FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO « 5> M DO -A DISSERTAÇÃO SEGUNDA CADEIRA DE CLINICA CIRÚRGICA DE ADULTOS PONTO 4° Estudo clinico o patlopoico das nlceras idiopáicas da perna PROPOSIÇÕES Três sobre cada uma das cadeiras da Faculdade THESE APRESENTADA A FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO Em 15 de Março de 1886 E PERANTE ELLA SUSTENTADA EM 15 DE ABRIL DE 1886 POK iirgil'io üenedicto D Natural do Rio de Janeiro DOUTOR EM MEDICINA PELA MESMA FACULDADE FILHO LEGITIMO DO Conselheiro Cüristiano Benedicto Ottoni e D. Barbara Balbina Ottoni KIO DE JANEIRO Typographia de Laemmert Õt C. 71, RUA DOS INVÁLIDOS, 71 noni í u\ íiinmiiivi ha m/i nií ülT \ IJL I1IL MM DIHECTOK. Conselheiro Dr. Barão de ÍSaisoia. VICi; niltKCTOK.-Conselheiro Dr. Albino Rodrigues de Alvarenga. SECKETAUIO. —Dk. Carlos Ferreira de Souza Fernandes. LENTES CATIIEDK.4TICOS Os Illras. Srs. Drs.: João Martins Teixeira........ Physica medica. Augusto Ferreira dos Santos ...... Chimica medira e mmeralogia. João Joaquim Pizarro........Botanii a medica e zoologia. José Pereira Guimarães........Anatomia de^riptiva. Conselheiro Barão de Maceió......Hislologia iheurna e pratica. Domingos José Freire. .... Chimica orgânica biológica. João Baptisla Kossulh Vinelli . ..... Physiologia theonca e experimental. João José da Silva........Patnol, gia geral. Cypriano de Souza Freitas.......Anatomia e physiologia pattiologicas. João Damasceno Peçanha da Silva.....Palhologia medica. Pedro Alíonso de Carvalho Franco (Exarai ad<> ) Palhologia cirúrgica. Conselheiro Albino Rodrigues de Alvarenga . . Matéria medica e therap. especialmente braz.a Luiz da Cunha Feijó Júnior......Obstetricia. Barão de Moita Maia (Presidente).....Anatomia topogranhica. mediein operalona experimental, apparelliose peq. cirurgia. Nuno Ferreira de Andrade.......HygieiV e historia da medicina Jo>é Maria Teixeir.i...... . Pliarmacologia e arte de formula:. Agostinho . osé de Souza Lima.......Yedicina legal e loxicologia. Conselheiro João Vicente Torres Homem . .\CHnica medica de adullos. Domingos de Almeida M. Co ta ...■•» Cons Barão de Saboia .......\Clinica cirúrgica de adultos. João da Costa Lima e Castro.....) Hylario Soares de Gouvêa.......Clinica ophlalmologica. Erico Marinho di Gama Coelho.....Clinica obstetrica e gynecologica. Cândido Barata Ribeiro (Examinador). . . . Clinica medica e cirúrgica de crianças. João Pizarro Gabizo......... Clinica de moléstias cutâneas e syphiliticas João Carlos Teixeira Brandão......Clinica, psychiatrica. LENTES SUBSTITUTOS SERVINDO de ADJUNTOS Os Illuis. Srs. Drs. Antônio Caetano de Almeida (Examina o ). . . Anatomia topographica, medicina oueraiori.i, experimental appãrelhos e peq. cirurgia Oscar Adolpho de Bulhões Ribeiro (Examin dor). Anatomia descriptiva. José Benicio de Abreu........Matéria medica e therap.especialmente braz» ADJUNTOS Os lllms. Srs. Drs.: ..............Physica medica. .............. Chimica medica e mincralogica. Francisco Ribeiro de Mendonça.....üotanica medica e zoológica. ...............Hislologia theorica e nratica. Arthur Fernandes Campos da Paz.....Chimica orgânica eliologica. João Paulo de Carvalho.......Physidogia theorica e experimental. Luiz Ribeiro de Souza Fontes.....Anatomia e physiologia palhologicas. ........... . . Pharmacologia e arte de formular. Henrique Ladislau de Souza Lopes. Medicina legal e tnxic»logia. Benjamim Antônio da Rocha Faria .... Hygiene e historia da medicina. Francisco de Castro.........• Eduardo Augusto de Menezes. .... I ry • .• , . ,, d j i i n /Clinica medica de adultos. Bernardo Alves Pereira........l Carlos Rodrigues de Vasconcellos. . ' Ernesto de Freit.s Crissiuma......) Francisco de Paula Valladares .... (n-- ■_ • j ... n i o • j »« iL- >-L.linica cirurgici de adultos. Pedro Sevenano de Magalhães . I 8 Domingos de Góes e Vasconcellos.....' Pedro Paulo de Carvalho. ... . . Clinica obstetrica e gynecologica. José Joaquim Pereira de Souza.....Clinica medica e cirúrgica de crianças. Luiz da Costa Chaves Fa' ia.......Clinica de n olestia* cutâneas e syphiliticas Joaquim Xavier Pereira da Cunha .... Clinica ophlalmologica. Domingos Jacy M > tein> Júnior . . Clinica psychiatrica. N.B.-A Faculdade nãoapprova nem rep-ova a- opiniões emiti idas nas theses que lhe sã apresentadas Escolhi para minha these as ulceras idiopathicas da perna, por- que muito me tem impressionado a observação de sua enorme fre- qüência em vários hospitaes desta Corte, o grande numero de casos que recorrem ás consultas gratuitas, a persistência da moléstia, mesmo quando colhe algum resultado dos tratamentos applicados, a pertinácia das recahidas e sua rebeldia aos melhores meios curativos. Esta parte da cirurgia parece ser uma das mais ingratas; a multiplicidade dos casos e o caracter com que se apresentão, constitue quasi um desespero para a maior parte dos práticos. A resistência que oppoem estas affecções aos melhores trata- mentos, aos maiores e mais intelligentes esforços e sacrifícios, ex- plica a repugnância que lhes têm os cirurgiões, e talvez também o nu- mero limitado de theses, que sobre este ponto têm sido apresentadas á Faculdade. Não são as pernas a sede exclusiva desta moléstia, que também tem sido observada em outras regiões do corpo humano ; mas neste caso achão de ordinário explicação sufficiente em uma moléstia geral ou são apenas conseqüência de outra lesão local, podendo portanto ser debelladas, logo que se consegue remover a causa que as entretém, e de que não são mais do que symptomas. Quando as pernas são a sede, revestem quasi sempre as ulceras o caracter de idiopathicas, e então. apenas encontrão no estado geral ou em outras affecções locaes causas que mais ou menos favoreção o seu desenvolvimento, mas cuja remoção não produz necessariamente a cura da ulcera; não é mais esta um mero symptoma; constitue por si a moléstia, e exige tratamento, que lhe seja directamente applicado. 1 1886 — 2 — Qual a razão desta preferencia das ulceras idiopathicas pelos membros inferiores, especialmente pelas pernas ? E' ponto que não me parece caber bem nas consideraçães preliminares que ora me oc- cupão; delle tratarei opportunamente. Tem havido quem negue a existência das ulceras idiopathicas; alguns autores acreditão que são ellas devidas a um estado geral, a que chamarão arthritismo, herpetismo, etc. Acanho-me de entrar no exame desta divergência, não porque pense estar ja firmada a ver- dadeira doutrina, mas porque com as poucas luzes de quem apenas acaba de deixar os bancos da Escola, parece-me que seria temeridade querer interpor juizo próprio nesta elevada controvérsia de pathologia geral. Acceitando, pois, a opinião do maior numero, considerarei provada a existência das ulceras idiopaticas, e tratarei na seguinte ordem das diferentes questões, de que me parece dependente o meu assumpto. Em primeiro logar procurarei caracterizar as ulceras, não per- dendo tempo na estéril pesquiza de uma definição que possa satis- «^ fazer a todos os requisitos da lógica; mas, apresentando o mais me- thodicamente que me fôr possível os caracteres anatômicos e outros symptomas da aífecção, sem que me preoccupe a falta de uma fór- mula geral que abranja todos os casos. Farei esforço por bem es- pecificar as feições distinctivas da moléstia, de modo que não se possa onfundir com outras de quadro nosologico. Bem caracterizadas estas lesões, o que não me parece difficil, esforçar-me-hei por mostrar o modo de evolução intima do processo ulcerativo e apontar as diferentes causas productivas do mal. A etiologia e pathogenia achão-se assim approximadas, o que me ha- bilita a tratar de ambas simultaneamente no mesmo capitulo. O exposto comprehende a indicação das matérias tratadas nos dous primeiros capítulos desta memória. O terceiro será dedicado aos meios therapeuticos que têm sido lembrados ; expondo-os, guiado sempre pela observação clinica, interporei sobre cada um a minha opinião individual, sempre que me fôr possível forma-la com certa segurança de convicção. Resumirei, finalmente, as conclusões a que o meu estudo me houver conduzido. — 3 — Anatomia pathologica e symptomatologia Não posso deixar de reunir em um mesmo capitulo as duas maté- rias indicadas na epigraphe : os dados que fornece a anatomia patho- logica, sendo verdadeiros symptomas, indispensáveis para bem cara- cterizar as affecções de que trato, não podem achar logar mais apropriado do que em um artigo de symptomatologia. Se eu separasse a anatomia pathologica, como o fazem a maior parte dos autores, vêr-me-hia obrigado, como elles, a constantes repetições. A solução de continuidade, que constitue a ulcera, nunca se produz, sem que esteja de longa data preparada por alterações mais ou menos profundas dos tecidos da perna. Estudo no presente capitulo essas alterações, porque me parece mais curial considera-las entre os symptomas do que entre as causas predisponentes. Verdade é que muitas dellas precedem e preparão ou antes annuncião o apparecimento da moléstia, o que não obsta, a meu vêr, que sejão consideradas sym- ptomas ; muitas outras, entretanto, sobrevêm no desenvolvimento da affecção e servem para caracterisa-la. Não poderia eu instituir o estudo de alguma dessas alterações com o da etiología, e o de outras com o dos symptomas, não só porque isso me obrigaria a truncar um assumpto importante como o da anatomia pathologica, mas também porque não ha constância nas alterações que precedem ou succedem á solução de continuidade. As alterações que em um caso podem parecer causas porque precedem, em outros parecem effeitos, porque são consecutivas da ulcera ; e vice-versa. Este facto é tão notável que nelle se fundão autores de nomeada para excluir toda e qualquer relação de causa a effeito entre as alte- rações dos tecidos e a ulcera ; elles as considerão como lesões connexas dependentes da mesma causa. Uma analyse deste parecer teria logav em artigo de pathogenia. — 4 — Os primeiros phenomenos que se manifestão e constituem o pri- meiro passo para a solução de continuidade, são em regra traumatismos, pústulas, ou phlycténas. Sem algum destes accidentes, que representao o papel de verdadeiras causas occasionaes, é raro manifestar-se a solução de continuidade que constitue a ulcera, seja qual fôr o gráo de perturbações da nutrição, que predispõe os tecidos para o seu apparecimento. Os traumatismos varião consideravelmente em sua intensidade, desde os mais violentos, como os que rasultão da queda de grandes alturas, ou do choque contra o membro de pesados materiaes, até os mais ligeiros, ás vezes representados por attrito tão insignificante que chega a passar desapercebido. Quando as perturbações nutritivas são grandemente accentuadas, comprehende-se facilmente que o mais ligeiro attrito ou qualquer causa que produza uma pequena solução de continuidade pôde dar origem a uma ulcera. Mas se aquellas perturbações forem menos notáveis, preciso é que maior seja a intensidade do traumatismo, o qual nestes casos manifesta a sua acção, ou por contusões que determinão a morti- ficação de parcellas dos tecidos e a eliminação de escaras deixando superfícies denudadas; ou desde logo por soluções de continuidade que em vez de uma marcha regular para a cicatrização, persistem, suppurãoe crescem. Dá-se neste caso conversão de uma ferida em ulcera,o que também pôde succeder com o traumatismo cirúrgico. O trauma não é condição indispensável ao apparecimento das ulceras; mas parece ser a causa occasional mais freqüente. E' verdade que muitas vezes esta eausa fica desconhecida, ou por ser muito banal, ou porque as informações a respeito prestadas pelos doentes são vagas e de pouco valor. A inflammação do corpo mucoso produz o apparecimemto de phlycténas ou pústulas, que, rompendo-se, deixão denudada a camada de Malpighi. A superfície denudada não se cobre de nova epiderme; sobre ella apparecem crostas mais ou menos espessas, que per- sistem durante um tempo variável e que ao cahir deixão uma superfície ulcerosa. Assim, a applicação intempestiva de um vesicatorio pôde dar - 5 —• começo a uma ulcera; das queimaduras pôde provir o mesmo resul- tado. Podem também provir de certas affecções como das pústulas pro- duzidas pelo ecthyma cachetico, como Billrothh assignalou. Não menos, podem ser consecutivas a abertura espontânea ou provocada de abscessos, á disseminação de pontos gangrenosos e eli- minação consecutiva das escaras. Em certos doentes sobre vem a erupção de pequenos furunculos. Estes desseccão-se formando crostas, que ao cahir deixão desnudada uma superfície, mais tarde uma ulcera. Estas condições etiologicas, que eu não devia omittir, encetando a matéria deste capitulo, por si sós não bastão para produzir ulceras ; estas dependem de alterações dos tecidos, mais ou menos pronunciadas, das quaes passo a occupar-me. Lesões da pelle. A pelle, em roda da ulcera e alguns centí- metros de distancia apresenta-se espessa, luzidia, pigmentada e adherente ás camadas profundas de tecidos; sua côr é rubra, pardacenta, ou azulada como asphyxica. E' as vezes recoberta de escamas, offe- recendo o aspecto de uma pelle de réptil; pôde ser a sede de prurido e erupções. Nos limites da lesão, a pelle não existe: vê-se em seu logar uma su- perfície ligeiramente papillar formada pelas granulações; ahi se encontra um tecido de cellulas redondas embryonarias sem vestígio algum de tecido epithelial, e logo abaixo um tecido fibroso muito denso, em vez do derma. Ha ausência completa de glândulas sudoriparas e sebaceas. A adherencía da pelle ás partes profundas a torna immovel, rígida, a ponto de não poder ser enrugada, immobilidade que não está em relação com a idade, nem com a extensão das alterações. Na vizinhança da ulcera, a pelle pôde attingir a 8 e mesmo a llmm de espessura; suas diversas camadas são consideravelmente modificadas. E' difficil e freqüentemente impossível destacar a epiderme, apezar de muitos dias de maceração ; ella se confunde completamente com o derma. O derma, fortemente espessado, é de uma dureza quasi cartila- ginosa; oppõe grande resistência á incisão. Hypertrophia-se — 6 — progressivamente das partes superiores sans para um limite máximo que circula a ulcera; deste ponto começa a de crescer de um modo muito brusco até terminar-se por um borrelete, após o qual sente-se considerável depressão. A superfície de secção do derma é uniforme, mas procurando afastar os seus bordos, toma um aspecto ligeiramente extractificado. O colorido geral é amarello ; nas camadas superfíciaes se notão abun- dantes depósitos de pigmento. Observão-se vasos dilatados e numerosas cellulas embryonarias que indicão a inflammação da região. As papillas são notavelmente hypertrophiadas; seus vasos e os da camada sub-papillar são dilatados; seu tecido amorpho é substi- tuído por um tecido fibrillar. O tecido cellular adjacente é extremamente denso, espessado e de aspecto lardaceo ; adhere intimamente á face profunda do derma. E' fraca a adherencia da aponevrose de invólucro com os mús- culos da perna e periosteo ; é mais accentuada com a face profunda do derma ; mas em todos os casos pôde se precisar bem os limites respe- ctivos, graças á presença da rede venosa superficial muito desenvol- vida. Ao nivel da articulação tibio-tarsiana as adherencias do derma com a massa das bainhas tendinosas são pequenas ou nullas, pois que dellas se separa com facilidade ; mas o tecido cellular é ahi muito mais denso do que no estado normal. Algumas vezes o derma e o tecido conjunctivo se transformão em uma verdadeira ganga fibrosa, e esta sclerose da pelle determina a atrophia das glândulas sudoriparas e dos folliculos pilo-sebaceos, que podem desapparecer completamente, sem deixar vestígios. Entretanto as secreções cutâneas e as producções pilosas são ora exageradas, ora diminuídas, sem que se possa explicar as causas que presidem a estas diferenças. Injecções de 2 a 3 milligrammas de pilocarpina, feitas compara- tivamente no membro são e no doente demonstrarão a Ciado e Gilson demora no apparecimento do suor local e ausência completa de excreção sudoral em roda da ulcera. — 7 — As alterações do systema cutâneo podem também invadir o seg- mento de membro adjacente. Quando são extensas, abraçando o membro com as mãos não se sente mais as contracções musculares nem o levan- tamento dos tendões. Em resumo, dermite sclerosa com atrophia das glândulas sudo- riparas e dos folliculos pilo-sebaceos, hypertrophia das papillas e dik- tação lacunar dos capillares (Qaenu). Lesões das unhas.— Estas lesões são quasi constantes: consistem em espessamento e hypertrophia geral considerável. Apresentão aspe- resas e depressões desiguaes, sinuosas ou lineares em fôrma de cristas ou sulcos transversos. Sua extremidade é espessada e fortemente recurvada para baixo, deixando vêr muitas camadas superpostas e facilmente separaveis. A espessura das unhas varia de 5 a 8 millimetros. Sua superfície de secção não é plana, mas crivada de pequenos orifícios, que lembrão a secção de uma vareta de junco. A unha do grosso artelho tem o aspecto de uma escama de ostra. Em alguns doentes ella chega a attingir a mais de 4 centímetros de comprimento e 1 centímetro de espessura, recurvando-se muitas vezes e affectando uma direcção espiroide. Lesões das articulações.—As articulações metatarso-phalangianas, sobretudo a do primeiro artelho, são freqüentemente deformadas. Estas deformações preexistem á ulcera, no dizer dos doentes. Os artelhos desvião-se todos parallelamente para fora de modo que a cabeça do primeiro metatarsiano se torna saliente e cobre-se de um espesso callo. O tecido cellular em contacto com a articulação é resistente ao corte, branco e muito denso. A alteração invade os ligamentos que espessão-se. A articulação conserva-se intacta, mas a synovia torna-se espessada e os fundos de saco que a prolongão parecem estreitados e obliterados. Lesões dos vasos.— A lesão das artérias que se affirma coincidir com as ulceras da perna é a degenerescencia atheromatosa. _ 8 — Quenu em 5 exames encontrou 4 vezes alterações da endarterite com infíltração calcarea das paredes; menos vezes thrombose de ramos volumosos. Nas autópsias de Pallemc, Rienzi e Gilson, as artérias fôrão en- contradas atheromatosas. Estas autópsias, além de pouco numerosas, fôrão feitas em indi- víduos muito adiantados em idade, pelo que a sua significação não parece valiosa. Comtudo Gilson persiste em affirmar que a co-exis- tencia das ulceras varicosas e do atheroma arterial ê qiiasi regra, mesmo em indivíduos moços. Ciais affirma que as artérias profundas, tibial anterior e posterior apresentão um volume duplo do normal, em conseqüência do espessa- mento de suas paredes. Esta hypertrophia é unicamente localisada na parte dos vasos correspondente á sclerose cutânea. As veias do segmento de membro, sede de uma ulcera, apre- sentão-se com volume maior por causa do augmento do calibre do vaso ; suas paredes, em vez de espessadas, são frágeis, adelgaçadas e offe- recem em seu trajecto bruscos alargamentos ampulares e fusiformes, constituindo o que se chamão varices. Segundo Briquet as paredes das veias varicosas nem sempre são adelgaçadas; nota-se constantemente quando o gráo da alteração não é muito pronunciado um augmento de espessura devido á hypertrophia da túnica média; esse espessamento, a principio uniforme, é mais tarde intercalado de vários pontos em que a membrana é notavelmente adelgaçada. As primeiras censequencias destas lesões são: a perda da elas- ticidade do vaso, a insuficiência das respectivas válvulas e a formação de coalhos sangüíneos, que difficultão mais ou menos, chegando até a impedir o curso do sangue. São assim favorecidos os phenomenos de stase e edema com todas as suas conseqüências. As anastomoses participão desta ectasia e fazem largamente communicar a rede superficial com a profunda. As varices, quando são observadas através da pelle, provão que a rede venosa superficial está atacada, e quando isto não se dá, devemos concluir que só existem na rede profunda, pelo que não são apparentes. Foi o professor Verneuil quem descobrio, e primeiro assignalou a - 9 — existência das varices da rede venosa profunda. Segundo estudos que émprehendeu, elle concluio que sempre que a rede superficial era atacada, existião concomitantemente varices profundas, mas que a presença destas ultimas não exigia necessariamente que varices apparentes existissem. A ignorância da existência de varices profundas fez com que as ulceras não diathesicas fossem divididas em simples e varicosas; distincção inteiramente sem valor, mesmo antigamente, porque a presença das varices em nada modificava os caracteres da lesão. Hoje somos forçados a reconhecer, que toda a ulcera simples é varicosa, embora não manifeste varices apparentes. Elias apresentão sempre algum dos signaes indicados por Verneuil como prova da phelebectasia profunda: edema malleolar fugaz, peso no membro, pruridos, etc. A rede venosa superficial muito desenvolvida, quasi sempre irre- gular e varicosa, marca o limite entre a aponevrose e o derma espessado. Não cabe aqui a exposição do papel que representao as varices na etiologia das ulceras, mas creio poder adiantar desde já que as relações entre umas e outras são ainda hoje mal definidas, e que a este respeito nada se sabe de bem positivo. Lesões dos músculos. Quenu achou nos músculos as lesões se- guintes : « Le tissu conjunctif interposé aux faisceaux musculaires est devenu fibro-adipeux, un grand nombre de faisceaux perdent leur striationet se remplissent d'une substance finement grenue oürosmium decele des gouttelletes de graisse, pas de degenerescence vitreuse. Dans quelques preparations, proliferation des noyaux du sarcolemme. En resume, myosite interstitielle chronique avec infiltration grais- seuse, degenerescence granulo-graisseuse des faisceaux primitifs ». Os músculos da perna respondem mal e lentamente á faradisação. E esta diminuição da excitabilidade electrica é indicio certo da existência de uma atrophia muscular. Os movimentos são difficultados ou mesmo impossibilitados pela atrophia que acabei de assignalar, como também pelas alterações da pelle, que assim cerca o membro de uma manga inextensível. 2 1886 —.10 — Os tendões são mais ou menos sãos. As bainhas synoviaes tendi- nosas devem ser consideradas como respeitadas, quanto á sua super- fície serosa. A face externa, ao contrario, participa do desenvolvimento exagerado do systema fibroso e funde-se com as aponevroses ou com o periosteo, chegando mesmo a soffrer a transformação óssea. Tem-se verificado um espessamento, uma espécie de condensação do systema fibroso em todo o membro affectado, ao nivel e abaixo da lesão. A aponevrose de invólucro dos músculos perde o seu aspecto bri- lhante e nacarado, sendo algumas vezes invadida pela ossificação. Lesões dos nervos. Peço permissão para reproduzir, antes de qualquer consideração minha, o que disserão Gombaut e Quenu. Gombaut : «Lestubes nerveux sont en moins grand nombre; le tissu conjonctif estplus abondant qu'à 1'état normal, et même autour des tubes sains Ia gaine de Henle est beaucoup plus apparente; les fibres détruites paraissent avoir disparu par un mecanisme analogue à celui que améne leur atrophie après Ia section du nerf. En effet, plusieurs faisceaux sont remplis de noyaux regulièrement espaces et à grand axe longitudinal, ce que semble être le dernier terme de Ia lesion. Dans quelques preparations ontrouve des tubes à myéline frag- mentée três reconnaissable à Ia coloration qu'ils prennent sous l'in- fiuence de 1'acide osmique. » Quenu : « Sur six cas d'ulcéres simples, pris au hasard, nous avons trouvé six fois des alterations nerveuses, variant d'une simple dilatation des vaissaux avec hypertrophie peu considerable du tissu conjonctif perifaisciculaire jusqu'à un etouffement du tissu nerveux par une sclerose à Ia fois extra et intra faisciculaire avec formation dans Pepaisseur du cordon nerveux d'un veritable tissu caverneux.» Nota-se a principio augmento de volume do nervo, o qual é acom- panhado simplesmente de dilatação das venulas que contém. Dá-se em seguida formação de tecido conjunctivo em roda dos vasos.Este tecido, de peri-venoso, torna-se mais tarde perifaícicular, interpondo-se e afastando os feixes primitivos. Os vasos dilatão-se cada vez mais, a sclerose perifascicular ac- centua-se e os feixes são dissociados de um modo regular em toda a sua extensão. — 11 - Observa-se com constância accumulo de cellulas adiposas e espe3 samento do nevrilemma. A nevrite intersticial, cujos caracteres tenho exposto, ordina- riamente limita-se ao tecido perifascicular; mas pôde também invadir o feixe primitivo. A nevrite parenchymatose nunca é observada. Segundo Quenu o desenvolvimento das alterações nervosas é de- vido á irritação de vizinhança. Mas esta opinião, contra a qual não têm sido allegadas objecções victoriosas, parece todavia não poder sustentar-se. Os nervos profundos não são muito modificados; apresentão um augmento fusiforme, que tem o seu maximum ao nivel da articulação tibio-tarsiana. O nevrilemma espessado e endurecido, que verificarão Comül e Ranvier é mais commum nos nervos sub-cutaneos que são tanto mais volumosos, quanto mais próximos da articulação tibio-tarsiana e mal- leolos. O nervo sapheno externo chega a adquirir o volume de uma grossa penna de pato; é intimamente adherente á face profunda do derma e torna-se pouco a ponco normal, depois de passar além do calca- nhar. Em resumo, sclerose intra e extra-fascicular com producção de capillares dilatados, atrophia de certos tubos nervosos, desappareci- mento de alguns outros, mas ausência de nevrite parenchymatose ( Quenú). Lesões ósseas.— As lesões ósseas, que acompanhão as ulceras, já tinhão sido reconhecidas pelos autores do Compendium. Elles assi- gnalárão o periosteo espessado, a superficie do tibia irregular, o próprio osso cavado de aureolas e finalmente o canal medullar alar- gado. Em 1872 émprehendeu Reclus estudos accurados sobre esta espécie de lesões e verificou nas peças que pôde examinar que a osteite destructiva é rara, mas que é fundada a opinião dos autores do Compendium, julgando o canal medullar mais vezes alargado do que obliterado, como o fez saber Lallemand, — 12 — A existência da osteite productiva é freqüente. Estas alterações costumão começar por um espessamento circum- scripto do periosteo; o espessamento invade pouco a pouco o osso, que pôde attingir a uma espessura dupla ou mesmo tríplice da normal. A cavidade medullar conserva approximadamente, na generali- dade dos casos, as suas dimensões primitivas. A superficie do osso é tomentosa; nota-se osteophytos que tomão a fôrma de stalactites ou agulhas. Estes osteophytos têm a particularidade de invadir as partes fibrosas em contacto directo com o osso; assim transformão bainhas tendinosas e vasculares em verdadeiros canaes ósseos. O ligamento inter-osseo e a aponevrose superficial da perna são muitas vezes inva- didos pela ossificação. Estas diversas alterações são observadas com freqüência, e uma das mais constantes é a hypertrophia da extremidade inferior do osso, e particularmente a dos malleolos. Pensa Reclus que as lesões ósseas são primitivas e anteriores ás dos tegumentos. Gilson as julga concomitantes, sem que haja entre ellas relações de causalidade. E' questão de pathogenia, que está por elucidar. Verificada a concomitância de qualquer das causas que assignalei com algumas das condições da alteração dos tecidos, que em seguida descrevi, a nutrição do tegumento externo logo se modifica. Notão-se symptomas inflammatorios moderados e localisados na pelle, que se torna rubra, erysipelatosa, quente e dolorosa. Stases sangüíneas operão-se nos vasos, tornando-se a causa da obliteração de alguns delles. A nutrição torna-se cada vez mais imperfeita e a epiderme se desaggrega, produzindo uma pequena solução de con- tinuidade : não se lhe dá importância; no entanto sujeita a novas causas de irritação, a solução augmenta progressivamente até con- stituir perda de substancia. Sobre o modo de producção da ulcera e as primeiras lesões que a determinão, ninguém melhor se exprimio do que o professor Billroth, cujo texto reproduzo: « La peau est parcourue par des vaisseaux dilates; elle devient — 13 — plus rouge qu'à 1'état normal; tumefiée par une infíltration en partie sereuse et en partie plastique, elle est en même temps un peu sen- sible á Ia pression. Sous 1'influence du develloppement des jeunes cellules, surtout dans les parties superficielles du derme, les papilles s'agrandissent et s'embibent, les cellules du reseau de Malpighi se forment en plus grande abondance et Ia couche superficielle de ce dernier ne parvient plus àprendre sa consistence cornée; le tissu con- jonctif de Ia couche papillaire est devenu plus mou et presque gela- tineux. Un leger frottement suffit pour detruire en un endroit Ia couche cornée mince et ramolie de 1'epiderme. Par làla couche des cellules du reseau de Malpighi se trouve mise á nu: des nouvelles irritations surviennent et il se develloppe une surfacesuppurante, dont Ia couche superieure est composée des cellules du reseau de Malpighi et Ia couche inferieure des papilles du derme, degenerées et augmenteés de volume! Si à cette periode les parties etaientpreservées de nouvelles irritations, 1'epiderme se regenererait assez promptement, et 1'ulcère jusque lá tout-a-fait superficielle encore, se cicatriserait. D'ordinaire, cependant on fait peu d'attention a cette plaie peu con- siderable et superficielle, qui est exposée á des nouvelles atteintes de diferentes especes, il se produit une fonte purulente et une desaggre- gation molleculaire du tissu inflammé et denudé, par consequent et avant tout des papilles; de cette manière se forme une perte de substance, qui gagne en profondeur et en surface. L'ulcére est alors completement developpée. » Constituída a ulcera, apresenta-se como uma perda de substancia mais extensa em superficie do que em profundidade. Nos casos mais communs a ulcera é única. Comtudo na invasão, ás vezes são múltiplas, arredondadas, pequenas, separadas umas das outras por intervallos de pelle sã; com o progresso da moléstia alargão se mais e mais em superficie e acabão por confundir-se todas em uma só. Sua fôrma varia extraordinariamente. Pôde ser arredondada e de contornos regulares ou irregulares, alongada e estreita, semilunar ou polygonal. Quando reveste a fôrma elliptica, costuma a ellipse ter o seu eixo maior no sentido do eixo do membro. A fôrma annullar é para alguns autores signal de prognostico desfavorável e já bastou para indicar amputação. — 14 — A extensão das ulceras, como a sua fôrma, varia em grande escala. Algumas attingem proporções notáveis chegando a abranger todo o terço inferior da perna e mesmo invadir o pé. O edema do membro faz parecer a extensão maior do que é realmente, quando os tecidos se desengorgitão ; é esta a razão por que muitas ulceras dimi- nuem tão rapidamente de extensão, logo que se empregão certos tratamentos. Outra causa que concorre para augmentar as dimensões das ulceras é a elasticidade da pelle, mas o phagedenismo é sem duvida a complicação que as faz tomar maiores proporções. A superficie exterior destas soluções de continuidade apresenta- se ora pallida ou acinzentada, ora rubra ou violacea. A côr violacea pôde ser produzida artificialmente, fazendo levantar o doente, quando as perturbações da circulação venosa são muito accentuadas, como nos membros atacados de varices volumosas. O seu fundo, em geral, não ultrapassa a superficie do derma, e a aponevrose adjacente costuma ficar intacta. O fundo é coberto de gra- nulações mais ou menos pallidas e desiguaes, que lhe dão um aspecto ligeiramente papillar e avelludado. Estas granulações sangrão com a maior facilidade e segregão um li- quido imperfeitamente plasticoe de grande fluidez, a que chamão ichor, sanie. Este liquido tem um cheiro mais ou menos fétido, e é proveniente da decomposição ou liquefacção dos elementos dos tecidos. Mistura de sangue mais ou menos alterado, pús e detritos orgânicos, sua compo- sição não pôde deixar de ser muito variável. Nos casos convenientemente tratados, o pús segregado é de bôa natureza e em pequena quantidade, excepto se ha complicação de um estado geral que predisponha para suppuração. Os bordos das ulceras, em geral, occupão o mesmo nivel que o seu fundo. Entretanto, algumas vezes são salientes, descollados, ou talhados a pique, outras vezes espessados ou tumefactos, o que as faz parecer mais profundas do que são de facto. Ordinariamente, as ulceras são indolentes e sem repercussão ma- nifesta sobre a economia. Elias apresentão certa ordem de symptomas de que devo occupar-me, e que embora sejão de observação rela- tivamente recente, representao já importante papel. Refiro-me ás — 15 — perturbações de sensibilidade; antes porém duas palavras sobre as perturbações assignaladas por Auzilhon. Perturbações thermicas.— Se não falhão os quadros de Auzilhon, a temperatura do membro doente eleva-se a 0o,5 ou mais no período da formação da ulcera, para descer depois á media normal ou mesmo um a dous gráos abaixo delia. Observações posteriores não confir- marão plenamente estes resultados, talvez por causa da difficuldade inherente ao exame das temperaturas locaes. Como quer que seja, por ora é permittido duvidar das conclusões de Auzilhon. Perturbações da sensibilidade.— Foi o professor Terrier o verda- deiro descobridor destas perturbações. Os seus trabalhos, até então inéditos, fôrão expostos na excellente these que Sejournet apresentou em 1877 á Faculdade de Medicina de Paris. Observadores posteriores, entre os quaes devo assignalar Michel Schreider,que, também sustentou these sobre o mesmo ponto, confirmarão do modo o mais cabal os re- sultados que Terrier tinha obtido. A sensibilidade é sempre perturbada, e a sensibilidade á tempe- ratura é a primeira que se altera. Para o reconhecimento destas perturbações Sejournet aponta o seguinte processo de exploração, como sendo o que empregava Terrier. O exame deve constar de duas partes, experiência com o calor e com o frio, e devem succeder uma á outra sem interrupção. Toma-se um objecto bom conductor de calor, como uma colher de ferro ou outro objecto metallico e mergulha-se por alguns minutos em água aquecida a 60 ou 80°. Vendados os olhos ao doente, colloca-se o objecto aquecido em contacto com todos os pontos da ulcera e de sua peripheria. Nota- se que sensação diz o paciente ter recebido; observa-se, se houve demora ou perversão nas sensações, ou se não as percebeu o doente. Sem perda de tempo e sem previnir o doente, passa-se ao exame da sensação de frio, que pôde servir de contra-prova ao primeiro e mesmo orientar-nos sobre a sinceridade das respostas do pa- ciente. Parabém dirigir a experiência, convém ter á mão instrumento - 16 — igual ao aquecido, mas mergulhado em água, que no nosso clima é necessário seja resfriada com alguns pedaços de gelo. Uma esponja embebida em água fria ou quente não preenche os mesmos fins, porque o seu contacto com os tegumentos não é per- feito, nem eqüivale ao de um instrumento metallico. Não basta um só contacto, porque ha freqüentemente notável demora na percepção das sensações. Para melhor averiguar esta espécie de perturbações, propôz Sejournet substituir ao cesthesiometro de Liegois e Brown Sequard o seguinte por elle imaginado. Consiste o instrumento em um compasso, cujas pernas devem ter 10 centímetros de comprimento e são atravessadas a meio por uma regoa curva graduada, que indique o numero de gráos do angulo formado pela abertura do compasso. Em cada ponta se dispõe um receptaculo de 5 centímetros de comprido e 6 centímetros cúbicos de capacidade ; reservatórios metallicos destinados um á água quente outro á fria ou fragmentos de gelo. Faz-se a observação, empregando o instrumento com diversas aberturas, até que perceba o doente as duas sensações distinctas. Nota-se quasi sempre perturbações da sensibilidade thermica, mas varião de indivíduo a indivíduo. Dá-se ás vezes anesthesia á sensação de calor ou de frio, e outras vezes perversão destas sen- sações. Demora na percepção ha quasi sempre. Em certos casos as perturbações são somente relativas ao calor, sendo o frio sentido normalmente, ou vice-versa; mas em geral a sensibilidade ao calor é mais duradoura, fe-lo notar Terrier. Dada a perversão da thermesthesia, ora o frio é tomado por calor, ora o calor por frio. Perversão que ás vezes é tão consi- derável, que se pôde queimar o doente, o que aliás cumpre evitar, continuando elle a accusar sensação de frio. A zona em que a thermesthesia é pervertida, exagerada, dimi- nuída ou abolida varia com os indivíduos; muitas vezes apenas abrange uma parte da ulcera ou a pelle vizinha somente. Pôde também dar-se á certa distancia da primeira sede do mal, como nas faces plantar e dorsal do pé. A sensibilidade á dôr é menos freqüentemente perturbada; a - 17 — anesthesia, que algumas vezes é completa ou sob a fôrma de paresia, limita-se a peripheria immediata da lesão, em zona a ella con- centrica. Michel Schreider apresenta, porém, uma observação em que se nota o phenomeno contrario: immedíatamente em roda da ulcera persistia a sensibilidade, diminuindo e tendendo a desapparecer em zonas mais afastadas. Em certos casos, uma picada não provoca dôr, mas a pressão com o dedo ou com a cabeça de um alfinete é dolorosa. E raro haver demora na percepção ; mas dá-se ás vezes erro de local, accusando o paciente a picada a 10 ou 15 centímetros do ponto picado. A analgesia foi attribuida por M. Schreider ao espessamento considerável da camada epidérmica. A sensibilidade táctil é com freqüência affectada na ulcera e nas partes próximas. Para verifica-lo basta attritar brandamente com a cabeça de um alfinete ou de um phosphoro, comparando os efeitos na parte doente e em outra sã. Não convém a exploração com o dedo, que pôde exercer pressão e despertar a sensibilidade profunda. Esta é em geral conservada ao nivel da ulcera e nas partes periphe- ricas; verifica-se fazendo penetrar um alfinete profundamente nos tecidos. Igualmente costuma ser compromettida a sensibilidade ao nivel da cicatriz. As diversas perturbações que tenho enumerado não se corres- pondem reciprocamente ; pôde, por exemplo, haver hyperestesia á picada com anesthesia ao calor ou ao frio. A primeira sensibilidade, que se perturba, é a thermestesica, de- pois a sensibilidade á dôr e finalmente a táctil; mas como cada uma dellas marcha do centro da ulcera para fora, como uma mancha de azeite, acontece que muitas vezes podemos observar zonas concentricas, em que se manifesta cada uma das perturbações. As modificações da sensibilidade somente se produzem, quando a pelle apresenta as lesões que já descrevi: sclerose, espessamento, adherencia ás camadas profundas, estado luzidio, pigmentação, etc. Nas pernas affectadas de ulceras recentes, taes modificações são 3 1886 — 18 - nullas ou pouco apreciáveis; pronuncião-se quando o mal se aggrava. Este facto não parece abonar a opinião sustentada por Terrier e Ciado, que as perturbações precedem ao apparecimento da ulcera; opinião em todo o caso difficil de demonstrar-se. Estas alterações de sensibilidade parecem dever ser levadas á conta das lesões nervosas; e estas ultimas, creio, também são suffi- cientes para explicar a abolição constante do reflexo rotuliano. A descripção que precede applica-se á ulcera idiopathica typica, isenta de complicações, o que é rarissimo. De ordinário complicações mais ou menos numerosas e que podem succeder-se umas ás outras, durando a mesma ulcera, a esta imprimem physionomias variáveis. Não poderei occupar-me de todas as complicações, mas pro- curarei apreciar a natureza e os efeitos das principaes. Dôr.— A lesão dos tegumentos, que constitue a ulcera é, em geral, indolente ; mas em certos casos, notadamente em ulceras re- centes e superficiaes, exagera-se a sensibilidade tanto na lesão como na pelle vizinha constituindo as ulceras erethicas ou irritaveis. São ás vezes as dores de extrema acuidade e exageradas ao menor con- tacto. As causas que podem produzir esta complicação podem também determinar a infiammação da região. São as principaes : afastamento do regimen, excessos alcoólicos, marchas forçadas, traumatismos repe- tidos, curativos mal feitos, incúria, etc. A acção prolongada do frio ou da humidade pôde produzir o mesmo efeito. Esta variedade de ulceras se observa sobretudo nas mulheres nervosas, na época da menopausa. A dôr pôde ser então tão intensa que perturbe o somno e prejudique seriamente a saúde geral. Infiammação.— Por qualquer das causas que acabo de assignalar, a suppuração cessa ou torna-se serosa, sanguinolenta e fétida, e os bordos da lesão se tornão rubros, tensos eluzidios. Nestas condições, a ulcera é dolorosa e se diz complicada de infiammação. Esta complicação pôde produzir phlycténas que sejão causa de novas perdas de substancia, estender-se ás partes profundas — 19 — determinando a formação de abscessos mais ou menos volumosos, ou ir até ao osso, provocando a obliteração do canal medular, como mui bem assignalou Lallemand. A infiammação pôde não se limitar á região, e a angioleucite sobrevir invadindo os gânglios vizinhos. As lymphangites repetidas com freqüência no começo concorrem poderosamente para produzir o estado elephantisiaco, tão commum nas pernas dos indivíduos que sofrem velhas ulceras. A erisipela ataca ás vezes todo o membro e mesmo o tronco, com- quanto sempre grave, sobretudo nos velhos, pôde comtudo determi- nar a cura do estado local. E' muito raro o desenvolvimento de phlebite. Atonia.—Em certas ulceras,apezar de um tratamento bem dirigido, o liquido secretado é abundante, seroso, sem consistência e fétido. A superficie ulcerosa e as partes vizinhas são pallidas, lividas, sem circulação activa, e de uma indolência completa ; as granulações são descoradas e a tendência á cicratização é nulla. Estas ulceras, que se chamão atônicas ou indolentes, observão-se de preferencia nos indi- víduos enfraquecidos ou cacheticos. Para alguns autores, a atonia em vez de ser uma complicação, é uma phase forçada na marcha da ulcera. Na opinião de Auzilhon indica proximidade de cura (Berne). Phagedenismo.—Uma complicação, cuja natureza não está bem conhecida, communica ás vezes a estas lesões, habitualmente estaciona- rias, uma tendência rapidamente invasora, atacando a pelle, o tecido conjunctivo sub-cutaneo, os músculos. Os próprios vasos não são respeitados; se de ordinário não se observão hemorrhagias graves, é isso devido a uma infiammação adhesiva que oblitera o seu calibre. Excepcionalmente falha essa in- fiammação, e neste caso podem abrir-se grossos vasos, daudo logar a hemorrhagias sempre graves, freqüentemente mortaes. O tecido fibroso é a principio respeitado ; mas logo privado de vasos que o nutrão, necrosa-se eé eliminado. — 20 — As ulceras de marcha assim rápida, chamão-se phagedenicas ou complicadas de phagedenismo. Fungosidade.—E' complicação freqüente o desenvolvimento exa- gerado de granulações, constituindo o que se chama fungosidades. Este exagero é explicável, segundo Berne, pela infiltração de serosidade em maior ou menor abundância entre os elementos dos botões carnosos. Estes são pallidos e descorados, ou rubros, sanguinolentos e muito dolorosos. Observão-se algumas vezes em indivíduos de constituição forte, que não submettêrão a sua ulcera a curativo regular ; mas são mais communs na superficie das ulceras indolentes dos indivíduos lymphaticos. Callosidades. O espessamento dos bordos nem sempre é devido ao que se chama callosidades. Uma turgescencia edematosa também pôde produzi-lo; mas neste caso basta o repouso para 'os fazer cessar, tirando-lhe toda a importância como complicação. As verdadeiras callosidades são devidas a uma sclerose dos bordos, cuja causa é pouco sabida, e que o repouso não remedeia. A ulcera callosa ê em geral de notável profundidade ; seus bordos são proeminentes e duros, chegando a adquirir uma consistência ver- dadeiramente lenhosa ; seu fundo é de um vermelho sujo, duro, liso, desprovido de granulações; o liquido segregado é mais seroso do que purulento. Esta variedade de ulcera nunca se apresenta dolorosa ; sua tempe- ratura nãoé mais elevada do que a normal. Boyer attribuia estas callosidades a inflamações da ulcera, repe- tidas e incompletamente resolvidas. Nelaton contesta a explicação e appella para uma disposição individual que não especifica. Berne as julga, o que me parece mais curial, como consecutivas á infiltração das diversas partes da ulcera porproducções fibrinosas segregadas em grande quantidade. E' notável a pouca sensibilidade á pressão; freqüentemente a anesthesia é completa. Nem sempre as callosidades se circumscrevem aos limites da lesão ; não é raro vê-las estenderem-se longe da sede do mal, o que para Follin é disposição que pôde favorecer o rápido augmento da lesão. — 21- Estas ulceras têm notável persistência; a sua cicatrização costuma ser extremamente lenta. Ha, porém, casos em que a cura se opera rapidamente, deixando no logar uma depressão que indica exactamente as dimensões da antiga ulcera. Conseqüências da incúria.—O descuido, além de poder facilitar a apresentaçã: das complicações, que tenho exposto, pôde também deixar accumular detritos orgânicos misturados com sangue e pús, os quaes, revestindo o fundo das ulceras. constituem verdadeiras compli- cações ; sua remoção é indispensável para obter-se a cura. A gangrena costuma complicar estas perdas de substancia, quando não ha completo respeito ás leis da hygiene ; mas também ás vezes se apresenta em certas affecções geraes independentemente de qual- quer outra causa. A existência de vermes é sempre devida á negligencia do doente. As ulceras idiopathicas da perna, abstrahindo de qualquer com- plicação que sobrevenha, marchão em seu começo com notável rapidez até attingirem certo gráo de desenvolvimento, que varia conforme os indivíduos. Tornão-se então estacionarias ou progridem com excessiva lentidão. Permanecem nesse estado sem comprometter a saúde geral, mas arrastando muitas vezes o doente ao mais completo marasmo. Os symptomas inflammatorios moderados, que se observão quando se inicia o processo ulcerativo, accentuão-se cada vez mais á medida que elle evolue, e mesmo por algum tempo depois de perfeitamente constituida a ulcera. Começão depois a decrescer, levando comsigo a vitalidade das partes. O estado geral, que ordinariamente não é alterado pela persis- tência da lesão local, entretanto influe sobre ella directamente. As me- nores perturbações geraes, como embaraço gástrico, excessos de mesa, etc, e até desgostos moraes ou fortes commoções bastão para per- turbar seriamente a marcha da cicatrização. Um tratamento bem dirigido produz a principio notável tendência para a cura ; mas logo revestem as lesões a marcha lenta que as cara- cteriza. A tendência para a cura se annuncia pela mudança de aspecto — 22 — das granulações que se tornão mais duras, roseas e iguaes, cobrindo a solução de continuidade uma membrana granulosa igual á das fe- ridas. O liquido segregado perde os seus caracteres de liquido de desaggregação, A cura obtém-se com tanto mais facilidade quanto mais recente é a lesão, e menos accentuadas são as alterações dos tecidos e pertur- bações da sensibilidade da parte. A cicatrização se opera da circumferencia para o centro, ou por ilhas que se cobrem de uma cicatriz delgada, A segunda fôrma de cicatrização é muito mais rara do que a primeira. Os phenomenos de constantes recahidas retardão muito a cura. A" ulceração succede uma cicatriz lisa ou sulcada de bridas, branca ou mais ou menos pigmentada. Despedaça-se facilmente e se distingue da pelle adjacente por sua menor espessura, por causa de uma depressão occupando o mesmo espaço que a ulcera antiga. Em sua peripheria se nota um borrelete que lhe circumscreve exacta- mente os limites. A cicatriz adhere intimamente ás partes profundas ; a rede ve- nosa, mui desenvolvida nas outras partes da perna, falta a seu nivel. Os tecidos peri-cicatriciaes apresentão-se com o aspecto de uma superficie lisa e como que envernizada ; seu colorido é variável, mas geralmente negro ou pardacento, oferecendo de distancia em dis- tancia listras de depósitos pigmentares. Este colorido é tão pronun- ciado na peripheria immediata da cicatriz, como em zona mais afas- tada. -23 — Etliiologia e Patliogenia A pathogenia é a parte ,1a medicina, que explica o modo conio actuão a" cauL produzas de moléstias peloque o -^ »> das diversas affecções deve acompanhar de perto a sua pathogenia jíTopor isto raivei rennir no mesmo capitnlo as considerações que se roerem a essas duas partes do estudo das ulceras. Terei de referir-me constantemente á exposição que fiz dos symptomas destas lesões, reeordando-os para qne ™™J™**°^ ilsofôr possível, a explicação verdadeira do seu modo de sei, explica 2 qne não ra opportuna no capitulo precedente, porque eu nao deria tratar ao mesmo tempo da anatomia e da P^^»1* !icas, ao passo qne esta ultima se confunde bem como estudo qne ãerora empreliendo e com elle deve ser tratada. " Parece-me a pathogenia bem collocada depois da deseripçao com- pleta dos caracteres das moléstias, mas antes do estudo dos meios a empregar contra ellas ; porqnanto, a não qnerermos gu,ar-nos excli- ivamel pela observação clinica e praticar nm empmsmo grosseiro, reTamos dos dados qne fornece a evolução intima dos processos pati, • Li! p ra poder deduzir uma therapeutica verdadeiramente raconah "Crendo L assim justificado suficientemente o programma^ segundo capitnlo da minha these, passo á exposição das doutrinas ''^«explicar a prodncção das lesões que constituem o assumpto deste Z2o, temi apresentado opinões diversas, qne todas podem ser resumidas nas três theorias seguintes. Theoria antiga.-Os humoristas admittião um humor acre desen- acção corrosiva a eliminação dos teciaos vivu* perda de substancia. — 24 - O phenomeno da ulceração era pois análogo, para os antigos, ao que se produz quando uma certa quantidade de acido sulphurico ou azotico é lançada contra os tecidos: as partes vivas são corroidas mais ou menos fortemente. Se em vez da acção corrosiva do humor acre, se appellasse para uma irritação das partes por elementos mórbidos, teríamos uma theoria não muito afastada das idéas actuaes (Berne). Como a formulavão os antigos, aquella theoria não parece assen- tada em bases susceptíveis de uma controvérsia séria. Theoria de Hunter.—Esta pretende que as ulceras não são mais do que o resultado de uma absorpção progressiva das moléculas orgânicas com formação de pús. Hunter equiparou os phenomenos da ulceração e da nutrição. Este, resume-o elle em dous movimentos, um de composição ou assimi- lação, outro de decomposição ou desassimilação. Na vida regular. normal, estes movimentos devem bem compensar-se e equilibrar-se mutuamente. Se este equilíbrio se rompe, predominando o movimento de assimilação, ha hypertrophia; se porém ha predomínio da desas- similação, dá-se absorpção intersticial, progressiva, ou ulcerativa. Nas duas primeiras não ha solução de continuidade, a qual, porém, se manifesta mais ou menos accentuada na absorpção ulcerativa E', pois, devida a solução de continuidade ao desapparecimento de moléculas, que entrão na torrente da circulação. Este processo pathogenico tem assim analogia com o que produz o desapparecimento de um órgão temporário ; a atrophia e a ulceração achão-se aqui confundidas. Entretanto a atrophia não causa perdas ao organismo, porque as minas do órgão, cuja funcção tornou-se inútil, entrão na torrente circulatória e são aproveitadas, ao passo que na ulceração as perdas são ás vezes tão consideráveis, que prostrão o doente em deplorável estado de marasmo, podendo determinar uma terminação fatal. A prova cabal de que são perdidas as moléculas orgânicas que desapparecem para formar-se a solução de continuidade, é que freqüen- temente o pús eliminado acarreta fragmentos importantes dos tecidos que se ulcerão, fragmentos assim desaproveitados para o organismo. — 25 - De facto o exame microscópico demonstra perfeitamente parcellas ósseas nas suppurações de origem óssea, e cellulas de fôrmas variadas, provindo da ulceração dos tumores. Outro argumento, em que se baseou a theoria hunteriana, é uma supposta identidade na composição do liquido segregado pelas super- fícies ulcericas. Mas tal identidade não é real, nem mesmo apparente: verificão-se a olho nú diferenças radicaes no ichor que corre, e o mi- croscópio revela cellulas especiaes, em perfeita analogia com a compo- sição dos tecidos que se desaggregão. O argumento mais importante allegado em defesa da theoria que examino, é a absorpção ás vezes muito enérgica ao nivel da ulcera. Mas ainda este argumento não resiste á analyse, de modo que a theoria nem a titulo de hypothese pôde subsistir. Nada tem a seu favor: as bases em que se funda, attentamente examinadas, convertem-se em objecções contra ella, e constituem demonstrações da theoria opposta, que em seguida exporei. Se nas ulceras a absorpção é as vezes muito enérgica, também succede sê-lo nas feridas que mostrão notável tendência para a cica- trização ; accrescendo que também ás vezes a absorpção nas ulceras de todo se extingue. Miller* cita casos de applicação de poderosos narcóticos em estado liquido, que não revelarão seus efeitos apezar de um contacto prolon- gado com a perda de substancia. E este facto se faz mais notável, porque o enfraquecimento ou ausência de absorpção se manifesta sobre- tudo no período estacionario e no crescimento das ulceras, ao passo que se torna mais enérgica no período da reparação. Taes phenomenos não podem achar explicação razoável na theoria hunteriana, que assim deve ser abandonada, porque as suas bases não sesustentão. Theoria actual.—A que passo a expor e sustento é opposta á de Hunter: actual, chamo-a, porque tem por si a grande maioria dos autores contemporâneos que do assumpto se occupão. Considera a ulceração como uma gangrena molecular. * Principies of Surgery. 4 1886 — 26 - A morte, em vez de ferir um numero mais considerável de ele- mentos orgânicos, produzindo escaras que sejão mais tarde eliminadas, ataca uma por uma as moléculas dos tecidos, fazendo-as desapparecer á medida que perdem a vitalidade. Os factos, que a theoria precedente não explica, achão nesta fácil explicação : a resistência de certos tecidos como os tumores can- cerosos á absorpção, ao passo que se ulcerão com facilidade; a elimi- nação das cellulas dos tecidos no liquido segregado ; a concomitencia freqüente da ulceração e da gangrena, taes são os principaes argu- mentos que sufragão esta ultima theoria elhe tem obtido assentimento geral, desde Vi dal (de Cassis) que parece ter sido quem primeiro a expôz, em França. A theoria da gangrena molecular permitte comprehender a in- fluencia que exercem as causas debilitantes sobre a producção e marcha da ulcera, e bem assim a preferencia desta aos membros infe- riores, nos quaes a circulação se faz em condições mais difficeis e as sfãses sangüíneas com mais facilidade perturbão a nutrição. Admittido que a solução de continuidade é conseqüência de uma gangrena molecular, resta ainda averiguar as causas capazes de pro- voca-la, e explicar o seu modo de acção. O estudo methodico das causas das ulceras exige que sejão classi- ficadas em causas que preparão, que predispõem á solução de conti- nuidade, e causas que a determinão, quando as primeiras já fizerão sentir o seu efeito. Tratarei principalmente das causas predisponentes, cujo exame é muito mais importante do que o das occasionaes. Em primeiro logar, são os membros inferiores os mais expostos a traumatismos que repetidos facilitão a desorganização dos tecidos e apressão perturbações nutritivas na parte. Esta causa concorre pode- rosamente para justificar a notável predilecção das ulceras pelos mem- bros inferiores; mas não é a única. Deixando de parte, por ora, outras lembrarei que Terrier julga consideráveis as diferenças no modo de reacção pathologica entre os membros superiores e inferiores, attri- buindo a essas diferenças a predilecção assignalada. Daqui vem a maior freqüência de ulceras no homem, cujo theor de vida o obriga a trabalhos mais penosos; donde maior exposição á traumatismos. — 27 — A despeito da opinião de Nicolau Pezold, que julga as mulheres mais vezes atacadas do que os homens, porque o seu vestuário mais expõe as pernas á acção do frio e do inverno, é facto incontestável a maior freqüência no homem como provão as estatísticas em seguida citadas. Ph. Boyer, reunio 243 casos de ulceras, sendo 187 em homens, e 56 em mulheres. Follin, em 237 doentes encontrou 187 homens e 50 mulheres. Parent Duchatelet * apresentou a estatística abaixo resumida, comprehendendo 11 annos de observações: Idade Homens Mulheres Totaes 10 a 20 annos 368 66 434 20 a 30 » 543 152 695 30 a 40 » 413 139 552 40 a 50 » 442 125 567 50 a 60 » 399 125 524 60 a 70 » 341 114 455 70 a 80 » 99 44 143 80 a 90 » nas 3 0 765 3 Somi 2,608 3,373 A idade mais perseguida é de 20 a 30. A profissão mais atacada é do operário, 245. As lavadeiras concorrem com 204 casos. A proporção é de 1 mulher para 3,4 homens. Multei Schreider observa que o maior numero de casos na idade de 20 a 30 annos é facto completamente em desaccordo com as opiniões admittidas. Pensa que resultando as lesões de perturbação complexa e sendo phenomeno ultimo de uma serie de processos successivos, só deve apparecer em pernas ha muito tempo doentes, e, portanto, em idades mais avançadas. Crê que a causa do erro foi a difficuldade de um exame attento e diagnostico seguro nos registros do Bureau Central, em conseqüência do grande numero de doentes que ali con- corrião diariamente. Essa difficuldade sem duvida fez que figurassem * Ann. de Hyg. publ. et Med. lg. 1830. — 28 — na estatística ulceras syphiliticas, scrophulosas ou tuberculosas. Especialmente as duas ultimas classes insiste o mesmo autor. Para evitar estas causas de erro, colligio elle no hospital Pitié as papeletas de 1870 a 1882 dos doentes tratados nas enfermarias em que o diagnostico só inscripto á sahida de cada um, oferecia menores probabilidades de enganos. Eis o resumo desta estatística : Idade Homens Mulheres Totaes 15 a 20 annos 6 2 8 20 a 25 » 13 4 17 25 a 30 •» 19 9 28 30 a 35 » 22 8 30 35 a 40 » 33 11 44 40 a 45 » 21 5 26 45 a 50 » 55 10 65 50 a 55 » 39 11 50 55 a 60 » 40 7 47 60 a 65 » 24 9 33 65 a 70 » 10 8 18 70 a 75 » 9 5 14 75 a 80 » 2 0 2 80 a 85 » 3 0 3 Sommas. . . . , 296 89 385 A idade que figura com maior numero de casos é a de 45 a 50 annos. A relação do numero de mulheres para o dos homens é de 1:3,3 muito approximada á de Parent Duchatelet. As profissões mais perseguidas fôrão: Entre os homens, os operários...... 57 » as mulheres, as lavadeiras... 36 Os traumatismos são mais repetidos nos indivíduos moços, nos quaes a actividade da vida é maior; mas não lhes corresponde maior freqüência de ulceras, porque a acção das causas predisponentes depende de algum tempo, não curto, para revelar-se. De facto, a -29- opinião geral é que a idade mais atacada de ulceras é a de 40 a 50 annos. Majorlin, comtudo, suppõe que a idade avançada deve contar-se como importante causa predisponente ; que os velhos são mais vezes atacados do que os adultos, e estes mais do que os adolescentes e crianças. Além dos traumatismos, são também causas predisponentes todas as que perturbão a circulação de retorno e favorecem o edema, como a compressão dos troncos venosos, a declividade das partes e as lesões das veias. A compressão dos troncos venosos por parte das vestes, como as ligas, por apparelhos mal applicados ou por tumores, determina o appa- recimento de varices, stases sanguineas e transudação de serosidade. o que tudo perturba grandemente a nutrição, e assim provoca perdas de substancia. A compressão dos troncos venosos é um dos factores que explicão os factos seguintes: Pouteau em 10 ulceras encontrou 7 na perna esquerda. Blandin, 27 em 35 casos. Em 227 doentes de Ph. Boyer, 133 tinhão atacada a perna esquerda, e só 94 a direita. De 510 ulceras de Parent Ducha- telet pertencião 270 á esquerda, 240 á direita. Verificado que o lado esquerdo é mais vezes compromettido, varião as explicações do facto. Pouteau appellava para a compressão do S iliaco do colon sobre a veia iliaca correspondente. Opinião que Berne julga a mais verosimil; porque, se a estatística ainda não conseguio demonstrar o predomínio das varices nos membros esquerdos, é isso devido provavelmente á insufficiencia £as observações. Para a varicocele o predomínio do lado esquerdo está bem provado. Poncet pensa que esta preferencia é resultado da compressão da veia iliaca primitiva esquerda pelas artérias iliaca primitiva direita e hypogastrica esquerda, que a cruzão. Boyer não crê que seja a compressõo das veias a causa real do phenomeno ; antes o attribue á maior exposição aos traumatismos do membro esquerdo, sempre collocado adiante na posição que costuma tomar o indivíduo que emprega um esforço. — 30 - Richerand nega qualquer das duas causas precedentes, e lhes substitue a allegação do maior desenvolvimento e mais completo no homem direito; sobretudo ao maior volume das artérias sub-clavia e crural, desse lado. Em outras palavras, a causa consiste na fraqueza relativa do lado esquerdo. Não está verificado que as ulceras sejão mais freqüentes á es- querda, nos indivíduos ambi dextros (Follin). E' talvez admissível, que todas estas causas possão actuar isolada ou simultaneamente, e que nem uma dellas deva ser reconhecida com exclusão das outras. A declividade das partes actua no mesmo sentido, sendo causa de que o sangue e a lymqha experimentem maior resistência em sua marcha ascendente e tornando assim menos activa a circulação Venosa e lymphatica. Se a declividade das partes e os traumatismos são causas predis- ponentes, comprehende-se que devem ser mais expostas as profissões em cujo exercício o homem se conserva longas horas em pé. Entre- tanto nem todos os autores perfilhão esta opinião; alguns acreditão na influencia das profissões penosas ; outros, porém, incriminão de pre- ferencia a preguiça e a ociosidade. Segundo Richerand, as ulceras devem ser muito freqüentes nos indivíduos cuja profissão os obriga a ficar grande parte do dia em pé (cocheiros, cosinheiros, padeiros, impressores, marceneiros, etc.) ou naquelles cujas pernas são constantemente expostas a temperaturas altas ou baixas ou a meios humidos (lavadeiras, trabalhadores em es- gotos, minas ou cavas, etc). Parent Duchatelet não admitte que um meio humido, e frio possa favorecer o apparecimento das ulceras ; apezar de reunir em uma estatística de 3373, 245 da mesma profissão, nega a influencia desta, baseando-se em outros quadros estatísticos. Mas o valor destes é im- pugnado pelos autores do Compendium. M. Schreider attribue papel secundário ás profissões, e pensa que se estas ou aquellas predominão nas estatísticas, é isso devido a cir- cumstancias especiaes em que se collocarão os observadores. Estabelecido que as lesões das veias, isto é, as varices podem ser — 31 — consideradas causas predisponentes das ulceras procuremos investigar o modo como ellas actuão. Boyer faz intervir o engorgitamento lymphatico determinado pelas lesões das veias. Os autores do compendium acreditão que as varices actuão indi- rectamente, por meio do edema. Konig attribue o processo ulcerativo á dilatação das venulas da pelle e estagnação consecutiva do sangue. J. Hogden vê a causa principal na infiltração da camada de Malpighi pela serosidade transudada. Entre as observações de M. Schreider notão-se as seguintes, em relação ao lapso de tempo decorrido;entre o apparecimento das varices, do edema apparente e sensível ao doente e das soluções de continuidade. Varices Edema Ulceras Observação 1 Aos 21 annos Aos 30 annos Aos 65 annos » 30 » » 40 » mesma epocha mesma epocha > » 58 » » 64 » > » 30 » » 54 » > mesma epocha mesma epocha > » 42 » » 44 » » não ha » 32 » Sob o mesmo ponto de vista as observações de Sejournet nos fornecem os seguintes dados : Observ.[3,a Ulcera 14 annos depois do começo das varices » 4.a » 12 » » » » » 5.a » na mesma epocha » » » 6.a » 12 » » » * » 7.a » 31 » » » * » 9.a » 10 » » » » » io.a » na mesma epocha » » » n.a » 15 » » » * » 14.a » 2 » » * * » 17.a » 15 » » » * » 2 » 20 » 3 » 16 » 4 » 54 ■» 6 » 25 » 9 » 23 » 12 » 30 » 13 » 20 — 32 — A observação das diferenças entre as manifestações destes três factos, varices, edema e ulcera conduz a conclusões eloqüentes. Embora restricto o numero de observações, bastão ellas para firmar a convicção de que nem o edema, nem as varices podem por si só determinar o resultado final. As varices produzem a infiltração serosa dos tecidos, e assim determinão modificações profundas da nutrição, as quaes devem ser consideradas como causas immediatas das ulceras. Rauvier (1871) e Renault (1877) demonstrarão que a serosidade infiltrada tem uma acção puramente mecânica sobre as cellulas connec- tivas ; as cellulas gordurosas sofrem a degenerescencia granulosa os vasos sangüíneos e lymphaticos se dilatão ; as bainhas cellulosas dos vasos e dos próprios nervos infiltrão-se constituindo lesões bastante múltiplas e variadas para explicar uma profunda alteração da nutrição e da vitalidade dos tecidos da perna (Schreider). O facto de não existirem ulceras, quando se manifesta o edema produzido por uma affecção geral não basta para excluir a sua acção na producção das alterações que assignalei, mas prova que o edema por si só é insufficiente para o fim. As alterações causadas pelas varices varião tanto de intensidade, que podemos observa-las datando de muito tempo em individuos que não tornão as cautelas necessárias, e nos quaes a aulcera não se manifesta. Dão prova da influencia das varices na producção das ulceras. mesmo os casos em que ellas se manifestão sem varices apparentes, porque então são estas profundas. Demonstrou, oprofessoi Verneuil que, quando a phlebectasia profunda existe com a rede superficial intacta, as alterações são sempre mais promptas e profundas. A existência de ulceras sem varices apparentes ou profundas não é argumento contra a influencia dellas, porque como já notei no capi- tulo precedente não se pôde admittir esta espécie de ulceras idio- pathicas. Para provar a influencia do systema vascular alguns autores allegárão a predilecção das ulceras pela parte inferior e interna da perna. Mas parece que essa predilecção explica-se pela menor espessura das partes molles nessa região e não pelo trajecto da saphena interna. — 33 — Os tegumentos da face interna da perna, sendo guarnecidos de menor quantidade de tecido cellular, são meuos bem alimentados, e por conse- guinte mais predispostos para esse gênero de lesões (Schreider). Levei o edema á conta da stase sanguinea, apesar das notáveis experiências de Ranvier, porque estou convencido que a theoria de Bouillaud é ainda a única acceitavel e que os trabalhos de Vulpian, Collin, Strauss e Rott a confirmão completamente, deixando ao systema nervoso um papel puramente accessorio. Ainda pelo edema se pôde explicar a producção das ulceras, que observou Marcano em individuos cardíacos. Todas as alterações de tecidos, que descrevi no começo do pre- cedente capitulo, podem ser consideradas causas predisponentes. De algumas nada tenho aaccrescentar, não sendo ainda bem comprehendido o seu verdadeiro modo de acção. As lesões nervosas, sendo mais importantes, reclamão aqui mais alguns desenvolvimentos. O systema nervoso não intervém na nutrição, senão pelos nervos vaso-motores, isto é, por meio dos vasos. A existência de nervos tro- phicos não pôde ser mais admittida depois dos trabalhos de Ch. Bernard e Vulpian. Se o systema nervoso só pôde actuar por intermédio do systema vascular, é só produzindo as lesões do segundo, que pôde o primeiro representar um papel na pathogenia das ulceras. Entretanto, inde- pendentemente das lesões vasculares pôde o systema nervoso impedir que os capillares se dilatem e que a circulação collateral se estabeleça, o que dadas certas circumstancias é sufficiente para manisfestar-se o edema. Tudo faz crer que as alterações vasculares sejão comtudo primi- tivas e determinem as lesões nervosas, antes do que sejão por ellas produzidas. As lesões dos nervos não fazem mais do que augmentar as per- turbações já existentes e que mais tarde produzirão a ulcera. As desordens da sensibilidade são symptomas que com facilidade explicão-se pelas modificações dos nervos. Devem ser também contempladas na lista das causas predispo- nentes as diversas estações doanno. A maior difficuldade de circulação 5 1886 — 34 — causada pelas baixas temperaturas dos invernos nas zonas temperadas, faz crescer nessa época o numero de ulceras da perna. Pensão os autores do Compendium, que a cura das ulceras é mais lenta, quando as estações são humidas e frias, sendo as melhoras sen- civeis,logo que o tempo é quente e secco. A influencia desta causa deve ser nulla nos paizes intertropicaes, como o nosso, onde a temperatura nunca desce a gráos muito baixos. Parent Duchatelet comtudo acredita que a maior actividade dos trabalhos durante a época dos fortes calores faz predominar nessa quadra do anno o numero de casos da lesão Seja como fôr, o que parece incontestável é que entre nós não ha estação sensivelmente mais favorecida do que as outras. Uma constituição debilitada, condições hygienicas deprimentes, devem sem duvida figurar entre as causas predisponentes. Comtudo, algumas vezes são atacados indivíduos de uma saúde em apparencia vigorosa; nesses casos o professor Berne os julga sob o império de um estado diathesico, difficil de caracterisar. Passo agora ao estudo das causas occasionaes, começando por observar.que, no indivíduo predisposto, qualquer causabanal pôde dar começo á lesão. Outros se mostrão menos accessiveis ; e só causa que actue com certa energia determina a moléstia. São causas occasionaes as violações do regimen, a alimentação insufficiente, as fadigas prolongadas, marchas forçadas, etc. Uma contusão, mesmo leve, uma queimadura, a applicação intem- pestiva de um vesicatorio ou sinapismo, outros accidentes em si pouco importantes, podem, dada a predisposição, constituir verdadeiros traumatismos, e determinar a lesão. Quando existe uma solução de continuidade, tudo o que pôde perturbar a cicatrização da ferida, pôde ser considerado causa deter- minante da ulcera; entrão nesta categoria o emprego de tópicos irri- tantes, os curativos mal feitos, a incúria, a negligencia, a falta de asseio. — 35 — TRATAMENTO Muitos são os meios empregados no tratamento das ulceras idio- pathicas da perna; e basta a consideração da grande variedade de processos curativos, para revelar-nos a pouca efficacia de cada um delles. Com effeito, a rebeldia destas lesões ao tratamento o mais bem dirigido, e sua fácil reincidência, logo que se dá o menor descuido aos preceitos da hygiene, e ainda sem descuido algum, torna esta parte da cirurgia uma das mais ingratas e desanimadoras. Os agentes therapeuticos são tantos, que neste trabalho me vejo obrigado a ommittir muitos, e occupar-me somente dos que têm pro- duzido resultados mais satisfactorios, ou são recommendados por ver- dadeiras autoridades na matéria. Para proceder com methodo, dividirei o assumpto do seguinte modo: Em Io logar me occuparei do tratamento geral, começando por algumas reflexões sobre a preliminar : se convém ou não promover a cura das ulceras — que embora pareça questão vencida, é ainda agitada pela grande maioria dos pathologistas contemporâneos. Tratando em 2o logar do tratamento local e meios tópicos de que se pôde lançar mão, começarei pelos preceitos geraes applicaveis a todos os casos; e, depois de uma rápida enumeração dos principaes agentes therapeuticos, terminarei pelo estudo dos methodos especiaes de tratamento. Na 3a parte, destinada ás indicações operatorias destas lesões, lembrarei as incisões que tantas vezes têm produzido resultados favoráveis; e depois de examinar os casos em que só é applicavel — 36 - o recurso extremo da amputação, tratarei da efficacia dos enxertos cutâneos. Em 4o logar, preencherei o capitulo com algumas considerações sobre a prophylaxia desta moléstia. PRELIMINAR Os autores antigos não classificavão as ulceras, e sobretudo as persistentes, no dominio da pathologia. Elles as consideravão, quando observadas, como funcções orgânicas necessárias á manutenção da integridade das outras funcções physiologicas. Equiparavão as ulceras a válvulas de segurança que facilitão a eliminação de snbstan- cias plásticas e humorísticas; pelo que julgavão útil que persistissem não se devendo promover a sua cicatrização, antes embaraçal-a, por- que poderia produzir a alteração consecutiva do sangue. « As ulceras são espécies de emunctorios ou esgotos, por onde se escoão os humores supérfluos, viciados ou maléficos : supprimi-las, é fechar a porta que deixava escapar as impurezas do corpo hu- mano, e reter no organismo os germens de uma multidão de males » dizem os autores do Compêndio de Cirurgia. Sharp, Heister, Ledran, etc, pensão que a ulcera antiga não pôde ser supprimmida sem perigo. Com os progressos da sciencia tiverão acceitação opiniões menos absolutas ; já se admitte, embora tentada com grandes precauções, a cura das ulceras. Temo-las visto curadas, ainda as mais antigas, sem que se verifiqnem os perigos chimericos, que a antigüidade assignalava. Já Ch. Bell admitte a cura das ulceras de data não recente, mas fa-las cercar de grandes cautelas e cita casos de apoplexias con- secutivas ao desprezo de qualquer dessas cautelas. Majorlin vê ainda cercada de perigos a cura das ulceras, que se complicão com moléstias orgânicas ou phlegmasicas internas ; mas com todos os outros casos só exige, seja o doente submettido a um re- gimen severo e se provoquem algumas revulsões no canal intestinal. - 37 - Sobre estas opiniões dos antigos, limitar-me-hei a assignalar o damno que ao doente podia causar o facto de não lhe curarem as ulceras, de cercarem seu tratamento de mil cuidados e inúteis, que difficultavão, ou de todo impossibilitavão a cura, privando-o dos benefícios que devia esperar da medicina. Não merece as honras da critica a opinião que transforma um facto exclusivamente pathologico, em elemento indispensável á manu- tenção da saúde; pelo que não examinarei se a suppressão de uma ulcera eqüivale á de uma funcção normal. Mas, questão independente desta, e que convém discutir, é se a economia não se resentirá da suppressão de perdas a que estava habituada, de longos annos. Incontestavelmente, da suppressão instantânea e irremediável podem resultar as maiores desordens ; mas, em primeiro logar, o des- apparecimento da lesão sempre se faz de um modo lento, tanto mais lento quanto mais é ella extensa e antiga; depois, tem sempre o cli- nico meio de restabelecer prorup tamente no mesmo local lesão da mesma naturesa. Assim, os cirurgiões modernos (Follin, Nelaton, Boyer, etc.) não enchergão inconveniente serio na cura de uma ulcera por mais antiga que seja e deliberadamente procurão obter essa cura. Quando muito prescrevem as cautelas de modificar o regimen do doente, administra-lhe alguns purgativos brandos, e como ultimo recurso, só empregado em casos excepcionaes, applicar-lhe um revul- sivo em fôrma de cauterio. MÍQ Ê&tÚ Na clinica das ulceras idiopaticas da perna, raras vezes surgem indicações para um tratamento geral, o local é quasi exclusivamente empregado; ha comtudo certo numero de preceitos que é absoluta- mente necessário não preterir. — 38 — As funcções do tubo gastro-intestinal devem ser regularisadas, sobretudo quando ha ameaços de complicações inflammatorias ; nestes casos é de grandes vantagens a administração de um purgativo salino. Se as complicações infiammatorias são muito intensas, causando vivas dores e reacção febril, em indivíduo plethorico, a sangria geral é perfeitamente indicada. Quando a cicatrização se interrompe sob a influencia de um es- tado saburral das primeiras vias, facilmente se reconhece a indicação de um vomitivo ou purgativo. A atonia muito assignalada em doente enfraquecido, debilitado, combate-se levantando-lhe as forças por um regimen tônico, bebidas amargas e preparações ferruginosas ou ioduradas. Nas ulceras irritaveis convém o emprego interno do ópio, lem- brado por Fayrer.1 Hancock aconselha as preparações de therebintinas, que têm uso freqüente na pratica da cirurgia ingleza. Trastour- pensando que as ulceras idiopathicas da perna são muitas vezes entretidas por uma disposição geral da economia, lem- brou o uso interno do iodureto de potássio, na dose de 2 a 6 grammas por dia. Segundo este autor, o iodureto de potássio actuará não só por sua acção geral sobre a economia, mas também por uma acção local sobre a lesão, sendo eliminado pela secreção ulcerosa. A pratica tem mostrado que o emprego deste agente por si só não é eíficaz; talvez será útil, auxiliado por outros methodos curativos. As observações não são ainda bastante numerosas para decidir- se a este respeito. São estes os princípios que me pareceo necessário expor, em relação ao tratamento geral das affecções de que me occupo. Delles se deduz, que as applicações lembradas quasi só prestão serviços ás 1 Medicai Times and Gaz., 1867. 2 Gaz. med. 1860— Journal de ia societé acad. de Ia Loire Inferieure. LXXXIV. — 39 - complicações que podem surgir; são de valor relativamente pe- queno ; e só indirectamente contribuem para a cura das lesões. Passemos ao tratamento local, sem o qual não se comprehende que alguém tente seriamente a cura de uma ulcera. Ti&tame&to Icoe&l PRECEITOS GERAES Repouso e posição.—E questão debatida, e que não se pôde con- sideiar resolvida, se convém o repouso ou o exercício no tratamento das ulceras idiopathicas. Autores de grande nomeada divergem de parecer: denodados compeões pugnão por uma e outra opinião. Parecem-me comtudo pre- ponderantes as razões que recommendão o repouso : o doente deita-se e colloca o membro affectado em posição tal que o calcanhar fique mais elevado do que o joelho e a bacia. Nestas condições, a circu- lação de retorno é feita de modo mais favorável; e o edema, se não diminue, não poderá augmentar, porque a stase nos vasos san- güíneos com difficuldade se poderá manter. São estas as principaes vantagens do repouso, auxiliado pela posição descripta ao membro doente. Os benéficos efeitos destes dous agentes têm sido em poucos dias observados em doentes que chegão ao hospital todos os dias com ulceras de péssimo aspecto. A ulcera, de azul acinzentada e edematosa que era, torna-se de um rubro intenso ; o edema diminue e depois de todo desapparece; as granulações pallidas, flacidas, achatadas e pouco desenvolvidas, tomão logo incremento e em breve tempo cobrem completamente a superficie ulcerosa, chegando ás vezes a tornar-se exhuberantes, a ponto de ser necessário excisa-las em parte. A se- creção purulenta, que era abundante e pouco consistente, diminue e — 40 - faz-se mais espessa; a própria ulcera estreita-se, marchando, no começo, com bastante rapidez para a cicatrização. Eu sei perfeitamente que não são estes dous agentes os únicos factores que aqui intervém ; mas que são os principaes prova-o a di- versidade dos resultados, quando sua intervenção não se dá. A in- fluencia do repouso é tão grande que o pratico experiente reconhece logo quando suas prescripções não forão seguidas e se o doente fez exercicio a despeito das prohibições que lhe forão impostas. As vantagens deste tratamento, sobre as quaes tão bem insistio Gerdy, me parecem tão claras que é de lastimar, quando os doentes por suas occupações ou difficuldades pecuniárias, por sua impaciência ou rebeldia não querem ou não podem sujeitar-se a prescripção. Comtudo a par das vantagens que apontei se observão inconve- nientes dignos de ser tomados em consideração, pois que podem até impossibilitar a applicação do methodo. Se empregamos o repouso, podem sobrevir desordens geraes : ás vezes a digestão se perturba e o doente emmagrece em conseqüência de uma tão grande mudança de regimen. A ulcera se resente deste estado geral; a cicatrização pode ficar estacionaria e conservar a fe- rida o máo aspecto que lhe pretendiamos tirar. No interesse da cura da lesão convém pois, que o tratamento seja modificado, e que o repouso não seja absoluto; o doente abandonará o leito para conservar-se sen- tado, comtanto que tenha o membro em posição horizontal, ou mesmo prescrever-se-ha um exercicio mais ou menos moderado. Ha variedades de ulceras que se distinguem por uma atonia re- belde. E' de observação vulgar que aqui convém uma medicação exci- tante e que o repouso não pôde servir a este fim. O exercicio, pelo contrario, tem sobre a ferida uma acção estimulante e preenche per- feitamente esta indicação. E' nesta vantagem do exercicio, a única que se lhe tem apontado, que alguns autores baseão-se para proscrever o repouso, e aconselhar o movimento no tratamento das diversas variedades destas lesões; mas além de que é impraticável nas ulceras inflammatorias e erethicas, apresenta nas outras os importantes inconvenientes que passo a expor. A posição declive que o exercicio acarreta difficulta a circulação de retorno, que já não se faz com a mesma facilidade que no estado — 41 — normal, congestiona os capillares e produz stases sangüíneas. O edema desenvolve-se, a serosidade imbebe as diferentes cellulas e pela com- pressão que determina, perturba a nutrição da parte. Achão-se assim reunidas condições mais que sufficientes para que a ulcera persista e cresça ; de facto, a cicatrização pára e o menos que acontece é tornar-se a lesão estacionaria. Outro inconveniente que convém assignalar é conseqüência do próprio exercicio, mais que da posição; quero fallar do repuxamento de cicatrizes tênues e recentes, que sempre as ha, e de sua ruptura de- terminando a formação de novas ulceras ou concorrendo para aug- mentar a existente. Autores ha que prescrevendo, em regra, o repouso permittem ou aconselhão mesmo o exercicio, quando empregão-se meios de com- pressão, taes como o apparelho de Baynton. Tendo de escrever um artigo especial sobre methodos de compressão, para elle reservo o exame, se a compressão supprime os inconvenientes do exercicio e se este pôde ser considerado como seu auxiliar. Do que fica dito facilmente se deprehende que partilho a opinião da maioria dos autores de hoje (Gilson, Follin, etc.) que pensão ser o repouso um dos primeiros conselhos a dar ao doente e que o exer- cicio só é vantajoso no único caso que apontei sendo nos outros mais pernicioso que útil. Cuidados de asseio. A faltada observância das regras da hygiene e sobretudo dos cuidados de asseio é sem duvida uma das mais impor- tantes causas que determinão a persistência em tão grande escala da moléstia que constitue o assumpto deste ponto. Logo depois da entrada dos doentes para o hospital, o asseio grandemente concorre para explicar as melhoras rápidas dos primeiros tempos. Basta isto para mostrar como devemos ser escrupulosos na remoção das impurezas que se podem depositar sobre a solução de continuidade, e minuciosos nos cuidados que devem torna-la perfeita- mente asseiada e liberta dos germens atmosphericos. A attenção e a minúcia destes cuidados não querem dizer que se deva insistir muito em lavagens quotidianas das ulceras, é mais útil servir-se de uma solução anti-septica ou desinfectante, do que prolongar 1886 _ 42 — demasiadamente uma lavagem ou fazer a água cahir em jacto forte sobre a superficie ulcerada, porque com isto se destroem matérias plásticas que poderião servir para a cicatrização e retarda-se a cura, ou faz-se as granulações sangrarem, o que representa um certo numero de bocas vasculares abertas por onde a absorpção pôde ter logar e sub- stancias septicas penetrarem na circulação geral infeccionando a economia. Os anti-septicos e desinfectantes nunca devem ser esquecidos nos curativos das ulceras, não só porque tenhão a vantagem de dispensar uma muito grande insistência na sua lavagem, como também porque servem para annullar a acção de qualquer germem que se de- ponha sobre a solução de continuidade depois de lavada, o que é facilimo nas atmospheras infeccionadas das salas dos hospitaes. Aos doentes das classes pobres acontece algumas vezes habituarem- se por tal modo á ferida de suas pernas, que chegão a esquece-la e á despreza-la completamente. Como nesta classe os indivíduos não se distinguem por um excessivo asseio, pôde resultar que sejamos cha- mados a tratar de ulceras que revestem um aspecto medonho e na qual pullulão seres pretendendo conquistar nellas direito de domicilio. O aspecto dessas ulceras é tão notável que impressionou os cirurgiões de outr'ora de modo a constitui-las em variedades distinctas, ulceras verminosas, quando não são mais do que uma simples conseqüência da falta de asseio, facilmente dominada, em pouco tempo, por um parasi- ticida poderoso, como o calomelanos. Estas considerações mostrão que os cuidados de asseio devem ser a primeira preoccupação do clinico no tratamento destas lesões. Mas outras cautelas são necessárias. Curativos.— Os curativos das ulceras são passíveis de leis espe- ciaes, que varião com os agentes empregados, e de preceitos geraes que o cirurgião nunca esquecerá qualquer que seja o caso que se apresente. Applicado o curativo, occorre logo perguntar quando convém levanta-lo. Para resolver esta questão de um modo satisfactorio cumpriria fixar o numero de horas que os apparellios devem ficar in loco ; mas uma resposta tão categórica não poderá nunca ser dada, — 43 — porque as condições que podem exigir a mudança do curativo varião e só a sagacidade e experiência do pratico poderão acertadamente resolve-la. Os curativos acarretão certo numero de inconvenientes e exigem outras tantas cautelas. A exposição ao contacto do ar é sempre prejudicial, não só pela acção irritante desse fluido como também pelos agentes septicos que contem em suspensão e que podem depositar-se na ferida. A innocui- dade e a facilidade de reparação das lesões em que o tegumento ex- terno não foi lesado, a benignidade das operações sub-cutaneas fizerão com que os cirurgiões procurassem com a affinco meios de' revestimento para as lesões expostas que as abrigassem do contacto do ar. Em rela- ção as ulceras este abrigo é tão importante, que alguns autores julgão- no reunido somente aos cuidados de asseio, sufficiente para produzir a cura. O trabalho da cicatrização é mais ou menos peturbado com a renovação dos curativos, porque a pellicula cicatricial que se fôrma é muitas vezes despedaçada e a lympha plástica, indispensável para a cura, com ella acarretada. Comvem pois, os maiores cuidados ao le- vantar o apparelho sobretudo em relação aos bordos da solução de continuidade, por onde principia a cicatriz. Os inconvenientes assignalados explicão a opinião de A. Pare, que mandava não despir muitas vezes a ulcera e convidão os clinicos a imita-lo espaçando o mais possível os curativos ; com efeito hoje sua freqüência só é justificada pela abundância da secrecção purulenta. O clinico velará para que estes preceitos sejão cumpridos, assim como os que exige todo e qualquer curativo, conscio de que se forem preteridos, serão causas de persistência das affecções. Um curativo bem feito produz no doente sensação de bem estar e supprime os attritos das vestes, corpos estranhos, etc, outras tantas causas que impedem ou retardão a cicatrização. Traumatismos e excessos alcoólicos. Em qualquer affecção do quadro nosologico é preceito que convém não esquecer: a indicação causai merece sempre seria attenção; com effeito sempre que se supprimir a causa de uma affecção, quer medica, quer cirúrgica, os effeitos que — 44 — esta causa determinava não podem persistir e a moléstia tende a des- apparecer. Já Hippocrates o tinha dito em aphorismo—Sublata causa, tollitur effectus—e a sciencia respeita ainda hoje, como respeitará sempre, é de crer, esta opinião do pai da medicina. Os traumatismos não podem, por si só, é verdade, produzir ul- ceras, mas são, em terreno já predisposto, muitas vezes causa occasio- nal desta affecção e quando já existe são um dos elementos que a en- tretem; devem pois, ser evitados. Nunca serão de mais os esforços empregados pelos clinicos no intuito de conseguir que o seu doente perca os hábitos viciosos que tenha contrahido, como os excessos alcoólicos, que alterando o estado geral prejudicão a cura da lesão e como taes podem ser equiparados a causas que convém supprimir. Os preceitos geraes do tratamento local das ulceras exigem que todas as causas, que podem produzi-las ou 'alimenta-las, sejão elimi- nadas. Já assignalei os meios para a suppressão de duas dessas causas; resta-me apontar os de que se pôde lançar mão contra outras causas que exporei e que sem duvida são muito mais importantes. Complicações. As diferentes complicações das ulceras, que já descrevi em outra parte deste trabalho, serão agora encaradas debaixo de outro ponto de vista; trata-se de saber se fornecem alguma indicação geral que possa guiar o medico no tratamento das lesões que ellas complicão. Sendo estas complicações causas que perturbão a marcha da cicatrização, que a difficultão e chegão mesmo a impedi-la de todo, devem desapparecer; e os esforços do clinico convergirão todos para esse fim. Se as ulceras se apresentão com os bordos adelgaçados e descollados, se forem elles ao mesmo tempo lividos e privados de nutrição, serão incapazes de adhesão, e, se agentes da medicação excitante não conseguirem trazê-los a um gráo de vitalidade sufficiente, deveráõ ser sem hesitação excisados em sua totalidade com o thernio- cauterio. Se a ulcera se apresenta irritavel, de modo que o mais ligeiro contacto provoque dores intensas, muitas vezes insupportaveis e que — 45 — desenvolvem-se mesmo espontaneamente, constituindo o que Billroth chamou a ulcera eretlaca, combater-se-ha este estado com vantagem por um repouso severo e applicações de narcóticos, substancias opiaceas interna e externamente. Quando o repouso não é guardado ou se faz exercicio um pouco exagerado, a infiammação invade a solução de continuidade e sua peripheria, fazendo cessar todo o trabalho curativo. Nestas condições a infiammação será combatida e com mais ou menos facilidade debellada pelos diversos agentes emollientes e anti-phlo- gisticos ao nosso alcance, sem que comtudo os emollientes sejão usados por muito tempo, para que não desenvolvão um estado de congestão passiva que perturbe a marcha da cicatrização. Nas ulceras que se complicão de atonia, o repouso, geralmente vantajoso nas outras variedades, pôde ser inconveniente e o exercicio prestar serviços. Além do exercicio, restão todos os outros meios excitantes ou mesmo cáusticos que fazem sentir sua acção em um tempo mais ou menos próximo. As ulceras que se distinguem por uma muito grande exhuberancia de granulações chamão-se fungosas. As fungosidades ou granulações exuberantes precisão ser removidas, porque a cicatriz com difficul- dade se faria em redor dessas saliências mais ou menos notáveis. Os meios a empregar nesses casos podem ser a excisão com tesouras quando a exuberância é muito grande, cauterizações ligeiras ou mais intensas, apparelhos de compressão ou ainda os adstringentes. As ulceras callosas são das mais difficeis de curar, e sua rebeldia aos diversos tratamentos os tem feito variar consideravelmente. Boyer aconselhava o uso de scarificações dos bordos da ulcera, o que é uma pratica muito dolorosa e pouco racional na opinião de Majorlin* Zeis e Billroth preconisão os emollientes. A compressão também tem sido lembrada, assim como os excitantes, revulsivos e até os cáusticos. Para as ulceras phagedenicas são os cáusticos os agentes que mais aprovei tão. Quando as ulceras segregão uma sanie abundante e fétida convém insistir no uso de desinfectantes, mas aconselhar também os excitantes. * Dicc. em 30vol. t, m. - 46 — Se surgirem accidentes gangrenosos, ainda os desinfectantes e anti-septicos serão perfeitamente indicados ; mas se a gangrena não fôr conseqüência, como costuma ser, da incúria do doente, mas sim determinada pelo estado geral, a remoção desse estado será o pri- meiro passo a dar. Quando a ulceração se complica com o estado edematoso será con- veniente fazer escarificações superficiaes com a ponta de uma lanceta ou simples picadas com uma agulha muito fina. (Berne).* As varices, isto é, as dilatações pathologicas e persistentes das veias, se não são causa.- primeiras de producção das ulceras, incontes- tavelmente concorrem, ao menos para mante-las. A indicação que manda supprimir as varices é pois perfeitamente racional, mas infe- lizmente tão fácil de ser formulada como difficil de ser executada. Não farei aqui um estudo e critica completa das diversas operações cura- tivas dos varices, para provar a sua nenhuma efficacia; só direi que estas operações, que podem ser resumidas em extirpação ou destruição da veia varicosa e coagulação do sangue em seu interior, são hoje abandonadas por sua nenhuma utilidade epor seus perigos prováveis. Mas se a cura radical das varices não pôde ser tentada com probabili- dades de ser obtida, os inconvenientes, que representao, podem ser em parte attenuados sem fazer o doente correr perigos mais sérios que os que determinava a affecção que se pretende curar. Para conseguir este resultado temos os palliativos, representados pela posição do membro e sobretudo por sua compressão, únicos meios de que vale a pena lançar mão. Persistência no tratamento. Ao contrario das feridas, as ulceras, e é isto sobretudo que as distingue, tem uma notável tendência a per- sistir a despeito dos tratamentos os mais bem dirigidos ; é preciso sempre um prazo não muito curto para obter-se a sua cura. Os doentes devem pois, armar-se de paciência se realmente desejão libertar-se de sua affecção, porque é também a sua pouca docilidade e impaciência o que fazendo-os duvidar da efficacia dos meios empregados, quando esta não se mostra immediata e abandonar os salutares conselhos do clinico, * Pathologie cirurgicale t. 1—1883. - 47 — um dos factores que muito concorre para a permanência em tão grande numero desta moléstia. A persistência no tratamento não quer dizer que os meios em- pregados devão ser sempre os mesmos durante todo o curso da moléstia, porque as ulceras muitas vezes habituão-se com facilidade, aos meios que se empregão e exigem assim que constantemente se modifique o tratamento. A necessidade de variar os curativos não impressionou, entretanto, igualmente a todos os cirurgiões ; assim por exemplo Gilson* diz: « Lorsque le membre inferieur aura été placé dans une situation satisfaisante, lorsque toute malpropreté aura été enlevée, cette plaie, á Ia condition d'être mantenue propre, ne guerira ni plus ni moins vite, quelque soit le topique appliqué.» Regimen. O doente deverá ter uma vida methodica e regrada, um regimen são e reparador; mas não ha regras especiaes a prescrever em relação a este ponto. O regimen serve habitualmente para combater algumas compli- cações que podem surgir e só indirectamente actua sobre a marcha da cicatrização. Se elle, porém, não pôde directamente apressar a cura, as suas menores preterições influem perniciosamente sobre a lesão local, assim como esta se acha na estreita dependência do estado geral sem comtudo influir sobre elle ; é por causa desta dependência que as infracções ás regras geraes da hygiene são nestes casos tão prompta- mente punidas. AGENTES THERAPEUTICOS Ante-phlogisticos, emollientes. A medicação anti-phlogistica só convém ás variedades de ulceras, em que ha complicações inflam - matorias. Para debellar esta complicação, tem-se recorrido ao calor, sob a fôrma de banhos mornos prolongados e ao frio em loções, duchas * Dicc. de med. e chir. t. 37—1885. — 48 — de jacto moderado ou mesmo gelo ; mas é o calor, e o calor humido sobretudo, na fôrma de cataplasmas, o meio mais constantemente empregado. As cataplasmas mais usadas sãoas de fecula de batatas ou farinha de linhaça, que convenientemente applicadas fazem desappa- recer mais ou menos completamente os phenomenos de tumefacção, rubor e dôr, que em gráos diversos revelão o estado inflammatorio. Os emollientes comquanto úteis, não devem ser empregados por muito tempo, porque desenvolvem um estado de congestão passiva que perturba a marcha da cicatrização. Se a infiammação fôr muito viva podem elles não ser sufficientes para acalma-la, e devemos então, uzar da sangria geral ou de sanguesugas, que convém que sejão applicadas so- bre a parte lesada, mas não muito na proximidade dos bordos da ulcera. Zèis considera a medicação pelos emollientes, sob a fôrma de cataplasmas, alternados com banhos de água quente, como a verda- deira medicação especifica da ulcera callosa. Excitantes, revulsivos. A medicação excitante é a que mais vezes se emprega no curativo das ulceras, pois que é applicavel a quasi todos os casos. Os principaes meios excitantes que se tem lembrado,são: Balsamo dé Styrax ; balsamo de Arcaeus ; diversos corpos nos quaes entra o precipitado rubro; soluções de vinagre (Barber); outros ácidos di- luídos, sueco de limão ; soluções saturadas de sabão (Pistocchi); so- luções fracas deazotato de prata ou de perchlorureto de ferro. Podemos ainda lançar mão dos curativos com álcool camphorado, com tinetura balsamica, essência de therebintina ou pommadas excitantes. Clery recommenda o sulphato de ferro e o acido chromico quando ha exuberância de granulações. O permanganato de potássio, que também presta bons serviços como anti-septico, é um poderoso excitante na dose de 2 a 4 grams. para 30 de água. Nos indivíduos enfraquecidos tem-se visto uma solução de tar- trato ferrico-potassioo dar bons e promptos resultados. Demarqaay* sustenta as vantagens do acido carbônico, que pôde * Dicc. de med. e chir. t. 6—1867. — 49 — em poucos dias produzir uma cicatriz sufficiente para cobrir uma vasta superficie ulcerada. Entre os meios excitantes é preciso citar ainda os hypo-chloritos alcalinos e em particular a água chloruretada de Nelaton, que em solução um pouco concentrada tonificão as granulações que de fla- cidas, volumosas e lividas tornão-se menores e mais consistentes ; di- minuem a sanie, que se torna menos fétida; e espessão a suppuração que em seguida desapparece. Esta acção benéfica da água chloruretada já tinha sido assigna- lada por Lisfranc. Para explica-la fez o Dr. Picard intervir, além das propriedades excitantes da água, uma acção chimica sobre as granu- lações. Com effeito, os hypo-chloritos alcalinos (chlorureto de cal, de soda) em contacto com o acido carbônico contido no ar se decompõem e fornecem oxygenio. Os resultados benéficos são, pois, obtidos pela acção deste gaz ; sua applicação directa produz efeitos muito enér- gicos, ao passo que com a água chloruretada o desprendimento do gaz é lento e a excitação moderada. Castex empregou com successo o iodureto de amido no trata- mento de velhas ulceras. Soluções iodadas ou a própria tinctura de iodo em embrocações sobre a ulcera são meios que tenho visto excitar com vantagem a vitalidade da parte e apressar a cura. Syme aconselha como meio revulsivo de valor a applicação de um vesicatorio bastante largo para cobrir não só a ulcera, como toda a parte infiltrada. Este meio estimula, pelo systema nervoso, a circulação e subtrahe á pelle os líquidos que a impregnão. E' um meio enérgico que deve ser reservado para os casos rebeldes e que pôde algumas vezes ser substituído com vantagem por applicações de pommada stibiada. Com o professor Follin propendo a crer que qualquer destes exci- tantes pôde ser útil auxiliado da compressão, mas que empregado isoladamente é em geral insufficiente. Cáusticos. Para modificar profundamente a superficie de certas ulceras tem-se preconisado o emprego de cáusticos mais enérgicos que os revulsivos de que acabei de fallar. Além do cauterio actual os 7 1886 — 50 - agentes, que, com esse fim, se tem empregado mais vezes são o nitrato de prata e o nitrato acido de mercúrio. O nitrato de prata emprega-se em lápis ou em solução na água distillada, nas ulceras fungosas sobretudo, para reprimir as granula- ções. E' um cáustico pouco enérgico, actuando pelo acido nitrico que abandona decompondo-se. O nitrato acido de mercúrio, cáustico muito mais enérgico, appli- cado sobre superfícies ulcerosas vastas pôde dar logar a phenomenos de intoxicação mercurial; é muito menos empregado que o pre- cedente. Nas granulações por demais exuberantes, ou quando se trata de modificar uma secreção de má natureza ou destruir inteiramente os bordos callosos de uma ulcera, não bastão mais os cáusticos, devemos recorrer ao cauterio actual. O cauterio actual costuma ser feito com o ferro em braza ou, o que é melhor, com o thermo-cauterio de Paclin O calor desenvolvido pela electricidade parece também dever reunir vantagens, mas os apparelhos galvano-causticos poucas vezes são utilisados. Faure nas memórias da antiga Academia de cirurgia aconselhava a cauterização objectiva com um carvão incandescente, o que chamava Vexercice du charbon. Elle tinha por fim, não obter uma cauterização profunda como as que acabamos de fallar, mas simplesmente apressar o trabalho da cicatrização. Consistia o methodo em approximar e afastar successivamente da parte lesada um carvão incandescente, de modo que ella sofresse o maior gráo de calor que pudesse supportar sem queimadura. As experiências de Faure provão que uma temperatura de 40 a 50 gráos é muito favorável á seccura da ulcera, o que desde Hippocrates já era signal de um bom prognostico. Ulcus siccum proprius est sano, ham- midum non sano. Desinfectantes anti-septicos.—Descreverei aqui os principaes tópicos lembrados com o fim de se oppôr á intoxicação miasmatica, neutralizando ou destruindo o agente septico ou oppondo-se á sua absorção. — 51 — Álcool.—O álcool já teve na sciencia uma voga que só conser- vou-se na medicina popular onde é a base da celebre tinctura de arnica que as pessoas do povo considerão como verdadeira panacéa. Elle emprega-se mais ou menos diluido e associado á camphora. Habi- tualmente embebem-se compressas ou fios que se collocão em contacto com a solução de continuidade e que são cobertas por um apparelho que difficulte sua evaporação. O álcool é um tópico doloroso, que perturba a cicatrisação das ulceras ; suas propriedades preservadoras são incontestáveis, mas ha outros agentes que as possuem em igual gráo e que não tem os seus inconvenientes. Acido phenico.—O acido phenico se tem espalhado por toda a parte e é notável hoje o seu consumo em cirurgia. No curativo das ulceras o coaltar emulsionado pela tinctura de saponina é a fôrma sob que é mais freqüentemente empregado. Quotidianamente observo no Hospital da Misericórdia os benéficos efeitos deste agente, que é ali usado em grande escala. Além destes corpos devo assignalar as soluções de chloral e per- chlorureto de ferro, os pós de carvão, quina e camphora, o iodoformio, permanganato de potássio, etc... O iodoformio é de emprego quoti- diano e vantajosissimo na opinião da maioria dos clinicos. METHODOS ESPECIAES DE TRATAMENTO Methodo de compressão.— A compressão directa tal qual é em- pregada no tratamento das ulceras actúa sobre os tecidos desengor- gitando-os, isto é, fazendo refluir para outras partes os liquidos que os infiltrão. Esta acção pôde ser tão enérgica que determine uma anemia local bastante considerável para impedir a nutrição e produzir gan- grena e ulceras, mas como meio therapeutico nunca chega a este extremo, e a nutrição, que era perturbada pela grande quantidade de — 52 - liquidos em que nadavão os elementos dos tecidos, torna-se mais ou menos fácil e apressa a cura. A compressão, pois, qualquer que seja o meio empregado é de valor incalculável, além de facilitar mais que nenhum outro me- thodo a circulação, approxima os bordos da solução de continuidade e diminue a extensão da cicatriz. Os methodos por que a podemos de- terminar varião. O mais importantee ornais em voga é o de Baynton, que me occupará em primeiro logar ; os outros serão descriptos em seguida. A Baynton só pertence o aperfeiçoamento no modo curativo ; a idéa da compressão como recurso deste tratamento data de época mais antiga. Já Pare, Theden, Fabricio de Hilden, Desault, B. Bell a pre- conisavão, quando appareceu o livro de Underwood (1787) que se mostrou apologista caloroso da compressão por tiras de flanella. Pouco depois, em 1797, é que Baynton fez publicar o methodo curativo que devia vulgarisar-se pelo mundo inteiro e impôr-se como recurso impor- tante no tratamento das ulceras idiopathicas da perna. As vantagens deste methodo não se revelarão comtudo sem diffi- culdades; ellas custarão a transpor a Inglaterra, pois sò em 1814 appareceu em França o seu primeiro apologista convencido, Roux, * que, apezar de seu grande nome e da energia com que defendia suas opiniões, não conseguio vulgarizar o tratamento. Foi só em 1840 que se fez essa vulgarização na França e depois no mundo inteiro com a memória que Ph. Boyer apresentou ao Instituto. O apparelho de Baynton se faz com tiras emplasticas de spara- drapo que tenhão de comprimento uma vez e meia ou uma vez e um terço a circumferencia do membro e de largura dous a três centíme- tros. A applicação do apparelho será feita com todos os cuidados possiveis para que a compressão seja exacta e uniforme e com esse fim cortar-se- hão as tiras no sentido do comprimento da peça, porque se o forem no da largura exercerão maior pressão em sua parte média que em seus bordos. Antes da applicação do apparelho a ulcera será cuidadosa- mente lavada e os pellos da região cautelosamente raspados ou cortados, não porque embaracem a applicação das tiras, mas porque adherem a * Parallele de Ia chir. angl. avec ia chir franc. 1814. — 53 — ellas e o seu repuxamento, naoccasião de levantar-se o curativo, é por demais doloroso. Hogden** julga vantajoso, ainda como cuidado pre- liminar, o uso, por alguns dias de emollientes como cataplasmas ou banhos quentes prolongados. A perna será perfeitamente enxuta, para que a adhesão das tiras não seja difficultada; e esta será facilitada aquecendo-as á chamma de uma lâmpada ou humedecendo-as com a essência de therebintina. Executados estes cuidados, começa-se a applicação do apparelho collocando a parte média da primeira tira sobre o lado opposto á parte mais inferior da lesão e cruzando suas extremidades sobre esta. Pro- segue-se, applicando logo acima e exactamente do mesmo modo, a segunda e assim em seguida, comtanto, porém, que cada tira cubra a terça parte ou metade da que lhe fica immediatamente inferior. O apparelho está terminado quando tem coberto inteiramente a super- ficie denudada. O professor Hogden aconselha que á proporção que se collocão as tiras se levante o bordo inferior de cada uma, cortando delia um pequeno triângulo, cujo vértice fique um pouco acima do bordo superior da tira precedente ; crea-se assim uma serie de aberturas para dar escoa- mento ao pús, que se ficasse retido, acarretaria a destruição das granulações. Este conselho, além de não ter vantagem real, difficulta sobre modo o curativo e torna a compressão methodica muito difficil, quando não temos ao nosso dispor a perícia do cirurgião de Saint-Louis. O perigo da destruição das granulações pela retenção de pús em grande quantidade não existe, desde que se pôde mudar muitas vezes o curativo, até que sua acção benéfica se tenha manifestado e a secreção purulenta diminuido. Completo o apparelho, colloca-se por cima uma camada de fios ou de algodão e envolve-se o membro em outro apparelho, feito com tiras de panno, que será quotidianamente renovado. O apparelho de tiras agglutinativas, ao contrario, persistirá ornais tempopossivel, e só será substituído quando se tiver desarranjado ou por demais man- chado de pús. Quando tratei dos preceitos geraes relativos ao repouso ** Encyclop. intern. de chir. t. 2,1883. — 54 — comprometti-me a examinar a sua utilidade, quando empregado este apparelho. As considerações que passo a expor cabem a qualquer outro systema de compressão. Já ficou provado que o exercicio tem sérios inconvenientes, que os seus benefícios não compensão ; e as razões que se tem allegado para provar que assim não succede, quando se empregão meios compressivos, absolutamente não procedem, tanto que a observação de todos os dias demonstra que o curativo de Baynton é muito mais efficaz, quanto se guarda o repouso. Mas essa mesma observação demonstra também que a acção deste apparelho não é annullada pelo facto do exercicio, e que por conseguinte, os inconvenientes deste ultimo são diminuídos, mas só diminuídos. Póde-se, pois, permittir o exercicio algumas vezes ; mas deve-se aconselhar sempre o repouso. A opinião de Ph. Boyer, que prohibia o repouso e aconselhava o exercicio, não tem fundamento, e os autores do Compendium chegão a acreditar que o repouso é a condição essencial e a compressão apenas um seu auxiliar poderoso. O curativo de Baynton reúne um grande numero de vantagens, que podem ser assim resumidas : 1.° Acalma a dôr, diminue a suppuração e supqrime o máo cheiro; 2.° Impede o desenvolvimento do edema e por conseguinte sup- prime uma causa importante que entretem as ulceras ; 3.° A raridade dos curativos e o modo porque são feitos tornão mais fácil o respeito completo ás partes já cicatrizadas; 4.° A compressão, determinando um certo nivelamento das gra- nulações, favorece a cicatrização; 5.° Approximando os bordos da solução de continuidade apressa a cura; 6.° Diminue os inconvenientes do exercicio, quando torna-se forçoso não impedi-lo ao doente ; 7.° Impede a acção irritante do contacto do ar e o deposito sobre a ulcera dos germens atmospliericos. Este modo curativo, como meio therapeutico racional que é, não pôde ser indistinctamente applicado a todos os casos; tem verdadeiras indicações e contra-indicações. — 55 — Poucos são os casos em que o apparelho é inconveniente e por- tanto contra-indicado : Nas ulceras muito dolorosas não deve ser prescripto, porque só pôde concorrer para aggravar a complicação ; Quando a pelle fôr muito sensível á acção irritante do spara- drapo podem-se produzir escoriações e pequenas ulceras que são uma causa de demora para a cura ; Não convém nas ulceras que a inflammação complica, mas esta 3a contra-indicação não é formal para todos : alguns autores limitão-se a modificar o apparelho de modo a tornar a compressão menos enér- gica. Thomson cobre somente dous terços da circumferencia da perna e Lalemand (de Montpellier) afasta as tiras umas das outras, de modo a deixar sempre um pequeno intervallo entre ellas. A' excepção destes casos o apparelho tem applicação em todas as ulceras da perna, mas são sobretudo as ulceras varicosas as que colhem mais benéficos resultados. Ao fallar das vantagens deste methodo observei que elle impede o contacto do ar. Isto o colloca entre os apparelhos de occlusão e dá logar á divergência sobre seu modo de actuar. Pensão alguns que é esta occlusão o principal factor de seus resultados vantajosos e negão completamente a efficacia da compressão; a opinião contraria também foi sustentada. Mas a maioria dos autores propende a crer que a occlusão não é sem acção e aconselhão a pouca freqüência neste gê- nero de curativos. Os dous factores, compressão e occlusão, intervém pois, simultaneamente, e mutuamente se auxilião para o resultado final; é esta a opinião de Poncet,* e é a única sustentável. O apparelho de Baynton é o mais importante dos methodos de compressão e isto justifica os detalhes em que entrei a seu respeito, mas não é o único; modificações têm sido propostas, assim como outros apparelhos completamente diferentes. Tem-se proposto modificar as tiras de sparadrapo substituindo-as por tiras cobertas de emplastro de Nuremberg ou de ichthyocolla. As meias elásticas, as meias laçadas e as meias elásticas laçadas também podem ser de vantagem. * Dicc. de med. et chir., tome 19.—1874. — 56 - Reveillê-Parise preconisava a applicação de uma folha de ouro ou de uma lamina de chumbo mantida por um apparelho compres- sivo. Velpeau empregava um apparelho inamovivel com uma janella por onde se pudesse observar a ulcera. No tratamento que Becker lembrou em 1877, o membro era collo- cado durante quatro semanas em um apparelho inamovivel e de com- pressão. Este apparelho era regado de dous em dous dias por soluções fortes e decorridas as quatro semanas retirado á noite, para ser re- feito no dia immediato pela manhã. Henry A. Martin (de Massachusetts) estabelece a compressão por meio de uma tira elástica de caoutchouc. Nunca tendo visto em- pregar este meio, não posso julga-lo; parece-me racional; entretanto persisto em crer que seria mais vantajoso se fosse auxiliado pelo re- pouso. Eis como o autor executa o seu processo; J. Hogden é quem me fornece a descripção : «La longueur de Ia bande est de 3 mètres, sa largueur de 75mm et son épaisseur correspond au n. 21 de Ia filière de Stubs. A l'une des extremités on fixe quelques centi- mètres d'un épais tissu de fil, et à celui-ci sont cousues deux fortes attaches de 45 centimètres de longueur. II est important que les bords de Ia bande soient parfaitement unis; s'ils ont Ia moindre encoche, Ia bande se déchire tout de suite en ce point et ne vaut plus rien. Par contre une bande bien coupée supporte presque indéfiniment une traction con- tinue. Une machine seule peut arriver à découper le caoutchouc d'une façon égale... La durée d'une bande bien faite est surprenante. Plusi- eurs de mes malade; mettent Ia même chaque jour, depuis 2, 3 et même4 ans, et j'ai guéri plusieurs individus à Ia file avec Ia même bande qui est encore en parfait état. Pour atteindre ces qualités exceptionnelles, le caoutchouc doit être de Ia meilleure sorte du Pará, et être prepare avec le minimum possible de soufre et de chaleur, sans lequel le caoutchouc se deteriore rapidement et perd toute valeur. Les dimensions indiquées ci-dessus sont celles qui paraissent le plus généralement utiles; s'il s5agit d'une jambe três longue et três êpaisse, il fautune bande plus longue de 60 à 90 centimètres, et plus large de 15mm. Quelquefois, quand il y a des varices à Ia cuisse, en — 57 — en même temps qu'un ulcère de Ia jambe, je prescris une bande allant du pied à 1'aine; il faut pour cela qu'elle ait de 5 à 6 mètres de longueur, et si Ia jambe est grosse, sa largueur doit atteindre 85 et même 95,nm. Sur une jambe maigre, il peut arriver qu'on ait trop de bande ; le surplus est enroulé autour du-genou, on, si l'on veut, coupé à Ia longueur volue. Au bout d'un certain temps 1'aspect de Ia bande s'améliore par le fait qu'elle se débarrasse du soufre qui « transpire » à Ia surface du caoutchouc. Ce soufre n'a pas d'autre inconvenient que son aspect désagréable. Je crois même ne pas me faire d'illusion en disant qu'il exerce une influence vraiment utile sur certaines affections de Ia peau. On pourrait enlever le soufre du caoutchouc et fournir des bandes ayant beaucoup meilleure façon, mais cela ne se ferait qu'avec certains réactifs qui détérioreraient proba- blement le caoutchouc..... Le malade doit Ia mettre le matin avant toute occupation, avant que les veines de Ia jambe se soient distendues sous le poids de Ia colonne sanguine qui les remplit. II vaut mieux 1'appliquer au lit, en Ia serrant juste assez pour qu'elle ne glisse pas. En effet dès que le pied repose sur le sol, Ia jambe augmente de volume, par 1'afflux du sang dans les veines, de façon qu'elle se trouve suffisammment serrée par Ia bande; celle-ci reste en place toute Ia journée, quelque soitlegenred'exercice ou du travaux du malade. Pour enrouler Ia bande, on fait un tour au- dessus des malléoles, puis un tour, en etrier sous le pied, et de lã on remonte sur Ia jambe en spirales successives jusqu'au genou ; chaque tour couvre le precedent de 15 à 20mm. Si Ia bande est trop longue, on enroule 1'excédent autour du genou ; les attaches sont portées dans deux directions diferentes et solidement nouées. Le soir, quand le malade se deshabille, il enleve Ia bande et essuie parfaitement sa jambe. II place sur 1'ulcère un morceau de vieux linge imbibé d'huile d'olives, ou tout autre pensement analogue, et le fixe par quelques tours d'une bande ordinaire. La bande en caoutchouc est lavèe avec une éponge et de 1'eau froide (ou chaude, ce qui est préférable) et suspendue déroulée pour qu'elle sèche et soit prête le matin suivant; ou bien, on peut Ia sècher complètement tout de suite, et 1'enrouler en commençant par 1'extrémité qui porte les attaches. Voilà donc le traitement de nuit; le lendemain, Ia jambe peut être lavée, mais 8 1886 — 58 — qu'elle le soit ou non, il faut enlever les moindres traces d'huile ou de cerat, car les substances grasses, même en petite quantité, exercent à Ia longue une action pernicieuse sur le caoutchouc.... » Curativos pelo algodão.— O curativo de A. Guerin, pela occlusão que determina, pela temperatura uniforme, pela filtração dos germens atmosphericos, parecia reunir muito boas condições para ter vantajoso emprego na cura das ulceras. Esta applicação foi tentada e verificou-se que o curativo tinha a vantagem de diminuir a dôr e a suppuração e favorecer o desen- volvimento das granulações, que se tornavão numerosas e rutilantes. mas a cicatrisação não se formava ou fazia-se com extrema lentidão. O Dr. Picar d propôz para obviar a este inconveniente, levan- tar-se o apparelho todas as semanas para fazer enxertos epidérmicos. As observações que produzio a respeito não são favoráveis; e este methodo tem sido quasi completamente abandonado. Curativos pela água.-—Estes curativos datão de Galeno ; Fallopio, Theden, Lombard, Percy, os applicárão com vantagens. São com fre- qüência empregados na cirurgia ingleza (ivater-dressings) e em França parecem ter dado resultados nas mãos de R. Majorlin. Consistem na applicação sobre a ulcera de compressas embebidas em água fria e na renovação constante das loções. Cliapman, seu enthusiastico apologista, em um tratado que es- creveu a respeito, fazia-o auxiliar da compressão e parece ter obtido bons resultados. Seja como fôr, este modo curativo não é quasi empregado e pa- rece convir mais nas atmospheras não infeccionadas do campo, do que nas salas dos hospitaes. Electricidade.—A electricidade produz sobre o organismo efeitos diferentes, sendos os mais importantes de natureza chimica ou physio- logica. Os efeitos chimicos consistem na electrolise ou decomposição das substancias orgânicas e dos saes libertando elementos que podem agir como cáusticos. No polo — se tverificão bases, no polo + se — 59 — observão ácidos, além disto o ultimo pôde determinar a coagulação do sangue e das matérias albuminoides. Pelos efeitos physiologicos que a electricidade produz, a nu- trição é modificada com mais ou menos energia e a circulação influen- ciada directamente. Os efeitos sobre a circulação varião conforme o sentido da cor- rente, assim: a corrente centrífuga augmenta o calibre dos capil- lares e excita a contractilidade das arteriolas, favorecendo o curso do sangue; a corrente centripeta estreita os vasos e por conseguinte não pôde activar a circulação. A corrente electrica augmenta ou diminue as acções chimicas dos tecidos, e, portanto, influe sobre a nutrição, que não é senão uma serie de phenomenos chimicos, de oxydações das matérias albumi- noides (Amold). Tendo em conta essas acções, Spencer Wells empregou desde 1847 a electricidade no curativo destas lesões e publicou em 1848 uma notável memória a este respeito. Proseguindo em seus estudos apresentou em 1853 * outro trabalho no qual conclue que nem o me- thodo de Baynton, nem os curativos pela água (water and dry dres- sings nem os apparelhos elásticos ou outros são capazes de modificações tão importantes e rápidas como o galvanismo. Spencer Wells empregava alguma vezes a cadeia de Pulver- macher com 16 ou 18 elementos, porém usava mais constantemente de lâminas de zinco ou de prata. No caso de mais de uma ulcera, o zinco era collocado em uma e a prata em outra; quando era única, o zinco era applicado em um ponto da peripheria anteriormente denu- dado ou simplesmente molhado com uma solução ácida. A ulcera em que se collocou a prata cicatriza-se, mas a do zinco cobre-se de uma escara e a sua cicatrização só é obtida depois de applicada a lamina de prata. Isto prova que a compressão das lâ- minas não pôde bastar para explicação destes efeitos, o que ficará ainda melhor provado, se applicarmos somente a prata, supprimindo suas connexões com o zinco. * Medicai Times and Gazette !8-'>8. — 60 — Em 1877 Arnold* escreveu sua these inaugural sobre este assumpto, chegando ás seguintes conclusões : 1.° A electricidade parece ter uma acção curativa sobre as ulceras; 2.° Só as ulceras ou partes de ulceras situadas na passagem da corrente é que se cicatrizão ; as outras peiorão ou ficão estacionarias ; 3.° A cicatrização parece proporcional á duração da passagem da corrente; entretanto, depois de começada a cicatrização, a tensão pôde até um certo ponto supprir a duração ; 4.° A corrente centrifuga augmenta a producção das granulações e ao mesmo tempo a suppuração ; a corrente centripeta produz phe- nomenos inversos; 5.° O polo positivo applicado por muito tempo, pôde produzir escaras, mas salvo este caso occasiona poucas dores ; 6.° No polo negativo o doente percebe formigamentos tanto mais fortes, quanto a conducção é menosbem estabelecida entre o reophoro e a pelle, a corrente mais intensa e a resistência no polo positivo menor; 7.° A acção electrolytica parece não ser senão uma causa acces- soria ; os efeitos sobre as ulceras são devidos a uma acção directa sobre a circulação e nutrição. As poucas observaçães que o autor apresenta não bastão, como elle mesmo reconhece, para comprovar peremptoriamente estas asserções. Poucas vezes tenho visto empregar a electricidade no tratamento das ulceras, mas o que tenho observado não corresponde absoluta- mente á espectativa, que me resultava da leitura dos trabalhos do Sr. Spencer Wells. E comtudo um methodo a estudar, talvez mais tarde se possão tirar-lhe vantagens reaes. Cicatrisação sub-crustacea. — A cicatrização sub-crustacea é uma das fôrmas dos curativos por occlusão ; de facto o que se procura obter é a formação de uma crosta sufficiente para impedir o contacto * These de Paris, 1877, — 61 — do ar e abaixo da qual se fará a cicatrização. Obtem-se esse resul- tado com o auxilio de pós ou com o emprego da ventilação. Foi Bouisson no hospital Saint-Heloi de Montpellier quem pra- ticou pela primeira vez a ventilação no tratamento das ulceras para formar a crosta com a desseccação dos líquidos segregados. Lança-se mão de um folie e fazendo passar durante um quarto de hora uma corrente rápida de ar sobre a superficie da ulcera quatro ou cinco vezes por dia, póde-se obter no fim de pouco tempo a crosta suffici- entemente solida. Este modo curativo parece ter contra si algum inconveniente serio, porque sendo de emprego fácil e em nada dispendioso, não se generalisou entretanto. Nunca o vi empregar, apezar do grande numero de ulceras que tenho observado e da multiplicidade de tra- tamentos que tenho visto instituir. Ritzemberger, não sei se com fundamento, accusa-o de produzir adnites. Na opinião de autores que tenho lido, este methodo presta ser- viços reaes nas ulceras de pequena extensão, não sendo vantajoso nas outras por ser difficil conseguir uma crosta sufflcientemente solida para cobrir toda a perda de substancia. Além da ventilação podemos, como disse, lançar mão de di- versos pós e estes podem ser quer inertes, quer adstringentes, quer medicamentosos. Os pós inertes actuão no mesmo sentido que a ven- tilação ; os adstringentes excitão a vitalidade da ulcera; e os medica- mentosos prehenchem indicações especiaes. Os pós mais empregados são: sub-nitrato de bismutho, carvão, tanino, quina, talco-iodado, iodoformio. Opiiifüs recl&niad&s feias ulceru Não me occuparei das cauterisações, porque já fallei dellas a propósito dos agentes cáusticos empregados no tratamento das ulceras, Só considerarei aqui as incisões, amputações e enxertos cutâneos, — 62 — Incisões.—Nas ulceras antigas vemos, ás vezes, a marcha para a cura, que se fazia até então com mais ou menos rapidez, parar e a lesão permanecer estacionaria. Isto acontece não muito raramente nas ulceras da parte anterior da perna e a pelle torna-se, então, tensa, espessa, pouco extensível e adherente ás partes profundas. Se nestas condições praticarmos as incisões que Vem eu U chamou libertadoras e cuja primeira idéa pertence a Gay* faremos cessar a causa que fazia parar a cicatrização, permittindo que se forme o tecido retractil da cicatriz. A incisão concentrica da ulcera, de Dolbeau e Hogden. permitte bem o descongestionamento dos tecidos e o escorregamento fácil da pelle, que são as principaes condições que procurávamos obter com esta pequena operação. Também podemos nos utilisar da incisão em fôrma de diagramma de flor, que Soemisch propôz para as ulceras da cornea. Amputação.—Este recurso ultimo só será empregado em casos excepcionaes. Respeitando os eternos princípios da cirurgia conser- vadora, a amputação não será por mim praticada pelo facto de ter a ulcera feito a volta completa do membro, por ser antiga ou por ter atacado o osso. Só sua incontestável rebeldia aos mais insistentes meios curativos, só a destruição profunda dos músculos ou outros ór- gãos, que torne o membro inútil ou incommodativo, só uma suppuração muito abundante para ameaçar de perto a vida do doente ou em certos casos os instantes pedidos deste, justificarão o emprego de tão grave recurso. Seja, porém, qual fôr o caso, o cirurgião não se deverá apressar, lembrando-se que muitas vezes membros, que parecião a principio con- demnados, têm sido conservados. E' impossível fixar a priori regras precisas a este respeito e só a pericia do profissional poderá decidir o mais acertado. Enxertos cutâneos.—Os enxertos mais empregados para a cura das ulceras são os enxertos cutâneos, e destes os enxertos epidérmicos de Reverdin e os dermo-epidermicos de Ollier. * Lancei. 1853. — 63 — Estes enxertos exigem um certo numero de condições da parte da solução de continuidade, para que possão dar resultados definitivos e seguros: assim, não devem haver minas de tecido cellular mortificado ; a producção de pús não será muito abundante ; as granulações serão pequenas e regulares ; e a cicatrização já deverá ter começado. Para praticar o enxerto epidérmico tiraremos ao próprio indiví- duo ou a um outro, com uma lanceta ou com thesouras curvas, retalhos de pelle de poucos millimetros de extensão, não sangrentos, mas so- mente humidos em sua parte profunda e os collocaremos sobre a super- ficie denudada, fixando-os ahi com tiras de sparadrapo. R. H. Williams, na Medicai Gazette de New-York, do mez de Dezembro de 1870, aconselha fazer sobre as granulações uma incisão de um a ctous millimetros de profundidade para nella collocar os en- xertos e assegurar um contacto mais intimo. Para os enxertos dermo-epidermicos não basta o que tenho dito e Ollier insiste ainda nos pontos seguintes: Io. Comprehender toda a espessura da pelle no retalho; 2o, immo- bilisar o mais completamente possivel a região em que se tenta a ope- ração ; 3°, empregar a anesthesia local sobre o ponto em que o enxerto deve ser extrahido. Sinto não poder estender-me aqui sobre, o modo de actuar dos enxertos. Quanto a suas vantagens e a preferencia do methodo de Re- verden ou de Ollier, peço licença para copiar e fazer minhas as se- guintes conclusões do trabalho do professor C. Johnstons': Io. Este methodo é de notável influencia para accelerar a cicatri- zação ; 2o. A pellicula cicatricial que elle fôrma é menos disposta á retracção que uma cicatriz ordinária ; 3.° A camada profunda da epiderme é a parte essencial do enxerto ; 4.° A cicatriz se forma pela transformação dos elementos em- bryonarios das granulações, estimulados pela presença das cellulas vivas do enxerto ; 5." Este estimulo, cuja energia se manifesta a principio somente na peripheria das ilhas de nova formação, acaba por determinar uma actividade igual nos bordos da ulceração; — 64 — 6.° Estes enxertos conservão sua vitalidade e podem ser utili- sados muito tempo depois de sua separação do corpo ; 7.° Os enxertos pouco extensos são em geral preferíveis aos outros ; entretanto os enxertos de 74 de pollegada quadrada (Donnelly) ou de 8 cents. quadrados (Ollier) acharão partidários e tem obtido resultados; 8.° O cirurgião que pratica a heteroplastia, deverá ter sempre presente o perigo da inoculação de moléstias especificas pelos enxertos transportados ; 9.° Os enxertos tirados a individuos de uma raça qualquer podem dar resultados nos de raça diversa; 10. O principal inconveniente dos enxertos é a dor que segue sua extracção ; elle será evitado se os tirarmos de um membro ampu- tado de fresco ; 11. Emfim, os bons efeitos dos enxertos cutâneos são superiores ás suas desvantagens. ftighykm As considerações, que farei debaixo deste titulo, são relativas a individuos que já sofrerão de ulceras e que conseguirão a sua cura, mas também se applicão áquelles que tendo lesões nos membros infe- riores, como edema constante ou varices, estão ameaçados de as verem apparecer. O tecido da cicatriz ulcera-se com a maior facilidade; muitas vezes vemos romper-se, pela infracção de cautelas, em apparencia in- significantes, cicatrizes obtidas a muito custo e com os mais vigilantes cuidados. Os meios a empregar para evitar as recahidas ou reincidências consistem na compressão uniforme e continua por meias elásticas, que — 65 — servem também na protecção contra choques exteriores. Os trauma- tismos serão cautelosamente evitados; o doente se absterá de fadigas prolongadas, da stação de pé e emfim de tudo o que pôde determinar a tumefacção edematosa. Nunca serão de mais as cautelas tomadas pelos doentes. Estes preceitos, porém, com difficuldade não são infringidos pelos individuos da classe em que predominão estas lesões e as conseqüências imme- diatas se manifestão logo, enchendo de ulceras as enfermarias e salas de consultas gratuitas. 9 1886 — 66 — Conclusões I. E' completamente distituida de fundamento qualquer distincção entre ulceras simples, idiopothicas ou varicosas. II. As lesões anatomo-pathologicas, que assignalei como constan- tes, me obrigão a classificar as ulceras entre as ãermatoses. III. A manifestação da ulcera se faz sempre antes que as lesões dos tecidos que a cercão tenhão attingido ao seu maximum ; isto é, estas continuão a aggravarem-se depois do apparecimento da perda de substancia. IV. As varices dos membros e o edema que lhes é consecutivo não são sufficientes para determinar o apparecimento de uma ulcera. V. Não está ainda bem conhecido o papel que representa o sys- tema nervoso na producção das ulceras. VI. As desordens da sensibilidade parecem ligadas ás alterações nervosas. VII. Ainda estão por elucidar as causas próximas do processo ulcerativo. VIII. Persistir e modificar, segundo os casos, o tratamento das ulceras da perna, é preceito de máxima importância,só dependente da habilidade do pratico. IX. A cura radical da ulcera antiga, de modo que não se repro- duza sob a influencia de causas banaes, ainda não foi conseguida. CADEIRA. DE PHYSICA MEDICA Estudo especial sobre os thermometros clínicos i O thermometro clinico, mais que nenhum outro, deve ser exacto e sensível. II Na pratica medica os thermometros empregados são os de mer- cúrio. III Não é necessário que a escala thermometrica abranja mais de dez gráos. — 68 — CADEIRA DE CHIMICA MEDICA E MINERALOGIA Propriedades physicas organolepticas e chimicas dos mineraes i A dialyse pôde prestar bons servivos como processo de pesquisa. II As propriedades organolepticas bastão algumas vezes para caracterizar os corpos. III O modo de grupamento dos átomos de um corpo influe sobre suas propriedades. - 69 - CADEIRA DE CHIMICA ORGÂNICA E BIOLÓGICA Urea chimico-biologicamente considerada I A urea é a principal fôrma chimica da eliminação dos corpos azotados do organismo. II A maior parte da urea excretada provem das matérias albuminoi- des ingeridas com a alimentação III Os rins não são órgãos destinados á elaboração da urea ; esta parece se produzir em todos os tecidos da economia. - 70 — CADEIRA DE BOTÂNICA E ZOOLOGIA MÉDICAS Das relações anatômicas que filião o homem aos demais mammiferos i A conformação geral de seu esqueleto, apezar das resumidas dimensões do coccyx, ap próxima o homem dos demais mammiferos. II São notáveis as analogias entre o encephalo dos mammiferos e o do homem, comquanto o deste possua hemispherios mais volu- mosos, grande desenvolvimento de seus lobos anteriores e seja mais rico em circumvoluções. III E' muito semelhante a primeira dentição do homem e de certos macacos; a segunda dentição também oferece muitos pontos de contacto. — ni — CADEIRA DE ANATOMIA DESCRIPTIVA Parallelo entre os membros thoraxicos e os abdominaes i As extremidades thoraxicas e abdominaes apresentão entre si grandes analogias e notáveis diferenças. II As numerosas analogias são sobretudo observadas para o lado do systema ósseo. III As diferenças são conseqüência da diversidade de seus usos physiologicos. — 12 — CADEIRA DE HISTOLOGIA THEORICA E PRATICA Relações entre as cellulas e fibras nervosas i As relações intimas entre as cellulas e as fibras nervosas não estão ainda perfeitamente determinadas. II Os recentes progressos da sciencia tendem a modificar comple- tamente o que se sabia a respeito deste ponto do systema nervoso. III Parece verosimil a existência de fibrus nucleares e nucleolares. - 73 - CADEIRA DE PHYSIOLOGIA THEORICA E EXPERIMENTAL Da irritabilidade muscular i A irritabilidade muscular não pôde persistir sem a vida ; é por- conseguinte uma propriedade vital. II E' uma propriedade inherente á fibra muscular e independente do influxo nervoso. III O influxo nervoso é o seu excitante physiologico. 10 1886 - 74 - CADEIRA DE ANATOMIA E PHYSIOLOGIA PATHOLOGICAS Relações existentes entre a tuberculose e scrofulose i Os progressos da pathologia experimental tendem a fazer con- siderar como gráos diversos de uma mesma entidade mórbida a scro- fulose e a tuberculose. II As lesões anatômicas da scrofulose são muito semelhantes ás da tuberculose. III O estado actual de nossos conhecimentos ainda não permitte riscar a scrofulose do quadro nosologico. 75 — CADEIRA DE PATHOLOGIA GERAL Da ictericia Poucos são os casos em que a ictericia verdadeira é prove- niente de uma lesão cardíaca. II A ictericia de origem cardíaca a mais freqüente é a ictericia hemapheica. III A ictericia bilipheica.que coincide com uma moléstia do coração, nem sempre está na sua dependência. - 76 - CADEIRA DE PATHOLOGIA MEDICA Rachitismo I A alimentação viciosa é uma das mais importantes causas da producção do rachitismo. II O rachitismo na mulher é sobretudo grave pelas deformações que pôde acarretar para os ossos da bacia. III O tratamento do rachitismo se resume no emprego de tônicos; contra suas conseqüências só os meios cirúrgicos poderão offerecer vantagens. — 77 - CADEIRA DE PATHOLOGIA CIRÚRGICA Das fracturas da coxa I As fracturas da coxa nos adultos são sempre lesões graves. II A claudicação é inevitável nas fracturas oblíquas da coxa. III E' muito difficil manter perfeitamente reduzidas as fracturas da coxa. — 78 — CADEIRA DE MATÉRIA MEDICA E THERAPEUTICA ESPECIALMENTE BRAZILEIRA Medicação láctea i O leite como medicamento é um hydragogo e um sedativo. II As affecções do tubo gastro-intestinal são as que mais aprovei- tão das virtudes emollientes do leite. III Os efeitos hydragogos do leite se manifestão sem influencia irri- tativa sobre os apparelhos de eliminação. — 79 — Cadeira de pharmacologia e arte de formular Estudo pharmacologico do opio e seus alcalóides i O opio é o producto solido ou semi-solido proveniente da evapo- ração do sueco leitoso do Paparer somiiijerum álbum. II As variedades de opio que se encontrão com mais freqüência no commercio são: o de Smyrna, o de Constantinopla e o do Egypto ou de Alexandria. III A morphina é o mais importante dos alcalóides do opio ; é ella que determina os principaes phenomenos produzidos pelo opio. 80 — CADEIRA DE HYGIENE PUBLICA E PRIVADA E HISTORIA DA MEDICINA Da prophylaxia geral das moléstias transmissíveis i Os lazaretos e quarentenas são valiosos recursos na prophylaxia das moléstias transmissíveis. II A duração de uma quarentena é imposta pelo prazo da incuba- ção da moléstia que se propõe evitar. III A importância dos cordões sanitários ê muito diminuída pelas difficuldades do seu estabelecimento. — 81 — CADEIRA DE ANATOMIA CIRÚRGICA, MEDICINA OPERATORIA E APPARELHOS Da talha hypogastrica A talha hypogastrica é a operação que tem por fim extrahir um calculo vesícal atravez de uma incisão da bexiga e paiede abdomi- nal na região hypogastrica. II Na execução deste processo operatorio o cirurgião deverá esfor- çar-se por deixar incólume a cavidade peritonial. III A mais terrível complicação da talha hypogastrica é a infiltra- ção da urina no tecido cellular peri-vesícal. 11 1886 82 — CADEIRA DE OBSTETRÍCIA Delivramento i Delivramento é a expulsão dos annexos do feto para fora dos órgãos genitaes. II O delivramento é considerado natural, quando para sua realisa- ção bastão as forças naturaes ; é chamado artificial, quando exige a intervenção da arte. III Os principaes accidentes do delivramento são : as hemorrhagias, as rupturas e inversões do utero e as convulsões. — 83 — CADEIRA DE MEDICINA LEGAL E T0XIC0L0GIA Cremação dos cadáveres sob o ponto de vista medico-legal i O mais sério argumento dos que combatem a pratica da cremação é fornecido pela medicina legal. II Ha venenos cuja pesquiza pôde ser ainda proveitosamente ten- tada depois da incineração. III Provadas as vantagens hygienicas da cremação, os seus incon- venientes sob o ponto de vista medico-legal são secundários. — 84 - Ia CADEIRA DE CLINICA MEDICA Do diagnostico e tratamento das paralysias periphericas i A persistência intacta da irritabilidade electrica, a conservação dos movimentos reflexos e a demora na transmissão das impressões tactis são bons signaes distínctivos entre as paralysias periphericas e as de origem central. II No tratamento das paralysias periphericas a indicação causai deve ser a primeira attendida. III Para combater a paralysia os meios que mais approveitão com- prehendem : a electricidade, balneotherapia e a gymnastica medica ; os outros recursos são de efficacia duvidosa. — 85 — Ia CADEIRA DE CLINICA CIRÚRGICA DE ADULTOS Das condições etiologicas e pathogenicas das pseudarthro ses e seu tratamento i As perturbações nutritivas dos membros, assim como as causas debilitantes geraes, predispõem ao apparecimento da pseudarthrose. II As relações dos fragmentos de um osso bastão em certos casos para explicar a persistência de uma fractura. III No tratamento das pseudarthroses os meios médicos podem re- presentar o principal papel, I Frigidum ulcera mordet, cutem obdurat, dolorem insuppurabilem facit, denigrationes, rigores febriles, convulsiones, nervorum dis- tentiones. (Secl. V.-Aph. 20). II Calidum suppurationem movens, non in omni ulcère, maximum securitatis judicium exhibet, cutem emollit, extenuat, dolorem tollit rigores, convulsiones, nervorum distentiones mitigat, capitis gravi- tatem solvit, offium vero fracturis plurimum confert, sed prsecipue his quse carne nudata sunt, iisque maxime qui in capite ulcera ha- bent. (Sect. V—Aph. 22). III Quibus cum ulceribus tumores conspiciuntur, ii fere neque con- velluntur, neque in furore aguntur. Ulcera undiquaque glabra maligna. (Sect. V.—Aph. 65). (Sect. Vl.-Aph. 4). V Aqua inter cutem laborantibus orta in corpore ulcera non facile sanantur. (Sect. VI.-Aph. 8). VI Ulcera annua quãecumque fuerint, aut longius tempus habuerint. os abscedere est necesse et eicatrices cavas fieri. (Sect. VI.—Aph. 45), Está conforme aos estatutos. Dr. T. Brandão. Dr. Crissiuma. Dr. Francisco de Castro.