A THESE DO DE. ADOLPHO MARCONDES DE IDBA Tyv. de J. D. de Oliveira — Rua do Ouvidor n. 141 1888 06421518 "\Aj\A> DISSERTAÇÃO SEGUNDA CADEIRA OE CLINICA CIRÚRGICA ESTUDO CLINICO DA REUNIÃO IMMEDIATA PROPOSIÇÕES CADEIRA DE PHARMACOLOGIA E ARTE DE FORMULAR Das quinas chimico-pharmacologicamente consideradas CADEIRA DE PATH0L0GU CIRÚRGICA Infecção purulenta CADEIRA DE PATHOLOGIA GERAL Da Ictericia. mm t s^^ APRESENTADA A' FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO em 17 de Agosto de i883 E PERANTE ELLA SUSTENTADA em 12 de Dezembro do mesmo anno POR Molpho jj[arcond$ dej)(aura Doutor em medicina pela mesma Faculdade, ex-interno elTectivo das clinicas cirúrgicas do Hospital da Misericórdia dü Rio de Janeiro natural de Pindamonhangaba (província de S. Paulo) FILHO LEGITIMO DE Manoel de Moura Fialho E DE D. Maria Benedicta de Moura Bueno. 'B=XKlS^:C^^<^!,m' MO DE JANEIRO Typ. de J. D. de Oliveira — rua do Ouvidor n. 141 18 8 3 FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO RIRECTOR Conselheiro Dr. Vicente Cândido Figueira de Saboia. VICE-DIRECTOR Conselheiro Dr. Antônio Corrêa de Souza Costa. SECRETARIO ür. Carlos Ferreira de Souza Fernandes. Drs. : LENTES CATIIERRATICOS João Martins Teixeira................... Physica medica. . Conselheiro Manoel Maria de Moraes eValle. Chimica medica e mineralogia. João Joaquim Pizarro..................... Botânica medica e zoologia. José Pereira Guimarães, examinador...... Anatomia descriptiva. Cons elheiro Barão de Maceió, presidente... Histologia theonca e pratica. Domingos José Freire Júnior.............. Chimica orgânica e biológica. João Baptista Kossuth Vinelli.............. Physiologia theonca e experimental. João José da Silva........................ Pathologia geral. Cvpriano de Souza Freitas............... Anatomia e physiologia pathologicas. João Damasceno Peçanha da Silva........ Pathologia medica. Pedro Affonso de Carvalho Franco........ Pathologia cirúrgica. . Conselheiro Albino Rodrigues de Alvarenga Matéria medica e therapeutica, especial- mente brasileira. Luiz da Cunha Feijó Júnior................ Obstetrícia. Cláudio Velho da Motta Maia............. Anatomia topographica, medicina ope- ratoria experimental, apparelhos e pe- quena cirurgia. Conselheiro A. C. de Souza Costa......... Hygiene e historia da medicina. Conselheiro Ezequiel Corrêa dos Santos___ Pnarmacologia e arte de formular. Agostinho José de Souza Lima,............. Medicina legal e toxicologia. Conselheiro João Vicente Torres Homem... J Cljnjca medica de adultos. Domingos de Almeida Martins Costa...... ) Cons. Vicente Cândido Figueira de Saboia. - j 01i j cirurgica de adultos. João da Costa Lima e Castro............... > ° Hilário Soares de Gouvêa, examinador..... Clinica ophthalmologica. Erico Marinho da Gama Coelho, examinador Clinica cbstetrica egynecologica. Cândido Barata Bibeiro................___ Clinica medica e cirurgica de crianças, João Pizarro Gabizo....................___ Clinica de moléstias cutâneas 9 syphil- ticas. João Carlos Teixeira Brandão.............. Clinica psychiatrica. LENTES SUBSTITUTOS SERVINDO DE ADJUNTOS Augusto Ferreira dos Santos............... Chimica medica e mineralogia. Antônio Caetano de Almeida, examinador Anatomia topographica, medicina opera- toria experimental, apparelhos e pe- quena cirurgia. Oscar Adolpho de Bulhões Ribeiro........ Anatomia descriptiva. Nuno Ferreira de Andrade................. Hygiene e historia da medicina. José Benicio de Abreu..................... Matéria medica e therapeutica especial- mente brasileira. ADJUNTOS José Maria Teixeira....................... Physica medica. Francisco Ribeiro de Mendonça............ Botânica medica e zoologia. .......................................... Histologia theorica e pratica. Arthur Fernandes Campos da Paz......... Chimica orgânica e biológica. ........ .........................."........ Physiologia theorica e experimental. Luiz Ribeiro de Souza Fontes............... Anatomia e physiologia pathologicas. ........................................... Pharmacologia e arte de formular. Henrique Ladisláu de Souza Lopes......... Medicina legal e toxicologia. Francisco de Castro......................, Eduardo Augusto de Menezes.............. Bernardo Alves Pereira.................. [ Clm,ca medica de adultos. Carlos Rodrigues de Vasconcellos.......... Ernesto de Freitas Crissiuma............... Francisco de Paula Valladares............. Pedro Sevcriano de Magalhães............... ( Wimca cirúrgica de adultos. Domingos de Góes e Vasconcellos.........., Pedro Paulo de Carvalho................. Clinica obstetrica e gynecoUWca. José Joaquim Pereira de Souza............. Clinica medica e cirurgica de crianças Luiz da Costi Chaves de Faria............ Clinica de moléstias cutâneas e syphili- Carlos Amazonio Ferreira Penna........... Clinica ophthalraologica. ■........................................... Clinica psychiatrica. N. B^—A Faculdade não approva nem reprova as opiniões euiittidas nas these que lhe sao apresentadas. m& Luese Typ. e lith. de J. D. de Oliveira — Rua do Ouvidor n. 141. A' MEMÓRIA DOS MEOS PAES Saudade. *VS8R¥*'®X3&mWMm A' MEMÓRIA ü j Meo pranteado irmão e verdadeiro amigo Tributo de sincera gratidão. lEMmwmmí 3595 Ao meo bom irmão e verdadeiro amigo O Mm. Sr. Ignacio Marcondes de Moura. Aceitai este insignificante traba- lho, como prova de muito sincera gratidão de tudo quanto vos devo. A' minha boa irmã A Exma. Sra: D. Anna Marcondes de Moura. Aceitai esta lembrança, como prova de amisade. Aos meos irmãos e amigos Os Illms. Srs. Fernando Marcondes de Moura José Manoel Marcondes de Moura. A' minha Cunhada e á minha Sobrinha Aos meos bons companheiros de casa e amigos Os Illms Srs. Drs. : Octavio Marcondes Machado Canuto Ribeiro do Vai. E AS SUAS EXMAS. FAMÍLIAS, Aos Illms. Srs.: Drs. : Ignacio Marcondes Rezende Marcos Bezerra Cavalcante Victorino Ricardo Barbosa Romeu Agrypino de Brito. Aos meos bons amigos Os Illms Srs; João Pedro d'01iveira Conego Matheus Luiz Gomes João Ernesto Ferreira Pires Olympio Cardoso de Albuquerque Antônio Moreira de Castro Lima Júnior Dr. Arthur Moreira de Castro Lima. Dr. José Fagundo Monte Raso Aristides Benicio de Sá Ao meo verdadeiro amigo O Mm. Sr. Pharmaceutico Mariano de Freitas Brito Ao muito digno Director da Santa Casa de Misericórdia da Corte O Exm. Sr. Dr. Augusto Ferreira dos Santos Gratidão. Aos meos collcgas, e em particular Aos Illms. Srs. Drs. : Miguel Rodrigues Pereira, Joaquim Quintanilha Neto Machado, Affonso Henriques de Castro Gomes, Au- gusto de Toledo Mattos, Bernardo de Souza, Plinio de Freitas Travassos, Albino Moreira da Costa Lima Júnior, Eduardo de Barros, Militão da Rocha, Simpliciano Braga, Júlio de Freitas, Modesto Caldeira, Antônio Maria Teixeira e Monteiro Drummond. Felicidades. t-^" Or»!2í.Ç$X£V:3^ r mgrigaçí® mmmçmm &' MEMÓRIA OOS MIOS Carlos Judice de Gouvêa E Joaquim Floriano Nunes de Camargo AOS MEOS AMIGOS Aos Doutourandos de 1884 5514 !*S** 1 *& N. 18 HÍSTORÍGO O assumpto de nossa dissertação tem despertado a at- tenção da maior parte dos cirurgiões. Elle tem uma im- portância magna em relação as feridas incisas, razão pe5a qual está hoje no dominio da cirurgia moderna conquis- tando sempre um lugar vantajoso. O estudo clinico da reunião immediata não seria por- tanto um ponto de these somenos, como poderia parecer; elle previne livrar o indivíduo o mais breve possível da fe- rida que o molesta, poupa as grandes suppurações e offe- rece assim as melhores presumpções contra os accidentes das feridas. Esse meio tem attingido um gráo de perfeição em relação aos estudos e experiências dos clinicos que o têm empregado que em nada desmerece o conceito de magna que lh'o attribuem. Elle foi antevisto na antigüidade. E' que o entendimento do homem é sempre propenso ao aperfeiçoamento e só causas fortuitas lhe podem interromper essa inclinação Hyppocrates dizia que as ataduras devem conchegar os lábios da ferida, o que seria o termo da compressão desses apparelhos. Fallando das feridas feitas por instru- mentos cortantes que têm incisado ou cortado a parte, elle recommenda ainda a applicação de medicamentos de união e de substancias seccativas que impeçam á suppura- ção. O sábio Mestre lembra ainda que as feridas contusas deverão ser tratadas de modo a suppurarem o menos tempo possível. Hyppocrates não conhecia a reunião immediata, mas procurava obtel-a nas feridas accidentaes, e na pag. 407 do vol. 6o da traducção de Littré, elle diz que as feridas _ 4 — não modificadas não se podem reunir, ainda mesmo que seus bordos estejam reunidos. Celsus quer que os bordos da solução de continuidade sejam approximados por dous pontos e que os remédios agglutinativos sejam postos por cima. Isto relativamente as operações reclamadas pelas hérnias. Na incisão do scrotum ainda recommenda Celsus que a ferida seja reunida por suturas e que os pontos guardem uma certa relação de distancia entre si; na sutura de pon- tos múltiplos haveria inflammação ; na de pontos razos, o afastamento da ferida sendo incompleto, a cura demorar- se-hia demasiadamente. Só no quinto dia deveria se le- vantar o apparelho, se complicações, como dores, não viessem interromper a marcha da reunião. Ambrosio Pare, o pae da cirurgia franceza, em 1517, preconisou a vulgarisação da ligadura das artérias e acon- selhou meios que seriam de grande vantagem na reunião immediata das feridas accidentaes. Na Inglaterra porém, a reunião immediata sempre en- controu adeptos. James Yongue foi muito partidário deste meio, não obstante as idéas contrarias do seu tempo. Lawdana tentou essa reunião nas feridas antes mesmo de Yongue. Samuel Cooper e Sharp consideravam a reunião adhe- siva como methodo superior á todos. Bromfield divulgando na Inglaterra as vantagens da li- gadura das artérias, incitou seus compatriotas a adoptarem o systema que, á pouco, havia apparecido em França. Entretanto elle não acceitava a reunião immediata. Para as feridas penetrantes do peito Valletin preconi- sava o methodo adhesivo. Em 1779, Alonson adoptou a reunião immediata e ex- citou os seus compatriotas a acompanharem-no visto as grandes vantagens que ella oíferecia. Desault, em 1783, refere um caso de amputação da coxa em que houve essa reunião em 22 dias. — 5 — Em sua obra sobre o sangue, inflammação e feridas, Hunter estabelece regras á seguir-se e innumera os pheno- menos Íntimos do methodo e chega a preferir os agglutina- tivos, visto a sutura já não lhe merecer tanta importância. Jonh Bell, no seu tratado de feridas de 1796, descreve as minudencias desses phenomenos. Richerand, fallando da reunião immediata em i8o5, dizia que os inglezes a obtinham freqüentemente e que o professor Dubois a praticava com feliz êxito, mas que elle só a empregara uma vez, pois a reunião era parcial. Era espirito de systema que impedia-o tentar segunda vez o methodo. Sabatier também, em 1810, queixa-se de que o methodo dos inglezes nunca lhe deu resultado satisfactorio. A am- putação e o curativo nunca lhe deram ferida simples, Quando, em 1810, Pelletan, Larrey e Dupuytrem com- batiam vivamente a reunião immediata na França, Dubois a defendia com enthusiasmo e mostrava as suas vantagens. Mais tarde, Maunoir, de Gênova, em 1212, segundo os seus esforços, refutava todas as asserções de Pelletan. Elle apresentava as vantagens que tinha tirado das ampu- tações, extirpações de tumores e operações de hérnias pelo methodo adhesivo, isto é, o da reunião immediata. A Itália vio em 1812 Assalini adoptal-o. Entretanto Togliacozzi já a havia praticado com êxito Scarpa foi partidário de Assalini, cirurgião militar. Delpech de Montpellier provou á seus collegas o quanto era vantajosa a reunião immediata e esse concurso valeu- lhe muito ao methodo que, desde então, fez grandes pro- gressos. A' Roux, deve-se a introducção do methodo adhesivo em França. Em 1815, elle volta da Inglaterra, onde obser- vou os bellos resultados da reunião immediata, constituio- se seu defensor e fez com que fosse acceito em sua pátria. Boyer, no seu ultimo volume de moléstias cirúrgicas, confessa que uma ferida pòde-se reunir sem suppuração, — 6 — mas exige 25 dias de prazo e allega que tal reunião é muito rara. Elle adopta a opinião de que a ferida curada com fios, mesmo a que suppura, tem uma cura mais rápida. Já em 1812, Richerand, na sua nosographia cirurgica, se mostra adepto intransigente da reunião immediata. Serres, em i83o, no seu tratado sobre este assumpto, defende-o com brilhantismo. Na Allemanha este methodo era acceito desde muito tempo. O filho de Koch, de Munich, porém diz que, assim como se pretende obter a reunião immediata depois das amputações, também deve-se applicar um apparelho pró- prio para garantir o seu resultado. Na França, Gensoul e Rigal se mostraram partidários da reunião por primeira intenção. Adheriram-lhes, mais tarde, Velpeau, Malgaigne, Nelaton, Gosselin, Léfort, Trélat, Ollier, Pean e muitos outros. O professor Verneuil é partidário confesso do methodo adhesivo, como declarou se na Academia. Entretanto, ora elle exalta-o, ora deprime-o. O professor Saboia mostra sempre á seus discípulos as vantagens da reunião immediata. Elle apresenta os bellos exemplos de sua clinica, cujos resultados são por demais animadores; e nós seguimos as idéas do Mestre e nisso julgamo-nos felizes. Um olhar retrospectivo sobre este esboço dá logo este resultado : O methodo adhesivo tem sido combatido, mas, por sua excellencia tem conquistado o lugar que lhe com- pete. Elle tem seguido alternativas que o têm sempre ele- vado no conceito dos mais notáveis cirurgiões. Não obstante faltar ainda o cunho oíficial que compete á esse methodo, nós devemos tental-o sempre que se oíferecer occasião. A' Academia de Sciencias de Pariz são continuamente apresentadas communicações sobre esse methodo que tendem á tornal-o dydactico, DISSERTAÇÃO Estudo clinico da reunião immediata A natureza, a sede e a extensão da ferida não impedem tratamento. O cirurgião tem por missão diminuir os males da humanidade em relação á sua profissão, quer o trauma- tismo seja accidental, quer proposital. E, portanto, em qualquer ferida devemos sempre procurar, pelo menos, minorar os padecimentos presentes do doente. O curativo das feridas está não só dependente do dia- gnostico como também do prognostico provável. Uma ferida incurável, a reducção de um membro a polpa, por certo, terá curativo diverso do de uma ulcera atônica. Mas, na cicatrisação de uma solução de continuidade a separação dos tecidos apresenta diversos modos de ser. Ella pôde ser obtida pela agglutinação prompta dos lábios da ferida, reunião immediata ou pela agglutinação demo- rada depois de suppurar mais ou menos abundantemente, o que constitue o methodo mediato. Nesta classe se conta a reunião mediata ou secundaria, a mixta e a intermediária. Nos occuparemos somente da primeira que constitue o objecto da nossa dissertação, fazendo porém anteceder um capitulo sobre o ar athmospherico, meio em que per- manecem todas e que influe poderosamente no curativo das feridas. _ 8 — Acção do ar athmospherico sobre as feridas A influencia deletéria do ar athmospherico sobre as feridas é da mais simples intuição. Os práticos de todos os tempos o tem provado com vantagem. Os cirurgiões do século passado notaram que no cimo das montanhas as feridas mostram tendências ás hemor- rhagias, isto devido á menor pressão athmospherica. Esse mesmo pensamento tiveram alguns cirurgiões de nossos dias. A pressão athmospherica actua facilitando a entrada do ar nas veias, facto que tem sido observado por muitos operadores. Este accidente é mais commum nas veias jugulares, devido ás adherencias das paredes vasculares com os teci- dos visinhos O que chama a attenção do cirurgião quando este accidente se dá, é o sibillo que provoca a entrada brusca do ar na veia; e, si não se trata de impedir que maior quantidade de ar seja absorvido, o doente morre— na maioria dos casos —por syncope. Nas autópsias encon- tra-se sempre ar no coração e nos grossos vasos. A pressão athmospherica também influencia no corri- mento da lympha-plastica. Em todos os tempos os cirurgiões teem observado que as feridas são consideravelmente modificadas pelo meio ambiente. Todos são unanimes em que o frio é prejudicial á reunião das feridas e que o calor ao contrario, é fa- vorável. Ambrosio Pare dizia : « Verdade é que muitos homens feridos morrem no inverno, mesmo de pequenas feridas e não morrem das grandes no verão » . Isto justifica o dizer de Hyppocrates que nas partes ulceradas, o frio é mortifi- cante, endurece o couro, faz dor e torna as feridas insup- portaveis. — .9 — Magatus, que attribuia ao ar tanta influencia sobre as feridas e que apresentou á esse respeito tantos argumentos tão singulares, julgava que essa influencia era sobretudo prejudicial ás soluções de continuidade por sua baixa tem- peratura. O resfriamento que o ar produz nas feridas lhe parecia tão grave, que era por elle considerado como causa de perigos próprios nas fracturas complicadas de ferida. Em muitos números dos jornaes da Academia Real de Cirurgia de Pariz, a acção prejudicial do ar frio é procla- mada ao lado da acção salutar e benéfica do ar quente. Larrey observou que, no Egypto, na Syria e na Itália, onde a temperatura é mais elevada, as feridas cicatrizavam de um modo admirável, emquanto que na Alíemanha e nos paizes do Norte a reunião era retardada visivelmente pela acção deletéria do frio. Alguns autores acreditam que o ar athmospherico actua directamente sobre as feridas pela sua composição chi- mica ; outros, ao contrario, que não é directa e immedia- mente, que o ar é perigoso, mas sim indirectamente favo- recendo, pela presença do seu oxygeno, a decomposição das partes orgânicas privadas de vida. Tompson acredita que toda ferida recente ou em sup- puração, torna-se dolorosa e se inflamma pelo contacto do ar. Elle diz : « Estes phenomenos tornam-se mais pro- nunciados se a ferida fica exposta á acção do oxygeno puro, o que não succede sob a influencia do hydrogeno, azoto e ácido carbônico. » Do modo porque o sangue e a serosidade que sahem da ferida se decompõem em presença do ar, desse mesmo modo os tecidos, que em conseqüência da inflammação teem cahido em mortificação, se decompõem também em contacto do ar, sobrevindo logo depois a absorpção dos productos de decomposição. Alph. Guerin dizia que o ar era prejudicial as feridas não por sua composição chimica, porém, pelas matérias N. 18 3 - 10 - orgânicas provenientes da respiração humana, matérias que se accumulam no ar, em maior ou menor quantidade, conforme o espaço e o numero de homens que ahi respi- ram e tornam-se tanto mais perigosas quando são homens doentes, como se observa nos hospitaes. Estes miasmas actuam localmente e trazem como re- sultado diversos estados mórbidos, no estado geral do in- divíduo, porque tênues e invisíveis como são, passam pelos vasos da ferida para a corrente circulatória. Este cirurgião, mais tarde, modificando a sua opinião, adoptou as idéas de Pasteur. Pasteur nega que o ar puro possa provocar a suppu- ração e diz que esta é devida aos micro-organismos que existem em suspensão na athmosphera. Depois de numerosas discussões e observações conse- guio Pasteur demonstrar claramente que os germens de organismos infinitamente pequenos, abundam na athmos- phera e nas águas e accrescenta que o sangue, o vinho, a cerveja, etc, não se alteram si se conservam em presença do ar puro e que a fermentação, a putrefacção, a septece- mia e todas as moléstias infecciosas são devidas á germens infinitamente pequenos. Elle professa que basta filtrar o ar com rigorosas precauções, para que isto não se dê, desde que elle esteja completamente despojado de germens. O professor Tyndall apresentou em 1876 á Sociedade Real de Londres uma memória sobre a maneira, porque o ar athmospherico determina os phenomenos de putre- facção e de fermentação, demonstrando claramente as idéas do physiologista francez. As macerações, as infusões, as matérias animaes. como a ourina, a carne, etc, expostas ao ar, por mais baixa que seja a temperatura, entram em putrefacção no fim de alguns dias: no emtanto que, se operando em um ar per- feitamente puro, isto é. privado de corpusculos sem mo- dificação alguma das substancias animaes e vegetaes no- ta-se que não se produz nem fermentação, nem putrefac- -li- ção e nem bacteriades, durante um tempo mais ou menos longo de experiência. Para que estas matérias entrem em putrefacção no fim de poucos dias, basta que fiquem expostas ao ar am- biente não purificado. Os germens existentes na atmosphera se depositam e começam dentro em pouco tempo a pro- liferar abundamente. Sobre a diffusão d'estes corpusculos no ar que servem a reproducção de vibriões e bacteriades, Miquel apre- sentou, em 1880, a Academia de Sciencias as suas expe- riências, provando por meio de um pequeno apparelho, que o ar contém de 5oo á 120,000 cellulas organisadas por metro cúbico. Entre os organismos encontrado.*!, os mais numerosos foram sporos de cryptogamos, grãos de pollen, amido, etc, e em seguida infusorios scilliciados e seos óvulos nômades e bacteriades. Estes micróbios to- mam rápido desenvolvimento na primavera e diminuem no outono, e o seo numero augmenta-se com a humi- dade. Estas diversas experiências vieram confirmar a theoria de Pasteur. E assim se explica hoje o começo dosliquidos putreciveis pela poeira-germen e permanência de matérias pútridas. Esta theoria dos germens veio causar uma com- pleta revolução na physiologia e na medicina, e é d'este modo que se pôde explicar a causa de certas moléstias virulentas e contagiosas que nos inspiravam tanto terror, como o cholera, o typho, as infecções nosocominaes e puerperaes, a febre typhoide, a variola, a pústula maligna e muitas outras; a syphilis, talvez, e tantas outras, cuja natureza ainda nos é desconhecida. - \% — Mecanismo da reunião immediata Depois da dor, o corrimento de sangue e a hemorrhagia são os primeiros phenomenos que se apresentam em uma ferida, Para Hunter este sangue é o meio da reparação. Esta theoria porém está hoje abandonada. Para elle a reunião immediata tem lugar por intermédio d'uma camada de sangue sem inflammação alguma, desde que os bordos da ferida estão em contacto emquanto ainda corre o sangue. Si isto se não dá, é necessário recorrer-se ao outro meio de reparação, isto è, á inflammação adhesiva, e n'este caso a matéria plástica que se derrama, é devida a uma inflammação. Emfim, alguns autores discordam d'este modo de producção da lympha-plastica reunindo os bordos da ferida ; uns, como Hunter, acreditam que é desneces- sária a inflammação, outros, como Roche Sanson e Tomp- son, pensam que a inflammação é sempre necessária. Segundo Virchow este sangue tendo-se coagulado nos capillares é necessário que passe pelas vias lateraes.porém, isto não se pôde effectuar senão sob uma pressão arterial forte, que augmenta á proporção que a circulação torna-se mais considerável. Esta pressão é a dilataccão dos vasos e d'ahi vem o rubor e a tumefacção ao redor da ferida. Esta tumefacção é a conseqüência de uma outra causa e se, em condições de pressão e'espessura regular e normal de suas paredes, estes vasos deixam transudar o plasma sangüíneo que deve nutrir os tecidos, este plasma atra- vessará—em virtude da pressão augmentada e maior abun- dância de paredes vasculares — o tecido lesado que sendo penetrado se entumescerá em virtude de seo poder de im- bibição: além d'isto, esta tumefacção produz uma leve compressão dos nervos, d'onde resulta uma dor mode- rada. — 13 — Esta explicação puramente mecânica teria muito maior valor si se podesse explicar do mesmo modo todas as outras inflammações cuja origem não fosse a traumá- tica. A reunião dos bordos d'uma ferida não se pôde dar só pela dilatação dos capillares e exudação do serum, que se ajunta ordinariamente depois de feita a lesão, é necessário que apresente modificações em sua superfície, e isto não se dá somente com as partes molles, também tem lugar com os ossos. Quando uma lesão offende o tecido conjunctivo com seos vasos, vejamos o que se passa : este tecido consiste em elementos cellulares e de uma substancia inter-cel- lular de aspecto fibroso ; estes elementos cellulares tem o nome de corpusculos de tecido conjunctivo, e são repre- sentados por cellulas estrelladas, fusifórmes, redondas, ovaes ou a substancia é reduzida á um simples núcleo : porém, o que devemos notar aqui é que estes elementos cellulares se multiplicam rapidamente, constituindo—d'este modo—o ponto de partida dos novos tecidos no processo pathologico neoplasico. Estas novas cellulas assim formadas se desaggregam uma das outras e—por sua vez— cada uma se subdivide ; isto não pôde ter lugar sem uma corrente forte que se faz dos capillares para as cellulas e das cellulas para os capil- lares. A divisão das cellulas durante o acto da scisão, é acompanhada de movimento, como todo phenomeno de crescimento, de modo que por si só bastaria para explicar a marcha dos elementos cellulares de um bordo da ferida á outro. Porém ainda devemos notar um facto de outra natureza, o movimento livre e independente das cellulas do tecido conjunctivo e dos elementos cellulares : elles, não só se contrahem e enviam prolongamentos em sentidos diversos (movimentos amceboídes) como ainda são dotadas d'uma locomoção individual. Recklingshausen estudou e explicou brilhantemente estas propriedades das cellulas. — 14 Quando os bordos d'uma ferida se tocam, as cellulas do tecido conjuntivo, ou se accumulam entre as duas superficies, ou penetram nas superficies oppostas. E' assim que se dá esta reunião, concorrendo, porém, muitas outras circumstancias para que ella seja solida. Emquanto a acti- vidade cellular está sob sua influencia, a substancia inter- cellular já espessada, torna-se mais apta para maior absorp- ção do plasma sangüíneo, e como que se transforma em uma massa homogênea e gelatinosa que. desapparece—á medida que as cellulas augmentam, até que chega um mo- mento em que as duas superficies da ferida parecem for- madas por cellulas que são ligadas por uma pequena quantidade de tecido intersticial gelatinoso que se solidifica. Mais tarde esse producto de proliferação de novas cellulas do tecido conjunctivo organisa-se. A configuração das cellulas varia conforme o periodo d'este processo, de fôrma arredondada e de dimensão dos corpusculos brancos de sangue com um núcleo compara- tivamente maior a cellula primitiva. O tecido cellular primitivo, também chamado neo- plasma inflammatorio, procede de um estado anterior que consiste na infiltração do tecido conjunctivo ainda fibroso, pelas cellulas novamente formadas ; estado que facilmente pôde tornar-se normal pela multiplicação dessas cellulas. Este modo de infiltração cellular ou plástica, em que o tecido dá uma sensação de resistência maior que a da in- filtração aquosa ou edematosa, designa-se sob o nome de infiltração dura, e encontra-se sempre no bordo da ferida á uma certa distancia. Em muitos casos encontra-se entre os bordos d'uma ferida, uma camada de sangue coagulado que, por mais delgada que ella seja, prolonga-se entre os interstícios que oíferece o tecido das superficies da ferida. Este coagulo pôde algumas vezes retardar a cicatri- sação, quando é muito abundante ou quando se trans- forma em pús, actuando desse modo como corpo estranho. — 15 — Entretanto, este coagulo sangüíneo pôde se transfor- mar em tecido solido e se confundir com o producto da neoplasia nos bordos da ferida, o que forç osamente deve se dar para se poder obter a reunião immediata. Vejamos agora o que se passa n o tecido cellular primi- tivo e como se fôrma a cicatriz. Logo depois, ao redor da ferida, a scisão das cellulas se augmenta com vagar e toma pouco á pouco a configuração fusiforme. O tecido inter-celluiar torna-se solido, as cellulas fusifor mes se trans- formam em cellulas do tecido conjunctivo e o tecido cica- tricial novo se reveste da fôrma do tecido conjunctivo nor- mal fibro-tendinoso. Na reunião immediata, o tecido novamente formado se solidifica com rapidez e deste modo re une os bórdòs da ferida; no fim de 24 horas a substancia inter-cellular se condensa, tomando os caracteres da fibrina ; os bordos da ferida são mais ou menos infiltrados dessa substancia com- pacta ; e esta prompta coagulação da substancia adhesiva inter-cellular,sahida do serum transudado e do tecido con- junctivo amollecido, nos explica porque, desde o terceiro dia, a adherencia já é bostante forte para dispensar a su- tura que une os bordos ; sem esta matéria adhesiva o novo tecido não teria tão forte cohesão. Esta matéria adhesiva se solidifica, sem duvida, em conseqüência da fibrina que entra em coagulação sob a influencia dos corpusculos extravasados e das novas cellulas formadas. Schmidt nos diz que todos os exsudatos encerram uma substancia chamada fibrinogena que, combinada com a globulina da substancia fibrino-plastica do sangue e de ou- tros tecidos, constitue a fibrina que temos fallado no es- tado coagulado. Em muitos processos inflammatorios exis- tem proporções determinadas de substancia fibrinogena e e fibrino-plastica para representar a fibrina. Todos os tecidos sólidos ou fibrosos são produzidos e entretidos pela substancia fibrinogena do sangue, a qual é precipitada sob fôrma solida ao redor das cellulas pelo — 16 — conteúdo destas ultimas e metamorphoseadas em substan- cia fibrino-plastica conforme nos refere Schmidt. E' claro que nesse processo se dá ás cellulas uma virtude especifica, que faz com que em tal lugar o producto da coagulação tome os caracteres da fibra muscular, e em tal outro, os do tecido conjunctivo. A quantidade de substancia intercellular não é conside- rável na neoplasia inflammatoria, posto que a fôrma pri- mitiva das novas cellulas não permitta duvidar que as pe- quenas lacunas não são perturbadas por uma substancia intercellular coherente. Mais tarde, o novo tecido cicatri- cial parece consistir em cellulas fusiformes unidas umas ás outras, diminuindo os seus feixes de volume por um acha- tamento,e dahi resulta uma substancia inter-cellular fibro- sa, que tomando o caracter de tecido conjunctivo, e deste modo o tecido cicatricial chega ao seu estado permanente. Vejamos o que se passa nas extremidades dos vasos obturados; ou o coagulo sangüíneo é reabsorvido ou or- ganisado. As cellulas fusiformes se tocam, se unem e for- mam canaes cylindricos que entram em communicação li- vre com as alças vasculares do bordo opposto da ferida. Entretanto, deste modo, não se estabelece, senão, pon- tos de communicação, á principio muito raros entre as alças vasculares que fazem face aos dous lados da ferida. Estas alças são o resultado de numerosas circumvoluções e sinuosidades dos vasos que, depois da lesão, formam uma serie de alças nos bordos da ferida. Seu desenvolvimento consiste não só em uma simples dilatação, como ainda em um crescimento intersticial das paredes vasculares. Os vasos primitivos são substituídos por uma rede vascular mais abundante e de nova forma- ção Em seguida ao restabelecimento da circulação na nova cicatriz, as perturbações desapparecem, o rubor e a tumefacção dos bordos deixam de existir e a cicatriz toma o aspecto d'uma risca fina e vermelha. - tf- Desde então as cellulas da cicatriz tomam a fôrma chata dos corpusculos do tecido conjunctivo ou desappa- recem. Esta consolidificação se dá ora pela desapparição parcial dos novos vasos formados, cujas paredes diminuem de modo que são reduzidas ao estado de cordões delga- dos e sólidos de tecido conjunctivo, ora pela solidificação maior ou menor do tecido inter-cellular que se torna menos humido. Desta condensação e encrustamento do tecido cicatricial, depende a força considerável deste tecido, força esta que pôde ser tal que, largas e longas cicatrizes se re- duzem —muitas vezes— á metade de sua extensão primi- tiva. Segundo Robin, a reunião immediata se dá em virtude de um liquido glutinoso e transparente, derramado entre os bordos das superficies da ferida, ao qual os antigos cha. mavam balsamo natural ou sueco nutritivo, hoje porém, é conhecido pelo nome de lympha-plastica, lympha coagu- lavel, blastema, cuja composição muito se assemelha á da lympha. Robin diz que na lympha plástica ha cellulas, em cujo interior se encontra o núcleo, que — á principio, ovaes, alongadas, fusiformes, dividem-se depois, e têm como re- sultado a multiplicação e a scisão das cellulas. Estas apre- sentam os mesmos caracteres dos núcleos e se unem entre si por meio de prolongamentos. A substancia intercellular amollecida se transforma em uma massa compacta e desapparece á medida que as cellulas augmentam, até que o tecido cicatricial se transforme em tecido conjunctivo. Conheim e Rindfleich acreditam que são corpusculos brancos do sangue que, extravasados dos capillares pela pressão sanguinea, se proliferam, se ramificam e se unem. Vimos o mecanismo da reunião immediata, digamos agora algumas palavras sobre as condições que favorecem ou retardam es3a reunião. Estas condições são geraes ou locaes. N. 18 1 — 18 - As geraes são : o estado geral do individuo que tem uma influencia considerável sobre sua marcha e é assim que, nos cacheticos, ella é muito retardada, mas, nos in- divíduos cancerosos e syphiliticos, ella pôde se dar mais ou menos facilmente ; o mesmo, porém, não succede nos indivíduos tuberculosos e escrophulosos, em que as feridas tendem quasi sempre á suppuração. Não pretendo entre- tanto anirmar com isto que não haja excepções, pois, tive occasião de observar na enfermaria de mulheres —á cargo dos Srs. Drs. Caetano de Almeida e Marcos Cavalcante— um caso de uma vasta ferida incisa no ante-braço direito de uma mulher tuberculosa, onde a reunião immediata se deu em i5 dias, sahindo a doente completamente curada. A infância e a virilidade auxiliam consideravelmente a reunião immediata, ao passo que o mesmo não acontece na velhice, o que é devido á muito fraca vitalidade dos tecidos. Do mesmo modo a anemia profunda e a consti- tuição deteriorada ou arruinada impedem ou retardam a reunião immediata. O clima e as estações também auxiliam a cicatrização : e todos os cirurgiões são accórdes que os climas e as esta- ções quentes favorecem muito mais a essa reunião do que os humidos e frios, como já fizemos notar, quando trata- mos do ar athmospherico. Assim também não é indiíferente a estada do doente na cidade ou no campo. Por esse motivo illustres e sábios cirurgiões têm mostrado as desvantagens dos grandes hos- pitaes nas grandes cidades, e Malgaigne, em 1862, foi o primeiro que fez notar esses inconvenientes, e Trélat os de- monstrou satisfatoriamente em 1864. Nesse mesmo anno Léon Léfort apresentou á Socie- dade de Cirurgia de Pariz uma estatística, tirada dos prin- cipaes hospitaes da America e da Europa, com que pro- vou que cr algarismo da mortalidade estava em relação directa com a falta de princípios hygienicos dos mesmos hospitaes, confirmando desse modo as idéas de Makaisne. - 19 - Está hoje demonstrado que os grandes hospitaes nos centros populosos da Europa e dos Estados-Unidos são de tal insalubridade que, a cura é a excepção e a morte a regra nas operações de grande importância. Entretanto, o mesmo não acontece nas pequenas ci- dades das províncias, onde as condições são outras ; e, para prova do que, citarei, entre outros, um caso que se deu no anno passado, na cidade de Pindamonhangaba, província de S. Paulo. Um titular, sendo aggredido por um boi, fora offendido por uma de suas pontas que, pe- netrando no hypocondrio direito, não só oífendeu o fígado, como fracturou a septima e oitava costellas ; no emtanto, no fim de poucos dias, ficara completamente restabelecido sem haver o menor accidente, segundo me informou o Sr. Dr. Francisco Romeiro, distincto clinico daquella cidade. Ora, si este facto se tivesse dado aqui, se a victima não fallecesse, provavelmente teria tido sérias complicações. E é por isso que todos os cirurgiões aconselham accorde- mente que as grandes operações, como as de ovariotomia, a cezariana, as desarticulações de coxa, etc, etc, sejam praticadas fora dos grandes centros populosos, onde ha muito maior probabilidade de bom êxito. Quando falíamos da maior facilidade da reunião im- mediata e da sua obtenção sem complicações nas peque- nas cidades e no campo, não queremos afflrmar que sem- pre as feridas se curem rapidamente e sem accidentes nestes últimos lugares e o contrario se dê nos primeiros, apenas avançamos uma regra geral sujeita—como todas— á numerosas excepções. Como condições locaes que favorecem ou retardam a reunião immediata, encontramos o estado recente ou an- tigo da ferida, sua maior ou menor extensão, a acção pro- longada do ar, a hemorrhagia, a limpeza dos bordos, a conservação de vida nos tecidos divididos, o fácil con- tacto dos dous lábios da ferida. - 20 - O habito de deixar a ferida ao contacto do ar, antes de se fazer o primeiro curativo, se por um lado tem a van- tagem de prevenir qualquer hemorrhagia, por outro tem o serio inconveniente de tornar a adhesão mais diííicil e mais incerta. Entretanto devemos esperar sempre o menos possivel para evitar a hemorrhagia, e, se não houver perigo, reu- nir-se-ha incontinente os lábios da ferida. E' facto sem contestação a raridade da reunião immediata de uma fe- rida, quando se faz o curativo já sendo decorridas 24 ho- ras ou 36 depois de ter tido lugar a solução de continui- dade. O sangue accumulado entre os bordos da ferida, em vez de auxiliar a reunião immediata, conforme julgava Hunter, ao contrario, coagulando-se, é um obstáculo que tende afastal-os actuando como corpo estranho. Este coagulo, não sendo reabsorvido, soffre uma trans- formação que lhe dá os caracteres do pús ; complicação esta muito séria para a reunião por primeira intenção. Quando os lábios d'uma ferida estão limpos e em um estado são, facilmente dar-se-ha a reunião primitiva, sendo porém muito difficil e até mesmo impossível, se ella tiver sido fortemente contundida. Larrey e Roux, nestas feridas, aconselham que se re- tire com o bisturí as partes mortificadas, porque — deste modo — conseguiremos mais facilmente a reunião adhe- siva. Uma outra condição essencial é que os bordos da fe- rida estejam em communicação fácile directa da circula- ção e innervação com os centros circulatórios e nervosos. A adhesão é tanto mais facilmente obtida, quando a super- fície é lisa, seu affrontamento exacto, e os tecidos reunidos homogêneos se correspondem osso á osso, músculo á mús- culo, nervo á nervo, pelle á pelle, etc O tecido cellular e a pelle têm a propriedade de se ag- lutinar com maior rapidez do que os outros tecidos, - 21 — como as cartilagens que difficilmente adherem. Porém a heterogeneidade dos tecidos não é uma contra-indicação, porque, a experiência tem demonstrado o contrario, con- forme nos refere Jobert (de Lamballe). Além disso, o contacto exacto dos bordos da ferida em toda a sua superfície raramente se pôde conseguir. Mas, o cirurgião deve sempre procurar tornal-o o mais exacto que for possível, tendo a devida precaução, afim de evitar qualquer despedaçamento por uma approxima- ção muito forte e também a inflammação que, quasi sem- pre, traz a suppuração como conseqüência. A reunião, como vimos, dá-se pela transformação da lympha em tecido que se acha espalhado em todo o orga- nismo e por conseqüência temos sempre tecido conjunc- tivo em toda a superfície da ferida. - 22 - Meios de obter a reunião immediata Todas as vezes que o cirurgião deseja obter £ reunião immediata d'uma ferida, deve observar os seguintes pre- ceitos : se ha hemorrhagia, deve ligar incontinente o vaso, afim de sustar a perda sangüínea. As ligaduras mais geral- mente empregadas são : os fios de linho. seda e prata. Estas, porém, tendo a propriedade de não poderem ser reabsorvidas, tem-se ultimamente empregado os fios de intestinos de animaes, e, o professor Lister poz em pratica o cat-gut, isto é, o fio animal desinfectado por uma solu- ção forte de ácido phenico. Antes da applicação da liga- dura das artérias por Ambrosio Pare, a hemorrhagia das artérias era dominada ou pela compressão ou pela caute- risação dos bordos da solução de continuidade. Hoje, po- rém, que não se emprega estes meios que têm a desvanta- gem de não se poder conseguir a reunião immediata, devemos saber qual o meio ou quaes os meios que deve- mos empregar para combater a hemorrhagia. Os princi- paes são : a ligadura, a torão, o mastigamento das artérias, o recalcamento, a perplicação, etc, que não se deve usar indiíFerentemente. A ligadura e a torsão são os meios mais commummente empregados pelos cirurgiões de França, Inglaterra,Allema- nha, Itália e por quasi todos os cirurgiões brazileiros, sendo que a ligadura é para os vasos de grande calibre e a torsão para os de pequeno. A forcipressura posta em voga pelo professor Pean e Kerbélé é um meio hemostatico que, apenas é seguido por um ou outro cirurgião e tem o inconveniente de actuar como corpo estranho, pois que exige uma estada de 24 ou 36 horas pelo menos, e, como já dissemos no capitulo precedente, este é o termo de espera para a consecução da - 23 — reunião immediata, portanto o forcipressor só servirá quando não quizermos obter a reunião adhesiva. Muitas vezes, porém, só a simples compressão dos bor- dos da ferida, é sufficiente para sustar a hemorrhagia e é um meio hemostatico por excellencia. Feitas as ligaduras pelos meios que acabamos de innu- merar, devemos fazer a lavagem da ferida com água phe- nicada ou com uma solução de álcool camphorado, afim de retirar todo e qualquer corpo estranho que ahi exista. Quando a ferida tem interessado o couro cabelludo ou qualquer outra parte coberta de pellos, devemos raspal-a e em seguida unirmos os bordos convenientemente, Vejamos os meios que devemos empregar para unir com a maior perfeição, sem tracção nem violência, os bordos da solução de continuidade e por este modo sub-. trahir a ferida do contacto do ar e evitar qualquer com- municação que ella possa ter com o exterior. Este principio salutar, aconselhado por Hyppocrates, foi pouco á pouco sendo abandonado, apezar de ter sido preconisado durante muitos séculos. Hoje, porém, graças aos grandes progressos da cirurgia, tem sido seguido pela maior parte dos cirurgiões, que têm provado e mostrado as grandes vantagens da reunião immediata. Os meios á que os cirurgiões têm recorrido para o ap- proximamento dos bordos das soluções de continuidade, têm sido numerosos, muito variados e complexos, con- forme sua extensão, sua profundidade e sua sede ; meios estes que se empregam ou sós, ou mais ordinariamente combinados entre si e são : repouso, posição, agglutinati- vos, ataduras e suturas. O repouso é uma condição essencial para esta reunião e por si só é sufficiente nas feridas sem afastamento dos bordos, mas, é uma condição que nem sempre é fácil de prehencher-se, porque, se a ferida tem sua sede em uma região sujeita á constantes movimentos, os bordos da solu- - 24 — ção de continuidade sofFrerão abalos prejudiciaes a sua adhesão. O repouso é quasi sempre favorecido por diversos meios, como ataduras, para o approximamento dos bor- dos da ferida. A posição merece também grande importância e com- prehende a posição geral do corpo e a da parte lesada. A posição do corpo varia em cada espécie de ferida, conforme a parte e deve sempre ter por fim favorecer o affrontamento exacto dos bordos. Quando a pelle e os músculos são cortados longitudinal, transversal ou obli- quamente ou quando são interessadas camadas muscula- res, cujas fibras apresentam direcções diversas, o preceito geral é collocar as partes em relaxamento. Contrario á opinião de Boyer que, comparando a fe- rida longitudinal á uma casa de botão, aconselhava dar a parte lesada uma posição tal, que a tensão dos tecidos de- terminasse o alongamento da ferida e o approximamento de seus bordos ; Denonvilliers e Berard aconselham o re- laxamento completo dos músculos, que assim facilita a reunião e tem a dupla vantagem de tornar a ferida menos dolorosa e menos exposta á inflammação, accrescentando ainda que não haexcepção á este preceito. A posição pôde ser obtida pela simples atadura, con- forme a região, havendo porém, casos em que, para ob- ter-se a immobilidade, é necessário empregar-se appare- lhos, gotteiras e ataduras complicadas. Nas feridas ante- riores e transversaes do pescoço deve-se recorrer á uma atadura que mantenha a cabeça em flexão. As ataduras são tiras de panno de i á 4 centímetros de largura sobre 4 ou mais metros de comprimento em rolo para mais facilmente envolvermos a parte lesada; ellas actuam pela compressão e immobilidade que produzem Dentre as ataduras especiaes, ha a do pescoço que ainda hoje é muito empregada com grande vantagem e a atadura - 25 - uninte para as feridas transversaes que hoje é muito pouco usada, tendo sido substituída por outros meios muito mais simples : a sutura e os agglutinativos. Suluras.—A sutura conhecida e usada desde muito tempo pelos cirurgiões Árabes e Arabistas até hoje, tem por fim procurar a reunião adhesiva e não como julgavam antigamente oppôr-se á hemorrhagia. E'uma operação que consiste em approximar os bor- dos da ferida por meio de fios ou hastes metallicas que atravessam os seus lábios. Ha um grande numero e varie- dade de suturas e bem assim regras geraes applicaveis á todas e regras particulares, a algumas d'entre ellas; entre- tanto ha suturas d'uma applicação quasi geral e outras es- peciaes á certas feridas que reclamam o emprego de ins- trumentos próprios, como as suturas que se usam nos intestinos, na parede vesico-vaginal e no véo do paladar. As suturas mais vulgarmente empregadas podem se di- vidir em muitas espécies, sendo a ia espécie as suturas de . fio de linho ou seda que compreheade a sutura entrecor- tada, a de pontos contínuos ou de alinhavo, a de pontos passados ou em zig-zag, a encavilhada e a em alça ; a 2' espécie comprehende a clássica sutura entortilhada (sutura. de alfinetes) e a modificação de Rigal (de Gaillac) cujo en- tortilhamento dos fios é substituído por uma tira estreita de borracha vulcanisada, retida em um dos lábios da ferida pela cabeça do alfinete e approximando o lábio opposto pela sua elasticidade, pucha-se pela sua extremidade livre e fixa-se prendendo-a na parte do alfinete que a atravessa.. Finalmente, a 3a espécie comprehende a sutura profunda que encerra differentes meios mais ou menos complicados que têm o mesmo fim e consiste em conter uma grande porção de tecidos e approximar as partes mais afastadas da ferida. As suturas metallicas muito preconisadas e postas em pratica pelos cirurgiões inglezes e americanos, têm nestes últimos tempos, gozado de certa importância, sobretudo N. 18 4 - 26 — pelo papel que representam e pelos serviços que prestam em certos casos especiaes, como nas operações das fistulas vesico-vaginaes. Marion Síms foi quem contribuio para vulgarisar o em- prego destas suturas em maior escala, pois empregando-a pela primeira vez em 1849, teve a gloria de vêr coroado de successo o seu trabalho. O resultado obtido por este meio fez generalisar o seu emprego em casos análogos. Em i858, Sims, em um discurso que pronunciou perante a Academia de Medicina de New-York, fez a apologia des- tas suturas em phrases tão pretenciosas, que levantaram-se protestos unanimes na America e na Inglaterra, apresen- tando a sutura de prata como grande maravilha cirurgica do século XIX. (The anniversary Discours before the New- York Academy of Medicine, 1858). As vantagens destas suturas foram immediatamente comprehendidas e seu emprego rapidamente vulgarisado na America e na Inglaterra. Entretanto na França, as su- turas metallicas, só foram conhecidas depois que Bozemon, discípulo de Marion Sims, veio demonstrar em Pariz a su- perioridade do processo americano para a operação da fistula vesico-vaginal. Apezar dos brilhantes successos colhidos por este cirur- gião, as suturas metallicas não foram recebidas em França com o mesmo enthusiasmo como nos outros paizes. Malgaigne, em 1861, fazendo experiências comparati- vas no tratamento da fistula genito-urinaria na mulher, pelo methodo francez, foi desfavorável á sutura metallica! OIlier, cirurgião em chefe do Hotel-Dieu de Lyon, em 1862, fazendo experiências com as suturas metallicas e com as ordinárias, provou a superioridade e utilidade d'aquel- las, apezar do inconveniente que apresentam em cortar com mais facilidade os tecidos do que as de fios vegetaes. Simpson, fazendo experiências comparativas com os fios de prata, platina, chumbo e ferro, adoptou este ultimo, dizendo que o ferro não só tem a vantagem de prestar-se - 27 - á fios muito delgados, apresentando muita resistência, como ainda o seu baixo preço. Estas suturas exigem uma única precaução, que é não apertar muito as pontas, para desse modo evitar a secção mecânica dos tecidos. Tem-se mesmo aconselhado-as para a ligadura dos vasos e para a operação da varicocelle. Olliernãofoi o único cirurgião em França que adoptou as suturas metallicas, pois que Follin, Gosselin e Verneuil as acceitaram desde o seu começo e constituíram-se seus defensores. Aqui, entre nós, temos observado os bellos resultados que vários cirurgiões tem colhido em muitas operações nas enfermarias do Hospital da Misericórdia. As suturas metallicas têm uma vantagem muito impor- tante, que é a suaimperme'abilidade, pois, os fios orgânicos se empregnam de líquidos que, ao contacto do ar, alteram- se e tornam-se irritantes, actuando desse modo como pe- quenos cáusticos que ulceram e cortam os tecidos. Os fios e corpos metallicos, ao contrario, não exercem acção alguma mecânica e quando não são muito apertados, po- dem demorar por um tempo indefinido sem produzir in- flammação. Graças a esta tenacidade, os pontos de sutura podem ser multiplicados sem inconveniente, facilitando assim uma coaptação maisexacta. A rigidez do metal a torna permanente, emquanto que o fio orgânico se relaxa e não mantém os bordos da ferida em contacto, se ella se ulcéra. Quando os fios metallicos são delgados, se applicam e se torcem com uma facilidade extraordinária, e, para ain- da mais facilitar o emprego destas suturas, inventaram-se instrumentos próprios para essa manobra., taes como : os porta-agulhas de Simpson, de Startin, de Murrey, de Mi- chel, de Pean, etc , os botões de todas as formas, os anneis de chumbo de Galli, Fabrizzi, o ajustador de sutura de Bozemon, são os meios empregados em algumas operações especiaes. - 28 - Os americanos empregam uma chapa de chumbo cri- vada de orifícios, que são tantos quantos são os pontos a dar. Atravessados os tecidos, introduzem-se ás extremidades dos fios nos orificios por meio d'um ajustador que tem a fôrma de botão ; unidos os fios, para segural-os, torcem-se ou introduzem-se os fios em bagos de chumbo perfurados, o que é mais commum, applicados nos orifícios da chapa e corta-se tudo por meio de um tenaz. Nas fistulas vesico- vaginaes este apparelho complicado tem a sua indicação, e^ a chapa de chumbo, além de ser um auxiliar de cicatriza- ção, produz uma compressão muito favorável ao seu bom resultado. Para se fazer a sutura, uza-se de agulhas, cuja fôrma é variável, tendo uma parte cortante em certa ex- tensão á partir da ponta. A sutura entrecortada ou de pontos separados se faz com os fios de linho ou seda e para praticar-se esta sutura, em- prega-se tantas agulhas quantos são os pontos a dar-se. Atravessa-se os lábios da ferida com os fios e amarra- se cada um por sua vez, formando anneis que manteem os bordos da ferida em contacto. O numero desses anneis varia conforme a extensão da ferida e o gráo de constric- ção não deve ser nem muito forte, nem muito fraco, segun- do a natureza e a densidade dos bordos, sendo só a expe- riência que poderá indicar esse gráo de constricção. Esta sutura é de uma applicação muito geral, sobretudo quando se quer fixar os retalhos de uma vasta ferida. Geralmente estes pontos permanecem durante 4 a 8 dias, e, quando se tem de tiral-os, corta-se o nó, pucha-se o fio com toda a brandura, fazendo-se resistência contra os tecidos. O trajecto suppurante que deixa o fio, facilmente se cicatriza e a cicatriz recente e fraca é necessária ser sus- tentada e protegida por tiras agglutinativas. Em certos ca- sos, quando sobrevem complicações inflammatorias, mui- tas vezes, torna-se necessário sacrificar a sutura. - 29 - A sutura de alinhavo ou de pontos continuos se faz por meio de uma só agulha, munida de um fio ; atravessa-se os bordos da ferida da direita para a esquerda um pouco obliquamente, conservando sempre intervallos iguaes. Esta sutura tem o inconveniente de enrugar os tecidos, porém, por uma pequena compressão remove-se esse mal. Quando os fios tendem a cavalgar, em vez de atraves- sar os lábios da ferida d'uma vez, passa-se o fio alternada- mente por cima e por baixo dos bordos da maneira se- guinte : atravessa-se um lábio da direita para a esquerda passa-se sobre o outro, em seguida penetra-se desse lado da esquerda para a direita, passando sobre o lábio opposto e assim por diante. Esta sutura une muito bem os lábios da ferida, mas tem o inconveniente de deixar os fios entre os seus lábios. A sutura de pontos passados ou em zig-zag se pratica com uma só agulha, com um fio mais ou me nos longo : atraves- sa-se ambos os lábios da ferida da direita para a esquerda, comprehendendo os seus tecidos ; pene tra-se novamente á algumas linhas de distancia do ponto em que sahiu e do mesmo lado continúa-se da esquerda para a direita, até á extremidade da ferida ; e ahi liga-se ás duas extremidades do fio ou fixa-se isoladamente. Esta sutura é muito pouco usada. A sutura encavilhada, como a sutura entrecortada, exige tantas agulhas quantos são os pontos a dar-se, e o fio dobra- do em dous ; penetra-se a agulh a nos lábios da ferida, dei- xando d'um lado a alça do fio e do lado opposto, retirada a agulha, ficam as duas extremidades do fio ; abi introduz- se um pequeno cylindro de sparadrappo ou qualquer outra substancia que resista a alça do fio, e, do outro lado, abertas as pontas do fio, applica-se um outro cylindro idêntico e sobre este amarra-se as extremidades do fio. Dá-se tantos pontos quantos são os precisos. Esta sutura une perfeita- mente a profundidade das feridas, mas deixa ligeiramente afastados os bordos, e por isso tor na-se necessário que seja - 30 - auxiliada por uma outra sutura (agglutinativos), afim de unir os lábios da ferida superficialmente. A sutura em alça se faz do seguinte modo : atravessa-se os lábios da ferida com os fios, cada um por sua vez, de- pois amarra-se ou enrola-se todos em um só feixe e pren- de-se por meio de uma tira de sparadrappo. Esta sutura também é de pontos separados e quasi exclusivamente applicada ás feridas dos intestinos. Também é denomi- nada sutura de Ledran que a applicou á entororrhaphia. A sutura entortilhada, também muito empregada, se faz com tantos alfinetes ou agulhas, quantos são os pontos á dar-se. Os alfinetes, conforme a região e os tecidos, variam de grossura e tamanho ; colloca-se-os distanciados entre si, e o primeiro deve ser posto no lugar em que se deseja uma união mais forte; os outros atravessam successivamente os lábios da ferida em numero sufficiente, para reunir em toda sua extensão. A união é conservada por um fio cruzado em fôrma de 8 (de conta). Se os alfinetes são muito longos deve-se cortar suas extremidades: protege-se os lábios da ferida por meio de uma tira de sparadrappo, que se col- loca, de cada lado, abaixo das extremidades dos alfinetes. Esta sutura, por sua solidez e regularidade, favorece muito a reunião adhesiva eé muito empregada para a ope- ração de lábio lepurino e para a reunião de retalhos cu- tâneos. Além destas suturas, ainda ha outras que são pouco usadas e por isso, apenas as indicaremos, e são : a de Chas- saignac, que tem por fim abranger somente as camadas profundas do derma sem interessar toda sua espessura ; a sutura profunda de Hourteloup ; a mixta de Bertherand ; a de Buisson, a em serpentina de Jobert (de Lamballe) ; a'de Maisonneuve e muitas outras. O professor Laugier propoz um apparelho muito sim- ples, para favorecer a reunião immediata. Este apparelho - em duas placas de cortiça, apresentando digita- consiste - 31 - ções correspondentes em uma de suas extremidades ; e é usado especialmente nas amputações dos membros, por ter a vantagem de manter para diante as carnes e reunir muito bem os bordos da ferida. E' um meio que pôde offerecer muito bons resultados, quando bem applicado, por causa da regularidade de sua compressão. Além destes meios de suturas que acabamos de innu- merar, ainda ha um que é muito empregado e de muita vantagem em certos casos, como nas feridas pouco pro- fundas e sobretudo nas que interessam partes onde a pelle é muito fina, como no prepucio, palpebras, etc'. : são as serras finas de Vidal (de Cassis) que são formadas por um fio de latão ou de prata, enrolado em espiral na sua parte média e fazendo mola, as extremidades são terminadas em dous pequenos ganchos ; apertando-se então entre os dedos, elles entreabrem-se, e, cessando a pressão, man- têm uma constricção permanente entre os lábios da ferida. Este meio não só tem a vantagem de actuar como hemos- tatico, como ainda de dispensar qualquer outro curativo. Deve-se empregar em grande num ero e no fim de algumas horas, deve-se retirar algumas d'entre ellas e tirar as outras quando as adherencias estiverem bem formadas. Muitas vezes, retira-se as ultimas no fim do terceiro dia e outras vezes antes. O emprego destas differentes suturas varia, segundo as soluções de continuidade e não se deve empregal-as indif- ferentemente. Quando se trata de reunir feridas pouco pro- fundas, é vantajoso usar-se da sutura encavilhada, segundo Roux, Dupuytrem e Dieffemback. As suturas profundas, que consistem em differentes meios, deve-se empregar quando quizermos unir as partes profundas e os bordos da ferida. Além destas variedades de suturas que acabamos de descrever, o cirurgião dispõe de outros meios para o ap- proximamento dos bordos das feridas, meios estes que não _ 32 - só actuam sobre as partes superficiaes, como sobre as pro- fundas e são as substancias agglutinativas, cujo uso esta muito espalhado e reconhecida a sua efficacia. ^ Tem-se dado o nome á este modo de curativo pelos agglutinativos, de sutura sêcca. Os agglutinativos são emplastros estendidos empannos. Os emplastros empregados aqui entre nós e na França são os de dyachilão e na Inglaterra o de ichtyocolla. O spa- radrappo é o dyachilão-gommado estendido em panno, para se o empregar, corta-se em tiras de largura e extensão variáveis, aquece-se ligeiramente e applica-se uma metade da tira sobre um lado da ferida e a outra sobre o lado opposto, approximando-se os bordos. Na Inglaterra empre- ga-se a ichtyocolla dissolvida em álcool, que é conhecida pelo nome de taffettas da Inglaterra e applica-se como o sparadrappo de dyachylão, porém, em vez de aquecer-se, basta humedecer levemente a camada da ichtyocolla que o recobre. Riçord empregou durante muito tempo o spa- radrappo feito com o emplastro de Vigo com grande re- sultado. Estas tiras devem ser applicadas penpendicular- mente sobre a ferida, mas, se a ferida for irregular, devem ser cruzadas em differentes sen tidos, e, ao contrario, devem ser todas parallelas. O seu numero varia conforme a ex- tensão dos bordos da ferida e a maior ou menor dificul- dade de approximal-os. O collodio (solução etherea de algodão-pólvora), pela força de retracção que possue, é um optimo agente de reunião, é impermeável á água, na qual torna -se inalterá- vel ; pela evaporação do ether, produz uma sensação de frio e actúa como um poderoso antiphlogi stico pela acção do frio e occlusão ligados á compressão produzida pela sua retractibilidade. Emprega-se do modo seguinte : depois de unidos os bordos da ferida, ou pela compressão tempo- rária, ou pela sutura, applica-se sobre a solução de conti- nuidade, um tecido de panno bastante poroso e sobre este o collodio que se conserva por espaço de i5 dias sem se — :13 — romper. O collodio é muito usado para reunir as pequenas feridas e, de preferencia, emprega-se o collodio officinal, que dá muito bons resultados na reunião immediata. A' par das grandes vantagens que apresentam, não só as suturas como os agglutinativos, também apresentam al- guns inconvenientes, e não se deve empregar indifferente- mente um ou outro meio ; e, em muitos casos, devem ser conjunctamente empregados, afim de favorecer mais facil- mente a reunião, A experiência tem mostrado as vantagens da sutura e, graças a ella, o methodo autoplastico tomou grande importância, fazendo assim justiça ás exagerações de Pibrac. Diz-se que as suturas têm o inconveniente de despeda- çar as feridas e dividir as partes, quando ha grande inflam- mação, e bem assim de não actuar senão na superfície das feridas e não reunir as partes profundas. Evitando-se, po- rém, o repuxamento dos retalhos, póde-se obter um ap- proximamento bastante exacto e não ter lugar a inflamma- ção, e quando se produza, é fácil fazer desapparecer esse inconveniente ou supprimindo-se o ponto que produz uma constricção muito intensa, ou relaxando-o ; e deste modo evita-se os accidentes que das suturas possam resultar. Suturas ha que são destinadas á actuarem profunda- mente, e além disso, o approximamento exacto das partes profundas não é indispensável para o feliz resultado; e, quando haja derramamento sangüíneo, este pôde se reab- sorver como n'uma ferida sub-cutanea, ou correr para fora sem prejudicar a marcha da cicatrisação, afastando os bor- dos da ferida n'uma pequena extensão. Em geral as suturas devem apenas interessar o tecido cellular sub-cutaneo e a pelle. As suturas se não são empregadas em todas as feridas, são usadas com grandes vantagens nas do couro cabelludo, pelle, mamelão, perineo, nas feridas de todas as fôrmas, situadas em muitos pontos diversos e, além disso, estão N. 18 5 - 34 - hoje provadas as vantagens que offerecem nas operações de anaplastia. Os agglutinativos dão resultados idênticos áquelles que se obtêm pelas suturas, mas, podem ap enas ser empregados em condições muito mais limitadas. Muitas vezes são in- fiéis, por serem facilmente levantados e deslocados, não sò pelos movimentos do doente, como ainda pelos liquidos que a ferida secreta. Estes inconvenientes podem ser re- parados quando se zela con venientemente a ferida. Refe- rem ainda o grande inconveniente que o sparadrappo de dyachilão produz, o de irritar a pelle e causar erysipela, accidente este que ainda não observámos. O erythema leve determinado pelas tiras agglutinativas applicadas sobre a pelle fina, dizem os autores, não lem- bra, pelos seus caracteres, a verdadeira erysipela traumá- tica. A erysipela traumática é determinada pela influencia de causas geraes e não pelas tiras agglutinativas que apenas podem actuar como causa simples occasional. Em muitas circumstancias, os agglutinativos podem au- xiliar as suturas, favorecendo uma approximacão dos bordos da ferida mais exacta e uma adherencia mais com- pleta. Assim, nas suturas profundas, as tiras agglutinativas põem os lábios da ferida em contacto mais intimo e as agulhas conchegam as partes profundas da ferida ; e ainda mais, os agglutinativos podem não só favorecer a acção das suturas, actuando em uma grande superfície pela sua apphcação, como também approximando as partes pro- fundas pela sua compressão. Depois de acabada a sutura nota-se que os bordos da fe- rida tornam-se pallidos, e isto devido á influencia da pressão sobre os capillares da pelle, outras vezes, os bordos cutâneos da ferida sao de uma coloração de azul carregado, sendo isto, porem, muito raro,devido á destruição d'uma parte das vias circulatórias. Esta coloração ou desapparece facü mente ou então mortifíca uma parte pequenaKrd^a ferida. No fim de algumas horas encontra-se algumas ve es — 35 — os bordos da ferida coloridos em roseo-claro e ligeiramente tumefactos; porém, este rubor e tumefacção, muitas vezes, deixam de existir, conforme é ou não espessa a epiderma, grandeza e profundidade da ferida e ainda conforme o gráo de tensão da pelle. Assim a ferida apresenta, dor, rubor, tumefacção e calor. A inflammação da pelle é o processo que segue a mar- cha da reunião immediata, occasionada pela ferida que se denomina inflammação traumática. No fim de 24 horas, estes phenomenos têm chegado á sua maior intensidade. Estes phenomenos podem persistir no mesmo gráo até o terceiro dia sem que venha prejudicar a marcha da reu- nião, e desse dia em diante, a dor, o rubôr, a tumefacção e o calor tendem a desapparecer, senão completamente, ao menos, em grande parte. Se estes phenomenos porém, tornam a apparecer mais intensos durante o segundo, ter- ceiro, quarto e mais dias, devemos nos persuadir que a marcha não é a normal, o que se nota pelo estado geral que o individuo apresenta. Deve-se geralmente retirar os pontos de sutura do ter- ceiro dia em diante. Nas creanças costuma-se retirar no fim do terceiro dia, e nos adultos no quinto, quando não ha inflammação nem secção da pelle. Para que se possa conhecer o estado da ferida, é ne- cessário que as peças do curativo sejam levantadas, reno- vando em seguida o apparelho e tendo o cuidado de evitar qualquer abalo sobre os pontos da sutura ou sobre as has- tes metallicas ahi deixadas. Fallando de cada uma das suturas, já indicámos as precauções que deviam ser tomadas quando se tem de retirar os pontos. Na sutura entortilhada, tem-se empregado, com van- tagem, a pinça porta-agulha de Dieffemback, com a qual toma-se a cabeça do alfinete e appoiando-se o dedo sobre o lado da ferida onde se faz a tracção, retira-se a haste metallica. Se os fios se tornam adherentes, devem ser con- - 36 - servados no lugar e substituídos, no dia seguinte, pelas tiras agglutinativas, e se estas tiras são collocadas ao redor dum membro, é necessário retiral-as em sentido oppostoá feri- da, fazendo escorregar uma das lâminas da thesoura entre ellas e a pelle.e cortal-a áproporção que a thesoura penetra. P. Boyer, fallando sobre os fios da ligadura na reunião immediata, dizia : « Eu não reprovo o cirurgião que faz tracções sobre uma ligadura que deveria cahir muitos dias depois da época que a experiência tem demonstrado ser a ordinária para a queda das ligaduras. Si, pois, no fim de dez á doze dias, não vejo cahir o fio applicado sobre uma pequena artéria, como nas mammarias externas na ablação do seio, não hesito em retiral-a bruscamente. « Sou mais reservado para as artérias radial, humeral e ainda mais para a crural; mas, se no décimo oitavo ou no vigésimo dia, persistem, exerço tracções bastante fortes. A experiência tem mostrado que, n'esses casos, uma causa se oppõe á sahida dos fios, não digo a sua queda, porque elles teem cahido e cortado a extremidade do vaso, mas são retidos pelos botões carnosos que ahi se desenvolvem no fundo da ferida e os prendem. « E' bom que o cirurgião esteja previnido deste pheno- meno e saiba também que, nesta circumstancia, o abalo exercido sobre a ligadura produz o despedaçamento dos botões carnosos e um corrimeuto de sangue, phenomenos que estão em relação com a antigüidade da ferida ». Pelo que se conclue que o cirurgião deve ter todo o cui- dado no curativo, afim de evitar qualquer abalo nos fios das ligaduras; e quando os fios estão desligados, cahem expontaneamente e a adhesão livre deste pequeno obstá- culo cicatriza-se d'uma vez. Quando, porém, depois de oito ou dez dias, as ligaduras não sahem, nas pequenas artérias, deve-se exercer sobre ellas pequenas tracções n uma proporção que não possa produzir nem dor, nem despedaçamento de vaso, nem hemorrhagia. Esta precau- ção e indispensavel.sobretudo para as grandes artérias. - 37 - Curativo dgodoado de Alph. Guerin O emprego do algodão (ouate) no curativo das feridas não é moderno. Desde muito já era uzado para cobrir-se a superfície do derma posta á nú ou pelas queimaduras, ou pelos vesicatorios, com o fim de livrar a ferida do con- tacto do ar, evitando a inflammação consecutiva e, por conseguinte a dor e outros accidentes que são a sua con- seqüência. Roux, empregando o algodão no curativo das feridas, nos diz o seguinte : « O algodão é excellente e não preju- dica as feridas ; suas fibras teem uma flexibilidade e uma elasticidade que cedem facilmente e tornam-se por isso mesmo favoráveis. Seus pontos não irritam nem inflam- mam de modo algum, mesmo á sêcco, vantagem essa que não possue sempre o fio. Absorve muito bem o pús e toma muito facilmente as fôrmas que se dá aos fios ». V. Chatelain, em sua memória publicada em i836, nos mostra as vantagens que possue o algodão de conservar um calor brando na superfície das feridas, pôl-as ao abrigo do contacto do ar e diminuir a abundância de suppuração e diz que, o algodão não crêa nenhum obstáculo ao traba- lho da cicatrização. Dous, quatro ou seis dias depois, admira-se dos progressos que produz e do aspecto satisfac- torio que apresenta. A suppuração torna-se então nulla e o algodão parece constituir aqui um desseccativo por excellencia. O algodão também tem sido empregado por Burggreve (de Gand.) e Nelaton, como agente de compressão elástica nos apparelhos inamoviveis para o tratamento das fractu- ras e tumores brancos. Coube, porém, á Alph. Guerin a gk ria de introduzir esta substancia na cirurgia como meio preservativo da in- toxicação cirurgica. - 38 — Este cirurgião, inspirado nas descobertas de Pasteur sobre germens organisados no ar athmospherico e na pos- sibilidade de retel-os por meio de um filtro algodoado, tra- tou de introduzil-o na" pratica cirurgica em 1871, julgando que, deste modo, seria possível collocar-se as feridas de amputações ao abrigo dos miasmas, evolvendo-as com uma espessa couraça de algodão e comprimindo fortemen- te por meio de uma atadura enrolada circularmente. Alph. Guerin aconselha que se deve fazer o curativo no lugar onde tenha sido feita a operação, servindo-se de al- godão completamente virgem e que nem se quer tenha pas- sado por onde haja doentes. Em uma amputação, por exemplo, depois de ligados os vasos, lava-se a ferida, á principio, com água morna e depois com uma solução de álcool camphorado, corta-se os fios da ligadura o mais curto possível, exceptuando os dos vasos importantes que devem ser levantados sobre o coto; em seguida faz-se a sutura, applica-se depois duas camadas de algodão sobre as superficies cutâneas dos reta- lhos, conchega-se lentamente com as mãos e continua-se superpondo-se novas camadas, seguindo sempre a mesma direcção e fôrma das primeiras, até triplicar o volume do coto. Começa-se então a applicação das ataduras que devem ser feitas de um modo gradual e lento, com uniformidade, de modo a dar ás ultimas voltas uma constricção que não exceda muito ao campo da operação. Este apparelho só deve ser retirado, quando houver qualquer accidente, como, uma hemorrhagia, uma pequena porção de pús ou qualquer outra complicação, observando-se sempre as mesmas precauções do primeiro curativo, á menos que não se aborte na pratica, tornando o que pode ser de grande beneficio, causa de funestas complicações. Não se pôde determinar a época em que deve. ser retirado este appare- lho, porque varia segundo o gênero da operação e a pa- ciência do doente. — 39 — Em geral, retira-se este curativo depois de vinte á vinte e quatro dias, tendo-se sempre as mesmas precauções, como no primeiro curativo e dever-se-ha transportar o operado para um compartimento isolado. Quando se faz o curativo, eis o que se nota : as cama- das externas do algodão, são retiradas facilmente e aquel- las que estão mais próximas á ferida, tornam-se muito adhe- rentes devido a um pús cremoso que sahe da solução de continuidade e nessas condições devemos embeber essa ul- tima camada com água morna, afim de mais facilmente retirarmol-a. Este pús tem um cheiro que tem sido comparado ao de graxa rançosa, mas, se o curativo tem sido defeituoso, este cheiro torna-se caracteristico, infecto e a cor varia de parda á negracenta. Finalmente retirado o curativo, la- va-se a ferida com todo o cuidado com água alcoolisada e faz-se o segundo curativo conforme as regras prescriptas. Conservar-se-ha este segundo curativo durante um tempo mais ou menos longo e em geral não é necessário applicar- se um terceiro ; e, quando se o retira a ferida é quasi in- significante"^ está quasi cicatrizada ; nesse caso applica-se as tiras*[agglutinativas. O fim principal deste curativo, é filtrar o ar e afastar os corpusculos orgânicos que elle possa conter. O que Alph. Guerin achou de mais vantajoso sobre este curativo foi de subtrahir a ferida ao contacto do ar ; entreter uma temperatura constante ; exercer sobre as par- tes uma compressão methodica; alliviar as dores ao doen- te e permittir mudai-o de um para outro leito ; diminuir consideravelmente a abundância de suppuração; conse- guindo-se, por este meio, fazer-se operações em individuos muito enfraquecidos, sequidas de optimos resultados sem esgotar mais as suas forças. Os resultados obtidos por Alph. Guerin durante aguer- ;álect. É2$l. €áca^ á^fu/ÁZeá. I :>Üi