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FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO
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Di\ Henrique  Mangeon

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       RIO DE JANEIRO
Typ. de G. Leuzinger &c Filhos, run (1'üuvidor 31

           1887
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                  DISSERTAÇÃO

cadeira de anatomia  cirúrgica, medicina operatoria e apparelhos
        Ponto 8. — Estudo critico da amputação de Piroqoff

                  PROPOSIÇÕES

    Tres sobre cada uma das cadeiras da Faculdade
               THESE
                     apresentada


          Em 31 de  Agosto de  1887
               E  perante ella sustentada
   Em 0,4: de Dezembro do mesmo armo
               (SENDO APPROVADA PLENAMENTE)
                        pelo
       Dr.   Henrique  Mangeon
Ex-interno  de 1.» classe do Hospital da Misericórdia da Corte, membro honorário
           do grêmio dos internos dos Hospitaes da Corte
                 NATURAL DO RIO DE JANEIRO
                    Filho legitimo de
     Henrique Mangeon e de D. Leonie  Mangeon
           RIO  DE  JANEIRO
Typ. de Gr. Leuzinger &c í^iltios, rua tfOuvidor 31

                  1887
10418770 
FACULDADE   DE  MEDICINA   DO   RIO DE  JANEIRO
                              DIRECTOR

              Conselheiro  Barão  de  Saboia.

                          VICE-DIRECTOR

Conselheiro  Barão  de   S.  Salvador  de  Campos.

                            secretario

   Dr.  Carlos  Ferreira de  Souza  Fernandes.

                               ---a-oXKoo---

                  lentes  cathedraticos
Drs.
João Martins Teixeira.........................................................   Physica medica.
Augusto Ferreira dos Santos..............................................   Chimica mineral  medica e mineralogia.
João Joaquim Pizarro ........................................................   Botânica e zoologia medica.
José Pereira Guimarães (Presidente.)....................................   Anatomia descriptiva.
Antônio Caetano de Almeida (Examinador)........................   Histologia theorica  e pratica.
Domingos José Freire...........................................................   Chimica orgânica e biológica.
João Baptista Kossuth Vinelli...........................................  Physiologia theorica e experimental.
José Benicio de Abreu........................................................  Pathologia geral.
Cypriano de Souza  Freitas...................................................  Anatomia e  physiologia pathologicas.
João Damasceno Peçanha da Silva......................................  Pathologia medica.
Pedro AfTonso de Carvalho Franco........................................  Pathologia cirúrgica.
Conselheiro Barão  de S. Salvador de Campos.......................  Matéria medica e therapeutica, especialmente bra-
                                                         zileira.
Luiz da Cunhii Feijó Júnior................................................  Obstetrícia.
Visconde de Motta Maia......................................................  Anatomia cirúrgica medicina operatoria  e appa-
                                                         relhos.
Conselheiro Nuno de Andrade..............................................  Hygiene e historia da medicina.
José Maria  Teixeira............................................................  Pharmacologia  e arte de formular
Agostinho José  de Souza Lima.........................................  Medicina legal  e toxicologia.
Conselheiro Barão  de Torres Homem...............................)  .-,,.  .     ,.    ,   , ,.
Domingos de Almeida Martins Costa.................................{  Cll,llca med,ca  de adultos'
Conselheiro Barão  de Saboia.............................................|  „..  .    .        ,   ,  ,.
João da Costa Lima  e Castro...........................................}  Cll,nca «nirgica de adultos.
Hilário Soares de  Gouvêa (Examinador).............................  Clinica ophtalmologica.
Erico Marinho da Gania Coelho .........................................  Clinica obstetrica  e gynecologica.
Cândido Barata  Ribeiro.......................................................  Clinica medica  e cirúrgica  de crianças.
João Pizarro Gabizo  , Examinador)......................................  Clinica de moléstias cutâneas e syphiliticas.
João Carlos Teixeira Brandão............................................  Clinica psychiatrica.


                  LENTE  SUBSTITUTO SEBVINDO DE  ADJUNTO

Oscar Adolpho de Bulhões Ribeiro (Examinador)................  Anatomia descriptiva.

                                          ADJUNTOS

..........................................................................................  Physica medica.
.........................................................................................  Chimica mineral medica e  mineralogia.
Francisco Ribeiro de Mendonça............................................  Bobinica e zoologia médicas.
Genuino Marques Mancebo................................................  Histologia theorica e pratica.
Arthur Fernandes  Campos da Paz......................................  Chimica orgânica  e biológica.
João Paulo  de Carvalho....................................................  Physiologia  theorica e experimental.
Luiz Ribeiro de Souza Fontes..............................................  Anatomia e  physiologia pathologicas.
..........................................................................................  Anatomia cirmgica, medicina operatoria e  appa-
                                                         relhos.
..........................................................•...............................  Matéria medica e  therapeutica,  especialmente bra-
                                                         zileira.
..........................................................................................  Pharmacologia  e arte de formular
Henrique Larlislau  de Souza Lopes.......................................  Medicina legal e toxicologia.
Benjamin Antônio  da Rocha Faria......................................  Hygiene e historia da medicina.
Francisco de Castro....................................................... \
Eduardo Augusto de  Menezes.......................................... I   „,.  .             , ,
Bernardo Alves Pereira.................................................... f  Clinica medica  de adultos.
Carlos Rodrigues de Vasconcellos..................................  J
Ernesto de Freitas  Crissiuma..........................................~i
Francisco de Paula Valladares...............".......................... [   _,.  .               . ,
Pedro Severiano de Magalhães......................................... f  C'1'»1'» cirúrgica  de adultos.
Domingos de Góes  e  Vasconcellos.................-...................J
............................................................................................  Clinica obstetrica  e gynecologica.
.........................................................................................  Clinica medica e cirúrgica de crianças
Luiz da Costa Chaves de Faria............................................  Clinica de moléstias cutâneas e syphiliticas
Joaquim Xavier Pereira da  Cunha.......................................  Clinica ophthalmologica
Domingos Jacy Monteiro Júnior..........................................  Clinica psychiatrica.
<V. B. — A Faculdade não approva nem reprova as opiniões emittidas nas theses que lhe são apresentadas 
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             DISSERTAÇÃO

Estudo  critico  sobre  a   amputação  de  Pirogoff
                        HISTÓRICO

     Só depois que as idéas de  cirurgia  conservadora começarão
a  dominar na sciencia, as amputações  parciaes do pé tomarão  um
caracter  verdadeiramente scientiíico.  Até  então os processos em-
pregados erão muito grosseiros e até bárbaros, preferindo-se  geral-
mente a amputação  da  perna no  logar de  eleição ao  emprego
d'esses  processos. Só  no começo do  século  passado foi que  os
estudos de anatomia topographica vierão  esclarecer  esta  parte  da
medicina operatoria,  até  então muito obscura, e que  começarão a
ser methodisadas as operações praticadas nessa região; foi porém
depois de  Deseault  e  sua escola  que  appareceu uma  serie de
methodos  e processos,  que tomarão  logar  definitivo  na  sciencia.
     Em  1720 Grangeot  em Pariz,  ao mesmo tempo que  Sharp
na  Inglaterra, e  Heister  na Allemanha, foi  de  opinião  que  era
preferivel  amputar  o  pé, sendo possivel, a  fazer a amputação da
perna  no  logar de eleição ;  Sedillier praticou  a  amputação parcial
do pé  na  articulação  tibio  tarsiana  em uma criança  em conse-
qüência de gangrena; outros cirurgiões  praticarão-na, porém com
máos resultados; de  modo  que  pode-se dizer que  na   segunda
metade  do século passado foram quasi abandonadas.
     Em  1839 Baudens praticou-a, introduzindo como innovação a
resecção dos  malleolos; porém como tirou  da região  dorsal  do  pé
a  pelle  que  devia  revestir  o   coto,  o seu  processo  teve  máo
resultado.
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     Em 1842 Syme por  conselho de  Malgaigne praticou a ampu-
tação tibio-tarsiana, tirando  o retalho  da pelle  do calcanhar; essa
operação teve feliz resultado.  Em  virtude  porém  da dificuldade
de  separar-se a  pelle  que  reveste   o  calcanhar,  e  também  da
fraca vitalidade   d'essa  pelle, Sédillot  considerou-a  como   muito
clifficil  de  praticar-se,  e Fergusson  aconselhou  que  a pelle  fosse
dividida no  ponto  correspondente á  face posterior  do  calcanhar
para  facilitar o  escoamento do pus;  essa  modificação  foi  aceita
por  Syme, e  por  elle praticada assim como por outros  cirurgiões.
     De 1842 a 1854 a operação  de  Syme  segundo a modificação
de Roux teve predominância na sciencia; em 1854  porém Pirogoff
cirurgião russo  publicou  uma  memória intitulada:  «  Alongamento
osteoplastico da extremidade inferior na desarticulação do pé »,  sendo
a primeira menção d'esse  processo feita  no  congresso  dos  natura-
listas allemães reunidos  em Tubingen por Schultze assistente  de
Pirogoff.
     Depois de conhecida,  esta operação  foi praticada por diversos
cirurgiões  de  diversas nações, seguindo alguns o  processo de Piro-
goff  tal qual elle o descreveu, ao passo  que outros modificárão-no
de vários modos;  na Rússia, Alleinanha e Inglaterra  foi praticada
maior numero de vezes, ao  passo que em França até 1874, segundo
Léon Lefort só  se conhecião três  casos.
     No Brazil  tem  sido praticada  pelos  Ill.mos  Snrs. Drs. Pedro
AfFonso  Franco,  Barão  de  Saboia, Oscar Bulhões,  Lima  Castro,
Barata  Ribeiro, professores  da Faculdade  de Medicina do Rio  de
Janeiro, pelo  Sr.  Conselheiro  Catta Preta   e  pelo   Sr.  Dr.  João
Pedro de Miranda, cirurgião  effectivo  do Hospital  Geral da Santa
Casa de Misericórdia do Rio  de  Janeiro.
     Recentemente o Dr.  Moscoso praticou também esta operação. 
                          Capitulo I


        Descripção dos  processos operatorios

    Processo de Pirogoff': «  Começo a minha  incisão  immediata-
mente  adiante do  malléolo  externo, conduzindo-a  verticalmente
abaixo  da  planta  do pé, e  fazendo-a  subir  verticalmente  até o
malléolo  interno,  onde ella termina  algumas linhas adiante d'essa
saliência; d'este modo todas  as partes  molles  são  cortadas  até o
calcaneo. Uma segunda incisão  semilunar  convexa para diante, que
passa a algumas  linhas  adiante da  articulação tibio-tarsiana, une
as extremidades da primeira incisão, todas  as  partes molles são
seccionadas  até  os ossos  tal  qual na  primeira incisão.  A  arti-
culação é  aberta   adiante, e desarticula-se  a  cabeça do  astragalo,
cortando-se  os  ligamentos  lateraes.
     «Uma serra de amputação  de  lamina estreita é  applicada atraz
da cabeça  do  astragalo  e perpendicularmente  ao calcaneo,  que é
serrado na direcção da  primeira  incisão.   Disseca-se um pouco o
retalho anterior, destacando-o  dos  malleolos, sendo  por fim estas
duas extremidades  separadas por um traço  de  serra. »
     Algum  tempo  depois Pirogoff assignalou  as principaes  modi-
ficações  de  seu processo, determinando  que  fosse  serrada uma
lamina delgada do  tibia  e que se  fizesse  a secção  do  calcaneo  de
baixo  para cima   antes  de  desarticular o astragalo e  ao  mesmo
tempo  que  se  tomasse  o  máximo  cuidado  em não ferir o  tendão
de Achilles. Aconselhou também, aproveitando  a idéa de Guenter,
que se serrasse obliquamente  o calcaneo  quando  isso   fosse pos-
sível, sem deixar  no retalho uma  parte de  osso  affectada.
               MODIFICAÇÕES  DO PROCESSO  OPERATORIO
     Segundo  o Dr. Crissiuma  estes processos  podem ser divididos
em três  grupos, segundo a direcção  que  toma a  serra  na secção 
4
do  calcaneo, a  saber:  1.° Processos  por secção vertical; 2.°  Pro-
cessos por secção obliqua; 3.° Processos por secção horizontal.

                  PROCESSOS POR  SECÇÃO VERTICAL
     Comprehende este  grupo o processo  primitivo  de Pirogoff e
as modificações  apresentadas  por Legouest Pelikan, etc.
     A  modificação de  Legouest consiste no seguinte: A primeira
incisão é feita transversalmente de um malléolo  a outro. A segunda
começando quatro centimetros acima das extremidades da primeira,
e na parte  média das saliências malleolares, dirige-se  obliquamente
para a  planla  do  pé  ao nivel  da  articulação médio tarsiana até
completar-se  do  lado   opposto; tem-se assim  dous  retalhos  dos
quaes  o anterior, que n'este  caso é quadrilátero, e dissecado com-
pletamente  ao passo que o  calcaneano que é ovalar, é dissecado
numa extensão  de três  centimetros mais  ou menos.
     Corta-se depois  os ligamentos,  feito  o  que serra-se  a extre-
midade inferior  dos  ossos da perna  logo acima da articulação, só
resta então  serrar o calcaneo no sentido vertical.
     A-modificação de  Pélikan consiste  em  destacar  uma  lamina
horizontal do tibia immediatamente acima  da superfície articular, e
serrar depois verticalmente o calcaneo fazendo levantar o pé; ter-
mina-se a operação com o escalpelo,  e  o  pé  é  separado sem abrir-se
a  articulação tibio tarsiana.  Segundo Tauber  procedendo-se assim
não se pôde  saber perfeitamente o  gráo de alteração do calcaneo
e  por isso  reprova  este  modo de  proceder.
     Burns   citado na  cirurgia de  guerra de  Esmarch aconselhou
como modificação do processo de Pirogoff que se desse á secção do
calcaneo  uma  fôrma  concava  e   uma  fôrma  convexa á do  tibia.
     Um cirurgião  inglez  não  serrou os malleolos,  e  introduziu
entre  elles  a porção  seccionada   do  calcaneo; este  processo foi
severamente  criticado  pelo professor Verneuil.

                   PROCESSOS  POR SECÇÃO OBLÍQUA
     N'este  grupo  temos  como  mais  importante  o processo  de
 Sédillot,  que aconselha  que  se corte  as partes  molles por  meio 
5
de uma incisão, que partindo  do  bordo  interno adiante, e a um
centímetro acima  do malléolo interno, dirija-se obliquamente para a
região plantar, que alcança ao nivel do  scaphoide;  d'ahi dirige-se
para  o  bordo externo  onde termina  um pouco adiante da  arti-
culação calcaneo  cuboideana; d'ahi  ella continua para cima e  para
traz  para  terminar um   pouco  adiante,  e  acima  do   malléolo
externo.
     Uma  incisão  transversal, feita um dedo abaixo  das extremi-
dades  da  incisão plantar,  secciona  as partes molles  do  dorso do
pé, e  depois  abre-se a  articulação abaixando-se então fortemente
o  pé e puxando-o para diante.  Com uma  serra  de  cadeia  col-
locada atraz da articulação astragalo  calcaneana posterior, que é
indicada  pela saliência do  astragalo,  serra-se obliquamente  todas
as superfícies  articulares  do  calcaneo,  guiando-se  pela inclinação
do retalho na direcção que se  dá á  serra. Depois d'isto secciona-se
as extremidades  cio  tibia  e do peroneo,  de  diante para  traz num
sentido parallelo  á superfície  de  secção  do calcaneo.
     Segundo Delorme,  um inconveniente d'este processo consiste
em que o  doente apoia o pezo   do corpo sobre a porção  saliente
do  calcaneo, que  corresponde  á união  da  face plantar e posterior,
saliência esta situada atraz do eixo dos ossos  da perna.
     Busch citado por  Max Schede dividiu do  seguinte  modo as
vantagens   d'este  processo: 1.°  uma  superfície mais   extensa do
calcaneo é posta   em contacto  com  o   tibia;  2.° o  calcaneo  não
descreve a forte   rotação a que  o obrigava  o  processo  primitivo
de  secção  vertical; 3.°  o tendão  de Achilles não fica muito tenso;
4.° a parte  do  calcanhar que normalmente toca  o solo  constitue
a  superfície  de  apoio da operação.
     Schede  (professor  em Halle) diz  que, quanto  ao   corte do
retalho,  deve-se proceder  como   fazia  primitivamente  Pirogoff.   O
único  ponto  em   que diíferem os   preceitos de Pirogoff  dos de
Sédillot n'este particular, consiste  no  ponto em que  se  deve  co-
meçar a primeira  incisão,  que   segundo  Pirogoff  deve  partir do
bordo externo do pé e  do bordo interno  segundo Sédillot. 
6
                 PROCESSOS POR SECÇÃO HORIZONTAL
     N'este  grupo temos os processos de  Pasquier e  do professor
Léon Lefort.
     Processo  de Pasquier: — Faz-se uma  incisão vertical  de três
centimetros atraz  do malléolo  externo,  e adiante do  tendão  de
Achilles.  Do  meio d'esta incisão,  que deve  estar  situada ao  nivel
da articulação calcaneo  astragaliana, parte  uma outra,  que  dirigin-
do-se para  o  bordo externo do pé, passa pela  planta  e termina no
seu  ponto  de  partida,  descrevendo uma  curva  de  convexidade
superior.  Depois  de dissecar a pelle da região dorsal  das partes
lateraes, e  planta do  pé,  ataca-se  a  articulação  pelo  seu  lado
externo, seccionando-se   as   partes  anteriores  e  posteriores  da
cápsula, os  tendões   e   o   ligamento lateral   interno.   Secciona-se
obliquamente  a extremidade inferior do  tibia de  diante para traz
e  de  baixo  para cima, e  serra-se  então  o  calcaneo  horizontal-
mente e de dentro para fora.  N'este  processo o  retalho  plantar
cobre a superfície  articular  anterior do calcaneo.
     Póde-se  serrar  o calcaneo  de  fora  para dentro,  protegendo
com uma tala a artéria tibial posterior  e  o nervo tibial posterior.
     Por  este processo  a superfície  plantar do coto é  horizontal  e
extensa e  o  operado  apoia-se sobre a face  inferior  do calcaneo.
     Processo  de Lefort:—O professor Lefort  tratando  da operação
de  Pirogo'ff exprime-se  nos  seguintes termos : « Procurar prevenir
ou  diminuir o encurtamento do membro, como tivérão em  vista  a
maior parte dos cirurgiões  que tratarão  d'esta operação  não é  o
que  ha de  mais importante  nesta  questão;  o que importa é que
a base  natural  de sustentação do  corpo  não seja  mudada; com
efTeito a estructura da pelle só  permite  que o corpo  repouse sobre
as  partes  a  isso  destinadas  (saliência do primeiro  metatarsiano,
bordo externo do pé, calcanhar, joelho, região  ischiatica) é  preciso
pois  que  em toda  a  amputação  do  pé  só  o calcanhar forme  o
ponto de apoio.  Ora na amputação de Pirogoff é a face posterior
do  calcaneo que fôrma  o ponto de  apoio; só  isto basta para tirar
quasi todo  o  seu valor  a esta operação.  A  mesma objecção  posto
que  muito  attenuada subsiste para  o processo de  Sédillot. 
7
     Comtudo Pirogoff nos mostrara que se pôde soldar o calcaneo
ao tibia, isto  inspirou-me  a  idéa  de uma operação isenta dos in-
convenientes  dos outros  processos de  amputação tibio  tarsiana.
Sem me preoccupar com a questão insignificante  do encurtainento
queria: 1.°, dar  como   base  de  sustentação  o  calcanhar normal
com a sua pelle intacta, e  com  as  apophyses  do  calcaneo, que
são  o  verdadeiro  ponto  de apoio; 2.°,  evitar  todo  e  qualquer
repuchamcnto  sobre  o  tcndão de  Achilles, e toda  a  tendência  ao
deslocamento  ulterior do retalho; 3.°, respeitar o tendão de Achilles
e  conseguintemente  os  músculos  gastro-enemios, porque,  com-
quanto  o  calcanhar  se  solde  ao  tibia, estava  persuadido que  os
doentes  andarião melhor,  se não  houvesse  perturbação na acção,
tornada inútil, mas  que conserva-se instinctiva  dos  gêmeos e  do
solear;  4.°, evitar durante a operação  o  ferimento  da tibial pos-
terior.  Para  conseguir  estes resultados pareceu-me que  o melhor
meio era  deixar  o calcanhar absolutamente intacto, serrando hori-
zontalmente  o calcaneo  abaixo  de  suas superfícies articulares com
o  astragalo,  e tirar  toda a  superfície articular  do tibia ao nivel
dos  malleolos.
     Eis como pratico a operação :  A incisão das partes  molles é
feita segundo os dados  da operação de J. Roux ;  começo a incisão
a dous  centimetros  abaixo  do malléolo  externo, levo-a directa-
mente para diante até  o nivel  do  terço anterior do calcaneo  ; che-
gando a  este ponto, a  faca descreve sobre  o dorso do pé uma
curva de  convexidade anterior,  correspondendo  a articulação  astra-
galo scaphoideana;  quando  a faca chega  ao  bordo interno  do  pé
dirige-se para traz, e termina a três centimetros  adiante do malléolo
interno.   Levantando  então o  pé,  corto um retalho plantar  igual-
mente convexo,  que  passa  transversalmente sob a planta do pé,
um  pouco  adiante do ponto por onde  passa a incisão de  J. Roux,
e encontra  a incisão  externa  abaixo  do  malléolo externo.   Isto
feito disseco e faço levantar o retalho dorsal, para pôr a descoberto
a articulação  tibio  tarsiana, e procedo  com  grande  cuidado  ao
isolamento  da parte interna,  afim de não  ferir  a  artéria  tibial
posterior  no  momento  em que  passa  atraz  do  malléolo  interno. 
8
 Corto os ligamentos que  ligão o pé ao peroneo;  depois, segurando
 o pé com a mão esquerda  quando  opero  sobre o  pé direito, ou
 fazendo-o  segurar  por  um ajudante  quando  opero  sobre  o pé
 esquerdo,  introduzo a  ponta da faca entre o calcaneo e o astragalo,
 como na amputação sub astragaliana,  e corto o ligainento icterosseo,
 o pé é affastado  e  luxado  para dentro.  Sem me  preoccupar  com  o
 astragalo,  separo  o  pé como o faria no  processo de Chopart, o que
 permitte evitar com mais segurança  o  ferimento da artéria  tibial
 posterior,  permittindo  uma  dissecção  mais fácil do retalho plantar.
 Para separar o astragalo, seguro-o  com uma  forte  pinça, e  corto
 successivamente  tudo que o prende ainda ao  pé ou á perna.   Só
 resta serrar de traz para diante o calcaneo,  do qual  tiro toda  a
 superfície  articular  superior.
     Póde-se  praticar  esta  operação  mais  fácil  e  rapidamente,
 fazendo  a  mesma incisão  nas partes molles, mas abrindo immedia-
 tamente  a  articulação  tibio  tarsiana;  basta  então  isolar a  face
 superior da tuberosidade  posterior  do calcaneo,  e collocar a serra
 horizontalmente sobre  esse  osso.  Não se torna necessário abrir a
 articulação   astragalo  calcaneana,  porque a  superfície  articular
 superior do  calcaneo é tirada com todo o  resto do pé,  e  tem-se a
 vantagem para a  secção d'este osso de segural-o solidamente, pois
 que faz  corpo  com  todo  o pé.  Comtudo  o operador  expõe-se  mais
 a fazer  sobre  o  calcaneo  uma  secção  obliqua  semelhante  á de
 Sédillot. »
     Diversas  objecções  têm sido  feitas  a  esse processo;  assim
 Tauber diz que o tendão  de Achilles, será interessado pela  serra
 collocada diante d'elle.
     Três são as principaes  objecções  que se  pôde fazer a este
processo: 1.° Sendo a  carie  uma das affecções  que mais reclamão
esta operação,  raras vezes poderá ser  praticada,  porquanto n'este
processo  sendo somente serrada a superfície articular do calcaneo,
só quando o calcaneo estiver  intacto  poderá ser praticada.  2.° N'este
processo  o  encurtamento  é   mais considerável.   3.° E'  difficilimo '
obter-se  uma secção horizontal do calcaneo.
     Achamos conveniente mencionar aqui  um  caso de  operação de 
9
Pirogoff,  (processo  de Lefort)  praticada  em  Lisboa  num  homem
de  76 annos  de idade pelo  Dr. Bordallo Pinheiro,  e  reclamada
por  um tumor maligno que  interessava a região dorsal  dos dedos
do  pé esquerdo, meta tarso e parte  do tarso.  As partes molles da
região plantar estavão  invadidas  até  o  ponto  mais  alto da abobada
do  calcaneo.  O Dr.  Bordallo  Pinheiro  communicou o resultado
d'essa operação na  sessão  de 30 de Abril  de 1887  da Sociedade
das  Sciencias Médicas de Lisboa, em cuja acta vem descripta nos
seguintes termos:  «No  dia  16  de  Novembro praticou a operação
de  Pirogoff com a  modificação  de  Lefort,  usando a  incisão em
raqueta  com  a  extremidade  na  face  externa  do pé no  ponto  cor-
respondente  ao  bordo do tendão de Achilles.   A operação,  que
julga ser  a primeira praticada em Lisboa, correu bem. Laqueou-se
apenas uma  artéria  plantar, que se  achava um pouco atheromatosa.
O bordo  superior da incisão  tinha aspecto lardaceo.  Fizerão-se as
suturas  superficial  e  profunda.  Três  dias  depois  os  bordos da
ferida operatoria  estavão  gangrenados ;  tirarão-se  então  alguns
alfinetes da sutura  enroscada. Passados  dous dias, em conseqüência
do  máo estado  das  partes molles, foi necessário  retirar  os  pontos
da  sutura  profunda.  Na  região plantar tinha-se desenvolvido um
phleimão  que terminou por  suppuração e mortificação  em vários
pontos. Foi necessário dar sahida ao  pus  e  partes molles do tecido
cellular por meio  de incisões múltiplas.  O  retalho superior ficou
completamente  livre  abandonando  o  retalho  inferior.   Para  os
tornar a unir, permittindo-lhes a cicatrização por segunda intenção,
empregou o Dr.  Bordallo  Pinheiro tiras de  caoutchouc,   que teve
de abandonar, por incommodar muito o doente,  e por dar logar á
formação  de phlyctenas, no  terço inferior  da perna  onde se fixavão
as ataduras.   Empregou depois uma tala  allemã de arame dobrada
em  angulo  e  almofadada com algodão  revestido de  mackintosh,
que  era fixada por  uma atadura,  que  subia até acima  do joelho.
Prescreveu lavagens com água phenicada,  e polvilhação com  sub-
stancias  antisepticas.  No  fim  de  doze  dias  as  superfícies  dos
retalhos  estavão granulando  bem.  Pôde então substituir a tala por
tiras  de  adhesivo.  Passados dous  mezes  e  meio  a cicatrização 
10
das partes molles  era  completa;  as  superfícies  ósseas porém não
se tinhão  reunido  perfeitamente, pois  que havia alguma mobilidade;
applicou então  um apparelho inamovivel silicatado,  que conservou
durante dez dias;  retirado o apparelho,  verificou estar completa a
consolidação.   Nada  mais houve de notável, a não ser um eczenia
que durou muito pouco tempo. » 
Capitulo II
          Resultados immediatos  da  operação


     N'este capitulo  faremos breves considerações sobre o retalho
calcaneano e a  vitalidade  de seus tecidos,  e estudaremos  a cica-
trisação  da ferida resultante da operação.
     Retalho. — O retalho é constituido  na base por pelle  muito
espessa,  revestida de  tecido gorduroso abundante de uma cor aver-
melhada ; na parte posterior e  aos lados  ella é mais fina,  princi-
palmente  na região malleolar e  na porção situada entre os malleolos
e o  tendão  de  Achilles.
     Examinando a ferida  que resulta da  operação achamos uma so-
lução de  continuidade de fôrma quadrilatera, contendo internamente e
em baixo a superfície de secção  do calcaneo vertical obliqua ou hori-
zontal ; em cima a superfície resultante da resecção da extremidade do
tibia e peroneo.  Posteriormente  acha-se  o tendão de Achilles, uma
porção de tecido gorduroso ; internamente  a artéria e nervo tibial pos-
terior, que segundo alguns cirurgiões deve ser resecado para evitar
a nevralgia do coto.  No angulo posterior da ferida encontra-se os
prolongamentos  da synovial.  Além do que já foi descripto, encontra-
se ainda as extremidades  dos tendões seccionados, e  suas bainhas
tendinosas, que se acham abertas, podendo ser sede de inflammação,
as vezes muito  grave,  porquanto  o pus accumulado  em seu  in-
terior, encontrando  parede  pouco distensivel,  infiltra-se  pelos  in-
terstícios  musculares,  indo constituir  abcessos  ou phleimões,  que
vêm  retardar o resultado  definitivo  da  operação,  em  virtude  da
necessidade que tem o cirurgião de  dar sahida ao pus contido no
interior d'esses  abcessos. 
12
    Vitalidade  dos tecidos. — Como  em toda a  operação  um dos
principaes factores  para o bom resultado é  a vitalidade dos tecidos,
sendo a operação do Pirogoff uma operação osteoplastica,  é  claro
que mais  do que em qualquer outra  a integridade vital dos tecidos
que constituem  o retalho é  de  summa importância. Sendo  os  ossos
no periodo  de  crescimento  dotados  de  grande vitalidade, princi-
palmente  na occasião da  união  da epiphyse  com a diaphyse,  na
amputação de Pirogoff  ao mesmo tempo  que as superfícies ósseas
constituídas por tecido  esponjoso, dotado de  grande vascularisação
tem  todos os requisitos  para  uma fácil  adhesão,  por  outro  lado
em virtude  da grande quantidade de vasos,  uma osteite pôde desen-
volver-se  com facilidade.
     Quando se  pratica  essa operação em  um indivíduo  de idade
muito  adiantada não se  pôde contar  com  um resultado muito  fa-
vorável,  porquanto  o tecido ósseo  do  velho é  um tecido rarefeito,
de sorte  que aos  90  annos segundo  Sappey  o   tecido compacto
torna-se  esponjoso  com grande  quantidade  de  cellulas  gordurosas.
Ranvier descreveu uma osteoporose senil, constituída pela rarefacção
do tecido ósseo  por augmento dos espaços medullares, modificando-se
a  medulla,  que  toma  os caracteres  da  medulla  laetal;   e  outra
osteoporose,  constituida pela rarefacção do tecido ósseo, e producção
de cellulas  de tecido adiposo nos espaços  medullares  e canaes de
Havers, os  tractos  ósseos do tecido esponjoso tornando-se  primeiro
muito  delgados  e  acabando mesmo por  desapparecer. O  osso fica
reduzido  a  uma casca  pergaminhada,  tendo numerosos  buracos vas-
culares. A osteoporose  adiposa  encontra-se nos  casos  de  immobi-
lisação das juntas,  nas  affecções chronicas  das articulações. O caso
de operação  de  Pirogoff,  praticada em Lisboa em um velho de 70
annos  e  que teve bom resultado constitue  uma excepção.
     O Dr.  Crissiuma  em  sua  these  de  concurso relativamente a
este assumpto,  diz o seguinte : « Uma outra influencia,   que não
deve  ser  perdida de vista,  é a alteração  que soffre um osso quando
existe uma lesão orgânica na vizinhança. Nos ossos  do tarso sobre-
tudo  é  que  esta  influencia  nociva  se faz  sentir; muitas vezes,
quando um dos ossos do tarso se acha alterado,  não  só  os outros 
13
se achão mais  ou menos  alterados,  como também  a extremidade
inferior dos ossos da perna. De  sorte que  aqui se  apresenta  uma
questão pratica do mais alto  interesse :  Devemos ou  não amputar
pelo methodo osteoplastico ?  Se  amputamos,  corremos  o risco de
deixar um osso já affectado,  que  poderá  ser  o  ponto  de partida
da  reincidência  da moléstia;  se não amputamos,  o doente ficará
privado de uma  operação  vantajosa  quanto  aos seus  resultados
futuros. Esta questão tem  sido  diversamente julgada pelos autores.
Apezar de algumas  observações  em que se fundamenta Weber  para
demonstrar que os ossos  hyperemiados  ou tendo  mesmo chegado
á degenerescencia  gordurosa  tenhão dado excellentes  resultados,
me  parece porém que esta questão  ficou melhor esclarecida depois
que Lowe  applicou ao  processo  osteoplastico o tão preconisado pro-
cesso de esvaziamento  ósseo  de  Sédillot.
     Os diversos estados  diathesicos, os  traumatismos violentos, os
ferimentos por arma de fogo, são outras tantas condições que mo-
dificão os resultados  immediatos  da amputação de Pirogoff.
     Cicatrisação. — Diversas são as causas  que podem concorrer
para  o retardamento da  cicatrisação da ferida resultante  de  uma
amputação de  Pirogoff:
     1.° A retenção do pus pôde trazer como  resultado accidentes
sérios; tendo-se  porém o cuidado de collocar o membro em posição
conveniente,  de collocar tubos de drainage,  de fazer os curativos
precisos com toda  a  minuciosidade, esta causa pôde ser facilmente
removida,  o  Dr. Crissiuma  considera  os processos de Lefort  e
Pasquier como  melhores  no que  diz respeito á remoção d'esta causa
de  insuccesso  e reprova as idéas do professor Esmarch, que acon-
selhou que se  perfurasse  a pelle  no  ponto  em que se pratica  a
tenotomia do tendão de Achilles,  para  ahi  collocar um  tubo de
drainage.
     Da facilidade  com que a inflammação ataca  as bainhas tendi-
nosas quando seccionadas, resulta uma outra causa de retardamento
da  cicatrisação, em  virtude dos  accidentes que estas inflammações
podem occasionar.
     Uma das  causas que mais  concorrem  para retardar a  cicatri- 
14
sação é o aífastamento  dos bordos da solução de continuidade re-
sultante da  operação; isto em geral depende do  esquecimento do
preceito  de  conservar  o  retalho em uma  immobilidade absoluta
para  combater  a  tendência que  têm  os bordos da  ferida a affas-
tarem-se em virtude da tracção exercida sobre o  calcaneo pelos
músculos gêmeos e solear, reunidos em  um  tendão único.
     Esta  immobilidade  pôde  ser obtida por diversos modos.  Pi-
rogoff aconselhou  o emprego  de tiras agglutinativas, ou  então  de
uma  simples sutura.   Outros cirurgiões empregarão  um apparelho
gessado, outros  o  silicato de  potássio, etc.   Em um doente operado
a 9  de Dezembro de 1886 pelo  professor  Pedro  Affonso  Franco
e cuja observação  publicaremos no  fim do  nosso trabalho,  fez-se
uma  sutura com fio de prata, applicou-se uma larga tira de spara-
drapo, e além d'isto por cima do curativo phenicado foi applicado
um apparelho gessado.   Os professores Tauber, Beranger-Ferand e
Pasquier aconselharão  que antes de fazer-se  a  sutura das partes
molles se fizesse a sutura óssea,  e o professor Tauber aconselhou
que  se substituísse  a  sutura  com fio  metálico  pela sutura feita
com  catgut.
     Quanto ao  tempo necessário  para, a cicatrização  da ferida, da
natureza das causas que mais commummente  tornão necessária  a
amputação de Pirogoff, que são de  um  lado  o traumatismo,  e  do
outro as affecções chronicas  dos ossos,  tiraremos a  conclusão que
é muito variável;  sendo  em geral muito  mais rápida  quando  a
operação é reclamada por um traumatismo,  do que  quando recla-
mada por uma affecção  dos ossos, que  em  geral  é  conseqüência
de um  estado diathesico, que, contribuindo  para  depauperar o, or-
ganismo, diminue  a  vitalidade dos tecidos, condição  essencial para
a boa cicatrização, que neste caso torna-se  muito mais lenta. No
que  diz respeito ás  operações praticadas pelos cirurgiões brazilei-
ros,  verificamos  nm  resultado  idêntico;   isto é, nos  casos  em que
a operação foi reclamada pelo traumatismo  a  cura foi  muito mais
rápida.
     Consultando  a  estatística  estrangeira,  vemos que no  quadro
de Chauvel o resultado  foi o seguinte; 
15
                Duração da cura.                 Nnmero de operados.
              Um mez..................................   43
              De  1  a 2 mezes....................    4
              2 mezes................................    6
              De  2  a 3 mezes.....................    2
              3 mezes................................    2
              2 annos.................................    1
     Segundo  Kestner o tempo  necessário  para  a  cura de  um
amputado de Pirogoff é  de dous  mezes,  sendo excepcionaes  os
casos de  cura  mais  rápida.
     Assim  como   em todas  as  operações,  na  de  Pirogoff  uma
das  questões mais importantes  é a do curativo  que se  deve em-
pregar depois da operação.
     Hoje  que o methodo  antiseptico  rigorosamente   praticado
tem  removido  em grande parte  as  complicações e  accidentes das
feridas,  o resultado das operações praticadas modernamente é muito
mais  lisongeiro do  que  o  das  operações  praticadas  em  outros
tempos.
     Quanto  aos  accidentes  que vêm complicar  o  resultado da
operação,  os  principaes são:  a  infecção  purulenta, a estagnação
de pús,  a  gangrena do retalho, a  phlebite,  a  infla mmação  das
bainhas  tendinosas, etc. 
 
Capitulo  III
                  Resultados  definitivos


     N'este  capitulo trataremos  das funcções do membro,  do seu
encurtamento, do  exame da  fôrma que o coto apresenta  depois de
cicatrizada a ferida, da reincidência, etc.
     Funcções  do membro. — Do exame das estatísticas estrangeiras
resulta  que com raras excepções os doentes amputados  pelo me-
thodo  de Pirogoff andão  sem  grande  difficuldade.   O  Dr. Max
Schede,  em uma  memória publicada  na  collecção  de Wolkmann
apresenta uma estatística  de 186 observações  com  164 casos de
cura; d'estes 164,  13  andavão mal, 3 tiverão mortificação  de cal-
canhar, em  7  praticou-se a amputação secundaria, 2 não se curarão
e 1  não podia  andar.   Das  operações praticadas pelos  cirurgiões
brazileiros,  9  tiverão  resultado  satisfactorio,  principalmente  o
doente operado  pelo Sr. professor  Pedro Affonso Franco, em De-
zembro  de 1886,  que  era  um  indivíduo  cujo  estado  geral era
o peior possível e  que retirou-se  do Hospital perfeitamente  curado.
Segundo refere o Dr. Crissiuma,  Pirogoff em uma  carta  dirigida a
Hancock, disse  ter observado em Heidelberg uma  mulher   ampu-
tada de  ambos  os  pés pelo  seu  processo,  e que  andava sem
bengala.
     Algumas  vezes o máo resultado  provém do  facto  de  ter o
doente começado a andar cedo de mais; isto é, antes da perfeita
consolidação dos ossos, collocados  em  condições  idênticas ás de
uma fractura.
     Segundo alguns,  sob  o  ponto de  vista  da deambulação os
processos de Pasquier e Lefort  levão vantagem  sobre  os  outros,
porquanto n'esse caso  o ponto em que a pressão se exerce  sobre
  (21* 
18
o coto é a face plantar  do  calcanhar, isto é, a parte que  normal-
mente supporta o peso do corpo ;  entretanto,  nos  amputados no
Brazil o processo  empregado  foi  de secção  vertical  ou  obliqua
com resultado  satisfactorio.
     Os casos de amputação secundaria  são  raros;   quando  prati-
cada  é geralmente  reclamada  por accidentes que   tenhão sobre-
vindo, taes  como  a reincidência, trajectos fistulosos, etc.
     Encurtamento. — De todos os outros methodos  de  amputação
tibiotarsiana, o de  Pirogoff  é aquelle  em  que  incontestavelmente
se nota  menor encurtamento  do  membro;   apezar do professor
Tauber ter  citado um  caso  em que  houve  um  encurtamento má-
ximo de 8  centimetros,  geralmente é de 2 a  3  centimentros.
     Fôrma do coto.— A fôrma do  coto de um doente operado pelo
methodo de Pirogoff pôde ser comparada a uma pata de elephante
ou  ao pilão de uma perna de  páo.
     A cicatriz  fica collocada na parte anterior do  coto ao abrigo
das  pressões sobre o solo.
     Exame do coto.— Apezar  de alguns autores  terem negado que
as duas  superfícies  ósseas se soldassem, das  autópsias praticadas
por  Ulrich, Esmarch,  Linhart, Schneider,  Wolkmann, etc, se col-
ligiu  que  a  consolidação  faz-se  perfeitamente.   Kort  referiu  um
caso  em que o exame foi  feito  um  mez  depois  de operado  o
doente. Encontrou uma  camada  de lympha  plástica gelatiniforme,
interposta  ás  superfícies ósseas, que se achavão  fortemente inje-
ctadas, offerecendo uma  grande resistência ás  tracções.
     No caso de Schneider os ossos achavão-se perfeitamente unidos ;
a apophyse do calcaneo quasi normal, via-se a cicatriz óssea muito
fina tanto  atraz como  adiante  em  direcção  obliqua  para  baixo  e
para diante,  os ossos  da perna excedião o calcaneo para diante  e
para  os  lados,  atraz  era   a apophyse  do  calcaneo  que fazia
saliência.
     Reincidência.— O  facto  de  se ter  observado casos de reinci-
dência da moléstia em  doentes amputados pelo methodo  de  Pirogoff
não  deve causar admiração,  se considerarmos  que  esta  operação
em geral é motivada por lesões  orgânicas dos ossos do pé, e prin- 
19
cipalmente do  tarso,  observadas  em  indivíduos  nos  quaes  em
geral  ha  um estado  diathesico,  que  complica a  situação, dimi-
nuindo a  vitalidade  dos tecidos, e  tornando  assim  fácil  a reinci-
dência. Além d'isto, antigamente  os cirurgiões ás  vezes  deixavão
no retalho uma  porção de  osso alterada, e praticavão  a  operação
em casos  em que a contra indicação era  formal.
    Hoje, que o methodo  de  esvaziamento  ósseo,  applicado  por
Lowe á essa  operação,  tem dado  brilhantes resultados,  sendo além
d'isso intuitivo que  nunca se deve  deixar no retalho  uma porção
de osso alterado,  os casos de  reincidência  são observados  com
muito menos freqüência.
    Ás vezes depois  de  uma amputação de  Pirogoff  os doentes
apresentão fistulas no  coto; estas  fistulas podem  depender ou da
continuação da lesão óssea, ou  de  alteração  das  partes  molles;
sendo que as primeiras são mais  graves que  as  segundas e podem
reclamar  uma amputação  secundaria; quanto  á ausência de conso-
lidação, contão-se  três  casos  na  sciencia; sendo dous  observados
por Pirogoff  e  um por Holloway ; é provável que n'esses doentes
o conchegamento das superfícies ósseas não tivesse sido feito com
cuidado;  d'onde a mobilidade dos  ossos.
    Apparelhos protheticos. —  Os doentes  amputados  podem  andar
perfeitamente com diversos apparelhos  de prothese;  entre esses  a
bota pilão de  J. Roux  offerece  sérias  vantagens.   Para  os  que
desejarem dissimular  a perda do pé existem apparelhos  idênticos
aos de  Nyrops  Bly e Mark que  são  pés artificiaes  articulados. 
 
                         Capitulo  IV


             Indicações e contraindicações


     Diversas são as causas  que  podem  motivar a amputação de
Pirogoff;  de um  modo geral  podemos dividil-as em duas grandes
classes  a  saber:  traumáticas e pathologicas.
     Na primeira classe encontramos como mais freqüentes os esma-
gamentos, feridas por arma de fogo, queimaduras interessando pro-
fundamente os tecidos. Na segunda classe encontramos em primeiro
logar a carie dos ossos do tarso,  e outras affecções orgânicas dos
ossos do pé; a  existência de  tumores assestados  na região ante-
rior  ou mesmo posterior do pé, as gangrenas, ulceras rebeldes, etc.
     Estas  duas  ordens  de  causas podem combinar-se  no  mesmo
indivíduo, isto é, um  estado  diathesico vir complicar  uma lesão
traumática,  imprimindo-lhe uma  feição tão grave que reclame a
amputação;  muitas vezes porém póde-se confiar  á  natureza o  res-
tabelecimento do  doente; ha indivíduos  que  entrão  para o hospital,
apresentando traumatismos consideráveis no  pé, e parecendo recla-
mar  a amputação; entretanto  mediante um  tratamento conveniente
estes doentes sahem  perfeitamente  curados:  quando  interno  no
serviço  do  Sr.  professor Pedro  Affonso  Franco tivemos occasião
de observar diversos casos  com esse  resultado  satisfactorio.   Em
outros  indivíduos uma  solução de  continuidade,  que  á primeira
vista parecia dever cicatrisar com facilidade, vem a apresentar uma
marcha  tal,  complicações tão importantes, que  a amputação torna-
se necessária; nos individuos de raça negra não  raro acontece  que
o tétano manifesta-se após  uma lesão  traumática assestada  no pé,
resistindo  ás medicações mais  enérgicas, e terminando fatalmente.
Por  conseguinte,  nestes casos uma  questão  importante  é a de 
22
decidir-se  si se deve amputar ou não. Se  por  um lado numerosos
são os casos em que  o doente  falleceu  victima de  complicações
por não se  ter  amputado, por  outro lado são também numerosos
os casos  em que o doente se restabeleceu sem amputação;  com-
tudo, encarando a  questão sob um ponto de vista  todo humanitário,
nos parece preferível  que não nos apressemos  em amputar, e que
tentemos tudo quanto  for possivel para a conservação  do membro.
    Ha  casos  porém  em que  o traumatismo é tão  considerável,
produziu taes  estragos nos ossos do pé, que a  amputação torna-se
necessária, porquanto manifesta-se uma arthrite traumática, que pôde
propagar-se ás articulações vizinhas  e produzir accidentes gravis-
simos.
    A  gangrena  do   pé  pôde  reclamar uma amputação; n'estes
casos  é de boa pratica só amputarmos quando o circulo limitante
tiver  estabelecido  uma  linha  divisória  entre  as partes sãs  e  as
partes affectadas.
    O professor Lefort obteve  bom êxito empregando o seu pro-
cesso  em  um  caso de pé  torto congênito.
    Consultando as diversas  observações  de amputação  de Pirogoff,
vemos que no maior  numero  de  casos  foi  motivada por lesões
orgânicas  dos  ossos do pé, principalmente  do tarso; d'estas lesões
a carie é  a mais freqüente;  quando  se  taata de um  caso d'esta
ordem deve  haver o  máximo  cuidado em não  deixar na ferida
nenhuma porção de osso alterado.
    Nos casos de  tumores malignos, se   estiverem  em começo a
amputação do pé pôde dar resultados; se  porém já  houver ingur-
gitamento  ganglionar, o que  indica  que o tumor tende a genera-
lisar-se, a amputação  da  perna é preferível.
    Para terminar diremos  que  achamos  que  a amputação  de
Pirogoff  deve  ser  indicada  de preferencia ás outras  amputações
parciaes do pé; é  o que resulta do  parallelo  entre os resultados
das amputações  de Syme, Pirogoff,  Chopart,  sub astragaliana  e
supra  malleolar.
    Quanto á amputação  de Syme, a ausência de uma porção de osso
no fundo da ferida tem como resultado um grande fundo de sacco 
23
onde  o  pús se accumula, concorrendo assim  para  o insuccesso da
operação;  além  d'isto  neste  processo  é  muito  fácil cortar-se a
artéria  tibial  posterior,  e o encurtamento  do membro é em geral
de cerca de 9  centimetros,  ao  passo que na  operação  de Pirogoff
o encurtamento é de 2 a 3 centimetros.
     A  modificação de Roux, se por um  lado tem  sobre o processo
de Syme a vantagem  de  evitar  com  mais facilidade  o  ferimento
da artéria  tibial  posterior e de serem  menos freqüentes  os casos
de gangrena  do retalho  (19 °/o),  Por outro  lado  segundo  o  pro-
fessor Lefort  no que  diz respeito á facilidade  do andar as esta-
tísticas  provarão maior numero de insuccessos no processo de Roux
(22  °/0)  do que no de  Syme (12 %).
     No processo de Pirogoff a pelle da  superfície  de apoio  con-
serva suas relações  normaes com  o osso collocado  por  cima,  ao
passo  que no  processo  de Syme a união entre a pelle e  o osso
faz-se pela cicatriz ; os pacientes  de Pirogoff podem caminhar sem
apparelho  prothetico  especial  fazendo uso  de  uma simples  bota
acolchoada.
     Na Allemanha  acreditou-se  que  nos  casos de carie da  arti-
culação  do pé ou da parte anterior  do  calcaneo  havia  perigo  de
reincidência.  Na Inglaterra Syme combateu com energia  o methodo
de Pirogoff,  porém mostrarão-se favoráveis á eperação outros cirur-
giões notáveis como Busk,   Paget,  Henry Smith, etc.  Malgaigne
combateu a dizendo  que havia impossibilidade  da união das  duas
superfícies ósseas por causa da freqüente gangrena do bordo inteiro
do calcanhar, da permanência  de fistulas e da grande sensibilidade
do coto no acto de  caminhar.
     Por muitos foi  supposto que comparativamente ao processo de
Syme a operação de Pirogoff  augmentava  muito o perigo de vida
porque  pelo  contacto  de duas superfícies  de secção de ossos  es-
ponjosos  devião augmentar as  probabilidades  de osteophlebite e
pyohemia.
     O  Dr.  Max Schede  reuniu 203 operações  de Pirogoff com
resultado conhecido. D'estes 203,  28  morrerão. Separando  d'este
numero  16  casos  praticados  na guerra  com  4  mortes e outros 
24
dous casos mortaes, nos quaes  a morte proveiu de  outras  lesões
graves  (ferida punctoria  do ventre,  amputação da perna),  restão
185 operações  de  Pirogoff praticadas na  clinica civil com 22 casos
de  morte, isto é 11, 8 °/0,  quasi 1 °/o  abaixo da cifra indicada por
Weber.
     Quanto á  mortalidade o Dr.  Max  Schede apresenta a seguinte
estatística :
                      Operação de Pirogoff

     Numero  de  operados.........................   186 —
     Numero de mortos...........................    22— 11,8 °/o
     Numero de sobreviventes.................,.   164—
     Extirpação secundaria do calcaneo........     3—  1,8 °/o
     Amputações secundarias.....................     8—  4,3%
     Coto inútil devido  á  nevralgia............     1—  0,6 °/o
     Cura incompleta  (fistulas)..................     2—  1,2 °/o
     Somma dos  resultados incompletos........    13—  7,9 °/o

                       Operação de Syme
     Numero de operados.........................   596 —
     Numero  de  mortos...........................    65— 10,9 °/o
     Numero  de  sobreviventes...................   161 —
     Coto inútil......................................     8—  1,5 %
     Cura incompleta................................     4— 0,75 °/o
     Gangrena do retalho..........................    26—    5 °/o
     Amputações secundarias......................    19—  3,5 °/o
     Somma dos resultados incompletos........    54—   10 °/o

     Entretanto na estatistica  de Weber  a mortalidade foi de 12 °/o
 para o processo de Pirogoff e 14, 4 °/o Para o de Syme.
     Hancock  em  uma  estatistica  que  apresentou  consignou um
 caso de gangrena  do  retalho  em 58  operados  pelo  methodo de
 Pirogoff,  ao  passo que  em 219 casos de  amputação de Syme a
 gangrena foi observada  16 vezes.
     Quanto á operação  de Chopart expõe  á inflammação da arti- 
25
culação  tibiotarsiana  e  calcaneo  astragaliana, e  depois de  algum
tempo  dá uma base  de sustentação defeituosa,  por causa de um
reviramento  do coto  para traz  determinando a tracção da pelle e o
despedaçamento da cicatriz, o que é causa de fistulas,  caries, etc.
     Forão  M.  A.  Petit e posteriormente  Villermé que referirão
este facto que motivou  que Bouvier em  1860 proscrevesse  com-
pletamente a operação de Chopart;  depois  d'elle porém  Delorme
defendeu-a fundando-se  em observações  de Larger, que  attribuiu o
desvio  do  pé a atrophia  dos  músculos  flexores  do  pé  sobre a
perna,  que  então são  vencidos pela acção  dos extensores, o que
permitte  ao  calcaneo se dirigir  para traz  e ao astragalo se  luxar
para  diante.
     Quanto  á mortalidade  eis  o resultado da estatistica do Dr.
Schede.
                      Operação de Chopart
     Numero de operações..........................  156 —
     Numero de mortos.............................    21—13,2 °/o
     Numero de sobreviventes.....................  135—
     Cura incompleta  (fistulas)....................     4—  2,9 °/o
     Amputações  secundarias.......................     9—  6,6 °/o
     Somma  dos successos imperfeitos...........    13—  9,5 °/o

     Comparando estas  estatísticas dos  três  processos mais empre-
gados temos  o seguinte  resultado:
                           Mortalidade
     Segundo Schede:
               Syme..........................   10,9 %
               Pirogoff........................   11,8 %
               Chopart........................   13,2 °/0
                      Insuccessos funccionaes
               Syme...........................     10 °/0
               Pirogoff........................    7,9 °/0
               Chopart........................    9,5  /0 
26
    Segundo Weber:
                           Mortalidade
               Syme...........................   14,4 °/0
               Pirogoff........................   12,7 70
               Chopart........................   14,4 °/0
    Tratemos agora da operação substragaliana.
    Segundo Gross os resultados da operação subastragaliana com-
parados com os da operação de Pirogoff quasi se  rivalisão.
    Segundo  Malgaigne  os resultados d'esta operação são favo-
ráveis,  diz tel-a  praticado  seis  vezes sem  ter  perdido um  só
doente;  Chauvel porém reuniu  32 casos de  operação  subastraga-
liana,  sendo 24 motivados por affecções  orgânicas  do pé,  4 por
congelação e 4  por ferida  por arma  de fogo; d'estes 32 seis suc-
cumbirão, o que dá uma  mortalidade de 18  70-
     O  próprio  Lefort,  tratando  d'esta  questão,  indica   como
resultado 34,3  70-
    Do  que fica  dito, quando tivermos de  escolher entre a ope-
ração de  Pirogoff e a subastragaliana,  preferimos  a primeira.
     Quanto á  operação supra  malleolar, baseados no facto que as
operações tornão-se tanto mais graves quanto mais perto do tronco,
a  condemnaremos  e  preferiremos  sempre  o processo de Pirogoff.
Além  disto os doentes  operados  por  esta  fôrma  necessitão de
apparelhos protheticos especiaes, que, custando muito caro, tornão-se
impossíveis na  classe  pobre  que  pelo seu modo de vida está mais
sujeita  ás  causas  que podem concorrer para que  uma  amputação
do pé se torne necessária. 
                          Observações
                                  a

            Observações da clinica do  Sr. professor
                     Pedro Affonso Franco


                          PRIMEIRA

    ESMAGAMENTO DO PÉ. -- GANGRENA CONSECUTIVA. -- OPERAÇÃO DE
                        PIROGOFF. — CURA.


     José  Moreira,  Portuguez, de  11  annos de idade,  morador á
rua  do  Mattoso  n.° 4, entrou para  o  Hospital da Misericórdia a
17  de Abril de 1875 e foi para o leito n.° 20 da enfermaria dos
Anjos.
     Anamnese. — Referiu  o doente que indo pela rua do Alcântara,
ao  atravessar  por diante  de  um bond cahiu tão  infelizmente que
o  pé  esquerdo ficou sobre  o trilho e foi  esmagado pela roda do
carro.   Foi immediatamente conduzido  para o Hospital, perdendo
grande quantidade de sangue.
     Na  occasião  da  entrada  para o Hospital o  exame do ponto
lesado deu logar  á verificação  de  uma  vasta solução de continui-
dade  do  pé esquerdo, começando três dedos adiante  da  articulação
tibio tarsiana,  e  terminando  nos  artelhos  dos  quaes  o terceiro,
quarto e  quinto  se  achavão  presos  apenas  por fragmentos  de
tecidos  molles.  No  fundo da solução  de continuidade via-se os
ossos  triturados  em  um grande  numero de fragmentos, os mús-
culos  ennegrecidos  e  despedaçados.  Ha  grande quantidade  de
terra adherente  aos tecidos esmagados.
    O estado geral é máo, pulso pequeno, suor fino, torpor.
    Diagnostico. — Fractura  comminutiva  e exposta  dos ossos do 
28
tarso,  metatarso  e phalanges  do pé esquerdo com esmagamento dos
tecidos molles.
     Na  occasião da entrada foi feito um curativo simples, depois
de  ter sido lavada a ferida e terem  sido extrahidas algumas das
esquirolas  mais  moveis.   O pé foi  immobilisado  em uma gotteira.
     Dia 18. —  O doente  acha-se mais animado, apezar de ainda
bastante abatido.  A  radial dá 100 pulsações por minuto, a  pelle
está um pouco  quente,  os  tecidos do  lado  externo do pé esquerdo
estão frios e  deixão  sahir  um  liquido sero-purulento,  a parte infe-
rior da  perna  e  o lado interno do pé estão sensíveis,  quentes  e
com um pouco  de einpastamento.
     E  dada  uma poção diaphoretica  com aconito, applica-se uma
cata plasma  na parte  lesada.
     Dia 19. —  A febre  auginenta,  a inflammação circumvizinha
tende  a  estabelecer  o  circulo  eliminatório.   Continua o mesmo
tratamento.
     Dia 20. —  Estando  a parte   externa  do  pé  perfeitamente
limitada por um circulo eliminatório  que começa dous dedos adiante
da  articulação tibio tarsiana, dirige-se para dentro na  direcção do
primeiro espaço  intermetatarsiano, dahi para a planta do pé  onde
approximando-se  mais do  bordo interno segue longitudinalmente
até a  união  do terço posterior  com os dous terços anteriores da
planta,  d'ahi dirige-se para fora  e sobe a unir-se ao ponto d'onde
fizemos partir a  linha divisória.
     O  terço  posterior do  pé,  o bordo interno  e a parte superior
junto á articulação tibio  tarsiana ficarão  isentos  de gangrena.
     O estado geral é bom, não  ha  febre, mas  grande abatimento.
     Sendo  ouvido  o Dr.  Pedro Affonso Franco e reconhecendo
este que  não havia  outro  recurso  senão  praticar a desarticulação
tibio  tarsiana;  convidado  a  fazel-o e  ajudado  pelos Drs.  Godoy,
Guilherme  Affonso  e  os  estudantes  Bandeira,  Miguel Braga  e
outros,  o  Dr.  Pedro  Affonso  Franco  praticou  a desarticulação
osteoplastica  de  Pirogoff,  depois de   chloroformisado o doente  e
depois  de  ter  sido  feita a ischemia  artificial  de Esmarch, come-
çando a enrolar  a  atadura  acima do ponto invadido pela gangrena. 
29
     Forão  feitas  três  ligaduras  de artérias,  as  quaes forão  con-
servadas nos  pontos  mais próximos  da união dos lábios  da ferida,
seis  pontos  de  sutura  metallica,  tiras  agglutinativas no  sentido
postero anterior, curativo simples  com fios  panno crivado e cerôto,
grande  quantidade  de  algodão e  um apparalho  de papelão que
immobilisa a  perna até  acima do joelho.  Prescreve-se uma poção
calmante.
     Dia 21. — Reacção ligeira, não  ha  dor no logar da operação,
a  lingua é  boa.
     Dia 22. — Idem.
     Dia 23. — Cessa a  reacção, o doente passa bem  até o dia 25,
em que apresenta  cephalalgia, febre intensa, lingua saburrosa, dor
no coto, constipação  de  ventre desde o dia da operação. E levan-
tado  o apparelho;  a ferida  está  unida  em sua maior  parte por
primeira intenção.  Cahem duas ligaduras, suppuração  em primeira
quantidade, pus  louvável; são retirados quatro pontos  de  sutura
e  é  renovado  o apparelho.  Purgativo de  sulfato de magnesia, e
depois do  effeito 24  grãos de sulfato de  quinina.
     Dia 26. — A  febre  continua; e feito novo  curativo, nada de
notável; tirão-se  os  últimos dous  pontos  de sutura. Poção  com
aconito, água ingleza.
     Dia 27. — Erupção miliar de sarampão muito benigno,  é re-
novado  o curativo, destaca-se a ultima ligadura, continua o trata-
mento.
     Dia 28. — O  doente melhora de dia em  dia  até  10 de Maio,
em que se retira o apparelho ; a  porção  do calcaneo está perfeita-
mente  adherente ao extremo inferior do  tibia.
     Resta  cicatrizar  no  angulo  interno uma pequena porção da
ferida da amputação.
     No dia  16 de Maio  o  doente começa  a  experimentar  o pé,
auxiliado por uma  moleta.  Dias depois é apresentado  na aula cli-
nica  cirúrgica da Faculdade aos alumnos  do 3.°  e 4.° annos.
     O  coto  supporta o  peso do corpo,  o  doento  pisa sobre  elle,
bate  com força no  chão  e supporta a maior pressão que se possa
exercer com  os  dedos  directamente sobre  o  coto.  A  família do 
30
 doente  vem buscal-o no dia  11 de Junho, em que abandona o Hos-
 pital  perfeitamente curado.

                           SEGUNDA

 OSTEITE  CHRONICA DO  TARSO. — CICATRIZES VICÍOSAS E ADHERENTES. —
                      OPERAÇÃO  DE  PIROGOFF

     Theotonio Gomes da  Silva, portuguez,  de 40 annos  de idade,
 trabalhador, residente em  Petropolis,  entrou para o  Hospital  da
 Misericórdia a 12 de Outubro de 1877 e foi  occupar  um leito em
 uma  de minhas enfermarias.
     Referiu-nos que havia  18 mezes,  em  Petropolis,  passou-lhe
 sobre  o pé esquerdo uma carroça  carregada  com 200 arrobas  de
 café,  esmagando-lhe  todos  os tecidos molles,  os ossos do metatarso
 e  dos artelhos e compromettendo um  pouco  os ossos  do  tarso.
     Foi conduzido para sua  casa, ahi  medicado e tratado, soffreu
 grande  incommodo  durante  os primeiros dias, teve febre  intensa,
 dores consideráveis em  todo  o membro  direito e  perdeu grande
 parte do pé, que cahiu  por  gangrena.
     O  medico  que  o tomou a  seu  cargo limitou-se a auxiliar  a
 natureza,  separando  com uma tesoura  e  pinças as partes  mortifi-
 cadas, e assim pouco a  pouco foi ficando  limpa a  superfície esma-
 gada, até que terminando  a  eliminação  da  parte  gangrenada,  a
 ferida cobriu-se  de botões  carnosos  e começou a cicatrizar.
     O doente  perdeu  assim todo o  metatarso  e  os  artelhos   e
 mesmo  do tarso varias  vezes  se destacarão sequestros que forão
 retirados á medida que  se apresenta vão livres.
     Havia sempre  dores e  estas não  cessarão  com  o  progresso
 da  cicatrização, antes   augmentárão no fim d'esta, de  sorte  que
 tornarão-se tão intensas  que muitas  vezes impedião o somno.
     Oito  mezes depois do accidente a cicatrização era  quasi  com-
pleta; ficarão, porém,  abertos  dous  trajectos fistulosos  na  parte
superior do  tarso,  pelos  quaes de vez  em quando sahião pequenos
 fragmentos de ossos.
    Ultimamente,  tendo o pé augmentado de volume  e tendo as 
31
dores  se tornado  intoleráveis  principalmente á  noite,  o  doente
resolveu recolher-se ao  Hospital  da Misericórdia.
     Examinado  este paciente  logo  depois de sua chegada á en-
fermaria, achei :  cicatrizes irregulares, delgadas e  dolorosissimas ao
tocar,  adherentes aos ossos do tarso.
     Duas fistulas  ósseas, uma sobre o  escophoide e  outra sobre
o  cuboide;  sondando  esses trajectos, reconheci  que os ossos es-
tavão  amollecidos e que sangravão facilmente com qualquer  exame.
     Todos  os ossos anteriores  do tarso augmentados de   volume
e a  pelle que  os cobria, nos pontos  em que não  havia  cicatrizes
estava ligeiramente infiltrada e  avermelhada.
     O paciente  não  podia pousar  o pé  sobre   o chão  por causa
das  dores  intensas que  então  soffria.
     O estado  geral não é bom.  O doente  está pallido  e abatido  ;
não  pôde  dormir  nem  alimentar-se  convenientemente,  as  dores
do pé  não lh'o permittem.
     Diagnostico : — Osteite chronica  do  tarso. —  Cicatrizes  viciosas
e adherentes.
     A vista  do  exposto resolvi  operar  o  doente  fazendo-lhe a
amputação  do  pé pelo processo osteoplastico de  Pirogoff, e sendo
urgente  esta operação,  porque o  individuo soffria muito, e perdia
todos  os  dias  de suas forças, marquei o  dia 16 d'esse mez para
pratical-a; até  então foi-lhe receitado água  ingleza, três cálices por
dia e  cataplasma fortemente laudanisada ao pé doente.
     No  dia  16 de Outubro tendo  feito  administrar o chloroformio
pratiquei a  amputação  tibio  tarsiana  pelo  processo  de Pirogoff,
tendo  previamente feito  a ischemia artificial.
     A  operação  correu sem  accidente  algum, a sutura foi feita
com  fio  metallico.
     O curativo com panno  crivado e fios  embebidos em phenol.
     Sobre  o  curativo appliquei um apparelho silicatado, afim  de
bem  conter  em  relação  as duas superfícies ósseas do tibia e  do
calcaneo. 
32
    Internamente  receitei:
       Hydrolato de tilia........................   190,0
       Hydrochlorato de morphina............   5 centig.
       Água  de louro  cerejo....................   4 grammas.
       Xarope  de  flores  de  larangeira.........  30 grammas.
         Meio  cálice de 2 em 2 horas.
    Dia 17. — O  doente passou bem o dia anterior, não  dormiu
mal.  Não  teve dores no coto e a reacção febril  é muito  ligeira.
Pulso  90. Temperatura 38°.
    Mandei  continuar a poção ; o apparelho curativo não foi  le-
vantado.
    Dia 18.  — Continua no mesmo estado, pouco  dormiu.
    Prescrevi-lhe  além  da poção,  xarope de chloral, para tomar
três colheres  de sopa á  noite.
    Dia 19.  — O  doente  queixa-se  de  algumas dores no  pé am-
putado  e na  perna,  pouco dormiu.  Pulso  100.  Temperatura 38°,5.
     O  apparelho  curativo  está perfeito,  não  mostra mancha al-
guma de suppuração.
    A  perna  nada  mostra de  anosmal,  não ha gânglios ingurgi-
tados, nem na  coxa, nem na  virilha. Ventre livre.
     Prescrevi :
       Infusão  de  tilia............................ 300  grammas.
       Tintura de aconito........................   20  gottas.
       Acetato de ammonia.....................   10  grammas.
       Xarope  de  ether...........................   30  grammas.
         Tome  1  calix de hora  em hora até transpirar e depois
do  effeito 6  decigrammas de  sulfato  de  quinina.
     Dia 20.  — O  doente  transpirou muito, passou melhor o dia,
dormiu melhor mas  ainda sente dores na perna e no pé.  Pulso 90.
Temperatura 38°.
     Prescrevi:
       Cosimento  anti-febril de  Lewis......... 300  grammas.
         Tome 1  calix de 2  em 2 horas.
     Dia 21.  — O  doente  teve  um accesso de  febre  precedido de 
33
calafrios. As dores da perna prolongarão-se á coxa,  onde se sentem
os gânglios  um  pouco ingurgitados  e sensiveis.
     Abri o apparelho  silicatado, e tendo visto que a  ferida  da
operação estava boa, que havia pouco pus e louvável,  fiz o cura-
tivo  lavando o  coto  com água e  phenol,  applicando fios  com gly-
cerina  phenicada,  e reappliquei o apparelho silicatado.
     O pulso nesse dia  era  de 96 ;  a temperatura 38°,3.
     Prescrevi a mesma poção do dia 19, e a mesma  dose de sul-
fato  de quinina.
     Dia 22. — O  doente teve um  violento  accesso de febre pre-
cedido  de calafrios que  começarão á noitinha.
     Delirou toda a  noite  e quiz desatar e arrancar  o  apparelho
do pé. Pela manhã transpirou e dormiu.
     Examinando-o, encontramos o  pulso a  100,  e temperatura
38°,5.
     Os  gânglios da  virilha  muito augmentados  de volume  e sen-
siveis.
     Sobre   a  perna,  a  face  interna  e anterior  da  coxa traços
rubros  de lymphatite.
     Tirado  o apparelho do  pé, correu algum pus louvável  pelos
ângulos da  ferida.  O  coto não estava  inflammado e as superfícies
ósseas  em perfeitas relações.
     Prescrevi :
     9  decigrammas de sulfato de quinina pela manhã;  3 ao meio
dia e 3 á noite. 2 cálices  de limonada sulfurica sobre  cada dose
de sulfato.
     Pommada   mercurial e de belladona á virilha,  coxa e  perna,
fazendo uncções abundantes  três  vezes  durante  o dia.
     Compressas embebidas  em  aguardente  camphorada sobre  a
parte inferior  da perna  e sobre o coto.
     Foi  retirado de  todo  o  apparelho silicatado  e a  perna  foi
collocada em uma gotteira perfeitamente preparada.
     Dia 23.— O  doente melhorou;  não teve  accesso; o  pulso era
      521» 
34
de 90°;  a  temperatura de 38°.  As dores do pé  diminuirão  e  os
traços  de lymphatite já não são tão visíveis.
     Prescripção: — 3  decigrammas  de  sulfato  de  quinina  pela
manhã, 3 ao meio-dia e 3  á noite.
     Limonada sulfurica á vontade.
     Continuão as applicações  tópicas.
     Forão retirados os pontos  de sutura; a ferida  está quasi toda
unida. Só  os  ângulos  deitão algum pus.
     Dia 24. — As melhoras continuão, a lymphatite tende a resol-
ver-se. Pulso  88°, temperatura 37,°8.
     Os  gânglios  diminuirão de volume,  são  pouco visíveis  e  os
traços de lymphatite estão  quasi desapparecidos.
     O doente apresenta mais  appetite,  tendo  estado até então  em
dieta  de  canja  de gallinha,  passa a  tomar  gallinha  assada  e
arroz.
     Prescripção: — 3  decigrammas  de  sulfato  de  quinina pela
manhã e 3 á noite.
     Limonada sulfurica e mesmo  tratamento  local.
     Dia 25. — O doente passa bem. A lymphatite está quasi des-
vanecida. Suspendi a administração do sulfato  de quinina e ordenei
a poção de Lewis.
     Curativo com  glycerina phenicada ao  coto.
     Dia 29. — O doente tem  passado  bem. Cahirão  as ligaduras.
A suppuração é  boa.   A lymphatite está  resolvida.
     Prescripção: — Água ingleza—dous  cálices  por  dia.
     Suspenda-se a pomada  mercurial e de belladona á  perna e a
coxa.
     Dia 2  de  Janeiro  de  1878. — O doente  tendo  melhorado
sempre, tem  alta completamente  curado  e sahe  do  Hospital  an-
dando perfeitamente  sobre o coto podendo bater  fortemente com
elle sobre o chão  sem a mais pequena dor ou incommodo.
     A  parte  amputada  do  pé existe no Muzeu do Hospital da
Misericórdia. 
35
                          TERCEIRA

ÜLCERA CHR0NICA DO DORSO DO PE DIREITO.--ATROPHIA DOS OSSOS DO  TARSO
      E DOS MÚSCULOS DO PÉ.— AMPUTAÇÃO DE PIROGOFF.—CURA

     Antônio  José  da  Cunha,  portuguez,  de 32 annos  de idade,
solteiro e  trabalhador, morador em Macahé,  entrou  para  o Hos-
pital Geral  da Misericórdia  no dia 2 de Fevereiro de  1881 e foi
occupar o leito n.° 9 da  enfermaria de cirurgia a  cargo do Dr. Pedro
Affonso Franco.
     Apresentava uma  enorme  ulcera de  bordos  callosos,  fundo
com granulações mal  desenvolvidas  e esbranquiçada  suppuração
mal elaborada e pouco abundante; ella se  estendia por todo  o dorso
do  pé  direito cujos ossos  se achavão um pouco  diminuídos de
volume.
     Havia falta  do 4.° e  5.° artelhos, e  os  três primeiros  retra-
hidos e atrophiados se  achavão  em  flexão forçada,  não   obede-
cendo  á  acção dos  músculos extensores e  não  podendo o doente
movel-os.
     O estado geral não  era bom,  o  doente estava  depauperado,
anêmico, entretanto porém todas as funcções  se exercião  normal-
mente. Só a locomoção  era  impossível em conseqüência da ulcera
do  pé.
     Referiu o doente que havia sete annos  depois de  uma  violenta
contusão se  formara  aquella ulcera no  logar  em que  ainda hoje
existe mas  não  tão extensa.
     Tratou-se, formou se uma cicatriz no ponto, mas  aos primeiros
esforços  que fez  para andar, a  cicatriz  rompeu-se  e tornou  a
formar-se  a ulcera;  de novo  submettido a tratamento obteve depois
de  muito tempo  nova cicatrização.   Esta porém não pôde resistir
como a primeira  ao exercício  do andar e  assim continuando,  tor-
nou-se chronica  até aquella  solução de continuidade, que  augmen-
tando  de  extensão  não só impedia o uso  do pé direito, como foi
freqüentes vezes  o ponto  de partida  de erysipelas  e inflammações
que produzião no doente sérios incommodos.
     Os  ossos do pé  forão  atacados  de osteite e de necrose,  que 
36
se denunciavão pela sahida de  sequestros  pela  ulcera, e  os últimos
artelhos  destacarão-se por gangrena,  por  occasião de  um  d'estes
accessos  mais violentos  de  inflammação.

diagnostico :  Ulcera chronica  do âorso  do pé direito.— Atrophia dos
               ossos  do  tarso  e dos músculos do  pé
     O doente foi  submettido  a um tratamento tônico e reparador
até o dia 16 sendo  a ulcera  tratada  pela applicação   de coaltar
e  fios.
     Não sendo  possivel obter uma  cicatrização  solida  da ulcera,
foi resolvida  a amputação  do pé e  no  dia 16  foi esta praticada
sendo  executado o processo osteoplastico  de Pirogoff.
     O  doente foi submettido ao emprego  do chloroformio e foi feita
a  ischemia  artificial.
     Completa  a operação,  e  tendo  collocado  sobre  a ferida um
pedaço  de   panno  crivado  embebido  em glycerina phenicada, foi
applicado um apparelho silicatado a perna e coto do  doente, para
immobilisar  os  fragmentos ósseos  e contel-os.
     No dia 17 o doente apresentou dores  fortes na perna;  fez-se
uma  injecção hypodermica  de  morphina.  Os soffrimentos alliviárão
um pouco.
     Dia 18.— A temperatura da manhã  era a de 39,°5, as dores
 erão  fortes.  Levantou-se o  apparelho  e retirárão-se  quasi todos  os
 pontos de  sutura  metallica.
      Foi reapplicado o  apparelho; á  tarde o thermometro marcou
 38°,6.
      Dia 19.— A temperatura era de  38°, e pulso normal; as dores
 acalmárão-se.
      O doente  entrou em uso de  xarope  de hypophosphito  de  cal
 e água  ingleza.
      Dia 20.— Temperatura 37,°5. Nada  de anormal.
      Dia 22.— Renova-se o apparelhe e  o curativo; o  doente tem
 uma inflammação do coto  que  o obriga   a  conservar-se no  leito.
 Emollientes  topicamente applicados. 
37
     Em  Junho  o  doente  começa  o uso  do coto sem inconve-
 niente.
     Em  Julho  elle auxilia  o  trabalho  da  enfermaria, andando
 sobre  o coto da amputação que resiste ás mais enérgicas pressões.
     Finalmente a 4 de Outubro,  obtém alta  perfeitamente  curado
 podendo  bater com  o coto sobre o chão, equilibrando o pezo  do
 corpo  sobre elle, sem o mais pequeno  incommodo.
     O coto modelado  pelo Dr.  Ossian Bonnet se acha  no museu
 anatômico da Faculdade  de Medicina.

                       QUARTA  (Inédita)

     Francisco  Xavier  de Pinna,  pardo,  brazileiro,   50  annos,
 natural de  Itaborahy e residente no mesmo logar, entrou a 24 de
 Novembro de 1886 para a 13.a enfermaria  de cirurgia do Hospital
 Geral  da Misericórdia  (serviço  clinico  do Ill.mo Sr. professor Pedro
 Affonso  Franco),  indo  occupar  o leito  n.° 28.
     Interrogado,  referiu o  seguinte: Que ha bastante tempo tivera
 no pé direito um abcesso,  que foi  dilatado  pelo Dr. João  Gomes.
 Não sendo  porém tratado convenientemente o  estado do pé foi se
 aggravando   até  que  viu-se obrigado a entrar para este  Hospital.
     Perguntado  se  seus   pais   erão  doentes,  respondeu que erão
 sadios; não  accusou antecedentes  syphiliticos.
     Examinando  o  pé verificamos que se  achava augmentado  de
 volume;  na sua  face plantar  entre  o  1.° e 2.° metatarsiano nota-
 va-se  uma   solução de continuidade por onde  sahia pus, tendo os
 caracteres do pus de  má natureza;  segundo referiu o doente, por
 diversas  vezes  sahirão  pedaços de  osso  por  essa  solução de con-
 tinuidade.
     Na região dorsal do pé existia  outra solução de continuidade
 ao  nivel  do mesmo  espaço intermetatarsiano  e que segundo veri-
 camos  communicava  com  o  da região plantar.  Introduzindo um
 estylete  reconhecemos que  os  ossos  estavão rugosos e descobertos,
 todos  os  ossos do  pó augmentados  de volume, denotando  perios-
tite.  O   pé  achava-se completamente  insensivel,  exceptuando  a 
38
região  tibio  tarsiana.  O  pus  que  sahia pelas duas soluções de
continuidade  exhalava um cheiro muito desagradável.
     No  dia 25, á  hora  da visita,  foi examinado pelo Sr. professor
Pedro  Affonso  Franco,  que  diagnosticou uma osteite e  carie dos
ossos do tarso, ulceras da planta  e  dorso  do  pé e declarou a
amputação do pé  necessária.  Como  porém  o  estado  do doente
fosse péssimo adiou a operação para alguns dias depois, e  para toni-
fical-o  receitou o seguinte :
     Vinho do Porto.....................   100  gr. todos os dias
     Cozimento anti-febril  de Lewis...   300  gr.
     Tome 1  calix de duas  em duas horas.
     Como alimentação :  carne,  ovos, leite, etc.
     Como curativo, receitou  lavagens com água phenicada e appli-
cação de gaze phenicada.
     N'esse  dia,  pela manhã,  a  temperatura foi de  37°,8   e  á
tarde 38°.
     Dia 26. — Continua  o  mesmo tratamento.
     Temperatura,  37°,5 de manhã e 37°,8 á tarde.
     Do   dia  27  até o  dia da operação não houve alteração no
estado do doente  e a temperatura oscillou entre 37o,5 e 3 7o,8.
     No   dia  9 de Dezembro,  depois de  se  ter  convenientemente
chloroformisado o  doente,  e feito  a  ischemia artificial pela  tira de
Esmarch, o professor Pedro  Affonso Franco praticou a amputação
parcial   do pé pelo processo  de Pirogoff.   A operação correu  per-
feitamente, sendo  feita uma sutura  com fio  de prata, passada uma
tira larga de sparadrapo  que, começando  no  terço  inferior da
região  anterior da perna,  passou sobre  o coto e veiu terminar ao
nivel do  terço inferior da região  posterior.   Foi  feito um curativo
phenicado por cima do qual  passou-se uma  atadura  gessada.
     Foi-lhe receitado então:
          Vinho do Porto.............. 120 gr.
          Leite............................ 1 garrafa por dia.
     N'esse  dia á  tarde a temperatura  foi de  37°,8.
     No  dia,  pela  manhã,  queixando-se  o doente  de muitas dores, 
39
foi  retirado  o  apparelho gessado, feito o curativo, substituindo-se
o apparelho gessado por uma tala de madeira  collocada na parte
posterior, desde o terço  superior da  perna  até  o  pé.
     N'esse  dia,  pela manhã,  a temperatura foi  de  37°,5 e 37°,8
á tarde.
     Dia 11. — Continua no mesmo  estado.
     Temperatura:  pela manhã 37°,2, á tarde 37°,6.
     Dia 12. — Idem.  Temperatura  : 37°,6  pela  manhã e 37°,8 á
tarde.
     Dia 13. — Levanta-se  o  curativo, suppuração fétida; o doente
acha-se abatido.
     Temperatura:  manhã 37°,5, á tarde  38°.
     Dia 14. — O  doente continua no mesmo estado.
     Temperatura:  manhã 37°,4, á tarde  37°,6.
     Dia 15. — Idem.  Temperatura: manhã 37°,5, tarde 37°,8.
     Dia 16. — Levanta-se  o  curativo;  pus abundante e fétido;
são  retirados os  pontos  de  sutura.
     Temperatura:  manhã 37°,5, tarde 37°,7.
     Dia 18, — Levanta-se  o  curativo e se descobre que se formou
uma solução de continuidade  na parte posterior do  coto, pelo que
a tala de madeira  é mudada  para o  lado interno da perna.  Appli-
cou-se  iodoformio   sobre  essa  solução  de continuidade;  o  pus
continua a  ser fétido  e  o estado geral máo.
     Temperatura: manhã 37°,5, tarde 37°,8.
     Dia 21. —Nada de importante. Temperatura: manhã 37°,4,
tarde  37°,6.
     Dia 23. — Levanta-se  o curativo; pus fétido, porém em menor
abundância.
     Temperatura: manhã 37°,2, tarde  37°,5.
     Dia 24. — Nada de novo. Temperatura normal.
     Dia 26. — Levanta-se o curativo;  pús  fétido,  porém conti-
nuando a diminuir em quantidade.
     Temperatura normal.
     Dia 29. — Levanta-se o curativo; o  pús se conserva fétido, 
40
a solução de continuidade que tinha apparecido na parte posterior
do coto cicatrisou completamente.
     Temperatura normal.
     Dia 31. — Continua no mesmo  estado.
                         Mez de Janeiro
     O  doente  melhora  sensivelmente;  na occasião dos  curativos
verifica-se  que  a  quantidade  de  pús  cada  vez diminue mais;  o
doente  vai adquirindo  forças,  a temperatura conserva-se sempre
normal  de  modo  que no dia 25 a  suppuração cessara completa-
mente e  a  ferida  resultante da operação achava-se perfeitamente
cicatrisada; o doente  conservou-se n'este estado até o dia 30.
     No  dia  31, na hora da visita, o doente  queixou-se novamente
de  dores no coto.   O Sr. professor  Pedro Affonso Franco exami-
nando-o  reconheceu  a  existência  de  pús  na parte  interna  do
5.° inferior  da perna, e fez  uma incisão  por onde sahiu uma  quan-
tidade assás considerável de pús.  Receitou injecções no  foco com
água phenicada e um curativo phenicado.
     Durante  todo   o mez de Fevereiro  o  pús não cessou de  for-
mar-se; porém no  principio do mez  de  Março  o estado do doente
melhorou  até que a 10  de  Março ficou  completamente  curado.
     O  doente foi  conservado em observação  na enfermaria  até  o
dia 29 de  Abril, dia em que teve alta.
     Resultado:  Coto perfeitamente   conformado,  tendo a cicatriz
transversal  anterior  e o  talão,  dirigido  para baixo;  fusão  óssea
completa  do calcaneo e  tibia, o  que dá ao  coto  solidez perfeita.
       Observação da clinica do Sr. Dr. Oscar Bulhões
     Tecla  Rosa da  Conceição, Brazileira, natural do Rio de  Ja-
neiro,  de 52 annos de idade, liberta, solteira,  moradora á rua do
Senhor  dos  Passos,  de  constituição fraca,  entrou para a  Santa
Casa da Misericórdia a 23  de Abril de 1885 e foi occupar o leito
n.° 22  da 24.°  enfermaria de cirurgia a cargo do Dr. Oscar Adolpho
de Bulhões  Ribeiro. 
41
        Anamnese. — Referio que  ha  quatro annos, pouco  mais ou
   menos,  começou  a  sentir dores vagas pelo corpo, accentuando-se
   mais  tarde  para as  pernas e pés,  dores  essas que  erão  acompa-
   nhadas de edema dos  membros  inferiores,  coincidindo isto com as
   influencias meteorológicas.
        Mais tarde  appareceu-lhe  uma  pequena  vesicula  no  terço
   inferior  da  perna  esquerda,  acompanhada de prurido, o que  deu
   logar a  que,  pelo  attrito  com  as  unhas, se rompesse  a mesma
   vesicula,   dando  sahida  a  uma pequena   quantidade  de liquido;
   d'ahi  resultou  uma ferida que, com um tratamento  regular, cica-
   trisou.  A's  vezes,  as  dores, bem  como o  edema, reapparecião.
        Pouco mais  ou menos um anno depois,  notou que na região
   do primeiro  metatarsiano  do membro affectado appareceu-lhe  uma
   segunda  vesicula em  tudo semelhante  á  primeira,  acompanhada
   de prurido,  notando todavia que as dores  n'esta região não forão
   tão pronunciadas  como as de  outr'ora, as quaes impossibilitando a
   marcha já  de  começo, foi preciso  recorrer  aos cuidados de  um
   medico.
       A pequena ulceração,  resultante da   vesicula,  foi pouco  a
   pouco augmentando,  sem  que,  entretanto,  a privasse de suas
   occupações  habituaes.   Apezar  de  sempre applicar remédios  que
   lhe erão dados  ou aconselhados por diversas pessoas, esteve sempre
   em alternativas de melhoras ou  de  aggravação do estado da ferida
   até que augmentou  muito a suppuração que já  existia.
       Apparecerão-lhe dores  em  todos os  ossos do  pé, as quaes
   exacerbavam-se por  vezes e ulcerações semelhantes á primeira ião
   apparecendo  nos logares por onde  se escoava  o pús.
       N'estas  condições esteve até que resolveu entrar para o Hos-
   pital  da  Santa  Casa da Misericórdia, não  accusando  ter  soffrido
   anteriormente alguma moléstia contagiosa ou infectuosa.
       Estado actual. — Examinada no  dia immediato ao da entrada
* para  o Hospital, notou-se  que  a doente  se  achava bastante depau-
  perada. Examinado  o pé esquerdo, sede  de diversas  soluções   de
  continuidade, notou-se que na  região  correspondente  ao  primeiro
  metatarsiano, para a primeira phalange  do  grosso  artelho, havia 
42
uma solução  de  continuidade  maior,  de bordos irregulares,  e  um
pouco edemaciada. D'esta solução de continuidade, que media dous
a três  centimetros de  comprimento,  sobre  um  e  meio a dous  de
largura  e que parecia  communicar-se  por meio  de trajectos  fistu-
losos com um outro  menor,  situado  na parte  da  planta  do pé e
ao nivel dos  dous terços  posteriores  do primeiro metatarsiano.  es-
escoava se um liquido  sero  purulento com alguns grumos  em sus-
pensão.  Quando  se  introduzia na ferida um estylete, este penetrava
de cima para baixo,  de  dentro  para  fora e  de diante para traz
communicando com a da  planta do pé ; se o estylete era dirigido
de encontro  ao osso, notava-se uma certa rugosidade na superfície
do mesmo, o qual em muitos pontos se deixava penetrar, tal  era
o seu estado de  fragilidade.
    Além d'estas duas soluções de continuidade, havia mais dous
trajectos fistulosos, o primeiro communicando  com as  articulações
cuneo metatarsianas  (l.a,  2.a e 3.a), o segundo communicando com
a articulação astrogalo  scaphoideana.  Por  estas  fistulas  podia-se
penetrar com o  estylete  até  uma  certa extensão, porém não  se
experimentava aquella sensação de fragilidade e rugosidade a que
nos referimos acima;  sangravão com facilidade ao menor exame,
tendo o  sangue, que escoava-se uma  cor vermelho escura.  Todo o
pé  achava-se visivelmente  augmentado  de volume  comparativa-
mente com o do lado  direito, experimentando a doente dores atrozes,
desde que se achava na posição vertical por muito  tempo,  razão
porque  andava mal e firmava-se pouco sobre o pé affectado.  Achava-
se muito nervosa, tinha pouco appetite, dormia  mal,  despertando
muitas vezes durante a noite. Examinados os apparelhos orgânicos,
nada encontrou-se de anormal, attribuindo-se o  estado nervoso  em
que se  achava a doente á anemia o  que é freqüente observar-se.
A doente foi submettida  a um tratamento  tônico  reconstituinte
desde o  dia da entrada  até o  dia 10 de Maio  em  que foi  prati-
cada a  operação.
    As ulcerações durante  este tempo  forão submettidas  a lava-
gens antisepticas  e  curadas  com  iodoformio;  porém  não  sendo
possivel  conseguir-se a  cicatrisação não só das ulceras propriamente 
43
como dos trajectos fistulosos, o Sr. Dr. Bulhões Ribeiro decidiu-se
a praticar  a  amputação  de  Pirogoff  como  único  meio  de cura
n'aquelle caso.
     No  dia  10 de Maio  depois  de chloroformisada  a doente, e
feita  a  ischemia  artificial  por meio da tira elástica  de Esmarch,
foi  praticada a operação pelo processo de secção obliqua que correu
sem o menor accidente. O  affrontamento  das superfícies  ósseas e
do  retalho foi  perfeito.
     Feita  a  sutura  com  fio  metallico,  applicou-se  uma tira de
sparadrapo  de um metro  mais  ou menos  de comprimento sobre
três a quatro  centimetros  de  largura,   que  dirigindo-se  do terço
superior  da face  posterior da  perna e  passando sobre o retalho de
traz para  diante,  vinha  se  feichar  no  terço  superior  da parte
anterior  da mesma perna,  sendo,  esta tira mantida por outra appli-
cada  circularmente. Em seguida fez-se um curativo mixto de Lister
e iodoformio e prescreveu-se-lhe  a poção seguinte  para tomar ás
colheres  de sopa:
         Hydrolato de alface...............   180 grammas.
         Bromureto de potássio..........c.     4 grammas.
         Hydrolato de louro-cerejo.......     8 grammas.
         Xarope  de lactucario.............    30 grammas.
     No  dia  11 a temperatura  era de 38,° a doente sentiu  algumas
dores, e  retirado o  curativo conservándo-se  as tiras de sparadrapo,
notou-se  que o estado  da  ferida era bom, que  não havia suppu-
ração, achando-se  o apparelho  ligeiramente  sujo  de um liquido
sero sanguinolento ;  applicou-se depois de feita a lavagem antiseptica,
novo  curativo e mandou-se continuar  com a mesma medicação.  No
dia 12 a temperatura foi de  38,°9, fez-se o  curativo  como no dia
antecedente e não  se  notou suppuração.
     No  dia  13 a temperatura foi de 38,°5.  A doente dorme  bem,
tem appetite. Suspendeu-se a  poção acima prescripta  e quanto ao
curativo  procedeu-se como  nos  dias anteriores.  No  dia 14 a tem-
peratura  era de 38,°4.
     Ao  retirar-se o curativo  notou-se  ligeira  suppuração  aô  nivel 
44
de um dos pontos de  sutura,  pelo  que  foi elle  retirado  e fez-se
uma casa na tira de sparadrapo ao nivel dos  outros pontos,  pois
que parecia ter sido ella, que pela compressão, determinara a suppu-
ração. A cicatrisação marchava regularmente e os bordos da ferida
achavam-se unidos.  No dia 15 a temperatura foi de 38°,4. Fez o
curativo, retirando-se por  esta occasiâo  os  pontos de sutura e sub-
stituindo-se  as  tiras  de sparadrapo.
    No  dia 18 renovou-se o curativo.  A  temperatura  era neste
dia de 37,°5.  Retirarão-se os pontos da  sutura restantes e mudarão-
se as tiras de  sparadrapo. Do dia 18 a 22 a temperatura oscillou
entre  37,°5 e 37,°6, subindo no dia 23 a  37,°8. Retirado neste
dia o apparelho, notou-se  no  quarto inferior da perna um pequeno
foco purulento, que, dilatado  deu sahida a uma pequena quantidade
de pús  de boa natureza.   Substituirão-se as tiras  e  fez-se novo
curativo.
    Nos dias  immediatos  até 27, a temperatura  baixou a 37,°5 e
o pequeno foco dilatado a 23  estava  cicatrisado.  De  27  a 30 a
temperatura era normal, as feridas  estavão  cicatrisadas,  porém o
apparelho foi conservado afim  de proteger  o coto até 4 de Junho
em que  foi  retirado. Esta  doente teve alta em Julho e andava  com
um simples sapato  de sola circular  appropriado á fôrma  do coto.
         (Extrahida da these  do Dr.  José Francisco da  Silva.)
    Observação  da clinica do Exmo Sr. Barão de  Saboia.
     João Capelli, italiano,  de  14  annos de idade, morador  á rua
da Alfândega  n.°  51,  entrou  para a  9.a enfermaria de  cirurgia a
cargo do Sr.  Conselheiro  Saboia  em 29  de Julho de  1883 e  foi
occupar o leito n.° 24.
     Anamnese.—Referiu que  no dia antecedente cahíra da  plata-
forma de um  bond do que  resultou ficar com a parte anterior  do
pé esmagada,  e  depois de  receber  os  primeiros  soccorros em uma
pharmacia, foi remettido para  o  Hospital.
     Estado actual. — Toda a  superfície  dorsal  e a  maior parte 
45
da superfície plantar do pé achão-se completamente destruídas. Um
começo  de mortificação  se  denuncia  pela  apparição de  manchas
escuras.  A suppuração é  abundante e notão-se  alguns coágulos de
sangue  de  mistura com o pús. Os ossos do  metatarso, tarso, e
dos artelhos  estavão  em  parte  esmagados.
     Temperatura—normal.
     Fez-se o curativo de Lister.
     Marcha. — Até o dia 6 de Setembro os tecidos mortificados
se eliminarão, a cicatrização da pelle se  fazia  com rapidez e o
estado  geral  do  doente  era bom.  Attendendo-se,  porém,  a que
pelo estado  em  que se  achavão  as partes  molles  e o  esqueleto
do pé, mesmo  que  se  desse a cicatrização completa,  o doente
ficaria com um membro imprestável para a deambulação, resolveu-
se obviar este  inconveniente por meio  de uma  amputação parcial
do pé,  e como  o  que mais garantias  offerecia  no caso  de que se
tratava era a operação  de Pirogoff, foi esta a preferida.
     Em  6  de  Setembro, depois  de  chloroformisado o doente e
feita a  ischemia  pela tira de Esmarch, praticou-se a operação de
Pirogoff pelo  processo  de  secção  vertical,  fez-se perfeitamente o
affrontamento  das  superfícies   ósseas,  que ficarão  mantidas  com
um ponto  de sutura feito com  catgut.   O  retalho  completamente
sufficiente  foi também  mantido com pontos de sutura com  fio de
prata.
     Foi feito  o curativo de  Lister, collocado  o  membro  em  uma
gotteira, convenientemente acondicionado e prescreveu-se-lhe a poção
seguinte, ás colheres:
         Hydrolato de tilia..................   300 grammas
         Bromureto de potássio............     6     «
         Chlorydrato de  morphina.........     5 centigram.
         Xarope de flores de larangeira..   30 grammas
    Durante o  dia o doente  passou agitado e  sentiu fortes dores
no pé;  a temperatura subiu  38,°8  á  tarde  e  o  pulso a  112 pul~
sações.  O  dia  7  passou  melhor,  dormiu um  pouco á  noite.  O
curativo  achava-se  sanguinolento e  foi renovado.  A temperatura 
46
conservou-se  a  38,°8 e o pulso elevou-se  á 114. A' tarde a tem-
peratura elevou-se a  39° e o  pulso á  120.
     Continuou em  uso da poção.
     No  dia  8  não  se  fez curativo,  a  temperatura baixou  pela
manhã 37°,6  e o pulso a  98  e á  tarde  a  temperatura elevou-se
á 38°,5 e o  pulso a  120. Suspendeu-se a  poção do  dia 6 e pres-
creveu-se  a poção tônica de Jaccoud.
     No dia  9  não  houve accidente algum, o facies do  doente  era
excellente, a  temperatura baixou  a 37,°5  pela manhã  e o pulso
a 98,  á tarde  esteve a 37°,9  e o pulso a  100.
     No dia  10 renovou-se  o  curativo  pela  manhã,  havia alguma
suppuração, a  temperatura  esteve  a 37,°5 e a tarde a  38,°7.
     Do dia  11 ao  dia 15 não houve  cousa alguma de notável, a
não  ser a  melhora  progressiva do  operado.
     No dia  16 fez-se o  curativo e retirou-se a sutura, havia pouca
suppuração e a temperatura foi  normal.
     Sempre  em boas condições conservou-se o doente até o dia 21,
em que renovou-se  o curativo e retirárão-se mais alguns  pontos  de
sutura.
     A suppuração   diminuiu  e  a  temperatura  conservou-se  a
mesma.
     No dia  26,  renovou-se o  curativo  e retirou-se  os  pontos  de
sutura restantes.  O doente continuou a passar  bem até o  dia 9  de
Outubro em que completou-se a  cicatrização  e  retirou-se o  ap-
parelho.
     O coto apresentava-se nas melhores  condições  para uma  boa
deambulaçâo e  quando  o  operado teve alta  a  12  de Novembro,
andava bem  com um simples  apparelho de Roux.

           (These inaugural do Dr. José Francisco da Silva.) 
47
   0STE1TE  E  CARIE DOS OSSOS DO TARSO E METATARSO DO PÉ DIREITO.
        operação de Pirogoff praticada pelo Moscoso. Cura.
     Antônio  Corrêa Picanço,  com 18 annos  de  idade,  brazileiro,
limador, morador á  rua  de Maria  do Amaral  n.° 30'.
     Anamnése : Refere  o  doente  que ha  5  annos mais ou menos
apparecera no  grosso artelho  do pé direito uma pequena ulceração
a  que a principio não ligou importância ;  como  porém  a  solução
de continuidade augmentasse, consultou um  medico que sujeitou-o
a  um tratamento  antiseptico.  O  estado  do  doente  porém  foi-se
aggravando cada vez mais, o pé foi augmentando de  volume  até
que a marcha tornou-se impossível.
     Um  mez antes  da  operação  consultou  o  Dr.  Moscozo que
examinando-o minuciosamente verificou o  seguinte :
     Pé extremamente augmentado  de volume,  doloroso, apresen-
tando na região  plantar uma solução de continuidade  assaz consi-
derável communicando com outra  situada na região  dorsal  e  por
onde  sahia  pús fétido  e  de  má  natureza;  além d'esta  existião
outras menores. Introduzindo um estylete reconheceu  que  os ossos
achavão-se rugosos  e  desnudados e  que as articulações  tarso me-
tatarseanos achavão-se compromettidas.
     D ragnóstico :  Osteite e carie dos ossos  do tarso e  metatarso  do
pé direito.
     Vendo que  não podia  conservar o  pé   resolveu  amputal-o;
como  porém  o doente  se achasse  muito depauperado  sujeitou-o
primeiro a um tratamento tônico.
     No dia 29 de Junho depois  de  previamente chloroformisado
o  doente, e feita a  eschemia  artificial  pela  tira  de  Esmarch,  o
Dr. Moscozo praticou  a  amputação  de Pirogoff  pelo   processo  de
secção obliqua sendo auxiliado  pelos  Drs. Arthur  Silva,  Alberto
Figueiredo, Souza Neves e Cesario Machado.  A  operação correu
perfeitamente  sendo feita  uma sutura  mixta com fio metallico e
de  seda, applicadas  duas largas tiras  de sparadrapo para a perfeita
adhesão dos  bordos  da  ferida resultante da  operação. Foi feito
um curativo antiseptico rigoroso e collocada a perna numa gotteira.
Foi receitada  uma  poção tônica. 
48
    No dia 1.° de  Julho levantou-se o curativo: suppuração quasi
nulla, o doente acha-se animado  e em  boas  condições.
    No dia 5 de Julho  são  retirados os  pontos de sutura.
    Os curativos continuarão a ser feitos de  dous  em  dias  até
que o  doente  apresentou  a ferida quasi  cicatrisada com  excepção
de um ponto  que continuou  a suppurar.
    Procurando reconhecer  a causa d'esta suppuração, o  Dr. Mos-
cozo verificou a existência de  um  trajecto  fistuloso  no  fundo do
qual achava-se um  pedaço   de fio metallico,  que  actuava como
corpo extranho. Retirado este pedaço de fio, a parede  cicatrizou
completamente ficando o doente perfeitamente  curado.
     Quando  examinei o doente 2  mezes  depois da operação,  en-
contrei-o  em  excellentes condições  de  saúde, apresentando  um
coto muito  regular  e  andando com  auxilio de uma  moleta  em
quanto não se fabricava uma bota especial.
    Durante  todo o tempo  que decorreu desde o dia da operação
até a  cicatrisação  completa  da  ferida resultante  da  operação a
temperatura foi sempre normal, e o doente  passou  sempre perfei-
tamente. 
PROPOSIÇÕES
(211
í 
 
PROPOSIÇÕES
                 Cadeira de  physica medica

                     DA osmose e da dyalise


                               I

     As  acções capillares e as leis da  diffusão  podem  servir para
explicar os  phenomenos osmoticos.

                               II
     Na  absorpção physiologica  os  phenomenos  osmoticos  repre-
sentão um grande papel.
                              III
     Chama-se  dyalise  o  methodo  de separação de matérias por
diffusão  atravez  de um septo gelatinoso; o apparelho empregado
chama-se dyalisador.

        Cadeira  de chimica medica e mineraíogia

                    DO IODO E  SEUS  COMPOSTOS
                               I
     O iodo é um corpo sólido, de uma côr  azulada, de um  cheiro
um pouco semelhante ao do  chloro,  pouco solúvel na água, solúvel
no álcool, no ether, benzina, suífureto  de carbono, chíoroformio.
                               II
     O  iodo combinando-se  com  os  metaes fôrma  diversos saes;
d'entre  esses  os  mais  importantes  em medicina  são os  ioduretos
de potássio, de sódio, de ammonia,  de  mercúrio e de ferro.
                              III
     O  iodo  com  o  amido  dá uma côr azul  caracteristica; esta
propriedade  torna-o muito  precioso para pesquizar a existência do
amido e  assim  reconhecer  certas falsificações. 
52
          Cadeira de botânica medica e  zoologia

     ESTUDO  CRITICO DOS SYSTEMAS DE CLASSIFICAÇÃO EM BOTÂNICA

                               I

     O  systema  de  Linnêo  tem  por base as  modificações diffe-
rentes  que podem apresentar  os  órgãos sexuaes.

                              II

     Elle divide todos  os  vegetaes em 24  classes.

                              III

     Este  systema  tem  a  vantagem  de  por  meio d'elle fazer-se
rapidamente  a classificação  de qualquel planta e  a desvantagem
de separar os gêneros  naturalmente próximos.


         Cadeira de chimica  orgânica e biológica

                     PEREIRINA E  SEUS SAES
     A pereirina é tirada das cascas do páo-pereira (Geisospermum
Vellosii)  planta da família das Apocynaceas.

                              II

     A pereirina une-se facilmente aos ácidos,  dando saes não só
neutros como  ácidos.

                              III

    Dos  saes  de pereirina o mais empregado é o chlorhydrato. 
53
              Cadeira  de  anatomia descriptiva

                             CORAÇÃO

                                I
     O coração é um músculo oco, situado no mediastino anterior,
 entre  os  pulmões,  repousando  sobre  o  diaphragma por sua  face
 anterior.   E coberto por uma membrana  fibro-serosa, o pericardio,
 e forrado por  uma  membrana  delgada  e  esbranquiçada, o endo-
 cardio.
                                II
     O coração  é dividido em  quatro cavidades; estas receberão
 o nome  de ventriculos  as inferiores, e auriculas  as superiores;
 communicão  entre  si por orifícios munidos de válvulas.

                               III
     O sangue  contido na  auricula e  ventriculo  direitos é  sangue
 venoso,  ao  passo  que  o sangue contido na  auricula e ventriculo
 esquerdos é  sangue arterial.

           Cadeira de histologia theorica  e pratica

                        DA  CELLULOGENESIS

                                I
     Diversos são os processos de  gênesis cellular.
                               II
     Um  dos meios de multiplicação cellular é a  scisão.
                              III
     Um  modo muito especial  de proliferação  cellular é o seguinte:
O protoplasma  de  uma  cellula se  transforma  em  elementos  novos
que  apresentão  um caracter completamente diverso da cellula  que
lhes  deu  origem. 
54
               Cadeira  de  pathologia geral

                           DA FEBRE

                              I
    Diversas têm sido as definições  que se tem dado  da febre.

                              II

    A febre  pôde  revestir diversos typos,  entre os quaes, os mais
communs, são:  o intermittente, o remittente  e o continuo.

                              III

    Em certas moléstias  a febre constitue  por si só  elemento
valiosissimo para  o diagnostico.


      Cadeira de  physiologia  theorica e  experimental

                      DOS NERVOS TROPHICOS
    Segundo alguns physiologistas ha  nervos .especiaes que  pre-
sidem  aos  phenomenos  de  nutrição,  actuando  directamente sobre
os elementos anatômicos;  derão  a estes nervos o nome de nervos
trophicos.
                               II

    A questão dos nervos trophicos  é  ainda mui obscura.

                              III

    Segundo  Goltz os  centros  nervosos  exercem uma influencia
directa  sobre  a absorpção;  é mais provável que se trate  de uma
influencia vaso motora. 
55
     Cadeira de anatomia e physiologia  pathologicas

                    DAS  ATROPHIAS MUSCULARES

                               I
     A  suspensão da influencia trophica da cellula mui ti polar  dos
cornos  anteriores  da medulla é a causa das atrophias  musculares
myelopathicas.
                               II
     Na  hysteria, sem lesão apparente das  cellulas multipolares
dos  cornos  anteriores da  medulla,  se dá  atrophia  muscular;  a
causa é uma perturbação no dynamismo das mesmas cellulas.

                              III
     As  myopathias  atrophicas  primitivas constituem  um  grupo
bem definido de  atrophias  musculares.


               Cadeira de pathologia  medica

                        FEBRE AMARELLA

                               I
     Sobre  a causa productora  da  febre amarella ha diversas
opiniões;  entretanto os  estudos do Dr. Domingos Freire tendem
a  provar que  ella  é devida  á  mtroducção no  organismo de um
micróbio por elle denominado cryptococcus  xantogenicus.

                               II
     A febre amarella em sua forma typica apresenta três períodos.

                              III
     De  todos  os  phenomenos  observados  na  febre  amarella  a
anuria é o mais grave, prolongando:-se além de certo tempo póde-se
fazer um  prognostico fatal. 
56
              Cadeira  de pathologia cirúrgica

                  FERIMENTOS  POR  ARMA  DE  FOGO

                               I
     Diversas  são as theorias emittidas sobre os caracteres diffe-
renciaes dos orifícios de  entrada e  sahida das balas.

                              II
     Uma ferida  por arma de fogo  passa  por três períodos;  um
período  de estupor,  um  período de inflammação  e um  período de
volta ao estado normal.
                              III

     No  caso  de  intervenção cirúrgica, segundo  a opinião mais
aceita, a operação deve  ser praticada  entre o primeiro e o segundo
períodos.


Cadeira  de matéria medica e therapeutica, especialmente
                          brazileira

         PAPAINA,  SUA  ACÇÃO PHYSIOLOGICA E THERAPEUTICA

                               I

     A  papaina  é extrahida do mamoeiro,  scientificamente conhe-
cido pelo  nome de carica papaya.

                              II

     A papaina tem uma acção digestiva sobre as matérias azotadas.

                              III

     Como tal é um succedaneo da pepsina no tratamento de certas
dyspepsias. 
57
       Cadeira de  pharmacologia e arte de formular
    ESTUDO CHIMICO PHARMACOLOGICO DAS CUCURBITACEAS  MEDICINAES

                                I
     As   cucurbitaceas  constituem uma familia  muito preciosa em
 medicina.
                               II

     De  grande numero de suas espécies são extrahidos purgativos
 drásticos, entre elles são os mais usados:  o elaterio, a cayaponina,
 a  bryonia, a coloquintida, etc.
                               III

     No  tratamento  das hydropisias  constituem importante recurso
 therapeutico.


    Cadeira de anatomia cirúrgica, medicina operatoria
                         e apparelhos

                       TALHA HYPOGASTRICA

                               I

     Dá-se o nome de talha hypogastrica  á operação que tem por
fim  extrahir um  calculo  vesical atravez  de uma incisão feita na
parede abdominal  da região hypogastrica.

                               II

     Um   dos  maiores cuidados que  se deve ter  na  pratica d'essa
operação  é de  não lesar o peritoneo.

                               III

     Nos  casos  de cálculos  muito  consideráveis  deve ser preferida
á talha perineal. 
58
Cadeira de obstetrícia

        ECLAMPSIA
    A  eclampsia  é  uma moléstia  convulsiva que pode  apparecer
antes,  durante  e  depois do parto.

                              II

    Pelo  exame   dos  factos  clínicos  ficou demonstrado que  ha
uma relação intima entre a eclampsia e a  albuminuria.

                              III

    No  tratamento  dos  accessos,  o chloroformio  racionalmente
applicado  presta relevantes serviços.
Cadeira de medicina legal e toxicologia
DO ENVENENAMENTO PELO  COBRE
    Uma  grande parte dos  envenenamentos que  correm por conta
do cobre podem ser  attribuidos ao chumbo e ao  arsênico.

                              II

    O cobre  metallico  não é venenoso por si  mesmo.

                             III
Dos  antídotos  do cobre a albumina parece ser  a  melh 
59
         Cadeira de hygiene  e historia da  medicina

           ESTUDO HISTÓRICO DA FEBRE AMARELLA NO BRAZIL

                                I
     A  febre  amarella  appareceu pela primeira  vez no Brazil em
 1686, na  cidade de  Pernambuco.

                                II
     De todas as províncias  a  que tem sido mais atacada é a do
 Rio de  Janeiro.
                               III

     Actualmente póde-se  dizer  que a febre amarella é endêmica
 no Rio  de Janeiro.


         i.a  Cadeira de  clinica cirúrgica de adultos

     DA ISCHEMIA  CIRÚRGICA E SUA  INFLUENCIA  SOBRE O RESULTADO
                     DAS OPERAÇÕES CIRÚRGICAS

                                I

     Dá-se  o  nome  de ischemia cirúrgica  ao  conjuncto de  pro-
 cessos tendentes  a   impedir  o  corrímento  de sangue durante as
 operações.
                               II

     Para obter este  resultado a tira de Esmarch tem incontestável
 vantagem.
                               III

     A  ischemia  cirúrgica, permittindo ao  cirurgião  operar  com
calma  sem  ser embaraçado pelo  corrímento  sangüíneo, muito con-
tribue  para o bom êxito das  operações. 
60
         2.a  Cadeira de  clinica  cirúrgica  de adultos

                 ESTUDO CLINICO DOS ABCESSOS FRIOS

                                I
     No  estado  actual da  sciencia o abcesso  frio deve  ser consi-
 derado como de origem tuberculosa.

                                II
     Por isso, logo  que se reconheça a existência  do abcesso  frio,
 é conveniente  abril-o e  procurar extipar a  membrana envolvente

                               III

     Para conseguir este  resultado  o melhor processo consiste em
 abrir  o  abcesso, retirar  o liquido  contido,  injectar parafina derre-
 tida  e  logo  que  se solidifique  dissecar a  membrana como se  se
 tratasse de um tumor.

          i.a Cadeira de  clinica  medica  de adultos

 DAS  CONDIÇÕES PATHOGENICAS, DIAGNOSTICO E TRATAMENTO DA PNEUMONIA

                                I

     O  resfriamento  representa um  papel importante como causa
pathogenica da  pneumonia.

                               II

     O  calafrio inicial,  único, intenso  e prolongado  tem um grande
valor para o diagnostico da pneumonia.

                               III

     Nos  casos  em   que  a  pneumonia ataca  indivíduos velhos e
cacheticos, ou quando apparece no  curso de  moléstias infectuosas,
a medicação alcoólica  tem plena indicação. 
61
         2.a Cadeira de clinica medica de adultos

            ESTUDO  CLINICO DAS ENDOCARDITES ULCEROSAS

                                I
     Dá-se o nome de  endocardite ulcerosa a uma endocardite que
desde o  principio toma os  caracteres  dos estados  typhoides  e das
moléstias septicas, terminando-se quasi sempre  pela morte.

                                II
     Sobre a natureza  d'esta moléstia  as opiniões divergem.

                               III
     Em diversos casos,  alguns clinicos encontrarão pela  autópsia
bactérias de fôrma espherica ou de bastonetes, que, segundo elles
são a causa da  moléstia. 
4 
HIPPOCRATIS   APHORISMI
     Vita brevis, ars longa, occasio proeceps, experimentum fallax,
judicium difficile.
                                     (Sec. I,  Aph. 1).
                              II
     Ad extremos morbos  extrema  remedia  exquisite  optima.
                                     (Sec. V, Aph. 31).
                             III
     Convultio quse  in  vulnus incidit lethalis.
                                     (Sec. V, Aph. 2).
                             IV
     Ex osse segrante caro livida malum.
                                     (Sec. VII,  Aph. 2).
                              V
     Persecutum  os  aut cartilago, aut nervus, aut prepucium neque
coalescit.
                                     (Sec. VI, Apb. 19).
                             VI   r
     Quae  medicamenta non sanat  ea  ferrum sanat, quíB ferrum
non  sanat  ea ignis  sanat; quae vero ignis non sanat, ea insana-
bilia existimare opportet,
                                     (Sec. VIII, Aph.  6). 
Esta  these está conforme  os  Estatutos.





    Faculdade de Medicina,  8 de Setembro de 1887.














           íSfit.   íSHovntmaoá f/o  cMÊ-aeó- e  ^íPa.áco'ncet{oá. 
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