento não está em proporção com o preço elevado dos objedos de consumo adualmente indispensáveis, con- forme os costumes modernos. Exp!orando-se mais detidamente sobre a alimentação, mostra quão elevados são os preços dos gêneros alimentícios, o abuso dos alcoólicos e do tabaco, que, segundo a opinião corrente, são causas que muito coadjuvao a propagação da lisica. - 44 — Muito importante seria a transcripção minuciosa das idéas de Wucherer sobre o nosso estado de salubridade; infelizmente os limites estreitos do nosso tra- balho não permiltem que o façamos. Pela exposição rápida que fizemos das grandes desvantagens que occorrem aos tuberculosos nas cidades de maior população, devemos estabelecer como condição mais favorável aos mesmos a mudança para o campo, se a moléstia não tem attingido proporções assustadoras; porque nestes últimos transes e meio mais racional é deixa-los passar os dias que lhes restão em família, o morrer tranquillamente no meio dos seus, conforme muito judiciosamente se exprime Niemeyer. Do esboço rápido que fizemos das causas e condições, que maior influencia exercem na marcha da tisica pulmonar, deduz-se que é ainda muito problemática a solução definitiva do assumpto. Que da hygiene está dependente o emprego dos meios mais consentaneos a semelhante fim. Que é tendo em vista as causas mais importantes que se poderá empregar o meio heróico no tratamento da tisica. Referimo-nos ao clima. Quando a geographia medica firmar-se em bazes sólidas e immulaveis, será possível determinar no globo as regiões próprias aos doentes de affecção pul- monar. Por emquanto a experiência e a observação clinica apenas conseguem estabe- lecer certos princípios que mais tarde serão transformados em lei. Tendo, portanto, em vista os elementos fornecidos pela observação clinica, concluiremos que: A morada nas proximidades do mar e nos logares elevados de mais de 1,000 metros acima do nível do mar, as viagens marítimas de longo curso, e nas planícies um clima cuja temperatura oscilla de 12° a 20°, sendo o estado hygro- metrico pouco sensível, e as variações produzidas pelos ventos de pouca intensi- dade, são os meios mais favoráveis à cura da tisica pulmonar. Com a escolha destes meios de accordo com a fôrma de que se revestir a moléstia, não duvidamos admittir como verdade a idéa da cura da tisica pulmonar. Quando mesmo a observação clinica, baseada nos meios que acabámos de enumerar, não apresentasse já grande numero de doentes em que a moléstia tem parado na sua marcha, as necropsias têm demonstrado a existência de - 45 - vastas cavernas pulmonares em indivíduos que soffrião de tisica e que viverão muito tempo com saúde mais ou menos apparente, vindo a fallecer de outras moléstias. Se, porém, além dos meios hygienicos que são heróicos, compulsarmos os que nos são fornecidos pela therapeutica, representados pelos arsenicaes, sul- fatos, phosphatos, hydrolherapia, águas mineraes, óleo de fígado de bacalháo, e outros medicamentos que possue a sciencia, devemos afastar para bem longe do espirito o sceplicismo sobre a terminação da tisica pulmonar. Que estas idéas aqui apenas esboçadas, quando não sejão adualmente uma verdade palpável, sirvão ao menos de profissão de fé a quem crê no futuro e na grandeza da sciencia contemporânea. PROPO SIÇJ ÕE S —,----_--------?-.«»->---------------- 8£&çâ« sibiijca PHYSIOLOGIA PHYSIOLOGIA DO BAÇO 0 baço é um órgão indispensável á vida. As theorias progressista e regressista exclusivamente não explicão as funcções do baço. A theoria de Bacelli é uma hypothese muito auspiciosa aos progressos da physiologia do baço. PATHOLOGIA GERAL DOS ELEMENTOS DA MOLÉSTIA O conhecimento dos elementos mórbidos é necessário no prognostico e tratamento das moléstias. A divisão dos elementos em dynamicos e orgânicos só justifica o atrazo da pathologia. A admissão exclusiva dos elementos dynamicos, segundo a opinião dos ultra- vitalistas, é um contrasenso. - 48 - PATHOLOGIA INTERNA FEBRE B1LI0SA A febre biliosa não é uma pyrexia exclusiva dos paizes quentes. A febre biliosa hematurica é uma fôrma muito grave da febre biliosa. A febre biliosa não se confunde com a febre amarella. MATÉRIA MEDICA E THERAPEUT1CA Quaes as bases para uma boa classificação em therapeulica. As propriedades organolepticas dos medicamentos são insufficientes para as bases de classificação em therapeulica. A observação clinica e a experiência physiologíca devem de ser as únicas bases de classificação. Adualmente é impossível fazer-se uma classificação. HYGIENE E HISTORIA DA MEDICINA Quaes os melhoramentos materíaes que devem ser realisados na cidade do Rio de Janeiro, em beneficio de suas condições hygienicas ? Bom serviço de limpeza, de esgotos, de abastecimento de água, irrigação e arborisação das ruas. Arrasar alguns morros, desseccar todos os pântanos e alargar Abandonar o systema aclual de construcção e adoptar outro mais apropriado ao clima e compatível com os preceitos da hygiene. — 49 - CLINICA INTERNA Do valor da medicação revulsiva no tratamento das moléstias agudas. A medicação revulsiva, tendo por fim provocar uma irritação local, deslocando uma irritação raorbida, é de grande vantagem nas moléstias agudas como a pneumonia, pericardite, endocardite, meningite, etc. Nas affecções inflammatorias, em que a temperatura em começo da moléstia elevar-se de 40° a 41°, a medicação revulsiva pelos vesicatorios deve ser prescripta com muita cautela. A medicação revulsiva deve ser proporcional à intensidade dos accidentes mórbidos que se prelende combater. 7 PHYSICA MAGNETISMO Os meridianos magnéticos não são círculos máximos da esphera, nem curvas planas, sem serem entretanto curvas muito irregulares. O ferro ganha e perde instantaneamente a propriedade magnética, que o aço diíficil mente adquire para não perde-la mais. Os pólos do mesmo nome se repellem, os de nome contrario se attrahem. CHIMICA MINERAL OZONA O ozona é oxygeneo condensado. O ozona produz-se em todas as oxydações lentas. O ozona é um oxydante excessivamente enérgico. CHIMICA ORGÂNICA Como se dóza a uréa na ourina, e deducções quanto aos estados mórbidos. Três são os processos de dozagem da uréa, o deLeconte, Magnier e Millon. A uréa augmenta nas pyrexiase affecções inflammatorias. — 52 — A uréa díminue nas moléstias dependentes de perturbação da hematose, nas cachexias, chlorose e na uremia. BOTÂNICA E ZOOLOGIA CELLULA NOS DOUS REINOS A cellula animal em seu desenvolvimento ulterior não apresenta modificações tão sensíveis em suas partes elementares como a cellula vegetal. O protoplasma na cellula vegetal é substituído por um liquido cellular ou por outras substancias: na cellula animal este fado ordinariamente não se dá. As modificações morphologicas e chimicas na cellula animal são quasi im- perceptíveis. PHARMACIA DO ÓLEO DE FÍGADO DE BACALHÁO E SUAS PREPARAÇÕES O oleo de fígado de bacalháo se extrahe de diversos peixes do gênero Gadus. O oleo de fígado de bacalháo varia de côr, conforme o processo de preparação. O oleo de fígado de bacalháo pôde ser usado em pomada, xarope e extracto. MEDICINA LEGAL E TOXICOLOGIA ESTUDO DAS CONDIÇÕES PHYSICAS E MORAES EM QUE SE PODE ENCONTRAR A MULHER ACCUSADA DO CRIME DE INFANTICIDIO A verificação da dala do parto, a identidade da accusada, e as circumstancias inherentes ao estado de prenhez e ao parto constituem condições physicas que devem de ser attendidas pelo medico-legisla. - 53 - O reconhecimento do estado das forças physicas logo depois do parto, e o estado mental especialmente, são circumstancias de muito valor para a culpabi- lidade ou innocencia da accusada. É muitas vezes diíficil reconhecer o estado mental da mulher; a simulação e a loucura puerperal são dous escolhos que embaração a clareza do juizo. ANATOMIA DESCRIPTIVA CORAÇÃO O coração é um músculo oco da fôrma de um cone, cujo vértice é situado para baixo, para diante e para a esquerda. Está situado no thorax acima do diaphragma, concorrendo para a formação do mediastino. Internamente se divide em quatro cavidades, que têm o nome de auriculas e ventriculos. HISTOLOGIA E ANATOMIA PATHOLOGICA TECIDO NERVOSO O tecido nervoso é constituído por elementos anatômicos fundamentaes e accessorios ; aquelles são o tubo nervoso e a cellula nervosa, estes são fibras de Remak, matéria amorpha, tecido conjunctivo, vasos capillares, epithelio e corpos amylaceos. O tubo nervoso compõe-se da bainha de Schwann, cylinder-axis e substancia medular. As cellulas nervosas são bipolares ou multipolares, conforme os prolonga- mentos pelos quaes se achão em connexão com os nervos. — 56 — PATHOLOGIA EXTERNA FRACTURAS Fradura é a solução de continuidade do osso, produzida pela distensão do tecido do mesmo, além da distensibilidade normal. Os commemorativos, os signaes racionaes, e especialmente os sensíveis, são indispensáveis ao diagnostico das fraduras. O prognostico e tratamento das fraduras são variáveis, conforme são ellas simples ou complicadas. TOCOLOGIA INFLUENCIA DA PRENHEZ SOBRE AS FUNCÇÕES PHYSIOLOGICAS A gravidez quasi sempre imprime um cunho especial nas funcções orgâ- nicas e de relação. A suppressão da menstruação é a alteração mais constante, durante o período da prenhez. As modificações que experimenlão as funcções physiologicas, em geral be- nignas, podem apresentar maior gravidade occasionando até a morte. OPERAÇÕES ACCUPRESSURA A accupressura é um meio de compressão das artérias por agulhas espe- ciaes. Quatro são os processos da accupressura admittidos por Simpson. Nem sempre se deve empregar a accupressura. — 57 — CLINICA EXTEBNA Qual será o melhor tratamento das erysipelas traumáticas ? O tratamento pela medicação antiphlogistica é o que mais tem sido empre- gado nas erysipelas traumáticas. O emprego do perchlorureto do ferro interna e externamente tem ulti- mamente sido coroado de brilhantes resultados. Não é facil explicar a acção do perchlorureto de ferro nas erysipelas Rio de Janeiro.—Typographia Universal de E. & H. Laemmf.rt 71, Rua dos Inválidos. 71