a T [FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO THESE DO Dr. Joaquirç Marianoj Bayrrja do Lago RIO DE JANEIRO Typ. de G-. I-.eusiinçter & Filhos*, Ouvidor 31 1883 *—b—I X THESE 5ÍJ59 DISSERTAÇÃO CADEIRA DE CLINICA OPHTALMOLOGICA ESTUDO CLINICO DA CONJÜNCTIVITE GRANULOSA ----------♦ PROPOSIÇÕES CADEIRA DE PHARMACIA DAS QUINAS CHIMIC0--PHARMACOLOGICAMENTE CONSIDERADAS CADEIRA DE ANATOMIA DESCRIPTIVA APPARELHO CIRCULATÓRIO EM GERAL CADEIRA DE PATHOLOGIA MEDICA CHYLURIA. -------» <------- THESE APRESENTADA Á FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO Em 29 de Setembro de 1883 E SUSTENTADA Um fí de dezembro de 7883 PELO Dr. JOAQUIM MARIANO BAYMA DO LAGO NATURAL DO MARANHÃO Chefe de clinica do serviço de moléstias dos olhos na Policlinica geral do Rio de Janeiro FILHO LEGITIMO DE ANTÔNIO ZEFERINO BAYMA DO LAGO E DE D. MARIA CECÍLIA BAYMA DO LAGO Rio de Taneii\o Typ. de GS-. Leuzinger & Filhos, Ouvidor 31 1883 FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO ------- -m * m--------- DIRECTOR Conselheiro Dr. Vicente Cândido Figueira de Saboia. VICE-DIRECTOR Conselheiro Dr. Antônio Corrêa de Souza Costa. secretario Dr. Carlos Ferreira de Souza Fernandes. lentes cathedraticos Drs. : JoSo Martins Teixeira......................................................... Physica medica. Conselheiro Manoel Maria de Moraes e Valle...................... Chimica medica e mineralogia. João Joaquim Pizarro......................................................... Botânica medica e zoologia. José Pereira Guimarães. (Examinador)................................ Anatomia descriptiva. Conselheiro Barão de Maceió (Presidente)........................... Histologia theorica e pratica. Domingos José Freire Júnior............................................. Chimica orgânica e biologia. João Baptista Kossuth Viuelli.............................................. Physiologia theorica e experimental. João José da Silva.............................................................. Pathologia geral. Cypriano de Souza Freitas.................................................. Anatomia e physiologia pathologicas. João Damasceno Peçanha da Silva....................................... Pathologia medica. Pedro Affonso de Carvalho Franco...................................... Pathologia cirúrgica. Conselheiro Albino Rodrigues de Alvarenga........................ Matéria medica e therapeutica, especialmente bra- sileira. Luiz da Cunha Feijó Júnior............................................... Obstetrica. Cláudio Velho da Motta Maia.............................................. Anatomia topographica, medicina operatona ex- perimental, apparelhos e pequena cirurgia. Conselheiro Antônio Corrêa de Souza Costa......................... Hygiene o historia da medicina. Conselheiro Ezequiel Corrêa dos Santos............................... Pharmacologia e arte de formular. Agostinho José de Souza Lima.......................................... Medicina legal e toxicologia. Conselheiro João Vicente Torres Homem..........................\ clinica medica de adultos. Domingos de Almeida Martins Costa.................................I Conselheiro Vicente C. Figueira de Saboia........................| Clinica cirurgica de adultos. João da Costa Lima e Castro...........................................J Hilário Soares de Gouvêa (Examinador)........................... Clinica ophtalmologica. Erico Marinho da Gama Coelho (Examinador).................. Clinica obstetrica e gynecologica. Cândido Barata Ribeiro....................................................... Clinica medica e cirurgica de crianças. João Pizarro Gabizo........................................................... Clinica de moléstias cutâneas e syphiliticas. João Carlos Teixeira Brandão............................................. Clinica psychiatrica. lentes substitutos servindo de adjuntos Drs. : Augusto Ferreira dos Santos................................................ Clinica medica e mineralogia. Antônio Caetano da Almeida (Examinador)........................ Anatomia topographica, medicina operatoria ex- perimental, apparelhos e pequena cirurgia. Oscar Adolpho de Bulhões Ribeiio....................................... Anatomia descriptiva. Nuno Ferreira de Andrade.................................................. Hygiene e historia da medicina. José Benicio de Abreu..................•...................................... Matéria medica e therapeutica, especialmente bra- sileira. ADJUNTOS Drs. : José Maria Teixeira............................................................ Physica medica. Francisco Ribeiro de Mendonça........................................... Botânica medica e zoologia. ......................................................................................... Histologia theorica e pratica. Arthur Fernandes Campos da Paz...................................■■■■ Chimica orgânica e biologia. ......................................................................................... Physiologia theorica e experimental. Luiz Ribeiro de Souza Fontes............................................. Anatomia e physiologia pathologicas. ........................................................................................ Pharmacologia e arte de formular. Henrique Ladisláo de Souza Lopes....................................... Medicina legal e toxicologia. Francisco de Castro.........................................................."j Eduardo Augusto de Menezes........................................... j. clinica medica de adultos. Bernardo Alves Pereira............................................... Carlos Rodrigues de Vasconcellos................................. Ernesto de Freitas Ciissimna....................................... Francisco de Paula Valladares.......................................... 'y clinica cirurgica de adultos. Pedro Severiano de Magalhães.......................................... I Domingos de Góes e Vasconcellos.....................................J Pedro Paulo de Carvalho..................................................... Clinica obstetrica e gynecologica. José Joaquim Pereira de Souza........................................... Clinica medica e cirúrgica de crianças. Luiz da Costa Chaves de Faria............................................ Clinica de moléstias cutâneas syphiliticas. Carlos Amazonio Ferreira Penna......................................... Clinica ophthalmologica. .......................................................................................... Clinica psychiatrica. ^V", B. __ A Faculdade não approva nem reprova as opiniões emittidas nas theses que lhe são apresentadas. Sagrada memória de lULESTT Í^AEi Á MEMÓRIA de : JSfr-BJTJ!& IRMÃOS Á MINHA MÃE Á MEU TIO, PADRINHO E VERDADEIRO AMIGO Manoel Corrêa Bayma do Lago Meus irmãos e eu tudo vos devemos. Encontramos em vós um segundo Pae. Pelos benefícios que nos tendes feito, a nossa eterna gratidão. Á MEUS IRMÃOS Á MEUS AMIGOS Á MEUS PARENTES AOS AMIGOS DE MINHA FAMÍLIA AOS AMIGOS DE MEU TIO Manoel Corrêa Bayma do Lago AOS COLLEGAS DOUTORANDOS AOS COLLEGAS DE ACADEMIA A FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA Á FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO O ponto que escolhemos para assumpto de nossa dissertação ó um d'aquelles em cuja solução, n'estes últimos annos, muito se tem empenhado um grande numero de ophtalmologistas dos mais experimentados da velha e sabia Europa. Por mais ingentes que tenham sido os seus esforços, pouco ou nada se tem adiantado sobre o estudo d'esta questão. As suas opiniões são variadas, o que mostra a confusão que reina nos seus espíritos. O desacordo entre elles é manifesto. E este, pois, um dos pontos mais controversos da ophtal- mologia. O nosso trabalho se apresentar imperfeições, defeitos, estes não nos devem ser attribuidos, e sim ao estado da sciencia que ainda não deu a sua ultima palavra sobre esta tenebrosa questão. O que dissemos refere-se principalmente á sua parte espe- culativa. Quanto a parte pratica, na qual o tratamento occupa o pri- meiro, logar o seu estado é mais lisongeiro. Não obstante, muitos dos casos mais felizes de conjunctivite granulosa, não terminam sem antes haver esgotado a resignação dos enfermos e os recursos e a paciência do medico, cuja repu- tação é não poucas vezes compromettida. Um não pequeno numero de victimas, ou perde a vista, ou sua aífecção exige recursos tão extremos como a inoculação blenorrhagica. Hoje o jequirity occupa a attençao do mundo ophtalmologico, e ha quem o julgue especTicj no tratamento das granulações. Fazemos votos para que este meio attinja a sua perfeotibilidade a bem da humanidade soífredora. 5359 —\ DISSERTAÇÃO CONJUNCTIVA As duas dobras cutâneas moveis, situadas verticalmente á entrada das orbitas e que são denominadas palpebras, servem para cobrir, proteger o globo ocular e conservar a sua superfície em um estado de humidade constante e indispensável. Em parte alguma a não ser nas palpebras encontraremos condensados em um pequeno espaço, elementos mais heterogêneos e uma estructura mais complicada. Como o nosso fim é apenas expor resumidamente a anatomia da conjunctiva, pouco diremos sobre a palpebra em geral. Existe de cada lado uma palpebra superior e outra inferior, e estas interceptam uma abertura, cujo maior diâmetro é o transverso. Esta abertura é a fenda palpebral, cujas extremidades são as commissuras ou ângulos dos olhos, que são em numero de dous; um interno, outro externo, sendo o primeiro arredondado, e o segundo agudo. Tanto a palpebra superior como a inferior apresentam duas faces e dous bordos. As faces são: uma cutânea, outra mucosa. Esta ou orbitaria é concava, aquella convexa. Os bordos distinguem-se em adherentes e livres. Os adherentes variam de direcção. O da palpebra superior continua-se com a pelle dos supercilios, o da inferior com a das maçãs do rosto. O bordo livre da palpebra superior é convexo, o da inferior concavo. Este apresenta duas partes, divididas por uma saliência, denominada tuberculo lacrymal. A interna arrendondada, tem 5 a 6 millimetros de extensão e é apenas coberta por uma ligeira pennugem. A externa ou ciliar, muito mais extensa que a 8 3 a 4 millimetros, e que termina no bordo adherente do tarço, nada oíferece de notável, a não ser um desenvolvimento maior das saliências e sulcos já mencionados, que fizeram suppôr na exis- tência de glândulas utriculares. Krause considera os utriculos des- criptos por Henle, como se fossem cones epidérmicos que penetra- riam entre as papillas. A túnica própria da conjunctiva, única que existe além da camada epithelial, segundo Sappey, é completamente adherente ao tarso, pois falta nesta parte tarsal o tecido sub-conjunctival. A túnica própria está completamente infiltrada de corpusculos lymphoides, desde o seu bordo livre até o fundo de sacco. Ella é formada de uma rede de fibras de finas malhas, em cujas inter- secções encontram-se numerosos núcleos. Os espaços comprehen- didos entre estas redes de fibras ou cellulas estão cheios de uma grande quantidade de corpusculos lymphoides. Este tecido é, pois, semelhante ao tecido adenoide de Virchow. Na conjunctiva do fundo de sacco, o epithelio é constituido por muitas camadas, das quaes as mais profundas, são constituídas por cellulas irregularmente redondas, e que transformam-se em cel- lulas pavimentosas no epithelio do bulbo. Ha, além disso, grande quantidade de fibras elásticas, que atravessam o tecido sub-conjunctival que existe nesta parte. Na conjunctiva do bulbo ha quasi a mesma disposição que se encontra na do fundo de sacco. Ha, porém, algumas disposições que as distinguem, taes como a frouxidão do tecido sub-conjunctival, que permitte que a con- junctiva se separe completamente da sclerotica e uma circulação mais completa. O epithelio que reveste a cornea é a continuação do epithelio conjunctival. Elle é pavimentoso; suas cellulas su- perficiaes são achatadas, seguindo-se as cellulas redondas, e mais profundamente outras quasi cylindricas. Vejamos o que de mais se tem encontrado na conjunctiva. As papillas descriptas na conjunctiva são pequenas saliências, constituidas por tecido cellular denso, nas quaes se acha uma pe- quena alça vascular e nervosa. Elias são mais apparentes ao nivel 9 da cartilagem tarsa do que no fundo de sacco, onde tem uma base mais larga. A conjunctiva bulbar não as contém. As papillas são mais visíveis na cartilagem tarsa superior, e sobretudo na visinhança do angulo externo. As glândulas utriculares descobertas por Henle, e cuja sede é a conjunctiva tarsal, não são admittidas pela maior parte dos auctores. A infiltração lymphatica diffusa de que já falíamos, é hoje aceita por todos, e a sua existência pessoa alguma contesta. No que, porém, reina grande confusão, é sobre a existência de folli- culos lymphaticos fechados. Estes folliculos, taes como têm sido encontrados, são pequenas cavidades circuinscriptas por fibras de tecido connectivo e atravessadas por trabeculas, que servem de ponto de apoio aos vasos capillares sanguineos. Entre estas tra- beculas existem vacuolos ou espaços lacunosos cheios de elementos próprios da lympha. Estes folliculos seriam, pois, análogos ás glân- dulas solitárias do intestino delgado ou placas de Peyer. Blumberg, Waldeyer, Sattler, etc, consideram-nos como ele- mentos pathologicos e negam a sua existência na conjunctiva sã. Krause, Frey Klein Schmidt, afnrmam que são producções normaes e constantes. Elles têm sido encontrados em grande numero por uns ; outros dizem que são pouco numerosos, e finalmente, em alguns casos faltavam completamente. A sua sede tem sido determinada por uns na metade média do olho, por outros na metade interna. As glândulas sub-conjunctivas de Sappey e acino-tubulosas de Krause, tem a sua sede no tecido sub-conjunctival e na metade interna do olho, sendo mais numerosas na palpebra superior. Seu numero varia de 12 a 18 na palpebra superior e de 2 a 6 na inferior. Estas glândulas secretam um liquido mais consistente que o lacrymal, um mucus que serve, espalhando-se sobre a conjunctiva, para facilitar o jogo das palpebras. Na conjunctiva bulbar, ao redor da cornea encontram-se a§ glândulas de Manz, ou cryptas muciparas, 10 Além d'estas foram descriptas por Ywanoff, glândulas tubulosas que apparecem e se desenvolvem em casos pathologicos. Na conjunctiva da caruncula lacrymal apresentam-se os orifícios das glândulas sebaceas, que formam uma pequena saliência sobre a qual passa a mucosa. As artérias da conjunctiva vêm das ciliares anteriores e pal- pebraes. As veias formam pequenos troncos que vão ter, as su- periores, ao ramo de origem da veia ophtalmica, as inferiores á veia facial. A conjunctiva tem vasos lymphaticos muito abundantes que se dirigem aos gânglios parotidianos e sub-maxillares. Os nervos são em muita abundância, o que não está em re- lação com a pequena sensibilidade desta membrana. Da porção ocular provêm elles dos nervos ciliares, dos quaes alguns ramusculos atravessam a sclerotica, e da porção palpebral, do ramo ophtalmico do nervo sub-orbita rio. A terminação dos nervos da conjunctiva foi estudada por Krause. Elles terminam-se nos corpusculos claviformes, descobertos por este anatomista. Estes são constituidos por um envolucro muito delgado, contem uma substancia molle e granulosa, e além d'isso situados sob a camada epithelial. A circulação da conjunctiva está sob a influencia do grande sympathico, o que prova a experiência de Claude Bernard, que cortando a porção cephalica deste nervo, determinou uma verme- lhidão desta membrana. CONJUNCTIVITE GRANULOSA A presença, na conjunctiva, de pequenas saliências denominadas commummente granulações palpebraes é o signal característico d'esta affecção. Estas granulações, para alguns, eram pequenos kistos, pústulas ; para Mackensie, ellas resultavam da hypertrophia das papillas da conjunctiva. Velpeau considerava-as como devidas ás glândulas mu- ciparas hypertrophiadas ou inflammadas; outros autores julgavam ver n'ellas um desenvolvimento exagerado dos elementos lym- phoides, contidos na espessura da conjunctiva. Hoje a escola allemã, attendendo á evolução especial de certas granulações e á sua natureza anatômica, considera, somente como granulações verdadeiras ou trachoma, as que são produzidas pelo deposito na espessura da conjunctiva de um tecido novo, de um neoplasma. As que resultam da hypertrophia das papillas e dos folliculos são as falsas granulações e são regeitas por ella. Para Soemisch ha producção de folliculos e Wecker é da mesma opinião. O que distingue principalmente estas espécies de granulações, é que as falsas desapparecem sem deixar traços e as verdadeiras ou neoplasticas dão lugar a cicatrisação da mucosa. Nós adoptamos no nosso trabalho uma divisão, na qual estão comprehendidas tanto as granulações falsas como as verdadeiras. Como presentemente a conjunctivite granulosa é considerada por muitos ophtalmologistas, uma affecção da conjunctiva, caracterisada pela existência de granulações verdadeiras, d'ella nos occuparemos encarada debaixo d'este ponto de vista. 12 Sobre as falsas granulações apenas diremos o que for neces- sário para que sejam bem comprehendidas. Dividimos pois, as granulações em papillares, folliculosas e neoplasticas (granuláção propriamente ditas, trachoma.) Reina ainda muita confusão a respeito de granulações palpebraes. Perderíamos muito tempo se tentássemos fazer o seu histórico. Li- mitamo-nos a citar a opinião de Galesowski. Este practico, em seu livro sobre moléstias dos olhos publi- cado no corrente anno, devide as granulações em benignas e ma- lignas. As primeiras não deixam traços de sua passagem, são as falsas granulações. As segundas, são contagiosas, destroem os te- cidos e ahi substituem-se, provocando uma retracção cicatricial. Estas são devidas ás pequenas saliências neoplasicas e ainda mais segundo elle á hypertrophias especificas das papillas e dos folli- culos, são as verdadeiras granulações. Censurando o estudo que se tem feito sobre as granulações, attendendo somente ás suas formas e aspectos e não segundo a natureza essencialmente diíferente do processo que as produz, diz elle que a divisão que apresenta é a única que pôde lançar alguma luz n'esta questão. GRANULAÇÕES PAPILLARES O que se dá na conjunctivite catarrhal observa-se também na conjunctivite purulenta. Quando estas affecções são de marcha aguda podem no fim de algum tempo desapparecer espontaneamente. Mais commummente porém, ellas passam ao estado chronico. Todos os phenomenos inflammatorios cedem ou diminuem de intensidade, ficando apenas compromettida a conjunctiva palpebral. Si voltarmos as palpebras, vêl-a-hemos coberta de elevações. Estas elevações não são mais do que papillas hypertrophiadas. E a este estado da mucosa conjunctival que se deu o nome de granuloso. Ha, pois, segundo alguns, uma conjunctivite granulosa que é ]3 acompanhada de uma secreção que muitas vezes não diminue de quantidade. As vezes, nada nos leva a crer que a conjunctiva acha-se eriçada de granulações e assim passarem-se mezes e mesmo annos sem que os doentes recorram aos médicos. A hypertrophia das papillas conjunctivaes, descriptas por Mackenzie, Stellwag von Carion, Thiry, A. Sichel e outros é uma lesão muito freqüente. E esta espécie de granulações que temos tido occasião, mais vezes de observar em um grande numero de doentes por nós examinados. O modo porque as papillas augmentam de volume tem sido convenientemente estudado. As papillas hypertrophiadas são susceptiveis de apresentarem-se sob differentes formas. São em geral mais largas na base do que no vértice e guardam entre si intervallos que são preenchidos por cellulas alongadas, pontudas (Soemisch) que se encontram na camada epithelial perto da base das papillas. Estas cellulas tor- nam-se mais curtas na superficie das papillas. N'este estado chronico a mucosa conjunctival apresenta-se in- jectada e infiltrada de serosidade de um modo mais ou menos notável. Como parte integrante da conjunctiva a camada epithelial, formada de cellulas cylindricas (Sichel) e que cobre as granulações papillares, é espessa por ser também sede de infiltrações serosas. Além disso acha-se n'essa camada um grande numero de cellulas redondas, que podem ser consideradas como elementos lymphoides. As papillas, dependência da túnica própria da conjunctiva, da qual são proeminencias, com o estado inflammatorio da mucosa tomam um grande desenvolvimento. As elevações que ellas formam são principalmente devidas ao grande desenvolvimento dos vasos. É sebretudo na parte média da base das papillas que se encontram os vasos mais volumosos, emquanto que a sua superficie é guarnecida de uma rede de finos vasos que estão debaixo da camada epithelial. 14 É fácil de vêr que estes vasos são emanações dos grandes vasos subjacentes. Esta rede superficial se estende de uma fôrma quasi com- pleta de uma a outra papilla. Não é somente a visinhança dos grossos vasos, mas também e sobretudo a das finas ramificações, que é a sede de uma accumulação, de uma reunião de elementos lymphoides, semeiados entre os feixes de tecido cellular da papilla (Soemisch). As granulações papillares, em virtude de sua riqueza em vasos, apresentam-se com uma cor vermelha vivissima, purpurina. Ellas podem, quando a camada epithelial é por demais espessa, modificar-se; e n'estas condições são um pouco cinzentas. A sede a mais commum das granulações é entre o bordo adherente da cartilagem tarsa e o fundo de sacco conjunctival e sobretudo nos ângulos dos olhos, sendo separadas umas das outras por sulcos mais ou menos profundos. As papillas hypertrophiadas se alongam sendo o cumprimento maior do que a largura. O volume é variável e pôde attingir a 3 millimetros a sa- liência que ellas determinam. As palpebras sobrecarregadas de granulações apresentam uma maior espessura, tornando-se preguiçosos os seus movimentos. O ptosis da palpebra superior e o ectropion da inferior que se observam algumas vezes acham, em parte, no estado da palpebra, a sua explicação. Além da comichão e sensação de corpos estranhos os doentes experimentam muitas vezes o lacrymejamento e photophobia, prin- cipalmente quando ha complicação para o lado da cornea. A keratite pannosa, commum nas verdadeiras granulações, apparece também n'este caso. São as asperesas da conjunctiva que produzem o despolido da cornea e em seguida a sua injecção. Nem sempre é favorável o prognostico das granulações papillares. Geralmente elle é benigno, porém as vezes ellas se apresentam tão densas, ásperas e desenvolvidas que o seu desapparecimento tem lugar somente depois de um longo tratamento. 15 As vezes as granulações dão lugar á cicatrisação em massa da conjunctiva (Sichel). As granulações papillares, como dissemos, são apenas um accidente de conjunctivites purulentas, um facto clinico accessorio. Inoculado, portanto, o producto de secreção mórbida, derivado das affecções conjunctivaes, catarrhaes e purulentas, as papillas quando se hypertrophiam é sempre accidentalmente, depois das con- junctivites catarrhaes e purulentas provocadas por essas inoculações. Affirmam alguns autores que quando retira-se um pouco de pus de uma palpebra coberta de granulações papillares e que este seja depositado sobre um olho são, podem desenvolver-se n'este, quer affecções agudas, depois das quaes apparecem essas eleva- ções, quer phenomenos sub-agudos que acompanham as hypertro- phias das papillas conjunctivaes. GRANULAÇÕES FOLLICULOSAS O que caracterisa principalmente a conjunctivite folliculosa e a distingue do simples catarrho conjunctival são as granulações chamadas folliculosas. Estas granulações se desenvolvem na conjunctiva e umas vezes são acompanhadas de phenomenos agudos. Outras, porém, não ha hyperhemia conjunctival, injecção perikeratica e secreção abundante. As granulações apparecem lentamente e lentamente se desen- volvem sem que provoquem reacção inflammatoria. A lesão concentra-se somente na conjunctiva palpebral e dá apenas logar a uma secreção pouco abundante e que aggultina os cilios durante o somno. É a palpebra inferior que é sobretudo a sede d'estas eleva- ções. Ellas procuram de preferencia o fundo de sacco e as com- missuras ou angnlos dos olhos e é ahi que tomam maior desenvol- vimento. Semi-transparentes, avermelhadas e cinzento-avermelhadas, estas elevações attingem a um millimetro de diâmetro. 16 No fundo de sacco da palpebra superior e do tarso corres- pondente, adquirem menor desenvolvimento e são também menos espalhadas, apresentando-se sob a fôrma de manchas brancas, arre- dondadas, apenas elevadas acima da mucosa, o que se explica pelo achatamento que ellas experimentam pela pressão das palpe- bras sobre o globo ocular. (Soemisch). As granulações folliculosas são também chamadas vesiculosas. Para uns ellas contém um liquido viscoso encerrado nos fol- liculos lymphaticos obliterados (Velpeau, Foucher, Gosselin). Para outros ellas consistem no desenvolvimento exagerado do systema follicular da conjunctiva (Wecker, Abadie, Landolt). As granulações vesiculosas resultam do desenvolvimento anor- mal e mesmo da producção de folliculos lymphoides. Soemisch, em cujos trabalhos se inspira Wecker, na des- cripção d'esta espécie de granulações, conseguiu preparações histo- logicas d'essas elevações da conjunctiva. Em umas elle encontrou folliculos lymphoides bem desenvol- vidos, e isto nos pontos principalmente em que elles não soffriam pressão alguma sobre o globo ocular. Em outras, que correspondiam ás manchas brancas, arredon- dadas, o exame attento, mostrava que ellas eram formadas por uma reunião considerável de elementos lymphoides. Estes elementos eram accumulados em grupos de 0,2 — 0,4 millimetros de diâmetro e que tornavam-se menos densos para a periphezia e se perdiam sem limites bem precisos. Portanto, todo o traço de uma membrana envolvente que cerca o folliculo lymphatico bem desenvolvido e o caracterisando faltava comple- tamente. A superficie da conjunctiva mostrava no logar da accu- mulação d'esses elementos, que iam até abaixo da camada epithelial, uma pequena proeminencia, attingindo apenas 0,08 millimetros. Isto se encontrava entre folliculos bem desenvolvidos o que prova que se trata de folliculos em via de desenvolvimento. (Soemisch). Admittem muitos autores que os collyrios e em particular os de atropina e de ezerina, dão nascimento á esta variedade de gra- 17 nulações que se distinguem da simples pelos signaes seguintes : « 1.° A participação do derma das palpebras pela irritação, sob a fôrma de cedema, de erythema (d'eczema) e de rubor ery- sipelatoso. « 2.° O numero dos pequenos folliculos transparentes, que se formam sobre o próprio tarso e ganham quasi todo o bordo cor- tante da palpebra. « 3.° Uma infiltração lymphoide ao redor do limbo conjuncti- val, constituindo nos casos accusados uma chemosis dura. » (Wecker, Landolt). Eram mais communs antes e depois das operações de cataracta. Deixando de ser estes collyrios empregados n'estes casos, as gra- nulações se manifestam presentemente n'aquelles em que ha neces- sidade de prolongar-se o uso da atropina e ezerina por muito tempo. A conjunctivite folliculosa aguda pôde desapparecer por meio de um tratamento bem dirigido. Outras vezes elle passa ao estado chronico, no qual pôde persistir por muito tempo. O prognostico que Wecker estabelece differe quando se trata quer de granulações agudas, quer chronicas. As que se apresen- tam sob a fôrma chronica e mesmo as tóxicas podem desapparecer rapidamente e não se acompanham de complicações para o lado da cornea. A conjunctivite folliculosa aguda predispõe muito ás affecções corneanas (Wecker e Landolt), o que não é admittido por alguns autores. (Abadie). E opinião quasi que geral que as granulações folliculosas podem desapparecer da conjunctiva deixando-a intacta, sendo este facto um dos que as distinguem das granulações verdadeiras. Entretanto a cura das granulações folliculosas seria de regra ? (Terrier). A causa a mais commum do apparecimento do mal é o con- tagio. Elle reina endemicamente e é observado sobretudo nas prisões, navios onde os indivíduos estão collocados em péssimas condições hygienicas. O estado follicular desenvolve-se de um modo análogo em porcos guardados em prosilgas e privados do ar livre. (Stromeyer), 18 GRANULAÇÕES VERDADEIRAS, TRACHOMA As verdadeiras granulações são saliências, cuja estructura histologica aqui apresentamos, de accôrdo com os trabalhos de Soemisch. Estas elevações da conjunctiva são cobertas por uma camada epithelial. Abaixo d'esta camada encontram-se cellulas redondas ou de núcleos muito unidos. A proporção que nos approximamos da base das granulações vemos que estas cellulas vão diminuindo de numero até que são completamente substituídas por um stroma de tecido cellular, emanado do stroma conjunctival, com o qual as granulações se confundem em sua base. O tecido de que falíamos encerra vasos que se ramificão até perto da camada epithelial. As cellulas, augmentando de numero vão pouco a pouco re- calcando o tecido cellular até que este desapparece, assim como os vazos. Com os progressos do mal reapparece o tecido cellular não somente na base, mas em toda a granulação. Um tecido cellular ondulado e muito denso substitue as cel- lulas arredondadas : a granulação se transforma em tecido cica- tricial, ella se cicatrisa (Wecker). Excepcionalmente a granulação soffre a transformação caseosa (Wecker, Soemisch e Landolt). Clinicamente podem-se dividir as granulações em três classes. (Wecker, Landolt, Stellwag von Carion). Observa com razão o professor Wecker que só a granulação verdadeira merece o nome de trachoma e que se a subdividimos em mixta e diffusa é somente para attendermos aos elementos qne a ella se reúnem e que além d'isso lhe são completamente es- tranhos. As granulações são simples, mixtas e diffusas. As granulações simples são caracterisadas pelo apparecimento na mucosa super-tarsiana de producções análogas á tapioca cozida. É condição para que sejão assim denominadas que ellas não datem de muito tempo e que se apresentem pouco elevadas. 19 Ha casos, porém, em que ellas são antigas e muito elevadas. Tanto neste como naquelle caso, existem apenas as granulações verdadeiras, que ainda não determinaram reacção inflammatoria, que possa chamar a attenção. Quando ellas se acompanham de inflammação dão nascimento á variedade seguinte : As granulações mixtas são uma combinação de granulações verdadeiras e de granulações vasculares (Stellwag von Carion). Umas vezes as granulações são a principio simples e só depois quando ha reacção inflammatoria é que as papillas augmentam de volume. Outras, as duas espécies de granulações apparecem quasi que simultaneamente, porque o trachoma desde o seu começo, acom- panha-se de uma inflammação que favorece o desenvolvimento das papillas. As granulações simples não dão luga*- ás mixtas quando ellas seguem a sua marcha, cicatrizam-se e desapparecem da mucosa, o que observa nos casos em que o trachoma apresenta-se invadindo uma certa região, depois outra, etc, que se desorganisam consecuti- vamente, não havendo occasião de manifestar-se irritação que con- corra de alguma fôrma para o apparecimento de um estado inflammatorio. (Wecker). As granulações diííusas finalmente (trachoma diffuso de Stellwag von Carion) notam-se quando o tecido mórbido se tem infiltrado na mucosa. Ha então uma verdadeira hyperplasia lym- phoide (de Oettingen). O tecido da mucosa, comprehendendo o tarso parece-se a um sarcoma de pequenas cellulas, segundo a opinião de Poncet e Arlt. A principio as granulações verdadeiras se distinguem das papillas hypertrophíadas pela sua cor mais clara (Wecker). Com os progressos da moléstia, como farei sentir no lugar destinado ao diagnostico das granulações, sendo estas também infiltradas de elementos lymphoides, a distincção torna-se, não difficil, mas im- possível. N'estas condições nada nos poderá levar ao conhecimento da causa verdadeira que tem determinado este estado da conjun- 20 ctiva a não serem os commemorativos e sobretudo os phenomenos ulteriores de retracção (von Carion). Recentemente Iwanoff descobriu na conjunctivite granulosa neoformações glandulares, que variam desde simples depressões superficiaes até glândulas tubulosas. « Quando no Egypto, em 1876, teve Iwanoff occasião de observar 100 palpebras superiores, affectadas de trachoma, encon- trando em 70 d'ellas, glândulas tubulosas em diversos graus de desenvolvimento. O numero d'essas glândulas variava desde algumas dúzias até muitas centenas em uma mesma palpebra. Em um pri- meiro grupo, ellas achavam-se sobretudo na parte posterior da conjunctiva, parallelamente a dobra de transição; em um outro a conjunctiva da palpebra superior apresentava-as em toda a sua extensão. Um tão grande numero d'estas glândulas exclue toda a duvida sobre a sua existência nos casos pathologicos; sua cons- tância e seu maior desenvolvimento demonstram a importância, sobre a vida das palpebras assim affectadas, d'este novo factor do processo trachomatoso, que não foi ainda assignalado por nenhum clinico ou anatomista. « As glândulas encontradas na palpebra superior são as se- guintes : « 1.° Algumas são simples depressões superficiaes da conjunc- tiva, onde penetram todas as camadas epitheliaes d'esta membrana. As camadas superficiaes do epithelio cylindrico são muitas vezes modificadas, as cellulas são comprimidas e arredondadas: no seu interior acham-se grandes vesiculas, transparentes, que se reúnem algumas vezes em uma vesícula mais volumosa, repellindo o núcleo e deixando o protoplasma de lado. « Estas cellulas ovaes, em apparencia augmentadas, apresen- tam uma grande analogia com as cellulas em gobelet que foram descriptas com muito cuidado, na conjunctiva pelo Sr. Reich. O tecido d'esta é ligeiramente espesso e verdadeiramente infiltrado de cellulas. As glândulas são cercadas de uma rede de capillares. Iwanoff encontrou-as em olhos sãos em apparencia, que tinham sido atacados talvez, durante a vida, de uma conjunctivite, 21 « 2.° As glândulas que se acham no trachoma são realmente distinctas das precedentes. São glândulas tubulosas, alongadas, reves- tidas de epithelio que se compõe, como o da conjunctiva anterior, de duas camadas de cellulas, uma de cellulas redondas e outras de cellulas cylindricas curvas superficialmente. « A membrana basilar é sempre muito distincta. O conteúdo das glândulas é formado de uma massa finamente granulosa, gor- durosa com detrito de cellulas, análogas pelo aspecto ao das glân- dulas de Meibomius. A visinhança da maior parte d'estas glândulas é muito infiltrada de cellulas lymphoides, sobretudo perto do con- ducto excretor e no fundo da glândula. Estas glândulas se acham na camada sub-epithelial de nova formação da conjunctiva; sua espessura attinge algumas vezes a do tarso. Seu numero é variável. « Em alguns casos um corte vertical permitte que se conte até 20 ; outras vezes somente 2 ou 3. Nestes últimos casos ellas se acham disseminadas em toda a superfice da conjunctiva; quando seu numero é menos considerável ellas são encontradas mais vezes na parte posterior da conjunctiva, ao lado da dobra de transicção. « A superficie da conjunctiva tem a apparencia normal, apezar da presença d'estas glândulas; em cortes feitos nas palpebras, o epithelio cobre todos os seus conductos excretores. Só descobrindo a camada epithelial é que podemos descobrir esses meatos, debaixo da forma de pontas e algumas vezes de pequenas fendas. Encon- tram-se identicamente as mesmas glândulas na cornea affectada de pannus crassus ; ellas se acham então na camada espessa de nova formação, entre o epithelio e a membrana de Bowman, o que prova que ellas se formam independentemente dos corpos papillares da conjunctiva. « Segundo este fiicto, a supposição de que a formação d'estas glândulas provêm de glândulas preexistentes na conjunctiva normal (como alguns têm supposto e erradamente descripto) se acha igualmente refutada. « Finalmente o apparecimento d'estas glândulas no pannus trachomatoso mostra sua dependência intima ao processo tracho- matoso. 22 « 3.° Kistos de retenção.— As glândulas descriptas sob o nu- mero 2, apresentam a sua forma commum, tal como se encontram no começo de sua evolução. Mais tarde ellas mudam de forma, assim como o seu epithelio, de revestimento e seu conteúdo. Ja foi dito que a infiltração affecta de preferencia dous logares : a visinhança dos conductos excretores e o fundo da glândula. Em um estado mais avançado as cellulas que cercam os conductos efferentes se transformam em tecido cicatricial. Á medida que este tecido connectivo cicatricial se forma, os conductos efferentes são comprimidos de mais á mais, a secreção glandular é retida, se accumula e por conseguinte a glândula se distende e toma uma forma arredondada (kisto de retenção). Nestes casos, o diâmetro das glândulas attinge algumas vezes a lmm,2. « A conjunctiva se acha então levantada por estes kistos. Finalmente isto acontece mais raramente do que se devia esperar em vista da formação considerável do tecido cicatricial da conjunc- tiva. Quando se retira o epithelio, o conducto efferente estreitado se mostra sob a forma de um ponto que não é sempre central, mas al- gumas vezes collocado de lado. O conteúdo experimenta toda a es- pécie de mudança: ora conserva-se normal e é apenas augmentado; ora é mais liquido ou mais espesso. « Algumas vezes elle é formado de granulos finos, collocados em camadas concentricas, offerecendo uma grande analogia com os corpusculos amyloides, sem entretanto apresentar a sua reacção. Quando a distensão é muito grande, o epithelio muda de forma e se transforma em epithelio pavimentoso de uma única camada. Muitas vezes as glândulas tranformadas d'este modo são cercadas de uma rede vascular e muitas vezes também de uma infiltração densa de cellulas. Algumas são de tal forma englobadas nesta infiltração, que ellas apresentam uma grande analogia com as granulações tra- chomatosas. « 4.° Glândulas agminadas. — Algumas vezes encontram-se glândulas que communicam entre si. N'estes casos, do fundo da glândula, partem em diversas direcções, dous a três canaliculos que fazem communicar a cavidade de muitas glândulas. D'este 23 modo, se forma uma rede de canaliculos revestidos de epithelio sob a face inferior do tarso. O que é preciso ainda notar, é que em alguns casos de desenvolvimento d'estas glândulas, sobretudo quando ha formação da rede recentemente descripta, os lobulos das glândulas de Meibomius, dirigidos para a conjunctiva, são muitas vezes atrophiados ; de sorte que as glândulas de Meibomius apre- sentam apenas um canal, sobre o qual não ha mais acini a não ser do lado da pelle, emquanto que os lobulos do lado da con- junctiva tem quasi completamente desapparecido. » Como acabamos de vêr a existência destas glândulas nas palpebras trachomatosas, e em numero não pequeno, apresentando- se em diversos estados de evolução, foi observada pelo professor Iwanoff. A ellas liga uma grande importância, tão grande, que, comquanto declare no seu trabalho que reconhece o valor das gra- nulações trachomatosas e não as confunde com as glândulas que acabam de ser descriptas, diz que aquellas apparecem, duram algum tempo e depois desapparecem, e que estas, as glândulas, uma vez desenvolvidas persistem de um modo tenaz e durável e que talvez sejam a causa da longa duração do trachoma e das recahidas a que estão sujeitos os granulosos. Pela sua evolução estas glândulas, transformam por assim dizer, segundo Iwanoff, a conjunctiva palpebral em um terreno trachomatoso. O professor Warlomont e muitos outros aceitam as idéas de Iwanoff, sem modificação alguma quanto á existência e ao valor d'estas glândulas. Jacobson pretende demonstrar em um artigo, publicado nos Archivos de Ophtalmologia, que estas glândulas, além de não serem encontradas em 30 casos dos 100 observados por Iwanoff, está hoje demonstrado que ellas se apresentam em casos pathologicos differentes do trachoma. Diz Jacobson: — Esta formação é uma complicação incons- tante do processo granuloso e não tem significação alguma patho- logica, pois são encontradas em processos neoplasicos mui diversos, inflammatorios ou não. Mais tarde estes prolongamentos epithe- 24 liaes podem soffrer uma degenerescencia cystoide, constituindo pequenos pontos amarellos visíveis á vista desarmada. Isto ainda uma vez, não é especial á conjunctivite granulosa, é somente a expressão da marcha chronica do processo. E, pois, uma simples hypertrophia de formações preexistentes; não ha multiplicação verdadeira das glândulas ou dos sulcos normaes. Em casos raros a formação epithelial torna-se atypica; isto é : cylindros epitheliaes vizinhos se ligam lateralmente, e assim é constituída, seguindo a extensão da conjunctiva, uma rede de cylindros epitheliaes ; ainda uma vez não é uma formação característica de um processo qualquer. — A respeito da existência d'estas glândulas, diz Sattler: — Não pôde-se tratar de uma neoformação glandular : estas fôrmas se deixam deduzir das depressões normaes, porém diversas da conjunctiva, sobretudo se reflectirmos sobre as differenças enormes de nivel que se produzem no curso do trachoma, especialmente na fôrma papillar. — Em um exame anatômico de um caso de catarrho follicular tóxico, Horner de seu lado baseado n'esta observação, considera essas glândulas como sendo depressões passivas do epithelio entre os folliculos proeminentes. De que lado está a razão ? Qual a opinião que devemos aceitar, a de Iwanoff ou a de Sattler, Horner e Jacobson ? Meros expectadores d'esta lucta entre homens práticos no manejo do microscópio, esperemos que a luz se faça n'esta questão ainda muito obscura. ETIOLOGIA Esta affecção, segundo Wecker e Landolt, observa-se mais commummente no adulto. A estatística de Soemisch indica de 1 a 10 annos, 6,9 por 100; de 10 a a 20 annos, 39,5 por 100; de 20 a 35 annos, 44,4 por 100 ; e além de 35 annos, somente 9,1 por 100. Os pobres pagam maior tributo ao trachoma, assim o aífirma Wecker, que diz que em sua clinica a mais aristocrática de Pariz o numero dos granulosos varia de 2 a 3 por 100 e esses mesmos vêm do Oriente, emquanto que Soemisch accusa 15,9 por 100 em sua clinica de Bonn. São elles, pois, que vivendo em péssimas condições hygieni- cas, a residência em um ar viciado, a alimentação insufficiente, a falta de asseio, etc, são mais sujeitos a contrahir o trachoma. Eis o que diz Blumberg: — Vê-se o trachoma tomar um grande desenvolvimento nos indivíduos que em suas habitações respiram o pó, fumaça, emanações excrementicias. Nas províncias balticas da Rússia, habitadas pelos Esthenianos e os Lethões, as casas dos camponezes são quasi sempre cheias de fumaça, por causa do defeito das chaminés, e, como são obrigados a passar todo o inverno em suas casas, onde o ar é carregado de pó, pro- veniente da debulha dos grãos e viciado pela presença de animaes domésticos que nellas abrigam-se quando o frio é por demais in- tenso, não faltam condições nocivas para irritar a conjunctiva. Em parte alguma encontra-se, nem uma tão grande propagação do trachoma, nem fôrmas tão salientes d'essas asperesas do que nessas. populações dos campos.—- 26 As diatheses, principalmente a tuberculosa e a escropkulosa, representam, para Arlt um grande papel. Gulz, entre outros, porém, tem observado muitos granulosos que não apresentam sym- ptoma algum, nem de escrophula, nem de tuberculos. Não são de pequena importância as condições telluricas. Assim vê-se que as granulações são freqüentes no Oriente, onde reina a febre intermittente (Gayat), principalmente nas emboca- duras do Nilo, e na Europa, nas embocaduras do Rheno e nas províncias balticas da Rússia, tendo, pois, muita predilecção pelos logares humidos e baixos. Segundo Wecker e Landolt ellas são raras e mesmo desap- parecem em uma certa altitude. Tanto isto é verdade que o trachoma é desconhecido na Suissa. Este facto tem uma grande importância, porque vem em apoio da origem parasitaria d'esta affecção (Terrier), já hoje admittida por muitos. Já Warlomont dizia: — Disposição alguma do organismo, nenhuma das condições ordinárias das ophtalmias conjunctivaes tomadas isoladamente pôde crear a conjunctivite granulosa. Con- dições individuaes, de constituição, de logar, de meios podem apenas ser causas predisponentes ; mas para dar logar ao seu apparecimento, é indispensável a intervenção directa ou indirecta do principio activo (do micróbio ?) — Uns reconhecem a natureza exótica da trachoma, que dizem ser originário do Oriente ; outros affjrmam que elle pôde nascer espontaneamente. A primeira opinião é admittida por Hairion (de Louvain). que baseia-se nos seguintes dados, colhidos por nós no seu artigo publicado nos Annaes ÜOculistica : 1.° — A ophtalmia egypciaca era desconhecida na Europa até antes da volta, do Egypto, dos exércitos francez e inglez. — Nas obras de Plemphius, Guillemeau, Maitre Jan, Deshaies, Gendron, Guerin, Plenk, etc, encontram-se descripções de algu- mas affecções da conjunctiva sob o nome de trachoma, conside- radas, como moléstias simples, sem gravidade e esporádicas. No 27 século ultimo appareceram descripções de ophtalmias contagiosas, epidêmicas, as quaes, dizem Hairion e Warlomont, appareciam e desappareciam com as causas que tinham dado a sua invasão e que não apresentavam o caracter destruidor do trachoma. 2.° — Ella é a mesma que reina endemicamente no Egypto. — Anagnostakis que conhecia a ophtalmia dos exércitos por têl-a estudado na Allemanha e a do Egypto por têl-a visto no Cairo, assegura que estas duas moléstias são inteiramente idênti- cas, quanto á sua natureza e á sua marcha. Mannhardt, que exerceu a clinica em Constantinopla, é da mesma opinião de Anagnostakis. 3.° — Ella era desconhecida dos exércitos francez e inglez antes de sua ida para o Egypto. — Dos trabalhos de Larrey, de Briggs, Power, Farell, Samuel Cooper, Adams, etc, conclue-se que as ophtalmias endêmicas eram desconhecidas n'essa epocha nos dous exércitos. 4.° — Com a volta á Europa dos destroços dos dous exerci- tos, coincidiu o apparecimento de endemias de ophtalmias nos exércitos francez e inglez e successivamente em todos os exércitos da Europa. Dos exércitos a ophtalmia granulosa passou ás populações civis, onde se encontra muito espalhada. — Os trabalhos de Kluyskeus e Decondé, que entregaram-se ás pesquizas históricas minuciosas, provam a verdade d'esta asserção. Ainda mais, Staker que clinicou em Strasbourg, affirma que antes de 1851 nunca observou casos de trachoma. Conhecia-o de Vienna quando ahi esteve em 1827. Depois de 25 annos de clinica, sendo esta numerosíssima, foi que apresentou-se-lhe um granuloso em um hospital. Após este, seguiram se outros casos, e em breve em quasi todos os estabe- lecimentos de educação e instituições pias appareceram as granu- lações debaixo da fôrma epidêmica, e hoje reinam endemicamente na população civil. Diz Stacker, que a criança que importou o trachoma não poude ser seguida, mas o que é certo, é, que, durante algum tempo todos os indivíduos atacados referiam que 28 haviam contrahido esta affecção de outros, que por sua vez tinham estado em hospitaes ou logares em que grassava ou grassara a conjunctivite granulosa. Importada do Egypto ou nascida espontaneamente a ophtalmia se propaga com uma grande rapidez. N'isso todos os ophtalmolo- gistas estão de acordo. Quaes são as causas d'essa propagação ? Que ella é contagiosa provam exhuberantemente os factos observados e devidamente apreciados. O contagio pôde se effectuar pelo ar athmospherico, por in- fecção ? Pode-se responder pela affirmativa para explicar o modo rápido pelo qual se propaga esta affecção, mesmo nos casos em que o contacto directo não poude ter logar. O germen contagioso da ophtalmia granulosa será um parasita ? Sattler diz que sim em trabalhos seus apresentados ao con- gresso ophalmologico que teve logar em Heidelberg. Do resumo d'esses trabalhos, feitos pelos redactores dos An- naes d^cculistica, aproveitamos a parte que diz respeito ao nosso ponto e a transcrevemos em seguida. — Um grão trachomatoso transportado sobre um vidro porta- objecto de microscópio nos mostra uma rede mais ou menos for- necida de capillares, de paredes delicadas e uma grande quantidade de núcleos arredondados ou ovalares, que no estado fresco são homogêneos, fracamente opacos e de contornos visiveis. Estes núcleos são incluídos em uma substancia pallida, fina- mente granulada na qual encontram-se alguns granulos de côr escura. Afora as capillares de que acima falíamos não se vê sub- stancia alguma de apoio. Um corpo cellular peri-nuclear não existe aqui como é o caso para as cellulas lymphoides. A dissociação de um gráo especifico tratado pelo ácido chromico a 0,1 °/0 nos mostra que a substancia finamente granulada que cerca os núcleos apparece agora sob a fôrma de prolongamentos finos e curtos anastomosados e fixos sobre os núcleos, 29 Prova-se igualmente a existência de um fim reticulum que não está em relação orgânica com os núcleos em questão e que a ausência de núcleos próprios differencia do reticulum das glândulas lymphaticas e da substancia adenoide da conjunctiva. O autor confirma aqui com Haab e outros os dados de Neisser sobre a existência de micrococus nas secreções da conjunctivite trachomatosa. Muito semelhantes ao micrococus da blenorrhagia, os do tra- choma tem uma fôrma invariavelmente circular. Raramente se os encontra isolados nas secreções, as mais das vezes são reunidos por pares, os elementos sendo isolados a uma certa distancia uns dos outros. Mais freqüentemente estes micro-organismos são reu- nidos por 3, 4, affectando então disposição segundo os ângulos de um triângulo; o grupo é cercado de um foco claro. Este grupamento é característico para o trachoma e a blenorrhéa dos recém-nascidos. Nunca presenciamos uma disposição em cadeia. Os grupos de 3 a 4 elementos executam movimentos, o des- locamento sendo mais rápido em um dos ângulos ou lado do triân- gulo ou rectangulo. Estas ultimas fôrmas podem se aggregar em 2, 3 ou muitas, porém sem formar verdadeiras massas ou zoogleas. Ellas podem adherir a superficie das cellulas epitheliaes ou das cellulas de pus, penetrar em seu interior ou se fixar sobre pequenas massas arredondadas que são talvez destroços de núcleos. O autor pôde transferir o trachoma ao homem, não aos ani- maes, inoculando na conjunctiva, o producto de uma cultura de micrococus já por duas vezes transportadas em um liquido estéril. De que o trachoma é uma moléstia infecciosa local, de que os micrococus em questão são o vehiculo, talvez também os gera- dores da substancia infectante e de que pelo seu processo vital elles influem evidentemente sobre o caracter dá moléstia, não se pôde localisar seu verdadeiro ponto de morada e de apparecimento, nem na secreção da mucosa, nem no epithelio, porém antes no próprio tecido conjunctivo. O trachoma parece, a priori, se prestar para a prova d'este facto se admittirmos que a conjunctiva traz um producto especifico 30 Sattler excisou em um caso de trachoma evoluido, a única granulação neoplasica ainda existente, depois de ter procedido a uma lavagem anti-sceptica da conjunctiva. O conteúdo do grão trachomatoso, tendo sido transportado, com toda a precaução exigida, para o fundo do sacco conjunctival de um indivíduo apropriado, elle vio, no fim de algum tempo, 7 dias, apparecerem todos os symptomas da moléstia. Importava elucidar três pontos principaes da questão actual. 1.° O micrococus da secreção conjunctival fará parte constante da granulação trachomatosa ? 2.° Póde-se cultivar, desenvolver o micro-organismo em líquidos nutritivos apropriados ? 3.° Póde-se com estes últimos reproduzir a moléstia ? Foram estas questões resolvidas affirmativamente. O elemento parasitário, com effeito, se encontra nos cortes histologicos das granulações, ou em seu conteúdo; elle adhere aos núcleos precedentemente descriptos ou mais raramente, se acha nos espaços inter-nucleolar. Sobre as preparações não coradas, os micrococus representam os granulos de que já falíamos mais acima. Quanto á cultura dos micrococus, ella dá bons resultados, quando se introduz com as precauções desejáveis, o conteúdo de um grão, em uma solução de assucar com extracto de carne ou em uma geléa muito fluida de Ichtyocolle. Vê-se então os gra- nulos ou grupos de granulos se destacar da massa finamente gra- nulada que os encerrava, começar seus movimentos molleculares, formar grupos novos e na temperatura de um apparelho de incu- bação experimentar uma multiplicação evidente. Emfim, uma inoculação com uma cultura avançada dá bons resultados então quando as inoculações anteriores têm sido mal succedidas. — SYMPTOMATOLOGIA Sobre a symptomatologia funccional os autores divergem, estão separados e em campos distinctos. Uns admittem que a conjunctivite granulosa pôde affectar duas fôrmas, das quaes uma é aguda e outra chronica. Os que adoptam esta opinião são Von Graefe e seus discí- pulos, entre os quaes notam-se Abadie e Soemisch. Estes últimos dizem que as granulações desde o seu começo podem determinar accidentes agudos e que esta conjunctivite gra- nulosa aguda seria muito análoga á conjunctivite catharral aguda, ou antes á conjunctivite folliculosa aguda. Abadie aífirma mesmo que ella pôde apresentar o caracter e a gravidade da conjunctivite purulenta aguda. Outros, porém, Wecker, Landolt affirmam ao contrario, que as granulações verdadeiras têm uma marcha essencialmente chro- nica e que apparecem e se desenvolvem silenciosamente. Convém notar que estas granulações apresentam de tempos a tempos reac- ções inflammatorias, facto sobre o qual os ophtalmologistas estão de accordo. Podemos assegurar que nunca vimos um accesso agudo de granulações, deixando, depois do desapparecimento do estado in- flammatorio, uma superficie eriçada de verdadeiras granulações nascentes e adquirindo pouco a pouco o caracter do trachoma. (Wecker e Landolt). As granulações podem apparecer na mucosa conjunctival, e adquirir um certo desenvolvimento sem que provoquem reacção inflammatoria. 32 N'estas condições, não havendo injecção visível na conjunctiva bulbar, apenas se faz notar uma ligeira secreção, e isto mesmo quando as palpebras conservão-se fechadas por algum tempo. O que á inspecção externa dá o grito de alarma, são estes dous symptomas: um ligeiro ptosis, ou antes uma paresia da pal- pebra superior e uma falta de coaptaçâo da inferior sobre o globo do olho, de modo a deixar entre o bordo livre e a conjunctiva bulbar uma camada de liquido que contém um ou alguns filamentos de mucosidades (Wecker). Assim os granulosos, em virtude de paresia da palpebra superior, quando querem ver um objecto col- locado diante d'elles, são obrigados a levantar a cabeça para di- rigir os olhos na direcção do objecto. As vezes, para abrir os olhos, elles levantam com os dedos as palpebras. Se descobrirmos a mucosa, encontral-a-hemos coberta de gra- nulações, além de um ligeiro edema. Estas pequenas elevações são reconhecidas pelos caracteres que lhes são próprios, e cuja des- cripção será dada no lugar competente. Quando o doente recorre ao medico, as granulações têm che- gado a um desenvolvimento mais ou menos adiantado, e a conjunc- tiva já se tem vascularisado até o limbo conjunctival. Do limbo conjunctival partem vasos que se dirigem para a cornea, onde elles se distribuem sob a camada epithelial, para formar uma das complicações necessárias da trachoma, o pannus mais ou menos generalisado, porém sempre circumscripto, no co- meço, á metade superior da cornea. O doente queixa-se de uma sensação de peso, de ardor, du- rante as primeiras horas do dia. Quando os granulosos têm as palpebras muito frouxas, a moléstia pôde existir ha muito tempo, sem dar o menor signal de si. As granulações attingem mesmo a sua transformação ultima, isto é a phase cicatricial, sem chamar a attenção. É somente quando a cornea é affectada, quer de ulceras, quer de abcessos que o doente consulta ao pratico. Este deve ter 0 máximo cuidado de examinar as palpebras, porque muitas vezes, 33 estas complicações podem desviar a attenção do medico, fazendo esquecer a moléstia primitiva. Até agora temos apenas apresentado os casos em que o tra- choma se desenvolve sem provocar reacção inflammatoria. Agora diremos que a marcha d'esta moléstia pôde ser inter- rompida por phenomenos inflammatorios. Estes dão logar a um desenvolvimento do corpo papillar, que pôde difficultar o diagnostico d'esta affecção. As vezes as granulações não guardam entre si uma certa disposição quanto ao modo por que apparecem e se desenvolvem. Nota-se primeiramente na conjunctiva um certo numero de granulações que já estão em estado adiantado de sua evolução e que têm produzido, mesmo em virtude de sua cicatrisação, deformações do tarso, trazendo serias conseqüências. Dá-se, então, na mucosa uma nova invasão de granulações, que, acompanhando-se, algumas vezes, de uma purulencia passa- geira, vem complicar o estado da mucosa e fazer soffrer o doente. Como já dissemos, a marcha de conjunctivite granulosa é pois, chronica. Esta marcha chronica pôde ser interrompida pelo appareci- mento de inflammações, que dão logar a uma secreção muco purulenta ou mesmo purulenta, que concorrerá para a cura espontânea das granulações; (Wecker Desmarres). Quando abandonadas e sem tratamento, ellas desapparecem difficilmente. Com os progressos, porém, da moléstia, quando esta termi- nação favorável de que acima falíamos não se dá, vê-se que ella continua a sua marcha destruidora, cercando-se de complicações, muitas vezes observadas e que podem trazer a perda da visão. É d'estas complicações que trataremos em seguida. COMPLICAÇÕES Iríamos muito longe se descrevêssemos desenvolvidamente todas as complicações que tem sido observadas, durante o curso do trachoma. 34 O nosso fim, porém, é somente dar um breve resumo das affecções, das quaes mais commummente são victimas os granulosos. Como é sabido, as granulações desapparecendo, deixam em seu logar um tecido cicatricial que as substitue definitivamente, e estas cicatrisações prejudicam consideravelmente o tarso. Em virtude das alterações desta cartilagem o bordo livre das palpebras também se modifica. Ha um verdadeiro entropion que consiste na inversão para dentro, do bordo palpebral que fica assim olhando para o globo ocular. Quando não ha ainda entropion bem pronunciado, nota-se uma irregularidade na direcção dos cilios Estes voltados para dentro, determinam, assim como o entro- pion, a photophabia, o lacrymejamento e o blepharospasmo. Além disso a irritação a que dão logar, irritação de que é a sede o globo ocular, concorrerá para o desenvolvimento de uma keratite vascular. O pannus assim constituído não reconhece, como causa, somente'as que venho de expor. Antes mesmo, que o entropion e trichiasis se tenham mani- festado o pannus pôde existir e cobrir o segmento superior da cornea, disposição esta que é característica d'esta affecção. N'estas condições elle se desenvolve em virtude da irritação da cornea pelas granulações mais ou menos rugosas. Das complicações, a mais commummente observada é o pannus, seguindo-se-lhe os abcessos e as ulceras, da cornea, o albugo e o leucoma. Ellas apparecem, quando o tratamento tem sido mal dirigido ou pela neglicencia dos doentes. Keratite vascular pannosa ou pannus. — Já fizemos notar que o pannus limita-se a principio ao segmento superior da cornea. Elle principia pela peripheria d'esta membrana em geral e tem sido dividido em pannus ternuis e pannus crassus. O primeiro é precedido por um levantamento da conjunctiva bulbar. D'ahi os vasos se dirigem para a cornea. Os vasos são calibrosos, têm uma direcção cheia de tortuosidades e se subdividem de tal forma que no fim de algum tempo apresentam um entre- laçamento tão delicado que tornam-se invisíveis. 35 Entre esses vasos mais ou menos abundantes notam-se pe- quenas opacidades, circumscriptas ou diffusas e mesmo ulcerações (Abadie). Quando os vasos são pouco abundantes a cornea offerece uma cor cinzenta mais ou menos corada em vermelho e fica ainda bastante transparente para deixar vêr a pupilla e a íris. E a este estado da cornea que os autores dão o nome de pannus tenuis. O epi- thelio da cornea resente-se afinal e dá logar ao apparecimento de superfícies irregulares, perturbando consideravelmente a visão e criando um astigmatismo. Si os vasos são muito desenvolvidos, a cornea opaca, perdida a sua transparência, parecendo coberta de botões carnosos, o pannus se denomina — crassus, sarcomatoso. Estes phenomenos anatômicos podem se acompanhar de pho- tophobia, lacrymejamento, blepharospasmo, e dores ciliares vivas. A moléstia tende a desenvolver-se tanto em superficie, como em profundidade. As complicações, ás quaes, por sua vez, dá lugar o pannus, quando elle tem durado muito tempo, são numerosas. E assim que podem sobrevir iritis, irido-choroidite, e glaucoma. Outras vezes a cornea suppura e se perfura, dando lugar a hérnia da íris. Tem sido observados, o staphyloma, o amollecimento da cornea e atrophia d'esta membrana. Cita-se ainda o strabismo (Panas). O pannus tenuis pôde desapparecer sem deixar traços : o pannus sarcomatoso, por causa do tecido cellular que envolve os vasos e que se organisa é muito rebelde aos meios therapeuticos. Para explicar o apparecimento do pannus dizem alguns autores que ha uma relação intima entre o desenvolvimento das granu- lações conjunctivaes e o dos vasos corneanos. Abcessos da cornea.—Estes podem desenvolver-se quer exista pannus, quer não. Muitas vezes apparecem na peripheria ou mesmo no centro da cornea um ou mais pontos cinzentos. Segundo Arlt elles se cercam de uma parte pontilhada e branca, 36 ao mesmo tempo que o seu centro torna-se amarello. Fórma-se um abcesso. Estes são ora, circumscriptos, ora diffusos, ora arredondados e em forma de crescente. A sede d'estes abcessos, por meio de um exame cuidadoso, consegue-se bem determinar. Elles podem estar mais approximados, quer da parte anterior, quer da parte posterior da cornea, No primeiro caso, abrindo-se, lançam para o exterior o seu conteúdo, dando lugar a uma ulce- ração que se cicatrisa ou determina a perfuração da cornea e hérnia consecutiva da iris. No segundo caso a ruptura do abcesso se faz para a câmara anterior, segundo alguns autores. O pus derramado na câmara an- terior pôde ahi ser absorvido. Não o sendo abre caminho para fora, perfurando a cornea no seu ponto o mais declive. O abcesso bem desenvolvido poderia se reabsorver pouco a pouco, deixando uma ligeira opacidade em seu lugar (Abadie). Quando a massa purulenta é diffusa tem sido observado o amollecimento da cornea. Quando falíamos no hypopion dissemos que nem todos os ophtal- mologistas pensavam do mesmo modo quanto a sua causa. A opinião citada por nós é partilhada por Mackensie, Weber, etc Arlt e outros acreditam que elle seja determinado por decemetite ou iritis. Horner por sua vez, apoiando-se nos trabalhos de Conheim sobre a inflammação, diz que são as cellulas lymphoides que se depositam no humor aquoso atravessando a lamina posterior e o epithelio. As cellulas emigram quer do canal de Sclemn, quer dos vasos irianos (Stromeyer). Os abcessos determinam lacrymejamento photophobia, ble- phasospasmo e dores ciliares em alguns casos; e em outros estes symptomas são quasi nullos. Ulceras da cornea.—As ulceras da cornea podem desenvolver-se como accidente inicial ou como complicação de. um abcesso, durante o curso de uma conjunctivite granulosa. Como os abcessos ellas podem ter uma marcha aguda e 37 chronica. No primeiro caso os phenomenos de ulceração são acom- panhados de lacrymejamento, photophobia, dores ciliares. No se- gundo elles podem faltar completamente ou apresentar se com intensidade menor. As ulceras são superficiaes ou profundas. Aquellas são as menos graves, porque cicatrisando se, são substituídas por opacidades mais ou menos sensíveis. Com a marcha do processo ulcerativo, porém, as ulceras podem chegar até a membrana de Decemet tornando-se portanto profundas. Estas, quando a membrana de Decemet não for compromettida, dão lugar a hérnia desta membrana impellida pela tensão ocular. Desde que esta seja perfurada, ha hermia da iris, uma fistula persistente ou não, synechias irianas, staphyloma, etc, e com a perda de humor aquoso, diminuindo a tensão ocular, luxação do cristalino, descollainento da retina. As ulceras, como muitas vezes succede, desapparecem sem deixar signaes de sua passagem. Ainda mais, nos casos mais graves, como quando ha perfuração da cornea e que esta é linear esta membrana fica completamente curada e nada indica que ella soffreu uma perfuração. Outras vezes deixam em seu lugar opacidades e o mesmo se dá com as outras complicações já mencionadas do trachoma. Opacidades da cornea.— As opacidades da cornea tem por causa as alterações persistentes do tecido que sobrevem depois das inflammações d'esta membrana. Ellas são geralmente divididas em 3 classes, segundo a sua maior ou menor espessura. Assim parecendo-se a uma nuvem, a opacidade denomina-se nubicula ou nephelion, seguindo-se-lhe o albugo e finalmente o leucoma que é a mais espessa das opacidades. Quando as manchas são espessas e apresentam-se na peripheria em nada perturbam a visão. O mesmo, porém, não se dá, quando ellas occupam o campo pupillar porque determinam a perda da vista si forem vastas. Si pelo contrario forem pequenas, a visão pôde ser recuperada, fazendo-se a pupilla artificial. Nos casos de opacidade incompleta, como sejam de nephelion 38 e albugo, ha phenomenos de dispersão e diffracção que se passam em suas superfícies e d'ahi formação cie imagens mal definidas que embaraçam aos doentes (Donders). Estas opacidades são acompanhadas muitas vezes de alterações na curvadura da cornea dando lugar a um astigmatismo. Certos doentes, affectados de manchas superficiaes e trans- parentes, são obrigados, para terem uma visão mais perfeita dos objectos, a approximal-os muito dos olhos, o que provoca um es- forço de accommodação que dá lugar ao alongamento do eixo an- tero posterior do olho e portanto á myopia. Esses embaraços á visão determinam o apparecimento do stra- bismo e nystagmus. Para fazer desapparecer o leucoma emprega-se com muito proveito a tatouage. Esta operação praticada pelos antigos (Anagnostakis) foi de novo utilisada por Abadie e Wecker. Ella consiste em fazer pe- netrar no tecido opaco da cornea uma substancia corante negra (tinta da china), de maneira a fazer desapparecer a deformidade ou ao menos tornal-a supportavel. Mas é preciso accrescentar que esta operação, que deve ser repetida um certo numero de vezes, pôde determinar accidentes sérios, devidos a irritação dos nervos da cornea (Rava, Reussis, Panas, Giraud Teulon, e Terrier). Concorrendo para aggravar o estado granuloso da conjunctiva entram com uma parte bem saliente as alterações que se notam para o lado das vias lacrymaes. O tecido neoplasico pôde desenvolver-se na mucosa do con- ducto lacrymal ou mesmo perto d'elle, sobre a dobra semi-lunar. Comprehende-se que a existência de granulações nestas partes desviam certamente o curso das lagrymas, que continuam a ser secretadas regularmente, e faz com que ellas se accumulem nos olhos entre as palpebras e o globo ocular. Do mesmo modo a formação de cicatrizes em virtude do desapparecimento das gra- nulações, assestadas na mucosa, mudando de posição os pontos lacrymaes, contribue para este accumulo de lagrymas. Estas aggravam consideravelmente as lesões corneanas, inter- 39 rompendo, com as inflammações que ellas provocam, a marcha da affecção. O blepiiarospasmo convém também ser considerado como uma das complicações da moléstia de que nos occupamos. Por blepharospasmos comprehende-se geralmente a occlusão espasmodica da fenda palpebral, quer appareça somente de uma fôrma intermittente, quer se estabeleça de uma maneira continua. Este espasmo persistente do músculo orbicular é ás vezes de uma gravidade maior do que a da affecção primitiva. O apparecimento d'este phenomeno tem por causa uma origem reflexa. A irritação dos nervos sensitivos é o seu ponto de partida, tendo como intermediário da contracção espasínodica o nervo trigemeo. A inflammação da conjunctiva é que irrita as extremi- dades periphericas dos nervos sensitivos. Quando esta é acompa- nhada de ulcerações duas serão as causas que determinam o espasmo. Alguns autores pensam que nestas circumstancias a congestão da retina é que deve ser antes a causa do espasmo. Os doentes fecham as palpebras instinctivamente para evitar uma grande quantidade de luz sobre a retina congesta. Contra- riamente a esta ultima opinião diremos o seguinte: Observa-se freqüentemente que o blepiiarospasmo se conserva com toda a sua violência na obscuridade completa em certos doentes e que em outros a ausência de luz diminue apenas a força e a freqüência das contracções do orbicular (Wecker). Li algures que póde-se attribuir erradamente ao blepiiaros- pasmo, um cortejo de symptomas de um verdadeiro processo glaucomatoso, durante o curso do trachoma. Ao lado do blepiiarospasmo pode ser collocada uma outra complicação, o blepharophimosis. O blepharophimosis. — Este pôde já existir naturalmente ou ser determinado pelas cicatrizes deixadas pelas granulações. O blepharophimosis é em primeiro logar um obstáculo á cura dás granulações. As cauterisações não podem ser feitas com as necessárias 40 exigências, porque nem todo o tecido invadido pelo neoplasma sof- frerá a acção dos cáusticos em virtude d'este obstáculo, que impede que as palpebras sejam voltadas convenientemente, pondo a des- coberto assim toda a mucosa. Em segundo logar pelo traumatismo de que é sede a cornea, em virtude dos movimentos da palpebra sobre esta membrana. Este traumatismo pôde dar logar ao apparecimento das compli- cações corneanas, nos casos de trachoma e quando ellas existam, contribuir para a aggravação do mal. Com o desapparecimento do tecido neoplasico as cicatrizes apoderam-se de quasi toda a mucosa, produzindo uma xerosis. Si as complicações corneanas não tem cedido, ellas serão entre- tidas por este estado da conjunctiva. DIAGNOSTICO Apresentando-se-nos uma conjunctiva coberta de granulações quaes os dados differenciaes de que podemos lançar mão para aíürmar que se trata ou não do trachoma ? E d'elles, pois, que nos vamos occupar. Para melhor methodo na exposição compararemos o trachoma ás granulações devidas a hypertrophias das papillas e depois ás folliculosas ou vesiculosas. Da estructura anatômica já tivemos occasião de fallar quando tratamos em particular de cada uma das espécies de granulações. Nada diremos, portanto. As verdadeiras granulações se apresentam debaixo da fôrma de pequenos tumores ou elevações arredondadas, semi-esphericas e de base larga; as papillas hypertrophíadas são saliências susce- ptíveis de adquirir algumas vezes um volume considerável e apre- sentam um comprimento maior que a largura. As granulações verdadeiras differem das papillares por serem estas caracterisadas por uma cor vermelha mais ou menos pronun- ciada e devida á grande quantidade de vasos que ellas encerram. Esta cor, porém, pôde desapparecer e ser substituída por uma coloração que se approxima de cinzenta. N'estas condições as granulações papillares ainda se distinguem das verdadeiras por não adquirir esta diaphaneidade peculiar ás granulações pallidas. As papillas hypertrophíadas podem apresentar se em toda a extensão da conjunctiva palpebral, principalmente entre o bordo adherente da cartilagem tarsa e o fundo do sacco conjunctival e sobretudo nos ângulos dos olhos. 42 As granulações verdadeiras se desenvolvem em toda a super- ficie da mucosa, tanto palpebral como bulbar. A sua presença no globo ocular e no limbo conjunctival é um dado importante para estabelecer o diagnostico d'estas duas espécies de granulações, porque nestas partes não existem papillas que se possam hyper- trophiar. A conjunctiva na qual encontram-se as papillas hyper- trophíadas tem um aspecto villoso e tomentoso. As granulações folliculosas affectam a maior parte das vezes uma fôrma ovalar e a do trachoma como já disse é arredondada. A saliência folliculosa se faz de um modo menos abrupto (Wecker e Landolt). Contrariamente, as granulações verdadeiras que podem attingir um maior desenvolvimento, deixam entre si sulcos profundos. Os folliculos apresentam uma cor cinzenta que pôde ser ama- rellada ou rosea e são semi-transparentes. Esta coloração é também commum ás verdadeiras granulações. Nestas é mais commum a cor cinzenta rosea e nas folliculosas a cinzenta amarellada. O trachoma, ás vezes, attingindo um grande desenvolvimento, torna-se muito transparente, porém ainda assim nunca adquire a transpa- rência que se observa nos folliculos. As granulações verdadeiras são sempre mais ou menos opacas, mas nunca tão diaphanas como os folliculosos (Wecker, Landolt, Galezowski). Tanto o trachoma como as elevações folliculosas podem occupar os mesmos pontos da conjunctiva desde o bordo adherente ao fundo do sacco conjunctival. O primeiro tem a sua sede mais commum- mente no tarso da palpebra superior e sobretudo no bordo adhe- rente e no fundo de sacco. A maior parte dos ophtalmologistas está de accôrdo dizendo que as granulações folliculosas se observam sobretudo no fundo de sacco superior e na conjunctiva tarsiana inferior. Um signal de importância que distingue estas duas espécies de elevações conjunctivaes: é a disposição que ellas podem tomar na mucosa. Assim as folliculosas são distribuídas em series lineares, o que poucas vezes se dá com o trachoma que apresenta-se em grupos isolados. 43 Finalmente a natureza neoplasica do trachoma lhe permitte existir onde não houver nem folliculos, nem glândulas, isto é, sobre a superficie epithelial da cornea. Quando as granulações folliculosas adquirem um grande vo- lume e se confundem com as verdadeiras, o estado da mucosa pôde auxiliar-nos como um meio de diagnostico. Neste caso a con- junctiva estará mais ou menos intacta, salva a presença das gra- nulações folliculosas. Se se tratasse do trachoma, com o desenvolvimento de que acima fallei, o estado da mucosa seria outro. Além do tecido neo- plasico a mucosa estaria edemaciada e as pupillas se hypertro- phiariam. Onde existem numerosas granulações verdadeiras se encontram também papillas hypertrophíadas. Granulações folliculosas muito numerosas e desenvolvidas podem deixar a conjunctiva apenas edemaciada, sem crescimento de papillas, salvo um accidente inflammatorio que dê esse resul- tado (Wecker). Os caracteres differenciaes que vimos de expor são muitas vezes inúteis, porque se confundem e acontece que as granulações neoplasicas dosapparecem abafadas pelas papillas hypertrophíadas e infiltradas de productos neoplasicos. O exame microscópico permitte ainda que se reconheça a presença de uma membrana envolvente nos folliculos e que não se nota no trachoma. Segundo Galezowski para reconhecer-se a natureza das granu- lações é necessário recorrer a certos symptomas tirados da marcha da moléstia e de suas complicações. Os signaes clínicos que diz serem verdadeiramente caracterís- ticos, são os seguintes, citados por elle : 1.°—O mais importante destes signaes é a keratite granu- losa. Esta keratite constitue um signal pathognomonico das gra- nulações verdadairas. Elle tem grande valor porque se desenvolve nos primeiros períodos da moléstia e por ser facilmente reco- nhecido. 44 2.° — Um signal não menos característico se tira das cicatrizes que apresenta a conjunctiva. Estas cicatrizes apresentam-se debaixo da forma de series lineares, brancas, sobretudo apreciáveis nos lugares em que as granulações foram mais abundantes, isto é, sobre a conjunctiva palpebral superior. Ellas constituem para o diagnostico um symptoma de primeira ordem. 3.°—A deformação do tarso em um período mais avançado da moléstia, acaba de confirmar o diagnostico, produzindo o ectropion, o trichiasis, districhiasis e o estreitamento da fenda palpebral. 4.°—São estes os signaes mais importantes; porém o aspecto geral da conjunctiva apresenta também um certo interesse. É assim que no processo granuloso a mucosa sempre injectada e infiltrada perde a sua transparência e não deixa ver nem as glândulas de Meibomius, nem a coloração branca dos tarsos. 5.°— O trachoma é quasi sempre binocular, na maioria dos casos, e o estado da mucosa do olho em que as lesões estão mais avançadas, pôde singularmente esclarecer o diagnostico das alterações do outro olho. Com a clareza que nos foi possível exprimir na confecção deste capitulo, tentamos desenvolver os meios de diagnostico das granulações. Teríamos attingido a meta desejada ? Cremos que sim, se esta opinião, que é a de Wecker, é a única verdadeira, E' preciso, porém, notar que os dados que apre- sentamos são de um valor precioso em mãos de práticos experi- mentados. Os médicos inexperientes, pouco affeitos a observar e examinar conjunctivas granuladas, achar-se-hão embaraçadissimós, quando diante de uma conjunctiva coberta de elevações, tiverem de pronunciar-se por uma das espécies de granulações. TRATAMENTO É esta uma das partes mais importantes do nosso trabalho. Diíficil é o tratamento das granulações, principalmente quando ellas são acompanhadas de outras não menos graves affecções oculares, que não são mais, do que complicações da moléstia pri- mitiva. Podemos dividir o tratamento em duas grandes classes: o tratamento geral e o tratamento local. TRATAMENTO GERAL Arlt e, com elle, todos os que se têm occupado d'este assumpto, estão de acordo, quando aconselham que se levante o moral do doente. De facto, quando os granulosos recorrem aos práticos, reclamando os seus soccorros, estão pela mór parte em estado adiantado de moléstia, ou então tendo experimentado dif- ferentes tratamentos e por muito tempo, quer obtendo melhoras passageiras, quer nada experimentando que annuncie uma termi- nação favorável de sua enfermidade, comprehende-se que elles se acham em condições especiaes. A longa duração do tratamento e mais ainda as recahidas constantes, tornam os doentes tristes e abatidos. Convém, portanto, fazer-lhes comprehender que, sujeitando-se com paciência ao tratamento é que elles poderão obter a cura, e ao mesmo tempo prevenil-os de que as recahidas são freqüentes, vindo assim demorar o tratamento, e que ainda assim com todos estes obstáculos não devem desanimar de fôrma alguma. 46 Restabelecer a constituição enfraquecida por uma boa ali- mentação, aconselhar aos doentes que respirem tanto quanto lhes for possível o ar puro, que passêem, se o permittir o seu estado de saúde, que evitem sobretudo o ar viciado nos logares em que possa reunir-se um grande numero de pessoas durante algum tempo, o fumo, as exhalações ammoniacaes (urina, excrementos), emfim, todo o excesso de luz, eis ao que deve attender o pratico. A mudança de casa e de ar exercem benéficos effeitos no tratamento do estado da conjunctiva e são um auxiliar poderoso do tratamento local. Abadie, a esse respeito, cita o caso de um doente seu que procurou-o em estado adiantadissimo de moléstia. Depois de têl-o desembaraçado de um pannus vasto, que ameaçava a cornea, fêl-o seguir, a conselho seu, para a Suissa. Este doente restabeleceu-se completamente. Todos sabem, que na Suissa, onde a pureza do ar é proverbial, não se conhece o trachoma. Terminando as breves considerações que vimos de fazer, apre- sentamos o resumo feito por Deval das 29 proposições, firmadas pelo Congresso Ophtalmologico de Bruxellas, nas quaes são in- cluídos os princípios de hygiene e prophylaxia applicadas á con- junctivite granulosa : l.a — O meio preservativo por excellencia consiste em afastar tanto quanto for possível os indivíduos contaminados dos indiví- duos sãos. 2.a — Se o mal existe em estabelecimentos, como sejam : hos- pitaes, casas de correcção, etc, um logar especial será reservado aos granulosos. 3.a — Se uma criança, numa familia, é affectada de granula- ções, deverá ella dormir em um leito separado e tanto quanto possível só em um quarto; e n'este caso deve ser guardada a maior vigilância para que os objectos de que ella se serve habi- tualmente sejam reservados exclusivamente para o seu uso. 4.a — Desde que as granulações sejam descobertas em um alumno, num collegio, deve elle ser remettido para a sua familia até que se restabeleça completamente. 47 5." — Si o flagello se manifestar no exercito, os atacados de granulações devem ser enviados para o deposito. 6.a — Não devem elles ser reintegrados aos seus respectivos corpos, senão depois de serem postos em observação, em compa- nhias especiaes, depois da cura provável das granulações. 7.a — Os cuidados médicos devem ser prestados em salas se- paradas : separar os convalescentes dos doentes. 8.a — Exercer uma vigilância rigorosa na roupa branca, fatos, etc. 9.a — Caiar e desinfectar os logares em que residiram os o ph tal micos. 10.a — Examinar muitas vezes os olhos dos soldados, sobre- tudo depois de uma primeira contaminação. ll.a — Neste exame ter um grande cuidado em não inocular em si o principio maléfico. TRATAMENTO LOCAL No tratamento local, que pôde ser encarado debaixo de dous pontos de vista, podemos destruir as granulações por meios vio- lentos, ou determinar por cauterisações superficiaes, applicações irritantes ou inoculações, uma inflammação substitutiva que provoca a reabsorpção d'estas granulações. Á vista d'isso dividimos muito naturalmente o tratamento local em — tratamento pelos processos cirúrgicos — tratamento pelas cauterisações ou methodo substitutivo. Este ultimo pôde ser subdividido em tratamento pelos cáusticos propriamente ditos, tra- tamento pelas inoculações de píis de ophtalmias purulentas ou blenorrhagicas e tratamento pelo Jequirity. TRATAMENTO PELOS PROCESSOS CIRÚRGICOS Escarificações. — Os que têm empregado este tratamento, dizem que elle tem toda a indicação nos casos em que ha tume- cencia das papillas e granulações diffusas ou mixtas e augmento de volume da mucosa muito pronunciado. 48 As escarificações devem ser feitas com uma lanceta, uma faca de cataracta ou mesmo um escarificador em uma direcção paral- lela ao bordo livre; duas ou três vezes e mesmo mais, se for necessário, com um ou dous dias de intervallo. Ellas tem por fim combater o excesso de inflammação, que muitas vezes acompanha o deposito do tecido neoplasico na mu- cosa conjunctival. Erraríamos, se quizessemos fazer das escarificações um me- thodo geral de tratamento das granulações, pois ellas produzem então cicatrizes perigosas, sobretudo quando são seguidas de cau- terisações, que nestas condições devem actuar profundamente. O sulfato de cobre é o preferido para cauterisar a conjunctiva depois das escarificações. Além d'isso, como bem diz Wecker, a que titulo iríamos es- carificar uma conjunctiva pallida, pouco inflammada e coberta de granulações ? Attrito da conjunctiva (raclage). — Meyer substitue as es- carificações pelo attrito enérgico produzido por meio de uma esponja um pouco dura sobre a mucosa doente. « O resultado, no ponto de vista do escoamento do sangue é o mesmo, e eu creio que retirando assim a camada epithelial, provoca-se uma actividade de circulação que favorece a reabsorpção das granulações. » Eis as próprias palavras do auctor já citado, explicando a acção d'este meio de tratamento da moléstia de que nos occu- pamos. O tratamento das granulações por esse processo já era conhe- cido e empregado por Hypocrates, que se servia para executal-o de um rolo de lã não cosida. Hoje Panas depois de attritar a conjunctiva cauterisa-a com o sulfato de cobre. ExcisÃo das granulações. — A excisâo das granulações da qual muito bem diz De vai é condemnada por muitos práticos. Ella tem sido tentada nos casos de granulações isoladas e pedi- 49 culadas, fazendo uma saliência exagerada, porém com todo o cuidado afim de não offender a conjunctiva. ExcisÂo dos fundos-de-sacco conjunctivaes. — Este processo tem sido empregado e aconselhado em casos excepcionaes em que as granulações extremamente abundantes, em que a mucosa e os tecidos subjacentes hypertrophiados não soffrem modificação alguma sob a influencia das cauterisações. Eis o processo operatorio de Galezowski: « O doente deitado e adormecido, si quizer, volta-se a palpebra inferior e prende-se com uma pinça o fundo-de-sacco e traz-se-o para fora, procurando tanto quanto for possivel luxal-o sobre o tarso. Confia-se esta pinça ao ajudante, collocado á cabeceira do leito, começa-se a dissecção da conjunctiva, primeiro em seu limite bulbar e depois perto do seu bordo tarsiano. A incisão posterior não deve invadir o globo ocular, nem ultrapassar a espessura da conjunctiva. A dissecção d'esta parte do bordo tarsiano e para diante da pinça deve ser feita com muito cuidado, para não comprometter o tarso nem offender a conjunctiva bulbar. Feita a operação para-se a hemorrhagia e applica-se compressas geladas. » Passados três dias, principia-se de novo a cauterisar as partes, e, depois de um a três mezes d'este tratamento, conta Galezowski, curas radicaes e melhoras mui sensíveis. Richet em primeiro lugar remove os obstáculos á excisão do fundo de sacco, obstáculos estes que não são mais do que compli- cações das granulações e que consistem na retracção do tarso e da fenda palpebral. Elle incisa pois o angulo externo do olho, com- prehendendo a pelle, a camada muscular, o tecido fibroso e a con- junctiva. Depois d'isto volta as palpebras com immensa facilidade e conservando-as fortemente afastadas, Richet prende as dobras conjunctivaes e excisa-as com tesouras. Apezar dos magnificos resultados que, diz Galezowski, haver alcançado em mais de duzentos doentes, esta pratica é inconve- niente e mesmo prejudicial, porque as perdas de substancia dão lugar a cicatrizes na conjunctiva palpebral, que podem algumas vezes constituir enfermidades incuráveis. «359 — 4 50 Ella foi assumpto de uma discussão interessantíssima na So- ciedade de Cirurgia, na qual tomaram parte muitos homens no- táveis, taes como Panas, Terrier e Abadie. Panas, criticando a lembrança de tirar-se retalhos da conjun- ctiva, pronunciou-se abertamente contra ella, e a proposição — ce nest pas lorsque 1'etofe manque quil faut encore en enlever — mostra, enunciada por elle, a justeza de sua apreciação. TRATAMENTO PELOS CÁUSTICOS E principio admittido por quasi todos os ophtalmologistas que é necessário para promover a absorpção, e portanto o des- apparecimento do tecido neoplasico, um certo grau de vasculari- sação da mucosa conjunctival. Esse fim podemos attingir e provocamos esse grau de tur- gencia da mucosa com cauterisações reiteradas. No caso de já existir, lançando mão do mesmo meio, conseguiremos mantel a por algum tempo, dando assim lugar a que ella influa sobre o estado granuloso da conjunctiva. Convém lembrar que esta turgencia deve estar em relação com a massa do tecido neoplasico. As cauterisações devem ser feitas com todo o cuidado e pru- dência. Si não procedermos por este modo, de certo lamentaremos os graves inconvenientes que podem dar-se. Consecutivamente a essas cauterisações mal feitas, dão-se perdas de substancia, que dão lugar ao apparecimento de cica- trizes e deformações consideráveis, podendo muitas vezes aggravar o estado da cornea. Stromeyer diz que as cauterisações são mais perigosas para o doente do que a própria doença. Elle exagera o efíeito das cau- terisações, exprimindo se por este modo, mas em todo o caso tem o mérito de prevenir os práticos e assim obrigal-os a procederem pelo modo já por nós indicado acima. 51 Segundo Wecker, sempre ás granulações associa-se um certo grau de purulencia que varia, segundo os casos. A purulencia pôde nascer espontaneamente sobre a conjun- ctiva granulada e ser em tal gráo, que, só por si, seja sufficiente para fazer desapparecer a producção mórbida. Outras vezes ella é de tal fôrma pronunciada que se torna necessário reprimil-a. Para subjugal-a podemos recorrer ao emprego de compressas frias e ás cauterisações com uma solução de nitrato de prata que segundo Wecker deve ser de 1 gramma de nitrato de prata para 50 de água distillada. Este mesmo autor diz que o emprego dos ácidos carbolico e salicylico presta nestas condições serviços valiosissimos. A inflammação que acompanha o deposito das granulações na conjunctiva, não sendo muito pronunciada, não pôde, finalmente, dar lugar á absorpção do tecido mórbido. E este o caso mais commummente observado e no qual de- vemos intervir com o emprego de um tratamento irritante, con- sistindo em cauterisações repetidas. E aqui que, principalmente, somos levados a provocar uma vascularisação capaz de absorver as granulações. As substancias mais empregadas para esse fim são o sub- acetato de chumbo, o sulfato de cobre, e o nitrato de prata. Sub-acetato de chumbo. — O sub-acetato de chumbo foi pela primeira vez empregado por Buys, que preconisou as suas van- tagens praticas. Esta substancia, que deve ser pura e bem porphyrisada foi applicada da maneira seguinte por este autor. Um pincel de ante- mão molhado em água distillada e depois mergulhado em uma porção de pó de acetato de chumbo, que lhe fica adherente é le- vado ao angulo externo do olho, onde deve ser demorado durante alguns instantes. As lagrimas que se escoam constantemente re- duzem a substancia á uma massa, cuja quantidade augmenta com as novas applicações do pó. Quando a massa é já sufficiente, deve ser espalhada por toda a conjunctiva, tendo o cuidado de fazel-a penetrar pelas suas anfractuosidades. 52 Recommenda Buys que se principie a applicação pela pal- pebra inferior, sem o que as lagrymas que se escoariam em abun- dância quando se applicasse a massa metallica na palpebra superior destruiriam a camada que se depuzesse sobre a palpebra inferior. A dor, que pôde ser incommoda no começo da applicação desapparece depois. A necessidade de novo curativo é indicada, diz Buys, pela sensação incommoda que experimenta o doente e que indica que algumas granulações escaparam á acção do sal, que deve ser col- locado somente nos pontos em que houver falta do verniz protector. Este processo soffreu uma ligeira modificação. A massa só depois de preparada é que se applica sobre a conjunctiva exacta- mente como fazia Buys. Ella tem assim a vantagem de apresen- tar-se em um estado de mistura mais perfeito e não offerecer, portanto, crystaes não dissolvidos á mucosa, que deviam necessa- riamente irrital-a. Wecker em sua obra recentemente publicada indica as des- vantagens trazidas pela applicação do sub-acetato de chumbo por este modo. Diz elle que esta substancia assim estendida, sob a fôrma de verniz solido sobre a superficie da conjunctiva, tem o inconveniente de adherir muito á mucosa e exercer um attrito prejudicial sobre a cornea. Além d'isso ella não impede as recaídas ás quaes são muito expostos os granulosos. Accrescenta que este tratamento não permitte que a mucosa seja constantemente observada e que ainda mais a sua acção não é tão rápida como se tem aífirmado e termina dizendo serem estas as razões pelas quaes este medicamento que tanto tem sido exaltado, vae pouco a pouco sendo abandonado, pois ao lado de vantagens medíocres encontram-se graves incon- venientes. Warlomont, porém, afnrma ter sido bem succedido applicando-o nos casos de granulações de marcha excessivamente chronica, sem lacrymejamentos, nem photophobia. Nos casos contrários as lagry- mas arrastarão o sal e os seus effeitos serão nullos. Abadie em suas lições de clinica ophtalmologicas, diz que em- 53 prega de ordinário o sub-acetato de chumbo com o qual tem obtido grandes vantagens. Nos casos mais graves este sal é reunido a água em partes iguaes. Quando as granulações são em pequena quantidade as relações são menos concentradas (5 para 15). Estas soluções são applicadas por meio de um pincel, sobre a mucosa affectada. Depois da appli- cação é indispensável o cuidado de lavar com água as palpebras para tirar o excesso do cáustico, cujas partículas insoluveis se pre- cipitam e podem ficar prezas entre ellas e o globo ocular. Isto que acabamos de dizer é em referencia á moléstia quando a cornea não apresenta ulcerações. Até aqui todos estão de acordo. Quando porém, ás granulações associa-se um estado ulceroso da cornea deve-se empregar as soluções do sub-acetato de chumbo? Abadie diz que sim. Para elle quer n'estes, quer naquelles casos não se deve receiar os pretendidos perigos do emprego d'este sal, que o Dr. Panas diz, quando ha ulceras da cornea, penetrar entre os elementos d'esta membrana e incrustar-se em suas difte- rentes camadas, formando depósitos brancos e constituindo uma ver- dadeira complicação que este professor denominou —keratite chimica. As impregnações indeléveis d'esta substancia na cornea ex- plicam satisfactoriamente a repugnância de certos práticos quando desejam lançar mão d'este tratamento. O meio de prevenir esses accidentes desagradáveis, diz Abadie, está ao alcance de todos. Basta que, logo depois da applicação do sal tenha-se o cuidado, de, como já disse, lavar com escrupulosa attenção as partes para tirar as partículas de chumbo. Procedendo por esta fôrma nada ha que receiar, segundo o já mencionado professor. Meyer e outros são da opinião de Panas e regeitam termi- nantemente o emprego d'este sal nos casos em que a cornea não estiver intacta. LTm pratico distincto emprega o acetato de chumbo e .água em partes iguaes quando se trata de trachoma mixto ou diffuso e que as granulações estejam cobertas de uma camada espessa de epithelio e quando finalmente a secreção muco purulenta for pouco abundante. 54 Sulfato de cobre. —Sendo a conjunctiva, sede das granulações muito pouco vascularísada o sulfato de cobre solido, sob a fôrma de lápis, provoca a vascularisação desejada quando posto em con- tacto com as partes invadidas pelo neoplasma. Estas cauterisações eram feitas por dous processos. Em um voltava-se a palpebra e cauterisava-se a mucosa nos pontos aflectados; no outro, seguido pelo professor Panas o lápis era introduzido entre a palpebra e o globo ocular. Além de outros inconvenientes d'esta substancia neste estado ha o de não poder-se cauterisar todos os pontos da mucosa nem levar o lápis até ao fundo de sacco. Os médicos belgas, entre os quaes citamos Warlomont e assim Abadie, em França, para obviar esses inconvenientes e aproveitar a acção d'esta substancia emprega-a sob a fôrma de glyceroleo (1 gramma para 10 grammas). Um pincel molhado neste preparado é levado ás palpebras, e passado sobre a mucosa, em todos os seus pontos. Diz o professor Abadie que o glyceroleo de sulfato de cobre tem a tríplice vantagem de ser menos doloroso, de attingir facil- mente todos os pontos da mucosa e de actuar de um modo igual sobre todos os pontos. O Dr. Panas ao emprego do sulfato de cobre solido, accres- centa, porém, o uso de compressas quentes applicadas noite e dia sobre os olhos e vaporisações de água quente com o apparelho do Dr. José Lourenço. As compressas devem ser mudadas todas as vezes que estiverem seccas ou frias. Depois d'estas cauterisações, para acalmar as dores, os doentes devem banhar os olhos com água fria. Na opinião dos que fazem uso do sulfato de cobre, este cáustico produz uma escara muito superficial. Qual o intervallo que devemos guardar entre as cauterisações ? Wecker diz que é indispensável que ellas sejam feitas somente depois do desapparecimento da irritação produzida pela primeira, e que além d'isso não devem ser repetidas muitas vezes para não irritar a conjunctiva, demasiadamente, porque n'esta moléstia é pre- ferível ficar á quem á ir além do tratamento necessário. 55 Um facto curioso de observação é o modo por que se portam os cáusticos para com a mucosa. Tratando-se de granulações chronicas o medico é surprehendido ao ver que um cáustico empregado habitualmente não produz mais sobre a mucosa o effeito desejado. A sua acção sobre ella torna-se nulla. A dor deixa de se fazer sentir e o estado da mucosa volta ao que era antes da applicação do cáustico. Recommenda-se nestas condições que se varie o tratamento e que depois das cauterisações com o sulfato de cobre, se façam novas com uma solução de sub-acetato de chumbo. Outros práticos alternam as applicações de sulfato de cobre com as de nitrato de prata. Para Abadie é esta substancia sob a fôrma de glyceroleo nas proporções já indicadas que tem produzido as maiores vantagens. A acção prolongada d'este glyceroleo, dá resultados satisfactorios, diz Abadie, nos casos de granulações chronicas, rebeldes á numerosos tratamentos. As granulações desapparecem, e a mucosa volta ao seu estado normal ou apenas soífre mudanças pouco notáveis em sua estructura intima. As complicações corneanas cessam rapidamente e a cornea nos casos de pannus readquire a sua transparência primitiva. Nitrato de prata. —O nitrato de prata tem sido empregado em lápis, ou em soluções mais ou menos concentradas. Em lápis tem o inconveniente, apontado por Deval, de não ser possivel avaliar até onde pôde chegar a acção das cauterisações. Devemos pois dar a preferencia ás soluções d'este sal. Tra- tando das cauterisações pela solução do nitrato de prata. Decondé aconselha que se cauterise em primeiro lugar a palpebra superior e depois a inferior para que aquella, sendo curada não possa derramar sobre esta os productos irritantes que contribuem para entreter a moléstia. Para que se tenha mais segurança no tratamento instituído, convém que se leve a solução até o fundo de sacco conjunctival. Applicada esta, é de todo o rigor que se lave as partes que 56 soffreram a acção do cáustico com água salgada para neutralisar o excesso do sal empregado. Graefe recommenda que se faça todo o possível para que a cornea não seja tocada por elle. As soluções mais empregadas são as de 2 grammas para 100. Uns usam soluções fracas, e outros entre os quaes Hairion prefere as concentradas. Na opinião de Wecker o nitrato de prata não deve ser uti- lisado como meio de tratamento do trachoma: porém presta ser- viços valiosissimos nos casos em que as granulações se acompanham de purulencia. Galezowski recommenda que se tenha muito cuidado por oc- casião de cauterisar-se a conjunctiva passando muito de leve sobre ella a solução cáustica. Além d'estas, outras substancias tem sido empregadas e d'ellas trataremos em seguida. Tanino. — O tanino tem sido preconisado por Hairion e se- gundo Meyer em forma de glyceroleo possue a vantagem de poder ser applicado pelo próprio doente. Este glyceroleo, que compõe-se de 1 gramma de tanino para 15 de glycerina, é empregado fre- qüentemente pelo professor Abadie em substituição de tempos a tempos do sulfato de cobre, para que a mucosa não se habitue com este ultimo. O alumen, o borax e o salicvlato de sódio têm sido empre- gados. Fromont serviu-se da tintura de iodo nos individuos irritaveis e lymphaticos. O ácido chromico foi experimentado por Hairion. O chlorureto de zinco foi preconisado por Hays. O ácido phosphorico apresentado por Cunier. O chlorureto de ouro lembrado por Clay Wallace. O ácido nitrico e as quatro ultimas substancias não foram acceitas na pratica. A maior parte dos ophtalmologistas não faz uso de forma alguma dos cáusticos fortes e enérgicos. De suas applicações proveem cicatrizes que não podem ser 57 evitadas. No tratamento das granulações neoplasticas tem toda applicação o que diz Stromeyer. Este distincto pratico, com a auctoridade que todos lhe reconhecem, affirma que todo o trata- mento que ataca directamente as granulações com o fim de des- truil-as, é máo. Com a destruição das granulações apparecem cicatrizes, que, sendo a ultima phase do desenvolvimento ou evolução do trachoma, é o que temos em vista evitar principalmente. TRATAMENTO PELA INOCULAÇÃO DO PUS DA CONJUNCTIVITE PURULENTA OU DA BLENNORRHAGIA Este methodo de tratamento foi introduzido na sciencia em 1812 por Joeger, de Vienna, para uns; outros, porém, dão as honras d'esta descoberta ao professor Henrique Walker, de Glasgow. Parece, porém, que foi aquelle, segundo um bem crescido numero de autores, que tivemos occasião de consultar, que teve primeiro a idéia de inocular o pus de opthalmia purulenta para curar, por este meio, a conjunctivite granulosa. Depois d'elle José Piringer praticou largamente estas inocu- lações com o pús de ophtalmia dos recemnascidos ou de ophtalmias blennorrhagicas. Carron de Villards empregou por três vezes a inoculação com péssimos resultados. Na America, Stout, de (Nova York,) foi bem succedido e o seu exemplo foi seguido por Dudgeon, na Inglaterra, empregando este o pús de ophtalmia dos recemnascidos. Hairion, (de Louvain) e Yan Roosbroeck (de Gand), e Fallot, (de Namur), praticaram muitas inoculações. Foi Roosbroeck quem primeiro fez uso do pús de urethrite blennorrhagica. Warlomont, Desmarres, Rivaud Landeau (de Lyon) dirigiram os seus esforços no mesmo sentido. Apezar dos brilhantes resultados obtidos por d'Ubaldo Daveri e Torri (na Itália), de Bader, Humphry, Hutchinson, Lawson, Taylor, Wilson, Hildige (na Inglaterra) este methodo completa- 58 mente abandonado e esquecido em França desde 1857 só em 18 i 3 foi de novo empregado. As observações ulteriores publicadas nesse mesmo anno por Léon Brière, por Panas em 1878, por Poncet (de Cluny) em 1881 e por Dianoux fizeram vêr que este meio therapeutico era uma poderosa arma para debellar as granulações conjunctivaes, e assim o pannus. Como se vê, o pús empregado tem sido de ophtalmias dos recém-nascidos, e blennorrhagicas e de urethrites blennorrhagicas. Em alguns casos em que foram empregados pús de opthal- mias dos recém-nascidos e de urethrite blennorrhagica o effeito d'essas inoculações foi nullo. Assim as opiniões a respeito da preferencia que se deve dar a estas espécies de pús têm sido varias. O que é certo e admittido por muitos autores é que o pús da conjunctivite dos recém-nascidos é considerado como menos violento, e como expondo menos a cornea ás ulcerações e por isso mais vezes empregado. Nestas questões de inoculações dous factores me parecem em presença, um, o virus, que deve ter seu máximo de intensi- dade quando o pús é recolhido no período agudo da affecção con- tagiosa; o outro, o terreno sobre o qual é deposto este virus, terreno mais ou menos favorável, segundo a antigüidade do mal, o estado mais ou menos granuloso da conjunctiva e da cornea e mesmo a transformação cicatricial das membranas oculares que são a sede da ophtalmia granulosa. Explica-se assim porque o pús de uma blenorrhagia aguda não poude determinar inflammação alguma modificadora em um pannus muito antigo, como refere Roosbroeck. — Terrier. Estas inoculações tem sido feitas quando a cornea apresenta ulcerações, e dizem com algum resultado. O que é certo, é que, na opinião de muitos práticos, podem dar logar á perforação desta membrana. Convém, portanto, não pôr em pratica este meio quando a cornea estiver nestas condições. Os staphylomas da cornea são contra-indicação para as ino- 59 culações, quando forem muito desenvolvidos e principalmente quando a cornea apresentar-se muito adelgaçada. Para Warlomont, na affecção unilateral não se deve lançar mão d'este meio. O professor Abadie não pensa do mesmo modo e emprega para preservar o olho são, um monoculo de caoutchouc do Dr. Maurel. Eis o que diz Abadie : Este monoculo, que é munido de um grosso vidro de relodo muito convexo, de modo a cobrir e preservar o olho são, adapta-se perfeitamente, graças á sua guarnição de caoutchouc, sobre as partes molles peri-oculares e constitue um apparelho perfeito de protecção. Não ha palavras com que se possa exprimir a utilidade d'este apparelho e si eu não o tivesse á minha disposição, teria certamente hesitado em recorrer á inoculação. Por mais minuciosas que sejam, com effeito, as precauções tomadas, e por mais activa que seja a vigilância sobre o olho são, este corre sempre o risco de ser contaminado. Si ambos os olhos forem affectados, alguns práticos fazem as inoculações, sendo uma para cada olho; outros inoculam o pús em um só dos olhos, contando que depois o outro seja contaminado. A duração da inoculação não é fácil de determinar. Umas vezes é de 11 dias, outras de 14. Em alguns casos foi de 3 a 4 semanas ; em outros 30, 40, 45 dias. No tratamento da conjunctivite purulenta provocada os prá- ticos dividem-se em 2 grupos. Um, proscreve qualquer intervenção na marcha da affecção, aconselhando apenas a limpeza do órgão. Warlomont lava os olhos com água morna para retirar o pús. Dujardin emprega compressas geladas e loções phenicadas. Faucon faz uso de irrigações repe- tidas de 3 em 3 horas com água alcoolisada. O nitrato de prata é somente empregado quando a perforação da cornea for eminente. O outro grupo da qual fazem parte Rivaud Landeau, Sichel filho, Panas, Abadie, Dianoux, etc, obra contrariamente a aquelle. Julgando necessária a intervenção, elles tratam a conjunctivite pu- rulenta provocada, ao menos no seu periodo agudo, por meio de cauterisações, abandonando a pouco a pouco a si mesma. 60 Si a purulencia tende a cessar mais depressa do que é para desejar-se, afim de produzir o effeito curativo, são indicadas ligeiras cauterisações com o nitrato de prata. Qualquer d'estes dous modos de proceder tem sido coroado de feliz resultado, segundo as observações n'este sentido. Este ultimo porém em alguns casos tem deixado a cornea mais trans- parente. Em resumo eis a opinião de Temer a respeito da questão de que nos occupamos, admittida em parte pela quasi totalidade dos práticos. l.a — A inoculação purulenta é um bom methodo de trata- mento de antigas granulações com pannus. 2.a — Ella é indicada quando se trata de pannus completo e espesso. As ulcerações da cornea, um pannus incompleto ou termis, são até agora contra-indicações á inoculação. 3.a — O pannus granuloso, ou não, e monocular justifica a inoculação, com a condição de preservar-se o olho são com o maior cuidado, o que é possivel. 4.a— O pus a inocular é o da ophtalmia dos recemnascidos. Se este não tiver acção pode-se empregar o da conjunctivite blenorrhagica ou mesmo da blenorrhagia urethral. 5.a — A ophtalmia provocada não deve ser jugulada mas sim tratada convenientemente, a fim de evitar accidente para o lado da cornea. 6.a — Para completar a cura é freqüentemente indicada, instituir-se um tratamento racional com cauterisações de sulfato de cobre, nitrato de prata, pomada amarella e insufflações de pós de calomellanos. 7.a — Excepcionalmente recorre-se a uma nova operação como a peritotomia ou iridectomia. Terrier emprega de preferencia o pus de conjunctivites dos recemnascidos, não só pelas razões que já tivemos occasião de apresentar, como também porque pelas inoculações d'este pus nunca foram observados accidentes geraes. 61 As de pus de urethrite blenorrhagica, em dous casos derem logar a phenomenos de rheumatismo blenorrhagico. O professor Abadie, em um artigo recentemente publicado, propoz-se a demonstrar que este tratamento pôde ser applicado mesmo nos casos em que a cornea não estiver coberta pelo pannus protector. O que o levou a pensar d'este modo, foi a certeza de poder subjugar a conjunctivite purulenta provocada. Com as cauterisações de nitrato de prata, 3 por cento, repe- tidas de 12 em 12 horas elle previne as complicações corneanas si ellas ainda não foram produsidas, ou impede os seus progressos si ellas existem. De posse d'este meio, diz o mesmo autor, a inoculação trouxe sempre uma cura completa e a volta ao estado normal da mucosa. Eis com explica o professor Abadie a cura das granulações pelas inoculações : A conjunctivite purulenta verdadeira é devida á presença de um micro-organismo. Assim o affirmam Haab e Sattler. Estes micro-organismos podem ser transplantados para uma conjunctiva sã e ahi desenvolverem-se dando logar a todos os symptomas de uma conjunctivite purulenta. Ultimamente Sattler em uma communicação feita ao Congresso de Heidelberg, disse haver encontrado micróbios na conjunctivite granulosa, differentes dos que elle teve também occasião de obervar na cunjunctivite purulenta. Pasteur poz o facto seguinte em evidencia: « quando em um meio próprio á cultura de um micróbio, introduz-se um outro, regra geral, o desenvolvimento de um prejudica o desenvolvimento do outro. » Da asserção de Pasteur tira Abadie a conclusão de que uma conjunctiva granulada soffrendo a inoculação do pus da conjuncti- vite purulenta, restabelece-se da moléstia primitiva, que é substi- tuída por esta ultima cuja terminação é quasi sempre satisfactoria. Iwanoff, mostra no seu trabalho já citado, o effeito destruidor do processo blenorrhagico em um olho trachomatoso. 62 É sabido o papel importantíssimo que para elle, gosam essas glândulas, encontradas nas conjunctivas trachomatosas. Diz este professor que a destruição d'essas glândulas pode trazer uma cura radical do trachoma. « O que é instructivo no mais alto gráo é o exame da con- junctiva trachamatosa quando é affectada de blenorrhagia. Iwanoff examinou assim três palpebras. A conjunctivo era infiltrada em toda a sua espessura por cel- lulas de pus. Nos logares em que esta infiltração era ainda fraca as cellulas purulentas eram grupadas sobretudo ao redor das glân- dulas. No seu interior encontram-se alguns glóbulos de pus isolados. O epithelio das glândulas é alterado. Quando a infiltração é ainda fraca as cellulas cylindricas só são muito distendidas e transfor- madas em vesiculas que occupam todo o espaço interior das glân- dulas. Os limites d'estas vesiculas são pouco distinctos, seu con- teúdo é completamente transparente; em algumas dentre ellas, acham-se duas, três cellulas purulentas no máximo. O epithelio redondo é menos alterado : vê-se apenas a subdivisão dos núcleos, de 2 a 4 núcleos na maior parte das cellulas. Nas glanulas si- tuadas em um logar em que a infiltração é maior, em que a con- junctiva é infiltrada em toda a sua espessura, todo o epithelio, tanto cylindrico, como redondo, é transformado em vesiculas. Emfim encontram-se glândulas que apenas são reconhecidas pelo seu con- torno pouco visíveis (apagadas). Todo o conteúdo é transformado em uma massa amorpha, onde se encontram aqui e alli glóbulos purulentos isolados. Quando as glândulas são alteradas a este ponto, raramente, ellas têm, mesmo de longe, guardado suas dimensões. A mor parte são muito redusidas, ontras inteiramente atrophiadas. » Ultimamente o professor Abadie tem tentado praticar inocu- lações com o pus, procurando attenuar a sua virulência. Elle já estava de posso de meio de transformar a conjunctivite granulosa em conjunctivite purulenta sem fazer com que o olho corresse perigos. Seria esta idéia um meio de evitar as precauções rigorosas indicadas por elle? Ou seria antes motivada pelo receio de não 63 ser possivel em alguns casos, subjugar os phenomenos inflamma- torios que dariam logar necessariamente á destruição da cornea? Para terminar transcrevemos uma observação da clinica do professor Abadie, na qual foram ensaiadas as inoculações de pus attenuado, e que pelas conclusões tiradas da marcha d'esta affecção diante dos tratamentos empregados, nos parece ser de não pequena importância. M. Levier, 47 annos, caldeireiro, habita desde muito o Alto Egypto, onde é empregado em um fabrica. Por muitas vezes teve ligeiras conjunctivites, que cederam facilmente a um tratamento quasi que insignificante. Em maio de 1882, os mesmos accidentes reappareceram porém com outra intensidade: os olhos estavam vermelhos e lançavam uma certa quantidade de pus; as dorem eram vivas. Um tratamento pelo nitrato de prata foi empregado, porém, vendo os seus symptomas aggravarem-se elle decidiu-se a voltar á França. No dia 8 de Junho apresentou-se na clinica do professor Wecker que diagnosticou granulações palpebraes com pannus. O doente foi submettido, durante 15 dias á duchas oculares de vapores phenicados, que deram algum alivio. Depois foram em- pregados as lavagens de Jequirity : Cinco lavagens no olho esquerdo, seguidas de inflammação viva d'este olho, com tumecencia, dores atroces e perda de somno durante 3 noites, depois ligeira me- lhoras: 15 dias depois, cinco lavagens no olho direito, seguidas dos mesmos phenomenos. Mas esta melhora ligeira não teve du- ração e o estado do doente volta a ser tão grave como d'antes. Repouso de uns 20 dias, depois novas lavagens de Jequirity nos dous olhos. Inflammação menos violenta que da primeira tentativa, mas estado consecutivo muito pouco satisfactorio; o pannus tor- nou-se mas espesso, as granulações sempre confluentes. Depois de 6 dias de repouso, cauterisações com uma solução de sub-acetato de chumbo. O estado sendo o mesmo no fim de 12 dias o doente abandona a clinica d'este professor. No dia 3 de Novembro apresentou-se á consulta do professor Abadie que principiou por cauterisar a conjunctiva com glycerolea 64 de sulfato de cobre. Estas cauterisações, supportadas pelo olho direito, muito dolorosas para o esquerdo forão substituídas pelo nitrato de prata em solução. Depois de 5 semanas d'este tratamento, no dia 5 de Dezembro M. Abadie faz no olho direito uma primeira inoculação com o pús attenuado pela mistura de uma solução de nitrato de prata, muito fraca. Continua o olho esquerdo com as cauterisações de glyceroleo de sulfato de cobre. A inoculação é seguida de uma ligeira reacção inflammatoria, um pouco de tumecencia, uma suppuração insignificante; o estado local não mudou. No dia 9 de Dezembro, nova inoculação com o pús attenuado; mesmo effeito insufnciente. No dia 16 inoculação com o pús não diluído, repetida a 20 e 23, mas sem nenhuma eíficacia; apenas produz-se de cada vez uma ligeira tumecencia e suppuração sem importância; as granulações e o pannus não soffreram mudança alguma. A 15 de Janeiro o doente é submettido a um tratamento pelo Jequirity. Fizeram-se 10 lavagens no olho direito no espaço de 8 dias, porém este olho outr'ora tão sensível á esta medicação mostra-se- lhe quasi refractario. Sujeita-se o olho direito ao glyceroleo de sulfato de cobre, Sujeitos á esta ultima medicação os olhos são quasi que resta- belecidos. Três pontos principaes chamam a nossa attenção com a leitura d'esta observação, diz o seu auctor. l.° — A inefficacia das inoculações com o pús diluído. 2.° — A inefficacia das inoculações com o pús puro, conse- cutivas ás primeiras. 3.° — A insensibilidade do olho assim inoculado ás lavagens do Jequirity. 1.° — As inoculações com o pús diluído produziram um effeito insufficiente. Deve este resultado ser attribuido á uma grande di- luição do pús ? Foram variadas as quantidades reciprocas do pús e 65 do nitrato de prata e na ultima inoculação a diluição era quasi nulla. Ou bem seria necessário dar como causa d'esta insufnciencia a pre- existência da conjunctivite jequirítyca, que teria de alguma sorte esgotado o terreno e tornado a conjunctiva inapta á inflammar-se de novo ? 2.° — Do mesmo modo deve-se dar essa ultima explicação para a inefficacia das inoculações com o pús não diluído ? Ou antes não deveríamos consideral-a como o resultado de uma espécie de vaccinação produzida pelas inoculações precedentes ? E n'este caso, não haverá n'este facto uma fonte de pesquizas das mais interessantes sob o ponto de vista da prophylaxia da conjunctivite granulosa e de seu tratamento nos casos de epidemia? 3.° — Emfim, porque o jequirity outr'ora tão activo não pro- duziu o seu effeito depois d'estes diversos tratamentos ? São estas questões cheias de-interesse. A solução, porém, só pode nascer de um grande numero de observações análogas. TRATAMENTO PELO JEQUIRITY O Jequirity da classe das dicotyledoneas, da familia das legu- minosas, da tribu das papilionaceas, (4.a sub familia) do gênero abrus, e da espécie abrus precatorius, é uma planta originaria da Ásia e da África, e que se encontra também na America. Em alguns logares em que ella floresce é empregada como objecto medicinal, substituindo o alcaçuz. As suas folhas, flores e talos são empregadas em infusão como um excellente peitoral. As suas sementes, vermelhas, luzidias, de hilo negro, são conhecidas em todo o Brazil, sob denominações differentes. Além disso são muito procuradas em alguns paizes, para adornos e rosários, e d'ahi o nome de precatorius. Na África são vendidas como producto de acção mysteriosa. O emprego do jequirity nas províncias do Piauhy e Ceará, nos casos de granulações, é de longa data conhecido. Constituía o jequirity um remédio popular, que applicado fre- qüentemente, dava lugar a grande numero de desastres. 5359-5 66 D'isso nos dão testemunho o Dr. Castro e Silva em uma memória publicada em 1867, e o Dr. Moura Brazil que teve occasião de observar, em indivíduos que soffriam este tratamento, inflammações ás vezes tão intensas que, deixando de limitar-se as palpebras, invadiam a face, o pescoço e a parte superior do thorax e não raramente eram observados casos de suppuração das glân- dulas sub-maxillares. O Dr. Castro empregava-o na dose de 1 gramma para 700 de água e preparava-o, como era de uso no Ceará, do modo seguinte: Amollecido o jequirity quer pela água quente quer pela água fria, retirava-se o seu spermo-derma e depois era triturado. N'este estado reunia-se a água fria com a qual ficava em maceração du- rante 24 horas, e depois filtrava-se. Era com esta substancia, assim preparada, que os doentes banhavam os olhos três vezes por dia, deixando que ella pene- trasse bem entre as palpebras. As soluções mais concentradas eram empregadas em gottas durante três dias. Faziam-se novas applica- ções logo depois que cedesse a inflammação produzida pela primeira. O effeito do jequirity sobre as palpebras faz-se logo sentir : o doente sente dores vivas, as palpebras se tumefazem; a sua pelle torna-se luzente, ha lacrymejamento, impossibilidade de levantar as palpebras, etc. Recentemente em Julho de 1882 o professor Wecker publicou nos Annaes de Oculistica, uma communicação feita por elle á Aca- demia das Sciencias sobre este medicamento. A noticia do emprego do jequirity, no Brazil, chegou ao seu conhecimento por uma carta de um antigo cliente que conseguira restabelecer-se no Piauhy, somente com applicação deste meio, de uma conjunctivite granulosa de que ha muito soffria. De posse d'esta substancia e do seu modo de preparação, applicou-a em diversos doentes de sua clinica. De accôrdo com as indicações recebidas o professor Wecker fazia macerar 32 grãos de jequirity bem pulverísados em 500 grammas de água fria, durante 24 horas, e depois addicionava outras 500 de água quente. 67 Frio e filtrado, este liquido assim obtido servia ao doente para banhar com elle os olhos três vezes por dia, até a producção de uma inflammação intensa. De suas experiências tira as seguintes conclusões : 1-° — Que o jequirity provoca rapidamente uma ophtalmia purulenta. Quando em vez de simples loções, elle era applicado á conjunctiva e empregado em compressas embebidas na sua infusão, a purulencia era muito mais pronunciada. 2.° — Que o emprego da infusão d'estes grãos, além de não ser doloroso, provoca promptamente a purulencia como a inoculação, tendo sobre esta a vantagem de não ser usada uma substancia tirada de um individuo, cuja constituição é desconhecida. 3.° — Que com as precauções necessárias consegue-se dosar a purulencia desejada, o que não se obtém na inoculação. Além disso, a inoculação tem sobre o jequirity a desvantagem de não ser tolerada pelos doentes, nos casos, em que, não tendo a primeira produzido a purulencia esperada, seja reclamada mais de uma operação d'esta natureza. Accrescenta este professor que o jequirity pareceu não ser prejudicial ás affecções ulcerosas" da cornea. Depois do artigo publicado em Novembro de 1882, em outro de Junho do corrente anno, Wecker modificou o modo de prepa- ração do jequirity. Reconhecendo que as soluções feitas a frio produzem uma inflammação muito mais intensa, elle emprega com- mummente esta substancia assim preparada: 10 grammas de grãos de Jequirity reunidos a 500 grammas d'agua são postos em ma- ceração durante 24 horas e depois este liquido é filtrado. Passa-se esta solução sobre a conjunctiva doente e applicam-se compressas embebidas na solução durante alguns minutos. São, pois, as soluções de 2 °/0 feitas a frio, as preferidas por Wecker, e que são empregadas nos casos de granulações pouco desenvolvidas e de pannus muito ligeiros, três vezes por dia, du- rante três dias ou mesmo mais. Com este modo de applicação elle obtém inflammações não 68 muito intensas. Estas podem, porém, ser provocadas com a con- dição de serem estas loções muitas vezes repetidas. As soluções de 5 % são preferidas nos casos de granulações muito espessas e antigas e com pannus rebeldes. Aqui, porém, são empregadas as de 2 0/o, quando a cornea apresenta ulcerações. Finalmente, dos numerosos factos de sua clinica tira nova- mente as seguintes conclusões : Incontestavelmente as loções com a infusão dos grãos de jequirity, dão uma ophtalmia purulenta de natureza croupal, cuja intensidade pôde ser dosada, segundo o numero das loções e da concentração da solução empregada. Incontestavelmente a cornea não corre perigo algum durante a evolução da ophtalmia jequirítyca. Incontestavelmente a ophtalmia jequirítyca cura rapidamente as granulações. Quatro mezes depois da communicação de Wecker appareceu nos Annaes de Oculistica um longo trabalho do Dr. Moura Brazil, que já havia sido publicado em Outubro, na União Medica. N'elle declara o seu autor que ha mais de um anno fez as suas pri- meiras experiências sobre o jequirity e que perdeu muito tempo, procurando o seu principio activo, com o fim de dar ás suas applicações uma fôrma scientifica. A analyse chimica d'esta substancia foi feita pelo nosso col- lega Dr. Mello e Oliveira. Do jequirity foram retirados diversos principios, que, todos experimentados pelo Dr. Moura Brazil, não produziram acção alguma inflammatoria, com excepção, porém, de uma substancia extractiva de cor esverdinhada. Esta substancia não foi encon- trada por Wecker, nem por dous chimicos distinctos, preparando, porém, o Dr. Robinet um extracto dos grãos, cuja solução não provocou acção alguma sobre a conjunctiva. O Dr. Mello e Oliveira não encontrou alcalóide no abrus pre- catorius. Ha, no jequirity, diz elle, uma substancia volátil que não pôde isolar, e um facto curioso veio confirmar a sua existên- cia. O Snr. Eugênio Hollanda, pharmaceutico n'esta corte, occu- 69 pando dous trabalhadores na preparação do pó de jequirity para vender ás pharmacias, teve occasião de mandar chamar o seu medico o Dr. Pires Ferreira, afim de tratar de um dos trabalha- dores que apresentou-se com uma dupla ophtalmia, logo depois de haver terminado o trabalho de encher pequenos vidros com o pó preparado. Este accidente tem-se repetido em todos os trabalhadores que se occupam n'este mister, segundo referiu-nos o Senr. Pharmaceutico Hollanda. O Dr. Pires Ferreira attribuiu o facto ao jequirity. Procedendo á experiências em coelhos, conseguiu o Dr. Moura Brazil precisar a dose cio jequirity que produz uma inflammação regular. Assim, em seus doentes foram applicados: o seu principio extractivo na dose de 20 centigrammas para 10 de água distil- lada ; e a infusão ou maceração das sementes separadas dos seus tegumentos, na dose de 50 centigrammas para 10 de água. Diz elle que estas três preparações deram-lhe sempre em todos os períodos da moléstia resultados admiráveis, o que prova com as três observações citadas em seu trabalho, nas quaes con- seguiu curar os seus doentes apenas com uma só applicação de cada uma dellas. A exemplo do professor Wecker e do Dr. Moura Brazil, muitos oculistas têm applicado o jequirit}r em larga escala, porém sempre segundo as indicações d'aquelle. O Dr. Ponti, de Parma, e o Dr. Moyne dão conta de quatro observações que provam a eíficacia do jequirity. O Dr. Pena, na La Oftalmologia Pratica, cita dous casos originaes de conjuncti- vite granulosa, curados pelo abrus precatorius. O Dr. Gillet de Grandmont, cita os felizes resultados obtidos por elle. O Dr. Dujardin diz que empregou o jequirity com van- tagem nos casos de keratite granulosa inflammatoria, mesmo com ulceração da cornea, porém, acompanhada de um estado relativa- mente satisfactorio das conjunctivas palpebraes, e nas perturbações da cornea de origem granulosa, persistindo depois da eicatrisação 70 das granulações, ou mesmo coincidindo com as formas torpidas das granulações. O Dr. Mazza teve occasião de prestar seus cuidados médicos a 30 granulosos, dos quaes 5 restabeleceram-se completamente e 5 melhoraram sensivelmente. Em 15, depois de dous mezes de tratamento, tendo o jequirity provocado inflammações notáveis, as granulações voltaram ao mesmo estado, assim como as affecções corneanas. Nos 5 últimos, finalmente, não obstante as loções muitas vezes repetidas e durante algum tempo, apenas manifestou- se uma ligeira irritação que durou algumas horas. Na sessão de 31 de Março, na Academia de Medicina da Bélgica, o Dr. Deneffe teve occasião de apresentar trabalhos seus sobre a applicação de jequirity. Este medicamento foi experimen- tado por elle na presença de seus discípulos e dos Drs. Wesemael e Clacys. Applicado, de acordo com as prescripções de Wecker, os re- sultados obtidos foram contrários. Com observações originaes, apreciando o modo de preparação e o emprego do jequirity, os seus effeitos, a marcha da ophtalmia provocada, e o estado da conjunctiva depois dos phenomenos inflammatorios, este aífirmou o seguinte : No ponto de vista therapeutico, a inflammação jequirítyca não deu resultado algum. Depois dá mais viva inflammação, renovada mesmo depois de algumas semanas, as granulações não melhoraram. Nenhum dos granulosos tratados pelo jequirity, viu sua mo- léstia soffrer influencia favorável por este tratamento. O jequirity é impotente no tratamento do pannus. O emprego do jequirity não é inoffensivo. Elle transformou, em um dos doentes, uma keratite vascular em pannus crassus. A inflammação que apparece com symptomas muito accen- tuados é fugitiva; em 8 ou 10 dias ella desapparece. Novas loções não podem animal-a nem entretêl-a, apezar de tudo desapparece. O escoamento, mais ou menos abundante, que acompanha a ophtalmia, é antes sero-purulento que purulento. 71 Diz mais que não acredita, que a conjunctivite granulosa seja curada em tão pouco tempo pelo jequirity, quando constantemente observa a inoculação blenorrhagica levar mezes para fazêl-a desap- parecer. Finalmente, depois d'estas e outras considerações, é inclinado a crer, que nos casos em que o jequirity tem sido empregado com vantagem, tratava-se de conjunctivites granulosas, não das ver- dadeiras, mas sim d'aquellas produzidas pela hypertrophia das papillas. De granulações, papillares parece-nos os casos citados pelo Dr. Pires Ferreira, e curado pelo jequirity. Diz-nos elle : temos empregado o jequirity nas ophtalmias granulosas, tanto de recentes manifestações como chronicas ; ora em minha clinica particular, ora na vasta clinica do hospital de caridade, contando por cada doente um triumpho. As observações de Lainati e Nicolini, sobre 15 doentes, re- duzem muito o valor therapeutico do jequirity. Innumeras são as noticias que continuadamente apparecem tanto nos jornaes europeos, como nos da America, a respeito do emprego do jequirity, umas dando-o como um medicamento espe- cifico na cura das granulações, outras finalmente mostrando a sua maior ou menor efficacia. O exame microscópico das soluções de jequirity, assim como o das falsas membranas, umas recentes e outras de dous a três mezes, foi confiado pelo Dr. Moura Brasil ao Dr. Silva Araújo. Eis o que diz este ultimo : « Levei ao microscópio as macerações das sementes esmagadas do jequirity. «. Em todas essas macerações, umas de data recente, outras de dous a três mezes de duração, achei alguma cousa de interes- sante. Nas primeiras, de 24 horas de existência, proximamente, notei grandes cellulas, de duplo contorno, cheias de protoplasma granuloso. Estas cellulas são polyedricas e apresentam, em uma preparação cuidadosamente feita, um aspecto muito parecido com o do epithelio pavimentoso. Empregando o picro-carmim mais fácil- 72 mente attinge-se esse resultado. Por cima d'essas cellulas, no meio d'ellas, e em todas as partes do campo microscópico onde ellas não existem, acham-se pequenas granulações, as quaes, com um aug- mento mais considerável, apresentam o aspecto de corpusculos esphericos, muito brilhantes e dotados de movimentos de rotação sobre seu eixo e até de verdadeira projecção. Com um augmento menos considerável elles simulam uma poeira fina, envolvendo a preparação. « Nas preparações de datas mais atrasadas, as cousas mudam muito. Além do pó, ou, melhor, das gonidias que se havia obser- vado, encontram-se verdadeiras cellulas e tubos de uma planta microscópica. São esporos e mycelio que ahi se apresentam. Os esporos são grandes, ovoides, ora isolados, ora aos pares ou em grupos de três ou mais. Os tubos, uns trazem esporos — tubos esporophoros — outros são vasios. Apresentam ramos. O duplo con- torno é muito fácil de observar. Entre os esporos e os tubos encontra-se o mesmo pó, as gonidias, a que ha pouco me referi. Cumpre observar que esses esporos e tubos são tanto mais desen- volvidos quanto mais antiga é a maceração. A solução de potassa os torna mais visíveis. « O exame do exsudato produzido na conjunctiva forneceu-me, de outro lado, resultados muito curiosos. No doente que primeiro examinei encontrei toda a superficie conjunctival da palpebra su- perior coberta de uma falsa membrana, de aspecto diphterico, que facilmente pude destacar em toda a sua extensão, levantando-a por uma extremidade. O doente portador desta membrana soffrera a instillação de algumas gottas de maceração recente de jequirity. « O exame microscópico mostrou-me que essa membrana era constituida por uma agglomeração de corpusculos de pús, soldados entre si por uma substancia fibroide e cobertos de gonidias, em tudo similhantes ás que observara na maceração recente das se- mentes de jequirity e nas antigas, entre os esporos e os tubos. « Deixando durante 48 horas esta membrana em maceração em água distillada e filtrando, encontrei no residuo muito mais desenvolvidos os elementos cuja existência já havia assignalado. 73 « As gonidias eram mais abundantes e volumosas : umas des- tacadas, representando micrococcus, com toda a apparencia que se lhes dá ordinariamente; outras agrupadas ás duas, quatro, seis e mais. « Umas e outras eram brilhantes, esphericas, dotadas de mo- vimentos de rotação e de projecção. Entretanto esses movimentos não existiam ou, pelo menos, não eram bem pronunciados em todas essas gonidias : algumas pareciam tel-os perdido. « Além d'esses corpusculos em grupos ou isolados, encontrei outros que estavam reunidos em chapas, offerecendo exactamente o aspecto do que se conhece em micrographia sob a denominação de zoogléa. Eram ellas irregulares, mas bem caracterisadas por sua grandeza e pela cor mais carregada, e constituídas por uma mul- tidão de pequenas granulações, soldadas entre si por substancia amorpha. « Havia ainda, nas diversas preparações que examinei, outros elementos em numero de 3 a 4, no campo do microscópio, com um augmento de 400 a 500 diâmetros. « Tratando as preparações, por uma solução de potassa, pude melhor examinar esses corpusculos, que me pareceram formados de um stroma, limitando vacuolos onde existiram esporos simi- lhantes aos que juncavam a preparação. » Esta analyse do Dr. Silva Araújo é mais ou menos confir- mada pelas que foram feitas pelo professor Sattler e pelo Dr. Azevedo Macedo. Este ultimo teve a bondade de mostrar-me o desenho, feito por elle, da preparação microscópica do jequirity. M. Haranger encontrou em uma infusão fresca de jequirity micrococcus, corpusculos e granulações. Muitos práticos pensam que o jequirity actúa como a inocu- lação blenorrhagica. Nunca tivemos occasião de applicar este medicamento em individuos affectados de verdadeiras granulações. Os doentes que cahiam debaixo de nossa observação na Policlinica geral do Rio de Janeiro soffriam de granulações papillares. N'estes foi empre- gado o jequirity pelo Dr. Moura Brasil, segundo as suas indicações. 74 Em um dos doentes, a inflammação, depois do uma applicação apenas de jequirity, foi tão intensa, que deu logar á perforação da cornea, abaixando sensivelmente as elevações conjunctivaes, pouco a pouco, e hoje acha-se quasi restabelecido, tendo a cornea acquirido uma transparência muito notável; em outro os phenomenos infla- mmatorios não foram tão pronunciados e as granulações cederam completamente. Ao descuido do primeiro doente, victima da ulcera na cornea, podemos, em parte, attribuir este desagradável accidente, por ter deixado de comparecer ao serviço da Policlinica no dia immediato ao da applicação do jequirity. Em mais dous doentes foi applicado o jequirity, um, não poude ser convenientemente observado, por se ter ausentado; outro teve uma ligeira inflammação, quasi nulla, não obstante soffrer mais de uma applicação. Em outros casos de que tenho conhecimento o jequirity não produziu irritação alguma, sendo as soluções empregadas muito concentradas e applicadas freqüentemente. Como explicar estes factos ? Será porque estes individuos gozam de uma certa resistência á acção inflammatoria do jequirity? Talvez que seja esta explicação, que avançamos, uma verdade futura. Quanto aos casos citados por Deneffe e outros, em que o jequirity, depois de ter produzido uma inflammação violenta, dei- xou a conjunctiva no estado primitivo, coberta de granulações, o que pensar á respeito? Este medicamento dando logar a phenomenos inflammatorios tão pronunciados, seria ainda a sua acção fraca para debellar as granulações ? O estudo do jequirity ainda não está de todo feito. Confiemos no futuro; só elle nos poderá dar a razão d'estes factos. PROPOSIÇÕES CADEIRA DE PHARMACIA Das quinas chimica e pharmaceuticamente consideradas. I As quinas são cascas de arvores do gênero Cinchona, da familia das Rubiaceas, que se encontram na America do Sul, principalmente no Peru, Nova Granada, Venezuela, Equador e Bolivia. II A introducção das quinas na Europa teve logar em 1638, mas foi somente em 1688 que se teve pleno conhecimento de suas propriedades febrifugas. III Geralmente dividem-se as quinas em cinzentas, amarellas e vermelhas, e o Codex distingue as em cinzenta huanuco, calisaya e vermelha. IV Os alcalóides encontrados nas quinas são : a quinina, quini- dina, quinicina, cinchonina, cinchonidina e cinchonicina. 78 V A quinina, o alcalóide de mais valor, acha-se em maior quan- tidade na quina amarella e vermelha. A quina cinzenta é rica em cinchonina. VI A quinina dá com o ácido sulfurico dous saes importantes, o sulfato básico de quinina e o sulfato neutro. VII O sulfato básico é o empregado em medicina. VIII Conhecem-se ainda outros saes de quinina como sejam: o chlorhydrato, azotato, phosphato, arsenito, antimoniato, ferrocya- nato, acetato, tartrato e citrato, tannato, valerianato e bromhydrato de quinina. IX Os saes de quinina, por serem mais solúveis, são mais com mummente empregados. X As quinas são usadas sob as fôrmas de pó, tisana, extracto, tintura e vinhos. XI O sulfato de quinina é indispensável nos paizes pantanosos por ser um medicamento especifico na cura das affecções palustres. XII Em virtude de sua grande procura, tem sido objecto de muitas falsificações. CADEIRA DE ANATOMIA DESCRIPTIVA Apparelho circulatório em geral. i O apparelho circulatório comprehende o coração e os vasos. II Os vasos, ligando-se uns aos outros, dão nascimento a três canaes principaes, percorridos por sangue de coloração differente. III O canal de sangue vermelho é constituído em sua parte central por uma cavidade de paredes musculares subdividida em auricula e ventriculo. IV É no coração que o fluido nutritivo recebe a impulsão neces- sária para chegar até os limites extremos do organismo. V Tanto no ponto de vista anatômico, como no physiologico, a divisão do coração em direito e esquerdo é fundamentada. VI A disposição muscular intrincada e característica do coração só pôde ser equiparada a da lingua. 80 VII A situação do coração, considerada em suas relações com a economia inteira, corresponde á união do terço superior do corpo, com seus 2 terços inferiores. VIII Os canaes arteriaes procedem de 2 troncos: a artéria aorta e pulmonar. IX A artéria pulmonar merece perfeitamente, por suas funcções, a denominação de veia arterial, dada pelos antigos. X O volume das veias é mais considerável que o das artérias. XI O numero das veias é muito superior ao das artérias. XII O coração é o ponto de partida de numerosos vasos lympha- ticos, tanto superficiaes como profundos. XIII Os nervos do coração emanam dos systemas nervosos gan- glionar e do cérebro espinhal. XIV Os vasos lymphaticos formam 2 canaes principaes: o canal thoraxico e a grande veia lymphatica. CADEIRA DE PATHOLOGIA MEDICA Chyluria, i A chyluria é uma moléstia que se caracterisa pela emissão de urinas, ordinariamente brancas como chylo, outras vezes opales- centes, rosadas, ou cor de café com leite, parecendo conter de mistura os principios do chylo ou da lympha reunidos ás vezes a sangue. II Esta affecção tem sido observada quasi que exclusivamente nos climas quentes. III Attendendo-se ao numero de casos observados pelos clinicos, é rara entre nós. IV A opinião geralmente aceita de ser a chyluria mais commum no sexo feminino é contrariada pela estatistica do Dr. Júlio de Moura, onde figuram 47 mulheres e 52 homens. V Rara na infância e na velhice. Na infância apenas tem sido observados dous casos. 5359 — 6 82 VI Esta affecção apparece por accessos. Estes podem durar horas, dias, semanas e mezes. Os intervallos entre os accessos podem ser de annos. VII A chyluria invade com ou sem prodomos. Estes consistem em languidez, raramente dores ligeiras, mais raramente ainda dores intensas na região lombar, propagando-se á bexiga, á verilha ou mesmo á coxa. VIII No intervallo dos accessos pôde o chylurico gosar perfeita saúde, apparentemente. IX As urinas podem coagular-se na bexiga, o doente sente dysuria, stranguria. O emprego do sonda é muitas vezes reclamado pela obstrucção da urethra. X Os indivíduos affectados de chyluria podem viver durante muitos annos, conservando as outras funcções a sua integridade. XI Os banhos frios, sobretudo os de mar, os tônicos, os ferru- ginosos, os adstringentes são os melhores meios a oppôr a esta enfermidade. XII Tem sido empregados os balsamicos, a tintura de cantharidas, iodureto de potássio. XIII A mudança de clima como meio de tratamento raras vezes falha. HIPPOCRATIS APHORISMI i Ophtalmia laboranti, alvi profluvio corripi bonum. (Sect, VI. Aph. 17.) II Senibus spirandi difficultates, distillationes cum tussi, stran- gurise, dysuriae, articulorum dolores, nephritides, vertigines, apo- plexiie, mali corporis habitus, pruritus totius corporis, vigilke, alvi, oculorum et narium humiditates, visus hebetudines, glaucomata, auditus graves. (Sect. III. Aph. 31.) III Lassitudines spontaneae morbos denunciant. (Sect. II. Aph. 5.) IV Somnus, vigilia, utraque modum excedentia, malum. (Sect. II. Aph. 3.) V Ubi somnus delirium sedat, bonum. (Sect. II. Aph. 2.) VI Vita brevis, ars longa, occasio príeceps, experientia fallax, ju- dicium difficile. (Sect, I. Aph. 1.) --------- ♦♦♦— — Esta these está conforme os Estatutos. Jüo, 29 de Setembro de 1883 Dr. Caetano de Almeida Dr. Benicio de Abreu. Dr. Oscar Bulhões. r