DR. ALFREDO HAANWINCKEL 0 leite como alimento THESE INAUGURAL CAPITAL FEDERAL 181»? DISSERTAÇÃO CADEIRA dDEI HYGEEUE 0 LEITE COMO AUMENTO PROPOSIÇÕES Tres sobre cada uma das cadeiras da Faculdade APRESENTADA A' ' IT' \ FACULDADE DE MEDICINA E DE PHARMACIA DO RIO DE JANEIRO EM 20 DE NOVEMBRO DE 1896 E PERANTE ELLA SUSTENTARA EM 26 DE ABRIL DE 1897 POR ÇA-lfredo u Jl Doutor em Medicina pela mesma Faculdade, Pliarmaceutico pela Faculdade de Medicina cía Bahia, Fundador e ex-encarregado da Pharmacia Militar annexa á Escola Tactíca e de Tiro do Rio Pardo, Fundador e ex-encarregado da Pharmacia Militar do Rosário, Ex-encarregado das Pharmacias Militares do Saycan e do Rio Grande do Norte, Ex-encarregado do Laboratorio Chimico, do Serviço Meteorologico e da Pharmacia Militar da Fabrica de Polvora da Estrella, Ex-coadjuvante do Serviço Pliarmaceutico nos Hospitaes Militares de Porto Alegre e Andarahy, Secretario da InspecçAò'do Laboratorio Chimico-Pharmaceutico Militar, etc. . 8Hr' • ■ > NATURAL DA BAHIA ' 1 !> •ti- >,) I Filho legitimo de Gustavo Theophilo Haanwinckel e D. Joanna Baptista Haanwinckel CAPITAL FEDERAL TYPOGRAPHJA DO «JORNAL DO COMMERCIO», DE RODRIGUES & C. 59-61 RUA MOREIRA CESAR 59-61 189 7 MIM Dl BlffllE IIE fillBIlCIl I# RIMEM» DIRECTOR-Dr. Albino Rodrigues de Alvarenga. VICE-D1RECTOR-Dr. Francisco de Castro. SECRETARIO-Dr. Antonio de Mello Muniz Maia. LENTES CATHEDRATICOS Drs. : João Martins Teixeira Physica medica. Augusto Ferreira dos Santos Chimica inorgânica medica. João Joaquim Pizarro Botanica e zoologia medicas. Ernesto de Freitas Crissiuma Anatomia descriptiva. Eduardo Chapot Prevost Histologia theorica e pratica. Artliur Fernandes Campos da Paz Chimica organica e biologica. João Paulo de Carvalho Physiologia theorica e experimental. Antonio Maria Teixeira Matéria medica, Pharmacologia e arte de for- mular. Pedro Severiano de Magalhães Pathologia cirúrgica. Henrique Ladisláu de Souza Lopes Chimica analytica e toxicologica. Augusto Brant Paes Leme Anatomia medico-cirurgica. Marcos Bezerra Cavalcanti Operações e apparelhos. Antonio Augusto de Azevedo Sodré Pathologia medica. Cypriano de Souza Freitas Anatomia e physiologia pathologicas. Albino Rodrigues de Alvarenga Therapeutica. Luiz da Cunha Feijó Júnior Obstetrícia. Agostinho José de Souza Lima Medicina legal. Benjamin Antonio da Rocha Faria Hygiene e Mesologia. Antonio Rodrigues Lima Pathologia geral. João da Costa Lima e Castro Clinica cirúrgica-2a cadeira. João Pizarro Gabizo Clinica dermatológica e syphiligraphica. Francisco de Castro Clinica propedêutica. Oscar Adolpho de Bulhões Ribeiro Clinica cirúrgica-Ia cadeira. Erico Marinho da Gama Coelho Clinica obstétrica e gynecologica. Hilário Soares de Gouvêa Clinica ophthalmologica. José Benicio de Abreu Clinica medica-2a cadeira. João Carlos Teixeira Brandão Clinica psychiatrica e de moléstias nervosas. Cândido Barata Ribeiro Clinica pediátrica. Nuno de Andrade Clinica medica-Ia cadeira. Das.: 1. secção Tiburcio Valeriano Pecegueiro do Amaral. 2. » Oscar Frederico de Souza. 3. » Genuino Marques Mancebo e Luiz Antonio da Silva Santos. 4. » . Philogonio Lopes Utinguassú e Luiz Ribeiro de Souza Fontes. 5. » Ernesto do Nascimento Silva. 0.» » - Domingos de Góes e Vasconcellos e Francisco de Paula Valladares. 7. » Bernardo Alves Pereira. 8. » Augusto de Souza Brandão. 9. » Francisco Simões Corrêa. 10. » Joaquim Xavier Pereira da Cunha . 11. » Luiz da Costa Chaves Faria. 12. » Mareio Filaphiano Nery. LENTES SUBSTITUTOS N. B - A Faculdade não approva nem reprova as opiniões emittidas nas theses que lhe são apresentadas A' SAGRADA MEMÓRIA DE MEU PAE Ha um anno, eu não teria necessidade de escrever esta pagina dolorosa; então eu poderia ter prazer porque, de envolta com a minha victoria, realisava-se uma das vossas maiores aspirações. Ainda hontem, quando eu me erguia triumphante de mi- nha penúltima peleja académica, recebia, com os transportes de vossa alegria, a expressão da grandeza de vossa alma; ainda hontem, como sempre, quando eu me sentia desfallecer, extenuado pelo cansaço, tinha em vosso braço forte o amparo, sempre util e desinteressado; ainda hontem, quando a cruel fa- talidade arrastava-me a cumprir um tão sagrado quão doloroso dever, lá estáveis em vosso leito, e com a beatitude do justo, com a tranquillidade dos que sabem morrer, recommendastes- me que eu concluísse a minha carreira e que continuasse a ser homem de bem! Ah! meu grande morto! Ah! meu amigo sublime! Ah! meu protector incomparável! Parte de vossa nobre aspiração está realizada e a outra parte, a que constituio sempre minha principal preoccupação, ha de preoccupar-me sempre:-não des- honrarei o vosso nome. Vossa grande aspiração é uma realidade, a minha tarefa está concluída, e os louros que me atirão e que eu vos entre- garia virentes, si não os conquistasse, subjugado pelo peso de tanta dôr, eu deponho, crestados, pelo pranto que queima, sobre a vossa lousa, como tributo da indelevel amisade que sempre vos consagrei e do muito reconhecimento que vos devo. Ah! meu grande morto! Si a vida futura fosse uma reali- dade, si aprece fervorosa chegasse até ao Creador, si as bênçãos dos que errão neste mundo, podessem aproveitar aos que passão; ah! meo extremecido amigo, serieis o mais feliz dos mortos, porque soubestes ser o exemplo dos paes! minha, Y &e Amo-vos muito e não podendo traduzir nesta pagina o quanto de vene- ração tenho por vós, consola-me a doce esperança de,dedicando-vos a minha These, levar-vos n'ella um testemunho insignificante, um reflexo pallido desse amor tào sublime e santo-o amor filial. pfi minha jdolatrada fispesa Eis-me chegado ao marco da minha jornada, ao fim da mi- nha segunda peregrinação académica. Venci, mas o vencer é, eu posso dizer, a consequência fatal desses combates scientificos, quando elles são travados com ardor, sinceridade e devotamento. Venci, mas quantas vezes pareceo-nos sossobrar o frágil ba- tel das nossas esperanças, quantas vezes as dificuldades da vida parecerão subjugar a nossa vontade intransigente, quantas vezes a fatalidade da sorte, a desgraça que nos pet segue, procurou obstar a nossa carreira! Ah! vencer! Vencer quando não se tem nenhum desgosto, nenhuma contrariedade, vencer quando se tem a alma a transbor- dar de alegria, qttando á peleja cruenta succede o triumpho com- pleto, é sem duvida a maior gloria que se fode aspirar, a maior alegria que se pode conceber! Mas vencer quando se vê um Pae, digno de tal nome, cair na vesfera do triumpho, quando se sente a Esposa que sabe comprehender o seu papel, enfraquecida por tanto labor, quando se tem necessidade de abandonar o campo dos sacrifícios, para em outra parte retemperar as forças perdidas ; tem se uma felicidade apparcnte, que não compensará nunca a dor real. Ah! minha querida filha! Si a maior felicidade que pode o consorte proporcionar a stta Esposa, refere-se ao amor conjugal, si os sacrifícios repartidos degenerão muitas vezes em verdadeiro gozo, principalmente qttando tem por fim a realisação de ttm ideal sagrado, serás sempre feliz, porque eu vivo da tua vida, e si as tuas dores são as minhas dores, as minhas glorias também serão as tuas glorias. * me eà&mcw Retribuição. Aos Exms. Sr-s. Engenheiros ffiwwiia cftavcò <e Qcicnd c/'ianci>co (Slntonio a/lobúyutt) Sal/có Ji minha tianipeleiicia da cfya Stande da Sul patu eita Capital, pai apaiia maii iegu-ta pala a eancluiãa dai meui eitudai meditai intellampidai, apenai eameçadei, na Capital da Pfahia; e eita plimeila eanquiita eu deva á lenefica intelvençãa de vai anilai, na dejeza da minha cauia. cS amizade exiitente entle nái, a affeiçâa que eitleita ai naiiai pamiliai, a minha nclma de eandueta em fim, maiUãa maii paiitivamcnte a iíatidãa que vai deva, da que o muita que eu padeiie eictevet neita pagina; camtuda iecebei, cam eitai miuhai palavlai, maii uma piava d'eiia glatidãa, que e iinceta, patque pacte de um ha- mem plane a, leal e deiinteleiiada. Ao Exm. Snr. General efzancisco dc ePaula (Slzaollo (5qhiq ptimeila auctotidade cine e'M, da &xelcita, qual ha maiÁ de uma dezena de anntá iiiva eam aa temjza em que ultimei a minha Segunda empteza ieientijiea; tire neeetáidade de tecattet a uaMa [uHiça, e a eam q qual me leeibeÁtei, e a immeleeida que iemfae me eledat da minha etfweial ólatidãa Acceitai pois, esta pagina que vos consagro, como exigua prova do meu sincero reconhecimento. £x. :: Srs. Syr. Francisco Swres de Jfudrade E j£ntc>mo Ccirfos tyires de Ccirvaííw e 3oroneis Tffedicoz de 1.9, 3lasze E Xr. de> j2cisciment$ (Quedes Tenente-3o ronel "fífcedico de 3lasse e- c£- : eLc>- tTxxx&Lxx^xLX^XL'> u_cK-<x- . Aos (Exm. §rs. Generaes *9)l. jSevetiauo da ' rj oiiSeca Inspector Geral do Serviço Sanitario do Exercito E r&t. iitancQ da jóilva 'Suuiialãtá Ex-Inspector Geral do Serviço Sanitario do Exercito 0 facto de terdes recebido sempre com boa vontade as minhas preten- ções, fez crescer de ponto o acatamento e respeito que vos devo. Felizes os que sabem pedir, porque não pedem absurdos, mais felizes ainda os que sabem conceder, porque d'esta arte terão a sympathia e dedi- cação dos subordinados, que por serem espontâneas, são muito mais bené- ficas e eficazes do que a obediência e submissão impostas pelas leis e hie- rarchias Sabeis ser chefes, sois dignos da gratidão dos vossos subordinados e a parte que me toca nessa gratidão, que não é pequena, ê que eu venho paten- tear nesta pagina que vos dedico. 3lo &xm. Snz. Major Pharmweutico de 2.* Ciasse Jiliõiitfz 6enC • ~fyt> (9 wôoo talento, como mestze, o vosso tino, como cfiefe, è a vossa bebicação como amigo; com ti tnizão sempzo pontoi pa- za otibc convczgiit minha ct>pcoial abmização: sinto-mc feliz cpiombo penso cpie me contaes no nnmato oos vossos amigos. JÍq meu diôtiQ amito e iHuSltadi volteia Çffl. ffiietlciy gfiUvo Cl bebicação cx-ie tente entze nóe é o peníicz seyuw ba buzei~ fiilibj/be ba amibaSz; a cptilaiiH, paitt zm o tczci wmpze, cm mente a zccozbaçcío fagiiúza bo meu izmão nae ibcae, bc meu ccmpan fieizc nae hitae. DISSERTAÇÃO O LEITE COMO ALIMENTO Quem si non tenuit : magnis tamen excidit ausis. Embora ao desempenho o assumpto exceda. E grande, é util a intentada empreza. Ovídio. Traduc. do Conego Bacharel Honorato. IKTRODUCÇÃO Não esqueçamos nunca que a nossa missão é uma missão de paz, de humanidade, de conservação ; que diante desta alta missão desapparecem todas as distincções do povo, de condição social, de partido, de opiniões, que o medico pertence á humanidade in- teira e não á uma fracção. Cruveilhier. A hygiene, sciencia que evita o apparecimento das moléstias ou attenúa a manifestação delias, collocando-se portanto na vanguarda das sciencias medicas, e que deveria ser estudada por todos, na rasão do cabedal scientifico de cada um, não é senão muito insufficiente- mente comprehendida entre nós. A hygiene, irmã gemea da medicina legal, exigindo do mesmo modo que ella, para sua perfeita interpretação o conhecimento de todas as sciencias que se poem em contribuição, para formar esta arte nobre, que se chama medicina; a hygiene, guarda avançada da saúde publica, é e será sempre sciencia transcendental e quando a medicina chegar a seu apogeo, quando a ultima moléstia dynamica desapparecer do quadro nosologico, quando se tiver descoberto a causa efficiente de cada estado pathologico, a unica sciencia medica existente em campo será ella, a hygiene, e então, o papel do medico não será o de esperar muito da therapeutica e não menos da natureza, porém, um papel ap- parentemente mais commodo e seductor e realmente mais energico e positivo,-o de evitar as moléstias. 8 Este trabalho, fructo exíguo das minhas locubrações, não nasceu somente da leitura dos bons livros, mas também da observação, rela- tivamente longa,colhidajá em cidades, já em campanhas; ora no norte, ora no sul do nosso paiz; um tempo no hospital, outro no laboratorio, e sempre na familia. Este trabalho, que, por sua natureza, não pode ser tão prolixo que abranja tudo que toca ao assumpto, nem tão sub- til que escape á comprehensão dos leigos prestará, nutro alguma es- perança, um pequeno serviço a esta hygiene tão benefica e tão descurada entre nós. Está ao alcance de qualquer intelligencia, a relação constante existente entre a causa e o effeito; todos comprehendem que uma vez conhecida a causa especifica, productora de um estado morbido, uma vez que ella seja accessivel, a destruição desta causa trará como con- sequência immediata a suppressão do mal que ella produz. Si por uma causa analoga á que faz a semente germinar bem em um terreno e deixar de germinar era outro, pode-se criar para o orga- nismo humano a menor aptidão, a incompatibilidade mesmo, para o desenvolvimento dos elementos causadores das moléstias; é claro que os microgermens pathogenicos não se desenvolverão, ou o farão muito imperfeitamente, em um terreno para elles arido. A vaccina de Jenner, que ha um século o mundo civilisado conhece, prova o quanto pode a prophylaxia, quando torna o homem esteril para o desenvolvimento da variola. Os governos dos povos estão convencidos de que é mais facil evitar a invasão, a irrupção de uma moléstia, do que debellal-a depois de sua propagação ; este assumpto : (prophylaxia de aggressão e de defeza),que é mais ou menos regulado para as grande epidemias e en- demias, é completamente abandonado quando se trata de estados mais graves, se bem que menos apparatosos. E' que a prophylaxia parece que foi inventada para as afíecções que avultão muito, como : o cho- lera-morbus, a febre amarella, a variola, em detrimento de outras, como: a tuberculose, muito mais grave, de prognostico, pode se dizer, sempre sombrio, a despeito da variedade de tratamentos e das inven- ções de todos os dias. Eu bem sei que as moléstias de desinfecção voluntária, não se propagão como as primeiras citadas, sei que o contagio da tuberculose se evita, recolhendo os escarros em vasos proprios, etc.; mas isto poucos fazem, e então rara é a casa nesta cidade que não é foco de tal infecção, que, mais do que nenhuma outra ou em numero quasi igual 9 ao de todas as moléstias febris reunidas, concorre para engrossar o obituário das grandes capitaes. Na França, o menino ouve uma vez por semana, na escola, um discurso salientando os desastres produzidos pelo uso dos alcoolicos, estygmatisando essa pratica que muitos julgão até proveitosa. Si outro tanto se fizesse entre nós, si o povo comprehendesse o alcance da hygiene, si ella fosse ensinada systematicamente desde a escola primaria, a prophylaxia não seria muitas vezes burlada, porque não se daria o conflicto, sempre constante, entre a hygiene e o preconceito, entre a sciencia e a ignorância; o povo se subordinaria ás medidas propbylaticas, ás vezes encommodas, é certo, porem sempre be- néficas. A hygiene, mesmo deficiente, seria possante, vigorosa, si se pudesse contar com o auxilio do povo, si cada qual concorresse na rasão das suas forças para o bem commum ; entretanto o que se ob- serva, o que se vê, é a hygiene naufragando no escolho da economia, cansada de lutar contra o oceano encapellado da má vontade popular. Não preciso encarecer a hygiene e muito menos o assumpto acerca do qual me proponho dissertar ; trata se do primeiro alimento da criança, de orgãos delicadíssimos ; trata-se do ultimo alimento do velho, do qual os orgãos já gastos, não podem funcciouar ; trata»se do alimento de todos os dias ; trata-se do unico alimento possível e admissível em muitos estados morbidos; trata-se de um medicamento precioso ; trata-se também de um excellente transmissor de muitas moléstias ; trata-se emfim de um magnifico meio de cultura de micro- germens saprophytas ou pathogenicos; portanto,a sua pureza, a inte- gridade da sua constituição, o seu estado physiologico, são requisitos indispensáveis para o seu uso; para que elle não represente um papel opposto ao que é chamado para representar, para que elle não faça mal em vez de produzir bem. Vou estudar o leite no dorainio da hygiene e não estrictamente no terreno da chimica, da physiologia, da histologia ou da therapeutica ; entretanto quem procura o leite pelo prisma da hygiene, necessaria- mente ha de encontral-o ao lado de cada uma d'aquellas sciencias, e apoiado, arrimado em cada uma delias, é que eu pretendo apresen- tal-o. Este trabalho compõe-se de quatro partes : A primeira parte, que subordinarei ao titulo : - Considerações 10 geraes-se occupará do estudo de alguns leites, quanto ás suas pro- priedades physicas e chimicas, constituição, etc. A segunda parte, que irá sob a rubrica : - Aleitamentos- tra- tará do estudo comparativo e critico das variedades de aleitamentos. A terceira parte, que terá por titulo :-Analyse do leite-indi- cará o que de mais importante ha em relação a essas analyses, além de que se occupará das alterações e processos de conservação do leite e também das falsificações e processos para o reconhecimento das mesmas. Emfim, a quarta parte, da qual o enunciado será: -Analyse dos principaes leites vendidos na Capital Federal - exprimirá nada mais nem menos que o espirito do mesmo enunciado. Pobre,e sem nada que merecommende,além dascommissões scien- tificas, de confiança, que na esphera das minhas attribuições, tenho : fundando alli pharmacias militares, alem encarre- gando-me de um laboratorio ao qual só se prendem questões chimicas, de interesse para o Estado e responsabilisandome por um serviço meteorologico annexo a um estabelecimento publico, aqui auxiliando a inspecção de um laboratorio chimico e pharmaceutico, com certeza dos mais importantes deste paiz, emprehendi este trabalho, pensando prestar um pequeno serviço á hygiene do leite em geral; que elle seja julgado com justiça e sem clemencia, porque justiça não quer dizer misericórdia, e que na minha linguagem forte, até mesmo aspera, não se veja outra cousa, além da expressão de um temperamento innato, por isto mesmo que não se modificou ainda, nem se modificará nunca, é o que eu desejo. PRIMEIRA PARTE Considerações geraes Todo homem pode fazer o mesmo que outro homem já fez. Dr. Young. Não ha homem necessário ; emsciencia, como em qualquer outro ramo de acti- vidade humana, os últimos podem vir a ser os primeiros, tudo depende não tanto da bôa vontade do que quer subir, como do encorajamento, animação e talvez pro- tecção dos que estão de cima. O leite, producto de secreção das glandulas mamarias, é uma emulsão, na qual também existem princípios dissolvidos, é o typo do alimento completo, segundo Landois, M. Duval, Jules Eoux e muitos outros autores ; Dujardin-Beaumetz diz que o leite e os ovos são 08 únicos alimentos completos : e si alimento é toda a substancia capaz de reparar as perdas do organismo e si o leite por si só, segundo Eoux e outros, pode entreter a vida do homem, é certo ser elle um alimento completo; porém si alimento é a reunião de princípios nutritivos em certas e determinadas proporções, então o leite nem siquer merece verdadeiramente o nome de alimento, qualificativo este que só por extensão se lhe pode dar, conforme a opinião de Arnould, exarada em seu excéllente trabalho, ao qual deu o nome de: Nouveaux Éléments d'Hygiène. 12 O leite contem todos os princípios nutritivos, necessários á ali- mentação e ao crescimento do corpo, que são : agua, saes, albumi- noides ( princípios quaternários azotados ), gorduras e hydrocarbo- nados (princípios ternários não azotados). A ingestão de quatro litros de leite de vacca, segundo Luclère ou de cinco litros, conforme Rack, nas 24 horas, fornece ao organismo adulto approximadamente o material necessário para refazer o azoto, o carbono, a agua e os saes que elle excreta, elimina, no mesmo lapso de tempo, que equivalem a dous ou tres kilograms. d'agua, 30 a 35 grams. de saes mineraes, 20 grams. de azoto e 300 de carbono, que por sua vez, segundo Pettenkofer, correspondem a 137 grams. de albuminoides, 352 grams. de féculas e 72 grams. de gordura. O calculo de Moleschott e Voit é quasi igual ao precedente. Se- gundo elles, o adulto deve consumir por dia 320 grams. de carbono e 21 de azoto, ou por outra, 130 grams. de albuminoides, 404 grams. de hydrocarbonados e 84 de gorduras; donde a proporção da alimentação azotada para a não azotada de 1 para 3,7 : é certo que a proporção dos albuminoides e hydrocarbonados dos leites varia consideravel- mente, conforme mostrarei mais tarde, porém, apezar disto, ella está muitas vezes perto, e outras nos limites da proporção exigida. Os elementos que entrão na composição dos leites, são sempre os mesmos ; esta regra parece que soffre excepção, porém em relação a poucos leites, o de porca por exemplo, que Dujardin-Beaumetz diz não conter caseina ; os leites de cabra, vacca, egua, ovelha, jumenta e muitos outros,conteem os mesmos elementos que o leite da mulher, variando apenas a proporção destes elementos, conforme o mamífero, a edade,a raça, a alimentação do mesmo, a hora em que se tira o leite e uma multiplicidade de circumstancias outras ; d'ahi as variedades de consistência, cheiro, sabor, côr dos differentes leites. O leite normal é branco, ligeiramente amarellado, opaco, um pouco espesso, tem cheiro agradavel e tanto mais pronunciado quanto menos tempo mediar entre a ordenhação e o exame ; este cheiro que quasi sempre desapparece pelo resfriamento do leite, reap- parece pelo aquecimento, para desapparecer completamente, quando o leite entra em ebullição ; o sabor é mais ou menos assucarado, não é coagulavel pelo calôr e pela fervura cria pellicula. A densidade dos leites, mesmo normaes, varia consideravelmente, a do leite de vacca oscilla entre 1,026 e 1,040, a do de mulher entre 1,026 e 1,035, segundo Eadenhausen, e entre 1,025 e 1,046, segundo 13 Rougeot. A densidade do colostro é muito superior á do leite, varia entre 1,046 e 1,065, segundo Jules Rouvier; o colostro coagula-se pelo calôr e putrefaz-se facilmente. A reacção do leite de mulher é quasi sempre alcalina e Monti pensa que a reacção neutra delle, resulta da influencia pathologica da glandula mamaria ou da menstruação. O leite de vacca e o de cabra para muitos, teem reacção alcalina, e para outros acida ; entre os primeiros, estão Gay-Lussac, Donné, Boussingault, entre os últimos, Marchand, Thénard, Berzelius. Para Rougeot, o leite de vacca seria antes acido do que alcalino, mesmo no momento da ordenhação, por causa do acido láctico livre que elle contem. Eu concordo com Fleischmann, quanto á reacção amphichro- matica do leite de vacca ; nunca examinei um leite de vacca que não encontrasse reacção acida e alcalina, ainda mesmo nos casos em que o exame foi feito immediatamente após a ordenhação. Os elementos componentes dos leites são sempre os mesmos, va- riando apenas a sua proporcionalidade por circumstancias diversas, já eu o disse, e esta diversidade de proporção é tal, que eu posso dizer, não se encontrão duas analyses com resultados iguaes, e é tal a divergência que se nota entre os chimicos que, ao menos por agora, eu me abstenho de citar a proporção em que cada elemento entra na composição de tal ou tal leite. De um modo geral, se póde dizer que o leite compõe-se de um liquido,-plasma-,e de elementos figurados,-globulos de leite-; porém,si deste modo, synthetico de observar, se passa ao modo analy- tico, vê-se que o leite é constituido por agua, manteiga, caseina, albu- mina, lactose e saes, sendo a caseina e albumina os principios azota- dos, e a lactose e manteiga os não azotados; a lactose pertence á classe dos hydratos de carbono e a manteiga ou mais propriamente a matéria graxa, é composta de ácidos graxos voláteis: tristearina, tripalmitina, trimargarina. Abstrahindo de citações numéricas que pouco adiantão ao caso, pelo que já ficou dito, posso todavia garantir a predominância d'este ou d'aquelle elemento componente do leite, conforme a especie de mamifero; assim comparando o leite de vacca com o de mulher, vê-se que n'aquelle a caseina está em proporção, pode-se dizer, cinco vezes maior, em compensação a lactose existe no leite de mulher em quan- tidade superior á existente no leite de vacca. 14 O leite de ovelha é o que contem menos agua e o que tem mais gordura, o de cabra é o que lhe fica mais proximo. O leite de egua é o que contem mais agua e o que tem menos gordura, o dejumenta é o que mais se lhe approxima. Comparando o leite da mulher com estes que estou estudando, vê-se que, quanto á caseina, o leite de jumenta é o que mais se lhe approxima ; quanto á lactose, ainda o de jumenta ; quanto á albu- mina, estão todos distantes, porém, approximando-se mais o de ju- menta ; quanto á gordura, é o de vacca, e quanto á agua, ainda é o de vacca que mais se approxima delle. Coulier, com o fim de tornar o leite de vacca analogo ao de mu- lher, aconselha addicionar áquelle a metade do seu volume d'agua e ainda assucar e creme; o resultado desta manipulação é muito in- completo pelo que já ficou dito. Raspe aconselha que em vez de assucar de canna, se empregue a lactose. O leite é secretado em quantidade variavel, conforme a especie de mamifero e diversas circumstancias que pódem influir no mesmo mamifero ; em relação á mulher podem se tomar como média 1.300cc. em 24 horas, as vaccas normandas fornecem 10 a 15 litros por dia, as vaccas hollandezas podem dar até 25 litros por dia, porém o leite é mais pobre de principios solidos que o das vaccas normandas. Segundo Vernois e Becquerel, o leite de mulher é tanto mais rico de principios solidos quanto mais abundante, o contrario do que succede com o leite de vacca ; eu estou de accordo com os que pen- são que a quantidade de principios solidos está na razão inversa da quantidade do leite, mesmo tratando se do leite de mulher. A secreção lactea não é permanente, guarda relações immedia- tas com a actividade dos orgãos genitaes ; entretanto póde ser pro- duzida não só na mulher como no homem por excitação directa ; os factos, que transcrevo da-Clinica Obstétrica de Depaul-provão o que ficou dito. Aqui trata-se de uma recem-parida, que viajava das Antilhas para a França, amamentando o filho, levando em sua companhia uma negrinha de 18 annos,que nunca tinha engravidado ; em virtude de perturbações produzidas pelo enjôo do mar, aquella senhora viu o seu leite desapparecer completamente, a rapariga, com o fim de aca- lentar o menino, deu-lhe o seu seio e no fim de alguns dias, ella tinha tanto leite que chegou para nutrir, com abundancia, o menino, du- 15 rante toda a viagem. Agora trata-se de uma senhora de 49 annos de edade, que tendo perdido uma nora, que amamentara, durante quinze dias, o seu ultimo filho, tomou a si os cuidados do menino e para acalmal-o, dando lhe o seu seio, no fim de 36 horas estabelecia-se a secreção lactea, que durou quatorze mezes, tempo este durante o qual ella amamentou o neto. Emfim trata-se de uma menina de 8 annos de edade, da qual os seios, sugados por um irmão pequeno, produzirão quantidade muito notável de leite. O leite além de ser um alimento, póde por si só, em sua perfeita integridade, ou depois de soffrer certa fermentação alcoolica, ou ainda pelo isolamento deste ou daquelle principio, servir de medica- mento ; póde também o leite ser um vehiculo de medicamentos ou de microgermens pathogenicos. Quanto aos princípios isolados do leite, se conhecem o acido lác- tico, o assucar de leite e as suas applicações. Quanto á vehiculação dos germens pathogenicos, me occuparei minuciosamente no capitulo que se seguir a este. Quanto á vehiculação de medicamentos, não posso passar adiante, sem deixar assentada alguma cousa, em relação ao assumpto. A vehi- culação do medicamento pelo leite, se faz de dous modos: ou se addi- ciona o medicamento ao leite de vacca, de cabra, etc., com o fim de tornal o mais tolerável, ou então ministra-se o medicamento á mulher, com o fim de aproveitar ao menino que ella amamentar. A eliminação de alguns medicamentos pelas glandulas mamarias, quando ellas estão em actividade, é um facto incontestável. Brouardel e Pouchet acharão arsénico no cadaver de um menino, do qual a mãe haxia tomado aquelle toxico em dose medicamentosa; não satisfeitos com isto fizerão experiencias e sempre verificarão a eliminação do arsénico pelas glandulas mamarias. Do que fica dito, resulta que se deve ter muito cuidado, quando se tiver de ministrar certos medicamentas a mulheres que amamentão. O que se diz em relação á mulher, se applica também ás vaccas cabras, etc. Van Hertsen viu que o leite de duas vaccas envenenadas pelo arsénico, envenenou muitas pessoas que fizerão uso delle. SEGUNDA PARTE CAPITULO PRIMEIRO Aleitamentos Si a ignorância é feliz em não conhecer a gra- vidade dos seus males, por outra parte não os sabe prevenir, remover ou remediar. Marquez de Maricá. A questão do aleitamento, questão interessante, quando sabe-se que do primeiro alimento do menino, pode depender o estado de saúde mais ou menos florescente de futuras gerações, porque como diz Wordsworth : «The child is the father of man», a questão do alei- tamento, que em todos os tempos tem occupado a attenção dos governos edos escriptores, terá neste meu trabalho um desenvolvimento con- sentâneo á indole delle. Trabalho complexo, o qual me levou a emprehender o desejo de collocar uma ao lado das outras, as questões mais interessantes, rela- tivas ao leite, não terá, em cada uma das suas partes componentes, um desenvolvimento por tal modo completo, que nada deixe a desejar; a ser assim de cada uma dessas partes teria eu de fazer um livro e esta empreza penosa em nada augmentaria o mérito que este mesmo trabalho porventura possa ter. Aqui não serão encontradas estatísticas e observações amon- 18 toadas, que algumas vezes avultão muito e custam pouco, nem serão encontradas em profusão pareceres dos que se toem occupado do assumpto ; aqui se ha de encontrar a matéria discutida em campo estreito, acanhado, porém o que é estabelecido leva o sello da minha observação, o cunho da minha experiencia. Aqui, já está dito, não entra em jogo somente a leitura dos bons livros, mas também a minha observação, a minha experimentação; os livros me servirão de guia, de roteiro, senão para encurtar o ca- minho, ao menos para diminuir a escabrosidade delle ; pouca cousa subscrevi sem ter verificado: trabalho por natureza pratico não podia, não devia ser outra a minha norma de conducta. Do aleitamento do menino depende o futuro da familia, que elle vier a constituir ; não quero fallar da predominância deste ou daquelle elemento do leite e a sua influencia na força que o animal deve desenvolver logo ao nascer, na agilidade delle, etc., e portanto o leite deste ou daquelle animal, produzindo aqui augmento de forças, despertando alli certos instinctos. Alguém disse, com grande espirito e maior philosophia, que si os indios se alimentassem de carne, em vez de batata ingleza, não se terião entregue tão servilmente aos iuglezes. Si Cyro, ou melhor Agradato, filho de Cambyses, não houvesse mamado leite de cadella (segundo algunshistoriadores), talvez não fosse guerreiro tão astuto; si Eomulo, o principal fundador de Roma, não tivesse mamado leite de loba, talvez não fosse tão sanguinário; emfim si Lamartine não ma- masse leite de cabra, talvez não se lembrasse de por em relevo a sua bôa constituição. Não me cumpre indagar destas subtilezas, corre-me antes o dever de mostrar que o leite pode produzir estados patholo- gicos, muitos delles capazes de se transmittirem, em virtude das leis da hereditariedade. Quem ha ahi que ignore que pelo leite se podem transmittir moléstias? Quem ha ahi que ignore que pelos processos de esterilisa- ção, fervura, pasteurisação por que passa o leite antes de ser ingerido, processos que as mais das vezes alteram as suas proprie- dades, teem por fim não sómente facilitar-lhe a conservação, mas também, e priucipalmente, conjurar os perigos que da sua ingestão poderia resultar á economia, á organisação ? Não se pense que eu quero fallar das Contaminações que o leite pode soffrer pelos microgermens da atmosphera, do solo, da agua ou dos trazidos pelas mãos ou roupas dos indivíduos que o mani- 19 pulão e vasilhas nas quaes se o conserva, destes assumptos me occuparei mais tarde, eu agora refiro-me simplesmente ás moléstias que o leite pode transmittir, acarretar, occasionar pelos germens que arrastar do organismo que o tiver produzido. Quasi todos sabem o perigo que corre a pessoa que beija a criança que baba, si esta criança é syphilitica, quasi todos sabem o perigo a que se expõe a desgraçada ama que vae amamentar um menino syphilitico e si nas duas hypotheses citadas uma organisação tão debil pode transmittir, pelo simples roçar dos lábios ou pela sucção do seio, a moléstia que herdou, o que resultará da ingestão de um leite tanto ou mais virulento de que a saliva, a baba d'aquella criança ? Esta questão importante será, melhormente tratada, quando eu me occupar discriminadamente dos aleitamentos; então me occuparei também das contaminações do leite no exterior; entretanto fica desde já estabelecido que o aleitamento influe poderosamente nos destinos da familia. Que importa que a therapeutica todos os dias nos esteja a surprender com medicamentos novos ? Que importa a especifi- cidade de alguns remedios, se todos os dias se vê falhar esta especifi- cidade ? E, dada a hypothese da infallibilidade do medicamento ser uma realidade, aqui, melhor do que em nenhuma outra circumstancia, mais valia prevenir do que remediar, porque quem evita um vehiculo suspeito, evita a moléstia, isto é axiomático. O que o berço dá só a campa tira, diz o povo, sempre sabio nos seus conceitos, sempre feliz nas suas sentenças; a educação não re- move, apenas pode attenuar um moral degenerado ; outro tanto se pode dizer da therapeutica, referindo-se a certas moléstias congénitas ou adquiridas ao nascer. E quer o aleitamento seja uma continuação da concepção, quer seja uma segunda maternidade, quer seja emfim um meio alimenticio como outro qualquer, é certo que elle póde ser combustível que sirva para entreter uma destruição, do mesmo modo que será faisca a produzir um incêndio. O aleitamento influe nos destinos da familia: será benefico, do mesmo modo que póde ser fatal, será um auxilio á vida, do mesmo modo que póde ser um passe para a morte ; emfim o leite, o primeiro alimento que ingere o homem, tem sido, é e continuará a ser muito estudado. 20 Divisão.-O aleitamento se divide em tres classes : aleitamento natural, aleitamento artificial e aleitamento mixto. Na rubrica aleitamento natural, muitos incluem, além do aleita- mento materno, o aleitamento mercenário, pelo facto de ambos serem realisados por mulher ; outros pensão que aleitamento natural é somente o materno,que é a continuação,o complemento da concepção. O aleitamento artificial está implicitamente definido ; póde ser directo ou iudirecto : neste caso é realisado por mamadeira, colher, etc., naquelle o é pela femea de um animal. O aleitamento mixto é o que participa de mais de uma das espe- cies citadas. CAPITULO SEGUNDO Aleitamento materno Quando se procura comparar os differentes meios de aleitamento, independente mesmo de qualquer auxilio scientifico, vê-se immediata- mente que o unico aleitamento natural é o materno ; só a mulher, uo meio de todos os mamiferos, se afasta muitas vezes da grande lei natu- ral, que estabeleceu a amamentação como uma segunda maternidade e certamente a mais nobre, a mais sublime, a mais bella ; e quem o contestará 1 O joven romano que, depois de longa expedição, offereceu a sua ama mais riquezas do que a sua própria mãe, teve razão dizendo-lhe : Trouxeste-me nove mezes em vosso seio por necessidade, logo que me vistes me abandonastes, uma ama me recebeu em seus braços e me sustentou com o seu proprio leite durante tres annos ; eu devo mais a ella do que a vós». Marco Aurélio disse que a mulher não era senão meia mãe por ter dado á luz. Phedro disse mais : «Mater est quíe lactavit non quee genuit». Para ser mãe não basta formar, produzir, engendrar o filho, é pre- ciso amamental-o, e aquella que esquece esta grande lei da natu- reza que em todos os tempos tem sido regulada pela mão dos homens, aquella que abdica este direito, que renuncia este dever, não póde, não tem o direito de arrogar a si o sagrado nome de mãe. O animal domestico e o animal selvático acodem precipites ao brado dos filhos que aleitam para acaricial-os, para protegel-os, -a 21 mulher, essa individualidade tão decantada pelos poetas, tão subli- mada pelos prosadores de todos os tempos, esquecendo a sua missão sublime, arranca de seu peito o ser que lhe pertence e que lhe está preso por um laço de sangue,-o leite-que a natureza fez brotar dos seus seios para dizer-lhe que a sua maternidade não está concluida, e atira-o nos braços de uma mercenária que não o ama, que não o amará nunca, porque não póde amar o filho adoptivo, quem, por uma retribuição pecuniária, roubou daquelle a quem deu o ser, os seus disvellos, o seu alimento, a sua vida. A natureza, o acaso, ou cousa que melhor nome tenha, corre em auxilio das mães zelosas do seu nome. E' assim que Jacobed, tendo amamentado o filho durante tres mezes, com o fim de furtal-o ao mor- ticínio infantil de Amenophis, lança-o ao Nilo, para ser o grande histo- riador, o eximio poeta, o admiravel legislador, o bem aventurado Moysés, salvo das aguas pela filha do proprio rei, para que a mesma Jacobed tivesse a indisivel gloria de crial-o. E' assim que Branca de Castella, eminentemente branda e humilde para por isto ser admiravel, sufficientemente sabia para despresar muitos precon- ceitos sociaes, teve a felicidade de surprender a dama da sua côrte que, por uminstincto de bondade, dava o seio ao joven rei de França, que depois chamou-se S. Luiz, para, introduzindo os dedos na bocca do filho, fazel-o expellir o leite ingerido e então dizer-lhe : «Eu não posso consentir que outra mulher tenha o direito de me disputar a qualidade de mãe». E tal exemplo que parte de tal mulher,e tal acção que parte de personagem de tão elevada estatura, não calará no espi- rito de todos ? Não convencerá a mãe de que deve amamentar o filho 1 Será preciso dizer que em Roma o aleitamento era uma acção meritória, honorifica e que as mulheres tornavam-se orgulhosas por criarem os filhos ? Será preciso dizer que as sabinas se precipitavão nos campos da batalha com os seios descobertos e com os filhos nos braços para ter- minarem as pelejas ? Será preciso mostrar que em Athenas era con- siderada infame a mulher que amamentava o filho de outra ? Não, o aleitamento materno é o complemento da concepção, é um dever, po- rém, um dever necessário, seja para a mulher, seja para o menino. E' necessário para o menino, porque o leite das primeiras horas, dos primeiros dias, que se succedem ao parto, é muito differente do leite de uma mulher que tiver dado á luz ha dous ou quatro mezes e muito mais ainda do leite de cabra, vacca, etc. 22 Quem como eu, tiver comparado o leite humano, no primeiro dia depois do parto, com outro de uma mulher parida ha oito dias, ou pouco mais ou pouco menos, verá, pela simples inspecção, a olho nú, que elles não se podem substituir senão com muito boa vontade; a côr do primeiro é muito amarella, a do segundo posso dizer perfeita- mente branca; neste, a emulsão mantem-se por muito tempo na uni- formidade que a caracterisa ; naquelle, dá-se a separação de camadas no fim de uma hora, pouco mais ou menos, de repouso; si se recorre ao microscopio, então ninguém tomará um pelo outro, alli um nu- mero relativamente pequeno de globulos leitosos, mas, em compen- sação grande numero de corpúsculos enormes, de aspecto moriforme, e de côr amarella; aqui um numero de globulos de gordura muito su- perior ao precedente, porém, ausência ás vezes completa dos globulos de colostro, emfim, pela evaporação de volumes iguaes, alli sensível augmento de peso de extracto, que orça em uma media de 8 grammas por litro, tratando-se, bem entendido, de mulheres da mesma côr. Não é preciso mais para mostrar que conscientemente elles não se podem substituir, pois si com o intervallo de 7 dias, os leites não se podem substituir, o que não direi para os maiores intervallos, quando o poder alimentício do leite cresce com o menino ? E, si o poder alimentício do leite cresce com o menino, é claro que este deve mamar o leite da sua edadé; um leite de 4 ou 5 mezes pro- duzirá indigestões nos recemnascidos, do mesmo modo que o leite das primeiras horas, dos primeiros dias, o colostro, que é purgativo e pouco nutritivo prejudicará o menino que tiver mezes de edade; entretanto é necessário ao recemnascido para facilitar a ex- pulsão do meconio, e faltando o colostro, se terá de recorrer ao manná, mannita, xarope de chicória, etc. Do 4o ao 10° mez é que o leite possue o máximo de suas propriedades nutritivas, depois do 10° mez o leite começa a diminuir em quantidade e em qualidade, ou porque se principião a cançar os orgãos nutritivos, ou porque a alimentação do menino, já então mixta,tende a diminuir a secreção lactea, que está na razão di- recta das solicitações, ou pela apparição da menstruação, gesta- ção, etc. O aleitamento materno é necessário para a mulher, porque ella não pôde impunemente interromper uma secreção natural, do mesmo modo que impunemente não se oppõem barreiras a uma corrente que 23 seguir o seu curso, seja elle natural ou forçado : o transbordamento será infallivel se previamente não si tiverem estabelecido derivações; aqui, no caso da corrente, tudo poderá ir bem; alli, que não se faz a derivação prévia, se processará o transbordamento com o seu cortejo de estragos : a compressão pelo amojo, pela turgencia dos seios, com as suas consequências, e o que é mais, o reflexo desta violência nas regiões que guardão relações com a violentada. Sagay, de Bordeaux, tem verificado que os desvios do utero, a metrite chronica e as suas consequências são raras nas mulheres que amamentão. Pinard diz que a maior parte das hypertrophias do utero resulta da esterilidade ou da parturição, não seguida de aleitamento. Aran diz que 70 °/0 das moléstias uterinas resultão do não aleita- mento. Eouvier diz ter verificado muitas vezes desvios, flexões e outras affecções do utero em mulheres que teem abortado, ou que teem tido o filho morto, emfim que não teem amamentado depois do parto. Muitas moléstias do utero e ovários desapparecem, quando as mulheres amamentão um ou mais filhos. Entretanto, apesar das vantagens que traz o aleitamento e os desastres que pode acarretar a não realisação d'elle, vê-se que al- gumas mulheres não amamentão os filhos porque se diz que a ama- mentação faz offuscar a belleza. E' incrivel que uma mulher que chegou a ter um filho, precise ser bastante bella para não perder por sua plasticidade o que naturalmente conseguiu pelo amor; é extraor- dinário que uma mulher que chegou a ter um filho,a cadeia mais forte que póde prendel-a ao objecto amado, o laço mais sagrado que póde unir dous corações; um filho, o complemento de duas vidas, um pe- daço de dous seres; é extraordinário, repito, que ella não veja no filho o astro mais rutilante e nitente a guial-a na vida conjugal e abando- nando esta felicidade incomparável, esta partida segura, vá procurar diante do espelho uma felicidade tão facil de eclipsar-se; louca que ignoraque a belleza moral é perenne e que a belleza physica desappa- rece, passa, como passa o meteoro que brilha, a lampada que se apaga, a vida que se escoa na ampolheta dos tempos. Depois do que fica dito, em casos especiaes e ajuizo do faculta- tivo, a suppressão da secreção lactea póde ter indicação ; então eu lembro que o Dr. Joire de Lille emprega 1 gram. de cocaina para 10 24 grams. de glycerina e com 5 ou 6 applicações por dia, nos mame- Iões, no fim de 2 ou 3 dias, diz elle, a secreção lactea é supprimida. Quando deve principiar o aleitamento ? - A resposta de- pende da natureza do parto; o parto que exigir intervenção e o parto laborioso, requerem maior repouso para a mulher que o parto natural, pelo que não se póde precisar a hora em que deve principiar o alei- tamento ; todavia si a mulher dá o seio ao filho, 2, 4, 6, 8 ou 10 horas depois do parto, a secreção lactea se estabelece normalmente, si porém a amamentação é retardada, as consequências,não se fazem esperar. E si A mulher NÃo tiver leite ! - E' péssima a pratica de dar agua assucarada aos recemnascidos; deve-se dar leite de vacca diluido nesta agua, na proporção de uma parte de leite para tres da mesma, isto desde o nascimento até que o menino tenha uma semana de edade; uma colher de leite para duas de agua assucarada para o que tiver de duas a tres semanas de edade. Nestas condições, o leite deve ser dado por mamadeira e não por colher para que o menino aprenda a fazer a sucção. A agua deve ser a melhor possivel, a de fonte será preferida, deve ser filtrada por filtro de Chamberland ou fervida, tendo-se, neste caso, a precaução de arejal-a, o que se consegue agitando-a em presença do ar com um bastão de vidro, espatula, colher ou outro qualquer instrumento ou utensílio, porém perfeitamente limpo e sendo possivel desinfectado. O assucar deve ser refinado e bom, para cada litro d'agua são sufificientes tres colheres de assucar. A secreção lactea uma vez estabelecida póde durar um tempo indefinido. O periodo de lactação, isto é, o tempo que medeia entre o parto e o momento em que o leite desapparece, é muito variavel. Montgo- mery cita que uma mulher ainda cinco annos depois do parto, tinha bastante leite, que se escoava pela pressão dos dedos. Ha o facto de uma mulher, na qual a secreção lactea durou 11 annos, parecendo ter substituído a menstruação. Hamilton exa- minou uma mulher de 40 annos de edade na qual, coincidindo a suspensão das regras com o apparecimento da secreção lactea julgava- se pejada ; elle depois do exame declarou que não havia prenhez. Rouvier conheceu uma mulher que amamentou successivamente 5 meninos durante 5 annos. Poirier diz que outra mulher amamentou ao mesmo tempo 5 meninos, no fim de 5 mezes, porém, o seu depau- 25 peramento era tal qne favoreceu-lhe a manifestação de uma turbercu- lose pulmonar. Quanto tempo deve a mulher amamentar!- Já se viu que a secreção lactea é susceptivel de maior ou menor elasticidade, porém a questão proposta não póde ser facilmente resolvida, porque muitas circumstancias tornão impossível a precisão de um limite para o aleitamento ; uma mãe intelligente julgará melhor do qne nin- guém; entretanto si fosse possível marcar uma media, ella deveria estar entre os 10 e os 12 mezes depois do parto. Barnes diz que poucas mulheres podem amamentar impunemente por mais de 9 ou 10 mezes, termo normal, sendo outras esgotadas muito antes. A mãe poderá amamentar o filho ?-Não é difficil responder a esta pergunta, porque pondo de parte as grandes dyscrasias que na- turalmente tornão a mulher incapaz de amamentar, não fallando nas moléstias transmissíveis chronicas que fazem condemnar a amamen- tação, deixando também de parte as moléstias agudas febris, que incompatibilisào temporariamente a mulher para a amamentação, nos casos litigiosos a mulher deve resolver sempre por amamentar o seu filho, porque todos os dias se veem mulheres magras e apparente- mente doentes criarem filhos robustos. Severin Icard diz que o aleitamento feito pela mãe, por poucos dias, por maior que seja o seu estado de fraqueza, nenhum inconve- niente traz a ella, emquanto que é sempre proveitoso para o meniuo. Chalvet, mesmo para os meninos que devem ser aleitados por mamadeira, reclama aleitamento pelo seio materno, ao menos por alguns dias. Alfredo Furnier, nos casos de heredo syphilis, exige perempto- riamente o aleitamento materno, mesmo no caso de grande fraqueza da mulher, ainda mesmo que ella corra algum perigo aleitando, elle exige-o, ao menos durante as primeiras semanas. Do que fica dito, não se conclua que eu aconselho systematica- mente o aleitamento materno, não, é certo que o considero acima de todos os outros, porém do mesmo modo qne não posso comprehender o desprendimento da mãe que entrega a filho a uma ama mercenária, também não posso admittir que o egoísmo de uma mãe, chegue ao extremo de sacrificar-se e sacrificar o filho, ministrando-lhe um leite que prejudica a saúde delle, roubando a sua própria. A MULHER PEJADA DEVE AMAMENTAR ! - MuitOS respondem logo pela negativa, dizendo que em tal caso a criança terá diarrhéa, 26 entretanto as pesqnizas de Poirier em 1880, segundo Rouvier, mos- trão que 75 % dos meninos amamentados por mulheres gravidas fica- rão em boas condições de saúde e criarãose regularmente. Jouzion acha que se pode esperar pelo quarto ou quinto mez da prenhez para se suspender o aleitamento : finalmente Bouchut, Van Swieten, Lamotte e outros, citão casos de mulheres que amamenta- rão até o termo de outra prenhez. A gestação é rara no curso do aleitamento, Laycock dá uma media de 27 °[õ. A prenhez, sobrevinda no curso do aleitamento, produz nos pri- meiros mezes diminuição ligeira da secreção lactea, depois o seu desapparecimento. Vernois e Becquerel acharão em um caso de prenhez de 3 mezes, augmento dos princípios solidos do leite, Bouchut em outro caso, achou diminuição dos mesmos elementos. Si se tiver em conta só- mente a composição do leite, elle poderá ser usado; entretanto si se considerar que a mulher que amamenta, reparte a sua nutrição com o pequeno ente que vive delia, do mesmo modo que a gestante reparte com o feto a sua receita vital, se concluirá que a mulher pejada não deve amamentar, porque é claro que ella não póde sustentar 3 existências a um só tempo, o utero e as glandulas mamarias devem trabalhar alternativamente e não ao mesmo tempo. Galabin diz que a acção de dar o seio á criança, depois da con- cepção, pode produzir o aborto, o que não é para admirar, quando se sabe que a acção de dar o seio a uma criança póde produzir hemor- rhagias uterinas, especialmente nas mulheres nervosas. Felizmente a natureza sempre previdente e que diz que a mãe deve amamentar o filho, tira-a da triste contingência aqui figurada, diminuindo ou supprimindo a secreção lactea na mulher que engra- vida, ou não permittindo senão rarameute a concepção das mulheres que amamentão. O Dr. Renfry, das suas observações, concluiu que entre muitas mulheres que amamentão, 57 °[0 tem amenorrhéa absoluta, 43 °[0 tem mais ou menos as suas regras e quanto mais regrada é a mulher, du- rante o aleitamento, tanto mais probabilidade ha de engravidar, fi- nalmente as mulheres que não amamentão são menstruadas durante as 6 primeiras semanas depois do parto. A MULHER MENSTRUADA DEVE AMAMENTAR ? - E' neCCSSario distinguir a maior ou menor abundancia do fluxo catamenial. Si a 27 apparição das regras é precedida de diminuição da secreção lactea, parece que a própria natureza vem dizer que a mulher não deve amamentar e esta intimação é tão imperiosa que, as inais das vezes, a secreção lactea desapparece ; si porém a secreção lactea continúa a ser abundante, apezar da fluxão uterina, ha o contrabalançamento, ou as perdas sanguíneas são diminuídas, irregulares e espaçadas; neste caso Eouvier prescreve í gram. a 1 gram. e 5 decigram. de antipyrina nas 24 horas, medicação esta que,segundo elle, modera tal escoamento sanguíneo. Do que fica dito, se distingue o caso em que a mulher não póde amamentar d'aquelle em que deve fazei o. E' muito rara a menstruação durante o aleitamento e tanto mais quanto maior fôr o numero de gestações que a mulher tiver tido. Aqui fere-se uma questão importante : é a de saber si esta fuuc- çío catameuial, periódica, mensal, é realmente a verdadeira men- struação, si está ligada á ovulação ou si apezar de mensal não é mais do que um fluxo banal; este assumpto está fora da esphera em que eu tenho de agir, pouco importa a mim que o fluxo em questão seja verdadeira ou falsa menstruação, o que me interessa apenas é a in- fluencia que elle póde exercer na lactação. Muito poderosamente influe,u'esta questão de regras, no decurso do aleitamento, o estado da mulher e tanto é assim que a mulher gravida que enviuva antes de dar a luz e que vive castamente, pode amamentar o filho até a edade de dous annos sem que a menstruação se manifeste; outro tanto raramente succederá á mulher casada e d'ahi a concepção durante o aleitamento, concepção que muitas com o fim de evitar, amamentão os filhos por muitos mezes, tactioa que falha, porque os ovários dominão sempre a mulher e si cedem o seu dominio ao utero durante a gravidez e as glandulas mamarias durante a lactação, não é porque se teuhão extenuado, não é por fra- queza, não, elles não dormem e excitados assumem o seu poder, o seu dominio, poder ou dominio que só por uma liberalidade fictícia cederão temporariamente. A menstruação exerce influencia sobre a lactação,e si Raciborski acha que neste particular o leite é apenas mais rico de creme, e si Béraud o encontra em tal caso mais denso, Barnes observou que existem globulos de colostro no leite em cada época menstrual. Si se deixa o estudo da menstruação durante a lactação, para es- tudai a antes da prenhez, vê-se que a mulher que tem sido mal re- grada não deve ter secreção lactea regalar e segundo Joseph Cauvet 28 a secreção lactea é mais abundante na mulher que é menstruada mais cedo. O NUMERO DE GESTAÇÕES INFLUE SOBRE A QUALIDADE DO LEITE ? O leite da mulher multipara é mais abundante e mais rico de prin- cípios solidos do que o da primipara da mesma edade e côr. A EDADE DA MULHER INFLUE SOBRE A QUALIDADE DO LEITE ? O leite da mulher muito moça ou muito vellia é inferior ao da mu- lher que tiver a edade comprehendida entre 25 e 40 annos. Segundo Vernois e Becquerel, o leite de mulher é mais rico de partes solidas entre os 15 e 20 annos de edade, tornando-se de mais em mais pobre com o augmento da edade. A CÔR DA MULHER INFLUE NA CONSTITUIÇÃO DO LEITE ? Becque- rel acha que o leite das mulheres morenas é superior ao das loiras, Tolmatscheff e Lheritier acharão predominância de elementos solidos no leite das loiras ; eu, pelas minhas pesquizas, posso concluir que o leite da mulher preta é mais rico de princípios solidos que o da branca ; as minhas experiencias foram feitas com leites da mesma edade. A CONSTITUIÇÃO DA MULHER INFLUE SOBRE A QUALIDADE DO leite? Segundo Vernois e Becquerel, o leite das mulheres de consti- tuição fraca é mais rico de princípios solidos que o da mulher forte,o quadro seguinte, que se encontra em um dos trabalhos de Rouvier, corrobora o que fica dito. Constituição forte Constituição fraca Constituição normal Densidade 1032,97 1034,90 1032,67 Agua 911,19 887,59 889,08 Partes solidas 88,81 112,41 110,92 Assucar 32,55 42,88 43,64 Caseina e albumina.. 28,98 39,21 39,24 Manteiga 25,96 28,78 26,66 Saes 1,32 1,54 1,38 Não me foi possível verificar estas asserções, que parecem en- cerrar uma contradicção e tanto maior, quando se verifica que o leite da mulher forte dá melhor resultado que o da mulher fraca. A GORDURA OU MAGREZA DA MULHER INFLUE SOBRE A QUALI- DADE do leite ? Rouvier tem observado que a mulher é tanto peior amameutadeira quanto mais gorda. 29 As EMOÇÕES INFLUEM SOBRE A QUALIDADE DO LEITE ? As im- pressões moraes, as emoções muito vivas que até podem suspender um trabalho de parto, iufluem consideravelmente sobre o aleita- mento, podendo mesmo produzir a morte do menino. O EXERCÍCIO E A FADIGA INFLUEM SOBRE AS QUALIDADES DO leite 1 O exercício regular influe beneficamente, a fadiga é prejudi- cial pois nem só diminue a quantidade do leite como altera a sua composição. A alimentação influe sobre a qualidade do leite? Todos respondem pela affirmativa : Desormeaux diz que as lentilhas influem mais beneficamente do que qualquer outro alimento sobre a lactação, Rouvier também o crê e Ernesto Lablée diz que os outros feculentos não são inferiores ás lentilhás ; pela minha parte acho que, constituindo as lentilhas uma especie de leguminosas, se- rião melhor substituídas pelas ervilhas, feijões e favas do que, sup- ponhamos, pelas batatas. Não me cumpre aprofundar muito em tal assumpto, mas eu não posso deixar de dizer que certos feculentos teem propriedades nutri- tivas muito medíocres. As raizes e tubérculos : aipim, batata doce, batata ingleza, mandioca, etc., pertencem a este grupo; Aruould diz que a batata ingleza distende o ventre e não dá musculos, que é um prato de luxo e não um alimento de pobre, presta-se para fazer um álcool dos mais perigosos, o álcool amylico, e alem de tudo, é umter- reno magnifico para a proliferação de bactérias, e tanto é assim que constitue o unico meio solido opaco para a cultura delias, donde não pode ser recommendada, parecendo-me até prejudicial ao aleita- mento. Os cereaes estão em plano muito superior, penso que substitui- rião as lentilhas com maior vantagem do que as raizes feculentas e mesmo as outras leguminosas. A alimentação sã e pouco condimentada é a melhor, as conservas, as confecções de salchicharia e de pastelaria não podem influir bene- ficamente, emfim o álcool, que muitos physiologistas considerão alimento de poupança e que muitas pessoas do povo considerão aperitivo, não deve ser usado pela mulher que amamenta. Tempo de cada ração. Nos primeiros dias, o menino exerce a sucção muito espaçadamente e por isto não tem vontade de aban- donar o seio, pode-se-o deixar mamar meia hora e até mais tempo, mais tarde é preciso regular as rações. 30 Segundo Fleischmann, a capacidade do estomago do menino é na 1? semana de 46cc , na 2? semana é de 72cc á 82cc , na 3* e 4? semana é de 80cc a 92cc , no 3o mez é de 140cc , no 5o mez é de 260cc e no 6o mez é de 375cc ; com estes dados, e tendo-se em vista que o leite demora pouco tempo no estomago do menino, comprehende-se que as rações devem ser pequenas e pouco espaçadas. Não é preciso dar leite, sempre que o menino chorar, pois elle pode fazel-o por dores e não por fome ; quando o choro é motivado por fome, o menino agita os braços, abana a cabeça, abre a bocca, procurando o seio ou então chupa o dedo com avidez. Intervallo das rações. No Io mez, pelo que já ficou dito, o menino deve mamar de 2 em 2 horas, no 2.° mez de 3 em 3 horas, do 3? mez em diante de'4 em 4 horas. Só durante o l.° mez, o menino poderá mamar 3 vezes á noute, no 2.° mez terá uma ração mais ou menos á meia noute, precedida por outra ao anoitecer e succedida por outra ao amanhecer; si n'este intervallo o menino tiver sêde tomará agua assucarada, preparada do modo que já indiquei. O principal fim da restricção das rações nocturnas, é assegurar á mãe o repouso de que necessita ; o sorano é um grande reparador das forças : « qui dort dine». A mulher póde regular a hora da amamen- tação e pelo costume ou ella ou o filho despertará mais ou menos á hora aprazada. Se a mulher fôr fraca e por isto tiver adoptado o aleitamento mixto, outra pessoa poderá encarregar-se de dar o leite por mamadeira á hora determinada da noute e assim a mulher não se fatigará. CAPITULO TERCEIRO Aleitamento mercenário O leite de mulher só pode ser substituído pelo leite de mulher, a difficuldade unica está em saber-se ou poder-se substituil-o. A escolha de uma ama de leite é cousa difficil e muito difficil, e si se quizer encontrar em uma mulher todos os requisitos que deve ter urna bôa ama de leite, a tarefa deixa de ser difficil para se tornar talvez impossível; só o medico, e depois de mulitiplos exames, poderá julgar do assumpto,que exige bastante pericia para descobrir moléstias 31 dissimuladas, calcular edades fictícias e dar o devido valor a dados anamnesticos estudados. Quaudo me occupei do aleitameuto materno, disse o bastante quanto á edade, côr, estado, constituição e alimentação da mulher; edade do leite, menstruação,gravidez, numero de gestações,trabalhos, fadigas, exercícios, emoções, etc.; sabe-se como tudo isto iuflue na secreção lactea, pois bem, quando se trata de uma mulher que ama- menta o seu proprio filho, muitos inconvenientes para a lactação podem se e devem se deixar passar, o mesmo não se pode conceder á mercenária; na escolha de uma ama de leite, toda a exigencia é pouca, além do que eu não tenho necessidade de repetir, exija-se a boa con- formação dos seios, boa conservação dos dentes, etc. Si a mulher tiver um seio atrophiado ou mesmo falta de um delles, deve ser regeitada; todos sabem que nos casos de falta, atrophia, emfim lesão de um orgão, quando este é par, o seu congenere sup- pre lhe a falta, trabalhando mais e se hypertrophiando, o mesmo facto se dá com as glaudulas mamarias; mas é conveniente evitar a expe- riencia quando se tiver necessidade de uma ama de leite, pois a superabundância de leite no seio que funccionar poderá ser fictícia e em tal caso o leite será insufficiente. O aleitamento mercenário pode ser realisado em casados paes do menino ou distante. Todos comprehendem as provações pelas quaes deve passar a infeliz criança que, longe das vistas dos seus é, em virtude de uma retribuição pecunaria, criada por uma inulhei' que também teve um filho e falleceu, talvez por falta de cuidados, ou que vive e foi aban- donado para ser substituído por este que paga-lhe o alimento, ou então vive ao lado d'ella e concorre com o pensionista, que neste caso será ainda mais prejudicado. Essas cousas são tão evidentes que eu podia dispensar-me de apontal-as, o aleitamento mercenário realisado em casa dos paes do menino não é cousa rara, ás vezes mesmo faz parte da moda ou melhor do grande tom, entretanto as mais das vezes esta pratica traz sérios desgostos aos progenitores. Vibert, apoiando-se nas observações de Fleischmann, falia dos meninos que aos 9 e aos 13 mezes de edade se dão ao onanismo, ensinado pelas amas de leite, com o fim de acalental-os. E' muito commum a ama ter paladar delicado e que se lhe desen- volve ao entrar para a casa dos patrões, ao contrahir a missão de ama- 32 mentar o filho que não é o seu, isto de algum modo lhe dá maior importância, estd acostumada a passar bem, todavia é bom que se saiba que destes excessos não precisa o menino, nem com estes excessos devem arcar os paes, muitas vezes mais infelizes do que fátuos, os quaes sobre a desdita de entregar o seu entesinho querido a uma mulher que lhe pode transmittir o seu moral e até ophysico,conforme alguns autores, não devem, por contrapezo ou sobrecarga, manter as estravagancias gastronómicas de uma ama ignorante. Já eu me referi á alimentação da mulher, quando me occupei do aleitamento materno ; deve-se respeitar os hábitos da mulher, que se propõe a ser ama de leite, porem não se deve acoroçoar as suas estra- vagancias, e como é um desastre mudar de leite, é indispensável o máximo cuidado, grande circumspecção na escolha das amas, não esquecendo nunca o provérbio : « II vaut mieux l'eau de la mère que le lait de la commère ». CAPITULO QUARTO Aleitamento artificial Si se considerar desapaixonadaniente os desgostos, as contrarie* dades que podem resultar do pacto feito com uma ama, creio que se é forçado a acceitar o partido do aleitamento artificial. Aqui não se corre o risco de mudar de leite por caprichos de uma mulher. Aqui se regula mathematicamente as rações do menino, em- quanto que a ama, em um caso para desengorgitar o seio que doe e em outro para poupar o seu leite, que diz ser o seu sangue, fornece á criança o leite que lhe apraz e não o que deve fornecer. Aqui ha uma despeza calculada e módica, alli, as mais das vezes, terá a familia de curvar-se ás fantasias da tal mae de leite que ameaça com o abandono da criança, por qualquer tentativa de embaraço que se oppuser ás suas estultas pretenções. Aqui não ha perigo de se con- trahir moléstias porque se dispõe de recursos positivos para evital-as; independente disto, si se observa que a vaccina jeuneriana desap- parece para surgir em seu lugar a vaccina animal, não tanto pela attenuação, enfraquecimento d'esta cultura atravez do corpo humano, mas principalmente porque o vitello, a vacca são refractarios á maior 33 parte das moléstias que se manifestão no homem e não podem receber nem transmittir a syphilis ; e si a ama de leite, longe de apresentar immunidade para esta terrível entidade mórbida, pode trazel-a escon- dida, illudindo mesmo a bôa fé de um medico, que se contentar com exames pouco rigorosos ; parece que só por isto se deveria pre- ferir o aleitamento artificial ao mercenário. J. Guérin chegou a dizer que o aleitamento artificial em muitos casos é superior ao materno. Perron, que combateu o aleitamento artificial, depois de ter criado 6 filhos com mamadeira, declarou que todos elles teem saúde perfeita e vigorosa. Pineau, depois de ter estudado durante 10 annos o aleitamento mercenário, mostrou, por estatísticas, a superioridade do aleitamento por mamadeira. Hervieux diz que o numero de meninos que elle viu prosperar pelo aleitamento artificial é muito considerável, e que os seus irmãos forão criados assim e estavão todos vivos. O aleitamento artificial é medalha que também tem o seu reverso; ha estatísticas, e não muito remotas, que dão uma mortandade de 90 % para os meninos criados por mamadeira. No século passado, no hospital de Aix, o aleitamento artificial dava um resultado assom- broso, nenhum menino passava dos 4 mezes de edade. Antes de Bouchaut, o dizimo mortuário dos meninos aleitados artificialmente na maternidade de Paris, era enorme e baixou quando Bouchaut principiou a interessar-se pelo aleitamento d'elles. Ainda hoje a mamadeira, da qual o uso é quasi tão antigo quanto o mundo, é um utensílio, uma arma perigosa, fatal quando manejada por pessoa inhabil. Bonnaire, em virtude de suas observações, diz que o valor do aleitamento por mamadeira, está na razão da pessoa que cuida d'elle; si o aleitamento artificial é dirigido por uma criada, para a qual a vida do menino representa valor igual ao da vida de um animalsinho que lhe fosse confiado, a mortandade eleva-se a 62 %, porem si o alei- tamento artificial é dirigido pela mãe, ou por parente que não lhe re- gateie cuidados, a mortandade é de 28, 5 %; donde se ha de concluir forçosamente, que o aleitamento artificial tem um grande valor, de- pendendo o seu resultado da maneira de executai o. Pela minha parte, já tenho observado bastante para proclamar as vantagens do aleitamento artificial. Rouvier quando classifica os alei- 34 tamentos, colloca o aleitamento artificial,dirigido pela mãe, acima do mercenário ; estou com elle, não vacillo entre os dois, acho o aleita- mento mercenário tão perigoso, por qualquer lado que se o tome, que a unica vantagem que elle apresenta, em relação ao aleitamento ma- terno:-analogia de composição-, não compensa os inconvenientes a que elle está sujeito. Esta confissão que faço, baseado em opinião de competentes e na minha observação, não agradará aos partidários do aleitamento mer- cenário ; em questões como esta, cada qual tem a sua convicção, cada qual tem o seu juizo firmado, uns na lógica, no raciocínio, outros na observação e na experimentação; si se circumscrever a questão aos limites do raciocínio, o leite de mulher só poderá ser substituído por leite de mulher, mas si da atmosphera da philosophia se passar para o terreno dos factos,a cousa mudará de figura. O leite de mulher pode ser substituído por outros leites, o bom exito da substituição depen- de, não tanto da maior approximação, da maior analogia de compo- sição, porém das condições em que se o substitue. Escolha do leite- Tarnier, depois de longa experiencia, administra o leite de jumenta puro até o 40°ou 60°dia de edade do me- nino, depois o leite de vacca, addicionado de menos de metade de seu volume d'agua, até o menino completar 6 mezes de edade, dahi em diante dá o leite de vacca puro ; elle considera o leite de cabra muito indigesto, entretanto a commissão nomeada pela sociedade obstétrica de Philadelphia, para estudar a causa da mortandade dos meninos du- rante o verão e os meios de evital-a, preferiu o leite de cabra ao de vacca. Joulin, Artemieff e Lazarewitch achão que o unico meio de se ter um leite egual (?) ao de mulher, é empregar o leite de vacca puror cozido e descremado. O leite de vacca, por ser o mais facilmente encontrado, é quasi sempre o preferido ; entretanto, si tomar-se em conta a composição dos leites, o de mulher será melhor substituído pelo de ju- menta. Louton acha que se deve preferir as vaccas pequenas para o alei- tamento artificial. Rouvier acha que se deve proscrever o leite de vacca de pello, na maior parte branco, porque estas vaccas teem predisposição para a tuberculose pulmonar. Tarnier diz que não convém usar de leite de vacca, além dos 12 35 mezes de edade deste, porque depois desse tempo muitas ficam tisicas. Eoux concluiu das suas pesquizas: l.° que o melhor leite é o da vacca que tiver a edade comprehendida entre 3 e 7 annos, 2? que os leites mais fracos pertencem ás vaccas mais novas, ou ás do primeiro parto, ou as mais das vezes, ás maiores de 8 annos ; 3? que a lactose não soffre alteração com a edade da vacca ; as duas primeiras conclusões soffrem excepção. Rouvier diz que si se admitte que as vaccas dão pela primeira vez leite aos 3 annos de edade, não se deve usar do leite d'ellas além dos 9 annos; aqui também ha excepções. Fleischmann pensa que algumas vaccas se conservão boas lei- teiras até o 16? anuo de edade. Outros pensão que a edade da vacca não tem influencia sobre a composição do leite, com o que não estou de accôrdo, pelo que tenho dito aqui, em relação a este leite, e disse no principio deste capitulo, em relação ao leite de mulher. Yvart diz que quanto mais engorda a vacca tanto mais o leite di- minue, succedendo o mesmo á femea dos outros an maes. A alimentação influe poderosamente sobre a lactação da vacca e femeas de outros animaes, os extremos de temperatura também in- fluem e maleficamente. As vaccas prenhes continuão a dar leite ao menos durante 8 1{2 mezes depois da fecundação. Vernois e Becquerel verificarão que a influencia da gestação sobre a lactação só sc manifesta, quando se approxima o termo da prenhez,neste caso o leite diminue e torna-se mais concentrado,sendo mais rico o leite da vacca prenhe de 6 ou 7 mezes do que o da vacca não pejada. Recursos que visão modificações do leite- Em outra parte me occupei, si bem que summariamente, das addições propostas por Coulier e Raspe; Coulier, além de metade do peso d'agua, propõe addicionar-se ao leite de vacca 14 por 1000 de creme e 15 por 1000 de assucar; Arnould acha que a addicção do creme deve ser pelo menos em quantidade dupla da proposta por Coulier. Outros autores mandão addicionar ao leite, cosimento de arroz (oriza sativa) ; cevada (Jiorâeum distichon) e dizem que assim se con- segue modificar os flocos do coalho de caseina que, como se sabe, no 36 leite de vacca são muito differentes dos que se produzem uo leite da mulher. Segundo Nuel, a caseina do leite de mulher coagula no estomago em pequenos flocos e a do leite de vacca em «nassas compactas. Tolmatscheff verificou que a caseina do leite de mulher precipi- ta-se muito incompletamente pelo acido acético, a do de vacca, ao con- trario, precipita-se quasi totalmente. Artemieff e Galamine dizem que a addição da agua ao leite, dimi- nue a proporção relativa dos elementos d'elle, mas não os mo- difica. Tenho visto se empregar a infusão de chá (thea sinensis'), o de- cocto de folhas de goiabeira (psiãium guajava), feito com o proprio leite ; aqui se procura e muitas vezes com resultado, a acção adstrin- gente do tannino, nos casos de diarrhéas das crianças. Temperatura do leite-A temperatura do leite representa pa- pel importante no aleitamento artificial, o leite que se administra por mamadeira deve ter tanto quanto possivel a temperatura do corpo humano (37?) e esta temperatura se consegue precisar, independente de thermometro, é.cousa facil de conseguir e d'ella não se deve pres- cindir. O leite deve ser fervido? Esta these ofíerece margem para muita discussão, eu para resolve-la em poucas palavras, devo estabe- lecer que ou o leite é bom ou é suspeito : se é possivel ter certeza da boa qualidade do leite,-é preferível não fervel-o, isto é o mais natu- ral; o leite que soffre a ebullição não é um leite normal; no caso con- trario, si não se tem dados positivos que garantão o estado physio- logico do leite, é de toda a prudência ferve-lo, porque em todo o caso antes uma digestão mais ou menos retardada do que uma infecção diíficil ou mesmo impossível de combater. E' corrente que o leite crú póde trausmittir diversas moléstias, quer provenhão ellas do animal que o produziu, quer resultem da contaminação do leite no exterior. A tuberculose póde ser transmittida pelo leite do animal tuber- culoso, a pesquiza do bacillo de Koch uo leite, sobre ser muito deli- cada é longa e susceptivel de incertezas, a tuberculina de Koch traz certeza ao diagnostico e é de admirar que entre nós ainda não se lance mão d'este recurso tão grande, tão poderozo, tão concludente para o diagnostico da tuberculose, ao menos em relação ás vaccas de leite. O animal carbunculoso pode trausmittir a sua enfermidade pelo 37 leite, porém o leite carbunculoso é raro,pois um dos principaes effei- tos de tal estado morbido é a parada da secreção lactea; pensou se que a presença do sangue no leite depunha em favor da carbunculose, mas isto não tem nada de positivo, se encontra sangue em leite per- feitamente bom; a descoberta da bactéria especifica firma o diagnos- tico. O leite pode facilmente contaminar-se, depois de extrahido, e de muitos modos, um exemplo frisaute fornece a Inglaterra - the milk epidemic - é a febre typhoide transmittida pelo leite, conforme ve- rificarão Taylor, Cameron, Murchison, etc. O Dr. Airy assigualou mais de 3.500 casos de febre typhoide transmittida pelo leite. Wohl" flúgel e Riedel teem cultivado bacillos de Eberth uo leite ; e sem alte- ração apreciável do mesmo leite, conforme diz Flugge. Klein sustenta o contagio da escarlatina pelo leite, o bacillo da escarlatina, do mormo, da diphteria e muitos se conservão bem no leite. Depois do que fica dito, conclue-se que é conveniente ferver o leite, entretanto Valebs (de Génova) achou bacillos de Koch vivos, alem de outros, em leite fervido; em todo o caso é bom ferver o leite antes de usai o, embora elle perca, segundo alguns autores, com a fervura e por litro 2 grains, de matérias gordas e 1 grain. de albumina. Brouardel observou que o leite fervido é mal digerido. Vasilieff verificou em adultos que o leite crú é mais nutritivo por ser melhor assimilado. Richet diz que o estomago do menino digere melhor o leite que o do adulto. Ruvier diz que pelas pezadas, verifica-se que o aleitamento pelo leite fervido não é inferior ao que é feito com leite crú. Laurent affirma que o leite fervido diminue a resistência do me- nino e é prejudicial á regularidade da dentição e locomoção. Caseneuve diz que asmodificações que o leite soffre pela ebullição teem sido muito exageradas. Drouet observou que os inconvenientes attribuidos ao leite fer- vido só são manifestos quando o leite principia a soffrer alteração. Reichmaun, Beaumont, Richet demonstrão, por experiencia, que a peilicula que se forma no leite pela fervura, sendo de albumina, que é justamente de digestão mais difficil, acontece que o leite depois de fervido torna-se mais digerível. Boudin, em Julho de 1892, communicou á Academia de Medicina 38 de Paris que o leite fervido e mantido em asepsia absoluta,não produz perturbações digestivas nos adultos nem nos recemnascidos. Entre- tanto si a agua que ferve torna-se um pouco indigesta, por perder maior ou menor porção do seu oxygenio livre, não repugna conceber a indigestibilidade mais ou menos accentuada do leite fervido. Voltarei a este assumpto, quando me occupar da esterilisação do leite e antes de passar adiante, lembro que em occasião opportuna indicarei um processo facil, rápido,quasi que desconhecido, pelo qual poderá qualquer pessoa, e sem auxilio de apparelho ou apparatos, re- conhecer instantaneamente si o leite foi ou não fervido o que, pelo que acaba de ser dito relativamente ao leite fervido, é de maxima im- portância. Em que condições se deve conservar o leite ? O leite pode ser conservado por maior ou menor espaço de tempo e dahi os pro- cessos tão variados para sua conservação. O leite que tiver de ser usado dentro de poucas horas será,quando muito, fervido, é indispen- sável porem que seja guardado em vaso de vidro, porcellana ou esmal- tado ; as vasilhas de cobre, chumbo,ferro estanhado, podem ser causa de envenenamentos agudos ou chronicos. O leite deve ser guardado em logar fresco, arejado, evitando-se comtudo o seu contacto directo com o ar ambiente, pelo que a vasilha que contiver o leite deve ser tampada com especial cuidado. Condensação do leite. A condensação do leite,produzida seja pelo calor, seja pelo frio, é uma operação que tem por fim conservar o leite por tempo indeterminado. A condensação pelo calor consiste em evaporar o leite em banho maria ou banho de vapor, tendo o cuidado de agital-o constantemente, para impedir a formação de pelliculas; os industriaes costumão addicionar-lhe assucar de canna para garantir a conservação. A condensação do leite pelo frio é mais complicada, o Sdentific American descreve o seguinte processo : « Congele-se o leite, que é introduzido em um apparelho centrifugo, para separar dos elemen- tos solidos a agua em forma de crystaes de gelo, esta operação se repete até que o leite tenha de 80 a 95 °[0 de princípios solidos, se o estereliza passando pela superfície de um cylindro refrigerante man- tido na temperatura de -22° a -28°, este leite posto em recipientes, dos quaes se faz o vasio, é submettido á temperatura de 3S?: rompe-se o vasio pela introducção de gaz carbonico para evitar a oxydação. Este leite pode ser pulverisado seccando-se-o na temperatura de 38o 39 para depois de resfriado a zero, ser pulverisado, porem sempre em atmosphera de acido carbonico. Uso do leite condensado.-Daly acha que a prosperidade dos aleitados por elle é apparente. Tarnier o tem visto empregar com suc- cesso. Ellis, Flamain, Peters, Vogel o recommendão. Hoffmann e Fleischmanu não aconselhão o seu uso. Eu sei que o leite condensado é descremado,(tenho-me referido ao leite condensado pelo calôr), sei que contem assucar de cauna, etc., porem tenho visto muitos meninos prosperarem realmente com o uso delle, tenho visto meninos que passavão mal usando o leite de vacca fresco, tornarem-se fortes e de saúde florescente, usando o leite con- densado e estou convencido, por minha experiencia, de que todas as vezes que o leite condensado dá mau resultado, este é devido não ao leite porem á pouca intelligencia com que é feito o aleitamento. Eu penso que o leite condensado presta-se melhor para attenuar os senões do aleitamento artificial do que o leite chamado fresco; é de um manejo fácil, a qualquer momento pode ser preparado, de maneira que não é preciso conservar o leite já preparado para diversas rações; com o leite fresco a cousa muda de figura, e elle se vae alterando, á proporção que se afasta da hora da ordeuhação. O leite condensado soffreu uma esterilisação prolongada pelo calor, é contido em latas hermeticamente fechadas que, também por conve- niência do fabricante, assegurão-lhea conservação,auxiliada ainda pela addição do assucar de canna, pelo que não é muito difficil concluir a sua superioridade sobre os leites frescos, capazes de transmittir todas as moléstias infectuosas. Ninguém assignalou ainda epidemias, nem registrou envenena- mentos por leite condensado e esses factos teem sido muito obser- vados em relação ao leite fresco. Em resumo, eu estou convencido de que o leite condensado, do qual a lata depois de aberta é mantida em certo aceio, que é constan- temente protegida, ao menos por uma capsula de papel, para evitar poeiras etc., etc., que o leite condensado que é diluido no momento de cada ração, que é ministrado por mamadeira cuidadosamente lavada, que é dissolvido em proporção d'agua conveniente, dará sempre bom resultado. Tarnier aconselha diluir uma colher de leite era 16 d'agua, para o menino que tiver até 1 mez de edade, uma de leite para 12 d'agua para o que tiver 3 mezes e assim por diante, de modo a dar 40 uma de leite para 4 ou 5 d'agua; então se terá uni leite igual ao primitivo, addicionado de assucar de canna,addição esta que, como ficou dito,em outro lugar, pode-se e deve-se mesmo fazer, se bem que em menor quantidade, quando se juntar agua ao L-ite de que deve usar o recemnascido. Esterilisação do leite- A esterilisação do leite consiste em submettel-o engarrafado durante minutos a uma temperatura de 100° a 104°, por meio do banho maria ou do vapor d'agua sob pressão; o que ficou dito em relação á fervura applica-se a este particular, pois o leite esterilisado não é nada mais do que o leite fervido e mantido ao abrigo do ar depois da fervura e aqui está a vantagem deste methodo que é : destruir os miciogermens por ventura existentes no leite e evitar a contaminação subsequente, o que não se conseguirá com o leite fervido pelo processo commum. A esterilisação do leite se faz por muitos processos, todos baseados no mesmo principio, e com ap- parelhos quasi iguaes. Pasteurisação do leite- A pasteurisação do leite é baseada na esterilisação discontinua, consiste em aquecel-o a uma tempera- tura oscillanteentre 60° e 70° rapidamente e resfrial-o do mesmo modo, depois de poucas horas repetir a operação. Dizem que o leite que soffre duas pasteurisações fica esterilisado, não sei; conheço o processo de Tyndall, sei que pelas esterilisações discontinuas se consegue destruir as bactérias e os seus sporos, pois á proporção que elles se vão transformando em bacillos, vão sendo destruídos; sei que os allemães não adoptando o autoclave de Cham- berland, que funcciona com o vapor d'agua sob pressão, permittindo temperaturas muito elevadas, usão o esterilisador de Koch, que não pode dar altas temperaturas por funccionar com vapor fluente, então realisão as esterilisações discontinuas com resultado completo; mas o que eu não sei, o que eu não posso garantir, o que eu não devo garantir é que duas pasteurisações, na temperatura de 60° ou 70° sejão sufficientes para destruir qualquer bactéria e os seus sporos contidos no leite e muito menos ainda que a fervura do leite durante um minuto, ou pouco mais, seja sufficiente para esterilisar o leite. A agua ferve mais ou menos a 100?, conforme a pressão atmospherica, o leite não se distancia muito da agua, quanto ao gráo de ebullição ; quem entende de bacteriologia sabe com que rigor são feitas as es- terilisações de instrumental e meios de cultura; pretender esterilisar leite a 95? ou 100? durante um minuto, isto ó, pretender destruir mi- 41 crobios e seus sporos, em um minuto, na temperatura de 100? ou ainda em temperatura menor, não é simplesmente aventura, é arrojo. Ha poucos dias me chegou ás mãos uma revista: (Semaine Mé- dicale, de 23 de Setembro deste annoj na qual se lê que M. Liib- bert achou em leites fervidos a 95° mais ou menos, nada menos de 12 especies de bactérias pathogenicas, sendo os sporos delias tão resistentes que mantidos na temperatura de 100°, por duas horas, conservarão a sua virulência, depois disto, que reduzido á expressão mais simples, não é novidade, quando é principio assentado que os sporos resistem durante muito tempo a altas temperaturas, nin- guém, por muito pouco versado que seja em taes assumptos, consi- derará exempto de virulência o leite suspeito que tiver soffrido a ebullição por alguns minutos. Filtração do leite-Foi Seibert quem se lembrou de retirar as bactérias do leite pela filtração, fazendo atravessar o algodão este- relisado ou um filtro de alumina, em virtude de aspiração, o leite suspeito ; o seu processo não deu resultado digno de nota. Mamadeiras-Qualquer leite que se escolha deve ser dado por mamadeiras, como já disse em outra parte. Hoje ha uma variedade enorme delias e sem que me caiba occupar minuciosamente de tal assumpto, devo comtudo dizer que não acho conveniente o uso de ma- madeiras que desempenham funcções diversas, como: mamadeira-cre- mometro, a mamadeira-thermometro,etc. A mamadeira deve ser muito simples, não deve ter rolhas, saliências ou depressões ou as terá no menor numero possivel, para que a sua rigorosa limpeza seja uma realidade; a mamadeira deve ser desmontada logo que a criança tiver se servido delia, será então lavada e conservada em agua, até novo uso. Um bom auxiliar para a lavagem da mamadeira é a casca deovo, que se introduz com agua naquella para se agitar depois. Quantidade de cada ração- Na pagina 30, eu disse quantas deviam ser as rações do menino segundo a edade delle, agora que trato de mamadeiras, devo dizer o quanto de cada vez elle deve ingerir de leite. Edade Numero Quanto do menino de rações de cada vez 1° dia 10 3ce 2o dia 10 15ce 3o dia. 10 40" 4o e 5o dia 10 50ee 6o ao 30 dia 9 70" Edade do menino Numero de rações Quanto de cada vez 2o ao 3o mez.... 8 100cc 4° ao 5o mez.... 8 no« 6o mez 7 120cc 7o ao 8o mez.... 6 15Ooc 9o ao 12° mez .... 5 200r» 42 Para finalisar esta parte, devo dizer alguma cousa com referencia ao aleitamento artificial directo e ao aleitamento rnixto; aquelle faz parte deste capitulo e fica bem aqui collocado, este poderia pertencer a outro capitulo, si não fosse tão pouco o que me resta dizer em rela- ção a elle. Aleitamento pelafemea de um animal-O animal preferivel é a cabra, o seu preço insignificante, o seu custeamento barato, a for- ma dos bicos das tetas e o interesse que ella póde vir a ter pela crian- ça, a ponto de vir-lhe offerecer as mamas, tudo depõe em favor delia; porém só é conveniente usar de tal recurso,depois que o menino tiver 6 mezes de idade, por causa da composição do leite. E' também con- veniente saber que o periodo da lactação da cabra é de 4 a 5 mezes. Aleitamento mixto-Penso como Chavane que este aleitamento deve ser collocado logo abaixo do materno. O menino tem tanto mais probabilidade de viver, quanto mais leite materno mamar. O leite por mamadeira deve-se dar o mais distante possivel do nascimento da criança ; o Dr. Ledé diz que si se quer salvaguardar a vida do me- nino, não se lhe deve dar mamadeira ou ama senão entre os 31 e os 90 dias depois do nascimento; mas é preciso não esquecer, que é muito difficil fazer mamar em mamadeira a. criança que muitas semanas mamou no seio materno e vice-versa, donde si não se costuma de principio, o menino aos dous aleitamentos, muitas vezes é impossí- vel lançar mão deste recurso. TERCEIRA PARTE CAPITULO PRIMEIRO Analyse do leite Confiar, desconfiando, é uma regra muito salutar da providencia humana. Marquez de Maricá Este capitulo que é, posso dizer, um complemento do que o pre- cedeu, podia perfeitamente estar aqui sem elle. E' natural, é necessário mesmo, quando se trata de aleitamento artificial, quando se discute regimen lácteo, que se cogite das alte- rações e falsificações do leite, também é certo que não tem necessi- dade de se occupar de aleitamentos, quem se propõe estudar altera- ções e falsificações de tal alimento. A minha idéa, ao emprehender este trabalho, foi apresentar o resultado das analyses dos principaes leites de vacca, vendidos nesta capital ; ao lado dessas analyses, eu devia descrever os apparelhos os mais commodos, os processos os mais fáceis e também os mais pre- cisos para a realisação delias. Não me consta que tenhamos trabalho de tal natureza ; não te- mos uma lei que regule vantajosamente o commercio de tão impor- tante alimento ; e uma vez que não se fiscalisa a alimentação dae 44 vaccas ; uma vez que as vaccas que por ahi andão, e os leites que por ahi são vendidos, uão são convenientemeute inspeccionados ; uma vez que importamos leite de estados visinhos, si bem que al- guns autores digão que não se deve usar de leite proveniente de lu- gares distantes ; uma vez que esses leites são transportados por vias- ferreas, em demorado trajecto, em constante agitação, libertando-se portanto da sua manteiga ; uma vez que destas procedências, desses estados também recebemos a manteiga chamada fresca; é necessário que cada qual conheça o gráo de integridade do leite que ingere, e por isto eu resolvi pôr em pratica a minha idéa. Eu devia aualysar os leites e d.escrever os processos empregados nessas analyses, disse, e é isto o que eu vou fazer ; porém, é con- veniente que quem pensa em mostrar alterações e falsificações de uma cousa qualquer, principie mostrando-a integra, perfeita, com- pleta, é o que eu faço na primeira parte deste trabalho; e afigurando- se-me a hypothese de que um indivíduo pouco lido em taes assum- ptos julgando, pelo resultado das analyses, da superioridade de tal leite, podesse, sem mais preoccupações, ministral-o a um recemnas- cido, correndo talvez por minha conta a imprevidência; eu resolvi escrever a parte que a esta precedeu. Não é assumpto encravado, não são cousas heterogeneas, são dissertações correlativas, são ma- térias que se completão. Os resultados das analyses que apresento, são verdadeiros ; dis- pondo de bons apparelhos e de bons reagentes, nunca dei por ter- minada a pesquiza de um leite com uma unica analyse ; eu mesmo, eu pessoalmente, porem guardando as necessárias reservas, fui sem- pre comprar o leite no logar onde elle é vendido ao publico; por- tanto aqui uão figura analyse de leites de encommenda : em dias diíferentes, repito, reproduzi analyses sobre leites da mesma proce- dência ; nem podia, nem devia ser outro o procedimento de quem assume a responsabilidade da publicidade em assumpto de tanta monta, e de quem tem responsabilidade profissional a zelar. A chimica é sempre a mesma, disse o Sr. professor Dr. Benicio de Abreu, este auno, quando o resultado de uma aualyse realisada pelo Sr. professor de chimica analytica e toxicologica, Dr. Souza Lopes, vinha corroborar, confirmar a analyse feita por mim, na se- 45 gunda enfermaria de clinica medica, do sueco gástrico de um indi- víduo, do qual a necropsia mostrou a veracidade da chimica e con- firmou o diagnostico feito, mesmo antes de se recorrer a esta, pelo illustre professor de clinica. A chimica do hygienista é uma chimica especial, sui generis, disse o Sr. professor Dr. Rocha Faria, este anno, ao encetar em seu curso practico de hygiene, o estudo da bromatologia. E ambos teem razão, a chimica será sempre a mesma, conforme o caso em que for applicada. A chimica geral, a chimica pura, estabelece bases nas quaes a chimica especial, a chimica applicada forçosamente se ha de assentar. O ferro em presença do sulfocyanureto de potássio, dará sempre colo- ração mais ou menos vermelha,quer provenha elle do alimento ensaia- do pelo hygienista, quer esteja no sangue pesquizado pelo medico legista, quer manifeste-se no bloco de barro ou na liga de metaes analysados pelo chimico : o acido chlorhydrico livre, tornará azul mais ou menos esverdeado, o violeta de methil, quer provenha elle do sueco gástrico, de uma solução artificialmente preparada ou de outra fonte qualquer. Pois bem, do mesmo modo que a anatomia descriptiva, estuda a conformação, direcção, relação dos ossos, dos musculos, dos nervos, das vísceras, etc., a anatomia topographica estuda convencionalmente as differentes regiões em que dividiu o corpo, por camadas, conforme a disposição natural da pelle, aponevroses, musculos, vasos, ossos, etc., e a histologia recorre ao microscopio, aos reagentes, para estudar em sua intimidade, o elemento anatomico que entra na constituição dos tecidos, e surprender as vibrações dos cilios de tal cellula, as dif- ferentes camadas e estrangulamentos de tal fibra nervosa, os osteo- plastos e canaliculos do tecido osseo; assim também o hygienista es- tuda o alimento, sem comtudo baixar ao intimo dos elementos que entrãona composição delle, incumbindo-se entretanto o chimico desta tarefa. Sirva de exemplo a manteiga, no exame da qual basta ao hy- gienista saber si ella é natural ou artificial, o quanto contem de oleo- margarina, si sofifreu addição de matéria corante e qual ella seja; em- quanto que o chimico vae muito mais longe, procurando os ácidos graxos, etc.: é porque o papel do hygienista é o de dizer si tal ali- mento serve para o consumo publico e não o de apresentar analyse 46 minuciosa, o de ir procurar no recondito do alimento, elementos pró- prios delle e que nada interessão ao caso. A chimica do hygienista, do mesmo modo que a chimica legal, as mais das vezes emprega nas suas pesquizas, recursos que não são propriamente chimicos; nem por isto se achou ainda melhor qualifi- cativo para aquella parte da medicina legal e da hygiene. Dito isto, justificada a chimica que aqui se vai encontrar, passo a me occupar da analyse do leite. Data de 1578 a publicação de um livro, de origem italiana,no qual encontra-se referencia á separação do creme pelo repouso do leite ; em 1619 Bartholdi, medico italiano, occupou se com o assucar do leite; mais tarde, porém, no mesmo século, forão publicados livros que davão algumas noções exactas da composição do mesmo alimento, não devendo-se esquecer porém, que as primeiras dessas pesquizas, forão feitas por Macquer e Scheele. Muitos livros hoje se occupão da analyse do leite, mas quasi todos o fazem muito summariamente, de modo que, além do que é muito commum e se encontra em qualquer canhenho de chimica appli- cada á arte e ás industrias, o mais, para se obter, não exige grande escavação, é certo, mas requer trabalho e paciência, para se colher em um ou outro autor, essa ou aquella cousa que a maior parte delles nem siquer pensou em fallar. No correr desta dissertação, muitas propriedades do leite citadas de passagem, em logar competente, serão de novo apresentadas aqui, por prenderem-se ao estudo das alterações e falsificações do mesmo. Côr. A côr do leite é branco-creme, branco-amarellada; o leite perfeitamente branco, é quasi sempre um leite descremado; a côrmais ou menos azulada indica addicção dagua ou presença do bacillo cya- nogeno de Gessard, e a mais ou menos avermelhada indica a existên- cia de sangue ou micrococcus prodigiosus. Cheiro. O cheiro do leite é especial, proprio, é mais ou menos pronunciado, conforme certas e determinadas circumstancias ; ha for- ragens que possuindo oleo essencial o communicão ao leite; as fer- mentações e o mau acondicionamento alterão o seu cheiro também, outro tanto se póde dizer em relação á moléstia do animal que o tiver secretado. Sabor-O sabor do leite é ligeiramente adocicado; o sabor alca- lino indica addição de bicarbonato de sodio ; o sabor acido ou revela 47 antiguidade do leite ou a sua descremagem; o sabor salgado annuncia: segundo uns, prenhez da vacca, segundo outros, que a ordenhação deixou de ser feita em occasião própria; eu mesmo observei no Say- can, que passa por ser o melhor campo do Eio Grande do Sul, para a criação do gado vaccum, que o leite de uma vacca que deixou de ser ordenhada por mais de 24 horas, era tão salgado que chegou a ser re- pugnante; o sabor desenxabido, insípido, indica addição dagua. Consistência- O leite é espesso sem ser viscoso, deixando de ser unctuoso, indica addição dagua, e sendo viscoso revela a addição de gomma. Eeacção - Já eu disse que a reacção do leite era quasi sempre acida e alcalina; o recurso sempre prompto do papel de tournesol, aliás sufficiente nos casos communs, deve ser auxiliado tratando-se de alterações e falsificações, pois nestes casos, não basta saber si a reacção é acida ou alcalina, é preciso dosar esta acidez, é preciso de- terminar a causa desta alcalinidade. (a) Acidez- a acidez do leite muitos attribuem á permanência das vaccas nos estábulos, o que não é real. Eugênio Marchaud foi o primeiro que dosou analyticamente a acidez do leite e estabeleceu que a acidez normal pode ser de 82 centigrams. a 4 grams. e 22 centigrams, por litro ; porém Jules Eouvier pensa que a acidez nor- mal não póde passar de 2 grams. por litro. O leite tem sua acidez normal, e como esta acidez póde au- gmentar com a sua alteração ou diminuir pela addição da agua, eu vou descrever um apparelho bastante engenhoso, que serve para de- terminar estes dous estados do leite. Aoidimetro de Dornic - O acidimetro de M. Dornic, com- põe-se de um frasco de bocca larga, com rolha de cortiça, atravessada por 3 furos: um deixa passar um tubo, que communica o interior do frasco com uma empola de borracha ( gomma vulcanisada), o outro furo é atravessado por um funil cylindrico, na sua parte su- perior, para poder ser bem arrolhado,emfim o terceiro furo é atraves- sado por um tubo que vae até o fundo do frasco, em extremidade recta, einquanto que a outra, que é curva, termina livremente no in- terior de uma bureta graduada, que lhe fica parallela ; esta bureta tem, em sua parte inferior, um dispositivo de borracha, que permitte o escoamento gradual do liquido n'ella contido. Para fazer funccionar o apparelho, enche-se o frasco, com o auxi- lio do funil citado, de uma solução de soda, tendo-se o cuidado de re- 48 tirar a empola de borracha, para facilidade do escapamento do ar; cheio o frasco, arrolha-se o funil, colloca-se a empola de borracha em seu lugar, e por uma pressão exercida sobre esta, faz-se subir o li- quido no tubo que communica com a bureta, esta vae-se enchendo e quando o liquido tem attingido ao zero da graduação, superiormente collocado, para-se a compressão, e si por ventura o liquido foi em excesso, a empola de borracha, tornando ao seu estado primitivo, exerce sucção que o tirará, porque a ponta recurvada do tubo corres- ponde precisamente ao zero da graduação. Cheia a bureta, tomão-se em um tubo de ensaio, 10 centimetros cúbicos de leite, juntão-se-lhe 5 gottas de uma solução alcoolica de phenolphtaleina, colloca-se este tubo de ensaio embaixo da bureta, e procede-se como na aualyse oxymetrica da agua, para o descora- mento da solução de sulfato de cobre ammoniacal ou de azul de Cou- pier ; isto é, recebendo a solução reagente sobre o leite, como alli sobre a agua a ensaiar, agitando constantemente, no caso da agua o descoramento do reactivo indica o fim da operação, aqui elle é indi- cado pela coloração rosea que apresenta o leite, semelhante a uma amostra que existe ao lado do apparelho. Lê-se na bureta o numero de divisões correspondentes ao liquido gasto e cada um destes gráos corresponde a 1 milligram. de acido láctico; o bom leite marca de 16 a 20 gráos; si a acidez corresponde a 4 ou 5 gráos, o leite contem 15 a 20 °[0 dagua ; si marca 27 gráos, está em principio de fermentação lactea e coalhará si for fervido ; emfim si a acidez corresponde a 80 gráos, elle coalhará mesmo a frio. Não é preciso ir mais adiante em tal particular, aqui já ficou assentado um processo que serve para determinar a addição da agua ao leite e também a sua fermentação lactea ; elle ficaria tão bem sob a rubrica alterações, como sob a outra, que trata de falsificações ; entretanto, processo que tão infimamente liga-se á acidez, inclui nas reacções, porque me parece que elle ahi melhor se enquadra. (&) Alcalinidade - O leite deve a sua alcalinidade aos saes de potássio e sodio que contem, porem como os alcalis retardão a coa- Ihadura do leite, tem-se empregado o bicarbonato de sodio e mesmo o biborato de sodio, para retardar a fermentação lactea, do mesmo modo que se tem usado do salicylato de sodio para demorar a fermen- tação pútrida ; porem como estas addições representão verdadeiras fraudes, eu reservo-me para me occupar delias quando tratar das fal- sificações e alterações do leite. 49 Densidade - A densidade do leite de vacca varia entre 1.029 e 1.040. Arnould estabelece os limites 1.030 e 1.034. Galactometro ou pesa leite de Cadet de Vaux - Muitos são os instrumentos que servem para determinar a densidade do leite; destes instrumentos, o mais antigo, é o de Cadet de Vaux, que é um areometro que tem na haste cinco divisões: a inferior corresponde a 0, a superior a 4; o espaço que vae do 0 ao 1, corresponde á densi- dade do leite puro, o que vae de 1 a 2, serve para mostrar que o leite foi addicionado de um quarto do seu volume dagua, o que vae de 2 a 3, indica que o leite tem um terço d'agua, emfim o que vae de 3 a 4, denuncia que o leite tem metade d'agua. Laotodensimetro de Bouchardat e Quévenne -Este instru- mento é semelhante ao precedente, porém tem graduação muito mais precisa; graduado entre o máximo de densidade do leite inteiro, 1.042, e o minimo, que é representado por 1.014, que corresponde ao leite misturado com parte igual dagua, possne gráos intermediários, sendo que o numero maior está inferiormente collocado, e como entre o leite inteiro e o leite descremado ha uma differença de 4 gráos para mais neste, o instrumento em questão possne tres escalas : servindo uma, a que é azul, para a determinação da quantidade d'agua,addicio- nada ao leite descremado; a outra, a amarella, para o leite inteiro e a intermediária, branca, para indicar e densidade do leite. Tenho necessidade de frisar a questão de temperatura, que em analyses como esta, deve-se tomar em grande consideração; todos esses instrumentos : uriometros, alcoometros, lactometros, etc., são julgados para a temperatura de 15 gráos, e como todos sabem que a densidade cresce ou diminue,conforme a temperatura, forão inventa- das as taboas e propostos os cálculos para as correções. Quevenne publicou umas taboas de correcção para o seu instru mento, aliás perfeitamente dispensáveis, desde que se tenha em mente que cada gráo de temperatura a maior, corresponde a mais dous déci- mos na densidade do leite; assim si um leite na temperatura de 15 gráos marca 1014, na de 16 gráos marcará 1014,2, na de 17 marcará 1014,4, e assim por diante ; de maneira que, a 20 gráos marcará 1015, a 25 gráos 1016, a 30 gráos 1017. O instrumento do qual estou occupando-me,é muito usado e presta realmente bons serviços, entretanto si se reflectir no que eu disse no antepenúltimo periodo, se ha de concluir forçosa e immediatamente que o seu valor é muito secundário e talvez mesmo nullo ; sim, um 50 instrumento que póde accusar uma densidade normal, em um leite que soffreu duas falsificações, não é sómente inútil, é prejudicial até. O leite descremado revela mais 4 grãos de densidade que o leite inteiro e a addição da agua faz baixar a densidade do leite, portanto, nada mais facil do que, depois de retirado o creme, a manteiga do leite, juntar-se lhe agua até elle chegar á densidade desejada, e neste caso o lactodensimetro acobertará duas fraudes, dando uma den- sidade normal 1 O que acabo de dizer ninguém contestará. Que importa que o instrumento tenha duas escalas especiaes, si para o emprego delias é mister que se saiba precedentemente si o leite foi descremado ou não 1 E quem ousarájulgar da maior ou menor descremagem, e da addição de mais ou menos agua pela simples inspecção ocular ? Ora, si para reconhecerem-se aquellas duas fraudes, se ha de recorrer forçosa- mente a processos demorados, que descreverei mais tarde, que valor resta ao instrumento, do qual a unica vantagem é a de dar rapida, instantaneamente a densidade do leite? Eu também uso do lactodensimetro de Quevenne, aceito o como aceito o pésa-leite allemão, com as suas bolas de vidro fluctuantes ou o pésa-leite corrector de Pellet, com seus dous reservatórios de mer- cúrio, thermometro, etc., etc., mas não lhes dou o valor que muita gente lhes tem emprestado e tendo de escolher, prefiro o pésa leite corrector de Pellet, que apezar de ser instrumento pouco conhecido, tem a grande vantagem de fazer por si mesmo a correcção relativa ás differenças de temperatura e também a de mostrar a proporção dagua porventura addicionada ao leite. O lactodensimetro de Quevenne continuará a servir, porque feliz- mente dos negociantes de leite poucos se dão a estes estudos, e ou- tros temem a punição, nos lugares em que essas fraudes são puniveis; entre nós poucos exercem a sua profissão ou industria com bastante intelligencia, para illudir a boa fé do lactodensimetro ; a maior parte desses negociantes, por escrúpulos de consciência, sómente addicionão agua ao leite, outros mais usurários, retirão o creme para fabrico da manteiga, e qualquer dessas fraudes isolada é denunciada pelo instru- mento. Póde parecer a alguém descabida a critica que eu acabo de fazer, mas quem, como eu, estiver habituado a ver o partido que se tira do lactodensimetro; quem souber que entre nós, salvo caso especial e muito raro, o ensaio do leite consiste unicamente na immersão do in- 51 strumento no liquido suspeito e leitura dos gráos, sem se levar em linha de conta caracteres que não deverião ser esquecidos; quem tiver visto o lactodensimetro decidirem casos litigiosos, bem comoaquelle em que o leite é visivelmente aguado, mas o lactodensimetro dá den- sidade normal e é por isto reputado bom ; quem considerar a cousa como ella é, e não como deve ser, achará opportuna a minha lem- brança. Já deixei dito como se faz uso deste instrumento, resta me dizer que os gráos encontrados nelle não constão de quatro algarismos, mas de dons, isso para evitar a sobrecarga delles em haste tão fina ; então quando o leite marcar a divisão 30, ler-se-ha 1030, accrescen- tando se sempre mil antes do numero achado, e isto quer dizer que um litro de leite, na mesma temperatura, pesará 1030 gramms. A se julgar do leite pela densidade, seria talvez mais vantajoso o emprego, o uso do serodensimetro do Dr. H. Lescooeur, o qual tendo por fim determinar a densidade do soro, exclue as causas de erro citadas em relação ao lactodensimetro, não excluindo comtudo outra commum a todos esses instrumentos : a addição das gomrnas ou outros corpos solidos solúveis no leite, os quaes encoutraudo-se tam- bém no soro falsearão o resultado achado pelo serodensimetro. Extracto. - Tenho mostrado o mediocre valor desses instru- mentos, inventados para determinar a densidade do leite, e a meu ver, sómente, a titulo de ensaio preliminar, elles devem ser usados; quem precisa saber verdadeiramente o quanto depriucipios solidos, (englo- badamente) contem o leite, recorre á estufa e á balança, ainda assim, pode ser illudido, como mostrarei mais tarde, mas, não tão facilmente como no outro caso. M. Duclaux apresentou um processo para a obtenção do extracto do leite que não é o melhor, mas, pode ser usado, é o seguinte : em capsula tarada, deita se, por pipeta graduada, dez centimetros cúbicos de leite, juuta-se-lhe um peso conhecido de areia fina, lavada e secca, leva-se a capsula a uma estufa, da qual a temperatura não deve passar de 95°; quando a mistura não perder mais peso, renova-se a pesada da capsula com o seu conteúdo, a differeuça para mais, descontado também o peso da areia, representa o peso do extracto. Como se vê este processo é mais fiel do que os precedentes, en- tretanto pode acontecer que, um leite que pelo lactodensimetro ac- cusou uma densidade normal e que entretanto foi descremado e aguado, pela evaporação também dê uma porcentagem de extracto 52 normal; aqui evidentemente ha uma terceira fraude, é um corpo so- lido addiccionado ao leite, que concorre para augmentar o peso do extracto, felizmente ha recursos infalliveis para se reconhecer esta fraude e por isto o processo da evaporação continúa a ser o mais preciso de todos. Nunca deixo de empregar a evaporação para dosar os princípios solidos do leite, porem principio sempre evaporando a agua do leite em banho marii e termino a evaporação na estufa a 95?; não junto areia ao leite e uso sempre de capsula de platina, porque deste modo, na mesma capsula, incinero o extracto e assim doso os saes nelle contidos. A proporção de extracto que deve ter o bom leite é de 13 ?[0, o mí- nimo aceito na França é 11 ?[0, na Allemanha 10,5 °[0, na Inglaterra 11,5 °[0, porém como raramente se acha aquella porcentagem, pode-se em virtude de um calculo muito simples, determinar o quanto de agua ou de corpos solidos forão accrescentados. Supponha-se que, em vez de 13 grams. de extracto, se achão 12, temos que: 13 que se devião achar, estão para 12 que se acharão, assim como 100cc de leite, com tal titulo estão para X de leite de titulo normal. 13 : 12 :: 100: X donde : 12 X 100 X = =92,30 13 Estes 92,cc30 representão a quantidade de leite que a 13 °[0 de ex- tracto produziria as 12 grams. achadas, mas se é certo que se empre- gão 100cc (multiplica-se por 10 para facilidade do calculo) e não 92cc,30, é claro que a differença que vae de 92,30 á 100cc que é 7cc,70, representa a addição da agua por cento. Póde acontecer que o peso do extracto achado seja maior que 13 e então se armará a proporção. 13 : 14 :: 100 : X donde : 14 X 100 X = = 107 13 Aqui,a hypothese figurada por mim,é mais curiosa ; empregão-se 100cc de leite e se obtem extracto correspondente a 107cc e então de duas uma : ou o leite foi concentrado, o que não é de suppor ; ou soffreu a addição de corpos solidos, o que se póde ter por certo, e é facil de verificar. 53 Este assumpto está mais ou menos estudado, não se precisa de mais para se dosar em massa os elementos solidos do leite, não se precisa de mais para julgar si elle soffreu addição de agua. Creme. - O creme é constituido por globulos de manteiga e caseum, separa-se facilmente do leite pelo repouso e nesta proprie- dade firma-se o emprego dos differentes cremometros existentes. Cremometro de Chevallier. -O cremometro de Chevallier, naturalmente o mais usado de todos, porém com certeza inferior ao de Eougeot, é um experimentador, (éprouvette), de vidro que tem in- ternamente 0,038 de diâmetro e 0,n,22 de altura, os grãos ou divisões que correspondem a centésimos da capacidade do apparelho, prin- cipião a O,"llde distancia do fundo d'elle, um 0 occupa a parte superior da escala. Este apparelho exige leite não fervido. Como nos outros casoss aqui, principalmente, se deve agitar o leite com o fim de misturar o, seus elementos componentes, feito isto e evitando-se a espuma,se lan- çará o leite no cremometro até que elle tenha attingido o 0 da gra- duação; nada mais resta fazer do que cobrir o apparelho por um disco de vidro e deixal-o em repouso por algumas horas, 24 marcão os livros, mas, eu tenho observado que não ha necessidade dessa delonga e o creme que tem de se destacar, de se separar, o faz completamente muito antes d'aquelle prazo. Separado o creme, contão-se os grãos occupados por elle e o total representa a porcentagem do creme. Do bom leite, o creme deve occupar de 10 a 14 divisões, que equivalem a 10 ou 14 °/0. Con- vém ter em consideração a temperatura em qae se opera, os extre- mos de temperatura são prejudiciaes: o grande calor, favorecendo as fermentações, o grande frio difficultando a separação do creme. Como complemento do que fica dito, lembro que Duclaux acon- selha corar o leite com carmim indigo, deste modo uma camada ficará amarella e outra azul e assim a contagem dos grãos tornar se-ha mais facil ; nunca tive necessidade de lançar mão de tal recurso e acho o perfeitamente dispensável. O registrador de Fjold, que tem por fim produzir a descre- magem centrifuga do leite, requer para o seu funccionamento tem- peratura fixa, nada menos de 1200 rotações precisas por minuto ; seu perfeito equilíbrio e medições diversas, por meio de regra gra- duada, das camadas de creme existentes nos seus differentes tubos; nem por ser tão exigente o seu resultado pratico, se avantaja ao do 54 cremometro de Chevallier, pelo que deixo de occupar-me da sua des- cripção louga e complicada. Olactocrito de Laval e o meio de usal-o, são ainda mais com- plicados. Ladau Bockairy diz que é possível que este processo dê bons resultados em mãos muito experimentadas, mas que elle of- ferece margem a muitos erros, Bockairy chega mesmo a dizer que os ensaios feitos em sua presença, com os cuidados do constructor, no Laboratorio Municipal de Paris, derão resultados muito medíocres e não concordarão absolutamente com a analyse por pezadas, emfim o proprio Laval não pôde mostrar a excellencia do seu apparelho. O CREMOMETRO do dr. rougeot é um provete com fundo e bocca alargados tendo de cima para baixo as divisões 0, 30, 60, 90, 120 e 150. O creme contido em cada divisão representa 30,0 gr., em relação ao litro, donde o creme do bom leite deve occupar os espaços com- prehendidos entre 90 e 150, que correspondem approximadamente aos gráos ou divisões 10 e 14 do cremometro de Chevallier. O cremometro de Rougeot tem a grande vantagem de se prestar também para ensaiar o leite que tiver sido fervido e a não menor de se adaptar á pesquiza do leite frio ou quente, exigindo neste caso o máximo de duas horas para a realisação da operação. O processo a frio é em tudo analogo ao seguido, no emprego do cremometro de Chevallier ; para a realisação do outro se aquece o leite a 37? centígrados (antes de deital-o no cremometro); junta se lhe depois 10 a 12 gottas de ammonea e no fim de uma ou duas horas o creme estará destacado. Rougeot organisou umas taboas pelas quaes diz elle : tendo-se a quantidade do creme, calcula-se a da manteiga, caseiua, etc., compre- hende-se o quanto de engano vai em tal proposição. Eu sou naturalmente avesso a este systema de organisação de taboas, para evitar cálculos, aquelles nem sempre estarão debaixo das mãos do pesquisador, é o mesmo que se dá com o martelo, o ples- simetro, o estethoscopio ; aqui temos os instrumentos naturaes : os dedos e o ouvido, alli também ha o instrumento natural, é a formula, que mais facilmente estará a serviço do calculista que um livro muitas vezes enorme, portador da tal taboa; a sêde de crear essas taboas faz com que muita gente ignore os meios de realisação dos cálculos, e o que é mais, ainda faz se ir a extremos,procurando- se por deducções, o que não se póde obter senão por experieucia. A titulo de curiosidade, eu vou transcrever parte das taboas de Rougeot 55 e quem quizer que condemne a minha critica, sim, ningem ignora que do leite o creme é o unico elemento sujeito a subtracção, e pretender calcular os outros elementos do leite, pela riqueza de seu creme, será tudo o que se quizer, menos seriedade em sciencia. Dou de barato que, pela quantidade do creme, se calcule a da manteiga, mas não posso comprehender como, com tal base, se possa ir além ; em todo o caso ahi vão as taboas, eu por mim nunca usei d'estas, nem de outras quaesquer, nas minhas analyses de leite. LEITE DE MULHER Creme por litro LEITE DE VAGGA Lactose e saes Caseína e albumina Manteiga Manteiga Caseina t albumina Lactose e saes Extracto 8,60 7,80 5 15 ò 5,10 6,50 17,50 17,20 15,60 10 30 10 10,20 13 35 34,40 31,20 20 60 20 20,40 26 70 5',60 46,80 30 90 30 30,60 39 105 Manteiga - E' um dos mais preciosos componentes do leite, é constituída por globulos amarellos claros, existentes em suspensão no leite, os quaes pelo repouso, sobrenadão e pela agitação agglutinão- se, formando-a. O tamanho dos globulos em questão, varia entre -yy- e de millimetro. Segundo F. Simon, esses globulos de leite da mulher, são maiores que os do leite de vacca ; o que eu tenho observado é que ha grande disproporcionalidade quanto ao tamanho dos globulos no leite da mulher; e já que por uma digressão desculpável, fallo em leite de mulher, quando n'esta parte, tenho me referido sempre ao leite de vacca, aproveito a opportunidade para dizer que a manteiga de leite de mulher é mais molle que a de leite de vacca e de cabra. Os globulos de manteiga estão na razão de um milhão por milli- metro cubico de leite, são regulares, bem contornados, si de animal são, irregulares, si de doente. Muitos autores julgão esses globulos cercados, forrados por uma delgada camada ou pellicula de caseina, a qual chamão membrana haptogena, a sua existência hoje é contes- tada. Quando do creme se retira a manteiga, a parte que fica : leite ba- tido, leite de manteiga (babeurre), é doce, as mais das vezes ligeira- mente acida e precipita-se pela infusão de noz de galha. 56 A manteiga é mais leve do que a agua e muito mais ainda do que o leite, d'ahi a maior ou menor densidade do leite, conforme a sua menor ou maior proporção. A côr amarella que o leite tem normalmente, (independente de fervura, contaminação etc.), é devida á manteiga. Ha muitos apparelhos e instrumentos inventados para dozar a manteiga de leite, eu vou occupar-me dos melhores e dos mais com- mummente empregados. Lacto-butyrometro de Marchand - O Pharmaceutico Eugê- nio Marchand inventou um instrumento muito simples para a dozagem da manteiga no leite, é um tubo de vidro fechado em uma extremi- dade, tendo 0,ni01 de diâmetro interno e 0,'n25 a 0,in30 de comprimento, é dividido em tres partes, equivalendo cada uma delias a 0,m310, sendo a inferior marcada por um L (leite), a média por um E (ether) e a superior por um A (álcool), parte desta é subdividida em milli- metros, que representão os gráos do instrumento. O manejo deste instrumento é muito facil, consiste emenchel-o de leite até o traço marcado com o L, deitar em seguida uma ou duas gottas de solução de soda ou potassa, ao decimo,com o fim de impedir a coagulação da caseina e albumina durante a operação, juntar ether sulfurico até o traço E, tapar o instrumento com o dedo pollegar e dar duas ou tres voltas muito brandas,para que o ether dissolva mais facilmente a manteiga, immediatamente addicionar álcool a 90° até o traço A, agitar novamente para que a manteiga separe-se do ether e nada mais resta fazer do que collocar o instrumento na temperatura de 40 a 45° por uns 15 minutos; findo este tempo contão-se as divisões occupadas por ella e faz-se o calculo de seu peso, em relação ao litro por esta formula : X = n X 2,33 12,6 A lettra n representa o numero de divisões ou gráos occupados pela manteiga, o numero 2,33 representa em grams. o peso da man- teiga contida em cada gráo e 12,6 corresponde ao peso da manteiga, em relação a um litro, que fica retida pelo ether alcoolisado. Suponha-se, depois de tudo que ficou dito, que a manteiga do leite a examinar, occupa 5 divisões ou gráos do instrumento, appli- caudo a formula, temos : X = 5 x 2,33 4- 12,6 ou X = 24,8r 25, peso total da manteiga por litro 57 Como se vê o processo é facil e o calculo ainda o é mais, porém, Marchand, para não ficar atraz dos outros, também publicou umas taboas que teem por fim dispensar o calculo citado; abstenho-me de tratar delias, quando em outra parte já fiz a minha profissão de fé, relativamente a este assumpto. Antes de ir adiante, quero deixar aqui consignado o reparo que me mereceu, neste particular, o monumental tratado de hygiene de Jules Arnould, reeditado o anno passado, com o seu modestíssimo titulo : Nouveaux EHêments ãSHygiène. Na pagina 490 de seu livro, Arnould diz que cada divisão do instrumento de Marchand, corresponde a 2 grarns. de manteiga ; eu devo confessar que no decurso de mais de uma dezena de anuos que estudo essas questões, é este o primeiro livro que me chega ás mãos, trazendo esta novidade, e não se diga que se trata de assumpto de so- menos importância ; si em chimica o colorido das reaccões é o que mais fascina o principiante, a precisão das pesadas é o que mais interessa o provecto. Não se trata de erro typographico. Arnould cita aquelle numero em mais de um lugar, faz calculo e apresenta resultado sobre elle, e como se trata de questão importante, pois avulta muito em uma ana- lyse de leite uma differença de 33 centigrams., para mais ou para menos, por gráo do lactobutyrometro de Marchand, eu faço por unica e exclusiva iniciativa minha esta critica que por ser pequena não deixa de ter razão de ser. Lactobutyrometro de Marchand modificado por J. Sal- i.eron. -Salleron que primou mais em reformar do que em inventar, ligando o seu nome ás invenções dos outros, porque na verdade é mais facil apontar defeitos do que produzir obras, também modi- ficou o lactobutyrometro de Marchand, como substituio pelo seu ebulliometro o ebullioscopio de Vidal e Malligan, como tornou microscopico o alambique do arabe Geber. Salleron achou que a graduação do instrumento de Marchand não ficava bem, impressa no vidro, e transferio-a para um cursor metal- lico, capaz de passeiar ao longo do tubo que vou estudando, então para completar a sua modificação fez com que o primeiro gráo do seu cursor tivesse o numero 12,60, que é justamente o numero fixo corres- pondente ao peso da manteiga que o ether alcoolisado retem, sendo os outros gráos contados com a adição de um para outro do numero 2,33, que corresponde ao peso da manteiga em cada gráo, de modo 58 que, fazendo correr o cursor até collocar o traço correspondente a 12,60 ao nivel do bordo livre da manteiga, nada mais resta fazer do que ler no traço que coincidir com o limite inferior delia, o numero que lhe corresponder e que, por si só representará o peso da manteiga, por litro. A vantagem que, a meu ver, apresenta o cursor, não é a de dis- pensar o calculo, que é facil e rápido de fazer, mas, a de se poder collocar a graduação onde se quizer; entretanto cumpre notar que a volatilisação dos reactivos é insignificante, pelo que a graduação im- pressa no lactobutyrometro de Marchand, é sufficiente para, mesmo nos casos de abaixamento da columna que se examina, permittir sempre a contagem dos gráos occupados pela manteiga. Outra modificação, a que se refere a bainha, estojo ou camisa, que também serve de banho maria do instrumento, por ser metallica e trazer soldada inferiormente um reservatório no qual se inflamma o álcool, que deve aquecer a agua do banho maria, não tem impor- tância nenhuma e é talvez prejudicial, por mais de um motivo, fáceis de apontar. galactotimetro de adan.-Adan, a quem não agradou o pro- cesso de Marchand, depois de critical-o severameute, apresentou o seu galactotimetro (medida de valor do leite), o qual não sortiu efíeito, não tanto pelo valor real do processo que incontestavelmente é bom, mas pela complexidade do apparelho, complicações das mani- pulações e maior dispêndio monetário, na realisação do processo O apparelho de Adan presta-se á analyse completa do leite. Ha ainda outros muitos processos para a dosagem da manteiga no leite ; entre os mais importantes destaca-se : o de Demichel pelo seu lactobutyrometro, instrumento este que passa por ser o mais aperfeiçoado para a dosagen rapida da manteiga, o processo de Soxhlet, etc. evaporação.-E' este um processo facil de dosagem da manteiga contida no leite, porem pouco pratico; consiste em evaporar volume determinado de leite, 0,ni310 por exemplo; pulverisar o extracto obtido e assim introduzil-o em um tubo de extremidade afinada, na qual se colloca um tampão de algodão; deitar ether gradualmente nesse tubo, o qual será recebido em capsula de porcellana,ou crystal- lizador de vidro, previamente tarado; evaporar o ether (aconselha-se conservar o utensílio, no qual foi recebido o ether que arrastou a manteiga, em uma estufa na temperatura de 100°); pezar de novo a 59 capsula ou crystallizador e a differença para mais, indicará o peso da manteiga, em relação á quantidade de leite evaporado. coagulação. - Um processo que pode ser sempre empregado para a separação da manteiga do leite e que ao mesmo tempo permitte dozar os seus outros elementos,é aquelle que tem por fim a separação da manteiga,caseina e saes insolúveis do soro,lactose,albumina e saes solúveis, por meio de um reagente capaz de coalhar o leite. Este processo será descripto em outra parte, quando eu me occupar da caseina. Lactose. - A lactose conhecida também pelos nomes de lactina e assucar de leite, é o unico assucar que se encontra exclusivamente no reino animal. Foi extrahida do leite pela primeira vez em 1619, por Fabrizio Bartholetti. E' por muitos considerada diurético directo,emquanto que outros pensão que ella obra mecanicamente ; obra pela agua em que é dissolvida, do mesmo modo que o nitro, nitrato de potássio, salitre, nas grandes porções de cozimento anti-phlogistico de Stoll, ou nos cozimentos de gramma, parietaria, etc., emfim a agua pura. Diversos são os processos propostos para a dosagem da lactose no leite, eu vou me occupar do que de melhor e mais importante ha, acerca do assumpto. Saccharimetros.-O saccharimetro de penumbra, que foi inventado por Jellet, soffreu differentes modificações, até que hoje Laurent o apresenta magnifico. A dosagem da lactose, ou outro assucar qualquer em solução, neste apparelho, é muito facil e vanta- josa; nunca deixei de recorrer a elle em taes casos e tendo-se uma bôa camara escura,uma luz firme,um chlorureto de sodio refinado e secco, o resultado não falhará, o que não posso dizer dos uutros processos sujeitos a diversas eventualidades. Para dosar pelo saccharimetro a lactose contida no leite, deve-se ter de antemão preparada uma solução plumbica, feita na proporção de lOcc. de sub-acetato de chumbo officinal para lOOcc. de agua dis-- tillada, a qual juntarão se algumas gottas de acido acético, até desap- parecer a cor leitosa. A certo volume de leite, junta-se igual volume desta solução e depois de bem misturados, no fim de alguns minutos filtrão-se e o liquido transparente obtido, deita-se no tubo de 0,m20; então nada mais resta fazer do que contar os gráos do desvio e multiplical-os pelo numero fixo 4,gr15, isto porque o leite foi diluido- 60 em igual volume de solução plumbica; se o soro fosse examinado sem previa diluição,o numero fixo seria 2,?r75, pois a tanto de lactose por litro, corresponde cada gráo do saccharimetro. O processo que acabo de descrever é o mais conhecido para a dosagem da lactose no leite pelo methodo polarimetrico, porem agora mesmo, em Io de Julho deste anno,Paul Thibault publicou um artigo acerca da dosagem polarimetrica da lactose no leite da mulher no qual, criticando o processo de Esbach pelo acetato mercurico, o processo de Denigès pelo metaphosphato de sodio e mostrando a impossibilidade da dosagem pelo liquido plumbico, apresenta o seu processo,que tem por fim coagular o leite de mulher por uma solução acética de acido picrico, analoga á que se emprega para dosar volumetricamente a albumina na urina. Elle prepara o reactivo dissolvendo a quente em 950cc. de agua distillada, 10 grams. de acido picrico puro, depois da solução fria junta 25 cc.de acido acético crystallisavel e completa o volume de 1 litro a 15°, filtra e conserva em frasco arrolhado.Para20cc.de leite,elle emprega 20cc.de reactivo, filtra e examina ao tubo de 0,m20 ; diz que o soro que resulta desta operação é exempta de albulmina, o que se pode verificar pelos reactivos de Millon e de Tanret. Quinze dias depois da publicação do artigo de Paul Thibault, G. Denigès publicou um artigo a proposito da dosagem polarimetrica da lactina no leite da mulher e mostrando que o processo de Thibautl não traz vantagem para o caso que elle o propõe, pois sempre o soro do leite de mulher e o do de jumenta, e algumas vezes o de egua, apresentão anomalias opticas produzidas por duas substancias muito solúveis n'agua não precipitáveis pelos reactivos os mais sensíveis dos albu- minoides e sem poder reductor, porem, activos sobre a luz polarisada, diz que no estado actual da sciencia, não ha meio pratico para se- parar essas substancias da lactose e termina dizendo que é illusoria a dosagem polarimetrica dos leites de mulher, de egua e de jumenta. Depois de tal critica, Denigès conclue o seu artigo, dizendo que o liquido aceto picrico de Thibault é muito mais vantajoso para a do- sagem polarimetrica dos leites de vacca, cabra e ovelha que o plum- bico, porque este, apezar de dar soro muito transparente, deixa subsistir no liquido matérias albuminoides que concorrem para pro- duzir na dosagem um déficit, que varia entre 3 e 5 de lactose por litro ; isto que Denigès diz, teem verificado Roux e Grimbert. O meu fim, referindo-me a estes artigos modernissimos, foi apre- 61 sentar o methodo de Thibault que, como está demostrado pelo proprio Denigès, substitue com grande vantagem o methodo plumbico para a dosagem polarimetrica da lactose no leite de vacca. Licores cupro-alcalinos.- Muitos são os licores cupro-alca- linos propostos para a dosagem dos assucares nas soluções. O mais commummente empregado é o de Fehling, que é preparado pelo pro- cesso seguinte : tomem-se 34gr.6~> de sulfato de cobre crystallisado e dissolvão-se em 200 cc. d'agua, por outro lado dissolvão se 173 grams. de sal de Seignette (tartrato de potássio e de sodio) em 300gram. de lexivia de soda pura, com 1,33 de densidade, misturem-se as duas so" luções (uns mandão deitar a segunda solução na primeira, outros mandão o contrario, não comprehendo a razão de taes preferencias, principalmente quando os autores estão em contradicção), agite-se o todo e addicione-se agua distillada até completar um litro. O licor de Fehling não se conserva por muito tempo inalterável, especialmente em presença da hiz, meditando nisto, Pasteur inventou outro licor composto de 130grams. de soda, lOõgrams. de acido tar- tarico, 80grams. de potassa, e 40.grams. de sulfato de cobre crys- tallisado, dissolvidos em agua sufficiente para prefazer tudo um litro. Ha ainda outros licores cupro-alcolinos como o de Violette, Boussingault, Poggiale, etc. Os licores cupro-alcalinos devem ser titulados antes de empre- gados, então 10 cc. de licor de Fehling são reduzidos por 0,0475 de glucose, 0,0635 de lactose, etc., aqui também não ha accordo entre os autores, mas como a discordância está em fracções muito insignifi- cantes, não vale a pena fazer cabedal delia. Os licores também devem ser ensaiados antes das analyses, ensaio este que consiste em fervel-os para ver si se alterão, si alterarem-se não servem. A dosagem da lactose contida no leite, pode ser feita sobre elle proprio ou sobre o soro. No primeiro caso, tomão-se lOcc. de leite e reduzem-se pela agua distillada a 50cc., com uma bureta graduada deita-se gotta agotta este leite em 5cc. de licor de Fehling, que com igual volume de solução de potassa a 10 )0, estão collocados em balão ou capsula para permittir sua ebullição, continua-se assim, addicio- nando o leite ao regente e fervendo o todo de modo alternativo, até que este deixe de ser azul e apresente uma ligeira côr de tijolo. No segundo caso, coalha-se previamente o leite pelo acido acético e o soro obtido dilue-se na quantidade d'agua que se quizer, sendo indispensável porém, que no fim da operação, na cccasião do 62 calculo, si se reporte este ao gráo de diluição do soro ; outro tanto posso dizer em relação ao proprio leite : tudo consiste em tornar pri- mitivamente volume determinado de leite; a diluição convém ser feita em proporção decimal, para facilidade do calculo e não deve tocar os extremos pelo mesmo motivo. E' de boa pratica diluir o licor de Fehling em tres ou quatro vezes o seu volume de agua dis- tillada e tornal-o mais alcalino por uma lexivia de soda ou por uma solução de potassa, como já disse em outra parte. A addição de liquido a ensaiar no reagente, a consecutiva fervura de tudo, o retiramento do balão ou capsula do foco calorifico, a nova addição, etc., é tudo em que consiste esta analyse, que tendo bas- tante de material, e que é sempre a mesma, para qualquer especie de assucar, mesmo para o assucar de canna, depois da sua inversão por um acido mineral aquente, (quasi sempre o acido chlorhydrico de 65° a 76°), pode todavia ter um aspecto mais scientifico, se a estas alter- nativas de tirar do fogo e n'elle botar para espiar de encontro a luz, se preferir juntar uma gotta deste liquido complexo a outra de solução de ferro-cyanureto de potássio : então ou ha o precipitado vermelho, de ferro-cyanureto de cobre, mostrando que ainda ha cobre para re- duzir no licor de Fehling, ou então as gottas não reagem entre si e a operação está terminada. Concluída a operação, resta fazer o calculo, o qual consiste em dividir pelo numero de centímetros cúbicos de soro ou de leite gastos para reduzir o licor cupro-alcalino (é de van- tagem empregar uma bureta graduada, devendo se preferir talvez a de Gay-Lussac) o numero fixo : 0,0635 gram. multiplicado por 1000 para dar resultado correspondente a 1 litro de leite, eis a formula : X = 0,8r 0635 X 1000 n gastando-se, por exemplo 18° da bureta temos : 63.sr 5 -T- 18 = 35,v 2 35,sr2, representão em grammas a quantidade de lactose existente no litro de leite. O processo de Soxlilet, para a dosagem da lactose no leite, pelo licor cupro-alcalino, é analogo ao precedente, dá o mesmo resultado, porém, é mais complicado, muito mais demorado e mais dispendioso; e parecendo a mim não haver conveniência em se obter cobre metal- lico, reduzido por uma corrente de hydrogenio, pois nisto resume-se a operação, para depois, pela pezada deste cobre, calcular-se a quan- 63 tidade da lactose, eu deixo de me occupar deste processo que incon- testavelmente é bonito, porém pouco praticável. Caseína - Ha duas caseinas muito differentes : uma é producto de transformação da albumina, também se chama albuminose, a outra é a do leite, é desta que eu me vou occupar. Os saes metallicos formão, com a caseina, compostos insolúveis, em virtude disto, se emprega o leite, com vantagem, nos casos de envenenamento por taes saes. A caseina se pode unir a certos ácidos, formando : sulfato de ca- seina, chlorhydrato de caseina, etc. A dozagem da caseina se faz por poucos processos ; em quasi todos, ou talvez todos os livros que se occnpão do assumpto, se en- contra a idéa de dozar a caseina por differença e é este um recurso do qual sempre se póde lançar mão. Tome-se volume determinado de leite, 20®c por exemplo, redu- zão-se os a 100cc pela addição de agua distillada, juntem se-lhe algumas gottas de acido acético para produzir a coagulação, filtrem se- os por papel previamente tarado, o precipitado que fica no filtro, la- ve-se com agua distillada,deite-se tudo em estufa,para seccar em tem- peratura inferior a 95°, pese-se; este peso, descontando o do filtro, representará o da manteiga, caseina e saes insolúveis; então deite-se o filtro com o seu precipitado em um apparelho de condensação (serve um balão communicando-se com refrigerante de Liebig ) de modo que, posta no balão certa quantidade de ether, este, por um ligeiro aquecimento se volatilise, ou antes se evapore e atravessando o filtro e precipitado, se condense superiormente e volte pelo mesmo caminho, arrastando corasigo a manteiga; assim, no fim de certo tempo, com pequena quantidade do ether e um pouco mais scientifi- camente, do que pelo aquecimento do ether em capsula para ser der- ramado no funil contendo o filtro, etc., se conseguirá retirar a man- teiga das outras substancias que ficão no filtro; evaporado esse ether, si o vaso em que elle fôr recebido tiver sido tarado previamente, por uma differença de pesada, se terá o peso da manteiga; o filtro com o seu conteúdo pesado de novo dará o peso da caseina e saes insolúveis; então calcinando-se tudo e abatendo-se d'este ultimo numero achado, o peso dos saes insolúveis, que resultão da calcinação, ter-se-ha o peso da caseina. O processo de Denaeyer, publicado em 12 de Junho deste anuo, para a dosagem da caseina, consiste na precipitação de 10cc de leite 64 por 200cc de álcool a 95° e na dosagem do azoto deste precipitado pelo processo de Kjeldahl. O autor diz que a precipitação da caseina é completa, e a filtração facil e rapida si se tem a precaução de deixar depôr o precipitado durante algumas horas ; emfim lavado o precipitado pelo álcool e depois pelo ether,no proprio filtro, é ainda com este introduzido no balão de Kjeldahl. Sem que eu possa com- prehender porque o autor não deixa ao chimico ou ao hygienista a liberdade de escolher o processo que lhe aprouver para a dosagem do azoto, devo entretanto dizer que a albumina do leite, sendo também precipitavel pelo álcool, irá, englobadameute com a caseina, au- gmentar o total do azoto. Albumina-Si o Diccionario de Chimica de Wurtz, apezar de ser a obra mais completa no genero, já não estivesse um pouco alcançado em annos, era chegado o momento de ser evocado, e com muito mais felicidade, do que qualquer desses monumentaes tratados de chimica pura ou applicada de Willn e Hanriot, Jungfleisch, Post, Knapp, Wagner e Gautier, etc., etc. E' Wurtz, o grande professor de chimica da Faculdade de Medi- cina de Paris, que critica Doyère por attribuir á presença da albu- mina,© facto de no soro do leite obtido pelo acido acético, produzir-se turvação pela ebullição, e diz que isto prova unicamente que as ul- timas porções de caseina necessitão da acção do calor para sepa- rarem-se; elle não fica ahi, vae mais longe dizendo que : - Doyère, Millon, Commaille e grande numero de autores allemães, dosão como albumina os flocos que se formão pelo calor no soro obtido com o auxilio do acido acético. Wurtz chama Joly e Filhol em seu auxilio, os quaes dizem que pela filtração do leite por fortes papeis, o pro- ducto filtrado, submettido á ebullição, nem mesmo ao microscopio denuncia coagulação. Tem analogia com com o assumpto a lição de clinica medica proferida em 4 de Dezembro ultimo, pelo professor europeu Dr. Au- gusto Rocha, relativamente ás filtrações das urinas albuminosas. Este professor diz que: - a albumina resultante das moléstias situa- das a montante dos elementos filtrantes, se encontrará na urina, a despeito de muitas filtrações, e a das situadas a jusante, não, depois de submettidas áquella operação.-Isto principiou Wurtz a dizer re- correndo a July e Filhol e terminou por si, quando disse que nos casos pathologicos a albumina apparecia no leite. Está entendido que Wurtz estabeleceu que este principio que se 65 chama albumina do leite, depois de uma filtração completa deste, deixa de ser encontrado no soro, e é justamente isto que diz o Dr. Rocha, com relação á albumina banal das urinas. Wurtz diz também que nos casos pathologicos a albumina se encontra no leite (necessariamente depois das filtrações, pois que antes se referiu a ellas), o Dr. Rocha diz que a albunvna grave se encontra nas urinas, a despeito de muitas filtrações. Ninguém diga que eu quero concluir de leite para urinas, o que eu discuto é a idéa, é o principio; o que eu quero é mostrar os pontos de contacto existentes entre o que está escripto no Diccionario de Wurtz e a lei que o Dr. Rocha formulou, para o diagnostico differencial das albuminas na urina. Estou con- vencido de queo illustre professor, que quasi se sacrificou para firmar a sua lei, e que principiou a sua lição, «fallando em clínicos que explorão mirabolante e gauanciosamente a ignorância e natural cre- dulidade dos enfermos, que afflictos se lhe confião, para dizer que o medico não deve recorrer ao chimico, mas fazer por si aanalyse com- pleta da urina», o que entretanto eu acho difficil de realisar-se, tratan- do-se de médicos verdadeiramente clínicos, nos apresenta n'ella, o fructo do seu longo trabalho, como elle proprio confessa. Eu vejo muita cousa importante em tudo isto, lastimo que não possa ma aprofuu lar em tal matéria, e quanto ao que se refere a des- cobertas, abstrahindo desta a que tenho me referido, porque não serei eu quem pretenda offuscar a gloria, empanar o brilho de quem quer que seja, cada vez inais me convenço de que, muito modernismo de hoje não equivale á phenix renascendo das cinzas, é apenas a consequência de escavações archeologicas, claudestiuamente feitas para apresentação, não digo de cadaveres galvanisados, mas de idéas magnificas que dormião o somuo do esquecimento, embaladas pela mão mirrada do tempo, que tudo destroe e tudo coustrue; porque assim como a vida é o principio da morte,é alimentada pela morte, é a própria morte, assim também as idéas desapparecem hoje para reap- parecerem amanhã, mais bellas por serem novas, para caducarem depois ; porque este mundo nasceu espherico, para que em alguma saliência ou depressão, incisão ou sinuosidade delle, não se podesse agarrar algum homem ou encalhar alguma idéa. Não é somente a sciencia moderna que se deve estudar, quem estuda o antigo aprende mu.ta cousa,que hoje passa por moderna. Ha mais de vinte e dons séculos, fundou Hippocrates a Medicina e si nenhuma pedra do monumento construído por elle, foi ainda derra- 66 cada, si o que elle escreveu, escreveu, não como Pilatos, a confirma- ção de um direito sagrado, por não ser pretor, mas como Christo, o principio e o fim de uma obra divina; foi por ser sabio e predestinado. Nenhuma sciencia caminha mais do que a therapeutica, ella já não caminha, corre; já não corre, vôa; olhe-se para ella e se verá que a chuva, a saraivada de medicamentos novos, verdadeira praga de methyloes, lycetoes, eugenoes, alumuoes, benzosoes, etc., etc., etc., apparece um dia para desapparecer no outro e talvez para sempre, ou por tratar se de descobertas banaes, ou por não alcançarem ellas o fim a que são propostas, ou talvez porque a fatalidade da morte não se possa oppor á novidade do medicamento. Divaguei muito, tratando da pesquiza da albumina, no leite, mas o que dizem os autores a este respeito? Nada ou quasi nada. Sim, dizer que se dosa a albumina pelo calor, no soro obtido com o auxilio do acido acético, é quasi nada dizer, principalmente quando Wurtz tão bem amparado, como si a sua grande autoridade não bastasse, impugnou taes conceitos. Muitos reagentes precipitão as albuminas nas soluções : o álcool em grande quantidade, o tannino, o acido picrico, a anilina, o sulfato de cobre, o nitrato de prata, os ácidos azotico, metaphosphorico, etc., etc. ; a todos estes reactivos, e a mui- tos outros, se recorrerá com vantagem na pesquiza da albumina. Saes. Os saes existentes no leite são solúveis e insolúveis : os solúveis são : chloruretos de sodio e de potássio, phosphatos e car- bonatos alcalinos: os insolúveis são : phosphatos de cálcio, de magné- sio e de ferro. Para dosar os saes do leite, deite-se em capsula de platina, pre- viamente pesada, volume determinado deste alimento e se o calcine na temperatura rubra nascente; quando o residuo estiver branco, a incineração está concluída, deixe-se resfriar e pese-se a capsula com o seu conteúdo ; a differença de peso indica o dos saes solúveis e in- solúveis contidos no leite; deite-se agua distillada na capsula, como para dissolver os saes existentes n'ella e receba-se essa agua, que se suppõe conter saes dissolvidos e em suspensão, em um filtro de ante- mão tarado, continue-se essa operação até que na capsula deixe-se de encontrar vestígio de sal; então seque-se o filtro completamente em estufa e pese-se-o ; a differença, o augmeuto da pesada, indica o peso dos saes insolúveis que, abatido do numero que préviamente achou-se para todos os saes, dará o peso dos saes solúveis. Também se póde calcinar o filtro com os saes e pesar o residuo, pois em taes casos,. 67 pode-se e deve-se empregar o papel de filtro que nos vem emmassado, dizendo por fóra do masso o quanto, em fracção de gramma, pesão as oinzas de cada um desses filtros. Antes de concluir este capitulo, cumpre-me dizer que se não me occupei com a descripção e maneira de funccionar dos lactoscopios de Donné, de Hager, de Feser, de Vogel e de diversos outros instru- mentos, não foi por esquecimento ou má vontade e sim por me pare- cer perfeitamente dispensável semelhante tarefa,attendendo ao pouco valor real, historico e mesmo apparente delles. CAPITULO SEGUNDO Alterações do leite e processos de conservação Todos sabem que o leite pode alterar-se espontaneamente, ou pela addição de certas substancias, como: assucares, fermentos, etc. Pondo de parte as alterações que podem consistir na mudança da cor do leite pela fervura, accrescimo d'agua, presença de micro- germens e diversas outras, das quaes já tenho me occupado e me occuparei ainda, quando fizer o estudo das falsificações ; vou estudar aquellas, que sendo as mais communs, são talvez as únicas, com mais propriedade, denominadas alterações. Eu me refiro ás fermen- tações, e sem querer nem dever entrar em questões de propriedade de * linguagem, principalmente quando se sabe que alteração é toda a mudança de um estado qualquer ; todavia considerando que a lati- tude desta palavra póde ter, e o uso fez com que neste particular tivesse, applicação muito restricta : eu avanço aquella proposição. O leite que coalha, o leite que azeda, o leite que principia a pu- trefazer-se, todo o mundo chama leite alterado; porém, o leite ao qual se addicionou agua ou gommas, bicarbonato de sodio ou féculas, salicylatos ou assucares, todos, ou quasi todos, chamão leite falsifi- cado ; porque falsificar é contrafazer, falsificar é adulterar, é so- phisticar, é apparentar o que não é. Brouardel diz que um producto é falsificado, quando elle contem uma substancia estranha á sua composição natural ou quando uma substancia que entra em sua composição natural, ahi se acha em quantidade anormal. 68 Dito isto, justificada a rubrica sob a qual vou rapidamente de- senvolver o novo assumpto, eu principio dizendo com Pasteur, que as fermentações são pheuomenos biologicos, correlativos da vida dos microgermens e não teem logar senão em presença dos germens do ar. fermentações do leite.-O leite é susceptivel de soffrer tres fermentações : a lactea, a pútrida e a alcoolica. A fermentação lactea resulta da transformação da lactose em acido láctico, transformação que é poderosamente auxiliada, activada pela electricidade e calor atmosphericos, e retardada pelo frio. O calor não produz a fermentação lactea, porem activa-a, os áci- dos mineraes a embaração, a estorvão ; o sueco gástrico a augmenta, porque elle tem a propriedade de coagular e depois redissolver a ca- seína, condição indispensável para se dar a fermentaçãp que vamos estudando, pois desde que a caseinn se precipita, a fermentação para, continuando todavia se ella é redissolvida. Fremi, com o fim de impedir a parada da fermentação, saturava o acido láctico á proporção que elle se formava, impedindo portanto que este acido obrasse sobre a caseina, precipitando-a. Convém qne fique desde já dito que a lactina pela oxydação, dá differentes ácidos, entre outros : o acido formico, que também con- corre para a coagulação do leite. E' bom que fique também aqui assentado, que a fermentação lactea será mais rapida si se addicionar agua ao leite. A fermentação pútrida ou putrefaeção, que ó commum a todos os alimentos, a toda a matéria organica, eó se póde dar ao contacto do ar. A putrefaeção decompõe a matéria organica, por modifica- ções successivas, nos seus elementos constitutivos os mais simplices, estes voltão á terra e delia passão aos vegetaes e destes aos animaes, ao homem ; mortos estes voltão para a terra e d'ahi a putrefaeção, e desta renovação incessante, interminável, destas successões de vida e de morte, destas transformações : a vida ou antes a morte ou então ellas completando-se, auxiliando-se porque : rien ne se peid, rien ne se -crie. A fermentação alcoolica produz-se excepcionalmente no leite de vaccu, a menos qwe não se lhe junte assucar e não se >o mantenha em temperatura de 30° pouco mais ou menos. O leite ide jumenta soffre naturalmente esta fermentação por ter muito ass;ucar. Facilita-se esta fermentação, juntando-se ao leite um pouco de 69 fermento, tal como levadura de cerveja, e-é assim que se prepara o Koumys e o Kefil. Meios de impediu as fermentações do leite. São muitos os recursos de que se póde lançar mão, para retardar as fermentações do leite, conservando-se-o por mais ou menos tempo ; «eu não me oc- cuparei aqui de todos esses processos conservadores, porque muitas vezes -elles' exprimem verdadeiras fraudes e destas o-estudo será feito na parte que se refere ás falsificações ; outras vezes «elles enten- dem em assumptos regularmente estudados em outra parte e por isto não poderão ser nesta; todavia poderei fazer menção delles, reportan- do-me ao que já escrevi ou appellando para o que ainda hei de «es- crever. Com o fim de retardar a fermentação lactea, tem-se «empregado o bicarbonato de sodio. Bouchardat manda addicionar O,gr.5 por litro e Payen l,gr.O ainda por litro,Quévenne acha que se podem empregar 2 gr.,5. Quevenne é exagerado e o leite que tiver aquella carga de bi- carbonato de sodio, adquirirá, especialmente depois de fervido, gosto e cheiro desagradaveis. Dos tres, Payen é quem anda mais acer- tado. Além do bicarbonato de sodio, diversos outros saes de sodio ou não, podem servir para a conservação do leite. Fuchs propoz o chio- rureto de sodio : ha um sal que não é de sodio e que se emprega na salchicharia, para manter a cor da carne, assegurando ao mesmo tempo o seu perfeito estado de conservação, que poderia ser empre- gado como elemento conservador do leite, com a mesma vantagem -e inconvenientes de outros usados; abstenho-me de apresental-o nem só pelo que já ficou cito, como também porque não tenho interesse em concorrer para a adulteração de tão precioso alimento. ■O leite ao abrigo do ar, pode-se conservar quasi indefinidament-e e tfahi o processo de Mabru. O fido conserva bem o leite, não destroe os germens que ell-e por ventura possa ter, porém retarda a acção, a actividade d'elles«e se oppõe a seu desenvolvimento rápido. Para se obter este resultado, basta «manter ao redor do leite, seja por meio de apparelhos frigoríficos ou por fragmentos de gelo, uma temperatura pouco inferior a zero. O calor é o esterilisador por exoellencia, será sempre utilisado com grande vautagem, para retardar as fermentações do leite. *Gay Lussac provou que fervendo-se o leite muitas vezes, se o conservava. 70 por muito tempo. O processo de Appert para a conservação (esteri' lisação) das substancias alimentares, é applicavel ao leite, consiste em contel-o em recipiente hermeticamente fechado e em banho maria, elevar-lhe a temperatura de 70° a 100° por algum tempo. Este assumpto já foi bastante discutido em outra parte,quando eu me occupei com a fervura do leite e esta fervura representa papel tão importante, por todos os lados que se a encare, que eu julgo indispensável apresentar aqui, em falta de melhor lugar, um processo para o seu reconhe- cimento. Meio de reconhecer se o leite foi fervido.- Tome-se um pouco de leite em uma colher, deite-se-lhe uma, duas ou mais gottas de tintura de resina de guaiaco; si instantaneamente formar-se cor azul esverdeada escura, o leite não foi fervido, si conservar-se a cor vermelha vinhosa da tintura, o leite soffreu a acção do calor. Este processo não falha, mas é indispensável que a tintura seja bôa. CAPITULO TERCEIRO Falsificações do leite e processos para o reconhecimento das mesmas Quem tiver acompanhado os progressos da hygiene, quem souber do papel preponderante que a aldehyde formica está representando e representará na classe dos desinfectantes; quem souber da sua força destruidora, que rivalisa com o seu grande poder conservador, por que a aldehyde formica,como muitas cousas, conserva porque destróe; não se surprenderá, sabendo que mais ou menos 1 gramma de aldehyde formica garante a conservação de 1 litro de leite por muitas semanas. E quando se trata de recurso tão facil de conseguir, quando se trata de substancia que muda a acção que exerce sobre o nosso organismo, mudando de estado, porque o formol no estado de vapor, mesmo sa- turado, não é nocivo, senão por contacto muito prolongado, sendo entretanto as suas soluções, mesmo diluidas, perigosissimas, produ- zindo inflammações, gangrenas, necroses rapidas e extensas ; quando se trata de assumpto novo, e de tão grande importância, é natural que elle occupe o primeiro plano das falsificações do leite, já que eu não o quiz collocar no ultimo degráo da escala dos meios de conservação 71 delle. A aldehyde formica tão util e perigosa, como eu acabo de apresental-a, não tem o direito de mostrar-se impunemente em toda a parte, e então é natural que ella surja sorrateiramente, mascarada, unida a outra substancia, á qual ella empresta propriedades que não pode possuir, recebendo em troca o véo denso que a esconde aos olhos inscientes, mas, o hygienista, depositário da saúde publica, tem o dever de procural-a, e dos recursos de que elle pode lançar mão para tal fim, eu passo a tratar. Pesquiza da aldehyde formica.-T. Thonson manda distillar 100 cc. do leite suspeito, e desde que se tiver obtido 20 cc. do liquido distillado, juntem-se a este 5 gottas de solução de nitrato de prata ainraoniacal e conserve-se-o em lugar escuro por 12 ou 18 horas ; si se formar precipitado preto, ou apenas manifestar-se esta cor, é signal indicativo da presença da aldehyde formica. G. Denigès, com o fim de corrigir alguns senões do processo precedente, apresenta o seu, o qual consiste em tomar 10 cc. ou 12 ce- de leite em um tubo de ensaio, e juntar-se lhe 1 cc. de solução de fuchsina (chlorhydrato de rosanilina) descorada pelo acido sulfuroso si no fim de um ou dous minutos manifestar-se cor vermelha intensa, pode-se desconfiar logo da presença do forinol; em todo o caso, se deixa o tubo e o seu conteúdo repousar por cinco minutos, juntão-se. lhe 2 cc. de acido chlorhydrico puro e agita-se; então ou o leite que se ensaia, passa do vermelho ao azul violáceo, ou torna-se branco amarellado ; no primeiro caso o leite soffreu a addição da aldehyde formica, no segundo, não. A solução que Denigès emprega, tem por formula : Solução a% de fuchsina 40 cc. Agua distillada 250 » Bisulfito de sodio a 40.° B 10 » Acido sulfurico puro 10 » Pesquiza do bicarbonato de sodio. Nem todos considerão falsificação a addição do bicarbonato de sodio ao leite, já se sabe que eu considero e porque considero falsificação, qualquer addição feita ao leite, com o fim de salvar apparencias ; pouco importa a mim que ella seja ou não nociva á saúde, distinguir entre umas e outras é procurar rodeio desnecessário, do mesmo modo que me parece ser, separar addições conservadoras de addições falsificadoras. No capi- 72 tulo. que a este precedeu, deixei assentado o meu modo de pensar em relação a essas cousas. O leite falsificado pelo bicarbonato de sodio tem reacção franca- mente alcalina. Aquecido o leite em um tubo de ensaio e juntando-se-llie uma ou duas gottas de acido acético, a coagulação se fará rapidamente, si o leite for puro e será tanto inais demorada quanto mais bicarbonato de sodio elle contiver. Evaporado o leite suspeito e tratado o extracto obtido, por um acido: chlorhydrico, azotico,sulfurico, etc., não haverá eífervescencia, si o leite for puro, havendo-a, o que indica desprendimento de acido carbonico. é evidente a presença do bicarbonato. Pesquiza do bebobato de sodio - Evaporado e calcinado certo volume de leite,lOOcc. por exemplo, dissolvido o residuo obtido, em algumas gottas d' agua e junto a um pouco defluorureto de cálcio e acido sulfurico, é posto em um tubo de ensaio, ou outro qualquer instrumento de pequenas dimensões, porém capaz de ser tapado por uma rolha atravessada por dous tubos de vidro : um destes tubos com- inunicará com um apparelho productor de hydrogenio e o outro terá a ponta livre e afinada. O apparelho que contem o residuo suspeito é collocado em agua quente ; havendo borax, se formará fluorureto de boro, que arrastado pelo hydrogenio, se queimará na extremidade afi- nada do tubo, com chamma verde. Ha um processo mais rápido, o qual consisto em lançar um pouco de álcool no producto resultantedacalcinação;inflammado esse álcool, a sua chamma será verde, si no residuo houver borax. E' bom se estar avisado de que os saes de baryum e os de cobre, dão chamma mais ou menos verde, comprehende-se que só em casos muito especiaes se poderá encontrar esses saes no leite, comtudo con- vém disso se estar prevenido, para não se attribuir ao trincai, borax, o que pode correr por conta de outro sal. Pesquiza do acido salicylico - Diluídos em igual volume d' agua distillada a 603, lOOcc., do leite suspeito, juntão-se-lhes 5 got- tas de acido acético e outras tantas de uma solução de acetato de mer- cúrio, depois agitão-se e filtrão se ; ao liquido filtrado, posto em funil de torneira e capaz de ser arrolhado, addicionão-se 50cc. de ether sulfurico, agita-se ligeiramente, deixa-se repousar e decanta-se, o ether, que é recebido em vasilha apropriada, é volatilisado esponta- neamente ou evaporado com o auxilio de um banho maria; ao residuo 73 obtido, juntãose algumas gottas de agua distillada e finalmente trata- se-o por uma solução de perchlorureto de ferro ; manifestando-se colo- ração violeta, póde se garantir a existência do acido salicylico. Pesquiza dás farinhas - Talvez sómente a fécula das raizes e tubérculos, especialmente de mandioca, possa ser encontrada no leite; em todo o caso direi alguma cousa acerca das farinhas dos cereaes e das leguminosas, que podem perfeitamente ser empregadas na falsifi- cação do leite. A pesquiza das féculas e amidos, que por ventura te- nhão sido addicionados ao leite, é poderosamente auxiliada pelo mi- croscopio ; o amido em geral se pode chimicamente caracterisar pelo iodo, que lhe communica a cor roxa, esta reacção é de grande sensi- bilidade, mas convém ferver o leite suspeito, antes de empregar o reactivo ; si a reacção não for visivel macroscopicamente, deve-se recorrer ao microscopio, pois a quantidade de amido pode ser muito insignificante e então só no campo deste apparelho se poderá desco- brir a fraude. Querendo se caracterisar a especie de farinha, não se tem outro recurso, além do microscopio e ainda que se tenha de recorrer a rea- gentes, as reacções, para terem valor, devem ser feitas no campo do microscopio. As farinhas, quer sejão de cereaes, como: trigo (triticum vulgare), cevada (hordeum distichon), arroz (orixá sativa), milho (Zea mais), cen- teio (secale cereale), quer sejão das leguminosas, como: feijões (pha- seolus vulgaris), lentilhas (ervum lens), quer sejão dos feculentos, como batata ingleza (solanum tuberosum), mandioca (jatropha maniot), são bem caracterisadas com o augmento de 140 diâmetros. Os grãos de trigo são lenticulares, biconvexos, podem ter estrias concêntricas parallelas; os grãos de centeio são menores que os pre- cedentes, são discoides e não lenticulares e teern hilo estreitado ca- racteristico ; os de cevada são esphericos; os de arroz são polygonaes, se approximão dos de milho, que as mais das vezes são hexagonaes, porém estes são muito maiores e teem hilo estrelladoqueaquelles não teem, além disto os de arroz são brancos e estão sempre muito reu- nidos por suas faces, os de milho são amarellos e não são reunidos como os precedentes. Os grãos das leguminosas apresentão aspecto do proprio feijão, teem por hilo um sulco que ás vezes apresenta ramificações. Os grãos dos feculentos são mais ou menos piriformes, apresentão linhas concêntricas. 74 O leite que soffreu addição de uma farinha qualquer, queima-se facilmente no fundo do vaso em que é fervido, outro tanto pode succeder ao leite que principia a alterar-se ; a distincção entre os dous casos não offerece difficuldade nenhuma. Pesquiza dos assucares. Comprehende-se que somente o assucar de canna poderá ser addicionado ao leite, com fim de falsifi- cai o e das pesquizas de assucares, a que se refere a este, é a mais custosa, se bem que não seja difficil. Está entendido que eu me refiro á inversão para a dosagem do assucar, por outros processos que não o da fermentação ; neste caso não ha differença nenhuma entre os processos, também pelo resultado delles não se poderá estabelecer differenças entre os assucares. Fermentação. Si no capitulo em que descrevi longamente os processos para a dosagem da lactose,tivesse dito alguma cousa acerca da fermentação, não teria agora necessidade de occupar-me delia ; a fermentação serve para mostrar a existência de maior ou menor quantidade de assucar, mas não precisa o quanto, nem a especie d'elle, em todo o caso, querendo se pesquizar o assucar no leite, pelo processo em questão,tome-se certo volume de leite,junte-se lhe 10 % de levadura de cerveja e mantenha-se-o na temperatura de 25? a 30?; si o leite tiver soffrido addição de assucar, fermentará no fim de duas ou tres horas, si não, não fermentará nesse tempo. Também se pode fazer este ensaio no soro do leite, que foi coalhado especialmeute para tal fim. Inversão. A inversão é uma operação preliminar, a que-se submette o assucar de canna, com o fim de desdobral-o em levulose e glycose, para deste modo poder obrar elle sobre os licores cupro alcalinos; consiste, como já dei a entender em outra parte, em juntar acido chlorhydrico ao soro suspeito e manter a solução complexa por uns dez minutos na temperatura de 70*. Si fosse possivel calcular o quanto de assucar de canna existente no soro, bastaria juntar lcc do acido para cada 10cc de solução a 1 °/0, mas'como isto é impossivel, mesmo porque si o não fosse, não se haveria de recorrer a essas analyses custosas; então se fará a addição do acido chlorhydrico por tentativa, approximando-se o tanto quanto possivel da proporção acima. Considerando-se que o soro suspeito, deve ter duas especies de assucar ou mesmo tres, visto como se sabe que o assucar de canna do commercio, tem sempre uma parte de glycose (independente do desdo- 75 bramento pela inversão), deve-se dividir o soro em duas partes iguaes; uma será invertida e a outra não, nesta se dosará a lactose do leite, n'aquella o assucar de cauna e englobadamente com elle a lactose,existente nesta segunda porção de soro ; subtraindo o primeiro numero do segundo, se obterá um resto equivalente ao assucar de canna. De algumas minuciosidades que se referem á pesquiza dos assucares, deixo de tratar aqui, ou por já tel-o feito em outro lugar, ou porque, tratando-se de cousas corriqueiras, não precisão ser lem- bradas a quem faz analyses de tal ordem. Processo de Mnter. Tomem-se 10gr,0 de leite, que se suppõe ter assucar de canna, em uma capsula e juntem-se 4er,0 de sulfato de cálcio hydratado, sequem-se em banho maria, agitando constante- mente, pulverise-se o residuo, deite-se em um filtro e trate-se-o pelo ether para retirar a manteiga; trate-se o filtro e precipitado, previa- mente posto em um calix, por 20cc. fie agua quasi fervendo e também por 30cc. de álcool a 83?, depois de frio lance-se tudo sobre um filtro e lave-se o deposito queelle recebeu, por uma mistura de agua e álcool, na razão de 2 para 3 ; quando se tiver obtido 120cc, o esgota- mento é completo : divida-se este liquido obtido, em duas partes iguaes : uma evapore-se completamente e peze-se, depois incinere-se e torne se a pesar, tire-se este numero d'aquelle, o excesso exprime o peso da lactose e assucar de canna;-a outra metade também evapo- re-se, dilua-se depois em 2 )0cc. de agua distillada e doze-se a lactose pelo licor cupro-potassico, diminua-se o peso aqui achado, do que se encontrou na operação precedente, a ditferença representa o peso do assucar de canna. Mnter aconselha a correcção seguinte : si o resultado achado for superior a 0<',5 e inferior a lgr,0 % diminuão-se 0gr,2 °/0; si fôr superior a lgr,0 % gram. e inferior a lgr,5 °/0, diminua-se somente 0,1 gr °lo. Pesquizas das gommas. A falsificação do leite pelas gommas arabica (acacia vera) e adragante (astragalus verus e astragalus creticus), parece mais hypothetica do que real, pois ninguém empregará na falsificação de um producto qualquer, um outro de custo muito mais elevado ; em todo o caso ahi vão os recursos de que se lança mão em taes conjecturas. Coagule-se o leite pelo acido acético e trate-se o soro pelo álcool, haverá um precipitado leve, muito diaphano e branco azulado si o leite fôr puro ; mais abundante, opaco e floconoso si elle contiver 76 gomma arabica; menos abundante do que este e mais do que aquelle e filamentoso, si contiver gomma adragante. Comprehende-se que isto de mais e menos abundancia, não tem o valor que se lhe quer dar, pois o precipitado estará na razão di- recta da quantidade da gomma empregada. Para concluir, eu devo dizer que si a gomma arabica se dissolve bem na agua, outro tanto não succede á gomma adragante e isto dif- ficulta ainda o seu uso, na falsificação do leite. Pesquiza da dextrina. - O soro obtido pelo acido acético e tratado pelo álcool, como precedentemente, dará um precipitado, que si fôr de dextriua, depois de dissolvido em um pouco d'agua e tratado pela tintura de iodo, tomará a côr vermelha vinhosa. Pesquiza da gelatina. - E' ainda no soro, que resultou da acção do acido acético sobre o leite, que se deve procurar aquella substancia, a qual também é precipitavel pelo álcool, formando flocos brancos, pelo tannino dando coágulos espessos, e também pelo bichlo- rureto de mercúrio e chlorureto de platina; mas não pelos saes de chumbo e cobre e isto a distingue das albuminas. Pesquiza das claras e gemmas de ovos. - Seguindo a regra já apontada para a pesquiza das falsificações do leite, regra esta que sofire poucas excepções e que se refere á precipitação da caseina pelo acido acético, trate-se o soro suspeito pelos reactivos da albumina conhecidos, que são muitos e os quaes mais de uma vez tenho apon- tado, pelo que me abstenho de fazei o agora, convindo não se esquecer que do resultado achado, deve-se abater o peso relativo da albumina, supposta existente normalmente no leite. Julgo desnecessário dizer que em todos esses casos, se empregará o acido acético,por ser elle sem acção sobre a substancia falsificadora; nenhum outro reactivo talvez tenha a propriedade de precipitar a caseina, dando em resultado um soro capaz de n'elle serem pesquiza- das todas as falsificações apontadas. Pesquiza da massa cerebral. - A falsificação do leite pela massa encephalica, não é muito commum, entre nós penso não ser ella uma realidade, mas não esteja aqui a deficiência deste trabalho, e esta parte, que já vae longa para quem precisa subordinar a enor- midade da matéria á exiguidade de recursos pecuniários, tenha com esta pesquiza a sua couclusão. Aqui, como nos casos das farinhas, é o microscopio que dá a principal nota, e o leite falsificado pela massa encephalica apreseu- 77 tará ao microscopio cellulas nervosas, tubos de myelina ou simples- mente cylinder-axis, no caso de já se achar alterado o encephalo ; diante de taes elementos é evidente a falsificação. Pode-se também denunciar a presença da massa cerebral pela pesquiza do phosphoro e para isto ha differentes processos. Evapore-se o leite suspeito até seccar, trate-se-o pelo ether puro, receba-se este ether em vasilha apropriada e evapore se-o, o residuo gorduroso trate-se pelo acido azotico, a quente (até á fervura); na so- lução depois de fria, procure-se o acido phosphorico pelos reactivos conhecidos. Do leite que esteve em conveniente repouso, separe-se o creme, trate-se o leite descremado pelo ether, decante se-o, evapore-se-o, ou deixe-se-o volatilisar; no residuo procure-se o phosphoro, que, como se sabe, resulta da lecithina, nome com o qual baptisou Gobley a matéria phosphorada encontrada no cerebro por Vouquelim. Vem muito a proposito dizer que Gobley também retirou a leci- thina da gemma do ovo, portanto este recurso (pesquiza do phosphoro), que serve tanto nos casos de falsificações do leite, como no de dia- gnostico das manchas, em medicina legal, não é de inteira confiança, por apresentar resultado contestável, duvidoso. Assim fica concluida esta terceira parte, á qual dei o maior dos meus esforços, restando-me o consolo, nascido da convicção que posso ter por tudo que tenho lido e ouvido, de que com mais minúcia do que eu, ninguém tem discutido tal matéria. QUARTA PARTE Analyse dos principaes leites vendidos na Capital Federal Si um homem tiver uma ideia clara do que pretende fazer, raras vezes deixará de escolher os meios adequados para o conseguir. Albbrnbtht. Esta parte seria tanto mais importante, quanto maior fosse o nu mero de analyses que eu apresentasse, sou o primeiro a reconhecel-o, mas não serei eu o primeiro a dizer que dos leites vendidos nesta ca- pital, os mais importantes, são precisamente os importados dos estados visinhos. As analyses destes, interessarão mais do que as de outro qualquer, e tanto mais quanto aqui trata-se de leites que geralmente offerecem uniformidade de composição, emquanto que os outros, por maior e mais recommendavel que seja o estábulo de onde elles sahirão, nunca poderão apresentar aquella uniformidade; e este facto, que obedece a uma multiplicidade de condições, expõe o chimico ou o hygienista que se propuzer a apresentar juizo sobre este ou aquelle estábulo. Assim é, que um leite que eu vi extrahir, fui encontral-o quasi exempto de manteiga; é verdade que era o primeiro leite extrahido e pela manhã; outras vezes achei quantidade muito respeitável de manteiga em leite da manhã; com o leite de tal ou tal vacca, orde- 80 nhada a tal ou tal hora, não póde, não se deve, firmar juizo acerca de um estábulo. Conviria, comprehende-se, reunir o leite de todas as vaccas de um estábulo e analysal-o englobadamente ; só assim as analyses não poderião ser seriamente impugnadas, mas, isto não é facil conseguir entre nós e esta tarefa de andar supplicando leites misturados, pelas portas dos estábulos, dirigidos quasi sempre por individuos pouco cortezes e desconfiados, não se coaduna com o modo de pensar de quem escreve estas linhas. Fiz o que me foi possivel, fiz talvez mais do que me cumpria fazer, reuni em um só e pequeno volume, além de matéria nunca pu- blicada por outros, o que de mais importante existe nos livros que tratão do assumpto; procurei fazer valer a minha pratica, que pouco vale diante d'aquella chapa muito antiga e já gasta, que diz que sci- encia não se inventa, mas que valeu-me muito para que eu escrevesse com a convicção que escrevi. Possa a minha boa vontade, possa o ardente desejo que ha muitos annos nutro, de concorrer com o meu fraco auxilio,para o engrandeci- mento da hygiene, possão os sacrifícios que nem todos veem mas que ahi vão de envolta com tão mal acabada dissertação, possa a fran- queza das minhas palavras, que não forão architectadas para armar ao effeito, porque eu não sei, não saberia fazel-o, concorrer para a bôa acceitação deste trabalho e com isto eu me considerarei recom- pensado. Leite de Itatyaya Deposito do Largo da Carioca Cor-branco-creme. Cheiro-proprio. Aspecto-uniforme. Sabor-agradavel. Beacção-acida e alcalina. Densidade-1.025 na temperatura de 20°. Microscopio-globulos bem contornados, nada de anormal. Creme-12 gráos. 81 Manteiga 39,39 Lactose 41,50 Caseína 37,61 Saes 6,50 Extracto 125,00 Agua 875,00 1.000,00 Leite da Mantiqueira Das carrocinhas que o vende pelas ruas Cor-branco creme. Cheiro-proprio. Aspecto-igual. Sabor-agradavel. Reacção-acida e alcalina. Densidade-1.026 na temperatura de 22°. Microscopio-nada de anormal. Creme-10 gráos. Manteiga 34,73 Lactose 41,50 Caseína 37,27 Saes 6,00 Extracto 119.50 Agua 880.50 1.000.00 82 Leite da Companhia de Lacticinios Deposito á Estação do Rocha Cor-branca. Cheiro-proprio. Aspecto-uniforme. Sabor-regular. Reacção-acida e alcalina. Densidade-1.030 na temperatura de 20°. Microscopio-nada de anormal. Creme-7 gráos. Manteiga 27,74 Lactose 37,35 Caseína 30,41 Saes 5,50 Extracto 101.00 Agua 899.00 1.000.00 Leite da Companhia de Lacticinios Deposito á rua Ouvidor n. 134 B Cor-branca. Cheiro-proprio. Aspecto-igual. Sabor-regular. Reacção-acida e alcalina. Densidade-1.028 na temperatura de 20°. Microscopio-nada de anormal. Creme-8 gráos. 83 Manteiga 30,07 Lactose 37,35 Caseína 31,08 Saes 5,50 Extracto 104.00 Agua 896.00 1.000.00 Leite de Chapéo d'Uvas Deposito á rua Gonçalves Dias n. 42 Cor-branca. Cheiro-proprio. Aspecto-uniforme. Sabor-desenxabido. Eeacção-acida e acalina. Densidade-1.022 na temperatura de 19°. Microscopio-nada de anormal. Creme-5 gráos. Manteiga 20,75 Lactose 33,20 Caseína 27,05 Saes 4,00 Extracto 85.00 Agua • 915.00 1.000.00 84 Leite usado pelos doentes DA Santa Casa de Misericórdia Cor-branca. Cheiro-proprio Aspecto -uniforme. Sabor-regular. Reacção-acida e alcalina. Densidade-1.029 na temperatura de 27°. Microscopio-nada de anormal. Creme-6 gráos. Manteiga 25,41 Lactose 41,50 Caseína 33,59 Saes 5,50 Extractos 106.00 Agua 894.00 1.000.00 PROPOSIÇÕES PRGPOSIÇOES Physica medica I O sol é a principal fonte de calor tellurico. II O globo terrestre possue calor proprio, que augmenta, na propor- ção de um gráo, de 30 em 30 metros, á medida que caminha-se para o seu centro. III A transmissão do calor se faz por conducção, substituição e irradiação. Chimica inorgânica medica I O potássio e o sodio, ávidos de oxygenio como são, em presença da agua, a decompoem violentamente, sendo a acção d'aquelle muito mais energica do que a deste. II Os saes de potássio communicão á chamma uma cor violeta e os de sodio uma cor amarella. III Os saes de sodio e de potássio são os mais empregados em medi- cina. 88 Chimica analytica e toxicologica I A eliminação do arsénico pelas glandulas mamarias da mulher, sujeita ao tratamento arsenical, pode produzir o envenenamento da criança que ella amamentar. II O reconhecimento do arsénico neste caso, e em outros analogos, será feito pelo apparelho de Marsh, que denuncia a quantidade mais insignificante do toxico, pelas manchas sobre a porcellana ou aunei, no tubo de desprendimento. III Este annel desloca-se pelo aquecimento, isto o distingue do de antimonio, que em tal caso, desapparece, dando fumaças brancas ; as manchas também se comportão differentemente, diante de certos reactivos. Chimica organica e biologica I Os assucares, hydratos de carbono, são quasi todos encontrados no reino vegetal. II A glycose se encontra tanto no reino vegetal como no reino animal. III A lactose só se encontra no leite dos animaes. Botanica e zoologia medicas I As mamas representão papel tão importante no reino animal, que servem para estabelecer uma divisão na grande classe dos verte- brados : a dos mamiferos. II Os mamiferos são vertebrados de sangue quente, coração duplo, são viviparos e ao nascer são amamentados pela mãe. III Os dentes, que são incisivos, caninos e molares, representão papel importante na classificação dos mamiferos. 89 Matéria medica, pharmacologia e arte de formnhr I O opio, sueco extrahido, por incisões, das cabeças da (papaver somniferum), familia das papaveraceas, é conhecido desde remota antiguidade. II O opio contem muitos alcaloides, de propriedades diversas e até oppostas, estando porem o seu valor, na razão directa da proporção de morphina n'elle existente. III O opio entra na composição de muitos preparados officinaes e pode ser prescripto sob differentes formas. Anatomia Descnptiva I As mamas são glandulas destinadas á secreção lactea. II Existem na mulher normalmente, em numero de duas, podendo existir em maior numero (polymazia) ; Borel as viu em numero de tres, Marotte em numero de quatro. Blandin e outros observarão o mesmo phenomeno no homem. III A consistência, fôrma e volume das mamas são variaveis ; certas africanas as tem tão desenvolvidas que, passando-as por cima dos hombros, amamentão os filhos que amarrão nas costas. Anatomia medico-cirurgica I A região mamaria na mulher é circumscripta pela mama. [ I E' constituída de fóra para dentro, pelas camadas: pelle, camada gordurosa sub-cutanea, glandula mamaria, camada gordurosa sub- mamaria, camada cellulosa, aponevrose, grande peitoral, costellas e espaços intercostaes. III As artérias desta região são : as mamarias externa e interna e as intercostaes; estas artérias, normalmente pouco calibrosas, tornão-se mais volumosas, durante a lactação. 90 Histologia I A glandula mamaria é uma glandula em cacho,formada por lobos, que se reúnem e se communicão por canaes chamados galactophoros. II Os lobos são mais ou menos arredondados, si occupão a superfície da mama, e polyedricos, si a parte central. III Os lobos, que são formados por lobulos e estes por grãos granula- res, acinis, cada qual com seu conducto, são mantidos em seu aspecto de cacho de uvas, pelo tecido conjuuctivo de interposição e revesti- mento. Physiologia I O leite resulta da hypertrophia e infiltração gordurosa dos glóbu- los mais internos da glandula mamaria, os quaes, em consequência desta degeneração, são dissociados, eliminando se o seu conteúdo. II A secreção lactea está ligada ás funcções dos orgãos genitaes. III Pode-se manifestar em qualquer individuo,de um ou outro sexo e em qualquer edade, por excitação directa. Anatomia e physiologia pathologicas I O fibroma mamario diffuso,póde occupar uma só mama ou ambas; ueste caso é chamado por muitos hypertrophia geral das mamas. II O tecidos cellular e adiposo da região, são substituídos por tecido fibroso, de cor leitosa, algumas vezes molle, outras muito con- sistente. III Depois da hypertrophia, que póde durar muito tempo, vem a retracção do tecido fibroso e com ella, a atrophia da parte occupada pelo tumor. 91 Pathologia geral I A vida, segundoVirchow, é um movimento hereditário, transmit- tido a uma substancia dotada de certas forças molleculares. II O menino, producto de dons factores, herdará directamente delles e indirectamente dos avós, certas aptidões mórbidas, que muitas ve- zes nos paes, couservarão-se latentes. III Quando a influencia paterna é contraria á influencia materna, ellas se neutralisão; quando são da mesma natureza, aggravão-se. Obstetrícia I Para o diagnostico da prenhez, temos os signaes de presumpção, de probabilidade e de certeza. II A amenorrhéa é o signal de presumpção mais importante, as mo- dificações do corpo e collo do utero, avultào entre os de probabili- dade, o ruido do coração do feto é o signal de certeza. III Montgomery liga importância capital ás modificações das mamas, mas essas modificações não teem o valor que elle lhes quer dar. Pathologia cirúrgica I Os phlegmões circumscriptos dos seios da mulher são mais com- muns durante o aleitamento. I I As causas productoras delles são : a falta de aceio, a exposição ao ar do seio molhado, as rachas dos mamelões, etc. III O tratamento é variavel: deve-se tentar a resolução, debridar antes de se collectar o pus ou dilatar o abcesso. A menos que não se trate de collecção purulenta muito superficial, a mulher não deve amamentar. 92 Operações e apparelhos I Os estreitamentos da urethra são franqueáveis ou não. II O tratamento delles, que é variavel, consiste na dilatação, di- vulsão, electrolyse, urethrotomias interna e externa. III Havendo fistulas urethraes, o trajecto delias (como de qualquer outra)é descoberto por injecções de leite, e o seu tratamento depende da remoção do estreitamento. Patiiologia medica I O cancro do estomago, ordinariamente primitivo, manifesta-se de preferencia no homem e ao declinar da edade. II A sua etiologia obscura, a sua symptomatologia enganosa, o seu diagnostico quasi impossível, o seu prognostico sombrio e o seu tra- tamento palliativo, o fazem a entidade mórbida talvez mais singular do quadro nosologico. III Trousseau, uma das suas victimas, reputou symptoma pathogno- monico a phlegmacia alba dolens, a qual depois foi encontrada por Bouchard, na dilataçao do estomago. Therapeutica I A'eliminação de muitos medicamentos pelas glandulas, é um facto evidente. II Quando as glandulas mamarias estão em actividade, convém apro- veitar esta circumstancia, para administrar medicamentos aos meni- nos que mamão. III Assim, a criança absorverá o medicamento por via gastrica, que é bastante segura, desde que certas condições não deponhão contra esta absorpção. 93 Hygiene I A vaccina contra a variola, ainda hoje representa o passo mais seguro da prophylaxia. II A vaccina animal deve ser preferida á jenneriana, porque na cultura atravéz do corpo humano, a vaccina soffre uma degradação e pode inocular a syphilis, o que nunca succederá á vaccina animal. III O poder immunisador da vaccina decresce com o tempo, pelo que a revaceinação é indispensável. Medicina Legal I A lei que rege o casamento civil estabelece, como causa de annullação do mesmo, entre diversas outras, o erro essencial de pessoa. II O erro essencial de pessoa refere-se a defeito physico irremediável (anterior ao casamento) e a moléstia incurável e transmissível por contagio ou herança. III E' indispensável distinguir, e disso a lei não cogitou, as molés- tias incuráveis não transmissíveis e as transmissíveis curáveis-das transmissíveis incuráveis-pois aquellas não podem constituir mo- tivo para annullação dos casamentos. Clinica Propedêutica I As regiões mamarias são limitadas pelas linhas: externaes, axillares anteriores, inter-axillares e mamarias limitantes. II O choque precordial, ictus cordis, deve ser visto e sentido na legião mamaria esquerda, para dentro e para baixo da papilla ma millar, no quinto espaço intercostal. III Na mulher, por causa da proeminência dos seios, nos indivíduos muito gordos, durante as longas inspirações e em muitos estados pathologicos, o choque precordial é imperceptivel. 94 Clinica Cirúrgica (Primeira Cadeira) I A mama da mulher é uma séde de predilecção dos tumores malignos. II As causas predisponentes são: a edade, a hereditariedade, a prenhez e o aleitamento: a menstruação não tem influencia; a causa occasional é quasi sempre um traumatismo. III Ha tumores operáveis e não operáveis; não se deve operar os que não encommodão e marchão muito lentamente, nem também os que marchão muito rapidamente; nos casos de ablação do tumor, deve-se extirpar os ganglios correspondentes. Clinica Cirúrgica (Segunda Cadeira) I A tuberculose mamaria é rara, manifesta-se de preferencia na mulher, de 20 a 26 annos e, segundo Velpeau, principalmente no periodo da gestação. II Póde-se manifestar sob a forma de tubérculos isolados, tubérculos confluentes e abcesso frio. III O tratamento principal é o geral, em certos casos pode-se fazer a ablação da glandula e extirpação dos ganglios axillares infec- cionados; entretanto é preciso não esquecer que essas moléstias, que parecem dormir, tornão se implacáveis, quando despertadas. Clinica Medica (Primeira Cadeira) I A nephrite aguda, parenchymatosa ou epithelial e a nephrite chrouica, intersticial ou sclerose renal, são de causa toxica. II Os symptomas que as acompanhão são variados; a albuminúria representa papel saliente e a presença de cylindros hyalinos na urina, indica maxima gravidade. III O tratamento é mais hygienico que therapeutico; na nephrite aguda: regimen lácteo absoluto,na chronica: regímen lácteo mitigado 95 Clinica Medica (Segunda Cadeira) I As congestões do pulmão são activas ou passivas. I I As activas são de origem tuberculosa, traumatica, nervosa, com- pensadora, etc.; as passivas resultão de lesões do coração ou do decúbito prolongado. III O tratamento das congestões, activas (principalmente as graves), consiste nas emissões sanguíneas c emprego dos autimoniaes, e das passivas, em combater a causa. Clinica obstétrica e gynecologica I Nas apresentações de espadua, estando intacto o bolso das aguas, deve se fazer a versão por manobras externas. I I Havendo escoamento do liquido amniotico e estando dilatado ou dilatavel o collo do utero, se fará a versão por manobras internas. I I I Em tal caso, se introduzirá a mão homonyma, para apanhar o pé homonymo da apresentação, nas dorso-posteriores, se introduzirá a mão homonyma, porém se apanhará o pé autinomico. Clinica Pediátrica I A enterite infantil, as mais das vezes, corre por conta do aleita- mento do menino. II Então se deve examinar o leite, fiscalisar o aleitamento e até mudar de leite, si for preciso. III Como muitos, penso que o exame das dejecções do menino é ne- cessário para, conforme a sua acidez ou alcalinidade, ministrar-se-lhe alcalinos ou ácidos, preferindo-se neste caso, o acido láctico. 96 Clinica ophthalmologica I A ophtalmia dos recem-nascidos pode apresentar a forma catar- rhal e a purulenta, nunca a diphterica, apesar de, em certos casos, o exsudato por sua plasticidade, simular esta ultima.- II A conjuuctivite catarrhal dos recem-nascidos tem por causa : res- friamentos, falta de aceio, irritações produzidas pela luz, etc. III A purulenta, resultando de infecção directa da vagina ou canal cervico-uterino, evita se,praticando irrigações autisepticas da vagina antes e depois do'partoe lavando-se os olhos da criança,logo ao nascer. Clinica dermatológica e syphiligraphica I A falta de pigmento, constituindo a achromia, pode-se manifestar na epiderme, nos cabellos e nos pellos. II O descoramento parcial ou generalisado da pelie,constitue o albi- nismo e as manchas descoradas, circumscriptas por zonas muito pigmentadas ( achromia ao lado da hyperchromia ), o vitiligo. III A descoração dos pellos e cabellos, poliose, pode-se manifestar subitamente, depois de uma emoção viva ou depois de certos estados morbidos. Clinica psychiatrica e de moléstias nervosas I Foi em 1869, que Beard chamou ueurasthenia a uma entidade mórbida que, no quadro nosologico, figurava com differentes outras denominações. II A ueurasthenia é moléstia de adulto, resulta dos excessos intel- lectuaes e venereos, emoções, vigílias, preoccupações moraes ; nas mulheres as affecções uterinas representão papel importante na sua etiologia. III Os symptomas são variados, conforme a especie de ueurasthenia, sendo mais constantes a cephaléa, as perturbações gastro-intestinaes e a depressão mental. I1IPPOCRATIS APHORISMÍ Virtus ratio húmida cum febricitantibus omnibus tum pueris maximè, atque aliis qui ejusmodi victu uti consueverunt confert. (Sect. I. Aph. XVI) Animadverdi sunt etiam quibus semel aut bisetquibus copiosior aut paucior aut per partes cibus offereiidus est. Aliquid autem tempori, regioui, tetati et cousuetudiui concedeudum. (Sect. I. Aph. XVII) Per te datem et autumnum cibus gravissimè*ferunt per hiemem facillimte. Ver post hiemem secundum locum obtinet. (Sect. I. Aph. XVIII) Cum morbi summa est vehemeutia, tum vel tenuíssimo victu uti necesse est. (Sect. I. Aph. VIII) Neque satietas, neque fames, neque aliud quicquam bonum, quod supra uaturte modum, fuerit. (Sect. II. Aph. IV) Cibus, potus, veuus, omnia, moderata sint. (Sect. II. Aph. VI) Visto. Secretaria da Faculdade de Medicina e de Pharmacia do Pio de Janeiro, em 20 de Novembro de 1896. Dr. Eugênio de Menezes.