THESE do Slfflllll Typ. de J. D. de Oliveira — Rua do Ouvidor n. 141 f 8 83 06421518 91 DISSERTAÇÃO SEGUNDA CADKIRA DK CLINICA CIRÚRGICA ESTUDO CLINICO DÁ REUNIÃO IMMEDIATA PROPOSIÇÕES CADEIRA DE CIIIMICA MEDICA E MINERALOGIA A. g u a CADEIRA DE PATHOLOGIA MED CA Febres perniciosas no üio do Janeiro CADEIRA DE PATHOLOGIA CIRÚRGICA Das anourismas em geral. APRESENTADA 4' FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO em 29 de Setembro de 1883 e sustentada em 11 de Dezembro do mesmo anno ( appr6TFaba mm bistitoç!®) PELO IlilIPMIlMâliffllTHIlIJMlI NATURAL DO RIO DE JANEIRO FILHO LEGITIMO D'l Dr. Albino Moreira da Costa Lima E D. Januaria Coelho de Oliveira Lima. RIO DE JANKIRO Typ. de J. D. de Oliveira — rua do Ouviiloi 11. 111 18 8 3 899582 FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO MRECTOR Conselheiro Dr. Vicente Cand.do Figueira de Saboia. VICE-DIRECTOR Conselheiro Dr. Antônio Corrêa de Souza Costa. SECRETARIO Dr. Carlos Ferreira de Souza Fernandes. Dr3< . LENTES CATHERRATICOS TrvãA MíirHnQ Teixeira .............. Physica medica. , Conseíneíío ManoefMai-ía de Moraes eValle. Chimica medica e.minera ogia. João Joaquim Pizarn...................... Botânica medica '^oologia. José Pereira Guimarães................... Anatomia descnptiva. Cone elhe S Baião de Maceió.............. Histologia theprica e pratica Domin-os José Freire Júnior............. Chimica orgânica e biológica. ÍSto Baptis?a KoslutVVinelli.............. Physiologia theonca e experimental. Tnão Tose da Silva ...................... Patliologia geral. . Cypriano de'souIÜ^FwitaV................ Anatomia e physiologia pathologicas, João Damasceno Peçanha da Silva........ Patho ogia medica. Pedro Affonso de Carvalho Franco........ Pathologia cirúrgica. aa„ol.{(.i Conselheiro Albino Rodrigues de Alvarenga Matéria medica e therapeutica, especial- mente brasileira. Luiz da Cunha Feijó Júnior................ Obstetrícia. . Cláudio Velho da Motta Maia............. Anatomia topographica, medicina ope- ratoria experimental, apparelhos e pe- quena cirurgia. Conselheiro A. C. de Souza Costa......... Hygiene e historia da medicina. Conselheiro Ezequiel Corrêa dos Santos.... Pnarmacologia e arte de formular. Agostinho José de Souza Lima.............. Medicina legal e toxicologia. Conselheiro João Vicente Torres Homem... ) Clillica me(iica de adultos. Domingos de Almeida Martins Costa...... } Cons. Vicente Cândido Figueira de Saboia.. ( Clinica cirurgica de adultos. João da Costa Lima e Castro............... Hilário Soares de Gouvêa.................. Clinica ophthalmologica. _ Erico Marinho da Gama Coelho............ Clinica obstetrica e gynecologica. Cândido Barata Bibeiro.................... Clinica medica e cirurgica de crianças, João Pizarro Gabizo........................ Clinica de moléstias cutâneas e sypnil- ticas. João Carlos Teixeira Brandão.............. Clinica psychiatrica. LEMES SUBSTITUTOS SERVIMíO DE ADJUNTOS Auo-usto Ferreira dos Santos............... Chimica medica e mineralogia. Antônio Caetano de Almeida............. Anatomia topographica, medicina opera- tona experimental, apparelhos e pe- quena cirurgia. Oscar Adolpho de Bulhões Ribeiro........ Anatomia descriptiva. Nuno Ferreira de Andrade................. Hygiene e historia da medicina. José Beuicio de Abreu..................... Matéria medica e therapeutica especial- mente brasileira. ADJUNTOS José Maria Teixeira....................... Physica medica. Francisco Ribeiro de Mendonça............ Botânica medica e zoologia. .................................... Histologia theorica e pratica. Arthiir Fernandes Campos da Paz......... Chimica orgânica e biológica. _ .................................. Physiologia theorica e experimental. Luiz' RibeYrode Souza Fontes............... Anatomia e physiologia pathulogicas. ........................................ Pnarmacologia e arte de formular. HenriqueLadisiáu de Souza Lopes......... Medicina legal e toxicologia. Francisco de Castro....................... \ Eduardo Augusto de Menezes.............. Clinica medica de adultos. Bernardo Alves Pereira.................. i Carlos Rodrigues de Vasconcellos.......... ; Ernesto de Freitas Crissiuma............... \ Francisco de Pauia ValUda.es............. Clinica cirurgica de adultos. Pedro Sevenano de Magalhães............. I ° Domingos de Góes e Vasconcellos........... / Pedro Paulo de Carvalho................. Clinica obstetrica e gynecologica. José Joaquim Pereira de Souza............. Clinica medica e cirúrgica de crianças. Luiz da Oost.i Chaves de Faria............ Clinica de moléstias cutâneas e syphili- ticas. Carlos Amazonio Ferreira Penna........... Clinica ophthalmologica. ........................................... Clinica psychiatrica. X. B.— A Faculdade não approva nem reprova a.s opiniões euiittiilas nas tiiese que lhe são apresentadas. lyp. e liih. de J. D. de Oliveiia — Rua «jo Ouvidor n. 1 U. " A ^ , 7 'í \ >. '.v ' *, :v. k~- ■?■ V V, W s* ,x\ OI &r Í£r3í3) %]P* >xjL *t" ■*/*<= v&i N 71 PRÍMEÍRA PARTE Esboço histórico da reunião immediata. Pratica d'este mudo de curativo das feridas entre os antigos. Primeiras applicações da reunião immediata ás feridas das amputações. A reunião por primeira intenção após as amputações, aceita por uns, é regeitada pur outros. Reunião immediata parcial. Emprego da reunião immediata parcial nas feridas das resecções. Reunião immediata depois das operações autoplasticas e das soluções de continuidade produzidas pelo thermo-cauterio. Mecanismo da reunião immediata. Phenomenos obser- vadns a olhos nús. Phenomenos revelados pelo microscópio. Theorias relativas á gênese do tecido cicatriciai. Theorias propostas para explicar a formação dos vasos no tecido cicatricial. Experiências de Duhamel. Vantagens e inconve- nientes da reunião immediata, appliçada ás feridas accidentaes e cirúr- gicas, O estudo da reunião immediata constitue um assumpto que deve ser objecto constante da maior attenção, pois que não ha talvez em cirurgia questão que se mostre tão digna de cuidados assíduos de nossa parte; quando não houvesse outras razões, o facto de ser quotidianamente encontrada na pratica seria por si só sufficiente. A respeito de sua importância, Picqué, em um dos últimos volumes da —Gazeta Medica— de Pariz, de i88r, assim se exprime : « O estudo da reunião immediata é sem duvida alguma um dos mais importantes que se agitam na cirurgia moderna. » Boekel, em um bello trabalho sobre a cirurgia antise- ptica, publicado em 1882, logo ao começar a primeira pagina, enuncia-se do modo seguinte ; __ 4 - « Reduzir uma ferida ao minimo, supprimir um trauma- tismo operatorio depois de o ter produzido, tal é o fim a que devem tender todos os nossos esforços. A reunião im- mediata é o meio de que dispomos para attingil-o. » Comprehende-se facilmente que um assumpto, cujo valor e utilidade são de importância transcendental, não passasse desapercebido aos antigos. Com eífeito, vemos a reunião immediata das feridas aconselhada e posta em execução desde as primeiras épocas da medicina. Hyppocrates, que aconselhava fazer suppurar as feridas contusas ou as soluções de continuidade com perda de substancia, procurava impedir a suppuração nas feridas simples ou nas soluções de continuidade a retalho, appli- cando sobre as mesmas um emplasto appropriado. Celso não desconhecia o emprego da reunião imme- diata, e, segundo nos diz Serres de Montpellier, ulilisava- se d'ella mesmo após as amputações dos membros Bosquet conclue, pelo contrario, da leitura das obras de Celso, que este não empregava a reunião immediata nas feridas que resultam de um acto operatorio. Galeno e Aetius, insistindo de um modo mui notável sobre os casos em que é conveniente tentar-se a reunião immediata, lembram o emprego de meios diversos, des- tinados a por em contacto os lábios da ferida, depois de ter desembaraçado a sua superfície do sangue e de todos os corpos estranhos, que por sua presença podem tornar- se um obstáculo á reunião immediata. Aos Árabes e arabistas não foi indiíferente esta questão porquanto em suas obras occupam-se com ella, de modo a não deixar pairar em nosso espirito a menor duvida de que elles a conheciam tão bem quanto era possivel em uma época em que as sciencias médicas começavam a despontar. Ainda que os antigos conhecessem a reunião imme- diata, não a recommendavam, em geral, senão para as fe" - 5 - ridas accidentaes, acreditando mesmo alguns authores que ella não fora nos primeiros tempos nunca praticada nas soluções de continuidade que eram a conseqüência de um acto operatorio, uma amputação, por exemplo. Em verdade, a reunião immediata não podia ser esta- belecida como preceito geral, porque para sustar as he- mor rhagias sempre mais ou menos consideráveis, que se originam dos grandes actos operatorios, viam-se os pri- meiros cirurgiões obrigados a collocar um corpo estranho entre os lábios da fe rida ou a lançar mão do ferro em braza; o que importa dizer que elles tinham assim, em vir- tude dos meios empregados no intuito de obter 'a hemos- tasia, uma solução de continuidade, cuja reunião só po- der-se-hia eífectuar após uma suppuração mais ou menos abundante. A descoberta de um meio (ligadura dos vasos), capaz de produzir a hemostasia sem os inconvenientes supra- referidos, permittiu que a reunião por primeira intensão fosse tentada e obtida em um numero muito mais notá- vel de casos e applicada ás soluções de continuidade de- pendentes de uma amputação. Segundo Young James foi Lowdham o primeiro ci- rurgião que serviu-se da reunião immediata, como meio de cura para as feridas das amputações. A dar credito ao que nos refere Young James, é, pois, a um cirurgião de Inglaterra que cabe a gloria das primeiras tentativas feitas com o fim de obter-se a reunião por pri- meira intensão em uma ferida determinada por uma am- putação. E' ainda em Inglaterra que a reunião immediata con- segue, desde logo, fazer maior numero de proselytos. Jonh Bell, em seu tratado das feridas, mostra-se, por tal fôrma, adepto deste meio de cicatrisação das feridas que chega a avançar a seguinte proposição : « O preceito da reunião tem trazido mais progressos á cirurgia e sobre- — 6 - tudo á arte de curar que nenhuma outra descoberta, sem exceptuar mesmo a da circulação do sangue ». Em França, a reunião immediata após uma amputação foi pela primeira vez tentada por Desault, segundo alguns authores ; emquanto que, para outros, a Garengeott deve ser attríbuida a precedência n'essas mesmas tentativas. A reunião immediata, empregada após as feridas cirúr- gicas, ainda que aceita com enthusiasmo por um grande numero de cirurgiões distinctos, contou logo em seu berço, entre seus adversários, um numero não menor de cirur- giões tão notáveis quanto os primeiros. No grupo dos que procuraram combatter a pratica da reunião immediata nas feridas das amputações, notamos Bromfield, Louis e O. Halloran que deixava suppurar as feridas resultantes das amputações e só as reunia quando ellas estavam cobertas de botões carnosos de boa natureza. Em França, Sabatier, Dubois, Percy, Richerand e mui- tos outros empregaram a reunião immediata. Percy, em 92 amputações em que empregou a reunião por Ia intensão, obteve 86 successos. Na Itália e na Allemanha, a reunião immediata pro- porcionou desde logo aos cirurgiões, que procuraram se utilisar de seus benéficos eífeitos, os mais brilhantes suc- cessos. Assallini, cirurgião italiano, em seu manual de cirurgia, nos diz o seguinte ; «Todas as feridas das partes molles feitas por instrumentos cortantes, desde a simples sangria feita para se retirar algumas onças de sangue, até a incisão praticada no utero para extrahir-se o feto, inclusivamente, devem ser reunidas por Ia intensão ». Em quanto a escola de Pariz por seus representantes Pelletan, Larrey, Dupuytren, procurava hostilisar esse methodo, abandonando-o completamente, era elle, pelo contrario, favoravelmente acolhido por vários cirurgiões — 7 — das provincias da França, d'entre os quaes podemos des- tacar Gensoul e Delpech. Apesar do prestigio dos nomes dos cirurgiões contrá- rios ao emprego da reunião immediata após as ampu- tações, esse methodo foi pouco a pouco conseguindo ade- ptos, como Nelaton, Velpeau, Jobert de Lamballe, Mal- gaigne, etc, e mais modernamente Gosselin, Trelat, Panas, Ollier e L. Le Fort, o qual, em um dos números da Gazeta dos Hospitaes, de 1882, assim se exprime : « Este modo de reunião é um excellente meio e eu me declaro em extremo partidário seu ». L, Le Fort não se limita a empregar a reunião imme- diata nas feridas determinadas por uma amputação ou re- secção, porém estende ainda a sua pratica ás soluções de coutinuidade resultantes de ablações de tumores. Hoje a maioria dos cirurgiões preconisa e pratica a reunião immediata após as amputações. Esta maneira de proceder é seguida pelos cirurgiões brazileiros mais dis- tinctos que, de uma tal pratica, não têm motivos para se arrependerem. Em conseqüência da difiiculdade de obter-se uma juxta- posição bastante regular e exacta dos lábios de uma ferida desigual, resultante de uma amputação, a reunião imme- diata não é, em geral, completa senão quando as soluções de continuidade são pouco consideráveis, taes como as que dependem de amputações praticadas na continuidade ou contiguidade das phalanges. Guyon nos diz : « A pratica dos cirurgiões de Pariz não só no hospital mas ainda na pratica privada é, de um modo geral, desfavorável á reunião immediata absoluta ». « O êxito completo da reunião immediata, diz Follin, é cousa rara nos hospitaes de Pariz. Entretanto a reunião immediata não falta constantemente em toda a extensão da ferida ; na maior parte das vezes ella se estabelece entre os bordos da pelle ou entre as diversas partes da solução de continuidade ». Cassederat diz : « A economia zomba muitas vezes das indicações estabelecidas pelos cirurgiões, e, nas grandes operações, por exemplo, dá somente cicatrisações imme- diatas parciaes. A producção de suppuração em todos os casos em que se tinha tentado a reunião immediata, é uma prova concludente, um exemplo eloqüente, para tentar-se a reunião immediata parcial, porém paratental-a sempre ». «Sem duvida, diz Azam, a reunião por primeira inten- são completa, absoluta, nas grandes feridas não é uma chi- mera, eu tenho visto innumeros exemplos, porém um cirurgião prudente não poderia ter a pretenção de obtel-a sempre; quando ella falta, os perigos são bastante conside- ráveis : ella é possivel, porém não é certa ». Os cirurgiões receiosos, pois, de accidentes mais ou menos graves, dependentes da retençã o dos productos se- cretados pela ferida, quando a reunião immediata não se realisasse em toda a extensão da solução de continuidade, lembraram-se de deixar uma pequena abertura nas partes mais declives da ferida ou de collocar, nesses mesmos pon- tos, tubos de drainagem, com o fito de favorescer a sahida do liquido seroso que se escoa durante as primeiras horas após as operações e do pús que manifesta-se quasi sempre posteriormente. Deste modo tem-se uma reunião imme- diata, porém parcial, pois que não se faz nos pontos em que estão applicados os tubos de drainagem, onde a cica- trisação tem lugar por segunda intensão. E' a reunião immediata parcial a que, em geral, pro- curam obter os cirurgiões actuaes, que praticam a approxi- mação dos lábios da ferida de uma amputação, permittin- do, não obstante, uma sahida fácil aos liquidos originados n'essa solução de continuidade. Lisfranc, pouco partidário da reunião immediata com- — 9 — pleta, approvava entretanto o methodo da reunião imme- diata parcial. Entre nós, a reunião immediata parcial é a preferida, na máxima parte dos casos, pelos cirurgiões brazileiros, quando se trata de uma solução de continuidade determi- nada por uma amputação. Se a reunião immediata completa só raras vezes tem lugar em feridas resultantes de amputações, ainda menos vezes poderá ser conseguida, quando se trata de uma resecção, porquanto, neste segundo caso, a ferida, ainda mais irregular, é constituida por tecidos diíferentes que não apresentam todos a mesma mesma facilidade á reunião. Resulta, á vista dó que acabo de dizer, que a presença de algumas gottas de pus é um facto quasi constante, senão sempre constante ; ora, n'esse caso, a reunião dos lábios da ferida em toda a sua extensão só pôde concorrer para a estagnação do pus e a manifestação dos accidentes graves ligados á mesma estagnação. Spilmann, no Diccionario encyclopedico das sciencias médicas, assim se exprime : « Antes de collocar o membro em um apparelho apropriado, deve-se reunir a ferida em uma parte de sua extensão por meio de sutura ; uma sutura em toda a extensão da ferida seria prejudicial, porque não deve-se nunca esperar uma reunião total por primeira intèn. cão. Ha casos mesmo em que nenhuma sutura parcial deve intervir ; são aquelles em que o periosteo é revestido de fungosidades ou de granulações que devem ser destruidas pelo nitrato de prata ou pelo ferro em braza. » Nas resecções, diz Cassederat, a reunião immediata deve ser applicada com muita reserva ; é preeiso sempre dar um escoamento fácil á suppuração. Muitos dos sectários do curativo de Lister não têm, porém, posto em duvida praticar a reunião de toda a so- lução de continuidade em todos os casos de resecção. X 71 -i - 10 - Ollier aconselha não fazer senão um reunião parcial, assegurando uma passagem sufficiente aos líquidos por meio de tubos de drainagem, collocados nos pontos decli- ves da ferida. A reunião immediata é empregada nas operações au- toplasticas de cujo resultado é condição essencial. « Um retalho que suppura, faz observar Dubreuil, en- carquilha-se, o que traz como conseqüência uma certa deformidade. » Em seu brilhante trabalho sobre a cirurgia reparadora, diz Verneuií: « Na immensa maioria dos casos de auto- plastia se tenta a reunião immediata ; poder-se-hia mesmo dizer que é precisamente para as operações autoplasticas que têm sido imaginados os processos os mais delicados e perfeitos d'este methodo cirúrgico. » Ha pouco tempo, em um trabalho relativo a reunião immediata dos tecidos divididos pelo th ermo-cauterio Reclus publica cinco observações em que esta reunião ponde ser obtida. As conclusões do trabalho de Reclus são as seguintes : i.â Os tecidos devididospelo tbermo-cauterio poden se reunir por primeira intensão. 2." £' preciso para obter-se esta reunião que os tecidos compromettidos não exce Iam le uma certa espessura. 3a. Os curativos anti- septLos lavorescem singularmente a reunião imme- diata. Depois de ter feito, ainda que de um modo incom- pleto, um esboço histórico da reunião immediata, vejamos quaes os phenomenos que podemos observar em uma fe- rida cuja cicatrisação se faz por primeira intensão. Quando a reunião immediata vai eífectuar-se em uma ferida, cujos bordos acham-se approximados, nota-se que, após a suspensão da hemorrhagia que pôde ser mais ou menos considerável conforme o calibre dos vasos lesados, a dor tende a desapparecer desde logo para dar lugar á uma sensação de calor, de torpor, acompanhada d© ai- —11 - guma pallidez dos lábios da ferida, que, poucas horas depois do traumatismo, causa da solução de continuidade, é substituída por um rubor mais ou menos pronunciado com alguma intumescencia dos lábios da ferida em uma certa extensão. • Vê-se então surgir d'entre os bord< s da solução de continuidade um liquido levemente t.irov oso, apalino, ordinariamente, porém, tinto pelo sangue, lie fido }ue tem sido designado pelos authores sob os íorne . de blastema cicatricial, sueco nutritivo, lymphaplástica. Masse, em um brilhante trabalho escripto em i $66, nos diz ter-se utilisado, para obter lympha plástica em quantidade sufficiente para os estudos a que elle se en- tregava n'aquella oceasião relativamente á producção da mesma lympha plástica, de um processo que consistiu em produzir em um animal, por meio do esmagador de Chás- saignac, uma solução de continuidade bastante conside- rável. A ferida que se originava de uma tal maneira de proceder, comquanto fosse de uma extensão notável, não era todavia ocompanhada senão de um corrimento san- geineo insignificante que lhe permittia observar muito mais satisfactoriamente a verdadeira producção da lympha plástica. Esta lympha plástica, sendo percorrida por vasos, or- ganisa-se, unindo entre si os lábios da ferida que, no fim de alguns dias, acha-se completamente cicatrisada. Da organisação da lympha plástica resulta um tecido fibroso que em muitos casos, em virtude de certas modifi- cações porque passa, regenera o tecido em que produziu-se a solução de continuidade. A este novo tecido, que reúne as soluções de continuidade, dá-se o nome de cicatriz. Constituída primitivamente por uma linha avermelhada, vai pouco a pouco perdendo essa coloração até tornar-se de um branco quasi indelével em uma época mais ou menos remota d'aquella em que teve lugar a ferida, - 12 Muitas vezes, após alguns annos, essa linha, que pa- rece á primeira vista não existir, pôde ser, não obstante, reconhecida desde que activemos a circulação da pelle por uma branda flagellação. Em virtude d'esta flagellação as partes próximas á cicatriz tornam-se rubras, permane- cendo esta com a coloração que lhe é própria. Deste modo, pelo contraste que se nota entre a coloração da cicatriz e a das parles que lhe são contíguas, não será mais possível passar desapercebida a sua presença. Os phenomenos que acabamos de referir são os que a olhos nús podemos observar ; relativamente aos que lhes dão origem só o microscópio nos pôde revelar sua existên- cia. Os cirurgiões antigos, que não dispunham de meios capazes de lhes fazer conhecer os phenomenos íntimos da reunião immedi ita, explicavam a cicatrisação das feridas pela regeneração das carnes. Até Hunter acreditava-se que a cicatrisação se ope- rava a custa de um liquido especial, sueco nutritivo ou radical, e que era esse liquido que, por um mecanismo des- conhecido, organisando-se, tornava-se carne. Esse sueco nutritivo provinha, segundo os antigos, do sangue que era fornecido pelos orificios dos vasos compromettidos na solução de continuidade. Hunter reconhece no sangue uma propriedade vital par- ticular que vem a ser: a de poder organisar-se ao sahir dos vasos, transformando-se em carne. Dizia Hunter que era a íibrina do sangue derramado na superfície da ferida que, coagulando-se, estabelecia a união dos lábios da mesma ferida, e que, em conseqüência do trabalho de organisação que n'ella se eífectuava, a circulação se fazia então facil- mente entre as duas partes da solução de continuidade. E', pois, para Hunter o agente essencial da reunião repre- sentado pelo sangue, - 18 — Eu penso com Hunter, diz Vidal de Cassis, que uma parte do sangue que banha o fundo da ferida se organisa e serve de meio de união. E' preciso para isso que elle não se ache em mui grande quantidade, que esteja em relação com as partes bem vivas e que a acção do ar não se renove sobre elle. E' a união entre si das partes divididas pelo sangue extravasado e não a reunião directa das mesmas partes o que se deve chamar para Hunter reunião immediata. As idéias sustentadas por este author inglez forão desde logo regeitadas e combatidas com ardor por Thompson e Cruveilhier. Thompson, não negando que, em alguns casos, uma ferida se possa reunir por primeira intensão apesar deter interposta entre seos lábios uma leve camada de sangue, sustenta, não obstante, ser necessário, para que nestas con- dições a reunião possa se eífectuar, que esta camada seja previamente absorvida. Cruveilhier, abraçando a opinião de Thompson relati- vamente a não possibilidade da organisação do sangue, diz que o sangue extravasado obra como um verdadeiro corpo estranho, pois que, pelo facto mesmo de sua extra- vaseção, perde completamente todas as suas proprie- dades vitaes. « O sangue, diz Follin, não pôde senão prejudicara adhesão primitiva. Apezar d'asserção de Hunter ninguém acredita mais hoje na organisação do sangue. Quando a quantidade éminima a absorpção fal-a desapparecer. » Ao contrario do que acabámos de dizer em relação a maneira porque pensam, sobre este assumpto, Thompson, Cruveilhier, Follin e muitos outros, vemos vários authores aceitarem a organisação do sangue como um facto incon- cusso. O Sr. Conselheiro Saboia acredita que, em certas con- dições, o sangue pôde organisar-se e formar parte dos ma- - 14 - teriaes reparadores, tornando-se em todo o caso demorada a adhesão da ferida. No i.' volume de suas licções de clinica cirurgica, o Sr. Conselheiro Saboia assim se exprime : « Ha muitos casos, com effeito, em que o síingi e, derramado e coagu- lado entre os lábios de uma solução de continuidade, pôde adquirir os caracteres de um te ;idc, unir-se com as partes subjacentes e ser percorrido por va;os sanguiieos, e o Dr. Zwichy em uma serie de experie.icia; e observações micros- cópicas reconheceo que o coalho sangüíneo c;ue apparece nas artérias abaixo da ligadura se organisa e se transforma em um cordão fibroso .que substitue o vaso obliterado. » Um pouco mais adiante, ainda occupando-se com o mesmo assumpto, continua a pronunciar-se do seguinte modo : « Apesar da existência de todos esses factos a observação tem demonstrado, como não ignoraes, que nas soluções de continuidade, que communicão com o exterior, o sangue, longe de concorrer para a reunião das feridas, se oppõe de um modo manifesto ou retarda o processo adhesivo. » Paget poude observar um exemplo de organisação do sangue em um caso em que a abertura do craneo de um indivíduo, cuja autópsia praticava, deixou vêr entre a dura mater e a arachnoide a existência de uma tênue mem- brana de côrrosea, provida de vasos, provenientes da or- ganisação de sangue extravasado. « Está hoje demonstrado, diz Boekel, que o sangue der- ramado na superfície de uma ferida curada antiseptica- mente, longe de se putrefazer, transforma-se, organisa-se e concorre assim directamente para a reparação dos teci- dos. Este facto, posto em evidencia por Foulis (Edim- bourg. med. Journ. 1877. 1 vol. pag, 861) tem sido de- monstrado por todos os cirurgiões que praticam a cirurgia antiseptica.» Em muitos casos, em que a reunião immediata pela coagulação do sangue não tem logar, admitto, diz Hun- — 15 ter, a reunião por exsudação de lympha plástica sob a in- fluencia da inflammação adhesiva. « A inflammação, diz Hunter, é uma das operações as mais simples da natureza, produzida para reparar as le- sões as mais simples das partes sãs, quando a reunião pelo sangue não é sufficiente. » Aos capillares da parte fazia Hunter caber o papel de órgãos secretores da lympha plástica. Era somente, após a cessação dos phenomenos inflammatorios, que essa se- creção se eífectuava. Berard e Denonvilliers admittem o desenvolvimento de uma inflammação, pouco intensa, como phenomeno in- separável de todo o trabalho relativo á reunião das feri- das. Pensamos mesmos authores que uma reacção in- flammatoria muito pronunciada constitue, pelo contrario, um obstáculo á reunião por primeira intensão. Para Lebert todos os tecidos do organismo tem por gê- nesis commum uma substancia amorpha, transsudada atravez das paredes dos vasos, em conseqüência de um embaraço na circulação capillar. N'esse liquido appare- cem, bem depressa, por gênesis novos elementos anatô- micos que gozarão, ulteriormente, de papeis diíferentes, de acordo com as condições em virtude das quaes se ori- ginaram . A esse estado amorpho suCcede, dentro em pouco, um estado globular; as cellulas nucleadas que formam-se no liqüido piasmatico, allongando-se, unindo-se umas ás ou- tras por suas extremidades, constituem fibras que foram denominadas por Lebert elementos fibro-plasticos. E' da reunião dos diversos elementos fibro-plasticos entre si que se forma o stroma do tecido cicatricial. Para Robin é, em conseqüência de uma funcção per- feitamente normal, a nutrição, que tem lugar o appareci- mento dos blastemas. Quando a nutrição se executa de acordo com as leis estatuídas pela physiologia, a assimi- 16 - lação sobrepuja á desassimilação. Desde que os elementos anatômicos se acham suficientemente desenvolvidos, de seo interior escapa-se o excesso dos principios assimilados que, derramando-se entre os mesmos elementos anatômi- cos, não constituem outra cousa mais que o blastema. Segundo Robin é pois á custa dos elementos anatô- micos preexistentes á producção do blastema que este mesmo se origina. Seja como for a formação do blastema não representa senão a primeira parte do trabalho de cicatrisação. Em uma 2.* phase, observa-se então o verdadeiro trabalho cicatricial, constituido pela mudança do blastema em te- cido conjunctivo um pouco especial, cicatricial, cujos ca- racteres são os do tecido conjunctivo ordinário. Vejamos, agora, quaes os phenomenos que se passam no blastema e que dão em resultado a formação da cicatriz. No blastema, diz Robin, formam-se cellulas em cujo in- terior vemos algumas vezes um núcleo, com um ou mais nucleolos. E' no conteúdo das cellulas, nos núcleos, que se observam as primeiras modificações, tendentes a transfor- mar o blastema em tecido cicatricial. Os núcleos tornam-se ovoides, alongados, fusiformes, subdividindo-se cada um d'elles em dous outros menores. Essa subdivisão dos nú- cleos é seguida de scisão e multiplicação das cellulas que apresentam pouco mais ou menos as mesmas fôrmas que os núcleos correspondentes e unem-se umas ás outras por intermédio de suas extremidades atiladas de modo a cons- tituir feixes mais ou menos longos. Ao mesmo tempo que têm lugar nas cellulas os phenomenos que acabei de referir, outros não menos importantes passam-se na substancia in- terposta entre as mesmas cellulas. A substancia intercel- lular, até então mais ou menos amollecida, torna-se em uma massa compacta que desappareee a proporção que as cellulas tornam-se mais numerosas, até que esteja com- pletamente formado o tecido cicatricial, - 17 — Não é a inflammação, diz Robin, a causa dá âppafi- ção do blastema, como pensava Hunter, pois que este já se encontra em uma ferida, quando sobrevem a inflamma- ção que, longe de favorecer, suspende, pelo contrario, completamente o trabalho da reunião, mudando a natu- reza do blastema, em cujo seio apresentam-se elementos mui diversos dos que são próprios do tecido em que se passam estes phenomenos. Póde-se affirmar, diz o professor Berne de Lion, que, quanto menos viva é a inflammação, tanto mais regulares são esses phenomenos. O trabalho de reunião por pri- meira intensão não é senão um trabalho de nutrição, so- mente um pouco exagerado pelo facto da irritação inevi- tavelmente determinada pelo traumatismo. A theoria dos blastemas livres não é aceita por Wir- chow, Donders e outros histologistas allemães que sus- tentam que os elementos anatômicos, quaesquer que elles sejam, nascem sempre pela proliferação de elementos ana- tômicos preexistentes. Eis o modo porque Wirchow e os authores, que abra- çam a sua opinião, interpretam os phenomenos que têm logar nos tecidos, victimas de uma solução de continuida- de, nos casos em que esta se reúne por primeira intensão. Depois da exsudação do plasma sangüíneo, diz Wir- chow, dá-se, em conseqüência de uma irritação (irritação formadora), a proliferação dos corpusculos de tecido con- junctivo das partes divididas e formação entre: os lábios da solução de continuidade de um tecido embryónnafio que, em virtude das transformações porque passa, chega mais tarde ao estado de tecido adulto. A hypergenese do tecido conjunctivo começa pela sci- são dos núcleos, á qual se segue a das cellulas; estas cel- lulas de nova formaçáo separam-se umas das outras e cada uma d'ellas subdivide-se por seu turno. Além dos movi- mentos amiboides de que são dotadas, estas cellulas NT 71 8 — 18 — gozam, segundo Recklinghausen, de um movimento espe- cial, em virtude do qual accumulam-se entre os lábios da ferida, passando de um para o outro lado. A' proporção que se faz esta proliferação das cellulas, a substancia intercellular, de mistura já com o plasma sanguineo, transforma-se pouco a pouco em uma substan- cia homogênea e gelatinosa, cuja abundância diminue á proporção que o numero das cellulas cresce a tal ponto que, em uma época mais adiantada, o tecido que une os íabios da ferida não é quasi constituido senão por cellu- las, entre as quaes apenas encontra-se uma quantidade muito insignificante do tecido intersticial gelatinoso que mais tarde se solidifica. Quanto ás cellulas, são estas de fôrma arredondada, com as dimensões dos leucocytos e providas de um grande núcleo. Ao tecido que une então as soluções de continuidade deu Bilroth o nome de neo- plasma inflammatorio ou tecido cellular primitivo. Este novo tecido, graças á exsudação febrinogena que se fez atravez das paredes dos capillares mais visinhos, dis- tendidos e dilatados, reveste a fôrma do tecido conjunctivo normal fibro-tendinoso. Outros histologistas com Rindefleisch, Cohnheim, sus- tentam que as cellulas, que se encontram entre os Íabios de uma ferida, não são constituidas por cellulas de tecido conjunctivo, mas sim por corpusculos brancos do sangue que, em virtude da pressão que a onda sanguinea exerce sobre a superficie interna dos vasos, passam atravez dos orificios de que são dotadas as paredes dos mesmos vasos, infiltrando-se nos tecidos correspondentes aos lábios da solução de continuidade, proliferando-se e experimen- tando diversas modificações, cujo resultado definitivo é a adhesão perfeita dos bordos da ferida. « Com quanto, nos diz o Sr. Conselheiro Saboia, muitos dos phenomenos Íntimos do processo adhesivo como seja a paralysia dos capillares logo em seguida a - 19 — contracção determinada pela irritação resultante do feri- mento, não tenham tido uma interpretação que me satis- faça, é não obstante a theoria de Cohnheim confirmada em todas as suas partes por anatomo-pathologistas muito distinctos como Vulpian, Rindefleisch, Ranvier e outros. Julgando que ella se firma em estudos profundíssimos e acurados, não tenho receio em adoptal-a de preferencia a a antiga theoria dos blastemas livres, só porque o profes- sor Robin ainda continua a sustental-a, quando vós o sa- beisque foi Schwann quem primeiro a indicara.» Como se formam os vasos no tecido cicatricial ? Apresentam-se no campo da sciencia diversas theorias explicando o modo porque se origina a rede vascular entre as duas superfícies que devem ser unidas. Enunciemos, pois, succintamente as principaes. Hunter e alguns outros physiologistas pensam que os vasos nascem directamente nos materiaes reparadores e que não é senão ulteriormente que se estabelece a com- municação d'esses mesmos vasos com os das partes con- tíguas. E', em virtude de uma disposição particular dos elementos figurados do liquido plasmatico, que tem lugar a formação dos vasos, São os espaços, que se encontram entre as cellulas da lympha, que constituem o centro do canal vascular. Para a maioria dos authores os vasos de nova forma- ção são oriundos sempre dos vasos próximos. Com effeito, depois que se tem dado a adhesão dos Íabios da ferida, os capillares de ambos os lados, que se acham obstruídos por coágulos sanguineos que se forma- ram em suas extremidades, tornam-se tumefactos sob a influencia da impulsão cardiaca e apresentam, em pontos diversos de suas paredes, pequenas bolsas que vão pouco a pouco distendendo-se até se encontrarem com as do lado opposto com as quaes se anastomosam por fusão. - 20 — Os novos vasos, de paredes hyalinas, são ao principio muito estreitos, incapazes de deixar passar os glóbulos ; o plasma do sangue só por elles pôde caminhar. Bem de- pressa seu calibre se restabelece e a circulação da parte torna-se normal. Segundo Home, no fim de 24 horas, ou de alguns dias, segundo Villermé e Stoll, tem-se assim uma vasta rede vas- cular com anastomoses múltiplas. Queket e Todd, após um grande numero de pesquizas* concluiram que é sempre a custa dos vasos preexistentes e visinhos á parte victima da solução de continuidade que nascem os novos vasos. E' esta a doutrina mais geralmente aceita pelos histologistas allemães. Alguns authores acreditaram que a circulação do te- cido cicatricial se fazia por inosculação dos vasos seccio- nados ao nivel dos Íabios da ferida. Um tal facto observa- se principalmente nos casos em qua a reunião se faz tão rapidamente por simples juxtataposição das partes divididas que nem mesmo é possivel lobrigar-se a presença da lympha plástica. Este modo de reunião, que deve ser collocado antes da reunião immediata, acha-se referido pelo professor Rindfleisch e é aceito por Tiersch. Apenas um numero mui diminuto de observações, diz o professor Berne de Lion, podem vir em apoio desta opinião, que é ainda contestável. Segundo Wiwdosof, o mecanismo que determina a gênese dos vasos na cicatriz pode ser dividido em vários períodos bem distinctos : No primeiro período as azas ca- pillares, cujas paredes acham-se adelgaçadas, não podendo resistir á tensão sangüínea, rompem-se,dando logar a sahida do sangue que se introduz no tecido cicatricial embryonario formando canaes desprovidos de paredes próprias, que se estendem em todas as direcções. Esses canaes, anastomo- sando-se com os do lado opposto, constituem lacunas que temporariamente representam os únicos elementos da cif- - 21 — culação no tecido cicatricial. A este primeiro período deu Wiwdosof o nome de período de canalisação. Em um segundo período (período de vascularisação), estes canaes transformam-se em vasos sangüíneos. Quanto á maneira porque se formam as paredes dos vasos no tecido intermediário das feridas, lhe é ainda desconhecida. Eis textualmente o modo porque Vidal de Cassis con- cebe a formação dos vasos: o sangue que é derramado na ferida divide-se em três partes; uma decompõe-se e desappareee, é a mais superficial a que está em contacto com o ar ; a segunda transforma-se em lympha coagulavel; emfim, a terceira parte é formada pelos glóbulos de san- gue que estiveram mais em relação com as carnes vivas e que tem conservado toda sua vitalidade ; estes oscilam e movem-se na lympha que não é ainda coagulada ; elles vão de uma superficie traumática á outra, de sorte que ha já movimento, transmissão de sangue de um lábio da ferida ao outro antes da apparição dos vasos. Porém estes glóbulos, que a principio se agitavam irregularmente na lympha plástica, attrahem-se mutuamente e reunem-se em linhas mais ou menos rectas; ao mesmo tempo a lym- pha se espessa em torno d'elles e as correntes começam a ser protegidas por paredes ; os vasos são então for- mados. Convém, agora, explicar como estes novos vasos anastomasam-se com os que existem já. Para isto, não se deve considerar as ultimas ramificações ca- pillares como formadas de paredes completas; vêm- se os canaes se deformar e apresentar aberturas que os approximam da struetura dos vasos vegetaes. Convém ainda admittir que, no estado normal, existe no seio de nossos tecidos lympha não coagulada na qual o sangue que entra e sahe pelas aberturas dos vasos se mis- tura ao que é derramado na lympha que acaba de ser formada, e as relações da nova circulação são assim esta- belecidas com a circulação geral. — 22 — A realidade da nova formação de vasos no tecido ci- catricial foi demonstrada por Duhamel e Boyer por meio de algumas experiências. Duhamel procedia nessas experiências do seguinte modo : produzia, por exemplo, uma fractura no femur de um animal, e depois de ter-se estabelecido a consolidação d'essa solução de continuidade óssea, determinava uma secção na coxa do mesmo animal, secção que devia apenas comprehender uma terça parte da totalidade da circum- ferencia do membro ; feita a cicatrisação d'essa primeira terça parte seccionada, procedia Duhamel de modo aná- logo, em relação á segunda e terceira parte. Todos os vasos do membro eram d'esta fôrma divididos uns após outros; ora, não perdendo o mesmo membro a sua vita- lidade em conseqüência da divisão successiva de seus vasos, conclue Duhamel, com toda a razão, que não se pôde deixar de aceitar a formação de novos vasos como um facto verídico. Quanto a Boyer, eis aqui sua experiência : « Praticam-se sobre a cabeça de um animal vivo, de um cão, por exemplo, duas insisões que se reúnem em angulo agudo, e formam assim os dous lados de um triân- gulo ; destaca-se o retalho até além da base do triângulo, reapplica-se este retalho e se mantém por meio de em- plastos agglutimativos; a natureza opera sua consolidação em cinco ou seis dias. Quando o animal está curado, faz-se, por meio de duas novas incisões que se reúnem igualmente em angulo agudo, um outro retalho, cuja base corresponde ao retalho cicatrizado; disseca-se este se- gundo retalho até um pouco além da base, em seguida se o reúne, e elle consolida-se ; prova evidente da organi- sação das cicatrizes, porque o sangue que elle tem rece- bido para sua consolidação passou necessariamente pelas cicatrizes do primeiro retalho. » Deixemos de lado estas questões, que são puramente — 28 — theoricas, para occuparmo-nos com outras que, conve- nientemente estudadas, podem proporcionar á clinica successos brilhantes; quero fallar das vantagens e dos in- convenientes que os authores costumam attribuir á reunião immediata. Vejamos, pois, quaes as vantagens e desvantagens da reunião immediata. Nas feridas reunidas por primeira intensão a dor é menos pronunciada, porque, segundo Bell, ellas ficam desde logo ao abrigo do contacto do ar e affasta-se todo o corpo estranho do seio dos órgãos vivos. Por meio da reunião immediata isenta-se a ferida de uma viva reacção inflammatoria e dos phenomenos de suppuração que pôde, em virtude de sua abundância em certos casos, concorrer de um modo mui notável, prin- cipalmente quando reunida a outras muitas causas, para tornar extremamente precárias as condições do ferido. Esta vantagem é immensa, sobretudo no tratamento das feridas em pessoas já enfraquecidas e debilitadas por doen- ças anteriores, A duração do trabalho da cicatrisação é muito menor na reunião por primeira intensão. Se são precisos, por exemplo, oito dias para obter-se a cicatrisação completa de uma ferida, cujos Íabios são approximados, serão precisos três ou quatro vezes outro tanto, se a mesma ferida for reunida por segunda in- tensão. A cicatriz resultante de uma ferida, cuja reunião se faz por primeira intensão, é ordinariamente regular, tão es- treita quanto possivel; algumas vezes uma simples ruga linear qne se nota na superficie da pelle nos faz crer que a região foi victima de uma solução de continuidade. Durante o tempo necessário para o seu curativo, fica a ferida livre da acção do ar e acha-se, ipso facto, sub- trahida a certas influencias epidêmicas que apparecem de — 24 — tempos a tempos nas clinicas nosocomiaes, mais raramente na clinica civil, e que são tantas vezes origens de acci- dentes gravíssimos que vêm complicar a marcha natural da ferida para a cura, retardando-a consideravelmente, quando não determinem mesmo a morte do indivíduo, o que aliás acontece não poucas vezes. Esta vantagem não se encontra nos outros modos de reunião. « Em todas as soluções de co ntinuidade recentes que estiverem nos casos de se reunirem por primeira intensão, esta reunião, diz o Sr. Dr. Lima e Castro, em sua these de concurso sobre infecção purulenta e infecção pútrida, deve ser tentada, pois fecha-se uma porta que poderia ficar aberta a entrada do ar, ser o ponto de partida de phenomenos inflammatorios da pyohemia e da infecção pútrida. » As conseqüências da reunião immediata applicada ás amputações são das mais felizes, pois que, pelo seu em- prego, evitamos as cicatrizes vastas e irregulares pela re- tracção do tecido novo, a conicidade do coto, a denuda- ção e a necrose da extremidade dos ossos pelas rupturas e escoriações do tecido cicatricial, emfim todos os estados mórbidos das cicatrizes em uma epocha mais ou menos remota d'aquella em que teve lugar a cura da solução de continuidade. As vantagens da reunião immediata são ainda perfei- tamente demonstradas nas feridas bastante irregulares como são as que resultam das resccções. « Nós não temos diz Cassederat, com effeito demonstrado accidente que podesse ser com toda a propriedade attribuido a este modo de reunião, todas essas feridas têm certamente suppurado muitas complicações têm-se produzido, porém nada realmente nos parece capaz de fazer rejeitar a reunião immediata. » Na máxima parte dos casos os accidentes attribuidos -25- a reunião immediata dependem mais de uma applicação inconveniente, que de um defeito do methodo. De um máo emprego da reunião immediata podem, sem duvida, em alguns casos, resultar diversos accidentes, porém aproveitarmo-nos pVestes casos para condemnar- mos ao olvido um methodo, parece-me um erro mani- festo . Pelletan censurava este modo de curativo pelo facto de expor á hemorrhagia. «Realmente, diz Sedillot, em alguns casos referidos por Pelletan se têm observado hemorrhagias, porém eram geralmente pouco conside- ráveis e dependiam de seu modo vicioso de curativo. » Berard e Denonvilliers dizem o seguinte : « Nós acre- ditamos com Pelletan que este modo de curativo pôde favorecer o corrimento do sangue dos pequenos vasos que não foram ligados e sua infiltração no tecido cellular..... Esse corrimento apresenta muitos inconvenientes, todos inherentes á reunião por primeira intensão. Em pri- meiro lugar, pôde estabelecer-se uma verdadeira he- morrhagia, sobretudo se o sangue mahifesta-se no exterior á medida que uma nova quantidade é derramada na fe- rida. Em segundo lugar, o fluido que se accumula no fundo da ferida afasta os seus Íabios e fôrma um corpo estranho que se oppõe ao trabalho de agglutinação. Emfim, e este ultimo inconveniente não é o menos grave de todos, o sangue encerrado na ferida pôde infiltrar-se no tecido, cellular visinho, que conserva ainda sua per- meabilidade, e predispol-o a tornar-se sede d'essas collec- ções purulentas diffusas que sobrevêm algumas vezes em seguida á reunião por primeira intensão. » Tem-se dito que a reunião immediata constitue um em- baraço á applicação dos meios destinados a sustar as he- morrhagias que algumas vezes se manifestam consecuti- N. 71 4 - 26 — vãmente á approximação dos Íabios das feridas. Tal accusação não me parece firmada em bases sufriciente- mente sólidas, porquanto, taes hemorrhagias podem ser ás mais das vezes evitadas pela applicação appropriada de meios hemostaticos, e ainda mais porque, quando tal facto por ventura se dê, não devemos trepidar em abrir a ferida, fazer parar a hemorragia, e em seguida proceder a união dos Íabios da mesma ferida, se resta-nos alguma pro- babilidade de conseguirmos a reunião por primeira in- tensão. Uma nova accusação se faz a este methodo de cura- tivo, dizendo-se que elle expõe as erysipelas. Berard e Denonvilliers dizem : « Um tal facto pôde ser real, quando se é obrigado a exercer tracções violentas para approximar os Íabios da ferida, e a mantel-o em um estado de tensão que deve fa- vorecer sua inflammação. Em condições oppostas, nós não pensamos que a reunião immediata tenha influencia alguma sobre o desenvolvimento da erysipela. » « O insuccesso da reunião immediata, diz Follin, não é, como acreditaram alguns cirurgiões, sem influencia sobre a marcha ulterior da ferida para a cura, pelo con- trario, predispõe á erysipela, á plhebite e á pyohemia, senão se exerce uma grande vigilância sobre esta ferida. E' a estagnação do pus no fundo de uma ferida re- unida por seus bordos, que pôde dar lugar a erysipela, ao pheimão diffso, a plhebite e á infecção purulenta. Convém, pois, concluir que a reunião immediata deve ser assi- duamente vigiada ; se percebe-se uma estagnação de pus no fundo da ferida, é preciso desfazer a união de seus Íabios e não procurar a cura senão em uma reunião me- diata. » « Quando, diz Astlhey Cooper, a tentativa, que se faz para obter a reunião immediata, falha, a ferida entra na classe d'aquellas para cuja cura ter-se-hia uma conducta — 27 — inteiramente opposta ; o doente esteve sujeito a uma cura muito mais prompta, porém que não se realisou e de então em diante a sua ferida deve ser tratada por um me- thodo que fora rejeitado por causa da lentidão de sua marcha. » Eis a maneira porque se exprime o Sr. conselheiro Saboia em uma das suas licções sobre feridas accidentaes e cirúrgicas, publicada no i* volume de suas licções de cli- nica cirurgica : « Quanto aos perigos que pôde correr o doente, quando a união não se realize, ahi está o cirurgião para não tental-a, logo que não se derem para isso as melhores condições, e houver receio de hemorrhagias ; e também para desfazer tudo logo que a observação lhe tiver de- monstrado que ella é irrealisavel. Os perigos que correm os doentes se acharão desde logo obviados ; a secreção purulenta não ficará retida e os phenomenos de intoxicação não terão mais razão de ser em virtude do meio que fora tentado ou posto em acção. » A observação tendo tornado patentes as innumeras vantagens da reunião immediata, julgo que, de perfeito acordo com os factos, deve-se aceitar como regra geral este methodo de cura para todas as feridas, em que não nos seja possível descobrir contraindicações especiaes ; com effeito, diz Nelaton, quando, depois de ter-se pro- curado obter a reunião immediata, vem esta a faltar, a ferida se acha em condições tão favoráveis, talvez mesmo mais favoráveis que as que offereceria se se tivesse d'esde logo curado de modo a fazer suppural-a. SEGUNDA PARTE Em que espécies de feridas se deve empregar a reun'ão immediata? Reunia immediata applicada ás feridas incisas. A muitas das feridas operatoriao convém a reunião por primeira intensão. Pratica da reunião immediata nasa feridas punctorias. Poder-se-ha utilizar com vantagem da reunião immediata nos casos de feridas por contusão, esmagaraento, arrancaraento ou armas de fogo, A reunião immediata não pode ser empregada em todas as espécies de feridas, porque, se em alguns casos os seus resultados manifestam-se do modo o mais satisfactorio possível, em muitos outros uma tal maneira de proceder só serviria para comprometter este methodo de curativo tão útil, direi mesmo tão brilhante. E' necessário, pois, sempre que se for applicar a re- união immediata, prestar a maior attenção, afim de reco- nhecer se, no caso que vai ser objecto de nossos cuidados' trata-se de uma ferida incisa, punctoria, contusa, por es_ magamento, por arrancamento ou por arma de fogo. Quaes as espécies de feridas d'entre as supramencio- nadas capazes de nos proporcionar vantagens, quando lançarmos mão dos meios tendentes a reunil-as por pri- meira intensão ? Eis a questão de que me vou occupar em algumas palavras. Supponhamos que a ferida que se nos apresenta é uma ferida incisa, e vejamos qual seria o nosso procedimento em um tal caso. Estabeleço d'esde logo, como regra geral, a reunião im - mediata das feridas produzidas por instrumentos cortantes. - 30 - As raras excepções que dependem de certas disposições locaes ou de algum estado mórbido antigo, de que pôde ser victima o ferido, serão em occasião competente ampla- mente estudadas. Em uma ferida por incisão, para que se possa empregar de um modo conveniente a reunião immediata, é neces- sário ver a extensão que a mesma apresenta, a profundi- dade que occupa, a região em que está situada, e final- mente saber se órgãos importantes da economia foram também compromettidos pelo agente vulnerante. Se a ferida for de exíguas dimensões, superficial, se datar de pouco tempo ou ainda achar-se isenta de inflam- mação, de suppuração e de erysipela, e principalmente se tiver sua sede em uma região favorável á reunião im- mediata, é nosso dever procurar reunil-a por primeira in- tensão. Quando a ferida, ainda que de uma extensão algum tanto considerável, é superficial e não offerece contrain- dicações especiaes, devemos empregar os meios que nos parecerem mais apropriados para conseguir a reunião por primeira intensão. Nos casos em que a ferida é de uma certa profundi- dade e mesmo n'aquelles, em que todas as partes molles são compromettidas, é ainda a reunião immediata o meio curativo que nos pôde proporcionar os melhores resul- tados. Se a solução de continuidade por instrumento cortante, interessando as partes exteriores, chegar a comprometter órgãos subjacentes ás mesmas, taes como, o larynge, a trachéa, pleura ou peritoneo, devemos procurar utili- sarmo-nos de meios que, não se limitando a unir os teci- dos superficiaes, vá ao ponto de determinar a adhesão das partes profundas. As feridas incisas, resultantes da extirpação de tumo- sre, das amputações ou das resecções, gozam de condi- - 31 — ções capazes de permittirem sua reunião por primeira in- tensão. Na primeira parte d'este meu insignificante trabalho já entrei em alguns desenvolvimentos relativos ao histórico da reunião immediata applicada ás feridas produzidas pelos instrumentos cirúrgicos e ás vantagens que a clinica colhe com este modo de proceder; seria pois desnecessá- rio voltar de novo a estas questões, se não me parecesse conveniente ampliar um pouco mais as idéias que então emittí. A este respeito o professor Courty assim se exprime : « A reunião immediata será pois possível, em toda a accepção da palavra, depois das amputações, isto é, de- pois das operações em que se tem julgado que era uma chimera esperal-a ? Evidentemente, as carnes podem adherir ao osso, a pelle adherir aos músculos e a reunião immediata efFectuar-se entre tecidos de natureza diversa. O conhecimento que temos hoje do modo pelo qual se realisa a reunião dos tecidos divididos, a analogia que sa- bemos existir entre os diversos modos de cicatrização, quer por primeira, quer por segunda intensão, não permit- tem duvidar de que a união se possa estabelecer immedia- tamente e sem inflammação entre tecidos heterogêneos que acabam finalmente por se reunir mais tarde por bo- tões carnosos e por cicatrização, depois de terem pas- sado por todas as delongas e por todas peripécias do processo inflammatorio. Porque poderiam ellas adherir de um modo e não de outro ? » « Por minha parte, diz o Sr. conselheiro Saboia, não tenho a menor duvida de que seja possível a reunião im- mediata ou sem suppuração entre tecidos heterogêneos, porquanto as pesquizas dos mais distinctos anatomo-patho- logistas estão ahi para demonstrarem que as partes reu- nem-se a custa da evolução cellular proveniente dos glo- -32- bos brancos do sangue ou dos corpusculos de tecido con. .junctivo. » E' freqüente observarmos nas soluções de continuidade resultantes de amputações, resecções, ablações de tumo- res, etc, que, quando a reunião immediata não se faz em toda a extensão da ferida, dá-se na máxima parte dos ca- sos em grande parte d'ella, o que constitue indubitavel- mente uma vantagem notável, pois que, ficando apenas uma extensão muito mais limitada da ferida para reunir-se por segunda intensão, abrevia-se consideravelmente o tempo necessário para a sua cura definitiva que se faz muito mais rapidamente do que se toda a ferida se reunisse por segunda intensão. Ainda mais, quando a reunião immediata não se ef- fectuasse, o estado do operado não se tornaria mais desfa- vorável, se o cirurgião procurasse verificar por si mesmo o estado das partes, prompto sempre a combater qualquer accidente que por sua presença podesse-lhe causar receio. Se o que acabo de dizer não fosse já bastante para nos fazer preferir a reunião immediata, o facto de observarmos freqüentemente a erysipela, a infecção pútrida, etc, como complicações d'estas feridas, quando não reunidas por primeira intensão, seria mais um argumento poderoso a favor da reunião immediata. Tenho tido occasião de observar alguns casos de am- putações em que o emprego da reunião immediata tem sido seguido dos melhores resultados. D'entre esses casos citarei um, cuja observação foi por mim colhida, no anno passado, da segunda enfermaria de clinica cirurgica, então a cargo do distincto professor o Sr. Dr. Pereira Guima- rães. — 33 — OBSERVAÇÃO A. Lima, de 3o, annos de idade, solteiro, brazileiro, cocheiro, de constituição regular e temperamento lympha- tico, entrou para o Hospital da Misericórdia, em 4 de Agosto de 1882, com esmagamento do pé direito, indo occupar o leito n. 11 da segunda enfermaria de clinica ci- rurgica da Faculdade. Alguns dias depois, tendo-se manifestado a gangrena apesar dos cuidados assiduos que ao doente dispensava o hábil cirurgião o Sr. Dr. Pereira Guimarães, resolve-se este a praticar, no dia i° de Setembro, a amputação tibio- tarseana, pelo processo de Syme, talhando porém o reta- lho aconselhado para a mesma operação pelo professor Malgaigne. A operação é executada com toda a pericia, sem que durante a mesma se manifeste o menor acci- dente. Durante o acto operatorio observam-se com todo o rigor os conselhos do eminente professor Lister. Procede-se ao curativo de accordo com o methodo listeriano. Pres- creve-se bebida antiplhogistica de Stoll, aos cálices de hora em hora. A' tarde d'este mesmo dia o thermometro collocado na axilla do operado marca 38°,4. Dia 2—Temp. m. 37o,2; á tarde 39o. Dia 3—Temp. m. 37o,9.—Renova-se o curativo. A fe- rida apresenta-se com um aspecto magnifico, tendo seus Íabios juxta-postos. A suppuração è tão insignificante que póde-se dizer mesmo que não existe. Retiram-se 2 pontos da sutura—Temp. á tarde 38,°5. Dia 4—Temp. m. 37°,7—Reforma-se o curativo. A fe- rida continua a ter um aspecto satisfactorio. Não se per- cebe o menor cheiro desagradável. O estado geral é bom —Temp. á tarde 39o,6. N. 71 5 — 34 — Dia 5—Temp. 38°,4—Novo curativo pela manhã. A ferida marcha para uma completa cicatrização—Temp. á tarde 38°,6. Dia 6—Temp. m. 38°,2;átarde 38°,4. Dia 7—Temp. m. 37°,7; Reforma-se o curativo. A fe- rida marcha bem. Prescreve-se : óleo de ricino, 6o gram- mas. Dia 8—Temp. m. 38°,5; á tarde 39°,5. Receita-se água ingleza e sulfato de quinino i,o. Dia 9—Temp. m. 37o,6.—Retiram-se mais 4 pontos da sutura.—Temp. á tarde 40o. Dia 10—Temp. m. 37°,3—União immediata. Retira-se o resto dos pontos da sutura. Do dia 11 até o dia 17 a temperatura oscilla entre 37o, 5 e39,°6. Dia 18—Temp. normal. O doente está quasi restabe- lecido. Alguns dias depois o doente tem alta completamente curado. A seguinte observação referida pelo Dr. Corrêa Bit- tencourt, em sua these inaugural, é uma prova conclu- dente da possibilidade de obter-se a reunião immediata, após a extirpação de tumores. OBSERVAÇÃO Adenoma kistico do seio.— Extirpação—Emprego pela primeira vez entre nós dos drains de ossos decalcifica- dos, sua absorpção completa. Reunião immediata dos Íabios da ferida no fim de 4 dias.—Emprego da gaze eu- caliptada (Cl. do Sr. Dr. Lima e Castro.) E., 42 annos, casada, constituição fraca, temp. bi- lioso, residente e fazendeira na Aldêa de Pedra, veio hospedar-se em casa do Sr. Teixeira Júnior & C.a, n'esta — 35 — capital, e ahi chamou para vêl-a o Sr. Dr. Lima e Cas- tro, no dia i de Abril de 1882, dizendo soffrer de uma pro- ducção mórbida na mama direita. Referio que ha 6 annos, sem causa apreciável, perce- bera na dita mama como que um caroço duro, do tama- nho de uma noz, o qual foi augmentando progressivamente de volume; que não tinha dores na região affecta a não ser na epocha das regras, dores estas de pouca intensidade, manifestando-se sob a fôrma de verdadeiras alfinetadas. Referio ainda que a conselho de faculiativos do lugar foram feitas applicações tópicas, que não poderá bem descriminar, mas recorda-se que por ultimo, em virtude de um vesicatorio, sobreviera-lhe uma ulceração, a qual deixava dissorar uma certa quantidade de serosidade. Relatou, finalmente, que o que mais a incommoda era ser aífectada de ataques erysipelatoso na referida mama de 6 em 6 dias, pouco mais ou menos. Exame local.—Examinando-se o órgão doente notou-se grande augmento de volume, sobretudo comparando-se com o seu congênere. A apalpação combinada e sabia- mente dirigida, deixava ver um tumor duro, elástico, bos- selado, movendo-se em todos os sentidos, do tamanho de uma grande laranja selecta. Este exame não revelou dor. A pelle que cobria o tumor rollava sobre elle com fa- cilidade, era de cor normal, deixando vêr por transparên- cia as veias que se desenhavam, visivelmente, não apre- sentando adherencia senão na circumvisinhança mame- lonar que era a sede de uma ulceração. Esta tinha os bordos regulares, molles, era rasa, ao tocar quasi nada sangrava. Num pequeno ponto dacircumferencia do pro- cesso ulcerativo notava-se um trajecto fistuloso com um único orificio de sahida. Sondando-se com um estylete este trajecto anormal, percebeu-se que não era tortuoso e que a sua direcção era mais ou menos perpendicular a da glân- dula; media em seu comprimento 4 centímetros e ia ter — 36 — em uma neo-cavidade repleta de liquido puramente seroso e de côrcitrina. Os gânglios axillares não estavam engorgi- tados, não havia adenopathias ganglionares. O estado geral não era lisongeiro, a doente estava n'um emmagrecimento considerável; o tegumento externo po- rém não apresentava o matiz terroso característico; nada que indique uma cachexia maligna. A' vista dos caracteres que se apresentavam á obser- vação clinica fácil foi a deducção. Tumor datando de 6 annos, talvez de mais, porquando fora um simples acaso que dera a perceber de sua existência, de marcha lenta, anodino. a não ser na epocha do mollimen menstrual, o que se explica por phenomenos de compressão local epela congestão da glândula ligada a ovolução, sem reagir sobre a saúde geral, pois que o emmagrecimento da enferma corria por conta de desordens uterinas anteriores; tumor gozando de toda a mobilidade, sem alterações dos tecidos que o envolvem, com a pelle que o cobre san, de cor normal, independente do neo-plasm a e adherente apenas na parte que já foi assignalada em conseqüência do tra- balho phlogistico-ulcerativo, que se operou. Diagnosticou o Sr. Dr. Lima e Castro um adenoma ou melhor um adenoma kistico em virtude da neo-cavidade de que fal- íamos ha pouco. Attendendo que, no lugar em que mora a paciente, fo- ram esgotados todos os meios benignos que é dado em taes circumstancias, sem resultado algum, propoz aquelle cirurgião a operação, que foi feita no dia 2 de Abril, com a assistência dos Srs. Drs. José Maria de Andrade, José da Costa Santos e de grande numero de membros da fa- mília. Esta operação consistiu em duas incisões transversaes ellipsoides, que abrangeram a área neoplastica, permittindo uma dissecção que terminou por separar a parte doente da parte san. - 37 - Feito o exame microscópio de uma pequena partícula a peça fresca veio por meio do diagnostico pathologico confirmar o diagnostico clinico. Durante todo o tempo operatorio trabalhou o spray (de Championnière) a hemostasia definitiva foi feita pela torsão de todas as artérias que davam sangue, não se la- vou a ferida, apenas foi esponjada, o que considera o ci- rurgião de grande importância. Os bordos da solução de continuidade foram conchegados perfeitamente mediante uma sutura superficial de pontos separados e com fios de prata. Nos dois ângulos mais declives collocou-se um drain de osso decalcificado (tudo de Neuber). O resto do cura- tivo de Lister foi como de ordinário se pratica, sendo digno de menção que se empregou de preferencia a gaze impregnada de tintura de eucalyptus, porquanto sendo a doente sujeita a erysipelas, receiou-se, pela energia irritante do ácido phenico, complicar a situação. Escusado é dizer que uma operação d'esta ordem só podia ter sido praticada sob a narcose chloroformica. Depois do curativo terminado, afim de combater o ere- ctismo nervoso e o shockj traumático, receitou-se uma po- ção morphinada, com a qual a doente entrou n'um periodo de calma. O primeiro curativo foi levantado ao cabo de 24 ho- ras : os bordos da ferida estavão tumefactos e enrubeci- dos ; pelas extremidades dos tubos faz-se apenas uma pequena quantidade de corrimento sero-sanguineo. No fim de 48 horas, segundo dia da operação, novo curativo ; o corrimento é quasi nenhum e puramente seroso ; a doen- te dormio bem á noite anterior; a columna thermome- trica não revela exacerbação da temperatura. No terceiro dia nada que interesse, tudo se passa como nos dias ante- cedentes ; não existe transudação alguma; retirámos alguns pontos da sutura. — 38 - No quarto dia, estado geral excellente, appetite franco; os bordos da ferida reunidos por primeira intensão ; reti- ram-se os outros pontos de sutura que restavao, e, cousa notável, encontrando sob as peças do curativo 2 pedaços do tubo, procurando vêr o que era feito do resto d'estes tubos, verificámos que tinhão sido completamente absor- vidos . « Esta observação é importante sob três pontos de vista : « r. Ser ella mais uma victoria do curativo antiseptico, attentas as condições locaes e ser o seio doente invadido por ataques erysipelatosos com pequenos intervallos, an- tes da operação. « 2* Reunião immediata em quatro dias, após uma ope- ração considerada de alta cirurgia. « 3* Emprego feliz, e pela primeira vez, dos tubos de ossos decalcificados, e bom êxito da gaze'eucalyptada. « O que acabamos desdizer não constitue uma obser- vação completa, é antes o esboço de um caso clinico que, mais uma vez, comprovará em seu conjuncto a suprema- cia do curativo de Lister. « Aexcellencia de um methodo, qualquer que elle seja, diz eloqüentemente o Sr. Dr. Lima e Castro, só~póde ser julgada por grande numero de factos imparcialmente inter- pretados, e não por theoria quasi sempre enganadoras, forjadas á mercê de conveniências systematicas. Para aquelles que não se movem no circulo acanhado da cli- nica é um exemplo vivo e de largos ensinamentos !» A reunião immediata deve ser ainda applicada ás solu- ções de continuidades das partes molles, nas fracturas expostas, afim de transformal-as em fracturas subcutaneas, sendo, porém, necessário para isto que a ferida seja recente, linear, de bordos regulares, e sem indicio de inflamma- ção. — 39 — E' da maior vantagem empregar todos os meios ao nosso alcance para converter uma fractura exposta em subcutanea, pois que a primeira é de conseqüências muito mais graves. Sempre que nos for possivel realisar com suc- cesso uma tal pratica, teremos resolvido um dos problemas mais importantes de therapeutica cirurgica. O Sr. Conselheiro Saboia menciona, em suas licções de clinica cirurgica, um facto, referido no Tratado de fractu- ras, do professor Malgaigne, que prova exhuberantemente as vantagens deste modo de proceder. Eis o facto : « Um carpinteiro, de 40 annos de idade, tratava de levantar uma enorme viga quando esta lhe cahio sobre a face interna da perna direita, despedaçando os tegumentos em retalho na extensão de 10 centímetros, separando-os da tibia sobre uma altura de 3 centímetros, e fracturando os 2 ossos na base do descollamento a 5 1/2 centímetros acima da arti- culação tibio-tarsiana. Apezar da attrição que a pelle de- via ter soffrido, tentou-se a reunião por meio de 5 pontos de costura entortilhada e de 1 ponto de costura entrecor- tada. Os alfinetes forão retirados no espaço de quatro dias e a reunião parecia completa, quando nos dias seguintes uma leve inflammação desenvolvida ao redor da ferida afas- tou-lhe os lábios e forneceo algum pus; mas a reunião es- tava solida na base do retalho e punha a ferida ao abrigo do contacto do ar. No fim de dois mezes a consolidação era perfeita. » As feridas punctorias são ordinariamente feridas sim- ples e curam-se por primeira intensão. Em muitos casos, em virtude da fôrma do agente vulnerante, podem estas feridas revestir-se dos caracteres próprios ás feridas incisas; sua cicatrisação poder-se-ha então realisar por primeira intensão; em algumas outras circumstancias, os agentes vulnerantes, obrando á maneira dos instrumentos contun- dentes, collocam as feridas punctorias nas condições das — 40 — feridas contusas, cuja reunião só pôde ter lugar após uma suppuração mais ou menos abundante. Não sendo possível, pois, á vista do que fica dito, esta- belecer uma norma de conducta invariável para todas as feridas punctorias, deve-se, de acordo com os caracteres apresentados por estas soluções de continuidade, escolher sempre um meio de curativo appropriado ao caso que tem de ser objecto de nossos cuidados. Quando a ferida é simples, com os caracteres das solu- ções de continuidades produzidas pelos instrumentos cor- tantes, é nosso dever procurar obter a reunião immediata. Na máxima parte dos casos, pontos de sutura são inúteis, pois que, para favorescer a aproximação dos bordos da ferida, será habitualmente sufficiente o emprego de alguns emplastos adhesivos, um pedaço de esparadrapo, por exemplo. No caso, porém, de tratar-se de uma ferida punctoria, que pelo facto de ser determinada por um ins- trumento pouco aguçado seja acompanhada de contusão de seos bordos, devemos proceder como procederíamos, se tivéssemos sob as nossas vistas uma ferida contusa pro- priamente dita. As feridas contusas são mais graves que as feridas incisas e punctorias, quer em seu estado de simplicida- de, quer sobretudo pela manifestação de numerosos ac- cidentes que vêm complicar a sua marcha natural para a cura. A suppuração que, como sabemos, constitue um phenomeno accidental das feridas incisas, pois que não se observa senão nos casos em que ellas não se reúnem por primeira intensão, é quasi inseparável do grupo dos sym- ptomas próprios ás feridas contusas. Ordinariamente, n'esta espécie de feridas, os vasos e os nervos são compro- mettidos a tal ponto que me parece pouco provável que a reunião immediata possa se realisar, porque esta requer uma maior actividade formadora das cellulas na superficie mesma da solução de continuidade, actividade que não - 41 — lhe pôde ser proporcionada, pela falta de uma actividade sufficiente nos Íabios da ferida contusa. Os Íabios de uma ferida contusa, sobretudo em sua porção a mais superficial, apresentam-se, logo após o trau- matismo, macerados; no fim de alguns dias cahem em mortificação, senão em totalidade, pelo menos em grande parte de sua extensão e são então eliminados. Nas grandes feridas contusas ás vezes se destacam vastas porções de tecidos mortificados. Effusões sanguineas podem se esten- der por baixo da pelle a uma distancia considerável, sem que a mesma pelle apresente uma solução de continui- dade, que esteja de acordo com a violência da causa traumática e com o gráo de contusão ou attricção dos te- cidos. A' vista, pois, do que acabo de dizer, póde-se concluir com toda razão que, só em casos muito excepcionaes, as feridas contusas se reúnem por primeira intensão. Quando se trata de feridas contusas, diz Follin, ha grandes vantagens em tentar a reunião immediata. Em todas estas tentativas de reunião immediata importa, po- rém, proceder com uma certa prudência, lendo o cuidado de não apertar demasiadamente as tiras agglutinativas ou as suturas, porque as feridas contusas, mais que as ou- tras, experimentam uma tumefacção notável. cc No tratamento das feridas contusas, dizem Bérard e Denonvilliers, não se deve perder de vista que, apezar da contusão, a reunião immediata é ainda possivel, senão em toda a ferida ao menos em muitos pontos, por conseguinte deve-se operar a união de seus bordos de tal sorte que haja conchegamento das partes profundas. Por este pro- cesso se accelera a cura e obtem-se uma cicatriz muito menos extensa do que se tivéssemos curado a ferida, guarnecendo-a de fios e fazendo-a suppurar em toda a sua extensão. As feridas contusas, em que existem retalhos, devem ser igualmente reunidas por primeira intensão, N. 71 6 — 42 — ainda mesmo que o vértice dos retalhos tenha sido por tal modo contuso que pareça mesmo desorganisado, porque, a suppôr mesmo que este vértice deva cahir em gangrena, a base estando menos alterada, póde-se ainda esperar sua agglutinação.» « E' raro que as feridas contusas reunão por primeira intensão, entretanto é preciso, diz Nelaton, tental-a todas as vezes qne ellas não apresentam senão uma contusão mui moderada, uma adhesão parcial se opera entre as partes as menos contusas, a superficie da ferida diminue assim de extensão, e a reunião é facilitada por estes pon- tos de adherencia. Para prevenir uma turgescencia in- flammatoria, que será considerável, evitar-se-ha um con- chegamento demasiadamente exacto das partes divididas Quando existem retalhos múltiplos, um ou dois pontos de sutura são muitas vezes úteis, elles tornar-se-hão sobre- tudo necessários, se a ferida é situada na face, afim de obter uma reunião mais exacta e uma cicatriz menos ap- parente.» Fano diz : « E' preciso guardarmo-nos de praticar a reunião de todas as porções da ferida, com o receio de que os liquidos, accumulados sob os retalhos, não possam se escoar para o exterior.» Larrey e Roux, entre alguns outros cirurgiões, em casos de feridas por contusão, separando com o bisturi as por- ções, que teriam de ser eliminadas, conseguiam muitas vezes obter a reunião por primeira intensão. O mesmo pre- ceito foi estabelecido por Lisfranc. Astlhey Cooper tinha também proposto avivar as feridas contusas do abdômen e reunil-as em seguida por primeira intensão. A primeira vista parece que uma tal pratica devia ser seguida de suc- cessos brilhantes, pois que assim transformava-se uma ferida contusa em uma incisa, cuja reunião immediata po- dia ser facilmente alcançada; não obstante a observação clinica demonstra que, pelo contrario, em taes condições — 43 — os accidentes septicemicos manifestam-se com muito mais freqüência. « As feridas contusas, não offerecendo condições para que as suas superfícies desde logo se reunão, não ha, diz o Sr. Conselheiro Saboia, necessidade de pol-as em con- tado. « O cirurgião que esquecido d'essa regra conchega e mantém intimamente as superfícies ou os Íabios de uma ferida contusa commette um erro, mais grave e mais per' nicioso do que se a não reunisse para obter a cicatrização mediata. « Estou constantemente a prevenir-vos contra essa pratica insensata pelos exemplos que tendes tido occasião de apreciar, não levai entretanto muito longe as minhas conseqüências, não trateis nunca de reunir uma ferida contusa, estudai as condições das feridas contusas e só o que podereis fazer é approximar brandamente as superfí- cies quando o ferimento for extenso.» Para o professor Gosselin todos os meios destinados a realisar a reunião immediata são contra-indicados, quando as feridas apresentam seus bordos contusos ou notavel- mente esmagados. « E' uma falta, diz Desprès, reunir por primeira inten- são feridas contusas ou com perda de substancia, por esta única razão, que a reunião immediata não tem bom êxito.» Algumas feridas contusas podem, em certas condições, prestar-se á reunião immediata. Dá-se este facto com aquellas, cujos bordos são mais ou menos regulares, pouco tumefactos e coloridos. Em todo o caso, mesmo em cir- cumstancias apparentemente pouco desejáveis, póde-se tentar a reunião, pelo menos em alguns pontos da ferida. Procedendo-se d'esta fôrma, consegue-se obter, não raras vezes, a reunião das partes menos lesadas e evitar uma retracção muito considerável dos retalhos. Esta reu- - 44 - nião pôde expor, entretanto, a phenomenos inflammato- rios intensos. D'ahi a necessidade que tem o cirurgião de exercer uma vigilância activa e de achar-se sempre prom- pto a intervir, desde que reconhecer a manifestação de alguns accidentes, taes como, dor intensa e tumefacção pronunciada dos Íabios da ferida, desfazendo os meios de união e collocando a ferida nas condições das que devem «ser curadas por segunda intensão. Ainda que as feridas contusas tenham seus Íabios bas. tante nítidos, pôde todavia a reunião immediata tornar-se contraindicada desde que exista um descollamento ex- tenso ou a ferida esteja situada nas proximidades de um tecido cellular laxo; a reunião immediata parcial, diz Guyon, seria quando muito applicavel. A reunião immediata, applicada ás feridas contusas, pôde ser favoravelmente auxiliada, quando estas estão situadas em regiões notáveis pela vitalidade de seus tecidos ou elementos, como sejão a face ou a pelle. « Nas feridas contusas da face a reunião é, diz Follin, rigorosamente prescripta; seriamos mesmo authorisados, n?este caso, a separar os lábios da ferida contusa, avival-os em outros pontos, se acreditássemos, por este meio, faci- litar a reunião immediata.» « As feridas contusas, excepto as da face, diz Des- près, não devem nunca ser reunidas por primeira in- tensão.» As feridas por arrancamento não se reúnem por pri- meira intensão; os seus bordos são não só mui desiguaes mas ainda, na maior parte das vezes, contusos. Acredita, não obstante, Nelaton que estas feridas muitas vezes po- dem cicatrizar-se, em parte pelo menos, por primeira in- tensão . A desigualdade, que se nota nos bordos de uma ferida por arrancamento, faz com que estes não possam ser con- — 45 - venientemente aproximados ou mesmo, por falta de sub- stancia, postos em relação. Bilroth diz que, em muitos casos, póde-se procurar obter uma reunião por primeira intensão que realisar-se-ha mesmo bastantes vezes. « Não trateis nunca, diz o Sr. Conselheiro Saboia, de reunir uma ferida contusa e muito menos a que for deter- minada por esmagamento, arrancamento ou arma de fogo ». Em presença de uma ferida, produzida por arranca- mento, o nosso procedimento será, em geral, o seguinte : regularisar a ferida, tanto quanto nos for possível, para tornal-a uma ferida simples, aproximar os seus bordos, sem todavia procurar realisar a sua reunião immediata e estabelecer o tratamento de acordo com o que já disse- mos, quando nos occupámos das feridas contusas. Quando as partes arrancadas são pouco extensas e mui vasculares, como os dedos, as orelhas, deve-se pro- curar obter a sua reunião, que não realisar-se-ha senão no caso de ser tentada pouco tempo depois do accidente ; os exemplos não são raros, em que uma extremidade de dedo, completamente destacada do corpo, se tem, não obstante, reunido, quando as partes sangrentas tem sido mantidas em contacto ; uma hora, duas horas mesmo, segundo muitos authores, não tem impedido a reunião. Factos d'esta ordem tem sido referidos por Piedgnel, Bal- four (d'Edemburgo), Heister, Houston, Fioravanti, Garen- geot, Perey e outros. As feridas por arma de fogo são sempre acompanhadas de uma contusão muito pronunciada dos tecidos, que for- malmente contraindica o emprego da reunião immediata. « Não ha necessidade, diz o Sr. Conselheiro Saboia, de reunir por meio de tiras agglutinativas circulares ou por qualquer outro meio adhesivo os Íabios da solução de con- tinuidade, porquanto a união immediata é, n'este caso. — 46 — absolutamente impossível, e a applicação de tiras aggluti- nativas accarretaria certa constricção e embaraço da cir- culação com todas as suas conseqüências. Com Boyer, Nelaton, e muitos outros cirurgiões, sou de parecer que as feridas nimiamente contusas, como já vos disse, não de- vem ser reunidas por tiras, porquanto a inflammação que é inevitável n'estas circumstancias determinará o estrangu- lamento da parte e a gangrena ». Nelaton proscrevia em absoluto o emprego da reunião immediata para as feridas por arma de fogo, cuja super- ficie offerece escaras mais ou menos extensas. Simion, considerando as feridas por armas de fogo como feridas incisas com perda substancia em fôrma de tubo, procurava reunil-a por meio de pontos de sutura. Desault aconselhava nas feridas da face, produzidas por armas de fogo, avivar-lhe os bordos e reunil-os em se- guida, afim de evitar a irregularidade dos traços physiono- micos; tal preceito não tem sido, porém, quasi imitado. Entretanto, diz Follin, se a lesão tivesse sua sede em uma parte do rosto em que se podesse, com o auxilio de algu- mas incisões, regularisar a ferida e evitar unia deformidade, poder-se-hia tentar a reunião immediata. « Uma regra mais racional, diz Billroth, consistia em retirar por meio do bisturi todo o trajecto percorrido pela bala, em fechar a ferida por alguns pontos de sutura e em comprimil-a para obter a reunião immediata; porém este processso é pouco applicavel e tem encontrado poucos adeptos ». A reunião immediata não deve ainda ser tentada nas feridas envenenadas, porque, sendo necessário n'esses casos extrahir o veneno e impedir que este seja absorvido e en- tre na torrente circulatória, o meio mais geralmente em- pregado é o cauterio. TERGEÍRA PARTS Ha condições favoráveis e condições prejudiciaes á reunião immediata das feridas. Quaes são estas condições ? Nitidez dos Íabios da ferida. Estado recente da fe- rida. Juxta-posição perfeita de seos Íabios. Secreção de lympha plástica em quantidade exactamente sufficiente. Belações de circulação e innervação dos Íabios da ferida com o resto dos tecidos. Vitalidade dos tecidos. Sede, extensão, profundidade e largura da ferida. Tensão dos Íabios da ferida. Corpo estranho entre seos bordos. Presença do sangue. Ligadura, torsão, acuppressura e for- cipressura. Aceio e cuidado nos curativos. Acção do ar sobre as feridas. Idade do doente. Climas e estações. Regimem dietetico. Influenciado meio em que se acha o ferido. Estados constitucionaes. As lesões traumáticas são influenciadas em sua marcha e terminação por múltiplas condições locaes e geraes, de- pendentes não só do estado orgânico do ferido, do meio em que vive, mas ainda do próprio traumatismo. Os phenomenos da cicatrisação das feridas estão, ipso facto. intima e directamente ligados a todas estas condi- ções. Para que, pois, a reunião immediata possa ser appli- cada com vantagem, torna-se necessário que as feridas apresentem-se em circumstancias especiaes. Quaes as circumstancias que podem favorecer a reu- nião por primeira intensão ? Quaes as que pelo contrario lhe podem ser prejudiciaes ? A nitidez dos Íabios da ferida é uma condição vantajosa para a reunião immediata. De facto, as feridas de bordos irregulares, não só pela difficuldade que offerecem a um conchegamento perfeito de seos Íabios, mas ainda porque — 48 — seos bordos mais ou menos contusos, esmagados, são sujei- tos a um certo gráo de gangrena molecular, constituem, se- não um obstáculo absoluto, pelo menos um embaraço mais ou menos notável á reunião por primeira intensão. Não é sempre fácil precisar o gráo de contusão capaz de tornar impossível a reunião immediata, pois que, diariamente, observam-se na clinica feridas contusas reunindo-se por i' intensão, contra toda a nossa espectativa. « E' sobretudo, diz Follin, quando se trata de feridas da cabeça ou da face, que se não deve temer reunir as soluções de conti- nuidade, cujos bordos mesmo são contusos. » A observa- ção clinica demonstra, com effeito, que, nestas regiões, a reunião immediata é muitas vezes possível, não obstante uma contusão ás vezes bastante pronunciada dos Íabios da ferida. Já me referi, na 21 parte d'esta these, a pratica aconse- lhada por Larrey e Roux de regularisar os bordos de uma ferida contusa, substituindo-a assim por uma outra de lá- bios mais nítidos, mais regulares, susceptíveis de se reunir por primeira intensão, quando occupei-me com as indica- ções e contraindicações do emprego da reunião immediata nas feridas contusas, e, na mesma occasião, disse o que devíamos pensar de uma tal maneira de proceder, por isso não voltarei a esta questão. Uma outra condição, que favorece a reunião, é repre- sentada pelo estado recente da ferida, Não se pôde duvidar das vantagens que o estado re- cente de uma ferida offerece á reuinão immediata, porque, ahi está a observação clinica demonstrando que uma reu- nião tem tanto mais probabilidade de successo, quanto o conchegamento dos Íabios da ferida é feito em uma epocha mais próxima d'aquella em que tem logar o ferimento, e que, no fim de 24 ou 48 horas no máximo, esta reunião torna-se irrealisavel ; com effeito, n'esta ultima hypothese, a exsudação da lympha plástica já tem se feito em pura - 49 - perda, e. além d'isto,.a ferida que já esteve durante algnm tempo exposta á acção do ar. deve-se resentir de sua in- fluencia, inflammar-se e suppurar. Alguns cirurgiões, desejando se pôr completamente ao abrigo das hemorrhagias consecutivas, têm aconselhado deixar a ferida exposta ao ar durante algum tempo, antes de praticar-se a sua reunião, até cessar de todo o corri- mento sangüíneo. « Esta pratica, diz Follin, censurada por alguns cirur- giões, nos parece boa em certos limites, por quanto não se deve esquecer que, no fim de 24 horas pouco mais ou menos, a reunião por primeira intensão se obtém difficil- mente. » « Esta maneira de proceder, diz Berne de Lion, deve ser absolutamente rejeitada, actuando-se assim, diminue-se muito as probabilidades de successo. » A reunião se opera tanto mais facilmente quanto os bordos são melhor approximados e os tecidos homogêneos postos,em contacto, assim músculos contra músculos, osso contra osso, tecido adiposo contra tecido adiposo, etc ; todavia, com quanto muito favorável ao successo da reu- nião immediata, o conchego de tecidos homogêneos não constitue uma condição essencial, pois que a reunião pôde se realisar, ainda mesmo que este conchego falte ou não tenha podido ser executado. Uma condição essencial para o successo da reunião immediata é, diz o professor Trelat, em suas licções de clinica, publicadas em Novembro de 1877 no Progresso Medico, uma secreção de lympha plástica em quantidade exactamente sufficiente para estabelecer as novas relações. « Uma secreção exagerada de lympha plástica, como acontece quando a inflammação adhesiva é muito intensa^ traz, diz Trelat, rubor, calor, tumefacção das partes ; as superfícies são aífrontadas e a reunião immediata não tem logar ; pôde mesmo acontecer que, sem inflammação muito N. 71 7 _ 50 — intensa, a lympha plástica e o plasma do sangue, depostos entre as superfícies nas primeiras horas, sejão uma causa de insucesso da reunião immediata. Não me parece, po- rém, necessário occupar-me por mais tempo com esta mui grande abundância de lympha plástica, pois que, por meio da drainagem preventiva, podemo-nos collocar ao abrigo dos accidentes que poderiam provir de uma secreção exa- gerada de lympha plástica. » Importa ainda, para o successo da reunião immediata, que os Íabios da solução de continuidade conservem rela- ções de circulação e innervação c om o resto dos tecidos. Tal condição devemos ter sempre em vista confecção dos retalhos nas amputações, afim de pouparmos, tanto quanto nos for possível, os seos vasos e nervos. Nas ope- rações autoplasticas um tal preceito torna-se mais indispen- sável, pois que, como já vimos, o bom resultado d'esta ordem de operações está dependente, de um modo directo, da realisação da reunião por primeira intensão. Esta prescripção, não deve, todavia, levar-nos a con- cluir que, partes completamente separadas do corpo, não sejam susceptíveis de se reunirem por primeira intensão. A experiência em animaes, assim como as observações no homem, convence-nos da possibilidade de conseguir-se a reunião por primeira intensão de partes inteiramente destacadas do corpo. Esta reunião faz-se mais facilmente em órgãos mui vas- culares, sobretudo quando as partes são reunidas logo após sua separação. Burdach refere que Lenossek viu uma phalange un- gueal, completameute separada, sendo reapplicada, re- unir-se ; que Schopper viu duas phalanginas, completa- mente destadas, reunirem-se. Braun cita o caso de um dedo cuja reunião effectuou-se, não obstante achar-se elle inteiramente separado da mão. Marey e Sario viram casos similhantes a esses. — 51 — Benjamin Anger, em um trabalho que publicou sobre algumas das conferências de clinica cirurgica feitas por elle no hospital Saint-Antoine, refere-nos que o Dr. Savier convenceu-se da possibilidade dos enxertos mútuos em dous indivíduos, que levados por um enthusiasmo de ami- zade, trocaram entre si um retalho da pélle da face ante- rior do ante-braço. « A reunião das partes completamente separadas do corpo não se pôde produzir, diz Legouest, senão nos casos em que a circulação e o influxo nervoso não têm perdido sua acção sobre a superficie de secção da parte destacada, afim de que seja susceptível de concorrer para o trabalho de cicatrisação, que por conseguinte é sempre immediata. E' mais que provável que a reunião das partes comple- tamente separadas do corpo se opere sobre a influencia de phenomenos similhantes aos que descrevemos a propó- sito da cicatrisação immediata, e que a emigração cellular se produza entre a superficie da secção e a superficie da ferida, como se produz entre as duas superfícies de uma solução de continuidade. » A vitalidade dos tecidos tem uma influencia notável sobre a marcha da cicatrisação. As feridas situadas em regiões, que se acham em um certo estado de atonia por antigas cicatrizes, varices, edema, etc, cicatrisam-se sempre com difficuldade e vagar, passando mesmo muitas vezes ao estado de ul- ceras. Comparai, agora, a lentidão com que executam-se, n'essas circumstancias, os phenomenos da reunião com a rapidez com que se cicatrisam as feridas da face, do couro cabelludo, dos dedos, etc, regiões todas notáveis pela grande vitalidade de seus tecidos, e concluireis, sem duvida alguma, do valor que a riqueza vascular de uma região tem nos phenomenos da cicatrisação. 52 — E', graças sobretudo a abundante vascularisação da face, que podemos obter, quasi sempre, a reunião imme- diata nas operações autoplastiças, tão freqüentes n'esta parte do corpo. Tive ainda este anno occasião de observar, na se- gunda enfermaria de cirurgia, duas operações d'esta or- dem seguidas do melhor resultado. A primeira refere-se a um indivíduo, no qual o Sr. Conselheiro Saboia praticou a cheiloplastia do lábio inferior, operação esta reclamada por um carcinoma que occupava quasi toda a extensão do mesmo lábio, invadindo uma grande parte de sua porção gengival ; pois bem, neste caso conseguiu o distincto ci- rurgião alcançar a reunião immediata que se eífectuou em poucos dias. A segunda é relativa a uma criança de pou- cos mezes, que apresentava a deformidade a que se dá o nome de ---lábio leporino—, deformidade esta que era acompanhada de perforação da abobada palatina e do véu do paladar, constituindo assim o que se conhece pela de- nominação de guella de lobo. A cheiloplastia foi feita com toda a pericia e a reunião immediata obtida. A operação destinada a reparar a perfuração do véu do paladar e abobada palatina foi adiada para mais tarde, quando a criança tiver mais edade. A sede da ferida constitue algumas vezes uma difficul- dade para a cicatrização. Ha regiões em que não se pôde obter senão com muita difficuldade e mesmo raras vezes a reunião immediata, isto dá-se com o joelho e cotovello, onde a tensão da pelle, mais pronunciada que na face in- terna dos membros e em muitos outros lugares do corpo, e a mobilidade constante da região não permittem senão mui dificilmente a aglutinação dos Íabios da solução de continuidade. A fôrma de algumas feridas pôde ser uma causa de demora na marcha natural de seu processo cicatricial. — 53 — A fôrma arredondada de uma ferida é pouco favorável a sua reunião, eis porque se aconselha procurar modificar quasi sempre esta fôrma por meio de uma ou duas inci- sões, praticadas sobre um dos pontos de sua circumfe- rencia. A extensão, profundidade e largura de algumas feridas constituem ainda condicções pouco favoráveis á sua re- união . « A parte algumas regiões privilegiadas, diz o professor Valette de Lion, as feridas, para poderem se reunir por primeira intensão, devem ser bastante superficiaes. Nos membros, por exemplo, se os músculos são interessados, esta reunião é por tal modo problemática que é de boa pratica não procural-a. Pelo contrario, na face obtem-se facilmente, mesmo quando os tecidos tem sido divididos em toda a sua espessura, como se vê muitas vezes nas bo- chechas e nos Íabios, ainda quando a solução de continui- dade tem uma grande extensão. Se pôde dizer todavia que, em um bom numero de casos, não ha nenhum inconveniente em tentar a reunião immediata, que parece pouco favorável. » « A reunião im mediata, mesmo nas regiões mais favorá- veis, diz Guyon, exige que a ferida profunda tenha menos extensão que a ferida superficial; em toda região esta condição é tanto mais indispensável quanto o tecido cel- lular visinho for mais laxo e puder por conseguinte deixar- se mais facilmente penetrar pelos líquidos secretados por toda a parte dividida. » A reunião immediata pôde deixar de realisar-se, quan- do os bordos da ferida, ainda que mantidos e approxima- dos pelos meios convenientes, apresentem-se tensos e com tendência muito pronunciada ao affastamento. Em tal hy- pothese, não só os fios de sutura podem dividir os Íabios da ferida, mas ainda, em virtude da tensão que n'estes se manifesta, a circulação embaraçada em seus capillares — 54 — pôde constituir um obstáculo ao desenvolvimento dos phe- nomenos próprios ao trabalho reparador. « A clinica só poderá vos dar, diz Bilroth, uma idéa exacta dos limites que uma igual tensão não deve exceder para permittir ain- da a cura de se fazer, e vos ensinar a conhecer os meios que nós possuímos para fazel-a desapparecer. » A presença de um corpo estranho, vindo do exterior, ou de um esquirola destacada de um osso próximo, re- presenta um obstáculo para a reunião immediata. A ma- nifestação da suppuração é mesmo necessária, pois que ella será muitas vezes por si só sufficiente para determinar a eliminação do corpo estranho. Não convém crer entre- tanto que, em taes casos, a reunião immediata seja sempre impossível, por quanto a presença de corpos estranhos no seio de uma ferida reunida por primeira intensão tem sido algumas vezes observada. Na resecção do joelho, segundo nos refere du Pré, o professor Tiersch emprega para a confecção dos retalhos o processo em H e, para assegurar a immobilidade das duas superfícies ósseas adaptadas estreitamente uma á ou- tra, introduz atravez do tibia e do femur um simples prego ordinário, conhecido em França pela denominação de ciou d'epingle, que ahi é mantido definitivamente. O pro- fessor Tiersh procede do mesmo modo logo após uma resecção cuneiforme do tibia e do femur. A presença d'esse corpo estranho não determina suppuração eliminadora, o que se attribue ao curativo. Todavia, accrescenta du Pré, esses ensaios estão ainda em começo, e ignora-se o que será feito do prego, após a reunião da ferida. O sangue, interposto em grande quantidade entre os lá- bios de uma ferida, não pôde senão ser nocivo á reunião immediata. Este sangue actua como um verdadeiro corpo estranho, trazendo portanto como conseqüência a irritação da ferida, irritação que é seguida de suppuração. Em vir- tude da decomposição que soffre o sangue, sua acção torna- — 55 — se tanto mais prejudicial á reunião por primeira intensão quanto tem elle por mais tempo permanecido ao contacto do ar. Apressemo-nos em dizer que a presença de algumas gottas de sangue entre os Íabios de uma ferida não impossi- bilita a reunião immediata. O sangue extravasado, por sua presença entre os Íabios de uma ferida, podendo constituir um obstáculo á reunião immediata, deve levar-nos a lançar mão dos meios ao nosso alcance, tendentes a produzir na superficie da ferida uma hemostasia tão completa quanto for possível. Quaes os meios capazes de realisar esse desideratum ? A exposição ao ar e a água fria simples, ou tendo em solução substancias antiseptic as, constituem os melhores meios para sustar o corrimento sangüíneo proveniente da divisão dos capillares. O álcool puro é, segundo Mac- Cormac, um bom meio, é levemente styptico e inteira- mente antiseptico. Dubreuil aconselha substituir o empre- go d'agua fria pelo da tepida, receiando que o contacto da água fria determine a contracção temporária dos vasos, que dariam sangue, quando o calor reapparecesse nas partes. O Dr. Hunter publicou differentes artigos sobre este assumpto no Philadelphia Medicai Times, em Novembro de 79 ; n'esses artigos elle recommenda que a água esteja na temperatura de i5o°. Farenheit diz que tem mesmo ido até i6o°.y sem produzir a menor conseqüência perniciosa. A reunião intima dos borbos da ferida pela sutura é ainda um meio que em alguns casos dá resultado. Muitas vezes, quando a hemorrhagia capillar mostra-se rebelde, torna-se necessário exercer sobre a superficie da ferida uma compressão, que é ordinariamente praticada por meio de esponjas humedecidas em água fria, em uma solução branda de ácido phenico ou ainda em líquidos levemente stypticos, - 56 - Para os casos em que a hemorrhagia depende, não dos capilares, mas dos vasos arteriaes, vários têm sido os meios empregados de preferencia pelos cirurgiões. A liga- dura, a torsão, a acupressura e a forcipressura constituem os principaes. Qual d'estes meios deve ser preferido ? Para podermos responder de um modo satisfactorio, convém estudar estes diversos meios de um modo resu- mido. Antes de Ambrosio Pareô a ligadura dos vasos não ti- nha sido empregada senão rarissimas vezes em feridas ac- cidentaes ; a este immortal cirurgião devem-se as primeiras applicações da ligadura nas superfícies amputadas. A ligadura mediata foi a empregada por Ambrosio Pareô e seus primeiros successores. Reconhecendo, porém, os cirurgiões que do emprego da ligadura mediata podiam resultar accidentes bastante graves, quando um ou mais filetes nervosos são comprehendidos com a artéria, plhe- bite nos casos em que a alsa da ligadura abraça ao mesmo tempo uma veia, e emfim uma demora muito pronunciada no trabalho da cicatrisação, todas as vezes que a ligadura ata também tecidos fibrosos, lembraram-se de praticar a ligadura dos vasos a nú, tendo em vista, com tal maneira de proceder, diminuir a suppuração, tornar mais rápida a queda dos fios e mais prompta a reunião. « A ligadura mediata, diz Bilroth, não deve ser feita senão excepcionalmente, pois que os tecidos comprehen- didos pela alsa da ligadura, por menor que seja o seu volume, cahem em mortificação e retardam consideravel- mente a eliminação da ligadura. » Desejosos de não deixarem na ferida senão um corpo estranho de pequenas dimensões e de poder reunir os seus bordos em preocuparem-se com a presença do fio da ligadura em seo interior, procuraram os cirurgiões, depois de ter ligado os vasos a nú, diminuir o volume dos fios. — 57 - supprimir em seguida uma de suas extremidades, depois as duas. « A questão que out'ora se agitou relativamente ás liga- duras chatas ou cylindricas e a grossura dos fios, se acha, diz o Sr. Conselheiro Saboia, em suas lições de clinica cirurgica, julgada a muito tempo, e seria imperdoável que me propozesse a occupar a vossa attenção com um assum- pto que hoje não offerece importância senão debaixo do ponto de vista histórico e dos progressos da cirurgia. As ligaduras devem ser cylindricas e resistentes, mas não podem ser grossas nem tão finas que cortem o vaso que se tem de ligar. O ponto clinico o mais importante é o que se refere á natureza da substancia de que deve compôr-se o fio para as ligaduras. » Na qualidade de corpos estranhos os fios de seda ou linho produzem certa irritação na ferida, porém, em con- seqüência das pequenas dimensões deste corpo estranho, a suppuração que resulta de sua presença no meio de nossos tecidos é em verdade minima e limitada aos pontos em que os mesmos fios se acham applicados, de modo que a re- união immediata pôde realisar-se em todos os outros pon- tos da solução de continuidade. « Demais, diz Rochárd, a presença dos fios tem mais vantagens que inconvenien- tes para as feridas; trazidos para o exterior pelo angulo o mais declive da ferida desempenham o papel de uma verdadeira mecha e facilitam o escoamento dos líquidos que devem inevitavelmente se formar. » Apesar dos resultados, não obstante favoráveis, que os fios vegetaes podem proporcionar, os cirurgiões, no in- tuito de augmentar as probabilidades de reunião de uma ferida por primeira intensão, procuraram mudar a composição material da ligadura, substituindo os fios vegetaes por outros de natureza metallica ou animal, cren- tes de que estes últimos determinariam uma irritação muito N- 71 8 — 58 — menos pronunciada e que, por conseguinte, os phenome- nos inflammatorios tornar-se-hião muito menos intensos. Utilisando dos fios metallicos, ordinariamente de prata ou ouro, contavam os cirurgiões, para o successo da reunião immediata, não só com a solidez e indestructibi- lidade da matéria componente dos mesmos fios, mas, so- bretudo, com a tolerância que os tecidos offerecem para as substancias de natureza metallica. Levert (d'Alabama) fez algumas experiências em animaes com fios metallicos, obtendo a reunião immediata, não obstante a persistência dos fios no fundo da ferida. « Ainda quando, diz Rochard, a matéria de que se compõem estes fios seja importante para evitar a suppuração, descobrio-se todavia que os fios metallicos, como qualquer outra ligadura collocada em torno de uma artéria, ulcera o tubo que ella comprime, e que, durante os progressos da ulceração, a irritação e a inflammação excediam o gráo que permitte a reunião das feridas por primeira intensão » . Quanto a mim, o principal inconveniente attribuido á ligadura dos vasos por meio dos fis metallicos é represen- tado pelo tempo mais ou menos longo, necessário para eliminação d'estes corpos extranhos e portanto para a cura definitiva da ferida, que fica assim exposta por mais tempo á influencia nociva de accidentes múltiplos. O emprego, como fios de ligadura, de uma substancia que, não gosando o papel de corpo estranho, pôde deter- minar a obliteração dos vasos e ser em seguida absorvida, faz completamente desapparecer o inconveniente que ha pouco acabei de mencionar. As ligaduras antisepticas do professor Lister realisam esse intento. Apesar de datar de Physic as primeiras applieações dos fios preparados com uma substancia animal, é a Lister que se deve, não obstante, pelo emprego do cat-gut, a genera- risação de uma tal pratica, - 59 « As ligaduras animaes, diz H. Jameson, não occasio- nam inflammação suppurativa, porque, sendo solúveis em um espaço de tempo conveniente, serão completamente acarretados pelos vasos absorventes. Não haverá solução de contiuuidade d'arteria, seo tecido próprio (matéria arte- riarum) será absorvido e o vaso, que durante o estado de inflammação e effusão de lympha plástica, estava conver- tido em um cordão, reduzir-se-ha logo a um cordão acha- tado de tecido cellular. » O professor Pozzi pensa que Lister prestou um rele- vante serviço á reunião immediata pelo emprego do cat-gut, ao qual, por um processo conveniente, deo flexibilidade e tenacidade. Com effeito, os fios de cat-gut podem ser aban- donados na ferida sem inconveniente, pois que elles serão absorvidos; são além d'isto menos susceptíveis que os fios de seda de provocar suppuração. As melhores condições, pois, para obter a reunião immediata acham-se assim rea- lisadas. A observação tem demonstrado que o cat-gut, unindo- se solidamente aos vasos pelo tecido conjunctivo, augmen- ta-lhes a força de resistência. Sob sua influencia as túnicas arteriaes não se alteram nem se rompem. « Eu não posso mais contar, diz du Pré, o numero de vezes que eu vi nas clinicas de Langenbeck, de Bardele- ben, de Boekel, feridas se reunirem por primeira intensão, quando mesmo ellas continham de i a 20 fios de cat-gut,sem darem o menor traço de pús nem 2 dias, nem 2 mezes após a operação. Ultimamente Boekel operou um cancro do seio com extirpação deglanglios axillares, o professor collocou, sob nossas vistas, 18 ligaduras de cat-gut, esparsas em toda a extensão da ferida, depois, como restasse bastante pelle para cobrir a ferida inteiramente, elle fechou-a em toda a sua extensão por meio da sutura entortilhada e applicou um curativo wde gaze antiseptica. Os alfinetes de sutura - 60 — foram retirados do 2o ao 3o dia, a ferida reunio-se em toda a sua extensão e a doente não apresentou um único instante o menor symptoma febril; 2 casos deste gênero apresenta- ram-se um após outro; o enkistamento e a absorpção d'estes fios é hoje um facto adquirido, apezar das reservas que formulam em geral os tratados clássicos de medicina operatoria e os manuaes de pequena cirurgia. » O professor Eugène Boekel de Strabourgo cita, no Jornal de Therapeutica de 1880, publicado por M. A. Gubler, 8 casos, em que elle empregou o cat-gut para as ligaduras. Esses 8 casos foram coroados de successos e a reunião immediata obtida facilmente. Muitos factos relativos ao emprego das ligaduras anti- septicas, seguidos de successo, têm sido referidos por Barwell, Jones, Holmes, Mac-Ewen, Bryant, etc. Bryant apresenta os quatro casos seguintes : i." Ligadura da artéria illiaca externa por aneurisma da femoral direita ; morte (14 horas depois da operação) por uma affecção cardíaca. A autópsia mostra as túnicas inter- na e media da artéria totalmente divididas e a externa par- cialmente ; pequeno coagulo acima e abaixo do ponto liga- do, cat-gut intacto. 2." Ligadura da carótida primitiva por aneurisma suspeito da aorta e do tronco brochio-cephalico. Morte 12 dias depois da operação. A autópsia revela as três túnicas arteriaes divididas, coagulo resistente de cada lado do ponto da ligadura, que tinha completamente desappare- cido. 3.° Ligadura da subclavea por aneurisma da axillar. Morte (i3 dias depois) por complicação pulmonar. A autó- psia demonstra ausência de pús, túnicas arteriaes divididas, coágulos resistentes estendendo-se cerca de pollegada e meia de cada lado do ponto da ligadura, cujo nó só se observava. 4.0 Ligadura do femoral; morte no 19o dia por gangrena. Encontram-se pela autópsia coágulos resistentes de cada lado. - 61 - « As experiências de Lister, diz o Sr.Conselheiro Saboia, ahi estão para attestarem que as ligaduras praticadas com o cat-gut desapparecem pouco a pouco, se identificam com os tecidos e são por fim absorvidas. « Ti vestes occasião de verificar, diz ainda o Sr. Con- selheiro Saboia, aqui na clinica um facto que comprova e justifica esta asserção. « Apresentou-se um individuo com um aneurisma da artéria plantar esquerda, no qual, sendo infructifera a com- pressão digital da artéria tibial posterior atraz do modelo interno, pratiquei a ligadura d'essa artéria com o cat-gut de Lister, cortei o fio bem rente á ligadura e reuni a ferida com todo o cuidado. No fim de 48 horas, retirado o apparelho de curativo de Lister, a reunião por primeira intensão era perfeita e assim se manteve até o desappa- recimento completo do tumor aneurismatico, sem ter havido pelo traçado da ferida a mais leve exsudação. A presença da parte da ligadura, formada pelo nó e por toda a porção que constringia a artéria, não provocou a menor irritação, e para mim não resta duvida de que foi absorvida. » No anno passado tive occasião de observar, na 9' en- fermaria de clinica cirurgica da Faculdade, um caso de ligadura da artéria femoral por meio do cat-gut, em que a reunião immediata foi obtida. Trata-se de um individuo de nome Sabino Brito (de idade, de 32 annos) pardo, con- stituição regular e temperamento lymphatico, que entrou para o hospital nos últimos dias do mez de Maio, com um tumor situado na região poplitéa, que reconheceo-se ser um aneurisma da artéria poplitéa. No dia 6 de Junho o Sr. Conselheiro Saboia, cercando- se de todos os cuidados aconselhados em taes casos pelo author do methodo listeriano, e depois de achar-se o doente perfeitamente clhoroformisado, praticou a ligadura da artéria femoral no triângulo de Scarpa servindo-se do — 62 — cat-gut. Os Íabios da solução de continuidade forma re- unidos por pontos de sutura metallica. Applicou-se o curativo de Lister. Este curativo não é renovado nos 2 dias que se seguem ao da operação. No terceiro dia, ao levan- tar-se o apparelho, vê-se a ferida unida por primeiro in- tensão. Alguns dias depois tendo-se manifestado a gan- grena, resolve-se o distincto professor a proceder a ampu- tação da coxa em seo terço inferior. Ainda aqui a reunião immediata é alcançada graças principalmente ao curativo de Lister. Ainda no corrente anno, pude vêr o Sr. Conselheiro Saboia conseguir a reunião immediata em um caso de aneurisma da artéria poplitéa, para cujo tratamento, tendo sido previamente empregada durante alguns dias sem suc- cesso a compressão por meio de tira elástica de Esmarch, lançou mão da ligadura da artéria femoral com o cat-gut. O cat-gut, diz Mac Cornac, tem, entretanto, alguns inconvenientes que importa assignalar. E' menos flexivel e de um manejo menos fácil que seda. Pôde igualmente acon- tecer que o nò escape-se, quando não tem sido bem applicado, ou que o cat-gut seja reabsorvido, antes que o coagulo obliterador esteja sufficientemente conso- lidado . O Dr. Eduardo Huse affirma que, apezar da superio- ridade incontestável do cat-gut, não isempta elle sempre dos accidentes septicemicos, porque, quando mal phe- nicado, pôde alterar-se e dar lugar a uma reacção inflam- matoria intensa. A seda phenicada é muitas vezes empregada de pre- ferencia ao cat-gut. Completamente aseptica, não produz geralmente nenhum dos phenomenos dependentes da in- troducção de corpos estranhos nos tecidos. E' de um manejo mais fácil que o cat-gut. Convém sobretudo para a ligadura de vasos de pequeno calibre, em razão de sua extrema flexibilidade. - 63 — Outros fios animaes têm sido applicados em vez do cat-gut, taes são o tendão de Kanguroo, que Gerdlestone julga superior ao cat-gut, o fio obtida do Ox-aorta, e o preparado com o nervo sciatico do veado, usado por Wait de Philadelphia, fios estes que não têm sido applicados senão em rarissimos casos. Os fios de clina tem ainda sido utilisados em vários casos com alguma vantagem. Resultados notáveis tem sido obtidos porEdward Huse com o emprego dos fios de magnesio. Esses fios previne com muita segurança os accidentes inflammatorios e são absorvidos com muita facilidade. Não se escapam, nem são sujeitos a decomposição pútrida. As experiências feitas com estes fios são ainda mui pouco numerosas. « Examinando, dizia Vidal de Cassis, em 1848, os ar- gumentos contra a ligadura, após as grandes operações, chego a esta conclusão : nada contra a sua simplicidade, nada contra a sua facilidade, nada contra a dor que de- termina, nada contra os accidentes, que são sua conse- qüência, isto é, que a ligadura praticada como se faz hoje em França, em Inglaterra e em outras partes, com as mo- dificações trazidas pelos progressos recentes da cirurgia, constitue a pratica a mais isenta de censura que nos offerece a medicina operatoria. Nos hospitaes de Pariz, uma hemorrhagia, apóz uma ligadura bem feita, é consi- derada como um facto dos mais raros. » « A ligadura, é dizia Nelaton, de todos os processos hemostaticos aquelle cuja applicação é a mais geral, elle é empregado com igual successo para os vasos de grande e pequeno calibre. Seu inconveniente é deixar na ferida um corpo estranho que torna-se uma causa de inflamma- ção e de suppuração, porém esta suppuração não tem lugar senão sobre os pontos que estão em contacto com os fios. Todas as outras partes da solução de continuidade podem se reunir por primeira intensão,» — 64 — « Na minha opinião, diz o Sr. Conselheiro Saboia, é a ligadura o meio a que devereis recorrer em caso de he- morrhagia ou de corrimento sangüíneo fornecido por uma ferida 9m que tenhais em vista obter a reunião por pri- meira intensão.» A ligadura me parece, a vista de tudo quanto acabei de referir, um meio simples, seguro em seus resultados e susceptivel de permittir a reunião immediata de uma fe- rida. E' só depois de termos feito respirar largamente o doente e procurado verificar se existem causas de compressão entre o coração e a ferida, para supprimil-as, que podemos em casos de hemorrhagjas venosas, recorrer a ligadura das veias. Em algumas hemorrhagias venosas graves e persisten- tes Langebek pratica a ligadura da artéria, correspondente a veia lesada. A ligadura simultânea da veia e da artéria correspon- dente tem sido empregada em alguns casos de ligadura venosas. Follin diz : « Em verdade, n'esses casos de dupla ligadura, não só o esphacelo não se produz, mas ainda as perturbações da circullação capillar são menos pronuncia- das do que quando se liga a artéria sò. » « Ao passo que se hesitava, diz Championnieri, fazer a ligadura sobre as veias, podemos praticar hoje com toda a segurança, porque o laço não provoca nenhuma suppu- ração em torno de si... A cirurgia das veias é um dos maiores progressos do methodo antiseptico. » Esta opinião tem sido confirmada por um grande nu- mero de cirurgiões. Scheede, em ioo casos de ligadura antiseptica de veias varicosas, sò em dous poude notar suppuração. Boekel publicou, no anno passado, uma serie de casos de ligaduras antisepticas na continuidade de grossas veias, - 65 - em que lhe foi possivel conseguir successos notáveis em poucos dias. Em um caso de resecção de um paquet varicoso, feita entre duas ligaduras antisepticas, Boeckel obteve a cura por primeira intensão em cinco dias. Depois da ligadura occupa a torsão das artérias um lugar proeminente no grupo dos meios hemostaticos. Acreditam alguns cirurgiões que a torsão é superior á ligadura, porque não deixando nenhum corpo estranho no interior da ferida, compromette muito menos o resul- tado da reunião immediata. Esta vantagem é, porém, illu- soria para outros cirurgiões, taes como Sedillot e Le- gouest, que pensam que a extremidade torcida do vaso representa um verdadeiro corpo estranho,cuja presença no meio dos tecidos deve ser seguida de uma suppuração destinada a sua eliminação. Graefe encontrou, não poucas vezes, após a torsão, suppurações mais abundantes que após a ligadura. « A esperança de não deixar nenhum corpo estranho na ferida, diz Follin, tem sido muitas vezes desmentida, porquanto tem-se visto a extremidade torcida da artéria gosar o papel de uma matéria inerte, até o momento em que ella se tem completamente destacado. » Tem-se ainda accusado a torsão de expor mais fre- qüentemente que a ligadura ás hemorrhagias consecu- tivas. « Em epocha alguma, diz Maisonneuve em suas licções clinicas sobre os progressos da cirurgia contemporânea, 8* licção, os accidentes hemorrhagicos não foram tão fre- qüentes nos hospitaes de Pariz, em epocha alguma a mortalidade nos operados não foi tão considerável. » E' preciso dizer que Maisonneuve refere-se ás primeiras applicações da torsão em França. Muitos cirurgiões negam, baseando-se em factos, a manifestação d'estas hemorrhagias consecutivas. Hill em N. 71 9 — 66 — 3o operações que praticou, em 1870, no Royal Free Hos- pital, utilisando-se da torsão, não observou, em um só dos casos, hemorrhagias consecutivas. Du Pré diz ter visto em Londres praticar-se muitas ablações de todo o seio e uma amputação de coxa, sem uma única ligadura , n'este ul- timo caso, diz elle, a artéria femoral torcida não deu uma só gotta de sangue. Bryant diz que este methodo pôde com confiança ser applicado ás artérias de grosso calibre, taes como a illiaca externa e a sub-lavea, e do mesmo modo sobre vasos atheromatosos. Barwell pensa, porém, que não seria isento de perigos o emprego da torsão em artérias atheromatosas. « Querer negar, diz Vidal de Cassis, os successos obtidos pela torsão, seria querer negar factos perfeita- mente demonstrados. Mas qual é o meio hemostatico que não conta em seu favor um certo numero de factos ? » « Apesar das censuras feitas a torsão, diz Rochard, constitue esta um dos meios hemostaticos dos mais recom- mendaveise cujo valor estamos longe de contestar. Appli- cada como meio addicional e concurrentemente com outros processos, reservada em geral para as pequenas artérias pela maior parte dos cirurgiões, é entretanto pre- ferida á ligadura, mesmo para os grossos vasos por alguns cirurgiões. » Resumindo, podemos dizer que, como methodo geral, a torsão é muito menos favorável que a ligadura, perigosa para os vasos calibrosos, não convém senão ás pequenas artérias. Comquanto a ligadura e a torsão sejam os meios que devemos preferir, em alguns casos todavia pela difficul- dade que offerece a sua applicação, não poderão ser em- pregados convenientemente. E' muitas vezes com effeito difficil, senão mesmo im- possível, sustar pela ligadura ou pela torsão hemorrhagias — 67 - provenientes de pequenas artérias situadas na espessura de tecidos muito densos, como os do couro cabelludo ; em presença de taes casos, os cirurgiões tem tido a lembrança de fazer passar um alfinete por traz do vaso, compri- mindo-o de encontro aquelle por meio de um fio, de pra- ticar, em summa, um ponto de sutura entortilhada. A ge- neralidade de um tal expediente aos grossos troncos arteriaes, deu origem ao processo de hemostasia conhecido pelo nome de acupressura. Fougher, depois de varias experiências, concluio que a acupressura pôde prestar verdadeiros serviços nos casos em que as artérias são ossificadas ou somente endureci- das pelo facto da idade ou de uma alteração patholo- gica. Chassaignac, baseando-se n'estas experiências de Fougher e de outros cirurgiões, que puderam sustar pela acupressura hemorrhagias que se mostravam incoerciveis, apesar da applicação de ligaduras, diz que, em casos de degenerescencia athermatosa das artérias, o emprego da acupressura constitue um meio hemostatico efficaz. Simpson acredita que com a applicação da acupres- sura póde-se facilmente obter a reunião immediata. Uma tal opinião não é exacta, porquanto a observação clinica demonstra que phenomenos de uma suppuração mais ou menos abundante são freqüentemente a conseqüência do emprego da acupressura. Um outro inconveniente apresenta a acupressura, e vem a ser poder permittir hemorrhagias, após a extracção das agulhas. Factos d'esta ordem são referidos pelo pro- fessor Sedillot. « A acupressura, diz Rochard, tem dado resultados na maioria dos casos em que tem sido posta em pratica ; este resultado não tem nada de surprehendente, ella não è seguramente de natureza a comprometter a vida do ferido; mas a questão não é essa. Trata-se de saber se este meio - 68 - hemostatico é superior á ligadura, e nòs não o pensamos. Esse fio, essa agulha que se deixa na profundidade das partes e que é preciso retirar em seguida atravez dos te- cidos em via de cicatrisação, nos parece complicar muito mais a operação que um simples fio encerado que cahe por si mesmo, quando seu papel está terminado. Simpson exagera em excesso os inconvenientes da ligadura apôs as amputações; por nossa parte, ainda não vimos um fio bem applicado cortar prematuramente um vaso ou dar lugar a um accidente qualquer, e, quando a arte possue um meio tão simples e tão seguro, nós não vemos razão para substituil-o por outro. Nós não hesitamos em regei- tar a acupressura para as amputações e as hemorrhagias arteriaes. » Bilroth assim se exprime : « Este methodo, que eu não poderia considerar como destinado a substituir a ligadura, porém que, entretanto, pôde ter uma grande utilidade pratica como meio hemos- tatico provisório, consiste no achatamento da artéria san- grenta pela pressão de uma agulha, ou em outros termos, pela acupressura. E' fácil provar por experiências que d'este modo pôde se sustar a hemorrhagia de artéria de um calibre, mesmo bastante considerável. Entretanto se comprehende também que um igual meio deve ser arris- cado, quando se trata de artérias volumosas, pois que a menor contracção muscular, o menor movimento, podem deslocar as agulhas. Este ensaio, como muitos d'aquelles que o tem precedido e que tem por fim substituir outros processos á ligadura, não deve, pois, ser aceito como tal. Todavia, como methodo hemostatico provisório e para sustar hemorrhagias de pequenas artérias, a acupressura pôde sem duvida ter sua utilidade. » Para Follin a acupressura é rodeada de perigos e in- convenientes e por isso não tem conseguido um lugar na pratica cirurgica. — 69 — Muito inferior em seus resultados á ligadura e a torsão, a acupressura não acha suas indicações senão nos casos urgentes, em hemorrhagias dependentes de vasos profun- damente situados, em fim nos casos em que os vasos apresentam-se com suas paredes nimiamente alteradas. A uncipressura do profersor Vanzetti, de Padua, diz Pean, não é senão uma forma ou modo especial de acu- pressura. Repousa sobre o mesmo principio que a acu- pressura, porém apresenta maiores difficuldades pra- ticas. A forcipressura constitue mais um meio hemostatico proposto para substituir a ligadura e a torsão. A forcipressura é temporária ou definitiva. A forcipressura temporária, isto é, a que se pratica ex- clusivamente durante o acto operatorio, tem realmente as seguintes vantagens: facilidade e rapidez em sua exe- cução, tornar menor o numero de ajudantes necessários para o acto operatorio, abreviar consideravelmente o tempo da operação, e ser muitas vezes sufficiente para sustar o sangue de modo definitivo nos pequenos vasos, tornando assim inútil o emprego da ligadura ou da torsão. Spencer Wells, em um artigo publicado no British Medicai Journal, de 21 de Junho de 1879, faz ver que a forcipressura não só susta temporariamente a hemorrhagia, mas ainda pode sustal-a de um modo definitivo nas me- nores artérias e veias. Os defensores da forcipressura definitiva attribuem a este meio uma grande vantagem, que vem a ser a de não deixar,desde o segundo ou terceiro dia da operação, corpo estranho na ferida, de modo que, dizem elles, a cicatri- sação torna-se muito activa e pôde facilmente realisar-se por primeira intensão. Verneuil diz que a forcipressura offerece, entre muitas outras, as seguintes vantagens: não irritar o foco traumático — 70 — enãoperturbar,portanto, quasi o trabalho reparador, ofFe- recertoda a segurança da ligadura e até hoje (1875) pelo menos ter dado provas de uma efficacia notável. G. Deny e Exchaquet dizem que as pinças permane- cendo sobre os vasos durante algum tempo, ás mais das vezes de 2 a 46 horas, determinam a hemostasia de- finitiva e podem assim substituir vantajosamente na maior parte dos casos a ligadura e a torsão ; sua demora nas feridas não determina nunca accidentes. A forcipressura praticada por Verneuil,Pean e Koeberlé sobre os mais grossos vasos tem sido seguida dos mais brilhantes successos. Verneuil tem sem inconveniente dei- xado as pinças se destacarem por si mesmas. Apesar d'este resultados notáveis, referidos por homens dignos de toda a confiança por seu saber e probidade scientifica, a forcipressura não tem passado além da pra- tica de um ou outro cirurgião. « Bem sei, diz o Sr. Conselheiro Saboia, que ha de- fensores da acupressura, da forcipressura, e até não nego as suas vantagens em mãos de alguns cirurgiões, mas, por minha parte, não tenho obtido resultado satisfactorio para vos aconselhar o emprego ou applicação d'estes meios. Em França, em Inglaterra, na Allemanha e na Itália, cujos hospitaes freqüentei e cujos serviços clinicos a cargo dos mais distinctos cirurgiões foram por mim acompanhados, não vi empregar senão a ligadura ou torsão. » A falta de aceio e cuidado nos curativos, é ainda um obstáculo mais ou menos considerável á reunião imme- diata. Nada é mais certo que dizer com Gerdy que os principios geraes dos curativos têm muita analogia com os principios geraes das operações e que o que faz o bom ci- rurgião em um caso, fal-o também no outro. As feridas mal curadas, diz Velpeau, em seu tratado de medicina operatoria, tomo I, pag 109, de simples que eram tornam-se ás vezes graves, - 71 — O cirurgião que em um hospital ou em outra qualquer parte, diz Vallete de Lion, obtém maior numero de suc- cessos, é o que faz elle próprio o curativo de seus ope- rados. « O principal mérito do cirurgião de hoje, diz o Dr. Carlos Teixeira em sua these inaugural, não consiste como outr'ora em manejar com mais ou menos dextresa e elegância um bisturi; seu papel é mais elevado e im- portante, sua missão mais scientifica. Guiar o processo evolutivo das feridas, conjurar os accidentes que por ven- tura appareçam ou lhes sejam inherentes, combatel-os a tempo pelos meios que a therapeutica medica auxiliada ou não pelo arsenal cirúrgico põe á nossa disposição, con- stitue, no estado actual da sciencia, o dever do cirurgião illustrado. Junto do doente elle deve ser um observador intelligente e esclarecido que saiba esperar velando, e actuar opportunamente. » E' dever do cirurgião, dos enfermeiros á cabeceira dos doentes, guardar o mais escrupuloso aceio das mãos, in- strumentos e objectos de curativo, etc. « E' occasião, senhores, diz o professor Gosselin, de vos recordar a recommendação que tantas vezes vos tenho feito de guardar o maior aceio nos curativos. « Eu sei que a este respeito, continua o mesmo pro- fessor, vossos hábitos são os de todas as pessoas bem educadas. Porém acho que em nossas salas as locções são insufficientes por falta de meios. Nós, chefes do serviço, somos acompanhados por um enfermeiro, que nos fornece água para lavarmos as mãos tantas vezes quantas julgarmos necessário. Mas os discípulos e os enfermeiros não têm a mesma facilidade. Ora, em uma sala de doentes, muitas pessoas tocam, não só no próprio enfermo, mas ainda nas peças que devem ser collocadas sobre a ferida. Conviria que houvesse de espaço em espaço torneiras ás quaes- — 72 — podessem recorrer os doentes, as pessoas do serviço, bem como os cirurgiões. Esperando este progresso, eu aprecio um modo de curativo que obrigue o cirurgião a lavar seus dedos com um liquido reputado désinfectante e a enxugal-os em se- guida em uma toalha limpa, antes de passar a outro leito. » A acção do ar sobre as feridas tem. desde o berço das sciencias médicas até nossos dias, despertado a maior at- tenção da parte dos cirurgiões que a têm reconhecido prejudicial á marcha natural das mesmas feridas. Hyppocrates, segundo nos refere Boyer, sabia que as feridas subcutaneas, aquellas em que os tegumentos acham- se intactos, não só curavam-se mais rapidamente, mas ainda seguiam uma marcha mais regular que as que se apresentavam em condições oppostas. Para Hyppocrates os effeitos nocivos do ar sobre as feridas eram devidos exclusivamente ás suas propriedades thermicas. O ar frio difficultava a cicatrisação das feridas e das ulceras, tornando seus bordos calosos, crispando-os, permittindo a estagnação dos humores; coagulando os lí- quidos, obliterava os vasos e favorescia a manifestação de novas congestões. Hyppocrates considerava o frio como inimigo do cérebro, dos nervos, dos ossos e geralmente de toda a nossa natureza. O ar quente e humido precedia de ordinário, segundo Hyppocrates, o apparecimento da grangrena. A influencia da primavera e do outomno, quando precedidos por um verão bastante quente e hu- mido, era considerada a origem de epidemias de erysi- pelas. Hyppocrates, que procurava explicar as epidemias pela presença de miasmas impurificando o ar, nada nos diz em referencia a acção da athmosphera sobrecarregada d'esses miasmas sobre as soluções de continuidade, — 73 - Celso e Galeno abraçaram as asserções de Hyppocrates, desenvolvendo-as um pouco mais. Celso considerava como altamente prejudiciaes o calor e o frio excessivos e principalmente as rápidas alternativas da temperatura. Galeno estudou com muito cuidado a influencia exercida no organismo pela acção geral do ar. Para explicar a gê- nese das alterações dos humores, causas das doenças, assignala Galeno como devendo occupar um lugar pro- eminente o ar, principalmente quando corrompido pela presença de matérias em putrefacção. Avincennes e Oribasis, representantes dos árabes, acei- taram as idéas emittidas nas obras de Hypocrates, Celso e Galeno ; como estes, aquelles não procuraram inves- tigar quaes os resultados que podem sobrevir ás feridas desde que se achem banhadas por um ar impuro. Até o século XVI os cirurgiões continuaram a attribuir os effeitos prejudiciaes do ar sobre ás feridas as suas qua- lidades thermicas e hygrometicas. N'esse mesmo século Ambrosio Pareô occupou-se com a influencia que podem ter sobre as soluções de continui- dade os miasmas esparsos na athmosphera. O ar viciado, dizia elle, por esses miasmas, deteriora o sangue e os humores pela transpiração e pela inspiração a ponto de tornar as feridas tão pútridas que d'ellas se exhala um fétido cadaverico. Era este ar impuro que, se- gundo Ambrosio Pareô, dava lugar a putrefacção dos líquidos da ferida, que, sendo reabsorvidos, produziam os accidentes graves da infecção purulenta. E', pois, a Ambrosio Pareô que devemos os primeiros estudos relativos á pathogenia da infecção purulenta. Ambrosio Pareô instituio os curativos das feridas de acordo com esse seu modo de pensar. Acenselhou que se descobrissem as feridas o menor numero de vezes pos- sível e que se aquecesse o ar que as circumdava por meio de pás e de tijolos sufficientemente aquecidos. Ambrosio N. 71 1Q — 74 - Pareô foi o primeiro que procurou por vários meios pu- rificar o ar das salas dos hospitaes no intuito de tornal-as assim mais salubres, reconhecendo todo o proveito que podia tirar com esta maneira de proceder. Os observadores do século XVII não desconheceram os phenomenos ligados á infecção do organismo por um pús alterado pelo contacto do ar. Magatus attribuio ao ar propriedades irritantes, depen- dentes da existência n'elle de um principio nitroso espe- cial, sob cuja influencia o liquido plasmatico tornava-se incapaz de contribuir efficazmente para a reunião das fe- ridas, e favorescia.pelo contrario, a manifestação de pheno- menos inflammatorios intensos , cujas conseqüências podiam ser mais ou menos graves. Afim de evitar o mais possível a acção do ar sobre as feridas, Magatus recom- mendou os curativos raros. Martel esforçou-se egualmente para fazer substituir a freqüência dos curativos pela sua raridade. Foi n'esse século que ainda surgiram as primeiras ten- tativas feitas por Van Helmont para explicar pela acção dos fermentos um grande numero de doenças, e que Heushaw procurou sanear os hospitaes, servindo-se, não dos meios aconselhados por Ambrosio Pareô, mas de ven- tiladores mechanicos. No XVIII século a questão tomou uma nova face com Lavoisier, a quem a sciencia rende preito e homenagem pela descoberta das propriedades e da constituição intima do ar athmospherico. O oxigeno do ar foi então consi- derado o agente productor dos accidentes das feridas ; as dores, a inflammação mais ou menos viva, a presença do pús e a sua fácil alteração não eram senão o resultado das propriedades excitantes do oxigeno. Acreditava-se que era a absorpção d'este pús alterado que dava lu^ar ao apparecimento de accidentes febris graves. Dizia-se então que o oxigeno posto em presença do liquido sangüíneo dos - 75 ~ capillares da superficie da solução de continuidade, com- binava-se com elle, e que, a maneira porque tinham lugar os phenomenos chimicos da respiração, trazia em resul- tado a queima dos tecidos. Dos cirurgiões, que não attribuiram aos elementos chimicos do ar propriedades prejudiciaes á marcha dos phenomenos reparadores das feridas, uns admittiram no ar a existência de um quid cuja presença só era denunciada por seus effeitos, e outros continuaram a guiar-se pela maneira de pensar de Hyppocrates e de seus primeiros suc- cessores. Aitken, Monro e Bromfield acreditaram ser tão preju- dicial a acção do ar sobre as soluções de continuidade, que julgaram necessário serem praticadas dentro d'agua, pelo menos as grandes operações, e resguardadas as feridas pelas cortinas do leito do doente nas occasiões dos cura- tivos. Posteriormente Piorry mostrou-se adepto das mesmas idéas. No começo de nosso século, Dupuytren attribuio ao ar qualidades nocivas que podiam depender não só de suas propriedades irritantes, mas ainda de emanações, que elle podia transportar a uma certa distancia. Velpeau que a principio só temia as correntes de ar frio, e que não acreditava que o ar podesse prejudicar a cicatrisação, maximè no curto espaço de tempo necessário para os curativos, mais tarde, acompanhando as idéas de Poggeale e Boulay, sustentava que era em virtude de uma acção chimica que o ar actuava sobre as feridas, mas para que esse facto tivesse lugar, tornava-se necessário que houvesse renovação do ar, pois que do contrario, em vez de agente destruidor, transformava-se em um gaz conser- vador dos tecidos. Em i83g J. Guerin, admittindo a acção do ar cpmo causa da suppuração das feridas, não appellou quasi, para - 76 — confirmar o seu modo de pensar, senão para as proprieda- des irritantes de um dos elementos do ar, o oxigeno. Em uma epocha mais próxima de nós, em 1847, A. Guerin sustentou que o ar era prejudicial á evolução normal das feridas pelas matérias que n'eíle achavam-se accumuladas em quantidade tanto mais notável quanto maior era o numero de indivíduos agrupados em um es- paço limitado. Os perniciosos efFeitospara a economia ani- mal, determinados pelo ar confinado, attingiam o máximo de sua gravidade, quando se tratava de doentes. A intoxica cão da economia tinha lugar pela própria ferida, cujo pús, alterado pela presença dos miasmas, deixava desprender emanações que em outros enfermos occasionavam phe- nomenos idênticos aos dos doentes,em cujas feridas tinham se originado. Guerin posteriormente, abandonando a idéa dos mias- mas, cuja natureza elle não especificava, mostra-se adepto da theoria parasitaria. Eis como se exprime Guerin em seus últimos trabalhos sobre a infecção purulenta : « Considerando que é nas sa- las em que os feridos estão reunidos em grande numero que a infecção purulenta se produz, eu não posso deixar de estabelecer uma relação de causa e effeito entre a producção d'esta moléstia e a presença na athmosphera de uma matéria, que não é tangível, nem visível, que nós não conhecemos senão por seos effeitos, e análoga áquella que se considerava geralmente como dando origem ás febres graves. Esta substancia então invisível, devia ser mais tarde vista ao microscópio, e sua existência ser ainda demonstrada por mim no leito dos feridos, para os quaes imaginei filtrar o ar com algodão, para despojal-o de poei- ras nas quaes se tinha presumido a existência dos corpus- culos que dão lugar á infecção purulenta. » Cara o professor Verneuil o ar dá logar por seo contac- to com os líquidos da ferida a uma acção chimica, que — 77 — elle não conhece, em virtude do qual origina-se um vírus especial, que elle chama virus traumático ou sepsina. Devo dizer que a sepsina de Verneuil nada tem de com- mum com a sepsina de Bergmann, que é um veneno chi- mico, senão o nome, pois que Verneuil não procurou de fôrma alguma precisar a natureza chimica do seo virus traumático. E' este virus traumático, diz Verneuil, que sendo absor- vido e acarretado pela torrente sangüínea, dá lugar á ma- nifestação de uma moléstia geral, que eu denomino septi- cemia traumática. Os accidentes observados, diz elle, variam com a quantidade maior ou menor d'este veneno, que foi absor- vido. Em um primeiro gráo, tem-se a febre traumática; em um segundo, a infecção pútrida; em um terceiro, a in- fecção purulenta, e finalmente em um quarto e ultimo, a septicemia fulminante. A manifestação d'esses accidentes coincide com modificações terríveis que sobrevem para o lado da própria ferida. O virus traumático, diz ainda Verneuil, pôde originar-se na própria ferida ; o envenenamento é produzido pelo pró- prio individuo, a infecção é autochtona.Esta infecção é he- terochtona, quando o virus é acarretado, por exemplo, pelos instrumentos do operador, pelas peças de curativo, pelas esponjas, etc « Conforme as theorias modernas, diz Verneuil, se po- deria dizer hoje, que o virus traumático resulta da acção exercida sobre as matérias contidas no foco da ferida pelos micróbios vindos da athmosphera e gosando das proprie- dades dos fermentos. « Supprimir-se-hiam as palavras, produzidas esponta- neamente, porque, depois os trabalhos de Pasteur, me in- clino a crer que as matérias contidas no foco traumático não se tornam deletérias, senão por sua mistura com ps germens contidos no ar. — 78 — « D'esta sorte se fariam largas concessões a uma theo- ria seductora, provavelmente verdadeira, mas não inteira- mente demonstrada................................... « Quer, diz ainda Verneuil, o veneno se forme no foco por decomposição espontânea dos elementos anatômicos e dos humores, quer esta decomposição exija o auxilio de um agente exterior ou não, a cousa é de uma importância relativamente secundaria. Com effeito, a observação mos- tra que o agente tóxico não actua, senão quando penetra na economia, e que elle não poderia penetrar, senão por uma única via, a ferida. Portanto nas duas theorias deverão ser tomadas as mesmas precauções contra a entrada do veneno na tor- rente circulatória, venha elle d'onde vier, e qualquer que seja a sua origem. » Para Pasteur é por intermédio de seres infinitamente pequenos esparsos no meio, que nos envolve, que o ar faz sentir sua influencia maléfica sobre as feridas. Conjunctamente com Joubert, Pasteur demonstrou, por meio de immorredouras experiências, que em todos os objectos que nos rodeam, nas esponjas e nos fios de cura- tivo empregados em cirurgia, nos dedos dos cirurgiões, nas roupas do enfermo, nos instrumentos cirúrgicos, no ar, na água, etc, existem myriades de micro-organismos os quaes, em contacto com a superficie das feridas, dão ori- gem á fermentações septicas, á suppuração, á putrefacção das feridas. *" Esses seres infinitamente pequenos nutrem-se, evoluem e reproduzem-se buscando no seio das matérias fermente- civeis os meios necessários para o desempenho d'esses três fins. — 79 — Esses micro-organismos apresentam-se com fôrmas dif- ferentes, não têm todos a mesma dimensão, e muitos d'elles têm um ou mais cilios vibrateis (órgãos de movi- mento). D'esses proto-organismos, uns são completamente inof- fensivos (micrococus), outros, pelo contrario, nimiamente nocivos (vibrião septicemico, pyogenico, etc.) Reproduzem-se por scisão ou por sporos. Colin faz observar que a rapidez com que se reprodu- zem é tal, que uma bactéria em 24 horas pôde, em um meio conveniente, gerar 16 milhões. Uns são aerobios, isto é, vivem á custa do oxigeno do ar (bacteridia carbunculosa, o micróbio do cólera das gallinhas, etc.) ; outros emfim aerobios e anaerobios ao mesmo tempo (vibrião pyogenico, o que produz a infecção purulenta). Os germens d'esses proto-organismos resistem ás mais altas temperaturas, sem perderem sua especificidade ; elles supportam impunemente, segundo Schraeder, a tempera- tura de i3o gráos cent. De todos esses micro-organismos, os que têm sido mais facilmente encontrados nas superfícies das feridas, são as bactérias e os micrococus. Com quanto os micrococus não determinem a putre- facção, todavia a sua presença retarda de algum modo a cicatrisação das feridas. No grande grupo das bactérias, acha-se o vibrião se- ptico, que é anareobio no estado adulto, porém cujos ger- mens não são incompatíveis com o ar, vivem mesmo no oxigeno comprimido a varias athmospheras. E' o vibrião septico o micro-organismo que produz a septicemia. Por meio de culturas artificiaes, feitas no vácuo ou em gazes considerados inertes, como o ácido carbônico, Pas- teur conseguio obter o vibrião septico isolado ; inoculan- — 80 - do-o em seguida em um animal são, vio a septicemia ma- nifestar-se com todos os seos symptomas. O vibrião septico pôde, segundo as experiências de Pasteur, revestir-se de varias fôrmas e apresentar maior ou menor virulência, conforme o meio em que é cultivado. Elle existe nas superfícies das feridas expostas ao ar ao lado de outros micro-organismos completamente inócuos. Numerosas objecções têm sido apresentadas ás idéas de Pasteur, porém nenhuma d'ellas, como muito bem diz o Dr. Francisco de Souza em sua these inaugural, conse- gue provar que, isolado o vibrião septico, cultivado, e depois inoculado em um animal, a septicemia não se re- produza. Em 1878, Pasteur descobre o vibrião pyogenico nos líquidos, que lhe serviam para a cultura do vibrião sptico. O vibrião pyogenico é considerado por Pasteur, como o micróbio que produz a infecção purulenta. O micróbio pyogenico, segundo Pasteur, pôde asso- ciando-se ao vibrião septico, penetrar no organismo, pro- duzindo a septipyohemia, e conforme a predominância de um sobre o outro, assim teremos uma infecção puru- lenta septicemica ou uma septicemia purulenta. E' a theoria parasitaria a que conta hoje maior numero de adeptos, e a que explica de modo mais satisfactorio a gênese de um grande numero dos accidentes das feridas. « Esta theoria, diz Mac-Cormac, convém e explica a maior parte dos factos. Nós podemos, sem hesitar acei- tal-a, com uma certa reserva scientifica, até que uma ou- tra melhor theoria seja conhecida.» Tendo terminado as considerações, que julguei neces- sário fazer relativamente ás condições favoráveis, ou não á reunião immediata, passo a tratar das condições geraes, occupando-me em primeiro lugar com a idade. A idade do doente tem sem duvida alguma influencia nos phenomenos de cicatrisação das feridas. Nos primeiros — 81 — annos da vida a reunião é em geral muito fácil e muito rá- pida, graças á energia que apresenta a força nutritiva no processo reparador das feridas. Nos indivíduos de idade avançada, em que todos os actos orgânicos executam-se com certo langor, a reunião immediata é mais difficil de rea- lisar-se, principalmente nos membros inferiores; nas regiões ricas de vasos sangüíneos, nas partes abundantemente vas- cularisadas, nas feridas do couro cabeiludo e da face, a reunião por primeira intensão é muito menos rara. Boyer vio uma ferida, resultante da amputação de um dedo supranumerario em uma criança de 8 mezes, reu- nir-se em 3 dias, ao passo que para conseguir-se igual re- sultado em um adulto, são precisos de 5 a 6 dias. Ainda que taes factos constituam a regra geral, não obstante encontram-se diariamente na clinica algumas excepções. A observação, que se segue, nos fornece um exemplo frisante de uma dessas excepções. OBSERVAÇÃO Sebastião Sampaio, de cor preta, cabinda, de 70 annos de idade, solteiro, de constituição regular e temperamento lymphatico, entrou para o hospital, em 29 de Abril de i883, com uma ferida por esmagamento no pollegar di- reito, indo occupar o leito n. 3i da 9a enfermaria de ci- rurgia, a cargo do Sr. Conselheiro Saboia, professor da i8 cadeira de clinica cirurgica. Sendo baldados todos os meios empregados, e reves- tindo-se a solução de continuidade do aspecto de um epi- thelioma ulcerado, resolve-se o illustrado professor a pra- ticar, no dia 16 de Junho, a desarticulação carpo-meta- carpiana do pollegar pelo methodo ovular, n. 71 11 — 82 - A operação é feita com toda a proficiência; os vasos ligados com o cat-gut; applica-se um tubo a drainagem na parte a mais declive da ferida, que é reunida em todo o resto de sua extensão por pontos de sutura entrecortada, feitos com fios de prata. Durante o acto operatorio func- ciona o spray do professor Lister. Terminada a operação procede-se ao curativo de Lister. A' tarde do dia da ope- ração o thermometro, posto na axilla do operado, marca 38° de temperatura. Dia 17.-Temp. m. 37°,2—Renova-se o curativo. O spray trabalha durante todo o tempo necessário para re- formar-se o curativo.—Praticam-se pelo tubo a drainagem injecções com uma solução de ácido phenico. Tempera- tura á tarde—37o,5. Dias 18 e 19.—Temp. norma!. Reforma-se o curativo. Não se nota o mais leve traço de suppuração. Dia 20. —Apyretico. Renova-se o curativo. Retiram-se 3 pontos de sutura. Os Íabios da ferida acham-se reunidos por primeira intensão. Deixa-se um unico ponto junto ao tubo. Dia 21.—Apyretico. Não se reforma o curativo. Dia 22.—Temp, normal. Renova-se o curativo. Con. tinua-se a não observar suppuração. O operado, que, du- rante os primeiros dias, manifestara algum fastio, começa a ter mais appetite. Dias 23 e 24.—Apyretico. Não se reforma o curativo. Dia 25.—Temp. normal. Renova-se o curativo. Uma pressão moderada em torno do tubo a drainagem, dá sahida a algumas gottas de pús. Dia 26.—Apyretico. A suppuração torna-se um pouco mais apreciável. Do dia 27 ao dia 5 de Julho—Temp. normal. Renova- se o curativo em dias alternados. O pús torna-se cada vez menos abundante, - 83 — Dia 6.—Temp. normal. Reforma-se o curativo. Re- tira-se o tubo a drainagem, e o ultimo ponto de sutura, que estivera applicado até agora, para manter o tubo. Do dia 7 ao dia 14. Os curativos continuão a ser feitos; porém com menos freqüência. O ponto em que esteve applicado o tubo a drainagem acha-se no dia 14 comple- tamente cicatrisado. Nesse mesmo dia suspende-se todo o curativo. O operado permanece ainda no hospital até o dia 17 em que tem sua alta perfeitamente curado. A influencia dos climas e das estações se faz sentir na marcha da cicatrisação das feridas. Hyppocrates já dizia que a estação quente era mais favorável, que a estação fria, á reunião das feridas. Ma- gatus acreditava, que era principalmente por sua baixa temperatura, que o ar era nocivo ás feridas. Ambrosio Pareô não desconhecia, que a cura das feridas se fazia muito mais facilmente durante o verão que durante o in- verno. Faire em casos de ulceras rebeldes, para apressar- lhes a cicatrisação, sujeitava-as á acção do calor irradiado de carvões ardentes que eram collocados a uma certa dis- tancia da sede da ulcera. E' de observação que nos paizes quentes, a reunião immediata realisa-se um numero maior de vezes. O calor, diz Follin, convém ás feridas ; e em um dos capítulos da historia da campanha do Egypto, Larrey prova que, nas campanhas do Egypto e da Itália,vastas feridas marchavam rapidamente para uma cicatrisação, que era mais diffi- cilmente obtida pelo contrario nos climas do Norte. Dizem Guijot e Spillman que Larrey attribuia os felizes resultados observados n'essas circumstancias mais á acção local da temperatura que ás modificações geraes desen- volvidas sob a influencia das condições climatericas espe- ciaes aos climas quentes. Levacher nas Antilhas, Baudens, — 84 — Salleron e outros, na Algeria, tiveram occasião de verificar a exactidão dos factos referidos por Larrey. Guyot conclue, depois de interessantes experiências, primeiramente praticadas em coelhos e em seguida no homem, que a temperatura mais favorável á marcha da reunião das feridas é a de 36 cent. ; o ar aquecido a uma tal temperatura, em vez de produzir a inflammação das feridas, pôde fazer desapparecel-a, no caso em que ella já se tenha manifestado. Quando ao frio se reúne a humidade, mais perniciosa ainda se torna a influencia d'aquelle sobre as feridas. Devemos pois affastar, tanto quanto nos for possível, as feridas das baixas temperaturas, e principalmente das mudanças bruscas da temperatura. Occupemo-nos agora em poucas palavras com a in- fluencia que o regimem dietetico dos operados e dos fe- ridos pôde ter na cicatrisação das feridas. Os primeiros cirurgiões receiosos de uma reacção in- flammatoria muito intensa, submettiam ósseos operados e os indivíduos, que apresentavam uma vasta ferida, á uma dieta severa. Hyppocrates prescrevia uma dieta rigorosa, opinião esta abraçada por Galeno. Celso mostrou-se um pouco menos rigoroso que os dous médicos precedentes. Guy- Chauliac alimentava os seos doentes com água de cevada até o septimo dia da operação, e não era, senão depois d'este prazo, que elle permittia-lhes que se alimentassem regularmente. Ambrosio Pareô e Franco acompanharam as idéias hyppocraticas. Blandin, Lisfranc, Dupuytren, em épocas mais pró- ximas de nós, mostram-se ainda grandes partidários de uma dieta severa após as amputações. N'esses primeiros tempos não se faziam algumas excep- ções, senão para certas moléstias chronicas, e ainda assim esta conduçta era ás vezes considerada tão estranha, que - 85 - citou-se como um caso digno de curiosidade, o de Pelle- tan, que permittio um caldo leve a um amputado de coxa (individuo escrophuloso) no segundo dia da operação. Uma tal maneira de proceder tinha necessariamente de desapparecer com os progressos sempre crescentes das sciencias médicas. Com effeito, as pesquizas physiologicas tendo demonstrado que a absorpção das substancias tó- xicas se faz muito mais energicamente em animaes em jejum do que nos que estão em trabalho de digestão, devia-se procurar pela alimentação collocar os feridos em condi- ções de poderem com menos facilidade absorver, não só os productos septicos originados nos liquidos de suas fe- ridas, mas ainda mesmo os que existem na athmosphera. Ainda mais, de qualquer natureza que seja o processo reparador, diz Azam, elle exige materiaes que uma boa alimentação só pôde fornecer-lhe. A reacção, que começara no XVIII século, deve ao professor Malgaigne o impulso rápido que adquiriu em muito pouco tempo. Hoje a maioria dos cirurgiões ali- menta seus feridos e operados. E' Boyer, o cirurgião fran- cez, que tem n'estes últimos tempos mais insistido sobre a necessidade de alimentar os operados. « Em 1857, por exemplo, diz o professor Berne de Lion, Ph. Boyer não perdeu um unico de seus operados : elle lhes concedia de bom grado duas costelletas e uma sopa desde o primeiro dia, sabendo todavia guiar-se, se- gundo a idade, as susceptibilidades particulares e os acci- dentes que poderiam sobrevir. » Em seu tratado de pathologia externa, publicado em 1846, Vidal de Cassis assim se exprime : « O regimen bem ordenado é uma das primeiras condi- ções de successo. Talvez em França sejamos severos de mais na distribuição dos alimentos, e deixemos durante muito tempo o ferido em dieta, Eu aceito a opinião que admitte que a reabsorpção purulenta se faz mais facilmente - 86 - nos individuos que não são bem nutridos, durante o tempo de sua ferida. Tem-se tido razão em comparar o estado de um ferido com o estado puerperal. Com effeito, após a expulsão da placenta, fica no utero uma superficie denu- dada, que tem analogia com uma larga ferida ; ora, sabe- se que as pessoas do povo não se dão mal nutrindo as recém-paridas. Os inglezes, qne fazem outro tanto com os seus amputados, obtém talvez mais successos que nós em França. Eis ahi uma das mais altas questões da cirurgia que deverá fixar a attenção dos bons observadores. O re- bate está dado, acreditamos que os factos não se farão es- perar. » « O regimen dietetico, diz Nelaton, deve ser baseado sobre a idade, a constituição do ferido, sobre seus hábitos e o estado da ferida. Quando a ferida é pouco conside- rável, permanece um phenomeno local, a alimentação deve ser pouco diminuida ; se a ferida é extensa, provoca phenomenos geraes, convém então impor ao doente um regimen brando, diminuindo a quantidade dos alimentos de que elle usava antes do accidente, porém sem submet- tel-o a uma dieta severa, lembrando-se que se é pru- dente prevenir os accidentes inflammatorios, não é menos útil conservar a economia ás forças que mais tarde lhe poderão ser necessária para resistir a uma longa suppu- ração. » Um máo regimen alimentar, diz Follin, é uma circun- stancia que pôde concorrer para retardar ou parar a cica- trisação das feridas. Emfim, podemos dizer que a alimentação dos feridos deve ser convenientemente dirigida, de acordo com os hábitos anteriores do doente, sua constituição, o estado da ferida, a idade do ferido, etc Os meninos têm, em regra geral, necessidade de uma alimentação mais reparadora que os adultos, guardadas convenientemente as proporções. - 87 — A alimentação deve ser considerada não só sob o ponto de vista da quantidade, mas ainda da qualidade e do mo- mento opportuno para a administração dos alimentos. « Para podermos realisar esses preceitos de alimenta- ção, convém, diz Berne de Lion, saber a propósito com- bater as diversas complicações que podem se encontrar do lado das vias digestivas, administrara propósito alguns purgativos leves, alguns amargos, algumas preparações de quina, algumas águas minsraes alcalinas. » Follin aconselha nos casos em que o embaraço gás- trico ou uma certa susceptibilidade nervosa do estômago obstem a alimentação do ferido., recorrer a um purgativo salino na primeira hypothese e aos preparados de ópio na segunda. Vejamos em seguida que influencia pôde exercer o meio em que se acha o ferido na marcha dos phenomenos de cicatrisação das feridas. E' de observação diária o facto das feridas curarem-se com tanto mais facilidade quanto mais salubres são os lu- gares em que residem os individuos. A reunião immediata é em virtude de tal facto mais vezes alcançada por um mesmo cirurgião em sua clinica civil que em sua clinica nosocomial, e os accidentes sep- ticemicos são, pela mesma razão, muito mais freqüentes nos hospitaes que nas habitações particulares, mais raros nos campos que nas cidades. « Nos campos, diz Rochard, todos os curativos são bons, e os curativos antisepticos podem ser completamente abandonados. » A parte excepções, por tal modo raras, que não fazem senão confirmar a regra, accidentes graves são desconhe- cidos na pratica civil, nos campos, por toda a parte em que as feridas acham-se em condições de isolamento suf- ficiente. » « Hoje penso como outriora, diz Verneuil, que a ath- — 88 — mosphera das grandes cidades e dos grandes hospitaes é prejudicial aos feridos e pôde tornar-se a fonte de terriveis accidentes traumáticos. » Os micro-organismos, cuja existência foi perfeitamente demonstrada pelas experiências de Pasteur, e que acham- se no ar, na água, na superficie de todos os corpos, abundam de um modo muito pronunciado nas salas dos hospitaes, principalmente nas enfermarias de cirurgia. A abundância d'esses seres minocroscopicos nos hos- pitaes dá-nos uma explicação satisfactoria da maior gravidade que adquirem as soluções de continuidade nas clinicas nosocomiaes. Nepveu fazendo lavar uma certa extensão do soalho de uma das enfermarias do hospital da Piedade com uma es- ponja, previamente lavada, espremendo todo o liquido embebido na esponja, e levando-o ao nicroscopio, en- controu apenas dous micrococus ; em seguida observando o liquido proveniente da lavagem da sala, pôde descobrir uma quantidade prodigiosa de nicro-organismos. Reveuil, haverá pouco mais ou menos 20 annos,fa- zendo passar o ar das enfrmarias, que elle desejava analysar, atravez de pequenos orificios, dispostos em lâminas de platina humedecidas, e submettendo em seguida a um exame minucioso os depósitos adherentes nas faces d'essas lâminas, reconhecia que elles erão formados por grande quantidade de matérias orgânicas nimiamente putresciveis. Notava, ainda mais, que o ar proveniente das enfermarias de cirurgia fornecia d'esses depósitos uma quantidade maior que a que era fornecida pelas enfermarias de medicina. Broca, em i865, alguns annos antes de Nepveu, pro- cedendo do modo análogo a este, no hospital de Saint- Antoine, chegava a um resultado idêntico. Kuhlmann, analysando a poeira raspada das paredes caiadas de uma enfermaria cirurgica, achou 46 °[0 de ma- — 89 — terias orgânicas. A enfermaria não tinha sido caiada nos 10 últimos annos. A iguaes resultados chegaram Lutz e Guerin, que pro- seguiram n'estas experiências. « Estes factos, diz o illustrado prefessor Dr.Lima e Cas- tro (these de concurso sobre a infecção purulenta e a in- fecção pútrida) são contrários aos hospitaes permanen- tes, inferiores sem contestação alguma aos hospitaes-bar- racas, e a prova são os resultados felizes do professor Thiersch, em sua clinica installada em Leipzig, successo devido também em parte ao methodo antiseptico rigoro- samente applicado.» Devergy, Malgaigne, Larrey, Renault, Bouley, etc, estabelecem, baseados em numerosos factos, que a aglo- meração dos homens e dos animaes mistura ao meio ambiente emanações capazes de produzir moléstias e de fazer apparecer nas feridas, que suppuram, complicações graves. Tenon e Malgaigne aconselharam reduzir , tanto quanto fosse possivel, o numero de leitos em cada enfermaria ; elles desejaram mesmo que cada doente ti- vesse um quarto á parte, a fim de impedir que elles res- pirassem o ar viciado das salas. O cirurgião, que tiver em vista obter a reunião imme- diata das feridas, deve procurar cercar os seus operados e os grandes feridos de um ar o mais puro e renovado que for possivel; deve, em summa, na phrase do profes- sor Verneuil, curar os seus feridos pelos pulmões, forne- cendo-lhes um ar puro. Não é possivel contestar-se a influencia que os estados constitucionaes podem exercer na marcha do processo re- parador das feridas. A influencia dos estados constitucionaes foi invocada para explicar alguns dos accidentes, que se observam muitas vezes após as operações e as grandes feridas, e que N. 71 12 — 90 — não podem achar uma explicação rasoavel quando se appella para as condições locaes da ferida ou ainda para defeitos, quer no processo operatorio, quer mesmo nos curativos empregados. Em conseqüência de alterações que produzem nos tecidos, de desordem anômalas que trazem ás funcções de vários órgãos,os máos estados constitucionaes diminuem a energia vital do organismo, tornando-o impróprio para ceder a quantidade de materiaes necessários á marcha do processo reparador, e perturbam d'este modo a evolução natural dos phenomenos ligados á cicatrisação das fe- ridas. D'ahi a maior gravidade de que se reveste o trauma- tismo tanto accidental como cirúrgico nos individuos albu- minuricos, escorbuticos, escrophulosos, em todos emfim que estão sob a influencia de estados mórbidos, que tem um caracter discrasico e cachetico. « Nos hospitaes é, diz o distincto professor Dr. Lima Castro, onde se pôde cotejar estas mutações de scena; quem não tem presenciado essas soluções de continuidade, aliás insignificantes, tomar um cunho especial e ser a sede de suppurações abundantes em pessoas que se dão ao uso habitual de bebidas alcoólicas ?! Não ha muito vi um enfermo que, ha dous annos, fora accommettido de uma queimadura na região antero- lateral do braço direito, e durante dous annos soffrera sem que se reparasse a superficie traumática; examinando seu estado geral reconheci que se tratava de um escorbutico ; a queimadura tinha-se metamorphoseado em ulcera atô- nica da mesma natureza. » « E' quasi impossível, diz Bruchet, seguir por muito tempo com attenção a clinica de um dos grandes hospitaes de Londres sem reconhecer que uma grande parte dos in- dividuos que succumbem aoseffeitos secundários das lesões traumáticas, eram victimas de alguma affecção pronun- - 91 - ciada dos rins, do figado, do baço ou de todos estes órgãos ao mesmo tempo, » Verneuil reconhece a gravidade que acompanha os traumatismos, apparentemente ás vezes insignificantes, nos diathesicos e nos alcoólicos chronicos, em que todo o organismo é velho prematuramente, e portanto o tonus orgânico notavelmente enfraquecido. Behier aceita a funesta influencia sobre os traumatis- mos attribuida por Verneuil ao alcoolismo chronico. Paget acredita que certas affecções dos rins tornam mais graves os perigos de uma operação, assim como as doenças igualmente chronicas de qualquer outro órgão mterno. « Quanto ao estado geral do doente, diz Follin, é in- dubitavel que um doente que se apresenta em boas con- dições hygienicas, que é de uma boa saúde habitual e de uma boa constituição, se acha em melhores condições para reunião immediata que um individuo cachetico, fa- tigado pelas vigílias, excessos ou abusos , o alcoolismo é é ainda uma má condição para uma reunião imme- diata. » Em dous casos por mim observados no corrente anno, na primeira enfermaria de clinica cirurgica, em que não foi possivel obter-se a reunião immediata de soluções de continuidade, que n'esse serviço freqüentemente se re- únem por primeira intensão, apesar de terem sido empre- gados os mesmos meios, appellei, no intuito de explicar satisfactoriamente taes insuccessos, para as condições d'esses dous operados, que estavam longe de serem boas. No primeiro caso tratava-se de um individuo de nome Luiz, escravo, de cor preta, de 5o annos de idade, sol- teiro, trabalhador, de constituição fraca, que entrou para o hospital no dia i° de Janeiro do corrente anno, com uma ferida contusa do indicador da mão direita e foi occupar o leito n. 18 da primeira enfermaria de cirurgia, então a — 92 — cargo de um dos actuaes adjuntos de clinica cirurgica, o Sr. Dr. Valladares. Em conseqüência de estar soffrendo de escorbuto, prescreve-se vinho quinado e xarope anti-escorbutico de Portal. Apresentando-se algumas melhoras no estado geral do doente, continuando, porém, a serem não obstante pouco lisongeiras as condições da ferida, pratica-se, no dia 16 de Abril, a desarticulação metacarpo-phalangina pelo me- thodo a retalho, sendo este feito á custa da face palmar do dedo. A ferida é reunida por meio de alguns pontos de sutura, feitos com fios metallicos. Pratica-se o curativo de Lister. Apesar de todo o cuidado nos curativos, a ferida não se reuniu por primeira intensão ; ha suppuração abun- nante. A cicatrisação faz-se por segunda intensão, e o doente deixa o hospital,' em meiado de Junho, completa- mente restabelecido. O segundo caso refere-se a um individuo de nome Antônio José Velloso, portuguez, de 34 annos, solteiro, de constituição regular, que entrou para a 9a enfermaria de clinica cirurgica com um aneurisma na região poplitéa es- querda. Sendo improficuo o emprego da compressão pek tira elástica de Esmarch, põe em pratica o Sr. Conselheiro Saboia a ligadura da artéria femoral no triângulo de Scarpa, no dia 2 de Maio do corrente anno. Apezar de serem a operação e os curaticos feitos com o rigor exigido pelo methodo de Lister, a reunião imme- diata não se realisou e a ferida suppurou bastante. Tratava-se n'esse caso de um individuo que, não fa- zendo mysterio em occultar o seu vicio, confessava de bom grado abusar em larga escala das bebidas alcoó- licas. A maior parte dos estados mórbidos graves pôde exer- cer sua influencia sobre a marcha das feridas de dois mo- dos mui distinctos : r, imprimindo-lhes um cunho par- - 93 - ticular, transformando-as em uma producção mórbida de caracteres perfeitamente idênticos aos das producções es- pontaneamente desenvolvidas sob sua influencia geral; assim a syphilis, modificando o trabalho reparador de uma ferida, pôde tornal-a em ulcera syphilitica. 2°, perturban- do a marcha do processo reparador, em virtude de certo gráo de cachexia, depauperamento do organismo por elles determinado. N'esta ultima hypothese, a maneira de actuar dos diversos estados mórbidos geraes é sempre a mesma. « A influencia que está em relação com o gráo de ca- chexia, diz Berger, depende antes das lesões orgânicas, que produz a cachexia, que do estado apparente das for- ças do doente ; como, finalmente, as condições de resis- tência variam muito com os individuos, é muito difücil pre- dizer, senão prever, em que gráo o estado cachetico mo- dificará a marcha da lesão traumática, em um caso dado.» O segundo modo por que os estados graves podem exercer sua acção, que está em relação com o maior ou menor gráo de cachexia, é mais freqüente que o primeiro. A influencia dos diversos estados geraes sobre a mar- cha das feridas não é, todavia, tão commum como parece á primeira vista ; com effeito, quantas vezes operando in- dividuos que apresentam todos os caracteriscos da escro- phulose, vemos, em seguida, a cicatrisação fazer-se bas- tante regularmente, e não poucas vezes por primeira in- tensão. « Se não se tentasse, diz Follin, a reunião immediata senão em individuos sãos, se teria mui raramente ocasião de fazel-a, pois que, tratando-se de um accidente, o indi- viduo não deixou de experimentar um abalo moral, e de- mais elle pôde ser alcoólico. Nas amputações é evidente que o individuo, que experimenta a amputação, não está na maior parte das vezes em boas condições ; ou ainda, trata-se de extrahir um tumor de má natureza, de subtra- - 94 - hir uma parte que suppura, desde muito tempo, ou de muitos outros casos, que nós não podemos citar aqui, af- fecções que tem posto o doente em um estado de depau- peramento mais ou menos pronunciado. » As observações que passo a mencionar, e das quaes a primeira vem referida na these inaugural do Dr. Antônio Francisco de Souza, são provas exuberantes de que nem sempre o estado geral influe na reparação das feridas. Observação 1.—« Cyrillo Ferreira de Moraes, solteiro, trabalhador, 21 annos de idade, entrado a 8 de Agosto de 1881. Diagnostico « Necrose dos ossos do pé direito ». Esse doente, escrophuloso, nimiamente depauperado por uma suppuração constante, permaneceo durante muito tempo no hospital antes de soffrer a operação cujos resultados vamos relatar. Este anno (1882) seo estado geral achando- se um pouco melhor, resolve-se praticar a amputação da perna, que foi praticada pelo Dr. Domingos Vasconcellos, no dia 12 de Abril. O methodo de Lister foi observado antes, durante e depois da operação . No dia seguinte le- vantado o apparelho, nenhuma alteração se notava; a protective-silk e a gaze achavam-se humedecidas por um liquido seroso e completamente inodoro ; o coto apre- sentava-se com temperatura normal e não havia o menor signal de inflammação ; a temperatura era 37,5, na axilla. « No dia 14 notava-se, depois de terem sido retirados alguns pontos de sutura, que a união por primeira inten- são ia estabelecendo-se ; o doente achava-se perfeitamente socegado e seusomno era tranquillo e reparador. Esse es- tado magnífico continuou até o dia 18 em que foram reti- rados os tubos e os pontos restantes, patenteando-se a união por primeira intensão em toda a extensão da ferida, excepto nos pontos em que penetraram os tubos. « Desde esse dia suspendeu-se o curativo de Lister e o coto era apenas lavado com soluções phenicadas e envol- — 95 — vido em algodão de Lister. i5 dias depois de operado esse individuo estava curado, sem ter tido um só accidente. Realmente não temos tido ocasião de observar em casos idênticos um resultado tão brilhante. » Observação II.—José de Souza Ribeiro, de cor parda, natural do Rio de Janeiro, de 32 annos de idade, solteiro, trabalhador, constituição fraca e temperamento lympha- tico, entrou para o hospital no dia 24 de Março do cor- rente anno, com uma vastíssima ulcera na perna esquerda, com destruição profunda das partes molles e alteração no- tável dos ossos, e foi occupar o leito n, 29 da 7a enferma- ria de cirurgia, a cargo do distincto cirurgião Dr. Bústa- mante Sá. O doente não accusou antecedentes syphiliticos ; disse porém ter sido por varias vezes accommettido de accessos de febre intermittente, que reappareceram durante alguns dos dias em que esteve no hospital antes de ser operado. N'esse serviço foi victima do escorbuto. .Os accessos de febre intermittente, bem como o escor- buto, desappareceram mediante um tratamento conve- niente . Devemos ainda dizer que o doente tinha uma lesão orgânica do coração constituída provavelmente por uma lesão mitral. Apesar de insistir diariamente que se lhe fizesse a am- putação da perna, todavia o Sr. Dr. Bustamante recusa- va-se, receiando não só a má influencia que podia ter a lesão orgânica do coração durante o acto operatorio, mas ainda, em virtude do estado de anemia profunda em que se achava o doente, um resultado funesto como conse- qüência da intervenção cirurgica. Vencido, porém, por tanta insistência da parte do doente, resoiveo-se o illustrado clinico a operal-o, — 96 — « No dia 8 de Junho, tendo encarregado o Sr. Dr. Sar- dinha da clhoroformisação, recommendando-lhe que con- servasse o doente em um estado de semi-anesthesia, e tendo incumbido a meo distincto collega, o Sr. Espindola, de praticar a compressão digital da artéria femoral na base do triângulo de scarpa, procedeo o Sr. Dr. Bustamante a amputação da coxa em seo terço inferior. A compressão digital, feita com toda a pericia, deixou o doente perder apenas cerca de ioo grammas de sangue por toda a super- ficie da ferida. A ligadura dos vasos foi feita com fios de seda pheni- cada; um tubo a drainagem foi convenientemente collo- cado ; os Íabios da solução da continuidade forão reunidos por pontos de sutura entortilhada. Applicou-se,em seguida, o curativo de Lister. Prescreveo-se uma alimentação suffi- ciente e um pequeno calix de vinho do Porto na occasião das refeições. No mesmo dia da operação, á tarde, o thermometro marca temperatura normal. Dia 9.—Temp. normal. Não se levanta o curativo. Prescreve-se a seguinte pocção calmante : Hydrolato de alface 20 grammas, sulfato de morphina 2 5 milligrs., xa- rope de flores de laranjeira 3o grammas, para tomar uma colher de sopa de 2 em 2 horas. Dia 10.—Apyretico. Não se renova o curativo. O doente mostra-se satisfeito. Dia 11.—Temp. normal. Reforma-se o curativo. Não se observa a menor suppuração. Praticam-se pelo tubo a drainagem injecções com uma solução de coaltar. Durante o tempo, em que a ferida acha-se descoberta, pulverisa-se com uma solução branda de ácido phenico. Dia 12.—Apyretico. Renova-se o curativo. Não se nota ainda a mais leve suppuração. Retiram-se alguns dos alfinetes da sutura. Os Íabios da ferida apresentam-se juxta- postos, — 1)7 - Dia i3.—Temp. normal. Não se renova o curaiivo. O operado tem-se alimentado regularmente, Dizendo não ter evacuado d'esde o dia da operação, prescreve-se um clyster composto de decocção de malvas 36o grammas, óleo de recino 3o grammas, gemma de ovo—n. i. Dia 14.—Temp. normal. Reforma-se o curativo. Re- tiram-se todos os alfinetes, com excepção de dous que são conservados para manter o tubo a drainagem. Reunião por primeira intensão em toda a extensão da ferida,except o nos pontos em que está collocado o tubo a drainagem. Não ha a menor suppuração nem mesmo no logar do tubo. O doente apresenta-se com alguma tosse. Prescre- ve-se : xarope de codeina de Berthé, para tomar duas co- lheres de sopa por dia. Dia i5.—Apyretico. Não se reforma o curativo. Dia 16.—Temp. normal. Renova-se o curativo. Pelo tubo a drainagem sahe uma quantidade insigni- ficante de pús. A reunião mantendo-se perfeita, retiram-se os dous últimos alfinetes. Dia 17.—Temp. normal. Não se renova o curativo. O doente tem mais appetite. Dia 18 e 19.—Apyretico. Reforma-se o curativo. A sahida de pús continua a ter logar pelo tubo a drainagem. Dia 20 e 21.—Temp. normal. Renova-se o curativo. A suppuração tem se tornado menor. De 22 de Junho a 1 de Julho.—Apyretico. O curativo é renovado em dias alternados. A suppuração torna-se cada vez menos apreciável. Dia 2 de Julho.—Temp. normal. Renova-se o curativo. Retira-se o tubo a drainagem. Permanecem ainda os fios das ligaduras. De 3 a 7._0s curativos fazem-se em dias alternados. Os pontos em que esteve o tubo a drainagem vão se cica- trisando com toda a regularidade. O ponto, em que se acham os fios das ligaduras reunidos em um feixe, suppura. — 98 — Dia 8.—Observa-se o mesmo que nos dias anteriores. Prescreve-se: Hydrolato de alface 180 grammas, bro- mureto de potássio 4 grammas, xarope de belladona 3o grammas; uma colher de sopa de hora em hora. De 8 a 10.—O mesmo que nos dias anteriores. Dia 11.—A ferida acha-se completamente cicatrisada em todos os seos pontos, com excepção daquelle em que está o feixe das ligaduras, que ainda entretem por sua pre- sença alguma suppuração. —Os curativos continuam-se ainda a fazer cora toda a regularidade. Este estado de cousas persiste até 5 de Agosto, época em que cahe o feixe das ligaduras. D'ahi em diante, esta pequena parte, correspo ndente ao ponto de applicação dos fios das ligaduras, se cicatrisa, e em poucos dias o operado acha-se completamente restabelecido. Apesar de termos visto que muitas vezes nenhuma in- fluencia exerce o estado geral na marcha do processo reparador das feridas, não podemos todavia deixar de encontrar no ferido as melhores condicções para a mani- festação de accidentes, quer locaes, quer geraes, se elle está sob a influencia de uma diathese e principalmente se esta diathese já chegou a produzir uma verdadeira ca- chexia. E' de toda vantagem, pois submettermos o ferido ou o individuo, que tem de soffrer uma operação, a um exame medico minuncioso, afim de instituirmos, no caso de achar-se o me smo sob o jugo de um estado mór- bido diathesico, um tratamento suscep tivel de curar ou pelo menos melhorar as suas pouco favoráveis con- dições geraes, evitando-se assim muitas vezes a mani- festação ulterior de accidentes graves. Verneuil, Mirault d'Angers, Guillemin e outros, ba- seados em numerosas observações, concluem que é neces- sário submetter o individuo syphilitico a um tratamento especifico antes de operal-o. - 99 - «Vós operais em um syphilitico.diz Verneuil, uma fistula penianna, a reunião immediata não tem lugar, a auto- plastia não tem bom êxito ; vós instituis um tratamento apropriado, praticais uma nova operação e d'esta vez com successo. » O professor Bilroth tem visto em individuos syphiliticos feridas, consecutivas a operações auto-plasticos, reunidas por primeira intensão reabrirem-se no fim de uma semana e apresentarem seos bordos infiltrados e cobertos de granu- lações pallidas. Sob a influencia do iodureto de potássio, administrado internamente, essas feridas melhoraram con- sideravelmente . O estado de anemia, mais ou menos profunda, em que se pode achar o operado ou o ferido, é ainda uma con- dição pouco favorável para o resultado da reunião im- mediata. A anemia, como todo estado geral, é susceptível de modificar todos os phenomenos, quer geraes, quer locaes das feridas. Relativamente aos phenomenos locaes, a anemia re- tarda ou mesmo impede absolutamente a cicatrisação por primeira intensão. Nós temos instituído sob este ponto de vista, diz Ker- misson, algumas experiências. Por 2 vezes em animaes que se achavam em um estado mais ou menos pronunciado de anemia por causa traumática a reunião faltou total- mente, todos os pontos de sutura cortaram a pelle e a ferida permanecêo largamente aberta ; em um 3o caso houve reunião parcial, porém por baixo dos Íabios da ferida reunidos, produziu-se uma abundante suppuração. Nos animaes que eram amputados ao mesmo tempo, porém cujas condições geraes eram oppostas ás dos prece- dentes, a reunião foi sempre parcialmente obtida. « Em um dos factos observados a reunião pareceo total em um momento dado ; nos dias seguintes os lábios — 100 — da ferida se affastaram, porém ella ficou linear e marchou rapidamente para a cicatrisação. » A perda de sangue que podem experimentar os doentes durante as operações, podendo collocal-os em um estado de anemia bastante profunda, o que não deixa de ter graves inconvenientes, sobretudo nos individuos depau- perados e nas operações de longa duração, tem sido objecto de cuidados assiduos dos cirurgiões, d'ahi os diversos meios hemostaticos, taes como, o garrote, o torniquête de J. L. Petit, o compressor de Dupuytren, a compressão digital, o galvano caustico-thermico, o galvano-caustico-chimico, o esmagador de Chassaignac, a ligadura das artérias e das veias a medida que ellas se apresentam sob a faca do operador, as pinças hemosta- ticas, a tira elástica de Esmarch (ischemia cirurgica) etc Varias doenças intercurrentes, taes como o typho, a febre typhoide, a erysipela, as plhegmasias internas, etc, perturbam muitas vezes de um modo notável a marcha da cicatrisação das feridas. Para combatter essas diversas complicações deverá ser estabelecido um tratamento con- veniente. O embaraço gástrico, difficultando a reunião, deverá ser combattido pelos vomitorios, pelos purgativos e por um regimem conveniente. A influencia de uma constituição medica reinante faz-se sentir sobre as feridas, assim, quando a podridão do hos- pital reina em uma localidade, este terrivel accidente complica a maior parte das feridas tratadas n'essa athmos- phera. A erysipela é uma complicação que se observa não poucas vezes, e que torna quasi sempre impossivel a reu- nião immediata. A seguinte observação, referida pelo Dr. A. F. de Souza, em sua these inaugural prova o que acabo de dizer. - 101 - Observação.- « João de Oliveira Barbosa, de 32 annos de idade. Entrou, em 26 de Julho de 1881, para a 2a enfermaria de clinica cirurgica, a cargo do distincto pro- fessor Dr. Pedro Affonso. Obteve alta em 27 de Outubro. Esse doente apresentava ao lado externo da coxa direita uma extensa ferida incisa (27 cent.) interessando a pelle, o tecido cellular sub-cutaneo e o muscular ; uma outra menor (14 cent.) ao lado externo da perna do mesmo lado; ambas as soluções de continuidade foram, por occasião da entrada do doente, cosidas com o fio vegetal. O curativo sempre empregado n'esse doente consistio em locções phenicadas e fios embebidos em phenol ou glycerina. Poucos dias depois elle assim como outros doentes, foi victima de ery- sipela ; a união por primeira intensão foi impossível apezar de tratar-se de uma ferida regularmente incisa (por nava- lha) ; os Íabios descollaram-se e uma suppuração rebelde estabeleceo-se por muito tempo ; vários abcessos se for- maram na perna, que foram abertos e sujeitos a drainagem. Esse doente só pôde obter alta curado em fins de Outubro á vista do estado de depauperamento em que se achava pela longa suppuração. » As preoccupações e os trabalhos intellectuaes, as emo- ções d'alma podem exercer alguma influencia sobre a marcha da cicatrisação das feridas. Celso já havia feito observar que nada favorescia mais a cicatrisação que a tranquillidade de espirito. Hiver acredita que a cura das feridas pode ser retardada ou mesmo impedida por acces- sos de cólera repetidos. Dizem alguns authores que as emoções d'alma, oppos- tas ás paixões deprimentes, podem influenciar de uma maneira favorável sobre a marcha das feridas. — 103 — QUARTA PARTE De que meios nos podemos servir para conchegar os Íabios das feridas? Posição repouso, ataduras, agglutativos e suluras. Quaes os curativos que tem sido empregados tios casos em que se procura alcançar a reunião immediata? Incubação de Guyot, occlusão pneumatica de J. Guerin, aspiração continua de Maisonneuve, occlusão por compressão pneumatica de Buys, curativo por occlusão de Chassaignac, curativo pelo álcool, curativo algodoado de Affonso Guerin, curativo de Azam (de Bordeaux), curativo de Lister e suas principaes modificações, curativo pelo iodoformio. O cirurgião que tiver em vista obter a reunião imme- diata de uma ferida deve procurar realisar as seguintes con- dições : i", desembaraçar a solução de continuidade de todo e qualquer corpo estranho, cuja presença possa ser prejudicial á reunião por primeira intensão ; 2a, collocar a parte, sede da lesão, em um estado de immobilidade mais ou menos completa ; 3', conchegar os Íabios da ferida sem exercer tracção ou violência ; 4', subtrahir a ferida da acção immediata do ar. Quaes os meios á nossa disposição para preencher essas diversas condições ? Para satisfazermos a primeira condição devemos, nos casos em que a ferida se apresenta coberta de pequenos corpos estranhos, proceder a sua limpeza, lavando-a com esponjas embebidas em água phenicada, ou em qualquer outro liquido considerado antiseptico, afim de destacar- mos os grãos de areia, de terra, os fios de curativo, os coalhos sangüíneos, etc, corpos todos esses que, por sua sua presença entre os lábios da solução de continuidade, — 104 — podem constituir um obstáculo mais ou menos considerável á reunião por primeira intensão. Quando ha hemorrhagia, deve ser esta sustada, pois que, se procedermos a reunião dos bordos da solução de continuidade sem que tenhamos antecipadamente preen- chido essa indicação, contribuiremos, pela nossa parte, para que o sangue, interposto entre os Íabios da ferida, actue quasi sempre como um verdadairo corpo estranho, impedindo a reunião immediata e provocando phenome- nos de suppuração. Deixo de parte o estudo dos vários meios hemostaticos, pois que um tal assumpto parece-me ter sido tratado na terceira parte d'esta these com o sufficiente desenvolvi- mento . Estudemos agora os meios susceptíveis de realisar as outras condições ; estes meios são representados pela po- sição, pelo repouso, pela atadura, pelos emplastos agglu- tinativos, pelas suturas e por vários curativos ; occupemo- nos em primeiro lugar com a posição. No tratameuto das feridas a posição em que deve ser collocada a parte lesada, exerce uma influencia muito notável, e tem em todos os tempos chamado a attenção dos cirurgiões. A posição mais conveniente é a que permitte a rela- xação dos Íabios da ferida, pois que assim sua justa-po- sição consegue-se com menos difficuldade, e seu contacto prolongado torna-se mais fácil durante o tempo necessário para a sua agglutinação. Os authores do Compendium estabelecem, como principio geral, a relaxação das partes molles, exprimindo-se da seguinte maneira : « A observação de todos os dias mostra que se opera o conchegamento dos Íabios de uma ferida tanto mais fa- cilmente quanto estes são menos tensos; e além disso, suppondo-se que houvesse tanta facilidade de um modo Como de outro, a posição em que os músculos são mais — 105 — relaxados teria sempre a vantagem de ser menos dolorosa e de expor menos facilmente a inflammação: também nós não hesitamos em recommendal-a aos práticos. » Nelaton aceita a opinião de Berard e Denonvil- liers. Follin, acompanhando a maioria dos authores, consi- dera também como preceito geral collocar a parte lesada na maior relaxação. Vidal de Cassis diz que em todos os casos se deve pro- curar collocar as partes no estado de relaxação, pois que d'este modo actua-se mais facilmente sobre os Íabios da solução de continuidade. Se este preceito é aceito por todos os cirurgiões para os casos de feridas transversaes, não se dá o mesmo quando se trata de feridas longitudinaes e oblíquas. Boyer dizia que pela posição devíamos procurar re- laxar os Íabios de uma ferida profunda transversal, tornar tensos os de uma longitudinal, e em casos de feridas pro- fundas oblíquas dar a parte uma posição intermediária entre a que convém a ferida transversal e a que reclama uma ferida longitudinal. Boyer julga por esta fôrma tornar muito mais fácil a justa-posição dos Íabios de uma fe- rida. Guyon pensa que, mesmo em casos de feridas longi- tudinaes, não devemos distender as partes no intuito de melhor approximar os seus Íabios, pois que toda a extensão é prejudicial. « Se a posição intermediária, diz Vidal de Cassis, em casos de feridas oblíquas é a mais favorável ao repouso da parte, devemos sempre preferil-a, mesmo a flexão com- pleta que distende sempre alguns músculos e fatiga mais; porém não é pela razão apresentada por Boyer, que é além de tudo difficil de comprehender-se, sobretudo quando se reflecte que nas feridas que dividem músculos ha outras divisões, mesmo divisão de músculos que têm N 71 H — 106 - direcçóes differentes, o que faz com que a posição con- veniente a um d'esses músculos possa ser desfavorável a um outro. » « Pouco importa com effeito, dizem Berard e Denonvil- liers, que o músculo seja cortado obliquamente ; cada fibra que é dividida tende a afastar-se, e esta tendência não pôde senão augmentar-sepela posição que alonga o mús- culo, de sorte que nós mantemos para esse gênero de fe- ridas o preceito que nós estabelecemos para os outros. Façamos emfim notar que, se a região ferida encerra ca- madas musculares superpostas, cujas fibras apresentem direcções diversas, e se o instrumento tem dividido todas, torna-se impossível preencher a indicação estabe- lecida por Boyer e outros authores, pois que um dos mús- culos pôde exigir a extensão, outro a flexão, o terceiro uma posição intermediária ás duas outras ; é o que se observa, por exemplo, em conseqüência das feridas que se estendem até o peritoneo e interessam as fibras musculares do grande obliquo, do pequeno obliquo e do transverso. E' evidente então que o conselho de pôr todas as partes na relaxação é o unico que deve ser seguido ; felizmente que é também o unico que conduz a um resultado vantajoso, » Em muitas regiões do corpo a justa-posição dos Íabios da ferida não é de modo algum influenciada pela posição ; é o que se observa em grande numero das que fazem parte da cabeça ou do tronco. Uma vez obtida a posição, pôde esta ser mantida por simples vontade do próprio doente ou então por meio de apparelhos, gotteiras ou attaduras. A flexão do ante-braço sobre o braço, a da perna so- bre a coxa, a d'esta sobre a bacia, etc, são posições que o doente, com alguma força de vontade, pode conservar durante algum tempo. Conhecem-se vários apparelhos especiaes, alguns bas- tante engenhosos, por meio dos quaes a posição^ dada a — 107 - uma parte, pôde ser mantida por longo espaço de tempo, e o repouso garantido; assim, para determinar a flexão da cabeça, temos o capacete de galeno; para fixar o pé em flexão sobre a perna, a gravata tarso-rotulianna; para manter a mão em extensão sobre o ante-braço, a gravata carpo-olecranianna, etc « Eu tenho visto, diz Follin, muitas vezes feridas trans- versaes e anteriores do pescoço curarem-se pela simples flexão da cabeça com o auxilio d? uma atadura clás- sica. » A posição de uma parte, tendo sobretudo por fim as- segurar o repouso e a immobilidade d'essa mesma parte, segue-se que, quanto mais natural for a posição, tanto mais facilmente podemos obter o repouso e a immobili- dade, e d'ahi o conselho de manter, sempre que for possi- vel, a parte na attitude a mais natural. O repouso da parte lesada constitue, sem duvida al- guma, uma das principaes indicações a preencher no tra- tamento das feridas, principalmente quando se procura alcançar a sua reunião immediata. « O repouso do corpo e sobretudo o da parte ferida, diz Dupuytren, é indispen- sável para favorecer a reunião por primeira intensão.» « Não podeis ignorar, diz o Sr. conselheiro Saboia, a influencia que o repouso exerce sobre os phenomenos da vida ou da nutrição; elle, como sabemos, actua favores- cendo ou neutralisando a acção da gravidade, ou então favorescendo ou neutralisando certas resistências orgâ- nicas ................................................ E' no tratamento e curativo das feridas que a posição exerce uma influencia manifesta favorescendo ou neutra- lisando as resistências orgânicas, e então as duas ordens de influencia se tornam bem evidentes para que não vos - 108 — esqueçais de tomal-as sempre na mais subida conside- ração .» « A primeira condição necessária á marcha norma] da cura, diz Bilroth, é o repouso absoluto da parte lesada, sobretudo quando a lesão compromette os músculos.» Follin considera o repouso como condição essencial para se obter a reunião immediata. Com effeito, não basta, para conseguir-se a reunião im- mediata, que os lábios da ferida sejam postos em contacto; é preciso ainda que a parte esteja em repouso, pois que, cada movimento na ferida destruindo o trabalho come- çado, a agglutinação não pôde se effectuar de um modo completo. D'ahi, como conseqüência, inflammações mais ou menos graves que acompanham os traumatismos nas partes que não podem ser convenientemente immobi- lisadas. « Porque, por exemplo, diz Desprès, as feridas das partes molles do braço curam-se mais depressa que as do cotovdlo ? Porque o braço pede ser mais facilmente im- mobilisado que o cotovello.» Para que possamos realisar o repouso de um modo vantajoso, devemos evitar que os Íabios da solução de continuidade experimentem a menor tensão, que elles sejam sede de movimentos, de relaxações alternativas, de repuxamentos. O professor Nelaton julga que o melhor meio para se obter o repouso absoluto é representado pela posição ho- risontal, pois que, d'esta fôrma, collocamos todos os mús- culos em relaxação; a respiração e a circulação executam- se com toda a calma, e a cicatrisação da ferida se exerce sem o menor embaraço. Ha regiões em que só com muita difficuldade pôde se conseguir o repouso : taes são, por exemplo, os lábios, ende deve-se ter todo o cuidado, afim de evitar todo o movimento prejudicial. — 109 - Quando os Íabios da ferida acham-se pouco affastados, a immobilidade é muitas vezes por si só sufficiente para realisar a reunião immediata. Bilroth diz que é preciso absolutamente, por pouco pro- funda que seja uma ferida, que o paciente conserve-se não só no quarto, porém ainda que fique de cama durante al- gum tempo. A posição e o repouso sendo ordinariamente in- sufficientes para manter em contacto os Íabios de uma ferida durante o tempo exigido para que se realise o tra- balho de agglutinação, torna-se necessário, quasi sempre, o emprego de outros meios que, auxiliados pelos prece- dentes, aproximem os Íabios das feridas e os mantenham n'esse estado até que todo o trabalho de cicatrisação se tenha completado. Numerosos são esses meios, porém os que mais vezes tem sido postos em pratica são : as attaduras, os agglutina- tivos, as serras-finas de Vidal de Cassis e as suturas. As attaduras,que rarissimas vezes tem sido empregadas com exclusão dos outros meios, podem, associadas a estes, concorrer de modo muito notável para preencher uma parte da indicação. Não tenho de me occupar aqui com todas as ataduras especiaes mais ou menos complicadas, que têm sido ima- ginadas para vários casos em particular, taes como, as de Valentim e de Chaussier, inventadas para porem em con- tacto os bordos da ferida resultante da operação do lábio leporino. Citemos, todavia, do grupo das attaduras especiaes, a attadura destinada a unir os Íabios das feridas longi- tudinaes dos membros e a attadura empregada para pôr em contacto os bordos das feridas transversaes dos membros. Uma descripção minuciosa, relativamente a maneira da applicação d'essasduas espécies de attaduras, foi dada por — 110 - Boyer; não me parece, porém, necessário acompanhal-o n'essa descripção, pois que um tal meio de reunir as feridas não tem mais hoje applicação pratica. « Essas attaduras, diz Vidal de Cassis, são inúteis nos casos em que só a pelle e o tecido cellular são divididos. Se, pelo contrario, os músculos o são, é insufficiente; porque, por maior cuidado que se tenha em construil-as e em applicar as compressas graduadas, por maior que seja a habilidade do cirurgião, estas não poderão nunca actuar sufficientemente sobre os músculos para os impedir de se retrahirem. Demais essa acção não seria senão momentâ- nea, porque a attadura se affrouxará necessariamente. Se, para evitar este inconveniente, se comprime demasiada- mente, a circulação é embaraçada e accidentes podem ser a sua conseqüência, também, como já disse, essas attadu- ras não são mais usadas. Entretanto é bom que o discí- pulo as conheça, porque outras attaduras mais importantes são construídas sob o mesmo principio.» Os agglutinativos mais empregados hoje são : o em- plasto diachylão gommado, o tafetá inglez, o papel chi- mico, o collodio simples e o collodio elástico. Tem-se ainda aconselhado a gomma-laca dissolvida em álcool em doses sufficientes para obter-se uma mistura gelatiniforme. As substancias emplasticas, utilisadas como meios de reunir das feridas, são de um uso geral e freqüente, e mui- tas d'ellas tem realmente, em alguns casos, uma erficacia bastante considerável. A esse modo de reunião das feridas dá-se o nome de sutura falsa. Foi, em 1600, segundo Fabricio d'Aquapendente, que os emplastos começaram a ser empregados como meios de reunião das feridas. Os emplastos agglutinativos, diz Berne de Lion, são habitualmente substancias emplasticas, resinosas, gelatino- ~ 111 - sas ou gommosas, estendidas em tiras de pan no, de linho, de estofo, ou sobr e delgadas lâminas de gutta-percha, e algumas vezes mesmo sobre simples folhas de papel. Assim constituida a folha de papel tem o nome de sparadrapo. O tafetá francez e o tafet á inglez só podem ser utilisa- dos com vantagem nas pequenas soluções de continui- dade, n'aquellas em que a penas o derma tem sido divi- dido. Gosselin diz que o tafetá francez e o tafetá inglez perdendo com muita facilidade sua propriedade agglutina- tiva, quando humedecido s durante algum tempo, não podem ser empregados com proveito, senão em feridas pequenas e pouco profundas, nas quaes a hemorrhagia, sendo insignificante pode ser facilmente sustada pela branda compressão exercida pelas próprias tiras agglutina- tivas, compressão que apenas se mantém durante alguns instantes após a applicação do curativo. Nas soluções de continuidade mais consideráveis, n'aquellas em que a aproximação de seos bordos só se pôde effectuar no caso de ser o agglutinativo capaz de vencer um certo gráo de tensão, o diachylão é o emplasto agglutinativo que tem sido preferido. « Nas feridas a retalhos vastos e pesados, nas que se quer obter uma cicatrisação regular, em algumas outras, emfim, pouco convenientemente situadas, é preciso, diz Follin, recorrer a meios mais activos de reunião e em parti- cular ás suturas, pois que os agglutinativos não poderiam dar resultado. » Para Desprès a reunião immediata pelos agglutinativos, o diachylão entre outros, é restricta a alguns casos espe- ciaes, ás feridas dos dedos, ás soluções de continuidade longitudinaes dos membros, ás feridas das amputações. « Com effeito, diz Desprès, para que os agglutinativos reunam, é preciso que elles tomem um ponto de apoio solido sobre as partes visinhas, e não ha senão os dedos e - 112 — os segmentos dos membros, onde uma compressão cir- cular, única capaz de bem unir as feridas, seja possivel. » Gosselin considera sempre contra-indicado, quando usamos das tiras de diachylão como meios de reunião, fazer com que ellas circundem os membros. Goyrand diz que as tiras agglutinativas não tendo o menor effeito, quando se trata deferidas de direcção trans- versal, podem, com muita vantagem, ser empregadas nas feridas longitudinaes, ainda que ellas tenham interessado toda a espressura da pelle e mesmo a camada adiposa sub- cutanea; eu dou-lhes, diz Goyrand, sobretudo preferen- cia, quando julgo que a pressão que ellas exercem pode ser favorável ao resultado. Os emplastos agglutinativos são empregados, quer como meios directos de reunião, quer ainda como auxilia- res das suturas ou das attaduras. Como adjuvante das suturas, o emplasto diachylão tem sido usado nos casos em que as soluções de continuidade apresentam uma certa extensão e seos bordos uma tendência muito pronunciada ao affastamento. Gosselin recommenda, nos casos em que a ferida é vasta e profunda, não fechal-a completamente, porque, sendo muito provável que ella forneça uma certa quanti- dade de liquido sanguinolento, convém deixar na parte mais declive da ferida uma pequena abertura para a sahida d'esse liquido e evitar assim os accidentes que soem acom- panhar a sua retenção. Guyon diz que é, em muitos casos, de grande utilidade applicar tiras de diachylão, quando são retiradas as sutu- ras, ainda mesmo que a reunião por primeira intensão se tenha realisado, pois que, importa sustentar e manter approximadas as partes cuja adhesão é ainda muito frágil. Os emplastos agglutinativos tem, principalmente o spa- radrapo, o inconveniente de produzir uma certa irritação - 113 - na superficie da pelle e poder occasionar a manifestação da erysipela. Segundo Desprès, as tiras de diachylão somente podem provocar a manifestação de erythemas, de erysipela, quando são applicadas sós, nos casos, porém, em que se collocam por cima das tiras compressas embebidas em água fria, não se observa accidente algum, e não raras ve- zes no fim de 48 horas pode-se conseguir uma reunião per- feita . « De certo, diz Follin, se deve suppôr a constituição geral do individuo como predisposta ás inflammações ery- sipelatosas, porém não se pode negar que muitas vezes o diachylão actue como um corpo irritante, e que a erysi- pela se origine sob a tira emplastica. » Um outro inconveniente, que apresentam os emplastos aeglutinativos, vem a ser: a facilidade com que elles podem escorregar, tornando-se, ipso facto, quasi nulla a sua acção. O collodio, que constitue um meio de reunião das feri- das muito mais poderoso que todos os outros agglutinati vos, deve a um estudante de medicina em Boston, J. Par- ker Maignard, a sua primeira applicação em cirurgia. Tem tal força de adhesão o collodio, diz Goyrand, que se por seo intermédio collarmos á pelle uma das ex- tremidades de uma atadura de linho ou de couro pode- remos pela outra suspender um peso de 20 librassem que a atadura se descolle, « O collodio, diz Rochard, é um bom meio de reunião para as feridas recentes e superficiaes. A pellicula delgada que elle deixa, secando-se, é insoluvel em todos os li- quedos e extremamente adherente.» O collodio é ora simples ora elástico. Quando elástico, elle acha-se de mistura com uma Certa proporção de óleo de ricino 5 a 10 % de seo peso. N. 71 15 _ 114 - Goyrand não aconselha o emprego do collodio elástico como agglutinativo. « Se a ferida é pouco extensa, diz o Sr. Conselheiro Saboia, e seos bordos não tem tendência á retraccão ou podem ser aproximados facilmente, recorro ao collodio que por sua transparência permitte facilmente apreciar os phenomenos que se passam na solução de continuidade.» Goyrand diz que toda a ferida muito surperficial pôde ser reunida pelo collodio. E' principalmenje quando se trata de soluções de con- tinuidade mui diminutas como são as feridas punctorias que o collodio pode ser empregado com vantagem. O collodio adhere tão intimamente ás partes circumvi- zinhas á ferida que podemos laval-as sem ter receio de ver a pellicula adhesiva se destacar. Reconhecendo os cirurgiões que o collodio simples, applicado só, seccando-se, retrahia-se e causava muitas vezes vivas dores, lembraram-se de usar de pequenas tiras embebidas em collodio, que convenientemente applicadas, determinassem a juxta-posição dos Íabios da ferida. Gosselin, para evitar este inconveniente do collodio simples, aconselha nos casos em que quizermos empregar o collodio só, tornal-o elástico pela addição de certas subs- tancias entre as quaes está o óleo de ricino. Goyrand applica, de cada lado das feridas e parallela- mente a seos bordos, uma tira de linho, embebida em collodio, e sobre essas tiras longitudinaes colla outras trans- versaes que, sendo atadas com as correspondentes do lado opposto, determinam a aproximação dos Íabios da ferida. Mauzier fixa, por intermédio do collodio, próximo a cada um dos lábios da solução de continuidade, uma tira de linho, e em seguida, quando essas tiras acham-se suf- ficientemente adherentes, elle por meio de alguns pontos — 115 — de costura, faz com que ellas aproximem-se, trazendo portanto comsigo os lábios da solução de continuidade, que d'esta forma ficam perfeitamente juxta-postos. Alguns cirurgiões têm aconselhado, como meio de reu- nião, nos casos em que não é necessário uma forte tracção para conchegar os Íabios da ferida, a applicação de tiras de linho adelgaçadas nas extremidades, embebidas em col- lodio, e fixadas de cada lado da solução de continuidade por uma de suas extremidades. Bilroth diz que, quando empregarmos as tiras impreg- nadas de collodio, devemos ter todo o cuidado em não collocal-as directamente sobre a ferida, porque, sendo o collodio irritante, seo contacto com a solução de conti- nuidade traria dor, em alguns casos inflammação, e mesmo suppuração, que é precisamente o que procuramos evitar pelo emprego do agglutinativo. Para Goyrand a tira de linho embebida em collodio, applicada perpendicularmente á direcção da ferida, tem o inconveniente de collocal-a fora das vistas do cirurgião antes que a tira, inteiramente secca, possa garantir uma perfeita juxta-posição dos bordos da solução de conti- nuidade. Goyrand emprega as tiras impregnadas de collodio (sutura secca) nas feridas transversaes simples que lhe parecem não poderem ser reunidas em toda sua profundi- dade pelas serras-finas. A sutura secca apresenta as seguintes vantagens: manter em contacto os Íabios da ferida, poder ser empre- gada qualquer que seja a direcção da solução de continui- dade, o que não se dá com os outros agglutinativos, não impossibillitar a applicação de irregações da água fria, que descollariam os emplastos agglutinativos, e não pro- duzir erythema, que é tão freqüente, quando se emprega o diachylão. — 116 — «O collodio, diz Goyrand, tem sobre a sutura a vantagem de applicar-se sem dor, de permittir que a ferida seja aberta e fechada sem grande inconveniente, quando torna- se necessário sustar pela ligadura de um vaso uma hemor- rhagia, e de poder conservar fechada a ferida por tanto tempo quanto se julgar necessário, em quanto que a sutura ulcéra os tecidos, se é mantida por mais de 4 ou 5 dias. Finalmente, eu não pretendo substituir o collodio aos outros meios de reunião ; eu o apresento somente como devendo ser admittido concurrentemente com elles. » Um outro meio de reunião das feridas é constituído pelas serras-finas de Vidal de Cassis. Applicadas ao principio por seu author exclusivamente para a reunião dos Íabios da ferida resultante da circumci- são, foram mais tarde, graças ás modificações porque passaram, empregadas em operações mais importantes, e em consequenc ia de alguns aperfeiçoamentos que têm experimentado, são mesmo preferidas ás suturas por alguns cirurgiões em um certo numero de circumstancias. Roux diz que, comquanto o emprego das serras finas não possa fazer esquecer as suturas ordinárias, todavia ellas podem ser úteis em um certo numero de casos e substituir com grande vantagem aos emplastos aggluti- nativos. Guyon considera a applicação das serras-finas pouco dolorosa, tendo ainda a vantagem de não fazer nas partes, que tem de ser reunidas, soluções de continuidade para a passagem das agulhas e dos fios. Existem serras-finas de vários tamanhos e acham-se classificadas do n 1 ao n. 16. As de numero menos elevado, isto é, as menores, são empregadas para reunir as feridas accidentaes e cirúrgicas do prepucio, da face, etc. ; as mais volumosas são reser- vadas por alguns cirurgiões para feridas de regiões em que — 117 — os tecidos têm uma certa espessura. Essas ultimas podem actuar como verdadeiros compressores hemostaticos. Vidal de Cassis recommenda applicar as serras-finas em grande numero, de modo que fiquem o mais próximo pos- sivel umas das outras, e em seguida recobril-as com uma compressa embebida em água fria, que deverá ser reno- vada, quando se achar aquecida. As serras-finas só devem ser empregadas em feridas situadas em regiões pouco espessas e bastante vasculares, principalmente n'aquelles casos em que é preciso applicar- se a pelle em contacto com uma mucosa. Tenho visto o Sr. Conselheiro Saboia, em alguns casos, lançar mão das serras-finas para reunir feridas, cujos Íabios são pouco espessos, como as feridas que resultam da cir- cumcisão, em que a união não precisa ser mantida por mais de 24 a 36 horas. Nos casos, porém, em que os tecidos offerecem uma certa espessura, não devemos applicar as serras-finas, não obstante Guyon dizer que tem-se utilisado, com alguma vantagem, das serras-finas em regiões notáveis pela espes- sura de seus tecidos. As serras-finas não devem em geral ser mantidas por mais de 24 horas, pois que tem se observado que a sua applicação por um tempo mais prolongado pôde trazer, como conseqüência, o edema, o esphacelo dos tecidos. As serras-finas têm sido accusadas de embaraçar os curativos, dar logar a uma dor que persiste durante todo o tempo da sua applicação, e emfim destacar-se com muita facilidade, podendo deixar de realisar-se o fim a que são destinadas. Os diversos meios que acabei de mencionar sendo na maioria dos casos insufficientes o emprego da costura torna-se pois necessário. E' sobretudo nos casos de extensas feridas que cora- promettem uma grande espessura de tecidos, feridas estas - 118 - em que os meios que já foram referidos mostram-se ineffica- zes que a costura, convenientemente applicada, nos pôde fornecer resultados brilhantes. As costuras foram condemnadas por alguns cirurgiões pelo facto de produzirem uma certa irritação continua nos Íabios das feridas, porém Bilroth diz que, não obstante tal accusação ter algum fundamento, todavia perde ella muito de seu valor em presença das vantagens immensas que podemos colher por meio da costura que nos garante o contacto immediato das superfícies da ferida. Tem se ainda accusado a costura de ser dolorosa e de provocar algumas vezes phenomenos inflammatorios mais ou menos intensos e accidentes nervosos ; porém se refle- tir-mos que a dòr em conseqüência de sua pouca duração deve ser considerada n'esse caso como um accidente de pouca importância e que phenomenos inflammatorios pronunciados e accidentes nervosos têm sido observados em rarissimos casos, podemos concluir com toda a razão que não temos elementos sufficientes para levar-nos a re- jeitar o emprego das costuras. Em muitas circumstancias, com effeito, é sem duvida preferível aos agglutinativos,pois que,mantendo com muito mais segurança a immobilidade dos Íabios da ferida, nos proporciona um meio de conseguirmos a reunião imme- diata em um numero muito maior de casos. Nos casos em que a ferida tem sua sede em uma parte naturalmente livre e fluctuante ou n'aquelles em que é acompanhada da formação de um retalho, não podendo nós contar com os agglutinativos como meios de reunião, devemos recorrer ás costuras. Gosselin acredita que muitas vezes com o emprego das costuras só obtemosuma cicatrisação mixta; as superfícies da ferida em contacto reunem-se por primeira intensão, porém os trajectos dos fios ou dos alfinetes suppuram ou ainda os tecidos por elles comprehendidos, cahindo em - 119 - mortificação, dão em resultado escaras cuja eliminação se faz com suppuração. As costuras podem ser feitas com fios metallicos, com fios orgânicos, ou ainda com alfinetes e fios orgânicos. Segundo o modo pelo qual se fazem as costuras cirúr- gicas resultam diversas espécies conhecidas com o nome de costura de pontos separados, entortilhada, encavi- lhada, etc. De todas essas espécies de costura são as de pontos separados e a entortilhada as que se empregam mais com- mumente, as outras são geralmente reservadas para casos especiaes. O Sr. Conselheiro Saboia não emprega senão a costura metallica de pontos separados. « As indicações da costura entortilhada, diz o profes- sor Bilroth, não são senão em numero de 2, exceptuadas estas, vós deveis vos conservar adeptos da costura entre- cortada que é a mais simples e a mais usual. Assim a cos- tura entortilhada deve ser empregada: quando a tensão dos bordos da ferida é muito considerável; quando os bordos cutâneos que tratamos de reunir são delegados e não sustentados por tecidos subjacentes, quando a pelle é flacida, em uma palavra, todas as vezes que os bordos da ferida tem uma tendência a se enrolar. » Desprès acredita que a costura entortilhada é sempre um excellente meio, quando applicada ás regiões mui vas- culares, porque, diz elle, os alfinetes podem ser collocados mui profundamente e os fios, fortemente cerrados sobre os alfinetes, asseguram uma boa reunião immediata ao mesmo tempo que produzem uma hemostasia excellente. Quando porém a costura tem de permanecer por longo tempo afim de assegurar a reunião das partes pouco vasculares ou expostas a movimentos, considera Deprès a costura metal- lica com fios de prata superior á costura entortilhada, - 120 — As costuras metallicas foram reintroduzidas na pratica cirurgica ha 3o annos. Foi Marion Sims quem mais con- tribuio para generalisar o seu emprego. As suas vantagens foram immediatamente comprehendidas e seu uso espa- lhou-se rapidamente na America e na Inglaterra. Em França as costuras metallicas não foram conhecidas senão depois que Bozèman em 58, após algumas operações praticadas nos hospitaes de Paris, demonstrou as suas vantagens. Richet e Blanchet se montraram pouco favoráveis a uma tal pratica, dizendo que os fios metallicos cortavam mais facilmente os tecidos que os fios vegetaes. Das experiências feitas por OIlier se conclue que os fios metálicos irritam muito menos os tecidos que os fios vegetaes. Os fios orgânicos se impregnando de liquidos que se alteram ao contacto do ar e tornam-se irritantes, não são mais então simples meios de contensão, são pequenos sedenhos epispaticos que ulceram e cortam os tecidos. Os fios metallicos, pelo contrario, não exercem sobre elles senão uma acção mecânica e podem permanecer indefi- nidamente sem os inflammar, como as balas de chumbo, os fragmentos de vidro. Letenneur cita o caso de uma moça que trouxe durante um anno, sem se aperceber, um fio de prata que o Dr. Thoinete lhe tinha applicado após a ressec- ção do maxillar inferior, e que se tinha esquecido de retirar. Graças a essa inocuidade os pontos de costura podem ser mui numerosos sem inconveniente e assegurar assim uma coaptação mais exacta; a rigidez do metal torna essa coaptação permanente, emquanto que a alça de fio orgâ- nico se affrouxa, torna-se fluctuante, quando a ulceração começa, e não mantém mais os lábios da ferida em con- tacto. — 121 - Ollier demonstrou ainda mais que os fios metallicos irritam tanto menos os tecidos quanto são menos volu. mosos. Ollier temendo, porém, que estes fios não cortas- sem os tecidos, os reservava para os casos em que os Íabios da ferida não experimentavam nenhuma tracção. Um discípulo de Ollier, Muguet, fez algumas experiên- cias comparativas entre os fios ordinários e os fios capil- lares e demonstrou que mesmo n'esses casos os fios não acabam a secção senão depois dos fios ordinários. Os fios metallicos, quando são delgados, se torcem e se applicam com a maior facilidade. Os fios metallicos podem ser de prata dourada, de prata, de ferro galvanisado; todos estes metaes são igualmente bons. Em geral se dá a preferencia aos fios de ferro. « Nós consideramos a costura metallica, diz Bochard , como um verdadeiro progresso, não somente quando se trata das operações autoplasticas que se praticam no fundo das cavidades, mas ainda para todas as que exigem uma reunião exacta, solidamente mantida, como as feridas auto- plasticas da face. Cahiriamos em exageração se attribuissemos aos fios metallicos vantagens absolutas sobre os fios orgânicos. Estes, quando são bem empregados, dão excellentes resul- tados. Está todavia bem estabelecido que os fios me- tallicos constituem um excellente meio de reunião. « A minha preferencia, diz o Sr. Conselheiro Saboia, não é entretanto exclusiva e longe de mim o pensamento de censurar-vos se em lugar da costura metallica vos pa- recer mais útil reunir as feridas por meio de fios orgâ- nicos. » O cat-gut convém admiravelmente nas feridas onde não ha uma grande tensão. « Eu não vos recommendo, diz Desprès, a costura com a cat-gut, porque esta costura exige anneis de chumbo — 122 — para fixar os fios, e quanto mais complicada é uma cos- tura tanto peior é ella. Quanto a especulação sobre a absorpção dos fios o numero enorme de costuras se- guida de resultado, sem fios absorviveis, mostra bem a in- utilidade da renovação do processo. » As costuras também se pôde fazer com fios de seda phenicada e ainda com as mesmas crinas que Lister em- prega algumas vezes para a drainagem. Não se tem só empregado as costuras superficiaes, mas ainda as costuras profundas que são destinadas a appro- ximar as partes profundas da ferida por meio de fios pas- sados na profundidade dos retalhos. Se são todos partidários das costuras para a reunião supercial, o mesmo não se dá para a reunião profunda. Assim uns procuram esta reunião por meio de cos- turas profundas, porém outros procuram obtel-a pela compressão. Diversos meios, mais ou menos complicados, tèm sido propostos para essas costuras profundas. Os mais simples consistem na introducção de longas agulhas curvas munidas em suas duas extremidades de um pe- queno tampão de cortiça que se pôde approximar á vontade. Abraça-se assim uma quantidade considerável de tecidos e se reúnem as partes as mais profundas da ferida. E' bom completar essas costuras profundas por uma costura superficial. Para que a reunião immediata possa realisar-se não basta affastar da superfície da ferida todos os corpos es- tranhos, sustar a hemorrhagia, conchegar os Íabios da ferida pelos agglutinativos ou pelas suturas e manter a parte em uma immobilidade tão completa quanto pos- sivel, é preciso também pôr as soluções de continuidade ao abrigo da acção directa do ar, ou melhor ainda, dos germens n°elle existentes que, por sua presença, perturbam a marcha do processo reparador das feridas e constituem- 123 - se causas de accidentes cujas conseqüências podem ser das mais funestas. Desde muitos séculos os cirurgiões, na maioria dos curativos das feridas, tinham em vista subtrahil-as ao con- tacto nocivo do ar, porém os meios de que primitiva- mente se utilisavam não lhes permittiam successos tão notáveis como os que actualmente conseguimos, graças aos curativos de que podemos dispor, curativos que ga- rantem as feridas dos effeitos perniciosos dos germens — bactérias ou vibriões. Não foi, porém, de chofre que chegou-se a um resul- tado tão brilhante ; os curativos foram passando por varias modificações a medida que melhor estudadas eram as causas dos principaes accidentes das feridas, até que che- garam a adquirir as qualidades que hoje possuem. Quaes as principaes modificações que experimenta- ram os curativos das feridas, ou antes quaes os principaes curativos applicados no intuito de proteger as feridas da acção do ar e favorecer a sua reunião por primeira in- tensão ? A occlusão térmica de Guyot, a occlusão pneumatica de J. Guerin, a aspiração continua de Maisonneuve, o curativo algodoado de Affonso Guerin, a occlusão de Chassaignac e os curativos antisepticos constituem os prin- cipaes. O curativo com o apparelho de occlusão thermica ou de incubação foi proposto por Guyot em 1840, depois de ter por algumas experiências procurado demonstrar que as feridas cicatrisavam-se com mais rapidez e com menos suppuração, quando se achavam sob a influencia de um ar quente. Foi baseando-se n'essas experiências e tendo além d'isso observado que a cicatrisação das feridas nos cli- mas quentes se fazia mais depressa do que nos climas - 121 - frios, que Guyot creou o novo methodo de curativo das feridas a que deo o nome de curativo por incubação, O curativo por incubação consistia em collocar, por ongo espaço de tempo, a parte, sede da ferida, sob a in- fluencia do ar artificialmente aquecido a uma certa tem- peratura. O apparelho de incubação era constituído por uma caixa quadrada de madeira, apresentando em uma de suas faces uma manga de couro, destinada a ser perfeita- mente applicada ao membro. A essa caixa vinha ter um tubo que conduzia o ar previamente aquecido na extremi- dade do mesmo tubo por uma lâmpada a álcool. Guyot acreditava que o seu methodo tinha a vantagem de permittir que a ferida se curasse rapidamente, quasi sem dor, e sem a manifestação de phenomenos inflam- matorios. Guyot fez construir vários apparelhos apropriados cada um d'elles a uma parte do corpo, aos membros su- periores, aos membros inferiores, á espadua, ao thorax, e até mesmo ás diversas partes da face. A temperatura do ar devia ser mantida constantemente a 36" cent. Essa temperatura parecia a Guyot ser a mais favorável. Robert, partidário d'esse methodo de curativo, dizia que não se devia exceder de 28o a 3o° cent. A observação clinica mostrou-se a favor de Robert. demonstrando que a temperatura de 36° era excessiva- mente elevada e que era a temperatura de 28o a 3o° a mais conveniente á cicatrisação das feridas. Demarquaydiz que a temperatura de 36 favoresce singularmente a decomposição das matérias purulentas, decomposição que, sendo seguida de absorpcão dos pro- ductos pútridos, dá logar á infecção purulenta. Debrou, em uma memória lida na Sociedade cirúrgica de Paris, em 1849, conclue que, se a incubação apresenta algumas vantagens, devem ser essas attribuidas á presença 12o no interior do apparelho do ácido carbônico, proveniente da combustão do álcool, pois que esse gaz actua sobre a ferida, não só como agente anesthesico, mas ainda parece favorecer a sua cicatrisação. Apesar de alguns casos felizes referidos por Guyot e de alguns cirurgiões notáveis terem procurado confirmal-os, não tardou todavia a incubação a ser completamente abandonada. No intuito de tornar a cicatrisação das feridas expostas tão fácil quanto a das feridas subcutaneas, creou Jules Guerin o methodo de cicatrisação das feridas no vácuo, dando-lhe o nome de occlusão pneumatica. O apparelho empregado por J. Guerin compunha-se de uma manga de cautchouc vulcanisado, cylindrica ou conica, destinada a ser adaptada por uma de suas extre- midades a peripheria do membro que devia experimen- tar a occlusão e pela outra a de pôr-se em communicação, por intermédio de um tubo de borracha de paredes espes- sas, com um recipiente metallico, reservatório de vácuo. Este reservatório tinha duas torneiras; por uma d'ellas es- tava em relação com o tubo de borracha que communi- cava com a manga e pela outra, que era destinada a dei- xar sahir os líquidos accumulados no interior do mesmo recepiente, estava em livre communicação com o exterior. Esta segunda torneira servia ainda para fazer communicar o recepiente com a machina pneumatica ou com um ap- parelho de aspiração. Tal era o apparelho primitivo de Guerin, cuja des- cripção foi pelo mesmo feita em presença de Academia de Medicina e da Academia das Sciencias em 1866. Em 1867 Guerin, tendo em vista tornar o vácuo mais uniforme no interior do apparelho, interpoz á manga e ao recepiente metallico um manometro collocado em um frasco de crystal e destinado a fazer-lhe conhecer o gráo de rarefação do interior do apparelho. - 126 - N'essa mesma occasião, Guerin fez conhecer uma mo- dificação em seo apparelho, que lhe permittia applical-o a muitos doentes em uma mesma enfermaria. Esse appare- lho, assim modificado, compunha-se de um grande reser- vatório de vácuo, munido de um tubo commum do qual partiam tantos outros quantos eram os doentes. Guerin acreditava que, por meio de seo apparelho, podia proteger a ferida do contacto do ar, alliviar a dor impedir o acumulo e a alteração dos productos secreta- dos e obter,na máxima parte dos casos, reunião immediata. Guerin procedia em seos curativos do seguinte modo : reunia a ferida por uma costura completa, cobrindo-a em seguida com uma couraça de sparadrapo e com algumas compressas embebidas em uma solução de permanganato de potássio, por sua vez recobertas com uma lamina muito delgada de gutta-percha, mantida por uma atadura. Collocava então a manga de cautchouc que tinha de ser posta em communicação por meio do tubo de borracha com o recipiente, onde já se devia ter feito o vácuo. Em conseqüência da pressão athmospherica, a manga se appli- cava sobre a superficie da ferida, e os liquidos exsudados iam ter ao recipiente, passando pelo tubo de borracha. A capa delgada de gutta-percha, empregada por Gue- rin para cobrir a ferida, tinha por fim não só moderar uma aspiração exagerada na occasião em que se fazia o vácuo para extrahir os liquidos do recipiente sem levantar-se o apparelho, mas ainda favorescer por capillaridade a cir- culação dos liquidos aspirados. O apparelho de J. Guerin tem o inconveniente de ser muito complicado, de um manejo e de uma applicação difficeis, de custar um preço muito elevado e de não pre- servar a ferida da influencia dos micro-organismos do ar athmospherico, pois que as experiências têm demonstrado que o vibrião septico desinvolve-se e multiplica-se no vácuo. — 127 — Ainda este methodo de curativo apresenta o inconve- niente de não permittir que se verifique a natureza dos liquidos que são aspirados e particularmente a presença do sangue no interior do reservatório. Maisonneuve, simplificando o apparelho de Guerin afim de tornal-o mais pratico, creou um novo methodo de curativo a que deo o nome de aspiração continua. Consiste este methodo em submetter o coto de um membro amputado a uma aspiração continua, afim de que os liquidos secretados, sendo acarretados pouco a pouco para um recipiente appropriado, não tenham tempo de experimentar os phenomenos da putrefacção. Maisonneuve substitue, em 1867, o reservatório do vácuo do apparelho de Guerin por um frasco de vidro de 5 a 6 litros de capacidade, munido de uma rolha com 2 orificios, dos quaes um communica, por meio de um tubo de cautchouc, com uma manga tubulada da mesma subs- tancia, e outro, ainda por intermédio de outro tubo de bor- racha, com uma seringa de aspiração. Esse apparelho actua não só abrigando a ferida do con- tacto do ar, mas ainda aspirando continuamente os liqui- dos secretados. Pela descripção rápida que acabei de fazer do appare- lho de Maisonneuve vê-se que elle é muito similhante a um apparelho aspirador de Potain, em que a agulha fosse substituída por uma manga de cautchouc destinada a cobrir e proteger a ferida. Maisonneuve, antes de applicar o seo apparelho, pro- cedia ao curativo da ferida do modo seguinte : lavava-a bem com o álcool, depois de ter feito cessar todo o corri- mento sangüíneo, e em seguida, depois de tel-a enxugado com o maior cuidado, reunia os seos Íabios por meio de algumas tiras de sparadrapo applicadas de modo a permit- tir que por entre ellas podessem os liquidos secretados escoar-se facilmente; por cima das tiras agglutinativas - 128 - applícava então fios embebidos em liquidos antisepticos, e em seguida mantinha todo o resto do curativo com algu- mas voltas de atadura de linho, também embebidas dos mesmos liquidos antisepticos. Era após esse curativo preliminar que Maisonneuve collocava o coto no manguito de borracha, abria as tornei- ras e começava a praticar a aspiração. Por meio de seo methodo de curativo Maisonneuve procurava tornar impossivel a retenção dos liquidos exsu- dados, pelo emprego da seringa aspiradora, e, pela appli- cação de substancias antisepticas, extinguir os germens que podessem se achar na ferida. Este methodo, bem como o da occlusão pneumatica, tem sido principalmente empregado no curativo das am- putações. E' realmente difficil applical-o ás feridas da cabeça, ás do tronco e ás soluções de continuidade resul- tantes das amputações dos seios. Em alguns dos casos de amputações de membros, em que Maisonneuve empregou o seu methodo de cura- tivo, poude conseguir a reunião por primeira inten-r são. A aspiração continua, comquanto baseada nos mesmos principios que a occlusão pneumatica, todavia, é muito menos complicada e portanto mais fácil de ser appli- cada. O apparelho de aspiração continua, do mesmo modo que o da occlusão pneumatica, não tem sido empregado senão por seu author ou pelo menos os poucos cirurgiões que o tem applicado, não têm mostrado enthusiasmo al- gum por tal methodo de curativo. Quando se procura fazer um vácuo perfeito no inte- rior do apparelho, o manguito applicado sobre o membro pôde determinar uma constricção exagerada, acompa- nhada de dor muito intensa, seguida de perturbações da — 129 — nutrição da parte e mesmo de gangrena da pelle, segundo o professor Gosselin. Esse methodo de curativo tem, além dos inconve- nientes apresentados pelo methodo de J. Guerin, mais o seguinte : poder favorescer as hemorrhagias, pois que não dispondo de um instrumento que nos faça conhecer qual o gráo da rarefacção do ar contido no interior do ap- parelho, pode ser o sangue acarretado para o frasco re- ceptor, acompanhando os liquidos exsudados Ainda que, em alguns casos, esses methodos de curativo (occlusão pneumatica e aspiração continua), tivessem proporcionado aos seus inventores meios de obter a re- união immediata, não obstante são tão numerosos os in- convenientes que offerecem que jamais poderão ser appli- cados como methodo geraes e acham-se hoje inteiramente abandonados. Com o fim de obviar alguns dos inconvenientes dos apparelhos de J. Guerin e Maisonneuve, entre outros a ausência de uma compressão uniforme, o Dr. Leopoldo Buys, em 1869, apresentou á Academia da Bélgica um apparelho pneumatico-compressor, por meio do qual se abrigava a ferida da acção do ar por um mecanismo inteiramente opposto ao dos methodos de J. Guerin e Maisonneuve. Buys dizia que, pela applicação de seu apparelho, podia se prevenir a hemorrhagia, freqüente nos outros dous me- thodos, sobretudo no de Maisonneuve, e ainda mais dis- pensar-se o emprego das ligaduras. Com o seu apparelho Buys conseguia obter uma com- pressão uniforme e methodica, que actuava como um ex- cellente meio antiplhosgico e hemostatico e determinava uma coaptação perfeita das partes divididas. O apparelho de Buys compunha-se de um manguito de caut-chouc de dupla parede ; no espaço existente entre as duas folhas de caut-chouc abria-se um tubo da mesma tf. 71 17 — 130 — substancia, destinado a trazer o ar que era impellido por uma bomba comprimente ; um manometro, convenien- temente collocado, marcava o gráo de pressão interna. Este apparelho, como os dous outros precedentes, tem o inconveniente de ser complicado, bastante volumoso e ainda mais de custar um preço elevado ; além d'isso não offerece em compensação vantagem alguma sobre a maior parte dos outros curativos. Chassaignac em 1864 fez conhecer um outro methodo de curativo a que denominou curativo por occlusão. Antes de Cassaignac, um meio de curativo, análogo ao proposto por este author, tinha sido aconselhado, em i83i, por Velpeau para as feridas contusas. O curativo por occlusão com as tiras de sparadrapo, empregado por seu author para pôr ao abrigo do contacto do ar as feridas, quer fossem ou não susceptíveis de se reunirem por primeira intensão, não é, em summa, senão uma generalisação do methodo seguido por Baynton no tratamento das ulceras varicosas dos membros inferiores. A respeito d'este curativo diz Rochard : « Se ha curativo capaz de fazer com que a ferida seja tão pouco exposta quanto possivel, será este o melhor; pois bem, esse curativo existe e é o que Chassaignac instituiu sob o nome de curativo por occlusão. » O curativo por occlusão de Chassaignac é constituído do seguinte modo : uma couraça composta de tiras de diachylão imbricadas, que se cruzam entre si, é applicada sobre a parte lesada cujos limites são excedidos em todos os sentidos e em uma certa extensão pela mesma couraça. As tiras de diachylão devem ser collocadas de modo a não ficar intervallo algum entre as mesmas tiras e a não circular os membros, afim de evitar-se um estrangula- mento da parte. A esta couraça, assim constituída, chama Chessaignac o curativo interno ou immediato. Em seguida ao curativo interno, applica-se o curativo — 131 - externo, que se compõe de um panno crivado untado de ceroto, devendo cobrir inteiramente a couraça de uma camada de fios bastante igual, de compressas e de ata- duras, destinadas a manter todas as outras peças do cura- tivo. Chassaignac aconselha que seja em seguida a parte mantida em um apparelho contentivo. O pús que se produz, em alguns casos, é segundo as observações de Chassaignac, oito vezes menor no curativo por occlusão que nas condições ordinárias , elle é também mais espesso, mais untoso, misturado de uma porção mais considerável de lympha plástica. O panno untado de ceroto desempenha o papel de uma válvula de segurança, na expressão de Chassaignac; im- pede a chegada do ar ao interior da couraça e permitte ainda conservar o curativo interno mais ou menos per- meável. As outras partes do curativo externo, com especiali- dade os fios, são encarregados da absorpção dos liquidos que se tem insinuado por entre as tiras de diachylão, que constituem a couraça. Desprès acredita que este curativo não abriga a ferida da acção do ar senão de um modo insufficiente. Por meio d'esse curativo mantem-se os Íabios da ferida conchegados e immobilisados, e entretem-se em torno da parte um estado constante de humidade, condição favorá- vel á cura das feridas. O Dr. Teixeira Maciel, em sua these inaugural, attribue ao chumbo que entra na composição do sparadrapo, a acção do curativo por occlusão. « E', diz o Dr. Teixeira Maciel, ás qualidades particulares do chumbo, antifermen- teciveis, antivitaes para os organismos inferiores, ou con- servadoras, que essa acção deve ser attribuida. » Jeannel (na Encyclopedia internacional de cirurgia) diz que os successos do curativo de Chassaignac, comquanto - 132 — muito restrictos, devem ser justamente referidos ao estado de concentração do pús accumulado abaixo da couraça. O curativo por occlusão é um curativo raro, pois que só deverá ser renovado antes do décimo dia se sobrevier algum incidente. Este praso é rigorosamente estabelecido para a renova- ção do curativo interno, quanto ao curativo externo, deve ser o mesmo reformado desde que se apresente sujo. A exploração das partes circumvizinhas a ferida deve ser feita diariamente pelo cirurgião, prompto a desfazer o curativo interno ou pelo menos a lavar a superficie ex- tern a com algumas gottas de aguardente camphorada ou de sueco de limão, desde que pelo seu exame receiar a manifestação de alguma complicação. Quando a couraça apresenta-se frouxa, torna-se ne- cessário reforçal-a pela addição de algumas tiras supple- mentares. Se no fim do praso fixo, ao retirar-se o curativo, ainda a ferida não se achar cicatrisada, devemos tocar a sua superficie com uma solução de nitrato de prata na propor- ção de 5 grammas para 3o de água distillada, e em seguida applicar um novo curativo. Para Chassaignac o seu methodo tem a vantagem de proteger constantemente a ferida da acção do ar sem im- pedir a sahida dos produetos por ella secretados e preve- nir a manifestação da inflammação traumática. Em relação á reunião por primeira intensão assim se exprime Chassaignac : « Nenhum curativo não é mais favorável, seja para obterá reunião immediata, quando ella é possivel, seja para tental-a sem perigo. Concor- dar-se-ha comnosco que deixar uma ferida perfeitamente tranquilla sob uma couraça de diachylão sem descobril-a, sem irritar a sua superficie, é collocar essa ferida nas con- dições as mais favoráveis para a sua cicatrisação. Demais este modo de curativo não expõe a nenhum perigo, se a re- - 133 - União immediata não se realisar, bem diíferente da costura que. quando não dá resultado, traz muitas vezes os phe- nomenos da retenção de pús e uma inflammação muito viva, em uma palavra, accidentes de estrangulamento. Igualmente susceptível de se adaptar ás exigências da re- união immediata e ás da reunião secundaria, o methodo da occlusão se concilia com a dupla alternativa que se nos offerece em presença de toda a solução de continuidade.» Desprès cita alguns casos de amputações em que lhe foi possivel obter a reunião immediata com o emprego d'este methodo de curativo. «As feridas de amputações dos dedos, diz Desprès, tra- tadas com a occlusão pelo diachylão não suppuram ou suppuram muito pouco ; a reunião por primeira intensão tem quasi sempre logar. » O curativo de Chassaignac tem sido empregado, dizem vários authores, com resultado em alguns casos de feridas contusas. Acredita-se que elle facilita a reunião parcial das porções menos contusas dos bordos d'estas feridas. E' sórrente em feridas de pequena extensão e de pouca gravidade que este methodo de curativo pôde dar algum resultado. A's vezes o curativo applicado durante um certo tempo exhala algum máo cheio. Na maioria dos casos depende este facto de falta de aceio das peças exteriores do cura- tivo ; em algumas circumstancias durante o verão pôde, apezar de se ter todo o cuidado em renovar-se o curativo externo, o máo cheiro tornar-se ainda bastante pronun- ciado. Chassaignac recommenda, afim de obviar este in- conveniente, que se regue freqüentemente o apparelho com álcool camphorado desde que o cheiro se torne incom- modativo ao doente. O erythema apparece muito freqüentemente em torno das feridas tratadas por este methodo. Chassaignac diz que este erythema não tem logar nos pontos da pelle em con- - 134 — tacto com o diachylão, porém, sim, no contorno da cou- raçados pontos em que o pús se tem achado em contacto com as peças do curativo externo ; além d'isso, este acci; dente não merece grande importância, pois que cede promptamente a uma simples applicação da solução de nitrato de prata. Sedillot e alguns outros cirurgiões afürmam que este methodo de curativo pode dar lugar á manifestação da erysipela, pelo facto de exercer o diachylão uma acção irritante, acção irritante esta que parece ser provada pelo bom resultado que dá o apparelho de Baynton no trata- mento das ulceras. Chassaignac considera, pelo contrario, o seu curativo como um meio preservativo da erysipela, e diz não ter observado um só caso de erysipela, phleimão ou podridão do hospital, desde que empregava o seu me- thodo de curativo. « As tiras de diachylão, diz Desprès, não fazem nascer erythemas, erysipela. A erysipela éo resultado de uma disposição herpetica dos doentes, do regimem dos feri- dos ou dos operados, das condições tm que elles se acha- vam no momento da operação ou da ferida, e sobretudo dos resfriamentos. Eu accrescento que a condição a mais favorável é o máo estado do curativo que, escorre- gando e não recobrindo mais a ferida, deixa-a facilmente seccar-se. » O álcool tem sido empregado para o tratamento das feridas desde longo tempo. Hyppocrates, Galeno, Para- celso, Guy Chauliac, Ambrosio Pareô e muitos outros utilisaram-se de liquidos alcoólicos no tratamento das feri- das ; porém, foi Dionis, um dos primeiros cirurgiões que procuraram generalisar o emprego d'aguardente campho- rada após as operações cirúrgicas. Uma tal pratica não tardou a ser seguida por grande numero de cirurgiões, não obstante algumas tentativas feitas em sentido contra- rio por Percy e Larrey. — 135 - Depois de ter gosado de uma tão vasta applicação, cahe o álcool por algum tempo em esquecimento, do qual não consegue sahir senão graças a Lestocquoy e Lecoeur e um pouco mais tarde, em i858, a Batailhé e Guillet. Batailhé e Guillet observaram a reunião por primeira intensão em feridas profundas que chegavam mesmo até o osso e em amputações praticadas em animaes. Esses factos, publicados por Batailhé e Guillet, concor- reram de um modo muito notável para que este methodo de curativo entrasse de novo na pratica cirurgica. Em 1863 Nelaton empregou a aguardente camphora- da no Hospital das Clinicas, e o resultado de suas expe- riências, referido por Gaulejac e Chèdevergne, dois de seus discípulos, fez com que este methodo fosse de novo adoptado pelos mais notáveis cirurgiões da época. Actualmente M. Perrin é defensor extremado d'este methodo de curativo das feridas. As vantagens attribuidas ao álcool por este author são as seguintes: poder hemos- tico, volatilidade e rapidez em impregnar os tecidos, propriedade de coagular os productos albuminosos e sus- pender toda a fermentação e, emfim, leve acção escha- rotica. O álcool tem sido empregado simples, diluido ou con- centrado, ou ainda de mistura com outras substancias, taes como, o aloes, a camphora, etc. Nelaton servia-se d'aguardente camphorada fornecida pela pharmacia dos hospitaes e que não marcava senão 56.° Gosselin e Guyon preferem o álcool a 90.0 Batailhé recommendava o em- prego do álcool puro. Hermont de Bruxellas preconisa uma mistura de clho- rureto de cálcio e álcool camphorado, como antiseptico, desinfectante, detersivo, favorescendo a cicatrisação das feridas. O álcool muito concentrado é excessivamente enér- gico, causa dores muitas vezes intoleráveis nas primeiras - 136 — horas que se seguem á applicação dos curativos, principal- mente á do curativo immediatamente consecutivo á opera- ção ou ao accidente que occasionou a ferida. Com o fim de obviar este inconveniente, Guyon acon- selha fazer-se o primeiro curativo, achando-se ainda o doente sob a influencia do somno anesthesico, e applicar- se sobre o mesmo curativo uma bexiga cheia de gelo. O álcool, coagulando as matérias albuminoides, actua como antisepüco e impede a putrefacção dos tecidos. E' ainda um excellente hemostatico e um poderoso anti- plhogistico em virtude da constricção que experimentam sob sua influencia os vasos das partes próximas á ferida. A maneira de empregar o curativo pelos alcoólicos é a seguinte: applicam-se sobre a ferida, reunida ou não, compressas ou fios embebidos no liquido alcoólico, depois de ter lavado a superficie sangrenta da ferida com o mesmo liquido e sustado completamente a hemorrhagia. O todo é em seguida envolvido em algodão ou em taffetá im- permeável, destinados a manter compressas sempre humi- das e impedir que a evaporação do álcool se faça rapida- mente. Este curativo deve ser renovado no fim de 12 a 24 horas. Gaulejac recommenda que não se reuna a ferida antes de cessar todo o corrimento sangüíneo. Para premunirmo-nos contra este accidente, aconselha Gau- lejac a applicação do álcool rectificado durante 8 ou 10 minutos. E' preciso dizer que elle suppõe ligados os vasos principaes. «Na applicação do curativo alcoólico o Dr. Anger se approxima muito de Lister; lava a ferida com uma solução alcoólica, a protege depois com um tecido im- permeável, sobre o qual colloca uma camada de algodão embebiba em álcool, que n'esse casos representa perfeita- mente a gaze antiseptica de Lister, finalmente termina seu — 137 — curativo, cobrindo esta camada de algodão com um tafetá gommado, que igualmente tem por fim satisfazer as indi- cações do mackintosh. » Segundo as experiências de Berenger Feraud e Chedi- vergne o álcool favoresce a reunião por primeira intensão todas as vezes que ella está em condições de poder ser alcançada. Das experiências de Batailhé e Guillet e das observa- ções colhidas no serviço do professor Nelaton se conclue que o emprego do álcool é muito útil nas feridas que devem se reunir por primeira intensão. Gaulejac em sua these refere algumas observações em que se pôde conseguir a reunião immediata. Segundo Gosselin no curativo feito com o álcool a 90* não ha suppuração, e, no caso em que ella se tenha de manifestar, será retardada, visto a propriedade que tem o álcool de demorar a formação da membrana pyogenica. Nem todos os práticos pensam, como os precedentes, que os alcoólicos favorescem a reunião immediata. Segogne, em sua these inaugural sobre o emprego do álcool nas fracturas complicadas de feridas, diz que Maré Sée conta pouco com o álcool para a reunião immediata pois que pensa que Batailhé encareceo o valor do álcool que, para si, não activa a cicatrisação. « As lavagens com álcool das superfícies sangrentas e a applicação d'este liquido sobre os bordos conchegados, diz Guyon, apressam e favorescem a reunião immediata das feridas, no dizer de alguns observadores. Nós temos já tido occasião de declarar que a reunião immediata não nos tinha parecido favorescida pelo emprego de tópicos modificadores. Sem duvida, uma lavagem com álcool ou com água alcoolisada não pôde prejudicar a reunião im- mediata, porém, esta precaução nos parece illusoria, se por seu intermédio procuramos alcançar beneficios do curativo pelo álcool. » N. 71 13 — 138 — Desprès diz que, se é exacto que o álcool puro gosa de propriedades coagulantes e parasiticidas, apresenta entretanto o grande inconveniente de retardar o trabalho de cicatrisação das feridas. Benjamin Anger, em sua these de concurso, diz que a acção demorada do álcool sobre as feridas prolonga consideravelmente a marcha do processo cicatricial. Para Rochard o álcool perturba a cicatrisação das fe- ridas e não impede de modo algum que se apresente a suppuração. Segundo Gaulejac e Chedevergne o curativo pelo álcool tem o poder de preservar da erysipela e diminuir notavelmente os casos de infecção pururenta e de podri- dão do hospital. Delens sustenta que este methodo de curativo, bem feito, preserva quasi sempre da erysipela, e como prova c ita 10 observações de ablações de tumores do seio prati- cadas por elle nos hospitaes. Marc See, em uma memória que apresentou á Socie" dade de Cirurgia em 1866, dando maior desenvolvimento ás idéias de Nelaton, considera o álcool um meio preven- tivo da infecção purulenta. « Casos de erysipela e de infecção purulenta, diz Ro- chard, foram observados no próprio serviço de Nelaton? porém não se descobrio ainda uma substancia que po- nha completamente ao abrigo d'estas terríveis complica cões.» Tem-se observado em alguns casos phenomenos de em- briaguez mais ou menos accentuados, determinada pela absorpção do álcool, effectuada pela superficie da ferida quando esta apresenta uma extensão um pouco conside- rável. Rochard diz que este effeito deve ser menos freqüente com o álcool concentrado, cuja acção quasi cáustica tem como resultado a formação de um verniz protector que - 130.- obsta não só a absorpção do medicamento, mas ainda a dos miasmas. Acreditam muitos authores que a quantidade de álcool absorvida, não sendo senão mui raramente sufficiente para produzir a embriaguez, todavia, é já bastante para augmentar as forças do operado ou ferido, collocando-o em melhores condições para resistir á acção infecciosa do meio em que se acha. Guyon diz que com um tal effeito tônico não se deve contar e que por sua parte não teve nunca occasião de observal-o. « Se a absorpção do álcool, diz Guyon, tem podido, em alguns casos excepcionaes, sustentar o estado geral do doente, é preciso, a nosso ver, ter em conta principal- mente, para explicar estes resultados, a pequena quantidade de pús produzido, a ausência de phenomenos inflammato- rios locaes e a pouca duração da febre.» Observa-se algumas vezes, nos primeiros dias da appli- cação do curativo, a manifestação de rubor e mesmo de plhictenas na pelle situada próxima á solução de conti- nuidade ; é sobretudo nos casos de feridas contusas que se nota um tal effeito do álcool. Guyon recommenda que, para evitar-se esse inconveniente, proteja-se a pelle fina e delicada de certas regiões contra a acção do álcool, un- tando-a com um corpo graxo. Além do inconveniente representado pela dor, cuja agudeza varia segundo os individuos, o álcool tem, segundo Maurice Jeannel (Encyclopedia internacional de cirurgia), o inconveniente de ser extremamente volátil, de modo que em pouco tempo a ferida acha-se completamente privada do agente antiseptico, de ser inflammavel, propriedade que deve ser tomada em consideração, quando se trata de fazer o curativo á luz de uma lâmpada ou de uma vela. Emfim, diz Jeannel, despresam os partidários d'este cura- tivo absolutamente o preço elevado do álcool que é ne- - 140 - Cessario ser empregado em profusão para ter effeitos ante- septicos. «Porém, continua Jeannel, taes faltas seriam insuffi- cientes para condemnar um agente de curativo com o qual obtivessemos successos seguros. Ora, o curativo á álcool é certamente inferior ao curativo de Lister, pois que se observam muito mais freqüentemente a septicemia e a piohemia nas feridas cura das com aquella substancia.» Baseando-se na propriedade que tem o algodão de fil- trar o ar posto em evidencia pelas pesquizas de Schrôeder, de Dusch, e de Pasteur sobre a geração espontânea, e mais recentemente pelas Tyndall, convencido, ainda mais, da influencia exercida pelo ar athmospherico sobre as fe- ridas, e não crendo que a infecção do organismo podesse se fazer senão pela própria ferida, creou Guerin o me- thodo de curativo que é conhecido pelo nome de curativo algodoado. Este methodo tem, como base fundamental, a proprie- dade que apresenta o algodão de reter os germens do ar, tornando-o perfeitamente expurgado de todas as matérias estranhas, exercendo ao mesmo tempo uma compressão uniforme, elástica, sobre a ferida e sobre as partes visinhas? o que concorre de modo muito notável para impedir a manifestação dos phenomenos inflammatorios. « O curativo algodoado, diz Guerin, não é verdadeira- mente fallando um curativo por occlusão. As experiências feitas no laboratório de Pasteur mostraram que o algodão accumulado em um tubo, tão compactamente quanto pos- sivel, não impede de modo algum o ar de atravessal-o; o ar passa, pois, atravez das camadas do algodão nos curativos d'esse nome e chega necessariamente ao contacto dos li- quidos secretados pela superficie da ferida ; o curativo al- godoado não produz pois a occlusão completa.» A seguinte experiência, a que se submetteuum dos dis- cípulos de Guerin e que vem referida na these inaugural — ui - do Dr. Blanchard, prova que o curativo algodoado não é um curativo por occlusão completa. «Um dos discípulos do serviço, diz Blanchard, quiz sujeitar-se á experiência seguinte : envolveu-se-lhe a ca- beça e o pescoço com uma grande quantidade de algodão, vigorosamente apertado por meio de ataduras de linho. A compressão não o embaraçava de modo algum e a res- piração fazia-se livremente. O ar passava pois sem diffi- culdade atravez do algodão.» Dous são os principaes elementos que compõem um apparelho algodoado a saber: pastas de algodão e ata- duras. O algodão deve ser de boa qualidade, privado tanto quanto possivel de toda a impureza. As ataduras devem ser de linho, sendo sempre preferido o uso de ataduras no- vas, porque pode-se com ellas mais facilmente estabelecer uma compressão forte e uniforme, que é uma das con- dições indispensáveis para uma boa applicação de um curativo algodoado. Tanto as pastas de algodão como as ataduras devem ser guardadas fora das enfermarias. Guerin procede na applicação de seo curativo do se- guinte modo: depois de ter feito cessar completamente toda a hemorrhagia e de ter lavado convenientemente a superfi- cie da ferida com água phenicada ou alcoolisada,approxima os Íabios da ferida, ora simplesmente, ora por alguns pontos de costura, quando quer tentar a reunião por primeira in- tensão. Em seguida applica não só sobre a ferida, mas ainda sobre o segmento do membro, pastas ou tiras de algodão em quantidade sufficiente para fazer com que a parte ad- quira o triplo de seu volume pouco mais ou menos. As pastas de algodão são ent ão mantidas por algumas voltas de atadura. As primeiras voltas d evem ser pouco aperta- das, são apenas destinadas a manter o algodão. As outras ataduras são enroladas methodicamente debaixo para ~ 143 - cima de maneira que ellas vão exercendo uma compres- são cada vez mais pronunciada. As ataduras devem ser enroladas até que o doente não accuse mais, ou pelo menos não accuse senão dor insignifi- cante quando se percute de leve o ponto correspondente á ferida; em seguida prendem-se as differentes ataduras entre si por alguns pontos de costura. A parte, sede da lesão, deve ser então collocada em uma posição que facilite o escoamento dos liquidos e prin- cipalmente do pús. Este curativo não deve ser nunca applicado nas salas communs; deve-se proceder sempre aos curativos em lo- gares affastados das enfermarias, na sala das operações, ou ainda ao ar livre, o que será melhor. O primeiro curativo deve ser conservado de 20 a 2 5 dias durante os quaes não deve ser modificado senão no caso de achar-se frouxo, de causar dores intensas ao doente ou ainda de estar embebido dos liquidos prove- nientes da ferida, que, alterados por seu contacto com o ar, exhalam um cheiro fétido. Em muitos casos o primeiro apparelho não tem sido levantado senão depois de 35 dias. Retirado o apparelho, no fim do prazo estabelecido, Guerin observa o estado da cicatrisação : se ella se acha quasi concluída ou muito adiantada, substitue o curativo primitivo por um mais simples, no caso contrario, applica um novo curativo algodoado. Após a applicação do apparelho o doente sente dores ás vezes bastante intensas, porém que vão pouco a pouco diminuindo de intensidade até desapparecerem completa" mente no fim de algumas horas. Guerin, que dá grande valor a essa dor, recommenda que, nos casos em que ella, em vez de diminuir, augmen- ta de intensidade, se reforme o apparelho, porque a exis- — 143 — tencia da dor prova que o algodão não foi bem applicado, e que o ar chega até a sede da ferida. Guerin poude com o seo methodo de curativo conse- guir, em muitos casos, a reunião immediata. Muitos outros cirurgiões têm também podido obter a reunião por primeira intensão com o emprego d'este me- thodo de curativo. « O curativo algodoado de Affonso Guerin que teve grande voga em França, diz o Sr. Conselheiro Saboia, não deo aqui resultado favorável, tanto n'esse serviço como no de outros. Dois doentes meos morreram de sep- ticemia e em outros, nos quaes appliquei o curativo algo- doado de Affonso Guerin, o cheiro que exhalava o appare- lho era tão incommodativo que os doentes instavam todos os dias commigo para que mudasse de curativo, sendo que os resultados alcançados não apresentou vantagens que não se podessem obter com o curativo por meio do panno crivado untado de ceroto, fios, compressas e ataduras. » Uma das grandes vantagens do curativo algodoado é representado pela sua raridade. « Se o curativo for raro, diz Gosselin, o repouso e o calor serão favoráveis ao traba- lho d'adhesão ; se elle for freqüente, os movimentos, que se imprimem para tirar e repor as peças do apparelho, poderão perturbar este trabalho. » « O curativo algodoado, dizHervey, utilisa-se de mui- tas das vantagens apresentadas pelos outros methodos de tratamento das feridas, combinando-as: raridade do cura- tivo, conservação da ferida em uma temperatura constante (incubação) compressão elástica (Burgraeve, Nelaton). Elle apresenta um elemento novo, filtração do ar, que é sua a qual pertence o primeiro papel. Elle participa de todas base, as vantagens particulares de cada um d'elles e elle registra a somma de seos resultados. » Muitos cirurgiões têm procurado demonstrar que os effeitos do curativos algodoado devem ser referidos a — 144 - outra qualquer cousa que não seja o obstáculo que o algo- dão pôde offerecer á passagem dos germens, pois que se tem achado micróbios sob o curativo algodoado sem que por isso se manifestem accidentes. Gosselin encontrou bacterios e vibriões em muitas feridas de amputações, e não obstante a cicatrisação fazia-se regularmente. « Theoricamente, diz Guerin, na sessão da Academia de Medicina de Paris, 7 de Setembro de 1875, o algodão filtra o ar, e o desembaraça de todas as poeiras, de todos os corpusculos que n'elle se acham suspensos. Eu posso dizer que, na máxima parte dos casos, não se encontram nem vibriões nem outros corpusculos animados no pús das feridas por mim curadas. Si se provasse, o que é contrario ao meo modo de pensar,que vibriões podem se desenvolver no pús do curativo algodoado,não ter-se-hia ainda provado que eu não filtro o ar, porque, para chegar-se a uma tal conclusão, seria necessário saber se o algodão estava puro, se a ferida tinha sido sufficientemente lavada com os liqui- dos antisepticos, ou ainda se o ar da sala de curativo estava contaminado; porque, se o algodão for exactamente applicado, se não existir passagem para os corpusculos animados da athmosphera nos extremos do curativo, po- der-se-ha sustentar que o algodão não filtra o ar, o que não é admissível depois das experiências feitas por Pasteur e Tyndall. Quando pois o pús contém vibriões, eu digo que o curativo é insuíficiente, e não basta com effeito que um methodo seja virtualmente bom, é preciso que elle seja bem applicado. » Pasteur, afim de explicar como se pôde conciliar a pre- sença dos germens com a ausência de accidentes, diz ser levado a crer que o pús, perdendo uma grande parte de sua água, que vai embeber o algodão, passa a um estado physico que torna impossível a proliferação dos germens. Está, com effeito, experimentalmente demonstrado, diz — 145 — Jeannel, que os fermentos não podem viver em liquidos Concentrados. « Em summa, o curativo algodoado pode bem, em certas condições de applicação particularmente favoráveis, impedir o accesso dos micro-organismos até a ferida, porém é sobretudo pela compressão antiphosgistica que exerce e pela modificação especial que imprime ao pús secretado que actua esse methodo de curativo. » Ollier, Sarazin, Desormeaux e Gosselin fizeram algumas modificações no curativo de Guerin. Ollier, desejando obter uma immobilidade maior das partes lesadas e poder, com muito mais facilidade, trans- portar os doentes, aconselha revestir o curativo algodoado de uma atadura embebida em silicato de potássio, de modo a realisar a occlusão inamovivel. Ollier deixa escoar,por meio de um tubo de drainagem, os primeiros productos da ferida, e não applica a atadura senão no fim de 3 ou 4 dias. Este processo só é applica- vel ás feridas resultantes de pequenas amputações. Esta modificação complica a applicação do curativo e não permitte que se possa velar pelo estado da ferida, em conseqüência da crosta dura formada pela atadura sili- catada. O processo de Sarazin consiste em cobrir a parte com alcatrão e revestil-a com uma camada de algodão, seguida de uma nova applicação de alcatrão, envolvido por outra camada de algodão, sendo então mantido o todo por al- gumas voltas de atadura. Quando se tem em vista alcançar a reunião immedia- ta, deve-se supprimir a primeira camada de alcatrão. Esta modiíicação tem a vantagem de fazer desappa- recer o máo cheiro tão commumente observado no cura- tivo algodoado. O seu author publicou alguns casos favoráveis, porém N 71 19 — 146 — em numero sufficiente, para que se possa fazer uma apreciação conveniente. Diz o Dr. Teixeira Maciel, em sua these inaugural, que o Sr. Conselheiro Saboia,em 1875,experimentou esta mo dificação do curativo algodoado com bom resultado. Desormeaux, lavada a ferida com álcool camphorado, colloca um tubo de drainagem entre os seus Íabios e re- une-os pela sutura ordinária ; ao resto do curativo pro- cede do mesmo modo que Guerin. No fim de 12 a i5 dias levanta o seu apparelho para retirar o tubo de drainagem, as ligaduras e as suturas; applica, em seguida, um novo curativo que deverá ser ainda mantido pelo mesmo espaço de tempo. Este processo, segundo Desormeaux, assegura o re- sultado da reunião immediata. « Com as prova que nos dão desde algum tempo, diz Gosselin, os processos de Lister e d'Azam, creio mesmo que o curativo algodoado seria completado utilmente pela ligadura antiseptica das artérias com o fio de cat-gut, em seguida pelas suturas profundas e superficiaes e applicação de um tubo de drainagem no fundo da ferida. Envolver- se-hia então o membro com algodão, e se teria assim feito um curativo raro. Eu por duas vezes empreguei este me- thodo mixto (em uma amputação de coxa e outra de perna) e a cura effectuou-se em muito menos tempo do que se eu tivesse empregado o curativo algodoado simples. » Gosselin combina os bons effeitos do curativo de Azam com os do curativo algodoado, ajuntando-lhes a ligadura de cat-gut, e o uso de loções phenicadas antes e durante a operação. Sejournet, combinando de alguma sorte o curativo algodoado de Guerin com o curativo antiseptico de Lister. pratica um curativo a que dá o nome de algodoado- phenicado. — 147 — Esse curativo pôde ser empregado tanto nas fe- ridas que devem se reunir por primeira intensão como nas feridas que tem de suppurar. Supponhamos uma ferida de amputação e vejamos como procede Sejournet. Depois de ter sustado todo o corrimento sangüíneo e de ter procedido a limpeza da ferida, pratica Sejournet a sutura dos retalhos, e em seguida colloca um chumaço de fios embebidos em agoa phenicada 25 °/0. Por cima dos fios dispõe pastas de algodão que devem exceder os limites da ferida, emfim um pedaço de tafetá, mantido por uma atadura, recobre o todo. Sejournet não emprega tubos de drainagem, acredi- tando que a reunião em um feixe dos fios das ligaduras é bastante para o escoamento dos liquidos exsudados. Nas feridas reunidas por primeira intensão Sejournet só renova o curativo no io° dia, retirando então alguns fios de ligadura e as suturas. Sejournet pensa que poder-se-hia utilisar de seo me- thodo, com grande vantagem, nos campos da batalha, pois que elle é fácil de ser applicado, custa pouco e offerece muitas commodidades sob o ponto de vista do transporte dos feridos. Azam, em 1873, apresentou um novo methodo de cura- tivo conhecido por methodo de Bordeaux. Azam, por meio de seo methodo de curativo, procura reunir por primeira intensão tudo o que pôde ser reunido e favorescer o escoamento do pús^cuja presença de ordiná- rio não se pôde impedir. Na applicação de seo curativo, em uma ferida de amputação, Azam procede do seguinte modo: Pratica uma hemostasia tão perfeita quanto possivel, ligando os vasos com o cat-gut, lava em seguida a ferida e em seo fundo, no ponto próximo ao osso, colloca um tubo de drainagem, previamente lavado em agoa quente, afim de tirar-lhe o excesso de sulfureto de carbono ; çonchega, — 148 - em seguida, os retalhos em toda a sua extensão e os man- tém por intermédio de uma sutura encavilhada, collocada tão próxima quanto possivel do osso. O numero dos pon- tos varia segundo a circumfeiencia do membro: 3, para a coxa, 2 ou i, para os membros menores. A sutura pro- funda é feita por meio de fios metallicos. Reunidos os re- talhos pela sutura encavilhada, passa Azam a praticar a sutura superficial, que deve ser feita com tanto cuidado quanto exigem as suturas nas operações autoplasticas da face. Para reunir os retalhos em sua superficie emprega-se a sutura entortilhada que não deve deixar senão as aber- turas necessárias para a passagem do tubo de drainagem e das ligaduras. Cobrem-se então os pontos da sutura com uma espessa camada de collodio, destinada a tornal-a mais perfeita. O tubo de drainagem deve ser perfeitamente fixado por meio de tiras embebidas em collodio. Ao nivel das aberturas do tubo, cujas extremidades são reunidas em alsa, colloca chumaços de fios, unta a pelle próximo á ferida com uma substancia gordurosa para preserval-a do contacto dos liquidos que devem sahir pelas aberturas do tubo de drainagem, envolve em seguida toda a ferida com uma espessa camada de algodão, mantida por algumas voltas de atadura. E', em geral, no segundo dia da operação que se retiram os alfinetes. No terceiro ou quarto dia se pôde desfazer a sutura profunda, pois que n'essa occasião a reunião acha- se de ordinário completamente estabelecida. Mais tarde renova-se o curativo pelo algodão de 3 em 3, ou de 4 em 4 dias, lavando-se a ferida com água phenicada. Azam re- nuncia completamente as injecções nos tubos de drainagem porque acredita que ellas são não só inúteis, porém peri" gosas. Do nono ao vigessimo dia as ligaduras cahem (nos casos em que não se empregam os fios de catgut), n'esta época o coto não è senão pouco doloroso, e o tubo a draina- — 149 — gem pôde ser retirado. Exerce-se, em seguida, por meio do algodão uma branda compressão, e no dia seguinte a fe. rida acha-se completamente curada. Em casos de ablação de tumores, Azam não empre- gando muitas vezes a sutura profunda, a substitue por uma certa compressão. Quando os tumores são de pequenas dimensões, póde-se supprimir a sutura profunda e a drai- nagem, substituindo-as por uma branda compressão exer- cida sobre a sutura superficial. Estes preceitos não se applicam só ás feridas operato- rias, porém a todas as soluções de continuidade em que seu uso é possivel. Muitos cirurgiões, comquanto adoptem a idéia fun- damental do methodo de Bordeaux, todavia têm lhe feito experimentar algumas modificaçõ es. Azam diz que com o seu methodo de curativo a dor é quasi nulla, a febre traumática falta quasi sempre, e a mortalidade dos operados diminue em uma propor- ção notável. Este curativo, diz ainda Azam, cura muito mais rapidamente, sobretudo os amputados, que nenhum dos outros. Em Bordeaux o emprego d'este methodo de curativo tem sido seguido de bons resultados. O professor Lister, convicto de que são os micro-orga- nismos existentes na athmosphera os verdadeiros agentes das mais graves complicações das feridas, crea um novo methodo de curativo, que lhe permitte pôr a ferida ao abrigo dos effeitos nocivos d'esses pequeníssimos seres. Destruir esses seres antes, durante, e depois das opera- ções, resume a formula clássica do distincto professor de Edimburgo. De que meios se serve Lister para conseguir esse re- sultado, ou antes quaes as partes constituintes de seu curativo e como deve ser este applicado ? A protectriz (Silk), a gaze phenicada, o mackintosb, as ligaduras, os tubos de drainagem, as suturas, o spray e as - 150 — ataduras phenicadas, eis os principaes elementos do cura- tivo de Lister. Antes, porém, de occupar-me com o seu estudo, devo dizer alguma cousa relativamente ao agente antiseptico empregado de preferencia pelo professor Lister. E' o ácido phenico o bactericida preferido. Segundo Lemaire as bactérias e os vibrões das sub-' stancias em putrefacção são destruídos com uma solução de água phenicada na proporção de i parte de ácido phe- nico para ioo de água. Deve-se empregar o ácido phenico inteiramente puro — o phenol absoluto, porque é mais solúvel n'agua, menos irritante, de cheiro menos dasagradavel, e evapora-se mais depressa do que o ácido phenico ordinário do com- mercio, que contém uma subtancia homologa, chamada crésol. O ácido phenico é empregado em soluções mais ou menos deluidas em água, álcool, glycerina, etc As soluções n'agua são de 2 forças: uma de 5 °/0 (solução forte), outra de 2 1/2 : 100 (solução fraca.) A solução forte serve para desinfectar o campo opera- torio assim como todos os objectos que têm de ser postos em contacto com a ferida, as mãos do operador e as dos ajudantes, os instrumentos. Mac Cormac diz que esta solução pôde igualmente servir para o spray. As esponjas, os tubos de drainagem, os fios de seda devem ser con- servados permanentemente n'esta solução forte. Mac Cormac aconselha que as soluções empregadas para as pulverisações sejam sempre filtradas. A solução fraca é empregada para lavar a ferida e as esponjas durante o acto operatorio, para a pulverisação, a irrigação, etc Lucas Championnière diz que a solução forte sendo cáustica, para a lavagem das mãos basta a — 151 - solução fraca. Esta solução serve ainda, segundo Mac- Cormac, para fazer-se o banho em que devem se achar os instrumentos necessários, e para molhar a gaze que deve ser incontinente applicada á superficie da ferida. Mac-Cormac diz que a glycerina, reunida ao acido- phenico em partes iguaes, pôde servir com vantagem para preparar-se a solução aquosa ; pois que ella tem o poder de impedir uma volatilisação rápida do phenol e de mode- rar a sua acção irritante. As soluções alcoólicas são mais ou menos irritantes e por isso são pouco empregadas. Mac-Cormac diz que uma solução alcoólica, na proporção de 10 para ioo, é um antiseptico muito poderoso e efficaz que tem sido em- pregado nas feridas da cabeça e em outras. Muitos cirur- giões servem-se do álcool, addicionado á água, para tornar mais fácil a dissolução do ácido phenico; pratica esta condemnada por W. Cheine. Lucas Championnière tem se utilisado das soluções de ácido phenico e glycerina, que tem acção menos irritante que as soluções alcoólicas. A protectriz (silk) consiste em um tecido gommado feito de seda, oleado com verniz copai em ambas as suas faces, destinado a tornal-o impermeável aos vapores de ácido phenico; é além disso recoberta em uma de suas faces por uma leve camada de dextrina. Esta peça tem por fim resguardar a ferida e os tegu- mentos da acção irritante do ácido phenico. Na temperatura do corpo, o protetectivo amolda-se perfeitamente ás partes, de modo a constituir uma verda- deira epiderme artificial que permitte que a cicatrisação se effectue como nas lesões sub-cutaneas. Esta parte do curativo de Lister não tem propriedades antisepticas. Mac Cormac diz que o mesmo protectivo pôde ser empregado em mais de um curativo d'esde que seja coa- - 152 — venientemente desinfectado. A gaze phenicada não é mais do que um tecido de cassa commum, que adquire proprie- dades antisepticas pelo facto de ter estado mergulhado durante algum tempo em uma mistura de ácido phenico, de resina e de parafina. A resina é destinada a tornar me- nos rápida a volatilisação do ácido phenico. A parafina é empregada não só para impedir que as folhas da gaze adhiram entre si ou a pelle, mas ainda para dar-lhes uma certa flexibilidade que facilita sua applicação. A gaze antiseptica constitue uma das peças mais im- portantes do curativo de Lister ; e tem por fim manter constantemente a ferida em uma athmosphera phenicada . Deve-se sempre procurar empregar gaze fresca, pois que, no fim de alguns mezes, perde ella toda a sua proprie- dade antiseptica, em conseqüência da volatilisação do ácido phenico. E' esse o motivo porque alguns cirurgiões preferem pre- parar a gaze na occasião em que tem de ser applicada. O mackintosh é formado de um tecido de algodão ou linho, revestido em uma de suas faces de uma tênue ca- mada de caut-chouc. Collocado entre a f e 81 folha da gaze, o mackintosh impede a volatilisação do phenol da gaze, e veda que os liquidos da ferida, atravessando as diversas folhas da gaze, ponham-se em contacto com o ar. O mackintosh não é antiseptico. Pode-se utilisar da mesma folha de mackintosh em muitos curativos, tendo-se porém o cuidado de desinfe- ctal-o previamente. Deve-se procurar sempre verificar a integridade do ma- ckintosh ; o menor orificio, permittindo o accesso do ar ao interior do curativo, pode ser prejudicial. As ligaduras podem ser constituídas pelo cat-gut, pela seda ou pela clina. Lister prefere praticar as ligaduras com — 153 — o cat-gut, por ser a que melhor satisfaz as exigências do seu methodo. Todas essas espécies de fios devem ser conservadas, durante um tempo mais ou menos longo, no óleo phenicado de i : 20. Os fios de cat-gut são obtidos com os intestinos delga- dos de carneiro. O melhor processo para preparar o cat-gut consiste, segundo Lister, em conserval-o em uma solução phenicada de i : 40, onde o ácido chromico ache-se excessivamente deluido. O cat-gut tem a propriedade de ser absorvido pelos tecidos. Os fios de seda e os de clina são reservados pelo pro- fessor Lister para casos especiaes. Os tubos de drainagem representam um papel importan- te no curativo de Lister: são destinados a evitar a estagna- ção dos liquidos secretados pela ferida. A drainagem da ferida pôde ser praticada por tubos de caut-chouc, fios de clinas, de cat-gut, etc. Os tubos de caut-chouc são os mais geralmente empre- gados. Estes tubos devem ser conservados em um frasco contendo a solução aquosa fraca de ácido phenico. O caut- chouc torna-se aseptico absorvendo uma certa quantidade de ácido phenico. Os tubos devem ser retirados em cada curativo, lava- dos convenientemente e reapplicados cm seguida. Só de- verão ser retirados definitivamente quando por elles não se escoar mais liquido algum. As suturas podem ser feitas com fios de prata, de seda antiseptica, de cat-gut ou de clina. A sutura metallica deve ser em geral a preferida O cat-gut só pode convir ás feridas em que a tensão seja pouco pronunciada. N 71 W — 154 — Lister pratica suturas superficiaes e suturas profundas. Estas ultimas são reservadas para os casos em que, ser- vindo-se exclusivamente das primeiras, não pode obter uma reunião perfeita. Os fios de prata são quasi sempre os preferidos para as suturas profundas, pois que o cat-gut não offereceria sem- pre a resistência necessária. As esponjas devem ser completamente limpas e assépti- cas. Devem ser mantidas em uma solução phenicada de 5 : ioo durante uma semana, pelo menos, antes de serem empregadas. Durante o acto operatorio deverão ser lavadas em uma solução phenicada de 1/2 : 100. Emfim, deverão ser sempre desinfectadas quer antes, quer durante, quer ainda depois dos curativos. As ataduras são feitas da gaze phenicada. Têm ordina- riamente cinco metros de extensão. Devem ser embebidas em uma solução phenicada de 20 : 100 antes de serem utili- sadas. Ellas podem ser empregadas seccas ou humede- cidas. Lister usa ainda de ataduras feitas de um tecido elástico cuja largura varia de três a seis centímetros, segundo as dimensões das partes em que têm de ser applicadas. Ellas são mui vantajosas para fixar o curativo em certas re- giões onde elle pôde ser facilmente deslocado pelos mo- vimentos. Ossprays têm por fim estabelecer em torno do doente uma athmosphera completamente asséptica. Os appare- lhos pulverisadores podem ser manuaes ou a vapor. D'entre os pulverisadores a vapor destacam-se o de Lister e o de Championnière, que é usado entre nós. Quer uns, quer outros, podem ter mais de um jacto. Para o spray á mão a solução phenicada deve ser de 1 : 40, para os pulverisadores a vapor de 1 : 20. — 155 — Os sprays a vapor apresentam o inconveniente de serem pesados e despendiosos, porém, em compensação, produ- zem pulverisação finíssima, o que não se observa com os outros pulverisadores que dão lugar a grossos borrifos, que não só molham o operado ou o doente, mas ainda os lençóes do leito, as pessoas que o cercam, só podendo tra- zer graves inconvenientes. O spray a vapor funccionando por si mesmo tem ainda a vantagem de dispensar mais um ajudante. Diz Mac Cormac que é possivel que o spray tenha também uma acção mecânica, expellindo os germens da athmosphera, substituindo o meio septico por vapores antisepticos. Após o estudo das principaes partes componentes do curativo de Lister, resta-me dizer quaes os preceitos ge- raes que devem ser observados na pratica d'este methodo, pois que não ha talvez outro que exija mais cuidados e so- bretudo mais experiência da parte do cirurgião. Quando se vai praticar uma operação deve-se come- çar por lavar o campo operatorio com a solução pheni- cada forte, tendo-se previamente raspado os pellos, no caso de não tratar-se de uma região que seja d'elles natu- ralmente privada. Os instrumentos, as esponjas, etc, deverão se achar, ao começar a operação, mergulhados na solução phe- nicada de 5 : ioo, e, por varias vezes durante o acto ope- ratorio, deverão ainda ser lavados na mesma solução, ou então na solução fraca, o que é preferível. As mãos do operador e as de seus ajudantes devem ser anticipada- mente banhadas na solução forte, segundo alguns, ou na solução fraca, segundo outros. Durante o curso da ope- ração deverá funccionar o apparelho pulverisador, afim de que esta seja executada em uma athmosphera comple- tamente asséptica. Se por qualquer circumstancia for o cirurgião obrigado a suspender por algum tempo a opera- - 156 - ção, ou ainda se o spray deixar de funccionar, deverá elle cobrir a ferida com um pouco de gaze phenicada embebida na solução fraca. Finda a operação deverá o cirurgião proceder a lava- gem da superficie sangrenta por meio de esponjas embebi- das na solução forte, e, logo após, praticar uma hemos- tasia a mais completa, seja pela torsão dos pequenos vasos e pela ligadura dos mais calibrosos, seja exclusiva- mente pela ligadura com o cat-gut ou com a seda phe- nicada. Antes de executar-se a reunião dos Íabios da ferida, devem ser collocados um ou mais tubos de drainagem, destinados a dar sahida aos liquidos exsudados no inte- rior da ferida; estes tubos deverão ser definitivamente re- tirados desde que sua presença não tenha mais razão de ser. Estabelecida de um modo conveniente a drainagem deve-se conchegar os Íabios da ferida ; Lister serve-se ha- bitualmente dos fios de prata, e, nos casos em que a su- tura superficial não é sufficiente para determinar uma juxta-posição perfeita dos bordos da ferida, emprega a sutura profunda, constituida por um grande fio de prata que atravessa os dois retalhos em toda sua espessura, e vem se enrolar, de cada lado, em uma placa de chumbo com um pequeno orificio no centro. Em seguida deve-se applicar, cobrindo a ferida, um pe- daço do protector (silk), previamente humedecido na so- lução de i : 40. Acima do protectivo deverá ser collocada a gaze antiseptica, disposta em oito lâminas, pelo menos e molhada na solução fraca, entre a sétima e a oitava folhas da gaze se deve interpor o mackintosh, tendo a sua face recoberta de caut-chouc voltada para a parte interna do curativo e humedecida levemente com a solução anti- septica . — 157 — Dever-se-ha então manter o todo por meio de uma ou mais ataduras, sendo preferidas as ataduras feitas com a gaze antiseptica. Por cima d'estas ataduras ainda se pôde applicar uma camada de algodão salycilado que será sustentado por algumas voltas de atadura. O curativo deve exceder os limites da ferida. Muitas vezes Lister para tornar mais fixo o appare- lho addiciona ás outras peças de curativo as ataduras elás- ticas . Feito o curativo, dever-se-ha immobilisar a parte fe- rida, dando-lhe uma posição que mais favoresça o escoa- mento dos liquidos. Nos primeiros tempos o curativo deve ser renovado uma vez por dia, mais vezes mesmo se for necessário. Do quarto ou quinto dia em diante os curativos deverão ser mais raros, o apposito deverá ser mudado de 2 em 2 dias, ou de 3 em 3 dias, até a cura completa da ferida. Em todas as occasiões em que se reformam os curati- vos, deverá o cirurgião tomar as mesmas precauções que no acto da operação. A's vantagens d'este methodo de curativo, applicado como foi dito, são incontestáveis :. dor pouco pronunciada, ausência de suppuração, reunião por primeira intensão, eis as vantagens locaes. Sob o ponto de vista geral a van- tagem é immensa, pois que, graças ao curativo de Lister rigorosamente applicado, as mais graves operações são hoje seguidas de excellentes resultados, e as complicações mais terríveis das feridas, a septicimia e a pyohemia, são actualmente excessivamente raras. « Aquelles que têm visto de p erto os resultados palpá- veis do methodo cujo esboço acabamos de fazer, diz o illustrado professor Lima e Castro, não duvidam senão de um modo absoluto, ao menos relativamente, em assignalar os seus effeitos.» - 158 - « Meus operados, meus feridos, diz o professor Lister, eram outriora dizimados pelas complicações cirúrgi- cas, pela infecção purulenta. Eu vi as complicações desapparecer de minhas enfermarias. Não somente hoje não temo mais a infecção purulenta, a septicemia, porém pratico todas as operações que expunham mais os doentes, sobre os ossos, sobre as articulações, sobre as veias, e eu não as vejo mais sobrevir. 0 hospitalismo é uma pala- vra que não tem mais significação.» Apesar de ser o primeiro a reconhecer os resultados brilhantes fornecidos pelo curativo de Lister, devo decla- rar, não obstante, que este methodo de curativo apre- senta alguns inconvenientes, dependentes da acção irri- tante e tóxica do agente antiseptico empregado. Estes inconvenientes são geraes ou locaes. Localmente o ácido phenico pôde produzir eczema e erythema que são, não poucas vezes, devidos á parafina crua que entra ordinariamente na preparação da gaze. « Eu freqüentei, diz Jeannel (na Encyclopedia interna- cional de cirurgia) durante 2 annos, um dos maiores ser- viços de Paris, o do professor Verneuil, na Piedade, e observei com assiduidade os operados e os feridos, diri- gindo principalmente minha attenção para os curativos. O curativo phenicado foi constantemente empregado por Verneuil; ora, em 2 annos, eu não vi um unico caso de erythema ou de eczema phenicado ; eu observei um unico caso de intoxicação, em conseqüência de uma rectotomia (ferida cavitaria). » Esses accidentes se manifestam principalmente em pes- soas de pelle delicada ou em algumas partes do corpo em que a pelle é mais fina. O erythema e o eczema não constituem ordinariamente complicações graves das feridas. Com o fim de previnir essa irritação, Lister imaginou vários expedientes : Com uma solução de ácido phenico e — 159 — de acido salycilico na glycerina, fez elle um creme que se applica sobre a pelle antes do curativo ordinário. Proce- dendo d'este modo elle tem obtido bom resultado. O acido salycilico parece impedir a alteração dos liquidos da ferida e previnir a irritação. O erythema pôde em alguns casos manifestar-se com tanta intensidade que nos obrigue a suspender o curativo pelo acido phenico. Alguns casos de envenenamento pelo acido phenico, em conseqüência do curativo de Lister, têm sido publi- cados. Küster refere 23 casos em que houve verdadeira intoxicação. As mulheres, as crianças e os velhos são mais sugeitos a ser intoxicados pelo acido phenico, principalmente quando se trata de grandes operações. Kocker diz que a influencia funesta do acido phenico é sobretudo observada n'aquelles casos em que convém insistir em um curativo verdadeiramente antiseptico. Os anêmicos, os escrophulosos, os phthisicos, emfim todos os individuos affectados de uma cachexia profunda de qualquer natureza, são igualmente mui impressionáveis e podem facilmente experimentar a acção tóxica do acido phenico. No envenenameuto pelo acido phenico observam-se os seguintes symptomas : cephalalgia, vômitos rebeldes, abai- xamento da temperatura, segundo Bilroth, Langenbek, Eidelberg e outros ; segundo Küster. não se observa essa hypotermia habitual, em alguns casos ha mesmo elevação de temperatura , phenomenos convulsivos, contracturas que foram assignalados por Traube; as urinas tornam-se de um verde escuro, augmenta de peso especifico, segundo Falhson, que também observou diminuição na quantidade da urina excretada. A coloroção verde das urinas é um symptoraa que — 160 — nunca falta, só por elle podemos reconhecer que trata-se de um caso de envenenamento pelo acido phenico. Logo que se manifestem os primeiros symptomas,deve-se retirar o curativo, lavar convenientemente a ferida com acido borico, acido salycilico, ou outros antisepticos, que não gosem das propriedades tóxicas do acido phenico, e applicar um outro curativo em que não exista o acido phenico. Mac-Cormac diz que não existe nenhum tratamento como podendo ser efficaz. Nussbaum preconisa o sulfato de sódio internamente. Mac-Cormac diz que o seo successo è duvidoso. Nussbaum serve-se também com grande efficacia de meios mecânicos, constituidos pela respiração artificial, e pela applicação de um apparelho magnetico-faradico, em- pregados simultaneamente. Quando ha collapso, pode-se aquecer as extremidades e praticar-se injecções hypodermicas de sulfato de atropina no ether acetico e no óleo camphorado. O remédio por excellencia para alguns authores é a transfusão de sangue. O methodo de Lister tem experimentado algumas mo- dificações que tem sobretudo em vista não só evitar os accidentes produzidos em alguns casos pelo acido phenico, mas ainda tornar o curativo de um preço menos elevado e portanto mais accessivel aos doentes de todas as classes. Vejamos rapidamente as principaes modificações. O protectivo tem sido substituído por Bilroth, em Vienna, por uma tela de gutta-percha, que pode ser mais facilmente encontrada. Muitos cirurgiões italianos e allemães o substtuem pelo simples tafetá gommado. Jeannel diz que o protectivo é indispensável, quando a gaze phenicada contem uma mistura resinosa, irritante, porém que elle pôde deixar de ser empregado nos casos em que a gaze phenicada é preparada na occassião, A gaze phenicada tem sido substituída pelo tamiz (jute) phenicado, que é menos dispendioso. Esta pratica é seguida por alguns cirurgiões allemães (Bilroth, Thiersch, Bardeleben etc.) Boekel e Lücke de Straburgo usam de preferencia da tarlatana embebida em uma mistura de parafina, de re- sina e de acido phenico. Este tecido é empregado comple- tamente secco. Muitos cirurgiões preparam a gaze na occasião em que procedem ao curativo. Jeannel pensa que a gaze pheni- cada pôde ser obtida,a proporção que d'ella necessitamos, embebendo um pedaço de cassa commum em uma so- lução phenicada (titulada a vontade) e, sobretudo, em uma solução de acido phenico na glycerina, que se evapora menos facilmente. Boekel e Lucke, empregam em vez do mackintosh um papel oleado. Este papel tem a vantagem de ser mais barato. Wolkman, em Halle, usa de preferencia de uma folha de gutta-percha, sobre a qual tem o cuidado de passar uma esponja na occasião em que vai ser applicada. Ao mackintosh substitue Bilroth uma folha de papel que elle torna impermeável embebendo-a em uma mistura for- mada de cera branca, óleo de linhaça e verniz seccante. E' ainda de preço menos elevado que o mackinstosh. Du Pré diz que a única vantagem que o mackintosh offerece comparado com a gutta-percha é a seguinte : dar por sua cor rosea a todo o curativo um aspecto mais agradável á vista. Alguns práticos dispensam o spray. Bilroth pensa, diz Du Pré, que as pulverisações desapparecerão dentro em pouco tempo da pratica cirurgica. N. 71 21 — 162 — Brums e Tubingen substituem o spray por lavagens repetidas e irrigações phenicadas. Citam estes clínicos uma serie bastante notável de casos em que os resultados foram os mais satisfactorios não obstante ter-se prescindi- do do emprego das pulverisações. Langenbeck não emprega senão mui raramente as pul- verisações phenicadas, pois que acredita que o acido phe- nico, usado d'este modo, tem o grande inconveniente de endurecer a epiderme e tornar os dedos do operador quasi insensíveis. Erichsen diz estar convencido da inutilidade das pulve- risações, porque as operações praticadas sobre os Íabios, sobre a cornea, curam-se perfeitamente bem sem o seu emprego. Boekel, que não desconhece os beneficios que nos pro- porciona o uso do spray na clinica nosocomial, dispensa-o muitas vezes nas operações praticadas nos campos. Entre nós o Sr. Dr. Severiano de Magalhães, diz o Dr. Bittencourt, em sua these inaugural, tem conseguido bons resultados sem o emprego do spray. Os fios da ligadura empregados pelo professor Lister têm sido substituídos por outros ; os fios preparados com o tendão de kauguroso,o fio obtido pelo Ox-aort, e ainda o fio constituído pelo nervo sciatico da vitella, empregado por Jonh A. Whyth, de Philadelphia. Jonh Whyth pretende encontrar no tecido nervoso uma substancia mais resistente e mais facilmente absorvivel que o cat-gut para a ligadura dos vasos. « Elle ligou uma das carótidas em um cavallo, e ainda um d'esses vasos em um cão, com o nervo sciato fresco de uma vitella. Na autópsia, a occlusão era completa, a artéria achava-se bastante estreitada, não seccionada, eo nervo sciatico tinha sido completamente absorvido. Elle concluiu d'e^tas experiências que os nervos são superiores ao cat-gut; o nevrilema lhe dá a resistência necessária e a - 163 - myelina coagulada modera a acção da ligadura (Archives of medicine de Seguin, Juin 1882, New-York e Lion medi- cai n. 7 de i883, Journal de med. de Paris, 3 de Março de i883 ). Os tubos de caut-chouc tem sido substituidos pelos tubos de vidro (Keath), por um feixe de crinas de cavallo (White de Nottingham), pelos fios de cat-gut reunidos em feixe (Cheine de Edimburg) e mais recentemente pelos tubos feitos com ossos decalcificados (Neuber de Kiel). Os tubos decalcificados não gosam de propriedades ir- ritantes, e podem ser facilmente absorvidos. Neuber tem conseguido, com o uso de seus tubos de osseina, successos notáveis. Estes tubos são empregados por Esmarch, desde alguns annos, e os resultados obtidos não são desfavo- ráveis. Não ha necessidade com a applicação dos tubos de os- seima de desfazer tão freqüentemente o curativo para verificar o estado dos tubos. « Assim curadas, as feridas podem, diz o Dr. Neuber, ficar de 2 a k dias sem pre- cisar ser reformado o curativo. Nas grandes operações, ou naquellas err que se pôde esperar uma perda sangüínea, applica um segundo curativo vinte quatro horas depois. Em Kiel, os operados curam-se por este processo sem dor, febre ou suppuração, e as superfícies das feri- das, na maior parte dos casos, se cicatrisam immediata- mente.» O illustrado professor Dr.Lima e Castro, empregou-os, pela primeira vez entre nós, no anno passado, em uma amputação de seio. A reunião immediata realisou-se em muito pouco tempo, e os tubos foram completamente absorvidos. O acido phenico tem sido por alguns cirurgiões substi- tuído por outros antisepticos, o professor Lister mesmo já substitue o acido phenico em certos casos, empregando. — 164 — por exemplo, o acido borico nas feridas superficiaes. O acido salycilico é o agente antiseptico : preferido por Thiersch de Leipsig-Halle. As vantagens attribuidas por Thiersch são as seguintes: ser menos irritante que o acido phenico, menos volátil (não exigindo portanto curativos tão freqüentes), completa- mente inodoro, e emfim não produzir intoxicação. As peças de curativo empregadas são pouco mais ou menos as mesmas do curativo de Lister. Em vez das soluções phenicadas usa o professor de Leipsig das soluções de acido salycilico. Estas soluções são ordinariamente de duas forças : 4 : 100 e 10 : 100. Para desinfectar os instrumentos Thiersch serve-se da água phenicada, e não da solução de acido salycilico, por- que este oxida o aço. Actualmente o professor Thiersch emprega, em vez das pulverisações de acido salycilico, as pulverisações de acido phenico, visto que as primeiras fazem o operador e os ajudantes tossir e espirrar constantemente. Não obstante os inconvenientes appresentados pelas pulverisaçõesde acido salycilico, Langenbeck, que substi- tue o acido salycilico ao acido phenico nos curativos, as emprega diariamente em sua clinica. O algodão, sendo pouco permeável, Thiersch, o subs- titue pelo tamiz phenicado que gosa^ de grande permeabi- lidade. O tamiz (jute) è reservado para ser applicado nos pon- tos em que não é necessário uma substancia mui flexível e macia. O curativo pelo acido salycilico tem a vantagem de ser mais econômico que o curativo pelo acido phenico. Segundo Mac Cormac o acido salycilico é um anti- sceptico menos poderoso que o acido phenico. 0 acido salycilico, sendo fixo, tem uma acção sobre os — 165 - germens menos immediata que o acido phenico que é extremamente volátil. As pulverisações de água salycilada bem como a fina poeira que se desprende do algodão ou do tamiz irritam de um modo muito notável as mucosas nasal e buccal. « As mãos do cirurgião, diz Jeannel, são também ata- cadas, ellas tornam-se rubras como pelo uso do acido phenico.» «.Além d'isso, diz elle, o acido salycilico é muito pouco soluvej.na água e mesmo no álcool : i parte do acido exige 3ó'o partes de água. Dahi resulta que a água salyci- lada, em seu gráo mais forte de concentração, não con- tem senão uma pequena quantidade de antiseptico, e, por conseguinte, não poderíamos ter a nossa disposição soluções fracas e soluções fortes, a menos que não reunis- simos uma quantidade de álcool tal que o curativo se tor- nasse um curativo a álcool salycilado, resultando d^h1 que a solução salycilada ou não possuiria nenhuma acção tópica sobre as feridas, ou ainda que teria todos os in- convenientes do curativo pelo álcool.» Dizem alguns authores que com o acido salycilico a cura é menos prompta e a reunião deixa de realisar-se mais vezes do que com o acido phenico. O professor Thiersch, diz Du Pré, freqüentes vezes com- bina os dous methodos de modo a assegurar ao acido sa- lycilico uma acção mais efficaz. O acido borico tem também sido empregado em lugar do acido phenico; é um agente antiseptico muito fraco, inodoro, não é irritante, nem tem effeitos tóxicos. Tem sido usado por Lister em casos de feridas superficiaes. Os inglezes inventaram uns fios (lint) boratados que são empregados por Lister. O acido borico é pouco solúvel n'agua e mui pouco volátil. - 166 — Rank, em 1877, procurou substituir o thymol ao acido phenico. A solução empregada por este cirurgião para as pul- verisações e para as lavagens consta de 1 parte de acido thymicopara8 de álcool e 1000 de água. Esta solução, segundo Rank, conserva as substancias animaes. E' um antiseptico muito menos enérgico que o acido phenico. E'um pobre agente de curativo, diz Jeannel, que os seus próprios partidários rejeitam para as graves operações. O thymol tem um cheiro agradável; é porém uma subs- tancia de um preço elevado e de applicação algum tanto dolorosa. O óleo essencial de eucalyptus foi proposto por Lister, em 1881, para substituir o acido phenico. Bucholtz affirma ser o óleo essencial de eucalyptus três vezes mais enérgico que o acido phenico. A essência de eucalyptus tem um cheiro agradável, é facilmente solúvel no álcool, nos óleos, e mistura-se per- feitamente bem com a parafina. Segundo Siegen e Schultz, essa substancia não gosa de propriedades tóxicas. Como loção deve ser usada em emulsão. Póde-se em- pregar a gaze de Lister embebida em óleo de eucalyptus em vez de acido phenico. Sendo uma substancia nimiamente volátil deve ser fi- xada á gaze por meio da parafina, assim como da gomma de Damas. Lister, servindo-se pela primeira vez d'esse agente an- tiseptico em um caso em que o curativo pelo acido phe- nico havia determinado uma irritação local bastante notá- vel, vio o rubor erythematoso da pelle desapparecer rapi- damente. Lister recommenda, desde que haja tendência á mani- - 167 - festação do erythema, que se substitua o acido phenico por uma preparação de essência de eucalyptus. Eugène Currie, acreditando que o acido picrico, tem a propriedade de supprimir completamente a suppuração, emprega-o em vez do acido phenico, seja embebendo as peças de curativo em uma solução d'este acido, seja ainda sob a fôrma de algodão-picrico. Jules Cheron diz que o acido picrico imprime ás feridas e ás ulceras uma vitalidade que rapidamente permitte a sua cicatrisação, previne as complicações das feridas e pôde mesmo sustar os effeitos da infecção purulenta. Eu tenho, diz Jules Cheron, applicado o acido picrico ao curativo das feridas cirúrgicas e accidentaes. O acido picrico é inodoro e fixo; gosa de propriedades antiputridas, e é desde alguns annos empregado na con- servação das peças anatômicas. O microscópio nos demonstra, diz Jules Cheron, que os proto-organismos desapparecem, quando o acido picrico apparece nas decomposições que os contem. A resorcina foi empregada pelo professor Langenbeck, em seu serviço clinico, em todos os casos cirúrgicos em que è costume usar-se do acido phenico. A acção que a resorcina exerce sobre os micro-orga" nismos é muito pronunciada, pois que basta uma solução de resorcina de i % para suspender de todo as fermen_ tações alcoólicas e ammoniacal; uma solução de i 1/2 °/o obsta a putrefacção, e a fermentação lactica deixa de ter logar em presença de uma solução de 2 a 5 °/0. O Dr. Andeer de Wurzbourg diz que uma solução de resorcina de 1 °/0 retarda a fermentação, impede a pu- trefacção do sangue e da urina, e que as soluções mais *ortes destroem os movimentos dos organismos inferiores. Segundo ainda as esperiencias de Collias resulta que a resorcina gosa das mesmas propriedades que os ácidos phenico, salycilico e outros corpos da serie aromatica. — 168 — A resorcina é muito solúvel n'agua, (ioo partes de água dissolvem 95 de resorcina), tem um cheiro levemente aromatico. Seu poder tóxico é menor que o do acido phenico. A resorcina custa dez vezes mais do que o acido phenico. « Sob o ponto de vista cirúrgico, diz Collias, a resorcina apresenta um grande interesse; algumas observações feitas em ulceras de diversas naturezas me permittem recom- mendar o seu emprego de preferencia ao do acido phenico; se obtém por seu intermédio uma cicatrisação rápida, sem expor o doente a uma intoxicação.» Collias, ao terminar a sua these, deseja que a resorcina seja applicada em cirurgia nos mesmos casos em que o acido phenico, cujas graves conseqüências não possue. A água oxigenada tem sido empregada por Pean. Resultados os mais favoráveis tem sido obtidos por este notável cirurgião, mesmo em feridas resultantes de grandes operações; a reunião immediata lhe tem parecido ser im- mensamente favorescida por um tal meio de curativo. Paul Bert fez uma serie de experiências e pesquizas das quaes resulta que a água oxigenada suspende a putre- facção, mata os micróbios e obsta ao desenvolvimento dos sporos, todas as substancias n'ella se conservam; os fructos em particular n'ella se conservam muito bem. (Ga- zeta dosHosp. n. 139—1882.) Paul Bert (na sessão da Sociedade de Biologia de Paris em 1 de Julho de 1881) observou que a água oxigenada exerce uma acção dupla : mata os micróbios e desinvolve incessantemente oxigeno sobre a superficie da ferida. E' bom saber-se, disse ainda Paul Bert, que a água oxigenada que existe no commercio contem uma grande quantidade de acido sulfurico, e que o seu emprego não seria sem perigo. A água oxigenada tem sobre o acido phenico as se- guintes vantagens: não produzir intoxicação, não apre- — 169 — sentar o cheiro pouco agradável do phenol e não causar dor em sua applicação. As peças de curativo são aqui inteiramente análogas ás dos curativos pelo acido phenico e pelo álcool. A água oxigenada contendo 6 a 8 vezes seu volume de oxigeno é deluida para os curativos em uma igual quantidade de água pura. Segundo Larriné seria imprudente em uma ferida re- cente servirmo-nos, durante os 5 ou 6 primeiros dias, d'agua contendo mais de uma vez seu volume de oxigeno; esta proporção, findo esse prazo, deverá ser augmentada progressivamente até chegar a 6 volumes. Os curativos são mudados uma vez por dia; nos casos em que a suppuração é muito fétida elles deverão ser re- novados 2 vezes no mesmo espaço de tempo. As pulverisações phenicadas são ordinariamente na clinica de Pean substituídas por pulverisações de água oxi- genada para as grandes operações. « A água oxigenada, diz Pean, parece-me dever subs- tituir vantajosamente ao acido phenico e ao álcool. Ella pôde ser empregada no exterior para os curativos das fe- ridas e dasulcerações de toda a natureza, em injecções, em vaporisações, no interior em um certo numero de ope- rados .» O acido benzoico, empregado porWolkman; o acetato de alumínio de que se serve Maas (de Fribourg); o acido pyrogallico usado por Bovet, pela primeira vez em cirur- gia, para substituir ao acido phenico, o sulfito de sodio que constitue a base do curativo preferido por Ângelo Minich, o coaltar, taes são os outros principaes agentes antisepticos que tem sido propostos para substituir o acido phenico. Duas palavras sobre o curativo pelo o iodoformio. O iodoformio, ainda que ha muito tempo adoptado em cirurgia, era reservado quasi exclusivamente para o N 71 23 — 170 — tratamento dos cancros venereos, das ulceras phagedeni- cas e, rarissimas vezes, era elle empregado em outras condições; porém, ha 3 annos pouco mais ou menos, esta substancia começou a ser applicada não só ás ulceras de toda a espécie, ás feridas antigas infectadas ou não, mas ainda ás soluções de continuidade accidentaes e cirúrgicas. Aos cirurgiões Viennenses, a Mosetig-Moozhof principal- mente, deve o iodoformio a grande nomeada que tem adquirido em tão pouco tempo. Desde logo constituiram-se protectores d'este methodo novo de curativo Moosetig-Moozhof, Meikulicz, Bilroth, Kúsner, Loeschin, etc. Segundo Moosetig-Moozhof, o iodoformio parece ser o antiseptico mais seguro para todas as feridas, sendo mui pouco solúvel nos liquidos da economia, permanece por longo tempo em contacto com as superfícies das fe_ ridas, exercendo sua acção antiseptica. Em geral a cura das feridas tem logar sem febre; em outros casos, porém ha apenas uma ligeira elevação de temperatura á tarde- A erysipela é uma complicação que não se observa senão em um numero limitado de casos. Em um trabalho recente (do curativo pelo iodoformio, pelos Drs. Delbastaille e Troisfontaines, Líège, 1882) as seguintes vantagens são assignaladas : a inflammação é nulla, nem rubor, nem injecção, nem tumefacção. As se- creções primitivas são reduzidas ao minimo, as partes mortificadas não se decompõem e a reunião por primeira intensão éactivada. « Em todos os casos, diz Marc Sec, eu tenho visto, ssb a influencia do iodoformio, a suppuração diminuir e cessar de ser fétida, as feridas se limparem e se cobrirem de botões carnosos da mais bella apparencia, as cavida- des se encherem, assim como a cicatrisação fazer pro- gressos rápidos. Eu tenho igualmente applicado o iodoformio em fe- - 171 — ridas recentes, dependentes de extirpação de tumo- res, e tenho obtido a reunião immediata como no curativo de Lister. E' evidente que n'esses casos é preciso usar de todo o cuidado do methodo antiseptico, e não collocar o iodo- formio senão sobre os tegumentos reunidos pela sutura.» O iodoformio pôde ser empregado de diversas ma- neiras. Moosetig prefere o pó fino e puro á preparação em grandes crystaes. Preparam-se também gaze e algodão íodoformados que não são mais do que a gaze e o algo- dão communs impregnados de iodoformio em pó. Terrilon diz que no serviço de Bilroth, em Vienna, não se emprega senão o iodoformio para todos os curativos. Para applical-o sobre as feridas serve-se de compressas de gaze, previamente privada de sua gomma e malaxada no iodoformio. Eu vi, diz elle, vastas feridas resultantes de esvasiamentos ósseos completamente cheias com essa gaze. N'esse caso o curativo não é renovado senão no fim de 7 a 8 dias, e, durante todo este tempo, não se de- monstra cheiro fétido nem corrimento liquido : Eu faço actualmente ensaios em Lourcine com a mesma gaze. Ella me parece preferível ao pó que não adhere suíficien- temente ás feridas (Boletfm da Sociedade de cirurgia de Paris—1881.) O primeiro effeito do iodoformio applicado sobre uma ferida é, segundo Moosetig Moozhof, acalmar a dor ; em seguida dá mais actividade ás granulações e evita a in- fecção. Moosetig-Moozhof diz que o iodoformio, perfeitamente pulverisado, collocado entre os bordos de uma ferida não impede sua agglutinação e sua reunião por primeira in- tensão. Em alguns doentes da Policlina geral, no serviço a cargo do illustrado adjuncto de clinica cirurgica, o Dr. - 172 - Severíano de Magalhães, pude observar o que diz Moozhof. O curativo pelo iodoformio é extremamente facil : basta com o iodoformio pulverisar-se a ferida reunida ou não e envolvel-a em seguida em um tecido impermeável afim de mantel-o. Deve-se preferir a gaze ou o algodão iodoformados ao iodoformio em pó. Este curativo pôde deixar de ser renovado por espaço de muitos dias (2 a 12), segundo a maior ou menor abun- dância dos productos exsudados pela ferida. O iodoformio, applicado sobre uma ferida, actua pelo iodo que d'elle se desprende lentamente, iodo que gosa de propriedades antisepticas e exerce uma acção modifi- cadora sobre os tecidos, a proporção que é posto em li- berdade; porém esta acção, diz Marc See, não é de modo algum comparável á da tintura de iodo. Segundo Verneuil, Desprès e alguns outros cirurgiões, o iodoformio apresenta o duplo inconveniente de custar um preço elevado e de exhilarum cheiro desagradável. O cheiro do iodoformio pôde ser algum tanto disfar- çado pela addição de quantidade igual de camphora. Segundo o Dr. Lindmam, o balsamo do Peru faz des- apparecer completamente o cheiro do iodoformio; 2 partes d'este balsamo neutralisam perfeitamente 1 parte de iodo- formio . Lindmann recommenda a seguinte formula : iodofor- mio, 1 parte — balsamo do Peru, 3 partes — vaseline, 8 partes. Prescreve-se ainda esta outra formula : iodoformio, 1 parte, balsamo do Peru, 3 partes, álcool, glycerina ou collodio, 12 partes. Shifferes diz que tem empregado, para mascarar o cheiro do iodoformio, a essência de hortelã-pimenta e que proporcionando-lhe bom resultado, não tem recorrido senão a este modificador. O iodoformio sendo absorvido pela superficie da fe- - 173 - rida pôde dar logar a phenomenos de envenenamento quô se terminam em alguns casos pela morte. Koenig refere 32 casos de intoxicação pelo iodoformio dos quaes 10 com terminação fatal. Em um trabalho publicado por Mekulicz, nos Archivos de Langenbeck de 1881, vêm referidos 2 casos em que a morte teve lugar. As doses empregadas n'esses casos de envenenamento foram, em geral, bastante consideráveis, 40 a 100 gram- mas em cada curativo. Segundo nos diz Dentu, é sempre depois da applicação do iodoformio em superfeceis cruentas, em feridas recen- tes, que se tem visto sobre vir accidentes. O Dr. Kocher de Berna acha estranhas similhanças entre o envenenamento pelo iodoformio e o envenena- mento pelo chloroformio, e em um dos casos de intoxi- cação havia symptomas de neprhite aguda (Jornal de thérapeutique de Gubler, n.° 24 de 1882). O Dr. Ringer considera o iodoformio como um ve- neno cardíaco. O pulso e temperatura, segundo os Drs. Scheld e Küster, podem attingir proporções consideráveis sob a influencia do iodoformio, e a morte pôde mesmo sobrevir por collapsus. Segundo o Dr. Clark, na intoxicação pelo iodoformio se observam os seguintes symptomas : náuseas, vômitos e inapetencia, algumas vezes delírio que nos casos mais graves é substituído por coma ; não poucas vezes notam-se symptomas que lembram os da meningite : o doente grita de um modo particular, os olhos acham-se em um voltear constante,e uma cephalalgia violenta se apresenta. A urina contem muitas vezes iodo em liberdade, albumina e fragmentos de cylindros epitheliaes. - 174 - Para descobrir-se a presença do iodo na urina, se- gundo o modo porque procede Schiffers, impregnamos de gomma de amido um papel de filtro bastante poroso e, depois de estar completamente secco, mergulhamos uma tira d'este papel na urina a cujo exame vamos proceder. Em seguida retiramos a pequena tira humedecida pela urina e deixamos sobre ella cahir uma ou duas gottas de acido azotico contendo vapores nitrosos. Quando a urina tem iodo, o papel adquire uma coloração violeta, cuja intensidade está em relação com a quantidade de iodo contido na urina. « As autópsias, diz o Dr. Dentu, são quasi sempre negativas. Se tem todavia encontrado degenerescencias visceraes, sobretudo dos rins que acham-se gordurosos, do mesmo modo que o pancreas, o figado e o coração. Os experimentadores têm demonstrado as mesmas alterações nos animaes intoxicados. Tem-se ainda assignalado a al- teração do sangue, uma pigmentação dos glóbulos san- güíneos. » Segundo Mosetig Moozhof, o iodoformio, local e mo- deradamente, é inoffensivo para a economia ainda que seja absorvido e em seguida eliminado pelas urinas. Em certos casos, diz elle, a passagem d'esta substancia na circulação poderá ser de grande utilidade ? Para Mundy a maior parte dos casos de intoxicação devem ser antes attribuidos a uma má applicação do me- thodo que á natureza do agente empregado. Sheede, Mundy e alguns outros acreditam que certos individuos, em virtude de uma idyosincrasia, particular são mais sujeitos que outros a experimentar os effeitos tóxicos do iodoformio. « Pôde-se considerar a priori, como contra-indicações ao emprego do iodoformio, o máo estado do coração e a susceptibilidade nativa ou adquirida dos centros nervosos (neurosthemia). — 175 As observações conhecidas até hoje testemunham uma freqüência crescente de intoxicação pelo iodoformio nos velhos, cujo coração e o cérebro são quasi sempre af- fectados em sua integridade funccicnal ou orgânica [Journal de Therapeutique de Gubler, n. 12 de 1882). .epesxeo nlst CADEIRA DE CHIMICA MEDICA E MINERALOGIA Agua A agua foi considerada como um corpo simples até o fim do ultimo século. n A agua sob a influencia da electricidade decompõe-se em seos elementos. ni A agua é composta de dous volumes de hydrogeno e de um volume de oxigeno. IV A agua só é rigorosamente pura por meios artificiaes. v Ghimicamente pura a agua conduz mal o calor e a elec- tricidade. VI A agua é considerada o dissolvente por excellencia, VII. A agua é neutra, sem reação sobre os reactivos colo- ridos. VIII A agua gela a o.° e ferve a ioo° sob a pressão de 76 centímetros. tf. 71 33 — 178 — ix O ponto de ebullíção da agua pôde ser retardado pela presença de saes em solução e de outras matérias estranhas. x A agua distillada não deve deixar resíduo algum pela evaporação. XI As águas potáveis devem não produzir grumos com o sabão e cosinhar bem os legumes. xn A agua mais pura não é de certo a melhor agua potável. XIII As boas águas potáveis, quando correntes, costumam a conter dissolvidos azoto, oxigeno e acido carbônico. CADEIRA DE PATHOLOGIA CIRÚRGICA Dos Aneurismas em geral i A syphilis, o rheumatismo, a gotta e o alcoolismo têm uma influencia notável na manifestação dos aneurismas. II Os aneurismas podem ser traumáticos ou espontâneos. III Os movimentos de expansão do tumor constituem sym- ptoma de máximo valor a para o diagnostico dos aneu- rismas. IV A ausência dos symptomas habituaes aos aneurismas vêm difficultar consideravelmente o diagnostico. V Os aneurismas apresentam alguns symptomas que de- pendemda compressão exercida sobre os órgãos circum- visinhos. VI As paredes do sacco aneurismatico não são sempre constituidas pelas túnicas arteriaes. VII O sangue contido no interior do sacco do aneurisma não se acha em todos os casos exclusivamente no estado liquido. VIII Os coágulos no interior do sacco não apresentam todos os mesmos caracteres. - 18) - IX Os aneurismas podem ser arteriaes ou arterio-venosos. X Os aneurismas arterio-venosos são ás mais das vezes de origem traumática, XI A transformação de um aneurisma arterio-venoso em aneurisma arterial observa-se algumas vezes. XII Um aneurisma é susceptível de curar-se espontanea- mente. XIII A cura espontânea é menos rara nos aneurismas sacci- formes que nosfusiformes. XIV Os aneurismas se terminam algumas vezes pela ruptura do sacco. XV A compressão indirecta e a ligadura são os meios de tratamento dos aneurismas que na clinica têm dado lugar a maior numero de successos. CADEIRA DE PATHOLOGIA MEDICA Febres perniciosas no Rio de Janeiro i E' impossível deixar de reconhecer a influencia dos pântanos na pathogenia das febres perniciosas. II Encontram-se no Rio de Janeiro as condições etiolo- gicas mais importantes para o desenvolvimento das febres perniciosas. III As febres perniciosas no Rio de Janeiro complicam fre- qüentemente outros estados mórbidos. IV Nem sempre observa-se reacção febril nas mani- festaçães perniciosas da infecção palustre. V As febres perniciosas são quasi sempre precedidas de um ou mais accessos simples, bem caracterisados ou lar- vados. VI A febre perniciosa pôde não só apresentar todos os typos mas ainda revistir-se de todas as fôrmas. VII A febre perniciosa algida é a mais commummente ob- servada no Rio de Janeiro. - 182 - VIII Em relação a natureza da fôrma lymphatiüca ainda reina divergência entre os clinicos. IX A splenalgia, assignalada por Duboué, sem congestão do órgão é, quando existe, um signal de muito valor para o diagnostico das febres perniciosas, X O prognostico das febres perniciosas é sempre muito grave. XI No tratamento das febres perniciosas o medico deve ter em vista dous fins: combatter o fundo da moléstia e reagir contra as fôrmas variadas que ellas podem apresentar. XII Nas febres perniciosas o sulfato de quinina deve ser empregado em altas doses. Neque satietas, neque fames, neque aliud quidquam bonum, quod supra naturse modum fuerit. Sect. II. Aph. 21. II Renum et v^sicae vitia in senibus aegrè curantur. Sect. VI. Aph. 6. III Ubi delirium somnus sedaverit, bonum. Sect. II. Aph. 2. IV Somnus, vigilia, utraque modum excedentia, malum Sect. II. Aph. 3. Vita brevis, ars longa, occasio proeceps, experientia fallax, judicium difficile. Sect. I. Aph. 1. VI Ad extremos morbos, extrema remedia exquisetè op- tima. Sect. I. Aph. 6, Esta these está conforme os Estatutos. Rio de Janeiro, 3 de Outubro de i883. Jó2^4. ^/ca.e/cfnG c/e <=^rl'met*/<.z, @2)t. J^fentc/a c/e c£$<átet4,.