faculdade de medicina do rio de janeiro THESE DE CONCURSO DO Dr. Domingos de Almeida Martins Costa isto MAL DE BPJGHT Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro Director Conselheiro Dr. Visconde de Santa Izarel Vice-Director Conselheiro Dr. Barão de Theresopolis Secretario Dr. Carlos Ferreira de Souza Fernandes Lentes cathedraticos PRIMEIRO ANNO Doutores F. J. do Canto e Mello C. Mascarenhas . Ia cadeira. Phvsica geral e particularmente em suas applicaçoesá medicina. Conselheiro M. M. de M. Valle .... 2a cadeira. Chimica e mineralogia. Luiz Pientzenauer 3a cadeira. Anatomia descriptiva. Joaquim Monteiro Caminhoá. . . . Ia cadeira. Botanica e zoologia. Domingos José Freire Júnior. . . . 2a cadeira. Chimica organica. José Joaquim da Silva 3a cadeira. Physiologia. Luiz Pientzenauer 4a cadeira. Anatomia descriptiva. SEGUNDO ANNO TERCEIRO ANNO José Joaquim da Silva Ia cadeira. Physiologia. Conselheiro Barão de Maceió ... 2a cadeira. Anatomia geral e pathologica. João José da Silva 3a cadeira. Pathologia geral. Vicente C. F. de Saboia 4a cadeira. Clinica externa. Antonio Ferreira França Ia cadeira. Pathologia externa. João D. Peçanha da Silva 2a cadeira. Pathologia interna. Luiz da Cunha Feijó Júnior .... 3a cadeira. Partos, moléstias de mulheres p< jadas o paridas e de recem-nascidos. Vicente Cândido Figueira de Saboia. . 4a cadeira Clinica externa. QUINTO ANNO QUARTO ANNO João Damasceno Peçanhada Silva. . . ta cadeira. Pathologia interna. Francisco P. d Andrade Pertence . . 2a cadeira. Anatomia topographica, medi- cina operatória e apparelhos. Albino R. de Alvarenga 3a cadeira. Matéria medica e therapeutica. João Vicente Torres-Homem .... 4a cadeira. Clinica interna. SEXTO ANNO Antonio C. de Souza Costa Ia cadeira. Hygiene e historia da medicina Agostinho J. de Souza Lima .... 2a cadeira. Medicina legal. Ezequiel Corrêa dos Santos .... 3a cadeira. Pharmacia. João Vicente Torres-Homem .... 4a cadeira. Clinica nferna. Lentes Substitutos Benjamin Franklin Ramiz Galvão João Joaquim Pizarro João Martins Teixeira Augusto Ferreira dos Santos Secção de sciencias accessoria~s\ uiaucuo veino aa aioua maia José Pereira Guimarães Pedro AÍFonso de Carvalho Franco . . . . Antonio Caetano de Almeida Secção de sciencias cirúrgicas. João Baptista Kossuth Vinelli Nuno Ferreira de Andrade -Secção de sciencias medicas. IV. Jí. — A Faculdade não approva nem reprova as opiniões ernittidas nas lheses que lie sã1-' apresentadas. - , FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO DO DIAGNOSTICO DAS DIVERSAS FORMAS CLINICAS DO MAL DE BRIGHT THESE DE CONCURSO ÀO LOGAK DE LENTE SUBSTITUTO DA SECCÃO DE SCIENCIAS^IEDICAS PELO Dr. Domingos de Almeida Martins Costa RIO DE JANEIRO Tvpographia Académica, rua dWjudan. 4~ 1879 GarsrcxjDR.DB.oersrxoes OS ILLMS. SKS. I)RS. Oandido Barata Ribeiro. Cypriano de Souza Freitas. José Benicio de Abreu. O Auctor. INTRODUGÇÃO I Demarcação do assumpto Em 1827 o celebre medico do Guifs Hospital, de Londres, Ricliard Bright, encetando a publicação do seu Report of medicai cases selected (1), mostrou que a existência de albu- mina na urina, em certas hydropisias, era acompanhada de alteração da estructura dos rins. Em reconhecimento e homenagem a tão importante descoberta, puseram a esse estadomorbido o nome de seu descobridor: mal de Bright (2). Caracterisam esse syndroma clinico tres phenomenos ca- pitães : —infiltração edematosa ou hydropisia, albuminúria persistente e alteração organica dos rins. « Sob o ponto de vista clinico, diz o professor Jaccoud (3), a expressão mal de Bright corresponde a um estado perfei- (1) Report of medicai cases selected with a View of illustrating the symptoms and cure of Diseases, by reference to morbid Anatomy, 2 vol. in-4° com atlas. London, 1827—1831. (2) « Morbus Brightii, was the original name for these affections, after the able Physician who first directed the attention of the Profession to the connection that exísted between dropsy and albominous urine during life, with certain morbid structural conditions of the kidney as found after death. »—Lectures on the diseases of the kidney ,by S. J. Goodfellow, M. D., pag. 2. London, 1861. (3) Traité de pathologie interne, tom. II, pag. 481. Paris, 1873. 2 tamente definido; em anatomia pathologica, porém, essa expressão apenas tem uma significação vaga e confusa, pois não se refere a uma lesão univoca. » Apezar da opinião de alguns médicos que consideram o mal de Bright —moléstia unica, perfeitamente caracterisada, e procuram explicar a diversidade das lesões anatómicas, como sendo estados mais ou menos adiantados do mesmo processo pathologico, o estudo da histologia mórbida mo- derna, sustentado pela observação clinica, tem dado razão aos pathologistas inglezes que desde Samuel AVilks (1) e George Johnson (2) têm-se esforçado para demonstrar a mul- tiplicidade das especies enfeixadas na denominação commuin de mal de Bright. Admittindo francamente a doutrina da multiplicidade, acreditamos com o professor Cliarcot (3) que « o mal de Bright é um genero comprehendendo varias especies, quer o consi- deremos sob o ponto de vista anatorao-pathologico, quer sob o etiologico, quer, finalmente, sob o symptomatologico. » Deste modo de pensar não nos demove a consideração de serem idênticos os symptomas cliuicos em alguns casos, aliás distinctos anatoino-pathologicamente ; porque si algu- mas vezes isso com effeito se dá, outras os symptomas facilmente se discriminam. Demais, si tal consideração pu- desse influir para que não fosse acceita na clinica a multipli- cidade brightica, também o deveria ser para que se incluísse como fazendo parte do mal de Bright — a albuminúria com (1) Cases of Bright's Disease, in G-w/s Hospital Reports, vol. viii, 1854. (2) On the forms and stage of Bright’s Disease of the Kidney with special reference to diagnosis and prognosis, in Medico-chirurgical transactions, vol. xi.ti. London, 1859. (3) Leçons sur les mal.adies du foie des voics biliaireset des reins, pag. 293. Paris, 1877. 3 hydropisia dos últimos mezes da prenhez, e as hydropisias a frigore com albuminúria, as quaes desapparecem em poucos dias sob a influencia de um tratamento simples; bem como deveria pesar para que fossem excluídos os casos em que se encontram na autopsia lesões anatomo-pathologicas caracteristicas dos rins brighticos, ao passo que durante a vida ou só liouve hydropisia sem albuminúria, ou, pelo contrario, — albuminúria sem hydropisia. Ora, isto seria exigir muito, exigir de mais. Feitas estas rapidas considerações, passemos a expor o nosso modo de pensar sobre as differentes fôrmas clinicas do mal de Bright. Com a maioria dos médicos inglezes, a quem também associa-se o professor Charcot, acceitamos tres formas cli- nicas do mal de Bright, e são: Ia, a nephrite epithelial ou parenchymatosa, grande rim branco (.Large White Kidney) dos auctores inglezes; 2a, nephrite intersticial, pequeno rim contrahido (Small Contracted Kidney); 3a, degeneração amyloide do rim (Amyloid, Lardaceous or Waxy Kidney) (1). Sobre o diagnostico dessas tres fôrmas clinicas versará, pois, nossa dissertação. Para o seu desenvolvimento pare- ceu-nos acertado estudar primeiro cada uma dessas fôrmas ou entidades pathologicas, estabelecendo em seguida os elementos do diagnostico differencial entre ellas. (1) As nephrites mixtas (Micoed Forrn) de Goodfellow (Lectur. on the Diseases of the Kidney) e outros auctores inglezes, acceitas pelo Dr. H. Rendu (Etude comparative des nephrites chroniques), posto que bem caracterisadas anatomicamente, não julgamos que possam constituir fórma clinica especial, porque não são moléstias em geral primitivas e sim consecutivas, tanto á nephrite intersti- cial,como á epithelial ou parencliymatosa. Seus symptomas, pois, confundem-se com os do estado adiantado das duas fôrmas prece- dentes. Antes, porém, de entrar em matéria, façamos um rápido exame da estructura e da funeção dos rins. Esse resumo anatomo-physiologico tem cabimento aqui, visto se tratar de lesões de que é theatro o orgão da funeção urinaria, as quaes constituem o principal assumpto do presente trabalho. II Anatomia Os rins são orgâos parenchymatosos, situados na parte posterior e superior da cavidade abdominal, na região lom- bar, e aos lados da columna vertebral. Sua fórma, como muito bem comparou o celebre anatomista Eustaquio (1), guardadas as devidas proporçOes, é muito similhante á de uma semente de feijão, cujo hilo fosse deprimido na porção central. Seu volume e peso são variaveis conforme as idades, os sexos e mesmo segundo os individuos. Seu tecido é geral- mente duro (2), mas frágil, e tem, no estado hygido, o as- pecto e cor do tecido muscular. Os rins são envoltos por uma membrana própria ( pag. 142), que a transsudação normal de albumina tem por fim a nutrição dos tecidos; isto porém não está provado; de facto, ao lado dessa albumina aelia-se uma serie de matérias albuminoides denominadas peptonas, que são incoagulaveis pelo calor e parecem sobretudo aptas á passar facil e rapidamente ao estado de tecido ; é mais provável que a albumina ordinaria tenha especialmente como funeção phvsiologica impedir a adherencia do liquido san- guíneo com as paredes dos vasos. » 40 Sua capsula fibrosa destaca-se com muita facilidade, sem levar ordinariamente comsigo particulas da substancia cor- tical, e deixa ver na superfície do orgao, lisa, descorada, de côr brancacenta ou amarellada, algumas manchas dissemi- nadas, de colorido azulado ou rôxo-avermelhado. Incisões, comprehendendo todo o orgao, permittem reconhecer que a substancia cortical é a unica compromettida, porque con- serva o aspecto e côr da superfície externa, acha-se muito espessada e friável. A substancia medullar, ao contrario, conserva de ordinário sua consistência, dimensões, côr e vascularisaçao natural, notando-se, entretanto, ás vezes côr mais carregada e, em periodos mais adiantados, ligeiro des- coramento. A nossa observação 2a é um caso typo desta es- pecie que os Inglezes chamam grande rim Uso ou grande rim branco. cc Algumas vezes a infiltração gordurosa espalha-se uni- formemente por todo o orgão e o aspecto ordinário do grande rim branco acha-se ligeiramente modificado. Elle apresenta um colorido amarello (cor de pelle de búfalo), substituindo o aspecto geralmente pallido (branco côr de marfim) ; mas conserva-se volumoso e com sua superfície lisa. Este estado é ás vezes designado sob o nome de grande rim gorduroso » (Charcot). Outras vezos notam-se espalhadas pela superfície do orgão, volumoso e friável, como o grande rim branco, saliências e depressões que lhe dão o aspecto granuloso. Este aspecto, como explica o professor Charcot (1), é devido á degeneração gordurosa que « invade sómente aqui e alli alguns grupos de tubulí contorti, ficando os grupos interme- diários no primeiro gráo de alteração. Os grupos de tubuli que se tornam gordurosos parecem opacos relativamente aos outros e formam mesmo algumas vezes pequenas tume- (1) Maladies du foie et des reins, pag. 330. facções, apreciáveis nao sómente na superficie do rim, como também, por meio de cortes, na espessura da substancia cor- tical. » E’ o que Johnson chamou rim gordo granuloso. Finalmente, em periodos avançados de alguns casos de nephrite epithelial chronica o rim póde apresentar-se atro- phiado e granuloso; é o pequeno rim gordo granuloso dos In- glezes. Anatomicamente differencia-se o pequeno rim gordo granuloso do pequeno rim contrahido (nephrite intersticial), pela sua cor, consistência, volume, fórma das granulações, e também pela ausência de kystos no primeiro e presença ordinaria delles no segundo. Alterações microscópicas. Os canaliculos contorcidos e o ramo montante da aza de Henle são a séde especial das alte- rações anatómicas primitivas da nephrite parenchymatosa. « Vistos a um fraco augmento, diz Lanceraux (1), estes ca- naliculos sao opacos, dilatados e varicosos; alguns d’entre elles encerram cylindros hyalinos. Com um augmento mais forte os epithelios, que têm permanecido em seus logares, apparecem como que confundidos, turvos e tumefactos pela presença de um numero mais ou menos considerável de finas granulações cinzentas solúveis no acido acético, ou granulações proteicas. Ha n’isso verdadeiramenfce uma sim- ples modificação, porque os epithelios dos tubuli contorti sao naturalmente grânulos js. Entretanto, nao é possivel duvidar da alteraçao ; é preciso mesmo admittir que ella é a causa do augmento de volume dos rins, quando a trama conjunctiva vascular nao apresenta a menor modificação. Os tubos rectos também nenhuma alteraçao apreciável offe- recem. » Umas vezes este estado anatomico dos epithelios póde desapparecer e o restabelecimento do doente ter logar; (1) Art. Reins (Pathologie)—In Diction. encyclop. des Sciences mé- dicales, 3e serie, tom. III, pag. 233. 42 outras «os epithelios tumefactos se infiltram de granulações amarelladas e refrangiveis mais ou menos volumosas que resistem ao acido acético e se dissolvem no ether. Sao gra- nulações gordurosas que, por sua presença, modificam a côr pallida e branca do parenchyma renal e a mudam em uma côr ligeiramente amarellada » (Lanceraux). A atrophia consecutiva nos casos de neplirite parenchyma- tosa ou o pequeno rim gordo granuloso parece effectuar-se, segundo o professor Charcot (Obr. cit., pags. 330 e 331), pelo mecanismo seguinte : — « Os epitlielios, depois de passarem pela degeneração gordurosa, soffrem, em certos pontos, uma verdadeira fusão, em seguida da qual as granulações gor- durosas tornam-se livres; umas sahem com as urinas ; as outras são reabsorvidas, e é em tal circumstancia que, se- gundo as observações de Beer, os espaços lymphaticos ficam clieios de granulações gordurosas. Em consequência d’isso, certo numero de tubos assim despojados de seu epithelio se esvasiam e se abatem, emquanto outros, menos adiantados em alteraçáo, conservam-se ainda nas primeiras phases da infiltração granulo-gordurosa. Parece que, em geral, ne- nhum trabalho de liyperplasia conjunctiva intervem aqui. » Esta explicação do illustre professor da Faculdade de Paris, que é a mesma dada em 1859 por Johnson, está, en- tretanto, longe de ser acceita pela maioria dos anatomo- pathologistas modernos, q”e tendem antes a considerar o pequeno rim gordo granuloso como uma nephrite mixta, porque lhe reconhecem ao mesmo tempo o processo atrophico do tecido conjunctivo intersticial e a degeneração granulo- gordurosa dos epitlielios dos tubuli. Qual, porém, dessas lesões será a primitiva? O pequeno rim gordo granuloso teria origem primitivamente em uma nephrite epithelial ? Tel-a-hia, ao contrario, em uma nephrite intersticial? Responderemos com o Sr. Dr. Rendu (E’tude compar. des nephrites chroniques, pag\ 49) « que, 110 estado actual da 43 sciencia, é impossível reconhecer não só a idade de uma nephrite diffnsa pelos seus caracteres anatómicos, como também o predomínio das lesões epitheliaes sobre as lesões conjunctivas, ou reciprocamente. » §iv Etiologia e Pathogenia Estudando as causas que costumam concorrer para o apparecimento da nephrite epithelial, vemos que podem ser divididas em dous grupos:— Io, o das que actuam sobre a superfície cutanea, modificando suas condições de vitalidade e provocando uma reacção mais ou menos intensa do organismo (o frio, as vastas queimaduras, etc.); 2o, o das que exercem sua influencia sobre o fluido sanguíneo, já alterando sua composição intima (febres graves, principal mente as eruptivas, dipbteria, periodo de gestação, etc.), e já fazendo penetrar na tor- rente circulatória princípios irritantes que determinam directamente alterações renaes (intoxicações pela cantha- ridina, pelo álcool, pelo chumbo, pelo iodo, etc., e abuso de certas substancias diuréticas). Âuctores ha que ligam a todas essas causas uma im- portância a nosso ver exagerada, porque, além do frio cuja acção está bem verificada, e de raras infecções mórbidas (escarlatina) ou toxicas (cantharidina), tudo mais nos parece influir antes predispondo do que deter- minando a moléstia em questão. Desta opinião é o professor Cliarcot que, exceptuando o frio e a escarlatina, nega a acção determinante de todas as demais causas. « É verdade, diz elle (Obr. cit., pag. 334), que sob sua influencia produz-se muitas vezes al- buminúria e uma alteração granulosa mais ou menos m. anifesta dos epithelios; nunca porém demonstrou-se claramente que um caso de mal de Criglit permanente tivesse reconhecido semelhante etiologia. » O modo de acção dessas causas nem sempre é clara- mente conhecido, e a analyse das hypotheses aventadas com o fim de explical-o afastar-nos-hia do plano traçado á este trabalho; e pois, tendo já indicado quaes sejam essas causas, limitar-nos-hemos a fazer algumas consi- derações sobre as irritações cutaneas, principalmente sobre a influencia do frio. O frio póde concorrer para o desenvolvimento da nephrite epithelial por dous modos:—actuando subitamente quando o corpo se acha aquecido e em plena transpiração, como no caso celebre de Wilks; ou, associado á humidade, modificando lentamente o organismo, como verifica-se nos indivíduos que habitam aposentos humidos e frios (Observ. 3a), como foi observado nos soldados francezes prisioneiros dos Allemâes em 1870, transportados, no fim da campanha, dos confins da Prussia para a França em wagons de conduzir alimarias (Lacassagne). A acção do frio faz-se, entretanto, sentir principal- mente quando encontra o organismo predisposto ou por uma moléstia anterior (Observ. Ia), ou pelo abuso de bebidas alcoólicas (Goodfellow). Os effeitos geraes do frio, especialmente quando asso- ciado a humidade, são os seguintes actúa a principio excitando os nervos sensoriaes e em seguida augmen- tando a contractilidade muscular. Os vasos sanguineos periphericos (arteriolas e venulas), cujas paredes possuem fibras musculares, contrahem-se, ficando assim o seu calibre muito reduzido; a circulação em vez de ganhar em velocidade com a reducção do diâmetro vascular, é ao contrario enfraquecida sob a influencia do frio. A quan- tidade pois de sangue que chega á pelle é diminuta e sua circmlacão demorada. Expellido da peripheria o sangue afflúe para os orgãos centraes (parenchymas) e engorgita-os; o coração é, por- tanto, obrigado a augmentar sua energia contractil para vencer o obstáculo que essas hyperhemias visceraes e a reducção da áreTt vascular peripherica oppoem á marcha regular da circulacão. O sangue, si esse estado fôr duradouro, altera-se purque, attingindo as secreções da pelle o minimo de trabalho func- cional, fica esse fluido sobrecarregado não só de um excesso d’agua, como de principios salinos que deixaram de ser eliminados pelo emunctorio cutâneo. Os pulmões (exhalação pulmonar) e, sobretudo, os rins exageram então o seu tra- balho eliminador, procurando substituir assim a deficiência secretoria da pelle. Comprehende-se pois, como, si houver predisposição mórbida nos rins, o excesso de trabalho fará desenvolver a moléstia; caso, porém, essa predisposição não exista, a superactividade funccional, si fôr prolongada, creal-a-ha, e a manifestação da moléstia não se fará esperar muito. Do mesmo modo que o frio parecem actuar os excitantes mecânicos e alguns agentes chimicos que produzem irri- tação da pelle, como demonstrou Wolkenstein (1). Este distincto experimentador, depois de numerosas expe- riências em animaes com o fim de estudar a influencia das irritações cutaneas sobre a secreção urinaria, chegou aos seguintes resultados: « Io, Elevação rapida da temperatura, persistindo emquanto não cessa a irritação cutanea; notando ao mesmo tempo acceleração do pulso e da respiração; 2o, reacção inflammatoria da pelle, infiltração do tecido cel- lular subcutâneo, etc.; 3% diminuição da quantidade de urina, augmento da proporção da uréa, e diminuição rapida (1) Vide Revista general pelo Dr. Isidoro de Miguel,—In Anales de ciências medicas, n. 60, tom. IV, pags. 169 e 170. Madrid, 1877, dos chloruretos que não reapparecem senão cora o restabe- lecimento do animal; 4o, perda do appetite e da sêde, ema- ciação notável; 5o, albumina e sedimentos urinários (cellulas epitheliaes, globulos sanguineos e cylindros hyalinos). Esta albuminúria se desenvolve correspondentemente ao grâo de irritação; si esta fôr fraca, os rins achar-se-hão sómente hyperlierniados; si, porém, fôr violenta, uma neplirite pa- renchymatosa coincidirá com ahyperhemia de todo o paren- chyma renal. » Empregando a electricidade como agente irritante, o I)r. Wolkenstein observou: cc Io, auginento rápido da tempera- tura até 40°, acceleração do pulso e da respiração, voltando tudo ao estado normal ao cabo de 20 ou 30 minutos; 2o, aug- mento da quantidade de urina e da proporção da uréa, dimi- nuição dos chloruretos; 3o, albuminúria ligeira durando de 3 a 6 horas. » Eis succiutamente o que pensamos sobre a etiologia e pa- thogenia da nephrite epithelial. A natureza deste trabalho e o limitado tempo de que dispomos para apresental-o não nos permittem estudar cada uma de per si as causas indi- cadas. CAPITULO IX Nephrite intersticial ou esclerosica § I Observações clinicas OBSERVAÇÃO QUINTA Nephrite intersticial consecutiva ao abuso de bebidas alcoólicas, hypertrophia do ventrículo esquerdo, atheroma da aorta, retinite albuminurica. O Sr. E. P., pardo, livre, de 48 annos de idade, solteiro, cozi- nheiro, morador á rua do Cattete, entrou para a Casa de Saude de N. S. d’Ajuda no dia -21 de Dezembro de 18*78, ás 6 1/2 horas da manhã. Accusa ligeiro edema limitado aos pés e pernas e perturbações para o lado da visão, que o doente exprime dizendo que lhe pa- rece ter névoa nos olhos. E’ alto, gordo e de côr macilenta. Con- fessa haver abusado de bebidas alcoólicas que aliás, diz elle, julgava indispensáveis para evitar resfriamentos, attendendo á sua profissão de cozinheiro. Ha dous mezes percebêo que ao le- vantar-se tinha os pés inchados. A perturbação visual data de alguns dias. Pelo exame ophtalmoscopico practicado pelo Sr. Dr. José Lou- renço se verificou que havia forte hyperhemia venosa das retinas e colorido acinzentado d’essas membranas, mascarando o contorno das papillas, que nada mais apresentavam de anormal. A pouca distancia da papilla do olho esquerdo (lado interno) se notava um pequeno pontilhado esbranquiçado, e do mesmo lado da pa- pilla do olho direito um pequeno fócohemorrliagico. A escuta do coração revela na base um sopro systolieo rude, prolongando-se na direcção da aorta ascendente e da crossa, e a segunda bulha clara e vibrante. Pela applicação da mão á região precordial se percebe distinctamente o choque do coração sobre a parede tho- racica. A percussão mostra ligeiro augmento da area precordial. A escuta do apparelho respiratório nada revela de importante. A lingua está ligeiramente saburrosa, mas o doente tem appetite; ha constipação de ventre. Sente peso sobre a região lombar e urina abundantemente. O exame cliimico descobre n’essa urina, cuja densidade é de 1,016, pequena quantidade de albumina. Pelo exame microscopico se en- contra sómente cellulas do epithelio vesical. Diagnostico. —Nephrite intersticial, retinite albuminurica in- cipiente, hypertrophia do ventrículo esquerdo com atheroma da aorta. Marcha e tratamento.—Dia 21. Prescripção : Pilulas de extracto de elaterio a fórmula. Tome n. 3. Dia 22. - O doente evacuou abundantemente. O edema conser- va-se no mesmo estado, assim como a perturbação visual. Recei- tou-se-lhe : R. Infusão de genciana 150 grammas. Iodureto de potássio :. 1 gramma. Xarope de cascas de laranjas. 30 grammas. Mre. Tome em 3 dóses durante o dia. It. Pilulas de proto-iodureto de ferro de Blancard 1 vidro. Tome 2 ao almoço e 2 ao jantar. lista medicação foi continuada até o dia 3 de Janeiro do corrente anno em que o doente, sentindo-se melhor da vista assim como tendo quasi desapparecido o edema das pernas, pedio e obteve alta. A urina, examinada no dia de sua retirada da Casa de Saúde, deu ainda algum precipitado albuminoso. OBSERVAÇÃO SEXTA Nephrite intersticial, atheroma da aorta, hypertrophia do ventrí- culo esquerdo, retinite albuminurica, uremia. Morte e autopsia. Em uma observação de um doente da clinica do illustra- do professor Dr. Torres Homem tomada e publicada pelo Dr. José Augusto Pereira Lisboa, na Revista Medica do Rio de Janeiro (n. 16,—anno IV, de 31 de Outubro de 1877), encontrámos a descripção de um caso de nephrite intersticial, confirmado pela autopsia. D’essa observação extrahimos o que interessa ao nosso ponto de vista: « Felippe Augusto, portuguez, de 51 annos de idade, solteiro, morador na estação de João Gomes, trabalhador, de constituição regular e de temperamento lymphatico, entrou para o Hospital da Misericórdia em 4 de Junho de 1877 e foi occupar o leito n. 22 da 4a Enfermaria de Medicina, a cargo do professor Torres Homem. « Refere-nos este indivíduo que, tendo contractado seus serviços em uma fazenda na estação de João Gomes, sua occupação consis- tia em remover immundicias existentes em um grande brejo, que n’esta fazenda havia, e pol-as a seccar, em lugar para esse fim des- tinado. Esse serviço era feito de modo que durante uma semana o nosso doente se conservava dentro d’agua, chegando esta algumas vezes até á cintura, para na semana seguinte proceder á remoção das immundicias para um lugar algum tanto distante e sujeito á acção dos raios solares. N’este trabalho, que tinha por fim unico a dissecação do pantano, era o nosso doente, bem como os seus com- panheiros de turma, substituído por outros. « Durante os quatro mezes que esteve n’esse serviço, diz-nos elle haver soffrido por algumas vezes de sezões e que ainda mal tratado voltava de novo ás suas occupações. « Dirigindo-se, porém, ha quatro dias para o serviço d’agua, como elle o denomina, sentio dores nas costas e nas pernas, que obri- garam-no a recolher-se ao leito. Procurou durante os dois pri- meiros dias de sua moléstia tratar-se na fazenda em que se achava, 50 mas, não obtendo melhoras, recorreu ao hospital, onde o encon- trámos . « Accusa além d’isso abusar das bebidas alcoólicas e ter tido syphilis. « Estado actual.—Algum tanto magro, o doente apresenta comtudo o systema muscular regularmente desenvolvido. A côr do tegumento externo é normal e uniforme. « Apparelho digestivo.—Lingua ligeiramente saburrosa. Vo- mitos biliosos mais ou menos frequentes. A digestão é difficil e o dcente pouco se alimenta. As evacuações utlimamente têm sido raras. O ventre apresenta-se flácido. A percussão produz som claro, excepto na região hepatica e na epigastrica. A pressão n’estes pontos desperta dôres algum tanto consideráveis. O fí- gado augmentado de volume, congesto, invade o epigastro e ex- cede de dous dedos transversos o rebordo da ultima falsa costella direita. Nem a percussão, nem a apalpação denotam augmento de volume do baço. « Apparelho respiratório. —Estalidos seccos nos ápices dos pulmões, simulando uma sub-crepitação. « Apparelho circulatório.—Ruido de sopro no primeiro tempo na ponta do coração. A percussão denota augmento de volume da área precordial. O exame dos grossos vasos não denota nada de anormal. O pulso bate vezes por minuto e a calorificaçào é normal. « Apparelho visual.—O doente distingue mal os objectos, con- servando, porém, em ambos os olhos a percepção luminosa. Não tendo na occasião o ophtalmoscopio, não podemos, por esse mo- tivo, examinar-lhe o fundo do olho. « Apparelho nervoso. —Dôres na região dorso-lombar da co- lumna, sobretudo nas duas ultimas vertebras dorsaes e na pri- meira lombar. « Apparelho urinário.—Facilidade na emissão das urinas. Estas são expellidas a miudo e em pequena quantidade. Sua côr é mais ou menos turva. Deixando-a em repouso, forma-se na parte inferior do vaso um deposito pouco abundante. Submettendo-a ao microscopio reconhece-se uma grande quantidade de cellulas epi- theliaes, globulos de pús e alguns tubos uriniferos. Tratada pelo acido azotico fórma-se um precipitado abundante de albumina. Não havia assucar. « No dia 8 o exame da urina com acido azotico dá um preci- pitado albuminoso, porém em menor quantidade que no primeiro dia. « O exame pelo ophtalmoscopio deu-nos o resultado seguinte : « Injecção considerável dos vasos da retina esquerda; dois pontos negros n'essa membrana, semelhantes a dois pequenos focos hemorrhagicos, na direcção do angulo interno do olho. No fundo do olho direito havia um pontilhado muito bem visivel. Nem n’um e nem n’outro podémos descobrir a papilla do nervo optíco. Ha pois phenomenos de uma retinite albuminurica. « Dia 10.—O doente apresenta-se abatido. Tem muita sêde e rejeita completamente os alimentos. O pulso e a temperatura con- servam-se normaes. Foi-lhe receitado : R. Hydrolato de valeriana 120 grammas. Tintura de canella Dita de almíscar Carbonato de ammonea 1 grarama. Bi-sulfato de quinina 2 » Xarope de cascas de laranjas. 30 » Tome 1 colher de sopa de hora em hora. It. Vinho do Porto j 250 grammas. Tome alternadamente com a poção supra. aã 4 » « A’ tarde o doente conserva-se ainda abatido. Acha-se debaixo de uma somnolencia um tanto pronunciada. Interrogado, responde para novamente cahir n’este estado de somnolencia. Ha um res- friamento pouco pronunciado nas extremidades. A temperatura axillar é de 35°,7. Tem urinado. « Dia 11.—Informa-nos o enfermeiro que o doente liontem á noite estivera muito agitado, não querendo conservar-se no leito ; havia delirio e um resfriamento muito pronunciado do corpo. « Hoje apresenta-se elle abatido, prostrado. A temperatura do corpo, e sobretudo das extremidades, apresenta-se baixa; o tlier- mometro marca 33°,3. O pulso pequeno, depressivel, filiforme e raro, bate 40 vezes por minuto. A lingua secca, retrahida e co- berta de uma camada de saburra ennegrecida. O doente com diffi- culdade responde ás perguntas que lhe são dirigidas. Desde a oc- casião do accesso (7 para as 8 horas da noite) que elle não urina. Continúa com a poção da vespera. « A's5 1/2 horas da tarde falleceu n’este estado de adynamia que acabámos de expôr. AUTOPSIA PRATICADA 17 HORAS E MEIA DEPOIS DA MORTE « Habito externo. — Emmagrecimento pouco pronunciado. « Rigidez cadavérica completa nos membros inferiores e incom- pleta nos superiores. « Cavidade thoracica.—Adherencias da pleura direita com o pericárdio e da pleura costal com a visceral do mesmo lado. Adherencias do pericárdio com o diaphragma. Grande quantidade de serosidade citrina no interior do pericárdio. « O coração acha-se augmentado de volume. « Por meio de córtes transversaes comprehendendo as quatro cavidades, nota-se espessamento das paredes do ventriculo es- querdo mais considerável que no estado normal. A espessura das paredes do ventriculo direito e das auriculas são normaes. Estas quatro cavidades são occupadas por coalhos fibrinosos con- sistentes, formando laminas de um centímetro pouco mais ou menos de espessura e obturando quasi que completamente o inte- rior dos ventrículos, sobretudo o do esquerdo. A porção do coalho destacado das proximidades das veias apresentava a forma cylin- drica. Ha espessamento da valvula mitral; uma placa atheromatosa no limbo de uma das sygmoides aorticas, e além d'isso atheromas da aorta. O calibre d’este vaso é normal. « O pulmão direito apresenta-se hyperhemiado em toda a sua extensão, sobretudo no apice. Pela pressão ouve-se uma crepitação fina. O pulmão esquerdo, igualmente hyperhemiado, é entretanto menos crepitante. Pelo córte elle deixa escorrer de seu interior um liquido pardacento mais ou menos espumoso. « Cavidade abdominal.—Figado algum tanto retrahido. Pela incisão veem-se phenomenos de uma congestão algum tanto pro- nunciada . « Baço augmentado de volume e encarquilhado, apresentando em ambas as faces successivamente depressões e saliências. Seu tecido, além de congesto, apresenta-se amollecido. « Rins.—O direito augmentado de volume, apresenta uma côr ennegrecida da parte media da face anterior até á tuberosidade inferior. A coloração do resto do orgão é normal. Pela secção lon- gitudinal vê-se que, além de congesto, elle se apresenta um pouco endurecido. O rim esquerdo apresenta-se intimamente adherente á capsula supra-renal correspondente. Reduzido de volume, na proporção de um terço, elle perdeu também sua forma primitiva. A secção longitudinal deixa vêr pontos de degeneração gordurosa e de endurecimento. Estes últimos occupam sobretudo a parte su- perior do orgão, onde o escalpello range ao cortal-o. Ha n’estes pontos uma consistência verdadeiramente cartilaginosa. « Esta autopsia foi feita debaixo das vistas do illustrado pro- fessor desta Faculdade, o Sr. Dr. João Silva. » OBSERVAÇÃO SÉTIMA Nephrite intersticial consecutiva ao impaludismo, hypertrophia do ventriculo esquerdo, uremia. Morte e autopsia (1). Francelino, preto, escravo, de 30 annos de idade, copeiro, bem constituído, entrou para a enfermaria de Santa Izabel, a cargo do Sr. Dr. Torres Homem, no dia 5 de Agosto de 1869. Recentemente chegado de uma das províncias do Norte, onde soffreu por muito tempo de febres intermittentes, nunca teve os pés inchados, nem foi acommettido de rheumatismo. Ha quatro dias sentio máo estar, cephalalgia, fastio, calafrios seguidos de calôr e mais tarde suava abundantemente. Estes phenomenos re- produziram-se do mesmo modo nos dias subsequentes, appare- cendo sempre á mesma hora. Dia 6 de Agosto (4a visita no hospital).—Estado geral satis- factorio, ausência de edema nos membros inferiores e nas pál- pebras ; alguma prostração de forças; pelle quente, pulso frequente (1) Extratiida da these inaugurai do Sr. Dr. João José de SandAnna.— Uremia, pags. 44 a 47.—Rio de Janeiro, 1877. e cheio (90 pulsações por minuto); nada de anormal nos centros circulatórios nem no apparelho respiratório. Lingua coberta de uma espessa camada de saburra branca, anorexia e sêde ; ventre flácido, evacuações regulares; fígado um pouco augmentado de volume, baço também um pouco crescido. As urinas não forão examinadas, porque o doente, apezar de sua boa vontade, não con- seguio urinar. Diagnostico . —Febre intermittente. Prescripção.—Infusão de ipecacuanha.. 250 grammas. Tartaro stibiado 5 centigrammas. Tome meio cálice de meia em meia hora. Sulphato de quinina 1 gramma. Tome no dia seguinte ás 8 horas da manhã. Dia 7. —O doente teve um accesso febril na tarde antecedente ; continúa o estado saburral da lingua. Tomou a dóse de sulphato de quinina pouco antes da visita. Não foram examinadas as urinas. Prescripção.—Mistura salina simples. Dia 8.—Prostração de forças; sêde intensa, anorexia, lingua saburrosa, diarrhéa biliosa; pulso a 90. As urinas, sendo exami- nadas por meio do acido azotico e do calor, apresentam abundante precipitado de albumina. Tome em 3 porções. Prescripção.—Agua de Sedlitz. 500 grammas. Sulphato de quinina 1 gramma. Tome depois do eífeito purgativo da agua de Sedlitz. Dia 9.—Grande prostração de forças; resfriamento das extre- midades ; respostas lentas e difficeis ; lingua coberta de saburra amarellada, côr amarella das conjunctivas escleroticaes, diarrliéa biliosa, muita sêde, anorexia absoluta; fígado pouco crescido, grande augmsnto de volume do baço ; pulso a 80, muito fraco e concentrado; notável enfraquecimento do murmurio vesicular nos dous terços superiores de ambos os pulmões, respiração nulla na base ; ausência de qualquer ruido anormal; a percussão não revela modificação da sonoridade do thorax. Ha vinte e quatro lioras que o doente não urina; evacuou cinco vezes; tomou a dose de sul- phato de quinina. Diagnostico .—Uremia. Prognostico.—Muito grave. Prescripção.—Cozimento de parietaria e cainca. 1000 grammas. Vinho diurético de Corvisart 60 » Tinctura de jalapa composta .... 12 » Xarope de pontas de aspargos... 60 » Tome 1 chicara de 2 em 2 horas. Agua Aguardente aã 100 grammas. Tintura etherea de phosphoro 12 gottas. Tome ás colheres de 2 em 2 horas alternando com a tisana diu- rética e purgativa. As' 2 horas da tarde o doente succumbio. Autopsia [feita 20 horas depois da morte).—Nada de notável no habito externo do cadaver. Todos os tecidos brancos se apresentam tintos de amarello. Estomago distendido por gazes e desviado da posição normal; intestinos normaes; figado augmentado de vo- lume, congesto e de côr rutilante ; vesícula biliar contendo bilis negra e espessa; baço muito volumoso, duro, rijo, rangendo de- baixo do escalpello, com a fórma mudada ; os rins em estado como que gorduroso, com alguns pontos cartilaginosos, sendo o direito mais volumoso ; a bexiga contém cerca de meia onça de urina, que, sendo tratada pelo acido azotico, apresentou um abundante precipitado de albumina. O exame microscopico dos rins, figado e do baço, feito pelo Dr. Hilário de Gouvêa, revelou o seguinte: « Capsula um pouco espessada e fortemente adherente á superfície dos rins; a sub- stancia cortical de uma côr amare liada e turva; as pyramides in- jectadas. Em alguns pontos da superfície dos rins notam-se pe- quenas depressões constituidas por um tecido cicatricial reluzente. Pelo exame microscopico de cortes parallelos á superfície dos rins verificou-se algum augmonto de elementos cellulares do tecido in- tersticial, e que os pontos correspondentes ás depressões são consti tu idos por tecido conjunctivo sem traços de elementos glandu- lares. Em alguns pelo contrario parece haver augmento de volume. As cellulas epitheliaes dos canaliculos estão em alguns pontos augmentadas de volume, de modo a obstruir completamente a luz dos mesmos, e cheias de protoplasma fortemente pontilhado e turvo, e em outros pontos ha completa degeneração gordurosa. Nos córtes perpendiculares observa-se o mesmo que acabamos de referir; mas n’elles melhor que nos precedentes póde-se ob- servar o grande turvamento dos canaliculos, constituído pela al- teração das cellulas epitheliaes precedentemente descripta e que era generalisada. Em alguns notava-se mesmo coágulos albumi- nosos que os obstruíam completamente. Quanto ao fígado, só podemos obter um pequeno pedaço, que não sabemos a que ponto pertencia, e nelle nada observamos além de uma grande injecção venosa. No baço havia grande proliferação do tecido intersticial, que parece datar de época remota. Cerebro em estado normal, um pouco descorado na base. No coração nota-se pequena diminuição das suas cavidades com algum cspessamento de suas paredes, principalmente no ventrí- culo esquerdo. Pulmões perfeitamente sãos. O sangue, chimicamente analysado pelo Sr. Theodoro Peckolt, encerrava demasiada quantidade de uréa, tendo sido impossível fazer uma dosagem exacta d’esta substancia contida em 4 onças de sangue que serviram para a analyse. § n Symptomatologia e marcha A nephrite intersticial é um dos estados morbidos cuja invasão tem sempre log-ar, póde-se dizer, silenciosamente. O doente nada accusa, a não ser às vezes um augmento da quantidade de urina emittida em 24 horas, cuja den- sidade diminue sensivelmente. Muitas vezes a nephrite intersticial passa completamente desapercebida durante a vida e só depois da morte a au- topsia vai descobril-a ; outras vezes os primeiros e únicos symptomas da moléstia são ataques apopléticos ouepilepti- formes que precedem a morte. « Até a occasião em que se manifestam esses ataques, diz Kunze (1), os indivíduos sentem-se perfeita mente bem, e quando muito soffreram anteriormente de vertigens, ceplialalgia, maus somnos, phenomenos dyspepticos, rheumatismo gotoso; encommodos emfim quede nenhum modo induziam-n’os a pensarem um soffrimento renal. » Ao contrario do que vimos succeder na nephrite epi- thelial, os phenomenos hydropicos são raros na intersticial (Observ. 6% 7a) e, quando apparecem, são menos pronuncia- dos do que n’aquella (Observ. 5a), occupando de preferencia os pontos em que o tecido cellular é mais frouxo ('palpebras, bainha do penis, escroto, malleolos, etc.). « Todos esses edemas são passageiros, simultâneos ou successivos, antes molles do que duros, e sujeitos a deslocamentos. Aug- mentam sob a influencia de um resfriamento, quando a. funcção urinaria é suspensa, e diminuem ao contrario com uma diurése abundante. O liquido derramado possue fraca densidade; é pobre de princípios solidos, sobretudo de albumina ao passo que os saes não são ahi menos abun- dantes do que no sôro sanguíneo. Os derrames mais ricos de albumina são, segundo Schmidt, os da pleura, em seguida os do peritoneo, depois os das meningeas, e emfim a infil- tração edematosa do tecido cellular sub-cutaneo. A uréa . encontra-se na serosidade derramada ou infiltrada, cuja composição chimica tem relações intimas com a da serosi- dade do sangue » (Lanceraux). Entre os phenomenos que pódem servir de symptomas indirectos da nephrite intersticial, encontram-se, segundo (1) Lehrbuch der Praktischen Medicin, von Dr. C. F. Kuiize, :3a edição, tom. I, pag. 563. Leipzig, 1878. Kunze (Obr. cit.,pag. 571): «palpitações do coraçfio, pulso duro, e, si a moléstia datar já de algum tempo, hy- pertrophia do ventrículo esquerdo do coraçao, sem lesão valvular (Klappenfehler), salvo a existência de lesão val- vular anterior devida ao rheumatismo ou alguma outra moléstia. » A ambliopia é também um phenomeno mui lo frequente, nos casos de nephrite intersticial ; sua causa é uma alte- teraçao especial da retina conhecida na sciencia com o nome improprio de retinite albuminurica. Em um trabalho inédito (1) do Sr. Dr. José Lourenço de Magalhães encontramos a seguinte descripção dos sympto- mas d’essa alteração : « O mal de Bright, diz elle, se acompanha frequente' mente de perturbações da funcçâo da vista, resultantes de alteração da retina. As alterações oculares no mal de Bright correspondem á epoca da manifestação d’ellas. Em principio, como tenho observado, se verifica por meio do ophtalmoscopio a hyperhemia das veias retinianas, coma qual coincide a reducção das artérias, e se nota um colorido levemente opalino da retina, mais pronunciado em redor da papilla optica. Em periodo mais adiantado se nota esse mesmo colorido mais accentuado, chegando a mascarar parte do circulo papillar. Ao mesmo tempo se encontram em volta da mácula pontos esbranquiçados, e em outras partes da retina pequenas manchas, umas amurelladas e outras brancas. « Em alguns casos ha esclerose das libras radiadas da re- tina, revelando-se ao ophtalmoscopio como linhas de um branco brilhante, dirigidas perpendicularmente para a mácula,e tomando a fórma estrellada. Ha ao longo dos vasos pequenos fócos hemorrhagicos. No periodo mais avançado (\) Das moléstias da relinae dachoroide. ou em certas fôrmas mui graves do mal de Bright, todas essas alterações se apresentam em muito maior desenvolvi- mento: — os pontos brancos atrophiados se multiplicam e se fundem, formando grandes manchas brilhantes, ao redor da mácula, asquaes se estendem igualmente para outras partes da retina, sempre na região posterior. « De envolta com as manchas apparecem aqui e ali fócos hemorrhagicos, além dos que existem ao longo dos vasos. A papilla optica que, em periodo menos adiantado ou em fôrmas menos impetuosas do mal de Bright, se apresenta por vezes hyperhemiada e annuviada, o que é devido á efifiisão serosa que a comprehende, n'aquelles casos graves mostra evidentes signaes de atrophia. « Os symptomas subjectivos dependem do gráu das alte- rações do tecido da retina, e principalmente da séde d’ellas. « A principio os doentes accusam fraqueza da vista e quei- xam-se de ver os objectos ennevoados. Quando as desordens regressivas occupam certa extensão e assentam principal- mente sobre a região da mácula, os symptomas subjectivos são dos mais graves. » A hypertrophia do ventrículo esquerdo do coração sem lesão valvular é um facto frequentíssimo no estado adiantado da nephrite intersticial. Esta hypertrophia é devida a um augmento da tensão arterial consecutiva ao embaraço me- cânico da circulação, tanto nos rins, como em toda a periphe- ria do systema vascular, porque o calibre das arteriolas da maior parte dos orgãos soffre n’esta moléstia uma reducção considerável em virtude do espessamento das parêdes d’esses vasos. Ao professor Potain deve-se um estudo minucioso sobre os symptomas clínicos d’esta especie de hypertrophia cardiaca. Esses symptomas são fornecidos pela apalpação e pela auscultação. Entre os primeiros nota-se que em vez de um unico cho- 60 que do coração isochrono com a systole ventricular, como succede ordinariamente, ha, ao contrario, dous : o primeiro correspondendo á systole, e o segundo, mais fraco, umas vezes diastolico e outras presystolico (Rendu). Entre os segundos percebe-se uma perturbação especial de rytlimo conhecida desde Bouillaud, sob a denominação de bulha de galope. « O ouvido, diz o profesmr Potain (l), distingue tres bulhas, a saber: as duas normaes do coração e uma ter- ceira accrescida. As duas normaes conservam, na maior parte dos casos, seus caracteres habituaes, sem nenhuma modifi- cação. A primeira, particularmente, se mantém em suas rela- ções ordinárias com o chóque da ponta e com o pulso arterial. « Quanto ao ruido anormal percebe-se-o immediatamente antes da primeira bulha normal, precedendo-a de um tempo algumas vezes assás curto, sempre entretanto notavelmente mais longo do que o que separa as duas partes de uma bulha desdobrada ; em geral, e quasi sempre, muito mais curto do que o pequeno silencio. Esta bulha é surda, muito mais que a bulha normal : é um choque, um levantamento sensível, apenas um ruido. Quando se está com o ouvido applicado sobre o peito, ella aífectaa sensibilidade táctil mais talvez do queo sentidoda audição. O panto em que esta bulha é melhor percebida é um pouco acima da ponta do coração, avançando para a direita ; póde-se porém algumas vezes distinguil-a em toda a extensão da região precordial. » Este importante phenomeno estetlioscopico, que parece ter origem na hypertropliia simultânea do ventrículo e aurícula esquerda, não se encontra porém em todos os casos de nephrite intersticial, e algumas vezes existe mesmo sem concomitância de nenhuma alteração renal. (1) Potain. — Du rhythme cardiaque appe\è de galop. (Soc. med. desliopitaux, 23juillet 1875). Citado pslo Sr. Dr. Rendu—E'tude comparative des nephrites chroniques, pag\ 131. Não é pois um signal pathognomonico, é apenas um indicio de hypertrophia cardíaca sem lesão valvular. Mas, « como está demonstrado que a hypertrophia simples do coração de origem essencial é um facto excepcional; como, de outra parte, este genero de alteração cardíaca coincide o maior numero de vezes com a nephrite intersticial, segue-se que a bulha de galope tem um valor considerável no diagnostico d’esta aífecção » (Rendu). Um outro symptoma estethoscopico, assigmalado a pri- meira vez por Traube e ao qual os practicos ingdezes ligam grande importância, é a exageração de tonalidade da segunda bulha normal do coração, que se percebe clara e vibrante, como no nosso doente da observação 5\ É um symptoma dependente do augmeuto da tensão sanguínea no systema arterial; não é também um signal pathognomonico, mas não tem por isso menor valor. Como já deixámos dito, o producto da secreção urinaria na nephrite intersticial póde achar-se alterado quantitativa e qualitativamente. Ao contrario do que costuma succeder na nephrite pa- renchymatosa, em vez de oligúria, observa-se, ao menos nos primeiros tempos da nephrite intersticial, polyuria. A quantidade de urina emittida em 24 horas póde variar entre 2,000 a 4,000 centímetros cúbicos ordinariamente. Bartels observou um caso em que a quantidade emittida em 12 horas attingio a cifra colossal de 6,000 centímetros cúbicos (Kuuze). A urina é pallida, de densidade geralmente fraca, não pela diminuição sensível na quantidade de substancias sali- nas emittidas em 24 horas, mas pelo augmiento volumétrico d’agua. Contém ordinariamente albumina, porém em muito menor quantidade do que a neplirite parenchymatosa; muitas vezes a proporção de albumina é tão pequena que póde passar desapercebida a um exame superficial, e mesmo em alguns casos este principio póde não existir absoluta- mente, corno succedeu a urn doente de Graves (1). As vezes encontram-se também cylindros epitheliaes, mas em menor quantidade do que na nephrite parenchymatosa. Os doentes de nephrite intersticial apresentam em geral apparencia de saúde, o que se explica pela menor perda de albumina e pela raridade das perturbações gastro-intesti- naes, o que permitte o uso de alimentação reparadora. A marcha da nephrite intersticial é muito lenta e insi- diosa e sua duraçSo póde ser de 5, 10, 15, 20 annos e talvez mais. A morte é occasionada geralmente pela uremia e algumas vezes por hemorrhagias cerebraes ou pulmonares ou alguma outra aífecçao intercurrente. § ni Anatomia Patliológica As alterações anatomo-pathologicas primitivas da nephrite intersticial têm como tlieatro de suas manifestações o tecido conjunctivo dos rins. Sendo, como é, moléstia de invasão chronica e marcha muito longa, de ordinário só occasiona a morte em época adiantada de sua evolução, e portanto quando a autopsia só póde descobrir lesões anatómicas ter- minaes. Entretanto o fallecimento accidental de indivíduos sofFrendo de nephrite intersticial em começo de evolução tem permittido reconhecer n’esta moléstia dous períodos ou estados anatómicos differentes: Io o hyperplasico, 2o o atropMco. O professor Charcot (Obr. cit., pags. 306 e 307) descreve assim o estado hyperplasico: (1) Leçons de clinique medicale, ouvrage traduit et annoté parle Dr. Jaccoud, 3e edition, tom II, pag. 389. Paris, 1871. « Macroscopicamente (hindfleisch, Dickinson, Klebs) o rim conserva seu volume normal ou mostra-se um pouco hypertrophiado; não apresenta granulações em sua super- fície, a capsula se destaca facilmente. A substancia cortical um pouco tumefacta offerece um colorido palli.do, acinzen- tado, que reproduz a apparencia da nephrite parenchyma- tosa. Em certos casos mesmo, segundo Klebs, o rim mostra-se muito volumoso, e a cirrJiose renal será por vezes, como a cirrhose hepatica, precedida de verdadeira hypertrophia. Em summa seria muito difficil distinguir a nephrite intersticial da nephrite parenchymatosa, si. não fosse a histologia que fornece caracteres decisivos desde este periodo. « O estudo Mstologico faz, com effeito, reconhecer as se- guintes lesões: « 1.“ .Desde o principio, a substancia conjunctiva é infil- trada de uma quantidade rnais ou menos considerável de pequenos elementos anatómicos que segundo a theoria adop- tada se chamarão leucocytos ou cellulas embryonarias. E’ a essa infiltração cellular que é devida a cor amarella acinzen- tada que offerece algumas vezes o rim 11’essa época da mo- léstia (Rindfleisch). A anemia aqui é apenas apparente; não ha compressão dos vasos e, ao contrario do que tem lugar na nephrite parenchymatosa elles podem ser facilmente in- jectados. « 2.° Um outro caracter importante, revelado pelo estudo histologico, é que n’essa época 0 apparelho tubular do rim não apresenta nenhuma alteração apreciável ; 0 epithelio dos canaliculos contorcidos conserva-se em seu lugar e parece perfeitamente são. A alteração do epithelio, pois, é aqui um facto secundário. Na nephrite parenchymatosa, ao contrario, é 0 epithelio que soífre em primeiro lugar, ao passo que a alteração do tecido conjunctivo, .si se produzir, é sempre con- secutiva. » No periodo atrophico da neplirite intersticial (pequeno rim contrahido) o orgão apresenta-se muito reduzido, vermelho, granuloso, com a capsula espessada e fortemente adherente á superficie cortical; por vezes deixa ver em sua superfície pequenos kystos cujo conteúdo não é sempre o mesmo. (( Esses kystos, diz Lecorché (l), são em alguns casos tão numerosos que póde-se, sobre uma preparação, ver muitos reunidos sob fórina de cacho. Seu volume é de ordinário pouco considerável e seu ponto de partida variavel. Exauii- nando-os com cuidado percebe-se facilmente que elles se formam ora á custa dos canaliculos contorcidos ora pela dis- tensão da capsula dos glomerulos. » O tecido do rim apresenta-se geralmente duro, tendo alguns pontos de consistência verdadeiramente cartilaginosa e outros nmollecidos e gordurosos. Em certos casos a alte- ração renal é tão profunda que chega a deformar comple- ta mente sua configuração ordinaria. Por meio de cortes interessando todo o orgão descobre-se a substancia cortical, de cor amarellada e turva, com a consistência geral rija e com fócos de amollecimento ; a região medullar de ordinário injectada e o bacinête mais ou menos dilatado. As alterações histológicas d’este periodo são muito impor- tantes e têm, de alguns annos a esta parte, sido objecto de estudos minuciosos. Da excellente Revista Critica (2) do Sr. Dr. Kelsch re- sumimos a seguinte descripção d’estas alterações: l.° IíegiÃo central. Observa-se de ordinário a substancia conjunctiva interlobular pouco alterada; em certos pontos encontra-se, entretanto, manifesta multiplicação nuclear, indicando que o processo inflammatorio da peripheria tende (1) Traité des maladies des reins, pags. 374 e 375. Paris, 1875. (2) Revue critique et recherches anatomo-pathologiques sur la ma- ladie de Bright, par A. Kelsch; m Archivcs de physiologie nor- male et pathologique, 2C série, tom. I, pags 730 e 731. Paris, 1874. a invadir a região medaliar. 0 epithelio soffre também a degeneração granulo-gnrdurosa. 2.° KegiÃo peripherica. Nesta região tem-se a considerar as alterações dos glomerulos, dos tubos contorcidos, do tecido conjunctivo e dos vasos. a) Glomerulos. A capsula de Bowman, constantemente espessada, confunde-se com o tecido conjunctivo ambiente de que é impossível separal-a; o endothelio da superfície in- terna é muito claro durante a primeira phase da alteração, e depois soffre, assim como os vasos capillares do glomerulo, a degeneração granulo-gordurosa. Os glomerulos mais alte- rados são representados por uma pequena esphera de tecido conjunctivo, de aspecto homogeneo, tendo naperipheriararos núcleos alongados e no centro uma pequena massa granu- losa e amarellada. b) Tubos contorcidos. Estes tubos se têm, em grande parte, atrophiado e desapparecido pela compressão que sobre elles exerce o tecido conjunctivo intersticial hyperplasiado e depois retrahido; em certos logares elles apparecem sob a fórma de pequenas aberturas ou lacunas alongadas, cheias de cellulas einbryonarias; em outros esses tubos ficam reduzidos a pequenas fendas cheias d’essas cellulas. c) Tecido conjunctivo. Este tecido fórma uma especie de massa compacta de substancia fibroide infiltrada de cellulas embryonarias, a qual, substituindo em grande parte os tubos contorcidos atrophiados, cerca por todos os lados os feixes de tubos rectos. d) Vasos. O tecido inflammatorio é atravessado por vasos de nova formação cujas paredes são apenas distinctas. As artérias são reduzidas a espessos tubos fibrosos pela esclerose de suas túnicas externa e média, e ao mesmo tempo encon- tra-se em todas ellas uma endarterite proliferante colossal que reduz a luz de certos vasos a menos da metade, e a oblitera completamente em outros. § iv Etiologia e pathogenia A nephrite intersticial manifesta-se de preferencia na segunda metade da vida e reconhece como causas com- muns o rheumatismo gotoso, o uso prolongado do álcool, o impaludismo chronico, a intoxicação saturnina, etc. A influencia pathogenica do rheumatismo gotoso, conhecida desde os trabalhos de Todd, que deu ao es- tado anatomo-pathulogico do rim n’esta moléstia o nome de rim gotoso (gouty liidney), é incontestável e acceitapela quasi totalidade dos auctores modernos que se têm occu- pado d’este assumpto. Alguns, como Lecorché, acreditam que é, de ordinário, suscitando a lithiase urica que o rheumatismo gotoso provoca o apparecimento da inflam- mação do tecido conjunctivo intersticial, o qual não se desenvolve senão consecutivamente â formação de cálculos renaes; outros, como o Sr. Dr. Rendu, attribuem as pro- liferações conjunctivas observadas em taes casos, na sub- stancia cortical dos rins, á irritação causada pela passagem permanente de uma urina muito acida eem excesso sobre- carregada de princípios resultantes da desassimilação or- gânica. Este segundo modo de encarar a acçâo pathogenica do rheumatismo gotoso na producção da nephrite inters- ticial parece-nos mais de acôrdo com o que sabemos sobre esta moléstia. 0 álcool, cuja influencia etiologica ainda hoje não é asceita por todos os pathologistas, merece, entretanto, como faz notar o Sr. Dr. Iíendu, ser considerado uma causa impor- tante quando é usado em pequenas dóses e durante muito tempo. A existência simultânea de esclerose hepatica e nephrite intersticial em indivíduos que por longo tempo fizeram uso de pequenas dóses de substancias alcoólicas, é um facto incontestável; portanto póde-se, com algum fundamento, concluir que, assim como a esclerose hepá- tica, é possivel que a esclerose renal se desenvolva sob a influencia exclusiva do álcool. No doente que serve de objecto á Observ. 5a, não encontramos outra causa que explicasse a alteração renal. A acção preponderante do impaludismo clironico está hoje fóra de duvida tanto na etiologia da nephrite intersti- cial (Observ. 7a), como na da parenchymatosa. O Sr. Dr. Kiener, em um interessante trabalho (1), apezar do ponto de vista exclusivo em que ahi se colloca, deixou a nosso ver perfeitamente provada, com observações colhidas na Algeria, a influencia pathogenica d’esta causa. A intoxicação saturnina é também uma das causas de ne- plirite intersticial; sobre este ponto estão de acordo quasi todos os pathologistas; não acontece porém o mesmo quando se trata de indagar mais intimamente o modo de acção desta causa. Uns explicam-no por influencia directa do chumbo sobre o tecido renal; outros attribueminfluencia pathogenica não ao chumbo mas ao rheumatismo gotoso, que algumas vezes, especialmente no Norte da Europa, costuma depender ou acompanhar a intoxicação saturnina; e outros finalmente suppOem « que a acção do chumbo não se exerce sempre do mesmo modo. Umas vezes esta acção parece ser directa, o tecido conjunctivo é só e primitivamente lesado; outras o tecido conjunctivo só se inflamma depois de ter sido sédede um deposito preliminar de cálculos de urato de soda » (Le- corché). Acreditamos que a condição pathogenica capital de toda nephrite intersticial primitiva reside em uma irritação (1) Yide a nossa traducção desse trabalho publicada no Progresso Medico fanno 2o, ns. 6 e 7, Rio de Janeiro, 1878), sob o titulo :— Mal de Bright, novas investigações sobre as suas condições anatómicas. lenta e constante das paredes vasculares e do tecido conjun- ctivo intersticial. Sob a influencia d’esta irritação o tecido conjunctivo activa o seu trabalho de nutrição intima, os seus núcleos cellulares multiplicam-se, e elle se hyperplasia. Conforme a extensão desse trabalho irritativo ou inflamma- torio o rim apresenta-se ora com o seu volume normal, ora um pouco augmentado. Logo porém que a proliferação nuclear conjunctiva se tem organisado, constituindo tecido, principia o periodo de re- tracção ; porque, como todo tecido de nova formação, esse te- cido conjunctivo novo retrahe-se, e, nesse processo, esmaga e deforma vasos e canaliculos uriniferos que ficam compre- prehendidos entre suas fibras. E’ assim que se formam os pequenos kistos que dão o aspecto especial granuloso ao pe- queno rim contrahido, typo da nephrite intersticial. CAPITULO III Degeneração amyloide dos rins § I Observações clínicas OBSERVAÇÃO OITAVA Degeneração amyloide do figado, baço, intestinos e rins, conse- cutiva ao impaludismo chronico. Em 1875, sendo alumno do 6o anno medico, fomos, com outros collegas, encarregado pelo illustrado professor de Clinica medica desta Faculdade, o Sr. Dr. Torres Homem, de examinar um doente de sua clinica civil, enviado pelo mesmo professor ao hospital da Santa Casa da Misericórdia afim de ser examinado pelos seus alumnos. Tratava-se de um indivíduo de vinte e tantos annos de idade, mais ou menos, de estatura regular, magro, pallido, mas de uma pallidez terrea, caracteristica do impaludismo chronico, e apre- sentando as conjunctivas descoradas. Como unico dado etiologico referio que morava em logar panta- noso e desde a infancia soffria de febres intermittentes. O doente tinha a lingua saburrosa, ligeiro edema nas pernas, e accusava soffrer de uma diarrhéa serosa rebelde que lhe causava extrema fraqueza. Nada de anormal encontrámos do lado do apparelho respiratório e para o do circulatório apenas verificámos sopro anémico na aorta e nas carotidas. O figado estava muito augmentado de volume, excedendo o re- bordo da ultima falsa costella e deixando perceber sua superfície anterior dura e resistente, porém lisa e igual. O baço se achava também muito volumoso e endurecido. O exame chimico da urina 70 revelou a presença n’esse liquido de grande quantidade de albu- mina. Com estes elementos reunidos fizemos o diagnostico da degene- ração amyloide do figado, baço, mucosa intestinal e rins, com o qual concordou o illustrado professor de clinica medica. OBSERVAÇÃO NONA Degeneração amyloide dos rins, figado, baço e intestinos, conse- cutiva ao impaludismo clironico. Anasarca. Morte e autopsia. A’ obsequiosidade de nosso illustrado mestre o Sr. Dr. Torres Homem devemos a seguinte observação, que repro- duzimos em sua integra: « O Sr. C., almirante reformado da marinha ingleza, de 64 annos de idade, esteve durante alguns annos na África, onde contrahio febres intermittentes, que lhe duraram muito tempo, e uma dysenteria que cessou depois que elle veio para o Rio de Ja- neiro. Tendo-se retirado para a Inglaterra com a saude muito compromettida, cachetico e com edema nos membros inferiores, obteve a sua reforma e submetteu-se a um tratamento rigoroso e methodico por espaço de alguns mezes. Achando-se um pouco melhor, voltou á America do Sul no desempenho de uma com- missão junto ao Governo da Republica Oriental do Uruguay e ao do Império do Brazil. Quando estava quasi a terminar essa com- missão, sobreveio-lhe de novo a dysenteria e foi acommettido de anasarca : foi iTestas condições que o vi, primeiramente em meu gabinete de consultas, e depois no Hotel Carson onde residia o doente. « O seu habito externo revelava anasarca com ascite moderada e profunda cachexia. Notava-se no tegumento externo a côr ama- rellada do impaludismo clironico e profundo, e nas mucosas a pallidez da anemia ; nos membros inferiores a infiltração hydro- pica era tão pronunciada, que difficultava muito os movimentos de locomoção ; a bainha do penis e a bolsa escrotal estavâo dis- formes pela enorme edemacia que as havia invadido. Grande oppressão e dyspnéa, pulso molle e frequente, área precordial augmentada de volume, enfraquecimento da impulsão cardíaca, ruido de sopro systolico na base do coração, ruido de sopro nas artérias do pescoço.—Tosse secca e pouco frequente, obscuridade de som pela percussão da face posterior do thorax, sobretudo nos dous terços inferiores, onde se percebe grande numero de estertores sub-crepitantes. 0 figado, enormemente crescido, en- durecido e com a superfície igual e lisa, chegava ao nivel da cicatriz umbilical, e attingia superiormente os limites do quinto espaço intercostal.—Baço muito volumoso, duro, resistente, ex- cedendo o rebordo costal esquerdo na extensão de 4 a 6 centí- metros- pouco mais ou menos. Anorexia absoluta, diarrhéa dysenteriforme, lingua pallida e saburrosa. Urinas pouco abun- dantes, vermelhas, muito sobrecarregadas de albumina, franca- mente acidas. 0 coalho albuminoso, obtido por meio do acido azotico, ou do calor, occupava quasi a totalidade da urina exa- minada em um provete apropriado. A não ser algum enfra- quecimento da intelligencia e insomnia, nada de notável se observava no apparelho da innervaçâo. « O diagnostico que fiz neste caso foi de intoxicação palustre inveterada, tendo produzido uma degeneração amyloide do figado, do baço, dos rins e dos intestinos.—A albuminúria tão intensa, que se observava, explicava satisfactoriamente a anasarca. « 0 tratamento que empreguei foi todo baseado nos tonicos e ferru- ginosos, associados aos revulsivos cutâneos, precedidos do emprego da ipecacuanha e do opio com o fim de modificar a dysenteria. « Depois de alguns dias de observação, não tendo o doente colhido grandes vantagens dos meios tlierapeuticos empregados, retirou-se para Palmeiras, onde foi medicado por algum tempo pelo Dr. Gunning. Mais tarde appareceram derramamentos nas cavidades esplanchnicas e o doente succumbio. «0 Dr. Gunning communicou-me que, tendo praticado a au- topsia neste caso interessante, encontrou para o lado dos rins, do figado e do baço as alterações macroscópicas assignadas pelos anatomo-pathologistas á degeneração amyloide. Para os rins sobretudo, disse-me o referido doutor, as lesões anatómicas eram profundas. « São estas as notas que tomei relativamente á moléstia do al- mirante C., as quaes foram textualmente extrahidas do meu livro de observações clinicas. » § n Symptomatologia e marcha O periodo de invasão da degeneração amyloide dos rins passa-se de ordinário silenciosamente, e, quando se o per- cebe, nota-se muita semelhança symptomatica com o da nephrit.e intersticial, isto é, apparece polyuria com mictu- rações frequentes e polydipsia. A urina é clara, de densi- dade abaixo da normal (1,006 a 1012), pouco acida e quasi sem sedimento. A quantidade de substancias salinas elimi- nadas na urina em 24 horas mantein-se normal ou diminue um pouco. N’este periodo a urina não contém geralmente albumina. Os indivíduos acommettidos de degeneração amyloide são de ordinário cacheticos, o seu tegumento externo apre- senta uma pallidez cérea, as mucosas tornam-se descoradas; por vezes distinguepi-se, disseminadas na superfície cutanea e sobretudo ao nivel das palpebras, pequenas manchas pigmentarias. Com os progressos da degeneração sobrevem albumina e globulina nas urinas e edemas, indicio de lesão do epitlielio canalicular. N'este periodo a quantidade de urina emittida em 24 horas diminue, e o microscopio faz surprehender n'esse liquido tubos hyalinos sãos, tubos epitlieliaes granulosos e granulo-gordurosos, as vezes infiltrados de substancia amvloide, verificável pelo reactivo iodo-sulphurico, ou pelo chlorureto de zinco iodado, que, segundo Hayem (1), é o mais sensivel reactivo para se reconhecer a degeneração amvloide. (1) E'tudes sur deux cas de degenerescence dite. amyloide oucireuse por M. G. Hayem, in Comptes rendus des seances et memoires de la Societé de Biologie, tom. I, 4 eme serie (année 1864). Paris, 1865. Por meio deste reactivo obtem-se um colorido vermelho quando se o põe em contacto com a parte degenerada. A degeneração amyloide isolada e primitiva dos rins é um facto rarissimo e excepcional; regra geral, encontra-se con- comitantemente a mesma degeneração no figado, baço, mu- cosa gastro-intestiual, etc. O figado amyloide augmenta de volume attingindo, ás vezes, enormes dimensões, apresentando entretanto sua su- perfície lisa e resistente á pressão. O baço amyloide torna-se duro, resistente e ordinariamente augmentado de volume. Quando a degeneração invade a mucosa intestinal apparece diarrhéa serosa rebelde, anorexia (Observ. 8a e 9a) e por vezes vomitos. Os phenomenos hydropicos observados na degeneração amyloide são de ordinário limitados ás pernas ou sómente aos malléolos. Os derrames nas cavidades serosas, excepção feita da ascite, não apparecem no curso d’esta moléstia. A ascite mesmo parece ligar-se não á alteração renal, mas á degeneração do figado, ou melhor, á dos ganglios situados nobilo do figado (Lancereaux e Lecorché). « O edema generalisado, diz Lecorché (1), não depende da degeneração amyloide. Elle não se mostra senão quando a degeneração se tem complicado de uma intensa neplirite parenchymatosa. Grainger-Stewart encontrou-o apenas 6 vezes sobre 100 casos de degeneração amyloide. » k marcha desta degeneração renal depende muitas vezes do estado morbido que lhe deu origem; por isso, ora ó va- cillante e apresenta periodos de melhoras apparentes, ora é progressiva e completa rapidamente sua evolução. . Sua duração pódepois ser longa, porém nunca como a da nephrite intersticial, ou rapida, julgando-se geralmente pela morte. (1) Traité des /maladies des reins, pag. 671.; A morte póde ser devida aos progressos da degeneração ou a alguma de suas complicaçOes, ou finalmente ser conse- quência do estado morbido primitivo que occasionou o tra- balho degenerativo. § ui Anatomia Patliologica Macroscopicamente o rim amyloide póde mostrar-se ora com o seu volume normal, ora auginentado ou diminuido ; a séde, a extensão e a idade do trabalho degenerativo e complicações intercurrentes explicam satisfactoriamente essa diversidade apparente de alterações anatómicas. A capsula fibrosa não soffre modificação e destaca-se, de ordinário, facilmente, deixando ver a superfície do rim ora lisa, ora granulosa, com a consistência em geral augmentada e de côr branco-amarellada ou cérea. Praticando-se uma incisão sobre o orgão, de maneira a dividil-o em duas partes, lavando-o em seguida afim de limpal-o e libertal-o completamente do sangue que escorre dos vasos, e derramando depois, sobre a superfície de secção, agua iodada ou chlorureto de zinco iodado, observam-se as reacçOes caracteristicas da substancia amyloide. « Ao cabo de alguns segundos, dizHayem (Memória citada, pag. 213), nota-se o apparecimento de uma serie de pontos e linhas mais carregadas, aproximando-se do colorido vermelho- escuro. No principio da degeneração vê-se sómente uma série de linhas indicando a distribuição vascular; nos casos, ao contrario, em que ella é mais pronunciada, pontos mais ou menos extensos do parenchyma tomam a mesma cor e formam desenhos variaveis, separados apenas por linhas mais pallidas. » O exame microscopico, feito sobre partes previamente tra- tadas pelo reactivo iodado ou iodo-sulphurico, permitte re- conhecer que a degeneração amyloide invade unica e ex- clusivamente o systema vascular e os canaliculos uriniferos e, algumas vezes, o seu revestimento epithelial. As paredes dos vasos e dos canaliculos affectados da de- generação tornam-se espessas e enrubecem facilmente pelo contacto com a agua iodada ou com o chlorureto de zinco iodado. Os epithelios que têm soffrido essa degeneração tor- nam-se « muito refrangiveis e formam um magma cylin- drico que apresenta a reacção iodada » (Lanceraux). Algumas vezes encontra-se também, combinados com a alteração amyloide, todos os traços histologicos da nephrite parenchymatosa, ou os caracteres anatómicos de uma ne- phrite intersticial (Charcot.). « Por intermédio da agua iodada, diz Lanceraux (1), é possível seguir a marcha da degeneração amyloide dos rins, e reconhecer que os vasos dos glomerulos são affectados em primeiro logar, â excepção de certo numero d’elles que per- manecem ordinariamente saos. A lesão apparece em seguida sobre o trajecto dos vasos afferentes, depois sobre os vasos efferentes, principalmente sobre os que descem para a sub- stancia tubulosa, sob o nome de vasos rectos; finalmente, as artérias interlobulares e os capillares sao por sua vez invadidos. Os vasos mais volumosos, do mesmo modo que os capillares e as veias, nao escapam a essa degeneração, é a membrana interna d’esses vasos a primeira affectada e mais tarde a túnica média e a externa. A alteração das pa- redes dos canaliculos começa geralmente pela extremidade inferior dos conductos collectores, para dirigir-se depois aos canaliculos contorcidos ; quanto ás asas de Henle, raramente tomam ellas parte n’esse processo degenerativo. » (1) Art.—Reins—in Diction. encyclop. des Sciences méd., 3e série, tom. III, pag. 261. § iv Etiologia e Pathogenia São, em geral, causas productoras da degeneração amy- loide todas as affecções chronicas de duração muito longa que acarretam consecutivamente um estado caclietico ou marasmatico do organismo. E’ assim que o impaludismo, a dysenteria clironica, a tuberculisação pulmonar, a syphilis, as suppurações prolongadas, a hydrargirose, as affecções chronicas do coração e dos rins, etc., figuram ordinariamente na etiologia deste estado inorbido. O processo intimo desta degeneração consiste em uma in- filtração de certos tecidos por uma substancia branca, trans- parente, de natureza proteica, conhecida, desde os trabalhos de Yirchow, sob a denominação imprópria de amyloide, por tel-aeste notável anatomo-pathologista considerado analoga ao amido vegetal. As analyses elementares de Friedreich e Kékulé, e os tra- balhos de Cari Schmidt vieram depois demonstrar que os orgãos affectados de degeneração amyloide não possuem nenhum corpo cliiinicamente analogo ao amido ou ácellulose e que a substancia amyloide de Yirchow é um composto azo- tado analogo á albumina (Hayem). Modernameute os trabalhos de Kuhne e Riidneff confir- maram decisivamente os resultados dessas analyses. cí O processo empregado por Kúhne e Rudneff, diz o Sr. Dr. Cornil (1), consiste na extracção consecutiva e contínua dos princípios que entram na composição do tecido dege- nerado, com a agua fria, os ácidos diluídos e o sueco gas- (1) Art.—Amyloide, § II, in Diction. encyclop. des Sciences médi- cales, le série, tom. IY, pag. 43. Paris, 187G. trico artificial a 40° centígrados. A digestão artificial da substancia amyloide é muito tempo continuada com um sueco gástrico frequentemente renovado; o sueco filtrado contém'grande quantidade de peptona e de syntonina; a matéria não digerida, tratada em seguida pela agua acidu- lada, depois pelo ether e o álcool, representa a substancia amyloide contida nos tecidos. Ella é de côr branca ; sob a influencia do iodo e do acido sulphurico, toma os coloridos que caracterisam a matéria amyloide. Umas vezes dá com o iodo uma côr vermelho-arroxeada, que é sómente mais car- regada pela acção do acido sulphurico; outras vezes offerece com o iodo só uma côr violacea que se transforma em um lindo azul pela addição de acido sulphurico. « Pela incineração, esta matéria dá 0,79 por 100 de cinzas que contêm 15,53 por 100 de azoto e 1,3 por 100 de enxofre. Em suas reacções ella se comporta como a albumina, e quando se a queima exhala cheiro de carne queimada; pelo acido nitrico e a ammonia, dá a reacção do acido xanthoproteico ; o reactivo de Millon produz com ella a côr vermelha carac- teristica. «Ella differe também da albumina em alguns pontos: o acido gástrico náo tem acçrio sobre ella, como se vio prece- dentemente; é insolúvel nos ácidos diluidos, não é alterada pelo acido acético concentrado. O acido nitrico fumegante e o acido cblorhydrico dáo com ella uma solução (a deste ultimo contendo syntonina); o acido sulphurico concentrado dissolve-a, e, pela addição de assucar ou acido acético, ob- tem-se uma côr violeta purpurina. » Conhecidos os caracteres e a composição da substancia amyloide, surge agora uma questão importantíssima: por que processo origina-se no organismo esta substancia anormal? Como resposta a esta interrogação encontramos apenas hy- potlieses mais ou menos engenhosas, mais ou menos rasoa- veis, mas que nao preenchem inteiramente o fim a que foram destinadas. Para justificar esta nossa opinião basta transcrever a hypothese aventada por Dickson. « Dickson, diz Lanceraux, notando que os orgaos affectados de degeneração amyloide possuem menor quantidade de bases alcalinas do que no es- tado normal, baseou-se nesse facto para explicar a producçao dessa substancia. Elle pretende que o pús, liquido alcalino, subtrahe ao sangue, nos casos de suppuraçao prolongada, quantidade considerável de sáes alcalinos, e que em virtude dessa desalcalinaçao produz-se uma substancia proteica que tem a propriedade de se fixar em certos tecidos. » Mas, como faz notar muito bem Charcot, si esta hypothese póde explicar os casos de degeneração amyloide consecutiva ás suppurações prolongadas, como explical-os-ha quando succederem á syphilis, ao rheumatismo articular chronico, ao cancro, ao impaludismo chronico, etc.? E’ preciso pois concluir que, sobre este ponto, nada ha ainda de definitivamente assentado na sciencia. CAPITULO rv Diagnostico differencial entre as diversas formas clinicas do mal de Bright Demarcado o campo de nossa dissertação e estudadas se- paradamente as tres modalidades clinicas grupadas sob a denominação commum de mal de Bright, resta-nos agora estabelecer entre ellas o diagnostico differencial. A observação sagaz e rigorosa dos clínicos inglezes havia já desde 1854, pela voz auctorisada de Samuel Wiiks, depois valentemente secundado por George Johnson, estabelecido os pontos capitaes d’esse diagnostico Fuma época em que ainda não imperava em absoluto, como depois veio a suc- ceder, a doutrina unitaria, escudada nas observações micro- graphicas mal dirigidas de Reinhardt e Frerichs e nos estudos de Yirchow sobre a evolução do processo inflam- matorio. Depois da reacção operada nas idéas dominantes pelas in- vestigações de Beer sobre o tecido conjnnctivo dos rins e os trabalhos de Traube sobre a neplirite intersticial, a anatomia e a clinica congraçadas vieram esclarecer esta importante questão pathologica, dando razão aos clínicos inglezes. Hoje, os trabalhos recentes de Kelsch, Charcot, Lecorché e Lanceraux em França, de Bartels e Weigert na Allemanha, de Goodfellow e Grainger-Stewart na Inglaterra, etc., têm perfeita e claramente estabelecido os elementos d’esse diag- nostico. 80 Apoiando-nos pois n’esses trabalhos, dos quaes jâ nos aproveitámos para o estudo que deixámos feito da nephrite parenchymatosa, da nephrite intersticial e da degeneração amyloide dos rins, vamos agora demonstrar: l.° que nos casos puros de nephrite parenchymatosa e nephrite intersti- cial o diagnostico differencial encontra elementos de valor em que se pôde escudar, tornando-se a confusão raramente possível; 2.° que a degeneração amyloide dos rins pôde ser muitas vezes diagnosticada com alguma probabilidade por meios indirectos e raras vezes por meios directos ; 3.° que nas fôrmas hybridas ou rnixtas, chamadas por alguns aucto- res diffusas, o diagnostico differencial é no estado actual da sciencia difíicilimo senão impossível. § 1 I>iag*nostico diílerencial entre a ne- plirite parenchymatosa e a inters- ticial. A descripção da marcha symptomatica das nephrites pa- renchymatosa e intersticial, o estudo isolado de seus prin- cipaes symptomas e o das condições etiologicas que as determinam, feitos nos capítulos anteriores, nos dispensam aqui de rnais amplos desenvolvimentos, que seriam em ultima analyse a repetição inútil de assumptos já expostos. Por isso pareceu-nos mais conveniente ao fim que visamos resumir em um quadro comparativo os principaes caracteres differen- ciaes das duas fôrmas mórbidas em questão. Este processo tem demais a grande vantagem de tornar palpaveis, por sua approximação immediata, essas differenças, evidenciando assim o que procuramos demonstrar. QUADRO COMPARATIVO ENTRE a uephrite parenchymatosa e a nephrite intersticial A nephrite parenchymatosa é mais frequente nos indivíduos moços, do que nos de idade avan- çada. Reconhece como causas or- dinárias a influencia do frio hú- mido, dos exanthemas febris, da diphteria, etc. Invasão ora aguda, febril, ora lenta e insidiosa, porém de ordi- nário facil de se reconhecer pela presença da albumina nas urinas (Goodféllow), que são escassas (oligúria) , as vezes sanguino- lentas, e de elevada densidade. A nephrite parenchymatosa é na quasi totalidade dos casos acompanhada de anasarca e de derrames serosos cavitarios. A urina do estado confirmado da nephrite parenchymatosa con- tém, em grande abundancia, cy- lindros hyalinos e granulo-gor- durosos, grande quantidade de albumina, pequena porção de substancias salinas, e as vezes globulos hematicos. Os indivíduos affectados de ne- phrite parenchymatosa são em geral pallidos, dyspepticos, mas quasi nunca soffrem concomitan- A nephrite intersticial é mais frequente nos indivíduos de idade madura (40 a 70) do que nos mo- ços. Roconhece como causas or- dinárias a influencia do rheuma- tismo gotoso, do impaludismo chronico, do saturnismo, do ál- cool, etc. Invasão sempre lenta e insi- diosa, muitas vezes impossível de se reconhecer; outras vezes diagnosticavel pela abundancia da urina emittida (polyuria) que é clara, de diminuto peso especi- fico, contendo pouca ou nenhuma quantidade de albumina. Só por excepção ha verdadeira anasarca no curso de nephrite intersticial; o edema mesmo falta na metade dos casos e as vezes é apenas apreciável (Char- cot). Os derrames serosos cavi- tarios, em geral, não existem. A urina no estado confirmado da nephrite intersticial contém raramente cylindros hyalinos; en- contra-se nella pequena quanti- dade de albumina , que póde entretanto faltar as vezes passa- geira (Cliarcot) ou absolutamente (Graves); não contém globulos hematicos, e, na quantidade total emittida em 24 horas, pouca ou nenhuma modificação Soffre a proporção normal das substancias salinas. Os affectados de nephrite inter- sticial são em geral bem dis- postos, quasi sempre soffrem con- comitantemente de hvpertropliia temente de lesões cardíacas ou atheroma arterial. As complica- ções hemorrhagicas são raras e as inflammatorias communs. A retinite albuminurica é pouco frequente no decurso da nephrite parenchymatosa. A duração maxima da nephrite parenchymatosa varia em geral de 2 a 3 annos. A terminação pela uremia é pouco frequente e quando succe.de é de ordinário a fórma convulsiva que se observa. do coração esquerdo sem lesões valvulares, e de atheroma arte- rial. As complicações hemorrha- gicas são frequentes e raras as inflammatorias. A retinite albuminurica é quasi especial á nephrite intersticial (Cnarcot). A duração maxima da nephrite intersticial varia entre 10 a 20 annos. A terminação pela uremia é muito frequente, predominando a fórma comatosa. Com estes dados parece-nos facil estabelecer o diagnostico differencial entre estas duas modalidades mórbidas. § II. Diagnostico difFereneinl da degene- ração amyloide dos rins. A degeneração amyloide tem sido algumas vezes confun- dida com a nephrite intersticial, assim como com a nephrite parenchymatosa. Essa confusão, possível a primeira vista, desapparecerâ desde que se examinar mais cuidadosamente o quadro symptomatico e as condições etiologicas d’essas diversas moléstias. a) Nephríte intersticial.—Na symptomatologia, da dege- neração amyloide dos rins e na da nephrite intersticial encontram-se os seguintes symptomas commi ns : invasao insidiosa e lenta ; polyuria ; urinas claras, contendo pouca ou nenhuma quantidade de albumina ; pouca ou nenhuma modificação na quantidade de princípios salinos contidos na urina emittida em 24 horas ; e edema pouco pronunciado A par crestes, porém, encontram-se caracteres differenciaes de muita iraportaucia, os quaes sendo cotejados, dUo o se- guinte quadro : Degeneração amyloide dos rins Nephrite intersticial A degeneração amyloide é sem- pre resultado de um estado caehe- tico consecutivo a moléstias chro- nicas muito demoradas, taes como a tuberculose, as suppurações pro- longadas, o impaludismo", etc. Os indivíduos affectados de de-j generação amyloide são em geral caeheticos, de uma pallidez cérea e apresentam sobre a pelle, e principalmente ao nivel das pál- pebras, manchas pigmentarias. Na degeneração amyloide dos rins encontra-se de ordinário o fígado volumoso, liso, duro e in- dolente e o baço igualmente hy- pertrophiado. Na degeneração amyloide dos rins encontram-se, em geral, sem ( lesões apreciáveis o coração e os ( grossos vasos. 3 A nephrite intersticial quasi - nunca apparece como phenomeno - ultime de estados morbidos an- 3 teriores (Lecorché). Os affectados de nephrite in- l tersticial são em geral bem dis- . postos e têm o colorido cutâneo normal. Estes caracteres faltam geral- mente na nephrite intersticial. Na nephrite intersticial ha con- comitantemente hypertrophia do coração esquerdo, sem lesões val- vulares, e atheroma arterial. Estes caracteres antagónicos capitaes servirão pois para firmar o diagnostico. b) Nephrite parenchymatosa.—Posto que nos pareça dif- ficil actualmente uma confusão entre a nephrite parenchy- matosa pura e a degeneração amyloide dos rins, indicaremos os pontos capitaes que as diflferenciam, unicamente porque em ambas se observa edema e albuminúria. Eil-os : Nephrite parenchymatosa Degeneração amyloide dos rins A nephrite parenchymatosa po- de desenvolver-se primitivamente em indivíduos vigorosos e go- zando, ao menos apparentemente, bôa saude. A degeneração amyloide sobre- vém sempre êm indivíduos ca- cheticos, em consequência de mo- léstias chronicas anteriores. A albuminúria é encontrada na nephrite parenchymatosa desde o periodo de invasão ; e a propor- ção de albumina augmenta ou conserva-se estável com os pro- gressos da evolução mórbida. Os phenomenos hydropicos na nephrite parenchymatosa são ge- neralisados e tomam de ordinário em pouco tempo proporções co- lossaes. Na nephrite parenchymatosa ha oligúria e diminuição sensível na quantidade de substancias sali- nas emittidas pela urina em 24 horas. A albuminúria só ó encontrada nos períodos adiantados e nunca no de invasão; a proporção de albumina varia quotidianamente, « essas oscillações são de tal modo frequentes, que tornam-se carac- teristicas »(Jaccoud). Os phenomenos hydropicos na degeneração amyloide dos rins só apparecem em periodo adian- tado da moléstia, e são em geral limitados a ligeiros edemas par- ciaes. Na degeneração amyloide dos rins ha polyuría, e a quantidade de matérias salinas emittidas pela urina em 24 horas acha-se mais ou menos normal. Por estes caracteres e por outros já descriptos, e que dei- xamos de repetir para não sobrecarregar este capitulo, julgamos possível estabelecer com muita probabilidade o diagnostico da degeneração amyloide dos rins. Senator in- siste ainda sobre um outro elemento de diagnostico que, si for confirmado por observações posteriores, será de grande valor: referimos-nos á existência de porção considerável de globulina na urina da degeneração amyloide. Como meio directo de diagnostico da degeneração amy- loide dos rins tem-se recommendado o exame, pelo reactivo iodo-sulphurico, dos sedimentos da urina. Como se sabe, porém, na degeneração amyloide os sedimentos urinários são pouco abundantes; a infiltração amyloide dos epithe- lios dos canaliculos é em geral pouco pronunciada e só se eífectúa em periodos muito adiantados, por isso acredita- mos que este processo raríssimas vezes dará resultado sa- tisfactorio. § Hl Diagnostico cias formas di ff usas No estudo das modalidades clinicas constituindo o que geralmente se chama mal de Bright, temos até agora enca- rado sómente as fôrmas puras, isto é, as fôrmas em que as alterações anatomo-pathologicas se limitam a um certo grupo de elementos histologicos primitivamente invadidos sem compromettiinento dos tecidos circumvisinhos. Muitas vezes porém na pratica encontram-se casos em que se acham associados symptomas mais ou menos caracterist.icos das nephrites epithelial e intersticial e da degeneração amyloide dos rins, com predominio ora de uns, ora de outros, e ás vezes mascarando-se mutuamente. Estes casos, apesar da tentativa louvável de Bartels (1), sao ainda hoje de diagnos- tico difficilimo senão impossível. A elles devem-se attribuir esses frequentes erros de diagnostico de que faliam cons- tantemente os jornaes e as publicações medicas, erros que têm levado alguns auctores, aliás illustradissimos, a pôr em duvida a constância e o exclusivismo dos caracteres diffe- renciaes estabelecidos entre essas fôrmas mórbidas. Nesses casos a symptomatologia clinica nem sempre está de accordo com as lesões anatómicas reveladas pela necrop- sia ; é por isso que, tendo predominado em alguns doentes os symptomas de uma nephrite parenchymatosa, a autopsia descobre nos rins os caracteres macroscopicos de uma ne- phrite intersticial; e em seguida á symptomatologia clinica de uma nephrite intersticial, tem-se encontrado rins appa- rentemente anal.ogos aos da nephrite parenchymatosa. (1) Vide — Studj clinicisulle diverse forme di nefrite chronica dif- fusa, dal dott. Bartels. Rivista publicada na Gazzetta medica Ita- Uana-Lombardia, n. 48, 1 de Dezembro de 1817. A concomitância da degeneração amyloide é também muitas vezes verificada nas investigações cadavéricas, e, devido a isso, alguns autoresjpretendem explicar por ella o antagonismo apparente, por vezes encontrado, entre os sym- ptomas clínicos e os resultados necroscopicos. Para terminar, diremos que no estado actual da sciencia não ha ainda um critério seguro que guie o clinico no dia- gnostico dessas fôrmas mixtas, e é por isso que em outra parte deste trabalho recusámos incluir as nephrites mixtas entre as modalidades clinicas do mal de Bright. PROPOS1ÇOES SECÇÂO AOOESSOBIA Physica I Thermometros são instrumentos de physica que têm por fim medir a intensidade da temperatura. II A propriedade que possuem os corpos de se dilatar e de se con- trahir sob a influencia do calor é o principio em que se funda a construcção dos thermometros. III O álcool e o mercúrio, em virtude de sua extrema sensibilidade thermica, são as substancias geralmente empregadas para a con- fecção desses instrumentos. Chim (cu mineral I 0 ozona é o oxygeno em estado nascente, ainda com sua electri- cidade negativa e sem a sua athmosphera positiva neutralisante (Moigno). O ozona é um poderoso agente de oxydação. II As observações dos Srs. Dewar e M'Kendrick demonstraram que a respiração de uma athmosphera muito ozonada occasiona dimi- nuição do numero de movimentos respiratórios por minuto, re III 88 ducção da energia contractil do coração e ao mesmo tempo abati- mento, de 3* a 5® Centigr., na temperatura do animal (Andrews). íliiinicn or^anica I A cholesterina (C!6H440) ó uma substancia solida, branca, inodora, insípida, crystalisando em finas laminas rhomboidaes, insolúvel n’agua, solúvel no álcool, fusivel e ardendo com chamma branca. II A cholesterina parece se originar principalmente no processo de desassimilação da substancia nervosa. III A cholesterina, que nas reacções comporta-se como álcool ter- ciário (Engel), é eliminada pelo figado, como a uréa o é pelos rins. Hotnnirn r Zoologia Os parasitas da pelle podem ser animaes ou vegetaes. I II Os ectosoarios 'são de ordinário acarianos, sestridos, insectos aptéros, dipteros, etc.; os ectophytos são em geral cryptogamos. III As mais importantes affecções parasitarias da pelle são: a plitlii- riase, a sarna, o berne, etc., causadas por parasitas animaes; o favus ou tinha favosa, a tinha tonsurante, a pityriasis versicolor, etc., determinadas por parasitas vegetaes. IMiai-muciu I Chama-se em pharmacologia associação de medicamentos a mis- tura methodica e racional de substancias medicamentosas simples aftm de formar medicamentos compostos (Littré et Robin). A associação de princípios medicamentosos de acção synergica crêa um preparado com propriedades pharmaco-dynamicas mais activas do que as dos que ilie deram origem. II Na associação de medicamentos procura-se, em geral, obter mis- turas e não combinações chimicas. ITT Medicina legal e Toxicologia I Em medicina legal dá-se o nome de aborto criminoso á expulsão prematura do producto da concepção, provocada com um fim cri- minoso. II Nos casos de suspeita de aborto criminoso ao medico legista só compete indagar : Io se houve aborto ; 2o a epocha provável em que teve logar; 3o se foi provocado. III 0 aborto criminoso é raro nos dous primeiros mezes da gestação, porque, em geral, as mulheres nessa epocha não teem ainda absoluta certeza do seu estado. SECÇÃO OXERfer:RGICA Anatomia «lescriptiva I 0 baço é uma glandula vascular sanguínea, sem conductos excretores, situada na parte profunda do hypochondrio esquerdo, abaixo do diaphragma e atraz da grande tuberosidade do esto- mago. II O baço é proporcionalmente mais pequeno no féto do que no adulto, e mais volumoso no adulto do que no velho (Cruveilhier). O baço é um dos orgãos mais friáveis da economia . III 90 Hiato logia e Anatomia pathologica I Chama-se pyogenia a parte da physiologia pathologica que tem por objecto o estudo da genese do pús no organismo. II De todas as theorias apresentadas até hoje para explicara ge- nese do pús, tres apenas disputam actualmente o predomínio scientifíco, são : Ia a da livre formação em um blasfema; 2a a da proliferação cellular; 3a a do exodo dos leucocytos atravez das paredes dos vasos sanguíneos de pequeno calibre. III No estado actual dos conhecimentos anatomo-pathologicos pa- rece-nos que a terceira reune maior numero de probabilidades a seu favor, principalmente se estendermos aos vasos lymphaticos a faculdade que ella concede aos sanguíneos na producção do pús. Pathologia externa I Ao envenenamento do sangue por princípios sépticos chama-se septicemia. II A septicemia póde ser aguda e rapidamente mortal, sem abcessos visceraes, ou chronica apresentando abcessos (Saboiaj. III A symptomatologia e a marcba dessas duas formas de septi- cemia estabelecem entre ellas differença completa. Partos I A permanência de substancias alteradas (coágulos sanguíneos, restos da placenta e envoltorios do feto) no interior do utero póde muitas vezes ser causa de toxicohemias puerperaes. II A febre puerperal é o typo das toxicohemias puerperaes. As toxicohemias puerperaes devem ser consideradas como ver- dadeiras septicemias. III OperaçõeM A excisão e a ligadura são operações que devem ser banidas do tratamento dos tumores hemorrhoidarios. I II A ablação dos tumores hemorrhoidarios pode ser feita pelos cau- térios actual e potencial ou pelo esmagamento linear. III O esmagamento linear pela sua rapidez e segurança, bem como por evitar as hemorrhagias e outros accidentes consecutivos, é o processo a que geralmente recorrem os cirurgiões modernos. Clinica externa I A commoção, a compressão e a contusão cerebraes são estados pathologicos complexos dependentes de traumatismos cephalicos. A meningite, a eneephalite e os abcessos eneephalicos são muitas vezes accidentes secundários desses traumatismos. II III 0 conhecimento da topographia e das localisações cerebraes é de grande utilidade aos cirurgiões para o diagnostico e tratamento das lesões traumaticas do encephalo. SECÇÃO ]MCEIDIOwA. Physiologia I A innervacão vaso-motora está sob a dependencia immediata do eixo espino-bulhar e dos gangliosdo systema sympathico. II O systema sympathico fornece, ao menos apparentemente, a quasi totalidade dos nervos vaso-motores. 0 tonus vascular é um dos effeitos mais importantes da inner- vação vaso-motora. III Patliologla KCi-ai Hydropisia é a effusão de serosidade em qualquer cavidade na- turalmente fechada ou nas malhas do tecido conjunctivo. I II As hydropisias se dividem, quanto a sua séde, em cavitarias e intersticiaes; e, quanto a sua origem, em mecanicas e dyscrasicas. III A perturbação do equilibrio normal das correntes osmoticas dos capillares é a causa principal das hydropisias. interna I A febre perniciosa lymphatitica é uma das múltiplas formas ou variedades por que soem se manifestar as intoxicações profundas, occasionadas pelo miasma palustre. Seus caracteres principaes são invasão brusca, reacção geral violenta em antagonismo com a be- nignidade dos symptomas locaes, celeridade da marcha e termi- nação geralmente fatal. A febre perniciosa lymphatitica deve ser classificada no grupo das comitatce, de Torti. II III A perniciosidade é o resultado de uma intoxicação profunda do meio interior-—o sangue. Essa intoxicação acarreta consecutiva- mente consequências de duas especies, que são: Ia, alteração qualitativa do fluido sanguíneo (apparecimento de massas melane- micas, perda da propriedade que possuem as hematias de se reunir em pilhas (Martins Costa e Pedro S. de Magalhães, etc.); 2a, perturbação funccional dos nervos vaso-motores sob a influencia de um excitante anormal (sangue intoxicado). Com estes dous ele- mentos acharemos a pathogenia de todas as formas de febres perniciosas. Therapentiea I Sob a influencia dos alcoolicos a diurese augmenta, tendo a urina emittida reacção acida mais activa, menor densidade e menor proporção de uréa do que no estado normal. II Os alcoolicos actuara como moderadores da nutrição. III 0 habito modifica consideravelmente os effeitos therapeuticos do álcool. Hygiene e Historia da medicina Cremação á o processo por meio do qual se obtem, mediante elevadíssima temperatura, a reducção do cadaver humano á prin- cípios fixos e incorruptíveis. I Como medida geral a cremação mediata seria de um emprego difficilimo, quasi impossível, nos grandes centros populosos. II III Hygienicamente considerada, a cremação é aceitavel. Mas, como medida social, deve ser rejeitada; porquanto, apagando ella os vestígios de certos crimes, incita e arma a mão assassina, attenta a garantia da impunidade. Clinica interna I A peritonite é o estado morbido culminante da pathologia do peritoneo. 94 II O elemento principal para o diagnostico de uma peritonite aguda é a existência de uma dôr intensa, pungitiva, superficial, occupando a principio ponto variavel do ventre, propagando-se em seguida á totalidade do abdómen, e acompanhada de elevada reacção febril, sendo ou não precedida de calafrio inicial. A natureza liemorrhagica de uma peritonite só póde ser asse- verada pela autopsia. III