r w ' "-* & Cl/Í U-< h ÍA E ffitv THESE DO © R. $AMIRO®ERREffiA §ATURNíNO $3RAGA L1BRA;:Y~ 1 ..geongfnf.ral:scffice i 0U.--1-WO1 Tn RIO DE JANEIRO 1900 / \ \ CLINICA DERMATOLÓGICA E SYPHILIGRAPHICA Origens a Tratamento Preventivo da Herança Synltica PROPOSIÇÕES TRÊS SOBRE CADA UMA DAS CADEIRAS DA FACULDADE TXT TpQTp apresentada á Faculdade de Medicina e Pharmacia do Rio de Janeiro DEFENDIDA NO DIA 22 DE JANEERO DE 1900 pelo 3b» fkmiw Sm$íu ^tãnmiw 3b&g& Natural do Estado do Rio de Janeiro Filho legitimo do coronel Antônio Ferreira 3aturnino Braga e D. Anto- nia Eugenia Torres Braga. v /* ■ > v V RIO DE JANEIRO Typ. Montenegeo — Rua Nova do Ouvidur ns. 12 e 14 DE IDlil.vl E DE PH.IR.il.il1l DIRE'TOi;—Dr. Albino Rodnguos de Alvarenga. VI JE-DIRECTOR—Dr. Francisco de Castro. SECRETARIO—Ür. Eugênio do Espirito Santo de Menezes. LENTES CATHEDHATICOS Dr?. : João Martins Teixeira................... Physici medica. Augusto Ferreira dos Santos............. Chimica inorgânica medica. João Joaquim Pizarro.................... Botânica e zoologia médicas. F.rnesto de Freitas Crissiuma............ Anatomia descnptiva. Eduardo Chapot Prevost.................. Histologia iheorica e praticíi. Tiburcio Valeriano Pecegueiro do Amaral. Chimica orgai.ica e biológica. João Paul') dr Carvalho.................. Physiologia theorica e experimental. Antônio Maria Teixeira.................. Matéria medica, Pharmacologia e arte de formular. Pedro Severiano de Magalhães............ Pathologia cirúrgica. Henrique Ladisláo dr Souza Lopes....... Chimica annlyticae toxicologica. Augusto Brant Paes Leme................ Anatomia medico-eirurgica. Domingos de Góes o Vi. oncellos........ Operações e appnrelhos. Antônio Augusto do Azevedo Sodré....... Pathologia medica. Cypriano de Souza Freitas................ Anatomia e physiologia pathologicas. Albino Rodrigues de Alvarenga.......... Therapeutica. Luiz da Cunha Feíjó Júnior............ Obstetrícia. Agostinho José de Souza Lima........... Medicina legal. Benjainin Antônio da Rocha Faria........ Hygiene e mesologia. Antônio Rodrigues Lima................. Pathologia geral. João da Costa Lima e Castro............. Clinica cirúrgica—2" cadeira. João Pizarro Gabizo...................... Clinica dermatológica e svphiligraphica. Francisco de Castro...................... Clinica propedêutica. Marcos Bezerra Cavalcanti................ Clinica cirúrgica—1« cadeira. Erico Marinho da Gama Coelho........... Clinica obstetrica e gynecologica. Joaquim Xavier Pereira da Cunha........ Clinica ophthalmologica. José Benici > de Abreu.................... Clinica medica—2'cadeira. João Carlos Teixeira Brandão............ Clinica psychiatrica e de moléstias ner- vosas. Cândido Barata Ribeiro.................. Clinica pediatrica. Nuno de Andrade........................ Clinica medica— 1» cadeira. LENTES SUBSTITUTOS Drs. : 1.» secçao.............................. Epaminondas Tacome (interino). ra " ••........................... 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Muita vez, ao dobrar-se-me a fronte sob o peso de desfal- lecimentos e desanimos, achei em Vós, em Vossos conselhos e desejos, coragem e energia mais que sufficientes para prose- guir resoluto e firme, sem a minima vacillação. Quão differente seria para mim o dia de hoje, si estives- seis presente á minha formatura ! Que de alegrias e carinhos ! Com que enorme felicidade vos beijaria a mão, em signal de profundo reconhecimento pelo muito que por mim fizestes! Lagrimas eu derramaria, mas lagrimas de intenso prazer, de grande felicidade, e não as da eterna e funda saudade. AO MEU MUITO AMADO B VENERADO PAE Coronel Antônio Ferreira Saturnino Braga Como vos testemunhar o meu profundo reconhecimento ! Sinceramente agradecido vos beijo a mão. Tudo vos devo tudo vos deverei. t A' minha boa e prezada Avó D. Eugenia Maria da Conceição Torres ADORAÇÃO AO MEU BOM E DEDICADO TIO Dr. José Alexandre Teixeira de Mello 32u5ía amizade e gratidão. A'S MINHAS AFFECTUÜSAS E ADORADAS IRMÃS Sempre me destes dedicação e amizade ; cm mim sempre tereis dedicação e grande amizade. a mus mm iniss Um amplexo de boa amizade. A MEUS CUNHADOS E AFFECTUOSOS AMIGOS A' MINHA QUERIDA MADRINHA Dedicação e estima. A MEU® PRBAKOS A MEUS TIOS Estima. AO MESTRE E AMIGU Dr. Lopo Dini\ Gratidão e respeito pelo vosso muito saber. AOS ÍNTIMOS AMIGOS : Dr. Ignacio Moura. José Saturnino Rodrigues de Brito. A infância prepara e a idade adulta consolida as grandes amizades. AOS MEUS COLLEGAS E BONS AMIGOS. Dr. Carlos Sebastião Nogueira Pinto. Dr. Antônio Avelino Dias Teixeira de Queiroz. Dr. Antônio Marcial Jnnior. Dr. Gabriel Pio da Silva Júnior. AO DR. SEBASTIÃO MOURA Homenayem ao mérito. Aos doutorados de 1899 e collegas que me estimam Felicidades. Je desire que mes juges voient en moi non 1'homme qui écrit, mais celui qui est force d'écrire. Montesquieu. Relevem-nos os sábios mestres que não lhes apresentemos, em apoio das idéas que constituem esta nossa timida tentativa de explanação de tão melindroso assumpto, observações nossas. Neophyto, que se prepara para ensaiar os primeiros passos na árdua carreira que abraçamos, recorremos á experiência dos grandes experimentadores, dos práticos de legitima no- meada para fundamentar o modesto trabalho que apresen- tamos, antes, em desempenho da lei, como uma prova do nosso esforço do que como a ultima palavra da sciencia, em cujos principaes segredos nos iniciastes e que por nós mesmos não pudemos ainda penetrar. T 1-D. INTRODÜCÇÃO Patres comederunt uvam acerbam et cientes flliorum obstupuerunt. Jeremias, XXXI, 29 Palavras bíblicas que bem denotam a influencia que já, desde a antigüidade, era notada entre ascendentes e descendentes ; ellas mostram que desde remotas eras, tinham os homens consciência do nefasto laço, que, atravez as gerações, os prendia pela herança. Questão de alta monta, e, ainda hoje em muitos pontos ob- scura,— a herança— sempre desafiou a attenção, o estudo, a me- ditação e a sagacidade não só de médicos, como também de philosophos e moralistas. E' assim que Montaigne, ao meditar sobre tão mysterioso assumpto sente-se perplexo e não pôde deixar de collocal-o entre « les estrangetós si incomprehensibles qu'elles surpassent toute Ia difriculté des miracles. Quel monstre est-ce que cette goutte de semence de quoi nous sommes produits, porte en soi les impres- sions, non de Ia forme corporelle seulement, mais des pense- ments et des inclinations de nos pères? Cette goutte d'eau oú loge elle ce nombre infini deformes?» 4 Interrogações que até hoje esperam respostas. Debalde estu- dos e investigações proficientes, debalde microscópios nos fazem conhecedores do espermatozoide e do óvulo, do protoplasma e núcleo destas cellutas, dos filamentos de chromatina e granulações existentes nesses núcleos; debalde theorias seductoras e sugges- tivas requerem a explicação da herança;o seu mechanismointimo ainda é matéria que se debate no dedalo^das hypotheses. Sem duvida sabemcs como se opera a fusão das substancias —machoe fêmea; mas como esta fusão de substancias infinita- mente pequenas permitte tantas aptidões physicas, moraes e mór- bidas passarem atravez de gerações inteiras, é o que carece de ex- plicação, é o que jaz ainda no domínio do mysterio. O difficil, o mysterioso, attraem as imaginações privilegiadas, estimulam, desafiam os estudos, as investigações dos compe- tentes. Dahi, pois, a convergência de esforços exteriorisados em quantidade enorme de engenhosas theorias, acobertadas por illus- trações e nomes respeitáveis de todos os tempos, architectadas com labor e proficiência para a explicação e lucidez do mecha- nismo intimo da herança. Hypotheses innumeras foram em todos os tempos apre- sentadas. A antigüidade teve as suas; ellas são o que podem ser, isto è, sem fundamento nem base sólidas, acceitaveis, naturalmente incompletas e inexactas, muitas francamente absurdas. O estudo das theorias sobre a herança, além de não se prender directa e immediatamente ao ponto escolhido para a nossa disser- tação, seria por demais extenso e enfadonho ; silenciaremos pois sobre taes theorias, algumas das quaes, pela auctoridade e respei- tabilidade dos que d^llas tomaram a paternidade, pela sua grandeza de concepção e belleza suggestiva fizeram época; diremos tão somente que nenhuma d'ellas encontra fundamento na experiência, que todas são hypotheticas. 5 * * * Em seu profundo livro " Syphilis et Mariage" escreveu o eminente professor Fournier: ~«E' uma questão das mais graves, das mais importantes sobre o duplo ponto de vista medico e social». Acham inteiro cabimento estas sabias palavras a respeito do ponto escolhido para a nossa dissertação. No emtanto, questão tão magna e de tão relevante interesse ainda não está completamente elucidada; densos véos de mysterio encobrem ainda muitos factos interessantes, apszar da enorme quDta de documentos importantíssimos trazidos, sobretudo neste século, por eminências a toda prova. Dissenções ainda persistem, e, para não ir mais longe, basta- nos dizer que vozes discordantes, si bem que raras, se ouvem, negando a herança syphiliíica. Não vale a pena refutar semelhante opinião, mesmo porque, si nella attentarmos, duvidaremos da sua seriedade. Desenga- nem-se os opposicionistas systematicos de todos os tempos, que melhores esforços sejam postos a serviço de melhores causas ; os factos são por demais eloqüentes e convincentes e elles diaria- mente e com superabundancia provam a realidade da herança syphilitica. Si do íacto principal e incontestável ainda duvidam, não é de admirar que maiores e mais numerosas divergências se façam sentir em se tratando de influencias hereditárias parciaes, isto é, do papel representado por cada um ou por ambos os genitores. Adiante, em logar opportuno, mostraremos taes opiniões e o nullo valor d'ellas. Que devomos entender por herança syphilitica? Esta palavra — herança — applicada em relação á syphilis tem inteiro cabimento? Si aprofundarmos as nossis inquirições, veremos que o termo é aqui empregado em um sentido bastante lato, mais extenso do que o que lhe dá a lógica. 6 Sendo a syphilis uma moléstia virulenta, devida a um agente de infecção especial, isto é, a um ser que tem uma existência pró- pria, esta transmissão não pôde ser considerada, rigorosamente falando, como um facto de herança. De facto, o agente virulento pôde achar-se no óvulo, ou nelle ser trazido pelo espermatozoide virulento em conseqüência da fecundação ; assim é que deve ser considerada a transmissão sy- philitica hereditária, e, assim sendo,a razão e a lógica nos mandam considerar como um facto de verdadeira inoculação, de uma in- fecção virulenta, aquillo que habitualmente é capitulado de herança. Devemos por isso banir o termo herança em tratando de syphilis? Attendendo a que elle em nada prejudica, que éde uso corrente, geral e consagrado; deve ser conservado. Feitas estas ligeiras considerações, que se nos afflguravam necessárias, passemos a uma outra distincção, que também carece ser feita. Esta diz respeito ao limite que deve ser traçado á infecção ger- minativa ou herança, termo este que conservamos, depois das con- siderações supra, para mais clareza e melhor comprehensão do assumpto. Vulgarmente por herança se entende: transmissão dos ascen- dentes aos descendentes, dos genitores aos procreados; no emtanto assim não deve ser; deve-se restringir a significação elástica habi- tualmente conferida a este termo. Como muito bem diz o eminente professor Fournier, por herança não devemos entender tudo o que passa dos ascendentes aos descendentes, mas sim tudo o que é transmittido em conse- qüência da fecundação. De sorte que uma moléstia transmittida de pães a filhos será hereditária, com a condição da pre-existencia d'ella (moléstia) nos pães, ao acto da fecundação e, reciprocamente,uma moleetia trans- mittida ao producto aquém da fecundação, não será, rigorosamente encarando, hereditária. 7 Exemplifiquemos:—seja um casal syphilitico, do qual nasce uma criança provavelmente syphilitica, neste caso trata-se de uma syphilis hereditária. Porque? Pela simples razão de que a syphi- lis existia nos genitores antes da época da procreação. Ao contrario, eis uma muther sã e grávida, isenta até então de toda e qualquer manifestação syphilitica. No decorrer da gravidez ella contrahe a syphilis e contamina o feto ; neste caso não se trata de uma syphilis hereditária e sim por contagio intra-uterino ou por infecção placentaria. Que fique, pois, bem claro o seguinte: Io—A syphilis hereditária é a que se origina para o feto d'uma syphilis dos ascendentes, anterior á procreação; 2°—Que não deve ser considerada como hereditária a syphilis transmittida ao feto, posteriormente á procreação. Não é esta maneira de encarar a herança na syphilis, de a dif- ferenciar de uma infecção post-concepcional, uma simples questão de palavras, estéril em resultados práticos; ella corresponde, pelo contrario, a differenças clinicas sanecionadas pela observação. (Fournier). A priori, a razão indica que differentes devem ser as conse- qüências de uma moléstia que em um caso nasce com o embryão, faz d'elle parte integrante, infecta-o desde o principio de sua for- mação, e em outro contamina o feto, já mais ou menos formado, mais ou menos adiantado em seu desenvolvimento. A posteriori, a observação faz-nos ver que a verdadeira syphilis hereiitaria^ó de^maior gravidade para o feto, mais mortifera que a derivada d'uma infecção placentaria. Tal é a argumentação do professor Fournier, cuja opinião abraçamos, reconhecendo embora muitas vezes a difficuldade pra- tica de bem distinguir os casos. ?r-fjNem'sempre foi admittida a transmissão syphilitica por via pi icentaria. Época houve em que teve enorme repercussão e foi conside- rada como um dogma à lei Brauell-Davaine. 8 Estes experimentadores assignalaram a respeito do carbúnculo o seguinte:—a bacteridia não passa da mãe ao feto. Analysando o sangue de embryões de fêmeas (vacca, jumen- ta, etc.) attingidas de carbúnculo, verificaram que elle não era virulento e não continha bacteridias, ao contrario do sangue ma- terno, eminentemente infectuoso e onde os micro-organismos pullulavam. D'ahi concluíram os experimentadores o seguinte, conhecido sob o nome de lei Brauell-Davaine: «a placenta é um apparelho de filtração physiologica, do qual não se approxima nenhum filtro artificial.» Existem hoje experiências authenticas, em não pequeno numero, que demonstram o infundado de taes experimentos, tor- nando patente a passagem dos elementos figurados atravez da placenta. Arloing, Cornevin e Thomas, em 1882, estudando a questão em ovelhas accommettidas de carbúnculo symptomatico, observaram a passagem da bacteridia da mãe ao feto. Pouco depois Strauss e Chamberland, pesquizando com o máximo cuidado sobre o assumpto no laboratório Pasteur, chega- ram a conclusões que invalidam a lei Brauell-Davaine. Estes experimentadores, pesquizando sobre o sangue de fetos de fêmeas carbunculosas, chegaram, em alguns casos, a resulta- do positivos, por meio das culturas e inoculações em cobayas sãs. D'onde a conclusão que nem sempre a placenta constitue uma barreira intransponível aos micro-organismos. Concluem Strauss e Chamberland: «a lei Brauell-Davaine,que generalisa uma excepção, é, pois, errônea ; erro íeliz numa época dada, devemos reconhecel-o, e que foi proveitoso á sciencia, por- quanto forneceu á theoria parasitaria das moléstias infectuosas um dos argumentos em apparencia mais sólidos, quando as provas directas não abundavam como hoje. » Mais tarde Koubassof, em experiências feitas no laboratório Pasteur, evidenciou a presença de bacillos carbunculosos nos humores e tecidos do feto, pelo exame microscópio. 9 Chamberlent chegou á mesma conclusão em referencia á cholera das gallinhas, e Perroncito, na Italia,a resultados idênticos foi levado quanto ao carbúnculo. Estes auctores são citados pelo illustrado professor Cypriano de Freitas, no seu belio trabalho «Hereditariedade nas moléstias infectuosas.» Mais tardeMalv oz, em estudos consignados nos «Annaes do Instituto Pasteur», conclue o seguinte: « O micróbio do carbúnculo só passa atravez da placenta estando esta membrana filtrante lesada.» Sempre que houve a passagem da bacteridia, este auctor provou na placenta a existência de pequenos pontos hemorrhagicos muito numerosos. Sobre esta questão,os resultados de todas as pesquizas recentes podem ser resumidos nas seguintes proposições: l.a A placenta sã, physiologica, não permitte a passagem na circulação fetal de corpos extranhos finos, nem de micro- organismos'; 2.a Os microorganismos^podem determinar moléstias da pla- centa: embolias, hemorrhagias, necroses endotheliaes, que abrem uma via de passagem atravez da parede placentaria. O filtro pôde ainda tornar-se permeável pela acção dos micróbios pathogenicos depostos na placenta. Taes são as duas conclusões a que chega E. von During, synthetisando o que de recente tem sido publicado sobre o assumpio. Um dos adversários mais tenazes e respetaveis da infecção syphilitica por via placentaria é o Snr. Kassowitz. Em seu primeiro trabalho, elle a nega de uma maneira absoluta, categórica. Eis como elle se expressa:—« Uma criança cujos pães no momento da concepção estão sãos, não ó syphilitica, ainda que sua mãe seja attingida de syphilis geral em um mo- mento qualquer da gravidez. O virus syphililico não pôde atra- vessar a parede que separa as circulações materna e fetal, passando da mãe ao feto.» T 2—D. 10 Mais tarde Kassowitz modificou sua opinião e reconheceu este modo de infecção, admittindo comtud o a sua raridade. Este problema acha-se hoje resolvido pela observação clinica e esta mostrou que a infecção pôde produzir-se nos dous sentidos. Observações existem, bem ponderadas e authenticas, em que se escuda esta opinião. ORIGEM PATERNA Eram os antigos tratadistas, e notadamente os de quasi todo o ultimo século, concordes em admittir a influencia paterna na transmissão da syphilis. Desde Paracelso, que parece ter sido o primeiro a assignalar o caracter hereditário da syphilis:—fit morbus hereditarius et transit a patre ad filium, até Hunter, nenhuma voz discordante se faz ouvir sobre o assumpto. Não é de causar extranhezaesta unanimidade de opinião numa época em que era admittida a virulência de todos os humores physiologicos e pathologicos. Com Hunter (1787) manifesta-se a reacção contra a theoria dominante: só admittindo a virulência do pús canceroso, nega este auctor a herança syphilitica paterna. Astruc, no fim do ultimo século, faz observar que a influencia parterna é menos certa e segura que a materna. No começo do actual século Vassal (1807), alistando-se entre os que combatem a influencia paterna, vai mais adiante e a nega formalmente. No emtanto, ainda no começo do actual Swediaur (1801) e Bertin (1810) oppõem-se contra tal exclusivismo e admittem a influencia paterna, trazendo, este ultimo, a observação de um caso notável. 12 D'ahi até 1851 nada se adianta sobre a questão, ha um ver- dadeiro interregno; nenhum trabalho de valor ó publicado sobre o assumpto. Cullerier (1851) afíirma o exclusivismo materno na trans- missão da syphilis, admittindo, portanto, a nullidade da influencia paterna. Bouchut (1852) declara que a transmissão da syphilis por via paterna carece de fundamento. Cazenave estabelece a reacção e julga a transmissão pelo lado paterno de maior freqüência. Trousseau adhere inteiramente a esta opinião. A partir deste momento, dous campos oppostosse formam; em um é negada categoricamente a influencia paterna, noutro, pelo contrario, é ella admittda. Como diz Diday, os primeiros parecem occultar « sous une critique sevère et minutieuse 1'intention bien arrêtée de ne pas se laisser convaincr©.» Luctas se travam e, dia a dia, ganha terreno, escudada em observações inatacáveis, a opinião em favor da influencia paterna. Combatentes de primeira plana, espíritos cultos e sábios arre- gimentam-se, unem-se para darem combate á opinião contraria, e esta, diante de uma critica severa e fundamentada, diante de observações incontestes, recua, foge, e cae no dominio das theorias errôneas, infundadas. Muitas discussões e polemicas importantes se estabelecem em busca da verdade, que, como tal e só uma, prevaleceu, firmou-se de um modo brilhante, prompto a levar a convicção aos espíritos incrédulos e rotineiros. A questão, a ser julgada por algarismos e estatiscas, acha-se resolvida; não faltam dados publicados a tal respeito ; os fastos clínicos respectivos regorgitam ; de todos os tempos innumeros auetores têm trazido fortíssimo e inatacável contingente de observações. 13 Basta-nos citar os nomes de: Swediaur, Bertin, Colles, Acton, Depaul, Beduar, Maisonneuve, Lancereaux, Trousseau, Hudelo, Parker, Waldeyer, Ricord, Leloir, Vidal, Hutchinson, Kassowitz, Diday, Fournier, Riocreux, Von During, Besnier e muitos outros. Kassowitz, em um periodo de 15 annos, com documentos recolhidos na Findelhause de Vienna, organisa a seguinte in- structiva estatística: Crianças Mães Mães Mães syphiliticas syphiliticas desconhecidas sãs 400 122 112 166 Faz notar Kassowitz, com a auctoridade que lhe assiste, que os documentos assignalados são sérios, verdadeiros, meticulosos e estabelecidos depois de uma observação attenta, severa e prolongada. A estatística pessoal do mesmo professor diz respeito a 119 casos, dos quaes 43 são considerados, pelo auctor, suspeitos. Nos 76 restantes a indagação colheu o que se segue: 23 vezes os pães eram syphiliticos, 10 vezes somente a mãe e em 43 casos esta ultima nada tinha, era sã. E1 também esta estatistica estabelecida, com o escrúpulo que caracterisa o auctor, sobre casos submettidos a uai exame rigoroso, pesquizador, proseguido durante annos consecutivos e compre- hendendo as mucosas buccal, pharyngiana, os ossos do craneo, as claviculas, os tibias, o couro cabelludo, os gânglios do pescoço e a pelle. Além d'isto, convém notar que as mães, reconhecidas sãs, não soffreram acção therapeutica de espécie alguma; portanto, não se pôde admittir á intervenção especifica a ausência de manifes- tações syphiliticas. Por esta rápida resenha, vemos que factos numerosos e bem estabelecidos superabundam em favor dos que militam pela influencia paterna. 14 Vejamos agora as observações em que se escudam os que negam a influencia paterna e o que ellas têm de fundamento e proveitoso. No começo do presente século Vassal, em França, Hufeland e Bayer, na Allemanha, sustentam a transmissão hereditária unica- mente por via materna, sem comtudo apresentarem provas com- probativas e reaes de suas asserções. Somente até chegarmos a Cullerier, em 1851, é que se inicia a verdadeira discussão scientifica, é que semelhante maneira de pensar adquire foros de doutrina. Em uma memória, que se fez celebre, á Sociedade de Cirurgia, chega o auctor á seguinte errônea conclusão: uma mãe não syphilitica nunca procreará um filho syphilitico. Escuda-se, para tão inveridica e perigosa conclusão, o 'Ilus- trado professor, em algumas observações negativas, nas quaes maridos syphiliticos procrearam crianças sem a minima manifes- tação suspeita, ficando as mães indemnes. Diligenciámos por conhecer taes observações; porém, por melhor que fosse a nossa vontade e por maior que fosse o nosso esforço, não conseguimos a leitura da memória do illustrado pro- fessor; a nossa Biblittheca, ondo esperávamos colher o que tanto almejávamos, mostrou-se de uma inclemencia cruel, de uma ne- gação absoluta, de um mutismo desanimador e formal. Recorremos, pois, á extranha critica que sobre ellas existe e esa é acc orde em consideral-as como negativas, não attingiveis ao que pretendem affirmar, e, sim demonstrativas da efficacia do tratamento mercurial, que, administrado ao pae, impediu a trans- missão. Cullerier, entre estas observações, sem se aperceber, publicou uma contraria á these que pretende estabelecer: a que diz respeito a uma mulher que deu á luz uma criança morta; mais tarde teve ella outro filho apparentemente são, que, confiado aos cuidados de uma ama, não tardou em apresentar accidentes syphiliticos. As observações publicadas por Notta (1860), as de Charrier, não são, no dizer da critica, demonstrativas. 15 Nota Kassowitz que ellas são incompletas, não fazem menção alguma do tratamento soffrido pelos procreadores, o que lhes subtrae uma parte do valor a que aspiram. Para Mireur a influencia paterna tem sido exaggerada ; ella é extremamente rara, excepcional. Lauglebert (1873), embora contestando esta influencia, acon- selha a prescripção especifica, no interesse do gerado, a uma mulher grávida de um homem syphilitico. CEwre, que organisou uma estatistica referente a 50 pães e 120 crianças, diz: « a influencia paterna é nulla a respeito da syphilis hereditária; o filho de um homem syphilitico é são.» Eis a critica destas observações, feita por Blaise:—Os factos de CEwre são um conjuncto negativo e nada mais; elle cita freqüen- temente observações incompletas, não fornece dado algum sobre a marcha, a antigüidade da moléstia, o tratamento. CEwre con- tenta-se em falar de dous, três, quatro, cinco, nove annos, que separam a syphilis paterna do nascimento da criança ; quando se lhe objecta que o pae podia achar-se^curado, escuda-se em um argumento contrario ao que sabemos sobre a syphilis: nega a possibilidade de curad'esta moléstia. Em uma estatistica anterior, referente a 100 casos diz o auctor ter encontrado quatro em que a mãi ficou indemne. Respondendo á critica defende-se: o estado do pae não foi sufficientemente procurado.» Fala ,Diday: «singulier argument, car puisque les enfants étaient syphilitiques de naissance et puisque les mères étaient saines, point n'était besoin de rechercher 1'état des pères.» Jullien, sem negar a influencia paterna, diz, no emtanto, ser ella muito restricta. De real e incontestável auxilio nos foi, para a feitura deste esboço histórico, o livro de Henri Blaise: Hérôdiié Syphilitique. Dos documentos apontados, uma conclusão se infere:—os casos em que o producto nasce são, sendo o pae syphilitico, são 16 numerosos; d'ahi, porém, a negar-se a influencia paterna na transmissão da syphilis, vai uma distancia bem longa. De que valeriam então, como seriam considerados os casos inilludiveis e que aos milhares regorgitam nos archivos clinicos, em que a transmissão paterna tem sido rigorosamente verificada? Não demos aos factos alcance que não têm ; que milhares de casos negativos não destroem um positivo, rigorosamente estabe- lecido, é cousa sabida. O que se pôde deduzir das observações contrarias á transmissão hereditária paterna, é que nem sempre esta se manifesta, não é fatal, que é mesmo menos freqüente do que se julga; de maneira nenhuma, porém, invalidam, excluem a influencia paterna, que fica de pé, verdadeira e inatacável, como provam e convencem observações varias e também argumentos de incontestável valor, como adiante exporemos. A doutrina defendida com tenacidade pelo professor Cullerier, além de errônea, comporta sérios perigos sob o ponto de vista social. Terminando este succinto histórico, não nos podemos furtar ao desejo e prazer da transcripção das sabias palavras dos emi- nentes mestres Diday e Fournier. Fala o professor Diday:—«si ella (doutrina que nega a in- fluencia paterna) fosse adoptada, conduziria os pães e, sobretudo, o medico, a quem incumbe a missão de velar pela criança, a fiarem-se em uma segurança enganadora. Notemos que o que impede os homens syphiliticos de se casarem não é o temor de tr^nsmittirem a syphilis ás suas mulheres, porque elles sabem que não a infectarão si d'ellas evitarem a approximação, no momento em que sobrevém alguma lesão sobre as regiões por onde têm •logar os contactos Íntimos; mas elles sabem também que estão aptos á procreação de uma criança doente, ainda que, na occasião da procreoção, não tenham lesão alguma apparente pelo corpo e ainda mesmo que não a apresentem desde muito tempo. Dissipae este receio, este temor, si quizerdes, em todo o caso este freio salu- tar, e casamentos syphiliticos se multiplicarão, com grande pre- juízo das crianças, com grande perigo das mães e amas. 17 Ainda que assim não falem os nossos adversários, no fundo pensam certamente como nós.» Diz o professor Fournier, em seu profundo livro Syphilis et Martage: «Por conterem uma parte de verdade, as doutrinas no- vas introduzidas na sciencia relativamente â não transmissão da syphilis por herança paterna, ou de uma maneira mais geral, á não influencia da herança paterna sobre os descendentes, estas doutri- nas, digo, contém exaggeros manifestos e mais que exaggeros, erros absolutos, consideráveis, perigosos, sob o ponto de vista social perigosos a todos os respeitos, tornando-se necessário combatei-os energicamente.» Servirão estas memoráveis, sinceras e sabias palavras de esti- mulo e guia ao presente trabalho. Examinemos a argumentação opposta pelos nossos contradi- ctores, entremos em cheio na discussão d'ella e mostremos o erro absoluto e perigoso dos que dizem: «a influencia do pae é nulla) absolutamente nuila,paraa transmissão da syphilis ao feto. O filho de um homem syphilitico nasce são, isento de syphilis e com saúde.» Sobre considerações nada demonstrativas, sobre razões ne- gativas e illogicas, repousa a doutrina da não herança paterna da syphilis. Passemol-as, com o eminente professor Fournier, em revista. 1" — «Desproporção manifesta, innegavel, entre o numero de maridos e crianças syphiliticas. » Absolutamente não negamos a desigualdade frizada nesta argumentação: o que, porém, combatemos enérgica e convencida- mente é o fim a que aspira tal argumento. A transmissão hereditariada syphilis é fecunda em sorprezas: casos bem averiguados e que se apresentam com alguma freqüên- cia, dizem respeito a syphiliticos que em pleno periodo secundário, isto é, na phase mais virulenta e perigosa para a transmissão da syphilis, não influenciaram de modo algum sobre a descendência; nesta, uma observação attenti e um exame rigoroso nada desven- T 3-D. 18 daram de syphilis ; outros, em que, decorridos dez, quinze annos, um pleno período terciario, portanto, em circumstancias piuco propicias á transmissão syphilitica, esta se fez sentir. Todos os tratadistas, pró ou contra a transmissão paterna, relatam esta desproporção. Mas, que prova isto? que significa ella? fala esta desigualdade em favor da não influencia paterna? Absolutamente não. 0 que dahi dimani é que nem sempre a transmissão heredi- tária se effectúa, que ella não é fatal, não se exerce em todos os casos em que podia patentear-se; isto é o que deduz a mais ele- mentar lógica. Não encontraremos no enunciado deste primeiro argumento, alguma cousa que nos ac^ne, que milite em nosso favor? «Desproporção manifesta entre maridos e crianças syphili- ticas.» Mas, quem diz desproporção de transmissão, não diz impossi- bilidade de transmissão; pelo contrario, esta não é reconhecida; ha desigualdade de transmissão, logicamente também ha trans- missão; é ao que nos conduz o raciocínio. E' próprio dos erros, até os alicerces em quo repousam; acenam, clamam, gritam pela verdade. Firmada â nullidade desta primeira razão, passemos á segunda. 2' — Muitas vezes, dizem os nossos adversários, tem-se visto o seguinte: «Um homem syphilitico, casado com uma mulher sã, ter filhos sãos. Que vale, em presença de taes factos, a pretendida herança paterna da syphilis?» E' também este argumento, como o primeiro, de nullo valor. Diremos aos que nos combatem:—não recus imos que tal se dê, pelo contrario,conhecemos casos em que pães syphiliticos, não curados, insufficnmte nente tratados ou não tendo experimentado acçlo therapeutica alguma, em pleno periodo secundário, portanto, nas mais favoráveis condições, em espado ideal, permitta-se-nos a expressão, para transmittirem a syphilis, têm gerado crianças sãs, sem a mini ma manifostaçâo especifica. 19 Não occultamos taes casos, antes os apontamos, certo de que elles em nada prejudicam a theoria que nos esforçamos por defender. Que provam elles? A não existência da herança syphilitica paterna? Semelhante conclusão seria illogica e despida de toda a verdade. O que elles provam é que em certos e mesmo numerosos casos a herança paterna não se effectúa,no que estamosde pleno accòrdo; porém, nada mais do que isto. São factos negativos, que só têm valor como taes; conhecido, como é, o velho adagio: todos os factos negativos não prevalecem contra um sò positivo, bem e^abelecido. Deduzir de taes factos a não influencia paterna é uma conclu- são contra a qual protestam a lógica e o bom senso; pois, melhoria de razão não tem este segundo argumento, que, como o pri- meiro, fica aquém do que pretende demonstrar. Passemos ao terceiro argumento. 3a — E' o que se baseia na não inoculabilidade do esperma dos indivíduos syphiliticos. Sobre as experiências de Mireur, que, inoculando esperma syphilitico em indivíduos sãos, nada conseguiu, acharam os nos- sos contradictores um argumento, que reputaram de alto valor e grande alcance, contra a theoria pela qual nos batemos; assim raciocinaram elles:—O esperma syphilitico inoculãdo a pessoas sãs, não lhes transmittiu a syphilis; logo também não a trans- mittirá ao óvulo, e, por conseguinte, ao producto da concepção. Si o ponto de partida deste raciocinio é verdaieiro, como demonstram provas directas eindirectas, a conclusão não o é. Antes de mais nada, digamos que inoculação e fecundação são cousas differentes, nenhuma correlação, nenhuma paridade existe entre estos dous phenomenos-, o esperma,sufficiente paratransmittir a syphilis por fecundação, pôde não o ser por inoculação sub- cutanea; no primeiro caso, elle dá ao óvulo a vida, confere-lhe aptidões physiologicas e pathologicas, caracteres diversos, que se 20 traduzirão, no novo ser, por semelhanças physicas, moraes e mórbidas. O illustre professor Cypriano de Freitas, de passagem, visto como assim exigea Índole do seu erudito trabalho «Hereditariedade nas moléstias infectuosas» refere-se ás experiências de Mireur e faz notar que nos líquidos a distribuição dos micróbios é descon- tínua, donde a necessidade de um grande numero de experiências para proporcionar um resultado seguro. Apreciando o valor deste argumento, assim termina o pro- fessor Fournier: «pois, como conclusão, a não inoculabilidade do esperma de indivíduos syphiliticos não constitue uma objecção séria contra a faculdade que pôde ter esse mesmo esperma de con- taminar o óvulo, e, por conseguinte, o producto da concepção.» Conferindo o esperma a herança syphilitica e sendo todas as moléstias infectuosas de origem microbiana, força é admittir que o esperma éo vehiculo do agente pathogenico. Como interpretar esta herança espormatica ? Devemos admittir que os micro-organismos existem em esta- do latente no esperma e só entram em actividade quando se opera a intima fusão das duas cellulas, cuja resultante será um novo ser ? Ou, como quer Gastou, citado por Besnier, o esperma, não contagioso como liquido inerte, sel-o-ha como liquido fecundante? São hypotheses plausíveis, mas que não passim de taes. O que não podemos deixar de admittir é a existência do agente sy- philitico no esperma, de outro modo não pôde ser comprehendida a herança paterna. Em desespero de causa, como ultima taboa de salvação, agar- ram-se os nossos contradictores a um argumento infeliz, que cae, logo enunciado; incriminam as numerosíssimas observações que attestam indubitavelmente a influencia paterna; dizem elles: «nos casos em questão, a progenitora não foi sufficientemente examinada, si a tivessem melhor e durante mais tempo examinado, encontrar-se-hiaa syphilis, visto como não existe criança syphi- litica, sem mãi syphilitica.» 21 Ha argumentos que não devem ser formulados, de cuja serie- dade somos levado a duvidar, e este é um delles. Pois ó de crer que médicos eminentes tenham todos ca- hido no mesmo erro, desconhecendo a syphilis? Que summidades da estatura de Ricord, Bassereau, Hutchin- son, Diday, Fournier e muitos outros não tenham reconhecido a syphilis, elles, que a procuravam, que diligenciavam por encon- tral-a ? E, finalmente, que médicos examinando assiduamente e quo- tidianamente suas próprias mulheres (comoattestam observações) deixaram passar despercebida, nellas, a syphilis ? Absolutamente não. A prevalecer tão orginal argumentação, nada em sciencia se poderia estabelecer. Esquecem-se os nossos adversários que semelhante objecção é arma de dous gumes, que, da mesma maoeira, poderíamos (si dahi nos adviesse algum auxilio) dizer-lhes: as observações em que baseiam a doutrina da não influencia paterna, na transmissão da syphilis, não foram rigorosamente estabelecidas. Passámos em revista os argumentos que, á guisa de victo- rioso^, são formulados pelos que nos combatem, vimos o quanto são pallidos, fracos, apreciám>.l-os devidamente, pesámo-lhes o valor negativo e nullo quanto ao fim a que se propõem, e de tudo isto ainda mais convencido ficámos dn verdade, a serviço da qual conscienciosamente nos alistamos e pela qual com ardor propu- gnamos: a influencia paterna na transmissão hereditária da sy- philis é incontestável, innegavel. Estudemos agora as sólidas e bem estabelecidas bases em que se assenta a theoria que defendemos ; pa-semos em revista os ar- gumentos convincentes e inexpugnáveis que a sustentam para melhor apreciarmos o contraste; si, de um lado, nos orterecem uma argumentação pallida, incolor, frouxa ; do outro, em compen- são, ella é f>rte, convincente, de valor incontestável e prompta a levar a convicção aos espíritos incrédulos e rotineiros I. Como primeiro e seguro argumento em favor da reali- dade da herança syphilitica por via paterna, invoquemos os factos 22 clínicos bem estabelecidos, as observações de todosos tempos, re- colhidas por médicos acima de qualquer suspeita e de capacidade scientifica incontestável ; ellas vêm aos milhares em nosso auxi- lio, os annaes da sciencia dellas regorgitam ; médicos e sábios da estatura de Ricord, Hutchinson, Bassereau, Kassowitz, Diday, Parrot, Trousseau, Fournier, Lancereaux, e outros, têm trazido contingente respeitável de inatacáveis observações, convergentes para a provado mesmo facto:—a realidade da herança syphilitica paterna. Já dissemos que estas observações foram incriminadas pelos nossos adversários, assim como também já mostrámos o valor de tão singular e desanimadora argumentação. Todas ellas demonstram peremptoriamente o valor da in- fluencia paterna, que, attentas as condições sociaes, reputamos mais freqüente e mais commum do que a materna, na transmissão hereditária da syphilis. Era Hutchinson achamos agasalho para o nosso modo de pensar. Para elle a maior parte dos casos de syphilis hereditária derivam exclusivamente do pae. Assim se expressa o abalisado mestre:— I am firmily of opinion that, in a large majority of in- stances in English practice, inheritance of syphilis is from the father, the mother having never suffered before conception. II. Um segundo argumento, que corrobora o que sustenta- mos, evidencia-se na freqüência de abortos em um casal cujo marido é syphilitico. Os auctores são concordes em assignalar este facto, de tal modo que, quando em um casal ha freqüência de abortos, sem explicação plausível para que tal se dê, sem causa apparente que tal justifique, devemos pensar immediatamente na possibilidade de syphilis do marido. E' esta influencia abortiva um facto commum, de observaç^ão fácil, quasi diária. O professor Fournier, doutrinando sobre o assumpto, ensina o seguinte: «O perigo mais commum, mais usual, ao qual expõe no casamento a syphilis do marido, é o aborto.» 23 O mesmo eminente professor organisou uma estatistica de- monstrativa da proposição por elle estabelecida ; eis o que nos instrue tal estatistica: De 103 prenhezes em que a mulher nada de syphilitico tinha, contrariamente ao marido, presa da moléstia vonerea, 41 terminaram por abortos ou partos prematuros ; a por- centagem é bem significativa: 39 %• Os elementos desta estatistica foram recolhidos na clinica ci- vil, isto é, em um meio no qual as condições anti-hygienicas de miséria, fadiga, surmenagem, alimentação insufíiciente etc, não se fizeram sentir ; além disso, as mulheres eram moças, de saúde, recentemente casadas, não apresentmdo lesão alguma ute- rina, etc. Não pôde, pois, o aborto ahi ser explicado por causa outra que não a syphilis. A influencia que, em casos ties, exerce o marido, ainda mais se evidencia quando comparamos os resultados de varias prenhe- zes, umas anteriores e outras posteriores á syphilis marital. Basta-nos a citação do seguinte caso do professor Fournier: — Um homem são casa-se com uma mulher sã ; dessa união na- scem quatro crianças fortes, vigorosas, de boa saúde; mais tarde o marido contrae a syphilis. Premune-se contra tola a possibilidade de contagio á mulher (que fica indemne) e, mais tarde, torna-se elle pae 4 vezes ; resul- tado dessas quatro prenhezes consecutivas á syphilis do ma- rido:—três abortos e o nascimento a termo de uma criança fraca, franzina, estiolad;i, que succumbe em breve tempo. E'esta uma observação que prova e convence. III. Mais um argumento, corollario do precedente, podemos in- vocar: o critério therapeutico. Casos de certa freqüência e de observação commum entre os esoecia listas são os em que vários abortos se dão em um casal cujo marido é incriminado como causa delles, pela sua syphilis antiga ou recente, descurada ou tratada insufficientemente ; nestas condições é estabelecido o tatamento especifico do marido, os ..resultados conseqüentes são os mais satisfactorios e conviu- 24 centes: nascimento de crianças sadias, fortes, indemnes de mani- festações syphiliticas. Observações assim estabelecidas não faltam, accodem innu- meras ao nosso appello ; que nos baste relatar a seguinte do pro- fessor Fournier:- «Era eu medico novel, quando um dia, por acaso, encontrei um antigo camarada de collegio ; conversámos e o meu amigo contou-me as suas maguas: estou desolado, disse- me elle, minha mulher acaba, nesta manhã, de abortar pela quarta vez, e, o que é peior, todos estes abortos não encontram causas que os expliquem; nãò houve accidente, queda ou imprudência. Isto não pode ser attribuido a alguma falta minha; vês como sou forte e robusto para ter herdeiros. Isto não pode evidentemente depender, sinão de minha mu- lher ; e, si bem que forte, na apparencia, bem disposta, bem con- stituída, começo a crer com bastante pezar que ella não me dará fi- lhos. Uma recordação atravessou-me o espirito e repliquei-lhe: talvez tua mulher, que accusas, não seja a responsável, como julgas, desses múltiplos abortos ; talvez sejas tu o verdadeiro cul- pado, porque conheci-te, ha alguns annos, com um belio cancro de que, me parece, não cuidavas de uma maneira exemplar. No teu logar eu me trataria, retomaria o mercúrio. Ainda que dado em plena rua, por assim dizer á aventura, o conselho foi seguido e o tratamento especifico recomeçado com in- tensidade, porque, deixando-me, o meu,amigo correu ao seu an- tigo boticário, fez uma formidável provisão de pululas de Ricord e tomou-as durante um anno. Quinze mezes mais tarde sua mulher dava á luz uma criança viva eforte, que tem hoje mais de vinte annos. Ainda teve mais 3 prenhezes seguidas de resultados satisfactorios e felizes.» E' esta uma observação bem instructiva: 4 abortos antes do tratamento do marido e 4 crianças vivas depois do tratamento! Que ha de mais convincente? E, notemos com o eminente professor, os casos deste gênero constituem, por assim dizer, a regra na es- pécie. 25 IV. E' a syphilis por concepção mais uma prova indirecta, porém, de peso e valor seguro para a demonstração da influencia paterna. Mais adiante desenvolveremos o assumpto, trazendo dados clínicos que auctoiisam a sua authenticidade; digamos, por ora em que ella consiste e como servo de argumento para o que defen- demos. Um syphilitico casa-se com uma mulher sã e com ella vive sem nada de susp-ito lhe communicar; a mulher engravida e al- gum tempo depois (2 a 3 mezes em média) apresenta accidentes syphiliticos secundários, havendo ausência do cancro infectante. E' esta uma syphilis extranha e que sae da normalidade, por dois motivos:—Io invasão de chofre, geral, sem o accidente primi- tivo -orno exordio ; 2o impossibilidade de contagio pelo marido, visto como este não apresenta accidentes contagiosos. Qual a origem desta syphilis? Si atentarmos em que o feto nasço syphilitico, a única interpretação plausível é que a syphilis delle provém; o feto syphilitico inficionou o organismo materno; a não ser assim como interpretarmos a origem d'ella? Do marido não pode provir a syphilis, visto como este não apresentou acci- dente algum contagioso desde o casamento e de mais a syphilis desta mulher é differente da que procede de um contagio, a qual começa forçosamente por um cancro; é, pois, o feto a origem de tal syphilis. E o feto como contraiu a syphilis? Do organismo materno não é admissível pensar-se, porque este era são, sem tara syphilitica alguma; forçoso é, pois, incriminarmos o pae, como causa da syphilis fetal. Eis como vem a syphilis por concepção augmentar o acervo de provas existentes para a demonstração da syphilis paterna. Si mais provas necessárias fossem, tel-as-iamos seja em um caso relatado por Frankel, em que a necropsia da progenitora foi praticada e não desvendou lesão alguma imputa vela syphilis; seja nos dous casos relatados por Diday e Kassowitz, em que uma mulher sã, isenta de manifestações syphiliticas, deu á luz 2 ge- T 4-D 26 meos, dos quaes um syphilitico e outro indemne dequilquer sym- ptoma suspoito. Vemos ahi uma prova palpável, manifesta da influencia do pae, visto como si este não fosse incriminado e sim somente a mãe, comprehenderiamos difficilmente tal caso e não atinaríamos com a razão em virtude da qual, dos 2 gêmeos procreados no mesmo utero, submettidos ás mesmas influencias, só um foi victi- ma da syphilis. Diante dis provas sérias e demonstrativas que passámos em revista, rrovas directas (como estabelecem observações incontes- tes), tiradas da transmissão da syphilis do pae á criança, estando a mãe indemne ; diante de argumentos baseados na grande fre- qüência de abortos em um casal em que o marido é syphilitico, mediante dados inferidos do critério therapeutico; e, finalmente, tendo em vista deducções emanadas da syphilis por concepção, uma conclusão se impõe soberana:—a herança syphilitica paterna é uma verdade clinica irrecusável. Innegavelmente provada como está a influencia paterna na transmissão da syphilis, não se pense que somos partidário da transmissão sempre que o pae é syphilitico; pelo contrario, reco- nhecemos que felizmente nada de fatal pesa sobre a herança por via paterna, que ella nem sempre se effectua nos casos em que pôde exercitar-se; milhares do observações assim o provam e mesmo eis ahi uma das razões pelas quaes os nossos adversários negaram a influencia paterna Comprehende-se que médicos respeitáveis e observadores sin- ceros tenham cahido em uma serie de casos negativos, isto é, casos em que a herança não se effectuou, e, dahi, por uma gene- ralisação descabida, tenham negado a influencia paterna; o que não comprehendemos e deveras lastimamos ó a persistência delles no erro. Desde que casos bem averiguados, authenticos, foram rigoro- samente estabelecidos, deviam os nossos adversários penitenciar- se ; a confissão sincera e franca do erro é mais louvável do que a persistência nelle. 27 Nada de fatal pesa sobre a transmissão hereditária da syphi- lis, dissemos, e assim o é; de facto, aquelle que quizesse estabelecer regras fixas, leis immutaveis sobre tal assumpto, teria diaria- mente desmentidos formaes; a herança syphilitica é pródiga em sorprezas, submettida a caprichos que desmentem freqüentemente as mais seguras previsões; o estado actual da sciencia permitte e ^põe mesmo esta desanimadora confissão. Talvez que no futuro, com o aperfeiçoamento dos nossos meios dejinvestigação, com o caminhar progressivo e incessante da scien- cia, possamos, em dado caso, com somma respeitável de razão e uma quasi segurança, dizer:—a herança se manifestará ou vice- versa. Por ora,longe de tal satisfactorio desideratum estamos; syphi- liticos em pieno periodo secundário, na phase mais nociva e peri- gosa para a transmissão, no momento em que, por assim dizer, a moléstia faz a sua crise aguda,—dão logar a uma prole perfeita- mente sã, a filhos indemnes de tooa e qualquer tara syphilitica. Nesse sentido fala o seguinte e instructivo caso de Raynaud, relatado polo professor Fournier: «Um homem casado contrae a syphilis em uma aventura, extra-conjugal. Durante vários mezes encontra engenhosos pre- textos para evitar relações intimas com sua mulher; mas emfim, um dia, esquece-se. No dia seguinte, desolado, corre ao Dr. Ray- naud, que verifica a existência de placas mucosas na bocca. Nove mezes mais tarde, dia por dia, sem mais nenhum contacto com o marido, a mulher dá á luz uma criança sã, a qual, attenta- mente seguida pelo Dr. Raynaud, durante dez annos, nunca apre- sentou o menor phenomeno de infecção syphilitica. » Assim, eis um homem, que, no acto da procreação, está em poder de uma infecção secundaria e, no emtanto, tem um filho são! Si não fosse esta observação bem averiguada,de authenticidade bastante, assignada por um nome respeitável e reproduzida com convicção por outro não menos respeitável, seria o caso de a rejeitarmos. 28 E' de accordo entre os auctores, deassentimento unanime, qu^ a inílu-ncia h Teditarii na syphilis acha-se mais ou menos em relação directa com a idade desta, isto é, á medida que a syphilis é mais antiga, também o seu poder de transmissão diminuo, donde provém,até negarem alguns auctores a possibilidade de transmissão no período terciario, opinião que, seja dito de passagem, não encon- tra fundamento ni observação; casos authenticos existem em que sypiriticos em período terciario transmittiram a syphilis. Admittida esta progressão decrescente, relativamente á idade, quanto á syphilis, lógico e racional é que pensemes ter o poder de transmissão o seu ponto culminante, o seu máximo de freqüência e nocividade quando, nos genitores, estiver a syphilis em acçãO' patenteando-se esta em accidentes específicos secundários no momento da procreação ; entretanto, como mostra a observação citada, nem sempre tal se dá; ainda aqui, mais uma vez, os factos desconcertam os raciocinios; no emtanto, não podemos deixar de reconhecer a acção altamente benéfica e salutar que o tempo exerce sobre a possibilidade de transmissão hereditária da syphilis; como ta.i.bem reconhecemos, na observação do Raynaud, um certo cara- cter de excepcionalidade. Um syphilitico recente, e, com mais forte razão, em pleno período secundário, phase essencialmente virulenta, acha-se muito mais apto para transmittir a syphilis do que outro que já tem pago tributo á moléstia, em que esta já tem feito as suas devastações e acha-se, por assim dizer, so.nnolenta, cochilante, sobre os estragos produzidos. Do teor da observação de Raynaud, varias outras existem na sciencia. Por outro lado, casos bem averiguados existem, em que syphi- liticos de 10, 15, 20 annos, em pleno per od > terciario, são nocivos á prole, têm filhos syphiliticos. Contam-se por milhares as observaçõ s em que a transmissão hereditária se effectúa, com o seu competente coefficiente de noci- vidade, tão bem, quer um quer ambos os genitores, no momento da procreação, estejam isentos de manifestações syphiliticas ; 29 mas, ajuntemos que, em casos taes, as probabilidades parecem menores no que diz respeito á gravidade da heredo-syphilis. E', sinão certo e absolutamente demonstrado, muito provável que a heredo-syphilis é mais perigosa, quando proveniente de uma syphilis secundaria, em plena fermentação virulenta e em fre- qüência de manifestações successivas, do que quando deriva de uma syphilis silenciosa, latente, longo tempo em repouso. (Four- nier). Si frizamos esta questão, foi nosso intuito mostrar o quanto de sorpreza e de imprevisto nos reserva o problema da herança, da syphilis; muitas vezes clínicos chamados a resolverem sobre casos taes, hão de, infelizmente, basear a sua solução, o seu veredictum em conjecturas, em probabilidades. Outra causa que benéfica e poderosamente influe, soffreando a freqüência na transmissibilidade di herança syphilitica, ó o tratamento mercurial, prescripto ao pae antes da concepção. E' um facto estabelecido pela observação geral e pelo accôrdo unanime:—n poder do mercúrio para prevenir a infecção here- ditária. Os archivos da sciencia formigam em factos moldados nos seguintes: pães syphiliticos, pensando-se sem razão, curados, têm 2, 3, 4 filhos infectados. E* prescripto ao pae o tratamento mercurial,a criança seguinte nasce sã. Facto mais instruetivo e comprobativo é o seguinte: quando numa mesma família, em uma serie de crianças, filhos dos mesmos pães, vê-se, alternativamente o nascimento de crian- ças sãs ou inficionalas, segundo a administração do mercúrio, foi ou não, prescripta ao pae; também factos muito communs são os do teor deste : em um casal cujo marido é syphilitico, a mulher aborta freqüentemente, sem causa apreciável; a medicação especi- fica é prescripta ao marido e o que se nota é o nascimento de crian- ças a termo, sãs, sem nada de syphilitico. Questões de tão relevante interesse demandam ser tratadas com mais rigor e minúcia; em outro capitulo —modificadores da 30 influencia heredo-syphilitica— dellas convenientemente nos occu- paremos, tendo em vista os resultados práticos que se podem inferir. Desde já, no emtanto, como deducções do que deixámos dito, podemos estabelecer de um modo geral, porém de nenhuma ma- neira absoluto, os três seguintes postulatos: 1»_A transmissão hereditária paterna é muito mais provável quando a syphilis é recente. 2.° A transmissibilidade se attenua pouco a pouco, diminue e pôde mesmo desapparecer com o tempo; 3.° A medicação especifica é de valor, e victoriosa em grande numero de casos para conjurar a influencia hereditária. Discutida esta questão, passemos a uma outra, sem que tocada seria grave falta finalizarmos o presente capitulo. Quaes as conseqüências para o feto da herança syphilitica paterna ? Como se traduz, no feto, a syphilis paterna ? Comecemos dizendo que a influencia paterna se traduz menos freqüentemente pela transmissão da syphilis em espécie do que por manifestações, accidentes de outra ordem, capazes de encobrir a sua verdadeira origem, visto como, em apparencia, não auetorizam a natureza syphilitica. Não padece duvida que o producto de um pae syphilitico venha ao mundo com manifestações syphiliticas francas, typicas; mandam porém as observações e investigações considerar taes casos, como pouco communs. Pelo contrario, em maior e muito maior numero, são os casos em que a influencia syphilitica se manifesta de outro modo. As manifestações mais freqüentes são: abortos; o nascimento de crianças mortas ou moribundas; nascimento de crianças vivas, porém que succumbem em breve lapso de tempo, em virtude de moléstias varias, das quaes as mais freqüentes são a debilidade nativa, a consumpção sem causa clinicamente apreciável; accidentes cerebraes, convulsões, hydrocephalia etc. O eminente professor Fournier, em cuja obra abundantemente e com real proveito temos estudado e da qual tirámos a maior parte 31 dos ensinamentos referentes á presente questão, estabelece a esta- tistica infra, com o fim de provar de que maneira se traduziu a nocividade da herança paterna. São estes os resultados fornecidos por 103 prenhezes. I Crianças nascidas vivas, depois affectadas de syphilis hereditária immediata ou precoce. . 17 casos. II Crianças nascidas vivas,depois tendo apresentado symptomas de syphilis hereditária tardia. . 2 casos. III Abortos ou partos prematuros de crianças mortas 41 casos. IV Crianças mortas em diversas épocas (muito geralmente em breve espaço de tempo) sem manifestações especificas evidentes...... 43 casos. Assim, sobre 103 casos, 19 crianças somente herdaram a sy- philis paterna em espécie posto que 41 morreram antes de nascer e 43 nasceram vivas, porém falleceram em breve tempo. Consequentemente a influencia heredo-paterna se traduziu: 1." Pela transmissão da syphilis, 19 vezes; — porcentagem 18 °Io. Pela morte 84 vezes; - porcentagem 81 %. Quão significativa é a eloqüência dos algarismos ! 81 °/„ em um caso, 19 % em outro ! Admitíamos mesmo um pouco de exaggero nesta estatistica, visto como, segundo nota o professor Fournier, não é preciso para que uma mulher aborte, nem para o nascimento de crianças mortas, que o marido seja syphilitico; abaixemos, pois, a porcentagem, demol-a de 70, 60 e mesmo 50%, ainda assim a differençaé bastante significativa. Como conclusão temos: a influencia heredo-syphilitica do pae se traduz mais freqüentemente pela morte da criança do que pela transmissão da syphilis a esta. Citemos as palavras do professor Fournier: « Heureux donc, pourrait-on dire, les fils de pères syphi- litiques, alors qu'ils en sont quittes avec 1'heritage paternel au prix dela syphilis I Car ils avaient droit à pis que cela; car, norma- iement, Ia mort était pour eux 1'eventualité laplus probable.» 32 Deve, pois, a herança syphilitica paterna ser encarada, quanto a seus resultados, susceptível de transmittir a syphilis em espécie, num pequeno numero de casos, ao passo que é de grande fre- qüência, de modo mesmo a constituir quasi a regra, a transmissão do que chama o professor Fournier a incapacidade para a vida, tra- duzindo-se seja pela morte do feto no utero, seja pela sua morte pouco tempo depois do nascimento. Finalizando o presente capitulo, diremos que a syphilis paterna é duplamente perniciosa; nociva para o feto como acabamos de ver, um perigo para a mãe, que pôde receber o contra-choqüe desta syphilis por via fetal, constituindo-se assim a modalidade-syphilis por concepção—por assim dizer filha da herança paterna e que no seguinte capitulo encontrará desenvolvimento conveniente. ORIGEM MATERNA Parece que unanime devia ser a opinião que reconhece a influ- encia materna na transmissão da syphilis; de facto, difficilmente concebemos, dadas as intimas relações entre o organismo ma- terno e o fetal, como uma moléstia tal como a syphilis, invadindo todo o organismo materno, saturando-o, por assim dizer, poupe constantemente o feto. As connexões intimas existentes entre a mãe e o feto, as per- mutas constantes e continuas de materiaes nutritivos entre um e outro organismo, não indicam que o feto, que vive durante nove mezes do organismo materno, soffrerá o contra-choque da moléstia da progenitora? As analogias mórbidas não falam no mesmo sentido? A placenta não é hoje mais considerada um filtro perfeito, uma barreira intransponível aos micro-organismos; as memoráveis experiências de Strauss e Chamberland demonstram a passagem da bacteridia carbunculosa pela placenta; do mesmo modo falam os estudos de Netter sobre o pneumococcus e os de Reher, Chan- temesse, Widal e Eberth sobre o bacillo da febre typhoide. Si os agentes infectuosos de varias moléstias atravessam a placenta, por que o da syphilis não fará o mesmo ? Como comprehendermos que o filtro placentario, permeável em um caso, noutro será impermeável ? São argumentos estes formulados pela razão e pelo bom senso e que deviam ler suspendido a penna, ao menos para pedir factos, aos que professaram e escreveram contra a influencia materna na transmissão da syphilis ao feto. De facto; tão evidente é a influencia materna, tão claros são os exemplos, e tão freqüentes, precisos e decisivos que, parece-nos, T 5-D. 34 ninguém se lembraria de pôl-a em duvida, e, mais do que isto, negai-a. Entretanto assim não é, si bem que menos contestada do que a infhencia paterna, teve ella, comtudo, seus contradíctores. Hunter, negando a herança syphilitica, pois que só reconhece a virulência do pús canceroso, ipso facto, não admitte a influencia materna. Mandron não admitte que a progenitora, inficionada durante a gravidez, transmitta a sua syphilis ao feto. Capdevilla não admitte a origem materna da syphilis e exproba aos que a admittem o basearem suas convicções sobre analogias. E' natural pensar-se que, tendo os auctores citados assumido papel tão divergente da unanimidade e também do bom senso e da lógica, trouxessem observações, factos justificativos de tão ousada asserção; no emtanto, tal não se dá, nenhum facto, nen- huma prova apresentam, que procure estabelecer o que professam. E' hoje opinião corrente, universalmente acceita, a que reco- nhece a influencia materna na transmissão hereditária da syphilis. A prova do asserto é fornecida por observaçõas, cercadas de tolas as condições indispensáveis á satisfação da mais severa critica. A' primeira vista, parece que estas observações são numerosas, que a cada passo as encontramos; si, porém, dellas exigirmos a precisão e o rigor indispensáveis, veremos que, satisfazendo a taes indispensáveis condições, não existem muitas. Para tirarmos de um facto ensinamento proveitoso e seguro, necessário é que elle venha cercado de todas as garantias e con- dições capazes de satisfazer á mais severa critica. Duas são as principaes condições a que devem obedecer as observações rigorosas, sobre a influencia materna: a primeira, natural, que, logo à primeira vista salta aos olhos, vem a ser: — a eliminação do casal, do factor herança paterna; a segunda, especial, a qual nem sempre é lembrada e que,no emtanto, embora todos não a admitiam, deve ser investigada para que a critica nada tenha que exigir e vem a ser: —a impregnação materna. 35 Nem sempre é fácil a satisfação do primeiro requisito. De facto, para que uma observação neste gênero seja boa, necessário é que tenha sido recolhida em um meio honesto, correcto e não nas baixas camadas sociaes. Eis ahi a difíiculdade; porque, si nas elevadas classes da socie- dade é commum que seja o marido o portador da syphilis ao tecto conjugai, é raro, e mesmo excepcional, que uma mulher syphi- litica se case com um homem são. A segunda condição diz respeito a que a mulher não tenha sido fecundada anteriormente por um syphilitico, afim de nos pre- munirmos contra a objecção da impregnação materna. Que vem a ser a impregnação? E' a influencia mysteriosa em virtude da qual uma primeira fecundação pôde influenciar sobre os productos de fecundações ulteriores, derivadas de outro genitor. A influencia do pae não se faz sentir somente sobre o óvulo que elle fecundou, tem-se visto seres nascidos mais tarde de outro genitor lembrarem, por alguns caracteres, o primeiro fecun- dante. Parece averiguado que, por exemplo, uma cadella fecundada em primeiro logar por um macho de uma determinada espécie, poderá dar, sendo mais tarde fecundada por cão de espécie diffe- rente, productos com caracteres dos da primeira espécie. Facto análogo já foi observado na espécie humana. Conta-se o seguinte: uma mulher branca, depois de ter um filho de um negro, foi mais tarde fecundada por um branco e deu nascimento a uma criança em cujo corpo foram encontradas algumas manchas de pigmentação negra. Eis o que se entende por impregnação materna. Terá ella logar na syphilis ? Em uma discussão que se fez celebre entre Diday e Vidal (de CassisJ, o primeiro invocou este modo de transmissão hereditária. Embora sem factos seguros e certos que a estabeleçam, basta que deste modo especial de herança nos seja atirada uma objecção, para que contra ella nos premunamos, expurgando as nossas 36 observações desta possível censura, afim de ser estabelecida sobre bases sólidas, irrefragaveis, a herança materna. Encontramos observações assim concebidas, de maneira que a critica em nada as possa censurar, 1.* entre as mulheres con- taminadas pelo primeiro marido, sem que por elle tenham sido fecundadas; 2.°, entre as amas contaminadas pela criança syphi- litica, que amamentam. O professor Fournier conseguiu reunir 13 observações fran- camente domonstrativas da influencia materna. Estas 13 mulheres ficaram grávidas 28 vezes. Eis o resultado dessas prenhezes: 3 crianças vivas e sãs. 4 crianças manifestamente syphilitios, mas que, tratadas, sobreviveram; 3 crianças syphiliticas fallecidas logo; 9 crianças que succumbiram rapidamente, se n que symptomas seguramente syphiliticos tivessem sido provados; 9 vezes, emfim, a gravidez terminou por parto prematuro, ou aborto. Por esta estatistica vemos o quanto é funesta e mortal para o feto a herança materna. Polymortalidade infantil considerável: 21 mortos sobre 28 syphiliticos! Sob este ponto de vista, como gravidade para o feto é a herança materna muito mais temivel e mortífera do que a paterna, embora esta, pela sua freqüência (em virtude de condições sociaes), leve de vencida, com vantagem, a herança materna. O pae só tem influencia sobre o feto temporariamente, no acto da fecundação, ao passo que a progenitora durante nove mezes exerce sobre elle influencia real e constante; as trocas per- manentes e continuas entre o sangue materno e o fetal, entre os elementos nutritivos e outros de um e outro lado, fazem prever que, estando o organismo materno inficionado, também o virus de continuo circula no feto, inficionando-o continuadamente; eis 37 a causa principal, sinão única, donie derivam a nocividade e a mortalidade maiores para o feto. Mais do que o raciocinio, convencem os factos e elles falam bem alto sobre a maior gravidade, para o feto, de uma syphilis de origem materna do que paterna. Basta confrontarmos as estatísticas para nos convencermos da differença enorme que vai dos Índices de nocividade e mortalidade por influencia materna aos mesmos índices paternos. Uma estatistica do professor Fournier, comprehendendo 500 casos, nos ensina o seguinte : índice de índice de nocividade mortalidade Her. paterna (exclusiva) ............ 37 °/0 28 % Her. materna (exclusiva)............ 84 % 60 % Os algarismos são bastante significativos ; apressemo-nos, porém, em dizer que felizmente nada de fatal pesa sobre a herança materna, pois, pelo facto de ser uma mulher syphilitica, não se segue que também o seja seu filho; do mesmo modo que deixámos consignado, quando tratámos da influencia paterna, observações existem mostrando que mulheres em pleno período secundário não transmittiram a syphilis hereditariamente. Da mesma estatistica se deduz a freqüência muito maior da herança materna. Não devemos confundir a freqüência absoluta, segundo a qual tal ou tal das duas heranças póde-se exercer, com a proporção relativa, segundo a qual cada uma dellas se effectua em um mesmo numero de casos. De um modo absoluto (do que se não trata aqui), a herança paterna é de muito maior freqüência, e isto se comprehende per- feitamente, tendo-se em vista que a syphilis é infinitamente mais freqüente no homem do que na mulher; si, porém, puzermos em parallelo igual numero de casos em que se achem rigorosamente estabelecidas as influencias materna e paterna exclusivas, veremos que a primeira se exerce muito mais freqüentemente, em proporção dupla (84: 37) 38 As breves considerações expendidas a respeito do tempo e do tratamento, quando falámos da influencia paterna (e que em outro capitulo encontrarão desenvolvimento consentaneo) acham aqui inteiro cabimento. Qual o mechanismo em virtude do qual se effectua a trans- missão da syphilis da mãe ao feto? Compulsando os tratadistas, elles nos mostram que duas interpretações podem ser invocadas: em um caso é o óvulo infectado, syphilitico; em outro está o óvulo são no momento da concepção e o teto só será contaminado mais tarde, por via placentaria ; donde se diz que a syphilis pode ser ovular ou sangüínea. Quem nos garante a realidade da syphilis ovular f Nos casos em que a encarregam de elucidar a transmissão da syphilis ao feto, podemos também invocar mechanismo differente. No emtanto, ha unanimidade dos auctores na admissão da syphilis ovular. Não a negamos, para isto faltam-nos elementos ; pelo contrario, tendo nós admittido a infecção espermatica, é natural que também admitíamos a ovular; somente frizamos a grande difficuldade, e, talvez mesmo impossibilidade de uma demonstração rigorosa. Atkinson procurou explicar a syphilis ovular recorrendo-se á histologia. Eis como Diday dá-nos conta da sua argumentação. « Os óvulos, como os espermatozoides, são producções de natureza epithelial, derivando provavelmente, como os epithelios, dos corpusculos lymphaticos, que são idênticos aos glóbulos brancos do sangue. Está demonstrado que nas moléstias virulentas os agentes vectores des princípios contagiosos são elementos sólidos: a analogia de natureza do óvulo com os glóbulos brancos faz deste elemento anatômico o vehiculo provável do agente mór- bido syphilitico, pois o óvulo que deriva deste glóbulo branco deve trazer em si o germen mórbido.» Estabelecida a influencia materna na transmissão hereditária da syphilis, outra questão, até certo ponto, corollario da precedente, se nos apresenta exigindo a nossa attenção e estudo, e vem a ser: 39 Qual a influencia do feto syphilitico sobre o organismo ma- terno ? As observações a este respeito estabelecem três alternativas : l.a A reacção da syphilis do feto sobre o organismo materno é nulla. A progenitora fica completamente sã, a tal ponto que, tendo dado á luz uma criança syphilitica, pôde por ella ser inficionada ou adquirir a syphilis de uma outra origem. Existem, si bem que em pequeno numero, observações a este respeito que são a prova evidente da influencia paterna. 2." A mãe adquire a syphilis durante a gravidez. — E1 o que se conhece sob o nome de syphilis por concepção. Assignalada primeiramente pelo professor Ricord, foi ella baptisada e estudada proficientemente por Diday, que pôde ser considerado o seu verdadeiro pae. E' uma syphilis differente da que procede usualmente de um contagio, pela ausência do cancro infectante e da competente adenite satcllite. Eis o facto: uma mulher sã casa-se com um syphilitico actual- mente isento de manifestações especificas; engravida e no decurso da gravidez apparecem-lhe symptomas manifestamente syphiliticos. Qual a origem desta syphilis? E', como dissemos, uma syphilis differente da que procede de um contagio, visto como se manifesta subitamente pelos sym- ptomas geraes, sem o exordio obrigatório de toda a syphilis proveniente de um accidente contagioso; de mais, o marido não pôde ser incriminado, visto como não apresenta lesão alguma apparente, donde se possa inferir a contaminação da mulher. Não podendo esta syphilis provir de um contagio accidental, nem do marido, e, como necessariamente ella ha de ter uma causa, forçoso é incriminarmos o feto, causa única possível, que, contaminado pelo pae, transmittiu a syphilis á progenitora. Esta origem da syphilis por concepção impõe-se ; racional- mente é a única, si attentarmos nas considerações supra, e, mais 40 ainda, que todas as vezes que ella se manifesta, a mulher está grávida ou recem-parida e que sempre o feto ó syphilitico. Si admittimos que a mãe pôde inficionar o feto, por que não admittirmos que este também possa influenciar o organismo materno ? Nos dous casos o agente virulento é o mesmo, as condições são perfeitamente as mesmas, e, mais ainda, as modalidades mór- bidas, pelas quaes se traduz a syphilis que vae da mãe ao feto e deste á progenitora, são idênticas, indicando portanto origem idêntica. Tem-se contestado a authenticidadeda syphilis por concepção. Não nos parece razoável e fundamentada a opinião que tal professa. Tem-se dito aos que se batt m por este modo especial de infecção: «Julgaes esta mulher infectada por seu feto! Illusão! Ella foi simplesmente contaminada pelo marido; não reconhecestes nella o cancro inicial. Discordamos de semelhante argumentação, em primeiro logar porque sempre vemos em taes objecções um signal de fraqueza e carência de base solida á theoria, cujos adeptos lançam mão de argumentos taxativos de deslealdade ou ignorância dos adver- sários, por todos os títulos respeitáveis. Tal modo de argu- mentação não é muito serio e ainda muito menos convincente. Compülsando e meditando as observações publicadas a re- speito da syphilis por concepção, vemos que em quasi todas ellas os auctores nos dizem positivamente que procuraram o cancro e não o encontraram. Não podemos, pois, duvidar da palavra dos sábios e abalisados mestres; pelo contrario, quando especialistas consummados, professores eminentes, auctoridades incontestáveis e incontestadas garantem a ausência do cancro depois de rigo- rosamente o procurarem, sincera e convencidamente, acreditamos nas suas palavras, tanto mais quanto nos falta a observação pessoal. Si o cancro não tivesse sido encontrado na mulher, dever-se-ia pelo menos achar o bubão, companheiro fiel do cancro, segundo 41 a expressão de Ricord, e também testemunho posthumo, nos dizeres de Fournier; no emtanto, nenhuma adenopathia, nada absolutamente para o lado dos gânglios, desvendou um exame attento e rigoroso. Ainda outro ponto: o marido accusado de transmittir o cancro podia fazei o? Sabemos que a transmissão só se dá em virtude de um accidente contagioso; é necessária a presença deste, por insigni- ficante que seja, e, no emtanto em muitas observações encontramos consignado o seguinte : o marido não apresenta lesão alguma. Sob este ponto de vista notemos que existem homens escru- pulosos, vigilantes do seu estado, conscienciosos, advertidos do perigo ao qual se achavam expostas suas mulheres, e, de mais, médicos que observaram attentamente sobre si próprios e que aflirmam, garantem categoricamente que nenhuma lesão, ne- nhuma erosão, nada, por mais insignificante que fosse, apre- sentaram desde o casamento. Existe a este respeito uma observação que exige ser citada, tanto é ella demonstrativa; parece feita para a prova da syphilis por concepção. Devemol-a a Gailleton. Eil-a: « Uma moça de 16 annos approxima-se uma única vez de um rapaz syphilitico desde seis mezes, porém, tratado regu- larmente e indemne de todo accidente desde um mez. No dia seguinte éelle examinado por Gailleton, que não encontrou lesão de espécie alguma nem no corpo, nem nos órgãos genitaes. A rapariga ficou grávida e que succedeu ? No fim de 2 mezes é esta mulher affectada de violentas dores de cabeça, seguidas da explosão de uma syphilide generalisada, com placas mucosas, na vulva, porém sem adenopathia inguinal. Nove mezes mais tarde ella dá á luz uma criança que, l5dias depois do nascimento, apre- senta accidentes não duvidosos de syphilis hereditária (coryza, syphilide papulosa).» Que exemplo mais demonstrativo podia ser exigido ? T ti—D 42 Em presença de taes factos a duvida não é hoje mais per- mittida. A syphilis por concepção é uma realidade, tem ao seu lado provas de valor e argumentos seguros, tem direito a figurar no domínio das verdades adquiridas e demonstradas. Em que época se fazem as primeiras manifestações da syphilis por concepção ? Si estudarmos as observações que sobre o assumpto existem, encontraremos como época mais commum o decorrer do segundo, terceiro e quarto mez da gravidez. Estas manifestações podem porém irromper mais cedo ou mais tarde; assim é que existe um caso de Diday em que a syphilis por concepção se manifestou desde o vigésimo primeiro dia; assim como também existem duas observações em que ella se patenteou dous mezes depois do parto. Indaguemos da evolução da syphilis por concepção, da sua entrada em scena e do seu evolver conseqüente. Sabemos que ella só differe da syphilis ordinária, por contagio, pela ausência do período primário, isto é, falta do cancro inicial e da adenite satellite; é uma syphilis que começa pelos accidentes geraes, secundários, uma syphilis, como muito bem diz Diday, génerale d'emblée; no mais é inteiramente idêntica á syphilis commum. Entre os accidentes que constituem o seu exordio, os mais commummente observados são: em primeira plana: uma cephaléa mais ou menos intensa, phenomeno predominante e que mais incommoda a doente; dores nevralgiformes na cabeça, um ner- vosismo geral; em segundo logar notamos: syphilides, sobretudo, erythemato-papulosas, alopeciacom pequenas crostas acneiformes no couro cabelludo, placas mucosas e particularmente placas mu- cosas gutturaes, com angina secundaria. Taes são os symptomas que denunciam a entrada em scena da syphilis por concepção; d'ahi por diante é ella perfeitamente semelhante á syphilis proveniente de um contagio. Do conhecimento da syphilis por concepção, uma conclusão pratica e social de importância, referente á deontologia medico- matrimonial, deduz-se e é que o marido syphilitico pôde ser 43 perigoso para sua mulher não só como tal, mas também como pae, isto é, como procreador de um ente syphilitico, que poderá inficionar a sua progenitora. E' também esta uma condição que deve estar presente ao espirito do medico, consultaio por um syphilitico, candidato ao matrimônio. Como interpretar a syphilis por concepção ? Uma hypothese plausível é a seguinte, que lemos no tratado do professor Finger: uma parte do virus syphilitico em proliferação no organismo infantil atravessaria a placenta, passaria ao sangue materno, ao organismo materno, e ahi produziria a syphilis. Esta infecção directa do sangue materno faz compre- hender a marcha particular desti syphilis, a ausência do período primário. Provavelmente esta infecção materna aggravará a situação do feto, que, dora em diante não receberá elementos nutritivos puros, porém misturados com certa quantidade de toxinas syphi- liticas. 3.a A mãe não apresenta nenhum symptoma de syphilis, mas adquiriu a immunidade contra a infecção. E' este facto, fértil em resultados práticos, conhecido sob o nome de lei de Colles, ou, como quer o professor Fournier, lei de Baumè», que assim pôde ser expivssa: uma criança pro- creada syphilitica por um pae syphilitico contamina excepcional- mente sua própria mãe. E' commum e a tal ponto freqüente, de modo a determinar esta lei, a amamentação de uma criança crivada de syphilides por sua própria mãe, sem que esta soffra o minimo accidente, ao passo que, se fôr encarregada da amamentação uma ama isenta de syphilis, esta será quasi que infallivelmente inficionada; d^nde a seguinte importante conclusão pratica: uma criança syphilitica só deverá ser amamentada por sua própria mãe, artificialmente, ou então por uma ama syphilitica, nunca, porém, por uma sã. Theoricamente devíamos asseverar que uma criança syphi- litica, apresentando accidentes ultra-contagiosos, amamentada por 44 sua mãe, contaminal-a-ia, no emtanto a pratica vem desmentir as inducções da theoria, mostrando que nestas condições a proge- nitora fica sã. Em virtude de que condições especiaes a mãe, exposta a tão eminente perigo, fica indemne, ao passo que uma ama seria quasi que infallivelmente contaminada? Realmente é esta mãe sã? A razão nos responde negativamente, pois que o único meio que conhecemos de escapar-se á syphilis é ser-se syphilitico. Racio- nalmente, pois,— a progenitora resiste á syphilis porque é syphilitica. Conclusão tal, baseada unicamente nainducção, não apresenta cunho de authenticidade e certeza sufficientes; necessário é que outras peças convincentes venham em nosso auxilio. Indaguemos o que nos diz a experimentação, competente para resolver a questão. Que nos ensina ella? Seja-nos sufficiente a citação de um caso de Caspary e outro deNeumann. Relata Caspary que um homem de 40 annos, casado e tendo tido filhos sãos, contrae a syphilis em 1872. Instruída, desde o começo, do estado de seu marido, a mulher evita toda approxi- mação até a época em que se julga o marido curado e inoffensivo. K1 ella observada com o máximo cuidado e nunca apresentou o menor accidente suspeito. Em Outubro de 1874 fica grávida e aborta. Examinada a placenta, descobrem-se nella gommas syphi- liticas. Nestas condições, querendo saber si esta mulher era realmente syphilitica, afim de resolver sobre a intervenção ou não da therapeutica especifica, o Dr. Caspary (com o consentimento da sua cliente) resolveu inoculal-a. Recolheu o producto de secreção de placas mucosas de um syphilitico que não tinha soffrido tra- tamento algum e inoculou-o no braço esquerdo da sua cliente. Resultado nullo, absolutamente nullo. O outro caso, devido a Neumann, é ainda mais rigoroso e de natureza a satisfazer todas as exigências. 45 Eil-o : uma moça, sã até então, dá á luz uma criança syphi- litica, a qual apresenta, entre outras lesões, placas mucosas nos lábios. Ella amamenta seu filho sem que dahi lhe advenha mal algum. E entretanto (notemos isto) as lesões da criança eram ab- solutamente contagiosas; porque na mesma época sua avó materna que, para acalental-a, accumulava-adecaricias,abraçando-a e bei- jando-a, foi por ella inficionada, contrahindo um cancro infectante do lábio, seguido de exanthema especifico. No emtanto a mãe ficou indemne! Então resolveu Neumann fazer sobre ella uma serie de experiências. Inoculou-a não uma, mas dezeseis vezes, no intervallo de um mez, e sobre differentes partes do corpo, ora com o exsudato de um cancro syphilitico, ora com o producto secretado por accidentes secundários. Ora, estas inoculações múltiplas ficaram inoffensivas. A ino- culada foi observada durante perto de 6 mezes e nunca foi possível a descoberta, nella, do menor signal de uma infecção syphilitica. Finger também fe/. experimentos sobre caso análogo, pro- cedendo a inoculações que nenhum resultado deram. Diante de taes factos, a conclusão acima acha-se justificada: — a progenitora não adquiriu a syphilis de seu filho, porque ella era syphilitica. Vemos pelo que ficou exposto que não é a lei de C jlles-Baumès devida a nenhum phenomeno mysterioso, a nenhum facto extra- ordinário; é apenas um caso particular da grande lei que domina toda a historia da syphilis, da lei da unidade da syphilis, segundo a qual a syphilis só pôde ser adquirida uma vez. Constitue, a modalidade especial da infecção que acabamos d e ligeiramente descrever, a syphilis imperceptível de Diday ou a syphilis eoncepcional latente de Fournier. Por mais extraordinária que nos pareça esta syphilis, por maior que seja a nossa reluctancia em acceital-a,- reluclancia justa até certo ponto, visto como difficilmente concebemos que uma moléstia como a syphilis se apresente muda, latente, sem sympto- mas; somos comtudo obrigado a reconhecel-a, porque ella acha-se clinici e experimentalmente demonstrada. 46 Acceitemos os factos; que, como taes, trazem sempre um caracter imperativo, embora contrariem as nossas convicções, revolucionem as nossas idéas, não deixam por isso de existir. Admitíamos, pois, ao lado dos dous typos usuaes e clássicos da syphilis, mais um, consistindo, como diz o professor Fournier, em uma impregnação syphilitica latente do organismo, produzindo- se nas mulheres que conceberam uma criança syphilitica de um homem syphilitico e derivando sem duvida alguma para ellas da syphilis desta criança. Ficará esta syphilis eternamente latente ou mais tarde se tra- duzirá por alguma manifestação? As observações existentes nos conduzem á seguinte conclusão: — durante um longo espaço de tempo, 6, 8, 10, 15 annos, ella se conserva latente : assim falam os factos clínicos relatados por Behrend, Hudelo, Morei-Lavallée, Fournier e outros observadores de nomeada. A acreditarmos, porém, em algumas observações, si bem que em pequeno numero, mas impressas de cunho verídico, esta syphi- lis pôde não se conservar eternamente latente e mais tarde tradu- zir-se por phenomenos de ordem terciaria. Tal nos indicam as observações de Hutchinson, Charrbr, Barthólemy. Destas observações deduz-se que a syphilis concepcional latente pôde não ser sinão uma syphilis de manifestações tardias. Como interpretar esta extranha syphilis? Quaes as interpretações pathogenicas a ella referentes? Para Hutchinson esta modalidade latente da infecção deriva do medo de penetração do virus no organismo. Para corroborar a sua hypothese, Hutchinson nos traz o exem- plo do germen varioloso que, introduzido no organismo por inocu- lação, determina a moléstia sob uma fôrma assaz benigna, ao passo que, absorvido por inhalação, produz uma moléstia grave, mortal, uma vez sobre quatro. Não é, portanto, diz elle, para admirar que a syphilis derivada de uma contaminação pelo sangue fetal diffira, como fôrmas mór- bidas, da syphilis usual adquirida por inoculação. 47 Blaise, embora desfavorável á interpretação do Hutchinson, chama a attenção para as experiências de Chauveau, que, inje- ctando o pús vaccinico no epiderma, tecido conjunctivo e veias, obteve resultados diversos. Arloing e Cornevin demonstraram que o principio morbige- nico do carbúnculo symptomatico, lançado directamente no san- gue, não produz a moléstia, pelo contrario, diminue, no animal em experiência, a receptividade mórbida, emquanto que no tecido conjunctivo o virus produz a affecção com todos os caracteres. Não nos parece verdadeira e racionalahypothese de Hutchinson. Sinão vejamos: a syphilis por concepção, que se traduz por symptomas claros, patentes, tem o mesmo mechanismo, idêntico modo de penetração do virus que a syphiliá concepcionil latente. Em um e outro caso a contaminação dá-se pelo mesmo pro- cesso, e, no emtanto, os resulta los divergem. Blaise, chamando em se i auxilio as experiências de Strauss e Chamberland, já por nós fartamente citadas, formula a sua hypothese. A maior ou menor quantidade de micro-organismo da syphilis que passa atravez da placenta, serve de interpretação e explicação para as diversas nodalidades da syphilis por concepção. Quando o principio morbigenico da syphilis passa em abun- dância atravez da placenta, a mãe ficará inficionada, a syphilis se traduzirá pelos symptomas que lhe são próprios; quando, pelo contrario, este mesmo principio syphilitico passa do feto á proge- nitora em pequena quantidade, bastante para tornar o organismo syphilitico, porém defficiente para que a syphilis se manifeste, tem logar a syphilis concepcional latente. Conclue Blaise: «A respeito daattenuação da syphilis transmit- tida do feto á progenitora e reciprocamente,o que, de conformidade com estas noções novas, parece a causa mais plausível da atte- nuação, não é, como pensam Hutchinson e Diday o logar da pene- tração do virus, mas a fraca quantidade do micro-organismo pathogenico, transmittido atravez da placenta. Finger formula uma hypothese que se nos afíigura suggestiva. 48 Principia dizendo que, pelos modernos estudos, a immunidade parece derivar da acção das ptomainas formadas pelos virus, dos productos de trocas nutritivas, e que ella pôde ser provocada expe- rimentalmente pela introducção destes productos, não contendo virus, e de culturas puras esterilisadasou filtradas. Faz elle notar que precisamente nestes casos acha-se a mãe nas melhores condições para a penetração dos productos de trocas nutritivas da syphilis em seu organismo; durante todo o período da gravidez ella traz no utero uma criança cujo organismo é sede de incubação do virus syphilitico e das toxinas que delle derivam. Si o virus syphilitico passa do feto ao organismo materno, tem logar a syphilis por concepção; mas, si somente as toxinas syphi- liticas, dissolvidas nos humores do feto, passam por diffusão no organismo materno, ellas determinarão nelle modificações bio- chimicas e como conseqüência dar-se-ha a immunidade. Verdadeira e real na grande maioria dos casos, encontra com- tudo a lei Colles-Baumès excepções, aliás em muito pequeno numero. Observações existem,assignadas e auctorisadas por professores de competência innegavel,mostrando-nos que de um casal em que o pae é syphilitico pôde sahir um filho também syphilitico, ficando a progenitora completamente indemne, gozando de uma immuni- dade absoluta, e a prova é que ellas não são inficionadas por seus próprios filhos que amamentam. Assim nos ensinam os factos notados por Scarenzio, Ranke, Pellizari, Zingalès, Violi e outros experimentalistas. Reconheçamos, porém, que os factos moldados nos dos auctores citados são excepcionaes, extremamente raros,de maneira que não chegam a abalar a regra. Sempre, pois, que de um casamento em que o pae é syphi- litico nasce um filho também syphilitico, a amamentação deste deve ser confiada exclusivamente á própria mãe e de maneira ne- nhuma devemos pensar em confial-a a uma ama, e isto pelas duas razões seguintes: Ia. A ama seria quasi que infallivelmente contaminada. 49 2a. A mãe (salvo casos rarissimos e excepcionaes) nada soffreria. Em contraposição á lei de Colles, temos a de Profeta, relativa a crianças nascidas de mães syphiliticas, não apresentando (as crianças) no momento do nascimento nem ulteriormente nenhum symptoma apreciável de syphilis; estas crianças gosam de uma certa immunidade, visto como não são contaminadas por suas próprias mães, em plena evolução syphilitica. O conhecimento, porém, da syphilis hereditária tardia, nos deve prevenir e tornar-nos reservados a respeito desta lei. Pôde muito bem ser que estas crianças, sãs na apparencia, não o sejam realmente e que a sua syphilis se manifeste mais tarde, decorrido um lapso de tempo considerável, constituindo um caso da moda- lidade tão bem estudada pelo professor Fournier — a syphilis hereditária tardia. Assim como, quando tratámos da lei de Colles, admittimos a contaminação do organismo materno ; também devemos, no caso que nos occupa, admittir uma contaminação do organismo fetal, insufficiente para produzir as manifestações syphiliticas, bastante, comtudo, para lhe conferir a immunidade, para vaccinal-o. O mechanismo invocado para a interpretação pathogenica da lei Colles-Baumés deve ser também aqui admittido; as toxinas syphiliticas em circulação no organismo fetal conferem-lhe a immunidade. Aqui as excepções não são tão raras; vemos com uma certa freqüência de um casal syphilitico sahir um filho que, nada de suspeito apresentando e sendo considerado immune, é,mais tarde quando sob a acção de um contagio, inficionado. T 7—D. ORIGEM MIXTA Depois de termos deixado estabelecido de um modo, pensa- mos, a não permittir a duvida, o papel preponderante de cada um dos genitores na transmissão hereditária da syphilis, nada mais natural do que admittirmos a influencia combinada dos dois. Com melhoria de razão é a origem mixta incontestável; nella, a influencia dos genitores conspira, reune-se, incrementa-se, de maneira a tornar menos duvidosa, mais nociva e mais freqüente a transmissão hereditária. Sobre este ponto felizmente acham-se todos os auctores em concordância, de commum accôrdo, facto infelizmente raro em se tratando de herança syphilitica, estudo que tem dividido enorme- mente as opiniões, determinando discussões e polemicas calorosas e que tem sido um verdadeiro pomo de discórdia atirado no campo dos observadores. Si alguém se lembrasse de contestar a influencia combinada dos dois genitores, bastava-nos citar as observações que ás cen- tenas, aos milhares pullulam nos archivos clínicos. Mais demonstrativos ainda são os casos archivados nos annaes da sciencia, em que a syphilis contamina os genitores de- pois de terem elles vários filhos. Nestas condições, nota-se o seguinte : antes da syphilis diversas prenhezes com os mais satis- factorios resultados; depois da entrada em scena da infecção as gravidezes são seguidas das mais nefastas conseqüências: aborto, parto prematuro de crianças mortas, nascimento a termo de crianças mortas, nascimento de crianças vivas, porém cobertas de syphilides, etc. A freqüência na transmissão hereditária da syphilis por in- fluencia mixta é mais considerável do que quando somente um dos genitores ésyphilitico; ella não é comtudo obrigatória, fatal; 52 neste sentido existem observações demonstrando que de um casal syphilitico pôde sahir um filho são. Quanto á nocividade e â mortalidade, também são ellas muito maiores na herança por influencia mixta do que quando por pro- veniencia paterna ou materna exclusivas. Não é isto um resultado que prejulgam o bom senso e a lógica? Si cada um dos genitores syphiliticos é nocivo para o feto, com maior força de razão a influencia combinada, concomitante dos dois é mais perniciosa e de conseqüências mais lamentáveis. A clinica já se pronunciou a este respeito, corroborando satisfactoriamente o que nos fazia prever a razão. Observações existentes demonstram que quando á influencia de um genitor vem se ajuntar a do outro, o perigo hereditário au- gmenta, incrementa-se. Tal ó o caso de Diday: uma mulher syphilitica casa-se com um homem são. Tem diversos filhos sãos; approxima-se, porém, do amante, que antes do seu casamento lhe tinha communicado a syphilis, fica grávida e dá á luz uma criança syphilitica, que morre. Facto análogo é o de Fournier: um dos seus clientes se casa desde o primeiro anno de sua syphilis. Sua mulher, ainda in- demne, dá-lhe um filho são. Depois, alguns mezes mais tarde, esta mulher é contaminada por seu marido, que continua a apre- sentar accidentes secundários e a tratar-se o mais negligente- mente possivel. Fica grávida e dá á luz uma criança syphilitica, que morre pouco depois. 0 professor Fournier, para mostrar a nocividade e a morta- lidade das três heranças, estabeleceu a seguinte estatistica, refe- rente a 500 casos: índice de nocividade índice de mortalidade Her. pat. (exclusiva)... 37 % 28 % Her. mat. (exclusiva;. . 84 % 60 •/, Herança mixta......... 92 % 68,5 •/. A analyse da presente estatistica nos mostra que é a herença mixta a que apresenta o 'máximo de nocividade e mortalidade para o feto. 53 Mais outro ponto importante e que nos merece attenção se deduz do estudo da mesma estatistica. E' que os Índices de nocividade e mortalidade da herança por influencia mixta, se approximam muito mais dos da herança materna do que dos da paterna. Que nos quer isto dizer? Mostra-nos que dos dois factores que entram e collaboram na herança mixta, é ao materno que ella é devedora da sua maior nocividade e mortalidade. Em um trabalho de MUe. Helena Krikus, achamos a seguinte estatistica, também referente ao mesmo assumpto: Proporção da mortalidade infantil derivando-se da syphilis paterna..................... 48 % Proporção da mortalidade infantil derivada da herança mixta........................ 78 °/0 Dá esta estatistica uma mortalidade superior á conferida pela do professor Fournier; este resultado é, até certo ponto,de esperar- se, sabendo-se que condições diversas presidiram á feitura de uma e de outra. Assim é que a do professor Fournier foi reco- lhida na clinica civil, em boas condições hygienicas e individuaes, ao passo que a de Helena Krikus foi colhida na baixa classe, onde condições múltiplas de falta de hygiene, alimentação má, surme- nagem etc campeiam. De uma e outra, porém, deduz-se o que já nos tinha ensinado a razão, isto é, que é a herança mixta a mais prejudicial, sob todos os aspectos, para o feto. • MODIFICADORES DA INFLUENCIA HEREDO-SYPHILITICA Questão essencialmente pratica e de importância innegavel é a que vae ser explanada no presente capitulo. Já dissemos, em capítulos precedentes, que a herança syphili- tica, seja qual fôr a sua proveniencia, nada de obrigatório e fatai tem, que os genitores em condições as mais desfavoráveis, em plena effervescencia da moléstia, em circumstancias que racional- mente nos faziam acreditar na infecção do feto, nada de nocivo e syphilitico a este transmittiram. Verdade é que, com o conhecimento que actualmente temos da syphilis hereditária tardia, devemos ser mais acautelados e re- strictos na pronunciação sobre taes casos; no emtanto bom numero de authentícas observações existem, longamente seguidas, que provam o nascimento de um producto são, de um casal syphilitico. A syphilis, pois, como todas as moléstias susceptíveis de transmissão hereditária, não é fatalmente transmissível, e, mesmo, ás vezes, como aissemos, condições de nocividade e gra- vidade, para o novo ser, se reúnem nos genitores, que nos parece impossível o nascimento de um feto são; no emtanto, tal se dá, como comprovam observações, o que justifica o chistoso dicto de Diday: «si o primeiro caracter de uma moléstia hereditariamente transmissível é transmittir-se, o segundo é poder não se trans- mittir. » Indaguemos si existem circumstancias que presidam e expli- quem estas eventualidades na transmissão hereditária da syphilis. Existem condições aggravantes ou attenuantes do poder de trans- missão hereditária da syphilis ? A esta interrogação podemos responder pela aftirmativa; em- bora ainda não determinados todos os factores de gravidade e be- nignidade, alguns existem e bem estabelecidos, dos quaes nin- guém duvida. 56 Em relação ás condições aggravantes, claro está que, sendo os genitores syphiliticos recentes, no decorrer do primeiro anno da moléstia, em franca erupção secundaria no acto da procreação, sem a intervenção da medicação especifica; os riscos, os perigos para o feto são muito maiores e a tal ponto que, podemos dizel-o, uma quasi fatalidade pesa sobre elle. Quanto ás condições attenuantes, duas existem, bem estuda- das,universalmente acceitas; ninguém lhes contesta o valor e effica- cia, altamente benéficos em conjurar os riscos da herança syphi- litica: o tempo e o tratamento. Vejamos succintamente em primeiro logar a influencia atte- nuante do tempo; estudemos os incontestáveis e benéficos resul- tados que este salutar factor proporciona. E' facto de observação, assignalado por todos os tratadistas modernos, o decrescimento, sob o ponto de vista hereditário, da gravidade da syphilis á medida que ella envelhece. Diday insiste sobre este facto; estuda-o minuciosamente e a tal ponto que alguns auctores nol-o apresentam sob o titulo de lei de Diday. Diz este sábio e muito illustre professor :«L'ancienne doctrine qui voyait dans Ia syphilis une maladie fatalement progressive et aboutissant dans tous les cas au tertiarisme, aurait bien plutôt suggéré 1'idée d'une augmentation graduelle de Ia puissance feti- cide des parents.Et ce que je puis affirmer c'est que, au contraire, sur le vu de nombreux faits de ce genre, compulsés par moi et tous concourant à Ia même demonstration, Ia lei de decroissance m'est apparue et a pris ames yeux un caractère de verité indis- cutable». A sciencia possue avultado numero de observações provando que o tempo attenúa, diminue o poder de transmissão ao feto da syphilis dos progenitores. Mais convincentes ainda são as observações referentes á in- fluencia (por assim dizer), mitigada por gráos, em uma serie de prenhezes^ 57 Tem-se notado a seguinte seriação: aborto e feto morto desde os primeiros mezes da gravidez, o nascimento do feto morto,porém, tendo-se a prenhez avisinhado do termo normal, nascimento a termo de crianças fracas, éticas, destinadas a morrerem em breve espaço de tempo; nascimentos de crianças manifestamente syphi- liticas, mas que resistem á sua syphilis, e, finalmente, a nocivi- dade da herança syphilitica anniquilar-se, extinguir-se a ponto de permittir o nascimento de crianças fortes, robustas, isentas de qualquer manifestação syphilitica. Com observações taes que, longe de serem phantasia, corre- spondem á realidade clinica, acha-se cabalmente estabelecida a influencia attenuante exercida pelo tempo. Citemos algumas dessas observações, tanto são ellas demonstrativas. E' do eminente mestre Fournier a seguinte : «Um dos meus clientes se casa quatro annos depois de ter contrahido a syphilis. Tem a felicidade de não contaminar sua mulher, que examinei muitas vezes, encontrando-a sempre sã. Ora, esta mulher engra- vidou quatro vezes, e estas quatro prenhezes tiveram o seguinte resultado: A primeira: aborto no terceiro mez ; A segunda: aborto no sexto mez; A terceira: nascimento a termo de uma criança syphilitica, que morreu de syphilis no decorrer do terceiro mez; A quarta: nascimento a termo de uma criança sã, que assim se conservou durante oito annos; mais tarde perdi de vista esta família.» Outra observação, bastante demonstrativa, devida a Mireur, e que encontramos no mesmo livro de Fournier, é a seguinte: « Um joven pedreiro contrae a syphilis e se casa no começo do periodo secundário. Contamina sua mulher. Sobrevém oito prenhezes, cujos resultados se desenrolam segundo a impulsão própria, natural, da moléstia, mantendo-se os dois esposos virgens de todo e qualquer tratamento. E' pois, a historia natural da mo- léstia. Ora, essas oito prenhezes terminaram da seguinte maneira: T 8—D. 58 Primeira: aborto no quinto mez; Segunda: aborto no sétimo mez; Terceira: parto prematuro, criança morta; Quarta e quinta: crianças vivas, porém syphiliticas, morrendo a primeira no fim de trinta dias e a segunda no quadragesimo quinto; Sexta, sétima e oitava: crianças vivas e sãs. E', pois, como vim.os, de certa freqüência as primeiras prenhe- zes de uma mulher syphilitica terminarem por abortos e mais tarde chegarem a termo. Nestes casos ou nenhum tratamento foi instituído ou o foi muito irregularmente, de modo defficiente, achando-se assim con- firmada a lei de Diday. No emtanto, casos existem que fazem excepção a esta lei; os abortos ao em vez de cessarem, succedem-se eom tenacidade. Si alguns casos podem ser rotulados como excepçào á regra geral de Diday, outros existem para os quaes outra interpretação tem sido proposta:—«. a que impropriamente denominam— o habito de abortar. Sabe-se que um. aborto chama outro, isto é, que um primeiro aborto torna-se causa predisponente de abortos ulteriores. Todos os papteiros assignalam e admittem o caso, authenti- cando-o com observações numerosas. Chamam alguns auctores a attençãopara o assígn alado©- dizem que a este habito são devidos alguns dos casos de excepção á lei de decrescimento da gravidade da syphilis pelo tempo. E' natural admittir-se que o aborto corresponda ao máximo de potência virulenta, tanto assim que, no geral, é elle mais freqüente nos primeiros tempos da Ssyphilis, e a tal ponto que Kassowitz, easfcbora sem fundamento (o que se nos affigura), affirma que todas as mulheres não tratadas abortam nos três primeiros annos de sua syphilis. A pathogenia do aborto tem recebido varias interpretações; assim é que manifestações varias para o lado do utero «uma sen- sibilidade singular que as mulheres syphiliticas têm no eollo do m utero (Gardane)», a leucorrhéa.á nevralgiâ üterína com seus sym- ptomas habituaes, dores continuas, fixas ou irradiadas, as pertur- bações de innervaçâo 3 nutrição do Utero, têm sido invocadas. Admittiu-se também como causa delle a morte do feto provo- cada por uma intoxicação especifica, uma alteração do sangue materno, comparando-o assim aos abortos produzidos por certas intoxicações profissionaes, como por exemplo: a saturnina, causa freqüente de abortos. A explicação que mais parece de accôrdo com a verdade é a que o faz depender de lesões placentarias. Terminada essa pequena digressão e retomado o fio da nossa exposição diremos: acha-se bem e solidamente estabelecido, fun- damentado em observações numerosas e inatacáveis o facto do decrescimento da perniciosidade da herança syphilitica áproporçã0 que a syphilis é mais antiga nos genitores, que a concepção tem logar em uma época mais afastada do começo da syphilis, nos procreadores. Alguns auctores, baseados neste facto, sustentam que não ha mais herança possível no periodo terciario. Não têm razão os qüê assim pensam; a Clinica não lhes dá assentimento; ella discorda dâ maneira categórica e absoluta pela qual âffirmam ó factõ. Cótnprehende-se perfeitamente que um syphilitico em periodo terciario tenha filhos sãos, isentos de qualquer tara syphilitica; nenhuma duvida existe a esteréspeito(tânto mais plausível quanto já vimos os genitores ém pleno período sécundâíio, algumas vezes não transmittirem por via hereditária a syphilis): d'ahi, porém, a gêneralisar-se o facto e dizer-se, sob fôrma axiomatica, que a Syphilis terciaria não é hereditária, vae urn grande erro, constitue «une heresia, et une heresie funeste, par les consequences pra- tiques qu'on en pourrait déduire», nos dizeres de Fournier. Indubitavelmente o poder de transmissão hereditária da syphi- lis se attenúa, diminue à medida que a moléstia é mais antiga. mas não desappareGe nas phases adiantada» da. moléstia e nem 60 tão pouco passados os três primeiros annos, lapso de tempo a que se limita o periodo secundário. A prova d'isso é que existem na sciencia numerosos casos em que a influencia heredo-syphilitica se exerceu no sexto, oitavo, décimo, décimo oitavo e até vigésimo anno. Assim concebidas são as observações de Fournier,Hutchinson, Forster, Barthélemy etc. Traslademos para aqui uma interessante observação de Four- nier mostrando a influencia nociva da herança syphilitica para o feto, estando o pae no décimo oitavo anno da moléstia. «Uma criança de dois mezes nos é trazida por sua mãe, em vir- tude de accidentes clássicos de uma syphilis hereditária, os quaes começaram na terceira semana. Encontramol-a affectada das se- guintes lesões : syphilides generalisadas, de fôrma erythemato- papulosa; syphilides papulosas e papulo-crostosas ao redor da bocca; placas mucosas na face interna do lábio inferior; desenvolvi- mento bastante considerável do fígado; estiolamento etc. Interro- gámos longa e minuciosamente a mãe; examinámol-a diversas vezes e não conseguimos a descoberta do menor antecedente sus- peito, do mais leve estygma de syphilis. Pedimos a presença do pae no hospital, e encontrámol-o em plena erupção terciaría, a saber: syphilide tuberculo-ulcerosa de uma das commissuras labiaes ; syphilides tuberculosas seccas nos dois pés, principalmente na face plantar, etc... Ora, neste homem, que tinha perfeitamente em memória os seus antecedentes e o conjuncto de sua moléstia, a syphilis remontava a dezoito annos (agosto de 1870), época em que elle tinha tido um cancro duro, reconhecido e tratado como tal em um hospital militar.» Casos ainda mais demonstrativos são os em que a acção hereditária da syphilis se exerce por assim dizerem serie, isto é, se exerce continua e ininterruptamente durante uma serie de prenhezes. Factos assim existem e bem averiguados; Fournier cita o caso de uma mulher contaminada por seu marido syphilitico; ella ficou grávida dez vezes; as nove primeiras prenhezes termi- 61 naram por abortos sobrevindos do segundo ao sétimo mez e a ultima deu como resultado uma criança syphilitica affectada de gommas. E no emtanto, quando teve logar o nascimento da ultima criança, a syphilis materna remontava a dezeseis annos. Ribemont— Dessaignes cita a observação de uma mulher que recebeu a syphilis de seu marido desde os primeiros tempos do casamento; teve dezenove prenhezes seguidas do mais funes- to e lamentável resulta Io —dezenove mortos. Desses factos resulta inquestionavelmente a authenticidade da herança syphilitica.no periodo terciario. Como conclusão,citaremos as palavras do sábio mestre: «Aussi bien une conclusion s'impose; c'est que, contrairement à ce qu'ont avance quelques méiecins, contrairement à ce qui est d'opinion presque accreditée, 1 nérédité syphilitique peut s'exercer (et s\xercer dans tous ses modes) en pleine période tertiaire, voi- re à une étapeavancée de Ia période tertiaire.» Mais uma condição que deve pesar no espirito do clinico, cha- mado á consulta sobre assumptos attinentes á deontologia medico- matrimonial. Outro ponto ha que, relacionando-se com a questão do tempo, deve ser, embora ligeiramente, estudado. E' o que se refere á transmissão da syphilis á segunda ge- ração . A syphilis hereditária, affirmam alguns auctores, pôde por sua vez tornar-se causa de heredo-syphilis, isto ó, um syphilitico por herança, pôde por sua vez, transmittir a sua syphilis here- ditariamente. Não achamos serias razões pelas quaes não se possa admit- tir este modo particular de transmissão hereditária, tanto mais quanto já deixámos demonstrado, por observações de valor e ina- tacáveis que a syphilis pôde ser transmittida hereditariamente quinze, dezoito e vinte anãos depois de sua invasão no organismo dos progenitores. Parece-nos que a herança syphilitica proveniente de um heredo-syphilitico pôde ser considerada como uma herança do 62 longo praso, effectuando-se em época muito distante da em que foram accommettidos os ascendentes. Si se admitte que a gotta pode transmittir-se à segunda, ter- ceira e quarta gerações, pôde até saltar, deixando de intermédio uma geração, porque nfto se ha de admittir que a syphilis, moléstia por excellencia virulenta, possa passar á segunda geração ? Racionalmente não vemos argumentos sérios, razões de peso, que nos façam negar a possibilidade da transmissão hereditária da syphilis á segunda geração. Clinicamente porém (e devemos ligar a máxima attenção e importância ás provas clinicas) as observações, si bem que muito prováveis e quasi demonstrativas, não trazem o caracter de cer- teza absoluta e a convicção ineluctavel que dellas devemos exigir; todas ellas apresentam um lado litigioso, duvidoso, uma face vulnerável. A observação de Atkinson, fartamente citada pelos que se occupam do assumpto, não offerece garantia absoluta; ó pas- sível de objecções; nella não é reconhecido certo, evidente (mas apenas de um modo provável) o estado syphilitico dos avós. As observações de Bceck, de Etienne e outros são também passíveis de censura; apresentam lacunas a uma critica seria. Desta exposição podemos inferir a seguinte conclusão: a transmissão hereditária da syphilis á segunda geração é um facto provável, possível, porém, ainda não estabelecido de modo irre- futável. • * * Tendo estudado a influencia decrescente que de um modo geral o tempo exerce sobre os perigos da herança syphilitica, outra questão, fecunda em resultados práticos, deve agora occu- par-nos. Qual a época, quaes os annos em que mais nociva, mais fre- qüente é a transmissão hereditária da syphilis? 63 O professor Fournier, baseado em um grande numero de observações, estabeleceu as três seguintes leis que, como taes, podem ser consideradas de um modo gerai, sujeitas, porém, a numerosas excepções. I. A influencia heredo-syphilitica, que se exerce de maneira desigual nas diversas idades da moléstia, comporta um máximo e um máximo considerável, enorme, que corresponde cerca dos três primeiros annos da infecção ; II. O máximo deste máximo corresponde á menor idade da moléstia, isto é, approximadamente, ao seu primeiro anno ; III. Além dos três primeiros annos da moléstia, o decresci- mento da influencia hereditária continua ainda nos annos seguin- tes, porém de um modo infinitamente menos notável. Em uma estatistica referente a 232 prenhezes, comparando a mortalidade infantil segundo os diversos annos da syphilis nos pães, ensina-nos o emérito professor: Primeiro anno.................. *......... 88 Segundo anno............................... 34 Terceiro anno................................. 17 Quarto anno................................... 7 Quinto anno.......*......................».....-■ 5 Sexto anno___.,,......................____.:.. 6 Sétimo anno.................................... 5 Oitavo anno................................ 5 Nono anno......................___............. 1 Décimo anno..............................• 1 Undecimo anno............................... 2 Duodecimo anixo..............----.......• • 3 Décimo oitavo anno......................... 1 Vigésimo anno............................... 1 Por esta estatistica temos a confirmação das três leis, acima estabelecidas; por ella vemos }ue maismortíferos foram os três 64 primeiros annos, e que, destes o mais nocivo, o mais pernicioso, 1'année terrible, como lhe chama o sábio professor, foi o primeiro. Este primeiro anno ó essencialmente perigoso: nelle a trans- missão hereditária da syphilis ó quasi fatal. Assim nos mostra uma estatistica do mesmo professor, da qual se vê que 90 mulheres contaminadas por seus maridos, fica- ram grávidas no primeiro anno de suas syphilis e que os resul- tados dessas prenhezes foram os mais desastrosos possíveis ; foram além de uma previsão pessimista. 50 terminaram por abortos ou por partos de crianças mortas; 38 pelo nascimento de crianças que rapidamente morreram; 2 pelo nascimento de crianças que sobreviveram. Em resumo 88 mortes sobre 90 prenhezes ! Acha-se mais que justificado o qualificativo: Vannêe terrible! Para terminar diremos que si é real e innegavel a influencia attenuante exercida pelo tempo, não é comtudo absoluta; comporta excepções que, si bem que inexplicáveis, não deixam de estar clinicamente estabelecidas. Factos existem, como já mostrámos, em que esta influencia attenuante não se manifestou, em que prenhezes foram seguidas durante longos annos de resultados nefastos para o feto, e, mais do que isto, ha nos annaes clínicos observações mostrando que de um casal syphilitico nasceram, primeiramente crianças sãs, e, mais tarde, filhos syphiliticos. São anomalias, casos rarissimos, excepções inexplicáveis, que todavia existem e bem averiguadas. Passemos ao estudo do outro factor attenuante—o tratamento. E' patente e innegavel o effeito altamente salutar que exerce o tratamento sobre a herança syphilitica, conseguindo, na maioria dos casos, diminuir, subjugar e anniquilar os nefastos effeitos da syphilis dos genitores. Sob este ponto de vista, o mercúrio produz verdadeiros milagres, incontestáveis benefícios. Alguns auctores (si bem que raros) deram-se á ingrata tarefa de contestar os effeitos verdadeiramente benéficos do mercúrio; 65 perdido trabalho e perdida erudição. Por mais suggestiva que seja a dialectica, por mais bem arranjados que sejam os argumentos, elles não conseguem empanar a evidencia. Os fastos clinicos regorgitam de observações que altamente militam em favor do mercúrio. São numerosos e mesmo cômmuns os factos moldados no seguinte: marido syphilitico ou casal syphilitico. Varias prenhezes chegando a resultados deploráveis : abortos freqüentes, nascimento de crianças fracas,estíoladas, fatal- mente condemnadas á morte próxima e manifestamente syphi- liticas; dá-se a intervenção da medicação especifica, e os resultados posteriores são os mais satisfactorios e benéficos; as gravidezes são seguidas do nascimento de crianças vivas, sãs e robustas. Esta acção correctiva, neutralisante, da medicação especifica sobre a herança syphilitica, póde-se exercer em todas as condições possíveis de proveniencia hereditária, isto é, quer ella provenha do pae, da progenitora ou de ambos os genitores. Observações referentes ao nascimento de crianças sãs, depois de submettido á medicação especifica o genitor accusado, se teem ás centenas, aos milhares nos archivos clinicos. Mais suggestivos e convincentes são ainda os casos em que a influencia provisória do tratamento especifico consegue também provisoriamente conjurar os perigos da herança syphilitica. Assim, em um casal syphilitico, que teve vários filhos também syphiliticos, póde-se dar o nascimento de uma criança sã, desde que os pães, no momento da procreação se achem submet- tides á influencia medicamentosa especifica. Observações ha assim moldadas e irrefutáveis. Citaremos uma de Turhmann, relatada no livro do professor Fournier e que pôde ser capitulada de observação modelo : « Uma mulher syphilitica tem sete prenhezes, durante as quaes ella não se trata. Sete vezes dá á luz crianças syphiliticas, que não tardam a morrer, grávida pela oitava e nona vezes, trata-se no curso dessas duas prehezes. De cada vez dá á luz uma criança sã e forte. Sobrevém uma décima prenhez. Desta vez T 9-D. 66 a mulher, considerando-se curada, não se trata, e dá á luz uma criança syphilitica, que morre no decorrer do sexto mez. Finalmente, uma undecima gravidez, no decurso da qual intervém o tratamento, dá como resultado uma criança sã.» Exigir observação mais demonstrativa do que esta é impossivel; ella parece imaginada para a prova da influencia attenuante e altamente salutar da medicação especifica. Si nos auxiliarmos de estatísticas, fica super-abundantemente provado o que vimos expondo, isto é, a influencia correctiva exercida pelo tratamento. E' assim que o professor Fournier, base ado em numerosas observações, estabelece como quociente de mortalidade para o feto, sendo o pae syphilitico não tratado, 59 °/0, ao passo que, tendo-se o pae submettido á influencia do tratamento a mortalidade baixa a 3%. Em relação á mortalidade pela herança mixta, o mesmo facto se nota; os genitores não sendo tratados, a mortalidade é de 82 °/o> quando, porém, medicados, ella cae a 3 %, Do exposto, a conclusão que se infere é a seguinte: o tra- tamento conslitue por excellencia um correctivo, um neutralisante da influencia hereditária da syphilis. Si, porém, a herança syphilitica, na grande maioria dos casos, se deixa influenciar beneficamente pelo tratamento, submettendo-se a elle e anniquilando-se; em outros, porém, ella se mostrarefractaria e então assistiremos ao triste espectaculo de um syphilitico que embora submettido a tratamento regular, methodico, que satisfaça a todas as exigências da arte, continua a ter filhos syphiliticos. Os casos desta ordem são felizmente raros e excepcionaes ; comtudo existem, e contra elles devemos estar prevenidos. Tendo passado em revista o estudo dos dois factores por ex- cellencia attenuantes e neutrahsantes da syphilis hereditária, nada mais natural (e o bom senso prejulga) do que se admittir que a asso- ciação, a combinação dos dois factores exerça acção mais enér- gica e effeitos mais satisfactorios. 67 A pratica litteralmente confirma estas inducções racionaes e a tal ponto que podemos dizer: o perigo hereditário é minimo, quasi reduzido a zero nos syphiliticos antigos e longamente tratados; nelles a dupla depuração produzida polo tempo e pelo tratamento consttue uma garantia quasi absoluta contra os perigos heredi- tários da syphilis. E' importante e digno de attenção, principalmente sob o ponto de vista do casamento de syphiliticos, este resultado; o professor Fournier, que estabeleceu como condição de admissibilidade ao casamento nunca menos de três a quatro annos de tratamento, assim se expressa:—«Com o mercúrio e com o tempo, todo medico pôde fazer de um syphilitico, salvo excepções particulares e raras, um marido e um pae não perigosos.» Segurança absoluta não devemos ter nos dois factores attenu- antes da herança syphilitica; factos ainda que rarissimos e inex- plicáveis existem que nos mostram a herança syphilitica, resistindo á dupla influencia correctiva do tempo e do tratamento. Tendo passado em revista, ainda que perfunctoriamente, os dois factores attenuantes principaes da influencia heredo-syphili- tica, e nos quaes devemos depositar certa confiança, ficaríamos em falta si não estudássemos as outras influencias modificadoras que, embora occupando segundo plano e de effeitos litigiosos, devem ser explanadas. Uma primeira questão pôde assim ser formulada: ha corre- lação entre a gravidade e a benignidade da syphilis nos genitores e os perigos hereditários dellas decorrentes? Uma syphilis traduzindo-se nos genitores por accidentes im- pressos de um cunho de gravidade e perniciosidade será um indicio de maior perigo hereditário, e, vice-versa, uma syphilis branda leve, indicará que pouco devemos temer as conseqüências heredi- tárias ? Sobre este ponto podemos dizer que, si em alguns casos existe correlação entre a gravidade das manifestações individuaes da sy- philis e a gravidade das conseqüências hereditárias desta mesma syphilis ; em muitos outrcs tal relação deixa de existir. 68 Si por um lado observações existem que mostram esta correla- ção, uma syphilis grave traduzindo-se hereditariamente por acci- dentes graves, por outro, observações também nos provam que uma syphilis gravíssima, qual a que se traduz desde o segundo anno da infecção, pela modalidade—syphilis cerebral —pôde não comportar, sob o ponto de vista hereditário, o menor perigo, pode dar logar a nascimento de crianças sãs. A reciproca desta primeira questão, isto é, a benignidade da syphilis nos genitores, nos offerece garantias sob o ponto de vista hereditário?—comporta as mesmas considerações acima expendi- das e acha-se sujeita ás mesmas alternativas. E' de certa freqüência e mesmo commum, encontrarmos sy- philis que, benignas e quasi insignificantes debaixo do ponto de vista individual, tornaram-se, hereditariamente encaradas, graves e perniciosas. Podemos pois affirmar que a benignidade da syphilis nos genitores não offerece garantia de benignidade quanto a suas conseqüências hereditárias. Outra questão, para terminarmos com o presente capitulo: Estabelecido como está que a syphilis pôde exercer suas fu- nestas conseqüências hereditárias quer esteja em acção nos geni- tores, isto é, em franca manifestação, querem potência, istoé, em um periodo de accalmia, de repouso, de latencia', compete-nos o exame da seguinte questão:—é a influencia hereditária mais no- civa, de mais perigo, quando, no momento da procreação, se acha a syphilis dos genitores em acção? Os perigos hereditários são os mesmos quer a syphilis esteja em acção quer em latencia ? Pelo simples enunciado comprehende-se a difficuldade de uma solução certa e segura ; para isto preciso fora que as obser- vações fossem bem minuciosas, cheias de detalhe, que nos assi- gnalassem com cuidado as differentes phases da moléstia, nos dessem conta do estado dos genitores no momento da procreação. Apezar disso, porém, Baerensprung conseguiu comparar os resultados de dezeseis observações em que o pae se achava sob a influencia de manifestações syphiliticas patentes, no acto da pro- 69 creaçüo, com os resultados de quatorze outras observações em que a syphilis paterna estava em latencia. Deste parallelo resultou o conhecimento de que os abertos eram menos freqüentes nesta segunda serie de observa- ções do que na primeira, o que nos indica que a herança syphi- litica é mais nociva quando o genitor infectado tem, no acto pro- creatorio, a sua syphilis em acção. E' este um resultado que, parece-nos, condiz com a razão. De facto, de maior perigo deve ser a syphilis quando, por assim dizer} em sua phase aguda, isto é, traduzindo-se por accidentes múltiplos e disseminados em todo o organismo, indicando-nos que a pullu- iação e a generalísação dos phenomenos mórbidos testemunham um que de fermentação e effervescencia actual do agente virulento. TRATAMENTO PREVENTIVO De longa data vem travada a lucta entre os partidários e os inL migos do mercúrio ; numerosos e cruentos ataques tem soffrido este poderoso agente therapeutico ; impávido porém tem elle supportado os doestos e invectivas; ganhando terreno dia a dia, conseguio fir- mar os seus créditos, de modo que hoje excepcionaes são as vozes que não entoam no mesmo coro unanime em o reconhecimento das incontestáveis e benéficas virtudes desse medicamento. Si, desde o inicio de sua administração, desde a celebre epi- demia do século XV, em que elle prestou serviços relevantes e in- contestáveis, firmando-se efficaz e poderoso para combater o mal napolitano, o mal francez ; encontrou enthusiastas convencidos e ardentes, que propalavam, alto e bom som, suas virtudes maravi- lhosas e achou até quem, como Fracastor, o cantasse em tom épico ; teve também, nesta mesma época, seus detractores e inimigos acer- rimos, entre os quaes convém citar Gaspard Torrella, que em 1497 assim escreveu : « Fuyez comme Ia peste, ces onguents meurtriers des charla- tans qui déjà ont fait tant de victimes ! Ce sont eux qui ont tué le cardinal de Ségorbe ; Alphonse Borgia et son frère ne doivent qu'à ces onguents leur mort prematurée... Laissez de tels remèdes aux charlatans, qui, s'ils échappent à un juste châtimentsur cette terre, le trouveront dans 1'éternité. » E' possível que tenha concorrido para o descrédito do mercúrio e para a aversão que aos doentes inspirava, a maneira barbara pela qual era prescripto, pelos antigos mestres. Si meditarmos sobre o suppliciante quadro, sobre a prova de verdadeira e heróica abnegação dos doentes que passavam pelos « grandes remédios », vemos que não deixa de ser completamente infundada a aversão de Torrella pelo mercúrio. 72 Sem regras e obedecendo a considerações completamente errôneas, esforçavam-se os antigos, sobretudo, em produzir o que hoje mais diligenciamos em evitar : — a salivação mercurial. Ficamos pasmo e estático ao lermos o tom dogmático e re- passado de sinceridade com que Boerhaave preconisa a adminis- tração do mercúrio até á producçfto de uma salivação de três a quatro libras por dia, e isto continuado durante 72 dias ! Contam os par- tidários de tão poderosa medicação, com todo enthusiasmo e ga„ lhardia, que conseguiram salivações de 20 a 25 libras por dia II! Ao meditarmos sobre tal facto, um profundo sentimento de compaixão e dó pelos pobres e martyrisados doentes nos invade a alma. Para aquilatarmos das verdadeiras torturas infligidas aos que necessitavam do mercúrio, é mister que façamos uma ligeira di- gressão histórica e que esbocemos, embora com pallidos traços, o modo pelo qual era, nesta época,prescripto o tratamento mercurial. Para isso nos soccorremos do livro do professor Fournier « Traitement de Ia syphilis», onde com mão de mestre elle nos descreve tal tratamento na antigüidade. Primeiramente procedia-se ao que chamavam — preparar o doente — ; consistia esta preparação, nada mais nada menos, do que em sangral-o uma ou duas vezes, purgal-o varias, administrar- lhe vários clysteres, fazel-o tomar banho 10 a 12 vezes,prohibir-lhe o vinho, prival-o de carne e alimentos nutritivos e como compen- sação enchel-ode tisanas maravilhosas. Feito isto, era o doente trancafiado em um quarto hermetica- mente fechado e do qual o ar não era renovado, delle não podia o pobre syphilitico sahir nem sequer um segundo ; em seguida pro- cedia-se ao super-aquecimento do quarto, que era assim transfor- mado em uma verdadeira estufa, e a tal ponto elevavam a tempera" tura que Ulrich de Hutten conta ter conhecido um medico que asphyxiou, baseado em que — quanto mais elevada a temperatura, melhores seriam os effeitos — três pobres artistas numa dessas estufas. 73 Concluido este trabalho, entravam em scena as fricções, que eram feitas diante de um fogareiro, ou entre dous, como exigiam alguns médicos. Nos grandes tratamentos, estendiam as fricções por quasi todo o corpo do doente e faziam-nas ora uma ora duas vezes por dia, excepcionalmente quatro, ora mais espaçadas, com intervallos de alguns dias. O agente pharmaceutico empregado nas fricções era o unguento mercurial, porém um unguento ultra-complexo, destinado, como diz Fournier, a fazer a alegria e a enriquecer a bolsa dos pharma- ceuticos da época. Quantidade prodigiosa de substancias com o titulo de co+- rectivos eram imcorporadas ao mercúrio. O celebre unguento de Vigo, bastante empregado, continha nada menos do que 19 substancias I Feita a fricção, eram as partes friccionadas cobertas com lã ou estopa, o doente deitado em uma cama previamente bem aquecida, e, além disso, experimentava os desagradáveis effeitos de vários cobertores, tudo com o fim de determinar abundante transpiração, que durava pelo menos duas horas. Durante todo o tempo gasto pela cura, 20, 30, 40 e algumas vezes mais dias, o doente não podia sahir do leito, assim como tam- bém não lhe era mudada a roupa, não só do corpo como também a da cama, afim de que « les linges salis rendissent à Ia peau ce qu'ils pouvaient lui emprunter de mercure et qu'il n'y eüt rien de perdu. » Como conseqüência : tudo o que cercava o doente no fim de poucos dias ficava negro; até as próprias paredes das salas destinadas ao tratamento, tanto assim que ellas receberam um epi- theto significativo— salles au noir.— Durante todo o tempo da cura os doentes eram submettidos a um regimen severo, depressivo; em compensação sobrecarregavam-no de drogas, que, rotuladas pom- posamente com o titulo de lenitivos, minorativos, dissolventes, di- gestivos etc, tinham como missão « digérer et évacuer » cs humores peceantes. T 10—D. 74 Para que nada faltasse a este quadro, nem mesmo o cômico, intervinham os clysteres. E' assim que Boerhaaveaconselhava du- rante o curso do tratamento o uso dos clysteres e de quatro em quatro horas! Tal cura dava freqüentemente como rosultado a debilidade, o estiolamento, o enfraquecimento extremo do doente e a tal ponto que muitos delles não tinham forças para se levantarem do leito e cahiam em syncope, o que era considerado favorável presagio. Como reconfortante, era dado ao doente o salutar conselho «de não desanimar, de evitar a tristeza e de se alentar pela esperança de uma próxima cura.» Recommendação supérflua, diz Fournier, pois que os desgraçados tinham outra cousa a fazer do que darem curso ás suas maguas ; tinham que salivar. Para a maior parte dos médicos desse tempo, humoristas ex- tremados, era esta salivação considerada como a eliminação dos humores corrompidos, era a syphilis em substancia que sahia pela bocca Produzida a salivação, declaravam-se alguns médicos satis- feitos ; outros porém a entretinham durante tempo considerável e só ficavam satisfeitos com a eliminação de quantidades verdadeira- mente assombrosas de saliva. Eis em descorado resumo o que era a cura mercurial, até mesmo no começo do nosso século. « Remedia pejom morbo patimur », com muita justiça escreveu Sydenham. Falássemos então a um desses mercurialistas exaggerados e martyrisantes sobre a conveniência e necessidade da adminis- tração do mercúrio a uma mulher grávida a syphilitica, com todas as probabilidades de inficionar o seu feto, e a nossa idéa seria tida como extravagante e tachada de heresia. Faziam os antigos médicos uma questão de consciência da não administração do mercúrio em taes situações ; incriminavam-no como a causa do aborto, attribuindo assim ao heróico medicamento o que não era sinão effeito da própria moléstia. 75 Esta idéa, ainda que falsa e completamente errônea, tem atra- vessado os séculos ; apoderou-se portal fôrma dos espíritos que não raro a vemos reproduzida Delos detractores do mercúrio e (o que mais é de admirar-se) até bem perto de nós tem ella encon- trado guarida e sido proclamada em tom dogmático : — não se deve dar mercúrio a mulheres grávidas e syphiliticas, porque pro- voca o aborto. Mauriceau, sábio parteiro e perspicaz observador, foi o pri- meiro que se revoltou contra o que era moeda corrente e pratica in- discutível no seu tempo, e preconisou a medicação pelo mercúrio ás mulheres grávidas e syphiliticas. Baseou-se o illustre e sábio parteiro em varias observações demonstrativas dos benéficos e sa- tisfactorios resultados que-em tal conjunctura colheu. Não cahiu em terreno de todo safaro a idéa do eminente par- teiro ; dahi por diante vemos alguns espíritos reflectidos e obser- vadores seguirem a rota traçada pelo sábio clinico e preconis irem o tratamento mercurial ás mulheres grávidas. Garnier aconselha esse tratamento. Em 1763 Nicolas deBlégny recommenda também em tal con- junctura o tratamento mercurial, porém soba condição de estar a gravidez um pouco adiantada, afim de que, diz elle, a criança possa resistir aos effeitos que causa o mercúrio. Levret acha imprudente o tratamento mercurial antes da me- tade do termo normal da gravidez e preconisa-o dahi até o sétimo mez. Doublet, professor do Hospital dos venereos, não admitte a administração do mercúrio ás mulheres grávidas e syphiliticas. Bertin, seu successor, combate essa opinião e alista-se na fileira dos mercurialistas, dizendo que não só a mulher pôde ser radicalmente curada no decurso de sua gravidez, como também o feto preservado da moléstia. Accrescenta que o aborto em taes situações depende da sy- philis e não do tratamento. Colson e Huguier, em differentes épocas, produziram traba- lhos tendentes a demonstrar que os abortos nas mulheres gra- 76 vidas e syphiliticas correm por conta do mercúrio e não da syphilis. Hoje em dia felizmente o accôrdo sobre este ponto está fir- mado: todos reconhecem os bons effeitos dos mercuriaes e os pre- screvem durante o curso da gravidez de uma mulher syphili- tica, ameaçando inficionar o feto, afim de prevenil-o contra os possíveis perigos hereditários, provado e exuberantemente pro- vado como está que o aborto decorre da syphilis e não do trata- mento mercurial. E' incontestável a influencia salutar do tratamento pelo mer- cúrio administrado a uma mulher grávida e syphilitica; os be- nefícios colhidos se traduzem ora pela diminuição na freqüência dos abortos, ora preservando o feto da infecção syphilitica. São factos de todos os dias os que provam a efficacia, nestas condições, do tratamento mercurial. Banjamin Bell diz : « Je sorais tento de mettro Ia syphilis au nombre des causes les plus fré [uentes d'avortement. On peut ce- pendant être certain de dótruire cette cause d'avortement dès qu'on a pu Ia reconnaitre. Le mercure, convenablement adminis- tre, reussit presque toujours.» O resultado de uma estatistica de Weber, referente a 40 casos de mulheres grávidas e syphiliticas, 12 das quaes durante a primeira metade da gravidez e 28 durante a segunda, foram submettidas a um tratamento mercurial enérgico, o qual era ou não seguido de um tratamento iodurado, é o seguinte: 33 ficaram curadas, 7 deram á luz no hospital três crianças completamente desenvolvidas e quatro prematuramente. A estatistica de Kassowitz é suggestiva: em 35 mulheres grávidas e syphiliticas, tratadas pelas fricções mercuriaes, hou- ve 35 partos normaes. A citarmos estatísticas longe iríamos, cremos que de tal não carecemos ; felizmente a opinião hoje em dia acha-se a esse re- speito completamente firmada ; aos milhares são as observações que provam a efficaz intervenção do mercúrio como preventivo da herança syphilitica. Em um casal no qual forem freqüentes os 77 abortos, apparentemente sem causa que os explique, si proce- dermos a indagações minuciosas, não raro conseguiremos a descoberta da syphilis, embora antiga, no marido; submettido este ao tratamento mercurial, sua mulher lhe dará filhos sãos e fortes. Ainda mais decisivos são os casos era que a influencia provi- sória da medicação mercurial provisoriamente também influenciou sobre o resultado da gravidez em uma mulher syphilitica ; assim: dando-se em um casal syphilitico uma serie de abortos ou de nascimento de crianças infectadas, sujeita a mulher, no decorrer da gravidez, ao tratamento pelo mercúrio, dar-se-ha como conse- qüência o nascimento de uma creança sã. Suspendendo-se a me- dicação, o resultado será recomeçar a serie de abortos ou de crian- ças infectadas. Actualmente a pratica iniciada por Depaul está em uso : diante de vários abortos successivos, sem causa que os expli- que, emprega-se o tratamento mercurial. Para terminarmos este rápido esboço histórico, em cuja feitura muito nos auxiliámos da these de Le Grand—Syphilis cause d'a- vortement—citaremos as palavras de um sábio mestre, do im- mortal professor Trousseau: «Jesais que par une sorte de réaction periodique, on a essayé à diverses reprises de combattre et de détrôner le mercure, mais je sais aussi que cas tentatives n'ont eu qu'un temps et qu'après tant de conda nnaticns il a toujours étô réhabilité par Ia force des choses.» Sob o ponto de vista pratico, a herança syphilitica comporta um tratamento essencialmente preventivo. E' do mais alto interesse, visto como a herança syphilitica representa um importante factor de despopulação, subjugar, do- minar, destruir a influencia nefasta do virus syphilitico nos indi- víduos que aspiram ao casamento. 78 Tratando o homem ou a mulher syphilitica, fazemos mais do que beneficial-os individualmente, protegemos o futuro ser, a sua saúde, a sua vida, contra os perigos da herança. Por um tratamento conveniente e sabiamente dirigido conse- guiremos não raro tão satisfactorio desideratum. Si ha indicações mais ou menos precisas e claras a respeito do tratamento da syphilis em si; si ha regras mais ou menos esta- belecidas pelas quaes o pratico molde o seu tratamento, por outro lado, em se tratando do assumpto que nos occupa, da prophylaxia da herança syphilitica, não temos uma linha de con- ducta clarae bem formulada, que nos guie no meio das difficeis e delicadas situações, em que muita vez nos acharemos na pra- tica. Diday foi o primeiro que se occupou de tão relevante as- sumpto. Depois vem Langlebert, que seguiu a mesma via e mais ou menos abundou em idênticas considerações. Poucos outros auctores se occuparam do assumpto. Dos trabalhosa esse respeito publicados, nenhum excede ao do eminente e sábio professor Fournier. Mais uma vez nos inspiraremos nos conselhos do illustre mestre. Na grande maioria dos casos póde-se impedir a transmissão hereditária da syphilis e suas lamentáveis conseqüências, por um tratamento methodico, antes ou depois do casamento. A respeito de um syphilitico (refirimo-nos ao homem, visto como é elle freqüentemente o introductor da syphilis no tecto con- jugai), candidato ao casamento, e que nos vem consultar, devemos satisfazer a três indicações : 1.a Tratal-o e energicamente ; 2." Educal-o a respeito dos perigos conjugaes e hereditários que pôde causar a sua moléstia, para que accusações não nos sejam lançadas. Traçar-lhe com cores mesmoiim tanto negras, porém reaes, o quadro das possíveis catastrophes de que pôde elle ser causa, es- 79 clarecel-o sobre os perigos de uma contaminação directa ou indi- recta de sua mulher, acarretando possíveis e graves perigos para a sua prole. 3.â Não permittir o casamento desde que as condições de admissibilidade, traçadas pelo professor Fournier, não sejam sa- tisfeitas : a) Ausência de accidentes específicos actuaes ; b) Idade avançada da moléstia ; c) Um certo periodo de immunidade absoluta, consecutivo ás ultimas manifestações especificas ; d) O caracter não ameaçador da moléstia ; e) Um tratamento especifico sufficiente. Satisfeitos estes preceitos, os desastres hereditários forçosa- mente diminuirão ; ha mesmo uma certa tolerância a respeito dos syphiliticos, candidatos ao casamento, o que deve ser combatido. Embora não satisfeitas as condições acima expostas e si, apezar de todo o nosso empenho, não nos foi possível sustar o casamento, o syphilitico de hontem é o esposo de hoje. Compete-nos, sendo pedido o nosso conselho, agir e agir energicamente. Trata-se de um caso particular e indicações parti- culares também devem ser postas em jogo. O ponto essencial é prevenir a contaminação da mulher e im- pedir a transmissão da syphilis ao futuro ser. Devemos ter em vista que nos achamos em presença de um syphilitico recentemente casado e constantemente em contacto com uma mulher joven e sã ; nestas condições, fazem oi o sciente dos perigos de contaminação aos quaes elle pôde dar logar e aconse- lharemos a ausência de relações intimas (si isto for possível) e sobretudo de relação fecundante. Quanto ao tratamento: em primeiro logar empregaremos todos os recursos para a suppressão dos focos de contagio; instituiremos a cauterisação, quer se trate do accidente primitivo, quer (o que é muito mais freqüente) estejam em scena os accidentes secun- dários. Esta cauterisação concorrerá para que a cicatrisação se 80 faça em menos tempo ; como cáustico preferiremos o nitrato ácido de mercúrio. O tratamento geral deve ser enérgico, não moldado no dos casos normaes, em que em geral se dispõe de tempo, e, por conse- guinte, procede-se lentamente, com vagar. As condições aqui são outras, ha urgência em conjurar os pe- rigos de contagio, a indicação aqui ó « d'aller víte et de frapper fort. » A medicação clássica, os cinco centigrammas de proto-iodu- reto de mercúrio, serão, no caso presente, insufficientes ; ha ne- cessidade de instituirmos um tratamento energicamente repressivo, de agirmos como si estivéssemos em presença de accidentes espe- cíficos graves, que reclamem uma medicação rápida e enérgica. Assim, ao em vez dos cinco centigrammas de proto-iodureto, prescreveremos 10 a 15 centigrammas diariamente, ou, si quizer- mos, 2,3e mesmo 4 centigrammas de sublimado quotidianamente. Poderemos, para activar a medicação, prescrever o iodureto de potássio. Si nada houver que force a suspensão da medicação, deve ella ser continuada durante 2 mezes. Chegada a este prazo, suspen- del-a-hemos por algumas semanas, findas as quaes retomal-a-he- mos, e assim seguidamente. Quanto ao tratamento pelas fricções, sem duvida de maior energia do que o methodo da ingestão, nem sempre é elle prati- ca vel, visto como, nestas condições, geralmente o maior interesse do doente é não se denunciar, encobrir o mais possivel a sua syphilis, e não é certamente pondo em pratica tal tratamento que elle conseguirá os seus fins. O methodo das injecções, parece-nos, deve aqui ser tentado ; ha indicação para que elle se empregue ; é um caso de urgência e em que temos interesse em agir o mais promptamente possivel. Este methodo realisa ainda mais a vantagem, sobretudo estimada pelo doente, de poder ser elle tratado discretamente, evitando assim mais seguramente não causar suspeitas e encobrir sua mo- léstia. 81 Podemos empregar as injecções decalomelanos,na dose de 5 a 10 centigrammas, recentemente preparado em óleo esterilisado. O intervallo entre as injecções deve ser, segundo as pesquizas modernas, mais ou menos de 10 dias. Sendo este methodo de tratamento, ou methodo de Scarenzio, primeiro que o poz em pratica, eque deve ser reservado para casos especiaes, em que a gravidade ou a tenacidade dos accidentes sy- philiticos o reclamam, sendo elle, como dizíamos, mais enérgico e de effeitos mais promptos, ipso-faeto mais depressa desappare- cerão os accidentes específicos ; assim nos diz Feulard nos Annaes de Dermatologia e Syphiligraphia. Isto quanto ao pae. Si tratarmos porém de uma mulher grá- vida de um syphilitico, a questão torna-se muito mais delicada ; situações ás vezes melindrosas e difficeis surgem, desafiando o tino e a perícia do medico. Antes porém de entrarmos neste estudo, uma questão prévia convém ser discutida. E' a que diz respeito à passagem do mercúrio do organismo materno ao fetal. Tão evidente e claro nos parece este facto, taes provas de authenticidade tem elle, que, talvez mesmo não entrássemos no seu estudo si não lêssemos no livro de Roger, Introduction á 1'étude de Ia Médeciney publicado este anno, o seguinte : « Le fer et le mercure, bien que ce dernier metal s'accumule dans le placenta, ne passent pas de Ia mère au produit.» A prevalecer esta proposição, não teria razão de ser o presente capitulo e o medico haveria de dolorosamente cruzar os braços diante de um caso de syphilis nos genitores, indicando pelas suas condições particulares invadir o feto. Si numerosas substancias (como está rigorosamente estabele- cido) podem atravessar a placenta, por que o mercúrio não fará o mesmo ? Diante dos resultados evidentes da medicação mercurial administrada a uma mulher syphilitica e grávida, como negar a acção do medicamento sobre o foto ? T 11-D. 82 Como comprehender estes resultados, sinão pela admissão da passagem do mercúrio atravez da placenta ? Mais do que inducções racionaes, do que analogias, temos, authenticando esta passage m, provas de indiscutível valor : ella acha-se chimicamente estabelecida. Cathelineau, submettendo á analyse chimica o corpo de um feto cuja mãe tinha soffrido o tratamento mercurial, chegou aos seguintes .resultados : I. A presença do mercúrio foi reconhecida na maior parte dos órgãos fetaes (fígado, baço, coração, rim, pulmão e cérebro) e até no meconio; II. Ficou claramente provada a sua existência no liquido am- niotico ; III. A dosagem quantitativa,feita pelo processo electrolytico de Riche, revelou a existência das seguintes proporções de mercúrio : l.°No coração, pesando .33 grammas......... 0,0035 2.° Nos rins » 95 » .......... 0,0101 3.° No fígado » 150 » ......... 0,0182 4.° No cérebro » 295 » .......... 0,0094 5.° Nos pulmões » 62 » ......... 0,0021 6.° No baço .... , » 8 » ......... 0,0012 7. ° No meconio v » 15 » ......... 0,0007 - IV. Fazendo a sòmma dos pesos de mercúrio encontrado nos diversos órgãos e o das substancias submettidas á analyse, vê-se que 100 grammas dessas substancias contêm 0 gr. 0068 de mer- cúrio ; V. Erafira, si referirmos a 10 para'cada parte examinada a quantidade de. mercúrio, achamos por ordem de decrescimento, que o mercúrio assim se repartiu: Fígado.......' Ogr. 0121 por 10 grammas de substancia Baço........ Ogr. 0120 > .» » Coração..... Ogr. 0106 » » » 83 Rim......■•• Ogr. 0106 por 10 grammas de substancia Meconio--- Ogr. 0046 » » » Pulmões--- Ogr. 0034 » » o Cérebro..... Ogr. 0031 » » » Em resumo: a presença do mercúrio ficou claramente provada, não sono feto mas também no liquido amniotico. Estes resultados foram mais tardo confirmados por novas pesquizas de Cathelineau e Stef. Estabelecida e rigorosamente como está, a não deixar duvidas, a passagem do mercúrio da mãe ao feto atravez da placenta, pro- sigamosem o nosso estudo, interrompido pela discussão desta preliminar. Dever-se-ha em todos os casos administrar o mercúrio a uma mulher grávida de um syphilitico? Principiam ahi as divergências, as delicadezas e difficuldades da pratica. Si consultarmos as opiniões, vemos que ellas estão divididas, que não ha uniformidade de julgamento entre os auctores; pro- nunciam-se alguns pela intervenção do tratamento em todjs os casos, argumentando: « Que risque-t-on ?D'être inutile, pas davantage, car ie trai- teraent spécifique est si bien tolere.» Outros combatem este «trata- mento de aventura», preferem courir Ia chance; preconisam a expectação, e, finalmente, muitos outros ficam indecisos, sem uma linha de conducta certa que os guie. Pensamos com o professor Fournier — que não ha lei geral a formular sobre o assumpto ; que umâ solução única não pôde ser applicada a todos os casos. Cada caso tomado em particular traçará a nossa conducta, delle devemos pesar todas as indicações e segundo ellas proceder. Ao em-vez de generalisar, devemos par- ticularisar e pautar o nosso proceder pelas indicações de cada caso individualmente. No decorrer desta exposição, melhor se eviden- ciará a conveniência deste modo de agir. Em uma primeira ordem de casos a intervenção do tratamento ó de rigor. 84 Trata-se, por exemplo, de um casal em que o marido é syphi- litico, em que a progenitora, no decorrer da gravidez, também é affectada de syphilis, seja esta proveniente do marido, por conta- minação directa, seja também delle oriunda, porém indirecta- mente, isto é, por via fetal, realizando-se assim a modalidade: syphilis por concepção. A indicação aqui é clara e convém não só no interesse da pro- genitora como também no do feto, que se acha exposto á herança mixta, e, portanto, com muito pouca probabilidade de a ella escapar. Deve-se intervir e sem perda de tempo. Tem-se visto em tal conjunctura o nascimento de crianças embora syphilitcas, mas vivas, que ulteriormente tratadas ficaram sãs, e, mais do que isto, o nascimento de crianças sãs e vivas, o que naturalmente deve ser levado em conta do tratamento mer- curial . Tratar, pois, a progenitora é o caminho a seguir. Solução esta racional e legitima; nem sempre, porém, assim foi considerada; póde-se dizer que é uma pratica nova, da metade do nosso século para cá. A doutrina antiga, e que persistiu perto de quatro séculos, é a que professa o não tratamento das mulheres grávidas e syphi- liticas, baseada no pseudo poder abõrtivo do mercúrio. Já fizemos ver o valor desta opinião, mostrando que, pelo contrario, o tratamento mercurial concorre efíicazmente para dimi- nuir a freqüência dos abortos nas mulheres syphiliticas. Além desta objecção, outras têm sido feitas ao poderoso me- dicamento. Assim é que se tem dito que elle augmenta as pertur- bações gástricas da gravidez, que ajunta a sua acção anemiante, própria, especial, á da gravidez. Examinemos estas diversas objecções. Em primeiro logar, reconhecemos que a administração do mercúrio, sob certas fôrmas e em certas doses, é passível de taes oensuras. 85 Não se trata, porém, disto e sim das propriedades do medica- mento; não devemos incriminal-o pelo facto de não serem obede- cidas certas e determinadas regras na sua prescripção. Quanto ás perturbações gástricas, temos, na escolha dos me- dicamentos, meios de evitai-as. Sob este ponto de vista é o proto-iodureto o composto mer- curial mais brando, menos susceptível de acarretar perturbações nasfuncções digestivas e melhor tolerado. Si, porém, o apparelho digestivo se mostrar rebelde a esse medicamento, si perturbações para o lado do estômago ou do in- testino o contraindicarem, temos ainda outros recursos que nos são fornecidos pelos methodos das fricções ou das injecções. Quanto á objecção da anemia, diz o professor Fournier que ella é toda theorica, e garante-nos nunca ter visto a anemia da gravidez incrementar-se sob a influencia do tratamento mercurial,. sabiamente administrado. Quanto á anemia especial da syphilis, ella encontra o seu remédio no mercúrio:— « le mercure est le fer de Ia vérole.» Nem sempre, porém, as indicações são tão precisas e tão bem determinadas, a ponto de forçarem, por assim dizer, a intervenção: casos se dão em que a duvida, a perplexidade se agitam no espi- rito do clinico, deixando-o indeciso, a debater-se entre conjecturas; nestas condições deve o clinico chamar em seu auxilio todas as circumstancias que cercam o caso, bem pesal-as e sobre ellas fun- damentar o seu proceder. Supponhamos que, em vez de syphilitica, a mulher, cujo ma- rido é victima da infecção, está sã, não tendo um exame minucioso e pesquizador revelado o minimo accidente suspeito. Qual a conducta do medico em tal caso? Si se tratar de uma multipara, os resultados das prenhezes anteriores servirão de guia; sobre este quadro retrospectivo pau- tará elle o seu proceder. Tiveram nefastas conseqüências as prenhezes anteriores? No caso aftirmativo, acha-se a intervenção indicada, visto como temos provas e abundantes dos effeitos altamente benéficos 86 da medicação mercurial em semelhantes casos, e, assim sendo, qual o motivo prohibitorio de beneficiar-se a mulher com o trata- mento especifico? Hoje em dia, diante de vários abortos sem causa explicável, embora não se tenha podido reconhecer a syphilis, é a medicação mercurial indicada. Tal pratica já tem proporcionado resultados satisfactorios. Depaul, que primeiro a vulgarisou, diz: « qu'après une série de fausses couches auxquelles on n'a pu trouver de cause, le iné- decin est auctorisé à prescrire empiriquement Ia médication espe- cifique, médication d'ailleurs inoffensive quand elle tombe à faux, pourvu qu'elle soit prudemment administre. » Tem sido o exemplo de Depaul seguido pela maioria dos par- teiros modernos : Tarnier, Pinard, Porak, Ribemont-Dessaignes e muitos outros mestres illustres aconselham-n'a. Situações ha, porém, mais difficeis; casos ha em que este roteiro nos falha, tal o de uma primipara cujo marido é syphilitico. Guiará o medico, em tal conjunetura, o exame do caso em si, tomado individualmente. A idade da syphilis, o tempo em que se produziram as suas ultimas manifestações, a sua intensidade, a freqüência de suas reci- divas, a sua evolução, o seu tratamento, são dados sobre os quaes firmará o medico a sua resolução. Aqui emfim o clinico pôde ainda appella.r para diversos ele- mentos, de maiores ou menores probabilidades, sobre os quaes possa traçar para si uma linha a seguir. Situações porém surgem, de extrema perplexidade, delicadeza e difficuldade. ' Taes são os casos rotulados pelo professor Fournier de médios, casos em que considerações de certa ordem se acham contrabalan- çadas por considerações oppostas, em que não ha razão pre-. ponderante que motive a intervenção ou aexpectação. . Em tal situação, como proceder? Qual a conducta do clinico? A da.expectação? A da intervenção? 87 De um lado, temos a possibilidade de se exercitar a herança paterna, com os seus perigos conseqüentes, e também os riscos de uma possivel contaminação da mulher pelo feto, realisando-se a syphilis p-r concepção. De outro, porém, possibilidade que estes dous perigos não se exerçam ; a herança paterna nada tem de fatal, em muitos ca^os nao se faz sentir, e a syphilis por concepção, embora constituindo uma modalidade bem definida e estabelecida, pôde deixar de exis- tir em muitos casos. As difficuldades são pois bem patentes e permittem a indecisão e a perplexidade. Não intervir é tornar possivel a realidade dos dous perigos acima assignalados. Intervir ó arriscar-se a ser inútil. Talvez seja preferível ser-se inútil a ser-se prejudicial. Quanto tempo deve durar o tratamento ? A esta questão podemos responder, com o assentimento unanime dos práticos, que o tratamento deve ser mantido durante todo o curso da gravidez, durante a persistência da causa provo- cadora do aborto. Passada a gravidez, e por conseguinte depois do parto, cae a mulher na generalidade d >s casos. Indicações varias devem então ser preenchidas. Não entraremos no estudo d'este tratamento por ser assum- pto fora da alçada em que nos coliocámos. Muitas mulheres alimentam a errônea convicção de que, pas- sados os accidentes syphiliticos, não têm ellas mais necessidade do tratamento ; julgam-se sufficientemente depuradas e incapazes de transmittir a syphilis ao feto. A ausência de manifestações syphiliticas não é absolutamente garantia de cura e de nenhum modo indica que os possíveis peri- gos hereditários decorrentes de uma syphilitica se acham extinctos; deve se pois, diz Blaise, reagir contra tal erro e insis,tir no trata- mento. 88 Afim de evitar-se o habito do organismo, deve-se suspender de vez em quando a medicação, estabelecendo-se, deste modo, intervallos de repouso. Modo de Tratamento:—A susceptibilidade maior das vias digestivas na mulher grávida impõe-nos certas cautelas e pru- dência a respeito do tratamento mercurial. Devemos, segundo indicações particulares e a tolerância indi- vidual, usar de um ou outro methodo de tratamento. Si bem que alguns médicos empreguem systematicamente tal ou tal processo de mercurialisação, pensamos, com a maioria, que o absolutismo não deve ser erigido em linha de conducta, que, pelo contrario, o eclectismo deve presidir ao tratamento. Cada methodo tem as suas indicações e contra-indicações, nenhum delles offerece vantagens certas e infalliveis para ser con- sagrado Como satisfactorio e único em todos os casos. O methodo por ingestão ó o mais commum pois apresenta vantagens incontestáveis. A simplicidade de seu emprego, a possivel dissimulação (quando necessária) do tratamento, a sua tolerância habitual, comUnto que a certas regras e commedimento obedeça a prescri- pção do preparado mercurial; a sua actividade sufficiente na mór parte dos casos, são condições que militam em seu favor. Ao lado destas vantagens, desvantagens existem. Embora empregado em dose média, provada, pela experiência, inoffensiva na generalidade dos casos, elle pôde determinar acci- dentes vários e serio;s para o lado do apparelho digestivo, de maneira a eontraindical~o formalmente ; além disso, elle não se presta a um tratamento intensivo, Recorreremos então a outros methodos de administração mer- curial: o das fricções ou o das injecções. Diversos são os medicamentos que têm sido utili ados pelo methodo ingestívo. A mais antiga preparação empregada éo licor de Van Swieten; apresenta, porém, o inconveniente de irritar a mucosa gastro-in- testinal. 89 Langlebert procura na fôrma pilular associar o sublimado ao thridacio ou ao ópio, afim de obviar-lhe os inconvenientes. O xarope de Gibert, composto de bi-iodureto de mercúrio e iodu- reto de potássio, tem também sido empregado. Modernamente, porém, dá-se preferencia ao proto iodureto de mercúrio na dose média de 5 centigrammas diários, a tomar no começo ou no curso das refeições. No geral é este medicamento bem supportado. O methodo pelas fricções encontra indicação, quando quere- mos evitar accidentes para o lado do apparelho digestivo, quando simultaneamente com o mercúrio é prescripta uma medicação tô- nica, constituída pelo ferro, arsenicj etc, ou quando ha necessi- dade de energia na medicação. Segundo alguns auctores, deve este methodo constituir o tra- tamento inicial, em virtude da sensibilidade particular que apre- sentam os órgãos digestivos nos primeiros mezes da gravidez. Belle aconselha-o enthusiasticamente e mesmo com exclusão de todo e qualquer outro. Reconhecendo as vantagens que nos podem offerecer as fri- cções, pensamos, com a maioria dos syphilographos, que o absolu- tismo no seu emprego não deve ser posto em pratica, como acon- selham alguns auctores. E' um methodo que muitas vezes na pratica encontra incon- venientes na sua applicação ; além disso é muito pouco agradável e mesmo repugnante ; temos recursos outros, da mesma sorte effi- cazes e que não devem ser abandonados. Quando empregamos as fricções, devemos procedel-as de dous em dous dias, com doses progressivas de unguento napolitano, desde dous até oito grammas. As partes friccionadas deverão ser lavadas cuidadosamente com sabão. Afim de prevenir-se a salivação, bom será prescrever-se uma solução de chlorato de potássio, para lavagens da bocca. t 12—D 90 Pode-se, quando nisso houver conveniência, associar ao trata- mento mercurial o iodureto de potássio. Os cuidados hygienicos devem ser observados ; a medicação tônica constiíuida pelo ferro, arsênico, kola etc, convém ser pre- scripta. Como terminação melhor ao presente estudo, nos sirvam as pa- lavras de Riocreux: « En face des résultats acquis par 1'expérience, on est en droit de conclure qu' au point de vue de Ia descendence, Ia syphilis n'est à craindre que lorsqu'elle est ignorée ou plutôt encore lorsqueles parents ne veulent ni Tavouer ni se traiter.» OBSERVAÇÕES OBSERVAÇÕES Ao eminente syphilographo brasileiro, Dr. Lopo Diniz, a quem somos profundamente grato, devemos as seguintes observações : I F., casada, idade 39 annos mais ou menos, côr branca, moradora nesta capital, teve dous partos prematuros, de 6 a 8 mezes, com os fetos mortos e informa-nos ter sempre gosado saúde. Do seu quarto parto, que foi a termo, nasceu o nosso doente, muito emaciado, com a pelle de uma pallidez amarellada e o epi- demia eorugado ; tendo todos os signaes de cachexia. Neste estado, em que a vimos, dous mezes depois do seu nascimento, em conferência com o nosso illustre collega Dr. Val- detaro, apresentava o couro cabelludo humedecido por leve seborrhéa, coberto de cabellos finos e louros; a face retrahida sobre os ossos, a abertura nasal ulcerada junto ao septo e toda a mucosa entumecida por coryza, que é freqüentemente caracte- ristico da syphilis congênita, o qual produzia grande embaraço na entrada do ar para a respiração; com a expiração ruidosa, sobretudo na occasião de amamentar-se e a sua amamentação era, con- stantemente interrompida por choros, que mais pareciam gemidos: a abertura nasal estava humedecida por uma secreção purulenta; as commissuras labiaes tinham peiuenas elevações granulosas e fendidas; a lingua ulcerada na ponta e nos bordos apresentando no dorso pequenas placas lisas sem epithelio ; ventre muito cre- scido e tym pânico, sentindo-se pela apalpação o grande volume do fígado, endurecido desigualmente e excedendo de dous a três dedos o rebordo das costellas; o ânus dilatado,com pequenas ulce- rações condylomatosas entre as pregas da mucosa; o sphincter 94 achava-se tão relaxado que não podia conter as fezes dysentericas, com grossos grumos de leite coagulado; toda a pelle da circum- ferencia, até ás virilhas, era coberta por um erythema intertri- ginoso de cor cuprea; os membros, tanto superiores como infe- riores, estavam emaciados a ponto de tornarem as articulações e os ossos muito salientes; por baixo dos artelhos havia leves erosões vermelhas, com destroços de epiderma franzido, próprios do pemphygo; os testículos achavam-se reduzidos e os gânglios cervicaes, do braço edas virilhas, volumosos e endurecidos, sendo estes últimos mais irregulares no tamanho e mais achatados. Além de todos estes signaes, o doente soffria de dyspepsia, que é freqüente na syphilis congênita; vomitava constantemente parte do leite com que se alimentava, produzindo-lhe eólicas que precediam sempre a diarrhéa dysenterica. Todos estes signaes e symptomas que observamos no doente e a anamnese que nos referiu sua mãe, fizeram-nos logo crer na existência da syphilis congênita; restando-nos, entretanto, saber a sua procedência, o que não nos foi difficil obter, porque o pae e a mãe se sujeitaram ao exame de seus gânglios cervicaes e epi- trocleanos. Verificámos então que a transmissão tinha sido directa da mãe, pela existência de adenites cervicaes, sem precisarmos procurar o signal de tibialgia, de Denis-Dumont, porque ella nos informou em seguida que sua mãe (avó do doente) soffrera de boubas, quando residira em uma fazenda, onde havia muitos escravos atacados desta moléstia, assim como soffreram outras pessoas da família. Depois do exame do doente e da declaração de sua mãe nos manifestámos francamente sobre o diagnostico de syphilis 'con- gênita, fazendo sentir a urgência de uma medicação especifica, não só do doente como da mãe. Pediu-nos então o nosso «ollega Dr. Valdetaro que tomássemos a direcção do tratamento, conti- nuando elle a observar a marcha da moléstia. A medicação do doente constou de quinze gottas de lic«r de Van-Swieten, em leite, duas vezes por dia, e em lavagens repetidas da bocea, fossas nasaes e ânus com a infusão forte de 95 macella e vinagre aromatico; pequenos clysteres, duas até três vezes por dia, da mesma infusão de macella com claras de ovos e banhos mornos geraes amidonados, com sabão sulfuroso, recom- mendando os maiores cuidados na mudança repetida das roupas do corpo e da cama e no arejamento do quarto. Para a mãe, com o fim de debellar a sua infecção e em pro- veito de seu filho, prescrevemos o xarope de Gibert (preparação de Boutigny), uma grande colher ao almoço e outra ao jantar, abstendo-se ella de toda a alimentação muito excitante, de café e vinhos. No fim de um mez, substituímos a medicação pelo iodureto de potássio, na dose de um gramma em cada refeição, associa Io ao xarope de laranjas amargas, continuando alternadamente as duas medicações. Passado um mez de tratamento, o doente já apresentava me- lhoras sensíveis na modificação do coryza, que o deixava respirar mais desembaraçadamente e amamentar-se, sem as interrupções freqüentes ; na diarrhéa, que era mais consistente, sem os grossos grumos de leite e nas ulcerações, cicatrizando as das commissuras labiaes e apresentando melhoras as da lingua. Substituímos, então, o licor de Van-Swieten por uma colhe- rinha do xarope de GLbert em infusão de herva doce, receiosos de que o mercúrio estivesse entretendo estas ulcerações da lingua, prescrevemos-lhe mais o xarope de rabano iodado de Dorvault, três meias colheres por dia, insistindo nas lavagens das mucosas e mais cuidados recommendados. Com o fim de activar sua nutrição, lembrámos a phosphatina de Falières em leite, três vezes por dia, continuando o leite simples nos intervallos. As melhoras sendo successivas, aconselhámos a interrupção de seis dias do tramento no fim de cada mez, para deixar o doente descançar e não se habituar á medicação; emquanto qne o da mãe foi continuado como indica Martineau. Passados quatro mezes, pudemos considerar o doente livre de perigo; no fim de um anno, elle achava-se bom e animado, sem 96 nada mais soffrer até hoje, em que conta 15 annos de idade, com o vigor relativo á grande desordem que soffreu seu organismo, sob a influencia da infecção materna. Sua mãe, que ficou grávida mezes depois, continuou o tra- tamento especifico, alternado, durante os seis primeiros meze3 da gestação, dando á luz depois, a termo, uma criança forte, que deve ter 13 annos. Pára cura do doente, além da constância do tratamento por mais de um anno, concorreram os recursos pecuniários de seu pae, que passava todos os verões fora desta capital. OBSERVAÇÃO II Temos em nossas notas mais duas observações em que o tratamento especifico, constante, deu igual resultado. A primeira refere-se a uma parda, de 25 a 30 annos, solteira, que se achava no serviço doméstico de um parente. Era de uma constituição fraca; queixava-se de dores de cabeça que se repetiam amiudadamente, as quaes ella attribuia a "soffrimentos uterinos, allegando para isso que tivera um aborto no quarto mez de gravidez e o feto com esfoladuras p3lo corpo e muito magro. Desde esta occasião, suas regras mensaes se tornaram abundantes e de máo cheiro. Consultado sobre estes soffrimentos, tendo verificado a exis- tência de adenites especificas e da tibialgia em uma das pernas (phenomen) a que Denis-Dumont dá grande importância) e informado que, muito antes do seu aborto, tivera sarnas bravas pelo corpo, que as curou com um purgante e cozimento de caroba e mel de abelhas, sem que ficassem vestígios nos logares, sus- peitámos de que este aborto fora provocado por infecção syphilitica e, por isso, sujeitámol-a, desde logo, ao xarope de Gibert, duas grandes colheres por dia (preparado que temos preferido em casos taes como tratamento mixto), recommendando-lhe uma parada de seis dias no fim de cada mez para tomar um purgativo. 97 Ficando ella grávida, em seu terceiro mez de tratamento, quando já estava alliviada das dores de cabeça e sentia-se mais forte, fizemos, dahi em diante, alternar, cada mez, o xarope de Gibert com um gramma de iodureto de potássio em tinturas amargas, sem interromper o tratamento, fazendo-lhe sentir que da constância destas prescripções dependia sua cura e a vida de seu filho. Observado sempre esto tratamento, que não soffreu modi- ficação durante os primeiros mezes da gestação, com expressa recommendação de alimentar-se bem e ter todos os cuidados para não provocar outro aborto, chegou ella ao termo da gestação, nascendo uma filha sã e forte, que conta hoje cerca de 10 annos de idade, sem nada ter soffrido. Seus menstruos tornaram-se, então, regulares e perderam o mau cheiro que tinham antes da gravidez. Esta doente falleceu ha cerca de um anno, de uma lesão cardíaca. OBSERVAÇÃO III Esta observação é a de uma preta da roça, com 20 annos de idade approximadamente, robusta, empregada na lavoura, e que, em nossa estada em Santa Maria Magdalena, ha dous annos, pro- curou-nos para curar-se de boubas, que apanhara de pessoa com quem vivia, dizendo-nos que desconfiava achar-se grávida.' Submcttemol-a ao uso de duas pilulas com cinco centigrammas de tannato de mercúrio cada uma, depois de termos verificado que as suas boubas eram verdadeiras placas mucosas e papulas; fizemol-a tomar, no mez seguinte, sem interromper o seu tra- tamento, o xarope de Gibert, descançando então seis dias, todos os mezes, para recomeçal-o em seguida. No fim do nono mez da gestação, teve um filho são, sem apresentar durante o primeiro anno de sua vida, qualquer erupção cutânea, ficando ella curada das boubas que se não repetiram. T 13—D. 98 E' possivel que cause certo reparo termos continuado o tra- tamento desta mulher depois do sexto mez de gestação, quando não podia elle ser de proveito algum para o filho, visto achar-se sua placenta constituída ; — aconselhámos, é verdade, a continuação do tratamento, com o fim único de completar sua cura e debellar qualquer resto da infecção secundaria que pudesse entreter a alteração dyscrasica do sangue, em detrimento da nutrição de seu filho, pira não ficar, mais tarde, sujeito aos eczemas e impetigos, tão cômmuns nas crianças que nascem enfraquecidas, sem que dependam estas affecções da syphilis. As duas primeiras observações são de grande valor para provar quanto ó efficaz o tratamento especifico, perseverante e bem dirigido, durante os primeiros seis mezes da gestação de uma mulher syphilitica, quando a infecção é confirmada pelas adenites especificas e tibialgia de Denis-Dumont. Este tratamento torna-se tanto mais urgente e rigoroso quanto mais recente é a infecção em sua manifestação secundaria, porque a virulência, neste caso, tem um poder tóxico muito activo no sangue, vindo os fotos sempre mortos, em virtude de profundas desordens que se passam durante seu desenvolvimento no utero, provenientes da alteração da placenta materna, cujos vasos, em sua túnica interna, são que primeiro soffrem a irritação do virus, produzindo-se nelles endo-arterites que explicam a lesão, não só da placenta como das vísceras, quer seja ella esclerotica, quer gommosa. PROPOSIÇÕES Pbysicii medica I A expansibilidade é a propriedade cm virtude da qual os gazes tendem a occupar o maior volume possivel. II Experimentalmente é esta propriedade demonstrada, collocan- do-se uma bexiga com uma certa quantidade de ar em o reci- piente de uma machina pneumatica. ni Os gazes não têm fôrmas próprias, tomam-n'as dos corpos em que são contidos. Chimica inorgânica medica I 0 mercúrio, metal liquido, fornece compostos importantíssimos e que diariamente prestam inestimáveis serviços á medicina. II 0 bichlorureto, appellidado o rei dos antisepticos, é de uso continuo e valor incontrastavel na pratica da antisepcia. III No tratamento da syphilis pelo methodo da ingestão, o com- posto mercurial que mais adeptos reúne é o proto-iodureto. 102 Botânica e Zoologia médicas I A côr verde dos vegetaes é devida á presença da chlorophylla em suas cellulas. II A funcção chlorophylliana garante poderosamente a purificação do ambiente. III Decompondo o gaz carbônico e realizando a synthese da matéria orgânica, torna-se o vegetal indispensável á vida regular dos animaes. Anatomi i descriptiva I A medulla, contida no canal rachidiano, estende-se desde o atlas até á segunda vertebra lombar. II Ella não occupa exactamente o centro do canal, está mais próxima de sua face anterior. III A distancia que a separa das paredes ósseas do canal, nos explica como em certos estados pathologicos não é ella com- primida. Histologin I Todo organismo tem como origem uma cellula única, que «e multiplica, se divide, dando nascimento a elementos que se differenciam e constituem os diversos tecidos. 103 II Na reproducção sexuada, os dous elementos cellulares- óvulo e espermatozoide-se unem, fundem-se dando assim nascimento a uma cellula única - o óvulo fecundado - ponto de partida do novo ser III A fecundação consiste nesta fusão intima das duas cellulas primeiras. Chimica orgânica e biológica A pilocarpina é extrahida das folhas do Pilocarpus pinnati- folius, da família das Rutaceas. II Apresenta-se sob a fôrma de uma massa viscosa, incolor, um pouco amarga, pouco solúvel n'agua, muito no álcool, ether e chloroformio. III Os seus compostos mais empregados em medicina são: o nitrato e o chlorhydrato. Physiologia theorica e experimental I A capacidade total do systema circulatório é de 5 a 6 litros no homem adulto e de peso médio da 65 kilogrammas. II Esta quantidade de sangue acha-se desigualmente distri- buída nas artérias e veias; o systema arterial tem uma capacidade menor que o venoso. 104 III O movimento do sangue nos vasos está submettido ás leis da hydro-dyna mica. Pathologia geral I A herança, attribulo essencial da vida, influe sobre a consti- tuição do ser. II A transmissão hereditária não é fatal. III Rigorosamente falando, não ha herança de moléstias micro- bianas. Anatomia e physiologia patliologicas I O cancro syphilitico é constituído por uma infiltração abun- dante, nas malhas do tecido conjunctivo, de pequenas cellulas embryonarias. U São cm geral cellulas pequenas, redondas, sem protoplasma apparente. III Estas cellulas determinam a reabsorpção atrophica das fibras conjunctivas, ou enchem todos os interstícios, donde a sensação especial de dureza. 105 Chimica analytica e toxicologica I 0 apparelho de Marsh é empregado para a pesquiza do arsê- nico e do antimonio. II O chlorureto de cálcio faz desapparecer as manchas arsenicaes, ao passo que deixa intactas as de antimonio. III Pelo aquecimento, o anelarsenical se desloca em vista de sua volatilidade, emquanto que o antimonial fica fixo. Clinica propedêutica I A percussão é dentre os methodos de exploração para o estudo da semeiotíca physica do coração, o que mais exige longo exercício e educação technica. II Presta este methodo relevantes serviços á clinica, conseguindo, muita vez, desvendar a affecção cardíaca em seu inicio, haja vista o estreitamento mitral. III Pela percussão, distinguem-se na zona precordial duas áreas : a área de matidez absoluta ou pequena matidez, em que a obtusão do som é completa e a área de matidez relativa ou grande matidez, em que ha sub-obscuridade. Clinica dermatológica e syphlllgraphi -a I Tudo nos leva a crer que a syphilis é uma moléstia micro- biana,embora ainda não esteja descoberto o seu germen productor. T 14—D. 106 II Na sua evolução,distinguem-se três períodos: primário, secun- dário e terciario. III Sob o ponto de vista hereditário, é o periodo secundário o mais perigoso ; elle attesta a generalisação da moléstia. Pathologia medica I A syphilis cerebral apresenta symptomas variados e em tão grande numero, que seu diagnostico é um dos mais difficeis entre todas as moléstias do quadro nosologico. II A dor mais benigna, assim como a nevralgia mais violenta, o mais ligeiro enfraquecimento muscular, bem como a paralysia mais completa, a mais ligeira inquietação nervosa, assim como a mania mais furiosa, podem ter a syphilis por causa. III De todos os symptomas da syphilis cerebral é a cephalalgia o mais freqüente. Pathologia cirúrgica I Os estreitamentos da uretra são freqüentes e suecedem quasi sempre a uma blenorrhagia II Os traumatismos também são causas proJuctoras de estreita- mentos. 107 III Estes últimos são mais rebeldes à cura; resistem muitas vezes á dilatação. Matéria mediea, pharmacologia c arte de formular I As convolvulaceas fornecem á clinica medicamentos de alta importância, entre os quaes encontramos a jalapa e a scamonéa. II A jalapa e a scamonéa são verdadeiros purgativos drásticos. III Estas duas substancias fazem parte da aguardente allemã (tinctura de jalapa composta). Segunda cadeira de eliaica cirúrgica I A talha hypogastica, imaginada por Franco, consiste em pe- netrar na bexiga pela sua face anterior. II A incisão é mediana e deve comprehender uma extensão de 5 a 6 cen ti metros. III Ella apresenta vantagens sobre a talha permeai. Clinica ophtalmologica I A iris é a parte do globo occularmais freqüentemente attingida de lesões syphiliticas. 108 II Ametade cerca das irites são de natureza syphilitica. III O tratamento especifico é de vantagem incontestável. Operaeiles e ag»parelhos I Verificada a transparência, muito se simplifica o diagnostico da hydrocele vaginal. II A difficuldade do seu diagnostico differencial com o hematocele é ás vezes tal, que a puncção fica sendo o único critério. III No seu tratamento,o methodo clássico da puncção e injecção é, embora as tentativas feitas para a sua deposição, de reaes vanta- gens. Anatomia anedico-cirúrgica I A região mammaria apresenta na mulher differenças indivi- duaes de fôrma, volume e consistência. II Estas differenças estão sobretudo em relação com a idade e o estado physiologico dos indivíduos. III Apresenta, procedendo de fora para dentro, as seguintes ca- madas: pelle, camada gordurosa subcutanea, glândula mammaria, camada gordurosa infra-mammaria, camada cellulosa, aponevrose do grande peitoral, o grande peitoral, as costellas e os espaços intercostaes. 109 Therapeutica I O mercúrio é incluído por Trousseau no grupo dos alterantes. II Os methodos mais empregados para a administração do mer- cúrio na syphilis são: o da ingestão,o das fricções e o das iíijecções sub-cutaneas. III Em uso externo, também encontra o mercúrio proveitosas applicações. Primeira cadeira de clinica cirúrgica I A lithotricia consiste na extracção de cálculos vesicaes, depois de fragmentados, pelas vias naturaes. II Com a lithotricia rápida ou litholapaxia de Bigelow, desappa- receram os maiores inconvenientes desta operação, a ponto delia ser hoje em dia praticada freqüentemente. III Quando os cálculos sfto friaveis e pequenos, ella deve ser preferida. Segunda cadeira de clinica módica I A tuberculose é uma moléstia microbiana; o seu germen pro- ductor é o bacillo de Koch. II No Rio de Jaieiro é a maior causa do mortalidade. 110 III No seu tratamento, devemos ter, sobretudo, em vista as con- dições hygienicas. Clinico pedialrica I A syphilis hereditária é grave e muitas vezes mortal. II Em França, é o maior factor de despopulação, segundo se deprehende dos estudos do professor Fournier. III Nem sempre a criança herda a syphilis em natureza, pelo con- trario, em grande numero de casos são os accidentes pirasyphi- liticos que se apresentam. Dygleiio I A água contém bacterins saprophyticas e pathogenicas. II A vehiculação hydrica de algumas moléstias é questão que não padece duvida. III Devemos, para supprimir, tanto quanto possivel, taes perigos, recorrer ao uso dos filtros. Medicina legnl I Os signaes característicos da morte são numerosos, mas nem todos podem ser considerados como taes. 111 II O resfriamento não é um signal característico da morte, quando não se puder provar que elle se entende a todos os pontos da economia. III O único signal característico da morte é a decomposição pútrida. Obftleíricia I A eclampsia é uma moléstia que se apresenta durante a pre- nhez, no parto e após o delivramento. II As urinas das mulheres eclampticas apresentam freqüente- mente albumina. III A theoi ia mais recente \ ara a explicação da eclampsia éa hepatica. Primeira cadeira de clinica medica I 0*augmento de volume que adquire o fígado é um elemento importante para o diagnostico das pyrexias palustres. II A splenalgia de Duboé, quando existe, constituo um dado precioso para o diagnostico. III A ausência de elevação de temperatura em alguns casos, não deve eliminar a idéa de umapyrexia palustre. 112 ( linlra obstetrlca e gyneeoUglca I A metrite é freqüente, sobretudo, no periodo de actividade genital. II O seu tratamento pôde ser dividido em medico e cirúrgico. III 0 tratamento cirúrgico é o que mais confiança merece e o que deve serpreconisado. Clinica psychiatrlca e de moléstia* nervosas I A hysteria é uma nevrose muito mais freqüente na mulher do que no homem. II A herança é um factor de indiscutível influencia na producção deste mal. III A hygiene, a hydrotherapia, a suggestão constituem o seu tratamento. HIPPOCRATIS APHORISMI Vitabrevis, ars longa, occasio proeceps, experiência faliax, judicium difficile. (Sect. I—Aph. 1). II Ad extremos morbos, extrema remedia, exquisite optima. (Sect. I—Aph. VI). III Cibus, potus, venus, omnia moderata sint. (Sect. II-Aph. VI). IV Ulcera, undiquaque glabra, maligna. (Sect. VI-Aph. IV). V Ubi somnus delirium sedat, bonum. (Sect. II—Aph. II). VI Natura corporis est in medicina principium studii. (Sect. II-Aph. VII). Visto — Secretaria da Faculdade de Medicina e de Phar- macia do Rio de Janeiro, cm 2 de Outubro de 1899. O Secretario Dr. Eugênio de Meneses. A 1 y m v*Z3LJ>