^ #~^ ^^s^^s^c; FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO ti i I 3 i i «a THESE ir Miguel ■DO § & VI DISSERTAÇÃO CADEIRA DE CLINICA MEDICA Do íiapostico diferencial entre o cancro ío estômago e o do pancreas VÉJVf Cadeira de ebimica orginica e biológica — Morphina l.1 Cadeira de clinica cirúrgica — Diagnostico da commoção e contusão cerebral ll Cadeira de clinica medica — Do diagnostico e tratamento das adherencias do pericardio THESE APRESENTADA A' FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO EM 12 DE SETEMBRO DE 1883 E PERANTE ELLÂ SUSTENTADA A 15 DE DEZEMBRO DO MESMO ANNO rou Doutor em medicina pela mesma Faculdade, interno (por concurso) de clinica gynecologica e obstetrica, ex-interno do Hospital da Misericórdia. NATURAL DO RIO DE JANEIRO (PARAHYBA DO SUL) FILHO LEGITIMO DE 9 ' liguei íose Rodrigues Pereira e de D. Maríanna Joapina Barbosa Pereira aooaaoaaqre RIO DE JANEIRO fyp. Central, de Evaristo Rodrigues da Costa 1883 FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO DIRECTOR Conselheiro Dr. Vicente Cândido Figueira de Saboia VICE DIRECTOR Conselheiro Antônio Correia de Souza Costa SECRETARIO Dr. Carlos Ferreira de Souza Fernandes LENTES CATHEDRATICOS Drs. : João Martins Teixeira.......................... Physica medica. Conselheiro Manoel Maria de Moraes e Valle Chimica medica e mineralogia. João Joaquim Pizarro......................... Botânica medica e zoologia, José Pereira Guimarães....................... Anatomia descriptiva. Conselheiro Barão de Maceió.................. Histologia theorica e pratica. Domingos José Freire Júnior.................. Chimica orgânica e biológica. João Baptista Kossuth Vinelli.................. Physiologia theorica e experimental. João José da Silva............................ Pathologia geral. Cypriano de Souza Freitas.................. Anatomia e physiologia pathologicas. João Damasceno Peçanha da Silva............. Pathologia medica. Pedro Affonso de Carvalho Franco............ Pathologia cirúrgica. Conselheiro Albino Rodrigues de Alvarenga... Matéria medica e therapeutica, especialmente brasileira. Luiz da Cunha Feijó Júnior.................. Obstetrícia. Cláudio Velho da Motta Maia.................. Anatomia topographica, medicina operatoria experimental,apparelhos e pequena cirurgia Conselheiro Antônio Correia de Souza Costa.. Hygiene e historia da medicina. Conselheiro Ezequiel Correia dos Santos..... Pharmacologia e arte de formular. Agostinho José de Souza Lima................ Medicina legal e toxicologia. Cons. Jo5o Vicente Torres Homem.......... ) CHm ^ d adultos. Domingos de Almeida Martins Costa.......... * Cons. Vicente Cândido Figueira de Saboia... ) ™- ,•„„ „;,.„,.„.,•„„ ,i„ „,i„n™ 1 - > j„ /-i„ 4„ t;____r>„,^„„ I Clinica cirúrgica de adultos. João da Costa Lama e Castro................... ) b Hilário Soares de Gouveia.................... Clinica ophtalmologica. Erico Marmhd da Gama Coelho................ Clinica obstetrica e gynecologica. Cândido Barata Ribeiro........................ Clinica medica e cirúrgica de crianças. João Pizarro Gabizo.......................... Clinica de moléstias cutâneas e syphiliticas. João Carlos Teixeira Brandão................. Clinica psychiatrica. LENTES SUBSTITUTOS SERVINDO SE ADJUNTOS Augusto Ferreira dos Santos................... Clinica medica e mineralogia. Antônio Caetano de Almeida.................. Anatomia topographica, medicina operatoria experimental,apparelhos e pequena cirurgia. Oscar Adolpho de Bulhões Ribeiro............ Anatomia descriptiva. Nuno Ferreira de Andrade..................... Hygiene e historia da medicina, • José Benicio de Abreu......................... Matéria medica e therapeutica, especialmente brasileira. ADJUNTOS J osé Maria Teixeira............................ Phisica medica. Francisco Ribeiro de Mendonça___'".......... Botânica medica e zoologia. .............................................. Histologia theorica e pratica. Arthur Fernandes Campos da Paz............. Chimica orgânica e biológica. ............................................... Physiologia theorica e experimental. Luiz Ribeiro de Souza Fontes.................. Anatomia e physiologia pathologicas. ................................................ Pharmacologiae arte de formular. Henrique Ladislau de Souza Lopes............. Medicina legal e toxicologia, Francisco de Castro............................ Eduardo Augusto de Menezes.................. I ru- • i- i , ,, Bernardo Alves Pereira........................ I Gllnu'a medica de adultos. Barlos Rodrigues de Vasconcellos.............. ' Ernesto de Freitas Crissiuma................ . Francisco de Paula Valladares................. /,,... . . Pedro Severiano de Magalhães................. i Clinica cirúrgica de adultos. Domingos de Góes e Vasconcellos.............. ) Pedro Paulo de Carvalho....................... Clinica obstetrica e gynecologica. José Joaquim Pereira de Souza................ Clinica medica e cirúrgica de crianças. Luiz da Costa Chaves de Faria................ Clinica de moléstias cutâneas e syphiiiticas. Carlos Amazonio Ferreira Penna.............. Clinica ophthalmologica. ............................................... Clinica psychiatrica. N. B.— A Faculdade não approva nem reprova as opiniões emittidas nas theses que lhe são apresentadas. x (fkí ■^ms'- 3) í -&3~- Z^^^^JB&Vk- » ■■ y ■»»»■ y ■■ * ■■ tf ■■»■■* * >s= A' MEMÓRIA DE ZMZETTS AVÓS A' memória de minha Irmã E et s^ sar cs sss s^r <££» zm ^ a is síq JêL ^3 Muitas saudades. A' MEMÓRIA DO CONSELHEIRO MANOEL ADOLPHO VICTORIO DA COSTA Á MEMÓRIA DE Meus pranteados collegas JOAQUIM FLORIANO NOVAES DE CAMARGO VICENTE DA CUNHA PEIXOTO I H' ineu bom Vai Offereço este trabalho como prova do muito que vos devo. Á MINHA ÊXTRÊMOSA MÃI A' minhas carinhosas Irmãs A' meus Irmãos e verdadeiros amigos PADRE MANOEL RODRIGUES PEREIRA DR. GALDINO RODRIGUES PEREIRA JOÃO RODRIGUES PEREIRA A' meus tons cunhados LUIZ PEREIRA ROMEU Capitão FRANCISCO ANTÔNIO GONÇALVES BARBOSA FRANCISCO TEIXEIRA DE MORAES A' meus parentes e especialmente 0 Illm. Sr. Antônio Duarte Pinto $ 0U'S %X}â$. T%III /o 1^ --«.r v—r-) >o • "/o y-n í 1 í -o ^ -X O. k_> ^J. O X~^á^ vIXãCÃk ÃCÃÃIãããZCa Consideração. Ao Illm. e Revm. Sr. CONEGO JOÃO PIRES DE AMORIM Aos ///ms. Srs. ANTÔNIO LEITE MONTEIRO DE BARROS LUIZ AUGUSTO DA SILVA CANEDO Sympathia. Aos distinctos médicos DR. MANOEL RODRIGUES MONTEIRO DE AZEVEDO DR. JOÃO DE DEUS CUNHA PINTO DR. JOSÉ DE ALMEIDA VERGUEIRA DR. MANOEL CARDOSO PEREIRA FONTES O ILLM. SR. DR. MOURA BRAZIL Ao illustrado professor de clinica medica O EXM. SR. CONSELHEIRO JOÃO V. TORRES HOMEM Muita consideração e respeito A' meu particular amigo e verdadeiro mestre O ILLM. SR. DR. VICTORINO RICARDO BARBOSA ROMEU E á sua Exma. família Muita amizade e gratidão Aos distmctos professores DR. ERICO MARINHO DA GAMA COELHO DR. JOSÉ BENICIO DE ABREU DR. CAETANO DE ALMEIDA A' meu collega de tnlernato EDUARDO HENRIQUE DE BASROS. AOS MEUS AMIGOS A08 MEU5 COLLEGAS 'Uía© òoitíorcmòosi be 1884 O cancro do estômago foi conhecido desde a mais remota anti- güidade. O venerando Hyppocrates teve conhecimento desta affecção do estômago, e legou-nos um quadro symptomatico que ainda hoje apreciamos. Fértil de intelligencia procurou tima theoria que a explicasse. A não ser no quadro symptomatico pouca luz nos for- neceu, ; mas seriamos injustos, se mais exigíssemos ; a sciencia me- dica tem-se construído paidatinamente, jogando dois f adores para chegar ao conhecimento da verdade — a- observação e a theoria. A primeira, sempre infallivel, impõe-se por signaes que atravessam séculos, sem serem modificados; a segunda, oriunda de hypotheses, é sujeita á modificações e mesmo depois de gozar os foros de theoria não pôde ser considerada um fado realizado e infallivel. Hoje apresentámos uma theoria relativa aos nossos conheci- mentos, amanhã uma outra, porque os nossos conhecimentos são mais vastos, os phenomenos constittiirão fados realizados e assim progressivamente construe-se o edifício sobre o qual repousará a sciencia medica. 1883 C 1 Se é verdade que o conhecimento da existência do cancro do estômago nasceu com a medicina, outro tanto não podemos dizer sobre o cancro do pancreas. O cancro do pancreas, considerado na sua mais vasta accepção, com propriedade para propagar-se aos tecidos visinhos ou mesmo remotos, foi negado por médicos notáveis e notavelmente por Mr. Roux. Baillie não só negava a existência do cancro deste órgão como também de qualquer outra affecção. Tanchou, Marc a" Espine não admittiam também a localisação neste órgão da diathese cancerosa. As seguintes palavras de Lcbert exprimem o seu modo de pensar á respeito do cancro do pancreas como affecção primitiva : " Nous navons que peu de choses à dire sur le câncer du pancreas comme affeccion primitive, il nen existe quu petit nombre d'exem- ples dans Ia science. Nous navons pour notre compte, jamais ren- contré un câncer primitif de cette glandule; il est meme rarement atteint de depois caucereux secondaires. Apart des adherences entre le pancreas et le fond caucereux de 1'estomac nous iiavons note que deux fois un depot caucereux dans cet organe. " Williegk diz ter encontrado vinte e nove casos em quatro centas e sessenta e sete autópsias de cancerosos. Friedreich não hesita em dizer que o cancro seja a affecção que geralmente encon- tramos 110 pancreas. Ancelet apresenta dezoito observações em que o cancro achava- se exclusivamente situado no pancreas e grande numero de obser- vações em que o cancro começara neste órgão e propao-ara-se á diversos. Escolhendo para ponto da nossa dissertação este assumpto, não temos a preterição de estabelecer signaes certos e infalliveis para chegarmos á um diagnostico differencial exado, nem por um só momento tal idéa nos animou. Apenas satisfazendo á um dever desejamos ser útil, reunindo em pequeno espaço o pouco que os mestres têm dito sobre o cancro do pancreas e ficaremos satisfeitos se este nosso desejo se realizar. DIVISÃO DO ASSIMPTO Utilizando-nos da liberdade que a Faculdade nos garante para o cumprimento deste dever, dividirei este nosso trabalho em quatro partes. Na primeira — tratarei da anatomia e physiologia do estômago e do pancreas o mais resumidamente possivel. Na segunda — descreverei os symptomas do cancro do estômago. Na terceira— os do cancro do pancreas. Na quarta — occupar-me-hei do diagnostico diffe- rencial e citarei algumas observações das que- me pare- ceram mais completas. PRIMEIRA PARTE Anatomia do estômago O estômago é a parte do canal alimentar comprehendida entre o cesophago e o duodenum, onde os alimentos experi- mentam a chymificação depois de um tempo mais ou menos longo. Acha-se situado na parte superior da cavidade abdominal e dirige-se do hypochondrio esquerdo ao direito, descendo mais ou menos á região umbilical conforme a sua maior ou menor dis- tensão pelos alimentos, occupando successivamente o hypochon- drio esquerdo, epigastro e parte do direito. O estômago é mantido em sua situação pelo cesophago, pelo duodenum e pelo epiploon gastro-hepatico. Tem a fôrma de um cone achatado de base arredondada, recurvado sobre si de diante para traz e de baixo para cima — imita uma retorta. O volume do estômago é por demais variável, algumas vezes elle apresenta-se estreitado, não excedendo em volume ao duodenum, outras vezes dilatado de modo a occupar grande extensão da cavidade abdominal. Estas variações de volume parecem depender de sua estru- ctura eminentemente dilatavel e elástica, permittindo a intro- ducção de grande quantidade de alimentos e retracçao no estado de vacuidade. O estômago é mais volumoso em indivíduos que tomam durante 24 horas uma única refeição, porém copiosa, do que nos que ingerem aos poucos. A abstinência prolongada produz uma grande retracçao de volume. Na descripção deste órgão os autores consideram duas superfícies — externa e interna. Superfície externa Esta superfície apresenta duas faces — uma anterior, outra posterior, um bordo convexo (grande curvatura) e um bordo concavo, chamado pequena curvatura, uma grossa tuberosidade, uma extremidade cesophagiana e uma extremidade pylorica. Face anterior ou superior. — Esta face está em relação com o diaphragma que a separa do coração, com o fígado, com as seis ultimas costellas esquerdas de que é separada pelo diaphragma e com a parede abdominal ao nivel do epigastro. A distensão do estômago pelos alimentos augmenta os pontos de relação desta face com a parede abdominal. Face posterior ou inferior. — Está em relação com o mesocolon transverso que a separa das circumvoluções intestinaes, com a terceira porção do duodenum que alguns anatomistas chamam — travesseiro do estômago, ventriculi pulvinar e finalmente com o pancreas. Estas relações são susceptíveis de modificações depen- dentes do estado de plenitude ou de vacuidade do estômago. Grande curvatura — também chamada bordo inferior e bordo anterior —: é convexa, acha-se voltada para baixo no estado de vacuidade e para diante no de plenitude do estômago. É nesta curvatura que insere-se o grande epiploon. Ella acha-se em relação com a parede abdominal, as carti- lagens das ultimas costellas e o colon transverso. Pequena curvatura — bordo superior, bordo posterior de alguns anatomistas : é concava— representa o espaço que vai do cardia ao pyloro e dá inserção ao pequeno epiploon. Acha-se voltada para cima no estado de vacuidade e um pouco para traz no estado de plenitude, parecendo abraçar a columna vertebral de que é separada pela aorta e pelas pilastras do diaphragma. Grossa tuberosidade do estômago — chamada também fundo de sacco do estômago ou simplesmente fundo. É formada pela parte situada á esquerda do cardia e constitue a parte mais elevada e mais volumosa do estômago. Cruveilhier compara-a a uma calotte applicada sobre a base do cone representado pelo estômago. Acha-se situada no hypochondrio esquerdo: corresponde pelo vértice ao baço, á que se prende pelo epiploon gastro-splenico e pelos vasos curtos. Por sua parte superior e anterior, corresponde á metade esquerda do diaphragma que a separado pulmão esquerdo supe- riormente e das seis ultimas costellas anteriormente. Atraz cor- responde ao pancreas, ao rim e á cápsula supra-renal esquerda; embaixo ao colon transverso. Extremidade cesophagiana — também chamada cardia —acha-se situada na extremidade da pequena curvatura á direita da grossa tuberosidade, ao nivel da abertura cesophagiana do diaphragma. Uma dobra do peritoneo, partindo do diaphragma, i nsere-se sobre este orifício — ligamento gastro-diaphragmatico (liga- mentum phrenico-gastricum). A extremidade pylorica fôrma a extremidade direita do estômago. Corresponde ao vértice do cone e apresenta um es- treitamento circular que estabelece os limites do estomao-o e do duodenum. A partir deste ponto o estômago curva-se fortemente do lado da grande curvatura imitando um cotovello pelo que — 8 — deu-se á esta parte o nome de —cotovello do estômago. Á sa- liência do cotovello corresponde interiormente uma cavidade a que Willis deu o nome de antro do pyloro. A saliência coto- vellaré chamada —pequeno fundo de sacco —pequena tuberosi- dade do estômago. Esta extremidade acha-se dirigida para a direita, para traz e para cima, e, quando o estômago distende-se, ella dirige-se para a esquerda. As relações que esta extremidade guarda com a parede abdominal são por demais variáveis, visto os deslocamentos fre- qüentes desta parte do estômago. As relações com os outros órgãos abdominaes são mais constantes: corresponde superiormente ao fígado e ao pequeno epiploon; inferiormente ao grande' epiploon ; anteriormente á parede abdominal e posteriormente ao pancreas. Superfície interna Esta superfície apresenta as mesmas regiões que a super- fície exterior; as particularidades que ella apresenta pertencem á membrana mucosa. Nesta superfície encontramos os dois orifícios do estômago. Orifício oesophagiano, cardia, orifício esquerdo ou superior — ostium introitus: Este orifício apresenta dobras radiadas e um bordo irregularmente franjado. É notável pela sua largura, dilatabilidade, e pela ausência de válvula e sphincter. Uma mudança de coloração estabelece os limites entre a mucosa do estômago e a do cesophago, ao nivel deste orifício. Orifício duodenal, pyloro, orifício direito ou inferior — ostium exitus. Este orifício apresenta uma válvula circular e é excessi- vamente estreito e pouco dilatavel. Nota-se também a presença de um annel, considerado verdadeiro sphinder. Estructura O estômago se compõe de quatro camadas que são a partir de fora para dentro: a camada serosa, a musculosa, a cellulosa e a mucosa Camada serosa ou peritoneal.— Esta camada nada apresenta de importante, não tem senão uma acção mecânica; é formada pelo peritoneo que forra o estômago em todos os pontos, sendo mais adherente no centro das faces que ao nivel das curvaturas, e fôrma o epiploon gastro-hepatico, o epiploon gastro-splenico e o epiploon gastro-colico ou grande epiploon. Camada musculosa.— Esta camada se compõe de três ordens de fibras: longitudinaes, circulares e ellipticas. As primeiras fazem continuação com as fibras longitudinaes do cesophago, e, situadas immediatamente abaixo da serosa, formam o plano superficial. As segundas, subjacentes ás primeiras, formam o plano médio e as terceiras formam o plano profundo. As fibras longitudinaes do cesophago ao chegar á sua extremidade inferior dividem-se: as que pertencem ao lado direito prolongam-se sobre a pequena curvatura do estômago, recebendo pela sua disposição o nome de gravata de suisso; as do lado esquerdo dirigem-se para a grossa tuberosidade; as anteriores e posteriores dirigem-se ás faces correspondentes do estomao-o e, como estas são extensas relativamente ás do cesophago, o plano superficial apresenta uma espessura muito delicada; á medida que se approximam do pyloro o plano 1883 C 2 -- IO — superficial torna-se de novo espesso pela approximação das fibras que continuam com as do intestino. Plano circular ou médio.— Este plano é composto de fibras cir- culares, perpendiculares ao grande eixo do estômago; estas fibras formam uma camada continua que se estende desde o cardia até o pyloro. Plano profundo ou elliptico.— As fibras ellipticas por sua parte media correspondem á grossa tuberosidade do estômago e pelas suas extremidades ás duas faces e á grande curvatura. As mais o elevadas, que são também as mais numerosas e apparentes, formam uma espécie de fita de que a parte media repousa sobre a grossa tuberosidade e cujas metades dirigidas horizontalmente da esquerda á direita estendem-se sobre as faces anterior e pos- terior e terminam em parte ao nivel da porção pylorica. O bordo superior deste plano fôrma uma saliência bastante sensível; é semi-circular sobre o cardia, rectilineo sobre as faces do estômago onde elle apenas dista 15 millimetros da pequena curvatura. Do bordo inferior da fita partem feixes achatados e curvos que dirigem-se obliquamente para baixo e que se approximam gra- dualmente dos feixes circulares com os quaes se confundem antes de chegar á grande curvatura. Camada cellulosa—Esta camada chamada — túnica ?iervosa, pelos antigos e por Helvetius — túnica fibrosa, é a mais fraca, a mais extensível e a mais vascular das quatro. A sua face externa não se adhere á membrana muscular senão por laços filamentosos laxos e a sua face interna é intimamente unida á túnica muscular. Esta membrana compõe-se de fibras de tecido cellular agrupadas em feixes, que se entrecruzam em todos os sentidos e nos inter- vallos destes encontramos fibras elásticas. Esta membrana contém em sua espessura um rico plexo vascular formado de todas as arteriolas que se destinam á mucosa, de todas as veias que delia partem e de muitos lymphaticos. Encontra-se também gânglios e filetes nervosos que atravessam-na dirigindo-se á mucosa. Camada mucosa. — Também chamada membrana glandulosa de Willis—villo-papillardcKuysch. E a mais importante sob o ponto de vista physiologico. Esta camada apresenta em seu estudo partes importantes. A sua superfície externa ou adherente acha-se unida á camada cellulosa por meio de um tecido cellular laxo que lhe permitte deslocar-se. A sua superfície livre ou interna apresenta modifi- cações dependentes do estado do órgão. Quando o estômago retrahe-se ella apresenta dobras ondulosas, longitudinaes, trans- versaes ou oblíquas que desapparecem pela distensão. Além destas dobras encontramos grande quantidade de sulcos si- nuosos, que dividem-na em pequenos espaços ou comparti- mentos. A superfície interna desta camada é molle, esponjosa e coberta por uma camada mais ou menos espessa de mucus. A espessura da mucosa não tem sido apreciada devidamente. Ella varia em cada indivíduo. Tem se notado porém que a porção pylorica é duas vezes mais espessa que a cesophagiana. Frey dá dous millimetros á porção pylorica e um á porção cesophagiana. Kõlliker diz ter meio millimetro junto ao cardia e dous milli- metros junto ao pyloro. Ha villosidades na superfície da mucosa? Secundo Leydig a mucosa do estômago tem um aspecto villoso. Kõlliker diz que achamos na porção pylorica villosidades. Frey diz também que as villosidades são numerosas na região pylo- rica. Henle encontrou um estômago completamente guarnecido de villosidades. Sappey diz nunca ter encontrado. Diz Cruveilhier: La surface libre de Ia muqueuse gastrique ne presente des prolongements d'aucune sorte et cest à tort que des auteurs y ont décrit soit de villosités soit de papilles. II faut cependant faire tine exception pour Ia portion de cette muqueuse qui avoisine le pylore. Dans cette region, les ouvertures glandulaires sont moins rapprochées les unes des autres et les points de muqueuse qui les separent sont aplatis et couverts de fines villosités dont Ia hauteur est d'environ o,,n05 suivant Henle. * * Cruveilhier e Sée. Anat. descriptive, pags. 126 e 127. — 12 — A mucosa do estômago, assim como as villosidades da região pylorica, é coberta de uma simples camada de epithelio cylindrico, que muito adherente durante a vida destaca-se rapi- damente depois da morte. Este epithelio repousa sobre um chorion mucoso composto de duas camadas: uma profunda ou musculosa e outra superficial ou glandulosa. A primeira, adherente por sua face externa á túnica cellu- losa, fôrma uma membrana continua, densa, extensível de o,mmo5 á o,mmi de espessura, composta de feixes de fibras musculares lisas de mistura com tecido conjunctivo. Estas fibras, ao nível do pyloro, são parallelas ao grande eixo do estômago e nos outros pontos ellas se entrecruzam em differentes direcções. Por sua face interna ella adhere-se intimamente á camada glandulosa e acha-se em contacto ímmediato com o fundo de sacco das glândulas, entre as quaes ella envia prolongamentos entrecruzados. Ha na mucosa do estômago duas espécies prin- cipaes de glândulas : glândulas secretantes de mucus e de sueco gástrico. As glândulas que secretam mucus são também cha- madas— mucosas e só foram conhecidas em 1839 por Wasmann. Estas glândulas são tubulares e só existem na região pylorica, onde ellas formam uma zona circular: a extensão destas glân- dulas é de dous millimetros mais ou menos, atravessam toda a espessura da mucosa e terminam nas camadas mais profundas desta. As glândulas de sueco gástrico também chamadas de pepsina (Frerichs) são também tubulosas e apresentam duas fôrmas —a de tubo simples e a de tubo ramificado, pelo que se dividem em glândulas simples e glândulas compostas. As glân- dulas simples são as mais numerosas. Sappey admitte que existem 100 em cada millimetro quadrado. Se exceptuarmos a região pylorica, onde se encontram as glândulas de mucus e o cardia onde encontramos as glândulas de pepsina composta, encontraremos em qualquer ponto da mucosa estas glân- dulas. Ellas tem a fôrma de tubos cylindricos um pouco dilatados no fundo e acham-se tão unidas que apenas permittem a passa- gem dos vasos capilares. Estas glândulas apresentam duas camadas: uma externa — parede própria do tubo —formada por uma membrana amorpha, delgada e transparente e uma interna formada por cellulas especiaes — chamadas cellulas de pepsina. Estas cellulas enchem completamente a cavidade dos tubos, são volumosas e têm a fôrma de pequenos cubos ou espheras. Apresentam-se algumas vezes com uma membrana mui delgada contendo um protoplasma granuloso e mais ou menos viscoso; outras vezes desprovidas de membrana e constituem verdadeiros protoplastas. A extensão destas glândulas varia com a espes- sura da mucosa que ellas atravessam, até á camada das fibras musculares lisas. As glândulas compostas são muito menos numerosas, só são encontradas junto do cardia. São formadas por um tubo rami- ficado, e exteriormente têm o aspecto das glândulas mucosas, sendo pouco mais curtas. São formadas por um tubo, que se ramifica em muitos pro- longamentos cylindricos. Em toda a sua extensão elles têm uma parede própria, homogênea, como as simples; sua superfície interna contém em todas as ramificações cellulas de pepsina análogas ás das simples e que enchem completamente a sua cavidade. Ao nivel da porção não ramificada encontra-se um epithelio cylindrico, de maneira que esta parte pôde ser conside- rada como o canal excretor desta glândula, como acontece nas simples. Além destas glândulas encontramos as glândulas en grappe disseminadas pela espessura da mucosa. (Frey). Bruch e Cobelli dizem que estas existem principalmente na mucosa próxima do pyloro; encontramos também os folliculos conhecidos pelo nome de glândulas lenticulares. — 14 — Vasos e Nervos As artérias partem do tronco coeliaco e são: .artéria coronaria estomachica, pylorica e gastro epiploica direita (ramos da hepa- tica), gastro epiploica esquerda e os vasos curtos (ramos da splenica). Estas artérias formam ao redor do estômago um circulo anastomatico, d'onde partem ramos anteriores e posteriores que se collocam entre o peritoneo e a membrana musculosa e depois de um certo numero de divisões e de anastomoses atravessam as membranas musculosa e cellulosa, dividem-se e anastomosam-se até que tornadas capillares penetram a mucosa. Depois de ter dado grande numero de ramos á camada musculosa, as arteriolas penetram-perpendicularmente entre as glândulas, distribuindo ramos lateraes de communicação, que formam ao redor dellas redes de malhas rectangulares.' Ao nivel dos orifícios glandulares estes vasos communicam-se e formam uma rede superficial, que cerca estes orifícios. As veias originam-se nesta rede superficial sob a fôrma de pequenas radiculas que convergem na superfície da mucosa para um ponto central donde parte um pequeno ramo venoso. Todos os ramos assim formados passam entre as glândulas e desembo- cam em uma rede venosa de malhas polygonaes, situada entre a camada glandular e a musculosa da mucosa. Desta rede partem os ramos que tomam o nome das artérias que acompanham e que concorrem á formação da veia porta. A veia satellite da gastro epiploica esquerda lança-se na splenica, a da gastro epiploica direita na mesaraica superior ; a da coronaria estomachica no tronco da veia porta. A pylorica algumas vezes lança-se no tronco da porta, outras vezes seguindo pelo sulco transverso do figado ramifica-se neste órgão. Os lymphaticos tem a sua origem na camada glandulosa da mucosa e formam abaixo desta camada uma rede superficial e no tecido — i5 — sub-mucoso uma segunda rede d'onde partem troncos, que depois de atravessarem a túnica musculosa caminham sobre o peritonial, anastomosam-se com os lymphaticos cVesta túnica e terminam-sè nos gânglios, que existem nas duas curvaturas do estômago. Os nervos do estômago provém do pneumogastrico e do sympathico (plexo solar). Os dous pneumogastricos formam um plexo ao redor do orifício cesophagiano, dirigindo-se o esquerdo para a face anterior e o direito para a face posterior do estômago. Os seus filetes perdem-se na membrana musculosa. Os ramos que partem do plexo solar formam redes ao redor cias artérias; em seu trajecto encontra-se numerosos gânglios. Physiologia do estômago Neste capitulo pretendemos apenas tratar do sueco gástrico e seu papel. O sueco gástrico é um liquido incolor, límpido, tendo o mesmo cheiro que o animal d'onde provém, sabor ligei- ramente ácido e salgado e de reacção ácida característica. O sueco gastro apresenta em sua composição 99 para 100 d'agua, saes, um ácido livre e uma substancia orgânica particular. Os saes são representados por chloruretos alcalinos e terro- sos, phosphato de cálcio, carbonato de cálcio e traços de saes de ferro. t Grande discórdia tem havido na sciencia sobre a determi- nação do ácido livre. M. Chevreul e muitos outros acreditam que este ácido seja o lactico. Outros physiologistas não menos notáveis consideram o chlorhydrico como o preexistente no sueco o-astrico. Outros acreditam na pluralidade de ácidos, e finalmente Blendlot pensa que não existe ácido livre no estômago e attribue ao phosphato ácido de cálcio a reacção do sueco gástrico sobre o papel de tournesol. Seria trabalho insano e fastidioso repetir os argumentos que cada opinião apresenta para sua sustentação, — i6 — Questão puramente physiologica, sem o valor clinico que á pri- meira vista parece ter, porque o sueco gástrico exerce sua acção em presença de um ácido seja este o ácido lactico, acetico ou chlorydrico, etc. A substancia orgânica foi estudada pela primeira vez por M. Wasmann e conhecida pelo nome de pepsina e também chy- mosina e gasterase. A pepsina é uma matéria azotada, que apresenta muita analogia com as matérias albuminoides. É solúvel n'agua, inso- luvel no álcool, que a precipita de suas soluções, sendo o preci- pitado solúvel nagua o que não acontece com a albumina. Como a albumina, ella se coagula pelo calor, porém perde as suas propriedades, sendo aquecida entre 70 e 80o centí- grados. E também precipitada pelo tannino e acetato de chumbo. Diversos têm sido os processos empregados para obtenção da pepsina. Temos o processo de M. Wasmann, o de M. Payen e o de M. Beale. O sueco gástrico por intermédio de sua matéria e do ácido livre tem a propriedade de dissolver os albuminoides transfor- mando-os em um producto próprio á ser absorvido. Deste producto solúvel resultante da acção do sueco gástrico sobre os albuminoides, Lehmann deu o nome de peptona e Mialhe de albuminose. Segundo Meissner, o producto da digestão das matérias albuminoides contém muitos corpos análogos, porém não idênticos que são — peptona, parapeptona e metapeptona. As experiências de Meissner foram feitas sobre a digestão da albumina, caseina, fibrina muscular e fibrina extrahida do sangue. As numerosas pesquizas de MM. Lehmann, Brücke, Meiss- ner, Corvisart e Schiff sobre estes diversos produetos da dio-estão permittiram dividir as peptonas em perfeitas e imperfeitas. A parapeptona e a metapeptona são peptonas imperfeitas ou tran- sitórias. Ao terminar este capitulo digamos algumas palavras sobre a pepsinogenia. — 17 — O sueco gástrico, indiferentemente, pôde ser secretado por influencia de qualquer substancia em contacto com a mucosa, seja ou não alimento, porém o provocado pelos alimentos é mais rico em pepsina. (Corvisart Leven). Schiff, estudando esta questão, diz que a primeira porção de sueco gástrico que affluia ao estômago não continha pepsina em quantidade necessária e que só passada meia á uma hora, poderíamos encontral-o rico em pepsina; disto, elle concluio que as primeiras porções do alimento digirido e absorvido dão ás glândulas de pepsina o elemento necessário e com este fim elle aconselha ás pessoas que têm a digestão laboriosa e difficil, tomar um alimento de fácil digestão uma hora antes das refei- ções — ao qual elle chama pepsinogeno. Anatomia do pancreas O pancreas é um órgão grandular, situado na cavidade abdo- minal, adiante da segunda vertebra-lombar, atraz do estômago, entre o baço ao.qual corresponde a sua extremidade esquerda e o duodenum que circumscreve a sua extremidade direita. Nem sempre o pancreas corresponde á segunda vertebra lombar, em alguns indivíduos elle acha-se situado mais acima, correspondendo á duodecíma vertebra dorsal e mais freqüente- mente acha-se ao nível da terceira vertebra lombar, principal- mente nas mulheres que fazem uso do espartilho. Esta variedade de situação é insignificante relativamente á de volume. O pancreas tem geralmente 15 a 16 centímetros de comprimento, medindo toda a extensão que vai da parte media do duodenum aparte inferior do baço. Muitas vezes o comprimento eleva-se a 20 centímetros e em outros casos desce a 14 e mesmo a 12 centímetros. A largura é representada mais ou menos pela quinta parte de seu compri- mento e a espessura quasi nunca vai além de 15 a 18 millimetros. 1883 C 3 — 18 — Finalmente, o volume do pancreas é maior no homem que na mulher e o seu peso em média é de 70 grammas no homem e 60 na mulher. O pancreas apresenta uma fôrma muito irregular. E allon- gado no sentido transversal, achatado de diante para traz, mais volumoso na extremidade direita do que na esquerda e compõe- se de três partes — cabeça — corpo — cauda. O grande eixo, que é transversal, dirige-se da direita á es- querda, primeiramente em uma direcção horizontal, toma em seguida uma outra ligeiramente ascendente de modo que a me- tade direita deste grande eixo fôrma com a esquerda um angulo obtuso. O corpo e a cauda continuam-se sem linha de demar- cação, porém ao nivel dajuncção do corpo com a cabeça nota-se na parte posterior do pancreas uma gotteira e no seu bordo infe- rior uma pequena chanfradura. Em conseqüência desta gotteira e desta chanfradura a parte que une o corpo á cabeça é mais estreita do que qualquer outro ponto, e por isso recebeu de Santorini a denominação de collo. O collo corresponde algumas vezes á parte superior da cabeça, e neste caso, a configuração do pancreas é a de um gancho de abertura voltada para baixo e para a esquerda, outras vezes é excedido por parte da cabeça que eleva-se muito acima, imittando perfeitamente um martello. O pancreas apresenta duas faces, dous bordos e duas extre- midades. A face anterior, regular em toda a sua extensão, está em relação com a primeira porção do duodenum e a face poste- rior do estômago, quando este se acha vasio, porquanto, se es- tiver mais ou menos distendido pelos alimentos ingeridos, a sua face posterior tornando-se inferior, será o seu bordo superior que corresponderá á face anterior do pancreas. Se a dilatação do estômago for exagerada de modo á produzir o seu deslocamento elle deixará de estar em relação com o pancreas, que neste caso será coberto pela face inferior do lobo esquerdo do fio-ado. A face posterior apresenta relações que differem em cada uma das partes componentes do pancreas. A cabeça, allojada — i9 — na curvatura do duodenum, repousa sobre a veia cava inferior e o tronco da veia porta que a separa da pilastra direita do diaphra- gma e da columna vertebral, em cima é excavada em gotteira para o canal choledoco, em baixo applica-se sobre a terceira porção do duodenum, á direita ella adhere-se á porção vertical do duodenum insinuando-se na espessura de suas paredes. O corpo corresponde da direita á esquerda, aos vasos mesentericos e mais profundamente á aorta abdominal, á pilastra esquerda do diaphra- gma que o separa do corpo da segunda ou terceira vertebra lombar, á cápsula supra-renal e rim esquerdo, á veia splenica que se dirige da parte superior da cauda á parte inferior do collo e que cruza a face posterior do corpo. A face posterior da cauda está em relação com o rim e cápsula esquerdos. O bordo superior do pancreas apresenta na parte corres- pondente ao corpo uma gotteira, destinada á artéria splenica ; o lábio anterior desta gotteira delgado e cortante é sobrecarregado de um grupo de gânglios lymphaticos ; o posterior, obtuso e muito menos saliente apresenta algumas vezes uma crista que o separa de uma outra gotteira situada na face posterior do corpo, que recebe a veia splenica. Ao nivel do collo, o bordo superior corresponde ao tronco cceliaco e ao plexo solar que o separam do lobo de Spigel. Ao nivel da cabeça, este bordo se applica sobre o canal choledoco, tronco da veia porta e da veia cava inferior. Adiante é coberto pela grossa tuberosidade do estômago e sua pequena curvatura e ás vezes pelo lobo esquerdo do figado e á direita pela primeira porção do duodenum. O bordo inferior, menos espesso que o superior, repousa da direita á esquerda sobre a terceira porção do duodenum, sobre os vasos mesentericos superiores, sobre a veia mesente- rica inferior e lamina inferior do mésocólon transverso, que o separa das circumvoluções do intestino delgado. Extremidade direita ou duodenal___Esta extremidade, também chamada grossa extremidade ou cabeça, acha-se ainda em -- 20 -- relação com a artéria gastro-epiploica direita, que passa por diante, afim de dirigir-se á grande curvatura do estômago. Extremidade esquerda, splenica ou cauda.—Algumas vezes acha- tada e terminada por um bordo arredondado, outras vezes pyra- midal e triangular e sempre mais ou menos affilada, é unida ao terço inferior da face interna do baço, por um prolonga- mento do peritoneo que passa immediatamente de um á outro, quando os dous órgãos são contíguos e que fôrma entre elles uma espécie de ponte, quando um intervallo os separa. Na es- pessura desta dobra peritoneal, que é o epiploon pancreatico splenico, encontram-se numerosos gânglios lymphaticos. Esta extremidade é cruzada perpendicularmente pela artéria gastro- epiploica esquerda, que passa sobre a sua parte anterior, diri- gindo-se á grande curvatura do estômago. Estructura.—O pancreas compõe-se de lobos e lóbulos, unidos entre si por meio de um tecido cellular pouco denso, de con- dudos excretores—um principal, que percorre toda a sua exten- são—outro accessorio, que occupa somente a sua cabeça. Na espessura dos lobos e lóbulos encontramos artérias, veias, lymphaticos e nervos. Os lobos dividem-se em lobos de primeira, segunda e terceira ordem, os quaes compõem-se de lóbulos e estes de acini ou granulações, voltados para um mesmo ponto central, formando a origem de uma das radiculas dos con- ductores excretores. Conducto excretor principal.—Este conducto ou canal de Wir- sung, se dirige da extremidade esquerda para a direita, indo des- embocar em uma ampoula que existe na segunda porção do duodenum e conhecida pelo nome de ampoula de Water que por sua vez abre-se na mucosa intestinal. Este canal que per- corre toda a extensão do pancreas, é situado á igual distancia das duas faces e dos dous bordos, de modo a representar o eixo deste órgão. Os diversos troncos, que partem dos lobos e que -- 21 -- formam este canal, seguem uma direcção perpendicular á sua e abrem-se sobre todos os pontos de sua circumferencia, e sobre- tudo nos seus bordos superior e inferior. Algumas vezes os tronculos de muitos lobos reunem-se uns aos outros e formam um tronco mais importante, que desemboca mais ou menos obliquamente no conducto principal. Ao chegar á cabeça do pancreas, o canal de Wirsung cur- va-se para dirigir-se para baixo e para traz, na direcção de uma linha que fôrma com o eixo da porção vertical do duodenum um angulo agudo. Chegado á esta porção vertical, elle une-se ao canal choledoco e com este penetra na espessura das paredes do duodenum, atravessando obliquamente a camada muscular, acel- lular e abre-se na ampoula de Water, que é commum aos dous conductos. Essa ampoula, descoberta em 1720, por Abraham Water, acha-se situada na parede interna da segunda porção do duodenum, ao nivel da parte média, em um ponto mais próximo da parede posterior que da anterior. O seu maior diâmetro, mede sete a oito millimetros e diri- ge-se de cima para baixo. O canal choledoco e o de Wirsung abrem-se na sua parte superior, o de Wirsung abre-se porém em um ponto mais baixo do que o biliar. Conducto accessorio.— Este canal estende-se do collo do pan- creas á parte superior da porção vertical do duodenum. Pertence exclusivamente á cabeça do pancreas e acha-se situado acima da parte correspondente do canal de Wirsung. De calibre menor que o principal, elle estreita-se sensivelmente ao chegar ao duodenum, de modo que sua porção terminal é a mais estreita. Em seu trajecto este canal recebe todos os troncos que partem dos lobos por onde passa. A extremidade esquerda deste canal abre-se no canal principal. Este canal pôde ser perpen- dicular ou oblíquo ao canal principal: quando fôr perpendicular ou oblíquo da esquerda para a direita, será considerado como verdadeiro affluente do canal principal, e quando fôr oblíquo -- 22 -- da direita para a esquerda representará uma bifurcação do mesmo. A sua extremidade direita corresponde á um pequeno tuber- culo situado na parte interna da porção descendente do duodenum, á dous centímetros acima da ampoula de Water. Este tuberculo, áque Santorini deu o nome de caruncula minor, tem a fôrma de um cone truncado. Elle é saliente quando circula o sueco pan- creatico e achata-se no estado de vacuidade do canal. Este canal accessorio só foi conhecido em 1775, por San- torini, ao passo que o principal tornou-se conhecido desde 1622 por Wirsung, discípulo de Riolan. Artérias.— As artérias partem de três pontos : da artéria he- patíca, da splenica e da mesenterica superior. A artéria hepatica fornece um só ramo — artéria pancreatico-duodenal — que, algu- mas vezes, parte do tronco propriamente dito, outras vezes, da artéria gastro-epiploica direita e distribue-se á metade superior da cabeça do pancreas e á segunda e terceira porção do duodenum. A artéria splenica fornece ao pancreas numerosos e variáveis ramos, que penetram em sua espessura dividindo-se e anasto- mosando-se entre si. A mesenterica superior fornece duas artérias pancreaticas — uma interna e ascendente, destinada á cabeça — outra externa e horizontal, que acompanha o bordo inferior do corpo do pancreas, dando-lhe muitos ramos oblíquos ou perpendiculares. Veias.— Estas são tão numerosas como as artérias, e em certos pontos seguem o mesmo trajecto que aquellas, tornando-se inde- pendentes em outros, e lançam-se em diversos troncos, taes como: veia porta, veia splenica, veia mesaraica superior e mesmo na mesaraica inferior. Vasos lymphaticcs.— Os lymphaticos formam na peripheria dos lobos numerosas redes, das quaes partem troncos que caminham pelos espaços interlobares. Os troncos, assim formados, dividem-se em superiores, inferiores, direitos e esquerdos. Os superiores vão terminar num grupo de gânglios situado no trajecto da artéria splenica; os inferiores num grupo de gânglios collocado imme- diatamente abaixo do pancreas; os direitos em três á quatro gânglios situados adiante da parte media de duodenum ; os esquer- dos num grupo de gânglios, situado na espessura do ligamento pancreatico-splenico. Nervos.— Alguns partem directamente do plexo solar, outros partem de plexos secundários que acompanham as artérias e par- ticularmente do plexo splenico. Alguns ainda nascem do plexo mesenterico superior, do plexo hepatico. Os nervos caminham pelos espaços interlobares; suas principaes divisões distribuem-se nos diversos lobos, e suas ultimas ramificações nos lóbulos. Physiologia do pancreas O pancreas secreta um liquido límpido, viscoso, sem cheiro especial, sem sabor bem caracterisado e de reacção alcalina. Foi Claud Bernard quem melhor estudou este liquido. As suas experiências fizeram conhecer que o sueco pancreatico, submettido á acção do calor coagula-se assim como submettido á acção de ácidos enérgicos, do álcool e saes metallicos. O sueco pancreatico encerra uma matéria orgânica especial, matérias salinas, representadas pelo carbonato de sódio, chlorureto de sódio, potássio, phosphato de cálcio e grande quantidade de água. É a matéria orgânica especial que constitue o principio activo do sueco pancreatico e é conhecida pelo nome de pan- creatina. Esta substancia, depois de coagulada pelo álcool e secca, goza a propriedade de redissolver-se nagua, differençando-se assim da albumina com que, Tiedmann e Gmelin quizeram — 24 — confundir. A secreção do sueco pancreatico se faz de um modo intermittente. Durante a abstinência é nulla: o canal pancreatico é apenas lubrificado por pouca quantidade de mucus. O tecido do pancreas apresenta-se pallido, os vasos contêm pouco sangue e a circulação pouco activa. Durante a digestão o tecido apresenta uma coloração vermelha pronunciada e os vasos particularmente as veias muito desenvolvidas apresentam-se tur- gidas de sangue e o sueco pancreatico corre em abundância pelos canaes. A secreção pancreatica começa á manifestar-se durante a digestão estomacal e antes que os alimentos tenham descido ao duodenum, por isso, quando os alimentos chegam a este ponto, já encontram uma porção de sueco pancreatico bastante considerável, que actúa sobre elles immediamente. O sueco pancreatico goza a propriedade de actuar sobre os albuminoides, os feculentos e os gordurosos. A acção sobre os albuminoides.— A Lucien Corvisart devemos a descoberta da acção do sueco pancreatico sobre as matérias albu- minoides. O sueco pancreatico tem a propriedade de digerir os albu- minoides, transformando-os em substancia análoga á peptona gástrica, conhecida pelo nome de peptona pancreatica, pan- creatona. Corvisart, estudando a acção deste liquido sobre os albumi- noides, notou que ella se exerce, quer num meio ácido, quer n'um alcalino, quer num neutro. O professor Beclard relata esta experiência do seguinte modo: Corvisart a eu 1'occasion d'etudier Paction du sue pancreatique de l'homme. II s'agissait d'un homme frappé de mort subite pendant une inhalation de chlo- roforme. Cetait pendant les rigueurs de 1'hiver, et quoique le corps n'ait été ouvert que vingt quatre heures après Ia mort, il etait dans un etat de fraicheur remarquable. Le pancreas fut mis en infusion et 1'infusion partagée en trois parties. L'une fut acidifiée legerement, 1'autre alcalinisée, Ia troisième fut laissée neutre. Chacune de ces portions donna des resultats sensiblement egaux. — 25 — Diversos physiologistas continuaram as experiências de Corvisart, entre os quaes, podemos citar Brinton, Meissner, etc, chegando á conclusão de que o sueco pancreatico tem a pro- priedade de digerir e dissolver os albuminoides. Acção sobre os gordurosos.— As experiências de Claud Bernard fizeram vêr que o sueco pancreatico tem a propriedade de emul- sionar os gordurosos. Uma das suas experiências, que melhor prova o poder emulsionador do pancreas, é a seguinte: injectando pelo canal de Wirsung em um cão gordura liquida, produzio uma induração do pancreas que em algumas semanas desappareceu pela reabsorpção. O cão emmagreceu rapidamente, e as sub- stancias gordurosas ingeridas como alimento foram encontradas em parte não alteradas nos excrementos. Schiff fez uma experiência análoga á de Claud Bernard, differindo apenas pela natureza do liquido empregado na injecção, que foi paraffina liqüefeita pelo calor, notando também substancias gordurosas nas fezes do animal. Muitos physiologistas disseram que a acção do sueco pancreatico sobre os gordurosos não é apenas emulsionadora, que ha uma verdadeira acção chimica, uma saponificação. Esta maneira de vêr tinha sido admittida para explicar a passagem da gordura atravez das membranas; a formação de sabões solúveis parecia indispensável. A physiologia moderna nega esta supposta saponificação baseada em numerosas experiências. Diz o professor Blecard, em seu livro de physiologia: " para que esta saponificação fosse possivel, era preciso que a reacção dos liquidos do intestino fosse sempre alcalina, mas, apezar da alcalinidade do sueco pancrea- tico e da bile, tal não acontece. " Esta alcalinidade é saturada não só pelo sueco gástrico acarretado pelos alimentos, como também pelos ácidos que se desenvolvem durante a digestão esto- macal, e mesmo nunca estes sabões solúveis foram encontrados, quer nos chyliféros, quer no tubo digestivo, onde facilmente encontram-se matérias gordurosas da alimentação em natureza. Continuando neste assumpto, diz o professor Beclard: " o sueco pancreatico, em digestão com matérias gordurosas 1883 C 4 fora do organismo produz uma saponificação parcial, mas esta saponificação não se effectua senão depois de longo tempo, superior ao necessário para a digestão, e bastará addiccionar uma quantidade de ácido sufficiente apenas para neutralizar a sua alcalinidade, para que esta saponificação se paralyse." Acção sobre os feculentos.— Sandras e Bouchardat, por meio de numerosas experiências, provaram que o sueco pancreatico tem a propriedade de transformar os feculentos em dextrina e glycose. Horowin diz que esta poderosa acção do sueco pancreatico começa á manifestar-se tarde e somente depois que o indivíduo attinge á um anno de idade ella torna-se completa. Resumindo a physiologia do sueco pancreatico : vemos que elle tem a propriedade de transformar as matérias azotadas em peptonas, as matérias feculentas, em dextrina e glycose e emul- sionar os gordurosos. As pesquizas de Kühne, Danileski, Hoppe Seyler mos- traram que a pancreatina é uma mistura de três fermentos particulares, tendo cada um uma acção independente. Um, precipitavel pela magnesia calcinada, actúa sobre os corpos graxos; outro, separavel mechanicamente pela precipi- tação de uma solução de collodion, é o fermento dos corpos albuminoides ; o terceiro e ultimo, análogo á ptyalina, é preci- pitado pelo álcool concentrado e actúa sobre os amylacéos. SEGUNDA PARTE ■*«">—-S=3S£>J-—