G- n » « i ->€^J^T3^£3-C5^!L&^^ l oa EPfty ■^j# ^iJ» f<*f OWIVr W 011 0» VKI3KI9II 1 SQVQlflJVd "TSt----:~^-*" f 'T1 £ "VV IW**f SepMa caieira íe clinica medica ie afeitos (Das Amyotrophias de origem fteriftherica Três sobre cada uma das Cadeiras da Faculdade f ü*5 APRESENTADA FACULDADE de MEDICINA do RIO de JANEIRO íí-i Em 29 de Agosto de 1887 E perante ella sustentada em 31 de Dezembro de 1887 Ptr.T.n ide ma maumvLiiao Natural do Maranhão vimm RIO DE JANEIRO TYPOGRAPHIA, LITHOCRAPHIA E ELECTROTYPIA A VAPOR I.AEMMERT & C. 71, RUA DOS INVÁLIDOS, 71 MUDAM i Wm\ DO «IO DIRGCTOR.—Conselheiro De. Barão de Saboia. VKEDIRECTOR- Conselheiro Dr. Barão de S. Salvador de Campos SECRETARIO. --De. Carlos Ferreira de Souza Fernandes Ij ENTES CATHERRAT1COS Os Ulros. Srs. Dr». João Martins Teixeira (Examinador) Augusto Ferreira dos Santos João Joaquim Pizarro (Examinador) José Pereira Guimarães Antônio Cae ano de Almeida . Domingos José Freire .... João Baplista Koss th Vinelli . . João José da Silva..... Cypiiano de Souza Freitas . . . Joào Damasceno Peçanha da Silva (Presidente). Pedro Affonso de Carvalho Franco . . . Conselheiro Barão de S. Salvador de Camp s . Physic» Medica. Chímica mmeral medica e mineralogia. lioi.-mica e zoologia médicas. \n:lomia descriptiva. Histologia theorica e pratica. Chimica orgânica e biológica. Pathologia geral. Physiologia theorica e experimental. Anatomia e physiologia pathologicas. Pattiologia medica Pai. ologia cirúrgica. M ,l;ria medica e lherapeulica especialmente razileira. Luiz da Cunha Feijó Júnior......Ol-stelri ia. Visconde de Mo e arte . iv • j \ >Clmi a meaíca nc aciuuos Domingos de Almeida Martins Costa (Lxa-nmad r) ( Conselheiro Barão d.' Sah,.ia......(clinica cirúrgica de ad lios João da Costa Lima e C stro......Ç b Hilário Soares de Gouvêa.......Clinica ophlalmologica. lírico Marinho da Gama Coelho.....Clinica obstelrica e gyneiologica. Cândido Barata Ribeiro....... Clinica medica e cirúrgica de crianças. João Pizarro Gabizo.........Clinica de moléstias mianeas e syphiliticas. João Carlos T< ixeira Brandão (F.xa < in dor). . Clinica p^ychialrica. L.ENTE KIRKIIIITO WEKVI^iX» fie ilIJl NTO Oscar Adolpho de Bulhões Kib tro . Anatomia uescnpnva. ADJLNTOi ............ . Piivsícj medica. ............ Chimica mineral mi-dici e uiintralogia. Francisco Ribeiro de Mendonça.....Holanica e zoologia medicar. Genuíno Mrrques Mancebo. . .... Histologia llieonua e pratica. Arlhur Fernandes ' ampos da Pa/.....Chimica orgânica eiiologica. João Paulo de Carvalha........Physiologia theorica e experimental. Luiz libeiro de >ou/.i Fonies.....Anatomia e pnysiologia pathologicas. ........... Anatomia cirúrgica, medi. ina opentnna e apparelhos. ..............Matéria medica e lherapeulica especialmente brazileira. P.armaeologia e arte de formular. Medicina Hy. it-»i legal e toxicologia. * historia da medicina. Henrique LadUIau de .^. nza Lopes. Benjanira Antônio da Rocha Faria . Francisco de < .'Stro. . . ... Eduardo Augnsl" de Mene/e>. Bernardo Alves Pereira...... Carlos Rodrigues de Yasconcellos Ernesto de Freitas Crissiuma. ... Francisco de Paula Valladares..... Pedro Severiano de Magalhães Domingos de Góes e Vasconcell >s. . . ^. • ) Augusto Brandão..........Clinica obstelrica e gynecologica. ............ • • Clinica medica e cirurgies de crianças Luiz da Costa Chaves Faria.......Clinici de moléstias cutâneas e sypinlilka» Joaquim Xavier Pereira da Cunha .... Clinica ophlhalmologica. Domingos Jacy donl. iro Juni >r.....Clinica psychiatrica. II nica medica de adultos. Clinica cirúrgica de adultos N. B.-A Faculdade não approva nem reprova a> opiniões emitiidas nas thesea que lhe são apresentadas. Typographia ünivtrtal. Laemmert & C. r. do» Inválidos, 71. \ 44 INTRODUCÇÃO O estudo das amyotrophias tem soffrido nos últimos annos mo- dificações da mais alta importância. Tinha-se, com effeito, sobre a base insufíiciente da simples di- minuição de volume nas massas musculares, erigido em membros da mesma familia factos heterogêneos e de sua natureza distinctos. Para mais vinculal-os, os grandes progressos experimentados pelo estudo da anatomia e physiologia normaes e pathologicas do eixo medullar tornando indiscutivel em grande numero delles a sua inter- venção pathogenica, vierão autorisar uma generalisação prematura dessa influencia em detrimento da acção real dos outros factores pa- thogenicos, de sorte que, aos casos isolados que de todo se rebellavão contra a opinião triumphante, mal se concedia á guiza de favor uma existência secundaria para ser autonomica e independente. Era bem de vêr que em condições tão precárias a existência e a unidade de semelhante agremiação de todo ponto artificial não pode- rião resistir á luz que mais cedo, ou mais tarde se deveria fazer no seu seio, pelo menos como reflexo daquella que projectavão os estudos dos factos correlativos e até como se verificou depois, daquelles mesmos que tinhão por objecto o próprio centro medullar. E' á esta repercussão que assistimos hoje. Com a luz que irradia agora desses estudos modernos vierão a reacção e a critica. A primeira procurando transportar para a peri- pheria a explicação e a origem de todos aquelles phenomenos que até então só as tinhão conhecido em uma influencia central; a segunda, corrigindo essa tendência ao exagero opposto e demonstrando que 1 87—B — 2 - de facto só os horizontes scientificos dilatarão-se mais, e é mister mu- dar de ponto de vista synthetico para um mais vasto e comprehen- sivo. Os limites deste, não permittem ainda os novos conhecimentos traçal-os de modo definitivo, importa para isso aguardar a solução de mais de uma questão importante : e tudo o que se pôde dizer a seu respeito deve pôr a salvo o cunho da phase transitória que atra- vessa o assumpto. Mas é indiscutível que a verdadeira compi ehensão scientifica que comporta hoje o estudo das amyotrophias, deve fundamentar-se na apreciação exacta das condições nutritivas da fibra muscular. Ora, apezar de toda a incerteza que reina ainda a este respeito, essas condições são principalmente de duas ordens :. ou ellas derivão de uma influencia trophica central, ou resultão de uma actividade nutritiva própria da fibra muscular. Com effeito, entre as relações funccionaes que, mais do que as anatômicas, permittirão ao professor Charcot crear um systema completo, o systema neuro-muscular, da tríplice associação das cellulas multipolares nas pontas anteriores, dos nervos periphericos em que se transformão os seus prolongamentos de Deiters, e das fibras musculares a que estes vão prendêl-as ; uma das mais importantes ésem duvida a influencia trophica incontestável que aquellas cellulas exercem sobre a fibra muscular. Esta influencia trophica, entretanto, não resume toda a activi- dade nutritiva do tecido muscular. E eutre aquellas propriedades que na bella hypothess do professor Ranvier, a divisão do trabalho atro- phiou nalucta pela existência cellular, em proveito da contractilidade, figura incontestavelmente no primeiro plano uma actividade nutri- tiva autonomica, susceptível de alterações mórbidas. E como esta nu- trição intima deve conhecer as phases da mutação nutritiva (Bou- chard), é natural desde já ^uppôr que as alterações ainda mal co nhecidas de que ella é passível sejão de natureza e ordem differentes. Na historia das amyotrophias esta dualidade nutritiva, cuja in- fluencia presente-se mesmo nos trabalhos daquelles que até aqui con- ferirão todo o valor só a primeira, é de uma importância capital. E dão testemunhos desta asserção as diversas tentativas de classifi- cação das amyotrophias. Pois bem : é este facto capital que nos deve fornecer a limitação para o assumpto particular do nosso trabalho. — 3 — A suppressão da influencia trophica medullar conhece duas ex- pressões anatomo-pathologicas differentes, a destruição da cellula multipolar nas pontas anteriores e a impossibilidade de transmissão para o influxo trophico por interrupção dos conductores nervosos. E se a estas accrescentarmos as alterações próprias do tecido mus- cular, teremos em resumo três condições anatômicas distinctas para a producção das amyotrophias : Ia, alteração das cellulas medullares, lesão central; 2a, interrupção dos conductores da influencia trophica, lesão dos nervos; 3a, alteração própria do tecido muscular. As amyotrophias que resultão das duas ultimas condições cha- marão-se de periphericas por opposição aquellas que procedem de uma lesão do centro medullar e a que se denominarão de espinhaes. Nesta divisão reflecte-se de modo bem patente a phase por que passão ao mesmo tempo a pathologia do systema nervoso e a patho- logia do systema muscular. Nella é mister reconhecer de um lado a necessidade de distrahir da classe das espinhaes para submettel-as a um estudo completo, amyotrophias que tinhão sido até aqui incluídas nesse grupo mas que têm em outros pontos a sua razão de ser ana- tômica, e de outro lado um caso particular de uma tendência reactora benéfica contra o predomínio quasi exclusivo dos centros nervosos na neuro-pathologia. Oriundo desta reacção, a perfeita comprehensão do nosso as- sumpto exige que transcrevamos para estas paginas os termos em que a synthetisou o Sr. professor Grocco. « O que sóe acontecer em medicina, dizelle(1), comas novas des- cobertas verificou-se ainda uma vez com os factos adquiridos pelo estudo da medulla espinhal, pois que pretende se incluir no grupo das suas moléstias mais do que aquillo que de direito lhe pertence. Fe- lizmente não faltou á reacção, que surgio desde o começo do abuso, o apoio de homens também eminentes, e esta reacção, sobretudo ulti- mamente tende a distribuir as partes com mais equidade, não deixando perder de vista em beneficio da medulla espinhal os músculos e os nervos periphericos. Com effeito, á atrophia muscular progressiva !'i Professor Piolro Grocco. Conlribuzione alio studio clinico ed anatomo-pato- loqico delia neorite múltipla primitira. Ann. Univ. di M^d. e Chir. 1885 (Vol. 271, n. 8ii p. ic — 4 — de Charcot e Bouchard se contrapõe a de origem muscular de Frie- dreich e de Lichthein e se antepõem as poliomyosites de Marchand, Debove e Rosenthal : á poliomyelite anterior com os quadros clinico;; da paralysia infantil e d.i dos adultos, aguda, sub-aguda e chronica, de Duchenne se contrapõem as polynevrites ou nevrites múltiplas pri- mitivas de Dumenil, de Eichhorst, de Leyden etc; á esclerose dos cordões espinhaes posteriores com as manifestações clássicas da ataxia locomotora Dejerine antepõe uma nevrotabes peripherica, isto é, uma moléstia que simulando proximamente o tabes dorsalis caracterisa-se na mesa de dissecção por lesões nervosas periphericas sem lesões espinhaes. » Mais não pôde pretender a classe das amyotrophias de origem peripherica. Como classificação definitiva ella é insustentável em noso- graphia quer perante os dados clínicos, quer perante a anatomia pa- thologica e a pathogenia. A ella terião inteiro cabimento os justos conceitos emittidos pelo Sr. Dr. Landouzy (x) acerca das paralysias nas moléstias agudas, se o único laço que as prende,—ausência de lesão medullar—não é mais artificial ainda. A este respeito é eloqüente o simples confronto dos dous grupos principaes da classe, as amyotrophias por lesões mais ou menos genera- lizadas dos nervos periphericos e as myopathias atrophicas progres- sivas. As primeiras constituem apenas um grupo e grupo secundário das amyotrophias de origem nervosa e a identidade entre o processo atrophico neste caso e naquelles que dependem de uma lesão medullar resulta ao mesmo tempo da natureza das lesões anatomo-pathologicas, da pathogenia, dos caracteres clinicos do exame electrico, etc. Seria portanto, inteiramente artificial e injustificável separar este grupo da sua classe natural que o reclama por tantos titulos para aproximal-o de um grupo que pela marcha, duração, intensidade e extensão do pro- cesso atrophico, assim como pelo exame electrico e caracteres anatomo- pathologicos não só não pôde soffrer com elle a menor comparação, mas exige ainda ser contraposto como grupo principal a toda a classe das atrophias de origem nervosa, de que o separa, como dizem com muita (<) Dr. Louis Landouzy. Des paralysies dans les maladies aigues. These d'' Paris, 1880, pag. 10. — 5 — propriedade os Srs. Drs. Landouzy e Dejerine (2), toda a distancia que vai de uma moléstia a um symptoma. A admissão de uma classe de amyotrophias de origem peripherica, assim comprehendida, importa por conseguinte o reconhecimento im- plicito de que minada embora em seus alicerces, a idéa centralisadora continua a dominar em neuro-pathologia. Com effeito, uma conseqüência necessária dos trabalhos modernos sobre a pathologia do systema muscular será restringir a significação desta expressão, que de futuro passará a designar apenas as amyotro- phias nevripathicas, pois que só estas são, de facto, periphericas em relação as amyotrophias centraes ou myelopathicas, e só ellas compor- tão, sob o ponto de vista clinico, uma opposição a essas amyotrophias. A desprezar,porém, esta opposição como seu principal critério dis- tinctivo, a classe das amyotrophias de origem peripherica converter- se-ha a todos os respeitos em um agrupamento artificial de factos heterogêneos, ligados entre si por considerações puramente arbi- trarias. Estabelecida assim a comprehensão do ponto, importa determinar os casos particulares que elle abrange. Naturalmente estão ahi comprehendidas todas as amyotrophias que resultão de uma lesão própria dos nervos, assim como todas aquel- las que dependem de uma lesão própria da fibra muscular extreme de qualquer influencia nervosa. Sobre estes casos o accôrdo pôde ser perfeito. Ha, porém, ainda um grupo de atrophias muito interessantes que complicão diversas espécies de lesões dos membros, particularmente das articulações e dos ossos, manifestando-se em pontos mais ou menos, afastados da sede dessas lesões. Destas, umas dependem de uma lesão medullar consecutiva a uma nevrite ascendente ; as outras, para as quaes não se tem encontrado na medulla um substractum anatomo- pathologico, constituem as chamadas amyotrophias reflexas. A' primeira vista estas ultimas, que são solicitadas por uma lesão realmente pe- ripherica, parece que devião pertencer á espécie que estudamos. Uma (*) Drs. Landouzy et Dejerine. De Ia myopathie atrophique primitive, myopathit héréditaire sans nenropathie, débutant dans 1'enfance par Ia face. Rev. o> Med. Fev. pf Avril—1885, p. 35í>. — 6 — analyse menos superficial, entretanto, não confirma esta suppo- sição. Em primeiro logar, a lesão articular, que solicita a atrophia, só pôde influir de um modo indirecto, pois que não é possível admittrr a idéa de uma propagação aos nervos e aos músculos de um processo inflammatorio, ou irritativo cuja existência é negada pela exploração electrica e por exames microscópicos rigorosos, como fôrão entre outros os do Sr. Dr. Debove. (') Em segundo logar, os factos se têm encarregado de demonstrar a insufficiência ou inanidade dosfactores etiologicos invocados pelas theo- rias que, á mingoa de uma expressão genérica mais própria e sal- vando a confusão, chamaremos de periphericas. Ora, as relações indi- rectas entre as articulações doentes e os músculos atrophiados, que podem explicar a influencia indirecta da lesão articular, só podem ser as relações nervosas medullares invocadas pela theoria reflexa. Portanto, as amyotrophias reflexas não são amyotrophias peri- phericas e os motivos por que as excluímos das amyotrophias deste gênero, são os mesmos por que o professor Vulpian incluio-as nas amyotrophias espinhaes. « Em todo o caso, diz elle, (2) a intervenção de um soffrimento da substancia cinzenta da medulla espinhal ou do isthmo do encephalo é uma condição necessária desta atrophia e nós devemos portanto admittir este assumpto em nossos estudos sobre a pathologia da me- dulla espinhal.» Poder-se-hia objectar que transitórias como são estas hypotheses pathogenicas, não devíamos talvez dar grande peso á theoria reflexa na determinação da natureza das amyotrophias de que nos occu- pamos. A theoria reflexa, porém, não é mais do que a simples expressão de um facto que ella talvez não explique de modo satisfactorio, mas que se impõe por força de uma exclusão rigorosa dos outros factores pathogenicos. E mais; sendo a noção de pathogenia um dos elementos em que baseamos a classe das amyotrophias de origem peripherica, (<) Debove. Note sur les atrophies musculaires d'origine articulaire. Progrés Me- dicai. 1880, pag. 1001. í5) Vulpian. Maladies du systeme nervreux. (Tomo II, pag. 540. Paris, 1886. não nos assistia o direito de desprezar os dados pathogenicos de que dispomos, dependão elles embora de verificação ulterior. E' destituído de importância o facto de ser peripherica a lesão que solicita a atrophia, pois que a relatividade do termo peripherico neste caso não é idêntica á do que nos servio de critério para definir a classe das amyotrophias periphericas e a sua influencia é de todo indirecta. Objecção mais grave seria :— que uma vez admittidas amyotro- phias espinhaes sem lesão visível da medulla, também se poderia incluir nessa classe as myopathias atrophicas progressivas que têm sido attribuidas a uma alteração funccional da medulla. Mas como não reputamos sufficientemente provadas essas supposições3, continuamos a consideral-as periphericas. Entretanto a complexidade e multiplicidade dos factos que ainda assim comporta a classe das amyotrophias periphericas, tal como procu- ramos estabelecel-a sobre bases precisas, racionaes e scientificas, exigem para um estudo completo de todos elles outro espaço e tempo que se lhes não pôde dispensar em uma these de doutoramento. Por isso, escolhemos de entre elles aquelles que mais se recommen- davão pela novidade e incerteza de que ainda se cercão, pelo valor especial em relação á nossa pathologia e pelos elementos de que dispu- nhamos para estudal-os, afim de constituir, para o nosso, o espirito de unidade e a idéa capital que são a razão de ser dos trabalhos scienti- ficos. Assim, fizemos convergir principalmente para o conhecimento da amyotrophia beriberica o estudo das amyotrophias nevripathicas e na segunda parte procuramos ainda a occasião do estudo das myopathi- atrophicas pi ogressivas na historia de uma familia myopathica que no gê- nero, segundo suppomos, é a primeira observação publicada entre nós. De accordo com estas idéas, dividimos o nosso trabalho em duas partes. Na primeira estudamos a amj7otrophia peripherica nevropathica, comprehendendo esse estudo um resumo da pathologia do systema nervoso peripherico no que elle tem de mais connexo com o nosso assumpto e em seguida as manifestações e caracteres clinicos das amyotrophias que nella se observão, a sua anatomia pathologica e pathogenia, o seu valor diagnostico e prognostico, as indicações thera- peuticas que reclamão. — 8 — Subdividimos a segunda parte para estudar de um lado o grupo importantíssimo das myopathias progressivas primitivas e de outro as amyotrophias myopathias circumscriptas que se manifestão no curso das affecções geraes, ou que se seguem a uma lesão puramente local dos músculos. Terminando, é cumprir um dever expressar aqui os nossos agrade- cimentos ao nosso mestre o Sr. professor Martins Costa, assim como aos Srs. Drs. Francisco de Castro e Monteiro de Azevedo pela extrema bondade e franqueza com que puzerão á nossa disposição os elementos de estudo relativos a este assumpto, de que dispunhão. FBIIIEiei PARTE Amyotrophias nevripatliicas^ CAPITULO I Pathologia do systema nervoso peripherico SUMMARIO. Considerações. Anatomia pathologica; degenerarão walleriana, nevrites, parenchymatosa e intersticial. Formas clinicas ; lesões locaes e polynevrites. A pathologia do systema nervoso peripherico constituio-se real- mente, podemos dizel-o, nestes últimos annos com a descripção da nevrite múltipla espontânea. Não se poderia, com effeito, considerar como tal o conjuncto das lesões secundarias e accidentaes que representavão de um lado as al- terações consecutivas ás lesões medullares e de outro as lesões pura- mente locaes devidas a accidentes traumáticos. Nos syndromas clínicos que resultavão dahi, as alterações dos nervos entravão, de facto, como elemento de valor mínimo e contingente. A nevrite múltipla espontânea, verdadeira affecção geral de um systema por ventura mais vasto e mais extenso ((Ettinger) do que o systema nervoso central, firmou pelo contrario a sua autonomia patho- logica como a experimentação já tinha firmado a autonomia vital do seu elemento anatômico, o tubo nervoso. Todavia a reacção contra a subordinação pathologica estreita do systema nervoso peripherico ao centro medullar que aliás se justi- ficava até certo ponto pela sua dependência funccional e nutritiva, (') Damos ao termo -^ nevripathia— a significação restricta de moléstias dos nervos periphericos, em que o emprega o Sr. professor Martins Costa nas suas licções de clinica. % 87—B _ lo — devia necessariamente encontrar forte resistência por parte de uma concepção que, se não era verdadeira na sua fôrma absoluta, tinha se formado sob a influencia de demonstrações positivas e concludentes. « Ha uma doctrina muito espalhada, escrevião ainda ha pouco tempo os Srs. professores Pitres e Vaillard, (*) por força da qual os nervos periphericos afora os casos de uma lesão traumática ou da com- pressão exercida sobre um ponto do seu trajecto, não podem se alterar espontaneamente, isoladamente, sem lesão prévia dos centros trophicos respectivos, cornos anteriores da medulla ou gangliões rachidianos. Por conseguinte a nevrite não seria mais do que um accidente secun- dário, um simples epiphenomeno no curso de uma affecção primordial do eixo nervoso.» Por isso, quando factos positivos e inatacáveis chegarão a de- monstrar a integridade estructural da medulla espinhal na polynevrite, procurou-se illudir a difficuldade, admittindo, para explicar as altera- ções dos nervos, a existência de uma alteração da medulla espinhal, que escapava aos nossos meios de exame. Foi o professor Erb quem no Congresso de Fribourgem 1883 emittio a hypothese, já proposta por Watteville para as paralysias saturninas, de que as alterações do tubo nervoso na nevrite espontânea podião depender de uma alteração funccional da substancia cinzenta nas pontas anteriores, determinando um enfraquecimento do poder tro. phico, que se faria sentir particularmente na parte mais peripherica dos nervos, onde a resistência á propagação do influxo trophico devia ser maior. Da idéa fundamental desta hypothese tem se partido para outras tentativas pathogenicas. Modificando a hypothese de Erb, o professor Vulpian (2) admittiria de preferencia nas cellulas nervosas das pontas anteriores, a exis- tência de uma alteração ligeira mas safficiente para suspender o seu poder trophico por um certo numero de dias. Dahi alterações tro- phicas para os nervos motores e os músculos. E como, emquanto a atrophia percorresse todas as suas phases, as cellulas poderião (i) Pitres et Vaillard. Contribution a rétude des nev. peripb. dans le convalescence de Ia fièvre typhoide (Revue de Med. 1885 p. 1,000). (*) Vulpian. loc, cit. p. 163. — 11 — recobrar a sua integridade estructural, em um momento dado o exame post mortem revellaria integridade da medulla e das raizes anteriores e alterações nos nervos periphericos. O Dr. Buzzard (') procura explicar os factos por uma hypothese differente. Admitte que os centros vaso-motores do bulbo e da medulla excitados ou irritados por um principio tóxico qualquer podem deter- minar uma diminuição no calibre das arteriolas, particularmente daquellas em que o elemento muscular é mais desenvolvido. E, como de um modo geral, estas correspondem á parte peripherica dos nervos, comprehende-se que a diminuição do afíluxo sauguineo considerável e continuada que dahi deve resultar pôde determinar uma dege- neração dos tubos nervosos. Em oposição a estas hypotheses o professor Strumpell sustenta que a polynevrite é de facto espontânea. Para elle a polynevrite tem estreitas relações com a poliomyelite aguda; ambas dependem de uma affecção geral, infectuosa ou outra que na sua localisação anatômica pôde affectar simultânea, ou sepa- radamente qualquer das três porções do systema neuro-muscular. Ao passo que aquellas theorias multiplicão hypothoses quasi inverifl- caveis e não conseguem explicar todos os factos como a presença de dores múltiplas e das perturbações da sensibilidade tão freqüentes na polynevrite, a theoria do professor Strumpell dá uma explicação sa- tisfactoria de todos esses factos, invocando somente as lesões obser- vadas. E a descripção da nevrite segmentar peri-axil parece ter vindo fornecer a esta theoria uma confirmação anatômica muito valiosa. Não constituem mais nesta theoria um argumento contra a espontaneidade das lesões do systema nervoso peripherico as alte- rações da medulla encontradas nas polynevrites, taes como a pigmen- tação e particularmente os vacuolos que uns como Schultz negão e outros como Rosenbach, Fick e Grocco affirmão ser uma verdadeira lesão da cellula nervosa ; lesões que se não podem explicar a extensão das do systema nervoso peripherico, podem dar todavia a razão de symptomas estranhos que muitas vezes se addicionão aos que são pró- prios da polynevrite. (') Buzzard. Onsame forms ofparalysis fromperipheral nevritis ofgouty, alco- holic, diphtheric, andothers origin. London, 1886, p. 56. — 12 — E assim subsiste a realidade de lesões espontâneas do systema nervoso peripherico capazes de determinar lesões orgânicas e em particular amyotrophias, bastante generalizadas para merecer figurar ao lado das que dependem de uma lesão central. Mas para dar uma iléa, como pretendemos, destas lesões gene- ralizadas do systema nervoso peripherico torna-se desnecessário en- trarmos em considerações sobre aquellas que por não ser bastante intensas para obstar a transmissão do influxo trophico medullar, podem produzir certas paralysias mas não amyotrophias, como não temos espaço para insistir sobre as que podendo ter este effeito já são perfeitamente conhecidas. Anatomia pathologica.—Como processos anatomo-pathologicos geraes, portanto, só nos occuparemos, em primeiro logar e como preâm- bulo ao estudo das nevrites de que segundo todas as probabilidades ella é sempre o epílogo, da degeneração walleriana e depois das ne- vrites ; pois os neoplasmos dos nervos obrão em ultima analyse como agentes de compressão ou de destruição local e os nevromas propria- mente ditos de existência ainda discutida não contão a atrophia muscular no numero dos seus symptomas. A. Degeneração walleriana.—Quando uma causa qualquer com- promette a continuidade de um nervo, a porção' peripherica dos tubos nervosos apresentão, segundo principalmente os trabalhos do professor Ranvier (1), em um prazo sempre curto as seguintes alterações. O pro- toplasma do segmento interannular prolifera, o seu núcleo hypertro- phia-se e o nucleolo torna-se brilhante. Desenvolvendo-se da peri- pheria para o centro do tubo nervoso, o protoplasma divide a bainha de myelina em grossos fragmentos de dimensões desiguaes, deter- minando em seguida uma fragmentação múltipla do cylinder-axis. Gradualmente a myelina transforma-se em fragmentos cada vez me- nores, até reduzir-se a finas granulações que por fim tendem a desap- parecer juntamente com o cylinder-axis, como o indica a presença de granulações gordurosas nas cellulas lymphaticas do tecido conjunctivo circumvizinho. d) Ranvier. Leçons sur 1'histologie du système nerveux. 1878. — 13 — O núcleo do segmento multiplica-se e os núcleos que dahi resultão destribuem-se pelo protoplasma que tem tido um desenvolvimento proporcional ao processo destructivo da myelina e do cylinder-axis. Depois de alguns dias o protoplasma exuberante começa a atro- phiar-se por sua vez e o tubo nervoso cedo fica reduzido á bainha de Schwann mais ou menos completamente vasia. Na extremidade central, as alterações limitão-se em geral a um segmento e em todo o caso tem o caracter de uma lesão inflammatoria peri-axil, poisque o cylinder-axis é sempre respeitado. Mais tarde partem desta extremidade rebentos de cylinder-axis que atravessão o delgado tecido cicatricial e penetrão entre ou nas bainhas de Schwann já vasias, reconstituindo assim os nervos degenerados. E esta é a phase de regeneração. A degeneração walleriana náo é portanto um processo passivo como se suppoz por muito tempo. O desenvolvimento á custa das partes essenciaes do tubo nervoso, de um elemento como o proto- plasma que conservou na differenciação das partes constituintes do tubo nervoso a actividade nutritiva primitiva é uma conseqüência apenas do aniquilamento da propriedade fundamental da fibra quê, pela suppressão da direcção superior que exercia sobre elles, deixa entregues a lucta pela existência elementos de capacidades nutritivas differentes. B. Nevrites.—Como nos outros órgãos, a inflammação dos nervos é parenchymatosa se affecta os seus elementos essenciaes, os tubos nervosos, e intersticial se affecta o tecido conjunctivo que os reúne e enfeixa. a. A nf.vrite parenchymatosa espontânea em que a lesão do nervo só é apreciável ao exame microscópico tem sido descripta sob duas fôrmas anatomo-pathologicas, a nevrite degenerativa e a ne- vrite segmentar. A nevrite degenerativa é reputada ainda hoje por alguns au- ctores uma lesão anatomo-pathologica completa. Ella roproduz os traços histologicos já descriptos da degeneração walleriana. Os Srs. professores Pitres e Vaillard(J) admittem entretanto que a evolução da (l)Pitreset Vaillard. Contribution a létude des nevrites peripheriques non trau- matiques. Arch. de Neurol. 1882. — 11 — nevrite não tem a mesma uniformidade e regularidade da degeneração walleriana, além de que a nevrite pôde ter uma marcha ascendente até a medulla que nunca se observaria nesta ultima. Como vamos vêr, porém, os trabalhos mais modernos do Sr. Dr. Gombault tendem a reduzir esta nevrite a um simples estádio da fôrma seguinte. Nevrite segmentar.—Estudando em porquinhos da índia as lesões dos nervos produzidas pelo saturnismo, o Sr. Dr. Gombault1 des- creveu pela primeira vez em 1880 uma fôrma particular de nevrite que por se limitar a um ou alguns somente dos segmentos interannulares e respeitar a continuidade do cylinder-axis, elle denominou de nevrite- segmentar peri-axil. Posteriormente, a existência desta espécie de nevrite tem sido confirmada por novos trabalhos do Sr. Dr. Gombault assim como "de muitos outros observadores, e não só no saturnismo como nas diversas espécies de polynevrite. Na nevrite peri-axil ha uma phase inicial que se pôde terminar pela restauração da fibra nervosa se o processo é pouco intenso, ou pela degeneração walleriana se a intensidade é maior. A alteração inicial é a reducção da myelina a partículas tenuissimas que se emul- sionão em um protoplasma exuberante e carregado de núcleos. Esta alteração que marcha da peripheria para o centro do tubo nervoso, limita-se a uma parte apenas, a todo o segmento ou ainda a mais de um segmento interannullar e começa sempre por uma das suas extremidades, manifestando-se quando a lesão progride na outra e só por fim na parte media. O cylinder-axis apresenta então um certo gráo de entumesci- mento, exageração da estriação longitudinal e em períodos mais adian- tados um aspecto moniliforme devido a entumescimentos que se succe- dem de distancia em distancia. A myelina alterada elimina-se e os núcleos cercados de uma certa quantidade de protoplasma constituem com o cylinder-axis todo o conteúdo do tubo nervoso, que em alguns pontos é representado apenas pelo cylinder-axis. Chegado a este ponto se a intensidade da lesão não vai além o segmento tende a restaurar-se. O cylinder-axis cobre-se de uma camada i Gombault. Contribution á 1'étude anatomique de Ia nev. parench. sub aigue et chronique. Arch. Neurol 1880. — 15 — tênue de myelina, esta deprime-se e em seguida interrompe-se de distancia em distancia constituindo os estrangulamentos annulares e os núcleos abundantes a principio tornão-se menos numerosos. Este processo que em geral não abrange todas as fibras de um nervo não limita-se rigorosamente ao elemento nervoso e embora em gráo fraco o tecido conjunctivo sempre resente-se. A coexistência, porém, de tubos nervosos affectados da nevrite peri-axil com um grande numero de outros que apresentão os caracteres da nevrite degenerativa indica logo que esta não é a terminação mais freqüente. No maior numero de casos a ruptura do cylinder-axis pelos progressos da nevrite determina a degeneração walleriana da extre- midade peripherica do tubo nervoso. O Sr. Dr. Gombault descreve, com effeito, na nevrite parenchymatosa espontânea duasphases ; uma inicial, prewalleriana, correspondendo á nevrite segmentar peri-axil ; a outra consecutiva, walleriana, correspondendo a nevrite degenera- tiva dos auetores e simples conseqüência mediata da primeira. A nevrite peri-axil parece ser da natureza dos cedemas inflam- matorios, e o mecanismo porque nella se produz a ruptura do cylinder- axis é completamente diverso do da degeneração walleriana, devendo ser esta ruptura antes uma conseqüência das alterações próprias d'esse elemento. Esta interpretação que, invocando a lesão primitiva de um ele- mento anatômico cuja autonomia não é mais contestável, o segmento interannular, dá a explicação racional de um facto até então pouco comprehensivel como era a manifestação espontânea de uma lesão que, quando primitiva, era sempre a conseqüência de uma secção accidental do cylinder-axis, foi acceita com enthusiasmo por muitos auetores e tende a ser geralmente admittida. Todavia não obteve ella ainda a saneção de todos os observadores. Em um trabalho recente os Srs. professores Pitres e Vaillard1 a propósito de um caso de nevrite segmentar na diphtheria dão aos factos uma interpretação diversa da do Dr. Gombault. Neste caso havia ao lado da nevrite degenerativa uma nevrite segmentar que não era peri-axil pois que o cylinder-axis achava-se sempre destruído e em que a segmen- tação da myelina seguia em umas fibras o processo descripto pelo (l) Pitres et Vaillard. Contribution à Pétude de Ia nevr. segmentaire.Arch.de Neurol. Mais 1886, — 16 — Dr. Gombault e em outras o da degeneração walleriana. No entanto esta lesão que se circumscrevia a uma porção apenas do segmento ou a alguns dellesnão determinava a degeneração da extremidade peri- pherica do tubo nervoso que se achava completamente normal, tanto acima como abaixo da lesão, e aqui como nos casos do Dr. Gombault a lesão occupava ás vezes na mesma fibra dous pontos differentes separados por uma porção perfeitamente normal. Abstrahindo desta derrogação completa as leis da degeneração walleriana, que re- conhecem mas não procurão explicar, e affirmando que não tinhão tido ainda occasião de observar a fôrma peri-axil, estes auetores fazem notar que o facto das alterações próprias da nevrite degene- rativa poderem revistir a forma segmentar indica pelo menos que estas alterações podem ser tão primitivas quanto as da fôrma peri- axil, e reputão portanto estas diversas fôrmas manifestações de um mesmo processo mórbido que pôde affectar de modo primitivo uma extensão maior ou menor do tubo nervoso. Estas divergências indicão que neste assumpto, ainda muito moderno,ha pontos a elucidar ejustificão a reserva que julgamos dever ter com a nevrite degenerativa. b. A nevrite intersticial pôde ser consecutiva a uma nevrite aguda que em alguns casos chega mesmo a suppurar (Lancereaux), o que aliás é raro, pois que a bainha laminosa oppõe natural resistência á diffusão do pús. O estado agudo é caracterisado por congestão, hemor- rhagias punetiformes e depois infiltracções mais ou menos extensas de sero e pús e por fim destruição dos elementos essenciaes da fibra. Mas ella pôde ser primitivamente chronica e ha então uma verdadeira esclerose do tecido conjunetivo que apresenta-se espesso e proliferado. A lesão pôde ser do tecido conjunetivo, peri, ou interfascicular, dissoci- ando-se neste caso os tubos nervosos que em um certo gráo de cons- tricção são de todo abafados e interrompidos naquelle ponto. Fôrmas Clinicas.— Variadas como são as fôrmas clinicas que podem revestir as lesões dos nervos periphericos, os auetores as têm dividido em fôrmas localisadas e generalizadas (Grasset). Mas atten- dendo a que as affecções geraes em que se observão as nevrites espon- tâneas podem dar logar a nevrites, quer localisadas, quer generali- zadas, preferimos de um ponto de vista etiologico dividil-as antes em — 17 — lesões puramente locaes de um numero mais ou menos limitado de nervos, e compromettimento espontâneo dos nervos nas affecções geraes, ou primitivas. Nas lesões locaes a atrophia muscular circumscreve-se á área mus- cular da distribuição do nervo, ou ramo nervoso lesado. Esta amyotro- phia, cujos caracteres clinicos e valor diagnostico e prognostico aprecia- remos mais tarde, manifesta-se associada ás outras perturbações e lesões que caracterisão as paralysias periphericas: perda da contracti- lidade voluntária e electrica com RdD; phenomenos dolorosos, de hyperesthesia, de anesthesia ; perturbações trophicas para a pelle, articulações e ossos ; erupções vesiculosas, pemphigoides, eczema- tosas, glossy-skin ; perturbações sudoraes, modificações nos pellos e nas unhas; deformações articulares com alterações ósseas etc, etc. E' porém nas polynevrites que se torna interessante o estudo das amyotrophias nevripathicas. Descripta primeiro por Dumenil em 1866 e em seguida por Eichorst, Eisenlohr etc, o seu estudo, synthetico foi feito primeiro pelo professor Leyden, e pelo Dr. Joffroy1, e de então para cá, a polynevrite tem sido assumpto de um grande numero de trabalhos de que não procuraremos dar uma enumeração mas a muitos dos quaes teremos occasião de referir-nos. A nevrite múltipla espontânea ou é primitiva, ou consecutiva a outras affecções. Tem-se observado no curso das moléstias infectuosas como a variola, a tuberculose, a febre typhoide, a diphtheria, o rheuma- tismo, asyphilis etc, etc, nas entoxicações pelo álcool, pelo chumbo pelo arsênico etc. A polynevrite primitiva propriamente dieta é considerada pelo professor Strumpell uma manifestação de um estado geral infectuoso. A freqüência da polynevrite no curso de moléstias francamente infe- ctuosas, as suas relações com o rheumatismo poly-articular, a freqüência de prodromos, os caracteres especiaes da febre, a albuminuria, o engor- gitamento esplenico, a diffusão da sede são os principaes argumentos, diz o professor Grocco 2 que justificão esta opinião. 1 Joffroy De Ia nevrite parenchymateuse spontanée, géneralisée ou partielle. (Arcn. dePhys. 1879.. p. 172. s Grocco, loc cit. in An. Un. vol. 271., Fase. 811- 3 87-B — 18 — Deixaremos de parte quer as fôrmas ligeiras, quer as fulmi- nantes que se terminão rapidamente por comprometimento dos nervos visceraes para referir-nos ás fôrmas sub-agudas e chronicas em que a atrophia muscular é commum. A moléstia pôde manifestar-se de repente por febre, anorexia, cephalalgia, ligeiro delirio etc; ou então a pessoa entrega-se ainda ás suas occupações habituaes quando já sente formigamentos, sensação de picadas de alfinetes e mesmo dormencia nos pés, e depois nos dedos das mãos. Mais, ou menos gradualmente os symptomiss se accentuão para a sensibilidade, para a motilidade, para as funcções vaso-motoras e trophicas. A dôr é um symptoma constante e apresenta-se ora fraca, pouco accentuada, ora intensa, urente, seguindo o trajecto dos nervos, ás vezes com os caracteres fulgurautes das dores tabeticas tendo mesmo a disposição em faixa. Estes phenomenos de hyperalgesia assim como os de hyperesthesia correspondem em geral á primeira phase, na segunda dominão de preferencia os phenomenos de ane.-;thesia, coexistindo commummente esta com placas hyperesthesicas. Pertencem em geral a esta phase os phenomenos de aaesthesra dolorosa. Póde-se dar ainda o facto, que certas fôrmas da sensibilidade cutânea sejão compromet- tidas com exclusão de outras. Ao lado da sensibilidade dominão sobretudo a scena as perturba- ções da motilidade. Estas manifestão predilecção especial pelos mem- bros inferiores e particularmente pelos músculos extensores e abducto- íes, donde resultão posições muito características como os pés cabidos {droppedfeet, dos inglezes). Simples dyscinesia a principio, verdadeira paresia depois, quasi nunca paralysia absoluta, as perturbações da motilidade estendem-se, a partir dos membros inferiores, ás vezes, de um delles passão aos superiores, dahi aos músculos do tronco e da face (Hiller, Grocco). A paralysia é em geral symetrica, mas pôde começar unilateral (Grocco, Francotte). Com a paralysia ou paresia confirmada, coincide a atrophia muscular. Os músculos perdem o tonus, são molles e flacidos. Commummente a atrophia é pouco intensa e manifesta-se principalmente pela falta de tonus e pela exploração electrica ; mas, se a lesão do nervo é grave e a paralysia prolonga-se, a atrophia acompanha a intensidade dos outros symptomas. Casos ha entretanto,em que não se observou atrophia alguma. (Eichorst, Roth). — 19 — Em alguns casos ha ataxia em gráo mais ou menos pronunciado, mas a sua pathogenia é differente da da ataxia tabetica. « A ataxia na nevrite múltipla, diz o Sr.Dr.Buzzard,^) é devida provavelmente, creio, não a uma affecção dos cordões posteriores da medulla, mas á falta de harmonia na força das differentes contracções musculares, devida á extensão variável das lesões' dos nervos peri- phericos.» Não insistiremos, porém, sobre as manifestações ataxicas da poly- nevrite. Os reflexos tendinosos são em regra geral abolidos, mas o professor Grocco e o Dr. (Ettinger virão-no persistir mesmo em casos graves ; os cutâneos são enfraquecidos ou abolidos também. Como phenomenos vaso-motores citão-se empastamento, oedema, hypercrinia sudoral,etc, e entre os phenomenos trophicos, erupções cutâneas diversas, e, o que é mais raro, o decubitus acutus (Grocco, (Ettinger). Os esphin- cteres conservão-se intactos. Póde-se observar, é exacto, excepções a esta regra, e então para uns coexiste nestes casos uma lesão medullar responsável por estas perturbações (Buzzard), ao passo que outros tilião-nas ao compromettimentodos nervos visceraes. Esta interpretação está de accôrdo com a existência freqüente de crises visceraes, taes como gastralgias, náuseas, vômitos, dys- pnéas, acceleração do pulso, escuria, estranguria, etc. A duração da polynevrite é muito variável, de alguns dias a muitos mezes; nem se pôde mesmo julgal-a pela intensidade dos symptomas. Em geral, quando a atrophia se manifesta, a duração é sempre longa. O prognostico e o tratamento dependem muito da etiologra. O iodureto de potássio, a strychnina, a electricidade, a hydrotherapia, etc, assim como os calmantes, têm sido os agentes empregados. (i) Buzzard. Loc cit, pag. 113. — 20 — CAPITULO II Amyotrophias nevripathicas SUMMVRIO.—Amyot'-ophias nas lesfies hvaes dos nervos: nevralgias, nevrite, trau- matismo, lesões ósseas e articulares, etc. Nas polynevrites: primitivas, beri- bericas, devidas ás moléstias infectuosas e ás intoxicações. Seus caracteres geraes. A amyotrophia nevripathica deve ser estudada nas duas classes de lesões dos nervos, que estabelecemos, lesões locaes e affecções geraes. Lesões locaes.—A amyotrophia pôde complicar as nevralgias par- ticularmente a sciatica e as intercostaes e indica a superveniencia de um processo nevritico. O Sr. Dr. Landouzy (*) admitte, com effeito, duas espécies de sciatica, sciatica nevrálgica e sciatica nevritica, das quaes só a ultima acompanha-se de amyotrophia. Assim se deve interpretar ainda, parece-nos, a amyotrophia dos músculos do thorax, observada nas pleurisias, como nas observações do Dr. Desplats. A existência de nevralgias, como é a que produz a pontada, por exemplo, no curso das pleurisias e pleuro-pneumonias, torna esta interpretação mais acceitavel do que a de uma influencia reflexa da medulla proposta pelo Sr. Dr. Parisot. (2) A atrophia muscular pôde ser a conseqüência de uma nevrite, dependa esta da acção do frio, ou de uma influencia rheumatismal, ou ainda da comprehensão do nervo em uma inflammação dos tecidos circum vizinhos. Nas lesões traumáticas, quer se trate da secção dos nervos por instrumentos cortantes, etc, quer da contusão produzindo uma des- truição local, quer por fim da compressão devida ás variadissimas causas que a produzem, como os callos, os tumores, as molletas, etc, (') Landouzy. De Ia sciatique et de 1'atrophie musculaire qui peut Ia compliquer. Arch. gén. de méd. 1875, pag. 303. (*) Parisot. Pathogenie des atrophies musculaires. Th. d'agrég\ Paiis, 1886, pag. 97. — 21 — a atrophia muscular pôde ser um dos effeitos observados. Como dos mais notáveis devem figurar entre os casos de amyotrophia por com- pressão dos nervos, os factos observados pelo professor Jaccoud 1. A compressão produzida por atheroma das meningeas, ou por carci - noma do rachis pôde comprehender quasi todas as raizes rachidianas produzindo uma atrophia generalizada. Para alguns auetores, entre- tanto, em alguns dos casos pelo menos, a compressão seria insufficiente para dar esse resultado que deveria attribuir-se antes a uma verda- deira polynevrite (Gross). Um grupo clinico de amyotrophias em que a lesão dos nervos muitas vezes deve existir é o das amyotrophias nos casos de lesões ósseas e articulares, especialmente dos músculos circumvizinhos, pois que já vimos que as que se manifestão á distancia são passíveis de outra interpretação. Com effeito, quer nos casos de fracturas, quer- nos casos de luxações e reducções de luxação, os nervos próximos podem ser lesados ou por violências externas, ou por violências inter- nas devidas a compressões, a fragmentos ósseos, esquirolas, etc , etc. Nos casos de lesões inflammatorias concebe-se com facilidade a possi- bilidade de uma extensão da inflammação aos músculos e aos nervos. Outras causas de importância secundaria podem no entanto influir aqui para o mesmo resultado. Estão neste caso principalmente a immobilidade e a compressão determinadas pelos apparelhos que essas lesões requerem. Todavia os resultados a este respeito não são muito accordes. As conclusões que o Sr. Dr. Blessing 2 tira das obser- vações de Heidenreich não estão em perfeito accôrdo com as do Sr. professor Gosselin. Emfim, as amyotrophias observadas nos casos de osteomy elite parecem devidas a verdadeiras nevrites infectuosas localisadas. Não exigem estas atrophias maior desenvolvimento, a sua sym- ptomatologia deduz-se do conhecimento da funeção dos músculos, a sua marcha e o seu prognostico da lesão do nervo. Com estes dados geraes podem-se prever todas as hypotheses realisaveis, cujo estudo em particular não é permittido tentar aqui. > Jaccoud. Leçons de clin. méd. de Ia Charité, 1867 e Leçons declin. médde Ia Pitié, 1883—1881. « Blessing. Th. de Nancy 1880, citado pelo Dr. Parisot., loc. cit. — 22 — Polynevrites.—A distincção que estabelecemos entre polynevrite primitiva e secundaria tem sido contestada. Porém não podemos fazer mais parajustifical-ado que transcrever as judiciosas e autorisadas considerações do Sr. professor Grocco a este respeito: « Ha, diz elle, J polynevrites que dependem de uma intoxicação alcoólica, saturnina, etc, ou que estão ligadas a moléstias infectuosas como a febre typhoide, a varíola, a lepra, etc.; nestes casos a poly- nevrite constitue uma das múltiplas localisações que o principio tó- xico ou infectuoso pôde ter no organismo, por isso não é uma poly- nevrite que deva figurar per se como moléstia geral, nestes casos ha um prqcesso pathologico geral de natureza mórbida variadissima, em que a phlogose disseminada dos nervos representa uma manifes- tação mais ou menos rara. Outras vezes ao contrario, a polynevrite surge per se ou por uma supposta influencia rheumatica e desta deve- se dizer que é mais especialmente uma polynevrite primitiva. Pois bem : assim como se distingue o rheumatismo polyarticular daquelle que se segue á escarlatina (?) ; como se estabelece differença entre a poliomyelite anterior primitiva dos adultos e a devida por exemplo ao saturnismo ; como se distingue o tabes espinhal espasmodico primi- tivo dos tabes secundários, do que é devido por exemplo ao lathy- rismo; a ataxialocomotoracommum,da ataxia post-diphtherica (Tuczed) etc.; assim também não deve esquecer ao clinico aquella divisão das polynevrites. » Com effeito, se de um modo absoluto é muito difficil senão por vezes mesmo impossível fundamentar as divisões das polynevrites nas differenças dos quadros symptomatologicos, pois que a identidade dos syndromas clínicos é aqui uma conseqüência fatal da localisação anatomo-pathologica, não é menos verdade que é possível e mesmo necessário estabelecer distincções sob o ponto de vista etiologico. Das considerações do professor Grocco deduz-se que pelo menos se devem logo admittir três grandes divisões : polynevrites primitivas, polynevrites dependentes das moléstias infectuosas e polynevrites dependentes das intoxicações. Incluímos o beriberi como uma es- pécie no primeiro grupo, mas teremos occasião de precisar melhor as suas relações com as polynevrites. 1 Grocco e Fusari. Una. terza contribuzioni alio studio cliaico ed anatomo-pato- logico delia nevrite múltipla primitiva. Revista Clinica, de Bologna. 1886, pag.684. — 23 — Polynevrites primitivas. (a) O grupo das polynevrites primitivas propriamente dietas comprehende um certo numero de casos em que a polynevrite parece depender de um estado geral especial e próprio independente dé qualquer influencia dos estados mórbidos que pro- duzem commummente as nevrites múltiplas secundarias. Quasi todos os auetores que têm estudado a polynevrite citão destes casos, mas para não nos referir senão aos mais recentes e quasi todos confirmados pela autópsia, podemos citar quatro das cinco observações do professor Grocco e as observações II e IV do Dr. Francotte. 1 Particularmente em dous casos do primeiro auetor a atrophia attingio proporções consideráveis, deixando o doente reduzido ao estado de um verdadeiro esqueleto. A atrophia é de marcha rápida acompanhando nas suas manifestações e desapparições a intensidade dos outros symptomas; em S. V. (obs. III) a atrophia reparou-se por mais de uma vez reproduzindo-se com as recahidas da moléstia. (b) Beri-beri.—Somos forçados a prescindir de quaesquer consi- derações sobre o muito que se tem escripto a propósito do beriberi e principalmente de sua pathogenia; e só os novos dados anatomo- pathologicos e as conseqüências que delles decorrem para a pratica approveitarão o maior espaço que temos a intenção senão o dever de consagrar-lhes em um trabalho d'esta natureza escripto em nosso paiz. Está hoje demonstrado á saciedade, parece-nos, que o beriberi é uma polynevrite infectuosa especial. Os trabalhos dos Srs. Drs. Scheube (2) e Baelz (3), no Japão e na Batavia, eífectuados separadamente mas quasi ao mesmo tempo e pu- blicados de 1882—1884, estabelecerão de modo positivo esta con- clusão a que têm dado urna confirmação plena os progressos no conhe- cimento das polynevrites. Entre nós é aqui no Rio de Janeiro que têm tido maior curso estas novas idéas professadas por muitos cathedraticos, entre os 1 Francotte. Contribution a 1'étude de Ia nevrite multiple.fleime de Med. tom. vi Mai. 1886. pag. 377. ;2) Scheube. Die Japanische kakké. Leipzig, 1882. Nova contribuição para a ana- tomia pathologica e histologia do beriberi (kakke). Gaz. Med. da Bahia. Serie III, vois. I e II. (3) Baelz. Kakke (beriberi) du Japon. Arch. de Med. Navale, 1884, pag. 330. — 24 — quaes achão-se os Srs. professores Martins Costa, Cypriano de Freitas, etc A natureza infectuosa do beriberi é hoje quasi geralmente reco. nhecida. Quanto á existência no beriberi de uma nevrite múltipla, a sua demonstração anatomo-pathologica que veio substituir a consignação vaga de amollecimentos medullares não pôde ser mais impugnada com vantagem. As três autópsias da sua primeira memória, o Sr. Dr. Scheube accrescenta mais 17 na segunda e em todas assim como nas do Sr. Dr. Baelz o exame histologico revelou a existência de uma ne- vrite múltipla de intensidade proporcional á intensidade dos symptomas clínicos observados durante a vida. A medulla espinhal estava abso- lutamente intacta 4 vezes sobre 6 autópsias do Dr. Scheube e em quatro casos do Dr. Baelz ; em dous casos do primeiro e em um do segundo havia lesão das cellulas medullares anteriores. Evidente- mente estas lesões indicão um compromettimento secundário, ou si- multâneo e independente da medulla como se observa nas polynevrites communs. Este facto, porém, não prejudica a localisação primordial e principal no systema nervoso peripherico, pois que, taes lesões nem são sufficientes para explicar a extensão das lesões periphericas, nem poderião fazel-o naquelles casos em que não se manifestarão. Estes factos têm sido confirmados por outros observadores. Em trabalhos effectuados no laboratório do professor Ivanowsky, Rússia, o Sr. Dr. Tcholowsky ('), medico da marinha, encontrou lesões nos nervos periphericos das extremidades inferiores e alterações nas cellulas dos gangliões cardíacos: na medulla havia cellulas alteradas disseminadas de um modo regular. Em Fevereiro deste anno (1887), o Sr. Dr. West Roosevelt (2) em uma communicação a Academia de Medicina de New-York sobre o beriberi, declara que « as alterações nervosas consistem na inflam- mação e degeneração de um grande numero dos nervos periphericos conservando-se intactos a medulla e o cérebro. » Na mesma occasião, fazendo sentir as analogias do beriberi com a nevrite alcoólica, o Sr. (i) Tcholowsky. Communication à Ia Société des Médecins Russes de Moscou e Saint-Petersbourg. Semaine médicale, 1886, p. 36. (*) West Roosevelt. Communication à 1'Acad. de New-York, Fevrier 1887. Le Bulletin Medicai, le 9 Mars, 1887; n. 3. — 25 — Dr. Saguin propõe-lhe a denominação de nevrite múltipla. O Sr. Dr. Roosevelt, é exacto, considera desagradável chamar-se o beriberi ne- vrite múltipla, e nem admitte que se possa comparal-o á nevrite alcoó- lica commum. O extracto da discussão não nos diz, porém, em que elle se funda nem como harmonisa esta opinião com os resultados ana- tomo-pathologicos communicados. Entre nós, já em 1881, sem conhecer portanto os trabalhos dos Drs. Scheube e Baelz, o nosso mestre, o provecto professor Pacifico Pereira 1 em uma memória importante publicada na Gazeta Medica da Bahia, havia descripto em um caso uma verdadeira nevrite parenchy- matosa do nervo vago. Em 1883 o Sr. professor Martins Costa fez á Academia Imperial de Medicina a communição de um caso de beriberi em que encontrou, ao lado de uma myelite peri-ependymaria, lesões diffusas dos nervos periphericos, sustentando por esta occasião a origem nevritica do beriberi. Em 1884 (Setembro), o Sr. professor Pacheco Mendes, da Bahia, começou a publicar na Gazeta Medica uma memória ainda não termi- nada, em que descreve as mesmas lesões do systema nervoso peri- pherico. Este auctor, entretanto, tendo encontrado sempre lesões medullares, declara insuficientes os dados anatômicos de que ainda dispõe, para uma conclusão positiva sobre a anatomia pathologica do beriberi. A theoria da polynevrite beriberica foi ainda ultimamente susten- tada pelo Sr. Dr. Francisco de Castro, adjuncto de clinica medica da Faculdade, em uma serie de communicações á Academia Imperial. de Medicina {Boletins de 1886—87) Estas lesões não poupão os nervos esplanchnicos ; tem-se encon- trado lesados o pneumogastrico, o phrenico, os nervos renaes, etc. Nas observações do Dr. Scheube parece que nem sempre as lesões do pneumogastrico poderão explicar de modo satisfactorio as perturba- ções que lhe fôrão attribuidas durante a vida. Este facto acha uma explicação nos trabalhos do Sr. professor Grocco2 sobre a polynevrite 1 Pacifico Pereira. Estudo sobre a etiologia e natureza do beri-beri, Gazeta Medica da Bahia, 1881, vol. 5, serie II. 8 Grocco e Fusari. Di nuovo sulla nevrite múltipla primitiva. Ann. Univ. de Med. e Chir. 1885 Vol. 273, fase. 817, p. 87. i 87—B — 26 — primitiva, nos quaes estabeleceu que nem sempre encontrão-se lesões no vago que expliquem as perturbações cardio-pulmonares que com- mummente lhe são attribuidas. Nestes casos elle 1 verificou que as lesões assestão-se no plexo cardíaco, obedecendo assim a tendência que ha nas polynevrites a se circumscreverem as lesões nas partes mais periphericas dos nervos. A analogia não é menor pelo lado clinico. Os estudos de que tem sido objecto a polynevrite tornão mesmo desnecessário insistir sobre a identidade das perturbações de motilidade e de sensibilidade. Como outros symptomas até hoje considerados peculiares ao beriberi, o oedema não só é um phenomeno commum nas polynevrites, mas pôde attingir proporções que permittão encontrar uma fôrma oedematosa da nevrite múltipla análoga até certo ponto á fôrma oedematosa do beri- beri. Entre outras observações, poderemos citar em apoio a obs. IV do Dr. (Ettinger 2 e a seguinte tomada no serviço clinico do Sr. pro- fessor Martins Costa, que fez o diagnostico de polynevrite rheuma- tismal. A observação está um pouco resumida. OBSERVAÇÃO I Geraldino de Mello Loureiro, de 26 annos de idade, pardo, brazi- leiro, trabalhador, morador na Tijuca,entrou para o Hospital da Mize- ricordiano dia 9 deJunhj de 1887 e occupou o leito n.9 da enfermaria, f-erviço clinico do Sr. professor Martins Costa. Anamnese. Sua mai soffre de bronchitechronica, o pai succumbio a soffrimentos hepaticos. O doente soffreu jâ de uma pneumonia esquerda.e de inflammação do fígado; accusa soffrimentos rheumaticos mas não abusa de bebidas alcoólicas. Está doente ha dous mezes: começou a moléstia por pertur- bações gástricas, dando-lhe, com um estado afíiictrvo, uma sensação de corpos que rolavao no interior do orgao. Juntava-se a esta uma sensação de constricção em cinta na região epigastrica. Soffria tam- bém de palpitações cardíacas incommodas. Depois manifestou-se ' Grocco. Sulla patologia dei nervi cardiaci. {Revista clinica. BolVma 1886 n. 12, p. 882). » (Ettinger. Ètudes sur les paralysiet alcooliques. Paris, 1885. — 27 — um esrnorecimento nas pernas, e este estado paretico aggravou-se de sorte que no fim de 15 dias era-lhe impossível andar.Ao mesmo tempo manifestou-se uma infiltração nos membros inferiores que dia a dia se tornavao mais oedemaciados. Em seguida as urinas fôrão escasseando, havia retenção que che- gou a ser completa,accusando o doente dores na região hypogastrica. Este symptoma principalmente trouxe-o ao hospital e foi por isso ad- raittido na enfermaria de clinica cirúrgica do Sr. professor Lima Castro, donde foi removido no dia 13 de Junho para o serviço do Sr. professor Martins Costa. Estado actual.— 14 de Junho. O doente é um indivíduo pallido, cachetico, mas asmucosas não estão descoradas: apresenta nos mem- bros inferiores oedema considerável, bastante duro e doloroso. Estes membros estão hoje apenas pareticos, tendo melhorado o estado para- plégico a que se refere o doente. Excitabilidade electrrca tanto fara- dica como galvanica, diminuída. A sensibilidade é normal com ligeira diminuição da sensibilidade táctil. Os músculos gastro-cnemios sao dolorosos á pressão. Reflexo rotuliano, abolido. Nao ha atrophia, apparente ao menos. Para o apparelho digestivo e annexos, a lingua está um pouco saburrosa,dores gastralgicas e oppressão, causando afílicçao ao doente a repleçao do estômago; perda do appetite. Figado um pouco augmen- tado de volume; baço normal. Para o apparelho circulatório, a área de matidez cardíaca está um pouco augmentada e a ponta do coração bate no 6o espaço intercostal esquerdo para fora da linha mamillar ; batimentos cardíacos regulares e de energia normal. Sopro systolico brando na base e na ponta. Nada de anormal para o apparelho re;- piratorio. Traços de albu;niua nas urinas, ausência deglycose. Prescripçao: 14. Óleo de anda-assú.................. 10 gramraas Dia 15—30.— Embrocações de tinctura de iodo na região epigas- trica. ipplicações de correntes continuas ao longo do rachis e fara- dicas nos membros superiores e inferiores. Xarope de Easton..... 2 colheres das de chá por dia. Dia 7. Julho. O estado do doente longe de melhorar tem-se ag- gravado cada vez mais. (Edema muito augmentado; dores intensas nos joelhos que achaose tumefactos; paraplegia accentuada ; tosse, dyspnea. — 28 — Prescreveu-se uma poção com o iodureto de potássio e uma poção tônica alcoólica. Applicação detinctura de iodo ao thorax. Dia. 8. Estado gravíssimo. Dôr gravativa no hypocondrio direito e no epigastro; fígado augmentado de volume O doente falleceu no dia 9 de Julho ás 5 horas da manha. Autópsia.— Cadáver muito infiltrado. Congestão de quasi todas as vísceras, pulmões, rins, baço, cérebro, medulla e fígado que estava também degenerado. CE lema cerebral.Coraçao pouco hypertrophiado, coágulos abundantes nas cavidades; válvulas e orifícios normaes. O exame histologico dos nervos feito no gabinete de anatomia pathologica da Faculdade demonstrou a existência de uma nevrite múltipla espontânea, em que se observava a fôrma peri-axil. Maior attenção merecem, entretanto, as crises visceraes do beri- beri, descriptas por quasi todos os autores e sobre as quaes insistio na Academia Imperial de Medicina o Sr. Dr. Francisco de Castro, que chamou a attenção para o valor diagnostico das perturbações cardio- pulmonares, gástricas e urinarias. Todavia estes phenomenos não pertencem exclusivamente ao beri- beri. Crises visceraes análogas, que o Sr. professor Grocco estranha tenhão sido omittidas nos trabalhos mais recentes sobre a polynevrite, são principalmente consignadas nas observações deste auetor. Nas quatro memórias que tem publicado a este respeito e particularmente nos casos—Conti Caralina, V. S. e Carversasca—vêm consignadas não só todas as desordens do domínio do pneumogastrico, como dysphonia, aphonia, dyspnéa, apnéa, acceleração considerável do pulso, náuseas, vômitos, gastralgias, etc, mas do domínio de outras innervações visceraes, como cardiopalmia, accessos de angina do peito, facto observado no beriberi, escuria, dysuria, estranguria, gastro- enteralgias, etc. Não vimos ainda consignadas nas polynevrites, é exacto, as per- turbações cardíacas de rhythmo e de ruído, geralmente observadas no beriberi, mas dadas as condições de innervação e hemodynamicas consecutivas em que ellas se manifestão, tudo leva a crer que não sejão mais peculiares ao beriberi, pois que as perturbações da inner- vação que as determinão têm um substractum anatômico que, como demonstrão os trabalhos citados do professor Grocco, se realisão com- mummente nas polynevrites. -- 29 — A analogia vai mesmo além; entre as causas predisponentes da polynevrite primitiva, figura, em um caso do auctor por ultimo citado, o depauperamento por uma amamentação extenuante, e como se sabe, o enfraquecimento orgânico é considerado uma das causas predispo- nentes mais poderosas do beriberi. Por maior que seja entretanto esta analogia, ella não pôde jus- tificar, como observa o Dr. Scheube, a opinião emittida pelos Drs. Baelz e Pierson, de que fossem casos esporádicos de beriberi os casos de polynevrite que se começavão estudar então na Europa. As poly- nevrites que se manífestão no curso das moléstias infectuosas e das intoxicações, devem ser consideradas, já o dissemos, como uma locali- sação particular do principio tóxico ou infectuoso para o systema nervoso peripherico. Os elementos do diagnostico differencial neste caso estão preci- samente na apreciação criteriosa da influencia etiologia por parte das moléstias infectuosas e das intoxicações e nas ligeiras variantes sym- ptomatologicas, produzidas pela addição de outros symptomas pecu- liares a esses estados geraes ao quadro clinico fundamental da polynevrite. Se as crises visceraes não têm valor absoluto merecem, sem contestação,uma consideração particular,pois que parece ao menos que não são nem tão freqüentes nem tão constantes, como no beriberi, á excepção talvez da acceleração do pulso. A conclusão não se nos affigura tão simples, entretanto, em re- lação á identidade entre o beriberi e as polynevrites, que chamamos primitivas. O Sr. professor Martins Costa sustenta positivamente a identidade, clinica e anatomo-pathologica destas duas espécies de polynevrite. Abraçamos inteiramente esta opinião do nosso mestre e tanto mais francamente quanto cremos que entre nós milita em seu favor uma alta razão de ordem pratica—que vem a ser não sacrificar a tentativas de um diagnostico, pelo menos quasi impossível, a oppor- tunidade daquelles recursos, como é para o beriberi a mudança de localidade, cuja efficacia tantas vezes tem sido posta á prova pela sciencia. Entretanto parece que a demonstração positiva de uma identi- dade real, tratando-se de duas moléstias infectuosas,deveria ser forne- cida antes pela demonstração da identidade entre os dous princípios infectuosos respectivos. — 30 — O desenvolvimento em que temos entrado tem menos em vista estabelecer uma analogia hoje geralmente acceita, do que de- monstrar toda a difficuldade do diagnostico differencial entre a poly- nevrite beriberica e as outras espécies de polynevrites, e por conse- guinte entre as amyotrophias respectivas. E' desnecessário encarecer a importância deste diagnostico. Reduzido como se acha entre nós o recurso extremo contra o beriberi, a mudança de localidade, prescripção que por isso mesmo se tende a fazer com certa facilidade, comprehende-se quantos prejuízos e incommodos desnecessários não acarreta um engano de diagnostico, que se deve ter commettido tanto mais vezes quanto é sabido que, nos principaes trabalhos escriptos sobre o assumpto no paiz, figurão entre as principaes causas predisponentes do beriberi exactamente aquelles estados mórbidos como a maior parte das moléstias infectuosas e das intoxicações, que os estudos modernos tornão responsáveis pela manifestação das polynevrites communs. São estas as principaes deducções praticas a que se prestão os novos conhecimentos sobre o beriberi, que podemos reputar adqui- ridos. Apezar dos trabalhos de diversos experimentadores sobre o agente vivo da infecção beriberica, não nos julgamos habilitados a pronunciar-nos a este respeito, em vista das controvérsias ainda exis- tentes e da falta de habilitações especiaes para um juizo pessoal. Não é por certo na existência da amyotrophia que a polynevrite beriberica distingue-se das outras espécies de polynevrite. Com effeito o Sr. Dr. Scheube divide em quatro as fôrmas clinicas do beriberi; fôrma rudimentar (dolorosa), fôrma hydropica, fôrma atrophica e fôrma aguda perniciosa. Como uma descripção da fôrma amyotrophica podemos transcre- ver o seguinte trecho do Ex. Sr. Barão de Torres Homem. (1) « A atrophia muscular é ainda um symptoma que se observa commummente no beriberi. Se o doente não tem oedemacia nas pernas, estas se apresentão atrophiadas, muito reduzidas de volume; nos últimos períodos da moléstia parecem exclusivamente constituídas pela pelle, pelo tíbia, pelo peroneo, tal é o gráo de alteração por que (l) Torres Homem. Lições de Clinica Medica, Vol. II. p. 507. Rio de Janeiro, 1884. — 31 — passão os músculos. Nos membros superiores a degenerescencia atro- phica invade de preferencia as mãos : as eminências thenar e hypo- thenar se deprimem, os músculos inter-osseos, que são os verdadeiros extensores das duas ultimas phalanges, se atrophião, o mesmo acontece aos lombricoides.» Em geral não são freqüentes os casos em que a atrophia attinge proporções consideráveis, e para isso concorrem duas causas principaes: a duração da moléstia que não dá tempo a accentuar-se grandemente a atrophia e o facto de raramente serem compromettidas todas as fibras de um nervo, o que faz com que a paralysia não seja completa. Das 32 observações do Sr. Dr. Silva Lima (*) só em duas vem con- signada a existência de atrophia muscular, na obs. XIII e na seguinte de que damos um resumo. « Observação XXIV. Pedro Caetano de Carvalho, 50 annos, pre- so de justiça observado em 1866 no hospital da Caridade da Bahia. A moléstia terminou pela morte no 6o mez mas já « no fim de dous me- zes as paralysias tinhão estacionado e os músculos das pernas estavão se atrophiando visivelmente e continuarão a diminuir de volume até que por fim parecia não existir alli mais do que a pelle e os ossos.» Nos casos que temos tido occasião de observar este anno aqui, quer no Hospital da Mizericordia, quer no Hospital Militar do morro do Castello, apenas temos encontrado grande flacidez dos músculos e um gráo de atrophia que mais se denunciava á mensuração e á 1 exploração electrica. Os músculos atrophiados restaurão-se desde que o doente resta- belece-se, mas a restauração completa é sempre lenta, prolongando-se por muito tempo depois que o doente reputa-se restabelecido. « O beriberi, diz o Sr. Dr. Simmons, (2) reina endemicaraente em Yokohama durante o verão... mas no intervallo de um verão ao outro curão-se os doentes mais ou menos rapidamente excepto aquelles nos quaes a atrophia muscular é extrema.» Outras vezes, mais raramente ainda, os músculos atrophiados não se regenerão e dahi resultão deformações persistentes. (1) Silva Lima. Ensaio sobre o beriberi no Brazil. Bahia, 1882. (2) Simmons. Beriberi or the kakke of lapan, Shangai 1880. cit. pelo Sr. prof. pacilico Pereira. — 32 — « A dystrophia muscular, diz o Sr. professor Pacifico Pereira, pôde chegar á atrophia completa com paralysia incurável de alguns grupos de músculos, persistindo como resultado da moléstia não ob- stante restabelecer-se o doente com o desapparecimento completo de todos os outros symptomas. Em uma senhora que curou-se de beriberi de fôrma mixta em estado gravíssimo partindo para a Europa e de- morando-se mais de três annos em Portugal e na França, desappare- cêrão gradual e successivamente todos os symptomas, chegando ella a adquirir uma saúde vigorosa, mas persistindo a paralysia e a atrophia dos extensores dos dedos não obstante as applicações adequadas feitas por notáveis especialistas.» Uma affecção medullar intercorrente pôde aggravar consideravel- mente a atrophia beriberica, como tivemos occasião de verificar em um doente do serviço do Sr. Dr. Francisco de Castro no Hospital Mi- litar do morro do Castello. O doente que tinha sido accomettido do beriberi de forma mixta, ia melhorando sensivelmente, quando sobre- veu-lhe uma myelite diffusa sob-aguda, de que veio a restabelecer-se no fim de 6 a 8 mezes. A atrophia que durante o beriberi era pouco considerável accentuou-se de um modo evidente depois da intercor- rencia. Polynevrite nas moléstias infectuosas.— A existência de myelites tóxicas e infectuosas e mais ainda a coexistência de alterações medul- lares com as polynevrites podem deixar duvidas sobre a origem exclu- sivamente nevritica das amyotrophias nervosas observadas nas molés- tias infectuosas e nas intoxicações, desde que essa filiação não se funde em documentos necropsiacos. Até certo ponto o facto é innegavel. Todavia como todos os auetores que têm encontrado lesões medullares nas polynevrites são accordes em consideral-as Ínsufficientes para produzir as lesões do systema nervoso peripherico e estas são por si bastantes para determinar uma atrophia muscular devemos attribuir- lhes essa atrophia desde que a polynevrite se tenha perfeitamente caracterisado. a) Febre typhoide.—Já de muitos annos erão conhecidos no curso ou na convalescencia da febre typhoide casos de paralysias mais ou menos extensas acompanhadas de dores persistentes e sempre seguidas de uma atrophia muscular rapidamente progressiva. Encontrão-se — 33 — destas observações nos estudos de Gubler sobre as paralysias nas moles tias agudas, assim como na these mais recente do Sr. Dr. Landouzy. Observações análogas existem ainda, de Surmay, Meyer, Nothnagel, Leyden, Vulpian etc. A atrophia acompanha de perto os phenomenos paralyticos e pôde limitar-se a distribuição de um tronco nervoso, ou estender-se a um segmento de membro, ou a um membro inteiro. A marcha da atrophia é rápida e ella pôde ser considerável, posto que em alguns casos seja dissimulada pela exuberância da adipose sub-cutanea. Em geral a atrophia desapparece no curso de alguns mezes mas pôde dar logar a nma lesão irreparável. Não são ainda numerosos os factos anatômicos que confirmão a origem nevritica destas atrophias, estabelecida pela clinica. Os Srs. professores Pitres e Vaillard (J) em uma importante memória sobre o assumpto accrescentão á autópsia de Bernhardt as suas próprias observações nas quaes entretanto as lesões nevriticas não se denun- ciarão durante a vida. b).Tuberculose.—A tuberculose é uma das causas mais freqüentes de nevrite múltipla. Desde as primeiras observações de polynevrite que a tuberculose é citada como factor etiologico, mas sobretudo demonstrou-lhe todo o valor a importan te memória dos Srs. professores Pitres e Vaillard.(2) Estes auetores dividirão em três grupos as nevrites tuberculosas, nevrites latentes, nevrites amyotrophicas, nevrites dolorosas ou anesthesicas. Como todo o capitulo da neuropathologia concernente ás lesões espontâneas dos nervos periphericos, as observações de nevrites amyotrophicas no curso da tuberculose hoje tão numerosas são conhe- cidas de poucos annos. A amyotrophia nestes casos segue-se de um modo precoce á paralysia que se pôde limitar aos membros inferiores, mas commummente é mais comprehensiva e invasora, estendendo-se aos quatro membros e ao tronco, compromettendo em casos raros os músculos do dorso, da nuca, do abdômen e o diaphragma. A manifes- tação da atrophia faz-se segundo os Srs. professores Pitres e Vaillard («) Pitres et Vaillard. loco cit. Rev. Méd. 1885 p. 100). (*) It. Des nevrites peripheriqueschez les tuberculeux. Rev. Med. 1886 p. 193. 87-B — 34 — desde o sexto dia a começar dos primeiros accidentes e a terminação está dependente do estado geral que provoca a manifestação nevri- tica. '•). Varíola e varioloide.—São hoje numerosas as observações de nevrites múltiplas consecutivas á variola. Na observação do Dr. Joffroy1 havia uma atrophia considerável do deltoide, dos músculos da mão e do antebraço do lado esquerdo e a autópsia revelou a existência de uma nevrite do radial e do cubital desse lado. E' ainda um exemplo a seguinte observação. OBSERVAÇÃO II O soldado JoSo Januário de Britto, 23 annos, piauhyense, entrou no dia 4 de Abril de 1887 para o Hospital Militar do morro do Castello, indo occuparo leito n. 5 da 3a enfermaria, serviço clinico do Sr. Dr. Francisco de Castro. Este doente tinha sido accommettido de variola na fortaleza do Pico e de lá foi transportado para o hospital da Gamboa. Na conva- lescencia da variola que foi coherente, o dotnte apresentou pheno- menos paraplégicos que fizerao-no baixar ao Hospital do morro do Castello na supposiçao de que fosse beri-beri.Naoé alcoolista,nem tem antecedentes syphiliticos. Quando o vimos, o doente apresentava uma paraplegia incom- pleta predominando a paralysia dos extensores dos pés que se achavao em extensão forçada sobre a perna, entrando como factor principal na difiiculdade da marcha que elle eífectuava amparando-se. Ausência dos reflexos rotulianos. O doente accusava uma sensação de faixa semelhante á chamada faixa beri-berica e havia nos membros inferiores phenomenos de anesthesia dolorosa ; hyperesthesia muscular, particularmente dos gastro-cnemios, e anesthesia cutânea. Os músculos da perna e principalmente os gastro-cnemios acha- vão-se muito flacidos e visivelmente atrophiados. Nada de notável para os apparelhos da vida vegetativa. Com o uso da strychnina e o iodureto de potássio, o doente foi melhorando gradualmente até que obteve alta em principio de Julho. (1) Joffroy. loco cit. — 35 O professor Grocco observou um caso de nevrite múltipla em con- seqüência da varioloide produzindo uma atrophia considerável. d). Diphtheria.—Emboraa freqüência das paralysias na diphtheria seja tal que quasi se pôde dizer que por si só ellas são mais numerosas do que todas as paralysias das outras moléstias agudas reunidas» (Landouzy), é muito raro que ellas se acompanhem de amyotrophia. No caso dos professores Pitres e Vaillard havia atrophia muscular, mas o doente também era tuberculoso. Na these do Sr. Dr. Magne1 encon" tramos referencia a dous casos de atrophia na paralysia diphtherica' um de Eulemburg e outro de Larne, mas sem autópsias. A natureza da lesão na paralysia diphtherica ainda hoje é assumpto controvertido. Para uns, especialmente Dejerine, ella é de natureza medullar, para a maioria dos auetores porem é de origem peripherica. Numerosos trabalhos quer francezes, quer allemães, inglezes etc. como os de Charcot,Vulpian, Meyer, Pitres e Vaillard, etc, confirmão a ultima opinião. e). No RHEUMATiSMO,na gota assim como nasYPHiLis,no paludismo etc. a existência de amyotrophias nevripathicas é uma conseqüência natural da freqüência das nevrites. Posto que considerado causa freqüente de nevrites, as provas ana- tômicas não são ainda numerosas para o rheumatismo. Em uma memória recente sobre o rheumatismo chronico, os Srs. professores Pitres e Vaillard2 chegão á conclusão de « que as nevrites periphericas não poderião ser legitimamente consideradas a causa immediata das lesões articulares e dos symptomas dolorosos do rheumatismo chronico mas que parece haver, accrescentão, uma relação constante entre a existência das nevrites e a producção das perturbações trophicas, musculares e cutâneas, que complicão freqüentemente esta affecção.» O Sr. professor Martins Costa3 divide as paralysias observadas 1 Paul Magne. Paralysies dephtheriques, Th. Paris. 1878. 'Pitres et Vaillard. Nevrites peripheriquesdans le rheumatisme chronique. Revw de Med. 1887 pag. 456. 5 Martins Costa. .4 Malária e suas diversas modalidades clinicas. Rio de Janeiro, 1885, pag. 297. — 36 — no curso do paludismo em três grupos: de origem cerebral, de origem medullar e de origem peripherica. Ora como estas paralysias podem se tornar permanentes por superveniencia de lesão nervosa teremos naturalmente como conseqüência das paralysias periphericas, amyo- trophias perephericas. Tivemos occasião de observar este anno no serviço do Sr. pro- fessor Martins Costa diversos casos de polynevrite paludica, cujas observações omittimos porque não se acompanhavão de atrophia mus- cular . /). Lepra. « A lepra systematisada nervosa, diz o Sr. professor Leloir 1, não é mais do que uma nevrite especifica dos nervos periphericos com todas as suas conseqüências ». Evidentemente, portanto , deve ser por demais superfunctoria a referencia que podemos fazer aqui a este importante e extenso capi- tulo da dermatologia. A atrophia muscular manifesta-se no segundo período da nevrite leprosa, ou período anesthesico, atrophico e mutilante. Esta atrophia que não succede á paralysia, inicia-se pelos músculos da eminência thenar, passa dahi aos da região hypothenar e aos interosseos, depois aos extensores e flexores do antebraço ; nos membros inferiores ella compromette os músculos do pé e da perna especialmente os extensores dos artelhos, os flexores do pé, e os peroneos; e ás vezes mesmo os músculos dos braços, das coxas, os peitoraes, os deltoides, os gluteos. A atrophia produz deformações características como mãos em garra, pied-bots paralyticos etc. Mascara-a muitas vezes uma espécie de oedema duro, consecutivo ás erupções erysipelatoides febris da lepra. A's vezes ha movimentos febrillares. Não são accordes ainda os resultados do exame electrico obtidos pelos auetores. Não é possível fazermos aqui um estudo especial, aliás muito inte- ressante, da anatomia pathologica destas nevrites. E' um exemplo de polynevrite leprosa com atrophia a seguinte observação. l Leloir. Traité pratique et theorique de Ia lêpre, Paris 1881, p. 150. — 37 — OBSERVAÇÃO III No dia 14 de Junho de 1886 entrou para o Hospital da Mizericordia o indivíduo Gabriel Antônio da Silva, de 48 annos de idade, brazi- leiro, trabalhador de roça, o qual occupou o leito n. 26 da 9» enfer- maria, serviço clinico do Sr. professor Martins Costa. Anamnesepessoal.— Sempre foi débil, soffreu de febres inter- raittentes, nao teve rheumatismo nem manifestações venereas; nao é dado ás bebidas alcoólicas. Já soffreu ha muitos annos vários trau- matismos na espinha, que lhe produzirão uma exageraçao da sensibi- lidade na região cervico-dorsal, o que ainda conserva. A moléstia começou ha três mezes por dormencia na mao direita pouco depois no dorso e planta do pó do mesmo lado: esta dormencia foi se transformando em uma sensação de queimadura ; ha um mez que experimentou os mesmos phenomenos no lado opposto começando também então no outro lado certo embaraço nos movimentos. Estado actual. — O doente está magro e cachetico, pallido, as suas mucosas descoradas; não tem oedema em parte alguma. Nota-se atro- phia considerável em todo o lado direito tanto no tronco como nos membros. Na pelle do tronco e sobretudo dos membros superiores existem manchas numerosas, esbranquiçadas, parecendo devidas á falta de pigmento ; destas manchas algumas sao completamente anesthesicas, era outras a sensibilidade nao está alterada; notao-se ainda pontos anesthesicos em partes da pelle onde nao existem manchas. No antebraço direito ha um certo estado escamoso da epiderme. Na eminência hypothenar da mao direita existe uma ulceraçao pro- duzida por uma queimadura. A motilidade está normal, nao ha paralysia muscular era parte alguma ; o doente resiste bem a todos os movimentos passivos os mais violentos ; no dynamometro o esforço muscular nao pôde ser deter- minado por causa da hyperesthesia das mãos , o andar é muito diffi- cil, também por causa da hyperesthesia dos pés. A sensibilidade dolorosa está abolida na parte superior da borda cubital do antebraço e da mao direita,um pouco exagerada nos outros pontos. Existe uma sensação da queimadura tanto nos pés como nas raaos, sensação que se manifesta em alguns pontos disseminados, — 38 — como nos cotovelos e nos concavos popliteos, e é mais pronunciada do lado direito. A sensibilidade muscular e o sentido muscular nao estão alte- rados. Os reflexos um pouco exagerados. A sensibilidade electrica tanto faradica como galvanica está um pouco mais pronunciada do lado direito. Nada se encontrou para os outros apparelhos. No fim de algum tempo este doente obteve alta a pedido. g). Tabes dorsalis.—Os trabalhos de differentes auetores entre os quaes figurão em primeiro logar os Srs. Drs. Pierret, Dejerine, pro- fessores Oppenheim, Pitres e Vaillard, etc, demonstrão que a atrophia muscular como muitos outros symptomas secundários do tabes dor- salis pode ser devida a uma nevrite espontânea. « Deve-se admittir com o professor Grasset, dizem os Srs. pro- fessores Pitres e Vaillard, que as alterações dos nervos periphericos e as da medulla constituão duas manifestações locaes e independentes, duas determinações distinetas de uma só e mesma moléstia geral ? E' possível, e no estado actual dos nossos conhecimentos é talvez a melhor maneira de comprehender as variedades tão numerosas que se encontrão nos symptomas e nas lesões da ataxia locomotora. » Esta nevrite affecta de preferencia os nervos cutâneos e por isso a atrophia muscular não figura entre os seus symptomas mais fre- qüentes. Nevrites tóxicas.— a. alcoolismo. As paralysias sobrevindas no curso do alcoolismo já conhecidas por Magnus Huss e Jackson, senão representão o typo mais perfeito, com certeza representão o mais bem estudado das nevrites múltiplas espontâneas. Elias são, como diz o Sr. Dr. Henry Hun, a simple multiple neuritis complicated by others symptoms ofalcoholic poisoning sach as mental derangement, tremor and ataxia. (2) A atrophia muscular manifesta-se desde que a lesão dos nervos accentua-se e sobretudo nos casos de reincidência no abuso das bebidas alcoólicas".' Mas «esta atrophia, diz o Sr. Dr. (Ettinger, (2) não (1) Henry Hun. Alcoholic paralysis. The American Journal of the Medicai Scien- ces,* 1885. pag. 372. (2) William (Ettinger, loc. cit. pag. 28. — 39 — offerece grandes particularidades a assignal ; é essencialmente uma lesão secundaria e como tal localisa-se como a paralysia a que está subordinada. Difficil de apreciar-se nos casos em que os phenomenos paralyticos são pouco accusados, ella é bem manifesta nos casos extremos em que se vê então certas massas musculares contrastar pela diminuição de volume com os grupos de músculos vizinhos. Al- gumas vezes também o espessamento do tecido cellular subcutaneo e do derma pode mascarar a diminuição de volume das massas muscu- lares e fazer crer á primeira vista que tal segmento de membro tem conservado seu volume normal ». Como a paralysia, a atrophia pôde ser, pois, parcial ou genera- lizada. E' principalmente nos casos de amyotrophias intensas sobre- vindas no curso de uma paralysia alcoólica grave e rapidamente ge- neraHzada como os de Charcot, Broabdent e particularmente o se- gundo de Hun etc, aquelles em que mais se pôde pensar em uma myelite diffusa. As reacções electricas dos músculos são as das paralysias peri- phericas, mas a RdD é menos pronunciada no alcoolismo do que nas outras paralysias tóxicas (Brissaud). b. Saturnismo - -Apezar de uma local:sação mais especial e da falta de perturbações constantes para a sensibilidade, a origem nevritica da paralysia saturnina parece perfeitamente demonstrada pela, clinica e pela anatomia-pathologica com os trabalhos dos Srs. professor Charcot e Dr. Gombault, Bernhardt e Westphal, Moritz, Dreschfeld, etc. A istoaccresce que as differenças clinicas até hoje muito accen- tuadas entre esta e as outras nevrites tóxicas achão-se consideravel- mente attenuadas pelas gradações que os desvios do typo funda- mental permittem estabelecer entre ellas como fez o Sr. Dr. Brissaud. A manifestação da atrophia nas paralysias saturninas é precoce e tem como a paralysia dous typos clínicos, a atrophia parcial e a atrophia generalizada. Na fôrma parcial, paraplegia brachial ou paralysia dos exten- sores, a marcha é lenta, os músculos são accommettidos gradual e successivãmente. A atrophia attinge o máximo de intensidade nos antebraços onde os ossos e os tendões apenas cobertos pela pelle fazem notável saliência tanto mais sensível quanto em muitos casos se — 40 -- estabelece o contraste com a integridade, em relevo e posição, do músculo longo supinador. Nos membros inferiores" a atrophia é menos commum, mas em compensação produz deformações mais graves, como o equinismo por atrophia dos extensores do pé e dos peroneos lateraes que em geral são os únicos compromettidos. A's vezes a atrophia não respeita a subordinação á paialysia, affectando músculos que parecião não estar paralysados como os das eminências thenar e hypothenar e os adductores da coxa (Bris- saud). A generalisação da atrophia muscular observa-se nos casos raros e mesmo excepcionaes como accidentes primitivos, de paralysias gene- ralizadas. A atrophia tem então um valor considerável, não respeita, como a atrophia parcial o longo supinador, e ainda ao contrario desta caracterisa-se pela rapidez com que evolue. Invade de modo brusco regiões inteiras, compromettendo todos os músculos e determinando uma fusão rápida de todas as massas musculares (Heugas). A reacção electrica é a RdD franca. c. Arsenicaes.—Ao contrario das outras intoxicações é na fôrma aguda da intoxicação arsenical (Scolozouboff, Brissaud), que se ma- nífestão paralysias que a marcha clinica até certo ponto confirmada pelas observações anatômicas de Da Costa e Jaeschke, autorisa con- siderar-se de natureza nevritica. Dentre as perturbações trophicas e vaso-motoras que caracterisão estas paralysias, occupa e primeiro logar a atrophia muscular « o facto mais importante e essencial destas paralysias. » (Scolozouboff). A atrophia é sobretudo sensível nos músculos dos membros, que con- trastão então em volume com os músculos poupados do tronco e do rosto. E' particularmente mais sensível nos músculos innervados pelos peroneos e radiaes, nos interosseos e nas regiões thenar e hypo- thenar . O Sr. Dr. Scolozouboff J que attribue as paralysias arsenicaes a uma myelite, explica as contracturas que são communs nos flexores das extremidades por uma lesão provável dos cordões lateraes, mas 1 Scolozouboff. Paralysie arsenicale. Analysada nos Arch. de phys. 1881, pag. 323. — 41 — reconhece que não é fácil decidir se essas contracturas dependem antes de um encurtamento dos músculos atrophiados. As reacções electricas carecem de estudo completo. d. Oxydo e sulfureto de carbono.—A amyotrophia não tem a mesma importância nas paralysias que sobrevêm no curso das intoxi- cações pelo oxydo e o sulfureto de carbono e contra a natureza peri- pherica das quaes militão ainda a falta de sancção anatômica e al- gumas derrogações ao plano geral das paralysias tóxicas. Dellas, diz o Sr. Dr. Brissaud :(l) «A atrophia muscular é uma complicação rara : só interessa os músculos paralysados, e em geral em uma época tardia. Além disso parece pouco rebelde ao tratamento. » Caracteres das amyotrophias nevripathicas A atrophia muscular não é um symptoma essencial nas lesões dos nervos periphericos, pois que nas fôrmas pouco intensas ellas podem evoluir sem amyotrophia. Nessas lesões predominão com effeito as perturbações da sensibi- lidade, e de um modo particular as da motilidade, por tal modo que tem sido sob a fôrma de paralysias periphericas que se tem estudado as manifestações clinicas das lesões dos nervos periphericos, conside- rando como complicações suas phenomenos que, como a atrophia mus- cular e as perturbações da sensibilidade são, pelo menos tanto quanto a paralysia, verdadeiros symptomas da lesão dos nervos que em ul- tima analyse é a verdadeira moléstia. Entretanto, como uma conseqüência que é, de uma alteração adiantada da innervação muscular em virtude da lesão de nervos ge- ralmente mixtos e a que portanto estão confiadas funcções múltiplas, esta espécie de amyotraphia deve guardar com os outros symptomas que resultão dessas lesões, quer na associação, quer na successao chronologíca, relações taes de dependência que bem podem ser tomadas como características suas. Nestas condições a atrophia acompanha-se, como vimos, de perturbações da motilidade, da sensibilidade, vaso- motoras e trophicas. (1) Brissaud. Des paralysies toxiques; Th. d'agr. Paris, 1886, pag. 61. 6 87—B — 42 — Ainda mais: a atrophia peripherica pode-se complicar de uma atrophia de origem espinhal. E' um facto bem conhecido, que uma atrophia circumscripta por lesão de um nervo pôde no fim de um certo tempo complicar-se de uma atrophia mais ou menos extensa no mesmo membro, ou no do lado opposto, atrophia devida provavelmente a uma lesão secundaria da medulla em virtude de uma nevrite ascendente. A intensidade da atrophia é muito variável, e a diminuição de volume das massas musculares pôde ir desde um gráo só apreciável á mensuração até á desapparição completa dos músculos. O mesmo se dá em relação á extensão: a amyotrophia pôde cir- cumscrever-se a área de distribuição de um nervo, ou ramo nervoso, ou adquirir uma generalização quasi completa. Também a sede é muito variável. Nas lesões puramente locaes dos nervos, a sede da atrophia varia com cada nervo lesado. E é nas atrophias localisadas especialmente que se observão as posições vi- ciosas em virtude da ruptura do equilíbrio entre os músculos anta- gonistas. Nas nevrites múltiplas a atrophia manifesta-se em geral nos membros inferiores, no saturnino a sede de predilecção é a distribuição do nervo radial. Os músculos votados á atrophia são molles, flacidos, sem tonus, dando muitas vezes a sensação de fluctuação. O relaxamento dos músculos é um phenomeno tão precoce que permitte distinguir no fim do segundo dia quaes os músculos affectados (Weir Mitchell). Um outro caracter importante desta espécie de amyotrophia é o modo de comportar-se ao exame electrico. O valor da exploração re- side aqui, menos nas modificações simples das excitabilidades faradicas e galvanicas do que no resultado comparativo do exame pelas duas espécies de corrente. Queremos referir-nos á reacção de degenera- ção (RdD) de Erb, que é um dos caracteres mais importantes das paralysias e amyotrophias periphericas. Esta reacção « consiste, diz o Sr. professor Erb,^) na diminuição e perda da excitabilidade faradica e galvanica do nervo e da excitabi- lidade faradica dos músculos, emquanto a excitabilidade galvanica dos (») Erb. Traité d'electroterapie. Paris. 1884. pag. 161. -- 43 — últimos fica estacionaria, cresce ás vezes de um modo notável e varia sempre qualitativamente de um modo determinado. » Estas variações consistem sobretudo no augmento de poder da An F C que se torna igual e mesmo superior a KaFC ; ao passo que KaOC torna-se =ou > a AnOC. Quando a excitabilidade galvanica tem de desapparecer, desapparece em primeiro logai* Ka FC e em ul- timo An FC. Além disso e o que é muito característico o abalo muscular torna-se moroso e lento. Tal é a RdD completa: ha ainda uma RdD incompleta, em que faltão as modificações para a excitação dos nervos, existindo somente as dos músculos. Não é possível entrar aqui nos grandes desenvolvimentos que comporta esta reacção, que hoje deve pertencer á semeiotica elementar das moléstias do systema nervoso. Entretanto o valor do exame electrico é maior nas amyotro- phias devidas a lesões locaes dos nervos do que nas que dependem das polynevrites. Embora nestes últimos casos a RdD seja ainda a regra, póde-se dar entretanto o facto de não existir relação entre o gráo e rapidez da atrophia e a diminuição até á abolição da contractilidade faradica dos músculos. Este facto foi verificado pelo Sr. professor Grocco.(J) Na observação 3a, em que a atrophia era considerável a excitabilidade faradica achava-se muito diminuída, mas em ponto algum abolida, ainda mesmo nos músculos extensores da mão, que erão os mais atrophiados. Comprehende-se perfeitamente, parece-nos, a possibilidade deste facto desde que sabe-se que a nevrite múltipla quasi nunca compromette todas as fibras de um nervo. A marcha e principalmente a duração da atrophia depende da gravidade da lesão dos nervos. Em geral é rápida na sua manifes- tação e como o prognostico em regra é benigno a restauração dos músculos é também rápida. Um phenomeno perfeitamente observado nos casos de restau- ração da atrophia é a precedência na reacquisição da contractilidade voluntária sobre a da contractilidade electrica. Este facto não pôde ser devido como suppôz o Sr. Dr. Mario Ferreira(2) em suathese de («) Grocco. Loc. cit. in An. Un. 1885. (») Mario Ferreira. Paralysias periphericas. Th. 1886. — 44 — 1886, á natureza differente dos estímulos voluntário e electrico e sim como estabeleceu o professor Erb a existência de uma distincção real entre a conductílídade e a excitabilidade dos nervos, pois que as experiências demonstrão que, mesmo para a electricidade, a manifes- tação da conductílídade precede á da excitabilidade. Com effeito, nesta phase de restauração, quando a excitação electrica do nervo abaixo do ponto lesado não produz ainda contracção dos músculos, a excitação acima da lesão dá o mesmo resultado que a excitação vo- luntária. Em alguns casos, porém, os músculos atrophiados não tendem a restaurar-se, e é então que sobrevem as deformações produzidas pela falta de equilíbrio entre os músculos antagonistas, em virtude das retracções musculares. Sobre esta grave complicação das amyo- trophias periphericas, cedamos a palavra ao Sr. Dr. Weir Mitchell. « A atrophia que succede á divisão completa dos nervos, diz elle,^) é quasi seguramente seguida de contractura muscular, mas não me tem sido possível fixar a época de sua apparição e o período da atrophia a que ella corresponde. E' de ordinário uma conseqüência af- fastada da secção e o mais grave entre todos os signaes que indicão uma perda irreparável da funcção. A força de retracção atrophica é considerável e faz lembrar a força de retracção irresistível dos tecidos cicatriciaes. Ella vence a resistência muscular, desvia os membros, luxa as articulações e oppõe os maiores obstáculos á cura. » CAPITULO III Pathogenia e Anatomia pathologica da amyotrophia nevripathica SUMMARIO.—Pathogenia: diversas theorias pathogenicas, theoria da interrupção da influencia trophica medullar. Alterações do tecido muscular nas lesões dos nervos; natureza do processo anatomo-pathologico. Pathogenia.—As numerosas hypotheses propostas para explicar a atrophia dos músculos em conseqüência da lesão dos nervos periphe- ricos hoje tem, pela maior parte, apenas um valor histórico. Ellas cor- (*) Weir Mitchell. Des lesions des nerfs et de leur conseqaence.Paris, 1874. — 45 — respondem ás syntheses provisórias mas successivas de que se serve o espirito humano na acquisição gradual dos conhecimentos positivos e que devem ceder logar senão a interpretação real dos factos, ao menos aquellas que encontrão maior apoio nas verdades já adquiridas. E' porisso, que, não nos propondo fazer um histórico do assumpto, seremos muito lacônicos na critica e exposição das explicações reputadas hoje prejudicadas pelos progressos ulteriores dos conhecimentos scien- tificos. As perturbações vaso-motoras, vaso-constrictivas e vaso-dila- tadoras são, está hoje bem demonstrado, não só Ínsufficientes, mas incapazes de produzir uma atrophia muscular. Não é mais acceitavel como explicação a theoria dos nervos tro- phicos de Samuel. Refutando, embora, certas objecções que se cos- tumão oppôr a esta theoria como a impossibilidade de demonstrar a existência anatômica destes nervos, os Srs. professor Charcot (') e Dr. Arnozan (2), nem porisso, deixarão de demonstrar quanto é pelo menos dispensável esta theoria. Outra theoria julgada e que não exige mais discussão é a theoria da irritação, ou melhor a differença de effeitos entre a secção simples do nervo e a sua irritação, theoria emittida por Brown Sequard e tão brilhantemente desenvolvida pelo prof. Charcot. E' realmente insignificante o valor da immobilisação como factor de amyotrophias. A nevrite ascendente como causa de atrophia muscular está exa- ctamente no caso da theoria reflexa ; ambas exigem uma intervenção pathologica da medulla que exclue as atrophias que lhes são attri- buidas da classe das amyotrophias periphericas. O conhecimento mais perfeito da influencia trophica que exercem sobre os músculos as cellulas dos cornos anteriores da medulla, per- mittio dar a verdadeira explicação do phenomeno que estudamos. A correspondência estreita que a anatomia pathologica demonstra entre a atrophia muscular de um lado e a destruição das cellulas multi- polares dos cornos anteriores de outro nas poliomyelites anteriores, a necessidade de um compromettimento directo ou indirecto dos (') Charcot. Leçons sur les maladies du système nerveux. t. I, Paris, 1881. (s) Arnozan. Des lesions trophiques conseculives aux maladies du système ner- veux. These d'agrég. Paris, 1880. — 46 — cornos anteriores da medulla nas amyotrophias myelopathicas secun- darias, constituem principalmente, pelas condições especiaes de uma dissecção delicada que estabelecem, a demonstração dessa acção tro- phica que é ainda confirmada pelos resultados accordes da experi- mentação. Apezar de existirem alguns factos que se parecem furtar ás leis da influencia trophica em geral e em particular da influencia myo- trophica medullar, esta influencia é geralmente acceita como a ex- pressão de um facto incontestável, maxime passíveis como são alguns, o dos professores Pitres e Vaillard (a) e os do Dr. Babinski (2), de uma interpretação menos em desaccordo com essas leis, do que a primeira vista podião parecer. A natureza intima da acção trophica, não está bem assente qual seja. Pará uns os centros trophicos excitarião, estimularião a nutrição intima dos elementos anatômicos; para outros exercerião antes uma acção moderadora, ou antes reguladora da nutrição. Este ultimo modo de comprehender a influencia dos centros tro phicos parece mais de accôrdo com a natureza das alterações anatomo- pathologias que a sua suppressão determina para os nervos e para os músculos. Anatomia pathologica.—Estabelecida como fica que a suppressão da acção trophica medullar é o factor pathogenico das amyotraphias nevripathicas era natural suppôr á priori que a natureza das lesões que se processão para os músculos fosse análoga â natureza das que a suppressão dessa influencia trophica determina para os nervos. Pois bem, apezar das grandes controvérsias que se suscitão ainda a propósito da anatomia pathologica destas atrophias, este facto parece confirmado ao menos em grande parte pelas investigações positivas. Não são numerosos, entretanto, os documentos fornecidos pelo exame anatomo-pathologico para solução destas questões, cujos dados principaes provêm da experimentação. í1) Pitres et Vaillard, cit. loc. (*) Babinski. itrophie musculaire d'origine celebrale avec intergrité des cornes anterieures de Ia moelle et des nerfs moteurs. (Soe. de biol. Fevrier 1886). — 47 — Analysando os trabalhos de Vulpian, Monteggaza,Erb, e comple- tando-os com experiências próprias, o Sr. professor Hayem (J) conclue que se trata aqui de uma espécie de myosite hyperplastica, de cirrhose atrophica, e nunca como se havia supposto, de uma degeneração gor- durosa. A lesão éuma atrophia simples da fibra muscular, sem alte- ração da estriação. Em uma ou outra fibra pôde se encontrar uma degeneração granulo-proteica, ou mesmo proteica gordurosa. A atro- phia da substancia estriada acompanha-se sempre de uma multiplicação dos núcleos do sarcolemma. Ao lado destas alterações para a fibra muscular, produz-se uma proliferação abundante dos elementos do perimisium internum e esta hyperplasia chega rapidamente a constituir um tecido conjunetivo adulto. Abafadas pelo tecido conjunetivo hyperplasiado, as fibras mus- culares e por fim os núcleos multiplicados atrophião-se rapidamente. Apparecem então neste tecido conjunetivo as cellulas adiposas, pois que a degeneração gordurosa é constituída, como demonstrou o professor Vulpian, pela adipose intersticial. O desenvolvimento da lipomatose intersticial não é regular e uniforme, dá-se em focos diffe- rentes que depois se reúnem quando têm desapparecido as fibras mus- culares interpostas. Em resumo, pois, e nisso ainda de accôrdo com os trabalhos de Bizzozero e Galgi, as alterações para o lado dos elementos musculares consistem em uma atrophia simples da substancia estriada, com mul- tiplicação dos núcleos do sarcolemma. Estes resultados que se referem apenas ás lesões traumáticas dos nervos, como era de prever, são idênticos aos das lesões espontâneas. E' isto que se conclue dos exames histologicos do professor Charcot e Dr. Gombault, na paralysia saturnina, e do que escreve o Sr. Dr. CEttinger, das amyotrophias por nevrites espontâneas. « Histologicamente, diz elle, (2) as lesões são as que se observão em um músculo separado do seu nervo, mas não se deve crer que as alterações sejão extremamente aceusadas, porque taes alterações se produzem lentamente e por outro lado a nevrite parenchymatosa não (») Hayem. Recherches sur 1'anatomie pathologique des atrophies musculaires. Paris, 1887. (*) (Ettinger. Loc cit., pag.5l. — 48 — determina effeitos tão completos sobre a nutrição do músculo, como a secção total do nervo.» O que, porém, é sobretudo controverso, é a natureza intima do pro- cesso mórbido, isto é, se se trata de um processo puramente passivo ou de um processo activo, como o indica a multiplicação dos núcleos. Em uma communicação á Academia das Sciencias, o Sr. Dr. Babinski (*) pronuncia-se positivamente pela segunda hypothese. As suas expe- riências demonstrarão-lhe que no caso de secção dos nervos havia uma producção exuberante do protoplasma não differençado da fibra mus- cular e attribue a essa proliferação o desapparecimento da substancia estriada. Em geral o protoplasma exuberante dissocia os cylindros primi- tivos e separa-os uns dos outros; em fibras menos numerosas o proto- plasma carregado de núcleos separa do sarcolemma a substancia estriada ás vezes muito reduzida; em outras ainda a disposição é in- versa, o protoplasma e os núcleos occupão o centro e a substancia estriada recalcada para a peripheria, acha-se em contacto com o sarcolemma. Dahi concluio elle que é a exuberância do protoplasma não diffe- rençado e que conservou portanto a actividade nutritiva a causa do desapparecimento da substancia estriada, isto é, do protoplasma diffe- rençado, mas ao qual esta differenciação funccional fez perder muito da actividade nutritiva embryonaria. Desde que a secção do nervo abolio a funcção da fibra muscular, as duas espécies de protoplasma ficarão entregues aos seus recursos vitaes, e aquelle que dispunha de menor actividade nutritiva, acabou por succumbir nesta lucta pela existência. E', como se vê, a consagração anatômica dabella applicação que, da theoria da selecção natural do sábio naturalista inglez, fez o pro- fessor Ranvier ao mundo cellular. Ao exame macroscópico os músculos apresentão aspectos differen- tes. Quando o processo atrophico acha-se pouco adiantado, os mús- culos apresentão-se apenas diminuídos de volume, mas com a coloração normal: nos últimos períodos da atrophia achão-se, ao contrario, (») Babinski. Des modifications que presenteai lesmuscides à Ia suite de Ia section des nerves qui s'y rendent. Acad. Sc, le 7 Janv. 1884. — 49 — reduzidos a lâminas pallidas, amarelladas, como no ultimo período das atrophias progressivas. Além destes, os Srs. professor Charcot e Dr.Gombault descreverão na paralysia saturnina um aspecto particular dos músculos que erão então dotados de uma consistência lenhosa e tinhão uma cor especial, de jambon fume. CAPITULO IV Diagnostico, prognostico e tratamento das amyotrophias nevripathicas SUMMARIO.— Diagnostico, das amyotrophias nevripathicas entre si, com as myelopathicas. Prognostico. Tratamento: indicações reclamadas pelas lesões dos nervos, e indicações reclamadas pela amyotrophia. Diagnostico.—A atrophia muscular nas lesõos dos nervos é um simples symptoma e representa, como já o dissemos, um caso apenas das amyotrophias de origem nervosa. Sob o ponto de vista do diagnos- tico devemos consideral-a portanto nas relações que estabelece de um lado entre as diversas lesões dos nervos e de outro entre estas e as do centro medullar. Os caracteres tirados da intensidade, da extensão e da duração, assim como os que fornecem a exploração electrica, o estado dos reflexos, a ausência de paralysia e de perturbações da sensibilidade são de tal ordem que dispensão uma discussão particular do diagnos- tico differencial entre as myopathias atrophicas progressivas e as amyotrophias nevripathicas. Nas lesões dos nervos periphericos a amyotrophia nevripathica é destituída de qualquer valor diagnostico.Conseqüência fatal de uma cir- cumstancia que póde-se realisar nas condições mais diversas,—a secção do tubo nervoso, esta amyotrophia nenhuma indicação pôde fornecer sobre a sede e a natureza das lesões dos nervos. Apenas a extensão, a tendência invasora, o compromettimento particular dos extensores permittem até certo ponto referir a atrophia que tem esses caracteres a uma nevrite múltipla de preferencia a uma nevrite circumscripta, ou localisada. 7 87—B — 50 — E' muito especial e isolado o facto da amyotrophia saturnina dos extensores que se pôde differençar das outras atrophias radiaespela ntegridade do longo supinador. A atrophia nevripathica não possue ainda caracter particular por onde se possa distinguil-a directamente da de origem medullar. Em um e em outro caso a atrophia se apresenta com os mesmos caracteres, e com as mesmas reacções electricas. A RdD mesmo não é como se suppôz, um caracter distinctivo. « Tudo o que nos ensina a RD, diz o Sr. professor Erb, (O em relação a sede da lesão é que certamente deve-se tratar aqui de uma moléstia nevrotica e que só se pôde tratar de uma lesão ou dos nervos periphericos, ou das raizes motoras, ou das massas cinzentas centraes. A presença da R d D não permitte como se acreditou por muito tempo, concluir para uma lesão peripherica, o que seria um erro completo. Pôde muito bem haver uma lesão espinhal e para decidir se a verdade está aqui ou lá, é absolutamente necessário recorrer a outros symptomas peremptórios que se terá estudado de um modo aprofundado » Assim, o diagnostico entre a amyotrophia nevripathica e a myelo. pathica reverte realmente no diagnostico differencial entre as lesões dos nervos que se acompanhão de amyotrophia e as affecções medulla- res amyotrophicas. Os elementos do diagnostico entre as amyotrophias por lesões puramente locaes dos nervos e as de origem medullar residem nos esclarecimentos fornecidos pela historia pregressa do caso e pelas condições ás mais das vezes facilmente apreciáveis porque se produziu a lesão dos nervos. Aqui a circumscripção da atrophia não pôde ter o mesmo valor geral que a circumscripção da paralysia, pois, não só a atrophia peripherica pôde comprehender todo um membro, como lesões medullares podem produzir atrophias muito circumscriptas. « Uma lesão limitada a um pequeno numero de músculos, diz o Sr. professor Hayem (2) não implica necessariamente a alteração do nervo correspondente. (!) Erb, loc. cit. pag. 101. * Hayem. Atrophie musculaire. Dicc. de Dechambre, vol. 10, serie 11» pag. 766. (Art. MuscuIaire.(íissM). — 51 — « Uma myelite localisada pôde, com effeito, quando se estende á substancia cinzenta produzir este gênero de amyotrophia. E' o que se observa, por exemplo, no começo da atrophia muscular progressiva, na paralysia infantil, nas myelites ou meningo-myelites traumáticas, nos tumores da medulla etc.» O diagnostico differencial das amyotrophias periphericas com as de origem medullar torna-se sobretudo importante nos casos de atrophias mais ou menos generalizadas devidas ás polynevrites. E é particularmente com as poliomylites anteriores, agudas, ou sub-agudas, que são mais estreitas as relações das polynevrites. Como symptomas communs temos : muitas vezes o modo de manifestar-se, uma para- lysia flacida, de marcha invasora, as mesmas reacções electricas, a atrophia dos músculos, abolição dos reflexos , integridade funccional dos esphincteres etc., etc Os principaes signaes que permittem a distincção entre as duas affecções são assim resumidos e apreciados pelo Sr. Dr. Fran- cotte : * 1.° Terminação mais favorável da nevrite. Este signalnão está exempto de contestação e em todo o caso carece de verificação. 2.° O parallelismo na nevrite entre as perturbações da contracti- lidade electrica e a motilidade voluntária. Este signal proposto por Bernhardt e cujo valor exige ainda verificação, consiste em que na poliomyelite e não na polynevrite a RdD pôde coexistir com uma con- servação assáz completa da motilidade voluntária. 3.° Um signal proposto por E. Remak e de valor incontestável é o tirado da distribuição da paralysia. Esta na poliomyelite pôde compre- hender músculos innervados por nervos differentes, mas concorrendo para a execução de um mesmo movimento. Nestas condições, com effeito, é mais natural admittir uma lesão nas cellulas motoras medul- lares correspondentes que presidindo a execução de um movimento synergico devem estar reunidos na medulla, do que admittir a lesão de todos os nervos em separado. 4.° A presença na nevrite de symptomas bem claros no domínio da sensibilidade. De todos estes signaes é o mais valioso porque também é o mais constante. Todavia elle não tem um valor absoluto, pois que i Francotte, loco cit. p. 402. — 52 — não só tem se observado perturbações da sensibilidade nas poliomye- lites mas nas polynevrites as dores podem ser pouco importantes. A estes signaes podemos accescentar outros como a marcha especial da paralysia infantil, o compromettimento mais freqüente dos nervos craneanos na polynevrite (Pierson Grocco), assim como a existência de crises visceraes etc. Com a poliomyelite chronica, atrophia muscular progressiva, o diagnostico differencial é relativamente fácil e baseia-se em que na polynevrite a amyotrophia é sempre precedida de paralysia, são con- stantes os phenomenos dolorosos e as perturbações de sensibilidade cutânea, ha RdD franca, habitualmente começa pelos membros su- periores, e a evolução é mais rápida. As outras lesões espinhaes distinguem-se em geral das polyne- vrites pela addição ao elemento atrophia dos symptomas por que se traduz o compromettimento das outras regiões medullares. Nestas condições a amyotrophia indica sempre o compromettimento das pontas anteriores ou consecutivo nas myelites systematisadas, ou simultâneo nas diffusas. O começo pelos membros superiores, e mais particularmente as contracturas e os phenomenos bulbares não permittem a menor con- fusão com a esclerose lateral amyotrophica. Nas myelites diffusas encontrão-se phenomenos ^ommuns á poly- nevrite como dores, fraqueza muscular, paralysia, atrophia dos múscu- los etc.; as analogias crescem mesmo de ponto em casos particulares como na pachymeningite cervical hypertrophica complicada de uma meningite espinhal extensa (Buzzard), poisque então o comprometti- mento das raizes posteriores determina dores nos troncos nervosos exactamente semelhantes ás que se observão nas nevrites múltiplas. Numerosos são os signaes, entretanto, que permittem uma dis- tincção fácil, assim o exagero dos reflexos superficiaes e profundos, as perturbações funccionaes para os esphincteres, a tendência á contractura, e ás escaras e para o caso particular da pachymeningite a preponderância dos phenomenos nos membros superiores, a rigidez do pescoço, dôr a pressão ao longo da columna vertebral, etc. Nos casos de hemorrhagia na substancia medullar ou debaixo das meningeas podem-se observar paralysia motora dos membros, anes- thesia cutânea, atrophia muscular, perda da excitação electrica, etc. — 53 — Não podemos tratar aqui do diagnostico differencial das polyne- vrites com as affecções medullares que se approximão muito dellas por outros symptomas, que não a atrophia muscular. Estão neste caso o tabes dorsalisincipiente, a paralysia de Landry etc. A moléstia de Landry com effeito não é uma affecção definida e parece bem que nos casos raros em que se tem observado a atrophia tratava-se de verdadeiras polynevrites. Prognostico.—Se o valor da amyotrophia na pathologia do sys- tema nervoso peripherico é secundário como signal diagnostico, a sua significação prognostica é capital. A amyotrophia é de facto o principal critério da gravidade do processo mórbido que se passa para os nervos. Ella indica que houve secção do cylinder-axis e que a restauração do nervo encontra difficuldade em se effectuar. A RdD que permitte julgar da alteração dos músculos pôde nos casos similares e nas lesões locaes dos nervos marcar a duração do processo nevri tico. Se a excitabilidade electrica dos músculos é normal nas paraly- sias circumscriptas, a paralysia deve durar segundo o professor Erb de 2 a 3 semanas ;se houver RdD parcial pôde durar de 1 a 2mezes, se ha RdD completa o prognostico é mais desfavorável e a paralysia pôde durar 3, 6, ou 9 mezes e mais. Em relação a estes factos já tivemos occasião de fazer reservas para os polynevrites. As amyotrophias completas por lesões irreparáveis dos nervos são sempre graves,não só em virtude da abolição das funcções corresponden- tes a esses músculos,como pelas conseqüências da retracção atrophica. Tratamento.—São claras as indicações therapeuticas nas amyo- trophias nevripaticas ; de um lado facilitar e promover a restauração dos nervos, de outro impedir que os músculos se atrophiem, emquanto essa regeneração se processa. A primeira parte em rigor sahe dos dominios do nosso ponto, mas devemos referir-nos ao menos a um assumpto hoje de novo na tela da discussão, a reunião dos nervos seccionados. Em uma discussão recente, com effeito, da Societé de Chirurgie *, a propósito de um caso do Sr. J Le Bulletin Medicai, n. 7, Mars. 1887. — 54 — Dr. Palaillon aventou-se de novo a questão da reunião immediata dos nervos, sustentada pelo Sr. Dr. Tillaux e combatida pelo Sr. Dr. Lannelongue. Resumindo á vista dos factos apresentados nessa occasião, a con- ducta do cirurgião em relação á sutura dos nervos, diz o Sr.Dr.Reclus.1 « O restabelecimento rápido, ou immediato das funcções nervosas após a sutura secundaria tem sido observado muitas vezes e por cirur- giões de muito merecimento para que se possa pôl-o em duvida. Para nós, os práticos, a nossa conducta está traçada : quando um nervo tiver sido dividido, devemos aproximar as duas extremidades que mante- remos em contacto por meio de uma sutura delicada com o catgut, ou com o fio de Florença. Deve-se a todo o preço evitar a suppuração que provoca a formação de tecidos fibrosos e massas inodulares. Deve-se tentar uma primeira sutura e se esta falhar deve se tentar uma sutura secundaiia, que pôde ser seguida de successo. » Em relação á segunda parte nada temos a accrescentar ao que estabeleceu o Sr. Dr. Weir Mitchell2 a quem transcrevemos : « A electricidade sob todas as suas fôrmas, a massagem, as duchas alternativamente quentes e frias são os três meios que eu emprego contra a atrophia e a paralysia muscular. « O resultado geral que procuro obter do seu emprego é activar a nutrição, determinar um affluxo mais abundante do liquido sanguineo realisando artificialmente as condições de excitação em que se achão collocados os músculos sãos em virtude das mudanças de temperatura e das alternativas de movimento e repouso. Quando se dá em seguida a restauração do nervo o músculo acha-se em muito melhores condições para aproveital-a.» O Dr. Weir Mitchell emprega quer a electricidade galvanica quer a faradica, em sessões diárias de quarto, ou de meia hora, dimi- nuindo a intensidade da corrente á proporção que a restauração se vai dando e interrompendo em todo caso o tratamento electrico no fim de dous ou três mezes para voltar a elle mais tarde. Elle prefere entretanto para os casos graves a corrente galvanica como mais enérgica, e aquece previament a parte a electrizar, porque os tecidos aquecidos respondem melhor ás estimulações. Considera grande o beneficio da massagem. 1 Reclus Le Bulletin Medicai, 1887. 2 Weir Mitchell. loc cit. SEGUNDA PARTI Amyotrophias myopathicas Esta classe comprehende as amyotrophias por alteração da crase sangüínea e as amyotrophias que dependem de uma alteração da acti- vidade própria da fibra muscular. Para fazer sobresahir o grupo prin- cipal dividil-as-hemos, em amyotrophias myopathicas progressivas e amyotrophias myopathicas não progressivas. Amyotrophias myopathicas progressivas CAPITULO I Myopathia atrophica progressiva; suas fôrmas clinicas Summario.—Myopathias primitivas progressivas: paralysia pseudo-hypertrophica, typo juvenil de Erb, typo Landouzy-Dejerine, typos não classificados.—Unidade fundamental destas fôrmas clinicas. A myopathia atrophica progressiva já conhecida de alguns annos com a paralysia pseudo-hypertrophica, mas condemnada a uma posição extremamente secundaria, surge hoje sob o influxo dos estudos mo- dernos, revestida de taes direitos á consideração nosographica que força uma revisão completa na destribuiçãohierarchica das amyotrophias, obrigando de alguma sorte a Escola da Salpetrière a voltar atraz afim de conferir-lhe a primazia que havia cedido ás atrophias musculares de origem myelopathica. E' sob o influxo dos brilhantes estudos, não desta Escola, mas do professor Erb e dos Srs. Drs. Landouzy e De- jerine que essa reforma se inicia e adquire as proporções em que hoje a presenciamos. — 56 — Afora os typos de transição, conhecem-se hoje três fôrmas de atrophia muscular de origem myopathica; a paralysia pseudo-hyper- trophica, a fôrma juvenil de Erb e a myopathia atrophica primitiva dos Drs. Landouzy e Dejerine. O estudo que dellas vamos fazer, terá sobretudo em vista a his- toria de uma familia myopathica da clinica do Sr. Dr. Monteiro de Azevedo, a quem devemos a graciosa permissão de colher e publicar esta interessante observação, a primeira, que nos conste, publicada entre nós de um modo mais detalhado. I. Paralysia pseudo-hypertrophica.— A historia clinica da para- lysia pseudo-hypertrophica será feita na observação da familia myo- pathica. que se segue. Desenvolveremos nas reflexões de que fare- mos seguir a observação, os motivos que nos demoverão a consideral-a não um typo da paralysia pseudo-hypertrophica clássica, mas um exemplo desta fôrma clinica tal como deve ser considerada em face dos estudos modernos. Da descripção clássica que se encontra em quasi todos os tratados de moléstias do systema nervoso, á excepção do do professor Grasset * que, omittindo-a, estabeleceu um precsdente lógico, só daremos os factos capitães. A paralysia pseudo-hypertrophica é uma moléstia familiar, pe- culiar ás primeiras idades. Os casos de manifestação em adulto dão margem a duvidas (Hamon). Em geral o sexo feminino é poupado. Os auetores têm admittido um numero variável de períodos na affecção: dous pelo professor Charcot, 2 três pelo Dr. Bourdel 3 e quatro pelo Dr. Hamon.4 A descripção do Sr. Dr. Bourdel está mais de accôrdo com o que observamos. No primeiro período que dura em geral um anno aproximada- mente, ha apenas enfraquecimento dos músculos, e particularmente dos membros inferiores, donde resultão o affastamento das pernas, o exa- gero da curvatura sacro-lombar, a oscillação do tronco na marcha, etc. I Grasset. Traitépratique des maladies du système nerveux. 3* éd., Paris 1886. * Charcot. Leçons sur les mal. du syst. nerveux. Paris, 1883 T. 111. * Bourdel. Contribution d Vétude de Ia paralysie pseudo-hyperlrophique Paris, 1885. * Hamon. Paralysie pseudo-hypertrophique. Th. Paris, 1883. — 57 — No segundo, de dous annos, pouco mais ou menos, ha hypertro- phia muscular commummente associada já á atrophia de outros grupos musculares. Começando pelos músculos do mollet, ella pôde genera- lisar-se mais ou menos. No terceiro período domina a paralysia, primeiro dos membros in- feriores, depois dos superiores, do tronco, da face, acompanhando-se de atrophia bem accentuada. O doente fica então condemnado á im- mobilidade no leito, onde sobrevem, mais ou menos tarde, o marasmo de que o podem roubar complicações diversas. A identidade do typo Leyden-Mobius com o typo de que nos oc- cupamos dispensa-nos de consagrar-lhe descripção particular. Família myopathica TRÊS CASOS DE MYOPATHIA ATROPHICA PROGRESSIVA, REPRODUZINDO TRÊS ESTÁDIOS DIVERSOS DA MOLÉSTIA (Observaçãopessoal tomada na clinica civil do Sr. Dr. Monteiro de Azevedo) Na familia Lima, portugueza, originaria da ilha da Madeira e moradora ha vinte annos na cidade de Nictheroy, existem três irmãos affectados de uma das fôrmas da myopathia atrophica progressiva. O pai dos três amyotrophicos, homem robusto e vigoroso, de 53 annos de idade, empregado no transporte de carnes verdes, goz a de perfeita saúde. E' casado em segundas nupcias, tendo succumbido á uma affecção aguda a primeira mulher, de quem teve nove filhos. Des- tes só vivem dous, um perfeitamente são e entregue aos mesmos trabalhos rudes que seu pai, e o outro também já homem e vigoroso mas cego, em conseqüência, segundo referem, de uma puncção cra- neana que soffreu aos 7 annos, afim de extrahir o liquido de uma hydrocephalia congênita que lhe deixou com uma cabeça extremamente volumosa, um exíguo desenvolvimento intellectual. Da segunda mulher, que é viva e goza de bôa saúde, sem apre- sentar phenomeno algum atrophico, tem tido também nove filhos, dos 8 87—B — 58 — quaes vivem quatro e morrerão cinco, dous em tenra idade de per- turbações gastro-intestinaes, um ao nascer, um de sarampão aos dous annos e um ás conseqüências da amyotrophia. Dos quatro vivos, dous do sexo masculino são myopathicos e os outros dous do sexo feminino, uma de 5 e outra de 14 annos e gozando ambas de bôa saúde. A menor é dotada de uma musculatura muito desenvolvida, mas sem o menor signal de fraqueza. Por mais minuciosas que fossem as indagações, não conseguimos descobrir o menor vestígio de uma herança mais remota, quer directa, quer collateral. Pelo lado paterno não só o avô dos amyotrophicos vive ainda com a idade de 83 annos, mas os bis-avós morrerão, um com 110 e o outro com 99 annos: pelo lado materno, o avô ainda vive com 81 annos e a avó morreu aos sessenta e tantos annos de uma affecção cancerosa do seio. Dous factos entretanto devem ser mencionados como predicados familiares. São primeiro os olhos grandes de todos os filhos, quer do primeiro, quer do segundo matrimônio, e que devem ser considerados como uma herança paterna, pois o pai delles os tem assim. E é em todos os filhos do segundo matrimônio uma difficuldade na pronuncia de certas lettras, o que parece uma herança materna, pois que o mesmo vicio se encontra na segunda mulher. Entretanto nella, como nas duas filhas, a perturbação é pouco accentuada, mais porém na me- nina do que na moça. Os três amyotrophicos, Augusto, de 7 annos, Antônio de 9 e Ma- noel, de 13, representão três phases da mesma affecção, de sorte a reproduzir nos mais moços estádios já percorridos pelo mais velho. Afim de evitar repetições, daremos as observações por ordem dos gráos de compromettimento, indo do menos para os mais compro- mettidos. I. Augusto, de 7 annos de idade, l,m25 de altura, nasceu a termo e era bem desenvolvido; amamentação natural até anno e meio; dentiçâo acompanhada de accidentes gastro-intestinaes e convulsivos. Tudo, porém, cedeu e o menino até hoje apenas teve sarampão be- nigno. Estado actual.—A uma observação ligeira de um espirito des- prevenido podem ainda passar desapercebidas as alterações por que se — 59 — traduz em Augusto a affecção myopathica, tão pouco se accentuão os seus caracteres, mas instruídos pela historia dos irmãos mais velhos não poderão elles passar desapercebido aos pais. Face.—A physionomia é triste e sem vivacidade. A motilidade da face, entretanto, é completa, quer na fronte, quer nas palpebras, quer nos lábios que sSo symetricos e de desenvolvimento natural; o doente fecha e abre bem os olhos; assovia,sopra e ri-se sem alteração mimica. Mas no estado de repouso a bocca conserva-se entre-aberta e o doente tem diflficuldade na pronuncia de certos sons, perturbação esta que estudaremos mais de espaço em Antônio em quem ella é mais pro- nunciada. No tronco e nos membros não ha ainda o menor indicio de atrophia, mas existe hypertrophia já bem apreciável nos músculos dos membros inferiores e principalmente nos gastro-cnemios, nos da região antero-externo da perna, assim como nos gluteos e nos mús- culos da coxa. A' mensuração devem-se os seguintes resultados : Braços : Parte superior: 0,175 (d),—-0,175 [e). » media : 0, 14 (d),—0,14 (e). » inferior: 0,145(ti),—0,145 (e). Antebraços : Parte superior: 0,15 (d),—0,16 (e). » inferior: 0,105 (d),—0,105 (e). Coxas : Parte superior : 0,315 (d),—0,340 (e). » média: 0,295 (d),—0,295 (e). » inferior : 0,24 {d),—0,23 [e). Pernas: Abaixo da tuberosidade ant. do tibia : 0,23 (d),—0,25 (e). Jumellos: 0,255 (d),—0,240 (e). 3.» inferior: 0,195 [d),—0,185 (e). A hypertrophia não é entretanto tão notável pelas dimensões dos músculos como pela desproporção com a força de que são dotados. Com effeito, apezar da sua musculatura desenvolvida, os membros tanto superiores como inferiores, mas principalmente estes são muito fracos, posto que o doente possa ainda andar e correr. Na posição vertical exagera-se a lordose lombar, mas o doente não necessita ainda alargar a base de sustentação afastando as pernas. — 60 — Para passar de um decubitus qualquer á posição vertical, o doente tem de executar a série de posições bem conhecidas da paralysia pseudo-hypertrophica e que se exprime bem,dizendo que o doente sobe ao longo das suas pernas. O indivíduo passa sempre ao decubitus abdominal, colloca-se em seguida sobre os quatro membros para so- erguer por fim o tronco collocando successivamente as mãos nas pernas, nos joelhos, nas coxas, etc. até alçar-se de todo. Augusto nao executa forçosamente todas estas manobras, colloca- se sobre os quatro membros e depois levanta-se apoiado apenas nos joelhos. E aqui ainda dá-se um facto já consignado pelos auetores, é que o doente, embora recorra quasi sempre a este processo para levantar-se, pôde fazel-o sem o seu auxilio. Mas neste caso a elevação do tronco é lenta e gradual. O doente anda ainda sem oscillar o tronco [dandiner) mas a fra- queza dos membros inferiores já é considerável. Mais exagera-se ainda esta fraqueza, se Augusto anda calçado, nestas condições temol-o visto cahir sem outra cousa mais do que qrerer andar depressa : nota-se que exagera então a flexão da coxa como para evitar que arraste a ponta do pé, o doente steppe como dizem os francezes. Não ha contracções febrillares ; a sensibilidade era qualquer das suas fôrmas é intacta mas ha grande tendência ao resfriamento das extremidades. Ausência dos reflexos rotulianos. Foi o seguinte o resultado do exame electrico. Correntes faradicas (apparelho de GaifFe) : L. d. l. E. Músculos gêmeos.................... 20 20 c. m. » do pé---................. 17 18 » da região posterior da coxa. 24 25 » » » anterior.......... 25 30 Correntes galvanicas (apparelho Meyere Wolf). Ka FC An FC 1. d. l.e. l.d. í.e. Músculos gêmeos............ 15 15 17 16 » do pé............. 14 12 14 15 « anteriores da coxa. 16 17 18 17 Os apparelhos da vida orgânica funecionão regularmente. II. Antônio,de 9 annos de idade,menino intelligente e vivo,l,m15 de altura, nasceu a termo e bem desenvolvido, amamentação natural até — 61 — anno e meio, dentição difflcil com sérias perturbações gastro-intesti- naes e eclampticas. Passada essa phase até a idade de 6 annos aproximadamente o menino gozou de bôa saúde, tendo tido apenas sarampão de fôrma ligeira. A esta idade referem os pais a observação dos primeiros phenomenos de fraqueza, phenomenos que attingirão cedo as proporções em que os observamos hoje era Augusto. Estado actual.— A accentuaçâo dos symptomas de então para cá dá-nos presentemente o seguinte estado actual. Face. — Dos três irmãos este é o que tem a expressão physiono- mica menos natural. Em estado de repouso, emquanto a parte supe- rior do rosto guarda a sua expressão viva, a face inferior é atona e se o doente se distrahe a bocca fica entre-aberta, ha procidencia da língua e uma salivação mais ou menos abundante. Se se analysa, porém, a face mais de perto, veritica-se que esta conserva toda a sua motilidade mimica. A fronte não se pôde dizer liza e conserva a sua mobilidade, embora o músculo superciliar esteja evidentemente enfraquecido: as palpebras cerrão-se perfeitamente quer durante o somno, quer por um esforço voluntário ; os lábios não são grossos, nern parecem asyme- tricos, o doente sopra, assovia, e não apresenta no riso os caracteres do riso myopathico (risen travers, coup de haché). Não ha hypertrophia dos músculos mastigadores que aliás não se podem dizer fortes, mas a lingua que conserva os seus movimentos, apresenta um volume exagerado. Antônio tem difficuldade em fallar, pronunciando mal muitas consoantes particularmente as linguaes: parece que a lingua enche demais a bocca do menino. Pescoço e tronco.—- O pescoço é delgado e o doente conserva habitualmente a cabeça inclinada sobre o lado direito, o que no caso vertente parece ser devido ás exigências particulares do equilíbrio. Entretanto os músculos do pescoço estão sensivelmente atrophiados e fracos, offerecendo pouca resistência aos movimentos communicados. No tronco quer os músculos da região posterior quer os peitoraes e intercostaes achão-se muito diminuídos de volume, a atrophia exa- gera a saliência das costellas. Nos últimos tempos parece que se tem accentuado a atrophia dos músculos abdominaes, particularmente do recto anterior porque o bordo inferior do thorax faz uma saliência con- siderável. Membros superiores.—Os músculos da cinta (ceinture) escapular achão-se evidentemente atrophiados e não ha differença notável de — 62 — um para o outro lado. O omoplata acha-se affastado do tronco consti- tuindo um certo gráo de scapulce alatce e a mobilidade e a extensão dos movimentos communicados denotão^o enfraquecimento dos mús- culos grande dentado, rhomboide e trapezio. Todos os movimentos do braço se conservão, mas são lentos e exe- cutados sem força alguma. A atrophia é evidente sobretudo nos espinhosos e redondos; o del- toide que se conserva ainda acha-se muito reduzido de volume. Os musculos dos braços, antebraços e mãos achão-se igualmente flacidos e atrophiados, mas a atrophia não é mais sensível neste ou naquelle grupo especial de musculos. Nas mãos entretanto a atrophia sempre é maior nos iuterosseos palmares e dorsaes ; as eminências the- nar e hypothenar, porém, flacidas e diminuídas de volume conservão todavia os seus relevos. Entretanto, aqui como nos membros inferiores a fraqueza é mais considerável nos musculos do lado esquerdo do que nos do lado direito. A mensuraçSo deu os seguintes resultados; Braços: Parte superior : 0,185 (d), — 0,185 (e) » média : 0,160 (d), - 0,160 (e) » inferior : » » Antebraços: Parte superior ; 0,165 (d), — 0,185 (e) » inferior : 0,120 (d), — 0,120 (e) Conservão-se também os diversos movimentos entre os segmentos inferiores dos membros thoracicos, mas como no braço, effectuados sem a menor força. Nas articulações dos dedos mas especialmente na do cotovelo esquerdo o movimentojle extensão communicado excede os limites physiologicos, substituindo-se a concavidade do lado da flexão por um certo gráo de convexidade. Membros abdominaes.— Nestes membros quer os musculos do mollet, quer os da região antero-externa da perna, quer os da coxa, quer os glutios contrastão era volume de um modo notável com os musculos do tronco e dos membros superiores. Fôrão os seguintes os resultados da mensuração: Coxas: Parte superior : 0,34 (e), — 0,34 (d) » média : 0,325 (e), — 0,326 (d) » inferior : 0,255 («), — 0,295 (d) — 63 — Pernas: Abaixo da tube- rosidade ant. do tibia : 0,235 (e), — 0,235 (d) Jumellos : 0,265 (e), — 0,260 (d) Parte inferior : 0,180 (e), — 0,180 (d) Todos os musculos hypertrophiados são duros e resistentes. Emquanto o pé direito pisa em cheio e de um modo normal, o pé esquerdo está affectado de pied-bot eqüino ligeiramente varus. A con- cavidade plantar deste pé está exagerada e a cabeça do astragalo faz um certo gráo de saliência debaixo da pelle o que parece devido a uma certa relaxaçâo das articulações intrínsecas do pé. Os movimentos executados com os membros inferiores são fracos e pouco extensos, mesmo deitado os movimentos de flexão e extensão das pernas e das coxas faz-se com dificuldade e o doente é incapaz de levantar qualquer dos membros estando a perna em extensão sobre a coxa. Posições e marcha.— Na posição vertical dous factos prendem logo a attenção; a exageração da lordose lombar por enfraquecimento dos musculos sacro-lombares, pois que a linha do prumo collocada na 7a vertebra cervical cahe para traz da base do sacrum, e a posição es- pecial do membro abdominal esquerdo em virtude do pied-bot corres- pondente. Com effeito,tendo necessidade de alargar a base de sustenta- ção o menino desvia o membro abdominal esquerdo sobre o qual apenas seapoia,flrmando-ss e descansando todo o peso do corpo sobre o membro abdominal direito. Na marcha, o doente produz asoseillações alternativas do tronco; mas, emquanto sobre o lado esquerdo é muito ligeiro esse movimento, sobre o lado direito elle é muito exagerado, pois sobre este equilibra- se realmente o corpo. Se o doente está sentado em logar baixo, é-lhe impossível levan- tar-se mesmo apoiando-se em um movei, se o assento, porém, é alto elle consegue passar á posição vertical, servindo-se de uma serie de movimentos lentos e combinados. Em tempo levantava-se exacte- mente como o faz actualmente Augusto. Sensibilidade. As diversas espécies de sensibilidade táctil, dolo- rosa, thermica, electrica conservão-se intactas. Sentidos especiaes intactos : reacção normal das pupillas, conservação dos movimentos do globo ocular. - 64 — Ausência de reflexos tendinosos, presença dos reflexos cutâneos. Ausência completa de contracções fibrillares. Exame electrico. Correntes faradicas (app. deGaiffe). I. d. l.e. Musculos interosseos da mão......... 25 25 » biceps brachial............ 20 25 » cubital porterior........... 24 25 » deltoide................... 24 24 » costureiro.................. 35 35 » interosseos do pé........... 20 25 » gêmeo?.................... 20 25 Correntes galvanicas (apparelho Meyer & Wolf). Ka FC An FC 1. d. l.e. 1. d. l.e. Musculos flexores da mão..... 17 19 19 20 » biceps brachial...... 20 20 24 23 » gêmeos............. 19 22 21 24 » anteriores da coxa... 20 21 25 25 Nada ha de notável para os apparelhos da vida orgânica. III. Manoel, 13 annos de idade. Como seus irmãos, Manoel foi um menino forte e robusto durante os primeiros annos de exis- tência. A amamentação natural durou anno e meio, mas a dentição não correu sem accidentes, tendo tido a criança convulsões, etc. Até os cinco annos teve ainda sarampão e outros incornmodos ligeiros. Começo. Para os cinco annos mais ou menos, apezar daapparencia de robustez,manifestarão-se os primeiros symptomas da affecção myo- pathica sob a fôrma de uma fraqueza pouco justificada, a partir dahi as phases por que passou a moléstia assistimol-as e descrevemos no estado dos outros dous irmãos, Augusto e Antônio. A sua historia particular começa, portanto, do estado actual de Antônio que, segundo as referencias da familia elle reproduzio em tudo. Progredindo a impotência dos membros inferiores, cedo o doente vio-se forçado a conservar-se sentado em uma cadeira de que não se levantou mais por espaço de um anno. Por ultimo tendo sido accom- mettido de febres diagnosticadas palustres, foi obrigado a guardar o leito, deque não se pôde mais levantar, já ha quatro mezes, embora tivessem cedido as febres. — 65 — Estado actual. Julho. O doente acha-se em decubito dorso-lateral direito, que não pôde mudar.tolhido como está de fazer qualquer mo- vimento a não ser com os antebraços, mãos, dedos e muito limitados cora a cabeça. E' profundo o estado de abatimento e dyscrasia do doente, descobrindo-se-lhe na physionomia certa vivacidade fictícia e febril. O rosto, no entanto, não está descarnado, o que é devido á exu- berância da adipose sub-cutanea, q :e lhe desfaz mesmo as depres- sões naturaes como o sulco noso-labial. Esta mascara conserva todavia a sua motilidade e figura mesmo menos eompromettida do que a de Antônio. A fronte não é liza e os musculos frontaes conservão os seus mo- vimentos. Achão-se também conservados os do orbicular das palpebras que cerrão-se e abrem-se completamente. O globo ocular conserva todos os movimentos e as pupidas normaes reagem regularmente a luz. O orbicular dos lábios contrahe-sebem, o doente sopra, assovia, o riso é normal. Desde que, porém, o doente está em repouso, a bocca entreabre-se. Como nos irmãos a falia não é normal, é de timbre nasal e pouco perceptível e ha difflculdade manifesta na pronuncia das lin- guaes. Pescoço.—No pescoço que é gracil os musculos estão considera- velmente impotentes e atrophiados. E' impossível ao doente fazer com a cabeça outro movimento além da rotação sobre o travesseiro em certa extensSo sempre limitada. Levantando-se 0 doente, a cabeça cahe sobre o tronco obedecendo as leis da gravidade. Sente-se bas- tante delgado o sterno-cleido mastoide. Tronco.—O tronco está consideravelmente deformado pela pres- são que o leito exerceu sobre o corpo era um decubido tio prolongado. Nos pontos de contacto com o leito, o contorno do tronco foi substi- tuído por uma superfície quasi plana. Dahi resultou uma deformação sobretudo accenluada na caixa-thoracica e no rachis. Este apresenta uma curvatura manifesta de convexidade esquerda e o thorax tem mudado todas as relações naturaes para permittir a expansão inspira- toria ao lado esquerdo que estava livre. Os musculos do tronco estão todos consideravelmente atrophiados, ò que é sensível sobretudo á apalpação porque o desenvolvimento do tecido adiposo sub-cutaneo illude a simples inspecção. Membros thoracicos. —Todos os musculos da cinta escapular — 66 — estão profundamente atrophiados e o doente não executa mais movi- mentos senão com os segmentos inferiores, ante-braço e mão. Os mus- culos do braço e ante-braço estão também muito atrophiados. O doente executa o movimento de flexão com o ante-braço mas o de extensão acha-se limitado por uma retracção dos biceps, visível nos movimen- tos communicados soba fôrma de uma corda lendinosa. O movimento de extensão dos dedos é exagerado. As mãos estão muito emaciadas mas não ha depressão das eminências thenar e hypothenar. As mãos como os dedos conservão todos os movimentos. Membros abdominaes.—A nádega direita acha-se deprimida pela pressão do leito, mas não ha decubito agudo.A esquerda como os mus- culos dos outros segmentos inferiores nao parece atrophiada á simples inspecção mas a impotência é completa, o doente não pôde movel-as espontaneamente. As coxas achão-se em ligeira flexão sobre a bacia e as pernas em semi-flexão sobre as coxas e o membro abdo- minal direito adiante do esquerdo. E' impossível a extensão passiva das pernas porque ha retracção dos seus flexores. Nada de particular para os pés. Não foi possível fazer a exploração dos reflexos tendinosos e a electrica, assim como as medidas, já pelo estado do doente, já pelo tempo que tivemos e por certa opposição da familia. Os reflexos cutâneos normaes. A sensibilidade táctil, dolorosa e thermica não apresentava alteração, a nao ser no cancavo popliteo esquerdo onde havia dous forunculos. Os sentidos normaes. Ausência completa de contracções febrillares. Esphincteres normaes. Para os apparelhos orgânicos: lingua humida, não conspurcada, pouco appetite. Pulso accelerado, 140 pulsações por minuto. Para os pulmões, respiração áspera e rude para os vértices, estertores dis- seminados . Em um dos intervallos entre as visitas que fizemos aos doentes em Nictheroy foi elle accommettido de uma moléstia aguda a que suc- cumbio em poucos dias, e perdemos assim a occasião de confirmar o diagnostico pela autópsia. Naturalmente foi uma conseqüência da intercorrencia tuberculosa de que com certeza já tinhão sido um symptoma essas febres intermittentes diagnosticadas palustres. Referem os pais que o estado de retracção dos musculos dos membros superiores e inferiores era tal, que foi impossível modificar a posição do doente, que descrevemos acima, afim de introduzir q cadáver noferetro em que devia ser sepultado, — 67 — Reflexões.—Diagnostico—Na falta de documentos anatomo-pa- thologicos, vamos fundamentar nos dados clínicos o diagnostico de myopathia atrophica progressiva, que estabelecemos n'estes casos. Em rigor só de uma espécie de myelopathia atrophica se poderia tratar aqui, da atrophia muscular progressiva, ou poliomyelite ante- rior chronica. Com effeito, as poliomyelítes anteriores agudas e sub-agudas são excluídas pela marcha da moléstia e ausência de phenomenos febris, pela ausência de um estado verdadeiramente paralytico, pela locali- sação da atrophia nos membros superiores, pela existência de uma hypertrophia muscular, pelas posições e modo de andar dos doentes, pela hereditariedade emfim. Para excluir as affecções dos feixes lateraes bastão a ausência completa de phenomenes espasmodicos, ausência dos phenomenos do joelho e do pé, e a distribuição da atrophia. As perturbações que con- signamos na falia destes doentes não dependem da paralysia labio- glosso-laryngea excluída ao mesmo tempo pela falta de phenomenos paralyticos para os lábios, lingua e pharynge, pela falta das pertur- bações funccionaes tributarias dessa paralysia e pela presença e falta de progressão dos symptomas nos indivíduos não amyotrophicos, sendo elles menos accentuados justamente na mãi dos amyotrophicos, que é aliás a mais idosa dessas pessoas. A presença ao contrario de pertur- bações análogas nas myopathias primitivas é consignada por diversos auetores e entre outros nos doentes do professor Charcot que fazem objecto da memória dos Srs. Dr. Marie e Guinon. * (Obs. Ia e 4a). A ausência de alterações quaesquer da sensibilidade, assim como de perturbações funccionaes para os esphincteres e de phenomenos verdadeiramente paralyticos, entre muitos outros signaes, excluem qualquer das myelopathias atrophicas, diffusas ou secundarias. Resta, portanto, discutir o diagnostico entre a atrophia mus- cular progressiva myelopathica e as atrophias musculares progres- sivas myopathicas. Em primeiro logar temos a idade dos doentes. Como veremos, os casos de atrophia muscular\ progressiva na infância, que se suppunhão 1 Marle e Guinon. Contribution à 1'étude de quelques-unes des formes cliniques de Ia myopathie progressive primitive. {Revue de Méd., 1885, pag. 793. — 68 — de origem medullar e que se caracterisavão pelo compromettimento da face, são hoje, segundo os trabalhos dos Srs. Drs. Landouzy e Dejerine, verdadeiros casos de myopathias atrophicas progressivas e declarão estes auetores que não está demonstrada a existência da poliomyelite anterior chronica na infância. Em segundo logar temos o caracter hereditário que é excepcional na poliomyelite. Temos ainda ausência de contracções febrillares, phenomeno a que os Srs. professor Erb eDrs. Landouzy e Dejerine ligão um grande valor como signal diagnostico ; a duração e a marcha da moléstia, a poliomyelite chronica é sempre de duração longa; a successao dos symptomas > a presença de hypertrophia muscular e fraqueza considerável dos músculos hypertrophiados, com as posições características e o modo particular de andar que ellas produzem. Estes phenomenos são, como veremos em tempo, de um valor decidido. Temos, emfim, o resultado do exame electrico. O exame que fizemos exige, porém, algumas considerações Dos resultados consignados verifica-se que esse exame foi muito in- completo e para isso concorrerão circumstancias fáceis de avaliar, attento a que se trata de casos da clinica civil, de crianças, e, o que é mais, da falta de habilitações especiaes nossas para fazer uma exploração electrica completa e rigorosamente scientifica. Não busca- remos, portanto, justificar essa lacuna, mas demonstrar apenas que ella não prejudica o diagnostico que estabelecemos. A RdD sobre cuja presença ou ausência gira realmente toda a importância do exame electrico, não é como suppôz o professor Erb um signal de valor decisivo no diagnostico differencial entre a amyo- trophia progressiva myelopathica e as myopathicas. Como demons- trarão os Srs. Drs. Landouzy e Dejerine, nem a RdD é a regra na poliomyelite chronica, nem ella falta absolutamente nas myopathias primitivas. Deste ultimo facto elles produzem observações suas e do professor Schultze. Mas o resultado todo incompleto a que chegámos, isto é, verificação da existência qualitativa da contractilidade, fara- dica e galvanica, nos musculos mais atrophiados basta por si só para excluir a idéa da RdD como caracter próprio do processo dystrophico nestes casos. Para resumir poderíamos acerescentar que a poliomyelite ante- rior chronica é excluída aqui até pela distribuição da atrophia. Com — 69 — effeito seria, não o typo clássico desta affecção, mas o typo escapulo- humeral do professor Vulpian, aquelle que se poderia confundir com o que revestem os nossos doentes. Mas se estes casos pertencem á myopathia atrophica progres- siva, cumpre determinar a que espécie particular de myopathia per- tencem elles. Em primeiro logar, o facies não é o facies myopathico clássico, posto haj.i qualquer cousa difficilde apreciar e definir, nem delle fazem parte as perturbações da falia, por outro lado existe no doente hy- pertrophia muscular. Não se pôde tratar portanto do typo Duchenne- Landouzy-Dejerine, que aliás seria excluído só pela duração da mo- léstia. A duração da moléstia, a distribuição da atrophia e da hypertro- phia excluem ainda a fôrma juvenil de Erb. Resta portanto a paralysia pseudo-hypertrophica. Mas não é só por exclusão que se impõe este diagnostico, elle resulta ainda do exame directo dos phenomenos observados. O facto de poupar os in- divíduos do sexo feminino, que se tem observado na parlysia pseudo- hypertrophica, a duração da moléstia, a existência de uma hypertro- phia muscular ao lado de uma fraqueza considerável, as deformações, as posições, o andar dos doentes, tudo einfim indica a paralysia pseudo- hypertrophica. A associação deste dous phenomenos hypertrophia e fraqueza muscular tem uma significação definitiva na opinião de todos os auetores, « Só ha uma moléstia, diz o Sr. prof. Damaschino, (1) que possa dar logar a reunião destes dous symptomas, volume conside- deravel das massas musculares e fraqueza maior ou menor desses mus- culos, é a paralysia pseudo-hepertrophica.» A hypertrophia muscular nestes doentes é pouco exagerada, mas não pode ser considerada um simples phenomeno de contraste com a atrophia dos membros superiores. Com effeito, ella existia nos indi- víduos quando não se observava ainda o menor gráo de atrophia, como actualmente ainda em Augusto, e além disso existe impotência nos músculos hypertrophiados. A existência da atrophia não exclue tão pouco o diagnostico de (1) Damaschino. Deux cas de paralysie pseudo-bypertrophique. Gazette des hòpi- taux, 1882, p. 768 — 70 — paralysia pseudo-hypertrophica e na presença e rapidez com que a atro- phia se manifesta, baseou mesmo o Sr. professor Damaschino as suas duas ultimas fôrmas clinicas. Estes casos pertencem com effeito á 3* fôrma clinica da paralysia pseudo-hypertrophica estabelecida por este professor. Devemos salientar alguns factos nesta observação. Temos em primeiro logar as perturbações na falia. Encontrão-se em algumas ob- servações de myopathia primitiva a consignação de perturbações aná- logas. Mas manifestando-se como phenomeno individual, póde-se in- vocar para explical-as alterações locaes dos órgãos da phonação, devidos á própria affecção. Nesta observação, porém, a perturbação tem um caracter familiar e comprehende indivíduos em que a myo- pathia não se manifestou. Serão portanto essas perturbações phenomeno estranho á myopathia e da natureza das alterações funccionaes da palavra muitas vezes hereditárias ? Ou se ligão antes á própria paralysia pseudo-hypertro- phica, em virtude de um enfraquecimento de certos musculos da lingua, como o faz suppor a hypertrophia deste órgão em Antônio ? O facto de limitar-se a alteração myopathica aos musculos da lingua nos indivíduos do sexo feminino, seria explicável até certo ponto nesta hypothese pela immunidade relativa do sexo no qual a moléstia conserva-se muitas vezes, de alguma sorte latente parareapparecer nos descendentes masculinos. E não são raros na historia das myopathias primitivas casos em que a atrophia se limita á face durante um tempo muito longo, 14 annos em uma observação dos Srs. Drs. Landouzy e Dejerine. O pied-bot dos nossos doentes são também especiaes. O varus eqüino bi-lateral, diz o Sr. Dr. Bourdel é uma das deformações mais constantes da paralysia pseudo-hypertrophica. Entretanto em dous dos nossos doentes o equinismo era unilateral, e devido á fraqueza dos extensores do pé, como o denuncia o andar do mais moço. Uma observação análoga é feita pelo Sr. profes- sor Charcot. (1) no doente Dali affectado da fôrma LeyJen-Mobius. Os casos de pied-bot unilateral que temos visto consignados nas observações de myopathias primitivas são sempre devidos a que do lado opposto tem se praticado em tempo a tenotomia. ir) Charcot. loc. cit. Progrcs Medicai, 1885 — 71 - Outros factos sobre que poderíamos chamar a attenção são: âs retracções musculares (obs. III), a relaxação das articulações com a extensão exagerada do cotovelo. (Obs. II). etc II. Fôrma juvenil da atrophia muscular progressiva, typo juvenil de Erb. Sob a denominação de fôrma juvenil da atrophia muscular pro- gressiva, o professor de Heidelberg descreveu ultimamente um grupo de amyotraphias que destacou das atrophias myelopathicas, attri- buindo-lhe uma origem puramente myopathica. O professor Erb syn- thetisou o novo grupo clinico na seguinte descripção: « A fôrma juvenil consiste em um estado de fraqueza e atrophia de certos grupos musculares, particularmente da cinta escapular e dos braços, da bacia, das coxas, do dorso, que começa na infância ou na adolescência e progride ou de um modo lento e regular, ou com interrupções, podendo muitas vezes ficar estacionaria. A atrophia se combina commummente com uma hypertrophia muscular verdadeira ou falsa, que dá logar nos músculos a uma sensação de dureza par- ticular ; mas na sua evolução esta atrophia nunca apresenta contrac- ções febrillares, nem o menor traço da R d D, nem perturbações outras para o organismo quer no systema nervoso, ou nos órgãos dos sentidos, quer nos órgãos da vida vegetativa ou no tegumento externo.» Sob a fôrma de um enfraquecimento gradual e certo gráo de atro- phia de alguus musculos, começa em geral a affecção antes dos 20 annos, durante a puberdade, na segunda, ou mesmo na pri- meira infância. Mais tarde a atrophia generalisa-se affectando com mais intensidade os musculos do dorso, da cinta (ceinture) esca- pular, do braço e alguns do antebraço, depois e com menos intensidade, os musculos lombares, os da bacia e da coxa e por fim os da perna. Nas partes assim affectadas contrasta de modo sensível com a atrophia do maior numero dos musculos uma hypertrophia, verdadeira ou falsa, de alguns. No período de estado achão-se com effeito mus- culos atrophiados, musculos hypertrophiados e musculos que se con- servão intactos durante quasi toda a evolução da moléstia. Conservão- se quasi sempre indemnes de atrophia os musculos esterno-mastoides, angular do amoplata, coraco-brachial; os musculos do antebraço á ex- cepção do longo supinador e os pequenos musculos da mão etc. Os. — 72 — musculos mastigadores conservão-se sempre intactos. A hypertrophia pôde existir sobretudo no deltoide, super e sub-espinhosos, tensor da fascia lata, costureiro, 03 musculos do mollet etc, póde-se também observal-a nos musculos redondos e triceps brachial. A atrophia manifesta-se sempre e desde o começo nos musculos grande e pequeno peitoraes, á excepção da porção clavicular do pri- meiro, no trapezio á excepção dos feixes superiores, no grande dorsal, grande dentado, rhomboide, sacro-lombar ; no braço nos flexores, biceps, brachial anterior, longo supinador e em alguns casos o triceps Nos membros inferiores, os gluteos, o triceps crural, os adductores e nas pernas nos musculos innervados pelo peroneo e especialmente pelo tibial anterior. No abdômen, os oblíquos e tranversos apresentão-se atrophiados, os rectos de preferencia hypertrophiados. Mesmo o dia- phragma tem perecido compromettido. A' pressão os musculos em via de atrophia apresentão-se muito duros, raramente muito flacidos. Da combinação destas alterações differentes resultão conformações especiaes que pertencem principalmente ao typo escapulo-humeral que estudaremos mais tarde. Para affirmar a origem myopathica desta amyotrophia o professor Erb não dispunha de necropsias próprias e teve de tirar os documentos com que fundamentou as suas conclusões de um lado no resultado das autópsias praticadas em casos análogos aos seus por diversos auetores comoFriedreich, Barsickow, Schultze, Berger e finalmente Roth (de Moscow); e de outro, e principalmente, em caracteres clínicos que elle salientou de modo magistral. Esses caracteres são: a diminuição sim- ples da contractilidade electrica proporcionalmente ao gráo de atrophia dos musculos e sem R d D, a localisação especial da atrophia nos mus- culos de certas regiões dando logar a um typo differente do typo Aran- Duchenne, a marcha excessivamente lenta da affecção, a ausência de contracções febrillares e a persistência dos reflexos tendinosos. Os Srs. Drs. Landouzy e Dejerine, (x) que censurão ao professor Erb a falta de uma base anatômica indiscutivel para as suas con- clusões submettem esses dados clínicos a uma critica rigorosa e só reconhecem valor real nos dous últimos, pois que os outros como a (1) Landouzy e Dejerine. De Ia myopathie atrophique progressive. myopathie sans neuropathie. Rev, de Med. 1885. p. 297 e seguintes. — 73 — R d D, o typo escapulo-humeral, a duração da affecção podem se ob- servar em casos de myelopathias atrophicas. Mas, geralmente acceita a origem myopathica destas atrophias, ella o é também por estes auetores sob reserva de uma confirmação anatômica ulterior. III. Myopathia atrophica primitiva; typo Landouzy—Dejerine A atrophia muscular progressiva da infância, atrophia myelopathica de Duchenne transformou-se nas mãos dos Drs. Landouzy e Dejerine na myopathia atrophica primitiva, atrophia essencialmente myopathica. Este conceito que em nada desmerece a gloria do grande neuro-noso graphista francez faz justiça inteira aos trabalhos dos dous distinetos médicos. (x) Estes trabalhos têm tido por objecto 11 casos de amyotrophia, sobresahindo entre elles a historia de duas famílias amyotrophicas: a familia L... tendo nove membros affectados do typo fascio-scapulo humeral, em 5 gerações salvando uma, e dos quaes elles observarão quatro; e a familia M... com dous amyotrophicos do mesmo typo, estudados com um intervallo de 11 annos. Estes estudos determinarão em um terreno já preparado, uma forte repercussão nos grandes centros scientificos sendo seguidos da publicação de numerosas obser- vações análogas, quer na França como as dos Drs. Cenas e Douillet, Damaschino, Charcot, quer no estrangeiro como as do Dr. Ladame, na Suissa, do Dr. Conti Pietro na Itália, de Mossdorf, Westphall, Kresk etc. na Allemanha, de Roth na Rússia etc; que reunidas as observa- ções anteriores de Duchenne, de Zimmerlin, de Eichorst, Remak, Hammond etc. não só demonstrão a importância do typo Landouzy- Dejerine mas conferem-lhe o primeiro logar entre as myopathias atro- phicas progressivas. Essencial e fatalmente progressiva a myopathia atrophica primi- tiva é sempre hereditária ou por herança directa, ou por herança colla- teral. Os poucos casos em que não foi possível descobrir antecedentes (*) Landouzy e Dejerine. Loc cit. et Nouvelles recherches cliniques et anatomo- pathologiques sur Ia myopathie atrophique progressive Rev. deMéd 1886. 10 87-B — 74 — hereditárias prestão larga margem á critica. Os dous sexos são affe- tados indiferentemente, e, parece, na mesma proporção. Manifesta-se em geral na segunda infância mas em casos raros pôde manifestar-se na adolescência, ou mesmo na virilidade. No primeiro caso, que é a regra, a atrophia começa pela face generalisando-se depois, no segundo pôde começar também pela face, ou passar á face depois de ter affectado os membros, ou finalmente limitar-se aos membros poupando a face. Os Srs. Drs. Land. e Dejerine distribuem estas combinações em dous typos; fascio-escapulo-humeral e scapulo-humeral. No primeiro typo a atrophica começa aos três ou quatro annos pelos musculos da face e affecta de modo exclusivo os musculos da mimica produzindo um facies dos mais característicos. «Este facies exprime indifferença, estupidez; os olhos são largamente abertos, as rugas da fronte desfazem-se, as commissuras naso-labiaes desappa- recem, a mascara facial torna-se liza ao mesmo tempo deixa de existir symetria absoluta entre as duas metades da face, um lado é sensivel- mente mais atrophiado do que o outro. Os lábios em geral grossos e salientes contribuem para dar a physionomia a sua expressão aparva- lhada.» As deformações no facies myopathico dão-se para a bocca, para a fronte, e para as palpebras, Para a bocca, os lábios são volumosos e o inferior cahido, ou o superior saliente (tromba de tapir); ha menor mobilidade nos lábios, a bocca permanece aberta; o doente não pôde soprar, assoviar, e quando ri-se fal-o de modo estranho, o riso é en travers; a fenda buccal alarga-se e de cada lado forma-se uma depressão vertical (coap de hache). Para a fronte, as rugas não se formão ou formão-se mal quando se manda a doente olhar para cima sem levantar a cabeça; a fronte é liza e tem o polido do marfim, a phy- sionomia é atônica e sem expressão. Para as palpebras, a occlusão é incompleta quer durante o somno quer durante a vigília por esforço voluntário ; em alguns casos a abertura palpebral é maior do que no estado physiologico, figurando um certo gráo de lagophthalmia. Estas alterações accentuão-se gradualmente mas em qualquer gráo persiste sempre a mobilidade dessa mascara, embora proporcionada ao numero de fibras intactas. Ha atrophia e não paralysia. A atrophia pode limitar-se a face durante annos, 14 em uma observação. Quando a atrophia estende-se aos membros reproduz o typo — 75 — escapulo-humeral de Vulpian. O trapezio, o rhomboide, o deltoide, o biceps, o brachial anterior, o triceps, o longo supinador e os radiaes são os musculos que primeiro se compromettem. Ao lado destes mus- culos assim atrophiados, e que por muito tempo são os únicos compro- mittidos permanecem intactos os super e sub espinhosos, o sub- escapular, os flexores e extensores da mão e dos dedos. Em casos raros, os musculos da eminência thenar são compromettidos ao mesmo tempo que os da cinta escapular. Como o compromettimento é symetrico o doente no fim de um tempo sempre longo apresenta o typo escapulo-humeral. No estado de repouso os braços ficão pendentes ao longo do corpo, os antebraços mais volumosos do que os braços achão-se em flexão e ligeirapronação. O peito deforma-se; de convexo torna-se plano, ás vezes concavo, o externo fôrma então uma espécie de goteira cujas paredes lateraes são limitadas pelas cartilagens costaes. As espaduas proeminão para diante, as cavidades subclaviculares exagerão-se, os humeros cahem e a cabeça do osso fora da cavidade glenoide é acces- sivel á palpação. « Os omoplatas destacando-se das paredes costaes e como que fluctuantes, sofírem uma espécie de rotação em torno do seu eixo, de sorte que o angulo interno tornando-se superior vai fazer saliência no triângulo superclavicular.» Em seguida aos musculos dos membros superiores vem a atrophia dos musculos dos membros inferiores e do tronco. Nos primeiros a atro- phia é sempre pouco accentuada e começa também pela raiz dos membros. A atrophia da região antero-externa da perna pôde deter- minar um certo gráo de equinismo e até a marcha digitigrada. Os musculos sacro-lombares e os abdominaes em casos raros podem ser compromettidos exagerando as curvaturas da colunma vertebral. Os musculos profundos da nuca e do pescoço conservão-se, e com elles os diversos movimentos da cabeça sobre o tronco. São também conservados os musculos da vida de relação prepostos á execução de funcções da vida vegetativa, tanto do apparelho digestivo como respiratório. Nunca se observão contracções febrillares, nem hypertrophia verdadeira ou falsa, ea contractilidade electrica ou voluntária só desap- parece com a destruição total do músculo. Diminuição simples da — 76 — contractilidade electrica sem RdD. A's vezes existe um estado de retracção dos musculos, do biceps brachial principalmente, conside- rado muito característico. Os reflexos tendinosos são proporcionaes á integridade dos musculos de que dependem, mas em um caso verifi- cou-se a ausência dos reflexos precedendo a atrophia dos musculos. A sensibilidade geral e especial intactas, ás vezes um certo gráo de adipose sub-cutanea. A gravidade do prognostico attenua-se pela marcha excessiva- mente lenta da moléstia, o que se explica pela integridade possive1 das funcções digestivas e respiratórias. IV Fôrmas clinicas não classificadas. Ha vários casos de atrophia muscular protopathica que em rigor não se podem incluírem nenhuma das três fôrmas clinicas precedentes Entre estes, devemos collocar em primeiro logar os casos observados pelo professor Eichorst e de que os Srs. Drs. Landouzy e Dejerine fa- zem o typo femoro-tibial. Esta observação comprehende nove casos em seis gerações na familia Bessel tendo a atrophia se manifestado pelas pernas, na adolescência, na virilidade e mesmo na infância. Face intacta, salvo talvez em um caso. Além destes ha os casos de Brossard, talvez o de Mossdorf e o de Lichthein. Também é particular o caso do professor Charcot de para- lysia pseudo-hypertrophica sem atrophia nem hypertrophia,— obser- vação Langet. Não cremos entretanto que se deva constituir para estes casos outras tantas fôrmas clinicas e que devem ao contrario ser distribuídos pelas três fôrmas estabelecidas, das quaes elles representão fôrmas ou variedades de transição. Se volessimo, diz com toda razão o Sr. Dr. Pietro Conti, (*) tener conto dei casi irregulari, siaper il modo d'origine e d'insendiarsi, sia per le possibili combinaziom e complicazioni di sintomi, non Ia fini- remmo piú. (») Pietro Conti. Sulle amitrofie primitive o miopatie atrofizzante progressive. Annali Univ. de Medicina e Chirurgia 1886 (vol. 275, Fase.827, pag. 329). — 77 — Relações que gnardâo entre si as diversas espécies de amyotrophias protopathicas A Escola da Salpetrière dando desenvolvimento completo á idéa emittida pelo professor Erb, estabeleceu a filiação destas variedades de amyotrophias, como simples fôrmas clinicas, a um processo mórbido fundamental e único, a myopathia atrophica progressiva. Esta concepção synthetica desenvolvida sobre documentos posi- tivos pelo professor Charcotl em 1885, tem encontrado inteiro apoio na analyse comparativa dessas fôrmas clinicas, fornecendo provas a seu favor todos os trabalhos ulteriores quer dos seus discípulos, quer dos outros observadores. As relações desses três typos amyotrophicos são de facto muito estreitas. As analogias da fôrma juvenil com a paralysia pseudo-hyper- trophica quer em relação á evolução do processo dystrophico, quer em relação á coexistência da atrophia com a hypertrophia,quer em relação emfim aos signaes que extremão a ambas das amyotrophias myelopa- thicas são tão accentuadas que está hoje geralmente acceitaa sua iden- tidade, o que aliás reconheceu desde começo o professor Erb. Não parece entretanto que a constituição do grupo tal qual foi estabelecido pelo professor Erb seja a definitiva e pelo contrario será talvez neces- sário distrahir delle casos que pertencem de facto ao typo fascio- escapulo-humeral. E' possível que o facies myopathico tivesse esca- pado ao professor Erb como escapou a outros observadores, e assim o faz suppor o facto de se descrever na Allemanha, depois que a attenção foi chamada para ahi, casos de fôrma juvenil com participação da face. A questão mais controvertida da identidade do typo Landouzy Dejerine com os dous precedentes parece-nos hoje muito simplificada. Os Srs. Drs. Landouzy e Dejerine, que sustentavão a distincção dos dous typos, á vista dos novos documentos necropsiacos, considerão estabelecida a identidade anatomo-pathologica. (J) Charcot. Revision nosographique des atrophies musculaires progressives.P; ogrès Medicale lei Mars. 1885. — 78 — « A considerar as cousas sob o ponto de vista da anatomia e da physiologia pathologicas geraes, dizem elles ('), é provável que não se trate em tudo isto, senão de uma questão de localisação e de intensi- dade, de uma lesão que parece a mesma anatomicamente. Nos dous casos trata-se de uma myopathia irritativa e nos dous também Se encontra a hypertrophia dos feixes primitivos.» Continuão todavia a sustentar a distincção clinica, fundando-se na participação da face e mais particularmente na ausência de hyper- trophia muscular. Nos termos em que o fazem, porém, parece-nos que já ha logar para accôrdo com as opiniões contrarias, desde que admit- tem a possibilidade de typos intermediários. Que entre os typos clinicos extremos existão distincções e estas consideráveis, cremos que nunca foi contestado. Os Srs. Dr. Marie e Guinon dizem que « sob o ponto de vista clinico, não vêm inconve- niente algum em se conservar uma divisão (em paralysia pseudo- hypertrophica, fôrma juvenil e typo fascio-escapulo-humeral) perfeita- mente conforme a realidade dos factos.» Somente lembrão as fôrmas de transição, e submettendo a uma analyse mais rigorosa, demonstrão que não podem ter um valor absoluto os caracteres differenciaes tirados do facies e da ausência ou presença da hypertrophia muscular, verdadeira ou falsa. Em primeiro logar, o compromettimento da face não è privativo do typo Landouzy-Dejerine. Analysando as observações de Duchenne, de Klockner, de Griesinger, Donald Mac-Phail e as de Heller e Ber- geron, os Srs. Dr. Marie e Guinon demonstrão que na paralysia pseudo- hypertrophica clássica tem-se encontrado alterações da face. Foi ainda o que tivemos occasião de observar nos nossos doentes. E se nesses casos em geral o compromettimento da face é de ordem a não se poder precisar bem a sua natureza, nas dos dous últimos observadores havia verdadeira paralysia dos musculos da face, os quaes « parecião ter soffrido a mesma alteração e funccionar tão mal como os dos mem- bros » (Duchenne). Além disso, entre os casos de myopathia atrophica primitiva figurão alguns (os do typo escapulo-humeral), em que a face ou nunca t1) Landouzy et Dejerine. Loc cit. RéouedeMéd. 1886, pag. 1023. — 79 — se compromette ou só se compromette muito mais tarde, embora os musculos estejão affectados do mesmo processo irritativo. Em segundo logar,não parece de maior significação a hypertrophia muscular, verdadeira ou falsa. Na paralysia pseudo-hypertrophica já são numerosas as obser- vações em que se acha consignada a existência de atrophia muscular primitiva, mais ou menos generalizada. Factos observados por Da- maschino, Bourdel, Hamon, Gowers. Gradenigo, etc, assim como os nossos dão testemunho deste asserto.Mas hoje o que se discute é a signi- ficação mesmo da hypertrophia nas myopathias progressivas primitivas, pois tudo parece demonstrar que, inclusive a paralysia pseudo-hyper- trophica, « dans Ia myopathie progressive primitive le volume des muècles n'est rien, V'affaiblissement est tout (Marie e Guinon). De todos os factos que depõem neste sentido, nenhum tem a alta significação desse typo de transição que representa o amyotrophico Langet apresentado por Charcot e cuja historia feita pelos Srs. Dr. Marie e Guinon, encontra-se na Revue de Med. de 1885. Neste doente achão-se reunidos todos os caracteres funccionaes da paralysia pseudo- hypertrophica na posição vertical,na marcha, no modo de levantar-se, e no entanto nelle ha ausência completa de atrophia ou hypertrophia muscular. A isto accresce que com Westphal alguns auetores querem vêr na conformação dos lábios myopathicos a conseqüência de uma hypertro- phia localisada. Entretanto, as observações dos Srs. Drs. Landouzy e Dejerine não confirmão esta opinião. A estas considerações acerescentaremos que os Srs. Dr. Marie e Guinon poderão estabelecer por confrontação e abstrahindo do facies e da hypertrophia, uma analogia completa entre o typo Landouzy- Dejerine e a fôrma juvenil, na distribuição da atrophia e dos musculos conservados, no estado dos reflexos tendinosos e da contracção idio- muscular, nas retracções musculares, nas contracções febrillares, no resultado do exame electrico, no modo de começo, etc., e chegarão a concluir que o typo escapulo-humeral da myopathia atrophica primi- tiva pertence de facto ao typo juvenil de Erb. Não contradizem estas conclusões a que temos chegado os ele- mentos fornecidos pela hereditariedade. Todas as três fôrmas clinicas — 80 — são familiares e podem coexistir na mesma familia. Em duas observa- ções de Duchenne havia na mesma familia casos do typo juvenil e casos do typo Landouzy-Dejerine. O mesmo se dava em uma observação de Zimmerlin, em que havia dous irmãos do typo Landouzy-Deierine e um da fôrma juvenil; na de Russel, havia um irmão pseudo-hypertrophico e dous atrophicos (Marie e Guinon). Entretanto, não se conhecem ainda observações de coincidência da paralysia pseudo-hypertrophica com o typo fascio-escapulo-humeral. Em conclusão, a paralysia pseudo-hypertrophica, a atrophia muscular progressiva da fôrma juvenil, a do typo fascio-escapulo- humeral, não são mais do que modalidades clinicas de um mesmo pro- cesso mórbido, a dystrophia muscular progressiva de Erb, ou myo- pathia progressiva primitiva de Charcot. Em pathologia geral a identidade é acceita por todos e para es- tabelecer as suas relações clinicas podemos acceitar as conclusões dos Srs. Dr. Marie e Guinon. « Não ha o menor inconveniente, dizem (*), em que se continue a descrever como paralysia pseudo-hypertrophica os casos em que a hypertrophia predomina sobre a atrophia; como fôrma juvenil de Erb, aquelles em que a atrophia é muito mais pronunciada do que a hypertrophia; como fôrma infantil hereditária de Duchenne (typo facio-escapulo-humeral ou Landouzy-Dejerine), aquelles em que ha participação evidente da face. Nós admittimos também que o quadro clinico de cada uma dessas fôrmas typos apresente uma certa inde. pendência, mas sem esquecer que podem se encontrar fôrmas de transição que liguem entre si as divisões na apparencia mais com- pletas e que não podendo ser classificada nesta cathegoria antes do que naquella, mostrão que se trata aqui de uma só e mesma mo- léstia.» (1) Marie et Guinon, loc. cit. Revue de Méd. 1885, pag. 837. — 81 — CAPITULO II Anatomia pathologica e pathogenia; diagnostico, prognostico e tratamento da myopathia^ atrophica progressiva Estabelecida como deixamos a unidade do processo atrophico nas diversas espécies da myopathia atrophica progressiva, estamos habilitados a fazer o estudo destes diversos assumptos sob um ponto de vista de conjuncto. Anatomia pathologica.—Os musculos são de volume e coloração variáveis, mais ou menos atrophiados elles têm um aspecto esbran- quiçado, lardaceo na paralysia pseudo-hypertrophica, são descorados e mais ou menos amarellados no typo Landouzy-Dejerine. Mas estu- demos as alterações histologicas. Paralysia pseudo-hypertrophica.—Resumiremos as lesões anatomo- pathologicas da paralysia pseudo-hypertrophica. Para o lado dos elementos musculares a lesão consiste em uma atrophia simples dos feixes primitivos sem degeneração da substancia contractil. Em alguns pontos observa-se uma proliferação nuclear mais ou menos notável (Cornil). Nas alterações do tecido conjunetivo o Sr. professor Charcot descreve duas phases. Uma irritativa em que ha um espessamento considerável do tecido conjunetivo do perimisium interno por neoformação : outra de lypomatose, por interposição de cellulas gordurosas ás febrillaá conjunetivas. A principio discretas, as cellulas adiposas tornão-se por fim tão numerosas que substituem-se de todo ao tecido conjunetivo. Nestas phases ultimas encontrão-se as fibras musculares mais ou menos alteradas, perdidas no seio desta massa gordurosa, ora sob a fôrma de ilhotas ainda cercadas das fe- brillas conjunetivas, ora sob a fôrma de feixes desprovidos desse in- vólucro e em contacto directo com as cellulas gordurosas, ora emfim de invólucros já vasios sem fibra muscular. Para uns o processo seria uma verdadeira esclerose muscular, para outros uma lipomatose j para o Sr. professor Charcot é de facto U 87—B — 82 — um processo muito análogo ao da esclerose, mas que delle se distingue, todavia, pela adipose. Na fôrma juvenil, já o dissemos, o professor Erb não dispunha de autópsias próprias e teve de appellar para as de outros auetores afim de [affirmar a natureza myopathica da affecção. Examinando em Maio do anno passado fragmentos de musculos retirados pelo arpeo, de um doente da fôrma juvenil este professor^) verificou que as alterações erão, como elle suppunha, muito semelhantes ás da paralysia pseudo- hypertrophica. As principaes alterações fôrão encontradas na fibra muscular que apresentava a principio hypertrophia simples, proli- feração nuclear e um estado de vacualisa ção particular, e mais tarde atrophia simples sem degeneração gordurosa, ou outra. O tecido conjunetivo, que estava espessado, apresentava-se fracamente com- promettido. No typo Landouzy-Dejerine o resultado de duas autópsias com- pletas e minuciosas praticadas por estes auetores, hoje de perfeito accôrdo com as de Schultze em virtude do processo de coloração pelo carmim boratado, demonstrou que se trata de uma affecção generali- zada do systema muscular de fibra estriada, apresentando uma intensi- dade variável segundo se observão musculos em que a atrophia é patente, ou musculos que a um exame menos rigoroso tinhão sido considerados sãos. A affecção consiste em uma myosite irritativa sem myosite intersticial mas acompanhada de lipomatose intersticial. A lesão fundamental e característica da fibra muscular é uma atrophia simples do feixe primitivo com multiplicação dos núcleos musculares chegando a determinar a atrophia completa da fibra muscular sem modificação alguma (pigmentar, granulosa, gordurosa) do elemento contractil, e coincidindo quando a atrophia está adiantada, com um ligeiro gráo de lipomatose intersticial e só neste caso com a hypertrophia dos feixes primitivos. As lesões do tecido conjunetivo são tão pouco pronunciadas que não exigem descripção particular. Pôde-se ao exame microscópico observar todas as phases por que (') Erb. Histological changes in tbe muscles in cases of the «juvenil form» of dys- trophia nmscularis progressiva. Analysado in Journal of nervousand mental de- scases, 1886, pag. 413. — 83 — passa o feixe primitivo antes de desapparecer, desde a fibra de volume quasi normal e contendo grande numero de núcleos multiplicados e em via de proliferação até a bainha do sarcolemma vasia ou contendo apenas uma ordem de sarcous elements e um numero considerável de núcleos. Como em geral encontrão-se as fibras hypertrophiadas nos mús- culos já atrophiados mas raramente nos musculos em que apenas se inicia a atrophia, ou naquelles em que ella tem chegado ao seu máximo, os Srs. Drs. Landouzy e Dejerine suppoem que se trata aqui de uma hypertrophia funccional e compensadora, como jáo havia suppo;;to Friedreich. Não está, porém, resolvido se é esta ou a irritação da myosite a causa dessa hypertrophia. Em um ponto, porém, em que todas as autópsias estão de per- feito accôrdo e não exige que insistamos sobre elle porque é geral- mente acceito, é a integridade estructural do systema nervoso em todos esses casos ; quer da medulla espinhal e particularmente das pontas anteriores, quer das raizes rachidianas e do systema nervoso peripherico, quer finalmente do grande sympathico. Não discutiremos por isso alguns resultados isolados que se tem querido oppôr a esta conclusão, como por exemplo os do Dr. Otto Barth, de Pekelharius e Drummond, pois que mesmo sobre essas excepções apparentes tem se feito hoje toda a luz. Este resultado leva-nos naturalmente á discussão da pathogenia das myopathias atrophicas progressivas. Pathogenia.— A velha hypothese de uma origem myopathica para todas as atrophias musculares progressivas admittida e abandonada por Duchenne, desenvolvida por Friedreich, é acceita por ultimo por Lichthein e mais recentemente ainda pelo professor Liebermeister. (*) E' evidente entretanto que essa hypothese não se pôde sustentar e ha de facto atrophias musculares progressivas myelopathicas, assim como ha atrophias musculares progressivas myopathicas. E se o procedimento de Lichthein pôde ser considerado, como o demonstrão as judiciosas considerações do professor Vulpian, correcto perante a lógica, não é menos verdade que, se a hypothese de que as lesões (V Liebermeister. Kronkreiten der Neven system*, 1886, citado pelo Dr. Ladame. — 84 — medullares nas amyotrophias progressivas myelopathicas são secun- darias e consecutivas ás lesões dos musculos não se quiz render á demonstração material das lesões medullares, força é hoje capitular em presença de um desses factos sufficientes para prejudicar de uma vez a interpretação especulativa mais engenhosa. Este facto é a seguinte observação feita pelos Srs. Drs. Landouzy e Dejerine. (') « Quando se reflecte que no caso cuja autópsia referimos certos musculos, em particular os da face, estavão accommettidos de atrophia havia mas de vinte annos e que os nervos intra-musculares correspon- dentes não se podião distinguir dos de um homem são tomados na mesma região, chega-se á esta conclusão importante em neuro pathologia— que a suppressão das funcções dos nervos motores é impotente para determinar por si só a sua alteração e o que dizemos dos nervos appli- ca-se também á medulla ». Por seu turno a tendência a attribuir todas as alterações muscu- lares, ou nervosas periphericas a uma influencia medullar, não quiz resignar-se a reconhecer a existência de atrophias musculares indepen- dentes daquella influencia e não podendo contestar a integridade estructural da medulla, buscarão a interpretação dos factos em uma alteração funccional deste centro. Admittindo para estas myopathias a mesma hypothese que já aventara para a polynevrite, o professor Erb acredita que ellas podem depender de uma alteração, funccional dos centros trophicos medullares. Mais do que nas polynevrites é ne- cessário multiplicar aqui as hypotheses já descriptas para explicar ao mesmo tempo a integridade da medulla e dos nervos periphericos. A explicação da integridade dos nervos periphericos pela resis- tência maior que oppoem os musculos á emissão centrifuga do influxo trophico, desenvolvida pelo professor Vulpian a propósito das amyotrophias reflexas, constitue uma das grandes difficuldades da theoria. Esta theoria encontrou em França o apoio dos professores Vul- pian e Lepine e os Drs. Landouzy e Dejerine mesmos mostrão-se na memória de 1886 menos infensos a ella do que o fôrão na de 1885. Ella conta em seu favor factos de valor incontestável como a distribuição perfeitamente symetrica da atrophia, a participação («) Landouzy et Dejerine loc. cit. Rev. Med. 1885. — 85 — simultânea no processo atrophico do musculos do mesmo grupo funccio- nal, a coexistência hereditária das myopathias atrophicas progressivas com outras moléstias nervosas na mesma familia. Verifica-se este facto em uma observação do professor Erb e mais importante ainda neste particular é a observação dos Drs. Cenas e Douillet, em que existião na mesma familia dous irmãos affectados da fôrma Landouzy-Dejerine e uma irmã da atrophia muscular progressiva myelopathica, isto é, como diz o Sr. Dr. Parisot, « lesão material da grossa cellula motora em um caso e integridade apparente destas mesmas cellulas nos outros. » Entretanto até ulterior demonstração positiva esta hypothese não pôde prejudicar a natureza puramente myopathica da affecção, demonstrada pela integridade completa da medulla e pelo compromet- timento exclusivo dos musculos. E' o que reconhecem os Srs. Drs. Landouzy e Dejerine. « Entretanto, dizem elles, nós o repetimos, não passa isto de uma pura hypothese; adstricto aos ensinamentos anatomo-pathologicos da ultima hora, deve-se dizer que as myopathias nascem, evoluem e progridem sem neuropathia. » Mas a significação mesma dos factos que depõem em favor desta hypothese é passivel de attenuações. Com effeito, não é da natureza das alterações funccionaes ou de lesões tão insignificantes que escapão a um exame acurado, determinar lesões tão intensas, como é nestes casos a atrophia dos musculos, sem ter previamente compromettido a integridade anatômica do centro nervoso, ou adquirido proporções para se tornar reconheciveis. Por outro lado, como bem pondera o Sr. Dr. Parisot e o reco- nhece o professor Vulpian, não ha uma razão para negar aos musculos o direito de adoecer espontaneamente, maxime admittida a possibi- lidade de uma alteração espontânea dos nervos, cuja dependência da cellula medullar no apparelho neuro-muscular é maior do que a da fibra nervosa. O argumento tirado da hereditariedade é sem duvida valioso, mas não sabemos se existem melhores razões para negar ás affecções mus- culares a transmissibilidade pela herança, sendo possivel ainda que nos poucos casos até hoje conhecidos de coexistência hereditária de uma myelopathia haja apenas uma coincidência fortuita. Se as relações funccionaes não são sufficientes para explicar a — 86 — distribuição symetrica da atrophia sem intervenção da medulla, podemos confessar a nossa ignorância a esse respeito, que ella não será a única em pathologia. Em relação á systematisação da atrophia diz o Sr. Dr. Parisot: (J) « concedamos que nos escapa a causa da systematisação da atrophia, da mesma maneira porque nos escapa a razão verdadeira da systematisação de um processo pathologico nas cellulas dos cornos cinzentos. » As myopathias atrophicas progressivas continuão portanto, salvo contestação mais valiosa, a ser verdadeiras myopathias primitivas. Diagnostico.—O diagnostico differencial deve ser feito sobretudo com as myelopa*hias atrophicas, mas não nos estenderemos sobre os signaes que distinguem as myopathias da poliomyelite infantil, assim como da esclerose lateral amyotrophica. A lentidão da evolução em uma e os commemorativos na outra para a primeira ; as contracturas, o predominio da paralysia sobre a atrophia, os phenomenos bulbares na segunda, são caracteres que se impõem á primeira vista e tornão desnecessária analyse mais de- tida. Para as fôrmas de myelopathias atrophicas da infância, de natu- reza muito semelhante á paralysia geral espinhal anterior sub-aguda do adulto, os Drs. Landouzy e Dejerine lembrão a falta de here- ditariedade, maior paralysia do que atrophia, marcha mais rápida, RdD, etc. Estes mesmos caracteres se podem applicar ás fôrmas de spondio- myelite dos adultos. A principal difficuldade do diagnostico está no diagnostico diffe- rencial com a atrophia muscular progressiva clássica, myelopathica, que particularmente p elo typo escapulo-humeral reproduz quasi litte- ralmente as fôrmas esca pulo-humeraes das myopathias progres- sivas. São de diversas ordens os elementos desse diagnostico. Assim, temos nas myopathias progressivas: l.a A hereditariedade directa, ou collateral e para algumas fôrmas ; (1) Parisot. loc. cit. pag. 74. — 87 — 2.* a idade ; pois que não só não está demonstrada anatomica- mente a hereditariedade nas amyotrophias progressivas myelopathicas, como não o está a manifestação na infância, o que entretanto é a regra para a maior parte das myopathias; 3.* A distribuição da atrophia; nag myopathias a atrophia é individual, e na área de distribuição de um mesmo nervo encontrão-se musculos atrophiados e musculos intactos, ou hypertrophiados, nas amyotrophias progressivas espinhaes não se verifica o mesmo facto, e a distribuição da atrophia depende das relações que guardão entre si na medulla os núcleos de origem dos nervos; 4.a A ausência, nas myopathias, das contracções febrillares que são tão freqüentes e mesmo constantes nas fôrmas myelopathicas. Os Drs. Landouzy e Dejerine insistem sobre as retracções musculares, especialmente do biceps brachial, que reputão de grande valor dia- gnostico particularmente para o typo Landouzy—Dejerine, mas estas retracções são freqüentes também na paralysia pseudo-hypertrophica (Bourdel); 5.a A conservação dos reflexos tendinosos em razão da conser- vação dos musculos de que elles dependem é considerada um signal diagnostico importante. Mas não tem um valor absoluto, pois os Srs. Drs. Landouzy e Dejerine observarão a ausência dos reflexos rotu- lianos precedendo qualquer manifestação atrophica para o triceps crural; 6.a A ausência da RdD a que o professor Erb attribuio um valor quasi pathognomonico, tem-no hoje realmente muito discutivel. A RdD não é também commum na amyotrophia progressiva myelopa- thica, pois nella, como bem ponderão os Srs.Drs.Landouzy e Dejerine, não se verifica a condição capital desta reacção, isto é, a alteração simultânea e no mesmo gráo de um grande numero de fibras nervosas intra-musculares. Além disso, estes autores, assim como Schultze Roth e Zimmerlin tem observado a RdD nas myopathias primitivas « o que nos ameaça, dizem elles, de ser privados de um poderoso meio de diagnostico; » 7.* A hypertrophia muscular,, verdadeira, ou falsa, quer gene- ralizada como na paralysia pseudo-hypertrophica, quer circumscripta como na fôrma juvenil, quer os musculos estejão apenas intactos como na fôrma fascio-escapulo-humeral. — 88 — Signaes differenciaes existem ainda tirados dos caracteres próprios ás diversas fôrmas clinicas da myopathia progressiva, mas aqui o dia- gnostico differencial com as myelopathias atrophicas confunde-se com o diagnostico differencial dessas fôrmas clinicas entre si. Esses caracteres são : para o typo fascio-escapulo-humeral o compromettimento da face, anterior, concumitante, ou posterior á dif- fusão da atrophia. Este facies que tem um valor diagnostico consi- derável, como demonstra a parte que lhe pertence nos progressos do estudo das myopathias, não se poderia confundir com a paralysia lábio. glosso-laryngea das myelopathias atrophicas, primitivas ou secunda- rias, nem ainda com as alterações da face na paralysia pseudo-hyper- trophica. Este facies pôde offerecer alguma analogia com as perturbações da motilidade nos musculos faciaes, observadas algumas vezes na lepra anesthesica em que particularmente as palpebras e os lábios funccio- não de modo irregular, e a analogia torna-se ainda maior porque ao enfraquecimento dos musculos da face junta-se a atrophia dos musculos dos membros. Mas a atrophia da lepra compromette de preferencia os pequenos musculos da mão, dando logar a uma garra que não se en- contra no typo Landouzy-Dejerine, além disso ha perturbações pro- nunciadas da sensibilidade e manchas pelo corpo. A ausência completa de qualquer traço de hypertrophia muscular seria para os Drs. Landouzy e Dejerine o caracter distinctivo entre o typo escapulo-humeral da fôrma Landouzy-Dejerine e a fôrma juvenil de Erb; outros auetores, porém, considerão idênticas estas duas fôrmas clinicas. Finalmente a hypertrophia e a impotência muscular com as modi- ficações que imprimem nas posições, na marcha e na configuração do individuo, caracterisão a paralysia pseudo-hypertrophica. Prognostico.—A natureza progressiva da affecção torna bas- tante grave o prognostico. Mas esta gravidade não é igual para as diversas fôrmas clinicas estudadas. Se os progressos relativamente rápidos da paralysia pseudo- hypertrophica raramente deixão viver os indivíduos delia affectados, além da puberdade, suecumbindo a uma das intercorrencias communs nessas condições: na fôrma juvenil e com maior vantagem ainda no — 89 — typo fascio-escapulo-humeral attenuão muito a gravidade a evo- lução extremamente lenta da moléstia e a possibilidade de se con- servarem intactas as funcções digestivas e respiratórias, pois que a atrophia poupa sempre os musculos prepostos á execução dessas funcções. Em geral é a tuberculose pulmonar a intercorrencia a que suc- cumbem os doentes, devido ás condições de verdadeira estabulação a que os reduz a atrophia. Tratamento.—Sobre a therapeutica e especialmente sobre a sua efficacia nestes casos não ha assumpto para grandes desenvolvi- mentos. Occupa uma grande parte no tratamento a medicação geral pelos tônicos, reconstituintes, analepticos, como os phosphatos de cálcio, o óleo de fígado de bacalháo, o leite, a hydrotherapia, etc. Merecem toda a attenção os cuidados prophylaticos que impõe a freqüência da tuberculose pulmonar. O tratamento local é principalmente constituído pelo emprego da electricidade faradica e galvanica, auxiliada pela massagem, gym- nastica, fricções, etc. O Sr. Dr. Ladame preconiza para o typo Landouzy-Dejerine o emprego simultâneo das correntes faradicas e galvanicas, segundo o processo de Watteville (de Londres),isto é, fazendo passar pelo mesmo fio e na mesma direcção a corrente galvanica e a induzida da bobina secundaria, de sorte que no anode achão-se reunidos os dous pólos positivos e no katode os dous negativos. O Dr. Ladame 1 descreve assim o methodo da galvano-faradisação. « Escolho dous electrodos médios ou pequenos e applico-os di- rectamente sobre os musculos a electrisar, segundo o methodo de Duchenne; também applico o anode sobre o ponto de eleição do tronco nervoso e faço passeiar o katode em todos os sentidos sobre as massas musculares doentes. Deve haver precaução no emprego desta espécie de massagem electrica—que é muito enérgica, porque não convém esgotar a actividade vital do músculo, sendo necessário determinar com grande cuidado a força das correntes- electricas Ladame.—Contribution à 1'étude de ia myopathie atrophique progressive (Rev, de Méd., 1886, pag, 834. li 87-B 90 — empregadas. Variável segundo a região e o estado dos musculos deve- se tomar como média para a corrente faradica a que corresponde a uma contracção moderada do músculo quando empregada só, para a galvanica uma intensidade de 3 a 6 ou a 8 milliamperes no máximo. As sessões que podem ser diárias não devem exceder de um quarto de hora. O tratamento deve começar o mais cedo possível e prolon- gar-se por annos. Cada anno faz-se o inventario do estado dos mus- culos e nota-se exactamente como reagem á faradisação e á galvani- sação ; em seguida, no fim de algumas semanas ou mezes (2 a 3) de tratamento, suspendem-se as sessões de electricidade e substituem-se por banhos de mar, uma estação [cure) hydrotherapica, um passeio ao campo, voltando-se depois á electrisação pelo mesmo processo. » CAPITULO III Amyotrophias myopathicas não progressivas SUMMARIO.— Amyotrophias localisadas.— Amyotrophia nas moléstias infectuosas e nas intoxicações. As myopathias atrophicas não progressivas comprehendem as atrophias puramente locaes e as amyotrophias dyscrasicas. Amyotrophias localisadas.—Causas accidentaes diversas podem dar logar a uma atrophia circumscripta. O traumatismo pôde pro- duzir uma atrophia desta natureza em geral indirectamente por ex- tensão do processo inflammatorio consecutivo aos musculos vizinhos. Assim, na proximidade das feridas, das collecções purulentas, etc, observão-se atrophias musculares tributarias de uma myosite. Os tumores podem determinar uma atrophia dos musculos vi- zinhos, obrando por três fôrmas, segundo o professor Hayem: ou ob- stando a nutrição dos musculos em virtude de uma compressão di- recta sobre elles, ou por um modo indirecto comprimindo os vasos, o que é muito raro, ou por extensão aos musculos do processo inflam- matorio de que são sede. O valor e a significação clinicos ou anatomo-pathologicos deste gênero de atrophia são muito secundários. — 91 — Amyotrophias dyscrasicas.—Destas apenas nos occuparemos das amyotrophias nas moléstias infectuosas agudas e nas intoxicações. Não sabemos até que ponto devem-se considerar periphericas as amyotrophias consecutivas á inanição, ao marasmo e á cachexia. Nada ha nestes casos que separe e irrdividualise para oppol-os ás atrophias de origem central como uma lesão própria do tecido muscular, o de- finhamento e a reducção de volume que como todos os outros tecidos orgânicos, os musculos experimentão em virtude da carência, ou de ■ ficiencia de princípios nutritivos no sangue. Também não nos occuparemos deste assumpto. Amyotrophias nas moléstias infectuosas.— Na escarlatina, na in- fecção puerperal, na endocardite ulcerosa etc. mas particularmente e como typo na febre typhoide e na variola processão-se alterações para o tecido muscular que podem ter a amyotrophia como conseqüência. Essas alterações são de duas ordens ; umas diffusas semelhante ás do marasmo agudo e consistindo em congestões dos musculos, modifica- ções da estriação, degenerações diversas e parciaes da substancia es- triada, predominando, porém, a degeneração vitrea; outras circum- scriptas e de caracter inflammatorio, tributarias das myosites sympto- maticas; e outras finalmente consecutivas ás lesões do systema nervoso. Pelas razões expostas em outros logares só nos occuparemos das segundas que correspondem ás verdadeiras paralysias amyotrophicas de Gubler. Estas se accentuão principalmente para a convalescencia dessas diversas moléstias, sobretudo em seguida ás recahidas e ás compli- cações que vem juntar as suas ás alterações preexistentes. A sede e a extensão são variáveis e commummente não se podem apreciar as deformações produzidas em virtude do emmagrecimento geral. A sensibilidade conserva-se intacta e para a motilidade ha apenas um certo gráo de fraqueza paralytica que nunca é tão consi- derável como nas verdadeiras paralysias. Por maiores que sejão as destruições produzidas, ellas podem se reparar completamente em um tempo mais, ou menos longo. Anatomicamente esta atrophia representa o 3o gráo ou phase da myosite symptomatica, isto é, desorganisação e desapparição completa — 92 — das fibras já alteradas nas phases anterioras e trabalho de repara- ção, ou regeneração consecutiva cujo termo é a restituição aos mus- culos alterados, da sua estructura primitiva (Hayem).1 As lesões nesta espécie de atrophia representão verdadeiros focos de myosite com as suas complicações habituaes, hemorrhagias, suppu- rações etc. ha portanto um verdadeiro processo destructivo que se estende ao mesmo tempo a uma grande massa muscular, o que o dis- tingue completamente das lesões lentas das outras espécies de atrophia. O processo regenerativo que permitte a restauração mais ou menos rápida do tecido destruído consiste em uma reproducção da fibra muscular á custa das cellulas musculares, segundo uns, ou se- gundo outros de elementos interfibrillares. Myosites infectuosas primitivas.— Esta espécie de amyotrophia acceita por auctoridades como o Sr. professor Hayem auctorisa-nos a considerar ainda aqui, como causa de amyotrophia por destruição nu- mérica dos musculos, as myosites infectuosas protopathicas, posto que procedendo assim corramos o risco de entrar no terreno dos processos puramente inflammatorios. Como exemplos destas myosites podemos citar a seguinte observação. OBSERVAÇÃO VII fEZ O portuguez Antônio José de Paiva, de 19 annos de idade, entrou para o Hospital da Misericórdia no dia 24 de Setembro de 1884 e occu- pou um leito na 9* enfermaria de medicina, serviço clinico do Sr. pro- fessor Martins Costa. Anamnese.— Refere que reside no Brazil ha dez annos tendo gozado durante esse tempo de uma saúde regular, tendo soffrido apenas de febre amarella ha cerca de três annos. Em Portugal nada soffreu de extraordinário. Devido á profissão que exerce, é sujeito ás vezes a molhar-se e a conservar as vestes molhadas sobre o corpo. No dia 15 deste mez, porém, procurando levantar um fardo de papel de peso superior ás suas forças, sentio-se depois de algum tempo (•) Hayem. Des myosites symptomatiques. Arch. >lephys. 1870. — 93 — bastante fatigado,apparecendo-lhe dores pelo corpo, mais accentuadas entretanto nas espaduas, regiões gluteas e posterior das coxas. Sup- pondo ter soffrido um resfriamento, tomou no dia 16 um suadouro e no dia 17 de manha um purgativo de óleo de ricino. Posto que nenhuma vantagem tivesse colhido dessa medicação conservou-se em casa até o dia26 quando procurou o hospital. Estado actual.—Temperamento lymphatico, constituição regu- lar. Ao exame accusa dores generalizadas que nao lhe permittem mover-se no leito, assestando-se especialmente nas regiões super-esca- pulares, regiões gluteas e posteriores da coxa. Foi-lhe prescripto iodureto de potássio considerando-se o indiví- duo affectado de rheumatismo muscular. Pouco ou nenhuma vanta- gem tirou o doente deste medicamento, persistindo as dores com a mesma intensidade. Notaüdo-se, porém, que o doente accusava uma dôr cada vez mais intensa na região super-espinhosa dirtita, um exame mais accurado permittio rectificar-se o diagnostico, estabelecendo-se o de myosite in- fectuosa. Mandou-3e-lhe applicar cataplasma de linhaça naquelle ponto. Este estado continuou até o dia 2 de Outubro em que pelo exame da região encontrou-se fluctuaçao franca. Procedeu-se à dilatação do foco que deu bastante pús de mistura com sangue. As dores das outras regiões diminuirão concentrando-se, porém, na região sub- escapular esquerda. Pela dôr variável que accusava e pelo exame, de novo foi perce- bida a fluctuaçao, praticando-se a dilatação no dia 8 de Outubro. Durante o tempo da moléstia o doente fez uso de uma poção tônica com a seguinte formula: Cozimento de quina...............I mQ Vinho do Porto...................( ' Extracto molle de quina...........( A n Tintura de canella................( aa *'u Xarope de cascas de laranja............. 30,0 Mande para tomar ás colhéres de duas em duas horas. Abcessos formarão-se ainda na região glutea e parte posterior da coxa, mas fôrao reabsorvidos entrando o doente em franca conva- lescencia. A temperatura oscillou de 37° a 37,8°. O doente teve alta curado no dia 6 de Novembro. — 94 — Intoxicações.— As alterações que as substancias tóxicas deter- minão para o systema muscular são de duas ordens: umas consecu- tivas a lesões do systema nervoso, e que são as mais importantes e outras dyscracicas. e propriamente myopathicas. O phosphoro acha-se á frente das substancias tóxicas que obrão sobre o systema muscular, mas como a marcha das alterações que elle produz é muito rápida não ha tempo para que atrophia seja manifesta. Apenas, quando a intoxicação permitte a vida por certo espaço de tempo, póde-se notar um certo gráo de atrophia das fibras muscu- lares. A lesão consiste essencialmente em uma esteatose aguda genera- lisada em que a substancia estriada é rapidamente destruída. No alcoolismo chronico a lesão consiste ainda em um desenvol- vimento considerável do tecido cellulo-adiposo dos musculos. As cel- lulas adiposas affastão os feixes primitivos e determinão alterações na fibra muscular que só muito raramente acha-se atrophiada de um modo evidente (Hayem). CADEIRA DE PHYSICA MEDICA Da saccharimetria óptica e sua importância em medicina I A saccharimetria óptica é a determinação da riqueza saccharina de um liquido por meio do desvio que esse liquido imprime ao plano de polarisação da luz. II Em medicina a saccharimetria óptica' tem applicações hyge- nicas e clinicas. III Todavia outros meios mais expeditos e tão rigorosos podem prestar á clinica os elementos de diagnostico que a saccharimetria óptica lhe fornece. CADEIRA DE CHIMICA MINERAL E MINERALOGICA Do arsênico 9 seus compostos I O arsênico que é um metalloide pentatomico, pôde existir em li- berdade constituindo o arsênico nativo. II Entre os seus numerosos compostos figura como dos mais im- portantes o anhydride arsenioso, impropriamente chamado acido arsenioso. III Entre os saes mais usados em therapeutica figurão o arseniato e o arsenito de potássio e o de sódio. — 96 — CADEIRA DE CHIMICA ORGÂNICA E BIOLÓGICA Pilocarpina e seus saes I A pilocarpina é um dos alcalóides do jaborandy (pilocarpus pinnatus). II Com os ácidos a pilocarpina fôrma differentes saes, dos quaes o mais importante é o chlorhydrato de pilocarpina. III Este alcalóide goza de propriedades sialogogas e diaphoreticas. CADEIRA DE BOTÂNICA E ZOOLOGIA MÉDICAS Acção biológica da luz sobre as plantas e os animaes I O antagonismo entre a influencia da luz sobre as funcções ani- maes e as funcções vegetaes é menor do que se tem supposto. II Nos vegetaes a principal acção da luz é que se exerce na funcção chlorophy liana. III Sobre os animaes a luz exerce uma influencia physiologica, social e pathologica. CADEIRA DE ANATOMIA DESCRIPTIVA Circulação cerebral I Proveniente do polygono de Willis, a circulação arterial dos he- mispherios cerebraes comprehende dous systemas independentes: o dos gangliões centraes e o do cortical do cérebro, — 97 — II O primeiro é constituido por uma série de arteriolas que nascem nos primeiros centimetros das três artérias cerebraes. III O grupo das lenticulo-estriadas, em que se acha a artéria hemor- rhagica de Charcot, pertence ás estriadas externas, ramos da syl- viana. CADEIRA DE HISTOLOGIA THEORICA E PRATICA Do protoplasma cellular e de sua importância anatômica e dynamioa na formação e manutenção da cellula I O protoplasma, disse Huxley, é a base physica da vida. II A reproducção das cellulas é uma conseqüência da nutrição do protoplasma. III A manutenção da cellula acha-se indissoluvelmente ligada á conservação da actividade vital do protoplasma. CADEIRA DE PHYSIOLOGIA THEORICA E EXPERIMENTAL Dos nervos trophicos I A existência de nervos especiaes, dotados de uma acção trophica sobre os tecidos, foi admittida pelo auctor allemão Samuel. II As pesquizas anatômicas não conseguirão demonstrar positiva- mente a existência destes nervos. III Por seu turno, a experimentação não tem demonstrado a neces- sidade de sua existência para explicar a acção trophica. 13 " 87-B — 98 — CADEIRA DE ANATOMIA E PHYSIOLOGIA PATHOLOGICAS Das atrophias musculares I Nas amyotrophias, as lesões atrophicas são de natureza diffe- rente. II Parece satisfazer perfeitamente a distribuição que dellas faz o Sr. professor Hayem, em atrophia simples, dystrophia e inflammação. III Mas como processo atrophico a atrophia simples, que é realmente uma lesão dos elementos cellulares, deve ter um sentido essencial- mente relativo. CADEIRA DE PATHOLOGIA GERAL Da aphasia I A aphasia pôde definir-se a impossibilidade de dar a uma idéa concebida a fôrma querida, para que ella possa ser communicada. II A aphasia pôde portanto affectar não só a palavra como as outras modalidades da manifestação das idéas, escriptura e mimica. III Sem descer á localisação das fôrmas de aphasia, podemos dizer que a sua sede é a circumvoluf ão de Broca. CADEIRA DETATHOLOGlA MEDICA Rachitismo I O rachitismo é um vicio de nutrição da infância caracterisado por um desenvolvimento exagerado do tecido ósseo com calcificação insufficiente, de que resultão deformações do esqueleto mais ou menos duradouras. — 99 — II A influencia da syphilis hereditária sobre a producção do rachi- tismo é ainda uma questão controvertida. III Condições etiologicas menos contestadas, pelo menos em relação a um dos elementos do rachitismo, são aquellas que embaração a absor- pção e a fixação do phosphato de cálcio. CADEIRA DE PATHOLOGIA CIRÚRGICA Do tico doloroso da face e seu tratamento cirúrgico I O tico doloroso é uma variedade da nevralgia facial assestando-se principalmente nos ramos frontaes, ou sub-orbitarios. II Caracterisa-se por accessos rápidos de dôr fortíssima acompa- nhados de contracções involuntárias de alguns musculos faciaes. III A indicação mais positiva é a intervenção cirúrgica pela nevrecto- mia. _______________ CADEIRA DE MATÉRIA MEDICA E THERAPEUTICA, ESPECIALMENTE BRAZILEIRA Da electrotherapia I Electrotherapia é o emprego da electricidade com fim therapeu- tico. II A electricidade estática mas principalmente a dynamica, galva- nica ou faradica são os agentes desta therapeutica. III Apezar do seu emprego estender-se ás affecções de quasi todos os apparelhos e systemas orgânicos, são por excellencia as moléstias ner- vosas aquellas em que a electricidade encontra toda a sua indicação. —■ 100 — CADEIRA DE PHARMACOLOGIA E ARTE DE FORMULAR Estudo chimico-pharmacologico das leguminosas medicinaes I Entre as numerosas leguminosas medicinaes brazileiras achão-se o mulungu, a araroba, o jequirity, o angelim, a copahibeira, o angico etc. etc. II Os preparados pharmaceuticos mais empregados do mulungu são o extracto, o decocto, a tinctura, o xarope da casca ou das folhas. III Os do jequerity são a maceração das sementes, a infusão, a decocção, o extracto das raizes, das hastes, folhas ou flores. CADEIRA DE HYGIENE E HISTORIA DA MEDICINA Das circumstancias que explicão a mortalidade das crianças na cidade do Rio de Janeiro I Estas circumstancias provêm principalmente das constituições médicas reinantes, das más condições hygienicas das primeiras idades entre nós, e das affecções diathesicas hereditárias. II E' bastante larga, com effeito, a parte que cabe nessa mortali- dade ás conseqüências do aleitamento artificial. III Ainda é bem conhecida a contribuição que prestão á ella o palu- dismo, a syphilis e a tuberculose. CADEIRA DE ANATOMIA CIRÚRGICA, MEDICINA OPERATORIA E APPARELHOS Da nevrotomia I A nevrotomia consiste na secção simples de um ou muitos nervos. — 101 — II A indicação capital da nevrotomia são as nevralgias rebeldes, especialmente as periphericas. III A secção do nervo faz-se a descoberto, estando condemnada a secção sub-cutanea. CADEIRA DE OBSTETRÍCIA Morte imminente dos recém-nascidos, tratamento I A imminencia de morte nos recém-nascidos conhece sempre por causa um estado asphyxico. II As numerosas causas desta asphyxia podem se dividir em lesões da respiração, lesões da circulação fetal e lesões dos centros nervosos. III São muitos os meios empregados para combatei-a, dentre os quaes sobresahe, como dos últimos recursos, a respiração artificial. CADEIRA DE MEDICINA LEGAL E TOXICOLOGIA Do envenenamento pelo cobre I Os preparados cupricos são venenos neuro-myóticos. II Os factos não têm justificado a antiga supposição, de que o cobre fosse um agente muito tóxico, devendo attribuir-se antes ao arsênico e ao chumbo os graves effeitos que erão imputados ao cobre. III Particularmente o envenenamento chronico com as eólicas cupri- cas parece ter sido uma ficção clinica. — 102 — PRIMEIRA CADEIRA DE CLINICA CIRÚRGICA DE ADULTOS Tratamento da retensão das urinas I A escolha do meio a empregar em um caso de retensão de urina depende muito da causa dessa retensão. II Em todo o caso, o catheterismo tem uma larga applicação neste tratamento. III Mas nos casos de urgência e em que tem falhado o catheterismo, faz-se mister a intervenção operatoria pela puncção ou super-pubiana, ou praticada pelo recto. 2' CADEIRA DE CLINICA MEDICA DE ADULTOS Condições pathogenicas, diagnostico e tratamento da moléstia de Thomsen I Consiste a moléstia de Thomsen em um espasmo muscular que sobre vem no começo dos movimentos voluntários. II Este é o phenomeno capital da moléstia, ao qual junta-se ainda um augmento de volume dos musculos e outros symptomas menos constantes. III Não está bem conhecida a natureza desta moléstia. PRIMEIRA CADEIRA DE CLINICA MEDICA DE ADULTOS Do valor da microscopia no diagnostico e tratamento das moléstias do domínio da pathologia interna I Na orientação moderna da medicina em sua phase actual ou pa- thogenica (Bouchard) a microscopia representou e representa um dos primeiros factores determinantes. — 103 — II Apreciada a esta luz, a contribuição que ella presta ao trata- mento das moléstias pela elucidação dos diagnósticos não se pôde equiparar áquella que lhe deve advir da solução dos grandes pro- blemas da natureza e causa das moléstias. III Na solução destas questões deve fundar-se a esperança de novos horizontes para as indicações prophylaticas e therapeuticas. -T^idfcftSr^ÊfcÃjcí-r^ I Lassitudines sponte obortae morbos prenunciant. (Sect. IV, aph. 1*). II Somnus, vigílias, utraque modum excedentia, malum. (Sect. II, aph. 3o). III Cibus, potus, venus, omnia moderata sint. (Sect. II, aph. 6o). IV Ubi delirium somnus sedaverit, bonum. (Sect. II, aph. 5o). V Quae longo tempore extenuantur corpora, lente reficere opportet, quae vero brevi, celeriter. (Sect. VII, aph. 4o). VI Ad extremos morbos, extrema remedia exquisite optima. (Sect. I, aph. 6°). Estathese está conforme os estatutos. Rio de Janeiro, 4 de Setembro de 1887. Dr. José Maria Teixeira. Dr. Domingos de Góes e Vasconcellos. Dr. Bernardo Alves Pereira. S» 6152 &.JK% >' f \