THISi DO lír. 3osé Candivlo via Cosia Sena. THESE DISSERTAÇÃO SECÇÃO MEDICA — Cadeira de hygiene Dos casamentos consanguíneos em relação á liygiene PROPOSIÇOES SECÇÃO ACCESSORIA.—CADEIRA DE MEDICINA LEGAI. Aualyse cMmica nos eiiysneiiaiiieiitos pelo nliosplioro SECÇÃO CIRÚRGICA.—CADEIRA DE MEDICINA OPERATÓRIA Operações reclamadas pelos aneurismas ila artéria poplitéa SECÇÃO MEDICA.—CADEIRA DE PHYSIOLOGIA Da Secreção urinaria THESE APRESENTADA Â FACULDADE DE Olllffi DO 010 DO JIIIOO Em SO de Setembro de -I87."» E PERANTE A MESMA SUSTENTADA .A. 33 DE DEZEMBEO DO MESMO ANNO (Sendo approvada com distineção) PELO / fod (oandidc da (oada éfena NATURAL DE MINAS GERAES (CONCEIÇÃO DO SERRO) Duo sunt proecipui Medicinse cardines: Ratio et Observatio; Observatio tamen est filum ad quod dirigi debenl omnia medicorum ratiocinia. Baglivi. be Janeiro TYPOGRAPHIA UNIVERSAL DE E. <k H. LAEMMERT 71, Rua dos Inválidos, 71 1875 FACULDADE 1 VMM llll 1110 III MIRO DIRECTOR Conselheiro Dr. Visconde de Santa Izabel. VICE DIRECTOR Conselheiro Dr. Barao de Theresopolis. SECRETARIO Dr. Carlos Ferreira de Souza Fernandes. LEMTES CATIlEDItATICOS F. J. do Canto e Mello Castro Mascarenhas.(ia cadeira). Manoel Maria deMoraese Valle. . . . (2a » ). (3a » ). Doutores t PKIMEIIIO ATIHVO Physica em geral, e particularmente em suas appli- cações á Medicina Chimica e Mineralogia. Anatomia descriptiva. Joaquim Monteiro Caminhoá . . . .(Ia cadeira). Domingos José Freire Júnior ... .(2a » ). Francisco Pinheiro Guimarães . . . . (3a » ). (4a » ). SEGUIDO AIIO Botanica e Zoologia. Chimica organica. Physiologia. Anatomia descriptiva. TERCEIRO XXNO Francisco Pinheiro Guimarães . . . . (i“ cadeira). Conselheiro Antonio Teixeira da Rocha .(2a » ). Francisco de Menezes Dias da Cruz . . .(3a » ). Physiologia. Anatomia geral e pathologica. Pathologia geral. QUARTO ANNO Antonio Ferreira França (Ia cadeira). João Damasceno Peçanha da Silva. . .(2a » ). Luiz da Cunha Feijó Júnior (3a » ). Vicente Cândido Figueira de Saboia, . .(4a » ). Pathología externa. Pathologia interna. Partos, moléstias de mulheres pejadas e paridas e de recem-nascidos. Clinica externa (3o e 4o anno). João Damasceno Peçanha da Silva . . .(Ia cadeira). Francisco Praxedes de Andrade Pertence.(2a » ). Albino Rodrigues de Alvarenga . . . .(3a » ). QUITVTO ANNO Pathologia interna. Anatomia topographica, medicina operatória e apparelhos. Matéria medica e therapeutica. SEXTO AXXO Antonio Corrêa de Souza Costa . . . . (Ia cadeira). Barão de Theresopolis (2a » ). Ezequiel Corrêa dos Santos (3a » ). Vicente Cândido Figueira de Saboia, .(4a » ). João Vicente Torres-Homem . . . .{4a » ). Hygiene e historia da Medicina. Medicina legal. Pharmacia. Clinica interna (5° e 6o anno). Clinica interna. Agostinho José de Souza Lima BenjaminFranklin Ramiz Galvão João Joaquim Pizarro João Martins Teixeira ......... Augusto Ferreira dos Santos ....... Luiz Pientzenauer . Cláudio Velho da Motta Maia . José Pereira Guimarães Pedro Affonso de Carvalho Franco Antonio Caetano de Almeida ....... José Joaquim da Silva João José da Silva João Baplista Kossuth Vinelli UENTES SUBSTITUTOS Secção de Sciencias Accessorias. Secção de Sciencias Cirúrgicas. : Secção de Sciencias Medieis* N.B. A Faculdade não approva nem reprovaas opiniões emittidas nasThoses que lhe ião apresentadas. IE A.3VLIIsr-A.r)OI^E!S DOUTORES: Manoel Maria de Moraes e Valle, Presidente. Francisco Praxedes de Andrade Pertence. João Damasceno Peçanha da Silva. Antonio Caetano de Almeida. João Baptista Kossuth Vinelli. DILECTIS ET DISSERTAÇÃO CAPITULO I OMecto teta flíssertaglo.—CoMplnidadé e cruzamento-—Desenvolvimento da esjecíe humana-—Leis e religiões. Experimentum fallax, judicium difficile (Hippocrates.) Encarar as allianças consanguíneas sob o ponto de vista da Hy- giene, é discutir a acção do parentesco dos cônjuges sobre sua prole ; é indagar se o hygienista, consultado a respeito destas uniões, deve de as condemnar, permittir, ou mesmo aconselhar. Esta questão, suscitada modernamente na Europa, tem dividido os observadores em dois partidos, que se batem calorosamente. Sustentão os anti-consanguinistas que é o facto da communidade do sangue a causa principal da esterilidade, do aborto, das mons- truosidades, dos vicios de conformação, etc., observados todos os dias nos cônjuges consanguíneos e em seus descendentes. Os con- sanguinistas olhão a consanguinidade como innocente e põem por conta das causas geraes de moléstia os males que a ella têm sido attribuidos. 4 Alguns partidistas desta ultima escola vão mais longe, e preten- dem que as uniões systematicas entre parentes judiciosamente escolhidos devem trazer á prole resultante decididas vantagens. Entre os anti-consanguinistas, também alguns acreditão que a consanguini- dade não se limita a exercer sua acção funesta sobre os individuos e as familias ; ella produz o abastar damento e a degeneração da raça e da especie. Em cada uma destas escolas militão observadores cuja sciencia e boa fé estão fóra de toda a contestação, e em ambas abundão factos e raciocinios irrespondiveis, na opinião de seus partidistas. Entretanto, examinando-se imparcialmente as duas doutrinas oppos- tas, não se pó de deixar de concluir que si os anti-consanguinistas têm adduzido em favor de sua opinião alguns factos contestáveis ; si alguns têm levado muito longe as consequências da observação, é todavia o seu modo de pensar que deve de ser aceito como verda- deiro. As duas escolas, cujas doutrinas acabamos de expor, procurando apoiar-se na observação do reino animal, têm por talfórma amontoado observações contradictorias e abusado de termos obscuros, que se torna difíicil achar nesse labyrintho o fio dos factos concludentes para a questão, e bastante claros para convencer a quem a es- tuda. Não podemos entrar no longo debate a que tem dado lugar nestes últimos tempos a questão do cruzamento, isto é, da mistura das fami- lias e das raças, olhada por uns como inútil ou perigosa, e por outros como necessária e vantajosa ; limitamo-nos a observar que esta ultima 5 opinião tem a seu favor a immensa maioria das autoridades scien- tificas e procuremos estuda-la em suas relações immediatas com a questão das allianças consanguíneas. E, antes de tudo, o que é consanguinidade ? Significando litteralmente communidade de sangue, esta expressão é applicavel não só aos individuos de uma familia, tomando esta palavra no seu sentido vulgar, mas ainda a todos os individuos de uma raça e até de uma especie inteira, porquanto todos esses seres provierão, como diz Flourens (1), ou têm podido provir uns dos outros. Para o hygienista, porém, consanguinidade é synonimo de paren- tesco e só deve exprimir communidade de sangue nos individuos nascidos dos mesmos paes, communidade que cessa além de certo limite, que pode ser determinado pela experimentação. Este limite é exactamente o 4o gráo canonico ; além delle todo o parentesco deixa de existir, e a união dos sêres assim distanciados da sua origem não deve ser considerada consanguinea pelo physiologista, como não o é pelas legislações. Assim restringido o parentesco, é claro que distinguimos a união dos individuos da mesma familia da dos individuos da mesma raça; a influencia desastrosa da primeira está para nós fóra de duvida, á vista dos factos todos os dias observados ; mas que a segunda pro- duza os mesmos resultados, parece-nos muito contestável. Comeffeito, não achamos facto algum, ao menos na especie humana, que prove de modo positivo a degradação ou a extincção de uma raça devida á simples falta de cruzamento com outra. « Os cruzamentos, diz Carlos Darwin (2), representão na natu- reza um papel importantissimo, conservando nos individuos da (1) Ontologie naturelle, pag. 18, Paris, 1864. (2) De 1’origine des espèces, pag. 145. 6 mesma especie ou da mesma variedade a pureza e a uniformidade typicas. Elles actuão evidentemente com maior efficacia sobre os animaes que se casão (<qui s’apparient) para cada fecundação; mas temos visto que os cruzamentos têm accidentalmente lugar em todos os animaes e em todas as plantas; e mesmo quando elles só se dão com grandes intervallos, os individuos que delles nascem, ganhão com isso tal accrescimo de vigor e de fecundidade, comparativa- mente á posteridade dos individuos não cruzados, que elles têm todas as probabilidades de sobreviver e de propagar sua especie, em detrimento desses últimos. » Se os cruzamentos são úteis na natureza, segundo o sabio inglez, é certo que ainda mais uteis são elles nas raças domesticas, quando a arte procura fundir suas qualidades vantajosas no interesse do homem; observemos, porém, que os termos — perfeição e degenera- ção, de que tanto ss tem abusado, podem exprimir tão sómente a capacidade ou incapacidade de uma raça para aquillo que delia / exigimos. E quando se trata destes animaes, que é muito verda- deiro o pensamento de Hobbes : « Nós achamos bom o que nos agrada, e máo o que nos desagrada. » Comprehende-se perfeitamente como se chamaria degenerada a raça equina, por exemplo, de um paiz em que condições novas de agricultura ou de guerra exigissem delia certas qualidades, que ella não possuisse, sem que, entretanto, esta raça esteja realmente abas- tardada, sem que a quantidade de sua vitalidade se tenha tornado inferior ao que dantes era. Admittindo-se mesmo que o augmento da fecundidade e da pujança physica da prole seja sempre o resultado do cruzamento das raças domesticas, como o é nas selvagens; ainda não se teria o direito de, fundado nesse facto, opinar pela mistura das raças humanas, visto como não são só aquellas qualidades, mas principalmente a 7 intelligencia, o que constitue o verdadeiro critério do aperfeiçoa- mento do homem. Existem no nosso continente os productos do cruzamento destas raças ; examinemo-los rapidamente, empregando para designa-los os nomes que lhes dá Blumenbach, (1) isto é, chamando mestiços os filhos de Europeus com índios; mulatos, os filhos de Europeus com negros; e zambos, os filhos de negros com índios. Laveyase (2) observa que esses zambos são mais intelligentes, mais robustos, mais energicos e mais bellos do que os índios e os negros ; que os mulatos, sendo superiores aos zambos em intelli- gencia, são-lhes inferiores em força physica e que os mestiços são inferiores aos zambos não só physica, como intellectualmente. Morgan (3) pretende que na maior parte das populações ameri- canas o meio sangue (half-blood) é, physica e mentalmente, inferior ao índio de raça pura. Entretanto o segundo cruzamento, 3/4 de índio e 1/4 de Europeu, já é um tanto superior ao índio puro : 3/4 de branco e 1/4 de indio dão um producto muito visinho do progenitor branco—approxi mating to equality with the white ancestor. A mistura destas variedades entre si produz, segundo Laveyase, descendentes notáveis por uma constituição mais robusta e mais vi- gorosa, por uma maior energia, que os individuos nascidos, sob o mesmo clima, de pais europeus ou africanos sem mistura. Yê-se, pois, que, no homem, ao contrario do que se dá nos animaes, nem sempre uma raça inferior melhora pela mistura com uma superior, e que se a fusão de dous sangues igualmente in- feriores dá um producto superior a qualquer dos dous, não está (1) De generis humani varietate nativa. —Goettingen—1795. (2) Avila.—Des unions entre consanguins.—Thèse, Pag. 40, Pariz—1869. (3) Griraud-Feulon.— Les origines de la Famille, Pag. 126, Pariz—1874. 8 ainda de modo algum provado que a mais elevada das raças hu- manas se tenha aperfeiçoado pelo cruzamento com qualquer das outras. Este cruzamento, porém, qualquer que seja sobre elle a opinião dos hygienistas, quaesquer que possão ser suas consequências, tem de se dar, e fatalmente, graças aos meios de communicação que es- treitão cada vez mais as relações de todas as, nações modernas. Estudemos agora os effeitos da consanguinidade sobre as pequenas raças, isto é, sobre os povos que, por isolados das allianças estra- nhas, têm sido o alvo das investigações de uma e de outra escola. Está em primeiro logar o povo judeu, gasto e decadente para alguns anti-consanguinistas; cheio de seiva e dotado de preciosas immunidades para os consanguinistas. E muito difficil decidir da decadência intellectual de um povo, que, de parte as verdades que lhe forão dictadas por Deus e uma litte- ratura como só a póde inspirar o céo do Oriente, nunca floresceu nas artes, nas sciencias. e na industria. Sua decadência physica é uma asserção gratuita, porquanto a proverbial belleza das judias tem feito vibrar mais de uma lyra christã. E ainda que fosse ver- dadeira, essa decadência poderia ser perfeitamente explicada pela tyrannia que sobre esse infeliz povo tem excercido a intolerância das outras religiões. Quanto ás immunidades a que dão tanta importância os consanguinistas, ellas não são o privilegio exclusivo da raça ju- daica, e para fazer d’ellas argumento da superioridade d’esse povo, seria preciso provar que elle não é de preferencia victi- mado por doenças de que são immunes alguns dos povos com que elle vive. O que ha de positivo a respeito dos Judeus é que, entre elles, são frequentissimas as uniões entre proximos parentes, e que o nu- mero dos seus surdos-mudos é muito superior ao das seitas com que elles vivem e onde essas allianças são prohibidas. 9 Tal é o resultado das estatísticas de Boudin, na Europa, e de Pruner-Bey, no Cairo. Nada sabemos da historia dos Coliberts, dos Vaqueros e de outras raças malditas, populações miseráveis, cuja ruina é una voce attri- buida pelos anti-consanguinistas á propagação indefinida dentro do proprio sangue. Não podemos, porém, passar em silencio a degra- dação dos Espartanos apontada por um anti-consaguinista como con- sequência da consanguinidade : < Os Espartanos, diz esse autor, para conservar sua disciplina militar, vivião no isolamento e se re- crutavão em sua própria tribu.... Esse corpo se extinguiu gradual- mente, tanto que, depois de Leuctres, elle teria de todo acabado, se não fossem os recrutas fornecidos pelos Laconios. » A extincção d’essa tribu isempta de serviços pesados e insalubres, provida abundantemente de viveres e vivendo em um clima excel- lente, seria um poderoso argumento a favor do máo eífeito da con- sanguinidade na raça, si tão imprópria não fosse a occasião que achou o autor para mostrar o golpe decisivo d’essa causa. O alto preço que custou aos Thebanos a victoria de Leuctres, prova pelo contrario que não se empenhava alli uma raça decadente e prestes a se extinguir. E porque não attribuir também á consaguinidade a assombrosa diminuição da nobreza Romana depois de Canas, e a aniquilação dos Mamelucos, depois que Mehemet-Ali os mandou me- tralhar ? E a esse terreno falso que conduz a confusão dos termos de uma questão, e o desejo de achar em toda a parte provas, em apoio de um systema abraçado. Os Chinezes, finalmente, representão um grande papel na questão que estudamos. Brown, que viveu na China muitos annos, diz haver em todo aquelle império um unico surdo-mudo, porque são alli tão rigorosas as leis sobre o casamento entre parentes, que a simples identidade do nome de dois indivíduos é bastante para lhes vedar absolutamente a união matrimonial. Contra essa [prova favoravel á escola anti-consanguinista, 10 levantarão-se dois intelligentes consanguinistas da nossa Faculda- de (1) concordes em contrapor aos Chins degenerados e poltrões, os robustos e ousados indigenas do Brasil, em cujas tabas, segundo aquelles autores, nenhum respeito se vota ás leis do parentesco. Entretanto, si considerarmos imparcialmente os factos, havemos de chegar, por força, a conclusões tão, contrarias ao anti-consangui- nismo na China, como ao consanguinismo nos selvagens do Brasil. Os Chinezes mudão seu nome individual em diversas épochas da vida (2), e só conservão inalterável o nome da familia ou da tribu paterna; e como é a identidade d’esse nome em dois individuos, que lhes inhibe a união matrimonial, segue-se que: o Chinez, não podendo contrahir união mesmo com individuos que nenhum paren- tesco tem com seu pai (3), além do nome de tribu , póde entretanto fazel-o com os mais proximos parentes de sua mãi, que necessaria- mente deve ter nome diíferente. Esse costume de procurar mulher fóra de sua tribu, a que Mac- Lenan dá o nome de exogamia, existe em uma multidão de povos selvagens. Martius (4) escreve que as raças brasileiras possuem toda a sorte de leis sobre o casamento. Em algumas tribus isoladas, com- postas de familias dispersas, os laços de parentesco não obstam á união conjugal; nos lugares mais populosos, porém, as tribus se di- videm em familias e a exogamia é posta em rigorosa pratica. Achamos muito apaixonada a descripção que fazem do Chinez e dó indigena do Brasil os dous autores que criticamos. Tanto aquelle não deve ser representado pelos larapios e pelos phtysicos que nos mandão nossos agentes de colonisação, como este não o póde ser pelos Espartanos vestidos de couro de onça e armados de tacape dos livros de Gonçalves Dias e J. de Alencar. (1) M. Teixeira, These, 1871.—Ramiro de Barcellos, These, 1873. (2) Giraud-Teulon, Les origines de la Famille, l’ag. 120. Paris, 1874. (3) Sir Johu-Lubbock, Les origines de la civilisation, pag. 127. Paris 1873. (4) Sir John-Lubbock, Op. cit-, pag. 130. 11 Neste exemplo do povo chinez é que tocamos claramente na con- fusão que fazem as duas escolas, do parentesco de especie ou de raça, com o parentesco de familia. Vimos como a decadência e a degeneração de alguns povos europêos erão attribuidas á consan- guinidade, consequência do isolamento desses povos devido á falta de meios de communicação ou ás prohibições religiosas; agora vemos que não ha na China surdos-mudos, porque não há alli casamentos entre parentes. Entretanto, nenhuma raça é mais consanguínea do que a do Celeste Império: defendida por sua immensa muralha contra as invasões dos Tartaros, unico povo do nosso conhecimento, que lhe levava este sangue novo tão necessário na opinião dos anti-con- sanguicistas exaltados, essa raça, dizemos, tem-se perpetuado dentro de si mesma desde tempos immemoriaes, e já era tempo de lhe ser applicada a lei fatal da natureza, que quer a extincção das raças que não Se cruzão. Póde ser que a consanguinidade que devasta as famílias, sob uma fôrma aguda, pelo rachitismo, idiotismo, etc., se manifeste em um povo de modo lento, diminuindo-lhe a estatura, abatendo-lhe a ener- gia, como acontece com os chinezes, encarados pelos consanguinistas; mas a solução deste problema apresenta talvez difíiculdades insupe- ráveis. Nem se nos objecte que a China, sendo um império vastís- simo, suas famílias podem-se unir de tal modo que suas allianças nunca degenerem em uniões consanguineas. « As allianças entre famílias de uma só e mesma raça, diz Prosper- Lucas, quando a raça é bastante numerosa para que as allianças não degenerem em uniões consanguineas, e sobretudo quando as di- versas fracções da raça occupão uma certa extensão de paiz, são dis- tantes uma de outra e não têm o mesmo regimen nem o mesmo systemá de vida; essas allianças, no homem, como nos animaes, não são senão conservadoras do typo da raça. No caso contrario, a consanguinidade se desenvolve e produz as mesmas consequências que no seio das famílias. » 12 E profundamente judiciosa esta opinião; mas parece-nos fóra de duvida que as communicações entre as diversas familias daquelle império são muito mais difficeis do que as dos habitantes das ilhas da Mancha com o resto do continente europeu; e, pois, si estes são hoje dizimados pelos innumeros males da consanguinidade , já a essa causa devião de ter succumbido aquelles que ha 2000 annos, des- de o santo rei Fo-Hi, têm sobre o casamento leis que pouco emba- ração as uniões consanguineas, entendidas como devem ser pelo hygienista. Finalmente, quando vemos um povo, uma raça tão pouco nume- rosa, que todos os individuos que a compõem sejão realmente pa- rentes entre si, somos forçados a suppôr com muita probabilidade que fortes causas de destruição têm actuado sobre ella, para que não possamos attribuir com muita segurança á consanguinidade sua completa aniquilação. As duas theses consanguinistas da nossa Faculdade pretendem demonstrar a innocuidade das allianças entre parentes pelo estudo das relações sexuaes na humanidade primitiva. Na verdade, segundo a tradição biblica, todo o genero humano ac- tual é o producto do incesto ; e segundo os dados fornecidos pela anthropologia, os homens primitivos vivião em um estado brutal de que sahirão lentamente, como se póde ver comparando o craneo do mais atrazado dos salvagens hodiernos com os que têm sido encon- trados pertencentes ao homem contemporâneo do mammutli. Este modo, porém, de resolver a questão, logico e decisivo á primeira vista, apresenta, quando sobre elle se reflecte, muitas duvidas e grandes difíiculdades. Podemos por ventura estar certos de que não ha de ser hoje causa de doença e de degradação, uma circum- stancia que não o foi na epocha da pedra, ou quando os primeiros 13 homens sahírão das mãos do Creador? Póde muito bem ser que o rio da vida muito caudaloso em sua origem, podesse sem inconveni- entes banhar por muito tempo as mesmas regiões, e só mais tarde ser obrigado a ter um curso sempre interrompido para recomeçar em climas novos e em latitudes differentes, segundo a poética ex- pressão do Bispo de Viviers. (1) As origens do genero humano, bem como a condição social do homem pre-historico, são bastante obscuras para que sobre ellas fundamentemos a solução de um problema que interessa em alto gráo as sociedades civilisadas, muito diversas sem duvida das hordas primitivas. Não insistimos sobre esse ponto; o fim verdadeiramente util da Hygiene é remover as condições, que a observação tem mostrado incompatíveis com a saude, e não perder-se em questões transcen- dentes,mais difficeis do que aquellas que trata -de resolver. Um modo de discorrer analogo ao que acabamos de expor, levaria o hygienista á demonstração da innocuidade do ar quente, carregado de humidade e de miasmas; porquanto houve um tempo em que, segundo as tradições biblicas, todos os animaes acharão-se expostos a essas influencias, sempre por isso deixassem de crescer e multiplicar. Examinemos agora as leis e religiões, chamadas por todos os anti-consangninistas em apoio da doutrina que sustentão. Os Vedas, as leis mosaicas, todas as communhões christãs e o mahometismo são oppostos ás uniões entre parentes, e é fóra de contestação'que, como diz Avila (2), deve-se hesitar antes de repellir e de declarar errónea uma opinião enraizada desde tempo immemorial no (1) Avila—These, pag. 17. Paris 1869. (2) These cit. pag. 20 14 pensamento dos povos, traduzida em preceitos moraes e em prescrip- ções religiosas e formulada em leis pelos legisladores. Mas, é evidente que, para se dar essas leis o religiões, como prova em matéria de Hy- giene, seria necessário provar que só os effeitos morbidos das uniões consanguineas e não qualquer outra consideração, as fizerão nascer no espirito dos legisladores; ora é isso o que não se póde colher destas prescripções. Moysés commina a pena de morte aos irmãos incestuosos, por ha- verem descoberto um ao outro a sua fealdade (1), e fulmina com a esterilidade a união do irmão com a mulher de seu irmão (2). As leis de Lycurgo não se entendem com as uniões consanguineas. Elle queria que os cidadãos tivessem por pais, não homens vulgares, porém os mais virtuosos, e chamava tolice e vaidade ás leis dos outros legisladores sobre o casamento. « Elles procurão, dizia elle, para suas cadellas e para suas egoas, os melhores cães e os melhores gara- nhões... , e guardão cuidadosamente suas mulheres para que ellas só tenhào filhos de seus maridos; posto que estes sejão muitas vezes imbecis, defeituosos ou decrépitos (3) » Essas leis tinhão, pois, em vista a selecção artificial e são manifesta- mente fundadas em um facto de longa data conhecido — a herança. A Egreja christã continuou as prohibições lançadas pela lei romana ás uniões entre parentes e ampliou-as ainda mais em dif- ferentes concilios ; mas os doutores desta religião, quando procu- rão justificar seus impedimentos, appellão ora para a pureza do lar domestico, como faz S. Thomaz, ora para a repartição do parentesco no interesse da fraternidade humana, como Santo Agostinho. Custa a crer que estas duas vastas intelligencias não tivessem (1) Levitico. cap. XX, V. 17, (2j Levitico, cap. XX. V. 21. (3) Plutarco — trad.Ricard — T. I.° Pag 101. 15 chamado em apoio da religião os dictames da Natureza, a que os anti-consanguinistas attribuem a origem daquelles impedimentos. Apenas em uma carta de S. Grregorio a Santo Agostinho de Can- terbury achamos a esterilidade motivando o impedimento do matri- monio até o 3.0 gráo de parentesco ; « Experimento dedicimus ex tali conjugio nullam sobolem posse succrescere; » e em nossos dias uma pastoral do Bispo de Viviers e um trecho do livro — Du Pape—de Joseph de Maistre, fazem egual appello ás leis da Natureza. O Alkoran, inspirado pelas doetrinas mosaicas e christãs, não podia deixar de resentir-se delias na parte relativa á união dos sexos ; mas Maliomet não é mais explicito que seus predecessores e limita-se a prohibir a união do filho com sua mãe, porque isso é um crime. Assim, pois, esse consenso das leis e das religiões, devendo mere- cer ao philosopho toda a attenção, como exprimindo uma ten- dência natural do espirito humano, não póde servir de base ás prescripções da Hygiene, cujas doetrinas se devem basear na observação directa. CAPITULO II Meios fle resolver a mestão. — A observação e a estatistica. Now what Iwant is facts. Dickens. Vimos no capitulo precedente como a eschola anti-consanguinista, confundindo o parentesco de familia com o de raça, e attribuindo a este as mesmas consequências funestas daquelle, abrio a seus 16 adversários o caminho por onde estes forão apanhar na humani- dade dos tempos bíblicos a prova da verdade de suas opiniões. A eschola anti-consanguinista, com effeito, parrindo de factos incontestáveis, que mostrão ser nociva a reproducção continuada dentro da mesma familia, adiantou-se demais, quando, confundindo a necessidade do cruzamento das famílias com a da fusão das raças, attribuio á influencia de uma consanguinidade vaga e mal definida a decadência e abastardamento de certos povos. Considerámos que os exemplos adduzidos nesse intento não erão convincentes, e que funesta ou proveitosa, a mistura das raças humanas devia dar-se fatalmente e não era para ser apressada nem embaraçada pelas suggestões da sciencia. A familia é, segundo o nosso modo de pensar, o unico campo de estudo verdadeiramente proveitoso para o hygienista. É na familia que o fio do parentesco pode ser acompanhado, que as causas de degradação e de moléstia podem ser mais facilmente analysadas, e é alli finalmente que os preceitos de Hygiene podem exercer benefica influencia. Por outra parte, si quizermos applicar ao estudo da conservação da saude do homem o resultado das nossas observações sobre os animaes, é claro que devemos de considerar estes, nas mesmas relações que aquelle, e desde então a influencia das uniões entre parentes só póde ser estudada nos animaes domésticos. Entre os animaes selvagens, a lei do combate para a posse da femea crêa condições, que não existem na familia humana, e a luta para a existência subtrahe á nossa observação os productos doentios e mal conformados, que, porventura, proviessem das uniões consan- gineas entre esses seres, cujo parentesco alias não podemos conhecer. Não é também no homem selvagem que devemos ir procurar a solução do problema que estudamos ; elle está sob o ponto de vista que nos occupa no mesmo caso* dos animaes selvagens, 17 accrescendo que entre estes, a luta para a existancia não é talvez tão rigorosa, attendendo-se a que a prole degenerada e defeituosa deve excitar particularmente a inclinação infanticida tão commum aos povos barbaros. (*) O habito da exogamia a que já nos refe- rimos, sujeita o selvagem á lei do cruzamento, lei que segundo Darwin é geral 11a natureza. Vimos que esse costume existe entre os indigenas do Brazil, e que estes estão por conseguinte longe de servir de prova á innocuidade das uniões consanguineas. O intelligente Rio-Grandense, Dr. Ramiro de Barcellos, dando em sua these, como causa de impossibilidade ás allianças conju- gaes entre as nossas differentes tribus, as guerras sempre accesas entre ellas, esqueceu-se de que entre os selvagens a união do homem com a mulher não é, como nos paizes civilisados, o fructo de sentimentos meigos; mas de necessidades brutaes, e que a mulher se conquista com as armas, como com as armas se conquistão as tabas do inimigo. Finalmente, a facilidade com que nessas tribus se dissolvem os laços conjugaes, para contrahir novos, (**) submette o mesmo ter- reno a tão variadas sementes, que é impossivel dizer-se qual se perdeu, qual se degenerou, e qual fructificou. E assim limitado o nosso campo de investigações, do modo que nos parece racional, passemos a estudar os resultados das uniões entre parentes. Os anti-consanguinistas, attribuindo a opinião popular contraria ás uniões consanguineas, á mesma origem das leis e religiões que as prohibem, isto é, á observação directa, posto que um tanto (*) Giraud-Teulon, Op. cit.. Pag. 329. («*) Charlevoix — Histoire du Paraguay— Vol. I.° Pag. 91. 18 inconsciente, não cessão de invocal-a como poderoso argumento em seu favor. É certo que profundas maximas, e grandes verdades, fructos da longa experiencia dos séculos, circulão na bocca popular; mas não é esta, segundo nos parece, uma base bastante solida para uma doctrina scientifica. A imaginação tem grande influencia nos juizos das massas epor isso devemos acceital-os sempre com reserva, principalmente na questão que estudamos ; porquanto concebe se com que facilidade alguns casos funestos tornarião fataes as uniões consanguineas na opinião popular, já contra ellas prevenida pelos anathemas da Egreja. Si appellarmos, porém, para a observação intelligente e reflectida, veremos que a immensa maioria dos liomens os mais competentes, attribue a estas uniões effeitos desastrosos, e para um espirito desprevenido e que comprehende o valor do principio de causalidade em medicina, tanto basta para tornar acceitavel a doctrina anti- eonsanguinista. A alliança entre proximos parentes, diz Burdach em sua physio- logia, é contraria á natureza; é preciso que se junte o que está separado, e só uma tal união torna possivel um amor ardente e uma descendencia vigorosa. « A consanguinidade nos casamentos dos reis, escreve Girou de Buzareingues, (*) torna-se depois de muitas gerações, funesta aos povos; porque as paixões que nascem da autoridade, das resis- tências e das lisonjas, e o caracter que é sua consequência, passão do pai á filha, desta ao filho, e são emfim a herança commum de todos os descendentes chamados a reinar: herança que se trans- mitte sem alteração, porque o caracter da mãe sendo o do pae, o do filho é também o da filha ; não ha absolutamente neutralisação. » E mais longe accrescenta : « A familia de Physcon, rei do Egypto, (*) Philosophie physiologique, Pag. 312 — Paris — 1828, 19 o mais cruel dos homens, se compoz de dous filhos um dos quaes matou sua própria mãe, o outro degolou indistinctamente estran- geiros e súbditos ; e de tres filhas que se despedaçárão entre si. Elle teve ainda um filho illegitimo chamado Apyon, filho da con- cubina Irene, que foi differente de seu pae e fez seus súbditos felizes. » O grande historiador Niebuhr nota a decadência e a extincção das aristocracias, que limitão nas próprias familias o circulo de suas uniões matrimoniaes. Fodéré achava as uniões consanguineas contrarias ás indicações sagradas da natureza, e capazes de produzir a degeneração e o abas- tardamento. Puibonnieux dizia, em 1846, que a observação tem mostrado que grandissimo numero de surdos-mudos e de idiotas provém de cônju- ges aparentados. Já antes desse tempo, a predisposição dos productos das uniões entre parentes para a loucura havia sido notada por Ellis e Spurzheim. (*) Devay substituiu por factos as asserções destes homens eminentes e mostrou a inconvencia desses casamentos, baseado em 612 obser- vações. « Um grande numero dessas observações, diz elle, (**) nos são pessoaes; um maior numero é devido a communicações de collegas, que nos fornecerão liberalmente seus materiaes Muitos sábios médicos, como o fez o Professor J. Cloquet, nos escreverão que nossas investi- gações confirmavão plenamente suas observações sobre os graves in- convenientes do casamento consanguíneo » Chipault cita a observação de 18 casamentos de indivíduos sãos e bem constituídos, produzindo 38 filhos surdos-mudos. Em sua these (*) Ellis, Traité de Faliénation mentale, Trad. Archambault, Paris 1840, Pg. 74, Spurzheim, Essai sur les príncipes élémentaires de lY:ducation,1822. (*) Avila, These, Pag. 25 20 sustentada em Parisem 1863,lemos o seguinte, que lhe foi communicado pelo Dr. Pousin da ilha de Ré: « Tres irmãos, os Srs. L..., habitantes da ilha de Ré, casarão-se com tres irmãs as Sras. D...., suas primas irmãs. Destes tres casamentos nascêrão 18 filhos, assim divididos: 1. casamento 5 filhos. 2. casamento 5 filhos. 3. casamento . .. 8 filhos. Eis os detalhes sobre cada um dos filhos. Primeiro casamento. 0 n. 1, do sexo masculino, morreu de 10 mezes, de convulsões. O n. 2, do sexo feminino, é escrophuloso. O n. 3, do sexo feminino, morreu de 8 mezes de convulsões. O n. 4, do sexo feminino, tem a palavra embaraçada. O n. 5, do sexo masculino, é escrophuloso e soffre, além disso, de alienação mental. Segundo casamento. O n. 1, do sexo masculino, é escrophuloso, maniaco e pronuncia com difficuldade. O n. 2, do sexo feminino, tem pronuncia lenta. O n. 3, do sexo masculino é escrophuloso e surdo-mudo, casado com uma estrangeira, tem dous filhos que gozão saude e que fallão. O n. 4, do sexo masculino, é surdo-mudo. O n. 5, do sexo feminino, não tem defeitos. Terceiro casamento. O n. 1, nascido antes do termo, morreu ao nascer. O n. 2, do sexo masculino, é surdo-mudo ; casado com uma estrangeira, tem um filho que falia. 21 0 n. 3, do sexo masculino, escrophuloso e hydrocephalo, mor- reu de 3 annos. O n. 4, do sexo feminino, escrophuloso, começou a fallar aos 4 annos. On. 5, do sexo masculino, morto de convulsões, quando tinha um anno, acredita-se que elle não ouvia. O n. 6, do sexo masculino, ê surdo-mudo. O n. 7, do sexo masculino, morreu de convulsões, aos 10 mezes de idade, acredita-se que não ouvia. Em summa, sobre 18 filhos, contão-se : 4 surdos-mudos de nascença; 4 de pronuncia lenta e difficil; 1 que só fallou aos 4 annos; 1 hydrocephalo, morto aos 3 mezes; 2 alienados; 1 aborto; 5 mortos antes de 1 anno. Entre nós a grande maioria dos práticos, apoiada na observação de todos os dias, attribue á consanguinidade uma acção funesta; assim encontramos na these do Dr. Pereira Rego Filho, ao lado de reflexões de respeitáveis médicos, as seguintes significativas linhas do nosso mestre de clinica o Sr. Dr. Torres Homem : « Comquanto eu tenha conhecimento pessoal de alguns casamentos consanguineos, que não tiverão por consequência uma prole degene- rada, sou todavia forçado a reputar estes factos de excepcionaes, á vista dos numerosos exemplos em contrario. « Fastidiosa e por demais longa seria a enumeração destes exemplos, si eu quizesse referir sómente os que conheço de perto e sobre os quaes tenho sido consultado. « Familias inteiras, em que meus serviços médicos têm sido 22 reclamados repetidas vezes, são victimas do preconceito que os domina de não contrahirem consorcio os seus membros senão entre os seus. Filhos defeituosos, rachiticos, corcundas, coxos, deformes, epilépticos, idiotas, semi-imbecis, estúpidos, taes são os que ordinaria- mente procedem de pais consanguíneos. « Uma familia conheço, cujo marido é primo irmão da mulher, cujos filhos em numero de 6, não nascerão com defeito algum, é verdade, porém morrerão todos; o mais velho de tres annos, victima de manifestações escrophulosas, acompanhadas de uma verdadeira ca- chexia, de uma depressão muito sensível das forças radicaes do organismo, e outros com todos os symptomas de uma tuberculose pulmonar e mesenterica. No entretanto, nem no pai, nem na mãi nota-se symptoma algum destas moléstias geraes; penso, pois, que os casamentos consanguíneos são muito inconvenientes, devendo o medico, tanto quanto couber em sua alçada, impedil-os, mostrando as consequências que delles podem provir. « Os inconvenientes acima apontados, sobretudo os que se referem ás moléstias diathesicas, são ás vezes completamente independentes da consanguinidade; resultão de predisposição mórbida, herdada pelo filho, dopai ou da mãi. « Outras vezes, comquanto haja esta predisposição, a consanguini- nidade eontribue de um modo evidente para que a predisposição se traduza por manifestações mais ou menos bruscas e geraes, as quaes poderião deixar de ter lugar, se não houvesse a influencia perniciosa da união consanguínea. Em certos casos, porém, apezar de se darem certas circumstancias que nos levão a crer na influencia da herança, mais tarde os factos demonstrão que o papel que representa a consan- guinidade, si não foi unico na producção dos resultados que notamos na prole, foi pelo menos o mais importante. Uma mulher hysterica, subjeita desde as primeiras epochas da puberdade a variadas e capri- chosas manifestações do hysterismo, sem excepção de violentos ataques convulsivos, casa-se com um primo por quem nutria 23 ardente paixão amorosa, depois de obstinada resistência da parte dos pais. « Deste consorcio nascem 2 filhos; 1 do sexo feminino, succumbio na idade de 10 mezes com fortes accessos convulsivos ligados ao trabalho da dentição; outro, do sexo masculino, chega á idade de 9 annos, depois de longos soffrimentos do figado e dos intestinos, mostrando no physico e sobretudo no intellectual um notável aca- nhamento ; nesta idade, sem causa apreciável ê accommettido de ataques epileptiformes, que ainda continuão actualmente que o menino tem 12 annos, acompanhados de uma semi-imbecilidade. Viuva, 4 annos depois de casada com o primo, a moça de que se trata? casou-se com um individuo completamente estranho á sua familia. Destas segundas núpcias ha tres filhos bem desenvolvidos, e que nada soffrem quanto ao physico nem quanto ao intellectual, cum- prindo notar que a mãi destes filhos continua a ser muito hyS” terica. » Nas linhas que acabamos de transcrever, vemos justificada pela observação do nosso illustre professor de clinica, a opinião de Magne (*) « A consanguinidade propaga as doenças aggravando-as, si ella as não produz; o cruzamento das familias offerece uma segu- rança que não devem desprezar os homens cuidadosos da felicidade e dos interesses de seus filhos. » Ahi vemos a consanguinidade servindo de garantia á herança mórbida que, sem essa eircumstancia, podia ser cortada. Ahi achamos, finalmente, exaradas as idéas de Rilliet de Genebra, que, em uma nota publicada em 1856, divide do seguinte modo os deploráveis effeitos da consanguinidade : Relativamente aos cônjuges : Io, esterilidade ; 2o, demora da con- cepção; 3o, concepção imperfeita. Relativamente aos filhos: Io, monstruosidades; 2o, productos, (*) Citado por Boudin no Bulletin de la Société cTAnthropologie—1863—Pag. 548, 24 cuja constituição physica e moral é imperfeita ; 3o, productos mais especialmente expostos a moléstias do systema nervoso ; e por ordem de frequência: a epilepsia, o idiotismó, a surdi-mudez, a paralysia e doenças cerebraes diversas ; 4o, productos lympliaticos e predis- postos ás manifestações da diathese scrophulo-tubereulosa ; 5o, pro- ductos que morrem em tenra idade e em uma proporção mais forte, que os nascidos em outras condições ; 6o, productos que, si atra- vessão a primeira infancia, são menos aptos que outros a resistir ás doenças e á morte. Sentimos não possuir observações relativas aos differentes pontos dessa classificação, que aliás não nos parece de grande importân- cia, visto como entra menos nas vistas da Hygiene a formação de quadros nosologicos, do que a remoção das causas de toda e qual- quer moléstia. O Dr. Howe (*) observou 17 casamentos consanguineos, que produzirão 95 filhos : 44 idiotas, 12 serophulosos, 1 mudo, 1 anão e 37 de saude soffrivel. Um nosso collega nos forneceu a seguinte observação: J. e M., tio e sobrinha, de constituição forte e de excellente saude, e ambos pertencentes a uma familia onde não existe vicio hereditário, casão-se e têm 6 filhos : 1 gago, 1 myope e fraquissimo, 1 acanhado physica e intellectualmente, 1 de cabeça disforme, 1 que morreu ná infancia, e 1 bastante intelligente. O Dr. A. Felicio dos Santos conhece uma familia antiga, em que os casamentos systematicos entre parentes têm por tal fórma degradado a intelligencia de seus membros e minado a sua con- stituição, que essa familia, oriunda de um tronco bem disposto physica e moralmente, acha-se hoje quasi extincta. Avila em sua these apresenta a seguinte observação : (*) Avila — These — Pag. 38, 25 « M. X. de uma excellente constituição, apenas um tanto gago, casou-se aos 30 annds, com uma parenta em um gráo bastante proximo, mas que eu não posso determinar. Nem essa senhora, nem seu marido tinhão vicio algum hereditário. Deste casamento, nascêrão quatro filhos, sendo tres surdos-mudos. « A irmã casa-se de vinte annos, com um homem bem conformado e tendo todas as apparencias de saude. Deste casamento nascem dous filhos bem constituidos, um dos quaes casa-se com a unica filha de M. X., sua prima irmã. Desta ultima união nascem dous filhos surdos-mudos. » Se observações minuciosas, como as que acabamos de referir, e que se achão em grande numero nos autores que tratão desse assumpto, mostrâo os mãos resultados dos casamentos consanguí- neos, não menos desfavoráveis são a essas uniões os dados da estatística. Assim, segundo Boudin, conta-se em França sobre 100 casamentos : * 0,88 entre primos e irmãos 0,01 » tios e sobrinhas 0,016 » sobrinhos e tias Em lugar d’essas proporções, o mesmo autor acha sobre 100 surdos-mudos de nascença e de todos os casamentos : 16,41 provenientes de uniões entre primos-irmãos (11 para 67) 1,49 » » » sobrinhos e tias (1 para 67) 1,14 » » » tios e sobrinhas (1 para 87) Resulta que, representando-se por 1, o perigo de produzir um filho surdo-mudo em um casamento cruzado, esse perigo se eleva a: 18 para os casamentos entre primos-irmãos 67 » » » tios e sobrinhas 70 » >: » sobrinhos e tias 26 Á tliese de Sicaud tomamos o seguinte quadro, em que se achào reunidos os resultados numéricos obtidos por diversos observadores, que estudarão a etiologia da surdo mudez em differentes lugares: Nomes cl.os observadores. Consang. Não consang. Total. Proporção sobre 100 Chagaram. . 27 62 89 30,33 Landes . . . 24 55 79 30,36 Boudin . . . 19 18 67 28,35 Broohard. . 16 59 65 29,00 Totaes . 86 204 290 29,65 Perrin.... )> » » 25,00 « Assim, continua Sicaud, ao passo que o grande numero de casamentos consanguineos é em França de 2 °/0, o numero de surdos- mudos, de origem consanguinea se eleva a uma proporção de 25 °/0 em Paris, de 29 °/0 em Nogent-le-Retrou e de 30 °/0 emBordeos. Em outros termos, os surdos-mudos de origem consanguinea são de 12 a 15 vezes mais numerosos do que serião si a surdo-mudez fosse espa- lhada de um modo igual entre os casamentos consanguineos e cru- zados. Porém, por mais elevada que seja a proporção de surdos- mudos de origem consanguinea, tal qual ella resulta dos factos obser- vados nos diversos institutos, só se pode dar uma idéa fraca do mal. Assim, em Bordeos, segundo (Jhazarain, 8 alumnos sobre 15 nas- cidos de pais consanguineos, tinhão irmãos ou irmãos surdos-mudos em numero de 12, ao passo que 9 alumnos sómente sobre 51, oriundos de casamentos cruzados, tinhão irmãos ou irmão acommettidos de surdo- mudez igualmente em numero de 12. Por outras palavras, para os alumnos da primeira categoria, havia 80 °/0 a ajuntar; para os da segunda, o supplemento seria apenas de 23 */0. » Boudin comparou o numero dos surdos-mudos, negros e brancos, de diversos Estados da União Americana e mostrou que a surdo-mudez 27 era immensamente mais commnm entre os negros, os qnaes, como sabemos, vivem quasi 11a promiscuidade primitiva. O Dr. Liebreich, em Berlim, achou: 37 1 surdos-mudos sobre 10,000 catholicos; 6 surdos-mudos sobre 10,000 christãos quasi todos protestantes ; 27 surdos-mudos sobre 10,000 judeus. Foi esse distincto oculista, 0 primeiro que attribuio á consangui- nidade diversas lesões do apparelho visual e particularmente a retinite pigmentar. Algumas dessas lesões têm sido observadas pelo nosso distincto occulista Dr. José Lourenço de Magalhães, a cuja bondade devemos as seguintes notas: « Observei em um rapaz de 15 annos um caso de retinite pigmen- tar ; os pais que não soffrião moléstia alguma dos olhos, erão primo- irmãos. » Tenho nota de um caso, que me foi communicado pelo Dr. .José Tgnacio, clinico em Montevidéo, relativo a um menino filho de tia com sobrinho. Esse menino começou a mostrar, com o desenvolvi- mento da idade, um defeito congénito da visão; não vê de frente, apenas apresenta a visão lateral. Apezar de não ter sido possível exarainal-o com 0 ophtalmoscopio, 0 estado da visão leva a crer que ha defeito de desenvolvimento da retina na região da macula. Em Estancia, na provincia de Sergipe, conheci' um menino, filho de primo-irmãos, moços, sãos e bem constituídos. Esse menino, de 5 annos, era de uma fraqueza extrema, apenas se assentava, nunca pronunciara uma palavra, e tinha physiognomia de idiota. Para 0 lado dos olhos apresentava as mais graves desordens : hydropisia das camaras anteriores e nystagmus rotatorio sem fixação alguma; mesmo a luz não lhe attrahia 0 olhar nos diversos exames a que procedi. Tornou-se-me impossível examinal-o com o ophtal- moscopio . 28 Aqui na corte foi-me apresentado um menino de 4 annos, igual- mente cego. Era o producto de casamento entre tio e sobrinha, ambos sãos. Pouco depois do nascimento, as desordens dos olhos dessa criança chamárão a attenção de sua mãi, e no exame a que procedi mais tarde, notei: « os globos oculares augmentados de volume e muito tensos, hydropisia das camaras anteriores com grande saliência das corneas e turvação dessas membranas. » A impossibilidade de obtermos qualquer informação sobre a prove- niência dos alienados do Hospicio de Pedro II, cuja entrada aliás foi graciosamente franqueada á nossa observação pelo seu direct.or o Sr. Dr. Ig. Goulart; a falta de dados positivos que nos habilitassem a estabelecer proporções entre os casamentos que se dão entre cada uma de nossas provindas e o numero prodigioso de surdos-mudos que nellas se encontra, nos impõem a dolorosa necessidade de reduzir ao que deixamos dito, o estudo da consanguinidade no homem. Nos animaes domésticos, a propagação da especie entre indivíduos aparentados dá, segundo a opinião da maior parte dos creadores, péssimos resultados. Buffon e Bourgelat (*). pensando que o bom e o bello dos seres animados está espalhado por parcellas pela superfície do Globo, e que a porção de belleza, em cada clima, degenera sempre, reputavão necessária a continua mistura das raças. Fazendo applicação do seu / systema ao cavallo, dizem esses autores: « E de absoluta necessidade ir em soccorro da natureza, que se degradaria ao infinito, e dar a nossas egoas garanhões estrangeiros, e a nossos cavallos, se possível fôr, egoas estrangeiras. » Essa necessidade absoluta do cruzamento das raças, que já vimos ser muito hypothetica para a especie humana, não é hoje menos con- testada relativamente aos animaes: « a conclusão pratica que decorre dos factos observados, diz Magne, o director da escola veterinária (-) i h. Laboulnye—Dict. des Arts et Manufactures et de ]’Agi'iculture-art,ic. Croisement. 29 de Alfort, não é a necessidade de cruzar incessantemente as raças para mantel-as em saúde, é misturar cuidadosamente as famílias para evitar as consequências da consanguinidade, e não emprehender cruzamentos, sem se estar certo de que os productos acharáõ no paiz as condições necessárias á sua conservação. O metliodo inglez de producção para dentro (breeding in and in), que consiste em unir os mais proximos parentes, por exemplo os pais e as mais com os filhos, os irmãos com as irmãs, no intuito de fixar certas variações uteis, produz, quando é levado muito longe, os graves resultados observados pelo creador Princeps. Webb (1), querendo conservar pura a raça de seus famosos carneiros, dividio o seu rebanho em diversas famílias, que, cruzadas entre si, dispensassem a introducção de um sangue estranho, evitando ao mesmo tempo os inconvenientes da consanguinidade. Em outra parte veremos si os productos do breeding in and in representão o typo da perfeição de suas especies e si as suas quali- dades são para se desejar no homem. Não é,pois, a falta de mistura com uma raça estrangeira, que produz a degeneração dos animaes domésticos : é a falta de cruzamento das familias, é a união repetida de parentes. Assim, concordamos perfeitamente com o Dr. Ramiro de Barcellos na possibilidade de se melhorar o cavallo do Rio-Grande com os mesmos typos que possue essa província e sem intervenção de raça estranha. Parece-nos, porém, que esse autor entendeu o cruzamento no sentido que lhe convinha, quando affirma que os estancieiros do Sul fazem depender a degeneração de seus cavallos da falta de mistura desses animaes com outros de raça diíferente, como o arabe. Em Minas, os criadores entendem por cruzamento a simples mis- tura das familias; não pensão em procurar para suas egoas cavallos arabes ou inglezes; mas têm grande cuidado de substituir de tempos (1) Le Comte de Courey, 3“e voyage agricole en Angleterre et Ecosse. Pag. 118. 30 em tempos um garanhão por outro que, embora do mesmo districto, é comtudo estranho ás crias de sua fazenda. A razão dessas sub- stituições periódicas é a observação dos máos effeitos da consanguini- dade, pois muitas vezes ouvimos de criadores daquella provincia que os serviços de um garanhão, por mais de cinco ou seis annos, davão em resultado productos de pequena estatura, fracos ou gazios (albinos). E ainda a observação dos máos resultados das uniões entre paren- tes, que leva os criadores a mudar, de tempos a tempos, os touros e os cães destinados ás suas vaccas e ás suas cadellas. A crença na necessidade absoluta do cruzamento é por demais generalisado entre os que se occupão com a criação das aves domes- ticas, para que necessitemos de insistir sobre este ponto. Baste-nos citar o seguinte facto, que nos foi referido por um collega, o Sr. B. da Rocha Faria: tinha o nosso collega uma magnifica collecção de canarios, muito bem tratados e em óptimas condições hygie nicas. Levado pela opinião geral dos criadores dessas aves, elle separava cuidadosamente os filhos de cada ninhada, de modo a evitar a mistura de irmãos e dos filhos com as irmãs e com as mãis; a sua criação ia perfeitamente bem. Querendo depois verificar si era fundada a opinião geral que o induzia a esta pratica, deixou o nosso collega de impedir as uniões dos parentes, e os resultados perniciosos não se fizerão esperar. O trata- mento dos passaros e as outras condições em que elles tinhão vivido até então, eontinuárão as mesmas, mas a infecundidade dos ovos, a morte dos filhos ainda novos, os vicios de conformação e a má quali- dade dos productos que sobrevivião, abastardárão e destruirão final- mente aquella formosa criação. E, para terminar, citemos ainda o juizo autorisado de Prosper Lucas (1): « A consanguinidade na união dos sexos será physiologica, isto é, (1) Traité philosoph. e physiologique de l’Heredité Naturelle. Tomo 2o, pag. í>()4. 31 achar-se-ha boas condições de saude nos membros unidos da mesma familia ? Os resultados varião conforme o systema de alliança pro- segue ou não. Na primeira e, mesmo ás vezes, 11a segunda geração, ella pode não determinar effeitos máus; porém, a experiencia prova de maneira peremptória, que, prolongando-se além desse limite, e no caso de não acarretar o desenvolvimento de um mal hereditário, a consan- guinidade causa o abastardamento da especie e da raça, a duplicação de todas as enfermidades, de todos os vicios, de todas as predisposições más do corpo e da alma, o torpor de todas as faculdades mentaes, o embrutecimento, a loucura, a impotência, a morte muito próxima do nascimento, entre os productos. 0 homem, os animaes, e os proprios vegetaes, resentem-se, nestas condições, dos mesmos effeitos. CAPITULO Hl A oonsaiisiiintiiB é a cansa fle doenças.— AllegaçBes flos amisaiiEaiiiístas.—Conclusão As uniões consanguíneas, sendo reputadas nocivas pela ímmensa maioria dos juizes os mais competentes, não podem ser consenti- das e muito menos aconselhadas pelo hvgienista. A observação tendo mostrado que da união, contrahida em con- dições perfeitamente normaes, a não ser a consanguinidade dos cônjuges, resultão constantemente productos predispostos a certas moléstias, ou já attacados de outras, não menos frequentes depois dessa circumstaneia, deve-se attribuir á consanguinidade mesma a, origem dessas moléstias e abrir-se-lhe por conseguinte um lugar 110 quadro etiologico. 32 Na verdade, quando se refleete que esta questão, dando lugar a discussões tão calorosas, como jámais provocou a determinação de uma causa em pathologia, e que as observações adduzidas pelos consanguinistas, estão longe de competir em numero com as de seus adversários, sente-se levado a pensar com Devay, que poucos pontos de etiologia mórbida aclião-se tão claramente estabelecidos como o que diz respeito á influencia desastrosa da consanguinidade. A impossibilidade de se explicar o mecanismo pelo qual essa causa produz seus funestos effeitos, não obsta, como querem os consanguinistas, á sua acceitação na etiologia. E certo que, nem a theoria da afflnidade vital de Prosper Lucas, nem a que acha na variação dos sangues a condição essencial para que as familias não se gastem pelo excesso da própria individua- lidade, dão o fio da patliogenia das variadas moléstias, cuja causa unica é o parentesco dos progenitores ; mas, em pathologia como em todas as sciencias, o empirismo precede sempre o raciocínio, e, comquanto este não nos revele o nexo da consanguinidade e seus effeitos, não somos menos obrigados a desviar do homem a cir- cumstancia que a observação mostra ser-lhe prejudicial. Também não colhe a allegação dos consanguinistas de que uniões consanguíneas, tendo dado excellentes productos, e de uniões cru- zadas tendo resultado seres attacados das moléstias imputadas á consanguinidade, não se póde vêr nesta a origem desses males, cuja causa se deve procurar em outras circumstancias a que es- tejão sujeitos os progenitores ou os filhos. A primeira parte dessa razão póde-se reproduzir contra qualquer entidade do quadro etio- logico, e sua acceitação importaria a queda da parte da patholo- gia que trata das causas; a segunda parte envolve o esquecimento muito commum, segundo Karl Vogt, nos que estudão as sciencias naturaes, de um principio muito verdadeiro : a mesma causa pro- duz sempre os mesmos effeitos; porém, os mesmos effeitos podem ser produzidos por causas differentes. 33 Hoje, que apenas se começa o estudo da medicina scientifiea, não ê prudente lançar o epitheto de sectários dos post hoc, ergo propler hoc, áquelles que, fundados na observação, considerão como causa.uma circumstancia que precede constantemente certos estados morbidos. Emquanto não sujeitarmos as forças morbi- geneas ao fatalismo das fórmulas mathematicas, seremos forçosa- mente reduzidos a estudar, para remover em beneficio do homem as circumstancias mais favoráveis á producção de seus males, sem nutrirmos jámais a esperança de serem os meios que empregamos coroados de constante successo. Tal é o fim verdadeiramente humanitário da medicina, tão exacto hoje, como quando Celso o esboçava no principio de seu immortal livro: Ut alimenta sanis corporihus agricultura, sic sanitatem cegris medicina; promittit. A escola consanguinista, no intuito de invalidar as conclusões de seus adversários, tem envidado todos os esforços para provar que sào falsas as bases em que estes se fundão, ou para mostrar que a outras causas, que não o simples facto do parentesco, devem ser attribuidos os males que acompanhão as allianças con- sanguíneas. Sem duvida, graves objecções podem ser feitas ao methodo esta- tístico applicado por Boudin á solução desse problema. A estatística, com eifeito, só ligando importância aos algarismos brutos, esquece circumstancias da mais alta importância para a questão : o estado hygido ou morbido dos progenitores de taes e taes cegos, surdos-mudos ou alienados ; a constituição e o temperamento dos cônjuges, a proporção ou desproporção de sua idade, etc. etc.; mas é também fóra de duvida que esse methodo, auxiliado pelas innumeraveis observações em que as circumstancias por elle despre- zadas, forao cuidadosamente attendidas, constitue solido fundamento 34 para uma opinião e um meio de investigação a que, segundo nos parece, pouquissimas causas de doença serião capazes de resistir. O Dr. R. de Barcellos (*) condemna as estatísticas a uma eterna imperfeição, visto como ha factos que não podem ser observados pelos que as recolhem, como são os que se passão no segredo do leito conjugal. Oertamente estes factos devem causar grande trans- torno a quem quizer estabelecer uma etiologia ideal, absoluta ; mas, para quem comprehende que a certeza póde ser encontrada dentro dos limites da observação possível, elles não têm a menor impor- tância. Seria tão razoavel contar-se com factos dessa ordem na etiologia, como com as forças sobrenaturaes na therapeutica. Que os segredos do leito conjugal constituão eterna propriedade dos autores de physiologias do matrimonio e de tratados de Calli- pedia, como o sobrenatural das doenças é o apanagio dos professores de espiritismo. Bourgeois, em sua these inaugural (1859), procura apoiar na observação a idéa da innocuidade dos casamentos consanguíneos. Assim, refere elle minuciosamente a historia de uma familia com- posta de 416 membros originados de um casal de primos, cuja alliança teve lugar ha 130 annos. Estes 416 membros são o producto de 91 uniões fecundas, dentre as quaes 16 são consanguíneas. Bourgeois não achou nessa familia um só caso de aborto nem de concepções tardias de que falia Rilliet. Fóra de alguns raros casos de epilepsia, de imbecilidade, de alienação mental, de phthysiea e de scrophulas, a saude dos productos nessa longa serie de gerações é a melhor possível. Nunca appare cêrão nessa familia casos de monstruosidades, de idiotismo, de surdo-mudez ou de paralvsias. De 65 filhos nascidos de uniões con- sanguineas, 8 sómente succumbirão antes da idade de 7 annos a (*) These, pag. 4. 35 differentes moléstias ; houve, pois, sómente perda de 1 sobre 8, em lugar de 1 sobre 2,77 que dá Duvillard. A perda dos outros filhos de uniões consanguineas foi de 1 para 6,40. Dos 57 restantes, 20 succumbirão entre 27 e 60 annos; os outros passarão essa idade, e muitos viverão mais de 80 annos. A vida dessa familia foi, pois, em media de 39 annos 32, durante os 130 annos. Bourgeois cita ainda 24 exemplos de uniões entre parentes, que lhe forão fornecidos por differentes pessoas, e nos quaes elle vê a mesma innocuidade. Os Drs. Martins Teixeira e Ramiro de Barcellos apresentâo também algumas observações no mesmo sentido, e é escusado dizer que acceitamos todos estes factos com a mesma confiança que nos me- recerão os da escola contraria; mas achamo-nos com direito de reputal-os excepcionaes, á vista da grande massa dos que funda- mentão a doutrina opposta. Nem podemos de modo algum concordar com o Dr. M. Teixeira em que um unico caso de alliança consanguínea, desacompanhado dos máos resultados que lhe attribuem, seja sufíiciente para gerar no espirito do observador a convicção de que é nulla a influencia da consanguinidade. Não é logico exigir para a consanguinidade uma condição a que não satisfazem as mais incontestáveis causas de moléstia. Nas condiçõe-; hygienicas, a que são submettidos os productos de consanguíneos é que se deve procurar, segundo alguns consanguinistas, a origem das doenças que pesão sobre esses seres. Husard, (*) o creador desta doutrina, diz ter observado que, quando o regimen dos animaes era conveniente, os resultados obtidos erão satisfactorios, quando, porém, faltava essa circumstancia, sobrevi- nhão-lhes hydatides e grande numero de moléstias variaveis. * Na producção dos coelhos, diz o Dr. M. Teixeira, fez Husard, em sua (*) Dr. M. Teixeira. These pag. 18 —1871. 36 própria casa a mais positiva de todas as experiencias. Obtida uma, ninhada proveniente de um casal de coelhos do mesmo sangue, collocou-os em condições differentes de salubridade, metade exposta á luz e ao sol, metade escondida em um lugar escuro e húmido. Pois bem, os primeiros crescerão da maneira a mais satisfactoria, emquanto que os últimos, valetudinários em totalidade, apresentavão o singular phenomeno do estiolamento e, segundo a sorte de seus progenitores, que com elles forão expostos á experiencia, morrerão pouco tempo depois. » E tão frisante achou essa demonstração o autor, cujas palavras transcrevemos, que elle procurou reproduzil-a, servindo-se para a experiencia de dons filhos recem-nascidos de uma cabra e obtendo, o que não é para admirar, o mesmo resultado que o experimentador franeez. Pensamos (pie ambos os observadores trabalharão em vão e que suas experiencias nada adiantão á questão da consanguinidade. A unica conclusão que decorre naturalmente desses factos e que a ausência dos cuidados hygienicos produz a degeneração e a morte ; mas não ficão de modo algum exeluidas outras causas, quiçá mais etficazes e aptas a produzir os mesmos resultados. É uma verdade inconcussa que qualquer ser vivo, vegetal ou animal, originado ou não de uniões consanguíneas, estiola-se e morre fatalmente, desde que fôr privado do calor e da luz, e nenhuma paridade se póde achar entre os animaes que assim perecem e os que a observação mostra gastos e doentes em circumstancias favoráveis á vida. Si as condições hygienieas não explicão satisfactoriamente os males imputados á consanguinidade, muito menos os faz comprehender o facto da herança, sempre invocado pelos defensores das uniões con- sanguíneas . A influencia hereditária, diz o nosso mestre de Hvgiene (*), (.) Dr. Souza Costa, These do Dr. Pereira Pego, pag. 50. 37 consistindo na. transmissão de pais a filhos por via «le geração de certas condições individuaes, plasticas ou dynamicas, physiologicas ou pa- thologicas, não póde ser confundida com a influencia consanguínea, cujos effeitos se traduzem principalmente por manifestações morbi das, até então desconhecidas na família. Das duas hypotheses apre- sentadas para explicar os males resultantes das uniões consanguí- neas, a da herança é puramente imaginaria, incomprehensivel e contra-producente ; a da consanguinidade é baseada em numerosos factos de observação, e por isso mesmo admissível; porém, no estado actual da sciencia, não póde ainda ser satisfactoriamente explicada. « Os surdos mudos, diz Devay (1), que vemos abundar nas famílias, não se achão nellas em virtude da herança; já as havia antes das allianças consanguíneas, quer isoladas, quer repetidas. Mas essas affecções oculares, esses desvios orgânicos apparecêrão em famílias, nas quaes nunca se tinhão visto antes da consanguinidade. Reco- nheci, pois, uma vez por todas, que a consanguinidade (e é o ver- dadeiro nó da discussão), precedeu á herança. Esta é a consequên- cia daquella. Na these do Dr. R. Barcellos (2), achamos ainda um estranho ar- gumento para provar a innocuidade das uniões entre parentes. Esse argumento é a consequência das idéas do autor, a respeito «lo des- envolvimento da especie humana, que já em outra parte examiná- mos , Figurando a hypothese de um casal unico nas melhores condi- ções de saude ir habitar uma ilha deserta, o autor pergunta aos anti-consanguinistas qual será o futuro da nova humanidade que vai nascer; si sua intelligencia caminhará a passos largos para a imbe- cilidade, si a sua fronte se irá deprimindo e acompanhando a di- minuição da massa cerebral, e conclue triumphantemente que nada disso acontecerá ; porque o progresso e a perfectibilidade são leis (1) Du danger des mariages consanguins sou* le rapport sanitaire, 2me. édition. Paris 1862. (2) R.Barcellos, These, pag. 8, 1873. 38 immutaveis, e as leis naturaes não se revogão, sejão quaes forem as circumstancias em que se effectue a sua applicação. Nós, porém, que pensamos que as leis naturaes relativas á humanidade podem ser por muitas circumstancias embaraçadas no individuo e na familia, e que a questão da consanguinidade só póde ser resolvida pela obser- vação, achamos mal cabido esse modo de argumentar baseado na lógica formal, e esperamos, para decidir dos effeitos da consangui- nidade sobre a descendencia daquelle casal, que primeiro se realise a hypothese do autor. Os excellentes resultados dos coitos consanguineos na producção de certos animaes, resultados de que faz cavallo de batalha a escola oonsanguinista, não destroem as conclusões positivas a que nos con- duz a observação dos effeitos constantes destas uniões. Os animaes assim produzidos são sujeitos a condições tão particulares de cria- ção, que constituem seres quasi artificiaes em que a consanguinidade pouco representa. Assim, vejamos como se faz o cavallo inglez; é David Law (*) quem falia : « Desde o seu nascimento, elle é collocado em condições que se poderião chamar artificiaes, no que diz respeito á alimentação e ao exercicio. Apenas separado de sua mãi é revestido de coberturas e posto em uma estrebaria muito aquecida. Sujeito a um regimen secco e exercido segundo as regras, levão-no ao liippo- dromo na idade de tres annos, e ás vezes mais cedo. Conservão-no em boas condições, dando-lhe uma alimentação secca e nutritiva; man- têm-no em uma temperatura elevada, aquecendo a estrebaria, tendo-o constantemente envolvido em coberturas e expondo-o raras vezes ao ar sem esse vestuário. Por esse systema interrompe-se a secreção da gordura, os orgãos da respiração achão-se em um estado de actividade continua, e as fibras musculares adquirem uma tensão que torna o animal capaz de manifestar suas faculdades no mais alto gráo. O que o calor e a aridez do solo produzem no cavallo arabe do deserto, (») Avila, These, pag. 43. Pari», 1869. 39 um regimen artificial o dá ao cavallo inglez, mas superexcitando o systema geral.» Foi pelo mesmo systema que Backwell formou o boi dishley monstro de corpo cylindrico, de cabeça pequena, pescoço delgado e curto e de esqueleto reduzido quasi á metade, na espessura dos ossos. Na especie ovina deve-se também a Backwell uma raça de car- neiros muito estimada e obtida pelos mesmos processos. Na especie porcina o systema do breeding in and in deu raças notáveis pelo grande desenvolvimento dos musculos e do toucinho, e pela diminuição do systema osseo. Taes são os principaes productos do incesto, que se teima em tomar para modêlo da procreação do homem. Sem duvida, segundo a idéa de que os animaes forão expressa- mente ereados para nós, os seres que acabamos de esboçar são per- feitíssimos ; mas não se segue dahi que o mesmo systema applicado ao homem dê os mesmos resultados, porque a perfeição do homem não se póde equiparar á desses animaes. Parece-nos mais razoavel tomar apenas como perfeição as qualidades que dão ao ser os meios de triumphar na luta para a existência, e debaixo deste ponto de vista mais philosophico, os productos da consanguinidade entre os animaes estão longe de ser o que querem os consanguinistas. O cavallo inglez (*), de uma susceptibilidade nervosa que toca as raias da pathologia, e que o impelle a gastar inutilmente a força de seus musculos, de uma voracidade incrível, não pôde resistir ás fadigas da campanha da Oriméa, onde elle se fundia como a neve, e só é verdadeiramente util aos apostadores dos hippodromos. Nem lios cançaremos em mostrar a inferioridade em que se acha esse animal, quando comparado ao puro sangue arabe, que aliás não é obtido pelos meios que derão origem áquelle. («) Richard, Étude du cheval de Service et de guerre. Paris, 1859. 40 Pensamos, pois, como Avila. que esses pretendidos animaes- modêlos, productos do incesto e ajudados de uma vida toda artificial, se reduzem, 11a especie cavallar, a um cavallo factício, improprio para o trabalho e para a guerra, e que desappareceria desde que cessassem os cuidados com que se fórma (*); 11a especie bovina a um boi cylindrico e quasi sem membros e sem ossos; e nas especies ovina e porcina, a monstros, que dos seus congeneres só têm o nome. ®tau, theuret frennd, i$t affe (Jíieorif Mnd grfln des £eBens goWncr $amn. ®oetfie Procurámos quanto nos foi possivel discutir o ponto que escolhe- mos no terreno da Hygiene e extremal-o das questões alheias que lhe têm sido annexadas Estudámos imparcialmente as doutrinas das duas escolas que se batem na questão da consanguinidade, e acceitámos a opinião que nos pareceu mais bem apoiada pelos factos. Esta opinião é a da escola anti-consanguinista, cujas idéas sobre o cruzamento das raças humanas nos parecerão muito pouco fundadas. Vimos, com effeito, que os poucos pontos adduzidos para mostrar a decadência das raças que se isolào, não tinhão o caracter necessário para constituir certeza, e por outra parte mostrámos como da mistura de certas raças originão-se seres menos perfeitos que o mais atra- zado dos typos geradores. Para separar essa consanguinidade vaga e inintelligivel dos indi- víduos de uma raça, da consanguinidade bem determinada de família, lixámos o limite de parentesco no quarto gráo canonico ; não que (*) Richard, obra citada. ) 41 a isso nos levassem considerações de ordem religiosa, mas porque as experiencias dos naturalistas mostrão que além desse gráo, nâo podemos mais reconhecer em um producto os caracteres de seus primeiros factores. Àcceitámos todas as observações, quer contrarias, quer favorá- veis ás uniões consanguineas ; mas á vista do pequeno numero destas em relação ás primeiras, optámos pela opinião anti-consan- guinista, e concordámos com Devay, em que, poucos pontos da etiologia mórbida se aclião tão bem elucidados, como os que se referem á funesta influencia da consanguinidade. Considerámos depois, que a impossibilidade de se explicar o modus agendi de uma -causa não é razão para se deixar de acceital-a, visto como não temos conhecimento de causa no sentido rigoroso da palavra, mas tão somente de circumstancias favoráveis á pro- dttcçâo de moléstias, e são essas circumstancias que devemos remo- ver cuidadosamente no interesse da saude do homem : tal é o espirito do primeiro aphorismo do pai da Medicina. Pensamos, pois, que a observação tendo mostrado os graves inconvenientes das uniões consanguineas, já nos cônjuges, já na sua prole, o liygienista deve condemnal-as rigorosamente, posto que seus conselhos tenhão de ficar quasi sempre estereis perante as conveniências sociaes, as paixões e o calculo. Eis o que pudemos fazer; sem duvida o nosso trabalho, imper- feito e acanhado, resente-se menos da escassez de materiaes que nos ajudassem na sua confeeção, do que da pobreza do nosso estylo e da nossa falta de habilitações. Também só o acompanha uma ambição — o cumprimento de um dever, e só o desculpa a sorte que o aguarda — o esque- cimento. PROPOSIÇÕES SECÇÃO DE SC1ENCIÃS ÃCCESSORSÃS CADEIRA DE MEDICINA LEGAL Analyse chimica nos envenenamentos pelo phosphoro PROPOSIÇÕES I Corpo simples, amarellado, de cheiro e sabor alliaoeos, lumi- noso na obscuridade; muito inflammavel, fusivel a 44°,2, solúvel no etlier, no oleo de naplita, nos oleos graxos e no sulphureto de carbono, tal é o phosphoro, cujo estudo interessa particularmente á Ohimica Legal. II A analyse nos envenenamentos pelo pbosphoro está ainda longe em simplicidade e segurança da do seu congenere o arsénico. III Antes de se proceder a qualquer ensaio chimico sobre as substan- cias suspeitas de conter pbosphoro, deve-se examinal-as cuida- dosamente no intuito de encontrar-se fragmentos do corpo toxico. IV O processo que consiste em provocar a phosphoresceneia pelo contacto das substancias suspeitas com um corpo aquecido, em um lugar obscuro, só deve de ser utilisado em casos excepcio- naes. V Deve-se rejeitar a analyse das matérias pelo sulphureto de carbono. 46 VI O apparelho de Mitscherlich, nos casos em que é applicavel, constitue o melhor meio de analyse no envenenamento pelo phos- phoro. VII Diversas substancias podem tornar difficil ou impossivel a analyse pelo apparelho de Mitscherlich. VIII Dentre essas substancias, a que mais frequentemente se encontra, e que mais efíicazmente embaraça a analyse, é a essencia de tere- benthina. IX No caso de não se poder empregar o apparelho de Mitscherlich, deve-se aquecer as matérias em uma atmosphera de gaz carbonico e recolher os productos da evaporação em um balão resfriado, donde o gaz sahe atravessando uma solução de azotato de prata. X O processo de analyse imaginado por Dusart, e aperfeiçoado por Blondlot, processo fundado na propriedade que tem o phosphoro de tornar verde a chamma do hydrogeneo, é complicado e exige muitos cuidados. XI É facil e seguro o processo de Scherer, que consiste em aquecer a 40° ou 50° as matérias suspeitas em um balão dentro do qual se suspende uma tira de papel embebida em azotato de prata. 47 Xll O acido phosphoroso, em que o phosphoro do envenenamento se póde ter convertido, se reconhece por meio de uma solução de anil ou de sulphato de sesquioxydo de manganez. XIII Póde-se ainda transformar o acido phosphoroso em phosphoreto de cobre ou de prata que dará, reagindo com o cyanureto de potássio, hydrogeneo phosphoretado. XIV A presença da albumina e o augmento dos phosphatos na urina, não merecem grande importância sob o ponto de vista medico legal. SECÇÃO DE SCIENCIAS CIRÚRGICAS CADEIRA DE MEDICINA OPERATÓRIA Operações reclamadas pelos aneurismas da artéria poplitéa PROPOSIÇOES I Das innumeras operações que se tem feito para a determinação da cura dos aneurismas popliteos, aquellas que têm por fim coagular o sangue no sacco aneurismal, são as mais ordinariamente applicadas. II A compressão indirecta, a genuflexão, e a ligadura são as operações mais ordinariamente empregadas no tratamento dos aneurismas popliteos. III A compressão indirecta ou é mecanica, ou digitai, Mecanica é aquella que é feita por intermédio de instrumentos, e digital aquella que é feita por intermédio dos dedos do cirurgião. IV Á compressão digital, diminuindo a area da compressão, actúa mais directamente sobre a artéria, tendo a grande vantagem sobre a com- pressão mecanica de não produzir senão ligeira dor ao individuo. V A unica objecção séria, que se póde fazer ao emprego da com- pressão digital, é a impossibilidade de um pessoal apto para com- primir bem a artéria. Os factos todos os dias observados nos hospitaes 50 da Europa e da America do Norte, onde a compressão digital é feita por enfermeiros, doentes, convalescentes e irmãs de caridade, são a resposta a esta objeeção. VI A sciencia registra casos de compressão digital feita pelo proprio doente, com o mais vantajoso resultado. (5 caso de Donohue, doente de Qolles, de Dublin, é muito conhe- cido de todos. VII Á compressão digital é ordinariamente empregada total, isto é: interrompendo completamente a passagem do sangue na artéria; e intermittente, isto é: feita com intervallos regulares. VIII A genuflexão ou flexão da perna sobre a coxa, vulgarisada por Hart, tem dado na pratica resultados vantajosos. Os cirurgiões aereditão que a flexão actúa como a compressão directa sobre o tumor e indirecta sobre a artéria. IX Dos estudos de Liégeois resulta que a genuflexão não pode occupar o primeiro lugar na therapeutica dos aneurismas popliteos, como quer Stopín, X Liégeois mostrou á Sociedade de Cirurgia que a genuflexão dava 55 % de successos, algarismo inferior á compressão digital, que, segundo suas estatisticas, dava 70 °/0. XI No emprego deste meio, diz Richet, deve-se attender muito ao 51 estado do tumor aneurismal, explorar os seus batimentos e sobretudo interrogar a sensibilidade do doente. A ruptura do sacco do aneu- risma é um acci dente não muito raro . . XII A ligadura praticada nos aneurismas popliteos veio substituir, no fim do século passado, ao methodo antigo ou methodo de abertura de sacco. XIII A ligadura, tal qual a praticou o distin to cirurgião John Hunter, tem sido em todos os tempos o processo mais seguido no trata- mento dos aneurismas popliteos. XIV Os processos de Anel, ou ligadura junto ao tumor, e o de Scarpa, ou rnais distante do tumor, são quasi nunca empregados moderna- mente. XV A infiaramação do sacco, as hemorrhagias, quer da artéria, onde foi passado o fio da ligadura, quer do sacco aneurisma! e a gangrena do membro, são os accidentes que têm tomado a ligadura uma operação tão mortifera, XVI Na Europa, como na America do Norte, a ligadura é hoje um recurso, quando falhão os outros meios. Entre nós, porém, ella é a primeira indicação dos aneurismas popliteos. XVII Entre nós, os Drs. Pertence, Pereira Gruimarães e alguns outros, e na Baliia o Dr. Moura, professor de clinica cirúrgica, preferem recorrer á ligadura, quando lhes falha a compressão indirecta. 52 XVIII Segundo os estudos de physiologia pathologica, a theoria de Bellingham e Broca é insustentável. XIX Os coalhos fíbrino-globulares, ou passivos de Broca, são suscep- tiveis de determinar a cura radical,, passando pela transformação, a fibrinosos ou activos de Broca. XX Na escolha dos meios de tratamento, nos decidiremos pela com- pressão digital em primeiro lugar, pela genuflexão em segundo, e em terceiro lugar pela ligadura, e só depois de baldados todos os nossos esforços é que recorreremos ao methodo antigo. •SECÇÃO OE SCIENCIAS MEDICAS CADEIRA DE PHYSIOLOGIA Da secreção urinaria PROPOSIÇÕES . I Chama-se secreção urinaria a passagem dos elementos da urina atravez do parenchyma renal. II A filtração do serum sanguíneo nos glomerulos de Malpighi, e a resorpção posterior da albumina do serum pelo epithelium dos tubos renaes, constituem o acto fundamental dessa secreção. IIT A favor deste modo de conceber a secreção urinaria, encontrão-se provas na anatomia do rim, na pathologia e na anatomia comparada. IV Pela theoria que attribue ao epithelium dos tubos renaes a for- mação dos princípios contidos na urina, é inexplicável a pathogenia da moléstia de Bright. A urina corre incessantemente pelos ureteres, para accumular-se gôtta á gôtta no reservatório vesical. VI A vis a terc/o, a contracção doa muscnlos lisos dos ureteres e a disposição particular da entrada desses canaes na bexiga, ex- plicão perfeitamente esses factos. 54 VIT A contracção da túnica muscular da bexiga basta para expulsar todo o liquido contido em seu interior; mas no estado normal, a expulsão completa da urina depende da acção dos musculos do abdómen, do perineo, do bulbo cavernoso, do ischio-eavernoso e dos musculos de Wilson. VIII A quantidade da urina, sua densidade e reacções chimicas variâo em muitas circumstancias. IX As substancias dissolvidas na agua da urina são representadas por uma quantidade quasi constante para as 24 horas. X Greralmente acida no homem e nos carniceiros, a urina póde tornar-se accidentalmente alcalina, pela presença de um bicarbonato de potassa ou de soda, ou pelo phosphato desta ultima base, XI À alcalinidade da urina pelo carbonato de ammonea, é sempre o resultado da decomposição desse humor. XII Do grande numero de corpos contidos na, urina, o mais impor- tante é a uréa: O2 H4 Az2 O2. XIII A uréa é o producto final da desassimilação da albumina, que passou por uma serie de transformações representadas por corpos intermediários, como: a creatina, a creatinina, o acido inosico, a kypoxanthina (Scherer) ou protoxydo urico (Moleschott), e o acido urico. 55 XIV Os phenomenos morbidos consecutivos á suppressão da funcção dos rins não se explicão pelo envenenamento do sangue pela uréa, nem pelo carbonato de ammonea, em que aquella substancia se trans- forma facilmente : C* H4 Az2 O2 + 4HO= 2AzH\ HO, CO2. XV A albumina, a glycose eo pigmento biliar, sempre dependentes de um estado pathologieo, são laceis de se reconhecer na urina. XVI A kyesteina, pellicula que se fôrma sobre a urina das mulheres gravidas, não tem importância para o physiologista. HIPPOCEATIS APHOEISU I Omnia secimdum rationem facienti si non succedant secnndum rationem, non'est transeundum ad aliud, manente eo, quod a princi- piis visum. (Sect. II, Aph. IX). II Confestim et repentè vacuare, vel implere, vel calefacere, vel refri- gerare, vel utcumque aliter corpus movere, periculosum. Quod siqui- dem nimium naturae inimicum. (Sect. II, Aph. LI). III Si nmlieri purgationes non prodeant, ncque horrore neque febre snccedente, ciborum verò fastidia ei accidant, gravidam esse existi- mato. (Sect. V, Aph. LXI). IV Mulierern utero gerentem morbo quopiam acuto corripi lethale. (Sect. V, Aph. XXX). V Mulieri sanguine vomitione rejicienti menstruis erumpentibus solutio contingit. (Sect. V, Aph. XXXII). VI Renum et vesicm dolores difficulter sanantur in senibus. (Sect. VI, Aph. VI;. Esta these está conforme os estatutos.— Rio, 30 de Setembro de 1875. Dr. Caetano de Almeida. Dr. João Damasceno Peçanha da Silva. Dr. Kossuth Vinelli.