FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO DO Dli, DUARTE lilAlilUl i; DE MIAM FONSECA 1877 DISSERTAÇÃO PRIMEIRO PONTO SECÇÃO MEDICA. — CADEIRA DE PATHOLOGIA INTERNA Escroplmlas PROPOSIÇÕES SEGUNDO PONTO SECÇÃO ACCESSORIA.—CADEIRA DE MEDICINA LEGAL Do envenenamento pelo pnosplioro TERCEIRO PONTO SECÇÃO CIRÚRGICA.—CADEIRA DE OPERAÇÕES Operações reclamadas pelos estreitamentos da nretlira QUARTO PONTO SECÇÃO MEDICA. — CADEIRA DE PHYSIOLOGIA Papel dos rins no organismo linmano 1 FACULDADE DE MEDICIM DD 1110 DE JAAEIDO APRESENTADA EM 10 DE AGOSTO DE 1877 A 31 DE DEZEMBRO DO MESMOrf^NNO E PERANTE ELLA SUSTENTADA POR fiuurfe de Irmijo fonseea Doutor em Medicina pela mesma Faculdade e ex-interno (por concurso) do Hospital de Marinha da Côrte. Natural de Minas-Geracs Dnarte Henrip da Fonseca e Se D. Carolina Silroria do Araújo Fonseca FILHO LEGITIMO DE RIO DE JANEIRO Typograpiiia Universal de E. & H. Laemmert 71, Rua dos Inválidos, 71 1877 MCIIIIA1 III 1111(11 llll lllll H JiHIIII) DIRECTOIt Conselheiro Dr. Visconde de Santa Isabel. VICE-niKECTOI! Conselheiro Dr. Barão de Theresopolis. KECUETA1UO Dr. Carlos Ferreira de Souza Fernandes. U5NTIW CiTB19]l»am'I( 0<«i Doutore* t lUlIMEUCO ANHO F. J. do Canto e Mello Castro Mascarenhas. (Ia cadeira). Physica em geral, e particularmente em suas applicaçõesá Medicina. Conselh. Manoel Maria de Moraes e Valle. (2a » ). Chimica e Mineralogia. Luiz Pientzenauer (3a » ). Anatomia descriptiva. SEGUNnO A \\(l Joaquim Monteiro Caminhoá (Ia cadeira). Botanica e Zoologia. Domingos José Freire Júnior .... (2a » ;. Chimica organica. José Joaquim da Silva. ...... (3a » ). Physiologia. Luiz Picntzenauer (4a » ). Anatomia descriptiva. TERCEIRO ASIMO José Joaquim da Silva (Ia cadeira). Physiologia. Conselheiro Barão de Maceió .... (2a » ). Anatomia geral e pathologica. Francisco de Menezes Dias da Cruz. . . (3a » ). Pathologia geral. Vicente Cândido Figueira de Saboia. . . (4a » ). Clinica externa. Antonio Ferreira França (Ia cadeira). Pathologia externa. João Damasceno Peçanha da Silva ... (2a » ). Pathologia interna. Luiz da Cunha Feijó Júnior (3a » ). Partos, moléstias de mulheres pejadas, e paridas e de recem-nascidos. Vicente Cândido Figueira de Saboia. . . (4 » ). Clinica ex.crna. QUARTO A\NO QLIXrO ANXO João Damasceno Peçanha da Silva . . . (Ia cadeira). Pathologia interna. Francisco Praxcdes de Andrade Pertence. (2a » ). Anatomia topographica, medicina operatória e apparelhos. Mbino Rodrigues de Uvarenga .... (3a » ). Matéria medica e therapeulica. João Vicente Torres-Homem (4a » ). Clinica interna. SEXTO AX!VO Antonio Corrêa de Souza Costa (Pecsid.) . (Ia cadeira). Hygiene e historia da Medicina. Agostinho José de Souza Lima .... (2a » ). Medicina legal. Ezequiel Corrêa dos Santos (3a » ). Pharmacia. João Vicente Torres-Homem (Examin.). . (4a » ). Clinica interna. UENTES SUBSTITUTOS Benjamin Franklin Ramiz Galvão João Joaquim Pizarro. ........ João Martins Teixeira (Examin.) Augusto Ferreira dos Santos Secção de Scíencias Accessorias. Cláudio Velho da Motta Maia José Pereira Guimarães (Examin.) .... Pedro AÍTonso de Carvalho Franco Antonio Caetano de Almeida Secção de Scíencias Cirúrgicas. João José da Silva ......... João Baplista Kossulh Vinelli Secção de Scíencias Medicas. S.H. A Faculdade não approva nem reprova as opiniões emittidas nasTheses que lhe são apresentadas. A MEUS EA IS Amor filial A MEU PROTECTOR, BOM PARENTE E BOM AMIGO 0 Illm. Sr. Commendador JOÃO BAPTISTA DA FONSECA É justo que depois do nome dos pais pelo nascimento venha o daquelle que foi pai pela educação. Yós sabeis que o titulo nobre e honroso, por mim conquistado hoje, em grande parte vos pertence; é, pois, esse facto um motivo para que o vosso nome fique para sempre gravado na minha memória. Aceitai portanto este pequeno trabalho como a expressão da minha eterna gratidão. A MEUS IRMÃOS A MKUS AMIGOS A ZMEXTJS COLLEGAS AOS DOUTORANDOS Dl 1878 PRIMEIRO POjNTO SECÇÃO MEDICA. —CADEIRA DE PATHOLOGIA INTERNA ESCROPHULAS. CAPITULO I Noticia histórica. É a escrophula uma moléstia conhecida, e assim denominada desde a mais alta antiguidade. Quasi todos os auctores delia se têm occupado, sem mesmo excep- tuar Hippocrates que, em mais de uma passagem de seus immortaes trabalhos, falia a seu respeito. Nos commentarios sobre os Aphorismos de Hippocrates por Galeno acha-se reproduzido o que sobre ella disse o pai da medicina. Não obstante ter sido esta moléstia objecto de estudos por parte dos auctores que escreverão tratados geraes de medicina até Ettmul- ler e Cullen, foi só no começo do século passado que apparecêrão alguns tratados especiaes sobre ella. Em 1751, a Academia Real de Cirurgia resolveu a brir um concurso para as moléstias escrophulosas, e foi por essa occasião que appare- cêrão as memórias de Bordeu, Faure, Charmetton. Em 1781, a Socie- dade Real de Medicina indicou também as escrophulas como objecto de concurso, e apparecêrão então os importantes trabalhos de Baumes, Kortum e Pujol. Dessa época em diante, foi essa moléstia objecto de grande numero de monographias, mais ou menos notáveis; taes são as de Hufeland na Allemanha, Cormichaíl na Inglaterra e Le Pelletier e Baudelocque em F rança. A estas monographias ainda se póde accrescentar grande numero de theses e artigos, mais ou menos extensos, consignados nos Dicciona- rios de Medicina e tratados geraes de Cirurgia, como os de Boyer, Astley Cooper, Delpech, etc. A escola organicista, que predominou em toda a metade deste século, e os anatomo-pathologistas, no seu exclusivismo, vendo por toda a parte alterações locaes e materiaes, procurárão derrocar o edifício com tanto trabalho levantado por seus antecessores. Foi nestas circumStancias que um só liomem, Lugol, entrando e n luta contra a generalisação, defendeu com todo o enthusiasmo a unidade—escro- phula. De todos os auctores, porém, que sobre esta moléstia escrevêrão, foi sem duvida o Dr. Milcent quem melhor traçou seus limites, não acompanhando a Lugol no seu enthusiasmo de considerar o tubérculo como um producto exclusivo da escropliula. Quasi todos os auctores de pathologia interna e clinica consagrão-lhe um artigo mais ou menos extenso, sob o titulo escrophulose; entre esses auctores não podemos deixar de citar o nome de Bazin, que, aproveitando os trabalhos de seus predecessores e os resultados de sua grande experiencia, publicou um tratado que tornou-se clássico. Ainda hoje, apezardeter sido objecto de tantos trabalhos, a historia medica desta moléstia está cercada de muitas obscuridades, e é uma das partes mais confusas da pathologia. São taes a multiplicidade de lesões e diversidade de symptomas que a caracterisão, que erros os mais deploráveis são commettidos, confundindo-se manifestações que lhe são próprias com as dos dartros e syphilis. Não ha muito tempo a maior parte dos médicos considerava como escrophula apenas os engorgitamentos ganglionares do pescoço, que são na verdade o seu ponto de predilecção, mas não constituem toda a moléstia. Synonymia.— Muitas denominações tem esta moléstia recebido, umas hypotheticas, outras falsas, que serão conservadas mais como signaes convencionaes para designa-la, que como indicio de sua natu- reza e caracteres. Hippocrates considerava como escrophulas apenas certos engorgita- mentos do pescoço, e por isso denominou-a pessimus colli morbus. Os Gregos a cliamárão Koirades, do termo Koiros que significa porco. Os Latinos stmma, do verbo —struo, eu amontôo, vocábulo que foi empre- gado por Celso e Cicero. O orador romano, em uma de suas passagens, mostra que ella designava entre seus contemporâneos uma idéa infa- mante : Hi medentur reipublicoe, qui exsecant pestern aliquam tanquam strumam civitatis. Os Inglezes derão-lhe o nome de the king's evil. Os Francezes de scrophules, écrouelles, humeurs froides, affections tuber- culeuses, etc.; e, finalmente,os vocábulos: alporcas, mal do rei, virus ou vicio escrophuloso, estrumoso, etc. Hoje ê geralmente conhecida com o nome de escrophula ou escrophulose, que ê o que adoptaremos. Definição. Si é sempre difíicil definir um objecto, por mais simples que elle seja, ainda mais o será quando se tratar de uma moléstia, que se caracterisa por múltiplas manifestações, como a que nos occupa. Na verdade 6 difíicil, como muito bem diz Castan, estabelecer caracteres geraes para uma affecção tão proteiforme. Bazin define ou antes descreve a escrophulose do modo seguinte : « uma moléstia constitucional, não contagiosa, quasi sempre here- ditária, ordinariamente longa, traduzindo-se por uma serie de afíecções variaveis de séde e modalidade pathogenica, tendo entretanto por caracteres communs a fixidez, tendencia hypertrophica e ulcerosa, e por sáde ordinaria os systemas tegumentario, lymphatico e osseo.» Castan supprime toda a primeira parte da definição de Bazin, que, diz elle, póde ser substituida pela palavra—diathese, e então 4 apresenta a seguinte definição : * uma diathese cujas manifestações variaveis têm por caracteres communs a fixidez, tendencia hypertro- pliica e ulcerosa, e por séde ordinaria os systemas tegumentario, lym- phatico e osseo.» Esta ultima definição, apezar de não ser tão prolixa como a pre- cedente, tem comtudo o inconveniente de encerrar uma palavra que precisa por sua vez ser definida ; tal é a palavra—diathese, que é um termo generico. A definição apresentada por Grisolle, no seu compendio de patho- logia interna, é a seguinte : « Um estado morbido constitucional, caracterizado por lesões diversas de nutrição, assestadas nas partes molles e nos ossos, e especialmente por engorgitamento clironico dos ganglios lympha- ticos. » Esta definição, apezar de incluir a natureza da moléstia, tem o mesmo defeito das precedentes, isto é, póde dar logar a que se pergunte o que é estado morbido constitucional. Vogel, no seu tratado sobre as moléstias das crianças, traz a seguinte definição : « Entende-se por escrophulose uma serie de processos inflam- matorios, assestados sobre a pelle e as mucosas, orgãos da vista e ouvidos, nos ganglios lymphaticos, ossos e articulações, processos que nenliuma relação têm entre si sob o ponto de vista anatomo- pathologico, mas que distinguem-se essencialmente por sua marcha das inflammações traumaticas simples. » Esta definição, além de outros inconvenientes, infringe um dos preceitos estabelecidos para uma bôa definição, isto é, não abrange todo o definido, pois que não falia nas manifestações que podem se assestar nas vísceras. Jaccoud, no seu excellente compendio de pathologia interna, incluindo a escrophulose na classe das dystrophias constitucionaes, a define da seguinte maneira : 5 « Uma dystrophia constitucional de productos polymorphos, cujas manifestações, na maior parte, de natureza inflammatoria, invadem os ganglios lymphaticos, a pelle, mucosas, tecido cellular, tecido osteo- fibroso e as visceras. » Esta definição está no mesmo caso que as outras por nós apresen- tadas ; comtudo a aceitaremos, não como a melhor, mas por estar mais de accordo com o estado actual da sciencia. CAPITULO II Anatomia pathologica. Apezar de caracterizada por grande numero de lesões, a escro- phulose em nenhuma de suas manifestações apresenta um caraoter anatomico que por si só indique a sua origem. Diz o professor Jaccoud em seu livro de pathologia interna : « E nos attributos constitucionaes do individuo, é na espontanei- dade apparente das manifestações, na lentidão de sua marcha, na sua tenacidade rebelde, é na sua eo-existencia e successão que devem se basear os elementos de juizo. » De accôrdo, pois, com o illustrado professor de Pariz, procura- remos enumerar as lesões diversas ligadas á escrophulose, ainda que não apresentem um signal objectivo especial. Como todas as diatheses, a escrophulose tem também seus pontos de predilecção ; lião é, portanto, admiravel que as principaes mani- festações mórbidas se traduzão por alterações dos ganglios lym- pliaticos. Eis como se exprime Rindfleisch a respeito das alterações ganglio- nares dependentes da escrophulose : « O processo liistologico, que preside o engorgitamento escro- phuloso dos ganglios lymphaticos, póde ser considerado como uma 6 hyperplasia parcial da substancia glandular, neste sentido que não consiste em um augmento uniforme de todos os elementos, mas unicamente em um augmento e multiplicação das cellulas que formão o encliyma da glandula. Além do augmento numérico, ha augmento de volume de cada elemento em particular, o que está em relação muito intima com a multiplicação das cellulas. » Como resultado dessa hyperplasia cellular, encontra-se verdadeiros tumores em uma só parte do corpo, ou em todas aquellas que contiverem ganglios lymphaticos. Esses tumores apresentão quasi o volume de uma noz, quando o ganglio tinha apenas o de um grão de feijão ; sua consistência é ou molle e pastosa, ou dura, mesmo elastica, re- sistente, segundo a quantidade de liquido que contém. Este periodo é de pouca duração ; não só a neoformação obstrue as vias lympliaticas da glandula, mas ainda comprime os capillares sanguineos, a ponto de impedir completamente a circulação. Ne- nhuma injecção, qualquer que seja o methodo empregado, é capaz de penetrar nas partes as mais engorgitadas da glandula. Desde que cessa a chegada do sangue, o ganglio deixa de ser nutrido, e soffre a degenerescencia caseosa. A sorte ulterior dos ganglios caseosos depende de sua sede. Nos ganglios mesentericos observa-se uma diminuição de volume em consequência da reabsorpção das partes liquidas ; não é raro encontrar-se depositos calcareos, e uma ver- dadeira petrificação. Nos ganglios lymphaticos do pescoço, pelo contrario, o amollecimento é a terminação a mais ordinaria ; o foco caseoso se funde de dentro para fora em um liquido leitoso, branco amarellado, tendo em suspensão grumos mais ou menos considerá- veis de detritus granulo-gordurosos. Depois de amollecida toda a matéria caseosa, as partes vizinhas do ganglio têm tendencia a inflammar-se ; é essa inflammação que prepara a sahida do piis escropliuloso. Depois da saliida desse pus, lica uma ulcera escrophulosa de bordos descolados, azulados, hy- perhemiados e flácidos; comtudo a ferida acaba por se fecliar, e o logar de abertura do abscesso ê indicado por uma cicatriz deprimida e estrellada. A matéria pode ser reabsorvida pelos vasos sanguíneos da capsula, dilatados em virtude de hyperhemia co lateral; mas para isso é preciso que a fusão do ganglio comece pela peripheria. Independente das alterações ganglionares, que acabamos de des- crever, encontra-se outras alterações não menos importantes, tanto para o tegumento externo (pelle), como para o interno (mucosas), taes são as dermatites vesiculosas e pustulosas para o primeiro, e inllammações catarrhaes chronicas para o segundo. Entre os der- matites, são mais communs o eczema e impetigo, que tem por séde a face, couro cabelludo e região retro auricular. Nas mucosas en- contra-se mais commummente as lesões que caracterizão o impe- tigo com ulceração da mucosa, que é ordinariamente a do nariz, as que caracterizão o coryza, as conjunctivites, etc. Para os ossos, as lesões que traduzem as caries, necrozes, tumor branco. Final- mente nas vísceras, as alterações caracteristicas da pneumonia, de- generescencia amyloide dos rins e figado. As analyses do sangue têm revelado apenas augmento na quantidade de serum, e diminuição no numero de globulos vermelhos. Da descripção anatomo-pathologica que acabamos de fazer vê-se quão verdadeiras são as proposições emittidas pelo professor Jac- coud, com as quaes encetámos este capitulo, e com ellas o encerra- ríamos, si não fossem sempre enfadonhas as repetições. 7 CAPITULO III Patliogenia e etyologia. Em nenhuma moléstia é tão difficil o estudo pathogenico como na que nos occupa. Trata-se com effeito de uma especie de Prothêo morbido que, 8 por muito tempo occulto no organismo, póde de um momento para outro fazer explosão, manifestando-se ora na pelle da face e corpo com a apparencia do eczema, impetigo e lupus, ora nas mucosas com a fórma de coryza liypertrophieo do nariz e lábios, aphtas- blepharites, conjunctivites, otorrhéas, bronchites e diarrhea catar, rhal; nas glandulas do pescoço, bronchios e ventre no estado de adenites ; nos ossos, debaixo da fórma de periostite, carie, necrose e diversas variedades de tumor branco; nas vísceras, constituindo as degenerescencias amyloide do figado e rins, etc., podendo mesmo chegar a crear no organismo o producto morbido conhecido com o nome de — tubérculo; porque, como muito bem diz Pidoux, si a escrophula suppõe um systema lymphatico predominante e em ex- cesso, a tisica suppõe um systema lymphatico esgotado, e orga- nicamente affectado. A escrophulose, accrescenta elle, limita-se a gastar o systema lymphatico, esgota-lo de modo a dar logar á tuberculisação, assim favorecida pelo estado de fraqueza irritável do organismo. Eis a razão por que avançámos a proposição acima, que terá melhor desenvolvimento quando tratarmos de mostrar a não iden- tidade das duas diatheses. Como, pois, explicar a genese de uma moléstia tão protheiforme, a não admittir-se uma constituição particular do individuo, e des- conhecida em sua essencia V Desde que não admittamos essa constituição especial, que faz com que as manifestações mórbidas tenhão também um caracter especial, teremos destruido a unidade — escrophula, como o fizerão os soli- distas, que negão a escrophula como o negárão a syphilis e todas as diatheses; porque, vendo nos tecidos sómente o que affecta-lhes os sentidos, preferirão dar a essas lesões o nome de — inflammaçoes especiaes, esquecendo que é justamente nesse alguma cousa de espe- cial que reside a natureza differente da moléstia. Alguns negão ser a escrophulose uma entidade mórbida, e 9 considerão as suas manifestações como outras tantas moléstias; outros admittem apenas uma predisposição mórbida, a que dão o nome de es- crophulose, reservando o de moléstias escrophulosas para as differentes manifestações locaes. Seja como fôr, o que não resta duvida é que a escrophulose eon- stitue uma moléstia que tem direito a um logar no quadro nosologico, e esse logar não póde ser senão ao lado da syphilis e rheumatismo, que pertencem á cathegoria das moléstias chamadas constitucionaes. Sendo assim, não é para admirar que, desde Hippocrates, hypo- tlieses, umas engenhosas, outras extravagantes, tenhão sido formuladas para explicar a sua natureza. O pai da medicina pensava que a escrophula era uma moléstia especial das glandulas, dependente da presença de um humor frio e pituitoso, que, afíluindo de todas as partes do corpo, ia se reunir nesses orgãos. No dizer de Celso, era a escrophula apenas um resultado de con- creção sanguinea e purulenta. Para Ambroise Paré era a escrophula constituida por uma alteração particular da pituita qae, tornando-se espessa, glutinosa e semelhante ao gesso, tomava a fórma de moléstia, logo que havia mistura do humor melancólico. Com a descoberta do svstema lymphatico, foi posta de lado a pi- tuita, e então vemos Hufeland procurar explicar a escrophula appel- lando para a acrimonia da lympha. Esta theoria foi abraçada por grande numero de auctores, entre outros Bordeu, Charmetton, Pey- rilhe, Pujol e Hunter. Warthon, que tanto eontribuio para o conhecimento do systema lymphatico, appellou para o transporte e absorpção do fluido seminal na economia, hypothese extravagante e combatida por Cullen, que provou ser a escrophula tanto mais fecunda em desorganizações, quanto mais se entregão os indivíduos aos prazeres venereos. Etmuller e Hunter appellárão para a existência na lympha de um acido particular, e que, segundo Baumes, era o acido pliosphorico, o qual, reagindo sobre os suecos albuminosos, concretava-os, e desna- turava-os, diminuindo ao mesmo tempo a influencia exercida pela luz e calorico sobre os humores e solidos. Segundo elle, esse acido em superabundância amollecia e dissolvia os ossos, apoderando-se da cal que elles contêm, para transporta-la á circulação. Esta hypothese teve de caliir diante dos progressos da chimica, que não demonstrou essa superabundância de acido phosphorico, e diante das experiencias physiologicas, que não conseguio descobrir a sua existência nem no sangue, nem na lympha, A anatomo-pathologia veio por sua vez demonstrar que a escro- phulose não dependia de uma alteração da lympha, pois que, pelo exame dos productos morbidos escrophulosos, ahi não se encontrou os elementos constituintes do liquido que corre nos vasos lymphathicos. Sem que desanimassem por esse facto, os humoristas appellárão então para a alteração do sangue, e dessa opinião era Bouillaud, e com elle muitos outros médicos. Na verdade, pela analyse do sangue, tem-se observado menor quantidade de globulos vermelhos, e maior proporção de serum; mas, diz Lebert, estas alterações não são constantes, e, quando o fôssem, revelarião apenas alterações secundarias, porque muitas vezes se dão em periodo adiantado da moléstia. Não fôrão só os humoristas que procurárão explicar a genese da escrophula, os solidistas também intervierão com suas theorias mais ou menos engenhosas. É assim que uns appellárão para a debilidade do systema lyrnpha- tico, donde provinha maior demora na marcha da lympha, e como consequência sua concreção ; outros attribuião á irritação dos vasos lymphaticos, opinião esta que foi depois abraçada por Broussais e sustentada por seus sectários. Estaremos nós hoje em melhores circumstancias que os antigos, para explicar a natureza da escrophulose ? Tanto não estamos que, a não querermos nos embrenliar por um labyrintho, sem esperança de encontrar o fio de Ariadne, não temos remedio senão appellar para uma debilidade constitucional impossível de ser precisada, como acontece com todas as diatheses. Senão, vejamos o que dizem os auctores modernos. Diz o professor Jaccoud, tratando da diathese tuberculosa, o seguinte: « Qualquer que seja a apparencia exterior do indivíduo, a diathese, pelos caracteres de seu producto, produz uma debilidade constitu- cional, em virtude da qual, sendo o organismo affectado por provo- cações irritativas, tem de reagir contra ellas, segundo suas forças, isto é, por uma formação lenta e de má natureza, e não pela for- mação rapida e transitória da inflammação propriamente dita; em virtude desse estado de fraqueza, emfim, o organismo chega a produ- zir espontaneamente, sem influencia provocadora manifesta, elemen- tos degradados, que são o corpo de delicto e a prova visivel da dia- these invisível. * Precisar, accrescenta elle, em que consiste esta debilidade con- stitucional é cousa impossível, mas si, abandonando toda ahypothese, consultarmos a clinica, não poderemos deixar de concluir que esta dia- these de productos imperfeitos é essencialmente constituída pela im- perfeição, ou mais exactamente pela insufficiencia da nutrição, tomando-se este termo no seu sentido physiologico o mais amplo. E nem esta formula póde ser encara Li como um mero amontoado de palavras, desde que attendermos que as únicas bases solidas do tratamento prophylatico e curativo são fornecidos por esta noção de nutrição imperfeita, e pelo conhecimento da influencia nociva das phlegmasias. » Logo depois enuncia esse illustrado professor a sua opinião sobre a escrophulose nos seguintes termos : « A insufficiencia nutritiva é igualmente o ponto de partida da moléstia escrophulosa; demais, existe grande analogia entre o tubérculo e os productos lymphoides da escrophula, e a questão de relação entre as duas affecções surge naturalmente. Médicos eminen- tes, Graves, entre outros, não vêm na tuberculose pulmonar senão a manifestação a mais grave da escrophula; outros admittem apenas uma coincidência nas relações frequentes, que as observações de- monstrão entre esses dous estados morbidos. « Nenhuma dessas duas opiniões contém em si toda a verdade. A debilidade constitucional é a causa commum das duas diatheses ; e como a escrophula é própria da infancia, emquanto a tuberculose é mais especial á mocidade e idade adulta, concebe-se que, si a causa primeira não se acha extincta, um indivíduo escrophuloso em sua infancia póde muito bem tornar-se tuberculoso um pouco mais tarde 5 esta successão não implica uma relação de causa para effeito, demonstra simplesmente que a influencia nozogenica, não se achando esgotada, obra da maneira a mais consentânea com a idade do indi- viduo. » Como se vê, o illustrado professor de Pariz acredita que, não só a escrophulose é de natureza idêntica á tuberculose, como póde dar origem a esta ultima, sem comtudo constituir uma e outra a mesma moléstia. Graves é também de opinião ser a escrophulose dependente de uma alteração de nutrição, mas considera ao mesmo tempo o tubér- culo como um producto exclusivo da escropliula, embora admitta a existência de tubérculos sem inflammações escrophulosas, como se deprebende de suas palavras, que passamos a transcrever, e podem ser lidas ápag. 603 de seu livro de clinica. « Para mim, diz elle, os caracteres essenciaes da tisica pulmo- nar dependem da escropliula ; é a escrophula que converte em pneu- monia e em bronchite consumptivas o que sem ella não passaria de uma broncliite simples e pneumonia commum ; é a escropliula que torna estas duas moléstias tantas vezes incuráveis. Quanto aos tu- bérculos, quanto á infiltração tuberculosa, são simplesmente o resultado de uma nutrição pathologicamente pervertida pela es- crophula ; são effeitos e não causas. Estes productos anormaes, accres- centa elle, podem existir sem inflammação escropliulosa; esta póde, por sua vez, percorrer sem elles toda a sua evolução. » Si o illustrado professor de Dublin admitte os tubérculos sem in- flammação escrophulosa, e esta percorrendo toda a sua evolução sem os produzir, porque não admittir também que possa existir uma outra diatliese, que não a escrophulosa, que dê origem a esse pro- ducto, desde que elle exista em differentes partes do corpo, sem ter sido precedido de nenhuma manifestação própria da escrophulose ? Da mesma opinião de Graves, de serem o tubérculo e escrophula productos de uma mesma diathese, são Bouchut e Bennett. Mas, si esses auctores assim pensão, outros não menos respeitáveis pensão de modo contrario, taes são Niemeyer, Bazin, Tardieu, Jaccoud, etc. O que é fóra de contestação, porém, é que em um individuo escrophuloso póde-se desenvolver a tuberculose. A escrophulose é uma moléstia perigosa e eminentemente consti- tucional, e que, portanto, modifica o organismo do individuo de modo tal, que o desenvolvimento da tuberculose seja o resultado. Mas, pelo facto de poder a escrophulose dar origem ao tubérculo, não se segue que este não possa originar-se no organismo indepen- dente daquella. Si do terreno do racioeinio passarmos a um mais positivo e eloquente, tal como o da anatomia pathologica e clinica, veremos confirmada essa maneira de pensar. Com effeito, a anatomia pathologica demonstra que o caracter especifico da tuberculose é a granulação. Entretanto o que vêmos na escrophula? Uma diathese que dá origem simultânea ou successi- vamente a inflammações clironicas com tendencia á suppuração e ulceração de muitos tecidos do corpo, principalmente a pelle, te- cido cellular, membranas mucosas, os ossos, glandulas lympha- ticas, etc. A clinica não é menos explicita sobre a não identidade das duas moléstias. Emquanto a tuberculose se manifesta por lesões locaes, e só mais tarde, no seu periodo de amollecimento, se torna geral, a escrophula, ao contrario, se caracterisa por uma multiplicidade de lesões, taes como erupções de pelle, adenites, catarrhos, abscessos, etc. Não resta duvida, pois, que estas duas moléstias não são idên- ticas. Preferimos em todo caso admittir a transformação possível das diatheses, que aceita-las como apparencias diversas de um mesmo estado morbido, até que esta ultima opinião seja universalmente aceita na sciencia. Passemos agora ao estudo das causas que concorrem para dar origem á diathese e ao desenvolvimento de suas manifestações. Elias existem no indivíduo e fóra delle. Passaremos a enumerar umas e outras. Heranças. Em nenhuma circumstancia é mais verdadeiro o principio que diz:—mais depressa se herdão as moléstias que as fortunas, que quando se trata das moléstias diathesicas. Sem duvida é a herança uma das primeiras, sinão a primeira causa predisponente da escrophula, já directamente de pais a filhos, já poupando uma geração para se manifestar mais tarde em outra. É esta uma questão sobre a qual, póde-se dizer, não existem duas opiniões na sciencia, pois que todos os auctores estão de accôrdo em considerar a escrophulose como uma moléstia essencialmente hereditária. Convém, entretanto, dizer que não são as manifestações mór- bidas que os descendentes lierdão, mas sim a diathese. Ainda de outra maneira podem os pais influir para que os filhos venhão a apresentar a constituição escrophulosa, e portanto possuir um ter- reno apropriado para o desenvolvimento de suas manifestações; que- remos fallar dos casamentos consanguineos e desproporção de idade entre os cônjuges, que são outras tantas razões para que os filhos recebão no ventre materno a predisposição a contrahir a moléstia. Os casamentos consanguineos dão origem, ás mais das vezes, a uma raça abastardada, como demonstra uma serie immensa de ob- servações. A mesma cousa se dá quando existe grande desproporção de idade entre os cônjuges. Já Spart.a, que não queria senão uma po- pulação poderosa, não permittia os casamentos aos homens antes da idade de 35 annos. O que é verdade para o moço, o é também para o velho ; neste o esperma tem perdido sua força, naquelle ainda não a tem adquirido. Embora não compartilhando em absoluto essas idéas, comtudo não podemos deixar de reconhecer que a consanguinidade e desproporção de idade são algumas vezes prejudiciaes aos productos dessas uniões. r E por isso que, sempre que fôr possivel a nossa intervenção, de- vemos condemnar esses consorcios, principalmente quando em algum dos contrahentes já existir alguma predisposição para moléstias dia- thesicas. Alguns levão a influencia da herança ainda mais longe, conside- rando que, independente das circumstancias acima apresentadas, os filhos podem receber no seio materno o germen escrophuloso, desde que, durante a gestação, a mãi tenha estado debaixo da influencia de causas moraes deprimentes, e quaesquer emoções, ou mesmo que a concepção se tenha dado no periodo catamenial. Estas causas podem, na verdade, contribuir para o enfraqueci- mento dos filhos ; mas por esse facto não nos achamos auctorizados a concluir que será a escrophulose que se ha de necessariamente seguir a esse enfraquecimento, porque fraqueza de constituição não é escro- phulose. Alguns querem que pais epilépticos ou alienados gerem filhos es- crophulosos ; facto que só póde ser admittido quando a epilepsia e alienação forem symptomaticas de lezões cerebraes de origem escro- phulosa. Neste caso, trata-se então de pais escrophulosos gerando filhos também escrophulosos, o que ninguém contesta. A tuberculose nos pais póde, segundo alguns, transmittir a escro- phulose aos filhos. Segundo Vogel, esse facto dá-se principalmente nas familias em que um dos pais é são, emquanto o outro é tuberculoso. Quando o pai e mãi, diz elle ainda, são tuberculosos, os filhos suc- eumbem nos primeiros annos á tuberculose verdadeira. Infelizmente, porém, accrescenta elle, essas minhas observações não podem ser estabelecidas em algarismos exactos, pela difliculdade em reconhecer a tuberculose dos pais. Ainda querem alguns auctores, e entre elles Lugol, que a herança influa de outra maneira, isto é, poderem os pais transmittir a seus filhos a escrophula, desde que tenhão inoculado em seu organismo o virus syphilitico. r E a syphilis gerando a escrophula, uma diathese se transformando em outra. Esta opinião foi combatida por homens, cuja auctoridade não póde ser posta em duvida, taes como Stoll, Astruc, Selle, D’Ali- bert, Baudelocque, Lebert, Bazin e outros, que são de opinião que pais escrophulosos e syphiliticos podem transmittir a seus filhos uma ou outra destas moléstias, ou ambas ao mesmo tempo, mas não ad- mittem a transformação de uma na outra por herança. Em abono desta opinião Baudelocque cita diversos paizes, onde as escrophulas abundão, e entretanto é rara a syphilis, e viee-versa. De tudo o que temos dito até aqui, a unica cousa que não tem sido contestada é a influencia da lierança como causa da escropliulose. O pai e mãi, assim como transmittem a seus filhos sua semelhança physica e moral, como vemos todos os dias, assim também trans- mittiráõ sua semelhança pathologica. Não é essa, porém, uma lei fatal; porque, si o fôsse, teríamos de, na ausência de uma moléstia semelhante nos pais, fazer intervir o adultério para explicar o seu apparecimento nos íillios. Não só a affecção pode ficar latente por muito tempo, embora her- dada pelos filhos, desde que não intervenha a acção de outras causas, que passaremos a enumerar nos capitulos subsequentes, como poderá ser explicada, quando nos pais não exista manifestação alguma diathesica, ou porque nelles se ache no estado latente, ou ainda podemos, por meio de indagações minuciosas, ir encontrar nos colla- teraes o germen da moléstia que se nos apresenta. A transmissão da escrophulose por herança é, pois, um facto incon- testável . Contagio. Si todos os auctores estão de accordo quanto á herança como causa da escrophulose, o mesmo não acontece com o contagio. Os auctores que têm tratado desta moléstia se dividem em dous campos oppostos, que têm sua origem no modo de encarar a sua natureza. Para aquelles que pensão que a escrophulose depende de um virus especial, que tem sua sêde na massa humoral, é ella contagiosa. Dessa opinião são Lalouette, Pujol, Baumes, Bordeu, etc.; segundo estes auctores, existe um virus particular que, tendo sua sêde na massa humoral, se desenvolve, quando transmittido, desde que encontre um terreno preparado, podendo entretanto ser demorado o seu desenvol- vimento conforme a natureza do terreno, da mesma maneira que a vegetação das plantas ê demorada ou retardada, segundo as condições climatéricas. Charmetton chegou a considerar o contagio da escrophula idêntico ao da variola, podendo-se dar por contacto directo, inoculação, ou por intermédio do ar atmospherico, que serve de vehiculo ao principio contagioso. Essas idéas hoje não têm mais razão de ser, e nem precisão ser combatidas quanto ao virus, porque ninguém considera a escrophu- lose como moléstia virulenta. JáKortum, Lepelletier e Goodlad tinhão combatido essa opinião. Todos os auctores estão hoje de accordo em não considerar a es- crophulose como moléstia contagiosa, e para corroborar essa opinião citão factos e experiencias importantes. É assim que, diz Bazin, vio diariamente enfermeiros em contacto com os doentes, curando-lhes as feridas, sem contrahir a moléstia. Kortum, inoculando em creanças o pus escrophuloso, não vio resultar desta inoculação accidente algum. Lepelletier em França e Goodlad na Inglaterra, tão convencidos estavão da não contagiosidade da escrophula, que a inoculárão em si mesmos, e não observárão cousa alguma. Todos estes factos vêm confirmar que a escrophulose nada tem de contagiosa. E nem ha razão para se concluir, do facto de existir em um logar muitos escrophulosos, o contagio, porque esse facto póde ser dependente ou de mera coincidência, ou de uma constituição medica, que faz com que os doentes apresentem a mesma manifesta- ção mórbida; como sabemos, muitas são as manifestações escrophulosas. Desde que haja uma constituição atmospherica especial, quasi todos os doentes apresentarão a mesma manifestação, sem que precise a intervenção do contagio. Demais, estão tão convencidos os auctores modernos da não con- tagiosidade da escrophula, que, quando definem a moléstia, incluem na definição essa condição. Nós, pois, os acompanharemos nessa maneira de pensar, mesmo porque os factos apresentados a favor do contagio não têm razão de ser. Entre esses factos referiremos os seguintes: Tem se observado, dizem os contagionistas, amas escrophulosas transmittirem esta affecção ás crianças a quem aleitão. Este facto não prova o contagio, mas sim a inconveniência da amamentação das crianças por amas nessas condições. É natural que um ser tão fraco como uma creança nessa idade, em que só tem por alimento o leite viciado de uma mulher enferma, venha necessa- riamente a contrahir uma constituição fraca e delicada, que o expõe a moléstias diathesicas. É, pois, recebendo um leite pouco substancial, mal elaborado, finalmente, um máo alimento, que essas crianças adquirem a dispo- sição para as escrophulas. Não é, portanto, o contacto do peito que transmitte á criança a escrophulose, mas o leite pouco nutritivo e que obra como um máo alimento. Outro facto refere-se á existência em uma mesma familia de muitas crianças affectadas ao mesmo tempo de escrophulose, mesmo sem que tenha havido nos pais manifestação alguma. Parece mais natural, porém, explicar-se esse facto pelo mesmo genero de vida a que se achão sujeitos os membros de uma mesma familia; sob as mesmas influencias e expostos ás mesmas causas, devem necessariamente ser affectados da mesma moléstia. Os partidários do contagio se firmárão, pois, em apparencias illusorias. Os factos tão numerosos auctorisão-nos a negar o contagio da escrophulose, muito principalmente no estado actual da sciencia, que nenhuma razão de ser tem o virus escrophuloso. Idades. Nenhuma idade está ao abrigo das manifestações escropliulosas. Desde, porém, que ella tenha sido herdada, é natural que logo nos primeiros annos da vida produza os seus fructos, encontrando nas crianças, cujo organismo é fraco, e em quem predomina o movimento de composição sobre o de decomposição, um terreno bastante apro- priado para seu desenvolvimento. Talvez seja mesmo a escrophulose uma das moléstias que mais victimas faça nas crianças entre nós. Dizemos talvez, porque infe- lizmente não dispomos de dados estatísticos para provar essa nossa asserção. O que é verdade, porém, é que é ella tão commum nas crianças, que muitos auctores considerão-na como moléstia exclusiva da infancia. Segundo Bazin, são mais frequentes as manifestações escrophulosas entre cinco e quinze annos, rara aos sessenta, e ainda muito mais depois dessa idade. As manifestações podem comtudo apparecer mais cedo; nãoé raro mesmo observar-se crianças escrophulosas, cujas manifestações cc- meção logo na época da dentição, quando essas crianças são filhas de pais escrophulosos. Essas manifestações são mais tardias ' quando não intervem a herança; quando a escrophulose, em virtude de causas depauperantes, taes como desmamação precoce, alimentação por substancias incom- patíveis com a idade da criança, etc., invade o seu organismo. Quando a criança já traz do ventre materno a diathese, não ha razão para que as manifestações só appareção na idade de 3 a 5 annos. É difficil determinar a época do começo de lima manifestação dia- thesica, porque estas manifestações podendo durar mezes e annos, póde acontecer que os indivíduos, considerados como escrophulosos em uma certa idade, tenhão começado a sê-lo em uma outra. Daqui a grande difficuldade de se formular estatísticas para provar com dados numéricos a maior frequência da moléstia nesta ou naquella idade. Para que mesmo esses dados estatísticos tenhão valor, é pre- ciso que em cada idade se compare o numero dos que morrem victi- mas da diathese com o dos que morrem de outras moléstias na mesma idade, e em idade diversa victimas da mesma moléstia. Só assim poderíamos chegar ao conhecimento de qual a moléstia mais commum em uma idade, e o numero mais elevado quanto á mortali- dade por essa moléstia, em relação com as outras idades. Entre nós as difficuldades sobem de ponto, porque infelizmente a unica fonte que temos para colher esses elementos é o obituário do Jornal do Commercio, que pouca confiança póde inspirar. Mas, si nos fallecem dados estatísticos, a physiologia nos mostra que ha razões para que seja essa idade a mais predisposta á escro- phulose, Com etfeito, nas crianças o movimento de composição sobre- puja o de decomposição; o systema lymphatico, sóde de predilecção da diathese, é muito desenvolvido, e por tanto estã mais sujeito a alterações que podem ser produzidas por irritações de toda ordem. Os ganglios lymphaticos, sendo também mais desenvolvidos, se en- gorgitão diante da menor irritação, suppurão e degenerão, quando exista no seu organismo a diathese herdada ou adquirida. Racionalmente, pois, comprehende-se que seja a infancia a preferida para as devastações da diathese escrophulosa, sem que por isso seja a moléstia o apanagio exclusivo da infancia como querem alguns. Sexos. A escrophulose não faz escolha de sexo pâra desenvolver-se em todas as suas manifestações. Segundo Lepelletier, é ella mais commum no sexo feminino que no masculino, chegando mesmo a estabelecer a proporção de 3:5, rela- tivamente aos dous sexos. Lebert, combatendo essa opinião, diz que, si em alguns paizes ó ella mais commum nas mulheres, em outros, taes como Genebra, Praga e Londres, é mais commum nos homens. Segundo elle, só existe dif- ferença entre os dous sexos no modo de manifestação da diathese, assim maior predisposição nos homens para as manifestações articu- lares, abscessos e ulceras ; maior nas mulheres para as ophtalmias e affecções da pelle. Infelizmente os factos consignados na estatística formulada por Lebert não são tão numerosos que habilitem a estabelecer-se uma opinião definitiva a respeito desta questão. Segundo alguns, o sexo feminino é mais predisposto, em con- sequência da maior sensibilidade de seu systema lymphatico. Não sabemos si os que assim pensão têm razão, porque, a não ser essa opinião filha apenas da observação, seria preciso que pro- vassem ser o systema lymphatico distribuido de modo differente no sexo feminino, facto este que não é demonstrado pela ana- tomia, unica que poderia resolver a questão. Temperamentos. O illustrado Sr. Dr. Torres Homem considera o temperamento lymphatico como temperamento por excellencia das affecções diatlie- sicas. Sem duvida é o temperamento lymphatico que mais predispõe ás manifestações escrophulosas, a ponto tal, que alguns chegão a con- siderar a escrophulose como um lymphatismo exagerado. Os individuos de outros temperamentos, embora em menor nu- mero, são também muitas vezes victimas de manifestações mórbidas, que trazem em si o cunho do escrophulismo. Constituição 4 Ao temperamento prende-se muito de perto a constituição. E a constituição debil, fraca e deteriorada por moléstias anteriores, abusos de toda ordem, e insufficieneia de alimentação, a mais predisposta a contrahir moléstias diafhesicas, em cujo numero se acha a escro- phulose. A razão é facil de compreliender, desde que attendermos que todos estes caracteres exprimem uma alteração de nutrição, que é a dia- these prestes a fazer explosão, manifestando-se nos seus pontos de predilecção ou em qualquer outra parte do organismo. Estas são as causas que existem no individuo, e que, portanto, lhe são inherentes. Passaremos agora a tratar daquellas que, existindo fóra delle, nem por isso deixão de ter grande influencia no desenvolvimento da escrophulose. Entre essas, citaremos como principaes o genero de alimentação e o ar ambiente. Passaremos depois áquellas que representão o papel de causas occasionaes ; queremos fallar das que obrão phy- sicamente. Alimentos. 0 genero de alimentação influe muito para a boa ou má nutrição do indivíduo. É da troca constante de matérias nutritivas, entre o sangue e nossos tecidos, que depende a assimilação e desassimilação. Para que o sangue encontre elementos de reparação nos ali- mentos ingeridos, é necessário que as substancias alimentares seja o ricamente azotadas ; no caso contrario, a desassimilação sobrepujará necessariameute á assimilação. Uma alimentação exclusivamente vegetal, de legumes, farináceos, etc., não podendo nutrir sufficien- temente o individuo, o tornará predisposto a contrahir moléstias constitucionaes, no numero das quaes se acha a escrophulose. A farirdia de mandioca e o feijão, de que tanto uso se faz entre nós, estão neste caso. Diz o illustrado Sr. Dr. Souza Costa, na sua these de concurso de 1864, o seguinte a respeito da primeira. « A fa- rinha de mandioca, geralmente usada entre nós, é uma substancia amylacea, que pouca matéria azotada contém. » A respeito do feijão, exprime-se o professor Trousseau da maneira seguinte : « O feijão, sendo evidentemente nutritivo, é ao mesmo tempo indigesto, não só porque o seu envolucro 4 refractario á acção dos diversos suecos gástricos, fatigando improficuamente o estomago e os intes- tinos delgados, mas talvez também por causa de certos princípios de que a cocção não póde liberta-los completamente. » E nem se diga que nesse caso só os pobres serião as victimag escolhidas para as devastações da escrophulose, pela necessidade em que se vêm de fazer uso quasi exclusivo desse genero de emquanto os ricos, perfeitamente alimentados, estarião isentos dessas alterações mórbidas. Essa objecção não tem cabimento, porque não só esta não é a unica causa capaz de dar origem á moléstia, como é muito commum, nas classes abastadas, o entregar os filhos a amas mercenárias, ou começar a alimenta-los muito cedo, com o fim de poupar ás mãis o trabalho de amamenta-los, trabalho este que exige privações, a que nem todas se sujeitão. Não ha ninguém que ignore os inconvenientes de uma alimen- tação precoce, principalmente quando ella se compõe de mingáos de péssima farinha, bananas de S. Thomé assadas, caldos de feijão, sôpas, etc., como diz o Dr. José Silva, ter visto e presenciado crianças assim alimentadas antes do apparecirnento dos dentes inci- sivos. No mesmo caso se acha o leite de amas debilitadas e muiías vezes diathesicas, e que, portanto, só mal podem fazer ás crianças ; ou por escravas, que são obrigadas a abandonar seu proprio filho para amamentar e dispensar carinhos aos filhos alheios. Este facto não contribuirá até certo ponto para insufficiencia nu- tritiva de um leite nestas circumstancias elaborado ? A alimentação precoce em uma criança, cujo apparelho diges- tivo não está em circumstancias de digerir certos alimentos, embora nutritivos, mas que não podem ser assimilados, mesmo porque não são digeridos, poderá fornecer ao sangue elementos para reparar as forças da criança ? Já se vê, pois, que nenhuma razão têm os que pensão que os ricos não estão sujeitos a contrahir a escrophulose, pelo facto de má alimentação. Só encarão a questão como financeiros, e não como médicos, para quem o rico e o pobre são iguaes, quer aconselhando, quer medicando. Ha substancias que, não sendo alimentares, são comtudo ingeridas por crianças e mesmo adultos, em virtude de um péssimo costume por elles adquirido. Queremos fallar da ingestão de terra, vicio abominável, cujo resultado é o aniquilamento do organismo, e com esse aniquilamento a predisposição a contrahir a escrophulose em todas as manifestações que lhe são próprias. Ar ambiente. 0 ar, este pabulum vitce, dizM. Gueneau de Mussy, ê o primeiro dos alimentos; suas condições de temperatura, de pureza, exercem sobre o organismo uma acção constante, e poderosamente modi- ficadora. Para apreciar sua influencia, diz o mesmo autor, não basta at- tender sómente ao ar exterior, mas também ao das habitações. Na verdade, a alteração do ar nos seus elementos constituintes, produzindo uma certa modificação organica, contribue muito para o desenvolvimento de moléstias diathesicas. Um individuo, condemnado por muito tempo a respirar um ar alterado, torna-se sem duvida alguma anémico, chlorotico, e sua constituição, assim enfraquecida, o tornará predisposto a contrahir a escrophulose, e mesmo a tuberculose. E um facto incontestável a influencia que têm sobre nossa eco- nomia os agentes da natureza. Entre nós, como sabem todos, existem os chamados cortiços, que, apezar das constantes reclamações por parte da Junta de Higiene, continuão a ser edificados, porque infelizmente a nossa Camara Mu- nicipal ainda não achou opportuno suprimi-los completamente. Nessas habitações são sacrificadas todas as regras de hygiene. Sua communicação com o exterior se faz por aberturas estreitas, e, por um principio de falsa economia, em pequeno numero : a luz, este grande excitante do trabalho nutritivo, ahi penetra fraca e de má vontade, e portanto não póde ser sufíiciente ao grande numero de seres vivos de toda a especie que ahi vivem accumulados. Se ajuntarmos a isto os miasmas provenientes da perspiração cutanea e pulmonar, e uma alimentação insufíiciente, não só quanto á quantidade, como á qualidade, teremos completado o quadro desanimador, offerecido pelos que kabitão nesse s verdadeiros tumulos do homem vivo. E muito natural, pois, que todas estas circumstancias favoreção o desenvolvimento de moléstias constitucionaes, no numero das quaes occupa um dos primeiros lugares a escrophulose. Assim como essas habitações são entre nós o ponto de partida das epidemias, assim também é provável que sejão os seus habitantes o terreno es- colhido para o desenvolvimento de moléstias diathesicas. E necessário, pois, que os poderes públicos, attendendo que o primeiro instrumento do trabalho é o homem robusto e intelli- gente, e o melhor elemento de defesa e protecção ê ainda o homem vigoroso e illustrado, voltem a sua attenção para estas cousas, que tão de perto dizem respeito ao futuro de nossa sociedade. Muitas outras considerações poderíamos ainda fazer a este respeito; mas, como a natureza deste trabalho não as comporta, concluiremos este capitulo com as seguintes palavras do eminente philosopho J. J. Rousseau,e quemostrão que a vida não consiste sómente em vegetar, e que, para sermos uteis á sociedade, é necessário que ponhamos em jogo todas as nossas faculdades. Eis as palavras a que nos referimos : « Vivre ce n’est pas respirer, c’est agir, c’est faire usage de nos orga- nes, de nos sens, de nos facultés, de toutes les parties de nous mêmes qui nous donnent le sentiment de notre existence.» Causas occasionaes. Neste grupo estão comprehendidas todas as quódas, pancadas, inflammações de toda ordem, tudo emfim que possa despertar o des- envolvimento de manifestações mórbidas que, por sua tendencia á chronicidade, revelem a influencia da diathese, que, até então occulta no organismo, tem assim occasião de manifestar-se ao exterior, im- primindo o seu cunho a essas lesões, a ponto de simples que erão ou devião ser, attenta a natureza da causa que as produzio, se trans- formão em outras tantas manifestações diathesicas. Concluindo o estudo da etyologia, não podemos deixar de confessar que é difficil determinar o grâo de valor de cada uma das causas apontadas. Só o methodo numérico poderia constituir a base para uma tal apreciação. Infelizmente, porém, somos obrigados a admittir a sua influencia, sem provas bazeadas nos resultados de uma rigorosa observação, por faltar-nos, não só a necessária pratica, como trabalhos estatísticos a este respeito. Emquanto isto, não teremos remedio senão encarar a questão mais sob um ponto de vista theorico que pratico. CAPITULO IV Symptomatologia. Tratando da symptomatologia da eserophulose, não precisamos repetir o que, em mais de um capitulo, temos dito, isto é, que as lesões em si muitas vezes nada têm que pôr si só indique a existência da diathese. E o que acontece, por exemplo, com as erupções cutaneas, affecções catarrhaes das mucosas e a otorrhéa, que só poderáõ ser attribuidas á eserophulose quando a sua evolução fôr muito longa e tiver sido pre- cedida de outras manifestações escrophulosas. E nestas circumstancias que maior valor nos deverá merecer o estado geral do individuo que, reunido aos antecedentes e á sua historia minuciosa, será um elemento seguro para formularmos nosso juizo e estabelecer um tratamento racional. Ha casos, porém, em que o exame das partes affectadas, sem mesmo attender ao estado geral do organismo, póde nos fornecer taes parti- cularidades, que podemos qualificar de escropliuloso o processo inflam- matorio. E o que se dá em algumas afíecções dos olhos, ganglios lymphaticos e moléstias dos ossos e articulações. O estado geral, não sendo o mesmo em todos os individuos escro- phulosos, deu logar a que se considerasse duas fôrmas de escropliu- lose-torpida e irritativa. Estas duas fôrmas baseão-se em dados muito vagos, pois que os caracteres do habito escropliuloso torpido não são tão constantes que possão ser considerados como a condição sine qua non do habito, e sua não existência ou desapparecimento não provão que os individuos já não sejão escrophulosos. Quanto ao habito escro- phuloso irritativo, os seus caracteres são na maior parte a consequên- cia natural dos processos locaes, que, podendo existir ou deixar de existir, não podem deixar de ser considerados como muito falliveis. Passamos immediatamente á sua descripção, para depois entrar na symptomatologia propriamente dita. Os individuos escrophulosos da fôrma irritativa apresentão uma constituição debil, um systema muscular fraco, concepção viva, traços delicados, bonitos olhos, scleroticas azuladas e pupillas dila- tadas. O habito escropliuloso torpido se caracteriza, ao contrario, por traços grosseiros, cabeça volumosa, maxillares salientes e largos, na- riz e labio superior tumefactos, olhos avermelhados, ganglios lym- phaticos engorgitados e ventre saliente ou proeminente. Como se vê, os caracteres que os auctores estabelecem para o ha- bito escrophuloso de fôrma irritativa são proprios do temperamento lymphatico, que é o que predispõe mais ás diatheses, mas não é estado morbido. Os phenomenos que caracterisão a segunda fôrma encontrão-se, na verdade, na escrophulose ; mas, não existindo alguns delles, que são devidos a processos locaes sujeitos a desapparecer, nem por isso estamos auctorizados a negar a existência da escro- phulose. Entretanto devemos dar muita importância a esses caracteres, quando elles existão ; porque, se de sua não existência nada podemos concluir, de muito auxilio nos serão na pratica, quando tivermos diante das vistas um caso dessa ordem. Feitas estas ligeiras considerações, passaremos á descripção dos symptomas, pelos quaes a diathese se revela ao exterior. Antes disso, porém, trataremos de dividir estes symptomas em differentes periodos, como fazem todos os auctores. Convém, para que hajamethodo na nossa exposição, que adoptemos uma ordem na descripção dos symptomas. r E só por isso que admittimos os periodos dos auctores, pois que esta moléstia, como diathesica que é, não póde ter uma marcha de- terminada. Nem sempre começa pelas manifestações do primeiro pe- ríodo, mas por aquellas que são consideradas próprias do segundo, ou mesmo terceiro. Como, porém, tratamos de um ponto pertencente a uma cadeira que trata do typo das moléstias, isto é, a pathològia interna, e não de clinica que trata das individualidades mórbidas, eis por que adoptare- mos o methodo seguido pelos auctores que tratão dessa matéria. Bazin, no seu excellente tratado sobre a escrophulose, considera quatro periodos no desenvolvimento da escrophulose : O primeiro caracterizado por lesões superficiaes da pelle e gan- glios lymphaticos do pescoço, o segundo por lesões mais profundas para essas mesmas partes, o terceiro por manifestações para os ossos, e, finalmente, o quarto por lesões para as visceras. Grisolle, Jaccoud e outros admittem apenas tres periodos, e nós os acompanharemos, dispostos na ordem seguinte : O Io periodo, earacterisando-se por lesões do tegumento e ganglios lymphaticos; o 2o, por alterações sub-cutaneas e das mucosas; e o 3o, por desordens para as vísceras e ossos. Convém dizer que esta não era a divisão adoptada pelos auctores mais antigos. E assim que Stoll dividia as escrophulas em verdadei- ras e larvadas. Estas ultimas erão constituídas pela ophtalmia, crôsta de leite, dartros, tisica escrophulosa, etc., como se esses diversos estados morbidos fossem mais disfarçados que os engorgitamentos do pescoço. Lalouette as distinguia em benignas e malignas, e as subdividia conforme affectavão as partes molles internas e externas, ou os ossos. Estas expressões de moléstias benignas e malignas são muito vagas, e não convém ser adoptadas, embora Milcent o tivesse feito, dividindo a escrophula, segundo a fórma que ella apresenta, em commum, benigna, maligna e fixa primitiva, consistindo esta ultima em um só modo de localisação da diathese. Lugol, que admittia o tubérculo como caracter essencial da escro- phula, fez entretanto uma divisão, em que considerava uma fórma tu- berculosa, e outras que não o erão; é assim que elle dividio a escro- phula em tuberculosa, catarrhal, cutanea, cellulosa e ossea. Nós preferimos a divisão em períodos, ainda que nem sempre essas lesões existão isoladas, de modo a podermos toma-las como base de uma divisão. Muitas vezes diversas lesões locaes coexistem no mesmo individuo; por exemplo, uma ophtalmia e engorgitamento ganglionar, uma otorrhea e a crôsta de leite, abscessos e uma perios- tite ou uma carie, o carreau e uma erupção pustulosa chronica, um tumor branco e ganglios cervicaes ou bronchicos engorgitados, etc. No primeiro periodo, pois, temos a considerar as manifestações que têm por séde a pelle, assim como as dos ganglios lymphaticos. É mesmo este o modo mais commum do apparecimento das escro- phulas . Si se trata de creanças, observa-se muitas vezes, na época da dentição, o apparecimento de crostas de leite e pseudo-tinhas, que, tendo sua séde na cabeça, constituem o eczema e impetigo do couro cabelludo. Ao lado dessas erupções, não é raro notar-se engorgita- mento dos ganglios do pescoço, que neste caso podem não ser ainda uma manifestação escrophulosa, mas sim um pbenomeno sympatliico. Da cabeça a erupção póde se estender não só á face, como ao resto do corpo. Estas erupções têm grande tendencia á secreção sero-purulenta, e se distinguem dos dartros, porque estes não permanecem fixos em um ponto como aquellas, que podem desap- parecer com a idade, emquanto os dartros cada dia mais se ge- neralisão. O professor Hardy, nas suas lições sobre moléstias de pelle, diz que estas erupções ainda se distinguem dos dartros pela côr, que nellas é carregada, violacea, vinhosa ; pela tumefacção da parte que é sua séde, ordinariamente o tecido cellular sub - cutâneo; emfim, pela existência de cicatrizes deprimidas, consequência da atrophia e absorpção intersticial, que o tegumento externo soffreu nesse ponto. Entretanto diz Castan que o professor Hardy parece exagerado, porque ha muitas crianças que não conservão traço algum destas lesões, apezar de terem soffrido em sua infancia vastos impetigos da face. Estas, erupções têm o aspecto de crôstas, que, envolvendo todo o couro cabelludo e face, são formadas por um liquido seroso ou sero- purulento, o qual se concreta ; mas, transpirando das placas seccas, deixa muitas vezes perceber um cheiro desagradavel e infecto. Esta secreção tem por ponto de partida uma vesicula, cuja exis- tência é tão ephemera que, as mais das vezes, não dá tempo de ser observada, de modo que a secreção se faz pelo derma descoberto, como acontece na superfície de um vesicatório, ou na superfície des- pida de sua epiderme. Diz ainda Bazin, tratando destas erupções, que, si fizermos cahir estas crôstas por meio da applicação de cataplasmas, ou si procurar- mos levanta-las por um de seus bordos com uma spatula, a superfície por ellas coberta se nos apresentará ulcerada em fórma de placa, granulosa e algumas vezes fungosa, e vegetante em certos pontos. Os folliculos pilosos tornão-se túrgidos, e as glandulas piliferas, secretando abundantemente, derramão o producto viscoso de sua secreção na superfície dos cabellos, os quaes se collão e agglutinão- se para formar feixes, sobre os quaes depositão-se novos productos de secreção, donde resultão novas crôstas amarelladas, escuras ou avermelhadas e striadas de sangue. Não são estas as únicas escrophulides exsudativas que se desen- volvem sob a influencia da diathese escrophulosa ; podem-se desen- volver também outras, taes como as papulosas, papulo-erythematosas e papulo-pustulosas. A descripção minuciosa de cada uma destas erupções pertence mais a um tratado de dermatologia, que a uma these que não com- porta grande desenvolvimento a esse respeito Eis porque apenas as indicamos, para que fique consignado que essas manifestações, em- bora em apparencia cirúrgicas, estão ligadas a uma moléstia consti- tucional, isto é, á diathese escrophulosa. Os ganglios Ivmphaticos, séde de predilecção da diathese e fórma mais commum com que ella se manifesta entre nós, apresenta alte- rações importantes, que passamos a descrever. Debaixo de dous aspectos differentes póde se apresentar á nossa observação o engurgitamento ganglionar escrophuloso : Io, no es- tado hypertrophico puro; 2o, no estado inflammatorio. No primeiro caso, os ganglios hypertrophiados formão tumores indo- lentes, moveis debaixo da pelle, arredondados, periformes, globulosos. Em numero mais ou menos considerável rolão debaixo do dedo explora- dor, únicos ou múltiplos, isolados ou separados uns dos outros, indepen- dentes ou reunidos por uma especie de cordão intermediário, que tam- bém póde ser sentido debaixo da pelle. Esse cordão é constituido pelo vaso efferente hypertropliiado, engurgitado, endurecido no meio das glandulas e não immediatamente debaixo da pelle, como na sypliilis. No segundo caso a glandula, augmentando de volume, torna-se do- lorosa, quente ; deixa de rolar debaixo da pelle, e, contrahindo adheren- cias com as partes vizinhas, torna-se a sede de pulsações, dôres pulsati- vas; a pelle torna-se vermelha e sente-se logofluctuação. Um abscesso se fórma e abre-se logo para o exterior ; o pus que delle salie é espesso, amarellado, em fórma de crême, com todos os caracteres do pus fleimonoso. Os ganglios podem não suppurare então engurgitados, e adquirindo um volume mais considerável, podem, contrahindo adherencias entre si e com os orgãos circumvizinhos, constituir saliências de fórma e volume variaveis nas differentes partes do corpo. Bazin cita um caso observado por elle de um tumor dessa ordem na parte lateral do pescoço, que attingia o volume da cabeça de um feto. Têm-se observado mesmo, diz elle, tumores ganglionares pesando dez, vinte e mesmo trinta kilogrammas. O logar preferido para esses tumores são ordinariamente os ganglios cervicaes e submastoidéos, que, para forma-los, podem se reunir aos ganglios hypertrophiados situados entre a face externa do sterno- mastoidéo e o pellicular. Não são só os ganglios lymphaticos do pescoço que soffrem alte- rações dessa ordem, mas também os da região inguinal, axillar, dos bronchios e mesenterio. Fallaremos sobre a adenopathia bronchica e mesenterica, quando tratarmos das manifestações visceraes da escrophula. 2.0 periodo.— A espessura da pelle, tecido cellular subcutâneo e tecido sub-aponevrotico podem também ser a séde de um processo inflammatorio que dê em resultado a formação de abscessos. Estes abscessos são ordinariamente precedidos de phenomenos imflammatorios benignos. O pús que delles sahe é crêmoso, averme- lhado, ás vezes seroso e cheio de coalhos fibrinosos ou concreções caseosas, algumas vezes sanioso. Nunca apresenta as qualidades do pús francamente inflammatorio* Si da pelle passarmos ás mucosas que lhe fazem immediata con- tinuação, alii veremos reflectidas as suas alterações. É assim que as mucosas ocular, nazal e auricular são também a séde de processos inflammatorios. A ophtalmia escrophulosa, diz Hufeland, constitue um dos sympto- mas essenciaes da diathese escrophulosa. Essa ophtalmia tem sua séde nas glandulas de Meibomius, e é ordinariamente complicada de pequenas ulceras, que derramão um humor viscoso, designado por Scaipa com o nome de fluxo palpebral. Os doentes, quando despertão-se pela manhã, não podem abrir as palpebras por se acharem ellas adherentes. podendo mesmo permanecer nesse estado por todo o resto do dia. Têm grande aversão á luz e queixão-se de perturbação na visão ; a moléstia póde chegar até á desorganização da cornea. Algumas vezes o liquido que corre dessas ulceras é tão irritante que inflamma e corroe todas as partes por onde passa. A fistula lacrymal é um de seus eífeitos. Finalmente a ulceração do bordo livre das palpebras é tão caracteristica, que se póde affirmar que as crianças que apresentão este symptoma são escrophulosas. Tivemos occasião de observar mais de um caso dessa ordem na clinica do Dr. Paula Fonseca, que conseguio a cura por meio de um tratamento geral, composto de oleo de fígado de bacalháo ferrugi- noso e banhos de mar, e por tratamento local apenas algumas com- pressas embebidas em infusão de camomilla, e instillação de algumas gottas de atropina. Entretanto esses doentes tinhao estado antes sujeitos a um trata- mento apenas local, e que constava de cauterisaçoes com o nitrato de prata. A moléstia continuou a persistir e com maior intensidade, até que o tratamento geral viesse influir para que a lesão local desap- parecesse. Isto prova que havia um vicio geral que a entretinha, e esse vicio geral não podia ser senão a diathese escrophulosa, tanto mais quando alguns desses doentes apresentavão aos lados do pescoço cicatrizes deprimidas, indicando a existência anterior de eligurgitamento gan- glionar terminado por suppuração. Quando a séde da inflammação é a membrana pituitária, a moléstia se manifesta com o caracter do coriza, com vermelhidão e estado fungoso, e ulceração da membrana mucosa. Quando na mucosa auricular, se apresenta com o caracter da otite acompanhada de corrimento, otorrliéa muco-purulenta. Todas as outras mucosas, enfim, apresentão alterações que podem estar ligadas á diathese escrophulosa. E assim que se observão as anginas, a gastrite, a colite, entero-colite, laiyngite, bronchite, pneu- monia, com caracter catarrhal, além da leucorrhéa e cystite com fluxos muco-purulentos, etc. Desde que exista a diathese escrophulosa, todas estas lesões, de simples que seriâo no estado ordinário, tendem a eternisar-se, e só cedem a um tratamento geral, persistente e prolongado. Este é o caracter mais benigno com que se póde manifestar a dia- these escrophulosa ; mas, quando desprezadas, essas alterações mór- bidas podem se estender, quer em superfície, quer em profundidade, e então phenomenos ainda mais sérios se observão para o lado das mesmas partes que têm sido objecto de nosso estudo até aqui. É assim que, além das manifestações que descrevemos, para o lado da pelle póde vir juntar-se uma ainda mais grave e descripta por Bazin e outros com o nome delupus,com suas diversas variedades. Si, em logar de estender-se em superfície, a moléstia se estende em pro- fundidade, póde-se observar a destruição da pelle, mucosas, tecido cellular, cartilagens, e até os proprios ossos são muitas vezes barreiras impotentes para limitar sua marcha destruidora. Daqui ainda a maior gravidade da ophtalmia ; o apparecimento na mucosa nazal do ozena com todos os seus symptomas desagradaveis ; para a mucosa auricular, otorrhéas purulentas com perfuração da membrana do tympano ; para os broncliios, catarrhos chronicos, bronchorréa com dilatação bronchica, simulando uma verdadeira tísica, etc., etc. Phenomenos mais graves podem também se manifestar para os ganglios do pescoço. Daqui maior augmento de volume dos tumores ganglionares. A pelle que os cobre torna-se vermelha, e os doentes accuzão uma dôr profunda no seio da própria glandula. Esses plie- nomenos são o prenuncio de um processo inflammatorio, que termina por suppuração, sendo o pús ordinariamente de mã natureza. Todos os ganglios desde a cadeia do digastrico até os sub-clavicu- lares e axillares podem inflammar-se e suppurar. As cicatrizes formão-se assim successivamente de cima para baixo, podendo-se observar então em um mesmo individuo cicatrizes antigas, e logo abaixo outras de formação mais recente, e mais abaixo ainda aberturas fistulosas, dando logar a novos engorgitamentos ganglionares em via de suppuração. Podem as manifestações da diatliese não parar aqui, e então phe- nomenos ainda mais graves são a consequência. Então os ossos e as vísceras são destinados por sua vez a traduzir a nossos sentidos a existência no organismo de uma moléstia consti- tucional. Além da carie, necroses mais ou menos extensas, abscessos por congestão, podem ser a expressão da escrophulose os tumores brancos. Quando o tumor branco é a expressão da escrophulose, se apresenta f com o caracter de uma osteo-synovite fungosa. E a fungosidade. pois, o que revela especialmente a influencia do estado geral sobre o local. Segundo Bazin, é o tumor branco muitas vezes o unico accidente que revela a diatliese escrophulosa. Não admira, diz elle, que a arthrite escrophulosa seja a expressão a mais completa da escrophula, porque ella contém todos os pro- ductos gerados por esta moléstia, taes são pseudo-membranas, sero- sidade purulenta e piís ; elementos orgânicos homoeomorphos, repre sentados pela gordura, tecidos fibroso e osseo ; elementos betero- morphos representados pelos tubérculos, cellulas fibro-plasticas, etc. Todas as formações anatomo-pathologicas, encontradas isoladamente nas outras affecções da escrophula, se achão, por assim dizer, associa, das e confundidas no tumor branco. É muito raro que seja o tumor branco a primeira manifestação da diathese escrophulosa. Alterações da ordem das que já descrevemos ordinariamente o precedem, e isto, ligado á constituição do doente revelada por seu habito externo, que é o espelho onde reflectem as devastações da diathese, nos orientará de modo a podermos dizer que essas lesões ósseas são dependentes de uma moléstia constitucional. Comtudo, as manifestações ósseas não são as mais raras, porque em uma estatística de 196 doentes, tratados por Lugol no de S. Luiz em 1837, havia 82 affecções do systema osseo. Para Bazin o tumor branco é muitas vezes a primeira manifes- tação da escropliulose, e offerece então caracteres que o distinguem do tumor branco de origem rheumatismal. E assim que, diz elle, a arthrite escrophulosa é ordinariamente unica, e não múltipla como a rheumatismal, que é mais e só muito mais tarde produz a carie ; a arthrite escrophulosa tem grande tendencia ás formações piogenicas e transformações fungo- sas. Elle accreseenta ainda que a osteite articular suppurativa ou tuberculosa, as degenerescencias fungosas, lardaceas, são sempre o producto exclusivo da escrophula. / A escrophula ossea ainda se ligão os abscessos frios, profundos, que se desenvolvem silenciosamente na superfície dos ossos, e consti- tuem os abscessos por congestão ou ossifluentes. Vejamos agora quaes as manifestações que se podem localisar nas visceras. Antes disso, porem, convém dizer que essas manifestações são menos communs que aquellas de que temos tratado até aqui, e podem correr mais por conta da tuberculose que da escrophulose ; porque, como já dissemos, a tuberculose acompanha a escrophulose como a sombra ao corpo e o raio á luz. Não é, pois, de admirar que no seu ultimo periodo a escrophu- lose gere no organismo esse producto, de modo a ser impossivel decidir si se trata de uma ou outra dessas diatheses. É mesmo por isso que, para alguns, a escropliulose affecta só mente a peripheria, e? desde que apparecem manifestações visceraes, ellas correm por conta da diatliese tuberculosa. Comtudo, ha casos em que a autopsia tem revelado que se tra- tava antes da escropliulose que da tuberculose. É o que acontece com o engorgitamento dos ganglios do me* senterio que, durante a vida, é considerado um caso de tuberculose mesenterica, e entretanto a autopsia vem revelar que se tratava antes de uma degenerescencia escrophulosa. E para não deixar sem prova o facto que acabamos de denunciar, transcreveremos para a nossa these uma observação de um caso dessa ordem, pertencente ao Dr. Julio de Moura, e consignado na these do Dr. Rodrigues Alves. Ei-la. « Clemencia, escrava, preta, de 30 annos de idade, brazileira, entrou em estado de marasmo para a casa de saude S. Sebastião, cujo serviço clinico estava a cargo do Dr. Julio de Moura, no dia 3 de Agosto de 1876. De temperamento lymphatico e constituição deteriorada, esta preta foi levada para a casa de saude em uma rede, e tal era o estado deplorável em que se achava, que por mais que a interrogássemos pouco ou quasi nenhum eommemorativo pudemos colher. « No dia 4, de manhã, achando-se menos fatigada e fóra do delirio em que tinha vindo, soubemos delia que tivera 3 filhos, e que de- pois do ultimo parto começára a soffrer do peito. Datava sua mo- léstia de 14 ou 15 mezes, tendo tido hemoptyses por diversas vezes. Esteve fóra desta capital, onde melhorára sensivelmente. « Voltando para esta cidade, sentio-se mal, seus incommodos ag- gravarão-se, porque os misteres de lavadeira e engommadeira a que se entregava a encaminliárão a este resultado. Foi nesta occaslâo transportada para a casa de saude, depois de não aproveitar a medicação a que em casa esteve sujeita. « Do interrogatório apenas se pôde colher que sentia dores vagas pelo peito, alguma tosse e anorexia. Não tendo vontade de ingerir alimentos, alguma pequena porção que era obrigada a deglutir produzia anxiedade epigastrica, seguida de accessos de suffocação. Ti- nha febre quasi continua, não tinha diarrhéa. Sentia sobre o epigastro dores espontâneas, que dizia serem, ora lancinantes, ora contusivas. « A lingua era secca e aspera ; a escuta deixava perceber ester- tores sibilantes, tinos , disseminados pelo thorax, o que levou o Dr. Moura a diagnosticar tuberculose pulmonar. * O coração batia enfraquecido, sem que os ruidos normaes fossem alterados. « O ventre era crescido e tenso, e, pela apalpação, deixava perce- ber no epigastro e hypochondrio direito um tumor considerável, duro e rijo ; lizo em parte de sua extensão, mas lobado em outros pontos, apresentando um grande numero de bossas, umas isoladas e outras continuando-se, e desappareeendo no tumor mais desenvolvido. « Osganglios inguinaes e cervicaes erão muito desenvolvidos e de- generados. Adherente, este tumor dava ao tacto a impressão resistente de um corpo cartilagineo e muito espesso. « Parecia, disse o Dr. Julio de Moura, que o tumor era profunda- mente situado na cavidade abdominal, visto como a percussão dava som tympanico a toda area occupada por elle, o que fazia crer na in- terposição de asas intestinaes entre a massa mórbida e a parede do ventre. * No hypochondrio direito notaVa-se obscuridade hepatica. Havia ascite. A doente tinha o pulso pequeno e filiforme ; achava-se em gráo muito adiantado de marasmo, muito prostrada e indifferente no leito. Ourinava bem, e as ourinas precipitárão albumina, mas não derão reacção caracteristica da degenerescencia amyloide do rjm. ; « Morreu alg uns dias depois de entrar para a casa de saude. « A autopsia revelou tubérculos disseminados nos dous estando o direito adherente á pleura, e havendo á esquerda um der- rame pleuritico. No ventre serosidade abundante na cavidade peri. toneal, nenhuma adherencia do peritoneo, quer com as visceras, quer com as paredes abdominaes. Figado algum tanto augmentado de volume, apresentando na sua superfície exterior e no parenchyma um pontilhado confluente, amarello e do volume de pequenas granulações tuberculosas, em um segmento de tecido hepático. t O tumor percebido externamente pela apalpaçãoera completamente independente do figado. Estava occulto por detraz do estomago e in- testinos delgados, occupava o systema dos gangl ios do mesentereo, estendendo-se ao longo da eolumna lombar da espinha, com a qual tinha contrahido adherencias fixas, que difficultárão bastante sua separação. « Era uma producçao mórbida enorme, e que adquirira, uma espan- tosa proliferação, compromettendo, para bem dizer, a totalidade dos ganglios lymphaticos do ventre, e distribuindo prolongamentos para os musculos, para as fossas iliacas, e fazendo invasão igualmente aos musculos da coxa. « Esta degenerescencia apresentava se em parte composta de um tecido duro, liso, como fibroso e quasi cartilagineo, e em parte era constituido por pequenos lobos, alguns endurecidos, outros em pe- queno trabalho de suppuração. Através da mesma massa passavão os grossos vasos do ventre, e ambos os uretlieres immergião nella. O duodeno fazia corpo com o tumor. O rim direito era maior do que o esquerdo. O ovário direito hypertrophiado. Os outros orgãos sãos. « A vista destas lesões, o Dr. Julio de Moura diagnosticou uma de- ge nerescencia escrophulosa.» Eis, pois, um caso de manifestação escrophulosa para o systema ganglionar profundo da economia e independente de tuberculose j embora existissem tubérculos disseminados pelo pulmão, não foi ella sem duvida quem determinou a morte da doente, e nem esse estado de marasmo de que nos falia a observação. Embora difficil a distincção entre a tuberculose e escrophulose, principalmente quando se trata de um adulto, em quem é esta ultima menos commum, comtudo, no caso acima, o erro poderia ter sido evitado, si se attendesse ao engorgita- mento e degenerescencia dos ganglios inguinaes e cervicaes, que apre- sentava a doente, e que era um elemento bastante importante a favor da escrophulose. Portanto os ganglios mesentericos e intestinaes podem passar pelos mesmos processos morbidos já descriptos para os ganglios periphe- ricos, sómente apresentando maior gravidade ahi do que aqui, por causa do embaraço na circulação da veia porta, dando em consequên- cia a ascite, como aconteceu na doente, cuja observação acabamos de descrever, a qual apresentava anxiedade epigastrica também devida á compressão do estomago, quando repleto, de modo que a doente não podia se alimentar, e por isso teve de succumbir ao marasmo. Assim como os ganglios mesentericos e intestinaes, os dos bronchios podem também ser a séde de hypertrophia, dando logar a grande aug- mento de volume, e a inflammação dando logar á bronckorrea e dila- tação bronchica. Os pbenomenos que podem ser produzidos pelos ganglios bron- chicos hypertrophiados são ainda mais sérios que os produzidos pelos ganglios mesentericos sobre os orgãos abdominaes. É íacd comprehender a razão. Trata-se aqui, com effeito, de uma cavidade formada por paredes ósseas e inextensiveis, tal é a cavidade thoraxica, que se oppõe ao augmento exterior dos ganglios bronchicos, donde resulta que, quando estes ganglios adquirem um augmento considerável de volume, como na escrophulose acontece, elles com- primem necessariamente os orgãos em cujo seio se achão, contrahem com elles adherencias, e podem mesmo chegar a perfura-los. No abdómen isso não se dá, porque ahi as paredes são molles e muito extensíveis, e portanto não podem oppôr grande impecilho ao desenvolvimento dos ganglios escrophulosos, os quaes podem adquirir um volume considerável sem se unir aos orgãos vizinhos, desde que podem, desdobrando o mesentereo, approximar-se da parede anterior. Ainda mais, o intestino, pela mobilidade de que é dotado, foge diante da compressão, e os vasos situados diante da columna vertebral, ainda que sustentados por um plano solido, escapão á compressão pela tendencia dos ganglios a se dirigir para o exterior. Assim, pois, os ganglios bronchicos, augmentados de volume, podem comprimir os differentes orgãos com quem se achão em relação. E assim que elles, comprimindo a veia cava superior, determinão o oedema da face, dilatação das veias do pescoço, cor cyanotica, hemor- rhagia arachnoideana ; comprimindo os vasos pulmonares, podem pro- duzir hemoptyses e oedema do pulmão; quando o comprimido é o nervo pneumogastrico, resultão alterações no caracterda tosse e da voz, accessos de tosse simulando a coqueluche, e accessos de asthma inteira- mente insolitos. Sua acção póde-se estender aos pulmões e bronchios, donde resultão a producção de stertores sonoros intensos, muito persistentes, impos- sibilidade na circulação do ar, que traz a obscuridade no ruido respi- ratório, plienomeno este que pode também depender do oedema, que determina a compressão dos vasos pulmonares. Além da compressão, os ganglios ainda podem representar um outro papel, isto é, o de orgãos conductores de vibrações sonoras, donde resultão alterações no ruido respiratório, que fazem ouvir a expiração prolongada e respiração bronchica, e todos os sons que, no estado normal, tendo logar nos bronchios, não são transmittidos ao ouvido. Si existir alguma lesão pulmonar, ella será exagerada pelo facto do engorgitamento ganglionar. Assim os tubérculos miliares crus darão logar á respiração bronchica ou cavernosa, á pectoriloquia, e, si houver um começo de amollecimento ou bronchite, póde nos fazer suppôr que se trata de gargarejo. Póde acontecer mesmo que os ruidos stetoscopicos se transmittão do pulmão doente ao são, e fação acreditar em uma lesão dupla. Felizmente, porém, todos estes phenomenos que acabamos de enu- merar, e que são o resultado da acção dos ganglios volumosos e duros sobre os vasos, nervos, bronckios e pulmões, não só não são muito communs, como, quando existem, não se ackão reunidos, pois que a sua producção está subordinada á posição dos ganglios, e a seu desen- volvimento em um certo sentido. Além disso, quando existem, apre- sentão uma intermittencia na sua marcha, que está subordinada á maior ou menor amplidão dos movimentos respiratórios, a seu numero e á sua força. Demais, dizem todos os auctores que os phenomenos morbidos, produzidos pelos tumores que obrão como orgaõs de com- pressão, são de ordinário intermittentes. Ainda póde resultar a ulceração e perfuração dos orgãos com que se achão em contacto os ganglios. Donde a perfuração do pulmão determinando um pneumo-thorax, a dos vasos pulmonares produzindo uma hemoptyses fulminante, a communicação do esophago com os bronchios ou a trachea póde produzir, por occasião da deglutição dos liquidos, violentos accessos de tosse. Eis os phenomenos graves que podem resultar do engorgitamcnto ganglionar escrophuloso, quando assestado nos bronchios. Independente dessas alterações produzidas pela escropliulose nos ganglios bronchicos, e que trazem essas alterações secundarias de que falíamos, ainda de outra maneira póde soffrero apparelho respiratório. Já tivemos occasião de fallar na bronchite e pneumonia catarrhaes, que, de simples, tornão-se clironicas, desde que o individuo esteja debaixo da influencia de uma moléstia diathesica. Não é só a pneumonia catarrhal, mas também a cazeosa, que podem ser a expressão da escrophulose, de modo a poder constituir uma verdadeira tisica escrophulosa. Um individuo escrophuloso é victima, por exemplo, de um res- friamento, que traz como consequência um pleuriz acompanhado de derramamento. Pois bem, esse pleuriz que, em um indivíduo não escro- phuloso, cederia aos meios aconselhados em casos dessa ordem, no escrophuloso assume o caracter de pleuriz exsudativo, desde que attendermos que nos últimos períodos da escrophulose deve haver uma verdadeira hypoglobulia. Esse exsudato, não se resolvendo, concreta-se, e então, obrando como espinho, póde determinar uma maior quantidade de sangue para o pulmão, donde a possibilidade de uma hemorrliagia que, por seu turno, póde produzir uma pneu- monia, e esta, também deixando de seguir a sua marcha cyclica, torna-se bastarda, e é o ponto de partida de todos os phenomenos que caracterisão a tisica caseosa. Depois do pulmão e bronchios, as mais communs entre as ma- nifestações visceraes da escrophula são a degenerescencia amyloide do rim e do figado. Estas lesões constituem moléstias que consideramos mais como secundarias, pois que sobrevêm, as mais das vezes, as suppurações ósseas, que como symptomaticas. Elias têm sua symptomatologia própria, e, ainda sobrevindo a escrophulose, não apresentão symptoma algum especial, que mereça ser descripto aqui. Por isso apenas as mencionamos. Todas as lesões, que muito resumidamente acabamos de des- crever, affectando isolada, simultânea ou successivamente as diffe- rentes partes do corpo, dão logar a um depauperamento considerável do indivíduo, constituindo assim a cachexia escrophulosa, que ne- nhum symptoma proprio apresenta, pois que a cachexia diathesica é sempre a mesma, qualquer que seja a diathese que a produza. f E um estado caracterisado por uma alteração profunda da nu- trição, e que mais approxima o doente do tumulo, principal- mente quando as suas manifestações se assestão em orgãos, sem cuja integridade a vida é impossível. De um lado a perda de albumina que, si não póde ser impunemente perdida por um indivíduo ainda em bôas condições, á fortiori por aquelle cujo organismo se acha debaixo da influencia de um vicio diathesico ; por outro lado as suppurações abundantes ou o trabalho inflammatorio, tudo isso concorrerá para produzir esse estado denominado — cachexia, e que annuncia a morte próxima do doente. CAPITULO V Diagnostico. Como vimos da descripção dos symptomas, não lia um só que pertença exclusivamente á escrophulose. Não podemos, pois, basear o diagnostico sobre nenhuma dessas manifestações quando isoladas, mas sim sobre todas ellas reunidas, na sua marclia, e muito especialmente na historia do doente e no seu habito externo; só assim poderemos nos habilitar para com segurança formular nosso juizo. De todas as moléstias constitucionaes, aquella com que mais se confunde a escrophulose ê sem duvida alguma a syphilis. As mesmas partes do organismo escolhidas pela escrophulose para se traduzir aos nossos sentidos são também a séde de manifestações syplii- liticas. A semelhança entre as manifestações syphiliticas e escrophulosas é tal, que muitos auctores têm considerado a escrophula como um producto da syphilis, que assim apenas mudaria de natureza, facto este que não podemos aceitar, porque, clironologicamente fallando, a escrophula é muito anterior á syphilis. A opinião de ser a escrophula um producto da syphilis é susten- tada por Pidoux, e antes delle já o tinha sido por Stoll, Richerand e Portall. Mas, si Pidoux admitte a syphilis como causa da escrophula, si Alibert e Devergie assignalão uma escrophula de causa syphilitica, outros admittem a syphilis ao lado da escrophulose, sem que por isso se deixe de descriminar o que pertence a uma do que é pro- prio da outra. Constantin Paul sustenta que pela herança a syphilis se extingue, porque ella. não accommette duas gerações. Gera então a escrophu- lose, e muda de natureza, como o quer Pidoux, segundo esta formula': « as moléstias podem-se transformar, quando transmittidas por he- rança. » Não basta, porém, enunciar o principio, é necessário demonstra-lo por meio de factos, sem o que não poderá elle ser aceito, e será con- demnado a permanecer no terreno das liypotheses, até que a lógica rigorosa dos factos o venha transportar para o terreno da realidade. O que é verdade é que, apezar das semelhanças, existem certos caracteres que estabelecem uma linha divisória entre as manifestações de uma e outra diathese. Pondo mesmo de parte o caracter de contagiosidade da syphilis, e que não existe na escrophulose, podemos encontrar differenças nas próprias manifestações externas. É assim que o erythema papuloso de origem escrophulosa occupa ordinariamente as partes descobertas, taes são a face e dorso das mãos, não tendo além disso cor especial, ao passo que o syplii- litico occupa de preferencia os membros e apresenta uma cor ver- melha, sombria ou cúprica, e é as mais das vezes acompanhado de roseola. O lichen escrophuloso apresenta-se sob a fórma de grossas papulas sem côr especial, generalisado e acompanhado de prurido, affectan- do especialmente as crianças ; o syphilitico apresenta-se sob a fórma de grossas e pequenas papulas, sem prurido, côr cúprica, coberto de escamas epidennicas, precedido de cancros, e muitas vezes acom- panhado de angina syphilitica. O acne escrophuloso occupa quasi exclusivamente a face, o dorso, as espaduas e parte anterior do peito ; o syphilitico é indistincta- mente espalhado pelo tronco e membros inferiores ; alem disso, o escrophuloso não affecta nenhuma disposição especial, ao passo que o syphilitico se apresenta debaixo da fôrma de pustulas discretas e em pequenos grupos, cercadas de uma aureola de cor cúprica. Si das manifestações da pelle passarmos ás alterações dos ganglios lymphaticos, veremos que existem grandes differenças entre os en- gorgitamentos estrumosos cervicaes e os bubões venereos inguinaes. O bubão escrophuloso é mais volumoso, mais profundo, bosselado, formado pela agglomeração de' ganglios engorgitados. / E algumas vezes formado por muitos lobulos separados por uma ou mais fendas profundas. Sua marcha é mais lenta que a do bubão venereo, podendo durar mezes e annos. O pus não reproduz a pus- tula cancerosa. O pús do ganglio suppurado é na escrophulose aina- rellado, e contém fragmentos caseosos ou fibrinosos; na syphilis é sanioso, mais ou menos fétido, semelhante á colla ou a uma solução de gomma. Devemos nos inclinar para a syphilis desde que o doente accusar como antecedente a existência de um cancro syphilitico antes do apparecimento dos engorgitamentos ganglionares, principalmente quando esses engorgitamentos se tiverem desenvolvido rapidamente, e forem acompanhados de empastamento molle nas partes circum- vizmhas, si os vasos lymphaticos se aclião inflammados e formão cordões facilmente accessiveis ao tacto no meio das partes tume- factas. Isto reunido á ausência dos signaes, que caracterisão a constituição escrophulosa, nos servirá de guia para formularmos o nosso juizo. No caso de duvida, podemos lançar mão dos preparados mercu- riaes que, si se tratar de syphilis, modificarão esses engorgitamen- tos ganglionares, o que não acontecerá si se tratar de escrophulose. Si por um lado alguns práticos, baseando-se na semelhança da syphilis e escrophula, applicárão a esta ultima o tratamento da primeira, por outro lado a experiencia tem mostrado que o mer- cúrio, além de não aproveitar, damnifica os escrophulosos. Além destes factos, ainda outros nos levárão a distinguir as duas diatheses. r E assim que o contagio da syphilis é um facto verificado, e que póde sê-lo quotidianamente, o que não se dá com a escropliula, que não é contagiosa. A sypliilis cede a uma therapeutica especial, e, sendo desprezada, cresce espantosamente ; as escrophulas unicamente sob a influencia da puberdade e das circumstancias liygienicas desapparecem como espontaneamente algumas vezes. As manifestações syphiliticas são ordinariamente acompanhadas de dôres, mais ou menos vagas e profundas, dores que têm o caracter especial de se exasperarem para a noite. As escropliulosas são indolentes na sua generalidade, apparecem silenciosamente, e augmentão-se gradualmente, sendo acompanhadas de reacção incompleta, de phenomenos sub-inflammatorios. Por estes caracteres póde-se dizer, com mais ou menos segurança, si se trata de uma manifestação syphilitica ou escrophulosa. A escrophulose por suas manifestações para a pelle ainda se póde confundir com os dartros. Na escrophulose existem os engorgitamentos ganglionares de con- cumitancia com as dermatoses, facto que não se dá nos dartros, que quasi nunca são acompanhados de engorgitamento ganglionar. O caracter fixo das manifestações escropliulosas não se encontra nos dartros que são erráticos, deslocando-se facilmente para se transportar de uma região para outra. As manifestações dartrosas não são destructivas dos tecidos que são a sua séde, e portanto pelo seu desaparecimento não deixão como signal de sua passagem ci- catrizes indeleveis, como acontece com a escrophulose. O dartro é uma moléstia própria da idade adulta e velhice, ao passo que a escrophulose affecta de preferencia as crianças. Ainda mais, o dartro começa quasi sempre pelos membros superiores ou inferiores ; a escrophulose ordinariamente começa pela face e couro cabelludo. Os dartros affectão de preferencia os filhos de pais dartrosos, o que ainda é um elemento a seu favor, quando chegarmos ao co- nhecimento desse facto. A isto podemos ainda accrescentar a au- sência, nos indivíduos que os apresentão, dos attributos que caracte- risão a constituição escrophulosa. E, emfim, do eonjuncto de todos os symptomas, dos antecedentes do doente e de seu estado geral, que podemos colher elementos para dizer si se trata ou não de uma manifestação escrophulosa, syphilitica ou dartrosa. Marcha. E a escrophula uma moléstia que affecta a constituição do in- divíduo; portanto sua marcha não póde deixar de ser excessivamente longa, e muito lenta na maioria dos casos. Dizemos maioria dos casos, porque ha circumstancias que podem tornar sua marcha muito rapida. Entre suas manifestações nós ti- vemos occasião de fallar da otite acompanhada de otorrhéa ; pois bem, essa otite póde dar em resultado a ruptura da membrana do tympano ou a propagação da inflammação ás meningeas, donde uma meningite que póde trazer a morte do doente em poucos dias. Certas modificações organicas, taes como a puberdade, o casamento, e nas mulheres a idade critica, podem também influir para que sua marcha seja mais ou menos longa. O genero de alimentação, os climas, as estações e os agentes therapeuticos têm influencia incontestável sobre a sua marcha. Í*rognostíco* Do que acabamos de dizei se Coilclue que o prognostico nào póde deixar de ser extremamente variavel. Elle varia com a fórma por que se manifesta a diathese, com o individuo, conforme a sua constituição acha-se ou não deteriorada ; varia ainda com o periodo da moléstia, com a séde, e modalidade das manifestações. E tanto mais sério o prognostico, quanto mais adiantado é o periodo, e é por isso que são sempre mais graves as manifestações ósseas e visceraes. A escrophula adquirida é menos grave que a hereditária. Os accidentes, taes como tumores que comprimem os vasos do pescoço, o esophago, os conductos aerios, os nervos pneumogas- tricos, tornão ainda mais grave o prognostico. Os meios therapeuticos ainda podem concorrer para tornar bas- tante grave o prognostico, quando empregados inconvenientemente. É assim que, si se attender sómente á manitestação local externa, e a fizermos desapparecer antes do emprego do tratamento interno, concorreremos para o apparecimento de phenomenos de repercussão, apressando assim as manifestações visceraes, que podem trazer a morte do doente dentro de pouco tempo. Na cachexia escrophulosa, a febre heetica, a extrema magreza, os suores, que não são phenomenos ordinários, devem ser conside- rados como symptomas de péssimo agouro, As complicações, taes como a meningite, peritonite, a nephrite albuminosa, a tisica, etc., constituem não só um embaraço á cura, como podem apressar a morte do doente ; póde-se mesmo dizer, trazem infallivelmente a morte, porque, quando ellas sobrevêm, o organismo já se acha em um estado tal de enfraquecimento, que não póde oppôr-lhe resistência, e tem de succumbir. Ter min ação < A escrophulose, tratada em tempo nas suas primeiras manifestações* é perfeitamente curável. Fóra destas circumstancias, a morte é a conseqilencía, ou da ca* chexia, que traz a terminação fatal por depauperamento gradual e progressivo das forças do individuo, ou por uma moléstia inter- currente que, accommettendo um organismo enfraquecido, não en- contra resistência, e facilmente triumpha, eliminando o individuo do numero dos vivos. Ainda a morte póde ser produzida por manifestações ligadas á própria moléstia. É assim que ella póde ser a consequência da compressão, produzida por um tumor escrophuloso, collocado no tra- jecto dos grossos bronchios, dando em resultado a asphyxia. Ainda o doente póde morrer, em consequência do esgôto produzido por suppurações abundantes, ou por infecção purulenta, quando houver reabsorpção do pús. Ou ainda, como já dissemos, por uma moléstia intercurrente, ou por complicação. CAPITULO VI Tratamento. De tudo o que ficou dito até aqui, conclue-se que é a escrophulose uma diathese que produz no organismo estragos verdadeiramente espantosos ; as enfermidades e mutilações por ella produzidas oppoem grande resistência á therapeutica. Entre os flagellos sem numero que acabrunhão a humanidade, diz Alibert, nenhum oppõe aos recursos de nossa arte maior resistência. Uma enfermidade tão vergonhosa, aecrescenta elle, quão desagradá- vel, que torna o homem um objecto de repugnância a seus seme- lhantes, que lhe faz temer a união conjugal, que accommette a criança no seio materno, e que transforma os mais bellos dias de sua vida em uma serie de pezares e dôres. Não se deve acreditar, diz Hufeland, que exista um especifico do vicio escrophuloso ; uma moléstia que reconhece muitas causas e que está tão identificada com a constituição, que é precizo renova-la toda para que desappareça, uma tal affecçào não póde ser curada por um só meio. A hygiene representa aqui um grande papel e tem grande influen- cia sobre a moléstia. Os meios hygienicos, modificando a constituição, combatem a debilidade do indivíduo. Com muitas difficuldades tem de lutar o medico para conseguir a cura de uma moléstia essencialmente chronica, como é a escrophulose. Em primeiro logar, nem sempre é possivel ao doente, principalmente nas classes menos favorecidas da fortuna, seguir á risca as prescripções na parte relativa a regras liygienicas, por certo a mais importante; em segundo logar, a falta de persistência em um tratamento que tem de ser necessariamente longo, e que por isso mesmo requer tempo e paciência por parte do doente, não deixa de ser outro embaraço com que luta o pratico para conseguir, senão a cura, ao menos a paraly- saçâo da diathese nas suas devastações. Apezar de todos os nossos esforços, e da boa vontade do doente, muitas vezes todos os meios da arte baqueião ; morbus ludificans operam medicorum, disse Baillou. Ha casos, porém, e esses não são raros, em que os agentes que possuimos, quando empregados com intelligencia, dão excellentes resultados. Desses agentes uns são hygienicos, outros pliarmaceuticos. Antes de tratar de uns e outros, diremos duas palavras sobre a pro- phylaxia da escrophulose. A. diathese escropliulosa sendo hereditária, devemos traçar regras de conducta para prevenir as suas manifestações, impedir os pro- gressos e, si for possivel, destruir o germen. Quando uma criança é íilha de pais escrophulosos, a primeira questão a resolver é si essa criança deverá ser amamentada pela própria mãi, por uma ama mercenária, ou si o aleitamento deve ser artificial. / E esta uma questão muito importante, e que exige grande attençâo por parte do medico, quando consultado a esse respeito. Muitas vezes trata-se de uma mãi que, apezar de enfraquecida pela evolução de alguma dessas manifestações diathesicas, quer a todo transe aleitar seu filho; outras vezes de uma que, por suas cir- cumstancias pecuniárias, não póde tomar uma bôa ama de leite, e é neste caso que surge a questão do aleitamento artificial, É opinião de quasi todos os auctores que convém sempre que a criança seja amamentada pela própria mãi, toda a vez que isso fôr possivel. Mas uma mulher escrophulosa não deve amamentar o seu filho, ainda que suas forças o permittão, por causa dos inconve- nientes que dahi podem resultar para ambos, mãi e filho. A mãi, por isso mesmo que é escrophulosa, soffre de um vicio de nutrição, e portanto convém que todos os alimentos, por ella ingeridos, sejão em proveit > proprio, o que não acontecerá, desde que ella estiver amamentando, porque então grande parte dos productos assimilados serão distrahidos a favor da secreção lactea, e em detrimento dos outros orgãos da economia. 0 filho nenhum proveito tirará, porque a assimilação, achando-se comprometi ida 11a mãi, as funcções a ella submettidas também se re- sentiráõ, e portanto o leite será pobre em princípios nutritivos. Alimentar uma criança fraca e debil, e que, além disso, exige, em virtude da lei que rege a evolução de seu organismo, isto é, a pre- dominância do movimento de composição sobre o de decomposição, alimentos suffieientes para facilitar o crescimento, alimentar essa criança com um leite onde não exista os elementos imperiosamente exigidos por seu organismo, é condemna-la a uma vida ephemera, ou cheia de torturas pelas manifestações da diathese, que está prestes a desenvolver-se. Convém, pois, que a criança seja amamentada por uma bôa ama, isto é, por uma mulher que apresente uma constituição forte, sem antecedente algum syphilitico, e nem suspeita de alguma outra moléstia diathesiea. E de bom conselho que o medico intervenha na escolha da ama, examinando com todo o cuidado todos os apparelhos da mulher que a isso se propuzeri Supponhamos entretanto que, não convindo que a mãi amamente o filho, comtudo suas cireumstancias pecuniárias não lhe permittem lançar mão do aleitamento mercenário. Devemos aconselhar neste caso o aleitamento artificial? O aleitamento artificial neste caso deve ser aconselhado, mas com as precauções as mais intelligentes e de- votadas, sem o que não conseguiremos o nosso desideratum. Convém indagar as qualidades do leite que, neste caso, deve ser perfeitamente puro, ser administrado quente e em um apparelho cui- dadosamente limpo. A mamadeira reclama um asseio completo, pois que o leite, que já tem tendencia a se alterar rapidamente, se azeda, e cogumellos se desenvolvem ao redor do embolo. A criança é logo affectada de stomatite e gastro-enterite, que podem prolongar--se e se transformar em outras tantas manifestações da diathese que se achava no estado latente. Todos os auctores estão de accordo que o leite exposto ao ar livre perde suas propriedades. E necessário, para que esse liquido seja completamente efficaz, que elle passe directamente da glandula gera- dora para o estomago do recem-nascido. Approximar tanto quanto possivel deste acto physiologico, tal é o fim da mamadeira. Ainda á prophylaxia se prende uma outra questão não menos im- portante; queremos fallar do casamento de individuos escrophulosos. Lugol queria mesmo que houvesse uma lei que prohibisse o casa- mento aos escrophulosos. Seria isto certa mente facilitar a devassidão, por que uma lei não extingue as paixões. Mas ha grande differença entre o prohibir o casamento ao escro- phuloso e o aconselhar a não união de dous escrophulosos entre si, prineipahnente si, além de escrophulosos, forem consanguíneos. Convém que os pais tenhão toda a vigilância a este respeito, já que o medico em no sso paiz quasi nunca é ouvido em matéria de ca- samento. Entre nós milhares de vidas preciosas são annualmeníe roubadas pela tuberculose ; entretanto si a camara ecclesiastica não concedesse tantas dispensas de impedimentos matrimoniaes, e si o medico fosse ouvido em matéria tão séria e que tão de perto affecta a nossa socie- dade, não seria possível que a mortalidade por essa moléstia decres- cesse ? Certamente. Desde que a herança oecupa um logar impor- tante no desenvolvimento das diatheses, querer que a mortalidade diminua, continuando os casamentos de diathesicos entre si, é o mesmo que querer esgotar um poço, conservando aberta a fonte donde elle recebe agua. Passemos agora ao estudo dos meios hygienicos propriamente dites. E de observação diaria que as crianças lymphaticas, e por isso mesmo mais predispostas á escrophulose ,se endefluxão com muita facilidade. A menor variação da temperatura é causa do appareci- mento de phenomenos catarrhaes, que podem-se tornar chronicos, e constituir manifestações escrophulosas, desde que exista no orga- mismo a diathese. Devemos, aconselhar, pois, que essas crianças tragão sempre ves- timentas apropriadas, taes como de lã, baeta, etc., afim de que o corpo fique resguardado da3 intemperies das estações. Os indivíduos nessas condições devem respirar em uma atmosphera salubre, ricamente oxygenada, privada de miasmas, gazes e qualquer outro principio deletereo, sêcca, quente e de facil renovação, onde possão exercer sua benefica influencia o calorico, a luz e a electrici- dade. É por isso que deverão ser preferidas as habitações situadas em um logar elevado, onde os aposentos occupados por esses indi- viduos sejão expostos aos raios do sol durante parte do dia, sejao sufficientemente espaçosos, e o ar renovado constantemente e a tem* peratura sempre uniforme. Alguns auctores aconselhão como mais salutares aos escrophulosos p,s habitações nos climas quentes, e situadas nas proximidades do mar, Até certo ponto adiamos razão nisso, por causa da facilidade do uso dos banhos de mar, que, como veremos, são de grande vantagem a esses indivíduos. Comtudo, a habitação no campo é sempre de muito mais vantagem que nas cidades,principalmente nas grandes capitaes, onde o accumulo não é facil de ser evitado pela exuberância de população, accumulo que, como vimos tratando da etyologia, muito concorre para o desen- volvimento de moléstias diathesicas. A alimentação deve ser sufficientemente reparadora ; eis a razão por que devemos aconselhar aos escrophulosos ou aos que apresen- tarem predisposição manifesta para eontrahir essa diathese, que não fação uso de substancias indigestas e pouco reparadoras, taes como os alimentos farináceos, feculentos e saccharinos, mas de preferencia lancem mão dos ricamente azotados, taes como as carnes vermelhas no reino animal. No reino vegetal devem ser preferidas as plantas conhecidas vulgarmente com os nomes de agrião, chicória, serralha, etc. Por occasião de cada refeição, devem fazer uso de algum vinho ge- neroso, puro ou diluido na agua pura, corrente e sufficientemente arejada, Depois de cada refeição, devera fazer exercícios compatíveis com a sua idade e forças. Estes exercícios podem ser feitos a pé, a cavallo ou de carro, devendo ser preferidos os dous primeiros, que deveráõ ser feitos no campo, onde o ar e o sol podem concorrer poderosamente para maior beneficio do doente. A educação physica e moral devem também merecer-nos muita, attenção. Hoje estão tão convencidos da influencia benefica da educação phy- sica, que a gymnastica já vai occupando um logar muito importante nos nossos estabelecimentos de instrucção. Os directores de eollegio, convencidos do mens sana in corpore sano, vão facilitando os meios de seguir este conselho muito salutar do exer- çicio gymnastico, representado pela dansa, esgrima, salto, carreira, etc. Devemos aconselhar toda a vigilância por parte dos pais ou pre- ceptores para que esses individuos não adquirão o péssimo habito da masturbação, que, de consequências perniciosíssimas em qualquer indivíduo, por mais robusto que seja, ainda mais o será naquelles que por sua constituição fraca estiverem debaixo da imminencia de uma diathese. Quanto á educação intellectual, não deve ser tal que obrigue a trabalhos aturados de intelligencia, e que reclamem séria reflexão. Esses trabalhos deveráõ ser alternados com outros mais amenos ; é por isso que algumas horas do dia deveráõ ser reservadas para a leitura de algum livro ao mesmo tempo instructivo e recreativo, o desenho, a musica, etc. A distracção, os jogos variados a que se entregão as crianças, con- correm muito com o exercício para melhorar sua saude. Uma influencia moral energica e profunda exerce, sobretudo nos adultos, uma salutar modificação. r E assim que podem ser explicados os effeitos attribuidos ás cere- monias conhecidas outr’ora na Inglaterra com o nome de royal touch. Attribuia-se a Eduardo-o-Confessor, admirado por seus vassallos por sua grande piedade, a cura da escrophula pelo simples contacto. E o mais interessante é que médicos, sobretudo Brown e Wiseman, testemunhas desses factos, muito contribuirão para vulgarizar essa opinião. Sem duvida os deslocamentos dos doentes, os jejuns impostos, a fé viva e o respeito, tão profundo então, pela realeza, davão ao royal touch um grande poder sobre o moral e sobre o physico dos doentes. O numero de escrophulosos, que vinhão se fazer tocar, era considerável. Não contavão certamente os insuccessos; bastava, como sempre acontece, algumas curas, para garantir a grande voga deste processo, que foi empregado com regularidade até o tempo da rainha Anna, que, escrophulosapor sua vez, julgou-se sem duvida impossibilitada de curar os outros de um mal, de que ella mesma não se podia desembaraçar. Os reis de França tinlião também a pretenção de curar os escro- phulosos. Diz-se que íoi Cio vis quem recebeu este dom de S. Remi, depois de ter sido sagrado em Reims. P mais provável, porém, que ti- vesse sido Roberto, filho de Hugo Capeto, o primeiro que tocou os escropliulosos. Os Inglezes fôrão, pois, apenas os imitadores dos Francezes, por que Roberto -o-Piedoso subio ao throno em 996, e Eduardo-o-Con- fessor só foi sagrado em 1042. Os doentes ainda recorrião a outras praticas, filhas de sua igno- rância e superstição ; é assim que elles se submettião ao uso da carne de serpente ; Aecio preferia a da vibora ; Galeno a da doninha; Plinio asseverava que o osso da cauda de uma arraia era um anti-escrophuloso muito apreciado por seus contemporâneos. Uns espera vão a volta da lua para tratar as escropliulas ; outros que- riâo cura-las fazendo os doentes beber em um craneo enterrado tres vezes, ou obrigando-os a trazer um lagarto, um pouco de raiz de agrimonia ou de verbena pendurados ao pescoço ; outros fazendo- lhes tocar as partes doentes pelo sétimo varão de uma mesma familia, em que não houvesse filhas. Todos estes factos provão a influencia util da mudança do ar, exercicio, e sobretudo da imaginação vivamente impressionada ou exaltada. Como ponto de transição entre os meios hygienicos e pharma- ceuticos, temos a hydrotherapia, cujas vantagens 11a escrophulose são incontestáveis. Já Plinio, na sua Historia Natural, declara que todas as aguas são em beneficio da terra. Elias sahem salutares, diz elle, de todos os lados, em mil paizes, ali frias, aqui quentes, além quentes e frias, como em Tarbellas de Aquitania e nos Pyrenêos, onde são separadas apenas por um pequeno intervallo, ou bem tépidas, armunciando os soccorros que prestão aos doentes, e não sahindo da terra sinão para o homem só, entre todos os animaes ; debaixo de nomes di- versos, ellas augmentão o numero das divindades, e fundão cidades. Homero, pmtando-nos muitas vezes os heróes banhando-se em bacias attinentes a palacios, nos mostra que a pratica dos banhos oecupou um logar importante nos usos da antiguidade. Hoje a hydrotherapia constitue um grande recurso na therapeutica moderna. A hydrotherapia na escrophulose, além de activar a nutrição que se acha no estado languido, facilitando a elaboração e assimi- lação dos materiaes nutritivos, ainda concorre para que os medica- mentos, levados ao organismo com o fim de tonifica-lo, produzão seu effeito, desde que são assimilados como os alimentos. Comtudo, no uso de tão poderoso meio, devemos aconselhar certas precauções. Convém graduar o tempo de immersão n’agua, de maneira que o banho obre mais como excitante ou tonico, que como refrigerante ou debilitante. Para conseguirmos isso, é necessário que a immersão seja apenas de alguns minutos, e, depois do banho, convém provocar a reacção por meio de fricções sobre a pelle, e ordenar o exercicio logo depois. Além dos banhos de mar ou de rio, também aproveitão muito aos escrophulosos os de vapor aquoso, ou saturados de princípios aromáticos. Ha certas circumstancias, porém, que nos levão a não aconselhar os banhos frios ; porque, em logar de beneficio, podem, pelo con- trario, trazer sérios inconvenientes ao doente. . A hydrotherapia é nestes casos uma espada de dous gumes: quando opportunamente aconselhada, muitas vantagens póde trazer ao doente ; no caso contrario, consequências funestas serão o re- sultado. E por isso que devemos ter o cuidado de, antes de acon- selhar esse meio, examinar todos os apparelhos, â ver si existe uma inflammação aguda, e tubérculos pulmonares, e nestes casos não aconselhar esse meio sinão com muitas precauções, ou não empre- ga-lo absolutamente. Os banhos de mar são, pois, um recurso precioso no tratamento das escrophulas. Russel refere 39 exemplos de cura. Esses banhos convêm sobretudo nos individuos que apresentão indicio de temperamento lymphatico, que são pallidos, magros, não têm febre, e cujos orgãos digestivos languecem. Com o seu uso renasce o appetite, os musculos se avigorão, e essa bôa disposição traz augmento de forças. No caso de se achar o doente em um logar muito distante do mar, póde-se lançar mão dos banhos assim compostos, segundo Duval: agua, 500 litros; sal commum, 4 kilogrammas; colla de Flandres, 500 grammas. Além da agua do mar ou de rio, ainda são de grande vantagem, principalmente quando ha manifestações para a pelle, as aguas sul- phurosas. Vejamos agora quaes os meios pharmaceuticos que têm sido pro- postos para combater a diathese escrophulosa. No numero dos medicamentos internos, occupa logar importante o iodo e seus preparados, cujos resultados são ainda mais vanta- josos, quando associado ao ferro e seus compostos. Empregado em medicina desde 1821, poucos medicamentos têm gozado da reputação do iodo. Aconselhado a principio contra o bocio por Coindet de Genebra, foi depois com grande successo em- pregado no tratamento da escropliula. Em 1829 fôrão feitas experiencias sobre o emprego do iodo na escropliula por Lugol no hospital de S. Luiz, experiencias estas que fôrão depois continuadas por Baudelocque, que obteve vantajosos resultados. Tem-se aconselhado não só o iodo puro, como no estado de com- binação, sob a fórma de ioduretos de potássio, ferro, mercúrio, chumbo, e ultimamente o de ammonium, como succedaneo do iodureto de po- tássio. Na these inaugural de Druhen, sobre o emprego do iodureto de amraoninm na syphilis e escrophula, vem consignada uma observação de um caso de escrophulide, que datava de oito annos, que, tendo resistido ao iodureto de potássio, cedeu ao emprego do iodureto de ammonium. O iodureto de ammonium, diz elle, por seus effeitos energicos e rápidos, pela pouca importância, ou antes pela ausência de accidentes de iodismo durante sua administração, tem notável superioridade sobre o iodureto de potássio, pois que, possuindo as vantagens deste, em mais alto gráo, não tem seus inconvenientes. Ainda não tivemos occasião de ver empregado esse corpo; por essa razão não podemos dizer si ha ou não exageração no que diz a seu respeito o auctor a que acima nos referimos. O que é verdade é que as preparações iodadas são de grande van- tagem na escrophula. O iodo não é um especifico, mas é um mo- dificador poderoso, um antiplastico por excellencia» Obra com tanta vantagem que chega a fazer desapparecer os en- gorgitamentos ganglionares. Na opinião de Lebert, este medicamento é de grande utilidade nos tumores, suppurações, ulcerações, moléstias articulares, parecendo mesmo melhorar o estado geral. Lugol empregava o iodo em banhos, no que foi imitado por grande numero de práticos. Em um kilogramma de agua distillada, mandava dissolver 10 grammas de iodo e 20 de iodureto de potássio. Ajuntava-se esta solução á agua de um banho. O doente tomava 3 banhos por semana de meia hora á uma de demora dentro do banho. Estes banhos, assim como as injecções feitas com a mesma agna nas ulcerações saniosas e profundas, diminuião rapidamente a sup- puração ; mas no fim de algum tempo ellas reapparecião quasi tão abundantes como antes. Hufeland, considerando a esponja queimada como o melhor fun- dente dos engorgitamentos glandulares do pescoço, a empregava sob a fôrma de decocção na dóze de 30 grammas de esponja para 500 grammas de agua. Si é verdade que a esponja obra pelo iodo que contém, desde que se a submetta á ebullição, esse iodo desapparecerá, e então não se póde tirar do medicamento a vantagem que se espera. Mas houve quem attribuisse a acção da esponja queimada antes ao carbono que ao iodo. E por isso que Weize e Gampert pre- ferirão empregar o carvão animal. Mas Baudelocque, ensaiando-o segundo a formula de Weize, não obteve grandes resultados. Alguns auctores têm empregado os bromuretos, mas têm reconhe- cido ao mesmo tempo a sua pouca efficacia. Segundo Duval, porém, o bromureto deve ser preferido ao iodureto de potássio como menos irritante. Tem-se empregado também os sulphuretos, sob a fôrma de banhos, com o fim de imitar as aguas sulphurosas naturaes. Dissolve-se o sulphureto de potassaou de sóda na dóze de 60 a 120 grammas em um banho. Os banhos assim preparados e empregados, quasi todos os dias em temperatura mais ou menos elevada (36 a 40 centígrados), produzem uma grande excitação da pelle, e aug- mentão assim a perspiração cutanea, e portanto exercem sobre o or- ganismo uma acção tónica muito notável. Estes banhos podem ser empregados nos indivíduos lymphaticos, cujo pulso é molle e lento, e quando a excitação das vias digestivas contraindicar o emprego de medicamentos activos. Os alcalinos têm também sido aconselhados, principalmente por Plufeland, que os preconisa contra os engorgitamentos mesentericos e affecções dos ossos. Muitos outros medicamentos têm sido empregados, e nem é para admirar, desde que se trata de uma moléstia que póde revestir diffe- rentes fôrmas, e, portanto, as indicações têm de variar, conforme se trata desta ou daquella fôrma. Devemos ter em vista sobretudo o estado geral, e contra elle dirigir a nossa therapeutica, que deverá consistir no emprego de meios tendentes a levantar o organismo do estado de prostração em que se acha. Isso se consegue com o emprego do oleo de figado de bacalháo, iodureto de ferro, tonicos vegetaes, taes como quina, genciana, etc. São empregados com vantagem as plantas aromaticas, quer em infusões, quer em poções. E assim que se emprega a camomilla, e grande numero de plantas pertencentes á familia das labiadas em infusão, e sua agua distillada em poções. A quina e outros amargos, taes como a genciana, quassia, calumba, quer só, quer associados ao ferro. O oleo de figado de bacalháo occupa um logar muito impor- tante no tratamento da escrophulose, o que uão admira, desde que se trata de uma moléstia que abate as forças do organismo, que assim exige para reconstituir-se um medicamento suíficientemente rico em principios nutritivos. Debaixo deste ponto de vista, nenhum outro existe superior ao oleo de figado de bacalháo. O arsénico, quer só, quer associado ao ferro, é empregado como tonico, e, portanto, com o fim de estimular o appetite, e activar a nutrição mollecular dos tecidos. Segundo Jaumes, o arsénico, quando empregado na escrophulose, tem por fim crear no organismo uma diathese artificial, menos persistente que a primeira, porque desap- parecerá com a cessação do emprego do medicamento, e com ella a moléstia, que foi substituida por essa nova diathese. Esta opinião só póde ser abraçada pelos homoeopathas, por se achar de accôrdo com os principios por elles professados. Nós a rejeitamos por contraria á razão, e muito principalmente aos factos. Muitas vezes o tratamento cirúrgico ê exigido, e, quando empre* gado simultaneamente com o medico, dá magnificos resultados. Emprega-se com vantagem os topicos fundentes e resolutivos contra os engorgitamentos ganglionares, os curativos com a solução ioduretada ou chloruretos alcalinos contra as ulceras, injecção da mesma natureza nas fistulas e focos purulentos, pomadas e col- lyrios contra as ophtalmias, a compressão e resolutivos nos engor- gitamentos das extremidades ósseas e tumores brancos. Em resumo, os meios hygienicos representão o primeiro papel no tratamento da diathese escrophulosa. Entie os meios pliarmaceuticos devemos collocar em primeiro logar o iodo e iodureto de potássio, depois a quina, os ferruginosos, e o oleo de figado de bacalháo. Os banhos frios, de mar, thermaes, sulphurosos e alcalinos artificiaes, os banhos ioduretados, offerecem recursos preciosos. Como o tratamento da diathese escrophulosa é sempre muito longo, convém algumas vezes mudar os meios empregados, ou alterna-los com outros, para evitar os effeitos do habito. SEGUNDO PONTO SECÇÃO ACCESSORIA.—CADEIRA DE MEDICINA LEGAL DO ENVENENAMENTO PELO PHOSPHORO I Dos venenos mineraes é o phosphoro nm dos mais perigosos e de mais ou menos frequência. II O melhor meio para o reconhecimento do envenenamento pelo phosphoro é o apparelho de Mitscherlich. III Este apparelho é baseado na propriedade que tem o phosphoro de brilhar nas trevas. IV É do concurso dos elementos fornecidos pela observação clinica, anatomia e histologia pathologica, e pela chimica, que podemos con- cluir a existência de um envenenamento pelo phosphoro. V A steatose do fígado e outros orgãos, quando desenvolvida ra- pidamente, e quando geral e extensa, constitue um signal muita provável de envenenamento pelo phosphoro. VI Em um caso de envenenamento dessa ordem devemos examinar attentamente os orgãos e matérias suspeitas. YII Todas as preparações de phosphoro são venenosas no mais alto gráo. VIII Não é possivel determinar de uma maneira fixa e precisa a dóze em que cada uma dessas preparações póde produzir a morte. IX O phosphoro tem a propriedade de accumular-se no orga- nismo. X A absorpção do phosphoro é facilitada ou retardada pelo estado de plenitude ou vacuidade do estomago. XI É diíficil determinar o momento em que teve logar a ingestão do veneno. XII Para fazê-lo devemos ter muito em consideração o estado em que foi administrado o phosphoro. XIII Seus effeitos são rápidos ou lentos, conforme foi ingerido no es- tado solido e em fragmentos, ou muito dividido, e em suspensão. XIV Os verdadeiros symptomas do envenenamento são muitas vezes precedidos de eructaçoes phosphorescentes, e gosto de phosphoro ou enxofre. TERCEIRO PONTO SECÇÃO CIRÚRGICA. —CADEIRA DE OPERAÇÕES OPERAÇÕES RECLAMADAS PELOS ESTREITAMENTOS DA URETHRA I Quatro são os methodos de tratamento dos estreitamentos do canal da urethra. II Estes methodos são, na ordem chronologica, o da cauterisação, dila- tação, urethrotomia interna e externa. III O cirurgião deve, sempre que fôr possível, preferir o da dilatação., IV Os estreitamentos da urethra podem ser inflammatorios, spasmodicos e orgânicos. V Só os orgânicos merecem verdadeiramente o nome de estreitamento. VI Para o seu reconhecimento é de necessidade o emprego do cathete- rismo explorador. VII A dilatação póde ser progressiva ou brusca ; aquella ainda póde ser continua ou interinittente. VIII O gráo de facilidade ou difíiculdade na introducção da sonda é que determina o emprego da dilatação continua ou intermittente. IX A dilatação brusca não é uma operação innocente, e por isso deve ser empregada com muita reserva. X A scarificação da urethra ê uma operação que compromette a vida do doente, e muitas vezes inútil. XI A cauterisação está no mesmo caso. XII Quando não fôr possivel a dilatação, devemos empregar a urethro- tomia interna. QUARTO PONTO SECÇÃO MEDICA.— CADEIRA DE PHYSIOLOGIA DO PAPEL DOS RINS NO ORGANISMO HUMANO I Os rins representão no organismo o papel de um verdadeiro filtro. II O rim é um orgão de pura excreção. III A urina ê o producto da funcção renal. IV Todos os seus principios preexistem no sangue, de onde são eli- minados por meio do emunctorio renal. V O sangue na sua passagem pelos rins purifica-se, abandonando os principios que resultão da combustão dos tecidos e albuminoides. VI Desde que ha um embaraço ou abolição da funcção renal, a uremia é a consequência. VII A presença da albumina na urina indica muitas vezes uma al- teração mórbida dos rins. VIII A nephrotomia, dando em resultado o aceumulo dos principios da urina no sangue, produz a uremia. IX A ligadura dos uretheres produz o mesmo effeito. X A urina é constituida por uma dissolução n’agua de principios mineraes e orgânicos, que não podem mais servir á nutrição. XI O papel da urina é essencialmente excrementicio. XII O augmento de pressão sanguinea dá em resultado uma excreção mais abundante de urina. HIPPOCRATIS APHORISMI I Lassitudines sponte obortae morbos denimtiant. (Sect. 2, Aph. V.) II Ubi copiosior prseter naturam cibus ingestus fuerit, id morbum creat, quod etiam curatio indicat. (Sect. 2, Aph. XVII.) III Ad extremos morbos extrema remedia exquisite óptima. (Sect. 7,. Aph. VI.) IV Somnus, vigilia, utraque modo excedentia, malum. (Sect. 1,. Aph. III.) V Impura corpora quo magis nutriveris, eo magis laídes. (Sect. 2, Aph. X.) VI Non satietas, non fames, neque aliud quicquam bonum est, quod supra naturae modum fuerit. (Sect. 2, Aph. IV.) Esta These está conforme os Estatutos.—Rio, 18 de Agosto de 1877. Dr. Benjamin Franklin Ramiz Galvão. Dr. Pedro Affonso Franco. Dr. João José da Silva.