-jft^y^éí o > vWt FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO Sl# Pi ------------------------ &' I f, THE PÇ DO flr. lutj -Márcio íkrkjti fíeguetra. ^#0)cS ifi i^çyW THESE DISSERTAÇÃO Secção de sciencias médicas — Catoa ile paüiologia interna Hemorrhagia cerebral. PROPOSIÇÕES Secção de sciencias accessorias — Calara È Cilllca OrPliCa A lcaloides naturaes. Secção de sciencias cirúrgicas—-Catóa He ClÍM eXteiia 13o rn.elh.or methodo de tratamento das feridas accidentaes e cirúrgicas. Secção de sciencias médicas — caíleira ie patliologia interna Lesões orgânicas do coração THESE ^ APRESENTADA Á FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO em 29 de Setembro de 1877 E PERANTE JSLLA SUSTENTADA em 4 de Janeiro de ±&7 POR tm ^níonio gattoa Büjjtmm Doutor em Medicina pela mesma Faculdade NATURAL DE S. PAULO. RIO DE JANEIRO TYPOGRAPHIA UNIVERSAL DE E. & HENRIQUE LAEMMERT 71, Rua dos Inválidos, 71 1878 il)j DIRECTOR Conselheiro Dr. Visconde de Santa Isabel. VICE-DIKECTOK Conselheiro Dr. Barão de Theresopulis. ÜÍECRETAltIO Dr. Carlos Ferreira de Souza Fernandes. LENTES CATHEDRATICOS Doutores ■ PRIMEIRO AWI» F. J. do Canto e Mello Castro Mascarenhas. (Ia cadeira). Physica em geral, e partícula mente em suas applicaçõesá Medicina. Conselh. Manoel Maria de Moraes e Valle. (2» » ). Chimica e Mineralogia. Luiz Pientzenauer........(3» » ). Anatomia descnptiva. SEGUNDO ANIMO Joaquim Monteiro Caminhoá.....(Ia cadeira). Botânica e Zoologia. Domingos José Freire Júnior .... (2a » ;. Chimica orgânica. José Joaquim da Silva.......(3a » ). Physiologia. Luiz Pientzenauer. ,,......(4a » )• Anatomia descnptiva. TERCEIRO A\\(l José Joaquim da Silva......(Ia cadeira). Physiologia. Conselheiro Barão de Maceió . . . . (2» » . Anatomia geral e patliologica. Francisco de Menezes Dias da Cruz. . . (3» » ). Pathologia geral. Vicente Cândido Figueira de Saboia. . . (4a » ). Clinica externa. QUARTO Jl\S» Antônio Ferreira França.......(Ia cadeira). Pathologia externa. João Damasceno Peçanha da Silva ... (2a » ). Pathologia interna. / Luiz da Cunha Feijó Júnior.....(3a » ). Panos, moléstias de mulheres pejadas, e paridas e de recém-nascidos. Vicente Cândido Figueira de Saboia. . . (4 » ). Clinica externa. QUINTO A1MNO João Damasceno Peçanha da Silva . . . (Ia cadeira). Pathologia interna. Francisco Praxedes de Andrade Pertence. (2a » ). Anatomia topographica, medicina operaioria e apparelhos. Mbino Rodrigues de Alvarenga .... (3a » ). Matéria medica e therapeutica. João Vicente Torres-Homem (Examin.). . (4a » . Clinica interna. SEXTO A\%<) Antônio Corrêa de Souza Costa (Presid.) . (Ia cadeira). Hygiene e hisloria da Medicina. Agostinho José de Souza Lima .... (2a » ). Medic;na legal. Ezequiel Corrêa dos Santos.....(3a » ). Pharmacia. João Vicente Torres-Homem.....(4a » ). Clinica interna. LENTES SUBSTITUTOS Benjamin Franklin Ramiz Galvão......j João Joaquim Pizarro.........(c ~ , „ • A • „ ,-,,;• t ■ ■ /c„„ • \ í Secção de Sciencias Accessonas. João Martins Teixeira (Examin.)......\ v Augusto Ferreira dos Santos......' Cláudio Velho da Motta Maia.......N José Pereira Guimarães íExamin.).....' „ . , 0 . n. r, i 4 a- j n il t? /Secção de Sciencias Cirúrgicas. Pedro Anonso de Carvalho Franco. . . ^ v h Antônio Caetano de Almeida....... João José da Silva..........) João Baptisla Kossuth Vinelli......./ Secção de Sciencias Médicas. S N.li. A Faculdade não approva nem reprova as opiniões cmillidus nusThcses que lli—-1»>—<:-— SBRWWJMWW^ 1'JCflô AOS MEUS AMIGOS AOS IMIETTS COLLEGAS. e^^cfe^ae^^is^se^^^^a^^P^s^ DISSERTAÇÃO Hemmorrhagia cerebral. CAPITULO I. Synonymia, Definição e Noticia histórica. Synonymia.—A hemorrhagia cerebral era conhecida entre os gregos pela denominação àiumx-niu (apoplexia), palavra que vem do verbo áTroTrXTÍffcxw (estupefazer, ferir violentamente), em conseqüência da instan- taneidade e da violência com que esta moléstia feria suas victimas. Os latinos designavão-na sob differentes nomes: attonitus stupor, morbus attonitus, sideratio, affulguratio, obstupescentia, etc. Rochoux e Moulin conservarão' a denominação apoplexia para designar a hemorragia cerebral, que ainda por outros foi denominada hemato- encephalia, apoplexia cerebral e apoplexia sangüínea. A denominação apoplexia, dada á encephalorrhagia, não deve ser aceita, porque a palavra apoplexia não indica senão um conjuncto de symptomas. que não são peculiares da hemorrhagia cerebral so- mente, porém que se podem apresentar em muitas outras moléstias, taes como no amollecimento, congestão cerebral, na hemorrhagia meningeana, e mesmo na meningite. Em todas estas moléstias as desordens orgânicas são differentes entre si; porém ellas apresentão quasi sempre entre si uma semelhança grande de manifestação symptomatica caracterisada por phenomenos apoplecticos, e por con- seguinte a palavra apoplexia deve ser considerada como um termo genérico, servindo para designar desordens funccionaes idênticas, traduzindo desordens orgânicas variáveis por sua sede e por sua natureza, e jamais como um termo especial para designar uma entidade mórbida particular. As denominações symptomaticas, extrahidas pelos antigos de um dos symptomas mais salientes da moléstia, devem a seu turno ser rejeitadas. O nome, pois, de hemorrhagia cerebral, sob o qual é hoje geral- mente conhecida a moléstia que nos occupa, designando o phenomeno anatômico que a caracterisa, é incontestavelmente o melhor, e por isso deve ser preferido a todas as outras denominações. Definição.—Dá-se o nome de hemorrhagia cerebral a todo o derra- mamento de sangue na substancia do cérebro, compromettendo mais ou menos profundamente o funccionalismo normal deste órgão. Noticia histórica.—Ainda no berço achava-se a sciencia medica, e já a hemorrhagia attrahia a attenção dos médicos daquella remota época, pela gravidade dos seus syptomas, que zombavão quasi sempre de todos os meios da therapeutica. Vê-se entre os aphorismos de Hippocrates alguns relativos a esta moléstia, de que Galeno e Coelius Aurelianus em suas obras também se occupárão. Celso descreveu igualmente mais tarde a apoplexia, e applicou aos apoplecticos ç> epitheto de attoniti. denominação esta que prova que os médicos antigos, não dispondo dos conhecimentos anatômicos e physiologicos necessários para caracterisar as moléstias, deixavão-se arrastar pela predominância e saliência de um dos symptomas, do qual se servião para a denominação da entidade mórbida, - 3 - Ainda que privados dos recursos de que hoje dispomos na inves- tigação das moléstias, quizerão todavia os antigos perceber a natureza intima da apoplexia; dahi as hypotheses as mais absurdas se levantarão, e as denominações de catarrhus, ecplixis, epilepsia astrobalia e outras mais singulares fôrão dadas a esta moléstia. Entre estas hypotheses uma havia, que Areteu abraçou, segundo a qual a intelligencia e os movimentos do homem emanavão dos dous princípios—fogo eterno e um espirito vivificante, e a apoplexia dava-se desde que cessava a influencia de um destes dous princípios necessários ao equilíbrio physiologico. Continuavão os autores dessa época a trilhar a senda das hypo- theses imaginárias, que nao erão fundamentadas em base alguma scientifica, quando Galeno, apparecendo, fez ver que a causa da apoplexia residia sobretudo no cérebro, e que era á influencia cere- bral que devião ser attribuidos os symptomas desta affecção. « Igitur apoplexia omnibus animalibus actionibus noxam inferens, cerebrum qffectum esse manifeste declarat..... Nam et epilepsia} et apoplexice propter cerebrum affectum Jiunt. » O influxo, porém, das hypotheses e das theorias falsas era immenso; por isso Galeno, este celebre gênio observador da antigüidade, não pôde despreza-las in limine, e acabou por aceitar algumas das errôneas theorias da sua época. Mais tarde Avicenes, imitando os seus predecessores, acompa- nhou-os na trilha das hypotheses, visto como acreditava que desde que os espiritos sensitivos e motores não pudessem repartir-se, em virtude de um obstáculo produzido quer pelas lesões variadas a que o cérebro está sujeito, quer pela obstrucção dos vasos deste órgão, os differentes phenomenos mórbidos da apoplexia apparecião. Só os progressos da anatomia poderião suspender o curso dessa enorme quantidade de hypotheses bizarras, que então erão aceitas, geralmente; mas esses progressos se fazião de um modo muito lento, para que pudessem desde logo derrocar do espirito dos homens _ 4 - daquella época as falsas idéas preconcebidas, a que arrímavão-se commodamente. Em virtude disto é que vemos ainda Prosper Mar- tiano acreditar que a estase do sangue, occasionada pela superabun- dancia dos humores, suspendia o movimento dos espiritos, dando em resultado este facto o apparecimento dos phenomenos apopleticos. Mais tarde Berengarius, Leonardus e alguns outros vultos deste tempo quizerão rehabilitar as idéas de Galeno, que havião sido inteira- mente abandonadas, trazendo a sede da apoplexia para o cérebro; mas não conseguirão elles também trilhar somente este caminho da verdade, e admittirão também algumas das hypotheses dos seus antecessores. Assim para estes observadores as manifestações mór- bidas da apoplexia erão devidas á parada dos espíritos vitaes e animaes, determinada ou pelo derramamento de serosidade nos ven- triculos do cérebro, ou ao accumulo de sangue nos vasos deste órgão : de onde provém a distincção da apoplexia em sangüínea e serosa, que mais tarde foi adoptada. Um sem numero de outras muitas hypotheses fôrão successiva- mente adoptadas, e a sua exposição seria um trabalho em demasia árduo e inteiramente improficuo. Difficil era sahir da senda da metaphysica e trocar as concep- ções puramente do espirito pelas verdades, que só da observação exacta dos factos poderião nascer; — para conseguir esse fim era indispensável a iniciativa de alguém, que desse novo curso aos estudos da apoplexia, era necessário energia sufficiente para empre- hender uma luta contra as idéas do passado, que seculares profun- damente tinhão-se enraizado em todos os espiritos. Esta gloria coube a F. Hoffmann, Wepfer, Valsalva, Morgagni, que, primeiros liber- tando-se do jugo das hypotheses, publicarão trabalhos seus, onde se poderáõ colher conhecimentos mais exactos sobre a hemorrhagia cerebral. A questão da natureza e das causas da encephalorrhagia foi com effeito só então elucidada, pelo auxilio das investigações anatomo-pathologicas, que fizerão estes autores, assim como a questão - 5 - da sede da hemorrhagia cerebral foi então melhor estudada, visto as analyses necropsicas a que se entregou sobretudo Morgagiri. Com os progressos, pois, nesta época da anatomia pathologica, que elucidarão a etiologia e a natureza da encephalorrhagia, ques- tões, até os trabalhos de Hoffmann, Valsalva e Morgagni, comple- tamente obscuras, começou uma phase nova da historia da hemor- rhagia cerebral. Depois dos trabalhos relevantes de Morgagni, vierão outros que derão um impulso grande ao diagnostico, á pathogenia e á the- rapeutica da encephalorrhagia. Entre estes trabalhos os que mais luzes têm derramado sobre esta matéria, devem figurar os de Rochoux, Moulin, Riobé, Andral, Cruveilhier, Abercrombie, Gen- drin, Rostan , Trousseau, Gintrac, Durand-Fardel, Rokitansky, Virchow, Charcot, Bennett e muitos outros, que citaremos no correr da nossa dissertação. CAPITULO II. Gênese e Etiologia. A hemorrhagia cerebral, apezar dos esforços que nestes últimos tempos empregarão o professor Charcot e Bouchard, não pôde ainda constituir uma espécie nosologica nova, não pôde ser considerada como uma moléstia protopathica, sempre a mesma, visto como é ella algumas vezes um accidente, ou uma complicação de estados mórbidos diversos: assim, se umas vezes ella é o resultado de um amolleci- mento do cérebro, outras o é de um fluxo sangüíneo que se faz para a massa encephalica, e ainda outras de uma alteração do tecido vascalar encephalico. Á vista disto, se a hemorrhagia do cérebro é devida ora á uma alteração das paredes dos vasos encephalicos, ora a um augmento de tensão da columna sangüínea, ou, emfim, a uma — 6 — perda de resistência dos vasos por falta de consistência do tecido circumvizinho, claro é que a questão pathogenica desta entidade mórbida deve ser estudada- debaixo destes três pontos de vista, que constituem as condições pelas quaes a erupção sangüínea proveniente da ruptura vascular se faz no tecido encephalico, onde vai determinar já a lentidão das funcções, e já a abolição absoluta e completa do funccionalismo normal. Consideraremos, pois. como condições pathogenicas da encephalor- rhagia, isto é como causas productoras da ruptura das paredes vasculares, ruptura esta que é a condição única, indispensável para que a hemorrhagia se dê, em primeiro logar a alteração das paredes dos vasos do cérebro, em segundo o augmento de tensão intra-vascular, em terceiro a diminuição da resistência dos vasos, d pressão interna da onda sangüínea, por falta de consistência das partes circumvizinhas. Procedendo deste modo, estamos em harmonia com a maioria dos autores modernos, que não fizerão senão adoptar esta divisão, outr'ora já feita por Galeno, que considerava ainda as alterações do sangue como causa próxima da hemorrhagia do cérebro. Esta ultima condição pathogenica, que Galeno reunia ás três outras que admittimos, é considerada ainda por alguns autores modernos como causa próxima da encephalorrhagia, para a producção da qual concorre de um modo directo: não concordamos, porém, com este modo de pensar, e na nossa opinião a alteração sangüínea não deve figurar entre as causas próximas da hemorrhagia do cérebro, mas sim como causa mediata e indirecta da irrupção do sangue fora dos vasos, dos quaes não faz mais do que diminuir a resistência das paredes por effeito da própria dyscrasia sangüínea. Muito embora raramente as condições pathogenicas da moléstia de que nos occupamos realizem a sua acção separadamente, visto como se combinem ellas a mór parte das vezes para produzirem a ruptura dos vasos, passaremos á analyse de cada uma dellas pela ordem de sua importância relativa. - 7 - § 1.° Estado das paredes dos vasos.— As alterações das paredes dos vasos, que consideradas debaixo do ponto de vista pathogenico representão um papel importante na producção da hemorrhagia cerebral, varião quanto á sua natureza. E esta uma causa morbigenica que tem soffrido pouca contestação em principio, mas que tem dado logar a grandes divergências entre os autores relativamente á natureza da alteração. Dentre estas alterações a que tem desde muito tempo gozado de um alto conceito na gênese da encephalorrhagia, e que nestes últimos tempos os progressos da sciencia têm tentado fazer perder muito do seu prestigio, é o atheroma das artérias cerebraes. O atheroma, seguindo a sua evolução natural, vê-se que a principio é constituído por placas brancas ou amarelladas, mais ou menos salientes, e de uma consistência gelatinosa, que se achão per- feitamente colladas á membrana interna dos vasos; mais tarde, estas placas se deprimem em seu centro, erguem os seus bordos, desta- cando-os da membrana interna do vaso, e então apresentão-se rígidas e friaveis. Estas placas deformão a parede da artéria, e ora se apresentão confluentes, dando logar á endarterite deformante, ora se achão separadas, de maneira a apresentar a artéria de espaço em espaço certas saliências ou nodosidades, e dão logar neste caso á endarterite nodosa. Em virtude destas alterações atheromatosas, a elasticidade das artérias diminue consideravelmente, de maneira que a onda sangüínea vem a perder o seu curso continuo, e desde então é lançada nas arteriolas cerebraes por jactos, augmentando assim nestas arteriolas a pressão intra-vascular, que logo que ultrapasse certos limites determinará a ruptura do vaso e a hemorrhagia. A influencia pathogenica da atheromasia na producção da ence- phalorrhagia não se cinge, porém, somente a produzir a perda da elasticidade arterial, e as perturbações que em conseqüência da rigeza do vaso se dão no curso naturalmente continuo da onda sangüínea: — 8 - com effeito, a própria lesão, por sua saliência no interior do vaso, constitue um obstáculo á passagem completa da onda sangüínea, que é forçada a parar ; a estase do sangue assim determinada traz a formação de um coagulo que, ou se destacará mais tarde, e será levado pela corrente sanguinea até encontrar uma arteriola de muito fino calibre, onde elle se fixará, formando neste ponto uma embolia, ou se fixará na parte arterial em que se formou, e dará logar, pelo deposito de novas camadas fibrinosas, a uma thrombose. Em ambos estes casos terá logar o amollecimento necrobiotico do cérebro, e como conseqüência deste amollecimento a hemorrhagia do cérebro se fará. A atheromasia deve, pois, representar na gênese das hemorrha- gias do cérebro um papel importante, papel já assignalado por Abercrombie, e hoje geralmente reconhecido. Hardy e Behier negão entretanto este papel pathogenico dado á atheromasia, visto como, dizem elles, em um grande numero de casos de apoplexia sanguinea tem-se observado a ausência completa de alterações para o lado do systema circula tono, e, nos casos em que estas alterações têm sido encontradas, ellas occupão ou os grossos troncos da base, ou das meningeas, o que produziria, em vez de hemorrhagia intracerebral, hemorrhagia meningéa. Todos estes factos attestados pelas autópsias são com efFeito verdadeiros, mas sem duvida alguma elles não podem annullar este papel pathogenico, como pretendião aquelles dous professores; porque, em primeiro logar, a ausência das alterações vasculares em um grande numero de casos de encephalorrhagia, não prova senão que as alterações vasculares não são a única causa productora das hemorrhagias do cérebro; em segundo logar, parece-nos que a opinião de que as alterações das artérias da base e das meningeas não podem produzir hemorrhagia intracerebral é falsa, porque as hemorrhagias cerebraes nem sempre se effectuão nos pontos em que as encrüstações arteriaes se apresentão, e dão-se muitas vezes em outras artérias, que - 9 - nascem de uma que se acha lesada por certas alterações, que, produ- zindo a perda da elasticidade desta artéria, no ponto em que se acha a lesão, determinão ipso facto a perda do movimento continuo da onda sanguinea, que passa desde então a ser lançada por jactos nas arteriolas, que se rompem pelo augmento da pressão interna á cada systole cardíaca. Da mesma sorte o empirismo das estatísticas, a que Durand-Fardel, Charcot e Bouchard fazem appello, afim de negarem a influencia pathogenica da atheromasia na producção da encephalorrhagía, nada provão, senão que esta moléstia não tem por causa única aquella alteração. Se consultarmos com effeito estas estatísticas, veremos que Durand Fardei em 100 casos de hemorrhagia cerebral não encontrou senão 12 em que as artérias se achavão sãs, Bouchard observou os vasos sãos 18 vezes, e Charcot 22 casos em que nenhuma alteração vascular exista em igual numero de individuos que tinhão sido victimas daquella moléstia; á vista destas observações, devemos, pois, concluir que as alterações vasculares co-existem freqüentemente com as hemorrhagias cerebraes, se bem que essa co-existencía não seja absolutamente necessária. Quanto ao argumento de que alguns se têm servido da freqüência maior da atheromasia, do que da encephalorrhagía. pretendendo negar por isso a influencia da alteração vascular sobre a producção desta entidade mórbida, não tem valor algum, visto como não é forçoso que o indivíduo, pelo facto de ter as suas artérias alteradas, morra victima da hemorrhagia cerebral. Por todas estas razões, o atheroma das artérias, como agente pathogenico da encephalorrhagía, merece occupar logar proeminente, não obstante os esforços de alguns autores, que querem roubar-lhe o prestigio, que justamente desde muito tempo têm gozado na sciencia. Uma outra alteração vascular, que é sem duvida menos importante 49 2 «-10- do que a que acabamos de estudar, e que, como causa produc- tora da hemorrhagia encephalica, tem perdido muito ultimamente do seu valor de outr'ora, graças aos estudos histologicos modernos, é a degenerescencia gordurosa dos vasos do cérebro. Tendo Pajet attrahido a attenção dos práticos para a coexistência das rupturas vasculares com as degenerescencías gordurosas das suas paredes, alguns autores, entre os quaes figurão os nomes de Virchow, Todd e Kõliker, fizerão mais tarde com que esta alteração viesse occupar na pathogenia da encephalorrhagía um logar proeminente. Ultimamente, porém, os trabalhos de Moosherr, mostrando que estas degenerescencías podião-se apresentar em todas as idades (mesmo naquellas em que a hemorrhagia cerebral era excessivamente rara), demonstrando mais que a steatose vascular se encontrava nos estados pathologicos os mais diversos, como na chlorose, na diabetes assuca- rada, na alluminuria e em todas as outras moléstias de fundo dys- crasico, reduzirão muito a importância immensa que gozava esta alte- ração vascular na producção da apoplexia sanguinea. A degenerescencia gordurosa dos capillares cerebraes, perfeita- mente estudadas pelo eminente histologo Robin, pôde invadir não só a túnica própria dos capillares, como as túnicas interna e média das arteriolas, que se apresentão freqüentemente alteradas pela steatose, como tem sido demonstrado pelas analyses necroscopicas que se têm feito nos indivíduos victimados pela encephalorrhagía. Comquanto, porém, seja esta alteração freqüente, ella não o é tanto como se suppunha, quando sem o auxílio do microscópio analysavão-se os va- sos ; com efíeito, foi com o auxilio deste instrumento que se pôde dis- tinguir os casos de verdadeiras alterações das paredes vasculares, dos desta pseudo-steatose, que nada mais é do que um deposito de granulações entre a túnica externa e a bainha lymphatica de Robin. Além desta verdade manifestada pelo microscópio, os estudos ultima- mente emprehendidos por Bouchard, sobre as degenerescencías se- cundarias dos centros nervosos em conseqüência quer de uma - 11 - heniorrhagia, quer de um amollecimento cerebral, demonstrão que as perturbações trophicas do cérebro invadem, depois de um tempo va- riável, as paredes dos vasos, cujos elementos soffrem uma metamor- phose gordurosa. Nestes casos é a hemorrhagia cerebral a causa, e não a conseqüência, da steatose dos vasos. Postos, pois, de parte estes casos de degenerescencías secundarias, assim como os casos das pseudo-steatoses resultantes do deposito das granulações graxas exter- nas ás paredes dos vasos, se considerarmos somente os casos das degenerescencías primitivas dos vasos, assim como aquelles em que os elementos constituintes das túnicas arteriaes achão-se legitimamen- te alterados, vê-se que se tem exagerado muito a freqüência da steatose vascular na hemorrhagia cerebral. Além destas causas productoras da encephalorrhagía, existe uma que tem sido objecto de estudos modernos, e que ainda occupa hoje a attenção dos autores, visto a sua importância como agente pathoge- nico da ruptura dos vasos encephalicos: tal é o agente pathogenico da encephalorrhagia, representado pelas aneurysmas miliares intra- cerebraes. Estes aneurysmas, que ultimamente Charcot e Bouchard estudarão e que já havião sido descriptos por Cruveilhier sob o nome de apo- plexia capillar a focos miliares, apresentão uma fôrma globulosa, uma cor que varia desde o vermelho vivo até o violaceo escuro, medem ás vezes apenas um sexto de millimetro, outras as suas dimensões attingem um millimetro e mesmo mais, e podem ser encontrados es- parsos pelo cérebro em numero considerável. Bouchard, descrevendo o processo especial da evolução destes aneu- rismas, assim se exprime : Na espessura das túnicas arteriaes e sobre a bainha lymphatica dá-se a principio uma multiplicação exagerada de núcleos, que é seguida de uma atrophia da túnica muscular, cujos elementos, desapparecendo, produzem uma dilatação geral do va- so, que de distancia em distancia apresenta-se estrangulado pela acção das fibras musculares persistentes, que não fôrão victimas do processo — 12 — atrophico; em virtude deste processo deformante, a artéria apre- senta um aspecto moniliforme, devido ás dilatações súbitas, que constituem os verdadeiros aneurysmas. As alterações por que passa a parede arterial, marchão de fora para dentro, de modo que a bainha lymphatica e a túnica adventicia são attingidas antes de o ser a túnica muscular, que só mais tarde começa a alterar-se, atrophi- ando--se então as suas fibras de uma maneira tanto mais pronunciada quanto a arterite superficial é mais intensa. Este processo análogo ao que se passa na periarterite chronica, que Rokitansky descreveu, e sobre a marcha especial do qual tanto insistem Charcot e Bouchard, é inteiramente contrario ao que segue o atheroma e a endarterite esclerosa. A hemorrhagia cerebral (salvo os casos excepcionaes em que é ella uma simples complicação de um amollecimento, de uma thrombose ou de algumas outras moléstias de fundo dyscrasico) é, segundo Charcot e Bouchard, uma moléstia inteiramente independente, tendo uma physionomia própria, e que é produzida pela ruptura dos aneurysmas miliares. Este exclusivismo destes autores, que querem dar aos aneurysmas miliares o papel de únicos representantes legítimos dos agentes pa- thogenicos da encephalorrhagía, não pôde ser admittido diante dos factos que a observação fornece, e que são contrários a esta opinião exagerada: em primeiro logar, os aneurysmas miliares encontrão-se em outros estados pathologicos, diversos da hemorrhagia do cérebro ; assim, Vulpian encontrou estes aneurysmas em individuos victimas da ataxia locomotora, Heschl observou-os freqüentemente na epilepsia; no amollecimento do cérebro têm sido igualmente observados; além da sua coexistência com estas moléstias, têm sido elles notados concumitantemente com aneurysmas das artérias meningeas, com os aneurysmas semelhantes das arteriolas do coração e do esophago (como observou Lionville); emfim, a sua coexistência com as ectasias da pia-mater descriptas por Virchow, ectasias estas que são - 13 - determinadas pela atrophia da túnica média ou muscular, conser- vando-se em integridade perfeita as túnicas externa e interna, provado têm as autópsias. Além destes factos, que demonstrão que os aneu- rysmas miliares não são lesões que se encontrem exclusivamente na hemorrhagia cerebral, outros provão que as sedes no cérebro, onde com maior freqüência se apresentão estes aneurysmas, não correspondem perfeitamente aos pontos encephalicos em que as hemorrhagias em geral se dão; assim o numero das hemorrhagias das camadas ópticas está para as dos corpos estriados como 1 está para 8 (Rochoux), ou como 1 está para 2 (Andral); ora, as observações de Bouchard provão que os aneurysmas miliares apresentão-se mais commummente nas camadas ópticas do que nos corpos estriados; do mesmo modo, as observações demonstrão que o centro oval é lesado pelas hemorrhagias que nelle se effectuão em uma proporção muito mais considerável do que as circumvoluções, a protuberancia e o cerebelo; entretanto, segundo as observações de Charcot e Bouchard, os aneurysmas miliares se apresentão mais commummente nestas ultimas partes do cérebro do que na primeira. Todos estes factos deixão fora de duvida que os aneurysmas miliares não podem ainda ser considerados como os únicos agentes patho- genicos da encephalorrhagía, e, ainda que nas victimas desta moléstia as autópsias não tenhão demonstrado até hoje a ausência dos aneu- rysmas miliares, não se pôde todavia, no estado actual da sciencia, admittir que haja entre a presença destes e a manifestação hemor- rhagica uma relação de causa a effeito. Não podemos dar por conseguinte o nosso assentimento ao en- thusiasmo do professor Béhier para a doutrina que acabamos de enunciar, e que elle, expondo aos seus discípulos, manifesta a opinião que delia faz nas seguintes palavras: « Cest lá, messieurs, un progrès dont on ne saurait assez signaler Vímportance. Nous saisissons enjin un fait positif qui vous rend parfaitement compte du mécanisme des hémorrhagies cérébrales, et je naurai jamais assez déloges pour Ia - 14 - patience laborieuse qui a conduit à de tels résultats, surtout lorsque je les compare à* ces vues de Vesprit dans lesquelles on se complaisait autrefois.» Além destes agentes morbigenicos da encephalorrhagia, os autores allemães sobretudo considerão que esta moléstia pôde ser determinada pela ruptura dos vasos, que, em conseqüência de um estado particular de suas paredes, sem que todavia haja alteração alguma da sua structura normal, se apresentão extremamente friaveis. Este estado particular dos vasos, que pôde persistir durante toda a vida, é, segundo Virchow, normal nos recém-nascidos, e é a elle que devem ser attribuidas as hemorrhagias que se dão nas moléstias adynamicas ou pútridas e dyscrasicas. Se fosse verdadeira esta opinião dos médicos allemães, deveria a encephalorrhagía ser extremamente commum na hemophilia; mas, não se dando esta freqüência, antes pelo contrario sendo as hemor- rhagias cerebraes raras nos hemophilicos, e a friabilidade vascular sendo muito exagerada nestes indivíduos, segue-se que este estado particular dos vasos não deve occupar logar no grêmio dos agentes pathogenicos da entidade mórbida que estudamos. Dadas as alterações vasculares que acabamos de estudar como capazes de produzir a encephalorrhagía, eminente fica a ruptura das paredes dos vasos, que em virtude quer do augmento da pressão interna, determinada pelo endurecimento em certos pontos lesados do vaso, quer da fraqueza das paredes, que algumas vezes as lesões produzem, não podem lutar contra o impulso enérgico da onda sanguinea, que, a cada systole cardiaca, vem ferir e chocar as suas paredes, se rompem dando logar á hemorrhagia cerebral como uma conseqüência necessária e immediata. § 2.°—Tensão do sangue.—E a encephalorrhagia muito freqüente- mente determinada exclusivamente por um augmento da tensão san- guinea, que se dá todas as vezes que a onda sanguinea encontrar - 15 - um embaraço material que perturbe a sua marcha progressiva e constante. Com effeito, algumas vezes ha hemorrhagia cerebral de- terminada pela existência de um obstáculo á circulação peripherica, que traz o augmento de pressão no systema aortico, pressão esta que se estende ás arteriolas cerebraes, cuja dilatação e ruptura então tem logar; outras vezes, porém, é a encephalorrhagia uma conseqüência de um obstáculo imperioso á marcha da circulação venosa, como acontece quando ha uma stenose mitral ou tricuspide, ou quando as jugulares e a veia cava superior se achão comprimidas, ou ainda quando os seios da dura-mater estão obliterados, ou desde que a deplecção venosa não se puder realizar completamente, em virtude das lesões chronicas do apparelho respiratório, taes como o em- physema ou a esclerose pulmonar: nestes últimos casos, em que a hemorrhagia é uma conseqüência da difficil deplecção do systema venoso, a congestão se effectua nas veias cerebraes, que podem então romper-se, dando logar á hemorrhagia cerebral, hemorrhagia passiva, dependente da estase venosa. É sem duvida alguma o augmento da tensão sanguinea uma causa pathogenica da encephalorrhagia, que, em muitos casos da clinica, é a única que pôde explicar a manifestação hemorrhagica no cérebro. Na verdade, os factos registrados na sciencia de indivíduos jovens, de uma idade imprópria á hemorrhagia cerebral, que em conse- qüência de um banho frio, de uma viva emoção moral, ou do acto do coito, forão victimas desta moléstia, provão que o augmento da tensão sr.nguinea, produzido por um maior affluxo deste liquido para o cérebro, foi a causa determinante da encephalorrhagia nesses indivíduos, nos quaes nenhuma outra lesão pathogenica existia para explicação da ruptura vascular. As congestões reiteradas para o cérebro podem produzir, em virtude do augmento da pressão intravascular, a dilatação aneu- rysmatica dos vasos deste órgão, dilatação esta que não é senão um primeiro passo para a hemorrhagia, que mais tarde terá logar. - 16 - Estas dilatações, que Virchow encontrou nos vasos da pia-mater, e que Laborde vio nos vasos cerebraes, são com effeito muitas vezes o resultado unicamente de repetidos affluxos de sangue para o cére- bro, visto como estas lesões vasculares sào encontradas freqüente- mente após repetidas congestões cerebraes, sem que o exame ne- croscopico tenha podido revelar a menor alteração do vaso ou do tecido perivascular que pudesse explicar a extravasação san- guinea. Além das causas mencionadas, que são capazes de determinar o augmento da tensão sanguinea no cérebro, e por conseguinte a hemorrhagia neste órgão, alguns autores considerão a hypertrophia do coração como capaz de produzir este effeito. Não acreditamos, porém, que isto seja exacto, porquanto a hypertrophia só augmenta a velocidade do sangue e jamais a sua tensão, e quando a hemor- rhagia cerebral se declara, co-existindo ella com uma hypertrophia do coração, se nenhuma outra lesão houver que explique o raptus- sanguineo, infallivelmente esta hypertrophia não será simples, e a encephalorrhagia será conseqüência da lesão orica ou valvular que deverá existir, e jamais da hypertrophia que, longe de produzir o augmento de tensão, previne a estase venosa, e por conseguinte procura antes diminuir a pressão intravascular. Por qualquer das causas apresentadas, á excepção desta ultima, pôde o augmento da tensão sanguinea ter logat, e a encephalor- rhagia se apresentar como conseqüência deste augmento da tensão da columna sanguinea, que deve ser considerada como uma causa pathogenica da encephalorrhagia de grande importância. E tanto é assim, que Bouchard mesmo, que é tão exclusivista, quando emitte a sua opinião sobre os agentes pathogenicos da hemorrhagia cere- bral, assim se pronuncia a respeito desta causa pathogenica: « á apo- plexia capillar pôde preceder uma hemorrhagia verdadeira; ella é o primeiro gráo de uma hemorrhagia que mais tarde se reunirá em foco. O sangue que se espalha na bainha lymphatica de Robin, — 17 — resulta da ruptura dos vasos que nella se achão contidos; esta rup- tura resulta quer de uma tensão exagerada, quer de uma alteração de nutrição. » § 3.—Diminuição da resistência dos vasos por falta de consis- tência de tecido perivascular.— Desde que a substancia cerebral apresentar uma diminuição de consistência, os pequenos vasos nella contidos, privados do seu apoio natural, tendem a romper-se, visto não poderem mais lutar contra a pressão sanguinea: é o que se dá no amollecimento cerebral, quer seja de natureza inflammatoria, quer necrobiotica. Esta theoria pathogenica da encephalorrhagia, já havia sido con- cebida por Pariset, quando Rochoux, arrimado aos resultados das necropsias, sustentou com fervor a mesma idéa, considerando este amollecimento como condição pathogenica capital do raptus san- güíneo cerebral. Louis, Andral e muitos outros aceitarão a opinião de Rochoux, e considerão o amollecimento, que o autor desta doutrina pathogenica denominou hemorrhagiparo, como causa productora da encephalor- rhagia; Gendrin, Durand-Fardel, Bricheteau, Cruveilhier, Jaccoud e outros rejeitarão-na, baseados na ausência dos symptomas prodromicos em relação com este amollecimento, e no resultado das autópsias que demonstrão a ausência da lesão descripta pelo eminente Rochoux em muitos casos, lesão esta que é devida ao amollecimento da sub- stancia cerebral pela imbibição da serosidade que se escapa do coagulo. Rochoux, querendo defender a sua opinião ameaçada, faz vêr* que na apoplexia cerebral fulminante, a imbibição não tem tempo de se fazer, entretanto que o amollecimento é observado. Nestes casos, porém, em que a encephalorrhagia é seguida logo da morte, explica-se a diminuição da consistência da polpa cerebral pela decomposição cadaverica, e por isso a opinião de Rochoux sobre este 49 'à - 18 — amollecimento, que elle admittia como o principal agente morbigenico da encephalorrhagia, é insustentável. Embora a lesão anatômica, que Rochoux descreveu como precur- sora da hemorrhagia cerebral, tenha sido geralmente regeitada hoje, a theoria pathogenica, por elle apregoada, ainda encontra adeptos eminentes : com effeito, Niemeyer acredita que a atrophia senil, ou outra qualquer atrophia cerebral, resultante das perturbações as mais diversas da nutrição deste órgão, são necessariamente seguidas do augmento do liquido cephalo-rachidiano, e da dilatação dos vasos cerebraes, que mais tarde podem romper-se, dando logar á hemor- rhagia. É, segundo este autor, em virtude dessa atrophia senil, sobretudo, que as hemorrhagias são tão freqüentes na velhice; e é ainda em conseqüência da atrophia do cérebro, consecutivas ás hemorrhagias, neste órgão, que devem ser attribuidas as freqüentes recidivas da encephalorrhagia. Leubuscher adopta a opinião de Niemeyer, porém Cotard, Hasse e Jaccoud negão-lhe o seu apoio, visto como, segundo estes, a diminuição da massa encephalica tende a produzir na cavidade craneana um abaixamento de pressão que é sempre compensado pelo augmento do liquido cephalo-rachidiano, e nunca pôde ter logar essa hyper- hemia ex-vacuo. Todd acredita que quasi todas as hemorrhagias se fazem no seio de um foco de amollecimento, que apresentaria a cor e a estructura quasi idêntica á do tecido cerebral. Bouchard não adopta, porém, a opinião de Todd, porque na sua opinião, para que um amollecimento pudesse produzir a dilatação e a ruptura vascular, seria necessário haver no ponto cm que se operou a hemorrhagia um trabalho regressivo, um processo necrobiotico notável do tecido cerebral. Parece-nos, entretanto, que Bouchard não tem razão, porque o amollecimento de um órgão pôde ser muito - 19 - notável sem que os seus elementos sejão aniquilados pela necrobriose: haja vista nas congestões cedematosas de um tecido qualquer, que são sufficientes para diminuir-lhe a consistência, sem que a necrose, como elemento, absolutamente intervenha para este resultado. O amollecimento do cérebro, quer seja necrobiotico, quer não o seja, pôde produzir a hemorrhagia cerebral, porém em qualquer destes dous casos o amollecimento é inteiramente differente do amollecimento hemorrhagiparo de Rochoux, em que a diminuição de consistência da substancia nervosa cerebral é post-hemorrhagica, e por conseguinte este amollecimento, em vez de ser a causa da encephalorrhagia, é o effeito desta entidade mórbida. Para terminar este capitulo, devemos dizer que, embora o amol- lecimento cerebral seja admittido pela maioria dos autores como um agente pathogenico capaz de por si só produzir a encephalor- rhagia, é todavia necessário que se explique, em primeiro logar porque, sendo os amollecimentos cerebraes tão freqüentes, as hemor- rhagias no interior delles são tão raras, e estas se dão em geral em pontos diversos daquelles; em segundo logar porque, repetindo-se as hemorrhagias, em geral os pontos symetricos do cérebro são attin- gidos successivamente, embora o amollecimento exista só no primeiro ponto attingido pela hemorrhagia. São questões estas que devem ser decididas, e, emquanto não o forem, será hypothetico o papel do amollecimento cerebral como causa pathogenica da encephalor- rhagia. Etiologia. — As causas da hemorrhagia cerebral dividem-se em dous grupos distinctos: causas predisponentes, e causas determinantes ou occasionaes. As causas predisponentes não actuão para a producção da ence- phalorrhagia senão indirecta ou mediatamente ; ellas suppoem certos estados ou condições, que dispõem o organismo a soífrer o insulto mórbido. — 20 — As causas occasionaes têm, porém, uma acção directa e immediata; ellas determinão instantaneamente a moléstia, uma vez dadas as condições pathogenicas que apontámos, e sem o seu auxilio as predisponentes terião um valor nullo, e não serião capazes de produzir a hemorrhagia cerebral. § Io. Causas predisponentes.— Dividem-se estas causas em indi- viduaes e hygienicas ; as primeiras se referem ao estado particular em que se acha toda a economia ou o cérebro somente; as segundas cor- respondem á inobservância habitual ou ás transgressões feitas ás leis da hygiene. Causas predisponentes individuaes.— Entre estas causas conside- raremos : a idade, o sexo, os temperamentos, a herança, e certos esta- dos mórbidos caracterisados pela hypertrophia do coração, e pelas mo- léstias dyscrasicas. Idade.'—As modificações impressas ao organismo todo, quer na estructura intima dos seus elementos, quer no seu funccionalismo, nos differentes períodos da vida, não podião poupar o cérebro, onde se elaborão as funcções complexas da economia, que demandão um trabalho continuo deste órgão, não obstante a sua textura fraca e delicada. Em conseqüência deste trabalho exagerado do cérebro, os elementos, que entrão na sua composição, acabão por soífrer, e come- ção a alterar-se, e de um modo tanto mais pronunciado quanto maior for a fadiga do órgão, e como é natural que quanto mais velho é o homem tanto mais os seus órgãos têm trabalhado, segue-se que a disposição mórbida do cérebro cresce na razão directa da idade. Nem todas as partes deste órgão, porém, são igualmente sujeitas ás mo- léstias creadas pela idade, visto como a vitalidade maior de algumas destas partes em relação a outras faz com que essas regiões, onde a vida é maior, resistão por maior espaço de tempo ás alterações e ás degenerescencías, que invadem as partes onde a vida é menor: por isso — 21 — é que a túnica interna das artérias cerebraes são desde logo attingidas quando, no declínio da vida, apenas começa o processo retroactivo a invadir os differentes tecidos da economia. As alterações da estructu- ra normal da túnica interna das artérias cerebraes são, pois, as primei- ras manifestações mórbidas, que os progressos da idade produzem no cérebro; e como conseqüência desta alteração, seja de natureza steato- sa ou atheromatosa, perturbações insólitas para a circulação se dão, o augmento da tensão intravascular succede-se, e mais tarde o rompi- mento das paredes dos vasos se effectua dando logar á hemorrhagia cerebral. E esta com effeito uma moléstia que pôde ser considerada quasi como apanágio da idade avançada, e isto não só pela decrepitude or- gânica que invade o tecido vascular cerebral, pelo facto da idade, como também porque neste periodo da vida são muito communs as affecções cardiacas e os vicios diathesicos anteriormente adquiridos. Se estes determinão a hemorrhagia do cérebro pelas modificações surdas e len- tas que produzem neste órgão e em toda a economia, as moléstias do órgão central da circulação a produzem pelos impecilhos que trazem á livre circulação do cérebro, cujos vasos mais tarde se romperão pelo augmento da pressão excêntrica contra as suas paredes. Por todas estas razões a encephalorrhagia é uma moléstia excessiva- mente mais freqüente na idade madura do que nos primeiros pe- ríodos da vida. Incontestavelmente a hemorrhagia cerebral pôde apresentar-se em todas as idades da vida; Moulin chega mesmo a dizer que é esta mo- léstia muito commum na época do nascimento, o que não é exacto; mas ella pôde apresentar-se em indivíduos muito jovens : assim, Bil- lard observou-a em um menino de três dias apenas. Guibert, Andral, Payen, Gintrac e outros apresentão observações de encephalorrhagia em individuos de menos de 14 annos de idade. Estes factos são, po- rém, raros, e é após os 40 annos que esta moléstia faz mais victimas: verdade esta já reconhecida por Hippocrates, e que mais tarde Cullen, s>» Portal, Rochoux, Gintrac, Durand-Fardel e todos os autores ho- diernos sanccionárãoc Qual será, porém, a época da velhice em que a hemorrhagia cere- bral faz maior numero de victimas ? Sobre este ponto os autores não se achão accordes. Rochoux diz que é dos 60 aos 70 annos, que de- pois como antes desta idade o numero dos apoplecticos diminue con- sideravelmente, e funda-se para isto avançar em uma estatística ape- nas de 69 doentes. Sem duvida alguma esta estatística é muito pobre para esclarecer a questão, e por isso consultemos a estatística apresen- tada por Gintrac: segundo esta estatística, em 601 casos de encepha- lorrhagia, 90 individuos tinhão de 40 a 50 annos, 123 casos se dérão em individuos que tinhão de idade 50 a 60 annos, 143 casos perten- ciãoaos que tinhão de 60 a 70 annos, 101 casos fôrão observados nos que contavão de 70 a 80 annos, e o resto se achava repartido em uma proporção decrescente a partir dos 40 annos para os primeiros períodos da vida. Á vista desta estatística, vê-se que a progressão re- gular do numero dos apoplecticos cresce até aos 70 annos, e que então essa progressão crescente parece cessar, pois que o numero dos apoplecticos é então menor ; mas, considerando que a differença da população depois desta idade é muito menor em relação á população que vive entre os 60 e 70 annos, e que o decrescimento, que se nota na estatistica, é insignificante para essa differença de população, deve- mos concluir que a disposição á encephalorrhagia cresce até aos 80 annos, e que ella torna-se muito pronunciada dos 50 annos em diante. Sexo . —Segundo diz Moulin, as mulheres e os homens são igual- mente sujeitos á apoplexia. Copeman, como resultado de suas obser- vações, conclue a respeito desta questão, que o sexo masculino é mais exposto que o feminino, na proporção de um pouco mais do dobro, ao insulto apoplectico. Durand-Fardel em 681 casos de hemorrha- gias encephalicas observou 386 homens e 295 mulheres. A superio- ridade dos casos pertencentes ao sexo masculino, diz Gintrac, é muito — 23 — saliente quanto ás hemorrhagias dos lobos médios e posteriores e dos ventriculos; a igualdade póde-se quasi estabelecer para as hemorrha- gias dos corpos estriadose das camadas ópticas; e a predominância se apresenta em favor do sexo feminino, quanto ás hemorrhagias da sub- stancia cortical, e dos lobos anteriores do cérebro. A respeito desta parte da etiologia da encephalorrhagia, a estatís- tica apresentada por Falret prova eloqüentemente a freqüência muito maior desta moléstia nos homens do que no sexo opposto : assim, em 2297 apoplecticos, este illustrado pratico observou 1670 homens e 627 mulheres. Em presença de dados tão positivos, não se pôde pôr em duvida que o sexo masculino é muito mais victimado que o fe- minino pela hemorrhagia encephalica. A explicação scientifica deste facto, que o empirismo das observa- ções legou á scíencia, não é possível: sem duvida não é uma con- dição natural inherente ao sexo, que predispõe a esta moléstia mais o sexo masculino, e se esta moléstia victima mais este sexo, é em con- seqüência de se exporem mais os homens ás differentes causas morbifi- cas, e de não attenderem aos preceitos hygienicos, coagidos pelas necessidades e gênero de vida peculiares ao seu sexo. Temperamentos.—Opiniões as mais divergentes têm sido emittidas a propósito das constituições e dos temperamentos próprios á ence- phalorrhagia : para Morgagni, Moulin, e outros muitos autores, existe uma disposição geral e muito especial da economia, que é denomi- nada constituição apoplectica, a qual é caracterisada pelos signaes se- guintes : estado plethorico, corpo grosso e cheio, abdômen saliente, peito amplo, pescoço curto, cabeça volumosa, face rubra, pulso duro e cheio ; inclinados naturalmente á quietação, ao somno, incapazes do estudo e da reflexão sobre as questões abstractas, impassíveis e negli- gentes, são estes individuos que collocão o seu maior prazer na boa mesa e nos alcoólicos, de que abusão, e assim passão toda sua existência sem darem nenhum impulso ao progresso da sociedade em que vivem. — u — Esta constituição assim descripta pelos autores é considerada por muitos delles como devendo occupar um logar proeminente na etio- logia da hemorrhagia cerebral. Foderé, porém, admitte o contrario inteiramente, e para elle os in- dividuos corados e plethoricos, amantes da boa carne e do bom vinho, escapão ordinariamente á apoplexia, á qual parecia estarem votados como conseqüência inevitável dos seus excessos. Jourdanet, da mes- ma sorte, conclue das suas observações feitas no México que a con- stituição fraca é a preferida, sendo quasi a totalidade das victimas re- crutadas pela hemorrhagia do cérebro entre os homens grandemente debilitados. Rochoux não admitte igualmente a constituição apoplec- tica, e, segundo elle, nenhum signal exterior apreciável existe que indique disposição á apoplexia; Rochoux apresenta em abono de sua opinião uma estatística em que figurão 69 apoplecticos, assim reparti- dos segundo os temperamentos que apresentavão : 25—temperamento sangüíneo; 16—temperamento lymphatico-sanguineo: 21 — san- guineo bilioso ; 7—bilioso. Em presença destes dados fornecidos pela observação, conclue Rochoux que as differenças dos números dos apo- plecticos, em cada temperamento, comparado com os outros, é insigni- ficante, e que, se no temperamento bilioso o numero dos apoplecticos é muito pequeno relativamente ao dos outros temperamentos, é porque os individuos deste temperamento são raros. Durand-Fardel, porém, pondera com razão que a estatística de Rochoux deve levar-nos a uma conclusão inteiramente contraria á que este autor tirou : com effeito, vê-se desde logo nesta estatística uma differença bastante notável entre os sangüíneos e os lymphaticos- sanguineos, e esta differença ainda torna-se mais saliente obser- vando-se que em Pariz, onde foi feita esta estatística, o tempera- mento sangüíneo puro é muito mais ra.ro que o temperamento lym- phatico-sanguineo, e por isso os individuos deste ultimo temperamento deverião dar maior contingente para a encephalorrhagia, o que não acontece. - 25 - A estatística de Durand-Fardel é uma prova que devemos apre- sentar, em favor da constituição apoplectica, como elemento etiologico da encephalorrhagia; na verdade, encontrou este autor em 69 indi- viduos que fôrâo accommettidos pela hemorrhagia cerebral 53 fortes, robustos e de boa saúde, e 16 somente magros e mais ou menos débeis. A vista destes dados estatísticos, acreditamos que, comquanto a hemorrhagia encephalica não seja apanágio somente dos homens plethorícos e de uma constituição muito robusta, todavia esta con- stituição e esse temperamento não são sem influencia na producção desta moléstia, e por isso Rochoux foi exagerado banindo da etiologia da encephalorrhagia o temperamento e a constituição apoplectica, sobre a qual Morgagni tanto insistio. Herança. —Van Helmont, Hoffmann, Fodéré e muitos outros já rèeonhècião que disposições á apoplexia erão transmittidas por herança. Rochoux considera esta opinião como verdadeira, e Gintrac também a aceita, ponderando, entretanto, que se trata antes de uma notoriedade do que de um facto positivamente demonstrado, visto como a pratica dos hospitaes, que têm quasi que só fornecido os materiaes da historia da hemorrhagia cerebral, é pouco favorável a este ponto particular de observação. Podendo o systema vascular apresentar uma disposição nata, transmissível por herança, como muitas outras disposições orgânicas, disposição está caracterisada pela maior friabilidade dos vasos, os quaes, sendo normalmente frágeis nos recém-nascidos (segundo Virchow), podem em certas condições permanecer assim durante toda a vida, não se pôde negar que a encephalorrhagia é uma rüolestia hereditária, visto como, quando esta fragilidade vascular congênita é observada, uma congestão insignificante é muitas vezes sufficiente para determinar a hemorrhagia. A theoria pathogenica da encephalorrhagia baseada na friabilidade insólita dos vasos, que é admittida como verdadeira pelos autores 49 4 - 26 —. allemães, embora negada por outros, explica facilmente, pois, o facto da reproducção, muitas vezes constante, da hemorrhagia cerebral em gerações successivas de uma mesma família. Hypertrophia do coração. — Até o começo deste século acre- ditava-se como um facto incontestável que a hypertrophia cardíaca fosse uma causa freqüente da hemorrhagia cerebral. Legallois foi o fundador desta doutrina etiologica, que elle creou por ter observado um caso desta moléstia complicado de hyper- trophia cardíaca, Aumont, Pariset, Bricheteau, Ménière, Bouillaud, Andral e Rokitanski aceitarão esta doutrina, acreditando que existia entre a hypertrophia do coração e a hemorrhagia cerebral uma relação de causa a effeito. As estatísticas, porém, em que se fundão estes autores para firmarem a sua opinião, são insuficientes e incompletas, visto como, além de serem em pequeno numero as observações da co-existencia das duas moléstias, ellas não nos fallão da relação que existe entre o numero de casos de hemorrhagia cerebral complicada de lesão cardiaca para o numero de casos simples, em que a primeira destas duas entidades mórbidas só figura. Em virtude desta omissão das estatísticas, uma questão surge naturalmente: haverá uma simples coincidência, ou uma relação de causa a effeito entre as duas moléstias ? Monneret, Rochoux, Grisolle, Hardy e Béhier, e muitos outros homens eminentes, acreditão em uma mera coincidência entre as duas moléstias. As estatísticas firmão com effeito esta ultima opinião: assim, na estatística de Rochoux, concernente a 26 individuos de idade média, de 70 annos, que soffrião de uma hypertrophia do coração, prova que esta moléstia é muito commum na velhice, e que, se ella algumas vezes coincide com a encephalorrhagia, é em conseqüência desta entidade mórbida se apresentar também commummente nesta época da vida, visto como, de todos os 26 indivíduos desta estatística, só — 27 — um morreu de amollecimento cerebral, todos os outros fallecêrão de moléstias inteiramente alheias ao cérebro, como pneumonias, pleurizes, etc. Em uma outra estatística deste eminente pratico nota-se que a hypertrophia cardiaca não se apresenta em grande numero de apoplecticos: assim, sobre 42 autópsias praticadas em individuos que havião sido victimas da encephalorrhagia, somente encontrou elle o estado aneurysmatico do coração três vezes. A vista destas duas estatísticas, forçoso seria concluir-se que a hy- pertrophia cardiaca não deve ser considerada como causa da encepha- lorrhagia, entretanto Andral não admitte esta conclusão, porquanto diz elle nào serem estas estatisticas a imagem da verdade, visto como, na época em que Rochoux observava, não estava ainda bem conhecida a hypertrophia cardiaca com estreitamento, e por isso é muito possível que este pratico não tivesse bem apreciado as lesões, e que se tivesse enganado. Admittindo mesmo a hypothese que o engano tivesse sido commettido por um tão eminente vulto, como era Rochoux, ainda assim não pôde ser admittida a theoria de Legallois, visto que (como pondera Lallemand), quando ha um estreitamento do orifício aortico acompanhado de hypertrophia cardiaca, a quan- tidade de sangue lançada pelo coração hypertrophiado sobre o cérebro é consideravelmente diminuída em conseqüência da stenose orica, e a onda sanguinea que chega a esse órgão, ainda que impellida por uma força maior, se acha muito reduzida de volume, de modo a destruir o effeito que a sua maior força de impulsão pudesse exercer so- bre o cérebro. E esta hypertrophia, pois, compensadora e providen- cial, e que, atenuando os effeitos desastrados que em virtude do estrei- tamento pudessem ter logar, conduz tudo ao estado normal mais ou menos. Verdade é que essa hypertrophia compensadora poderia exage- rar-se, e ir além dos limites necessários á compensação do estreitamen- to, mas ainda neste caso ella não poderia determinar a hemorrhagia cerebral, visto como então, do mesmo modo que na hypertrophia - 28 - simples, a onda sanguinea lançada energicamente pelo órgão cardíaco teria uma velocidade maior, mas a sua tensão conservar-se-hia a mesma, e por isso a ruptura vascular não se poderia dar. Além de todas estas razões, que destroem completamente a doutrina apregoada por Legallois, encontra-se ainda um argumento contra esta opinião no facto observado por Larcher da hypertrophia pas- sageira do coração que se faz durante a prenhez. Em virtude deste facto, as hemorrhagias cerebraes deverião ser muito communs nesta época, segundo a theoria acima, mas isso não se dá, por conseguinte, devemos concluir: que nem a prenhez deve ser considerada como causa da encephalorrhagia, como pretendia Ménière, nem esta molés- tia pôde ser produzida pela hypertrophia do órgão central da circu- lação. Em conclusão: não admittimos entre a hypertrophia cardiaca e a encephalorrhagia a relação de causa a effeito, muito embora a coexis- tência fosse muitas vezes notada entre estas duas moléstias. Moléstias dyscrasicas.—Quando a crase sanguinea acha-se alte- rada por alguma destas moléstias, que modificão ou alterão o sangue em suas propriedades quantitativa e qualitativa, como acontece no escorbuto, chlorose, anemia, typho, albuminuria, hemophylia, febre typhoide, ictericia grave e outras, os differentes tecidos da economia, nutridos mal e insuficientemente por este sangue alterado, resen- tem-se, e na sua textura intima alterações se dão. Os vasos, apresentando uma constituição anatômica muito favorá- vel ás alterações (a sua túnica interna não recebendo o sangue neces- sário para a sua nutrição, visto como os vasa-vasorum não a alcanção), são desde logo alterados, em virtude da dyscrasia sanguinea; dahi a sua ruptura, dando logar ás differentes hemorrhagias, que não é raro se effectuarem no cérebro. Freqüentemente se observa concumitantemente com estas moléstias, que alterão a crase do sangue, a transudação de um liquido colorido — 29 — em vermelho pela matéria corante do sangue; esta transudação con- stitue uma pseudo-hemorrhagia, visto como os glóbulos sangüíneos ahi não existem. Estas pseudo-hemorrhagias não se devem confundir com as hemorrhagias verdadeiras, que só se dão mais tarde após a ruptura dos vasos, condição sem a qual não pôde haver hemorrhagia. Não aceitamos, pois, a theoria da diapedese, resuscitadapor Cohnheini e admittida por Stricker, Kõlliker e muitos outros, visto como as dis- posições anatômicas das paredes dos vasos não podem permittir a sahida dos glóbulos sangüíneos, e os pretendidos stomatas, que fôrão admittidos pelos autores dessa theoria, não existem na realidade : a passagem, pois, dos glóbulos, quer brancos, quer vermelhos, sem rup- tura do vaso, é absolutamente impossível, como provarão Cornil, e Ranvier, Kaloman Balogb, Bouchard e outros. E, pois, absolutamente necessário que as moléstias dyscrasicas alterem a constituição anatômica dos vasos, enfraqueção as suas paredes a ponto de não poderem estas mais resistir á tensão da onda sanguinea, e rompão-se, para que uma legitima hemorrhagia cerebral se dê. Causas predisponentes hygienicas.—Entre estas causas da ence- phalorrhagia representa um papel de grande importância o alcoolismo chronico. Com effeito, o abuso das bebidas alcoólicas, produzindo durante a embriaguez a superactividade das funcções da economia, é claro que, desde que este abuso for repetido freqüentemente, a su- peractividade funccional de todos os órgãos será posta em jogo de uma maneira continuada, e a fadiga e o esgoto das forças do orga- nismo será a conseqüência deste trabalho excessivo. A decadência de toda a economia começa desde então a manifestar-se; a degradação dos tecidos, que perdem a sua vitalidade própria, tem então logar, e as alterações atheromatosas e steatosas invadem differentes partes do organismo. Estas differentes modificações produzidas pelo al- coolismo chronico na economia, apresentando uma perfeita analogia - 30 — com as da velhice, pode-se dizer que o alcoolismo traz a velhice pre- matura, e por isso todas as moléstias peculiares da senilidade; ora, representando a hemorrhagia cerebral uma das principaes moléstias desta idade, é forçoso que concluamos que o alcoolismo chronico é uma causa da encephalorrhagia. Não se pôde pôr em duvida, com effeito, que uma identidade per- feita exista entra as lesões anatômicas produzidas pelo alcoolismo chronico e aquellas que são o effeito da senilidade, as analyses ne- croscopicas demonstrão que esta identidade existe não só debaixo do ponto de vista da natureza destas lezões, como da sede que ellas occupão no organismo. Na verdade, ambos estes estados produzem lesões de natureza steatosa ou atheromatosa, e sob o ponto de vista topographico occupão ellas em geral o systema aortico. Além destas alterações que occupão este systema, as autópsias ainda demonstrão que, assim como a velhice produz a atrophia do cérebro, denominada senil, o alcoolismo chronico produz igualmente a atrophia deste órgão. Debaixo do ponto de vista das lesões produzidas pela velhice e pelo alcoolismo chronico, póde-se dizer que este vicio produz a senilidade prematura, acompanhada do cortejo mórbido próprio dessa derradeira phase da vida. Incontestavelmente é á decadência prematura da economia, produzida pelo abuso reiterado do álcool, que devemos attribuir as alterações que se encontrão nos vasos e nos outros tecidos, e jamais á acção chimica exercida pelo álcool sobre esses tecidos; na verdade, se não fosse isto exacto, as alterações não deverião ter por sede o systema aortico por onde o álcool vai transitar depois de se ter na sua maior parte evaporado pela via pulmonar, mas a artéria pulmonar, onde em primeiro logar o álcool actua; ora, como vimos, a sede predilecta das alterações é o systema aortico; logo essa acção chimica, se bem que possa ter algum effeito sobre a producção das lesões, não deve representar, debaixo deste ponto de vista, senão um papel de muito pouca importância. -31 E, em resumo, o alcoolismo, quando actua de um modo reiterado e prolongado (porém insufficitnte para produzir a hemorrhagia cerebral), uma causa predisponente da encephalorrhagia, que pôde muitas vezes determinar a ruptura dos vasos do cérebro, quando estes ou o tecido perivascular se acharem alterados pelo próprio alcoolismo, ou por uma outra moléstia qualquer. Nicotismo chronico.— [Intoxicaçãopelo tabaco). O abuso do tabaco é ainda considerado por muitos autores como uma causa da hemor- rhagia cerebral. O abuso deste agente tóxico traz com effeito, segundo Hurteaux e Richardson, uma diminuição de fibrina e uma alteração das hematias, de maneira a apresentar o sangue dos individuos, que commettem este abuso, uma diffluencia considerável e alteração da sua crase. Em virtude desta dyscrasia, a nutrição geral do individuo soffre, e as congestões se fazendo para o cérebro e para os differentes órgãos da economia, as hemorrhagias são muitas vezes a conseqüência. Estações. — Geralmente os autores, que desde Hippocrates se têm occupado das causas da encephalorrhagia, têm considerado, como o pai da medicina, a estação fria e humida como favorecendo grandemente a producção desta moléstia. Moulin, entretanto, no seu tratado sobre a apoplexia, nega que o inverno humido seja uma causa produc- tora da apoplexia, e acredita que os paizes quentes exercem uma influencia muito mais pronunciada sobre a apparição desta entidade mórbida. As estatísticas attinentes a esta questão, que fôrão apresentadas por Durand-Fardel, Rochoux, Andral, Gintrac e outros, dão um maior numero de victimas desta moléstia na estação mais fria do anno. Estas observações, se bem que sejão contrarias á asserção de Moulin, todavia não servem de base solida á opinião contraria, visto como, em primeiro logar, as differenças que se notão nestas esta- tísticas, no numero de óbitos das differentes estações, são insignifi- cantes ; em segundo logar, á vista da deficiência de conhecimentos - 32 — precisos sobre a influencia, tanto das estações, como dos climas, da temperatura e de todas as condições meteorológicas na producção de certas entidades mórbidas, não nos permitte emittir um juizo seguro sobre esta questão litigiosa. Ainda considerão os autores entre as causas predisponentes hygienicas desta moléstia a residência em certos logares elevados. É assim que no México parece serem muito communs as ence- phalorrhagias, pois Jourdanet, eminente clinico deste paiz, assim se exprime: « A hemorrhagia cerebral é infelizmente freqüente no México. Passeiando pelas ruas da cidade, ficareis aterrados da quantidade de pessoas paralyticas, que ao acaso passão por vós. » Outras causas mais ha, que exercem a sua acção hemorrhagipara, quer alterando gradual e paulatinamente o tecido vascular ou peri- vascular encephalico, e concorrendo assim para a producção da hemorrhagia neste órgão, quer augmentando o fluxo sangüíneo para o cérebro, e ahi determinando simples congestões, que mais tarde darão logar a hemorrhagias legitimas, ou desde logo uma hemor- rhagia já antes preparada pelas causas premonitoras conhecidas ; no primeiro caso, devem figurar a quietação, a ociosidade, a vida sedentária, os soffrimentos moraes, as paixões tristes e deprimentes e algumas outras; no segundo, a ingestão de uma alimentação copiosa e demasiadamente rica em princípios nutritivos, o estudo prolongado após a alimentação, e algumas outras mais. § 2.° Causas occasionaes. — Dadas as condições pathogenicas que estudámos, todos os accídentes, embora ligeiros, que em outras condições serião inefficazes para produzirem a hemorrhagia cerebral, podem determinar esta moléstia, quer por trazerem um embaraço á depleção venosa, quer por determinarem um affluxo sanguineo mais ou menos considerável para o cérebro. Entre estas causas, que são numerosas, nota-se: a constricção do pescoço, a posição declive da - 33 — cabeça, o riso prolongado, o coito durante o trabalho digestivo ou praticado por homens velhos, o terror, o medo, a cólera, as vivas emoções, a perturbação digestiva occasionada por um banho, a acção do frio intenso e súbito, a diminuição da pressão atmospherica, e muitas outras citadas pelos autores. CAPITULO III. Anatomia pathologica Para maior clareza na exposição das lesões anatomo-pathologicas encontradas nos cadáveres dos indivíduos victimados pela encepha- lorrhagia, dividiremos o estudo desta parte importante da historia desta moléstia em duas partes distinctas: na primeira nos occupa- remos das lesões constantes determinadas pela irrupção sanguinea na massa cerebral, mostrando não só as differentes mudanças por que passa o foco e o seu conteúdo durante a sua evolução, como as alterações por que passão as fibras nervosas que fôrão divididas pela irrupção do sangue, na segunda mencionaremos apenas algumas das lesões que freqüentemente coincidem com esta moléstia, e que por faltarem em um grande numero de casos denominaremos—lesões inconstantes. Lesões constantes.—As numerosas analyses necroscopicas, pra- ticadas nas victimas da hemorrhagia cerebral, têm descoberto, quer nas profundezas, quer na superfície da massa encephalica, cavidades, cuja fôrma, extensão e sede muito varião. Estas cavidades, que são formadas ou pela dilaceração do tecido cerebral ou pelo recalcamento e desvio das partes constituintes deste tecido, constituem o que se chama foco hemorrhagico. Em todos os pontos do cérebro póde-se encontrar esta alteração 49 5 — 34 — post-hcmorrhagica,m&s é sobretudo nos corpos estriados, nas camadas ópticas e nos lobulos médios, onde se observa mais freqüentemente a extravasação sanguinea, donde se deve concluir, com Gendrin, que as hemorrhagias cerebraes têm ordinariamente por ponto de partida as divisões da artéria cerebral média, ou da artéria cerebral pos- terior. É ordinariamente na substancia branca de qualquer dos dous hemispheríos que se encontrão os focos engendrados pela irrupção do sangue. O numero deites focos varia consideravelmente: geralmente o foco é único, mas podem ser encontrados em numero considerável, como Lenormand observou em um caso, em que notou 40 focos disse- minados pelo cérebro. Debaixo do ponto de vista da extensão, os focos podem apresen- tar differenças notáveis: com effeito, algumas vezes essas cavidades apresentão apenas o tamanho de uma pequena noz ou de uma lenti- lha, outras a sua extensão é maior, e pôde mesmo ser bastante consi- derável a ponto de occupar toda a extensão de um hemispherio, que neste caso fica substituído por uma massa de sangue coagulado, onde apenas se observa alguns restos da enorme quantidade da sub- stancia cerebral que foi destruida. A fôrma de que revestem-se os focos, varia igualmente : algumas vezes, em conseqüência da violência do sangue, que do vaso rompido escapa-se, o tecido cerebral é dilacerado de um modo irregular, o sangue infiltra-se pelns partes circumvizinhas, ao ponto que foi em primeiro logar lesado, de maneira a apresentar o foco hemorrhagico prolongamentos em todos os sentidos, que lhe dão uma fôrma muito irregular ; outras vezes, porém, o derramamento sanguineo é menos violento, de modo a deixar que o foco senguineo apresente uma configuração mais ou menos regular, que ordinariamente é arredon- dada ou oval. Os focos hemorrhagicos em certos casos ficão circumscriptos no seio da polpa nervosa, outras vezes, porém, elles rompem as suas paredes — 35 - limitantes, e derramão o seu conteúdo, quer no interior dos ven- triculos, o que é muito freqüente, quer na superfície cerebral, o que é muito mais raro. Quando o foco é volumoso, o hemispherio, que o encerra, mostra-se saliente, apresenta a sua superfície lisa como o mármore, as circum- voluções achatadas, as meningeas, a arachnoide e a pia-mater se mostrão então sêocas e ligeiramente glutinosas; algumas vezes a dura mater acha-se tensa e espessa. Os próprios vasos se apresentão então desprovidos de sangue, e quando a polpa do cérebro é, em virtude das grandes dimensões do foco, muito distendida, a ausência do liquido cephalo-rachidiano, ao menos na convexidade do cérebro, é freqüentemente observada. Quando se faz actuar um filete de água, sobre um foco hemorrha- gico, observa-se nas paredes, que circumscrevem o coagulo sangüíneo, uma superfície de cor vermelha escura, anfractuosa, muito irregular e desigual, como tomentosa, ao mesmo tempo sobre água contida no interior do foco observa-se: filamentos, cuja côr varia desde o branco brilhante até ao vermelho escuro, e que se separão pela acção do filete de água das paredes do foco, sem todavia se destacarem destas pa- redes. Estes filamentos que são constituídos pela união das fibras ner- vosas em feixes isolados, são tanto mais abundantes e de um compri- mento tanto maior, quanto mais se approximão do ponto original da hemorrhagia. O sangue contido no interior dos focos hemorrhagicos apresenta-se quasi sempre coagulado. Este coagulo, que se conserva molle em geral durante três a cinco ou seis dias, é homogêneo, e apresenta uma côr escura análoga á dos coágulos do coração. O seu peso varia de 4 a 250 grammas; ordinariamente, porém, o sangue derramado pesa de 16 a 64 grammas. Quando a hemorrhagia não é extensa, o coagulo, que se apresenta moldado ás paredes do foco, pôde ser único; entretanto quando o derramamento é considerável, os coagu los, embora conservando a sua homogeneidade, são em geral múltiplos. — 30 — Estes coágulos, em regra geral, se achão misturados com a substancia nervosa cerebral, que foi dilacerada pela irrupção sanguinea, e apresentão em conseqüência desta mistura um aspecto marmóreo. Ainda que a coagulabilidade do sangue derramado no interior dos focos seja muito prompta em regra geral, visto como póde-se encontrar coágulos já formados após a hemorrhagia cerebral fulminante, todavia o sangue pode conservar-se liquido, nos focos hemorrhagicos durante um espaço de tempo maior de seis dias, e mesmo este espaço pôde ir além do trigesimo dia, como observou Durand Fardei, ou do octogesimo, como no caso observado por Bristowe. Além destas alterações que se notão no foco propriamente dito e no seu conteúdo, os exames anatomo-pathologicos demonstrão que o tecido cerebral circumvizinho ao foco também se modifica : com effeito, o tecido cerebral perifocal apresenta uma diminuição de consistência notável, e uma côr vermelha mais ou menos pronunciada na extensão de alguns millimetros ; mas á medida que se afasta do foco hemorrha- gico, esse tecido vai apresentando uma maior dureza até que a sua consistência chega a ser igual á que apresenta o cérebro no estado normal. Nos limites em que cessa esta zona de amollecimento do cérebro, observa-se algumas vezes o tecido deste órgão rarefeito, apresentando-se sob um aspecto areolar, semelhante a um tecido que uma modificação intersticial tivesse privado da sua compacidade normal; esta parte do tecido cerebral assim modificada é semeada de pequenos vasos injectados, e apresenta ordinariamente uma côr branca ou ligeiramente rosada. Taes são as alterações anatomo-pathologicas que geralmente se notão, quando a abundância do sangue derramado não permitte a vida ordinariamente além de três ou quatro dias. A vida, porém, prolongando-se além deste tempo, modificações importantes se passão no foco, e no tecido circumvizinho. Ordinariamente no sexto dia da moléstia começa o trabalho de absorpção do conteúdo do foco, e a reparação do tecido segue de — 37 — perto este trabalho, cujo máximo de actividade corresponde quasi sempre do décimo ao duodecimo dia. O coagulo sangüíneo começa então a se condensar, a retrahir-se, e a isolar-se das paredes do foco, das quaes liquido seroso transsuda, e á medida que o sangue extra- vasado é absorvido, as paredes do foco se vão retrahindo. Antes que o sangue derramado desappareça completamente, pôde decorrer um tempo muito longo, e o desapparecimento completo do extravasato sangüíneo, que se opera assim depois de vários mezes, constitue o facto que ordinariamente se dá; mas nem sempre isto acontece, e o sangue pôde ficar indefinidamente em natureza no inte- rior de um foco hemorrhagico. Em conseqüência da contusão das paredes da cavidade, pela extra- vasação violenta do sangue, a necrobiose invade o tecido destas pa- redes, e estende-se a uma distancia mais ou menos grande pela massa nervosa adjacente ao foco; em conseqüência disto, toda essa porção de tecido cerebral, em que a vida extinguio-se, mistura-se com o sangue extravasado, e fôrma uma espécie de papa, que a principio apresenta uma côr negra, e mais tarde adquire a côr amarella do açafrão. As analyses feitas nesta substancia demonstrão uma grande quantidade de matéria graxa, leucocytos mais ou menos alterados, crystaes de hematoidina, pigmento proveniente dos glóbulos vermelhos, etc. Emquanto se opera este trabalho regressivo afim de separar o morto do vivo, e tornar as paredes do foco lisas e polidas (o que acontece geralmente do trigesimo ao quadragesimo dia), sobre as paredes do foco um processo neoplastico se passa: com effeito, então, sobre estas paredes começa a formação de uma membrana cellulo- serosa, que é quasi sempre incolora algumas vezes, porém, amarellada, e que é muito tênue, lisa, vascular, e secreta um liquido de natureza serosa; esta membrana que resulta de uma inflammação reparadora, só muito excepcionalmente deixa de se formar, mas a sua ausência tem sido verificada em alguns casos, como observarão Andral e Durand-Fardel. — 38 — A medida que marcha assim o processo reparador da lesão determi- nada pelo ictus hemorrhagico, a cavidade do foco vai se estreitando de mais a mais na proporção em que se faz a reabsorpção do sangue derramado. Esta reabsorpção pôde ser completa ou incompleta: no primeiro caso, a cicatrização do tecido lesado se dará, e as cicatrizes resultantes, denominadas hemorrhagicas ou apoplecticas, são de uma natureza fibro-cellulosa, duras, mais ou menos alongadas, e algumas vezes radiadas; no segundo caso, em que a juxtaposição completa das paredes do foco não se dá, tem logar a formação de um kysto, quasi sempre unilocular, ao principio cheio de uma serosidade turva, que mais tarde torna-se limpida. Estes kystos hemorrhagicos ou apoplecticos, ordinariamente apresentão uma cavidade não muito extensa; algumas vezes divididos por filamentos delgados e colo- ridos pelo pigmento, são quasi sempre cercados por uma areola endurecida, que occupa o tecido cerebral circumvizinho ; esta areola, porém, nem sempre se apresenta, visto como algumas vezes o tecido cerebral circumvizinho á cavidade do kysto acha-se amollecido, em conseqüência de ter-se estendido além dos seus limites o processo irritativo formador da membrana kystica. Tal é o processo de reparação que se observa, quando qualquer circumstancia não vem impedir a marcha que ordinariamente segue a evolução dos focos hemorrhagicos na sua cicatrização. A reparação do foco hemorrhagico é com effeito algumas vezes retardada, desviada ou impossibilitada, quer por circumstancias geraes da economia, como a má constituição do individuo, a debili- dade geral do organismo, e os vicios diathesicos que perturbão e vicião a nutrição dos differentes tecidos, quer por circumstancias locaes, como a infiltração sanguinea em uma grande extensão, pro- duzindo uma grande zona de amollecimento, impedindo em virtude disso a cicatrização; o revestimento completo de toda a parede do foco por um coagulo fibrinoso, impedindo a separação da parte inu- tilisadapela necrobiose, e a formação de uma membrana reparadora ; — 39 — e as h}fdropisias que algumas vezes têm logar no interior dos kystos serosos, que annullão a reparação já effectuada, recalcando o tecido cerebral excentricamente. Quando a hemorrhagia que se faz no cérebro é muito pequena e incapaz de produzir a ruptura das fibras nervosas, que são somente desviadas sem experimentarem nenhuma solução de continuidade, os elementos nervosos podem readquirir mais tarde o seu funccio- nalismo physiologico; desde, porém, que o despedaçamento das fibras nervosas, embora muito limitado, se der, ainda que o processo re- parador seja completo, jamais os feixes nervosos despedaçados poderáõ recuperar a sua integridade primeira e ipso facto as suas funcções ficaráõ aniquiladas para sempre. E em virtude deste aniquilamento funccional, que os elementos nervosos, que fôrão divididos, perderáõ pouco a pouco a sua estructura normal, e irão progressivamente se atrophiando. Os estudos necroscopicos demonstrão com effeito que ordinaria- mente no fim do segundo septenario, a partir do principio da molés- tia, as alterações dos elementos nervosos começão a effectuar-se ; a degenerescencia granulo-graxa invade desde então os tubos nervo- sos, onde a proliferação do tecido conjunctivo da nevroglia começa também a se fazer, de maneira a produzir paulatinamente a esclero- se e a atrophia destes elementos. Começando no ponto do cérebro em que se operou a hemorrhagia, a degenerescencia gordurosa invade successivamente as partes infracollocadas ao foco hemorrhagico; as- sim, o pedunculo cerebral, o prolongamento da pyramide anterior, a pyramide do mesmo lado, e o cordão leteral da medulla do lado opposto á lesão cerebral serão alteradas pela steatose e se atrophia- ráõ consecutivamente. Como vimos, são os corpos estriados a sede predilecta das hemor- rhagias, e por isso ordinariamente a degenerescencia granulo-graxa e a atrophia consecutiva das fibras nervosas occupão uma parte do pedunculo (os feixes pedunculares internos, ou os medianos, ou os - -40 — externos, conforme a lesão dos corpos estriados occupar a parte ante- rior, media ou posterior), dahi estender-se-ha a alteração á pyrami- de anterior do mesmo lado, á metade posterior do cordão lateral da medulla do lado opposto, e á parte interna do cordão anterior medullar do mesmo lado da lesão cerebral, visto como o entre-cruza- mento das pyramides é incompleto. Segundo o professor Jaccoud além destas alterações que se limi- tão aos tubos nervosos que fôrão divididos pela irrupção sanguinea, pôde também o cérebro soffrer após uma hemorrhagia uma atrophia geral que se faz de um modo lento e progressivo, que se patentêa claramente durante a vida pela crescente decadência das faculdades intellectuaes, e que se acompanha de um augmento do liquido cepha- lo-rachidiano. Lesões inconstantes.—Além destas lesões anatomo-pathologi- cas, que se encontrão nos differentes períodos da encephalorrhagia, outras ha que soe acompanhar esta moléstia, sem que a sua presença seja constante e necessária Para o lado do cérebro encontrão-se muitas vezes ossificações das artérias, sobretudo da base e naquellas que penetrão nos corpos opto- estriados ; além disso não é raro encontrar-se sobretudo a túnica mé- dia dos vasos cephalicos com os seus elementos transformados em matéria graxa, o que contribue grandemente, como vimos na patho- genia, para o enfraquecimento e ruptura das paredes vasculares. Muito freqüentemente nota-se também a dilatação dos capillares ce- phalicos formando o aneurysma miliar; estes aneurysmas estudados por Charcot e Bouchard apresentão-se sob uma fôrma globulosa, e uma côr vermelha rutilante ou escura, e têm de dimensão de dous décimos de millimetro a um millimetro. Alguns micrographos que os têm estudado considerão a sua presença nos casos da apoplexia san- guinea como constante, e por isso dão-lhe o papel de únicos agen- tes pathogenicos da encephalorrhagia. É esta, porém, uma opinião - 41 - exagerada, como demonstrámos. Coincidindo freqüentemente com os aneurysmas miliares, encontia-se as dilatações aneurysmaticas das grossas artérias da base do cérebro. Além destas alterações vasculares encontra-se não raramente a dura-mater espessada e ossificada, e muitas vezes adherente á super- fície interna dos ossos do craneo, e tumores de differentes nature- sas occupando uma maior ou menor extensão da massa cerebral. Outras lesões, que têm sua sede fora do craneo têm sido obser- vadas nos cadáveres dos individuos victimas da encephalorrhagia: assim, a hypertrophia do coração, quer simples, quer acompanhada das lesões oricas ou valvulares ; o engorgitamento pulmonar, o hydro- thorax e outras lesões pulmonares. Além destas lesões que se notão nos órgãos da cavidade thoraxica, outras se apresentão algumas vezes para o lado dos membros : assim nas articulações dos membros do lado hemiplegico, sobretudo do membro superior, o exame necros- copico mostra algumas vezes as synoviaes muito injectadas, e mes- mo em certos casos assás espessadas, e contendo uma grande quan- tidade de synovia misturada algumas vezes com pús. Na raiz do membro inferior, occupando a região glutea na maior parte de sua extensão, não é raro observar-se uma eschara, que muitas vezes é a causa determinante da morte dos apoplecticos. A evolução desta es- chara é um phenomeno curioso que ultim amente o professor Charcot tem estudado, e por isso nos occuparemos departidamente das diffe- rentes phases por que passa esta lesão, que soe acompanhar a hemi- plegia, no capitulo da symptomatologia. Taes são as lesões anatomo-pathologicas que mais commummente acompanhão a hemato-encephalia, sem que todavia a presença de qualquer uma dellas seja constante nesta moléstia; contentamo-nos de somente menciona-las aqui, visto como tratamos minuciosamente de cada uma em particular, em outra parte deste trabalho, no qual nos esforçamos por evitar o mais possível a esterilidade das repe- tições. 49 6 — 42 — CAPITULO IV. Symptomas. Os symptomas da hemorrhagia cerebral dividem-se em symptomas precursores, e symptomas próprios do ataque. Symptomas precursores. — A encephalorrhagia é de todas as moléstias do cérebro uma em que a phase prodromica deixa mais geralmente de se apresentar : Rostan declara que só excepcional- mente os symptomas precursores desta moléstia se apresentão; Grisolle que só em um décimo dos individuos feridos pela hemorrhagia do cérebro se os observa; Rochoux observou-os somente cinco vezes em 63 doentes, cuja historia foi por elle minuciosamente colhida; Durand-Fardel avaliando por um grande numero de observações que analysou, o gráo de freqüência destes symptomas, conclue que a phase prodromica se apresenta somente na quinta parte dos casos. Quando a phase prodromica se apresenta, phenomenos são obser- vados affectando ora a sensibilidade, ora a intelligencia ou a myotilidade, e finalmente a circulação. Alguns destes symptomas prodromicos precedem o ataque, umas vezes, apenas alguns momentos, outras, porém, essa phase precursora tem uma duração mais longa, podendo então os prodromos do ataque apopletico ter uma duração que varia de alguns dias a muitos mezes. Estes symptomas são representados pela cephalalgia, algumas vezes limitada a um só ponto, outras, porém, a cephalalgia que ator- menta o doente é geral; o entorpecimento, a, caimbra, os formiga- mentos nos membros, nos quaes ás vezes ha, uma fraqueza que inhibe ao indivíduo conservar-se de pé; zunidos nos ouvidos, — 43 — vertigens, perturbações para o lado da visão, taes como a diplopia, moscas volantes, etc.; a depressão das faculdades intellectuaes, que tornão-se preguiçosas; a lentidão e a confusão das idéas; falta de aptidão para o trabalho ; uma'tendencia invencível ao somno, que pôde ser agitado e algumas vezes estertoroso. Casos ha em que os symp- tomas precursores precedentemente enumerados não se apresentão, e o ataque apoplectico é apenas denunciado ou p^r uma paresia da língua, que difficulta a pronunciação de algumas syllabas em que entrão certas consoantes, que necessitão dos movimentos livres deste órgão, ou por uma amnésia fugaz que se limita apenas ao esqueci- mento momentâneo de um termo ou de alguma palavra necessária á enunciação do pensamento. Não é raro observar-se ainda na phase prodromica desordens circulatórias constituídas pela injecção dos olhos, rubor pronunciado da face, bateduras violentas das artérias temporaes, tumefacção das jugulares e amplidão do pulso. É de grande importância attender-se á energia, á violência e á maneira súbita com que os phenomenos próprios á phase que precede o ataque se apresentão, visto como indicão elles muitas vezes uma hemorrhagia cerebral perfeitamente realizada, e que a analyse necro- psica mais tarde em alguns casos tem demonstrado. Em virtude da observação destes factos, cumpre que o medico tenha muito em vista o modo pelo qual os phenomenos, que geralmente caracterisão a phase precursora da apoplexia, se mostrão, para que não commetta no seu diagnostico um erro que pôde ser muito prejudicial ao doente e á sua reputação. Estes phenomenos prodromicos, que succintamente expuzemos, erão attribuidos pelo celebre Rochoux a um amollecimento preparatório do cérebro, amollecimento que segundo este autor precedia, por um espaço de tempo mais ou menos longo, ao apparecimento da hemorrhagia ce- bral, e que foi por elle denominado amollecimento hemorrhagiparo; outros explicarão estes phenomenos por uma congestão, que se daria antes de effectuar-se a hemorrhagia; Niemeyer attribuio-os a uma — u — anemia cerebral, produzida pela atheromasia arterial; Béhier e Hardy acreditavão que a apparição dos prodromos era uma conseqüência da ruptura de aneurysmas miliares na bainha lymphatica de Robin. Seja qual for a explicação dada ao apparecimento dos prodromos, o que é verdade é que a importância destes symptomas é muito secundaria, porque, além de serem extremamente inconstantes e muito falliveis, são communs a outras moléstias do cérebro, de modo a fazerem falhar freqüentemente o diagnostico que sobre elles se basear. Symptomas próprios do ataque. — A observação clinica ha demonstrado que na grande maioria dos casos estes symptomas são caracterisados a principio pelos phenomenos próprios á apoplexia, e mais tarde pela paralysia que sobrevém: dahi a fôrma commum da hemorrhagia cerebral apresentando duas phases bem distinctas—a phase apoplectica e a phase paralytica. Tomando para tjpo da nossa descripção symptomatologica a fôrma apoplectica-paralytica, muito embora outras fôrmas possa revestir a encephalorrhagia, como veremos, tivemos em vista a exposição desde já de todos os phenomenos mórbidos que se podem encontrar nesta moléstia, e julgamos que procedendo assim a descripção que poste- riormente faremos das outras fôrmas da encephallorrhagia, será não só mais fácil como mais clara. Forma apoplectica e paralytica.— Phase apoplectica: Posto que em alguns casos o cortejo dos symptomas precedentes se apresente annunciando o ataque apoplectico, o começo deste é em geral brusco e instantâneo: o indivíduo é então fulminado no gozo da saúde a mais florescente, no meio das suas oecupações ordinárias, cahe como uma massa inerte, perdendo o conhecimento de si e do mundo exterior, em conseqüência do aniquilamento súbito das func- ções do cérebro que a irrupção sanguinea, por um violento abalo geral, determinou. - 45 — A face mostra-se desde logo pallida, e a inércia dos músculos das bochechas, privados de resistência, determina a distensão passiva desta parte da face á cada expiração do paciente, e o seu abatimento suc- cessivo logo após á sahida do ar expirado; é este o phenomeno conhecido sob o nome de cachimbar, e que é assás freqüente neste período da moléstia. As palpebras podem se apresentar entreabertas algumas vezes, outras, porém, ellas achão-se completamente fechadas, e neste caso não é raro observar-se uma mais do que a outra. As pu- pillas, si bem que, quando a lesão occupa os tuberculos quadrigeminos, os corpos ajoelhados ou o chiasma se apresentem immoveis e inexci- taveis, a sua excitabilidade e os seus movimentos automáticos e reflexos sào quasi sempre conservados. O pulso no começo do ataque é geralmento lento e fraco, raramente é cheio, forte, amplo e regular; segundo Serres, elle é vivo e duro nos casos em que se tem de dar a ruptura do encephalo, após a qual torna-se pequeno e concentrado. Frank observou que geralmente do lado no qual se tem de dar a paralysia o-pulso é mais amplo e mais duro do que do lado opposto. Freqüentemente as temporaes e as carótidas pulsão com violência, porém nem sempre isto se dá. O thermometro mostra que no começo do ataque a calorificação augmenta-se, e que um pouco mais tarde ella diminue conservando-se então durante alguns dias entre 37°,5 e 38°, desde que nenhuma complicação se apresente; no caso contrario porém a columna thermometrica se eleva rapidamente a 39,° ou mesmo attinge algumas vezas 41° ou 42,° e então as esperanças do medico sobre o seu doente devem ser perdidas, pois que a morte não se fará esperar (Charcot). A respiração, em conseqüência da passagem do ar através das mucosidades bronchichas, é estertorosa, e dá um ruido de gargarejo; quando o estado apoplectico prolonga-se, ella se embaraça de mais a mais, de modo que á estase e ao engorgitamento bronchico, ajunta-se a inspiração curta e superficial que, tornando a hematose insufficiente, determina a apparição dos phenomenos asphy- xicos, que se denuncião desde logo pela pallidez crescente da face. - 46 — Para esta asphyxia concorre algumas vezes a paralysia precoce que se nota algumas vezes em um dos lados da caixa thoraxica; este pheno- meno, para o qual Serres chama a nossa attenção, e que se apresenta antes da phase paralytica da moléstia manifestar-se, consiste em uma dilatação desigual do thorax : de um lado o thorax se distende bem, os arcos costaes se levantão a cada inspiração, do outro elle se apre- senta inerte, quasi immovel, de maneira que os arcos costaes se apre- sentão deprimidos e abaixados; por isso o contraste, que se nota nos movimentos de cada uma das metades da caixa thoraxica, é bastante saliente para ferir immediatamenteos olhos do observador. Algumas vezes se tem observado um symptoma bastante curioso, nesta phase da encephalorrhagia, que é representado pela rotação da cabeça para o lado opposto á paralysia, e o desvio dos olhos que acompanha esse movimento. Em conseqüência desta rotação, o doente que se acha em decubitus dorsal, em vez de ter a cabeça apoiada sobre o occiput, passa a tê-la sobre um dos lados da face, conforme o hemis- pherio em que a lesão tem sua sede. A esta rotação da cabeça sobre o seu eixo ajunta-se um desvio dos dous globos oculares para o mesmo lado, isto é, para o lado opposto á paralysia, desvio que foi denominado por Prévost desvio conjugado ou synergico dos olhos, e que as vezes é bastante pronunciado, para que as iris attinjão os ân- gulos das comissuras palpebraes. Prévost observou que este symptoma é tanto mais freqüente quanto a lesão mais se approxima dos corpos estriados, das camadas ópticas, ou dos penduculos cerebraes, não dei- xando todavia de apresentar-se, ainda que excepcionalmente, quando a lesão tem a sua sede na superfície dos hemispherios ou mesmo nas me- ningeas cerebraes. Acredita este autor que nestes dous últimos casos, quando o desvio conjugado dos olhos se observa, assim como a rotação da cabeça, a lesão que tem a sua sede na superfície do hemispherio produz uma excitação á distancia que vai perturbar o funccionalismo normal das camadas ópticas ou das outras partes, onde habitual- mente as lesões determinão a apparição do symptoma em questão, — 47 — porquanto as experiências de Brown-Sequard e Schiff demonstrão que nem sempre a sede da lesão anatômica coincide com a das lesões funccionaes, e que as alterações destas p odem ser apenas uma conse- qüência da irritação á distancia produzida pela lesão anatômica. Obser- vou mais o mesmo autor que algumas vezes a rotação da cabeça e o desvio synergico dos olhos se operava para o lado opposto á lesão encephalica, e que assim acontecia quando a lesão tinha a sua sede no isthmo encephalico. Estes factos que o empirismo das observações demonstrão, ainda não puderão ser explicados satisfactoriamenta, como veremos. O gráo de freqüência deste symptoma na hemorrhagia cerebral tem sido objecto de divergências entre os autores : o professor Charcot acredita que elle existe, de um modo mais ou menos saliente, todas as vezes qüe ha ataque apoplectico. Ainda que quasi sempre seja este symptoma passageiro, ou permaneça somente durante a phase apoplectica, to- davia pôde elle permanecer mezes ou mesmo annos após a cura com- pleta da moléstia que lhe deu origem. A existência deste symptoma na phasse apoplectica é sem duvida de grande importância, porque por elle pôde o medico predizer o lado em que se deve dar a paralysia, e por isso não deve ser desprezado pelo pratico que pretender fazer o diagnostico topographico da lesão do cérebro antes de dissipado o período da apoplexia. É nesta phase ainda que se observa a impossibilidade da deglutição voluntária, si bem que a excitação da mucosa pharingeana de- monstre (quando o bulbo ou as partes mais próximas deste ponto não se achão compromettidos) que os movimentos reflexos do pharinge se conservão. Os músculos apresentão-se em resolução geral e completa e o doente jaz em seu leito em um completo estado de abandono, como se fora um corpo inerte. A resolução é sobretudo notável nos membros, e á pri- meira vista parece ser igual de ambos os lados a inércia que os affecta; entretanto se o observador levantar ambos os membros abdominaes — 48 - do leito, e de uma certa altura deixa-los cahir, um, que é o que pertence ao lado paralysado, cahirá como uma massa inerte, em que as leis da gravidade só actuão, entretanto que o outro fará uma queda mais geitosa, o que indica claramente que a contractibilidade dos seus músculos não se acha inteiramente aniquilada. Assim como os movimentos voluntários se achão abolidos, os movimentos reflexos também não existem nos primeiros momentos que seguem o começo do ataque, mas si a paralysia devida á aboli- ção dos movimentos voluntários persiste, os movimentos reflexos em breve apparecem mesmo com uma energia insólita, energia que é de- vida ao aniquilamento da inervação cerebral e persistência somente do dominio espinhal que então goza de completa independência. Casos ha, emfim, em que em lugar de resolução é a flexão rígida que se observa nos membros do lado opposto á sede da lesão cerebral. Ao mesmo tempo que a paralysia invade os membros do paciente, ainda muitas vezes mergulhado em um profundo coma, os sphincteres anal e vesical também se achão freqüentemente paralysados, e, como conseqüência, a micção e as evacuações de matérias fecaes involuntárias se fazem. Taes são os symptomas da phase apoplectica, cuja duração pôde ser de algumas horas apenas, e que não excede senão muito excepcio- nalmente ao terceiro dia. phase paralytica.— Aos symptomas que acabamos de descrever, e que são caracterisados pela abolição geral das faculdades psychicas e motoras, devida ao abalo profundo e geral da massa cerebral, succe- dem-se os symptomas que têm sua origem na lesão local. Sem consciência nem de si nem do mundo exterior, mergulhados em um coma mais ou menos profundo, permanece o doente durante toda a phase apoplectica, mas, depois de um tempo variável, a sua razão acorda-se da profunda lethargia em que havia cahido, e a sua vontade não tarda a manifestar o seu poder fazendo mover as partes que o ictus _ 49 - hemorrhagico não inutilisou. É então que as desordens locaes podem ser observadas, e as lesões que então se apresentão são a paralysia motora, as desordens sensíveis, e as modificações experimentadas pela esphera intellectual. São estas três ordens de symptomas que vamos expor, e que constituem a segunda phase da hemorrhagia cerebral. modificações para o lado da myotilidade.— A hemiplegia per- feitamente caracterizada é um phenomeno commum, que apresentão os individuos que fôrão feridos pela encephalorrhagia, desde que o coma apoplectico se dissipa ; esta paralysia, que immobilisa o doente de toda uma metade do corpo, occupa ordinariamente o lado opposto á lesão encephalica. A paralysia pôde attacar isoladamente os membros thoraxicos, ou tolher os movimentos dos membros inferiores só mente; em geral, porém, são, tanto os membros abdominaes como os membros superiores, invadidos pela paralysia, si bem que ordinariamente nestes, mais do que naquelles, a intensidade da paralysia seja pronunciada. Os membros invalidados, pelo facto da paralysia, não podem mais executar os movimentos voluntários, mas os movimentos reflexos nelles persistem para eloqüentemente attestarem que o poder excito-motor da medulla conserva-se illeso. Esta paralysia, que a principio é muito pronunciada e accentuada, se conserva ás vezes indefenidamente neste statu quó; outras vezes, porém, ella vai paulatinamente se dissipando, os membros vão recuperando os seus movimentos perdidos, a contracção muscular torna-se cada vez mais enérgica, a vontade começa a fazer valer o seu império sobre os movimentos musculares, cuja força vai crescendo na razão directa do espaço de tempo decorrido depois do ataque. A observação clinica com effeito mostra-nos constantemente, que si no começo o paciente pôde apenas fazer curvar um pouco o seu membro inferior, que foi accommettido pela paralysia, mais tarde, progredindo a melhora, elle procura levantar-se do leito, e si sente-se 49 * 50 - capaz de fazer alguns movimentos de locomoção, fal-os, porém de um modo muito defeituoso: de facto, procurando o doente firmar-se sobre o membro, cujo movimento não foi compromettido pela lesão cerebral, consegue mover o seu membro paralysado por um movi- mento de elevação que elle imprime ao quadril, mas, sendo essa elevação incompleta, a ponta do pé arrasta pelo solo, ao mesmo tempo que o membro, privado da contractilidade muscular, é atirado para os lados, por falta de co-ordenação dos seus movimentos. Emquanto vão os membros abdominaes recuperando os seus movimentos, a sua força e o seu vigor gradativamente, os membros thoraxicos, ainda que, com passo mais lento, também vão pouco a pouco recuperando as suas funcções e todas as suas attribuições, que se approximaráõ tanto mais do estado physiologico, quanto mais joven fôr o indivíduo victima da paralysia, ou quanto menor fôr o numero de fibras motoras compromettidas na lesão encephalica. A persistência da paralysia nos membros superiores é muito mais duradoura que nos membros abdominaes ; se para estes um espaço de dous a cinco mezes seja sufficiente para a reintegração completa das suas funcções physiologicas, para os primeiros quasi sempre o espaço de tempo exigido para o restabelecimento funccional é maior. Os membros, ainda que paralysados, não ficão entretanto isentos de executarem certos movimentos que consistem em um brusco movimento do braço para diante e para cima, elevando-se á altura da face, dando-se então também a extensão do ante-braço e dos dedos da mão; estes movimentos, que os doentes executão, no acto de bocejar, assim como os movimentos oppostos, que consistem na flexão do braço que se approxima bruscamente do corpo, e que se effectuão quando o doente espirra, tosse ou experimenta uma viva emoção moral, são, segundo d'Escarra e Schützenberger, da ordem dos movimentos reflexos. Tanto o membro paralysado como o são, podem ser accomettidos pela contractura, quer ambos ao mesmo tempo, quer um só. — 51 - Estas contracturas, que podem ser observadas tanto na primeira como na segunda phase da encephalorrhagia, são a expressão de uma hemorrhagia ventricular, ou de uma encephalite, e são inteira- mente differentes das contracturas tardias, que sobrevêm mais tarde ás atrophias, que nos membros se produzem, e que são perennes e irreparáveis. As desordens paralyticas não se limitão só aos membros, os músculos da face podem também ser compromettidos de uma maneira manifesta. A face do hemiplegico apresenta-se algumas vezes extremamente deformada pela paralysia dos músculos de um dos lados, que produz uma irregularidade tal dos traços physiognomicos, que fere desde logo a vista do observador. Quando se dá esta paralysia, em conseqüência da tracçâo exercida pelos músculos de um lado da face que conservão a sua tonicidade, e que não encontrão mais pelo facto da paralysia, resistência dos seus antagonistas, um dos lados da face é puchado um pouco para traz, levantando o canto da bocca, e a narina do lado da lesão fica por este motivo também dilatada ; esta asymetria da face torna-se ainda mais saliente se fizer-se o doente assoprar ou assobiar. Algumas vezes coincide com a paralysia dos músculos, que pro- duzem essa irregularidade dos traços da physiognomia, a paralysia do músculo levantador da palpebra, e em virtude disto o prolapso pal- pebral se observa. A paralysia que invade os músculos próprios da face pôde invadir igualmente os músculos motores do globo ocular, e occupar ora os músculos do mesmo lado dos membros paralysados, ora os músculos do lado opposto ao da paralysia dos membros, constituindo neste ultimo caso o que se chama hemiplegia cruzada ou alterna, que se dá nos casos em que a hemorrhagia tem por sede a protuberancia annullar, como pretende o professor Gubler, que tanto as estudou. Os músculos da lingua muito raramente escapão á paralysia. Si bem que em alguns casos a mobilidade deste órgão não seja com- promettida, e em alguns outros apenas se observe os seus movimentos - 52 — mais lentos em virtude de uma paresia que invade os seus músculos, todavia isto não é muito commum, visto como a paralysia completa de uma de suas metades é muito mais freqüente na encephalorrhagia. A projecção da lingua fora da cavidade buccal é, mesmo neste caso, ainda possível, mas os seus movimentos de lateralidade são só possíveis em um sentido, isto é, do lado paralysado para o lado são, e a sua ponta mostra-se em regra geral voltada para o lado da hemiphlegia, pela acção isolada do músculo genioglosso do lado são. A palavra então torna-se grandemente defeituosa pela difficuldade ou impossibilidade que este órgão então apresenta na pronunciação de certas syllabas que exigem o seu concurso. Em regra geral, nos casos de hemiplegia produzida pela hemor- rhagia encephalica, a lingua é o primeiro órgão que recupera os movi- mentos, que só posteriormente a face e o larynge adquirem; o membro inferior é, porém, ainda mais tarde que recupera a sua mobilidade, e finalmente o braço é a ultima parte que a paralysia deixa. Trousseau dizia que todas as vezes que a cura seguia uma marcha inversa o prognostico deve ser muito grave. Além de todas estas desordens que o hemiplegico apresenta tem-se observado a inércia do estômago, assim como dos intestinos e da bexiga, trazendo a retensão de ourinas e de matérias fecaes, pela paralysia que algumas vezes invade os músculos expulsores. Estes phenomenos, que na clinica se observa commummente, Schützen- berger considera como constantes na hemorrhagia cerebral. O phe- nomeno opposto caracterisado pela incontinencia de ourinas e evacuações involuntárias de matérias fecaes, é uma conseqüência da paralysia dos esphincteres anal e vesical, e se apresenta nesta phase algumas vezes, se bem que se os observe igualmente no período apoplectico da encephalorrhagia. Modificações da sensibilidade. — Na phase apoplectica, quando o paciente ainda se acha sob o estado comatoso, verifica-se algumas - 53 - vezes não estar a sensibilidade dolorosa nelle extincta: se uma exci- tação fôr feita com uma energia capaz de provocar dor, ver-se-ha, com effeito, a expressão de soffrimento pintar-se na physiognomia do paciente, que demonstra assim que ainda sente, embora inconsciente- mente sem percepção e discernimento. Além disso, a dor que algumas vezes parece os individuos feridos pela encephalorrhagia sentirem em um ponto da cabeça, que corresponde justamente á lesão, visto a freqüência com que levão a mão a este ponto, signal é que nelles a sensibilidade dolorosa não se acha abolida. A abolição da sensibilidade é muitíssimo mais rara que da mot:- lidade, entretanto casos ha que provão a anesthesia existir de um modo mais ou menos pronunciado, sobretudo nos primeiros dias que seguem o começo do attaque; assim é que, em alguns doentes uma affecção dolorosa como a erysipéla, ainda mesmo que se exerça uma pressão sobre a sede da inflammação, nenhuma impressão causa aos doentes ; os vesicatorios que são applicados aos apoplecticos igual- mente não provocão dôr alguma. Uma tão pronunciada anesthesia é todavia excepcional; na maioria dos casos a sensibilidade dolorosa acha-se somente embotada. A diminuição da sensibilidade ás vezes estende-se por toda a superfície do lado hemiplegico, outras, porém, é somente observada em certos pontos das partes invadidas pela paralysia, e vezes ha, ainda que excepcionalmente, que a anesthesia occupa certas partes do lado opposto ao paralytico. A persistência deste embotamento da sensi- bilidade dolorosa é, em regra geral, muito menor que a da paralysia. Os órgãos dos sentidos são algumas vezes também affectados. A surdez mais ou menos completa, assim como a perda do olfato, são muitas vezes conseqüência da encephalorrhagia; em geral, quando o olfato acha-se abolido, é somente em uma das narinas, onde os aromas não são mais percebidos, muito embora esteja a sensibilidade táctil da mucosa que forra as fossas nasaes intacta. O embotamento da sensibilidade gustativa de uma das metades da lingua tem sido - 54 - observado igualmente após o attaque apoplectico, e se em alguns casos coincide com a anesthesia táctil ou com a paralysia lingual, em outros essa coincidência não se dá. A cegueira, com quanto seja um phenomeno muito raro na hemor- rhagia cerebral, todavia pôde ser observada, quer occupando o lado da hemiplegia, quer o opposto, podendo em qualquer dos dous casos a sensibilidade da membrana conjunctiva apresentar-se intacta ou não. D'Escarra chama a attenção para um phenomeno por elle observado nos individuos que são victimas da hemorrhagia do cérebro, phenomeno que elle julga peculiar á esta moléstia; este phenomeno consiste na impassibilidade do olho (do lado paralysado) que se conserva aberto ainda que se o ameace por um movimento brusco e rápido do index, que se pôde levar até quasi tocar os cilios; desde, porém, que se toque ás palpebras ou a cornea, òs dous olhos fechão-se rapidamente. D'Escarra attribue este phenomeno á sup- pi essão da sensação psychica do medo, resultante de uma interrupção de relações entre o nervo óptico e os nervos do terceiro e septimo par. modificações intellectuaes.— Se em alguns casos as modifica- ções que experimenta a intelligencia são passageiras, de maneira que o doente, que se achava sob um estado lethargico, próprio da apoplexia, vai gradativamente readquirindo com os seus movimentos o uso de sua razão até entrar no gozo perfeito das suas faculdades intellectuaes, a clinica demonstra que outros casos ha, em que essas faculdades ficão perturbadas ou abolidas para sempre, quer a hemorrhagia que as tenha alterado tenha sido de grande intensidade, quer tenha ella sido insignificante. Entre as faculdades intellectuaes, uma que tem sido melhor estudada é a memória : esta faculdade é com effeito freqüentemente alterada ou mesmo abolida, após os attaques apoplecticos pro- duzidos pela encephalorrhagia; ás vezes o esquecimento se limita somente á alguma parte da oração — os substantivos ou os adjectivos, - 55 - outras vezes elle é bastante pronunciado porque os individuos esquecem-se até do seu próprio nome, outras são os factos passados, ainda que em época recente, que são esquecidos. Casos ha em que a ideação fica por tal fôrma abolida que a manifestação de qualquer pen- samento não se dá, os individuos achão-se neste caso no estado de completa estupidez. Quasi sempre este estado coincide com a aphasia, que neste caso é devida, não á perda da palavra exterior, porque os órgãos coordenadores da palavra achão-se intactos, mas á perda da palavra interna. Taes são succintamente os phenomenos que sobrevêm commummente ao attaque apoplectico, occasionado por uma hemorrhagia do cérebro. As duas phases — apoplectica e paralytica, que se observão commum- mente na hemorrhagia cerebral, não se apresentão todavia forçosa e necessariamente ; dahi, além da fôrma typo apoplectica e paralytica, existem outras na encephalorrhagia que são: a apoplectica, em que a phase paralytica falta ; a paralytica em que a apoplexia não se apre- senta; e finalmente uma outra em que, em conseqüência da benignidade dos symptomas, que a caracterisão, recebeu o nome de fôrma ligeira. fôrma apoplectica.— Ás vezes os symptomas, que caracterisão o co- meço do attaque apoplectico, não apresentão uma intensidade suffici- ente para determinar immediatamente a abolição completa das facul- dades psychicas e motoras; mas essa apparencia benigna dos symptomas apoplecticos é pouco duradoura, e a sua intensidade e gravidade pouco a pouco vão incrementando-se, o pulso vai-se tornando de mais a mais pequeno e freqüente, a respiração mais difficil, e o doente perece ou pelos progressos da asphyxia ou por syncope. Outras vezes, porém, o indivíduo cahe fulminado desde logo com per- da das suas faculdades phsychicas e motoras, e todos os phenomenos da phase apoplectica, que apresentámos na fôrma apoplectica e paraly- tica, podem-se apresentar em scena revestidos da máxima gravidade, e a vida extingue-se em geral no fim de 12 a 48 horas; si bem que - 56 — essa duração possa ser de menos de 5 minutos, como observou Aber- crombie, todavia o facto é excepcional. Essa marcha rápida da moléstia que fez dar-se á hemorrhagia cerebral nestes casos o epitheto de fulmi- nante é devida ou ao compromettimento de partes importantes dos dous hemispherios, ou é conseqüência da hemorrhagia estender-se até ao bulbo. fôrma paralytica.—Esta fôrma distingue-se da fôrma ordinária da moléstia pela ausência dos phenomenos da phase apoplectica. Aqui a paralysia é súbita, e esta paralysia accommettendo o membro inferior determina a queda do doente, que cahe, muito embora conserve as suas faculdades intellectuaes perfeitas. A paralysia, pois, é o único sympto- ma que caracterisa a hemorrhagia cerebral neste caso, e por isso são somente os symptomas da segunda phase da fôrma apoplectica e pa- ralytica, que são abservados nesta fôrma da encephalorrhagia. fôrma ligeira.—Esta fôrma caracterisa-se pela benignidade dos symptomas de que se reveste. Assim como na fôrma que ordinaria- mente apresenta a encephalorrhagia, ha aqui algumas vezes perda mai& ou menos completa das faculdades psychicas e motoras, seguida de uma paralysia que ora occupa um dos membros, ora somente os mús- culos da face, mas tudo passa no curto espaço de tempo de 5 ou 6 dias, e o doente volta a gozar a saúde que tinha antes do insulto apoplectico. Outras vezes a encephalorrhagia caracterisa-se por symptomas de uma benignidade ainda maior; assim é que em vez da apoplexia e da paralysia passageira, que são peculiares á fôrma ligeira da hemorrhagia cerebral, pôde em alguns casos dar-se apenas a suspensão momentânea da aptidão intellectual, seguida de uma paresia passageira ou apenas de um enfraquecimento dos membros. O diagnostico então torna-se summamente difficil, e muitas vezes essa difficuldade é tal, que só mais tarde o exame nec roscopico é que vem nos demonstrar a existência de um foco hemorrhagico intra-cephalico. Apezar da benignidade dos symptomas desta fôrma, as desordens - 57 — para o lado da intelligencia, embora muito limitadas, podem ficar para sempre como um attestado vivo de que a reconstituição do cérebro ad integrum não se deu. Complicações.— Até aqui temos nos occupado dos phenomenos que se encontrão na hemorrhagia cerebral, sob qualquer fôrma que ella se apresente, e deixámos de parte aquelles que vêm perturbar a sua marcha ordinária, revestindo-a de uma physiognomia insólita. Alguns destes phenomenos que complicão a encephalorrhagia, sendo de uma grande importância para o prognostico e para a therapeutica a estatuir-se, delles nos occuparemos somente. Consideraremos pela freqüência a encephalite em primeiro logar. Quando o trabalho inflammatorio, reparador do foco hemorrhagico, começa a produzir os seus effeitos salutares, uma febre se átêa, py- rexia inflammatoria pouco pronunciada, que não é de conseqüências prejudiciaes e perigosas á existência do doente; mas desde que a encephalite, que tinha por fim limitar e separar as partes do encephalo que fôrão lesadas, ultrapassar certos e determinados limites, a febre, conseqüência deste exagero de inflammação, se incrementa, observan- do-se então uma cephalalgia rebelde acompanhada de vômitos, agita- ção, delírio, movimentos convulsivos geraes ou somente dos membros paralysados, nos quaes se observão algumas vezes contracturas acom- panhadas de dores; o delírio, quando não se apresenta, o estado de lethargia, de torpor, ou de somnolencia se mostra em scena. Se estes phenomenos não cedem, apezar de uma therapeutica bem dirigida, se elles persistem durante cinco ou seis dias, no máximo, sem diminuir de intensidade, a morte será quasi inevitável conse- qüência da encephalite, ou de uma meningo-encephalite, devida a uma propagação ás meningeas do trabalho inflammatorio do cérebro. Outras vezes o processo phlegmasico não tem esta marcha vehe- mente, e reveste uma fôrma torpida; nestes casos as differentes partes do cérebro são accommettidas successivãmente de um modo lento, e 49 8 - 58 — o caracter chronico, que então reveste a encephalite, traz modificações para o cérebro, que se revelão pela decadência intellectual, que de mais a mais se pronuncia, até que chegão os doentes ao máximo gráo da imbecilidade ou demência. Casos ha em que depois de se apresentarem os symptomas indicativos de um começo de destruição das partes sans do cérebro pela inflam- mação invasora, quando tudo fazia crer em uma morte próxima, tudo se acalma, a febre diminue, o delírio desapparece, cessa a cepha- lalgia, e a calma se apresenta, seguindo desde então a moléstia o seu curso natural, que a encephalite havia perturbado. Uma outra complicação, que ás vezes se apresenta no decurso da encephalorrhagia, e para a qual o professor Charcot chamou ultima- mente a attenção dos práticos, consiste em uma placa erythematosa, rosea quasi sempre, podendo ser também, ainda que raramente, de uma côr roxa azulada, que desapparece sob a pressão digital, e que occupa a região glutea do lado paralysado na maior parte de sua extensão. E geralmente do segundo ao quarto dia após o attaque, que geralmente se observa esta placa; um ou dous dias depois da sua apparição mostra-se em seu centro uma mancha mais escura, de apparencia echymotica, de 3 a 4 centímetros de extensão, apresentando bordos aredondados ou angulosos, e não desapparecendo sob a pressão digital. Pouco tempo depois de se apresentar esta mancha echymotica, o epiderme, que se achava até então intacto, se despedaça, ou é simplesmente levantado por uma bolha, que, rompendo-se, deixa o derma desnudado e coberto de um liquido sanguinolento; é então que se observa na superfície do derma, assim desnudado, pequenas manchas de côr violeta escura, que, augmentando pouco a pouco de extensão, acabão afinal por se confundirem completamente. Ordinariamente a morte tem logar quando as cousas se achão neste ponto, mas algumas vezes a vida ainda se prolonga por espaço de alguns dias, e, neste caso, observar-se-ha, em torno da echymose, a formação de um circulo inflammatorio e eliminador, acompanhado de uma - 59 - phlegmasia das partes circumvizinhas. A apparição da eschara é um accidente que cria para a existência do doente perigos excessivrmente sérios, e é durante a sua evolução que se observa a temperatura attingir á enorme altura de 41°. É ordinariamente do lado paralysado que tem logar a manifestação mórbida, e se algumas vezes se a observa nos dous membros, a intensidade da sua evolução no lado paralytico é em geral incomparavelmente maior, e si se tem observado nos dous membros a marcha da lesão com intensidade igual, póde-se dizer que o caso é raro, e tão excepcional que o professor Charcot só uma vez o observou. Alguns autores explicão a formação das escharas ao nivel do sacro, pelo decubitus prolongado sobre as saliências ósseas; outros preten- dem que sejão devidas ás perturbações circulatórias neuro-paralyticas. A primeira explicação é inadmissível, porque algumas vezes a eschara se fôrma do lado opposto áquelle em que o doente habitualmente se conserva, como observou o professor Charcot; a segunda também o é, porque as perturbações circulatórias neuro-paralyticas, longe de tra- zerem a morte dos tecidos, activão-lhes ao contrario a vitalidade. Posteri- ormente a estas explicações foi apresentada a theoria seguinte, que explica mais satisfactoriamente o apparecimento da eschara. Segundo esta theoria a eschara é determinada pela perturbação profunda, que experimentão os phenomenos Íntimos da nutrição do membro paraly- sado, em conseqüência da lesão dos centros nervosos, cujas cellulas são dotadas de uma acção trophica a par da sua acção sensitivo-motora. Do mesmo modo que o amollecimento do cérebro, as hemorrhagias que se dão neste órgão podem-se apresentar concumitantemente com uma affecção articular, de que Charcot, Durand-Fardel, Brown-Sé- quard, Grisolle e outros se occupárão. Esta affecção, que se apresenta nas articulações do lado hemiplegico, podendo occupar tanto o mem- bro thoraxico como o abdominal, se mostra sobretudo no membro su- perior. Raramente essa manifestação mórbida das articulações se apre- senta antes do segundo septenario, geralmente é da terceira á sexta — 60 — semana depois do attaque que ella se mostra. Esta complicação nova, que perturba a marcha natural da hemorrhagia cerebral, é determina- da por um processo inflammatorio, que ora tem uma marcha torpida trahidora, não revelando a existência de uma phlegmasia articular, e ora reveste-se de uma fôrma aguda. Quando a artrite dos hemiplegicos apresenta uma grande intensidade dos symptomas inflammatorios, si o individuo morre, a autópsia nos mostrará as synoviaes inflammadas, de uma côr vermelha muito pronunciada, e encerrando muitas ve- zes pús. Esta complicação se apresenta freqüentemente em concumitancia com a nevrite, que e xplica em muitos casos as dores atrozes que ex- perimentão os doentes, seja espontaneamente, seja quando se lhes faz uma pressão sobre o membro paralysado. A nevrite do mesmo modo que a artrite se apresenta de preferencia no membro thoraxico, pro- duzindo neste caso a alteração do nervo mediano. Além destas affecções outras se apresentão no decurso da hemor- rhagia cerebral, e que igualmente contribuem muito para a morte dos apoplecticos: taes são entre outras a pneumonia e a diarrhéa. A pneumonia hypostatica ou secundaria, que resulta da adynamia profunda, do decubitus prolongado do doente e da posição declive em que se achão os seus pulmões, reveste uma fôrma insidiosa e latente em virtude da fraqueza geral do individuo, e da reacção muito pouco pronunciada desse organismo depauperado. Esta pneumonia dos he- miplegicos, vindo diminuir o campo da hematose já bastante limita- do pela abundante secreção bronco-pulmonar, e pela paralysia de um dos lados do thorax, que algumas vezes se observa, constitue uma das complicações mais sérias que ha ceifado a vida de um grande numero de apoplecticos. Quando as diarrhéas se apresentão a debilidade já preexistente do hemiplegico se incrementa, e a morte é freqüentemente o resul- tado da exagerada adynamia que prostra as forças do doente. Estas diarrhéas são causadas muitas vezes por purgações intempestivas, - 61 — outras vezes, porém, ellas são o resultado da inércia e da paralysia intestinal. Da mesma maneira que as diarrhéas, a abundante suppuração, que se dá após a queda da eschara formada no nível do sacro, ou que se apresenta igualmente em conseqüência de uma parotide suppurada, exagera a adynamia do doente produzindo-lhe a morte. Phenomenos consecutivos. —As perturbações da intelligencia e da myotilidade, que se apresentão perfeitamente circumscriptas a certo numero de faculdades e de músculos no começo da phase em que as differentes paralysias se discriminão, muito raramente conservão-se estacionarias; é assás freqüente progredirem, produzindo para o lado das funcções intellectuaes a decadência de mais a mais pronunciada da intelligencia, e para o lado dos membros paralysados, a diminuição de nutrição de suas partes componentes, diminuição de nutrição que se incrementa á proporção que se afasta do tempo em que se deu a lesão cerebral. Assim é que, durante os quatro primeiros mezes, se- gundo Türck, ou durante um espaço de tempo ainda maior, segundo Todd, a nutrição e a contractilidade electrica das partes paralysadas ficão mormaes; porém passado este lapso de tempo, as degeneres- cencías secundarias se fórmão na medulla, e desde então a reacção elec- trica e a nutrição geral do membro diminuem na razão directa do augmento dos progressos da degenerescencia medullar. A observação clinica demonstra com effeito que, no fim de um cer- to tempo, os membros começão a perder a sua côr natural, a pelle que os cobre torna-se pallida, e acedemacia os invade; depois se apre- senta successivamente a atrophia dos músculos, dos nervos e mesmo dos ossos; a réacção electrica vai também a seu turno diminuindo até a sua extincção completa ; e finalmente nos membros paralysados as contracturas irreparáveis se estabelecem. A elevação de temperatura de alguns décimos de gráo, ou mesmo de 1 a 2 gráos, que ordinariamente se observa nos membros paralysados 02 — ao principio, succede, quando a contractura e a atrophia invadem os membros paralysados, um abaixamento notável, demonstrado pela columna thermometrica que se apresenta em uma altura inferior á physiologica. Brown-Sequard attribue esse abaixamento de tempera- tura á atrophia, que invade os vasos do membro paralysado: acredi- tando que essa atrophia vascular contribua para o abaixamento da temperatura da parte paralysada; todavia julgamos que a inércia em que se acha esta parte deve em muitos casos ser considerada como a causa desta diminuição de temperatura, visto como, então cessa o movimento e a contractilidade muscular, que é uma das fontes impor- tantes do calor animal. De todas as partes paralysadas, após a encephalonhagia, é o braço que mais freqüentemente se apresenta em contractura; essa contrac- tura se faz ordinariamente no sentido da flexão, ficando o ante-braço em pronação, e a mão fechada e violentamente contrahida. A perna, quando é attingida, fica quasi sempre rígida ou muito ligeiramente em flexão, e o pé quasi sempre na extensão rígida. Ao passo que estas flexões ou extensões forçadas dos membros se manifestão, os músculos antagonistas apresentão um gráo maior ou menor de retracção. Segundo as observações de Bouchard, quando as contracturas se dão em mulheres jovens hemiplegicas, na época da menstruação, essas contracturas tendem geralmente a exagerar-se. Essas desordens são meras conseqüências das alterações da medulla espinhal, ora sendo absolutamente impossível a reparação das partes lesadas da medulla, necessariamente as desordens de que falíamos serão ipso facto perennes. Quanto ao tempo que vai do attaque apoplectico até que estas contracturas se apresentem, os autores não estão accordes; para Todd esse tempo é um anno, para Türck quatro mezes, para Andral três mezes; Bouchard diz que o tempo mais curto, em que pôde mostrar-se as contracturas, é dous mezes após o attaque; entretanto - 63 — Vulpian e Bouchereau observarão-as no fim de 20 dias, depois dos accidentes do attaque. Apreciação dos principaes symptomas mencionados. — Na des- cripção dos symptomas da encephalorrhagia vimos que esta moléstia era caracterisada por phenomenos limitados e circumscriptos, que se apresentão conforme o ponto lesado, nesta ou naquella parte do organismo, e por phenomenos geraes caracterísados pela abolição ou suspensão súbita das faculdades intellectuaes e motoras. Se bem que os symptomas circumscriptos achem a sua explicação na lesão local, os symptomas geraes que os precedem são de difficil interpretação. Varias são as theorias que successivamente têm sido propostas para explicar os phenomenos que caracterisão a phase apoplectica da hemorrhagia cerebral, mas dentre essas theorias a melhor é sem duvida a apresentada pelo professor Jaccoud, todas as outras não podem ser aceitas pelos sérios motivos que passamos a mostrar: Com o fim de explicar estes symptomas próprios da apoplexia da encephalorrhagia, appellárão alguns para uma compressão exercida pelo foco hemorrhagico sobre as partes circumvizínhas, compressão esta que seria transmittida pela contiguidade das differentes partes do cérebro, por toda a extensão deste órgão, cujas funcções serião então abolidas, até que a pressão diminuísse no foco, ou que o órgão se habituasse a essa causa importuna, que veio perturbar as leis reguladoras do seu funccionalismo normal. Esta theoria é inadmis- sível, porque, em primeiro logar, a transmissão de pressão por toda a massa do cérebro não se pôde admittir com focos hemorrhagicos de um volume muito pequeno, ora sendo muitas vezes os phenomenos apoplecticos conseqüência de hemorrhagias muito diminutas, é claro que esta theoria não explica nestes casos a apoplexia; em segundo logar, sendo necessário que o foco hemorrhagico attinja um certo volume para que produza a compressão de todo o cérebro, com- pressão, segundo esta theoria, necessária para que a apoplexia se dê, — 64 — claro é que, antes do foco attingir esse volume, muitas fibras nervosas serião destruidas pela irrupção do sangue que fosse se fazendo, donde os phenomenos paralyticos locaes precederião sempre á sus- pensão súbita e geral das faculdades intellectuaes e motoras, o que é inteiramente contrario á observação clinica. Quizerão outros explicar essa abolição geral das faculdades psy- chicas e motoras por uma congestão geral, violenta e súbita, que precedia e acompanhava a hemorrhagia. Esta opinião não pôde ser aceita senão para explicar um certo numero de factos, poisque a observação demonstra que em um grande numero de factos de hemorrhagias esse affluxo de sangue para o cérebro não se dá. Niemeyer não satisfeito com essas theorias apresenta a seu turno uma outra: segundo este autor o attaque apoplectico é devido a uma compressão dos capillares, pelo derramamento sangüíneo, que daria em resultado uma anemia súbita do cérebro, e assignala como prova de seu modo de pensar as bateduras exageradas das carótidas, que provão que ha embaraço no cérebro ao affluxo do sangue. Esta theoria, apezar de seductora, não escapa como as precedentes a objecções muito sérias : Na verdade, para que a anemia geral do cérebro se dê em virtude de uma compressão é necessário que esta seja grande, o que é impossível, desde que o foco he- morrhagico apresentar um volume insignificante; por conseguinte esta theoria não explica a apoplexia, perfeitamente caracterisada, que se apresenta após as hemorrhagias insignificantes, que se dão nos corpos estriados, nas camadas ópticas, etc. Esta theoria não nos dá conta da razão por que a apoplexia é observada, quando os corpos estriados são lesados, e não o é quando o foco hemor- hagico, embora de dimensões iguaes ao dos corpos estriados, é observado na substancia branca do cérebro ou no cerebello. A pressão transmittida é entretanto a mesma, visto a igualdade de grandeza do foco, e por conseguinte a anemia cerebral deve effectuar-se, e a apoplexia, que é a conseqüência desta anemia, - 65 - deve-se apresentar, quer o foco occupe os corpos estriados, quer a substancia branca ou o cerebello; ora, a observação demonstra que isso não se dá, por conseguinte a theoria é inadmissível. De mais, não soffrendo o foco nenhuma mudança nos quatro pri- meiros dias, a compressão existiria durante todo esse tempo, e a apoplexia, resultado dessa compressão, nunca teria, segundo esta theoria, uma duração inferior a esse tempo; ora, a observação clinica demonstra que a existência da apoplexia na encephalorrhagia é muitas vezes momentânea, logo a theoria é insustentável, ou ao menos não pôde ser tida na conta de uma theoria geral abraçando todos os factos clínicos. Quanto ás bateduras carotidianas, ellas constituem um arrirno fraco á opinião do celebre escriptor, visto como nem sempre ellas se apresentão, mas, na hypothese mesmo de que fossem sempre observadas, ellas tenderião antes, pela tensão da corrente sanguinea nellas consideravelmente augmen- tada, a romper o obstáculo creado na polpa do cérebro pelo foco hemorrhagico. Todas estas objecções, assaltando o espirito do professor Jaccoud, fizerão-no apresentar uma nova theoria, á qual adherimos por se achar em perfeita harmonia com todas as fôrmas clinicas da ence- phalorrhagia. Segundo esta theoria, o funccionalismo normal do cérebro depende da simultaneidade e da solidariedade de acção das duas metades de que elle se compõe, de modo que, quando uma dellas é bruscamente lesada, a outra immediatamente resente-se do choque, que, sendo directo no ponto lesado, é transmittido e reflexo do outro. Esta transmissão reflexa se faz graças ás fibras commissuraes que unem os dous hemispherios, e é por meio dellas que o ictus reflexo obra sobre o hemispherio opposto, onde tam- bém produz, pelo esgoto momentâneo, a nullificação de toda a aptidão funccional: a nevrolysia geral, que é a apoplexia, então se apresenta, como conseqüência dessa transmissão reflexa do choque produzido pela irrupção sanguinea» Tratando-se nesta theoria 49 9 — 66 - de uma acção nervosa e não de uma acção mecânica, concebe-se muito bem, com focos de pequenas dimensões, a apoplexia, e concebe-se mais que os phenomenos apoplecticos possão ter uma duração momentânea. Além disso é necessário, segundo esta theoria, que os focos hemorrhagicos interessem os órgãos de conjuncçao de onde partem as comissuras; dahi a ausência da apoplexia quando só forem interessados pela lesão a substancia branca dos hemispherios, ou o cerebello. Demais, por esta theoria explica-se a razão por que, no caso de producções mórbidas de uma evolução lenta, como certas neoplasias intracraneanas de marcha chronica, os phenomenos apoplecticos não se dão; visto como, segundo ella, para que a nevrolysia geral se apresente, é necessário que a substancia cerebral, sem estar preparada, experimente um choque brusco, ora, as affecções de marcha chronica, que se apresentão em um hemispherio cerebral, actuão lentamente sobre este he- mispherio de maneira que dá tempo ao hemispherio são a supprir a inércia que a lesão determina, no que é victima da affecção mór- bida. Explicados assim os phenomenos próprios da apoplexia da he- morrhagia cerebral, cumpre que esclareçamos alguns dos sympto- mas da segunda phase desta moléstia. Vimos na exposição que fizemos dos symptomas, que, passados os phenomenos apoplecticos, a paralysia apresenta-se na grande maioria dos casos limitada a uma das metades do corpo, e que esta hemiplegia occupava em regra geral o lado opposto á lesão do cérebro. Este facto, filho da observação, explica-se pelo entre- cruzamento das fibras nervosas adiante do bulbo rachidiano. A fre- qüência extraordinária das hemorrhagias no hemispherio esquerdo, occupando a lesão cerebral na maioria dos casos os corpos estriados ou as camadas ópticas, que são considerados como os centros por excellencia dos movimentos voluntários, explica-nos a razão por que a hemiplegia occupa geralmente o lado direito do corpo, e por — 67 — que após a encephalorrhagia commummente se observão as para- lysias. Algumas vezes se observa também a paralysia generalisada; este facto, que é muito raro, é quasi sempre devido á uma hemorrhagia na protuberancia, ou mais raramente a uma hemorrhagia dupla dos corpos opto-estriados, ou mesmo ainda a uma simples compressão exercida sobre estes pontos por um foco hemorrhagico circumvizinho. E excessivamente raro que a paralysia se apresente do mesmo lado da lesão cerebral, mas factos incontestáveis provão a exactidão deste modo insólito de manifestação da encephalorrhagia. Na verdade, Gintrac observou em 854 factos de hemorrhagias 20 casos em que a paralysia occupava o lado da lesão cerebral, destes 20 casos 5 erão de hemorrhagia meniningéa, em 2 a hemorrhagia tinha tido por sede os ventriculos, em 6 a moléstia tinha por sede os lobos médios do cérebro, em 2 os lobos posteriores, em 2 as camadas ópticas e em 3 os corpos estriados. Os autores não dão uma explicação satisfactoria destes factos excepcionaes, e attribuem-nos a uma anomalia de structura anatômica. Não tão freqüentemente como a hemiplegia, a hemianesthesia é um phenomeno que tem sido observado na hemorrhagia cerebral; ella occupa como a paralysia geralmente o lado opposto á lesão cerebral, porém, do mesmo modo que esta, pôde ella apresentar do mesmo lado em que se acha a lesão. Este facto excepcional Shiff explica pela presença de fibras longitudinaes da ponte de Varole, que estabelecem um caminho directo entre o cérebro e a sensibilidade cutânea do lado correspondente á hemorrhagia. Segundo o professor Charcot a hemianestesia cerebral se apresentará todas as vezes que a cápsula interna, na sua parte situada entre a ex- tremidade posterior do núcleo lenticular e a camada óptica, isto é no terço posterior da cápsula, fôr lesada; desde, porém, que a lesão oc- cupar qualquer ponto dos dous terços anteriores da cápsula, isto é, na sua porção comprehendida entre a extremidade anterior do núcleo - 68 - lenticular e a cabeça do núcleo caudado, haverá somente paralysia do movimento, e nenhuma perturbação duradoura da sensibilidade se apresentará. Sendo bastante raro que a lesão comprometta exclusi- vamente uma só das duas regiões, a paralysia motora e sensível será freqüentemente observada. Algumas vezes a cápsula interna pôde não estar propriamente lesada, e as paralysias motoras e sensíveis podem entretanto nestes casos ainda ser observadas; este facto se dá, porém, quando qualquer dos núcleos cinzentos, que rodeia a cápsula, fôr a sede de uma hemor- rhagia intersticial, que distendendo um delles, comprimisse as fibras nervosas que entrão na composição da cápsula; neste caso, é claro que desde que cessar a compressão exercida pelo núcleo distendido cessará também a paralysia. É por conseguinte a causa directa das paralysias sensitivas e motoras a lesão ou a compressão da cápsula interna, sendo no primeiro caso a paralysia persistente e no segundo transitória. Os feixes, que compõem a parte posterior da cápsula interna e suas emanações directas, não podem entretanto ser tidos como o centro das impressões sensitivas e sensoriaes, estes feixes não podem representar senão um logar de passagem, onde as fibras centripetas se achão todas representadas antes de divergirem para as partes superficiaes do cérebro. Os movimentos voluntários são, como vimos, os únicos abolidos no começo do attaque, ao passo que os movimentos reflexos persistem por longo tempo após o attaque, e é por meio deste facto, que se explica a perfeita symetria, que se nota no rosto do hemiplegico, quando experimenta uma emoção forte moral que o obriga ao choro ou ao riso: qualquer destes dous actos se fazem com extraordinária perfeição, apezar da paralysia de movimento voluntário de uma das metades da face, paralysia que, logo que a emoção passa, produz de novo a assymetria dos traços physiognomicos. As paralysias podem invadir igualmente os differentes músculos do globo ocular, dahi o strabismo externo quando o motor ocular — 69 — commum fôr compromettido pela lesão cerebral, e o strabismo interno quando fôr o nervo do sexto par o compromettido. O phenomeno denominado ptosis, que algumas vezes é observado, é conseqüência da paralysia do músculo levantador da palpebra superior, pela inacção do terceiro par que o anima, e da persistência da contractilidade do abai- xador, que é animado pelo sétimo par. O nystagmus, que consiste em movimentos anormaes e rhythmicos dos olhos, é um phenomeno que tem sido observado na encephalorrhagia, porém a sua explicação ainda não foi dada. O lagophtalmos paralytico ou paralysia do músculo orbicular, que algumas vezes acompanha a hemiplegia, é um sjnoiptoma raro na hemorrhagia cerebral. E de observação, com effeito, que muitas vezes apezar da paralysia dos differentes músculos da face se apre- sentar, a paralysia do abaixador das palpebras é quasi sempre, quando se dá, incompleta. Os autores allemães procurão explicar este facto pela procedência diversa dos nervos que animão o mús- culo orbicular; para estes autores, as porções orbitaria e palpebral deste esphincter são animadas, assim como os músculos da face, pelos filetes do sétimo par, e a porção ciliar, de que o músculo de Horner faz essencialmente parte, recebe a sua innervação motora do trigemino, que lhe envia por meio do ramo nasal externo um filete nervoso que vai animar as suas fibras. Em conseqüência desta disposição anatômica a paralysia pôde ficar limitada somente á esphera facial, sem comprometter inteira- mente o abaixador palpebral. Ainda não estando, porém, demons- trado, que o filete nervoso, procedente do quinto par, é motor ou puramente sensitivo, a theoria acima não deve ser acolhida sem reservas. Seja como fôr, desde que o.nervo que anima o músculo orbicular fôr compromettido por uma lesão que tem a sua sede no bulbo, junto á sua origem, ou nas proximidades deste ponto, o lagophtalmos paralytico mais ou menos pronunciado será a conse- qüência. - 70 Quanto ao desvio conjugado dos olhos para o lado opposto á he- miplegia, acompanhado da rotação da cabeça para esse mesmo lado, phenomeno de que já nos occupámos, tem sido explicado pelos autores de differentes modos. Prévost compara esse desvio synergico dos olhos, acompanhado da rotação da cabeça, ao movimento análogo [mouvement de manège) que os animaes executão, quando um dos hemispherios é lesado. Henle attribuio a rotação da cabeça dos hemiplegicos para o mesmo lado do desvio dos olhos a este desvio occular mesmo. A persistência com effeito do desvio synergico dos olhos, mesmo quando a cabeça era forçada por mão estranha a occupar a sua posição normal, c o facto de voltar esta, logo que fosse abandonada a si mesma, á sua posição viciosa, constituião argumentos valiosos á doutrina de Henle. Porém, depois de haver gozado de algum con- ceito, veio a experimentação derrocar-lhe as bases: a experiência demonstrou,, com effeito, que o movimento de rotação da cabeça, depois da ablação dos dous olhos, ainda erão executados pelos ani- maes ; porisso essa doutrina foi completamente desprezada. Foville (filho) servio-se de uma hypothese bastante engenhosa para explicar esse desvio ocular : segundo elle, o nervo motor ocular com- mum de um lado offerece um núcleo commum de origem com o nervo motor ocular externo do outro olho, desde que a paralysia, em virtu- de desta disposição nervosa, occupar um destes núcleos de origem, o desvio ocular terá logar. Esta hypothese é insustentável porque em primeiro logar os dous phenomenos ptosis e dilatação pupilar não se observão senão excepcionalmente quando se observa o desvio con- jugado dos olhos, o que não deveria ter logar si o motor ocular se achasse paralysado sempre que o desvio ocular se apresentasse ; em segundo logar se houvesse de facto uma paralysia dos músculos dos olhos, seria inteiramente impossível aos doentes mover os olhos para o lado opposto áquelle para onde se achão voltados, ora este facto tem sido observado, logo a theoria é falsa. - 71 - O professor Jaccoud attribue á inércia dos músculos cervicaes do lado paralysado a rotação da cabeça para o lado opposto. Quanto ao desvio conjugado dos olhos, elle explica pela excitação á distancia do nervo do sexto par, donde o strabismo externo do lado da lesão cerebral, visto como o nervo motor ocular externo não tem decussação, além disso existindo entre este nervo e o motor ocular commum relações funccionaes e anatômicas, dá-se simultaneamente a excitação do terceiro par craneano, e, como conseqüência deste facto, o strabismo interno do olho opposto tem logar. Esta theoria parece-nos ser a melhor no estado actual da sciencia. Demonstrada por meio das theorias que acabamos de expor a razão de ser das differentes desordens, consecutivas á hemorrhagia cere- bral, para o lado das espheras sensível e motora dos órgãos centraes da innervação, passamos desde já ao exame de alguma das questões mais importantes concernentes ás desordens intellectuaes, caracteri- sadas pelos symptomas já por nós expostos. As experiências physiologicas e a observação clinica demonstrando a possibilidade de uma lesão limitada a uma só das faculdades psy- chicas, conduzem-nos naturalmente a acreditar que existem no cé- rebro certas regiões limitadas para a manifestação de cada uma das faculdades da alma; na verdade, além das analyses da physiolo- gia experimental, que nos ensina, que a ablação de uma parte do cé- rebro traz a perda de uma faculdade determinada do eu pensante, existem as lesões pathologicas que provão de um modo peremptório, que cada faculdade intellectual tem um logar distincto no cérebro para a sua manifestação externa. Estes pontos distinctos, estas regiões separadas, onde se apresenta cada uma das nossas faculdades, muito embora não estejão conhecidas, todavia não podemos deixar de re- conhecer no cérebro, que é o instrumento de que a alma se serve para as suas manifestações, a pluralidade de regiões distinctas visto a plu- ralidade das faculdades psychicas: com effeito, si só uma parte do cérebro bastasse ao exercício de todas as faculdades, si estas não __ 72 — constituíssem senão uma só, não poderia dar-se o facto de lesão de uma só faculdade, permanecendo»todas as outras sans ; ora, a obser- vação clinica demonstra da maneira a mais evidente que a lesão de uma faculdade somente pôde se dar, sem que as outras absolutamente sejão alteradas, por conseguinte é forçoso que admittamos que cada faculdade tem no cérebro um ponto especial e distincto para a sua manifestação. Dissemos que ainda não está determinada a sede de muitas das fa- culdades intellectuaes; essa proposição que é verdadeira para a maiori- dade dessas faculdades, não o é quando se trata da faculdade especial da linguagem articulada, cuja sede é conhecida. Graças ao estudo da physiologia experimental, emprehendido ulti- mamente por homens illustres, e sobretudo á observação clinica, poude se descobrir no cérebro a sede donde emanava a palavra. Observou-se com effeito, que desde que uma lesão compromettia este ponto, a manifestação externa da idéa por meio da linguagem arti- culada tornava-se impossível absolutamente, ou somente muito diffi- cil, já pela abolição completa da memória das palavras, e já pela impossibilidade ou somente difficuldade da emissão das palavras. Este phenomeno muito curioso, que se apresenta no decurso de certas moléstias do cérebro, e que pôde ter por causa uma modifica- ção funccional ou orgânica do cérebro, se observa commummente na hemorrhagia cerebral, quando esta tem logar sobretudo na parte pos- terior da terceira circumvolução frontal, e foi denominado por Sauvages alalia (de * privativo, e ^«í palavra) Broca designou o mesmo phenomeno pela palavra aphemia ( de * privativo, e ««!"> pa- lavra), emfim Trousseau substituio esta denominação pela mais eu- phonica aphasia, sob a qualé geralmente conhecido este phenomeno. A aphasia póde-se dar ou em conseqüência de uma amnésia verbal, e então o doente não emitte os seus pensamentos por não encontrar as palavras de que se esqueceu por causa da sua lesão cerebral; ou pôde ser devida a aphasia á ausência completa de pensamentos a - 73 - formular, que succede a uma depressão mental generalisada; ou pôde ser produzida por impossibilidade da transmissão da palavra, muito embora a palavra interna exista e os órgãos encarregados de pronun- cia-la se achem illesos ; ou emfim pôde ser devida a uma paralysia da lingua ou á falta da coordenação dos movimentos necessários á arti- culação dos sons. Nos três últimos casos a palavra interna existe, nos dous primeiros ella falta. A aphasia quando é dependente de uma glossoplegia ou de uma glossoataxia a lesão que a determina assesta-se, quando ha glossople- gia, em qualquer ponto do trajecto dos hypoglossos, desde a porção peripherica destes nervos, que estende-se até o bulho, ponto de sua origem, até á sua porção central, que une as origens bulbares desses nervos ás cellulas hemisphericas. A aphasia pôde ainda ser determina- da por uma alteração dos tubos nervosos que se achão no trajecto, que tem de percorrer a palavra emittida. Todas estas fôrmas de apha- sia provão, que a perda da palavra póde-se dar sem que haja lesão da sede, geralmente admittida da linguagem articulada, e não destroem em nada a theoria da localisação da faculdade da linguagem arti- culada. Bouillaud, adherindo ás hypotheses de Gall, que localisava a facul- dade da linguagem nas partes do cérebro situadas acima das abo- badas orbitarias, limitou mais precisamente a região dessa faculdade, que localisou nos lobulos anteriores do cérebro, e, para apoio desta localisação, apresentou uma grande massa de factos. Broca, mais tarde, coagido pelos factos que contrariavão freqüente- mente a theoria de Bouilland, restringio mais a sede dessa faculdade admittida por este ultimo autor, collocando esta sede na metade pos- terior da terceira circumvolução frontal. O grande numero de observações attinentes a esta questão provão que a theoria de Broca é verdadeira, e os factos que se têm citado como contradictoríos não o são realmente. Compulsando-se estas observações coUeccionadas e perfeitamente analysadas na these do Dr. Font-Réaulx, 49 10 - 74 - escripta ha 11 annos, vê-se que factos existem que abalão profun- damente a theoria da localisação admittida pelo professor Bouilland, ao passo que nenhum facto, até áquella época ao menos, havia con- seguido infirmar a theoria de Broca. Factos posteriores, observados pelo professor Charcot, Meynert, Dieulafoy e Voisin, provão, entretanto, que Broca limitou com exage- ro a sede da faculdade da linguagem articulada, visto como consta destas observações que as lesões tinhão-se dado ora na circumvolução marginal dafenda de Sylvius, ora no lobulo da insula de Reill, e, não obstante, a aphasia tinha-se apresentado. Por este motivo acreditamos que a sede da faculdade da linguagem articulada estenda-se até á circumvolução marginal da fenda de Sylvius e o lobulo da insula de Reill. Na grande maioria dos casos de aphasia é o hemispherio esquerdo que se apresenta lesado. Este facto, que tinha levado Dax a collocar a sede da linguagem nesta porção do cérebro, não poude ainda ser ex- plicado, e todas as razões relativas á explicação desta questão não passão de meras hypotheses. Gratiolet pretendia explicar este facto, demonstrado pelo empirismo das observações, pelo desenvolvimento mais rápido e anticipado das circumvoluções frontaes esquerdas em relação ás do hemispherio direito. Se isto fosse um facto verdadeiro, a aptidão do hemispherio esquerdo para entrar em acção se apresen- taria mais cedo do que do lado opposto, epor isso também a sua edu- cação seria mais rápida e mais completa do que do hemispherio di- reito, onde esse gráo de educação ficaria sempre muito inferior pelo seu desenvolvimento tardo. Por esta theoria poder-se-hia ainda expli- car o facto insólito da conservação da palavra, não obstante uma le- são da terceira circumvolução frontal esquerda, appellando-se para um desenvolvimento mais rápido no embryão do hemispherio di- reito. Esta theoria, porém, não é sanccionada por todos: CarlVogt, antro- pologista notável, nega esse desenvolvimento anterior do hemispherio — 75 - esquerdo, e por isso a theoria de Gratiolet não deve ser aceita, e no estado actual da sciencia, devemos nos contentar em aceitar o facto da lesão freqüente do hemispherio esquerdo na aphasia que a observação tem demonstrado eloqüentemente. Com a perda da faculdade da linguagem articulada coincide muitas vezes a perda da faculdade da linguagem escripta. A coexistência da aphasia e da impossibilidade de escrever parece ser á primeira vista um facto natural, parece que estes dous phenomenos, que são os meios de communicação que possuímos para communicarmo-nos como mundo exterior, são de dissociação impossível, que um é filiação do outro : en- tretanto a clinica nos demonstra peremptoriamente, que podem estes dous phenomenos existir separadamente, donde se deve concluir que as sedes das faculdades das linguagens escripta e fallada são distinctas e separadas, embora se achem muito próximos os pontos do cérebro em que está cada uma dellas situada. Todos estes factos que acabamos de expor, evidenciados pela obser- vação clinica e pelos estudos physiologicos modernos, demonstrão que existe no cérebro um logar especial para a memória das palavras, e nos embalão na doce esperança de que talvez no provir com os progressos dos estudos physiologicos, se consiga descobrir os outros centros das nossas faculdades, que a psychologia ainda esforça-se por envolver sob o seu manto nebuloso. CAPITULO V. Diagnostico. A physiognomia similitudinaria á encephalorrhagia, com que certas moléstias costumão se apresentar, exige que se mostre entre estas - 76 - entidades mórbidas e a apoplexia sanguinea os signaes característicos que as distinguem. Entre estas moléstias umas têm a sua sede no encephalo ou nas suas membranas, outras são estranhas a este órgão ; as primeiras são representadas pela congestão, embolia, thrombose, amollecimento cerebral, a encephalite, a hemorrhagia meningeana, a hydropesia encephalica e a epilepsia ; as segundas são sobretudo a embriaguez, a asphyxia e a syncope. § Io. Moléstias que têm a sua sede no encephalo ou nas mem- branas DESTE ÓRGÃO: Congestão cerebral.— Quando a hyperhemia dos vasos do cérebro não é denunciada pelos symptomas súbitos e bruscos, peculiares ao ataque apoplectico, a sua confusão com a encephalor- rhagia é difficil; mas si essa hyperhemia dos vasos encephalicos é considerável e se produzio de um modo rápido, de maneira a aniquilar subitamente as funcções deste órgão pela pressão exercida sobre elle, a confusão das duas entidades mórbidas, que comparamos, é possivel, e o diagnostico será nimiamente difficil, pelos embaraços trazidos pela similitude dos symptomas destas duas moléstias. Signaes, entretanto, existem para guiar o pratico nestes casos difficeis, signaes que são constituidos em primeiro logar pelo gráo maior ou menor de aniquilamento das funcções do cérebro, em segundo logar, pela marcha e evolução natural que apresenta cada uma das moléstias em questão. Assim como a hemorrhagia cerebral, a simples congestão deste órgão pôde com effeito apresentar-se sob a fôrma apoplectica, e então os dous symptomas—abolição das faculdades intellectuaes e reso- lução muscular, que ordinariamente são observados no começo da primeira, se notão também na ultima destas moléstias. Na grande maioria dos casos, entretanto, si bem que o aniquilamento intellectual do ataque apoplectico seja igual em ambas estas moléstias, a resolução - 77 — muscular não se apresenta com igual intensidade cios dous lados do corpo, senão na hyperhemia geral e intensa do cérebro. Não podia na verdade deixar de ser assim, porquanto, sendo a resolução muscular o effeito da compressão da massa nervosa cerebral, somente se dará a resolução geral dos músculos quando esta compressão fôr geral: ora, na encephalorrhagia, pondo-se de parte os casos em que ha um derramamento de sangue colossal, a compressão exercida pelo foco hemorrhagico é muito limitada, e a paralysia é conseguintemente limitada a um dos lados do corpo somente, ao passo que na congestão apoplectica, a compressão exercida pelos vasos hyperhemiados se exerce com intensidade mais ou menos igual sobre toda a polpa nervosa, e por isso os effeitos desta compressão são diffusos, e a reso- lução muscular apresenta uma intensidade igual dos dous lados do corpo. A vista do que acabamos de dizer é evidente que, quando o derra- mamento sangüíneo fôr muito considerável e comprimir a totalidade da massa cerebral, a resolução muscular será geral, como nas hyper- hemias apoplectiformes. Apezar da semelhança perfeita que nestes casos apresentão estas duas moléstias, o diagnostico poderá ainda ser feito si attendermos, em primeiro logar, que quando se dá uma hemorrhagia, que determina uma resolução muscular geral, a para- lysia sensível e motora é muito mais profunda e absoluta do que quando se trata de uma simples congestão; em segundo logar, as hemorrhagias muito abundantes, únicas que se podem confundir com a congestão apoplectica, communicão-se ordinariamente com o interior dos ventriculos, e por isso não é raro que, quando ellas se dão, movimentos convulsivos ou contracturas, coincidindo ou alternando com a paralysia, se manifestem, o que não se dá quando a resolução muscular fôr effeito de uma mera congestão, Si os signaes dífferenciaes das duas moléstias, que procuramos distinguir, não se apresentarem de uma maneira bastante evidente para banir do espirito do practico as duvidas que acaso existirem, só - 78 — a marcha e a evolução natural da moléstia poderá aclarar o diagnos- tico. Com effeito, si o estado grave em que se achar o doente melhorar no fim de algumas horas, e o restabelecimento do doente fôr com- pleto no fim de 24 a 72 horas, não deverá haver duvida de que se tratava de uma simples congestão; quando, porém, os symptomas apoplecticos persistem além de dous a três dias, ou quando mesmo, desapparecidos estes, a paralysia persiste, zombando dos meios therapeuticos bem dirigidos, incontestavelmente neste caso a causa dos phenomenos mórbidos será uma hemorrhagia. Embolia cerebral.—Esta moléstia pôde muitas vezes confun- dir-se com a apoplexia sanguinea, e a distincção delia terá por base nestes casos, a anamnesis, o resultado do exame de certas vísceras, e a marcha ulterior que differe em cada uma destas duas entidades nosologicas. A idade que apresenta o doente é um dos mais úteis auxiliares, que o pratico jamais deverá desprezar, desde que se vir a braços com um diagnostico desta ordem: com effeito, é facto de observação que a hemorrhagia cerebral escolhe sobretudo para suas victimas os individuos de uma idade avançada, entretanto que a embolia attaca sobretudo os indivíduos ainda na flor dos annos. A existência ou a ausência de phenomenos prodromicos ao attaque, é igualmente uma base preciosa para o diagnostico: porque na embolia, o ani- quilamento das funcções cerebraes se faz de um modo completo, em virtude da modificação súbita produzida na circulação geral do cérebro pela brusca obstrucção arterial, e pois, nesta moléstia, a ausência dos prodromos é constante; a hemorrhagia cerebral entre- tanto, se bem que algumas vezes deixa de ser precedida de prodromos, é freqüentemente precedida por phenomenos que denuncião a sua approximação ás vezes por um espaço de tempo mais ou menos longo. Além destes dados que nos levará a capitular em grande numero de casos qualquer das duas moléstias de que fazemos o parallelo, - 79 - outros são fornecidos pelo exame das vísceras. A freqüente coexis- tência da embolia com os infarctus de certas vísceras, sobretudo do baço, que se mostra á percussão augmentado de volume e á pressão muito sensível, é um dado de um valor immenso a favor da embolia, visto como na encephalorrhagia não são estes infarctus observados. O exame do órgão cardíaco será igualmente de bastante vantagem, visto como as lesões do coração esquerdo, quer sejão oricas ou valvu- lares, assim como a endocardite aguda, são mais vezes observadas com a embolia dos vasos do cérebro. Não devemos, emfim, desprezar as contracturas e as convulsões, que algumas vezes se apresentão nos membros paralysados, visto como, desde que estes phenomenos se manifestarem, deveremos rejeitar a idéia de uma embolia, e abra- çar a de uma encephalorrhagia, moléstia em que estes symptomas soem se apresentar. Quando, porém, os signaes differenciaes precedentes não se apresen- tarem, então só a marcha ulterior da moléstia poderá elucidar o diagnostico : si, com effeito, no fim de 24 a 48 horas todos os phe- nomenos mórbidos se dissiparem, signal é de que a circulação col- lateral supplementar se realisou, e as porções do cérebro que havião perdido o seu funccionalismo pela ischemia, voltarão ao estado normal: neste caso é indubitavel que todas as desordens do organismo erão originárias de uma embolia; no caso, porém, em que os symptomas se conservarem inalteráveis por espaço 48 a 72 horas o diagnostico não poderá ser feito. Thrombose.—A thrombose dos vasos do cérebro, na grande maioria dos casos, não se pôde confundir com a hemorrhagia deste órgão. Com effeito, si esta ultima moléstia apresenta quasi sempre um começo brusco caracterisado pela abolição das faculdades psy- chicas e motoras, a primeira segue em geral uma marcha lenta, que é interrompida por aggravações bruscas, que ficão estacionarias ou seguem uma marcha retrograda, conforme a impermeabilidade do — 80 - vaso, que exagerada em um momento dado, conserva-se assim ou diminue. Seguindo assim os phenomenos mórbidos peculiares á throm- bose uma marcha irregular, podem cm uma época ulterior se agravar bruscamente, e então ou dá-se uma apoplexia, que em pouco tempo se dissipa, deixando somente como signal do attaque de que o individuo foi victima, uma paralysia limitada do movimento, ou a apoplexia não se dá, e neste caso o symptoma único que indica a aggravação da moléstia, é a paralysia, a qual pôde desapparecer, por uma compen- sação rápida e prompta, depois de um curto lapso de tempo para ser substituída em breve por uma outra, indicando assim a diffu- sibilidade e mobilidade dos symptomas que resultão da diffusão das lesões arteriaes, que determinão a thrombose. Casos ha excepcionaes em que a thrombose é apoplectiforme no seu começo, e então a difficuldade do diagnostico entre as duas mo- léstias, que ora analysamos, é de uma difficuldade quasi insuperável. Nestes casos insólitos devemos ter em vista que o começo apoplec- tico é excessivamente raro na thrombose, que nesta moléstia os phenomenos paralv ticos não apresentão nem a marcha, nem a distri- buição regular que apresentão na hemorrhagia cerebral; finalmente devemos ter em vista, que na thrombose os intervallos que separão os attaques são excessivamente curtos. Amollecimento cerebral.—Quando o amollecimento do cérebro reveste-se de uma fôrma chronica, facilmente se distingue da hemor- rhagia deste órgão. A invasão quasi sempre brusca, e o começo fulminante caracterisado por symptomas da máxima gravidade, que seguem depois uma marcha decrescente, são phenomenos peculiares á encephalorrhagia e alheios inteiramente ao amollecimento cerebral chronico, que apresenta uma marcha lenta e gradual, durante a qual os symptomas se incrementão paulatinamente até attingirem o seu máximo de intensidade, o que só acontece depois de um tempo mais ou menos longo. — 81 — Quando, porém, o amollecimento apresenta-se sob uma fôrma aguda as difficuldades do diagnostico differencial entre elle e a hemor- rhagia sobem de ponto: o começo brusco e inesperado com que o amollecimento ás vezes se mostra, a marcha consecutiva que apre- sentão os seus symptomas, tem tudo tanta semelhança com o que se passa na encephalorrhagia, que a duvida e a hesitação se apoderão do espirito do medico em casos taes. Esta difficuldade do diagnostico é mesmo para alguns practicos insuperável, como por exemplo para Grisolle, que a este respeito assim se exprime: Le ramollissement aigu, par son début brusque et sans prodromes, simule tellement une hémorrhagie, qu'un diagnostic différentiel me semble absolument im,possible. O professor Trousseau, entretanto, adherindo ás idéias de Récamier, affirma que estas moléstias apresentão caracteres differenciaes, que as distinguem perfeitamente entre si, assim diz elle: Toutes les fois qu^une paralysie est complete et absolue du cote du corps, fut elle survenue subitement, le malade conserve néanmoins son intelligencc et sa sensibilité, on peut dire quHl y a ramollisse- ment de cerveau. Quand au contraire, cette perte absolue du mouvement se lie à Ia perte de Ia sensibilité et de Vintelligence, quand sourtout Vindividu est tombe subitement dans le carus, óest une hémorrhagie consi- dérable. Estas duas proposições emittidas pelo sábio professor, são porém muito absolutas, porque, não só a perda da intelligencia e da sensi- bilidade pôde ter logar concumitantemente com a paralysia motora no amollecimento do cérebro, como também a conservação da intelligencia é um facto que se dá muitas vezes na hemorrhagia cerebral. Não são, entretanto, sem vantagens os signaes differenciaes apre- sentados pelo celebre clinico do Hôtel-Dieu; não os considerando — N2 — como positivos e absolutos, não podemos, todavia, deixar de reco- nhecer que a conservação da intelligencia, no momento do ataque, como uma presumpção em favor do amollecimento, visto como nesta moléstia, muito mais freqüentemente do que na hemorrhagia, a suspensão das faculdades intellectuaes não se dá. Além deste signal (tirado do estado da intelligencia) que nos leva a diagnosticar com uma tal ou qual probabilidade, que se trata de uma das moléstias em questão, Cruveilhier e Durand-Fardel assig- nalão um outro que, nos casos em que elle se apresenta, pôde trazer luz para o diagnostico, e que consiste em pequenos movimentos ou em um movimento único, que um dos membros paralysados apresenta no começo de um ataque de apoplexia intenso. Estes symptomas, que se apresentão somente, segundo estes autores, quando ha amolleci- mento, e que são inteiramente estranhos á encephalorrhagia, se explicão pelo facto de ser mais completa e mais irremissivel a com- pressão exercida sobre o cérebro pelo derramamento hemorrhagico, do que a que é exercida pela congestão do amollecimento. A contractura que ás vezes se mostra nos membros paralysados, quando tem logar um ataque apoplectico, tem sido considerada igualmente por alguns autores como um signal de grande valor para o diagnostico differencial das duas entidades mórbidas em questão. Não é, entretanto, este symptoma peculiar exclusivamente á nenhuma destas moléstias; tanto na hemorrhagia como no amollecimento cerebral póde-se encontra-lo freqüentemente, porém é incontestável que é elle um auxiliar poderoso para o pratico, e fornece-lhe bases mais ou menos sólidas para o seu diagnostico. Com effeito, sendo a con- tractura uma conseqüência das hemorrhagias no interior dos ven- triculos do cérebro, e esta hemorrhagia coincidindo sempre com signaes evidentes de uma forte compressão, é claro que todas as vezes que estes signaes, indicadores de um derramamento profundo, não se apresentarem, e não obstante as contracturas se manifestarem con- cumitantemente com um ligeiro ataque apoplectico, tratar-se-ha de — 83 - um amollecimento da polpa "do cérebro; e vice-versa, todas as vezes que os signaes de uma forte compressão existirem, e houver ausência de contractura, dever-se-ha ainda admittir a existência de um amolle- cimento, visto como a ausência de contractura exclue a idéa de he- morrhagia ventrícular, e os signaes de uma compressão profunda não admittem a idéa de uma hemorrhagia superficial. Finalmente além destes signaes, que nos podem guiar no diagnostico do amollecimento agudo, revestindo todos os symptomas de uma hemorrhagia, Récamier assim como 'Durand-Fardel considerão o augmento da sensibilidade cutânea, e as dores, que espontaneamente se manifestão nos membros paralysados por um ataque apoplectico, como phenomenos próprios ao amollecimento do cérebro, e inteira- mente estranhos á hemorrhagia deste órgão. Si bem que a presença deste symptoma seja de grande vantagem para o diagnostico, na maioria dos casos é elle inaproveitavel, visto como, no amollecimento agudo, onde elle poderia ser útil, só excepcionalmente se apresenta, ao passo que na fôrma chronica desta moléstia, onde a sua presença para o diagnostico é inteiramente dispensável, é justamente onde a sua freqüência é maior. Os symptomas peculiares a cada uma das moléstias que acabamos de comparar, quando se apresentão, nos podem induzir ao diagnostico verdadeiro da lesão cerebral, mas nem sempre mostrfio-se elles, e nestes casos a duvida sobre a natureza da lesão encephalica per- manecerá no espirito do practico, até que a autópsia mais tarde venha dissipa-la. Encephalite.— E esta uma moléstia que, quando se apresenta sob a fôrma apoplectica, pôde se confundir com a apoplexia sanguinea da qual se distingue por alguns caracteres somente, que lhe são peculiares, como demonstra a seguinte confrontação dos symptomas destas duas moléstias: a inflammação do cérebro é precedida em geral muito mais freqüentemente que a encephalorrhagia por - 8i - phenomenos prodromicos, que apresentão ordinariamente uma duração mais longa do que os que precedem esta ultima moléstia; na he- morrhagia os symptomas próprios do ataque apoplectico attingem desde o começo o seu máximo de intensidade, e seguem depois uma marcha decrescente, ao passo que na encephalite os symptomas seguem uma marcha inversa, e vão se aggravando de mais a mais; além disso, o ataque apoplectico da encephalite assim como a paraly- sia que lhe segue, são ordinariamente pouco intensos, e apresentão na maioria dos casos uma duração menor do que na hemorrhagia, onde também a intensidade dos phenomenos apoplecticos e paralyticos é muito maior; a pyrexia que se nota no primeiro período da encephalite é um symptoma completamente estranho á hemorrhagia, onde se observa logo após a ruptura vascular um abaixamento da temperatura normal, que se conserva algumas vezes assim durante toda a phase apoplectica, e que só mais tarde, elevando-se paulatinamente, chega a attingir á média physiologica, Além de todos estes symptomas existe um que nos pôde coadjuvar para o nosso juizo diagnostico, é a contractura precoce da encephalite. Este phenomeno é raro na encephalorrhagia, e se apresenta ordinariamente nesta moléstia mais tardiamente do que na encephalite; entretanto elle pôde se apresentar desde o começo do ataque apoplectico, quando o derra- mamento sanguineo se faz na cavidade ventrícular, e neste caso poderemos tirar vantagem não só do exame da temperatura do doente, que no caso de uma hemorrhagia será inferior á ordinária, como também da profundeza e da duração do coma, que será infallivelmente muito profundo e longo quando se tiver dado uma hemorrhagia ven- trícular. Hemorrhagia meningeana.—Sob duas fôrmas distinctas póde-se apresentar esta hemorrhagia, conforme é ella super-arachnoidiana ou sub-arachnoidiana. A primeira destas duas fôrmas sendo consecutiva á uma inflammação ordinariamente chronica do encephalo, o seu - 85 - diagnostico é por isso muito fácil; entretanto, se esta inflammação precursora da hemorrhagia não fôr descoberta, o que muitas vezes acontece, será julgado o ataque apoplectico determinado pela hemor- rhagia, como phenomeno protopathico, e o diagnostico então será difficil entre as duas hemorrhagias meningeana e cerebral. Poderá todavia ser este feito si attender-se: que a pachymeningite hemor- rhagicá é uma moléstia própria dos alienados; que nesta moléstia a remissão dos phenomenos mórbidos alterna com as exacerbações dos mesmos; que a paralysia, quando se manifesta, é mal limitada e tardia; finalmente que nesta moléstia as contracturas precoces e as convulsões epileptiformes são muito freqüentes. Quando a hemorrhagia meningeana é sub-arachnoidiana o dia- gnostico será fácil, quando esta moléstia apresentar-se revestida de uma marcha lenta, visto como, symptomas bastante salientes, que lhe são próprios e inteiramente estranhos á encephalorrhagia, se apresentão para não permittir a menor vacillação no diagnostico desta affecção. Estes symptomas são sobretudo os seguintes: Cephalalgia mais ou menos violenta e duradoura, á qual depois de um certo tempo succede-se uma somnolencia que vai pouco a pouco tornando-se mais profunda até o individuo cahir em um estado comatoso, que, apresentando remissões ao principio, permitte ao pa- ciente movimentos bastante perfeitos ; a resolução geral dos membros que acompanha ordinariamente este estado comatoso ; a ausência de paralysia limitada; emfim a presença algumas vezes de convulsões e de contracturas precoces, que Boudet considerava como um phe- nomeno de grande importância. Á vista destes symptomas próprios da hemorrhagia sub-arachnoidiana de fôrma lenta, que são por sua marcha differentes dos que se observa na hemorrhagia cerebral o diagnostico torna-se fácil. Quando, porém, a hemorrhagia sub-arachnoidiana apresenta uma marcha rápida, o doente cahe repentinamente em um coma profundo e continuo, com resolução geral e definitiva dos membros, e a morte tem - 86 — logar ordinariamente no primeiro dia, podendo todavia effectuar-se no segundo ou terceiro dia após o ataque. Neste caso, claro é, que o diagnostico não pôde ser feito senão depois de ter passado este lapso de tempo, visto como antes nenhum phenomeno especial se mostra para que possamos inclinar a nossa opinião de preferencia para qualquer das duas entidades mórbidas, que comparamos. Hydropisia encephalitica—Como a hemorrhagia meningeana pôde a hydropisia do encephalo effectuar-se lenta ou rapidamente: no primeiro caso a marcha chronica desta moléstia não permitte a sua confusão com a apoplexia sanguinea; no segundo, porém, ou se apresentão os prodromos caracterisados por phenomenos de excitação, taes como, convulsões, contracturas, delírio furioso, ou estes pheno- menos não se apresentão, e o doente cahe em um estado de somno- lencia que gradativamente attinge ao coma. Na maioria dos casos é fácil o diagnostico da hydropisia encepha- lica, porque além dos symptomas precedentes outros existem, que ser- vem para distingui-la perfeitamente da apoplexia sanguinea, da qual ainda se separa por sua marcha e por sua etiologia : a hydrocephalia é com effeito uma moléstia que é própria da infância ou da virilidade ; que coexiste com as differentes dyscrasias determinadas pela inanição, mal de Bright, cachexia cancerosa ou tuberculosa; que sobrevem muitas vezes no decurso de uma outra lesão do cérebro ou de suas membranas; que é caracterisada por symptomas, que não attingem o seu máximo de intensidade senão depois de um lapso de tempo mais ou menos longo; que determina um estado comatoso que é sujeito a remissões e aggravações repetidas ; que, emfim, apresenta symptomas diffusos, e a ausência completa de hemiplegia. Nem sempre, porém, é esta moléstia tão bem caracterisada, visto como casos ha, em que um derramamento brusco e abundante se faz no cérebro, de modo a determinar a compressão deste órgão e o apparecimento de uma apoplexia. Não é possivel o diagnostico - 87 — differencial entre a hydrocephalia apresentando-se sob esta fôrma e a hemorrhagia cerebral, entretanto deverá o practico nestes casos difficeis propender mais para uma hydrocephalia, quando o doente tiver um tumor cerebral, ou uma lesão do rochedo, ou emfim uma hydropisia situada em outra região qualquer do corpo. Epilepsia. —O diagnostico differencial entre esta moléstia e a en- cephalorrhagia é sempre muito fácil; nos ca sos em que esta nevrose se apresenta sob sua fôrma ordinária, na qual observa-se a perda de conhecimento, a queda, o grito, e a pallidez da face, phenomenos que são immediatamente seguidos de movimentos convulsivos geraes ou parciaes, o diognostico é nimiamente fácil ; e nos casos em que ha perda de sentidos somente, não acompanhada de movimentos convul- sivos, a duvida que então momentaneamente paira no espirito do medico, desapparece desde que elle souber que outros ataques de natureza idêntica se havião dado antes, guardando entre si um certo espaço de tempo durante os quaes a saúde do enfermo era mais ou menos completa; e quando isto não bastasse, a espontaneidade da terminação do ataque, e a ausência completa de paralysia dos mem- bros, não permittirião a hesitação no diagnostico. Não podemos nos deter no diagnostico differencial entre a ence- phalorrhagia e as lesões chronicas do encephalo, visto como é supérfluo que o façamos, attenta a marcha diversa que apresentão estas moléstias e a apoplexia sanguinea. § 2.° MOLÉSTIAS QUE TÊM A SUA SEDE FORA DO CRANEO.--A embria- guez alcoólica determina, como a hemorrhagia cerebral, a abolição das faculdades intellectuaes, sensiveis e motoras, e o diagnostico diffe- rencial basea-se somente, nos commemorativos colhidos a respeito do doente, no odor alcoólico que elle exhala no ar expirado ou nas matérias vomitadas, e no desapparecimento no fim de algumas horas de todos os phenomenos apoplecticos. A asphyxia quer seja provocada pela falta de ar respiravel, quer — 88 - seja produzida pela inspiração de gazes, que impedem a hematose pulmonar, taes como o azoto, o hydrogeno, o ácido carbônico, o oxido de carbono, os ácidos sulphurosos, nitrosos, o chloro, a ammonea, os hydrogenos arseniado e sulfurado, etc, não póde-se confundir com a encephalorrhagia, visto como os commemorativos, o conhecimento das causas ás quaes o individuo esteve exposto, esclareceráõ o diagnostico, o qual será evidente desde que a ausência do pulso e a suspensão da respiração forem também observadas. A syncope produz como a hemorrhagia cerebral a suspensão muitas vezes brusca das faculdades psychicas e motoras, mas esta suspensão no estado syncopal é em geral momentânea, e muito rara- mente pôde durar algumas horas; além disso, a suspensão da respiração, a ausência do pulso e das bateduras cardíacas são symptomas próprios da syncope e completamente alheios á apoplexia sanguinea. Taes são as principaes moléstias que se podem confundir com a que faz o assumpto da nossa dissertação : julgamos ter apresentado os principaes caracteres differenciaes, que podem ser úteis ao medico junto ao leito do doente. Não é bastante, porém, que o medico saiba distinguir a hemor- rhagia cerebral das moléstias que apresentão uma symptomatologia semelhante á esta entidade mórbida; é necessário também que elle reconheça, depois de estar convencido que se trata de um caso de hemato-encephalia, qual a sede da lesão cerebral, e a extensão mais ou menos provável do foco hemorrhagico, pois que este conheci- mento é de grande importância para o prognostico e para a previsão da marcha que ha de ter a moléstia. A observação clinica, associada aos conhecimentos fornecidos pela anatomia pathologica, e as luzes derramadas sobre as funcções espe- ciaes de certas regiões do cérebro pela physiologia experimental tendem sem duvida a induzir o pratico com gráo de maior ou menor probabilidade ao conhecimento do ponto do encephalo que foi lesado. - 89 - Este diagnostico topographico, que pôde ser feito quando as per- turbações resultantes do ictus apoplectico se limitão a uma ordem de órgãos ou apparelhos da economia, é, entretanto, muito difficultoso, quando as perturbações psychicas e motoras forem geraes, quando as faculdades intellectuaes se acharem aniquiladas e todos os movimentos suspensos; por isso é quasi impossivel se julgar da sede da hemor- rhagia no cérebro, senão depois de passada a phase apoplectica, que constitue ordinariamente o primeiro período da encephalorrhagia. Apezar dos incessantes esforços dos mais eminentes e incansáveis lidadores da sciencia, ainda não puderão ser descobertos no cérebro os pontos em que se achão situadas a mór parte das nossas facul- dades. Com grande difficuldade e depois de accurados e pacientes labores já havia-se conseguido levantar a ponta do véo que encobria os segredos Íntimos deste órgão mysterioso, onde a natureza caprichosa procurou occultar as funcções as mais complexas da animalidade, quando appareceu o microscópio lançando alguns raios de luz no meio das densas trevas que a negligencia dos homens do passado não havia permittido espancar. A grande lacuna da physiologia desta parte do systema nervoso começa a ser preenchida, mas longe está o tempo em que ella terá desapparecido completamente; os conhecimentos hodiernos a respeito do funccionalismo especial de certas regiões do cérebro são ainda grandemente limitados, mas as luzes que já possuimos sobre este ponto da physiologia nos alimentão a esperança de que mais tarde serão elles completos. Já nos tendo occupado na symptomatologia das differentes regiões do cérebro, á lesão das quaes podia se attribuir a apparição dos diversos symptomas da encephalorrhagia, não faremos aqui senão mencionar rapidamente os mais freqüentes e salientes symptomas que nos podem levar a ajuizar com uma tal ou qual certeza do ponto do cérebro em que teve logar a hemorrhagia. 49 ia - 90 - O primeiro destes symptomas, que nos induz a um diagnostico quasi certo da sede da lesão cerebral, é a hemiplegia, que occupando uma das metades do corpo indica ordinariamente uma lesão no he- mispherio cerebral do lado opposto. Como vimos algumas vezes a hemiplegia é alterna, nestes casos a sede da lesão no encephalo é o mesocephalo. A paralysia quando é geral indica que a sede da lesão occupa os dous hemispherios simultaneamente, ou a parte medica* da ponte de Varole ou a medulla alongada. A hemianesthesia é um symptoma que algumas vezes acompanha a hemiplegia, outras vezes, porém, elle se apresenta só em scena: no primeiro caso a lesão cerebral terá por sede não só os dous terços anteriores da cápsula interna, ou qualquer dos núcleos cinzentos centraes, como o terço posterior desta cápsula na parte situada entre a extremidade posterior do núcleo lenticular e a camada óptica; no segundo caso a sede da lesão cerebral será somente a parte a mais posterior da cápsula interna. Este diagnostico topographico será tanto mais certo quanto a hemianesthesia fôr mais antiga, porquanto no principio da moléstia os symptomas precedentes podem se apresentar embora a hemorragia se tenha effectuado em um outro ponto do ccrebro, no qual a existência de um foco mais ou menos volumoso pôde comprimir as partes circumvizinhas e tolher em virtude disto as funcções destas partes; ora, como a compressão exercida á distancia é tanto menor quanto o volume apresentado pelo foco fôr menor, e como este volume ordinariamente decresce na razão directa do tempo decorrido do começo do ataque, segue-se que o diagnostico será tanto mais preciso quanto mais antigos forem os symptomas precitados. Quando a hemorrhagia se effectua no interior dos ventriculos, as convulsões epileptiformes e a contractura precoce se mostrão annun- ciando a morte que não se fará muito esperar. A paralysia dos dous nervos de um mesmo par craneano ordinaria- mente indica que o foco hemorrhagico occupa a protuberancia annular. - 91 - Quando a hemorrhagia se assesta na terceira circumvolução frontal esquerda observa-se o phenomeno curioso da aphasia. Finalmente quando desordens se dão para o lado da ideação (sem que o thermometro nos mostre elevação da temperatura do doente) signal é de que a irrupção sanguinea se fez nas circunvoluções. Muito resumidamente são estes os symptomas da encephalorrhagia, que podem ser referidos a uma sede no cérebro mais preciza, e que por isso nos podem, induzir com muita probabilidade a um diagnostico topographico do foco hemorrhagico cerebral; outros symptomas ha entretanto, que já mencionámos no capitulo precedente, e sobre os quaes passaremos em silencio aqui, já porque a recapitulação delles seria inteiramente inútil, e já por ser a determinação das suas sedes no cérebro questão muito litigiosa. CAPITULO VI. Prognostico. A hemorrhagia cerebral é uma moléstia sempre grave, porque, si bem que as suas victimas nem sempre succumbão ao primeiro ataque, todavia não podem-se considerar livre de perigo, visto a freqüência com que esta moléstia se repete e aggrava á medida das suas repetições; além disso, embora os ataques apoplecticos não se repitão, os doentes, uma vez dado o primeiro ataque, só excepcional- mente recuperão integralmente a sua saúde primitiva, quasi sempre ficando em um estado perenne de enfermidade. A gravidade do prognostico depende não só da gravidade dos symptomas do ataque, das complicações, como da constituição e da idade do doente. A gravidade dos symptomas é relativa á quantidade de sangue extravasado, e á sede que occupão os derramamentos sanguineos. — 92 — A sede que occupa o foco hemorrhagico é sem duvida de grande importância para o prognostico : assim, si o foco hemorrhagico fizer irrupção no interior dos ventriculos ou nas meningeas cerebraes, ou si este foco occupar a protuberancia, a hemorrhagia é quasi que infallivelmente mortal; do mesmo modo, segundo o professor Charcot, quando o derramamento sangüíneo occupar a cápsula interna ou o doente morrerá, ou sobreviverá, porém neste ultimo caso conservará sempre uma paralysia com contractura indelével ; si, porém, o foco hemorrhagico não interessar senão a cápsula externa, o doente se restabelecerá completamente, não obstante a extensão da lesão. Não é somente quando os pontos lesados do cérebro são de grande importância, que a vida do doente corre perigos sérios ; pôde, com effeito, o derramamento sanguineo se operar em uma região não indispensável para a regularidade das funcções do organismo, mas ser elle de uma abundância tal que, comprimindo as partes indis- pensáveis para o equilibrio das funcções physiologicas, determine a morte immediata, ou sérios perigos para a vida do doente, e neste ultimo caso os symptomas são inteiramente idênticos aos que se observão quando se dá uma hemorrhagia ventrícular. Estes symp- tomas, que annuncião ao medico os grandes perigos que corre o seu doente, são sobretudo os seguintes: as contracturas e os movimentos convulsivos que se dão nos três ou quatro primeiros dias da moléstia; a paralysia simultânea dos dous lados do corpo, e acompanhada de um coma profundo, respiração entrecortada e estertorosa, impossi- bilidade de deglutição, decomposição dos traços physiognomicos, acceleração febril do pulso, calor exagerado da pelle e o delirio. Além destes symptomas dependentes da sede e da abundância do derramamento sanguineo, outros ha que se apresentão em conse- qüência de certas moléstias ou de algumas lesões que se dão no decurso da encephalorrhagia, da qual tornão o prognostico muito mais grave; estas complicações são: a encephalite que não se limi- tando á reparação do foco, vai muito além dos pontos, em que o ictus - 93 - hemorrhagico determinou a necrobiose, a meningo-encephalite, a pneumonia hypostatica, as escharas que se formão ao nivel do sacro, a diarrhéa e a arthrite, que ás vezes se observa nos membros para- lysados. Quando nos occupámos destas differentes complicações da encephalorrhagia, no capitulo consagrado ao estudo dos symptomas, mostrámos quanto o apparecimento dellas tornava esta moléstia mais grave, por isso julgamos inútil insistir mais sobre este ponto. Alguns autores acreditão que a constituição plethorica e o tempe- ramento sanguineo exercem uma acção incontestável sobre a repro- ducção da hemorrhagia do cérebro, e por isso, para estes o prognos- tico desta moléstia será mais grave quando se tratar de individuos desta constituição e temperamento, do que quando o doente tiver um temperamente opposto; outros, ao contrario, acreditão que nos doentes de temperamento lymphatico, que são magros e depaupe- rados, é mais difficil evitar um fim funesto, do que quando se trata de doentes de constituição e temperamento contrario. Parece-nos que esta ultima opinião está perfeitamente accorde com as causas patho- genicas mais freqüentes da encephalorrhagia, visto como esta moléstia depende, na grande maioria dos casos, de uma alteração vascular, que é engendrada pela pobreza de sangue ou alteração deste liquido, que só nos individuos depauperados e fracos, em virtude, quer de moléstias anteriores de que tenhão soffrido, quer da velhice, se encontra. As probabilidades de morte crescem na razão directa da idade. E dos 65 aos 75 annos que os focos hemorrhagicos mais difficilmente se cicatrizão, e é nesta idade sobretudo, que os derramamentos sangüí- neos se fazem nos ventriculos, e os focos hemorrhagicos se abrem nas meningeas ; ora, como a falta de cicatrização e a irrupção sanguinea nestes pontos são accidentes que trazem qua^i sempre a morte, se- gue-se que o prognostico nesta época da vida deve ser muito mais grave do que em outra qualquer idade. As*observações de Rouchoux, de Durand-Fardel e de todos os mais practicos. estão perfeitamente — 9'i — accordes sobre este ponto, edo exame dellas se deprehende que em re- gra geral, si a hemorrhagia encephalica, na velhice, algumas vezes poupa a vida dos doentes, não deixa todavia esta moléstia de legar ao organismo das suas victimas mutilações indeléveis, que as acompa- nharão ate á sepultura. De uma maneira positiva e certa não se pôde prever, se as altera- ções funccionaes provocadas pela apoplexia sanguinea para o lado da intelligencia, da myotilidade ou da sensibilidade, se dissiparão de um modo completo, ou se permaneceráõ inalteráveis; claro é que este juizo prognostico depende não só do conhecimento da abundância do der- ramamento sanguineo, como da quantidade da substancia nervosa que foi destruída. A persistência, depois de um certo numero de dias, de alguns dos symptomas da apoplexia, é um auxiliar que o medico deve attender, quando quizer formar a sua opinião a respeito da evo- lução ulterior das alterações funccionaes e orgânicas deixadas pela hemorrhagia: Com effeito, si depois de um certo tempo continuão a persistir o enfraquecimento intellectual, a paralysia da lingua, a paralysia motora do membro inferior e a anesthesia, signal é de que o derramamento devia ter sido abundante e que houve uma profunda lesão do cérebro, cujo tecido jamais será restituido ad integram, e ipso facto as funcções deste órgão não se restabeleceráõ completa- mente. CAPITULO VII. Tratamento. Para maior claresa desta parte importante da historia da hemor- rhagia cerebral, consideraremos, em primeiro logar o tratamento pro- phylactico, e em segundo o tratamento curativo. — 95 - tratamento prophylactico ou preservativo.— Sendo a encepha- lorrhagia uma moléstia excessivamente grave, rebelde na maioria dos casos a todos os recursos therapeuticos, seria sem duvida de grande vantagem prevenir esta moléstia apenas manifestassem-se os primei- ros prelúdios do seu apparecimento. Infelizmente, apezar dos esforços constantes dos vultos mais emi- nentes da sciencia, este desideratum ainda não pôde ser conseguido ; a falta de cunho próprio dos symptomas precursores da apoplexia san- guinea, e a manifestação muitas vezes brusca e inesperada desta mc- lestia, não permittem na maioria das vezes evital-a. Não é isto motivo entretanto para não nos acautelarmos dos golpes terríveis desta moléstia : «11 est assurément bien plus avantageux de prevenir une maladíe que de Ia guérir: mais souvent ni Vun ni Vautre 11 est possible. Cela ríempêche pas que, dans ious les cas, on ne doive tenter Vun et V autre t. .(Rochoux). O tratamento prophylactico consiste na observância de certos pre- ceitos hygienicos, que tendem a prevenir as congestões cerebraes, nos individuos sujeitos á hyperhemia deste órgão. Deverá ser recommen- dado a estes individuos um regimen sóbrio, composto sobretudo de vegetaes herbaceos, fructos, carnes brancas, leite e peixe ; será pros- cripto o vinho, o café, o chá e todas as bebidas estimulantes; ser-lhes- ha vedada a freqüência dos theatros, dos bailes, etc. e deverá o me- dico aconselhar-lhes a habitação do campo e a vida tranquilla; as fadi- gas intellectuaes, as vigílias prolongadas e as vivas emoções moraes deveráõ ser cuidadosamente evitadas; o coito deverá ser praticado com moderação; a cabeça nunca deve se achar muito coberta, as extremidades inferiores deverão se achar sempre quentes e bem pro- tegidas da humidade; o pescoço deverá se achar livre de qualquer constricção ; o ventre será mantido livre; as regras e os fluxos hemor- rhoidarios deveráõ ser favorecidos na época que ordinariamente costu- mão-se apresentar ; no quarto de dormir manter-se-ha uma tempera- tura fresca, e durante o somno será evitada cuidadosamente a posição - 96 — declive da c abeça, que deverá ser conservada levantada e sustentada por travesseiros de crina ou de palha. Taes são succintamente os meios hygienicos, que nunca devem ser desprezados pelo medico, quando signaes existirem que facão suspeitar que um individuo é sujeito á apoplexia sanguinea. Tratamento curativo.—Seguindo a ordem chronologica da mani- nifestação dos symptomas característicos da hemorrhagia cerebral, estudaremos em primeiro logar o tratamento próprio do ataque, e em segundo o tratamento dos accidentes consecutivos. Tratamento do ataque.— O primeiro cuidado do medico, junto de um doente que acaba de ser victima do ictus apoplectico, deverá ser de desembaraça-lo de tudo quanto possa impedir o livre curso da circulação, e por isso deverá começar por tirar as vestes ao doente, ou ao menos desaperta-las, deverá conserva-lo em um logar fresco e bem arejado, com a cabeça descoberta e elevada assim como o tronco, e compressas embebidas em vinagre ou água fria deveráõ ser collo- cadas sobre o couro cabelludo, e as extremidades inferiores deveráõ ser bem aquecidas. Após estas primeiras precauções o medico deverá procurar reani- mar e manter a excitabilidade dos elementos nervosos, que em virtude do ictus foi aniquilada. Para conseguir este fim lançará mão da sangria geral, a qual não só combaterá a hyperhemia geral do cérebro, que quasi sempre acompanha a hemorrhagia, como favorecerá, pela deplecção dos vasos, a circulação e o renovamento do sangue no cérebro, e diminuirá ao mesmo tempo, a pressão intra-craneana, cujo augmento é a causa da nevrolysia geral. Nem sempre, porém, a sangria é indicada: si nos individuos ro- bustos, vigorosos e ainda moços, apresentando um pulso cheio, largo e duro, ella é de uma utilidade incontestável, nos individuos fracos, debilitados, cacheticos e envelhecidos o seu emprego é formalmente — 97 - contra indicado, visto como, longe de attenuar o mal, pôde augmenta-lo creando os mais sérios perigos para a vida do doente. É por conseguinte o estado geral do individuo, o estado de suas forças, a idade, a constituição e o pulso os únicos guias que o practico tem para tomar a lanceta e emprega-la como o único recurso, ou para abandonar este instrumento como homicida. Si com effeito, tratar-se de um apoplectico ainda moço, robusto, apresentando as pulsações cardiacas enérgicas e vigorosas, não se deverá hesitar em abrir largamente a veia do braço, e não ter receio de extrahir de quatrocentas a quinhentas grammas de sangue. Si o doente melhorar, embora não volte a si, deverá o medico se abster de uma nova expoliação durante 24 a 36 horas, desde que o coma e o estado geral do doente não indicarem que a vida está em imminente perigo ; no caso, porém, em que a melhora dos symptomas próprios da apoplexia não tenha tido logar, que o estado comatoso continue profundo, que a resolução muscular perdure, e o gráo de anesthesia fôr muito considerável, empregar-se-ha as sangrias locaes logo após a phlebotomia, e sanguessugas serão applicadas successiva- mente sem interrupção por espaço de muitas horas, por detrás das apophyses mastoides, ou, ao longo do pescoço, ou, como procedia Lancisi, nas narinas. Em vez das sanguessugas póde-se empregar também com vantagem as ventosas escarificadas sobre o occiput ou na nuca. O effeito derivativo produzido pela applicação das sanguessugas é tanto maior, quanto mais próximo do cérebro fôr o ponto em que se faz esta applicação, porisso a pratica daquelles que pretendem colher este mesmo resultado fazendo essa applicação no ânus e nos mal- leolos não deve ser adoptada ; entretanto cumpre notar que, quando se pretende restabelecer as regras ou provocar um fluxo hemorrhoi- dario, que se suppõe ser, em virtude da sua suppressão, a causa da apoplexia; não se deve deixar de applicar as sanguessugas junto á margem do ânus ou na raiz das coxas. 49 Và — 98 — Como dissemos, a sangria nem sempre é indicada, e a extracção do sangue não deve ser feita cm individuos fracos e debilitados, que geralmente, quando accommett.dos pelo ictus apoplectico, apresentão um pulso irregular, pequeno e miserável, e uma impulsão cardiaca muito fraca; nestes casos deve-se procurar excitar e despertar a sensibilidade, sustentar as poucas forças que restão aos doentes, e por isso deve-se lançar mão dos excitantes cutâneos, das fricções sêccas, dos sinapismos, dos vesicatorios, da urticação, e finalmente das ventosas sêccas applicadas em grande numero sobre o thorax, o abdômen e os membros inferiores, ou das ventosas de Junod. Casos outros ainda existem, em que a sangria não sendo indicada immediatamente, não é todavia de uma maneira formal e peremptória contra indicada, taes são aquelles casos em que a apoplexia accom- mette os individuos de uma constituição regular e de uma força média, então, segundo a pratica usada por Grisolle, deve-se fazer uma pequena sangria exploradora, e conforme o effeito produzido dever-se-ha repetir esta emissão sanguinea ou não. Além do estado geral que traça as indicações e contra-indicações da sangria, não devei á o medico, ainda que o estado geral do doente indique este recurso therapeutico, emprega-lo sem consultar o estado do órgão central da circulação : si este com effeito apresentar uma lesão orgânica, orica ou valvular, a sangria deve ser repellida como um meio grandemente perigoso. Logo depois da sangria, que deverá, na generalidade dos casos, ser feita o mais próximo possivel do começo do ataque apoplectico, deverá o practico lançar mão dos derivativos sobre a pelle e sobre o tubo digestivo: as cataplasmas sinapisadas nas extremidades inferiores, os laxantes e os clysteres serão empregados com o duplo fim, de produzir uma derivação e de expulsar fora dos intestinos as matérias ester- coraes. Emfim, quando a apoplexia se der depois de uma injestão copiosa de alimentação, será de grande vantagem, antes de empregar a — 99 - sangria administrar-se um vomitorio, por exemplo, 10 a 15 centi- grammas de tartaro estibiado. Tratamento dos accidentes consecutivos.— Conjurados os pe- rigos immediatos da apoplexia, será pelo medico prescripta a dieta a mais severa: toda a alimentação do doente, até que o período de irritação tenha passado, não deve exceder de caldos, quando o doente fôr forte, no caso contrario, porém, se associará ao caldo um alimento de fácil digestão, e mesmo algumas colheres de vinho associado ao extracto de quina; além disso, o repouso mais absoluto e a completa tranquillidade de espirito será aconselhada; ao mesmo tempo, como bebida ordinária, será dada uma limonada, ou uma outra qualquer bebida fracamente acidulada. As vias digestivas devem ser constantemente observadas: quando houver vômitos, os clysteres purgativos alcançaráõ um excellente resultado, e para prevenir a constipação que algumas vezes sóe complicar esta moléstia, um purgativo salino, acompanhado de um ou dous copos de água de Sedlitz, será muito vantajoso. Quando a encephalite reparadora manifestar os seus primeiros symptomas, voltar-se-ha ao emprego das emissões sangüíneas, geral e local; insistir-se-ha sobre o uso dos derivativos intestinaes e cutâneos; o tartaro stibiado na doze de 10 centigrammas para um litro de um vehiculo, para tomar aos cálices durante o dia, produzirá na maioria dos casos evacuações abundantes, algumas vezes, porém, isto não acontece e será preciso empregar então de novo os purgativos salinos; os vesicatorios nos membros são também de grande vantagem como derivativos cutâneos. Além destes meios têm sido preconisadas as fricções mercuriaes nas têmporas e no couro cabelludo, e do mesmo modo tem-se aconselhado calomelanus dado internamente em dozes fraccionadas, afim de provocar uma forte salivação. Algumas vezes são os doentes accommettidos de insomnia e de uma grande agitação : como calmante alguns aconselhão um banho quente - 100 — dado com toda a cautela, porém nestes casos o emprego da morphina ou melhor da narceina dada na doze de 2 a 5 centigrammas é de um proveito mais seguro. Quando ha delirio e cephalalgia intensa, as compressas de água gelada são de grande vantagem. Durante a convalescença o regimen do doente será severamente vi- giado : a dieta continuará rigorosa, para os individuos robustos, ao menos em quanto não houver completamente desapparecido a cepha- lalgia, para os individuos fracos será pelo contrario aconselhado o uso dos tônicos e analepticos ; o uso das pilulas contendo 2 centigrammas de aloes será feito de 2 em 2 dias, afim de prevenir a constipação de ventre. Passados os perigos da apoplexia e da encephalite, os doentes pode- ráõ se alimentar desde então melhor, e deveráõ procurar mover con- stantemente os seus membros paralysados, afim de evitar a atrophia, que os invadirá mais promptamente si se conservarem inertes. A paralysia é ordinariamente o único symptoma da apoplexia que persiste, e que zomba na quasi totalidade dos casos de todos os recursos therapeuticos: com effeito, é quasi sempre sem proveito, e algumas vezes mesmo com perigo, que se tem empregado contra estas paraly- sias: a electricidade, tão preconisada por Duchenne; o galvanismo; a noz vomica e a strychnina, que além de serem inúteis são perigosos pelas congestões que estes medicamentos determinão para o cérebro; os vesicatorios volantes; as duchas salinas, sulphurosas e de vapor. São todos estes meios impotentes para curar a paralysia, e por isso devem elles ser abandonados. Uma vez o individuo restabelecido da apoplexia sanguinea, deverá evitar cuidadosamente as recidivas, que são extremamente communs nesta moléstia, e para conseguir isso é necessário ter um regimen sóbrio, passear ao ar livre, evitar a prisão de ventre, os resfriamentos, as vigilias, o trabalho intellectual, os esforços physicos, e em uma palavra, tudo quanto puder concorrer para que se dê uma hyperhe- mia para o cérebro. — 101 — Aqui terminamos o nosso pouco importante trabalho, que é sem duvida alguma muito deficiente; mas em attenção aos esforços que fizemos para torna-lo o menos imperfeito que nos foi possível, e ao espaço de tempo extremamente curto de que dispuzemos para tratar de uma questão tão vasta, como é a hemorrhagia cerebral, julgamos que merecemos toda a benevolência daquelles, que sobre elle emitti- rem um juizo. (CADEIRA DE CHIMICA ORGÂNICA.) Alcalóides naturaes. i. Os alcalóides naturaes são corpos que, tendo a instabilidade, mobi- lidade, versatibilidade da molécula orgânica, gozão, entretanto, de propriedades chimicas análogas ás dos alcalis mineraes. II. Não tem fundamento a opinião dos que negão a preexistência dos alcalóides na organização. III. Os alcalóides naturaes ou são sólidos como a morphina, quinina, strychnina etc, ou liquidos como a conicina e nicotina. IV. Os alcalóides sólidos são quaternários, os liquidos são ternarios. Nestes falta o oxigeno que se encontra naquelles; o azot) é con- stante. V. Os alcalóides existem na organização quasi sempre combinados com os ácidos, ora são ácidos mineraes ou orgânicos já conhecidos, - 103 - ora são ácidos especiaes, como o meconíco que se encontra no ópio em combinação com a morphina, o quinico que se encontra nas cascas peruvianas em combinação com a quinina, o igasurico que se encontra na noz-vomica em combinação com a strychnina etc. VI. Os saes resultantes da combinação dos ácidos com os alcalóides são mais solúveis na água do que os alcalóides isolados (excepto o sulfato de quinina). VIL Os alcalóides naturaes desvião o plano de polarísação da luz para a esquerda excepto a cinchonina e este poder rotatório diminue sob a influencia dos ácidos (excepto a quinina que nestas circumstancias desvia com mais energia, e a narcotina que desvia para a direita). VIIL Os processos geraes de extracção dos alcalóides varião segundo se trata de alcalóides sólidos insoluveis, alcalóides sólidos solúveis, alca- lóides liquidos e voláteis. IX. Todos os processos geraes de extracção dos alcalóides suppoem que elles se achem no estado salino na organização. X. A administração therapeutica dos alcalóides raramente se faz no estado isolado (excepto a strychnina, a brucina de que o uso tem adoptado a fôrma isolada); em geral é no estado salino que elles são administrados. XI. Os sabões de alcalóides são excellentes fôrmas pharmaceuticas de administração dos alcalóides, na therapeutica externa, — 404 — XII. A strychnina é um alcalóide cuja presença pôde ser denunciada pelo reactivo de Bouchardat, mesmo que ella esteja em um estado de diluição considerável. XIII. O reactivo de Bouchardat é o melhor antidoto da strychnina, quando esta ainda não foi absorvida. XIV. Os caracteres crystallographicos dos precipitados obtidos com a potassa sobre a strychnina, brucina e veratrina nos offerecem um curioso meio de distinguir estes três alcalóides. XV. O sulfo cyanureto de potássio, precipitando a narcotina em roseo e não o fazendo a morphina e codeina, nos offerece um meio de diffe- rençar estes três alcalóides. XVI. O chlorureto de ouro, precipitando a brucina em côr de café com leite, a strychnina em amarello escuro, e a veratrina em amarello pallido, constitue ainda um reactivo importante na distincção destes alcalóides. XVII. A côr de opala é um caracter essencial aos sae3 de quinina, quando dissolvidos em grande excesso d'agua. XVIII. A bella côr verde esmeralda que se obtém quando se trata a quinina pela água chlorada ou bromada e depois pela ammonea, é um phenomeno muito importante nas reacções daquella base. — 105 — XIX. A pereirina é um corpo cujas propriedades básicas são tão evidentes, cujas reacções chimicas são tão semelhantes ás dos outros alcalóides, que não podemos deixar de considera-la verdadeiro alcalóide. XX. A pereirina pôde substituir na therapeutica com vantagem a cinchonina, e ser empregada com muito bons resultados onde não se poder lançar mão da quinina. XXI. Haveria vantagem no emprego therapeutico da cicutina em logar do extracto de cicuta, desde que este alcalóide estivesse em estado conveniente de diluição. 49 14 EMp II MHI4HAS C»W«M (CADEIRA DE CLINICA EXTERNA.) Do melhor methodo de tratamento das feridas accidentaes e cirúrgicas. i. A ferida, quer accidental quer cirúrgica, não apresentando com- plicações nem accidentes, segue a sua marcha natural e tende á cura, ou por primeira intenção ou por cicatrização sem suppuração, II. A ferida apresenta três phases: a l,a em que não ha formação de botões carnosos; a 2,a caracterisada pela presença dos botões carnosos; a 3,a pela cicatriz. III. Na primeira phase a ferida apresenta um grande poder absor- viente devido á abertura dos canaliculos lymphaticos e venosos. É' nesta phase que deve-se temer mais a septicemia cirúrgica. IV. A indicação geral nesta primeira phase é proteger a ferida da acção do ar carregado de organismos inferiores que provocão os accidentes das feridas. — 107 — V. O curativo pelo álcool é indicado em muitas circumstancias es- peciaes. VI. Dentre os meios de curativo devem ser preferidos a reunião im- mediata sempre que se a possa alcançar, depois os coaguladores da albumina, e depois os protectores mecânicos. VII. Dos coaguladores são preferíveis o álcool, o ácido phenico em doses não cáusticas, e dos protectores mecânicos o collodio, o pro- tective de Lister (e seu curativo). VIII. Na segunda phase ou ha suppuração ou não, se ha suppuração a indicação é a freqüência dos curativos, muito asseio e curativos desinfectantes. IX. Se não ha suppuração não se deve intervir na marcha natural da cicatrização, e deve-se limitar a proteger a ferida. X. Nesta segunda phase o poder absorvente é muito menor, e se ha suppuração deve-se ter todo o cuidado em não fazer sangrar a ferida, porque desse modo se abrem novas boccas absorventes, que dão entrada aos princípios septicos. — 108 — XI. Se a ferida apresenta botões carnosos de má natureza ou atonia, devemos procurar vêr se este estado local é ligado a um estado geral, ou se é puramente local. XII. No primeiro caso attende-se ao estado geral, modifica-se e usa-se de tópicos estimulantes ou excitantes. No segundo caso modifica-se a ferida somente. sstfyÃo bs ws&im meios (CADEIRA DE PATHOLOGIA INTERNA.) Lesões orgânicas do coração i. Dá-se o nome de lesão orgânica do coração á alteração per- manente do tecido deste órgão, revestindo um caracter evidente de chronicidade. II. 1 Esta moléstia dá-se sobretudo em virtude das degenerescencías atheromatosas e da endocardíte, por isso as suas causas principaes são: o alcoolismo, a velhice e o rheumatismo. HI. As lesões oricas e valvulares do coração determinão sempre depois de um certo tempo a hypertrophia deste órgão. IV. A hypertrophia cardiaca é o agente aniquilador dos máos effeitos que as lesões oricas e valvulares soem produzir no organismo. V. O rompimento do equilíbrio circulatório se dá quando o órgão cardíaco não pôde lutar contra o obstáculo que perturba a marcha • regular da circulação. - 110 — VI. Quando se dão as lesões oricas ou valvulares, a pressão venosa tende a augmentar-se, e a pressão arterial a diminuir. VIL Com uma lesão considerável dos orifícios ou das válvulas pôde a vida prolongar-se por muito tempo, sem que nenhuma perturbação para o lado das funcções dos outros órgãos da economia se ma- nifeste. VIII. Todos os orifícios e válvulas do órgão central da circulação podem ser lesados, mas são sem comparação as lesões do orifício ventrícular esquerdo muito mais communs. IX. A estase venenosa, consecutiva a uma lesão orgânica do coração, é a causa principal dos accidentes mórbidos que se apresentão nos differentes pontos do organismo. X. A compensação determinada pela hypertrophia, quando ha uma lesão orica ou valvular, é, na maioria dos casos, temporária, visto como, esta hypertrophia excede aos limites de uma compensação salutar. XI. Quando se dá a ruptura do equilíbrio circulatório, o terceiro período das affecções cardíacas se apresenta: é o período de asystolia. XII. A auscultação é sem duvida alguma o meio mais infallivel para o diagnostico topographico das lesões cardíacas. - 111 — XIII. O exame do pulso, comquanto seja um auxiliar poderoso para o reconhecimento do ponto que é a sede da lesão cardiaca, todavia em nenhuma outra lesão, quer orica, quer valvular do órgão central da circulação, o pulso não é tão característico como na insufficiencia aortica, da qual elle é um signal quasi pathognomonico. XIV. A gravidade da moléstia cardiaca nem sempre está na razão directa do numero de lesões de que o coração é a sede. HIPPOCRATIS APHORISMI ——«t i ■ ■ I. Solvere apoplexiam vehementem quidem impossibile; debilem vero non facile. (Sect. II, Aph. 42.) II. In febribus acutis convultiones et circa víscera dolores vehe- mentes, malum. (Sect. IV, Aph. 66.) III. In morbis acutis cum febre, gemebundse spirationes malse. (Sect. VI, Aph. 54.) IV. In acutis morbis, extremarum partium frigus, malum. (Sect. VII, Aph. 1.) V. Ad extremos morbos, extrema remedia exquisite optima. (Sect. I, Aph. 6.) VI. Duobus laboribus simul obortis non in eodein loco, vehementior obscurat alterum. (Sect. II, Aph. 46.) 49 15 7141 Esta These está conforme os Estatutos.—Rio de Janeiro, 4 de Outubro de 1877. Dr. Benjamin Franklin Râmiz Galvào Dr. Pedro Affonso Franco. Dr. João José da Silva. ^§&F&-.