/ '• {to Ô-'-J Q2+6 Facilidade íe Medicina do Sio de Janeiro THESE DO Dr. CAELOS AUGUSTO DE BRITO RIO DE JANEIRO Typ. o Lith. a vapor, encadernação e livraria LOMBAERTS & COMP 7 — Rua dos Ourives — 7 i883 dissertação. cadeira de pathologia interna Proposições. CADEIRA DE PHYSICA aa"sy causa casaíaíj? ü^Lg CADEIRA DE ANATOMIA DESCRIPTIVA CADEIRA DE MATÉRIA MEDICA E THERAPEUTICA ESPECIALMENTE A BRASILEIRA FACULDADE DE MEDICIÍNA DO RIO DE JANEIRO EM 30 DE JULHO DE 1883 E PERANTE ELLA SUSTENTAOA Em 12 de Dezembro de 1883 PELO %♦ jffwtss Jtopsf® k §nk $ |ibo_ NATURAL DO RIO DE JANEIRO FILHO LIGITIMO DO ©f. ^ilij=&efto ^u^to da 0ilva E DE í). Maria Guilhermina A. Srifo e Silva. RIO DE JANEIRO Typographia e lithographia a vapor, Lombaerts & Comi\ 7 — Rua dos Ourives — 7 i883 FACULDADE DE MEDICIM DO RIO DE JANEIRO DIRECTOR.— Conselheiro Dr. Vigente Cândido Figueira de Saboia VICE-DIRECTOR.— CONSELHEIRO Dr. ANTÔNIO CORRÊA DE SOUZA COSTA SECRETARIO.— Dr. Carlos Ferreira de Souza Fernandes Drs.: LENTES CATHEDRATICOS João Martins Teixeira....................... Physica medica. Conselheiro Manoel Maria de Moraes e Valle. Chimica medica e mineralogia. J. ão Joaquim Pizarro....................... Botânica medica e zoologia. José Pereiia Guimarães...................... Anatomia descriptiva. Conselheiro Barão de Maceió................ Histologia theorica e pratica. Domingos José Freire Júnior................. Chimica orgânica e biológica. João Baptista Kossuth Vinelli................ Physi;logia theoric.i e experimental. João José da Silva......................... Püthologia geral. Cypriano de Souza Freitas....................\natomia e physiologia pathologicas. João Damas-ceno Peçanha da Silva........... Pathologia medica. Pedro Affonso de Carvalho Franco............ Pathologia cirúrgica. Conselheiro Albino Bodrigues de Alvarenga... Matéria medica e therapeutica especialmente brasileira. Luiz da Cunha Feijó Júnior.................. Obstetrícia. Claudi, Velho da Mttta Maia................ Anatomia tonographica. medicina operatoria exnerimental, apparelhos e pequena cirurgia. Conselheiro A. C. de S uza Costa............ Hygiene e historia da medicina. Conselheiro Ezequiel Corrêa dos Santos...... Pharmacologia e arte de formular. Agostinho José de Sou"a Lima............... Medicina legal e toxicologia. Conselheiro João Vicente T-rres Homem...... clinica medica de adultos. Domingos de Almeida Martins Costa.......... Conselheiro Vicente Cândido Figueira de S.boia j CHnica cirurgica de adultos. João da Costa Lima e Castro................ ' Hilário Suares de Gouvêa.................... Clinica ophthalmologica. Erico Marinho da Gama Coelho............. Clinica obstetrica e gynecolcgica. Cândido Barata lübeiro...................... Clinica medica e cirurgica de cri; nça*. João Pizarro Gabizo......................... Clinica de moléstias cutâneas e syphiliticas. Jaão Carlos Teixeira Brandão................ Clinica psych atriea. LEN.ES SUBSTITUTOS SERVINDO DE ADJUNTOS Augusto Ferreira d's Santo-*................. Chimica medica e mineralogia. Antônio Caetano de Almeida.. .............. Anatomia topographica, medicina operatoria experimental, apparelhos e pequena cirurgia. Oscar Adolpho de Bulhões Ribeiro............ Anutomia descriptiva. Nuno Ferrara de Andrade................... Hygiene e historia da medicina. José Benicio de Abreu....................... Matéria medica e therapeutica especialmente biasileira. ADJUNTOS José Maria Teixeira......................... Physica medica. Francisco lübeiro de Mendonça.............. Botânica medica e zoologia. ............................................ Histologia theorica e pr;.tica. Arthur Fernandes Campos da Paz............ Chimica orgânica e biológica. ........................................... Physiologia theorica e experimental. Luiz lübeiro de Souza Fontes................ Anatomia e physiologia path lógicas. ............................................ Pharmacologia e arte de formular. Henrique Ladisláu de Souza Lopes........... Medicina legal e toxicoligia. Francisco de Castro ....................... \ Eduardo Augusto de Menezes................ C]inica medica de adultos Bernardo Alves Pereira...................... I Carlos Rodrigues de Vasconcellos............ J Ernesto de Freit s Cri^siuma................. \ Francisco de Paula Valladaros................ c]ini d { fl ^ u Pedro Sevenano de Magalhães............... I & Domingos de Góes e Vasconcellos............ J Pedro P.iulo de Carvalho.................... Clinica obstetrica e gynecologica. José Joaquim Pereira de Souza.............. Clinica medica e cirurgica de crianças. Luiz da Costa Chaves de Faria.............. Clinica de moléstias cutâneas e syphiliticas. Carlos Amazonio Pereira Penna............... Clinica ophthalmologica. ........................................... Clinica psychiatrica. N. B. — A faculdade não approva nem reprova- as opiniões omittidas nas theses que lhe são apresentadas. A' MEMÓRIA DE MEO Extremoso e Sempre Pranteado Pae Lagrimas e. . . eterna saudades. «mnmnasaa 1 AOS MANES DE MEOS Avós, Parentes e Amigos wm Recordação. c%t; êcoma/. Sra. ])♦ | toia lujujta jjaipi^o 3 fera Sincera e Jirvfunda amizade. -S^Çfr K MINHA QUERIDA Itt Tributo de amor füial, gratidão e 0 eterno reconhecimento. Muita amizade e dedicação. AO i diucaiio amo Lembrança. AO MEO TIO E BOM AMIGO E SUA VIRTUOSA ESPOSA D. MARIA JACINTHA PARAÍSO E SILVA Reconhecimento, respeito e muita amizade. A' MINHA PREZADA TIA E MADRINHA ♦_ A 'Mtiflili JwéHílfcfi J*. Muita dedicação, respeito e amizade. m: Amizade e acatamento. A' MEOS PRIMOS E AMIGOS Em Particular os Srs. Dr. Fortunato Augusto da da Silva Júnior Dr. Antônio Augusto da Silva Júnior Dr. José Accioli de Brito Dr. Raymundo Teixeira Belfort Roxo Luiz de Brito Sympathia e muita estima. X HXKBM SEDHXS Ao Meo Particular Amigo e IIlustrado Mestre o Illmo. Sr. Co&selheuo Dr. Inteite de Cerqueha Pinte e a Sua Exma. Família. Muita consideração, gratidão e estima. A' FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA A' FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO Ao Illustrado Mestre e Amigo o Illmo. Sr. j. Àutokio Cabtaho b1 Preito ao talento. Ao Mui Digno Secretario da FACULDADE DE MEDICINA DO RS O DE JANEIRO o Illmo. Sr. CARLOS FERREIRA DE SOUZA FERNANDES Consideração e amizade. Aos Cotas Doutorados flo ia o oitra Mltt Felicidades. AOS AMIGOS DE MINHA FAMÍLIA AOS BONS AMIGOS DE MEO PAE. ÃOS MEOS AMIGOS EM GERAL Retribuição de amizade. Aos Doutorandos de 1884 Prosperidades. Oá KO LEIÍO^. Ea toutes choses désormais rien ne peut être nouveau que par Ia forme. Ch. Nodier. scolhendo para a dissertação de nossa these a — Dysenteria — temos, creio, cumprido um dever estudando uma moléstia própria dos paizes inter- tropicaes, como o nosso. Sabemos que ella terá algumas faltas, e nem poderia deixar de havel-as, quando os nossos conhecimentos sobre a Pathologia Medica são bastante limitados, e ser demais este o primeiro fructo de nossos incessantes estudos. Assim pois, confiados na benevolência dos leito- res, e na bondade de nossos mestres, esperamos que a aceitem com toda a indulgência, convictos de que fizemos o que estava em nossas forças para apresentarmos um pequeno trabalho que fosse digno de ser lido, sem causar tédio ou aborrecimento, seja pela a inexactidão ou incoherencia de suas palavras, seja pela sua dema- siada extensão. Carlos A. B. Silva. Rio, 30 de Julho de 1883. IS81BT1D. DA DYSENTERIA. Qui ne sait se borner ne sut jamais écrire. ( BOILEAU. ) HISTÓRICO. A historia da dysenteria data da mais remota antiquidade, e per- feitamente foi estudada por Hippocrates, Galeno, Celso e Aretêo que descreverão todos os principaes symptomas, e com tanta claresa e acerto o fizerão que hodiernamente os pathologistas, seus successores, pouco têm accrescentado a estes estudos, e até tem-se servido dos mesmos para o seu diagnostico. Os autores de climatologia e geograpliia médicas, mostrão-nos ser esta moléstia própria dos paizes inter-tropicaes, e sempre dirigindo-se dos pólos para o equador, tendo portanto uma marcha inteiramente inversa da das aífecções broncho-pulmonares. Apresenta-se nos mais das vezes nas regiões situadas sob aquella zona, no estado de endemia, podendo comtudo manifestar-se em certas epochas determinadas do anno epidêmica ou ainda sporadicamente. A 2 _ 2 — Com estesummario exposto não queremos dizer que a dysenteria seja propriamente dos paizes quentes, excluindo assim os que se acharem em condições outras climatologicas; pois que a vemos manifestar-se tanto nas zonas temperadas e glaciaes como nas torridas e sub-tropi- caes, e Fernel, de um lado, nos refere que em 1578 ella fora tão extensa na Europa que nenhuma aldêa ou cidade livrou-se de tão ter- rivel flagello ; de outro lado conta-nos Lammomière ter sido ella mortífera á tal ponto que em Lyão em 1607, 1624 e 1625 médicos e enfermeiros forão victimas de tão devastadora moléstia. Refere-nos ainda Trousseau que a maior epidemia que appareceu em França, e que mais estragos causou na população, foi sem duvida a da dysenteria em 1859. Desgenettes nos affirma que de 1792 a 1815, ella mais estragos causou entre os francezes que o canhão inimigo em todas as batalhas do império. Aqui, na cidade do Rio de Janeiro, manifestou-se igualmente com certa intensidade nos annos de 1863 e 1864, conforme nos attesta o Sr. Conselheiro Barão do Lavradio, então presidente da junta de hygiene. Emfim, terminando, diremos que ella tanto se estende ás raças superiores como ás inferiores, sendo abi conhecida pelos autores sob a denominação de Pestis-bovilla, e de Dysenteria-pecorum, de V. Ramaz- zini e Sauvages. SYNONYMIA. Diversos têm sido os nomes dados á esta affecção mórbida, e longo seriamos nesta exposição se quizessemos descrever todos aquelles pelos quaes ainda é conhecida, mencionando apenas os seguintes : Tormina, Tenesmos, Fluxos de ventre, Rheumatismus intestinorum, Colite- ulcero-membranosa, Flumen-dysentericum, Difficultas-intestinorum, — 3 — Morbus dissolutus, de Paracelso, etc, sendo ainda mais numerosa esta nomenclatura ; prevalecendo no emtanto entre todas, o de Dysenteria, palavra derivada do grego, e que significa funccionamento penoso e dolorido do intestino. DEFINIÇÃO. Em medicina é difficil se definir, como nas demais sciencias, porque se umas peccão por insuficientes em conseqüência do todo não ser abrangido pelo definido, outras ao contrario claudicão por serem exten- sas de mais. Comtudo, para darmos uma idéa ligeira de seus principaes caracte- res nosologicos, diremos ser uma colite-ulcero-membranosa, epidêmica, contagiosa, expressada por eólicas, tenesmos, dejecções muco-sanguino- lentas, e um estado geral mais ou menos grave. DIVISÃO. D'entre as divisões propostas pelos auetores, mencionaremos aquella que melhor possa preencher a facilidade deste estudo tão complexo era suas diversas fôrmas. Não pretendemos neste nosso simples e resumido trabalho dar conta de todas as classificações a que fora ella sujeita, citando entretanto a de Fournier e Vaidy que a dividio em 7 espécies; seguintes : Ia Dysenteria inflammatoria. 2 a » mucosa. 3a » gástrica. — 4 — 4a Dysenteria complicada de typho. 5 a » adynamica. 6a » ataxica. 7* » intermittente. Cornuel, um dos mais celebres médicos da armada Franceza, em sua memória apresentada á Academia de Medicina em 1840, sobre a dysenteria observada em Basse-Terre; dividio-a em 5 fôrmas distinctas : Ia Dysenteria super-aguda ou gangrenosa. 2a » aguda mucoso-sanguinolenta. 3a » biliosa aguda ou chronica. 4a » serósa, algumas vezes aguda, geralmente chronica. 5a » purulenta. Poderíamos ainda citar as de Dutroulau, Stoll (a que Trousseau liga grande importância) a de Vallei, Béranger, etc, adoptando, porém a de Delioux, por ser a que mais facilmente abrange, em nosso parecer, as modificações clinicas que soffre esta doença em sua evolução aguda, o qual dividio-a em 9 variedades ou fôrmas separadas : Ia Dysenteria simples ou catarrhal. 2a » inflammatoria. 3a » biliosa. 4a » typhoide. 5* » gangrenosa. 6a » hemorrhagica. 7a » athermica, algida ou choleroide. 8a » rheumatica. 9a » chronica. De accordo com as opiniões deste professor que detalhadamente e com critério se occupou desta parte da nosologia dysenterica, e da de — 5 — Béranger igualmente, não consideramos, com elles, a sporadia, epide- mia e endemia, como entidades mórbidas differentes, e sim como modalidades clinicas da mesma moléstia que se pode apresentar sob esta ou aquella fôrma, segundo certas e determinadas condições clima- tericas especiaes; e, sobre este nosso modo de pensar, já se pronunciara de modo idêntico Hunter que assim se exprime : « La dysenterie, telle qu'elle se montre à Ia Jamaique, est absolu- ment Ia même que celle décrite par Sydenhan, Pringle, Backer et autres, et ne se distingue en rien de Ia dysenterie qui, pendant les années 1779 et 1780, régna à Londres. » Pringle por seu turno assim se exprime : « Je puis assurer que toutes les épidémies que j'ai observées dans 1'armée étaient de Ia même espèce, et le docteur Huck ainsi que d'autres médecins qui étaient appelés pendant Ia dernière guerre à exercer leur art non seulement en Allemagne, mais encore à Minorque, en Amérique et dans les Indes Occidentales, m'ont certifié que cette maladie s'était montrée dans ces pays avec les mêmes caracteres et les mêmes symptômes, quoique plus ou moins violents, selon le degré de Ia chaleur et qu'elle guérissait toujours par les mêmes moyens 1. » E assim deve de ser porque a Anatomia pathologica nos vem confir- mar o acerto de nossa opinião, não determinando lesões especiaes e diversas da dysenteria endêmica, das de outras fôrmas sporadica e epi- dêmica, e tanto estas como aquella são curadas pelos mesmos meios therapeuticos; e se forçosamente quizessemos admittir, deveríamos do mesmo modo acceitar a classificação dos autores antigos, que dividi- rão-n'a em dysenteria do antigo e novo continente, em branca ou ver- melha, segundo a predominância maior ou menor de serosidade ou de sangue nas dejecções ; e muitas outras que felizmente forão desde aquelles mesmos tempos atacadas e derrocadas pelas suas bases. i Maladie des armées, pag. 264. — 6 — ANATOMIA PATHOLOGICA. Antes de estudarmos as principaes alterações anatomo-pathologicas que a dysenteria produz nos infelizes individuos que são d'ella victimas, daremos, se bem que summariamente, algumas noções, sobre as decom- posições que ella imprime no habito externo. Depois de um accesso agudo, pela marcha rápida da moléstia, o habito externo pouco denuncia de sua passagem; a raagresa que n'este caso pouco se accentúa, na fôrma chronica, ao contrario, é extrema, a região abdominal tumefaz-se algumas vezes ; e isto em conseqüência, na grande maioria das vezes de uma complicação, tão commum n'esta moléstia, e que mais rapidamente vem apressar o termo desses infe- lizes. Destas complicações, a que mais geralmente imprime no exterior dos individuos o cunho característico de sua passagem, ainda que de um modo bastante obscuro algumas vezes para o diagnostico, é sem duvida nenhuma a hepatite ou as aífecções hepaticas, e a peritonite. Na cirrose do fígado consecutiva, na forma chronica especialmente, além destes signaes, rnota-se oedemacia dos membros inferiores, e em seguida á uma hepatite consecutiva, á um accesso agudo, terminado rapidamente pela morte, o amarellecimento da pelle mostra-se, con- trastando com o que se observa após um tempo mais longo em que então a pelle toma a cor térrea ou pallida. Nos casos porém em que a perduração não venha ser o desfecho de tão terrível moléstia, ou que nenhuma outra complicação de fundo inflammatorío seja o seu termo ; a retracção da parede abdominal é manifesta. Isto porém não nos serve de base para firmar o nosso diagnostico, pois que outras aífecções ha que mais ou menos deixão impressas no cadáver alterações semelhantes. Eis, resumidamente, o que de mais notável achamos nas desordens que a dysenteria imprime nos individuos que são delia victimas. Passemos agora a estudar as alterações anatomo-pathologicas que se encontrão na cavidade abdominal, e sobretudo na parte relativa aos intestinos, delgado e grosso, por ser ahi, os logares de predilecção destas lesões; mencionando entretanto de modo rápido as desordens que se podem encontrar nas outras vísceras desta cavidade, e que não são exclusivas da dysenteria, porque muitas outras moléstias são capazes de produzil-as. Todas as vezes que uma víscera se acha sob á acção de um trabalho phlegmasico, as outras que lhe ficão próximas, em virtude da lei da contiguidade vêm a participar da mesma lesão que a sua congênere; é o que vemos succeder na grande maioria dos casos doperitoneo, que pelas suas relações anatômicas com esta região, é susceptivel, pelos progressos de uma phlegmasia, de uma ulceração, ou do derramamento das matérias contidas nos intestinos na cavidade peritoneal; inflam- mar-se, nas dysenterias agudas ou chronicas, dando lugar á uma peri- tonite, que generalisando-se aggrava o estado já muitas vezes desespe- rado do doente, occasionando a sua morte. O mesenterio, como o peritoneo, soffre da mesma sorte alterações, porém menos accentuadas, e tornando-se mais patentes quando no estado chronico, ou nas diversas complicações a que está exposta a dysenteria. Não estudaremos as lesões anatomo-pathologicas da peritonite e mesenterite, por não serem elementos primordiaes de nosso trabalho, e não terem para com a dy- senteria senão uma parte toda secundaria, sendo produzidas, como dissemos, por outras espécies nosologicas. As alterações do intestino delgado nos casos agudos e de marcha rápida para uma terminação qualquer, são de pouca importância; ao envéz porém do que se passa nos estados chronicos, ou nas formas va- riadas que ella pôde tomar em que as lesões tornão-semaisaccusadas; assim, por exemplo, na variedade typhoide, as lesões se passão, se situão mesmo nas placas de Peyer, que comtudo não apresentão manifestações pathologicas tão pronunciadas, como na febre typhoidéa. O mesmo que aqui observamos se passa nas outras formas em que — 8 — as lesões de nenhum modo adquirem a intensidade das moléstias que lhes constituem a variedade especial. As alterações do intestino delgado se dão em geral na segunda parte do duodeno e fim do ileon, por serem as que se achão mais sujeitas a acção tópica irritante e demorada da biles alterada em sua composição normal, como facilmente se comprehende, attendendo-se as disposições anatômicas dos diíTerentes apparelhos excretores do fígado, principal- mente do canal choledoco que reunindo-se ao pancreatico por detráz do duodeno vão ambos se abrir na segunda porção desta primeira parte do intestino delgado, na ampôla de Vater; encontrando-se nos arredores destas aberturas, ou pouco abaixo, uma irritação muito maior que nas outras partes deste intestino, em virtude, seja da chegada brusca e copiosa da biles, e da sua stase maior ou menor ahi, seja que ella tenha adquirido propriedades nocivas e por conseguinte mais irritativas; diminuindo progressivamente até o fim do ileon ou coecum, onde se manifestão novamente os mesmos phenomenos de irritação, senão maio- res em conseqüência da morosidade dos movimentos intestinaes, e d'ahi a difficuldade de progressão desta biles noxia, favorecendo portanto que a sua acção irritante se torne mais pronunciada n'este ponto do intestino delgado. Estudemos agora as principaes alterações mórbidas que se encontrão no grosso intestino, sede predilecta das lesões dysentericas. Segundo as observações de Charcot, Bally, Colin, etc, verifica-se que as alterações as mais caracteristicas do grosso intestino se dão na parte ccecal, no S illiaco e no recto, tornando-se mais accusadas nas ultimas partes, e depois da forma da moléstia, e sobretudo da sua chronicidade. Variadas e multipilas são as desordens que se encontrão neste intestino, assim umas vezes acha-se-o espesso em suas paredes, em outras occasiões, ao contrario, elle está augmentado de volume, ou exteriormente diminuido, em muitos outros casos a transparência, pela delgadeza de suas paredes, é sufficiente para se descobrir a pre- sença de placas lividas, cinzentas ou anegradas nos logares os mais — 9 — molestados; e não raras vezes emfim o exame exterior é deficiente, e o reconhecimento destas alterações só pôde ser feito por um estudo mais minucioso e completo abrindo-se a porção do intestino que se suppõe mais affectada. Examinemos com mais algum detalhe agora, as lesões sensiveis e salientes, que se apresentão na maioria das vezes, as investigações anatomo-pathologicas que hodiernamente se tem feito nas diversas variedades de dysentería, e mormente nas suas formas aguda e chronica, deixando de parte ás das outras por mais ou menos se ligarem á das aífecções que lhes dá os nomes ou que lhes constitue a forma. Um exemplo do que avançamos podemos dar na dysenteria aguda hemorrhagica em que as maiores lesões consistem em uma hyperemia intensa da mucosa ileo-coecal, a qual se reveste de uma coloração borra de vinho característica, e também da sua espessura. Lesões anatomo-patliologicas io grosso intestino na dysenteria aguda. As desordens deixadas neste intestino e nesta forma da moléstia não forão bem discriminadas e apreciadas, senão depois que os estudos histologicos reunidos aos outros vierão mostrar que a mucosa intestinal era a sede de alterações bem manifestas ; ao inverso do que então se suppunha, e que consistião na destruição em totalidade de camada epithelial dessa mucosa, e mesmo na formação de ulceras, as quaes muito se assignalavão não só pela quantidade, como ainda pelo desen- volvimento que adquirião, e pela forma porque se apresentavão. Em muitos casos estas ulcerações precedem a gangrena das diversas ca- madas do intestino, outras vezes porém observa-se inteiramente o opposto; e então vemos ser esta que precede ás ulcerações, e mesmo até ser a sua causa. No primeiro caso estas ulcerações não se mostrão senão na mucosa, podendo todavia attingir o tecido cellular sub-ja- — 10 — cente, não estendendo-se porém além; ellas são numerosas, pequenas, e quasi sempre constituem aberturas de pequenos abcessos implan- tados no tecido cellular sub-mucoso ; e Dutrouleau em sua excellente obra 1, diz ter encontrado entre as túnicas mucosa e musculosa, uma camada de pus que lhe faz suppor ser o resultado da fonte purulenta da túnica fibrosa. No segundo caso, isto é, quando a gangrena precede a ulceração, vemos o apparecimento destas ulceras dar-se, ou antes da queda das escharas ou depois de sua eliminação, e então avaliamos os estragos causados nas túnicas intestinaes pela gangrena ; estas são muito maiores que as outras, de bordos franjados, talhados á pique, e destróem todas as camadas intestinaes, não attingindo todavia a sorósa peritoneal, que permanece sã muitas vezes. Em geral, logo no primeiro período de inflammação, a mucosa intestinal pôde ser des- pojada de seu epithelio pelo simples raspamento, e mais tarde, quando a phlegmasia tem-se tornado bastante pronunciada, a própria mucosa é eliminada em toda sua espessura por placas, deixando a descoberta inteiramente a camada sub-jacente. São estes fragmentos da mucosa necrosado, mortificados e depois expellidos pelas dejecções, e nellas encontradas que se denominou, erradamente, falsas membranas. Nos casos graves, não só a mucosa, como as demais túnicas intestinaes se necrosião, dando-se portanto o sphachelo de todo o intestino doente. As lesões que se encontrão no grosso intestino, na dysentería chro- nica são mais ou menos idênticas as que se achão na acuidade da moléstia, diferindo tão somente pela sua intensidade, o que facilmente se deprehende, pela persistência das causas pathogenicas. Antes porém de entrarmos no estudo destas lesões, digamos duas palavras sobre a côr que a mucosa intestinal apresenta nos diversos estados da dysenteria, de modo succinto. Como facilmente se concebe, esta pri- meira túnica intestinal reveste-se de colorações distinctas conforme a gravidade dos casos. Assim n'aquelles que são leves e benignos' ella apenas mostra-se vermelha, podendo no entanto apresentar-se i Maladies des Européens dans les pqys chauds, 1868, pag. 518. _ 11 _ escura por placas disseminadas; nos casos graves e em que a termi- nação fatal tem de ser a sua conseqüência, a côr ó pardacenta, indicio de uma gangrena inevitável. Lesões anatomo-patliolopas do posso intestino na dysenteria clronica, As alterações que mais commumente se observáo nesta forma são as seguintes: espessamento das túnicas intestinaes que podem at- tingir a um centímetro e mesmo a dois era certos casos ; outras vezes porém, é o seo adelgaçamento, perfeita atrophia da camada mus- culosa que primeiro fere a vista do anatomo-pathologista. Em muitas outras occasiões, ao contrario, não se observa nem espessamento da camada intestinal e nem a sua atrophia, e sim vestígios de uma coeco- colite ordinária; como observara Delioux. No seo interior acha-se não raras vezes pus, independente de qualquer ulceração, devido ne- cessariamente a um trabalho especial de secreção mórbida da mu- cosa; emquanto que o existente nas evacuações alvinas reconhece provavelmente por causa os pequenos e múltiplos abcessos situados nas saliências ou relevos da superfície deste intestino. Em outras oc- casiões tem-se observado verdadeiros estreitamentos, devidos, seja a um trabalho hypertrophico de suas diversas camadas internas, o ca- libre exterior ficando o mesmo; seja a retracção dessas mesmas ca- madas era virtude da formação posterior de um tecido cicatricial das ulceras existentes; determinando desta sorte, mais tarde occlusões in- testinaes de seria gravidade. Temos pois estudado, summariamente, ó verdade, as lesões que se apresentão nos diversos estados da dysenteria ; terminaremos este es- tudo pelas lesões accessorias, as complicações, e pelo estudo do sangue que não passa incólume nesta affecção. De todas as lesões accessorias, o fígado é que mais soífre no curso — 12 — de uma dysenteria; assim encontramol-o, ora hypertrophiado, con- gestionado, ora crivado de abcessos, outras vezes cirrosado, atrophiado e amollecido, em outras occasiões apenas unicamente descorado; variando deste modo extraordinariamente estas lesões com a marcha da moléstia e a sua gravidade. A biles é viscosa, anegrada nos casos agudos, o inverso do que se nota no período chronico. O baço não denuncia grandes desordens, salvo quando o elemento palustre complica a moléstia principal, e então elle apresenta as alterações pathologicas que lhe imprime as intoxica- ções malarianas ou pantanosas, os rins se achão turgidos e avermelhados contendo nos bassinêtes pequena quantidade de pús. Nos órgãos thora- cicos e no cérebro, as lesões se existem, são bem insignificantes para se apresentarem á observação. As lesões por complicações já mais ou menos as indicámos, e quasi que inútil seria o estarmos de novo repisando ; as principaes são: ab- cessos do fígado consecutivos ás hepatites ; a splenite, a peritonite geral ou parcial, a cirrose chronica ascitica, os tuberculos e a hepatisação pulmonar, etc. O sangue como em todas as aífecções de fundo dyscrasico, apresenta modificações anatômicas apreciáveis, as quaes consistem no accrescimo de água e diminuição da fibrina, dos glóbulos, da albumina nas formas apyreticas. Concluindo esta segunda parte de nosso trabalho ainda uma vez sustentaremos a opinião que exarámos tratando da divisão da dysenteria; isto é, da não existência da dysenteria endêmica dos paizes quentes, como uma entidade mórbida distincta, constituindo uma moléstia separada, e na exposição que fizemos resumidamente da sua anatomia- pathologica vimos que não havia caracteres especiaes, lesões definidas para esta ou aquella endemia observada seja nas regiões tropicaes, seja nas temperadas ou frias; e Kelsch, além de Hunter, Prinde, etc, assim se exprime também: — « * A dysenteria e a diarrhéa chronica i Loc. cit. pag, 585. — 13 — dos paizes quentes apresentão alterações inteiramente idênticas as das mesmas moléstias observadas no centro da Europa; e a analyse histo- logica não deixa duvida alguma sobre este assumpto. », reforçando mais a nossa proposição. ETIOLOGIA. Esta'é uma das partes do estudo da dysenteria a mais obscura pela divergência de opiniões que existem entre os pathologistas, e tambera a mais interessante e importante porque é sobre ella que se acha assentada as bases de todo o seo tratamento e prophylaxia. Numerosas tem sido as classificações que os autores têm dado ás diversas causas de dysenteria, e entre outras adoptaremos para a nossa exposição a de Léon Colin que reunio-as em três ordens distinctas: Ia causas meteoricas, 2a causas alimenticias ou bromatologicas, 3a causas infecciosas, accrescentando á estas uma outra e não menos importante, á receptividade individual, de Béranger; e assim cremos ter abrangido nestas quatro simples ordens todas as causas capazes de determinal-a. Na primeira ordem, isto é, nas causas meteoricas ou exteriores ao indivíduo, elle comprehendeu os climas, paizes, localidades, impalu- dismo, influencia do solo, calor, etc. Na segunda ordem ou nas broma- tologicas são abrangidas : os alimentos e as bebidas. Na terceira ou nas causas infecciosas está incluído o contagio tão somente, e emfim, na ultima ordem, de Béranger, ou na receptividade individual, estuda- mos as moléstias anteriores, a alimentação, as idades, os sexos, as cons- tituições e temperamentos, e a acclimatação. Consideremos agora cada uma destas causas de per si, como capa- zes de influir na pathogenese da dysenteria, começando pelos climas. Está perfeitamente demonstrado que os influxos climatericos são — 14 phenomenos etiologicos de grande valor para o desenvolvimento desta nosopathia, como de todas as outras de fundo dyscrasico, e sobretudo das aífecções endemo-epidemicas das zonas tropicaes, não sendo entre- tanto exclusivas destas regiões, pois que se a observa também manifes- tar-se em regiões temperadas e menos frias, sendo até endêmica em muitas dellas. Assim é que na cidade do Rio de Janeiro, e em algumas províncias do Brazil, e nas Goyanas, de climas excessivamente quen- tes, é raro vel-a desenvolver-se epidemicamente, ao passo que em outros paizes de climas mais suaves ou temperados, a sua freqüência se faz sempre notar, tomando muitas vezes o caracter epidêmico. Explicámos este facto do seu apparecimento inconstante nos differentes climas, pela humidade maior ou menor que elles possuem, e pelas variações bruscas da temperatura que em uma mesma estação soffrem. Para os paizes que se achão em semelhantes condições climatologicas, a explicação é a mesma. O impaludismo desde os tempos Hippocraticos fora considerado como causa poderosa da dysenteria, existindo nas circumvisinhanças dos pântanos, e aífectando os habitantes destes logares conjunctamente com as febres perniciosas, remittentes e intermittentes; e assim predo- minou esta idéa na opinião daquelle medico e de seus contemporâneos, como ainda em epochas posteriores na de Maclean, Boudin e Huxan. Nós, porém, e de harmonia com os pareceres de Saint-Vel, Dutrou- leau, Delioux, etc, não cremos na tão proclamada influencia que o miasraa paludoso possa exercer de um modo directo na gênese desta moléstia, e se com eífeito dá-se a coincidência de, em alguns paizes reinar as febres effluviaes de parceria com a dysenieria, não é menos verdade que a observámos da mesma maneira e de modo incontestável em cidades onde não ha alagadiços, e como exemplo citaremos a sua endemia na Ilha da Reunião, em Basse-Terre, e na Nova-Caledonia, paizes sem pântanos e por conseqüência sem febres da malária; ao passo que aqui no Rio de Janeiro, em Mayotte, Pointe-à-Pitre, etc, onde existem pântanos ella não é endêmica, e quando sóe desenvolver- se é sob o gênio sporadico, raramente sob o epidêmico. Demais — 15 — quando declara-se a dysenteria e as pyrexias palustres ao mesmo tempo, é de observação rigorosa que estas ultimas só apparecem na occasião em que os pântanos se seccão sob a acção dos raios calorificos do sol; ao contrario, inteiramente do que succede com a outra espécie noso- logica, cujas primeiras manifestações coincidem em geral com o abai- xamento da temperatura ambiente; tendo pois marchas muito distinc- tas em sua evolução para não se confundirem de nenhum modo. Além disto se podessemos admittir o impaludismo como sendo um factor etiologico determinante dos fluxos de ventre, deveríamos observar que, todas as vezes que um indivíduo se achasse sob a influencia destas duas moléstias, então semelhantes em suas causas, o seu restabelecimento com a administração dos saes de quinino, especifico por excellencia das intoxicações palustres; ora isto exactaraente não acontece senão quanto ao verdadeiro impaludismo, isto é, que este individuo cura-se das febres da malária, porém continua ainda a soffrer e cada vez a mais da dy- sentería, o que não deveria ser. Além de tudo isto a anatomia-pathologica marca caracteres espe- ciaes, lesões distinctas para esta ou aquella entidade pathologica, segundo a sede de suas principaes alterações; e assim é que em uma as manifestações mórbidas essenciaes residem no sangue que tem dimi- nuido de glóbulos vermelhos, ou de hematias, de albumina, e na alte- ração considerável dos órgãos hematopoieticos, ao contrario da outra em que as lesões principaes e especificas se fazem de preferencia no grosso intestino, mostrando deste modo não ter as intoxicações palustres senão uma acção puramente predisponente na pathogenese da dysen- teria e pelo facto de, alterando a crase do sangue, debilitar o organismo e collocal-o assim era condições maiores de receptividade para esta moléstia tão distincta em suas manifestações mórbidas. A influencia do solo como causa meteorica igualmente foi invocada para explicar a sua irrupção mais freqüentemente, já pela aridez ou a humidade do solo, já pela permeabilidade ou impermeabilidade maior ou menor que ello pôde apresentar em diíferentes paizes. Mas, estudos recentemente feitos têm provado de modo cabal que a evolução dos — 16 — fluxos de ventre e a sua diffusibilidade são phenomenos inteiramente independentes da natureza geológica do solo, e que ella desenvolve-se tanto nos terrenos volcanicos, montanhosos ou calcários, como naquel- les que são baixos, humidos e alagadiços, servindo de exemplo para os primeiros a cidade da Martinica, para os segundos as cidades de Saint- Louis e da Barbade que além de baixa é calcarea. O que dissemos dos climas tem igual applicação ao calor ou á tem- peratura excessiva de certos paizes, e naquelles em que a dysenteria é endêmica, o seu apparecimento coincide, quando ás fortes estações cal- mosas succedem á tempos mais frescos, ao contrario dos paizes tempe- rados da Europa, em que a sua manifestação maior e mais grave tem coincidido com estios muito quentes. E' assim, por exemplo que as epidemias de 1645 na Inglaterra, a de 1668 na Allemanha Occidental, e a de 1622 na Lorena, sobrevierão durante as estações mais quentes e seccas do anno, havendo entretanto algumas excepções desta regra, mas em tão pequeno numero em contraposição ás outras, que não podem de nenhum modo serem tomadas em consideração; as quaes são representadas no desenvolvimento da dysenteria em Massachussets em 1817, e em Metz em 1841 nas epochas mais frias do anno. Para terminar lembraremos que a elevação isolada da temperatura, não pôde ser considerada como causa efficiente determinante desta mo- léstia, e sim como um factor etiologico predisponente de grande valor; porque se assim não fosse teríamos o desprazer de vêl-a constantemente n'um paiz ou n'uma localidade, todas as vezes que a elevação da tem- peratura diurna augmentasse de maneira sensivel. Continuaríamos o estudo das outras causas que compõem esta pri- meira ordem, se todas ellas não tivessem a mesma influencia etiologica, actuando sempre como causas predisponentes geraes e auxiliadas cons- tantemente pelas variações bruscas da temperatura ambiente. — 17 — Causas tromatolopas, Temos aqui que examinar a acção que cada uma das causas com- ponentes d'este grupo, exerce sobre a pathogenese da dysentería, come- çando pelos alimentos, e em seguida logo passámos ao estudo das diversas qualidades de bebidas. Os alimentos são sem contestação alguma causa d'esta aífecção mórbida, sempre que se fizer uso d'elles alterados, ou n'um estado de divisão grosseira, ou ainda de uma maneira insufficiente para a alimentação; desenvolvendo-se epidemicamente em centros populosos, que tem abusado, ora de fructos verdes ou aprode- cidos ; como succedeu em 1793 em França nos exércitos alliados, ora de uma alimentação por muito tempo continuada e em excesso de carne salgada, escasseando entretanto nas prisões e casebres, sempre que se augmentava a ração até então minguada d'estes infelizes. O abuso dos fructos verdes ácidos obra nocivamente produzindo a moléstia pelos desarranjos gastro-intestinaes que occasiona, os alimentos alterados, necessariamente, pelas suas propriedades septicas que modificando a biles, tornão-n'a mais acrimoniosa para a mucosa intestinal, e os que são deglutidos em estado de divisão grosseira actuão topicamente determinando movimentos peristalticos activos, e por conseguinte fazendo affluir para o intestino uma quantidade mais abundante não só de biles, como ainda de líquidos, e comportando-se assim como verda- deiros purgativos mecânicos. A alimentação insufficiente além de enfraquecer o organismo, acar- retando com todas as conseqüências de momento, inanição, etc, collo- ca-o ainda em condições peiores de receptividade para as outras espécies nosologicas. Mais que os alimentos, as bebidas tiverão maior causa na pathogenese d'esta aífecção, e para mais facilidade dividiremos o seu estudo em bebidas propriamente ditas ou aquosas, e em bebidas alcoólicas. As águas correntes ou stagnadas, tornadas impuras por a. * — 18 — conter em dissolução ou em suspensão detritos animaes ou vegetaes em alta decomposição pútrida, são sem duvida causas poderosas de dysen- tería; uma vez ingeridos e absorvidos os princípios septicos n'ellas contidas, pelas membranas mucosas do apparelho digestivo os quaes alterão as funcções orgânicas e sobretudo a biliar, dando a biles pro- priedades nocivas outras que ella não possuia; esta é a explicação mais rasoavel que encontrámos. Entretanto outros auctores admittem a sua influencia na nosogenia dysenterica pelos desarranjos intestinaes que ellas determinão sempre que são absorvidas em plena diaphorese; como quer que seja emfim o seu modo de actuar na, formação da moléstia, a sua nocuidado é indubitavel. O álcool ou as bebidas alcoólicas usadas sem moderação são igual- mente causas poderosas predisponentes, e de grande importância, pelas modificações que imprimem, não só na crase do sangue modificando-a muito era numerosos casos, como ainda pelas desordens que produz no fígado, ura dos órgãos que mais se ressente de sua acção perniciosa, tanto em sua structura intima, como na de suas secreções. Dutrouleau em seu excellente trabalho sobre as moléstias intertro- picaes, attribue ao tafiá a causa a mais freqüente da dysenteria nos soldados Europêos, sobretudo a das recahidas. Causas infecciosas, N'esta ordem grupámos a infecção e o contagio. Quanto a primeira está exhuberantemente provado que a decompo- sição das matérias animaes, e portanto a sua putrefacção, é um conti- gente etiologico de grande valor na pathogenese da dysenteria, pelas suas propriedades septicas que alterando notavelmente o sangue, pela inhalação pulmonar, occasiona desordens secundarias no fígado e em todo o apparelho intestinal. — 19 — O contagio é uma das questões de etiologia medica que mais dis- cussões têm suscitado entre os Pathologistas. Assim se vemos uns sustentarem firmemente a sua contagiosidade e a sua transmissibi- lidade ser toda devida a este poder, como afirmara Degner, Bergeron 1 que cita o seo apparecimento em Villerval, trazida por ceifeiros vindos de Beauce, outros, ao contrario, como Zimmerman, Pringle, Pinei, etc, menos enthusiastas d'esta theoria, que não regeitando, acceitão-n'a todavia de um modo muito restricto, admittindo que a contagiosidade para esta moléstia se torna mais sensível debaixo de certas condições èventuaes. Emfim outros negão absolutamente o seu poder contagioso, e accei- tão-n'a somente pela infecção; isto é, que ella adquire este poder de propagação quando muitos dysentericos ou individuos de moléstias diversas, se achão reunidos em uma sala de lospital mal arejada, infeccionada, e finalmente privada de todos os cuidados hygienicos imprescindíveis, e desapparecendo desde que medidas enérgicas prophy- lacticas forem tomadas. Em apoio d'esta asserção citamos o facto tantas vezes reproduzido pelos practicos, do desenvolvimento da d}'sentería em hospitaes de typhicos e de feridos, não havendo entretanto um só dysenterico d'entre aquelles doentes ; esta opinião nós a abraçamos como parecendo a mais plausível. Recentiyidade individual, N'esta ultima parte do etiologia dos fluxos de ventre, estudamos a influencia maior ou menor que as idades, os sexos, as moléstias ante- riores, etc, podem ter na sua gênese. E' incontestável que as moléstias anteriores debilitando os individuos predispõem-n'os, mais que a qualquer outro em condições diversas, para contrahir esta doença. 1 Mém. de l'Ac. de méd. t. 28. 1865. — 20 — Assim a observamos muitíssimas vezes nos convalescentes de diferentes epidemias, ou nos de dyscrasias profundas que enfraquecendo o orga- nismo, e diminuindo portanto a sua força de resistência para as causas morbificas exteriores, dão largo campo á elaboração do germen dysen- terico, que não poderia accommodar-se certamente n'uma constituição vigorosa e sã que lhe resistisse a sua influencia nosogenica. Acclimatação, Está perfeitamente patente á luz da verdade que não é possível a acclimatação de estrangeiros nos paizes intertropicaes, e em que a dy- senteria costuma desenvolver-se de uma maneira constante, e que tanto accomette á um recemvindo, como aos que tem permanecido por longo tempo n'estas regiões, e que se mais ou menos respeita á estes, é porque necessariamente menos se expõem as suas causas morbigenas, isto é, tem sabido evital-a por algum tempo ; não servindo entretanto esta im- munidade momentânea como prova de sua acclimatação, porque se não são victimas d'esta primeira explosão, o seráõ mais tarde e com mais facilidade talvez, se não abandonarem o paiz, por se acharem com certeza enfraquecidos, depauperados por diversas outras entidades pathologicas, e ainda pelas condições climatericas do logar, calor exces- sivo e quasi perenne, e humidade nos tempos mais frescos. Todas as idades, sexos, temperamentos são á ella expostos, parecendo não haver portanto predilecção alguma para esta ou aquella idade, este ou aquelle sexo e temperamento, se bem que Lamoisine entenda ser o sangüíneo o mais predisposto, outros porém divergem d'esta opi- nião, e julgão o lymphatico mais apto, ou propenso as influencias noso- logicas, principalmente para esta moléstia. Os adultos e os individuos de sexo masculino são as suas maiores victimas, por se exporem mais vezes á acção das causas productoras — 21 — d'esta entidade pathologica, em conseqüência de "suas variadas occu- pações. NATUREZA E PATHOGBNIA. Passando muito de leve por sobre as numerosas discussões havidas entre os pathologistas á propósito d'esta parte do seu estudo, não poderemos entretanto deixar de mencionar algumas das opiniões por elles formuladas para explicarem com claresa a pathogenia d'esta tão cruel enfermidade, em suas devastações endemo-epidemicas, ainda tão obscura em sua essência. Assim reconhecendo alguns que as principaes manifestações mór- bidas da dysenteria consistem em uma inflammação maior ou menor dos intestinos, collocarão-n'a ao lado das phlegmasias, outros entre- tanto regeitando esta hypothese como defficiente em muitos casos, e attendendo que em alguraas circumstancias ella vém accompanhada de um estado geral mais ou menos grave e pyretico, dividirão-n'a em duas grandes classes; pertencendo a primeira a das phlegmasias simples, e a segunda a das pyrexias, como perfeitamente entende Sydenhan que assim se exprime sobre esta importantíssima questão : « Après avoir soigneusement et múrement réfléchi sur les divers symptomes de Ia dysenterie, j'ai trouvé que Cétait une fièvre parti- culière qui agit sur les intestins; c'est-à-dire que les humeurs acres et enflammées que sont contenues dans Ia masse du sang et qui l'agi- tent, sont déposées sur les intestins à travers les artères mésentériques, et....... etc » ao lado d'este se achão Stoll e Zimmerman que sus- tentão a mesma idéa. Nos porém nos afastamos d'estas doutrinas, recusando o dualismo de Sydenhan e Stoll, para consideral-a única em espécie, e que se em alguns casos, ella se reveste do elemento pyretico, é porque sem duvida se acha occulta, ou pela intoxicação palustre que tantas vezes a accom- — 22 — panha, ou por qualquer complicação grave que lhe é tão freqüente ; como accontecêo ao próprio Stoll na epidemia por elle observada em 1773 na Hungría, e em 1776 em Vienna, em que a febre era ligada a forma biliosa. E' pois uma febre sem febre na linguagem eminente de Delioux; isto é, diz elle: « é uma moléstia na qual a lesão intes- tinal é ura elemento de importância, mas cujos symptomas geraes revelão a participação dos grandes apparelhos do organismo. » E' ainda Stoll que, attribuindo grande merecimento ao rheuma- tisma de Coelius Aurelianus, e attendendo a similhança pronunciada, tanto das causas, como dos efeitos d'estas duas organopathias de secreções mórbidas idênticas, segundo elle, considera a dysenteria como sendo um rheumatismo intestinal, e admittio com seus anteces- sores, em um humor especial, denominado materies rheumatica, como capaz de produzir estas moléstias e mesmo muitas outras conforme é desviada de sua eliminação natural, por qualquer incidente, em geral pela acção brusca do frio. Assim, diz Stoll, que em determinadas epochas do anno o resfriamento impressiona certas partes do organismo de preferencia á outras, e que se em virtude d'estas condições, o resfriamento tem lugar em plena diaphorése, se fôr no verão esta suppressão rápida da transpiração repercute antes no apparelho gastro- intestinal que em outras vísceras, porque n'esta estação elle oferece uma resistência menor á acção do frio, produzindo portanto a supposta materies rheumatica um coryza abdominal ou um rheumatismo dos intestinos, em lugar de uma bronchite ou de uma odontalgia em outras estações. Os estudos hodiernos de anatomia e physiologia patho- logicas têm demonstrado exhuberante mente a falsidade d'esta hypo- these habilmente levantada por Stoll e sustentada por Hufeland l que o resfriamento não é a única causa da dysenteria e do rheuma- tismo, mas que esta mesma influencia etiologica é bastante em nume- rosos casos para determinar estas espécies nosologicas, como ainda pneumonias, pleuresias, e todas ás affecções broncho-pulmonares, 1 Med. prat. pag. 379. — 23 — demais as lesões anatomo-pathologicas diferem muito n'estas molés- tias, e além d'isto quando dá-se a coincidência de em um rheumatico manifestar-se a colite-ulcerosa, vemos esta deslocar completamente a outra, como exactamente succede com as demais entidades mórbidas quando são complicadas durante a sua evolução. Tivemos ura exemplo perfeito deste facto no Hospital da Miseri- córdia, na 4a Enfermaria de clinica á cargo do Sr. Conselheiro Dr. Torres-Homem em que um menino sofrendo de uma pleuresia com derramen, fora victima dias depois de sua entrada para aquella Enfermaria de typhus icteroide, o qual cedendo aos meios therapeu- ticos empregados pelo distincto clinico e Professor, fizera desapparecer o resto do derramen que ainda havia na cavidade pleuritica, e que não poderá ser retirado de todo, em conseqüência da invasão inesperada d'aquella gravíssima pyrexia. O menino retirou-se de todo curado da pleuresia e de sua complicação; muitos outros factos idênticos se dão todos os dias na vida clinica. Além d'isto as affecções rheumaticas não são accompanhadas de matérias especificas, como succede com a dysenteria, e emfim se o rheumatismo e a dysenteria fossem tão parecidos em suas manifesta- ções mórbidas, como acredita Stoll, deveríamos observar, senão sempre ao menos algumas vezes, nos rheumaticos a dysenteria e vice-versa, o que de nenhum modo se dá. Assim pois, esta theoria tão seductora na apparencia, nada tem de real quanto ao fundo, e se acha assentada sobre uma base falsa e hypothetica. Outros ainda, e n'este grupo nos alistamos, explicão a pathogenia dos fluxos de ventre por uma pertur- bação da funcção hepatica e sobretudo da biliar, reconhecendo como causa occasional o resfriamento da pelle, a ingestão de alimentos alte- rados, as fadigas, etc, actuando sós ou conjuntamente para o mesmo fim. Com efeito a glândula hepatica alterando-se em seu funcciona- mento em virtude de qualquer causa, o seu trabalho infallivelmente será mais activado portanto, e a formação da biles mais exagerada á fortiori. Ora comprehende-se bem que esta biles fabricada em excesso, — 24 — se assim fôr lançada para o interior do intestino delgado e brusca- mente, a descamação epithelial que no estado physiologico ella deter- mina sempre superficialmente na mucosa intestinal, será com certeza mais profunda n'este momento, mormente estando alterada em sua composição histologica, e de accôrdo com a physiologia experimental, as matérias intestinaes atravessão com rapidez o duodenum e o jejenum, não occasionando por esta razão, a biles nociva senão apenas uma simples rubefacção por efeito da sua pouca tardança n'estes pontos; mas a proporção que os alimentos forem progredindo, vão por seu turno experimentando também uma demora relativa em sua marcha até o fim do iléon ou no ccecum onde se retardão mais, sendo ahi justa- mente o lugar em que as lesões produzidas pela dysenteria se tornão patentes. Continuando á progredirem, mas lentamente, de novo ellas atravessão os colons causando da mesma maneira alterações sensiveis, mas não tão accusadas come no coecum; finalmente no S illiaco e no recto onde os movimentos de progressão das matérias intestinaes dimi- nuem muito, mais que nas partes superiores, é exactamente ahi a sede de predilecção d'estas lesões. Por esta resumida explicação vemos que a acção tópica da biles alterada, sobre as diversas partes dos intestinos é sufficiente para dilu- cidar o mechanismo dos fluxos de ventre em seus diversos gráos de malignidade ou benignidade; conforme a irritação maior ou menor que ella produzir nos diferentes pontos da mucosa intestinal, chegando muitas vezes a irritação á formar pequenas ulceras, pela continuação, as quaes aprofundando-se ou estendendo-se mais em seu processos mór- bido, pôde interessar uma rede vascular ou um só vaso e motivar por conseguinte hemorrhagias tão communs no curso d'esta moléstia, e ainda as gangrenas n'um período mais adiantado da inflammação con- secutiva, como uma de suas terminações mais desfavoráveis. A complicação hepatica, companheira inseparável das dysenterias endêmicas, explica-se ou pelo exagero das funeções do fígado, origi- nando a phlegmasia com todas as suas terminações, ou ella tem lugar em conseqüência da absorpção, pelas veias mesentericas, de matérias — 25 — pútridas do intestino, produzindo no órgão todas as desordens supra- mencionadas. As eólicas, e os tenesmos são o resultado do augmento das contracções peristalticas dos intestinos, augmento este motivado, sem duvida pela a acção tópica e acrimoniosa da biles privada de suas propriedades physiologicas. Concluindo esta parte do nosso humilde trabalho, e ainda tão obscuro pela ausência completa de luzes scientificas que a venha de modo brilhante esclarecêl-a de uma vez, afim de não mais sofrer as criticas judiciosas dos observadores professionaes, não poderemos deixar de patentear se bem que summariamente, a opinião de Delioux que divergindo ou contestando peremptoriamente todas as precedentes, admitte que certas condições etiologicas poderosas, como as constitui- ções atmosphericas, os climas, as exposições ao frio, as miasmas, etc, abalão o equilíbrio funccional, determinando d'esta maneira por pertur- bações continuadas, uma alteração profunda na crase do sangue, e predispondo consequentemente o organismo á receptividades maiores, para qualquer outra influencia etiologica, aliás também poderosa em sua acção deleterea, como a epidemia, a endemia, e até o próprio acaso que introduzida n'esse momento em um organismo já bastante alterado em sua integridade physiologica, vae operar inescrutaveis elaborações que determinem a irrupção da dysentería em seus diversos gráos, conforme a intensidade d'esta causa ultima, e a força de resis- tência que elle lhe possa oferecer n'aquella opportunidade. Emfim ainda considerando para a paridade que até certo ponto parece existir entre a natureza virulenta da scarlatina, sarampão, varíola, e a dysenteria, mormente quanto ás suas transmissibilidades possíveis de uma mulher no período de gestação, para o foetus, abraçou a idéa da existência de um virus ou veneno dysenterico especial, elaborado á custa do sangue altamente alterado em sua constituição elementar, virus este que uma vez formado vae por seu turno reagir novamente sobre os elementos orgânicos, infeccional-os, e localisar-se em seguida em certos órgãos de preferencia á outros, em geral na medulla em sua extremidade inferior, e d'ahi reflectindo-se immediatamente para os — 26 — intestinos produzindo a hyperesthesia e a paralysia muscular, e a irri- tação dos fíletes intestinaes do grande sympathico occasionando as eólicas ou as dores abdominaes. Eis a opinião d'este hábil Pathologista tocante a pathogenese dos fluxos de ventre, isenta seria de toda a critica se correspondesse ás exigências da physiologia pathologica hodierna. Quanto a natureza parasitaria da dysenteria, idéa esta aventada por Pringle, Van-Swieten e outros, foi cathegoricamente debellada pelo o Dr. Breton que com dedicação entregou-se ao estudo dos microor- ganismos, o qual, encontrou, na realidade, animaculos nas dejecções dysentericas, os quaes, forão denominados de leptodera ou rhabditis stercoralis; porém, diz elle, que de maneira alguma poderião ser con- tingentes importantes na produção da moléstia, de que agora nos oceu- pamos, porque só erão encontrados nas dysenterias chronicas, e muitas vezes mesmo muito tempo depois do completo restabelecimento do doente, ou durante a sua convalescença; parecendo-lhe assim serem antes factos coincidentes da moléstia, e tanto mais que não é raro des- cobrir-se nas dejecções dysentericas, juntamente com os leptoderas, outros animaculos de espécies diversas, como as saroinas do estômago, os cestodes representados pelos tsenias e taeniades, o auchilostomun duodenale do gênero strongiloides, alguns nematoides, como os oxyuris vermicularis da familia dos Ascarides, etc.; vindo d'este modo nos cer- tificar de que estes ento-parasitas não são elementos indeclináveis na pathogenese da dysenteria, até que novos e aperfeiçoados estudos venhão fortalecer a opinião dos iniciadores d'esta theoria tão seduetora na apparencia. — 27 — STMPTOMATOLOGIA. Para sermos methodicos deveremos nos occupar em primeiro lugar dos symptomas da dysenteria aguda e chronica, descrevendo em seguida os das outras principaes fôrmas. Quando os fluxos do ventre têm de ser leves, em geral não vêm acom- panhados de signaes precursores ou de prodromos, porém desde que tenhão de ser mais sérios, são precedidos durante alguns dias destes signaes que os advertem da sua invasão ; os quaes consistem em indispo- posiçães geraes, cansaço, calefrios e diarrhéa, sendo entretanto fulmi- nante nas epidemias. Declarados que sejão, se caracterisão no estado agudo por pheno- menos outros, taes como dejecções abundantes e freqüentes, mucoso- sanguinolentas, ou simplesmente mucosas, por eólicas violentas e tena- zes, localisando-se no hypogastrio e seguindo a direcção dos colons para se tornarem mais accusadas na fossa illiaca esquerda, por tenesmos e sensação de peso ou de corpo estranho no recto. Todo este cortejo de symptomas podem ser acompanhados de phenomenos pyreticos, como sóe acontecer algumas vezes nas variedades inflammatoria, biliosa e epidemias, sem que entretanto esta pyrexia seja um factor constante, pelo contrario a apyrexia é que mais vezes se observa em todos os casos; a menos que não venhão complicadas do elemento palustre; e em algumas outras variedades o pulso baixa além do normal, como se nota na fôrma choleroide ou algida. etc Em todo o caso emfim, mesmo nos muito graves, a calorificação da pelle ou a temperatura não se fazdemodo nenhum sensível, contrastando como o pulso que então é pequeno e freqüente; fazendo receiar a per- sistência da febre, quando existe, uma complicação sempre de conse- qüências desagradáveis. Ainda nos períodos agudos e graves, além de todos estes signaes semeioticos supra-mencionados, apresentão demais — 28 — uma anorexia completa, língua secca, depressão moral profunda, de- lírios, dejecções puramente sanguinolentas, fétidas e contendo pequenos retalhos membranosos, ou cylindros anegrados, verdadeiros sphacelos, quando a gangrena tem invadido as túnicas intestinaes. D'ahi a moléstia tende á declinar ou á prolongar-se, passando para o estado chromco, ou para a terminação fatal. Se a terminação se faz pela cura, todos os symptomas decrescem, e as funcções orgânicas recuperão gradualmente a sua integridade physiologica, continuando não obstante os tenesmos, porém brandos já por mais ou menos tempo durante todo o período de convalescença que de ordinário é muito longo. Se a chronicidade é a sua terminação, os symptomas continuão, mas não tanto accentuados, como precedentemente, declinando todavia de menos á menos se á este ultimo estado segue-se a cura ; exacerbando-se ao contrario quando a morte tem de ser o seu desfecho ; a qual é pre- cedida quasi sempre de abcessos do fígado, de hepatites agudas, perito- nites, e de perfuração intestinal pelos progressos da ulceração. Se durante o estado agudo a morte tem de ser a decisão, pela sua evolução sempre crescente ; os tenesmos rectaes e vesicaes se exasperão, as dejecções tornão-se freqüentes e sangüíneas, outras vezes revestem-se do aspecto da lavagem de carne e com falsas membranas, muito fétidas, apparecem os vômitos esverdinhados, os traços physionomicos se de- compõem, os lábios se ennegrecem, os olhos encovão-se nas orbitas, a apathia augmenta, a língua torna-se atilada e rubra, o pulso pequeno e fiiiforme, sobrevem suores profusos e viscosos, syncopas, delírio e erafim o soluço com as eólicas que ou cessão inteiramente ou manifes- tão-se com paroxismos, e sob a influencia de todos estes symptomas desesperadores o doente succomhe. Descriptos pois e de modo perfunetorio as principaes manifestações symptomaticas da dysenteria aguda e chronica, passaremos agora, e ainda concisamente ao dos phenomenos semeioticos e característicos das diversas outras fôrmas d'esta entidade pathologica, excluindo en- tretanto os da simples ou catharral por mais ou menos se parecerem com os anteriormente estudados. — 29 — Fôrma inflammatoria, Esta só se diferencia das outras; pois é accompanhada senão sempre ao menos na grande maioria das vezes, do mesmo cortejo de sympto- mas, por apresentar signaes de verdadeira phlegmasia visceral; assim é que as dejecções não sendo tão copiosas, ou são entretanto muito sangui- nolentas, ou mucoso-sanguinolentas, de aspecto da lavagem de carne, ventre sensível a pressão, língua secca e rubra, anorexia, pulso fre- qüente e cheio, pelle secca, temperatura elevada, 38° e décimos; podendo-se converter com facilidade nas fôrmas grangrenosa, typhoide, hemorrhagica, ou ainda se complicar de numerosos abcessos phlegmo- nosos e graves, se estas manifestações semeioticas se acentuarem cada vez á mais em lugar de declinarem para uma terminação favorável. Recebeu ainda a denominação de dysenteria inflammatoria benigna, ou maligna segundo o tempo que medeia para que uma reparação favorá- vel e prompta se dê, ou para que um accidente grave se produza. O descahimento de todos estes symptomas indica decisivamente que a cura não se fará tardar, mesmo porque esta variedade é de pouca du- ração, de ordinário, attendendo-se a rapidez de sua evolução. Se porém a passagem para alguma outra fôrma é para que ella tende, os seus symptomas adquirem maior intensidade ; assim a temperatura e a febre ou persistem no mesmo nível, ou augmentão, as dejecções tornão-se sanguinolentas, gangrenosas, excessivamente fétidas, a ataxia apparece e com ella o delírio, o soluço, e a morte. — 30 — Forma Mliosa, E' a variedadade que mais vezes se observa nas regiões inter-tropi- caes, tendo sido estudada por Stoll e Cornuel que com claresa e acerto a descreverão. Como as precendentes oferece os mesmos symptomas, sendo pre- cedida de ictericia ou phenomenos ictericos em algumas occasiões; distinguindo-se pelos, vômitos que são sempre biliosos, pelas dejecções amarelladas ou esverdinhadas, viscosas, striadas de sangue algumas vezes; e não apresentando nos casos benignos reacção febril, e só quan- do tende á complicar-se ou á transformar-se n'uma outra forma mais grave, como seja a inflammatoria, a typhoide, etc. Fôrma tynlioide, Esta se caracterisa pela manifestação ou pela insistência de certos accidentes ataxico-adynamicos que previnem ao medico da transição de uma das fôrmas graves da moléstia, geralmente da biliosa, para uma outra mais grave ainda pelas conseqüências quasi sempre funestas que accarreta. Não devemos cousideral-a como o resultado de uma febre typhoide reinando de concommitiancia com a dysenteria no mesmo indivíduo e mascarando-a em virtude de sua maior gravidade, como admittem alguns práticos; e sim como o efeito da intoxicação lenta, septica ou pútrida, pela aggravação da moléstia precedente; observando-se o mes- mo exactamente com o que se passa nas febres perniciosas, que não raras vezes se complicão do elemento dysenterico, constituindo, deste — 31 — modo, uma nova variedade de perniciosidade palustre, conhecida pelos autores sob a denominação de febre perniciosa dysenterica, e tão grave como a antecedente. As manifestações symptomaticas de caracter typhico ou apparecem rapidamente ou o inverso se nota, isto é, apres- sentão-se gradualmente; em todo caso se traduzem pela insomnia, delí- rio, calefrios intensos, convulsões, syncopas, cephalalgia, lingua fuligi- nosa e sêcca, meteorismo, dejecções raras, mas copiosas, algumas vezes involuntárias, líquidas e anegradas, apathia geral, cyanose das extre- midades com resfriamento, nos períodos adiantados e de máo presagio, pulso freqüente, irregular e filiforme e a morte emfim como a termi- nação a mais certa. Pelo exame necropsico se firma mais o diagnostico da existência desta variedade, pela extensão das alterações anatomo- pathologicas no intestino delgado, sobretudo na válvula ileo-csecal, em süa visinhança, e nas placas de Peyer, coincidindo com a hypertrophia e degenerescencias enormes do baço, etc. Forma gangrenosa Da mesma maneira que as outras, esta apresenta igualmente ca- racteres de summa gravidade, quer succeda a inflammatoria, typhoide, e hemorrhagica, ou manifeste-se em seguida ao período agudo ou super agudo, como dá-se em algumas occasiões. Comtudo, uma vez consti- tuída revela-se ao clinico por signaes de fácil diagnostico ; assim as eólicas que nas variedades precedentes são mais ou menos intensas, aqui diminuem ou mesmo cessão completamente, persistindo porém os tenesmos anal e vesical, tendo aquelle entretanto exacerbações maiores nos momentos da expulsão de partes sphaceladas dos intestinos, as dejecções são abundantíssimas, serosas e da cor da lavagem de carne, e tendo em suspensão destroços de falsas membranas, outras vezes são esverdinhadas ou purulentas contendo fragmentos de intestinos gan- — 32 — grenados, e exhalando um máo cheiro e nauseoso, o ventre é insensível á pressão, a pelle fria e coberta de suores viscosos, o pulso pequeno, filiforme e despresivel, os soluços apparecem com insistência, assim como os vômitos que ao principio são biliosos e mais tarde compostos de matérias gangrenosas e excessivamente fétidas, o facies prompta- mente se altera e torna-se hypocratico, a emaciação é extrema, os sphinteres se relachão, e a morte é a conseqüência de toda esta serie de phenomenos graves, sem que no em tanto o paciente perca um só instante a consciência do estado de miséria á que se acha reduzido, acreditando até muitas vezes, pela abolição das dores abdominaes, que o seu restabelecimento não se fará muito tardar, e então como bem diz Dutrouleau em- sua excellente obra : « Le malheureux patient imraobile, étendu sur son dos et grima- çant un sourire, croit à Ia fin de sa maladie et à une guerison pro- chaine. » Mas nem sempre a morte é o resultado constante de todos estes sofrimentos, e o infeliz doente, pôde nos períodos simples e não muito adiantados, recuperar a sua primitiva saúde, a qual é annunciada pelo desapparecimento gradual de todos estes symptomas. Entretanto digamos, terminando, que estes casos são infelizmente bem raros; sendo considerados uma victoria para a sciencia aquelles que são seguidos de cura. Forma bemorrliapa, A variedade hemorrhagica é sem duvida aquella das mais raras, sendo entretanto bastante grave quando accomette á um individuo, pelas perdas continuas de sangue que produz. Excluindo os symptomas próprios de cada uma, e as dejecções que aqui são puramente sanguinolentas e muito copiosas, ella se caracterisa — 33 — pelos signaes próprios de toda hemorrhagia ou entero-hemorrhagia; os doentes sofrem de hypothimias freqüentes, de syncopas, a pelle ou o tegumento externo cobre-se de suores frios, e as extremidades se cyanosão e resfrião-se, o pulso abate-se logo e torna-se dicrotico, a face se impal- lidece, a magrém faz progressos incessantes e rápidos e emfim a morte sobre\ em em poucos instantes se meios therapeuticos enérgicos não venhão sustal-a desde o seu começo. Fôrma atüermíca, alpla ou cloleroile, Quer succeda a dysenteria typhoide, ou que appareça accidental- mente durante a evolução de ura accesso agudo, ou que seja prothopa- thica, iniciando-se por um ataque choleriforme mais ou menos intenso, como quer Béranger; ella se phenomenisa, em todo caso, por signaes especiaes que a fizerão separar, com justa rasão pelos pathologistas, em uma variedade á parte. As suas manifestações symptomaticas, as mais características são : — pelle resfriada, pulso filiforme, miserável, dejecções copiosas e abundantes, serosas ou biliosas, mas nunca riziformes (caracter dife- rencial e muito importante do verdadeiro ataque de cholera), dores abdominaes nullas, assim como os tenesmos, o emmagrecimento chega aos últimos limites e faz-se de modo rápido, os olhos se encovão nas orbitas, e estas se cyanosão em seu contorno, as urinas se supprimem ou phenomenos anuricos apparecem e o doente expira, mas com a sua intelligencia perfeita ; nos casos porém em que a cura tem de ser a sua terminação, a diminuição gradativa de todos estes sympto- mas vão-se dando, e o doente pouco á pouce vae recuperando a sua saúde, entrando na convalescença que é longa e frágil ou sujeita ás recahidas. A 6 — 34 — Fôrma rlieumatoile, Admittem ainda os pathologistas mais esta forma, baseando-se nas manifestações rheumaticas que apparecem no curso de uma dysenteria; se bem que alguns queirão ver ahi apenas uma simples complicação; e não uma variedade bem constituída; todavia aquelles que a aceitão, sustentão-n'a pelo apparecimento de dores musculares arthralgicas, agudas ou não, verdadeiras arthropathias dysentericas e fugitivas, não determinando apreciável tumefacção nas articulações atacadas, e que em virtude mesmo de não transtornarem a marcha da moléstia pro- thopathica, e nem a sua physionomia symptomatica, cessando com o desapparecimento da dysenteria, impõe necessariamente a sua admissão. Os que negão e querem que seja o rheumatismo que venha insidiosa ou bruscamente complical-a em sua evolução, firmão as suas opiniões, allegando terem observado, não dores rheumaticas fugazes ou passa- geiras, e sim verdadeiras phlegmasias articulares que percorrem todos os seus períodos, e produzindo de mais lesões secundarias, pela conti- nuação, no coração e órgãos thoracicos, e permanecendo estas lesões articulares, embora mesmo que os symptomas dysentericos caracte- rísticos tenhão de todo cessado. Nós, n'esta duvida e incertesa de opiniões entre tantos especialistas, seguimos naturalmente aquella que mais adeptos tem conseguido alis- tar em suas fileiras e que mais brilhantemente a têm defendido, aceitando pois a dysenteria rheumatoide como fôrma distincta; e sôfregos de recentes luzes que a venhão de todo elucidar. Terminando, diremos, que nem sempre teremos occasião de vermos n'um mesmo dysenterico ou n'uma epidemia, caracterisadas todas estas fôrmas e de modo tão claro, sendo antes, pelo contrario, muito mais commum observarmos, em um doente, ou durante uma quadra — 35 — epidêmica, a successão de todas estas formas, com suas complicações; em conseqüência seja de descuidos médicos ou dos próprios enfermos ou dos enfeimeiros encarregados de pensal-as. DIAGNOSTICO. A dysenteria apesar de ser uma das entidades nosologicas, que menos duvida pôde suscitar ao espirito do practico, pelos signaes mais ou menos pathognomonicos que apresenta em sua evolução; comtudo em certas occasiões tem podido ser confundida com outras nas suas primeiras manifestações e estas são : — as hemorrhoides, colites, can- cros do recto e dos intestinos, polypos, a enterorrhagia, etc; e dcs envenenamentos os que mais similhança oferecem em seos symptomas com a dysenteria, primão as intoxicações pelos compostos de cobre. Com as hemorrhoides todas as suspeitas deixão de ter fundamento desde que se não reconheça nas evacuações o caracter das matérias alvinas, próprio dos fluxos de ventre; a ausência das eólicas e dos tenesmos; e de mais pelos signaes anamnesticos do doente se firma positivamente o verdadeiro dignostico. Entre a colite simples e a dy- senteria a confusão deixa de ser grande desde que attendermos para sua benignidade extrema, e o seo fácil desapparecimento sob a mais insignificante therapeutica; ao passo que a colite grave ulcerosa, a verdadeira dysenteria resiste muitas vezes á medicação a mais racional e enérgica, é de longa duração, e após a sua desapparição, deiia o individuo nas mais deploráveis condições de vitalidade, entregue a uma convalescença prolongada e muito frágil. O cancro do recto e o dos intestinos, deixa transparecer a verdade do diagnostico, não só, pela cachexia cancerosa de que é accompanhado, imprimindo no facies do doente um cunho todo especial e característico da diathese cancerosa; como além disto pelas dores abdominaes limitadas em um só ponto e — 36 — reveladas ou despertadas pela apalpação, e sobre tudo pelos comme- morativos que faráõ levantar todas as duvidas. Os polypos são facilmen- te diagnosticados, já pelas dejecções que sempre são fecaloides, já por proeminarem muito durante o acto da defecação, pelos esforços feitos; e finalmente pelo toque rectal. A enterorrhagia se distinguira pela rapidez das dejecções, abundância e freqüência, e serem de mais com- postas de sangue negro, seguidas desde o começo de anciedade antes do que de eólicas, de pallidez, vertigens, syncopes, pequenez do pulso, etc, desapparecendo facilmente, nas terminações favoráveis, pelas injecções frias, ácidas ou adstringentes. A intoxicação pelos compostos de cobre, cujos principaes symptomas, poderião induzir á um erro de diagnostico, será com facilidade distinguido nesta moléstia, não só pela constância das náuseas e dos vômitos e o sabor de cobre pronunciado, como pela generalisação das dores abdominaes que se estendem em toda a região gastro-intestinal, localisando-se entretanto mais na região epigastrica. pelo ptyalismo abundante e catarrhal seguido de cons- tricção oesophagiana, os commemorativos, e emfim a analyse dos ali- mentos, vômitos, dos vasilhames e até o das matérias fêcaes, nos casos suspeitos, revelará a presença do cobre; estabelecendo assim um diag- nostico definitivo. PROGNOSTICO. As dysenterias sporadicas são sempre muito benignas, as epidêmi- cas e as endêmicas têm o seu prognostico muito reservado para que o clinico á priori julgue da sua terminação. Assim, não é raro de se observar dysenterias de extrema benignidade no seu começo, e que mais tarde tornão-se muito graves; outras vezes, ao contrario, em conseqüência da grande quantidade de sangue expellido, de fragmentos de falsas membranas, de sphacelos mesmo de pequenas partes do intes- — 37 —. tino presagiando deste modo uma terminação fatal; a cura é não obstante o desfecho de todos estes symptomas desagradáveis. Todavia, na grande maioria dos casos, signaes ha, que mais ou menos põem de sobre-aviso o medico sobre o modo porque a moléstia tem de terminar, se pela cura ou pela morte, ou por alguma de suas fôrmas especiaes. Assim a existência constante de biles nas evacuações será um prenuncio da fôrma biliosa, senão a passagem para a typhoide, a qual também é annunciada pelo excesso de matérias serosas nas dejecções, constituindo a permanência destas, uma tendência para a chronicidade. A existência, igualmente nas dejecções, de fragmentos gangrenosos, cylindricos e anegrados é um signal prognostico grave, assim como as dejecções involuntárias, o soluço, o tenesmo vesical, as dores dos cordões e das glândulas testiculares, os vômitos, etc Na dysenteria chronica tornão-se de máo agouro a freqüência das dejecções, a aridez da pelle, a ascite, o edema das extremidades inferiores, o soluço, o enfraqueci- mento geral com emaciação rápida, etc D'entre os signaes prognósticos que decidem o medico a julgar de uma terminação favorável, sobresaem os seguintes : desapparecimento das eólicas e diminuição na freqüência das evacuações, a volta do appetite e a da perspiração cutânea, o desapparecimento do soluço, dos vômitos, e emfim a fecalisação das matérias alvinas. Marcha, duração, terminação e complicações. A dysenteria é continua em sua marcha, mas muito irregular e variável, sujeita a paroxísmos e recahidas, mas sem que comtudo apresente remissões ou intermissões em seus symptomas; máo grado a opinião de Cornuel1 que declara ter presenciado uma intermittencia 1 Mem. de VAcd. de med. t. 8o an. 1840. — 38 — pronunciada durante a evolução .da moléstia. No emtanto ella tende como todas as outras espécies nosologicas, para uma terminação qual- quer, seguindo uma marcha quasi que ineterrompida, se uma compli- cação não lhe venha embaraçar apressando-a para uma sahida funesta ou então para a chronicidade. A sua duração é muito inconstante e difficil de se precisar de uma maneira positiva, não obstante se fôr benigna ou de média gravidade, presagiando assim uma cura próxima, dura apenas de sete a quinze dias, nos casos porém graves, pôde attingir ao terceiro septenario e mais, conforme a intensidade da causa efficiente e a das lesões produzidas, e emfim quando passa ao período chronico não se pode de modo nenhum fixar os seus limites, pela extre- ma facilidade que apresenta ás recahidas. Se fôr aguda e tende a ter- minar-se pela cura, todos os seus symptomas declinão rapidamente ; se propendepara a chronicidade elles continuão sem entretanto se aggra- varem, assim como as manifestações pathologicas locaes que ficão entre- tidas por mais ou menos tempo, em conseqüência da persistência das causas determinantes, se para a terminação fatal os seus symptomas se aggravão, as dejecções apparecem com mais insistência, o pulso torna- se pequeno e filiforme, as extremidades se resfrião, sobrevem o soluço e a morte fechando toda esta scena luctuosa. Como já fizemos ver, ella pôde em variadissimas circumstancias ser interrompida por complicações as quaes tornão mais sérias as condi- ções do doente; entre tantas outras citaremos apenas as congestões hepaticas, as hepatites simples ou terminando-se pelos abcessos únicos ou múltiplos, as hemorrhagias intestinaes devida á extenção das ulce- rações attingindo um vaso mesenterico, as occluções intestinaes, as peritonites por propagação do processo phlegmasico, e as consecutivas ás perfurações intestinaes com o derramen intra-peritoneal, limitadas ou generalisadas, a paralysia dos sphinteres anal, as typhlites, perity- phlites, sobresahindo porém o impaludismo, não só pela gravidade de que pôde se revestir algumas vezes, conforme a constituição medica dominante, tomando já o caracter pernicioso, já o typhico, e assim difficultando sobremodo a marcha da moléstia idiopathica, e plantando — 39 — a duvida no espirito do clinico inexperto quanto ao verdadeiro diagnostico, á saber se a perniciosidade, o impaludismo, etc, seráõ accidentes, ou se pelo contrario a dysenteria é quem complica a febre perniciosa, typhica, etc, e fazendo variar muito demais a therapeutica nestas duas modalidades pathologicas com compromettimento para a vida do doente. Observação de um caso de dysenteria complicada de febre INTERMITTENTE SIMPLES E TERMINADA PELA CURA. — Manoel CampOS, natural de Oréns (Hespanha), com 33 annos, de côr branca, solteiro, cozinheiro, de constituição regular, temperamento lymphatico; entrou para a 4a enfermaria do Hospital da Misericórdia no dia 25 de Maio de 1883, indo occupar o leito n. 6. Anamnese.—O doente refere que, resfriando-se no dia 9 do cor- rente, começou a sentir cephalalgia, indisposição ao trabalho, tontei- ras, inappetencia, dores abdominaes, as quaes forão logo seguidas de dejecções aquosas e depois sanguinolentas, tenesmos, etc. N'essas con- dições resolveu recolher-se ao hospital. Accusa a antecedência de rheumatismo. Estado actual.—Pela exposição do doente, procurou-se examinar em primeiro logar o apparelho digestivo, que apresentava o seguinte : lingua saburrosa, anorexia e sede intensa ; ha eólicas intestinaes que principalmente se denuncião na direcção dos colons, e que se incremen- tão pela apalpação e percussão. O doente, muitas vezes por dia, tem necessidade de defecar; as dejecções são estriadas de sangue, aquosas e acompanhadas de fortes tenesmos, o baço está augmentado de volume. Não ha meteorismo. A pelle é sêcca e quente. O pulso está um pouco accelerado. A temperatura está a 38°,2. Cephalalgia. Nada mais de anormal se observa. Prescripção: Infusão de ipeca.................. 120 grams. Laudano de Sydenhan............. 1 gramo. Xe. de flores de larangeiras......... 30 grams. Para usar 1 colher de 2 em 2 horas. — 40 — Dia 26.—O doente sente-se um pouco melhorado. As evacuações diminuirão de numero. As eólicas são menos intensas. A temperatura da manhã : 37°,2. De tarde : 38°,0. Prescripção: Magnesia de Murray............... 1 vidro. Tinctura de nóz vomica............. 12 gottas. Elixir paregorico................. 6 grams. Tinctura de camomilla.............. 4 grams. Para usar 1 calix de 2 em 2 horas ; e mais : Sulfato de quinino................. 0*™»,50. Dia 27.—As melhoras progridem. As evacuações continuão estria- de sangue, porém menos numerosas. A temperatura da manhã é de 37°,2. De tarde : 38°,0. Prescripção: Continua a magnesia de Murray com 8 grrammos de elixir paregorico, e ainda o sulfato de quinino. Dia 28.—Continuão as evacuações estriadas de sangue, e as eólicas. Temperatura da manhã : 38°,4. De tarde : 37°,8. Prescripção: Cozimento branco gommado......... 350 grams. Subnitrato de bismutho............. 6 grams. Laudano de Sydenhan.............. 10 gottas. Xe. de ratanhia ................. 30 grams. Tome 1 calix de hora em hora ; e mais : Chlorhydrato de pereirina........... 1 gram. Para 3 papeis. Dia 29.—As eólicas continuão intensas, e assim os tenesmos. As evacuações são numerosas e estriadas de sangue, aquosas. Temperatura da manhã: 36°,8. De tarde: 38°,0. Prescripção : Infusão de ipeca................... 150 grams. Laudano de Sydenhan.............. 24 gottas. Xe. de flores de larangeiras........ 30 grams. Tome 1 colher de 2 em 2 horas; e mais : Chlorhydrato de pereirina........... 1 gram. Em 3 papeis. — 41 — Dia 30.—O doente continua no mesmo, porém um pouco melho- rado. A febre declinou muito. A temperatura da manhã : 37°,0. De tarde 37",2. A mesma prescripção therapeutica. Dia 31.—Ha algumas melhoras. Temperatura da manhã : 36°,8. De tarde : 37°,2. Continua a mesma poção do dia 29 e a pereirina. 1 de Junho.—As melhoras são mais francas. Temperatura da ma- nhã : 36°,9. De tarde : 36°,6. Prescripção : o mesmo tratamento. 2 de Junho.—Continuão as melhoras. Ainda ha algumas eólicas, as dejecções são simplesmente aquosas, menos freqüentes, poucos tenes- mos. Temperatura da manhã : 36°,4. De tarde : 36°,8. A' noite teve náuseas. Continua a mesma poção. Dia 3 de Junho.—Passa muito melhor. Temperatura da manhã : 36°,6. De tarde: 36°,6. A mesma medicação. Dia 4 de Junho.—As melhoras progridem. A temperatura está na normal. Prescripção : Vinho quinado. Dia 5.—Sente-se bastante melhorado. As eólicas têm cessado e as dejecções são fecaloides. Tem vontade de se alimentar. Prescripção : Continua com o vinho quinado. Dia 6.—Nada mais aceusa, pelo que pedio e obteve alta; comple- tamente curado. Reflexões : — Pelo exposto anamnestico e semeiotico da observação supra, concluímos que na realidade o doente sofria do uma dysenteria simples e benigna, e não de diarrhéa como se poderia induzir á crer, em conseqüência de apresentar-se acompanhada de todo o cortejo symptomatico próprio daquella entidade pathologica; e demais estar complicada do elemento palustre sob a sua forma a mais simples, a intermittente, e bem especificada, em virtude não só das alternativas constantes de calorificação, tumefacção do baço, etc, que elle apre- sentava, e cedendo ás applicações dá quinina e pereirina ; como ainda A 7 — 42 — não ser commum ás dysenterias benignas ou catarrhaes virem acom- panhadas de phenomenos pyreticos. Escusado é entrarmos no estudo do diagnostico diferencial das diversas outras modalidades clinicas, que mais ou menos se podem confundir em suas primeiras manifestações mórbidas com os fluxos de ventre, porque já resumidamente o fizemos quando nos occupámos do diagnostico desta affecção. TRATAMENTO Dividiremos este importante assumpto em duas secções muito dis- tinctas, occupando-se a primeira dos medicamentos propriamente ditos, e a segunda dos meios hygienicos e prophylaticos capazes de prevenil-a de seus ataques. D'entre os primeiros sobresahem os antiphlogisticos, e destes as emissões sangüíneas geraes ou locaes, como os mais recommendados desde muito pelas celebridades passadas, os evacuantes, adstringentes, narcóticos, emolientes e revulsivos cutâneos. As emissões sangüíneas usadas tantas vezes pelos antigos no intuito de eliminarem o principio tóxico retido na massa do sangue está hoje inteiramente proscripta pelos médicos modernos que a encarão como medicação prejudicial nesta entidade mórbida, senão sempre, ao menos em certas condições determinadas pela sua acção expoliativa sobre o organismo, a qual rebaixa as suas forças de resistência, que mais do que nunca elle pre- cisa para resistir ás eventualidades que de momento possão surgir, já durante a evolução da moléstia, já no período da convalescença. Entre- tanto alguns práticos não a aceitando para todos os casos, ou de um modo absoluto, como entendiam Stoll e Sydenhan ; achão-n'a rasoavel- mente applicavel nos individuos fortes e plethoricos, que forem accom- mettidos de dysenteria, de fôrma inflammatoria, e assim deve ser, principalmente as emissões sangüíneas locaes, quando as eólicas e os — 43 — tenesmos forem intensissimos, ou que houverem complicações de peri- tonite, hepatite, etc, tendo então todo o cabimento as sanguesugas no contorno do ânus, as ventosas sêccas sobre o trajecto do colon, e as escarificadas sobre a região abdominal nos casos de peritonite, e as san- guesugas na região hepatica todas as vezes que a víscera esteja passando por um processo phlegmasico ; seguindo a estas applicações um semi- cupio que vem assim ajuntar sua acção sedativa á depletiva da sangria. Evacuantes.—E' sem duvida alguma a ipecacuanha o agente the- rapeutico de que mais vantagens se tem auferido no tratamento da dysenteria, quando se recorre á medicação vomitiva, por não produzir inconveniente algum para o lado do tubo digestivo, ao contrario do que succede com os antimoneaes aqui representados pelo tartaro erae- tico que além de aggravar as eólicas e irritar a mucosa gastro-intesti- nal, muito susceptível nesta moléstia, exerce de mais uma acção depri- mente muito maior. Na dysenteria porém usámos de ipecacuanha para outro fim therapeutico, e para que ella corresponda ás nossas expectativas, deveremos administral-a em seguida á algumas gottas de laudanum ou de chloroformio, afim de obtermos a sua completa tole- rância e não ser regeitada pelos vômitos. Então prescreveremos com vantagem ou pelo methodo Brazileiro, que é o preferível, quanto a nós, ou o de Delioux representado pela sua formula seguinte: Pó de ipeca...................... 4 grams. Água............................ 300 grams. Ferva durante 5 minutos, filtre e ajunte ao liquido: Xarope de ópio................... 30 grams. Hydrolato de canella............. 30 grams- Para usar ás colheres, de hora em hora, suspendendo-se se sobre- vierem náuseas ou vômitos. Quanto á maneira de actuar da ipecacuanha sobre a dysenteria, divergem extraordinariamente as opiniões ; assim uns querem que ella actúe antes como alterante que como evacuante ou segundo Saint-Vel destruindo o veneno dysenterico como fazem os saes de quinino nas — 44 — febres palustres, sem provocar vômitos; outros entendem que ella se porta sobre o organismo como substancia vomitiva, e moderadora da circulação gastro-intestinal; ou conforme Trousseau como medicação substituitiva. Para nós a ipecacuanha tem diversos fins nos fluxos de ventre, já descongestionando os vasos intestinaes, e trazendo a sua ischemia por influencia dos nervos vaso-motores dos intestinos, dependentes do grande sympathico; depois de ter produzido uma super-secreção de fluidos entericos; já restabelecendo ou activando os movimentos peristalticos dos intestinos que aqui são mais ou menos inertes pela paresia de suas fibras musculosas, e finalmente modificando todas as secrecções. Dos outros evacuantes que o clinico em algumas circumstancias lança mão, e com não menos utilidade, são os purgativos, e destes aquelles que acção menos irritante possão produzir no tubo gastro- intestinal. Stoll e Zimmerman e demais practicos de seu tempo ini- ciavão o tratamento de qualquer dysenteria pelo emprego destes agen- tes therapeuticos sem excepção de algum; mais tarde porém reconhe- ceu-se os damnos que semelhante medicação causava quando era admi- nistrada intempestivamente; sem prévia escolha dos mais brandos e sem descriminação das fôrmas da moléstia. De modo que os purgativos, prejudiciaes em algumas variedades, e mesmo no começo ou nas pri- meiras manifestações de outras que se revestem desde logo de certa gravidade, são entretanto usados nos casos simples ou nas variedades biliosa, rheumatoide, etc. como tendo a propriedade que lhes são inhe- rentes de, promovendo os movimentos peristalticos dos intestinos, acce- lerar as matérias nelles contidas, e de determinar por exosmose hyper- secreções intestinaes, regularisando, muitos delles, de certo modo algumas funcções do fígado alteradas durante a marcha da moléstia. Todavia sou de parecer que devemos ser assaz cautelosos no manejo destas substancias medicamentosas, e mesmo nos casos em que são reclamadas como profícuas, deveremos em primeiro logar recorrer á ipecacuanha como expediente indeclinável em todas as suas variedades ; — 45 — administrando-se então em seguida os purgativos e sempre de prefe- rencia os minorativos. Terminando esta parte não deixarei passar em silencio os calome- lanos e o rhuibarbo pela repugnância que alguns pathologistas tem de empregar nesta affecção de natureza toda especial. Com efeito, ponderando-se na maneira pela qual se tem empre- gado a primeira destas substancias, e na de sua acção também depri- mente sobre o organismo, sou levado, com elles, a proscrevel-o da therapeutica desta moléstia, ou só a elle recorrerei com a maior cir- cumspecção, e nos casos inteiramente julgados perdidos em que a moléstia progride acceleradamente para uma terminação fatal; então o clinico nada tendo a perder nestes incidentes, e pelo contrario animado sempre de alguma esperança que nunca lhe abandona mesmo nos mo- mentos os mais críticos de sua vida clinica ; vale-se deste expediente, como esperando algum beneficio que por ventura elle lhe possa trazer. Assim é que tanto pelo methodo das doses fraccionadas ou o de Law, ou pelo de Amiel que consiste em dar um grammo de uma só vez, os resultados nem sempre correspondem á expectativas favoráveis, porque de ambos os modos tem-se visto apparecer o ptyalismo, constituindo, como sabemos, uma complicação, muitas vezes tão grave como a pró- pria moléstia que se queria debellar; e contribuindo á seu turno para o enfraquecimento do enfermo. Em conseqüência pois disto novos pro- cessos de applicação do calomelanos apparecerão, os quaes se resumem uns em dividir 20 ou 30 centigrammos de protochlorureto de mercúrio em papeis de 25 milligrammos e administral-os de hora em hora, como modificação do methodo de Law; ou era associal-o ao ópio e á outras substancias no intuito de prevenir-se ou attenuar-se estes acci- dentes e outros que possão sobrevir ou aggravar-se, como as eólicas, etc.; que se fundem mais ou menos no de Segond que reunio-o ao ópio e á ipecacuanha era formula pilular. A maneira pela qual actúa o calomelanos já resumidamente dis- semos, á propósito dos purgativos em geral; acrescentando tão somente que segundo refere Mialhe, elle tende a transformar-se á custa dos — 46 — chloruretos e das meterias albuminoides do tubo gastro intestinal, em bichlorureto de mercúrio; vindo esta sua observação dar mais força á nossa humilde opinião em não empregar este medicamento n'uma moléstia cujos órgãos lesados são exactamente aquelles que terão de sofrer a acção corrosiva e irritante do calomelanos transformado; estando fora de duvida que os dysentericos a quem se faz ingerir as pílulas de Segond sentem augmentar-se as suas eólicas, e demais os adeptos desta medicação só a ella recorrião quando todos os outros meios therapeuticos empregados tinhão falhado em suas mãos, soecor- rendo-se então do celebre aphorismo de Hypocrates : ab extremos mor- bos, extrema remedia, exquesité optima, e assim conseguião, é ver- dade, algumas vezes alcançar victorias de seu emprego nas dysente- rias rebeldes seguidas de dejecções muco-sanguinolentas copiosas, pela mudança rápida que opera nas matérias' intestinaes. Quanto ao rhui- barbo que igualmente augmenta as eólicas, só a elle recorreremos quando os outros evacuantes nos tiverem falhado. Os adstringentes do mesmo modo usados desde os tempos Hypocra- ticos dão bons resultados quando são administrados nos fluxos de ven- tre de dejecções rebeldes, e nunca no começo dellas pelas conseqüências que sempre acarretão; preferindo-se os adstringentes de origem vegetal, por não produzirem eólicas. Estão neste caso os decoctos de tannino, de folhas de goiabeira, de guaraná, cacto, ratanhia, aconselhando os practicos que se faça a sua administração externamente pelos clysteres, por mais promptamente actuarem sobre os pontos do intestino lesado. O ópio pela sua dupla acção calmante e constipante ao mesmo tempo foi preconisado como útil no tratamento da dysenteria, mas entendo que em virtude deste seu modo ultimo de actuar, n'uma mo- léstia em que não ha necessidade alguma de fazer cessar bruscamente as dejecções, desde o seu começo, pela virulência que ellas conservão, acarretando a sua suppressão intempestiva, conseqüências desagradáveis para o medico e sempre fataes para o doente ; acho-a todavia applicavel no período de declinação da moléstia, e quando apezar de termos em- — 47 — pregado todos os meios, a fluxão intestinal persiste com intensidade, concorrendo assim para debilitar mais um organismo já excessivamente compromettido em sua integridade physiologica; ou então como um estimulo á tolerância de outros medicamentos, que pela acção tópica irritante ou vomitiva não se conservaria no estômago sem serem loco regeitadas ou intoleiradas, oppondo-se deste modo á que se tire bene- fícios de sua absorpção prompta e fácil. Se é para apasiguar as dores abdominaes ou as eólicas que os defensores dos opiaceos os tem utili- s-ado n'esta moléstia, procedem erradamente preterindo-os ás solaneas, com especialidade a belladona, cujos efeitos se lhe não levão vantagens, ao menos não produzem a constipação, tão habitual no ópio e seus alcalóides. Cora efeito tem-se provado, que a belladona tanto em suas appli- cações internas, como nas externas, acalma as eólicas, os tenesmos, sem entretanto impedir a propulsão das matérias intestinaes, antes pelo contrario facilita-as pela acção que o seo principio activo, atropina, exerce sobre as fibras lisas do intestino, fazendo-as contrahir, e de mais ella reúne o seu poder analgésico ao cicatrisante. Os calmantes externos, emollientes e os reyulsivos cutâneos, taes como os synapismos ou os vesicatorios volantes são de bôa applicação como lenitivo das dores abdominaes, ou das eólicas. Ainda se prescreve o sulfato de quinino pela via gástrica ou em injecção hypodermica quando ha complicação do elemento palustre; os clysteres de albumina, de tinctura de iodo addicionado de iodureto de potássio, (10 grammos de tinctura de iodo, para 200 grammos d'agua, e 2 grammos de iodu- reto de potássio,) de nitrato de prata, de ácido phenico, de amido, de ipecacuanha, etc, são vantajosos ; os tônicos, os estimulantes, a canella, a genciana, a quassia, etc, os ferruginosos sobretudo o sub-carbonato de ferro na dose de 1 á 2 grammos na dysenteria chronica ; o leite sim- ples ou misturado com água de cal ou melhor ainda o soro do leite n'esta ultima fôrma da moléstia, os balsamicos, absorventes com pre- dilecção do sub-nitrato de bismutho, por não só actuar topicamente sobre as ulcerações intestinaes cicratizando-as, devido isto a sua insolu- — 48 — bilidade extrema, como demais por combinar-se com o gaz sulphydrico existente em grande quantidade nos intestinos, formando o sulphydrato de bismutho, com desprendimento de ácido azotico segundo o professor Trousseau; e reconhecível pelas dejecções anegradas. Concluindo o tratamento das dysenterias em geral, passemos agora a nos occupar dos agentes therapeuticos applicaveis em algumas de suas fôrmas. DYSENTERIA SIMPLES Oü CATARRHAL. Quer-se inicie o seu tratamento pela ipeoa ou pelos purgativos minorativos, ella é de pouca duração e intensidade, desapparecendo logo em seguida á estes meios; se porém tende a prolongar-se, se poderá insistir n'esta mesma medicação, coadjuvada pelos clysteres amylaceos ou albuminosos, o cosimento branco gommado de Sydenhan, os semi- cupios com o decocto de belladona, os absorventes, em particular do sub-nitrato de bismutho ; os pós de Dower ; cedendo facilmente com este tratamento, em razão mesmo de sua extrema benignidade. Fôrma Inflammatoria. Uma vez declarada e perfeitamente diagnosticada recorreremos com vantagens as emissões sangüíneas locaes, sanguesugas no contorno do ânus, ou as ventozas escarificadas na região abdominal e na direcção do arco do colon, para combatermos de um lado, as eólicas e os tenesmos, e o estimulo inflammatorio do outro; preferindo os semicupios e os sinapismos com as embrocações emollientes sobre o abdomem nos in- dividuos debilitados e fracos, acompanhando toda esta medicação ex- — 49 — terna da administração da ipeca. sob qualquer dos methodos empre- gados, continuando-a por muitos dias, esperando do seu resultado, a qual não sofrerá alteração alguma se a doença declinar; no caso con- traiio porém, e sem perda de tempo, administraremos os purgativos, principalmente o óleo de ricino. o manná, sulfato de soda, os clysteres amidonados, de ipeca, em infusão concentrada, voltando aos synapismos, ás cataplasmas de belladona e ás embrocações emollientes sobre o abdômen, as injecções rectaes de tinctura de iodo, de nitrato de prata, o uso interno do sub-nitrato de bismutho só ou associado aos pós de Dower, e finalmente, se as dejecções sangüíneas abundantes persistirem, usaremos, como ultimo recurso, dos calomelanos, ou pelo methodo de Amiel, ou ainda associado ao extracto de belladona, nas doses de 2 centigrammos, e ao pó de ipeca. em formula pilular, o gelo, etc.; convencidos de alcançarmos algumas melhoras do paciente sob esta medicação ultima e rigorosa. Fôrma Mliosa, A conducta do medico n'este caso, é de prescrever a ipeca. em dose vomitiva, só ou conjunctamente com o tartaro emetico nas doses de 30 grammos do primeiro para a de 5 centigrammos do segundo ; e água na de 150 grammos usado repetidas vezes; os purgativos sem- pre os minorativos, proscrevendo-se inteiramente o protochlorureto de mercúrio pela acção cholagôga enérgica que possúe sobre o appa- relho hepatico-biliar; se a diarrhéa continuar, ameaçando tornar-se chronica, ou a vida do doente; o uso dos adstringentes, absorventes, como o phosphato ou o carbonato de cal, o sub-nitrato de bismutho com os pós de Dower convém perfeitamente obtendo-se os efeitos de- sejados. A 8 — 50 — Fôrma typhoiíe, Esta reclama um tratamento todo diverso das demais pela diver- sidade de seos symptomas, também elles são prescriptos de accôrdo com os caracteres semeioticos que apresenta a moléstia cuja variedade agora nos occupámos. Assim pois, em lugar da ipecacuanha, dos purgativos, devemos escolher de preferencia os tônicos, como por exemplo, a quina em dose elevada, os alcoólicos, os adstringentes vegetaes como o tannino, o extracto ou a raiz da ratanhia, na dose de 1 grammo, o cato, etc, para conter as dejecções abundantes e tão communs n'esta variedade ; a tinctura de canella, na dose de 4 gram- mos em uma poção excitante, os vesicatorios volantes, etc, e quando os phenomenos ataxicos forem taes que por si só constituão a scena mórbida daremos os antispasmodicos, como a valeriana, o chloral, os preparados de camphora, e sobretudo a tinctura de almiscar na dose de 1 a 3 grammos em poção conveniente ; ou a seguinte poção extrahida do formulário da Santa Casa da Misericórdia: Rec. Hydrolato de alface .................... 180 grams. Almiscar............................. 4 decigrams. Camphora............................. 6 decigrams. Álcool................................ q. s. Tinctura de valeriana.................... 4 grams. Dieta de Castoreo ...................... 4 grams. Xarope de lactuario.................... 30 grams. Para usar 1 colher de sopa de hora em hora. Finalmente os clysteres phenicados ou de permanganato de potassa se as dejecções se apresentarem muito fétidas, receiando assim uma imminencia á gangrena, e vindo deste modo á decidir da moléstia que n'este caso, é na maioria das vezes de prognostico fatal. — 51 — Fôrma gangrenosa, Da mesma maneira que na precedente deveremos esperar, dos tônicos, antispasmodicos, e antisepticos, dos clysteres argenteos, dos de iodo cora iodureto de potássio, cora o fim de modificar o estado da mucosa necrosada, etc, os melhores resultados que infelizmente quasi sempre falhão diante da variedade da moléstia que então se nos apresenta. Fôrma algida ou cüoleriforme. Como o cholera, o seo tratamento deve todo consistir nas prepa- rações estimulantes enérgicas, tanto em applicações internas, como nas externas, tendo pois lugar as fricções sêccas sobre os membros, os sinapismos, a tinctura etherea de phosphoro na dose de 4 gottas em 30 grammos d'agoa assucarada e repetidamente de 10 em 10 minutos, o carbonato ou o acetato de ammoniaco em poção conveniente, os alcoóli- cos ou finalmente a seguinte poção de Trousseau:— Rec. Essência de hortelã pimenta.............. 1 gram. Álcool................................. 10 „ Xarope de gomma....................... 100 „ Hydrolato de canella..................... 50 „ Para usar as colheres de hora em hora; certos de sua inefficacia therapeutica, infelizmente, na maioria dos casos. — 52 — Fôrma iemorrlapa, Constituída que seja pela grande quantidade de sangue nas de- jecções ; os agentes stypticos de toda a natureza em poção ou clysteres, teráõ o seo lugar na therapeutica desta variedade de dysenteria; assim é que as de perchlorureto de ferro, solução normal, de ácido gallico, tannino, ergotina, a limonada sulphurica; os clysteres de acetato de chumbo, de cascas de jequitibá, de perchlorureto de ferro, em solução normal, de sulfato de alumina, de ipeca. laudenisados ou não, etc, sós ou auxiliados dos revulsivos cutâneos, como os sinapismos e as ventosas sêccas nos h}7pochondros e na parte interna das coxas, são excellentes meios curativos que correspondem muitas vezes ás esperanças do clinico. Fôrma rleumatoiie, A sua therapeutica repousa sobre a do rheumatismo, assim tem pois cabimento toda medicação que combatendo á uma, não prejudique a outra, aggravando o seo processo mórbido por uma acção tópica irritante sobre as partes doentes ou lesadas. O aconito e a belladona estáõ pois nos casos de preencher á estas duas indicações, e assim igualmente os purgativos brandos, representados pelos saes neutros que de mais impedem que se dê a suppressão do fluxo dysenterico, ou o restabelecem quando são supprimidos, por qualquer accidente. Os vesicatorios morphinados, os sinapismos in loco dolenti e emfim os revulsivos locaes em geral, e os calmantes produzem excellentes resul- tados, fazendo desapparecer as dores ou as fluxões articulares. — 53 — Dysenteria chronica N'esta fôrma usamos com proveito dos tônicos ferruginosos, o sub- nitrato de bismutho, os opiaceos, a ipecacuanha, os adstringentes, os clysteres argenteos, quando os intestinos ameação de se gangrenar, de perchlorureto de ferro, solução normal, e os de acetato de chumbo quando ha dejecções sanguinolentas copiosas, os banhos sulphurosos, as águas mineraes ferruginosas, ricas sobretudo de bicarbonato de cal ou de ferro, como sejão as de Condillac, des Provins, Schwalbach, etc, as de Vichy, especialmente nos convalescentes, e nos atacados de hepatites chronicas consecutivas, o leite simples ou como vehiculo dos purgaticos brandos; e nos gráos mais adiantados e graves, as afamadas pilulas de Segond. Tratamento de algumas das complicações mais ftepntes ia dysenteria, Já fizemos ver o quanto são graves estes epiphenomenos, que muitas vezes arrebatão os infelizes dysentericos já em suas convalescenças. Os mais freqüentemente observados, como dissemos, são: — as febres palustres, as congestões hepaticas e as hepatites consecutivas termi- nando quasi sempre pela formação de abcessos múltiplos com rea- bsorpção purulenta; as peritonites parciaes ou por propagação phleg- masica, e as generalisadas ou por perfuração intestinal. Quanto ao tratamento da primeira, impõe-se logo o sulfato de quinina em doses mais ou menos elevadas, conforme a intensidade do ataque e o caracter da pyrexia, sobretudo. Nas congestões hepaticas com hepatites secundarias administraremos os saes neutros ou os pur- — 54 — gativos dyaliticos e mecânicos de acção branda para os intestinos, e descongestionante para o fígado, como sejão o rhuibarbo, o sulfato ou o bi-sulfato de soda, o óleo de ricino, etc.; as ventosas escarificadas ou as sanguesugas no hypochondro direito, os vesicatorios volantes e as fricções mercuriaes na região hepatica, etc, que nem sempre impedem a formação de abcessos que no geral são promptamente mortaes. O tratamento destes é todo cirúrgico, e dos diferentes meios de se dar sahida ao pús como sejão ; as puncções pelo trocart ou pelos aspira- dores de Dieulafoy e de Potain, a pelo cauterio actual, a abertura pela potassa cáustica e o bisturi, sou de opinião que se prefira á este ultimo, com todas as exigências do methodo de Lister, e ainda assim que os focos purulentos sejão accessiveis á exploração, receioso sempre de alguma peritonite. Estas, quando não dependão de perfuração intes- tinal e extravasamento das matérias n'elles contidas para a cavidade peritoneal, e sim quando são limitadas ou simplesmente por propogação, applicaremos as sanguesugas ou as ventosas escarificadas sobre a região abdominal, e as fricções mercuriaes ou de óleo de croton, as cataplas- mas emollientes e laudanisadas, vesicatorios, etc, e internamente a ipecacuanha em doses elevadas, as preparações opiaceas, o gelo em applicações quer interna ou externamente sobre o abdômen, a poção de Kiviére nos casos de vômitos, etc. Emfím, terminando, as occlusões intestinaes, aqui dependentes da retracção cicatrial das ulcerações, toda indicação therapeutica tem falhado, menos a cirurgica que assim mesmo fica muito á desejar na maioria das vezes, ou a enterotomia practicada segundo o processo de Nelaton. Meios proDbylatícos e hygienicos, Os meios prophylaticos varião muito, e estão de accôrdo com a intensidade e o gênio endemo-epidemico da moléstia. Deste modo os — 55 — individuos convalescentes de um ataque grave de dysenteria, e que portanto se achão não só bastante anêmicos em conseqüência da longa duração da doença, como da dyscrasia e emaciação extrema a que fica- rão redusidos; deveráõ mais que qualquer outro se precaver das re- cahidas que n'esta afecção mórbida são freqüentes e de prognostico geralmente fatal; sobretudo reinando a dysenteria sob o gênio epidêmico. Assim deveráõ evitar os resfriamentos, ou a suppressão brusca da temperatura, a humidade, o abuso ou o uso exclusivo de alimentos succulentos de origem animal ou vegetal, as águas de má qualidade ou suspeitas como taes, os fructos verdes ou os mal sazonados, as bebidas alcoólicas, etc; seguindo deligentemente os mesmos preceitos hygienicos os que se acharem em condições idênticas ou os que habitarem localidades em que a dysenteria fôr endêmica. E' ainda doutrina corrente e rigorosa de hygiene que nos lugares onde esta entidade pathologica costuma manifestar-se, que se proceda com todo o cuidado a desinfecção das matérias excretadas, e a dos vasos desti- nados para contel-as; por qualquer dos desinfectantes conhecidos; preferindo, d'entre muitos, o sulfato de ferro, o chlorureto de manganez, os hypochloritos e o ácido phenico. A prohibição de se reunirem muitos individuos em lugares humidos e baixos e onde a penetração dos raios solares e a renovação constante do ar ali confinado se não facão satisfactoriamente; e emfím a retirada em tempo do paiz ou da localidade em que se contrahio a moléstia; como meio hygienico e prophylatico mais seguro para se evitar as recahidas tão fáceis durante o extenso período da convalescença. \ 711592 CADEIRA DE PHYSICA, llygometria. I Hygrometria é a parte da physica que estuda a quantidade de vapor d'agoa contida em um volume de ar determinado. II O ar athmospherico contém uma certa quantidade de humidade e muito variável, mas que comtudo não chega á saturação completa. III As substancias hygrometricas ou ávidas d'agoa, como o chlorureto de cálcio, acido sulfurico etc, provão que o ar athmospherico contém sempre humidade em todas as estações. IV Medem-se as quantidades de vapor d'agoa contidas na athmosphera, por meio de instrumentos especiaes denominados hygrometros, V Dos numerosos hygrometros imaginados tiverão a primasia, como mais vantajosos, os chimicos, de absorpção, de condensação e finalmente os psychrometros. VI Os hygrometros chimicos consistem em fazer passar um volume conhecido de ar athmospherico sobre uma substancia hygrometrica — 60 — qualquer; o excesso de peso achado entre o da substancia, que servio para a experiência, antes e depois do accesso do ar, indicará forçosa- mente o do vapor contido no ar á analysar. VII Os hygrometros de absorpção são fundados na propriedade que tem as substancias orgânicas de se alongarem pela a humidade, e se encur- tarem pelo calor. O mais usado é o de Saussüre ou o de cabello. VIII Os hygrometros de condensação resumem-se em conhecer pelo o resfriamento do ar, a que temperatura o vapor n'elle contido bastaria para satural-o: taes são os de Daniel e Kegnault. IX Além dos hygrometros, ainda os hygroscopos denuncião a humidade athmospherica, sem que entretanto marquem a quantidade. XI Os psychrometros são pequenos hygrometros que igualmente servem para determinar a quantidade de vapor d'agoa contida na athmospherr. XII A aridez athmospherica como a humidade, quando são constantes e uniformes não devem ter grande influencia na pathogenese dos fluxos de ventre. XIII As variações bruscas da hygrometricidade athmospherica produzem abalos tão pronunciados no organismo, como as oscillações rápidas da thermicidade ambiente. CADEIRA DE ANATOMIA DESCRIPTIVA lleniiigeas. I As meningeas são membranas de estructuras diversas, que envol- vem a massa encephalica e a medulla em toda a sua extensão. II As meningeas se dividem em craneanas e rachidianas; e tanto estas como aquellas são em numero de três seguintes: — dura-mater, arachnoide e pia-mater. III A dura-mater é uma lamina membranósa, de naturesa fibrosa e resistente, que envolve todo o encephalo e está immediatamente appli- cada por sua face externa sobre a interna dos ossos. IV A dura-mater craneana continúa-se com a rachidiana sem oferecer limites de demarcação. V A fouce do cérebro nada mais é que uma dobra longitudinal da dura-mater, estendida desde o vértice da apophyse crista galli até a parte média da tenda do cerebello. — 62 — VI A arachnoide craneana é uma serosa que envolve os centros nervo- sos sem entretanto contel-os era sua cavidade. VII Segundo Bichat a arachnoide apresenta duas folhas, uma parietal applicada a dura-mater, e outra visceral recobrindo a face superior e externa dos hemispherios e a sua superfície interna, passando por de- baixo da grande fouce do cérebro, revestindo a parte superior do corpo calloso, e continuando-se com a do lado opposto. VIII A arachnoide craneana forra demais a protuberancia annular, o bolbo, para se continuar em seguida com a sua congênere rachidiana. IX A arachnoide fornece bainhas aos nervos oculo-motores externos, trigemios, faciaes, auditivos, glosso-pharingêos, pneumo-gastricos, espinhaes e hypoglossos; continuando as bainhas dos nervos auditivo e facial até a penetração d'estes no fundo do conducto auditivo interno. X A pia-mater é a meningea que está em contacto mais intimo com os centros nervosos, reccbrindo-os e cercando-os por todos os lados. XI A tela choroidéa é formada pela pia-mater quando penetra no interior do terceiro ventrículo, situado na parte média da grande fenda de Bichat, entre o borrelête do corpo calloso e os tuberculos quadrigemios. XII Os plexus choroides são constituídos pela pia-mater quando penetra — 63 — nos ventriculos lateraes, situados na extremidade da grande fenda de Bichat. XIII O ependymo, segundo Virchow, não é uma dependência da pia- mater, e sim uma membrana distincta, e de estructura diversa. Elle forra o canal central da medulla e os das cavidades encephalicas. XIV A superfície externa da dura-mater rachidiana, ao contrario da craneana, não se applica immediatamente contra as superfícies ósseas do canal vertebral; entre uma e outra existe uma camada de tecido adiposo, e as veias intra-rachidianas anteriores que ahi trajectão. XV A superfície interna da dura-mater rachidiana nada mais é que a folha parietal da arachnoide. XVI A folha visceral da arachnoide rachidiana fôrma com a pia-mater um largo canal sub-arachnoidiano, que serve para dar passagem ao liquido cephalo-rachidiano. XVII A pia-mater rachidiana penetra nos sulcos inter-medullares, forra- os ; e apresenta na extremidade inferior da medulla um delgado pro- longamento, conhecido pelo nome de ligamento coccygiano da medulla ou filum terminale que se insere na base do coccyx. * CADEIRA DE MATÉRIA MEDICA E THERAPEUTICA ESPECIALMENTE A BRASILEIRA. Medicação revulsiva. I A medicação revulsiva funda-se em deslocar uma irritação mórbida, por uma outra local, por intermédio de agentes chamados revulsivos. II Os agentes revulsivos dividem-se em medicamentos rubefacientes, e vesicantes. III A simples rubefação da pelle, por meio dos revulsivos, constitue a medicação rubefaciente. IV As fricções sêccas e os sinapismos são os melhores exemplos dos agentes rubefacientes. V Os sinapismos actuão pelo sulfocyanureto de allyla que as mustar- das negras possuem. VI O sulfocyanureto de allyla resulta da acção da myrosina sobre o — 66 — myronato de potassa. A temperatura elevada, os ácidos e os alcalis impedem que esta acção fermentescivel se dê. VII Os vesicantes são medicamentos revulsivos de acção mais enérgica que os rubefacientes. VIII O pó das cantharidas, o óleo de croton, etc, exemplificão bem a medicação epispastica. IX A medicação rubefaciente auxiliada das embrocações emollientes são excellentes meios therapeuticos para os individuos debilitados que forem victimas da dysenteria, de fôrma inflammatoria e nos accometti- dos da variedade choleriforme. X Trousseau denomina de irritante transpositiva toda medicação revulsiva. XI Nas affecções do pericardio e endocardio, em seo começo, os vesi- cantes têm o seo lugar na escolha therapeutica. XII Os vesicatorios, os sinapismos e emfím os revulsivos em geral, morphinados ou não, produsem excellentes resultados nas dysenterias de forma rheumatoide. XIII O emprego de largos vesicatorios, de base de cantharidas, devera de ser proscriptos, pelos accidentes que podem trazer para o lado dos rins, bexiga, etc, determinando, mais tarde, nephrites e cystites — 67 — consecutivas á absorpção do seo principio activo e volátil, a cantha- ridina. XIV Os accidentes devidos â absorpção lenta da cantharidina, são em parte remediados, pelo emprego da tinctura etherea de camphora, espargida sobre o vesicatorio; ou ainda pela interposição de um papel oleoso. HIPPOCRATIS APHORISMI. i Vita brevis, ars longa, occasio prseceps, experiência fallax, judicium difficile. (Sect. Ia, Aph. 1.) II Si a leucophlematia detento vehemens diarrhéa superveniat, morbum solvit. (Sect. 7a, Aph. 29). III Ubi somnum delirium sedat, bonum. (Sect. 2a, Aph. 2). IV Som nus, vigilia, utraque si modum excesserint, morbus. (Sect. 8a, Aph. 73.) V Vômitos exiguoe, biliosoo, malse, imprimis si insuper vigilaverint cegri. Narem in his destillare, perniciosura. (Sect. 2a, Aph. 46.) VI Lassitudines sponte aborto morbos denunciant. (Sect. 2a, Aph. 4). — 70 — Esta these está conforme os Estatutos. Rio, 31 de Julho de 1883. Dr. Caetano de Almeida. Dr. Benicio de Abreu. Dr. Oscar Bulhões. ■ i ê I