tf£Sfa.w.ffi|fe. .CJ^^r^V^V^ $P FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO <* ew DO 1885 <*S&* a i:, DISSERTAÇÃO Primeira Cadeira de Clinica Medica Do parasitismo em relação ao Aiapottico e tratamento fla phtisica PROPOSIÇÕES Tres sobre cada uma das cadeiras da Faculdade apresentada á FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO Em 30 de Setembro de 1885 E perante ella sustentada em 22 de Dezembro do mesmo anno pelo y fir, %mnmw ác |kuk Soujei Iifoiriçá (Autigo interno do Hospital dos Barbonos, 1882 a 1884 e do Hospital da Beneficência Poitugueza 1885). Natural de Itú (Provincia de S. Paulo) FILHO LEGITIMO DE V Lonrenço TiMriçá e D. Aniia|e Paula Souza Tiliriçâ RIO DE JANEIRO TYP. UNIVERSAL DE LAEMMERT & C. 71, RUA DOS INVÁLIDOS, 71 1885 FACULDADE DE MDICRA DO RIO DE JAKIIRO DIRECTOR -CONSELHEIRO DR. VICENTE CÂNDIDO Fl60EiR* »= S*™* VICE DIRECTOR. — CONSELHEIRO DR. ALBINO RODRIGUES DE ALVARENGA SECRETARIO. — DB. CARLOS FERREIRA DE SOUZA FERNANDES LENTES CATHEDRATICOS Os Illms. Srs. Dks: JoSo Martins Teixeira.........Physica medica. Augusto Ferreira dos Santos. (Examinador). . . Chimica medica e mineralogia. João Joaquim Pizarro. (Pres.)......Botânica medica e zoologia. José Pereira Guimarães........Anatomia descriptiva. Conselheiro Barão de Maceió.......Histologia theonca e pratica. Domingos José Freire.........Chimica orgânica e biológica. João Baplista Kossuth Vinelli..... Physiologia theonca e experimentai. João José da Silva..........Pathologia geral. . Cypriano de Souza Freitas.......Anatomia e physiologia patnologica». João Damaisceno Peçanha da Silva.....Pathologia medica. Pedro Affonso de Carvalho Franco .... Pathologia cirúrgica., Conselheiro Albino Rodrigues de Alvarenga . . Matéria medica e therap, especialmente braz.» Luiz da Cunha Feijó Júnior.......Obstetrícia. Cláudio Velho da Moita Maia......Anatomia topographica, medicina operatona experimental, apparelhos e peq. cirurgia. Nuno Ferreira de Andrade. (Examinador). . . Hygiene e historia da medicina. José Maria Teixeira.........Pharmacologia e arte de formular. Agostinho José de Souza Lima......Medicina legal e toxicologia. Conselheiro João Vicente Torres Homem . . . irí- • „ „,„j;„. j„ »j„nna í^ , ., . , „ ,-, . > Clinica medica de adultos. Domingos de Almeida M. Costa.....f Conselheiro Vicente Cândido Figueira de Saboia. lCIinica ci icji de adullos. João da costa Lima e Uastro. ••.... \ Hylario Soares de Gou-vêa.......Clinica ophtalmologica. Erico Marinho da Gama Coelho......Clinica obstetrica e gynecologica. Cândido Barata Ribeiro ..... ... Clinica medica e cirúrgica de crianças. João Pizarro Gabizo.........Clinica de moléstias cutâneas e syphiliticaS. João Carlos Teixeira Brandão. (Fxaminador) . . Clinica psychiatrica. LENTES SUBSTITUTOS SERVINDO DE ADJUNTOS Os Illms. Srs. Drs.: Antônio Caetano de Almeida.......Anatomia topographica, medicina operatoria experimental, apparelhos e peq. cirurgia. Oscar Adolpho de Bulhões Ribeiro.....Anatomia descriptiva. José Benicio de Abreu........Matéria medica e therap. especialmente braz." ADJUNTOS Os Illms. Srs. Drs. ...............Chimica medica è mineralogica. ...............Phytica medica. Francisco Ribeiro de Mendonça......Botânica medica e zoológica. .............. Histologia theorica e pratica. Arthur Fernandes Campos da Paz.....Chimica orgânica e biológica. João Paulo de Carvalho . .......Physiologia theorica e experimental. Luiz Ribeiro de Souza Fontes......Anatomia e physiologia pathologicas. ...............Pharmatologia e arte de formular. Henrique Ladislau de Souza Lopes.....Medicina legal e toxicologia. .............. . Hygiene e historia da medicina. Francisco de Castro.........\ Eduardo Augusto de Menezes......f Clinica medica de adultos. Bernardo Alve9 Pereira........I w" Carlos Rodrigues de Va&concellos.....1 Ernesto de Freitas Crissiuma......J Francisco de Paula Valladares......f _.. . . , . . Pedro Se^eriano de Magalhães......> Clinica cirúrgica de adultos. Domingos de Góes e Vasconcellos ....,) Pedro Paulo de Carvalho........Clinica obstetrica e gynecologica. José Joaquim Per<.ira de Souza...... Clinica medica e cirúrgica de crianças. Luiz da Costa Chaves Faria.......Clinica de moléstias cutâneas e syphiliticas. Joaquim Xavier Pereira da Cunha.....Clinica ophtalmologica. ...............Clinica psychiatrica. A.Í.AFaculdadenãoapproTanemreproTaasopiniõesemittidasnasThesesqutlheíüoapresentadas ssa DE MI1VHA AVÓ E MADRINHA A Exma. Sra. D. Maria de Paula e Souza Francisco. Francisco. AOS IÜS E AOS MEUS AMIGOS 45 28 IBf ACfjy Do prasitiio ai» ralação ao iiapostico a tratamento 1885-M €à£ As palavras phtisica pulmonar e tuberculose pulmonar nem sempre foram consideradas como exprimindo uma e a mesma moléstia. Niemeyer chegou a dizer que «o maior perigo que ameaça a um phtisico é o de vir a ser tuberculoso.» E' verdade que a pneumonia caseosa, phtisica pneumonica encon- tra arrimo ainda em clínicos que com justo titulo são considerados pha- róes da Medicina contemporânea; isto, porém, não invalida de maneira alguma os estudos aturados d'aquelles que, baseados em sérios argu- mento, vêm proclamar a identidade das lesões da phtisica, fazendo valer de tal modo a tuberculose como elemento primordial da consumpção, como a manifestação de um estado constitucional. A maneira actual de encarar este estado constitucional e as conse- qüências praticas que d'ahi decorrem, tal é o assumpto do nosso pequeno trabalho. A tuberculose pulmonar é uma moléstia que no maior numero das vezes mata a fogo lento; o doente definha aos poucos e o medico é coacto a ver marchar a destruição do organismo sem ter ao menos um expediente que possa suavisar a catastrophe. Sente-se então impellido a meditar, a penetrar no labyrintho das funcções orgânicas, a per- scrutar as modificações de que são susceptíveis, afim de ver se apanha o mecanismo d'esse estado que se chama—moléstia—e d'essa moléstia que se denomina—tuberculose. Complexos são os phenomenos que se apresentam: d'ahi a neces- sidade de proceder por partes para poder chegar a um resultado — 4 — profícuo. Tida a concepção de um facto, é preciso, para conhecel-o, ana- lysal-o peça a peça e reconstituil-o de novo; só então existe o conheci- mento exacto d'esse facto e a concepção d'elle agora é a concepção scientifica. Estudar a tuberculose parte por parte, apanhar claramente todos os factores d'ella, às relações que guardam entre si, e depois recon- stituir a mesma tuberculose á vontade, materialmente, é ter o conheci- mento scientifico de uma tal moléstia. Ora verificar-se que o parasi- tismo reunido a outros diversos factores, porém de uma importância relativamente secundaria, taes como o depauperamento orgânico, o estado dos liquidos da economia, em poucas palavras, verificar-se que um parasita encontrando condições favoráveis desenvolve-se e produz lesões que constituem a moléstia e isto sempre, invariavelmente, é ter a concepção scientifica da moléstia. Ter a concepção scientifica da moléstia é fazel-a á vontade, por conseguinte, ter o poder de evital-a. Poderá o experimentador curar a tuberculose? E uma questão de tempo, cremos, pois o rumo que tem tomado a pathologia experimental permitte afagar-se um tão bello ideal. O experimentador terá terminado a sua jornada quando chegar a mostrar a toda a evidencia que a tuberculose é esse — organismo elementar—, causa do tuberculo, causa da infiltração; quando chegar a anniquilar a influencia do micro-organismo e conseguir estacar a marcha do mal; quando, ainda, puder ir arrancar o parasita do seio da economia sem provocar n'ella reacção insólita. Então obtém elle a cura da moléstia. O clinico não tem inteirado a sua tarefa emquanto não melhora as condições compromettidas da inteireza das funcções orgânicas; emquanto não mantém em equilibrio estável as trocas intersticiaes; emquanto, finalmente, não domina o desmoronar da compatibilidade vital. O experimentador terá curado a enfermidade, mas deixará ao clinico o enfermo. Deante das lesões materiaes incompatíveis com a vida, em tempo mais ou menos próximo, comprehende-se a impotência da therapeutica. A circulação e a respiração são dous dos reguladores do funccio- nalismo orgânico. O organismo necessita uma determinada quantidade de sangue para se perpetuar, este sangue requer uma medida de oxygeno para vivificar, e o sangue que resentio a influencia da phtisica não prestará — 5 — um auxilio efficaz aos mais benéficos meios therapeuticos. Porque o sangue depauperado não nutre os tecidos, nem por conseguinte corro- bora para firmar a vitalidade de outros órgãos indispensáveis á har- monia funccional; porque o oxygeno não penetra regularmente uma vez que soffre o seu meio de transporte, augmentado dos obstáculos que a tuberculose espargio nos pulmões. A assimilação, pois, dos ele- mentos fornecidos pela via gastro-intestinal, perde-se em bôa parte entre os obstáculos oferecidos pelo compromisso das outras duas funcções. Eis a difficuldade para o clinico. Colloquemo-nos sob outro ponto de vista e observemos a tuber- culose affectando uma evolução rápida; é outra phase clinica da moléstia e menos freqüente. Aqui, firmado o diagnostico, o papel do medico reduz-se, por assim dizer, a cruzar os braços e observar a lucta entre a vida e a morte, lucta na qual a morte leva decidida vantagem. Na fôrma lenta ha tempo para desorganisarem-se as funcções e virem depois reciprocamente cimentar a consumpção; na fôrma rápida de chôfre deixa uma d'ellas de concorrer com o seu contingente para a manutenção da estabilidade do equilíbrio vital. Comprehende-se que a tuberculose pulmonar é uma moléstia que deve afligir o espirito do medico. E' uma moléstia que assola todos os paizes e climas, augmentando-se na razão directa da condensação das massas populosas. Se quando ella se mostra disfarçada entre outras moléstias, n'um período ainda de estratégia, é útil reconhecêl-a, tanto mais útil é reconhecer a causa, o elemento indispensável, a essência mesmo d'ella, em duas palavras, a etiologia e pathogenia; porque então o homem da sciencia poderá convergir a sua actividade para um ponto claro e definido. Diagnostico precoce e preciso e tratamento causai, especifico : eis, pois, o problema da tuberculose pulmonar. E quando pensamos que a theoria parasitaria pôde vir a resolver um tão complicado pro- blema, não podemos, sem offensa aos sentimentos próprios de homem, deixar de acompanhar com toda a avidez os seus aturados esforços. Não somos systematicos ; aproveitando dos factos experimentaes tentaremos interpretal-os segundo nossas luzes. E nem poderia ser de outro modo: entramos no estudo quando dous grupos disputam entre si a verdade acerca da tuberculose. Mestres de um lado, — 6 — mestres de outro lado ; qual deve ser nossa posição ? Reconhecida- mente trabalhamos n'um terreno difficil. O estudo, baseado em dados mais seguros, da natureza parasi- taria da tuberculose data apenas de 1882, da descoberta de Koch. Se para o diagnostico pouco nos importa que o bacillo seja causa ou effeito, outro tanto não se dá em relação á therapeutica que, levados por idéas deduzidas dos factos experimentaes, cumpre ensaiar em beneficio da clinica. A doutrina do parasitismo pretende explicar a pathogenia da moléstia pelo parasita especial, encontrado perfeitamente caracte- rístico ; em logar de palavras ella põe um facto — o bacillo. A theoria parasitaria não pôde ser regeitada sem um exame severo das suas proposições. Os microzymas, os detritos últimos do organismo, estudados por Bechamp e Estor, aos quaes se refere Grasset, de Montpellier, poderão resistir aos factos felizmente adqui- ridos ? Fallem os cirurgiões partidários de Lister. Os trabalhos de Koch, como era de esperar, despertaram a attenção dos cultores da Medicina. Surgiram logo em campo dous grupos principaes : um que acceitou as idéas do sábio berlinez, quer em absoluto, quer salvaguardando estudos posteriores, outro que pre- tendeo negar o valor scientifico de taes estudos. D'entre os primeiros houve espiritos mais práticos que enveredaram por um caminho que não importava tanto com o essencial da questão : procuraram desde logo verificar a importância que poderia ter a presença do bacillo para o diagnostico e prognostico. Deante dos factos e argumentos apresentados pelos dous grupos sentimo-nos inclinados a expor as conclusões dos partidários de Koch e em seguida as dos seus contrários, como objecções que se levanta- ram ante a theoria que surgio. O methodo exige que tratemos em uma Ia parte :—Da natureza parasitaria da tuberculose, onde estudaremos não só os trabalhos inaugurados por Koch, como também, em um ligeiro esboço histórico, procuraremos mostrar que ao sábio berlinez coube a gloria da acqui- sição anatômica de um facto para o qual já os espiritos mostravam tendências desde as memoráveis experiências de Villemin de um lado e os estudos de Pasteur de outro lado. Ainda mais, desde 1877, estas tendências entraram no dominio da experimentação. _ 7 — Xa 2a parte estudaremos a: Technira e valor clinico da pesquiza do bacillo \ n'essa parte tentaremos fazer vêr as modalida- des clinicas da tuberculose pulmonar nas quaes a bacilloscopia (Jac- coud) pôde prestar real serviço. Na 3a parte, a mais ingrata, talvez, nos esforçaremos por apre- sentar o contingente com que concorre a nova theoria em favor da hy- giene, bem como por mostrar as substancias que parecem convir ensaiar de preferencia e as que têm sido ensaiadas, o como os clí- nicos se têm servido d'estas e finalmente o nosso modo de vêr deante da nova concepção scientifica da tuberculose. Xa terceira parte, pois, estudaremos o :—Tratamento antiseptico da phtisica pulmonar. FIIMIIM fARfl Natureza parasitaria da tuberculose Esboço histórico.— Os conhecimentos dos antigos acerca da phtisica eram muito pouco desenvolvidos ; todavia alguma cousa se encontrou, que estudos recentes, relativamente á consumpção pulmo- nar, têm verificado de um modo mais ou menos completo. Aristóteles dizia nos seus trabalhos « ella torna o hálito corrompido e nocivo áquelles que o respiram » (Martin, cit.). E recuando para os tempos mais próximos de nós encontramos em Morgagni preceitos de grande prudência a usar deante de cadáveres de phtisicos durante autópsias: « Phtisicorun cadávera fugi adolescens, fugo etiam senex. » De um modo vago, portanto, atravessou os tempos a idéa de con- tagio da tuberculose. « Depois, diz Virchow, que Baillie e Bayle fixaram a attenção sobre estas pequenas nodosidades dos pulmões ou tuberculos miliares foi que começou-se a vêr alguma cousa de particular n'estas nodosi- dades. » Laennec, proseguindo e ampliando estas vistas, que cumpre lembrar foram iniciadas por Morton, estabeleceo os limites d'essa en- tidade mórbida, á qual denominou tuberculose, diathese tuberculosa : O tuberculo seria uma producção especial, estranha ao organismo. Ergueo-se, então, um outro homem de gênio não menos profundo que o do descobridor da auscultação, Broussais, que tentando filiar a uma causa única - a plilogose — todas as moléstias, attribuio á tuber- culose uma origem irritativa. Seria pura e simplesmente uma produc- ção inflammatoria o tuberculo. o 1885—M - 10 — Duas maneiras de vêr diferentes, adoptadas por dous homens da estatura de Laennec e Broussais fariam necessariamente despertar os espiritos. Os que sentiam-se inclinados ás idéas d'aquelle, auxiliados mais tarde pelo microscópio, procuraram no tuberculo o elemento especifico. Lebert iniciou os estudos n'esse sentido e annunciou o corpusculo tuberculoso. Estudos posteriores e mais aprofundados de anatomia pathologica vieram, porém, mostrar que a cellula tuberculosa, bem como se observa no câncer, nada tinha de especial, porquanto, elementos semelhantes existiam na economia. Os trabalhos de Reinhardt, que traduziam de certo modo as idéas dos médicos alleniães, lançaram novamente á discussão as duas inter- pretações dadas ao elemento da consumpção. Reinhardt, baseando-se no estudo microscópico, affirmou que-a tuberculose é, quando represen- tada pela granulação, uma pneumonia chronica lobular, intra-alveolar, e quando pela infiltração uma pneumonia intersticial, extra-alveolar. E assim regeitando o modo de vêr de Laennec e a descoberta de Le- bert reintegrava a doutrina de Thoussais. Entrou Virchow no campo das opiniões e assumindo posição até certo ponto eclética tratou de fazer uma distincção cabal entre as lesões da phtisica: em relação aos productos caseosos adoptou as idéas de Reinhardt; relativamente á granulação cinzenta, porém, acceitou a natureza especifica. Tal foi a origem da dualidade da phtisica. Restringindo falsamente a tuberculose sob o ponto de vista ana- tômico Virchow teve entretanto o mérito, diz Hanot, de fazer sobre- sahir duas propriedades do tuberculo : seu desenvolvimento hetero- plasico e sua tendência a uma erupnlo múltipla, propriedades que fizeram-n'o admittir uma origem dyscrasica. « Virchow pergunta se uma substancia especifica, acre e irri- tante do sangue será a causa activa da tuberculose, ou se o saimie al- terado não actuará senão passivamente por principies defeituosos de nutrição e de formação. » (Hanot).* O impulso estava dado : dous grupos defendiam doutrinas rela- tivas ao tuberculo. A phtisica estava então definitivamente em terreno * Dict. de mrii\;ne e chir.— Tuberculose, 1881. — li- de discussão scientifica, isto é, os grupos procuravam apoiar nos factos observados e depois na experimentação as suas maneiras de conceber a moléstia. A idéa sustentada por Virchow obrigou á indagação por parte dos que conservavam-se fieis a Laennec da natureza da phtisica, se a phtisica representaria realmente o resultado de lesões de duas or- dens diíferentes. « Se bem que as primeiras inoculações de matérias tuberculosas tomadas do homem e levadas em animaes tenham sido feitas por Klencke, cabe a Villemin o mérito de ter chamado a attenção do mundo sábio sobre esta questão. » (Picot)1 « N'esta época (1860 a 1870) foi, diz Cohnlieim, que realizou-se em França uma descoberta da qual datará, se não me engano, para a historia da tuberculose, não somente um imcomparavel progresso, mas ainda uma transformação completa na nossa maneira de conceber esta moléstia. Poucas descobertas, com effeito, eram capazes de com- mover a opinião medica tão altamente como a demonstração por Vil- lemin da transmissibilidade da tuberculose. » E quem diz moléstia transmissível diz moléstia infectuosa. (Jaccoud)2 Villemin demonstrou experimentalmente que introduzindo-se sub- stancia tuberculosa no organismo de um animal obtem-se uma ver- dadeira tuberculose. Continuando a série de experiências que encetara, conseguio, com Herard e Cornil, verificar com a substancia caseosa a producção egualmente de tuberculose franca. Os resultados avançados pelo professor de Val-de-Grâce foram confirmados por grande numero de experimentadores e por G. Colin em nome de varias commissões acadêmicas, nas quaes figuraram Grisolle, Louis, Bouley (1867), Klebs e Valentin (1868), Cohnlieim e Fránkel (1869), e Bóllinger (1873).—(Hanot). Estava, pois, em termos claros e precisos a questão da virulência, da especificidade da tuberculose. Não faltou, porém, objecções : umas se dirigiam contra a reali- dade do facto e appellavam para coincidências, outras baseavam-se 1 Grands processe* mor bidês, 1878. 1 Clinique médicale, 1885. — 12 — ou no resultado negativo de algumas experiências ou na obtenção de tuberculose com productos outros que não os tuberculosos. Villemin teve partidários e contrários. A tuberculose era para uns virulenta, contagiosa, especifica ; para outros não. Os importantes trabalhos de Pasteur abriram um novo horisonte á concepção pathogenica das moléstias infecto-contagiosas. Do estudo da fermentação, já iniciado por Cagniard-Latour, passou Pasteur ao de certas moléstias, despertando então a attenção do mundo scientifico. Rayer e Davaine, que haviam já encontrado um micróbio no sangue de baço ou carbúnculo, retomaram seus estudos. O corpo vivo podia, pois, ser sede de uma fermentação do mesmo modo que a matéria morta,isto é, podia servir de terreno para o des- envolvimento de organismos microscópicos. Procurar as relações entre este facto e a moléstia de causa a effeito e demonstrar a verdade d'ellas foi ao mesmo tempo a preoccupação e a gloria de Pasteur. Davaine não cultivando o micro-organismo do carbúnculo defen- dia-se difficilmente das objecções que se lhe erguia. Todavia« se Davaine não venceu a praça abrio uma brecha e mostrou um trilho no qual se precipitaram com affan os experimentadores. Vio-se apparecer sobretudo na Allemanha uma porção de trabalhos tendo todos por objecto estabelecer uma relação de causa a effeito entre o desenvolvi- mento de certas moléstias e o de seres microscópicos diversos. » (Duclaux).* Pasteur, precisando os termos da questão, conseguio assentar em bases sólidas a demonstração da verdade da nova doutrina do parasi- tismo. Para demonstrar a natureza parasitaria de uma qualquer molés- tia contagiosa requer elle três cousas : Ia, encontrar um micro-orga- nismo no corpo dos animaes doentes ; 2a, isolal-o e leval-o—só— no corpo de um animal são ; 3a, mostrar que elle ahi se desenvolve e ao mesmo tempo apparece a moléstia inicial. A segunda das condições apresentadas, comprehende-se, constitue um facto capital e é o que caracterisa essencialmente o methodo pasto- reano : para preenchel-a lança-se mão de um liquido apropriado, con- venientemente esterilisado, isto é, sem germens vivos reproducentes. * Ferments et maladies, 1882. — 13 — A tuberculose seria moléstia parasitaria ? Eis o problema que o conjuncto dos tactos pela sciencia moderna reunidos havia necessaria- mente de fazer surdir. Por esta época o terreno da clinica ostentava também alguns factos que tendiam a provar o contagio, factos esses que os trabalhos de Villemin, Chauveau, etc, autorisavam a ser observados e lançados á luz do mundo medico. O estudo da tuberculose vinha marchando evolutivamente ; a cla- ridade vinha se fazendo pouco a pouco. Klebsfoi o primeiro que em 1877 tentou isolar o parasita phyma- togeno : a demonstração do contagio, apezar dos adversários, teve calor bastante para impellil-o nas indagações, ás quaes entregou-se. Teve assim, a precedência na applicação do methodo pastoreano á pesquiza do microphyto da tuberculose. Servindo-se da albumina de ovo como meio de cultura obteve, no fim de certo tempo, com pequenos fragmentos de productos caseosos signaes de germinação que mostravam granulações moveis e bastonetes muito curtos, parecendo o resultado da reunião dous a dous dos ele- mentos granulosos. Klebs chamou a esta bactéria, que considera" o agente especifico da tuberculose, monas tuberculosum. Com o liquido de cultura das ultimas gerações de uma série conseguio uma tuberculose peritoneal das mais visiveis. Estes micro-organismos são todos muito moveis. Depois de Klebs seu discípulo Reinstadler confirmou estes resultados. As experiências de H. Martin com substancias inertes; depois as inoculações em séries abriam de certa maneira o horizonte e faziam com que « a reacção contra Broussais se tornasse menos acre.» (Hanot). Os estudos histologicos de Cornil, H. Martin, Kiener, etc. levaram a considerar um agente infectuoso, inflammando a parede arterial (endo-vascularite, de Martin ; peri-arterite, de Cornil) e infectando por diapédese os tecidos. Ha evidentemente alguma relação entre o tuberculo e a inflammação. Esquecia-se de Klebs ; ou, antes, os seus trabalhos, filhos de uma época na qual o contagio da tuberculose recebia objecções de toda — li - parte, não podiam ter curso tão franco. Demais, Klebs parecia não ter caracterisado perfeitamente o micróbio de modo a poder ser estudado por outros observadores. Em uma palavra, os estudos, as peças de convicção não foram completas. Como quer que seja, o facto é que os trabalhos histologicos de Cornil, Martin, Kiener, etc. chamaram a attenção para uma irritação intra-vascular, e incitaram o apparecimento de outros de egual significação. O professor Bouchard, nos seus cursos, já fazia notar o facto com insistência. A tuberculose mostra, pois, participar do processo inflammatorio. Porém um facto destaca-se desde logo : o tuberculo produzido por um agente physico ou chimico, como que limita-se, não se propaga, exgota-se, ao passo que o tuberculo verdadeiro tende a propagar-se, infecta a economia, parece que germina. « O que é especifico no tuber- culo não é, pois, a lesão anatômica, isto é, o modo pelo qual reage o organismo, é o agente cuja presença determinou a lesão. O que cara- cterisa este agente é que se comporta como a matéria viva. » (Hanot). Novos ensaios deviam ser tentados no sentido de descobrir e evidenciar esse micro-organismo que representa o agente irritante na producção do tuberculo. O conjuncto dos factos adquiridos pela sciencia tornavam cada vez mais definidos os termos do problema. Schüller emprehendeu seus estudos ; mas os resultados approxi- maram-se dos de Reinstadler, faltavam de precisão. Toussaint, fazendo applicação do methodo pastoreano, fez também suas experiências, em França, e observou micrococcos. Praticando inoculações com o liquido de culturas de edades diferentes, obteve resultados que animavam a enveredar pela via das investigações, mas que não autorisavam conclusão precisamente baseada. Aufrecht, por sua vez, encontrou em coelhos inoculados com tuber- culos de homem, ou de vacca, pequenos bastonetes; além d'isso, micro- coccos de duas espécies differentes. Os bastonetes têm de comprimento duas vezes a largura. Não apresentou dados claros relativos á colo- ração do seu bacillo. Rindfleisch observou também as massas microphyticas das cellulas gigantes, juntamente com Aufrecht, ás quaes Renaut de Lyon attribue certa importância na producção do tuberculo, e que Germain Sée — ir> — considera como as zoogloeas, mais tarde estudadas por Malassez e Vignal. Estava o campo aberto á indagação da natureza parasitaria da tuberculose. Porém os diversos micróbios figurados pelos observadores arredavam a idéa de especificidade da moléstia. Notemos ainda que, entretanto, as experiências não eram relatadas de modo a fornecer todos os esclarecimentos necessários á verificação dos factos. Não havia sido perfeitamente caracterisado o parasita e evidenciada sua acção pathogenica. Por isso os trabalhos até então feitos não tinham conseguido convencer. Cohnheim, adepto da virulência, conservava-se com reserva em principios de 1882. « A prova directa da existência de um virus tu- berculoso e a demonstração sensivel de sua existência, constitue ainda hoje um problema, que não foi resolvido. » Em resumo : Villemin, demonstrando a virulência da tuber- culose, e de par com Pasteur, elucidando a natureza de certas moléstias contagiosas, preparou a concepção actual da tuberculose. E Klebs foi o primeiro que trilhou pela nova estrada aberta aos investigadores, estrada cujo leito foi affirmado pelos estudos dos histologistas. « A doutrina hoje em honra não é na realidade uma doutrina nova, é a expressão mais precisa e mais completa da memorável descoberta de Villemin. » Assim se exprime o professor Jaccoud re- latando os trabalhos de Koch, cujo estudo vamos encetar. Esses es- tudos representam o estado actual da questão. Bacillus tuberculi ou bacillo de Koch. — Além das observa- ções dos diversos indagadores, dos estudos sobre a etiologia parasitaria das moléstias infectuos^s, existem as experiências muito interes- santes de Giboux, contemporâneas das de Koch, que pleiteam bem a favor da natureza viva do agente phymatogeno. Este experimentador fazendo inhalações com ar expirado por indivíduos tuberculosos, de um lado, e com ar idêntico mas depois de atravessar uma camada de algodão phenicado, de outro lado, e obtendo resultados positivos ali e negativos aqui, este experimentador, digo, firmava factos que indi- cavam bem o rumo a proseguir. Baumgarten, quasi ao mesmo tempo que Koch, encontrou um micro-organismo nos productos tuberculosos ; mas não colorio-os. — 1G — Roberto Koch, por meio de reacções colorantes, conseguio ca- racterisar um micróbio, que encontrou constantemente nos productos tuberculosos, egual ao de Baumgarten. Denominou-o bacillus, para recordar a fôrma. Os bacillos são ei eme/tos alongados, semelhantes a bastonetes, com 4 a 6 micro-millimetros de extensão e largura regulando a quinta ou sexta parte da extensão. Juncto a um glóbulo sanguineo dá-lhe pela metade ou mesmo quarta parte. São talhados a pique nas extre- midades. Alguns observadores têm assignalado a fôrma acuminada d'estas, mas Jaccoud repugna, deante das preparações que tem visto, a acceitar tal disposição ; Sauvages que observou muitas preparações é do mesmo parecer. ''Nas preparações que examinamos encontramos uma fôrma difficilmente figurada, sendo antes talhadas a pique como se as descreve, ou mesmo arredondadas. Estes bastonetes ou bacillos são immoveis. Apresentam no seu interior de quatro a seis granulações esphericas; consideradas como esporos. « O facto-principio descoberto por Koch é o seguinte : este bacillo não se colore senão em uma solução alcalina. » (Jaccoud). Depois veremos a interpretação do meio de distinguir o bacillo. Eis as peças que forneceram ao experimentador allemão a primeira condição do methodo pastoreano : 11 casos de tuberculose miliar, nos nodulos tuberculosos do pulmão, do baço, do fígado e dos rins; nas lesões da meningite tuberculosa, da tuberculose intestinal; em 12 casos de pneumonia caseosa; em 4 casos de tumor branco, nas cellulas gigantes das fungosidades; e nas cellulas gigantes de gânglios escro- phulosos 2 vezes sobre 3. Estes elementos são sobretudo abun- dantes nas cavernas e nas massas caseosas que as enchem, o que parece devido ao bom meio de cultura que estas fornecem; e em algu- mas cavernas de maiores dimensões existem misturados a bactérias diversos e banaes. Os animaes apresentam também os mesmos elementos. Em 3 ma- cacos, 9 porquinhos da índia, 7 lebres, 1 gallo com tuberculos pulmo- nares, medullares, intestinaes e hepaticos, 1 gânglio cervical caseoso do porco, e em 10 casos de pulmoeira (pommelière) nos núcleos calca- reos do pulmão e tuberculos peritoneaes e pericardicos, o bacillo foi sempre constante. - 17 - Koch encontrou ahi dados para proseguir em pesquizas e não para concluir. A acquisição anatômica estava feita, restava á experimen- tação o dar-lhe o valor real, designar o papel que representaria no processo tuberculoso. Inoculando matéria tuberculosa em 172 porquinhos da índia, 32 lebres e 5 gatos; e depois examinando os odulos da inoculação, em todos achou o micro-organismo. A primeira e a terceira das condições de Pasteur foram, pois, preenchidas. Faltava a mais decisiva e mais importante. Como a satisfez o experimentador de Berlim ? O liquido de cultura escolhido foi o serum de sangue de boi e de carneiro, o mais puro possivel. Aqueceu esta substancia por espaço de uma hora durante seis dias seguidos, a 58°, com o fim de esterilisal-a. Depois elevou a 65° durante algumas horas para obter a coagu- lação em massa do liquido. O producto resultante d'este processo é de uma cor amarella de âmbar, transparente, ligeiramente opalescente e tem a consistência de geléa. Não se deve ir a 75°, porque o liquido turva-se e torna-se opaco, o que não permitte limpeza na expe- riência. O terreno de cultura assim preparado é mantido por espaço de dias na estufa sem dar nascimento ao menor indicio de germinação de qualquer natureza. E' a experiência em branco que garante a pureza da cultura. Sobre este terreno que é acondicionado de modo a apresentar uma bôa superfície, lança-se então com precaução pequenos fragmentos de matéria tuberculosa. O tubo ou vidro de relógio é conservado na es- tufa sob uma temperatura de 37° a 38° centígrados. «Qualquer cultura que durante os oito primeiros dias apresente alteração não serve.» O característico da cultura d'estes organismos é a lentidão com que se desenvolvem: do décimo dia em diante. Quando pára o desenvol- vimento, fim da 3a ou 4a semana, Koch passa a outro terreno de cul- tura ; successivamente transplantando o bacillo de cultura em cultura consegue obtel-o livre de matéria tuberculosa. A descripção minuciosa de todos os detalhes que presidiram â experimentação vêm no importante trabalho que Koch apre- sentou, em 24 de Março de 1882, á Sociedade de physiologia de 3 1885-M — 18 — Berlim,* como provas da verdade da opinião que emittia: o bacillus tuberculi ê o agente especifico da turberculose. Apresentamos em seguida o resumo das treze séries ou grupos de experiências ás quaes procedeo o sábio allemão com o micro-orga- nismo puro. Io Grupo. Bacillos de 5a geração, 54 dias. Inoculados 4 porqui- nhos da índia; 2 testemunhos. Um morreo, outros sacrificados depois de 35 dias. Tuberculose ; menos nos testemunhos. 2o Grupo. Bacillos de 8a geração, 95 dias. Inoculados 6 porqui- nhos ; 2 testemunhos. Tuberculose ; menos nos testemunhos. 3° Grupo. Bacillos de 113 dias. Inoculados grande numero de morcegos, ratos, macacos, rãs, pombos. Tuberculose. 4o Grupo. Bacillos de 5a geração, 113 dias. Inoculados 6 por- quinhos, 1 ouriço, 2 ratos; 2 testemunhos. Tuberculose ; menos nos testemunhos. 5° Grupo. Bacillos de 89 dias. Inoculadas 3 lebres (olho). Tuber- culose avançada. 6° Grupo. Bacillos de 90 dias. Inoculadas 2 lebres (olho) ; 1 se- rum puro. Tuberculose; menos n'esta. 7U Grupo. Bacillos de 132 dias. Inoculadas 3 lebres (olho): A recebe a agulha apenas molhada, B serum puro. Tuberculose ; A en- gurgitamento de glândulas, B são. 8o Grupo. Bacillos de 105 dias. Inoculadas 6 lebres; 2 serum puro. Tuberculose ; menos n'estas. 9o Grupo. Bacillos de 142 dias. Inoculados 11 porquinhos; A se- runi puro, B testemunho. Tuberculose; menos A e B. O décimo grupo não é executado egualmente como os outros. 11° Grupo. Bacillos de 178 dias. Inoculadas 4 lebres. Bacillos de 103 dias. Inoculadas 3 lebres. Bacillos de 121 dias. Inoculadas 3 le- bres ; A e B serum puro (seringas differentes). Tuberculose; menos AeB . 12° Grupo. Bacillos de 162 dias. Inoculados 2 gatos. Tuber- culose. 13° Grupo. Bacillos de 94 dias. Inoculada 1 cadella. Tuberculose que a matou no 38° dia. * Berliner Klinische Woch.—10 de Abril, de 1882. E outros. — 19 — Taes foram as séries que assentaram as bases da demonstração da natureza parasitaria da tuberculose. Histologicamente os tuberculos obtidos n'estes gnipos são consti- tuídos da mesma fôrma que os tuberculos dictos espontâneos. Os experimentadores não repetiram com tanto enthusiasmo estas experiências de Koch, com o intuito de verificar a verdade que ellas encerravam. Entre nós o Dr. Araújo Góes encetou-as, no Museu Nacional ; luctando a principio com algumas difficuldades, chegou afinal a veri- ficar sobre 57 animaes a acção virulenta das culturas. Na Inglaterra Watson Cheyne experimentou e adhere francamente ás conclusões de Koch. Malassez e Vignal, em França, também cultivaram e inocularam o bacillo. Mas seus estudos têm sido considerados como uma objecção á nova descoberta de Berlim: abordaremos logo mais esses estudos. Os trabalhos sobre o bacillo da tuberculose são hoje em grande numero. Áquelles que se referem ao exame do parasita nas producções tuberculosas e especialmente nos escarros e productos da expectoração com o fim diagnostico, constituem a maior parte. O bacillo tuberculoso « póde-se distinguir de todas as espécies de bacillos até hoje conhecidas, exceptuando-se o da lepra.» (Cornil e Babes). Porém o bacillo da lepra não transmitte de maneira alguma a tuberculose ; não é inoculavel, pelo menos não está determinado de uma maneira scientifica. O môrmo também offerece um bacillo que tem muitos pontos de contacto, quanto á especialidade de fôrma, com o tuberculoso. Segundo Germain Sée,1 amparado pelos estudos de Bouchard, Capitan e Charrin, este bacillo môrmoso distingue-se do tuberculoso pelas reacções de coloração. O Dr. Sigismund Lustgarten,2 assistente do professor Kaposi, diz ter chegado « a constatar a presença constante dos micro-orga- nismos desconhecidos até o presente e bem caracter isados, que por suas propriedades morphologicas e colorantes se approximam mais dos bacillos da lepra e da tuberculose, com os quaestem ainda de commum » Phtisie bacillaire. — 1884. 8 Progrès medicai, 11 de Abril de 1885 (Congresso de Wiesbaden— r sessão). — 20 - o existir em granulações». Colore-os pelo hypermanganato de potássio e ácido sulfuroso ; « se descoram, contrariamente aos da lepra e da tuberculose, muito depressa pelos ácidos nitrico e chloridrico » , bastam três a quatro segundos. Os processos de coloração de Weigerth, Klebs, Koch, etc, servem perfeitamente para caracterisar os bacillos d'entre as outras bacté- rias. Uns tomam mais facilmente certas cores, do mesmo modo que abandonam quando tratados por um ácido; outros retêm-n'as com mais difficuldade,mas também com mais difficuldade as deixam.«Estas par- ticularidades não podem provir senão da permeabilidade do envoltório deante de certas matérias colorantes. « Este característico constitue a melhor resposta ás objecções que se têm formulado contra a doutrina dos germens virulentos, os quaes não seriam, segundo certos physiologistas, outra cousa mais do que bactérias vulgares desenvolvidas em um organismo doente.» (G. Sée). Não podemos concordar em absoluto com esta ultima proposição do professor de Paris ; porquanto não nos parece que o processo de coloração seja o apoio mais firme para a doutrina de Koch. E' todavia um ponto de grande valor para o reconhecimento do parasita. Segundo Firket :* «O bacillo tuberculoso de Koch fixa as cores de anilina nas mesmas condições que a generalidade dos micróbios, mas fixa-as mais lentamente; de outra parte, uma vez colorido, abandona mais difficilmente a matéria colorante que o impregna: sua resistência aos diversos agentes que descoram as outras bactérias não é de ne- nhum modo absoluta, é somente quantitativamente maior. » Veraguth, de Zurich, em uma série de experiências, composta de dous grupos, dos quaes um anterior, outro posterior á descoberta de Koch apresenta factos notáveis. Este auctor tinha conservado as peças das suas primeiras pesquizas e tratando-as pelo novo methodo de coloração conseguio vêr bacillos em grande quantidade nas mesmas preparações em que antes vãmente procurara micróbios. As ultimas experiências eram feitas com uma emulsão de escarros purulentos de phtisicos e água, filtrada através de duas flanellas espessas e pulveri- sadas na atmosphera dos animaes. Cada gotta do liquido continha os bacillos especiaes; e collocando dentro das caixas de experiências * Bizzozero et Firket, Microscopie clinique, 1885. — 21 - placas de vidro revestidas de glycerína, estas, depois da pulverisação deixavam constatar os parasitas. Koch assignalou a persistência da virulência nos escarros mesmo quando eram expostos á influencia da dessecação. Facto este que foi verificado por Frãntzel, Balmer, Gabett e Vignal. Experimentando sobre a vitalidade do bacillo em um meio liquido Gabett verificou que as propriedades virulentas d'este eram conser- vadas a despeito mesmo da putrefacção do meio empregado. A temperatura mais favorável para o desenvolvimento do bacillo tuberculoso é a que medeia entre 37° a 38°: abaixo de 32° e acima de 40° já a germinação cessa. E isto é até certo ponto interessante quando se encara a questão da contagiosidade. Como faz notar Mai- ret, o contagio da tuberculose tem sido geralmente sustentado pelos práticos que clinicam no meio-dia, ao passo que os anti-contagionistas são pela maior parte do norte; o que, porventura, será ligado á influencia favorável dos climas quentes sobre o desenvolvimento do micro-organismo. Experiências de E. Pilatte,1 muito recentes, submettendo du- rante uma hora ás temperaturas de 80°, 90° e 100°—tuberculos crus, depois semeando-os, cultivando-os e finalmente inoculando o producto de cultura levaram-n'o, pelos resultados, á conclusão de que o bacillo não perde totalmente a vitalidade sob a influencia de uma tempera- tura de 100°. Expondo o mesmo experimentador um fragmento de pulmão ao sereno durante 48 horas sob a temperatura de—7,7o,fazendo depois cul- turas e inoculações chegou á deducção seguinte : que a vitalidade do germen tuberculoso não é destruída por uma temperatura de 7 gráos negativos. Cornil e Babes,2 em estudos feitos sobre a topographia e o papel do bacillo na anatomia pathologica, estudos esses apresentados em Abril de 1883 á Academia de Medicina, referem ter observado facilmente os bacillos em escarros de indivíduos cavernosos, e, o que é mais, os bastonetes apresentavam granulações em seu inte- rior. Deixando escarros n'um tubo durante seis semanas e tendo o 1 Recherches sur le bacille, 1885. 2 Journal de 1'anatomie, etc, Julho, Agosto, 1883. — 22 - cuidado de examinal-os de tempos a tempos notaram que, ao cabo de 10 a 15 dias, as granulações coloridas augmentavam de modo que os bacillos reduzidos a grãos coloridos e approximados uns dos outros as- semelhavam-se algumas vezes ás sarcinas. Em um caso de pericardite chronica tuberculosa com expessa- mento fibroso das duas folhas do pericardio e tuberculos fibrosos en- cerrando cellulas gigantes encontraram estes observadores, n'estas somente, grãos arredondados que se coloriam pelo processo de Ehrlich; não notaram bacillos. Não representariam esses elementos modalidades biotomicas do micro-organismo de Koch ? Relativamente á pressão athmosplierica os dados faltam ainda. E' de crer que a rarefacção ou condensação do ar, quer pela acção mais ou menos predominante dos seus elementos, quer pelo facto mesmo da pressão, exerça alguma influencia sobre a vitalidade ou germinação do elemento parasitário. Deveriamos fallar da acção de certas substancias chimicas sobre a vitalidade do micro-organismo, porém esse estudo cabe melhor na parte em que tratarmos dos medicamentos antisepticos. Mencional-as- hemos quando abordarmos a ultima parte do nosso trabalho. Em summa: o bacillus tuberculi tem sido estudado sob faces differentes. Não podemos tratar aqui propriamente da pathogenia da tuber- culose bacillar, da localisação, propagação e infecção consecutiva de todo o organismo. Passemos a considerar agora os trabalhos d'áquelles que limi- taram-se a procurar o bacillo nas lesões tuberculosas pulmonares por meio do exame dos escarros, afim de verificar se o critério que vae nos fornecer é de alguma importância para a medicina applicada, para a clinica. Ehrlich e Baumgarten foram os primeiros que propuzeram modi- ficações ao processo de coloração de Koch. Estas modificações tiveram principalmente por fim simplificar o manual operatorio e poder assim prestar-se á sciencia do diagnostico o exame dos escarros dos phtisicos. Fraentzel e Balmer encontraram sempre os bacillos nos escarros de 120 doentes. Ao mesmo tempo examinavam os de bronchites simples, nos — 23 - quaes a ausência do parasita tornava-se notável. Procuraram, demais, accentuar a importância do numero e dimensões do micro-organismo em relação ao prognostico. Augusto Pfeiffer, de Wiesbaden, e Heron seguiram-n'os no mesmo sentido e chegaram a conclusões comproba- torias das de Fraeutzel e Balmer. D'Espine, de Genebra, FranzZiehl, Dettweiller e Meissen, acre- ditando no valor que tem a constatação do bacillo para o diagnostico, não concedem, todavia, alcance algum prognostico. Dreschfeld não acceita também esta importância prognostica. Kowalski, medico d'estado-maior austríaco, que tem feito 3,000 exames sobre 600 doentes adhere inteiramente ás proposições de Koch. Examinando as fezes de individuos atacados de ulcerações tuber- culosas do intestino, Lichteim, de Berne, encontrou os bacillos espe- ciaes; e reservado também como Hans Chiari admitte a descoberta anatômica sem, todavia, fazer choro com áquelles que têm tirado deducções prematuras. Frãnkel, examinando a secrecção do larynge com cuidado, de maneira a ter certeza da proveniencia do producto, affirma a phtisica laryngéa pela presença do parasita. Hiller, examinando escarros sanguinolentos consecutivos a hemo- ptyses precoces, obteve resultado positivo em dous; no terceiro, porém, onde examinou propriamente sangue nada obteve. Em 982 exames de escarros de 12 phtisicos Gaffky só não en- controu bacillos 44 vezes. Este mesmo auctor cita dous casos nos quaes os micro-organismos desappareceram, dando logar a acreditar-se na cura. Theodoro AVilliams observou os bacillos 106 vezes sobre 109 casos de tuberculose. Kredel em todos os casos, menos um; n'este, porém pela autópsia verificou a presença de alguns no conteúdo das cavernas. Whobly diagnostica a moléstia pela constatação do micro-orga- nismo, apezar mesmo da auseneia de outro qualquer signal; a au- sência, porém do bacillo não elimina o diagnostico da phtisica. Frish fez exame-j em 150 individuos não tuberculosos, foram negativos; em 140 phtisicos foram positivos. Gesslerem 100 tuberculoses, 15 das quaes eram incipientes, - 24 - obteve resultados probantes em relação ao diagnostico pela bacillos- copia; ao passo que em 100 individuos não tuberculosos nada mostrou o microscópio. Prudden, de New-York, em preparações de escarros, pulmões, fígado e rins de 58 individuos, preparações estas em numero de 1,700, encontrou, menos em 12 casos, o parasita especial. Foram negativos os exames de casos de pneumonia, bronchiectasia, ulcerações intes- tinaes typhicas e ulcerações de dysenteria. Além d'esses ainda teve alguns casos positivos e negativos em exames diversos. Whipham lê á Sociedade medica de Londres uma observação em que a albuminuria acompanhada de diarrhéa indicava antes o mal de Bright; no entanto a presença do bacillo permittio firmar o diagnos- tico. Durante a discussão Yeo citou um caso com todos os signaes de uma tuberculose aguda e cujos exames bacilloscopicos repetidos foram negativos. A autópsia revelou lesões de febre typhoide com bronchite e congestão pulmonar. Em 50 phtisicos West verificou sempre nos escarros a presença dos bacillos. Ruetimeyer conclue de suas pesquizas que: o bacillo é sempre encontrado nos escarros dos phtisicos ; a presença ou ausência é um importante signal diagnostico ; nas tuberculoses não pulmonares o exame não é de grande valor para a pratica ; onde não ha tuberculose não ha o micróbio. Purser n'uma communicação á Academia de medicina irlandeza, com peças anatômicas em apoio, refere uma observação de indivíduo no qual constatara o bacillo cinco semanas antes de signaes physicos valiosos ; este indivíduo falleceu de tuberculose pulmonar, hepatica e splenica. E, como contra-prova, W. Smith nada encontrou nos escarros de um indivíduo com tosse, escarros em quantidade e estado geral suspeito. Passado sete mezes nenhum symptoma de tuberculose se manifestara; este indivíduo tem um tumor intra- thoraxico. Schuchardt e Krause em casos de tuberculose óssea, das synovias e outras lesões cirúrgicas de natureza tuberculosa, da clinica de Wolkman, evidenciaram o bacillo; notaram, porém, que bom numero de vezes a quantidade não é tão apreciável. Em meados de 1883 Fergusson, nos Estados-Unidos, já — 25 — confeccionava uma estatística, da qual se destacam 2,509 casos de tuberculose, nos quaes os bacillos têm-se mostrado 2,417 vezes. Cochez em sua these escripta sob a inspiração do professor Straus, apresenta muitas observações in extenso. Apresentavam-n'o escarros sem indicação da proveniencia para serem examinados e os resultados de seus trabalhos vieram se juntar aos já existentes a favor do valor da bacilloscopia. Entre nós o Dr. P. S. de Magalhães, adjunto de clinica cirúrgica, examina os escarros com o fim diagnostico. Ouvimol-o dizer, refe. rindo-se a um moço: é mais fácil a qualquer "perder o próprio prestigio do que desprestigiar a doutrina parasitaria da tuberculose. O Dr. J. Pedro de Saboia, em sua these do anno passado, apre- senta algumas observações de exame dos productos expectorados, con- formes aos dos diversos observadores. Seria muito longa a lista dos trabalhos tendentes a affirmar a importância do exame dos escarros nos individuos tuberculosos com o fim de obter um diagnostico preciso. Citemos ainda os nomes de Spillman, Sauvages, Hugueny, Darem- berg, Warlomont, Raymond, Ribbert, R. Green, C. Smith, Talamon, S. Smith, Bouilly, Ricklin, Herard, Grade, Belfield, Straus, Falchi, etc, etc A communicação do professor Germain Sée, as lições do professor Debove são bastantemente conhecidas. Todos os trabalhos tendem, pois, a affirmar o valor, a constância dos bacillos nos productos de expectoração dos phtisicos. E nos casos em que os exames têm sido negativos, como nota Fergusson, os obser- vadores attribuem isso á insufficiencia do numero de preparações, ou a irregularidades na technica. Em conclusão: o bacillus tuberculi é uma entendidade que tem sido estudada, e estudada como representando um papel importantís- simo, o capital, na etiologia da tuberculose. Os experimentadores pensarão todos do mesmo modo? E'o que vamos tentar apreciar resumidamente. Objecções e considerações. — Se bem que os espiritos já esti- vessem preparados para encarar a nova concepção da natureza da tuberculose, depois dos trabalhos de Pasteur e seus partidários de um 1 1885-M - 26 — lado e dos de Willemin e seus adeptos de outro lado, todavia algumas objecções se levantaram. E nem podia ser de outro modo, porquanto áquelles mesmos que previam a existência de um parasita tuberculoso não podiam acceitar o que se lhes apresentava sem uma critica severa. E esta critica devia nascer da analyse attehta dos factos experimentaes apresentados como provas, reproduzindo-se-os. Houve também objecções que nasceram, não dos estudos experi- mentaes dos próprios auctores, mas da maneira de interpretar os resul- tados obtidos pelos diversos observadores e experimentadores; não são objecções em que se antepõem facto a facto. Sem entrarmos na apreciação do propósito de Ephraim Cutter querendo reivindicar a Salesbury a gloria da descoberta do mycoderma aceti, do qual o bacillo seria uma fôrma embryonaria, diremos, todavia, em poucas palavras que da parte dos indagadores que já por sua vez haviam indicado um micro-organismo com fôrmas approximadas das do bacillo de Koch, foram levantados alguns protestos. Era preciso re- conhecer a identidade do parasita evidenciado pelo sábio allemão. De facto o monas tuberculosum de Klebs, conforme vimos atrás, póde-se apresentar com a disposição de bastonete, o que este auctor attribue á juncção dos elementos granulosos. Porém estes bastonetes de Klebs são moveis. Relativamente ao bacillo descoberto e figurado por Aufrecht faz vêr Koch que é diferente do seu mesmo nafóima; apresenta de extensão apenas o dobro da largura. Quanto aos outros micro-organis- mos a confusão não é fácil. Klebs, além de suas pesquizas, escudado nas de Lichteim e Crá- mer nega o valor pathogenico do bacillo de Koch, attribuindo o pro- cesso mórbido ao seu micróbio ; mas, como notam Malassez e Vignal, se as experiências de Deutschmann são exactas a monada tuberculosa não seria capaz de por si só produzir a moléstia. Formad,* nos Estados-Unidos, levanta contra a descoberta de Berlim o seu protesto: Todos os bacillos, tuberculosos ou não, reagem do mesmo modo ás soluções colorantes; desenvolvem-se depois de ini- ciado o processo mórbido, o qual fornece um meio de cultura muito favorável; são, pois, inoffensivos deante dos tecidos normaes. * Philadelpliia med. Times. 1882. — 27 — Não se pôde negar que a tuberculose exija certas condições para se desenvolver ; porém, incriminar vagamente essas condições como causas da moléstia é, segundo nota Laudouzy1, desviar a vista da ver- dadeira natureza d'ella. Faremos recordar ainda as experiências de cultura e inoculação, ora fértil, quando com liquido bacillar, ora estéril, quando com liquido não bacillar ou esterilisado (experiências de Korab2, Pilatte,etc). Crãmer avançou que em 20 exames successivos de fezes de indi- viduos sãos existiam organismos inferiores colorindo-se devidamente como os encontrados nos tuberculos : não podia, pois, attribuir aos bacillos a causa da tuberculose. Porém Giacomi examinando as fezes de 50 individuos sãos não conseguio descobrir bacillo algum de Koch ; ainda mais, como contra-prova, encontrou-os caracterisados em dejec- ções de individuos cuja autópsia denunciava ulcerações tuberculosas intestinaes. Gaffky e Mensche refutaram este modo de vêr de Crãmer, e Mensche attribue taes resultados a defeitos de technica. Demais, fora útil esclarecimentos posteriores relativos aos reputados sãos de Crãmer. Balogh encontrou bacillos semelhantes aos da tuberculose em águas lodosas. Mas Koch diz nada ter encontrado em líquidos diversos pu- trefactos. Ainda mesmo que os micro-organismos encontrados sejam muito semelhantes aos da tuberculose, isso não quer dizer que sejam idênticos: os bacillos da lepra assemelham-se muito aos da tuberculose, no entanto inoculados não produzem nodulo-tuberculoso. (Koch). Schottelius, Dettweiller e Meissen crêm que a presença dos ba- cillos especiaes nas lesões tuberculosas é toda fortuita. A concomit- tancia das fibras elásticas indicaria que os bacillos encontram um ter- reno já desorganizado, o pulmão já teria sofrido o processo destructivo. Mas por que seria tão constante o bacillo unicamente no processo destructivo da tuberculose ? De estudos feitos no laboratório do professor Stricker, de Vienna, partio uma objecção, a de Spina. Arnold Spina é talvez o único que negue de uma maneira com- pleta o valor dos trabalhos de Koch. De facto, elle combate as pro- posições capitães avançadas pelo experimentador berlinez. • Progrès medicai, 1883. ! Gazettedes Hòpitaux, Setembro, 1882. — 28 — As reacções de coloração não merecem grande attenção ; tendo estudado a acção dos reactivos colorantes sobre todos os tecidos or- gânicos verificou que a coloração pela fuchsina alcalinisada podia sempre ceder logar deante do ácido nitrico e da vesuvina. Não se co- nhece cellulas que não sejam passíveis de ser penetradas pelos ácidos fortes. As bactérias não deixam de entrar na lei dos outros tecidos or- gânicos ; podem ser coloridas pela fuchsina acidificada ou simples- mente aquosa, e tratadas pelo ácido azotico ao 3o descoram-se com- pletamente. Todavia collocando as preparações novamente n'agua ellas retomam a coloração. Deixando as preparações coloridas pela fuchsina alcalinisada por muito tempo no ácido azotico e depois tra- tando-as pela vesuvina os bacillos apresentam-se também coloridos em cinzento. Não ha, pois, diferença essencial entre os micro-orga- nismos da tuberculose e os dem ais micróbios. Porvemtura as bactérias de Koch poderão reter por mais tempo do que outras a coloração pela fuchsina alcalinisada ; mas, mesmo isso não será tão absoluto ; nos micro-organismos da putrefacção nota-se o mesmo facto deante dos rea- ctivos colorantes. Relativamente á fôrma do micro-organismo, Spina ainda não se mostra satisfeito : ha bacillos curtos e delgados, outros curtos mas espessos, outros longos, formando cadeias. Bactérias que nada têm de commum com as da tuberculose podem entretanto apresentar as mesmas dimensões que estas. E micróbios como estes foram encon- trados nos escarros de individuos não tuberculosos, individuos que pelo menos não apresentavam signaes da moléstia. E' forçoso reconhecer que os escarros dos phtisicos são mais ricos em micro-organismos; virão, talvez do ar exterior para se desenvolver no muco-bronchico. O exame de grande numero de tuberculos mesen- tericos não deixou apreciar o bacillo : elles vêm, por conseguinte, do exterior para implantarem-se no muco pulmonar. Quanto ás culturas recorda que quaes quer substancias estranhas bem como os productos de cultura, podem produzir tuberculos,nodulos tuberculosos. Demais, elle não acredita na infectuosidade da tuber- culose, na transmissão do homem ao homem. Em conclusão, os trabalhos de Spina estão em desaccôrdo, não só com os de Koch, mas também a maior parte de suas conclusões vão de encontro ás de grande numero de indagadores. — 29 - Como vimos, têm sido encontrados nos escarros dos phtisicos os elementos que se colorem, dadas certas condições, de uma maneira que os torna reconhecíveis ; e estes elementos têm sido encontrados de preferencia nos phygmatosos. Porque ? O próprio Koch refutou Spina. Eis em resumo, segundo Cornil, a refutação do medico de Berlim: — Spina é o primeiro que tenha tentado refazer toda a obra de Koch. Mas para isso fora mister conhecer todo o methodo. Spina trabalha com microscópio sem obje- ctiva de immersão homogênea e sem o condensador de luz de Abbé. Não sabe colorir os cortes, colloca partículas de músculos de rã § fragmentos caseosos entre a lamina e a laminula, esmaga-os, depois junta simplesmente uma gotta de matéria corante entre as duas lâminas de vidro ; o liquido dificilmente banha a preparação. Não é, pois, de admirar que Spina nada encontre. Elle examina suas prepa- rações na glycerína; molha a substancia na qual quer examinar bactérias com saliva que também contém bactérias.Em uma palavra, a technica de Spina é inteiramente contraria á que se deve empregar na pesquiza dos micro-organismos, e é forçoso crer que elle nunca vio os verdadeiros bacillos da tuberculose. Dado mesmo que Koch defenda-se apaixonadamente, como pode- remos approximar estes resultados do laboratório de Stricker dos obtidos por Cornil e Babes, nos estudos aos quaes já nos referimos atrás ? Elles observaram tuberculose dos gânglios lymphaticos, do baço, do fígado e dos órgãos urinarios ; evidentemente tratava-se de lesões que não mantinham relações com o exterior. N'um dos casos, phtisica renal primitiva com tuberculos do rim, bexiga, próstata, vesiculas seminaes, canaes ejaculadores e urethra, observaram poucos bacillos e somente na massa caseosa do rim e parede vesical. Mas em compensação encontraram nas lesões todas os elementos granulosos, susceptíveis ás reacções de coloração dos bastonetes. Em conclusão, depois de 40 observações anatômicas, estes au- ctores apresentam três categorias de factos : Uma na qual a quantidade considerável dos bacillos dá perfeitamente conta da gênese das lesões. Outra na qual os bacillos não são em grande numero, mas as cellulas gigantes n'esses casos apresentam-n'os de um a mais ; o con- torno dos pequenos vasos também servem-n'os de preferencia de sede; e áquelles granulos encontrados em logar ou ao lado dos bacillos não — 30 — são os elementos de Klebs, nem Toussaint.Na ultima categoria de factos «relativos á tuberculose chronica, os bacillos, que existem quasi sempre nas cellulas lymphaticas migradoras, não se acham senão na parede das cavernas ou dos bronchios ulcerados. Geralmente nao se os vê nas partes em degenerescencia caseosa. Entretanto, ao redor d'essas massas caseosas vê-se-os na zona que contém granulações mais recentes. Algumas vezes ha ainda porções, de alguma sorte enkistadas, em tuberculos fibrosos muito antigos. » Como vemos, os trabalhos de Spina destoam completamente dos de Cornil e Babes, bem como dos de muitos outros. E somos levados a crer que Spina observou debaixo de um ponto de vista experimental diverso, e por conseguinte os resultados não deviam ser conformes. Apreciemos agora os trabalhos de Malassez e Vignal.* Estes experimentadores, tratando de verificar a exactidão das deducções dos adeptos do parasitismo da tuberculose, chegaram a resultados que os obrigaram a estabelecer duas hypotheses acerca do parasita: ou seria um e o mesmo de Koch tendo duas phases diversas, ou existiria mais um (mesmo muitos) correspondendo talvez ás dife- rentes fôrmas clinicas. Se bem que, proseguindo suas experiências, chegassem a junctar bom numero de probabilidades a favor da primeira hypothese, todavia Jaccoud e outros clinicos consideram os resultados d'estes estudos como verdadeiras objecções, desiderata sobre os quaes cumpre insistir. A primeira experiência foi feita com producto de um nodulo tuberculoso do ante-braço de uma creança morta de meningite tuber- culosa e tirado duas horas depois da morte. Com a matéria caseosa inocularam um grupo de coelhos, coma d'esteum segundo, etc, até um quinto grupo. Ao mesmo tempo fizeram culturas pelo processo de Koch, durante 15 dias ; e com o liquido d'ellas são feitas inoculações até a uma terceira geração. Em todos os animaes das duas séries são observadas lesões que por seus caracteres devem ser classificadas de tuberculosas. Desenvol- vem-se nodulos de intecçã o secundaria e a moléstia vae até tornar-se generalisada: ha granulações isoladas, ou conglomeradas, pequenas umas e semi transparentes, maiores outras e opacas, ou mais ou menos * Arch. de phys., nov. 1883. OI __ v 1 -- caseificadas. E' notável a infectnosidade e a rapidez da generalisação das lesões que, emquanto locaes, cutâneas, são de uma benignidade relativa. Pelo exame microscópico chegaram, tendo também em vista a marcha, o aspecto microscópico e a origem, a certificar-se de que tinham realmente deante de si uma tuberculose. Pois bem, em nenhuma dessas lesões de diferentes edades e sedes apezar do grande numero de cortes e dos processos de coloração em- pregados, o bacillo foi encontrado. Em compensação outros micro- organismos se mostraram; mas os processos de coloração dos bacillos não os descobrem. São massas de fôrma e volume variáveis, zooglasas, constituídas por grande numero de micrococcos immoveis, muito pe- quenos, mais ou menos todos do mesmo volume e muito approximados uns dos outros. Estas massas zoogloeicas colórem-se em amarello pelo picrocarminato, emquanto o resto da preparação fôrma um fundo ver- melho. Quando caseifícações mais ou menos extensas se têm produzido com as lesões mais avançadas, não são estas massas zoogloeicas sempre tão fáceis de ser encontradas; observa-se-as então na zona inflammatoria peripherica, e mesmo ahi são pouco desenvolvidas ás vezes. Em rela- ção áquellas que deviam occupar o centro do tuberculo antes da casei- ficação, depois da Gaseificação não são mais claramente distinctas no meio das cellulas degeieradas e granulosas. Tornar-se-hiam sim- plesmente invisíveis ? ou transformar-se-hiam ? De uma outra fôrma existem sempre, porquanto a inoculação d'estas matérias reproduzem novas massas zoogloeicas.—Tal foi a primeira série de factos. Em estudos subsequentes, procurando verificar as relações entre as massas zoogloeicas e outros micro-organismos dados como da tuber- culose, chegam á conclusão de que as zoogloeas são parasitas characte- risticos e diferentes d)s outros assignalados á tuberculose.Não póde-se consideral-as como fôrmas de desenvolvimento dos bacillos de Koch, pois que a ausência constante d'estes tanto em lesões recentes como antigas autorisa tal modo de vêr. Egualmente mostram que não podem ser os organismos estudados por Klebs,Reinstadler,Schuller e Aufrecht; Toussaint seria o único que observasse alguma cousa semelhante ás zoogloeas.— « Pouco importa de resto. O ponto que nós temos sobre- tudo que pôr em relevo n'esta primeira communicação* é este, é que ♦ Socleté de biologie. - 32 — ao lado da tuberculose a bacillos descoberta por Koch e que parece bem real, existe pelo menos uma outra (talvez outras) que nunca contêm bacillos, mas que é caracterisada pela presença de um micro-organismo apresentando-se nas granulações novas sob fôrma de micrococcos reunidos em massas zoogloeicas mais ou menos volumosas; propômo-nos, também, a designal-a sob o nome de tuberculose zoogloeica. » Eis, porém, como se exprimem os mesmos Malassez e Vignal, algum tempo depois, em vista dos resultados dos suas pesquizas ulte- riores: «Indicámos precedentemente que ha lesões, dietas tuber- culosas, nas qnaes não se constata bacillos e que, inoculadas em coelhos, reproduzem entretanto uma tuberculose que se generalisa, que se inocula de novo, muito semelhante, em uma palavra (mais rápida somente), áquella que é prodzida pela inoculação de lesões ba- cillares, porém, que caracterisa-se pela presença de massas zoogloeicas formadas por micrococcos. » Como nunca, até então, tivessem encon- trado bacillos, continuam elles adeante, « tinhamos sido levados a pensar que nossas massas zoogloeicas e o bacillo de Koch pertenciam a espécies diferentes. Não tinham de resto as mesmas reacções deante das matérias colorantes. Pois bem! esta conclusão, que parecia tão legitima, não é talvez exacta. Continuando estas duas séries, nas quaes não tinhamos podido até ao presente descobrir bacillos, acabamos de chegar a um termo em que elle existe. Não é por toda parte que se os encontra, e lá onde existem são em muita pequena quantidade para explicar as lesões existentes; a presença d'elles não é menos sufficiente para repor em questão todo este lado do problema. Halogar, com effeito, o perguntar-se se nossas massas zoogloeicas e o bacillo de Koch não são estados diversos de desenvolvimento de um mesmo micro-organismo, ou então se em nossas duas séries não se produzio contra nossa vontade uma infecção bacillar que veio se sobrepor á nossa infecção zoogloeica primitiva. As duas explicações são possiveis; nossos animaes de tuberculose zoogloeica viviam em gaiolas separadas, e quando queríamos examinal-os man- dávamos vir á parte; mas os cestos que serviam no transporte, as balanças empregadas para os pesar, igualmente nos serviam para os animaes de tuberculose bacillar; ora entre estes havia alguns cujos no- dulos cutâneos se tinham aberto e podiam ter sujado estes objectos commun> e por esse intermediário infectar nossos outros animaes. — 33 — « E' verdade que nossos animaes testemunhos não pareciam ter sido infectados, mas isto é devido talvez o terem podido resistir at é então a esta causa de infecção, ao facto de não estarem já doentes. » A biologia do bacillo ainda não está assentada in totó; não se o tem encarado e estudado de um modo irrefutável nas phases que como ser vivo ha de necessariamente percorrer. Se bem que pareça o professor Germain Sée querer dar já como fôrma de desenvolvimento o estado zoogloeico, todavia a « transformação das zoogloeas em bacillos não tendo podido ser ainda constatada directamente, não se tem o direito de affirmar que as tuberculoses bacillar e zoogloeica sejam da mesma na- tureza, posto que seja talvez a hypothese a mais verosimil.» (Malassez e Vignal). Realmente esta hypothese nos parece de muito a mais verosimil; tanto mais se notarmos que nos casos relatados a presença do bacillo não era bastante para explicar a gênese das lesões. E' que seu poder patho- genico não diminuirá mesmo porventura debaixo de uma outra fôrma. Eis, pois, em resumo, os pró e os contra da nova doutrina que concorreo para collocar a tuberculose em uma classe definida de moléstias. Questão resolvida para uns, litigiosa ainda para outros, mas que incontestavelmente deixou um facto adquirido para a sciencia, o da constatação de um micro-organismo cujas relações com o processo tuberculoso devem, deante da lógica da experimentação, interessar grandemente ao medico. Os resultados obtidos com as culturas de edades variadas, as experiências feitas com o fim de aniquilar o micróbio nas culturas, não dando-se em seguida a producção da moléstia com este liquido tornado estéril, além da coincidência do apparecimento do bacillo nos productos tuberculosos, todos os factos, em summa, ultimamente adquiridos pela pathologia experimental em relação á phtisica levam-nos a acceitar como a interpretação a mais verosimil aquella que admitte a natureza parasitaria desta terrível entidade mórbida. A natureza d'este trabalho não nos consente estudar detalhada- mente os trabalhos ultimamente feitos sobre a tuberculose, procurando tornar patente as condições de experimentação de cada indagador, para depois approximal-os e confrontal-os, afim de melhor explicar a razão por que sentimo-nos seduzidos pela theoria hodierna. 5 1885—M — 34 — Deante, pois, da constância dos baeillos de Koch, nos productos de expectoração dos phtisicos, verificada por grande numero de obser- vadores, aos quaes nos referimos já, acreditamos não ser mais do que lógico estabelecer a seguinte proposição, que será a primeira base do nosso trabalho: A presença do bacillo de Koch nos productos de expectoração denuncia um processo tuberculoso, independentemente de outro qual- quer signal ou symptoma. Vamos agora estudar os processos empregados na pesquiza do bacillo. Então procuraremos mostrar quantas cautelas devem presidir aos exames microscópicos para que elles possam merecer a importância de argumento valioso quer para affirmar, quer para infirmar a dou- trina do sábio allemão. lilli Teclmica e valor clinico da pespiza do bacillo Technica.—Comprehenderemos sob a denominação de technica os diferentes processos de coloração, bem como as diversas manipulações que põem o bacillo nas condições de ser observado. A exiguidade de dimensões das bactérias torna naturalmente de alguma difficuldade a sua constatação. A luz deve ser mais viva afim de que possa o observador distin- guir com mais clareza os objectos coloridos. Koch lança mão de um condensador para obter uma grande massa luminosa. E' o apparelho de Abbé aquelle de que se serve em seus estudos, e ao qual procurou dar certa vulgaridade. Este conden- sador Abbé1 compõe-se essencialmente de uma lentilha que se colloca em baixo do orifício da platina do microscópio, para concentrar os raios luminosos reflectidos pelo espelho. E' preciso então tirar todos os diaphragmas, de modo a deixar franca a chegada da luz. Com este apparelho os contornos das peças coloridas tornam-se menos distinctos, devido a ligeiras diferenças no gráo de refran- gencia das partes; mas, em compensação, os mais delgados coloridos tornam-se perfeitamente apparentes, então mesmo que não tenham podido ser apanhados com os maiores augmentos, taes como a obje- ctiva 10 (Hartnack) de immersão. (Firket).2 • A edição de 1885, da Microscopie clinique, traz a descripção deste apparelho. * Bizzozero—Microscopie clinique. 1881. _ 3G = Ha outros apparelhos condemadores. Soubbotine serve-se da lentilha inferior da ocular 4 de Verick ou de Hartnack, em falta de um adequado. E póde-se mesmo com uma gotta de água distillada collocada na face inferior do porta-objecto supprir a falta do conden- sador, como o faz Rindfleisch. O uso deste apparelho é indispensável para a maior parte das pesquizas de micróbios, dizem os auctores; mas isso não quer dizer que sem esse auxilio não se pôde distinguir o bacillo de Koch. Se é conveniente fazer uso d'elle para maior precisão de exame, não é indispensável, cremos, porquanto em mais de um exame descobrimos perfeitamente o parasita sem condensador de qualquer natureza. En- tretanto cumpre-nos accrescentar que observámos com o microscópio junto á janella, tendo em frente, a alguns metros, uma parede onde batia o sol. Assim, pois, as preparações devem ser examinadas, com fortes augmentos, objectiva de immersão e bastante luz: eis quanto ao microscópio. Passemos aos productos que devem oferecer matéria ás preparações. A. Ransome, Van Ermengen, Charnley Smith e Casse mostraram que o ar expirado pelos phtisicos contém bacillos ainda mesmo que não sejam os expellidos nos accessos de tosse. E' uma questão que deve ser bem estudada, para poder supprir áquelles casos em que a expecto- ração não possa fornecer o material para as preparações. As secreções pulmonares expellidas pela expectoração são as que têm servido quasi que exclusivamente, já falíamos atrás, para a pesquiza do bacillo com o fim diagnostico. Só ao exame dos escarros, pois, nos referiremos agora. A parte do esputo que deve servir á preparação é aquella que se mostra mais escura, como que mais condensada, formando grumos no meio do muco expectorado e principalmente os granulos purulentos. Toma-se com uma pequena pinça de histologia a parte escolhida, colloca-se sobre uma laminula, deixa-se seccar alguns instantes, esmaga-se com outra laminula, depois separa-se as duas laminulas que ficam sujas do escarro em uma das faces. E' claro que deve-se passar o instrumento pela chamma cada vez que tenha de se servir. Fixa-se essa porção do esputo aquecendo ligeiramente a laminula pelo lado limpo sobre uma lâmpada de álcool, passa-se com a preparação três ou quatro — 37 — vezes sobre a chamma. E está a preparação prompta para receber a coloração. Aug. Pfeiffer,* de Wiesbaden, diz, « mencionaria ainda um me- thodo que devo á benevola communicação do Sr. Long, de Breslau, e que facilita muito achar a parte do esputo que contém bacillos. Con- siste, como bem se sabe, em conservar em água alcalinisada toda a quantidade de expectoração existente sujeita á analyse. Para isso me sirvo de pequenas garrafas chatas. Estas se enchem com cinco ou seis grammas de água distillada, ás quaes se juncta com uma bureta três ou quatro gottas de uma solução de potassa cáustica a 33 °/0- « Depois de bem misturado deita-se o esputo n'este liquido. Cerca de meia hora depois está elle mais ou menos dissolvido, as bolhas de ar têm pela maior parte desapparecido e n'esse momento póde-se reconhecer estriações verde-escuras, que, sobretudo quando existem bacillos do tuberculo, com certeza os contêm. « Ora, além disso, porém, achei que se desaggregavam n'estas pequenas escamas de reflexo branco, que facilmente erão descobertas sobre um fundo escuro. « Elias apresentam uma rigorosa semelhança com as colônias de cogumellos do tuberculo, dispostos em fila nas culturas de Koch, o que na realidade também o são. « Estas cuticulas, assim como migalhas caseiformes porventura existentes, fornecem o melhor material para as minhas preparações. » Como vemos é um processo um tanto complicado e que exigiria um tempo que nem sempre é levado em linha de conta pelo pathologista, mas- que deve sel-o pelo clinico. Todavia é um processo que não se deve perder de vista quando se trate de tirar alguma conclusão da qual dependa alguma indicação importante, depois de ter falhado o processo ordinário. Agora cumpre fallar nos processos de coloração. O processo de Koch tem mais um valor histórico; elle foi substituído especialmente pelo de Ehrlich que é hoje adoptado pelo próprio Koch, bem como pelo maior parte dos observadores. Consiste em colorir pri- meiramente pelo azul de methyleno alcalinisado com potassa cáustica, depois pela vesuvina que colore em cinzento o resto da preparação, ao * Gazeta dos Hospitaes, Rio, Junho de 1883. Trad. do Dr. A. Pimentel. - 38 - passo que os bacillos conservam a cor azul. Conserva-se a peça na primeira tinta durante 24 horas a frio, ou então aquecendo-se ao banho- maria durante cerca de uma hora. O processo de Ehrlich difere do de Koch principalmente porque tem uma operação intermediária de descoramento e o principio alcahno em vez de potassa é a anilina ou óleo de anilina (dos allemães), por causada consistência oleosa. A primeira solução corante é feita com a fuchsina ou violeta de methyla em solução alcoólica saturada, a qual é lançada aos poucos n'agua saturada de anilina até tingil-a fortemente, tornando-se opales- cente; filtra-se então antes de usar. A solução de anilina é feita dei- tando-se-aem excesso n'um tubo com água distillada, agita-se e depois filtra-se por um filtro molhado: o liquido deve ser limpido como a água. Sobre este liquido depõe-se a laminula com a face que contém o producto a examinar para baixo ; ou então faz-se-a mergulhar total- mente na solução corante, tendo o cuidado de certificar-se da face em que está o escarro. E' esta uma pequena questão de technica que até parece inútil mencionar; mas a camada do esputo deve ser tão delgada que se não fora esta pequena precaução muitas vezes não se poderia ter certeza da face que encerra o producto. No fim de um quarto de hora a meia hora neste liquido a coloração já é bem intensa ; porém para se ter segurança da coloração completa de todos os elementos, deve-se, segundo Friedlánder, manter a peça por espaço de vinte e quatro horas na solução, ou, o que é melhor ainda, durante meia a uma hora, sob a influencia de uma temperatura de 40° a 50°. Antes de submetter a preparação ao descoramento lava-se-a com água distillada. O descoramento é feito com ácido nitrico diluido na proporção de 1 para 2. Deposto o ácido n'um vidro de relógio, ou em qualquer pequeno recipiente, deita-se a laminula com as devidas cautelas e no fim de poucos instantes o descoramento é completo : só o micros- cópio revelará então os bacillos que conservam a cor. N'estas condi- ções já se podia, mas não é conveniente, montar a preparação para examinar: demais, a segunda coloração fôrma nm fundo uniforme, que serve de ponto de reparo e facilita grandemente a pesquiza. De- pois deste tratamento torna-se a lavar a laminula n'agua distillada, para tirar o ácido, e passa-se á segunda coloração. — 39 — O segundo liquido colorante é preparado ou com o azul de me~ thyla em solução alcoólica, se tem-se servido da fuchsina alcalina, ou de vesuvina se o primeiro reactivo tem sido a violeta de methyla. Basta depor uma gotta d'este liquido sobre a preparação, depois com um papel de filtro tirar o excesso, e a peça está em estado de ser montada no balsamo de Canadá. A propósito d'esta ultima manobra accrescentemos que convém juntar nas preparações que não pretenda-se conservar uma pequena .gotta de óleo de cravo para clarear; quanto ao mais trata-se como as outras preparações histologicas que têm de ser montadas no balsamo. Notaremos porém um facto que parece-nos de alguma impor- tância, vem a ser que o balsamo não deve ser dissolvido no ether; comprehende-se a razão recordando a objecção de Schmidt.* O Dr. Eduardo de Menezes, adjunto de clinica medica, dissolve no chloroformio o balsamo de sua caixa de estudo, com o fim de obter pela evaporação mais rápida a consolidação da preparação em menos tempo. Seria devido a isso o resultado negativo do exame do escarro de um doente com tuberculose miliar aguda confirmada pela autópsia? E' possível, mas o exame foi feito só uma vez e era a primeira preparação que fazia o meu distincto collega Mello Brandão. Segundo o Dr. Cypriano de Freitas, professor de anatomia e physiologia pathologicas, a coloração alcalina com violeta de methyla deixa mais facilmente vêr os bacillos, além de tornar visíveis as granulações interiores ou spóros, o que não observa-se com a fuchsina. A anilina, empregada por Ehrlich, em vez da potassa, estraga menos os elementos ; demais os elementos parecem mesmo maiores, melhor coloridos, de maneira a poderem ser observados até com um augmento moderado (300 diâmetros), dispensando por conseguinte o condensador Abbée (Firket). Comprehende-se, pois, que este processo seja o mais espalhado e que o próprio Dr. Koch adopte-o de preferencia ao seu primitivo. * Sclnnidt dizia serem os bacillos crystaes; mas reconheceu seu erro, deante das considerações de Hunt e Hirs.'hfelder. — 40 — « N'esta coloração da bactéria, o essencial não é empregar tal ou tal agente colorante; tem-se mesmo podido demonstrar, que a re- acção alcalina do liquido colorante não era de modo algum uma con- dição indispensável de êxito e Ziehl, notavelmente pôde colorir as bactérias tuberculosas servindo-se de soluções colorantes acidificadas pelo ácido phenico. » « O processo de Ehrlich tem demais soffrido certas modificações de detalhe da parte de vários observadores : uns têm empregado, para descorar, o ácido nitrico puro do commercio (Guthmann), outros (Balmer e Fraentzel) não empregam senão solução colorante preparada ex tem- pore (1 gramma de fuchsina ou de violeta de genciana para 50 grammas de água carregada de anilina, segundo o processo de Ehrlich, filtrar), outros ainda (Rindfleisch) depois de ter apressado a coloração aque- cendo o liquido colorante com a preparação sobre a lâmpada de álcool até á producção de vapores, descoram n'uma mistura de álcool e ácido nitrico (2 gottas de ácido marcando 1,087 em um vidro de relógio meio cheio de álcool). » (Firket) Ha outros processos que representam modificações mais impor- tantes, porém cuja descripção importa mais ao pathologista do que propriamente ao clinico; taes são os processos de Van Ermengen, o de J. Brun e o de Heneage Gibbes. Vamos indicar em que consistem es- sencialmente essas modificações. Van Ermengen aproveita da grande solubilidade da anilina no álcool para obter um liquido fortemente alcalinisado, mais do que o de Ehrlich. Lança mão como reactivo colorante do sulfato de rosanilina ou da violeta de methyla BBBBB. Depois do descoramento pelo ácido ni- trico diluido faz uma lavagem bastante completa da preparação. Para fazer o fundo de reparo, o qual dispensa em um exame rápido para estabelecer um diagnostico, serve-se do azul de anilina em solução aquosa, da vesuvina ou principalmente do carmim de Orenacher (1 gramma de carmim em 100 cc de uma solução de alumen a 5 °/0) no caso de colorir os bacillos pelo azul ou verde de methyla. Não deve-se expor a preparação á luz solar ou a uma luz muito viva. A mon- tagem pôde ser no balsamo do Canadá ou no de Ammar dissolvido na benzina, ou na glycerína gelatinada. /. Brun colore os bacillos lançando sobre a preparação algumas gottas de uma solução concentrada de fuchsina ou de azul de anilina — 41 — durante cerca de dez minutos á meia hora no máximo, tendo a cau- tela de não deixar seccar o liquido sobre a laminula. Lava, decanta e descora pelos:—ácido nitrico concentrado—15, ácido acetico glacial — 10, e água—55, misturados ; depois de uma lavagem, nova decantação. Para o exame diagnostico prefere não preparar o fundo colorido; os bacillos apparecem mais claramente com sua viva côr, demais o ácido acetico torna o fundo transparente. Quando quer conservar a pre- paração, o que deve ser no escuro, prefere ao balsamo a mistura se- guinte : gelatina muito branca 14, ácido salycilico 0,25, água distil- lada 88. Esta geléa é de um amarello fulvo. H. Oibbes emprega dous líquidos colorantes: um, para colorir os bacillos, de crystaes de Magenta 2 grammas, anilina 3cc., álcool (p. s. 0,830) e água 20 cc. ; outro de chrysoidina em solução aquosa satu- rada,, á qual se juncta, para conservar bem, um crystal de thymol dis- solvido em álcool absoluto. Os líquidos não precisam ser filtrados ; serão tidos no escuro. O descoramento é também feito com ácido ni- trico diluído. Baumgarten emprega um processo negativo, isto é, colorindo os outros elementos e deixando os bacillos descorados; mas este pro- cesso « expõe os principiantes a confundir os bacillos não coloridos com elementos absolutamente diferentes, crystaes ou fragmentos de fibras elásticas, e se se trata da pesquiza do bacillo em productos onde elle é pouco abundante, nada substitue os methodos de coloração di- recta com illuminação ao condensador. » (Firket).* Eis resumidamente o que diz respeito á technica. Ha ainda uma questão que deve ser tomada pelos observadores, a qual me parece de uma grande importância, refiro-me á maneira practica, de poder-se vir a examinar o ar expirado pelos individuos suspeitos e que não fornecem o material empregado hoje em dia na bacilloscopia — o escarro. A exigência do professor Jaccoud, que pensa que nem mesmo ao diagnostico a descoberta de Koch trouxe grande luz, porquanto nem todas as phtisicas larvadas ou latentes podem fornecer a secreção pró- pria ; de Pribram, de Praga, que crê que os bacillos são encontrados quando já a tuberculose pôde ser reconhecida pelos outros signaes; * Bizzozero e Firket—Microscopie clinique, 1885. 6 1885—M - 42 — de Lichteim e Demme que julgam que a pesquiza nas creanças novas prestará antes para reconhecer a natureza das broncho-pneumonias que tão freqüentemente seguem-se á coqueluche, então que ha expectora- ção ; estas exigências, dizemos, hão de ser porventura satisfeitas até certo ponto, senão in totó. Se é verdade que os bacillos nos escarros são mais precoces do que as fibras elásticas (Dettweiler e Meissen), tanto mais precoces devem ser no ar pulmonar. E é possível que o diagnostico da sede venha a ganhar com tal exame; indo também por sua vez fornecer indicações úteis ao modo de administração dos medicamentos. Os bacillos podem desapparecer dos escarros, durante alguns dias n'áquelles mesmos doentes em quem um exame anterior denunciara sua presença. E isto do mesmo modo que os próprios signaes physicos, os quaes podem sofrer modificações taes a ponto de quasi desapparecer. E assim sendo para que o exame do escarro possa fornecer dados sufficientes para a exclusão de um diagnostico de tuberculose é preciso que seja feito vários dias seguidos, e afinal escolher a parte a colorir pelo modo de Long, de Breslau. « Estou de perfeito accôrdo com Balmer e Fraentzel em que é absolutamente conveniente, pela importância da questão, estender a pesquiza no caso de achados negativos a 4 e 6 dias. » (Pfeifer). Cumpre-nos accrescentar que nem todos os autores estão de ac- côrdo quando se trata de excluir um diagnostico ; porém a presença indica, segundo todos, a existência necessária da moléstia, conforme já deixámos estabelecido. Quanto á edade dos productos de expectoração, observações de Koch e Vignal e outros estabeleceram que as cores revelam os bacillos de escarros conservados desde muito tempo. E assim se comprehende a persistência da virulência nos escarros desseccados. Estabelecido o papel do bacillo, passemos agora a encarar propria- mente a importância do parasitismo em relação ao diagnostico da phtisica pulmonar. Para isto começaremos fazendo um rápido esboço das modalidades clinicas nas quaes a hesitação do juizo do medico apparece claramente deante dos signaes e symptomas. Phtisicas de difficil diagnostico.- Antes que a descoberta de Koch viesse oferecer um novo critério para o diagnostico da phtisica - 43 - pulmonar já a difficuldade senão impossibilidade do diagnostico de certas modalidades clinicas era bastantemente sentida. Fabre,* em lições feitas no Hotel-Dieu de Marselha, com a oppor- tunidade das peças de autópsia punha em relevo a difficuldade do reco- nhecimento de certas phtisicas. Essas phtisicas se apresentam ora com signaes simulando uma outra moléstia, ora qua-4 completamente debaixo do apparato de uma moléstia diferente, ou não apresentando signaes que possam denunciar a sua existência. Eis dous dos casos que serviam de assumpto á sua exposição: « Nosso terceiro indivíduo era esta velha de 76 annos, que suc- cumbio n'um destes últimos dias na sala Sainte-Elisabeth, com os signaes de um catarrho bronchico e sobretudo de um catarrho intesti- nal, mais um resfriamento e um edema das extremidades que indicavam para nós n'este caso a cumplicidade do rim, pelo menos sob fôrma de rim senil. Breve, esta pobre velha parecia succumbir como muitas outras sob os golpes combinados da edade e da miséria. Achamos n'ella o que esperávamos achar: uma enterite ulcerosa e uma atrophia renal; mais, o que não esperávamos achar, uma pequena caverna tuberculosa no ápice do pulmão direito. « Esta lesão tuberculosa era a;rui muito limitada para produzir signaes racionaes, e seus signaes physicos eram mascarados pelos do catarrho pulmonar; foi o que fez com que esta pequena phtisica latente e larvada ao mesmo tempo, e sem duvida mais ainda larvada do que completamente latente, passasse-nos inteiramente desapercebida.» «Emfim nosso quarto doente, o n. 30 da sala Ducros, tinha uma phtisica laryngéa em que predominavam a aphonia de mais a mais completa, e a expectoração de mais a mais abundante. Os roncos la- ryngéos retumbavam nos pulmões onde cobriam os signaes de escuta nos logares em que se davam ; não tornavam a phtisica nem latente, nem larvada, mas não permittiam discernir o que, n'esta mistura, per- tencia ao pulmão do que provinha do larynge. » A natureza da laryngite nem sempre é de fácil reconhecimento; por conseguinte a natureza da lesão pulmonar nem pôde aprovei- tar-se da concomitância d'esta moléstia. O exame laryngoscopico é ' Lesphtisies latentes et larvées. Gazettedes Hôpitaux. Janeiro e Fevereiro. 1882. - 41 — difficil ou impossível; e mesmo o larynge não apresenta signaes obje- ctivos característicos. A difficuldade da respiração, a dyspnéa, accar- retadas pelos estragos laryngéos impossibilitam muitas vezes o exame pelo laryngoscopio. O diagnostico fica fatalmente hesitante entre phti- sica laryngéa, compressão dos recurrentes por um tumor, adenite do mediastino, câncer do esophago, aneurisma aortico. A cachexia que o doente apresenta algumas vezes explica essa difficuldade do diagno- stico differencial, como n'uma observação de Chandelux.* « Latente no ponto de vista de seus signaes physicos, diz Fabre, uma phtisica assim se torna em duas condições principaes: Io, quando é unicamente constituída por granulações cinzentas disseminadas. A granulação cinzenta não produz por si mesma signal algum physico ; para que determine-o, é preciso que se una a outras granulações cin- zentas formando núcleos e massas, ou então que seja bastante appro- ximada das outras para que achem-se accumuladas um certo numero n'um espaço restricto, etc.; 2o, mas, quando as lesões da phtisica se reúnem para formar estas massas caseosas ou endurecidas, desigual- mente condensadas sobre seus diversos pontos, pouco susceptíveis por conseguinte de transmittir á parede thoraxica os sons que param na profundidade dos bronchios, então, como no caso de granulações cin- zentas disseminadas, não se percebe ruido algum anômalo, e demais não se percebe ruido algum normal. Não ha n'esta segunda espécie de phtisica latente não somente signal algum positivo de escuta como na primeira,mas ainda nenhum signal de escuta. E uma phtisica massiça, inteiramente análoga á pneumonia massiça, e onde a ausência de qual- quer ruido anômalo percebido pelo medico contrasta com a dyspnéa muito intensa experimentada pelo doente. » A tuberculose incipiente, pois, alguns tuberculos disseminados no ápice do pulmão não apresentam signaes physicos locaes de valor, peccam pela constância, peccam pelo desaccôrdo que ha em sua inter- pretação. Auctores competentes, quando os signaes sthetoscopicos che- gam já a ser ouvidos distinctamente, interpretam-n'os de modo diverso. Emquanto uns consideram a respiração intercadente e a expiração prolongada como bons signaes (Peter, Torres Homem, etc.) outros ligam (*) Lyon medicai, 1875. — 45 — grande valor a uma simples modificação do rythuno e da tonalidade, ao passo que outros só com a verificação dos estalidos assentam o juízo definitivamente. A sede de eleição dos tuberculos é geralmente o ápice do pulmão, mas este facto não dá-se em todos os casos ; a phtisica caseosa par- ticularmente pôde chegar a produzir cavernas na base sem que o ápice apresente alteração. E quando n'este caso o processo evolue lentamente, os symptomas geraes, emmagrecimento, suores nocturnos, diarrhéa, etc, são pouco accusados ou nullos, a hesitação do clinico tem logar. Será uma dilatação bronchica ? uma pneumonokoniose ? De facto, a pneumonokoniose muitas vezes se traduz pelos sympto- mas e nas mesmas condições de uma verdadeira phtisica. A phtisica larvada ou mascarada pelo catarrho não deixa perce- ber com os grossos ralos mucosos e os ralos estertorosos da bronchite « os ralos mais leves e menos sonoros da phymia, quando não acontece que, pela dilatação bronchica e pelo endurecimento pulmonar que ro- deia esta dilatação, o catarrho bronchico dos velhos faça ainda peior do que mascarar a tuberculose, simule-a. » N'estas condições o pre- ceito clinico é examinar o doente, fazel-o tossir e examinar de novo ; os ralos desapparecem e os estalidos da phtisica persistem. O meca- nismo do desapparecimento d'esses obstáculos á escuta se nos affi- gura não ser tão completo ; é todavia bastante para que o ouvido do clinico attento distingua claramente. Para nós, que falíamos pelo nosso ouvido ainda pouco educado, confessamos não encontrar na mo- dificação impressa pelo expediente aconselhado a clareza e distincção desejáveis dos estalidos da tuberculose. E quando a dilatação bron- chica se lhe vem junctar o engano nos parece difficilmente evitavel, senão impossível. Ainda certos signaes podem ser illusorios ; outros perfeitamente semelhantes aos da tuberculose, os quaes reunidos aos signaes racio- naes communs á outra moléstia, venham lançar a tréva na decisão de um diagnostico. E' o que se dá com o emphysema, que pôde mascarar a phtisica de três modos : —«Io, compensando o signal de percussão, a matidez, pela sonoridade que p-oduz nos pontos vizinhos da agglome- ração tuberculosa ou do endurecimento pulmonar:—2o, cobrindo os signaes de escuta, os estalidos, por seus ralos sibilantes e estertorosos, ou ainda simulando-os nos casos em que, na vizinhança mesmo do ápice, — 46 — tem chegado a produzir uma dilatação bronchica com endurecimento pulmonar d'onde resultam grossos ralos humidos e rudes ao mesmo tempo inteiramente semelhantes aos estalidos humidos da phtisica; —3o, emfim, estorvando os signaes racionaes ou geraes da tuberculose pela lentidão de evolução que impõe á tuberculisação pulmonar as condições anatômicas nas quaes colloca o pulmão, e pela lentidão de evolução que impõe á phtisica a influencia diathesica, ordinariamente arthritica, que preside ao desenvolvimento da asthma. Conheço poucos diagnósticos tão difficeis como o da tuberculisação pulmonar mascarada pelo emphysema » (Fabre). O meio a lançar mão como aconselham os clínicos, é percutir aos poucos pequenas superfícies e repetir a escuta muitas vezes. Os signaes de uma pleurisia por sua vez mascaram os da phtisica. Não se observa muitas vezes pela percussão e escuta senão signaes d'aquella moléstia: diminuição do murmúrio vesicular, notável mati- dez, suppressão das vibrações thoraxicas. São casos estes nos quaes se costuma recorrer aos signaes racionaes, emmagrecimento, suores noctnrnos, escarros mais ou menos característicos, e excessiva lentidão do mal. Uma escuta minuciosa e uma percussão attentados ápices não dão bastantes esclarecimentos ; no ápice a pleurisia mascara a pneu- mophymia, e mais, pôde simula-la. A pleurisia seccado ápice produz attritos finos e sub-matidez nas fossas espinhosas ; outras vezes estes attritos fazem sentir a sensação de estalidos seccos. E' verdade que esta pleurisia do ápice costuma ser ordinariamente a primeira manifes- tação da tuberculose. Casos desta ordem são citados por Fabre. Cumpre notar que muitas pleurisias tuberculosas apresentam-se sem os caracteres próprios, tomando francamente as fôrmas das pleu- risias inflammatorias. Entre a pleurisia hemorrhagica simples e a tuberculosa a dis- tincção não é sempre tão fácil. Segundo Moutard Martin a pleurisia tuberculosa é symptomatica de uma tuberculose miliar, pulmonar ou pleuro-pulmonar, de sorte que o doente apresenta, além dos signaes de pleuro-pneumonia um estado geral máo, rápida aggravação do mal e morte em curto tempo; ao passo que a pleurisia hemorrhagica simples não produz cachexia, ha melhora do estado geral, volta do appetite das forças e da saúde; o liquido é mais abundante em geral, a puncção modifica favoravelmente os signaes locaes, e a reproducção do derrame — 47 — lenta ou nulla. Todavia a pleurisia tuberculosa pôde em alguns casos ser classificada, á vista dos symptomas, como uma pleurisia hemorrha- gica simples. As lesões dos gânglios bronchicos, ainda mesmo que tuberculosos, difficultam os signaes de percursão : percebe-se uma matidez inter- scapular, que não se pôde saber de um modo preciso se vem dos gân- glios, se dos pulmões. As hemoptyses nem sempre são tuberculosas; todavia despertam, em geral, a idéia de phtisica : dizia Trousseau « este accidente se liga tantas vezes a affecções estranhas á tuberculisação como á própria moléstia tuberculisação.»1 Nas mulheres principalmente, já pelas condições orgânicas próprias, já pela excitabilidade nervosa, hysteria, as hemoptyses são mais fre- qüentes; porquanto as hemorrhagias complementares pelo pulmão e as hemorrhagias dependentes de perturbações nervosas encontram n'ellas campo mais propicio. E apezar de Louis, Andral, etc, desconfiarem das hemoptyses nas mulheres, todavia o diagnostico diferencial entre a hemoptyse de natureza tuberculosa e as demais colloca o clinico em sérios embaraços. No homem o embaraço torna-se de maior vulto, attentas as causas que podem produzir a hemorrhagia do órgão respi- ratório. Isto no que diz respeito ás hemoptyses precoces; não julgamos ne- cessário insistir sobre as hemoptyses que sobrevêm no terceiro período. Ainda a phtisica incipiente ou no primeiro período pôde apresen- tar reaes difficuldades quando se trata de um diagnostico preciso. Assim ella toma a physionomia clinica da anemia ou chloro-anemia. Os doentes apresentam muitas vezes descoramento da face, amenor- rhéa, palpitações, dyspepsia, febre, suores nocturnos, emmagrecimento, tosse, e mesmo hemoptyses, e no entretanto este quadro symptomatico é preparado por perturbações nervosas (Hanot).8 Apezar de na chloro- anemia os symptomas anêmicos precederem á tosse; apezar d'esta tosse, semelhante á tosse convulsiva tão especial das hystericas, ser notável pela rapidez com que se augmenta, contrastando com a ausência de 1 Clinique de VHôtel-Dieu —1882. i Phtisie—Dict. de med. et cir., 1879, — 48 — qualquer signal sthetoscopico; apezar da febre, aliás rara na chloro-ane- mia, que não é tão regular na continuidade, na progressão, na exacerba- ção vesperal, sendo-o comtudo ás vezes, tão viva como é a dos phtisicos; apezar das regras supprimirem-se mais tarde nas phymatosas ; apezar da dyspepsia com depravações de gosto e gastralgia próprias dachloro. anemia ; apezar dos ruidos de sopro mais claros n'estaaffecção, entre- tanto « nunca se deve pronunciar senão com a maior reserva se se recordar que a chloro-anemia do começo da phtisica é ás vezes im- possível de distinguir de qualquer chloro-anemia.»1 Notemos ainda a spermatorrhéa acompanhada de tosse, febre e de- pauperamento; será simplesmente um symptoma de anemia ou poderá serattribuido a um estado geral especifico, tuberculose ? A hesitação n'e.3tas condições annuviará o espirito do clinico. Sob outra face ainda o quadro symptomatologico da phtisica pul- monar póde-se approximar de tal modo do apresentado pela syphilis do órgão ao ponto de levar o engano até ao espirito o mais versado. Trata- se da phtisica no terceiro período, então que a moléstia apresenta maior numero de dados para o seu reconhecimento. E'o caso apresentado por Fournier.2 A observação refere-se a uma mulher com ulcera phagedemica terciaria do pé, entrada na Lour- cine: tinha uma cachexia das mais accentuadas, emaciação geral, facies de sofrimento e esgoto, prostração de forças, tosse por quintas desde alguns mezes, escarros abundantes verdes e purulentos, oppres- são, pontadas freqüentes, accessos febris, suores nocturnos abundantes, perda de appetite, etc. Os signaes physicos deixavam perceber: mati- dez bastante extensa para deante e para trás com perda absoluta de elasticidade sob o dedo ; n'este nivel sopro rude, intenso e verdadeira- mente cavernoso; demais ralos cavernosos, gargarejos de grossas bolhas depois da tosse, em resumo, tudo denunciava uma phtisica. «A evolução ulterior, porém, da affecção provou que este diagnostico era errôneo.» A instituição do tratamento anti-syphilitico deu logo resultado O appetite voltou, as forças se levantaram, as regras reappareceram • a doente engordou a ponto de ao cabo de três mezes tornar-se outra' » Hanot, loc. cit. i Bulletin de 1'Academie de Medécine, Novembro de 1879, - 49 - As lesões locaes do pulmão experimentavam parallelamente modifi- cação favorável. Em conclusão, acreditou Fournier que se tratava de lesões gommosas syphiliticas e não, como a principio suppoz, de uma phtisica pulmonar. Como acabamos de vêr muito resumidamente os casos em que o diagnostico da phtisica pulmonar fica fatalmente hesitante são em bom numero, não fazendo senão mencionar áquelles em que uns symptomas apparecem por assim dizer isolados sem poderem ser attribuidos a uma determinação mórbida e caracterisada. Até aqui tentámos sobretudo indicar a insufficiencia em certos casos dos elementos de diagnostico de phtisica pulmonar, antes da des- coberta de Koch. Vamos passar agora á apreciação do novo signal fornecido pelo exame microscópico do escarro, procurando com algumas observações mostrar a sua importância na sciencia do diagnostico. Valor clinico da pesquiza do bacillo.—Apresentadas sum- mariamente as modalidades clinicas da phtisica pulmonar, nas quaes antes da descoberta do bacillo, o medico não encontrava elementos seguros de diagnostico, vamos agora mostrar com observações o valor do novo signal. O professor Germain Sée,no seu importante e recente trabalho, ao qual temos alludido mais de uma vez, estabelece o quadro das phtisicas duvidosas. Phtisicas sem escuta, nem percussão certa, impossíveis de ser reconhecidas em presença dos dados scientificos tradicionaes, a menos de se lançar mão do exame microscópico dos escarros, da con- statação do bacillo. O methodo que preconisa « não se contenta do modesto papel de completar o diagnostico estabelecido, o que nada é, mas permitte estabelecer o diagnostico de uma maneira immediata, o que é toda a preoccupação do medico, todo o futuro do doente. » Então estabelece três categorias de phtisicas difficeis ou impos- síveis de ser reconhecidas sem o exame dos productos expectorados: 1.° Phtisicas latentes.—Uma primeira categoria de um interesse maior comprehende os casos de phtisica que não se traduzem senão pela pallidez e o emmagrecimento febril, ou então por perturbações res- piratórias funccionaes, a saber: a tosse secca e catarral, ahemoptyse 7 1885—M — 50 — com ou sem febre, sem signal algum physico tendo qualquer valor diagnostico, a escuta e a percussão não fornecendo senão dados vul- gares e negativos. São as phtisicas latentes,que se chega muitas vezes a reconhecer pelo exame dos escarros, ou que se trate de uma hemop- tyse de causa desconhecida ou que se trate de uma tosse persistente, ou emfim que em presença de um movimento febril considerável com abatimento, tenha-se de pronunciar entre uma phtisica miliar e uma febre typhoide. 2.° Phtisicas larvadas ou anormaes.^— Em um certo numero de casos a phtisica é mascarada por uma outra moléstia ; ella começa por assim dizer com fracasso, tomando a mascara e a fôrma de uma moléstia aguda dos órgãos respiratórios; acredita-se em uma pneumonia lobar, em uma bronchite aguda, em uma laryngite accidental, em uma pleuri- sia simples ; o erro é por assim dizer inevitável, sem o auxilio do exame microscópico dos escarros. 3.° Pseudo-phtisica.— Uma terceira e ultima classe de diagnós- ticos incertos comprehende lesões cuja semeiologia acabada, completa, parece se referir á phtisica a mais avançada, massiça ou ulcero-caver- nosa, mas que pertence tanto a tumores, a neoplasmas de uma outra natureza, a cavidades ulcerosas de um outro gênero; quero fallar das gommas syphiliticas, amollecidas ou não, das dilatações bronchicas, que têm uma phenomenalidade das mais análogas á da phtisica tuberculosa; cumpre ahi accrescentar os catarros chronicos, a asthma com emphysema.» Em summa, todos áquelles casos em que o clinico se vê no emba- raço para resolver-se entre um diagnostico differencial e que haja expectoração, o exame microscópico presta um real serviço. Já deixámos estabelecido que a presença do micro-organismo nos productos suspeitados tuberculosos é um signal certo de existência da moléstia, e isso é o resultado dos estudos, das observações mesmo dos mais reservados (Lichteim, Hans Chiari, Demme). Resta verificar se a ausência do parasita auctorisa a eliminação de um diagnostico que pôde tanto pender para a phtisica como para um outro estado mór- bido. Este ponto da questão não reúne o accôrdo de todos os observado- res. Não temos factos esclarecidos devidamente por autópsias ulteriores que nos poisam servir de guia e amparo para opinar resolutamente com — 51 — as conclusões d'estes ou d'aquelles observadores. Todavia attendendo ao facto de ser o muco pulmonar, o muco purulento, um meio de cultura favorável aos bacillos; attendendo aos trabalhos de Cornil e Babes ; at- tendendo aos trabalhos de Fraentzel e Balmer e de Pfeiffer, o facto dos elementos poderem desapparecer nos mesmos doentes em que já foram observados; attendendo aos trabalhos de Malassez e Vignal, á trans- formação das zoolgloeas ao cabo de certo numero de gerações; atten- dendo ainda aos estudos d'aquelles que acceitam a ausência do micróbio como um critério sufficiente para eliminar o diagnostico da phtisica ; attendendo a essas considerações julgamos não ser exagerados accei- tando até certo ponto como um critério capaz de desviar a idéa de phtisica a ausência da bactéria constatada durante quatro a seis dias, como querem Fraentzel, Balmer e Pfeiffer. Comprehende-se realmente que nos casos da pseudo-phtisica, dila- tação bronchica, gommas syphiliticas, como no caso de Fournier, etc, etc; nas fôrmas larvadas, nas laryngites estrondosas em que uma phtisica pôde ser perfeitamente encoberta, nas pleurisiashemorrhagicas, etc, etc, comprehende-se que a ausência do bacillo possa representar um elemento de não pequeno valor na decisão do clinico. Apreciando, pois, os factos, acreditamos dever estabelecer a seguinte conclusão: Nos casos duvidosos os resultados negativos da bacilloscopia bem dirigida eliminam a idéa de phtisica com mais segurança do que os dados clinicos até hoje empregados. Passemos agora a apresentar algumas observações interessantes que emprestámos. Observação I (COCHEZ, COMMUNICADO POR GILBERT) P. S., carregador, 68 annos. Entrado a 10 de Outubro de 1883, sala Magendie, n. 1 (serviço de Hayem), no hospital Saint Antoine. — 52 — Antecedentes.—Nenhuma moléstia anterior.—Não ha febre, nem fluxão do peito, nem pleurisia, nem hemoptyses.—Não ha tuberculose na família. Começo.—Desde alguns mezes o doente é miserável.—Ha cerca de 15 dias que sentindo-se profundamente fatigado foi obrigado a aban- donar seu trabalho. Estado actual (10 de Outubro á tarde). O doente está muito abatido e responde muito difficilmente ás perguntas que se lhe faz. Queixa-se de cephalalgia, de insomnia, de fraqueza.—Os tegu- mentos têm uma côr amarellada, a pelle flacida e sêcca, as massas musculares emmagrecidas.—A tosse é pouco freqüente, a expectora- ção pouco abundante é formada de alguns escarros muco-purulentos. A inspecção do peito mostra uma grande magreza do thorax; a apal- pação e a percussão não revelam signal algum anormal; a escuta a mais minuciosa fica quasi inteiramente negativa; á inspiração e expiração se faz ouvir em toda a altura do peito um ronco sonoro que mascara o murmúrio vesicular normal.—O appetite inteiramente perdido; a lín- gua sêcca, sede viva. Não ha vômitos; evacuações regulares. Nada do lado do fígado ou do baço. Não ha albumina nas urinas.—Tempera- tura 38°, 2. Diagnostico. — O diagnostico fica fatalmente hesitante. Os signaes dominantes são o abatimento e o estado de fraqueza extrema, a adynamia em uma palavra. — A ausência de qualquer determi- nação mórbida, apparente e prepoderante para tal ou tal órgão, não permitte fixar de um modo certo a causa d'este estado adynamico. Dia 11, de manhã.—Não ha modificação apreciável no estado do doente.—Suspeita-se a possibilidade da tuberculose, e o exame dos es- carros pelo methodo de Ehrlich denuncia a presença de um numero medíocre de bacillos. De 12 a 20.—Os signaes physicos persistem insignificantes até á morte do doente, que tem logar a 20 de Outubro pela manhã. — Desde sua entrada ao hospital o doente recusa qualquer alimentação. Seu estado adynamico se accentúa cada dia mais e morre após três dias de um estado comatoso completo.—A curva thefmica oscillou ao redor de 39°. Autópsia. — Algumas adherencias pleuraes bilateraes. Os dous — 53 — pulmões estão crivados em toda a sua altura de granulações tuberculo- sas pequenas e semi-transparentes. No centro do apice direito existe uma muito pequena cavernula (da dimensão de um grão de ervilha) cercada de uma zona estreita de granulações amarelladas. Faremos recordar os casos já citados de Whipham e Burney Yéo, que mostram egualmente a difficuldade de um diagnostico preciso, ven- cido pela bacilloscopia. Nos casos, pois,em que não ha uma delimitação mórbida o exame do escarro deve ser praticado. Hiller foi o primeiro a examinar as hemoptyses sob o ponto de vista da pesquiza do bacillo. O sangue puro lançado não é aquelle que convém, segundo nota elle, para a preparação ; deve-se o mais pos- sível escolher a parte que tem-se demorado em contacto com os tecidos lesados. Eis uma observação de hemoptyse precoce, cujo diagnostico apre- sentava difficuldades: Observação II ( COCHEZ ) « C. T., 30 annos, fabricante de escovas (brossier), entrado a 3 de Outubro de 1883 (serviço de Straus), sala Andraln. 9.—A 8 dias foi tomado de quintos de tosse e lançou sangue á bocca cheia.—Os escarros de sangue não cessaram depois. — Antes d'esta época sentia mal estar desde algum tempo. Um pouco de tosse; mas sua profissão de fabricante de escovas o expõe a uma atmosphera cheia de pós.—Não ha emma- grecimento; nunca desappareceu o appetite. - Não ha antecedentes hereditários. Casou-se, tem três filhos que passam muito bem.— E'ainda vigoroso e bem musculado.—Fora alguns ralos sub-crepi- tantes na base esquerda o exame o mais minucioso do peito fica absolu- tamente negativo.—Acha-3e bacillos nos productos de expectoração metade purulentos, metade sanguinolentos.—Quinze dias mais tarde, sub-matidez do lado direito. Estalidos seccos claramente percebidos pela tosse adiante e atrás d'este nivel. — 54 — Observação III (hugueny) X, 37 annos, alcoolista, symptomas dyspepticos e accessos febris desde algumas semanas, é tomado uma manhã, depois de uma quinta de tosse, de uma violenta hemoptyse. O doente escarra cerca de dous copos de sangue rutilante no correr da manhã. Os dias seguintes, não lança senão coalhos de um sangue muito alterado. O exame do peito não permitte n'este momento achar nenhum signal de tuberculose.—O exame do sangue misturado a mucosidades permitte achar alguns bacillos muito claros. Faz-se então o diagnos- tico tuberculose, e 15 dias depois percebe-se a rudeza do murmúrio respiratório á direita e alguns ralos mucosos abaixo da clavicula. Esta observação é até certo ponto interessante se attendermos a que o individuo é alcoolista, e por conseguinte as desordens da di- gestão não precisam muito de uma explicação mais particularmente procurada. A phtisica incipiente se occulta ás vezes sob a fôrma de pleu- risia. Esta se mostra ás vezes tanto tempo antes da manifestação dos primeiros signaes da tuberculose, que até tem-se perguntado se não era a causa da phymatose. Observação IV (CAMESCASSE E COCHEZ) Pleurisia tuberculosa simulando uma pleurisia aguda franca. A19 de Novembro de 1883 entra para a 2a sala direita, leito n. 19, uma mulher C, trabalhadora, 38 annos.—Esta mulher não tem como antecedentes mórbidos senão uma varíola, cujos signaes ainda conserva. Não teve filhos.—Tosse um pouco desde 6 mezes e teria emmagrecido. —Desde 5 semanas que está muito endefluxada; perdeu completamente o appetite. Movimento febril á tarde.—Tosse bem freqüente. Pouca expectoração: escarros purulentos misturados a muita saliva. Não ha hemoptyse.—Tinha-se deitado desde 8 dias antes de entrar para o hospital. A' sua entrada pontada violenta á esquerda. Os signaes - 55 — physicos se reduzem a alguns ralos mucosos e sibilantes dispersos. Vibrações thoraxicas conservadas, não ha matidez.— A temperatura oscilla entre 37° e 37,°5.—Calefrio a 22 de Novembro. Apontada tor- na-se mais extensa. Dyspnéa. 23. Matidez na metade inferior do thorax á esquerda. Attritos muito claros. Vibrações sumidas ao nivel da matidez. 24. O derrame augmenta. Tympanismo sub-clavicular. Sopro doce atrás e na axilla. Egophonia. Temperatura 38°. 25. O coração é deslocado para a direita. Temperatura, manhã 38°,2, tarde 38°,6. 26. Thoracentese. Extrahe-se dous litros de um liquido claro, ci- trino. O coagulo recolhido filtrando o liquido apresenta uma tinta rosea muito pallida. Temperatura 38.°— Os dias seguintes a febre se eleva até 40° sem causa conhecida, o derrame não se reproduz. Examina-se os escarros que contêm um grande numero de bacillos. 5 de Dezembro. A mulher se acha bem; a temperatura é normal. Ápices do pulmão sãos. Derrame completamente desapparecido. Restam alguns attritos adeante e á esquerda. Nos casos d'esta ordem o emprego da bacilloscopia presta um im- portante serviço ; porquanto a existência dos signaes physicos que então poderia esclarecer o pratico deixou de ser patente com a moléstia aguda. E o futuro do doente ficaria entregue á devastação do germen mórbido. Não se obtém porventura n'este caso um diagnostico precoce e preciso ? Porventura um dos termos do problema da tuberculose não recebeu nova luz ? A pleurisia hemorrhagica tnberculosa pôde vestir-se das roupa- gens da pleurisia hemorrhagica simples. Qual o critério que nos poderá guiar no discernimento clinico d'entre as duas fôrmas ? Vejamos uma observação muito interessante a esse respeito : Observação V ( COCHEZ ) Pleurisia hemorrhagica de natureza tuberculosa. Grandjean, 24 annos, entrado a 22 de Abril de 1883, sala Andral, leito 9. — O doente teria perdido seus pães do peito. — 5G — Nunca teve moléstia antes desta. Conserva o leito desde cerca de três semanas. A affecção teria começado por um ponto dolo- roso assestando-se na base do lado direito. Ao mesmo tempo tosse freqüente com pouca expectoração. — Appetite conservado, não ha vômitos pela tosse. Não ha diarrhéa, nem emmagrecimento; nunca hemotyses.—A' sua entrada o doente queixa-se exclusivamente de uma pontada á direita, a qual é augmentada consideravelmente pelos es- forços da tosse.— E' um rapaz bem robusto, de massas musculares bastante salientes, pelle trigueira, systema pilloso mediocremente desenvolvido, os dedos não são entumecidos em massua (rn^psue).— Tosse freqüente, quintosa, acarretando alguns escarros mucosos. —A' percursão sonoridade exagerada sob a clavicula do lado direito (skodismo).—A' escuta attritos pleuraes á direita, em cima e adeante, respiração fraca na parte inferior e anterior. Atrás matidez em baixo e á direita.—Não ha sopro bem claro, mas respiração fraca, não ha egophonia. Temperatura t. 39°,4.— T. m. 39. 24 de Agosto.—Matidez na metade inferior, sopro doce, egophonia, attritos ralos no apice. — Os dias seguintes, o mesmo estado persiste com uma febre que oscilla entre 39° e 40°.—O doente está ligeira- mente anhelante. Tratamento.—Vesicatorios, julepo diacodio, poção diuretica.— Augmento do derrame. 17 de Setembro.—M. Roques faz uma puncção como aspirador e retira meio litro de liquido sanguinolento. (Para-se em meio litro por causa da natureza do liquido).— Os dias seguintes, melhora no- tável ; o derrame dioiinue e a 28 de Setembro, attritos pleuraes adeante, atrás, na axilla do lado direito assim como no apice. — Absolutamente nenhum ralo pela tosse. — O doente sahe curado a 3 de Outubro. — Diminue de 12 libras durante sua demora no hospital. Três exames de escarros foram praticados.—Os dous primeiros na entrada do doente ao hospital.—O terceiro antes de sua partida.— A expectoração era muito pouco abundante, mas alguns escarros muco-purulentos lançados á manhã bastaram. Em cada exame consta- tou-se bacillos, mas seu numero era muito restricto. Este caso tem a symptomalogia da pleurisia hemorrhagica simples, como o foi pelo Dr. Roques classificado, no entanto a presença do — 57 — bacillo veio despertar o espirito do clinico em relação ao prognostico. O doente sara da pleurisia, é preciso tratar o tuberculoso. A pneumonia catarrhal pôde simular uma tuberculose miliar aguda. Observámos dous casos interessantes a esse respeito: n'um, que foi doente da enfermaria de clinica do Conselheiro Torres-Homem, tratava-se de um homem sem antecedentes hereditários, de consti- tuição athletica, tendo começado a moléstia por abundante hemorrhagia pulmonar inexplicável; o diagnostico foi hesitante por cerca de 8 dias de um modo irremediável entre uma pneumonia, broncho-pneu- monia e uma tuberculose miliar (depois confirmada). O outro caso foi do Hospital da Beneficência Portugueza : tratava-se de um individuo em condições boas e no qual também a moléstia começara por hemor- rhagia. O quadro symptomatico tinha muitos pontos mais de contacto com o da precedente, attendendo-se a que pudemos comparar, pois que tinhamos a outra observação. Praticámos quatro exames de escarros diferentes, cujos resultados negativos nos tranquillisaram o espirito ; fizemos o diagnostico de pneumonia e com grande prazer vimos o doente ter alta com cerca de 15 dias de hospital. Tivemos a infelicidade de vêr desviada esta observação. As lesões tuberculosas quando se assestam na parte inferior do pulmão tornam o diagnostico duvidoso as mais das vezes. Vejamos um exemplo: Observação VI (PENNEL E COCHEZ ) Cavidade tuberculosa da parte inferior do pulmão esquerdo. Uma doente de 46 annos de edade, deitada no n. 20 da sala Laennec (serviço de M. Huchard), apresenta gargarejos na metade inferior do pulmão esquerdo e sopro cavernoso na parte média.—A expectoração é abundante e não tem o caracter das vomicas. Não ha febre, nem suores nocturnos ; facies de modo algum tuberculoso. Inte- gridade completa dos ápices e do pulmão direito. Hesita-se pelo dia- gnostico entre a dilatação bronchica e a tuberculose.—O exame dos escarros permitte constatar bacillos em numero restricto. 8 1885—M — 58 — Nos individuos syphiliticos o diagnostico da phtisica apresenta sérias difficuldades. Já referimos um caso de Fournier. Observação VII ( TURBERT E COCHEZ) Caverna da parte média do pulmão esquerdo n'uma syphilitica. L. M., 36 annos, trabalhadora, entrada a 26 de Agosto de 1882, leito n. 18 da sala Rayer (serviço de M. Rendu).—Pae morto de calor e frio. Mãe sadia. Tem sempre passado bem antes da moléstia actual.— Casa-se aos 19 annos. Na edade de 20 annos cahe uma manhã como uma massa, e fica dez minutos sem conhecimento. Quando retoma seus sen- tidos não pôde mais mover seus dous membros esquerdos ; seu rosto é desviado á direita. No fim de cerca de um mez os movimentos voltam progressiva e lentamente.—Aos 25 annos, coryza que não tarda a se acompanhar de entumecimento e de uma coloração violacea do nariz. —Entra para a Pitié, no serviço de M. Peter, que teria reconhecido uma gomma e dado iodureto de potássio. No fim de 6 semanas sahe melhor, mas não completamente curada.—Actualmente queixa-se de tossir desde cerca de 4 mezes. Pontada á esquerda. Febre á tarde. Suores nocturnos. Escarros muco-purulentos, que têm apresentado uma tinta cinzenta.—Sub-matidez da metade inferior do pulmão es- querdo. Grosso sopro cavernoso na parte média do mesmo lado. O apice bem como outro pulmão parecem sãos.—Unhas hippocraticas. Ozena. Odor muito fétido. Septo destruido sobre uma grande altura. Nariz achatado. Sahem de tempos em tempos crostas escuras e pedaços de osso.—Pensa-se na syphilis e institue-se o tratamento racional. 14 de Setembro. Alguns ralos ao redor do foco antigo. Sopro mais intenso. Retumbancia da voz. 12 de Outubro. Estado geral melhor. Os ralos diminuiram. Os es- carros examinados encerram numerosos bacillos. 24. M. Rendu constata que a doente vae muito melhor. O sopro da parte posterior e média do pulmão esquerdo desapparecem; os ralos são infinitamente menos numerosos; deve haver sclerose. Em com- pensação a ozena pouco modificou-se. — 59 - Outras muitas observações e interessantes existem dos observa- dores que temos citado e que comprovam o valor da bacilloscopia na clinica. Terminemos esta parte ainda com duas considerações. Não é a todos os clinicos que coube a felicidade de ter um órgão auditivo, já não dizemos exercitado quanto fora de desejar, mas materialmente prestavel ás difficuldades da escuta. Porém, a todos é possivel adquirir um bom microscópio e a pratica da technica micros- cópica. A segunda consideração vem a ser, como faz notar Germain Seé, que póde-se evitar ás pessoas doentes os incommodos, ás vezes desfa- voráveis á moléstia, de uma longa viagem com o intuito de consultar ao facultativo. O producto da expectoração é facilmente enviado de uma parte á outra. Em conclusão : a bacilloscopia é um facto adquirido. TBBCBIBA FAIfl Tratamento antiseptico da phtisica pulmonar Antisepticos.— O Dr. De Korab,1 em primeiro logar, experi- mentou substancias medicamentosas sobre a vitalidade do bacillo. Para suas experiências precisou primeiro isolar e cultivar os ba- cillos, o que conseguio empregando o serum de sangue de boi. Operou sobre dez tubos, três dos quaes continham helenina ; oito dias depois, com augmento de 40 diâmetros descobrio colônias bacillares, menos nos três tubos de helenina. Em 4 grupos de experiências nas quaes entravam 34 animaes a helenina influio, quando juntada ás culturas, sobre a não producção da tuberculose. E no 4o grupo 4 animaes foram inoculados na câmara anterior do olho, mostrando uma tuberculose que seguio seu curso ; e em dous animaes submettidos a injecções diárias de helenina a contar do décimo dia, a morte não sobreveio e a tuberculose da iris pareceu se modificar favoravelmente. Estes factos parecem indicar que se poderá servir da helenina para combater os bacillos, notadamente os da tuberculose ; e, se é ver- dade que os bacillos sejam os vehiculos d'esta moléstia, as proprie- dades eminentemente tóxicas da helenina, em relação a estes orga- nismos, achariam talvez algumas applicações felizes. H. Martin2 experimentando as substancias já ensaiadas por Cornevin, Arloing e Thomaz contra o bacillo carbunculoso obteve os i Gazette des Hôpitaux, 1882. * Archives dephys., 1883. — 62 - resultados seguintes: esmagando e expremendo porções de vísceras crivadas de tuberculos e pondo o sueco no liquido amniotico fresco da ovelha, addicionando depois uma quantidade dada do medicamento a ensaiar, achou que as soluções ao 500° não destroem o poder do tuber- culo, que o bromo só teria acção marcada em gráo cáustico de solução (500°), que o ácido phenico tem acção duvidosa ainda a 6 °/0>