FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO THESE DO Dr. Perminio de Abreu e Lima Figueiredo RIO DE JANEIRO Typ. G-. Leuzinger & Fillio*, rua d'Ouvidor 31 1883 *%Q—----------------:----2^ THESE DISSERTAÇÃO PRIMEIRA CADEIRA DE CLINICA MEDICA DO DIAGNOSTICO DIFFERENCIAL ENTRE AS MOLÉSTIAS CHRONICAS DO FÍGADO PROPOSIÇÕES CADEIRA DE MEDICINA LEGAL VIABILIDADE DO FETO CADEIRA DE CLINICA OPHTHALMOLOGICA ESTUDO CLINICO DA COXJCJNCTIVITE GRANULOSA CADEIRA DE THERAPEUTICA ACÇÃO PHYSIOLOGICA E THERAPEUTICA DO SALICILATO DE SODA. m * m ------ THESE APRESENTADA Á FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO Um 27 de Agosto de 7883 E PERANTE ELLA SUSTENTADA A 13 DE DEZEMBRO PELO Dr. PERMINIO DE ABREU E LIMA FIGUEIREDO NATURAL DE PERNAMBUCO *" FILHO LEGITIMO DE LEOCADIO JOSÉ DE FIGUEIREDO E DE D. Antonia Leopoldina Roma de Figueiredo RIO DE JANEIRO Typ. de G. Leuzinger & Filhos, Rua do Ouvidor 31 1883 FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO ------.«------- DIRECTOR Conselheiro Dr. Vicente Cândido Figueira de Saboia. VICE-DIRECTOR Conselheiro Dr. Antônio Corrêa de Souza Costa. SECRETARIO Dr. Carlos Ferreira de Souza Fernandes. LENTES CATHEDRATICOS Drs.: João Martins Teixeira......................................................... Pliysica medica. Conselheiro Manoel Maria de Moraes e Valle........................ Chiniica medica e mineralogiu. João Joaquim Pizarro (Examinaãor)................................. Botânica medica e zoologia. José Pereira Guimarães .................................................... Anatomia descriptiva. Conselheiro Barão de Maceió............................................. Histologia theorica e pratica. Domingos José Freire Júnior (Examinador)........................ Chimica orgânica e biologia. João Baptista Kossuth Yiuelli............................................. Physiologia theorica e experimental. João José da Silva.............................................................. Pathologia geral. Cypriano de Souza Freitas (Examinador) ........................... Anatomia e physiologia pathologicas. João Damasceno Peçanha da Silva.................................... Pathologia medica. Pedro Affonso de Carvalho Franco....................................... Pathologia cirúrgica. Conselheiro Albino Rodrigues de Alvarenga......................... Matéria medica e therapeutica, especialmente bra- sileira. Luiz da Cunha Feijó Júnior................................................ Obstetrica. Cláudio Velho da Motta Maia............................................. Anatomia topographica, medicina operatoria ex- perimental, apparelhos e pequena cirurgia. Conselheiro Autonio Corrêa de Souza Costa (Presidente)...... Hygiene e historia da medicina. Conselheiro Ezequiel Corrêa dos Santos................................ Pharmacologia e arte de formular. Agostinho José de Souza Lima............................................ Medicina legal e toxicologia. Conselheiro João Vicente Torres Homem..........................) ,„. . ,. . , ,, Domingos de Almeida Martins Costa (Examinador).........} Cllnlca med,ca de adllltos' Conselheiro Vicente C. Figueira de Saboia........................1 „,. . . , , ,, João da Costa Lima e Castro............................................} Chnlca «rurgica de adultos. Hilário Soares de Gouvêa .................................................. Clinica ophtalmologica. Erico Marinho da Gama Coelho.......................................... Clinica obstetrica e gynecologica. Cândido Barata Kibeiro...................................................... Clinica medica e cirúrgica de crianças. João Pizarro Gabizo............................................................ Clinica de moléstias cutâneas e syphiliticas, João Carlos Teixeira Brandão............................................. Clinica psychiatrica. LENTES SUBSTITUTOS SERVINDO DE ADJUNTOS Drs.: Augusto Ferreira dos Santos............................................... Clinica medica e mineralogia. Antônio Caetano de Almeida ........ .................................... Anatomia topographica, medicina operatoria ex- perimental, apparelhos e pequena cirurgia. Oscar Adolpho de Bulhões Ribeiro....................................... Anatomia descriptiva. Nuno Ferreira de Andrade.................................................. Hygiene e historia da medicina. José Benicio de Abreu......................................................... Matéria medica e therapeutica, especialmente bra- sileira. ADJUNTOS Drs.: José Maria Teixeira............................................................ Physica medica. Francisco Kibeiro de Mendonça........................................... Botânica medica e zoologia. .......................................................................................... Histologia theorica e pratica. Arthur Fernandes Campos da Paz....................................... Chimica orgânica e biologia. ........................................................................................ Physiologia theorica e experimental. Luiz Ribeiro de Souza Fontes.............................................. Anatomia e physiologia pathologicas. .......................................................................................... Pharmacologia e arte de formular. Henrique Ladisláo de Souza Lopes....................................... Medicina legal e toxicologia. Francisco de Castro..........................................................1 Eduardo Augusto de Menezes........................................... [ CH , d, de ,„, Bernardo Alves 1'ereira..................................................... j Carlos Rodrigues de Vasconcellos..................................... 1 Ernesto de Freitas Crissiuma............................................"1 Francisco de Paula Valladares.......................................... I oi;..,.„„ „:...,..„:„.. ,i i..i. t, i o i n* iu- r Clinica cirúrgica de adultos. Pedro Sevenano de Magalhães.......................................... í & Domingos de Góes e Vasconcellos.....................................] Pedro Paulo de Carvalho...................................................... Clinica obstetrica e gynecologica. José Joaquim Pereira de Souza........................................... Clinica medica e cirúrgica de crianças Luiz da Costa Chaves de Faria............................................ Clinica de moléstias cutâneas syphiliticas Carlos Amazonio Ferreira Pcnna......................................... Clinica ophthalmologica .......................................................................................... Clinica psychiatrica. N. B. — A Faculdade nao approva nem reprova as opiniões emittidas nas theses que lhe sào apresentadas. AOS MANES de Meus A/vos Francisco José de Figueiredo D. Maria José de Figueiredo João Ignacio Ribeiro Roma A MEMÓRIA de HVCeuLs Tios de Meus Collegas de nvEínliÉX Irmã e de Meus Primos A' meu boin Pae e verdadeiro amigo LEOCADIO JOSÉ DE FIGUEIREDO A' minha idolatrada Mãe D. ANTONIA LEOPOLDINA ROMA DE FIGUEIREDO A' minha Avó D. ANTONIA IGNACIA DE ABREU E LIMA Aos meus prezados Irmãos ODORICO DE ABREU E LIMA FIGUEIREDO Dr. ELPIDIO DE ABREU E LIMA FIGUEIREDO Aos meus Tios Os Ill.mo« Srs.: JOÃO IGNACIO RIBEIRO ROMA JOSÉ IGNACIO RIBEIRO ROMA GODOFREDO DE ABREU E LIMA ARTIIUR RIBEIRO ROMA JOÃO AGREPINO DE FIGUEIREDO JOSÉ MARIA DE FIGUEIREDO E suas Ex.mas Familias. A' minha Cunhada D. LYDIA COURA BARRETO DE FIGUEIREDO A' minha Sobrinha ORMINDA COURA DE FIGUEIREDO ÁS MINHAS TIAS AOS MEUS PRIMOS Aos meus tios Os Ill.mM Snrs. Manoel José da Costa. Manoel de Moura Gondim E suas Ex.mas Famílias. Ao meu parente e amigo O 111.mo Snr. Tenente-Coronel Manoel Martins Fiúza E á sua Ex.ma Família. Ao honrado negociante da praça do Recife 0 Ill.mo Snr. Francisco Manoel da Silva E á sua Ex.ma Família. Ao meu amigo e companheiro de infância 0 Ill.mo Snr. José dos Passos Queiroz. E á sua Ex.ma Família. Aos 111.mos Snrs. Dr. Joaquim A. Farias de Abreu e Lima Dr. Francisco Tavares da Cunha Mello Dr. Lüdovico Correia de Oliveira Dr. Luiz Anselmo da Fonseca Francelino Ferreira Crespo Primeiro Tenente Ignacio Luiz de Azevedo Costa Dr. Albino Gonçalves Meira de Vasconcellos Major Antônio de Souza Vieira Dr. Felippe Daltro de Castro Dr. José E. Teixeira de Souza E suas Ex.mas Famílias. Ao meu collega e amigo Dr. Joaquim Israel Cisneiro. Aos amigos Dr. Alfredo de Aquino Fonseca Dr. Flavio Brederodes Pessoa de Mello Padre Francisco Joaquim da Silva. Aos Ill.mos Snrs. Dr. Caetano A. de Faria Castro Ângelo de Bittencourt Dr. Honorio H. Correia de Britto Dr. José Rofino Pessoa de Mello Dr. Fernandes Pires Ferreira José da Silva Cisneiro Guimarães Miguel José de Abreu Manoel Alves Barbosa Dr. Gaspar Carvalho da Cunha Antônio Francisco Ramos Lopes Manoel Francisco Ramos Varzim E suas Ex.Mas Famílias. Aos amigos Engenheiro Civil Manoel Martins Fiúza Júnior Dr. Deocleciano Ramos Dr. Cândido de Hollanda Costa Freire Dr. Eduardo de Sá Bittencourt e Câmara Dr. Adolpho A. Simões Barboza E suas Ex.mas Famílias. Aos meus illustrados mestres 111.™ Snrs. Dr. Virgílio Climaco Damazio Dr. Antônio Caetano de Almeida E suas Ex.mas Famílias. Aos collegas Doutorandos Especialmente aos 111.mos Snrs. Drs. Manoel Clementino de Barros Carneiro Luiz Joaquim da Costa Leite José Wellington Cabral de Mello Francisco Romano de Brito Bastos. Aos collegas Doutorandos da Faculdade de Medicina da Bahia AOS AMIGOS DE MEU PAE AOS MEUS AMIGOS AOS MEUS MESTRES AOS PARENTES QUE ME ESTIMÃO AOS COLLEGAS DA FACULDADE AOS DOUTORANDOS DE 1884 "*5 & & INTRODUCÇÃO Duo sunt prcecipui medicina) cardines : ratio et observatio; observatio tamen est fi!um ad quod dirigi debent omnia medicorum ratiocinia. Baolive. Escolhendo para assumpto da nossa dissertação o diagnostico diíTerencial entre as moléstias chronicas do fígado, não tivemos em vista apresentar um trabalho completo e perfeito, no qual as diversas questões, que se prendem a essa parte da pathologia, fossem tratadas com a proficiência, que exigem; faltam-nos para tanto recursos, de que não podíamos dispor. Parece, pois, excessivo arrojo o empenharmo-nos em questões, para cuja solução definitiva ainda se esforçam e se digladiam práticos abalisados. Estas paginas, que se deparam aos olhos de quem as deve julgar e do leitor benevolo, que as queira folhear, foram traçadas pela mão tremula e indecisa de quem nunca se exercitou no jogo da imprensa e que nem na liberdade do tempo encontrou o recurso de que os que principiam tiram partido para meditar e corrigir o que a intelligencia espontaneamente elaborou. O desejo de estudar e de encarar mais de perto o assumpto que vamos agitar nestas paginas, e não o intuito de lhe levar alguma luz e de pronunciar a seu respeito a ultima palavra — o que seria pretencioso e mal cabido em quem não dispõe de cabedal scientifico, — é a circumstancia que motiva a nossa preferencia. 2 Não foi debalde que escolhemos o ponto. Sendo nós filhos de um paiz, onde as aíTecções do figado são freqüentes, convém a todo o medico saber conhecel-as e estudal-as. Ao medico clinico são mais proveitosas as noções praticas e positivas, de accordo com a theoria e a observação, do que o conhecimento exacto dos pontos de pura doutrina que, não deixando de ter importância para elle, perdem todavia muito de seu valor junto á cabeceira do doente. Relevem-nos os nossos mestres e juizes as lacunas e imper- feições da nossa primeira tentativa no vasto campo da sciencia. DISSERTAÇÃO DO DIAGNOSTICO DIFFERENCIAL ENTRE AS MOLÉSTIAS CHRONICAS DO FIGADO La science du diagnostic tient le premier rang entre toutes les parties de 1'art, et en est ía plus utile et Ia plus difficile. Le diseer- nement du caractère propre de chaque mala- die et de ses différentes espèces est Ia source des indications curatives. Sans un diagnostic exact et précis, Ia théorie est toujours en défaut, et Ia pratique souvent infidèle. Louis. PEIMEIRA PARTE CAPITULO I DA HEPATITE INTERSTICIAL DEFINIÇÃO E DIVISÃO A entidade mórbida de que nos vamos occupar, é também conhecida sob o nome de cirrhose por causa da côr loura, que apre- senta o figado em taes condições. É antes preferivel o nome de sclerose, por quanto indica um estado physico constante e apre- ciável em todos os casos, isto é, o endurecimento do órgão. A denominação mais apropriada é a de hepatite intersticial, porque comprehende a natureza e a evolução do processo pathologico. Para Jaccoud a sclerose hepatica é uma moléstia cujo prin- cipio é essencialmente constituído pela hypertrophia e hyperplasia dos elementos conjunetivos, e mais tarde pela retracção dos mesmos elementos, trazendo a destruição mais ou menos extensa dos tecidos secretores do figado e a atresia dos vasos intrahepaticos. Debaixo do ponto de vista anatomo-pathologico a hepatite intersticial apresenta uma variedade de fôrmas. Quando a inflammação dá-se no tecido conjunctivo que cerca os vasos sangüíneos a cir- rhose é chamada atrophica ou vascular; quando apresenta-se no tecido conjunctivo que limita os canaliculos biliares a cirrhose é hypertrophica; quando, porém, as duas apparecem ao mesmo tempo a cirrhose é mixta. Ainda destinguiremos as cirrhoses syphiliticas e as cirrhoses cardíacas dependentes de uma lesão orgânica do coração. 6 ARTIGO I Da hepatite intersticial atrophica ETIOLOGIA Nos antecedentes podemos encontrar as causas que tem uma certa influencia sobre o figado; dividiremos em causas predisponentes e causas determinantes. Como causas predisponentes apontamos a idade, o sexo, as profissões, o habito, a constituição e a diathese gottosa. A idade é variável e a freqüência da moléstia é de 35 a 60 annos. De preferencia o sexo masculino é mais sujeito a causa morbifica do que o sexo feminino. Ha certas profissões que influem mais do que outras; como sejam aquelles que freqüentemente se acham em lugares humidos. O uso freqüente do álcool, as comidas irritantes contribuem muito para o apparecimento da cirrhose. Quanto á constituição, é, nos indivíduos fracos, que de preferencia manifesta-se o mal. Do mesmo modo, a diathese gottosa predispõe muito o figado para a cirrhose. (Murchison). Como causas determinantes mencionamos o alcoolismo. O álcool depois de absorvido nos intestinos é levado pela circulação da veia porta ao figado, onde exerce a sua acção irritante; o álcool traz o figado em um estado de congestão permanente e produzindo mais tarde a hepatite intersticial. Segue-se depois o impaludismo, que tem uma certa influencia não só no figado como também no baço, trazendo-os sempre con- gestos e podendo dar, como no alcoolismo, um producto de natureza inflammatoria. Não ha menor duvida que a cirrhose seja produzida muitas vezes pela intoxicação syphilitica. A syphilis produz adherencias do figado aos órgãos visinhos; esta adherencia é devida a uma perihepatite que se desenvolve junctamente com as lesões do figado. Depois a invasão segue para o interior do figado determinando uma atrophia glandular. 7 As lesões pulmonares produzem o mesmo effeito que as lesões cardíacas, trazendo o embaraço da circulação da veia cava inferior, cuja influencia exerce-se na circulação hepatica, trazendo por conse- qüência a stase que produz perturbações funccionaes, podendo dar lugar a cirrhose hepatica. ANATOMIA PATHOLOGICA Alguns auctores dividem a hepatite intersticial atrophica em dous períodos; o primeiro caracterisado por um augmento de volume do figado ou conservação do estado normal, ou pequena diminuição do seu volume. Quando acha-se augmentado de volume a superfície é lisa; outras vezes apresenta saliências de dimensões variadas. A sua consistência é maior e a cor é normal. Interiormente a glândula hepatica está cheia de granulações separadas por septos de tecido conjunctivo. A cirrhose atrophica que indica o segundo período da hepatite intersticial é caracterisada pela dureza do figado e diminuição de seu volume e depressões da sua superfície. A cápsula de Glisson, espessando-se, adhere aos outros órgãos. Encontra-se no interior do figado, grande numero de granu- lações amarellas ou amarello alaranjado que são formadas de tecido conjunctivo e de cellulas hepaticas. Os septos fibrosos, formados pela zona perilobular da cápsula de Glisson, limitam um certo nu- mero de lobulos formando granulações volumosas, que depois são, estas granulações, por sua vez subdivididas por septos que dellas partem. Raras vezes um septo conjunctivo divide um lobulo e nunca a sclerose é intra-lobular. Charcot define a alteração ele- mentar da cirrhose atrophica da maneira seguinte : « E uma sclerose annular, originariamente multilocular, detendo-se constantemente no limite dos lobulos. » A neoplasia conjunctiva produz alterações nas cellulas, nos vasos sangüíneos e canaliculos biliares. As cellulas hepaticas acha- tam-se, atrophiam-se, o seu protoplasma torna-se granuloso e pigmentado ou infiltra-se dos glóbulos gordurosos, mas nunca vê-se transformação das cellulas hepaticas em tecido conjunctivo; e as 8 observações tem demonstrado que a alteração da cirrhose atrophica consiste em uma sclerose annular. Muitas dentre ellas conservam-se em seu estado normal no começo da cirrhose e no periodo atro- phico (Cornil e Ranvier). Isto prova o papel inteiramente passivo da cellula hepatica nos casos da cirrhose atrophica. O tronco e os ramos principaes da veia porta ou ficam no es- tado normal ou tomam um maior desenvolvimento tendo interior- mente coágulos. Os seus capillares, pelo contrario, diminuem á medida que o tecido conjunctivo invade a parede do alveolo. Uma vez a circulação assim embaraçada, a nova vascula- risação se dá a custa da artéria hepatica. Os canaes biliares não apresentam alteração notável, ao passo que os canaliculos são comprimidos e desapparecem ao nivel das granulações hepaticas atrophiadâs. A vesicula biliar apenas apre- senta a parede espessada. Estas alteraçães do figado e as perturbações circulatórias da veia porta trazem como conseqüência um grande derramamento de serosidade no seio da cavidade peritoneal. SYMPTOMATOLCGIA Os symptomas da hepatite intersticial atrophica no primeiro periodo são tão obscuros, que muitas vezes passam desapercebidos ao medico e ao doente, e é só, porém, mais tarde, quando os phenomenos se tornam mais claros, que é ella reconhecida; é então que se nota o augmento do volume do ventre, isto é, a ascite, as desordens gastro-intestinaes, ou se manifesta por phenomenos de uma congestão chronica, como peso na região hepatica, dor accusada pela pressão, sub-ictericia e embaraço gastro-intestinal. Outras vezes este periodo começa por s}^mptomas de uma hepatite sub-aguda e neste caso elles consistem em ligeiro movi- mento febril, dor no hypochondrio direito, diarrhea, vômitos e ictericia. Como quer que seja, no fim de um certo tempo, quando o mal tem tomado um grande adiantamento, a moléstia apresenta, graças ás desordens que se passam nas funcções digestivas, symp- 9 tomas importantes, como, o depauperamento do doente, por defi- ciência de nutrição, emmagrecimento, pelle secca e de cor amarello suja e muito poucas vezes ictericia; eis os phenomenos que se dão durante o primeiro periodo da moléstia. No segundo periodo os doentes apresentam-se com uma ictericia hemapheica mais pronunciada na face e no pescoço. O figado acha-se diminuido de volume e a sua superfície é granulosa ; este ultimo caracter é muitas vezes difícil de apreciar-se em virtude do der- rame ascitico que recalca a glândula contra a concavidade do diaphragma. Ha dores no hypochondrio direito e a percussão nos revela uma ascite que tornando-se mais considerável pode determinar uma dyspnéa intensa. A' ascite succede o cedema dos membros infe- riores que pouco a pouco vai ganhando as partes superiores ; este cedema é devido á compressão do liquido ascitico no systema da veia cava inferior. Em virtude do embaraço da circulação intra-hepatica, estabelece- se uma circulação compensadora collateral entre o systema porta e o systema venoso geral, e quando esta condição realisa-se, o que é raro, desapparecem os phenomenos da stase. A circulação collateral faz-se pelas anastomoses das veias he- morrhoidaes superiores, ramos da veia porta, pelas hemorrhoidaes médias e inferiores, ramos da hypogastrica, pela anastomose da coronaria estomachica e veias esophagianicas, por vasos de nova formação que estabelecem, atravez de adherencias novas entre o diaphragma e o figado, uma via de communicação para a veia porta e as diaphragmaticas. As veias que formam o quinto grupo do systema veias porta se anastomosando com as veias epigastricas e mamadas internas e com as veias cutâneas abdominaes estabelecem uma communicação entre estas veias e o systema porta. Estas anastomoses das veias cutâneas abdominaes trazem como conseqüência um desenvolvimento maior de seu volume na parede abdominal. O laço augmenta de volume á medida que o figado diminue; e ao mesmo tempo apparecem as perturbações intestinaes, como a 10 constipação produzida pela compressão do liquido ascitico na extre- midade superior do recto, ou paralysia dos músculos intestinaes. A constricção dos lobulos hepaticos, pelo tecido da nova for- mação, modifica o estado de secreção biliar e a diminuição ou suppressão delia explica perfeitamente a coloração das matérias fecaes e o meteorismo, que é menos freqüente do que na cirrhose hypertrophica. A diarrhea succede á constipação e quando é ella abundante contribue para o emmagrecimento. A repleção das veias hemorrhoidarias médias e inferiores e do plexo venoso do esophago, devido á derivação sanguinea qüe dá-se pelas veias accessorias que partem da pequena curvadura do estômago, explica-nos as diversas hemorrhagias que se dão na mucosa gastro-intestinal, a formação de tumores hemorrhoidaes e as hemoptises. A urina tem uma cor vermelha carregada e diminue de quan- tidade; ha augmento de uratos e de uma pequena quantidade de albumina; a presença da albumina explica-se pela compressão do liquido ascitico nas veias renaes que pôde fazer passal-a nas urinas. ARTIGO II Da hepatite intersticial hypertrophica ETIOLOGIA Quando procura-se ligar a cirrhose hypertrophica ás causas, que podem determinal-a, reconhece-se que é impossivel chegar á conclusões precisas. A etiologia, na historia desta moléstia, é a menos conhecida. O que se sabe, apenas, é que esta affecção é mais commum nas mulheres do que nos homens: somente pelo facto de que ellas são mais sujeitas ás eólicas hepaticas. Dividiremos-lhe as causas, como na cirrhose atrophica, em predisponentes e determinantes. Entre as causas predisponentes, a idade, o sexo e o habito são as que mais commumente se apresentam. 11 Idade. — Quasi que podemos dizer que não ha um limite na idade para o apparecimento da affecção; ao passo que ella mostra- se de preferencia na idade adulta, também não é menos commum encontrar-se nos meninos como bem provam as observações de Julien Decléty, Baron, Gherard, Rilliette Barthez. Sexo. — As estatísticas pouco tem adiantado sobre qual seja a influencia, que o sexo exerce para a producção desta affecção; apenas até aqui tem-se provado que o sexo feminino é o mais sujeito. Habito. — O abuso das bebidas alcoólicas, os condimentos e a vida sedentária são causas que se apontam como favoráveis a° apparecimento desse estado mórbido. Outras causas ainda podem unir-se á estas, como a freqüência nos climas quentes e pantanosos, o catarrho gastro-intestinal, as diatheses urica, tuberculosa ou cancerosa, etc. Nas causas determinantes o alcoolismo goza de um papel pre- ponderante na gênesis da moléstia. São as observações de Olivier que provam que é quasi que a única causa evidente da affecção. É nos indivíduos, que acham-se debaixo de uma intoxicação chro- nica, que a moléstia ataca de preferencia. Quanto á intoxicação palustre e á syphilis, querem alguns que não haja uma relação directa entre estas causas e a cirrhose hypertrophica; entretanto outros como Lancereaux e Hanot admit- tem, pelas suas observações, como antecedentes, a syphilis e o impaludismo. Podemos mencionar como causas determinantes, a lithiase biliar, as obstrucções do canal choledoco devidas á tumores cancerosos ou coalhos sanguineos, determinando adherencias das paredes deste canal por compressão. São estes os dados que possuimos para a etiologia da cirrhose hypertrophica. Até aqui a etiologia não nos fornece elementos necessários para o diagnostico differencial entre esta moléstia e a cirrhose atrophica. Póde-se dizer, de uma maneira geral, que uma e outra desenvolvem-se facilmente no meio das perdas do organismo, qual- quer que seja o ponto de partida. 12 Entretanto que debaixo do ponto de vista anatomo-pathologico ha um limite entre estas duas fôrmas de cirrhose; em uma é no systema vascular que a affecção tem sua sede; na outra, é no systema dos canaliculos biliares. Em ambos os casos o alcoolismo exerce a sua influencia e não sabemos qual a razão porque em um caso actúa elle sobre o systema vascular e, n'outro caso, sobre os canaliculos biliares. Na cirrhose hypertrophica os indicios anatômicos do processo inflammatorio são mais pronunciados na visinhança dos canaliculos biliares e não nos vasos arteriaes e venosos, e esta inflammação parece caminhar progressivamente da peripheria para o centro do lobulo. Ha, pois, uma angiocholite, que depois de affectar systema- ticamente os canaliculos biliares inter-lobulares, pôde manifestar-se ao mesmo tempo uma peri-angiocholite, que se propagará algumas vezes ao tecido conjunctivo extra-lobular, que se hypertrophiará e d'ahi o apparecimento de uma cirrhose secundaria, desenvolvida principalmente em roda dos canaliculos biliares trazendo como symptoma a hypertrophia hepatica. Por que mecanismo o álcool actúa algumas vezes no systema vascular, e outras vezes nos canaliculos biliares? Porque e como esta angiocholite se desenvolve nos individuos que abusam do álcool? São tantos pontos obscuros que reclamam uma explicação decisiva. ANATOMIA PATHOLOGICA Na cirrhose hypertrophica é quasi sempre o figado augmentado de volume, principalmente no sentido de sua espessura; sua su- perfície é lisa ou apresenta algumas saliências muito pouco notáveis, que se acham na maioria dos casos cobertas pelo envolucro peri- toneal espessado; estas saliências apresentam dimensõos que variam desde a cabeça de um alfinete até uma lentilha. No interior do órgão acham-se as mesmas nodosidades como no exterior, separadas por delgados septos de um tecido con- junctivo mais ou menos vascular, que fazem o figado apresentar uma consistência muito mais considerável do que a que nota-se no estado normal. 13 A cápsula de Glisson quasi sempre é espessada; algumas vezes é desigualmente espessada; outras vezes é ella chronicamente in- flammada, apresentando traços dep erihepatite com adherencias aos órgãos visinhos. As nodosidades ou granulações, encontradas no interior do órgão, tornam-se salientes no meio do tecido fibroso que os cerca e o figado parece transformado, na opinião de Hanot, « en un bloc de tissu fibreux, farei de granulations assez espacées ». Em alguns casos póde-se achar os gânglios do hilo do figado também hypertrophiados, como em suas observações nos asseveram Frerichs e Hayem. No microscópico nota-se que nos pontos menos alterados, os lobulos hepaticos não apresentam, apparentemente, nenhuma alte- ração quer na fôrma, quer no aspecto; apenas ha uma dilatação maior dos espaços inter-lobulares, devido á ilhotas do tecido con- junctivo neoformado. Em um periodo mais adiantado os septos fibrosos, que envolviam os lobulos, augmentam de extensão, se insinuam entres elles, apresentando os lobulos conformações variadas segundo a invasão dos septos. Do tecido conjunctivo perilobular partem septos de tecido conjunctivo embrionário que separam as cellulas hepaticas intro- duzindo-se entre ellas, desassociando-as. Na maior parte dos lobulos, as lesões são por assim dizer intermediárias; ha uma zona exterior mais ou menos larga, composta de cellulas atrophiadas pelos prolongamentos do tecido conjunctivo extra-lobular, e uma zona interior onde encontram-se elementos embryonarios nos espaços que separam as cellulas. Em certos pontos, estes elementos são numerosos, e então também se acham em certa quantidade entre os feixes do tecido conjunctivo hyper- plasiado extra e intralobular. Quando finalmente a lesão tem chegado ao seu maior desen- volvimento as cellulas hepaticas apresentam alterações profundas em virtude da interposição do tecido conjunctivo neoformado. Pelo exame microscópico parece que o processo mórbido ca- minha da peripheria para o centro do lobulo e a sclerose que á prin- 14 cipio é insular, torna-se depois perilobular, e finalmente extra e intra-lobular. E em virtude desta marcha que as cellulas hepaticas ficam comprimidas, achatadas e mesmo destruídas da parte peripherica para a parte central do lobulo, e dahi a razão porque as funcções hepaticas persistem por tanto tempo, nesta espécie mórbida. Quanto aos elementos embryonarios, que, nestes mesmos fí- gados, se mostram nos espaços inter-cellulares em quantidede variável segundo os pontos, a idade, o gráo do processo, poder-se-ha con- sideral-os em parte como o resultado de um trabalho irritativo das cellulas chatas, que, segundo certos histologistas, forram os cana- liculos intra-lobulares ? Julgar-se-ha oriundo em parte do tecido conjunctivo intra-acinoso admittido por muitos auctores ? São tantos problemas á resolver-se. Ao lado destas lesões encontram-se outras também importantes, como as que apresentam os canaliculos biliares inter-lobulares. Estes canaliculos biliares tomam um desenvolvimento considerável e for- mam uma rede constituída por alças que circumscrevem os espaços, cheios pelo tecido fibrillar. No interior destes canaliculos vê-se um ligeiro catarrho e um numero variável de cellulas epitheliaes infiltradas as mais das vezes de pigmento biliar, applicadas umas ás outras, munidas de núcleos e de granulações. Em certos pontos, estas cellulas são assestadas na face interna do vaso em uma ou duas camadas somente, e deixam assim entre ellas um canal cen- tral claramente apreciável; em outros pontos ellas enchem quasi completamente a luz do canaliculo. A sua túnica externa acha-se infiltrada de cellulas embryonarias e de feixes stratrificados de tecido conjunctivo. Estes desenvolvimentos dos canaliculos biliares tem um limite, e segundo a opinião de Charcot e Gombaut acabam elles por atrophiar-se e desapparecer. As divisões da veia porta intra-hepaticas ordinariamente não apresentam modificações importantes. Algumas vezes acontece que estas divisões dilatam-se no seio de tecido conjunctivo perilobular confundindo suas paredes com este tecido de maneira « que leur paroi propre se distingue á peine des faisceaux conjonctifs qui 15 1'enserrent, comme si elle avait subi elle-même en grande partie Ia transformation fibroide » (Hanot). As ramificações da artéria hepatica e o systema lymphatico conservam-se quasi sempre no estado normal. O baço apresenta-se sempre hypertrophiado e este augmento de volume é, pode-se assim admittir, devido á mesma influencia geral que provoca a irritação primitiva do parenchima hepatico indo ter igualmente ao tecido splenico determinando lesões pa- rallelas. A sua cápsula é mais ou menos espessada, o seu tecido, de uma consistência variável, ora é resistente ora amollecido, e a sua cor varia de vermelho vivo ao vermelho violaceo. Nas lesões do peritoneo encontram-se neomembranas que unem a superfície do figado aos órgãos visinhos e a inflammação chronica da serosa abserva-se também na face inferior do órgão e ao redor do baço. Os rins muitas vezes são intersssados e não é raro encontrar-se não só augmentados de volume, como também impregnados de bilis. Do mesmo modo o coração, para alguns, não deixa de soffrer, e Potain encontrou, em um caso, uma hypertrophia com insuficiência tricuspide. Estes factos são sempre difíceis de intrepretação e em muitos casos o alcoolismo, o rheumatismo, os esforços profissionaes podem contribuir para esta hypertrophia do coração, sem que a affecção de figado seja a causa. SYMPTOMATOLOGIA O conjuncto determinado de lesões que descrevemos, tem uma expressão clinica muito especial, clara e facilmente comprehensivel. A descripção dos symptomas que vamos apresentar ligitima defini- tivamente esta proposição. A ictericia e as dores no hypochondrio direito começam a serie dos accidentes. Muitas vezes, a dor toma um lugar secundário no cortejo symptomatico. Outras vezes é ella surda, continua, quasi que se revelando pela pressão, sem exarcerbação notável e um ligeiro augmento de volume e de consistência. Em alguns casos, 16 a ictericia e as dores hepaticas são acompanhadas no seu começo de outras circunstancias que tem um grande valor; quasi sempre ha ao mesmo tempo anorexia, alternativas de constipação de ventre e diarrhea, um máo estar geral a physionomia apresenta-se desa- nimada, diminuição de forças e febre. Jaccoud insiste nesta febre e diz : « Muitas vezes a invasão das dores tem sido acompanhada de um movimento febril intenso durante o qual o thermometro subia á 39°, 5 ou 39°, 8 e o pulso á 110 ou 120. Esta febre não durava tanto, quanto a própria dôr, mas, quando se manifestava, o ataque era mais violento e mais longo; em outras circumstancias, o accesso doloroso era completamente apyretico ». Esta crise ini- cial dura de uma á muitas semanas; depois a moléstia entra em periodo de estado, caracterisada principalmente por uma ictericia e hypertrophia de figado e a moléstia é definitivamente constituida. A ictericia é uma das manifestações capitães da moléstia e tem um caracter importante que é a sua variàbilidade. Em alguns casos nota-se uma ligeira ictericia dos tegumentos e das con- junctivas, em quanto que em outros, augumenta no momento dos accessos tomando a cor verde carregada, para depois diminuir no intervallo destes accessos. Não é raro também vêr-se uma cor sub- icterica á principio para depois augmentar gradualmente ou ma- nifestar-se com a mesma intensidade desde o seu começo até o fim. Como quer que seja, é em virtude do embaraço que o curso da bilis experimenta, quer seja devido á compressões dos cana- liculos biliares pela hypertrophia dos gânglios lymphaticos, quer pelos cálculos ou á inflammação chronica das paredes dos cana- liculos ou á proliferação das cellulas epitheliaes, que a ictericia da cirrhose hypertrophica é devida á reabsorpção. De todas estas causas a que melhor explica o apparecimento da ictericia é a proliferação das cellulas epitheliaes. Na verdade é durante os accessos hepatalgicos, que ha maior desenvolvimento da producção epethelial no interior dos canaliculos biliares de maneira que, augmentando o obstáculo, a ictericia apresenta uma cor mais carregada. Entretanto que no intervallo desses accessos quando o embaraço tem diminuído pelo desapparecimento de ai- 17 gumas destas cellulas a ictericia torna-se menos intensa em virtude da passagem que encontra a bilis. A hypertrophia do figado ou hepatomegalia (Charcot) é outro signal capital do periodo de estado da affecção. Muitas vezes ha augmento de volume desde o começo da moléstia e accentua-se mais á medida que a affecção progride, chegando mesmo o figado a descer até a fossa iliaca direita ou ao umbigo. Quando o figado tem tomado um certo volume, o hypochondrio direito forma uma saliência, que vem unir-se á que produz a hypertrophia do baço. Pela apalpação a superfície hepatica é lisa, apresentando a sen- sação de um tumor duro e resistente; tem-se sob os dedos o tecido de uma dureza variavelmente lenhosa e o bordo anterior do órgão é cortante. A hypertrophia do baço acompanha quasi sempre a hyper- trophia do figado. Hanot aponta algumas observações de diversos auctores em que sempre havia este symptoma, deixando de existir apenas em uma. Qual é a causa deste augmento de volume ? Pode-se appellar para o embaraço da circulação do sangue da veia porta atravez do figado ? Quanto á primeira ainda não se pôde dar uma res- posta franca. E emquanto á segunda o embaraço da circulação é aqui pouco freqüente ou mesmo raro. O desenvolvimente do figado e do baço determina muitas vezes, uma inflammação da serosa que os cobre; esta peritonite parcial traduz-se por uma dor viva para o lado e por febre. As urinas, salvo os casos de complicação renal, apresentam-se em quantidade normal durante a marcha da moléstia, a cor é mais ou mesmo escura, manifestamente biliosas e contendo pigmento segundo os periodos da moléstia. Um outro caracter importante é a diminuição da uréa que, segundo Hanot, é devido ás pertur- bações das funcções hepaticas. A ascite pode faltar durante a grande parte da moléstia e algumas vezes mesmo pode-se dizer que falta completamente. Em alguns casos tem-se encontrado nos últimos tempos um derra- mamento peritoneal geralmente pouco abundante. Alguns, como 18 Cornil, têm querido explicar o mecanismo da ascite dizendo que pelos progressos da inflammação das paredes dos vasos intra- lobulares e pela invasão do tecido conjunctivo indurecido que se confunde com os vasos, perdem elles a sua elasticidade e con- tractilidade própria, deixando, portanto, de fazer caminhar o sangue nos capillares. Mas na sclerose que descrevemos, mesmo nos casos em que se observam estas alterações das paredes vasculares, não se acha as ramificações da veia porta comprimidas e obliteradas pela re- tracção do tecido conjunctivo, o que é a regra na cirrhose atro- phica. Quando acontece apparecer em alguns casos de cirrhose hypertrophica ou pôde attribuir-se a exhudação peritoneal á peri- hepatite, durante os accessos hepatalgicos, ou esta exhudação peritoneal é consecutiva á uma peritonite, como bem demonstra a viva sensibilidade do ventre. No caso de cirrhose hypertrophica a ascite não entra, pro- priamente fallando, no quadro symptomatico; ella mostra-se raras vezes, tem um gráo medíocre ou de uma maneira passageira. O desenvolvimento anormal das veias sub-cutaneas abdominaes, tão importante no ponto de vista do diagnostico da cirrhose atro- phica, aqui falta ordinariamente e a sua ausência constitue um elemento de valor para o diagnostico. No ultimo periodo podem as veias desenhar-se no abdomem. Este signal, que marcha paral- lelamente á ascite, é devido ao embaraço venoso intra-hepatico e não apresenta os caracteres da rede venosa da cirrhose commum. É, apenas, uma têa irregular, destribuida desigualmente em toda a superfície do abdomem e não affectando nenhuma circumscripção determinada. As matérias fecaes, ora são mais ou menos descoradas e ora conservam o aspecto normal segundo a maior ou menor deficiência da excreção biliar. Em alguns casos têm-se visto hemorrhagias, como epistaxis, hematemeses e hemoptisias na marcha desta affecção. Alguns auctores tem querido explicar pela alteração da crase sangüínea, outros pelo estado varicoso, outros, como Vulpian, attribuem a uma 19 modificação vascular. O que é verdade é que até aqui não se tem podido explicar e' todos elles acham-se em desaccordo. Um symptoma que se tem encontrado muitas vezes, e que parece commum, é o sopro systolico na ponta do coração (Ollivier e Pitres) que dão como causa a distensão do ventriculo direito. O estado geral do doente é por muito tempo regular, final- mente depois apparecem as perturbações nutritivas. O doente perde as forças, o appetite e emmagrece; a pelle torna-se sêcca, rugosa e amarello-suja e cobre-se de erupções de diversas formas ; a cornea é sujeita á keratite intersticial (Pitres). Neste periodo de cachexia observam-se muitas vezes complicações, como peritonite, as aíTecções pleuro-pulmonares. Finalmente podem sobrevir febre, delirio, coma e hemorrhagias intestinaes e estomacaes. ARTIGO III Da hepatite intersticial mixta ou cirrhose mixta A cirrhose atrophica e a cirrhose hypertrophica constituem variedades que são tanto mais distinctas, tanto mais accentuadas, quanto mais se dirigem á typos extremos. A cirrhose mixta é uma affecção intermediária á estas duas moléstias. Quando tratamos destas duas aíTecções, dissemos, que ellas se caracterisavam pela sede da phlegmasia conjunctiva, em uma, no systema venoso da veia porta, e na outra, nos canaliculos biliares. No caso, porém, de que nós nos occupamos a phlegmasia conjunctiva dá-se simulta- namente nos dous systemas, podendo ainda haver maior predomi- nância das lesões do systema biliar sobre o systema porta e vice-versa ; é assim que dividiremos : — sclerose atrophica mixta ou cirrhose atrophica com ictericia chronica e sclerose hypertro- phica mixta ou cirrhose hypertrophica biliar com ascite. 20 Da sclerose atrophica mixta ou cirrhose atrophica com ictericia chronica Deixaremos de lado a etiologia, visto já termos tratado em outra parte, nos limitaremos á anatomia pathologica e aos sym- ptomas. ANATHOMIA PATHOLOGICA O volume do figado pôde ser normal ou apresentar-se ligei- ramente diminuído, mas nunca como na cirrhose commum. A sua cor é ora de um cinzento esverdinhado, ora cinzento com pontos de um amarello pallido; sua superfície é granulosa, mamelonada; estas granulações finas e opprimidas em certos casos podem tornar- se volumosas. Na superfície seccionada, o tecido é firme, resistente, apre- sentando granulações cinzentas com abundantes pontos amarellos e dividida em duas porções bem distinctas : uma] cortical, resis- tente, densa, e de cor branca amarellada; outra central corada pela bilis e amollecida. No microscópico a Jryperplasia conjunctiva é "observada tanto na peripheria dos lobulos, como na parte central; ha portanto, sclerose extra e intra-lobular. Os canaes biliares são alterados; emquanto que uns são obstruidos pela reunião em seu interior de cellulas epitheliaes, os outros são dilatados^e formam verdadeiras redes no seio do tecido sclerosado. As ramificações inter-lobulares da veia porta são dilatadas, alteradas em sua textura e, em certos pontos, apresentam uma destribuição inteiramente" nova. As cel- lulas hepaticas, pela maior parte tintas em amarello pela bilis, são atrophiadas na porção central do figado; na zona cortical, pelo contrario, onde a sclerose e a dilatação dos canaliculos biliares são mais pronunciadas, são ellas menos alteradas. O baço é augmentado de volume e ha derramamento de se- rosidade na cavidade peritoneal e catarrho nas vias gastro- intestinaes. 21 SYMPTOMATOLOGIA Apezar da obscuridade dos symptomas que nota-se no começo desta moléstia, não é raro, entretanto, observarem-se em muitos casos os primeiros cortejos de uma cirrhose hypertrophica biliar. Os phenomenos que se notam são dispepsias, logo ao mesmo tempo ictericia e dor na região hepatica; á principio que se julgava haver uma cirrhose hypertrophica, mais tarde quando estes phe- nomenos tornam-se claros, observa-se a diminuição do volume do figado, começo de ascite, augmento de volume do baço, algumas vezes oedemacia dos membros inferiores e desenvolvimento das veias abdominaes sub-cutaneas. Ao mesmo tempo apparece a ictericia desde o começo da affecção; a diarrhea, o emmagrecimento, a perda de forças, as perturbações gástricas, as diversas hemorrhagias, como, epistaxis, gastrorrhagia e enterorrhagia, as alterações das urinas e as modi- ficações das fezes; todos estes symptomas, seguindo uns após outros, levam o doente a um estado de cachexia, que pouco depois é arrebatado pela morte. De tudo quanto temos dito da cirrhose mixta concluimos, que é ella composta de cirrhose atrophica e de cirrhose hyper- trophica e que da moléstia que acabamos de descrever ha maior predominância das lesões e dos symptomas da primeira do que da segunda. Da sclerose hypertrophica mixta ou cirrhose hypertrophica biliar com ascite Do mesmo modo, que na cirrhose atrophica mixta, deixaremos de fallar da etiologia, para evitar repetições, e só trataremos da anatomia pathologica e da symptomatologia. ANATOMIA PATHOLOGICA O figado ora é áugmentado de volume, ora conserva-se no estado normal. Sua cor é uniforme, acinzentada, avermelhada em alguns pontos e esverdeada em outros. A sua superfície é semeada 22 de granulações de tamanho variável, e estas granulações podem ser mais abundantes em um lobo do que no outro; o bordo ante- rior é espessado e a formação de neomembranas pôde trazer como conseqüência adherencia aos órgãos vizinhos. Pela secção prova-se que a consistência do tecido hepatico além de ser augmentada é dura e fibrosa; além disto as super- fícies apresentam ilhotas amarelas ou esverdeadas. Os canaes que fazem parte do apparelho biliar são todos consideravelmente dis- tendidos, as veias são dilatadas e ha uma proliferação abundante do tecido conjunctivo. O exame microscópico nos mostra que ha uma modificação dos lobulos hepaticos devida aos progressos das lesões. A dege- nerescencia fibrosa tomando um certo adiantamento envolve os lobulos em certos pontos em fôrma de annel, e a sclerose é annu- lar; em outros pontos o tecido conjunctivo envia prolongamentos no intervallo das células hepaticas ou são, pelo contrario, intei- ramente separadas ; em outros, finalmente, ha invasão da hyper- plasia conjunctiva no interior dos lobulos havendo sclerose extra e intra-lobular. Aqui, canaliculos biliares dilatados contendo cellulas epithe- liaes em seu interior e formando redes em alguns pontos do parenchima hepathico; ali, uma rede vascular que toma mais importância do que a rede biliar; e no meio do tecido conjunctivo, capilares volumosos cujas paredes não apresentam alterações no- táveis e cuja cavidade é cheia de glóbulos sanguineos. O baço é hypertrophiado, ha ascite, catarrho nas vias diges- tivas e a cor amarelada dos tecidos. Neste caso de cirrhose hypertrophica mixta ha uma mistura das duas cirrhoses hypertrophica e atrophica, sendo a lesão pre- ponderante mais accentuada na primeira como vamos ainda provar com a descripção dos symptomas. SYMPTOMATOLOGIA Os symptomas sendo á principio muito variados, apenas nos mostram que se pôde suppôr que se trata de casos de dupla lesão 23 bilar e venosa. Em muitos casos o primeiro symptoma é a icte- ricia que é logo seguida de um emmagrecimento, de uma dimi- nuição de forças, dores hepaticas e finalmente a hypertrophia do figado e do baço. A ascite, que é devida ao embaraço da circulação, o desen- volvimento anormal das veias sub-cutaneas abdominaes, que é também devida á mesma causa, o oedema dos membros inferiores, são signaes, que acompanham sempre a marcha da moléstia. As perturbações gastro-intestinaes são constantes. Depois do apparecimento da ictericia com o acompanhamento do emmagreci- mento, segue-se um meteorismo intestinal e constipação. Mais tarde as perturbações gastro-intestinaes aggravam-se, ha perda de appetite e á constipação succede a diarrhea, podendo juntar-se a este quadro as náuseas e vômitos. As fezes ora são normaes, ora descoradas; as urinas dimi- nuem de quantidade, apresentando uma cor amarelada ou aver- melhada, deixando, pelo repouso, um deposito de uratos; as hemorrhagias não tardam em apparecer, quer sejam devidas ao embaraço da circulação porta, quer na constituição do sangue, quer nas paredes dos vasos (Vulpian). Todos estes symptomas augmentando sempre podem trazer como conseqüência uma cachexia profunda ou uma peritonite que podem roubar a vida ao doente. ARTIGO IV Da cirrhose hepatica cardíaca ETIOLOGIA Uma lesão cardíaca pôde dar lugar a uma hepatite intersti- cial e Becquerel Iga grande importância pela congestão habitual que produz a lesão e conclue que as moléstias cardíacas são causas freqüentes da cirrhose. Frerichs, porém, contesta, dizendo que as cirrhoses do primeiro gráo admittidas por Becquerel são uma 24 alteração insignificante, de simples coincidência e não como o pri- meiro estado das lesões cirrhoticas. Em todo caso é bem provável que haja uma relação directa que una a cirrhose ás moléstias do coração. ANATOMIA PATHOLOGICA A hyperhemia, resultante do embaraço da circulação pelas lesões cardíacas, apresenta em seu começo um augmento de volume do figado para depois de um certo tempo ser seguido de uma di- minuição de volume ou atrophia. Esta atrophia é devida á pressão das venulas intra-lobulares distendidas nas cellulas glandulares. A circulação capillar do figado impedida pela stase das veias hepaticas pôde dar lugar á uma serie de phenomenos importantes. As cellulas hepaticas, que á principio não apresentavam nenhuma alteração em sua nutrição, é depois alterada pela invasão de uma certa quantidade de gordura. As vias biliares podem também participar de uma stase parcial ou geral em conseqüência de uma supersecreçâo de sua mucosa, de uma inchação e apresentar uma ligeira ictericia. A stase tornando-se persistente, produz uma atrophia que é acompanhada de um aspecto granuloso do parenchima do figado e transformação das cellulas centraes em tecido conjunctivo e por um tecido mole e vascular. A mucosa gastro-intestinal, em conseqüência da propagação da stase das veias hepaticas para os vasos da mucosa gastro- intestinal, amolece-se, infiltra-se de um liquido seroso, tumefaz-se e toma uma cor mais carregada. Ha um derrame nas membranas serosas do abdômen, um augmento de volume do baço e uma certa quantidade de albumina nas urinas. SYMPTOMATOLOGIA O figado é augmentado ou diminuído de volume segundo a intensidade das perturbações circulatórias. A stase venosa e a congestão passiva, consecutivas ás aíTecções cardíacas, determinam um augmento de volume do órgão, o refluxo 25 do sangue nos ramos de origem dos systemas cava e porta, o oedema dos membros inferiores e a ascite. Se o embaraço da circulação é considerável pode haver signaes de catarrho gástrico, que acom- panha uma ligeira ictericia. A principio a superfície do órgão é lisa; depois torna-se gra- nulosa e desigual e se a moléstia continua o figado vai diminuindo de volume. Pela apalpação pode-se conhecer os diversos períodos que a glândula tem chegado e é no começo que os indivíduos accusam a sensação de dor no ponto correspondente ao lobo direito. Ao lado destas manifestações locaes apresentam-se outras, como as perturbações da digestão estomacal, náuseas, uma tumefação das veias hemorrhoidaes, geralmente uma constipação, raras vezes diarrhea passageira e pequena quantidade de albumina nas urinas. Nas lesões cardíacas, a ascite é mais commum nas lesões da válvula mitral e na insuficiência tricuspide do que nas das vál- vulas aorticas. Esta ascite sempre vem depois da anasarca, que começa pelos pés e sobe gradualmente. A hydropesia de origem thoraxica apre- senta uma particularidade, que a dispnéa precede a ascite e que a sua intensidade não está nunca em relação com a da hydropesia. ARTIGO V Da hepatite syphilitica ETIOLOGIA Nós admittimos como causa primordial da hepatite, a acção directa do virus syphilitico. A hepatite se manifesta nos indivíduos, que nunca trataram convenientemente do mal syphilitico, quer porque ignorassem, quer porque despresassem. Quasi sempre os doentes, as mulheres princi- palmente, negam, que nunca foram accommettidas de syphilis, alguns maliciosamente, outros de boa fé, não tendo ligado a menor importância a este pequeno botão, pouco doloroso, que tinham curado. 26 Quando, porém, os accidentes secundários agravam-se, é que os syphilticos procuram consultar: ora no caso que nos occupa não se pôde achar muitas vezes nenhum accidente syphilitico anterior; não se pôde dar, pois, uma opinião pró ou contra á gravidade da syphilis. As condições individuaes, como o estado do sexo, [o tempera- mento, as condições hereditárias, têm uma certa influencia para a causa morbifica. Parece que esta moléstia é um pouco mais freqüente no homem, do que na mulher, sendo que no homem apparece aos 30 ou aos 40 annos e na mulher em uma idade mais avançada. As causas determinantes, umas são physicas, outras funccio- naes; umas dependem de um traumatismo qualquer, outras de uma actividade maior do órgão. Damos o nome de traumatismo não as pancadas, quedas, etc, mas a uma serie de actos mecânicos passando muitas vezes des- apercebidos e actuando de uma maneira continua. Este facto pôde ser admittido em razão das profissões de cada indivíduo; os homens que se entregam á trabalhos forçados são muitas vezes os atacados ; mas na mulher pode-se apontar como causa traumática, o habito do espartilho, cuja acção forçada produz cicatrizes aparentes no figado e de um aspecto especial. Quanto ás causas de ordem funccional colocamos em primeiro lugar o alcoolismo ou pelo menos o abuso do álcool. É admissível e mesmo tem-se encontrado exemplos, que uma certa quantidade de álcool, em um indivíduo já predisposto pela syphilis, produza mais rapidamente uma hepatite. No ponto de vista da actividade funccional do figado, querem alguns que nos climas quentes, onde a funcção do órgão se faz com mais energia, haja mais predisposição para o mal. Mas isto não está bem demonstrado. ANATOMIA PATH0L0GICA As lesões que se encontra, são a gomma e a hepatite inter- sticial ; por muito tempo foram consideradas como independentes e 27 hoje como conseqüência de um processo anatômico, principalmente depois da these de Lacombe, que propoz designar uma com o nome de syphilis infiltrada, a outra com o nome de syphilis nodular. Para este auctor «todo o tecido embrionário tem dous destinos possíveis ; ou morrerá por inanição », — é o caso de formação da gomma, —« ou se desenvolverá e constituirá um verdadeiro tecido conjunctivo. » — é o que acontece para a hepatite intersticial. O figado é adherente ás partes visinhas e principalmente ao diaphragma. A adherencia é devida a uma perihepatite que se ma- nifesta durante a vida e paralelamente ás lesões do figado. A perihepatite produz na superfície do figado largas placas de uma cor branca leitosa, mais ou menos espessas e muitas vezes a in- flammação se propaga ao peritoneo, aos outros órgãos, ha hyper- plasia conjunctiva, depois formação de tecido fibroso que vai produzir adherencias. Analisando-se um figado com hepatite syphiltica nota-se que é cavado em todas as direcções por numerosos regos como que formando ilhas. Segundo Lancereaux « os bordos são irregulares, suas faces, desiguaes, são cavadas por numerosos regos que muitas vezes irradiam do ligamento suspensor, e no fundo dos quaes existe um tecido fibroso resistente. Em conseqüência desta disposição, a superfície da glândula hepatica, apresenta um aspecto lobulado e uma certa semelhança com a disposição do rim de animaes novos. » Virchow também é desta opinião, que os regos principaes partem do ligamento suspensor. Muitas vezes a superfície do figado apresenta-se com largas placas leitosas devido a uma inflammação da cápsula de Glisson e principalmente cicatrizes esbranquiçadas, estreladas, de bordos irre- gulares, que para Virchow, Frerichs e Lancereaux servem de signal certo para a natureza syphiltica das lesões do figado. As cicatrizes syphilicas, diz Lancereaux, não se confundem com a depressão transversal, que na mulher, succede ao abuso do espartilho, nem com o traumatismo, e nem com a cura dos abcessos. Não é raro encontrar-se uma parte do figado atrophiada e a outra hypertrophiada ou de volume normal, mas se isto é muitas 28 vezes devido a uma degenerescencia amyloide, também é devido a uma verdadeira hypertrophia compensador a. Ao lado dessas alterações encontra-se espalhados em toda a glândula, mais numerosos no centro do que na peripheria, tumores amarelos ou esbranquiçados, algumas vezes vermelho claro ou ver- melho mais escuro, são gommas. Estes tumores são formados de uma parte peripherica home- genea, parecendo limitada exteriormente por uma casca fibrosa, e tornando-se caseosa á medida que se aproxima do centro. Estas gommas são fáceis de desapparecer quer pela regressão gordurosa, quer pela reabsorpção e deixam estas depressões cicatriciaes es- treladas tão bem descriptas por Lancereaux. Além destas cicatrizes da superfície Lancereaux admitte também no interior do órgão, apresentando esta mesma disposição estrelada e podendo-se reunir, por tractos fibrosos, uns aos outros. Duas phases distinctas caracterisam este processo inflamma- torio; um periodo hypertrophico constituído por proliferação dos elementos conjunctivos nos envolucros fibrosos destes órgãos, outro atrophico devido á retracção deste tecido de novo formado. E então que a observação mostra a differença do periodo secundário e ter- ciario da syphilis ; com eleito, se naquele as lesões não deixam traço apreciável de sua passagem, aqui, nos casos de hyperplasia diffusa, quando ha novas formações de substancia conjunctiva defi- nitivamente organisadas, a rectractildade orgânica, que é sua con- seqüência fatal, determina na víscera sulcos e depressões, desordens irremediáveis, que indicam por si localisações anatômicas profundas. No microscópico as alterações, que acabamos de vêr a olhos nus, tornam-se mais evidentes e é no tecido intersticial que se en- contra a origem das lesões hepaticas. A hiperplasia conjunctiva produz-se por toda a parte onde ha tecido conjunctivo, tanto no interior dos lobulos, quanto em sua peripheria. As alterações apre- sentam-se debaixo da fôrma de faxas fibrosas cortando-se em todos os sentidos, comprimindo em certos pontos, uma serie de lobulos, muitas vezes enviando entre eles prolongamentos que os penetram. Mas o que é de admirar, é a penetração da hyperplasia conjunctiva entre as cellulas que constituem o lobulo. 29 As manchas estendendo-se em todos os sentidos do centro á pe- ripheria do lobulo, dissociam as cellulas, separam-nas ora engrupa- damente, ora separadamente umas das outras. A maior parte destas alteram-se, tornam-se gordurosas ou transformam-se em degeneres- cencia amyloide. A medida que a atrophia fibrosa produz-se, os pequenos vasos portas e hepaticos podem ser comprimidos, donde o abstaculo me- cânico na circulação e ascite. As lesões, segundo as observações de Virchow e de Vagner, devem começar pelo systema vascular porta e hepatico. Os canaliculos biliares muitas vezes ficam intactos ; outras vezes podem ser obliterados por concreções e comprimidos por uma gomma, dando lugar a ictericia; nos grossos canaes as lesões são mais raras. Quanto aos vasos hymphaticos ainda reina uma certa obscuri- dade no modo primordial da lesão nestes vasos. No microscópico o aspecto das gommas será diferente segundo que as gommas forem recentes ou de antiga data. No primeiro caso, segundo Cornil e Rauvier, vê-se que « elas são constituidas por pequenos nós microscópicos cujo centro soffre uma atrophia e uma degenerescencia granulosa dirigindo-se para as células, em quanto que as cellulas redondas da peripheria confundem-se com o tecido embryonario visinho. As grossas gommas são constituidas por um grande numero destes nós. » Nas gommas antigas, pode-se distinguir três partes : uma central, amarella, amolecida; outra mais excêntrica, resistente, elástica e e finalmente, em roda, uma zona fibrosa que parece isolal-o. A parte central « cazeosa contem elementos celulares, pequenos, apro- ximados uns dos outros, cheios de finas granulações e de degene- rescencia granulo-gordurosa. » A parte amarella elástica é constituída por lacunas de tecido conjunctivo contendo granulações mais volu- mosas », emfim, na zona fibrosa, encontra-se «feixes de fibras de tecido conjunctivo muito apertados e densos, percorridos por vasos sclerosados e contendo entre as fibras, quer cellulas redondas, quer cellulas achatadas. » As complicações anatômicas da cirrhose syphiltica, que se en- 30 contra no figado são : a degenerescencia gordurosa e a degeneres- cencia amyloide, apontada por Portal e Rayer e finalmente considerada por Frerichs como uma forma particular da syphilis hepatica ; tem apenas relações mediatas com a syphilis; e, podendo complicar as suas manifestações, indicam antes um vicio de dyscrasia profunda do que uma lesão especifica. Entre as complicações, que se apresentam nos outros órgãos, mencionamos primeiramente o baço. N'este órgão, dois casos podem apresentar-se, ou é hypertrophiado, é o caso mais freqüente, ou é atrophiado, o que é raro. N'este ultimo caso, podemos dizer que este periodo de atrophia segue ao periodo de hypertrophia. Vem em seguida as complicações do lado do rim, já men- cionadas pelo Rayer: « Em quasi todos os casos a nephrite albuminosa chronica que tenho observado, diz ele, nos doentes atacados de syphilis constitucional, o figado era alterado ». SYMPTOMATOLOGIA A syphilis hepatica não tem symptomatologia própria; não ha signal physico que leve ao diagnostico de uma lesão profunda, e são os antecedentes do doente, os symptomas concomitantes, etc, os meios duvidosos que levam o pratico a desconfiar em vida da existência de uma localisação profunda da diathese. Nos antecedentes podemos colher dados que nos levem a pensar na existência anterior de accidentes syphiliticos: o cancro mole ou duro, a blennorrhagia, e o bubão supurado (Gros e Lancereaux), muitas vezes são os únicos commemorativos que os doentes nos fornecem; as cicatrizes dos cancros e dos bubões são também signaes de grande valor. As lesões da pele e das mucosas* as gommas do tecido celular, as cicatrizes, que indicam o traço de sua passagem, as ulcerações do nariz, da bocca, do pharinge também não devem ser desprezadas pelo' observador, que não se esquecerá que muitas vezes a syphilis hepatica se manifesta sem lesões para o lado da pele e das mucosas. Os symptomas da syphilis hepatica são physicos ou func- 31 cionaes. D'entre os primeiros os mais importantes são os fornecidos pela apalpação e pela percursão, que nos determinam o volume, a fôrma, o estado da superfície do órgão. O volume do figado é variável; ora augmentado, ora dimi- nuído e poucas vezes encontra-se em seu volume normal. No começo da affecção ha um periodo hypertrophico, ao qual se succede um periodo atrophico. As vezes, porém, em uma phase adiantada, o figado, longe de diminuir, augmenta de volume, em conseqüência de depósitos de substancia graxa e amyloide. A apalpação revela ainda as irregularidades de superfície constituidas por nodosidades, saliências e depressões; e a mão exploradora, percebendo uma sensação que poderia fazer suppôr existência de tumores cancerosos, encontrará uma dureza e um tumor tão circumscripto, que o levarão a eliminar do diagnostico a idéa d'aquellas producções. Podendo conservar sua fôrma, apezar da hypertrophia e das irregularidades de superfície, o figado, em geral, em um periodo adiantado, apresenta fôrmas tão irregulares que o hypochondrio direito é inteiramente occupado pelo lobo direito, em quanto que o lobo esquerdo é anormal ou atrophiado, e inversamente, um tumor no epigastrico, em quanto que a percursão não denunciará nenhuma modificação de volume no lado direito. Em alguns casos não percebe-se o resvalamento das paredes abdominaes no figado, como deveriam fazer durante a respiração, ficam como que immoveis. As vezes sente-se, ao nivel do bordo livre, fendas, e lobulos na superfície do órgão. Os symptomas funccionaes, são ás vezes tão insignificantes que deixam passar em silencio a hepatite, principalmente quando não se tem recorrido aos signaes physicos. A dor é um symptoma inconstante, consiste em uma sensação de peso e de oppressão e quasi nunca é continua. Estas dores irradiam-se para o epigastrico, para a fossa iliaca e estende-se até aos rins, exagerando-se pela pressão, principalmente se existem gommas; não tem a mesma intensidade em toda a evolução da moléstia e ordinariamente não existe no ultimo periodo. A ictericia, que é para uns symptoma raro e sem valor, é 32 para outros constante, durável e de grande importância no diagnostico da hepatite syphiltica. Referimo-nos á ictericia própria dos accidentes terciarios, e não àquela que Gübler assignala como um accidente secundário precoce, revelando um primeiro insulto da diathese sobre o figado, e independente de lesão material. E um phenomeno notável pela marcha lenta e progressiva, de duração longa, manifestando-se ás vezes com grande intensidade. Para Virchow ella é devida a concreções biliares, para Lancereaux e Frerichs á compressão dos canaes biliares pelos gânglios lym- phaticos tumefactos ou á uma cicatriz extensa e para Ripole á compressão produzida pela hyperplasia do tecido conjunctivo, aos exudatos plásticos sobre a célula glandular, que impedem a bilis de chegar ao canal choledoco. Vê-se, pois, que a ictericia é um symptoma diversamente interpretado, pouco estudado, mas citado por todos os autores. Brouardel diz que não é muito rara, pôde apparecer e desapparecer e que muitas vezes é excessivamente carregada e quasi negra. A ascite é um symptoma de grande valor, e acompanha a hepatite syphiltica diffusa mais commumente do que a gomma. (Lendet). Frerichs observou-a, coincidindo com a ictericia, n'um caso em que uma gomma comprimia os canaes hepaticos (Cru- veiller). Ao contrario de Schrant, que attribuia a morte dos doentes ordinariamente ao desenvolvimento da hydropesia, Brouardel liga á ella tanta importância que diz: « a cura da ascite mesmo muito desenvolvida é possível, e este caracter commum ás acites de origem hepatica é exclusivo da ascite syphilitica ». E muito possivel que este modo de pensar de Brouardel seja exagerado; mas attendendo-se á dificuldade de reconhecimento de uma hepatite syphilitica, devemos ter em tanta consideração este signal como todos os outros. As crianças, que soffrem de hepatite syphilitica, apresentam em geral os symptomas de uma peritonite. Gemem, agitam os membros abdominaes; têm vômitos, diarrhea ou constipação; dor, ao que parece provar pela pressão; meteorismo do ventre; acce- leração do pulso com queda da temperatura. 33 A hydropesia do peritoneo, as hemorrhagias diversas como hematcmesis, fluxo hemorrhoidal, epistaxis, o cedema dos membros inferiores, etc, phenomenos devidos ao embaraço da circulação porta, com quanto não nos forneçam dados para o diagnostico diíTerencial, visto serem communs a outros estados mórbidos do figado e do peritoneo, devem entretanto merecer alguma attenção. Com estes symptomas também coincidem perturbações diges- tivas traduzidas por vômitos, dyspepsia, diarrhea, tympanite, etc, phenomenos estes que podem coexistir com a ascite e a ictericia. A albuminuria, junta á deformação do figado e á cachexia, é para Lancereaux um signal de alta importância no diagnostico da syphilis hepatica. A causa, porém, d'esta albuminuria a sciencia ainda não pôde verificar; a não ser a influencia das cachexias sobre as glândulas urinarias, a sua existência ligada ás irregularidades de fôrma do figado deve ser tida em grande conta. A raridade de augmento dos uratos é um elemento poderoso para o diagnostico differencial entre a hepatite syphilitica e a hepatite intersticial commum, em que estes saes são sempre en- contrados em excesso. Os symptomas da hepatite syphilitica são obscuros e approxi- mam-se ora da cirrhose atrophica, ora da cirrhose hypertrophica; apenas persiste a cachexia que lhe é especial. CAPITULO II DOS KYSTOS HYDATICOS ETIOLOGIA A etiologia dos hydaticos do figado é inteiramente desconhe- cida e não se conhece nem o desenvolvimento dos vermes vesiculares e nem sua predilecção para este órgão; apenas as causas predis- ponentes não são ignoradas. 47Í7 - 3 34 Idade. — É principalmente no adulto, entre 30 e 40 annos, que. observam-se os kystos hydaticos. A raridade apparente d'esta affecção no menino poderá talvez se explicar pela lentidão do desenvolvimento mórbido e a ausência de phenomenos peculiares no começo de sua evolução. Esta raridade é ainda maior no recemnascido do que na segunda infância e a razão é fácil de saber-se : a criança ingere o leite materno e não corre, por con- seguinte, o risco de absorver germens de toenia echinococo: accrescentamos que na infância a moléstia é mais commum nas meninas do que nos meninos. Sexo. — Esta influencia cio sexo desapparece com a idade e no adulto a moléstia parece atacar com igual freqüência os homens e as mulheres. Profissão. — Os médicos inglezes fazem notar que os kystos hydaticos do figado são mais communs nas classes pobres do que nas classes abastadas e dão por caUsa d'esta maior freqüência a humidade das habitações e o regime vegetal. O que ainda con- tribue a acreditar esta maneira de vêr, é a observação de que os carneiros submettidos á uma má alimentação e colocados em pastos humidos, contrahem a moléstia h}rdatica. Nós não acreditamos que o regime vegetal tenha na pro- ducção d'esta moléstia a influencia que se lhe tem querido attribuir. Nós habitamos um paiz onde o uso do regime vegetal é feito em grande escala por todas as classes e nele não se tem observado esta moléstia. Quanto á humidade das habitações pensamos que não se lhe deve ligar grande importância. Os marítimos que estão sempre colocados em uma athmosphera humida e que têm muitas vezes a roupa do corpo molhada, gozam pelo contrario de uma immu- nidade quasi completa. Os auctores antigos attribuiam ás contusões do hypochondrio as causas d'esta affecção. Ainda muitos auctores modernos re- produzem esta opinião. Sabemos que desde que um doente vê apparecer uma moléstia que não pôde explicar a origem, não põe duvida em lembrar uma pancada ou uma queda dadas 35 anteriormente para referir ao traumatismo essa moléstia. Esta causa é, pois, uma invenção do doente, facilmente aceita por certos médicos como causa determinante. E bom accrescentar que muitas vezes uma pancada na região hepatica pôde influir para o desenvolvimento da moléstia, que até ali não havia des- pertado a attenção por nenhum symptoma. (!) Sabe-se hoje que a moléstia é devida á introducção no figado de ovos ou de embrions de toenia que ahi se transformam em hydatidos; e a freqüência d'estes embrions no cão basta para explicar a importância que se tem podido ligar á cohabitação do homem com este animal. ANATOMIA PATHOLOGICA E fácil de comprehender porque, de todos os órgãos, é o figado o mais freqüentemente sujeito aos kystos hydaticos. Na verdade, sua proximidade do tubo digestivo permitte ao embrião do toenia echinococo ahi chegar serpeando-se átravez dos tecidos que o separam. De outro lado a riqueza vascular deste órgão, no qual nota-se um duplo systema capilar, lhe dá todas as facilidades para a penetração e permanência do parasita. Finalmente, alguns auctores admittem que o embrião ache, graças ao canal excretor da bilis e aos canaes que lhe fazem serie, um meio fácil de chegar ao figado. Como quer que seja, a habitação do parasita neste órgão occasiona alterações que apresentaremos mais adiante. As lesões que se produzem no começo são pouco conhecidas. E de Frerichs a seguinte descripção : « Na visinhança destes tumores, diz ele, o microscópico mostra que o tecido próprio do órgão é atravessado por vesiculas de echinococos invisiveis á olhos nus, arredondados, (') «Tem-se dito, escreve Davaine, que os vermes são mais freqüentes em indi- víduos delicados e débeis, nos doentes atacados de affecções asthenicas, nos escrofulosos, etc, que os vermes cysticos são mais freqüentes nos hydropicos; mas nenhuma d'estas affirmações tem sido estabelecida em factos bem observados. Era preciso ver se a deto- nação da economia não tem sido consecutiva á invasão, nos casos de toenia por exemplo; se a hydropesia não tem sido a conseqüência antes que a causa de um hydatido do fígado ; se o doente é atacado de vermes, porque vive em uma condição que os_ torna communs em roda d'elle, como se vê em certas localidades para a ascaride lombricoide. Não sei, como, em um estabelecimento hospitaleiro onde as condições de vida são as mesmas para todos, não sei, digo, como em um tal estabelecimento não se tenha feito um estudo comparativo de casos de vermes nos escrofulosos e nos indivíduos de uma constituição ordinária », 36 fornecendo algumas vezes rebentos lateraes. As cellulas da visi- nhança são infiltradas de pigmento biliar, atacadas de degeneres- cencia gordurosa, destruídas e separadas umas das outras por depósitos de hematoidina ». Mais logo, sem que a razão seja conhecida, o hydatido se cerca de um bolso kystico que, delgado no começo, acaba tomando consistência, afastando os tecidos vi- sinhos. Cruveilhier define os hydatidos: « des vesicules libres de toutes parts, vivant dune vie propre, et ne demandant à 1'animal qui les porte que le leu, Ia chaleur, et des produits exhalés quelles ont Ia faculte de s'assimiler ». Os hydatidos podem variar de tamanho; tem uma cavidade cheia de Iquido puro. Robim dividiu-os em estéreis e em férteis. Estes se distinguem dos primeiros por uma membrana homogênea granulosa contendo grossas gottas de óleo em sua espessura e tapetando a face interna do hydatido ou ainda sobrenadando-lhe no interior. E nesta membrana que nascem os echinococos, isolados ou por grupos. Os kystos, no começo, tem as paredes formadas por tecido celular mais ou menos condensado e dispostas por camadas. O kysto torna-se cada vez mais espesso, á medida que caminha em idade e as paredes tornando-se mais espessas transformam-se. De celulosas, tornam-se fibrosas, depois fibro-cartilaginosas, cartila- ginosas ; e finalmente encrustam-se de saes calcários. A transformação óssea faz-se por núcleos ou por placas; mas todo o kysto póde-se transformar em uma casca calcaria. A superfície externa do kysto adhere intimamente á substancia do figado; não se pôde separal-o sem despedaçar esta substancia. Quando o kysto assesta-se na superfície do figado, uma parte de sua face externa é livre de toda adherencia, de apparencia tendinosa, ou ainda adhere ao diaphragma, ás paredes abdominaes ou á qualquer órgão desta cavidade. A superfície interna do kysto é a principio lisa, de appa- rencia serosa; depois torna-se rugosa, e ahi produzem-se exudações mais ou menos espessas, mais ou menos adherentes. Algumas vezes ahi se estabelece uma espécie de ulceração no fundo da 37 qual vê-se ás vezes vasos apparentemente varicosos. A ulceração pôde chegar aos vasos sanguineos ou biliares, e o sangue ou a bilis derramar-se na cavidade do kysto e ahi produzir grandes desordens. O liquido contido no kysto é claro, fluido, composto na maior parte de água e de chlorureto de sódio; não se lhe encontra al- bumina; algumas vezes se o tem visto com a cor vermelha. Attribuia-se, neste caso, esta mudança de cor á infiltração da matéria corante do sangue. Neste liquido encontram-se vesiculas sobre cuja constituição não ha accordo entre os auctores. Uns pretendem que ellas sejam formadas de uma camada única, crêem outros que as paredes são formadas de muitas membranas. O que se pôde affirmr é que a superfície interna é granulosa e que este aspecto é devido á presença do toenia embrionário retido na mem- brana fértil por um delgado cordão que se rompe mais tarde, e permitte assim ao verme cahir na cavidade. O estudo do echinococo interessa mais ainda ao naturalista do que ao pratico. Na face interna do hydatido vê-se a olhos nus uma poeira branca formada de grãos semelhantes aos da areia muito fina. Estes grãos são agglomerados de echinococos ; são reunidos por grupos de cinco a seis e algumas vezes de dezoito a vinte. O echinococo tem uma forma espheroidal. Distingue-se-lhe uma cabeça, um tronco e um pediculo. Na cabeça, nota-se uma saliência ma- miliforme á qual deu-se o nome de trompa. Para traz da trompa, acha-se uma coroa de ganchos. Os ganchos são amarelos, de appa- rencia cornea e falsiformes. Esta coroa é composta de duas ordens de ganchos. Para traz dos ganchos vê-se quatro ventosas ovaes ou circulares. O tronco é globuloso, confundido com a cabeça. Da parte posterior do tronco destaca-se um pediculo que vai se in- serir na membrana fértil. A cabeça do animal é muitas vezes invaginada no tronco á feição dos cornos do caracol. Os echino- cocos não tem órgãos geradores e reproduzem por segmentação. Introduzem-se no intestino e se transformam em toenia. Um dos pontos mais importantes da historia dos kystos hy- 38 daticos do figado, é o que tem relação com as mudanças apresen' tadas cm suas paredes. A solidez das paredss do kysto pôde ser muito forte para adquirir a consistência dos tendões e oppôr-se, por sua espessura, ao desenvolvimento do parasita. É ali o ponto de partida de uma serie de modificações que experimenta o bolso kystico. Os hydatidos crescem, e chega um momento em que, contidos em um espaço muito estreito comprimem-se e anniquilam-se. Pouco a pouco, se depõe nas paredes do tumor elementos novos que reúnem intimamente todas as camadas e lhes dão o aspecto e a solidez da cartilagem. O trabalho de solidificação não fica ahi e não é raro ver-se a bolsa ossificar-se de maneira a constituir um envolucro inteiramente rígido. Outras vezes, o liquido contido no kysto se reabsorve inteiramente; o kysto volta sobre si mesmo e os hydatidos retrahem-se regularmente. Muitas vezes a face in- terna do kysto secreta uma matéria caseosa que se concreta. Em certos casos, o hydatico póde-se destruir, e na autópsia acha-se uma cavidade cheia de uma matéria caseosa contendo ganchos de echinococos que revelam a origem destes productos. « O liquido das vesiculas, diz Frerichs, a principio claro, toma mais tarde uma cor láctea; as próprias vesiculas se achatam; algum tempo depois não se acha mais que restos debaixo da forma de fra- gmento, que desapparecem por sua vez. Encontra-se muitas vezes, nestes kystos, hematoidina crystallsada ou amorpha, assim como bilis, que ahi penetram pelas aberturas dos canaes biliares e tem freqüentemente por sua presença, causado a morte dos parasitas e sua destruição ». Finalmente, quer em conseqüência de uma violência exterior ou de outra qualquer causa, o kysto póde-se inflammar e su- purar. Dissemos que nos kystos antigos a superfície interna era a sede de ulcerações; estas ulcerações depois de invadirem quasi todo o kysto podem também ganhar os vasos do órgão. Para explicar a communicação do kysto com os canaes bi- liares, alguns auctores pensavam que o hydatido podia se formar 39 nos canaes biliares e que o kysto era formado á custa do canal e por sua dilatação. Ora, vimos que a bilis mata os hydatidos; além disso um hydatido que terá nascido em um canal biliar impedirá a passagem da bilis, que, se accumulando atraz de si acabará por leval-o ao tubo digestivo. Logo, esta communicação é devida á ulceração das paredes dos canaes biliares. A principio, o kysto desenvolvendo-se no apparelho da excreção biliar, pôde comprimil-os até mesmo a vesicula. Viram-se casos em que a compressão tinha sido tão forte e tinha durado tanto tempo, que na autópsia não se achou traço algum dos canaes hepaticos, cys- ticos e choledoco. Algumas vezes também os hydatidos exercem uma acção directa nos vasos sanguineos do figado, nas veias hepaticas. Quando estes factos se apresentam, a inflammação supurativa do figado, a phlebite, assim como todo o cortejo da infecção pútrida, podem se produzir. Finalmente a ulceração pôde invadir toda a espessura do kysto, e este se esvasiar em uma cavidade ou fora dela; muitas vezes esta ruptura tem lugar no thorax. Quando o kysto se abre na pleura ou no pericardo sobrevem uma pleuresia ou uma peri- cardite quasi sempre mortaes. Se o pulmão contrahiu adherencias com o diaphragma, pode-se gangrenar, e então se forma uma vasta caverna que põe o kysto em communicação com os bronchios. Se o kysto abre-se no peritoneo, sobrevem uma peritonite geral que mata rapidamente o doente. Quanto ás modificações do figado, o kysto se desenvolvendo na superfície do figado, a estructura do órgão não é modificada sensivelmente, mas soffre estes deslocamentos mais ou menos consideráveis segundo o volume do tumor. Quando o kysto se desenvolve no interior do figado, produz atrophia do parenchima glandular. Esta atrophia é mais considerável quando existem muitos kystos; mas em geral as partes que ficam sans são hyper- trophiadas. Algumas vezes o kysto exerce uma compressão nos canaes biliares e nos vasos do figado e produz-lhes obliterações. Nas modificações dos outros órgãos, nota-se, que os kystos da 40 superfície convexa do figado ganham o thorax e deste lado só o diaphragma lhe faz obstáculo; o músculo é recalcado pouco a pouco; o pulmão direito o é por sua vez; o pericardo e o coração não tardam a se desviar; e como o kysto se dirige para cima e para direita, o órgão central da circulação é desviado para cima e para esquerda. No caso em que o kysto se desenvolve do lado do abdômen, a compressão dos órgãos abdominaes dá lugar a per- turbações que estão em relação com as respectivas funcções destes órgãos. O tumor parasitário assesta-se em qualquer parte do figado; encontra-se muito mais no lobo direito do que no lobo esquerdo, o que é talvez devido ao volume predominante do primeiro. SYMPTOMATOLOGIA Os kystos hydaticos podem ficar desconhecidos por muito tempo, porque dão lugar ás vezes a ligeiros symptomas; não nos occuparemos do estudo deste periodo da moléstia que dura muitas vezes annos. Mas quando uma das causas, capazes de produzirem a inflammação do kysto venha actuar, logo a scena muda de face. O tumor hydatico apresenta-se debaixo da forma espheroide; sua superfície lisa e unida pode ser também irregular; é além disso dura e renitente, ou ainda mole e fluctuante, segundo os casos. O signal realmente pathognomonico, quando existe, é sem duvida, o frêmito hydatico, que se reconhece pela percussão. Sobre o valor pathognomonico deste signal não ha accordo, porque pôde faltar em muitos casos; por este signal nunca se poderá chegar ao ponto de saber se ha ou não supuração no kysto. A dor não é um phenomeno constante na affecção que nos occupa; comtudo, quando o tumor tem chegado a um certo volume, é raro achal-o completamente indolente. A dor que se manifesta então é provavelmente devida a uma inflammação adhesiva que ganha os tecidos visinhos do kysto, ou á pressão que a bolsa kystica exerce sobre diversos órgãos. Como quer que seja, esta dor pôde apresentar caracteres variados; de ordinário surda e profunda, é 41 ás vezes muito viva e mesmo aguda, quando o kysto supura. Sua sede de predilecção é o hypocondrio e o epigastrico, mas podendo irradiar-se principalmente do lado da espadua direita; esta irra- diação pôde chegar á região lombar e até o quadril do lado direito. Os phenomenos dolorosos nos parecem ter uma certa im- portância em razão da freqüência relativa; entretanto estamos longe de considerai-os próprios á moléstia parasitaria e acreditamos antes ligadas a um certo gráo de hepatite concomitante. Sabe-se que a propagação da dor á espadua direita é freqüente nesta affecção, e além disso acrescentamos que podem ellas ser inter- mitentes. Outros symptomas locaes precedem muitas vezes ao appare- cimento da dor. O figado augmenta de volume, estendendo-se ou para o lado do thorax ou pára o lado do abdômen, algumas vezes nas duas direcções. Murchison observou um caso em que um enorme tumor hydatico do figado comprimia o pulmão direito, produzindo uma curvadura das costelas ao mesmo tempo que um tumor proeminente no abdômen. A forma do órgão hepatico pôde variar muito, segundo a sede do tumor, volume, adherencias que contrahe, e numero de kystos. A saliência das falsas costelas desapparece; são ellas afastadas para fora, e o lado direito do thorax é augmentado, principalmente na base. Pelo toque, sente-se um tumor liso, renitente, globuloso, indolente. Quando o tumor assesta-se na face concava, o apalpar torna-se mais difícil, e o producto mórbido é menos accessivel do que quando se acha na convexidade do figado. Quando, porém, a posição permitte, póde-se-lhe sentir o amolecimento, a fluctuação. Os symptomas geraes faltam completamente no começo da moléstia e quando apparecem, pertencem antes ás complicações do que á própria moléstia. O pulso é lento e pequeno; se ha febre, é preciso procurar a causa em uma phlegmasia intercurrente. Do lado das vias digestivas, não se observa nenhuma perturbação; o appetite é conservado, as digestões são boas, o ventre é livre: algumas vezes ha constipação. Em certos casos, observam-se náuseas e vômitos, devidos provável- 42 mente á compressão do estômago. Quasi sempre ha uma tosse secca, curta e embaraço da respiração. Este embaraço é inteiramente mecânico e produzido pela compressão do pulmão direito e algumas vezes mesmo do pulmão esquerdo. Quando o coração é deslocado, o doente sente palpitação. As perturbações da excreção biliar são raras. Pôde apparecer em alguns casos uma ictericia mais ou menos intensa. A icteria é quasi sempre produzida pela inflammação do kysto que se esten- deu ao tecido do figado. Pôde ser também produzida pela com- pressão que exerce o tumor nos canaes biliares ou no canal choledoco; ou ainda, no caso de communicação do kysto com os canaes biliares, pôde acontecer que um ou muitos hydaticos assestem-se nestes canaes ou no canal choledoco, detendo, portanto, o curso da bilis. Nestes casos ha os mesmos symptomas que nos casos de eólicas hepaticas produzidas por cálculos biliares. A ascite, o oedema dos membros inferiores e o desenvolvimento das veias superficiaes do abdômen são ainda raros; mesmo quando estes phenomenos appareçam, deve-se consideral-os como accidentaes e devidos á compressão exercida pelo tumor no tronco da veia porta, ou da cava inferior ou das veias iliacas. Ha em alguns casos uma tendência notável ás hemorrhagias; as mais freqüentes dentre ellas são a epistaxis no homem e a metrorrhagia na mulher. Apezar de tudo isto as forças do doente vão diminuindo: o em- magrecimento torna-se considerável, fazendo um contraste com o grande volume do abdômen: é uma verdadeira cachexia. Quasi nunca a moléstia tem uma terminação fatal e pôde a inflammação ulcerativa abrir no kysto um caminho pelo qual será evacuado. Em certos casos, é no fim de alguns dias somente; em outros, quando a situação parece já desesperada, é que tem lugar esta perfuração salutar. No momento em que a ruptura se dá, certos doentes sentem uma dor mais viva, atroz; tem a sen- sação de alguma cousa que se despedaça em seu corpo; outros ouvem uma espécie de ruido. E muitas vezes no momento em que o doente faz esforços para defecar, que se dá a ruptura. Pouco depois da ruptura apparecem diarrhéas abundantes ou vômitos que 43 contem hydatidos; além disso, se o tumor é accessivel ao toque, sente-se que é muito mais depressivel. O baço não soífre nenhuma modificação no seu volume; e quando assim aconteça é em circumstancias semelhantes ás que dão lugar a ascite : é a compressão dos tumores hydaticos secundários. Do mesmo modo não ha perturbação funccional dos rins, e não podemos encontrar as mesmas alterações das urinas, que en- contramos na degenerescencia amyloide e na steatose hepatica. Em alguns casos, pôde manifestar-se nos rins os hydatidos, ou haver pyelite devido á compressão dos urecterios por um tumor hydatico do figado; « nestas circumstancias, a urina pôde conter uma grande quantidade de pus, como isto aconteceu em um doente meu, neste hospital, ha alguns annos » (Murchison). Em alguns casos póde-se encontrar albumina, « provavelmente devido á com- pressão da veia renal, porquanto desapparece quando o kysto tem se esvasiado. » CAPITULO III DA LITHIASE BILIAR ETIOLOGIA A etiologia da lithiase biliar só se pôde explicar pelo conhe- cimento dos diversos elementos constitutivos da bilis, da composição chimica dos cálculos, e das differentes modificações que este liquido participa segundo certas circumstancias hygienicas, individuaes e outras. O figado, entre suas funcções, possue, como se sabe, o de eli- minar pela bils o excesso dos principios graxos contidos no sangue. Esta eliminação se realsa em um gráo de combustão mais ou menos completa, e dá como resultado os ácidos graxos, cholco, choleico e a cholesterina. Ora os ácidos cholco e choleico têm um o-ráo muito adiantado de oxidação das matérias graxas e são so- 44 luveis; a cholesterina pelo contrario é um producto pouco oxidado, insoluvel, e no estado de suspensão na bilis; é, pois, um producto de combustão incompleto das matérias graxas. Por conseguinte pôde haver precipitação, cristalsação e formação de um calculo todas ás vezes que houver excesso na bilis, mas tendo sempre como causa todas as condições capazes de se oppôr á combustão das matérias graxas do sangue. Do mesmo modo a precipitação da matéria corante pôde ser considerada como conseqüência da decomposição da bilis e dando lugar, portanto, a formação de cálculos. Para os cálculos salinos, póde-se admittir que a bilis, vindo a saturar-se deixa depor pelo repouso moléculas salinas, que consti- tuem cholelthos. A cal que se encontra nas concreções provem, diz Frerichs, das paredes da vesicula. As concreções biliares são quasi exclusivamente constituidas por dous elementos da bilis, a matéria corante e a cholesterina, aos quaes é preciso juntar-se mucus que, com uma forte proporção d'agua, entra quasi constantemente em sua composição, principal- mente para os aggregados das matérias corantes. As matérias corantes (amarello e verde), a cholesterina e o mucus são os elementos da bilis os menos solúveis nagua e o exame microscópico demonstra a presença destas trez substancias. Parece, pois, que podemos fazer a seguinte idéia de um cal- culo biliar: que em geral isto não é outra cousa senão a aglo- meração dos materiaes da bilis não solúveis, tidos em suspensão neste liquido e se agregando pela interposição do mucus que vem se interpor entre suas moléculas; somente observamos, com Robin, que a existência deste cimento orgânico tem sido até aqui antes admittida do que demonstrada. Como quer que seja passemos a tratar das diversas condições que parecem favorecer a formação destes productos accidentaes. Idade.—Os cálculos biliares são excessivamente raros na vida intra-uterina; a bilis chega na vesicula no septimo mez e a grande parte passa directamente no duodeno. Entretanto que muitos auctores asseveram ter encontrado concreções na vesicula do recém-nascido. 45 Do mesmo modo, na infância e na adolescência, a affecção cal- culosa do figado tem ainda pouca probabilidade de se formar, porque, de um lado. a actividade digestiva é muito grande e se oppõe a que a bilis fique por mais tempo em seu reservatório; de outra parte a hematose é também muito activa, o sangue possue propriedades comburentes mais enérgicas, e destroe por conseguinte os princípios graxos, resultado do trabalho digestivo. Na velhice dá-se inteiramente o inverso ; é nesta idade que ha maior freqüência de cálculos biliares, época em que a vida é muito menos activa. Sexo.—E certo que as mulheres são muito mais sujeitas do que os homens, mas não é tão fácil de dar a verdadeira causa desta diferença. E a uma vida mais sedentária, ou devido as funcções sexuaes ? Não se sabe. Temperamento.— A influencia do temperamento bilioso e a obesidade tem sido apontados por Portal e Bouisson como causas da produçcão dos cholelthos, entretanto que estas duas condições nunca se encontram juntas. Entre as condições que retardam o curso da bilis, a vida se- dentária, o repouso forçado, como nos prisioneiros, estão no mesmo caso. Tissot colocava a lithiase biliar no numero das moléstias dos sábios. Do mesmo modo a obstrucção das vias biliares em conse- qüência quer de uma stenosia, quer de uma affecção orgânica, é uma das causas mais poderosas dos cálculos. Alimentação.—Attribue-se á certos alimentos, como os farinaceos, os ácidos, uma alimentação azotada muito abundante, o uso de certos vinhos, como aptos á exercer uma certa influencia na pro- ducção dos cálculos biliares. A alimentação, posto que apontada por quasi todos os auctores, como causa predisponente da lithiase biliar, não passa de mera hypothese, incoherencia ou contradicção. Estações e climas.— Os dados até hoje apresentados, não nos esclarecem na influencia, que as estações e climas exercem na producção dos cálculos biliares; acredita-se entretanto que os climas frios, o abaixamento da temperatura, favorecem á producção dos cholelthos, diminuindo a solubildade dos diversos elementos da bilis. 46 ANATOMIA PATHOLOGICA Os cálculos biliares podem existir muitas vezes sem produzir nenhuma alteração dos órgãos que os contem, ficando então suas paredes e tecidos no estado normal; mas nem sempre as cousas correm tão bem, e vê-se-os algumas vezes tornar-se a sede de diversas lesões anatômicas. O volume dos cálculos biliares varia, desde o tamanho de um grão de milho até o de um ovo de galinha. As menores concreções receberam o nome de — areia biliar — e as maiores podem existir ao mesmo tempo, variando de volume; a vesicula, no caso de conter um só calculo, e sendo este de um tamanho que encha perfeitamente a sua cavidade, pôde ficar inteiramente unida á este corpo e suas paredes serem moldadas na concreção. O calculo iso- lado é quasi sempre redondo ou ovoide, ou ainda apresenta a fôrma da vesicula biliar, sendo a sua superfície lisa ou desigual; os cálculos múltiplos, em virtude de attritos que se dão reciproca- mente, apresentam uma fôrma polyedrica com arestas, ângulos e superfícies planas; ou ainda observam-se ahi facetas concavas e convexas, que lhes dão muitas vezes uma fôrma singular. A cor varia muito : o verde e o escuro são as cores as mais communs; finalmente, como a composição do calculo não é a mesma nas diferentes camadas, observa-se muitas vezes no corte zonas diver- samente coradas. Na maioria dos casos os cálculos contêm um núcleo, cujos materiaes, que contribuem para o seu augmento, se depõem, em roda deste núcleo, em camadas estratificadas ou irregulares. Quasi sempre, os cálculos são compostos unicamente de cholesterina com um núcleo de pigmento calcário; em outros casos, o pigmento pre- domina mais, sendo ora único, ora formando com a cholesterina zonas alternantes. Em bem poucos casos, não se nota a presença da cholesterina, e a pedra sendo composta de uma combinação de pigmento biliar com a cal ou de carbonatos e phosphatos calcários. Quasi todos os cálculos biliares são formados : de um centro ou núcleo; de uma parte media ou estriada; de uma parte peri- pherica ou camadas corticaes. 47 Lesões sem perfuração das vias biliares.— É a vesicula biliar a sede principal dos cálculos : ahi se encontram eles, segundo Trousseau, nove vezes sobre dez casos de cálculos. É na verdade no reservatório da bilis que se acham as condições mais favoráveis á formação e crescimento dos cálculos; é nele que a bilis demora-se mais tempo e que pôde mais facilmente concentrar-se, decompôr-se e precipitar os seus elementos solificaveis, que, favorecidos pelo repouso e por intermédio do mucus, aggregam-se e constituem assim e pouco a pouco os cálculos. Quando a vesicula os contem, principalmente se forem duros, moriformes, mamilados, eriçados de pontas, de superfície desigual e áspera, a mucosa irrita-se e inflamma-se; algumas vezes ha uma simples inflammação da mucosa, que é intumecida, injectada; seu estado reticulado é exagerado; outras vezes é amolecida, se deixa romper pelos cálculos que ahi se encrustam; em certos casos as paredes da vesicula se transformam em um tecido fibroso, que desapparecem todas as particularidades da estructura normal (fibras musculares e elásticas, etc). Ao mesmo tempo, as paredes parti- cipando de uma espécie de retracção, resulta que a cavidade da vesicula se retrahindo em todos os sentidos, suas paredes se applcam sobre as concreções biliares que são por assim dizer en- kystados. Muitas vezes suas paredes são adherentes aos cálculos, principalmente quando apresentam asperezas, ou ainda são hyper- trophiadas, ulceradas, cobertas de falsas membranas, fungosas, es- quirrhosas, ou, pelo contrario, consideravelmente adelgaçadas; algumas vezes apresenta uma distensão extrema. A vesicula biliar contrahe ás vezes adherencias com os órgãos visinhos, rim direito, estômago, duodeno, paredes abdominaes e o colon principalmente ; do mesmo modo os conductos biliares podem ser dilatados a ponto de receberem em sua cavidade um ou muitos deles; outras vezes são completamente obstruídos por um calculo. Quando os cálculos sahem da vesicula, é ordinariamente pelo conducto cystico que tem lugar a sua passagem; as pequenas concreções areniformes, podem sem dificuldade por ele trajectar, mas, o mesmo não acontece nos cálculos um pouco volumosos; 48 para estes passarem é preciso que o conducto se dilate gradual- mente, que as válvulas se desfaçam; ora, isto não tem lugar sempre, e então os cálculos, depois de terem avançado um pouco, retrogradam para a vesicula ou ficam presos no conducto cystico. Em alguns casos pequenas concreções fixam-se nas válvulas deste e ahi crescem á custa da bilis, que por ele passa, e a obstrucção do canal cystico pôde produzir a atrophia da vesicula. Os cálculos que, sejam do canal hepatico e seus ramos, sejam da vesicula e seu conducto excretor, dirigem-se para o tubo intestinal pelo canal choledoco, não tem todos o mesmo diâmetro. Se este é igual ou menor ao do choledoco, passam commummente sem produzir alte- rações graves; mas se são de maior diâmetro, o canal choledoco apresenta geralmente lesões graves ; pôde ser sede de uma inflam- mação interna que propaga-se ás partes visinhas e que, em alguns casos, tem sido seguida de ulceração. O calculo obturando, em alguns casos, inteiramente o canal choledoco, determina uma retenção de bilis na vesicula e conductos biliares que apresentam-se geralmente tanto mais dilatados, quanto mais tempo tem durado essa retenção. Nestas condições a vesicula pôde tornar-se mais volumosa para descer, facto raro na verdade, até ao umbigo e até mesmo á fossa iliaca. Logo, a distenção ganha os conductos intra-hepaticos e produz-se então uma alteração par- ticular do figado que algumas vezes tem-se dado o nome de ictericia do figado, de congestão biliar do figado; ao mesmo tempo, a rede vascular do figado sendo comprimida, encontra-se muitas vezes, neste caso, um derramamento ascitico. As paredes dos canaes são em alguns casos espessadas ou adelgaçadas; pôde também ahi manifestar-se uma inflammação mais ou menos aguda. Fistulas biliares internas. — São communicações anormaes das vias biliares com os órgãos internos, produzidas quasi sempre pelos cálculos, que ulceram a vesicula ou o ponto das vias biliares com que estão em contacto, produzem adherencias com as partes visi- nhas e passam de uma cavidade para uma outra por intermédio 49 de uma espécie de cloaca; outras vezes são directas e pôde haver gangrena resultante da pressão cios cálculos. Muitas vezes estes trajectos fistulosos desenvolvem-se silen- ciosamente, sem que se manifeste nenhum signal, a não ser por symptomas muito vagos. Raras vezes ha ictericia, quasi nunca dores hepaticas e finalmente também não ha hematemese (Frerichs). As fistulas, que mais freqüentemente se observam, são as duodenaes, em seguida são as cystico-colicas e em terceiro lugar as gástricas. Outras communicações accidentaes merecem ser aproximadas das fistulas cystico-intestinaes; estas são : as fistulas cystico-renaes, as fistulas cystico-vaginaes e as fistulas da pleura e do pulmão. Os accidentes susceptíveis de produzirem-se nas fistulas cystico- intestinaes são o ileus, ás perfurações do coecum e as ulcerações. Fistulas biliares externas. — As lesões organopathicas desta espécie são raras, e se provam mais freqüentemente no sexo fe- minino. A maior parte dos doentes, em que estas fistulas apparecem, sentem eólicas hepaticas e algumas vezes ictericia; a inflammação ganha a vesicula, cujo volume augmenta muito ; o tumor formado proemina no hypochondrio, contrahe adherencias com a parede abdominal; um trabalho inflammatorio e ulcerativo se segue, e a abertura se effectua. « Ora a fistula estabelece-se por um trabalho de ulceração lenta e que passa quasi que inteiramente desapper- cebido; ora apparece uma cystite supurativa, determinando acci- dentes de uma gravidade variável; depois fazem-se adherencias directas entre a vesicula e as paredes abdominaes, ou ainda, fórma-se uma cloaca. A abertura dá-se algumas vezes no nivel do fundo da vesicula, freqüentemente na região umbilical, ás vezes na região inguinal. » (Charcot.) A abertura, uma vez estabelecida, dá sahida ora a pus mais ou menos misturado quer á uma certa quantidade de bilis, quer á serosidade e mesmo sangue, ora á um liquido viscoso. « Se o canal cystico está obliterado, não corre bilis pela fistula; é a con- dição a mais favorável. » (Charcot.) 50 Na maior parte dos casos, os doentes não succumbem desta complicação; alguns curam-se espontânea e completamente: em outros, a fistula se feixa para abrir-se de novo e isto durante um tempo mais ou menos longo, em outros, finalmente, não se oblitera nunca, mas constitue um ligeiro incommodo, quando os accidentes agudos tem desapparecido, á menos entretanto que a perda da bilis não seja muito considerável para pôr obstáculo notável ás digestões e por conseguinte dar lugar á um abatimento progressivo e á morte. SYMPTOMATOLOGIA Nesta parte consideraremos os symptomas, determinados pelos cálculos, conforme a sua sede : 1.° no canal hepatico e suas rami- ficações; 2.° na vesicula e conducto cystico; 3.° no canal choledoco. Como ha um grupo de symptomas, que mais freqüentemente des- perta a attenção do medico sobre a existência da affecção calculosa do figado e em muitos casos conduz quasi com certeza ao diagnostico, deixaremos para um artigo especial a descripção desse grupo de symptomas geralmente conhecido com o nome de eólica hepatica. l.° Quando cálculos assestam-se no canal hepatico e seus ramos, os symptomas, ou são nulos ou mal desenhados. Neste ultimo caso tem-se observado dores surdas, intermitentes e irre- gulares, cuja sede é no figado e que, em casos excepcionaes, irradiam-se para o dorso, para as regiões escapular direita e lombar ou para o abdômen. O volume do figado conserva-se no seu estado normal, e a presença de ictericia denuncia, que os ramos principaes do canal hepatico são obliterados por uma concreção e neste caso então ha ainda mais augmento do volume do figado, vômitos, náuseas, algumas veses digestões laboriosas e dores no hypo- chondrio direito. « Quando os conductos biliares são a sede de uma violenta irritação, observam-se, diz Frerichs, accessos de calafrios seguidos de calor, suores; estes accessos são tanto mais fáceis de confundir com os de uma febre intermittente, quanto a ictericia e os outros symptomas de affecção do figado faltam. Em um caso de minha pratica empreguei por muito tempo o sulfato de quinina 51 sem successo, e a causa dos accessos do calafrio não revelou-se senão na autópsia; os ramos de origem do canal hepatico continham uma grande quantidade de cálculos, cuja grandeza attingia á de um grão de feijão : o parenchyma glandular estava são. » Os symptomas devidos aos cálculos do canal hepatico des- tinguem-se dos da obliteração do canal choledoco pela ausência completa da dilatação da vesicula. Os cálculos do canal hepatico e suas raizes e radiculas, causando em alguns casos, aíTecções graves, como hepatite, abscesso do figado, peritonite, etc, os symptomas que eles determinam são inteiramente mascarados com os dessas affecções. 2.° Na vesicula, podem haver cálculos, sem que a sua pre- sença seja revelada por phenomeno algum mórbido; mas isto é somente no caso em que ha pequenas concreções: quando, porém, estas concreções são mais numerosas e volumosas determinam um catarrho ou uma inflammação das paredes da vesicula, que acom- panham-se de uma sensação de máo estar, de peso, de tensão na região da vesicula, sensação que se torna mais pronunciada depois da refeição, depois de um esforço muscular, etc, e que desappa- recem pelo repouso. A vesicula quando acha-se cheia de concreções fôrma algumas vezes um tumor que é apreciável atravez da parede abdominal e que se pôde ter a sensação de corpos duros e sentir-se pela apalpação e pela escuta o ruido resultante do choque dos cálculos uns de encontro aos outros, ruido comparado por Petit ao que é produzido quando agita-se um sacco contendo nozes. Quando o calculo passa da vesicula para o canal cystico, a menos que as concreções não sejam muito pequenas, os symptomas tornam-se mais claros e o calculo encontrando difficuldade na sna passagem, em virtude do seu volume que é maior ao do diâmetro do canal, irrita a membrana mucosa deste conducto, dando lugar á um conjuncto de phenomenos que designa-se com o nome de eólicas hepaticas. Estes accidentes tem seu ponto de partida no canal cystico, raras vezes no canal choledoco, que é muito mais largo e mais 52 extensível, e cujo orificio duodenal pode só apresentar obstáculos á passagem dos cálculos. Algumas vezes as concreções já presas no canal cystico retrogradam até á vesicula e a bilis toma o seu curso normal até que o obstáculo reproduza-se. Isto explica por que procura-se muitas vezes em vão cálculos nas evacuações depois das eólicas hepaticas. Os colelithos cysticos, desviando-se do ca- minho natural, e, se pondo em contacto com a parede da vesicula, pode inflammal-a, produzir adherencias com os órgãos visinhos e ahi resultar as fistulas bi-mueosas calculosas cystico-duodenaes, cystico- colicas, cystico-gastrica, que ás vezes dão sahida aos cálculos. Ainda em virtude de uma fistula cutânea abdominal, a emigração pôde dar-se pelas vias urinarias, ou ainda finalmente, em certos casos, a ulcera da vesicula pôde abrir-se no peritoneo. 3.° Os symptomas que podem determinar os cálculos no canal choledoco, são menos accentuados do que no canal cystico. Quando o calculo passa da vesicula para o canal cystico e deste para o choledoco, é durante este tempo que dá-se de ordinário as desordens nervosas que constituem a eólica hepatica; mas logo que o calculo percorre o orificio duodenal e chega no intestino, todas estas desordens nervosas desapparecem e sem novos accidentes é eva- cuado com as matérias excrementiciaes. Mas, acontece algumas vezes, que o calculo percorrendo o canal choledoco o oblitere e desta obliteração resulte conseqüências graves, como sejam: & ictericia chronica, permanente, devida a retenção biliar; diferentes alterações do figado ou dos conductos biliares como certa forma da cirrhose, os abeessos múltiplos biliares, a angiocholite catarrhal ou supurada. Depois que percorre o canal choledoco e chega ao intestino, pôde o calculo dar lugar á novos accidentes : ou oceasiona symptomas de ileus, pelo seu encrava- mento no intestino delgado, ou, penetrando no apêndice vermiforme torna o ponto de partida de uma typhlte ulcerosa ou de uma peritonite por perfuração necessariamente mortal. Algumas vezes acontece, que o calculo não obstruindo com- pletamente o canal choledoco, quer porque seja de pequeno volume quer porque seja de fôrma angulosa, a bilis passe ao lado da con- creção e neste caso a ictericia é pouco intensa. 53 A obliteração do canal choledoco permanecendo por muito tempo, observam-se todas as conseqüências da stase biliar; a ictericia augmenta gradualmente, o figado augmenta de volume, os conductos e a vesicula dilatam-se. O emmagrecimento e o marasmo não tardam a apparecer pelo facto da obliteração calculosa pro- longada do canal choledoco. « Além da magreza e do marasmo, diz Charcot, as perturbações digestivas resultam da não intervenção da bilis no acto da digestão, traduzindo-se por um certo numero de symptomas que devem ser apontados e que observam-se também nos casos em que ligou-se experimentalmente o canal choledoco. Tal é a producção do gaz fétido no intestino; ainda a evacuação pelas dejecções de matérias gordurosas, resultante da digestão incompleta ou nula destas substancias. Parece certo que a retenção biliar é capaz de produzir este phenomeno, apresentado pela pri- meira vez por Bright e Lloyd.» A eólica hepatica consiste em um conjuncto de symptomas determinados pela progressão dos cálculos nos conductos biliares e principalmente pela introducção dos da vesicula no conducto cystico. A's vezes o apparecimento da eólica é precedido de phe- nomenos mórbidos, cuja duração pôde ser mais ou menos longa, consistindo em dor no hypochondrio direito que estende-se mais ou menos ao longe, ao dorso e espadua direita, cor icterica na face e principalmente nas conjunetivas oculares e constipação. Mas, na maioria dos casos, a eólica apresenta-se sem phenomenos percursores, de um modo brusco. É por oceasião de um esforço, de uma pressão no hypochon- drio direito, de um exercicio um pouco violento, de uma impressão moral viva, ou, o que é incomparavelmente mais freqüente, poucas horas depois da refeição (*), que os indivíduos calculosos per- cebem os soffrimentos produzidos pela irritação aguda determinada na vesicula e canaes biliares pelos cholelthos. São dores vivas, cuja sede é no epigastrico ; mas que irradiam- se para todo o abdômen, para o dorso e a espadua direita, algumas (i) Cullen define a eólica hepatica do seguinte modo: '« Icterus cum dolorr hi regione epigastrico, acuto, post pastum aueto et cum rfejectionc concretionum bdwsarum ». 54 vezes até o pescoço, os symptomas mais salientes. Ellas augmen- tam pela pressão exercida no epigastrico, mas quando exercida em grande extensão do abdômen parece, senão em todos os casos, ao menos em alguns, diminuil-as. Os doentes apreciam diversamente as dores. Ellas são com- mummente lacerantes, terebrantes, atrozes; os pacientes, debaixo de sua influencia, ficam em grande agitação, em uma anxiedade extrema, accusam oppressão, suffbcação, mudam constantemente de posição, incurvam fortemente o tronco, torcem-se, rolam no chão ou no leito, gritam, gemem e servem-se de mil expressões para dar a conhecer àqueles que os cercam os cruéis soffrimentos que os martyrisam. A face descora-se e a physionomia se altera sob a influencia da dor e as extremidades resfriam-se rapidamente. 0 abdômen e principalmente a região hepatica são contrahidos; algumas vezes a região hepatica é saliente, de uma sonoridade obscura, de uma sensibilidade inflammatoria, permanente; outras vezes, menos saliente, mesmo flexivel ainda, sonora como no or- dinário e menos dolorosa á pressão durante as remissões do que durante os paroxismos da dor. A eólica hepatica, em certos casos, pôde ser acompanhada de um movimento febril transitório, caracterisado por uma elevação mais ou menos pronunciada da temperatura, precedida de um frio. Em alguns doentes os accidentes febris apparecem ao mesmo tempo que as eólicas hepaticas, mas nunca estão em relação com a in- tensidade da dor. Em outros casos em que a dôr é pouco pro- nunciada o accesso febril é muito mais intenso. « Segundo minhas observações, diz Charcot, póde-se vêr, em um mesmo doente, a passagem dos cálculos ser acompanhada de eólicas sem frio, eó- licas com frio, e finalmente accessos febris sem acompanhamento de dôr ». O pulso é quasi sempre fraco, de freqüência normal, poucas vezes é lento e ainda menos vezes freqüente; excepcionalmente tem-se observado violentas palpitações cardiacas, pulsações enér- gicas da aorta abdominal, congestões cerebraes, hemorrhagias e outras alterações para o lado do systema circulatório. 55 A pele conserva pouco mais ou menos a temperatura normal, em alguns casos é sede de um prurido vivo, e em muitos ella apresenta cor icterica; mas de ordinário a suífusão biliosa não apparece no principio da eólica; é depois que esta já tem durado algum tempo, ou depois de já acabada, que ella é notada princi- palmente nas conjunetivas e na face. « Em muitos casos de minha pratica, diz Frerichs, o começo da colca hepatica foi acompanhado por um accesso de calafrio intenso, muitas vezes seguido de calor e de suor; a temperatura elevava-se de 37,5 á 40,5, o puslo de 92 á 120. Accessos se- melhantes voltavam em intervalos irregulares á cada movimento de exarcebação da dôr, até após o desapparecimento dos accidentes pela sahida do calculo ». Algumas vezes manifestam-se perturbações bastante graves para o lado do systema nervoso, taes como tremores espasmodicos, convulsões geraes, epileptiform.es ou limitadas somente ao lado di- reito; cephalalgia, vertigem, delirio, syncopes, etc Para o lado das vias digestivas notam-se os seguintes sym- ptomas : sensação de seceura na bocea e pharinge, eruetações, náuseas, vômitos de matérias alimentares, de liquidos aquosos ou mucosos, de bilis amarella ou verde em grande quantidade; algu- mas vezes os vômitos são muito obstinados, repetem-se freqüente- mente e o estômago não pôde ás vezes tolerar os medicamentos; existe quasi constantemente constipação, muito raras vezes diar- rhea. As urinas, que são em grande abundância e límpidas no principio da colca, tornam-se depois de cor amarella, característica da ictericia. Taes são os symptomas que mais vezes observam-se nos accessos de colca hepatica; muitos deles podem faltar ou apre- sentar-se com pouca intensidade. A duração dos accessos é as mais das vezes de 12 á 16 horas (Grisole). Eles podem repetir muitas vezes, e então, á medida que reproduzem-se, vão em geral tornando-se mais longos. A colca hepatica pôde constar de um só accesso, ou de muitos. Ella pôde terminar: 1.°, pela expulsão do calculo pelo 56 canal choledoco para o tubo intestinal. É a terminação mais fre- qüente e a melhor; 2.°, o calculo não é expelido, fica alojado, quer na vesicula, quer nos conductos, sem produzir alterações graves. É o que tem lugar quando o calculo occupa uma posição tal que não impede o escoar da bilis para o intestino; 3.°, o cal- culo fica occupando urna posição tal que não permitte a bilis correr para o intestino; neste caso apparecem os symptomas de retenção de bilis; 4.°, por uma syncope mortal; 5.°, pela ruptura ou per- furação da vesicula e canaes biliares, seguidos de uma peritonite super-aguda mortal. CAPITULO IV DO CÂNCER HEPATICO ETIOLOGIA A gênesis do câncer hepatico ainda está envolvida em uma grande obscuridade, como o do carcinoma cm geral. Nós conhe- cemos sobre este ponto a influencia de algumas circumstancias exteriores que coincidem com o desenvolvimento da alteração, cir- cumstancias relativas á idade, sexo, etc, e que se podem consi- derar como causas predisponentes. Relativamente á idade, resulta do exame das observações, que é quasi sempre nos individuos de 40 á 60 annos que encontra-se o câncer do figado. O sexo, segundo Frerichs, não parece exercer nenhuma in- fluencia no desenvolvimento da moléstia. Jaccoud também é desta opinião e diz, que ha predominância no homem, quando o câncer do figado é secundário. A herança, que goza de um grande papel na etiologia do câncer em geral, parece ter pouca influencia no desenvolvimento da degenerescencia cancerosa do figado. Quanto ás causas diversas, é impossivel indicar de uma ma- 57 neira absoluta as influencias particulares, que parecem provocar o desenvolvimento da moléstia. Algumas vezes tem-se attribuido o começo á uma contusão; também attribuio se, como causas occa- sionaes, o uso de bebidas alcoólicas e a influencia do clima; estas duas ultimas circumstancias não parecem ter uma grande influen- cia, visto que as observações de Frerichs não tem dado elementos necessários para uma opinião pró ou contra. Tem-se encontrado esta alteração nos individuos apresentando todas as variedades possíveis de constituição; entretanto, a incer- teza maior ainda reina nas condições hygienicas, que podem actuar no desenvolvimento do câncer do figado. ANATOMIA PATHOLOGICA O câncer constitue a mais freqüente e a mais grave das lesões do figado. Insistiremos mais nas Arariedades encephaloides e scirro, deixando um pouco de lado o câncer hematodo, o me- lanico, o coloide e o cystico que são excepcionaes na glândula hepatica. O câncer do figado, ou apresenta-se formando um só tumor, ou espalhando-se uniformemente tomando a fôrma de massas dis- seminadas, que de preferencia occupam o lado direito e a super- fície, do que mesmo as camadas as mais profundas : a face convexa do órgão é de ordinário mais atacada, e a zona que cir- cumscreve a inserção do ligamento suspensor passa como lugar de elecção da degenerescencia. O figado toma um grande desenvolvi- mento e apresentando, em sua superficie e nos bordos, saliências arredondadas com depressão no centro. O volume dos tumores varia desde o de um grão de milho até o da cabeça de um feto. O scirro e o encephaloide podem desenvolver-se ao mesmo tempo no figado, sendo o encephaloide mais freqüente. As va- riedades do câncer hematodo ou melanico são raros, o coloide e o cystico são excepcionaes. O scirro se bem que constitua especialmente o câncer geral, apresenta-se também com a fôrma de massas disseminadas, cujo caracter pertence mais ao encephaloide. 58 A variedade scirro é constituida por uma trama alveolar, de malhas duras, resistentes, fibrosas, que pelo corte dá lugar a um estaldo particular. Esta trama fibrosa, em cuja espessura ha al- gumas vezes pequenas cavidades cheias de serosidades, acha-se toda impregnada de um sueco lactescente, que pôde ser obtido comprimindo-a, e depois não fica mais do que a trama fibrosa. No scirro pôde dar-se o amolecimento e neste caso começa do centro para a circumferencia. A variedade encephaloide é de consistência mole, muito vascular e de cor acinzentada, o que lhe dá a apparencia da massa encephalca das crianças. Do mesmo modo que no scirro o amolecimento partindo do centro para a circumferencia pôde dar lugar a rupturas de vasos e por conseguinte hemorrhagias; esta hemorrhagia pôde ser no centro ou em qualquer outra parte do tumor. No microscópio analysa-se perfeitamente a marcha do tra- balho mórbido. As cellulas cancerosas invadem as cellulas hepa- ticas, substituem-nas e depois, em lugar de cellulas hepaticas, só temos as cellulas cancerosas. Para Frerichs, Hodgkin e Bright, assim como Schrceder van der Kolk os elementos cancerosos tem por ponto de partida o tecido conjunctivo inter-lobular; Walshe, pelo contrario, diz que se passa no interior dos acini. Este modo de desenvolvimento, de elementos cancerosos no interior dos acini, é para Frerichs caso raro. Ao lado destas alterações, que se dão no parenchyma hepatico, os ramos da artéria hepatica tomam um desenvolvimento anormal, emquanto que os da veia porta atrophiam-se. Os capilares destes vasos, que percorriam o órgão, com a marcha dos elementos can- cerosos, desapparecem para serem substituídos por nova rede vascular pertencente ao systema arterial. Esta nova vascularisação toma direcções diferentes no interior do tumor, e como suas pa- redes são ordinariamente delgadas rompem-se facilmente, dando lugar a extravasação sanguinea, que muitas vezes limita-se ao tumor; entretanto pôde também, em alguns casos, romper a cápsula de Glsson e o peritoneo. 59 Os grossos ramos da veia porta ordinariamente são achatados e com irregularidades para depois serem oblterados e perfurados por massas cancerosas; mais logo reune-se coalhos sangüíneos, dando formação a thrombos e trazendo por conseguinte pertur- bações circulatórias. Cruveilhier, Schrceder van der Kolk notaram, que as veias hepaticas ficavam livres da infiltração cancerosa; e Frerichs além de observar isto, ainda notou que sempre encontrava coalhos san- güíneos simples vindos no caso de compressão pela massa cancerosa do figado. Os vasos e as glândulas lymphaticas, principalmente os que se acham no hilo do figado, são quasi sempre atacados, e, pelo seu volume, comprimem os conductos biliares, dificultando a sahida da bilis. Depois o câncer propaga-se ao tecido sub- peritoneal, ao peritoneo e transforma os ligamentos hepato-gastrico, duodenal, etc, etc, em uma massa cancerosa, que abraça as paredes do estômago, do intestino, e o pancreas. Quanto aos conductos biliares, os de menor calibre desappa- recem como as cellulas hepaticas, emquanto que os de maior persistem, ficando, porém, comprimidos ; em diversos pontos vão apparecendo empolas que mais tarde rompem-se, deixando correr a bilis no tecido canceroso. O curso dos líquidos, nos conductos vasculares (veia porta), lymphaticos e biliares, ficando impedido pelas compressões, obl- terações, etc, todas estas alterações dão lugar a ascite e a fre- qüência da ictericia que encontra-se como signal do câncer do figado. Quando o câncer occupa a superficie do órgão, a membrana serosa do figado soffre alguma alteração, espessando-se e se desen- volvendo uma peritonite parcial. A adherencia faz-se logo aos órgãos visinhos e facilitando assim a propagação do mal. Ha casos em que o câncer depois de ter tomado um certo desenvolvimento atrophia-se; e este trabalho é devido á transfor- mação das cellulas cancerosas, que infiltram-se de gordura e atro- phiam-se. 60 0 câncer encephaloide cresce rapidamente, emquanto que o scirro têm uma marcha mais lenta. Além destas duas variedades, temos mais o câncer hematodo, melanico, cystico, alveolar ou gelatinoso e o epithelial. O câncer hematodo é percorrido por grande numero de vasos, cujas paredes sendo delgadas, despedaçam-se facilmente, occasio- nando derramento sanguineo. Esta variedade de câncer algumas vezes é formada de um tecido erectil (Cruveilhier). No câncer melanico, diz Frerichs « le foie est parsemé de pe- tits nodus de forme irrégulère, à contours mal determines, rare- ment bien limites, en partie pales, en partie colores par du pigment jaune, brun ou noir. L'organe presente ainsi un aspect granitique. Le pigment occupe en plus grande partie les celules cancéreuses, mais on en trouve aussi dans le sue, sous forme de granulations isolées ou réunis en groupes. Cette variété se distingue par Ia rapidité avec laquelle ele s'accroit et se propage ». No câncer cystico, os tuberculos cancerosos contem uma cavidade cheia de uma serosidade clara e envolvidos por uma membrana lisa. Quanto ao câncer alveolar ou gelatinoso o tecido glandular transforma-se em uma serie de alveolos cheios de uma matéria gelatinosa composta de corpusculos granulosos, de gordura, de cel- lulas fusiformes, e de células arredondadas no centro das quaes se vêem núcleos únicos ou múltiplos. Esta variedade é rara e apenas Frerichs e Luschka observaram um caso. Ha uma outra variedade, encontrada só por Longuet e apre- sentada por ele á sociedade de biologia, em que o lobo direito do figado, e somente na peripheria, continha núcleos amarelos, cujo exame microscópico demonstrou serem formados por um epithelio de cellulas cylndricas. Esta variedade recebeu o nome de câncer epithelial. O câncer primitivo do figado não estende-se tanto como o câncer do seio e do utero e apenas propaga-se por continuidade servindo de intermediário o peritoneo e os vasos. No câncer secundário do figado, o órgão primitivamente ata- cado acha-se com as lesões do câncer muito mais adiantadas. 61 SYMPTOMATOLOGIA Os symptomas do câncer do figado nunca são constantes e as variações que apresentam, trazem dificuldades para um diagnostico certo e seguro. De ordinário é no periodo médio da vida, entre 40 e 60 annos, que os indivíduos queixam-se de diminuição de appetite, constipação, de tensão e de sensibilidade no epigastrico ou no hypochondrio direito. Logo que este estado de penúria tem tomado um certo adian- tamento e muitas vezes antes, apresenta-se uma inchação ordinaria- mente dolorosa, quer espontânea, quer pela pressão, na região do figado. Examinando-se o figado pela apalpação, sente-se que algumas vezes toma outro volume, dirigido transversalmente e para diante, e que sua superficie e seus bordos tem perdido sua elasticidade. A estes symptomas unem-se também uma ictericia, uma ascite e algumas vezes cedema dos pés. Os accidentes augmentam de vez em quando; as paredes abdominaes estendem-se, o pulso freqüente, a pele secca e quente, ha dispnéa, as dores irradiam-se para a espadua ou para os lombos. Estas exacerbações dependem quer de um desenvolvimento mais considerável do câncer, quer de uma complicação de accidentes inflammatorios. A moléstia termina-se quer pelo marasmo, quer pela invasão de uma peritonite, de uma pleuresia, de uma hemorrhagia ou de uma dysenteria. Os symptomas de primeira ordem constituidos pelo estado do figado, são: augmento de volume, as desigualdades, a sensibilidade que são facilmente percebidos pela percussão e apalpação. A sensibilidade do órgão não é muito exaltada e está em relação com o desenvolvimento rápido ou lento do câncer e com o trabalho inflammatorio das partes visinhas. Nem sempre é constante esta mudança do figado e para Fre- richs o augmento de volume falta em muitos casos. A dôr fixa ou desenvolvida pela percussão têm um grande valor no diagnostico. 62 A ictericia não é symptoma constante do câncer do figado. Quando apparece é divida a uma compressão nos ramos impor- tantes das vias biliares ou quando ahi desenvolve-se concomitan- temente uma affecção catarrhal. A ictericia dependente de um câncer do figado persiste até o fim da moléstia; ao passo que na ictericia dependente de uma affecção catarrhal ou na ictericia symptomatica de cálculos biliares são intermittentes. « A ascite e a anasarca nem sempre são dividas, diz Cruvei- lhier, á compressão das grossas veias do figado; em muitos casos, os phenomenos consecutivos nos têm feito reconhecer por causa a irritação do peritoneo, conseqüência necessária do acréscimo dos tumores superficiaes ». A ascite precede sempre ao oedema das extermidades inferiores e é um caracter semeiologico muito impor- tante para ser utilsado no diagnostico da moléstia (Monneret e Fleury). O baço quasi nunca soffre alteração no seu volume em conse- qüência do câncer do figado; em quasi todos os casos conserva-se no seu estado normal. E uma circunstancia que serve para destinguir o câncer do figado com a degenerescencia ceruminosa e a cirrhose. As perturbações digestivas constituem um symptoma importante do câncer do figado. Ha pouco appetite. A Íngua é coberta de saburra branca ou amarelada durante a moléstia; torna-se secca e mais escura para o fim. O estado da Íngua têm um grande valor, porque sabe-se que, no câncer do estômago, a Íngua fica ordinaria- mente clara em quasi toda a duração da moléstia. Cada refeição é seguida de inchação do epigastrico e symptomas de indigestão. As dejecções são difficies e muitas vezes argilosas; ou então a diarrhea é freqüente. A urina deixa um residuo de uratos e de pigmento de cor um pouco carregada. As perturbações da respiração são devidas muitas vezes ao volume do figado, que recua para cima o pulmão, da extensão do câncer ao diaphragma. Os dopositos cancerosos secundários no pulmão são raros. Os doentes annunciam pelo seu aspecto uma per- turbação profunda da nutrição e uma anemia considerável. A pele é de uma palidez chlorotica. 63 No ultimo periodo do câncer, diversas hemorrhagias vêm accelerar o enfraquecimento. Ora são epistaxis ora manchas ecchi- moticas da pele, ora hematemesis, etc. As falculdades intelectuaes ficam no estado normal; porém nota-se em geral uma tristeza, abatimento e mesmo uma aílicção quando as dores são presistentes. Segundo Monneret, os melhores symptomas depois dos signaes locaes são fornecidos pela circulação geral. Diz ele : « A affecção não é acompanhada de febre em seu começo nem durante seu primeiro periodo, mais é extremamente raro que, no curso da affecção, não acabe-se por descobrir um movimento febril quer continuo e exacerbante, quer intermitente ». Como regra, os symptomas geraes precedem ás vezes a dôr e a ictericia, e por muito tempo podem ser os únicos indicios da moléstia, si não ha augmento de volume do figado, nem dôr, nem ictericia ou ascite (Murchison). O câncer do figado pôde ser oriundo de órgãos visinhos ou pôde ser primitivo. No primeiro caso os symptomas do câncer nestes diferentes órgãos auxiliam muito no diagnostico. No se- gundo, a invasão da moléstia aos gânglios coelacos, mediastino, inguinaes e cervicaes também nos fazem guiar no diagnostico da lesão primitiva do figado. Na maioria dos casos o diagnostico é guiado pela presença de uma pequena massa de endurecimento can- ceroso na parede abdominal em roda do umbigo. CAPITULO V DA STEATOSE HEPATICA ETIOLOGIA Das lesões do figado, a steatose é uma das que mais com- mummente encontra-se na clinica. De ordinário é ella uma affecção secundaria e resultante de uma alteração do sangue ou de uma modificação da nutrição geral. 64 A steatose do figado encontra-se quasi sempre nos alcoólicos ou nos individuos enfraquecidos por longas supurações, nos syphi- liticos, nos pneumonicos, nas moléstias cardiacas, nos typhicos, etc, e finalmente nos cacheticos. Em razão das condições physiologicas, todas particulares do órgão de que nós nos occupamos, uma questão se nos apresenta : a gordura existindo normalmente no figado, onde acaba o estado physiologico, onde começa o estado pathologico ? Sabe-se que as matérias gordurosas da digestão, absorvidas pelos vasos chyliferos e em fraca proporção pelas veias, fixam-se no parenchyma hepatico, infiltram as cellulas e ahi se detêm por um certo tempo; que, por conseqüência, a infiltração gorduorsa destas cellulas augmenta no momento da digestão ; que augmenta igualmente nos individuos que consomem grande quantidade de alimentos gordurosos. Sabe-se também que a proporção de gordura contida no figado augmenta em certos estados physiologicos, du- rante a lactação, por exemplo, e que emfim o estado de saúde (ao menos apparente) é compativel com a presença de uma certa quantidade de gordura nesta viscera. Mas desde que o acréscimo de gordura torna-se considerável, desde que os elementos activos da célula são atacados, atrophiados, destruídos ; quando, principal- mente, debaixo de influencias variáveis, ella é acommettida de degenerescencia gordurosa, é impossível que não haja uma pertur- bação profunda no funccionamento physiologico cio figado. Analysando-se o desenvolvimento do figado gorduroso, vê-se o perfeito engano que dantes se nos mostrava. As condições sendo as mesmas, parece-nos entretanto contradictorias. Na verdade, de um lado observamos individuos, que soffrem do figado gorduroso juntamente acompanhados de um grande desenvolvimento de gordura em todo o organismo; de outro lado vemos individuos com a mesma mo- léstia, porém magros. Emquanto que, no primeiro caso, a gordura é eliminada, no segundo pelo contrario, a gordura que acha-se no tecido celular sub-cutaneo e em outras partes do corpo em grande abundância é absorvida e misturada com o sangue. Observando-se attenciosamente o primeiro caso, reconhecemos 65 que isto só se encontra de preferencia nos individuos que fazem pouco exercicio, e que entregam-se francamente ás comidas e ás bebidas copiosas. O desenvolvimento do figado gorduroso apparece, segundo a predisposição de cada indivíduo. Um regime ordinário, para aqueles, que têm uma predisposição bem pronunciada, é suficiente para desenvolver a moléstia; mas se ha immunidade, somente o que fará o apparecimento do mal é a quantidade exagerada de corpos gordurosos, de hydratos de carbono e principalmente do álcool, que economisa as matérias gordurosas nas combustões. Também ligou-se a freqüência de figado gorduroso á tubercu- lose pulmonar. Firmam-se em que havendo uma diminuição na respiração, e portanto uma oxidação incompleta dos hydratos de carbono, ha uma transformação gordurosa. Mas se fossemos le- vados por este principio tínhamos necessidade de accreditar todas as vezes que houvesse uma affecção pulmonar qualquer, em que a respiração é igualmente compromettida; e como por outro lado, a tuberculose dos ossos, do intestino e os processos cancerosos e outros que emmagrecem os individuos, são muitas vezes acompa- nhados de figado gorduroso, não se deve concluir que a causa do figado gorduroso na tuberculose pulmonar seja o embaraço da res- piração. Frerichs a este respeito diz : « Je crois cependant quil faut chercher Ia cause de cette forme de degénérescence adipeuse du foie dans les changements dont le sang est le siège, et qui surviennent au moment ou le travai de consomption s'établt. Le sang se surcharge alors de Ia graisse qui, pendant que le malade samaigrit, est absorbée pour subvenir aux besoins de Ia transfor- mation matériele ». Outras circumstancias a titulo de causas predisponentes da steatose, são inteiramente secundarias e gozam de pouca influencia real. Assim o sexo parece influir como causa predisponente ; as mulheres são as mais sujeitas, isto devido talvez á vida sedentária. Os climas, segundo Frerichs, devem ter uma certa influencia e principalmente nos paizes temperados e humidos; sobre este ponto, é de crer que as causas que actuam em tal ou tal paiz para o 66 desenvolvimento adiposo são as tendências originárias das raças, o gênero de vida, o modo de alimentação. Consideremos também as causas localsadas no próprio órgão hepatico como : a cirrhose, o cancro, a degenerescencia amyloide, os focos inflammatorios, as cicatrizes, etc, que dão em resultado a necrobiose das cellulas hepaticas, sobre cujas minas apparecem as cellulas gordurosas ; e é especialmente neste caso que o pro- fessor Frerichs designa a affecção pelo nome de degenerescencia propriamente dita. Esta alteração geralmente não acarreta perturbações geraes sensiveis, porquanto o figado nunca é totalmente compromettido, e suas funcções continuam a exercer-se ao menos em parte; além de que, os individuos affectados da steatose succumbem sempre antes pelos progressos da moléstia primitiva. Temos terminado o estudo da etiologia da steatose hepatica. Todas estas causas não têm o mesmo poder steatogene. Não é muito raro vêr, na clinica, factos que estejam em desacordo com o que observa-se commummente, e causas, na apparencia. idênticas, não dar lugar á conseqüências semelhantes. ANATOMIA PATHOLOGICA Quando a infiltração gordurosa não toma um certo gráo de desenvolvimento, o figado conserva normalmente o seu volume e seu aspecto e só o microscópico poderá mostrar a alteração gordu- rosa; mas quando a infiltração gordurosa chega a um gráo mais adiantado, o figado cresce de volume tomando a fôrma achatada. O seu volume e o seu peso são variáveis. A folha peritoneal, que cobre o figado gorduroso é transparente, lisa e brilhante ; algumas vezes é percorrida por vasos varicosos. A cor da superficie do figado é, segundo o gráo de infiltração gordurosa, de um vermelho amarelado. O figado diminue de consistência, e a pressão da mão deixa sobre ele os signaes impressos dos dedos. No microscópico nunca é fácil a distincção entre a infiltração gordurosa e a degenerescencia; muitas vezes as duas existem si- multaneamente com seus caracteres respectivos. 67 Na verdade, as conseqüências são mais graves em uma do que na outra; na infiltração, ha uma perturbação no funcciona- mento da célula, mas não ha destruição; na degenerescencia, a célula está em começo de destruição, mas não está perdida para o organismo ; apenas deixou de preencher o seu papel physiologico. O exame microscópico da steatose hepatica demonstra a exis- tência de gordura no interior das cellulas. Á principio a gordura, em fôrma de pequenas gottas, reune-se ás outras formando uma gotta mais volumosa para, depois de reunidas, occuparem toda a cavidade da célula. A alteração da célula hepatica começa pela peripheria do lobulo justamente onde acham-se os vasos inter-lobulares, ramifi- cações da veia-porta; depois segue para o centro do lobulo, onde estão as veias hepaticas. O volume da célula augmenta pela quantidade de gordura, assim como também a fôrma das cellulas é alterada; mas nem sempre assim acontece; nos casos de atrophia, em que as pequenas cellulas estão completamente cheias de gordura, não ha a menor alteração nas dimensões destes órgãos. Segundo Frerichs, o deposito gorduroso dá-se tão somente na própria célula e nunca nos espaços inter celulares ; e se alguns, como J. Vogel e Wedl, attribuem nestes espaços, isto é devido ás preparações mal feitas, que davam lugar a que a matéria gordu- rosa se depuzesse ahi. A alteração, limitada á principio na peripheria do lobulo, vai ganhando pouco á pouco as partes centraes. Frerichs estabelece / ... distincções entre os três períodos da steatose. A principio as cel- lulas da zona externa do lobulo são as únicas interessadas; as do centro ficando intactas. O segundo gráo de alteração caracterisa-se pela infiltração da zona média e pelo estado granuloso dos ele- mentos glandulares situados em roda da veia central; finalmente estes elementos glandulares infiltram-se de gordura nas fôrmas as mais adiantadas da steatose. Entretanto, muitas vezes na pratica, o grupamento das cellulas adiposas no lobulo não é tão regular. Assim Beale cita factos, nos quaes o deposito de vesiculas gor- 68 durosas produzia-se primitivamente no centro do lobulo. Algumas obsen^ações de Guliver parecem indicar também que as partes gordurosas accumulam-se especialmente no trajecto da veia-porta e na visinhança da veia intra-lobular. A steatose do figado não traz conseqüências graves no ponto de vista da circulação do órgão. As cellulas, augmentadas de vo- lume, invadindo o trajecto dos capilares e das venulas, dificultam um pouco o curso do sangue, mas nunca produzem stase vascular e ascite; e mesmo a pressão do sangue basta para vencer o obs- táculo. A circulação biliar parece pouco soffrer, e encontra-se este liquido na vesicula biliar e no intestino dos tísicos atacados de steatose hepatica muito adiantada; comtudo a secreção da bilis é modificada e em menor quantidade do que no estado normal. Ran- vier aponta, como lesão muito freqüente do figado adiposo, as di- latações saxiformes dos canaes biliares, cuja mucosa é intumecida e turgida; são alterações catharraes provavelmente secundarias. No ponto de vista da steatose nós reconhecemos que o figado acha-se em condições especiaes; o accumulo de gordura pôde ser notável e entretanto constituir uma lesão temporária susceptível de reparação. O mesmo não se dá nas outras vísceras, e o rim em particular, onde a infiltração dos elementos celulares pela gordura indica uma alteração adiantada e é um phenomeno de extrema gravidade. SYMPTOMATOLOGIA A steatose hepatica, tem um cortejo de symptomas que são, muitas vezes infiéis, e que, infelizmente, estão longe de nos con- duzir sempre á certeza absoluta. Si voltarmos á pathogenia da steatose hepatica, comprehendemos facilmente como esta degene- rescencia não exerce grandes perturbações no organismo. A gor- dura, invadindo o território celular, pôde tomar proporções con- sideráveis, sem que a vitalidade da célula seja perturbada ou diminuída; mas quando a infiltração adiposa tem tomado um grande progresso e chegue ao ponto de atrophiar o elemento activo 69 da célula, é então que as funcções da glândula alteram-se; neste caso tem-se de ligal-a á um estado pathologico susceptível de exercer uma influencia maléfica na saúde geral. É partindo deste ponto, que luta-se sempre com grande difficuldade para diagnos- ticar-se a steatose, quando ela apparece um pouco moderada. Mesmo no caso em que a steatose toma grandes proporções, as perturbações funccionaes são muito obscuras, e quasi sempre limi- tam-se á lentidão na digestão duodenal e a uma dyspepsia pouco desenvolvida. Não é raro, na steatose hepatica, apresentar-se de vez em quando a diarrhea; a congestão do figado, habitual nestes doentes, dá lugar a uma stase sanguinea das mucosas estomacal e intestinal, e esta stase toda mecânica pôde muito bem, debaixo da menor. influencia irritativa, uma falta de regime por exemplo, converter-se em congestão activa, em verdadeira inflammação catarrhal, donde a diarrhea que observa-se em igual caso. Em alguns casos as dejecções diarrheicas são descoradas, algumas vezes oleosas. Este descoramento das dejecções, na falta de ictericia, indica uma modificação na composição da bilis ou em sua secreção; este signal deve sempre ser investigado, porque Lerebouilet mostrou experimentalmente que as dejecções vão tomando uma cor menos carregada á medida que a infiltração gordurosa augmenta. Os auctores têm deixado passar desappercebido a diarrhea na steatose do figado. Na verdade nem sempre é ella constante, e quando parece existir é somente nos casos em que a alteração gordurosa é considerável. Frerichs diz ter tido occasião de fazer autópsia em individuos de temperamento leucophlegmasico que, depois de ter sido sujeitos durante a vida á diarrhéas profusas apparecendo com a influencia da menor causa, tinham morrido subitamente de uma apoplexia; nestes casos ele não poude achar outra desordem no abdômen senão um estado adiposo do figado, e accrescenta : « os mesmos resultados me tem sido fornecidos pela pratica dos hospitaes. » Este signal apontado por Frerichs não é constante e quando apparece é muitas vezes antes a expressão da 70 moléstia geral que determinou o estado gorduroso do figado do que da lesão local do órgão. Passemos a um outro symptoma, que é apontado como signal revelador do estado gorduroso do figado : a hydropesia. « Em todos os casos em que tenho feito autópsia em doentes atacados de anasarca sem affecção renal ou cardiaca (escreve Verneul em uma observação communicada á Longuet) sempre tenho achado o figado alterado, muitas vezes steatosado; de tal maneira que firmo o diagnostico de alteração do figado com uma certa segurança depois deste único symptoma e deduzo por conseguinte o prognostico. » Lanceraux afirma que a hydropesia pertence á steatose. Nós citamos suas próprias palavras : « Esta alteração do figado (steatose) deve ser considerada entre as causas da hydropesia. Esta produz-se todas as vezes que a densidade do parenchima hepatico é menor do que a da água. É um facto que não é duvi- doso para mim, porque firma-se em mais de vinte observações pessoaes. » Murchison diz á este respeito: «Creio que a hydro- pesia deve produzir-se, nos casos de degenerescencia gordurosa do figado, quando a steatose igualmente iirvadio um outro órgão im- portante, como o coração ou o rim, gozando de um papel mais directo nos phenomenos da circulação.» Frerichs não fala deste signal. Si por um lado apontamos notabildades que afirmam a exis- tência da hydropesia, por outro também apontamos não só a valiosa opinião de Murchison e o silencio de Frerichs, como também pelo que dissemos na anatomia pathologica, sobre a maneira pela qual formava-se a steatose, que dificilmente dava lugar a hydropesia. Em todo o caso não seremos nós os competentes para decidir uma questão como esta a cuja frente acham-se grandes vultos. Quando a degenerescencia gordurosa toma proporções consi- deráveis, o volume do figado é maior, e pela percussão e apalpação póde-se apreciar as dimenções anormaes; mas quando o desenvol- vimento é menos considerável é sempre difícil o diagnostico. Na degenerescencia gordurosa, o figado é menos resistente á pressão; é pastoso e de consistência mole. A face externa é lisa e o bordo inferior regular e arredondado. 71 As perturbações funccionaes, devidas ás grandes proporções que toma o figado, limitam-se á dyspepsia, á pouca actividade da digestão duodenal. As perturbações da saúde geral, que resultam do estado adiposo do figado, são variáveis; em alguns doentes, nota-se uma anemia, um depauperamento progressivo, anorexia e um enfraquecimento que pôde chegar ao marasmo; em outros, uma inchação e ten- dência aos oedemas. Estas apparencias contradictorias são devidas aos diversos estados pathologicos, cuja steatose hepatica é a conseqüência. Alguns auctores têm procurado uma certa relação entre a steotose hepatica e o estado dos tegumentos. Entre eles, Frerichs notou, nessa lesão do figado, que o systema sebaceo tomava um grande desenvolvimento e que isto devia ser tomado em conside- ração para o diagnostico. Jules Simon também é desta opinião. Não tomamos por absoluto esta alteração do systema sebaceo observada por Frerichs; apenas dizemos que este desenvolvimento do systema sebaceo é perfeitamente independente do estado do figado; observamos diariamente tísicos emaciados, cuja pele é secca e rugosa e o systema sebaceo funccionando mal, morrerem com o figado completamente steatosado. Mas também não negamos, que em certas circumstancias, o augmento adiposo attinge ás vezes os foliculos cutâneos; mas isto applca-se particularmente á gordura introduzida na economia pelo regime alimentar; quando trata-se da degenerescencia gordurosa do figado ligada á affecções chronicas. Assim, pois, nem a analyse dos symptomas funccionaes, nem os phenomenos geraes, nem o estado da pele, fornecem algum signal certo para diagnosticar a steatose do figado; apenas podemo-nos limitar, de uma parte, á apreciação das circumstancias etiologicas, da outra, aos resultados da exploração abdominal. Ha casos em que o baço, os rins, os gânglios lymphaticos, affectados do estado gorduroso, ao mesmo tempo que o figado, contribuem á alterar a economia e torna-se difficil de julgar qual destes diferentes órgãos predomina mais na producção do enfra- quecimento geral. Entretanto ha outros casos em que os rins e as 72 glândulas lymphaticas ficam perfeitamente intactos; e se o baço fica lesado, isto é devido á degenerescencia adiposa do figado. O figado adiposo é indolente em toda a marcha da moléstia; e é preciso que haja grande intensidade para que o doente accuse uma sensação de peso e de tensão no abdômen. Na steatose ha diminuição de uréa, e a urina deixa um de- posito de uratos muitas vezes acompanhado de um augmento no- tável de pigmento. CAPITULO VI DA DEGENERESCENCIA AMYLOIDE ETIOLOGIA A degenerescencia amyloide é uma affecção lenta e de natureza análoga á da steatose. Pôde ser ella uma affecção protopathica ? Segundo Grainger SteAvard, pôde apparecer espontaneamente, mas sempre nos individuos muito fracos. As observações testemunham que é muitas vezes consecutiva, quer a um trabalho lento ulce- rativo, quer a uma cachexia profunda, produzida por uma diathese ou uma moléstia grave. As longas supurações e principalmente as supurações ósseas, estão entre as condições etiologicas. Estas supurações são geralmente de origem escrofulosa; po- dem ser de natureza tuberculosa, syphilitica ou cancerosa. Todas as supurações, em uma palaArra, poderão desenvolver a degene- rescencia amyloide, mas é necessário que ellas tenham sido abun- dantes e prolongadas e que a causa que as entretÍA^esse, diathese ou affecção grave, tenha produzido no doente um estado de pro- funda miséria physiologica. A syphilis e principalmente as lesões ulcerativas são apontadas entre as causas da degenerescia amyloide e até mesmo pretendeu-se que a syphilis congênita não uleerativa nunca desenvolvesse esta 73 affecção. Esta opinião é inexacta. A degenerescencia amyloide é na verdade muito rara nos casos de syphilis congênita, e simplesmente talvez, porque é ella rara sempre na primeira infância. (l) Os médicos inglezes attribuem ao mercúrio certos casos de degenerescencia amyloide. E um erro completo attribuir-se ao me- dicamento o que pertence á própria moléstia e as observações têm demonstrado que nos casos de syphilis, em que o doente não era tratado pelo mercúrio, havia desenvolvimento da affecção. O sexo masculino, segundo Frerichs, é mais sujeito, que o feminino; e emquanto á idade encontrou ele a moléstia particu- larmente entre 10 e 50 annos, dizendo que também se poderá observar nos limites extremos da vida, á partir de 3 até 70 annos. Muitas vezes observa-se a degenerescencia amyloide no figado e nos outros órgãos e nunca chega-se a descobrir as causas, ficando-se portanto, duATidoso sobre a etiologia. A este respeito escreve Frerichs : « Devemos decidir de que maneira os estados mórbidos ha pouco apontados podem produzir esta degenerescencia especial dos tecidos. Póde-se vacilar entre duas interpretações possiveis; a degene- rescencia pôde provir de depósitos do-sangue, a substancia amyloide existindo em natureza ou em germen nos humores, onde é intro- duzida por uma affecção local dos ossos, etc.; ou ainda a substancia amyloide desenvolve-se no lugar á custa de depósitos de albu- minatos que, por uma causa qualquer, soffre esta espécie de trans- formação. VirchoAv, que submetteu esta questão á um profundo estudo, pende para a primeira opinião, fundando-se na marcha da moléstia, quando acompanha uma affecção óssea. Na verdade veem-se as glândulas lymphaticas visinhas do osso doente serem á principio atacadas, depois seguem-se os órgãos secrectores, rins, figado, mucosa intestinal, etc. Que causas geraes, como as causas dyscrasicas, actuem aqui, é o que parece asseverar o facto de que, simultaneamente ou successivamente, toda a serie de órgãos diver- samente situados é invadida; mas a opinião que estas substancias (x) Tão raro mesmo que acreditou-se não podel-a encontrar-se. Nós appellamos para Wagner (Patholoia geral), que aponta um caso de liokitanski, em que a syphilis con- gênita era acompanhada desta degenerescencia. 74 tem um ponto de origem localsado, parece-me muito duvidosa; porque estados de espécie muito diversa podem preceder o tra- balho de degenerescencia; muitas vezes os focos locaes não podem ser demonstrados; a marcha da moléstia é pouco uniforme; as matérias mórbidas não tem sempre as mesmas qualidades, ora coram-se em vermelho, ora em violeta e em azul; finalmente em alguns casos, o desenvolvimento destas matérias á custa da fibrina é demonstravel. » As causas da degenerescencia são complexas; mas podem, á nosso vêr, reunirem-se em uma só, que as contêm todas, — uma perturbação geral de nutrição do organismo. E para nós a condição capital que preside ao desenvolvimento do processo amyloide. Cornil, falando da degenerescencia diz: « A alteração amyloide quasi nunca é uma affecção protopathica e succede á uma moléstia chronica que alterou a constituição do doente. » Para nós o appa- recimento do processo amyloide implica forçosamente uma pertur- bação de nutrição do organismo. A degenerescencia nunca é primitiva, é sempre secundaria; e acreditamos que no caso em que não tem-se podido achar causa occasional que a explique, é que ella passou inteiramente desapercebida. (*) Ainda hoje ignora-se a razão porque certos órgãos, como, o figado, o baço, e rins são os primeiros atacados, emquanto que as outras visceras ficam incólumes ou apresentam por ultimo os primeiros signaes de começo da degenerescencia. ANATOMIA PATHOLOGICA O figado, nas formas accentuadas da alteração amyloide, é augmentado de volume e algumas vezes de uma maneira excessiva, sem que sua forma participe de modificações notáveis; o seu bordo anterior é menos cortante do que no estado normal, mas sem aproximar-se da forma arredondada do figado adiposo; e é raro (x) Em uma observação apresentada por Wagner, de um faeto de degenerescencia generalisada sem causa primitiva apreciável, descobriu-se no fim do ccecum uma ulce- ração cuja presença tinha escapado durante a vida á observação clinica. Acrescentamos além disso que os casos de degenerescencia sem causa pathologica conhecida são em nu- mero relativamente mininio. 75 que a sua superficie cubra-se de saliências e de desigualdades como na cirrhose. A cápsula de Glisson é lisa, transparente e poucas vezes espessada. A superfície de secção é dura e apresenta uma certa resistên- cia, é como que lardaceo. O tecido do figado parece irregularmente infiltrado de uma matéria coloide apresentando a cor de um amarelo- avermelhado; outras vezes o parenchima hepatico é exangue e então mostra-se com um aspecto de uma massa acinzentada e vitrea. Os lobulos hepaticos são menos distinctos do que no estado normal. O exame microscópico prova que a degenerescencia vitrea ataca de preferencia duas ordens de elementos : a cellula hepatica e os vasos, principalmente a artéria hepatica. Nas cellulas, é o seu protoplasma que primeiro soffre da alte- ração; são as granulações que desapparecem e uma substancia clara e homogênea substituem-nas, depois ataca o próprio núcleo e acaba também por destrul-o. A membrana envoltora da cellula tem desapparecido comple- tamente ou ainda acha-se somente occulta pelo producto mórbido ? É provável que a célula inteira seja destruida pela matéria que ahi se depõe. Nestas phases adiantadas, o elemento tem perdido toda vitalidade, é um corpo inerte e incapaz de regeneração. Acham-se então as cellulas, transformadas em uma massa brilhante, aglo- merando-se entre si, constituindo massas resistentes onde é impossivel de conhecer-se o elemento celular. Mas em algumas cellulas iso- ladas vê-se ainda o núcleo intumecido e brilhante. Finalmente, em um periodo adiantado, fragmentos isolados indicam a ruina completa das cellulas hepaticas. Os elementos glandulares uma vez infiltrados de matéria amyloide não contêm mais nenhum traço de pigmento sanguineo ou biliar, nem nenhuma granulação; não percebe-se mais os limites de cada elemento e são unidos entre si fortemente e separam-se irregularmente sem seguir uma divisão natural (Ranvier). Final- mente quando a lesão é antiga, acham-se fragmentos angulosos dispersos, residuos das cellulas degeneradas (Frerichs). 76 As partes do figado que não são atacadas pela degenerescencia distinguem-se do normal pela quantidade de sangue que contêm, assim como pela sua flaxidez e sua humidade. As cellulas separam-se facilmente e conservam sua estructura normal, raramente contendo muito pigmento. Nos vasos a degenerescencia invade á principio as arteriolas; dali estende-se aos capilares. A parede vascular infiltra-se de substancia amyloide; torna-se espessa; a luz do vaso acha-se quasi que totalmente obliterada. A matéria amyloide ataca primeiramente a túnica média do vaso e é um dos pontos mais curiosos d'esta singular lesão. Para os capilares, esta distincção é mais difficil de provar-se e estes Acasos parecem participar da infiltração amyloide. Cada fibra-celula acha-se pouco a pouco transformada em um corpo fusiforme com- pacto, homogêneo, no qual se pôde ainda, á principio, perceber o núcleo, mas que perde logo toda estructura celular. Nas phases mais adiantadas a parede vascular é completamente invadida; apparece então com a fôrma de um cylndro hyalino, brilhante, apresentando em seu centro uma abertura mais ou menos estreita. As veias são menos invadidas do que as artérias, a alteração amyloide manifesta-se pouco na circumscripção da veia-porta, rela- tivamente á freqüência das lesões das artérias hepaticas. Entre- tanto que Frerichs encontrou factos em que os ramos portas não eram poupados, e Cornil e Ranvier tiveram occasião de fazer a mesma observação. Finalmente todos os elementos hepaticos podem ser atacados pela degenerescencia, e então as cellulas, as artérias, os capilares e as veias são uniformemente infiltrados. Não é tão fácil de dizer-se quaes são os elementos primiti- vamente invadidos no figado. Na maioria dos casos é nos vasos que começa a alteração; entretanto que Ranvier encontrou casos em que os capilares intra-lobulares eram os únicos atacados; do mesmo modo Frerichs achou as artérias hepaticas quasi que exclusivamente degeneradas. Tudo isto faz-nos crer, que não ha uma dependência exacta entre o estado das cellulas e as lesões vasculares; quasi sempre 77 encontra-se grupos de cellulas hepaticas doentes, sem que a artéria subjacente seja alterada. A infiltração pôde também começar pela própria cellula. Outras vezes, na maioria dos casos, a alte- ração amyloide ganha os elementos glandulares visinhos das arte- riolas doentes, e como estas são os ramos da artéria hepatíca, que são ordinariamente interessadas, resulta que a parte média do lobulo é atacada de preferencia. «N'este gráo de alteração, diz Ranvier, a ilhota é dividida em três zonas, uma peripherica muito delgada, cujas cellulas estão em degenerescencia gordurosa, uma zona intermediária em degenerescencia amyloide, uma zona central cujas cellulas são ora granulo-gordurosas, ora normaes, ora infil- tradas de pigmento amarello ou vermelho ». Os conductos biliares ficam intactos, qualquer que seja o gráo de degenerescencia. Quando a degenerescencia tem tomado um certo adianta- mento e que as cellulas hepaticas parecem completamente mortas physiologicamente, a secreção biliar vae tomando também pro- porções mais notáveis. Frerichs, em suas experiências, nunca pôde provar a presença de glycose no figado ceruminoso e nem mesmo nas próprias cellulas assim alteradas. De outro lado também não encontra-se pigmento bilar. Ha, pois, ali uma contradição apparente entre a lesão e os symptomas, e é um ponto que precisa ser elucidado por novas pesquizas. A degenerescencia amyloide quasi sempre é acompanhada de outra affecção do figado; ora é com abundantes depósitos adiposos; ora com a degenerescencia cirrhotica; e finalmente é com as cicatrizes syphiliticas e nodosidades gommosas (Frerichs). Ao mesmo tempo que dá-se a degenerescencia amyloide no figado outros órgãos como o baço, os rins, os gânglios lym- phaticos e a mucosa intestinal não deixam de participar da alteração. SYMPTOMATOLOGIA A symptomatologia da degenerescencia amyloide é tão obscura quanto a da degenerescencia gordurosa. Como a steatose hepatica 78 que faz a sua evolução sem manifestar nenhum symptoma appa- rente, também a invasão da degenerescencia amyloide no figado é de difficil diagnostico. Por falta de dados bem definidos apenas temos de firmar a diagnose em certas considerações das pertur- bações funccionaes e de exploração local. Como quasi todas as lesões de nutrição, que se originam em uma dyscrasia geral, o mal estabelece-se silenciosamente, e só se a conhece, quando já tem chegado á proporções consideráveis. Os doentes queixam-se de perturbações digestivas e peso no epigastrico; entretanto que estas perturbações digestivas não são constantes, mesmo nos casos em que a lesão toma um desenvol- vimento excessivo. O augmento do Avolume do figado faz-se regu- larmente; a sua superficie é lisa e unida, sua consistência um pouco mais firme; o rebordo anterior é um pouco menos cortante do que no estado normal, mas nunca apresenta, a menos que não haja complcação, a fôrma arredondada que observa-se mais parti- cularmente na degenerescencia gordurosa. O figado pôde chegar á dimensões consideráveis e citam-se casos em que esta viscera quasi que enchia toda a metade da cavidade abdominal. Este augmento de volume é geralmente indolore ou ha então uma simples sensação de plenitude; ao passo que pódem-se dar casos em que esta dôr se manifeste, e entretanto ser devido a complicações de peri-hepatite ordinariamente syphilitica. E preciso notar, que as manifestações subjectivas do estado amyloide do figado são absolutamente latentes. A ictericia não é um symptoma pertencente á esta moléstia; mas quando acontece apparecer, a causa está na pressão, que exercem os gânglios lymphaticos engurgitados, nos conductos biliares ou na coexistência do catharro d'estes conductos. A ascite, que não é muitas vezes observada, deve antes, quando existe, ser attribuida á degenerescencia dos rins, ou como symptoma, no ultimo periodo da moléstia, de um certo gráo de peritonite, ou ainda attribuida ao estado cachetico do individuo, o que então Wagner explica por uma acção de supplemento dos capilares intactos, e pelo estado anêmico do doente. A ascite e 79 o desenvolvimento anormal das veias sub-cutaneas abdominaes tem sempre como causa uma compressão no tronco da veia-porta pelos gânglios lymphaticos do figado invadidos pela degeneres- cencia amyloide. São os phenomenos geraes que nos guiam no caminho do diagnostico, mostrando que existe uma modificação profunda da saúde, em contradição com a indolência absoluta da affecção e com a ausência de perturbações funccionaes notáveis. Os indi- viduos apresentam-se com um aspecto cachetico; sua côr é pálida e plúmbea, as mucosas são descoradas, as forças languidas; ha um estado de anemia profunda que traduz-se por uma atonia geral, uma falta de reacção, um decrescimento rápido da energia vital. Estes symptomas aggravam-se em um certo periodo da moléstia por uma diarrhea tenaz que produz logo oedema das pernas e anasarca. A freqüência da diarrhea, nas ultimas phases da affecção, tem sido apontada por todos os auctores e explicam-na, attribuindo-se á ulceração amyloide do intestino, análogo á ulce- rações tuberculosas. Bennett diz a este respeito: « Qualquer que seja a natureza, a degenerescencia amyloide torna os tecidos mais permeáveis aos liquidos, d'all o fluxo excessivo do lado dos rins e da mucosa intestinal, quando é igualmente affectada ». Este ponto ainda permanece na obscuridade. As dejecções, em igual circumstancia, são ordinariamente mucosas, algumas vezes esbranquiçadas e espumosas. Aponta-se esta coloração como conseqüências freqüentes da perturbação das funcções bilares. Ha falta de appetite, a Íngua conserva-se no estado normal e os vômitos se reproduzem sem causa apreciável. Os individuos, em casos adiantados, exhalám pela pele e pela bôcca, muitas vezes, um cheiro desagradável que é característico no dizer de Murchison. Em um periodo mais adiantado da degenerescencia, não é raro, que os rins também participem do mal apresentando os seus caracteres especiaes. A urina augmenta de quantidade no começo e em quasi toda a duração da moléstia, para diminuir em sua 80 terminação; a cor é pálida, contém muita albumina e até mesmo tem-se encontrado tubos hyalnos e « estes cylndros hyalnos não me tem parecido, segundo as minhas experiências, dar com o iodo e o ácido sulfurico a reacção chamada amyloide. Mas em casos excepcionaes esta reacção pôde ser obtida sobre certos ele- mentos celulares de origem renal ». (Murchison). O baço é augmentado de volume e muitas vezes tanto quanto o figado; e este augmento de volume é uniforme, duro, liso e sem dôr. O sangue nestes individuos é sempre modificado; mas é impossível, e se comprehenderá facilmente, de dizer se a degene- rescencia amyloide é em parte causa da modificação do sangue, ou se esta modificação não é, como a própria degenerescencia, symptomatica da moléstia geral. Qualquer que seja a causa, esta alteração é profunda.. Ha reducção da hematosina, augmento de glóbulos brancos, menor resistência dos glóbulos vermelhos, que, no campo do microscópico, apparecem muitas vezes alongados e em fôrma de raqueta, depois todo o cortejo symptomatico da hydremia e da anemia. SEGUNDA. PARTE DO DIAGNOSTICO DIFFERENCIAL Com a descoberta da anatomia patho- logica, primeira e mais virente coroa de gloria de Morgagni, a sciencia do diagnos- tico, com passos de gigante, fez progresso incalculáveis. (Torres Homem.—Lição de abertura do curso em 1872). Os symptomas, disse Galien, acompanham as moléstias como a sombra acompanha o corpo. E indispensável, para chegar a um bom diagnostico, conhecer exactamente os antecedentes do doente, analysar minuciosamente os symptomas observados, coordenar e pesar seu valor. Mas estas affecções do figado são acompanhadas de symptomas que, muitas vezes, podem dar lugar á confusão do espirito, sendo necessário a sciencia do diagnostico que se apresenta ás nossas vistas como um dos pontos desta dissertação que, por sua importância, reclama mi''s a nossa attenção. Tal é o objecto desta parte onde, traçando a symptomatologia particular de cada uma das moléstias chronicas do figado, procuramos apresentar-lhes os caracteres com auxilio dos quaes se possa separar uma das outras. Isto posto, passaremos a tratar do diagnostico differencial de cada uma delas. Cirrhose atrophica O primeiro periodo desta affecção é quasi sempre cercado de grandes dificuldades, tornando-se portanto difficil o diagnostico. Quando tratamos da symptomatologia, vimos, que ella ora se ma- 4747 - 6 82 nifesta com phenomenos próprios de uma dyspepsia alcoólica, ora com os de uma hepatite sub-aguda e ora com os de umâ con- gestão chronica da glândula hepatica. Comtudo a sua presença pode ser suspeitada desde que houver persistência dos phenomenos dyspepticos, o augmento do volume e da consistência do figado, acompanhado algumas vezes de um aspecto granuloso, e finalmente os dados fornecidos pela anamnese. No segundo periodo, porém, o diagnostico torna-se mais fácil pelo maior esclarecimento dos symptomas; é assim que desenvol- vem-se logo as perturbações digestivas independentes de lesões do estômago; o figado acha-se atrophiado, emquanto que o baço é augmentado de volume ; ha ascite, desenvolvimento anormal das veias sub-cutaneas abdominaes, augmento de uratos nas urinas e diminuição de cor das matérias fecaes. Além destes signaes, os commemorativos ainda podem auxiliar-nos no diagnostico, que por certo tem um grande valor confirmativo. Mas nem sempre estes symptomas são constantes, acontece, muitas vezes, que faltam alguns deles e temos necessidade, portanto, de separal-a das que possam facilmente confundir-se. Câncer hepatico. — A ascite, que muitas vezes acompanha o câncer hepatico e que é devida ou a impermeabildade dos ramos da veia porta ou a uma peritonite concomitante, e as per- turbações digestivas podem trazer confusão entre esta moléstia e a cirrhose atrophica. Aqui apenas temos que nos guiar nos sym- ptomas : no câncer, o figado é augmentado de volume, sua super- ficie convexa irregular, mamilosa e seu bordo anterior rhombo; o baço conserva-se no estado normal. Ha symptomas de cachexia cancerosa, como o emmagrecimento, a perda das forças, a côr de palha que apresenta a pele, e a dôr que occupa quasi todo o hypochondrio direito e o epigastrico. Cirrhose hepatica cardíaca. — Nesta affecção o diagnostico torna-se sempre fácil, desde que dirige-se a attenção para o centro circulatório, onde se deve encontrar uma lesão; além disso, o cedema sempre começa pelos membros inferiores e a ascite sobre- vem posteriormente. 83 Cirrhose hypertrophica A cirrhose hypertrophica em seu começo pode passar intei- ramente desapercebida, em virtude das diferentes formas sob que occulta-se; mas logo ella toma um maior desenvolvimento, os symptomas accentuam-se mais, servindo todos estes signaes de base para fixar a sua identidade; estes signaes são: hypertrophia do figado e do baço, a permanência da ictericia a mudança de cor das fezes, e a coloração das urinas. Mas nem em todos os casos será fácil chegar-se a esta certeza, si porventura os symptomas não se acharem bem claros; serve, portanto, de grande valor ao clinico procurar passar em revista todas as affecções que oíferecem symptomas mais ou menos idênticos aos da cirrhose hypertrophica. Cirrhose atrophica. — O primeiro periodo da hepatite in- tersticial atrophica é acompanhado de augmento de volume do figado, dores na região hepatica, e algumas vezes ictericia; sym- ptomas estes que podem confundir-se com a cirrhose hypertro- phica. Mas a ascite considerável, o desenvolvimento das veias sub-cutaneas abdominaes, diminuição do volume do figado, a falta de ictericia formarão o diagnostico differencial. Degenerescencia amyloide. — Esta affecção distingue-se da cirrhose hypertrophica biliar, pelo augmento do volume do figado com a superficie dura e lisa, pelo estado do bordo cortante que é mais grosso e arredondado e pela falta de ictericia. Além disso, quasi sempre a degenerescencia invade também os rins, o baço e os intestinos e então nota-se que ha albuminuria e diarrhea como symptomas constantes. Finalmente o figado amyloide constitue, como se sabe, uma das lesões secundarias mais freqüentes da syphils, das supurações ósseas, da tuberculose, etc, condições etiologicas estas que influem para o diagnostico. Cirrhose hepatica cardíaca. — As congestões do figado, que resultam das alterações chronica s do coração ou do pulmão, são sempre fáceis de diagnosticar-se; a filiação dos phenomenos, a hypertrophia do figado, a ictericia que nunca chega ao gráo, que 84 apresentam na sclerose hypertrophica, eis os dados principaes; depois, nos dous casos, a evolução mórbida difere muito. Steatose hepatica. — O augmento de volume do figado com a superficie lisa, de bordo regular e arredondado e apresentando a consistência mole e pastosa, constituem o diagnostico differencial. A estes signaes ainda pode-se juntar a ausência de ictericia, uma degenerescencia cardíaca concomitante e as condições etiologicas, como : a escrophula, o rachitismo, as supurações prolongadas, etc Kystos hydaticos. — Os kystos se reconhecem quasi sempre pela desproporção do desenvolvimento dos dous lobos, muitas vezes também por uma desigualdade de consistência, pelo frêmito hydatico, finalmente a marcha lenta e imperceptível do tumor que attinge a urn grande volume sem denunciar ao paciente muitas vezes a sua presença por symptoma algum, contribuirão para o diagnostico das duas affecções. Pode haver ictericia, mas quando o tumor chega a comprimir o canal choledoco. Câncer hepatico. — O câncer caracterisado pelo augmento do volume do órgão e pela ictericia pode simular uma cirrhose; entretanto que pode-se distinguir da outra, não só pelo desenvol- vimento irregular do órgão, como também pela dureza da super- ficie, que é além disso desigual e bosselada; o bordo cortante é irregular e algumas vezes arredondado; pela falta de hypertrophia do baço e finalmente pela cachexia cancerosa. Lithiase biliar. — A lithiase é caracterisada pelas eólicas hepaticas, accidentes febris, volume normal do baço e a ausência da ascite. Hepatite syphilitica Nesta affecção o volume do figado pode augmentar ou dimi- nuir, conforme a phase da evolução mórbida. As irregularidades de superficie são constituidas por saliências, nodosidades e de- pressões que a mão exploradora pôde perfeitamente perceber. As irregularidades de forma são as mais importantes. Ellas apparecem em geral num periodo adiantado. As vezes o grande lobo hyper- 85 trophiado desce até ao umbigo, emquanto o pequeno lobo acha-se reduzido a uma delgada lingueta. Ás vezes ao contrario o pequeno lobo apresenta um volume maior que o direito. Finalmente ao nivel do bordo livre das scisuras percebem-se depressões profundas que o tornam desigual e que completam a deformação do órgão, deformação que os auctores em geral consideram como caracte- rística. Nenhuma moléstia do figado apresenta essa deformação tão pronunciada. A causa dessa deformação está no modo e na marcha do processo inflammatorio. Na verdade não sendo o órgão invadido simultaneamente em toda a sua extensão, o augmento do volume em um ponto coincide com a diminuição em outro. O engorgitamento dos gânglios intra-abdominaes é um pheno- meno difficil de perceber-se, mas que tem certo valor diagnostico. Ha sensação de peso, um certo gráo de dyspnéa. A dôr, quando apparece, propoga-se para o epigastrico, para a fossa iliaca e até mesmo aos rins, exagerando-se sempre pela pressão; a icte- ricia é um phenomeno notável pela marcha lenta e progressiva, de duração longa, manifestando-se ás vezes com grande inten- sidade ; a ascite, as diversas hemorrhagias, a albuminuria e a raridade de augmento dos uratos, são symptomas que quasi sempre acompanham a hepatite syphilitica. Além disso os dados anamnesticos, o