> FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO DO fir. ietijci floides 1 H 7 d fHEill DISSERTAÇÃO SECÇÃO CIRÚRGICA Do valor do tratamento do tétano traumático PEOPOSIÇÕES Secção de sciencias accessorias. — Estudo chimico-pharmacologico sobre o opio. Secção de sciencias cirúrgicas. —Diagnostico das prenhezes, causas de erro. Secção de sciencias medicas. — Fava de Calabar, considerada pharmacologica e therapeuticamente. THESE 1 MI1M1II 111 IlllllCliVt llll 111(1 111 Jillllll APRESENTADA EM 28 1>E SETEMBRO DE l S70 E perante ella defendida em 18 de Dezembro do mesmo anno ( Sendo approvada com distinção) JUanoeí de Sou;,a Jl rides Doutor cm medicina pela mesma faculdade, Cavalleiro da Ordem de Chi isto, membro correspondente da Academ:a de Sciencias Physicas do Rio de Janeiro. POR NATURAL LO PORTO (PORTUGAL) filho legitimo de João Laiz fle Souza Avifles o 4e D. Maria 4o Carmo Avi4es RIO DE JANEIRO Typoftraphia luiversai de Eduardo & Henrique Laemmert 71, RUA DOS INVÁLIDOS, 71 1B76 ItlKECTOH Conselheiro Dr. Visconde de Santa Izabel. VICE DIRECTOR Conselheiro Dr. Barão de Theresopolis. SECHETAUIO Dr. Carlos Ferreira de Souza Fernandes. IíENTBS C VI IIIilMt VI IC O* F, J. do Canto e Mello Gaslro Masearcnhas.(la cadeira), Physica em geral, e particularmenle em suas applicações á Medicina. Manoel Maria de Moraes e Valle . . . (2a » ). Ghimica e Mineralogia. Luiz Pient/.enauer (3a » ). Anatomia descriptiva. sia.i vno axxo Joaquim Monteiro Caminhoá, (presidente) (Ia cadeira). Bolanica e Zoologia. Domingos José Freire Júnior .... (‘2a » j. Ghimica organica. Francisco Pinheiro Guimarães .... (3a » ). Physiologia. Luiz Pienlzenauer (4a » ). Anatomia descriptiva. TERCEIRO A1MKO Francisco Pinheiro Guimarães .... (Ia cadeira), Physiologia. Cons. Anlonio Teixeira da Rocha ... (2a » , Anatomia geral e palhologica. Francisco de Menezes Dias da Cruz . . . (3a » ). Palhologia geral. Vicente Cândido Figueira de Saboia . . (4a » ). Clinica externa. QUARTO ANKO Anlonio Ferreira França (Ia cadeira). Palhologia externa. João Daraasceno Peçanha da Silva . . . (2a » ). Palhologia interna. Luiz da Cunha Feijó Júnior (3a » ). Partos, moléstias de mulheres peja ■ das e de recem-nascidos. QUINTO A MUI O João Damasceno Peçanha da Silva. . . (Ia cadeira), Palhologia interna. Francisco Praxedes de Andrade Pertence. (2a » ). Anatomia lopographica, medicina operaloria e apparelhos. Albino Rodrigues de Alvarenga ... (3a » ). Matéria medica e lherapeulica. SEXTO AXXO Anlonio Corrêa de Souza Gosta .... (Ia cadeira). Hygiene e historia da Medicina. Barão de Theresopolis (2a » ). Medicna legal. Ezequiel Corrêa dos Santos (3a » ). Pharmacia. João Vicente Torres-Horaem (4a » ). Clinica interna. honforcsi PRIMEIRO AXXO L.KNTES SI BSTITUTO§ Agostinho José de Souza Lima, (examinador). . . \ Benjamin Franklin Ramiz Galvào I João Joaquim Pizarro . . ySecção de Sciencias Accessorias. João Martins Teixeira í Augusto Ferreira dos Santos * Cláudio Velho da Moita Maia José Pereira Guimarães (examinador) . . . • Secçio de Sciencias Cirúrgicas. Pedro Auonso de Carvalho rranco. . . v n Anlonio Caetano de Almeida ) * José Joaquim da Silva j João José da Silva • Secção de Sciencias Medicas. João Baptista Kossuth Vinelli. . . . . . . \ N.B. A Faculdade não approva nem reprova as opiniões emillidas nas Theses que lhe são apresentadas A MEMÓRIA DE MEU PAI A MEMOUIA DE MEU TIO BERNARDO JOSÉ PINTO A MEMOKIA OE MEU IIIIHÍO AMOMfl Á memória de meu sobrinho e afilhado Gil 1 MISSA MH A meu irmão Bernardo José Pinto Avides e sua familia A. MUSTHA A MEUS AVÔS A MEU PADRASTO A meu tio Florentino de Souza Avides e sua família Á MIMA S8MIMIA I AFI11AM CiNSTANÇA Ao nen ei-tntor e amip o Illm, Sr, Antonio José Ramos de Oliveira A MEU MESTE.B E AMIGO O Exm<> Sr. Conselheiro íjr. l[doljil|0 |)ictorio ria |osta t sua família A. MEUS AMIGOS Jà l$PÍallÍ) €!0EallalÍ€?ikÍ>) PRIMEIRO PONTO CADEIRA DE CLINICA CIRÚRGICA DO VALOR DO TRATAMENTO DO TÉTANO TRAUMÁTICO É tanto mais difllcil apreciar convenientemente o valor dos methodos therapeuticos de uma mo- léstia, quanto esta lhes é mais rebelde. (Blizard Curling. A treatise on telanus. 1836). Dentre os accidentes que complicão as feridas se destaca, por sua gravidade e por sua frequência, especialmente nos climas inter- tropicaes, o tétano. Sendo esta affecção muitas vezes rebelde aos meios curativos, a sua tlierapeutica tem sido de ha muito tempo o objecto de estudos sérios. A sua inefficacia tem levado os práticos a empregar successiva- mente os medicamentos mais activos e apropriados, que o arsenal therapeutico põe á sua disposição. Todas as medicações têm tido seus partidários. Todas as medicações contão um certo numero de successos, pequeno relativamente ao de insuccessos. Entretanto, na pratica, os cirurgiões vêm muitas vezes os seus feridos succumbir victimas desta terrível complicação, a despeito da energia dos meios empregados. Daln nasce no espirito a duvida sobre o valor do tratamento do tétano traumático; e esta acarreta o embaraço na escolha do agente, que uma therapeutica apparentemente rica lhe oíferece. 2 Entrando no importante estudo deste ponto de therapeutica ci- rúrgica, não pretendemos resolvel-o, porém adquirir somente as luzes que guiem a nossa escolha, quando tenhamos de combater o mais cruel dos accidentes das feridas. Parece-nos indispensável, tendo de entrar nesse estudo, occuparmo- nos primeiramente da historia pathologica do tétano, e especialmente da pathogenia, que ultimamente tem sido o objecto de tantas investi- gações e que fornece as indicações da therapeutica mais racional. Somos felizes de encontrar a justificação do nosso procedimento nas seguintes palavras do Dr. Déchambre, publicadas na Gazette Hebdomadaire de 9 de Junho deste anno : « Toutlecteur qui cherche à sfinstruire sur le traitement d’une maladie n’est pas presumé par cela seul, quelque respect qidon ait pour lui, connaítre cette maladie à fond ; que s’il la connaissait, encore faudrait-il lui dire comment on la comprend soi-même, puisque de 1’idée qu’on s’en est formée va dépendre le traitement qu’il s’agit de conseiller.» Dividimos, pois, o nosso trabalho em duas partes: Na primeira estudamos o tétano sob o ponto de vista pathologico ; Na segunda occupamo-nos do seu tratamento e do valor deste. As considerações que fazemos nesta parte baseão-se especialmente sobre as dezanove observações que colhemos nas clinicas de nossos mestres. PRIMEIRA PARTE Definição — Historico O tétano (de uma palavra grega, que significa estender) é uma nevrose spino-bulbar, caracterisada principalmente por contracções permanentes e dolorosas, com redobramentos convulsivos, de uma parte ou da totalidade dos musculos sujeitos ao império da vontade. O tétano é uma das moléstias mais antlgaraente conhecidas. Hip- pocrates delle se occupou em uma das suas obras (De morh., lib. 111, cap. XII); ahi descreveu com exactidão seus principaes symptomas e formulou alguns preceitos therapeuticos. Mais tarde Celso também se occupou desta moléstia em seu livro De re medica . Aretêo deu do tétano uma descripção tao exacta, como verdadei- ramente classica. Bérard e Denonviliers considerão-na como um modelo e a transcrevem em seu Compendiam de cirurgia pratica. Celio Aureliano, Galeno e o Arabe Avicênna fizerão sobre o tétano largos commentarios. Em uma epoca mais próxima de nós, Fernel, e todos os nosogra- pbos depois delle, com especialidade Sauvages, Cullen, Pinei e Frank, occuparão-se com esta moléstia. 4 Uma monographia que merece ser mencionada é a de Trnka, pu- blicada em 1777 (*), e que elle redigio com mais de duzentas obser- vações particulares, analysando-as cuidadosamente. Mas o tétano tem mais especialmente fixado a attenção dos cirur- giões militares e dos médicos que tem exercido a clinica nas regiões intertropicaes, merecendo ser citados os trabalhos de Dazille, Bajon, Campett, Valentin eLarrey. O Sr. Dr. Martinho Alvares da Silva Campos publicou em 1 838 a sua tliese inaugural, onde trata magistralmcnte do tétano, e apre- senta em seguida vinte observações importantes. Numerosos são os trabalhos que se tem publicado sobre a affecção que nos occupa. Nelles se encontra uma exposição clara dos symptomas e uma enumeração exacta das causas ; porém nelles reina a incerteza, quando se trata da pathogenia e da therapeutica desta affecção. O meu im- perfeito trabalho não faz de certo excepção á esta ultima parte. Divisões As divisões do tétano são varias, segundo o ponto de vista sob o qual é elle considerado. Sob o ponto de vista das causas que o têm originado, elle foi dividido em espontâneo on idiopathíco, quando se desenvolve sem causa particular apreciável, e traumático, quando se apresenta como accidente das feridas. Esta divisão, muito importante, é geralmente admittida. O tétano traumático é mais frequente do que o espontâneo. (*) Commentaria de tétano; Vindobonoe 1777. 5 Segundo a sua duração, o tétano se divide em agudo e chronico ; o primeiro durando de quatro a oito dias, e o segundo se prolongando durante algumas semanas, havendo mesmo casos em que a moléstia tem durado dous mezes e mais. Alguns autores admittem também o tétano agudissimo ou de curta duração (siderans de Hippocrates), em que a moléstia tem durado apenas algumas horas; Robinson cita mesmo o caso de uma negra, que ferio-se no pollegar com um frag- mento de porcellana, e um quarto de hora depois succumbiu victima do tétano. (*) O tétano tem sido ainda dividido em continuo, remittente e inter- mittente, conforme o typo que apresenta; sendo os dous últimos pouco frequentes. Segundo a idade em que se manifesta, distingue-se o tétano dos recem-nascidos, também denominado mal de sete dias, e o tétano dos adultos. O tétano é parcial ou geral, conforme elle invade uma parte ou a totalidade dos músculos voluntários. Conforme o grupo de músculos, que é affectado, o tétano apresenta diversas fórmas, que são denominadas trismo, opisthotonos, emprosto- ionos e orthotonos, e que descreveremos quando nos occuparmos da symptoraatologia. Etiologia O tétano póde ser observado em todas as regiões do globo ; mas é muito mais frequente nos climas quentes, sendo, pelo contrario, muito raro nos climas temperados. Assim, elle é diariamente obser- vado no Senegal, nas Antilhas, na índia e em Cayenna. Nesta ultima {*) É erradamentc que alguns autores (Jaccoud, ete.) referem este caso a Bardeleben. 6 a moléstia é tão frequente e desenvolve-se com tanta facilidade, que a policia estabeleceu multas pesadaa para os indivíduos, em frente de cujas habitações forem encontrados fragmentos de vidros, ossos, es pinhas, ou qualquer corpo que possa ferir os pés das pessoas que andão descalças. Na Europa, entretanto, a moléstia não tem esta frequência, e os cirurgiões não têm de lutar tantas vezes com este accidente, salvo quando existem condições especiaes, como veremos. Os indivíduos de todas as idades são sujeitos a esta moléstia ; entretanto ella é rara nos velhos, e mais frequente nos adultos e nos recem-nascidos. Bajon (*) refere que nos climas intertropicaes suc- cumbem a esta aífecção mais de dous terços das crianças. Os homens são mais vezes aífectados do que as mulheres, porque expõem-se mais ás causas determinantes do tétano. Tem-se também notado que os indivíduos robustos, musculosos, de constituição forte, bem como os de raça negra, são mais predispostos. Em 19 tetânicos que observámos, 14 erão de constituição forte e 5 de constituição fraca; 12 pertencião á raça negra e 7 á branca. Todas as lesões traumaticas, desde a mais simples escoriação até os maiores ferimentos, e em todas as condições, podem causar o tétano; porém esta propriedade não é igual em todas, varia segundo a natureza, a séde e a época do traumatismo. Assim, os autoresapontão em primeiro logar, quanto á natureza do ferimento, as picadas, os esmagamentos, as mordeduras, as feridas por arrancamento, por dilaceração, os ferimentos produzidos por instrumen- tos manchados ou enferrujados, as fracturas comminutivas e expostas. Relativamente á sede, são os ferimentos dos dedos das mãos e dos pés, e especialmente os da face palmar, ou da plantar, os ferimentos das articulações, particulannente das ginglyrnoidaes, os que mais vezes se complicão de tétano. (*) Mémoirespour servir à 1’histoire de Cayenne et de la Gruyanne Françaisc. Paris 1778. 7 0 mesmo accidente tem sobrevindo nos casos de secção incompleta ou ligadura de um nervo. Larrey refere nas Memórias de cirurgia militar e campanhas uma observação de ferida incisa da região super- ciliar seguida de tétano, devido á secção incompleta do nervo frontal; a incisão foi completada e o accidente desappáreceu em menos de 24 horas. O mesmo cirurgião refere qaena autopsia praticada no filho do general de Armagnac, fallecido de tétano em seguida a uma amputação de braço, encontrou-se o nervo mediano ligado conjunctamente com a artéria. As lesões dos tecidos aponevroticos, tendinosos e ligamentosos são frequentes vezes acompanhadas de tétano. O nosso Professor o Sr. Dr. Ferreira França costuma citar o facto de uma preta, que, pu- lando de uma janella para outra, ferio-se no tendão de Achilles com uma lança da grade, e apresentou pouco tempo depois o tétano. Segundo o Dr. Ferreira França, as feridas do escroto são também frequentes vezes acompanhadas de tétano. Na castração é commum este accidente, em consequência da ligadura em massa do cordão testicular. Se o tem ainda observado na ovariotomia. A época das lesões traumaticas, em que se desenvolve a affecção que nos occupa, é variavel. As feridas acompanhadas de grande dor podem ser logo, ou nos primeiros dias, o ponto de partida dos accidentes tetânicos. E, porém, quando os accidentes inflammatorios se desen- volvem que o tétano é mais frequente. O tétano pode ainda apparecer no periodo de cicatrização ou mesmo depois do cicatrização perfeita, como no doente da observação XIY. A presença de corpos estranhos nas feridas provoca muitas vezes a r sua apparição. E muito conhecido o facto citado por Dupuytren (*) de um individuo que, havendo fallecido de tétano originado de uma violenta chicotada, apresentou pela necropsia a extremidade do chicote implantada na espessura do nervo cubital. (*) Blepsurcs par armes de guerre. 8 Produzem ainda o tétano os curativos mal feitos, ou feitos c m substancias acres ou irritantes. É, porém, o frio, e especialmente o frio húmido, a câusa mais efíicaz do tétano ; elle parece dominar a sua etiologia, e esta prepon- derância fez com que Bardeleben considerasse o ferimento como causa predisponente e o frio como causa determinante. Não é tanto pelos ardores do clima nos tropicos, como pelas variações bruscas de temperatura, pelas passagens rapidas do calor para o frio, que o tétano é ahi mais commum. E ainda pela mesma causa que os cirurgiões militares o observão mais vezes. Assim, Larrey refere em sua clinica que, depois da batalha de Bautzen, tendo os feridos passado a noite sobre o campo de batalha, expostos a um frio intenso, no dia seguinte mais de cem casos de tétano se manifestárão. Bégin (*) diz que depois da batalha de Moskow, havendo então um calor abrasador, mas constante, poucos feridos fôrão affectados de tétano, emquanto que depois da de Dresda, em que a uma grande elevação da temperatura succedeu um tempo frio e húmido, o numero dos tetânicos foi considerável. Bajon, em sua obra já citada, narra um facto muito curioso e que prova a influencia poderosa das variações atmosphericas. Em uma aldeia abrigada dos ventos do mar por uma alta e espessa floresta, os casos de tétano erão ali desconhecidos; abatida, porém, a floresta, a moléstia tornou-se tão frequente nesta aldeia, como nos pontos da ilha mais desfavoravelmente situados. A mflammação e a ulceração do umbigo, produzindo o tétano, é uma causa da mortalidade dos recem-nascidos. Nas mulheres depois do parto se apresenta algumas vezes, aliás raras, o tétano, chamado por isso puerperal. Simpson conta 17 casos, nos quaes a moléstia appareceu depois do parto a termo, e 7 casos em que ella sobreveio depois do aborto. Elle refere também um caso (*j Díctionuaire do médec:ne et chirurgjo pratique?. 9 em que foi feita a operação cesariana, e o tétano manifestou-se 17 dias depois, quando a ferida externa já estava cicatrizada em grande parte. Laurent (de Strasbourg) considera a existência de vermes no tubo digestivo como a causa mais poderosa do tétano, sendo mesmo as feridas de importância secundaria. Se bem que exagerada, a opinião de Laurent não é completamente falsa, sendo entretanto raros os casos de tétano produzido por vermes. Chaussier cita um facto, que mostra a influencia desta causa: elle foi chamado para ver um homem que, tendo grandes dôres no ventre e uma constipação rebelde, apresentou symptomas de tétano; prescreveu-se-lhe uma poção, composta de oleo de ricino e xarope de flores de pecegueiro, que, determinando copiosas dejecções? provocou a expulsão de um grande verme, e o individuo restabe- leceu-se completa e immediatamente do tétano. As emoções moraes vivas, a cólera, o temor, os excessos venereos, os abusos alcoolicos, etc., podem ainda concorrer para a producção do tétano. O impaludismo é considerado por Sanquer (*) como causa eíflciente ou pelo menos predisponente do tétano. Elle diz em sua these inau- gural : Reis et plusieurs autres médécins brésiliens sont persuadés que le paludisme est une cause eíflciente du tétanos. Au Brésil le tétanos intermittent serait fréquent. (*) Sanquer. Quelques mots sur le tétanos. These. Paris. 1869. 40 10 Symptomatologia e marcha Alguns autores admittem no tétano ura período prodromico, era que elles assignalão máo-estar geral, calefrios, anorexia, digestões pcniveis e especialmente pandiculações. Larrey diz ter observado certas modificações no estado da ferida, taes como diminuição da suppuração, tumefacção das carnes circuinvizinhas e propagação das dores locaes para o rachis, etc. Outros autores, porém, como Nélaton, Sanson, etc., negão abso- lutamente a existência de symp tomas precursores. O que é certo, porém, é que muitas vezes o apparecimento do tétano é brusco. O professor de clinica medica, o Sr. Dr. Torres Homem, citou-nos o facto de uma menina, filha de um distincto medico desta capital, que penteava-se uma manhã em seu quarto, estando ainda incompleta- mente vestida, quando um irmão pequeno, por brincadeira, lançou-lhe sobre a espinha dorsal um copo de agua; immediatamente a menina foi acommettida de tétano violento, a que mais tarde succumbiu. Mirbeck refere um caso idêntico, e muitos outros existem que torna- se desnecessário referir aqui e que confirmão o que dissemos. A affecção começa por uma sensação de rigidez dolorosa, que o doente experimenta na nuca e que lhe diíficulta os movimentos da cabeça. Pouco depois sobrevêm prisão na base da lingua, difficuldade na mastigação, dysphagia e dores na parte posterior do sterno e no dorso. Os musculos pterygoideos internos, os masseteres e os tempo- raes contrahem-se com energia e approximão os maxillares um contra o outro tão fortemente que o seu afastamento torna-se difficil, e o doente abre muito imperfeitamente a boca. .Aretêo assim se exprime a este respeito : « inferiorem maxillam superiori annectunt, adeo ut neque vectibus aut cuneis facilè diduci possint.» A contracção dos levantadores do maxillar inferior segue-se a dos 11 musculos da face, que apresenta então uma expressão singular: a fronte enruga-se, os olhos gyrão sobpalpebras immoveis, os lábios afastão-se e as narinas são dilatadas ; as commissuras labiaes são pu- xadas para fóra; é a este conjuncto que se deu o nome de riso sardó- nico, que, na expressão de Jaccoud, contrasta com as dôres atrozes que fazem gemer o paciente. A contracção vai invadindo gradualmente certos grupos musculares, resultando dahi posições particulares do tronco e dos membros.Assim, os musculos da nuca e do dorso tornão-se rigidos, a cabeça inclina-se para trás e a columna vertebral curva-se, formando uma concavidade posterior; os membros estão em extensão forçada, e é impossivel obter a sua flexão. O abdómen torna-se tenso, duro e retraindo, e essa tensão exagerada determina uma constricção dolorosa no epigastvo. O corpo do doente toca o leito somente com o occiput e os calca- nliares. Esta fórma constitue o opisthotonos, e é a mais frequente. Se, pelo contrario, são os musculos flexores os contrahidos, a cabeça e fortemente curvada sobre o peito pela contracção dos escalenos e dos sterno-mastoideos, de modo que o mento vem se apoiar sobre o sterno; as coxas são applicadas sobre o ventre e as pernas sobre as coxas, de sorte que os calcanhares vêm tocar as nadegas, e as faces correspondentes do braço e do ante-braço applicão-se uma sobre a outra. Esta fórma, menos commum que a precedente, é denominada emprosthotonos, em consequência da curva de concavidade anterior descripta pelo corpo. Emfim, em casos muito raros, são contrahidos os musculos late- raes; então a cabeça inclina-se para a direita ou para a esquerda, segundo o lado aífectado; a orelha apoia sobre a espadua correspon- dente ; o quadril do mesmo lado levanta-se, de fórma que o corpo curva-se em arco sobre uma de suas partes lateraes ; é esta a fórma denominada pleurostUotonos ou tétano lateral, de todas a mais rara. Quando, porém, tanto os musculos extensores, como os flexores 12 são affectados, suas acções contrarias fazem equilíbrio e todo o corpo torna-se inflexível; parece formado de uma só peça e semelhante a uma estatua. Esta forma constitue o tétano recto ou tonico) orthotonos; comtudo, segundo Bégin, a desigualdade dos espasmos obriga alguns musculos a vencer a resistência de outros, de sorte que o tétano perfeitamente recto é raro (*). Larrey estabelece uma relação intima entre a fórma do tétano e a situação topographica dos nervos lesados. Assim, nos ferimentos que causão o tétano traumático, se são interes- sados os nervos da região anterior do corpo, resulta o emprosthotonos. Pelo contrario, quando são os nervos da região posterior os lesados, ha então opisthotonos; emfim, se a causa vulnerante atravessou um membro de maneira a interessar igualmente os dons planos de nervos, ofigina-se o tétano recto. A observação, porém, não tem contirmado a asserção de Larrey. Ha certos grupos musculares que resistem mais á invasão da rigidez tetanica, e só se affectão quando a moléstia toca o seu auge. Taes são os musculos dos dedos que, segundo Spriengel acreditava, conservavão sempre a sua flexibilidade; porém a observação tem demonstrado que nem sempre esse facto se dá, e nos casos graves elles tornão-se também rigidos. Taes são ainda os musculos motores do globo ocular, o qual, dirigindo-se para um e outro lado sob palpebras immoveis, contri- bue a tornar mais característico o fades tetânico. Taes são, emfim, os musculos respiradores, que, sendo contrahidos pela marcha progressiva da rigidez tetanica, a carretão a morte em pouco tempo. A contracção dos musculos não é constante e uniforme durante toda a moléstia. (*) Lococit.,t. 15,pag. 297. 13 A certos momentos sobrevêm redobramentos convulsivos, denomi- nados por Jaccoud—espasmosparoxysticos; então as dores augmentão consideravelmente, obrigando o doente a dar profundos gemidos, os musculos da face contrahem-se de uma maneira horrível, as posições produzidas pela rigidez permanente se exagerão, de modo a levar a seu máximo a contractura dos musculos já affectados e de despertal-a momentaneamente em outros, que até então estavão em relaxa- mento . Estes redobramentos convulsivos são provocados por qualquer movimento que o doente faça em seu leito, pelo barulho, pela appro- ximação de qualquer pessoa, pelo contacto da mão, por uma luz mais intensa, etc. Uma pergunta que se lhe dirija, a agitação do ar, a simples intenção de mover-se basta muitas vezes para produzil-os. Nestes paroxysmos, que são ordinariamente de curta duração, podem romper-se algumas fibras musculares, e algumas vezes o doente tem sido lançado fora do leito. Terminado o accesso, vem a remissão, durante a qual o doente acha-se em uma situação relativamente melhor; alguns musculos estão muito menos rígidos e outros mesmo relaxados, de modo que o doente póde então executar alguns movi- mentos . A medida que a moléstia vai progredindo, estes redobramentos vão-se reproduzindo com mais facilidade, tornão-se mais frequentes; a sua violência e extensão vão augmentando . Os symptomas que até aqui temos exposto constituem propria- mente o tétano, porém elles são acompanhados de algumas pertur- bações funccionaes que lhe são dependentes. As funcções digestivas são mais ou menos perturbadas. A sêde torna-se intensa, quando a contracção dos musculos do pharynge e do esophago não permitte a deglutição, sendo mesmo nestes casos impos- sivel deglutir a saliva, que se accumula na boca, e depois escoa-se espessa, espumosa e algumas vezes sanguinolenta pelas commissuras labiaes. 14 O appetite é conservado, porém a difficuldade ou a impossibilidade da mastigação e da deglutição fazem com que, aos muitos males que já atormentão os doentes, se venha juntar o da fome. Vomitos podem apresentar-se no comêço da moléstia, porém parão logo, salvo quando o tétano é symptomatico de uma affecção dos centros nervosos. Ha constipação de ventre, algumas vezes rebelde, a qual tem sido attribuida ás contracções permanentes dos esphincteres, mas para a qual, acreditamos, concorre em grande parte a falta da pressão abdo- minal, falta devida á contractura dos musculos dessa região. E tanto é assim que, algumas vezes, durante os redobramentos convulsivos, o espasmo dos musculos, exercendo pressão sobre os intestinos, deter- mina evacuações involuntárias. Quando a contracção tem invadido os musculos inspiradores, o que tem logar nas formas graves, ha então dyspnéa e mesmo orthopnéa, e a asphyxia ameaça a cada instante a vida do doente. As perturbações do apparelho genito-urinario consistem em dysu- ria, estranguria e algumas vezes retenção completa de urinas, de modo a reclamar o catheterismo. Tem-se observado algumas vezes, aliás raras, erecção dolorosa com ou sem pollução ; ordinaria- mente, porém, nenhum phenomeno morbido se nota neste apparelho. A caloriíicação é perturbada nesta aífecção ; ha elevação de tempe- ratura, que attinge algumas vezes gráos elevadíssimos. Foi Wunderlich quem primeiro observou a enorme elevação de temperatura nos tetânicos. Em 1861 elle vio um doente que apresentou pouco tempo antes de fallecer a temperatura de 44°, 9 e uma hora depois da morte, a temperatura tendo continuado a subir, o thermometro marcou 45°,4. (*) (*) 0 máximo de temperatura, de que se tinha conhecimento no homem doente, era o de 44°,9, observada por Wunderliche que acima citámos. Porém lemos na Gazette des Hôpitaux de 17 de Abril de 1875, n. 45, um extracto do jornal The Lancet de 6 de Março de 1875 15 As experiencias de Becquerel e Breschet feitas no homem e em cães, por meio de apparelhos termo-electricos, e as mais recentes de Helmholtz sobre rãs, têm provado a elevação de temperatura dos musculos durante a sua contracção. Beclard demonstrou que a quantidade de calor desenvolvido pela contracção é maior quando o musculo executa uma contracção estatica, isto é, não acompanhada de trabalho mecânico, do que quando esta contracção produz tra- balho mecânico util. Ora, se existem contracções musculares sem trabalho util, são sem duvida as contracções tónicas do tétano, em que a acção dos musculos antagonistas se destróe reciproca- mente . Leyden e Fick, provocando o tétano artificial por meio de fortes correntes eléctricas, que atravessavão a medulla, têm notado a elevação de temperatura. Estas experiencias nos levão a crêr cora esses autores que a elevação de temperatura no tétano é devida ás contracções tónicas dos musculos. Entretanto Billroth, que admitte esta theoria para as pequenas elevações de temperatura, diz que as altas temperaturas no que em seguida transcrevemos, embora não nos mereça toda a confiança. Écale communi- cou á Sociedade de Clinica de Londres um facto inteiramente excepcional : Uma senhora deu, em 5 de Septembro do anno passado, uma quéda de um cavallo e fracturou a quinta e a sexta costellas. Seis horas depois do accidente a temperatura era de 101° Fah. (38°,3j, Quatorze dias mais tarde a paciente tinha apenas alguma rachialgia. A 3 de Outubro a temperatura de 100° subio a 101°. Ligeiras contracturas nos musculos dos pés. Desde então a sua temperatura continuou a elevar-se, apezar da applicação de um saquinho de gelo sobre a columna vertebral. Até 5 de Novembro 305°. A 6, 106°. O thermometro elevou-se depois com remissões muito curtas a 122°. Fah. (50°,6). Desceu a 114° (45°,5), para subir de tarde a 122°. Durante o mez de Dezembro a temparatura desceu a 100° e voltou, desde Janeiro, ao gráo normal. A ourina era rica era uratos. A intelligencia ficou intacta ; não havia paralysia propriamente dita, mas somente uma ligeira fraqueza da perna direita. Antes, como depois do accidente, tinha-se observado nesta doente attaques de hysteria. Para assegurar a exactidão de suas investigações, mandou Écale fabricar ther- mometros de escala muito extensa, e tinha collocado um em cada axilla. Differentes médicos verificarão como elle a elevação de temperatura. 16 tétano traumático não são necessariamente devidas a contracções musculares, porque ha casos, aliás raros, de tétano muito agudo, quasi sem elevação de temperatura. Seria conveniente que o Pro- fessor de Vienna apresentasse algumas observações; por emquanto não podemos crer nesses casos raros de tétano agudissimo sem ele- vação de temperatura. Nenhum outro falia delles. Wunderlich explica a elevação de temperatura pela falta de acção do centro nervoso moderador da caloriíicação, que elle adraitte, mas cuja não existência foi demonstrada pelas experiencias de Pochoy (*) ; e, para justificarmos ainda a nossa maneira de ver, damos em seguida a opinião muito valiosa do Dr. Costa Alvarenga : « A elevação de temperatura, que se observa no calefrio e nas nevroses convulsivas, nomeadamente no tétano, é attribuida por muitos observadores (Billroth, Fick e Leyden) ás contracções exageradas dos musculos ; esta opinião é mais plausivel que a do Dr. Wunderlich, que a considera como o resultado do esgotamento da acção reguladora da temperatura, da paralysia do systema nervoso central que preside á caloriíicação, o que é uma hypothese fundada em outra hypo- these. » (**) O phenomeno da elevação da temperatura post mor tem, facto que aliás não é especial ao tétano, porque tem sido observado na hemorrhagia e no amollecimento cerebral, e em certos casos de epilepsia com accessos subintrantes, é explicado por Wunderlich do modo seguinte: Em primeiro logar o resfriamento pelo ar exterior, e a transpiração cutanea cessão, emquanto que os pro- cessos calorigenos não estão ainda extinctos. Em segundo logar, desprendem-se depois da morte, em consequência de alterações da substancia muscular e das decomposições cadavéricas, novas fontes de calor, que não existião no corpo vivo, e que bastão momentaneamente (*) These de Pariz de 1870. (**) Thermometria clinica pelo Dr. Costa Alvarenga. 17 para equilibrar no cadaver a perda de calorico e mesmo para excedel-a (*). Com a calorificação anormal coincidem dous phenomenos mcrbidos : a perturbação do pulso, que torna-se pequeno, frequente e irregular, e cuja frequência augmenta ou diminue, segundo a marcha da tem- peratura, e a producção de suores abundantes, que algumas vezes determinão uma erupção miliar, e que nos últimos períodos da moléstia tornão-se frios e viscosos. O estudo analytico do sangue e das ourinas ainda se acha por fazer. Callisen notou que o sangue tirado pela sangria não se cobre de crosta inflammatoria. Billroth encontrou albumina nas ourinas de um tetânico. No meio de todas essas perturbações da myotilidade, da sensibi- lidade e da maior parte das outras funcções, as faculdades intel- lectuaes conservão-se intactas ; o delirio só apparece nos últimos períodos, quando os phenomenos asphyxicos do minão a scena Tem-se notado que, ao contrario do que se passa nos outros estados rnorbidos, os tetânicos passão melhor durante a noite • ficão calmos e tranquillos, mesmo quando não conseguem dormir , (Grrisoile). Duração e terminação O tétano é uma moléstia de duração variavel; ordinariamente elle termina-se dentro de quatro a oito dias, e algumas vezes doze; outras vezes, porém, o tétano dura semanas, e até mesmo mezes. É a estes tetanos de duração prolongada que se denominou, aliás impropriamen- te, tetanos chronicos. (*) Wunderlich. Temperatura uas moléstias. 18 Esta fórma, porem, é rara ; o Sr. Dr. Torres Homem (Elmentos de clinica medica) cita a observação de um preto que, em consequência de um ferimento na planta do pé direito, causado por um fragmento de vidro, teve um tétano que durou perto de dous mezes. O Sr. Dr. Luiz Pientzenauer teve na enfermaria de clinica cirúrgica da Fa- culdade um outro caso, cuja duração excedeu de dous mezes. Infelizmente a affecção que nos occupa termina-se commummente pela morte; todavia, em muitos casos, mesmo de tétano geral, tem-se conseguido acura. Quando a moléstia tende a uma terminação favorá- vel, ve-se os symptomas irem gradualmente diminuindo de intensidade, os redobramentos convulsivos vão-se tornando mais espaçados e de menor duração, e a remissão é mais notável. O doente tem ao mesmo tempo sensações de formigamento ou prurido na espinha dorsal e sente algumas vezes como que um fluido que corre desde o dorso até ao sacro ; o corpo cobre-se de suores mais ou menos abundantes, que alguns autores considerão como pbenomeno critico. Os doentes conservão ainda por muito tempo rigidez e sobre- «altos em alguns musculos, e ficão em um estado de fraqueza extrema, de que com difficuldade sabem. O completo restabelecimento nem sempre se dá, e algumas vezes os doentes conservão por toda a vida alguma deformidade, como distor- sões, mudanças de relações, etc. Quando a moléstia tende, pelo contrario, a uma terminação fatal, todos os symptomas vão tomando incremento, e a vida se extingue por diversos mecanismos. Mais frequentemente o doente succumbe em aspbyxia consecutiva ao espasmo dos musculos respiradores; umas vezes os accessos convulsivos vão-se tornando mais frequentes e augmentando de intensidade, até que no meio de um paroxysmo a respiração cessa bruscamenlee o doente morre; outras vezes, porém, o doente vai-se tornando gradualmeute cyanotico, sem haver recrudes- cência dos accessos, e elle succumbe em uma aspbyxia lenta. Ha ainda um outro modo de terminação, sobre o qual o nosso lente 19 o Sr. Dr. França chama muito a attenção, porque, sendo fallaz, póde tornar-se causa de erro gravíssimo : é que a contractura cedendo brus- camente, os musculos parecem entrar em resolução e o medico póde ser levado a crer que o doente acha-se em via de cura, quando, pelo contrario, este relaxamento repentino denota paralysia por amolleci- mento da medulla. Emfim, outras vezes, o tétano prolongando-se por muito tempo e a ingestão de alimentos sendo difficil ou impossível, os doentes podem succumbir esgotados pela fome e pela sêde, como Larrey e Bêgin referem casos ; todavia julgamos este modo de terminação muito raro, porquanto a abstinência não e sempre completa, nem sufficiente- mente longa para acarretar a morte. Anatomia patMogica O desejo de dar explicação de todos os phenomenos observados no tétano, e de reconhecer a natureza de tão grave affecção tem levado os práticos a abrirem os cada veres dos tetânicos para dahi tirarem a luz, que póde fornecer um exame anatomo-pathologico minucioso. De um lado, porem, achão-se observadores distinctos, que nenhuma lesão têm encontrado que possa explicar a moléstia. De outro estão aquelles que, não podendo comprehender a existência de uma affecção, consistindo puramente na perturbação de funcção, procurão a todo o transe uma alteração material. Mas para estes o resultado não tem sido feliz, porquanto as mais variadas lesões têm sido encontradas. Conservando-se no tétano perfeita a intelligencia e inteiras as func- çôes dos orgãos dos sentidos, e as perturbações funccionaes que o 20 caracter! são referindo-se aos museu los voluntários, os anatomo- pathologistas dirigirão especialmente a sua attenção para o exame das lesões dos centros nervosos rachidianos, dos nervos que se distribuem nos musculos e dos proprios musculos. Se em graude numero de casos não se tem podido encontrar modi- ficação alguma do eixo medullar nos cadaveres dos tetânicos, como suecedeu a Dupuytren, Parent Duchâtelet, Martinet, Cruveilhier e outros, é necessário dizer também que tem-se achado frequentemente lesões muito apreciáveis. As autopsias têm feito ver as alterações as mais diversas ; assim, tem-se encontrado a congestão e a inflammação da medulla e das meningeas, derramamentos de serosidade, de pús, de sangue nas meningeas ou na superfície dos cordões rachidianos, amollecimento da substancia branca da medulla, sua diífluencia, etc. Rokytansky e Demme têm assignalado uma proliferação da ne- vroglia, uma especie de sclerose em começo, distribuida uniformeraente sobre uma certa extensão ou por núcleos disseminados irregu- larmente . Mais tarde, em 1864, apparecêrão os trabalhos de Lockhart Clarke affirmando ter encontrado em todos os exames que fez a degeneres* cencia granulosa das cellulas da medulla. Entretanto essas lesões não são características do tétano; Leyden e Billroth não as têm encontrado; o distincto professor Charles Robin não as observou em uma menina de oito annos, fallecida na clinica de Bouchut de um tétano, que durára onze dias. 0 histologista Hanvier, em quatro autopsias praticadas no Vai de Grâce, tarabem nada tem achado de anormal. Certos autores, como Jobert, Friedereich. etc, têm collocado a sêde do tétano nos nervos, por terem ahi encontrado as lesões próprias da nevrite; outros, como Lepelletier e Froriep, têm verificado sómente a inflammação do nevrilema e a têm seguido desde os nervos vizinhos da ferida até ã medulla. — 21 - Estas lesões nâo são constantes ; mas, apezar disso, segundo Jac- coud, não se pôde pôr em duvida as suas relações com o tétano. Nos músculos tem-se também encontrado lesões, que nâo são constantes e que evidentemente são o effeito da moléstia. Consistem essas lesões em congestões, ecchymoses, infiltrações sanguíneas e rupturas; alguns tem achado o systema muscular engorgitado de sangue negro, e oDr, Stutz pretende que ha um grande accumulo de oxygeno nos musculos. Outras lesões têm sido notadas, as quaes estão ligadas ao modo de terminação mais frequente do tétano, a asphyxia; taes são: o engor- gitamento dos pulmões, o rubor do estomago e do pharynge, con- gestão da massa encephalica e de outras visceras. Em conclusão: do estudo anatomo-pathologico se deduz ; Io, que em grande numero de casos a inspecção anatómica nada tem desco- berto; 2o, que nenhuma das lesões observadas tem o caracter da uni- formidade . Pathogenia Da diversidade das lesões encontradas nas autopsias dos tetânicos em uns casos, e da ausência de qualquer alteração material em ou- tros, resultárão as differentes theorias, com que se procura explicar a pathogenia do tétano. Procuremos primeiramente examinar, embora de uma maneira suc- cinta, as diversas opiniões que têm curso na sciencia, para depois expor e discutir a theoria pathogenica, que nos parece dever ser aceita, pelo menos no estado actual da sciencia. Alguns práticos ligão o tétano ás diversas alterações encontradas 22 na medulla ou em suas membranas, e das quaes já nos occupámos no capitulo precedente. Mas, para rejeitar esta maneira de ver, basta attender-se aos casos ainda muito mais frequentes de resultado com- pletamente negativo. Demais, essas lesões acbão-se em alguns ou- tros estados morbidos differentes do tétano, taes como a eclampsia, a epilepsia, a hydrophobia, odelirium tremens, etc.; e, pois, eHas não sào características, a mesma causa anatómica não podendo estar li- gada a moléstias tão differentes. Notaremos ainda que essas lesões, além de não serem constantes, não são da mesma natureza; assim, em um caso encontra-se inflam- mação das meningeas, em outro amollecimento da medulla. etc. ; portanto, é absurdo consideral-os como causa de um estado morbido. que é sempre o mesmo. Se estas razões não bastassem, perguntaríamos ainda aos defen- sores dessa theoria como explicar a instantaneidade dos plienomenos convulsivos, como no caso citado pelo Dr. Robinson, de um preto que succumbio dentro de um quarto de hora, e ainda em muitos ou- tros que a sciencia registra ? Pelas mesmas razões não podemos aceitar a theoria daq uelles que considerão como condição pathogenica a nevrite, ou somente a in- flammação do nevrilema. Todas essas alteraçães devem antes ser consideradas como conse- cutivas ou como complicações. Não nos demoraremos sobre a theoria muscular apresentada pelo Dr. Stutz, que, talvez muito compenetrado dos princípios da noso- logia do Dr. Baumes, considera o tétano como um estado morbido devido a um accumulo de oxygeno nos musculos ; porquanto essa theoria, que liga tão pouca importância ao systema nervoso, não foi aceita na sciencia, as lesões musculares por ella considera- das fundamentaes sendo inconstantes e tendo apenas um papel secundário. A theoria humorista foi primeiramente apresentada por Benjamin 23 Travers filho, que considerou o tétano, como a raiva, uma moléstia infectuosa. Esta tlieoria, que já estava completameute abandonada, foi ultimamente renascida pelos Professores Roser, Richardson e Billroth. Este ultimo assim se exprime em seus Elementos de patho- logia cirúrgica geral: « Inclino-me fortemente hoje para uma inter- pretação humorista do tétano, e considero esta affecção como uma moléstia de intoxicação, especifica, sem entretanto poder apresentar provas em apoio desta opinião. » Fundão-se os sectários dessa theoria no começo insidioso, na marcha muito variavel da affecção, em sua benignidade relativa em certos casos e sua extrema gravidade em outros, e principalmente no facto de que durante longos períodos não se observa casos de tétano, emquanto que outras vezes apparecem em uma enfermaria muitos e em leitos proximos ; admittem, por conseguinte, um processo infec- tuoso, uma especie de intoxicação do sangue, que obraria sobre o sys- tema nervoso, á maneira da strychnina e, provocaria assim contracções reflexas. Se o facto do apparecimento em uma época de muitos casos de tétano pudesse provar alguma cousa, teríamos também de admittir como infectuosas moléstias como a pneumonia e outras phlegmasias isentas de qualquer intoxicação do sangue, e que affectão ás vezes ao mesmo tempo grande numero de indivíduos, constituindo o que os autores allemães chamão : genio epidemico inflammatorio. A analogia por elles invocada entre os espasmos tetânicos e os de* terminados pela strychnina nada prova; essa analogia é mais appa- rente do que real, porquanto no tétano ha contractura dos músculos com exacerbações que se manifestão por convulsões geraes, em- quanto que no envenenamento pela strychnina ha também convulsões geraes, em cujos intèrvallos, porém, todos os musculos estão em repouso. A pathologia experimental, que tantos serviços tem prestado á me dicina, e da qual muitos ainda se esperão, tem também concorri d 24 para bater a theoria humoral. Arloing e Tripier (#) deduzirão de suas experiencias que o pus ou o sangue recolhido em um homem affectado de tétano, e introduzido na torrente circulatória de cães, coelhos e cavallos não determina o desenvolvimento desta moléstia. Podendo objectar-se a estas experiencias que o tétano não se trans- mitte do homem aos animaes, seria necessário fazer a experiencia de homem a homem, ou, o que é o mesmo, de um animal tetânico a um outro da mesma especie. Foi precisamente o que fizerão Arloing e Tripier, injectando sangue de um cavallo tetânico em um outro ca- vallo. O insuccesso ainda desta experiencia permitte concluir que não se trata aqui de um processo infectuoso. Ainda Brown-Séquard, introduzindo um prego na pata de um animal, conseguio produzir convulsões tetanicas, que elle fez cessar immedia- tamente seccionando o nervo, A theoria humorista não póde de certo explicar este resultado. Emfim, como poderia a mesma theoria explicar a rapidez com que o tétano se desenvolve em alguns casos ? Não podemos, por conseguinte, admittir esta theoria, cujos pró- prios partidários, como confessa Billroth , achão-se embaraçados para fornecer provas a seu favor, quando tantas contra ella existem. Passamos a expor succintamente aquella para a qual nos inclina- mos, que é a denominada theoria nervosa. Esta theoria foi sustentada por Vulpian, Verneuil, Brown-Séquard, Lockart Clarke, etcv e é a que conta hoje maior numero de adeptos. Esta theoria é inteiramente conforme com o que nos explica a physiologia. Com effeito, actuando sobre a substancia cinzenta da medulla, séde da propriedade excito-mo tora, por meios proprios a exaltar essa propriedade, produzem-se convulsões idênticas ás que se observa no tétano. Daqui póde-se logicamente concluir que nesta {•) Recherohes expérimentales et cliniques sUr la pathogénie et le traííemeut du té- lauos. 1870< 25 affecção ha augmento do poder reflexo da medulla. Este augmenlo é provocado pela excitação dos nervos sensitivos interessados na ferida, eScitação que vai actuar sobre a substancia cinzenta da medulla, ahi determinando uma irritabilidade exagerada e produ- zindo um estimulo reflexo, quer permanente, quer por accessos, de certos nervos motores ; dalii os espasmos tonicos que caracterisão esta affecção. Porem, como dizem Niemeyer e muitos outros, nos períodos ulteriores da moléstia as excitações periphericas não são mais necessárias para provocar os espasmos, a medulla achan- do-se continuamente em um estado que basta para, por si só, pro- vocar nos nervos motores uma excitação intensa e permanente. Em resumo, pois, o tétano é devido á exageração do poder excito- motor da medulla, sob a influencia de uma excitação peripherica. Admittindo-se esta theoria, comprehende-se por que razão nos feri- mentos de nervos ou de regiões ricas em filetes nervosos, como a face palmar das mãos e a plantar dos pés, sobrevem mais frequen- temente o tétano ; explica-se também a rapidez com que o tétano se desenvolve e marcha em certos casos. Emfim, os bons resultados obtidos algumas vezes com a nevrotomia coníirmão ainda esta theo- ria. Poder-se-hia objectar que toda a irritação não é seguida de tétano ; mas a isso nós responderemos appellando para a predispo- sição individual, que explica também os insuccessos de Arloing e Tripier, quando tentárão produzir o tétano por meio de irritações mecanicas e galvanicas. Diagnostico O quadro muito característico da symptomatologia do tétano, que já descrevemos, faz com que esta affecção não offereça grandes difficuldades ao medico quanto ao seu diagnostico. Ha todavia certos 26 «stados pathologicos que podem algumas vezes confundir-se com o tétano ; taes são a hysteria, a epilepsia, a hydrophobia, a eclampsia, a meningite cerebro-espinhal, a contractura das extremidades e o envenenamento • pela stiychnina. Daremos de um modo resumido os principaes signaes por meio dos quaes se póde, com alguma atten- cão, distinguir facilmente o tétano desses estados. A fórma tónica das convulsões e a integridade do exercicio das faculdades mentaes separão claramente o tétano da hysteria, da epilepsia, da eclampsia e da hydrophobia. Na meningite cerebro-espinhal, que desenvolve-se ordinariamente debaixo da fórma epidemica, ha dôres muito intensas, que são pelos doentes referidas ao rachis, ha hyperesthesia da pelle, febre intensa desde o começo e delirio seguido de coma. Attendendo-se a estes, symptomas, a confusão não é possível. Quanto á contractura das extremidades, chamada tetania de Corvisart, a sua localisação nos membros basta para evitar o engano. No envenenamento pela strychnina a apparição dos symptomas c brusca e a sua marcha rapida, a contracção apoderando-se logo de todo o corpo. Forem, o mais notável é que, no envenenamento por esta substancia, a rigidez muscular não é permanente, havendo no intervallo dos accessos completa relaxação. Prognostico O tétano é uma das afíécções mais graves do quadro nosologico e uma das complicações mais funestas das feridas. Isto não quer, porém, dizer que não possa se terminar algumas vezes pela cura, O tétano que marcha com grande rapidez é mais grave do que 27 aquelle que desenvolve se lentamente. O tétano geral é mais grave do que o parcial. A invasão pela contractura dos musculos que con- correm ao mecanismo da respiração, tornando imminente a asphyxin, aggrava o prognostico. Quanto mais tempo tem durado a moléstia, mais probabilidade ha de cura, não se devendo, todavia, admittir in totum a asserção dc Hippocrates : Qui a tétano corripiuntur, in quatuor diebus pereunt, si vero hos ejfugerint sanijiunt; porquanto tem-se observado muitos casos de terminação fatal trinta e quarenta dias depois do começo do accidente. No tétano dos recem-nascidos é muito mais limitado ainda o numero de curas. A elevação de temperatura era considerada por Hippocrates como indicio íavoravel (febris spasmos solvit). Já, porém, para Celio Aure- liano essa elevação constituia um syrnptoma grave, e hojepóde-se dizer de um modo generico que, ao passo que a columna thermometrica sóbe, sóbe também a gravidade do mal. Ha uma causa de erro, contra a qual o medico deve estar prevenido. Algumas vezes dá-se no tétano uma relaxação rapida de todos os musculos contracturados; o medico, levado por esta melhora apparente, póde estabelecer um prognostico favoravel, que é, pouco tempo depois, desmentido pela morte do doente, porque essa relaxação é devida a um amollecimento da medulla. O distincto lente de pathologia externa já observou em sua clinica um caso desta ordem. SEGUNDA PARTE Do tratamento do tétano traumático SEU VALOR Ao entrar-se no estudo deste tão importante assumpto, é-se sor- prendido logo pelo grande numero de agentes que contra tão terrível affecção têm-se empregado. Parece que o arsenal therapeutico possue muitas armas com que possa combater inimigo tão desesperador. Enganadora apparencia, que tão longe íica da realidade ! Os medica- mentos os mais energicos, tanto os de ha muito conhecidos, como aquelles que têm sido obtidos pelos progressos da chimica, especial- mente da chimica organica, têm-se mostrado impotentes contra a affecção que nos occupa. Se isso é, porém, verdadeiro, a medicina moderna muito se deve lisonjear com o numero grande, relativa- mente fallando, de curas que nestes últimos tempos se têm conseguido com uma therapeutica duplamente escudada pelo estudo da acção physiologica dos medicamentos e pela observação clinica. Com effeito, os cirurgiões que vivêrão no século passado dizem que nunca virão curar-se um doente affectado de tétano, ao passo que hoje podemos contar muitos casos seguidos de feliz terminação. A sciencia não tem, pois, ficado estacionaria. 30 A variedade das medicações tem dependido das idéas diversas que têm os pathologistas sobre a natureza da aííecção. Uns, dando no tétano o papel capital a um processo inflammatorio da medulla e de suas membranas, têm recorrido á medicação anti-phlogistica; outros, considerando-o um envenenamento, uma verdadeira infecção do sangue, empregão os diaphoreticos e os alterantes para favorecer uma crise ou expellir do organismo o principio toxico pelos suores, pela saliva, etc.; finalmente outros, e estes são os mais numerosos, ad- mittindo a theoria nervosa, procurão agentes medicamentosos que se dirijão ás funcções essenciaes da medulla, poder sensitivo, propriedade excito-motora, centro das acções reflexas ; dahi o emprego dos anti- spasmodicos, dos anesthesicos, etc. Concorrem ainda para a abundancia de medicamentos que existe na tlierapeutica do tétano os que ahi têm sido introduzidos por via empirica e que só são justificados pelos desejos que se tem de salvar os infelizes acornmettidos de tal affecçào. Sendo innumeros, pois, os agentes tberapeuticos successivamente empregados no tétano traumático, é impossível tratar detidamente de cada um delles ; assim, pondo de parte aquelles que têm sido empregados sem indicação racional, só por um empirismo cégo e cujo insuccesso não tem animado novas tentativast nós nos vamos occupar somente dos principaes, e especialmente daquelles que têm sido preco- nisados nestes últimos ânuos. Antes, porém, de entrar neste estudo, devemos fazer ligeiras considerações sobre um assumpto de grande importância, quando se trata de apreciar o valor do tratamento do tétano traumático. Como dissemos, o tétano póde apresentar duas fórmas, uma aguda, outra chronica, ou, melhor, de marcha lenta. Alguns autores, como Giraldes, Grosselin, etc., dizem que a primeira é sempre mortal, e, qualquer que seja o meio empregado, elle falhará; e que a segunda cura quasi sempre, empregando-se embora os meios mais diver- sos. Assim querem elles explicar todos os successos e revezes da 31 therapeutica, e Giraldes conclue: « que todos os agentes têm o mesmo valor, o melhor nada valendo * . Não podemos concordar com as idéas expendidas por esses dis- tinctos cirurgiões; porque, se assim fosse, diante de um tetânico o cirurgião ver-se-hia reduzido a encruzar os braços, e em uns casos assistir resignado aos progressos da moléstia, limitando-se a calcular a época mais ou menos próxima da terminação fatal, e em outros es- perar tranquillo uma marcha sempre feliz. O cirurgião que assim procedesse, julgamos, commetteria um crime de lesa-sciencia. Se é exacto que o tétano nunca termina pela cura, quando toma uma marcha super-aguda, o que aliás não é frequente, essa terminação tem sido observada, porém, em casos de tétano agudo, e nós mesmo já tivemos occasião de presenciar um caso desta ordem em um doente da enfermaria de clinica, e que faz objecto da Observação XIV. Em certos casos em que o começo parece serio, o cirurgião inter- vem, e os symptomas, que seguião uma marcha aguda, se abrandão e seguem, pelo contrario, uma marcha lenta. Não ter-se-hia devido nestes casos á intervenção prompta a transformação de um tétano de fórma aguda em fórma chronica? Acreditamos que sim; e, pois,nestes casos os esforços do cirurgião devem convergir para o seguinte fim: in- tervir o mais cedo possivel, suspender a marcha invasora da se for possivel, desde a sua origem, O cirurgião deve, portanto, em um caso de tétano agudo, intervir sempre, mesmo porque, embora sejão raros os casos de cura quando a moléstia tem attingido seu auge, elles existem, e pois não se deve desesperar; assim procedendo, obedecemos ainda ao preceito do pai da cirurgia moderna, Ambrosio Parêo, que aconselhava que o cirur- gião tivesse sempre em vista que Deus e a natureza lhe ordenão não abandonar os doentes sem cumprir sempre com o seu dever, embora preveja todos os signaes mortaes. Dizer-se de outro lado que o tétano, porque termina pela cura, é chrouico é uma petição de principio deplorável, porque nenhum 32 tétano agudo termina-se nessa forma ; essa terminação não se dá sem qne elle passe á forma chronica, e, repetimos, para este ponto devem convergir os esforços médicos. Não podemos ainda admittir a não intervenção do cirurgião nos casos de tétano de marcha lenta ; porque, se é verdade qne alguns desses casos têm-se curado espontaneamente, não é menos certo que muitas vezes elles se terminão pela morte, depois de nma duração de 30, 50 e mesmo 60 dias. Poderemos citar para exemplo um tetânico que entrou em principios de Junho de 1872 para a enfermaria de clinica cirúrgica, então a cargo do Illm, Sr. Dr. Pientzenauer, e que falleceu em principios de Agosto. O abandono de um individuo affectado de tétano chronico aos es- forços únicos da natureza, não auxiliada pelos medicamentos, póde ainda dar logar sob a influencia da causa a mais ligeira á transfor- mação dessa fórma em uma fórma aguda, muito mais grave. Se, porém, tal accidente não se dér, ha ainda o inconveniente de prolongar os sofífimentos dos doentes, o que não é sem consequências. Provado assim de modo geral o valor do tratamento do tétano traumático, passemos a examinar o valor relativo desses diversos medicamentos. Do estudo pathogenico do tétano deduzem-se claramente duas indicações, que são as que o cirurgião tem em vista preencher com o seu tratamento ; uma consiste em fazer cessar a causa que deter- minou e entretem a excitação do poder reflexo, indicação causal, outra em abater o poder reflexo da medulla, que se acha muito exaltado, indicação pathogenica. Dos agentes pharmaceuticos uns preenchem a primeira indicação, outros a segunda, e com a medicação complexa tem-se procurado preencher ao mesmo tempo as duas. 33 Antiphlogisticos As emissões sanguíneas tiverão partidários na antiguidade. Hippo- erates, Celio Aureliano e Graleno as aconselha vão no tétano, não todavia como tratamento unico. Ulteriormente, porém, os práticos não recorrião ás sangrias senão para preencher uma indicação especial. Foi, porém* no comêço deste século, quando reinava a doutrina da irritação, que as emissões sanguíneas fôrào empregadas em larga escala. O illustre Broussais, perseguido pelo fantasma da gastro-enterite, tratava o tétano por sanguesugas ao epigastro, ao hypogastro e á margem do anus. Mais tarde, quando as necropsias praticadas nos cadaveres de tetânicos demonstrárão phenomenos congestivos e inflammatorios para a medulla e para as suas membranas, achou-se uma indicação racional para o methodo antiphlogistico, e empregava-se então as sangrias geraes, mais ou menos repetidas, segundo a intensidade da moléstia ou a força do indivíduo, e sanguesugas ou ventosas ao longo do rachis. Este methodo foi mesmo empregado algumas vezes com grande energia. Assim Lisfranc tratou um tetânico praticando dezanove sangrias em dezanove dias, e applicando 772 sanguesugas, sendo 50 na região epigastrica (porque havia também uma irritação gastro-intestinal) e o resto sobre a região ida columna vertebral. O doente curou-se. Isto, porém, não é o que mais nos admira, não só porque tratava-se de um tétano espontâneo, como também porque o doente tomava todos os dias de manhã e de tarde clysteres, em que entravão de 25 34 a 210 gottas de laudano; mas admiramo-nos da resistência do indivíduo a um tal tratamento. Outros factos idênticos existem. Lepelletier fez cinco sangrias de um kilogramma cada uma no espaço de dous dias e meio; Briard de Beauregard fez diversas vezes sangrias de 700 grammas, e applicousanguesugas e ventosas; Jobert de Lamballe usava também da mesma fórma das emissões sanguíneas. O Exra. Sr. Dr. Martinho de (Jampos cita em sua these (1838) dezoito observações, cujos doentes fôrão submettidos á medicação antipb logística. Todos estes práticos dizem ter tirado bom resultado deste meio, mas não podemos ligar grande importância a estes factos, porque elles empregavão uma medicação muito complexa, em que entravão em grande parte os opiáceos. A pratica ulterior não tem confirmado esses resultados e os innu- meros insuccessos deste methodo patenteárão a nullidade de seu valor no tratamento dessa affecção, pelo que tem elle sido quasi completamente abandonado. Alcook, cirurgião inglez, tratou 16 tetânicos pelas sangrias e um só salvon-se; um outro, que não foi submettido a este tratamento, curou-se. Os resultados colhidos por Blizard-Curling (*) não são favoráveis ás emissões sanguíneas. Bérard e Denonviliers assim se exprimem no Compendium de cirurgia pratica: « Les emissions sanguines ont une valeur plus qu’ équivoque dans le traitement du tótanos ; nous avons vu que rien n’établit la nature inflammatoire de la maladie et que, loin de lá, le sang est remarquable par labsence de couenne. » Já em 1840, quando se discutio sobre o tétano na Academia Impe- rial de Medicina, o distincto clinico o Sr. Dr. Octaviano Rosa tinha (*) Blizard Curling. A treatise on tetauus. London. 1836. Archives généralea de mé-* décine. 1838. 35 dito: «A respeito da sangria, muito receio o seu emprego; ainda nào pude curar alguém com largas sangrias, por isso não sangro mais os meus doentes * (*). Como dissemos no estudo da pathogenia, hoje nào se acredita mais na natureza inflammatoria do tétano, porém se o considera como uma nevrose. Desappareceu, por conseguinte, a indicação racional do methodo antiphlogistico, e acreditamos mesmo, depois dos estudos de Germain Sée sobre as emissões sanguineas. que ellas são contra-indicadas; porquanto, segundo prova esse Professor, toda a perda de sangue augmenta a excitabilidade reflexa, e por conseguinte a intensidade da affecção . As largas emissões sanguineas trazem,é verdade, um abaixamento do poder excito-motor da medulla; mas ellas têm então o inconveniente de provocar uma syncope, o que é de extrema gravidade em um individuo que se acha por sua affecção sob a erainencia de uma aspffyxia. Rejeitamos, portanto, as emissões sanguineas como methodo de tratamento. Isto não quer, porém, dizer que as proscrevemos de um modo absoluto; julgamos que ellas têm suas indicações especiaes, eque só então devem aproveitar. Assim, serão empregadas, circumscriptas todavia nos limites da prudência, quando apparecerem phenomenos que denunciem que um trabalho inflammatorio começa a fazer-se nas meningeas rachidianas ou na medulla, ou também para remediar um estado asphyxico, porque então ellas permittem prolongar ainda algum tempo a vida do doente, e esperar assim o effeito de outra medicação. (*) Revista Medica Fluminense, publicada pela Academia Imperial de Medicina do Rio d« Janeiro, 1840, pag. 298. 36 Sudoríficos Os antigos fôrão levados ao emprego dos agentes deste grupo, nâo só porque tinhão observado que a moléstia era muitas vezes causada pelo frio, como também porque notárão que em geral uma transpiração abundante e quente precedia á relaxação muscular. Factos muito curiosos parecêrão justificar estas idéas. Ambrosio Parêo refere a observação de um soldado affectado de tétano traumático, sobre cujo tratamento elle assim se exprime em sua linguagem singela: « na falta de outros recursos conduzi-o para um curral, onde havia muito gado e grande quantidade de estrume, colloquei junto delle dous fogareiros acesos e friccionei-lhe a nuca, os braços e as pernas com linimentos antispasmodicos. Envolvi depois o paciente em um panno quente, cobri-o de palha secca e metti-o no estrume, dentro do qual esteve sem levantar-se por espaço de 8 dias o 3 noites, durante os quaes apparecerão-lhe ligeiro fluxo de ventre e suor abundante.» Por este modo conseguio o citado cirurgião cura-lo. François (d Auxerre), achando-se em 1781 a bordo de um navio ao mando de Lapeyrouse, prestava seus cuidados a um tetânico, quando repentinamente houve essa embarcação de sustentar um combate. O doente foi transportado ao porão, onde ficou durante quatro horas successivas submergido em uma atmosphera mui quente e uniforme. Finda a peleja, foi elle tirado do porão banhado em abundante suor, extremamente fraco, mas de todo livre das contracções espasmódicas. Referem-se ainda outros factos de cura pela sudação provocada por medicamentos de uso interno ou de uso externo, como sejáo os banhos. Entre os pri- meiros são os ammoniaoaes e as bebidas quentes que mais têm sido empregados. A ammonia foi considerada por François (d’Auxerre) e por Four- nier Pescay como o meio menos infiel no tratamento do tétano. O 37 methodo de Stutz, intitulado: Maneira nova e certa de curar o tétano, consistia na administração internamente do ammoniaco liquido e externamente dos banhos alcalinos. Mac Auliffe refere em sua these (*) quatro casos de tétano, cuja terminação favoravel é por elle attri- buida á ammonia administrada em altas doses. Os partidários da medicação sudorífica lançào mão concomitante- mente e como adjuvantes das infusões quentes de chá de borragem, de sabugueiro, etc. Valentin conta mesmo que curou um joven, fa- zendo-o tomar grande numero de chicaras de chá bem quente, ao qual elle ajuntára algumas gottas de licor de Hoffman. Balneotherapia. Sob este titulo comprehendemos os banhos quentes, frios, de vapor, eas duchas, a que se têm recorrido em diversas épocas. Bérard e Denonviliers, partidários estrenuos do emprego dos sudoríficos no tratamento do tétano, dão preferencia aos banhos de vapor, porque actuão directamente sobre o systema cutâneo e não exigem o deslocamento do doente, visto como podem ser dados no proprio leito por meio do engenhoso apparelho do Sr. Duval. Estes autores aconselhão tanto mais esta medicação, quanto ella não exclue o emprego de qualquer outro meio ; elles pensão mesmo que convem recorrer ao mesmo tempo ás substancias que modifiquem a innervação e enfraqueção a sua acção, isto é, ao opio e seus derivados. Nélaton, em seus Elementos de pathologia cirúrgica, preconisa o mesmo methodo. Sanson empregou os banhos de vapor em um caso de tétano consecutivo á abertura de um abcesso no dorso do p(', o qual foi curado em poucos dias por este meio. Lénoir diz também ter colhido bons resultados deste tratamento. E de necessidade neste methodo que o doente se conserve por longo tempo sob a influencia dos vapores. O doente de Sanson ficava no meio dos vapores dezoito horas por dia. Lénoir diz que (*) De 1’einploi de 1'ammoniaque à hautes doses dans le traitement du tétauos.'Paris 18S6. 38 sua efficacia é tanto maior quanto os banhos são mais frequentes e mais prolongados. E ahi que se acha o seu maior inconveniente, como abaixo veremos. Desde já podemos dizer, porém, que nunca se deve absolutamente lançar mão deste meio, desde que não se possa cercar o doente de todas as cautelas precisas. Os banhos quentes prolongados fôrão muito recommendados por Fournier, porque, dizia elle, obrando topicamente, elles diminuem a tensão muscular, a rigidez dapellee favorecem assim a transpiração, que ordinariamente indica uma crise vantajosa nesta moléstia. Entre- tanto a observação de muitos práticos tem demonstrado que estes banhos são inúteis e muitas vezes mesmo prejudiciaes. Chalmers, que empregou muitas vezes os banhos quentes, observou que elles tinhão a vantagem de favorecer a deglutição, mas confessa que elles nunca produzirão a diminuição ou a cessação das convulsões, nem mesmo melhoravão as tristes condições dos tetânicos. Que elles têm sido também prejudiciaes, provão-no os resultados consignados na sciencia por práticos da maior reputação. Hillary (*), que por muito tempo exerceu a clinica em climas quentes, não só observou que depois de cada banho a contractura nos mnsculos dos membros e do tronco era mais energica, a dyspnéa mais intensa, como também vio algumas vezes tetânicos morrerem no banho, ou pouco tempo depois de terem dahi sahido. Méglin, que escreveu uma memória sobre o uso dos banhos no tétano, assim se exprime a respeito dos banhos quentes: « je puis affirmer que je nai pas vu un seul succès heureux, quiait pu leur être attribué, pas même un amendement, une amélioration de symptômes de quelque durée. Mes tétaniques, en sortant du bain, éprouvaient communément une roideur plus grande dans les muscles convulsés qidavant d’y étre entres; de sorte que, cclairé par une expérience (*) Citado na obra de Valentin. 39 longue, par des observations nombreuses, j’ai renoncé, depuis passé quinze ans, à 1’usage de tous les bains chez les tétaniques.» Lê-se também em Debaen que um homem affectado de tétano morreu ao sahir de um banho quente. Bêrard e Denonviliers testemunharão? no hospital S.Luiz, um successo desta ordem em um doente que, sendo accomraettido de tétano após a operação da castração, foi submetcido ao uso dos banhos quentes e expirou mesmo na banheira. Os factos de cura obtida por este meio são referidos em pequeno numero. Leseleur publicou no Bulletin de thérapeutique de 18G4, pag. 459, um caso de tétano curado pelos banhos quentes e prolongados. O Dr. Martim de Pedro, que tem uma theoria muito especial sobre a natureza do tétano, porque considera-o como uma variedade de rheumatismo muscular devido sempre á influencia do frio, preconisa, baseado nessa theoria, os banhos quentes e a sudação. O Dr. Ramon de Sagastune (de Madrid), seu discípulo, publicou na France Medicaie de 13 de Abril de 1872 uma observação que, por parecer-nos interessante, damos aqui um resumo. OBSERVAÇÃO I Uma mulher, de 50 annos, de temperamento nervoso, que tinha soffrido uma entorse na articulação tihio-tarsiana esquerda, oito dias depois do accidente, levantando-se do leito, onde se achava agasalhada, para receber uma visita, soffreu a influencia de uma corrente de ar frio. As dores na articulação augmentárao, e ella teve de novo de recolher-se ao seu leito ; sobrevieráo então caimbras violentas, trismus e outros sjmptomas de tétano. Empregou-se o opio, a belladona e diversos antispasmodicos. Nao obtendo resultado, recorreu-se aos banhos quentes. Primeiro banho a 40°. A doente accusa uma sensação de bem estar, demora-se um quarto de hora, e pede para ir reaquecendo a agua. Envolvida depois em cobertores, dormio toda a noite. No dia seguinte, prostração e fadiga, rigidez dolorosa em muitas regiões. Segundo banho a 38a, que desta vez a doente achou muito quente, e no fim de 5 minutos de demora sentio um desfallecimcnlo, que obrigou a retira-Ia. Somno de algumas horas. Dahi em diante melhoras graduaes; convalescença no 6° dia c cura no 12°. 40 Acreditamos que os banhos quentes devem ser banidos da thera- peutica do tétano, porquanto o deslocamento do doente para collo- ca-lo e retirado do banho augmenta consideravelmente a energia das contracções, torna os redrobramentos mais frequentes, o que é o mesmo que dizer que aggrava a moléstia. Demais, esses banhos devem ser prolongados, e a demora em um banho quente determina o delíquio, que pode ser immediatamente seguido de morte, e cremos mesmo poder attribuir a terminação fatal de alguns dos casos que acima apontamos a este accidente. Entretanto esse meio, que os médicos mais prudentes só aconse- Ihào para os tetanos chronicos ou sub-agudos, pode ser vantajosa- mente substituído pelos banhos de vapor, que, produzindo os mesmos effeitos, não exigem o deslocamento do doente, nem provoca synco- pes, como succedeu na doente da observação acima. Os banhos e as effusões frias também fôrão preconisados. Hippocra tes empregou as segundas, porém somente no tétano idiopathico. Os banhos frios fôrão muito empregados no começo deste século ; os effeitos observados são, porém, contradictorios : uns os preconisão, e outros proscrevem-nos. Bajon empregou-os sem successo. Wright refere que nas índias Occidentaes os doentes affectados de tétano são mergulhados na agua fria, e de preferencia na do mar; depois do que se os enxuga com cuidado, envolve-se em cobertores, e dá-se-lhes uma dose forte de opio. Elle diz ter obtido successos por esse meio. Larrey refere nas Memórias da Campanha d'Áustria a observação de um soldado accommettido de tétano, em consequência de um ferimento da coxa direita, em que os banhos frios fôrão adminis- trados • porém, depois de tres banhos, foi obrigado a abandona-los, 41 porque elles aggravárão consideravelmente a moléstia; a degluti- ção tornou-se impossível e a contracção muscular foi levada ao mais alto g.áo de rigidez. Os banhos frios fôrão empregados com o fim de provocar uma reacção para a pelle e consecutivamente os suores críticos. Mas póde-se errar o alvo, e é este o seu grande inconveniente; em logar de se obter uma reacção salutar, póde-se produzir um resfriamento com suas funestas consequências. Sendo este, pois, um meio, cujos effeitos são duvidosos, e tendo ainda como os banhos quentes a des- vantagem de exigir o deslocamento do doente, é preferível recorrer- se ainda, quando julgar-se necessário, aos banhos de vapor. Tem-se empregado simultaneamente os banhos de vapor e os banhos frios; o que temos dito sobre cada um delles basta para levar-nos a rejeitar esta medicação perturbadora. Não podendo acreditar que uma transpiração abundante seja sempre seguida de relaxação muscular, porque temos visto por mais de uma vez, no decurso desla moléstia, o corpo dos doentes cobrir-se de um suor copioso e quente, e poucas horas depois elles serem rou- bados pela morte, não julgamos entretanto que se deva desprezar a medicação sudorífica, porque nos parece que ella preenche uma in- dicação causal. Assim, ella deve ser empregada, não como medicação exclusiva, porém como meio adjuvante, naquelles casos em que se verificar a fórmula um pouco absoluta de Bardeleben, que considera o traumatismo como causa predisponente, e o resfriamento como causa determinante do tétano. Não queremos, porém, com isto dizer que se deva insistir nestes meios ; acreditamos, pelo contrario, que elles devem ser suspensos logo que a indicação, se acha preenchida. A sudação prolongada é muito inconveniente, não só porque esgota rapidamente as forças do doente, como também porque, segundo fez vêr o Professor Verneuil na Sociedade de Cirurgia de Pariz (*), ella expõe a um resfriamento (*) Sessão de 23 de Março de 1870. 42 eheio de perigos, e predispõe notavelmente ás aflecções pulmonares agudas, que têm um grande papel na terminação fatal do tétano. O conselho dado por Larrey Filho, na Sociedade de Cirurgia de Pariz (sessão de lu de Março de 1876), de ensaiar o jaborandi no tétano, leva-nos a dizer duas palavras sobre este agente, que é hoje o objecto de estudo para grande numero de therapeutistas. Sendo um facto hoje perfeitamente averiguado que o jaborandi é um poderoso diaphoretico, elle poderia ser empregado no tétano, quando se pretendesse preencher a indicação causal, constituida pelo resfriamento, ou somente provocar suores críticos. Mas é necessário primeiramente que conheçamos bem a sua acção physiologica, ou melhor de seu principio activo, a pilocarpina, sobre os diversos sys- temas da economia, e especialmente sobre o systema nervoso e suas funcções; por emqnanto é prudente não recorrer-se a este agente, que póde também ser um excitador reflexo. Depois de conhecida a acção physiologica, ainda será necessário recorrer á observação clinica ; s6 então o jaborandi será racionalmente indicado no tétano. 43 Alterantes Deste grupo têm sido empregados o arsénico, os mercuriaes e os alcalinos. Arsénico.—São citados apenas alguns casos de Taylor e de Williams, em que se recorreu a esta substancia para combater o tétano. Apezar dos successos que esses práticos dizem ter tirado, o arsénico não tem sido empregado, e o valor deste modo de tratamento póde racional mente ser considerado nullo. Mercuriaes.—Uma salivação mais ou menos abundante, tendo sido observada em alguns casos de tétano, seguidos de terminação favoravel, fez nascer no espirito dos antigos a idéa do emprego dos mercuriaes com o fim de provocar uma crise. Com effeito, estes preparados fôrão administrados interna e externamente por alguns práticos com êxitos diversos. Segundo Maubec, Heurteloup colheu bons resultados do emprego de íios cobertos de unguento mercurial e applicados sobre as feridas até o apparecimento da salivação. Young (de Maryland) (*) é também muito partidário das preparações mercuriaes, e elle refere um facto em que a administração do sublimado determinava melhoras, que cessavão logo que se suspendia o medicamento; o seu emprego de uma maneira continua trouxe a cura completa. A par destes e de outros successos referidos por Bonafos, Re- nault e Potter, que pretende que nenhum doente morre de tétano quando se póde conseguir um ptyalisrao abundante, são citados muitos factos em que a medicação hydrargyrica foi inefíicaz. Blizard-Curling e Howship rejeitão completaraente este methodo (*) Citado na obra de Valentin. 44 de tratamento. Em 65 casos que o mercúrio foi empregado, diz Blizard-Curling, 41 fôrão fataes, e sobre os 24 casos de cura, 22 vezes o mercúrio tinha sido associado ao opio ou ao tabaco; sobre 31 casos de insuccesso, 11 vezes o mercúrio tinha sido administrado só. Emery, Guthrie e Larrey (na campanha do Egypto) prescrevêrão as uncções geraes com pomada mercurial tres vezes por dia, e nunca obtiverão successos. Os práticos inglezes empregão commummente os mercuriaes, espe- cialmente os calomelanos, no tratamento do tétano, associando-lhes porém o opio, segundo o conselho de Storck. A indicação destes agentes no tétano derivou daidéa errónea sobre a. gcnese dessa aífecção. Acreditava-se em uma phlegmasia meningo- medullar; consequentemente os mercuriaes, por sua acção anti-plastica, deverião aproveitar. Mas, não existindo essa lesão anatómica senão consecutivamente, achão-se justificados os insuccessos deste methodo em grande numero de casos. Os compostos mercuriaes não constituem, pois, um medicamento de tal sorte efficaz, que faça descansar o cirurgião na espectativa de uma terminação feliz. Se, porém, os rejeitamos como base de um tratamento, somos, pelo contrario, seus partidários, como medicação adjuvante; não só porque elles servem para impedir o desenvolvimento da inflam- mação meningo-medullar, como também porque, havendo muitas vezes consecutivamente uma congestão meningeana, esta póde deter- minar exsudatos, que por sua vez prolonguem os phenomenos tetâni- cos, e nesses casos os mercuriaes fazem desapparecer esses exsudatos. Acreditamos que foi devida a esta sua acção a terminação feliz observada em um caso da clinica de meu sabio mestre o Sr. Dr. Torres Homem (*), e que em seguida referimos, por o julgarmos nimiamente interessante : * Na casa de saude de Nossa Senhora (*) Elementos de clinica medica, pag. 418. 45 d’Ajuda esteve em tratamento, na enfermaria a meu cargo, um preto de quarenta e tantos annos de idade, o qual, em virtude de um ferimento produzido na planta do pé direito por um fragmento pon- teagudo de vidro, teve um tétano que durou perto de dous mezes e meio. Ao principio tratado pelo Sr. Dr. Eiras, o doente foi entregue aos meus cuidados vinte e dous dias depois de uma energica me- dicação, cuja base consistia no emprego em alta dose do extracto de belladona e da essencia de terebenthina. Depois de administrar inutilmente o sulfato de morfina em dóses crescentes até seis grãos em vinte e quatro horas ; depois do uso também improfícuo do sulfato neutro de atropina, a cura foi obtida mediante o emprego de repetidas fricções em toda a extensão do rackis com pomada mercurial dupla até o apparecimento do ptyalismo. A moléstia permaneceu estacio- naria sem progredir nem retroceder em nenhum dos seus sympto- mas, por espaço de vinte e tres dias. Tratava-se de um tétano geral, predominando de modo muito sensivel o trismus e o opisthotonos. x> As uncções feitas com o unguento mercurial ao longo do rachis são, a nosso ver, ura meio adjuvante da medicação principal, e que muito concorre para o restabelecimento do doente. Esta é a praxe se- guida por nossos sábios mestres os Srs. Drs. Saboia e Torres Homem, e da qual têm elles tirado o melhor resultado, como se vê das obser- vações que adiante apresentamos. Alcalinos.—Os alcalinos têm sido empregados sob a forma de banhos. O Dr.Stutz, que tinha, como dissemos no capitulo Pathogenia, uma theoria sobre a natureza e séde do tétano, pois que o consi- derava como devido a um accumulo de oxygeno nos musculos, foi também o autor de um methodo de tratamento, sobre o qual tivemos já occasiáo de fallar, e que consistia na administração interna de diaplioreticos, e externa de banhos alcalinos. A observação do pri- meiro doente, em que elle experimentou o seu methodo, refere-se a um soldado, que foi acommettido de tétano, em consequência de um ferimento do pê, produzido por arma de fogo. Durante dezoito 46 dias o mal foi-se aggravando, a despeito de enormes dóses de opio , quando Stutz, lendo o trabalho de Humboldt sobre a irritabilidade, recorreu aos banhos alcalinos, de que resultou um allivio immediato. Elle insistio no emprego destes banhos e nas altas dóses de alcali internamente, administrando tres grammas e mais nas 24 horas; suores quentes e abundantes se declarárão, e o doente restabeleceu-se. Na segunda observação o seu methodo ia compromcttendo a vida do doente, pelo que ajuntou o opio, que levou até a dóse de uma grammapor dia, conseguindo também a cura. Nas outras observações, não havendo detalhes, não se póde apreciar o seu valor. Boyer, porém, querendo experimentar o methodo do pratico allemão, empregou-o com todas as precauções recommendadas por seu autor em dous doentes, que elle teve a dor de vêr perecer. A theoria errónea que guiou o seu autor, os resultados da observa- ção clinica de Boyer e outros, o deslocamento do doente exigido por este methodo, e os perigos de uma sudação prolongada são outras tantas circumstancias, que influem sobre o nosso espirito para pro- screver este methodo de tratamento. Antheaume, de Tours, aconselhou a potassa em banhos geraes com o fim de provocar artificialmente uma resolução, e repetia os banhos até que os espasmos cedessem completamente. Elle refere em sua these um certo numero de observações, que lhe são favoráveis. Quando o tétano tem seguido uma marcha lenta e exige a va- riedade da medicação para ir gradualraente cedendo, como succedeu no doente da observação xiv, e como muitas vezes se observa con- tracturas em maior ou menor numero de musculos, persistindo por um tempo mais ou menos longo, será muito conveniente provocar uma resolução por meio de banhos alcalinos, que não têm aqui então os inconvenientes que apresentão quando se trata do tétano em sua marcha aguda. Também o Sr. Dr. Torres-Homem quiz empre- gal-os no doente de que acima fallámos, porém esse recurso era im- possivel no hospital. 47 ífevro-inusculares Belladona.— A belladona tem sido considerada como estupefa- ciente por apresentar alguns pontos de contacto com o opio, com- batendo especialmente o elemento dor. Foi em virtude dessa analogia que se a ensaiou no tétano. Martin-Solon foi o primeiro que publicou um caso de tétano traumalico curado exclusivamente pela belladona internamente e em fricções. Fôrão referidos posteriormente outros casos de curas por Trousseau, Bresse e Lenoir. Os cirurgiões corne- çárão depois a empregal-a com êxitos diversos, uns colhendo bons resultados, outros tendo a contar somente insuccessos. O distincto cirurgião o Sr. Dr Costa Lima, depois de ter empre - gado todos os meios aconselhados pelos práticos sem vantagem al- guma, e já como que desanimado por urna serie de 49 factos desas- trosos, recorreu á belladona, e uma serie de successos fôrão então obtidos. Elle emprega o extracto alcoolico de belladona na dóse de dez cenligrarnmas em cento e vinte grammas de emulsão comrnum no espaço de vinte e quatro horas, e augmenta todos os dias até que os phenomenos toxicos, taes como somnolencia, vertigens, etc., comecem a manifestar-se; então vai gradualmente diminuindo as doses. Temos ainda sciencia de um outro facto, em que o emprego exclusivo da belladona trouxe uma terminação favoravel. Pertence ao Sr. Dr. José Lourenço, por quem nos foi referido. Uma escrava de seu cunhado, estando a lavar roupa, espetou uma agulha em um dedo ; este inflammou-se, e mais tarde o tétano manifestou-se. Sendo chamado, o Sr. Dr. José Lourenço praticou uma incisão no dedo, ex- traído o corpo estranho e empregou dóses fortes de belladona du- rante tres dias, no fim dos quaes os phenomenos tetânicos começárão a diminuir; as dóses de belladona fôrão então moderadas até o com- pleto restabelecimento. 48 Entretanto vejamos qual é a acção da belladona ou de seu prin- cipio activo, a atropina, sobre o poder excito-rnotor da medulla. E esta uma questão que tem sido differentemente interpretada e que a expe- rimentação ainda não elucidou completamente. Blocbaura concluio de suas experiencias que a atropina augmen- tava a excitabilidade da medulla allongada. Mcuriot, em sua importante tliese sobre a acção physiologica da atropina (*), Flechner e Schneller chegárão á mesma conclusão. Brown-Séquard obteve, porém, um resultado diverso. Elle indica summariamente que achou um enfraquecimento do poder reflexo, e o explica por uma diminuição da quantidade de sangue que a medulla recebe. Porém, se attendermos aos trabalhos de Vulpian e de Ger- main Sée, veremos que a explicação fornece um argumento contra- producente, quer se adopte a opinião do primeiro ou do segundo. Para Vulpian (**j a simples diminuição do afíluxo sanguineo normal, da mesma sorte que o abaixamento do numero dos globulos, parece ser antes uma causa de exaltação da excitabilidade reflexa do que uma causa de depressão, e elle cita em apoio desta opinião as convu - soes que se observão nos anemicos, depois de grandes hemorrhagias, e na aspbyxia. Mas Germain Sée faz notar que essas causas são geraes e influem igualmente sobre o cerebro e sobre a medulla, e nestes casos as convulsões parecem dever ser referidas á falta de acção da influen- cia cerebral. A anemia do cerebro obra como faria a secção da me- dulla, e sabe-se que esta secção exagera sempre o poder excito-rnotor. Segundo parece deduzir-se dos estudos physiologicos modernos, a atropina, administrada em doses therapeuticas, e mesmo em dóses toxicas médias, comporta-se como um excitante produzindo jactitação, hilaridade, delírio, insomnia e algumas vezes mesmo convulsões. O mesmo, porém, não succede com as altas dóses toxicas, que por seu (*) Paris. 1868. (**) Leçons sur le système nerveux; 1866; p. 451 49 excesso aniquilão a incitabilidade nervosa e paralysão a força motora, as quaes, como vimos, são exaltadas pelas pequenas dóses. E com etfeito, quando se dá um envenenamento pela atropina, vemos a principio um período de excitação, que, continuando e exagerando-se, acaba por esgotar a incitabilidade dos centros rachidianos e trazer o estupor, a abolição das funcçôes nervosas e finalmente a morte. Em conclusão, não se póde conseguir os effeitos estupefacientes da belladona sem produzir prirneiraraente os effeitos excitantes; porque, como dissemos, a estupefacção succede ao esgoto da incitabilidade da medulla. Assim podemos explicar os successos obtidos com as altas dóses ou com as dóses prolongadas de belladona. Muitas vezes, porém, a marcha rapida do tétano, aggravado pela excitação produzida pela belladona, não dá tempo a que seus effeitos r estupefacientes se manifestem. E o que parece se ter dado no doente que esteve este anuo na enfermaria de clinica medica da Faculdade, e cuja observação damos em seguida. OBSERVAÇÃO II Alfredo Daretre, francez, morador no Forto das Caixas, de trinta eoito annos de idade, solteiro, trabalhador, entrou no 1° de Maio de 1876 para a 4“ enfermaria de medicina do Hospital da Misericórdia e íoi occupar o leito n. 4. O temperamento do doente é sanguíneo e a sua constií uição robusta. Atiamikcse. —O doente, cuja profissão é oleiro, foi ferido no segundo dedo do pé esquerdo por um tijolo, eo pequeno ferimento cicatrizou-se pouco tempo depois. Estando, porém, a 27 de Abril proximo passado (alguns dias depois do ligeiro accidente) trabalhando junto ao fôrno da olaria, onde a temperatura é muito elevada, transpirou abuudantemente, e, ainda com o corpo coberto de suor, retirou-se para casa, expondo-se então a um vento frio e á chuva. No dia seguinte começou a sentir difficuldade em abrir a boca e outros symptomas, que, augmentando, obrigarão-no a recolher-se ao hospital. Eljttado actual.—Dia 1.—O doente se acha em decúbito dorsal. Ao approxisnar-nos do leito foi acommettido de um redobramento convulsivo, 50 que se repete todas as vezes que se lhe falia, ou toca. O riso sardonico e a depressão das regiões correspondentes ás fossas caninas dâo-lhe um fades tetânico. Maudando-se o doente abrir a boca, nota-se apenas um ligeiro afastamento dos maxil lares. O doente accusa dôr na nuca, cujos musculoa acháo-se c ontracturados. No segundo dedo do pé esquerdo encontra-se um pequeno ferimento quasi completam nte cicatrizado. Temperatura 38*. Diagnostico.—Tétano traumático. Prognostico.—Grave. Iflarcha e tratamento : Dia 1. — Prescripção: Agua 150 grammas. Bromureto de potássio 8 » Sulfato de morphina 10 centigrammas Xarope de cascas de laranjas amargas 30 grammas Para tomar uma colher de sopa de hora em hora. Item: Uncções ao longo do rachis com pomada mercurial dupla quatro vezes por dia. Item: Infusáo branda de uicociana— 300 g animas. Oleo essencial de terebeuthiua.... 8 » Oleo de ricino 60 » Para um cl vsler. Item: Agua iodada para lavar a ferida. Temperatura á tarde, 38°, 2. Dia 2.—Mesmo estado. Temper tura 38,° 2. Prescripção.—A mes na poçáo, contendo, porém, 10 grammas de bromureto d; potássio e 12 eentigraminas de sulfato de morphina. Á tarde, temperatura 38,° 2. Dia 3.—O trismo tem augmentado de sorte que o doente quasi náo póde abrira boca; o opisthotonos tem-se tornado mais notável. Começa a cont> a- ctur í dos muscul »s do tborax, que nao se dilala tauto co no no estado noimul O corpo cobre-se de suor. Temperatura 38°, Prescripção. —Na mesma poç ;o 12 grammas de bromureto de potássio e ld centigrammas de sulfito de morphina. Continua com as uncções ao longo do rachis. 51 Item: Agiu 180 grammas, Chloral hydratado 6 » Para dous clysteres : um ás 7 horas da manha c outro ás 11. Á tarde. Temp. 38®,2. Dia 4.—Mesmo estado; tendencia ao somno. Prescripção.— A mesma poçào, elevando a dóse de bromoreto de potássio a 16 grammas ea de sulfato de morphina a 20 centigrammas. Continua com os clysteres. A temperatura, tomada depois de grande agitação produzida pela mudança de leito, é de 39°,2. Depoi* do primeiro clyster o doente adormeceu, e, segundo refere-nos o enfermeiro, elle fullava durante o somno. Á tarde um forte redobramento convulsivo ameaçou asphyxial-o; passado este, o doente voltou a si. Temperatura, tomada depois do paroxysmo, 39°, 1. A noite, quando o enfermeiro ia dar-lhe outro clyster, novo accesso con- vulsivo, a que o doente quasi sucoumbe. Depois do clyster adormeceu. Dia 5. — Contracturas dos rnusculos do tronco e dos extensores da perna; movimentos dos braços livres; trismo completo; dysphagia; dyspnéa. Assis- timos a um paroxysmo que de novo ameaça asphyxiar o doente. Temperatura, tomada antes do paroxysmo, 38°,6. Suspende-se toda a medicação, Prescripção.— Agua 100 grammas Extracto alcoolico de belladona 20 centigrammas Para tomar ás colheres de sopa de hora em hora. Item,—Infusáo de linhaça 200 grammas Essência de terebenthina 8 » Misture. Para um clyster. Se o doente não melhorar e se os parox vemos intensos continuarem, admi- nistrar-se-ha 3 grammas de chloral. Á tarde. Tomou a poção com belladona e passou bem até ás 5 horas da tarde, em que sobreveio novo paroxysmo, que ainda urna vez fez perigar a sua exis- tência. Deu-se o chloral, e o doente passou a noite calmo, dormindo bastante. A temperatura á tarde, tomada depois do accesso, era de 40°, 1, 52 Dia 6. — O doente está calmo. A contractura persiste nos musculos affec- tados, parecendo todavia nâo ser tão intensa como hontem nos musculos thoracicos. O trismo cedeu mesmo alguma cousa, de modo que o doente pódc afastar muito pouco os dous maxillares. Os paroxysmos são afastados, mas muito dolorosos. O doente queixa-se de que ourina muito. Temp. 39°,6. Prescripção,—Agua 100 grammas Extracto alcoolico de belladona.... 25 centigrammas O mesmo clyster. A mesma dóse de chloral á noite. Á tarde. — Não teve mais redobramontos intensos; a temperatura tem subido e é agora de 40°,4. Delirou durante toda a noite, sendo o delirio simplesmente loquaz. Ás 5 horas da manhã do dia 7 o doente snccumbio em asphyxia lenta. Vemos nesta observação que, apezar do emprego de altas dóses de extracto alcoolico de belladona, não se pôde obter a estupefacção pela marcha rapida da moléstia. E, pois, concluiremos citando as palavras proferidas pelo professor Verneuil na Sociedade de Cirurgia de Pariz, em 1870: « A belladona ou o seu alcalóide, a atropina, é um dos agentes mais infiéis, e sua acção convulsionante a torna mesmo dos mais perigosos em certos casos ». Meimendro.— Estramonio.—Tabaco. —Cannabis indica. — Raras vezes se tem administrado o meimendro (hyosciamus niger) ou seu principio activo, a liyosciamina, no tétano. Refere-se apenas um caso de Begbie, em que o estramonio (daturn sframonium) foi empregado com successo. A daturina também não tem sido empregada. Anderson e Thomas empregárão os clysteres de tabaco. Este agente foi ainda preconisado na Inglaterra por Travers, 0’Beini e BHzard- Curling, que o considera como o melhor remedio contra o tétano. 53 Larrey ensaiou-o, porém sem resultados vantajosos, e a par de alguns successos são citados grande numero de revezes, que tizerão com que esta substancia fosse completamente abandonada, até que Haughton, em 1856, aconselhou recorrer-se de preferencia ao seu principio activo, a nicotina, porque assim melhor se poderia dosar o medicamento. A nicotina é, porém, uma substancia nimiamente toxica e que foi prescripta no tétano, onde ha a tolerância mórbida, somente na dóse de 1/30 a 1/8 de gotta nas vinte e quatro horas. Se algumas vezes tem trazido resultados felizes, ella falhou muitas nas mãos de práticos distinctos, como Cam, Ogle, Savary, Babington, etc., e acreditamos que só o perigo de seu manejo seria sufficiente para limitar muito o seu emprego. Estas tres substancias pertencem, como a belladona, ao grupo das Solaneas virosas, e o que dissemos a respeito desta ultima applica-se ás outras que têm com ella uma analogia de acção quasi completa. A tintura de haschich ou de canhamo indiano (cannabis indica) raras vezes foi empregada, e quasi sempre sem successo, pelo que é hoje abandonada. O Sr. Dr. Feijó, Lente de partos da Faculdade, disse-nos que a tinha empregado uma vez com insuccesso. Bromureto de potássio. —O emprego therapeutico do bromu- reto de potássio data de 1836, em que, sendo elle empregado por Andral e Fournet em logar do iodo na arthrite rheumatica, produzio uma sedação muito notável da dor. Foi só, porém, era 1850 que a propriedade que elle tem de diminuir o poder reflexo foi descoberta pelos Srs. Rames e Huette, que em seu enthusiasmo attribuirão-lhe propriedades anesthesicas, que farião com que elle mais tarde substituisse o chloroformio. Essa propriedade, que foi confirmada por todos os experimentadores que estudárão a acção do bromureto de potássio, determinou o seu emprego em algumas 54 nevroses, em que existe a exageração do poder reflexo, como a epi- lepsia, a choréa, etc,, e de cujo emprego se colheu muito bons resultados. No tétano elle começou a ser empregado em 1868. O Dr. Ba- chemel, da ilha da Trindade, refere na Lancet de 27 de Fevereiro de 1869, que conseguio com quatro grammas de bromureto de potássio fazer desapparecer o trismo em uma negra. O Professor May Figueira, de Lisboa, empregou em 1868 o bro- mureto em dons doentes de tétano traumático. O primeiro de 39 annos de idade, apresentava, quando entrou para o hospital, trismo pronunciado, dysphagia, contracções tónicas dos musculos abdo- minaes, da parte posterior do tronco e dos membros inferiores, com redobramentos convulsivos. Empregou-se o bromureto até a dóse de 7 grammas por dia e a cura foi conseguida. O segundo entrou no Io de Abril, apresentando contracturas dos musculos do abdómen, do thorax, do pescoço e da face, e um traumatismo do dedo minimo da mão direita. Começa-se o emprego do bromureto de potássio na dóse de 10 grammas, que são gradualmente elevadas a 14 grammas por dia, A 11 manifestão-se melhoras seusiveis, que permittem abaixar gradualmente a dóse. No dia 6 de Maio este doente sabe curado. O Dr. Bruchon o empregou igualmente com vantagem no começo de um tétano consecutivo a uma queimadura em Outubro de 1868. A vista destes successos, o seu emprego estendeu-se cada vez mais, e o bromureto de potássio é hoje mui commummente empregado no tétano. Existe, com efleito, nesta affecção uma exaltação da força excito-motora, e, gozando o bromureto a propriedade de diminuir essa força, elle póde ser considerado scientificamente um dos bons agentes para combater o tétano. Entretanto, se essa acção do bromureto de potássio é incontestável, não se achão ainda de accordo os physiologistas sobre o modo de explical-a. Eulenburg e Gfuttman. impressionados em suas experiencias pela parada súbita do coração, quando se injectava altas dóses de bromureto de potássio, o 55 considerarão como um veneno do coração. Germain Sée explica a sedação da funcção da medulla por olighemia desse orgão. Emíim, Martin Damourette e Pelvet demonstrárão por uma serie de expe- riências importantes que o bromureto de potássio actúa primeira- rnente sobre os nervos sensitivos, depois sobre os nervos motores e sobre a medulla, e emíim sobre os músculos em dóse toxica. Esta ultima opinião é hoje a mal > aceita. Todavia o bromureto de potássio, excedente para obrar sobre o elemento sensitivo, não tem acção, em dóses therapeuticas, sobre os musculos tetanisados, e assim satisfaz incompletamente a indicação symptomatica do tétano. Para obviar esse inconveniente emprega-se emgeral o bromureto de potássio associado a um outro medicamento. Também nunca o vimos empregado só, porém associado á belladona, ao opio, ao chloral, etc. Faltaremos aqui da associação á belladona; das outras nos occuparemos ulteriormente. Associação do bromureto de potássio ã belladona.—Theori- camente esta associação parece-nos de grande vantagem. Ambos estes medicamentos têm a propriedade de diminuir o poder excito- motor; porém o bromureto obra de preferencia sobre a sensibilidade reflexa, e a belladona tem uma acção mais especial sobre acontractura muscular, que ella faz cessar. Convem notar ainda que a belladona, antes de produzir seus effeitos estupefacientes, tem, como dissemos quando delia nos oc- cupámos, uma acção excitante ; e, pois, ainda convirá a associação, porque essa acção será corrigida pelas propriedades sedativas do bromureto de potássio. Entretanto, as considerações theoricas que expendemos nenhum valor terião, se ellas não fôssem sanccionadas pela pratica. Por quantas decepções não tem feito a pratica passar a theoria? E quantos factos a theoria nao explica? E da pratica, portanto, que se tiraráõ as conclusões sobre o valor de um methodo de tratamento. O Sr. Dr, Bustamante Sá tem empregado com mui bellos resultados o bromureto de potássio associado ao extracto de 56 belladona, augmentando gradualmente as suas dóses até que os phenomenos tetânicos cedâo; então vai diminuindo lentamente afim de firmar a cura. Damos aqui a observação que devemos ao obséquio de nosso collega Pereira de Freitas, na qual essa associação pôde combater um tétano traumático, aliás muito grave. OBSERVAÇÃO III Sebastião Antonio Xavier, portuguez, de 34 aunos de idade, marinheiro, de temperamento sanguíneo e constituição forte, entrou para o hospital da Mi- sericórdia em 14 de Dezembro de 1874 e foi occupar o leito n. 7 da 8* enfer- maria de cirurgia. Anamnese. — O doente refere que, achando-se junto a uma pilim de vigas, uma destas deslocou-se e cahio-lhe sobre o pé direito. Depois do accidente íoi recolhido ao hospital. ftlstado actual (*).—Eucontra-se no dorso do pé um esmagamento dos tecidos dessa região, o qual tem 2 deciraetros de extensão. Estado geral muito satisfactorio. Diagnostico.—Contusão do 38 gráo. Prognostico. — Grave. Tratamento. — Curativo algodoado. Tres dias depois, retirando-se o apparelho, encontrou-se uma eschara que comprehendia a pelle e o tecido cellular sub-cutaneo. Foi-lhe prescripto uma cataplasma de linhaça feita em cosimeuto de quina, e a seguinte poção para tomar aos cálices: Infusão de quina 360 grammas Xarope de cascas de laranjas amargas 30 » Assim subraettido a este tratamento, passou o doente perfeitamente bem ; (•) Besumimos esta parte qu» interessa pouco ao nosso ponto. 57 cahindo a cscliara deixou xôr uma ferida coberta de botõe.-carnosos, e tendendo rapidamente para a cicatrização, quando de súbito apresentou-se no Io de Ja- neiro difficuldade em abrir a boca (trismo). Prescripção.—Agua 180 grammas Bromureto de potássio 2 » Extracto de belladona.. 5 centigrammas Tome uma colher de sôpa de hora em hora. Dia 2.—Continua o trismo. A mesma poção com 3 grammas de bromu- reto de potássio. Dia 3.—O trismo torna-se mais intenso, e o doente accusa já uma con- stricçáo bastante considerável nos musculos da parte posterior do pescoço. Prescripção. — Eleve-se a dóse de bromureto a 4 grammas e a de extracto de belladona a 10 centigrammas. « Dia 4.—Mesmo estado. Continúa a mesma prescripção. Dia 5.—A contracção dos masseteres é muito considerável, náo podendo o doente separar as arcadas dentarias senão alguns millimetros; a contractura dos musculos da parte posterior do pescoço é mais notável, e os musculos do dorso já começão a rcsentir-se da affecção nervosa. Prescripçãio. — Continúa com a mesma dóse de bromureto e eleva a de ex- tracto de belladona a 15 centigrammas. Dia 6.—O doente apresenta o mesmo estado. Não pode conciliar o somno. Prescripção. —Eleva-se na poção a dóse de bromureto de potássio a 5 cen- tigrammas. Item: Solução de gomma adoçada 120 grammas Hydrato de chloral 1 » Tome uma colher de sôpa de meia em meia hora, á noite. Dia 7.—Mesmo estado. O doente não cvacúa ha quatro dias. Prescripção. —Eleva-se a dóse do bromureto a 6 grammas. Augmenta-se uma gramma de chloral na segunda poção. 58 Item; Infu-ão de pcrsicaria 240 grammas Electuario de acne 15 » Sulfato de magnesia 45 » Para um clyster. Dia 8.—O doente evacuou duas vezes. A nevrose começa a ceder ; os mas- setores já se relaxão um pouco, deixando deste modo as arcadas dentarias se- parar-se mais. Os musculos do abdómen e do dorso achão-se muito tensos. Prescripção.—Eleva-se a dóse do bromureto a 7 grammas. Continúa a poção com cbloral. Dia 9.—Pequenas melhoras. Prescripção. — Eleva-se a 8 grammas a dóse de bromureto. Continúa a se- gunda poção. 4 Dia 10.-—Mesmo estado. Dorme bem. Continúa a mesma dóse de bromureto e eleva a do extracto de belladona a 20 centigrammas. Suspende o cbloral. Dia 11.—Mesmo estado. Mesma medicação. Dia 12.—Os musculos do ventre estão excessivamente tensos. Continúa a mesma prescripção. Dia 13.—As contracções não são tão fortes. Continúa a mesma prescripção. Dia 14.—Tem caimbras. Prescripção. —A mesma dóse de bromureto, elevando-se a 25 centigrammas a de extracto de belladona. Dia 15:—Continúa o mesmo estado. Prescripção.—Eleva-se a dóse do bromureto de potássio a 9 grammas. Dias 16, 17 e 18. —Apresenta algumas melhoras; abre a boca com mais facilidade e as caimbras são menos intensas. Queixa-se de não poder conciliar o somno. 59 Prescripção. - Agua 120 giammas Chloral 2 » Tome uma colher de sôpa de hora em hora á noite. Continha a poção bromuretada. Dia 19.—Mesmo estado. Mesma prescripção. Dia 20.—Eleva-se a 10 grammas a dóse do bromureto. Dia 21 e 22. —As melhoras do doente são consideráveis; já abre perfoi- tamente a boca; a tensão dos musculos abdominaes diminuio muito e as caimbras desapparecêráo compietamente. O doente já assenta-se no leito. Continha a prescripçáo do dia 20. Dia 23.—A vista das melhoras tão consideráveis que apre-enta o doente, reduzio-se a 9 grammas a dóse do bromureto e a 20 centigrammas a do extracto de belladona. Dia 24.—As melhoras accentuão-se ; abre compietamente a boca; as caimbras não volíárão. Os musculos do ventre apresentão-se ainda um pouco tensos. Mesma prescripção. Dia 25.—Mesmo estado. Reduz-se a dóse de bromureto a 8 grammas e a do extracto de belladona a 15 centigrammas. Dia 26. — Mesmo estado. Roceita-se a poçlo com 7 grammas de bromureto de potássio e 10 centigrammas de extracto de belladona. Dia 27. - Mesmo estado. Administra-se 6 gramnias do bromureto e 5 ceu- tigrammas de extracto de belladona. Dia 28.—As melhoras são consideráveis. O doente está quasi no estado de saude. Prescripção.—Agua 180 grammas Bromureto de potássio 5 » Dia 29. — Reduz-so a 4 grammas a dóse do bromureto. Dia 30—Reduz-se a 3 grammas a dóse do bromureto. Dia 1* de Fevereiro. Achando-se o doente compietamente restabelecido, dá-se-lhe alta. 60 Este doente tomou durante toda a moléstia—209 grammas de bromureto de potássio e 5 gr,30 de extracto de belladona. Considerando muito racional essa associação, não podemos, todavia, julgal-a tão efficaz que o cirurgião possa depositar nella todas as suas esperanças ; pelo contrario, ella é muitas vezes impotente contra a terrivel affecção, que por sua marcha brusca e rapida não permitte sequer que seus effeitos se manifestem. Foi o que succedeu na observação seguinte, por mim tomada na enfermaria do Sr. Dr. Bustamente, nas férias de 1876. OBSERVAÇÃO IV Matlieus, preto, liberto, 55 annosde idade, morador á rua da Guarda Velha, carroceiro, entrou a 12 de Março para a 8a enfermaria de cirurgia. Anaiunese.—Tendo sido atropellado por uma carroça de rodas grandes, cahio de tal sorte que uma das rodas sobre a perna esquerda. O doente foi immediatamente transportado para o Hospital da Misericórdia. Estado actual.—Nota-se na juncçao do terço inferior com o terço medio da perna uma deformação caracterisada por ligeira tumefacçao e desvio do eixo do membro. Segurando com uma das maos o terço superior da perna e com a outra communicando movimentos ao terço inferior, encontra- se movimento anormal e ouve-se crepitação. Ao lado externo da perna no ponto em que actuou o traumatismo, ha uma solu ao de continuidade de bordas irregulares e contusas. Diagnostico. —Fractura da perna esquerda no seu terço inferior; ferid i contusa da parte externa do terço inferior da mesma perna. Prognostico. — Grave. Alarclia e tratamento (*). — Dia 12. — Applicou-se um apparelho contentivo e prescreveu-se : Cozimento antiphlogistico de Stoll, 500 grammas. (*) Resumimos a Ia parte da observaçlo, que não tem relação com o nosso assumpto. 61 Dia 15. —Houve suppuraçáo no foco da fractura; formou-se um pequeno abcesso na parte interna da perna, o qual, abrindo-se, estabeleceu a com- municação com o exterior. Injecções com coaltar dissolvido no fóco da fractura. Dia 21.—O doente apresenta alguma febre para a tirde. Prescripção.—Cozimento anti-febril de Lewis, 500 grammas. Item; Injecções com chloral hydratado. Dia Io de Abril. —Continúa o movimento febril. O doente tem sido inquieto e procura executar movi u entos com o membro fracturado. Prescripção.—Yinbo de quinium de Labarraque. Continúa com as injec jões de hydrato de chloral. Dia 4.—O doente aprese ta-se com trismo, e accusa dôres na : uca. Prescripção: Agua 120 grammas. Bromureto de potássio 2 » Extracto debelladona 5 centigraminas. Xarope de lactucario 15 g ammai. Tome uma colher de sôpa de ho a em hora. Dia 5. —Oontractura dos musculos da nuca, inclinação da cabeça para trás (opisthotonos). Prescripção.—3 grammas de bromureto de potássio e 10 eentigrammas de extract > de belladona. Dia 7. —Mesmo estado. O curativo, que é feito com fios e c altar, prov ca um tremor convulsivo em todo o membro abdominal esquerdo. Prescripção.—Bromureto de potássio, 4 grammas; extracto de bcllador.a, 15 eentigrammas Dia 8.—O trismo pers stc. A oontractura tem invadido quasi todos os mus- culos e o tétano toma a fórma recta. Os musculos respiradores tendo sido tan bem invadi os, o doente está dyspneico. Pelo orifício de communicaçlo corra um i ús fétido. Prescripção.—5 grammas de bromureto de potássio e 20 eentigrammas de extracto de belladona. Ao meio da o doente succumbio em asphyxia lenta. 62 Tartaro emetico.—Na época em que o tétano era considerado o resultado de um trabalho phlogistico, que se effectuava nos centros nervosos rachidianos, empregava-se, de accordo com estas idéas, os antiphlogisticos, quer directos, quer indirectos. Entre estes últimos se acha o emetico, que, administrado em altas dóses, é um hyposteni- sante, ou melhor deprime notavelmente osystema nervoso e o muscular. Elle foi empregado por Allut em um tetânico na dose de 40 centi- grammas por dia, chegando o doente a tomar em oito dias 3 grammas e 50 centlgraramas. Desault diz também tel-o empregado com resultado. O Sr. Dr. Costa Limão empregou em 1851. Porém as necropsias as mais minuciosas não encontrando na medulla traços de inflammação, os antiphlogisticos fôrão abandonados, e hoje ninguém mais emprega o tartaro emetico em altas dóses para combater o tétano. Sulfato de quinina. —Este sal gozou outEora na Inglaterra uma certa reputação, em consequência de alguns factos favoráveis obser- vados por Hutchinson e Walton. Angelo Ponsa tentou fazel-o admittir na pratica ; porém elle o empregava associado a altas dóses de opio, a que se deve attribuir as curas que obteve. O impaludismo, esse Prothêo da pathologia, póde apresentar-se sob a fórma tetanica, e no Rio de Janeiro não é raro vêr-se a febre perniciosa tomar essa fórma. E só nestes casos que o sulfato de quinina é vantajosamente empregado em virtude de sua acção especifica. Dnboué (*) cita o caso de uma moça affectada de uma febre terçã com trismo muito pronunciado durante os accessos, e que só cedeu a fortes dóses de sulfato de quinina. Fóra, pois, desses casos nenhum valor tem o sulfato de quinina no tratamento do tétano. (*) De 1’impaludisme. 1867, pag. 179. 63 Paralyso-motores Os agentes que compõem este grupa têm a propriedade deparalysar os nervos motores sem modificar a contractilidade muscular. Os principaes destes agentes, que têm sido empregados no tétano, são : o curare, a fava de Calabar, a aconitina e a conicina. Curare—O curare, também chamado woorara, é um veneno com / que os indígenas da America do Sul hervão as suas settas. E extraindo de diversas strychneas, especialmente do Strychnos toxifera. Sua acção physiologica foi perfeitamente estudada pelo Professor Cláudio Bernard. Por suas numerosas e minuciosas experiencias esse Professor chegou á conclusão de que o curare paralysa os nervos do movimento, obrando sobre as suas extremidades, isto é sobre as placas motoras terminaes. A vista desta propriedade, elle acreditou que o curare empregado no tétano fazia cessar as convulsões. Foi Yella, em Turim, quem primeiro ousou empregar o curare no homem, baseando-se nos resultados das investigações de Cláudio Bernard e de suas próprias experiencias. Por occasião da guerra da Italia, em 1859, Vella subraetteu tres tetânicos ao uso dessa substancia. Os dous primeiros, que se achavão em circumstancias desesperadas, succumbirão; o terceiro, porém, cujo tétano não era tão intenso, foi salvo. Este facto, levado por Cláudio Bernard ao conhecimento da Aca- demia de Sciencias de Pariz, suscitou uma grande discussão, que deu em resultado fazerem-se novas tentativas, e o curare, que chegou a ser considerado o antídoto dynamico do tétano, falhou completamente nos casos em que elle foi empregado por Manec, Follin, Gfintrac, 64 Gosselin, Fergusson, Schuch, etc. Chassaignac obteve uma cura, porém era um tétano de marcha lenta. Diversos physiologistas levanta'rão-se contra o emprego dessa sub- stancia no tétano. Vulpian (*), que a ensaiou em animaes considera pouco fundado o seu emprego como meio therapeutico nesta affecção. Quer seja espontâneo ou traumático, o tétano, diz elle, tem por causa indirecta um estado da medulla analogo áquelle que a strychnina determina. Empregar o curare é, da mesma sorte que no envenena- mento pela strychnina, dirigir-se a orgãos que não são interessados na moléstia. Enfraquecer esses orgãos e expôr-se a abolir as suas func- ções é ajuntar mais uma probabilidade de morte áquellas que já tem o tetânico. Martin Magron e Buisson affirmão que a morte, que no tétano póde ser produzida pela parada da respiração por contracção mus- cular excessiva, sobrevem no tratamento pelo curare, por um effeito absolutamente contrario, o relaxamento total dos muscuíos. O antagonismo invocado entre a strychnina e o curare não existe senão apparentemente; porque essas substancias obrão sobre ele- mentos diversos, a primeira sobre a medulla espinhal e a segunda sobre as placas terminaes dos nervos motores. Ainda um grande inconveniente apresenta o curare. A intensidade de sua acção é muito variavel, e algumas vezes mesmo a sua admi- nistração não é seguida de phenomeno algum ; e por isso alguns prá- ticos aconselhão antes de empregal-o experimentar em animaes. Era conclusão, o curare obra somente sobre os meios de expressão da sensibilidade, sobre os nervos motores, mas não sobre os centros, nem sobre os ner vos sensitivos; impede a expressão do mal, a con- vulsão, mas o mal persiste e manifesta-se de novo, logo que o medica- mento cessa de obrar. Se, pois, elle é efficaz contra o elemento (*) Union médicale, 1857. De 1’emploi du curare coinme antidote de la strychnine et comme traitement du tétanos. 65 convulsivo, não o é contra a moléstia, e hoje que a therapeutica dispõe de medicamentos energicos, que deprimem directamente a exaltação do poder reflexo, o curare tem sido quasi completamente abandonado. Antes de terminar devemos fazer uma consideração importante sobre a absorpção do curare. Dizem alguns autores que esta sub- stancia, administrada pelo estomago, é inteiramente innocua, e não produz seus effeitos senão quando injectada sob a pelle; entretanto o nosso mestre o Sr. Dr, França empregou-o internamente e os effeitos consecutivos á sua absorpção manifestarão-se. Fava de Calabar. — Eserina. — A fava de Calabar é a semente da physostigma venenosum, planta da costa Occidental da África, pertencente á familia das Leguminosas. Logo que os effeitos tão notáveis da fava de Calabar fôrão assig- nalados pelos missionários e viajantes que percorrerão a costa Occi- dental da África, nasceu no espirito de muitos cirurgiões, entre os quaes deve-se citar Miller de Edimburgo, a idéa de que esta nova substancia poderia ser utilisada no tratamento do tétano; porém ninguém a empregou então. Foi Watson, em 1866, quem primeiro tentou a cura do tétano traumático por meio dessa substancia. O successo por elle obtido levou a empregal-a em outros casos, que fôrão seguidos ainda de resultado feliz. Dahi data a sua introducção na therapeutica do tétano. Mais tarde, Amedêo Vée conseguio extrahir o principio activo da fava de Calabar, que elle denominou eserina, da palavra Eseré, pela qual os indigenas de Calabar conhecem a planta. Sendo, em geral, preferiveis os alcalóides ás substancias que as encerrão, não tardou que o seu emprego no tratamento do tétano tivesse logar. Tendo de apreciar o valor deste meio de tratamento de tétano traumático, procuraremos estabelecer o nosso estudo sobre as duas 66 bases da therapeutica moderna: a acção physiologica da substancia e a observação clinica. Segundo experiencias muito modernamente feitas por Martin Damourette com a eserina, este alcalóide possue tres acções bem distinctas : 1. a Augmenta a irritabilidade muscular ; 2. a Augmenta o poder excito-motor dos centros nervosos motores, cerebro-espinhal e ganglionar ; 3. a DIminue a excitabilidade dos nervos motores espinhaes em suas placas terminaes. Porém, como faz vêr Damourette, esses effeitos são obtidos sepa- radamente, conforme a eserina é administrada em dose massiça ou em dóses fraccionadas. Assim, uma dóse forte (12 milligrammas) dada de uma vez produz os dous primeiros effeitos. Se, porém, fraccionar-se a dóse, dando 2 milligrammas de hora em hora, obtem-se sómente a diminuição da excitabilidade dos nervos motores espinhaes em sua terminação nos musculos. A acção hypocynetica da eserina, sendo a que se utilisa em the- rapeutica, emquanto que a acção espasmophylica é de natureza a aggravar as moléstias convulsivas a que se oppõe este medicamento, importa muito saber-se que com as dóses fraccionadas consegue-se produzir a acinesia therapeutica sem mistura de convulsões. Pelo que dissemos, vê-se que a fava de Calabar é, como o curare, um agente paralyso-motor. Mas ella tem sobre este ultimo vantagens que a tornão preferíveis para a therapeutica. No eserismo a paralysia é muito mais lenta a produzir-se do que no curarismo ; a excitabilidade dos nervos motores é menos comple_ tamente destruida, e por conseguinte a paralysia é mais tardia e menos completa. Ella começa pelos membros inferiores para estender-se depois aos membros superiores, ao pescoço e ao thorax, e íinalmente ao diaphragma, determinando então a morte por asphyxia mecanica. O curare produz paralysia completa das placas motoras terminaes, e 67 consequentemente relaxamento de todos os rausculos, inclusive o diaphragma, o que torna iraminente e quasi irremediável a as- phyxia. Ha, pois, a grande vantagem de que pela eserina poder-se-ha determinar nos membros a resolução a mais completa, sem risco de asphyxia paretica. Do estudo da acção physiologica da fava de Calabar podemos já concluir que a administração da eserina em dóses fraccionadas não combate a exaltação do poder reflexo, porém impede sómente que elie se manifeste ; portanto physiologicamente a fava de Calabar ou seu alcalóide, a eserina, não póde constituir o tratamento exclusivo do tétano. Vejamos agora ainda o que nos diz a observação clinica. Watson conseguio a cura em 4 casos, empregando o extracto da fava de Calabar. Campbell, Mac-Arthur e Ringer contão um successo cada um. A par, porém, destes factos referem-se muitos insuccessos. Assim Watson (um caso), Masson, Ridout, Bouchut, Bournesilie, BTket, Turner, Royds, Tait, Holthouse, Sumerhayes, etc. (*), referem observações negativas, tendo empregado diversos preparados da fava de Calabar. O Sr. Dr. Pedro Affonso empregou, em Janeiro de 1874, a fava de Calabar, também sem successo, no escravo Francisco, que entrou para a 8a enfermaria de cirurgia com um esmagamento do pé, prescrevendo-a da maneira seguinte : Agua 120 grammas. Tintura de fava de Calabar. . , 4 » Xarope de opio 30 » Para tomar uma colhér de sopa de hora em hora. O doente falleceu na noite seguinte. No hospital de Marinha empregou-se este anno o extracto de fava de Calabar em tres casos de tétano traumático, que fôrão seguidos de morte. [*) Bulletiu de Therapeutique. 1868. The Lancet. 1869 e 1870. 68 Ultimamente tem-se empregado a eserina. Os factos que conhe- cemos, em que este alcalóide foi empregado só, são os seguintes: L. S., 12 annos de idade, é acommettido do tétano oito dias depois de um ferimento insignificante do grande dedo do pó. O Sr. Reulos de Yillejuif prescreve as injecções hypodermicas de eserina na dóse de 5 milligrammas, augmentando gradualmente até 1 centigramma. Morte no fim de 13 dias. W., carniceiro, 49 annos de idade, 12 dias depois de um ferimento por arma de fogo, na região sub-clavicular esquerda, apresenta-se com tétano. Th. Anger emprega as injecções hypodermicas de sul- fato de eserina. Terminação pela morte. Uma mulher de 45 annos de idade, operada de uma hypertrophia do collo uterino, apresenta o tétano 10 dias depois. O Sr. Duplay prescreveu as injecções hypodermicas de sulfato de eserina; porém a doente succumbio 8 dias depois do começo do accidente. A observação clinica não parece, pois, favoravel ao emprego ex- clusivo da eserina. Acreditamos, entretanto, que a sua associação aos moderadores reflexos deve ser mais vantajosa, porque de um lado combate-se a contracção muscular e de outro a exaltação do poder reflexo, e assim preenche-se melhor as indicações symptoma- ticas do tétano. O nosso mestre o Sr. Dr. V. Saboia tem empre. gado este methodo de tratamento em sua enfermaria de clinica cirúrgica ; ahi acompanhámos um caso de tétano, seguido de termi- nação feliz. cuja observação damos em seguida. OBSERVAÇÃO V Aprigio da Motta, preto livre, natural de Pernambuco, morador á Praia do Sacco n. 42, com 45 annos de idade, tanoeiro, de constituição regular o temperamento lymphatico, entrou no dia 6 de Junho de 1876 para a 9* enfermaria de cirurgia do Hospital da Misericórdia, indo occupar o leito n. 3'è, 69 Anamnesc.— O doente refere que no dia 4 de Junho déra uma topada em uma pedra, do que resultou-lhe o ferimento que apresenta no segundo dedo do pó esquerdo, e ao qual Mo ligou importância. No dia 5, porém, começou a sentir dôres no ponto ferido, dôres que se irradiarão por todo o membro. No dia 6, de manhã, sentio alguma difficuldade em abrir a boca; á tarde entrou para o hospital. Estado actual. —Encontra-se no segundo dedo do pó esquerdo uma solução do continuidade irregular, e que não pódeser bem descripta, porque acha-se coberta de uma camada de terra. O doente apresenta trismo, sendo possivel afastar as maxillas só de um centimetro e meio, con- tracção dos musculos da nuca, tensão dos musculos do ventre, alguma dysphagia, sêde e suor na face. Redobramentos convulsivos muito espaçados e pouco intensos. Piagnostico. —Ferida contusa do segundo dedo do pó esquerdo ; tétano traumático. Prognostico.—Grave. Hlarclia e tratamento. — Dia 6.—Prescripção: Agua de alface 300 grammas Bromureto de p dassio 4 » Sulfato de morpbina 5 centigrammas Xarope de chloral 30 grammas Para tomar uma culhér de sôpa de hora em hora. Item: Pomada de helladona e mercurial. Para fomentar o rachis. Dia 7. —Mesmo estado. Temperatura de manhã, 37° ; pulso 60. Prescripção; Continúa a poção. Item : Agua de valeriana 120 grammas Hydrato de chloral 4 » Para um clyster. Tomará 8 clysteres, sendo um de 2 em 2 horas. Item: Agua distillada 30 grammas Sulfat > de morfina S centigrammas Para injecções hypodermicas na região masseterina, sendo cada uma de 30 gottas. 70 Á tarde achámos o doente calmo, persistindo porém ts phenomcnos tetâ- nicos. Temp. 37. P. 64. Dia 8.— C ntinúa calmo. A tabeça levada para trás pela contracção dos musculos da nuca repousa sobre a cama, estando melhor sem travesseiro. A moléstia não tem progredido, e o doente sente-se mesmo melhor. Tem muita sôde e appctite. Temperatura, 38. P. 78. Continua com a mesma medi- cação de hontera. Dia 9.—O v ntre continúa tenso e duro. Não tem evacuado. Os redobra- mentos são fracos e afastados. Temp. 37°,4. P. 68. Prescrição: Suspenda a poçáo e os clysteres. Continúa com as injecções hypodermicas de sulfato de morphina. Item : Agua 120 grammas Eserina. 5 milligrammas. Para tomar uma colhér de sôpa de hora em hora. Dia 10. —Continúa calmo. Afasta um pouco mais os maxillares. Redobra- mentos muito pouco intensos, porém mais frequentes. A contractura invade os musculos extens res das peruas, onde o doente accusa muita dôr. Continúa a constipação. Prescripção: Yolta à poção do dia 6, elevando porém a 8 grammas a dóse de bromureto de potássio. Continúa com a poçáo de eserina, alternando com a precedente. Continúa com as injecções hypodermicas. Dia 11.—Mesmo estado. Mesma prescripçáo, augmentamlo 2 grammas de bromureto de potássio. Dia 12.—Trismo no mesmo gráo. Continúa a contractura dos extensores da perna, o que incommoda o doente, porque náo pódo cur^a-las ; começa a con- tractura dos flexores do ante-braço sobre o braço. O doente dorme muito durante a noite; tem appetite. Constipação. Prescripção: Escammonéa 2 centigrammas. Extracto de rhuibarbo... 10 » Oalomelanos 1 gramma. F. S, A. Tres pilulas. Tome de uma vez. Pu 13. (Vmo. Redobramentos aratasdos. Yentre um pouoo mais flácido. 71 As pernas ainda doem; a flexão dos ante-braços é pouco pronunciada. Não evacuou com as pilulas. Prescripç lo: Oleide ricino 48 o Para tomar de uma vez. i epois do effeito purgativo volta á prescripção d... dia 10. Di ta de caldos, mingáo, cbá, etc. Dia 14. - O opi-thotonos cedeu um pouco; já deita a cabeça sobre o tra ve seiro. Trismo no mesmo gráo. Evacuou bastante com o oleo de ricino. Continú i a mesma prescripção. Dia 15. —A contracção dos extensore-i da perna cedeu, e o doente já as póde encolher, tendo todavia alguma dór. A moléstia tende a diminuir. Mesma medicação', suspendendo-se, porém, as injecções hypodermicas de sulfato de raorphina por irritarem muito o doente, e por não se tornarem agora tão necessárias. Dia Kl.—O doente vai bem. O trismo diminuio um pouco. Continua a mesma medicação. Dia 17 e 18.—Continua no mesmo est .do. Mesma prescripção. Dia 19.—Não evadia desde o dia 14. Prescripção: Oleo de ricino 45 grammas. Dia 20.—Evacúa com o purgativo. A tensão dos musculos do ventre tem diminuido ulto. Continua a mesma prescripção dj dia 15. Dia 21.—Yai muito bem, O trismo ó menor; estende bem os braços e encolhe as pernas; engole bem ; os redobramentos são raros e pouco energicos. Dia 22.—Sem novidade. Dias 23 e 24.—As melhoras progridem. Já póde mover a cabeça, porém esse movimento é acompanhado do alguma dôr. Continúa a mesma prescripção, e mandon-i-e omentar o pescoço com linimento sedativo dellicord. Dia 4 de Julho. —Todos os symptomas do tétano têm desapparcoldo. O doente está sentado no leito e já tem procurad > andar, mas é acommetti lo por essa occa ião de tremores nos membro- infe iores. Tem tomado sempre as duas po ões alternadamente. 72 Dia 5.— Suspende-se a poção com eserina; continúa somente com a outra. Dia 19,—O doente tem estado no bospital convalescendo e exercitando-se no anlar. Hoje anda bem, e acha-se complet imente cura lo, pelo que é-lhe dada a alta. Nesta observação vê-se que a moléstia, que começou lentamente, tendia a progredir, principalmente nos dias 10, 11 el2de Junho, e o tétano tomaria, evidentemente, uma fórma aguda, se não fôsse a energia da medicação convenientemente dirigida contra os principaes symptomas. Entretanto applica-se a este methodo de tratamento o que já temos dito a respeito de outros; a marcha rapida da moléstia zomba dos meios os mais racionalmente empregados. A prova do nosso asserto acha-se nas seguintes observações, que colhemos na mesma enfermaria do Sr. Dr. V. Saboia : OBSERVAÇÃO VI (*) José Alves, portuguez, com 37 annos de idade, casado, carroceiro, entrou a 24 de Abril de 1876 para a 9a enfermaria, indo occupar o leito n. 25. O doente refere-nos que, conduzindo uma carroça de transporte de cargas, uma das rodas passou-lhe sobre o pé esquerdo. Esteve tratando-se algum tempo em sua casa; nao melhorando, porém, resolveu-se a entrar para o hospital. Examinando o doente, encontrou-se gangrenapor esmagamento do grande dedo do pé esquerdo e da metade interna da região metatarsiana. O tratamento consistio na applicaçao de carvao e quina em pó, e de cata- plasmas de linhaça. No dia 30 o doente sentio muitas dôres na parte lesada. Nao teve appetite para jantar. De tarde teve calefrios e começou a sentir uma ligeira constricçao na base do thorax, (*) Nesta e nas seguintes observações resumimos a parte que não interessa ao ponto. 73 Dia Io de Maio— O doente acha-se em decúbito dorsal com os membros na extensáo. Accusa uma contracção dolorosa dos musculos da nuca e do dorso, e uma constricçáo na base do thorax. De tempos a tempos sobrevêm espasmos paroxysticos, que tornáo mais notável o opisthotonos. O doente abro bem a boca. O ventre apresenta-se á apalpaçáo bastante duro, nao se deprimindo em consequência da contractura dos musculos das paredes abdominaes. Temperatura 37°,2. Prescripção. — Agua distillada de valeriana.. 250 grammas Bromureto de potássio 10 » Hydiato de ehloral 4 » Sulfato de morphina 10 centigrammas Xarope de flôres de laranjeira. 32 grammas. Para tomar meio calix de hora em hora. Item ; Infusão de persicaria 240 grammas Electuario de sene 32 » Sulfato de sodio 32 » Assafetida 4 » Para um clyster. Dia 3.—Nilo ha trismo; porém, quando come, a boca fecha-se, e tem então difficuldade em mastigar, por isso só toma caldos agora. Tem dys- pbagia. Os espasmos sao ainda muito espaçados. Continua o mesmo curativo, sendo a cataplasma bem laudanisada. Prescripção.—Agua distillada de valeriana.. 250 grammas Bromureto de potássio 12 » Hydrato de ehloral 6 » Xarope de flôres de laranjeira 32 » Para tomar meio calix de hora em hora. Dia 4.—O doente está com sonmoleneia, de que é despertado pelos redo- bramentos. Ná > ha trismo. Oontinúa o opisthotonos. Prescripção.—Agua distillada 120 grammas Eserina 5 milligrammas Acido sulfurico 3 gottas. Para tomar uma colhér de sôpa de duas em duas horas. Durante o dia os redobramentos fôrão-se tornando mais frequentes e intensos. Á tarde houve mudança nas condições meteorológicas da atmosphera, o que aggravou muito o estado do doente, que succumbio á uma hora da noite. 74 OBSERVAÇÃO VII Albino Fernandes da Costa, branco, dezanove annos de idade, carroceiro, constituição forte, temperamento sanguíneo, entrou a 13 de Junho de 1876 para a 9* enfermaria, occupando o leito n. 36. Refere o doente que, conduzindo uma carroça cheia d’agua, uma das rodas passou-lhe sobre o pé esquerdo. Havia esmagamento do pé, que se achava quasi todo mortificado; a lesão não interessou, porém, a articulação tibio-tarsiana. Era convenientemente tratado, quando no dia 23 apresentou-se com trismo. Prescripção.—Agua 120 grammas Eserina 5 milligrammas Para tomar uma colher de hora em hora. Dia 24. —Os symptomas do tétano se accentuao. Ha trismo, tensão do ventre, dysphagia e redobramentos convulsivos fre- quentes. Mandou-se continuar com a poção hontem receitada, tomando, porém, uma colhér de duas em duas horas, para alternar com a seguinte: Agua de alface 300 grammas Bromureto de potássio 6 » Sulfato de morphina 5 centigrammas Xarope de chloral 30 grammas Para tomar uma colhér de duas em duas horas. Agua distillada 30 grammas Sulfato de morphina 5 centigrammas Para injecções hypodermicas, de 30 gottas cada uma. Faz-se tres injecções por dia. Dia 25.—Opisthotonos mais pronunciado. Continúa a p.escripção. Dia 2o.—A moléstia continúa a progredir. Mesma prescripção. Dia 27.—Relaxamento rápido dos masseteres (signal grave); contracturas dos musoulos thoracicos, dyspnéa. Continúa a mesma prescripção. Falleceu em asphyxia lenta á noite. 75 OBSERVAÇÃO VIII João Francisco de Macedo, branco, 50 annos de idade, de constituição forte; entrou na noite de 6 de Julho de 1876 para a 9a enfermaria, indo occupar o leito n, 23. Entrou para o hospital em consequência de um extenso ferimento da pare, externa e inferior da perna esquerda, produzido por um tubo de ferro que 1 ;e cahio sobre esse ponto. Fez-se o curativo conveniente e a perna foi collocada em uma gotteira. No dia 16 o doente apresentou ligeira difficuldade em abrir a boca. Prescrípção.—Agua de alface 300 grammas Bromureto de potássio 8 » Sulfato de morphina 10 centigrammas Xarope de chloral 30 grammas P ra tomar uma colhér de sôpa de duas em duas horas. Item: Agua 120 grammas Eserina 5 milligrammas Para tomar uma colhér de sôpa de duas em duas horas, alterando com a precedente. Dia 17.—O trismo vai augmeutando; tem maior difficuldade em abrir a boca. Continua a prescrípção. Dia 18. —Hoje achamos o doente com trismo mais intenso, dysphagia, dôr e contracção dos musculos da nuca. Continua a prescripçao. Dia 19.—A moléstia progride rapidamente. Ha impossibilidade de afastar as arcadas dentarias; opisthotonos; redobramentos convulsivos; ventre tenso; transpiração abundante. O enfermeiro descobrio-o para endireital-o no leito o doente resfriou-se e começou logo a espirrar muito. Prescrípção.—Continúa as duas poções, elevando na segunda a 15 milli- grammas a dóse de eserina. Item: Agua 16 grammas Sulfato de morphina.., 5 centigrammas Para injecções hypoderraicas. 76 Dia 20.— Houve mudança do tempo, que tornou-se chuvoso efrio, O doente peiorou ; a contractura invadio os musculos thoracicos e o doente tem dyspnéa a face está cyanotica; transpira abundantemente. Prescripção.—A mesma, mais: Inf jsão de scne 100 grammas Hydrato dechloral 4 » Bromureto de potássio 6 » Para um clyster. Falleceu ás 11 horas da manha. Aconitina.-— Segundo demonstrou Laborde na Sociedade de Biologia de Pariz (•*), este alcalóide não tem sempre os mesmos effeitos pliysiologicos etoxicos. Elles varião conforme a sua procedência, o que prova que a aconitina preparada por Duquesnel não foi ainda obtida completamente pura, porque como alcalóide a aconitina deve ser necessariamente um principio fixo, definido, sempre idêntico a si mesmo, e não podendo, por conseguinte, dar logar senão a effeitos idênticos. Entretanto as experiencias feitas com a aconitina de Duquesnel têm demonstrado que este alcalóide paralysa as extremidades dos nervos motores da mesma sorte que o curare, com que tem uma grande analogia, e o que dissemos a respeito do emprego desta substancia no tratamento do tétano póde-se applicar á aconitina. Este alcalóide parece possuir também a propriedade de enfraque- cer a sensibilidade, propriedade que o tornaria mais recommen- davel no tratamento do tétano. Porém a sua acção physiologica não é bem conhecida, e ella ainda faz o objecto de estudos sérios. Demais, os casos de tétano em que este alcalóide tem sido em- pregado têm zombado da energia deste agente, que é excessiva- raente toxico. É empregado na dóse de um quarto de milligramma por dia, (*) Sessão de 25 de Novembro de 1875. 77 dóse que póde ser elevada gradual e prudentemente a 2 milligram- mas, tendo sempre o cuidado de fraccionar as dóses. Conicina.—Experiências modernamente feitas com a conicina têm demonstrado que este alcalóide tem a propriedade, como as outras substancias deste grupo, de paralysar as placas terminaes dos nervos motores. Essas experiencias têm demonstrado ainda que a conicina diminue a sensibilidade, quando as dóses são um pouco mais elevadas. Estas propriedades o indicarião no tratamento do tétano, se para obtel-as não se corresse o perigo de intoxicar o doente, porque essa substancia pertence ao grupo dos agentes toxicos mais energicos. Conbece-se dous casos de tétano tratados pela cicuta, um com suc- cesso (Corry), outro com insuccesso (Fergusson). A cônicina não tem sido empregada; é, pois, impossivel concluir pela observação clinica do valor deste agente. Moderadores reflexos Esta classe de medicamentos, cujo papel essencial é diminuir e mesmo abolir a sensibilidade reflexa, comprehende tres ordens : os opiáceos, os antispasmodicos e os anesthesicos. OPIÁCEOS O opio tem gozado, desde muito tempo, de uma justa e merecida reputação no tratamento do tétano : é dos agentes pliarmaceuticos aquelle que mais tem sido empregado e maior numero de curas conta na therapeutica da terrível complicação das feridas. Entretanto o opio encontrou, como todos os bons medicamentos, adversários que cliegárão a lançar á sua conta a mortalidade dos tetânicos. Trnka preferia-lhe os mercuriaes. Eochoux e Vendt julgão-no prejudicial, Valentin ineíficaz, Roche e Sanson sem acção alguma. Todavia estes insuccessos são justificáveis; esses antigos práticos, manejando uma substancia perigosa, a administrárão em pequenas dóses, porque não conhecião ainda a grande tolerância mórbida que apresentão os tetânicos, que podem tomar, sem mesmo apresentar os phenomenos denarcotismo, dóses de opio que serião sufficientes para matar muitos homens no estado hygido. Na realidade, as pequenas dóses são completamente inefficazes nesta moléstia, como a observação o tem 79 perfeitamente demonstrado. O Professor Trousseau diz que é fazendo tomar doses verdadeiramente espantosas que se pode esperar algum resultado. Monro vio dar sem accidentes toxicos 7 grammas de opio em um dia. Chalraers empregou no mesmo espaço de tempo mais de 39 grammas de tintura thebaica. Littleton administrou em 12 horas 50 grammas de extracto de opio a uma criança de dez annos. O nosso mestre o Sr. conselheiro Dr. Souza Fontes chegou a empregar o laudano de Sydenham na dóse de 24 grammas. Nós mesmos vimos o Sr. Dr. Torres Homem empregar 23 centigrammas de sulfato de morphina em 24 horas (Obs. IX). O opio tem a propriedade de entorpecer a sensibilidade e a moti- lidade. Em virtude desta propriedade, elle modera as acções reflexas, que têm por ponto de partida uma sensação. A sua acção physiologica justifica, pois, o seu emprego contra a nevrose tetanica, onde ha grande exaltação do poder reflexo, e explica assim os successos que com este medicamento se têm conseguido. Com effeito, a observação é muito favoravel ao emprego do opio. Não nos seria possível enumerar aqui os successos com elle obtidos ; mas basta citar a estatistica feita por Blizard-Curling, que mostra que em 84 casos 44 fôrão seguidos de cura. Os nossos mestres os Srs. Drs. Souza Fontes e Feijó Filho têm colhido bons resultados com o laudano de Sydenham em altas dóses. Vimos este ultimo empregar este mefhodo de tratamento, poróm sem successo, em uma preta que esteve em uma das enfermarias do Hospital da Misericórdia. Neste caso o tétano durou apenas dous dias. Entretanto convem notar que o opio encerra alcalóides de acção muito diversa. A par da morphina, da narceina e da codeina, que são deprimentes do poder excito-motor, existem a thebaina, a papaverina f e a narcotina, que pelo contrario o exaltão. E pela presença destes últimos alcalóides que se explica as convulsões que se produzem algumas vezes no começo da administração desta substancia. Sendo essas convulsões prejudiciaes á moléstia que se quer combater, 80 parece-nos que, sendo hoje perfeitamente preparada a morphina e existindo abundantemente no commercio, deve-se preferir ás prepa- rações de opio a morphina e seus saes, cuja acção bem conhecida póde ser melhor limitada e dosada. A morphina póde ser administrada por via gastrica. Quando, porém, o trismo o impedir, póde-se recorrer aos clysteres, ou melhor ainda ás injecções hypodermicas. O Sr. Aron empregou sómente as injecções hypodermicas dechlorhy- drato de morphina em uma mulher, que, tendo introduzido um prego na planta do pé, foi acommettida, onze dias depois, de tétano. A cura foi obtida. (*) Demarquay propôz as injecções intra-musculares de chlorhydrato de morphina no tratamento do tétano. Depois de ter recebido o narcotico, os musculos convulsionados não tardão a relaxar-se, e a dor mesmo a dissipar-se em alguns momentos. Este resultado é importante quando se trata do trismo ou da contractura das potências destinadas á respiração, pois que a cessação da contractura permitte no primeiro caso a alimentação e no segundo o restabelecimento da hematose. (Guhler.) A morphina tem alguns inconvenientes. E assim que ella provoca a anorexia, e algumas vezes os vomitos. O sorano por ella determinado é lento a manifestar-se, é pesado e seguido de um despertar des- agradavel e de uma somnolencia prolongada. A morphina eleva a temperatura do corpo, o que é um perigo, se attendermos a que no tétano já ella acha-se muito elevada. E, pois, natural e mesmo recommendavel a associação dos saes de morphina a outras substancias, permittindo essa associação obfer-se todas as suas vantagens, sem os seus inconvenientes. Tem-se associado a morphina ao chloral, ao bromureto de potássio, etc. Vamos occupar-nos agora tão sómente da segunda. (*) Gazette Uebdomadaire, n. 34.1870. 81 Associação do sulfato de morphina ao bromureto de potássio. —Esta associação, que vimos ultimamente recommendada pelo Dr. Rabuteau, em seus Elementos de therapeutica, já de lia muito tempo era empregada pelo Professor de clinica medica com grande successo. De um lado o bromureto de potássio diminue os phenornenos reflexos, e do outro a morphina excita o poder motor voluntário, relativamente enfraquecido por causa do augmento do poder reflexo, de modo que com esta associação preenche-se duas indicações capitaes. A pratica tem confirmado esse raciocínio. Esta associação tem dado magníficos successos ao Sr. Dr. Torres Homem e a muitos outros clínicos que a empregão. Já tivemos occasião de apreciar os seus bons effeitos. Em 1875 observámos 4 doentes de tétano trauraatico, em que esta medicação foi empregada. Em um da 10a enfermaria de cirurgia houve insuccesso. Em outro, que occupou o leito n. 11 da enfermaria do Sr Dr. Torres Homem, ella conseguio melho- ral-o, porém foi necessário variar a medicação para obter-se a cura (*). Nos outros dous casos o successo foi completo. Um destes occupou o leito n. 23 da mesma enfermaria ; neste o tétano seguio uma marcha lenta. No outro, sendo o tétano mais intenso e o successo mais brilhante, julgamos interessante dar a observação por extenso. OBSERVAÇÃO IX José Joaquim de Souza, portuguez, vinte amios de idade, de constituição fraca e de temperamento lyrnphatico, entrou em 25 de Julho para a 4a enfer- ma ia de medicina e foi occupar o leito u. 22. Ananinese.— Refere-nos o doente que ha oito dias cahio-Ihe um barril dagua sobre o dedo indicador da mao esquerda, determinando um ligeiro (*) Esta observação vai referida por extenso na pagina 102. 82 ferimento na extremidade desse dedo. Ha quatro dias, depois do ter-se exposto i. chuva, começou a sentir difíiculdado em abrir a boca c em engulir. dôr e prisão na nuca, pelo que procurou o hospital. Esta«lo aclnal.—Dia 26.— A approximação ao leito do doente deter- minou o apparecimento de um abalo convulsivo em todo o corpo, o que produzio no doente dôres, que o fizerão gemer. Elle se acha cm decúbito dorsal; o corpo todo estendido c a cabeça um pouco voltada para trás. As commissuras labiaes estão afastadas de modo que o doente apresenta-se com um ar de riso (riso sardoniev. Mandando o doente abrir a boca, ellc o faz; porém o afasta- mento das maxillas é menor do que no estado normal. Tem dyspbagia. Apalpando o ventre, o encontrámos duro e tenso. Durante os redobramentos o doente accusa dôres na nuca e no dorso. Nada de anormal se encontra nos outros apparelbos. A intelligencia é perfeita. Temperatura de manhã, 37,° 7 Pulso, 100. Temperatura á tarde, 38,°2. Encontra-se na extremidade inferior do dedo indicador da mão esquerda uma ferida linear em via de cicatrização. Diagnostico’—Tétano traumático. Prognostico. —Grave. Tratamento c marcha: Dia 26. — Prescripção. —Hydrolato de alface 150 grammas Bromureto de potássio.... 4 » Sulfato de morpbina 5 centigrammas Xarope de ílôres de la- ranjeiras 30 grammas Para tomar uma colhér de sôpa de duas em duas horas. Par i uso externo Cozimento de malvas.... 200 grammas Electuario de sene I m , • • i ãã 30 » Oloo e nemo 1 Para um clystor. Uncções no racbis com unguento napolitano. Dia 27. —O doente apresenta opistbotonos bem notável. Tomp. de manhã, 38,° 2. Pulso 96. Prescripção. —Augmente na poção 4 grammas de bromureto e 5 centigram- mas do sulfato de morpbina. 83 Item : Infusão de nicociana 200 grammas Oleo essencial de terebeuthina. 8 grammas Para um clyster. Á tardo. Tcmp. 38,° 2. Pulso 96. Dia 28. — Dormio durante algum tempo a noite passada. Abro ainda a boca. O opisthotouos é mais considerável; redobramentos de 10 cm 10 minutos. Temp. 37,° 8, Pulso 90. Prescripção.— A mesma poção com 10 grammas debromureto de potássio e 12 centigrammas de sulfato de morphina. Repita o clyster e continue as uncções. Dia 29-—Passou muito bem; dormio toda a noite; os accessos são mais espaçados, pouco intensos e menos dolorosos. O riso sardonico desappareceu • abre melhor aboca. Temp. 38°. Pulso 9J. Prescripção: A mesma poção com 12 grammas de bromureto e 15 centi- grammas de morphina. Dia 30.—Dormio bem. O trismo augmentou um pouco, porém o ventre está flaccido. Temp. 37,° 8. Pulso 70. Prescripção.—A mesma poção com 14 grammas de bromureto e 17 centi- grammas de sulfato de morphina. Dia 31.—Dorme bem; move-se com mais facilidade no leito. Os redobra- mentos são i ouco intensos e pouco demorados. Ventre flaccido, Temp. 37,° 4. Pulso 80. Prescripção.—A mesma poção, com 16 grammas do bromureto de potássio e 28 centigrammas de sulfato de morphina. Á tarde: Temp. 37,° 5. Pulso 80. Dia Io de Agosto.—Mesmo estado. Temp. 37,° 2. Pulso 80. Prescripção.—A mesma poção com 18 grammas do bromureto do potássio e 23 centigrammas de sulfato de morphina. Á tarde: Temp. 37,° 3. Pulso 80. Dia 2.—Mesmo estado. Temp. 36,° 9. Pulso 80. Continua a mesma pre- scripção. Dia 3.—Não dormio bem; passou mal a noite. Os redobramentos são pouco intensos e fracos, havendo entretanto alguns fortes. Não tem evacuado. 84 Accusa dôres nas costas. Teve epistaxis esta noite. i emp. 37/3. Pulso 90. Mesma preseripção. Dia 4.— Dormio bem. Queixa-se só das dôres nas costas. Tem poucos redobramentos, e estes fracos, Oontinúa a constipação; o ventre está tenso. Temp. 37,°2. Pulso 90. Mesma preseripção. Dia 5.—Mesmo estado. Temp. 37,° 2. Pulso 76. Mesma preseripçao. Á tarde. Temp, 37,® 5. Pulso 75. Dia 6.—Yai bem; o opisthotonos e o trismo têm cedido. Oontinúa a constipação. Temp. 37.°. Pulso 76. Preseripção.—Suspenda a poção. Mistura purgativa de Leroy, ( 0 grammas Á tarde: Temp. 28.° Pulso 86. Dia 7.—Evacuou com o purgante. As melhoras continuáo; o opisthotonos vai cedendo. Temp. 37.°. Pulso 76. Yolta á medicação do dia 1° de Agosto. A’ tarde: Temp. 36,°6, Pulso 69, Dia 8. —Melhoras consideráveis; naoha trismo nem opisthotonos; o doente nao apresenta mais o fácies tetânico. Mesma preseripçao. à tarde : Temp. 36,°6. Pulso 69. Dia 9.—Temp, 36,°9. Pulso 65. Sendo notável o abaixamento de tem- peratura, abaixamento que 6 devido ámedicaçáo, é esta suspensa, Á tarde. A temperatura elevou-se a 37,° 2. Pulso 72. Dia 10. —Teve redobramentos durante a noite e pela manhã; pelo que man- dou-se voltar á medicação do dia 8. Temp. 37,° 2. Pulso 70. A tarde: Temp. 36,° 3. Pulso 72. Sendo suspensa a medicação, a temperatura elevou-se de novo, e era á tarde 37,° 2. Pulso 80. Dia 12.—Continuáo as melhoras. Preseripçao.—Agua 120 grammas Sulfato de morphina 10 centigrammas Xarope de flôres de laran- jeira 30 grammas Para tomar uma colhór de sôpa de duas em duas horas. Á tarde : Temp. 37,° 2. Pulso 80. Dia 13,—Não tem mais redobramentos. Abre bem a boca. Não tem evacuado. Temp. 37,° 2. Pulso 70. Suspende-se a poção. 85 Prtscripção.—Infusão de sene tartarisada..., 150 grammas Item: Agua 15 grammas Sulfato de morphina 30 centigrammas Para fazer duas injecções hypodermicas (de 25 gottas cada uma) por dia. Dias 14, 15, e 16. Sem novidade. Dia 17. —Hontem á noite teve redobramentos, acompanhados de dôres no ventre e em diversas partes do corpo. Nao dormio durante a noite. Hontem foi feita só uma injecção hypodcrmica. Na hora da visita achamol-o melhor. Suspende a medicação. Prescripção.—Emulsão de amêndoas 100 grammas Essência de terebenthina 4 » Xarope de Tolú 30 » Para tomar uma colhér de sôpa de duas em duas horas. Dia 18. —Nao voltárao os redobramentos. Insomnia. Mesma prescripção. Dia 19.—Accusacephalalgia e insomnia. Tem tenesmos (irritação intestinal produzida pela terebenthina). Suspende-se a poção. Prescripção.—Sulfato de magnesia 30 grammas Divida em 4 papéis. Para tomar um de duas era duas horas. Dia 20.— Cessárao as perturbações intestinaes. Suspende-se todo o trata- mento. Dia 14 db Setembro.—O doente tem permanecido r.o hospital para eon- valescer-se. Completamente curado, obtem a sua alta. Este anno vimos ainda um outro successo, cuja observação aqui damos resumidamente. OBSERVAÇÃO X Para a enfermaria do Sr. conselheiro Teixeira da Koeha entrou em Junho de 1876 o preto Telesphoro, de 70 annos de idade, com uma ferida contusa do pó direito, produzida por um caixao que sobre elle cahio. No dia 12 os symptomas de tétano manisfestarao-se e progredirão rapidamente, constituindo um tétano agudo. No mesmo dia foi-lhe receitada a seguinte poção : 86 Agua d tilia * 120 grammas Bromurefco de potássio 2 » Sulfato do morphina 5 centigrammas Xarope de hydrato de cliloral 30 grammas Para tomar uma colhér de sôpa de hora cm hora. Esta poção foi cot tinuada nos dias 13, 14, 15, 16, 17, 18,19, 20,21 e 22, em que o doente ficou restabelecido. Desde que sobreveio o tétano, fez-se a applicaçao sobre a ferida de cataplasmas laudanisadas. ANTISPASMODICOS Os agentes deste grupo exercem sobre o systema nervoso uma acção que não vai até á abolição da sensibilidade, nem á resolução dos musculos. Elles são, segundo oDr. Rabuteau, os diminutivos dos anesthesicos. Se bem que os anestbesicos sejão também antispasmodicos, quando administrados em fracas dóses, nós estudaremos aqui só os antispasmodicos propriamente ditos, aquelles que não podem deter- minar a anesthesia completa. Aquelles que mais têm sido empregados no tétano são: a valeriana, a camphora, o acido cyanbydrico, o almíscar e o castoreo. Os práticos antigos, como Celso, Aretêo, Ambrosio Parêo, etc , empregavão muito os antispasmodicos. Fournier-Pescay (*) estabeleceu um modo de tratamento, que consistia no emprego dos antispasmodicos associados aos sudoríficos (especialmente a agua de Luce). O Barão Larrey administrava aos seus tetânicos a camphora, o almís- car e o castoreo, porém como coadjuvantes do opio. Na observação VI o Sr. Dr. Saboia empregou, como vehiculo, a agua de valeriana. Os antispasmodicos são pouco activos contra uma moléstia tão grave. A sciencia moderna dispõe hoje de moderadores reflexos e de (*) Du -tétanos traumatique. Bruxelles. 1803, 87 anesthesicos que combatem com mais efficacia os espasmos. Yalleix, referindo-se aosantispasmodicos, diz: «il n’y auraitpasd’utilitéréelle.» Entretanto, se os antispasmodicos não podem constituir a medicação unica e principal do tétano, o cirurgião encontra nelies coadjuvantes muito uteis. ANESTHESICOS Utlier c chloroformio.—Os cirurgiões, baseando-se nas proprie- dades que tem os anesthesicos de acalmar as excitações nervosas, e de produzir ao mesmo tempo uma relaxação muscular rapida e completa, fôrão racionalmente levados ao emprego destes agentes no tratamento do tétano traumático. Preferio-se logo o chloroformio ao etlier em razão de ser a acção do primeiro muito mais prompta, e porque a excitação por elle produzida é muito mais curta e de uma intensidade menor. As inhalações anesthesicas começárão a ser postas em pratica em 1847 pelos Srs. Eoux, Serre, Yelpeau e Gosselin, sem a menor vantagem. Estes iusuccessos não parárão os emprehendedores e as inhalações continuárão a ser empregadas. Fôrão referidos então alguns suc- cessos, pertencentes porém na maior parte a tetanos idiopathicos. Entretanto a observação ulterior demonstrou que as inhalações anesthesicas tinhão grande numero de inconvenientes. Com effeito, antes de chegar ao periodo de resolução, é necessário atravessar o periodo de excitação, durante o qual o doente pôde perecer asphyxiado nas mãos mesmo do cirurgião, a rigidez muscular aggravando-se e affectando os musculos inspiradores neste periodo. A acção therapeutica destes agentes não é duradoura, e, se elies podem produzir a resolução muscular durante o somno anesthesico para obter este beneficio por algum tempo, é necessário repetir-se as- inhalações, o que é nimiamente perigoso. 88 Desde que cessa-se o emprego do chloroformio, os symptomas reapparecem com a mesma ou com maior intensidade ainda. Póde-se comparar o chloroformio a uma represa, que, logo que é tirada, as aguas se precipitão com força. A chloroformisação tem ainda a des- vantagem de provocar a congestão pulmonar. O conselheiro Manoel Feliciano, os Srs. Drs. Torres Homem, Freire e Caminhoá empregárão as inhalações anesthesicas, sem tirar vantagem alguma, parecendo antes dar peiorresultado. Póde-se, pois, em geral, proscrevel-as, mesmo porque a therapeutica possue hoje um agente que, tendo as vantagens do ether e do chloroformio, não temos seus inconvenientes. É deste que nos vamos occupar. Hyclrato de chloral.—0 hydrato de chloral tem a propriedade de desdobrar-se na presença de um alcali em cliloroformio e acido formico. Foi esta propriedade que suggerio a Liebreich a idéa de empregal-o como hypnotico e anestliesico. As experiencias por elle praticadas em 1869, e cujos resultados fôrâo confirmados em uma memória publicada em 1874, demonstrárão que esse desdobramento tinha logar no organismo, graças á alcalinidade do sangue ; e elle attribue as propriedades do chloral a esse desdobramento. Se bem que este ponto tenha sido contestado por alguns physiologistas, Liebreich e Personne o têm demonstrado de ura modo convincente. Administrado o chloral por via gastrica ou rectal, a sua absorpção determina hypnotismo, resolução muscular, desapparição da excita- bilidade reflexa, enfraquecimento da circulação e da respiração, abaixamento da temperaturae anesthesia incompleta. A insensibilidade completa é obtida por meio das injecções intra-venosas. As experiencias de Liebreich, repetidas por Cl. Bernard e por Orá, demonstrárão que ha antagonismo entre o chloral e a strychuina; que o hydrato de chloral faz cessar as convulsões strychnicas. Estas propriedades do chloral devião necessariamente induzir os práticos a experimentar a sua acção no tétano. O primeiro successo 89 foi obtido por Verneuil, que leu a observação na Sociedade de Cirurgia de Pariz, em Março de 1870. Empregou-se então o cliloral em muitos casos; uns fôrão seguidos de successo, outros terminarão-se fatal- mente. Entretanto, lendo-se a historiados casos tratados pelo cliloral, nota-se que maior numero de curas foi obtido por este meio do que pelos outros agentes que até então erão empregados. Estes factos demonstrárão ainda que, se o cliloral não podia constituir um meio efficaz, elle tinha pelo menos estabelecido na therapentica uma reputação, que jámais se olvidará. A observação tem demonstrado que o chloral administrado aos tetânicos produz somno e resolução muscular emquanto o doente está sob a sua acção, e, quando esta cessa, os symptoraas reapparecem. Qual é, porém, o seu modo de acção? As contracturas estando sob a influencia de uma perversão no funccionalismo do systema nervoso, e os narcóticos suspendendo a acção deste, naturalmente o espasmo cessa e sobrevem a resolução. Daqui se concluio logicamente que o chloral não combate a perversão funccional que constitue o tétano, e, pois, elle não o cura por si; trazendo, porém, o repouso, o somno, fazendo cessar as contracturas que esgotão e enervão o doente, póde sustentar as suas forças e prolongar a vida pelo tempo sufíiciente para permittir á moléstia a evolução espontânea, que muitas vezes conduz á cura. Demais, uma impressão qualquer póde fazer sobrevir nos tetânicos espasmos, que podem muitas vezes ser seguidos de morte. O chloral, adormecendo o doente, póde fazer cessal-os ou prevenil-os, afastando deste modo ainda este accidente. O modo de administração do medicamento exerce uma influencia notável sobre o seu successo ou insuccesso. Isto, que é verdadeiro em geral, applica-se muito especialmente ao chloral. Ordinariamente o chloral é administrado pelo estomago. Algumas vezes, porém, o trismo ea dysphagia impedem a sua passagem, outras vezes o remedio é rejeitado pelo vomito. Nestes casos recorre-se ao» 90 clysteres, a absorpção pelo grosso intestino sendo mesmo mais rapida do que pela via gastrica. E necessário administral-o logo que os primeiros symptomas se manifestão, porque então tem-se mais probabilidades de moderar o mal, de embaraçar a sua marcha, de metamorphosear a fórma aguda em fórma chronica e de chegar assim mais facilmente á cura. Deve-se começar o seu emprego administrando uma poção contendo de 4 a 8 grammas em dóses fraccionadas. Desde que o somno ê obtido, cessa-se a administração ; quando a acção do chloral esgotar- se, continua-se a sua administração. As dóses guardarão relação com a susceptibilidade individual. O methodo das injecções sub-cutaneas é defeituoso, porque é neces- sário ou empregar soluções concentradas, e neste caso a acção cáus- tica do chloral occasiona uma irritação, que impede a sua absorpção e produz escharas, ou empregar soluções pouco concentradas, mul- tiplicando então o numero das injecções, o que é muito perigoso, porque póde determinar abcessos, gangrena do tecido cellular, etc. O Professor Ore (de Bordeaux) foi quem primeiro aconselhou e empregou as injecções intra-venosas de chloral. As experiencias feitas no laboratorio em animaes strychnisados o levárão a empregai- as no tétano. Embora alguns successos obtidos por este methodo sejão referidos, nos pronunciamos abertamente contra elle, porque o julgamos inútil e prejudicial. Inútil, porque nos casos denominados chronicos obtem-se os eífeitos do chloral introduzindo-o no estomago; e nos casos agudos, poder-se-hla administral-o por meio de uma pequena sonda esophagiana, introduzida pelas narinas, e, se a con- tractura do pharynge impedisse a passagem da sonda, poder-se-hia dar o chloral em clyster. É ainda inútil, porque a absorpção do chloral se faz perfeitamente mesmo nos tetânicos pelo estomago ou pelo recto. E prejudicial, porque póde dar logar, como já tem dado (observações de Lannelongue, Tillaux, Cruveilhier, etc.), a accidentes graves, que por si bastarião para produzir a morte. Assim ellas 91 podem dar logar a phlebites, a inflammações do tecido cellularr a gangrenas arteriaes produzidas pela acção do chloral fóra da veia, á introducção do ar nestes vasos, etc. O sangue misturado á solução de chloral obra sobre o endocardio, e póde produzir por acção reflexa a parada do coração, O chloral pode ainda, segundo Vulpian, obrar por um outro mecanismo, de- terminando uma excitação do bulbo, e a parada do coração tem logar, do mesmo modo que quando se electrisa os nervos vagos. Emfim, não sendo a minha voz sufficiente para condemnar este methodo de tratamento, trancreverei as palavras pronunciadas na tribuna da Sociedade de Cirurgia de Pariz (1874) por Léon Le Fort : « Pour moi, je méélève avec indignation contre des idées et une pra- tique qui ne peuvent prendre leur source que dans uri mépris pro- fond de la vie humaine. » Só temos observado dous casos em que o chloral foi exclusiva- mente empregado. Um na enfermaria de clinica cirúrgica da Faculdade em 1874, cuja observação foi lida pelo Sr. Dr. V. Saboia, na sessão de 5 de Outubro da Academia Imperial de Medicina. Era um individuo de 30 anuos, que tinha uma ferida contusa no dorso do pé esquerdo. Seis dias depois da entrada para o hospital, começárão os phenomenos do accidente. Empregou-se successivamente o bromureto de potássio, o sulfato de morphina e a belladona, e a moléstia, que apresentava a principio uma marcha lenta, foi augmentando de intensidade a despeito da medicação. Administrou-se então o chloral e a cura foi conseguida. O outro facto que vimos foi o de uma menina que esteve na enfermaria de cirurgia do Sr. Dr. Pereira Guimarães, na casa de saúde de Nossa Senhora da Ajuda. 92 OBSERVAÇÃO XI Maria da Conceição, filha de Casimira Silveira, hrazileira, de 16 mezes de idade, de constituição forte, entrou para a casa de saúde de Nossa Se- nhora d’Ajuda na tarde de 16 de Junho de 1876. Estando a brincar sobre os trilhos dos bonds, na rua da Guarda Telha, um destes carros passou-lbe sobre o antebraço esquerdo, esmagando-o e se- parando-o quasi inteiramente na união do terço superior com os dous terços inferiores. Essa porção do membro estando apenas presa por uma pequena porção de pelle, o Sr. Santos, interno da casa, separou-a por um pequeno golpe de bisturi. No dia seguinte, pela manhã, o Sr. Dr. Pereira Guimarães vio a doente. O antebraço tinha o aspecto de um côto de amputação; a pell) estava cortada quasi ivgularmente em uma direcção obliqua de cima para baixo c de dentro para fóra, e exc dia um pouco as partes molles e osseas; a aponevrose ante-bracbial e os musculos pouca dilaceração apresen- tavão; os ossos erão como que cortados na mesma direcção obliqua da pelle e mais partes molles, tendo as suas extremidades o aspecto dos fragmentos de uma fractura obliqua e simples; não havia esquirolas desiacadas. Na parte superior e interna do braço, logo acima da articulação do cotovello, existe uma solução de continuidade, comprehendendo a pelle, o faseia superficialis e a aponevrose bracbial. Esta solução de continuidade, em cujo fundo se vô o tecido muscular intacto, é obliqua de baixo para cima e de fóra para dentro, tendo 5 centimetros pouco mais ou menos de compri- mento ; seus lábios contusos e irregulares apresentão um afastamento de cerca de 2 centimetros. Havia também nos dous últimos dedos da mão esquerda feridas contusas, tendo diversas direcções e fracturas em diversos pontos das pbalanges, sendo essas lesões mais salientes no dedo miuimo. Não havia reacção geral, nem local, sondo as condições da doente favo- raveb. Como o antebraço não exigisse nova amputação, porquanto o osso estava perfeitamente revestido de partes molles, limitou-se o Sr. Dr. Pereira Gui- marães a fazer um curativo simples, procedendo de igual modo com a ferida do braço. Compressas de agua fria fôrão applicadas constantemauto sobre o côto. Nos dedos fez-se um curativo por occlusão. Prescreveu-sc para uso interno : 93 Agua distillada de tilia 100 grammas Azotato de potássio 8 decigrammas Xarope de ílôres de laranjeira 15 grammas Misture e mande. Para tomar uma pequena colbér de hora em hora. Dia 18. -Cura-se as teridas com álcool camphorado. Dia 19. —Começa a reacção fehril. Dia 20.—Começa a notar-se a reacção local. Dia 23. —As feridas marchão regularmente. A reacção febril ó maior. Ha inflammação das gengivas, principalmente no ponto correspondente á emer- gencia dos quatro caninos. Prescripção.— A mesma, mais: Pomada de sulíato de quinina de Boudin. Em fricções á espinha, virilhas e ventre, tres vezes por dia. Item: Mel rosado, para pôr nas gengivas. Du 25. —As feridas marchão regularmente. A gengivite continha. A criança apresenta um enrugamento da face e as commissuras labiaes retrahidas; abre muito pouco a boca. A cabeça está inclinada para trás, notando-se tensão e dureza nos musculos da região cervical posterior. Prescripção.—Hydrato de chloral 1 gramma Agua distillada 60 grammas Xarope de flòres de laranjeiras. 30 » Misture e mande. Para tomar uma colbér de sôpa de hora em hora. Externamente : um clyster purgativo. Na quarta colbér a criança dormio durante mais do duas horas; sendo continuada a poção, dormio ainda mais dez horas. Dia 29.—O tétano tôm-se estendido aos musculos ahdominaes. Nota-se sempre que o chloral é tomado um estado de calma, seguido de um somno que dura de 5 a 6 horas. Não póde mamar e difficilmente engole um pouco de leite. Temperatura, 37°6, Pulso 80. Foi-lhe prescripto o chloral da seguinte fórma : Agua distillada 160 grammas Chloral I gramma D. em 4 clysteres. 94 Dormio uma hora depois do segundo clyster. Acordando, repetio-se a dóse com o mesmo resultado. Dia 30.—Apparecem os dous caninos inferiores. O Sr. Dr. P. Gruimaraes prescreve uma poção com aconito, que nfto pôde tomar. Oontinúa o chloral em clystercs, No antebraço destaca-se a eschara. T. 37,°á. Pulso 72. Dia 6 de Julho.—O tétano foi pouco a pouco cedendo, havendo ainda algum trismo e riso sardonico. Tem-se empregado o chloral, dous clys- teres laxativos para combater a constipação e linimento de Selle para fomentar o ventre. Dias 8 a 10. -Retira-se do dedo minimo uma pequena esquirola. O chloral é continuado em clyster na dóse de cinco decigrammas até o dia 40, em que é definitivamente suspenso. Dia 13.—A doentinha accusa algumas cólicas. Prescreve-se uma poção com elixir paregorico e tintura de noz vomica. Día lá.—Durante esse tempo a ferida cobrio-se de granulações, sendo preciso tocal-as com nitrato de prata. A do braço está quasi inteiramonte cicatrizada. Os dentes caninos superiores rompem, o que incommoda um pouco a doentinha, que tem também diarrhéa. A doentinha continuou na casa de saúde até o dia 7 de Agosto, em que ficou completamente restabelecida. Durante esse tempo tonificou-se o seu organismo. Tem-se empregado o chloral associado ao bromureto de potássio. A acção physiologica dos dous medicamentos justifica a sua associação, que a observação clinica tem vindo confirmar pelos snccessos que com ella têm obtido os práticos, e especialmente os Inglezes. que a empregâo muito. Pela nossa parte, já vimos dous casos, em que foi esse o methodo de tratamento empregado. Ambos erâo de marcha rapida, e termina- rão-se pela morte. 95 OBSERVAÇÃO XII João, escravo, de constituição forte e temperamento sanguineo, entrou na noite de 19 de Maio para a 3a enfermaria de cirurgia, a cargo do Sr. Dr. Pedro Affonso. O doente apresentava fractura comminutiva da perna direita e con- tusão dos tecidos molles. Poi-lhe applicado um apparelho por occlusão. No dia 26 levantou-se o apparelho, e o estado da ferida era satisfactorio. No dia 28 o doeute accusou dôr que partia do foco da fractura e alguma diffi- culdade em abrir a boca. Prescripção.—Agua de melissa 300 grammas Tintura de aconito 24 gottas Hydrato de chloral 4 grammas Xarope diacodio 30 » Para tomar um cálice de duas em duas horas. Dia 30. —Trismo mais notável. Dysphagia. Prescripção.— A. mesma poção, ajuntando-lhe duas grammas de bromureto de potássio. Item: Um clyster de infusão de tabaco. Dia 31.—Mesmo estado. A mesma poção com duas grammas de chloral e tres grammas de bromureto de potássio. Repete o clyster. Dia Io de Junho.—O doente tem muita sôde. Trismo completo. A mesma prescripção. Dia 2. —O doente queixa-se de muita dôr no fóco da fractura; ha trismo completo e riso sardonico; dôr na nuca e ligeira contractura dos musculos dessa região. Mesma prescripção. Dia 3.—A contractura generalisou-se; os musculos thoracicos contractura- dos não dilatão o thorax; dyspnéa; transpiração abundante. Prescreveu-se xarope de chloral, para tomar uma colhér de sôpa de meia em meia hora e um clyster purgativo. O doente falleceu ás 10 horas da manhã. 96 OBSERVAÇÃO XIII Joaquim, escravo de Joaquim Coelho de Oliveira, preto, africano, residente á rua de Evaristo da Yeiga n. 20, com 60 annosde idade, carpinteiro, entrou a 5 de Setembro de 1876 para a enfermaria de clinica medica. r Anamnese.—O doente diz que já ha algum tempo tinha as escoriações que apresenta no 2o e no 3o dedos do pé direito. Hontem de manhã estava ainda deitado em um corredor que lhe serve de dormitorio, quando abrirão a porta e uma corrente de ar frio produzio-lhe uma impressão desagradavel, seguida de dôr na nuca. Assim mesmo foi para o trabalho; porém, a dôr augmentando e sentindo presos os musculos da nuca e do dorso, veio para o hospital. Estado actual.—O doente acha-se em decúbito dorsal, os membros na extensão, a cabeça voltada para trás repousa sobre o colchão no mesmo plano do corpo. Abre perfeitamente a boca. Os musculos da nuca e do dorso achão-se contracturados de modo a produzir opisthotonos. O ventre acha-se nimiamente duro e tenso. Os membros inferiores e superiores achão-se livres. A respiração faz-se naturalmente. Os movimentos são difficeis. O doente tem redobramentos convulsivos, que são muito espaçados e pouco intensos. Transpiração na pelle do rosto. Tem constipação de ventre. Temp. 36,°5. Pulso 80. O doente apresenta no 2o e 3o dedos do pé direito algumas escoriações da pelle. Diagnostico, —Tétano traumático. Prognostico.—Grave. Tratamento : Dia 5.—Prescripção.~Ag\ia, 120 grammas Chloral hydratado 4 » Em duas dóses com 3 horas de intervallo. Repita á tarde, se fôr necessário. Doze ventosas sarjadas ao rachis. 97 liem: Infusão de persicam... 3G0 grammas Electuario dc sene i , . . >aa 30 » Uleo de rícino \ Oleo essencial de tere... benthina 15 » Dia 6. —Depois que tomou a primeira poção, dormio até á tarde, em que, acordando, de novo voltáráo as contracturas e os redobramontos; pelo que o interno repetio a dóse de chloral. O doente passou bem a noite. A hora da visita está acordado; o opisthotonos é mais pronunciado. Começa o trisino. Transpiração abundante. A contractura começa a invadir alguns musculos do thorax. Redobramentos curtos, fracos e espaçados. Evacuou duas vezes. Tem- peratura hontem á tardo 37,°6. Hoje 37,°6. Preseripção. — Agua 120 grammas Chloral 4 » Bromureto de potássio 4 » Em duas dóses com duas horas de intervallo. Repita o clyster. Á meia noite o doente succumbio. Não assistimos a esta terminação, mas crômos que a contractura dos musculos thoracicos, que já desde manha se tinh i manifestado, impedindo a dilataçáo da caixa thoracica, trouxe a morte por asphyxia. Outra associação que tem sido empregada com vantagem é a do chloral ao sulfato de morphina. O Dr. Pacifico Pereira (da Bahia) obteve dous successos por este methodo (*). Álcool. —Podemos collocar neste grupo o álcool, que tem sido administrado sob a forma de aguardente e de vinho, até produzir a embriaguez. Alguns successos fôrão obtidos com esta medicação, que Doutrouleau e Gonnet preconisárão. Na campanha do Paraguay, os Srs. Drs. Carlos Frederico e (*) Gazeta Medica Bahia, n. 3, dc Março de 1876. 98 Caminhoá empregarão-na em dous casos com successo. O Dr. Panta- leão Pinto não foi tão feliz. O illustrado medico o Sr. Dr. Macedo Soares referio-me ter empregado em um doente do Hospital Militar a aguardente ató a embriaguez como mais feliz successo. Entretanto convem notar que o periodo de resolução que se procura obter é precedido de um periodo de excitação mais ou menos longo, durante o qual póde o doente succumbir. Deve-se, pois, ser muito circumspecto no emprego deste meio. Meios cirúrgicos Segundo a theoria geralmente aceita, são os nervos da parte lesada que levão á medulla as excitações que dão origem ao tétano. De accordo com estas idéas, procurou-se combatel-o, rompendo as commu- nicações entre as duas partes, rompimento que póde ser feito, ou pela amputação, ou pela nevrotomia. Foi Larrey quem primeiro teve a idéa de empregar a amputação como meio curativo do tétano. Na campanha do Egypto elle praticou-a tres vezes, sendo succedido só era uma. Entretanto a observação de muitos práticos demonstrou ulteriormente completo insuccesso deste meio. Sabatier, Dupuytren, Boyer, Samuel Cooper, Astley Cooper, Bérard, Sédillot, Nélaton, Chassaignac e muitos outros levantarão-se contra a amputação, porque, como diz Chassaignac, ella chegaria então muito tarde. A sciencia registra alguns casos felizes, quando a amputação é feita logo que o mal começa a manifestar-se. Do que mostra a observação clinica parece-nos, pois, poder-se concluir que o tétano em começo não constitue uma contra-indicação 99 á amputação; quando, porém, o mal acha-se generalisado, a contra - indicação é absoluta, porque então ella não o combate, porém aggrava-o. Vimos o Sr. Dr. V. Saboia praticar em 1874 a amputação da côxa em um tetânico. Tratava-se de um caso de fractura comminutiva e exposta do femur, complicada de emphysema e começo de gangrena. Marcado o dia seguinte para a amputação, o doente apresentou-se com tétano. O Sr. Dr. Saboia estabeleceu um prognostico desfavo- rável, e como ultimo e unico recurso a operação foi praticada. Uma hora e meia depois o doente falleceu. A outra operação que tem também sido tentada é a nevrotomia. Não nos parece muito util este meio, porque a secção de um só nervo não faz em geral cessar as communicações entre a ferida e a medulla. E necessário, pois, recorrer como aconselhão Arloing e Tripier á polynevrotomia. E evidente que esta operação, multiplicando ainda as excitações nervosas, aggravaria a nevrose, que já foi pro- duzida por uma .excitação peripherica. Entretanto achamos uma unica indicação para essa operação. Se, examinando o estado da sensibilidade ao nivel dos nervos, verificar-se uma dor em algum delles, ou ainda se comprimindo um tronco nervoso vizinho da ferida manifesta-se uma dor viva nella e uma exacerbação dos espasmos, não se deve hesitar na nevrotomia, porque é a nevrite que entretem a affecção tetanica. A tracheotomia tem sido praticada, não como methodo de trata- mento, porém como ultimo recurso contra a asphyxia. 100 Meios diversos llesta-nos, para concluir, fallar de alguns outros medicamentos, que têm sido empregados, já mesmo para combater a moléstia, já para preencher variadas indicações. Entre os primeiros acha-se a essencia de terebenthina, que tem sido administrada com algum successo, porém que hoje é pouco em- pregada por provocar uma irritação gastro-intestinal. A strychnina foi também empregada para corrigir as convulsões tetanicas, mas ella tem sempre aggravado o mal. O cancrelat é um insecto, que foi empiricamente empregado pelos indígenas das Antilhas, sendo depois abandonado. Ha outros medicamentos, que, não se dirigindo á affecção, preen- chem entretanto indicações e têm por isso grande valor como meios coadjuvantes. Assim, os purgativos combatem a constipação, que muitas vezes obsta por si a terminação da moléstia. A electricidade sob a fórma de correntes continuas serve com grande vantagem para fazer cessar a contractura dos musculos tho- racicos e impedir que a asphyxia se dê. Ella é um auxiliar precioso do chloral, que não tem acção sobre esses musculos. Citaremos apenas outros agentes sem valor, e que fôrão também empregados; taes são: o carbonato de ferro, vesicatórios, acido carbonico, etc. Demme. que considera o tétano como uma sclerose da nevroglia, empregava o iodureto de potássio. Oinsuccesso deste tratamento é mais um argumento contra a sua theoria. Devemos antes de terminar fazer uma consideração de grande importância no estudo do valor dos me dicamentos empregados con- tra o tétano. A variedade de medicamentos é muitas vezes uma 101 condição indispensável para que a cura de um tetânico se effeccue. Isto, que se observa quando o tétano toma a fórma lenta, póde ser explicado pela facilidade com que o organismo se habitua ao medi- camento e se lhe torna indiíferente. Este facto, que já tem sido apreciado por muitos clinicos, nós o observámos no doente cuja observação damos em resumo. OBSERVAÇÃO XIV João Silvcrio Gonçalves, paraguayo, com 35 annos de idade, de constitui- ção forte e temperamento sanguíneo, entrou em 28 de Julho para a enfermaria de medicina do Sr. Dr. Torres Homem. Auaiunese.—O doente soffreu uma contusão da nuca, applicou depois ventosas sarjadas nessa região. Passou a noite ao relento e acordou muito resfriado ; começou entAo a sentir difficuldade em abrir a boca e outros incommodos que o obrigárão a recolber-se ao Hospital. EstadU» actual.—Dia 28.—O afastamento dos maxillares ó de cerca do tres centímetros; ba opisthotonos, tensão do ventre, abalos convulsivos em todo o corpo, e que se repetem á approximação de qualquer pessoa, ao menor contacto ou mesmo espontaneamente. Intelligencia intacta. Os outros appare- IIiob tunccionão regularmente. Temperatura 38,°2. Pulso 02. Diagnostico.—Tétano traumático. Prognostico.—Muito grave. llnrclia e tratamento : Prescripção.—Agua 240 grammas Bromureto de potássio 15 decigrammas Sulfato de morpbina 5 centigramraas Para tomar aos cálices. Uncções ao longo do racbis com unguento napolitano. Um clyster purgativo. Dia 29.—Apresenta dyspbagia. 102 Dia 28.—Prescripção.—Agua 120 grammas Bromureto de potássio 6 » Sulfato de morpliiua 10 centigrammas Xarope de flôres de laranjeiras. 30 grammas Para tomar uma colbér de duas em duas horas. Item: Infusão branda de nicociana 200 grammas Essência de torcbenthina 8 » Para um clyster. Dia 30.—O trismo augmentou. A transpiração é abundante. Temp. 38.° Prescripção.— A mesma poção com 12 grammas de bromureto de potássio e 15 centigrammas de sulfato de morpbina. Um clyster purgativo. Dia 31.—Peior. O trismo augmenta. O ventre está tenso. Dôresnanucao na espinha dorsal. Temp. 38,°5. Continua a poção. Á tarde. Temp. 39°. Dia Io de Agosto.—Os redobramentos são fortes e repetidos; a transpiração é abundante. Dormio pouco. Temp. 39°. Continua a poção. Á tarde 39,° 3. Dias 2 e 3.— Poucas melhoras. Temp. 38,°4. Dia 4.—Hontem á noite teve um redobramento forte, que ameaçou aspby- xial-o ; depois dormio. Temp. 38.® Prescripção.—Agua distillada 100 grammas Hydrato de cbloral 4 » Para tomar em duas dóses com intervallo de moia hora. A tarde: Temp. 38,*2. Pulso 102. Dia 5.—Melhor. Dormio bem; ventre menos tenso; trismo diminuido. Temp. 37,® 7. Mesma prescripção. Á tarde 37,°5. Dia 6. — Yai muito bem. Os redobramentos são fracos e espaçados; ha somnolencia; a contractura não é tão energica. Temp. 37,°2. Mesma pre- scripção. Dia 7.—Tem dormido muito. O trismo diminuio; os redobramentos são mais espaçados e menos intensos. Constipação. A mesma poção e um clyster purgativo. 103 Dia 8. —Não lia dysphagia; o opistotlionos cede. Tcmp. 37,® 3. Evacuou. Continua a poção de chloral. Dia 9. —O doente resfriou-se e apresenta uma bronchite. Temp. 37,°5. Prescripção.—Infusão de camomilla 200 grammas Essência de terebcnthina.... 8 » Para um clystcr. Á tarde: Temp. 38,° 2. Dia 10. — Hontem á tarde teve um violento accesso de tosse que ameaçou aspbyxial-o, pelo que o interno deu-lhe cigarros de estramonio, com os quaes melhorou. Accusa dôres na base do thorax, Temp. 37,° 5. Prescripção.—Agua 15 grammas Sulfato de morphina 30 centigrammas Duas injecções hypodermicas por dia, sendo cada uma de 25 gottas Internamento ; uma poção stibiada com morphina. Dia 11.—Redobramentos mais fortes e mais frequentes; o trismo augmentou. Continuão as injecções hypodermicas e a poção. Dia 12.—Um pouco melhor. Continuão só as injecções. Dia 13.—Trismo menos pronunciado. Redobramentos raros. Temp. 38°. Mesma prescripção. Dia 14.—Continua a tosse. Prescreveu-sc um xarope cxpcctorante. Dia 15. — Mesmo estado. Dia 16. —Yai melhor do trismo e dos redobramentos. Continha com as in- jecções. Prescreve-se um clyster purgativo. Dia 17.—Mesmo estado. Temp. 37°,5. Prescripção. —Emulsão de amcndoac 100 grammas Essência de terebcnthina 4 » Xarope deTolú... 30 » Dia 18.—Mesmo estado. Dia 19. — Yai bem. Redobramentos fracos e raros. Te up. 37°,2. Mesma prescripção. 104 Dia 21.—Apanhou vento esta noite, porque nina janella em frente ficou aberta. Esta manha teve um redobramento muito forte; o trisrno augmentou. Temp. 37°,6. Prescripção.—A mesma poção com 8 grammas do essencia de tcrebcn- thina. Dia 23.—Acha-se mais calmo, porém o trisrno persiste. Constipação. Prescreveu-se um clyster purgativo. Dias 24 e 25. —Mesmo estado. Prescripção.—Agua 100 grammas Extracto de belladona 10 centigramraas As colhóres de sôpa de 2 em 2 horas. Dia 26.—Melhor. Dormio bem. Yentro mais flaccido. Só teve ura redo- bramento. Temp. 37°,2. Continúa a prescripção. Dia 27. —Continuao as melhoras. Dia 28. —Mesmo estado. Prescreveu-se a mesma poção, ajuntando-lhe mais 5 cenfcigrammas de extracto de belladona. Repete-se o clyster purgativo. Dia 30. —Abre melhor a boca ; os rcdobramentos são muito raros. Mesma prescripção. Dia 3.—Continuao as melhoras. A mesma poção com 20 ccntigrammas de extracto de belladona. As melhoras fòrão se accentuando, o o doente sahio curado em 20 de Setembro. 105 CONCLUSÃO Temos estudado o valor dos diversos medicamentos, que têm sido alternada e successivarnente recommendados e abandonados. Esse estudo trouxe-nos ao espirito a convicção de que, se bem que ainda não se possua um agente que mereça plena confiança, tem-se todavia obtido pela medicação racional muito maior numero de curas, do que os antigos conseguirão pela medicação empírica. Esta affecção, que zomba muitas vezes dos recursos da sciencia, foi antigamente denominada opprobrhim medicorum. Entretanto, esta denominação já não tem mais razão de ser ; nestes últimos tempos tem-se conseguido um numero relativamente grande de curas, e hoje o cirurgião deposita maior esperança nos meios que emprega. O tétano não pode ser considerado hoje uma moléstia essencialmente fatal ; os registros clínicos augmentão todos os dias os casos de feliz successo. Observámos nos quatro annos de estudos clínicos, 19 casos de tétano traumático, dos quaes curarão-se 7. Qual porém a medicação que deve ser preferida ? Sendo o tétano uma perversão das funcções da medulla que se nos manifesta por diversos phenomenos, e não podendo dirigirmos a nossa medicação contra essa perversão, porque não a conhecemos em sua essencia, é contra as suas manifestações que guiamos a nossa therapeutica, tanto mais quanto o perigo não está na per- versão mesma, porém nos phenomenos que são a sua consequência. E, pois, só o que se pode dizer de um modo geral é que o critério do pratico baseará a escolha segundo as indicações fornecidas pelo conjuncto symptomatico. Essas indicações nós as deixamos expen- didas a proposito de cada medicação. Não se pode preconisar um medicamento, porque o cirurgião não trata de tetanos, porém de tetânicos, SEGUNDO PONTO SSCÇlO ACCESSORIÀ CADEIRA DE PHARMACIA ESTUDO CHIH1G0 PHÃRMACOLOGIGO SOBRE 0 OPIO I O opio é o sueco concreto de uma planta da familia das Papa- veraceas, a Papaver somniferum. II Existem muitas especies de opio no commercio ; as principaes são : o de Smyrna, o de Constantinopla e o do Egypto. III - - _ ' • . , ■■ i ' . » i ■' ■ i ■ ■ • ) • • - •• • O opio de Smyrna é o que contem maior quantidade de mor- phina (10 a 15 por 100). 110 IV O opio encerra diversos alcalóides, cujos principaes são : a mor- phina, a narceina, a codeina, narcotina, a papaverina e a the- baina. V Os alcalóides do opio não têm todos a mesma acção. Os tres primeiros são moderadores reflexos e os tres últimos excito-motores. VI A morphina, descoberta por Serturner em 1816, crystallisa em prismas rhomboidaes, incoloros, muito pouco solúveis na agua fria, porém mais na agua fervendo, mais no álcool absoluto a frio e mais no álcool absoluto fervendo. É quasi completamente insolúvel r no ether puro, nos oleos graxos e em certos oleos essenciaes. E muito solúvel no chloroformio e no álcool amylico. VII Como alcalóide os caracteres básicos da morphina são muito menos notáveis que os dos alcalis mineraes. VIII A morphina é solúvel com combinação no acido acético. Esta propriedade a distingue da narcotina, que é solúvel sem combi- nação . 111 IX Á morphina tem propriedades reductoras. A reducção do acido iodico é uma de suas reacções características. X Os saes de morphina mais empregados são em ordem decres- cente o sulfato, o chlorhydrato e o acetato. XI O acetato de morphina é pouco empregado em medicina, em consequência de sua instabilidade. XII Ha dous processos para a preparação da morphina. O processo de Robertson e Gregory é preferível, porque serve ao mesmo tempo para a preparação da codeina. XIII A solubilidade da narcotina e a insolubilidade da morphina no ether são aproveitadas para a separação destes alcalóides. XIV A narcotina nao tem emprego em medicina, porém serve no laboratorlo para reconhecer a presença do acido azotico no acido sulfurico. 112 XV Dos productos opiados obtidos pela agua, o principal é o ex- tracto gommoso de opio. XVI Os principaes productos obtidos pelo álcool são : o laudano de Sydenham e o de Rousseau. XVII A preparação do laudano de Sydenham com vinho de Malaga é uma exigência sem razão XVIII O extracto acético de opio deve ser banido da therapeutica. TERCEIRO PONTO «cçlo cpnnuncA CADEIRA DE PARTOS DIAGNOSTICO DAS PREMEZES, CAUSAS DE ERRO I Quando uma mulher, que se diz gravida e próxima do termo, tem os seus menstruos iguaes em quantidade, qualidade e regularidade ao que elles são ordinariamente, o parteiro deve duvidar da existência da prenhez. II A suppressão da menstruação em uma mulher, que tem sido sempre menstruada com muita regularidade, é um signal presumptivo de gravidez; porém de pouco valor por si só. III O ruido de sopro abdominal é apenas um signal de probabilidade, porque elle se manifesta também quando existe um tumor, ou mesmo uma hypertrophia das paredes uterinas. 114 IV O diagnostico da prenhez é muito incerto nos tres ou quatro pri- meiros mezes ; mas no sexto a certeza pode ser obtida. V A suppressão da menstruação, as perturbações digestivas, os phe- nomenos nervosos e as modificações que se fazem para o lado das mamas, são signaes, cada um de per si, de pouco valor para o diagnostico da prenhez ; porém, reunidos dão grande probabili- dade . VI Todos os signaes racionaes pódem acliar-se reunidos em uma mulher, e esta não estar realmente gravida. VII O amollecimento do collo do utero e a dilatação de seus oriíici os são signaes de grande importância no diagnostico da prenhez. VIII O balouçamento claramente percebido é um signal quasi de cer- teza. IX Ha apenas dous signaes de certeza da prenhez, são : as bulhas do 115 coração fetal, e os movimentos activos da criança, percebidos pelo- parteiro. X As bulhas do coração do feto devem sempre ser comparadas com as do coração da mãi. XI A ausência das bulhas do coração fetal não permitte negar a prenhez, nem mesmo a vida da criança. XIÍ O desenvolvimento do ventre mais rápido e mais considerável do que ordinariamente, a sua apparencia bilobada e a escuta das bulhas cardíacas percebendo dous máximos de intensidade em pontos diffe- rentes do abdómen, são signaes prováveis de uma prenhez dupla. Todavia ha casos em que a certeza só póde ser obtida no momento do parto. XIII O unico meio que pode servir vantajosamente para distinguir uma prenhez abdominal de uma prenhez normal é o tocar, que na- quelle caso mostra que o utero e o seu collo não têm soffrido modifi- cação alguma. XIV Esse meio não serve quando a prenhez é ovarica ou principal- mente tubaria, porque então o utero pode desenvolver-se e o collo entreabrir-se no momento das dôres. 116 XV As apparencias que fazem crer em uma prenhez, podem ser fornecidas pelo utero e seus annexos ou por um estado pathologico do abdómen. XVI A retenção dos menstruos na cavidade uterina por imperforação do collo ou da hymen, a hydrometria, a physometria, os polypos uteri- nos, os kystos do ovário e a ascite são as principaes causas de erro. XVII Pela ausência dos signaes racionaes da prenhez e pelos symptomas proprios a esses estados morbidos, chega-se em geral ao diagnostico. Todavia ha casos que são cercados de grandes difficuldades ; convem então que o parteiro seja muito reservado no seujuizo. QUARTO PONTO 8SCÇAO MIDIGA CADEIRA DE MATÉRIA MEDICA E THERAPEUTICA FAVA DE CAIABAR, CONSIDERADA PHARMACOLOGICA E THERAPEETICAMENTE I A fava de Calabar é a semente de uma arvore, que cresce na costa Occidental da África e é conhecida entre os indígenas pelo nome de Eseré e a que os botânicos denominão 'physostigma venenosum. II Foi Fraser (de Edimburgo) que, em 1862, introduzio na therapeu- tica a fava de Calabar, que até então só era conhecida por suas propriedades toxicas. III O principio activo da fava de Calabar, é a eserina, que foi obtida pura e crystallisada por Amedeo Vée. 118 IV Os effeitos dynamicos da eserina varião muito, conforme se a administra em dóses massiças ou em dóses fraccionadas. V O sulfato de eserina em dóse massiça augmenta a irritabilidade muscular, augmento que se manifesta por contracções fibrillares, que se produzem nos musculos estriados e nos planos musculares lisos. VI A eserina, sendo administrada em doses fraccionadas, produz dimi- nuição da excitabilidade dos nervos motores espinhaes em suas placas terminaes. VII A excitabilidade dos nervos motores não sendo completamente destruida no eserismo, a paralysia é mais tardia e menos completa do que no curarismo. Ella começa pelos membros inferiores para estender-se depois aos membros superiores, ao pescoço, ao thorax e íinalmente ao diaphragma, produzindo a morte por asphyxia mecanica. Dahi resulta uma vantagem da eserina sobre o curare, cujos effeitos paraly ticos, invadindo desde logo o diaphragma, tornão mais provável e menos remediável a asphyxia. TIII Quando administrada em dóse massiça, augmenta a excitabilidade dos centros nervosos motores, cerebro-espinhal e ganglionar, pro- duzindo tremor, respiração espasmódica, contracções do diaphragma, 119 dysphagia, vomitos, suores profusos, batimentos energicos, porém lentos do coração, contracção das artérias, salivação, calor das orelhas e atresia da pupilla. Se o eserismo se prolonga, sobrevem então a paralysia locomotora. IX A instillação nos olhos de uma solução de eserina, ou de um extracto de fava de Calabar, produz myose, myopia e astigma- tismo. X A contracção pupillar é devida á acção myosthenica da eserina, que actua por irritação directa sobre o musculo constrictor da pupilla. XI As duas acções da atropina e da fava de Calabar sobre a pupilla são manifestamente oppostas, e neutralisão-se. XII A acção physiologica da fava de Calabar ou da eserina é a mesma no homem e nos animaes, com a differença, porém.,de que as pequenas dóses produzem somno no homem, o que não se observa nos animaes, e as altas dóses produzem nestes diurese abundante, que é substi- tuida no homem por suores profusos. XIII A fava de Calabar não é antagonista da strychnina. 120 XIV O emprego exclusivo da eserina não pode constituir uma medi- cação racional do tétano ; a sua associação, porém, ás substancias que deprimem o poder reflexo pode ser mais vantajosa, porque preenche melhor as indicações symptomaticas. XV O sulfato de eserina tem sido empregado na chore a, na para- lysia agitante e na epilepsia ; os seus resultados não são porém animadores. XVI A acção spasmophylica da eserina, aggravando naturalmente as moléstias convulsivas, importa muito obter somente a sua acção hypocynetica, o que se consegue fraccionando as doses. Só por este meio se obtem a acinesia therapeutica sem mistura de con- vulsões . XVII Os effeitos de uma dose therapeutica de eserina cessão no fim de uma a tres horas. XVIII A eserina é muito preferivel ao curare no tratamento das nevroses convulsivas. HIPP0CRATI8 APHORISMI I Vita brevis, ars longa, occasio prseceps, experimentura fallax, judicium difficile. (Sect. I, Aph. I.) II Mutationes anni temporum maximè pariunt, morbos ; et in ipsis temporibus mutationes magnae tum frigoris, tum caloris, et csetera pro ratione eodem modo. (Sect. III, Aph. I.) III Vnlneri convnlsio superveniens letbale. (Sect. V, Aph. II.) IV Qui a tétano corripiuntur in quatuor diebus pereunt; si verò lios effugerint saniíiimt. (Sect. Y, Aph. VI.) V Ad extremos inorbos extrema remedia exquisitè óptima. (Sect. I, Aph. VI.) VI Si mulieri purgationes non prodeant, neque horrore, neque febre superveniente, cibi fastidia accidant, pnegnantum esse putato. (Sect. V, Aph LX1.) Esta Tliese está conforme os estatutos. — Rio de Janeiro, 1 de Outubro de 1876. Dr. José Pereira Guimarães. Dr. Souza Lima Dr. Ferreira dos Santos.