t í 2/vuJ-' FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO THESE DO Dr. João Nogueira Penido Filho RIO DE JANEIRO Typ. de G-. Leuzinger !Hg3fr=-=«s- RIO DE JANEIRO Typ. de Gr. Leuzinger «Sc filhos, Ouvidor, 31 1883 FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO ---------. ♦ .--------- DIRECTOR Conselheiro Dr. Vicente Cândido Figueira de Saboia. VICE-DIRECTOR Conselheiro Dr. Antônio Corrêa de Souza Costa. SECRETARIO Dr. Carlos Ferreira de Souza Fernandes. LENTES CATHEDRATICOS Drs.: João Martins Teixeira......................................................... Physica medica. Conselheiro Manoel Maria de Moraes e Valle........................ Chimica medica e mineralogia. João Joaquim Pizarro ........................................................ Botânica medica e zoologia. José Pereira Guimarães .................................................... Anatomia dcscriptiva. Conselheiro Barão de Maceió............................................. Histologia theorica e pratica. Domingos José Freire Júnior............................................... Chimica orgânica e biologia. João Baptista Kossuth Vinelli............................................. Physiologia theorica e experimental. João José da Silva (Examinadnr)....................................... Pathologia geral. Cypriano de Souza Freitas................................................... Anatomia e physiologia pathologicas. João Damasceno Peçanha da Silva.................................... Pathologia medica. Pedro Affonso de Carvalho Franco....................................... Pathologia ciiurgica. Conselheiro Albino Rodrigues de Alvarenga......................... Matéria medica e therapeutica, especialmente bra- sileira. Luiz da Cunha Feijó Júnior................................................ Obstetrica. Cláudio Velho da Motta Maia............................................. Anatomia topographica, medicina operatoria ex- perimental, apparelhos e pequena cirurgia. Conselheiro Antônio Corrêa de Souza Costa......................... Hygiene e historia da medicina. Conselheiro Ezeqtiiel Corrêa dos Santos................................ Pharmacohigia e arte de formular. Agostinho José de Souza Lima (Examinadnr)..................... Medicina legal e toxicologia. Conselheiro João Vicente Torres Homem (Presidente)......) •„.. . ,. , . .^ Domingos de Almeida Martins Costa................................} C,lnlca medlca de adultos. Conselheiro Vicente C. Figueira de Saboia........................) m- ■ • j j h João da Costa Lima e Castro............................................} Chmca clrurgli;a de adultos. Hilário Soares de Gouvêa .................................................. Clinica ophtalmologica. Erico Marinho da Gama Coelho.......................................... Clinica obstetrica e gynecologica. Cândido Barata Ribeiro...................................................... Clinica medica e cirúrgica de crianças. João Pizarro Gabizo (Examinador)...................................... Clinica de moléstias cutâneas e syphiliticas. João Carlos Teixeira Brandão............................................. Clinica psychiatrica. LENTES SUBSTITUTOS SERVINDO DE ADJUNTOS Drs.: Augusto Ferreira dos Santos............................................... Clinica medica e mineralogia. Antônio Caetano de Almeida ............................................. Anatomia topographica, medicina operatoria ex- perimental, apparelhos e pequena cirurgia. Oscar Adolpho de Bulhões Ribeiro....................................... Anatomia descriptiva. Nuno Ferreira de Andrade (Examinador)........................... Hygiene e historia da medicina. José Benicio de Abreu......................................................... Matéria medica e therapeutica, especialmente bra- sileira. ADJUNTOS Drs.: José Maria Teixeira............................................................ Physica medica. Francisco Ribeiro de Mendonça..;........................................ Botânica medica e zoologia. .......................................................................................... Histologia theorica e pratica. Arthur Fernandes Campos da Paz....................................... Chimica orgânica e biologia. ........................................................................................ Physiologia theorica e experimental. Luiz Ribeiro de Souza Fontes.............................................. Anatomia e physiologia pathologicas. .......................................................................................... Pharmacologia e arte de formular. Henrique Ladisláo de Souza Lopes....................................... Medicina legal e toxicologia. Francisco de Castro..........................................................1 Eduardo Augusto de Menezes........................................... ! „,. . ... Bernardo Alves Pereira..................................................... f Cllnica medica de adultos. Carlos Rodrigues de Vasconcellos..................................... J Ernesto de Freitas Crissiuma............................................~( Francisco de Paula Valladares.......................................... I _.,. . . . , , Pedro Severiano de Magalhães.......................................... f cllülca cirúrgica de adultos. Domingos de Góes e Vasconcellos.....................................J Pedro Paulo de Carvalho...................................................... Clinica obstetrica e gynecologica. José Joaquim Pereira de Souza........................................... Clinica medica e cirúrgica de crianças Luiz da Costa Chaves de Faria............................................ Clinica de moléstias cutâneas syphiliticas Carlos Amazonio Ferreira Penna......................................... Clinica ophthalmologica .......................................................................................... Clinica psychiatrica. N. B. — A Faculdade não approva nem reprova as opiniões emittidas nas theses que lhe sâo apresentadas. S£Lgr:r€t<3L£L memória DE MINHA IDOLATRADA MÃI s&msgm 4 A' MEMÓRIA DE MEUS IRMÃOS Saudades. A veneranda memória de meu Padrinho Coronel FRANCISCO RIBEIRO BE ASSIS. Tributo de respeito e gratidão Á memória do meu intimo amigo e collega FRANCISCO MACIO DA SILVA PINTO Saudade immorredoura. A MEU PAI 0 mais entranhado amor filial A MINHA AVO' A Ex.ma Sra. D. Constância Emygdia Duarte Lima A MEUS IRMÃOS E SOBRINHOS A MEU CUNHADO E VERDADEIRO AMIGO Dr. Miguel Noel Nascentes Burnier A MEU TIO O Ex.mo Sr. Conselheiro José Rodrigues de Lima Duarte e A MINHA MADRINHA A Ex.ma Sra. D. Carlota de Lima Duarte A MEUS TIOS E TIAS A MEUS PARENTES A MEU PRIMO E INTIMO AMIGO Padre João Sabino de Las-Cazas AOS MEUS DEDICADOS AMIGOS Os Snrs.: Commendador Henrique Eduardo Nascentes Pinto José Theodoro do Nascimento Gratidão e amizade sincera. AO EX M0 SNR. BARÃO DE IBITURUNA E Á SUA EX.MA FAMÍLIA AOS MEUS AMIGOS E COLLEGAS AOS DOUTORANDOS DE 1884 S?" PREFACIO Reflecti muito e vacillei por largo tempo antes que me resolvesse a dissertar sobre as paralisias de origem bulbar. Se foi vão receio, dil-o-ha de prompto quem se tiver dado ao tra- balho de estudar semelhante assumpto. Por vezes senti-me incli- nado a occupar-me de uma questão de pathologia ou therapeutica, para em seguida deixar-me arrastar pelas bellezas da physiologia ou da hygiene. Essa versatilidade na escolha e duvida na decisão revelão bem claro a deficiência de conhecimentos e um espirito que apenas entrevê o sublime da sciencia e fica perplexo, offus- cado pelas suas grandezas, sem saber qual d'ellas mais admirar. Por fim decidi-me por um ponto de clinica e a razão é simples. Estudando clinica teria constantemente de invocar, na expli- cação e interpretação dos phenomenos mórbidos, a physiologia, sciencia que estuda todos os phenomenos biológicos que se dão no homem desde a época do nascimento até a de sua morte ; apren- deria therapeutica, sem a qual a clinica não teria razão de ser. A pathologia é a sciencia do homem doente, e tendo o medico por objecto curai-o ou alliviar-lhe os soffrimentos, claro é que necessita conhecêl-a profundamente e a clinica não é senão seu complemento. Peter diz : « La clinique est Ia pathologie vivante, — Ia pathologie toute entière, spéciale et générale, 1'anatomie et Ia physiologie pathologiques, Ia therapeutique appliquée, Ia pratique et Ia doctrine. » Por que motivos resolvi-me a estudar Paralisias bulbares de preferencia a outros assumptos não menos importantes ? — Em 5487 — 1 2 primeiro lugar a necessidade de adquirir noções mais ou menos completas de pathologia nervosa, e nenhuma occasião se deparava mais a propósito do que a actual; em segundo lugar, o assumpto é de si interessantíssimo. Ha uma objecção séria a fazer a esse meu modo de pensar : não dispor de grande campo para observação clinica e tão pouco de recursos para emprehender um curso de anatomia e physiologia pathologicas, sendo por conseguinte obrigado a cingir-me ao que podesse obter de locubrações alheias. A isso responderei apadri- nhando-me com o illustre professor Jaccoud : « Cest se désarmer, s'annihiler soi-même que de limiter ses vues à son entourage immédiat et de négliger les documents d'origine plus lointaine. » DISSERTAÇÃO PRIMEIRA PARTE iVesprit humain, qui a porte jueque dans les eieux son investigation, n'a pas encore pu péné- trer 1'instrument par lequel il agit, et ses forces semblent 1'abandonner quand il est rentré dans sa propre maison. Stjsnon. — Si/stcme iierveur. CAPITULO 1 O que se deve entender por paralysia bulbar — Divisão do assumpto. — Nada mais natural a quem se propõe desenvolver um assumpto do que definil-o, externar o juizo que d'elle forma, mostrar se devidamente o comprehendeu : essa é a melhor justifi- cativa da epigraphe collocada á testa do presente capitulo. Paralysia bulbar é a diminuição ou privação completa do movimento só, ou do movimento e sentimento, nas regiões cuja innervação é presidida pelo bulbo rachidiano ou medulla alongada. E claro, por conseguinte, que toda lesão d'este órgão, primi- tiva ou secundaria, protopathica ou deuteropathica, será causa de paralysias na esphera dos músculos collocados sob sua immediata influencia. Entretanto não é condição primordial, indispensável para a producção d'essas akinesias ser o bulbo alterado em sua consti- tuição intima; casos ha, e não poucos, de paralysias revestindo o caracter de paralysias bulbares e cm que não se observa alte- ração material do órgão. 6 Se me cingir precisamente aos termos da definição exarada acima, não terei de occupar-me senão das paralysias que aífectão as partes directamente innervadas pelo bulbo; no emtanto forçado sou a estudar também as perturbações sensitivo-motoras que podem ser provocadas, na zona dos nervos rachidianos, por lesões que interessão o bulbo na qualidade de conductor. O bulbo é, de facto, considerado universalmente, pela sua situação especial, como um órgão obrigado de transmissão de im- pressões entre o encephalo e a medulla espinhal, e também — esse é o seu papel mais importante — como um centro nervoso inde- pendente, órgão perfeitamente autônomo. Basta lembrar, para provar a verdade e naturalidade d'esta distincção, que n'elle faz-se o entrecruzamento das fibras motrizes partidas do cérebro e que vão formar os cordões antero-lateraes da medulla, e que, por outro lado, encerra em seu interior núcleos de substancia cinzenta, outros tantos pontos de origem dos prin- cipaes nervos craneanos (pneumogastrico, espinal, facial inferior, glosso-pharyngeo e grande hypoglosso). Não exerce também uma influencia imniediata e indiscutível sobre a acção glycogenica do fígado, as secreções urinaria e salivar, a circulação, os phenomenos da respiração, e pois, sobre a própria vida o que lhe valeu o nome dado por Flourens de nó vital ? Parece incrivel que sendo um órgão de importância su- perior, cujas lesões são de gravidade extrema, o estudo de suas akinesias não date de longos annos, seja de época bastante recente. Três condições de grande peso concorrerão para difficultar, senão impossibilitar o juizo claro que se podesse formar de sua pathologia. A primeira e principal era a deficiência de conhecimentos e de dados positivos acerca da anatomia e physiologia da parte, nada ou quasi nada se sabia de sua estructura intima e funcções ; e se não forão os trabalhos admiráveis de Flourens, Claude Bernard e Vulpian, e as bellas e interessantes pesquizas de alguns histolo- gistas contemporâneos, talvez o estudo do bulbo permanecesse ainda no statu oito. 7 A segunda dependia da insuíficiencia dos meios de inves- tigação. O microscópio com seus aperfeiçoamentos não era conhecido, de sorte que à barreira á sciencia humana era imposta pela for- taleza e capacidade dos sentidos ; o homem não podia levar além o seu espirito, tinha de satisfazer-se com as idéas conquistadas pela applicação exclusiva de seus attributos naturaes. Assim é que, examinando-se, por exemplo, o bulbo, desde que não havia lesão palpável, apreciável á vista, concluia-se sem mais preâmbulos a sua completa sanidade, quando podia haver desappareciinento de grande numero de cellulas unicamente apreciável ao exame micro- graphico e origem das diversas e gravíssimas alterações observadas. A terceira condição é inherente á situação topographica do órgão. A visinhança em que se acha o bulbo do isthmo do ence- phalo e da medulla espinhal faz com que lesões bulbares invadão consecutivamente um ou outro d'esses órgãos, e vice-versa, encon- trando o medico grande embaraço na discriminação dos symptomas referentes a alterações d'este ou d'aquelle. Graças, porém, aos progressos realizados no estudo das affec- ções medullares, têm-se dissipado em grande escala as nuvens que obscurecião a pathologia do bulbo. A historia da paralysia bulbar é simples, e data de 23 anuos a primeira descripção da moléstia que serve de typo ao exame das outras afíecções do bulbo. Foi ella feita em 1860 por Duchenne de Boulogne, e acha-se desenvolvida nos Archivos Geraes de Medicina de Pariz, de 1868, nos números de Setembro e Outubro, e com tal pericia e talento que todos os escriptores subsequentes adoptão-na sem a menor restricção. Desde 1852 começou este illustre clinico a observar casos da moléstia que denominou Paralysia progressiva da língua, do vêo do paladar e dos lábios, e em 1861 tinha reunido 13 observações em que baseou a sua monumental descripção. Trousseau appellidou a moléstia paralysia glosso-labio laryngéa, denominação acceita por Duchenne e que se tem conservado até hoje. Em 1860, Dumesnil, chefe dos trabalhos anatômicos da escola 8 de Medicina de Rouen, publicou um facto muito análogo aos das observações de Duchenne: mas nesse caso a paralysia da face, do véo do paladar e dos lábios associava-se a atrophia muscular pro- gressiva, e Dumesnil, contrario á opinião de Duchenne, não considerou-a como moléstia distincta e sim como uma variedade d'esta affecção. — Em occasião opportuna procurarei discutir as duas opiniões. Duchenne fez uma descripção magistral sob o ponto cie vista clinico, e com o seu talento superior, baseado na physiologia e observação clinica, formulou hypotheses sobre a anatomia patho- logica e pathogenia da moléstia brilhantemente confirmadas depois pelas pesquizas de Charcot; e na impossibilidade de praticar autó- psias, por serem seus doentes da clinica civil, encontra elle escusa plausível por não ter elucidado esta parte do problema. Wachsmuth, em 1864, estudou a condição pathogenica d'esse estado mórbido, que denominou Paralysia bulbar progressiva. Órgão complexo como é o bulbo, taes trabalhos, embora con- corressem para o esclarecimento de grande parte de sua pathologia, não bastavão todavia para explicar as variadas scenas mórbidas de que pôde elle ser o protogonista. Realmente, a paralysia glosso- labio-laryngéa não resume em si a pathologia do bulbo : é sim o typo mais bem caracterisado e que tem servido de termo de com- paração aos factos análogos observados apoz Duchenne, mas estados mórbidos de naturezas diversas, simulando sua fôrma, podem accom- metter o bulbo, e é mister distinguil-os, explical-os, examinar qual o seu modo de processar e quaes as leis que os regem. Se é verdade que a medulla alongada se assemelha por sua estructura á medulla espinhal, não é menos verdade que preenche funcções mais elevadas, torna-se órgão de categoria superior, occupa lugar proeminente na hierarchia orgânica, presidindo a funcções as mais importantes da economia, como a respiração e outras. Não é também exactamente equiparavel ao cérebro, com que aliás entretem relações immediatas e connexões intimas: é um órgão de transição, e suas lesões participão acesse caracter. Por ellas o 9 bulbo approxima-se mais d'esses dous órgãos do que sob o ponto de vista physiologico, e assim os progressos realisados na patho- logia do cérebro e da medulla se tem reflectido sobre elle acla- rando de uma maneira luminosa a sua nosologia. As lesões em foco estabelecem entre o encephalo e o bulbo grande analogia; para proval-o ahi estão os amollecimentos e as hemorrhagias. Pelas inflamniações, chronicas ou agudas, é perfeitamente comparável á medulla cujas lesões podem attingil-o successiva ou concomitante- mente, e ser communs a ambos. São factos de observação quo- tidiana e de fácil interpretação, attendendo-se á homogeneidade de tecido e á existência de partes similares. As inflamniações que interessão o tecido conjunctivo intersti- cial da medulla e atacão consecutivamente o bulbo, ou por elle começão a invasão, são a esclerose emplacas disseminadas, a esclerose lateral amyothophica, a paralysia geral espinhal, a paralysia geral dos alienados, excepcionalmente a ataxia locomotora progressiva e talvez a pachimeningite cervical hypertrophica. As paralysias bulbares em semelhantes casos são syndromas clinicos, conseqüências das alterações medullares que determinão verdadeira esclerose do órgão. Ha entretanto uma moléstia da medulla, a atrophia muscular progressiva, determinada por atrophia primitiva chronica das cellulas dos núcleos anteriores (Hallopeau, Grasset) por alteração do sym- pathico (Jaccoud) e que mui commummente é seguida de paralysia glosso-labio-laryngéa ou por esta precedida. É opinião por mim acceita e que procurarei fundamentar em lugar próprio, que as duas aífecções são idênticas, pertencem á um mesmo typo mórbido, havendo simples differença na localisação; ambas têm como con- dição pathogenica e anatômica a alteração pigmentaria das cellulas dos núcleos anteriores, em uma no bulbo, em outra na medulla. Do exposto posso tirar duas deducções de subido valor para a determinação do plano a seguir no meu trabalho: o bulbo pôde ser atrophiado por um processo de esclerose consecutivo ás diversas myelites acima indicadas, ou pôde ser victima de atrophias primi- tivas, idiopathicas, de que occupar-me-hei em maiores detalhes. Etiologicamente chamarei estas atrophias devidas a trabalho 10 pathologico espontâneo —atrophias expontâneas — subdividindo-as em primitivas e secundarias. Primitivas são as que se desenvolvem sem causa determinada, e secundarias as que são produzidas por esclerose ou qualquer aífecção geral, syphilis, rheumatismo, etc. Willigk observou em 187õ, um caso de atrophia bulbar consecutiva a uma obstrucção da artéria basilar. Admittir atrophia espontânea é ipso facto reconhecer a exis- tência de outra que não seja espontânea. Com effeito, ha atrophias de causa mecânica, resultantes da compressão exercida sobre o bulbo por tumores da base do craneo ou do encephalo, por exsu- datos das meningeas segundo referem Ziemssen, Benedickt e Wachsmuth, ou por tumores de qualquer outra natureza, das ver- tebras, etc. Têm sido observadas também paralysias bulbares symptoma- ticas de hemorrhagias e focos necrobioticos de que o bulbo é a sede, e outras determinadas por traumatismo. Além d'essas paralysias por lesões materiaes, verdadeiras pa- ralysias orgânicas, ha uma grande classe em que se não tem en- contrado alteração do órgão embora soffra elle graves perturbações em suas funcções. São paralysias funecionaes, consecutivas a mo- léstias agudas sobretudo febris, á diphteria, a hysteria e a algumas intoxicações. Na analyse e descripção de todas ellas empenhar-me-hei suc- cessivamente, dividindo o meu trabalho em três partes. Na primeira tratarei da anatomia e physiologia pathologica do bulbo. Na se- gunda desenvolverei a pathogenia e symptomatologia, occupando-me detidamente da paralysia glosso-labio-laryngéa que, repito, servirá de typo e termo de comparação ao estudo das outras aífecções. Em outro capitulo estudarei as escleroses do bulbo, analy- sando cada uma das aífecções da medulla capaz de produzil-as ; depois tratarei das hemorrhagias e amollecimento, em seguida das paralysias determinadas pelas diversas causas de compressão e por traumatismo, e finalmente discutirei as paralysias funecionaes em que não existe lesão material. 11 A terceira parte constará do diagnostico e tratamento das paralysias do bulbo, ponderando eu desde já que os recursos the- rapeuticos de que dispõe a sciencia são insignificantes relativamente á importância do órgão compromettido. CAPITULO II Noções geraes sobre a anatomia e histologia do bulbo Para seguramente ajuizar-se das alterações de um órgão, indis- pensável é conhecerem-se bem sua constituição intima e funcções : d'ahi a necessidade que me pareceu imprescindivel de fazer pre- ceder o estudo das paralysias do bulbo de breves noções sobre sua anatomia e physiologia. Esses dados convenientemente utilisados fornecer-me-hão pre- cioso material de deducções clinicas, cuja importância será provada de sobejo no correr d'este despretencioso trabalho. O bulbo rachidiano é a parte do encephalo que se estende da protuberancia e do cerebello á medulla espinhal. Synonimia. — Bulbo craneano (Longet) pars cephalica medullse spinalis (Haase), extremidade cephalica do prolongamento rachi- diano (Chaussier), principium medulla? spinalis, dos antigos, cauda da medulla alongada (Willis, Vieussens e muitos outros anatomistas) medulla respiratória, dos physiologistas. Haller restringio ao bulbo o nome de medulla alongada (me- dulla oblongata) interpretação acceita por quasi todos os anato- mistas modernos. É um cone trancado de base superior e não mede mais de 27 a 30 millimetros ; seu comprimento é limitado pelo intervallo comprehendido entre a parte média da gotteira basilar do occipital e a parte média da apophyse odontoide do axis. Grande numero de anatomistas considerão-no como uma de- pendência da medulla em cuja parte superior se acha como um 12 capitei e de que verdadeiramente parece ser o complemento. Sappey, porém, e outros, levando em conta a diíferença notável de estructura e a circumstancia de estar situado na cavidade craneana, entendem que deve ser elle ligado ao encephalo de que constitue o mais inferior e de menor volume dos quatro segmentos em que se divide esse órgão. Seu peso representa a 226.a parte da massa encephalica. Para mim o bulbo não pôde ser rigorosamente equiparado nem á medulla, nem ao encephalo. A sua situação attesta eviden- temente a dependência em que está de ambos, e a homogeneidade de tecido faz presumir identidade de funcções. Entretanto diífere da medulla pela modificação que soffrein, para formal-o, as fibras constituintes d'esse órgão, pelo apparecimento de elementos novos e pelas funcções elevadíssimas a que preside. Também faltão-lhe muitos predicados para ser equiparado ao encephalo, o órgão do raciocinio. O bulbo é limitado em cima e adiante pela protuberancia sob a qual parece oceultar-se; em baixo, por um plano horizontal passando immediatamente abaixo do entrecruzamento dos feixes fibrosos medullares que atravessão de um lado a outro a linha mediana, separando assim o sulco anterior da medulla do sulco anterior do bulbo. Esse plano corresponde á parte média da apophyse odontoide do axis, e conseguintemente ao arco anterior do atlas com que se articula esta apophyse. Posteriormente é limitado, de um lado pela protuberancia e o cerebello, e do outro pela medulla com a qual se confunde por não ter linha divisória apreciável. Segue a direcção da gotteira basilar sobre a qual repousa, e é obliquo para traz e para baixo. A inclinação de seu eixo sobre o horizonte é a principio de 45°, ao nivel, porém, do buraco occipital curva-se e torna-se vertical. Seu vértice truncado, arredondado, mais fino do que a parte sub- jacente da medulla, toma o nome de collo do bulbo. Este órgão apre- senta quatro faces: duas lateraes, uma anterior dirigindo-se para diante e para baixo e outra posterior voltando-se para traz e para cima. 13 A face anterior apresenta na linha mediana um sulco, conti- nuação do sulco mediano anterior da medulla, cuja extremidade superior, limitada pela protuberancia, se alarga para formar uma fosseta pyramidal, estreita e profunda, appellidada por Vick d'Azir buraco cego. Grande numero de vasos penetra neste sulco em cujo fundo nota-se uma estreita bandasinha unindo as pyramides anteriores e conhecida apoz os trabalhos de Stilling com o nome de raphe. Sobre os lados do sulco mediano encontrão-se : 1.°, duas sa- liências longitudinaes e parallelas, estendidas da base ao vértice do bulbo e chamadas pyramides anteriores, eminências pyramidaes ou feixes pyramidaes; 2.°, um sulco lateral que limita as pyra- mides na parte externa e se faz notável unicamente pela presença dos filetes de origem do grande hypoglosso; 3.°, uma pequena saliência oblonga denominada oliva ou corpo olivar, de grande eixo parallelo ao das pyramides e separada superiormente da protube- rancia por uma depressão que recebeu o nome de fosseta supra- olivar. A extremidade inferior é algumas vezes coberta por um feixe de fibras transversaes conhecidas desde Rolando pelo nome de fibras arcifòrmes. A face posterior é formada de duas partes essencialmente dif- ferentes em conformação : uma inferior, cylindrica como a medulla e tendo idêntica constituição; outra superior, excavada em triân- gulo, concorrendo com a face posterior da protuberancia para formar a parede inferior do quarto ventriculo e que apresenta uma phy- sionomia inteiramente peculiar ao bulbo. Esta face offerece a con- siderar: 1.° Um sulco que continua na linha mediana e em um plano mais profundo o sulco posterior da medulla, e é denominado cala- mus scriptorius; 2.° de cada lado d'este sulco uma camada de sub- stancia cinzenta forrando o soalho do quarto ventriculo, e as fibras nervosas brancas dirigidas transversalmente, constituindo o que se chama barbas do calamus scriptorius e que são as raizes do nervo auditivo; 3.° dous pequenos feixes que se tornão proeminentes ao 14 nivel do bico do calamus, prolongão-se depois e perdem-se na parte posterior dos corpos restiformes, e que são appellidados pyramides posteriores; 4.° dous sulcos lateraes apenas apparentes e que limitão o bordo externo dos feixes precedentes; 5,° os corpos restiformes, duas saliências cylindricas que parecem ser, observadas a olho nú, continuação dos cordões posteriores da medulla. Elles afastão-se ao nivel do bico de calamus e dirigem-se para cima e para fora, dividindo-se em dous feixes, dos quaes um vai ter ao cerebello e torna-se o pedunculo cerebelloso inferior, e o outro penetra no soalho para continuar na espessura posterior cia protuberancia. A face lateral do bulbo naturalmente apresenta a quem a observa, algumas das partes pertencentes ás duas faces preceden- temente descriptas. Assim, nota-se em cada uma d'ellas, na parte anterior, o corpo olivar, e atraz, o corpo restiforme ; entre estes dous corpos, porém, observa-se um cordão ligeiramente saliente pertencendo propriamente á face lateral, e d'elles separado por dous sulcos lateraes. Este cordão é o feixe lateral do bulbo ou feixe intermediário. Em cima ha uma depressão, importante porque d'ella sahem os nervos fa- cial e auditivo e denominada fosseta lateral. Do próprio feixe vê-se emergir o nervo espinal, e no sulco que separa o feixe lateral do corpo restiforme achão-se as raizes apparentes do glosso-pharyngêo e pneumogastrico. Descripta a conformação externa do bulbo, vou occupar-me de sua estructura intima bastante complexa e sobre a qual tem a sciencia ainda muitos pontos a elucidar; e para guardar o methodo necessário, único capaz de guiar-me em terreno tão escabroso, con- siderarei de per si e estudarei successivamente os diversos feixes que acabo de enumerar, assim como as modificações profundas por que passa a substancia cinzenta na região do bulbo. Princi- piarei pelas pyramides anteriores. Estes feixes são compostos de tubos nervosos longitudinaes e parallelos, que se estendem da protuberancia ao collo do bulbo, em cujo nivel se entrecruzão dando lugar ao que se chama decussação 15 ou entrêcruzamento das pyramides, um dos pontos mais interessantes da estructura do bulbo. Foi descoberto em 1709 por Mistichelli e sua existência con- firmada em 1710 por Pourfour du Petit. — Duverney e Santorini d'elle se occuparão, e Winslow, Scarpa e Soemmering apontão-no como um dos factos mais bem firmados na sciencia. Comtudo esta descoberta encontrou opposição da parte de Morgagni, Haller, Sa- batier, Chaussier, Rolando e alguns outros, apezar dos convin- centes argumentos de Gall que, no dizer de Cuvier, devião ter posto fim á discussão. Cada uma das pyramides anteriores divide-se inferiormente em 4 ou 5 feixes achatados. Os mais externos não participão do entrêcruzamento, mantêm-se sempre de um só e mesmo lado no bulbo , na medulla e na protuberancia. Os feixes internos, ao contrario, cruzão na linha mediana os feixes internos do lado opposto, de tal maneira que na medulla o cordão anterior esquerdo, por exemplo, acha-se composto de fibras tendo pertencido á metade esquerda do bulbo e da protuberancia, e de fibras tendo primiti- vamente pertencido á metade direita do bulbo e da protuberancia. As pyramides são principalmente formadas por feixes que na parte inferior do bulbo destacão-se dos cordões posteriores e late- raes e se associão para entrecruzarem-se na linha mediana ; também entrão em sua composição fibras pertencentes ao cordão anterior correspondente da medulla, se bem que Deiters adopte a opinião de que as pyramides não são continuação d'este cordão, e sim formadas de fibras originadas nas cellulas mesmas do bulbo e d'ahi se dirigindo até o cérebro. Segundo Meynert, ellas encerrão fibras que põem em communicação cada metade do encephalo com os nú- cleos bulbares do lado opposto. Por sua extremidade superior continuão com os feixes longi- tudinaes da protuberancia, que continuão por seu turno com os feixes longitudinaes inferiores dos pedunculos cerebraes. Estes pro- longão-se até os corpos estriados onde parecem terminar. Os corpos restiformes contêm principalmente fibras cerebellosas, das quaes umas vão continuar com o cordão posterior do lado opposto 16 depois de terem atravessado o bulbo sob a fôrma de fibras em arco, emquanto outras vão se lançar muito verosimilmente nas diíferentes massas de substancia cinzenta que encerra o bulbo (Meynert). Os cordões lateraes ou feixes intermediários são considerados geralmente como continuação do cordão lateral da medulla. Sua extremidade superior prolonga-se á protuberancia, da qual os cor- dões lateraes formão o terço posterior; elles seguem depois os pedunculos cerebraes e terminão parte nas camadas ópticas e parte nos corpos estriados (Sappey). Schrõcler Van der Kolk pensa que seu ponto terminal é mesmo no bulbo e que depois vão ter ás cel- lulas que dão, por outro lado, nascimento aos nervos pneumogas- trico e espinal. Ao nivel da parede inferior do quarto ventriculo e dos tu- berculos quadrigeminos os feixes intermediários se entrecruzão, e este entrêcruzamento chamado superior por Valentim em opposição ao das pyramides por elle denominado inferior, foi assignalado por M. Foville e é hoje admittido geralmente (Sappey). Assim, pois, uma parte das fibras do cordão antero-lateral direito da medulla se entrecruza com as do cordão opposto no collo do bulbo, para ir em seguida terminar na metade anterior do hemispherio cerebral esquerdo; as outras se entrecruzão mais acima e terminão de igual modo. Considerando todos estes factos e a constituição especial do bulbo, é fácil prever que suas alterações darão lugar a symp- tomas bem diversos dos observados nas aífecções medullares, e este juizo confirmar-se-ha ainda mais depois de examinada a dis- posição que reveste a substancia cinzenta nesse órgão. Para estudal-a convenientemente é mister dividil-o em diíferentes golpes transversaes, isto é, perpendiculares ao seu eixo longitudinal, pois que de uma extremidade á outra essa substancia apresenta mu- danças importantes e successivas, e que no quarto ventriculo podem ser apreciadas pela simples observação da apparencia exterior. Assim, para a parte média da altura do bulbo os cornos pos- teriores afastão-se fortemente divergindo para cima e para fora e 17 levando comsigo os cornos posteriores; a commissura posterior cede por seu turno, o canal central se abre e a substancia cinzenta se alarga por causa da abducção forçada dos cornos posteriores, tão forçada que colloca no mesmo plano (soalho do quarto ventriculo) os vestígios daquillo que era na medulla cornos anterior e poste- rior e (facto notável) tornando-se este externo ficando sensitivo e o outro interno sendo motor. A distribuição da substancia cinzenta na porção inferior do bulbo se effectua do mesmo modo que na medulla, acha-se reunida em torno do canal do ependymo; desde o principio, porém, do en- trêcruzamento das pyramides os cordões anteriores são impellidos para fora, os cornos anteriores são como que decapitados, divididos em dous, restando apenas uma insignificante parte adiante do canal central. Demais, uma formação reticular pronunciada invade os cordões lateraes e posteriores interessando por conseguinte diversas regiões, especialmente o collo do corno posterior cuja cabeça acha-se quasi separada da substancia cinzenta peri-tubular. Esta substancia é iso- lada da substancia gelatinosa do corno posterior que é repellida lateralmente para a parte antero-lateral dos corpos restiformes ; ella persiste em toda a altura do bulbo e dá nascimento á raiz ascen- dente do trigemino, raiz que representa o ramo sensitivo do par nervoso sub-protuberancial, de que as raízes do facial e do motor ocular externo são os ramos motores (Farabeuf). Logo acima do entrêcruzamento das pyramides apparecem núcleos de substancia cinzenta, origem dos nervos bulbares. A expressão núcleo não significa, como á primeira vista parece, um ponto limitado onde a substancia cinzenta se congrega, mas sim columnas cinzentas longitudinaes de extensão variável. Revela-se também á observação um raphe fibroso mediano que, é provável, seja a continuação sob novo aspecto do entrêcru- zamento das pyramides, que por sua vez continua a substancia branca da medulla. Originão se em seguida feixes transversos ou arciformes internos que transformão quasi todo o interior do bulbo em uma vasta formação reticular. 5487 — 2 18 Das columnas que dão nascimento aos nervos do bulbo as principaes são: a columna dos nervos mixtos que comprehende o espinal, o pneumogastricô e o glosso-pharyngeo, e a columna motriz do hypoglosso e facial. A situação d'estas columnas varia segundo os desvios que soífre o canal ependymario. Assim, approximando-se elle gradual- mente da parte posterior do bulbo á medida que caminha para a extremidade superior, arrasta comsigo a columna motriz situada a principio adiante e para fora em relação a si, e também a columna mixta collocada atraz e para fora ; de maneira que na occasião em que se fôrma o ventriculo bulbo-cerebelloso ou quarto ventriculo pelo alargamento da substancia cinzenta, esta ultima columna acha-se situada sobre as partes lateraes do soalho, emquanto que a columna motriz se torna superficial e se dispõe de cada lado da linha mediana. Acima logo do entrêcruzamento das pyramides começão a ser notados os filetes radiculares que constituem a columna do hypo- glosso e que se prolongão até a parte superior do bulbo. Ahi seus filetes tornão-se raros e o núcleo de origem diminue para dar lugar ao núcleo do facial e do abduetor do olho, núcleo denomi- nado facial abduetor e que está collocado no limite do bulbo e da protuberancia. Estes núcleos não são outra cousa mais do que os segmentos, unido um a outro, de uma mesma columna cinzenta que prolonga o corno motor da medulla espinhal. (Farabeuf). O núcleo do hypoglosso é separado do canal central pelo fasciculus teres de Clarke. Este fasciculus pertence especialmente á protuberancia e cobre também os núcleos do facial e do abduetor, assim como o joelho do facial. O núcleo do hypoglosso acha-se collocado a uma distancia insignificante da linha mediana, isto é, da extremidade posterior do raphe, porém não toca o seu homologo. Suas fibras aííerentes principaes vêm do raphe e eem duvida, pelo raphe, das pyramides, isto é, dos gânglios cerebraes ; outras podem pelas fibras em arco vir do cerebello, e outras parecem vir da substancia cinzenta da formação reticulada do feixe lateral, irradiando-se para o lado ex- 19 terno do núcleo. ~(Farabeuf, Diccionario Ency. das se. meds. art. medulla alongada). As fibras eíferentes ou radiculares a principio caminhão quasi parallelamente ao raphe fora do cordão anterior prolongado, depois inclinão-se para fora e passão entre a oliva e a pyramide; não poucas vezes perfurão a laminasinha olivar, e outras afastão-se da via commum e parecem perder-se na oliva, formando o que Schroder e Lenhossek denominão pedunculo da oliva. D'ahi não se conclua que as fibras do hypoglosso nascem directamente da oliva. Atraz e acima do núcleo do hypoglosso e inteiramente para fora acha-se o núcleo do espinal que é o segmento inferior da columna dos nervos mixtos. Esta columna é inquestionavelmente o prolongamento mais ou menos modificado do processo de sub- stancia cinzenta da medulla; parece ser a continuação no bulbo do grupo de cellulas conhecido na medulla sob o nome de columna de Lockart Clarke, ou columna de Jacubowitch (Poincaré). D'ella nascem suecessivamente os nervos espinal, pneumogastrico e glosso pharyngeo. O núcleo do espinal é acompanhado de algumas fibras ascendentes, cujo numero augmenta de baixo para cima e fôrma um feixe volumoso appellidado feixe longitudinal ou solitário da columna dos nervos mixtos. As fibras constituintes d'este feixe são fibras aíferentes vindas do raphe; Meynert é de parecer que ellas provêm da pyramide do lado opposto. Segundo seu modo de ver, pârtirião das pyramides, ganha- rião o raphe, percorrel-o-hião de diante para traz, passarião ao lado opposto na qualidade de fibras arciformes interiores e irião ter á parte antero-externa do núcleo espinal. N'esse ponto algumas das fibras aíferentes entrarião em relação com as cellulas de origem do espinal tornando-se íibras eíferentes ou radiculares, e o maior numero subiria ao longo da columna mixta, constituindo um feixe ascendente, e dando ramos aíferentes aos núcleos do espinal, pneumogastrico e glosso pharyngeo. Por meio d'estas fibras exercerião os hemispherios cerebraes sua acção cruzada sobre estes nervos. 20 Os filetes radiculares mais elevados do espinal seguem uma direcção oblíqua para diante e para fora, e os inferiores vão ter directamente do núcleo de origem ao sulco de emergência, seguindo o diâmetro transverso do órgão. Mais acima o pneumogastrico e mesmo o glosso-pharyngeo tomão o lugar do espinal. Os filetes radiculares de ambos seguem idêntico trajecto, uns acima dos outros. Se se acompanhar, por exemplo, o pneumogastrico de fora pára dentro, ver-se-ha que elle atravessa a cabeça gelatinosa e por conseguinte a raiz ascendente do trigemino. Clarke pensa que algumas de suas fibras originão-se nessa região. Depois de ter atravessado a cabeça gelatinosa, a maioria das fibras radicu- lares, senão a totalidade, dirige-se para o soalho do quarto ven- triculo na direcção de um largo e espesso núcleo em parte superficial e visível na superfície do soalho (aza cinzenta), em parte occulto pelo núcleo acústico. (Farabeuf). Meynert diz que nem todas as fibras ahi terminão; algumas curvão-se em joelho e terminão perto do centro de cada metade do bulbo em uma columnasinha de grandes cellulas que para esse auctor representa a origem motriz dos nervos mixtos. Esta columna, vista por Stilling, foi estudada mais tarde por Lockárt Clarke que d'ella faz a origem motriz cio 5.° par. Meynert, ao contrario, pensa que deriva-se ella do processo lateral da medulla, dá os filetes motores dos nervos mixtos e depois ao nivel do bordo posterior da protuberancia torna-se o núcleo inferior do facial, isto é, a origem do grosso feixe que fôrma o que se chama joelho do 7.° par, de que já tive occasião de fallar. A opinião de Clarke parece ser justificada pelos factos patholo- gicos ; assim, na paralysia-labio-laryngéa, os músculos pterygoidianos são muitas vezes interessados e isso parece indicar que o núcleo motor do quinto par é visinho do núcleo do hypoglosso. (Hallopeau). Na parte superior do bulbo encontra-se atraz e para fora do glosso-pharyngeo, sob o ependymo, a extremidade inferior do núcleo do auditivo. —Eis o que é necessário saber para se comprehender devidamente a physiologia pathologica do bulbo, objecto do seguinte capitulo. 21 CAPITULO III Physiologia Pathologica A Charcot, Vulpian e seus discípulos representando a escola franceza, e a Ludwig Türck a allemã, deve a physiologia patho- logica as mais brilhantes conquistas. Ninguém, porém, melhor do que Hallopeau soube tirar partido das noções hoje sufficientemente claras de anatomia e histologia para explicar o mecanismo das paralysias de diversas naturezas a que podem dar lugar as alte- rações do bulbo, paralysias da motilidade e da sensibilidade. Com elle dividirei as paralysias bulbares em três grupos : Do primeiro farão parte as akinesias produzidas por lesões dos núcleos e das fibras radiculares; do segundo as que reconhecera por causa a intercepção dos conductores nervosos que ligão os gânglios cerebraes á medulla alongada; e o terceiro será consti- tuído por aquellas que têm como origem uma alteração das fibras que ligão os gânglios cerebraes aos núcleos do bulbo. Esta ultima espécie não tem sido observada, entretanto deve forçosamente existir ; tinha mesmo escapado á distincção dos pa- thologistas até a época em que Hallopeau mui logicamente, baseado na anatomia e physiologia, estabeleceu quaes devião ser os seus principaes caracteres. Estas paralysias serião determinadas pro- vavelmente por lesão da protuberancia, dos pedunculos ou de qualquer outro ponto do isthmo do encephalo desde os núcleos motores do corpo opto-estriado até os que constituem no interior do bulbo a origem real dos principaes nervos craneanos. Elias não devem ir além dos músculos dependentes da innervação bulbar, os movimentos reflexos serão perfeitamente conservados e nem se observaráõ perturbações trophicas. Tudo isso é muito natural, porque os músculos continuão a ser animados pelos nervos bul- bares e seus núcleos, falta unicamente a influencia cerebral. Não se pôde affirmar se as paralysias são directas ou cruzadas. Segundo Schroder van der Kolk, Stilling e outros parece fora de duvida que de certos núcleos partem fibras que se enca- 22 minhão para o lado opposto do bulbo, e Schrõder admitte duas espécies distinctas : umas, fibras commissuraes, ligão o núcleo de origem de um lado ao núcleo de origem do lado opposto, e outras passão de uma metade a outra entrecruzando-se na linha mediana e cuja verdadeira terminação é ainda ignorada. É razoável a hypo- these de que por estas ultimas fibras dá-se a transmissão das inci- tações emanadas do encephalo aos núcleos, e neste caso fazendo-se o entrêcruzamento immediatamente acima do núcleo, as lesões das partes supra-jacentes do bulbo deverião dar lugar a paralysias cruzadas. Esta questão depende de solução que só poderá ser defi- nitiva quando forem exactamente determinados os factos anatômicos. A physiologia se bem qüe forneça dados mais positivos, não são elles comtudo de natureza a evitar contestações. Seja tomado para exemplo o nervo facial. Vulpian pratica uma secção longitudinal separando exacta- mente ao meio o soalho do quarto ventriculo; pois bem, esta secção que divide no ponto de intersecção as fibras radiculares entrecruzadas, não acarreta paralysia notável do facial de nenhum dos lados. Isto prova que a influencia cruzada do encephalo sobre os nervos faciaes exerce-se de uma maneira insignificante ou nulla por intermédio das fibras radiculares d'estes nervos cruzadas na linha mediana. Entretanto os factos pathologicos mostrão que esta influencia é real, considerável. Procedendo-se á secção transversal do quarto ventriculo adiante ou atraz do núcleo de origem de um dos faciaes, não se observa paralysia notável do facial do lado correspondente á secção; d'onde se conclue que esse núcleo não é ligado á metade opposta do encephalo por fibras que sejão obliquamente dirigidas para esta metade de traz para diante ou de diante para traz. A influencia cruzada do encephalo sobre os faciaes excrce-se quasi exclusivamente pelas relações existentes entre uma das me- tades do isthmo do encephalo e o hemispherio cerebral do lado opposto, relações estabelecidas por numerosas fibras entrecruzadas sobretudo na protuberancia e que ligão uma metade encephalica a outra (Laborde). 23 É o que se nota em relação aos animaes, não se pôde, porém, affirmar peremptoriamente que no homem não existão fibras en- trecruzadas pertencendo propriamente ao facial e indo ter a seus núcleos de origem. Quanto ás fibras commissuraes que ligão o núcleo de origem de um lado do bulbo ao núcleo do lado opposto, presidem a sy- nergia funccional dos faciaes relativamente a certas acções communs e contemporâneas, por exemplo, o pestanejar simultâneo das pal- pebras. Estas fibras sendo divididas, rompe-se completamente o synchronismo do pestanejar bilateral. Os caracteres das paralysias do primeiro grupo são os se- guintes : 1.° Existem do mesmo lado que a lesão, porém como esta interessa as partes profundas do órgão, pôde acontecer que invada também a outra metade por continuidade de tecido e então a paralysia será bilateral, o que tem sido observado muitas vezes. O facto da paralysia ter a sede do lado da lesão explica-se satis- factoriamente, porque os núcleo*, os filetes radiculares e as origens apparentes dos troncos nervosos são situados na mesma metade do bulbo. Isto demonstra-se ainda com o facial, cuja pa- ralysia real só é determinada por uma secção longitudinal super- ficial do soalho ventricular, praticada para fora do núcleo de origem d'este nervo, a 3 ou 4 millimetros para fora do sulco antero-posterior. 2.° Os movimentos reflexos e voluntários são supprimidos, porque a communicação entre os músculos e seu centro de inner- vação é interrompida pela lesão. 3.° Ha atrophia muscular ligada á alteração dos núcleos de origem e dos próprios nervos motores. O secundo grupo de paralysias distingue-se pela suppressão única dos movimentos voluntários. Os movimentos reflexos persis- tem e os músculos conservão-se intactos; não ha atrophia. Determinar se estas paralysias são directas, cruzadas ou bilateraes é tarefa de que a sciencia não pôde dar conta actual- 24 mente: ellas poderáõ, segundo os casos, aífectar uma ou outra de taes fôrmas. Sem esperar pela confirmação da pathologia, podia-se de antemão ajuizar que as lesões unilateraes do bulbo não causarião forçosamente paralysias cruzadas, porque é do domínio da physio- logia que os conductores nervosos que ligão o encephalo á me- dulla entrecruzão-se em outros pontos que não exclusivamente ao nivel das pyramides: comportão-se de egual modo no raphe e na protuberancia annular. Em 1851 Philippeaux e Vulpian fizerão experiências decisivas sobre a questão. Em vários animaes praticarão incisÕes longitudi- naes do bulbo segundo a linha mediana de maneira a dividir completamente de diante para traz a decussação das pyramides. Os animaes sujeitos ás experiências não ficarão inteiramente para- lyticos; mantiverão-se por algum tempo direitos sobre os membros e um deu mesmo alguns passos cambaleando. É claro que se todos os conductores do movimento se entre- cruzassem no bulbo, uma secção interessando toda linha de entrê- cruzamento deveria necessariamente sacrificai-os todos e produzir uma paralysia completa e geral. Poincaré não dá grande impor- tância a estas experiências, pela razão, diz elle, de que é impossível no caso particular estabelecer estreita semelhança entre o homem e os animaes postos em experiência, visto que nos cães as doenças de um lobulo cerebral não determinão paralysia completa do lado opposto. Por conseguinte não havia mesmo motivo de nelles se suppôr a priori a existência de uma decussação geral dos con- ductores do movimento. Laborde nestes últimos annos provocou em cães e gatos hemiplegia absoluta, determinando hemorrhagias meningéas limitadas a um lado do encephalo. Mais recentemente observou elle, com a assistência dos collegas da Sociedade de Biologia, hemiplegia completa em cães nos quaes injectou por uma das carótidas 20 a 40 centímetros cúbicos de ar atmospherico. Esta injecção produz, do lado em que é praticada, hemorrhagias mais ou menos consi- deráveis na metade correspondente cio bulbo rachidiano, e algumas 25 vezes simultaneamente em outras partes do mesocephalo situadas do mesmo lado. Entre as observações clinicas que parecem demonstar qual o papel das pyramides fallão bem alto duas do professor Vulpian. A primeira refere-se a uma mulher de 83 annos que durante a vida não tinha apresentado symptomas apreciáveis de paralysia, e a autópsia revelou a existência de uma lesão da protuberancia e das pyramides anteriores. Estas erão sede de uma atrophia manifesta mais accentuada á direita do que á esquerda, e comtudo a doente andava ainda alguns dias antes da morte sem arrastar nenhum dos membros e servindo-se perfeitamente das mãos. A segunda é relativa a outra mulher de 50 annos que soífria de uma affecção da metade inferior da medulla não excedendo a região dorsal. Vulpian, pela autópsia, verificou atrophia de ambas as pyra- mides, quasi completa da direita. Os membros inferiores erão os únicos paralysados, os dous superiores executavão até os dias próximos da morte toda sorte de movimentos. — Hallopeau refere uma observação em que a lesão da parte lateral do bulbo causou paralysia dos membros do mesmo lado ; este facto é suííiciente na sua opinião para provar que ha pelo menos uma parte do feixe lateral que não se entrecruza. A influencia do bulbo não se exerce, pois, sobre a medulla de um modo inteiramente cruzado. A maneira do que sóe acontecer com as hemiplegias sympto- maticas de lesão cerebral, as paralysias bulbares apresentão muitas vezes após certo lapso de tempo contracturas ligadas á degene- rescencia secundaria dos cordões lateraes da medulla. Estas con- tracturas podem revelar-se desde principio e são devidas a lesões de alguma parte do bulbo passível de excitação. Os trabalhos de Vulpian auctorizão a acreditar que as pyramides anteriores são directamente excitaveis, e por esse motivo toda lesão que attingil-as poderá determinar contracturas e convulsões mais ou menos generalisadas, partilhando ellas assim as propriedades de todas as partes do systema nervoso directamente excitaveis. 26 A pathologia tem confirmado esta doutrina, como prova uma autópsia praticada por Potain em um indivíduo que durante alguns dias apresentara accessos de contracturas nos quatro membros e em que o exame cadaverico patenteou uma única lesão dos centros nervosos caracterisada por amollecimento das pyra- mides anteriores. As anesthesias de origem bulbar são também como as akine- sias divididas em três grupos. Farão parte do primeiro as anesthesias resultantes de altera- ção dos núcleos sensitivos ou de suas fibras radiculares. O segundo comprehenderá as que são produzidas por lesão dos conductores que atravessão o bulbo para levar ao sensorium as impressões transmittidas pelos nervos rachidianos. Constituirão o terceiro grupo as anesthesias determinadas por destruição das fibras que põem em relação os núcleos sensitivos e os centros cerebraes. Nos casos de paralysias consecutivas a alteração dos núcleos ou das fibras radiculares, as anesthesias serão directas, isto é, do mesmo lado que a lesão. Os movimentos reflexos serão abolidos, porque as excitações centripetas não mais chegaráõ aos núcleos motores. Relativamente ás paralysias dependentes de lesão unilateral da medulla alongada, não haverá anesthesia completa nem de um lado nem de outro. E ainda Vulpian quem vem dar a explicação do phenomeno, baseado em suas experiências. Assim como acontece na medulla, determinou elle, a trans- missão das impressões centripetas no interior do bulbo faz-se pela substancia cinzenta, não importa por que via, comtanto que sua continuidade seja garantida em uma certa extensão. E natural pensar-se que as diversas espécies de paralysias do movimento, que tenho descripto, possão coincidir. Com eífeito, não poderá uma lesão algum tanto extensa interessar simultanea- mente os núcleos ou as raizes dos nervos do bulbo e os conduc- tores centrífugos que o atravessão partindo dos corpos estriados para continuarem na medulla, dando assim lugar a paralysias 27 alternas? Hallopeau julga muito possível que appareção casos d'estes, de que por emquanto não ha exemplo conhecido. O volume do bulbo não está de modo algum em harmonia com sua importância sob o ponto de vista funccional e o espaço occupado por seus núcleos é extraordinariamente limitado. As paralysias, regra geral, não se restringem rigorosamente á altera- ção de um ponto determinado com exclusão de outros; os núcleos de origem dos nervos de ordinário são interessados simultanea- mente, e neste caso as paralysias são bilateraes, múltiplas e diffusas. Como é sabido, o bulbo é o centro onde vêm se encadear e harmonisar os diversos actos funecionaes executados pela interfe- rência dos nervos de que é o foco de origem : por elle é estatuída a solidariedade indispensável entre estes actos para a realisação perfeita de tal ou tal funeção determinada. Preside assim ás funcções de expressão ou de mímica, á articulação das palavras, á phonacão e ao mecanismo da deglutição, e pois é claro que qualquer lesão de um nervo ou de um núcleo acarretará desordens profundas em sua execução. A exactidão d'estas vistas physiolo- gicas é attestada quotidianamente pela observação pathologica. As experiências de physiologia vêm ainda uma vez corroborar a doutrina. Examine-se, por exemplo, o papel do bulbo na deglutição em cuja realisação intervém em maior ou menor grau os nervos glosso-pharyngeos, hypoglossos, faciaes e trigeminos. Tome-se um animal e d'elle sejão tirados suecessivamente o cérebro, o cerebello, a protuberancia, emfim, todos os pontos do eixo cerebro-espinal situados acima da medulla alongada, e o que se observará? Os movimentos da deglutição executar-se-hão ainda por acção reflexa. Faça-se, porém, uma lesão algum tanto profunda do bulbo, e ella tornar-se-ha absolutamente impossível, sejão quaes forem as exci- tações empregadas com o fim de provocal-a ; no emtanto os cordões nervosos de transmissão estão intactos, falta apenas o centro que deve ligal-os, encadear sua acção respectiva de modo a realisarem por um conjuneto harmônico a funeção determinada. 28 É incontestável e universalmente admittida a acção modera- dora do bulbo sobre os movimentos do coração e a circulação por intermédio dos pneumogastricos. Fazendo-se passar uma corrente enérgica de um apparelho de inducção atravez do bulbo rachidiano, determina-se instantanea- mente a parada dos movimentos cardíacos, e se nesse momento examina-se com cuidado o órgão central, verifica-se o seu estado de completa relaxação e a parada em diastole. Esta experiência foi praticada a primeira vez por Budge e pelos irmãos Weber. Se, ao contrario, actua-se com uma corrente fraca, quer atravez do bulbo quer atravez dos pneumogastricos, os batimentos do coração longe de cessarem ou serem retardados, accelerão-se e tornão-se desordenados como se fosse supprimida a acção dos pneumogas- tricos. A explicação de semelhante facto é a seguinte : A corrente pouco intensa actuando a maneira de uma exci- tação fraca e no sentido puramente centrifugo produz uma simples perturbação traduzindo-se por acceleração de batimentos, ao passo que a corrente enérgica agindo nos dous sentidos ao mesmo tempo (centripeto e centrifugo) determina viva excitação do encephalo, notavelmente da porção bulbar que exerce influencia especial sobre o coração. Esta corrente comporta-se tal qual uma violenta e súbita emoção, cujo eífeito pôde ser a syncope, isto é, a parada do coração. (') As experiências referidas não explicão satisfactoriamente as syncopes que algumas vezes põem termo aos soífrimentos dos infe- lizes doentes de paralysias bulbares ? A excitação pathologica não pôde produzir eífeitos eguaes aos de uma corrente intensa ? Cer- tamente que sim. Entretanto a paralysia do órgão moderador dos batimentos cardíacos também causa syncopes, cujo mecanismo demanda diífe- rente explicação. Duchenne, de Boulogne, observou doentes de paralysia glosso- labio-laryngéa em que as perturbações cardíacas erão caracterisadas í1) Labokde. Dic. ency. Ari. Moolle ali. Physiol. 29 por excessivo numero de pulsações, até 140 por minuto, com irre- gularidades, intermittencia e pequenhez do pulso, e por syncopes seguidas em pouco tempo de morte. Qual o modo de producção das syncopes nestes casos ? Parece que o bulbo não exercendo mais sua acção moderadora sobre os batimentos cardíacos, estes, livres do freio, accelerão-se extraordinariamente, as contracções tornão-se irregulares, enfra- quecem-se e emfim parão, o que aliás não é motivo de sorpreza, porque o cansaço é a conseqüência natural de actos que reclamão aturado emprego de forças em seu commettimento. Quanto á influencia do bulbo sobre os phenomenos respiratórios já Galleno dizia; « atqui perspicuum est quod si post primam aut secundam vertebram, aut in ipso spinalis medullae principio sectionem ducas, repente animal corrumpitur.» Lorry e Legallois localisarão no bulbo a sede dos phenomenos respiratórios, foi porém Flourens em 1847 que esforçou-se por precisar o ponto por elle chamado nó vital e que determinou na ponta do V de substancia cinzenta inscripto no angulo posterior do quarto ventriculo. A lesão d'este ponto acarreta a morte fulminante dos animaes, attribuida á oífensa do centro nervoso automático ou reflexo que preside os movimentos respiratórios. A gravidade extrema das paralysias bulbares encontra neste facto suíficiente explicação. Os núcleos de origem dos nervos do bulbo achão-se situados, segundo já referi, em um ponto muito circumscripto, e d'ahi deduz- se a facilidade enorme e perigo imminente de ser apanhado pela lesão o núcleo do pneumogastrico, cujo resultado será a suppressão súbita da respiração, e morte immediata ou precedida de pheno- menos asphyxicos cada vez mais accentuados. O bulbo é considerado também centro vaso-motor e n'essa qualidade exerce ainda influencia sobre o coração por intermédio dos nervos vaso-motores. Esta questão tem empenhado em valente discussão illustres physiologistas, dos quaes M. Bérzold, Owsyan- nikow e Liégeois acreditão ser o bulbo o centro vaso-motor único do corpo, e outros como Schiff, Brown Sequard e sobretudo 30 Vulpian parecem estabelecer em suas experiências a não sancção de tal theoria. Laborde resume assim o estado actual da questão: « A obser- vação demonstra: 1.°, que não se tem direito de admittir um centro vaso-motor único tendo sua sede no bulbo rachidiano; 2.°, que á semelhança dos nervos músculo-motores da vida animal, os vaso motores possuem centros especiaes de origem e de acção reflexa dispostos na substancia cinzenta da medulla espinhal; que cada um d'estes centros pôde agir isoladamente sobre as fibras vaso-motrizes ás quaes dá nascimento, e que pôde soífrer separa- damente as diversas influencias modificadoras que fazem variar o tonus vascular. » Não se infira d'ahi a nullidade da interferência do bulbo em relação aos vasos-motores: deve ser admittida, pois, fazendo-se uma secção transversal da parte superior d'esse órgão, promove-se um abaixamento considerável da tensão occasionado pela paralysia da maior parte dos vaso-motores e pela dilatação passiva dos vasos por elles animados. E por conseguinte possível que se dêm per- turbações d'esta ordem nos casos de paralysias bulbares. A medulla alongada exerce ainda influencia pronunciada sobre a quantidade e qualidade das urinas; a celebre experiência de Claude Bernard provocando diabetes, ou antes, glycosuria em coelhos, pela picada do soalho do quarto ventriculo na linha me- diana, é conhecida em todo o orbe scientifico. O ponto preciso é entre a origem dos nervos auditivos e dos pneumogastricos. A mesma lesão do quarto ventriculo pôde produzir polyuria e albuminuria. Claude Bernard nota que estes diversos estados nem sempre manifestão-se conjunctamente, podem existir independentes um de outro. A picada entre os núcleos dos nervos acústicos e dos pneumogastricos quasi sempre acarreta ao mesmo tempo diabetes e polyuria; feita um pouco acima ordinariamente apparece polyuria com presença de matérias albuminoides, e abaixo do ponto assigna- lado determina unicamente a passagem de assucar na urina sem augmento notável de quantidade. O apparecimento de qualquer d'estes symptomas em indivíduos 31 victimas de paralysias bulbares pôde por conseguinte servir de elemento confirmativo do diagnostico, ou pelo menos indicará a sede exacta das lesões. Ao lado d'estes phenomenos observa-se muitas vezes augmento considerável da secreção salivar, em certos casos tão exaggerada que o doente é obrigado a trazer constantemente um lenço appli- cado á bocca, como aconteceu no indivíduo cuja observação acha-se em lugar apropriado. Alguns pensão que o accumulo de saliva é devido a embaraço mecânico, á impossibilidade de ser engulida, parece, porém, con- firmada a existência no bulbo de um centro salivar. Cornil e Lépine citão o caso de um doente de paralysia geral espinal sub-aguda terminada por symptomas bulbares, em que havia diminuição sensível da secreção salivar, o enfermo tinha a bocca sempre secca. Erão-lhe applicadas pontas de fogo na nuca e algumas horas depois sobrevinha abundante salivação. Hallopeau attribue mui sensatamente a suppressão da saliva á paralysia do centro salivar. — De posse d'este estudo preparatório póde-se emprehender de animo alevantado o estudo clinico das paralysias bulbares. SEGUNDA PARTE CAPITULO I Classificação nosographica Dividirei as paralysias bulbares em dous grupos geraes. 0 primeiro abrangerá as paralysias orgânicas dependentes de alte- ração material do órgão; o segundo, as paralysias funecionaes caracterisadas por desordens nas funcções do bulbo, sem que exista lesão apreciável de textura. As paralysias orgânicas são conseqüência da atrophia dos núcleos bulbares, quer seja essa atrophia resultado de um trabalho pathologico espontâneo (primitivo ou secundário), quer seja atrophia de causa mecânica resultante de compressão exercida sobre o bulbo por tumores de diversas naturezas. Analysarei, pois, as paralysias produzidas por estes variados processos de alteração, procurarei indagar de suas causas e exa- minar os signaes peculiares a cada uma. Em primeiro lugar tratarei das que dependem de uma atrophia primitiva dos núcleos motores. Em segundo lugar occupar-mehei das escleroses do bulbo obser- vadas nas myelites designadas com os nomes de esclerose em placas, esclerose lateral amyotrophica, paralysia geral espinal, para- lysia geral dos alienados, ataxia locomotora progressiva, e pachy- meningite cervical hypertrophica. Depois virão as lesões em foco (hemorrhagias e amollecimentos) e finalmente as paralysias de causa mecânica, cujos symptomas podem muito variar em evolução. As paralysias funecionaes não são tão raras como parecem ser á primeira vista; manifestão-se muitas vezes na convalescença das r 5487 - 3 34 moléstias agudas, sobretudo febris, na diphteria, na hysteria e em algumas intoxicações. Cada uma d'ellas occupara successivamente minha attenção. Simplificando: f Atrophia primitiva dos núcleos motores. | Escleroses do bulbo. Paralysias orgânicas.....1 T _ e, f Hemorrhaena. * \ Lesões em foco......\ . ,, • " .„ | (Amollecimento. [_ Compressão. f Moléstias agudas. r, , . n | Diphteria. iraralysias iunccionaes..< tt . • J ] Kystena. (__ Intoxicações. A localisação das paralysias bulbares é estrictamente subor- dinada á sede das lesões que as produzem (Hallopeau). Quando ha alteração das partes anteriores do bulbo occupâo ellas os membros, e assim deve ser porque os feixes conductores que partem do cérebro são os únicos interessados. As que são ligadas a alteração dos núcleos ou dos filetes radiculares occupão as partes animadas pelos nervos originados n'esses núcleos, e de ordinário revestem o typo da paralysia glosso- labio-laryngéa descripta por Duchenne. CAPITULO II Paralysias na atrophia primitiva chronica dos núcleos motores A nomenclatura medica firmava-se antigamente na symptoma- tologia mórbida, modernamente baseia-se na sede e natureza da moléstia. Eis a razão porque Duchenne, que não dispunha de conheci- mentos anatomo-pathologicos precisos, tendo unicamente em vista os symptomas constantes, d'elles tirou o nome á espécie mórbida que denominou paralysia-glosso-lábio-laryngêa. Hoje está perfeita- mente demonstrada qual a pathogenia, a sede e natureza da lesão causa determinante d'esta moléstia. 35 O professor Charcot estabeleceu de modo inconcusso que é ella devida á atrophia primitiva dos núcleos motores do bulbo, e como a denominação deve quanto possível implicar a definição, acompanho de bom grado o professor Hallopeau que adoptou o titulo de atrophia primitiva chronica dos núcleos motores, titulo que allia ao rigor da linguagem as vantagens de abranger e harmo- nisar as variadas fôrmas por que se manifesta uma mesma lesão, simulando moléstias distinctas. A atrophia primitiva dos núcleos motores comprehende três fôrmas : fôrma bulbar fôrma espinal e fôrma bulbo-espinal. § I FORMA BULBAR (PARALYSIA GLOSSO-LABIO-LARYNGÉa) . A expressão paralysia glosso-labio-laryngéa é indicativa de uma moléstia e applica-se egualmente a um syndroma clinico. Comprehende-se bem que sempre que os núcleos do bulbo forem compromettidos por tumores, amollecimentos ou compressão de qualquer gênero, manifestar-se-hão os symptomas inherentes a estas alterações caracterisados por paralysias das regiões animadas pelos nervos correspondentes e revestindo exactamente a forma da paralysia glosso-labio-laryngéa. No intuito de evitar confusões é preferível designar-se o syndroma com o nome de paralysia dos nervos bulbares, e reservar-se o titulo de paralysia glosso-labio-laryn- géa para a doença de Duchenne. Etiologia. — E uma moléstia observada em edade relativamente avançada; rara antes de 40 annos, é mais freqüente entre esta edade e 70 annos. Parece accommetter muito mais vezes o homem do que a mulher. Desenvolve-se em alguns casos sem causa apreciável, em ou- tros pode ser attribuida a acção prolongada do frio, a emoções vivas e a fadigas musculares, (principalmente exercício exaggerado de instrumentos de sopro e leitura em voz alta) a más condições hygienicas e a commoção do bulbo. 36 Jaccoud cita o exemplo de um cocheiro que sendo arremes- sado da boléa do carro cahio sobre a nuca não apresentando aliás fractura nem ferida. Bjornstrom em 1877 observou também outro facto de paralysia glosso-labio-laringéa devida a traumatismo do bulbo. Alguns auctores dão ainda a syphilis e o abuso do tabaco como causas desta moléstia. Symptomatologia. — « É uma aíTecção paralytica, diz Duchenne, que invade successivamente os músculos da lingua, os do véo do paladar e o orbicular dos lábios; que produz conseguintemente perturbações progressivas na articulação das palavras e na deglutição ; que em um período adiantado complica-se de perturbações na res- piração ; na qual emfim os indivíduos succumbem ou na impossibi- lidade de alimentarem-se ou durante uma syncope. » A paralysia da lingua é o primeiro e principal symptoma. Digo principal, porque impede a alimentação e por conseguinte põe em risco imminente a vida do doente, e além d'isso occasiona perturbações características na pronunciação das palavras. A lingua permanece inerte no soalho da bocca, e torna-se impossível ao doente não só levantar a ponta e applical-a atraz da arcada dentaria superior, como também levar a face dorsal de encontro a abobada palatina. A articulação das consoantes resente- se em excesso da difhculdade ou impossibilidade d'esses movimentos. Para fazer-se idéa exacta d'esta espécie de articulação, Duchenne recommenda que se falle conservando a lingua abaixada e fixa no soalho da bocca. Assim as palatinas e dentaes são articuladas como ch, somente accentuando-se tanto mais essa pronuncia quanto maior a diíficuldade na elevação da lingua. A pronuncia das vogaes e e i difliculta-se egualmente. Todos os movimentos da lingua são passíveis de embaraço; os de lateralidade são abolidos em muitos doentes que não podem tão pouco projectar a lingua para diante nem com ella formar uma gotteira. Esta akinesia coincide habitualmente com um aspecto exterior normal, entretanto muitas vezes a lingua é flaccida e como que alargada segundo o diâmetro transverso ; outras vezes manifesta-se 37 dobrada sobre si mesma, diminuída de volume e claramente atro- phiada como nas observações 58 e 59 referidas por Duchenne no seu excellente livro da Electrisação localisada. A medida que enfraquecem os movimentos da lingua a palavra vai-se tornando inintelligivel a ponto de, nos casos de paralysia completa, ouvir-se apenas um granindo. Em seguida ou de combi- nação com as perturbações articulares, começa a deglutição a expe- rimentar embaraços em seu mecanismo. Rompido o antagonismo entre as forças contracteis da cavidade boccal e as do pharynge, as contracções dos músculos d'este ultimo projectão os alimentos fora da bocca, de sorte que o doente é obrigado a inclinar a cabeça para traz e a servir-se dos dedos para conseguir engulir algumas parcellas. Sem o auxilio de semelhantes artifícios a deglutição seria tão impossível como se o enfermo conservasse a bocca com- pletamente aberta e a lingua abaixada. De par com o enfraquecimento dos movimentos da lingua apparece difficuldade na deglutição da saliva, que accumula-se na bocca, ahi demora-se, torna-se viscosa e depois corre em grande quantidade. Se o doente abre a bocca, vê-se esta saliva viscosa disposta em filamentos que adherem pelas extremidades aos lábios, á lingua e á abobada palatina, e de tal maneira que os pobres enfermos são obrigados a trazer constantemente um lenço e até servem-se dos dedos para expellir taes productos horrivelmente encommodos. As desordens funecionaes produzidas pela paralysia da lingua são aggravadas pela paralysia dos músculos motores do véo do paladar. A phonação é aífectada e a articulação das labiaes, normal até então, soífre modificações, assim como a voz que toma o timbre nazalado. As labiaes p, f e b são articuladas como me, fe ou ve. Isto explica-se: alguns músculos do véo do paladar e o constrictor superior do pharynge constituem por sua acção synergica uma espécie de sphyncter descoberto por Gerdy e perfeitamente estu- dado por Dzondi, cuja missão é fechar o orifício posterior das narinas. Quando este orifício fica inoceluso, a columna de ar ex- 38 pellida que deve sahir unicamente pela bocca com o fim de separar mais ou menos fortemente os lábios para a pronunciação das labiaes, introduz-se também pelo orificio aberto dividindo-se em duas. A que penetra nas fossas nasaes faz ouvir um som ou sopro nasal particular, e a outra enfraquecida, por isso que é diminuída, vai separar fracamente os lábios que deviâo ser afastados com vio- lência. Ha um meio de se corrigir esse defeito da articulação, o qual consiste em apertar o nariz aos doentes de modo a fechar completamente o orificio anterior das fossas nasaes, obrigando a columna de ar a penetrar toda pela bocca. Quando a paralysia dos músculos do véo do paladar é unila- teral reconhece-se facilmente pelo desvio da uvula ou pela desi- gualdade das arcadas formadas pelos pilares. Na maioria dos casos, porém, nenhum d'estes phenomenos se observa, a paralysia é dupla e symetrica. A difficuldade da deglutição augmenta e os líquidos fazem freqüentemente irrupção pelas fossas nasaes. Não é raro a intro- ducção no larynge de partículas de alimento ou de saliva provo- cando mui dolorosos accessos de suífocação. A paralysia do orbicular dos lábios vem concorrer ainda mais para a aggravação da scena mórbida; ella faz-se gradualmente e revela-se a principio pela difficuldade que apresenta o doente em pronunciar as vogaes o e u, em assobiar ou dar beijos; mais tarde torna se difficillima a articulação das labiaes porque a approximação dos lábios não pode ser conservada. As paralysias do elevador do lábio inferior, do quadrado e do triangular dos lábios associão-se muitas vezes á paralysia do orbicular, e Duchenne attribue-lhes a impossibilidade na pronuncia das vogaes e e i, que Hallopeau affirma depender de paralysia da lingua. Duchenne somente observou paralysias dos músculos acima referidos e que formão o grupo innervado pelo facial inferior; nunca vio comprometimento dos de esphera mais elevada como o orbicular das palpebras, zigomatico, canino, elevador do lábio su- perior, motores das azas do nariz e buccinador. A paralysia do orbicular dá um aspecto particular á physio- 39 nomia : a dimensão transversal da bocca augmenta, os sulcos naso- labiaes aprofundão-se pela acção dos elevadores do lábio superior e a physionomia assemelha-se exactamente á de um indivíduo que chora. Quando os doentes riem ou chorão os lábios afastão-se algu- mas vezes tanto, que não voltão á posição primitiva sem que a ella sejão levados pelas mãos. A palavra então é absolutamente impos- sivel, os doentes apenas grunhem. N'este período dá-se o apparecimento funesto da paralysia dos pterygoidianos, signal precursor de morte próxima na opinião de Duchenne, e que se caracterisa pela abolição dos movimentos de diducção do maxillar inferior. Esta paralysia de ordinário precede a manifestação dos phenomenos cardio-pulmonares, porque o núcleo motor do nervo trigemino é contíguo á origem do pneumogastrico e a lesão que o interessa é essencialmente progressiva. Todas estas paralysias apresentão-se em regra geral muito intensas dos dous lados e são exactamente symetricas, caracter que serve de pode- roso distinctivo entre a moléstia de Duchenne e as diversas espécies de paralysia do nervo facial. Ainda que os músculos estejão profundamente alterados, a contractilidade electrica persiste quasi como no estado normal. A perda da excitabilidade reflexa do larynge, do pharynge, da trachéa e do esophago foi n'estes últimos tempos apontada por Maurício Krishaber como signal precursor da moléstia. O larynge e as cordas vocaes podem ser tocados em toda extensão com ni- trato de prata sem que provoquem o mais ligeiro movimento reflexo : o toque é percebido exclusivamente como sensação táctil. Krishaber em um artigo publicado na Gazeta Hebdomadária de 1872 com o titulo « Vanesthêsie de Ia sensibilité rejíexe du larynx comme signe précurseur de Ia paralysie glosso-labio-laryngée » cita um facto de um indivíduo em que o toque das cordas vocaes provocava simples- mente a sua approximação silenciosa e quasi lenta, sem tosse nem espasmos. Introduzia-se uma sonda no pharynge, no esophago e no es- tômago e havia ausência completa de tosse e de vômitos. Pode-se 40 affirmar que neste caso a communicação entre o pneumogastrico, ao qual vão ter os filetes centripetos emanados d'estas partes, e os centros coordenadores dos movimentos que provocão a tosse e os vômitos, estava interrompida (Hallopeau.) As perturbações da respiração não se fazem esperar e mani- festão-se por accessos de suffocação acompanhados de cyanose e syncopes. Estas perturbações inicião-se por diminuição no poder expiratorio, tanto que os doentes não podem, por exemplo, apagar uma vela soprando. A auscultação não revela estertor algum, mas se o enfermo respira com energia, ouve-se o ar entrar com grande força nos bronchios durante a inspiração que é extensa, ao passo que a expiração é muito curta. Não obstante a penetração franca do ar nos bronchios os doentes queixão-se constantemente de falta de ar, accusão uma sensação desagradável de plenitude do peito, que parece depender da demora prolongada nas vesiculas pulmonares de um ar privado de oxigeno e rico de gaz carbônico. Na opinião de Duchenne estes phenomenos dependem da pa- ralysia dos músculos bronchicos de Reissessen ou expiradores in- trínsecos. Comprehendem-se bem as difficuldades que os doentes n'estas condições encontrarão em assoar-se, escarrar ou expectorar, e quaes os perigos enormes que pôde causar a mais ligeira bronchite, pro- duzindo asphyxia com a maior facilidade. As crises de suffocação manifestão-se com tanto maior fre- qüência quanto mais adiantada é a marcha da moléstia e não devem ser confundidas com as produzidas pela penetração de saliva ou partículas alimentícias no larynge. O mais insignificante movimento pôde provocal-as, mas de ordinário apparecem espontaneamente, tanto de dia como de noute. A paralysia dos músculos intrínsecos do larynge produz tam- bém perturbações na phonaçâo, caracterisadas por alteração da voz. Na grande maioria dos casos ella é apenas enfraquecida, raras vezes extingue-se completamente. Duchenne só notou uma vez aphonia absoluta e verificou pela laryngoscopia que quasi sempre as cordas 41 vocaes se conservão só em relaxamento. O grande esforço despen- dido na emissão da palavra causa rápido esgotamento das forças do doente. No ultimo período sobrevêm as perturbações cardíacas, ver- dadeiras crises traduzindo-se por lypothymias e syncopes, termi- nação mais commum da moléstia. Estas crises se caracterisão por uma sorte de oppressão cardíaca, anciedade extrema e terror de uma morte próxima. O pulso bate com rapidez exaggerada, é fraco, pequeno, irregular e intermittente, a guisa do que se dá em todas as aífecções que apresentão graves perturbações bulbares ; a escuta do coração não revela sopro algum, mas o órgão parece agitar-se em uma collecção liquida; o olhar é fixo e terno, ao mesmo tempo que uma pallidez mortal espalha-se pelo semblante. A syncope vem pôr termo a esta scena de angustias. A paralysia glosso-labio-laryngéa não traz febre. Os doentes no fim de algum tempo sentem-se abatidos, fracos e prezas de uma fome insaciável, cahindo mais tarde em verdadeiro marasmo. Duas causas concorrem para esse estado : a impossibilidade e iusufficiencia de alimentação e o desperdício considerável de saliva essencial á boa nutrição, Pode-se dizer que em rigor não ha perturbações intellectuaes, salvo se se levar em linha de conta certo estado de emotividade ou hebetismo em virtude do qual os doentes chorão facilmente e que encontra prompta explicação na situação miserável em que se achão e de que tem plena consciência. A sensibilidade geral e gustativa mantem-se intacta. Grasset refere no Montpellier medicai (1878) o facto rarissimo de um de seus doentes de paralysia glosso-labio-laryngéa cujo gosto era abolido em toda extensão da lingua. Segundo as pesquizas de Duval, o núcleo de origem bulbar do nervo de Wrisberg deve fazer parte da massa cinzenta d'onde parte o glosso-pharyngeo; o nervo de Wrisberg e a corda do tympano poderião pois ser considerados como um ramusculo do glosso-pharyngeo que seria assim o nervo do gosto de toda lingua. Marcha. — A marcha d'esta moléstia é sempre chronica e 42 essencialmente progressiva; dura de 6 mezes a 3 annos e acaba sempre pela morte. Leyden baseado em trez observações descreveu uma fôrma mórbida que denominou Paralysia bulbar aguda, caracterisada pelo apparecimento precoce dos symptomas graves e pela brusca termi- nação. Acredita elle que muitas paralysias bulbares de fôrma apo- plectica não são outra cousa provavelmente que a myelite bulbar aguda. A autópsia denota pequenos focos de amollecimento mal circumscriptos na medulla alongada. Estas observações demonstrão a veracidade da proposição : o conjuncto de symptomas é subordinado estrictamente a sede da lesão. Com eífeito, estes cíisos referem-se a formas agudas, rápidas de paralysia glosso-labio-laryngéa, que pela natureza de seu processo e por ser lezada a visinhança do núcleo do pneumogastrico, aífectão marcha em tudo diíferente da seguida ordinariamente pela moléstia de Duchenne. A lesão do bulbo segue em geral a via ascendente e interessa successivamente a lingua, o véo do paladar, os lábios, os ptery- goidianos, o larynge, e os órgãos respiratórios e circulatórios. Só por excepção principião as paralysias pelo véo do paladar. Raramente encontra-se um quadro symptomatico mais em harmonia com as lesões pathogenicas. Assim : o primeiro núcleo atacado é o do hypoglosso e á sua alteração corresponde a atrophia da lingua iniciadora da moléstia e que produz os embaraços da palavra. A lesão caminhando de baixo para cima invade os núcleos do espinal e do facial inferior causando as perturbações da voz e atrophia dos lábios; as cellulas motrizes do maxillar inferior são accommettidas em seguida e sua atrophia dá em resultado a pa- ralysia dos pterygoidianos. A lesão é obrigada a parar ahi sob pena de invadir o núcleo do pneumogastrico, sobrevindo então os accidentes dyspneicos e cardíacos, as syncopes que põem termo á vida do doente.—Como tudo isso se encadeia admiravelmente ! Por este modo comprehende-se claramente a razão porque os symptomas limitâo-se aos nervos emanados da região inferior do bulbo e as lesões não attingem quasi nunca o facial superior e os 43 nervos oculo-motores, cujos núcleos achão-se collocados em posição superior á do pneumogastrico. Entretanto pode-se conceber que as alterações percorrão ex- clusivamente o trajecto da columna motriz situada nos lados da linha mediana, sem accommetter a columna mixta collocada mais para fora, e sejão assim interessadas as partes dessa columna onde origina-se o nervo facial superior. Explica-se d'esta forma a para- lysia das palpebras observada por alguns clínicos. A morte na paralysia glosso-laryngéa ó rápida ou súbita e é, como tenho dito mais de uma vez, determinada pelos accidentes cardíacos ou pulmonares. No primeiro caso pode ser precedida de uma serie de syncopes que augmentão sempre em duração e gra- vidade; no segundo, o doente succumbe no meio dos accessos tão communs de dyspnéa. A syncope pôde matar inesperadamente sem haver a mínima suspeita de terminação próxima. Duchenne considerava a paralysia dos pterygoidianos, caracterisada pela abo- lição dos movimentos de diducção do maxillar inferior, como um signal que impunha um prognostico gravíssimo, e a razão já foi dada. Podem existir comtudo casos excepcionaes, rarissimos, em que os symptomas bulbares não arrastem a morte de uma maneira absolutamente fatal e immediata. Grasset tratou de um saturnino que foi curado de uma paralysia glosso-laryngéa em começo. Dowse (*) publicou um facto notável em que a paralysia glosso-labio-laryngéa era completa, attingia mesmo os pterygoidianos, em seguida a ataques convulsivos e paralysia generalisada; praticou-se o galva- nismo e com injecções de strychnina e atropina houve melhora muito notável. As lesões da paralysia glosso-labio-laryngéa nem sempre ficão limitadas aos phenomenos que tenho indicado, muitas vezes acom- mettem porções mais extensas do systema nervoso central. A parte superior da face pode em casos especiaes ser tomada de paralysia cujo mecanismo procurei explicar acima. (!) Note sur Ia paralysie glosso-labiée cérébrale à forme pseudo-bulbaire. Rcoue mensvclle, déc. 1877. 44 M. Hérard cita no boletim da Sociedade medica dos hos- pitaes (1868) a observação de uma mulher que, ao lado dos symptomas clássicos da moléstia de Duchenne, apresentava queda incompleta das palpebras superiores, mais accentuada do lado es- querdo, e enfraquecimento de vista. Wachsmuth refere também um facto de paralysia da palpebra inferior. Só um doente de paralysia glosso-labio-laryngéa me foi dado encontrar no Hospital da Misericórdia. Vai em seguida a sua observação em cuja acquisição fui cavalheira mente auxiliado pelo meu distinctissimo amigo e illustrado collega Dr. Manoel Pereira Cardoso Fonte. Eil-a : l.a OBSERVAÇÃO PARALYSIA GLOSSO-LABIO-LARINGÉA José Ribeiro Ozorio, branco, portuguez, natural de Braga, com 33 annos, solteiro, charuteiro. morador á rua de S. Diogo 205, entrou no dia 13 de Março de 1882 para a 4.' enfermaria de medicina do Hospital da Misericórdia, a cargo do Conselheiro Torres Homem, e foi occupar o leito n.° 3. Refere que ha 6 mezes sentio ao levantar-se de manhã grande difficuldade em pronunciar as palavras, algum embaraço nos movi- mentos dos braços e das pernas e principalmente muita difficuldade na deglutição, difficuldade que tem augmentado de tal modo que actualmente ó necessário triturar o bolo alimenticio tanto que fique reduzido a uma massa pastosa, meio único de ser engulido. Desde o principio da moléstia a saliva corria incessantemente e em tal abundância que o doente tem-se visto obrigado a ter sempre um lenço junto aos lábios. A face não soífreu perturbação alguma. Releva notar que ha 3 annos ficou de repente aphonico e sem movimento no braço esquerdo, o que desappareceu completamente era 3 dias depois de se ter tratado com um medico. Não ha antecedentes de syphilis, alcoolismo ou rheumatismo. Quanto aos antepassados nada disse. Estado actual. — E um indivíduo de constituição regular e temperamento lymphatico. O facies tem caracteres singulares: é o de um indivíduo atoleimado e apresenta a physionomia de quem chora. Sobre o lobulo e parte do dorso do nariz e em differentea pontos da fronte notão-se cicatrizes de lúpus. A voz é nazal. A pronunciação das palavras tão obscura que com grande difficuldade se comprehende o que diz. 45 A emissão das consoantes labiaes b p e m, assim como das linguaes dentaes d e t, e das linguaes gutturaes como g é excessi- vamente defeituosa. A lingua não goza de todos os movimentos, o que se dá também com os lábios e as bochechas, de sorte que o doente não pode soprar nem assobiar fortemente. A saliva ó secretada abundan- temente, e se não é amparada com o lenço corre para o exterior sob a forma de espessos filamentos. A metade esquerda do véo do paladar está mais baixa do que a do lado opposto. A deglutição e a mastigação são diflicillimas. O doente gasta extraordinário tempo em mastigar um pedaço de pão, e só depois de tel-o reduzido a uma massa pastosa muito molle, e com muitos esforços, é que consegue engulil-o. Diz mesmo que receia muito ficar suffocado pelo bolo alimentício na occasião de deglutil-o. É digno de notar-se o facto da massa alimentícia ficar sempre accumulada entre a bochecha e a gengiva de qualquer dos lados e então o enfermo procura leval-a para o meio da face superior da lingua introduzindo o dedo indicador na cavidade boccal. Os líquidos sahem pelas fossas nasaes. Ha movimentos fibrillares bem manifestos nos músculos faciaes. O doente não pode contrahir quer isolada quer simultaneamente os dous lados da face: move bem as palpebras, franze a testa, mas não levanta as azas do nariz nem eleva o lábio superior. A deglutição é mais difficil para os liquidos do que para os sólidos. Nada de anormal na sensibilidade da face, nem na sensibilidade gustativa. A respiração é normal e nada se nota para os appa- relhos digestivo e circulatório. Ha glycosuria. Diagnostico. — Paralysia glosso-labio-laryngéa. Prognostico. — Fatal. Tratamento. — Iodureto de potássio em infusão de lupulo dado em todo o tempo de estada no hospital e applicação de sedenho á nuca. Na época em que escrevo (Septembro de 83) ainda vive elle e mora na rua do Senhor dos Passos. Parece que o corrimento da saliva tem diminuido porque passa alguns minutos sem ter o lenço applicado á bocca. §n FORMA BULBO-ESPINAL, (PARALYSIA GLOSSO-LABIO-LARYNGÉA COM ATROPHIA MUSCULAR PROGRESSIVA). Duchenne e Trousseau citão uma lista extensa de paralysias 46 glosso-labio-laryngéas, e na mór parte dellas são mencionadas per- turbações concomitantes da motilidade dos membros superiores. A atrophia muscular segue mui commummente de perto estas paralysias periphericas e é muitas vezes o phenomeno predo- minante. Quando as paralysias periphericas são consecutivas aos symptomas bulbares, em geral se manifestão em primeiro lugar nos músculos mais elevados dos membros superiores, ou nos mús- culos do pescoço, mais tarde então accommettem os do antebraço, das mãos e das extremidades inferiores. Ao lado d'estes factos observão-se outros, e não poucos, em que a moléstia principia pelas extremidades revestindo o typo de uma atrophia muscular progressiva; somente em época mais ou menos remota apparecem os symptomas da paralysia glosso-labio laryngéa. Duchenne de Boulogne em sua monumental obra (Electrisation localisée) diz ter observado 13 vezes phenomenos bulbares em 135 casos de atrophia muscular progressiva. Hallopeau affirma que a proporção é mais considerável se examinar se debaixo d'este ponto de vista o conjuncto dos casos publicados na sciencia. Assim pois, ora as paralysias principião pelos nervos bulbares estendendo-se consecutivamente ás partes periphericas, ora seguem a marcha inversa, e em ambos os casos o conjuncto symptomatico acaba por ser idêntico (Hallopeau). Duchenne viu 13 vezes a atrophia muscular progressiva es- tender-se aos lábios e á lingua. Podem-se dividir em duas categorias as observações colhidas até a presente data : na primeira é a paralysia glosso-laryngéa que abre a scena, as perturbações periphericas da motilidade vêm depois. Na segunda, ao contrario, os symptomas periphericos são os primeiros em data. Para Duchenne trata-se no primeiro caso de paralysias glosso- labio-laryngéas complicadas de atrophia muscular progressiva, e no segundo caso, de atrophia muscular progressiva complicada de paralysia glosso-labio-laryngéa; são sempre duas moléstias super- postas, perfeitamente distinctas, apenas coincidindo. Duchenne de 47 maneira alguma admitte sejão ellas ligadas ao mesmo typo mórbido cujas alterações serião localisadas ora no bulbo, ora na medulla, ora nestes dous órgãos simultaneamente. Para discutir esta questão interessantíssima cuja solução apre- senta difficuldades susceptíveis unicamente de serem superadas por quem disponha de talentos e conhecimentos que não possuo, é mister emprehender o estudo da anatomia pathologica, o que procurarei fazer nas seguintes linhas. § III. Anatomia pathologica As autópsias praticadas antigamente não tem valor porque as lesões atrophicas raramente imprimem modificação ao aspecto physico dos centros nervosos e os anatomo-pathologistas apenas dispunhão da simples vista ou de instrumentos pouco aperfeiçoados para decidir de sua integridade anatômica. Não se pôde tão pouco attribuir valor absoluto ás observações em que se aífirma a não existência de alterações do systema muscular : até época bem próxima somente era conhecida a atrophia gordurosa dos músculos, quando está hoje demonstrado que nas atrophias de origem central não se encontra muitas vezes senão a atrophia simples das fibras com proliferação cellular. Apezar d'isso Cruvelhier e Trousseau reconhecerão a atrophia das raízes nervosas e o segundo d'estes dous sábios considerou a paralysia glosso-labio- laryngéa como dependente de uma atrophia progressiva dos nervos bulbares. Charcot foi o primeiro a indicar em 1870 as lesões centraes do bulbo, confirmadas em um segundo caso por Duchenne e Joífroy. Eis a descripção succinta das lesões feita por Charcot: Encontrou em primeiro lugar alteração dos músculos paralysados que, conservando o primitivo volume, apresentavão todavia um certo gráo de alteração granulosa com ou sem o desapparecimento da estriação transversal. Em preparações coloridas pelo carmim notava-se em grande numero de feixes primitivos uma multiplicação evidente dos núcleos, não só do sarcolemma como do tecido con- 48 junctivo interposto. O tronco e as ramificações dos nervos hypo- glosso, espinal e pneumogastrico apresentavão como única alteração um ligeiro estado granuloso de alguns tubos nervosos. Pelo exame histologico verificou-se perfeita integridade dos feixes de substancia branca que atravessão o bulbo. A nevroglia sempre se conservou intacta, quando muito apresentava traços equívocos de multiplicação de núcleos. As alterações concentravão- se todas na substancia cinzenta e mais especialmente em um dos cornos anteriores, As cellulas no primeiro grau de alteração reco- nhecem-se promptamente pela coloração de um amarello de óca muito intenso que apresentão na maior parte de sua extensão. Essa cor resulta da presença de granulos pigmentares reunidos em fôrma de pequenos montes furtando-se á influencia do carmim. O volume da cellula é reduzido, seu contorno é anguloso e os prolongamentos desapparecem. Em um período mais adiantado eífectua-se a suppressão do núcleo e do nucléolo, e a cellula é sim- plesmente representada por uma massa de substancia amarella. As cellulas alteradas achão-se esparsas no meio das cellulas sãs. Os núcleos de origem dos nervos craneanos apresentavão absolutamente as mesmas alterações, até certo ponto em relação com o grau de paralysia dos músculos que d'elles dependem. O núcleo do hypoglosso estava profundamente alterado, os dous terços de suas cellulas soffrerão a atrophia pigmentaria. Os núcleos do espinal e do pneumogastrico achavão-se um pouco menos alte- rados, as cellulas do núcleo do facial erão notavelmente pequenas e em numero insignificante. Worms em 1877, Mathias Duval e Raymond, e Pitres e Sabourin em 1879 publicarão novos factos de paralysia glosso- labio-laryngéa com autópsias que precisarão ainda mais a sede das lesões. Na observação de Duval e Raymond o núcleo clássico do hypoglosso estava destruído como no doente de Charcot e o núcleo accessorio estava também compromettido segundo a descripção que d'elle fez Duval, somente em grau menor. Este facto parece dar 49 o motivo de alguns phenomenos clínicos observados durante a vida da doente de Raymond. Assim é que com grande difficuldade podia ella apenas levar a lingua ao nivel dos incisivos inferiores, entretanto podia em- pregal-a nos movimentos associados da deglutição. Os anatomo-pathologistas aventarão a hypothese de que o núcleo do hypoglosso seria mais particularmente o centro bulbar dos movimentos da lingua na palavra, e seu núcleo acces- sorio o centro dos movimentos associados aos da deglutição. A ana- tomia comparada parece confirmar esta opinião, pois que nos animaes, com especialidade no cão e no cavallo, o núcleo accessorio é relativamente mais desenvolvido que o núcleo próprio. N'esta mesma observação notava-se alteração do núcleo motor dos nervos mixtos, ao passo que o núcleo sensitivo estava intacto. O núcleo próprio do facial inferior achava-se notavelmente atrophiado, a ponto de tornar-se quasi desconhecido, no emtanto que o núcleo commum do motor ocular externo e do facial superior fazia-se notar por sua integridade. O núcleo do mastigador estava alterado. Em todas estas observações, como na de Pitres e Sabourin, a substancia branca dos cordões lateraes e das pyramides con- servou-se em absoluta integridade, facto que invalida de vez a crença de vários auctores, a cuja frente destaca-se a figura saliente de Leyden, que contestâo a possibilidade d'esta integridade, não querendo distinguir com Charcot a atrophia primitiva dos núcleos bulbares (paralysia glosso-labio-laryngéa) da atrophia deuteropathica d'estes mesmos núcleos (esclerose lateral amyotrophica). Também é batida por este modo a opinião de Rosenthal que julga ser a esclerose lateral n'estes casos uma lesão descendente consecutiva á atrophia dos núcleos bulbares. Transcrevo em seguida o resultado da autópsia feita por Pitres e Sabourin, e publicada nos archivos de Physiologia de 1879, pag. 723, porque essa observação é importantíssima: tratava-se de um caso de paralysia-glosso-labio-laryngéa genuína, sem paralysias periphericas. Õ187 - 4 50 OBSERVAÇÃO II Paralysia glosso-labio-laryngéa protopathica. — Pitres e Sabourin. — Atrophia dos núcleos bulbares.—Integridade da medulla.—Atrophia DOS MÚSCULOS DA LINliUA. Tupin, mulher de 71 annos, sem profissão, occupa o leito n.° 1 da sala Sainl-Mathieu, serviço de M. Louys na Salpétrière. Apresentava todos os symptomas descriptos de paralysia glosso- labio-laryngéa typica. Autópsia 26 horas depois da morte. Tubo digestivo. — Desde o estômago até o recto todo o intes- tino está fortemente retrahido, vazio, de paredes descoradas. Apparelho circulatório. — Alguns endurecimentos da válvula mitral; aorta ligeiramente atheromatosa, coração pouco volumoso em seu todo. Os rins são notavelmente pequenos, porém de superfície lisa, sem alteração notável a vista. — Os pulmões e fígado nada offerecem de particular. Os músculos dos membros superiores e inferiores têm aspecto inteiramente normal. Lingua. — Sobre um golpe vertical e antero-posterior pas- sando pela parte média, o que fere a attenção desde logo, fora a diminuição do volume, é a tinta amarella geial de toda massa mus- cular, que parece infiltrada de gordura. Este descoramento dos mús- culos torna-se mais evidente se com elles se comparão os poucos músculos extrinsecos visinhos, Talvez somente na espessura do genio- glosso alguns feixes tenhão conservado uma côr vermelha recordando o estado normal. Systema nervoso. — Nada a notar nas meningeas cerebraes e rachidianas, nem nas circumvoluções. Os golpes methodicos dos dous hemispherios cerebraes nada apresentão de anormal á simples vista. Acontece o mesmo com o cerebello e a protuberancia. Em torno do bulbo, nas proximidades do sulco que o separa da protuberancia, nota-se um ligeiro espessamento da pia-mater, como que uma riqueza anormal de filamentos cellulosos que a reúnem ao tecido nervoso. A olho nu, o bulbo não oíferece a notar nem mu- dança de coloi*ação, nem differença de volume de um lado a outro, nem endurecimento geral ou parcial. Porém quando se examina o soalho do 4.° ventriculo parece que a substancia cinzenta da parte d'esta região é como que amontoada no sentido vertical e em menor extensão que no estado normal. 51 Os filamentos de origem dos nervos bulbares, sobretudo os do hypoglosso, forão arrancados apezar do maior cuidado durante a ablação do oncephalo, ou então confundirão-se cora os numerosos feixes fibrosos que têm sede n'estes pontos. A medulla nada offerece de especial examinada a olho nú. Exame microscópico. — 1." Lingua. — A lingua foi examinada em dissociações no estado fresco, e em golpes praticados apoz o endurecimento no ácido chromico. Estes dous meios de estudo derão resultados idênticos. Nas dissociações acha-se um certo numero de fibras musculares tendo conservado seu volume normal o sem alto- ração alguma apreciável. Ao lado, porém, d'estas fibras sãs acha-se um maior numero de outras profundamente alteradas. Entre as fibras doentes umas apresentão só atrophia simples com conservação da estriação; outras são ao mesmo tempo sede de uma multiplicação dos núcleos do sarcolemma. Esta multiplicação é bastante abundante para interromper em certos pontos a substancia muscular e encher completamente a bainha formada pelo sarcolemma. Em nenhuma parte encontra-se degenerescencia gordurosa das fibras musculares. Em golpes transversaes da lingua praticados apoz o endureci- mento e examinados a um fraco augmento, impressiona immedia- tamenta o observador a abundanoia de cellulas adiposas. Estas cellulas são dispostas por grupos separados uns dos outros por feixes de fibras musculares, que formão uma sorte de septo irregular na massa adiposa. Com um mais forte augmento podem se reconhecer as diversas formas de alterações que têm sido descriptas nas fibras que compõem estes feixes. Ao lado das fibras perfeitamente sãs, ha fibras delgadas não medindo mais de 2 a 4 micro-millimetros que tem entretanto con- servado sua estriação distincta, ou então são a sede de multiplicação mais ou menos abundante dos núcleos do sarcolemma. É igualmente fácil se certificar de que as vesiculas gordurosas são todas desenvolvidas fora das fibras musculares, nos intervallos que as separão, ou antes, no tecido intersticial que as reúne. 2.* Nervos. — Os nervos não poderam ser objecto de exame methodico. Um fragmento do hypoglosso no emtanto foi immerso em uma solução de ^oo de ácido chromico e dissociado depois n'agua. Nas preparações vê-se que a enorme maioria das fibras nervosas conserva todas as apparencias do estado normal. A bainha de mye- lina tem contornos perfeitamente nitidos e não parece interrompida senão ao nivel dos estrangulamentos annulares. Todas as preparações, porém, contêm de longe em longe algumas fibras que apenas são 52 representadas por uma bainha encerrando de distancia em distancia gottasinhas de myelina fortemente coloridas em preto pelo acido chromico. Todavia, as fibras assim alteradas são em infima minoria. Não se fizerão golpes transversaes do nervos. 3.° Medulla espinhal, Bulbo e Protuberancia. — Estes órgãos forão endurecidos em soluções diluídas de acido chromico. Os golpes praticados depois de 3 mezes de immersão no liquido forão coloridos com carmim, deshydratados no álcool absoluto, clarifica- dos pela essência de cravos da índia, e tratados pelobalsamo de Canadá. A medulla em toda extensão apresenta perfeita integridade. Em toda parte as substancias cinzenta e branca conservarão o as- pecto ordinário. As cellulas dos cornos anteriores são nítidas, de prolongamentos muito apparentes e de volume normal. Os cordões brancos são in- tactos, e os cordões lateraes em particular não apresentão traço algum de espessamento esclerosico. O bulbo rachidiano apresenta alterações limitadas cuja topo- graphia importa precisar exactamente. No centro de um golpe feito a 1 centímetro abaixo da ponta inferior do 4.° ventriculo, ou antes no contorno do canal ependy- mario, no ponto correspondente á origem dos núcleos do espinal e do hypoglosso existe uma mancha de um vermelho sombrio, consti- tuída por um tecido denso, no qual não se vêm mais traços de cel- lulas nervosas. A parede ependymaria é espessada ; em sua visinhança achão-se muitos golpes de vasos dilatados e munidos de paredes es- pessas e resistentes. Os cordões brancos, as pyramides anteriores em particular, incompletamente entrecruzados n'este nivel, não parecem alterados. Encontra-se abi somente um certo numero de corpusculos amyloides. Sobre o golpe praticado ao nivel da ponta do 4.8 ventriculo vê-se ainda a mesma mancha vermelha mais larga do que no golpe precedente; ella occupa mui exactamente o lugar do núcleo do hy- poglosso. As cellulas nervosas d'este núcleo não existem mais, apenas se reconhecem muito ligeiramente sobre os bordos do ponto affectado alguns corpusculos amarellados, pequenos, de forma irregular e sem prolongamentos. Póde-se crer que são destroços de cellulas nervosas, porém seria difficil afíirmar sua verdadeira origem. O resto do golpe parece normal: as pyramides anteriores, as olivas, os corpos resti- formes estão sãos, e não se encontrarão mais corpusculos amyloides. 53 Em um terceiro golpe praticado transversalmente a alguns millimetros acima da ponta do 4.° ventriculo, na altura do terço su- perior das olivas, acha-se ainda a mesma mancha vermelha corres- pondente ao ponto alterado já descripto nos dous golpes precedentes. Ella tem se alargado e occupa o lugar dos núcleos do hypo- glosso e do fasciculus teres. Estende-se lateralmente até o núcleo do pneumogastrico que é em parte invadido. A seu nivel as cellulas nervosas são completamente destruídas, não se encontrão nem traços d'ellas. O resto do golpe é normal. Todos os golpes praticados abaixo da parte média do entrê- cruzamento das pyramides, ou acima das fibras transversaes do nervo acústico, não apresentão alteração apreciável. Resulta, pois, do exame do eixo bulbo-espinal, que existe no bulbo, ou antes, na parte posterior e inferior d'este órgão, uma lesão limitada cujo conjuncto representa um ovoide alongado de cerca de 2 centímetros de comprimento, estendendo-se desde a parte média do entrêcruzamento das pyramides até o nivel das fibras transversaes do nervo acústico e comprehendendo em sua área os núcleos dos dous hypoglossos e o fasciculus teres, assim como uma parte dos núcleos do espinal e do pneumogastrico. A natureza d'esta lesão é difficil a determinar-se. O tecido de que se compõe o foco é denso, fortemente colorido pelo carmim; apresenta um aspecto fibrillar semelhante ao que se encontra era certos casos de esclerose em placas. Em nenhum caso encontra-se em seu interior cellula alguma nervosa intacta. O estado do núcleo de origem do facial superior não foi es- tudado. § iv 0 facto capital que resulta dos estudos anatomo-pathologicos é a atrophia dos núcleos bulbares, atrophia que também se tem verificado sempre nas cellulas anteriores da medulla porque as autópsias, exceptuando unicamente a de Pitres e Sabourin, têm sido feitas em doentes de paralysia glosso-labio-laryngéa, acompa- nhada de paralysias periphericas. É evidentemente a lesão dos núcleos que domina todo quadro pathologico (Hallopeau). Ella é idêntica á que se observa na atrophia mascular pro- gressiva : trata-se em ambos os casos de uma affecção que ataca 54 primitivamente as cellulas nervosas, trazendo gradualmente sua atrophia. A paralysia glosso-labio-laryngéa é a única moléstia do bulbo em que se encontra esta atrophia primitiva das cellulas, e é per- feitamente bem caracterisada não só por suas lesões, como pela localisação e natureza de seus symptomas, e nesse ponto abraço a opinião de Duchenne, de Boulogne, de que constitue ella uma espécie mórbida perfeitamente definida. É a paralysia glosso-labio-laryngéa distincta da atrophia mus- cular progressiva, ou constituem ambas uma só e mesma moléstia com localisações diíferentes ? Duchenne, Charcot e Hallopeau interpretão differentemente este facto interessante da superposição nos mesmos indivíduos de lesões anatômicas análogas e symptomas clínicos correspondentes. Para o primeiro ha unicamente coexistência de moléstias independentes, para os segundos é sempre uma só e mesma mo- léstia que, conforme os casos, se localisa na medulla, no bulbo ou nos dous órgãos. Qual d'elles tem razão e em que dados se baseião para fun- damentarem opiniões tão diversas ? O argumento de maior valia para Duchenne é o seguinte : a paralysia glosso-labio-laryngéa é caracterisada por paralysia sem atrophia, e a atrophia muscular progressiva caracterisa-se essen- cialmente por atrophia sem paralysia ; a opposição é radical. Esta proposição pecca por inverdade e exaggeração : ha atro- phia na paralysia glosso-laryngéa muitas vezes verificada pelo enru- gamento e encarquílhamento da lingua. Sendo assim, forçoso era admittir-se, pelo menos, a existência de paralysias simples e para- lysias com atrophia, segundo observão mui judiciosamente Joffroy e Déchery que adoptão esta divisão. Além d'isso a lingua possue certos músculos como o lingual, que occupa. lugar muito limitado, e cuja atrophia pôde passar desapercebida. O genioglosso só mais tarde é affectado (Duchenne). A lingua possue também uma mucosa muito espessa e um trama conjunctivo, que podem disfarçar completamente o desappa- 55 recimento de alguns feixes musculares, simulando á primeira vista um estado inteiramente normal. Demais esta região é privada de esqueleto e em órgãos taes as deformidades são muito menos apreciáveis do que nos membros. O próprio Duchenne confessa que a atrophia do orbicular dos lábios se reconhece pela immo- bilidade e espessamento dos lábios. No facto de Charcot mesmo, o estado da lingua parecia per- feitamente normal, ao passo que o exame microscópico revelou alterações profundas. Grande numero de elementos activos tinha desapparecido, verificando-se em muitos feixes primitivos modifi- cação manifesta dos núcleos do sarcolemma e encontrando-se até bainhas baldas de substancia contractil e cheias de massas de granulações gordurosas. O aspecto exterior, pois, não offereco elementos seguros para o juizo, e é convicção minha, adquirida na leitura do excellente trabalho do professor Hallopeau e na ap: e- ciação das observações seguidas de exame microscópico publicadas ultimamente, que a atrophia é um facto constante, failivel somente por ausência de exame minucioso, sendo, portanto, inadmissível a forma paralytica da paralysia glosso-labio-laryngéa. Também não se pôde affirmar em absoluto que não ha para- lysias na atrophia muscular progressiva. Ainda Duchenne confirma em parte esta asserção, quando diz ter notado diminuição de força nos músculos affectados e que difficilinente comprehenderia como semelhante estado mórbido podesse deixar completamente intacta a força muscular. A anatomia pathologica e a clinica tem definitivamente esta- belecido na atrophia muscular progressiva a existência de paralysia sem atrophia. Hayem (l) cita um caso em que havia paralysia do dia- phragma, dos grandes dentados, sterno-cleido-mastoidêos, escalenos e intercostaes e no qual a autópsia não denunciava atrophia, estando ao contrario bem patente a estriação das fibras mus- culares. A paralysia e a atrophia podem, pois, ser encontradas em (x) Xota sobre um caso de alropliia muscular progressiva. Ardi. Pht,., 1869. 56 ambas as moléstias, apenas cada um d'estes elementos predomina em uma d'ellas sem que isto estabeleça, na opinião de Hallopeau, divergência radical entre as duas aífecções. Duchenne põe ainda em contraposição a etiologia, e na crença de que as causas productoras das moléstias são diversas, mais desarrazoada parece-lhe a idéa de identidade. Realmente, se a etiologia fosse perfeitamente determinada, semelhante argumento teria grande força, mas nesse ponto a luz ainda não se fez, e e arriscada qualquer supposição. Talvez até as causas contribuão para approximarem-se as duas aífecções, e de facto, segundo Hallopeau, algumas occupão lugar proeminente na etiologia de ambas, taes como as depressões moraes, os pezares profundos e a fadiga continuada de certos músculos. Esta ultima causa acha-se bem caracterisada em um caso de Stein em que se manifestarão os symptomas de paralysia glosso- labio-laryngéa em um indivíduo que durante o carnaval tinha constantemente tocado instrumento de sopro. Em outro a moléstia declarou-se após uma leitura prolongada em alta voz. A fadiga dos músculos parece acarretar a fadiga dos centros motores cor- respondentes. As razões concernentes a firmar a clistincção entre as duas moléstias não são, pois, convincentes ; pelo contrario, a symptoma- tologia auctoriza com fundamentos sua identificação. Quaes os argumentos que justificão este modo de ver ? — O professor Hallopeau resume-os assim : 1.° As duas moléstias coincidem freqüentemente podendo cada uma d'ellas preceder ou complicar a outra. 2.° Em ambos os casos ha enfraquecimento da motilidade coincidindo com a conservação relativa da contractilidade electro- muscular. 3.° Nos dous casos a paralysia coincide mui commummente com a atrophia. 4.° Em ambos, a marcha da moléstia é progressiva e fatal. 5.° Em ambos encontrãose lesões idênticas dos centros ner- 57 vosos, dos nervos e dos músculos : o processo fundamental consiste essencialmente em uma atrophia primitiva dos núcleos motores. E conclue: as duas moléstias têm, pois, a mesma sede ana- tômica e a mesma marcha clinica, provocão perturbações fune- cionaes da mesma natureza e coincidem mui freqüentemente. Duchenne apresentava ainda um argumento em favor de sua doutrina e que felizmente está reduzido a suas justas proporções pela autópsia publicada por Pitres e Sabourin e de que dei conta na pag. 50 Affirmou o sábio de Boulogne nunca ter observado atrophia da lingua em caso algum de paralysia glosso-labio-laryngéa isenta de complicações, e que a autópsia feita por Charcot não decidio a questão por ter sido praticada em um caso mixto. Ora, a observação de Pitres e Sabourin foi tomada em um doente de paralysia bulbar typo, que não apresentava atrophia de espécie alguma nos músculos dos membros, entretanto a lingua achava se evidentemente atrophiada se bem que durante a vida parecesse estar em perfeito estado. Este caso torna mais firme a analogia entre a paralysia glosso-labio-laryngéa e a atrophia muscular progressiva. A localisação varia, o typo mórbido porém é o mesmo; estas duas denominações devem pois ser esquecidas e substituídas por uma mais scientifica e mais geral que abranja todas as variedades de fôrma. A denominação de Hallopeau, atrophia primitiva chronica dos núcleos motores, satisfaz cabalmente; comprehenderá três fôrmas : a forma bulbar constituindo a paralysia glosso-labio-laryngéa, a forma espinal representando a atrophia muscular progressiva e a forma mixta ou bulbo espinal comprehendendo os casos em que ha combinação dos dous syndromas. A marcha d'esta atrophia nem sempre é chronica, pôde apresentar uma evolução aguda dando então lugar a paralysia atrophica da infância e a paralysia espinal do adulto. Alguns auctores acreditâo que a paralysia atrophica da in- fância é uma affecção do systema muscular e não uma myelite 58 central, e d'esta sorte não se podem conformar com a divisão por mim adoptada. Á fineza do Snr. Cons.0 Dr. Torres Homem devo o conhecimento de uma observação que elucida brilhantemente o as- sumpto. Essa observação é importantíssima por ser a única no gênero, em que a medulla poude ser examinada anatomo-patholo- gicamente em um período muito próximo da invasão da moléstia. A lesão foi sorprehendida em seu começo. Eis o facto: (!) O Dr. Daniaschino, em seu nome e no do Dr. Archambault, communicou á sociedade medica dos Hospitaes o interessantíssimo caso de paralysia espinal da infância, seguido de autópsia no 26.° dia da moléstia. Trata-se de uma creança de 2 x\% annos de edade que estando no gozo da mais perfeita saúde foi accommettida subitamente de máu estar geral e abatimento, apresentando-se no dia seguinte um pouco paralytica da perna esquerda, depois do braço direito (fôrma cruzada). A contractilidade faradica estava abolida n'estes membros. N'esta occasião o doente é accommettido de sarampão e morre. A autópsia demonstrou a existência de lesões bem características da medulla. Ao nivel dos cornos anteriores, lombar esquerdo e cervical direito, existia um foco de amollecimento vermelho occu- pando em quasi totalidade a altura da substancia cinzenta (tephro- myelite-anterior-aguda de Charcot). Este facto demonstra á evidencia que a paralysia atrophica infantil não é uma affecção do systema muscular, porém sim uma moléstia que tem sua sede na medulla, é uma myelite central pri- mitiva, apezar da opinião contraria de Leyden. Esta atrophia da infância nunca invade o bulbo, pelo menos a sciencia não registra observação. O Professor Grasset resume no seguinte quadro as diversas fôrmas da atrophia primitiva dos núcleos. t Fôrma bulbar: Paralysia glosso-labio-laryngéa. Chronica-> Forma espinal: Atrophia muscular progressiva. / Fôrma bulbo-espinal: casos mixtos. Ae-uda í ^° memn0 : Paralysia atrophica da infância. ° { No adulto: Paralysia esj)inal aguda do adulto. (') Gaz. dos Huspitaes — 31 de Março de 1883. Atrophia primitiva dos núcleos mo- tores. 59 O sábio Snr. Jaccoud, como consta no 1.° volume de seu monumental tratado de Pathologia Interna, edição do corrente anno, attribue as numerosas controvérsias levantadas sobre a pre- sença da atrophia muscular na paralysia do bulbo unicamente ao facto de se não ter reconhecido a diversidade da sede das lesões. Distingue elle a atrophia dos músculos animados pelos nervos espinhaes da atrophia dos músculos animados pelos nervos bul- bares. A atrophia dos músculos dos membros é constante, na sua opinião, sempre que ha lesão dos cornos anteriores da medulla e seu apparecimento nos casos de paralysia glosso-labio-laryngéa depende da coincidência ou não coincidência da alteração d'estes cornos com as lesões da paralysia bulbar. A alteração dos núcleos de origem dos nervos do bulbo pôde não ser seguida de atrophia nos músculos correspondentes. A constância da atrophia nos casos de affecção dos cornos anteriores da medulla e a possibilidade de sua ausência nas alte- rações dos núcleos bulbares são razões que levão o Professor Jaccoud a não admittir a identidade que se tem procurado esta- belecer entre estes núcleos e os cornos anteriores da medulla, sob o ponto de vista funccional. Os cornos influem directa e pode- rosamente sobre a nutrição dos músculos por elles animados, de sorte que seu compromettimento traduz-se sempre por atrophia d'esses músculos ; no bulbo, porém, os núcleos não têm um papel trophico tão importante pois que a lesão d'estes núcleos não é necessária e constantemente seguida de atrophia dos músculos paralysados. Esta distincção que o Professor Jaccoud procura estabelecer entre os cornos anteriores medullares e os núcleos de origem dos nervos bulbares parece ir de encontro á opinião que abracei, adoptada por todos os nevro-pathologistas modernos, de que a atrophia muscular progressiva e as paralysias bulbares são va- riantes de fôrma de uma mesma affecção que principia pelo bulbo podendo estender-se até a medulla, ou pela medulla accommettendo mais tarde o bulbo. Infundadas, porém, parecem-me as razões de semelhante dis- tincção. 60 Em primeiro logar todas as necropsias feitas n'estes últimos tempos com o cuidado indispensável em indivíduos victimas de paralysias do bulbo têm attestado a existência de atrophia nos músculos dependentes da innervação bulbar, atrophia que até então não tinha sido apreciada, como já fiz ver, por falta de meios adequados a uma indagação minuciosa. Se a atrophia é constante, firmada está a analogia entre os núcleos da medulla e do bulbo e falseada a base da pretendida distincção. Demais, a identidade de tecido e semelhança de constituição fazem suppôr egualdade de funcções, e não encontro absolutamente razão para que as propriedades da substancia cinzenta no bulbo sejão modificadas de maneira tal que os núcleos d'esta substancia neste órgão constituão centros trophicos menos poderosos que na medulla, quando é exactamente no bulbo que a substancia cinzenta abunda em maior quantidade e é chamada a preencher funcções de mais elevada categoria; e aquillo que o Professor Jaccoud chama coincidência da lesão dos cornos anteriores da medulla com a atrophia dos núcleos bulbares é justamente o que denomino fórma-bulbo-espinal d'essa atrophia. CAPITULO IV Paralysias nas escleroses do bulbo § i PARALYSIAS BULBARES NA ESCLEROSE EM PLACAS DISSEMINADAS É claro que não pretendo dar uma descripção minuciosa de cada uma das aífecções que acarretão consecutivamente escleroses do bulbo, ponto de partida de paralysias nas regiões por elle innervadas; limitar-me-hei a uma succinta analyse de seus prin- cipaes caracteres clínicos e anatômicos, detendo-me como é natural no exame dos symptomas indicativos do compromettimento do 61 bulbo, cujos núcleos são, em taes casos, atrophiados pela propa- gação á substancia cinzenta, das lesões inflammatorias que caracte- risão as espécies mórbidas que vou estudar successivamente. A esclerose em placas é das myelites a que mais commum- mente interessa o bulbo. Hallopeau analysou 34 casos e em 27 havia localisação de placas nesse órgão. As placas podem se dis- tribuir indifferentemente por todos os pontos do eixo cérebro- espinhal, motivando assim a mais caprichosa e mais bizarra com- binação de symptomas, que concorre poderosamente para que a moléstia não siga uma marcha typica e o diagnostico seja, não poucas vezes, cercado de difficuldades serias. Estas placas forão magistralmente descriptas pelo professor Charcot, a quem a patho- logia nervosa deve as suas melhores conquistas, e a quem sou também devedor dos auxilios constantes que me prestão as suas profundas lições da Salpétrière na confecção d'este trabalho. As placas são cinzentas tendo alguma semelhança com a substancia cinzenta normal, e expostas ao ar tomão uma côr rosea. Seus bordos são bem circumscriptos, a grandeza e espessura varião e o tecido que as constitue faz-se notar pela densidade e resistência maiores do que as apresentadas pelo ponto onde se assestão. Todas as partes do bulbo (pyramides anteriores, olivas, corpos restiformes) podem ser affectadas concomitantemente, ou cada uma de per si; é porém o soalho do 4.° ventriculo, talvez em con- seqüência da maior riqueza vascular que lhe é própria, a região predilecta para a localisação das placas. O ependymo modifica-se logo, torna-se mais espesso, menos transparente, apresentando muitas vezes uma pigmentação amarella-escura, de intensidade va- riável. As placas esclerosicas ora limitão-se á superfície do bulbo, ora levão fundo a destruição, degenerando completamente as py- ramides ou os corpos restiformes, como tem sido verificado pelas autópsias: na face posterior revestem-se de gravidade extrema, por que os núcleos estão situados muito superficialmente, correndo risco imminente de serem lesados. As raizes nervosas são atrophiadas em muitos casos soffrendo também a transformação cinzenta, e o nervo hypoglosso é o mais freqüentemente alterado. 62 O facto capital d'este processo de esclerose é uma hyperplasia da nevroglia que comprime e altera profundamente os tubos e as cellulas nervosas. Kõlliker, Max, Schultze e Frommann acreditão que a nevroglia é formada segundo o typo do tecido conjunctivo simples reticulado : isto é, que é composta essencialmente de cellulas estrelladas, em geral pobres em protoplasma, tendo pro- longamentos delgados e grande numero de vezes ramificados, e cujos ramos comniunicão entre si de modo a ligar em um só sys- tema as diversas cellulas, tornando-as, por assim dizer, solidárias. Charcot designou a alteração de taes cellulas na esclerose em placas com o nome de degenerescencia amarella por apresentarem esta coloração, sendo mais tarde atrophiados não só o seu corpo como os prolongamentos. Os tubos nervosos soffrem também as mais radicaes alterações em sua estructura: a myelina coagula-se e se desaggrega, desapparece depois infiltrando-se pelas malhas da nevroglia ou pelos intersticios fibrillares, e fica o tubo nervoso representado exclusivamente pelo cylinder axis. A posição dos núcleos em relação ás placas apresenta caracteres que varião com a situação : assim, quando são attingidos unicamente pelos bordos da placa, a alteração é pequena, porque uma parte de seus ele- mentos escapa á invasão e se conserva intacta, a outra é pigmen- tada guardando mais ou menos a fôrma e volume normaes: quando o núcleo acha-se no centro da placa ha predisposição notável á atrophia e as cellulas soffrem modificações taes que difficultão grandemente seu reconhecimento. Em ordem decrescente é o núcleo do hypoglosso o mais ordi- nariamente affectado, em seguida o facial, o pneumogastrico e raramente o glosso-pharyngeo. Joffroy nas Memórias da Sociedade de biologia (1869) dá noticia de uma observação em que a mesma placa além de compreheuder os núcleos bulbares, abrangia também os núcleos do auditivo. As perturbações funecionaes são muito menos pronunciadas do que na paralysia glosso-labio-laryngéa, o que faz presumir menor gráo de alteração dos núcleos. A symptomatologia ora é apparatosa denunciando a moléstia 63 por vários caracteres, ora excessivamente sóbria de indicações. O tremor é o principal symptoma, embora não seja pathognomonico, e apresenta propriedades especiaes : «manifesta-se somente, diz Charcot, por occasião dos movimentos intencionaes de certa extensão e cessa de existir quando os músculos são abandonados a um repouso completo; a direcção geral do movimento, porém, persiste a despeito dos obstáculos occasionaclos pelos abalos do tremor (Charcot) ». Para produzir o seu apparecimento é bastante, por exemplo, mandar o doente levar á bocca um copo cheio d'agua, como fez o Illm. Sr. Conselheiro Torres Homem, por occasião de examinar o indivíduo que deu thema á observação adiante publi- cada. O tremor é tanto mais pronunciado quanto maior é a extensão do movimento executado, e no caso que observei, como acontece em outros semelhantes, exaggerava-se progressivamente a medida que o doente approximava o copo dos lábios. Este caracter do tremor distingue a esclerose em placas da paralysia agitante, em que o tremor existe no estado de repouso dos membros. Estende-se freqüentemente aos lábios, aos diíferentes músculos faciaes e á lingua que treme sensivelmente quando é posta fora da bocca. Charcot avança a hypothese de que a per- sistência dos cylinder-axis, privados de myelina, é sua causa de- terminante. O embaraço da palavra manifesta-se freqüentemente, e é muitas vezes o único symptoma de paralysia bulbar. Charcot assim o des- creve : « A palavra é lenta, arrastada, em certos momentos quasi inintelligivel. Parece que a lingua torna-se muito espessa e a ma- neira de fallar faz lembrar a dos indivíduos embriagados. As pa- lavras são como que scandêes, ha uma pausa entre cada syllaba e estas são pronunciadas lentamente; certas consoantes, os b, os p e os g são particularmente mal pronunciadas. » Este embaraço da palavra indica paresia da lingua e dos lábios que vae augmentando até o termo final da moléstia, aggra- vando-se muitas vezes subitamente em conseqüência de ataques apoplectiformes. Mais tarde manifestão-se as perturbações da deglu- tição, que reconhecem por causa não só a paresia da lingua como 64 também a dos músculos do véo do paladar, do pharynge e talvez até do esophago, segundo avança Liouville. A asphyxia pôde apparecer devida á penetração de líquidos nas vias aerias. Não é raro encontrar-se a paralysia facial, que em certos casos é dupla, como em um observado por Ludwig Léo; nesse havia incessantemente corrimento de saliva e convulsões da face quando o doente queria fallar. Algumas vezes a mastigação é impossível. O enfraquecimento da phonação raramente é notado e assim mesmo quando a moléstia está nos últimos períodos ; parece ser ligado, como na paralysia glosso-labio-laryngéa, ao relaxamento das cordas vocaes. Todos estes phenomenos constituem antes paresias, mais ou menos accentuadas, do que paralysias completas. As perturbações da motilidade que tenho succintamente enumerado são muito mais accentuadas do que as que se apresentão em relação á sen- sibilidade. Esta pôde ser diminuída ou abolida dando lugar a anes- thesias que talvez concorrão a difficultar a deglutição; ou pode exaggerar-se produzindo dores nevrálgicas que em alguns casos fixão-se sobre um lado inteiro da face, motivadas por lesão da raiz descendente do trigemino. O gosto raramente é alterado, e em um único facto referido por Ordenstein em sua these inaugural de 1868, notarão-se perturbações do ouvido caracterisadas por zumbidos. E uma circumstancia interessante da observação por mim co- lhida no hospital da Misericórdia, e adiante publicada. Como sóe acontecer sempre que o bulbo é affectado, o coração e o pulmão soffrem na esclerose com phenomenos bulbares pro- fundos abalos em suas funcções; os doentes, de ordinário suc- cumbem a syncopes, a accessos de dyspnéa ou de tosse, em con- seqüência de pneumonias ou de paralysia dos músculos de Reissessen. Na pagina 265 das lições clinicas de Charcot vem em uma nota a observação de um doente cujos pulmões e larynge não apresentavão a mais leve alteração, e que no entanto tinha falle- cido victima de asphyxia. Quando a esclerose em placas occupa o bulbo, raramente as 65 paralysias são seguidas de amyotrophia; Erbstein, porém, referio o facto de um indivíduo em que durante a vida se tinha observado atrophia da parte anterior da lingua. O exame histologico revelou numerosos focos de degenerescencia, não somente interpostos entre os feixes de origem do hypoglosso, mas interessando-os também e interrompendo por conseguinte sua continuidade. O núcleo do hypoglosso era substituído por um feixe de tecido esclerosado. As fibras musculares da parte anterior da lingua tinhão soffrido a degenerescencia gordurosa; a lesão tinha invadido alguns dos feixes musculares da base do órgão. A etiologia da esclerose em placas está ainda cercada de trevas espessas, e a única condição etiologica que merece ser men- cionada é a influencia de certas moléstias agudas, sobretudo da febre typhoide. Erbstein, Charcot, Fontaine, Liouville, e Moxon comprovão esta asserção. Eis a observação : OBSEEVAÇÃO III Esclerose em placas cérebro espinhal. — Perturbações na pronunciarão das palavras João Martins Galvão, branco, brazileiro, negociante, de 52 annos de idade, entrou para o hospital da Misericórdia no dia 2 de Junho de 1883, e foi occupar o leito n.° 4 da 4.a enfermaria de medicina. Anamne.se. — Desde tenra idade abraçou a carreira do com- mercio. Sendo solteiro, entregou-se a toda sorte de desregramentos o contrahio syphilis. Abusou do álcool. Kefore que em uma noite, passeando de barco, molhou-se e conservou no corpo as vestes molhadas; logo que desembarcou sentio um calor insólito, encom- modativo na perna direita. Sempre que pulava de um ponto a outro, as pernas chocavão-se. N'esta época foi accommettido de sezões que durarão por espaço de um anno. A perna direita tornou-se fraca, e percebeu que quando andava, executava ella um arco de circulo, pelo que era obrigado a andar curvado. Com o correr do tempo foi a perna diminuindo de volume de modo a ficar muito mais fina do que a outra, recuperando o volume primitivo ha 2 annos a esta parte. Este indivíduo está doente ha annos. Nos últimos tempos começou a sentir impotência, constipação de ventre, difficuldade na micção e na evacuação, embaraço na pronuncia das palavras, zumbidos nos ouvidos e dór nos membros inferiores. 5187-0 66 Estado actual.— O apparolho circulatório e respiratório achão-se no estado normal. Quando o doente anda, arrasta a ponta do pé direito de traz para diante e fôrma um circulo de convexidade ex- terna ; pisando o solo, accusa a mesma sensação que se pisasse ca- madas espessas de algodão. Perde o equilíbrio todas as vezes que, com os olhos fechados, executa movimentos de rotação. A sensibili- dade dolorosa é muito menos pronunciada na perna esquerda do que na direita, e o reflexo tendinoso d'esta menos accentuado do que o da opposta ; não ha trepidação epileptoide. Obrigando se o doente a levar aos lábios um copo com água, observa-se tremor que se exag- gera a medida que o movimento attinge o fim a que é destinado. A deglutição é difficil, principalmente para alimentos sólidos. A voz enfraquecida, as syllabas pronunciadas lentamente, havendo muitas vezes pausa entre ellas. As consoantes b e p são sobretudo mal pro- nunciadas. A vista d'estes últimos phenomenos, parece fora de duvida a existência de uma ou mais placas de esclerose no soalho do 4.° ven- triculo, seu lugar de eleição, interessando os núcleos do hypoglosso. § II ESCLEROSE LATERAL AMY0TR0PHICA Os phenomenos bullares só por excepção faltão n'esta moléstia : são tão freqüentes que o 3.° período é constituído pela sua aggra- vação. A esclerose lateral amyotrophica é determinada pela es- clerose symetrica dos cordões lateraes e atrophia esclerosica dos cornos anteriores cujas cellulas desapparecem completamente. No bulbo ha alteração idêntica; os núcleos dos nervos mo- tores bulbares (grande hypoglosso, espinal e facial) são destruídos do mesmo modo que os cornos anteriores da medulla. Clinicamente a esclerose lateral amyotrophica apresenta os caracteres seguintes perfeitamente bem firmados por Charcot. A moléstia invade em primeiro lugar os membros superiores, determinando paresias seguidas de emmagrecimento rápido dos músculos, precedido em alguns casos de formigamentos. A sensi- bilidade conserva-se isenta de modificações. O phenomeno mais importante é a contractura produzida pela rigidez espasmodica de que são tomados os membros paralysados e atrophiados. Em um segundo período a posição vertical e a marcha são impossibilitadas pelas paresias progressivas que invadem os membros 67 inferiores. —Não ha anesthesia. A atrophia dos músculos d'estes membros é muito mais tardia e nunca tão accentuada como nos superiores. A rigidez espàsmodica apparece também intermittente a principio, depois permanente e muitas vezes complicada de epi- lepsia espinal tônica. Em regra a esclerose ataca primeiramente a medulla e depois é que se estende ao bulbo; entretanto Hun, Otto, Barth, Maier e Leyden citão observações em que o bulbo foi lesado em primeiro lugar, podendo por isso ser admittidas duas espécies de esclerose lateral amyotrophica, uma ascendente e outra descendente. A moléstia termina do mesmo modo que a atrophia primitiva dos núcleos motores bulbares e apresenta phenomenos idênticos taes como paralysia da lingua e dos músculos animados pelo bulbo e as desordens próprias da palavra e da deglutição. Sendo attingido o núcleo do pneumogastrico, não se demorão os accidentes cardio- pulmonares que põem termo á scena mórbida. Não observei no hospital da Misericórdia caso algum d'esta affecção, por isso transcrevo aqui o resumo de uma observação de Leyden, publicada em 1870 com o titulo de Paralysia bulbar pro- gressiva, mas que é, na opinião de Charcot, um caso de esclerose lateral amyotrophica invadindo o bulbo primitivamente. OBEKVAÇÃO IV N. de 53 annos. Em 1860 ataque de dyspnéa, depois diffi- culdade dos movimentos da lingua; n'esse mesmo anno a palavra perturba-se, a deglutição difüculta-se e a saliva corre abundante- mente. Phenomenos todos da paralysia glosso labio-laryngéa. Ha dôr no occiput, no pescoço e na fronte. Por essa occasião o braço esquerdo se enfraquece e mais tarde se atrophia, e em Janeiro de 1869 apparece fraqueza na perna esquerda. Em Março de 1869 a pronuncia é quasi impossível e a deglutição ó extraordinariamente embaraçada. Manifestão-se dores de cabeça, do pescoço e dos braços e ataques de dyspnéa. A electricidade produz pequenas melhoras, succumbindo o doente mais tarde em conseqüência de uma pe- ritonite. Pela autópsia verificou-se atrophia das raizes do hypoglosso e do facial. Lesão dos cordões antero-lateraes, subindo através do bulbo até a medulla alongada. 68 § m PARALYSIA GERAL ESPINAL Ao passo que o compromettimento do bulbo é, póde-se dizer, constante na esclerose em placas e na esclerose lateral amyotro- phica, a co-participação d'esse órgão na symptomatologia da espécie mórbida de que me vou occupar resumidamente, é excepcional. A paralysia geral espinal torna-se notável pela irregularidade da marcha. A sua invasão inicia-se de ordinário por paralysias disseminadas, seguidas em breve tempo de perda da contractili- dade electrica e de atrophia muscular. Começa indifferentemente pelos membros superiores ou infe- riores. Não ha contracturas, o que, de par com a abolição da con- tractilidade electrica, distingue-a de esclerose lateral amyotrophica. Ha ainda um outro caracter differencial, e é a diffusão das lesões que affectão não só os cornos anteriores como também o tecido peri-ependymario e freqüentes vezes a substancia branca antero-lateral. Isto deduz-se dos trabalhos de Hallopeau sobre a esclerose difíusa peri-ependymaria e sobre as myelites chronicas diffusas. Duchenne só em duas observações notou a coincidência de phenomenos bulbares, mesmo assim pouco accentuados, e con- sistindo em embaraço na palavra, e difficuldade na mastigação ou deglutição. Em 1874 os Snrs. Cornil e Lépine publicarão uma obser- vação interessantíssima em que havia diminuição da contractilidade do véo do paladar, difficuldade constante da deglutição e sen- sações bizarras na bocca posterior. A secreção salivar estava claramente diminuída, e no momento de despertar, o doente sentia uma singular acceleração da respiração. O prognostico é menos grave do que nas outras espécies de myelite. Os symptomas podem aggravar-se rapidamente sobrevindo depois uma melhora gradual, e persistir esta alternativa por algum tempo. O doente pôde ficar radicalmente curado, por isso o medico deve ter a maior reserva em externar o seu juizo, e não menor cuidado em estabelecer diagnostico, que aliás não é fácil porque 69 a paralysia espinal confunde-se quasi sempre com a atrophia muscular progressiva. Ha, porém, um traço que distingue as duas aífecções: os músculos, mesmo aquelles que não estão em extremo atrophiados, apresentão notável diminuição senão desappa- recimento completo da contractilidade faradica, na paralysia es- pinal. Estes músculos muitas vezes recuperão todas as suas funcções. Quando a lesão em sua marcha ascendente invade o bulbo, a moléstia reveste-se de gravidade excessiva e pôde apresentar excepcionalmente, como no facto observado por Cornil e Lépine, o conjuncto mórbido da paralysia glosso-labio-laryngéa. Assim é que n'esse caso o doente foi accommettido algumas semanas antes da morte de paralysia da lingua e dos músculos do véo do paladar, traduzindo-se por perturbações na pronuncia e na deglutição e por accumulo na bocca de saliva viscosa. Mais tarde para completar o quadro, sobreveio paralysia do orbicular dos lábios que dá á phy- sionomia o aspecto peculiar caracterisado pelo alargamento trans- versal da bocca e pela accentuação dos sulcos naso-labiaes, causada pela acção dos elevadores do lábio superior. A lesão estendeu-se ao núcleo do pneumogastrico e o doente succumbio em um accesso de suffocação. § IV PARALYSIA GERAL DOS ALIENADOS É sobretudo aos trabalhos modernos de Hayem, Magnan, Lubimoff, Mierzejewsky e Luys, que se devem os conhecimentos mais ou menos exactos sobre esta affecção. Ella é caracterisada anatomicamente por uma inflammação intersticial diffusa de todo systema nervoso e seus envoltórios, notada freqüentes vezes na superfície e abaixo do ependymo. Joire em 1861 observou alterações do 4.° ventriculo bem es- tudadas depois por Magnan que verificou ao nivel d'esse ven- triculo augmento de espessura do ependymo devido a granulações de numero e volume variáveis. Da camada profunda irradião-se filamentos irregulares que se perdem nas partes sub-jacentes e 70 penetrão nos núcleos sem provocar, na opinião de Magnan, atrophia das cellulas. Estas lesões parecem explicar satisfactoriamente as perturbações da palavra e da deglutição que em período adian- tado da paralysia geral tornão-se algumas vezes tão accentuadas, que os doentes ficão ameaçados de morte por asphyxia pela penetração de partículas alimentares no larynge, e na impossibilidade completa de articular palavras. Marcé refere casos d'esta ordem em que a lingua e o larynge estavão paralysados em conseqüência, póde-se affirmar, de lesão bulbar. É necessário entretanto estar o espirito prevenido de que as perturbações profundas da innervação cerebral têm muitas vezes parte na producção dos symptomas que acabo de enunciar. § v PACHYMENINGITE CERVICAL HYPERTROPHICA A primeira descripção completa d'esta moléstia foi dada por Charcot e Joffroy em 1869 nos archivos de Physiologia. Em 1873 Joffroy d'ella se occupou em sua monumental these. Em obser- vações anteriores Abercrombie, Ollivier (d'Angers) Koehler e Gull a tinhão estudado incompletamente. Não ha caso algum em que tenhão sido notadas alterações bulbares consecutivas á pachyme- ningite cervical; entretanto, diz Hallopeau, concebe-se facilmente que sendo esta affecção acompanhada de uma myelite diffusa com tendência a invadir as partes centraes da medulla, as lesões se propaguem á região dos núcleos e dêm lugar aos phenomenos da paralysia bulbar. § VI ATAXIA L0C0M0T0RA PROGRESSIVA A paralysia glosso-labio-laryngéa, como syndroma clinico, pôde ser observada complicando a ataxia locomotora progressiva. A lesão essencial, fundamental, d'esta espécie mórbida não occupa todo cordão posterior da medulla, porém com especialidade os feixes 71 externos d'este cordão ou zonas radiculares posteriores. A lesão dos cordões do Goll pôde faltar. Têm-se observado amyotrophias na ataxia locomotora e que são devidas á propagação da lesão, atravez da rede de Gerlach, aos cornos anteriores produzindo destruição de suas cellulas. Em alguns casos a lesão estende-se até o bulbo determinando atrophia da lingua e outros symptomas de atrophia bulbar, e a morte so- brevem rapidamente. Cuffer e Vidal, 1875, observarão um facto que vem publicado nas memórias da Sociedade de Biologia d'esse anno. CAPITULO V Paralysias symptomaticas das lesões bulbares em foco. § I HEMORRHAGIAS BULBARES Julgo da máxima vantagem para boa comprehensão do assumpto dar aqui um resumo da disposição geral das artérias do bulbo. O Snr. Duret fez estudos minuciosos a esse respeito, que es- clarecem grandemente a historia, sobretudo, do amollecimento bulbar. No excellente artigo medulla-alongada do Diccionario encycl. de Dechambre — o Snr. Farabeuf trata da questão com mão de mestre. Da leitura d'estes trabalhos e da inimitável these do Snr. Hallo- peau, vali-me eu para apresentar as seguintes considerações. Todas as artérias bulbares originão-se das vertebraes, e estas por seu turno vêm quasi sempre das sub-clavias; a esquerda parece não formar angulo sensivel com a porção ascendente do tronco principal, o que facilita o curso do sangue e a penetração de coalhos emigradores. As anastomoses das artérias cerebellosas garantem por tal fôrma a irrigação arterial do bulbo que é impossível interrompel-a experimentalmente. 72 As artérias do bulbo podem ser divididas em três classes: 1.* Umas são lateraes e principalmente destinadas ás raizes nervosas. 2.a Outras são medianas e vão ter aos núcleos do soalho do 4.° ventriculo. 3.a A terceira classe é formada pelas artérias das outras partes constituintes do bulbo (pyramides, olivas, etc.) As artérias lateraes, ou radiculares, nascem directamente de troncos relativamente volumosos, como a basilar, as vertebraes e as cerebellosas; são muito numerosas, muito pequenas e fornecem dous ramos: um sobe com a raiz ao bulbo, e pôde ser seguido até os núcleos de origem do nervo; outro desce com a raiz para a peripheria. As artérias medianas ou artérias dos núcleos são de muitas espécies. Ellas comprehendem : 1.° em baixo, os ramos da espinal anterior; 2.° as que passão sob o bordo inferior da protuberancia, na fosseta inter-pyramidal (artérias sub-protuberanciaes) ; 3.° aquellas que vêm do tronco basilar e atravessão a protuberancia (artérias medio-protuberanciaes) ; 4.° outras emfim que, nascidas da bifur- cação superior da basilar, passão sobre o bordo superior da protu- berancia (artérias super-protuberanciaes.) Estas arteriasinhas são quasi capillares e não offerecem anas- tomoses visiveis a olho nu. Pelo sulco mediano posterior vê-se sua expansão em finas ramificações sobre o soalho do quarto ventriculo. Ellas affectão relações estreitas com os núcleos dos nervos bulbares e da seguinte fôrma. A distribuição da espinal anterior corresponde aos núcleos do espinal, do hypoglosso e do facial inferior. As artérias da parte inferior e media da protuberancia são destinadas ao pneumo-gastrico, ao glosso-pharyngeo, etc.; as artérias da porção superior tem de preferencia relações com os núcleos do motor commum e do pa- thetico. Entre as artérias da terceira classe, artérias das outras partes do bulbo, é preciso citar aquellas que, das vertebraes, das espinaes anteriores ou das radiculares dirigem-se ás pyramides ou ás olivas 73 que ellas penetrão pelo hilo, depois de terem se introduzido no bulbo. Os feixes lateraes e restiformes recebem ramusculos das ce- rebellosas inferiores. E também das cerebellosas, por intermédio das espinaes pos- teriores, que nascem as artérias posteriores do bulbo. Cada uma das espinaes posteriores dá um ramo recurrente que serve á pyramyde posterior e ao bico do calamus scripto- rius ; depois desce ao lado do sulco mediano posterior e dá ar- térias medianas posteriores que, por este sulco, penetrão até o nivel do canal central. O soalho do quarto ventriculo recebe além d'isso arteriolas e capillares, vindo às arteriolas do plexo choroide e as capillares da tela choroidéa. A vascularisação da substancia cinzenta é muito mais rica do que a da substancia branca, com especialidade ao nivel dos núcleos motores. Como bem diz Grasset, as conclusões de Duret têm immenso valor, porém a distribuição typica das artérias não é absolutamente constante, e nas applicações clinicas é necessário dar-se conta da possibilidade de variedades. Ao passo que abundão os casos de hemorrhagias e amolleci- mento do encephalo, o bulbo raramente é victima de semelhantes alterações. Até bem pouco tempo só havia dous casos de hemorrhagia, um observado por Ollivier (d'Angers) e outro por Leyden, ambos citados por Hallopeau ; de amollecimento erão conhecidas também duas observações, colhida uma por Hallopeau no serviço de Vul- pian e outra por Luneau no serviço de Proust. Nothnagel refere mais um caso de Jadin, de hemorrhagia, e dous de Fabre e de Tuengel de amollecimento. A hemorrhagia bulbar, como disse, raramente se manifesta e observa-se mais commummente nas partes visinhas do encephalo, sobretudo na protuberancia. A alteração vascular é o elemento pathogenico capital. Têm-se verificado aneurysmas miliares (Heschl), atheromas, 74 degenerescencia gordurosa, dilatação capillar seguida de amolleci- mento (Gerhardt), etc... Em conseqüência, todas as causas capazes de augmentar a tensão arterial ou de elevar a tensão venosa (facto mais raro) podem produzir rupturas dos vasos alterados, seguidas de hemorrhagia bulbar. Erb refere a esta categoria os casos em que a apoplexia é determinada por esforços violentos, palpitações, exercícios mus- culares forçados, uma forte cólera e abuso das bebidas espirituosas. Certas lesões como a carie das vertebras cervicaes, a meningite purulenta da base, os tumores na visinhança ou na substancia do bulbo podem também produzir hemorrhagias alterando mediata- mente as paredes dos vasos e augmentando a tensão arterial. O estudo das paralysias symptomaticas de traumatismo do bulbo tem todo cabimento aqui, porque de ordinário são devidas a hemorrhagias determinadas pelo choque, quer seja o bulbo offen- dido directamente quer em conseqüência de pancadas sobre o craneo, a nuca ou outra qualquer região. Bordier, Q refere o interessante caso, apresentado á Socie- dade medica de observações, de um individuo com aphasia e ataxia phonetica em conseqüência de violenta pancada produzida por uma taboa que apanhou-lhe debaixo para cima o maxillar inferior. Esse homem deu alguns passos vacillantes e depois cahio com perda de conhecimento, permanecendo n'esse estado durante 22 horas. A respiração parecia profundamente compromettida, havia cyanose e imminencia de asphyxia. A respiração restabeleceu-se, a intelligencia voltou, mas o doente estava aphasico. Dirigio-se para o hospital Beaujon e foi para o serviço do Sr. Gubler. Comprehendia tudo, porém absolutamente não podia pronunciar syllaba alguma. Foi obtendo melhoras lentas, mas progressivas, começou a engordar e teve alta fallando de um modo intelligivel, conservando-se entretanto gago e pronunciando como um menino que tenha a lingua rebelde a certas reuniões de consoantes. Hallopeau suppõe com muita verosimilhança que se produzio uma infiltração hemorrhagica no soalho do quarto ventri- (x) Bordier. — Oazette dcs hópitaux, 185(5. 75 culo desde a região do hypoglosso até a do facial superior, por- que havia outros symptomas como impotência dos lábios, impossi- bilidade de rir e de assobiar. De ambos os lados a palpebra inferior estava cahida, e o olho lacrimejánte e injectado. Westphal experimentalmente desenvolveu focos hemorrhagicos em porcos da índia dando-lhes pequenas pancadas na cabeça. Duret também verificou a producção de accidentes análogos em suas expe- riências sobre os effeitos dos traumatismos cerebraes e o choque cephalo-rachidiano. Vastas hemorrhagias cerebraes podem ainda penetrar no 4.° ventriculo, determinando os symptomas peculiares ás lesões bulbares em foco. As hemorrhagias do bulbo são de uma gravidade extrema, e esse é o caracteristico de todas as lesões d'este órgão, perfeita- mente de accôrdo com os preceitos estabelecidos pela physiologia. Com eífeito, as alterações das funcções de importância capital, como a respiração e circulação, explicão sufficientemente os casos de morte instantânea. N'estes casos fulminantes as duas funcções parão; o doente morre instantaneamente, ou depois de ter dado um grito e apresentado convulsões epileptiformes, e outras vezes vômitos. Ha outros casos, como o que acabei de citar, em que ha tempo de se analysar clinicamente o estado mórbido. O principio é brusco, apoplectiforme. O quadro da apoplexia é completo, as paralysias somente podem apresentar uma ou outra particularidade. De ordinário estendem-se aos quatro membros, algumas vezes são hemiplegicas e mais raramente paraplégicas. Hallopeau nota que ellas nunca se limitão a alguns músculos como as que se juntão freqüentemente ao quadro symptomatico da paralyssa glosso-labio-laryngéa. Ao mesmo tempo que apparecem estas paralysias dos membros, manifestão-se as paralysias bulbares constituidas por paralysia da lingua e da parte inferior da face, do larynge e mais raramente dos oculo-motores. Não se encontrão em geral symptomas que se possão attribuir a lesão do núcleo do pneumo-gastrico, porque a morte deve ser súbita sempre que esta parte do bulbo é compro- mettida (Hallopeau). 76 Estas paralysias são bilateraes ou unilateraes. N'este ultimo caso existem do mesmo lado que a lesão, emquanto que as dos membros são cruzadas (Erb). Esta asymetria estabelece uma nova differença entre as pa- ralysias symptomaticas de foco e a doença de Duchenne (Hal- lopeau). Não ha observação alguma de lesão bulbar em foco em que a paralysia se tenha limitado aos membros. As perturbações da sensibilidade podem manifestar-se de par com as paralysias motrizes, e são variáveis. O Snr. Proust, na Gazeta dos Hospitaes, 1870, publicou a observação de uma doente em que havia hemiplegia direita acompanhada de anesthesia muito pronunciada; e em um outro caso observado pelo Snr. Luneau, no serviço do mesmo Doutor, havia, ao contrario, hyperesthesia. Segundo diz Couty, na Gazela Hebdomadária, 1877 e 1878, não deve haver heinianesthesia franca de origem bulbar : a hemianes- thesia mesocephalica é sempre protuberancial ou peduncular. Sendo assim é preciso admittir-se que, no bulbo como na medulla, as vias de communicação são diffusas, entre-cruzadas, anastomosadas entre os núcleos bulbo-medullares e o feixe branco bem circums- cripto que vai ter á parte externa da protuberancia do lado opposto. E, pois, conclue Couty, os núcleos bulbo-medullares apresentão uma columna bem distincta de um lado; do outro lado o feixe branco que vai ao cérebro é bem circumscripto á parte externa da protuberancia e do pedunculo ; as vias, porém, de communicação entre os dous lados são diffusas e indifferentes; o entre-cruzamento faz-se sempre, desde que haja uma ponte de substancia cinzenta. Ha muitas vezes irregularidade dos batimentos cardiacos e freqüência exaggerada do pulso. A syncope pôde sobrevir. Erb chama a attenção para a ausência de perturbações vaso-motrizes que não forão encontradas era suas observações. As desordens da respiração são communs : torna-se irregular, estertorosa, dyspneica, aggravando-se até vir a morte por asphyxia nos casos fataes, regularisando-se, se a terminação deve ser favorável. Em alguns casos, observa-se o rhythmo respiratório conhecido com o nome de 77 phenomeno de Cheyne-Stokes: ha apnéa, parada completa dos movimentos respiratórios durante o qual julga-se o doente morto, depois os movimentos reapparecem, a principio fracos, vão adqui- rindo a amplitude normal para em seguida se enfraquecerem até a suspensão total. As convulsões epileptiformes apparecem com freqüência, e não poucas vezes são um symptoma precoce da hemorrhagia bulbar. A rigidez dos membros paralysados raramente têm sido observada. Potain assignalou a polyuria e outros auctores têm apontado a albuminuria, a glycosuria, vômitos e soluços; symptomas estes que não têm valor absoluto por que são communs a hemorrhagias encephalicas de sede outra que não o bulbo. Leyden, Erb e outros têm notado nas proximidades da morte por hemorrhagias bulbares uma hyperthermia agonica considerável. Tomando por norma a marcha, a duração e a terminação, Erb divide as hemorrhagias bulbares em 3 typos, divisão perfeitamente em harmonia com os factos observados. O primeiro typo comprehende a apoplexia fulminante: morte instantânea ou muito rápida. O segundo comprehende os casos em que a morte vem pro- gressivamente no fim de algumas horas ou alguns dias. O terceiro typo, que é rarissimo, é constituido pelos casos em que o doente não morre, e fica em um estado quasi semelhante ao da paralysia gloss o-labi o-laryngéa. É completamente desnecessário insistir sobre a gravidade das hemorrhagias do bulbo, como de toda e qualquer lesão d'este órgão. AMOLLECIMENTO O amollecimento bulbar é produzido pelas causas de oblite- ração vascular, processos de thrombose ou de embolia. É occasião azada de pôr em contribuição as noções de ana- tomia sobre a circulação arterial do bulbo que resumidamente apresentei no paragrapho antecedente. 78 Os symptomas da oblíteração das artérias bulbares dependem, como a de todas as artérias encephalicas, dos processos que a produzem. Assim, se é uma embolia, o doente é acommettido subitamente ; se a causa é uma thrombose, em dous ou três dias. Não ha perda de conhecimento, porém a paralysia bulbar manifesta-se com todo seu cortejo symptomatico: paralysia da lingua, do véo do paladar, perda da palavra, paresia do facial inferior, desordens e alterações da voz, dá deglutição, da circula- ção e da respiração. Ha ao mesmo tempo paralysia dos membros, algumas vezes generalisada, mais commummente hemiplegica e do lado da artéria obliterada. Existem alguns signaes deduzidos dos factos colhidos pela observação, que parecem, de par com os estudos emprehendidos por Duret n'esse sentido, distinguir a obliteração d'esta ou d'aquella artéria do bulbo. Até que ponto mereção fé esses dados, não posso avaliar ; acredito, porém, que só excepcionalmente serão apreciados, porque a lesão de órgão importante como a medulla alongada, cujas funcções elevadissimas contrastão inteiramente com as insignifican- tes dimensões do centro que as preside, quando não determina sideração do organismo (o que é a regra), produz um complexo de symptomas taes que é quasi impossível differençal-os. Além d'isso, como observou Grasset, nem sempre se guarda a distri- buição das artérias do bulbo conforme descreveu Duret; podem existir anomalias que concorreráõ para difficultar a precisão do diagnostico, o que aliás não tem grande valor. Ainda mais, a arterite deformante, a atheromasia (causas de thrombose,) são pro- cessos geraes que alterão todo systema arterial; não se limitão exclusivamente a uma artéria poupando as outras. Comtudo indi- carei esses signaes que em casos excepcionaes talvez possão de- terminar qual a artéria obliterada. Na obliteração da basilar os phenomenos são bilateraes, a pa- ralysia invade os 4 membros e ambas as metades da face; ha desordens da respiração, dyspnéa e cyanose e de ordinário o 79 doente morre rapidamente por asphyxia. Antes da morte Tirard verificou de 75 a 105 respirações por minuto. Se a obliteração occupa simplesmente os ramusculos da basilar ou se ha obliteração incompleta d'esta artéria, podem observar-se, ao lado das paralysias apontadas, perturbações do lado dos núcleos bulbares (oculo-motores, facial, trigemino, etc.) A respiração pôde continuar se a circulação persiste na parte inferior do tronco basilar e nas vertebraes; no caso contrario, será completamente abolida. A obliteração de ambas as vertebraes apre- senta o mesmo conjuncto symptomatico que a obliteração da basilar. Quando a obstrucção do tronco basilar é rápida e completa, sobrevem a morte antes da producção de alterações no tecido nervoso; Hayem cita um facto d'esta natureza. Quando a evolução não é tão prompta, a sede do amollecimento varíâ, o que sem duvida depende do grau de occlusão e de sua sede exacta. Na observação colhida por Hallopeau, na Salpétrière, serviço de Vulpian, o ponto de partida da occlusão basilar era uma thrombose da vertebral esquerda; o thrombus tinha ganho o tronco basilar, e d'ahi, o ramo médio e superior da cerebral posterior. Havia amollecimento da metade direita do bulbo, interessando o núcleo commum do facial e do motor ocular externo. Se a obliteração invade primeiro uma vertebral e depois a outra, pôde haver tempo de estabelecer-se a circulação collateral, e a vida é prolongada. O Sr. Luneau colheu uma observação (l) no serviço de Proust, no Hospital da Caridade, em que a artéria vertebral tinha sido obliterada por um embolo, ciando em resultado o syndroma clinico paralysia glosso-labio-laryngéa. Nada, aliás, ha a estranhar-se no apparecimento d'estes symp- tomas ; a razão anatômica é dada por Duret nas seguintes linhas : « Quando, diz elle, um coalho se fixa em uma das artérias ver- tebraes, interrompe a circulação na artéria espinal anterior, e por conseguinte nas artérias medianas que d'ella partem, isto é, nas (•) Sociedade de Biologia. Sessão de 17 de Julho de 1870. 80 artérias nutritivas dos núcleos do espinal, do hypoglosso e do facial inferior. » Se o coalho occupa a parte inferior do tronco basilar, produz anemia nas artérias sub-protuberanciaes que se vão dis- tribuir no núcleo do pneumogastrico, e segue-se uma morte rápida. (Hallopeau.) Hayem reunio cinco casos cVeste gênero. Q A obliteração da artéria vertebral pôde produzir amollecimento duplo, ou unilateral, conforme a distribuição da espinal que pôde ser dupla, ou representada por um tronco commum dando origem ás artérias medianas dos dous lados do bulbo. Esta artéria fornece também ramos á pyramide e aos feixes intermediários, devendo por conseguinte sua obstrução produzir paralysias nos membros de concomitância com a paralysia dos nervos bulbares, o que se deu em um doente de Charcot e no de Proust de que acima fallei. Se a coagulação occupa somente os ramusculos artéria es, o diagnostico cerca-se de grandes difficuldades. Manifestar-se-hão os phenomenos inherentes ás alterações bul- bares, serão porém limitados e dissociados, não fornecendo por si elementos bastantes para um juizo seguro. O amollecimento é uma lesão gravissima. Quando a obstrucção vascular não causa a morte fulminante ou muito prompta, podem apparecer melhoras compatíveis com a vida, graças á circulação collateral. O prognostico depende do calibre do vaso obstruído, da extensão do tecido amollecido e particularmente da natureza dos núcleos motores destruídos. CAPITULO VI Paralysias bulbares symptomaticas de compressão A descripção symptomatologica das paralysias dependentes de compressão do bulbo é muito incompleta e cercada de innumeras (*) Archjvos do Physiologia. Março de 1868, 81 difficuldades, por ser excessivamente restricto o numero de casos que possue a litteratura medica. Também é de prever-se a falta de uniformidade que guardarão ellas na expressão symptomatica, que pôde variar conforme a intensidade da compressão, e o ponto em que se exerce. Demais, é preciso levar-se em linha de conta que a excita- bilidade nervosa não é constante em todos os organismos; a observação demonstra freqüentes vezes que as mesmas lesões não produzem, em indivíduos diversos, os mesmos phenomenos de reacção. (Hallopeau.) Uma outra razão que influe poderosamente para embaraçar a discriminação dos phenomenos paralyticos é a concomitância de lesões nas partes visinhas do bulbo como a protuberancia, o ce- rebello e a parte superior da medulla. Como verificar n'estas cir- cumstancias se os symptomas são referentes á alteração d'este ou d'aquelle órgão ? — Quando ha phenomenos bulbares, é mister ainda grande cuidado em não attribuil-os a lesão do bulbo sem pri- meiro verificar que não dependem de lesões directas dos nervos, questão que nem sempre é susceptível de solução, se não se tem procedido a minucioso exame nos nervos e nos núcleos. Hallopeau reunio sete casos em que as lesões erão limitadas ao bulbo, e do seu estudo comparativo procurou indicar a natureza e marcha dos symptomas, embora a insignificancia do numero não permittisse uma descripção fundamental. Em seis cVesses casos o tumor comprimia a parte anterior do bulbo, em um somente a região ventricular foi directamente inte- ressada ; não se pôde, pois, julgar com dados tão insufficientes se a differença de localisação é acompanhada de variedade de sym- ptomas. Entretanto em quasi todas as observações a compressão da parte anterior do bulbo foi seguida de paralysias periphericas, ora isoladas, ora coincidindo com outros phenomenos como convulsões, contracturas, anesthesias e symptomas de paralysias bulbares pro- priamente ditas. Como já disse, essa diversidade de symptomas está em relação com a differença na intensidade da compressão.— 82 O apparecimento de phenomenos de paralysia bulbar nos casos de compressão da parte anterior deve ser attribuido a lesões directas dos nervos e não a lesão do bulbo. O Dr. Erwin Baelz cita um facto em que o tumor da parte anterior (enchondroma) tinha repro- duzido o quadro clinico da moléstia de Duchenne, sem provocar paralysias periphericas. N'esse caso de Baelz a origem central das perturbações fune- cionaes parece inadmissível, porque não se comprehende como a compressão antero-posterior do bulbo possa attingir os núcleos, lesando-os tão profundamente, sem interessar os conductores con- tidos nas pyramides. Por outro lado os nervos facial, glosso- pharyngeo e pneumogastrico estavão alterados e o espinal e grande hypoglosso não forão encontrados, o que ainda concorre para con- firmar o juizo de que as paralysias erão de origem peripherica. Não são verdadeiras paralysias bulbares, e sim paralysias dos nervos bulbares, o que é difierente. Ha entretanto uma observação do Sr. Bourdon em que parece fora de duvida que a compressão por um tuberculo do cerebello perturbou as funcções do bulbo, na qualidade de centro de innervação motriz. Esse facto talvez o único na sciencia é tão interessante que não me posso furtar ao desejo de para aqui transcrevel-o. Eil-o : OBSEKVAÇÃO IV Memória de Bourdon. Tuberculo do cerebello occupando a eminência vermicular e comprimindo o bulbo ; embaraço da palavra. L... desenhador, entrou em meu serviço no Hospital da Ca- ridade, enfermaria S. Luiz, leito n.° 3, a 18 de Janeiro de 1872. Tossia e ia se enfraquecendo desde muitos annos, porém nunca tinha aceusado symptomas cerebraes, quando, ha dous dias, apre- sentou de repente embaraço na palavra, sem perda de conhecimento, sem a menor cephalalgia. Decidio^e então a entrar para o Hospital. Ko dia seguinte o embaraço da palavra chamou-me logo a attenção; o doente acha perfeitamente as palavras para exprimir seu pensamento, mas pronuncia-as muito mal, gaguejando apezar da grande attenção que presta; algumas vezes é obrigado a prin- cipiar de novo a phrase para tornal-a mais intelligivel. Todavia a lingua executa muito facilmente todos os movimentos indicados. Não 83 existe paralysia da face, nem difficuldade na deglutição, nem dyspnéa e tão pouco hemiplegia. Exame do peito. — No ápice do pulmão esquerdo verificão se signaes de cavernas, e no ápice direito, crepitação secca. No dia 23 nota-se que a palavra está ainda mais embaraçada; as idéas não parecem muito lúcidas. A 24, ás 9 horas da manhã, o doente succumbio bruscamente, sem agonia. Autópsia. — O ápice dos dous pulmões apresentão traços de affecção tuberculosa: caverna a esquerda, tuberculos crus a direita, Craneo. — Não existem focos hemorrhagicos, nem alterações apparentes no cérebro, nem na protuberancia, nem no bulbo rachi- diano; porém na eminência vermicular do cerebello encontra-se, na extremidade anterior e inteiramente na superfície, um tuberculo no estado de crueza, de volume médio. Entre este pequeno tumor e as meningeas espessadas e opacas que lhe correspondem, existe um exsudato amarellado, resistente, espesso, de 4 a 5 millimetros e crivado de pequenas granulações cinzentas; é evidentemente resultado de um trabalho inflammatorio datando de alguns dias. Acima e dos lados do tuberculo encontra-se sangue derramado no meio da substancia do cerebello amollecida e de còr amarellada. Este foco de amollecimento e hemorrhagia, comprehendendo se o tumor, pode ter o volume de uma grande amêndoa; faz um relevo bastante notável na superfície da eminência e corresponde á válvula de Vieussens. Bourdon conclue ; « este tumor, em semelhante situação, devia necessariamente exercer uma compressão sobre a face posterior do bulbo, ao nivel da parte inferior do 4.° ventriculo, embaixo de cujo soalho se achão os núcleos de origem do nervo grande hypo- glosso. E por esta pressão que se pôde explicar o embaraço da palavra que o doente experimentou nos últimos dias de vida. A morte súbita provavelmente foi occasionada por hemor- rhagia que sobreveio na parte do cerebello já amollecida e que angmentou a compressão bulbar estendendo-se ás origens do pneu- mogastrico. » Pôde se presumir que em todos os casos em que a compressão se fizer sobre a mesma região, os phenomenos de paralysia se 84 produzirão sobretudo, senão exclusivamente, na esphera dos nervos bulbares (Hallopeau.) As contracturas observadas nos casos de compressão explicão-se quer por excitação directa dos feixes bulbares, quer por degene- rescencia consecutiva dos cordões lateraes da medulla. No facto de Bourdon, em um da observação de Bouchard e em outro de Hallopeau os phenomenos paralyticos manifestarão-se bruscamente. Esta circumstancia tem importância debaixo do ponto de vista clinico, porque mostra que os ataques paralyticos não são symptomas exclusivos das lesões em foco. E de esperar que novos factos de compressão do bulbo, exa- minados pela pleiade de nevro-pathologistas modernos, esclareção definitivamente as variadas questões que se prendem a esse estudo. Alguns auctores pretendem dar as meningites tuberculosas como causas de paralysias bulbares; o Sr. Rendu, porém, em sua bem elaborada these sobre as paralysias na meningite tuberculosa, publicada em 1874, demonstra que não ha razão de attribuir-se uma origem bulbar ás perturbações da deglutição, da respiração e do pulso freqüentemente observadas no periodo ultimo das me- ningites. CAPITULO VII Paralysias funecionaes § I paralysias funccionaes do bulbo consecutivas a moléstias agudas Farei considerações rápidas sobre estas paralysias porque rara- mente os músculos dependentes da innervação bulbar são pertur- bados em suas funcções pelas moléstias agudas ; comtudo as aífecções febris são, de todas, as que mais vezes as compromettem. O Sr. Bailly em sua excellente these, publicada em Paris em 1872, e que consultei com grande frueto, traz magnificas observações ; entre 85 outras, uma de Marotte e H. Líouville em que a febre typhoíde produzio paralysia guttural, paralysia da lingua, hemiplegia e des- ordens na linguagem. Outra de Béhier e Liouville em que se mani- festou uma multiplicidade de phenomenos nervosos em seguida á invasão de varíola : havia alteração profunda na articulação das palavras de modo que a doente não era comprehendida, os movi- mentos da lingua não se effectuavão como de costume e a saliva corria constantemente. E de crer que estas desordens sejão devidas a alteração do bulbo, falta porém o único critério de certeza, qual a confirmação pelo necropsia. Gubler, Leudet e Bailly observarão em alguns casos pertur- bações do movimento e da deglutição por conta da paralysia do pharynge ou do véo do paladar ; mas erão desordens limitadas, de nenhuma sorte equiparaveis ás da moléstia de Duchenne. Colhi este anno, na enfermaria de clinica do Sr. Conselheiro Torres Homem, a seguinte observação em que perturbações da palavra apparecerão em um doente de febre palustre. OBSERVAÇÃO V Erancisco Pinto, portuguez, natural do Porto, morador á rua da Constituição n.° 25, de 26 annos de idade, solteiro, serrador de dor- mentes na estação do Mendes, E. E. Pedro II.—Entrou para o Hos- pital da Misericórdia a 14 de Maio de 1883 e foi occupar o leito n.° 28 da quarta enfermaria de clinica medica; Não accusa accidentes syphiliticos. Está doente ha um mez e a moléstia começou por calafrio, calor e suor consecutivos. Três dias depois a palavra tornou-se-lhe muito difficil a ponto de não ser com- prehendido ; está porém melhor actualmente. Os accessos febris vinhão do meio dia ás 4 horas da tarde, e um dia sim outro não. O fígado acha se augmentado de volume e os demais apparelhos intactos. A palavra é arrastada e as consoantes f, c, p e outras não são pronunciadas; o doente faz preceder as syllabas de fortes inspirações. Não pode absolutamente assobiar, nem dar beijos. Teve alta a 9 de Julho persistindo ainda as mesmas desordens, apenas modificadas pela applicação de pontas de fogo na região da nuca. 86 § H PARALYSIAS BULBARES CONSECUTIVAS A DIPHTERIA Apesar de serem escassos os casos observados de phenomenos graves constituídos por desordens da respiração e da circulação no decurso de uma paralysia diphterica, não se pôde deixar de nelles reconhecer uma origem bulbar porque os signaes são característicos. E fora de duvida que a paralysia diphterica pôde localisar-se em pontos que indicão claramente perturbações funecionaes do bulbo por demais sensiveis. Gubler em uma memória apresentada á Sociedade de Biologia em 1861, sobre as amyotrophias consecutivas ás moléstias agudas, foi o primeiro a assignalar esses accidentes caracterisados em uma observação por paralysia dos nervos vagos. Duchenne de Boulogne, mais tarde, oecupou-se detidamente de taes phenomenos na pa- gina 131 do seu monumental livro sobre electrisação localisada. Em sua observação, sob o titulo de desordens graves da innervação car- díaca e da expiração por intoxicação diphterica, descreve elle uma scena de phenomenos interessantíssimos e que servem de proveitoso ensinamento. Tratava-se de uma senhora, de 21 annos, accommettida de angina crostosa e a cuja cabeceira velavão os Drs. Barth, Roger, Descroizilles, Campbell e Ricord. Quando a paralysia do véo do paladar estava quasi curada e a doente parecia entrar em franca convalescença, surgiram dores uterinas precursoras de aborto que se realisou em condições muito favoráveis, sendo, porem, em pouco tempo seguido de perturbações gravissimas da circulação cardiaca e da respiração. Duchenne, ouvido em conferência, verificou os seguintes sym- ptomas que immediatamente attribuio a um estado paralytico dos pneumo-gastricos : « face extremamente pallida, lábios descorados, nariz e extremidades ligeiramente resfriados; anciedade precordial com suffocação; respiração um pouco offegante, não havendo, porém, desordem no rhythmo, nem paralysia do diaphragma, nem emphy- seina ou estertores. 87 O pulso era freqüente e batia 136 a 140 vezes por minuto, e com tal irregularidade e intermittencia que muitas vezes faltavão successivamente 6 a 8 pulsações. Os ruidos erão surdos, desiguaes, e muito desordenados.» A intoxicação diphterica exercia, pois, uma influencia mórbida sobre o ponto do quarto ventriculo que preside á innervação do coração. Duchenne pensou em influenciar sobre as desordens cardio- pulmonares por meio da electricidade. Bem inspirado andou, pois em seguida á faradisação cutânea precordial, que na sua opinião é a zona reflexogena do pneumo-gastrico, com o auxilio da mão electrica, cessarão ellas como por encanto, reapparecendo infelizmente depois cercadas de maior gravidade. No fim de 3 dias manifestou-se para- lysia do sexto par, caracterisada por diplopia, que durou cerca de uma hora; depois hemiplegia completa da sensibilidade e do movimento combatida com bom êxito pela excitação electro-cutanea e desappa- recendo no fim de pouco tempo. Emfim, os accidentes bulbares conservarão-se durante muitos dias com maior ou menor gravidade; as perturbações cardíacas tornarão-se mais violentas; sobreveio paralysia dos músculos de Reissessen, que a principio cedeu á applicação da mão electrica na parte posterior do pulmão, aggra- vando-se, porém, mais tarde e determinando orthopnéa seguida de asphyxia pela impossibilidade de serem o larynge e os bronchios desembaraçados das mucosidades ahi accumuladas. Em Setembro de 1869, Duchenne observou com os Snrs. Millard e Aug. Ollivier um caso da mesma natureza, e que terminou pela cura devida a idêntico tratamento. Quem poderá negar a parte saliente que cabe á innervação bulbar na producção de todos estes phenomenos ? A marcha irregular dos accidentes não auctorisa a affirmar-se a existência de lesão do bulbo, ou se lesão existe, deve ser pouco profunda; além disso, não se tem feito autópsia que esclareça de- finitivamente a questão. O que, porém, é incontestável, são as perturbações profundas das funcções do bulbo motivando paraly- sias, que devem ser collocadas presentemente na classe das para- lysias funecionaes, sem lesão determinada do órgão. 88 Por analogia poder-se-hia admittir no bulbo a existência de lesões iguaes ás encontradas por Charcot, Vulpian e outros nos nervos de individuos affectados de paralysias diphtericas. Assim é que Charcot e Vulpian apresentarão em 1862 á Sociedade de Biologia um caso de paralysia do véo do paladar em que as alte- rações dos nervos palatinos era manifesta. Na já citada these de Bailly encontra-se um facto de Liouville, em que os nervos phre- nicos estavão alterados da mesma maneira em um individuo morto por asphyxia no correr de uma paralysia post-diphterica. Em outra these de Pariz, publicada em 1872, o Snr. Robinson Beverley cita a opinião de Max Jaffé e outros auctores allemães que acreditão que a infiltração diphterica produz uma alteração especial do tecido conjunctivo da bainha dos nervos, podendo propagar-se até o pneu- mogastrico. Leyden verificou uma nevrite ascendente, invadindo os nervos progressivamente e podendo attingir o bulbo. Na these de Bathery (1875) vem referidas quatro autópsias em que Roger e Damaschino encontrarão lesões dos nen^os e das raizes anteriores. Pierret, em 1876 encontrou nas meningeas ra- chidianas um exsudato perfeitamente semelhante ás pseudo-mem- branas diphtericas observadas antes por (Ertel; Vulpian, porém, em outros três factos não achou esta lesão. Déjérine em um recente e bem acabado trabalho refere ter encontrado em cinco autópsias de paralysias diphtericas, feitas no hos- pital de Santa Eugenia, lesões constantes e de duas ordens : 1.° alte- rações das raizes anteriores e dos nervos intra-musculares, análogas ás que se observão em todo nervo separado de seu centro trophico ; 2.° lesões da substancia cinzenta da parte anterior da medulla : proliferação conjunctiva, atrophia das cellulas nervosas, hyperemia e diapedese.— Haveria verdadeira myelite anterior com as conse- qüências próprias, podendo faltar ou ser muito pouco accentuada se os accidentes paralyticos são recentes, manifestando-se, ao con- trario, abertamente, se a paralysia data de longo tempo. Landouzy separa em duas classes as lesões reveladas pelas autópsias : lesões das meningeas, descriptas por QSrtel e Pierret, e lesões das raizes anteriores com ligeiras alterações medullares encontradas por Déjérine. 89 Conclue as suas apreciações do seguinte modo : « seja como for, e sem querer affirmar que a paralysia diphterica depende sempre e exclusivamente da lesão descripta por Déjérine, nevrite das raizes anteriores com alterações ligeiras da substancia cinzenta da medulla, acreditamos entretanto que na maioria dos casos ella depende directa ou indirectamente das alterações descriptas por este auctor, e que os casos em que as lesões meningeanas pode- rião ser contestadas, são pelo menos excepcionaes. » Estas lesões serão verificadas sempre e estender-se-hão até o bulbo ? — Só necropsias ulteriores e observações rigorosas poderáõ decidir questão tão importante ; e se confirmarem inteiramente as alterações encontradas por Déjérine, talvez passem as paralysias bulbares consecutivas á diphteria a ser tratadas no capitulo das escleroses do bulbo. No decurso de paralysias diphtericas do véo do paladar e do pharynge o bolo alimentício pôde parar no pharynge ou penetrar nos bronchios produzindo accidentes gravissimos de suffocação. Deplessis refere em sua these um caso em que a introducção tinha-se feito no bronchio esquerdo, causando suffocação, freqüência exaggerada do pulso, convulsões, respirações em numero de 40, cyanose da face e extremidades e morte por asphyxia. Unicamente por imperdoável descuido poderáõ ser esses phe- nomenos attribuidos ao bulbo. § III PARALYSIAS BULBARES CONSECUTIVAS Á HYSTERIA E INTOXICAÇÕES Somente a necessidade de fazer um estudo completo de todas as perturbações que podem referir-se a modificações na innervação bulbar leva-me a enumerar aqui os phenomenos que se observão na hysteria, e que talvez em rigor não devão ser qualificados como paralysias bulbares. Algumas vezes sobrevem no decurso da hysteria paralysia dos músculos do larynge determinando aphonia, caracterisada por au- 90 sencia de tosse e de secreção, e também de ordinário por ausência de dor. Em alguns casos a aphonia não é completa, ha simplesmente alteração da voz (disphonia) que se torna rouca e profunda, e mais raramente aguda (Axenfeld). A sciencia apenas registra dous factos de paralysia dos músculos do olho (Szokalski, France, Canton) e que são verdadeiras excepçÕes. Entretanto o Snr. Lebreton, em sua these sobre paralysias hystericas, publicada em 1868, cita uma observação de Posner, em que os symptomas parecem correr por conta de desordens nas funcções do bulbo. N'esse caso, em seguida a um ataque hysterico manifestou-se notável embaraço da deglutição e da mastigação, e aphonia, desapparecendo tudo apoz prolongado emprego de elec- tricidade. Quanto ás paralysias saturninas notadas algumas vezes nas partes animadas pelos nervos bulbares, não as discutirei por não estar ainda firmada a sua pathogenia. Charcot e Gombault acreditão serem ellas de origem peripherica, Vulpian e Raymond dão-lhes uma origem central. Talvez ambas as theorias sejão ver- dadeiras, applicando-se uma a uns casos, outra a outros. As paralysias que podem manifestar se na uremia, na com- moção cerebral, na ictericia grave e no estado apopletico (suppressão dos movimentos reflexos do pharynge) nem sei se merecem ser mencionadas, porque as perturbações funecionaes observadas nestes estados mórbidos são de tal sorte complexas que é impossível deter- minar sua origem exacta. Dependem de desordem na innervação bulbar, reconhecem por causa uma lesão cerebral, ou devem ser ligadas a alterações periphericas ? — Taes os diversos problemas a resolver e cuja solução é quasi sempre inattingivel. Eis chegada a occasião de abordar a terceira parte de minha dissertação: diagnostico e tratamento das paralysias de origem bulbar. Procurarei indicar o modo de diagnosticar-se cada uma d'ellas, tarefa que *e acha em parte resolvida pelo desenvolvimento dado 91 á descripção symptomatica das diversas moléstias que as produzem, e depois apontarei os meios therapeuticos de que o medico pôde lançar mão com mais ou menos confiança no intuito de retardar sua marcha progressiva e fatal, já que as não pôde debellar. TERCEIRA PARTE CAPITULO I Diagnostico das paralysias de origem bulbar Três questões capitães tem o medico a resolver quando se acha em presença de um individuo que accusa perturbações graves do movimento ou do sentimento nas regiões innervadas pelo bulbo. 1.° Existe uma verdadeira paralysia? 2.° E ella de origem bulbar, ou reconhece por causa lesões da protuberancia, dos corpos opto-striados, dos nervos ou suas raizes? 3.° Qual a moléstia que a produzio? A primeira questão não apresenta de ordinário grande difficul- dade, com alguma attenção decide-se facilmente a existência ou não de paralysia; ha entretanto casos em que é preciso observação mais aturada para precisão do diagnostico. Quando as paralysias se apresentâo revestindo a fôrma clássica da moléstia de Duchenne, não ha realmente difficuldade em reco- nhecel-a; quando porém os symptomas limitão-se somente a um órgão innervado pelo bulbo ou são pouco accentuados, o erro pôde ser commettido. Duchenne vio no principio da paralysia glosso-labio-laryngéa a salivação attribuir-se a uma estomatite, tomar-se o embaraço da deglutição por uma pharyngite simples, enganos esses injustificáveis porque nesses casos faltão os signaes physicos próprios d'estas aífecções. Se se trata por exemplo de uma aphonia consecutiva á diphteria, a descriminação é mais complicada: ella pôde ser ligada á pre- 94 sença de falsas membranas no larynge ou á paralysia dos mús- culos glotticos. No adulto o exame laryngoscopico resolve de prompto a duvida, em uma creança, porém, comprehende-se que só a apreciação criteriosa de todas as circumstanoias permittirá a exactidão do juizo. Difficil é também algumas vezes interpretar os phenomenos cardio-pulmonares que as desordens da inneivação bulbar podem occasionar: a ausência de alteração no coração ou pulmão, ou a coincidência d'esses accidentes com outros symptomas de affecção bulbar, são os únicos signaes que auctorisão com segurança a re- conhecer-lhes como causa uma lesão central. A segunda questão cerca-se de complicações muito mais serias, e em certos casos permanece mesmo dependente de solução. Para que as incitações cheguem intactas aos músculos animados pelos nervos bulbares é mister que todas as vias de transmissão estejão perfeitamente desimpedidas, condições que só se realisão quando esses nervos, seus núcleos de origem, os conductores que os ligão aos gânglios cerebraes, e estes próprios gânglios se achão em es- tado inteiramente normal. Toda lesão de uma d'estas partes pôde dar lugar a paralysia na esphera de innervação do bulbo (Hallopeau). A origem d'estas paralysias é sem grandes difficuldades es- tabelecida pelos caracteres próprios, pelos phenomenos concomitantes e as circumstancias que acompanhão seu desenvolvimento. O diagnostico torna-se, porém, seriamente embaraçoso quando as paralysias são devidas a lesão da protuberancia: os conductores podem ser lesados muito perto dos núcleos causando uma paralysia dupla e completa dos nervos correspondentes, e n'estes casos o meio único de resolver o problema é a verificação da existência simul- tânea (o que não ó raro) de paralysias que uma lesão do bulbo não possa explicar; por exemplo: as do motor ocular externo e do orbicular das palpebras. Achanclo-se o núcleo do facial abduetor de preferencia na protuberancia, é de suppor, quando é elle com- promettido, que a lesão se localise em ponto mais alto que o bulbo. A conservação bem patente dos movimentos reflexos nos mús- culos affectados é ainda uma garantia em favor da localisação da 95 lesão acima do bulbo, porque as causas de paralysias bulbares actuão muito mais freqüentemente sobre os núcleos do que sobre seus feixes aíferentes (feixes conductores das incitações motrizes) devendo por conseguinte produzir a suppressão de taes movimentos Nos casos simples de hemiplegia causada por lesões dos corpos opto-striados, em que quasi sempre se manifesta paralysia mais ou menos accentuada mas nunca completa da metade inferior da face, da lingua e do pharynge, não ha possibilidade de confusão com uma paralysia do bulbo. O caso, entretanto, muda de figura se a paralysia é dupla; quasi que se observa o syndroma clinico da paralysia glosso-labio-laryngéa, ha grandes perturbações na palavra, embaraço na deglutição e pouca mobilidade na metade inferior da face, e se é um caso antigo em que persistem estes phenomenos tendo sido a motilidade restituida aos membros, é ex- cessivamente difficil estabelecer a sede da lesão. Existem comtudo signaes que permittem distinguir se se trata de uma lesão cerebral ou bulbar. A anamnese pôde fornecer elementos sufficientes de diagnos- tico para indicar se a lesão é cerebral; assim ella revela em alguns casos a existência anterior de dous ataques apopleticos succes- sivos, cada um delles seguido de paralysia de metade do corpo, informação de alta valia para o diagnostico de lesão cerebral. A localisação, o gráo e os caracteres das paralysias são egualmente fontes preciosas de indicações: nas paralysias bulbares a paralysia da face é menos extensa e de ordinário mais pronunciada do que na hemiplegia dupla ; os movimentos do elevador do lábio superior e da aza do nariz enfranquecidos neste caso, persistem n'aquelle, persistência que contrasta geralmente com a inércia completa do orbicular; demais, segundo diz Joffroy, as paralysias linguaes e labiaes de origem cerebral são sempre incompletas; emfim nas paralysias bulbares a lingua freqüentes vezes fica completamente immobilisada, ao passo que nos casos de lesão cerebral seus movimentos são bastante enfraquecidos para causar grande embaraço na articulação das palavras, mas o doente pôde ainda movel-a. Estes diíferentes signaes, se não tem todos egual valor, re- 96 forção-se comtudo mutuamente e concorrem muito para aclarar a situação. As difficuldades ingentes do diagnostico achão se realmente reservadas para os casos cie lesões que interessão directamente os nervos bulbares ou suas raizes. Ellas simulão exactamente as ver- dadeiras paralysias bulbares : a sede e os caracteres são idênticos ; a motricidade voluntária e reflexa são comprometticlas egualmente e as perturbações trophicas podem manifestar-se em ambas as espécies. Quando as paralysias periphericas existem sós e são quasi symetricas, então é impossivel distinguil-as das paralysias de origem central. O espasmo e as contracturas dos músculos da lingua ou do pharynge indicão antes lesão peripherica (Hallopeau). Localisada no bulbo a causa da paralysia, resta determinar qual a parte aífectada d'esse órgão. Vários signaes podem escla- recer o espirito do medico na solução deste problema: assim, o desapparecimento ou enfraquecimento dos movimentos reflexos e a existência de lesões trophicas indicão alteração dos núcleos motores ou dos filetes radiculares que d'elles partem; a sede das paralysias mostra precisamente quaes os núcleos interessados. Se as partes periphericas apresentão de concomitância perturbações sensitivas ou motoras, signal é de que as lesões tem invadido a região lateral ou anterior do bulbo. Quando as paralysias periphericas são unilateraes, não se pôde affirmar peremptoriamente que a lesão se acha na metade opposta do bulbo, porque Hallopeau encontrou um facto em que a anamnese parecia estabelecer perfeitamente que a hemiplegia se tinha produzido do mesmo lado que a lesão. Resta-me desenvolver a terceira questão proposta no principio do presente capitulo : qual a moléstia que produzio a paralysia. Para que seja resolvida esta ultima parte do diagnostico, é mister sejão levados em grande conta e examinados com o máximo cuidado o principio, a sede e a marcha das paralysias, as circum- stanoias em que se tem desenvolvido e os diversos phenomenos que as accompanhão. 97 Sendo a atrophia primitiva dos núcleos motores, por assim dizer, o ponto capital de minha dissertação, tomal-a-hei por typo e comparando-a com as diversas aífecções causas de paralysias bulbares, esforçar-me-hei por apontar os caracteres especiaes de cada uma e estabelecer por esta forma o diagnostico differencial. Baseando-se semelhante estudo na symptomatologia, largamente desenvolvida na segunda parte cTeste trabalho, claro é que serei breve quanto possivel e procurarei evitar repetições inúteis e fastidiosas, sem sacrificar o assumpto. Tratarei de determinar se a paralysia é symptomatica: Io, de uma atrophia primitiva dos núcleos; 2.°, de uma atrophia escle- rosica do bulbo; 3.°, de um tumor; 4.°, de um foco; 5.°, se é uma paralysia funccional. Ainda não é tudo; resta reconhecer qual a espécie de esclerose causa da paralysia, qual a natureza do tumor, e se o foco é devido a hemorrhagia ou a amolleci- mento. Principiarei pela Atrophia primitiva dos núcleos motores. — Tendo em vista a descripção detalhada dos symptomas feita em lugar competente, o diagnostico d'esta affecção não apresenta difficuldades, e no ultimo período impõerse mesmo ao medico. Entretanto na invasão da moléstia quando a paralysia é muito limitada, póde-se acreditar na existência de uma simples estomatite e pharyngite guttural, em uma paralysia simples do véo do paladar e do pharynge ou em uma paralysia do sétimo par. Alguma attenção, porém, basta, como já disse, para dissipar o engano. Depois a paralysia da lingua e do véo do paladar trazendo as perturbações características da pronunciação e da deglutição, a paralysia do orbicular dos lábios dando á pmysionomia o aspecto especial já descrípto, as desordens profundas da respiração e da circulação ligadas á paralysia dos músculos bronchicos de Reissessen e dos pneumo-gastricos, e o corrimento exaggerado de saliva são ele- mentos preciosos e seguros do diagnostico. Outras lesões do bulbo, notavelmente as escleroses, podem no emtanto reproduzir exactamente o quadro symptomatico das atrophias 98 primitivas, havendo por conseguinte necessidade de indicar os signaes que permittão distinguil-as. Escleroses do bulbo. — O diagnostico nosologico algumas vezes é difficilimo, porque tanto as escleroses do bulbo como as atrophias primitivas determinão paralysias que podem representar exacta- mente o conjuncto symptomatico descrípto por Duchenne. Emquanto os phenomenos bulbares existem isolados, não ha diagnostico se- guro, é preciso o apparecimento de perturbações periphericas para se estabelecer qual a verdadeira affecção. Em ambos os casos existem simultaneamente atrophias musculares generalisadas ; porém, ao passo que nas escleroses as paralysias precedem sempre as atrophias, na atrophia primitiva dá-se o inverso, a paralysia é um phenomeno accessorio, a atrophia muscular domina a scena. A atrophia esclerosica do bulbo pertence a espécies mórbidas distinctas, cuja natureza é mister também determinar. Assim, ella pôde ser devida a varias aífecções medullares, das quaes algumas revelão-se facilmente. O conhecimento das circumstancias etiolo- gicas, a marcha dos symptomas e o modo de processar peculiar a cada uma permittem reconhecer sem grande difficuldade se os phenomenos bulbares exprimem a manifestação da paralysia geral, da ataxia locomotora ou da esclerose em placas. N'esta moléstia sobretudo a forma especial e característica das perturbações da articulação auxilia sobremaneira o diagnostico. Outro tanto se não dá com a esclerose lateral amyotrophica e a paralysia geral espinal. Os caracteres são idênticos em ambas as aífecções, não podem por conseguinte offerecer elementos de distincção, que é preciso procurar em outros factos. A época de seu apparecimento esclarece até certo ponto o diagnostico, porque as observações conhecidas demonstrão que a esclerose lateral amyotrophica se inicia em alguns casos pelos phenomenos bulbares, ao passo que na paralysia geral espinal são elles sempre consecu- tivos ás paralysias periphericas. O elemento principal do diagnos- tico consiste, porém, na natureza das perturbações periphericas : de facto, a contractura é um symptoma constante da esclerose 99 lateral, e na paralysia geral existem somente paralysias com- plicadas de atrophia. Compressão. — Um facto primordial separa a atrophia mecâ- nica ou por compressão da atrophia espontânea, primitiva ou secundaria: a extensão da primeira é dirigida unicamente pela contiguidade dos cordões nervosos, os nervos mais approximados uns dos outros são interessados successivamente pela causa com- pressora ; a sede e extensão da segunda são determinadas pelo destino physiologico dos nervos. Ella não marcha ao acaso, com- promette successivamente todos os nervos que se associão para a realização dos actos funecionaes da articulação dos sons, da de- glutição e da phonação, aecessoriamente da mastigação e da res- piração (Jaccoud). Quando as paralysias se limitão, pois, á esphera de distribuição dos nervos bulbares, pôde-se eliminar com grandes probalidades de acerto a idéa de compressão: esta de ordinário se exerce sobre a parte anterior do órgão, e é quasi impossivel que attinja os núcleos, sem lesar também as partes conduetoras. Não me refiro á compressão dos nervos bulbares, em que, como foi dito, o diagnostico é ás vezes impossivel. As paralysias, tanto nos casos de tumor, de atrophia primi- tiva como de esclerose, podem oecupar concomitantemente a peri- pheria, apresentando caracteres variáveis. As paralysias periphericas distinguem-se pela sede: as que são limitadas a uma parte de um membro indicão antes atrophia primitiva ou esclerose dos núcleos; a fôrma hemiplegica é quasi que exclusiva dos tumores. Pôde haver coincidência de contracturas nos casos de tumor e de esclerose lateral; nesta ultima affecção, porém, ellas são ordinariamente symetricas e acompanhadas de atrophia muscular e de contracções fibrillares, phenomenos jamais observados como symptomas de tumores limitados ao bulbo. As paralysias muito circumscriptas, acompanhadas de contrac- ções fibrillares, e as atrophias musculares permittem, pois, a exclusão de tumores. Se existe, ao contrario, hemiplegia ou uma paralysia generalisada, incompleta, acompanhada ou não de con- 100 tracturas, sem atrophia, ao mesmo tempo havendo signaes de pa- ralysias bulbares pouco accentuados, é mister então admittil-os como causa productora de taes phenomenos; e o diagnostico tornar-se-ha muito provável se existirem simultaneamente cepha- lalgia, vertigens, zumbidos nos ouvidos, vômitos, e sobretudo (Hallopeau) se as paralysias bulbares forem claramente asy- metricas. As paralysias bulbares symptomaticas de atrophia primitiva, de esclerose e de compressão principião gradualmente e progridem com tendência a aggravar-se sempre; ha entretanto casos de tu- mores em que os symptomas manifestarão-se bruscamente. Emfim, depois do que fica exposto, vê-se que os signaes dis- tinctivos são especialmente tirados da natureza, do modo de ap- parecimento e da distribuição das desordens sensitivo-motoras. Hemorrhagia e amollecimento. — As lesões em foco apresentão- se bruscamente. É um symptoma importantíssimo, embora não seja pathognomonico, e que convém muito se guardar de memória; e se a elle se associa um outro signal, tendência á melhora, pôde se capitular com bons fundamentos a existência de hemorrhagia ou de amollecimento. Entretanto se o doente é syphilitico, não se pôde excluir a hypothese de um tumor. A melhora compatível com a vida é mais rara na hemor- rhagia bulbar do que no amollecimento. A hemorrhagia apresenta ainda os seguintes elementos de diagnostico : nas fôrmas fulmi- nantes, convulsões epileptiformes e rapidez da morte; nas fôrmas menos rápidas, convulsões, soluço, vômitos, perturbações especiaes da respiração (phenomeno de Cheyne-Stokes) e paralysias bulbares propriamente ditas (Grasset). A ausência de perda de conhecimentos serve também para distinguir a hemorrhagia do amollecimento que, em resumo, se caracterisa por principio brusco, de ordinário com conservação das idéas, e por paralysias que compromettem principalmente os lábios, a lingua e não poucas vezes os membros. Estas paralysias predominâo freqüentemente em uma metade do corpo e algumas vezes ha conjunctamente anesthesia; a parte superior da face 101 nunca é interessada; em pouco tempo manifesta-se melhora sen- sivel que em alguns casos é definitiva, porém de ordinário a re- cahida é freqüente produzindo rapidamente a morte do doente. Quando se observa este complexo de symptomas, o diagnostico de lesão bulbar em foco é com muita verosimílhança exacto, mas determinar a sua natureza é por demais arriscado. Entretanto se o individuo soífre de lesões cardíacas ou aneurismas, o amolleci- mento pode ser ligado a uma embolia; se se trata de um velho, cujas artérias são atheromatosas e os symptomas marchão progres- sivamente em dous ou três dias, é de suppôr uma thrombose. Em todo caso, o diagnostico deve ser muito reservado, e é mais prudente, segundo diz Hallopeau, limitar-se o medico a diagnosti- car lesão bulbar em foco. Paralysias funccionaes. — Se é verdade que o diagnostico das paralysias do bulbo se torna freqüentes vezes complicado nos casos de lesão material do órgão, em compensação revela-se claramente nas paralysias consecutivas ás moléstias agudas, á diphteria, á hysteria e aos traumatismos. O exame das circumstancias etiologicas denuncia promptamente a nutureza da paralysia. Prognostico. — O apparecimento de paralysias bulbares no decurso de uma affecção generalisada da medulla espinhal, da di- phteria ou de uma moléstia aguda, é um signal prognostico enfa- donho, precursor em geral de morte próxima. Ella pôde vir rapidamente desde que a lesão se estenda aos núcleos do pneu- mogastrico. A marcha da moléstia permitte, comtudo, estabelecer algumas distíncções. Assim, se as paralysias se estendem gradualmente a novas partes, e se a marcha, de accôrdo com a regra geral, é as- cendente, então o prognostico é fatal, porque mais cedo ou mais tarde os núcleos do pneumogastrico serão seguramente compro- mettidos. O desapparecimento dos movimentos cie diducção do maxillar inferior representava para Duchenne um signal importante de prognostico gravissimo, porque (c conveniente insistir) indicando 102 esse phenomeno alteração do núcleo motor do quinto par, visinho do núcleo de origem do pneumogastrico, deve-se presumir também próxima alteração d'este ultimo. Nos casos, porém, em que as paralysias apoz principio brusco modificão-se e revelão notável tendência a melhora, o prognostico não é tão grave, e póde-se mesmo alimentar esperança de cura; releva entretanto notar, que em taes casos, quasi sempre de lesões em foco, as recahidas são por demais freqüentes. CAPITULO II Tratamento das paralysias de origem bulbar Confrange-se o coração e o espirito se abate sempre que vai emprehender um trabalho, convicto de que os fructos colhidos nada ou mui pouco corresponderão á magnitude dos esforços em- pregados. E o que se dá relativamente ao tratamento das paralysias bulbares de origem central. Aífecções de gravidade extrema que põem em risco eminente a vida do doente, o medico julga-se demasiado feliz se consegue retardar-lhes a marcha progressiva e fatal. Infelizmente os meios de que dispõe são em geral de efficacia probleamtica: isso, porém, longe de ser motivo de desanimo, deve, ao contrario, servir de incentivo a nobres emprehendimentos, pois que o aguçado das armas deve correr parelhas com o valor do inimigo. Como sóe acontecer nos demais estados pathologicos, a etio- logia representa importante papel no tratamento das paralysias bulbares. Assim, se ellas são a expressão de um tuberculo com- primindo o bulbo, (a exemplo do facto observado por Bourdon), ou de uma diphteria, é claro que ao lado das prescripções que possão imprimir modificação salutar e directa sobre as paralysias em si, deve ser estatuída uma medicação enérgica e adequada contra as causas do mal, para que este não se aggrave. Imagine- 103 se que a causa compressora do bulbo seja uma gomma syphilitica. Poder-se-ha negar a influencia benéfica que produzirá uma thera- peutica racional e valente contra a syphilis ? Os symptomas devem também merecer attenção especial da parte do clinico e a therapeutica será subordinada ás indicações a preencher. Tratando-se, por exemplo, de uma hemorrhagia bulbar, serão empregados meios outros que para a atrophia dos núcleos, e nem podia deixar de ser assim, porque neste caso a marcha da affecção é lenta, e no primeiro attinge o máximo de violência. Indicarei, pois, os meios de tratamento que tem conseguido trazer alguma demora na marcha das diíferentes aífecções do bulbo. Na atrophia dos núcleos a strychnina, a belladona, o centeio espigado e o phosphoro não têm dado resultado. A Irvdrotherapia e os banhos sulfurosos auxiliados por uma medicação tônica, sobretudo iodurada, tem prestado serviços reaes. E inútil dizer que a mais leve suspeita de que a affecção seja de origem syphilitica constitue imperiosa obrigação ao medico para instituir o tratamento mixto na fôrma mais poderosa, mercúrio internamente e em fricções repetidas e iodureto de potássio em altas doses. A electrotherapia não pode deixar de ser aconselhada. Em um doente de Hammond a faradisação trouxe melhoras durante algum tempo. Em um outro em que empregou elle a corrente gal- vanica e o phosphoro, a moléstia pareceu modificar a rapidez da marcha; comtudo terminou fatalmente. Erb refere também um caso lisongeiro ao emprego da electricidade, porém o diagnostico era duvidoso. Schulz recommenda a excitação galvanica do facial como útil para combater a hypersecreção salivar. Dowse preconisa com o mesmo fim injecções sub -cutâneas de atropina. Nas phases adiantadas das paralysias bulbares o doente chega ao mais elevado gráo de marasmo pelo embaraço da deglutição, desperdicio enorme de saliva e impossibilidade de alimentação : é forçoso nestes casos lançar mão dos últimos recursos que lhe garantão a vida ainda que seja por uma hora, e então recorrerá o 104 clinico ao emprego da sonda esophagiana, de caldos, clysteres nu- tritivos e de todos os meios tônicos. Os revulsivos não devem ser esquecidos. A tintura de iodo, a applicação de sinapismos, vesicatorios e de sedenho á nuca podem ser empregados com vantagem. Propositalmente guardei para ultimo lugar um facto muito importante que presenciei na enfermaria de clinica do Conselheiro Torres Homem. Trata-se de um portuguez, Pedro Lopes do Espirito Santo, copeiro do hotel Carson, que, em conseqüência de humidade e res- friamento, foi accommettido de uma myelite cervical ascendente. Este indivíduo entrou a 21 cie Março do corrente anno para o Hospital aa Misericórdia e foi occupar o leito n.° í) da 4.a enfer- maria de clinica medica. Apresentava perturbaçães graves na articulação das palavras. As consoantes p e v erão pronuciadas como /; assim, dizia elle, cofeiro em lugar de copeiro, e as palavras erão precedidas de fortes inspirações. As desordens da respiração não tardarão a manifestar-se, palpitações e arythmia cardiaca atormentavão o doente, profundas alterações da innervação vaso-motriz denunciavão-se pela turgencia pronunciada da face: pois bem, apoz a applicação de pontas de fogo na região cervical, feita com o cauterio de Paquelin, por secções de seis em seis dias, e o uso prolongado do iodureto de potássio, acha-se hoje o paciente relativamente em condições por demais favoráveis. Ultimamente está fazendo uso da electricidade que tem modificado a paralysia dos membros. Hemorrhagia e amollecimento. — No momento do ataque apo- pletico o tratamento é o da apoplexia sangüínea em geral: revulsão e derivação por todos os meios, e se for preciso, depleção por uma sangria abundante. Ultimamente a reacção contra as emissões sangüíneas é de tal ordem que alguns médicos a repellem in limine do tratamento da hemorrhagia, que commummente é cerebral. Hammond, por exemplo, é um dos que assim se exprime : « quasi nunca o processo, no foco apoplectico, é pathologico; ao contrario, é em alto gráo reparador. 105 Tirar sangue a um corpo que luta com todas suas forças contra a lesão é prival-o de uma parte de seus recursos, sem modificar de modo algum a natureza do mal. A pratica dos purgativos mesmo, que se tem tornado vulgar, está em opposição formal, não só com esta asserção que a cousa principal ê deixar o doente tran- quillo, mas ainda com o senso theorico do tratamento. De facto, nada ha a fazer senão deixar o doente perfeitamente tranquillo, manter a cabeça elevada, e a câmara bem arejada e na temperatura de cerca de 60° (Fahrenheit). » Vê-se por ahi quanto ha de absoluto neste modo de pensar. E incontestável a efficacia das emissões sangüíneas e dos revul- sivos, intestinaes ou de outra ordem, no tratamento dos focos hemorrhagicos. Como diz Grasset, não é o coalho formado e realisado que é preciso considerar, mas sim o movimento íluxionario geral que precedeu e provocou a hemorrhagia, que lhe sobrevive, que é algumas vezes mesmo augmentado por este corpo estranho novo, que pôde arrastar novas rupturas vasculares, que generalisa os effeitos apoplecticos a todo cérebro, e que freqüentes vezes será a causa directa da morte. E não será um grande serviço prestado ao doente de- sembaraçar a hemorrhagia d'este elemento íluxionario, embora persista o coalho que será então tolerado pelo organismo? As emissões sanguineas têm sido combatidas por não se dar attenção ao elemento íluxionario, causa e conseqüência da hemor- rhagia. Os adversários da sangria pensão que o seu emprego é com o fim de fazer reabsorver o foco sangüíneo: absolutamente não, a questão é outra. A prova é que, apoz o desapparecimeuto dos phenomenos apo- plecticos, ninguém se lembrará de sangrar para facilitar a absorção do coalho, que no emtanto persiste ainda; durante o ataque apo- plectico, porém, a questão é difíerente. Não sou de opinião que se deva sangrar todo o doente accommettido de hemorrhagia bulbar ou cerebral, até porque seria cahir no absolutísnío que condenino em outros; mas penso 106 que o medico deve preoccupar-se mais com o elemento íluxionario que muitas vezes guia o prognostico e fornece a indicação thera- peutica, do que com a existência do coalho, contra a qual é impo- tente. Assim entendo que, segundo os casos, serão de grande vantagem as emissões sanguineas, geraes ou locaes, e os revulsivos cutâneos ou intestinaes ; e com certeza o doente lucrará muito mais com esse tratamento cio que se fôr submettido ao repouso absoluto aconselhado por Hammond. Terminado o ataque, o medico tem ainda de preencher duas indicações: l.a, previnir, quanto possível, a repetição dos pheno- menos congestivos a que o doente é sujeito; 2.", restituir, se é possível, o movimento aos membros paralysados. A primeira indicação será preenchida por meio de revulsivos, principalmente sobre o tubo intestinal para entreter a liberdade do ventre; algumas sanguesugas, com intervallos de tempo, ao ânus ou ás apophyses mastoides, sinapismos, sedenhos á nuca, etc. A segunda indicação reclama o emprego de excitantes para dispertar o systema nervoso e os músculos paralysados. A electri- cidade é o meio commummente empregado, mas o seu manejo demanda grande perícia da parte do medico, porque as correntes fortes podem favorecer novas fluxões assim como a sua applicação intempestiva e por longo tempo. Vulpian insiste muito sobre estes factos, e aconselha a abstenção das correntes continuas que são muito penetrantes e podem modificar, embora não sejão muito in- tensas, a circulação dos centros nervosos. Onimus manda começar a electrisação pela corrente mais fraca possível, um a dous elementos, e augmentar lenta e progressiva- mente. Nos casos de amollecimento não se deve abandonar o iodureto de potássio por longo tempo e em alta dose. Se as paralysias bulbares são consecutivas a moléstias agudas, á hysteria e qualquer outra affecção, está claro que a medicação principal deve ser dirigida contra taes espécies mórbidas; os acci- dentes paralyticos serão tratados pelos meios que venho de apontar. 107 Taes são as considerações que ouso apresentar á apreciação dos meus leitores sobre a tratamento das paralysias de origem bulbar. Peço-lhes que me julguem com a benevolência de que careço. PROPOSIÇÕES CADEIRA DE MEDICINA LEGAL CARACTERES DAS MANCHAS DE ESPERMA I Em medicina legal ha problemas de attentados ao pudor, cuja solução pôde ser obtida, mediante o exame de uma mancha sup- posta de esperara. II As manchas de esperma têm dimensões variadas, contornos irregulares, com aspecto de cartas geographicas, e côr cinzenta mais pronunciada nos bordos. III Pela acção do vapor d'água estas manchas desprendem um cheiro particular, que entretanto não é pathognomonico. IV As reacções chimicas não têm grande valor em relação a taes manchas, porque o liquido espermatíco quasi sempre apresenta-se de mistura com muco e outros productos que o mascaram. V As manchas de esperma são solúveis nagua, e nessa solução o microscópio demonstra a presença de espermatozoide, que é ca- racter pathognomonico de taes manchas. 112 VI No exame pelo microscópio é mister que a mancha seja pre- viamente submettida a uma maceração mais ou menos demorada. VII O facto das manchas já se acharem seccas, assim como sua mistura com a secreção ácida da vagina, são condições que impos- sibilitão a verificação dos movimentos dos espermatozoides. VIII Os crystaes de espermatina descriptos por Bottcher não têm grande valor, porque outras secreções albuminosas podem apresentar crystaes, senão idênticos, pelo menos muito semelhantes. IX A existência de um único espermatozoide no campo do mi- croscópio é razão sufficiente para asseverar que a mancha em questão é de esperma. X Esse exame deve ser rigoroso, porquanto se pode tomar por espermatozoide aquillo que na realidade não o é. XI Tratando-se de preparação, que tem de ser levada ao mi- croscópio, em geral só se lança mão da água. XII Se de um lado a presença do espermatozoide auctorisa a affir- mar que a mancha é de liquido espermatíco, de outro lado a sua não verificação não exclue a possibilidade de ser ella constituida por este liquido. CADEIRA DE CLINICA CIRÚRGICA HEMORRHAGIAS PUERPERAES I Hemorrhagias puerperaes são todas as perdas de sangue, que se podem produzir na mulher grávida ou parida, desde a concepção até a volta dos menstruos depois do parto. II As hemorrhagias dos seis primeiros mezes da prenhez são causa ou symptoma de aborto. III O diagnostico entre uma perda puerperal e certas manifesta- ções menstruaes retardadas dependentes de dysmenorrhéa, no co- meço da gravidez, depende do exame do sangue, dos signaes da prenhez e da anamnése. IV As perdas do terceiro ao quarto mez são mais graves, porque se acompanhão da retenção da placenta ; a hemorrhagia em regra não cessa, emquanto resta no utero o minimo fragmento de mem- branas. V As hemorrhagias do termo da prenhez e do trabalho de parto reconhecem por causa quasi única a inserção viciosa da placenta. 5487 - 8 114 VI Ha três variedades de placenta prévia: central, parcial e marginal. VII As hemorrhagias ligadas a esta anomalia são inevitáveis du- rante o trabalho, que pela dilatação do orificio interno do collo produzirá um descollamento mais ou menos extenso conforme a variedade da inserção. VIII E característico d'estas perdas sobrevirem durante o somno ou uma preoccupação pacifica. IX O prognostico em relação á mulher é tanto mais grave, quanto mais abundante for a perda, por duração ou quantidade. X A mortalidade das parturientes é de 1 caso em 3 3/õ- (Simpsom). XI O tainponamento vaginal tem sua indicação typica nestas hemorrhagias. XII As hemorrhagias post partum podem ser primitivas ou secun- darias, segundo precedem ou seguem o delivramento. XIII A inércia uterina é causa predominante das perdas pri- mitivas. XIV A retenção da placenta pôde ser simples, complicada de adhe- rencia total ou parcial, ou ainda devida a contracções irregulares parciaes do utero (espasmo do collo, encastoamento da placenta). 115 XV As perdas secundarias, raras vezes inquietantes, são em alguns casos o ponto de transição entre uma perda do termo da puerperalidade que finda, e a primeira manifestação do fluxo menstrual que reapparece. XVI O centeio esporado e suas preparações são os meios mais eíficazes contra a inércia uterina, depois da extracção da placenta. CADEIRA DE THERAPEUTICA ELECTROTHERAPIA I A clinica deve serviços reaes á electrotherapia. II « O facto de não estar vulgarisado o seu uso reconhece como causa serem empregadas as correntes electricas depois de es- gotados todos os meios therapeuticos, ou então em moléstias incuráveis. III Não é por uma influencia mysteriosa (crença do vulgo) que a electricidade actúa e cura, mas unicamente pelos phenomenos physiologicos que determina no organismo. IV A electricidade é um dos agentes mais poderosos para modi- ficar a constituição intima dos tecidos, as circulações locaes, as atrophias ou as contracturas dos músculos, as irritações ou as paralysias do systema nervoso. V Ella pôde prestar excellentes serviços, quer como agente principal de tratamento, quer como meio auxiliar. 118 VI Os resultados therapeuticos são subordinados a sua adminis- tração racional. VII Alguns médicos pensão que a electricidade, sob qualquer de suas fôrmas, é o mais violento e perigoso dos excitantes. Erro manifesto! Na maioria dos casos as correntes electricas actuão muitas vezes como poderoso sedativo; e, longe de provocarem ex- citações, possuem uma acção calmante notável. VIII Nas moléstias claramente definidas o emprego da electrici- dade é fácil, nos casos delicados, porém, apresenta grandes diffi- culdades. IX Uma das causas de difficuldade é a necessidade de um dia- gnostico absolutamente preciso. Não basta entrever a moléstia; é indispensável reconhecer sua causa e natureza intima. X Outra caus.i de não menor peso depende da variedade de acção das correntes electricas segundo sua natureza, duração de applicação e intensidade. XI Um elemento que escapa também á apreciação do medico é o grau de tolerância dos doentes para as correntes electricas, que varia extraordinariamente. XII Nos primeiros dias de applicação da electricidade é indispen- sável fazer ensaios sobre essa tolerância, e nestes casos nada pôde supprir a pratica e a observação individual. 119 XIII O tratamento pela electricidade deve ser modificado segundo os symptomas, segundo a data antiga ou recente da affecção, se- gundo a existência ou não de alteração consecutiva dos músculos e segundo a sede da dor. XIV O opportunismo representa um grande papel no emprego das correntes electricas, como em toda therapeutica. XV Infelizmente é impossivel estabelecer a priori regras fixas para todas as circumstancias; apenas se podem traçar indicações geraes. HIPPOCRATIS APHORISMI I Frigidum ossibus adversum, dentibus, nervis, crebro, dorsali medullae, caliduin vero utile. (Sect. o.a, Aph. 18.) II Lassitudines sponte obortae morbos prenunciant. (Sect. 2.a, Aph. 5.) III Tempestatum anni mutationes potissimum morbos pariunt et in ipsis anni tempestatibus magnae mutationes frigoris et caloris, aliaque pro ratione ad hunc modum. (Sec. 3.a, Aph. 1.) IV Ex sanguinis proíluvio deliratio aut etiam convulsio, malum. (Sec. VII, Aph. 9.) V Sanguine multo effuso convulsio aut singultus superveniens, malum. (Sec. V, Aph. 3.) VI Si mulier, quae nec grávida est neque peperit, lac habet, ei menstrua defecerunt. (Sec. V, Aph. 39.) Esta these está conforme os Estatutos. Rio, 2 de Outubro de 1883 Dr. Caetano de Almeida. Dr. Benicio de Abreu. Dr. Oscar Bulhões. ITP. DE O. LEVZINOEB * FILHOS, RUA B'oUVlIX)B 31 — RIO BE JANEIRO -..^r-ív •