l\raa Faculdade de medicina do rio de janeiro i v ~1 1 THESE * T am DO •UÍU Typographia Militar, rua do Hospicio n. 206. T ( ▼. & ir \ s *s DISSERTAÇÃO Caieira ie Matéria leiica e Tlerajentica, esnecialiente Brazileira. Transfusão do sangue: sua acção physiologica e therapeutica. PROPOSIÇÕES CADEIRA DE PHARMACIA DO ÓPIO CHIMICO-PHARMACOLOGICAMENTE CONSIDERADO CADEIRA DE PATHOLOGIA MEDICA Natureza e tratamento do Beriberi. CADEIRA DE HISTOLOGIA E ANATOMIA PATHOLOGICA Do parasitismo em relação á pathogenese das moléstias, ao seu entretenimento, e ás modificações que determinam nos tecidos. THESE APRESENTADA Á FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO Em 17 de Setembro de 1883 e perante ella sustentada em 19 de Dezembro PELO El, ABTEUB 1, Pi SILVA M0TO&. NATURAL DO RIO DE JANEIRO e filho legitimo de mATMOTDE) -JDSlÜi DA SILTA HDTír&A E DE D. ROSA DE MENEZES MOURA RIO DE JANEIRO Typ. Militar, de Santos & C, rua do Hospicio n. 206. i883 Á SAGRADA MEMÓRIA DE Silentium verbis facundius. ' lia \\WM l"ífi Ir J ^ irr^ M^#« E DE MEU IRMÃO DPJE^ATVOISOO IVIOXJI^A Saniaíes e Lagrimas. & uni ioi ii: A Êxma. Sr a. !D- DFtOS-A. IDE ÜS/ÉEnSTEZES IS^COXJ^A « Sempre em teus olhos me sorriram júbilos Sempre teus braços me acolheram francos-; Se alguma c'rôa me destina a gloria Cinge com ella teus cabellos brancos. » (Th. Ribeiro.) AO MEU BOM AMIGO O Illm. Sr. Permitti que no momento mais solemne de minha vida acadêmica, eu i nscreva o vosso nome nesta pagina como o symbolo de minha gratidão. São impereciveis as attenções e finezas que com tanta prodigalidade e por tantas vezes me dispensastes.................... Oxalá encontreis na singeleza destas palavras a significação do meu mais profundo reco- nhecimento. A' íamilia Jalles Veneração e respeito. i meus; particulares1 amigos Luiz de Paula Mascarenhas, Antônio Avelino dos Santos, João Evangelista de Miranda, Affonso de Lamare, E a suas Exmas. famílias. AOS DISTEI COLLEGÂS E AMIGOS Os Illms. Srs. Drs. : João F. de Almeida Fagundes, Carlos Augusto de Mello, Raphael de Paula Souza, Francisco do Rego Barros Figueiredo, Antônio Ferreira da Costa Lima, Ismael Pinto deUlysséa, Modesto Augusto Caldeira, Sebastião Catão Callado, José de Almeida Vergueiro, Alfredo de Freitas Reys, Affonso H. de Castro Gomes, Gabriel Benedito de Campos, Octaviano de Oliveira, João Eliziario Nunes Pombo. AO CORONEL JOÃO JOSÉ DA SILVA Admiração ao seu caracter. A' Exma. Sra. D. Josepha Barroso Carneiro. Respeito e amizade. A' Exma. Sra. D. Carolina Dutra Santos. Gratidão e amizade. A. MEU II1MAO GUSTAVO Um abraço. AOS MEUS AMIGOS Os Illms. Srs. : Dr. Armindo de Lima, Dr. Marcellino da Gama Coelho. E a suas Exmas. famílias. AO MEU MESTRE O Illm. Sr. Dr. Theophilo Tavares Paes. E a sua Exma. família. João Virgílio de Souza, Sebastião Ramos, Francisco Carlos de Figueiredo, José Arnaldo Machado, Manoel dos Passos Gomes, Nestor Gomes Teixeira, Francisco Gomes Monteiro, José H. Gomes Monteiro, João Bruno, João Teixeira de Carvalho, Guilherme Alves Machado. João Tolentino de Souza. Barnabeth P. de A. Castro. João de Castro Vieira. Felicidades. Aos meus companheiros de trabalho nas revisões do Diário Official e Folha Nova. Muitas felicidades. AOS PARENTES QUE ME ESTIMAM Retribuição dVmizade. Dr. João Silva, Dr. Erico Coelho, Dr. Benicio de Abreu. Dr. J. A. de Souza Lima. Homenagem as saber. TRANSFUSÃO DO SANGUE òilA èjjiU ilIMJjJjIijM à isMmmáà Le sang transfusé est Ia goutte d'huile jetée dans Ia lampe vide, le combustible léger qui releve Ia flamme presque éteinte. (Desgranges et Devay). A transfusão d:> sangue, prodigiosa applicação e lógica conseqüên- cia de problemas já elucidados, symbolisa não só a mais bella operação physiologica, como a creação do mais efficaz soccorro que á sciencia é dado prestar ao homem em múltiplas e varias circumstancias. Não se limitando esse meio therapeutico a consolar, trazer allivio ao enfermo, e sim a fazer por assim dizer, resuscitar todo aquelle que após a effusão quasi total de seu sangue seria irrevogavelmente subtra- hido á vida, se o novo elemento transfuso não viesse alimentar-lhe a chamma da existência — é para lastimar que em nosso paiz os clínicos se tenham tanto negligenciado do assumpto, a ponto de não proporcio- nar-nos o louvável ensejo de assignalar aqui, com essa phase, de tanto successo, que atravessamos, alguns serviços prestados á humanidade soffredora, com a divulgação, entre nós, de uma pratica, que, não longe, acreditamos, fará sentir os seus effeitos benéficos. Procurando definir a transfusão diremos que é uma operação por meio da qual conseguimos introduzir um liquido qualquer nas vias cir- culatórias. Considerada sob este ponto de vista tão geral, esta denominação se applica também ás injecções intra-venosas de certas substancias, como o chloral no tétano, etc. Nós, entretanto, deixaremos de parte as injecções medicamentosas para nos occuparmos, exclusivamente, da operação que consiste em fazer passar o sangue de um animal qualquer para os vasos de um outro, pertencente ou não á mesma espécie. Limitado assim o assumpto procuremos, depois de fazer um ligeiro histórico, abordar os principaes problemas physiologicos sustentados pela transfusão e que, a despeito dos numerosos trabalhos a que tem dado logar n'estes últimos tempos este importante assumpto, não se acham ainda elucidados, BBOÇO BISTOBICO A historia da transfusão do sangue sobre ser longa e complicada, é bem fastidiosa, porquanto os auctores no intuito de disputarem a gloria da descoberta valem-se dos factos os mais insignificantes, até mesmo de allusões, a esta pratica, consignadas em obras em que a falta de authen- ticidade e valor scientifico tanto se fazem sentir. Deixando, pois, de parte as considerações que aqui cabia-nos fazer em relação á Historia dos Egypcios, o Livro de Tanaquila, o Tratado de Anatomia de Herophilo e tantas outras obras, que, em nosso en- tender, concorreriam apenas para justificar o modo de proceder d^quelle que se arvorasse em distribuidor da primazia da descoberta, nós passa- remos ao século XVII, épocha em que, é de presumir, se iniciou pela primeira vez este meio therapeutico. Com effeito só em 1666 conseguio Richard Lower assignalar a pri- meira realização experimental, fazendo a transfusão de sangue arterial completo em dous animaes da mesma espécie. A' vista do successo por Lower obtido, Ed. King resolveu praticar a transfusão, operando de veia d veia, e preferindo o sangue de ani- maes de espécie differente, apesar das idéas dominantes n'aquella épo- cha serem favoráveis a reconhecer a superioridade do sangue arterial - 3 - debaixo do ponto de vista da energia vital. Foi ainda nestas condições que a transfusão contou mais um successo. N'essa mesma épocha um francez, Dénis, de Montpellier, encetou uma serie de experiências tão notáveis, quanto interessantes. Ainda por essa occasião Dénis, coadjuvado pelo cirurgião Emme- retz, repetio as experiências de Lower e King que mais uma vez foram coroadas de feliz êxito. Além dessas experiências, outras eram tentadas em Inglaterra por King, Clarck e Thomas Coxe em diversos animaes, accrescendo a no- tável circumstancia de serem algumas praticadas de veia d veia, dando igualmente resultados satisfactorios. Animado por tantos e tão freqüentes successos, Dénis ensaiou pela primeira vez a i5 de Junho de 1667 esta operação no homem, abrindo, d'esse modo, a historia therapeutica da transfusão. Era o indivíduo em quem elle praticou a operação um joven de 16 annos, que atacado de uma febre por espaço de dous mezes, e depois de haver soffrido vinte sangrias, ficara em estado de estupor e somno- lencia. Dénis tirou-lhe 90 grammas de sangue e tansfundio-lhe 270 grammas de sangue arterial d'um cordeiro, conseguindo por esse meio que fosse o enfermo pouco e pouco recuperando as forças até seu completo restabelecimento. A segunda operação foi praticada em um indivíduo robusto e sadio, a quem depois de se tirar 3oo grammas de sangue injectou-se igual quantidade fornecida por um cordeiro, sem que d'ahi lhe resultasse a menor alteração em seus hábitos. Dado o exemplo, que não podia ficar estéril, Lower e King ensaia- ram pela primeira vez a transfusão em Inglaterra, seguindo sempre de perto os preceitos de Dénis e Emmeretz. A noticia dessas audaciosas praticas espalhando-se logo por toda a Europa, deu logar a que os sectários da transfusão praticassem-n^ em larga escala, sobresahindo, d'entre elles, Fracassati, Riva e Manfredi. Como era natural, Dénis pagou logo o tributo com que contribuem todos os homens que se empenham nas grandes luctas da sciencia : —■ adquirio inimigos, e, como conseqüência, soffreu uma guerra desabrida por parte dos seus adversários. Entretanto, Dénis, a despeito da perseguição que soffria, proseguio nas suas tentativas até que um novo ensejo se lhe deparasse. Um indi- víduo de 34 annos de idade, que manifestava desde os 26 evidente per- — 4 — turbação para o lado das faculdades mentaes cahio mais tarde em com- pleta loucura. Tirando-lhe Dénis 3oo grammas de sangue do braço di- reito e transfundindo-lhe 200 grammas da artéria crural de um vitulo, conseguio logo acalmar o delirio, até que uma transfusão, mais copiosa, é verdade, fosse praticada e permittisse ao indivíduo recuperar o seu estado de saúde e entregar-se de novo aos seus affazeres. Esse mesmo indivíduo, soffrendo mais tarde uma recahida, a in- stâncias de sua mulher, que se dizia subornada pelos inimigos de Dénis, sujeitou-se a uma nova transfusão, succumbindo antes de terminada a operação. Attribuida á operação a morte do enfermo, que aliás se dizia haver sido envenenado por sua própria mulher, no intuito de comprometter Dénis, este formulou uim queixa que, levada ao conhecimento do Cha- telet, deu em resultado não só a punição da mulher como a prohibição expressa da pratica da transfusão no homem, sem prévia approvação de um medico da Faculdade de Pariz. Sem embargo disto, o illustre sábio, tolhido na rede que lhe tece- ram a inveja e a calumnia, declinou da lucta completamente desani- mado, e morreu pouco depois. Com o apparecimento da ordem superior, tendente a regularisar o uso d^sta operação, permaneceu a transfusão, por um largo espaço de tempo, quasi em esquecimento. Durante este longo período, que só terminou com o século actual, apenas temos conhecimento do importante trabalho de Michel Rosa, professor e presidente da Faculdade de Medicina de Modena. (1778). Grande, senão absoluto silencio reinou sobre a transfusão durante o lapso de tempo decorrido entre 1778 e 1815, data em que as memo- ráveis experiências de Hufeland, Graef, Petrus Christus de Bôer e Ja- mes Blundell assignalaram-lhe uma nova phase de existência. Ao século XIX pertence, pois, a gloria de haver não só erguido a transfusão do sangue do estado de abatimento em que jazia, como de têl-a encaminhado na senda experimental, communicando-lhe o cunho scientifico e positivo que caracterisa todos os commettimentos e desco- bertas de seu século. Logo após' as experiências de Hufeland, Graef, James Blundell e outros a transfusão adquirio partidários convencidos. Todavia, outros experimentadores, e, entre os mais conceituados, Prévost e Dumas, mostraram os perigos d'esta operação e condemnaram-n^ formalmente. - 5 - Foi então em 1828 que appareceu o importante trabalho de Dief- fenbach, rico de experiências interessantes sobre os dous processos en- tão conhecidos ; o primeiro que elle denominou— transfusão immediata ■—da artéria d'um animal para a veia d'um outro; o segundo, o de Blun- dell,—transfusão mediata—com auxilio de uma seringa. Dieffenbach depois de ter mostrado, como Prévost e Dumas, o pe- rigo da injecção de sangue pertencente a um animal de espécie hetero- gênea fez a primeira experiência com o sangue demorado, por algum tempo fora do organismo, e consequentemente desfibrinado. Menos enthusiasta que os experimentadores antigos, Dieffenbach considerou a transfusão uma operação sempre perigosa e indicada em casos muito especiaes, qual o de uma hemorrhagia considerável, em que todos os recursos da arte tenham sido empregados com resultados sempre improficuos. Dez annos depois, isto é, em i838, Bischoff, trazendo em seu au- xilio experiências bem engenhosas, não só confirmou como preencheu algumas lacunas que se faziam notar no importante trabalho de Dief- fenbach. Não obstante estes bellos trabalhos, durante os vinte annos que se seguiram, a pratica da transfusão não conseguio generalisar-se, até que em 1860 as investigações scbre o assumpto multiplicaram-se, o problema foi encarado debaixo de todos os pontos de vista e entrou a transfusão em uma phase realmente activa, pratica, graças aos esforços empregados por Oré, Moncoq, Duranty e Roussel no intuito de melho- rarem os methodos então conhecidos e aperfeiçoarem o manual ope- ratorio. A idéa já de resumir, tanto quanto possível, o trabalho que ence- támos, já de tornar menos onerosa a nossa tarefa, inhibe-nos de men- cionar as numerosas observações dos physiologistas mais notáveis e dos mais hábeis práticos do mundo scientifico. Baste dizer que os homens, que occupam posição mais saliente nas bancadas da sciencia, têm concorrido com suas luzes para collocar a transfusão no logar que, de direito, lhe está reservado na therapeutica cirúrgica. O estudo rápido que vimos de fazer revela-nos a multiplicidade, a complexidade dos problemas agitados pela transfusão. Entretanto, — e - apesar das innumeras experiências feitas em animaes, com todos os re- cursos da technica a mais aperfeiçoada, apesar ainda das observações fornecidas pela clinica, estes problemas, apenas esboçados, resentem-se de uma solução incompleta e positiva que permitta á transfusão descor- tinar na moderna therapeutica novos horizontes. Sem que pretendamos trazer uma solução aos pontos letigiosos, nós tentaremos, apresentando um resumo dos principaes trabalhos sobre a matéria, resolver com o auxilio de experiências confirmadas os pontos capitães da questão. Si les expériences ne sont pas dirígóes par Ia théorie, elles sont aveugles; si ia théorie n'est pas soutenue par l'expérience elle devient trompeuse et incertaine. (Bacon), Cabendo-nos agora o estudo physiologico da transfusão só po- demos fazel-o com proveito depois de discutir algumas questões preliminares. Com eífeito se attendermos ás successivas phases por que tem passado a transfusão veremos que os physiologistas e os clínicos estão longe ainda de se entenderem em relação á natureza do sangue a empregar-se. E, se é verdade que os antigos transfusistas davam preferencia ao sangue completo, quer venoso, quer arterial, os contemporâneos, ao contrario, preconisam a desfibrinação prévia. E' assim que, dizem os modernos transfusistas, se não se tem esta indispensável precau- ção, o sangue pôde coagular-se durante as manobras, mais ou menos complicadas, exigidas pela operação e determinar accidentes, cujas conseqüências não são fáceis de obstar. Diz-se mais que o emprego do sangue venoso é inconveniente por ser muito rico de ácido carbônico e relativamente pobre de oxygeno, não permittindo por esse facto exercer uma influencia tão benéfica como se suppÕe acontecer ao sangue arterial. Estas asserçÕes têm bastante fundamento ? Para melhor agarrar- mos a chave desses argumentos, carecemos apontar os effeitos que a therapeutica espera da transfusão. Se, pois, é verdade, que o sangue actúa já por sua massa, já pelos elementos anatômicos que encerra, não é menos natural que a ope- ração da transfusão deva produzir duas series de effeitos : d^im lado, 99997 — 8 — augmentando a massa sangüínea, accelera a pressão vascular, a ve- locidade do sangue, e consequentemente todas as grandes funcçoes e todos os processos nutritivos; de outro lado, introduzindo no san- gue do animal submettido á operação, glóbulos novos, com o fim de substituir elementos antigos, mais ou menos alterados, e por- tanto incapazes de preencher satisfactoriamente suas funcçoes physio- logicas, a transfusão deve servir também para a reconstituição do liquido sangüíneo. E, pois, a questão primordial, aquella que se nos impõe e que parece reclamar nossa immediata attenção, por dominar de algum modo toda a historia d^sse meio therapeutico, é a seguinte: O sangue pôde ser enxertado ? Ou, mais claramente, o novo sangue introdu- zido no organismo está apto a desempenhar o papel attribuido aos glóbulos vermelhos nos phenomenos respiratórios ou nutritivos ? • Este enxerto é susceptível de obter-se com todas as espécies de sangue, sangue desfibrinado, sangue completo, sangue da mesma espécie animal ou de espécie differente ? Eis outras tantas questões que exigem da nossa parte accurado exame. Entretanto o que podemos já afhrmar é que, o enxerto san- güíneo não podendo effectuar-se senão com o sangue da mesma espécie animal, temos de indagar se a desfibrinação é um obstáculo, ou se, ao contrario, ella conserva ao sangue sua completa integridade ou quasi completa. O sangue desfibrinado tem pois o mesmo valor que o sangue com- pleto ? Ainda relativamente a esta questão os auctores se acham divi- didos em dous campos. Os que sustentam a desfibrinação asseveram que o sangue nestas condições produz todos os effeitos de sangue completo, preferindo-o, já por essa razão, já pelo facto de não estar sujeito a accidentes. Ao contrario, os adversários da desfibrinação, considerando o sangue des- fibrinado como privado de suas qualidades vitaes, como um sangue morto, sustentam que esta pratica subtrahe á transfusão toda a effi- cacia. A verdade, porém, é que se tem feito valer de parte a parte um grande numero de argumentos tirados seja de experiências verificadas em animaes, seja de observações feitas no homem. Nós, entretanto, no intuito de proceder methodicamente, procura- remos saber como o sangue se comporta no organismo ; qual o pro^ — 9 — cesso da coagulaçao, quaes as partes do sangue que por essa occasião soffrem modificações anatômicas ou physiologicas ; sob que influencias se produzem estas alterações ; em que condições o sangue conserva todas ou parte de suas propriedades ? Nós somos assim forçados a referir como preâmbulo ao es- tudo experimental da transfusão as condições que regem a coagulaçao do sangue. Coagulaçao do sangue. Não comporta este trabalho um artigo minucioso sobre a coagula- çao do sangue nos vasos, um dos mais importantes assumptos da pa- thologia medico-cirurgica. Occupar-nos-hemos, portanto, dos pheno- menos principaes da coagulabilidade do sangue, com o fim de colher conhecimentos que tenham applicação plena na parte referente ao ma- nual operatorio, que mais tarde constituirá objecto de nossa attenção. Extrahido o sangue de uma artéria ou veia e posto em contacto com o ar, elle transforma-se logo em uma massa molle e gelatinosa. Logo após, essa massa se retrahe, ao mesmo tempo que do seu con- teúdo corre um liquido cada vez mais abundante, dividindo-se, termi- nado o processo da coagulaçao, o sangue em duas partes : uma, solida, vermelha, o coalho-, outra liquida, incolor, o ser um. O tempo que o sangue humano exige para coagular-se depende de condições múltiplas, especialmente concernentes á temperatura e ao contacto com os objectos exteriores. Na temperatura ambiente, média, são suficientes dous a cinco minutos e 12 a 48 horas para que a retrac- ção seja completa. Diz-se mais que o sangue da mulher se coagula mais prompta- mente que o do homem, bem como que o sangue arterial se solidifica com mais rapidez que o sangue venoso. Se conhecêssemos a reacção intima em virtude da qual a fibrina concreta se origina, facilmente poderíamos enumerar as causas da coagulaçao ; sendo, porém, totalmente desconhecida a essência d^ste phenomeno, só nos é permittido expor as causas que provocam a sua realização, — 10 — E1 assim que as theorias modernas, apresentadas para interpretar o phenomeno da coagulaçao do sangue, acham-se de acordo em affirmar que a fibrina não preexiste no sangue, é um producto de decomposição. Acredita Dénis (de Commercy) que a plasmina, substancia proteica, precipitavel pelo chlorureto de sódio, existente no plasma sangüíneo, tem a propriedade de espontaneamente desdobrar-se, fornecendo uma parte coagulavel, a fibrina concreta, e outra que fica dissolvida no plasma, a fibrina fluida, precipitavel pelo sulfato de magnesia. A coagulaçao seria então devida a este desdobramento. Diz Germain Sée em sua obra (Du sang et des anemies): — «A exis- tência da plasmina, verificada por alguns physiologistas, permitte ex- plicar alguns factos que a theoria antiga não dava conta, como sejam a ausência da fibrina clássica, espontaneamente coagulavel nas veias super-hepaticas e em certos estados inflammatorios. Pretendem Mathieu e Urbain que a coagulaçao do sangue seja de- terminada pela ausência de anhydrido carbônico que, segundo elles, não existe livre no plasma, e sim, em estado de combinação. Alexandre Schmidt acredita que a coagulaçao é devida á modifi- cação da matéria fibrinogena liquida, existente no plasma, em presença de uma substancia, a globulina, que faz parte não só da hemato- globulina, como das cellulas do tecido connectivo das paredes vascula- res e dos corpusculos lymphaticos. Na opinião de Armand Gautier é a paraglobulina, substancia ex- sudada pelo glóbulo vermelho, que determina a coagulaçao. O professor Hayem depois de estudar a formação da fibrina com o microscópio admitte, no acto da coagulaçao, três factores: i°, uma sub- stancia que sahe por exosmose dos hematoblastas; 2°, corpusculos iso- lados ou agrupados, formados pelos hematoblastas em via de alteração cadaverica, e que fornecem um ponto de partida, talvez occasional, á rede das fibrillas ; 3o, uma substancia primitivamente dissolvida no plasma e que, ou depois de ter sido modificada simplesmente em pre- sença da matéria exsudada pelos hematoblastas, ou depois de com- binada com ella, fornece, precipitando-se, a quasi totalidade da rede fibrillar. Ora, será conveniente desfibrinar-se o sangue, apressando a precipi- tação da fibrina concreta ? impediremos a injecção de coalhos na tor- rente circulatória? os glóbulos sangüíneos, por este processo, alterados não exsudarão essa substancia particular de que nos faliam Hayem e — 11 — Gautier, e actuando depois sobre a plasmina ou a matéria fibrinogena, contida na corrente circulatória, não poderão determinar infarctus múl- tiplos nos pulmões, infarctus já encontrados em cães experimentados por Belina ? Diz o professor Germain Sée, que a plasmina considerada como a origem da fibrina explica a fluidez do sangue durante a vida, porém, para que ella se desdobre e dê logar á coagulaçao post mortem, isto é, a formação da fibrina concreta, é necessária a intervenção de meios auxiliares. Demais, para que a theoria de Schmidt, explicando de modo satisfactorio a coagulaçao do sangue post mor tem dê conta da fluidez do sangue durante a vida, devemos admittir que a globulina se destróe constantemente durante a vida pela acção vital das paredes dos vasos, sem o que o sangue se coagularia. Ora, segundo Schmidt, a matéria coa- gulavel não só se encontra na hematoglobulina, como também nas cel- lulas epitheliaes que revestem as paredes dos vasos. E, pois, qual o modo e o local em que se dá a destruição d^ssa matéria ? As theorias existentes na sciencia, portanto, não explicam cabal- mente as causas da formação dos coalhos sangüíneos ; apenas possui- mos meios de retardar a producção d^sse phenomeno, meios que con- sistem na addicção de certas substancias, como o chlorureto de sódio e potássio, o azotato d'este mesmo metal, o sulfato e o carbonato de sódio. Da qualidade do sangue na transfusão. O phenomeno da coagulaçao da fibrina do sangue, que se observa sempre que este é retirado dos vasos, era nas épochas em que a sciencia não dispunha de apparelhos aperfeiçoados para a transfusão, um dos maiores obstáculos d^sta operação, e que ameaçava constantemente o enfermo de um perigo tal, que os transfusistas se abstinham, muitas vezes, de intervir, receiando que uma embolia da artéria pulmonar ou de outro vaso qualquer acarretasse a morte ao doente. As experiências physiologicas, porém, tendo demonstrado que o sangue privado da fibrina não perde as propriedades vivificadoras, e que esse agente da coagulaçao não é um elemento essencial para a nu- trição e estimulo orgânico, muitos physiologistas, alguns dos mais mo- dernos, acreditaram que o sangue desfibrinado se prestaria perfeita- — 12 — mente a ser transfuso para as veias do homem exangue, ficando d^s^arte banido da operação um grande perigo — as embolias. A1 vista destes factos, foi que, Bischoff, reproduzindo as pesquizas de Müller, Prévost e Dumas, e Dieffenbach, procurou esclarecer este importante assumpto, concluindo das suas experiências o seguinte : — Ha indispensável necessidade de desfibrinar-se o sangue para praticar com successo a transfusão, porquanto uma das dificuldades da ope- ração, ao mesmo tempo um dos mais sérios perigos está na- rapidez com que a fibVina se coagula. Bischoff, não tendo meios de explicar, com os conhecimentos de sua épocha, a morte de alguns animaes, em que praticou a transfusão com o sangue de animaes de espécie hetero- gênea, appellou para um principio tóxico contido na fibrina depois de coagulada. Taes conclusões concorreram para que não se attribuisse mais, como queria Hunter, á fibrina o papel de elemento reparador por excellencia, até que o insuccesso, colhido por Monneret, em um caso de transfusão, occasionado em parte pela desfibrinação do sangue, fez recuar um pouco aos experimentadores. Mais tarde a attenção dos physiologistas dirigio-se outra vez para ahi, principalmente depois que Wirchow demonstrou poder a fibrina, levada pela torrente circulatória, obliterar os vasos cerebraes ou pul- monares e produzir a morte instantânea. Estava, pois, á vista dos estudos de Wirchow, explicado o papel tóxico que Bischoff attribuia á fibrina e demonstrado o mechanismo da morte rápida dos animaes nas experimentações. Impressionado pelas advertências dos anatomo-pathologistas e receioso das desordens que acarretaria a injecção do sangue completo, recommendou Panum (de Copenhaguen) que se seguisse o conselho dado por Bischoff na pratica da transfusão. Brown Sequard, Nicolás e Panum depois de experimentarem em diversos animaes concluíram que a fibrina não só não era necessária ao movimento nutritivo, mas também que ella não poucas vezes determi- nava a morte, por embolias, em animaes sujeitos á experimentação. Dizem ainda que animaes tornados exangues em que praticaram a transfusão com o sangue desfibrinado, sobreviveram por muitos dias; d'ahi o preceito da desfibrinação prévia do sangue, quando se tenha de recorrer á transfusão. Para se obter a desfibrinação do sangue basta, depois de o ter rece- - 13 - bido em um vaso de bocca larga, agital-o com uma haste de vidro em fôrma de espiral ou lisa; a fibrina, coagulando-se, accumula-se em torno da haste, depois do que côa-se o liquido em um tecido de malhas não muito estreitas, previamente molhado em água quente e dobrado em duas partes. A operação a que se submette o sangue para desfibrinal-o tem a vantagem, segundo nos diz Belina, de dar-lhe o oxygeno e desembara- çal-o do ácido carbônico. Entretanto pergunta-se ainda hoje, apesar das numerosas experiências dos physiologistas, — o sangue desfibrinado im- pede realmente os perigos que se propõe evitar e goza das mesmas pro- priedades que o sangue completo ? A fibrina representa, com effeito, um papel tão secundário como pretendem Bischoff, Brown Sequard, Panum e tantos outros ? Magendie, que foi um dos mais enérgicos impugnadores da desfibri- nação do sangue, dizia : — a fibrina dá ao sangue a maravilhosa vis- cosidade necessária para percorrer os capillares os mais finos. Poiseuille, professando a mesma opinião, dizia : — sem a fibrina a vida é compromettida, porque o sangue retarda a sua marcha nos ca- pillares, á medida que se empobrece em fibrina. O professor Béhier em uma lição que fez sobre transfusão, pronun- cia-se contra a desfibrinação, dizendo que o sangue não pôde impune- mente supportar esta operação. Devay e Desgranges sustentam que os glóbulos fustigados são gló- bulos mortos, incapazes de continuar a exercer a sua acção em outro organismo. O Dr. Mohcoq, que é auctoridade nestas questões, pensando como Magendie e Béhier, accrescenta que os glóbulos sangüíneos assim de- formados e introduzidos no organismo sem seu vehiculo natural—a fi- brina dissolvida — poderiam, em circumstancias taes, provocar embo- lias capillares e consequentemente determinar accidentes que os se- ctários da desfibrinação se propõem evitar. Ainda mais, o contacto pro- longado do sangue com o ar athmospherico, muitas vezes viciado, a que o processo da desfibrinação obriga, será indifferente para a producção de futuras moléstias? Diz, Julien, quaesquer que sejam as incertezas das theorias relativas aos germens parasitários não nos repugna admittir que durante estas manipulações, estas filtrações, o sangue por seu con- flicto com o ar, pela demora nos vasos e sua passagem através da fla- nella, tenha tempo sufficiente de se carregar de germens tão numerosos - 14 - que existem por toda a athmosphera, e possa d^ste modo compro- metter a massa total do sangue. Quanto á conversão do sangue venoso em arterial, que os adeptos da desfibrinação do sangue pretendem se effectua por este processo, diremos ser um facto que ainda não está bem demonstrado ; esta con- versão só realiza-se no interior dos capillares pulmonares e a quanti- dade maior de oxygeno que possa conter o sangue desfibrinado, uma vez alterado o glóbulo sangüíneo, não exerce influencia alguma bené- fica. Terminando, diremos que a transfusão, podendo ser reclamada inesperadamente, o processo da desfibrinação torna-se inconveniente, porque não poucas vezes consumirá o tempo, apenas necessário para impedir a morte, em collocar o sangue nas condições de ser injectado. Diremos mais, appellando para as estatísticas, que a transfusão com sangue desfibrinado conta maior numero de insuccessos ; assim J. Casse colleccionou 174 observações feitas com sangue completo, de que re- sultaram g5 curas e 79 mortes, isto é, uma mortalidade de 45 %• Por outro lado 76 casos de transfusão com o sangue desfibrinado deram em resultado 53 mortes e 23 curas, isto é, uma mortandade de 69 %• Estes dados provam suficientemente quanto a transfusão com o sangue completo é superior á transfusão com o sangue desfibrinado, e igualmente attestam que a fibrina é um elemento importante e pro- fícuo para a transfusão. A1 vista, pois, das razões expendidas não trepidamos em preferir a transfusão com o sangue completo, tendo em perfeito estado de inte- gridade os seus elementos constituintes. Papel do sangue na transfusão. Diversas são as theorias apresentadas para explicar este importante phenomeno. Os que mais se têm occupado d^sta melindrosa questão dizem que o sangue introduzido no organismo actua como estimulante do músculo cardíaco. O contacto do sangue com a parede interna do coração, dizem, tem por fim despertar a contractilidade de suas fibras musculares, contractilidade, que propagando-se ás artérias, faz com que — 15 — os movimentos quasi extinctos do coração readquiram o seu funcciona- lismo normal, concorrendo d^sfarte para o perfeito mantenimento da vida. Este facto é verdadeiro e confirmado por um grande numero de physiologistas. Assim é que Budge, depois de ter tirado alguns fragmentos a um coração, por occasião de contrahir-se, e depois de os haver despojado de todo o sangue que continham, vio parar instantaneamente os movi- mentos contracteis, e voltarem immediatamente, logo que tornou a pôr estes fragmentos em contacto com o sangue. Brown Sequard, no intuito de demonstrar a acção estimulante do sangue sobre as paredes dos vasos, fez, mediante a acção do sangue arterial, reviver a cabeça de um animal recentemente decapitado. Du- rou esta experiência cerca de uns 15 minutos, findos os quaes foi reti- rada a injecção e reproduzida a morte com todos os phenomenos que a caracterisam no estado de agonia. Diz ainda Brown Sequard que a ra- zão de ser menor a propriedade estimulante do sangue arterial é conter elle menos ácido carbônico que o sangue venoso. O professor Küss acredita que a acção estimulante do sangue é devida aos glóbulos vermelhos, que se comportam como conductores de oxygeno aos tecidos. Para o professor Labbée o sangue é um excitante especial, capaz de fazer reapparecer as manifestações vitaes, prestes a extinguirem-se, ou que apparentemente já não existem. O physiologista Schiff, depois de um grande numero de experiên- cias, fez vêr que o coração de uma rãa arrancado do peito do animal cessa de bater desde que é exangue; logo, porém, que se introduza algumas gottas de sangue na auricula as bateduras recomeçam imme- diatamente. É, pois, como um medicamento estimulante, e estimu- lante enérgico, por isso que actua directamente sobre o órgão central da circulação, que o sangue transfuso combate as anemias hemorrha- gicas, mantendo por mais algum tempo a contractilidade cardíaca, que sem elle teria desapparecido. Poderemos dizer o mesmo nos casos de anemia determinada pela alteração da qualidade do sangue ? Difficilmente podemos duvidar dos casos de cura de escorbuto, chlorose, anemias rebeldes, etc, referidos por alguns auctores ; incontestável é a acção exercida em taes casos pela injecção do sangue, depois, principalmente, de empregados, sem resultado algum, muitos agentes da matéria medica. — 16 — A reacção geral, que, como vimos, se tem observado sempre nos casos de transfusão, será sufficiente para fazer voltar ao estado physio- logico funcçoes desviadas de seu typo normal ? Acreditam alguns auctores que o sangue exerce ahi uma acção tônica, corroborante, fazendo-o occupar um logar entre os medicamentos histogenicos por ex- cellencia, por isso que vai fazer parte do sangue do próprio organismo. Com o auxilio do apparelho do Sr. Malassez, Worm Müller, em uma serie de experiências que encetou, teve occasião de observar que o numero dos glóbulos dos cães que tinham soffrido a transfusão era igual áquelle observado antes da operação, a hypoglobulia persistia passados poucos dias, o algarismo da uréa augmentava, e a secreção urinaria tornava-se mais abundante. O resultado d'estas experiências, dá, pois, ao sangue um papel passageiro, libertando-se o animal, pelo emunctorio renal, dos novos glóbulos transfusos. Se é verdade o que nos diz o professor Béhier de uma doente em que o estado da hypoglobulia desappareceu logo após a operação, so- mos levados a acreditar que o sangue transfuso, em taes circumstancias, estimula os órgãos hematopoieticos, provoca a regeneração ou como se queira a transformação dos leucocytos em glóbulos vermelhos. Agora como se effectua este estimulo, de que modo tem logar esta regene- ração dos leucocytos, nada sabemos, porquanto constitue ainda a gê- nese dos glóbulos vermelhos um dos pontos obscuros da hematologia. Este estimulo terá logar directamente ou por intermédio do systema nervoso do grande sympathico? Diz o professor Béhier:—nos casos de anemia profunda, quando haja hydremia, e o numero dos glóbulos não seja sufficiente para estimular o organismo com uma injecção de sangue mais apto para luctar contra a debilidade geral, poder-se-hia ter espe- rança de reanimar o systema nervoso e por elle o systema digestivo e absorvente, dando d'esse modo ao sangue as qualidades necessárias para continuar o funccionalismo da vida. Parece-nos, entretanto, acer- tado não esperar que o doente attinja este estado para se praticar a transfusão; pois, o que conseguiremos com o estimulo orgânico, aliás passageiro, produzido pela inoculaçao de um novo sangue, quando todas as funcçoes estiverem já em completa decadência ? Felizmente, hoje, com os apparelhos que possuímos, capazes de obstar os mais graves accidentes, não nos cumpre mais do que estabe- lecer as indicações, não nos importando saber em que base physiolo- gica se assenta o emprego d^sse meio therapeutico ; basta que te- — 17 — nhamos em vista, para que d^ella nos utilizemos desassombradamente, as numerosas e concludentes experiências sobre os animaes e os resul- tados brilhantes colhidos nas clinicas da França, Itália e Allemanha. Ainda mais, a observação e a experiência tão justamente reconhecidas e proclamadas a base única, capaz de fornecer elementos seguros para o critério scientifico e um ponto de partida indispensável a todas as deducçÕes lógicas, de ha muito se constituíram condição impres- cindível de todo o conhecimento positivo, único que pôde interessar á humanidade no circulo de todas as aspirações individuaes e sociaes. Terminaremos esta parte, apresentando a descripçao, do Dr. Roussel (de Genebra) inserida nos Archivos Geraes de Medicina de 1876 sobre os phenomenos que se observam por occasião de se praticar uma transfusão. « Uma transfusão praticada de homem para homem, segundo as re- gras e com um apparelho perfeito, termina-se sem produzir grande perturbação no operado. Apenas, para o meio da operação, vê-se a face do doente corar um pouco, os olhos tornarem-se brilhantes; na raiz dos cabellos reçumbram algumas gottas de suor ; a respiração tor- na-se mais profunda, o pulso mais cheio e accelerado. O operado, calmo, muitas vezes, accusa grande calor interno. Este calor é seguido, em grande numero de casos, de calafrio intenso, que geralmente sobre- vem no fim de vinte minutos e dura mais ou menos meia hora. Então a face empallidece um pouco, a respiração se accelera, o pulso se concentra ; o doente accusa frio externo, ao passo que o thermo- metro applicado na vagina ou no ânus revela, pelo contrario, elevação de temperatura. Logo após o calafrio cessa ; suor abundante cobre o corpo do doente, a face cora, a respiração torna-se ampla, o pulso largo e normal. No fim do estádio de calor, o indivíduo dorme pacificamente algumas horas, passadas as quaes sente-se confortado, entrando logo em franca convalescença. » Os phenomenos que acabamos de apontar são em geral os que se observam; nem sempre, porém, tudo se passa d'este modo. Ora, os doentes morrem durante a operação, como aconteceu a Maisonneuvc, Jewel e outros, ora ha um abalo considerável, apparecem gemidos, suffocações, accidentes convulsivos, delírio, cyanose : effeitos já obser- vados por Béhier em Pariz e Gentilhomme em Reims. Quando o sangue empregado na transfusão é de animal de espécie differente, os phenomenos que se notam são mais assustadores e va- riam conforme a quantidade de sangue tranfuso, 3 — 18 — Então os phenomenos mais constantes são : dyspnéa, vermelhidão de toda a pelle e face, injecção súbita e intensa das conjunctívas, suores frios e cyanose. O doente não pôde fallar pela anciedade que experi- menta; gesticula, move-se no leito, quer fugir, conserva a bocca aberta, os olhos espantados e as pupillas dilatadas. A face torna-se alternada- mente violacea e livida ; emfim violentos accessos de tosse, abundantes escarros sangüíneos vêm allivial-o. Todo o corpo é banhado de suores profusos ; a respiração que é alternadamente precipitada e entrecortada, regularisa-se e Um profundo estado comatoso, attestando excessiva fadiga do organismo põe termo a esta scena. Mais tarde uns sentem appetite, outros são accommettidos de albuminuria, hematuria, passageiras ou persistentes, conforme já tiveram occasião de observar Hasse e Gesellius. Da natureza do sangue na transfusão. Em suas notáveis experiências observou o physiologista Brown Se- quard que, praticando-se a transfusão em animaes, cujas propriedades vitaes se achavam abolidas, por algum tempo, o resultado da operação variava conforme procedia o sangue da veia ou da artéria do animal, levando, é certo, os resultados colhidos pelo emprego do sangue arte- rial, em suas numerosas pesquizas, vantagens incontestavelmente su- periores aos obtidos por intermédio do sangue venoso. Diz ainda o illustre physiologista americano que só o sangue arte- rial é capaz de restituir ao organismo as propriedades vitaes quando extinctas ou abolidas. Não levamos o nosso enthusiasmo ao absolutismo de semelhante proposição, porquanto não podemos esquecer os inconvenientes occasio- nados pela ligadura de uma artéria no homem, inconvenientes, que, é facto conhecido, em um grande numero de casos, não têm compensado o resultado da operação. Além d'isto os animaes experimentados por Brown Sequard estavam exangues, em estado de morte apparente, e não puderam, talvez, por isso, oxygenar em seus pulmões, o sangue venoso injectado, circum- stancia desfavorável ao emprego do sangue venoso, e que indubita- velmente, passou em silencio no espirito do illustre experimentador, que tanto se pronuncia contra o emprego d'este sangue na pratica da transfusão, — 19 — A questão, portanto, de preferir-se o sangue arterial ao venoso, só pôde ser agitada debaixo do ponto de vista da experimentação physio- logica, e nunca sob o ponto de vista pratico, porque nenhum cirurgião se lembrará de abrir a artéria do indivíduo que fornece o sangue para salvação de outrem, tendo em vista, principalmente, que uma ferida arterial, por menor que seja, é sempre grave. O facto da ligadura de uma artéria no homem acarretar accidentes graves, como succedeu a Küster, e o mesmo perigo deixando de exis- tir, quando o sangue é fornecido por animal de espécie diversa do homem, dá logar a que prosigamos no estudo da seguinte questão : É indiferente injectar-se nos vasos do homem o sangue de um animal qual- quer ? Questão agitada logo no começo do emprego d'esta operação, póde-se ainda hoje dizer se acha tão adiantada como nos tempos de Dénis e Emmeretz, no século XVII, épocha, em que, como vimos, o sangue empregado era o de cordeiro, de bezerro, etc. Mais tarde esta pratica foi esquecida e raras vezes se empregou outro sangue, que não o do homem. Quasi desamparada se achava esta pratica quando o grito de alar- ma, dado por Gesellius (de S. Petersburgo) e Hasse (de Nordhausen) correspondido por diversos clínicos, especialmente italianos, veio re- conquistar para semelhante methodo um novo e honroso logar. Não obstante, alguns physiologistas têm procurado obumbrar as vantagens d'este methodo, sobresahindo, d'entre elles, Panum, que, depois de enumerar as experiências realizadas, conclue que a transfusão feita nes- tes últimos tempos com o sangue de cordeiro e outros animaes, já en- saiada, abandonada e condemnada, ha mais de dous séculos, é sempre uma operação inútil e perigosa. Logo depois do apparecimento dos trabalhos de Gesellius e Hasse, os clínicos italianos praticaram a transfusão com sangue animal de es- pécie diversa, e, se não conseguiram resultados satisfactorios, demons- traram ao menos a innocuidade de semelhante pratica. Bem se vê quanto embaraçosa é a questão a resolver, pois, se de um lado os physiologistas a condemnam, de outro a clinica louva-se de tel-a praticado. Todavia, é de observação que a transfusão entre animaes de espécies differentes traz insuccessos tanto mais accentuados, quanto mais afastadas são as espécies a que pertencem os animaes. A transfusão com o sangue de animaes de espécies heterogêneas, mas pertencentes á mesma classe não deu sempre resultados funestos, como succedeu a Panum e Ponfick; a hematuria e as hemorrhagias intersticiaes, fre- — 20 — quentes na pratica destes experimentadores, raras vezes foram obser- vadas por Oré, Gesellius, Glénard e outros. Estes accidentes são, na opinião do professor Oré, determinados pela plethora, libertando-se o animal do excesso de sangue por exosmoses vasculares. Apresenta o Dr. Oré uma importante estatística em que i54 casos de transfusão no homem com o sangue de animaes de espécies diversas deram o seguinte resultado: 64 curas, 20 melhoras de estados mórbidos chegados a período extremo, 43 estados estacionarios, um duvidoso e 26 mortes. Além destes casos citados pelo Dr. Oré, outras observações têm sido inseridas em diversos jornaes estrangeiros, concorrendo d^sse modo para augmentar o algarismo das estatísticas conhecidas Acreditam alguns auctores, procurando indagar a causa da morte dos animaes em que se tem feito a transfusão com o sangue nas condi- ções especificadas, ainda ha pouco, na estatística do Dr. Oré, que a morte se dá em virtude da falta de proporcionalidade entre o calibre dos capillares e a fôrma e volume dos glóbulos estranhos. Outros com- param o glóbulo ao espermatozoide d'um animal que não pôde fecun- dar o óvulo d1um outro de espécie heterogênea. Abstendo-nos de discutir esta ultima proposição, discussão que nos levaria a um terreno inteiramente estranho ao nosso trabalho, diremos que não se deve, exclusivamente, attribuir aos glóbulos vermelhos os resultados fataes, colhidos em um grande numero de casos, por alguns experimentadores. A1 vista, portanto, dos factos exarados, não podemos aceitar nem as opiniões extremadas de Panum e outros a respeito da transfusão com sangue de animal de espécie diversa, nem tão pouco participar do en- thusiasmo de Gesellius que denominou a esta pratica de nova éra : —a da prodigalidade sangüínea. Gesellius propoz ainda que se injectasse o sangue dos capillares ; semelhante methodo, porém, foi abandonado, até por seu próprio auctor. Dado por concluído o estudo d^sta questão diremos que já se passou a épocha em que um empirismo brutal subjugava o medico, não lhe facultando o direito de indagar da razão dos meios emprega- dos ; actualmente, porém, que, se a theoria não deve sempre preceder a clinica, deve esta ser explicada por aquella, não nos é licito aceitar, senão com reserva, a pratica da transfusão no homem com o sangue de animaes de espécies heterogêneas. 3N^EETKC03DOS OPERATOEIOS Ao encetarmos o estudo dos methodos operatorios cumpre-nos apontar qual o melhor meio de pôr em pratica a transfusão, questão tanto mais necessária, quanto é reclamada para o bom êxito da ope- ração. Os auctores que d^sse assumpto mais se têm occupado n'estes últi- mos tempos, procurando sempre imitar o professor Roussel (de Genebra) reduziram, como este, a transfusão aos quatro methodos seguintes : [ Veno-venosa, rp ~ 1 Veno-arterial, >A0 < Arterio-venosa, Arterio-arterial. Transfusão veno-venosa. Reputamol-a mais conveniente, já por ser mais vezes praticada, já porque os perigos a que o indivíduo que fornece o sangue sujeita-se são insignificantes, attenta a épocha de Broussais, em que as sangrias eram praticadas em tão larga escala, que chegavam ao abuso. N'estas condições o ventriculo direito é naturalmente estimulado por seu ha- bitual excitante, emquanto que nas veias circula um liquido sahido de vaso idêntico. A transfusão veno-venosa é ainda a que conta maior numero de successos; poderíamos, pois, transcrever as estatísticas publicadas, se a semelhante gênero de pesquizas podessemos conceder o rigor scientifico de que carecem, limitando-se os auctores a descrever o apparato das suas operações sem fallar das circumstancias capazes de fornecer dados verdadeiramente racionaes. — 22 — Impressionado pela tensão que as veias adquirem pela applicação de um laço e contracçoes musculares, produzindo, muitas vezes, por picada de uma d^llas um jacto de sangue pouco differente do jacto arte- rial, julgou M, Parinaud poder utilizar-se d'esta circumstancia, prati- cando a transfusão directa pela communicação, por meio de tubos de borracha, da veia de um indivíduo são com a de um outro que recla- mava o emprego da transfusão e cuja tensão venosa se achava reduzida ao minimo. A observação em que semelhante processo operatorio foi utilizado teve máo êxito, talvez, por intervir-se demasiadamente tarde e achar-se o doente em estado já desesperador. Transfusão veno-arterial. Foi Graefe, em 1866, quem propoz e realizou pela primeira vez este methodo em doentes atacados de cholera. Consiste a pratica no seguinte : Descoberta a artéria radial no pu- nho, ou a tibial posterior abaixo do maleolo interno, isola-se a artéria escolhida e passa-se por baixo quatro fios de ligadura, servindo um para impedir o curso do sangue que vem do coração durante a operação, outro para fixar uma canula, e os restantes são considerados fios de precaução. Incisada a artéria em fôrma de bisel, fixa-se a canula. Feito isto transfunde-se para a peripheria sangue venoso desfibrinado. Con- cluída a operação liga-se a artéria e faz-se um curativo simples. Os phenomenos que então se observam para a parte como sejam : vermelhidão, entumecimento, suor, dôr, etc,, são, na phrase de Hunter, passageiros e portanto sem importância. Para provar a efücacia d^sse methodo o seu auctor cita dous casos de congelação das extremidades em que semelhante pratica foi se- guida de resultados satisfactorios. Na verdade, em um caso de conge- lação das extremidades, deve-se preferir a transfusão veno-arterial, pois a dilatação dos capillares produzida pelo excesso de sangue, determi- nando, por assim dizer, maior irrigação dos tecidos congelados, deve muito concorrer para se obter a cura. Todavia o calibre das artérias radial ou tibial, permittindo com difEculdade a entrada do sangue, tem dado logar a que alguns cirurgiões considerem este methodo até certo — 23 — ponto inconveniente e impraticável. Accresce ainda que o sangue des- fibrinado, que é o preferido n'este methodo, pôde acarretar accidentes, já observados por clínicos notáveis, a despeito da opinião de Hunter que sustenta ser o emprego do sangue desfibrinado um elemento de segu- rança para o bom êxito da operação. A entrada do ar nas veias que este methodo parece obstar, justifi- caria a preferencia d^lle, se não dispozessemos actualmente de appare- lhos aperfeiçoados capazes de tanto conseguir. Não encontramos, pois, vantagem em seguil-o sempre, tanto mais quanto na pratica torna-se muitas vezes necessária uma sangria prévia pela difficuldade em ven- cer-se a tensão arterial offerecida pelo vaso escolhido, carecendo o cli- nico de grande sangue frio e sólidos conhecimentos anatômicos para não perder tempo na pesquiza da artéria, sempre que se tornar impe- riosa a necessidade de intervir. Entretanto este methodo foi aceito em Itália e na Allemanha por muito tempo, até que os perigos da secção e ligadura d'uma artéria motivassem, mais tarde, da parte dos seus adeptos, completo abandono. Transfusão arterio-venosa. Heyfelder, cirurgião em S. Petersburgo, tendo em vista as proprie- dades vivificadoras do sangue e um manual operatorio mais expedito, propoz e praticou este methodo, fornecendo o homem o sangue para a sua realização. Consiste elle em communicar-se a artéria radial ou a tibial posterior de um indivíduo são, com a veia do doente incisada em V, por meio de um tubo de borracha de 20 centímetros de exten- são e cinco millimetros de diâmetro. As vantagens apregoadas por seu auctor não são sufficientes para lhe darmos preferencia, mesmo, esquecendo os accidentes que podem sobrevir ao transfundente. Tratando-se do sangue animal é este o me- thodo que devemos preferir. Os antigos transfusistas Dénis, Emme- retz, Lower e King seguiram-^o sempre, e, não ha muito tempo, elle foi novamente introduzido na pratica por Hasse e adoptado por quasi todos os médicos italianos. Resolvido o problema physiologico da in- nocuidade da mistura dos sangues de espécies differentes, não duvidare- mos, depois de algumas modificações, preferil-o a qualquer outro me- thodo, — 24 — Consiste o processo de Hasse, modificado por Gesellius, no seguinte: fixado o animal, desnuda-se a artéria carótida que recebe uma canula de vidro ou de metal ligada por um tubo de seis centímetros a uma outra canula que se introduz em uma das veias superficiaes do ante- braço do doente, veia que se cortará transversalmente e se conservará aberta por meio de duas pinças até introduzir-se a canula. Bem sensível se torna a imperfeição d^ste processo; com effeito, sendo o coração do animal o motor da corrente sangüínea não temos meios de impedir que o sangue venoso recalcado para o pulmão e eixo cerebro-espinhal produza stases, nestas condições, inevitáveis. Gesellius avaliava a quantidade de sangue injectado, calculando a que corria pela canula durante um segundo, em um vaso graduado. Se isto póde-se fazer ao ar livre, outro tanto não acontece na veia onde o sangue encontra resistência. Demais, a quantidade do sangue que corre em um segundo, é sempre variável, porquanto está dependente da maior ou menor energia da contracção cardíaca do animal, circumstancia repu- tada de grande importância, e, no emtanto, esquecida por Gesellius. Ponza, no propósito de obviar estes inconvenientes, em seu modo de pensar, devidos á pressão arterial do cordeiro que é sete vezes superior á tensão venosa do homem, propoz augmentar a extensão do tubo, com o fim de moderar o choque por demais brusco produzido por aquella pressão; 12 centímetros, de acordo com os cálculos de Ponza, bastam para conseguir-se este resultado. Nós acreditamos, seguindo a pratica de Julien, poder remover estes obstáculos, escolhendo em vez da carótida, uma artéria mais afastada do centro circulatório, a femural, por exemplo. Attentas estas difficuldades e o incommodo de transportar-se o ani- mal para o quarto do doente, Glénard, baseado em seus estudos sobre a coagulaçao do sangue, propoz um processo completamente novo, que não sabemos se já foi empregado no homem, mas cuja pra- tica entre os animaes tem contado não poucos successos. Quer o physio- logista Glénard que se pratique a transfusão com sangue animal por meio de segmentos vasculares, que permittem, segundo suas experiên- cias, conservar o sangue em estado de fluidez por espaço de algumas horas. Pelo processo de Glénard póde-se obter um segmento, contendo 200 ou 3oo grammas de sangue, que se pôde conservar ainda fluido em um vaso depois mesmo de decorridas 6 ou 8 horas. Após algumas ex- periências demonstrativas da integridade do sangue, assim condicionado, este illustre physiologista observou, pelo exame microscópico, a flui- — 25 — dez do sangue, os glóbulos em tal estado de perfeição, que, a não ser o segmento muito pequeno e a evaporação muito rápida, um observador desprevenido acreditaria achar-se em presença d'um sangue na occasião subtrahido ao animal. Quanto ao plasma, continua Glénard, a que se attribue um papel secundário, relativamente á transfusão, e para nós é a própria vida, o agente vivificador por excellencia, este plasma, como o comprehendia Harvey, podíamos contar com elle, sabendo, se estivesse morto seria coagulado, quando aliás o microscópio prova a conservação de sua inte- gridade, de sua fluidez, mesmo depois de 24 horas no segmento. O processo de Glénard consiste em praticar-se a sangria na prega do cotovelo, prévia ou não, segundo a indicação; depois introduz-se na abertura da veia a extremidade obtusa de uma canula, cuja extre- midade opposta deve ser cortada em bico de clarineta, bem acerado ; então deixa-se apparecer na extremidade da canula algumas gottas de sangue, afim de barrear as suas paredes internas ; introduz-se a extre- midade acerada no segmento sem deslocal-a ; tira-se a ligadura do braço e uma compressão gradual do segmento esvasiará pouco e pouco o seu conteúdo no systema vascular do doente. Na opinião de Glénard póde-se ainda arterialisar o sangue, fazendo passar pelo segmento uma corrente de oxygeno, tanto mais necessária, quanto é o sangue, além de venoso, de espécie animal differente. Infe- lizmente, porém, os annaes das experimentações não relatam obser- vação alguma d'esta pratica no homem; novas pesquizas somente serão capazes de decidir da sua utilidade ou rejeital-o á vista da impossibili- dade de sua difficil execução. Apresenta este processo apenas o inconveniente de não termos sem- pre um animal á nossa disposição, vendo-nos assim inhibidos de preen- cher uma indicação urgentíssima. Todavia elle é chamado a representar papel conspicuo na transfusão entre animaes de espécie heterogênea. Transfusão arterio-arterial. Aconselhado, desde 1874, por Küster, consiste este methodo em communicar, por meio de um tubo de borracha, munido em suas ex- — 26 — tremidades de canulas trocateres, as artérias dos indivíduos destinadas á operação. O facto de podermos aqui reproduzir as mesmas objecçÕes e vantagens do methodo arterio-venosa, e de ter elle sido empregado por Heyfelder e outros sem o menor resultado, inhibe-nos de entrar em outras considerações. Todavia, podemos referir á transfusão arte- rio-arterial o meio proposto por Guérin, denominado communidade san- güínea e por Ponza transfusão reciproca. Observemos como Guérin a praticaria no homem: collocado o braço do doente no bordo do leito, descobre-se a artéria radial e isola-se-a ; comprime-se depois, por meio de pinças, em dous pontos dous a três centímetros distantes um do outro, evitando d'esse modo a perda do sangue e a formação de coalhos, porquanto no espaço com- prehendido entre as pinças, tem-se uma artéria vasia, que se pôde seccionar, e que depois apresenta uma extremidade cardíaca e outra peripherica. Pratica-se do mesmo modo no indivíduo são. Em seguida, por meio de dous pequenos tubos de borracha do mesmo calibre que a artéria e munidos de canulas nas extremidades, faz-se communicar o systema arterial de ambos os indivíduos. Imaginemos, para maior clareza, que os tubos tenham um o n. i e o outro o n. 2. Uma das extremidades, munidas de canula, do tubo n. 1 é introduzida e fixada por uma ligadura na extremidade cardíaca dVjuelle que fornece o sangue, ao passo que a outra é collocada na extremidade peripherica d^quelle que recebe. Quanto ao tubo n. 2, uma de suas extremidades, armadas de canulas, é posta na extremidade cardíaca da artéria do doente, a outra é fixada na extremidade periphe- rica do indivíduo são. D^sfarte os dous tubos se cruzam e formam um X. Durante a operação a impulsão communicada ás artérias levanta os tubos e os dous indivíduos vivem do mesmo sangue. Gué- rin appella também para o phenomeno da união dos irmãos Siamezes, em que a circulação se torna commum entre dous indivíduos, por espaço de dias, chegando muitas vezes a passar todo o sangue de um para os vasos do outro e vice-versa. Em condições taes, quem poderá julgar do futuro d'este methodo ? Dizia Guérin em 1872 no congresso de Bordéos : — Horizontes novos, incommensuraveis, se abririam para a medicina, etc. Até hoje, porém, estes horizontes ainda não se descortinaram, e, — 27 — é para crer, a communidade sangüínea não passará jamais de um mytho. Numerosas objecçÕes têm sido apresentadas contra este processo ; os inconvenientes e perigos que trazem a ligadura das artérias, espe- cialmente n'estas circumstancias, não podem ser esquecidos. Demais, uma circumstancia que o Sr. Guérin reputa vantajosa em seu methodo, é não se utilizar do sangue venoso, carregado de ácido carbônico e outros productos. Já dissemos quanto bastava sobre a escolha do sangue venoso ou arterial; accrescentaremos que na pratica os seus effeitos são perfeita- mente idênticos. Para os que só se convencem á vista de estatísticas, diremos que em 117 casos de hemorrhagias, tratadas pela transfusão, 87 curas foram obtidas, e isto com o auxilio de methodos conhecidos antes da communidade sangüínea. Referindo-nos á transfusão reciproca, diremos que o seu manual é muito delicado, que eila não evita as embolias, que é necessário que os tubos e as canulas se adaptem perfeitamente, afim de não formarem arestas,condição favorável á coagulaçao, além de se tornar indispensável absoluta immobilidade da parte dos indivíduos. Como se vê, na pratica, é muito difücil obter-se a realização de tantos requisitos. Accentua-se ainda a inexequibilidade d^ste methodo pela dirficuldade de encontrar-se um indivíduo que se queira sujeitar a um sacrifício perfeitamente obviado por outro qualquer methodo. E, pois, não encontrando vantagem alguma na transfusão reci- proca, louvamos o procedimento d^quelles que a proscreveram da pratica cirúrgica. i^laj^tjj^x^ OPERATORIO Bem considerável é o numero de apparelhos apresentados para o uso da transfusão. Póde-se dizer mesmo que todos os que se têm oc- cupado d^ste assumpto têm construído apparelhos, com o fim, dizem todos os inventores, de obviar alguns inconvenientes, tornar mais fácil o manejo e seguro o resultado. Seja dito, entretanto, que, a despeito de todos os esforços dos fabricantes e experimentadores, ainda não dís- — 28 — pomos de um apparelho que preencha todos os quesitos exigidos, que permitta a fácil e desassombrada pratica da transfusão, sendo no em- tanto possível, com uma sabia combinação de elementos já conhe- cidos, obter-se um apparelho que satisfaça plenamente todas as con- dições exigidas. Os apparelhos inventados para a execução da transfusão variam conforme se trata de fazer passar ou não o sangue do indivíduo, ao abrigo do contacto do ar. Podem, portanto, ser grupados em duas classes : i .a Apparelhos para transfusão mediata. 2.a Apparelhos para transfusão immediata. Estes últimos podem ser divididos em apparelhos cujo propulsor é o coração do animal, que fornece o sangue, e apparelhos cuja propulsão é automática ou praticada pelo operador. Entre os primeiros, alguns ha cuja propulsão é exercida pelo operador ou por meio automático; outros ha cujo propulsor é o próprio peso do sangue a injectar-se. Fácil é, pois, comprehender-se. que não podemos descer á ana- lyse de todos os apparelhos existentes; descreveremos apenas os mais empregados pelos práticos modernos, deixando de parte muitos outros, alguns dos quaes foram até abandonados pelos seus próprios auctores, como succedeu com o primeiro que Gesellius propoz. Apparelho de Roussel. — Consiste em fazer praticar a sangria de- baixo d'agua, e expellir o sangue n'um canal vasio de ar e cheio d'agua, depois de estabelecida a communicação das veias dos dous indivíduos. Pretende o Dr. Roussel realizar o seu intento por meio de um ventosa annular applicada sobre a veia que deve fornecer o sangue; a abertura da veia se faz por uma lanceta de mola, occulta ; a sangria é praticada ao abrigo do contacto do ar. Como se observa, este apparelho é bastante complicado ; uma sim- ples descripção não pôde dar idéa exacta do seu mechanismo ; ha ne- cessidade de vel-o, pelo menos desenhado, para que possamos fazer uma idéa approximada. O professor Béhier diz, criticando o apparelho de Roussel, que difficilmente se poderá obter a adherencia da ventosa, o vácuo será sempre compromettido pelo desprendimento dos gazes do sangue e da água empregada. Foi o apparelho de Roussel por vezes empregado por Béhier, mas sempre com resultados máos. Não obstante, o apparelho de Roussel, n'um concurso havido, em 1875, na Allemanha, alcançou — 29 — victoria sobre todos os outros, passando d^sta data em diante a ser adoptado n'este paiz e também na Rússia. Apparelho de Collin. — Permitte o instrumento de Collin (20 mo- delo) pela simplicidade de sua construcção, pela segurança do jogo e pelas disposições internas, que em nada favorecem a coagulaçao do sangue ou qualquer outro accidente, fazer da transfusão uma operação facil, de execução prompta e rodeiada de perigos muito inferiores aos que cercam outras operações universalmente aceitas e praticadas. E1 indubitavelmente o apparelho de Collin o que maior numero de adhesões conta na pratica da transfusão com o sangue completo. Eis a sua descripção : « Compõe-se este apparelho de uma cuba, de um corpo de bomba, de uma câmara de distribuição, de um tubo e de um trocater. A cuba, tendo a fôrma de um funil, cuja capacidade é de 3oo grammas, tem 10 centímetros de profundidade e i5 em seu maior diâmetro. E' de nickel e repousa sobre a câmara de distribuição. « O corpo de bomba é um tubo de vidro de 8 centímetros de com- primento, munido em suas extremidades de peças metallicas que ga- rantem a sua solidez. O piston é construído de modo a apresentar ao liquido sangüíneo uma superfície lisa e perfeitamente regular. « O sangue é aspirado da cuba para o piston atravéz da câmara de distribuição, e expellido do piston para o tubo sem soffrer o con- tacto de válvula alguma. u A experiência tem demonstrado, diz Oré, que toda válvula, mul- tiplicando as superfícies do contacto e apresentando ao sangue bordos e arestas, tem por effeito produzir a coagulaçao do sangue. « O fim da câmara de distribuição é tornar precisamente impossí- vel esta causa de coagulaçao. EUa é constituída n'um espaço cylindrico, situado na continuação do eixo do funil, e communicando, por três aberturas iguaes, com o funil, a bomba e o tubo de transfusão ; em seu interior existe uma esphera ouça de alumínio ou de borracha endurecida, cuja densidade é calculada e reconhecida menor que a do sangue. « Esta esphera fluctua no sangue da câmara. No momento da aspi- ração do piston, o sangue descendo para o corpo da bomba a desloca, mas recupera logo a sua posição primitiva, de sorte que, durante a impulsão, impede que o sangue reflua para o funil; este não tem, portanto, senão que seguir o caminho do tubo de transfusão. « Este mechanismo offerece uma vantagem muito mais séria que — 30 — a de sua simplicidade : elle lorna impossível, mesmo que se queira, a propulsão do ar na veia. « Visto que a esphera não desempenha o papel de válvula senão com a condição de fluctuar, comprehende-se que, desde que o funil e, por conseqüência, a câmara de distribuição que consti- tue-lhe o fundo, estiverem vasios, a esphera cahirá por si mesma na parte inferior, e se applicará automaticamente sobre o orifício do tubo transfusor. A bomba poderá aspirar o ar, mas o expellirá pela única sahida livre : a abertura do funil. A bola que impedia o refluxo do sangue para o funil, emquanto o apparelho estava cheio, impede o refluxo do ar nas veias, quando este está vasio. Este resultado obtem-se utilizando uma força mais constante que a das válvulas, uma força invariável: a gravidade. « Da parte inferior da câmara parte um tubo em cuja extremidade livre ha uma agulha ouça, destinada a adaptar-se perfeitamente na canula do trocater fino que acompanha o apparelho e serve para pun- cionar-se a veia do doente. » As vantagens do apparelho de Collin foram reconhecidas e muito apreciadas pelo professor Béhier que o apresentou á Academia de Medicina de Pariz, fazendo-o acompanhar de uma nota que muito o abona. Cumpre, todavia, haver o máximo cuidado no emprego do tro- cater d'este apparelho, afim de evitar que a veia seja atravessada de lado a lado, como já succedeu em 1875, n'um doente do Hotel-Dieu, em quem Nicaise praticou esta operação. Muitos outros apparelhos existem, e, d1entre elles, referiremos os de Moncoq e Oré, que muito se approximam do aspirador de Dieulafoy, cujos serviços na thoracentese são quotidianamente assignalados. E, pois, tendo em vista que nem sempre o clinico pôde dispor dos apparelhos já mencionados, cumpre-nos lembrar que um instrumento ha em todo arsenal de cirurgia que pôde prestar serviços reaes n'esta operação, queremos fallar da seringa ordinária. A seringa pela sua fôrma e simplicidade não deixa o sangue em contacto do ar senão em uma extensão muito insignificante. Cercan- do-se-a de compressas molhadas em água iria, impedimos que a coagu- laçao do sangue se produza. Afastados, pois, os accidentes que mais podem comprometter o resultado da operação, encontramos todas as vantagens na seringa ordinária, cuja applicacão em casos de trans- — 3L — fusão conta já dous successos, segundo o attestam Desgranges e Mar- monier. Belina apresentou também o seu apparelho para a transfusão do sangue desfibrinado ; abstemo-nos de descrevel-o, porquanto as van- tagens que elle apresenta, em taes casos, podem perfeitamente ser colhidas com o emprego da seringa ordinária. Is/LOJDO IDE OPERAR Requer-se para o bom êxito da operação um indivíduo robusto, de saúde vigorosa, ordinariamente pertencente á familia do doente, e que além de tudo isto, forneça o seu sangue com generosidade e denodo. Outrosim, não convém que o cirurgião forneça o seu próprio sangue, a exemplo do que fizeram Maurício Raynaud e Nassbaun ; pois, a par de outros accidentes, uma syncope pôde sobrevir e mallograr o resul- tado da operação. A questão de preferir-se esta áquella veia, não deve ser desprezada pelo cirurgião; assim a escolha da veiajugular, torna-se inconveniente, porque, apresentando completa adherencia com a aponevrose de modo a deixal-a aberta, facilita a entrada do ar no vaso. As saphenas, achan- do-se muito distantes do centro circulatório, só devem ser preferidas nos casos em que se torne impossível o recurso das veias medianas basílica e cephalica, que, pela posição que occupam, offerecem vanta- gens incontestáveis. Dito isto, passemos a descrever a operação: deitado o doente em decubito dorsal com a cabeça no mesmo plano que o corpo e approxi- mado do bordo direito do leito, estende-se o braço do doente sobre um pequeno movei. Um ajudante é encarregado de suster o braço do doente e vigiar a canula, munida de um mandarin obtuso, que tem de ser introduzida na veia do doente; o outro ajudante encarrega-se de manter o braço que fornece o sangue. O indivíduo que fornece o sangue deve collocar-se ao lado do operador e ter o braço ao nível do bordo do funil. O operador, escolhendo uma posição conveniente, segura o appa- relho, que nós imaginamos ser o de Collin. Feito isto, ligam-se os braços dos dous indivíduos, como se tivéssemos de praticar uma sangria. O cirurgião punciona o braço do doente e introduz cautellosamente a — 32 — canula munida do mandarin até dous centímetros, entregando-a logo ao ajudante. Punciona-se depois a veia do indivíduo que vai fornecer o sangue; o ajudante encarregado d^ssa tarefa não deve deixar sahir de cada vez, senão 10 a i5 grammas de sangue. O cirurgião aspira o san- gue até metade do corpo de bomba e impelle-o bruscamente para ex- purgar o ar do apparelho. Immediatamente, substituindo o mandarin pela canula do tubo, o operador imprime ao piston um movimento de torsão da direita para a esquerda, afim de aspirar de novo o sangue, e, fazendo outro movimento em sentido inverso faz passar o sangue no braço do doente, até a quantidade julgada sufficiente. Este tempo da operação é muito importante. A projecção do sangue, qualquer que seja o apparelho, deve ser moderada ; a impaciência e a pressa compromettem o resultado. Deve-se procurar imitar a marcha do sangue no organismo, porquanto o coração muitas vezes enfraque- cido não pôde supportar um grande abalo, as suas paredes cessam de contrahir e a morte por syncope pôde sobrevir. Convém também muito attender ás alterações do pulso e modificações dos movimentos respiratórios. Bem se comprehende que nem sempre é possível realizar a operação com todas essas minuciosidades; ao clinico, pois, em caso urgente, compete pratical-a do melhor modo, tendo em vista as circumstancias que lhe parecerem mais vantajosas. Relativamente á quantidade de sangue a injectar, diz Béclard, não é necessário represente a totalidade do sangue perdido ; pois, se assim fosse, tornar-se-hia o processo inadmissível, porque exigiria para o res- gate de uma existência o sacrifício de uma outra. Varia de 6o a 200 grammas a quantidade de sangue necessário para a injecção, perda a que sujeita-se o indivíduo que o fornece, mas, facil de reparar-se por meio de uma alimentação substancial e abundante. — 33 — ACCIDENTES E COMPLICAÇÕES A penetração do ar nas veias e a coagulaçao do sangue são indubi- tavelmente os dous accidentes que mais perigos trazem á pratica da transfusão. E1 innegavel que esta operação foi outriora praticada com algum successo, apesar dos máos instrumentos empregados; mas é certo também que muitos revezes se deram devidos a esses accidentes, e com especialidade á coagulaçao do sangue, que os antigos transfusistas não sabiam evitar. Entrada do ar nas veias. — A penetração do ar na torrente circulatória só tem logar quando se abre uma veia do pescoço ou da axilla ; e isto mesmo por causa dos movimentos respiratórios. Ev um accidente, felizmente, raro. A sciencia só conhece três casos de trans- fusão seguidos de morte por penetração do ar nas veias, e em dous destes a operação foi praticada na jugular externa, por não serem as veias dos membros muito visíveis (factos de Jewell e Boyle e de V. Bitgen). E' verdade que o ar pôde penetrar pela veia que se injecta o sangue; é, pois, conveniente praticar-se uma ligadura, um pouco frouxa, acima do ponto que se tem de incisar; effectuada depois a abertura do vaso e introduzida a canula do instrumento aperta-se a ligadura contra as paredes da canula. Assim, procedendo, não se deve receiar esse accidente. Comtudo, se, apesar de todas as cautellas durante a operação, o doente apresentar qualquer movimento convulsivo deverá o operador suspender imme- diatamente a operação e esperar que passe este accidente. O professor Béhier, porém, manifesta-se contra semelhante pratica e faz vêr que a constricção produzida na veia pela ligadura é capaz de determinar uma phlebite, além de que a vasta solução de continuidade necessária para executar este processo, sendo geralmente feita em indi- víduos fracos e depauperados pôde occasionar uma erysipéla ou deter- minar uma suppuração do tecido cellular. Está hoje provado pelas rigorosas experiências de Blundell, Amussat, Nvsten e Magendie que o ar, em pequena quantidade, injectado nos — 34 — vasos não acarreta desordens duráveis. O Dr. Oré em vista das expe- riências a que procedeu veio corroborar a verdade d'esta proposição. Os accidentes observados por occasião da penetração do ar se resumem, na opinião de Longet, em ligeiras convulsões. Deve-se, entretanto, fazer a injecção com a maior lentidão possível, afim de evitar que semelhante accidente se produza. O vácuo do apparelho empregado deve ser feito com todo o rigor. Coagulaçao do Sangue.— Causa é esta que impedindo a intro- ducção do sangue nos vasos pôde dar logar a embolias, cujas conse- qüências funestas não são desconhecidas. Entretanto, graças aos re- cursos de que já dispõe a sciencia, este accidente pôde sem difficuldade ser evitado. Phlebite.—E' uma complicação que apparece algumas vezes. A dissecção da veia e a irritação produzida pela ligadura deviam muito concorrer para a sua apparição; entretanto, são raros os casos de phle- bite suppurada, e o processo de Béhier, de que já nos occupámos, tende a afastar cada vez mais o seu apparecimento. Dyspnéa.— Phenomeno muitas vezes observado e determinado pelo grande affluxo de sangue nos vasos pulmonares, pôde ser evitado, já pela lentidão da injecção, já pela perda de um pouco de sangue que se deixa correr da veia do doente, quando a dyspnéa tende a exa- gerar-se. Syncope.— Determinada pela chegada brusca ao coração de uma onda grande de sangue, produz, segundo alguns auctores, morte rá- pida já observada por occasião de praticar-se esta operação. Finalmente temos a hematuria, os vômitos, a dôr lombar, a urti- caria e pruridos violentos, phenomenos já por vezes apreciados por Casselli. Terminaremos esta parte de nosso ponto, consagrando algumas pa- lavras aos cuidados que se deve ter por occasião de se lançar mão d^sse meio therapeutico. Uma vez praticada a transfusão e conjurado o perigo, o operador não deve retirar-se sem rodeiar o doente de cuidados consecutivos, que se tornam indispensáveis para garantir e consolidar a cura. O sangue transfuso não pôde, com effeito, prestar-se, senão em di- minuta escala, para a nutrição immediata do organismo. Preenchida, pois, a indicação urgente que consiste em restituir o movimento ao — 35 — systema orgânico, permittindo a continuação da vida, devemos pro- porcionar ao organismo materiaes próprios para a sua reconstituição, e meios therapeuticos tendentes a reparar as perdas soffridas. Aproveitando a reacção que se manifesta sob a influencia do san- gue transfuso, diz Moncoq, o operador apodera-se d^lla para conti- nual-a com o soccorro destes mesmos meios therapeuticos que, ainda ha pouco, impotentes, tornam-se agora muito efficazes, porque o orga- nismo readquirio uma sufficiente vitalidade. Portanto, devemos recorrer aos estimulantes, aos excitantes, aos tônicos por excellencia, á quina e ao ferro; a cura é garantida desde então, a menos que não haja uma complicação inteiramente independente da operação. PARTE THERAPEUTICA INDICAQÕE1S E CONTRA-INDICAÇÕES O estudo d'este importante assumpto deve merecer muita attenção da parte do clinico; as poucas noções de que dispunham, a este res- peito, os physiologistas e experimentadores antigos obstavam, com effeito, que a transfusão tivesse outriora applicaçÕes bem legitimas, resultando, d'esse facto, insuccessos numerosos que comprometteram gravemente a operação. Desde, porém, que a transfusão entrou em sua phase scientifica, os activos apóstolos de sua rehabilitação têm-se esfor- çado, incessantemente, por elucidar esta questão, de sorte que hoje acham-se já suficientemente determinadas as condições precisas de suas variadas indicações, assim como as circumstancias que se oppÕem á opportunidade de sua applicação. Passemos agora em revista os casos em que a transfusão é indicada. Metrorrhagias puerperaes.—Entre os diversos estados mór- bidos que reclamam a transfusão do sangue, são as metrorrhagias, indubitavelmente, aquelles em que esta operação tem alcançado mais assignalados triumphos. O professor Oré, em sua excellente obra sobre transfusão, depois de enumerar os grandes successos obtidos por esse meio therapeutico, diz :—A' vista de semelhante resultado, não se está só auctorizado a concluir que a transfusão é perfeitamente indicada para combater a metrorrhagia que sobrevem durante a prenhez ou de- pois do parto, mas a formular também esta proposição muito mais absoluta : — Não é mais permittido a um parteiro, a um cirurgião, deixar morrer uma mulher de metrorrhagia sem ter recorrido á trans- fusão. » « Accrescento, para completar meu pensamento, que este recurso em vez de ser tardio como tem sido até hoje, deve dominar o trata- mento das hemorrhagias uterinas. Longe de esperar, como se faz quasi sempre, que a doente se esgote inteiramente, que seja condemnada a uma morte certa; em vez de continuar o emprego desses meios, cuja inutilidade a rotina tem consagrado, mas cuja proscripcão a rotina e o — 37 — principio dos usos impedem, dever-se-ha recorrer á transfusão desde que fôr demonstrado que a perda de sangue não pára, e que, deixan- do-a continuar será infallivel a terminação fatal. « E depois para que esperar ? A historia clinica da metrorrhagia tratada por este methodo forneceu-nos já um só revéz, que se possa com razão attribuir-lhe ? « Se elle não tem impedido a morte sempre, também não a occa- sionou jamais. « Accrescento, finalmente, que três vezes ou quatro este methodo tem chamado á vida pobres mulheres condemnadas a morrer. Citem-nos uma operação cirúrgica cuja efficacia a estatística estabeleça sobre bases tão sólidas e tão legitimas ! » A importância da transfusão se torna tanto mais palpável, quanto concludente, quando por uma inserção viciosa da placenta, ou outra causa qualquer, a mulher soffre, logo após a expulsão do feto, uma perda considerável de sangue, capaz de determinar completo esgota- mento e morte apparente. Em condições taes uma injecção de 3oo grammas de sangue rico e vital opera em poucos minutos verdadeiras resurreições. Nestes casos de anemia hemorrhagica, quasi absoluta, sobrevindo em organismos physiologicos, o successo é admiravelmente rápido e durável. Os órgãos em estado hygido até o momento da perda, não têm occasião de se alterar no curto espaço de tempo que se conservam anê- micos, de sorte que o novo sangue injectado vai encontral-os ainda exci- taveis, aptos a funccionar, continuando assim, com regularidade, o per- feito exercício da vida. Foi em um caso de metrorrhagia rebelde que o professor Béhier praticou a transfusão em 1874, obtendo esplendido successo e animando com o seu exemplo a pratica d^sse meio thera- peutico. Martinez dei Rio communicou á Academia de Medicina de Pa- riz por intermédio de Larrey, um caso de cura pela transfusão, em uma senhora, accommettida de metrorrhagias freqüentes e symptoma- ticas de um polypo uterino. Idênticos resultados foram obtidos, ainda em casos de metrorrhagias symptomaticas de fibromas e polypos uteri- nos por Fabri, Awater, Christoforis e Roussel. Não constitue o cancro uterino uma contra-indicação formal da transfusão, pois, não curando a affecção cancerosa, melhora o estado anêmico e pôde assim chegar a termo uma gestação que, na phrase de — 38 — Chantreuil, pôde ter logar; os interesses de família, as exigências so- ciaes, não poucas vezes reclamam a transfusão, já nestas circumstancias praticada por Nicaise e Casse. Hemorrhagias traumáticas.— A transfusão n'estas condi- ções é ainda perfeitamente indicada. Assim deve-se a ella recorrer nos casos de hemorrhagias consecutivas a um ferimento por arma de fogo ; nas que apparecem antes ou depois de uma operação cirúrgica ; nas produzidas por golpes occasionados por diversos instrumentos cortan- tes, etc. Em circumstancias taes, diz Moncoq, a transfusão é uma operação racional. Com effeito, observa elle, supponhamos um homem, aliás são, que por um accidente qualquer perde considerável quantidade de san- gue ; a experiência ensina que mesmo n^ste caso a morte não é imme- diata ; a vida existe ainda, comquanto não se manifeste por pheno- meno algum exterior. O coração, vasio de seu estimulante natural, cessa de bater; o cérebro não recebendo mais sangue não pôde dominar o organismo; o pulmão paralysado suspende o seu movimento alterna- tivo ; é uma syncope, mas não é a morte ; as experiências sobre ani- maes têm-n1© provado exuberantemente. Comprehende-se que em taes casos nada pôde substituir o sangue que falta. Todos os estimulantes possíveis, os sinapismos, a electricidade, o colorico em suas múltiplas fôrmas, tudo isto é incapaz de dar resultados favoráveis. Torna-se, pois, evidente que, aquillo de que carece esse coração que cessou de bater, é o sangue perdido, e se houver pressa em restituir-lhe tão poderoso estimulante elle vai reagir outra vez e enviar ao cérebro nova onda sangüínea; por sua vez o cérebro vai actuar sobre os pul- mões e todas as funcçoes se irão assim restabelecendo. Relativamente ainda ás hemorrhagias traumáticas encontramos, nas clinicas de Bilroth, Simon e Higginson, observações authenticas do em- prego da transfusão em indivíduos que não podiam supportar o trau- matismo das manobras cirúrgicas reclamadas pelas suas affecçÕes. Nestes casos, porém, aconselhamos, de preferencia á transfusão, o em- prego da tira elástica de Esm.irch, ainda o anno passado utilizada em uma das enfermarias de cirurgia do Hospital da Misericórdia, pelo Dr. Bulhões, em um doente em que este methodo operou, por uma verda- deira auto-transfusão, completa resurreição, á vista do estado de syn- cope em que se achava, syncope que, zombando de todos os outros — 39 — meios therapeuticos, acarretaria necessariamente uma terminação fatal, se a isto não obstasse o heroísmo do meio e a perícia do cirurgião. .EplStaxiS.— A transfusão já foi praticada por Mancini em casos de epistaxis dependentes do estado particular da crase do sangue, conhe- cido pelo nome de hemophilia. Com o emprego d'esse meio, Mancini apenas conseguio diminuir a intensidade das hemorrhagias. Na opinião de alguns auctores esta operação é útil na diathese he- morrhagica, dando maior plasticidade ao sangue. Este effeito é contes- tado por outros, que a julgam temerária. Todavia, as poucas obser- vações que existem, não nos permittem apreciar bem as vantagens d^sta operação na hemophilia, estado, felizmente, raro entre nós. Hematemeses e enterorrhagias. — Devemos nestes casos, aconselhar o emprego d^ste meio, em condições muito especiaes, por- quanto o sangue na transfusão, actuando de um modo passageiro, e dirigindo o seu effeito, com especialidade, para o coração, torna-se ne- cessário que os indivíduos se alimentem para não ser frustrado o effeito da operação. Ora, dificilmente, conseguiremos resultado satisfactorio, apresentando os indivíduos uma lesão incurável do apparelho gastro- intestinal, o cancro, por exemplo. Entretanto, Bernheim, Turch, Wendõrfer e outros obtiveram resul- tados favoráveis na metade dos casos, melhorando o estado de anemia, a ponto de obterem curas de doentes que soffriam dessas hemorrhagias dependentes de ulceraçÕes do estômago. Concluído o estudo das indicações d^sta operação nas anemias pro- duzidas por hemorrhagias, transcrevamos, para terminal-o as seguintes palavras de Grisolle : « Lorsque les hémorragies se prolongent longtemps, ou bien lors- que tout-à-coup elles deviennent três abondantes, et que les individus n^nt plus dans les vaisseaux Ia quantité de sang nécessaire pour entre- tenir Ia vie; lorsque Ia syncope se prolonge, et que les malades sont sur le point d1expirer, on ne doit pas hésiter, dans ces cas extremes, à pra- tiquer Ia transfusion. » Cachexia palustre. — Moléstia chronica e determinada pela influencia nociva do miasma palustre sobre o organismo, avulta de dia para dia entre nós, produzindo não poucas victimas, d'onde acreditamos o emprego da transfusão poderá, senão evitar, ao menos attenuar os males que ella possa occasionar. — 40 — A principal e mais importante lesão que produz a acção continua do miasma palustre é a alteração do sangue, dando logar á fluidez d1este liquido, á diminuição dos glóbulos vermelhos, á perturbação das func- çoes de todos os órgãos e finalmente a hydropisias. Reduzido o indivíduo a este ultimo estado da moléstia, em que os tônicos, a hygiene, etc, se tornam impotentes, tendo já a anemia attin- gido um gráo extremo, a transfusão é o único recurso, capaz de deter- minar alguma reacção no organismo. Luigi Cassinari, referindo-se á cachexia palustre, diz, a indicação formal é repetir muitas vezes a transfusão. Sob a influencia da ope- ração, a crase sangüínea se aperfeiçoa, as digestões se fazem melhor, os pigmentos desapparecem do sangue e a cura se estabelece gradual- mente. Este mesmo auctor em 1874, bem como Potemposki e Concato referiram resultados brilhantes de cura de malarias graves, attribuidas a repetidas transfusões. Chlorose.—Nesta moléstia, cuja pathogenia constitue ainda objecto de discussão, e na qual o facto predominante é a hypoglobulia, têm os transfusistas pretendido cural-a, augmentando o numero das hematias. Polli acredita que a transfusão actua na chlorose em virtude de uma acção estimulante dos glóbulos vermelhos operada sobre as glândulas hematopoieticas Qualquer que seja a theoria adoptada para explicar esta anemia, que sobrevem, principalmente na mulher, por occasião de se estabelecerem as funcçoes de reproducção, ella pôde progredir a ponto de determinar phenomenos cacheticos, capazes de pôr em perigo a vida do doente. Nestes casos o emprego da transfusão tem sido bem succedido, segundo o attestam Hasse, Nussbaum, Casse e Roussel. Alienação mental. — As observações de dia para dia ten- dem a demonstrar, segundo o confirmam muitos alienistas modernos, que, na etiologia da loucura simples, cabe um importante papel á ane- mia. E1 á anemia da gravidez e da lactação que Marcé attribuio um grande numero de casos de alienação, observados nas mulheres grávi- das, nas recem-paridas e nas amas; e n1estes últimos annos Schof (ci- tado por Picot) relatou grande numero de observações de alienação consecutiva a moléstias agudas, suppuraçÕes prolongadas, etc. Schof, pensa ainda ser a anemia causa da loucura, que nos homens — 41 — apresenta os caracteres de estado maníaco, e, nas mulheres, com espe- cialidade, os da melancholia. E1 modificando o estado de profunda anemia que alguns alienistas, com especialiade, italianos, têm obtido a cura de muitos dos seus doentes. Como já tivemos occasião de referir em o esboço histórico, Lower, King, Dénis e Emmeretz praticaram-^a em tempos já remotos em dous loucos. Depois da publicação do livro de Gesellius, aconselhando se recor- resse á transfusão animal, os médicos italianos, entre outros, Livi ( de Modena) Casselli, Rudolfi e Mancini praticaram nos hospícios de Brescia e Pezaro differentes injecções com o sangue de cordeiro em indivíduos affectados de lypemania e loucura pellagrosa, contando com o emprego d^sse meio verdadeiros successos. E, pois, elucidada a questão patho- genica da alienação mental, é bem provável que este meio therapeu- tico possa colher resultados mais legítimos. Tuberculose.— Nesta moléstia a transfusão tem sido empregada pelos médicos italianos e allemães, que dão preferencia ao sangue animal. Hasse indica também a transfusão na tuberculose, mas só nos casos em que a anemia é considerável e o mal se patenteia por uma abun- dante hemoptyse com signaes physicos graves. Para Bruegelmann esta operação só tem indicação nos casos em que dous terços dos pulmões se acham intactos ; em outras condições elle reputa-a mais prejudicial que útil. Jaccoud e Labbadie aconselham esta operação como um meio vantajoso somente nos casos em que symptomas graves e aterra- dores ameacem a vida do doente. Intoxicações.— Substancias ha que, exercendo sua acção primi- tivamente sobre os glóbulos, os destroem e impedem o organismo de reparar suas perdas. As interessantes experiências do physiologista C. Bernard poseram fora de duvida o modo de acção particular do oxydo de carbono, que combinado com a hemoglobulina, acarreta a destruição do glóbulo ver- m iiio. E1 nestes casos que a transfusão é chamada a prestar relevan- tes serviços ; ahi ella satistaz á mais racional e urgente indicação, qual a de substituir por glóbulos em estado de perfeita integridade os que foram accommettidos, na phrase do illustre physiologista, de paralysia pelo oxydo de carbono. — 42 — As experiências de Landois e Eulemberg sobre o oxydo de carbono, bem como as que foram praticadas por Maurício Raynaud sobre os pro- ductos de combustão do carvão, previam os successos obtidos na Alle- manha por Sommerbrodt, Hunter, Martin e Bodt. Os effeitos bené- ficos da transfusão têm sido ainda apreciados em outros casos de enve- nenamentos ; assim Jürgensen obteve uma cura em um caso de intoxicação pelo phosphoro. Pensamos a transfusão por si só não poder trazer sempre utilidade, mas empregada com outros meios, a estes casos apropriados, é natural os seus effeitos sejam mais promptos e salutares. Os auctores aconse- lham nestes casos que a transfusão seja precedida de uma sangria deple- tiva, praticada na própria veia, onde se pretende injectar o novo sangue. A transfusão tem sido ainda proposta em casos de envenenamentos pelo chloroformio e ópio. O facto destes venenos exercerem uma in- fluencia toda especial sobre a cellula nervosa, parece contraindicar em casos taes o emprego d'este meio. Dmais, em dous casos de envenena- mento relatados por Fischer foi esta operação inutilmente empregada. Finalmente a transfusão do sangue têm sido aconselhada e empregada em tão grande numero de moléstias que seria fastidioso enumerar. Dando por terminado o estudo das indicações acreditamos ter apon- tado os casos que mais legitimamente reclamam o emprego da trans- fusão, podendo addicionar-se um ou outro caso mais particular, que ao clinico, á cabeceira do doente, cumpre muitas vezes julgar. Já deixamos de alguma sorte exaradas as circumstancias em que se não deve praticar a transfusão ; accrescentaremos agora mais algumas palavras. O augmento da onda sanguinea, determinado pela injecção do san- gue é talvez a mais formal contraindicação d'esta operação. Assim as lesões do coração e dos grossos vasos, do pulmão, etc, contraindi- cam-n^,. porque, em circumstancias taes, accidentes gravíssimos podem sobrevir e determinar a morte instantânea. Ainda mais, certas moléstias diathesicas em que ella tem sido uti- lizada e produzido algum allivio, devem ser consideradas outras tantas contraindicações, porquanto os resultados obtidos, na maioria dos casos ephemeros, não compensam de modo algum os perigos a que se expõe o doente. — 43 — PROPOSIÇÕES CADEIRA DE PHARMACIA E ARTE DE FORMULAR Do Oíio CMilco-Pliaraacolotícaiente Gonsiaeraclo. i O ópio é o sueco leitoso e concreto que se obtém por meio da incisão feita nas cápsulas da papoula somnifera (papaver somniferum). II O ópio deve aos seus alcalóides as propriedade therapeuticas que possue. III Sendo um produeto pharmaceutico complexo a acção do ópio é representada pela resultante entre os seus princípios activos compo- nentes. IV O ópio é tanto mais estimado quanto maior é a quantidade de mor- phina que encerra. V Ha diversas espécies de ópio, sendo as principaes: o de Smyrna ou de Anatolia, o de Constantinopla e o do Egypto ou de Alexandria. VI Destas espécies o de Smyrna é o mais apreciado, por isso que en- cerra cinco a 12 % de morphina. VII Além da morphina encontra-se no ópio um grande numero de prin- cipios immediatos, dos quaes os mais conhecidos e importantes são : a codeina narceina, thebaina, papaverina e narcotina. VIII Os alcalóides do ópio possuem propriedades analgésicas, saporificas, anexosmoticas e tóxicas. — 44 — IX A morphina pura, o mais activo alcalóide de opio, não é empregada geralmente em medicina. X Os seus saes, porém, são muito usados na clinica, e d1estes os prin- cipaes são o chlorhydrato e o sulfato. XI O opio bruto, que serve de base a muitas preparações pharmaceu- ticas, raramente é empregado como agente therapeutico. XII Das preparações que têm por base o opio, as mais usadas são: o laudano de Sydenhan, o elixir paregorico, o extracto gommoso de opio e o xarope de diacodio. — 45 — CADEIRA DE PATHOLOGIA MEDICA Natureza e Tratamento flo Beritari. i O beriberi é uma moléstia infecciosa, apyretica, própria das zonas tropicaes, caracterisada especialmente, ora por paralysia gradual ascen- dente, ora por hydropsias, ora por um e outros symptomas, todos de- pendentes de uma perturbação espinhal o vaso-motora. (Pecanha da Silva). II E' própria das regiões tropicaes onde constitue endemias ou endo- epidemias. III Reveste três fôrmas: paralytica ou atrophica, edematosa ou hydro- pica e mixta. (Silva Lima). IV Os práticos divergem na classificação das formas, mas aquellas são as que nos parecem mais racionaes e que mais satisfazem a clinica. V A etiologia é obscura e divergente, segundo as diversas theorias pathogeneticas. VI Espécie rheumatica para uns; fôrma especial de escorbuto para ou- tros ; entoxicação palustre para estes ; dyscrasia sangüínea para aquel- les; emquanto para outros, é moléstia de alimentação. VII A infeccão miasmatica, ainda traz divergência entre os sectários. Para uns a intoxicação é primitiva do sangue, (Silva Lima), para outros é immediata do systema nervoso. (Alvarenga). VIII As influencias chlimatericas, acclimação, as variações telluricas, ther- mometricas e barometricas, não são alheias á sua manifestação. — 46 — IX Os órgãos estragados por vicios ou depauperados por más condições hygienicas, as diatheses, etc, dão mais facilidade aos seus ataques. X Apezar da necessidade d'aquellas condições, nem por isso os indi- víduos sãos e robustos, são refractarios a elle. Factos assim o de- monstram. XI Segundo a fôrma, d1ahi se deduz o prognostico, gravíssimo na edematosa, um pouco favorável na mixta, e ainda mais na paralytica. XII O tratamento basêa-se nas indicações, que são tiradas das fôrmas. — 47 — Cadeira de Historia e Anatomia Patliolopa. DO PARASITISMO EM RELAÇÃO Á PATHOGENESE DAS MOLÉSTIAS, AO SEU ENTRETENI- MENTO E ÁS MODICAÇÕES, QUE DETERMINAM NOS TECIDOS I O parasitismo é uma causa real da moléstia. II Os parasistas são de natureza animal e vegetal. III As moléstias produzidas pelos parasistas são em grande numero. IV Desde que o parasita invade o organismo a moléstia existe. V As phases da moléstia estão em relação com o desenvolvimento dos parasitas. VI A moléstia perdura emquanto persistem os parasitas. VII As alterações pathologicas encontradas nas moléstias parasitárias se referem aos tecidos e ao meio interior — o sangue. VIII A alteração e a destruição de certo numero de tecidos é a conse- qüência de uma moléstia parasitaria. IX As ulceraçoes intestinaes que se observam nos indivíduos hypoemi- cos são determinadas pelos ankylostomos duodenaes. — 48 - X Os symptomas geraes das moléstias parasitárias coincidem com a proliferação dos parasitas. XI As lesões que se encontram e a localisação que ellas apresentam, estão subordinadas ao numero dos parasitas e ao logar em que se assestam. XII Os parasitas têm feito na medicina uma verdadeira invasão. I Vita brevis, ars longa, occasio proeceps, experientia fallax, ju- dicium difricile. (Scct. I, aph. I). II Ad extremos morbos, extrema remedia exquisite optima. (Sect. VI, aph. II). III Sanguíne multo effuso, convultio aut singultus superveniens malum. (Sect. V,aph. III). IV Ex sanguinis profluvio deliratio au etiam convulsio. (Sect VII, aph. IX). V Ex vehementi et conspicuo in ulceribus arteriarum percussu sanguinis eruptio. (Sect. VII, aph. XXI). VI Omnia secundum rationem faciendi, si non succedant secun- dum rationem, non est transeundum ad aliud, manente in eo, quod a principiis visum. (Sect. II, aph. L. II). 3546 Esta these está conforme os Estatutos. — Rio de Janeiro, 25 de Setembro de 1883. Dr. Caetano de Almeida. Dr. Denicio de Abreu. Dr. Oscar Dulhões. \